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Orivaldo Leme Biagi
O IMAGINÁRIO E AS GUERRAS DA IMPRENSA -
Estudo das coberturas realizadas pela imprensa brasileira da
Guerra da Coréia (1950-1953) e da Guerra do Vietnã
na sua chamada “fase americana”
(1964-1973).
Dissertação de Doutorado
apresentada ao Departamento de
História do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas sob a
orientação do Prof. Dr. Ítalo Arnaldo
Tronca.
Este exemplar corresponde à redação final
da tese defendida e aprovada pela comissão
julgadora em 18/12/2001.
Banca
Prof. Dr. Ítalo Arnaldo Tronca (Orientador)
Prof. Dr. Michael McDonald Hall (Examinador)
Prof. Dr. Bernardo Kucinski (Examinador)
Prof. Dr. Caio Navarro de Toledo (Examinador)
Prof. Dr. Fernando Antônio Lourenço (Examinador)
Profa. Dra. Maria Stella Martins Bresciani (Suplente)
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Campinas/2001
Resumo
Esta pesquisa pretende em termos históricos estudar e
comparar as coberturas jornalísticas realizadas pela imprensa brasileira
de duas guerras da Segunda metade do século XX. As guerras foram: a
Guerra da Coréia (1950-1953) e a Guerra do Vietnã durante sua “fase
americana” (1964-1973). Este trabalho visa na verdade analisar as
representações da imprensa sobre as duas guerras; recuperar como a
imprensa brasileira as “usou” para definir suas posições políticas, além
de mostrar como o imaginário influiu na construção das notícias.
Abstract
This research tends historically speaking to study and
compare the news coverages done by the brazilian press about two wars
during the second half of the Twentieth Century. Such wars were: the
Korean War (1950-1953) and the Vietnam War during its “american
phase” (1964-1973). This piece of work is actually an attempt to analize
the press representations over the two wars; that is to bring back the way
the brazilian press “used” them to define its political side, as well as to
show how the imaginary influenced the news construction.
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“Sweet child in time,
you’ll see the line
Line that’s drawn between good and bad
See the blind man
shooting at the world
Bullets flying taking toll
If you been bad - Oh Lord I bet you have
And you’ve not been hit
Oh by flying lead
You’d better close your eyes
Bow you head
Wait for the ricochet.”
Deep Purple, música “Child in Time”, sobre a Guerra Fria
“Revolution in their minds - the children start to march against the world
in which they have to live
and all the hate that’s in their hearts.
They’re tired of being pushed around and told just what to do.
They’ll fight the world until they’ve won and love comes flowing through.
Children of tomorrow live in the tears that fall today.
Will the sun rise up tomorrow bringing peace in any away?
Must the world live in the shadow of atomic fear?
Can they win the fight for peace or will they disappear?
So you children of the world,
listen to what I say.
If you want a better place to live in spread the words today.
Show the world that love is still alive.
You must be brave or your,
children of today,
are children of the grave,
Yeah!”
Black Sabbath, música “Children of the Grave”, sobre um futuro pós-holacausto
atômico
AGRADECIMENTOS
Tenho de agradecer a muitas pessoas pela conclusão deste trabalho. A
começar pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo, a FAPESP, que,
mais do que financiar meus esforços, sempre foi uma base sólida de apoio, o que
facilitou todo o meu trabalho. Logicamente que não poderia deixar de agradecer ao
brilhante professor Ítalo Arnaldo Tronca que, com sua competência e perspicácia,
ajudou-me sempre nos piores momentos da minha trajetória para a conclusão deste
trabalho, momentos estes que não foram poucos mas também existiram muitos belos
momentos desta experiência inesquecível de produzir uma Tese de Doutorado.
Será que cometerei a injustiça do esquecimento? Tanta gente para
agradecer... a parte sobre a Guerra do Vietnã desta pesquisa começou ainda no Mestrado
e, logicamente, eu não poderia deixar de agradecer à mulher que tanto amei naquela fase
da minha vida, a Cris. Nossos caminhos se separaram bruscamente, é verdade, mas
jamais poderei esquecê-la e, tão pouco, jamais encontrarei as palavras certas para
exprimir o quanto você foi importante para mim naqueles dias. Seja sempre feliz, doce
Cris! E para os amigos, desejo tudo de bom sempre! Agradeço a existência e amizade do
Zeca, da Ialê, da Flávia, do Edney (vulgo Maringá) e sua linda irmã Lígia, do Fabinho,
do Hélio, do Alejo (e sua Juliana e lindo filho), do Gustavo Tuna, do Evandro, do
Daniel, do Luís, da Waka, do Renatão, do Tadeuzão e sua esposa Andréa, do João de
Bragança, da Patrícia Gibin (vulgo Pati, sempre linda e sorridente), da Cláudia (você é
especial na minha vida!), do pessoal do SEPAC (principalmente do Janiel), da Jéssica,
da minha turma do mestrado/doutorado, dos funcionários da pós-graduação, do pessoal
da ALA (Academia Literária Atibaiense), da Mônica e minha turma no CCAA, da
Eveline, da Cezaltina, da Janete, da Verônica, da Marília, da Onice, da linda Carla
(minha doce e eterna Carlinha), da Michelle, da Ana Paula, entre tanta gente.
Logicamente que não posso esquecer 5 pessoas em particular: o Alberto, grande e
sensacional amigo de todas as jornadas; o casal Tiago e Josianne, que sempre foram
amorosos demais comigo e que deverei milhares de coisas sempre; para a Clícia, a
pessoa que mais me conhece nesta vida; e para o grande amor da minha vida, minha
doce e linda Wanderléa, que me ensinou a amar outra vez. Todos vocês (e outros que
não citei) estarão sempre no meu coração!
Mas meus agradecimentos especiais vão para minha família que, no
decorrer de todos estes anos de Mestrado e Doutorado, foram a minha principal base de
apoio e de amor. Sem eles este trabalho seria absolutamente impossível. Devo isto a
eles, entre tantas outras coisas. Tios, tias, primos, primas, Suely, Vadão, Gilson e
minhas duas avós (Amélia e Augusta): vocês sempre serão a razão da minha existência!
APRESENTAÇÃO
A pesquisa foi trabalhada num quadro bastante amplo da imprensa
brasileira nas duas guerras e, para tal, utilizou-se de um grande número de fontes.
Muitos jornais e revistas importantes na década de 50, e fundamentais para a cobertura
da Guerra da Coréia, perderam bastante da sua força e influência nas décadas de 60 e
70, razão pela qual foram preteridos da cobertura da Guerra do Vietnã, como foram os
casos dos jornais Correio da Manhã, Última Hora, Tribuna da Imprensa e das revistas
Manchete e Cruzeiro. Tal opção não foi, de forma alguma, aleatória: a pesquisa
procurou valorizar os meios mais importantes no momento das guerras.
As décadas de 60 e 70 assistiram o surgimento de novas e variadas
publicações, como as revistas Fatos & Fotos, Revista Civilização Brasileira, Realidade
e Veja, além da própria imprensa alternativa (Amanhã, Pasquim e Opinião, entre
outros), meios que preferimos valorizar em detrimento de outros mais tradicionais.
Mesmo assim, material sobre a Guerra do Vietnã das publicações utilizadas na década
de 50 aparecerão, dependendo da importância para o quadro da cobertura da guerra feita
pela imprensa brasileira.
A pesquisa, então, ficou assim dividida: a Introdução discute os
objetivos da pesquisa e suas questões teóricas; o capítulo 1 foi dedicado ao Imaginário
da Guerra Fria, onde será discutido alguns problemas bibliográficos sobre a Guerra
Fria, além da formação das Significações Imaginárias Secundárias a partir do
imaginário radical - no caso, a própria Guerra Fria; o capítulo seguinte versará sobre A
Imprensa Brasileira, apresentando um quadro amplo da mesma e de suas alterações
tecnológicas, assim como sua articulação com o Imaginário da Guerra Fria; o próximo
capítulo trabalhará com o Início das Guerras, analisando e comparando o começo dos
dois conflitos; o capítulo Grandes Acontecimentos das Guerras analisará alguns
personagens, batalhas e massacres importantes das duas guerras; o capítulo Brasil:
Guerras, Sociedade e Imprensa discutirá as repercussões das guerras no Brasil; o
capítulo Fim das Guerras, irá procurar analisar e comparar o fim dos conflitos; e o
capítulo Considerações Finais encerrará a pesquisa.
Introdução
Esta pesquisa pretende estudar, em termos históricos, as coberturas jornalísticas
realizadas pela imprensa brasileira de duas guerras da segunda metade do século XX e compará-
las. As guerras foram: a Guerra da Coréia (1950-1953); a Guerra do Vietnã na sua chamada
“fase americana” (1964-1973). Na verdade, este trabalho visa analisar as representações da
imprensa sobre as duas guerras.
O que tentaremos recuperar na cobertura das duas guerras foi como a imprensa
brasileira as “usou” para defender suas posições políticas, quer a favor de um lado ou de outro;
como ela denunciou seus pressupostos inimigos e celebrou seus pressupostos aliados; como
apontou as “gentilezas” de um lado ou os abusos de outro; como fez referências ao que ocorria
no Brasil, quer para atacar grupos políticos ou para escapar do julgo da censura; em outras
palavras, a pesquisa vai recuperar como a imprensa brasileira construiu as guerras de acordo
com suas conveniências e, logicamente, trabalhando com seus imaginários.
Duas guerras de repercussões mundiais, dois momentos políticos brasileiros
diferentes, dois momentos tecnológicos da imprensa diferentes - a comparação entre a cobertura
das duas guerras nos fornece uma visão da vida política brasileira em momentos distintos e,
particularmente, tensos do século XX: a primeira metade da década de 50, momento onde a
Guerra Fria estava sendo fixada na realidade do país; e as décadas de 60 e 70, momentos onde a
ditadura militar consolidava-se no poder, tendo como oposição as guerrilhas revolucionárias e a
Contracultura. A imprensa brasileira também apresentava diferentes inquietações, tanto do
ponto de vista político quanto do ponto de vista técnico, sendo que estes dois misturaram-se
intensamente.
Podemos dizer que as guerras eram vistas pela imprensa como “guerras
transnacionais”: mesmo sendo guerras ocorridas fora do Brasil, as suas coberturas receberam
enfoques com problemáticas políticas internas do país, sendo, portanto, fundamental entender
esta dinâmica para compreender os imaginários pelos quais a imprensa construiu suas versões
da guerra.
Partimos do suposto mais geral que a imprensa (e as assim chamadas mídias)
procura, de uma maneira quase inconsciente, criar uma imagem que aponte para uma ordem,
uma organização nos elementos que constituem o real da sociedade. Tais elementos estão
impregnados, na maioria das vezes, de paixão, de componentes irracionais que coabitam com a
razão. Neste sentido, a mídia manipula o real, mas também é manipulada por ele, na relação
entre o real e as representações, entre o real e o imaginário social - relação esta que, em síntese,
é instituinte da História.
No mundo em que vivemos, a mídia cobre praticamente todos os aspectos da
vida humana, desde o acontecimento mais insignificante até o mais espetacular, numa complexa
rede para a difusão da informação, do local do acontecimento até o local da recepção por seu
destinatário, que consome tal informação fornecida pelo meio de comunicação que melhor lhe
convier (ou dispuser). Tal alcance tem uma importância política muito grande, pois a produção
de representações ganha novas e variadas formas, entrando nas disputas do poder político e,
conseqüentemente, na disputa do simbólico da sociedade.
O poder político precisa dominar o imaginário e o simbólico para se impor. É
por meio do imaginário que se pode atingir o coração de um povo, suas aspirações, medos,
esperanças, com que uma sociedade define suas identidades, seus objetivos, seus inimigos, seu
passado, presente e futuro. É pelo imaginário que uma sociedade se constitui, é no fazer de cada
comunidade que se responde às suas perguntas, que uma sociedade se define.
1
Dominar o simbólico de uma sociedade é um dos caminhos para se chegar ao
poder da mesma, sendo que, então, o simbólico é disputado entre os grupos rivais. A mídia,
produtora por excelência de imagens e símbolos, ganha grande interesse. Seu discurso não é
neutro, as representações criadas por ela fazem parte de um campo de luta política. Como
argumenta Roger Chartier:
“As percepções do social não são de forma alguma
discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares,
políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por
elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a
justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas.
Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como
estando sempre colocadas num campo de concorrências e de
competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e
dominação.”
2
A produção simbólica da mídia tem as suas particularidades, pois a capacidade
de seus meios de produzi-la e distribuí-la, tanto em termos de quantidade quanto de qualidade, é
absolutamente inédita na história da humanidade. Em certos sentidos, seu alcance corresponde
ao gigantesco número da população mundial, o que impossibilita a sua não participação nas
decisões políticas. Em outras palavras, a população mundial tem de ser considerada dentro das
1
- para Castoriadis, “é esse fazer social que só se deixa compreender como resposta a perguntas que ele
próprio coloca.” Castoriadis, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 3ª ed., São Paulo, Paz e
Terra, 1982, p. 177;
2
- Chartier, Roger. A História Cultural - entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro, Difel, 1990, p.
17;
discussões políticas atuais e os meios de comunicação servem para informar e abrir
possibilidades de participação dessa população.
Mas não é assim que acontece sempre. Os meios podem ter mudado, mas a luta
pelo domínio do imaginário continua como em qualquer outra sociedade.
3
Mesmo que os termos
sejam diferentes, comparando-se com outras sociedades, essa luta pode utilizar a manipulação
como arma - a mídia fornece condições concretas para a manipulação. Primeiro, os recursos
técnicos dominam a produção das imagens (e, conseqüentemente, dos imaginários), grande
parte voltada para a propaganda e publicidade; segundo, o fazer está sendo substituído pelo ver,
o vivenciar pelo mostrar. A luta política continua a mesma, porém apresenta novos recursos
que atingem uma população gigantesca, onde se valoriza mais o mostrar do que o viver, numa
espécie de “jogo de aparências”, onde o “parecer” tende a superar o “fazer”.
4
Podemos destacar dois exemplos deste “jogo de aparências”, que ocorreram nos
Estados Unidos. Acusado de receber um fundo secreto para subornos, criado em 1950, Richard
Nixon, candidato a vice-presidente na chapa de Dwight David Eisenhower, fez um histórico
pronunciamento na televisão para explicar a existência deste fundo e defender-se das acusações
de suborno. Nixon, então, “explicou” que não fez uso do fundo e que o pouco que tinha de
patrimônio pessoal era de seu próprio esforço pessoal, pois “Pat (Ryan Nixon, sua esposa) e eu
temos a satisfação de saber que cada centavo que temos é honestamente nosso”, acrescentando
que “Pat não tem um casaco de mink, mas tem um respeitável casaco de tecido republicano.”
5
Mas o “grande golpe” foi dado quase no final de seu pronunciamento, quando ele acrescentou
mais um detalhe: um homem no Texas, depois de ouvir numa estação de rádio uma entrevista na
qual Pat Nixon teria dito que suas filhas adorariam ter um cachorrinho, deu um pequeno cocker
spaniel preto e branco à família Nixon. Richard Nixon então disse que “a nossa Tricia, que tem
6 anos de idade, lhe deu o nome de Checkers. Sabem, as crianças, como todas as crianças,
adoraram o cachorro e eu quero dizer que não importa o que disserem, nós vamos ficar com
ele.”
6
Embora Nixon não tivesse explicado convenientemente muitas das acusações
(como a própria existência do fundo), o “discurso de Checkers”, como ficou conhecido o
episódio, foi uma das primeiras vezes onde o sentimentalismo na política foi utilizado, com
sucesso, através da televisão: Nixon mostrou-se sentimental, o que o aproximou do seu público.
Nixon seria confirmado na chapa de Eisenhower e venceria as eleições de 1952.
Mas, aparentemente, Nixon não tinha aprendido muito com o “discurso de
Checkers” e sentiria a derrota através da televisão. O primeiro debate presidencial transmitido
3
- Balandier, George. O Poder em Cena. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982;
4
- Balandier, George. op. cit.;
5
- extraído de: Ripley, C. Peter. Nixon. Coleção “Os Grandes Líderes”. São Paulo, Nova Cultural, 1989,
pp. 27-28;
6
- Ripley, C. Peter. op. cit., p. 28;
pela televisão nos Estados Unidos ocorreu na disputa entre John Kennedy e o próprio Richard
Nixon, em 1960. Kennedy preparou-se muito bem para o debate na televisão, mostrando-se
jovial, ligeiro e desembaraçado perante as câmeras, diante de um Nixon pouco à vontade e sem
a mesma segurança de seu oponente. Quem assistiu pela televisão deu vitória a Kennedy,
enquanto que quem ouviu pelo rádio ou leu pelos meios escritos deu vitória a Nixon. Uma
diferença considerável, visto que o debate foi o mesmo, mas com efeitos diferentes, de acordo
com o meio de comunicação que foi acompanhado. Como o debate foi mais acompanhado pela
televisão do que por qualquer outro meio, essa repercussão pode ter feito a diferença na vitória
apertada de Kennedy sobre Nixon.
7
Não são apenas as aparências que trabalham na linguagem da mídia,
principalmente da televisão.
O volume da massa de informações também presta-se à
manipulação, pois a sua transmissão impõe um processo seletivo e de hierarquização dos
emissores. Não podendo dominar a massa fragmentada e dispersa de informações, os indivíduos
sentem maior necessidade de representações globais e unificadoras, que abrem espaço para
manipulação. A propaganda abre e fecha este processo, produzindo os imaginários. A
informação estimula a imaginação social e os imaginários estimulam a informação, num
processo ativo, na qual se exerce o poder simbólico.
8
Essas são as condições do imaginário social numa sociedade midiática, ou seja,
as representações continuam sendo realizadas, no meio de um volume gigantesco de
informações que não podem ser absorvidas pelos indivíduos, abrindo “espaços” para a
manipulação por aqueles que detêm o poder. Utilizemos a televisão como exemplo: a própria
representação que a televisão norte-americana tinha de si mesma, quando começou a ser
vendida comercialmente, dá uma idéia disso, ou seja, que ela seria uma “janela para o mundo”.
9
Uma janela, onde se poderia ver e ouvir o que acontecia fora de casa, no mundo. Uma janela
que mostrava a verdade, o real, onde se via o que acontecia com os próprios olhos, o que
aumentou a idéia de livre arbítrio nas pessoas que consumiam a produção da televisão. Mesmo
assim, esse livre arbítrio tem os seus limites. A “janela” não era tão direta assim. Os “próprios
olhos” não são os “próprios olhos”, pois o que se via pela televisão (assim como por qualquer
outro meio de comunicação), eram representações, ou seja, imagens produzidas pelas câmeras
de televisão, pela câmera fotográfica que produziu a fotografia, pelas palavras do jornalista que
escrevia ou narrava o acontecimento.
7
- Machado, Arlindo. A Arte do Vídeo. São Paulo, Brasiliense, 1988;
8
- Baczko, Bronislaw. Imaginário Social.” In Enciclopédia Einaudi, Nº 5, Lisboa, Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, 1985;
9
- propaganda utilizada pelos primeiros produtores e comerciantes norte-americanos para vender a
novidade chamada televisão, sendo que vinha escrito no manual de instruções. Arlindo Machado
comenta: “O novo consumidor de bens materiais (...) encontra nos serviços de radiodifusão a ‘janela’
necessária para o contato (simbólico) com o exterior: já que ele não vai mais ao mundo, o mundo penetra
em sua casa através da mediação do rádio (e, mais tarde da tevê).”; Machado, Arlindo. op. cit., p. 17;
Os acontecimentos ou fatos apresentados pelos meios de comunicação são
representações, construções intelectuais. Com o desenvolvimento dos meios técnicos, a
aproximação entre o acontecimento e a sua representação parece uma evidência indiscutível -
pelo menos para a maior parte do público que assiste à televisão. O problema é que o público
que normalmente assiste à televisão não tem consciência desse processo, acreditando que os
acontecimento ou fatos são coisas que existem, aquilo que existe, aquilo que é, não
considerando que se faz uma construção, um recorte. Os indivíduos pressupõe a existência de
um “real” - sendo assim, o meio que apresentar um quadro mais amplo e fidedigno deste
“real”, estará mais próximo daquilo que essas milhões (ou bilhões) de pessoas acreditam ter sido
o acontecimento ou fato. A televisão é esse meio, pois ela apresenta uma construção da
realidade, mas não é isso que o público telespectador acredita. Para esse público, o conjunto que
a produção televisiva (imagens/sons/movimento) apresenta constitui o quadro mais próximo da
“realidade”, ou seja, de como as coisas realmente aconteceram, daquilo que existe ou existiu,
daquilo que é ou foi. Mas isso é apenas aparente, pois o que a televisão produz são construções,
construções estas impregnadas de elementos irracionais, de emoções, de subjetivismo, ou seja,
de imaginários, que muitas vezes representam uma projeção do posicionamento político ou
emocional do repórter ou da empresa jornalística.
Mas nem tudo é, logicamente, manipulação. Os recursos técnicos aproximam o
que os indivíduos acreditam ser os acontecimentos ou fatos (principalmente através dos meios
audiovisuais), que, vindos dos mais variados lugares com culturas e imaginários diferentes,
passam a ser absorvidos por diferentes sociedades, aproximando o que antes parecia distante,
dando uma sensação de participação social muito maior. Em outras palavras, nem sempre a
“criatura” corresponde aos desejos do “criador” e as leituras podem gerar significados
inesperados no público, para surpresa dos produtores. A leitura, quer de um livro ou jornal (ou
até mesmo o acompanhamento de um programa de TV ou de rádio) é um ato interpretativo e
sempre varia de pessoa para pessoa, ou seja, de cada história pessoal, dos seus conhecimentos,
das suas experiências, etc.
10
De acordo com Roger Chartier:
“Não obstante, a experiência mostra que ler não significa
apenas subordinação ao mecanismo textual. Seja lá o que for, ler é
uma prática criativa que inventa significados e conteúdos singulares,
o redutíveis às intenções dos autores dos textos ou dos produtores
10
- Michel de Certeau argumentou que existe uma reapropriação do espaço organizado pelas técnicas de
produção, que denominou “maneiras de fazer”. São as “maneiras de fazer” que “formam a contrapartida,
do lado dos consumidores (dominados?), dos processos mudos que organizam a ordenação sócio-
política.” Certeau, Michel de. A Invenção do Cotidiano 1- Artes de Fazer. 4ª ed., Petrópolis, Vozes,
1994, P. 41;
dos livros. Ler é uma resposta, um trabalho, ou, como diz Michel de
Certeau, um ato de ‘caça em propriedade alheia’ (braconnage).”
11
Trabalharemos nesta pesquisa, essencialmente, com a imprensa escrita
brasileira, imprensa esta que recebeu influências de outros meios, principalmente da televisão, e
que também construiu sua visão das guerras através dos imaginários de seu tempo.
Imaginário e Representações
Entendemos como imaginário a definição dada por Castoriadis, ou seja:
“O imaginário não é a partir da imagem do espelho ou no
olhar do outro. O próprio “espelho” e sua possibilidade, e o outro
como espelho são antes obras do imaginário, que é a criação ex
nihilo. (...) O imaginário de que falo não é imagem de. É criação
incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e
psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é
possível falar-se de “alguma coisa”. Aquilo que denominamos
“realidade” e “racionalidade” são seus produtos”.
12
De acordo com essa definição, apenas podemos nos referir a alguma coisa
quando ela foi criada imaginariamente - ou, em outras palavras, quando ela foi instituída.
Quando o autor emprega ex nihilo, que significa a partir do nada, não está dizendo que esse
nada seja total ou absoluto, mas sim uma série de indeterminações que são processadas
imaginariamente e o seu resultado é instituído, podendo-se, então, a partir daí, falar-se de
alguma coisa, que é justamente a parte instituída. A instituição da sociedade decorre da
“materialização” de um magma de significações imaginárias sociais, somente a partir das quais
os indivíduos e objetos podem ser captados ou mesmo simplesmente existir.
13
A Guerra Fria (imaginário que envolveu as duas guerras) foi um exemplo literal
dessa “construção”, pois resulta da materialização de um magma de significações imaginárias
sociais ligados aos problemas políticos mundiais surgidos depois de 1945 (e da Segunda Guerra
Mundial, em particular). O termo tornou-se perfeito para se entender o momento político
internacional, pois começou a ser travada uma “guerra” entre as superpotências (Estados Unidos
e União Soviética), mas não diretamente militar, o que justificava a utilização da expressão
11
- Chartier, Roger. Textos, Impressão, Leituras.” In Hunt, Lynh (Org.). A Nova História Cultural. São
Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 214;
12
- Castoriadis, Cornelius. op. cit., p. 13;
13
- para Castoriadis, magma: “é aquilo de onde se podem extrair (ou: em que se podem construir)
organizações conjuntistas em número indefinido, mas que não podem jamais ser reconstituído
(idealmente) por composição conjuntista (finita ou infinita) dessas organizações.” E, complementando,
Castoriadis afirmou: “Nossa colocação é de que tudo o que pode efetivamente ser dado representação,
natureza, significação é segundo o modo de ser do magma.” Castoriadis, Cornelius. Idem, p. 388-389;
complementar “fria”. Logo, o termo difundiu-se, tanto na imprensa mundial quanto entre os
analistas de política internacional, civis ou militares.
14
Mais do que as implicações políticas do termo, foi a criação de um novo
problema, de um novo referencial para as sociedades da segunda metade do século XX, de uma
nova condição que justificaria práticas políticas e ações - a Guerra Fria era uma realidade a ser
discutida e vivida pois havia sido criada, inventada, instituída, - um imaginário radical, no
sentido que lhe atribuiu Castoriadis.
15
As sociedades humanas estão imersas dentro de imaginários, que são justamente
os elementos que lhes dão suas formas e conteúdos. Estas considerações são de um caráter mais
geral e amplo. Para se trabalhar historicamente, precisamos sair dessa imersão total e definir os
imaginários; buscar a representação, pois é através dela que os imaginários se manifestam.
Vamos discutir melhor o conceito de representação.
Entendemos por representação como alguma coisa que se encontra no lugar de
outra coisa, ser o “outro do outro”, simultaneamente evocado e cancelado pela representação. O
que representa, o que está no lugar de outra coisa, é o signo, ou seja, o elemento que possui um
referencial ao qual ele se reporta.
16
Em outras palavras, podemos dizer que a representação é a
maneira subjetiva da manifestação do imaginário é o tecido pelo qual o imaginário se
manifesta através de uma linguagem, seja ela qual for. E, na constituição da linguagem, não
podemos desprezar a sua forma. Segundo Roger Chartier:
Contra a representação, elaborada pela própria
literatura, segundo a qual o texto existe em si, separado de toda a
materialidade, é preciso lembrar que não há texto fora do suporte que
lhe permite ser lido (ou ouvido) e que não há compreensão de um
escrito, qualquer que seja, que não dependa das formas pelas quais
atinge o leitor.”
17
Podemos captar as representações das guerras no discurso da imprensa,
inclusive na sua forma.
18
14
- o termo foi inventado por Walter Lippmann, utilizado no seu livro que discutia a
situação internacional e que descrevia o clima de confronto entre as duas superpotências
que se formaram depois do fim da Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos e União
Soviética. Extraído de: Fenelon, Déa R. A Guerra Fria. Coleção Tudo é História”, Nº
64, São Paulo, Brasiliense, 1983;
15
- Castoriadis, Cornélius. op. cit., p. 414;
16
- Ferreira, Wilson Roberto Vieira. O Caos Semiótico Comunicação no Final do Milênio: Ensaios da
Crítica da Comunicação. 2ª ed., São Paulo, Terra Editorial, 1997, p. 67; e Gil, Fernando.
Representazione.” In Enciclopedia Einaudi. V. 11, Torino, Giulio Einaudi Editore, 1981;
17
- Chartier, Roger. “O Mundo como Representação.” In revista Estudos Avançados. Nº 11, São Paulo,
Universidade de São Paulo, Maio/1991, pp. 182;
18
- Bronislaw Baczko afirma que: “O imaginário social torna-se inteligível e comunicável através da
produção de “discursos” nos quais e pelos quais se efectua a reunião das representações colectivas numa
linguagem. Os signos investidos pelo imaginário correspondem a outros tantos símbolos. É assim que os
Apesar das duas guerras se situarem geopoliticamente no interior de uma
problemática internacional, as coberturas realizadas pela imprensa brasileira tiveram as suas
peculiaridades, distinguindo-as das efetuadas por outros países. As notícias são retrabalhadas
para cada público a que se destinam.
19
A objetividade depende da sociedade, assim como a
própria notícia, pois elas são particularizadas para cada público, não podendo ultrapassar
seu público receptor - o meio emissor tem de conferir sentidos que este último possa
entender.
20
Qualquer texto é uma construção e, como tal, não é neutro - está carregado de
significados, objetivos, desejos, procurando convencer o leitor da “causa” defendida pelo meio.
O discurso da imprensa procura relacionar sua “causa” com o seu público, procurando dar
sentidos para que este último possa entender e aceitar.
21
Portanto, a imprensa procura construir
discursos que procuram criar uma ressonância por parte da sociedade. E, como vimos
anteriormente, nem sempre esses discursos funcionam como desejam os seus criadores. A luta
pela atenção do público é sempre política a luta social passa pelo imaginário.
Neste sentido, é importante discutir a obra de Sérgio Caparelli, Comunicação de
Massa Sem Massa,
22
que, apesar de não trabalhar diretamente com o imaginário, representa uma
importante linha de pensamento, afirmando que os meios de comunicação e tudo que os envolve
(inclusive mudanças tecnológicas) são imposições para a dominação de classes superiores sobre
as classes inferiores. Para o autor, alguns veículos de comunicação, principalmente a televisão,
são impostos à sociedade com objetivos de dominação por parte das elites que utilizam esses
imaginários sociais assentam num simbolismo que é, simultaneamente, obra e instrumento.” Baczko,
Bronislaw. op. cit., p. 311;
19
- na discussão sobre o fetiche da objetividade, Jesus Martín Barbero afirma que:
“Existe fetiche na medida em que se toma por propriedade ou qualidade das coisas, dos
textos como um produto social. É a sociedade que define o que é objetivo e o que não
é.”
Barbero, Jesus Martín. Comunicacion Masiva - Discurso Y Poder. Quito, CIESPAL,
1978, pp. 159-160, tradução minha;
20
- mesmo a tradução de um texto de uma agência internacional de notícias, o que foi
feito regularmente nas coberturas da duas guerras, é a construção de um novo texto,
apesar de mostrar as mesmas idéias, para outra língua. O texto é traduzido, ou seja, é
particularizado para o público de um país, sem contar com sua filtragem, a escolha de
um texto e não de outro, o uso integral ou de partes e, no caso dessa última escolha,
quais partes devem ser publicadas ou não, quer para os interesses do público ou da
empresa. Como podemos perceber, mesmo a reprodução de um texto internacional é
uma construção intelectual;
21
- de acordo com Baczko: “O nascimento e a difusão dos signos imaginados e dos ritos colectivos
traduzem a necessidade de encontrar uma linguagem e um modo de expressão que correspondem a uma
comunidade de imaginação social, garantindo às massas, que procuram reconhecer-se e afirmar-se nas
suas acções, um modo de comunicação. Por outro lado, contudo, esse simbolismo e esse ritual fornecem
um cenário e um suporte para os poderes que sucessivamente se instalam, tentando estabilizar-se. (...) “Os
símbolos só são eficazes quando assentam numa comunidade de imaginação. Se esta não existe, eles têm
a tendência de desaparecer da vida colectiva ou, então, a serem reduzidos a funções meramente
decorativas.” Baczko, Bronislaw. op. cit., pp. 324-325;
22
- Caparelli, Sérgio. Comunicação de Massa Sem Massa. 3ª ed., São Paulo, Summus, 1986;
meios, bem como de suas mensagens, para tal fim. O público, ou melhor dizendo, a massa, vai
se formando a partir dessa imposição meio/mensagem, que transmite-lhes idéias da classe
dominante.
Sérgio Caparelli faz parte da corrente da dependência cultural, o que explica
seus procedimentos teóricos. A dominação vem de cima para baixo, dos países centrais do
capitalismo para os periféricos, e estes últimos absorvem a cultura dos primeiros, perdendo sua
identidade, sendo, portanto, dominados. A cultura dominante impõe-se perante um público
passivo, que aceita de bom grado o que os países centrais colocam, ou, pensando-se de uma
maneira mais local, a classe dominante impõe seus princípios às classes dominadas, que os
aceitam passivamente.
As noções de jornalismo que vêm dos “países centrais” são, como defende
Carlos Eduardo Lins da Silva, reelaboradas quando chegam, o que impossibilita uma dominação
tão profunda como foi afirmada por Caparelli. Na obra de Lins da Silva sobre a influência do
jornalismo norte-americano no Brasil, ele debate essa tese, concluindo que houve influência,
mas que ela não foi total, já que seus conceitos adquiriram novos significados ao entrarem em
contato com uma cultura distinta. A cultura de países diferentes faz com que suas influências
sejam reprocessadas.
23
Essa também é a posição de Antônio Pedro Mota, na obra O Imperialismo
Sedutor:
“Nossa americanização não se deu, obviamente, de forma
passiva. Houve uma interação entre a cultura americana e a
brasileira. O “choque cultural” provocado pela forte presença dos
meios de comunicação norte-americanos não destruiu nossa cultura,
mas, por certo, acabou produzindo novas formas de manifestação
cultural.”
24
O mesmo ocorre com o público “massivo”, que não aceita passivamente tudo o
que lhe é transmitido, fazendo uma reelaboração.
A corrente da dependência cultural é exclusivamente ideológica, pois não
percebe as sutilezas contidas na própria dinâmica e na natureza dos meios de comunicação que,
ao mesmo tempo, manipulam e são manipuladas por um imaginário social que é mais
abrangente do que eles próprios.
Outro ponto de vista nos é apresentado por Ciro Marcondes Filho, que vincula
toda a produção da indústria cultural e da comunicação ao imaginário social, considerando-a
23
- Lins da Silva, Carlos Eduardo. O Adiantado da Hora - a Influência Americana Sobre o Jornalismo
Brasileiro. São Paulo, Summus, 1991;
24
- Tota, Antônio Pedro. O Imperialismo Sedutor a Americanização do Brasil na Época da Segunda
Guerra. São Paulo, Companhia das Letras, 2000, p. 191;
não como uma imposição de cima para baixo, mas como reflexo do imaginário. O autor
argumenta que:
“O que desejo comprovar é que se a televisão apresentou
um programa ideologicamente suspeito, tendencioso, politicamente
parcial e este programa teve receptividade e audiência, não foi nada
imposto, mas perfeitamente absorvido (e, por que não, desejado) por
esse público”.
25
Em uma outra obra sua, o autor seria mais completo:
“A comunicação massificada não pode ser compreendida
hoje em dia simplesmente como algo imposto ao público: esse
processo de fato não se realiza. (...) Esses programas não são
simplesmente impostos com fins manipulativos, de exploração ou
maquiavelicamente formados para a sedução: eles vão ao encontro de
reais necessidades do público. O fascínio que a comunicação exerce
sobre o público vem desse aspecto.”
26
Tal visão não é exclusividade da televisão e poderia ser confirmada na
cobertura de jornais esportivos, onde é muito comum ser apresentadas notícias onde
determinada agremiação ganhou uma partida na “raça”, mesmo quando o time não demonstrou
tal característica, pois a imagem da agremiação está relacionada a esta característica e o público
pode não aceitar uma construção diferente. Mesmo assim, tal procedimento não significa,
necessariamente, uma determinação do público é uma escolha editorial que pode ou não
funcionar com o público. Entendemos que a relação comunicacional está baseada na “troca”, e
não apenas na mera imposição, quer de cima para baixo ou de baixo para cima.
O radicalismo de Marcondes Filho faz pender o peso da sua argumentação sobre
o papel do imaginário, não considerando que o imaginário social é, em última estância, ele
também, um produto da sociedade, interagindo com outras variáveis, como economia, política e
cultura, esfera em que estão inscritos os meios de comunicação e suas alterações. Nosso
trabalho não concorda com os radicalismos descritos acima. Tentaremos demonstrar a dinâmica
que o imaginário social percorre (como manipulador e manipulado) o tempo todo.
Vamos nos aprofundar em alguns conceitos, como a mídia, jornalismo e a
construção da notícia.
Mídia, Jornalismo e Notícia
25
- Marcondes Filho, Ciro. Quem Manipula Quem? - Poder e Massas na Indústria da Cultura e da
Comunicação no Brasil. 2ª ed., Petrópolis, Vozes, 1987, p. 28;
26
- Marcondes Filho, Ciro. Fantástico, Gil Gomes, Quase 84: a Ideologia da Felicidade, da
Transferência e do Mito na Comunicação Massificada Brasileira.In Marcondes Filho, Ciro (Org.).
Política e Imaginário nos Meios de Comunicação para Massa no Brasil. São Paulo, Summus, 1985, pp.
124-125.
O ser humano necessita de comunicação para viver e, para tal, ele, antes de
tudo, procura criar uma linguagem. Logo, é necessário a existência de meios físicos para se
transmitir a linguagem e formar uma relação de comunicação (transmissor - receptor), cuja
a fórmula básica desta relação pode ser assim sintetizada: transmissor <-> meio <-> receptor.
27
No decorrer da História, a humanidade desenvolveu meios para poder passar informações, ou
simplesmente para expressar-se.
28
Tais meios nós chamamos de mídia. Ou, em outras palavras,
mídia (grafia aportuguesada do latim media, que significa meios) é o conjunto dos meios de
comunicação de uma sociedade.
29
Não trabalharemos com toda a mídia, mas com uma parte
significativa da sua produção, ou seja, a jornalística e sua matéria-prima fundamental - a notícia.
Vamos discutir melhor estes conceitos.
Uma das definições de jornalismo mais constantes está sintetizada nas palavras
de Luiz Beltrão, que vê o jornalismo como “a informação de idéias, situações e fatos atuais,
interpretados à luz do interesse coletivo e transmitidos periodicamente à sociedade, com o
objetivo de difundir conhecimentos e orientar a opinião pública, no sentido de promover o bem
comum.”
30
Tal definição pode ser completada pelos 4 elementos básicos do jornalismo,
levantados por Otto Groth, ou seja: a atualidade (o fato representa o momento presente), a
periodicidade (repetição regular das publicações), a universalidade (diferentes temáticas) e a
difusão coletiva (circulação dos periódicos de maneira a abranger um público heterogêneo).
Dentro dessas definições, o jornalismo exerce as funções de informar, explicar e orientar. Tais
funções são apenas aparentes, pois existe um leque maior de funções subjacentes, como a
função econômica, a cultural, a ideológica, etc.
31
A idéia de bem comum, segundo o conceito de Luiz Beltrão, talvez seja o ponto
mais polêmico das discussões sobre jornalismo, pois, em muitos sentidos, é difícil definir o que
significa “bem comum”. Este geralmente corresponde àquilo que o profissional no jornalismo
quer que seja, dependendo do seu posicionamento político. No entanto, no Brasil esse conceito
foi defendido, por exemplo, por Carlos Lacerda,
32
sendo comum sua permanência na história da
imprensa nacional.
Tal discussão nos remete a uma outra problemática do jornalismo, que
ultrapassa as funções de informar e orientar, que é a sua função política, ou seja, a defesa dos
27
- Neiva Jr., Eduardo. Comunicação - Teoria e Prática Social. São Paulo, Brasiliense, 1991;
28
- Eisenstein, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa - os Primórdios da Europa Moderna. São
Paulo, Ática, 1998;
29
- Dines, Alberto. O Papel do Jornal. 2ª ed., Rio de Janeiro, Artenova, 1977;
30
- Beltrão, Luiz. Jornalismo Interpretativo. 2. ed., Porto Alegre, Sulina, 1980, p. 27;
31
- extraído de Lima, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas - o Livro Reportagem como Extensão do
Jornalismo e da Literatura. Campinas, Editora da UNICAMP, 1993, pp. 20-21;
32
- para Carlos Lacerda, a imprensa tem de ser livre para poder informar, mas tem seus limites, pois
precisa respeitar a sociedade, respeitar o bem comum, o que, para o autor, era não ser mentiroso, ou seja,
não ser comunista. Lacerda, Carlos. A Missão da Imprensa. Rio de Janeiro, Agir, 1950;
interesses dos proprietários do meio de comunicação ou do próprio jornalista. O jornalismo não
fala sozinho, ele representa forças econômicas e sociais.
33
A informação que os meios de comunicação transmitem é essencialmente
política, ou seja, nas palavras de Maria Helena Capelato, é uma mercadoria política, visando
produzir efeitos.
34
Isabel Lustosa, trabalhando com a imprensa do período de independência,
mostra que a busca daqueles “jornalistas” e de seus insultos era a de produzir efeitos políticos
no seu público:
“O maior ou menor grau de adesão do auditório ao que
discursa faz parte dos méritos do bom orador, independentemente do
maior ou menor grau de verdade contido na mensagem que se propõe
a transmitir. (...) Tal como pregador do alto do seu púlpito,
encarando sua platéia e apurando a garganta para solta a voz, o
jornalista defronte da escrivaninha apontava sua pena de pato e
pensava na reação de quem iria ler as linhas que lançaria sobre o
papel. Seu objetivo, principalmente naquele momento em que se
dividiam tão radicalmente as opiniões, era ganhar para sua causa o
público leitor.”
35
Mas não é apenas a informação em si (termo originado do latim in formatio, dar
forma, enformar, organizar)
36
que é a mercadoria política (embora toda informação não deixe de
ser política), mas a forma pela qual ela é transmitida por esses meios de comunicação, ou seja,
como notícia.
Para Umberto Eco, a notícia destaca-se pela idéia de anormalidade - o que é
comum e corriqueiro não é notícia, mas sim o que é extraordinário (como um exemplo típico
dado no universo do jornalismo, um cachorro mordendo um homem não é notícia, mas o
homem mordendo o cachorro o é).
37
Já Nilson Lage aprofunda esses conceitos, afirmando que a
notícia é o “relato de uma série de fatos a partir do fato mais importante”, com dois
componentes básicos: uma organização relativamente estável (componente lógico) e elementos
escolhidos segundo critérios de valor essencialmente cambiáveis que se organizam na notícia
(componente ideológico).
38
Ciro Marcondes Filho argumenta que notícia é o anormal que
interessa aos jornais como porta-vozes de correntes políticas e, sendo mais radical que Lage,
33
- Maria Helena R. Capelato afirma que: “Todos os jornais procuram atrair o público e conquistar seus
corações e mentes. A meta é sempre conseguir adeptos para uma causa, seja ela empresarial ou política, e
os artifícios utilizados para esse fim são múltiplos.” Capelato, Maria Helena R. A Imprensa e História do
Brasil. São Paulo, Contexto/EDUSP, 1988, p. 15;
34
- Capelato, Maria Helena R. op. cit., p. 18;
35
- Lustosa, Isabel. Insultos Impressos - a Guerra dos Jornalistas na Independência, 1821-1823. São
Paulo, Companhia das Letras, 2000, pp. 421-422;
36
- Dines, Alberto. op. cit., p. 37;
37
- Eco, Umberto. Obbiettività Dell’Informazione: il Dibattito Teorico e le Tranformazione Della
Società Italiana.” In Livolsi, M. e Panozzo, G. (Orgs). Informazione. Consenso e Dissenso. Milão,
Saggiatore, 1979;
38
- Lage, Nilson. Ideologia e Técnica da Notícia. Petrópolis, Vozes, 1979;
insiste em que a notíc ia é a informação transformada em mercadoria, sofrendo tratamento de
adaptação mercadológica (generalização, padronização, simplificação e negação do
subjetivismo), servindo como forma de manipulação ideológica, pertencendo ao jogo de
forças da sociedade.
39
Este o autor valoriza o caráter manipulador que a informação tem na
forma de notícia, única e exclusivamente, idéia com a qual não concordamos inteiramente.
Podemos perceber, a partir dessas definições, que encontramos diferenças entre
os conceitos de notícia e informação, que muitas vezes são vistos como uma coisa só. Existe
uma diferenciação fundamental entre estes conceitos: toda notícia é informação, mas nem
toda informação é notícia; para ser notícia é preciso que a informação seja transformada,
ou seja, que passe pelo processo de construção jornalística, que varia conforme o meio de
comunicação que a transforma.
40
Relato, organização e transformação são conceitos que nos ajudam a entender o
que é notícia. O que é publicado ou apresentado num meio de comunicação é um produto
intelectual construído a partir de fatos ou acontecimentos, que, de acordo com Paul Veyne, são
cortes que realizamos livremente na realidade, que apresenta um conglomerado de
procedimentos interagindo entre si. Os fatos têm sua organização natural, encontrada pronta, e o
esforço intelectual de reproduzi-los é o de reencontrar essa organização. Os fatos ou
acontecimentos também são construções e seus relatos nunca são totais, pois dependem do
ponto de vista escolhido pelo narrador ou da trama que escolher, transformando tais relatos em
visões parciais da realidade.
41
Tais idéias, que são normalmente aplicadas especificamente à
História, também se aplicam ao jornalismo, pois o que os meios de comunicação relatam são
malhas dos fatos ou acontecimentos, através dos quais é construída uma parte da
realidade. E a maneira de relatar é tão fundamental quanto a própria malha dos fatos ou
acontecimentos.
O jornalista é enviado ao lugar onde ocorreu o acontecimento, fazendo o seu
relato, ou seja, a sua construção do que aconteceu. Neste momento, o jornalista se baseia na sua
visão do que é mais importante relatar ou não, quer por sua experiência profissional ou pelo
39
- Marcondes Filho, Ciro. O Capital da Notícia Jornalismo como Produção Social de Segunda
Natureza. 2ª ed., São Paulo, Ática, 1989;
40
- mas devemos tomar cuidado com os conceitos de informação e notícia. O ato de contar histórias (ou,
como definiu Walter Benjamin, a narrativa), que é uma das práticas de comunicação mais antigas do
Homem, também seria uma forma de informação ou de notícia? O próprio Walter Benjamin fez uma
distinção importante entre a informação e a narrativa: a informação ataca a narrativa, pois a primeira
depende de uma série de fatores, como verificabilidade, plausibilidade, explicação constante, fatores que
não podem ser atribuídos à narrativa, pois esta depende da experiência do narrador, que colhe o que narra
na experiência, própria ou relatada, e transforma este material de novo em experiência dos que ouvem a
sua história. Na palavras de Benjamin: “O mérito da informação reduz-se ao instante em que era nova.
Vive apenas nesse instante, precisa entregar-se inteiramente a ele, e, sem perda de tempo, comprometer-
se com ele. Com a narrativa é diferente: ela não se exaure.”
Benjamin, Walter. “O Narrador.” In Arantes,
Paulo Eduardo (Consultoria). Textos Escolhidos Benjamin/Adorno/Horkheimer/Habermas. Coleção
Os Pensadores”, São Paulo, Abril Cultural, 1980, pp. 60-62;
41
- Veyne, Paul. Como se Escreve a História. 2ª ed., Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1992;
enfoque exigido pelo meio de comunicação - a pauta - no qual trabalha. O material é enviado a
esse meio, sendo analisado e discutido sobre a sua publicação ou não. Caso o material seja
aprovado para publicação, ele não é apresentado de qualquer maneira - seu posicionamento no
veículo, tamanho, destaque, título, fotografias, toda a parte formal também é discutida, pensada
dentro dos interesses do veiculador da notícia. Assim, a idéia de construção, em lugar de
manipulação pura e simples, como defende Ciro Marcondes Jr., seria o termo mais indicado,
pois os elementos são recolhidos e construídos intelectualmente, podendo, além disso, ser
utilizados para a manipulação.
Maria Helena Capelato tem a sua obra voltada para o estudo da imprensa. Suas
obras, O Bravo Matutino - Imprensa e Ideologia no Jornal “O Estado de São Paulo” e Os
Arautos do Liberalismo. Imprensa Paulista, 1920-1945,
42
são estudos sobre como a imprensa
paulista se considerava a representante do Iluminismo, a “Intérprete das Luzes”, e como
acreditava cumprir um papel de relevância histórica para o país, pretendendo moldar a opinião
pública:
“O projeto pedagógico que visava regenerar o país com
base nos parâmetros do liberalismo orientou a intervenção dos
representantes dos periódicos na vida política e social. Por isso,
procuro refletir sobre o significado da imprensa, instrumento de
manipulação de interesses, concebendo-a como agente da história
que ela também registra e comenta.”
43
Capelato vai além do jornal. Continuando a citação acima:
“Nesse sentido me proponho a desmistificar a categoria
abstrata “jornal”, fazendo emergir a figura dos jornalistas como
sujeitos dotados de consciência que se determina na prática política.
Procuro, portanto, reconstruir a inserção da imprensa na história,
captando o movimento vivo das idéias e dos personagens que nela se
encontram.”
44
Os jornalistas são, portanto, sujeitos dotados de consciência.
O ensaio de Marc Paillet, Jornalismo - O Quarto Poder,
45
procura discutir
inúmeros pontos gerais sobre o Jornalismo, demonstrando como funciona esse “quarto poder”.
O autor destaca que a informação noticiosa é uma construção intelectual, pois mostra algumas
42
- Capelato, Maria Helena R. e Prado, Maria Lígia. O Bravo Matutino - Imprensa e Ideologia no Jornal
“O Estado de São Paulo”. São Paulo, Alfa-Omega, 1980; Capelato, Maria Helena R. Os Arautos do
Liberalismo - Imprensa Paulista, 1920-1945. São Paulo, Brasiliense, 1989;
43
- Capelato, Maria Helena R. Os Arautos do Liberalismo. op. cit., p. 12;
44
- Capelato, Maria Helena R. Idem;
45
- Paillet, Marc. Jornalismo - o Quarto Poder. São Paulo, Brasiliense, 1986;
faces do acontecimento, que são escolhidas por quem produz a notícia e também pelo órgão que
a publica:
“Todo discurso (...) veicula uma mensagem que exprime o
ponto de vista do locutor, de modo declarado ou sub-reptício, com
força ou por insinuação, conscientemente ou não. Em questão de
jornalismo, esse locutor pode ser uma coletividade (na maior parte
das vezes) ou um indivíduo, ele pode agir sob ordens ou por sugestão,
por servilismo, por interesse ou por idealismo... A História e o
panorama dos media oferecem um grande leque de opções.”
46
Não podemos deixar de destacar que existe também uma luta dentro dos
próprios meios de comunicação, pois, inúmeras vezes, os jornalistas procuram publicar notícias
com enfoques diferentes daqueles que foram determinados pelos donos dos meios, provocando
conflitos, como o que aconteceu em 1976 na Veja, onde o jornalista Mino Carta, redator-chefe
da revista, desligou-se da mesma pressionado pela direção, pois ele utilizava-se da seção “Carta
ao Leitor”, além dos artigos de Plínio Marcos, para criticar radicalmente o governo militar,
enfoque que a direção da revista não desejava.
47
Outro fator que pode interferir na construção
noticiosa é a aceitação de dinheiro (tanto pelos donos dos meios quanto pelos jornalistas) para
produzir determinada notícia a favor do grupo pagante.
48
Como podemos perceber, existem muitos filtros entre o acontecimento e a sua
apresentação como notícia. Nesse sentido, os meios técnicos para a apresentação da notícia
são tão importantes quanto a própria, pois é nesse momento, o da apresentação, (onde a
diagramação e criação de títulos são fundamentais), que uma notícia ganha ou perde em
importância, que seu conteúdo é passado de uma maneira ou de outra, de acordo com os
interesses políticos envolvidos, tanto para a persuasão quanto para o esquecimento. Portanto, a
técnica de constituição do veículo é tão importante quanto o próprio conteúdo das notícias,
valorizando o papel das novas tecnologias dentro desses meios de comunicação, pois novas
técnicas não são resultado apenas de uma busca em agradar ao público, mas também de
preocupações políticas. Não é apenas o conteúdo da notícia que é importante, mas também
a sua forma.
O estudo de Capelato nas obras já citadas anteriormente enfatiza os discursos,
mas não por desconsiderar a importância da forma na qual eles são produzidos. No período
pesquisado, a valorização do conteúdo tinha uma razão de ser: na verdade, os recursos
46
- Paillet, Marc. op. cit., p. 122;
47
- Chagas, Carmo; Mayrink, José Maria; e Pinheiro, Luiz Adolfo. 3 X 30 os Bastidores da Imprensa
Brasileira. São Paulo, Editora Best Seller, Círculo do Livro, 1992; o incidente também é retratado pelo
próprio Mino Carta, embora de maneira bastante ficcional, no romance O Castelo de Âmbar. Carta, Mino.
O Castelo de Âmbar. Rio de Janeiro, Record, 2000;
48
- Assis Chateaubriand, o criador dos Diários Associados, utilizava desta “prática” constantemente.
Morais, Fernando. Chatô - o Rei do Brasil. 2. ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1994;
tecnológicos da época é que ainda não haviam desenvolvido uma maior sofisticação formal do
texto jornalístico, pois a “apresentação dos jornais daquela época era desordenada, tendo em
vista os limites das técnicas que utilizavam. A conquista do público se dava por outras vias.”
49
Posteriormente, se os jornais quisessem expressar (e formar) opiniões, e pretendessem
conquistar o leitor, precisariam considerar questões formais. Na sua tese de doutorado, que deu
origem ao livro Os Arautos do Liberalismo, essa preocupação ganha maior destaque:
“Não se dispunha naquela época dos recursos atualmente
utilizados para conquistar o leitor. A imprensa de hoje dispensa um
cuidado especial à paginação e diagramação. Rafael de Souza Silva,
em sua análise sobre a diagramação, constatou que, ao tomarem
impulso, os veículos de comunicação de massa (os eletrônicos
principalmente) provocam radicais transformações nos canais
impressos para acompanhar as novas técnicas e costumes de um
público cada vez mais exigente. Por esse motivo, o jornalismo
impresso reestruturou toda a sua roupagem gráfico-editorial.”
50
A imprensa sempre apresentou novas tecnologias, mesmo que nem sempre estas
novas tecnologias consigam ser vitoriosas em termos de público (o novo, no lugar de atrair,
pode, muitas vezes, afastar).
51
No momento particular destas duas guerras, ocorria intensa
mudança tecnológica na imprensa, tendo como uma das principais causas a televisão. Na Guerra
da Coréia, a televisão estava começando a influenciar a imprensa escrita, mas ainda sem muita
força; na Guerra do Vietnã sua influência era muito maior, debatendo-se diretamente com a
ela.
Duas grandes questões foram suscitadas pela televisão: a primeira foi a
presença da imagem; e a outra questão, assim como o rádio já havia levantado, foi a relação dos
meios de comunicação com o tempo, pois a televisão (e sua produção jornalística, o
telejornalismo) não se utiliza do espaço, como os meios escritos, mas sim do tempo. Ao
configurar a questão do tempo, acelerando-o o máximo possível, criou uma nova ambiência na
sociedade (um conceito de Marshall McLuhan que discutiremos a seguir) que os outros meios
tentariam compensar.
52
De um modo geral, podemos classificar as alterações produzidas na imprensa
escrita pela televisão em duas partes: primeiro, mudanças de ordem gráfica, de distribuição
espacial, valorizando a diagramação e suas possibilidades (desenhos, títulos, protótipos, etc.),
49
- Capelato, Maria Helena R. e Prado, Maria Lígia. O Bravo Matutino - Imprensa e Ideologia no Jornal
“O Estado de São Paulo”. op. cit., p. 19;
50
- Capelato, Maria Helena R. Os Intérpretes das Luzes - Liberalismo e Imprensa Paulista: 1920-1945.
São Paulo, Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 1986, pp. 17-18 (mimeo);
51
- Dines, Alberto. op. cit.;
52
- Bahia, Juarez. Jornal, História e Técnica - as Técnicas do Jornalismo. 4ª ed., São Paulo, Ática, 1990; e
McLuhan, Marshall. O Meios de Comunicação Como Extensões do Homem (Understanding Media). São
Paulo, Cultrix, 1969;
dando uma visualização diferente e mais fluida, mas principalmente valorizando a fotografia, a
imagem; segundo, com as novas distribuições gráficas, houve uma diminuição do material
escrito - para se dar menos tempo de leitura para o leitor, o que obrigou o corpo de jornalistas e
seus colaboradores a serem mais seletivos na abordagem e na apresentação dos assuntos
noticiados, preocupando-se com as novas percepções do público leitor, influenciadas pela
televisão.
Podemos dizer que desaparece a fronteira entre o conteúdo e a forma, ambos
são indissociáveis, ambos são conteúdo. Conteúdo (mensagem) e forma (que atinge,
primordialmente, o meio) são fundamentais para as representações criadas pela imprensa, sendo
que um é tão importante quanto o outro, e os dois têm de ser pensados juntos. E questões
sobre conteúdo e forma também são discutidos em vários campos do saber, inclusive na
historiografia.
Conteúdo e Forma
Robert Darnton procura estudar a História Cultural através dos textos por si
mesmos. Nas palavras do autor na sua obra O Grande Massacre de Gatos:
“A noção de leitura está em todos os capítulos, porque se
pode ler um ritual ou uma cidade, da mesma maneira como se pode
ler um conto popular ou um texto filosófico. O método de exege pode
variar mas, em cada caso, a leitura é feita em busca do significado - o
significado inscrito pelos contemporâneos no que quer que sobreviva
de sua visão de mundo.”
53
O documento por si só parece suficiente para Darnton, num primeiro momento.
Mesmo não valorizando totalmente as questões formais, o próprio Darnton nos relata que tais
questões são vitais para o historiador. No mesmo Massacre dos Gatos, o autor afirma que:
“O maior obstáculo é a impossibilidade de escutar as
narrativas, como eram feitas pelos contadores de histórias. Por mais
exatas que sejam, as versões escritas dos contos não podem transmitir
os efeitos que devem ter dado vida às histórias no século XVIII: as
pausas dramáticas, as miradas maliciosas, o uso dos gestos para
criar cenas - uma Branca de Neve com uma roda de fiar, uma
Cinderela catando os piolhos de uma irmã postiça - e o emprego de
sons para pontuar as ações - uma batida à porta (muitas vezes obtidas
com pancadas na testa de um ouvinte) ou uma cacetada, ou um peido.
Todos esses dispositivos configuravam o significado dos contos e
53
- Darnton, Robert. O Grande Massacre de Gatos - e Outros Episódios da História Cultural Francesa. 2º
ed., Rio de Janeiro, Graal, 1996, p. XVI;
todos eles escapam ao historiador. Ele não pode ter certeza de que o
texto inerte e sem vida que ele segura, entre as capas de um livro,
fornece um relato exato da interpretação que ocorreu no século
XVIII. Não pode sequer ter certeza de que o texto corresponde às
versões não escritas de um século antes.”
54
Já na obra O Iluminismo como Negócio, Darnton aborda o problema da forma
com mais profundidade:
“Discorremos pormenorizadamente sobre a produção da
Enciclopédia in-quarto porque ela ilustra o modo como a maioria dos
livros era produzida na era da prensa manual. Na época, a matéria-
prima da literatura tinha muito mais importância do que em nossos
dias. (...) O material com que se fabricava a página era tão
importante quanto a mensagem nela impressa. Portanto, a história
editorial deve levar em conta o ciclo do papel (...).”.
55
Mas o historiador Roger Chartier é mais enfático na problemática
conteúdo/forma: em suas análises sobre o mundo do leitor (sua preocupação consiste na
produção e leitura de livros), o historiador enfatiza que não são apenas as idéias contidas nos
livros que são importantes, mas também a forma como o livro é constituído, ou seja, em que
papel, em quantas páginas, em que tamanho de letras (que pode facilitar ou dificultar a leitura),
pois essas questões formais também fazem parte do universo do leitor. Na obra A Ordem dos
Livros, Chartier afirma que:
“é preciso levar em conta que as formas produzem
sentidos e que um texto, estável por extenso, passa a investir-se de
uma significação e de um status inéditos, tão logo se modifiquem os
dispositivos que convidam à sua interpretação.”
56
No texto, “Textos, Impressão, Leituras”, o historiador enfatiza que
“Em contraste com a representação do texto ideal e
abstrato - que é estável por ser desvinculado de toda materialidade,
uma representação elaborada pela própria literatura - é fundamental
lembrar que nenhum texto existe fora do suporte que lhe confere
legibilidade; qualquer compreensão de um texto, não importa de que
tipo, depende das formas com as quais ele chega até o seu leitor.
Assim, é necessário fazer uma distinção entre dois tipos de aparato:
aqueles impostos pela colocação do ‘autor’, e aqueles que resultam
da manufatura do livro ou da publicação, produzidos por decisão
54
- Darton, Robert. op.cit, pp. 32-33;
55
-Darton, Robert. O Iluminismo como Negócio - História da Publicação da “Enciclopédia”, 1775-1800.
São Paulo, Companhia das Letras, 1996, pp. 401-402;
56
- Chartier, Roger. A Ordem dos Livros - Leitores, Autores e Bibliotecas na Europa entre os Séculos
XIV e XVIII. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1995, p. 13;
editorial ou através de processos industriais, e dirigidos aos leitores
ou a leituras que podem não ter absolutamente nada em comum com
as expectativas do autor.”
57
Outros historiadores também considerariam o problema conteúdo/forma, como
é o caso de Carl Schorske e suas análises sobre o final do século XIX em Viena:
“Assim como é necessário conhecer os métodos críticos
da ciência moderna para interpretá-la historicamente, da mesma
forma é preciso conhecer os tipos de análise empregados pelos
estudiosos modernos de humanidades para abordar a produção
cultural não-científica do século XX. Só assim pode-se ler um texto -
uma peça teatral, um projeto urbano, uma pintura ou um tratado de
psicologia - e entender o seu conteúdo (e no qual a forma é um
componente importante).”
58
(grifos meus)
Nesse sentido, podemos dizer que desaparece a fronteira entre o conteúdo e
a forma, ambos são indissociáveis, ambos são conteúdo.
Também existem estudos que dão à forma um valor absoluto. É o caso do
pensador canadense Marshall McLuhan, que desenvolveu uma importante linha de pensamento
sobre os meios de comunicação na década de 60.
McLuhan contesta os teóricos da Escola de Frankfurt que defendem,
invariavelmente, que o conteúdo sempre é esvaziado pela forma, sendo que esta última não
passa de um estratagema para transformar “cultura” em “banalidades”, ou, em outras palavras,
em mercadorias, podendo-se, então, aplicar a ideologia de dominação sobre a sociedade ou
sobre “as massas”.
59
O conteúdo é ligado à forma pela perda, portanto, e não como ganho ou
complementação - a mensagem é o fator que importa, indiferentemente do meio. O mesmo se
aplica para o jornalismo de um modo geral, área também catalogada como produto da Indústria
Cultural.
Marshall McLuhan trabalha com a forma ou, dentro da sua linguagem, com o
Meio. Para o autor, os meios são extensões dos sentidos humanos: a experiência humana é
plural e difusa, sendo que a consciência recebe uma grande variedade de sensações simultâneas.
No centro do espírito do homem, existe um órgão psíquico onde se opera os cinco sentidos,
proporcionando uma base comum de experiência consciente.
60
Para o autor, a “transmissão de
57
- Chartier, Roger. “Textos, Impressão, Leituras.In Hunt, Lynh (Org.). op. cit., p. 220;
58
- Schorske, Carl E. Viena: Fin-De-Siècle - Política e Cultura. São Paulo: Campinas, Companhia das
Letras, Campinas: Editora da UNICAMP, 1988, p. 17;
59
- discussão extraída de: Arantes, Paulo Eduardo (Consultoria). op. cit.; Slater, Phil. Origem e
Significado da Escola de Frankfurt. Rio de Janeiro, Zahar, 1978; Eco, Umberto. Apocalípticos e
Integrados. São Paulo, Perspectiva, 1979; e Elísio dos Santos, Roberto. Introdução à Teoria da
Comunicação. São Bernardo do Campo, Editora do IMS, 1992;
60
- McLuhan, Marshall. op. cit.;
experiências entre os seres resulta em simplificação e distorção”.
61
Mesmo assim, algumas
formas de comunicação conseguem melhores resultados, pois a capacidade de um meio agir
depende do número de canais sensórios que ele chame a atuar, quando esteja operando
adequadamente. A palavra falada, para McLuhan, preenche esses requisitos melhor do que
outros meios, pois exerce poder sobre a imaginação de quem ouve e por ser a “linguagem
natural do homem”.
62
O surgimento da imprensa forçou o homem a se concentrar mais na visão em
detrimento dos outros canais sensórios, gerando um novo ser - o “homem gutemberguiano” (daí
o nome de uma de suas principais obras, Galáxia de Gutemberger), ou seja, um homem mais
lógico, disciplinado, “com espírito fechado a possibilidades mais amplas da expressão
imaginativa”, pontual e produtivo, submetendo-se “a quadros de horários e à racionalização da
vida moderna”.
63
Assim, a imprensa escrita mudou a forma de adquirir o conhecimento, levando
o homem a uma atitude conformista. Mas o surgimento dos meios eletrônicos tornou a
comunicação um ato de reproduzir a simultaneidade plural do pensamento, devolvendo o
homem a uma relação social anterior à imprensa. O “homem eletrônico” voltou a encontrar-se
numa aldeia tribal, de escala planetária, a chamada Aldeia Global, onde a mesma experiência
comunicativa é compartilhada por diferentes culturas.
64
O “novo ambiente” reprocessa o velho radicalmente. O que importa é o efeito
mental imediato que os meios de comunicação provocam, e não as mensagens que eles
veiculam, surgindo daí sua formulação mais polêmica: “O meio é a mensagem”. E a mensagem
de um meio é sempre um outro meio, pois, para o autor, “a mensagem da escrita é a fala; a da
imprensa, a linguagem escrita; a do telégrafo, a palavra impressa, e assim por diante.”
65
Já no caso do Meio, sua importância consiste na mudança de escala nas relações
humanas por ele introduzida, pois “a noção de distância/tempo mudou após a invenção de trem
e do avião”.
66
Nas palavras do próprio McLuhan:
“O meio é a mensagem significa, em termos da era
eletrônica, que já se criou um ambiente totalmente novo. O ‘conteúdo’
deste novo ambiente é o velho ambiente mecanizado da era industrial.
61
- McLuhan, Marshall. Idem;
62
- McLuhan, Marshall. A Galáxia de Gutenberg - a Formação do Homem Tipográfico. São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1977;
63
- McLuhan, Marshall. op. cit.;
64
- McLuhan, Marshall. O Meios de Comunicação Como Extensões do Homem (Understanding Media).
op. cit.; e McLuhan, Marshall. Guerra e Paz na Aldeia Global. Rio de Janeiro, Record, 1971;
65
- McLuhan, Marshall. O Meios de Comunicação Como Extensões do Homem (Understanding Media).
op. cit., p. 11;
66
- McLuhan, Marshall. Idem, p. 11;
O novo ambiente reprocessa o velho tão radicalmente quanto a TV
está reprocessando o cinema.”
67
Sua argumentação defende que cada nova tecnologia cria uma nova ambiência
(percepções mentais e sociais) para o homem.
68
O homem vive e se desenvolve historicamente
dentro dessa ambiência. Nas palavras de McLuhan:
“Podia haver certa vantagem em substituir a palavra
galáxia por meio ambiente. Qualquer nova tecnologia de transporte
ou comunicação tende a criar seu respectivo meio ambiente humano.
(...) Ambientes tecnológicos não são recipientes puramente passivos
de pessoas mas ativos processos que remodelam pessoas e igualmente
outras tecnologias.”
69
A teoria de McLuhan apenas poderia ter sido concebida com a presença do
novo meio de comunicação - a televisão - , pois este era o meio de produção visual por
excelência e estava, pelo menos aparentemente, deixando o mundo “menor” com maior
sensação de rapidez, o que justificaria a idéia da existência de uma “aldeia global”. Essa visão
confirma o quanto a televisão influenciava o imaginário social de sua época e continuaria
influenciando posteriormente.
As idéias de McLuhan apresentam alguns problemas. Uma das críticas que
podemos levantar está no fato de que muitas de suas análises são pouco precisas historicamente:
a escrita de livros à mão continuou sendo uma prática comum na Europa, apesar da invenção da
prensa. De acordo com Roger Chartier, a prática de escrever livros à mão apenas foi
abandonada no século XIX.
70
Nesse sentido, a alteração dos sentidos foi bem menos radical do
que a proposta por McLuhan.
Outra crítica vem da própria essência do seu pensamento, pois suas análises são
excessivamente baseadas nos aspectos técnicos dos meios de comunicação, sem preocupações
com os conteúdos das mensagens, já que uma das suas premissas básicas é a de que o meio já é
o fim em si mesmo. As mudanças tecnológicas são fundamentais neste processo, mas o
conteúdo também, pois ele é alterado, não é alheio a estas mudanças. A nosso ver, tal separação
é um dos problemas mais graves em relação às teorias do pensador canadense. Nosso trabalho
67
- McLuhan, Marshall. Idem, ibidem, pp. 11-12;
68
- McLuhan faz distinção dos efeitos dos meios de comunicação, sendo que “ um meio quente é aquele
que prolonga um único de nossos sentidos e em ‘alta definição’”, sendo que alta definição quer dizer “um
alto estado de saturação de dados”, tendo como exemplos o rádio e a fotografia; enquanto que aqueles que
permitem maior participação dos receptores no entendimento de seus enunciados com o mínimo de
quantidades de informação (de “baixa definição”) são os meios frios, como, por exemplo, a fala, o
desenho, o telefone e a TV. McLuhan, Marshall. Idem, ibidem, pp. 38-50;
69
- McLuhan, Marshall. A Galáxia de Gutenberg - a Formação do Homem Tipográfico. op. cit., p. 15;
70
- Chartier, Roger. A Aventura do Livro do Leitor ao Navegador. São Paulo, Editora UNESP,
Imprensa Oficial do Estado, 1999;
pretende fazer a relação entre o meio e o conteúdo, não a sua análise isolada.
71
Além do mais, a
afirmação “o meio é a mensagem” nem sempre é correta, pois o receptor tem liberdade para
interpretar as informações, podendo atribuir significados diferentes.
72
Forma e conteúdo sempre
devem ser pensados juntos, sem que um se valorize em detrimento do outro.
73
E a televisão não
os separou na cobertura das guerras.
Coréia e Vietnã: Guerras da Televisão
71
- Umberto Eco também contesta esse exagero teórico de McLuhan. Na obra Viagem na Irrealidade
Cotidiana, Eco afirma que “grande parte das teses de Marshall McLuhan acerca da natureza dos mídias,
por exemplo, deriva do fato de ele chamar ‘mídias’, em geral, aos fenômenos que ora são redutíveis ao
canal, ora ao código, ora à forma da mensagem.” Eco, Umberto. Viagem na Irrealidade Cotidiana. 2. ed.,
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p. 39;
72
- quanto ao poder dos meios de comunicação e das formas de decodificação das mensagens por parte
dos receptores, Eco afirma que “Ninguém controla o modo como o destinatário usa a mensagem - salvo
em raros casos. Nesse sentido, ainda que tenhamos deslocado o problema, ainda que tenhamos dito ‘o
mídia não é a mensagem’ mas ‘a mensagem depende do código’, não resolvemos o problema da era das
comunicações.” Eco, Umberto. op. cit., p. 52;
73
- algumas correntes teóricas também valorizam a forma de maneira excessiva como é a chamada Teoria
da Informação, também conhecida como Teoria da Matemática da Comunicação. Esta corrente tem
como base a quantidade (teor ou taxa) de informação existente num processo comunicacional. Essa teoria
procura eliminar os problemas de transmissão (Ruído) em canais físicos, através de seleção, escolha e
discriminação de signos para conseguir veicular mensagens de forma econômica e precisa. Como nenhum
processo de comunicação está isento de erro ou distúrbio, essa teoria busca aumentar o rendimento
informativo das mensagens, quer pelo uso da Redundância (excesso de sinais sobre o mínimo necessário
para transmissão de informação) ou quer pela escolha do Código (sistema de símbolos que, por
convenção prévia, representa e transmite a mensagem da Fonte ao Destinatário) mais eficiente. Ela
relaciona o conceito de entropia física (que é a medida do grau de desordem, de incerteza de um sistema)
com a informação, pois enquanto que o primeiro descreve um estado de desorganização, o segundo
procura reduzir as incertezas. Assim, quanto mais provável - e com o menor número de ruídos - a
mensagem, menor a informação recebida; por sua vez, quanto mais original ou inesperada - com o maior
número de ruídos possível - , maior será a informação recebida, mas com a diminuição da probabilidade
de recepção. Já a redundância aumenta a previsibilidade da informação, introduzindo certa capacidade de
absorção de ruído e prevenção de erro, diminuindo a liberdade de interpretação do receptor. A mudança
de incerteza do receptor depois de receber uma mensagem depende do conteúdo informacional dessa
mensagem (de sua originalidade ou previsibilidade), do uso correto do Canal e do Código empregado.
Com o desenvolvimento técnico dos meios de comunicação, principalmente na área de imprensa e de
jornalismo, as possibilidades de erros técnicos estão ficando cada vez menores. Mas, mesmo essa
“perfeição” técnica não deixa de ser um fator técnico relevante que atinge o conteúdo - com menor índice
de entropia física, deixando mais claro o conteúdo e com menor liberdade de escolha. Já a chamada
Escola Evolucionista-Progressista eleva ao máximo a forma sobre o conteúdo. Alvin Toffler, mesmo
não sendo um teórico da comunicação, dedicou um capítulo de seu livro, A Terceira Onda, às mudanças
ocorridas nos fenômenos comunicacionais no âmbito da sociedade pós-industrial. Os teóricos dessa linha
acreditam que a cultura de massa é democrática e pluralista, veiculada pelos meios de comunicação a
públicos de diferentes classes sociais, permitindo que haja uma interação social e política entre os
membros da sociedade. Essa corrente também valoriza completamente a forma, pois foi esta, através das
suas alterações tecnológicas (representadas pelas “ondas” de Alvin Tofler), quem revolucionou as
comunicações, deixando-as mais “democráticas”. As alterações tecnológicas fizeram com que a produção
de informações fosse cada vez maior ao ponto de, quando chegamos na era da informática, fazer com que
o mundo explodisse em quantidade de informações e também na sua acessibilidade. A Internet seria o
exemplo mais acabado do que Tofler poderia chamar de Quarta Onda. Informações extraídas de:
Weaver, Warren. “A Teoria Matemática da Comunicação.In Cohn, Gabriel (Org.). Comunicação e
Indústria Cultural - Leituras de análise dos Meios de Comunicação na Sociedade Contemporânea e das
Manifestações da Opinião Pública, Propaganda e Cultura de Massa nessa Sociedade. 2. ed., São Paulo,
Editora Nacional, 1975, p. 31; e Tofler, Alvin. A Terceira Onda. Rio de Janeiro, Record, 1981;
Sobre a cobertura das guerras especificamente, podemos dizer que, na verdade,
ocorrem duas guerras: a primeira é a propriamente dita, com mortes e violência, dentro de
esquemas militares, situações perigosas para ambos os lados, no chamado “teatro de operações”;
e a segunda é aquela apresentada pela mídia, construída para ser acompanhada pelo público. Em
outras palavras, a “primeira guerra” constrói a “segunda guerra” e a “segunda guerra” constrói a
“primeira guerra”, numa relação dupla. As novas tecnologias deixam a “segunda guerra” mais
complexa, pois sua representação torna-a mais próxima possível da “primeira guerra” e os
efeitos sobre o público tornam-se mais intensos. E a presença da televisão interferiu nas
representações das guerras.
A Guerra da Coréia foi a primeira a ter uma cobertura televisiva mais efetiva. A
televisão já existia, comercialmente, nos Estados Unidos, desde 1933. Em 1941, durante a
Segunda Guerra Mundial, havia cerca de 10 mil aparelhos de TV nos Estados Unidos e, no
período da Guerra da Coréia, o número chegaria perto dos 10 milhões.
74
As tecnologias que envolviam a televisão da época não ajudaram o meio a
destacar-se dos demais - a imagem era filmada em preto-e-branco, levada da Coréia para os
Estados Unidos (e também para o resto do mundo), com grande defasagem de tempo entre o
acontecimento e sua transmissão. Mas as dificuldades técnicas (e, por que não dizer?, militares e
políticas) fizeram com que o potencial da televisão na cobertura da Guerra da Coréia fosse
mínimo.
A rápida chegada de correspondentes de guerra que trabalhavam para jornais e
revistas demonstrava a maior facilidade do meio escrito para cobrir as notícias em comparação
com os demais meios. Depois da imprensa escrita, o segundo melhor meio de comunicação para
a transmissão de notícias do front era o rádio. Durante a Segunda Guerra Mundial este meio
consagrou uma série de jornalistas, como Bill Downs, Ed Murrow e Walter Cronkite, sendo que
a Guerra da Coréia mudaria radicalmente a vida deste último.
Logo no início do conflito coreano Cronkite ofereceu-se para ser
correspondente de guerra como radialista, mas sua emissora, a CBS, recebeu autorização para
comprar a WTOP-TV de Washington e queria inaugurar imediatamente o programa CBS News
na capital do país. Como a maior parte dos seus repórteres e radialistas já estavam na Coréia,
sobrou, então, para Cronkite, que ainda não havia embarcado para o front, a missão de
apresentar o novo programa jornalístico das seis da tarde.
75
Mesmo não tendo experiência na
televisão, Cronkite inaugurou uma nova forma de apresentar programas jornalísticos na
televisão. Sobre a cobertura da Guerra da Coréia, Cronkite nos conta que
74
- Knightley, Phillip. A Primeira Vítima. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978;
75
- Cronkite, Walter. Repórter. São Paulo, DBA, 1998;
“Com orçamento limitado, equipamento primitivo e
nenhuma película além das que nós mesmos filmávamos, aprendemos
depressa. A Coréia, claro, era um grande assunto. Para cobrir o
conflito, empreguei um recurso simples. Na Segunda Guerra Mundial
e, mais recentemente, no Pentágono, eu comparecera a tantos
briefings diários sobre operações militares que conseguiria fazê-los
de olhos vendados.
Num grande quadro-negro, mostrávamos o contorno da
Coréia e, atravessando-o, o paralelo 38, que deveria dividir o país em
Coréia do Sul e Coréia do Norte. De giz na mão, eu improvisava uma
descrição das batalhas do dia desenhando grandes setas e cruzes no
mapa para representar o movimento das tropas e os lugares onde elas
estavam lutando.”
76
Valorização do visual, mesmo que contando apenas com um quadro-negro e
alguns pedaços de giz - Cronkite soube entender as particularidades visuais da televisão
para transmitir as notícias .
Muitas das notícias transmitidas sobre a Guerra da Coréia pela televisão foram
apresentadas com audácia, como uma que obrigou um general a mandar retirar um cinegrafista
da frente de um tanque, pois o cinegrafista buscava uma imagem melhor e mais realista.
77
Mesmo assim, os documentários cinematográficos foram a grande fonte visual do conflito,
ainda dentro dos esquemas da Segunda Guerra Mundial - a equipe de filmagens do general
MacArthur, por exemplo, forneceria uma grande quantidade de imagens que seriam utilizadas
pela televisão e que apresentavam, logicamente, uma construção favorável às forças da ONU de
um modo geral - e a do próprio MacArthur, em particular.
78
Apesar da presença da televisão e, principalmente, do cinema - em outras
palavras, de meios que valorizavam as imagens em movimento - , a maior parte dos noticiários
da guerra foram produzidos pela imprensa escrita. A televisão estava crescendo em importância
como meio de comunicação, mas, no início da década de 50, ainda apresentava grandes
limitações operacionais.
A Guerra da Coréia recebeu, portanto, uma cobertura praticamente monolítica
e, por mais que a televisão influenciasse, ela ainda não tinha força (ou tecnologia) para produzir
maiores conseqüências políticas. Talvez uma exceção: ao mostrar a foto do soldado Kenneth
Shadrick, de 20 anos, considerado como o primeiro norte-americano a morrer na Coréia, a
televisão chocou a sociedade norte-americana, provocando uma reação de adesão ao conflito.
79
Mesmo assim, informações desta natureza devem ser tratadas com cuidado, pois a própria
dinâmica da guerra (como o rápido avanço das tropas norte-coreanas, mostrando um quadro
76
- Cronkite, Walter. op. cit., p. 169;
77
- Knightley, Phillip. op. cit.;
78
- a série Cold War, produzida e apresentada pela rede de televisão CNN em 1999, utilizaria-se, quando
se referiu à Guerra da Coréia, destes documentários. Cold War. Documentário, Estados Unidos, Cable
News Network (CNN), produtores executivos Pat Mitchell e Jeremy Isaacs, 1998;
79
- s/A. 15 Anos de História. Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1984;
onde a queda da Coréia do Sul para as forças comunistas era inexorável e trágica) pode ter
provocado essa adesão inicial.
Mesmo com a parcial experiência da cobertura televisiva da Guerra da Coréia,
pouco se sabia dos efeitos que uma prolongada cobertura diária da guerra pela televisão poderia
provocar, com as cenas de combate entrando diretamente dentro dos lares, mostrando a
“verdadeira” natureza da guerra, como ocorreu, efetivamente, durante a Guerra do Vietnã.
Mas não há unanimidade na avaliação dos resultados da cobertura do conflito
no Vietnã.
80
Para alguns críticos, a cobertura da televisão teve participação fundamental nos
destinos da guerra e, principalmente, da sua contestação. O jornalista brasileiro Clóvis Rossi é
bastante direto neste ponto:
“As imagens diárias de sangue e dor que entravam nos
lares norte-americanos contribuíam poderosamente para formar uma
corrente de opinião pública contrária à continuação da guerra, o que
pesou no seu desfecho, embora a guerra tenha, em última instância,
sido decidida, de fato, no próprio terreno em que se travava, ou seja,
no Sudeste Asiático.”
81
Já outros pensadores discordam deste ponto de vista, defendendo que a
televisão, assim como outros meios de comunicação, apenas reforçaram o que as pessoas
sentiam em relação ao conflito, e o aumento da contestação contra a guerra foi por causa da
natureza da própria guerra, principalmente no tocante ao número de baixas norte-americanas.
Walter Cronkite é bastante enfático neste ponto:
“Durante mais de quatro anos, Barry Zorthian foi o porta-
voz oficial dos EUA no Vietnã. Em sua opinião, a idéia de que a
imprensa nos fez perder a guerra é balela. E, na própria opinião
oficial do Exército sobre as relações entre os militares e a mídia,
lemos o seguinte: ‘Tanto na Coréia quanto no Vietnã, o que indispôs
o público americano não foi a cobertura jornalística, e sim as baixas.
Em cada uma dessas guerras, o apoio popular caiu inexoráveis 15%
sempre que o total de baixas americanas se viu multiplicado por
dez.’”
82
Com certeza, algum efeito a televisão provocou no telespectador. Os grandes
meios de comunicação dos Estados Unidos, inclusive as redes de televisão, apoiaram o governo
na intervenção no Sudeste Asiático desde o começo, com algumas exceções de correspondentes
que estavam no Vietnã antes de 1964. Mesmo com a presença inédita da televisão mostrando a
80
- Knightley, Phillip. op. cit.;
81
- Rossi, Clóvis. O Que é Jornalismo. Coleção “Primeiros Passos”, Nº 15, 6ª ed., São Paulo, Brasiliense,
1986, p. 13;
82
- Cronkite, Walter. op. cit., p. 290;
guerra, sua produção não foi muito além das determinações feitas pelas forças armadas norte-
americanas.
As dificuldades para a cobertura pela televisão também eram consideráveis
durante a Guerra do Vietnã. Para começar, a aparelhagem da televisão era pesada e precisava
de, pelo menos, dois profissionais (o repórter e o cameraman), podendo chegar a três (duas
pessoas para carregar a câmera), o que dificultava a mobilidade (e, em coberturas na selva,
perdia-se tempo, e mesmo soldados, já que mais de um eram designados para proteger os
profissionais da imprensa da televisão, enquanto que os meios escritos precisavam de apenas um
soldado), sem contar as condições do tempo (que poderiam estragar o material)
83
e a lentidão
com que as notícias eram passadas desde a sua produção no Vietnã até sua exibição nos Estados
Unidos (chegava a demorar dois dias).
84
Com a pressa da apresentação dessas imagens, muitas delas defasadas em
relação aos meios escritos, as redes norte-americanas utilizavam a edição feita no Vietnã
mesmo, nem sempre do seu agrado, ou exibiam a cobertura sem a edição, com uma arrumação
mínima. Os meios escritos, em compensação, dispunham da mobilidade que os recursos
telegráficos como o telex e os teletipos propiciavam, tornando sua produção relativamente mais
rápida.
Os meios técnicos da televisão foram sendo desenvolvidos rapidamente durante
a década de 60. As câmeras foram diminuindo até chegarem ao tamanho portátil; o processo de
imagens coloridas, existente nos Estados Unidos desde 1953, foi sendo aperfeiçoado e o sistema
de satélites, inaugurado em 1967, rompia definitivamente as barreiras do tempo, dando quase a
instantaneidade entre o acontecimento e sua transmissão. O auge desse processo seria em 1968
(que, como veremos, seria decisivo na cobertura da imprensa da Ofensiva do Tet).
Analisando os programas documentários feitos pela CBS e apresentados por
Walter Cronkite (estes foram os melhores e mais expressivos programas televisivos sobre a
guerra, sendo, inclusive, copiados por outras emissoras norte-americanas), encontramos
imagens do conflito que, apesar de fortíssimas, eram voltadas para o lado norte-americano, ou
seja, a construção das imagens e dos discursos eram favoráveis à intervenção norte-americana,
pelo menos até 1968.
85
Dentro dessa lógica, as contestações deveriam ser fenômenos marginais, pois
todos os meios de comunicação, incluindo os meios escritos e sonoros (com exceção da
83
- o correspondente de guerra Peter Arnett nos descreve as desventuras de uma equipe de televisão da
CBS, liderada por Peter Kalischer, numa cobertura na selva, quando o cameraman caiu dentro de um
buraco cheio d’água. Arnett, Peter. Ao Vivo no Campo de Batalha - do Vietnã a Bagdá, 35 Anos em
Zonas de Combate de Todo o Mundo. São Paulo, Rocco, 1994;
84
- em outro mo mento, Peter Arnett relata que uma notícia foi apresentada pela imprensa escrita e, dois
dias após a sua publicação, a televisão apresentou a sua versão, conseguindo mais impacto no público
norte-americano. Arnett, Peter. op. cit.;
85
- os programas documentários da CBS, sob o comando de Walter Cronkite, foram apresentados pela
televisão brasileira na Globosat, em julho de 1994, sem maiores referências;
imprensa alternativa norte-americana e de alguns jornais da grande imprensa, como o The New
York Times), eram a favor da guerra - o que explica, em certo sentido, a razão de se reforçar o
sentimento de apoio à guerra, sendo difícil pensar diferente com tamanha exposição favorável.
Mas não foi isso que aconteceu. Os movimentos de contestação à guerra
mostraram-se muito maiores do que fenômenos meramente marginais, transformando-se nos
grandes aglutinadores de produção cultural que marcaram a década de 60. Tais movimentos
começaram a se impor, e logo teriam uma denominação comum: a chamada Contracultura.
Com certeza essa contestação de valores encontrou seu inimigo comum na guerra e as imagens
nada mais que confirmavam tais sentimentos. Não havia unidade dentro dos grupos da
Contracultura, (universitários, hippies, radicais de esquerda, Panteras Negras, etc.), mas a guerra
lhes deu uma unidade: todos esses grupos eram contra ela. Sendo assim, a Contracultura é
também uma implicação da guerra. Ela abria “espaços” utilizando a cobertura da guerra, e a
cobertura da guerra abria “espaços” para sua contestação.
A televisão, por sua vez, apresentava um material impressionante: imagens de
aldeias sendo queimadas por soldados norte-americanos, aviões realizando bombardeios nas
selvas (com os efeitos sonoros e visuais de um avião em ação) atingindo seres humanos
(Vietcongs ou não), guerrilheiros Vietcongs sendo “interrogados” (torturados) pelas forças do
Vietnã do Sul e assistidos pelos soldados norte-americanos (que acusavam o Vietcong de fazer
essas coisas), etc. Todas essas imagens entravam nas salas de milhões de pessoas, muitas vezes
sem edição, ou seja, com a sua carga máxima de efeito.
As imagens, principalmente as da televisão, confirmavam o que esses
contestadores queriam ver. A imprensa norte-americana era totalmente a favor da guerra, o que
deveria teoricamente dificultar a presença de contestação a ela, e, caso a contestação realmente
aparecesse, deveria ter sido muito pequena e localizada. Tal não aconteceu e a oposição foi
crescendo.
A imprensa norte-americana era a favor da guerra e seu discurso refletia isso.
Na luta pelo simbólico, os meios de comunicação dos Estados Unidos estavam ao lado de seu
governo. No entanto, a inexperiência na utilização da produção televisiva numa cobertura de
guerra diária ficava em evidência, ou seja, o conjunto de imagens/sons/movimentos
ultrapassavam, em muito, os desejos das emissoras (e do governo norte-americano), abrindo
“espaços” para a sua contestação. Por sua vez, evidentemente que não foi apenas
a cobertura da guerra que auxiliou na sua contestação. Não podemos esquecer os resultados
práticos da mesma, ou seja, a morte de vários soldados e a dor de suas famílias e amigos, que
abriram redes de solidariedade e, muitas vezes, de contestação à guerra. Fatores econômicos
também pressionaram, pois os gastos com a guerra fizeram com que a inflação do país chegasse
ao inédito número de dois dígitos.
86
A televisão aproximou os telespectadores da guerra,
auxiliando na construção de “quadros mentais” mais amplos sobre o conflito. De acordo com
Arlindo Machado:
“A convivência diária com essas imagens (da guerra)
fragmentárias agiu fundo no espírito do homem americano. Eram
imagens ‘frias’, obviamente filtradas pelo crivo da ótica dominante,
referiam-se a uma realidade distante e não chegavam propriamente a
emocionar ninguém, não chocavam as pessoas a ponto de arrastá-las
para as ruas num arroubo de paixão. Mas o contato com os dramas
cotidianos da guerra, o seus bastidores, os seus personagens, os
detalhes de suas motivações, os meandros de seus pretextos, as
contradições que emergiam a todo momento, tudo isso foi minando
lentamente a fé na cruzada libertadora. (...) À medida que cada
espectador ia compondo a trama, preenchendo as lacunas e
completando o quebra-cabeças, o mito da Guerra Santa ia se
esfacelando até o degringolamento final.”
87
De 1968 em diante, a situação mudou. Com a desilusão das possibilidades de
vitória, a opinião pública norte-americana desistiu de apoiar a guerra, e a imprensa seguiu esse
caminho, agora, sim, adaptando o conjunto de imagens/sons/movimentos aos desejos dos donos
do poder (ambos negativos em relação à guerra). O controle da televisão norte-americana
tornou-se mais rígido a partir da Guerra do Vietnã. A cobertura da Guerra do Golfo, por
exemplo, foi bastante controlada. E os efeitos do uso da televisão de maneira mais controlada
não foi exclusividade norte-americana: a Rede Globo, no Brasil, como veremos, também iria
preocupar-se bastante com sua produção, unindo, habilmente, o conteúdo e a forma para não
permitir a criação de espaços para qualquer tipo de contestação, mesmo que não funcionando
sempre.
Imagens
Como podemos perceber, a televisão tem papel importante no problema
forma/conteúdo dos últimos tempos. A obra Imagens e Imaginário na História, de Michel
Vovelle, trabalha, essencialmente, com a presença das imagens na formação e desenvolvimento
de imaginários. Vovelle pretende mostrar a “contribuição essencial da imagem ao estudo das
mentalidades coletivas”.
88
A entrada da televisão (aparelho de apresentação e criação de
imagens) foi decisiva para as mudanças de percepção humana neste século, e sua influência em
86
- Tuchman, Barbara. W. A Marcha da Insensatez - de Tróia ao Vietnã. 2. ed., Rio de Janeiro, José
Olympio, 1986;
87
- Machado, Arlindo. op. cit., p. 96;
88
- Vovelle, Michel. Imagens e Imaginário na História - Fantasmas e Certezas nas Mentalidades desde a
Idade Média até o Século XX. São Paulo, Ática, 1997;
outros meios de comunicação foi igualmente importante. Estamos falando de linguagens e
técnicas diferentes, criando ou reforçando novas representações da realidade, que foram sendo
criadas ou reforçadas por representações, influenciando-se entre si. Alguns autores procuraram
trabalhar estas influências.
As relações entre os meios de comunicação e a presença da televisão (o meio
audiovisual) também são destacadas por Marc Pailet. Para o autor, a televisão provocou
mudanças na maneira de se passar o discurso devido a sua linguagem mais abrangente - baseada
no tempo e na imagem:
“O conteúdo cultural da mensagem é tocado não só na
sua forma, mas também no seu fundo pela particularidade do
medium. O próprio meio provoca uma tal modificação da relação
entre o emissor e o destinatário que o conteúdo também é afetado (...)
Por hora, o conteúdo expressivo parece mudado formalmente e não
essencialmente. Mas o ponto de vista do emissor, segundo a
especificidade do medium, acaba por se modificar.”
89
Yves Mamou, no seu ensaio “A Culpa é da Imprensa!” - Ensaios sobre a
Fabricação da Informação,
90
nos levanta alguns pontos importantes. Primeiro, que houve a
influência da televisão nos outros meios, o que condicionou as seguintes características: rapidez,
multiplicidade de informação, papel de intermediário social e, principalmente, confiança do
público.
91
Não é que vários desses pontos não existissem antes da televisão (na verdade, eles
servem para toda a mídia), mas, para o autor, eles ficaram mais evidentes com a televisão e os
outros meios tiveram de se adaptar.
92
O autor vai mais longe, afirmando que existe uma
competição entre eles - todos procuram conquistar, politicamente, o público, para colocar seus
pontos de vista.
93
89
- Paillet, Marc. op. cit., p. 97;
90
- Mamou, Yves. “A Culpa é da Imprensa!” - Ensaio Sobre a Fabricação da Informação. São Paulo,
Marco Zero, 1992;
91
- Mamou, Yves. op. cit.;
92
- Mamou, Yves. Idem;
93
- o interessante da argumentação de Mamou é que a informação noticiosa é construída
intelectualmente, o que reforça algumas de nossas argumentações anteriores. O
problema é que essa construção é manipuladora por excelência, e não apenas do público
que a consome, mas inclusive da própria imprensa que a produz, no sentido de que os
agentes da informação podem estar inconscientemente reproduzindo idéias, notícias e
enfoques que privilegiam os interesses ou que beneficiam um determinado grupo
político ou econômico em detrimento de outro.
Esse maquiavelismo esbarra no seu
próprio radicalismo. Acreditamos que a informação jornalística seja uma construção que
quer ganhar a confiança do público, criar adeptos de uma causa, podendo para isso
utilizar elementos para a manipulação, mas não apenas manipulação. Muitas vezes, a
construção da notícia é, para quem a fez, uma verdade absoluta. Existem vários
sentimentos na construção de uma notícia, mesmo quando se trata de manipulação.
Mamou, Yves. Idem, ibidem;
Numa pesquisa sobre representação da imprensa, os próprios objetos, as guerras
da qual a pesquisa trata, não podem ser desprezados. A Guerra do Vietnã ficou famosa pela
presença de sons e imagens, e as representações sobre ela foram afetadas por essas
características. Será que apenas a Guerra do Vietnã teria tido essa importância? Em nossa
argumentação, as guerras da Coréia e do Vietnã são muito importantes, porque foram as
primeiras guerras a serem cobertas pela televisão de uma maneira mais relevante. Mas guerras
anteriores também foram cobertas e também deixaram marcas de sons e imagens. É dentro
dessa idéia que Paul Virilio escreveu Guerra e Cinema. O autor argumenta que
[desde] o início das guerras, o campo de batalha é um
campo de percepção. (...) Para o homem de guerra, a função da arma
é a função do olho.” A guerra não pode ser separada do espetáculo
mágico, pois seu objetivo básico é produzir esse espetáculo, ou seja,
“abater o adversário é menos capturá-lo do que cativá-lo, é infringir,
antes da morte, o pânico da morte.”
94
As guerras, propriamente ditas, ajudaram nessa mudança de percepção. O autor
demonstra a ligação do cinema com a guerra, o que pode ser justificado pela posse por parte dos
militares dos melhores equipamentos de filmagem, justamente pela facilidade de acesso a
materiais (característica de um período de guerra) como, por exemplo, o uso de nitroglicose -
que serve para a fabricação de explosivos, e também para a fabricação de filmes virgens.
95
O
cinema e a aviação surgiram juntos e esta última foi muito mais que um novo tipo de transporte
- acabou estabelecendo uma maneira diferente de se ver o mundo, uma nova perspectiva.
Fotografias áreas teriam os equipamentos mais sofisticados possíveis, produzindo fotografias
igualmente sofisticadas.
96
O importante é que as guerras, além de estimularem novas tecnologias na
produção de imagens (verbas altíssimas destinadas a este tipo de empreendimento, sem contar
os melhores cientistas trabalhando em tempo integral), elas também funcionaram como
espetáculo, alterando as percepções deste século. A fotografia e o cinema seriam os primeiros
instrumentos imagéticos relevantes para se ter novas percepções.
97
Logo, seria a televisão.
Paul Virilio trabalha mais com o cinema do que com a televisão, já que o
primeiro foi, praticamente, a primeira extensão das imagens de guerra para mudanças da
percepção humana no século XX. O autor não separa a arte da técnica. Arte e técnica, dois
fatores para essa alteração de percepções. O autor defende que a criação artística é a melhor
maneira de se moldar a percepção.
98
94
- Virilio, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo, Scritta, 1993, p. 12;
95
- Virilio, Paul. op. cit.;
96
- Virilio, Paul. Idem;
97
- Virilio, Paul. Idem, ibidem;
98
- Virilio, Paul. Idem, ibidem;
Buscar a arte para se alterar a percepção ou o posicionamento político não era
uma novidade. Goebbels, o ministro de propaganda da Alemanha nazista, não acreditava em
mensagens políticas diretas, mas sim na arte de entretenimento, que seria carregada de
elementos políticos.
99
Foi dentro dessa lógica que um comercial conhecido como o “da menina e
a margarida”, apresentado durante as eleições presidenciais norte-americanas de 1964, foi
realizado, como veremos no decorrer da pesquisa.
Publicitários alegariam que, nas circunstâncias de um comercial de televisão,
onde o tempo é de pouco mais de um minuto, não dá para apresentar coisas novas. Neste caso,
procura-se reforçar idéias que já estão presentes na mente do público. O que estes publicitários
não argumentam é que o uso da técnica da televisão é muito sutil, aumentando ainda mais o
impacto dos comerciais e portanto este reforço de idéias já concebidas também serve para a
manipulação desses mesmos sentimentos. Conteúdo e técnica estão juntos.
Paul Virilio ainda afirmaria que
“Nós separamos demais a arte da técnica. Agora temos
que recolocar arte e técnica, se quisermos compreender alguma coisa
da nossa realidade.”
100
Essa união é fundamental, pois foi justamente ela que criou as condições de
percepção de uma sociedade imagética. A imprensa brasileira configurou um quadro de
percepção, que acabou sendo assumido pelo meio e pelo público por causa das novas técnicas.
Separar as duas coisas não é possível.
Fontes e Divisão da Pesquisa
A pesquisa, portanto, pretende mostrar como a imprensa brasileira cobriu as
duas guerras, “usando-as” politicamente, além de mostrar também as problemáticas enfrentadas
por ela por causa da influência das alterações tecnológicas (em particular aquelas produzidas
pela concorrência da televisão).
A pesquisa foi trabalhada num quadro bastante amplo da imprensa brasileira
nas duas guerras e, para tal, utilizou-se de um grande número de fontes. Muitos jornais e
revistas importantes na década de 50, e fundamentais para a cobertura da Guerra da Coréia,
perderam bastante da sua força e influência nas décadas de 60 e 70, razão pela qual foram
preteridos da cobertura da Guerra do Vietnã, como foram os casos dos jornais Correio da
Manhã, Última Hora, Tribuna da Imprensa e das revistas Manchete e Cruzeiro. Tal opção não
99
- comentários sobre Goebbles apresentado no primeiro programa do documentário O Poder e a Mídia,
apresentado pela Rádio e Televisão Cultura de São Paulo em 1995. O Poder e a Mídia. Documentário,
Inglaterra, BBC, escrito e dirigido por Lawrence Rees, 1992;
100
- Virilio, Paul. op. cit., p. 194 (contracapa).
foi, de forma alguma, aleatória: a pesquisa procurou valorizar os meios mais importantes no
momento das guerras.
As décadas de 60 e 70 assistiram o surgimento de novas e variadas publicações,
como as revistas Fatos & Fotos, Revista Civilização Brasileira, Realidade e Veja, além da
própria imprensa alternativa (Amanhã, Pasquim e Opinião, entre outros), meios que preferimos
valorizar em detrimento de outros mais tradicionais. Mesmo assim, material sobre a Guerra do
Vietnã das publicações utilizadas na década de 50 aparecerão, dependendo da importância para
o quadro da cobertura da guerra feita pela imprensa brasileira.
A pesquisa, então, ficou assim dividida: um capítulo foi dedicado ao
Imaginário da Guerra Fria, onde será discutido alguns problemas bibliográficos sobre a
Guerra Fria, além da formação das Significações Imaginárias Secundárias a partir do imaginário
radical - no caso, a própria Guerra Fria; o capítulos seguinte versará sobre A Imprensa
Brasileira, apresentando um quadro amplo da mesma e de suas alterações tecnológicas, assim
como sua articulação com o Imaginário da Guerra Fria; o próximo capítulo trabalhará com O
Início das Guerras, analisando e comparando o começo dos dois conflitos; o capítulo Grandes
Acontecimentos das Guerras analisará alguns personagens, batalhas e massacres importantes
das duas guerras; o capítulo As Guerras, a Sociedade Brasileira e a Imprensa discutirá as
repercussões das guerras no Brasil; o capítulo O Fim das Guerras, irá procurar analisar e
comparar o fim dos conflitos; e o capítulo Considerações Finais encerrará a pesquisa.
O Imaginário da Guerra Fria
As grandes discussões historiográficas sobre a Guerra Fria tendiam a assumir
duas posturas bastante distintas; 1ª) foi uma construção soviética, que queria expandir o
comunismo para o resto do mundo; 2ª) foi uma construção norte-americana, para justificar suas
ações e conseqüentes intervenções nas nações que estivessem fora da “esfera” de domínio da
União Soviética. Tais posturas são resultados diretos da própria dinâmica que a Guerra Fria
assumiria, ou seja, de confrontos intransigentes de ambos os lados.
101
101
- de acordo com Henry Kissinger, analisando sob a ótica norte-americana: “Em
nenhum outro período da sua história a América participou de um sistema de equilíbrio
de poder. Antes das duas guerras mundiais, a América se beneficiara da operação de
equilíbrio de poder sem estar envolvida em suas manobras e enquanto desfrutava do
luxo de criticá-lo severamente ao seu bel-prazer. Durante a Guerra Fria, a América
encontrava-se imersa em uma luta ideológica, política e estratégica com a União
Soviética, na qual um mundo de duas potências funcionava de acordo com princípios
bastante diferentes daqueles de um sistema de equilíbrio de poder. Em um mundo de
duas potências, não pode haver nenhuma pretensão de que o conflito conduza ao bem
Os “Expansionismos” Soviético e Norte-Americano
Muitos dos pensadores ocidentais tenderam a culpar necessariamente os
soviéticos pelo nascimento e desenvolvimento da Guerra Fria. Podemos perceber a existência
desta lógica através de Robert Wesson, um estudioso, conservador, das políticas externas norte-
americanas:
“Depois da II Guerra Mundial, ainda houve uma certa
esperança de que a Grã-Bretanha pudesse encarregar-se de razoável
parcela das responsabilidades pela manutenção da ordem mundial, e
era geral a expectativa de que as Nações Unidas ajudassem a
preservar a paz. Mas logo se viu que a retirada americana seria
praticamente equivalente a consentir que a maior parte ou toda a
Europa e o resto do mundo caíssem sob a hegemonia da União
Soviética, uma potência antagônica e tirânica abertamente dedicada
(de acordo com a sua ideologia oficial de luta de classes universal) à
destruição da sociedade “burguesa” tradicional e da ordem
internacional.”
102
Sendo a União Soviética uma potência “antagônica e tirânica” e “abertamente
dedicada à destruição da sociedade “burguesa” tradicional”, seu combate por parte dos Estados
Unidos tornou-se, portanto, necessário. Foi dentro dessa lógica que a política externa norte-
americana iria atuar no período de 1945 até 1989.
Tal lógica começou a ser construída no discurso proferido pelo ex-chanceler
britânico Winston Churchill em Fulton, no Missouri, na presença do presidente Harry Truman,
onde o Leste Europeu foi chamado de “cortina de ferro”.
103
Nesse famoso discurso, Churchill
acusou a União Soviética de nação expansionista e pediu para que os Estados Unidos
assumissem seu papel de defensor da democracia, tendo a Grã-Bretanha como aliada. Uma das
conseqüências mais importantes do discurso de Churchill em Fulton foi que ele fez com que a
Guerra Fria começasse a ganhar uma linguagem própria - e a linguagem é a maneira básica de
se configurar um imaginário.
104
comum; qualquer ganho para uma das partes representa uma perda para a outra.”
Kissinger, Henry. Diplomacia Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1997, p. 17;
102
- Wesson, Robert G. A Nova Política Externa dos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 28;
103
- “De Stettin, no Báltico, a Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente.
Atrás daquela linha todas as capitais de antigos Estados do Centro e do Leste Europeu, Varsóvia, Berlim,
Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sofia, todas elas famosas cidades, e suas populações
vivem no que se poderia chamar de esfera soviética e todas estão sujeitas, de uma maneira ou de outra,
não apenas à influência soviética, mas em crescente medida ao controle de Moscou.” (grifos meus)
Extraído de: Cold War. Documentário, Estados Unidos, Cable News Network (CNN), produtores
executivos Pat Mitchell e Jeremy Isaacs, 1998; e http://www.fordham.edu/halsall/mod/churchill-
iron.html;
104
- Baczko, Bronislaw. Imaginário Social. In Enciclopédia Einaudi, Nº 5, Lisboa, Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, 1985;
O discurso de Fulton estabeleceu, através da linguagem, a política de confronto
entre o Ocidente e a União Soviética e, principalmente, estabeleceu que esta última era uma
nação ditatorial e que impunha o comunismo aos seus vizinhos. O termo “cortina de ferro”
transformou-se numa das maiores referências ao “império” soviético e às suas pretensas
políticas expansionistas e opressivas impostas aos seus vizinhos.
105
A imagem em si era simples,
mas poderosa: a “cortina” que estava cobrindo a Europa Oriental era de “ferro”, ou seja, algo
“cobria” estes países de maneira “pesada”, tirando-lhes a liberdade. A partir dessa imagem foi
construída uma idéia de que os países do Leste Europeu estavam totalmente presos e subjugados
pelos soviéticos e pelo comunismo, idéia esta que se estenderia para todo o mundo no decorrer
dos anos o termo “cortina de ferro” ganharia popularidade, principalmente nos discursos
proferidos por políticos anticomunistas. E a tendência era da “cortina” ser expandida, dinâmica
esta que seria reforçada por George Kennan.
George Kennan, que havia servido como diplomata norte-americano na União
Soviética e consultor político da Casa Branca, seria o grande idealizador da política externa
norte-americana em relação à União Soviética depois de 1945. No Memorando X (também
conhecido como o Longo Telegrama), um estudo sobre as eventuais ações do governo soviético
no pós-guerra, Kennan argumentou que os russos acreditavam no antagonismo nato entre o
capitalismo e o comunismo, não podendo haver, portanto, “qualquer admissão sincera de uma
comunidade de propósitos entre a União Soviética e os poderes considerados capitalistas”.
106
A
União Soviética não passava de uma nação expansionista e que, apesar dos discursos pacíficos e
conciliadores proferidos por seus políticos, pretendia, a médio e a longo prazo, impor uma
agressiva política de dominação mundial, política esta que deveria ser combatida. Dentro dessa
lógica, era necessário que houvesse uma “paciente mas firme e vigilante contenção a longo
prazo das tendências expansionistas” dos soviéticos, contra-atacando-os em qualquer lugar que
atuassem.
107
A política norte-americana em relação à União Soviética, então, seguiu os preceitos
de Kennan e a “contenção” da influência soviética, onde quer que ela se manifestasse, tornou-se
a sua tática diplomática primordial.
As tensões mundiais cresceram depois de 1945. As guerras civis na Grécia e na
Turquia, em 1947, que envolviam forças comunistas locais nas lutas, estavam ganhando
105
- Churchill já havia utilizado o termo “cortina de ferro” nas conferências de Postdam e num telegrama
enviado a Truman, onde Churchill afirmou que adoraria ser julgado por este documento. Eis a passagem
principal: “Uma cortina de ferro fechou-se sobre o front. Não sabemos o que está acontecendo atrás dela.
Não parece haver dúvida de que a totalidade das regiões leste da linha Lübeck-Triste-Corfu logo estará
completamente em mão dos russos.” Churchill, Winston S. Memórias da Segunda Guerra Mundial. Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 1995, p. 1096;
106
- Kennan, George. Memoirs: 1925-1950. Boston, Little Brown Books, 1967, p. 290-295 (texto integral
reproduzido: pp. 547-559); e em http://www.seas.gwu.edu/nsarchive/coldwar/documents/episode-
1/kenna.htm;
107
- Kennan, George. op. cit.; e http://www.seas.gwu.edu/nsarchive/coldwar/documents/episode-
1/kenna.htm;
aspectos mais dramáticos. Assim, Truman fez o famoso pronunciamento ao Congresso, em 12
de março de 1947, pedindo verbas adicionais para ajudar os dois países nos seus esforços de
guerra contra as forças comunistas. Seu discurso citava os dois países, mas enfatizava a
existência de uma crise política mundial, onde as nações deveriam escolher entre duas formas
de “vida alternativas”: uma livre e outra sob a opressão.
108
Truman afirmou que os Estados
Unidos deveriam ajudar “os povos livres que estão resistindo à subjugação por minorias
armadas ou pressões externas”. Ele ressaltou a importância da ajuda econômica para impedir o
alastramento de regimes totalitários que “nutrem-se na miséria e na necessidade”. Assim, os
Estados Unidos deveriam dar a esperança para os povos desses países oprimidos ou em vias de
opressão.
109
As guerras civis na Grécia e Turquia e o discurso agressivo de Truman dariam
os argumentos definitivos para legitimar a presença “protetora e esperançosa” norte-americana
na Europa contra o expansionismo soviético, naquilo que ficou conhecido como a Doutrina
Truman. A primeira ação da Doutrina Truman foi a criação do Plano Marshall, que tinha como
objetivos recuperar economicamente os países destruídos pela guerra e impedi-los de serem
absorvidos pelos soviéticos.
110
A lógica do expansionismo soviético seria contestada. Na virada das décadas de
60 e 70 tal postura foi radicalmente alterada por intelectuais através de uma série de estudos
indicando que a Guerra Fria foi uma construção norte-americana, pois os soviéticos, destruídos
pela Segunda Guerra Mundial e satisfeitos com sua “esfera” de influência, não poderiam
provocar uma guerra (estratégica ou militar) contra os Estados Unidos. Isaac Deutscher, no seu
clássico texto “Mitos da Guerra Fria”, mostra tal perspectiva:
108
- “Uma forma de vida é baseada na vontade da maioria e distingue-se por instituições
livres, governo representativo, eleições livres, garantias à liberdade individual, liberdade
de expressão e eleição, e ausência de opressão política. Uma segunda forma de vida é
baseada na vontade de uma minoria, imposta pela força à maioria. Recorre ao terror e à
opressão, a um rádio e a uma imprensa controlados, a eleições decididas de antemão e à
supressão das liberdade pessoais.” Extraído de: documentário Cold War, op. cit.,
tradução minha; e http//www.fordham.edu/halsall/mod/1947TRUMAN.html;
109
- “Devemos manter essa esperança viva. Os povos livres do mundo olham para nós esperando apoio na
manutenção de sua liberdade. Se fracassarmos na nossa missão de liderança, talvez ponhamos em perigo
a paz do mundo - e certamente poremos em perigo a segurança da nossa própria nação. O curso rápido
dos acontecimentos colocou sobre os nossos ombros grandes responsabilidades. Tenho fé que o
Congresso enfrentará com firmeza.” Extraído de: documentário Cold War, Idem, tradução minha; e
http//www.fordham.edu/halsall/mod/1947TRUMAN.html;
110
- de acordo com as palavras do criador do plano, o general George Marshall: “Nossa política é dirigida
não contra qualquer país ou doutrina, mas contra a fome, a pobreza, o desespero e o caos (...) qualquer
governo que desejar assistência na tarefa de recuperação achará toda a cooperação, estou certo, por parte
do governo dos Estados Unidos. Qualquer governo que manobre para bloquear a recuperação de outros
países não pode esperar nossa ajuda. Ainda mais, governos, partidos políticos ou grupos que busquem
perpetuar a miséria humana a fim de se beneficiar politicamente encontrarão a oposição dos Estados
Unidos.” Extraído de: Luiz de Barros, Edgar. Luiz de Barros, Edgar. A Guerra Fria. 3ª ed., São Paulo:
Atual, Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1985, p. 26;
“Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, quando
os poderes ocidentais enveredaram para a anulação das alianças, em
direção ao grande conflito com seu antigo aliado soviético, era
comum falar-se sobre os dois colossos, o americano e o russo, que se
defrontavam hostilmente através de um vazio do poder. Presumia-se
que um dos colossos, o russo, desafiava o americano, o ocidental. O
que as pessoas não compreendiam, e que os Governos não lhes
comunicavam, era que, desses dois colossos, um - o americano -
emergiu da Segunda Guerra Mundial com vigor e força total (...);
enquanto o outro colosso - o russo - jazia quase aniquilado,
sangrando profusamente por todas as feridas. E era esse colosso
branco sangrante, quase aniquilado, que se supunha criar uma
grande ameaça militar para a Europa.”
111
Como o “colosso” russo, “quase aniquilado”, poderia tentar criar uma guerra
contra o “colosso” americano que saiu praticamente intacto da Segunda Guerra Mundial?
Mesmo a idéia de expansionismo comunista (ou de suas tentativas para uma dominação
mundial) pareciam frágeis. Deutscher nos afiança:
“É uma das suposições menos inteligentes feitas no
Ocidente, a de que Stálin ou seus sucessores estivessem ou estejam
comprometidos com a revolução internacional. Os que se deram ao
trabalho de estudar a história soviética sabem o que Stalin e mesmos
seus sucessores representaram foi um profundo conservadorismo, o
conservadorismo de uma nova burocracia pós-revolucionária
privilegiada que estava, até certo ponto ainda está, interessada antes
de tudo na preservação do status quo tanto dentro quanto fora da
União Soviética.”
112
O pensador norte-americano Gabriel Kolko também defende o argumento que a
Guerra Fria foi criada pelos Estados Unidos. Para o autor, existiam razões internas para o
governo norte-americano construir o “inimigo” soviético. Os grandes lucros da economia norte-
americana conseguidos entre 1939 e 1945 eram provenientes das demandas provocadas pela
Segunda Guerra Mundial, demandas estas que iriam diminuir com o fim da mesma. No início de
1946, a produção industrial norte-americana teve uma queda de 30 %, o que aumentou o
desemprego, situação que tenderia a ficar pior com a desmobilização das Forças Armadas.
113
Assim, o governo Truman tentou impor a hegemonia norte-americana no mundo para manter o
nível de consumo e a prosperidade econômica do país.
Para exercer uma política externa agressiva, o governo do democrata de Truman
teria de convencer o congresso para tal, o que não era uma missão das mais fáceis: depois das
111
- Deutscher, Isaac. “Mitos da Guerra Fria.In Horowitz, David (Org.). Revolução e Repressão. Rio
de Janeiro, Zahar, 1969, p. 15;
112
- Deutscher, Isaac. op. cit., p. 19;
113
- Kolko, Gabriel. The Limits of Power. Nova Iorque, Harper & Row Publishes, 1970;
eleições parlamentares de 1946, o congresso ficou com a maioria pertencente ao Partido
Republicano, partido este cuja orientação política tendia, tradicionalmente, a favor de uma
política isolacionista.
114
Assim, a “criação” do inimigo soviético foi essencial para poder
convencer o congresso da necessidade de uma política externa agressiva e participativa, pois os
riscos de uma expansão comunista eram muito grandes - mesmo não existindo, de fato, tantos
riscos assim, pelo menos não do lado soviético. A guerra, então, continuou, mas com um outro
inimigo: o nazismo sai de cena e entra o comunismo.
115
Já uma obra mais recente, Novas e Velhas Ordens Mundiais, de Noam
Chomsky, também concordou com este ponto: a Guerra Fria foi uma construção norte-
americana. Os governos norte-americanos, precisando de um inimigo para justificar sua
repressão externa e interna, criaram o “inimigo soviético e comunista”.
116
Para Noam Chomsky,
com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos tomariam o lugar das velhas e
desgastadas potências européias, mas com os propósitos de evitar o surgimento de países que
seguissem um modelo político e econômico independente. Para tal, a Guerra Fria tornou-se
necessária: tendo o expansionismo comunista como inimigo maior, os Estados Unidos poderiam
intervir em quase todos os lugares do mundo não apenas para “conter” o comunismo, mas,
principalmente, para impedir o desenvolvimento de economias fora da dinâmica capitalista.
As noções de “segurança” e de “defesa” tornaram-se corriqueiras no discurso
dos governantes norte-americanos. Chomsky comenta que:
“Com a Guerra Fria extinta, as máscaras podem ser
removidas pelo menos levemente, e as verdades elementares, algumas
vezes expressas em instituições acadêmicas sérias, podem ser
publicamente cogitadas. Entre elas, está o fato de que o apelo à
segurança era em grande parte fraudulento, a estrutura da Guerra
Fria tendo sido empregada como um artifício para justificar a
supressão do nacionalismo independente - seja na Europa e no Japão,
seja no Terceiro Mundo.”
117
114
- Kolko, Gabriel. op. cit.;
115
- Gore Vidal comenta ironicamente: “Em casa, a mídia começava a preparar a
minoria atenta para a grande decepção. De repente nos vimos confrontados com os
maiores impostos de renda de pessoa física na história do país, para pagar por mais e
mais armas, entre elas a assassina bomba de hidrogênio tudo isso porque os russos
estavam chegando. Ninguém sabia muito bem por que estavam chegando, nem com o
quê. Por acaso ainda não estavam ocupados enterrando seus 20 milhões de mortos?”
Vidal, Gore. “As Diversões Imperiais.In Folha de S. Paulo (Caderno “Mais!”). São
Paulo, 07/12/97, p. 4;
116
- dentro dos Estados Unidos, Chomsky destacou o memorando de número 68 do Conselho de
Segurança Nacional, “o mais importante documento secreto da Guerra Fria (abril de 1950), que esboçava
a ‘necessidade de justa repressão’, uma característica crucial do ‘caminho democrático’, com ‘a dissensão
entre nós’ reprimida enquanto os recursos públicos são transferidos para as necessidades da indústria
avançada.” Chomsky, Noam. Novas e Velhas Ordens Mundiais. São Paulo, Scritta, 1996, p. 13;
117
- Chomsky, Noam. op. cit., p. 47;
O “inimigo”, no caso específico a União Soviética, serviria como desculpa para
derrubar políticas político-econômicas de caráter nacionalista ou simplesmente diferentes
daquelas pregadas por Washington. Chomsky salienta que:
“A confrontação da Guerra Fria forneceu fórmulas fáceis
para justificar ações criminosas ao nível externo e o
entrincheiramento do privilégio e do poder do Estado em casa. Sem a
necessidade inoportuna de consideração e evidência crível,
apologistas em ambos os lados puderam explicar reflexivamente que,
mesmo lamentáveis, os atos foram empreendidos por razões de
“segurança nacional” em resposta à ameaça do superpoderoso
inimigo, ameaçador e cruel.”
118
Com o fim da União Soviética, muitos dos arquivos do regime comunista, com
documentos até então inéditos, têm sido abertos, inclusive para o mundo ocidental. Além disso,
muitos documentos “classificados” dos Estados Unidos têm sido expostos nos últimos anos, o
que apresenta outras discussões sobre a Guerra Fria, contestando as noções de “expansionismo”
russo ou norte-americano.
Esferas de Influência
As duas grandes potências determinaram, por volta do final da Segunda Guerra
Mundial, suas “esferas de influência” pelo mundo.
Os soviéticos impuseram a sua influência na Europa Oriental e partes da Ásia,
mas não apenas para confirmar velhos desejos territoriais e políticos czaristas, como
argumentou Walter Lippmann (utilizando-se da idéia de Robert Strausz-Hupe, professor da
Universidade da Pensilvânia).
119
A política stalinista do pós-guerra seguiu as noções de
imperialismo de Lênin, como argumenta o historiador David Holloway.
Para Lênin, a Primeira Guerra Mundial foi uma guerra imperialista, originada
na rivalidade entre os estados capitalistas na busca de matérias-primas e mercados. Stalin
“atualizaria” a teoria de Lênin para o pós-Segunda Guerra: esta guerra, assim como a Primeira,
também fora resultado de uma crise do sistema capitalista mundial, sendo que uma outra crise
voltaria a acontecer e, conseqüentemente, produziria uma nova guerra mundial num futuro não
muito distante; para Stalin, a Alemanha e o Japão voltariam a crescer e, dentro de
aproximadamente 20 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, atacariam a União
118
- Chomsky, Noam. Idem, p. 12;
119
- de acordo com Strausz-Hupe, as fronteiras ocidentais da União Soviética coincidiam com as que o
Império Czarista pretendia, com exceção dos estreitos (Dardanelos) que o governo soviético não
conseguiu obter. Lippmann, Walter. The Cold War - a Study in U. S. Foreign Policy. Nova Iorque,
Harper and Bros., 1947;
Soviética, provocando a guerra final entre o capitalismo e o comunismo. Tornava-se, portanto,
necessário que a União Soviética estivesse preparada para a futura guerra, garantindo uma “área
de proteção” bastante ampla para as suas fronteiras, além de pressionar, diplomática e
militarmente, a Alemanha e o Japão.
120
A divisão da Europa Oriental feita entre Stalin e
Churchill, em 1944, passava por tal lógica política do ponto de vista de Moscou.
121
A desconfiança soviética em relação às potências ocidentais era bastante
justificada. Para alguns autores a Guerra Fria começou em 1917, data da formação do primeiro
estado comunista no mundo.
122
Mas, como vimos anteriormente, de acordo com Castoriadis,
apenas podemos falar de alguma coisa quando ela for inventada e instituída imaginariamente e,
nesse sentido, a Guerra Fria não começou em 1917, pois sequer havia sido inventada ou
instituída.
123
Podemos dizer que, em 1917, a criação de um estado socialista assustou as grandes
potências mundiais e fez que elas iniciassem uma política de confronto e de contenção perante o
novo regime, como apoiar o Exército Branco contra o Exército Vermelho na Guerra Civil
Russa.
124
Como tais situações pareciam que iriam voltar a se repetir, a União Soviética
impôs seu domínio na Europa Oriental e em partes da Ásia, criando a sua “esfera” de influência
para pressionar a Alemanha e o Japão e preparar-se para uma inevitável guerra mundial no
futuro. Após a morte de Stalin, a nova elite política soviética mudaria algumas dessas diretrizes,
como a criação da chamada política de “Coexistência Pacífica” com o mundo ocidental, ou seja,
aplicação de políticas mais tolerantes e com maior espaço de negociações em relação aos
Estados Unidos.
125
Mesmo assim, os novos dirigentes não mexeriam nas “esferas” soviéticas.
Os norte-americanos, por sua vez, também tiveram os seus problemas. Os
ataques japoneses na sua base asiática de Pearl Habour assustaram a elite governante dos
Estados Unidos, mostrando uma inusitada fragilidade do país em uma região de grande
interesse. Para evitar novas (e desagradáveis) surpresas, a política norte-americana do pós-
guerra caracterizou-se por estender a “Big Stick” (“grande porrete”, ou seja, a política de
120
- Holloway, David. Stalin e a Bomba. Rio de Janeiro, Record, 1997;
121
- o “acordo de cavalheiros” estabeleceu que a Europa Ocidental ficaria com as forças democráticas e
que a Europa Oriental ficaria com o predomínio soviético em 90 %. As divisões maiores foram
estabelecidas na Grécia (com 90 % de influência para os britânicos) e na Iugoslávia (cuja influência foi
dividida meio a meio). Deutscher, Isaac. op. cit.;
122
- Chomsky, Noam. op. cit.; e Fleming, D. F. The Cold War and Its Origins, 1917-1960. V. 1, Nova
Iorque, Garden City, 1961;
123
- Castoriadis, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 3ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1995;
124
- sobre a Guerra Civil e os receios soviéticos perante o nazismo, ver: Figes, Orlando. A Tragédia de
um Povo - a Revolução Russa: 1891-1924. Rio de Janeiro, Record, 1999;
125
- Holloway, David. op. cit.;
imposição dos interesses norte-americanos, mesmo que utilizando-se de força), que até 1945 era
aplicada (explicitamente) na América Latina, para outras partes do mundo.
126
A Ásia receberia uma atenção especial da política externa norte-americana no
pós-guerra. O Japão fora o grande rival norte-americano na região desde do século XIX,
mostrando, além de uma agressividade política em relação aos seus vizinhos, uma excepcional
capacidade industrial. Depois da derrota, o Japão seria desarmado, o que impediria
(militarmente) a sua típica agressividade política em relação aos seus vizinhos. Mas, desarmado,
o país poderia transformar-se num regime comunista numa eventual política agressiva soviética
- ou mesmo na ascensão de algum grupo de esquerda local.
Para resolver tais dilemas, o historiador Bruce Cumings argumenta que foi
criada a National Security Council (resolução do Conselho de Segurança Nacional, sigla NSC)
48/1 de dezembro de 1949, na qual os Estados Unidos (“núcleo”) deveriam acompanhar a
reconstrução econômica do Japão (“semi-periferia”), sendo que as nações asiáticas vizinhas
(“periferias”) deveriam ter suas economias voltadas para o crescimento japonês, formando uma
rede de dependência de toda a Ásia com os Estados Unidos, na chamada “grande área”.
127
O
espetacular desenvolvimento econômico verificado nas últimas 3 décadas do século XX por
Taiwan, Singapura, Hong Kong, Coréia do Sul, além do próprio Japão, estaria relacionado a
esta política: liberdade de desenvolvimento econômico com proteção política e militar dos
Estados Unidos.
Foi essa lógica que manteve a política agressiva dos Estados Unidos na Ásia,
tanto contra o colonialismo europeu quanto aos movimentos de independência (estimulados por
comunistas ou não). Não foi, portanto, insensatez, como argumenta a historiadora Barbara
Tuchman, na sua obra A Marcha da Insensatez, que produziu as políticas intervencionistas dos
Estados Unidos no Vietnã, mesmo quando a derrota era iminente.
128
As superpotências estabeleceram, portanto, “esferas” de influência, tanto para
manter sua segurança quanto para exercer seu domínio político e econômico. Tal dinâmica foi a
essência da Guerra Fria e ajudou a criar as significações imaginárias secundárias do Imaginário
da Guerra Fria.
126
- Leffler, Melvyn. “National Security and US Foreign Policy.” In Leffler, Melvyn P. e Painter, David
S. (Orgs.). Origins of the Cold War - an International History. Londres, Nova Yorque, Routledge, 1995;
127
- de acordo com Bruce Cumings: “Particularly important is the triangular structure of this
arrangement: United States (core), Japan (semiperiphery), and Southeast Asia (periphery). This structure
was clearly articulated in the deliberations leading up to the adoption of NSC 48/1 in late December 1949,
a document so important that it might be called the NSC 68 for Asia. (With this the United States made
the decision to send aid to the Bao Daí regime in Vietnam, not after the Korean War began.)” Cumings,
Bruce. “Japan and the Asian Periphery.” In Leffler, Melvyn P. e Painter, David S. (Orgs.). op. cit., p.
227;
128
- Tuchman, Barbara. W. A Marcha da Insensatez - de Tróia ao Vietnã. 2. ed., Rio de Janeiro, José
Olympio, 1986;
Significações Imaginárias Secundárias
A Guerra Fria é, como já afirmamos anteriormente, um imaginário radical.
Ainda segundo Castoriadis, derivam desse imaginário radical instituições de significações
imaginárias chamadas de secundárias. São secundárias não por serem menores ou derivadas,
mas por formarem uma unidade pela instituição das significações centrais da sociedade.
129
Nas
palavras de Castoriadis:
“Estas não podem existir sem aquelas; não há entre elas
relação de prioridade, e em geral tais relações não têm sentido no
nível aqui considerado. A empresa é uma instituição secundária do
capitalismo sem a qual não há capitalismo.”
130
No caso específico do Imaginário da Guerra Fria, podemos destacar as
seguintes significações imaginárias secundárias: a Divisão Bipolar do Mundo; o Medo do
Expansionismo Comunista, a Luta pela Revolução Socialista; o Medo da Terceira Guerra
Mundial (referente ao risco da destruição do planeta devido às armas nucleares) e a
Contracultura (surgida como crítica aos rigores políticos e sociais produzidos pela Guerra Fria).
Logicamente que nem todas estas significações imaginárias secundárias
surgiram separadamente. Muitas vezes elas surgem a partir de referenciais e acontecimentos
comuns. Outras vezes elas chegam a se confundir. A explicação a seguir foi construída
separadamente para facilitar o entendimento da formação desses imaginários.
A Divisão Bipolar do Mundo
Duas superpotências, duas esferas de influência, dois “mundos”: a Divisão
Bipolar do Mundo foi uma das mais importantes significações imaginárias do pós-guerra e da
Guerra Fria.
129
- Castoriadis apresenta o seguinte exemplo de significação imaginária secundária: “Deus não é uma
significação ‘ligada a algo’; que algo? A palavra Deus, tal como cada vez é colocada pela sociedade
considerada. O ‘referente’ que seriam as representações individuais de Deus (ou dos deuses) é criado
mediante a criação e a instituição desta significação imaginária central que é Deus. A significação Deus é
ao mesmo tempo criadora de um ‘objeto’ de representações individuais e elemento central da organização
do mundo de uma sociedade monoteísta, posto que Deus é colocado como ao mesmo tempo fonte do ser e
ente por excelência, norma e origem da Lei, fundamento último de todo valor e pólo de orientação do
fazer social, já que é por referência a ele que se encontram separadas uma região sagrada e uma região
profana, que são instituídas uma quantidade de atividades sociais e criados objetos que não têm nenhuma
outra ‘razão de ser’. É somente num sentido secundário, derivado e finalmente sem grande interesse que
podemos dizer que a partir da instituição de Deus e da religião, significações religiosas também se
encontram ligadas a objetos e atos que tinham ou teriam podido ter uma existência social ‘independente’
delas.” Castoriadis, Cornelius. op. cit., p. 407;
130
- Castoriadis, Cornelius. Idem, p. 416;
A divisão mundial de poderes anterior à Segunda Guerra Mundial era
multipolar, ou seja, as grandes questões mundiais passavam pela órbita de várias potências.
131
A
própria imagem dos “Três Grandes” nas conferências que discutiram os destinos da Segunda
Guerra Mundial (Teerã, Yalta e Potsdam) demonstraram esta multipolaridade de poderes. Mas,
como vimos, este quadro mudou: as desgastadas potências européias e o destruído Japão não
puderam manter seu (grande) poder, perdendo-o (embora não totalmente) para os Estados
Unidos e a União Soviética. As duas superpotências procurariam, com esse imaginário, impor
os seus interesses nos países que estavam dentro das suas áreas de influência, naquilo que foi
denominado de “política de blocos” - mas que não passava de uma representação construída a
partir deste novo imaginário.
132
A Divisão Bipolar do Mundo também foi utilizado como estratégia dos
governos das duas superpotências para conquistar posições políticas e impor seu poder, além de
legitimá-lo, perante a sua população.
133
As duas superpotências, portanto, procuravam informar
aos seus habitantes e para os habitantes das suas áreas de influência sobre essa “realidade” do
mundo dividido bipolarmente entre elas.
134
As duas superpotências também acreditaram nessa divisão bipolar e realizaram
competições entre si, disputando a hegemonia mundial. A disputa entre elas chegou a ser
extrema, como na competição pela produção de armas (naquilo que ficou conhecido como
“corrida armamentista” e “equilíbrio do terror”), na disputa pela supremacia
131
- nas palavras de Demétrio Magnoli: “O sistema continental europeu era um sistema multipolar.
Fundava seu equilíbrio de poder numa geometria variável onde se incluíam um mínimo de quatro
(Inglaterra, França, Alemanha, Áustria-Hungria) a um máximo de sete potências (com a adição da Rússia,
do Japão e dos Estados Unidos). Flexível, admitia uma multiplicidade de alianças, necessariamente
eventuais, entre as potências e com cada um dos Estados de segunda linha.” Magnoli, Demétrio. Da
Guerra Fria à Détente - Política Internacional Contemporânea. Campinas, Papirus, 1988, p. 38;
132
- para Demétrio Magnoli, o “sistema universal da Guerra Fria é um sistema bipolar. Funda seu
equilíbrio de poder numa geometria fixa polarizada por apenas duas superpotências, destacadas de todos
os outros Estados por sua capacidade bélica singular: só elas podem destruir o conjunto do sistema
interestatal. Rígido, admite unicamente o alinhamento das potências secundárias e dos demais Estados ao
redor de uma ou da outra superpotência.(...) As antigas teorias explicativas do sistema continental
europeu transfiguram-se, no sistema universal da Guerra Fria, em outras tantas ideologias a serviço da
guerra de propaganda.” Magnoli, Demétrio.. op. cit., pp. 38-39;
133
- Baczko afirma que “o imaginário social informa acerca da realidade, ao mesmo tempo que constitui
um apelo à acção, um apelo a comportar-se de determinada maneira. Esquema de interpretação, mas
também de valorização, o dispositivo imaginário suscita a adesão a um sistema de valores e intervém
eficazmente nos processos da sua interiorização pelos indivíduos, modelando os comportamentos,
capturando as energias e, em caso de necessidades, arrastando os indivíduos para uma acção comum. Por
exemplo, as representações que legitimam um poder informam acerca da sua realidade e comprovam-no.”
Baczko, Bronislaw. op. cit., pp. 311 e 312;
134
- para Baczko é “através dos seus imaginários sociais, uma colectividade designa a sua identidade;
elabora uma certa representação de si; estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais; exprime
e impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código de ‘bom comportamento’, designadamente
através da instalação de modelos formadores, tais como o do ‘chefe’, o ‘bom súdito’, o ‘guerreiro
corajoso’, etc.” Baczko, Bronislaw. Idem, p. 309;
tecnológica/conquista do espaço (conhecida como “corrida espacial”) e até mesmo em
atividades esportivas, como as Olimpíadas.
135
O Medo do Expansionismo Comunista
O medo da expansão comunista existia mesmo antes do fim da Segunda Guerra
Mundial, já sendo construído no Manifesto Comunista, de Karl Marx, de 1848.
136
Como vimos,
o regime comunista na Rússia recebeu oposição mundial desde o seu nascimento em 1917, pois
temia-se uma “exportação” da revolução socialista pelos bolcheviques. Tal “medo” aumentou
ainda mais depois de 1945, apesar da União Soviética estar destruída.
Políticas de diferentes interesses dos da Guerra Fria eram discutidas em vários
países no mundo mas, quase sempre, eram vistas como grandes perigos ideológicos caso fossem
implantadas. Governos com idéias mais nacionalistas (ou simplesmente mais práticas para o seu
momento), não necessariamente comunistas ou democráticas, eram combatidos, provocando,
muitas vezes, a intervenção direta de um país sobre o outro. Normalmente as superpotências
impuseram sua política dentro dos países da sua esfera de influência.
137
No caso norte-americano, foi construído, inclusive por meio do discurso de
Fulton, do Telegrama X e da Doutrina Truman, como vimos anteriormente, o chamado Medo do
Expansionismo Comunista.
138
A construção feita por estes três eventos defendia que o perigo da
expansão comunista vinha diretamente da União Soviética (apesar das suas impossibilidades,
como já discutimos). Por sua vez, a União Soviética procurou, dentro das suas esferas de
influência, impedir uma eventual “expansão capitalista”.
135
- que não deixavam de carregar elementos políticos: o boicote norte-americano nas Olimpíadas de
Moscou em 1980 (por causa da intervenção soviética no Afeganistão) foi “devolvido” pelos soviéticos
nas Olimpíadas de Los Angeles em 1984;
136
- “Um espectro ronda a Europa - o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-
se numa Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot, os radicais da França e os
policiais da Alemanha. Que partido de oposição não foi acusado de comunista por seus adversários no
poder? Que partido de oposição, por sua vez, não lançou a seus adversários de direita ou de esquerda a
pecha infamante de comunista? Duas conclusões decorrem desses fatos: 1. o comunismo já é reconhecido
como força por todas as potências da Europa; 2. é tempo de os comunistas exporem, à face do mundo
inteiro, seu modo de ver, seus fins e suas tendências, opondo um manifesto do próprio partido à lenda do
espectro do comunismo.” Marx, Karl e Engels, Friedrich. Textos. “Edições Sociais”, São Paulo, Alfa-
Ômega, 1977, p. 7;
137
- não apenas as superpotências, pois países subdesenvolvidos também têm por hábito tentar impor sua
influência nos países que estejam, de alguma maneira, dentro das suas esferas de interesses. Magnoli,
Demétrio. op. cit.;
138
- as superpotências também procuraram intervir na “esfera” da outra por razões
específicas, quase sempre ligadas a seus problemas internos ou estratégicos (como a
constante presença soviética e norte-americana no Oriente Médio, menos por questões
ideológicas e mais por causa do petróleo e da localização geográfica da região, ponto de
passagem entre a Ásia e a Europa). Young, John W. The Longman Companion to Cold
War and Detente, 1941-91. Londres, Nova Iorque, Longman, 1993;
Mas as lutas pela revolução socialista estavam realmente acontecendo dentro
das área de influência norte-americanas.
A Luta pela Revolução Socialista
As duas superpotências impuseram essa divisão de mundo para os seus povos e
para os povos de suas “esferas” de influência. Mas essa imposição não foi de forma alguma
tranqüila, pois as aspirações nacionais tendiam a produzir confrontos com a ordem mundial.
Apesar dos soviéticos não estarem estimulando o crescimento do comunismo
mundial, o comunismo estava crescendo mundialmente. Gabriel Kolko, na obra Century of
War, argumentou que o termo Guerra Fria foi inadequado para os acontecimentos do pós-
guerra: o comunismo cresceu nos países pobres pelo enfraquecimento das nações européias,
quando haviam questões coloniais diretamente envolvidas, e pelo próprio exemplo soviético nos
campos de batalha durante a Segunda Guerra Mundia l, além da sua presença no Leste Europeu,
dando, para vários grupos de esquerda, a idéia de que a União Soviética apoiaria qualquer
movimento revolucionário.
139
Dentro dessa lógica, o anseio pela revolução socialista cresceu em
todo o mundo.
Os soviéticos não pretendiam ajudar movimentos de esquerda (com receios de
provocar uma nova guerra mundial, desta vez contra os Estados Unidos), até pelo contrário:
pretendiam controlar esses movimentos. Grupos de esquerda recebiam (quando chegavam a
receber) apenas uma pequena ajuda dos soviéticos, pois estes sempre mostravam-se relutantes
em apoiar movimentos armados - e, principalmente, movimentos dos quais não pudessem
controlar.
Para tentar controlar a “revolução comunista mundial”, os soviéticos
procuravam orientar ideologicamente estes movimentos de esquerda com a idéia de se lutar por
uma revolução em etapas: para se atingir a revolução socialista era necessário passar por
algumas etapas (no processo que foi chamado de “etapismo”), ou seja, primeiro deveria
acontecer a etapa de uma revolução burguesa e, apenas depois desta etapa, é que se deveria lutar
pela revolução socialista.
140
Contestações a esta visão revolucionária começariam a aumentar, assim como
também as críticas ao monopólio do marxismo e da revolução detidos até então pela União
Soviética. O primeiro grande momento de contestação ao monopólio soviético foi a Revolução
139
- Kolko, Gabriel. Century of War Politics, Conflicts, and Society Since 1914. Nova Iorque, The New
Press, 1994;
140
- Gorender, Jacob. Combate nas Trevas - a Esquerda Brasileira: das Ilusões Pedidas à Luta Armada. 3ª
ed., São Paulo, Ática, 1987;
Chinesa, ocorrida em 1949, que mostrou as possibilidades de se fazer uma revolução através da
guerrilha com a participação do campesinato. Nos primeiros anos de revolução, a China esteve
ligada à União Soviética, mas esses laços desintegrariam-se no decorrer dos anos, com choques
de interesses cada vez maiores entre as duas nações, que fizeram com que a China tomasse
posições cada vez mais independentes.
141
A Revolução Chinesa e a Guerra da Coréia alimentaram a idéia de que a China
conduziria todo o Sudeste Asiático ao comunismo e criaria uma das mais polêmicas
representações políticas surgidas durante a Guerra Fria, a chamada “Teoria do Dominó”:
quando uma nação da região caísse sob o domínio do comunismo, as nações vizinhas logo
cairiam também, como num jogo de dominó, onde depois de se derrubar a primeira peça as
demais cairiam rapidamente, o que poderia destruir a política norte-americana na região. Tal
“teoria” desconsiderava completamente as diferenças regionais, transformando todos os
envolvidos em “comunistas”, caso fossem de oposição (qualquer que seja), ou em
“democratas”, caso estivessem do lado norte-americano, sendo que tudo era válido para se
impedir a queda das peças do “dominó”.
A possível queda da Indochina, onde forças nacionalistas (incluindo
comunistas) lutavam contra os franceses, seria o início da derrocada da liberdade na região.
Assim, os norte-americanos auxiliaram os franceses nos seus esforços de guerra para manter sua
colônia, alegando que a luta francesa era contra o comunismo. Com a saída da França e a
divisão da península da Indochina, os Estados Unidos passaram a intervir diretamente na região,
tentando fazer com que os instáveis, violentos e impopulares regimes do Vietnã do Sul
pudessem se manter sem cair perante o regime comunista do Vietnã do Norte.
A região da Indochina também passava lógica de integração da Ásia
estabelecida pelo NSC 48/1, mas ganharia contornos mais dramáticos. O envolvimento dos
Estados Unidos na Indochina desconsiderou o problema central da região: as lutas tinham um
forte caráter nacionalista, com o comunismo catalisando ainda mais as forças, tanto para e
expulsão dos franceses quanto, posteriormente, para a expulsão dos norte-americanos.
142
Hoang
Van Chi, historiador vietnamita, afirmou “que pode ser dito da revolução vietnamita é que
começou no nacionalismo e terminou no comunismo.”
143
Um outro acontecimento decisivo para a crítica à linha soviética foi a
Revolução Cubana, ocorrida em 1959. Esta revolução desafiava todas as premissas da
orientação soviética, pois não foi feita pela classe operária, nem dirigida pelo partido comunista
141
- Morrock, Richard. “Revolução e Intervenção no Vietname.In Horowitz, David (Org.). op. cit.;
142
- Morrock, Richard. Idem;
143
- extraído de: Lloyd, Dana Ohlmeyer. Ho Chi Minh. Coleção “Os Grandes Líderes”, São Paulo, Nova
Cultural, 1987, p. 62;
e nem sequer respeitou as etapas previstas nas teorias.
144
A revolução foi liderada por um
pequeno grupo guerrilheiro, que foi crescendo até a derrubada do governo de Fulgêncio Batista,
naquilo que seria chamado militarmente de “foquismo”.
145
Os personagens que conduziram a
revolução, em particular Fidel Castro e Ernesto “Che” Guevara, eram carismáticos o suficiente
para se tornarem exemplos para novos pretendentes à revolução.
A guerrilha tornava-se um modelo para a conquista do poder e para a
implantação da revolução socialista, indiferentemente a qualquer orientação soviética. Um outro
exemplo poderoso foi a resistência da guerrilha Vietcong contra os próprios Estados Unidos no
Vietnã durante a década de 60. Além da luta guerrilheira ganhar um grande espaço na mídia
mundial, sua resistência vitoriosa contra a maior força militar do planeta demonstrava (ou dava
essa impressão) da sua eficácia para a luta revolucionária. Nas décadas de 50 e 60 o mundo
ocidental viu surgir inúmeros grupos revolucionários que lutavam pela revolução socialista,
acusando seus governos de serem títeres dos Estados Unidos e do capitalismo internacional.
China e Cuba chegariam a apoiar muitos desses grupos, o que desagradou os soviéticos (que
ainda tentavam controlar esses movimentos de esquerda), além de dar uma justificativa
pertinente para a intervenção dos Estados Unidos nos mais variados lugares do mundo.
A espionagem tornou-se, então, essencial para as superpotências. As duas
principais agências de espionagem, a CIA (Central of Inteligence American) norte-americana e
a KGB (Comissão para a Segurança do Estado) soviética, foram acusadas de promover os mais
variados atos de hostilidade contra várias países, além de roubar e passar informações ditas
como vitais.
146
Mas a espionagem não foi exclusividade das superpotências: praticamente
todos os países do mundo desenvolveram os seus setores de segurança e espionagem, temendo
atos de espionagem contra si - ou promovendo os atos de espionagem contra outros países. O
clima de confronto da Guerra Fria ajudou a manter a idéia da existência de complôs sujos e
sórdidos, que também deveriam ser combatidos da mesma forma pelas “forças do bem”, sejam
elas quais forem. A espionagem, ao mesmo tempo que assustava, também fascinava - a mistura
de medo com o fascínio pelo “lado negro” do poder sempre chamou a atenção do público de um
modo geral.
147
O cinema imortalizaria esta relação medo/fascínio através da construção da
imagem heróica e misteriosa do espião, principalmente na figura do agente secreto inglês James
144
- Schwarz, Roberto. “Um Seminário de Marx.In Folha de S. Paulo (Caderno “Mais!”). São Paulo,
08/10/95;
145
- Gorender, Jacob. op. cit.;
146
- sobre as ações da Cia, ver: Agee, Philip. Dentro da “Companhia” - Diário da CIA. São Paulo, Círculo
do Livro, 1976 e documentário Os Bastidores da CIA, Estados Unidos, Discovery Channel, produzido por
Alan Levin e Stephen Stept, 1997; sobre as ações da KGB, ver: Trasibulo, Maria Cristina; Henrique, Don
Alfonso e Augustus, Cesar. En Los Subterráneos de La Guerra Psicologica - CIA/KGB: El Nuevo
Tratado de Tordesillas. Lisboa, Editora Latina, s/D;
147
- Girardet, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo, Companhia das Letras, 1987;
Bond e de seu famoso código, 007.
148
Entre muitas de suas aventuras, James Bond “lutou”
várias vezes para impedir uma Terceira Guerra Mundial. Fora das telas, em muitos lugares do
mundo, como no Vietnã, existiram reais possibilidades de uma temida Terceira Guerra Mundial.
O Medo da Terceira Guerra Mundial
A construção da significação do medo da Terceira Guerra Mundial começou
imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial. Os seis anos de mortes e violência do
conflito recém terminado criaram desejos por parte expressiva da população mundia l, em
particular dos Estados Unidos e da Europa, para que uma nova guerra não ocorresse outra vez.
Grupos pacifistas surgiram defendendo políticas menos agressivas entre as superpotências
embora estes grupos (ou pelo menos a maioria deles) seguissem as linhas políticas vindas de
Moscou, pressionando os governos ocidentais a serem menos agressivos em relação à União
Soviética.
149
Mas foram os lançamentos das bombas atômicas sobre as cidades japonesas de
Hiroxima e Nagasaki que deixaram o mundo na expectativa de uma Terceira Guerra Mundial.
Por que os norte-americanos lançaram as bombas no Japão? De acordo com Gal
Alperovitz, no seu estudo clássico sobre a diplomacia americana no imediato pós-guerra, as
bombas foram utilizadas mais para repercutir em Moscou do que propriamente em Tóquio, pois
os japoneses já estavam completamente derrotados e o uso das bombas atômicas não mudaria o
destino da guerra. Em outras palavras, foi uma demonstração, pouco sutil, de que os Estados
Unidos não pensariam duas vezes antes de utilizar seu arsenal atômico sobre os países inimigos
em potencial - e a União Soviética era o primeiro país na lista - , caso existissem “problemas”
diplomáticos no pós-guerra.
150
A argumentação de Alperovitz foi contestada: alguns pensadores defendem que
a cúpula militar norte-americana não tinha como saber da real situação japonesa e o uso das
bombas não foi mais do que uma necessidade estratégica da guerra propriamente dita, pois
evitou a morte de muitas vidas norte-americanas que iriam ocorrer caso os Estados Unidos
tivessem de invadir o território japonês; já outros pensadores argumentam que, pela lógica da
cúpula política norte-americana, uma vez desenvolvida a bomba, ela teria de ser utilizada, pois
148
- de acordo com Eric J. Hobsbawn: “A Guerra Fria que de fato tentou corresponder à sua retórica de
luta pela supremacia ou aniquilação não era aquela em que decisões fundamentais eram tomadas pelos
governos, mas a nebulosa disputa entre seus vários serviços secretos reconhecidos e não reconhecidos,
que no Ocidente produziu esse tão característico subproduto da tensão mundial, a ficção de espionagem e
assassinato clandestino. Nesse gênero, os britânicos, com o James Bond de Ian Fleming e os heróis
agridoces de John le Carré - ambos tinham trabalhado nos serviços secretos britânicos - , mantiveram uma
firme superioridade, compensando assim o declínio de seu país no mundo do poder real.” Hobsbawn, Eric
J. Era dos Extremos - O Breve Século XX, 1914-1991. 2ª ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p.
226;
149
- Holloway, David. op. cit.;
150
- Alperovitz, Gar. Diplomacia Atômica: o Uso da Bomba Atômica e o Confronto do Poder Americano
com o Soviético. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, Saga, 1969;
foram gastos mais de 2 bilhões de dólares na sua construção em Alamagordo no chamado
“Projeto Manhattan”, um valor alto demais para a época e que precisava ser justificado para a
opinião pública e, principalmente, para os contribuintes.
151
De qualquer forma, a explosão das bombas repercutiu em Moscou
efetivamente. A estratégia soviética perante o armamento atômico norte-americano, num
primeiro momento, seguiu dois caminhos distintos: 1º - subestimar a importância da bomba
atômica nas relações políticas internacionais; 2º - desenvolver a sua própria bomba o mais
depressa possível. No primeiro ponto, a diplomacia soviética tentou mostrar-se indiferente ao
armamento norte-americano, não se intimidando e procurando, inclusive, impor-se como
potência no tabuleiro do poder mundial, como fez, por exemplo, através do Bloqueio de Berlim
em 1948.
152
Muitos estudos militares foram realizados entre 1945 e 1947, por ambas as partes, e
a maioria deles indicou que, apesar da superioridade “de fogo” norte-americana por causa da
bomba atômica, este armamento não iria produzir efeitos militares significativos no caso de uma
invasão na própria União Soviética.
153
No segundo ponto, os soviéticos já tinham conhecimento
das pesquisas norte-americanas do “Projeto Manhattan” antes de Postdam e, por volta de 1943,
eles começariam a desenvolver, lentamente, a construção da sua própria bomba. Com o impacto
das explosões das bombas no Japão na elite política soviética, Stalin determinou que era
necessário, de qualquer forma, que a União Soviética tivesse a sua própria bomba. Stalin, então,
priorizou o projeto atômico soviético e destinou recursos praticamente ilimitados para a
construção da bomba, apesar da situação econômica do país estar caótica.
154
Com tal orientação,
mais a presença de cientistas de grande capacidade intelectual (como Andriêi Sákharov e do
cientista-chefe do projeto atômico soviético, Igor Kurchatov), além da eficiência da sua
espionagem (que forneceu dados precisos sobre o “Projeto Manhattan”), os soviéticos
aceleraram a construção da sua bomba atômica, que foi testada em com sucesso em 29 de
agosto de 1949.
155
Ainda em 1949, os Estados Unidos conseguiriam estabelecer um padrão
industrial do artefato nuclear para uma produção em larga escala. Em 1952, os Estados Unidos
explodiram a bomba de hidrogênio, um arma ainda mais poderosa do que a bomba atômica,
sendo que os soviéticos logo desenvolveriam o mesmo tipo de bomba e a explodiriam em
1953.
156
As rampas de lançamento intercontinentais começaram a ser desenvolvidas e, já no
final da década de 50, o homem poderia lançar um satélite artificial no espaço (como os
151
- discussões levantadas na introdução de: Sherwin, Martin J. “The Atomic Bomb.” In Leffler, Melvyn
P. e Painter, David S. (Orgs.). op. cit.;
152
- Holloway, David. op. cit.;
153
- Holloway, David. Idem;
154
- o projeto atômico soviético utilizou-se de mais de 150 mil pessoas, a maioria trabalhando nas minas
para obtenção de urânio e outros minérios atômicos. Holloway, David. Idem, ibidem;
155
- Holloway, David. Idem, ibidem;
156
- a bomba atômica soviética era praticamente uma cópia da bomba norte-americana, mas a bomba de
hidrogênio soviética era um projeto original da ciência soviética. Holloway, David. Idem, ibidem;
soviéticos fizeram ao lançar o Sputinik) ou enviar uma bomba nuclear, com muita precisão de
alvo, nos mais distantes lugares do mundo. Era a chamada “corrida armamentista” e tecnológica
entre as superpotências.
157
Tanto a “corrida armamentista” como o confronto tecnológico criaram uma das
representações mais fortes da Guerra Fria, que foi o chamado “equilíbrio do terror”. Tal
equilíbrio evitou uma guerra entre as duas potências, pois aquele que atacasse primeiro correria
o risco de sofrer um terrível e destruidor contra-ataque, muito mais devastador do que o seu
ataque inicial - situação que seria chamada na década de 80 do século XX de “the day after”.
158
Tais problemas evitaram uma guerra entre as superpotências, mas as armas
nucleares não evitaram as inúmeras guerras que se alastraram entre os demais países nos anos
seguintes depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Na verdade, as armas nucleares
aumentaram ainda mais os problemas das regiões em litígio: qualquer destes “incidentes”,
dependendo dos resultados, eram ameaçados por uma superpotência com um ataque nuclear,
ataque este que poderia ser respondido pela outra superpotência. Mesmo conflitos menores
poderiam levar a uma Terceira Guerra Mundial.
Os problemas no tocante à produção de armas, nucleares ou não, não se
limitavam apenas a questões da Guerra Fria. Grupos e interesses dos mais variados também
atuavam nessa dinâmica da Guerra Fria. Um desses grupos foi o chamado Complexo Industrial-
Militar, ou seja, um complexo de redes industriais ligadas à produção de armas e equipamentos
militares, com interesses nas verbas governamentais.
159
Tal “complexo” existia antes do fim da
Segunda Guerra Mundial, mas ganhou um grande desenvolvimento com a Guerra Fria, pois ela
era uma justificativa para a manutenção de um infinito estado de guerra, dando o status de
importância (e lucro) dessas indústrias.
160
157
- Robert G. Weasson argumenta que a “corrida soviético-americana de armas nucleares foi
impulsionada pelo medo e por seu próprio ímpeto adquirido. A potência das armas é tamanha que parece
indispensável contrabalançar o que o adversário possa fazer ou seja capaz de fazer. Se ter algumas armas
nucleares é desejável, ter mais é ainda melhor. A incerteza gera o medo; o sigilo soviético alimenta os
“falcões” em Washington.” Wesson, Robert G. op. cit., p. 60;
158
- tal expressão surgiu de um telefilme norte-americano de mesmo nome, que tratava justamente do dia
seguinte a uma guerra nuclear. O Dia Seguinte (The Day After). Filme, Estados Unidos, dirigido por
Nicholas Meyer, 1983;
159
- Eisenhower, em discurso de despedida da presidência, proferido em 17/01/61, denunciou o
complexo: “Essa conjunção de um imenso aparato militar e uma enorme indústria armamentista é nova na
experiência norte-americana. (...) Nós reconhecemos a necessidade imperiosa para tal desenvolvimento.
Ainda assim, não devemos falhar em compreender suas graves implicações. Nos conselhos
governamentais, nós precisamos nos precaver contra a aquisição de influência injustificada, procurada ou
não, pelo complexo militar-industrial. O potencial para o desastroso crescimento desse poder fora do
lugar existe, e persistirá.” Extraído de: Sandbergm Peter Lans. Eisenhower. Coleção Os Grandes
Líderes”, São Paulo, Nova Cultural, 1987, p. 84;
160
- - Weasson argumenta que “Muito pode ser dito contra o comércio de armas. Ele é suscetível de causar
instabilidade e aumentar as tensões; alguns governantes serão provavelmente tentados a usar suas armas
reluzentes e novinhas em folha, embora outros possam desejar manter intactos seus dispendiosos
brinquedos. É lícito conjecturar que a escalada na corrida de armas convencionais favorece a proliferação
de armas nucleares. (...) Os armamentos também constituem um exemplo de consumo conspícuo, uma
O Complexo Industrial-Militar fazia parte da realidade das duas superpotências.
Para a União Soviética, era quase que necessário efetuar gastos nessa área pois, além das
pressões que os membros do Exército Vermelho constantemente faziam, era uma inesgotável
fonte de arrecadação de rendas e de produção para o país. Os gastos com armamentos
produziam muitos empregos diretos e uma série de empregos indiretos, o que fazia a economia
soviética, mesmo que de maneira cambaleante, funcionar.
161
A venda de armas transformou-se, então, num grande comércio, tanto para os
soviéticos quanto para os norte-americanos. Tal comércio precisava ser mantido e, neste
sentido, a idéia de um confronto entre as duas superpotências era perfeitamente lógica e
aceitável para membros desses setores de ambos os lados.
162
Contracultura
A Contracultura foi um fenômeno que atingiu o seu apogeu durante o período
da Guerra do Vietnã, mesmo tendo origens nos anos anteriores. É difícil definir toda a extensão
deste termo, pois os grupos que compunham a Contracultura não apresentavam uma unidade.
163
De acordo com Theodore Roszak, os movimentos contestatórios foram feitos por uma minoria
de jovens das décadas de 60 e 70, filhos do chamado “baby boom” (expressão que define os
aproximadamente 86 milhões de nascimentos entre 1946 e 1964, apenas nos Estados Unidos),
criados na prosperidade econômica que os países desenvolvidos atingiram depois da Segunda
Guerra Mundial. Esses jovens - diferentemente de seus pais, que precisaram sujeitar-se ao
trabalho quer pela depressão econômica ou pela guerra - desejavam ficar jovens eternamente.
Para esses “jovens mimados” e criados na abundância, não acostumados às convenções sociais
(muito mais suaves nas suas casas, nas escolas e nas universidades), a sociedade tinha de ser
mudada para a busca do prazer que tais convenções sociais impediam.
164
Em outras palavras,
marca de poder e progresso, à semelhança de uma empresa aérea nacional. O seu uso mais provável é
para derrubar um governo ou sustentar uma ditadura.” Weasson, Robert G. op. cit., p. 86;
161
- Chomsky, Noam. op. cit.;
162
- tal comércio atingiria as outras nações do mundo. A África seria um dos maiores consumidores de
armas na segunda metade do século XX. Vivendo imerso na mais profunda miséria e com inúmeras crises
políticas (devido à grande quantidade de tribos e de grupos radicais com os mais variados interesses), o
“continente negro” vivia (como ainda vive) em estado de guerra permanente. As superpotências e outros
países produtores de armas (como o Brasil) iriam se aproveitar deste estado de “guerra permanente” para
vender suas armas e, conseqüentemente, aumentar ainda mais o flagelo do povo africano. Extraído do
documentário Guerra Fria, programa exibido pela Rádio e Televisão Cultura, São Paulo, janeiro de 1998.
Guerra Fria. Documentário, São Paulo, Rádio e Televisão Cultura, dirigido por Roseli Ferro, 1998;
163
- alguns autores fazem, inclusive, divisões mais radicais sobre os movimentos de contestação da
década de 60, como é o caso de Peter Cleack, que chama de “Movimento” o conjunto de ações não-
conformistas praticadas nos Estados Unidos neste período, dividindo-o assim: “o movimento negro, o
movimento estudantil, a nova esquerda, o movimento feminista, a contracultura.” Cleack, Peter. “O
Movimento dos Anos 60 e o seu Legado Cultural e Política.” In Coben, Stanley e Ratner, Norman (Org.).
O Desenvolvimento da Cultura Norte-Americana. Rio de Janeiro, Anima, 1985, p. 353;
164
- Roszak, Theodore. A Contracultura. 2. ed., Petrópolis, Vozes, 1972;
esses jovens procurariam criar uma outra cultura, uma cultura alternativa à cultura aceita pela
sociedade procurariam criar uma Contracultura.
165
Ainda na década de 50, foi criado uma espécie de “mercado jovem”, ou seja, a
comercialização de produtos única e exclusivamente para jovens, reforçando a idéia da
juventude como um fim em si mesma.
166
Tais produtos poderiam ter intenções meramente
comerciais, mas acabariam realizando uma profunda revolução cultural de crítica jovem ao
mundo,
167
criando representações que se manifestariam, principalmente, na década seguinte.
Mas foi na década de 50 que um outro produto cultural importante, a televisão,
começaria a se destacar como o meio de comunicação mais importante. Os meios eletrônicos de
um modo geral tiveram uma expansão fantástica durante a década de 50, e, conseqüentemente, a
televisão também. Quase que toda a cultura norte-americana ficou dependente da televisão,
tanto que os principais ídolos musicais utilizaram-se do meio para alcançar (ou manter) o seu
sucesso, como foi o caso de Elvis Presley em 1956 e, em 1964, dos Beatles.
168
O mais
importante foi que esse meio acabou por particularizar coisas distantes, aumentando a idéia de
livre arbítrio, ou seja, de que as pessoas tinham uma capacidade de participação social maior.
Problemas aparentemente longínquos eram apresentados continuamente e no cotidiano de
165
- de acordo com o Luís Carlos Maciel, contracultura “é a cultura marginal, independente do
reconhecimento oficial. No sentido universitário do termo é uma anticultura. Obedece a instintos
desclassificados nos quadros acadêmicos.” Extraído de: Pereira, Carlos Alberto M. O que é Contracultura.
Coleção “Primeiros Passos”, Nº 100, 2ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1984, p.13;
166
- os principais produtos construídos e consumidos pela juventude estavam relacionados com o cinema,
onde personagens como o motoqueiro Marlon Brando e o rebelde sem causa James Dean colocavam-se
contra os adultos, criando uma série de imitações baratas muito consumidas pelos jovens (os chamados
filmes “B”); com a música popular, onde os jovens buscavam alternativas aos cantores tenores e ítalo-
americanos (cujo exemplo máximo era Frank Sinatra) principalmente através da música negra (o jazz e o
rythm’n’blues), originando uma nova música relacionada diretamente com os jovens, o rock’n’roll, cujos
ídolos também apareciam como transgressores (o rebelde e sexual Elvis “the Pelvis” Presley, o andrógino
Little Richard, etc.); com a literatura, como a obra de J. D. Salinger, The Catcher in the Rye (O
Apanhador no Campo de Centeio), que mostrava os pensamentos de um adolescente rebelde, enquanto
que a Geração Beat (precursores diretos dos hippies) e suas propostas de liberdade ganhavam o mercado
editorial com a poesia Howl (Uivo), de Allen Ginsberg, e o relato das viagens de carona de Jack Kerouac
em On The Road; com as revistas em quadrinhos, pois elas estimularam a imprensa alternativa norte-
americana, que teria como base os campus universitários, e ajudariam a abrir espaço para quadrinistas
como Robert Crumb e Robert Williams. Fora da imprensa alternativa, a revista MAD era um dos produtos
intensamente consumidos pelos jovens, apresentando críticas à vida e situações cotidianas, mesmo que
sem intenções revolucionárias;
167
- mas nem tudo foi tão “maravilhoso” assim para a juventude deste período. Mesmo tendo sobrevivido
uma idéia de que a década de 50 (muitas vezes chamado de “anos dourados” - termo utilizado antes
mesmo do seriado produzido pela Rede Globo como este mesmo nome) foi um momento único de
rebeldia jovem, muitos intelectuais discordam desta visão. Russell Jacoby comenta que: “Enquanto as
rebeliões dos anos 60 podem ser e foram documentadas exaustivamente, os anos 50 parecem cada vez
mais confusos, assim como cruciais. Os anos 50 se caracterizaram pela rápida suburbanização, pela
ascensão e queda do macarthismo e pelos beats. Esses anos também testemunharam uma nova crise
nacional: a delinqüência juvenil, tema de intermináveis investigações. No entanto, os editoriais dos
jornais lamentavam também outro fenômeno, quase oposto: o da juventude apática e conformista.”
Jacoby, Russell. Os Últimos Intelectuais - a Cultura Americana na Era da Academia. São Paulo,
Trajetória Cultural, Editora da Universidade de São Paulo, 1990, p. 66;
168
- a apresentação dos Beatles no programa de Ed Sullivan tive uma audiência de aproximadamente 73
milhões de telespectadores, a maior até então na história da televisão norte-americana;
milhões de pessoas através da televisão - milhões de jovens eram apresentados aos problemas
sociais dos mais variados pontos do mundo e não ficariam indiferentes a eles.
A produção televisiva começou a ser influente na vida de milhões de norte-
americanos, e não apenas por causa dos programas jornalísticos: um dos primeiros produtos
realizados pela televisão foram os seriados semanais, que no Brasil ficariam conhecidos
pejorativamente como “enlatados”. Apesar de seu discutível nível cultural, esses seriados não
apenas confirmavam os valores tradicionais, como também acabaram criando representações
críticas da vida dos Estados Unidos. O seriado Rota 66, fortemente influenciado pela Geração
Beat, seria um desses exemplos. Os dois jovens que percorrem a rota 66 com seu automóvel
passavam mais do que histórias ficcionais - eles realizaram um mergulho dentro da sociedade
norte-americana, mostrando as relações sociais de pequenas cidades, com seus problemas de
relacionamento, moralidade, racismo, etc.
169
O novo meio aproximava questões distantes, o que alterou profundamente a
maneira de uma parte expressiva do público de encarar certos acontecimentos, como a reação
contra o segregacionismo racial no sul dos Estados Unidos. A política contra a segregação
racial, iniciada durante o governo Eisenhower e levada a cabo durante o governo Kennedy,
recebeu o reforço de inúmeros jovens, que formaram o Students for a Democratic Society
(Estudantes por uma Sociedade Democrática), o SDS, um grupo de pressão e atuação para que o
segregacionismo fosse abolido. Uma vez conseguido esse objetivo, o SDS colocaria-se contra a
Guerra do Vietnã.
170
A Contracultura também seria um dos frutos do Imaginário da Guerra Fria?
Em muitos sentidos a resposta é positiva, pois a Contracultura buscava representações
alternativas ao moralismo comportamental das sociedades industriais e, por assim dizer,
buscava também alternativas aos radicalismos maniqueístas da Guerra Fria, apresentando novas
representações.
Uma das representações que a Contracultura combatia era a tecnocracia, pois
não importava se o regime fosse capitalista ou comunista (a divisão por excelência da Guerra
Fria): a ordem tecnocrática era a mesma nas duas formas de governo.
171
Para os comunistas, o
grande inimigo era o capitalismo; para os membros da Contracultura, o grande inimigo era o
169
- Jacoby, Russell. op. cit.;
170
- para saber sobre a trajetória dos grupos de estudantes norte-americanos, ver: Wells, Tom. The War
Within - America’s Battle Over Vietnam. Los Angeles, University of California Press Ltda, 1994;
171
- para Theodore Roszak, tecnocracia é “a forma social na qual uma sociedade industrial atinge o ápice
de sua integração organizacional. É o ideal que geralmente as pessoas têm em mente quando falam de
modernização, racionalização, planejamento. Com base em imperativos incontestáveis como a procura de
eficiência, a segurança social, a coordenação em grande escala de homens e recursos, níveis cada vez
maiores de opulência e manifestações crescentes de força humana coletiva, a tecnocracia age no sentido
de eliminar as brechas e fissuras anacrônicas da sociedade industrial. (...) A política, a educação, o lazer,
o entretenimento, a cultura como um todo, os impulsos inconscientes e até mesmo, como veremos, o
protesto contra a tecnocracia - tudo se torna objeto de exame de manipulação puramente técnicos.”
Roszak, Theodore. op. cit., p. 19;
“sistema” e suas infinitas redes de poder que aprisionavam o indivíduo. Os primeiros lutavam
contra a opressão econômica de um classe sobre as demais, procurando libertá-las; os membros
da Contracultura lutavam pela “liberdade”, que era limitada (ou mesmo impedida) pelas amarras
tecnocráticas.
172
O já citado Complexo Industrial-Militar seria muito criticado por membros da
Contracultura, que o acusaram de ser uma extensão totalitária da tecnocracia.
Nunca foi dada uma definição exata do conceito de “liberdade” trabalhado pela
Contracultura. Um exemplo desta busca de “liberdade” sem um conceito mais definido pode ser
acompanhada num dos primeiros grupos de hippies, The Merry Pranksters, grupo formado pelo
escritor Ken Kesey, que consistia num bando de andarilhos que viajavam de cidade em cidade
dos Estados Unidos com seu próprio ônibus (o motorista era o famoso modelo da geração Beat e
personagem central de On the Road, Neal Cassidy), fazendo peças teatrais, quase sempre
surrealistas, cheias de críticas contra a sociedade tradicional norte-americana e, logicamente,
contra o “sistema”.
173
Muitos outros grupos se formaram no início da década de 60, mas este
ficou sendo o mais conhecido por causa do chamado Eletric Kool-Aid Acid Tests, ou
simplesmente Acid Tests - “testes” que consistiam na distribuição de LSD para o público (a
droga foi colocada na ilegalidade nos Estados Unidos em 1966) com shows que aclimatizavam
as “viagens”, como luzes coloridas, vivas e brilhantes, música tocada com volume alto, projeção
de filmes, danças, ou seja, vários efeitos para realçar as experiências sensoriais produzidas pela
droga. Tudo isso feito antes de Timothy Leary ter se transformado no “papa do LSD”.
174
Liberdade num clima carregado de música, cores e drogas - nada se parece com
os conceitos de liberdade defendidos por comunistas ou liberais, por exemplo.
175
E tal busca por
“liberdade” estendeu-se a todos os povos do mundo, pelo menos na mente de milhares de
172
- comentando os incidentes de Paris em 1968, Hobsbawn nos afirma que: “O inimigo
(destes revolucionários franceses), por definição, não tem rosto e nem sequer é uma
coisa ou uma instituição, mas um programa de relações humanas, um processo de
despersonalização, não a exploração que envolve exploradores, mas a alienação. É
significativo que a maioria dos próprios estudantes (diferentemente dos operários,
menos revolucionários) não estava preocupado com De Gaulle, exceto na medida em
que o objetivo real, a sociedade, estava ofuscada pelo fenômeno puramente político do
gaullismo. O movimento popular foi, pois, subpolítico ou antipolítico.” Hobsbawn, Eric
J. “Maio de 1968.In Revolucionários. 2ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 242;
173
- extraído de: Wolfe, Tom. O Teste do Ácido do Refresco Elétrico. Rio de Janeiro, Rocco, 1993;
174
- para saber sobre a trajetória de Timothy Leary ver: Leary, Timothy. Flashbacks “Surfando no Caos”
- uma Autobiografia. São Paulo, Beca Produções Culturais, 1999;
175
- para Eric J. Hobsbawn, esta “revolução cultural” era impotente: “Todo o tema é, na realidade, parte
integrante de uma questão muito mais ampla: qual é o papel que desempenha na revolução ou em
qualquer mudança social essa revolução cultural que hoje constituiu uma vertente visível da ‘nova
esquerda’ e que, em alguns países, como os Estados Unidos, é seu aspecto dominante? Não há revolução
social importante que não seja combinada, pelo menos perifericamente, com tal dissidência cultural.
Talvez hoje, no Ocidente, onde a força-motriz básica da rebeldia é a “alienação” mais que a pobreza,
nenhum movimento que também não ataque o sistema de relações pessoais e de satisfações privadas pode
ser revolucionário. Mas, em si mesmas, a rebelião cultural e a dissidência cultural são sintomas, não
forças revolucionárias. Politicamente não são importantes.” Hobsbawn, Eric J. “Revolução e Sexo.” op.
cit., p. 219;
jovens.
176
Surgiram, logicamente, grupos mais organizados e politicamente menos abrangentes
nos conceitos, mas eles não conseguiram achar um ponto em comum para ações mais
articuladas.
A “contra-revolução” que destruiu a Contracultura praticamente começou no
dia que Richard Nixon assumiu a presidência dos Estados Unidos em 1969, pois as pressões
contra os grupos ditos como “radicais” tornaram-se maiores.
177
Um dos últimos “sopros de
vida” da Contracultura norte-americana foi a tentativa de classificar marginais e alguns tipos de
bandidos como “anti-heróis”, ou seja, seres “inocentes” que lutavam contra o terrível
“sistema”.
178
A repressão contra esses marginais e bandidos seria intensa por parte das
176
- de acordo com Edgar de Decca: “No mundo imagético elaborado pela complexa simbiose da revolta
e da revolução viriam conviver conjuntamente, tanto o longínquo camponês da América Latina, Camboja
e Vietname, como hippies da classe média americana que, reunidos numa fazenda nas proximidades de
Nova Iork iriam fundar a nação Woodstock. (...) A terra prometida do sexo, da droga e do rock and roll,
essa utopia romântica dos rebeldes primitivos do mundo desenvolvido, convivia de mãos dadas com as
utopias revolucionárias terceiro-mundistas, proporcionando um espectro abrangente e inovador no campo
dos estudos sobre os movimentos sociais.” Decca, Edgar Salvadori de. “Rebeldia e Revolução na História
Social.” In Bresciani, Maria Stella; Samara, Eni de Mesquita e Lewkowicz, Ida (Orgs.). Jogos da Política
- Imagens, Representações e Práticas. São Paulo, ANPHU/São Paulo, Marco Zero, FAPESP, 1992, p. 20;
mas nem todos pensavam assim, como Paulo Francis nos demonstra: “Nos anos 60 a chamada Nova
Esquerda me fascinou bastante. Porque à parte “ajudar os pobres” e humilhar os ricos, propunha uma
liberdade sexual e um espírito de aventura ausentes do que eu conhecia da vida de revolucionários
comunistas. Tudo isso degringolou na preguiça, ignorância e incompetência que marcam a contracultura,
em que prevalece a linha mínima, biquíni de auto-afirmação: sou bom porque negro, porque invertido,
porque mulher, porque isso e aquilo. Voltou a valer o que se é, não o que se faz, o que não passa de
reacionarismo, ainda que mascarado de libertarismo em favor dos oprimidos.” Francis, Paulo. Trinta
Anos esta Noite - 1964, o Que Vi e Vivi. São Paulo, Companhia das Letras, 1994, p. 64;
177
- Danny Fields, o “doidão” da gravadora Elektra Records, que foi despedido deste
exótico cargo no dia que Nixon assumiu a presidência, nos revela, comentando a prisão
de John Sinclair, o clima da época contra os “radicais”: “John Sinclair era um alvo fácil.
Acho que a defesa da marijuana foi o que fez John Sinclair dançar, muito mais do que a
revolução ou ‘trepar nas ruas’. Todas as forças da lei e da ordem estavam galvanizadas
naqueles primeiros dias da administração Nixon - foi na época em que o secretário de
Justiça John Mitchell tinha recém-assumido o poder com uma incisiva mensagem de lei
e ordem, antidroga e antijuventude. John Sinclair era grande e forte, e concluíram que
poderiam decepar a cabeça do movimento pegando-o. Então prenderam-no por causa de
dois baseados e deram a pena máxima pra ele. Naquela época havia nos livros leis
draconianas que raramente eram aplicadas, a menos que quisessem você. E queriam
John Sinclair.” Sinclair foi condenado a 10 anos de prisão por dois baseados (cigarros
de maconha), mas cumpriu apenas dois anos e meio. Mas a severidade da pena contra
Sinclair demonstrava que o Stablishment que a Contracultura tanto combatia,
literalmente, ‘fechou o cerco’.” Extraído de: McNeil, Legs e McCain, Gillian. Mate-me
Por Favor - uma História sem Censura do Punk. Porto Alegre, L&PM, 1997, p. 87;
178
- assim, um simples assalto de banco ocorrido na cidade de Nova Iorque em 1971 (com o líder do
assalto chamando os policiais de “porcos”, que era a maneira como os membros da Contracultura se
referiam às autoridades, com uma parte do público ao redor ovacionando e a outra vaiando) ou a rebelião
do presídio de Attica, no estado de Nova Iorque, ganhavam aspectos bem maiores do que suas próprias
origens: o maniqueísmo da rebeldia “pura” dos excluídos sociais contra as “garras do sistema” sobre este
assalto, ver: Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon). Filme, Estados Unidos, dirigido por Sidney Lumet,
1975; e sobre a rebelião de Attica, ver: Attica: Solução Final (Against the Wall). Filme, Estados Unidos,
dirigido por John Frankenheimer, 1993;
autoridades e esta representação morreria rapidamente no decorrer da década de 70. A última
expressão radical da Contracultura norte-americana foi o chamado Exército Simbionês de
Libertação Nacional, um pequeno grupo violento com idéias confusas (quando não absurdas)
que conseguiria grande espaço na mídia mundial ao seqüestrar a herdeira do império Hearst,
Patricia Hearst, fazendo com que ela, inclusive, passasse a ser membro do grupo e a participar
das suas ações “militares”. O Exército Simbionês de Libertação Nacional seria destruído e Patty
Hearst iria pedir desculpas por ter se convertido em “revolucionária”. Suas desculpas não iriam
adiantar muito, pois ela ficaria alguns anos na prisão.
179
Muitos dos movimentos radicais europeus seriam derrotados politicamente e
escolheriam, então, o caminho das armas, como foi o caso das Brigadas Vermelhas, na Itália, e
o Bando de Baader (Baader-Meinhof), na Alemanha. A Gauche Prolétarienne, organização
maoísta francesa, abrandaria suas posições (não sem graves confrontos internos) e o jornal
Libération, fundado em 1973, que era o porta-voz do maoísmo, modernizaria-se intensamente e
iria transformar-se num dos mais importantes jornais europeus.
180
A Contracultura, logicamente, não foi derrubada apenas por causa da reação
conservadora. A “Crise do Petróleo”, de 1973, colocou fim aos tempos economicamente ricos
que, em grande parte, tinha ajudado a dar condições aos jovens “mimados” de criarem a
Contracultura. Outra razão da “derrota” foi a própria falta de definição da Contracultura como
movimento: era algo abrangente demais para poder se manter por muito tempo. E, não podemos
deixar de citar, faltou definição mais clara de seus objetivos: a “liberdade total” sem definição
era insuficiente para “mudar o mundo”.
181
Herbert Marcuse seria o grande teórico desta linha, pois o pensador alemão
propunha que, já que as classes trabalhadoras dos países desenvolvidos estavam satisfeitas com
a prosperidade econômica e com a segurança da orientação tecnocrática, restava às minorias o
papel de lutar pela revolução, ou seja, negros, pobres, grupos radicais de países
179
- para maiores informações do seqüestro de Patty Hearst, ver: Hearst, Patricia Campbell. O Seqüestro
de Patty. Rio de Janeiro, Record, 1990; como bem definiu Peter Cleack: “A tarefa de descobrir por que - e
em que sentidos - o Movimento se desintegrou é composta de problemas de definição. De saber
exatamente o que foi este enganoso Movimento, que, pela maioria dos relatos, começou
intermitentemente em meados dos anos 50 com esparsos protestos culturais e políticos e terminou,
digamos, por volta de 1973, quando membros do Exército Simbionês de Libertação assassinaram Marcus
Foster, o primeiro superintendente escolar negro de Oakland, Califórnia. Nenhuma definição única se
ajusta ao Movimento inteiro.” Cleack, Peter. op. cit., p. 330;
180
- informações extraídas de: Cohn-Bendit, Dany. Nós que Amávamos Tanto a Revolução - 20 Anos
Depois. São Paulo, Brasiliense, 1987;
181
- para Hobsbawn, comentando o fracasso de Maio de 68: “Quando os franceses entraram em greve
geral em maio de 1968, os acontecimentos no Teatro Odeon e aquelas maravilhosas inscrições ( “É
proibido proibir”, “Quando faço revolução, sinto-me como se fizesse amor”, etc.) poderiam ser vistos
como formas menores de literatura e teatro, marginais aos eventos principais. Quanto mais visíveis estes
fenômenos, mais certeza podemos ter de que os acontecimentos realmente decisivos não estão ocorrendo.
Chocar a burguesia é, infelizmente, mais fácil do que derrubá-la.” Hobsbawn, Eric J. Revolução e
Sexo.” op. cit., pp. 219-220.
subdesenvolvidos e, principalmente, estudantes.
182
A revolução comportamental era uma
maneira de se combater a tecnocracia, ou seja, impor o chamado “Princípio do Prazer” contra o
“Princípio da Realidade”, dinamitando a sociedade tecnocrática naquilo que lhe era mais
importante, ou seja, na sua capacidade de reprodução e de manter o ordenamento técnico da
sociedade.
183
A visão de Marcuse uniu a contestação comportamental da Contracultura e deu-
lhe uma dinâmica dentro do Imaginário da Guerra Fria. Não foi, portanto, apenas a negação
dos radicalismos do Imaginário da Guerra Fria, mas também uma dinâmica de atuação dentro
deste imaginário.
A Guerra do Vietnã era um dos resultados do Imaginário da Guerra Fria, mas
uma parte expressiva da sua contestação pertencia à Contracultura, que pensava a guerra como
uma extensão dos poderes tecnocráticos. Não eram apenas grupos ligados à Contracultura que
contestavam a guerra: outros grupos de contestação utilizariam-se dos acontecimentos no Vietnã
para alimentar as representações típicas do Imaginário da Guerra Fria, ou seja, utilizavam os
acontecimentos para justificar sua adesão ao comunismo (colocando-se a favor do Vietnã do
Norte/Vietcong e contra os Estados Unidos) ou para sua repulsa (colocando-se contra o Vietnã
do Norte/Vietcong e a favor dos Estados Unidos).
184
***
Seriam estas as significações imaginárias secundárias, oriundas do imaginário
radical (Guerra Fria), que vamos encontrar na cobertura da imprensa brasileira das guerras da
Coréia e do Vietnã.
A Imprensa Brasileira
Vamos discutir a presença das imagens (inclusive por influência da televisão)
na imprensa brasileira do século XX e sua articulação com o Imaginário da Guerra Fria.
Vamos perceber que a forma de apresentação do material é tão fundamental quanto o conteúdo
escrito dos mesmos. E também podemos perceber a penetração inexorável da televisão na
imprensa e na vida brasileira como um todo. E que o Imaginário da Guerra Fria interferia na
construção noticiosa.
182
- Jacoby, Russell. op. cit.;
183
- Marcuse, Herbert. Eros e Civilização. Rio de Janeiro, Saga, 1968;
184
- para o conservcador Robert Wesson: “Os beneficiários da Guerra do Vietnã foram os movimentos
esquerdistas radicais ou comunistas. A guerra deu-lhes heróis autênticos, vilões plausíveis e uma causa
comovente e compreensível. Devolveu aos partidos de extrema esquerda parte da respeitabilidade de que
já tinham desfrutado antes como líderes da resistência antinazista. Uniu todos os partidos comunistas em
oposição ao “imperialismo americano”. Os comunistas em conclave, quando não podiam concordar em
muita outra coisa, juntavam-se felizes gritando denúncias de ações norte-americanas no Vietnã.”
Weasson, Robert G. op. cit., p. 48.
A grande imprensa brasileira quase sempre foi administrada de maneira
conservadora (e anticomunista), quer liderada por grupos familiares, como é o caso do O Estado
de S. Paulo (Mesquita), o grupo Folha (Frias), O Globo (Marinho), Correio da Manhã
(Bittencourt), Jornal do Brasil (Pereira Carneiro), entre outros; quer por figuras fortes e,
invariavelmente, “paternalistas”, como Assis Chateaubriand (criador dos Diários Associados),
Carlos Lacerda (Tribuna da Imprensa) e Samuel Wainer (Última Hora).
Esse conservadorismo não era apenas político, mas também formal. Pelo menos
até 1945 a maior parte do jornalismo brasileiro seguia uma linha próxima do jornalismo
francês,
185
que tinha como características básicas: 1º - uma grande quantidade de textos por
matéria (redigidos, invariavelmente, dentro de um estilo lingüístico rebuscado, típico de
literatos); 2º - poucas fotografias; 3º - nenhuma preocupação com a neutralidade - ou seja, era
um jornalismo opinativo e crítico.
186
Tal situação iria alterar-se: para conseguir apoio do Brasil
na Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos abriram uma série de intercâmbios culturais,
entre eles no campo do jornalismo, e vários jornalistas brasileiros puderam, então, tomar contato
com novas técnicas de produção e de construção da notícia.
187
Mas mesmo antes da Segunda Guerra Mundial algumas mudanças de matrizes
já estavam acontecendo na imprensa brasileira. Um dos jornais inovadores da primeira metade
do século XX foi o Jornal do Brasil que, na década de 20, realizou várias reformas no jornal,
procurando valorizar questões relacionadas à imagem do seu produto.
188
Mas, neste momento,
melhorias técnicas não correspondiam, necessariamente, em aumento de vendas e o jornal
entrou em crise.
189
Mas tal situação começou a ser alterada com a criação de inúmeros jornais e
revistas com maiores preocupações imagéticas na sua forma.
O Cruzeiro, Folha da Noite, Diário Carioca e Tribuna da Imprensa
185
- tal comportamento devia-se à própria tradição cultural brasileira nesta primeira metade de século, que
valorizava a cultura francesa em detrimento de outras matrizes culturais. Lins da Silva, Carlos Eduardo. O
Adiantado da Hora a Influência Americana Sobre o Jornalismo Brasileiro. São Paulo, Summus, 1991;
186
- não queremos dizer que a matriz norte-americana conseguia atingir com perfeição os seus pilares
básicos, “Liberdade e Objetividade”, pois, como nos afiança Carlos Eduardo Lins da Silva, a objetividade
“é impossível, já que qualquer pessoa quando observa o mundo o faz através de uma ótica particular, de
acordo com a sua educação, tipo de inserção social, experiência anteriores e toda uma série de
condicionantes.” O autor acrescenta que ambos os conceitos são utilizados para justificar um tipo de
jornalismo e não outro. Lins da Silva, Carlos Eduardo. op. cit., p. 89;
187
- Bahia, Juarez. Jornal, História e Técnica as Técnicas do Jornalismo. 4ª ed., São Paulo, Ática, 1990;
188
- Fernando Morais comenta a situação do jornal em meados dos anos 20: “Instalado em um prédio
novo na recém construída avenida Central, o Jornal do Brasil importara linotipos, máquinas novas para
impressão e um moderno sistema de chicheira. Nos últimos anos seus donos vinham tentando adaptá-lo
aos moldes da melhor imprensa estrangeira, transferindo os pequenos anúncios para a primeira página,
como faziam os diários norte-americanos, e imprimindo o cabeçalho em cores.” Morais, Fernando. Chatô
o Rei do Brasil. 2ª ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1994, p. 99;
189
- o mesmo Fernando Morais complementa que “as reformas técnicas não se refletiam no essencial, que
era a vendagem. Mesmo ocupando parte do “mais alto edifício da América do Sul”, e dispondo do mais
completo parque gráfico do Brasil, o jornal vendia muito pouco.” Morais, Fernando. op. cit., p. 99;
Inicialmente conhecida apenas como Cruzeiro (nome inspirado na constelação
do Cruzeiro do Sul) e lançada em 10 de novembro de 1928, ela era impressa a cores no sistema,
pioneiro no Brasil, de rotogravura. A revista valorizava primordialmente a fotografia,
190
apresentando suas reportagens com agilidade e diversidade de assuntos, superando as outroras
prósperas revistas A Cigarra (que seria, posteriormente, incorporada ao império jornalístico de
Chateaubriand), Fon-Fon! e Careta, que utilizavam-se, primordialmente, de charges, sem uma
valorização muito profunda da fotografia.
191
O anúncio para a nova revista foi especial: foi criada uma propaganda
comercial para ser exibida nos cinemas mostrando a impressão da revista pelo sistema de
rotogravura.
192
Esta propaganda pode ser considerada como a primeira utilização da linguagem
imagética (no caso, a cinematográfica) a mostrar algum aspecto da imprensa no Brasil.
O Cruzeiro transformou-se numa das mais importantes revistas da imprensa
brasileira não por causa da televisão (que só seria comercializada nos Estados Unidos alguns
anos depois do lançamento da revista), mas por questões técnicas (o uso do sistema de
rotogravura) e de uma nova visão editorial (valorizando a fotografia como linguagem
jornalística primordial), além, logicamente, da utilização das grandes reportagens, que sempre
atraíam a atenção do público.
Outro grande jornal inovador dos anos 40 foi o Diário Carioca, que pertencia a
José Eduardo Macedo Soares, mas era dirigido por Danton Jobin e Pompeu de Souza, sendo que
este último havia estado nos Estados Unidos, em 1943, atualizando-se nas técnicas norte-
americanas de jornalismo. O aprendizado de Pompeu de Souza resultou na reformulação do
jornal, que adotaria a técnica de “pirâmide invertida” na construção do texto, onde as cinco
perguntas jornalísticas (quem? quando?, onde?, como?, por quê?) eram apresentadas logo no
começo ou na chamada, denominada lead, cujo objetivo maior era prender a atenção do leitor.
Essa era uma técnica muito comum nos Estados Unidos, mas até então inédita no Brasil. Outra
inovação importante introduzida pelo jornal foi a figura do copy-desk (que significa,
literalmente, “mesa de texto”) - um redator experiente que rescrevia as matérias em estado bruto
feitas por repórteres ou pesquisadores, o que reduzia em muito as pretensões literárias dos
membros do jornal. Não é coincidência que um dos lemas do jornal foi “o máximo de jornal no
mínimo de espaço”.
193
190
- Bahia, Juarez. op. cit.;
191
- Cruzeiro. Nº 1, 10/11/26, várias páginas; outra “inovação” apresentada no seu primeiro número foi
uma curiosidade: havia o registro do tempo que o leitor eventualmente utilizaria para a leitura das
matérias. Tal contagem não seria publicada novamente. Morais, Fernando. op. cit.;
192
- Morais, Fernando. Idem;
193
- Bahia, Juarez. op. cit.;
O jornal dependia, como a maioria dos jornais da época, de ajuda
governamental para sobreviver e a obteve durante o Estado Novo. Com essa ajuda, o jornal
construiu uma belíssima sede na Avenida Presidente Vargas.
194
A extravagância da sede e a
renovação de texto que o jornal apresentava não foi acompanhada por uma renovação gráfica.
195
Na falta de equipamento adequado, sobrava talento da equipe do jornal, de acordo com Samuel
Wainer.
196
Mas todo o talento da equipe do jornal não seria o suficiente para tirá-lo da sua
eterna situação pré-falimentar. Os problemas no Diário Carioca chegavam ao ponto de se
atrasar o pagamento dos salários dos jornalistas (em até seis meses), sendo que muitas vezes foi
proposto corte de casimira inglesa no lugar do dinheiro do salário.
197
O jornal rompeu com
Vargas no final da ditadura, sendo que o proprietário do jornal foi agredido na Cinelândia por
integrantes da Polícia Especial sem razões aparentes, transformando o jornal num dos símbolos
da luta contra a ditadura.
198
Mas a grande influência deste jornal não foi política, e sim técnica -
o Diário Carioca introduziu no Brasil os novos métodos norte-americanos para se fazer
jornalismo.
Outra importante referência da imprensa deste momento foi a Folha da Noite,
que nasceria de uma dissidência do O Estado de S. Paulo nos anos 20.
199
Em 1945, assume a
direção do jornal Nabantino Ramos que altera as linhas básicas do jornal, estimulando a
194
- nas palavras de Samuel Wainer: “A sede do Diário Carioca tinha requintes surpreendentes. A
cozinha, por exemplo, era a mais luxuosa jamais encontrada em qualquer jornal do mundo, em alumínio
brilhante. Havia salões com colunas de madeiras exóticas, um jardim de inverno no quarto andar. A sala
de José Eduardo abrigava um busto do próprio dono e, entre outras extravagâncias, uma mesa negra em S,
de ônix, feita especialmente para o ‘senador’.” Wainer, Samuel. Minha Razão de Viver Memórias de
um Repórter. 4ª ed., Rio de Janeiro, Record, 1988, p. 128;
195
- como observa Samuel Wainer, ainda comentando sobre o “maravilhoso” prédio do Diário Carioca:
“Em contrapartida, o equipamento era extremamente precário, pois os homens do Diário Carioca nunca
se haviam preocupado em investir nessa área. Não havia no prédio nenhum vestígio de laboratório
fotográfico. As impressoras estavam desgastadas e eram insuficientes para imprimir sem sobressaltos um
jornal moderno.” Wainer, Samuel. op. cit.;
196
- complementa Wainer: “Essas deficiências eram compensadas pelo brilho dos redatores, que
escreviam com malícia e ironia, características que fizeram do Diário Carioca um dos grandes
renovadores da linguagem da imprensa brasileira.” Wainer, Samuel. Idem;
197
- Francis, Paulo. Trinta Anos esta Noite - 1964, o Que Vi e Vivi. São Paulo, Companhia das Letras,
1994;
198
- Wainer, Samuel. op. cit.;
199
- antes de se formar a empresa Folha, os donos dos dois jornais enfrentaram uma grande adversidade
política. Durante os anos 20, sob a orientação de Olival Costa, os jornais sempre mantiveram críticas
agudas contra o governo federal e, conseqüentemente, contra a República Velha, fiscalizando ativamente
os seus atos. Mas, quando começou a Revolução de 30, os jornais da rede ficaram contra o movimento,
indicando uma visível contradição: a revolução estava justamente derrubando a República Velha que o
jornal constantemente criticava. Tal contradição correspondia a uma característica básica dos jornais da
empresa nessa sua chamada primeira fase: a da defesa intransigente dos interesses do estado de São
Paulo. A Revolução de 30, ao mesmo tempo que iria destituir o antigo regime, também iria diminuir o
peso político de São Paulo no cenário político brasileiro, situação que os donos da empresa não
aceitavam. Essa visão contraditória iria colocar a população de São Paulo contra os jornais, que os
empastelariam em 1930. Tal ato fez com que a empresa demorasse alguns anos para se recuperar e lançar
novos jornais. Mota, Carlos Guilherme e Capelato, Maria Helena. História da Folha de S. Paulo (1921-
1981). São Paulo, Impres, 1980;
constituição de um novo projeto político.
200
Os jornais da rede iriam defender o
desenvolvimento econômico dentro do sistema capitalista como a única forma de resolver os
problemas do país. Assim, o aprimoramento do setor tecnológico no Brasil e sua aproximação
com os Estados Unidos seriam idéias defendidas freneticamente pelos jornais da rede. E,
também dentro dessa lógica, o repúdio ao comunismo foi igualmente defendido: o jornal ficou a
favor da cassação do PCB em 1947, atacou constantemente a União Soviética e seus “desejos de
expansionismo”.
201
A influência norte-americana na imprensa brasileira iria aumentar ainda mais no
decorrer dos anos, principalmente por causa da nascente Guerra Fria.
Em 1947, o governo Dutra inseriu o país dentro da dinâmica da Guerra Fria (ao
lado dos Estados Unidos) quando mandou cassar o registro do PCB, partido que havia sido
legalizado na reforma política de 1945, provocando, em conseqüência disso, o rompimento das
relações do Brasil com a União Soviética.
202
E, para demonstrar que o país se engajava ao lado
dos Estados Unidos, o governo assinou o Tratado de Assistência Recíproca na Conferência
Internacional para a Manutenção da Paz e Segurança do Continente, realizado em Petrópolis,
inclusive com a presença do presidente dos Estados Unidos, Harry Truman. Além do tratado
militar, instituiu-se a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, para assistência social e
econômica entre os dois países.
203
Mas foi a cassação do registro legal do PCB o grande marco da entrada do
Brasil na Guerra Fria. O partido concorreu nas eleições de 1945 obtendo resultados bastante
expressivos.
204
Mas, como a constituição de 1946 proibia que partidos “antidemocráticos”
200
- como observa Maria Helena Capelato e Carlos Guilherme Mota: “Nabantino definia as Folhas como
“um jornal de classe média para a classe média”. No entanto, o ideário do jornal nessa terceira fase se
diferencia do das Folhas nos primeiros anos de sua existência. Caracteriza-se também pelo urbanismo,
mas a modernização, a racionalidade, a eficiência no desenvolvimento, o planejamento são agora a tônica
do jornal. As Folhas haviam se tornado, acima de tudo, uma empresa moderna.” Mota, Carlos Guilherme
e Capelato, Maria Helena. op. cit., p. VII;
201
- Mota, Carlos Guilherme e Capelato, Maria Helena. Idem;
202
- Gorender, Jacob. Combate nas Trevas - a Esquerda Brasileira: das Ilusões Perdidas à Luta Armada.
3ª ed., São Paulo, Ática, 1987; Segatto, José Antônio. Breve História do PCB. 2ª ed., Belo Horizonte,
Oficina de Livros, 1989;
203
- o partido elegeu 9 % (14 deputados e 1 senador) na bancada da Assembléia Constituinte, tornando-se
a quarta força política do país. Apesar de Dutra ter expurgado, em maio de 1946, todos os funcionários
federais ligados ao PCB, o partido crescia a cada eleição: nas eleições estaduais complementares de 1947
o partido manteve-se como a quarta força política do país, acrescentando à sua bancada mais dois
deputados, elevando para 17 o número de parlamentares. Nesse ínterim, elegia 46 membros em quinze
legislaturas estaduais e 18 na Assembléia do Distrito Federal, sendo a maior bancada no Rio de Janeiro.
Em São Paulo, a bancada do PCB chegou a superar a bancada da UDN. Skidmore, Thomas. Skidmore,
Thomas. Brasil - de Getúlio a Castelo (1930-1964). 4ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975;
204
- Segatto, José Antônio. op. cit.;
participassem abertamente na política, o PCB foi enquadrado dentro desse dispositivo
constitucional.
205
A ascensão do PCB dentro das normas democráticas era contundente e a
pressão política que ele poderia exercer dentro da máquina estatal era muito preocupante para as
forças políticas conservadoras do país. Nesse sentido, sua cassação impediu a maior presença
dos comunistas nos debates nacionais, pelo menos dentro dos mecanismos institucionais
oficiais. E, com a entrada definitiva do Brasil dentro da dinâmica da Guerra Fria, qualquer
atitude de repressão contra forças comunistas estava justificado. Nesse sentido, podemos
afirmar que o Imaginário da Guerra Fria forneceu argumentos para que o PCB fosse
cassado.
206
A Tribuna Popular, jornal do PCB, seria empastelado em 1947,
207
sendo
substituída pela Imprensa Popular em 1948.
208
E logo um famoso anticomunista iria concorrer
nas eleições para a presidência da república: Getúlio Vargas. E um dos setores de maior
oposição à sua volta seria um jornal lançado no final dos anos 40 pelo jornalista Carlos Lacerda:
a Tribuna da Imprensa.
O jornal caracterizaria-se pela utilização mais intensa de fotografias e textos
mais econômicos, seguindo a linha de renovação inaugurada pelo Diário Carioca. Apesar da
parte técnica ser inovadora, ela não conseguia influir diretamente nos rumos do jornal, que
nunca conseguiu grandes vendagens (que sempre oscilariam entre 4 a 5 mil exemplares),
aumentando em momentos de grandes crises ou pela prisão de seu proprietário.
209
Podemos
205
- não foi apenas o PCB atingido por essa norma constitucional: a Confederação dos Trabalhadores do
Brasil, organizada em 1946 e de tendência esquerdista, foi declarada ilegal pelo governo, que também
interviria em 143 sindicatos para eliminar os elementos da esquerda. Segatto, José Antônio. Idem;
206
- a cassação não foi aceita sem resistências pelo PCB: ainda em 1947, o partido
convocou seus membros para a formação de uma guerrilha no Brasil. O ator,
compositor e escritor Mário Lago foi convocado para essa aventura guerrilheira (ele
atuaria como o narrador da rádio clandestina que o partido pretendia montar no campo),
tendo penhorado as jóias de sua esposa para tal. O partido mudou de idéia e não houve
guerrilha - e Mário Lago jamais conseguiu pagar o penhor das jóias e recuperá-las.
Velloso, Mônica Pimenta. Mário Lago - Boemia e Política. 3ª ed., Rio de Janeiro,
Fundação Getúlio Vargas, 1998;
207
- o jornalista Edmar Morel nos conta como aconteceu: “(o empastelamento) que
ocorreu numa tarde ensolarada, às dezesseis horas de 17 de outubro de 1947, data do
rompimento de relações diplomáticas entre o Brasil e a União Soviética. A polícia, nesta
ocasião, interditou dois quarteirões na Avenida Antônio Carlos e destruiu tudo. Note-se
que a redação da Tribuna Popular ficava em frente do Palácio da Justiça e da Câmara
dos Deputados. O crime foi visto, portanto, por deputados federais e juízes. Vários
redatores e operários ficaram feridos a bala, sendo conduzidos à ABI, onde Herbert
Moses providenciou socorro médico.” Morel, Edmar. Histórias de um Repórter. Rio de
Janeiro, Record, 1999, p. 267;
208
- Dulles, John W. F. Carlos Lacerda - a Vida de um Lutador. V. 1, Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1992;
209
- Wainer, Samuel, op. cit.;
afirmar que esse jornal era um canal de divulgação às idéias políticas de orientação
conservadora e anticomunista de Carlos Lacerda.
Televisão no Brasil
A televisão começou a ser comercializada nos Estados Unidos em 1933, como
vimos antes, e crescera vertiginosamente dentro do país, mas não fora dele: até 1950, apenas
outros dois países também tinham o meio - Inglaterra e França.
210
O quarto país do mundo a
adquirir essa nova tecnologia foi o Brasil.
211
O público telespectador inicial era muito pequeno - apenas 5 pessoas em São
Paulo tinham o aparelho televisor, o que fez Chateaubriand instalar uma série deles em lugares
públicos, como na Praça a Sé e no Jockey Club. Tal começo tímido e inexpressivo não impediu
que a televisão tivesse um crescimento contínuo nos anos seguintes.
O telejornalismo também nasceria com a inauguração da televisão e o primeiro
programa foi Imagens do Dia, que encerrava a programação da emissora, por volta das 21h30 e
22 horas. O programa jornalístico em si consistia numa seqüência de filmes dos últimos
acontecimentos locais.
212
A pobreza deste telejornal, e daqueles que o seguiriam nos anos
posteriores, desestimulariam quaisquer comparações com a imprensa escrita. Jornais e revistas
pareciam mais fortes e complexos e, aparentemente, a televisão não teria condições de oferecer
uma concorrência preocupante. Tal quadro mudaria radicalmente nos anos seguintes.
As imagens sobre a cobertura da Guerra da Coréia, bem como das notícias
internacionais de um modo geral, chegavam sempre com grande demora nos Estados Unidos -
demora esta que era ainda maior quando o material era enviado para o Brasil. Normalmente, os
acontecimentos eram filmados com equipamento de cinema, utilizando-se de fitas de 16 mm em
preto-e-branco, e eram transmitidas quase que integralmente na televisão. Sem aparelhos de
videoteipe (que ainda não tinham sido inventados) e com mínimas condições para cortes mais
precisos (possíveis apenas dentro de um esquema cinematográfico), as possibilidades de
manipulação destas notícias pela televisão brasileira eram mínimas, ou seja, as imagens eram
praticamente apresentadas da maneira que chegavam. Como quase todo o material vinha dos
Estados Unidos, a construção das matérias eram, invariavelmente, a favor das forças da ONU e
contra o lado comunista. O único diferencial da apresentação deste material acontecia com a
210
- Morais, Fernando. op. cit.; e Machado, Arlindo. A Arte do Vídeo. São Paulo, Brasiliense, 1984; mas,
de acordo com Ricardo Xavier (apelido Rixa), a Alemanha foi o primeiro país a oferecer um serviço de
televisão pública, em 22 de março de 1935, com a definição de 180 linhas e 25 quadros por segundo. Mas
a Inglaterra é considerada a pioneira, pois, em dois de novembro de 1936, inaugurou o sistema de alta
definição, ou seja, com 240 linhas. E, em três meses, o sistema já oferecia 405 linhas. Xavier, Ricardo
(Rixa) e Sacchi, Rogério. Almanaque da TV - 50 Anos de Memória e Informação. Rio de Janeiro,
Objetiva, 2000;
211
- Clark, Walter e Priolli, Gabriel. O Campeão de Audiência - uma Autobiografia. São Paulo, Best
Seller, 1991, pp. 14-15;
212
- s/A. !5 Anos de História. Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1984;
narração do locutor brasileiro, que poderia dar outra entonação para as imagens, podendo,
inclusive, embora muito pouco provável, ser menos críticas contra o lado comunista Mas, assim
como as imagens não existem mais (todas as fitas foram destruídas ou apagadas para serem
reaproveitadas em outros programas), o áudio não teve melhor sorte. Esta produção inicial da
televisão brasileira foi perdida.
Foi a volta de Getúlio Vargas ao poder em 1951 que ajudaria o
desenvolvimento da imprensa, curiosamente.
Última Hora: Política e Técnica
Dentro de uma ordem democrática, Vargas teria grandes dificuldades com a
oposição, em particular com a imprensa e, principalmente, com o jornalista Carlos Lacerda e
seu jornal Tribuna da Imprensa. A oposição intransigente, quase histérica, de Lacerda, não era a
única na imprensa: o novo governo também enfrentaria grandes jornais, como O Estado de São
Paulo, O Globo e Correio da Manhã, que iniciaram uma campanha de “silêncio” desde o
momento que Vargas assumiu a presidência, ou seja, excluíram as notícias do governo das suas
páginas, procurando esvaziá-lo o máximo possível.
213
Mesmo assim, nem todos os jornais eram contrários a Vargas, como os
pertencentes aos Diários Associados, pois Chateaubriand e Vargas tinham reatado suas ligações
políticas.
214
Apesar do apoio do grupo de Chateaubriand ao governo, o dono dos Diários
Associados não se empenhou contra a campanha do “silêncio” promovida pelos outros jornais, o
que deixava o governo Vargas numa situação delicada.
A reação do governo contra a campanha do “silêncio” surgiu com a criação do
jornal Última Hora. Lançado em 12 de junho de 1951, este jornal daria uma guinada radical na
imprensa escrita brasileira. Fundado por Samuel Wainer (que já havia inovado a imprensa
brasileira com a revista, e depois jornal, Diretrizes), o jornal buscava o público mais sensível ao
“getulismo”, ou seja, o público trabalhador, onde poderia propagar as idéias de Vargas e quebrar
o “silêncio” que os outros jornais haviam imposto ao presidente eleito.
215
Para conseguir seus
objetivos, além da essencial ajuda governamental (o jornal era favorecido através de
213
- diálogo de Samuel Wainer com o presidente Vargas, depois deste comentar a ausência da imprensa a
uma reunião presidencial: “O senhor só vai aparecer nos jornais quando houver algo negativo a noticiar.
Essa é uma tática normal de oposição, e a mais devastadora.” Wainer, Samuel. op. cit., p. 126;
214
- Morais, Fernando. op. cit.;
215
- nas palavras de Gisela Goldstein, “Ultima Hora haveria de ser duplamente uma tribuna de Getúlio:
diretamente, através da mensagem que veicularia e, indiretamente, através de concorrência comercial que
encetaria, obrigando os demais órgãos de imprensa a reverem sua política editorial.” Goldstein, Gisela
Taschner. Do Jornalismo Político à Indústria Cultural. São Paulo, Summus, 1987, p. 43;
empréstimos concedidos pelo Banco do Brasil),
216
uma série de inovações técnicas foram
realizadas, tornando o produto mais dinâmico e atrativo para ganhar o público.
217
Por sugestão de João Etcheverry, dividiu-se o jornal em dois cadernos de oito
páginas cada um, ao invés de um só com dezesseis, como era anteriormente: um deles, rodado
por volta das sete da manhã, teria o conteúdo tradicional (política, economia, internacional,
etc.), enquanto que o segundo, rodado por volta das três da madrugada, abrigaria assuntos mais
amenos, como esportes, divertimentos e, principalmente, uma seção de reivindicações
populares. O espaço para as notícias do Palácio do Catete (e, conseqüentemente, para as notícias
de Vargas), denominado “O Dia do Presidente”, era coordenado pelo jornalista Luís Costa.
218
Outras inovações apresentadas pelo jornal foram: uma nova organização
espacial, colocando-se um índice pelo qual se poderia localizar a matéria desejada na sua
respectiva página; o estabelecimento de uma série de concursos, prêmios e promoções (que
eram práticas comuns em outros países, mas inéditos no Brasil); a introdução de um logotipo,
ou seja, a marca Última Hora estaria presente em todos os jornais da cadeia (os jornais da
cadeia de Chateaubriand tinham, invariavelmente, nomes diferentes); seu horário de distribuição
foi planejado para quando houvesse o menor número de concorrentes;
219
o uso criativo das cores
(a rotativa do jornal, que permitia o uso de quatro cores, seria habilmente utilizada, como na
publicação da fotografia colorida do Fluminense, time campeão carioca de 1951, o que era uma
prática inédita na imprensa até então, mas fez com que se esgotasse a edição), entre outras.
220
Suas preocupações técnicas buscavam novas alternativas que atingissem a
percepção visual do público e seu sucesso demonstraria que essas inovações eram de grande
aceitação popular. Devido a essa preocupação com o fator visual, uma pergunta pode ser feita: a
televisão influenciou a criação desse jornal? A resposta é sim, caso se tome por base suas
216
- praticamente todos os jornais e revistas eram favorecidas por empréstimos do governo, como nos
mostra Fernando Morais: “Enquanto que a Última Hora era colocada no pelourinho por ter tomado 26
milhões de cruzeiros emprestados ao banco oficial, a Carteira de Crédito Geral do mesmo Banco do
Brasil registrava em débito de 50,4 milhões de Roberto Marinho (proprietário do jornal O Globo e de uma
estação de rádio), ao passo que os Diários Associados deviam ao Banco do Brasil a soma colossal de
113,6 milhões (quase 3 milhões de dólares da época, ou 14 milhões de dólares de 1994). Nem mesmo a
imaculada Tribuna da Imprensa poderia exibir castidade naquele caso: mais modesto, até o jornal de
Lacerda tinha pendurado no Banco do Brasil um ‘papagaio’ de valor equivalente a 100 mil dólares da
época.”; Morais, Fernando. op. cit., p. 552;
217
- Gisela Goldstein pondera que a “apresentação da mensagem foi também objeto de
inovações. Recorrendo aos préstimos de um especialista argentino, fez uma
diagramação moderna, uma paginação acessível, com grandes coberturas fotográficas
ainda não usadas na época pela imprensa brasileira. A valorização das notícias através
do jogo de espaços e das fotos fazia com que o jornal não tivesse o ar highbrow da
imprensa tradicional e se apresentasse de maneira mais digestiva.” Goldstein, Gisela.
op. cit., p. 46;
218
- Wainer, Samuel, op. cit.;
219
- quase todos os jornais eram matutinos, com exceção de O Globo, que era o único vespertino.
Aproveitando-se disto, o Última Hora também saiu como vespertino. Wainer, Samuel; Idem;
220
- Wainer, Samuel; Idem, ibidem; e Goldstein. Gisela. op. cit.;
matrizes, de influência basicamente norte-americana (mais especificamente os jornais do grupo
Hearst); e não, caso se tome por base o estágio de desenvolvimento da televisão brasileira no
início da década de 50. No primeiro caso, temos de levar em consideração que o jornal teve
matrizes de países desenvolvidos e estes estavam matizados por questões envolvendo a presença
da televisão, e a Última Hora, mesmo que indiretamente, também acabou por trazer essas
questões. No segundo caso, precisamos entender que a televisão brasileira havia nascido pouco
mais de um ano antes da Última Hora, e que, como meio de comunicação, ainda não tinha
forças suficientes para influenciar ou mesmo ameaçar os veículos escritos. Em termos de
influência na imprensa escrita, a televisão brasileira apenas engatinhava.
A cobertura internacional do jornal, realizada no segundo caderno, seguiu os
seus próprios moldes inovadores: manchetes agressivas, textos curtos e muitas fotografias,
dentro das limitações técnicas da época para o recebimento de fotografias vindas do exterior. A
Guerra da Coréia receberia cobertura do jornal, mas não tão intensa comparando-se aos assuntos
internos do país. Mesmo assim, como veremos, sua postura seria de crítica ao envolvimento
comunista na região, o que contrastava muito com as acusações de que o jornal seria
“comunista”. Por exemplo: a Última Hora de São Paulo iria publicar uma série de artigos sobre
a Guerra Fria, sendo que o primeiro destes artigos foi escrito justamente por George Kennan.
Seu artigo procurava mostrar a hostilidade soviética em relação aos Estados Unidos:
“Quando os comunistas russos tomaram o poder em S.
Petesburgo, no Outono de 1917, estavam já animados por uma
hostilidade preconcebida para com nossa forma de governo (Estados
Unidos), nossa ordem social e nossas crenças mais profundas. E não
se contentavam em rejeitar essas coisas para si; insistiam em que
fazia parte de seu dever na vida desejar procurar a destruição dessas
coisas em nosso país. Tendo tomado a decisão de considerar-nos
como uma sociedade baseada em princípios maus e condenados,
precisou apenas um passo naturalmente para nos considerar e a
apresentar-nos aos povos soviéticos como inimigos.”
221
Como já argumentamos, a escolha de um texto internacional não é neutra e,
neste caso, demonstra o posicionamento contrário do jornal em relação ao comunismo.
Entretanto, não podemos desconsiderar que a publicação de artigos como este seria uma forma
de diminuir as críticas dos adversários ao jornal.
O impacto do jornal Última Hora na imprensa brasileira foi muito grande,
provocando oposição aguda dos outros meios, várias tentativas de interdição judicial e,
principalmente, estimulando outros jornais a também buscarem alterações técnicas e gráficas.
Concorrer com o Última Hora, nos padrões antigos, tornou-se uma tarefa praticamente
impossível.
Como podemos concluir, foi a penetração da influência do jornalismo norte-
americano que ajudou a alterar a imprensa brasileira, mas não a televisão, pelo menos não
diretamente. Uma das características cruciais da imprensa norte-americana nesse período foi que
221
- Última Hora. São Paulo, 05/03/53, p. 2;
ela enfrentava a presença da televisão, alterando-se tecnicamente para enfrentar a concorrência
deste meio.
222
A imprensa brasileira, ao importar essas alterações técnicas, acabou por também
levantar a problemática da presença da televisão na imprensa escrita, antes mesmo da própria
televisão brasileira ter forças para tal.
As Revistas Visão e Manchete e as mudanças no “Estadão”
A revista Visão, lançada em 1952, seria também uma precursora do jornalismo
informativo semanal. Não era a primeira revista semanal brasileira - existiu uma experiência
anterior, a revista Sete Dias, publicada por Joel Silveira e Rubem Braga, feita durante a Segunda
Guerra Mundial, mas que não havia prosperado.
223
Ao contrário da sua predecessora, a revista
Visão prosperou. As capas da revista vinham com desenhos ou fotografias do assunto principal
a ser destacado (o que a revista Veja faria anos depois), mas as matérias ainda caracterizariam-
se mais pelo grande volume de textos do que propriamente pela distribuição espacial e visual. A
revista que diminuiu o texto e diversificou o uso de fotografias na década de 50 foi a Manchete.
Tendo como modelo as grandes revistas européias (como a Paris-Match
francesa, em cujo logotipo se inspirou) e norte-americanas (como a Life), a revista Manchete
realizaria grandes reportagens sobre temas diversos e, como ocorria na revista O Cruzeiro, feitas
com duplas de profissionais (quase sempre envolvendo um fotógrafo e um jornalista). A revista
também procurava fazer um retrato do brasileiro classe média dos anos 50, abrindo também
espaço para as crônicas, com escritores como Henrique Pongetti, Rubem Braga, Fernando
Sabino e outros.
Como no caso do jornal Última Hora, seriam as matrizes dos países
desenvolvidos que colocariam questões da presença da televisão na revista Manchete. O
desenvolvimento de matérias jornalísticas com ênfase na fotografia e na diminuição do volume
de texto eram características básicas das revistas Paris-Match e Life, as matrizes básicas da
Manchete, pois elas tinham se alterado tecnicamente como uma resposta ao crescimento da
televisão nos seus respectivos países.
224
No Brasil, neste momento, a televisão não tinha forças
para maiores influências na imprensa escrita.
Já no seu primeiro número podemos observar as profundas mudanças que a
revista iria realizar: a fotografia da capa, onde a bailarina Inês Litowsky está encostada do lado
de uma carruagem imperial, apresentou uma nitidez e um maior realce das cores inéditos até
222
- Marshall McLuhan apresenta que “Depois da TV muitas coisas já não funcionavam tão bem. Tanto o
cinema como as revistas de âmbito nacional foram duramente golpeadas.” McLuhan, Marshall. Os Meios
de Comunicação Como Extensões do Homem (Understanding Media). São Paulo, Cultrix, 1969, p. 11;
223
- Abreu de Ramos, Plínio. “A Imprensa Nacionalista no Brasil.In Alves de Abreu, Alzira (Org.). A
Imprensa em Transição. Rio de Janeiro, Getúlio Vargas, 1996;
224
- Dines, Alberto. O Papel do Jornal. 2ª ed., Rio de Janeiro, Artenova, 1977;
então na imprensa brasileira. O Cruzeiro apresentava nas suas capas, invariavelmente, fotos
carregadas de tons foscos, com closes fechados no rosto de uma bela mulher e com muitos
retoques.
225
Podemos perceber apenas neste detalhe que a revista Manchete iria procurar
apresentar diferenças significativas em relação à revista O Cruzeiro. Tais diferenças cresceriam
no decorrer dos anos e seriam decisivas na concorrência entre as duas revistas semanais.
A cobertura internacional realizada pela revista Manchete caracterizou-se pelo
uso intensivo de fotografias. Mesmo fazendo grandes reportagens internacionais, a preferência
da revista neste campo era por matérias internacionais menores, que eram publicadas na coluna
“O Mundo em Manchete”, quase sempre localizada no final da revista. Mas, de um modo mais
geral, Manchete preocupava-se mais com os acontecimentos dentro do Brasil.
O Estado de S. Paulo iria começar a se alterar de maneira mais significativa
neste período e um dos responsáveis por esta alteração foi Cláudio Abramo. O jornalista foi
contratado como repórter em 1948, transformando-se logo em redator. Passou um período na
Europa e, em 1952, foi posto no cargo de secretário do jornal e iniciou uma série de alterações
técnicas no jornal, tais como o adiantamento do horário de fechamento (de três da manhã para
meia-noite), redução do tamanho do jornal, delimitação do espaço publicitário, contratação de
gente nova (universitários), entre outras.
226
Outra inovação de grande importância feita pelo Estadão foi o lançamento do
“Suplemento Literário”, caderno especializado em cultura, que iria ser um dos mais
significativos espaços culturais do país.
227
O núcleo deste suplemento era formado por jovens
pertencentes à revista Clima, revista esta marcada pelos ideais do Modernismo de 1922 e,
também, pelo comunismo.
228
Apesar do anticomunismo do jornal, a equipe foi contratada por
causa da sua qualidade profissional. Como podemos perceber, mesmo a presença de um
225
- Manchete. Nº 1, Rio de Janeiro, Editora Bloch, 26/04/52, p. 1 (capa);
226
- Conti, Mário Sérgio. Notícias do Planalto - a Imprensa e o Governo Collor. São Paulo, Companhia
das Letras, 1999; e Abramo, Cláudio. A Regra do Jogo - o Jornalismo e a Ética do Marceneiro. São
Paulo, Companhia das Letras, 1988;
227
- Décio de Almeida Prado nos conta a formação do suplemento: “Se nunca foram
íntimas, estiveram freqüentemente próximas as relações entre Júlio de Mesquita Filho e
o grupo central da revista Clima. Quando ele, em companhia dos filhos, pensou em criar
um Suplemento Literário dentro de O Estado de S. Paulo, pediu o projeto a Antônio
Cândido, que me indicou para diretor. Como coube, na distribuição da matéria, a
Lourival Gomes Machado a seção de artes plásticas e a Paulo Emílio Sales Gomes a de
cinema, podemos dizer sem exagero que a essência do Clima, no que diz respeito a
pessoas, passara de uma revista de jovens para as páginas de um grande jornal, que
tinha outra penetração e responsabilidade perante o público.”
Prado, Décio de Almeida. “Em Torno de Júlio de Mesquita Filho.” In O Estado de S. Paulo (“Caderno
2”). São Paulo, 27/02/2000, p. 6;
228
- Décio de Almeida Prado nos revela que existiam diferenças, além de “idade, posição social e nível
econômico” entre Júlio Mesquita Filho e os membros da revista Clima: “Ocorrera, entre uma e outra, a
chegada ao Brasil, em ritmo crescente, do modernismo, em arte, e do comunismo, em política. Uma
causava escândalo, o outro representava o medo.” Prado, Décio de Almeida. op. cit., p. 6;
imaginário tão forte e maniqueísta como o da Guerra Fria permite, de vez em quando, abrir
exceções.
O Semanário Flan e a “Guerra” da Grande Imprensa contra Última
Hora
O semanário Flan, criado por Samuel Wainer, também ajudou a revolucionar a
imprensa brasileira. O nome foi inventado por Wainer e não significa coisa alguma,
229
sendo
que seu formato, em tablóide, era composto por quatro cadernos com oito páginas cada um, com
a primeira página de cada caderno em cores. Assim como outras publicações da cadeia Última
Hora, o semanário obteve sucesso, tendo uma tiragem semanal de 180 mil exemplares. Apesar
desse sucesso de vendas, nem tudo seria glória para Wainer: os custos da revista (e também da
sua “rede” de jornais) logo seriam pesados demais para ele e, pouco mais de um ano depois de
lançada, para a tristeza de Wainer, a revista seria fechada.
Mas o fracasso da Flan seria o menor dos seus problemas: a concorrência
sentiu-se realmente ameaçada por sua rede de jornais e manteve uma oposição intransigente.
230
A reação de Assis Chateaubriand, cada vez mais preocupado com a ascensão da rede de Wainer,
que concorria diretamente com seu império jornalístico, produziu os maiores lances desta
“guerra”. Nas palavras de Wainer, “Chateaubriand foi meu grande adversário, não Carlos
Lacerda”, até então o grande inimigo da Última Hora.
231
Mesmo assim, Carlos Lacerda foi um
“soldado” muito aplicado nessa “guerra”.
232
A “guerra da imprensa” ajudaria na criação do primeiro político tipicamente
televisivo no Brasil - o próprio Carlos Lacerda. Para combater o jornal de Wainer, Assis
Chateaubriand concedeu a Lacerda um espaço de cinco minutos na Rede Tupi de Televisão, em
1953, que eram utilizados por ele para atacar o comunismo, o jornal Última Hora, Samuel
Wainer e, logicamente, Getúlio Vargas. Carlos Lacerda ficara impressionado com o sucesso e o
poder de comunicação de um programa da televisão norte-americana chamado Life is Worth
Living, apresentado pelo bispo-auxiliar de Nova York, Filton Sheen, que alcançava uma grande
229
- “tinha um som cabalístico”, conforme as palavras do seu criador. Wainer, Samuel. op. cit., p. 166;
230
- o próprio Wainer comentou que: “compreendo que o lançamento de Flan, abstraídas as alegrias
profissionais que proporcionou - foi, afinal, um grande e belo semanário - , representou um erro político.
Eu açulei os que me invejavam num momento em que não tinha força suficiente para resistir aos
ataques.” Wainer, Samuel. Idem, p. 168;
231
- Wainer, Samuel. Idem, ibidem, p. 149;
232
- o próprio Lacerda foi enfático nesse ponto: “Comecei a desmontar o fenômeno Última Hora.
Ocorreu aí esse fato, enfim, perfeitamente compreensível. De um lado, O Globo, sofrendo a concorrência
ilegítima, porque favorecida e subvencionada, da Última Hora; O Globo sentindo na própria carne; de
outro lado, o Chateaubriand sentindo o Diário da Noite afundar, desaparecer, pela mão daquele sujeito a
quem ele tinha incumbido de fazer a entrevista, que ele tinha tirado das ruínas da revista Diretrizes e
ressuscitado na imprensa.” Lacerda, Carlos. Depoimento. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978, p. 126;
audiência com sua fervorosa oratória, um pequeno quadro-negro e alguns gráficos desenhados
em cartolinas, onde atacava o comunismo.
233
O sucesso de Lacerda na frente das câmeras foi tão grande que, pouco depois, o
tempo do seu programa aumentaria de cinco minutos para meia hora, enquanto que
Chateaubriand espalhava televisores em pontos estratégicos do Rio e de São Paulo, aumentando
ainda mais, para o telespectador, a sensação de que Samuel Wainer estava sendo destruído.
234
O
Imaginário da Guerra Fria era intenso no momento e atingiu Wainer, pois este também visto
como um agente comunista. Euvaldo Lodi, empresário paulista, comentou ao próprio Wainer
que ele era o único jornalista capaz de fazer um jornal “que é capitalista no primeiro caderno e
comunista no segundo”.
235
Outros setores da sociedade pensavam o mesmo.
Pouco tempo depois, Getúlio Vargas, o verdadeiro objetivo dos ataques de
Chateaubriand e Lacerda, iria suicidar-se em 1954.
Jornal do Brasil
Como vimos antes, o Jornal do Brasil tentou alterar-se tecnicamente no começo
do século, mas os resultados, em termos de vendas, não foram inteiramente satisfatórios.
236
Desde então, o jornal caracterizou-se por apresentar um grande número de pequenos anúncios, o
que o levou a ganhar o apelido de “jornal das cozinheiras”.
237
Suas vendas, mesmo que não
muito expressivas, eram lucrativas, sem contar o faturamento dos anúncios.
O afastamento de duas figuras-chaves da administração e da direção do jornal
(Pires do Rio, morto em 1950; e o conde Pereira Carneiro, que afastou-se do jornal no mesmo
período, vindo morrer em 1953) abriu espaço para que a condessa Pereira Carneiro e seu genro,
Manuel Francisco do Nascimento Brito, modernizassem o jornal, aproveitando-se para tal da
excelente situação financeira deixada pela administração Pires do Rio nos últimos anos.
A primeira iniciativa dos novos administradores ocorreu na importação de um
novo equipamento gráfico para fornecer ao jornal as condições efetivas para a sua expansão.
Logo depois, a condessa iria viajar para os Estados Unidos em busca de novas idéias para
incorporá-las no seu jornal.
238
Em 1956, já sob a direção de Odilo Costa Filho (e contando com
os jornalistas Jânio de Freitas, Ferreira Gullar, Carlos Castello Branco, Carlos Lemos, Wilson
233
- Morais, Fernando. op. cit.;
234
- Wainer, Samuel, op. cit., p. 151;
235
- Wainer, Samuel. Idem, p. 151;
236
- Morais, Fernando. op. cit.;
237
- Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, realizada no dia 20 de Setembro de 1995, Campinas, SP;
238
- Ferreira, Marieta de Moraes. “A Reforma do Jornal do Brasil.In A Imprensa em Transição. Rio de
Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1996;
Figueiredo, Amílcar de Castro, Hermano Alves, Lúcio Neves, Luís Lobo, José Carlos de
Oliveira, entre outros), o jornal começou a apresentar alterações editoriais.
239
Ainda em 1956 surgiu o “Suplemento Dominical”, criado por Reynaldo Jardim,
que, depois de iniciar misturando vários assuntos, transformou-se num suplemento literário,
resgatando uma antiga experiência do jornal. Para Ferreira Gullar, foi o sucesso do “Suplemento
Dominical” que estimulou a condessa a manter as alterações pelas quais o jornal estava
passando.
240
A página de esportes transformou-se numa espécie de laboratório de experiências
do jornal. Coordenada pelos jornalistas Carlos Lemos e Jânio de Freitas, foi nesta página que
foram eliminados os fios que separavam as colunas de textos.
241
Outra inovação do jornal foi a
apresentação da primeira página, na forma de “L”, tendo como centro uma fotografia,
experiência realizada em 1957.
242
Em 1958, Odilo Costa Filho (e mais um grupo de jornalistas ligados a ele)
abandonou o jornal por divergências políticas com sua direção. Ainda em 1960, o jornal
assistiria a uma outra série de mudanças na parte gráfica e de conteúdo, tendo um significativo
crescimento nas vendas. Os classificados, uma das maiores marcas do jornal, que ainda estavam
presentes na primeira página apesar das alterações editoriais, ganharam um caderno próprio e
separado, o Caderno B. Logo, também seria lançado o Caderno C, que iria tratar das artes de um
modo geral, destacando, principalmente, o cinema e o teatro.
243
239
- Ferreira, Marieta de Moraes. op. cit.;
240
- Ferreira Gullar relembra sua chegada no jornal: “Em 1956, eu fazia parte da equipe do Diário
Carioca, quando fui chamado para trabalhar com Reinaldo Jardim, no recém-criado Suplemento
Dominical do Jornal do Brasil. (...) Amílcar de Castro, também chamado para a equipe, iniciou um
processo de renovação gráfica. Tira fios, evita transbordar matéria de uma página para outra. Para
resolver esse transbordamento, estabelece uma correspondência entre o texto datilografado e o
tipografado, o que irá resultar na lauda metrificada.” Extraído de: s/A. “Capítulo X - A Intelligentsia e a
Cultura de Massa.In Coleção “Nosso Século”, V. 8, São Paulo, Abril Cultural, 1985, p. 126;
241
- Ferreira, Marieta de Moraes. op. cit., pp. 151-152;
242
- Amílcar de Castro nos relata como foi realizada essa primeira página: “Deu-me uma
idéia de uma foto grande em lugar do desenho grande a qual gerava a necessidade de
uma foto embaixo da página, ou um título forte, uma força para sustentá-la. (...) O jornal
era todo anúncio e deixei, assim, uma coluna à esquerda. Fui baixando, lentamente, o
restante. Com o rodapé na mesma medida da coluna, resolvi deixar assim, uai. Não
incomodou ninguém.” Entrevista de Amílcar de Castro na Folha de S. Paulo de
24/07/84, sendo que o trecho citado foi extraído de: Bahia, Juarez. Jornal, História e
Técnica. 3ª ed., São Paulo, IBRASA, 1972, p. 180;
243
- Reynaldo Jardim nos conta como foi criado este caderno: “Tudo começou quando me chamaram para
fazer uma nova coluna no lugar de uma outra que se chamava “Poesia Moderna”. O jornal achava que ela
estava toda errada... aí eu criei uma coluna chamada “Literatura Contemporânea”... Eu sou conhecido
como “ganhador de espaço”... então, em três semanas eu já estava com uma página. Um tempo depois, eu
tinha o caderno todo. Naquela época, a primeira página do “JB” era cheia de classificados com algumas
manchetes em cima... aí eu consegui eliminar os classificados do primeiro caderno pra frente... eu disse:
“Precisamos fazer um caderno só para os classificados... O caderno C...” Aí ficou um buraco entre as
atualidades e os classificados... criamos então um caderno no meio, o “Caderno B”... o “JB” foi o
primeiro jorna a criar um caderno assim... hoje todo jornal tem um segundo caderno. Então eu fazia o
“SDJB”, suplemento dominical cultural, fazia o “Caderno B”, dirigia a Rádio JB e fazia a “Revista de
Os sucessos dessa reforma foram significativos, tanto na qualidade do jornal
quanto nas vendas.
244
A televisão brasileira ainda não era a principal inspiração para as alterações do
Jornal do Brasil. Muitas das alterações técnicas ocorreram inspiradas em jornais norte-
americanos, estes, sim, alterando-se para concorrer com a televisão. Como no jornal Última
Hora e na revista Manchete, a influência da televisão era absorvida pelo Jornal do Brasil de
maneira indireta. Mas, como veremos, o JB seria o primeiro a admitir a influência da televisão
na imprensa.
Manchete X O Cruzeiro
A revista Manchete consolidou-se como uma das grandes revistas do país na
década de 50. Politicamente, a revista engajou-se a favor de Juscelino Kubitschek, apoiando a
construção de Brasília para ser a capital do país, conseguindo um expressivo aumento de
vendas. Seu crescimento assustou sua principal rival.
A estratégica comercial da revista O Cruzeiro era a de realizar grandes
reportagens nacionais sobre temas de interesse imediato. Deixando seus textos mais ágeis
(entenda-se menores), com excelente cobertura fotográfica, com seções atraentes (entre elas, a
seção “Pif-Paf”, de Millôr Fernandes, que, como veremos, seria de grande importância para a
imprensa alternativa brasileira), a revista logo seria a mais vendida do Brasil, chegando a uma
tiragem semanal de 570.000 exemplares em 1956.
Logo, Chateaubriand iria tentar expandir o seu império para além das fronteiras
brasileiras: lançou, em 1957, a edição internacional da revista O Cruzeiro, escrita em
castelhano. Era um ato arriscado, pois a revista estaria enfrentando diretamente um poderoso
oponente, a norte-americana Life. A publicação de Chateaubriand obteve grande sucesso de
público, vendendo cerca de 300 mil exemplares pela América Latina, mas não conseguiu o
mesmo sucesso em anúncios, pois as grandes empresas internacionais de propaganda
continuaram fazendo seus anúncios na Life.
245
A internacionalização da revista foi a última grande tentativa de incrementá-la,
pois ela começaria a ter uma vertiginosa queda de vendas nos anos seguintes, perdendo terreno
Domingo...” Extraído de: Mercador, Tonico. “O Duende do Brasil - Entrevista com Reynaldo Jardim.” In
revista Palavra. Ano 1, Nº 5, Belo Horizonte, Editora Palavra, Agosto/1999, p. 11;
244
- Marieta de Moraes Ferreira comenta as razões desse sucesso: “A explicação para esse desempenho
deve-se à combinação de diferentes variáveis: a conjuntura histórica do período; a capacidade de decisão
empresarial da direção para captar as demandas dos eu tempo e apostar no novo; a boa condição
financeira do jornal, que lhe permitia arcar com os custos do processo; a capacidade de atrair intelectuais
e jovens jornalistas empenhados em criar e construir novas formas de trabalho jornalístico, e a
moderação política, marca registrada do jornal desde os tempos do conde Pereira Carneiro.” Ferreira,
Marieta de Moraes. op. cit., p. 155
245
- Morais, Fernando. op. cit.;
para a Manchete. Na concorrência entre O Cruzeiro e Manchete, uma das questões que
definiriam os seus rumos foi a questão tecnológica.
As duas revistas utilizavam o sistema de rotogravura para a impressão, um
processo químico onde a chapa com os tipos era gravada num cilindro de cobre, com o papel
passando por esse cilindro, completando a impressão. Tal sistema permitia uma variedade maior
de recursos gráficos - entre eles, a cor. Para se conseguir cores, o sistema utilizado era o de
quadricomia, ou seja, misturava-se quatro cores (agenta, rosa, preto e amarelo), formando-se as
demais. A revista O Cruzeiro utilizava o sistema de rotogravura na cor sépia (fora do padrão das
quatro básicas da quadricomia), enquanto que a revista Manchete, dona de uma tecnologia
superior, utilizava o sistema de rotogravura na cor preta, dentro da quadricomia.
246
Foi nesse item que a revista Manchete superou O Cruzeiro: a revista O
Cruzeiro revolucionou no campo das fotografias na primeira metade de século XX, mas ficou
limitada tecnologicamente. A Manchete, com uma tecnologia superior, começou a apresentar
fotografias mais nítidas e com cores mais ricas, caracterizando-se por uma variedade e
qualidade que O Cruzeiro não conseguiu jamais apresentar ou superar.
V.T.
O poder da televisão começava a ficar maior na vida brasileira. A televisão
brasileira apresentou uma grande novidade técnica no início dos anos 60: o videoteipe, que
começou a ser utilizado em 1960, mas apenas em 1962 foi usado em grande escala.
Os primeiros aparelhos de videoteipe surgiram nos Estados Unidos em 1956 e
eram produzidos pela Ampex. Este aparelho possibilitou um vasto campo para a edição de
programas de televisão, que dependiam, até então, essencialmente, da película filmada e
“cortada” da melhor maneira possível. O videoteipe chegou no Brasil e a TV Rio foi a primeira
emissora a utilizá-lo.
247
246
- Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, op. cit.;
247
- Walter Clark, na época funcionário da emissora, nos descreve o aparelho:
“Comparados com aos videocassetes que todo mundo tem hoje em casa, eram um
monstrengo infernal, do tamanho de uma geladeira de 440 litros, com uma fita de rolo
de diâmetro quase igual ao pneu de um Fiat e espessura pouco menor que a metade.
Como o sistema de edição eletrônica não foi inventado junto com o VT, mas só anos
depois, era um sufoco montar programas gravados em fita. O sujeito tinha que cortar a
fita, como faz o montador de cinema, que corta e junta pedaços de filme numa moviola.
Só que o diretor de VT apanhava mais. Ele não tinha o fotograma do filme para ver o
ponto exato do corte. Cortava meio no olho, na sorte. Seu indicador, muito mais
impreciso, era apenas o áudio. Evidentemente, o programa montado tinha sérias
imperfeições - para não falar do custo, porque cada fita saía por oitocentos dólares e
A nova tecnologia foi extremamente útil para as emissoras de televisão, pois os
programas começaram a ser gravados e copiados, sendo que as fitas produzidas pelo novo
aparelho eram vendidas para outras emissoras de televisão espalhadas pelo país, o que aumentou
consideravelmente as rendas das emissoras e a variedade de programação da televisão pelo
país.
248
Mas foi no setor de produção artística que o videoteipe acabou sendo mais útil, pois
permitiu uma nova construção da forma e apresentação dos programas televisivos, que, até
então, caracterizavam-se por serem apresentados de forma linear (quer por transmissões ao vivo
ou por filmes em películas, de difícil manuseio), além de não permitir o uso de efeitos com
imagens.
249
Além de não haver mais a necessidade de improvisação (pois quando acontecia
um erro nas gravações, era possível fazer de novo e gravar apenas as partes corretas), as
possibilidades de variação técnica aumentaram muito, deixando a televisão como um dos meios
mais criativos deste momento. E o Jornal de Vanguarda, da rede Excelsior, iria aproveitar-se
das possibilidades criativas que o videoteipe permitia.
O Jornal de Vanguarda, da rede Excelsior, foi um dos programas
telejornalísticos mais inovadores de seu tempo, diferindo bastante dos esquemas até então
aplicados na produção jornalística da televisão brasileira, que caracterizava-se por apresentar
programas descritivos, financiados por lojas e empresas que lhes davam o nome (o mais famoso
dentro desta forma foi o Repórter Esso), visual monótono (quase sempre com uma cortina ao
fundo, uma mesa e uma cartela com o nome do apresentador) e sem variações na forma de
edição.
250
O Jornal de Vanguarda seria o primeiro telejornal feito por jornalistas, mostrando
charges, bonequinhos falantes, apresentação rápida das notícias e apresentadores mais
informais (destaca-se entre eles o jovem Cid Moreira). Com edições criativas, foi o primeiro
telejornal a se aproveitar das possibilidades da linguagem televisiva, facilitadas pelo videoteipe,
realizando uma competente união entre jornalismo e show.
251
A Imprensa de Esquerda
uma vez cortada só servia para novas exibições. Não podia ser reeditada.” Clark, Walter
e Priolli, Gabriel. op. cit., p. 109;
248
- em 1960, o humorista Chico Anísio, fascinado com o novo aparelho, o utilizou num comercial do
Rum Bacardi, onde vários dos seus personagens (Qüém-Qüém, Coronel Limoeiro, etc.) apareciam em
rápidas seqüências seguidas cantando o jingle do comercial, e no seu programa, o Chico Anísio Show, que
foi o primeiro programa da TV brasileira a utilizar-se do videoteipe. Clark, Walter e Priolli, Gabriel.
Idem;
249
- Marcelo Barbosa, apelidado de Nasal (por causa do seu nariz grande), técnico de gravação de áudio
da TV Rio, resolveu o problema de edição do V.T. ao cortar a fita magnética do aparelho com gilete,
como ele fazia nas fitas de áudio, o que facilitava a junção dos mais variados pedaços de fita de acordo
com a vontade do editor. Clark, Walter e Priolli, Gabriel. Idem, ibidem;
250
- Lima, Fernando Barbosa. “Nossas Câmeras são seus Olhos.In Lima, Fernando Barbosa; Priolli,
Gabriel e Machado, Arlindo. Televisão e Vídeo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985, p. 9;
251
- Lima, Fernando Barbosa. op. cit., p. 9;
A esquerda escrevia muito no começo de década de 60, o que proporcionava
um número grande de publicações, quer de livros, panfletos ou jornais. A UNE tinha o seu
veículo, a revista Movimento, mas quase todos os grupos de esquerda tinham o seu também,
como O Seminário, de linha nacionalista, dirigido por Osvaldo Costa; Panfleto, canal para as
idéias de Leonel Brizola; Novos Rumos, jornal oficial do PCB,
252
entre tantos outros.
As revistas de artigos também proliferavam, sendo importante veículo para a
esquerda. Uma das mais importantes foi a Revista Brasiliense, dirigida por Elias Chaves, onde
escreviam Caio Prado Jr., Otávio Brandão, Teotônio dos Santos, entre outros, e que abriu
espaços para a exposição e discussão das idéias das esquerdas avaliando a situação do país. Na
linha mais moderada, temos a revista Anhembi, dirigida por Paulo Duarte, em cuja páginas
escreviam Florestan Fernandes, Sérgio Milliet, Fernando Henrique Cardoso, entre outros. O
PCB também tinha a sua revista, Estudos Sociais.
253
Mas uma das publicações mais importantes deste período foi a revista Senhor.
Criada por Nahum Sirotsky em 1959, que também seria o seu primeiro editor e redator-chefe, e
tendo Carlos Scliar como o diretor de arte, a revista defendia um posicionamento mais liberal.
Paulo Francis e Luiz Lobo também faziam parte da redação, que tinha entre seus colaboradores
Odílio Costa, Otto Lara Resende, Clarice Linspector, Vinícius de Moraes, Ferreira Gullar,
Newton Rodrigues, entre outros. Iriam reunir-se, durante o apogeu da revista, alguns dos futuros
membros do jornal alternativo O Pasquim, como Ivan Lessa, Millôr Fernandes e Jaguar, além
do próprio Paulo Francis. Além dos escritores nacionais, a revista publicava também textos com
elementos da contracultura norte-americana, além de traduções especiais (como textos do russo
Leon Tolstoi e do norte-americano Hemingway) e em fascículos (como o romance de Jorge
Amado, Quincas Berro d’Água).
Quando foi criada, ela custava três vezes mais que qualquer outra revista, com
um formato pouco usual (23,5 x 32 cm) e uma diagramação particular, baseada na linguagem do
cinema, ou seja, de clara inspiração imagética. Sua tiragem atingiu 40 mil exemplares, com 30
mil assinantes. Sua primeira fase teve 60 números, e, apesar da boa tiragem, não conseguiu
cobrir os seus custos cada vez maiores, alimentados por uma inflação crescente. Em fins de
252
- o radicalismo estava crescendo por todos os lados, o que provocou acontecimentos curiosos. O cantor
Jorge Goulart narrou que um ator de rádio, da Rádio Nacional, chamado Geraldo, iniciando-se na
militância política nesse período, estava em crise de consciência, pois ele teria de interpretar Che Guevara
numa novela financiada pela CIA e que seria transmitida para o interior do país, sendo que a novela
mostrava uma visão muito negativa da revolução cubana. O rapaz foi aconselhado a aceitar o papel e o
pagamento, de cinqüenta dólares por capítulo, mas destinando metade desse dinheiro para o PCB editar
Novos Rumos. Em outras palavras: a revista seria financiada, em parte, pela CIA. Lenharo, Alcir.
Cantores do Rádio - a Trajetória de Nora Ney e João Goulart e o Meio Artístico de seu Tempo. Campinas,
Editora da UNICAMP;
253
- Kucinski, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários - nos Tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo,
Scritta, 1991;
1960, com menos de dois anos de existência, seu declínio já era visível, e encerraria suas
atividades em 1964, depois do golpe que derrubou Goulart.
254
A inflação crescente, vinda desde o governo JK, provocou pressões nos meios
de comunicação, que tinham grandes dificuldades para cobrirem os seus custos, em particular a
compra de papel. A inovadora revista Senhor fechara, enquanto que a Folha da Manhã (que,
em 1961, mudaria seu nome para Folha de São Paulo), a partir do final dos anos 50, entrou
numa fase de contenção de despesas e organização financeira, o que lhe seria muito útil nos
anos seguintes.
255
No dia 6 de janeiro de 1962, Alberto Dines assumiria o posto de editor-chefe do
Jornal do Brasil, dando continuidade às alterações do jornal.
Alberto Dines
Alberto Dines assumiu o posto de editor-chefe do decadente Diário da Noite
durante a década de 50 e, nos próximos dois anos desde que ele assumiu, o jornal sofreria
alterações técnicas profundas, numa tentativa de recuperar suas vendas. Baseando-se nos jornais
ingleses Daily Mirror e Daily Express, o Diário da Noite passou a ser um tablóide, ou seja,
começou a ter uma paginação de revista, manchetes em letras garrafais, textos curtos e
linguagem animada e coloquial. Por falta de recursos, a equipe de redação procurava suplantar
as insuficiências tecnológicas com talento e improvisação,
256
como foi o caso da produção das
manchetes: sem as tituleras (aparelhos que produziam títulos e manchetes, sendo que os
melhores do gênero eram produzidos pela empresa alemã Ludlow), a equipe de redação
improvisou letras em cartolina, de vários tamanhos, criando uma caixa de tipos improvisada e,
com essas letras, construía as manchetes.
257
Apesar dessas mudanças, o jornal acabaria
fechando.
258
Depois da experiência do Diário da Noite, Dines ainda trabalharia na nova revista
de fotografias da editora Bloch, Fatos & Fotos, lançada em 1961.
259
Depois desta experiência é
que Dines iria trabalhar no Jornal do Brasil.
Alberto Dines, no Jornal do Brasil, desenvolveu dois pontos básicos para
realizar as alterações técnicas do jornal: 1º - as mudanças deveriam ser lentas, mantendo intacto
o seu padrão básico, pois o público leitor não aprecia mudanças bruscas, e estas apenas devem
ser realizadas quando o jornal estiver em situação desesperada (como foi a situação do Diário
254
- Kucinski, Bernardo. op. cit.;
255
- Motta, Carlos Guilherme e Capelato, Maria Helena R. op. cit.;
256
- Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, op. cit.;
257
- o funcionário Fernando Wasserman, que cuidava da produção dessas manchetes,
ganhou o apelido de “Fernando Ludlow”, pois ele era a “máquina titulera” do jornal.
Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, Idem;
258
- Dines, Alberto. O Papel do Jornal. op. cit.;
259
- Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, op. cit.;
da Noite); 2º - o jornal não poderia desconsiderar a presença dos outros meios, e, no caso
específico, não deveria desconsiderar a televisão. Este último ponto é importante, pois foi
Alberto Dines o primeiro jornalista no Brasil a realmente pensar a televisão como agente
influenciador da imprensa escrita, chegando a instalar aparelhos de televisão dentro da redação,
para que os jornalistas tivessem contato com esse tipo de produção.
Dentro dessa perspectiva, as alterações do Jornal do Brasil nesta sua segunda
fase de reformas percorreriam dois caminhos: primeiro, no campo gráfico (aproximação estética
com a revista - melhor paginação, organização da apresentação do conteúdo, linguagem clara e
concisa, maior utilização de fotografias); segundo, no próprio conteúdo (o jornal foi o primeiro
no Brasil a ter um departamento de pesquisa para satisfazer a demanda de informações criada
pela televisão).
Além de questões de ordem política, questões de ordem técnica e econômica
também eram elementos que podiam construir (ou destruir) um jornal ou uma revista. No início
dos anos 60, os meios de comunicação estavam enfrentando condições econômicas bastante
difíceis por causa da inflação. Mas a situação política do país também não era das mais estáveis
e tais instabilidades também se refletiriam na imprensa. E um curioso confronto se verificou.
Notícias Populares Enfrenta Última Hora
Em 6 de janeiro de 1963, um plebiscito foi realizado e pôs fim ao
parlamentarismo, devolvendo os poderes plenos de presidente a João Goulart, fato que assustou
e incitou à conspiração vários grupos de direita.
260
Indiferentemente do que possamos pensar do
governo Goulart, sua posição como comunista era muito exagerada, mas este “exagero” foi
aceito como uma verdade incontestável pelos propensos dois lados, numa representação
tipicamente maniqueísta da Guerra Fria. Luís Carlos Prestes iria declarar, numa entrevista
concedida para uma emissora de televisão paulista em 1964, que “não estamos no governo mas
estamos no poder”,
261
numa referência direta à virtual influência do PCB no governo Goulart.
Como podemos perceber, João Goulart era visto como comunista e seu governo
deveria ser combatido em todos os níveis. Esta representação também atingiria a imprensa, pois
ela ficaria na oposição, com exceção ao jornal Última Hora, que, então, deveria ser combatido.
O jornal Última Hora defendia o governo Goulart pois este mantinha, pelo
menos teoricamente, uma linha mais nacionalista (ou “getulista”). Em outras palavras, o jornal
era tão comunista quanto o próprio João Goulart o era - o jornal procurava defender a linha
260
- para maiores detalhes sobre os grupos empresariais que conspiraram contra o governo Goulart, ver
Dreyfuss, René. 1964 - a Conquista do Estado. Petrópolis, Vozes, 1981;
261
- extraído de: Hollanda, Heloísa Buarque de. Cultura e Participação nos Anos 60. Coleção “Tudo é
História”, Nº 41, 4ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1984, p. 12;
nacionalista de Goulart, que era confusa e volátil, podendo pender para qualquer lado
dependendo das circunstâncias. Perto da sua queda, o governo Goulart pendeu para a esquerda,
o que foi visto como uma guinada profunda para o comunismo. Assim, o jornal começou a ser
encarado como um veículo de idéias comunistas e, como tal, deveria ser combatido. Para isso
foi criado, em 1963, o jornal Notícias Populares.
262
Herbert Levy era presidente da UDN e seria um dos líderes da ofensiva contra
Goulart a partir de 1963, recebendo a ajuda de um dos seus filhos, L. Fernando Levy, que
fundaria o jornal Notícias Populares. O jornal foi concebido para concorrer diretamente com a
Última Hora, atacando uma das suas características básicas, ou seja, a politização do conteúdo
através da sua apresentação formal. O jornal Notícias Populares iria se utilizar de quase todos
os mesmos temas da Última Hora, mas procurando explorar o lado mais sensacionalista da
notícia, tentando esvaziá-la de seu contexto político.
263
Na tentativa de ser despolitizado, nunca
um jornal foi tão político.
Notícias Populares teria preocupações de ordem gráfica, como a criação de um
logotipo, a distribuição das matérias (dando destaque para as que envolviam sexo e crime), o
uso gritante de fotos e a distribuição pensada para concorrer diretamente com a Última Hora
(sua distribuição começava na noite anterior ao dia datado no jornal). Não havia preocupações
com o lucro, pois seu objetivo era puramente político.
264
É quase impossível dizer, realmente, qual foi o impacto que o Notícias
Populares produziu na Última Hora, mas a sua criação mostra como estava o clima político
nesse começo de década, quando o Medo do Expansionismo Comunista abria lutas para se
evitar, a qualquer custo, uma eventual revolução socialista no Brasil.
A disputa pelo simbólico da sociedade brasileira na imprensa era grande
naquele momento. A pesquisa da historiadora Anna Cristina Camargo Moraes Figueiredo
mostra que a publicidade do período de 1954 a 1964 também travava suas “batalhas”.
Analisando a publicidade das revistas Manchete e O Cruzeiro, Figueiredo no mostra a fixação
do simbólico do consumo no Brasil, ao valorizar os novos produtos domésticos lançados no
262
- Goldstein, Gisela. op. cit.;
263
- Goldstein, Gisela. Idem;
264
- de acordo com Gisela Goldstein: “Expressão de um liberalismo oligárquico incapaz
de reconhecer nas classes populares um interlocutor legítimo, acentuou, no plano da
mensagem, mais do que Última Hora, fórmulas básicas da indústria cultural, com o
objetivo de excluir aquelas classes da cena política. Seu caráter combinado deriva da
tentativa de imitar Última Hora pelo avesso, como forma de combatê-la.” Goldstein,
Gisela. Idem, ibidem, p. 153;
país, relacionando-os aos conceitos de “modernidade”, “independência” e “liberdade”.
265
Logo,
esta mesma publicidade iria colocar-se contra o comunismo.
266
A derrubada do governo Goulart aconteceu na virada dos meses de março e
abril de 1964, recebendo cobertura intensa da imprensa, que posicionou-se a favor dos golpistas.
Apesar de ser um movimento conservador, os novos governantes acabariam por aproveitar das
representações do momento, mas de maneira bastante limitada: aproveitando-se apenas da idéia
da revolução, sem o socialismo, os militares dão este nome para o seu movimento, ou seja,
“Revolução de 1964”.
A televisão registraria um dos acontecimentos mais insólitos desse momento: na
Cinelândia, no Rio de Janeiro, na frente do Clube Militar, um menino de 12 anos começou a
gritar “Jango! Jango!”, quando um homem alto e magro apontou uma arma automática na
cabeça do menino e aperta o gatilho, estourando-lhe a cabeça. A cena seria mostrada pelo
Jornal de Vanguarda, desmentindo uma das construções dos novos governantes de que a
“revolução” fora sem violência. A emissora, na mesma noite, receberia a visita de um militar,
que começaria a fazer censura no telejornal.
267
O Peso da Televisão na Vida Brasileira
A televisão crescia em influência no começo da década de 60, mas ainda
encontrava resistências por parte dos intelectuais em reconhecerem sua importância. Mas
mesmo estes intelectuais tiveram que analisar o meio de uma maneira mais cautelosa quando,
no início de 1964, um inusitado programa de televisão alcançou uma audiência gigantesca: a
novela O Direito de Nascer, dirigida por Cassiano Gabus Mendes, Henrique Martins e José
Parisi,.
265
- Figueiredo, Anna Cristina Camargo Moraes. “Liberdade é uma Calça Velha, Azul e Desbotada” -
Publicidade, Cultura de Consumo e Comportamento Político no Brasil (1954-1964). São Paulo, Hucitec,
1998;
266
- de acordo Anna C. C. Moraes: “Foi justamente em meio a essa euforia, no deslumbramento causado
pela enxurrada de geladeiras, automóveis e utensílios de plástico colorido no mercado e ao alcance de
suas mãos ávidas, que os segmentos médios da população urbana começaram a sentir os primeiros e ainda
tênues efeitos da crise que logo iria abater-se sobre todo o mundo capitalista, com o esgotamento do
processo de crescimento vivido pelo sistema ao longo dos anos 40-50. Ademais, a Guerra Fria parecia
ganhar novas dimensões com a Revolução em Cuba. Enquanto isso, no Brasil, o pacto populista expirava,
tendo em vista que o governo se mostrava incapaz de equacionar os problemas derivados do aumento da
pressão inflacionária e, sobretudo, de administrar crescentes pressões tanto dos trabalhadores quanto dos
empresários, exigindo maiores compromissos do governo com suas reivindicações e interesses
específicos. A agitação política que daí decorria causava às camadas médias atônitas, insufladas pela
propaganda ideológica veiculadas pelos meios de comunicação de massa e acostumadas que estavam à
contemplação do ‘próprio umbigo’, a sensação de que o tal clima de ordem e prosperidade, necessário à
realização de seus sonhos consumistas, rompera-se. Interpretavam, assim, os acontecimentos do período
como se tratando da ampliação do ‘perigo vermelho’, que já se havia instalado no corpo e na alma de
nossos vizinhos caribenhos, e temiam pela sua ‘liberdade’ - entendida como a possibilidade de ‘crescer’
pelo próprio empenho individual, de afirmar sua posição mediante o consumo e, por meio dele também,
desfrutar do prazer que sua nova situação lhe oferecia.” Figueiredo, Anna Cristina Camargo Moraes. op.
cit., p. 157;
267
- Lima, Fernando Barbosa. op. cit.;
As novelas de televisão tinham como origem imediata as novelas radiofônicas,
exceto por uma característica negativa: na televisão não havia uma periodicidade confiável,
sendo que os capítulos poderiam ser apresentados todos os dias ou três vezes por semana,
quando não em horários diferentes, dependendo da instável programação da época. A TV Rio já
havia conseguido, desde o final da década de 50, através do seu diretor Walter Clark, estabilizar
os horários e a periodicidade das suas produções, com sucesso de público. A novela A Moça que
Veio de Longe, tendo como protagonista a atriz Rosamaria Murtinho, havia obtido um grande
sucesso de audiência, mas ainda não era o sucesso que pudesse chamar a atenção sobre a
televisão - e a novela O Direito de Nascer foi este sucesso. Sua festa de encerramento, no
Maracanãzinho, levou mais de 25 mil pessoas, sendo que em São Paulo não foi diferente.
268
O estrondoso sucesso desta novela iria ajudar a colocar a televisão como o
grande meio de comunicação da década de 60, posição que se consolidaria no decorrer da
década. Quanto à influência da televisão brasileira na imprensa escrita, devemos destacar que
esta presença, embora ainda pequena, começava a ser percebida, principalmente pelo
surgimento da Rede Globo.
Num famoso comunicado, datado de 26 de abril de 1965, à redação do Jornal
do Brasil, Alberto Dines pediu que se tomasse cuidado com a emissora que surgia, pois, ao
contrário do que acontecia até então, essa emissora de televisão vinha de uma tradição noticiosa
muito consistente e profissional, podendo ser uma rival de nível ao jornalismo escrito, o que não
acontecia com a televisão anteriormente, com produções pouco inteligentes e de pouca
criatividade.
269
A visão que Dines apresentou ainda em 1965 confirmaria-se nos anos seguintes,
pois a televisão continuou crescendo em influência e técnica, tornando-se o principal meio de
comunicação do país.
Os Novos e Revolucionários Vespertinos de São Paulo
A Folha de S. Paulo começava a modernizar-se, mas foi o grupo Estado que
saiu na frente em termos de inovação ao publicar um vespertino, o Jornal da Tarde, em 1966,
procurando ganhar o público deixado pela deterioração do jornal Última Hora de São Paulo
(com uma redação cada vez mais sectária politicamente, mas que garantia alguma vendagem
média, justificando sua publicação).
Baseado no New Journalism, a influência norte-americana mostrava-se mais
visível do que nunca. O New Journalism, com os destacados nomes de Tom Wolfe e Truman
Capote, procurava fazer mais do que notícias: o próprio jornalista iria viver os acontecimentos,
268
- Clark, Walter e Priolli, Gabriel. op. cit.;
269
- Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, op. cit.
não mais separado do fato, como observador, mas participante dele.
270
Além disso, também
buscava a valorização, dentro da construção da notícia, da vivência e experiência do jornalista
com o fato. No entanto, podemos encontrar traços da presença da televisão neste tipo de
produção, pois com a integração da imagem/som/movimento com o público receptor que esse
meio proporcionou, a idéia de participação ativa no fato cresceu substancialmente, estimulando
os enfoques deste tipo de jornalismo.
O Jornal da Tarde, dirigido pelo jornalista Mino Carta, apresentava uma
diagramação diferente da dos outros jornais, valorizando fotos e espaços em branco, numa
linguagem nova e moderna para a época. As páginas do jornal, inclusive, eram desenhadas para
a edição.
271
O jornal também se caracterizou por realizar grandes reportagens (principalmente
com temas envolvendo a cidade de São Paulo, o que lhe daria um público fiel, mesmo que
bastante localizado), o que revitalizou o espaço vespertino das publicações brasileiras.
272
O
jornal apresentava suas reportagens de um maneira muito sentimental, valorizando os aspectos
humanos da notícia - que era o espírito do New Journalism.
A criação deste vespertino foi estratégica ao grupo Estado, pois permitia ao seu
jornal não ter os sustos e inconveniências que novas e modernas publicações pudessem causar
(como foi o caso da Última Hora na década de 50), colocando-se à frente dessas inovações ou
pronto para incorporá-las no jornal principal. A televisão, nessa segunda metade da década de
60, já era o meio de comunicação principal do país, e os problemas da imprensa escrita com
esse meio eram uma realidade, e não mais algo indireto, vindo das matrizes dos países
desenvolvidos. O Jornal da Tarde foi uma resposta a essa nova situação, e seu sucesso atingiria
a mídia escrita, principalmente o grupo Folha, que lançaria também o seu vespertino, a Folha
da Tarde, em 1967.
A Folha da Tarde iria mais longe ainda que o Jornal da Tarde, com uma
equipe muito variada e dinâmica, com pessoas como Frei Betto, Ítalo Tronca e o próprio
Raimundo Pereira, que foram influenciados pelo New Journalism, mas não apenas por esse tipo
de jornalismo, pois havia uma redação diversificada, com vários profissionais de experiências
diferentes, e com objetivos políticos diferentes,
273
como, por exemplo, o Frei Betto (que era um
frei católico) ou Raimundo Pereira (que era um ativista da esquerda radical), entre outros.
270
- Lima, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas - o Livro Reportagem como Extensão do Jornalismo e da
Literatura. Campinas, Editora da UNICAMP, 1993;
271
- de acordo com o jornalista Sandro Vaia, que era editor do Jornal da Tarde no seu início: “Na
verdade a gente aprendia a editar a matéria desenhando a página. A forma influenciava o conteúdo. As
duas coisas tinham que ser pensadas junto. Às vezes a gente mandava um repórter fazer uma matéria já
com o desenho da página na cabeça. Já tinha idéia de como ela ia sair, como deveria ser a foto, o título, a
angulação do texto. Tudo isso era pensado ao mesmo tempo.” s/A. “O Homem Certo - Entrevista com
Sandro Vaia.” In revista Jornal dos Jornais. Nº 20, São Paulo, Editora Jornal dos Jornais,
novembro/2000, pp. 47-48;
272
- Lima, Edvaldo. op. cit.;
273
- Tronca, Ítalo. Entrevista para o Autor, realizada em 18 de Outubro de 1995, Campinas, SP;
Apesar dessa variedade, de um modo mais geral, a busca da revolução socialista era o ponto
principal de sua agenda.
274
A grande diferença entre a Folha da Tarde e o Jornal da Tarde foi
que a redação da Folha da Tarde acreditava e queria a revolução.
A Folha da Tarde também destacaria-se por realizar uma cobertura muito maior
que a do Jornal da Tarde em relação à Guerra do Vietnã, principalmente das manifestações
contra a guerra.
275
A página internacional da Folha da Tarde, nessa época, era editada por Ítalo
Tronca, trabalhando com ele, como redatores, Ricardo Maranhão e Jorge Okubaro. As notícias
sobre a guerra chegavam em grande quantidade pelos teletipos, e Ítalo Tronca as escolhia,
simplificava, adaptava da melhor maneira possível para o espaço do jornal (procurando o maior
impacto possível) e, principalmente, para o público leitor, pois as notícias tinham de ter sentido
para o público.
276
A forma do meio de comunicação ganhava importância na imprensa escrita
brasileira como um todo. O New Journalism, uma experiência nova, também se preocupava com
a maneira de apresentar as notícias - a representação das notícias passava também por questões
envolvendo a sua forma. Assim, os jornais Jornal da Tarde e Folha da Tarde investiram na
parte gráfica e fotográfica, pois a vivência requerida por esta modalidade de jornalismo
precisava também de uma “ambientação” coerente com o que estivesse sendo produzido em
termos de notícia.
Tanto o Jornal da Tarde como a Folha da Tarde procuravam, de uma maneira
maior ou menor, no New Journalism as suas fontes de inspiração, desenvolvendo um novo tipo
de jornalismo dentro do país. Mas foi a revista Realidade que proporcionaria as grandes
inovações dentro dessa matriz.
Realidade: A Base da Imprensa Alternativa
A revista Realidade foi lançada em abril de 1966, era mensal, dirigida por
Paulo Patarra e tinha como conteúdo a reportagem baseada no social, na discussão crítica da
moral e dos costumes. Além do ponto de vista jornalístico, tinha preocupações estéticas típicas
do New Journalism, ou seja, narrativa baseada na vivência direta do jornalista com a realidade
que pretende transpor, daí o nome da revista. Chegou a ter tiragens de 400 mil exemplares e,
274
- Tronca, Ítalo. Entrevista para o Autor, op. cit.;
275
- Bernardo Kucinski nos pondera que: “Folha da Tarde destacou-se não só pela
cobertura dos protestos contra o regime militar no Brasil, como também pela cobertura
das gigantescas manifestações contra a guerra do Vietnã e da revolução estudantil na
França. Havia até uma competição entre a equipe do Folha da Tarde, onde era maior a
influência da nova esquerda, e a de Última Hora, onde era mais nítida uma linha AP.”
Kucinski, Bernardo. op. cit., p. 39;
276
- Tronca, Ítalo. Entrevista para o Autor, op. cit.;
mesmo pertencendo ao grupo Abril (que nada tinha de revolucionário), sua redação já
funcionava como os jornais alternativos iriam trabalhar posteriormente. Discussões sobre as
matérias (e as inevitáveis divergências entre os grupos de esquerda, que eram porém resolvidas
democraticamente) eram colocadas apesar dos interesses dos donos da revista, pois seus
membros faziam parte de células políticas clandestinas. A revista também abriu as principais
linhas da imprensa alternativa.
Em 1968, a Ação Popular (AP), grupo político radical de esquerda, tinha
abandonado a linha católica. Esse grupo ordenou que seus militantes saíssem da revista para se
juntar ao povo, caindo na clandestinidade se assim fosse necessário. Aqueles que se recusaram
deram origem a uma linhagem da imprensa alternativa, a existencial e antidoutrinária. Aqueles
que aceitaram as diretrizes da AP formaram uma linhagem política (ligada, principalmente, a
Raimundo Pereira).
277
Também existiria uma terceira linhagem, a humorística, principalmente
saída da revista Pif-Paf.
A imprensa alternativa merece um destaque especial.
278
É difícil defini-la,
realmente. Em primeiro lugar, opunha-se ao discurso oficial, procurando mostrar, justamente,
novas idéias e comportamentos, tanto no nível pessoal quanto no político, algo difícil dentro de
uma ditadura. Além disso, opunha-se à grande imprensa, que via como instrumento da
burguesia para impor sua ideologia. Os alternativos tinham a sua própria ideologia, que variava
de jornal para jornal. Em cada novo projeto alternativo, havia invariavelmente um episódio de
fechamento de espaço da grande imprensa, empurrando jornalistas para a saída alternativa,
mesmo que confusa ou mal-definida. A figura do líder é importante, o que acabou por destacar
figuras como Millôr Fernandes (Pif-Paf), Jaguar (O Pasquim), Raimundo Pereira (Opinião),
entre outros. Em certos sentidos, foram suas preocupações e expectativas pessoais que
impulsionaram os projetos alternativos, apresentados, muitas vezes, como projetos políticos
mais universais. Não que a sua influência fosse absoluta, nem todos que trabalhavam com o
líder necessariamente concordavam com suas posições estéticas e políticas, mas, com certeza,
suas orientações foram fundamentais para o desenvolvimento dos jornais como um todo.
A Luta pela Revolução Socialista estava presente nos seus projetos, pois, sob
sua ótica, a revolução, além de desejada, era vista como um processo inevitável. Depois, quando
ela não se mostrou mais inevitável, esses jornalistas começaram a fazer resistência ao regime
militar. Não havia preocupações com lucros (o que eles consideravam a “praga” do capitalismo)
já que os jornais faziam parte de um projeto de alcance político mais longo, que visava a
revolução. Grande parte desses jornais tinha lideranças políticas de partidos clandestinos, que
277
- todas as informações sobre a revista Realidade foram discutidas a partir das reflexões de: Kucinski,
Bernardo. op. cit.;
278
- todas as informações sobre a imprensa alternativa foram discutidas a partir das reflexões de: Kucinski,
Bernardo. Idem;
influíam nas decisões do jornal em todas as etapas de produção da notícia até a forma de
apresentá-la.
Tal imprensa seria influenciada pela televisão? A resposta é não, com exceção,
talvez, dos jornalistas mais influenciados pelo New Journalism. A imprensa alternativa seria
uma das últimas manifestações de uma geração ainda formada por bases na literatura e na
leitura, que procurava expor e defender suas idéias pela escrita, ligada a um imaginário
representado pela cultura escrita. Não é que não fossem criativos ou vibrantes (mostrando que
não apenas a televisão poderia estimular novos caminhos para a imprensa escrita), mas suas
preocupações eram eminentemente intelectuais, procurando convencer, invariavelmente, um
público letrado, ou melhor, que tivesse uma formação mais voltada para leitura.
O Sistema “Off-Set”
Não foram apenas as publicações baseadas no New Journalism que se
preocuparam com recursos técnicos. A importância da técnica em relação ao conteúdo
começava a ser percebida de uma maneira mais intensa por toda a imprensa brasileira, e os
jornais procuravam modernizar-se. Neste aspecto, o jornal Folha de S. Paulo se destacaria.
A Folha de S. Paulo, depois de passar por sua fase de contenção, entraria, de
1964 para frente, na sua fase de maior estabilidade econômica, preocupando-se com a
modernização de seu parque gráfico e de sua distribuição.
279
Em termos tecnológicos, seria o
primeiro jornal brasileiro a contar com a produção em “off-set”, a moderna técnica de imprimir
jornais a frio.
Até então, o sistema de impressão para os jornais era o tipográfico, um sistema
metalúrgico, de prensagem do tipos nas chapas de chumbo quente, sendo mais lentas e
dispendiosas, sem contar com as poucas possibilidades de variação gráfica. A empresa norte-
americana HOE fornecia regularmente essa tecnologia à imprensa brasileira.
O sistema “off-set” já era utilizado, no Brasil, desde a década de 50, mas não na
confecção de jornais, mas sim em gráficas comerciais - era um aparelho de tamanho pequeno,
voltado para pequenas produções ou mesmo para pequenas reproduções. Ainda na década de 50,
seriam importados sistemas “off-set”, além do sistema de rotogravura, para a confecção única e
exclusiva de revistas, pois a secagem do papel era mais lenta, o que impedia sua utilização numa
produção gráfica diária.
280
Como observamos anteriormente, o sistema de rotogravura foi
utilizado pelas revistas Manchete e O Cruzeiro. Com a diminuição do tempo de secagem do
papel, esse sistema tornou-se aplicável na produção de jornais.
279
- Motta, Carlos Guilherme e Capelato, Maria Helena R. op. cit.;
280
- Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, op. cit.;
O grupo Folha importou o equipamento “off-set” de uma fábrica alemã, a
Gross. A estréia desta nova técnica no jornal brasileiro aconteceu num caderno especial,
“Grande São Paulo: Ano 2000”, discutindo o início das obras da construção do Metrô,
pensando-se na cidade de São Paulo, seus problemas e suas soluções até o ano 2000.
281
Publicado em fascículos semanais, teve a propaganda de seu lançamento destacando a
utilização, pioneira no Brasil, do sistema “off-set” na sua confecção. O primeiro fascículo,
publicado em setembro de 1967, apresentaria o novo sistema, com fotografias (inclusive
coloridas), jogos visuais com gráficos e mapas da cidade, além de uma nova apresentação
formal das matérias. Os fascículos teriam páginas com números irregulares (alguns números
teriam 80 páginas, outros com 32, e assim por diante), e fariam sucesso, pelo menos pelas
palavras do próprio jornal, sendo muito consumido por crianças.
282
O grupo Estado e o Jornal do Brasil continuaram com seu fornecedor habitual,
a HOE, que, para concorrer com a Gross, desenvolveu um sistema misto (meio tipográfico,
meio “off-set”), que não funcionaria, levando a empresa à falência e prejudicando
financeiramente e qualitativamente esses jornais.
283
Veja
Em setembro de 1968, dirigida por Mino Carta,
284
seria lançada pela editora
Abril a revista Veja, que seria a mais importante publicação semanal brasileira. Baseada nas
revistas semanais norte-americanas, principalmente a Newsweek, a revista Veja procuraria uma
linha mais neutra, quase como se a mesma pessoa escrevesse todas as reportagens.
Tal neutralidade era apenas aparente, pois a revista, principalmente quando
dirigida por Raimundo Pereira, utilizava essa neutralidade e aparente frieza estética para atacar
o regime militar, fazendo uso principalmente de reportagens internacionais (como referência ao
que acontecia no Brasil) e matérias muito especiais sobre a tortura.
281
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 31/09/67, fascículo um;
282
- reportagem sobre o Caderno “Grande São Paulo: Ano: 2000. In Folha de S. Paulo. São Paulo,
10/10/67, p. 38;
283
- Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, op. cit.;
284
- de acordo com Mino Carta: “Eu acho que jornalismo é trabalho de equipe. Equipes
pequenas são o ideal, porque ali todo mundo carrega o piano e sabe tocá-lo. Quando
você tem equipes grandes, nem todos são indispensáveis, mas você tem seis, sete, oito
profissionais que fazem a publicação. É claro que há necessidade de uma chefia, porque
há um momento em que é preciso tomar uma decisão. A chefia serve pra isso, até para
dirimir dúvidas. Tem dois que acham isso e dois que acham aquilo. A chefia é o
‘Salomão’, no caso. Eu dirigi a primeira equipe que fez a revista Veja. Nesse sentido,
sou fundador da revista.” v/A. “Bundas Entrevista: Mino Carta.” In revista Bundas. Nº
77, Rio de Janeiro, Editora Pererê, 05/12/2000, p. 41;
Suas inovações não trouxeram sucesso inicialmente deram, inclusive,
problemas para a redação, que não estavam acostumados com aquele tipo de produção.
285
O fechamento de espaços feito pela ditadura abriria campo para a imprensa
alternativa. E seu grande representante inicial foi O Pasquim.
O Pasquim
O Pasquim surgiu em 1969, com a proposta de ser um jornal bem-humorado,
destacando a vida de Ipanema.
286
Sua equipe era composta por cartunistas criativos, sem uma
organização administrativa muito rígida - ou seja, era um grupo de amigos que, de suas relações
pessoais, fazia a matéria do jornal - , estilo jornalístico que Luís Braga chamou de “patota”.
287
Jaguar, Millôr Fernandes (que havia criado o precursor Pif-Paf, em 1964), Henfil, entre outros,
faziam parte dessa “patota” que iria revolucionar a maneira de se fazer jornal no Brasil.
Politicamente, o jornal era, nas palavras de Norma Pereira Rego, “de esquerda
sem sectarismo”, podendo unir, por exemplo, um marxista ortodoxo como o Henfil e um (já na
época) ex-esquerdista como Paulo Francis.
288
Como foi possível conciliar essas diferenças? Por
duas razões básicas: 1ª - existia um inimigo em comum, a ditadura militar; 2ª - o humor, acima
de tudo, os unia. O cartunista Henfil dizia que o jornal funcionava como uma equipe com “onze
Garrinchas”.
289
A forma do jornal era tão importante quanto o seu conteúdo. Feito no formato
de tablóide, com uso expressivo de cartuns e charges, de muito deboche e sátira (seus criadores
eram, essencialmente, cartunistas), o produto tinha uma apresentação marginal, lembrando os
pasquins barulhentos de épocas passadas. O jornal buscava uma cultura alternativa, combatendo
285
- Carmo Chagas, repórter da revista no seu início, explica: “Todo o primeiro ano de
existência da Veja foi, para nós da redação, uma turbulência só. Para a empresa e para
os anunciantes também. E, pior, também para os leitores. Mas o nó cego estava mesmo
na redação. Pela simples razão de que nenhum de nós sabia fazer revista semanal de
informação nacional. Víamos e revíamos o Time. Líamos e relíamos o Newsweek, com
quem a Abril havia firmado acordo. Mas na hora de escrever não conseguíamos repetir
a fórmula. (...) A revista saiu na data marcada. Tinha de sair. E foi um tremendo
fracasso.” Chagas, Carmo; Mayrink, José Maria e Pinheiro, Luiz Adolfo. 3 X 30 - os
Bastidores da Imprensa Brasileira. São Paulo, Editora Best Seller, Círculo do Livro,
1992, pp. 70-71;
286
- Kucinski, Bernardo; op. cit.;
287
- Braga, José Luiz. O Pasquim e os Anos 70 - Mais Pra Epa Que Pra Oba.... Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1991;
288
- Rego, Norma Pereira. Pasquim - Gargalhantes Pelejas. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, Prefeitura,
1996;
289
- de acordo com Dênis de Moraes na biografia de Henfil: “Esses Garrinchas têm uma linha política
mais ou menos comum, embora um jogue mais recuado, outro avance bem mais, outro só lance. E há um
ponto-chave: o Pasquim é um jornal de humor. É muito difícil você fazer uma linha editorial para o
humor.” Moraes, Dênis de. O Rebelde do Traço a Vida de Henfil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1996,
p. 112;
tanto a cultura “oficial”, da ordem estabelecida, quanto a cultura “oficial” de esquerda.
290
Não
era só de cartuns que vivia o jornal, mas também de entrevistas e matérias escritas sérias, que
merecem alguns comentários.
As entrevistas acabariam por ter como forma o linguajar coloquial, ou seja,
eram a reprodução fiel de como ela foi dada pelo entrevistado ao entrevistador, sem a
“copydiskagem” (seleção do que foi dito e sua formatização para o meio de comunicação feitas
pela grande imprensa), recurso típico deste tipo de reportagem. Esta não utilização da
“copydiskagem” pode ter sido uma opção formal (o jornal tinha um estilo coloquial por si só) ou
uma simples preguiça de seus editores (que preferiram colocar tudo como estava só para não ter
o trabalho de formatizar o texto para o jornal).
291
De qualquer forma, essa preocupação formal
(ou falta de) deu à revista muito mais ganhos do que prejuízos.
As matérias “sérias” eram análises políticas feitas pela equipe de redação. A
página dois seria o espaço reservado para as matérias internacionais - e Paulo Francis tornar-se-
ia famoso pelas suas análises de política internacional, particularmente pelas matérias referentes
à Guerra do Vietnã, utilizando-a para criticar o “sistema”, as injustiças sociais e fazer
referências ao que ocorria no Brasil, pois esse era um dos poucos espaços possíveis. O jornalista
informava-se muito bem sobre o assunto, escrevia muito bem e apresentava argumentações
lógicas e bem fundamentadas, mesmo que elas pudessem ser uma “salada” de teorias e análises
de outros autores, apresentadas num conjunto como sendo de sua autoria.
292
Independente disso,
os artigos de Paulo Francis colocaram o Vietnã em evidência dentro do jornal.
293
Grande Imprensa: Mudanças e Continuidades
Em 1969, utilizando definitivamente o sistema “off-set”, o jornal Folha de S.
Paulo mudara bastante, apesar destas mudanças parecerem mínimas numa primeira observação.
A cor do jornal ficou mais clara, as fotografias mais nítidas (diminuindo o contraste de preto e
branco) e as edições extras diminuíram muito (em parte, pela demanda satisfeita pela Folha da
Tarde). O jornal ganhava cada vez mais cadernos, e algumas colunas foram sendo modificadas
ou desativadas, como o espaço do comentarista Newton Carlos (que inicialmente mudou de
página, tendo seus textos apresentados irregularmente, até a suspensão definitiva do “Panorama
Internacional”) que, como veremos, seria fundamental para a cobertura da Guerra do Vietnã
290
- Kucinski, Bernardo. op. cit.;
291
- Braga, José. op. cit.;
292
- Tronca, Ítalo. Entrevista para o Autor, op. cit.;
293
- o papel da cobertura internacional, como a realizada com a Guerra do Vietnã, também era
fundamental para o jornal. José Luiz Braga argumenta que “Seja diretamente pelo seu valor informativo,
que contrastava com o esvaziamento, a mesmice, do fato político nacional. Seja indiretamente, deixando
no ar - e à agudeza do leitor - referências entre o que acontece no mundo e o que vai pelo Brasil.” Braga,
José Luiz. op. cit., p. 52;
pelo jornal. A Folha da Tarde também sofreu mudanças, mas não de ordem técnica. Algumas
semanas depois do AI-5, Antônio Aggio substituiu Miranda Jordão na chefia de redação, e esta
se dissolveu.
294
A partir daí, o jornal seria, praticamente, um porta-voz dos militares,
principalmente quando se tratava de noticiar acontecimentos envolvendo a luta armada. Os
guerrilheiros, além de serem denominados como “terroristas”, ganhavam também outros
adjetivos críticos, tais como “facínoras”.
295
O Estado de S. Paulo alterou muito pouco sua parte técnica, pois continuou
ligado a uma indústria norte-americana de equipamentos tecnológicos que era sua fornecedora
habitual, e, quando esta faliu, deixou o jornal em condições ruins, com um equipamento pouco
prático, o que impediu uma concorrência mais efetiva ao grupo Folha.
296
Outro problema
enfrentado pelo jornal foi a mudança de sua sede do centro de São Paulo para as margens do
Tietê, num projeto muito caro (“faraônico”, nas palavras de Alberto Dines), que aumentou ainda
mais a crise financeira do jornal (o Jornal do Brasil teria os mesmos problemas, no Rio de
Janeiro).
297
Podemos perceber que erros de planejamento, que também envolviam questões
tecnológicas, podiam afetar a vida de um grande jornal. A Folha de S. Paulo acabou apostando
no equipamento “off-set”, conseguindo enfrentar seus concorrentes e manter-se nos períodos de
crise que se seguiriam na década de 70. O Estado de S. Paulo também apostou em determinada
tecnologia, que acabou não rendendo o esperado, tendo enormes dificuldades nas crises dos
anos seguintes, e, praticamente, não conseguindo mais concorrer com a Folha de S. Paulo, pelo
menos em termos de inovação.
Manchete, Fatos & Fotos e O Cruzeiro, revistas essencialmente de
fotojornalismo, teriam um grande campo de atuação no final da década de 60, trabalhando com
notícias nacionais e internacionais de grande repercussão. A presença cada vez mais atuante da
televisão provocou uma crise tanto nessas revistas de fotojornalismo como nas suas matrizes
nos países desenvolvidos. A produção televisiva, cada vez melhor em termos técnicos,
mostrava-se mais “completa”, algo que tais revistas não estavam conseguindo produzir. A crise
da década de 70 seria decisiva para essas publicações, mas a ditadura estimulava a criação de
jornais alternativos.
Imprensa Alternativa: Surgem Jornalivro, Opinião e Flor do Mal
294
- Kucinski, Bernardo. op. cit.;
295
- foi com o termo “facinora” (sic) que a Folha da Tarde noticiou a morte do guerrilheiro Eduardo
Leite, conhecido como “Bacuri”. Folha da Tarde. São Paulo, 09/12/70, p. 1 (capa);
296
- Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, op. cit.;
297
- Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, Idem;
Fórmulas inteligentes e criativas de distribuição, como a venda na forma de
fascículos de livros, enciclopédias e outras publicações, foram sendo testadas pela imprensa ou
por editoras. No entanto, mesmo essas iniciativas não conseguiram impedir que a década de 70
fosse marcada por um período de crise na grande imprensa escrita, tanto política (ditadura)
quanto econômcia. Os espaços estavam abertos para a imprensa alternativa.
O crescimento da imprensa alternativa na década de 70 também deveu-se ao
uso do sistema de impressão “off-set” de algumas oficinas de revistas e à distribuição nacional
desenvolvida pela Abril, que tornou possível um alcance nacional dessas publicações, que
chegavam em quase todos os lugares do país, e eram distribuídas em praticamente todas as
bancas de jornais.
298
Algumas iniciativas criativas foram tentadas dentro desse esquema de
distribuição, entre elas, o Jornalivro. A idéia era de se publicar regularmente obras literárias de
maneira acessível (nas bancas de revista, favorecidos pela distribuição do grupo Abril) e com
preços baixos (feitos de papel-jornal).
299
Inicialmente, algumas obras clássicas da literatura
brasileira e portuguesa foram publicadas; mas, devido a questões políticas, essa prática foi
sendo alterada, e obras mais atuais, normalmente de caráter crítico aos temas do momento,
passaram a ser escolhidas para a publicação. Sua apresentação gráfica “transformava” cada livro
numa reportagem.
Inicialmente, algumas obras clássicas da literatura brasileira e portuguesa foram
publicadas; mas, devido a questões políticas, essa prática foi sendo alterada, e obras mais atuais,
normalmente de caráter crítico aos temas do momento, passaram a ser escolhidas para a
publicação. Sua apresentação gráfica “transformava” cada livro numa reportagem.
Uma dessas obras críticas estava diretamente ligada à questão da Guerra do
Vietnã: O Gosto da Guerra, de José Hamilton Ribeiro, onde o jornalista relata sua experiência
na cobertura da guerra e o “acidente” que lhe custou uma parte da perna. A análise final de
Hamilton Ribeiro era totalmente contrária à presença norte-americana no Vietnã, destacando sua
atuação destrutiva no país e a coragem e determinação do Vietcong.
300
A escolha das obras do
Jornalivro tinham caráter político.
Esse tipo de iniciativa cresceria no decorrer da década de 70, mas, até 1972, O
Pasquim agüentaria praticamente sozinho as dificuldades de enfrentar o regime militar num
esquema alternativo, conseguindo, inclusive, ter vendagens expressivas.
301
Sua nova linguagem
e posicionamento político eram acompanhados de perto pelos militares, que logo perseguiriam
298
- Kucinski, Bernardo. op. cit.;
299
- Kucinski, Bernardo. Idem;
300
- livro publicado, em 1969, pela Brasiliense, mas que ganharia sua versão pelo Jornalivro em 1972.
Hamilton Ribeiro, José. O Gosto da Guerra Jornalivro: o Povo Lendo. São Paulo, Jornalivro, 1972;
301
- esse momento de grandes vendas foi denominado por José Luiz Braga como “período dionisíaco”,
que se encerrou com a prisão da equipe de redação em setembro de 1970. Braga, José Luiz. op. cit.;
sistematicamente o jornal. A equipe de redação acabaria presa, e a censura prévia obrigaria o
jornal a enviar o material para Brasília, o que dificultava a publicação dentro dos prazos. Logo,
outro jornal alternativo, o Opinião, seria igualmente perseguido.
302
O jornal Opinião surgiu no auge da ditadura, em outubro de 1972, bancado pelo
empresário Fernando Gasparian, tendo Raimundo Pereira como editor-chefe. Era produzido por
jornalistas profissionais e por intelectuais, alguns dos quais secretamente instruídos pelo comitê
central da Ação Popular (AP). Desde 1970, a AP estava convicta da necessidade de ter um
jornal não-partidário que reunisse os descontentes e opositores da ditadura militar, de quaisquer
tendências políticas. Seu objetivo era criar uma frente mais ampla de oposição ao regime, como
pré-condição para uma guerra popular prolongada. Em 1971, a unificação com o PC do B -
cujas bases de guerrilha no Araguaia já estavam atuando - tornou urgente a necessidade de criar
um porta-voz da oposição.
Fernando Gasparian, empresário descontente com o regime militar, queria um
jornal crítico, nos moldes do semanário inglês The New Statesman. Sua idéia (assim como a da
AP) era a de um jornal de caráter frentista, com jornalistas e intelectuais. Já o jornalista
Raimundo Pereira, contratado como diretor do periódico, queria uma versão alternativa da
revista Veja - um informativo composto apenas de jornalistas. Gasparian impôs sua vontade.
Raimundo Pereira, mais tarde, concordaria com a linha do jornal.
O Opinião teria o encarte nacional do jornal francês Le Monde e de outras
publicações estrangeiras, o que dava ao jornal um público amplo de universitários, intelectuais e
jornalistas. Esse era o único espaço para discussões sérias dentro da imprensa, já que O Pasquim
não tinha essa proposta e nem se dispunha a isso. Os dois jornais foram os grandes centros de
oposição ao regime. Intelectuais frustrados pela ausência de espaço na grande imprensa
encontravam no Opinião um lugar onde expor suas idéias.
A utilização de textos de publicações estrangeiras não estava apenas
relacionada à autoridade e à qualidade dos textos de publicações famosas do exterior. Essa era
uma maneira de impedir que a censura os atingisse, pois a censura a uma matéria do Opinião,
quer de autores nacionais ou de publicações internacionais, repercutiria internacionalmente e
geraria pressões contra o regime militar. Censurar o Opinião era como censurar a imprensa livre
do Primeiro Mundo. O conteúdo das matérias internacionais também foi utilizado politicamente,
pois eram escolhidos por fazerem referências ao que ocorria no Brasil e apresentavam a visão de
mundo do jornal. A escolha dos textos internacionais não era neutra.
Lançado para ser semanal e vendido nas segundas-feiras (concorrendo
diretamente com a revista Veja), o jornal foi um sucesso imediato. O Opinião nascia com
características inéditas dentro da imprensa brasileira, tanto na forma como no conteúdo:
302
- as informações que se seguem sobre o jornal Opinião foram extraídas de Kucinski, Bernardo. op. cit.;
valorizava o texto, a diagramação e as caricaturas; e poucos recursos fotográficos seriam
utilizados. Crítico, num momento em que tal procedimento era praticamente impossível, tornou-
se um porta-voz de uma oposição à margem da oposição legal do MDB.
303
Outra forma de
crítica social surgiu com a Contracultura no Brasil.
A Contracultura ficou mais intensa no Brasil durante a década de 70. Luís
Carlos Maciel, que tinha uma coluna no O Pasquim ainda no final dos anos 60, montou o jornal
Flor do Mal que versava sobre sexo, rock’n’roll e, sutilmente, drogas. Financiado pela mesma
empresa do O Pasquim, Flor do Mal vendia aproximadamente 20 mil exemplares dos 40 mil
editados. Baseado no poeta francês Charles Baudelaire que, de acordo com Maciel, era o
“iniciador da modernidade”, o jornal buscava total liberdade, sendo que ele era praticamente
escrito à mão, numa tentativa de se eliminar os filtros mecânicos e ideológicos,
304
numa
preocupação formal bastante expressiva: para Maciel existia uma diferenciação entre as formas
de edição do jornal, sendo que ele preferiu a mais espontânea a forma deveria estar integrada
ao conteúdo do jornal. A Flor do Mal durou apenas 5 números e abriu os caminhos para uma
série de publicações sobre a contracultura, como os jornais Presença, Verbo Encantado, Pato
Macho e o 2001.
305
303
- mas não havia apenas contestação nas bancas de jornal. As histórias em quadrinhos no Brasil
tiveram, nesta virada de década, um elevado crescimento comercial. Os heróis da Marvel (Homem-de-
Ferro, Capitão América, Homem-Aranha, etc.) chegaram no pais através da editora EBAL (Editora
Brasil-América), uma das maiores produtoras e vendedoras de quadrinhos no pais. Para lançá-las, a
editora utilizou-se de uma estratégia publicitária original: o cliente que fosse se abastecer o seu carro em
determinados postos de gasolina (normalmente os da rede Shell) recebia, gratuitamente, os primeiros
números de uma revistinha em quadrinhos. Depois de distribuir estes números iniciais, a editora
começava a lançar outros números nas bancas de jornal. Extraído de: Soneto, Ricardo e Diogo, Edson.
30 Anos da Marvel no Brasil.In revista Wizard Brasil. Nº 13, Rio de Janeiro, Editora Globo, 1997; não
apenas os super-heróis norte-americanos ganhavam espaço nas bancas de jornal - os super-heróis
brasileiros também. Através da editora La Selva, as revistas nacionais mostravam heróis fantásticos
(Capitão Sete, Golden Guitar, Drago, Escorpião, Fantastic, etc.) protegendo os valores da sociedade
brasileira e, logicamente, do governo militar, que apoiava as façanhas dos heróis. O jornalista Rogério de
Campos nos afiança que: “Apesar da falta de qualidade da maioria, são gibis que retratam bem uma época
de fé ilimitada no país. Falam de naves espaciais brasileiras, deslumbram-se com a grandeza de São
Paulo. E até os alienígenas do planeta Zargon, preparando uma invasão à Terra, escolhem Brasília para
ser seu quartel-general por causa da modernidade de sua arquitetura.” Provavelmente tal procedimento
não se dera tanto por ufanismo ao país ou ao regime militar, mas sim por estes personagens nacionais
serem cópias de personagens norte-americanos, ou seja, foi mantido o “espírito norte-americano” de
super-heróis: o maniqueísmo “bandidos x mocinhos”, além de sempre se colocar o governo, seja ele qual
for, como um legítimo representante da sua sociedade. Tais revistas nacionais, apesar da sua qualidade ser
invariavelmente medíocre, chegariam a ter tiragens próximas a um milhão de exemplares mensais.
Considerando-se que O Pasquim chegou, no seu apogeu, a ter tiragens de apenas 200 mil exemplares, não
podemos subestimar o poder simbólico que exerciam estas “inocentes” revistas de super-heróis. Extraído
de: Campos, Rogério de. “Capitão 7 e os Heróis do Brasil.” In revista General. Nº 8, São Paulo, Sampa
Acme, 1995, s/nº;
304
- Kucinski, Bernardo. op. cit.;
305
- o jornal 2001 ficou conhecido por ter unido o compositor Raul Seixas com o letrista Paulo
Coelho.Motta, Nelson. Noites Tropicais - Solos, Improvisos e Memórias Musicais. Rio de Janeiro,
Objetiva, 2000;
Com o fechamento político realizado pelo regime militar, houve um
deslocamento do eixo de atenções dos jovens da política para a cultura.
306
Talvez os maiores
representantes da Contracultura brasileira tenham sido os Mutantes, os Novos Baianos e Raul
Seixas. Além do consumo de drogas, os dois primeiros chegaram a viver em comunidades
alternativas (os Mutantes na Serra da Mantiqueira em São Paulo e os Novos Baianos na Boca do
Mato em Jacarepaguá), enquanto que Raul Seixas pregava abertamente a criação de uma
“Sociedade Alternativa” - sendo, inclusive, expulso do país pelo regime militar.
307
Apesar de
fazerem sucesso nas rádios e na televisão, eles não conseguiram aumentar o número de
seguidores, pois nem todos os jovens brasileiros estavam envolvidos com a Contracultura - e
jamais se envolveriam.
O Brasil não chegou a ter uma linha de Rock Journalism na sua imprensa,
308
sendo que a versão brasileira da Rolling Stone e a revista POP, do grupo Abril, foram as
306
- de acordo com Nelson Motta: “O verão de 1972 foi o apogeu do desbunde brasileiro. Massacrados
pela repressão política e pelo autoritarismo violento, os jovens, muitos deles sem apetite para a luta
armada, optaram pelo rompimento total com a sociedade. Viraram hippies pacifistas radicais e caíram na
boca no ácido e na maconha, viviam em comunidades, faziam música e artesanato, comiam macrobiótica
e tentavam abolir o dinheiro, o casamento, a família, o Congresso, as forças armadas, a polícia e os
bandidos, tudo de uma vez só e numa boa. Muitos encontraram a felicidade, ainda que fugaz, vivendo
com amigos numa ‘nova família’, convivendo e se divertindo como irmão.” Motta, Nelson. op. cit., p.
249;
307
- extraído de: Motta, Nelson. Idem; Galvão, Luiz. Anos 70 - Novos e Baianos. São Paulo, Editora 34,
1997; Calado, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. 2ª ed., São Paulo, Ed. 34, 1996;
308
- o Rock Journalism foi um dos frutos da Contracultura, podendo ser definido como a união entre o
Rock’n’Roll e a produção alternativa. Surgiram, então, revistas com arte e desenhos psicodélicos,
pregando amor livre, paz e consumo de LSD junto do som de Rock’n’Roll, entre muitas outras
excentricidades, começaram a proliferar nas universidades e, em particular, na cidade de San Francisco. A
primeira publicação de Rock Journalism nos Estados Unidos foi a Crawdaddy, mas foi a revista Rolling
Stone o produto melhor acabado da combinação imprensa, Rock’n’Roll e Contracultura. A “Life da
Geração Woodstock” (palavras de Roberto Muggiati) custou 7.500 dólares, que foram tomados
emprestados por seu fundador, Jann Wenner, e tornou-se o grande canal entre a “revolução” e o
rock’n’roll. Mas nem tudo era “revolucionário” nesta revista. Myra Friedman, na sua biografia sobre a
cantora Janis Joplin, nos relata que: “A Rolling Stone começou em San Francisco, com a finalidade de
mostrar que não havia nada igual ao rock san-franciscano. Era, além do mais, impressionantemente não-
comercial, o que não quer dizer que tivesse desprezo real pelo lado comercial, e sim que parecia não ter -
com seu logotipo ornamentado, o mate acinzentado do seu papel e a falta de ortodoxia do seu layout, que
o tornavam parecido às publicações ‘underground’. Sua linguagem era piedosa e antimaterialista, o que
aumentava o seu aspecto ‘underground’. Enquanto isso, sob a direção de Jann Wenner, seu ultra-
ambicioso editor, foi se transformando na mais bem sucedida - do ponto de vista financeiro - publicação
do seu ramo. (...) Sempre operou baseada na premissa de que o rock foi o inovador de uma nova cultura, o
que em parte lhe permitiu não diminuir o fervor e subsistir.” O relato de Friedman sobre a Rolling Stone
nos mostra uma das maiores contradições que a Contracultura enfrentou: mostrar repulsa ao lucro, mas
procurando lucro. A lógica da sociedade capitalista não fora destruída na confecção destes produtos. E,
logicamente, existiam os “aproveitadores”: outras publicações de grandes empresas procuravam rivalizar
com a produção alternativa, mas tiveram vida curta, como Cheetah do Diners Club, e a Eye, da Hearst
Corporation. Nem todas as produções culturais da Contracultura enfrentaram a contradição “falta de lucro
x lucro”, como foi o caso da revista alternativa inglesa Oz, que pregava abertamente o consumo de LSD,
além de ressaltar a arte psicodélica nas suas capas e reportagens. Outra revista importante foi a
International Times (também conhecida como IT) inglesa, fundada por Barry Miles. Ambas iriam
desaparecer, quer por causa da perseguição oficial (não necessariamente censura) ou quer por sua
produção marginal não encontrar maiores retornos comerciais. Nem todas as revistas do chamado Rock
Journalism morreram, embora a sua lógica inicial (o Rock’n’Roll como elemento participante da vida
publicações que mais se aproximaram desta linha. Outra ameaça aos jovens compositores e
artistas, e também para a imprensa, alternativa ou não, era a censura.
Censura
A censura não tinha critérios muito fixos sobre o que devia proibir ou não, o
que variava, muitas vezes, de censor para censor, dificultando a apresentação de inúmeras
notícias. Apesar dessa falta de critérios, existiam muitos espaços que eram aproveitados pela
imprensa.
Cuba e China eram assuntos muito visados, mas que podiam ser publicados
desde que certas restrições ao seu conteúdo fossem observadas - ou seja, os assuntos poderiam
ser citados, mas sem aprofundamentos.
309
Quase sempre os assuntos relacionados ao Vietnã não
tinham essas limitações e matérias sobre o tema abundavam nos jornais e revistas.
Não que a censura ignorasse a Guerra do Vietnã. Na edição número 24 do
jornal Opinião, o material enviado à censura recebeu uma série de cortes, entre os quais um veto
ao parágrafo dois de um texto enviado pelo Le Monde sobre a Guerra do Vietnã, escrito em
Saigon por Jean-Claude Pomonti.
310
A censura atingira um jornal internacional de prestígio.
Na carta de protesto que enviou ao Ministro da Justiça (Alfredo Buzaid),
Fernando Gasparian criticava a existência da Censura Prévia, protestando contra a forma
arbitrária” e “kafkaniana” pela qual se exercia - a censura atingia não apenas matérias sobre
países como China, Grécia, Oriente Médio, Chile, Japão, Inglaterra, URSS, Vietnã e Camboja,
como também proibia a publicação de assuntos tais como eubiose, o perigo das radiações
nucleares, computadores e os fãs-clubes dos Beatles no Brasil.
311
social e política do mundo) tenha desaparecido. A Rolling Stone ainda existe, embora muito mais
preocupada com a música propriamente dita do que com questões políticas; e muitas das idéias sobre a
liberdade para o uso de drogas, em particular da maconha, ainda sobrevivem nas páginas da High Times,
revista criada por um dos líderes mais “malucos” da Contracultura, Tom “King” Forçade. Extraída de:
Muggiati, Roberto. Blues - da Lama à Fama. 2º ed., Rio de Janeiro, 34, 1995, pp. 201-202; Friedman,
Myra. Enterrada Viva - a Biografia de Janis Joplin. 5º ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1984, p.
115; Corrêa, Tupã Gomes. Rock - nos Passos da Moda: Mídia, Consumo X Mercado. Campinas, Papirus,
1989; Echols, Alice. Janis Joplin Uma Vida. Uma Época. São Paulo, Global, 2000; Frith, Simon. Sound
Effects - Youth, Leisure and Politics of Rock’n’Roll. Nova Iorque, Pantheon, 1981; Miles, Barry. Paul
McCartney Many Years From Now. São Paulo, DBA, 2000; o problema do lucro pode ser melhor
entendido através da obra de um dos jornalistas da Rolling Stone, Hunter Thompson, que praticamente
demole os ideais mais sagrados da Contracultura. Thompson, Hunter. Las Vegas na Cabeça. Rio de
Janeiro, Anima, 1984; informações sobre a High Times: Massari, Fábio. High Times.” In revista
General. Nº 10, São Paulo, Sampa/Acme, 1995;
309
- um caso interessante foi o da queda de Salvador Allende, pois a censura recomendou “parcimônia nas
notícias relativas aos fatos ocorridos no Chile.” Marcondes, Paolo. A Censura Política na Imprensa
Brasileira (1968-1978). São Paulo, Global, 1980, p. 263;
310
- Machado, J. A. Pinheiro. Opinião X Censura - Momentos da Luta de um Jornal pela Liberdade. Porto
Alegre, L&PM, 1978, p. 46;
311
- extraído de: Machado, J. A. Pinheiro. op. cit., pp. 66-67;
Apesar da censura atingir todos os órgãos de comunicação, sua atuação era
desigual de órgão para órgão, sendo alguns mais perseguidos do que outros. O jornal alternativo
Opinião entrara numa guerra judicial contra a censura e a vencera, mas o resultado da decisão
judicial foi alterado pelo próprio presidente Médici através do AI-5.
312
Depois desse incidente, o
jornal seria ainda mais perseguido, tendo que enviar suas reportagens para Brasília num prazo
que dificultava a publicação na segunda-feira, procedimento nada acidental: essa era uma
atitude pensada pelos censores.
A censura atingia também os jornais da grande imprensa, como O Estado de
São Paulo e o Jornal da Tarde, e mesmo publicações do grupo Abril, em particular a revista
Veja, que tinham membros que se colocavam contra a ditadura. A censura terminaria,
oficialmente, apenas em 1978.
313
Mesmo lutando contra a censura, o jornal Opinião também foi acusado por seus
colaboradores e correspondentes de fazer censura interna. Esta era principalmente atribuída ao
seu editor, Raimundo Pereira, que alegava que esses “problemas de edição” (cortes) se deviam à
falta de recursos e à pressa.
O jornalista Paulo Francis foi o primeiro a não aceitar essas desculpas e a entrar
em choque com a censura interna do jornal. Seu artigo “Erros da Tecnocracia”, que analisava a
da Guerra do Vietnã pela perspectiva de seus erros de planejamento e, principalmente, das falsas
expectativas do governo norte-americano em relação à guerra - foi ele o primeiro no Brasil a
denominar a guerra de “tecnocracia”, no sentido de ter cada detalhe cuidadosamente preparado
pelos tecnocratas de Washington, apesar do fiasco resultante - , teve dois cortes em passagens
que o autor considerava importantes. O texto foi alterado pelo próprio jornal (que lutava contra
a censura) sem sua licença ou autorização, e Paulo Francis passou a fazer duras críticas à
direção do jornal.
314
Indiferentemente ao problema da censura, a televisão iria transformar-se no
veículo de maior influência na vida brasileira, com a ascensão da Rede Globo.
Rede Globo
Com a TV Rio praticamente extinta e a Excelsior em profunda crise, a
concorrência por audiência ficou entre as redes Tupi, Record e Globo, sendo esta última estava
cada vez mais moderna. A Tupi estava um verdadeiro caos (aumentado ainda mais com a morte
de Assis Chateaubriand) e tentou, em 1969, uma última cartada, uma espécie de nova O Direito
312
- Machado, J. A. Pinheiro. Idem, p. 59;
313
- para maiores detalhes sobre a censura na imprensa brasileira, ver Marcondes, Paolo. op. cit.;
314
- Kucinski, Bernardo. op. cit., p. 267-268; Opinião. Nº 4, Rio de Janeiro, 22/11-04/12/72, p. 22;
de Nascer: a novela Beto Rockfeller. O script de Bráulio Pedroso apresentava uma novela
urbana que contava, de uma maneira bem-humorada, a vida e as aventuras de um típico anti-
herói brasileiro, Beto Rockfeller, interpretado por Luís Gustavo, um simples e simpático
funcionário de uma loja de sapatos que quer subir na vida e usa da sua malandragem para tal. O
diretor Lima Duarte imprimiu na novela uma interpretação coloquial, descontraída, além de
apresentar inovações, como utilizar música pop da época, como fundo de várias cenas - uma
prática que se tornaria corriqueira nos anos seguintes.
315
Infelizmente, poucos capítulos
sobreviveram aos incêndios da Tupi nos anos 70 e à sua falta de recursos, pois, necessitando de
fitas para novos programas, utilizou-se das fitas onde a novela estava gravada.
O sucesso da novela foi estrondoso e deu um pouco de alento para a deficitária
rede Tupi, além de influenciar a emissora rival, pois mostrou para a Globo qual era o caminho
de produção (tanto na técnica quanto no conteúdo) para as suas próprias novelas. Não era mais
necessário produzir “dramalhões” como O Direito de Nascer, mas sim novelas com
personagens marcantes, além de assuntos atuais. E tal orientação deveria atingir todos os
programas da emissora. Logo, Walter Clark retomaria uma experiência realizada ainda nos
tempos da TV Rio: fixar um programa jornalístico entre duas novelas. A novela das sete horas
deveria ser mais leve e ágil, enquanto que a novela das oito deveria ser mais dramática e séria. E
o momento político iria beneficiar a emissora.
A influência da televisão na vida brasileira começaria a crescer inexoravelmente
e através da ditadura. Para os militares, a segurança nacional era uma preocupação básica que
passava pela integração territorial do país. Mas como unir um país de tais dimensões? Para
consegui-lo, os militares utilizaram a televisão. Suas características básicas - não era necessário
saber ler ou escrever para acompanhá-la, e tinha uma relativa sofisticação em relação ao rádio e
outros meios quanto às possibilidades técnicas de manipulação e fascínio - a tornavam o meio
de comunicação ideal para unir o país, pensavam os militares.
Ainda em 1968, o regime militar criou condições para facilitar o consumo de
aparelhos de televisão através da compra a prazo. Isso em breve surtiria o efeito de uma
explosão de consumo, tornando a televisão, definitivamente, o principal meio de comunicação
do país - e essa era uma política deliberada do governo militar.
316
Com a criação da Rede
Nacional de Comunicações, um órgão estatal cuja função era facilitar a difusão dos meios de
comunicação (privilegiando, obviamente, a televisão), as teletransmissões conseguiram
aumentar o seu espaço e importância.
De 13 de dezembro de 1968 em diante, a luta dos militares não objetivava
apenas a destruição de grupos armados de esquerda, mas também o domínio do simbólico da
315
- extraído de: Priolli, Gabriel. “A Tela Pequena no Brasil Grande.In Lima, Fernando Barbosa;
Priolli, Gabriel e Machado, Arlindo. op. cit.;
316
- Sá, Antônio Álvaro Barbosa. Jornal Nacional - Política e Ideologia. Campinas, Dissertação de
Mestrado, UNICAMP, 1992 (mimeo);
sociedade brasileira, usando, para tal, todos os recursos possíveis, legais ou autoritários. A
AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas), criada (e pouco utilizada) durante governo
Costa e Silva, ganharia nova importância no governo Médici. Investimentos muito altos em
termos de propaganda oficial foram realizados, enaltecendo a figura do presidente Médici (que
gostava da instituição família e do futebol), o desenvolvimento econômico verificado neste
momento (o chamado “milagre econômico”, representado pelo crescimento de 10% anuais do
PIB) e o orgulho do brasileiro (que deveria levar o país a ser um dos melhores do mundo). Foi
criada, então, uma campanha ufanista sem precedentes na história brasileira. A conquista do
tricampeonato mundial de futebol no México em 70 seria muito usado pelos propagandistas do
governo: o cartaz com a fotografia de Pelé comemorando um gol com a camisa da seleção
brasileira de futebol era acompanhado pela frase de efeito “Ninguém Segura Mais Este País!”
317
As comunicações seriam a arma mais eficiente na luta pelo simbólico; e a televisão, em
particular, seria utilizada como o meio primordial. E a emissora de televisão privilegiada para
tal função foi a Rede Globo.
A Rede Globo de Televisão acabaria por desenvolver um fortíssimo trabalho
cultural no país. Surgida pouco mais de um ano após o golpe que derrubou Goulart, ela
pertencia a um grupo de imprensa conservador, liderado por Roberto Marinho, dono do jornal O
Globo. Favorecido por um empréstimo do grupo norte-americano Time-Life (tal empréstimo
seria contestado judicialmente), a emissora, depois de um começo tímido, começara a crescer,
derrotando seus concorrentes e recebendo auxílios do governo federal.
Ela começou sem muita expressão, dando prejuízos enormes nos primeiros 8
meses, quando sua direção trocou de mãos: foi contratada uma equipe mais ligada à propaganda
e marketing do que às artes, equipe esta comandada por Walter Clark. A mudança global seria
significativa.
318
O primeiro planejamento de marketing da programação foi criar um horário
nobre bem estruturado - duas novelas com um noticiário no meio - que teve sucesso imediato.
As novelas já haviam demonstrado que eram programas de grande aceitação popular, prendendo
a atenção do público por meses (quando não anos), e que seriam boas condutoras para o
jornalístico, que passaria a visão de mundo da emissora.
319
As novelas eram igualmente veículos
para se passar a visão do mundo da emissora, e os três programas acabavam se integrando, quer
na “ficção” das novelas ou na “realidade” do jornalístico. Este último se estabeleceu
solidamente com o Jornal Nacional, que estreou simultaneamente em 12 estados em 1969.
Ainda no ano de 1969, a Rede Globo inauguraria um jornalístico que se tornaria
importante dentro da vida do país nos próximos anos: no dia primeiro de setembro, o Jornal
317
- Sá, Antônio Álvaro Barbosa. op. cit.;
318
- Clark, Walter e Priolli, Gabriel. op. cit.;
319
- Sá, Antônio Álvaro Barbosa . op. cit.;.
Nacional, entrava no ar pela primeira vez. Ele provocaria mudanças radicais na imprensa do
país como um todo e também na política. O Jornal Nacional produziria uma visão de mundo
própria, favorável tanto à emissora quanto ao regime militar. O jornalístico aproveitou de
maneira eficaz os recursos da produção televisiva, pois como nenhuma notícia era apresentada
com profundidade e o mesmo enfoque era dado a notícias de importâncias diferentes, esvaziava-
se assim o seu impacto e conteúdo.
Uma grande inovação do Jornal Nacional seria a integração - muito
competente e politicamente interessada - entre imagens/sons/movimentos da televisão,
impedindo maiores “espaços” para qualquer tipo de contestação. O programa jornalístico
da Rede Globo tomaria grandes cuidados nesse sentido, passando sua visão do mundo dentro de
imagens/sons/movimentos coerentes com os discursos, preocupando-se, principalmente, com a
tecnologia a ser aplicada nos programas. O discurso otimista e positivo e otimista, presente em
toda a produção do telejornal, era totalmente coeso.
320
Mesmo a Rede Globo não era totalmente coesa internamente (ela sofreu
censura também): embora existisse um programa totalmente favorável ao regime militar,
Amaral Neto: o Repórter, a equipe que realizava o programa Globo Repórter (inicialmente
chamado de Globo Shell Especial) tinha bastante autonomia, chegando a produzir os programas
com películas cinematográficas - técnica utilizada até mesmo para manter sua autonomia, pois
afastava as outras equipes que trabalhavam com filmes de televisão.
321
Tal autonomia foi sendo
atacada no decorrer dos anos e, na década de 80, toda a produção do Globo Repórter era feita
na base de fitas de televisão - além de uma vinculação mais restrita do programa aos outros
setores da emissora.
322
Apesar disso, a integração da emissora com o acontecimento seria muito eficaz,
transmitindo a versão vitoriosa dos acontecimentos como se a emissora os tivesse apoiado desde
o começo. A Rede Globo estabeleceu um monopólio sobre a produção de imagens e de
informações no país, que permanece até os dias atuais. Em 1972, seria inaugurado no Brasil o
sistema de televisão colorida,
323
que iria criar uma nova dimensão dentro da produção de
320
- o presidente Médici faria um famoso comentário da produção de notícias da Globo: “Sinto-me feliz
todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. (...) Enquanto as notícias dão conta de
greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao
desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante, após um dia de trabalho.” Extraído de: Priolli,
Gabriel. op. cit., pp. 36-37;
321
- Conti, Mário Sérgio. op. cit.;
322
- Conti, Mário Sérgio. Idem;
323
- curiosamente, foi a Rede Bandeirantes, de Jorge Saad, quem apresentou, em 1973, programas para
serem apresentados na televisão colorida. A Rede Globo desenvolveria a mesma técnica meses depois das
primeiras transmissões da Bandeirantes;
imagens no país. Este monopólio permitiu à emissora desenvolver o chamado “Padrão Globo de
Qualidade”, uma busca incessante pelo aperfeiçoamento técnico da sua programação.
324
O padrão estético da Globo foi imposto também às outras emissoras, mas isso
de uma maneira dinâmica, pois a emissora também ia se apropriando de qualquer outro fator
que desse maior audiência. Essa constante sofisticação só foi possível através do trabalho dos
melhores profissionais, do uso dos melhores programas e das melhores tecnologias possíveis -
produzidas pela emissora, copiadas ou compradas dos centros de produção tecnológica.
325
O uso tecnológico foi uma das suas maiores marcas, pois a Rede Globo
importava as novas tecnologias dos países desenvolvidos e produzia as mais criativas
construções com essas tecnologias. Nesse trabalho destacou-se o suíço Hans Donner e sua
equipe. Ele utilizaria principalmente computadores (inéditos na televisão brasileira) para criar
vinhetas e aberturas de programas, com grande aceitação do público.
326
Não era apenas uma
apresentação formal diferente: a própria essência da programação foi modificada, buscando
conquistar o gosto do público.
Essa mistura coerente de discurso e técnica que a Rede Globo desenvolveu e
aplicou atingiria a imprensa escrita de uma maneira decisiva. A Rede Globo apresentava um uso
formal absolutamente diferente dentro da produção da mídia brasileira, uma junção entre
conteúdo e forma praticamente inédita. Concorrer com o que a Rede Globo apresentava era
muito difícil, pois para isso novos padrões estéticos teriam de ser criados. E poucos meios
escritos puderam fazê-lo.
Considerando-se a ampla difusão do meio televisivo em termos numéricos no
Brasil e a absoluta superioridade dos níveis de audiência da Rede Globo de Televisão em
relação às outras emissoras, podemos concluir que ela conquistou os “corações e mentes” do
país.
327
Mais do que apenas uma produção estética e técnica, o “Padrão Global de Qualidade”
324
- de acordo com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni): “Padrão global é um apelido.
Procuramos aqui fazer uma TV popular bem-feita. Nossa vigilância pretende garantir um produto de
massa, sem ser popularesco, que atinja a maioria das pessoas, sem concessões extremas. Nosso padrão
formal é do Primeiro Mundo, mas com um conteúdo adequado ao mercado brasileiro.” Extraído de:
Markun, Paulo. Playboy Entrevista Boni.” In revista Playboy. Nº 186, São Paulo, Abril Cultural,
janeiro/1991, p. 42;
325
- Priolli, Gabriel. op. cit.;
326
- Mello, Geraldo Aranha. Muito Além do Cidadão Kane. Scritta, São Paulo, 1994.
327
- mesmo assim, não podemos subestimar totalmente o gosto e as opções do público perante a televisão
de um modo geral (e à Rede Globo de um modo particular), pois uma série de programas populares
continuaram (e continuam) dando elevadas audiências, mesmo contra o “padrão” global. A transmissão
da chegada do homem na lua em 1969, por exemplo, foi realizada pela Rede Globo (pois era a única
emissora no Brasil com tecnologia para tal) e, apesar da exclusividade da cobertura deste evento, ele
ficou apenas dois pontos à frente do concorrente, o programa “Cidade contra Cidade”, apresentado por
Sílvio Santos na TV Record. Este “padrão” sofreu algumas perdas com a ascensão de programas
populares de nível duvidoso, como o Programa do Ratinho, no SBT. Mas a Globo adaptou-se e produziu
o programa Linha Direta, que não passa de uma versão mais sofisticada e com maiores recursos
tecnológicos do que o programa apresentado pelo Ratinho. Extraído de: Markun, Paulo. Playboy
Entrevista Boni.” op. cit.; e Oliveira Sobrinho, José Bonifácio (Boni). (Projeto e Supervisão). 50 Anos de
TV no Brasil. São Paulo, Editora Globo, 2000;
apresenta uma representação imaginária de um país moderno e dinâmico, imagens que
agradavam à maior parte da população brasileira. Esta representação acabaria sendo majoritária
no Brasil por pelo menos mais de vinte anos.
328
***
Foi dentro deste contexto político e técnico que a imprensa brasileira realizou a
cobertura das duas guerras.
O Início das Guerras
Duas guerras na Ásia, duas guerras visando a reunificação de
seus países, duas guerras envolvendo a dinâmica da Guerra Fria tanto a
Guerra da Coréia quanto a Guerra do Vietnã foram conflitos locais que
ganhariam dimensões mundiais. Jamais podemos perder a percepção de que,
por mais internacionais que tenham sido suas repercussões, tanto uma guerra
quanto a outra foram, essencialmente, frutos de problemas políticos locais.
Ásia e o Colonialismo
Indiferentemente a qualquer planejamento “global” feito pelas superpotências
na Ásia, o continente sempre teve sua vida política própria, o que produziu grandes ódios e
rivalidades entre os povos locais, além de problemas relacionados com o colonialismo europeu.
O Oriente sempre foi, para os europeus, uma região exótica e cheia de riquezas,
o que estimulou várias iniciativas visando a sua conquista.
329
Antes da Segunda Guerra
328
- o inglês John Ellis, sócio do diretor Simon Hogarth (que morreu de AIDS) que realizou o
documentário Beyond Citizen Kane (que procurou demonstrar o poder da Rede Globo no Brasil) para uma
televisão educativa britânica, foi bem claro quanto à influência da Globo na vida brasileira: “A Globo
impede o Brasil de ir para a frente numa direção verdadeiramente democrática. A vida democrática é
trabalhosa para um país com as disparidades do Brasil. A Globo, tanto pelo seu noticiário como pelo seu
domínio do imaginário do país, assina embaixo dessas desigualdades.” Extraído de: s/A. “Cidadão Globo
- Entrevista com John Ellis.In revista General. Nº 8, São Paulo, Acne, 1995, suplemento.
329
- muitos trabalhos artísticos foram feitos por artistas europeus sobre o “longínquo e misterioso”
Oriente, principalmente no século XIX. Em muitos sentidos, a própria identidade européia foi construída
a partir da sua confrontação com o Oriente. Além de fixar a “identidade ocidental”, também foi
construída a legitimação dos interesses das nações européias no Oriente. Said, Edward W. Orientalismo -
o Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo, Companhia das Letras, 1990; embora fatores
econômicos sejam primordiais, o confronto cultural também é fundamental nas relações entre o Ocidente
e o Oriente: a tendência dos dominadores foi o de impor valores de “superioridade” para si e de
“inferioridade” para os dominados. Mesmo artistas ingleses e franceses pouco contestam estas noções de
“submissão” e “inferioridade”. Said, Edward W. Cultura e Imperialismo. São Paulo, Companhia das
Letras, 1995;
Mundial, a Ásia, em particular a sua região sudeste, era constituída por várias colônias sob o
domínio europeu. A hegemonia européia foi contestada pelo Japão, o único país militarmente
poderoso da região, que, entre 1904 e 1905, infligiu à Rússia uma derrota humilhante na Coréia.
A partir daí, o Japão intensificou sua política expansionista na região, em particular na China,
apresentando-se como um poderoso rival para os europeus. Com o advento da Primeira Guerra
Mundial, a influência européia, em particular da Grã-Bretanha e da França, decresceu
consideravelmente na região, a ponto da população local preferir apoiar a Alemanha na guerra,
pois esta era uma nação com pouca experiência imperialista na região.
330
O Japão aproveitou-se
do momento e intensificou o seu comércio nos espaços abertos pela ausência européia. Os
Estados Unidos também queriam impor sua hegemonia na Ásia e, além das rivalidades
comerciais e políticas com o Japão (em particular por causa da China), o sistema colonialista
europeu era um impedimento para seus interesses. Assim como os japoneses, os norte-
americanos começaram a intensificar laços comerciais com os próprios habitantes asiáticos.
331
No decorrer da Segunda Guerra Mundial, o Japão invadiria as colônias
européias e as tomaria para si, tentando, dentro da lógica militar da Segunda Guerra Mundial,
fazer pressão contra a União Soviética (apesar dos dois países terem assinado um tratado de não
agressão) e conquistar definitivamente a China.
332
A vitória japonesa sobre as forças européias
quebrou o mito da invencibilidade Ocidental.
333
Não que o domínio japonês na Ásia fosse
aceito sem maiores resistências pelos povos colonizados, mas os japoneses, ao contrário dos
antigos colonizadores, organizaram um sistema de cooperação com os asiáticos locais para
administrar seus domínios, dando a eles o controle de partes da administração que os europeus
nunca tinham dado anteriormente.
334
Assim, o desejo de independência, existente mesmo antes
330
- Panikkar, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia do Século XV aos Nossos Dias. 3ª ed., Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1977;
331
- Panikkar, K. M. op. cit.;
332
- Crozier, Brian. Sudeste Asiático em Conflito. Rio de Janeiro, Bloch Editores, 1967;
333
- de acordo com Marc Ferro: “A humilhação sofrida pelo Ocidente com as vitórias
do Japão iria marcar profundamente os povos coloniais e estimulá-los para as lutas
posteriores. Nas Filipinas, eles testemunharam a terrível Marcha da Morte (1941) que as
autoridades militares japonesas impuseram aos prisioneiros norte-americanos, os quais
morriam de exaustão na frente de espectadores condoídos.” Ferro, Marc. História das
Colonizações - das Conquistas às Independências, Séculos XIII a XX. São Paulo,
Companhia das Letras, 1996, p. 302;
334
- Marc Ferro nos afiança que: “Nessa época, duas eram as características da política colonial japonesa
(...). Primeiro, pôr a colônia a serviço da guerra, em outras palavras, dos interesses exclusivos da
economia japonesa; segundo, promover uma integração militar e econômica que liquidava com as
esperanças de independência acalentadas pelos povos colonizados, sobretudo por aqueles indonésios que
haviam escolhido os japoneses como libertadores. À diferença dos ocidentais, os nipônicos foram muito
atentos à gestão meticulosa de todas as possessões que ocuparam. Terá sido porque a ocupação foi mais
militar do que civil? Eles não abandonaram à própria sorte as regiões de onde não tirariam nenhum
proveito, de modo que essa atenção angariou simpatias, sobretudo na Indonésia, pelo menos até 1942,
mas provavelmente na Indochina também.” Ferro, Marc. op. cit., p. 302;
da presença japonesa, começou a se expandir de uma maneira mais intensa no seio das
populações locais.
335
Com o fim da Segunda Guerra, os países europeus pretendiam retomar suas
antigas colônias, mas encontraram uma resistência inusitada - e feroz. Além do nacionalismo,
uma grande parte das forças rebeldes defendiam o marxismo nas suas lutas de independência, o
que acabaria por colocar os Estados Unidos e União Soviética dentro da órbita desses conflitos.
O Imaginário da Guerra Fria estava começando a se consolidar na região,
quando, em 1949, recebeu um grande impulso através da Revolução Chinesa, pois a vitória das
forças de Mao Tsé-tung na China fez com que forças comunistas conquistassem o poder no país
mais cobiçado na Ásia pelas grandes potências. A reação norte-americana pela chamada “perda
da China” foi de desconforto, pois a “balança” política mundial do pós-guerra pareceu
“desequilibrar-se”: a China era um país poderoso, de grandes riquezas e gigantesca população e,
estando na órbita de influência soviética (quando não sob o domínio soviético, posição
defendida por muitos setores da política norte-americana), poderia ser um fator para o
alastramento mundial do comunismo em grande escala.
336
O início dessa “escalada” seria o
frágil e instável Sudeste Asiático, onde os seus países pareciam pequenos e fracos demais para
deter o avanço comunista diante destas duas potências. Tal avanço poderia, a médio prazo,
atingir o Japão e as Filipinas, áreas protegidas diretamente pelos Estados Unidos, o que,
efetivamente, poderia provocar uma Terceira Guerra Mundial.
337
Era um exagero pensar num grande avanço comunista iniciando-se a partir da
Ásia, pois as diferenças (quando não relações de ódio e rivalidades seculares) entre os frágeis e
instáveis países asiáticos eram muitas, sendo que a maior parte delas pouco relacionadas com a
Guerra Fria. A própria ligação Sino-Soviética não era tão simples e harmoniosa como poderia
parecer aos olhos do mundo ocidental, pois os chineses procuravam manter alguma distância da
influência soviética, receosos de serem realmente dominados ou de ficarem dependentes demais
do seu “aliado”.
338
Por sua vez, Stalin defendia, com convicção, a idéia de que a China deveria
expandir a revolução nos países asiáticos. O curioso desta lógica, entretanto, foi que o próprio
Stalin não procurou expandir o comunismo na Europa. Tal contradição era bastante estratégica:
Stalin temia que o novo governo chinês se aliasse com os Estados Unidos e, com uma política
agressiva contra os seus vizinhos por parte da China, tal aliança seria impossível.
339
335
- Crozier, Brian. op. cit.;
336
- Tuchman, Barbara W. A Marcha da Insensatez - de Tróia ao Vietnã. 2. ed., Rio de Janeiro, José
Olympio, 1986;
337
- Tuchman, Barbara W. op. cit.;
338
- quando as forças de Mao Tsé-tung tomaram conta do país, a embaixada soviética, temendo represálias
pelo inexpressivo apoio dado pelo governo soviético à revolução, foi uma das primeiras embaixadas a
abandonar a China. Crozier, Brian. op. cit.;
339
- Holloway, David. Stalin e a Bomba. Rio de Janeiro, Record, 1997;
Tais contradições não foram consideradas na época pelo mundo ocidental. Em
1949, sob a ótica norte-americana, as duas grandes nações comunistas pareciam estar juntas e
em harmonia, prontas para imporem sua política de dominação pelo mundo. Foi dentro dessa
lógica que o NSC 48/1 de dezembro de 1949 foi elaborado.
340
Procurando impedir uma eventual expansão comunista na Ásia, além de
estimular o crescimento econômico japonês, os Estados Unidos realizaram uma série de grandes
investimentos militares na região, inclusive na Coréia do Sul.
Guerra da Coréia O Paralelo 38
Para todos os efeitos, a Guerra da Coréia começou no dia 25 de junho de 1950,
quando, provavelmente, sete divisões de infantaria norte-coreanas, com uma brigada de tanques
e tropas de apoio, cruzaram a fronteira e atacaram a Coréia do Sul. Comandadas pelo marechal
Choe Yong Gun, duas colunas avançaram para Seul e uma terceira seguiu ao longo da costa
leste, enquanto que uma pequena unidade invadia um enclave na costa oeste, ao sul do paralelo
38.
341
A imprensa escrita brasileira noticiou rapidamente o iníc io da guerra. O Estado
de S. Paulo, ainda no dia 25 de junho, publicou a seguinte manchete: “Declarada a Guerra Entre
as Duas Coréias”
342
E, logo nesse início de cobertura, o jornal deixava claro a sua posição em
relação ao conflito, onde o Medo do Expansionismo Comunista era fundamental, como podemos
verificar nos títulos das manchetes menores:
“Tropas do governo títere da Coréia setentrional cruzam
o 38.o paralelo e ocupam a cidade de Kaesong, na parte meridional
da península - Novo desafio do imperialismo soviético.
343
(grifos
meus)
340
- Cumings, Bruce. “Japan and the Asian Periphery.In Leffler, Melvyn P. e Painter, David S. (Orgs.).
Origins of the Cold War - an International History. Londres, Nova Iorque, Routledge, 1995;
341
- os primeiros correspondentes a cobrirem este início de guerra foram os que
trabalhavam para agências noticiosas com base em Seul. Dois dias depois do início da
guerra, um avião de transporte com cobertura de caças levou, de Tóquio a Seul, os
correspondentes Keyes Beech, do Chicago Daily News, Frank Gibney, do Time, Burton
Crane, do New York Times e Maguerite Higgins, do New York Herald Tribune. Esses
correspondentes chegaram a tempo de fugir, junto com as tropas sul-coreanas (ou o que
sobrou delas), até Suwon, pois as forças comunistas chegaram rapidamente em Seul e os
expulsaram. Logo, diante do avanço acelerado das forças comunistas neste início de
conflito, também tiveram de fugir de Suwon, deslocando-se até o extremo sul da
península. Knightley, Phillip. A Primeira Vítima. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978;
342
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 25/06/50, p. 1;
343
- op. cit.;
A Tribuna da Imprensa, no dia 26 de junho, na seção “Um Dia no Mundo”,
coordenada pelo jornalista Paulo de Castro, demonstraria o seu posicionamento anticomunista:
Mais uma campanha pró-paz dos comunistas a
agressão da Rússia à Coréia do Sul - Servindo-se como sempre de
elementos locais, a Rússia invadiu a Coréia do Sul. Esta é a questão,
o resto, apenas a maneira de fazer, o método, para obter os mesmo
resultados sem o risco de se comprometer diretamente e em caso de
necessidade podendo recuar sem perda de prestígio.
(...)
Importa por em destaque o cinismo das campanhas “pró-
paz” da Rússia com o desencadeamento desta guerra que pode
degenerar num conflito mundial. “Pró-paz”? Não. Pró-domínio
mundial, pela Paz ou pela guerra.”
344
Nesse mesmo dia, O Estado de S. Paulo reafirmou sua posição crítica em
relação ao conflito coreano e, principalmente, quanto à União Soviética na manchete “A União
Soviética Endossa a Agressão contra a Coréia do Sul”, destacando o apoio soviético ao ataque
norte-coreano. Já nas manchetes menores, o jornal apresentou o desenvolvimento da guerra
(“Entram as Forças Comunistas na Capital da Coréia do Sul”) e a reação da ONU (“O Conselho
de Segurança Ordena a Cessação das Hostilidades”). Para situar melhor o leitor, o jornal
utilizou-se de uma fotografia de arquivo, com o presidente da Coréia do Sul, Sygham Rhee,
junto com o general norte-americano Douglas MacArthur, referente à visita do primeiro ao
Japão ocorrida pouco tempo antes do início das hostilidades entre as duas Coréias.
345
A falta de material fotográfico sobre temas internacionais era um problema
constante para a imprensa brasileira naquele momento, pois os jornais e revistas dependiam das
publicações estrangeiras e das agências de notícias internacionais. O envio de fotografias por
tais agências era muito lento e o uso de fotos de arquivo, como esta que foi utilizada pelo O
Estado de S. Paulo, tornou-se uma prática muito freqüente na imprensa brasileira para a
cobertura de eventos internacionais durante a década de 50.
O Correio da Manhã também noticiou o início da guerra. E, num editorial
publicado na primeira página, destacou:
“Para muitos, os primeiros tiros da nova guerra mundial
estão ecoando sobre o paralelo 38, entre o mar Amarelo e o mar do
Japão, na linha divisória entre a Coréia do Norte e a Coréia do Sul.
Não parece verossímil que assim seja. As notícias
telegráficas que em tumultuoso aguaceiro desabam dos quatro pontos
cardeais, têm certo nervosismo ofegante com que se formam, no
344
- Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 26/06/50, p. 3;
345
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 26/06/50, p. 1;
caminho da realidade, antes nuvens de poeiradas palpiteiras do que
bases serenas de apreciações.”
346
Podemos notar pela construção erudita e literária de algumas frases da
passagem acima (como “nervosismo ofegante” ou “nuvens de poeiradas palpiteiras”, entre
outras) a presença da influência francesa no Correio da Manhã.
E, encerrando o editorial, o articulista criticou furiosamente a União Soviética:
“A Rússia agirá às escuras, reversamente, na penumbra
dos bastidores. O problema, para os Estados Unidos, para que a seu
lado encontram a consciência democrática universal, consiste
precisamente no oposto falar claro e agir às claras.”
347
Tais notícias e editoriais representariam as condições políticas da região e da
guerra em si? Era apenas uma agressão comunista? Os soviéticos desejavam a dominação
mundial? Os norte-coreanos eram apenas “títeres” da União Soviética? Para responder a tais
perguntas (já “respondidas” pela imprensa brasileira da época), temos de analisar mais
profundamente a Coréia e as circunstâncias que levaram o país a ser dividido.
A Coréia, desde 1905, fazia parte do império japonês. Na Declaração do Cairo
de 1943, Estados Unidos, Grã-Bretanha, União Soviética e China (representada, na época, pelo
líder do governo chinês Chiang Kai-chek, do Kuomintang, o partido nacionalista chinês)
comprometeram-se a respeitar a soberania da Coréia, além de promover sua independência “no
momento adequado”.
348
Em 8 de agosto de 1945 a União Soviética declarou guerra ao Japão e,
quatro dias depois, suas tropas invadiram a Coréia através da Manchúria.
349
De acordo com o historiador norte-americano Bruce Cumings, o paralelo 38
graus Norte foi uma imposição norte-americana, rapidamente aceita pelos soviéticos, sendo que
um acordo entre as duas potências, para confirmar o acordo, foi assinado no dia 15 de agosto de
1945.
350
Tropas dos Estados Unidos ocupariam o Sul do país no mês seguinte e as duas regiões
ocupadas receberam a rendição dos japoneses.
346
- Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 27/06/50, p. 1;
347
- op. cit.;
348
- Lisboa, Pedro. “Nota Preliminar - O País das Manhãs Tranqüilas.” In Dzelepy, E. N. e Stone, I. F. A
Verdade Sobre a Guerra da Coréia. Rio de Janeiro, Editorial Andes, s/D;
349
- nas conferências de Yalta, em 1945, os soviéticos concordaram em atacar o Japão três meses após o
fim da batalha contra a Alemanha e das operações de guerra em território europeu. As exigências
soviéticas na Ásia para a sua entrada na guerra contra o Japão foram: 1º - a preservação da Mongólia
Exterior como um país comunista e independente da China; 2º - restauração dos direitos perdidos pela
Rússia na guerra Russo-Japonesa de 1904-1905; 3º - anexação das ilhas Kurila. Para surpresa dos
soviéticos, nas conferências de Postdam, suas forças no Japão já não eram mais desejadas pelos outros
aliados. Temendo perder as reivindicações de Yalta, os soviéticos aceleraram os preparativos para a
guerra contra o Japão e conseguiram manter seus objetivos na região. Holloway, David. op. cit.;
350
- Cumings, Bruce. Korea’s Place in the Sun a Modern History. Nova Iorque, Londres, W.W. Norton
& Company, 1997;
A divisão da região pelo paralelo 38 não impediu, num primeiro momento, a
livre circulação entre os habitantes da duas Coréias, o que demonstra que a divisão do país não
existia na prática. Mas ela começou a se tornar mais efetiva à medida que cada lado desenvolvia
políticas diferenciadas. A historiografia mais tradicional (especialmente a ocidental) tende a
acusar os norte-coreanos de terem iniciado uma campanha de desestabilização no sul, mas,
pouco depois do estabelecimento desses limites, as duas Coréias desencadearam uma
campanha de propaganda, sabotagens e invasões fronteiriças , provocações estas que eram
respondidas pelo lado atacado.
351
Em 1947, a recém formada ONU (Organização das Nações Unidas) enviou à
Coréia uma comissão para reunificar o país e destituir os regimes de ocupação. Sob protestos
dos soviéticos e dos comunistas do Norte, em 10 de maio de 1948 foram realizadas eleições,
supervisionadas pela ONU, mas abrangendo apenas o Sul. Os consultores da ONU ficaram
horrorizados com a falta de liberdade e da corrupção que caracterizaram estas eleições, que
dariam a vitória para uma coalizão de direita liderada por Syngman Rhee, cujo governo iria
caracterizar-se pela falta de liberdade política e corrupção. A ajuda enviada ao país pelos
Estados Unidos era desviada para os altos escalões, deixando as forças armadas, além da própria
população, em péssimas condições. A violência era constantemente utilizada pelas autoridades
para manter a ordem. Além dos receios de uma invasão do Norte, o governo Rhee enfrentava
vários movimentos guerrilheiros de oposição - não foram encontrados vestígios de que o Norte
ajudava tais grupos.
352
Enquanto a Coréia do Sul enfrentava várias crises, a Coréia do Norte realizava
reformas na sua estrutura econômica e social, como a nacionalização de empresas e uma ampla
reforma agrária. Após eleições para a Assembléia Suprema do Povo, o líder guerrilheiro Kim Il
Sung, tomou posse como primeiro-ministro pelo único partido na região norte do país, o Partido
Operário Coreano.
Ante o impasse, pois tanto o sul quanto o norte queriam unificar o país, foi
estabelecida, em 15 de agosto de 1948, a República da Coréia (Coréia do Sul), tendo como
capital Seul e contando com a ajuda dos Estados Unidos. A União Soviética, por sua vez,
repudiou essa atitude apoiando a recém formada República Democrática da Coréia (Coréia do
Norte). A linha do paralelo 38, antes apenas uma linha provisória, tornou-se a fronteira dos dois
novos estados. Com essa divisão estabelecida, norte-americanos e soviéticos retiraram suas
forças de ocupação.
Em junho de 1949, a Coréia do Sul tentou invadir a Coréia do Norte através da
península de Ongjin, mas sua iniciativa foi frustrada pelas forças comunistas. Nesse momento, o
governo do Norte não queria a guerra: cerca de 300 mil soldados coreanos estavam participando
351
- Cumings, Bruce. op. cit.;
352
- Cumings, Bruce. Idem;
ativamente da guerra civil chinesa, soldados estes que estariam à disposição do governo
comunista assim que o conflito chinês terminasse.
353
E a derrota das forças sul-coreanas em
Ongjin assustaram os norte-americanos, que perceberam as limitações das forças armadas (e do
regime) de Rhee. A corrupção e incompetência governamenal do governo sul-coreano irritaram
profundamente a liderança política norte-americana.
354
Mas a imprensa brasileira acertou num ponto: a iniciativa para a reunificação da
Coréia pelos norte-coreanos teve a “autorização” de Stalin. Kim Il Sung, antes de tomar
qualquer providência, consultou Stalin que, inicialmente, adotou uma atitude cautelosa diante da
proposta de guerra, mas não a rejeitou totalmente. Depois da visita de Kim Il Sung a Moscou
entre os meses de março e abril de 1950, Stalin incentivou o ataque das tropas norte-coreanas na
Coréia do Sul. Stalin, além de acreditar que os Estados Unidos não iriam intervir num país tão
pequeno, pensava que tal ataque seria mais relacionado à lógica geopolítica chinesa do que
soviética, o que aumentaria ainda mais as hostilidades entre a China e os Estados Unidos.
355
Mas os norte-coreanos não foram os únicos a consultar suas “bases”: Rhee
também consultou o governo dos Estados Unidos, desejando o apoio destes para reunificar o
país. Ao contrário dos soviéticos, os norte-americanos não confiavam no regime de Rhee ou na
possibilidade de uma vitória militar da Coréia do Sul sobre a Coréia do Norte, e negaram seu
apoio a um eventual ataque. Mas o governo Truman prontificou-se a intervir imediatamente
caso a Coréia do Norte realizasse um ataque.
356
E o ataque aconteceu no dia 25 de junho de
1950, embora seja impossível precisar qual lado iniciou as hostilidades. Autoridades norte-
coreanas afirmaram que foram os sul-coreanos, a partir da península de Ongjin. Os momentos
iniciais da guerra foram confusos para os dois lados de um modo geral, mas a Coréia do Norte,
reforçados com os 300 mil soldados que lutaram na China, tomaram a iniciativa e invadiram
rapidamente a Coréia do Sul.
357
353
- Cumings, Bruce. Idem, ididem;
354
- o que os norte-americanos pensavam da questão coreana entre os anos de 1949 e
1950? O general Douglas MacArthur, interventor no Japão, em entrevista concedida a
um jornal em março de 1949, afirmou que “nossa linha de defesa atravessa a cadeia de
ilhas que margeia a costa da Ásia. Ela começa desde as Filipinas e continua pelo
arquipélago Ryukyu, que inclui o seu principal baluarte, Okinawa. Ela volta, então,
através do Japão e a cadeia das ilhas Aleutas até o Alasca.” Já o subsecretário de Estado,
Dean Acheson, em discurso proferido no Clube de Imprensa Nacional em 12 de janeiro
de 1950, afirmou categoricamente que a Coréia estava fora do perímetro de defesa
norte-americano. Tais declarações deveriam ser entendidas como avisos ao governo de
Rhee para que ele mudasse radicalmente sua péssima situação ou perderia o apoio
norte-americano mas não a ponto de deixar que a Coréia do Sul fosse dominada pelos
comunistas. Os Estados Unidos não pretendiam abandonar seu aliado. Extraído de:
Kissinger, Henry. Diplomacia. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1997, p. 563;
355
- Holloway, David. op. cit.;
356
- Cumings, Bruce. op. cit.;
357
- Cumings, Bruce. Idem;
Os momentos iniciais da guerra também foram confusos para o resto do mundo.
O Conselho de Segurança da ONU, após uma sessão de emergência, solicitou que as tropas
norte-coreanas recuassem de volta para a linha do paralelo 38. De acordo com uma
historiografia mais tradicional, no dia 27 de junho o presidente norte-americano Harry Truman,
obedecendo a resolução do Conselho de Segurança, ordenou ao general Douglas MacArthur que
apoiasse o Exército Sul-Coreano com forças navais e aéreas. Aparentemente, MacArthur já
tinha tomado a iniciativa antes das resoluções da ONU, bastando, para Truman, “oficializar” um
fato já consumado.
358
A representação norte-americana na ONU conseguiu que fosse aprovado uma
resolução complementar, adotada pelo Conselho de Segurança da ONU, que recomendava aos
países membros que fornecessem à República da Coréia ajuda para combater a invasão e
restabelecer a paz. Tal decisão era apenas possível caso ocorresse uma votação unânime, o que
acabou de fato acontecendo: como a delegação soviética estava ausente - ela tinha abandonado o
Conselho de Segurança da ONU um pouco antes, em protesto pela não inclusão da China
Comunista na organização , a delegação norte-americana não encontrou oposição e a votação
dessa resolução acabou sendo unânime.
A ausência da União Soviética da reunião do Conselho de Segurança da ONU
foi noticiada pela Folha da Manhã no dia 27 de junho, num pequeno quadro na primeira página.
A notícia destacou a posição soviética em relação às decisões tomadas no conselho com a
manchete “A Rússia não reconhece a decisão da ONU”:
“Não tem força a resolução das Nações Unidas,
ordenando que os comunistas do norte da Coréia suspendam as
hostilidades, porquanto nem a União Soviética nem a China estavam
representadas na reunião de domingo do Conselho de Segurança -
afirmou a emissora de Moscou, em transmissão capitada nessa
capital.”
359
358
- a principal resolução da ONU aprovada no dia 27 de junho foi uma ordem para que as forças norte-
coreanas se retirassem imediatamente da Coréia do Sul e, caso tal ordem não fosse cumprida, a Coréia do
Norte receberia, inicialmente, sanções econômicas. Apenas caso estas sanções não surtissem os efeitos
desejados é que seriam utilizados dispositivos militares dos países membros e, mesmo assim, sob total
responsabilidade e supervisão da ONU. Embora o governo norte-americano mostrasse estar disposto a
cumprir a determinação da ONU de manter, inicialmente, apenas sanções econômicas, o mesmo governo
iria autorizar a utilização da força antes das sanções econômicas e sem a autorização da ONU. Na
verdade, as forças norte-americanas já começaram a atuar na noite do dia 26, ou seja, antes das votações
das próprias resoluções da ONU. O que teria acontecido na noite de 26 para 27 de junho? Para os
jornalistas E. N. Dzelepy e I. F. Stone, o general MacArthur tomou a decisão de envolver tropas norte-
americanas na Coréia sem consultar o presidente Truman. Dzelepy, E. N. “Porque se Luta em Coréia -
Mac Arthur e a Questão da Coréia/O ‘Pearl Harbour de Mac Arthur.” In Dzelepy, E. N. e Stone, I. F. op.
cit.;
359
- Folha da Manhã. São Paulo, 27/06/50, p. 1;
Ainda dentro desse pequeno quadro, foi apresentado o posicionamento oficial
do Secretário de Estado dos Estados Unidos, Dean Acheson, colocando-se contra a invasão
comunista na Coréia do Sul, mas ressaltando que apenas o presidente dos Estados Unidos era
quem poderia propor qualquer ação em relação ao conflito coreano.
360
O curioso é que, entre essas duas notícias diretamente relacionadas com a crise
na Coréia, foi “encaixada” uma fotografia de Adhemar de Barros, que iria abrir a reportagem
abaixo, reportagem esta que nada tinha a haver com o quadro em si. Em outras palavras, a
fotografia de Adhemar de Barros acabou sendo o “recheio” entre duas notícias sobre a
diplomacia da guerra.
Essa desorganização espacial era freqüente na Folha da Manhã, em particular
na sua primeira página que, quase sempre, era dedicada às notícias internacionais. Apesar de
tais irregularidades formais, a Folha da Manhã apresentava uma relativa organização gráfica,
comparando-se com os jornais O Estado de S. Paulo e Tribuna da Imprensa, pois já utilizava do
sistema de cadernos e de índices, embora ambos pudessem variar de edição para edição. As
notícias podiam iniciar-se numa página e encerrar-se em outra, principalmente quando o assunto
era urgente - sendo que era comum a falta da indicação da página de encerramento da matéria.
Apesar dessas características gráficas deixarem o jornal relativamente diferente dos outros dois
já citados, o sentimento anticomunista era comum entre estes três jornais.
Ainda nessa edição da Folha da Manhã, no final do caderno “Noticiário Geral”,
outra matéria sobre a guerra, mas a partir da reação do governo norte-americano: “Dispõem-se
os Estados Unidos a auxiliar militarmente o governo da Coréia do Sul”. A “culpa” da União
Soviética foi ressaltada:
“(...) Truman, em sua declaração, não fez alusão alguma
à Rússia. Contudo, altos funcionários do departamento de estado são
de opinião que a responsabilidade da guerra recai sobre a União
Soviética, pois o governo do norte da Coréia está dominado pelos
moscovitas.”
361
O editorial acima apresentou uma visão exagerada: a Coréia do Norte, mesmo
tendo consultado os soviéticos sobre as possibilidades de tomarem a Coréia do Sul, tinha
autonomia política em relação a Moscou.
362
Em outras palavras, as relações entre os dois países
eram bem mais complexas do que a mera dominação soviética sobre seu “títere”.
No dia 28 de junho, o posicionamento norte-americano começou a ficar melhor
definido: a Folha da Manhã publicou que “Truman ordena às forças ianques que auxiliem a
Coréia Meridional”, mandando, inclusive, a Sétima Esquadra para proteger a ilha de Formosa.
360
- op. cit.;
361
- Idem, p. 8;
362
- Cumings, Bruce. op. cit.;
Uma fotografia de mercadores coreanos numa praça procurou ilustrar os arredores de Seul e a
região em conflito.
363
Ainda não era uma fotografia da Coréia em guerra, mas sim uma
fotografia de arquivo com objetivo meramente ilustrativo.
O editorial “Ameaça à Paz Mundial”, publicado na Folha da Manhã no dia 29
de junho, começava com uma pequena descrição do conflito até aquele momento: da surpresa
da Coréia do Sul ao ser atacada pelas forças comunistas, passando pelo pedido de auxílio de
Rhee aos países “livres”. Logo depois, o editorial comentou a condenação de Truman perante a
invasão comunista e as suas ordens de ajuda imediata ao aos sul-coreanos. O clima de guerra era
total, segundo o editorial, revelando que Truman tinha ordenado que as bases aéreas norte-
americanas no Alasca, fronteira norte-americana com a União Soviética, ficassem de
prontidão.
364
O editorial foi além: ao comentar a reunião do Conselho de Segurança da ONU
que aprovou a proposta norte-americana de intervir na Coréia, abriu espaço para criticar a
alegação soviética de que, por não estar presente na reunião, tal decisão não seria legítima. O
Medo do Expansionismo Comunista estava presente neste editorial, como podemos perceber na
seguinte passagem:
“É evidente, porém, que a reação russa não consegue
mascarar a gravidade da iniciativa soviética. E não conseguirá, da
mesma forma, impedir que se desenvolvam as medidas de repressão
ao avanço comunista na Coréia do Sul. Os Estados Unidos,
inicialmente, e forças britânicas logo em seguida, já entraram em
ação ou se apresentam para agir. Torna-se claro que as potências
ocidentais resolverem finalmente dizer - basta! E a opinião pública,
nos países democráticos, aplaude essa decisão, pois é certo que
somente enérgica atitude das potências ocidentais impedirá o
indefinido alargamento das fronteiras soviéticas.”
365
A Tribuna da Imprensa também culpava os soviéticos do conflito coreano,
como vimos anteriormente. Na seção de telegramas (o uso de telegramas foi um procedimento
técnico muito utilizado neste período, principalmente antes da sofisticação dos teletipos no
Brasil), um dos destaques relacionava-se diretamente com a Guerra da Coréia. A seção
apresentou um pequeno histórico do conflito coreano de maneira bastante tendenciosa contra o
comunismo e a União Soviética:
“No norte, os russos estabeleceram uma República do
Povo, expropriaram as indústrias japonesas, dividiram 2 milhões de
363
- Folha da Manhã. São Paulo, 28/06/50, p. 1;
364
- Folha da Manhã. São Paulo, 29/06/50, p. 4;
365
- op. cit.;
acres de terras entre 700.000 camponeses e estabeleceram um
governo fantoche chefiado por um antigo guerrilheiro, Kim Il Sung.
“O governo da Coréia do Sul, organizado
democraticamente, é encabeçado pelo velho líder da independência
coreana, o doutor Sygham Ree.”
366
(grifos meus)
No dia seguinte, a Tribuna da Imprensa, na matéria “Assim é a Paz de Stálin”,
publicou uma caricatura bastante representativa das idéias políticas do jornal em relação ao
conflito coreano: um braço vindo da União Soviética, segurando um foice nas mãos, indo
diretamente para a China, Coréia (que estava destacada de preto) e Manchúria, numa clara
alusão quanto ao domínio e expansionismo soviético na Ásia.
367
O exagero destas passagens é gritante, pois o governo norte-vietnamita não era
um mero fantoche dos soviéticos e o governo sul-vietnamita estava longe de ser uma
democracia.
368
O conflito coreano era visto pela imprensa brasileira como uma agressão
comunista e, principalmente, soviética. A idéia de uma guerra civil sequer foi considerada e
todo e qualquer esforço do “mundo livre” era desejável para impedir o “indefinido alargamento
das fronteiras soviéticas”. Não existia espaço para maiores moderações no que se referia ao
expansionismo comunista, quer ele existisse ou não.
A Folha da Manhã do dia 30 de junho abriu espaço na seção de editoriais para
um artigo do Secretário de Estado dos Estados Unidos Dean Acheson. O artigo em si,
denominado “O Imperialismo Soviético Ante a Filosofia de uma Sociedade Livre”, não passava
de uma série de acusações contra uma eventual expansão soviética no mundo,
369
dentro da
lógica mais radical do Medo do Expansionismo Comunista. O que nos interessa no presente
artigo não está no seu conteúdo, mas sim na sua própria presença, pois, ao escolher para
publicar um artigo de um ferrenho crítico da União Soviética e do comunismo, a opção política
do jornal ficava exposta. A escolha dos artigos e dos articulistas, principalmente dos
estrangeiros, não é neutra, ou seja, também faz parte da estratégia política do jornal que,
no caso específico, demonstrava estar do lado dos Estados Unidos e contra o comunismo.
A publicação de fotografias era um processo demorado, como vimos
anteriormente, e o mérito da publicação das primeiras fotos do conflito no Brasil podem ser
divididos entre a Folha da Manhã e O Estado de S. Paulo. A Folha da Manhã publicou fotos
trazidas pelo correspondente especial Ray Richards da International News Service no dia
primeiro de julho, ou seja, uma semana após o início da guerra.
370
Eram três fotos, postas
lado a lado: a primeira, localizada no lado esquerdo, retratava um oficial norte-americano
366
- Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 29/06/50, p. 10;
367
- Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 30/06/50, p. 3;
368
- Cumings, Bruce. op. cit.;
369
- Folha da Manhã. São Paulo, 30/06/50, p. 3;
370
- Folha da Manhã. São Paulo, 01/07/50, p. 3;
ensinando o funcionamento da “bazooka” aos membros de um regimento sul-coreano
estacionado em Pusan; a segunda, localizada no centro, mostrava dois policiais coreanos, sem
uniforme, carregando um rifle com poucos cartuchos e uma granada de mão, cobrindo um setor
da linha de frente; a terceira, localizada no lado direito, mostrava quatro soldados norte-
coreanos que desertaram.
O Estado de S. Paulo no mesmo dia (ou seja, também uma semana depois do
início do conflito), na matéria “Por Ordem de Truman Entra em Ação a Infantaria dos EUA -
Tropas Norte-Americanas Desembarcam na Coréia Setentrional”, publicou uma fotografia da
presença norte-americana na Coréia, com o seguinte comentário:
“O primeiro documento fotográfico da intervenção norte-
americana na guerra coreana - Radiofoto “I.N.P.” do capitão James
Rackett, da Força aérea dos Estados Unidos (à direita) palestrando
com pilotos da Coréia do Sul, depois de uma missão na frente de
batalha.”
371
Nos dois casos a fotografia não foi apenas utilizada como fonte de notícia, mas
também a própria fotografia foi utilizada como notícia em outras palavras, a forma
também foi apresentada como conteúdo jornalístico.
O mesmo jornal também iria utilizar-se dos recursos fotográficos para
demonstrar a sua insatisfação perante a agressão comunista na Coréia e criticar a União
Soviética: ainda na capa dessa edição foi publicada uma fotografia do Conselho da ONU, do dia
25 de junho, com a cadeira soviética vazia, numa clara alusão sobre sua ausência na hora das
decisões importantes.
372
Uma visão menos maniqueísta da guerra foi publicada também nesta edição da
Folha da Manhã. A coluna denominada “3 Linhas e 4 Verdades”, espaço reservado para o
escritor Osvald de Andrade, apresentou a única opinião dentro da grande imprensa brasileira
contra a guerra em si mesma, indiferentemente ao lado a ser defendido (no caso, a democracia)
ou a ser atacado (no caso, o comunismo).
Criticando o desejo de destruição do homem (“O homem continua dentro da sua
constante antropofágica”), o autor defendeu que a consciência tem de ser mais forte do que as
questões políticas e econômicas, pois de “que modo se transformará o mundo? Pelo trabalhismo
inglês? Pelo sovietismo russo? Pela “Revolução dos Gerentes”? Pelo liberalismo progressista?”
E, completando seu raciocínio, Osvald de Andrade afirmou:
“De qualquer maneira, chegou o momento de se gritar
pela paz. Chega de doidice armada! Uma velha caricatura inglesa faz
371
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 01/07/50, p. 1;
372
- op. cit.;
ver dois trogloditas numa corrida, empunhando suas maças (ou
mocas) na direção do conflito que estourou na vizinhança: Vamos!
Esta vai ser a última guerra!
A Coréia nos afirma que ainda e sempre estamos na
caverna ancestral.”
373
O posicionamento de Osvald de Andrade defendia a natureza humana e tendia a
fugir dos rigores da dinâmica maniqueísta da Guerra Fria. Mas era uma posição solitária entre
aqueles que escreviam na imprensa brasileira dessa época, pois a maioria não realizava
reflexões serenas: era a “agressão comunista” e o “expansionismo soviético” que estavam sendo
combatidos pelos jornais, abrindo poucos espaços para outros posicionamentos, mesmo aqueles
de caráter humanitário. A importância de Osvald de Andrade na cultura do país permitiu essa
“ousadia”. O Estado de S. Paulo, no dia 2 de julho, celebrou uma das poucas e
insignificantes vitórias dos sul-coreanos nesse início de guerra: “Suvon Reconquistada pelos
sul-coreanos.”
374
A “torcida” do jornal para aqueles que combatiam as forças comunistas era
explícita, mesmo em acontecimentos menores e de pouca importância estratégica para a guerra.
Ainda na mesma edição, um editorial denominado “Derrotada a União
Soviética” fez comentários sobre a resposta soviética a uma nota norte-americana, onde o
representante soviético na ONU garantiu que seu país não enviará tropas para a Coréia. O
editorial foi bastante direto, afirmando categoricamente que a União soviética não deveria
sequer ter tentado sua expansão na Coréia, mas que esse tipo de comportamento era
praticamente impossível de ser evitado, pois a União Soviética era uma potência agressiva e
imperial dominada por um tirano, como podemos perceber na seguinte passagem: “... Stálin,
portanto, o senhor do Cremlim”.
375
A importância da ONU para resolver os litígios internacionais foi acentuada:
“Presenciamos uma vigorosa revitalização das Nações
Unidas, às quais deverá voltar a URSS se não quiser ser posta à
margem do mundo. Mas, ainda assim, deverá voltar disposta a
curvar-se à vontade da maioria que é a regra da democracia, e ao
direito e à moral, que são as normas da humanidade livre. Fora daí,
resta apenas o campo traiçoeiro da aventura, na qual Moscou acaba
de sofrer seu primeiro insucesso.”
376
As únicas “derrotas” dos soviéticos em relação ao conflito coreano foram que
as previsões de Stalin de que os norte-americanos não iriam intervir na região falharam. Embora
fosse uma guerra imprevisível (os soviéticos poderiam ter de intervir de maneira mais
373
- Folha da Manhã. 01/07/50, op. cit., p. 4;
374
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 02/07/50, p. 1;
375
- op. cit., p. 3;
376
- Idem;
expressiva, podendo entrar em choque com as forças da ONU), ela não era a principal
preocupação soviética no momento.
377
Um editorial na Folha da Manhã, de Edgar Ansel Mowrer, articulista norte-
americano, reforçava o enfoque que procurava ver as semelhanças entre a agressão da Coréia do
Norte e a política de Hitler antes da Segunda Guerra Mundial. Ressaltando que a agressividade
soviética era evidente, menos para os Estados Unidos (“que, por uma ou outra razão, não tem
querido olhar de frente os fatos desagradáveis”), o autor não escondeu sua desaprovação perante
a invasão, que foi apenas possível por causa dos desejos de Moscou:
“Na verdade, trata-se, por enquanto, de uma agressão de
“segunda classe”, levada a efeito por prepostos soviéticos e não
propriamente pela União Soviética. Nesse ponto a situação é
semelhante à que foi criada por Hitler ao lançar mão dos pró nazistas
austríacos na Áustria, dos sudetos alemães na Tchecoslováquia e dos
fascistas espanhóis na Espanha.”
378
O Medo do Expansionismo Comunista também estava na perspectiva do autor,
pois, além do conflito da Coréia, também existiam problemas em Berlim e na Indochina -
problemas estes vistos como conseqüências diretas do expansionismo soviético.
379
Não existia
“expansionismo” soviético nos lugares indicados pelo editorial, mas sim problemas políticos
específicos de suas regiões. Na imprensa brasileira, poucos preocuparam-se em refletir melhor
sobre suas análises.
A Guerra Fria também era tema recorrente na revista O Cruzeiro. A primeira
edição da revista após o início da Guerra da Coréia (número 37) apresentou uma reportagem da
sua dupla principal de jornalistas, David Nasser e Jean Manzon, com o título de “Os Tanks da
Democracia”, elogiando nossas forças armadas na sua função de manter a paz no continente sul-
americano, numa clara alusão do seu papel na preservação dos valores ocidentais e
democráticos - e, logicamente, contra o comunismo.
380
Nesse número também foi publicado a primeira reportagem da revista
diretamente relacionado à Guerra da Coréia. O texto “Por que Truman não vai à Europa?”
defendeu a idéia de que a União Soviética não passa de uma potência expansionista e que a
guerra na Coréia fazia parte de uma estratégia global de dominação mundial comunista,
distraindo os Estados Unidos da real intenção: a Europa Ocidental. Podemos perceber que um
jornalista sentia-se plenamente capacitado para dar “sugestões” sobre as estratégicas do conflito
coreano.
377
- Holloway, David. op. cit.;
378
- Folha da Manhã. São Paulo, 03/07/50, p. 3;
379
- op. cit.;
380
- O Cruzeiro. Nº 37, Rio de Janeiro, 01/07/50, pp. 16-19;
A “propaganda” comunista foi criticada ferozmente pelo texto:
“Cuidadosamente estimulados pelo partido comunista e
pelas rádios de Moscou, muitos europeus chegaram a acreditar que
os Estados Unidos são os piores provocadores de guerras e que a
Europa Ocidental seria muito tola se tomasse partido numa luta entre
os Estados Unidos e a União Soviética.”
381
O anticomunismo também seria uma das características básicas da
cobertura da imprensa brasileira do início da Guerra do Vietnã, como veremos a seguir.
Guerra do Vietnã O Incidente de Tonquin
Os problemas políticos no Vietnã eram ainda mais complicadas que as da
Coréia. No dia 6 de agosto de 1964 foi registrado ataques a destróieres norte-americanos em
águas internacionais (fora das 3 milhas reconhecidos pelos Estados Unidos, mas dentro das 12
milhas que o Vietnã do Norte considerava como seu limite), por barcos patrulha norte-
vietnamitas. Apesar das dúvidas e da falta de informações, esses “ataques” eram tudo o que o
governo Lyndon Johnson mais desejava: no dia 7 de agosto, Johnson conseguiu poderes para
conduzir a intervenção no Vietnã, dentro da premissa de que os Estados Unidos estariam
ajudando um país ameaçado pelo comunismo. Começavam os bombardeios ao Vietnã do Norte
- a chamada “Operação Rolling Thunder- , e a televisão norte-americana mostrava um
bombardeio aéreo e todo o seu impacto.
382
No Brasil, a situação política interna acabaria por interferir na cobertura do
Incidente de Tonquin. As ações de março/abril e os expurgos feitos pelos militares nos meses
seguintes ao golpe monopolizaram o espaço na grande imprensa. Nos momentos iniciais do
golpe, a pregação anticomunista e o fim da “bagunça” administrativa do governo Goulart foram
retratados com grande euforia. Com o anticomunismo ainda em evidência, a cobertura do
Incidente de Tonquin não poderia escapar dessa lógica.
A Folha de S. Paulo começou com um destaque cauteloso, no dia 4 de agosto,
até por que as notícias ainda não eram inteiramente confiáveis. No dia 5, não restavam mais
dúvidas: barcos norte-americanos foram atacados por lanchas de guerra norte-vietnamitas, o que
fizera com que os norte-americanos bombardeassem o Vietnã do Norte e anunciassem que
medidas de contenção ao comunismo seriam tomadas no Vietnã do Sul.
383
No dia 6, a posição
381
- op. cit., p. 78;
382
- informações sobre o Incidente de Tonquin foram extraídas de Tuchman, Barbara W. op. cit;
383
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 05/08/64, p. 1;
do governo brasileiro ganhava primeira página: o Brasil era solidário aos Estados Unidos e
contrário à agressão norte-vietnamita:
“O Itamaraty recebeu ontem à noite carta do presidente
Lyndon Johnson endereçada ao marechal Castelo Branco, expondo a
posição dos Estados Unidos com relação ao Vietnã do Norte. A carta
foi entregue pelo embaixador Lincoln Gordon.
Em declaração oficial, o chanceler Vasco Leitão da
Cunha declarou que o Brasil ‘não faltará com sua solidariedade aos
Estados Unidos’. A crise no Vietnã passou a ser estudada com maior
atenção após o comunicado entregue pelo embaixador Gordon,
devendo o governo brasileiro pronunciar-se a qualquer momento
sobre a questão. O marechal Castelo Branco acompanha atentamente
a crise.”
384
A guerra estava por um fio, destacou a revista Manchete, analisando o Incidente
de Tonquin e a reação norte-americana.
385
A revista Fatos & Fotos também destacaria o
Incidente de Tonquin, descrevendo-o detalhadamente, com inúmeras fotografias, inclusive de
helicópteros (realçando a importância deste aparelho na luta contra a guerrilha).
386
As revistas
Manchete e Fatos & Fotos deram destaque, principalmente fotográfico, aos acontecimentos no
Vietnã - e complemente favoráveis à intervenção norte-americana.
O Medo do Expansionismo Comunista agia sobre nossa imprensa: a China era a
“grande culpada de tudo”, pois havia levado os norte-vietnamitas a lutarem por uma expansão
em que eles não teriam vez, versou o editorial da Folha de S. Paulo do dia 7 de agosto, junto
com manchetes que informavam que tropas chinesas estavam de prontidão, caso os norte-
americanos invadissem o Vietnã do Norte.
387
O editorial começou assim:
A maior responsabilidade pelos acontecimentos no golfo
de Tonquim deve ser debitada à China comunista, que induziu os
vietnamitas do norte a atos gratuitos de provocação capazes de
acender o estopim de uma deflagração de conseqüências
imprevisíveis.”
388
Destacando que a reação norte-americana foi inevitável, o editorial considerava
que os acontecimentos prejudicavam uma nova política norte-americana na região, após as
eleições presidenciais (“Dispunha-se mesmo Johnson, após o pleito, em que conta seja vitoriosa
a sua candidatura, reformular a política dos Estados Unidos referente àquela parte do
384
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 06/08/64, p. 1;
385
- Manchete. Nº 644, Rio de Janeiro, Editora Bloch, 22/08/64, pp. 26-31;
386
- Fatos & Fotos. Nº 185, Brasília, Editora Bloch, 15/08/64, pp. 56-58;
387
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 07/08/64, p. 8;
388
- op. cit.;
mundo.”).
389
Duas alternativas se colocavam: 1ª - a “neutralização” da região, deixando
abandonada para a “dominação chinesa”; 2ª - uma grande ofensiva que neutralizasse as ações
comunistas, podendo-se usar bombas atômicas. Como podemos perceber, para o jornal a
expansão comunista tinha de ser detida de qualquer forma.
O editorial também destacou as divergências entre a China e a União Soviética,
pois os soviéticos estavam tentando uma aproximação com os norte-americanos, dentro da
política de “Coexistência Pacífica”, e atitudes de incentivar provocações produzidas pela China
não seriam aceitas na ordem diplomática mundial. O editorial encerrou argumentando que a
China ainda não tinha artefatos nucleares, o que circunscrevia o conflito vietnamita, mas que
todos os esforços eram necessários “para que a indesejável luta não acarrete maior desgraça: o
emprego de armas nucleares.”
390
O Medo da Terceira Guerra Mundial também se fazia presente
no jornal.
Como ocorreu na cobertura da Guerra da Coréia, o aproveitamento visual não
se limitaria a fotografias: também seriam utilizados mapas da região. A revista Manchete iria
melhorar ainda mais seu estilo fotográfico, assim como a nova Fatos & Fotos.
O Incidente de Tonquin foi a desculpa para a entrada definitiva dos Estados
Unidos no conflito vietnamita - ou, melhor ainda, para institucionalizar a sua intervenção. O
Vietnã faz parte da península da Indochina, no Sudeste Asiático, tendo uma longa tradição de
luta contra interferências estrangeiras e ameaças de fragmentação, mantendo, quase sempre, sua
unidade. Sua população, essencialmente formada por agricultores de religião budista, sempre
cultuaram heróis que lutaram pela independência ou unidade do país. Dominados pelos
franceses no final do século XIX, junto com os vizinhos Laos e Camboja, a região da Indochina
foi transformada em colônia francesa,
391
mas a resistência contra o invasor e colonizador nunca
cessou. Com o início da Segunda Guerra Mundial e da capitulação francesa perante a Alemanha
nazista, os japoneses, aliados dos nazistas, penetraram na Indochina.
392
Em 1941 foi fundado o Viet Nam Doc-Lap Dong Minh, a Liga de
Independência do Vietnã, conhecida pelo nome reduzido de Vietminh.
393
Esse grupo era
formado por elementos nacionalistas, incluindo comunistas - seus fundadores foram Vo Nguyen
Giap, Pham Van Dong e Ho Chi Minh, todos comunistas. Inicialmente lutaram contra os
389
- Idem;
390
- Idem, ibidem;
391
- a colonização francesa na Indochina foi uma das mais impiedosas cometidas por uma grande nação
européia a uma colônia asiática. As regras de submissão eram explícitas. Como exemplo, podemos citar
que o sistema judicial nativo foi substituído pelo instituto penal francês, que tinha o Conselho Colonial da
Cochinchina e os membros vietnamitas, sempre minoria, eram tratados como “representante da raça
conquistada.” Said, Edward W. Cultura e Imperialismo. op. cit.; e Tuchman, Barbara W. op. cit.;
392
- em 111 a.C., os chineses apoderaram-se da região, sendo expulsos em 938 d.C - mais de mil anos de
dominação chinesa. Extraído de Lloyd, Dana Ohlmeyer. Ho Chi Minh. Coleção “Os Grandes Líderes”,
São Paulo, Nova Cultura, 1987;
393
- Morrock, Richard. “Revolução e Intervenção no Vietname.In Horowitz, David (Org.). Revolução e
Repressão. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1969;
japoneses, com auxílio norte-americano, vencendo-os, tomando o país e proclamando a
independência, em 1945. Procurando apoio dos Estados Unidos, os líderes vietnamitas
utilizaram-se de trechos da declaração de independência norte-americana e dos direitos dos
Homem e do Cidadão da Revolução Francesa (numa referência mais do que direta aos seus
colonizadores, ou melhor, aos ex-colonizadores, pelo menos naquele momento) na “Declaração
de Independência da República Democrática do Vietnã”. A independência duraria menos de um
mês.
Discussões sobre a independência da Indochina ocorreram ainda durante a
Segunda Guerra Mundial. O presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt mostrava-se
totalmente contrário à volta francesa na Indochina pois, além de acreditar que o sistema colonial
deveria ser extinto, a administração francesa na Indochina tinha produzido os piores resultados
em termos tratamento humano aos habitantes locais. Mas, como os britânicos pretendiam
retomar suas colônias (e olhavam a relutância de Roosevelt em aceitar a volta francesa na
Indochina como uma crítica direta a eles) e os chineses recusaram-se veementemente a tomarem
o lugar dos franceses na Indochina, a questão foi sendo adiada para depois da guerra. O
presidente Roosevelt morreria e, sem deixar diretrizes escritas sobre suas intenções na
Indochina, liberou o governo Truman a tratar da questão como bem desejasse, o que renderia o
apoio norte-americano aos franceses.
394
Em 1946, depois do fracasso das negociações entre o Vietminh e o governo
francês, este último bombardearia o porto de Haiphong, iniciando as batalhas no que foi
chamado de Primeira Guerra da Indochina.
395
Essa guerra, apesar de ser apenas uma luta
colonial - pois a França apenas queria retomar sua antiga colônia - , acabou entrando num
quadro mais complexo no imediato pós-guerra: para os Estados Unidos, esta era uma luta global
entre o “mundo livre” e a opressão, representada pelo crescimento do comunismo na Ásia. Para
o governo norte-americano não havia dúvidas de que o perigo da colônia francesa tornar-se
comunista era bem mais significativo que suas críticas da sobrevivência do decadente mundo
colonial. Dentro dessa perspectiva, os norte-americanos começariam a financiar o esforço de
guerra francês. A própria França acreditava no seu papel na Guerra Fria.
396
394
- Tuchman, Barbara W. op. cit.;
395
- Tuchman, Barbara W. Idem;
396
- Marc Ferro nos afirma que “Nos tempos da guerra fria, defender a integridade
nacional era manifestar-se contra “a ameaça soviética”, contra o comunismo - análise
que encontrou seu fundamento na guerra da Indochina, pois Ho Chi Minh era membro
do Komitern, antes de 1943, e do Partido Comunista, desde sempre. De modo que, ao
assegurar a defesa do Império, é do Ocidente e da sua civilização que a França passa a
ser a sentinela. Da mesma forma, quando a revolta colonial toma corpo no Magreb, a
defesa da França é apresentada como a salvaguarda da ordem republicana em face da
revolução mundial; é esta, freqüentemente, a posição dos chefes militares, que não
querem “vender por dois tostões” o Império.” Ferro, Marc. op. cit., pp. 353-354;
Mesmo com as notícias passando pelo clivo da censura, a opinião pública
francesa ficou contra a guerra, pressionando o governo e os militares para que saíssem da
Indochina.
397
As forças francesas na Indochina foram derrotadas na batalha de Dien Bien Phu,
em 1954, o que levaria as partes em guerra à mesa de negociações de Genebra, pondo fim à
guerra.
398
Os acordos de Genebra dividiram a península da Indochina em quatro países: Vietnã
do Norte, Vietnã do Sul, Laos e Camboja. A divisão do Vietnã, na altura do paralelo 17, seria
temporária (o norte ficou sob a administração do Vietminh e o sul sob a administração dos
franceses, em caráter temporário, até sua independência). O destino dessa divisão seria decidida
numa futura eleição que indicaria os rumos da reunificação dos dois Vietnãs.
A derrota francesa em Dien Bien Phu e a divisão política da península pelos
tratados de Genebra afastaram os franceses da região, mas não os norte-americanos, que
passaram a defender o Vietnã do Sul contra o comunismo. Mesmo as conversações (e os futuros
acordos) de Genebra receberam oposição do governo norte-americano, que não queriam
qualquer espécie de negociações com comunistas. Apesar disso, não fizeram qualquer tipo de
intervenção nas negociações e apenas deixaram claro que qualquer ação que violasse os acordos
não seria tolerada pelos Estados Unidos, numa advertência direta ao Vietnã do Norte. Dentro
dessas condições, a paz voltou à Indochina. Mas não por muito tempo.
A derrota francesa em Dien Bien Phu e os acordos de Genebra praticamente
fizeram desaparecer a região da Indochina do cenário da imprensa internacional. O governo
comunista do Vietnã do Norte começou a se preocupar com sua situação interna, tentando
aplicar uma política de coletivização na agricultura (que fracassaria), deixando a idéia de
reunificação do país para um momento mais apropriado. Já o Vietnã do Sul tentava sobreviver,
apesar de suas fraquezas. Os Estados Unidos fizeram todos os esforços possíveis para que o
Vietnã do Sul fosse um regime estável, pró-ocidental e que pudesse se defender caso o Vietnã
do Norte resolvesse iniciar uma luta para a reunificação. Inicialmente, a administração do
Vietnã do Sul foi feita pelo presidente Ngo Dinh Diem, administração esta que apresentou
397
- Tuchman, Barbara W. op. cit.; enquanto a Indochina estava sob domínio francês, a censura na
imprensa era exercida pelas autoridades coloniais, principalmente sobre os jornais e revistas da França,
enquanto que publicações de outros países tinham um pouco mais de liberdade. Os riscos eram
consideráveis para os correspondentes de guerra, que poderiam ser expulsos da colônia ou não ter o visto
renovado caso tivessem de sair. Poderiam, inclusive, ser proibidos de abandonar a Indochina, ficando à
mercê das autoridades francesas - torturas, julgamentos “estranhos” e morte eram alguns dos tratamentos
mais tradicionais aos correspondentes rebeldes ou apenas para aqueles que discordassem das diretrizes
destas autoridades. O escritor norte-americano Graham Greene foi correspondente de guerra na Indochina
Francesa, destacando que a polícia “tinha a última palavra: podia cassar minha ordem de circulação,
podia impedir meu comparecimento a conferências de imprensa, podia mesmo, se quisesse, negar-me
autorização para deixar o país. Esses eram os métodos legais correntes, mas a legalidade não era coisa
essencial num país em guerra.” Greene, Graham. O Americano Tranqüilo. São Paulo, Abril Cultural,
1981, p. 17;
398
- quando ainda se desenrolava a batalha de Bien Dien Phu e a derrota francesa era praticamente certa,
chegou a haver pedidos no Congresso dos Estados Unidos para que as posições do Vietminh fossem
bombardeadas com artefatos nucleares, sendo tais pedidos recusados. Schlesinger Jr., Arthur M. Vietnã -
Herança Trágica. São Paulo, Ibrasa, 1967;
características bastante próprias: era corrupta e incompetente, não conseguindo dar estabilidade
ao país, apesar do auxílio norte-americano - este era desviado de seu destino através de
subornos.
399
O governo Eisenhower acabou financiando uma campanha na imprensa norte-
americana para valorizar a capacidade do governo Diem de resolver os problemas internos do
país. Diem seria chamado de “O Homem Miraculoso do Sul” por causa, principalmente, dos
875.000 refugiados que abandonaram o Vietnã do Norte entre 1954 e 1956: alguns, católicos
que haviam ajudado as forças colonialistas francesas; e outros, colonos procurando terras (foram
alojados precariamente nos arredores de Saigon, uma área já muito povoada, aumentando ainda
mais os problemas do país).
400
Em outras palavras: o “abandono” do comunismo realizado por
tais refugiados foi exaltado nas campanhas de propaganda. Mas o “Homem Miraculoso do Sul”
não era tão “miraculoso” como pretendia a propaganda e, apesar desta campanha apresentar
uma imagem positiva de Diem e do Vietnã do Sul, o governo Eisenhower logo estaria
mandando 200 conselheiros militares por volta de 1960. A situação do Vietnã do Sul agravara-
se.
No final da década de 50, os ataques guerrilheiros foram sendo retomados,
infringindo derrotas às forças sul-vietnamitas, que, por sua vez, aumentavam a repressão - e,
conseqüentemente, aumentavam a insatisfação popular contra o regime. Em 1960, foi criada a
Frente de Libertação Nacional (FLN), organização nacionalista (como no Vietminh, nem todos
eram comunistas) que visava a reunificação do país e era apoiada pelo Vietnã do Norte.
401
Os
guerrilheiros da FLN acabariam conhecidos como Exército Vietcong.
402
Todas as iniciativas de guerra foram tomadas pelos vietnamitas. Como
podemos perceber, não foi a China que estava pressionando a crise na região, como argumentou
o editorial da Folha de S. Paulo do dia 7 de agosto de 1964.
A opinião pública e o próprio governo norte-americano não estavam preparados
para a deterioração do governo Diem. Em novembro de 1960, em Saigon, depois de uma revolta
de pára-quedistas do exército do Vietnã do Sul, quando cerca de 400 civis foram mortos antes
dos rebeldes serem dominados, a imprensa norte-americana começou, mesmo que timidamente,
a mostrar interesse no que estaria acontecendo na região.
399
- Morrock, Richard. op. cit.;
400
- Morrock, Richard. Idem;
401
- nacionalista, mas nem tanto. Para o jornalista Jean Lartéguy: “A guerra do Vietnã
do Sul foi sempre dirigida de Hanói. Por necessidades de propaganda, por tática
política, os comunistas vietnamitas quiseram fazer acreditar na existência, no Sul, de um
movimento independente: a Frente Nacional de Libertação.” Latérguy, Jean. Um
Milhão de Dólares por Vietcong. Rio de Janeiro, José Olympio, 1966, p. 30;
402
- este nome é uma versão reduzida de Viet-Nan Cong-San, ou seja, comunista vietnamita. Gigon,
Fernand. USA X Vietcong - as Duas Faces do Conflito. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967;
Outros atos governamentais começaram a chamar a atenção da imprensa. Para
isolar o camponês da guerrilha - ou melhor, do apoio do camponês à guerrilha - , o governo
Diem criou as chamadas “aldeias estratégicas”, ou seja, “agrovilas” que deveriam ter todas as
comodidades possíveis para os seus habitantes, mas que não passavam de campos de
concentração disfarçados.
403
Tais problemas ganhavam as páginas dos jornais do mundo com
cada vez mais freqüência, apesar das dificuldades da produção da notícia na região.
O que se tinha em termos de produção de notícias eram escritórios de grandes
agências internacionais (AP, UPI e a Agência France Press), e alguns correspondentes de
revistas norte-americanas, como a Time e a Newsweek.
404
Era um grupo pequeno de jornalistas
bastante unidos, apesar da intensa concorrência entre si. Tal união devia-se a duas razões
básicas: 1º - o governo Diem, que os credenciava, não via razões para aceitar que
correspondentes estrangeiros escrevessem matérias criticando seus procedimentos
governamentais, o que obrigou os correspondentes a serem um corpo unido contra as represálias
do governo; 2º - o governo Kennedy, que assumiu os Estados Unidos em 1961, aumentou a
ajuda econômica e militar ao Vietnã do Sul, principalmente elevando o número de conselheiros
militares, desejando que tais atividades fossem minimamente conhecidas (ou mesmo
completamente desconhecidas) pela opinião pública mundial, principalmente a norte-
americana.
405
Os correspondentes da grande imprensa internacional, presentes no Vietnã do
Sul, registravam todos os erros e contradições da política norte-americana na região, entrando
em choques diretos com os governos Diem e Kennedy. Para o governo Kennedy, a imprensa,
local ou não, não poderia publicar a participação direta dos “conselheiros” nos combates contra
o Vietcong e notícias que mostrassem as (muitas) insuficiências do governo do Vietnã do Sul.
Apesar de todas as pressões, esses correspondentes passavam informações
diferentes daquelas pretendidas pelo governo Kennedy, fazendo com que este iniciasse pressão
sobre os editores dentro dos Estados Unidos, o que acabou produzindo alguns resultados
práticos: algumas matérias não foram publicadas e outras foram alteradas, principalmente nas
revistas Time e Newsweek. Outros jornalistas seguiram para o Vietnã do Sul tentando dar uma
visão positiva sobre o país, como o experiente correspondente Joseph Alsop, que cobrira a
403
- os camponeses eram arrancados de suas aldeias natais e levados para estas
“agrovilas”, sendo, muitas vezes, obrigados a construir as próprias “residências”, em
regime de escravidão. Existia um grande número de fugas, pois os camponeses
procuravam voltar para suas aldeias originais. As armas da segurança eram voltadas
para dentro das “agrovilas”, ou seja, para impedir a fuga do camponês e não para evitar
a guerrilha. Tuchman, Barbara W. op. cit.;
404
- Knightley, Phillip. op. cit.;
405
- Knightley, Phillip. Idem;
Segunda Guerra Mundial.
406
Apesar destes esforços para encobrir as reais condições do Vietnã
do Sul, notícias contrárias ao “paraíso” oficial eram produzidas e transmitidas, para o
desapontamento do governo Kennedy. Em 1963, a morte em combate de três pilotos de
helicóptero norte-americanos na batalha de Ap Bac, uma derrota humilhante para o Exército do
Vietnã do Sul, fez com que a participação dos “conselheiros” nas próprias lutas se tornasse
impossível de negar.
A batalha de Ap Bac também quebrou o “silêncio” da imprensa brasileira em
relação ao Vietnã, cuja última cobertura de maior relevância ocorrera na derrota francesa na
batalha de Dien Bien Phu, em 1954. O jornal Folha de S. Paulo publicaria uma pequena notícia,
do correspondente da UPI, Neil Sheehan, descrevendo detalhadamente a batalha de Ap Bac,
destacando a vitória do Vietcong e a derrota do Exército do Vietnã do Sul, como também a
morte de soldados norte-americanos, informação esta que envolvia, definitivamente, os Estados
Unidos no conflito da região. O risco de uma guerra total no Sudeste Asiático foi também
mencionado.
407
No Vietnã do Sul a situação ficou ainda pior depois de Ap Bac. A
impopularidade do regime de Diem confirmou-se na crise do governo com os budistas. Depois
de alguns confrontos violentos entre as forças de Diem e seitas budistas, no dia 11 de junho de
1953 aconteceu um fato marcante: um monge budista ateou-se fogo.
408
O choque estenderia-se
para o mundo: a fotografia deste incidente, tirada por Malcowm Browe, seria uma das mais
famosas do século XX, colocando o Vietnã nas primeiras páginas dos jornais do mundo
inteiro.
409
A imprensa brasileira não seria exceção: a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo
destacariam, mesmo que de forma mediana, o protesto do monge budista, explicando a situação
do Vietnã do Sul, seu governo e seus problemas com a guerrilha e, logicamente, com os
budistas.
410
A insatisfação do governo Kennedy em relação a Diem tornou-se total. Apesar
de manifestar-se sempre a favor de Diem nas entrevistas para a mídia, Kennedy mandou retirar
cerca de mil conselheiros militares, deixando em aberto a possibilidade de retirar, a médio
prazo, todos os conselheiros e a ajuda econômica e militar para o Vietnã do Sul.
411
Nunca ficou
claro se esta medida de Kennedy era uma iniciativa para retirar definitivamente os Estados
Unidos do “atoleiro” vietnamita ou simplesmente para pressionar Diem a fazer reformas
democráticas e garantir a segurança do país, mas os resultados tornaram-se fatais: assustaram os
406
- Knightley, Phillip. Idem, ibidem;
407
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 04/01/63, p. 2; O Estado de S. Paulo. São Paulo, 05/01/63, p. 4;
408
- informações sobre o monge budista extraídas de: Arnett, Peter. Ao Vivo do Campo de Batalha - do
Vietnã a Bagdá, 35 Anos em Zonas de Combate de Todo o Mundo. Rio de Janeiro, Rocco, 1994;
409
- Arnett, Peter. op. cit.;
410
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 12/06/63, p. 2;
411
- Schlesinger Jr., Arthur M. Mil Dias - John Fitzgerald Kennedy na Casa Branca. V. 2, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1966;
defensores ferrenhos da Guerra Fria em Washington, que se convenceram de que Kennedy não
lutaria até o fim no Vietnã do Sul; e desarticularam o regime de Diem, abrindo espaço para
conspirações.
412
Ainda em 1963, Diem não resistiu às pressões, sendo deposto e morto.
Kennedy, que não autorizara (ou desautorizara) o golpe, jamais se conformou com a morte
Diem.
A questão vietnamita começou, definitivamente, a ser objeto de análises da
imprensa brasileira. O Medo da Terceira Guerra Mundial, ainda com os ecos da crise de
mísseis de Cuba e com o crescimento da guerrilha em escala global, acabariam por destacar a
situação no Sudeste Asiático. A revista Fatos & Fotos publicaria, em 20 de fevereiro de 1964,
matéria sobre as possibilidades de uma Terceira Guerra Mundial, onde a região dos dois Vietnãs
seria o “foco mais perigoso”.
413
A reportagem mostrou dez regiões de risco para uma eventual
guerra mundial, a saber: Vietnã, Laos (a revista utilizou-se da grafia “Laus”), Tailândia,
Indonésia, Congo, Chipre, Berlim, Angola (ficando independente de Portugal), Oriente Médio e
Cuba. Com a morte de Diem e os constantes golpes de estado, o Vietnã do Sul ganhou um
destaque mais relevante dentro desta reportagem.
414
Dentro desta mesma linha, a revista Manchete publicaria, em 14 de março de
1964, uma reportagem sobre os problemas no Sudeste Asiático, em particular no Vietnã, e sobre
a maneira como os Estados Unidos estavam enfrentando a situação - enviando auxílio
econômico e militar.
415
O que tais reportagens insinuavam que estava prestes a ocorrer,
simplesmente a Terceira Guerra Mundial, não chegaria a ocorrer, mas os acontecimentos
precipitariam-se no Vietnã do Sul.
Em 29 de janeiro de 1964, a junta que derrubou Diem, liderada pelo general
Duong Van Minh, foi derrubada e o poder ficou com o general Nguem Kahn. A Folha de S.
Paulo publicou matéria sobre esse golpe de estado, argumentando que sua origem se dava ainda
em 1963, na derrubada de Diem. O papel dos budistas na sociedade vietnamita era muito
intenso ainda, juntando a isso a presença da guerrilha Vietcong. O artigo destacou os impasses
do governo Diem (“Budismo de um lado. Vietcongs, comunistas do outro. Diem no centro das
ações.”), sua queda (informando que ele e seu irmão teriam se suicidado, quando, na verdade,
ambos foram assassinados) e os problemas da junta que o substituiu, sendo que esta tentou ficar
numa posição neutralista, tentando negociar com o Vietcong e com o Vietnã do Norte.
416
Um mês depois do assassinato de Diem, John Kennedy também encontraria a
morte ao ser assassinado em Dallas, sendo substituído pelo vice-presidente Lyndon Johnson,
que aplicaria uma política mais radical na questão vietnamita. Logo, Johnson ordenou que
412
- Tuchman, Barbara W. op. cit.;
413
- Fatos & Fotos. Nº 212, Brasília, Editora Bloch, 20/02/64, p. 11;
414
- op. cit., pp. 58-65;
415
- Manchete. Nº 621, Rio de Janeiro, Editora Bloch, 14/03/64, pp. 12- 17;
416
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 14/02/64, p. 2;
aviões, secretamente, recolhessem informações sobre o Vietnã do Norte e iniciasse pequenos
atos de sabotagem no país.
417
A situação do Vietnã do Sul era a pior possível, já que poderia ser
dominado pelo Vietcong em questão de meses. O Incidente de Tonquin fez com que os Estados
Unidos entrassem definitivamente na guerra.
Mas antes de agir com mais rigor no Vietnã, Lyndon Johnson teria de ganhar as
eleições de 1964. Seu adversário, o senador Barry Goldwater, era considerado um “falcão” por
suas posições belicistas - ele prometia enfrentar o comunismo com armas nucleares, inclusive
no Vietnã. O belicismo de Goldwater assustou o público norte-americano e o publicitário
responsável pela campanha de Johnson, Tony Schwartz, aproveitou-se desse sentimento.
O comercial da campanha de Johnson consistia numa menininha loira que
arrancava as pétalas de uma margarida, contando devagar até nove. A cena é congelada,
iniciando-se uma contagem regressiva, com a aproximação da imagem congelada da menina até
dentro do seu olho. Ao chegar ao número zero, mostrou-se uma explosão nuclear e, enquanto o
cogumelo típico desta explosão vai se dissipando devagar, o comercial anuncia:
“É isso que está em jogo: fazer do mundo um lugar onde
as crianças possam viver, ou morrer. Temos que amar uns aos outros,
ou então morreremos.”
A imagem, então, fica escura, com os dizeres “Vote no Presidente Johnson em
3 de Novembro. Há muita coisa em jogo para você ficar em casa.”
418
O comercial foi um sucesso e auxiliou na vitória esmagadora de Lyndon
Johnson nas eleições de novembro de 1964. Como podemos perceber, a presença da mídia,
principalmente da televisão, ganhou aspectos dramáticos na vida política norte-americana e
mundial, pois as novas técnicas de publicidade começariam a ser utilizadas largamente, o que
modificaria a maneira de se ver e de se fazer política - a propaganda e suas técnicas iriam
interferir no próprio conteúdo político, sendo impossível fazer política sem utilizar-se da mídia
(eletrônica, em particular). Johnson teria seus contratempos com este comercial nos anos
seguintes, pois, quando os Estados Unidos já estavam totalmente mergulhados na crise
vietnamita, sempre surgia algum pacifista ou crítico da guerra utilizando este comercial como
argumento para que se lutasse pela paz.
Depois dos primeiros bombardeios ao Vietnã do Norte, o governo norte-
americano os suspendeu temporariamente, esperando abrir negociações, e, assim, acabou
também tirando o Vietnã das manchetes, pelo menos por um pequeno período de tempo. No
mesmo mês de agosto, os problemas do Vietnã deixaram lugar para o Chipre, que também
417
- Tuchman, Barbara W. op. cit.;
418
- comercial foi apresentado no segundo programa da série O Poder e a Mídia, apresentado pela Rádio e
Televisão Cultura de São Paulo em 1995. O Poder e a Mídia. Documentário, Inglaterra, BBC, escrito e
dirigido por Laurence Rees, 1992.
enfrentava problemas com os comunistas locais. O Vietnã “sai de cena” das manchetes dos
jornais e revistas, temporariamente.
***
As guerras receberam no seu início uma cobertura da imprensa brasileira
bastante anticomunista, tendência que seria intensificada na cobertura da Guerra da Coréia, mas
que seria alterada no decorrer da Guerra do Vietnã. Não que os veículos fossem defender o
comunismo (alguns deles efetivamente iriam fazê-lo): mas as questões envolvendo o Vietnã
ganhariam novas matrizes e problemas, deixando sua cobertura mais variada do que a cobertura
da Guerra da Coréia. A complexidade política da Guerra do Vietnã e a presença de uma
imprensa mais sofisticada, principalmente no número de veículos e na qualidade das
tecnologias, justificariam tais alterações. Mas, no início da Guerra do Vietnã, a cobertura foi
quase idêntica à cobertura da Guerra da Coréia.
Devemos destacar que, quando realizamos a comparação da cobertura realizada
pela imprensa brasileira com a historiografia, não estamos tentando dizer que a imprensa fez
uma construção noticiosa mentirosa: a imprensa acreditava realmente no que construía e
apresentava; sua visão das guerras estava impregnada dos imaginários do seu momento. A
defesa intransigente do anticomunismo era uma estratégia de lutas políticas que a imprensa
utilizava, mesmo que de maneira exagerada em alguns casos.
As diferenças imagéticas começaram a marcar a diferença das coberturas.
Grande parte das matérias sobre a Guerra da Coréia foram praticamente compostas por textos,
com o mínimo de fotos (as primeiras fotos do conflito chegaram uma semana depois, como
vimos). Já podemos perceber uma considerável alteração em comparação com a cobertura da
Guerra do Vietnã, pois as fotos desta última chegaram mais rápido (a do monge budista
imolando-se em fogo chegou em menos de um dia para o ocidente) e a televisão já participava
de maneira mais contundente.
Grandes Acontecimentos das Guerras
O típico “material” de uma guerra desejado pela imprensa são as grandes e
dramáticas batalhas (mesmo quando não são grandes ou dramáticas), as grandes lideranças
(mesmo quando os “grandes líderes” não são, necessariamente, grandes) e, infelizmente, os
grandes massacres (que são, invariavelmente, grandes e sangrentos). As duas guerras
forneceram bastante “material” para a imprensa mundial, inclusive para a brasileira.
Iremos destacar, neste capítulo, apenas algumas batalhas, alguns grandes
homens e alguns massacres.
Inchon
A Organização das Nações Unidas prontificou-se a montar uma força única
para combater na Coréia, iniciativa aprovada imediatamente pela Folha da Manhã, pois a
“significação que assim se emprestaria à reação das
potências democráticas seria a de uma verdadeira cruzada
internacional em defesa de um Estado injustificadamente agredido
com objetivos de conquista e expansionismo.”
419
A rápida resposta do “mundo democrático” contra a expansão comunista
também foi ressaltada positivamente pelo jornal:
“O episódio dramático e sangrento da Coréia, cujo
desfecho o mundo todo aguarda com ansiedade, demonstra,
entretanto, uma verdade que deverá contribuir pra refrear os ímpetos
agressivos e expansionistas de Moscou: a pronta resposta dada a esse
atentado à paz mundial por quarenta nações livres, dispostas a
cooperar, sob a égide da ONU, para expulsar os norte-coreanos do
território invadido.”
420
Enquanto as forças da ONU ainda estavam sendo montadas, algumas forças
norte-americanas já estavam em ação na Coréia. No dia 7 de julho, O Estado de S. Paulo
destacou que foi “Ordenado por Truman o Bloqueio Naval de Toda a Coréia” e, acompanhando
a matéria, também foi publicada uma fotografia sobre o porto de Fuson, “o único que resta para
o desembarque de tropas e materiais norte-americanos”.
421
A existência de apenas um único
porto para um eventual desembarque das forças norte-americanas demonstrava o quanto as
forças norte-coreanas já tinham, efetivamente, conquistado territorialmente quase toda a Coréia
do Sul.
Ainda nesse dia, a ONU criou o comando unificado na Coréia - o Comando da
ONU - , e pediu a nomeação de um oficial norte-americano para chefiá-lo. O presidente Harry
Truman, então, nomeou o general Douglas MacArthur para ser o comandante-chefe das forças
da ONU na Coréia.
419
- Folha da Manhã. São Paulo, 06/07/50, p. 4;
420
- op. cit.;
421
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 07/07/50, p. 1;
Logo, os acontecimentos do front ficariam mais dramáticos: no dia 8 de julho,
O Estado de S. Paulo destacou que “Truman Autoriza a imediata convocação de 600.000
Homens”. Na manchete menor, a “torcida” do jornal exagerou outra vez: “Consolidam-se as
Linhas Norte-Americanas”, e, para demonstrar o seu argumento, também foi apresentado um
mapa para demonstrar as linhas dominadas pelas forças norte-americanas.
422
Nada mais ilusório
e enganador, pois a iniciativa da guerra ainda estava nas mãos dos norte-coreanos. No dia
seguinte, o mesmo jornal voltou a apresentar uma visão exageradamente otimista: “Favoráveis
aos Coreanos do Sul as Notícias de Última Hora”.
423
Não existia nada de favorável aos
“Coreanos do Sul” naquele momento, sendo que o jornal desejava que a situação estivesse
menos desfavorável aos sul-coreanos.
A imprensa cobriu os muitos fiascos militares norte-americanos desse início de
campanha, sem censura, pois ela simplesmente não existia. Havia um código voluntário para o
noticiário de guerra visando preservar o sigilo militar. Mesmo assim, neste momento inicial da
guerra a cobertura foi livre.
424
Essa liberdade, entretanto, foi curta. O exército e o quartel-
general do general MacArthur acusaram a imprensa e os correspondentes de “traidores” e
começaram a impor as primeiras dificuldades para o trabalho da imprensa. Como o desempenho
das forças norte-americanas nesse início de guerra não era mais do que medíocre, o alto-
comando militar não queria que tal fracasso fosse espalhado mundialmente pela imprensa.
425
Um código voluntário para a imprensa foi criado e, depois, ampliado pelo exército para proibir
quaisquer críticas a decisões tomadas pelos comandantes. Tal situação era delicada para os
correspondentes, pois eles dependiam do exército para as comunicações, transportes,
alojamentos, coisas muito difíceis de serem conseguidas na Coréia. O material produzido pelos
correspondentes começou a ser menos crítico e mais favorável para as forças norte-americanas,
pelo menos nas publicações enviadas para os Estados Unidos. A cobertura da guerra realizada
pela imprensa da Inglaterra apresentava diferenças brutais em relação à cobertura realizada pela
imprensa norte-americana - os ingleses e suas publicações não perdoavam os erros de
MacArthur.
426
A revista O Cruzeiro, na página 4 do número 41, publicou um artigo do
colunista Rego Costa que expôs o seu anticomunismo ao criticar o embaixador russo nos
Estados Unidos, Andrei Gromyko:
422
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 08/07/50, p. 1;
423
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 09/07/50, p. 1;
424
- Knightley, Phillip. A Primeira Vítima. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978;
425
- dois correspondentes, Tom Lambert (da Associated Press) e Peter Kalischer (da United Press),
tiveram de sair da Coréia e, quando tentaram voltar, foram proibidos de retornar ao país. Depois de
inúmeros protestos, os dois foram liberados pelo próprio MacArthur que lembrou aos dois
correspondentes (e a todos, de um modo geral) da sua “importante responsabilidade na questão da guerra
psicológica”. Knightley, Philip. op. cit., p. 426;
426
- Stone, I. F. The Hidden History of the Korean War. Nova Iorque, Monthly Review Press, 1952;
“O comunismo - é notório - é um germe que brota com
viço excelente dentro do lâdo da ignorância. A ignorância é a
segueira (sic) branca dos povos, a cegueira de quem não pode ver
além dos próprios limites, de quem não sabe distinguir por si o erro
da razão, a justiça da maldade, a verdade da mentira.
Há um provérbio que mistura às mil maravilhas todos
esses ingredientes: ‘Ai de quem ensina o caminho errado ao cego!’
Esse provérbio - é russo. Gromyko precisa meditar
nêle.”
427
Mas o grande destaque desse número não foi para a cobertura da guerra, mas
sim para a derrota da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo, realizada no Brasil em
1950.
428
Devemos salientar que a Copa do Mundo havia monopolizado grande parte da
produção da imprensa brasileira e do interesse do público de um modo geral, apesar da
guerra.
Nesse mesmo número, a coluna de Drew Pearson, “Carrossel do Mundo”, uma
das mais significativas seções da revista O Cruzeiro, realizou uma análise sobre o
expansionismo comunista na Coréia, no Irã e em Formosa, argumentando que, caso o “golpe”
da União Soviética fracassasse na Coréia, a “compensação” poderia ser um Irã comunista e na
consolidação do comunismo chinês em Formosa, sendo que tais situações seriam inaceitáveis
para os Estados Unidos e para o mundo ocidental.
429
Pearson reafirmou que o momento era
tenso ao destacar as palavras do secretário de Estado dos Estados Unidos, Acheson:
“A nossa situação é semelhante à de dois garotos que
estão discutindo. Um deles, depois de muito atormentado pelo outro,
diz de repente, traçando com o pé um risco no chão: ‘Passe este risco
e veja o que lhe acontecerá!’ Já é tempo de fazermos isso com a
Rússia!”
430
Inchon foi a “ultrapassagem do risco” dos Estados Unidos na Coréia. Com uma
manobra militar ousada, a guerra mudara de fase, com as forças do comando da ONU tomando
a iniciativa estratégica e colocando as forças norte-coreanas na defensiva. O desembarque de
Inchon ou a “vitória impossível”, como esta operação militar se tornou conhecida, foi um
grande sucesso para MacArthur.
431
Em compensação, a cobertura dos correspondentes de guerra da “vitória
impossível” foi um desastre. Com exceção de quatro chefes de agências internacionais
(convidados pessoais de MacArthur a bordo do seu navio de comando, McKinley), que
receberam tratamento especial, os outros correspondentes tiveram todo o tipo de
427
- O Cruzeiro. Nº 41, Rio de Janeiro, 29/07/50, p. 4;
428
- op. cit.;
429
- Idem, p. 70;
430
- Idem, ibidem;
431
- s/A. “Vitória Impossível MacArthur Desembarca em Inchon.” In Coleção “Guerra na Paz”. V. 3,
Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1984;
inconvenientes.
432
Embora o segredo fosse fundamental para a operação, todos nas bases de
comando sabiam o que iria acontecer - a operação era conhecida pelos correspondentes em
Tóquio, zombateiramente, como “Operação do Conhecimento Geral” - , e, quando ela começou
realmente, foi feita sem consultar as necessidades dos correspondentes.
433
As dificuldades impostas por MacArthur para os correspondentes de guerra foi
analisada na coluna de Drew Pearson para O Cruzeiro. No seu artigo “MacArthur e os
Correspondentes de Guerra”, o autor justificou as razões dessa censura, relacionando-as aos
problemas no desenvolvimento da guerra e da necessidade de sigilo para certas operações.
434
O
general MacArthur, apesar de todas as imposições e barreiras implantas pelo próprio, ainda
tinha um grande apoio da imprensa norte-americana.
Apesar das todas as dificuldades encontradas pelos correspondentes, a batalha
de Inchon recebeu intensa cobertura da imprensa. O Estado de S. Paulo, que sempre havia
defendido um contragolpe das forças da ONU conseguiu, no mesmo dia dos desembarques em
Inchon, publicar o que tanto defendera: “Preparação da Contra-Ofensiva”. Numa manchete
menor foi destacado a real importância da escalada de guerra das forças da ONU: “Tremendo
Bombardeio sobre o Maior Porto da Coréia - Vasos de Guerra e Aviões da ONU Desferem
Arrasador Ataque Contra o Porto de Inchon”. A notícia era muito importante e, para explicar
melhor o desenvolvimento da ofensiva, foi publicado, junto a ela, um pequeno mapa da Coréia -
fotos sobre o desembarque de Inchon ainda demorariam para chegar.
435
O Correio da Manhã também destacou a batalha de Inchon. No dia 15 de
setembro foi publicado a matéria “Tremendo Bombardeio Aero-Naval de Inchon”, cujo
subtítulo era também bastante expressivo: “Os vermelhos temem agora uma velha tática de
MacArthur: desembarques à retaguarda.” O uso do termo “vermelhos”, denotando um sentido
pejorativo aos comunistas, não era, de forma alguma, neutro e o Correio da Manhã jamais
escondeu seu anticomunismo.
Ainda no Correio da Manhã, o editorial do dia 16 de setembro, denominado
“Cartada”, destacou a ousadia do desembarque de Inchon e que a guerra deveria ser estendida
ao Norte:
“Mac Arthur é tão norte-americano como os fabricantes
de automóveis: gosta de desembarques em série... Se o primeiro dá
resultado, o segundo não tarda. E o segundo, pelo jeito que o
primeiro levou, poderia bem efetivar-se acima do paralelo 38. Aquilo
a que a Rússia chama ‘o seu prestígio’, aquilo com que ela e seus
seguidores chamam ‘o seu moral’, tudo isso sofrerá um choque
432
- Knightley, Phillip. op. cit.;
433
- o resultado da desorganização foi que a primeira leva de correspondentes que acompanharam as
tropas de desembarque trabalhavam para revistas (com prazos de entrega de material mais extensos),
enquanto que os correspondentes de jornais diários (de prazo imediato) chegaram três dias depois às
praias. Knightley, Phillip. Idem;
434
- O Cruzeiro. Nº 46, Rio de Janeiro, 02/09/50, p. 72;
435
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 15/09/50, p. 1;
irreparável no dia em que a liberdade reinar na Coréia. É pois certo
que desesperadamente procurará Moscou remediar ou camuflar esses
males. Como? Aonde? A cartada de Mac-Arthur força, a curto prazo,
uma resposta a essas perguntas. E as respostas não podem ser muitas,
mas podem, algumas, ser muito graves.”
436
O curioso da cobertura do Correio da Manhã foi que, ao contrário dos outros
jornais, que destacaram Inchon totalmente, este preferiu mostrar a campanha do candidato
Brigadeiro Eduardo Gomes contra Getúlio Vargas. O destaque de capa do dia 17 de setembro
foi uma matéria sobre os “44 Mil Quilômetros” percorridos pelo candidato, incluindo um mapa
do Brasil apresentando o percurso.
437
Além do anticomunismo, o jornal militava assiduamente
também o “antivarguismo”.
Mas os outros meios privilegiaram Inchon. A abertura de uma frente pelas
forças da ONU também contou com apoio da Folha da Manhã, como podemos perceber pelo
editorial “A Segunda Frente Coreana”, publicado no dia 16 de dezembro. O editorial elogiou a
iniciativa das forças anticomunistas na Coréia e, logicamente, não deixou de criticar os
soviéticos (e, como foi comum de acontecer nesta cobertura de guerra, o jornal não se referiu
aos norte-coreanos):
De qualquer maneira, tudo indica que começou realmente
a guerra na Coréia, do ponto de vista das nações democráticas.
Passados os instantes iniciais de surpresa, a segunda frente foi
aberta. Como aconteceu na Europa, queremos crer que seja o começo
do fim, para as forças totalitárias que o Kremlin instigou a uma
aventura insensata.
438
As comparações entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Coréia ainda
eram mencionadas:
Não foi sem motivos, pois, que o desembarque de Inchon
causou verdadeiro pânico entre os extremistas. A ‘nova Dunquerque’,
que se teria talvez positivado se os comunistas conseguissem manter a
sua ofensiva, parece ter-se transformado assim, para eles, em uma
espécie de armadilha, em que se vêem agora ameaçados de
extermínio.
439
Ainda no dia 16 de setembro O Estado de S. Paulo publicou uma matéria, cuja
manchete era “Quarenta Mil Soldados da ONU Desembarcam em Inchon Protegidos pelo Fogo
436
- Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 15/09/50, p. 8;
437
- Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 17/09/50, p. 1;
438
- Folha da Manhã. São Paulo, 16/09/50, p. 4;
439
- op. cit.;
de 261 Vasos de Guerra”, junto com uma fotografia (de arquivo) do porta-aviões “Missouri”.
440
MacArthur era visto como um grande e incontestável herói do mundo democrático. Rego da
Costa, na sua coluna no O Cruzeiro, “MacArthur, o Senhor do Pacífico”, teceu vários elogios ao
general:
Atualmente, o mundo sabe que o veterano General está
nas linhas de frente da Coréia. Até o presente momento, a bandeira
americana ainda não se coroou de grandes vitórias; (...). Todavia, o
largo crédito de que dispõe o estrategista renomado de Bataan, o
portador da Legião de Honra da França, recebida das mãos do
próprio Maginot - servem-lhe de abono par a esperança lisonjeira de
um jeito de armas digno de figurar ao lado das grandes manobras da
História.
441
A propaganda de MacArthur estava funcionando plenamente e, com a vitória
em Inchon, sua popularidade aumentou ainda mais.
No dia seguinte, O Estado de S. Paulo confirmou o sucesso da ofensiva de
Inchon: “Enquanto as Forças da ONU Entram na Capital da Coréia Desencadeia-se a Ofensiva
Geral no Sul da Península”, com fotografia (de arquivo) do responsável pelos ataques, o general
Walton Walker.
442
O editorial dessa mesma edição, “Em Marcha as Forças da ONU”, elogiou a
ação militar das forças da ONU:
“... veremos que os fuzileiros navais que assaltaram as
praias de Inchon não só vieram por termo à agressão comunista
norte-coreana e libertar a península em guerra, mas também feriram,
em sua verdadeira fonte, a inspiração do espírito agressivo e
libertaram a humanidade do sentimento de angústia que, por força,
haveria de dominá-la enquanto não visse retrocederem os inimigos
ostensivos e ocultos das Nações Unidas. Numa palavra, Mao Tse e,
sobretudo, Stálin terão encontrado, nas últimas 24 horas, farta
matéria para meditações.
443
O avanço das forças da ONU fez com que as notícias e editoriais do O Estado
de S. Paulo ficassem ainda mais otimistas em relação à ação das forças da ONU. No dia
primeiro de outubro, o destaque do jornal foi para a manchete “Capitulação Imediata da Coréia
do Norte, exige MacArthur”, e, em manchete menor, relatou que “A Artilharia da ONU Dispara
contra o Território Norte-Coreano”.
444
A guerra, para o jornal, estava praticamente decidida.
O Medo da Terceira Guerra Mundial também estava presente na imprensa,
apesar da “euforia anticomunista” verificada depois da vitória das forças da ONU em Inchon. O
440
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 16/09/50, p. 1;
441
- O Cruzeiro. Nº 48, Rio de Janeiro, 16/09/50, p. 4;
442
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 17/09/50, p. 3;
443
- op. cit.;
444
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 01/10/50, p. 1;
perigo de uma guerra nuclear ainda era sentido e tal presença ganharia uma crônica de Raquel
de Queiroz em O Cruzeiro, denominada “A Atomica”.
O medo da própria palavra “atômica” perturbava a cronista:
“É assim que a chamam na Itália, numa só palavra
concisa e impressiona: L’”Atomica”. Tem personalidade como coisa
viva talvez como um espírito mau. Até seu nome faz medo e a
gente evita dizê-la. Do mesmo jeito que não se diz o nome do príncipe
das trevas e se fala a respeito dele por circunlóquios com medo de
que o maldito, se ouvindo chamado, ocorra.
E como faz medo, Senhor, como faz medo!”
445
As fortes imagens da bomba atômica em ação foram utilizadas pela cronista
para realçar o clima de medo e de terror que esta mesma bomba estava produzindo no momento:
“(...) L’Atomica hoje é o símbolo universal da guerra.
Tudo canhões e bazookas, e generais e submarinos tudo é
simbolizado pela palavra terrível e menos ainda do que pela palavra,
pelo desenho do cogumelo de fogo, sobrevoando uma cidade ou um
exército.”
446
A euforia do avanço das forças da ONU sobrepujava qualquer risco de uma
guerra atômica. No dia 22 de outubro, O Estado de S. Paulo publicou a matéria “Sob o Cerco
Aliados Grande Parte das Forças Norte-Coreanas” e em manchete menor: “Proxima-se (sic) o
Fim da Guerra”, afirma MacArthur”.
447
Logo, o cerco é fechado: no dia 24, o mesmo jornal
publica matéria com o título: “Os Norte-Coreanos Estabelecem sua Última Linha de Defesa”.
448
As forças da ONU já estavam no território da Coréia do Norte.
O avanço das forças da ONU foi interrompido. O mesmo O Estado de S. Paulo
publicou, no dia 25 de outubro, uma alteração no tom otimista das manchetes: “Aviões da ONU
Atacados pela Artilharia Chinesa”.
449
A guerra mudava de foco.
A Entrada da China na Guerra da Coréia
O objetivo básico das forças da ONU, quando da sua criação, era o de repelir a
invasão sofrida pela Coréia do Sul e obrigar as forças invasoras da Coréia do Norte a recuarem
até o paralelo 38. Tal objetivo estava sendo realizado com sucesso, pois o avanço das forças da
445
- O Cruzeiro. Nº 51, Rio de Janeiro, 07/10/50, p. 130;
446
- op. cit.;
447
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 22/10/50, p. 1;
448
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 24/10/50, p. 1;
449
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 25/10/50, p. 1;
ONU era incontestável: o exército norte-coreano, aparentemente, estava em frangalhos e não
oferecia maiores resistências.
Uma curiosa reunião entre Truman e MacArthur ocorreu na ilha de Wake. Os
dois homens nunca tinham se encontrado até então e, pelo ponto de vista de Truman, seria uma
forma de “dominar” MacArthur. Mas os resultados dessa reunião não foram os esperados por
Truman (que viajou 12 mil milhas para ter apenas uma hora de entrevista): MacArthur
convenceu o presidente de que os chineses não entrariam em combate contra as forças da ONU,
mesmo numa invasão destas na Coréia do Norte. Implicitamente, MacArthur entendeu que
Truman o estaria “liberando” para atacar a Coréia do Norte.
450
Mas a derrocada das forças comunistas era apenas aparência. O rápido avanço das
forças da ONU deveu-se, primordialmente, por não encontrar resistência: as forças norte-
coreanas recuavam rapidamente, evitando grandes contatos com o inimigo, reagrupando-se na
retaguarda e preparando-se para futuras ofensivas. Logo, as forças norte-coreanas se
deslocariam para dentro do território chinês.
451
O apoio chinês aos norte-coreanos tornaria-se
mais evidente a partir deste momento da guerra.
O governo de Pequim assistia o avanço das forças da ONU dentro do território
da Coréia do Norte com preocupação. Dentro da lógica da Guerra Fria, os chineses estavam
encarando o outro lado (no caso, os Estados Unidos e seus aliados) como um inimigo ardiloso,
perigoso e sempre desejando a sua destruição.
452
Nesse sentido, Stalin nem precisava criar um
450
- de acordo com E. N. Dzelepy: “As informações procedentes de várias fontes norte-americanas
afirmavam que em Wake se adotara uma decisão acerca da distância a que se manteriam das fronteiras
manchu e russa as forças das Nações Unidas. Essas informações eram interessantes, sobretudo, porque
indicavam que a questão da Manchúria fora examinada na entrevista de Wake. Mas o verdadeiro
resultado desse exame viu-se alguns dias mais tarde, depois do regresso de Mac Arthur à Tóquio: a 21 de
outubro impartia ordem às suas tropas de alcançar, o mais rápido possível, a fronteira da Manchúria.”
Dzelepy, E. N. “Porque se luta em Coréia Mac Arthur e a Questão da Coréia/O ‘Pearl Harbour de
Mac Arthur.” In Dzelepy, E. N. e Stone, I. F. A Verdade sobre a Guerra da Coréia. Rio de Janeiro,
Editorial Andes, s/D, p. 86;
451
- Dzelepy, E. N. op. cit.;
452
de acordo com Henry Kissinger: “A Mao Tse-tung, recém saído do seu triunfo na guerra civil chinesa,
as declarações de Truman estavam fadadas a parecer como a imagem espelhada da apreensão da América
de uma conspiração comunista: ele interpretou-as como o passo inicial de uma tentativa americana de
reverter a vitória comunista na guerra civil chinesa. Ao proteger Taiwan, Truman apoiava aquilo que a
América reconhecia como o governo legítimo chinês. O programa aumentado de ajuda no Vietnã pareceu
a Pequim como um cerco capitalista. Tudo contribuiu para fornecer a Pequim o estímulo de fazer o
oposto daquilo que a América consideraria desejável: Mao tinha razões para concluir que, se ele não
parasse a América na Coréia, talvez tivesse que lutar contra a América em território chinês; na melhor das
hipóteses, ele não teve nenhum outro motivo para pensar de outra maneira.” Kissinger, Henry.
Diplomacia. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1997, pp. 567-568; os chineses sempre desconfiaram dos
norte-americanos. As grandes guerras enfrentadas pelos chineses contra o imperialismo inglês quase
sempre foram mediadas pelos Estados Unidos que sempre tiravam grandes vantagens para os ingleses e
para si, estimulando o ódio dos chineses em relação aos Estados Unidos. Kennan, George. American
Diplomacy. Nova Iorque, Mentor Book, 1951;
clima de “atrito” entre os Estados Unidos e a China, pois os governantes chineses acreditavam
que seu país estava sendo ameaçado pelos Estados Unidos.
453
Alguns dias depois da invasão das forças sul-coreanas no território da Coréia do
Norte, a Assembléia Geral da ONU votou a favor da restauração da paz e da segurança em toda
a Coréia - dando aprovação tácita à entrada das forças da ONU na Coréia do Norte. E,
oficialmente, em 9 de outubro, as tropas norte-americanas cruzavam o paralelo. Entretanto,
antes mesmo desta resolução, MacArthur já havia mandado as forças da ONU invadirem a
Coréia do Norte - mais uma vez o general tinha tomado a dianteira e tomado uma decisão
importante sem consultar o presidente Truman ou a ONU. Restou para estes dois últimos apenas
confirmarem um fato já consumado.
454
A resposta chinesa viria por volta do dia 25 de outubro.
Deste momento em diante, as forças da ONU começariam a ser rechaçadas por tropas chinesas.
A ofensiva chinesa na Coréia pegou de surpresa a imprensa brasileira. A
manchete principal da Folha da Manhã do dia 28 de outubro demonstrou a tensão do momento:
“Anunciada a Penetração de Poderosos Contigentes
Comunistas Chineses no Território Norte-Coreano - Quarenta mil
soldados procurariam impedir a ocupação das usinas hidroelétricas
do rio Yalu pelos aliados.”
455
Havia muitas dúvidas sobre o caráter e a extensão da intervenção chinesa, pois,
ainda na capa dessa edição, um outro subtítulo alertava: “Conselheiros Militares Soviéticos
Acompanhariam os Invasores”, referindo-se a oficiais soviéticos que estariam comandando
tropas chinesas.
456
Os tais de “conselheiros soviéticos” jamais existiram (pelo menos não da
maneira como o jornal se referiu, como veremos mais adiante), mas tal detalhe pouco importava
para o jornal, que defendia, de maneira intransigente, a idéia de uma liderança ditatorial
soviética nos países comunistas, inclusive (e principalmente) na China.
457
453
- até que ponto essa visão dos comunistas em relação aos Estados Unidos estava correta? Era uma
lógica mais do que pertinente, pois a “perda da China” era um tema que ainda provocava discussões
acaloradas em muitos grupos políticos dentro dos Estados Unidos, em particular em vários setores da
direita, temerosa de uma eventual expansão soviética na Ásia. Dentro deste temor em relação à China, os
norte-americanos procuravam marginalizar o país da comunidade internacional (tendo conseguido,
inclusive, impedir a entrada do país na ONU), além de estarem protegendo Taiwan (ou seja, a ilha de
Formosa, para onde foram os dirigentes nacionalistas derrotados pelos comunistas na revolução). Os
chineses, dentro desse quadro, procuravam meios de defesa, principalmente nas suas fronteiras. Uma
dessas regiões fronteiriças era justamente a Coréia, cujo flanco da Manchúria tinha cerca de 800
quilômetros de extensão. Quando tropas da ONU invadiram a Coréia do Norte e chegavam perto das suas
fronteiras, os chineses reafirmaram o seu apoio aos norte-coreanos, até então limitado ao fornecimento de
armas e provisões. Logo, a intervenção direta chinesa na guerra tornou-se inevitável. Kissinger, Henry.
op. cit.;
454
- Dzelepy, E. N. op.cit.;
455
- Folha da Manhã. São Paulo, 28/10/50, p. 1;
456
- op. cit. p. 4;
457
- boatos que geram esse tipo de notícia são conhecidos, no jargão jornalístico, como “barriga”. Bahia,
Juarez. Jornal, História e Técnica História da Imprensa Brasileira. 4ª ed., São Paulo, Ática, 1990;
A dinâmica da guerra estava alterada. O “otimismo” anterior foi substituído
pelo horror. Um editorial publicado pela Folha da Manhã, nesse mesmo dia, procurou
demonstrar que a tensão internacional estava ganhando proporções perigosas:
“A situação internacional parece ter chegado ao seu
ponto de resolução: a paz ou a guerra. Segundo os últimos
telegramas, os comunistas chineses, insuflados pela União Soviética,
pretendem levar avante o seu ato de agressão. E é evidente que as
Nações Unidas não poderão recuar diante dessa nova ameaça.”
458
O Medo da Terceira Guerra Mundial também estava em evidência:
“À hora em que estão sendo lidas estas linhas, o
presidente Truman já deverá ter encarecido a necessidade de se
declarar o estado de emergência nos Estados Unidos. Assim, a não
ser que surjam outros fatores imprevisíveis, pode-se afirmar que o
mundo se acha às vésperas de uma terceira guerra geral.”
459
As referências quanto à Segunda Guerra Mundial ainda eram freqüentes, assim
como “culpar” a União Soviética dos problemas mundiais:
“Verificada essa hipótese, a União Soviética e seus
satélites terão de enfrentar a ação militar conjugada de todo o mundo
democrático. Essa é, ao que tudo indica, a única linguagem que os
homens do Kremlin se mostram capazes de entender. A experiência de
Hitler e Mussolini não lhes serviu de lição.”
460
Até 3 de novembro, os ataques chineses foram intensos. No dia 6, os chineses
romperam contato, quase que desaparecendo. A proximidade das forças da ONU na Manchúria,
região onde concentrava-se o seu maior parque industrial, além dos riscos de MacArthur
comandar uma invasão no seu território, fez com que a China enviasse tropas para alertar as
forças da ONU de que não aceitaria passivamente sua presença próximo das suas fronteiras.
Depois deste “aviso”, as forças chinesas voltaram para o seu território e ficaram esperando a
reação das forças da ONU. MacArthur resolveu manter a ofensiva. No dia 28 de setembro,
quase todas as forças da ONU estavam cercadas. As “hordas chinesas”, maneira como
MacArthur se referia ao gigantesco número das forças chinesas, entraram na guerra -
definitivamente.
461
458
- Folha da Manhã. op. cit., p. 4;
459
- Idem;
460
- Idem, ibidem;
461
- nunca se soube o número exato das “hordas chinesas”. MacArthur chegou a dizer que se constituíam
em 600 mil homens, entre outros números ditos sem maiores estudos. Talvez a tese de E N. Dzelepy e de
I. F. Stone de que tropas chinesas atuaram apenas na “resposta” de outubro e que as batalhas posteriores
O avanço das forças chinesas foi surpreendente e mais surpreendente ainda
foi a retirada das forças da ONU. As “fugas” do Décimo Corpo e do Oitavo Exército foram
desesperadas, mas as forças comunistas chegaram nas suas posições apenas alguns dias depois
destas evacuações terem sido efetivadas. Tal “desespero” por causa das “hordas chinesas”
chamou a atenção de muitos analistas militares e dos jornalistas que cobriam a guerra. I. F.
Stone argumentou que essa rápida e desesperada fuga foi exagerada pois, além do número de
chineses nos combates Ter sido propositalmente aumentados pelos serviços de inteligência das
forças da ONU, os ataques não foram tão intensos assim e não justificavam uma fuga daquele
porte. Para E. N. Dzelepy (e também para I. F. Stone), essa fuga foi mais uma das artimanhas do
general MacArthur: impressionando a opinião pública mundial (e a norte-americana, em
particular), poderia conseguir autorização de Truman e da ONU para revidar os ataques chineses
com bombas nucleares, inclusive no próprio território chinês.
462
Era o “Pearl Harbour” de
MacArthur, criado pelo general para justificar uma Terceira Guerra Mundial.
463
A imprensa
brasileira desconsiderou esse enfoque.
A guerra alterara-se e seus dramas começaram a ganhar maiores dimensões na
imprensa brasileira, como num telegrama enviado pelo fotógrafo da revista norte-americana
Life, David Douglas Duncan, publicado na seção “Um Fato em Foco”, do O Cruzeiro:
“Acabo de encontrar dois médicos enviolando ataduras
na cabeça de uma mulher coreana que, ignorando as precauções
tomadas pelo exército mandando evacuar as populações civis das
zonas de batalha, permaneceu em sua casa. Ela estava com
fragmentos de bombas comunistas encavados na cabeça. Enquanto os
médicos trabalhavam, seu “baby” mamava tranqüilamente. Na
mesma ocasião, um vizinho aproximou-se do local e pronunciou
palavras em coreano. A mulher sacudiu lentamente a cabeça e em
seus olhos avolumou-se a angústia - outro filho seu morrera em
conseqüência da explosão da mesma bomba.”
464
foram conduzidas por uma maioria de norte-coreanos, reagrupados e rearmados pelos chineses, seja muito
exagerada,
pois tropas chinesas participaram efetivamente das ações desta fase em diante da guerra, e com
um número considerável de combatentes. Mas, mesmo assim, as “hordas” foram muito menores do que
os analistas militares tinham avaliado na época. Michael Davidson, correspondente do Observer, fez uma
pergunta irônica numa das suas reportagens: “Quer fazer o favor de nos informar quantos batalhões
chineses integravam uma horda, ou vice-versa?” Dzelepy, E. N. e Stone, I. F. op. cit.; e Knightley,
Phillip. op. cit., p. 433;
462
- Dzelepy, E. N. e Stone, I. F. Idem;
463
- Dzelepy defendeu que “Para o general Mac Arthur sua ofensiva devia conduzir, de todas as maneiras,
à guerra com a China. Se os chineses faziam bluff, seria a prova de que os Estados Unidos nada tinham a
temer desse lado e que se podiam permitir tudo contra a China comunista, e empregar a fundo e até suas
últimas conseqüências sua política “de força”. Se, pelo contrário, os chineses não se escondiam e
aceitavam o desafio de Mac Arthur, então o comandante em chefe das Nações Unidas podia mostrar
“premeditação” chinesa e facilitar-lhe de ter obrigado Pequim a mostrar o seu jogo.” Dzelepy, E. N. Idem,
ibidem, p. 113;
464
- O Cruzeiro. Nº 4, Rio de Janeiro, 11/11/50, pp. 78-9;
E, para realçar o drama descrito no telegrama, foi publicado junto a ele uma
foto de página inteira com a mulher de cabeça enfaixada, sendo atendida enquanto amamentava
o filho que sobreviveu. Denúncias de “atrocidades comunistas” como a que foram apresentadas
acima eram comuns. Mas as atrocidades não eram um monopólio do lado comunista: foram
feitos massacres pelos dois lados da guerra, como nos afiança Bruce Cumings.
465
O Estado de S. Paulo também retratou o clima de derrota das forças da ONU com a
entrada das forças chinesas, mas utilizou-se de notícias vindas dos Estados Unidos. Na edição
do dia primeiro de dezembro, apesar do destaque principal ter sido a notícia com a manchete
“Cumpriremos até o Fim Nossos Compromissos na Coréia, diz Truman”, esta acabou perdendo
a importância para uma outra notícia menor em termos espaciais, porém mais representativa
sobre a dramaticidade do momento: “Ameaça Direta ao Comunismo Agressor - O Presidente
dos Estados Unidos Declara que a Bomba Atômica Será Empregada se Necessário”:
“O presidente Truman fez pesar sobre os comunistas na
Coréia a ameaça do emprego da bomba atômica contra os exércitos
vermelhos, depois de ter lido para os jornalistas a declaração escrita
sobre a crise mundial. Foi esta a primeira vez, desde o bombardeio de
Hiroshima, a 6 de agosto de 1945, que o presidente dos Estados
Unidos falou publicamente na eventualidade de novo emprego da
bomba atômica.”
466
Foi o momento mais grave da guerra, pois as ameaças do uso de armas
atômicas, o que provocaria uma Terceira Guerra Mundial, deixaram de ser apenas especulação:
tais ameaças poderiam ser concretizadas a qualquer momento. Bruce Cumings afirma que o
perigo foi bastante real, tanto que uma série de reuniões da cúpula política e militar foram
realizadas e o assunto foi seriamente considerado.
467
MacArthur talvez desejasse abrir caminhos
para a Terceira Guerra Mundial e exterminar o comunismo na face da terra, mas não era uma
posição majoritária. O governo norte-americano sabia que, nos primeiros ataques chineses às
tropas da ONU, cerca de 150 aviões da força aérea chinesa eram, na verdade, da União
Soviética, sendo, inclusive, pilotados por pilotos soviéticos, que vestiram uniformes chineses.
468
Tal informação foi guardada em segredo pois ela poderia efetivamente provocar uma Terceira
Guerra Mundial.
469
Truman recusou-se a usar o artefato atômico e começou a impor a sua
hierarquia sobre o general.
465
- Cumings, Bruce. Korea’s Place in the Sun a Modern History. Nova Iorque, Londres, W.W. Norton
& Company, 1997;
466
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 01/12/50, p. 1;
467
- Cumings, Bruce. op. cit.;
468
- Hobsbawn, Eric J. A Era dos Extremos o Breve Século XX, 1914-1991. São Paulo, Companhia das
Letras, 1995;
469
- o apoio soviético era total, mesmo que discreto. Patrick Lescot, contando a história de quatro
militantes comunistas, é bastante enfático quanto a este ponto: “Falava-se em centenas de milhares de
mortos nas fileiras dos ‘voluntários’ chineses. Stálin equipava dos pés à cabeça os homens de Kim Il-sung
No dia 7 de dezembro outro editorial do O Estado de S. Paulo, “Os Dois
Mundos”, deixava a Divisão Bipolar do Mundo mais evidente na ótica do jornal:
“O ideal de um mundo só, que reacendeu ao fim da
segunda grande guerra, distancio-se de novo, não sabemos para que
recuados tempos, depois que o Ocidente e o Oriente se definiram em
campos opostos, com muitos matizes, mas fixado em dois mundos em
choque, com um polo em Washington, outro em Moscou. Nesse
quadro universal, a Coréia é um pequeno pormenor, importante e
agudo quanto quiserem, mas não passando de um nó da rede de
pontos de atrito que se estende por sobre toda a terra.”
470
Para encerrar, o editorial complementou que o Brasil precisava ser bem
administrado para resolver seus sérios problemas internos, até mesmo para se evitar a idéia de
que um regime comunista poderia fazê-lo - e o país não poderia dar-se ao luxo de esperar
auxílio internacional contra a “infecção soviética”, mesmo sendo útil caso esse auxílio viesse
eventualmente. Para tal, era necessário utilizar nossos recursos com inteligência e esforço.
471
Mais uma vez a Guerra da Coréia foi utilizada para críticas a uma eventual expansão do
comunismo no Brasil.
Em dezembro, no O Cruzeiro, o artigo “Paz”, de Maria Cecília, pede que as
pessoas pensem nesse Natal menos na guerra e mais no “espírito cristão”. Mesmo este “espírito
cristão” não poderia deixar de atacar o comunismo. Comentando a crise pelos quais passavam
Inglaterra e França, a autora ressaltou:
“Mas as fontes vitais estão cansadas e há, além disso, a
ameaça permanente do comunismo que se espalha, como um polvo,
prendendo com seus tentáculos, um a um, os povos enfraquecidos.”
472
Não poderia haver tréguas contra o comunismo em momento algum.
O início de 1951 parecia desesperador para as forças da ONU e a imprensa
brasileira retratou esse desespero. No dia 3 de janeiro, a manchete principal da Folha da Manhã
foi bastante reveladora: “Em pleno desenvolvimento a ofensiva de inverno das forças sino-
coreanas”.
473
O desespero aumentou no dia seguinte: “Abandonam Seul as Tropas Aliadas”,
e os de Mao, mas evitava o confronto direto com os americanos.” Lescot, Patrick. O Império Vermelho -
a História de Quatro Militantes Comunistas Unidos pela Paixão e pelo Terror (1919-1989). São Paulo,
Objetiva, 2000, p. 428;
470
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 07/12/50, p. 3;
471
- op. cit.;
472
- O Cruzeiro. Nº 7, Rio de Janeiro, 09/12/50, p. 3;
473
- Folha da Manhã. São Paulo, 03/01/51, p. 1;
sendo que esta manchete foi complementada por uma outra, “Em Chamas a Antiga Capital Sul-
Coreana - Intensifica-se a Ofensiva Comunista”.
474
O correspondente Alex Valentine, da “Reuter’s”, declarou que Seul encontrava-
se num inferno. David Duncan, fotógrafo da revista Life, talvez tenha captado melhor o espírito
das forças da ONU com a entrada dos chineses na guerra: fotografou um exausto fuzileiro norte-
americano arrancando seu desjejum de uma lata de feijões gelada. O fotógrafo perguntou-lhe o
que queria para o Natal e o fuzileiro respondeu: “Me dê amanhã”.
475
Drew Pearson, agora bem menos otimista em relação ao desenvolvimento da
guerra favorável às forças da ONU, transcreveu, no artigo “O que os Chineses Pensam dos
Americanos”, um boletim chinês que falava sobre os norte-americanos:
“Os soldados norte-americanos perdem com facilidade a
sua vontade de lutar quando se vêem cercados e rendem-se
rapidamente ou livram-se do seu equipamento na esperança de poder
fugir. Quando avançam, só o fazem com rapidez enquanto podem
seguir as estradas nos seus veículos. Quando saltam destes e
abandonam o caminho, o sibilar das balas os faz bater em retirada.
Quando estão na defensiva é fácil fazê-los bater em retirada,
atacando-lhes os flancos com um contingente reduzido.
Desorganizam-se então e só pensam em salvar a pele. As tropas dos
Estados Unidos não são agressivas. Quando ficaram cercados em
Unsán durante quatro dias, nada fizeram. Acovardaram-se ao ouvir
os tiros.”
476
A “covardia” norte-americana não iria durar muito tempo e as forças da ONU
iriam tomar a iniciativa, levando as batalhas até a altura do paralelo 38. Logo, para surpresa
mundial, o general Douglas MacArthur seria destituído do seu posto pelo presidente Truman.
A Queda do General MacArthur
Nessa altura da guerra, as possibilidades de negociações de paz começavam a
se tornar mais efetivas. No governo norte-americano existiam dúvidas de como enfraquecer a
influência chinesa na Coréia, o que poderia facilitar as negociações. MacArthur queria invadir a
Coréia do Norte outra vez, derrotar as tropas norte-coreanas e cortar a influência chinesa
definitivamente, mesmo que tivesse de atacar o território chinês - inclusive com artefatos
nucleares. O presidente Truman discordava de MacArthur, querendo a negociação entre as
partes, pois, de outra forma, poderia provocar a entrada dos soviéticos no conflito e,
conseqüentemente, uma Terceira Guerra Mundial.
474
- Folha da Manhã. São Paulo, 04/01/51, p. 1;
475
- Knightley, Phillip. op. cit., p. 433;
476
- O Cruzeiro. Nº 18, Rio de Janeiro, 24/02/51, p. 72;
Tais divergências escondiam as diferenças de objetivos gerais entre eles:
MacArthur não gostava de ter suas funções militares reduzidas por questões políticas, pois,
dentro da sua lógica, uma vez iniciada uma guerra, era imperativo lutar até o fim; Truman, por
sua vez, não queria saídas militares em áreas onde a política poderia resolver. A diferença
básica entre ambos era que MacArthur encarava o comunismo como um inimigo a ser destruído,
enquanto que Truman não queria destruir o comunismo, pelo menos não com uma guerra
mundial, mas apenas limitá-lo.
Por volta de março e abril de 1951, numa carta enviada ao senador Joe Martin,
líder da minoria republicana no Congresso, as opiniões de MacArthur tornaram-se claras. A
carta foi lida no Congresso no dia 5 de abril, tendo como grande destaque a passagem abaixo:
“Parece estranho que certas pessoas não percebam ter
sido aqui, na Ásia, que os conspiradores escolheram para iniciar sua
investida para a conquista do planeta. Aqui estamos travando com
armas a guerra da Europa, enquanto os diplomatas continuam
lutando com palavras; se perdermos a guerra para o comunismo, a
queda da Europa é inevitável. Precisamos vencer. Não há
alternativas.”
477
(grifos meus)
Era praticamente impossível, mesmo que a Ásia inteira fosse dominada pelos
comunistas de uma única vez, que qualquer ameaça mais contundente na Europa fosse
realizada, pois a União Soviética não tinha forças suficientes para tal. Mesmo os grandes países
comunistas “aliados”, a China e a União Soviética, não se entendiam harmoniosamente,
principalmente na questão coreana: os soviéticos estavam pedindo negociações de paz desde a
entrada de tropas chinesas no conflito, algo sempre descartado pelos dirigentes chineses.
478
Mesmo assim, a idéia de que existia um inimigo vil e ardiloso que tinha de ser vencido de todas
as formas em todos os lugares sempre prevalecia.
Na carta de MacArthur está escrita a expressão “certas pessoas”, o que era uma
referência muito pouco sutil ao presidente Truman. As diferenças tornadas públicas foram a
gota d’água para o presidente: em 11 abril de 1951, Truman demitiu o general MacArthur. Para
o seu lugar foi chamado o general Ridgway.
A Folha da Manhã destacou a deposição de MacArthur ainda no dia 11 através
de telegramas fornecidos pela United Press:
Última Hora
Mac Arthur destituído do comando das forças da ONU
Truman anuncia a sensacional decisão
Ridegway, o substituto
477
- extraído de: s/A. “Política Versus Armas Truman Derruba o Invencível MacArthur.” In Coleção
Guerra na Paz, V. 1, Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1984, p. 208;
478
- Halloway, David. Stalin e a Bomba. Rio de Janeiro, Record, 1997;
Washington, 11 (U.P.) - URGENTE -
- O presidente Truman acaba de destituir Mac
Arthur.
De Todas as Funções
Washington, 11 (U.P.) - URGENTE -
O presidente Truman destituiu hoje o general Mac Arthur de todas as suas funções no Extremo
Oriente, “devido à sua incapacidade de dar toda a sua cooperação às normas do governo”.
Ridgeway, o Substituto
Washington, 11 (U.P.) - URGENTE -
O presidente Truman designou o tenente-general Mattews Ridgeway, atual comandante do 8.o
Exército na Coréia, para substituir Mac Arthur no supremo comando das forças da ONU.”
479
A pressa da publicação desse “furo” foi tão grande que o jornal acabou dando
duas escritas para o nome do substituto de MacArthur: Ridgeway e “Radegway”.
O Correio da Manhã também noticiou a queda de MacArthur. No dia 12 de
abril, a notícia com o título de “Truman Destituiu Mac Arthur de Todos os Comandos”
destacou:
“O presidente Truman demitiu Mac Arthur dos postos de
comando que ocupava, e nomeou para o substituir o general Matthew
Ridgway, atual comandante do VIIIº Exército.
Anunciou a demissão em entrevista à imprensa, às 6 da
manhã, Truman disse que os comandantes militares têm de se deixar
governar pelas diretrizes políticas de seus governos, particularmente
em tempo de crise.”
480
No editorial “Demissão”, desta mesma edição, o articulista argumentou que:
“Devem estar contentes todos aqueles para os quais a
pessoa de Mac Arthur representava o perigo de guerra imediata, o
militarismo desafiante, um homem com atitudes antipolíticas no
cinema, e mais tarde as coisas que a propaganda bolchevista dizia
dele. Num gesto simpático, - simpático, sobretudo porque assim
arrisca, e deve sabê-lo, as suas possibilidades de sonhada reeleição
o Presidente Truman destituiu Mac Arthur de todos os seus cargos e
encargos. É, ao menos, uma posição clara. O seu ângulo menos feliz é
o de ter falado em nome da ONU quando a ONU não falou; de certo
modo, o bom presidente Truman superou assim Luiz XIV, atirando
bruscamente à face do orbe esta demonstração imprevista:
‘- A ONU, o sou!’
(...)
A política de MacArthur era a única que poderia evitar a
guerra ou aceitá-la como deveria ser aceita, isto é, prevendo-a.”
481
Nem toda a imprensa brasileira concordava com o teor deste editorial. A
Tribuna da Imprensa noticiou a queda do general no dia 11 de abril com a manchete “Por
479
- Folha da Manhã. São Paulo, 11/04/51, p. 1;
480
- Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 12/04/51, p. 1;
481
- op. cit., p. 8;
Desobediência Demitido o General MacArthur”, acompanhada por uma pequena foto do
general, que ilustrava a notícia.
482
Na sua sessão de notícias internacionais, “Um Dia no
Mundo”, o destaque para a destituição do general foi considerável:
“Mac Arthur não foi destituído por ausência de
capacidade militar. Embora tivesse, segundo os especialistas,
cometido alguns erros na Coréia, mas foi a sua ausência de
flexibilidade política, a sua tendência a ver tudo sob o ângulo
estritamente militar, a sua concepção de força - em face da China, a
sua incompatibilidade com a orientação do Departamento de Estado,
que em última análise conduziram a essa solução.
Venceu o controle civil sobre as decisões militares ou seja
a democracia.”
483
A coluna foi publicada como uma folha datilografada e apresentando a
assinatura com letras de mão de seu titular, Paulo de Castro. Essa apresentação gráfica, bem
diferente da apresentada pelo resto do jornal, foi construída para dar o efeito de uma notícia
chocante e surpreendente - efeito muito bem utilizado, pois não deixava de ser mesmo uma
notícia chocante e surpreendente para a maioria do público. E o conteúdo concordava
plenamente com a decisão de Truman, pois MacArthur havia desrespeitado a hierarquia do
poder norte-americano, embora não tenha sido a primeira vez que ele o fizera, como já
mostramos.
O Estado de S. Paulo noticiou a queda de MacArthur no dia 12: “Truman
Explica as Razões da Demissão de MacArthur e Reafirma a Política de Firmeza dos Estados
Unidos”, ressaltando a incompatibilidade entre o poder presidencial supremo e as idéias de
MacArthur.
484
No editorial, “Mac Arthur, um Episódio”, publicado nessa edição, a queda do
general foi discutida mais profundamente. O editorial argumentou que tal atitude de Truman
provocou repercussão dentro e fora dos Estados Unidos, mas que foi necessária por dois
motivos: 1º - inconveniência hierárquica (“tomado (MacArthur) de complexo cesarista, presume
que as vitórias lhe atribuem prerrogativas de exceção quer em relação ao comando superior,
quer no que tange à política nacional”), sendo que Truman fez o que pode, chegando a
conferenciar e dar advertências a ele; 2º - problemas técnicos, pois MacArthur queria ultrapassar
a fronteira Manchu, usada de linha de fuga pelos comunistas, mesmo que entrando em guerra
direta com chineses e soviéticos, que era uma alternativa que Truman e os aliados não queriam.
O editorial encerrou afirmando que:
“Afinal, queremos apenas acrescentar que, a julgar pelas
primeiras notícias, a demissão de Mac Arthur repercutirá de maneira
482
- Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 11/04/51, p. 1;
483
- op. cit., p. 3;
484
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 12/04/51, p. 1;
favorável em todo o mundo, mas será causa, senão duma verdadeira
agitação, ao menos de intensas comoções políticas nos Estados
Unidos.”
485
O editorial errou: não existiu a turbulência política nos Estados Unidos. Embora
MacArthur fosse popular, suas idéias para a manutenção da guerra não eram compartilhadas
com a maioria dos eleitores norte-americanos: vários candidatos indicados por MacArthur
foram rejeitados em várias eleições.
486
Os norte-americanos estavam cansados da guerra e a
queriam terminada logo.
Tal sentimento foi destacado no Correio da Manhã do dia 12, apesar do
editorial já mencionado anteriormente. Na capa, a matéria cujo título era “Abala o mundo a
demissão de Mac Arthur”, argumentou que existia uma queda de popularidade dos democratas,
muito devido a critícas à Truman pelos Republicanos, pois a “política de Mac Arthur tem talvez
apoio sólido nos meios republicanos; mas a guerra da Coréia não é popular entre o povo.
487
O impasse nos campos de batalha atingiria o governo Truman de uma maneira
letal: sem poder apresentar uma saída satisfatória para o conflito, além de ser muito pressionado
por lideranças pró-MacArthur (mesmo que sem muita popularidade), Truman anunciou que não
iria concorrer à reeleição. A guerra “venceu” Truman.
Logo iriam começar efetivamente as negociações de paz na Coréia.
Situações dramáticas e violentas também ocorreriam na Guerra do Vietnã.
Ia Drang
Na imprensa brasileira as análises sobre a Guerra do Vietnã começaram a
ocupar espaços cada vez maiores depois de 1965 que, aliás, abriria com uma importante batalha,
a de Binh Ghia. O Vietcong atacou bases militares nesta cidade, infringindo pesada derrota ao
Exército do Vietnã do Sul, com 121 mortos e, dentre estes, 18 “conselheiros” norte-americanos,
o maior número de baixas dos Estados Unidos até então. A Folha de S. Paulo destacou a batalha
e o aumento de tropas do Vietnã do Sul nos dias seguintes.
488
Tais esforços se mostrariam
inúteis, pois não conteriam a derrota. Mas seus desdobramentos seriam de grande importância.
A mesma Folha de S. Paulo noticiaria algo importante: os soviéticos
anunciaram que, caso os norte-americanos não saíssem do Vietnã do Sul, eles iriam auxiliar o
Vietnã do Norte, o que poderia levar a um confronto direto e, conseqüentemente, a uma Terceira
Guerra Mundial.
489
Até então, a posição soviética, sob a liderança de Kruschev, pretendia
conseguir uma saída negociada do conflito, considerando as possibilidades de uma política de
485
- op. cit., p. 3;
486
- E. N. Dzelepy ficou surpreso com a facilidade com que MacArthur foi deposto e, apesar de grandes
manifestações iniciais de repúdio ao ato de Truman, não ocorreram maiores incidentes no decorrer do ano
de 1951, sendo que o general, logo, seria colocado no ostracismo. Dzelepy, E. N. “Nota Final A Lição
da Coréia.In Dzelepy, E. N. e Stone, I. F. op. cit;
487
- Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 12/04/51, p. 1;
488
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 02/01/65, p. 2; e Folha de S. Paulo. São Paulo, 03/01/65, p. 2;
489
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 04/01/65, p. 2;
Coexistência Pacífica” com os Estados Unidos. A pressões internas sofridas por Kruschev (que
resultariam na sua queda e na ascensão de Leonid Brezhnev) alteraram essa orientação, o que
explica essa mudança de apoio.
Estudantes sul-vietnamitas e budistas prepararam manifestações contra o
governo, enquanto tropas governamentais sofriam derrota em Binh Ghia. As manifestações
foram grandes, desobedecendo à lei marcial. O Departamento de Estado dos Estados Unidos
procurou minorizar a importância das manifestações estudantis e religiosas, tentando mostrar
que as informações vinculadas pela imprensa exageravam o número de manifestações e de
manifestantes envolvidos.
490
Como podemos perceber, as divergências com a imprensa eram
uma constante, e prosseguiriam nos anos seguintes.
Tais circunstâncias indicavam que a guerra estava longe de ter uma saída
pacífica negociada. Newton Carlos, na Folha de S. Paulo, especificou que a escalada da guerra
(ou seja, a intensificação progressiva do esforço de guerra) era geral, com ambos os lados
atuando neste sentido, levando a crise do Vietnã a um ponto crítico.
491
Opções foram propostas,
mas a inflexibilidade dos lados impedia a progressão de negociações mais produtivas.
Como podemos perceber, na cobertura da guerra a Folha de São Paulo tinha a
coluna de Newton Carlos, sendo o melhor que a página internacional do jornal poderia oferecer.
Suas análises eram muito bem elaboradas, e, muitas vezes, antecipavam questões referentes à
guerra, bem como ao “panorama internacional” (que era o título da sua coluna).
E foi na sua coluna que apareceu uma das primeiras avaliações negativas do
envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã, versando sobre a indefinição do governo norte-
americano em relação à guerra, criticando a falta de rumo do governo Johnson. Afirmava que a
saída, se houvesse, seria uma solução de compromisso, como a do Laos, contendo tanto os
chineses quanto a direita norte-americana, representada na figura do senador e ex-canditado à
presidência dos Estados Unidos, Goldwater.
492
É interessante observar que essa análise foi feita
ainda em janeiro de 1965, quando as tropas norte-americanas ainda não haviam chegado
efetivamente.
Ainda em 1965, ocorreu a primeira grande manifestação pacifista dentro dos
Estados Unidos que reuniu cerca de 25 mil pessoas. Nesta manifestação, as preocupações eram
com o risco de uma Terceira Guerra Mundial que poderia ter início no confronto direto com os
chineses no Sudeste Asiático. Ainda não era uma manifestação dominada por grupos da
490
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 05/01/65, p. 2;
491
- Folha de S. Paulo (seção “Panorama Internacional”). São Paulo, 16/12/65, p. 2;
492
- Folha de S. Paulo (seção “Panorama Internacional”). São Paulo, 12/01/65, p. 2;
Contracultura, embora alguns deles já estivessem presentes, como os jovens pertencentes à
Students for a Democratic Society (SDS).
493
A imprensa brasileira cobriu essa manifestação. A revista Fatos & Fotos, em
reportagem de João Luiz Albuquerque, correspondente da revista em Washington, mostraria que
os 20 mil manifestantes (sic) acabaram formando a maior marcha de protesto dentro dos Estados
Unidos desde 1963 e que a guerra não era aceita por todas as camadas da população norte-
americana. No mesmo artigo, as contra-reações à marcha também são demonstradas,
principalmente pela marcha em Nova Iorque, a favor da guerra.
494
Neste mesmo número da revista apareceria outra análise sobre os riscos de uma
Terceira Guerra Mundial, que poderia surgir da Ásia - a região de maiores problemas desse
momento. E o Vietnã era o “mais grave problema da Ásia”.
495
Mesmo mantendo sua linha de
enfatizar o Medo da Terceira Guerra Mundial, a revista Fatos & Fotos também abordaria as
possibilidades de término do conflito. Júlio Gutiérrez, correspondente estrangeiro, fez uma
análise sobre as possibilidades de paz na região. O autor argumenta que a paz foi conseguida na
República Dominicana através do Ato de Reconciliação, promovido pela intervenção da OEA, e
que a paz no Vietnã dependia de negociações e da flexibilização dos dois lados. O problema é
que o lado Vietcong era inflexível, reduzindo muito a viabilidade da paz. Mas a esperança
continuava, termina Gutiérrez.
496
O que Gutiérrez não previa é que essa inflexibilidade cresceu
ainda mais, nos dois lados, depois da batalha de Ia Drang, como veremos mais adiante.
No editorial da Folha de S. Paulo de 3 de setembro de 1965, insinua-se uma
saída, utilizando-se como exemplo os acontecimentos da República Dominicana, onde o
comunismo foi “afastado” pela negociação entre as partes, sob responsabilidade da OEA. Na
verdade, o país foi invadido por forças da América Latina (sob liderança dos Estados Unidos e
total cooperação brasileira, inclusive com o envio de tropas) e a guerra civil culminou na derrota
dos grupos guerrilheiros de esquerda - foi uma das aplicações práticas da nova orientação
política do regime militar brasileiro, totalmente impregnado pelo Imaginário da Guerra Fria.
Dentro dessa perspectiva política, os norte-americanos seguiriam as orientações do editorial,
pois enviaram tropas para conter o comunismo no Vietnã do Sul. Com a entrada destes na
guerra, o interesse da imprensa mundial cresceu de maneira significativa.
O governo e o comando militar norte-americano, querendo que a cobertura da
guerra fosse a melhor possível (ou seja, a mais favorável possível para o seu lado), montou uma
493
Tuchman, Barbara W. A Marcha da Insensatez: de Tróia ao Vietnã. 2. ed., Rio de Janeiro, José
Olympio, 1986; e Wells, Tom. The War Within - America’s Battle Over Vietnam. Los Angeles,
University of California Press Ltda, 1994;
494
- Fatos & Fotos. Nº 254, Brasília, Editora Bloch, 11/12/65, pp. 6-9;
495
- op. cit., pp. 58-62;
496
- Idem, pp. 64-67;
campanha de relações públicas, altamente profissional, para divulgar a sua versão da guerra,
497
procurando conquistar os “corações e mentes” não apenas do público norte-americano, mas
também do resto do mundo. Do lado Vietcong, muito pouco foi produzido, com exceção de
matérias do jornalista australiano Wilfred Burchett, que, além de simpatizante da causa
Vietcong (era comunista), participava da luta com os guerrilheiros, sendo muitas vezes
confundido como um “fantasma” pelo reconhecimento norte-americano.
498
O interesse pela
guerra cresceu mundialmente e o Brasil não foi exceção: várias publicações começaram a cobrir
intensamente a guerra. As grandes preocupações da imprensa, nesse momento da guerra, eram
com a presença norte-americana no Vietnã do Sul - isso explica a razão das reportagens terem
sido em maior número do lado norte-americano.
O comandante-chefe das forças norte-americanas no Vietnã do Sul, o general
Westmoreland, procurou usar a mídia para reforçar a imagem de poder dos Estados Unidos, ele
mesmo colocando-se sob o foco das atenções, ganhando um espaço na mídia muito grande,
sendo o general mais fotografado da sua era,
499
chegando, inclusive, a ser considerado como o
“homem do ano” pela revista The Time, tendo na capa deste número sua imagem como uma
estátua de ferro, querendo insinuar sua firmeza e determinação.
500
No Brasil, a revista Fatos & Fotos também publicaria uma matéria sobre o
general Westmoreland, com um título, muito expressivo, de “O Homem que faz a Guerra do
Vietnã”, mostrando o seu dia-a-dia, numa construção noticiosa de sua imagem como a de um
“grande homem”, um grande líder, que não se deixaria abater contra os inimigos.
501
Essa
497
- Knightley, Phillip. op. cit.;
498
- cobrir o do Vietnã do Norte era bem mais difícil, e pouco recomendável para correspondentes norte-
americanos. Para se conseguir ser correspondente no Vietnã do Norte as dificuldades eram enormes, pois
as autoridades norte-vietnamitas escolhiam quem poderia cobrir a guerra no seu país tendo em vista
conveniências ou ganhos políticos, facilitando a entrada de correspondentes dos países comunistas (mais
dispostos a colocá-los como vítimas, e que além disso facilitavam o apoio desses governos, justificado
pelas descrições dos horrores dos bombardeios), e dificultando ao extremo a entrada de correspondentes
de outros países. O primeiro correspondente famoso do ocidente a conseguir chegar a Hanói foi o
jornalista norte-americano Harrison Salisbury, do New York Times. Suas matérias sobre os bombardeios
no Vietnã do Norte provocaram polêmica mundial, já que o correspondente afirmava categoricamente que
os bombardeios atingiam não apenas os alvos estratégicos e militares, quase sempre bem protegidos por
armamentos chineses e soviéticos, mas também alvos civis, como hospitais, escolas, fábricas com mínima
ou sem qualquer utilidade militar e aldeias insignificantes, produzindo muitas vítimas civis inocentes.
Suas matérias não seriam bem aceitas nos Estados Unidos, sendo acusado de ingenuidade e de estar
apenas reproduzindo o discurso de Hanói. No Pentágono ele era chamado de “Ho Chi Salisbury”. Seu
nome foi recomendado para o prêmio Pulitzer de 1967, e ele chegou inclusive a ganhá-lo, mas o conselho
diretivo do prêmio alterou tal decisão, o que mostrava o peso político de suas reportagens. Salisbury,
Harrison. Um Americano em Hanói. Lisboa, Publicações Dom Quixote, s/D; Salisbury foi recomendado,
pelo júri do Prêmio Pulitzer, para uma láurea, em votação que obteve resultados de 4 contra um, mas a
Junta Consultiva do Pulitzer rejeitou a recomendação por seis votos contra cinco. Knightley, Phillip.
Idem, p. 527;
499
- Arnett, Peter. Ao Vivo do Campo de Batalhas - do Vietnã a Bagdá, 35 Anos em Zonas de Combate
de Todo o Mundo. Rio de Janeiro, Rocco, 1994;
500
- extraído de: Querida América - Cartas do Vietnã (Dear America). Documentário, Estados Unidos,
dirigido por Bill Couturie, 1987;
501
- Fatos & Fotos. Nº 300, Brasília, Editora Bloch, 29/10/66, pp. 24-8;
demonstração de confiança no general Westmoreland mostrava o posicionamento da imprensa
nesse momento da guerra. A imprensa norte-americana, apoiando as ações dos seus militares,
dava a devida cobertura favorável, mesmo revelando todas as dificuldades que existiam no
Vietnã do Sul. Tal apoio, muitas vezes, significava passar a versão dos militares, mesmo que
estranhas ou duvidosas. A chegada de um grande número de correspondentes ao Vietnã do Sul,
norte-americanos ou não, foi calculada pelas forças armadas norte-americanas, que prepararam
a recepção. A construção da guerra pela imprensa era fundamental para os militares norte-
americanos, principalmente depois da batalha do Vale de Ia Drang.
A batalha do Vale de Ia Drang foi um dos marcos da guerra, pois foi a primeira
batalha de grandes proporções envolvendo forças norte-americanas que chegaram depois do
Incidente de Tonquin (mesmo a batalha de Binh Ghia ainda envolvia os chamados
“conselheiros” e forças do Vietnã do Sul). O choque entre as forças norte-americanas e norte-
vietnamitas produziu horas de lutas sangrentas, encerradas por bombardeios aéreos e de
artilharia. Os soldados norte-americanos que sobreviveram foram recolhidos e voltaram para
suas guarnições humilhados pela derrota. Mas, para surpresa destes soldados, o que lhes parecia
uma grande derrota foi transformado numa grande vitória, sendo que o próprio general
Westmoreland congratulou-os pelos excepcionais resultados. Os meios de comunicação,
principalmente a televisão, ressaltavam o excelente desempenho das tropas em combate,
insinuando que os comunistas poderiam ser batidos em seus próprios domínios.
502
Para os chefes-militares norte-americanos, a lição aprendida foi que o maior
número de baixas do inimigo seria o fator que determinaria a vitória ou a derrota. A contagem
de corpos (“body count”) transformou-se na política de guerra das forças norte-americanas.
Utilizando o maior poder de fogo de seus armamentos e tropas melhor armadas e treinadas, as
forças norte-americanas conseguiam impedir qualquer avanço Vietcong, sem a necessidade de
convocações excessivas, o que poderia resultar numa imagem negativa dentro dos Estados
Unidos. A imprensa norte-americana aceitou essa política, pelo menos até 1968.
503
O lado comunista também aprendeu suas lições na batalha de Ia Drang: ficou
claro que, enquanto que as forças rebeldes (Vietcong e Exército do Vietnã do Norte, em ações
502
- o Vale de Ia Drang ficava perto da fronteira do Vietnã do Norte, tendo sido detectada a presença de
forças norte-vietnamitas na região e enviadas para lá forças norte-americanas para uma operação de
“limpeza”. As lutas que se seguiram à chegada dos norte-americanos foram de grande violência, tendo
seu desfecho decidido pela aviação, que bombardeou as forças norte-vietnamitas (e alguns norte-
americanos também, pois dois aviões operavam com coordenadas erradas, sendo o início de uma série de
erros militares que marcariam a guerra por parte das forças norte-americanas). Um segundo batalhão
chegou em substituição ao primeiro, caindo numa emboscada, pois ele simplesmente entrou no meio das
forças norte-vietnamitas - que ficaram admiradas, pensando que se tratava de algum truque. Depois de
quase ter sido eliminado pelas forças norte-vietnamitas, a aviação voltou para salvar o batalhão e atacou o
local, bombardeando quem estivesse embaixo, pois as forças em luta estavam muito próximas. Extraído
de: Ia Drang - a Primeira Batalha da Guerra do Vietnã. Documentário, produzido pela NBC e exibido pela
Rede Bandeirantes de Televisão em 1994, que não forneceu maiores detalhes sobre a produção e direção;
503
- documentário Ia Drang a Primeira Batalha da Guerra do Vietnã. op. cit.;
combinadas ou em separado) poderiam sofrer pesadíssimas baixas para ganhar a guerra, ou seja,
estavam mais prontas para sacrificar tudo numa vitória, os norte-americanos sofriam pressões
internas dependendo do número de baixas sofridas. Dentro dessa perspectiva, a tática do
Vietcong e do Exército do Vietnã do Norte transformar-se-ia quase em suicídio. Com a trilha
Ho Chi Minh fornecendo o abastecimento de suprimentos e de homens,
504
o Vietcong lutaria
onde e quando achasse melhor, sempre levando em conta as condições do terreno (para
dificultar o maior poder de fogo dos norte-americanos, eles lutariam praticamente “colados” nas
tropas inimigas) e as motivações psicológicas (os norte-americanos deveriam saber que não
eram bem-vindos e que não existia lugar seguro para eles em todo o Vietnã), podendo
determinar o número de baixas que poderiam ter, sendo esse número sempre muito maior do
que os estrategistas norte-americanos poderiam supor.
505
Logo, as baixas norte-americanas
começaram a crescer, levando a guerra a um impasse no ano de 1966, que só se resolveria com a
Ofensiva do Tet no início de 1968.
Antes que a política da “contagem de corpos” dos norte-americanos e as táticas
suicidas dos comunistas entrassem plenamente em ação,
506
possibilidades de paz surgiram. Uma
das maiores aconteceu no final de 1965, quando foi estabelecido uma trégua para o Natal.
Newton Carlos, poucos dias antes do anúncio desta trégua, estava pessimista em relação à
guerra e, principalmente, quanto a inevitável escalada armada:
“Ponto Crítico - A escalada é, portanto, geral. Ambos os
lados intensificam a guerra, levando a crise do Vietnã a um ponto
extremamente crítico. Daí o pessimismo da Europa. Daí a febre de
guerra que toma conta de Washington.”
507
Mas, aparentemente, a situação tinha mudado e uma trégua de natal estava
sendo discutida entre ambos os lados e a Folha de S. Paulo a destacou com insistência em várias
manchetes principais de sua capa. Até mesmo o cético Newton Carlos concordou que existiam
“sintomas evidentes de que o desejo de negociar é geral, o que poderá transformar uma trégua
de Natal num começo de paz a longo prazo.”
508
No dia de Natal, a grande manchete anunciava que “Silenciam os canhões no
Vietnã”, complementando que a trégua de Natal estava sendo respeitada.
509
As esperanças de
uma paz mais duradoura morreriam logo, pois a trégua foi violada - como a manchete do dia
504
- trilha montanhosa que ligava o Vietnã do Norte ao Vietnã do Sul através do Laos e do Camboja, que
servia de linha de reabastecimento para o Vietcong;
505
- s/A. “A Guerra Invencível.In ColeçãoGuerra na Paz”, V. 3, Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1984;
506
- uma outra “tática” norte-americana também era acionada nessa época: a “Operação Fênix”, que
consistia em atos realizados secretamente por forças norte-americanas para que fossem atribuídos aos
comunistas. Extraído de: CBS Classics. Documentário, Estados Unidos, produtora executiva Patti
Hassler, dirigido por Eric Shapiro, exibido originariamente em 02/06/88 e retransmitido como CBS
Classic em 1998;
507
- Folha de S. Paulo (seção “Panorama Internacional”). São Paulo, 16/12/65, p. 2;
508
- Folha de S. Paulo (seção “Panorama Internacional”). São Paulo, 21/12/65, p. 2;
509
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 25/12/65, p. 1;
seguinte acabou por destacar, “EUA denunciam: violada a trégua”, com acusações de ambos os
lados por a terem rompido.
510
No dia 27, a guerra se reinicia
511
e, apesar de uma inexplicada
calma nos dias seguintes,
512
a paz não chegaria tão cedo.
A determinação de ambos os lados ficaria cada vez mais intensa. A viagem de
Lyndon Johnson aos países aliados na Guerra do Vietnã no pacífico (Austrália, Nova Zelândia,
Coréia do Norte, Filipinas, etc.) recebeu a cobertura da revista Fatos & Fotos, que destacou uma
interessante frase do presidente norte-americano, que “pregava a paz” e perguntava: “Que
adianta continuar uma guerra que não podeis vencer?”
513
Provavelmente tais palavras poderiam
perfeitamente terem sido ditas pelo presidente norte-vietnamita Ho Chi Minh, que defendia a
mesma idéia. No “Apelo à nação”, discurso proferido por Ho Chi Minh em 17 de julho de 1966,
podemos destacar a seguinte passagem:
“Johnson e seus acólitos devem estar cientes disto: podem
enviar 500 mil homens, um milhão ou até mais, para intensificar a
guerra do Vietnã do Sul; podem utilizar milhares de aviões para
multiplicar os ataques contra o Norte, mas jamais poderão abalar
nossa férrea vontade de combater a agressão norte-americana, pela
salvação nacional. A guerra poderá durar ainda cinco anos, dez anos,
20 anos ou mais ainda; Hanói, Haiphong e outras cidades ou
empresas poderão ser destruídas, mas o povo vietnamita não se
deixará intimidar. Não existe nada de mais precioso que a
independência e a liberdade. Após a vitória, nosso povo reconstruirá
o país, melhor, maior e mais belo.”
514
A determinação dos rebeldes nunca fora realmente considerada pelas forças
norte-americanas. Um erro absurdo e de trágicas conseqüências.
Em 1966, mais uma vez, a revista Fatos & Fotos analisaria a Guerra do Vietnã
pensando nas possibilidades de uma Terceira Guerra Mundial. Desta vez, o autor é Roberto
Pereira, que destacou os riscos de uma guerra nuclear - o Vietnã é apresentado, como não
poderia deixar de ser, como um dos focos de tensão.
515
A virada de 1966 para 1967 não foi tão esperançosa como havia sido a virada
de ano anterior. As possibilidades de aumentar a escalada eram iminentes, e foram destacadas
por Luiz Edgar de Andrade na revista Fatos & Fotos. O posicionamento da imprensa em relação
à guerra mudara de vez, e as palavras de Edgar de Andrade dão bem a medida das mudanças:
510
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 26/12/65, p. 1;
511
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 27/12/65, p. 1;
512
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 28/12/65, p. 1;
513
- Fatos & Fotos. Nº 302, Brasília, Editora Bloch, 12/11/65, pp. 62-65;
514
- extraído de: Alvarez, Marta Helena. (Org.). Ho Chi Minh. Coleção “Grandes Cientistas Sociais”, São
Paulo, Ática, 1984, p. 87;
515
- Fatos & Fotos. Nº 278, Brasília, Editora Bloch, 28/05/66, pp. 51-4;
“O govêrno de Hanói não se rendeu e aos poucos o
Pentágono se convence de que a única maneira de ganhar a guerra é
destruir totalmente os dois Vietnãs, até a morte do último
vietnamita.”
516
Posicionamento radical demais, talvez, mas mostrava que a política norte-
americana, tão elogiada até então, começava a dar sinais de fracasso.
A Guerra do Vietnã ganhava seus caminhos, mas algumas idéias persistiram: a
China continuava sendo a “vilã”. Um editorial da Folha de São Paulo sobre o comentário do
novo comandante da Marinha dos Estados Unidos, almirante John Wyman Jr. - de que não
bastava bombardear o porto de Haiphong, mas também era necessário miná-lo -, foi considerado
como uma aceitação da política da China. O editorial foi claro neste ponto:
“Ninguém ignora que o principal objetivo da China, no
momento, é criar condições que conduzam a um choque irremediável
entre norte-americanos e russos, cuja aproximação, segundo o ponto
de vista predominante em Pequim, representaria grave contratempo
para a execução dos planos internacionais chineses a longo prazo.”
517
A China impedia que a ajuda soviética passe por seu território, obrigando-a a
ser passada pelo mar e entrar no Vietnã do Norte pelo porto de Haiphong, com possibilidades de
algum navio de bandeira soviética ser atingida pelos bombardeios norte-americanos, o que
impediria um melhor relacionamento entre os dois países, beneficiando a China.
As alternativas para a resolução do conflito estavam cada vez menos
promissoras. Analisando essas alternativas, o editorial da Folha de São Paulo mostrava que o
ambiente para os Estados Unidos saírem da guerra era favorável, mas ninguém apresentava uma
fórmula viável para uma saída, observando que uma “retirada pura e simples não pode, como é
óbvio, ser considerada.”
As reações contra a guerra aumentariam, como na Manifestação em Nova York,
com aproximadamente 100 mil pessoas, que reuniram-se no Central Park e marcharam até o
prédio da ONU, contra a Guerra do Vietnã.
518
As reações contra a guerra aumentariam não
apenas entre os jovens. Em 1967, Noam Chomsky publicou o artigo “The Responsibility of
Intellectuals” (título copiado do ensaio de Dwight McDonald, de 1945), onde ele expressava a
necessidade da reação dos intelectuais contra o consenso da sociedade norte-americana,
516
- Fatos & Fotos. Nº 310, Brasília, Editora Bloch, 07/01/67, pp. 18-23;
517
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 12/10/67, p. 4;
518
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 16/04/67, p. 2;
consenso este que permitiu o lançamento das bombas atômicas contra o Japão em 1945. A
Guerra do Vietnã estaria seguindo, então, o mesmo caminho.
519
A contestação chegaria ao seu auge na grande manifestação em Washington,
em 1967, conhecida como “Os Degraus do Pentágono”, que contou com a presença de 200 mil
manifestantes, tendo um público bem variado de contestadores, e não apenas universitários.
520
Mas não foi uma marcha pacífica, pois alguns manifestantes tentaram invadir o Pentágono e
foram agredidos pelas forças policiais.
521
A contestação à guerra começava a ficar mais violenta,
tanto por parte dos contestadores quanto das autoridades.
522
A Marcha do Pentágono provocou reações na imprensa. O editorial da Folha de
São Paulo sobre ela merece destaque. O editorial abre argumentando que essa manifestação está
no centro de uma complexa situação que envolve a Guerra do Vietnã e, com certeza, irá
estimular a luta vietnamita contra os Estados Unidos, pois “governantes norte-vietnamitas não
escondem que estão lutando não tanto para conquistar o Vietnã do Sul e levar ao poder seus
519
- referências ao artigo: Francis, Paulo. Trinta Anos esta Noite - 1964, o que Vi e Vivi. São Paulo,
Companhia das Letras, 1994; Chomsky, Noam e Herman, Edward S. Banhos de Sangue. São Paulo,
Difel, 1976;
520
- para detalhes sobre os grupos de manifestantes pacifistas ver Mailer, Norman. Os Exércitos da Noite
(Os Degraus do Pentágono).Rio de Janeiro, Record, 1985;
521
- Norman Mailer, comentando as razões do fracasso da invasão do Pentágono pelos manifestantes,
levantou dois pontos: “Um deles é a extraordinária exigência de ação do lado dos manifestantes, se é que
eles iriam fazer alguma coisa. Qualquer um que tenha passado pelo sistema educacional da América está,
num grau inconsciente, a meio caminho de ser patriota. (...) O cérebro é profundamente lavado, restando
reflexos condicionados: camisas brancas, a saudação à bandeira, o Star-Spangled Banner. Em casa, é o
látego da pátria da corporação: o aparelho de televisão. Quem discutirá que não existem idéias fixas sobre
os nossos bravos soldados, corajosos tiras, grande força e brutal capacidade patriótica na terra da
autoridade? Observações óbvias, mas é precisamente essa gigantesca e altamente convencida parcela
inconsciente de cada um que um manifestante tem de superar quando investe com a sua pequena parcela
de um exército contra uma linha de PMs em filas compactadas e de armas engatilhadas; (...) Além disso,
avança-se desarmado contra homens que empunham cassetetes e rifles.” Podemos perceber nesta fala de
Mailer que o condicionamento da sociedade (pela escola, tv, etc.) era bastante profundo, o que interferia
também na ação dos manifestantes - ou, em outras palavras, Mailer nos apresenta a típica idéia da
tecnocracia agindo na mente de todas as pessoas, inclusive nos manifestantes. Mailer, Norman. op. cit.,
pp. 275-276;
522
- mas nem todos os intelectuais norte-americanos eram contrários à guerra. Um dos intelectuais norte-
americanos que ficaram a favor do governo Johnson foi John Steinbeck, famoso por suas obras de crítica
social sobre os anos 30, como As Vinhas da Ira e Boêmios Errantes. Um dos seus filhos estava lutando no
Vietnã quando ele foi visitar Saigon, em 1966. Suas observações sobre a guerra, publicadas pela imprensa
norte-americana, limitaram-se a enfocar o lado humano da guerra, ou seja, descrições da vida dos
soldados nos campos de batalha. Steinbeck escreveu pouco sobre a natureza política da guerra, mesmo
tendo dado seu apoio ao governo norte-americano. Numa carta escrita para Lyndon Johnson, Steinbeck
valorizou o aspecto patriótico: “Sei, Sr. presidente, que o senhor recebe muitos relatórios através de seus
canais oficiais de informação. Mas quero dizer-lhe, por este meio inteiramente informal, que temos aqui
os soldados mais bem treinados, mais inteligentes e mais dedicados que já vi em qualquer exército, e eu
vi soldados em meu tempo. Esses homens são os melhores que já tivemos.” Mas, numa carta destinada
para Elizabeth Otis, escrita pouco tempo depois da carta enviada a Johnson, Steinbeck mostrou-se menos
otimista: “Parece que estamos afundando cada vez mais no pantanal. É verdade. Tenho bastante certeza
agora de que as pessoas que dirigem a guerra não têm nem conceito nem controle dela. E creio que tenho
alguns conceito, mas não posso escrevê-lo.”
Parini, Jay. John Steinbeck - uma Biografia. Rido de Janeiro,
Record, 1998, pp. 536-538;
aliados da Frente de Libertação Nacional, mas para minar a vontade dos Estados Unidos de
prosseguirem no seu presente esforço bélico.”
523
E a Ofensiva do Tet “mudou” a vontade dos Estados Unidos.
Ofensiva do Tet
Qualquer que seja a idéia que se tenha do “revolucionário” ano de 1968, sabe-se
que ele “começou” na ofensiva do Tet. Em janeiro de 1968, Johnson faria um pronunciamento
dizendo que a guerra estava dominada pelas forças norte-americanas e sul-vietnamitas e que
logo estaria ganha. Um mês depois, tudo mudaria.
Aproveitando a trégua do feriado do Tet (o Ano Lunar Indochinês, uma mistura
de natal, fim de ano e dia da independência), as forças do Vietcong e do Vietnã do Norte
realizaram a mais ousada, ampla e violenta investida para tomar o país. Praticamente todas as
províncias do Vietnã do Sul envolveram-se na luta, e as cidades imperiais de Hué e Khe Sahn
foram cercadas pelas tropas comunistas. Saigon foi palco de intensas lutas, e a embaixada norte-
americana foi atacada por guerrilheiros - ou seja, o símbolo da presença norte-americana na
região fora invadido.
524
A violência não tinha parâmetros. Uma das cenas mais chocantes da
guerra surgiu nesse momento: um oficial sul-vietnamita pegou sua arma e, na frente de câmeras
de televisão e de jornais, atirou na cabeça de um suposto guerrilheiro vietcong de camisa
xadrez. A cena, transmitida quase que ao vivo, foi uma das mais famosas e impiedosas do
século XX.
A produção jornalística e a representação da ofensiva do Tet criada pela mídia,
em particular pela televisão, acabou sendo decisiva para o desenrolar da guerra. A ofensiva do
Tet tinha, como um dos seus objetivos principais, atacar posições importantes do ponto de vista
moral e psicológico, e a escolha de fazê-la num momento em que a produção da imprensa, e da
televisão em particular, chegava com mais velocidade, graças ao sistema de satélites, foi a
melhor possível para o Vietcong e Vietnã do Norte, já que a emergência da situação impedia
maiores edições, ou seja, elas chegavam às casas do mundo inteiro com sua potencialidade
máxima.
A invasão da embaixada norte-americana também teve um peso psicológico
muito forte, pois contrastava com o que o presidente Johnson havia dito pouco mais de um mês
antes. O apresentador Walter Cronkite, em seu programa jornalístico da TV, afirmaria: “Que
diabo está acontecendo? Eu pensei que nós estávamos ganhando a guerra!”
525
As forças norte-americanas e seus aliados venceram militarmente a ofensiva do
Tet, conseguindo tomar todas as posições ganhas pelo Vietcong (apenas o cerco sobre a cidade
imperial Khe Sahn duraria mais tempo) e infligindo pesadíssimas baixas (o Vietcong nunca
mais conseguiria ter a mesma capacidade de luta nos anos seguintes, sendo substituído,
gradativamente, pelas forças norte-vietnamitas). Mas a vitória política foi do Vietcong, pois
523
- Folha de São Paulo. São Paulo, 18/10/67, p. 4;
524
- Tuchman, Barbara. W. op. cit.;
525
- extraído de: Machado, Arlindo. A Arte do Vídeo. São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 98;
mostrou, ou pareceu mostrar, que uma vitória norte-americana estava muito longe de ser
alcançada, e para que ela ocorresse, eram necessários muitos mais esforços, tanto em termos
econômicos quanto militares, tornando necessária a presença de um maior número de tropas
norte-americanas.
Mas não havia mais tempo para isso. Como, depois de mais de dois anos de
presença militar norte-americana no Vietnã do Sul, as forças inimigas poderiam dar um ataque
de tal proporção? As palavras de Johnson ditas em janeiro, de que a guerra estava sendo ganha,
foram fragorosamente desmentidas. A guerra, do ponto de vista norte-americano, estava
perdida. Pouco tempo depois, Lyndon Johnson anunciaria que não iria concorrer à reeleição.
Assim como a Guerra da Coréia “vencera” Harry Truman, a Guerra do Vietnã também
“venceria” Johnson.
A televisão, mais do que nunca, representava não apenas a guerra, mas uma
sociedade cindida: a guerra dividiu o país. A produção jornalística escrita - que estava
valorizando as fotografias (ou seja, a produção imagética) - , unida com as imagens vindas de
satélite e apresentadas pela televisão, apresentava construções noticiosas cada vez mais
chocantes, não deixando dúvidas de que a presença norte-americana na região fora um erro. As
notícias foram por demais dramáticas para se ficar indiferente a elas. (embora não inteiramente
no Brasil, que ainda não tinha esse sistema, mas sim nos países que tinham tal tecnologia).
De maneira cada vez mais evidente, a opinião pública começou a condenar a
guerra - mais pela impossibilidade de vencê-la do que pela atuação dos movimentos pacifistas,
que começavam cada vez mais a deixar de serem “pacíficos”.
526
Os efeitos da ofensiva do Tet
também ultrapassaram as fronteiras dos Estados Unidos. Desde 1967, quando as universidades
norte-americanas protestaram contra a guerra, as universidades européias passaram a seguir os
mesmos caminhos. Na Alemanha Ocidental, a Sozialistischer Deutscher Studentenbund
(Federação dos Estudantes Socialistas Alemães, sigla SDS), organizou um congresso
internacional contra a Guerra do Vietnã e, no final do evento, bandeiras vermelhas tremulavam
em Berlim Ocidental, provocando a ira dos conservadores alemães, principalmente dos jornais
do grupo Springer. Um dos líderes do SDS, Rudi Dutschke, foi alvejado por um fanático de
direita em abril de 68, marcando o início das manifestações estudantis na Alemanha.
527
No dia 22 de março de 1968, um grupo de estudantes da Universidade de
Nanterre foi preso pela polícia durante manifestações contra a Guerra do Vietnã. Seu líder:
Daniel Cohn-Bendit. Este grupo, que seria então denominado Movimento 22 de Março, também
526
- a sociedade norte-americana mergulhou em momentos de muita tensão e violência, na luta entre
“pombos” e “falcões”. Os assassinatos de Martin Luther King e de Robert Kennedy, duas importantes
figuras contrárias à guerra, e a violência que marcou a Convenção do Partido Democrata em Chicago
mostraram para muitos contrários à guerra que os caminhos da contestação pacífica tinham se encerrado,
fazendo surgir grupos radicais como os Panteras Negras e os Weathermen, este último uma dissidência da
SDS. Tuchman, Barbara W. op. cit.; e Wells, Tom. op. cit.;
527
- extraído de: Cohn-Bendit, Dany. Nós que Amávamos Tanto a Revolução - 20 Anos Depois. São
Paulo, Brasiliense, 1987;
protestava contra as autoridades acadêmicas. Os protestos de outros estudantes à prisão deste
grupo iniciariam o famoso Maio francês.
528
Não foi apenas na Europa Ocidental que aconteceriam as repercussões do Tet.
Uma mineira boliviana mostra a extensão das “lutas”:
“E, que bonito é sentir que em outros povos temos irmãos
que nos apoiam, se solidarizam com nós, nos fazem compreender que
nossas lutas não são isoladas. Esta solidariedade significa muito. Na
Bolívia, sempre procuramos manifestá-la, atuando de alguma forma.
Por exemplo, nos últimos anos, nos solidarizamos
particularmente com Chile, Vietnã, Laos e Camboja. Nos alegramos
com o triunfo do Vietnã que conseguiu golpear o imperialismo. E de
várias maneiras lhes fizemos saber que, ainda que não fomos
combater ao lado deles, estávamos com os vietnamitas.”
529
Não que a guerra fosse a questão central das problemáticas estudantis, pois cada
país onde tais manifestações ocorreram tinha seus problemas e propósitos específicos. Mesmo
na França, contestava-se o ensino centralizado, ineficaz e regido por normas de conduta
conservadoras.
530
Mas a Guerra do Vietnã também era contestada e, através dos meios de
comunicação, várias partes diferentes do mundo viram seus problemas e aspirações, mesmo que
diferentes, unidos na luta contra a guerra.
A imprensa brasileira, como um todo, cobriu a ofensiva do Tet: o assunto ficou
nas primeiras páginas e nas principais manchetes durante todo o mês de fevereiro nos jornais
Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. A publicação dessas notícias ganhava características
dramáticas, quando não desesperadoras. Cada movimento da ofensiva foi descrito, edições
extras lançadas e cada acontecimento era colocado minuciosamente, quando não
espetacularmente, com inúmeras fotografias e desenhos gráficos, além de descrições de lances
absolutamente desesperados.
A grande imprensa, já matizada por posições contrárias à guerra, assume esse
posicionamento de vez. O editorial da Folha de S. Paulo do dia 1 de fevereiro (ou seja, ainda no
começo da ofensiva) foi muito esclarecedor quanto ao fim das expectativas norte-americanas em
relação à guerra e a queda do seu otimismo. O Vietnã do Sul estava “minado de guerrilheiros”,
mesmo em áreas de forte segurança. O Vietcong mostrava uma força que poucos calculavam
existir. A ofensiva era uma estratégia para forçar as negociações, mas, sendo ano eleitoral nos
Estados Unidos, apenas seriam possíveis após as eleições, concluía o editorial.
531
528
- Cohn-Bendit, Dany. O Grande Bazar as Revoltas de 1968. São Paulo, Brasiliense, 1988;
529
- Viezzer, Moema. “Se Me Deixam Falar...” Domitila Depoimentos de uma Mineira Boliviana. 14ª
ed., São Paulo, Global, 1987, pp. 36-37;
530
- Cohn-Bendit, Dany. op. cit.;
531
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 01/02/68, p. 4;
A ofensiva continuava. A Folha de S. Paulo destacou que o número de mortos,
até o dia 3 de fevereiro, estava “na ordem de 11.500 pessoas”.
532
O editorial do jornal deste
mesmo dia destacaria que os objetivos do Vietcong não eram militares, mas sim psicológicos e
políticos, ou seja, que a FLN e Hanói queriam abrir negociações na base da força, ou pelo
menos com vantagem no tabuleiro de discussões.
533
As lutas dos dias seguintes e os resultados
práticos da ofensiva confirmariam esses pontos de vistas.
O importante desse editoria l não é propriamente sua análise da ofensiva, mas a
mudança de posicionamento do jornal perante a guerra, ou seja, da “culpa” da China não restava
mais nada, principalmente com o Vietcong mostrando-se mais independente do que se poderia
supor de um mero “fantoche” chinês ou soviético. A selvageria das lutas mostrava sua incrível
determinação, exibida tanto pelos meios escritos quanto pela televisão, o que justifica essa
mudança editorial. Para os nossos meios de comunicação, os vietnamitas queriam vencer a
guerra mais do que qualquer outra coisa, com uma determinação que os norte-americanos não
tinham - e jamais teriam.
A televisão brasileira recebia as imagens com defasagem, o que valorizava um
meio ainda importante no Brasil, o rádio. Alfredo Sirkis afirmou que ele acompanhou a ofensiva
do Tet pelo rádio, que a noticiava com grande destaque (“sensação dos noticiários de rádio”) -
ele “torcendo” para o Vietcong, enquanto seu pai “torcia” para os norte-americanos.
534
Pais
contra filhos por causa da Guerra do Vietnã: eis uma situação bastante corriqueira no ano de
1968, pelo menos nos lares de milhares de estudantes.
No dia 6 de fevereiro, quando a queda de Khe Sahn para as forças do Vietnã do
Norte parecia inevitável, Newton Carlos, na sua coluna diária, destacou a presença da televisão
norte-americana na cobertura da guerra, que tinha tornado os cidadãos norte-americanos íntimos
dela, o que estava resultando numa pressão interna muito grande para que ela acabasse o mais
532
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 03/02/68, p. 2;
533
- op. cit., p. 8;
534
- a seguinte passagem é bastante reveladora sobre o “clima” político da época: “Naquele fim de verão
de 68, sob os eucaliptos e bananeiras do sítio, outra coisa me impressionou enormemente, na sensação dos
noticiários de rádio: a ofensiva do Tet, no Vietnã. Convertido à causa vietcong, eu acompanhava,
eletrizado, o cerco a Khe San e a batalha de Hue. As notícias, na bucólica varanda aos som das cigarras,
pareciam verdadeiras finais de copa do mundo, papai torcendo pelos marines, eu pelos vietcongs. Era
mais ou menos assim: - E atenção: Saigon, urgente! Caças-bombardeiros norte-americanos realizaram
mais de 150 incursões contra alvos ao Norte e ao Sul do paralelo 17. Os arredores da base de Khe San
foram novamente alvo de centenas de toneladas de bombas despejadas sobre os vietcongs, pelas
gigantescas fortalezas voadoras B-52... - Napalm neles. Napalm neles. - Torcia papai contente. - ...
segundo o comunicado do comando militar em Saigon, nas últimas 24 horas, foram liqüidados 1.645
vietcongs. As tropas americanas: 3 mortos, oito desaparecidos e 42 feridos... - Tudo mentira! Tão
inventando. - Eu desdenhava, colérico. - ... ainda não confirmaram notícias de correspondentes e agências
de informações, provenientes desta capital, relativas à derrubada, nas últimas 24 horas, de dois jatos F-4
Phantom e seis F-105, pelas baterias e mísseis norte-vietnamitas perto dos alvos nas regiões de Hanói e
Haiphong... - Muuuito bem! É pau nos gringos, é fogo no imperialismo! Ho! Ho! Ho-Chi-Minh! - berrava
saltitante pela varanda. Papai se indignava: - Subversivo! Baderneiro! Vou ter um enfarte por tua causa!
Ah, esse maldito colégio...” Sirkis, Alfredo. Os Carbonários - Memórias da Guerrilha Perdida. 10ª ed.,
São Paulo, Global, 1988, p. 55;
rápido possível.
535
Uma análise dessa natureza permite entender como os que viviam o
momento começavam a entender a cobertura pela televisão - a guerra tinha se tornado íntima
da vida de milhões de pessoas.
No dia 8, mais uma vez o governo militar anunciou que o Brasil não enviaria
tropas para o Vietnã.
536
E em junho, o general “de ferro”, Westmoreland, seria destituído, sendo
substituído pelo general Creighton W. Abrams.
O Massacre de My Lai
Como tinha acontecido durante a Guerra da Coréia, a Guerra do Vietnã também
produziu massacres realizados por ambos os lados. Mas o de My Lai ficaria sendo o mais
famoso deles.
A imprensa norte-americana, até então a favor da guerra, colocou-se quase que
unanimemente contra ela. Do Tet para frente, as matérias seriam mais críticas; as imagens, até
então apresentadas como positivas, ganhariam novas conotações, sendo mostradas como
verdadeiras aberrações. Tal tendência seria acentuada com o incidente de My Lai, onde mais de
cem aldeões foram massacrados por forças norte-americanas.
537
A matéria, realizada pelo jornalista free-lancer Seymour Hersh, chocou a
opinião pública mundial. O massacre de My Lai foi levantado por um jornalista dentro dos
Estados Unidos, que pode assim ter uma distância suficiente para se impressionar com os fatos,
ao contrário dos seus colegas correspondentes na região, que viam massacres constantemente,
sem mais se impressionar com eles, pelo menos a ponto de relatá-los. Como podemos perceber,
535
- Folha de S. Paulo (seção “Panorama Internacional”). São Paulo, 06/02/68, p. 2;
536
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 08/02/68, p. 1;
537
- em 16 de março de 1968, a Companhia C, Primeiro Batalhão, Vigésima Infantaria, Décima-Primeira
Brigada, Divisão Americal, entrou na vila de My Lai e matou entre 90 e 130 homens, mulheres e
crianças, sob o comando do Tenente William L. Calley Jr., como os soldados que participaram da ação
iriam confirmar. O exército começou as investigações em 23 de abril de 1969 e, em setembro, perto do
desligamento de Calley, foi feita uma acusação contra ele pelo assassinato de 109 “seres humanos
orientais”, número que, mais tarde, foi reduzido para 102. Tal registro recebeu cobertura mínima, e o
episódio poderia ter-se encerrado, mas um repórter free-lance, Seymour Hersh, o retomou. Hersh cobria o
que acontecia no Pentágono, mas, desiludido com a política oficial de Washington, demitira-se. Através
de um contato, o advogado Geoff Cowan, que lhe afirmara que o exército estava indiciando um sujeito
por ter matado 75 civis vietnamitas, Hersh, depois de dois dias e vinte e cinco telefonemas, descobriu que
o número era de 109 e que valia a pena investigar. Através do Fundo de Jornalismo de Investigação, que
lhe prometera mil dólares para as despesas, Hersh viajou até o Forte Benning, onde ocorreram as
investigações, e depois de muitas idas e vindas, descobriu o tenente Calley e o entrevistou. A matéria
estava pronta, mas o problema seria publicá-la. As revistas Life e Look se recusaram a publicá-la. Hersh
procurou uma agência pouco conhecida, a Dispach News Service, de Washington, fundada há poucos
meses, que a ofereceu para 50 jornais, ao preço de cem dólares em caso de publicação. Cerca de 36
órgãos da imprensa publicaram a matéria, inclusive o The Times, de Londres. Extraído de: Knightley,
Phillip. op. cit.;
o local da produção da notícia interfere na sua produção, na sua representação. Mesmo assim, o
assunto parecia morrer. Então, apareceram as fotos do massacre, tiradas por um fotógrafo do
exército que estivera em My Lai com Calley. As imagens foram decisivas na matéria, e My Lai
transformar-se-ía num trauma para o exército dos Estados Unidos e para todo o país, que tanto
justificara suas ações no Sudeste Asiático para salvar aquele povo, e não para destruí-lo. Mais
uma vez, as imagens mostraram-se fundamentais para a importância e o impacto de uma
notícia.
538
Uma das conseqüências do episódio de My Lai foi que a imprensa norte-
americana considerou a guerra praticamente encerrada, pois nada mais poderia justificá-la e,
contando-se que os soldados norte-americanos estavam sendo retirados no processo de
“vietnamização”, como veremos mais adiante, a guerra estaria logo encerrada, e as
preocupações deveriam ser desviadas para as conversações de Paris, onde o destino da guerra
estava sendo decidido diplomaticamente. A quantidade de tempo e espaço dedicado a ela
começou a declinar.
539
Mas, como também veremos a seguir, a guerra não diminuíra.
A cobertura da guerra pela imprensa brasileira, nesse momento, foi influenciada
pelas condições políticas de caráter excepcional que o país atravessava. Dominando a produção
de imagens e palavras (quer pela censura ou por órgãos próprios de criação de propagandas),
passando a sua visão dos acontecimentos e utilizando todos os meios de violência possíveis,
inclusive a prisão sem justificativas e a tortura, os militares controlaram a situação no país,
impedindo qualquer possibilidade de os grupos guerrilheiros aumentarem o seu quadro ou de
conseguirem maiores propagandas. Apenas os seqüestros de embaixadores deram alguma
notoriedade a esses movimentos, mas eram mais atos de desespero para salvar seus colegas da
prisão (e da tortura) do que atos de iniciativa estratégica. Para os grupos de esquerda, o
definitivo estabelecimento do aparato repressivo foi outro fator decisivo para a sua derrota.
Neste aspecto, os órgãos de repressão foram organizados para dar maior praticidade às
operações anti-guerrilha.
540
No final de 1969, um golpe poderoso é dado pela repressão: Carlos
Mariguela, o líder da ALN, é morto.
A imprensa ganhava mais um filtro: a censura. A prisão de muitos jornalistas, a
necessidade de se ter diploma para trabalhar na imprensa (apesar de ter atrapalhado, na prática
não impediu ninguém do exercício da profissão) e o endurecimento da repressão fechou muitos
espaços para o trabalho ou mesmo para a apresentação da notícia. Ainda assim a resistência foi
tentada.
538
- Knightley, Phillip. Idem;
539
- Knightley, Phillip. Idem, ibidem;
540
- os órgãos foram: Serviço Nacional de Informação (SNI); Departamento de Ordem Política e Social
(DOPS); dentro de cada exército formou-se o Departamento de Operações e Informações - Centro de
Operações de Defesa Interna (DOI - CODI); coordenação de medidas de segurança entre civis e militares,
chamada de Operação Bandeirantes (OBAN); Gorender, Jacob. Combate nas Trevas a Esquerda
Brasileira: das Ilusões Pedidas à Luta Armada. 3ª ed., São Paulo, Ática, 1987;
Ainda assim a resistência foi tentada. A revista Veja iria se caracterizar como
pólo de resistência nesses primeiros anos de endurecimento do regime. Com Raimundo Pereira
na redação, o estilo neutralista e “frio” da revista seria excepcionalmente utilizado nesse
sentido. Na edição de número 66, aproveitando uma frase proferida pelo presidente Médici, a
tortura seria a matéria de capa: “O Presidente Não Admite Torturas”, sendo que, na edição
seguinte, apareceria uma matéria apresentando o histórico da tortura.
541
Era uma das primeiras
manifestações de oposição da imprensa à nova fase da ditadura militar, com uma utilização
perfeita de técnica e conteúdo: não há referências diretas ao que acontecia no momento, apenas
referências indiretas, parecendo muito mais uma frase de efeito dita pelo presidente e uma
reportagem histórica qualquer, como muitas feitas pela revista normalmente.
A revista Veja destacou muito a Guerra do Vietnã nesses anos, pois era um dos
poucos assuntos com os quais a censura exercia uma pressão menor. Cuba e China eram
(praticamente) assuntos proibidos, então não sobravam muitos espaços, e o Vietnã foi uma
alternativa. Todos os jornais e revistas, então, aproveitaram esse espaço. Mas foi a imprensa
alternativa que mais utilizou este recurso - ou em termos concretos, O Pasquim, pois nesse
momento era o único jornal alternativo relevante.
Embora Paulo Francis tenha se destacado na cobertura da guerra no jornal, ele
não foi o único a escrever sobre o tema - até mesmo Jô Soares arriscou um artigo sobre a volta
do Capitão América, símbolo da liberdade e da violência maniqueísta do bem contra o mal,
utilizado pelos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, dentro da realidade nada
maniqueísta da Guerra do Vietnã.
542
Mas foi Paulo Francis quem dedicou os maiores espaços
para o tema.
A política de Nixon não dava resultados e recebia críticas de Paulo Francis.
Analisando como a Nova Esquerda estava enfrentando o governo Nixon, Paulo Francis não
pode deixar de fazer um comentário ácido ao presidente norte-americano e ao liberalismo:
“Em suma, (Nixon) pretende continuar a guerra, manter o
govêrno absurdo de Saigon, mas, ao mesmo tempo, precisa apaziguar
a opinião anti-guerra nos EUA, que corrói a sociedade americana.
Logo, diz uma coisa e faz outra. Nixon revelou-se um liberal.”
543
Um dos seus mais importantes artigos foi sobre o massacre de My Lai. O artigo,
simplesmente com o título de “My Lai”,
544
mostrou que, apesar desse genocídio específico ter
sido colocado como um fato isolado e excepcional, os massacres na região eram rotineiros. A
541
- Veja. Nº 66, São Paulo, Abril Cultural, 1969, capa; e Veja. Nº 67, São Paulo, Abril Cultural, 1969, pp.
12-25;
542
- O Pasquim. Nº 23, Rio de Janeiro, 1969, p. 16;
543
- O Pasquim. Nº 22, Rio de Janeiro, 1969, p. 22;
544
- O Pasquim. Nº 24, Rio de Janeiro, 1969, p. 3; também são deste artigo as próximas referências;
presença norte-americana no Vietnã era, por si só, um massacre, argumentou Paulo Francis:
várias regiões do Vietnã do Sul não poderiam ser cultivadas nos próximos 50 anos (pela
quantidade de herbicidas despejada); Saigon não passava de um bordel; 30% das forças norte-
americanas funcionavam sob efeito de maconha. O autor completa que o “genocídio é
indiscutível”, e que My Lai é o “dia a dia” no Vietnã. Não que os comunistas fossem menos
violentos, mas lutavam pela liberdade de seu país. Paulo Francis não se posicionou como
pacifista, mas reconheceu que Hanói e o Vietnã do Norte têm popularidade, e que só com o
apoio da população, principalmente da população camponesa, foi que a guerrilha poderia ter
chegado aonde chegou.
A liberdade nos Estados Unidos foi valorizada pelo articulista, pois os grupos
pacifistas podiam exercer pressão para as investigações sobre o massacre. Naturalmente o
Pentágono ou a Casa Branca não aceitavam tal liberdade tranqüilamente - o primeiro omitiu até
quando pode o massacre, e o segundo agiu sob pressões para que não ocorressem modificações
nas perspectivas oficiais. Outro fator considerado por Paulo Francis para a existência do
massacre foi a própria tática de guerra aplicada pelos Estados Unidos, ou seja, a tática de
search and destroy”, busca e destruição, que consistia em atirar em qualquer um em área
suspeita de presença do Vietcong - e My Lai foi uma das vítima inocentes desta tática.
Enfim, o massacre de My Lai pode não ter tido uma grande repercussão nos
resultados da guerra, pois a “maioria silenciosa” (os “débeis de que Nixon fala”) ignorou tais
fatos e a minoria que contestava a guerra era detestada por essa maioria. Os “mass media
(grandes veículos de comunicação) não entravam no assunto da guerra baseados em
especialistas, mas em jornalistas engajados com o executivo, sendo que qualquer coisa antes de
My Lai era mostrado como excepcionalidade.
No artigo de Paulo Francis a Guerra do Vietnã quase foi completamente
esmiuçada. Os pontos que marcaram a guerra foram discutidos em profundidade, apresentando
uma visão difícil de ser exposta em 1969, pois a imprensa já estava sofrendo pressões da
censura. Muitas das idéias contidas no artigo de Paulo Francis já estavam sendo discutidas em
outros meios e em outros países, não sendo sua temática, portanto, inédita. O artigo atualizou
esses debates como nenhum outro meio o fez no Brasil. E o próprio jornal iria denunciar a
omissão dos outros meios de comunicação.
O “fantasma” Pedro Ferreti, no meio da edição número 25, também criticou o
massacre de My Lai, afirmando que a imprensa norte-americana tratava o caso de forma a
colocá-lo como um ponto a favor da democracia dos Estados Unidos. Seus comentários foram
além, pois também criticavam o posicionamento da grande imprensa brasileira, que não dava o
destaque devido e nem considerava sequer que havia ocorrido um massacre - eis a mais pesada
denúncia contra a grande imprensa brasileira em relação à guerra.
545
Até que ponto essa denúncia estava certa? O massacre de My Lai recebeu
cobertura da grande imprensa, mas essa foi pequena, principalmente se comparada à de outros
países. A Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo colocaram apenas algumas colunas, sem
maior expressão, citando-o muito pouco nas edições seguintes. As revistas também noticiaram o
massacre, mas foi a Veja quem mais se estendeu no assunto em algumas poucas edições.
546
O que teria determinado um tão pequeno destaque? Não conseguimos uma
resposta conclusiva nas pesquisas, mas alguns indícios. O primeiro foi o possível
posicionamento dos próprios meios de comunicação. Esta hipótese mostra que o assunto não
interessou à grande imprensa depois de praticamente um ano de incessantes notícias sobre a
guerra, pois acreditava-se que ela não mais chamava a atenção do público, ou que ele estivesse
saturado de notícias sobre a Guerra do Vietnã. Outra hipótese foi que a guerrilha no Brasil
estava acontecendo, e que um enfoque mais detalhado ou apaixonado sobre o massacre (o que
estava ocorrendo no resto do mundo) poderia estimular ainda mais a guerrilha, ou seja, a grande
imprensa não deu destaque ao assunto por causa do seu posicionamento político mais
conservador - ou mesmo contrário às guerrilhas. Uma última hipótese foi a presença da censura.
A censura brasileira no período não tinha uma linha fixa de atuação, sendo inclusive desigual de
meio para meio. Ela podia proibir todo e qualquer assunto, parte dele ou, o que aconteceu
inúmeras vezes, permitindo que o assunto fosse noticiado, mas sem qualquer destaque. Mesmo
Cuba e China, assuntos quase que totalmente proibidos, apareciam nos noticiários, mas
invariavelmente sem destaque, ou com destaque negativo. O mesmo pode ter acontecido com o
massacre de My Lai, pelo menos na grande imprensa, pois, como já vimos anteriormente, O
Pasquim apresentou uma matéria mais consistente sobre o assunto.
Outra denúncia importante de Pedro Ferreti foi quanto à chacina cometida por
Charles Manson e sua “família” (uma comunidade no estilo hippie, liderados por Manson)
contra o casal La Bianca e da atriz Sharon Tate, esposa do diretor de cinema polonês Roman
Polanski.
547
A imprensa norte-americana aproveitou-se desse crime, denunciando as práticas de
grupos de jovens, que tanto criticavam a sociedade norte-americana. Charles Manson e seus
asseclas cometeram tal chacina baseando-se nas leituras de Manson da Bíblia com a música do
“álbum branco” dos Beatles, um dos ícones da juventude naquele momento, o que demonstrava
o perigo das contestações comandadas por jovens, de acordo com a grande imprensa norte-
americana.
545
- O Pasquim. Nº 25, Rio de Janeiro, 1969, pôster central;
546
- Veja. Nº 65, São Paulo, Abril Cultural, 1969, pp. 46-7;
547
- O Pasquim. Nº 26, Rio de Janeiro, 1969, pôster central;
Pedro Ferreti não enxergava as coisas neste sentido, denunciando que a chacina
feita pela comunidade de Manson estava sendo usada para que a sociedade norte-americana
esquecesse o massacre de My Lai, que, de uma maneira ou de outra, foi feito pelo “sistema”.
Charles Manson, ou a cultura “anti-sistema” que o produziu, estaria sendo valorizado demais,
não pelo que fez (um crime, indiferentemente ao que se possa dizer), mas para culpar a rebeldia
da juventude.
548
O massacre cometido pela “família” Manson, assim como o trágico Festival de
Altamont,
549
foram golpes consideráveis para quem confiava na juventude norte-americana e no
Rock’N’Roll como elementos de mudança social, pois tanto Manson como Altamont atingiram
os dois maiores nomes do Rock da época, os Beatles e os Rolling Stones, respectivamente. A
grande imprensa norte-americana utilizou-se muito bem dos fatos: a opinião pública norte-
americana condenaria o comportamento de Manson e os incidentes de Altamont (e,
conseqüentemente, da juventude rebelde), enquanto transformaria o tenente Calley em herói,
assunto que o próprio O Pasquim iria tratar muitas vezes.
A imprensa alternativa procuraria ganhar o simbólico da sociedade brasileira,
tentando passar idéias de resistência e, até mesmo, de revolução. O sonho da revolução
continuava, mas os caminhos estavam fechados. A repressão procuraria dominar o simbólico,
para evitar a ascensão dos guerrilheiros, querendo evitar o que acontecia no Vietnã, onde o
Vietcong dominava o simbólico de sua sociedade. Mesmo a morte de Ho Chi Minh não alteraria
esse quadro.
A Morte de Ho Chi Minh
O Jornal do Brasil foi um dos primeiros jornais brasileiros a mencionar o líder
vietnamita, ainda na época da saída francesa da Indochina, em 1954:
“Ho Chi-Minh, revolucionário profissional treinado em
Moscou, erudito, leitor de Shakespeare e adepto de Confúcio, teve,
durante toda sua vida, um anseio a independência da sua pátria, o
Vietnam. Perseguido pelos franceses, preso pelos ingleses e chineses,
548
- para maiores informações sobre os massacres cometidos pela “família” de Charles Manson ver:
Miles, Barry. Paul McCartney - Many Years From Now. São Paulo, DBA, 2000;
549
- além dos massacres realizados pela “família” Manson, outro acontecimento foi muito explorado pela
imprensa norte-americana para mostrar os “perigos” da juventude e do Rock’n’Roll: o Festival de
Altamont, promovido pelos Rolling Stones, que teve 4 mortes, sendo que uma delas foi um assassinato
realizado pelos seguranças do festival (o grupo de motoqueiros denominado Hell’s Angels) na frente do
palco (e que acabaria sendo filmada e aparecendo, posteriormente, no documentário Gimme Shelter
sobre a excursão dos Rolling Stones de 1969). O Festival de Altamont e sua violência transformou-se no
contraponto do pacífico Festival de Woodstock. Para maiores informações sobre o Festival de Altamont,
ver: Gimmie Shelter. Documentário, Inglaterra, dirigido por David Mayles, Albert Mayles e Charlotte
Zwerin, 1971;
condenado à morte, retornou ao Vietnam para comandar mais de
300.000 rebeldes numa guerra de sete anos contra os franceses.”
550
Em 1969, o recém lançado Jornal Nacional, no dia 9 de setembro, anunciava
que a Junta Militar que tinha substituído o enfermo presidente Costa e Silva endureceria ainda
mais o regime.
551
Enquanto que os militares proclamavam as possibilidades da morte para
aqueles que lutavam pela revolução socialista, curiosamente, outra manchete do mesmo dia,
destacaria a vida de um revolucionário socialista, aliás, a morte de um revolucionário socialista:
Morre o Presidente do Vietnã do Norte, Ho Chi Minh.”
552
A morte do Ho Chi Minh afetou a imprensa brasileira como um todo, e sobre
ele foi publicada uma série de reportagens, quase todas com forte caráter emocional. A matéria
da correspondente italiana Oriana Fallaci, publicada na revista Realidade, louvou o líder
vietnamita morto, fazendo um balanço de sua vida e de sua obra política, lamentando por ele
não ter vivido o suficiente para ver o seu país ganhar a guerra e ter a paz.
553
A sucessão vietnamita seria assunto da revista Veja,
554
mas poucos acreditavam
que as diretrizes da guerra mudariam com a morte de Ho, até pelo contrário: sua liderança era
incontestável e sua morte deveria estimular ainda mais a causa de reunificação do país. Cao Ky,
vice-presidente do Vietnã do Sul, declarou que “Sem Ho Chi Minh, o comunismo é uma
serpente que perdeu a cabeça. Mas que continua venenosa.”
555
Foi uma observação pertinente e
que retratou a realidade que se seguiria nos anos seguintes pois mesmo sem a “cabeça”, a
“serpente do comunismo” ainda tinha muito “veneno”.
***
Batalhas, grandes líderes, massacres... nada faltou às duas guerras. E a imprensa
retratou todos esses acontecimentos, dando sua visão do mundo através deles.
Inchon e Ia Drang foram batalhas decisivas e utilizadas de acordo com os
objetivos dos militares ocidentais, ou seja, foram “vitórias” militares (mais Inchon do que Ia
Drang) que seriam utilizadas para estimular ainda mais o ânimo de guerra de suas forças, sendo
que a imprensa as transformou em momentos gloriosos na luta contra os comunistas.
550
- Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 21/08/54, p. 7;
551
- a manchete foi: “Junta Militar decreta o Ato 14, que prevê a pena de morte e a prisão perpétua em
casos de ‘guerra revolucionária e subversiva’.” Extraído de: s/A. 15 Anos de História. Rio de Janeiro,
Rio Gráfica, 1984, p. 317;
552
- 15 Anos de História. op. cit., p. 317;
553
- Realidade. Nº 44, São Paulo, Abril Cultural, Novembro/69, pp. 148-162; a reportagem de Oriana
Fallaci seria publicada na revista: Veja. Nº 62, São Paulo, Abril Cultural, 1969, p. 16;
554
- Veja. Nº 54, São Paulo, Abril Cultural, 1969, pp. 48-9;
555
- Veja. Nº 62, op. cit., p. 16.
Mas tanto uma batalha quanto a outra escondiam o outro lado da guerra, ou seja,
a determinação dos adversários e suas leituras dos resultados das mesmas: os norte-coreanos
recuariam até a China, preparando-se para uma contra-ofensiva futura; os norte-vietnamitas e
Vietcogs perceberam que poderiam ganhar a guerra apesar das circunstâncias desfavoráveis.
Logo, a China entraria na Guerra da Coréia, “reforçando” os contigentes norte-coreanos; e a
Ofensiva do Tet destruiria as chances de vitória dos Estados Unidos.
Não que tais iniciativas impedissem os massacres e massacres são comuns em
qualquer guerra. Quantos “My Lai” existiram nas duas guerras? Bem mais do que foi noticiado,
provavelmente. E podemos perceber o “uso” do massacre de My Lai feito pela imprensa
alternativa brasileira, ou seja, a denúncia contra os Estados Unidos, contra a ditadura militar
brasileira e contra a grande imprensa, tanto a brasileira quanto a norte-americana.
A imagem dos generais, dos líderes militares das guerras, foram devidamente
construídas no decorrer das mesmas, pois tanto MacArthur quanto Westmoreland apresentaram
imagens poderosas na mídia : eles eram imbatíveis, determinados, “de ferro”, etc. Seus erros,
fraquezas e limites apareceriam e ambos seriam destituídos, assim como seriam destruídas as
carreiras políticas de Harry Truman e Lyndon Johnson pelos impasses nas guerras. Mas a
grande imagem de “força” seria legada para o presidente do Vietnã do Norte, Ho Chi Minh,
embora fosse uma imagem igualmente construída pela imprensa “de esquerda”. As guerras
vivem, essencialmente, de imagens, como podemos perceber.
E o impacto visual da Guerra do Vietnã superava, em muito, o da Guerra da
Coréia. A Ofensiva do Tet foi quase que um “espetáculo” para a televisão, provocando reações
mundiais, principalmente de protesto contra a presença norte-americana no Vietnã. E o
Massacre de My Lai já estava desaparecendo do cenário político, quando as fotografias o
colocaram outra vez.
A Guerra da Coréia, com algumas exceções, não tinha conseguido muitos
impactos através do visual, característica que “sobrou” na Guerra do Vietnã.
As Guerras, a Sociedade Brasileira e a
Imprensa
As duas guerras não deveriam, em princípio, ter afetado a vida político-social
brasileira, pois tanto a Coréia quanto o Vietnã não têm grandes relações culturais, econômicas
ou políticas com o Brasil. Mas as guerras “invadiram” a vida brasileira. A Guerra Fria era um
assunto “global” e quaisquer eventos relacionados a ela ganhavam grandes destaques ao redor
do mundo e, logicamente, também no Brasil, como foi o caso das duas guerras - e a imprensa
brasileira estava pronta para “trazer” ao Brasil estes eventos.
As guerras atingiram, além da própria imprensa, a publicidade: em janeiro de
1950 o aparelho de televisão, que iria ser lançado no país, recebeu na revista O Cruzeiro um dos
seus primeiros anúncios - que utilizou-se, justamente, da Guerra da Coréia como tema. O
anúncio apresentou um mapa das duas Coréias numa página inteira, com o paralelo 38 em
chamas, numa clara alusão ao conflito, junto de uma Rosa dos Ventos no canto direito da
página, com os seguintes dizeres dentro: “PHILCO - de Fama pela Qualidade.”
556
Na outra
página, junto com uma fotografia de um aparelho de televisão, completava-se o anúncio:
“Assim como o senhor escolhe as estações mais bem
informadas idôneas para se pôr a par dos acontecimentos do mundo,
prefira também, para a recepção de tais irradiações, o rádio moderno
por excelência e que traz para garantia de sua satisfação, a marca
PHILCO - de fama mundial pela qualidade.”
557
O interesse da publicidade pela guerra do Vietnã no Brasil não foi menor. A
revista Fatos & Fotos, em 1966, publicaria um informe publicitário sobre o papel da imprensa
na sociedade, o que mostra bem como a problemática da Guerra do Vietnã estava presente na
imprensa brasileira. O informe elogia o homem de imprensa, destacando os seus riscos para
trazer a notícia:
“Todo dia há alguém no Vietname arriscando a vida para
que você seja bem informado. O resultado de sua missão de ontem
pode estar em apenas cinco linhas do jornal de hoje, na manchete, ou
na cesta do Secretário.”
558
A Guerra do Vietnã tinha força bastante para justificar um anúncio desta
natureza, pois além de ser um tema conhecido que crescia e interessava a um número cada vez
maior de leitores, era suficientemente violento para que a referência pudesse ter todos os
requisitos para chamar a atenção.
A Guerra do Vietnã era a guerra da moda e reportagens curiosas eram
publicadas. Uma delas apareceu na revista Fatos & Fotos, que destacava a presença de uma
mulher correspondente de guerra, Michèle Ray, a primeira mulher a cobrir a guerra
propriamente dita - até então, de acordo com a reportagem, outras correspondentes tinham como
hábito apenas cobrir as conseqüências da guerra, como crianças refugiadas ou problemas em
Saigon, mas sem entrar no campo de batalha. O artigo destaca a presença da mulher numa
cobertura de guerra (“Pela primeira vez uma mulher se transforma em correspondente de guerra
para ver o Vietnã de perto”, o subtítulo da reportagem), mas também deixa claro que a
556
- O Cruzeiro. Nº 39, Rio de Janeiro, 15/07/50, pp. 26 e 27;
557
- op. cit.;
558
- Fatos & Fotos. Nº 297, Brasília, Editora Bloch, 08/10/66, pp. 6-7;
curiosidade da reportagem está na beleza física da correspondente (“Atraída pela aventura, ela
se transformou na mais elegante correspondente de guerra de todos os tempos.”).
559
Publicações de valor intelectual duvidoso, mas com claros interesses
comerciais, começaram a aparecer, pois a guerra tornara-se um assunto “quente” em termos de
venda. A revista Fatos & Fotos publicou um anúncio de um livro sobre a Guerra do Vietnã, A
Verdade Sobre o Vietnã, contendo, conforme o anúncio, “informações secretas” e “fotos
inéditas” e mesmo a “história completa da crise que abala o mundo”.
560
A mediocridade
intelectual da obra é menos importante do que o interesse na sua publicação, mostrando que o
assunto assumia uma grande relevância no mercado editorial brasileiro.
As guerras serviram também para destacar questões políticas internas
brasileiras, como veremos, e seriam intensamente “usadas” pela imprensa.
A Guerra da Coréia e o Brasil
O início da Guerra da Coréia foi um momento de muita tensão e de inúmeras
dúvidas para o governo Dutra.
561
Poucos dias depois da invasão norte-coreana à Coréia do Sul,
todas as guarnições brasileiras ficaram de prontidão, esperando que o conflito coreano pudesse
ser o início de uma Terceira Guerra Mundial.
562
Passada essa impressão inicial, o governo
Dutra concluiu que o conflito estava apenas restrito ao território das duas Coréias. Mesmo
assim, algumas reações perante a guerra foram bastante inusitadas: a Rádio Jornal do Comércio
do Recife convenceu o polêmico frei José Mojica a rezar pelo fim da Guerra da Coréia, sendo
que a tal missa aconteceu no estádio do Retiro e levou um público de quarenta mil pessoas.
563
O Estado de S. Paulo celebrou positivamente a reação ocidental contra a
invasão norte-coreana com a manchete “Intervenção Armada Norte-Americana na Coréia”,
publicada no dia 28 de junho. A manchete menor reafirmou essa celebração: “A ONU Impõe
Sanções Militares na Coréia.”
564
Já na seção editorial do jornal o Medo da Terceira Guerra
Mundial ganhou destaque, sendo que o título do editorial foi bastante revelador: “Coréia, Início
559
- Fatos & Fotos. Nº 308, Brasília, Editora Bloch, 24/12/66, pp. 38-40;
560
- Fatos & Fotos. Nº 218, Brasília, Editora Bloch, 03/04/65, p. 35;
561
- de acordo com Carlos Lacerda, “quando começou a Guerra da Coréia - e alguns ministros
convenceram o Dutra de que isso era o começo de uma nova guerra mundial - , o Brasil tinha um colosso
de divisas acumuladas no estrangeiro. Divisas ganhas durante todo o tempo de guerra mundial pelo
fornecimento de matéria-prima aos Aliados que não nos podiam pagar. (...) Quando acabou a guerra, em
vez de explorar essas divisas o governo brasileiro abriu as portas à importação de toda a sorte
quinquilharias (sic). O Brasil inteiro se cobriu de porcaria.” Lacerda, Carlos. Depoimento. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1978, p. 86;
562
- complementando o comentário da nota anterior, Carlos Lacerda disse que: “Não foi por má fé, nem
por nada, foi por um fenômeno de incompreensão, isto é, por incompreensão do fenômeno mundial, por
desinformação. As pessoas meteram na cabeça que a guerra da Coréia era o começo, digamos, da terceira
guerra mundial, e que, portanto, não adiantava o Brasil ter divisas lá fora, era bobagem, tinha que gastar
aquilo antes, porque a Inglaterra ia acabar... Havia quem jurasse que a Inglaterra estava com os dias
contados, que a Europa tinha acabado, que o mundo estava na maior bagunça.” Lacerda, Carlos. op. cit.;
563
- Lenharo, Alcir. Cantores do Rádio - a Trajetória de Nora Ney e João Goulart e o Meio Artístico de
seu Tempo. Campinas, Editora da UNICAMP, 1995;
564
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 28/06/50, p. 1;
da III Guerra Mundial?” O editorial comparou o clima da Coréia com os eventos que
antecederam a Segunda Guerra Mundial, em particular a Guerra Civil Espanhola e as
intervenções nazistas na Áustria e na Iugoslávia. As inúmeras denúncias de Washington em
relação aos soviéticos, feitas até então, tornavam-se, de acordo com o editorial, numa dura
realidade, pois “a agressão comunista sempre esteve na tocaia e, para que se desencadeasse,
aguardava apenas uma oportunidade propícia.”
565
O editorial defendia a idéia de que os Estados Unidos são conscientes do seu
papel de “guardiães da democracia”, mas que não poderiam estar sozinhos nesta luta. A
participação brasileira, tornava-se, portanto, necessária, pois “entre esses defensores da
liberdade, mas já na primeira linha, formaremos nós, o Brasil.”
566
O jornal, que sempre defendeu a criação de uma força latino-americana liderada
pelo Brasil contra comunismo, reafirmou esse propósito exigindo a participação direta do
Brasil no conflito coreano. Era uma das primeiras vezes que a idéia da participação militar do
Brasil na Coréia foi defendida publicamente, como podemos perceber através do encerramento
do editorial:
“Seja qual for a sorte dos Estados Unidos na decisiva
arrancada que iniciaram, com eles estará o Brasil. E, na hora grave
que vivemos, a sorte só poderá pronunciar-se em dois sentidos: ou a
coragem de Washington mostra-se capaz de frustar a agressão
comunista, ou será preciso reprimi-la por outros meios. Mas, dessa
vitória, venha ela da autoridade moral ou seja determinada pelo valor
demonstrada na luta, temos e reclamamos o direito de participar.”
567
(grifos meus)
O “esforço mundial” contra a agressão comunista na Coréia logo viria cobrar a
parte brasileira: o país seria consultado sobre suas possibilidades de fornecer auxílio para os
esforços de guerra da ONU. O Estado de S. Paulo, na manchete do dia 30 de junho, destacou o
posicionamento brasileiro: “O Brasil Apoia a Resolução do Conselho de Segurança da ONU”,
sendo que o “Governo brasileiro cumprirá na medida de suas possibilidades o disposto no art.
49 da Carta de São Francisco, diz um comunicado do Itamarati.”
568
No mesmo dia, a Folha da
Manhã também destaca a resposta brasileira: “Resolve o Brasil Cooperar na Execução das
Medidas Adotadas pelo Conselho de Segurança”. A notícia relatava que o
“Ministério das Relações Exteriores, com a devida
autorização do sr. presidente da República, determinou ao delegado
permanente do governo brasileiro perante as Nações unidas que
565
- op. cit., p. 3;
566
- Idem;
567
- Idem, ibidem;
568
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 30/06/50, p. 1;
informasse o secretário-geral e, por intermédio deste o Conselho de
Segurança, de que o governo brasileiro cumprirá, na medida dos seus
meios, o disposto no artigo 49 da Carta de São Francisco.”
569
(grifos
meus)
No dia 2 de julho, o Correio da Manhã também destacou o posicionamento
brasileiro na notícia “Cooperação Mais Ativa dos Estados Unidos com o Brasil”, onde “o sr.
Raul Fernandes salientou que o Brasil, em tão angustiosa conjuntura, cumprirá, na medida dos
seus meios, os compromissos que aceitou ao assinar a Carta de São Francisco.”
570
O que significava exatamente “na medida dos seus meios”? No decorrer da
guerra iria significar café e medicamentos, além de votos favoráveis do Brasil para os Estados
Unidos na ONU, mas nada que pudesse significar o envio de soldados brasileiros à Coréia, o
que era, essencialmente, a principal exigência norte-americana, pois os Estados Unidos queriam
criar uma Legião Interamericana para combater na Coréia.
O editorial do O Estado de S. Paulo do dia 9 de julho, “O Exército
Internacional”, voltava a defender a formação de um exército internacional com a presença
brasileira:
“Mas para além dessa visão demasiada estreita, chamam-
nos nobres e superiores ideais. Poucas nações terão contribuído,
como a nossa, para o estabelecimento e preservação da lei
internacional. Poucos povos, como o nosso, terão feito tantos
sacrifícios para que não pereça a liberdade. e, nesse instante, estamos
dispostos a sacrificar de nosso sangue a fim de que se marque
imperecivelmente na consciência das gerações que virão o valor que
atribuímos à lei e à liberdade, objetivos supremos da grande batalha
que ora se inicia - a batalha da paz.”
571
Enquanto as lutas na Coréia do Sul concentravam-se em Pusan, o pedido da
ONU para que o Brasil especificasse que auxílio pretendia dar aos esforços de guerra foi
publicado pela Folha da Manhã em 18 de julho de 1950: “Chega ao Itamarati a Consulta da
ONU”. O general norte-americano Omar Bradley havia sugerido que o país enviasse uma força
de vinte mil homens. O ministro de relações exteriores, Raul Fernandes, respondeu à imprensa:
“Só posso dizer que o governo vai considerar o assunto.”
572
O pedido da ONU repercutiu na Câmara Federal, com senadores e deputados
esquivando-se de uma resposta imediata, mas a recusa de enviar tropas brasileiras para a Coréia
parecia inevitável. O senador paraibano José Américo declarou-se contra o envio de tropas, pois
569
- Folha da Manhã. São Paulo, 30/06/50, p. 1;
570
- Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 02/07/50, p. 2;
571
- op. cit., p. 3;
572
- Folha da Manhã. São Paulo, 18/07/50, p. 1;
o país não estava em condições econômicas para tal ação.
573
O líder da UDN, Ferreira de Sousa,
foi mais direto ainda, como publicou a Folha da Manhã:
“Estão as nossas forças armadas devidamente
aparelhadas para atender à solicitação da ONU? Dispomos de
recursos financeiros para transportar e sustentar no Extremo Oriente
um corpo expedicionário de vinte mil homens? Nossos compromissos
internacionais nos obrigam a esse sacrifício?”
574
Todas essas perguntas foram respondidas pelo senador com um categórico
“não”.
Mesmo assim, a imprensa cobrava um posicionamento brasileiro, pois a
iniciativa de uma força mundial estava na ordem do dia, como podemos perceber na Folha da
Manhã:
“O apelo dirigido aos países-membros da ONU, inclusive
o Brasil, que se puseram ao lado das Nações Unidas contra a
agressão comunista na Coréia, representa um brado de alerta ao
mundo democrático. As manobras expansionistas da União Soviética,
que tenta converter pela dominação política e territorial todas as
nações do globo à ideologia vermelha, acabam de ser desmascaradas
em face do golpe armado da Coréia, que faz prever ofensivas em
maior escala através da Ásia e na própria Europa Ocidental.”
575
As negociações para a contribuição brasileira na guerra da Coréia começaram
em agosto, com reuniões realizadas no Rio de Janeiro e Washington, entre os representantes
diplomáticos dos dois países.
576
A questão não iria limitar-se nos pedidos norte-americanos,
pois, como veremos adiante, a questão da presença ou não de tropas brasileiras na Coréia iriam
dividir as Forças Armadas.
A Guerra do Vietnã também produziria tensas discussões no ambiente político
brasileiro, também com questões envolvendo discussões sobre o envio de tropas brasileiras para
o Sudeste Asiático.
Guerra do Vietnã e o Brasil
573
- op. cit., p. 4
574
- Idem;
575
- Idem, ibidem;
576
- curiosamente, Carlos Lacerda, sempre tão ativo nas suas posições contra o comunismo de um modo
geral, era contra o envio de tropas brasileiras à Coréia para combater o comunismo. Apesar das críticas
agudas do seu jornal aos comunistas na Coréia, como vimos, para o jornalista, o Brasil tinha de se
preocupar com a Europa e África, não com a Coréia. Dulles, John W. F. Carlos Lacerda - a Vida de um
Lutador. V. 1, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992,
Em agosto de 1964, em sua coluna na Folha de S. Paulo, Newton Carlos
destacou o posicionamento do novo regime brasileiro em relação à crise no Sudeste Asiático, o
que mostrava as diretrizes que os militares assumiriam nos anos seguintes: apoio a qualquer
atitude contra o comunismo.
577
Como era uma intervenção para auxiliar um país que estava
sendo atacado pelo comunismo - o mesmo motivo que os militares haviam alegado para
justificar sua ascensão ao poder - , a posição do governo brasileiro de apoiar os Estados Unidos
foi bastante lógica e, até mesmo, esperada, principalmente por ter sido alegado que houve uma
agressão norte-vietnamita (ou seja, comunista) a barcos norte-americanos em águas
internacionais.
Desde as primeiras notícias do agravamento da crise no Sudeste Asiático, o
governo militar brasileiro mostrava-se muito preocupado com a situação, desejando um rápido
desfecho, de preferência com os resultados favoráveis aos norte-americanos.
578
O risco não era
apenas de um eventual exemplo a grupos de oposição, que ainda poderiam exercer alguma
reação dentro do Brasil, mas também a pressão dos seus próprios aliados, os Estados Unidos,
que queriam uma força mundial no Vietnã do Sul, e a presença do maior aliado norte-americano
na América Latina era indispensável, pelo menos na ótica do presidente Lyndon Johnson. O
presidente Castelo Branco tinha total idéia desse risco, pois era informado sobre a maioria das
operações que eram efetuadas no Vietnã pelo próprio Johnson. Luís Viana Filho, na sua
biografia de Castelo Branco, nos relata essa correspondência e a recusa de Castelo Branco a
mandar tropas ao Vietnã, justificando esta atitude através da lógica dos preceitos da Escola
Superior de Guerra.
579
Por esses conceitos, o Brasil deveria defender uma área específica, surgindo daí
a teoria dos Círculos Concêntricos ou cones, ou seja, áreas estratégicas delimitadas que o Brasil
deveria intervir em casos de emergência, sendo que os Estados Unidos é que deveriam
ultrapassar esses espaços e atuar mundialmente. O Brasil teria de se preocupar com o “círculo
concêntrico” do Atlântico Sul, intervindo (quer por alianças ou por pressão militar) nos instáveis
vizinhos Paraguai, Bolívia, Venezuela, Uruguai e na sempre rival Argentina; o “cone” da
margem do Atlântico, preocupando-se com o litoral africano, que assistia a inúmeras lutas de
caráter anticolonial (mas já matizadas com o marxismo); e o “cone” norte barrando a influência
da Revolução Cubana (o que explicaria a presença de tropas brasileiras na República
Dominicana, em 1965). O papel dos Estados Unidos seria o de auxiliar todos os lugares do
mundo onde existisse ameaça comunista, como estavam fazendo no Sudeste Asiático.
580
Dentro
577
- Folha de S. Paulo (seção “Panorama Internacional”). São Paulo, 08/08/64, p. 4;
578
- Miyamoto, Shiguenolli e Silva Gonçalves, Williams da. A Política Externa Brasileira e o Regime
Militar: 1964-1984. Coleção “Primeira Versão”, Nº 38, Campinas, IFCH/UNICAMP, 1991;
579
- Viana Filho, Luís. O Governo Castelo Branco. 2ª ed., Rio de Janeiro, José Olymp io, 1975;
580
- Miyamoto, Shiguenolli e Silva Gonçalves, Williams da. op. cit.;
dessa lógica, a presença brasileira no Vietnã do Sul seria desnecessária, já que o país já estava
cumprindo o seu papel dentro do continente americano.
Talvez para os militares brasileiros tal lógica fosse coerente, mas não o era para
o governo norte-americano, em particular para o presidente Lyndon Johnson, que insistia na
criação de uma força mundial, provavelmente apoiada pela ONU, no Vietnã (como acontecera
na Guerra da Coréia e aconteceria na intervenção na República Dominicana, referendada pela
OEA). Numa carta de Johnson para Castelo Branco, o presidente dos Estados Unidos deixou
claro sua intenção:
“Nos últimos dias, venho revendo esta situação (o
agravamento da crise no Vietnã do Sul) à luz de informes atualizados
recebidos de meus assessores de maior confiança. Embora ainda não
tenha sido tomadas decisões finais aqui posso dizer ao senhor que
será necessário aumentar as forças armadas dos Estados Unidos
presentes no Vietnã do Sul em um número possivelmente igual ou
superior aos 80 mil que já estão lá.
(...)
Fui informado de que o governo brasileiro já
providenciou o envio de café e medicamentos para o Vietnã, através
da Cruz Vermelha Brasileira, e tenho certeza de que esses artigos são
muito necessários àquele país. Em vista das atuais circunstâncias,
porém, parece que se fará necessária ajuda adicional, e estou muito
interessado em conhecer seu ponto de vista em relação a que tipo de
assistência adicional o governo brasileiro talvez pudesse
fornecer.”
581
(grifos meus)
O governo norte-americano condicionou um empréstimo ao Brasil, no valor de
150 milhões de dólares, à presença de tropas brasileiras no Vietnã.
582
Mas, como a ONU não
aprovou tal força militar, o Brasil não se prontificou a enviar tropas ao Vietnã.
O governo de Castelo Branco daria apoio total ao governo de Lyndon Johnson e
ao governo do Vietnã do Sul, exportando café e enviando ajuda médica através da Cruz
Vermelha do Brasil.
583
Apesar do auxílio brasileiro limitar-se apenas ao envio de café e de
medicamentos, os sul-vietnamitas colocariam o nome do país num monumento, com nomes de
todos os países que ajudavam o Vietnã do Sul.
584
Não seria a última vez que o governo dos Estados Unidos iria propor que o
Brasil se envolvesse diretamente no Vietnã: Henry Kissinger, numa carta escrita em nome de
Richard Nixon e endereçada ao presidente Médici, datada de 16 de julho de 1973, solicitava que
o Brasil substituísse o Canadá na comissão de quatro países que tentaram monitorar (sem
581
- carta do presidente norte-americano Lyndon Johnson ao presidente brasileiro Castelo Branco, datada
de 25/07/65, publicada pela: Folha de S. Paulo. São Paulo, 07/05/95, p. 16;
582
- o Relatório Bowdler apresentava um item que liberava um empréstimo de 150 milhões de dólares
caso o Brasil desse uma ajuda adicional aos esforços de guerra norte-americanos no Vietnã do Sul.
Relatório publicado na: Folha de S. Paulo, op. cit.;
583
- Viana Filho, Luís. op. cit.;
584
- Barreiros, Luís. Saigon Meu Amor. São Paulo, Edrel, 1973;
sucesso) os Acordos de Paz de Paris, pois “o governo é ideologicamente sólido e o país tem
experiência internacional”.
585
O governo Médici recusou a oferta o Vietnã era um problema
“espinhoso” demais para o regime militar brasileiro participar.
O envio ou não de tropas brasileiras para a Coréia continuaria sendo uma
questão política difícil para o Brasil.
Nacionalistas x Liberais
A presença do Brasil na guerra estava sendo cada vez mais cobrado pela
imprensa. A entrada da China no conflito e o quase início da Terceira Guerra Mundial
obrigavam o país a tomar providências mais sérias, defendiam os jornais. A Folha da Manhã
reiterou esse posicionamento em novembro de 1950:
“Às classes armadas competem outros deveres e outras
tarefas, perfeitamente definidas, entre elas a defesa da soberania
nacional, mediante a manutenção - até mesmo nos campos de batalha,
se for preciso - dos compromissos de ordem internacional que o
governo firmou, em nome do povo pelo qual foi eleito.”
586
Mas nem todos concordavam com o envio de forças para a Coréia. Luís Carlos
Prestes, o presidente do clandestino PCB, lançaria o “Manifesto de Agosto de 1950”, em
primeiro de agosto (o mesmo seria publicado pela Tribuna Popular no dia 6), documento este
que era um ataque direto contra o governo Dutra e, principalmente, contra as possibilidades do
país entrar na guerra. Prestes ressaltou que “é a guerra que nos bate às portas e ameaça a vida
de nossos filhos e o futuro da nação.
587
Sobre a Guerra da Coréia especificamente, Prestes
afirmou:
“Na Coreía, os aviões norte-americanos já trucidam as mulheres e crianças e
bombardeiam povoações pacíficas. É que, premidos pela crise econômica em que se
debatem, querem precipitar o desencadeamento da guerra mundial, já proclamam
cinicamente suas bárbaras intenções e ameaçam matar com suas bombas atômicas a
mulheres e crianças, a jovens e velhos, indistintamente, para impor ao mundo sua
dominação escravizadora.”
588
585
- Kissinger, Henry. Registro secreto liberado pelo National Archives, Washington, Estados Unidos,
2001;
586
- Folha da Manhã. São Paulo, 12/11/50, p. 4; o posicionamento brasileiro em relação ao conflito
coreano ficou definido ainda em outubro, (ou seja, antes da entrada de forças chinesas na Coréia).
Enquanto a guerra estivesse no Extremo Oriente, o país auxiliaria as forças da ONU com víveres e
matérias-primas, repensando essa ajuda caso a guerra chegasse na Europa. Enquanto isso, a defesa
nacional iria reforçar-se. Esse posicionamento brasileiro cauteloso devia-se, logicamente, ao bom
desempenho das forças da ONU depois do desembarque de Inchon. Como a guerra parecia estar
praticamente decidida, era desnecessário o envio de tropas para os campos de guerra coreanos. A entrada
das forças chinesas não mudou esse quadro;
587
- Imprensa Popular. Rio de Janeiro, 01/08/50, p. 1;
588
- op. cit.;
Prestes ressaltou o caráter imperialista da iniciativa dos Estados Unidos ao
tentar envolver o Brasil no conflito:
“E é por meio do terror fascista, procurando criar um
clima de guerra civil, que o governo de traição nacional de Dutra
quer levar o país à guerra e fazer nossa juventude carne de canhão
para as aventuras bestiais de Truman.
(...)
“Lutemos pela paz contra qualquer participação na
criminosa intervenção guerreira de Truman na Coréia e na China.
Nada, mas absolutamente nada para a guerra imperialista! Nenhum
soldado do Brasil para ajudar a agressão americana à Coréia. A luta
dos povos asiáticos contra o imperialismo é parte integrante de nossa
própria luta de independência do Brasil do jugo imperialista. Que os
norte-americanos saiam imediatamente da Coréia!”
589
A linha política do PCB defendia a paz mundial. Não era, entretanto, uma linha
própria: Stalin a havia determinado, sendo que grande parte dos movimentos pacifistas europeus
estavam sob o domínio dos soviéticos e serviam para pressionar os Estados Unidos.
590
A “defesa
da paz” seria muito criticada pela grande imprensa, conhecendo ou não o domínio stalinista
sobre os grupos pacifistas.
Os debates dentro do Brasil sobre a participação ou não de tropas brasileiras na
Guerra da Coréia provocariam as maiores crises da política brasileira na primeira metade dos
anos 50.
Durante o primeiro governo Vargas, em particular durante o período do Estado
Novo, muitas questões sobre o desenvolvimento econômico do país foram sendo discutidas
entre os grupos econômicos e políticos, apesar da ditadura. A questão do desenvolvimento
econômico dividiu o debate entre grupos que defendiam a vocação agrícola brasileira e aqueles
que defendiam uma política de vigorosa expansão industrial. Os pontos centrais dessa discussão
versavam sobre o controle e utilização dos recursos energéticos brasileiros, em particular o
petróleo e os minérios atômicos. Era necessário o capital estrangeiro para explorar esses
recursos ou seria preciso apenas o controle nacional, sob forma de intervenção estatal e de uma
política de proteção ao capital nacional? Tais discussões criaram dois grupos. O primeiro grupo
seria chamado de liberal ou antinacionalista (ou “entreguista”, pejorativamente). O segundo
seria chamado de nacionalista (ou populista” ou queremista”, esses dois últimos
pejorativamente).
591
589
- Idem, p. 6;
590
- Holloway, David. Stalin e a Bomba. Rio de Janeiro, Record, 1997;
591
- de acordo com Octavio Ianni, o primeiro grupo era o “mais antigo e ao mesmo tempo mais
conservador é o modelo exportador. Implica na hegemonia do setor agrícola (...). Tem a sua contrapartida
necessária na importação de manufaturas. Envolve a dependência externa, devido à comercialização
internacional da parte principal do café. Portanto, os centros da política econômica no Brasil estão
localizados no estrangeiro.” Já o outro grupo “Fundamenta a política externa independente e implica
numa doutrina autônoma. Os elementos fundamentais desse padrão político-econômico estão
consubstanciados na democracia populista desenvolvida depois de 1945. Esse é o modelo getuliano.”
Ianni, Octavio. O Colapso do Populismo no Brasil. 4ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978,
pp. 53 e 54;
Tais debates não ocorreriam apenas dentro do âmbito civil, mas também, e
principalmente, dentro do âmbito militar.
592
Duas correntes também seriam formadas dentro das
Forças Armadas: uma nacionalista, que lutava contra o capital estrangeiro e da subordinação do
Brasil aos Estados Unidos; e a outra liberal, a favor do capital estrangeiro e a favor da
subordinação do Brasil aos Estados Unidos.
593
Podemos ainda identificar uma terceira corrente
dentro das Forças Armadas, que estava ligada aos nacionalistas: os nacionalistas radicais,
grupo este que levaria os ideais nacionalistas ao extremo e que iria provocar as mais intensas
polêmicas dentro do Clube Militar, como veremos a seguir.
594
Mas existiam diferenças relevantes das discussões realizadas entre os civis e os
militares: dentro das Forças Armadas havia um consenso entre os grupos de que o país apenas
poderia ser uma potência econômica (e, conseqüentemente, uma potência militar) caso o país
fosse desenvolvido industrialmente. Assim, a instituição militar defendia, essencialmente, uma
política de desenvolvimento industrial.
595
A discordância entre os grupos dentro das Forças
Armadas estava quanto aos meios de alcançar esse desenvolvimento industrial: os nacionalistas
defendiam o modelo do Estado Novo, enquanto que os liberais defendiam a participação do
capital estrangeiro.
Os nacionalistas recebiam apoio intelectual, principalmente sobre a questão do
petróleo, do CEDP (Centro de Estudos e Defesa do Petróleo), instituição criada em 1948, que
visava dar apoio para as correntes nacionalistas pela estatização do uso e exploração do petróleo
no Brasil. A UNE participava desse centro, junto com nacionalistas históricos, como o general
Horta Barbosa e o ex-presidente Arthur Bernardes, além do PCB que, depois de ter sido posto
na ilegalidade, começou a apoiar os grupos nacionalistas, de acordo com a orientação
soviética.
596
592
- a presença dos militares na vida política brasileira havia sido marginalizada na República Velha, mas
essa situação se modificaria durante o período 1930-1945, em particular durante o Estado Novo, onde a
participação militar nos debates políticos tornou-se constante, quando não decisiva. Apesar disso, durante
o Estado Novo nem todos os setores militares estavam a favor de Vargas ou concordavam com suas
políticas, mas ficaram na defensiva até o final da ditadura. Depois da Segunda Guerra Mundial os
militares demonstrariam ter uma orientação doutrinária distinta da época do Estado Novo e,
principalmente, uma organização ainda mais poderosa do que antes. No governo Dutra os debates
internos das Forças Armadas tornaram-se livres, com os diferentes grupos podendo se expressar. .Sodré,
Nelson Werneck. História Militar do Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965; e Peixoto,
Antônio Carlos. “O Clube Militar e os Confrontos no Seio das Forças Armadas.In Rouquié, Alain
(Coord.). Os Partidos Militares no Brasil. Rio de Janeiro, Record, s/D;
593
- nas palavras de Nelson Werneck Sodré: “Por força da constituição democrática do Exército, a luta
contra o imperialismo ganharia, em suas fileiras, adeptos numerosos e entusiastas, na mesma proporção
em que os agentes do imperialismo dele se utilizaram para a conquista de posições e para a concretização
das medidas necessárias à subordinação do Brasil ao carro da ‘guerra fria’.” Sodré, Nelson Werneck. op.
cit., p. 304;
594
- Skidmore, Thomas. Brasil - de Getúlio a Castelo (1930-1964). 4ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1975;
595
- Peixoto, Antônio Carlos. op. cit.;
596
- Gorender, Jacob. Combate nas Trevas - a Esquerda Brasileira: das Ilusões Perdidas à Luta Armada. 3.
ed., São Paulo, Ática, 1987;
Já os liberais tinham como grupos de apoio, tanto intelectual quanto
operacional, os veteranos da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e a Escola Superior de
Guerra. Os oficiais que participaram da FEB tiveram contato com os Estados Unidos durante a
Segunda Guerra Mundial e se admiraram com os avanços que o capitalismo poderia realizar.
Seu engajamento ao lado dos norte-americanos, principalmente em questões envolvendo
política internacional (eram, quase todos, ferrenhos anticomunistas) e economia era total e
irrestrito.
597
Os oficiais da FEB queriam a participação do capital norte-americano na economia
brasileira, acreditando que era a única maneira do país realmente atingir o seu desenvolvimento
econômico, o que os colocava diretamente contra qualquer política nacionalista ou que
restringisse a presença do capital estrangeiro.
A Escola Superior de Guerra surgiu em 1948, baseada no modelo norte-
americano do National War College, tendo começado a realizar uma série de cursos de um ano
de duração freqüentado por igual número de civis e militares destacados em suas áreas de
atividades, pregando o anticomunismo e uma visão geopolítica das relações do Brasil com o
mundo dentro das perspectivas da Guerra Fria.
598
Uma das suas premissas básicas era que o
inimigo comunista não atuava politicamente apenas fora do país, mas sim a partir de
dentro: o “inimigo interno” (comunistas, simpatizantes ou mesmo os “ingênuos” que
facilitariam a política comunista sem o saber) é que deveria ser combatido.
599
Dentro dessa
lógica, a corrente nacionalista das Forças Armadas, com militares comunistas ou não, acabariam
por facilitar, propositalmente ou não, uma política de esquerda e, assim, deveriam ser
intensamente combatidos. A presença de membros da UNE e do PCB na CEDP reforçavam essa
premissa.
Os nacionalistas e os liberais iriam se confrontar no Clube Militar, tendo a
Guerra da Coréia como ponto de discórdia.
O Clube Militar era uma instituição recreativa das Forças Armadas, mas
ganharia grande importância política nos debates nacionais, pois era o único canal onde era
possível avaliar o que se passava politicamente dentro das Forças Armadas. Como era uma
associação legal e reconhecida pelo Ministério da Guerra, o clube podia organizar debates,
desde que fosse respeitado a disciplina - as opiniões políticas não poderiam ocorrer fora da
instituição, mas a hierarquia não poderia impedir discussões que ocorressem dentro de uma
tribuna que fazia parte da instituição.
600
Nesses debates era possível aos oficiais expressarem-se
livremente, ou seja, o peso da hierarquia era menor. Como as atividades do clube eram do
597
- Peixoto, Antônio Carlos. op. cit.;
598
- Eliezer, R. de Oliveira. As Forças Armadas: Política e Ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis,
Vozes, 1976;
599
- Eliezer, R. de Oliveira, op. cit.;
600
- as informações que se seguem sobre o Clube Militar foram extraídas de: Peixoto, Antônio Carlos. op.
cit.;
domínio público, suas discussões, principalmente na época das eleições da sua presidência,
ganhavam grande relevo nacional, além da intensa cobertura da imprensa.
Entre 1946 e 1950 os debates dentro do Clube Militar limitavam-se a questões
específicas, como a exploração do petróleo e de minérios atômicos, além das discussões sobre
os caminhos da indústria nacional. Mas, com a vitória de Vargas, o eixo foi alterado pelos
liberais, iniciando-se o processo de isolamento dos nacionalistas. A estratégia que seria utilizada
pelos liberais consistia na construção de discursos acusando os nacionalistas de serem ou
estarem infiltrados por comunistas.
601
O início da Guerra da Coréia acirrou a divisão
ideológica dentro das Forças Armadas.
No Clube Militar o debate sobre a guerra foi intenso e caloroso. Em agosto de
1950, a Revista do Clube Militar publicou um artigo intitulado “Considerações sobre a Guerra
da Coréia”, onde seu autor (e também diretor da revista), o capitão Humberto Freire de
Andrade, criticou a presença norte-americana na Coréia, atacando o regime ditatorial sulista e
elogiando a política de Reforma Agrária e as políticas de caráter social praticadas pelo governo
comunista da Coréia do Norte. O artigo não defendia ou pregava explicitamente o comunismo:
ele reafirmava o direito do povo coreano de lutar pela sua unidade, algo que os Estados Unidos,
e não a União Soviética, estariam impedindo. Não era uma guerra de invasão, argumentou o
capitão, mas sim uma guerra civil onde o povo coreano deveria decidir os seus rumos. O grande
invasor, portanto, não era a Coréia do Norte, mas sim os Estados Unidos.
O artigo posicionava-se contrário à participação militar brasileira na Coréia,
pois
“às exigências do interesse nacional, aos sentimentos de
nossa gente, à tradição bem brasileira de respeito à soberania das
nações e de não interferência em assuntos internos de outros povos, à
letra e ao espírito de nossas Constituições de 1891, de 1934 e de
1946, infensas a toda ação militar que não seja em defesa de nosso
território, e, em conseqüência, à própria missão de nossas Forças
Armadas: assegurar a integridade do nosso solo, zelar pela criação
dos meios e das condições necessárias à efetiva defesa nacional e à
efetiva soberania da Pátria, garantir o respeito aos direitos e
garantias democráticas consignadas em lei.”
602
601
- o vencedor das eleições da diretoria do Clube Militar em 1950 e líder dos nacionalistas nas Forças
Armadas, o general Newton Estillac Leal, começou a enfrentar esse problema. Em seu discurso de posse,
Estillac afirmou que “Há poucos dias, atribui-se a eminente camarada a assertiva de que, usando eu, em
documento público, o termo nação em lugar de pátria, dava prova de minha condição de comunista, aliás
propalada a medo e desde há muito, por gratuitos inimigos meus, à sombra, é evidente, do anonimato.
Ignorava tivesse aquele termo perdido seu antigo valor semântico e muito menos sabia a influência
comunista tão extensa e profunda na estrutura de nossa língua.” Extraído de: Sodré, Nelson Werneck. op.
cit., p. 311;
602
- Revista do Clube Militar. Nº 107, Rio de Janeiro, Clube Militar do Brasil, Agosto/1950, p. 3;
O capitão terminou seu artigo alertando os militares brasileiros sobre a
possibilidade de ocorrer uma invasão estrangeira no Brasil, referindo-se diretamente sobre a
influência “nefasta” que os norte-americanos estavam exercendo no país, e dos riscos dessa
influência provocar uma guerra civil, exatamente igual àquela que estava sendo travada na
Coréia.
603
O capitão encerra o artigo pregando o nacionalismo:
“E aqui, é mister definir o dever que nos cabe, a nós
militares, enquanto cidadãos brasileiros; é de pensar e dar opiniões
acerca dos problemas que interessam à vida, à independência e ao
futuro de nosso povo, todos intimamente ligados à questão da defesa
nacional e às condições essenciais para que seja cumprida nossa
missão como soldados.”
604
A Guerra da Coréia vista não como uma agressão comunista, mas sim como
uma guerra civil... críticas quanto à presença norte-americana na região... defesa do não-envio
de forças brasileiras na guerra... a influência do PCB era explícita no artigo e na corrente
nacionalista radical.
A resposta para o artigo foi rápida: o Ministro da Guerra do governo Dutra,
general Canrobert Pereira da Costa, puniu a direção do Clube Militar, afastando praticamente
todos os oficiais que dela participavam, transferindo-os para os mais distantes locais do Rio de
Janeiro, cidade sede do clube. Os liberais organizaram manifestações contra a orientação da
revista e da diretoria, chegando a fazer um manifesto, reunindo quase 600 assinaturas, criticando
a política da diretoria do clube, vista como tendenciosa, e que ela não refletia a opinião de todos
os sócios.
605
Outros sócios, proferindo suas opiniões individuais, começaram a se manifestar
contra o artigo e a revista: um oficial escreveu que a revista é tendenciosa, “onde se pode ver,
nitidamente, a simpatia pelo regime da Coréia do Norte, quando esse regime é condenado por
nossas leis”. Uma outra mensagem acusou a revista “de ter uma orientação sutilmente
comunista”. Até mesmo Vargas foi “atingido” pelo artigo sobre a Coréia, pois um terceiro
oficial mandou um telegrama e, depois de criticar a tendência comunista do artigo, declarou-se
estar “desgostoso de ver que criou-se um ambiente de confusão, favorável à implantação de uma
nova ditadura pelo ex-ditador Vargas.”
606
603
-. op. cit., p. 6;
604
- Idem;
605
- o manifesto apresentava que: “Nós indagamos: como a diretoria do Clube permite que a revista,
enquanto órgão do Clube, difunda uma orientação doutrinária e política? Há um grupo de adeptos que
controla a revista e faz propaganda de suas idéias em nome de uma “luta patriótica”. Somos obrigados,
pois, a tirar as seguintes conclusões: a revista desenvolve uma propaganda de quinta-coluna e de
colaboracionismo. A diretoria não permite que a revista publique a opinião dos demais sócios.
Combateremos essa “posição patriótica” inaceitável, em nome da lealdade das Forças Armadas para com
o Brasil, da defesa de sua soberania em todos os planos, aí incluindo o da fidelidade aos compromissos
internacionais assumidos.” Extraído de: Peixoto, Antônio Carlos. op. cit., p. 96;
606
- extraído de: Sodré, Nelson Werneck. op. cit., p. 320;
A imprensa participava ativamente da construção desses discursos acusando os
nacionalistas de comunistas. Entre várias manchetes da seção “Momento Político” publicadas
pelo O Estado de S. Paulo, no dia 2 de dezembro de 1950, uma chamou a atenção: “Manobras
dos “Populistas” Visando Promover Agitações no País em Face do Conflito Coreano”,
apresentando também um outro pequeno destaque - “Os “Populistas” Pretendem Agitar a
Opinião Nacional com os Acontecimentos da Coréia”.
607
O senador do Espírito Santo Atílio
Vivacquia, ligado aos nacionalistas, apresentou um requerimento no Senado sobre as resoluções
e recomendações do Conselho de Segurança da ONU em relação ao conflito na Coréia,
sugerindo a necessidade dos problemas serem debatidos no “plenário da consciência nacional”.
A condenação do jornal a tal pedido foi direta:
“É evidente o intuito do senador espírito-santense de fazer
agitação política em torno do assunto, provocando debate público
sobre fatos consumados, isto é, sobre compromissos assumidos pelo
nosso governo, pela Nação, junto à ONU. Assim, num momento grave
para os destinos da nossa civilização, os agentes “populistas” iniciam
uma ação desagregadora, quando o país reclama a colaboração de
todos na defesa dos ideais democráticos que sempre foram a
apanágio das nossas instituições políticas.”
608
No editorial do dia 5 de dezembro de 1950, também na seção “Momento
Político”, com o título “O “Queremismo” Descobre a “Desordem”, O Estado de S. Paulo
continuava criticando os “populistas”. O deputado Danton Coelho pediu ordem e união nacional
por causa do momento crítico que estava passando o mundo. O editorial, respondendo ao apelo
do deputado, argumentou que Getúlio Vargas, o ex-ditador, e o general Estillac Leal, líder dos
“populistas”, eram os reais causadores da tal “desordem”:
“... postado na presidência do Clube Militar, o general
Estillac Leal não tardou a fazer daquela associação de classe um
órgão eminentemente político, lançando a semente do
desentendimento na agremiação e conseqüentemente no seio do
Exército.”
609
O Correio da Manhã também mostrou sua insatisfação com o que ocorria no
Clube Militar e, no dia 16 de dezembro, um editorial comentou criticamente o artigo sobre a
Guerra da Coréia e o próprio Clube Militar encontrando na instituição espaços para a
propagação do comunismo:
607
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 02/12/50, p. 3;
608
- op. cit.;
609
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 05/12/50, p. 3;
“As atividades do Clube preocupam-nos na medida em
que afetam a ordem, a segurança e os compromissos da nação
brasileira. Não temos intenção alguma de dividir as Forças Armadas:
a agitação e o divisionismo são provocados pelos que querem
transformar o Clube em uma ilha soviética.”
610
(grifos meus)
Um editorial da Folha da Manhã, de 20 de dezembro de 1950, resumiria esse
posicionamento contrário ao dos nacionalistas radicais. Comentando sobre a realização de uma
assembléia geral no Clube Militar para discutir a orientação da revista, o editorial afirmou que:
“É evidente que a medida da diretoria do Clube,
suspendendo a publicação da Revista, não passou de um recurso para
ganhar tempo e impedir que o mal se tornasse ainda maior. Sabe-se,
com efeito, que a edição já impressa, quando foi suspenso o
periódico, veicularia novos artigos e comentários de tendência
russofila (sic), encerrando inconcebíveis ataques aos países
ocidentais, nossos aliados.”
611
A polêmica sobre a participação militar do Brasil na Guerra da Coréia ganhou
as ruas. No carnaval carioca de 1951, muitos muros da cidade do Rio de Janeiro foram pichados
com as seguintes palavras: “Nenhum soldado para a Coréia!”
612
Quem pichou essas palavras? Provavelmente foram membros do partido
comunista. Na Imprensa Popular de 25 de março de 1952, ou seja, mais de um ano depois das
pichações, foi publicada uma matéria, de título “O Partido Comunista é o Partido da Paz”,
reforçando o posicionamento do partido pela paz mundial:
“Os forjadores da guerra lançam diariamente contra o
movimento dos povos em defesa da paz uma torrente de mentiras.
Visam, com isto, confundir, enganar as grandes massas populares,
para depois jogá-las na fogueira de uma nova carnificina. Uma
dessas mentiras é a de que o Movimento pela Paz é um movimento
comunista. É fácil de se compreender e de se desmascarar esse
palavreado cínico com que pretendem jogar areia nos olhos dos
povos. Todos os patriotas e democratas têm tido oportunidade de ver
e ouvir, de sentir e analisar, à base dos fatos, o conteúdo amplo dessa
extraordinária campanha de defesa da vida.”
613
E complementando:
“Na verdade, a campanha da paz não é uma campanha
comunista. Os comunistas são, sim, os elementos mais esclarecidos, a
610
- Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 16/12/50, p. 12;
611
- Folha da Manhã. São Paulo, 20/12/50, p. 4;
612
- extraído de: Augusto, Sérgio. Este Mundo é Um Pandeiro - a Chanchada de Getúlio a JK. São Paulo,
Companhia das Letras/Cinemateca Brasileira, 1989, p. 55;
613
- Imprensa Popular. Rio de Janeiro, 25/03/52, p. 5;
vanguarda, aqueles que comandam os povos na grande luta em defesa
da vida. Por isso que o Partido de Prestes é o Partido da Paz.”
614
O que chamava a atenção desta matéria não era o seu conteúdo escrito em si,
mas o desenho que ilustrava a matéria: várias mulheres carregando cartazes com a palavra
“Paz”, sendo que o cartaz da primeira delas trazia as seguintes palavras: “Os Soldados Nossos
Filhos não Irão para a Coréia”, lema semelhante ao pichado nas paredes durante o carnaval de
1951.
615
O PCB continuou seguindo fielmente as linhas de Moscou.
Como podemos perceber, uma “guerra simbólica” estava ocorrendo na vida
política brasileira tendo a Guerra da Coréia como motivação.
A posse de Getúlio Vargas na presidência iria aumentar a intensidade desta
“guerra simbólica”, com a política nacionalista de Vargas recebendo intensa pressão, tanto
interna quanto externa, em particular dos Estados Unidos, embora existam discussões a respeito.
De acordo com Roberto Baptista Júnior, embora exista uma bibliografia que indique um
confronto do governo “nacionalista” de Vargas com os Estados Unidos, a política externa
brasileira foi mais agressiva do que os próprios norte-americanos esperavam. De acordo com o
autor, a “variante entre Dutra e Vargas residia no grau de tolerância frente à opinião pública.
Dutra optou por uma ação direta no combate ao comunismo. Vargas, por sua vez, fortaleceu os
órgãos de repressão interna para permitir a volta dos sindicatos, dando a impressão de que seu
governo aspirava mais à liberdade democrática do que o de seu antecessor.”
616
Mesmo assim,
existiu oposição norte-americana ao governo Vargas. A política interna ambígua de Vargas,
tentando conciliar vários interesses ao mesmo tempo, produzira apreensão em Washington.
Apesar de Vargas exercer uma política externa engajada a favor dos Estados Unidos, na
dinâmica da Guerra Fria era necessário também que sua política interna também estivesse no
mesmo caminho.
Vargas, ao assumir a presidência, colocou o grupo nacionalista no controle da
máquina militar, pois a política que pretendia aplicar no seu segundo governo era mais próxima
dos ideais desse grupo. Críticas a Vargas e aos nacionalistas já eram comum, mas foram
acentuadas com a Guerra da Coréia. O Correio da Manhã de 26 de junho de 1950 (na época do
início do conflito na Coréia), criticava Getúlio Vargas através da guerra, no editorial “Inimigos
Internos”:
“Anda surda por aí uma campanha de descrédito contra
os aliados naturais do Brasil no campo internacional, sobretudo
contra os Estados Unidos. Essa campanha visa separar o Brasil da
causa da civilização ocidental ameaçada pelo barbarismo totalitário
russo. Essa campanha de pseudos nacionalismo é, como se sabe,
alimentada pelos súditos moscovitas de nacionalidade brasileira e
pelos agentes diretos ou indiretos da política de hegemonia
continental afagada pelo novo Rosas da Casa Rosada.
Toda essa gente se abriga, hoje, sob o estandarte da
candidatura do sr. Getúlio Vargas. O ditador não se furta à tentação
614
- op. cit.;
615
- Idem;
616
- Baptista Júnior, Roberto. Comunismo Internacional, Repressão e Intervencionismo nos Governos
Dutra e Vargas (1945-1954). Brasília, Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, março/2001, p.
5 (digitada);
de vez por outra beber também na fonte dessa envenenada demagogia
hipernacionalista.
(...)
Por isso mesmo é que, na hora das grandes crises
internacionais, a posição e as idéias políticas do sr. Getúlio Vargas
estão sempre em insanável contradição a essas tradições e ao
verdadeiro destino do Brasil, que foi e será sempre ao lado da causa
da paz, da democracia e da civilização ocidental.”
617
Apesar dessa proximidade com os nacionalistas, Vargas tentaria não se
descuidar dos liberais, tentando evitar um confronto entre as duas facções. Para todos os efeitos,
Vargas precisaria do apoio dos militares para poder governar e qualquer grande oposição dentro
desse segmento poderia ser fatal.
O líder da corrente nacionalista, o general Newton Estillac Leal, foi nomeado
como o Ministro da Guerra.
618
A administração de Estillac Leal começou tensa, pois ele logo foi
confrontado com a situação do artigo sobre a Guerra da Coréia e pelas sanções aplicadas por seu
antecessor. Estillac havia proposto anular as sanções, mas não teve êxito: Vargas ficou contra,
pois tal atitude poderia piorar ainda mais os antagonismos entre os grupos dentro das Forças
Armadas; e parte expressiva da hierarquia militar não aceitava sequer uma revisão das
punições.
619
Tal situação rachou a corrente nacionalista definitivamente: a revista manteve a
defesa das posições dos nacionalistas radicais, que se afastariam dos nacionalistas que se
encontravam na cúpula do governo e na administração federal. Os artigos radicais, por sua vez,
dificultavam a atuação de Estillac como ministro, pois: 1º - como líder dos nacionalistas, não
podia colocar-se contra os seus liderados; 2º - como Ministro da Guerra e comandante do
Exército, não podia ficar indiferente às pressões que recebia para que punisse os nacionalistas
radicais e impedisse a publicação dos artigos na revista.
620
Atacado pelos dois lados, Estillac
começou a perder sua autoridade.
Em junho de 1951, o governo Vargas recebeu consultas do governo norte-
americano para que participasse da guerra com tropas. Em 30 de junho, o Conselho de
Segurança Nacional, reunido para discutir a questão, recusou o pedido norte-americano. As
instruções de Getúlio Vargas para a missão de Góis Monteiro nos Estados Unidos sobre a
questão, baseadas nas resoluções do Conselho de Segurança Nacional, deixou claro a posição do
Brasil em relação à Guerra da Coréia: mesmo sendo contra a “agressão” comunista na Coréia e
a favor das decisões da ONU em relação ao conflito, o país ajudaria os esforços de guerra com
“auxílio material, na medida das suas possibilidades”, mas não enviaria tropas. A justificativa
para esta recusa estava na instrução 9:
617
- Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 26/06/50, p. 12;
618
- Carlos Lacerda, numa carta aberta destinada para Getúlio Vargas, criticou a
nomeação de Estillac Leal por ele ser “um cúmplice do Partido Comunista”. Dulles,
John W. F. op. cit., p. 139;
619
- Peixoto, Antônio Carlos. op. cit.;
620
- Sodré, Nelson Werneck. op. cit.;
“Os países altamente desenvolvidos podem aventurar-se à mobilização militar
e à aplicação de suas reservas nessa mobilização, sem que isso afete substancialmente a
sua estrutura econômica ou ameace a sua estabilidade. Já o mesmo não ocorre com os
países de economia reflexa ou insuficientemente desenvolvidos, como o Brasil, pois os
esforços que despendem nesse sentido influem profundamente na sua estabilidade e
segurança internas, provocando conseqüências que, geralmente, atuam em detrimento dos
objetivos visados pela política geral que se pretende desenvolver. O maior perigo está,
sobretudo, em que esses países se tornam focos das próprias ideologias combatidas, que
encontram campo favorável no seu ambiente social e se aproveitam da sua distorção
econômica, explorando inclusive o clima psicológico derivado dos descontentamentos e
das apreensões coletivas.”
621
O desapontamento dos liberais foi inevitável por causa de tal decisão. Logo, o
governo Vargas também desapontaria os nacionalistas ao assinar um acordo militar com os
Estados Unidos negociado pelo ministro de Relações Exteriores, João Neves da Fontoura.
O Acordo Militar Brasil-Estados Unidos era um tratado que permitia uma
intervenção direta dos Estados Unidos caso uma eventual invasão comunista fosse feita no
Brasil. Os temos do acordo eram bastante favoráveis para o lado norte-americano, pois estava
baseado na “Lei de Assistência e Defesa Mútua” e na “Lei de Segurança Mútua”, ambas leis
norte-americanas, o que obrigava o governo brasileiro a se submeter aos Estados Unidos em
caso de uma agressão comunista.
622
Todas as ações seriam comandadas pelos Estados Unidos,
com os seus oficiais podendo administrar e fiscalizar a assistência militar dentro do Brasil com
total autonomia e imunidade diplomática. O ponto mais polêmico foi o que versava sobre o uso
dos recursos econômicos brasileiros no caso do acordo ser acionado: toda a utilização das
riquezas ficariam a cargo da administração militar norte-americana, única e exclusivamente.
623
O acordo também abria possibilidades do Brasil mandar tropas para a Coréia. A
Imprensa Popular de 14 de dezembro de 1952 criticaria tal possibilidade. Na matéria O
“Exército da O.N.U.” Forjado pelos EE.UU.”, Raul Campos defendeu que
“O empenho com que as autoridades norte-americanas,
diretamente ou através de porta-vozes seus, como o sr. Trigue Lie,
têm reclamado o envio de tropas brasileiras para a Coréia,
demonstra que essa é uma das contribuições mais importantes que os
colonialistas de Wall Street esperam do governo do sr. Vargas.
(...)
O Acordo Militar ora em discussão na Câmara Federal é
um desses agressivos pactos bilaterais, que divide as nações
componentes da ONU e que está claramente dirigido contra uma
delas, a União Soviética. Essa é a natureza desse convênio que
pretende colocar as forças da nação brasileira, sua economia, suas
621
- extraído de: Vargas, Getúlio.Instruções para a Missão de Góis Monteiro nos EUA, de Julho de
1951.” In Novaes e Cruz, Adelina Alves... [et al.]. (Orgs.). Impasse na Democracia Brasileira: 1951/1955
Coletânea de Documentos. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1983, p. 45;
622
- Sodré, Nelson Werneck. op. cit.;
623
- Sodré, Nelson Werneck. Idem;
riquezas naturais e sua juventude na sangrenta corrida para a
guerra.”
624
Mesmo assim, o acordo foi aceito pela grande imprensa, pois iria desestimular
um eventual expansionismo soviético no Brasil, conforme podemos notar no editorial da Folha
da Manhã do dia 18 de março de 1952:
“O tratado de assistência militar entre o Brasil e os
Estados Unidos, firmado Sábado último no Rio de Janeiro, é mais um
complemento importante no conjunto das medidas que os países livres
vêm pondo em prática para conter o expansionismo russo e preservar
a paz mundial.”
625
Os efeitos do acordo atingiriam em cheio o Ministro da Guerra, pois, além de
ser uma afronta aos seus ideais nacionalistas, ele, como representante das Forças Armadas
perante a administração federal, deveria participar ativamente de iniciativas dessa natureza - e
sua participação no acordo foi praticamente nula. Sua omissão minou o que restava da sua
autoridade e sua situação como Ministro ficou ainda mais delicada. Logo, ele seria substituído
pelo general Ciro do Espírito Santo.
626
A Folha da Manhã elogiou o ato de renúncia de Estillac:
“Ao seu patriotismo não terá passado despercebido que à
sombra das suas respeitáveis tendências nacionalistas se
desenvolviam germes de verdadeira rebelião contra os rumos
traçados pelo governo brasileiro com relação à política exterior.
(...)
“Assim, as reservas que se faziam à sua continuação no
governo ligavam-se unicamente ao fato, infelizmente, de que
elementos extremistas se prevaleciam das circunstâncias para levar o
desassossego às fileiras do Exército e, por via de conseqüência, a
toda a nação. Eliminar esse foco de inquietação era tarefa que não
podia sofrer maiores delongas, sob pena de graves conseqüências
para a vida nacional.”
627
Getúlio Vargas estava governando numa “gangorra” que, logo, iria inclinar-se
para perigosamente para um lado só, pois, no final de 1951, ele anunciou duas medidas que
colocariam os militares liberais definitivamente contra o seu governo: 1ª - o anúncio oficial de
que o Brasil não enviaria tropas para a Coréia em circunstância alguma; 2ª- o anúncio de que o
projeto que iria mudar a lei do petróleo (e que iria substituir o Estatuto do Petróleo, criando a
Petrobrás) seria apresentado no início de 1952.
624
- Imprensa Popular. Rio de Janeiro, 14/12/52, p. 2;
625
- Folha da Manhã. São Paulo, 18/03/52, p. 6;
626
- Sodré, Nelson Werneck. op. cit.;
627
- Folha da Manhã. São Paulo, 27/03/52, p. 4;
O projeto para a criação da Petrobrás enviado por Vargas ao Congresso não
defendia o monopólio, mas sim uma empresa de capital misto onde o Estado seria majoritário.
Curiosamente, foi a própria bancada da UDN, que até então combatia o monopólio, quem
incluiu este item no projeto. Tal atitude da UDN deve ser encarada como uma posição
estrategicamente política, pois pretendia deixar o governo Vargas em maiores dificuldades com
a oposição dentro das Forças Armadas.
628
Dentro dessa perspectiva, a alteração de posição feita
pela UDN foi uma tática perfeita: a oposição dos liberais tornou-se ainda mais aguda. Depois do
envio do projeto ao congresso, o Clube Militar faria um relatório sobre ele, com parecer
bastante negativo.
629
Era a primeira demonstração de que os liberais já estavam dominando as
Forças Armadas.
As eleições de 1952 para a diretoria do Clube Militar foram o apogeu da crise.
Do lado nacionalista, os candidatos eram os generais Estillac Leal e Horta Barbosa, que
tentavam a reeleição, iniciativa que não foi bem aceita pela imprensa. Um editorial da Folha da
Manhã do dia 9 de abril referiu-se à questão da revista do Clube Militar e dos problemas
anteriormente causados:
“A revista do Clube, expressão autorizada do pensamento
das classes militares, assumiu atitude de franca hostilidade à
orientação de nosso governo no domínio da política exterior do país.
Mais do que isso: validou com seu prestígio o teor da propaganda
russa, nas referências feitas à guerra na Coréia e às
responsabilidades que cabe ao Brasil na defesa dos princípios
fundamentais da democracia. Tornou-se destarte um veículo de idéias
quase subversivas, despertando natural reação dos militares
plenamente identificados com a diretriz traçada oficialmente.”
630
E, no dia 17 de maio, o jornal posicionou-se diretamente contra Estillac:
“O que se tem dito com boa razão é que, à sombra das
opiniões defendidas pelo ex-ministro da Guerra em matéria de
política externa e econômica, floresceu pequeno mas ativo grupo de
extremistas, que aliás de tudo se prevalecem para fazer o conhecido
trabalho de dissociação e intriga entre os democratas sinceros. É a
esses elementos que se devem atribuir as insinuações, ostensivas ou
veladas, que injustamente se têm feito contra os militares da Cruzada
Democrática. Quando se intenta chamá-los de ‘entreguistas’, no
melhor uso da técnica comunista, o que se quer é estabelecer entre
eles e os seus leais adversários do outro grupo um choque irreparável
e de imprevisíveis conseqüências para a nação.”
631
628
- Peixoto, Antônio Carlos. op. cit.;
629
- Peixoto, Antônio Carlos. Idem;
630
- Folha da Manhã. São Paulo, 09/04/52, p. 4;
631
- Folha da Manhã. São Paulo, 17/04/52, p. 4;
E complementando o editorial:
“De nenhum se pode dizer que seja menos nacionalista que o outro,
considerada a expressão no sentido exato, que é o da defesa intransigente da soberania do
país.”
632
Do lado dos liberais candidataram-se os generais Alcides Etchegoyen e Nélson
de Melo, que representavam a recém criada Cruzada Democrática, já citada no editorial da
Folha da Manhã, que era formada por todos que posicionavam-se contra os nacionalistas. Seu
núcleo central era formado por veteranos da FEB e por setores superiores da alta hierarquia
militar, que eram oposicionistas a Vargas.
633
A Cruzada Democrática, no seu manifesto inicial, defendia a “bandeira do
nacionalismo sadio” e que tinha como objetivo principal “afastar do Clube Militar das
influências totalitárias de direita ou de esquerda”, redirecionando os caminhos:
“O respeito a essas verdades, leva-nos a desejar que sejam proscritas do Clube
Militar de maneira absoluta: as atividades que afetem a Ordem e a Segurança Interna e os
compromissos internacionais da Nação Brasileira; as atividades que possam ser exploradas
num sentido político-partidário, visando gerar dissenções de qualquer natureza entre os
sócios; as iniciativas que possam ser interpretadas como pressões indébitas, quer sobre a
opinião pública, quer sobre os poderes constituídos.”
634
A estratégia da Cruzada Democrática era de atribuir a si o papel de
“nacionalista”, enquanto que procuraria atribuir aos nacionalistas o papel de subversivos.
635
A
imprensa ajudou a fazer com que essa estratégia fosse vencedora.
636
A outra estratégia foi a
632
- op. cit.;
633
- Peixoto, Antônio Carlos. op. cit.;
634
- extraído de: Sodré, Nelson Werneck. op. cit., pp. 327-328;
635
- num panfleto da Cruzada Democrática (lançado provavelmente nos primeiros
meses) de 1954, esse papel foi reafirmado: “No aspecto ideológico, hoje como ontem,
mantemo-nos em posição de equilíbrio, repelindo os regimes de deificação do homem,
qualquer que seja a sua inspiração. Fiéis aos compromissos que, como oficiais,
assumimos para com a nação, nossa política é, antes de tudo, a do Brasil! Somos
nacionalistas. Como isto dizemos tudo. Não há necessidade de adjetivações que
modifiquem, limitando, o sentido do vocábulo. Porque não é nacionalista a atitude
exacerbada dos xenófobos, vivendo de um primarismo tribal com base no ódio ao
alienígena, e tentando pura e simplesmente ao isolacionismo utópico e anacrônico.
Somos nacionalistas, sim, porque na solução de qualquer problema do país,
particularmente dos de base, lutamos e lutaremos para que o alto interesse nacional se
sobreponha aos de indivíduos ou grupos. E hoje, como em 1951, estaremos vigilantes
face às manobras ou pretensões imperialistas, no campo econômico assim como no
político.” s/A. “Panfleto da Cruzada Democrática.” In Novaes e Cruz, Adelina Alves...
[et al.]. (Orgs.). op. cit., p. 39;
636
- como nos relata Nelson Werneck Sodré: “Nessa altura, já a imprensa concentrara todos os fogos
sobre o Clube Militar, a diretoria era acusada de comunista e comunistas seriam todos os que votassem
pela reeleição, passíveis, portanto, de punições servas e incompatíveis com a carreira militar.” Sodré,
Nelson Werneck. op. cit., p. 349;
repressão pura e simples: muitos membros das Forças Armadas foram ameaçados, presos e
torturados.
637
Em 25 de março, a Folha da Manhã destacou, no seu editorial, que
“Despertaram afinal as autoridades militares para
conjurar perigo da infiltração comunista extremista nas fileiras do
Exército. As primeiras diligências resultaram na prisão de numerosos
sargentos, um dos quais, por incrível que pareça, era o motorista do
próprio chefe do Estado-Maior das nossas Forças Armadas. Tal
circunstância revela a audácia e fria determinação dos inimigos do
regime, que não hesitam ante qualquer artifício para alcançarem os
seus objetivos.”
638
No dia 21 de maio de 1952, Etchegoyen e Nélson Melo conseguiram 8.288
votos contra 4.489 votos dados para Estillac e Barbosa. Na retrospectiva do ano de 1952, a
revista Manchete destacou
“Estillac Leal não teve muito fôlego par sustentar-se no Ministério, com sua
obstinada política de tolerância, relativamente à infiltração comunista nas Forças Armadas.
Estillac encampou as atividades do nacionalismo extremista do Clube Militar, do qual era
presidente, e boicotou os expurgos dos elementos comunistas nas corporações militares,
provocando a reação enérgica da maioria da oficialidade, organizada em ‘Cruzada
Democrática’ para derrotá-lo no clube e no governo.”
639
A ampla vitória dos liberais produziu dois efeitos imediatos: 1º - o grupo
nacionalista estava derrotado e seria afastado, no decorrer dos anos, de posições importantes
dentro do Clube Militar, além de começar o processo de despolitização do Clube e da revista; 2º
- Vargas perdia, assim, o apoio dentro das Forças Armadas.
Apesar da vitória da Cruzada Democrática, tropas brasileiras não seriam
enviadas para a Coréia. E, com o fim da mesma em 1953, a pressão militar sobre o governo
Vargas diminuiria - relativamente.
Já as questões envolvendo a Guerra do Vietnã e o Brasil ultrapassariam o
problema do envio de tropas brasileiras.
Esquerda X Direita:
a Guerra do Vietnã como a “Bola” do Jogo
637
- Estillac tentou denunciar essas atrocidades: “Acolá, é a mistificação eleitoral
apoiada no já desmoralizado chavão do comunismo, como aconteceu, temos notícias, no
interior do Rio Grande do Sul, onde jovens oficiais foram instados a votar contra o
Clube por um consórcio mais experimentado que lhes dizia serem considerados ‘a favor
de Moscou’ aqueles que votassem na chapa Estillac-Horta.” Extraído de: Sodré, Nelson
Werneck. Idem, pp. 349;
638
- Folha da Manhã. São Paulo, 25/03/52, p. 4;
639
- Manchete. Nº 36, Rio de Janeiro, Editora Bloch, 27/12/52, p. 49;
A falta de reação ao golpe que derrubou o governo Goulart preocupou muito as
esquerdas brasileiras. O PCB não estava perto do poder como seu líder, Prestes, imaginara, os
sindicatos fiéis a João Goulart tiveram atuação inexpressiva e o apoio popular não apareceu -
pelo contrário, foram os golpistas que o receberam.
O apoio da imprensa ao golpe foi muito decisivo para o movimento, esvaziando
qualquer possibilidade de respaldo popular, ou mesmo de qualquer tipo de resistência ao novo
regime. O discurso sobre a luta contra o comunismo foi aproveitado ao máximo pela mídia da
época. Nem mesmo o jornal Última Hora conseguiu angariar aliados para defender o governo
Goulart, sendo, inclusive, empastelado poucas horas depois da queda do mesmo. Samuel
Wainer sempre denunciou que tal fato ocorreu incentivado pelo apresentador de televisão Flávio
Cavalcanti,
640
o que nos demonstra que o poder da televisão no Brasil já era de consideráveis
proporções.
Como se comportaria a imprensa neste pós-64? O apoio dado por ela ao golpe
não renderia, necessariamente, a aprovação incondicional de todos os atos posteriores dos
militares. À medida que os militares se fixavam no poder, não demonstrando pretensões de
abandoná-lo, pelo menos num curto prazo, os jornais começavam a fazer oposição ao regime.
Os novos governantes, aparentemente, tinham encerrado a disputa entre os
liberais e os nacionalistas, dando a vitória aos primeiros. Mas a questão não era tão simples,
pois começou a existir uma outra cisão dentro das Forças Armadas, entre os chamados
“castelistas” (que desejavam um governo militar provisório e rápido, devolvendo o país à
normalidade política) e os partidários da “linha dura” (que desejavam a permanência do poder
até que seus objetivos políticos e econômicos estivessem instituídos, ou seja, deixar o país
estável economicamente e sem riscos de uma eventual ascensão comunista no poder). O
consenso entre os dois grupos estava na queda de Goulart e, uma vez que ela fora conseguida,
abriram espaços para as disputas internas das Forças Armadas. Qual grupo militar deveria ficar
com o poder? A disputa estava entre os membros da Escola Superior de Guerra e os da
“tropa”.
641
O Correio da Manhã, então, começaria a publicar ataques de oficiais do
Exército, os da “tropa”, contra Castelo Branco,
642
sendo um dos primeiros atos de oposição ao
novo regime realizado por um grande órgão de imprensa. Logo, o jornal também destacaria a
oposição civil.
640
- Motta, Nelson. Noites Tropicais - Solos, Improvisos e Memórias Musicais. Rio de Janeiro, Objetiva,
2000;
641
- Beiguelman, Paula. O Pingo de Azeite - a Instauração da Ditadura. 2ª ed., São Paulo, Perspectiva,
1994;
642
- Francis, Paulo. Trinta Anos esta Noite - 1964, o que Vi e Vivi. São Paulo, Companhia das Letras,
1994;
O Correio da Manhã abrigaria os jornalistas mais críticos do regime até aquele
momento, tais como Carlos Heitor Cony, Otto Maria Carpeaux, Márcio Moreira Alves e
Hermano Alves, fazendo com que o jornal tivesse ótimas vendagens, inclusive fora do Rio de
Janeiro.
643
Logo, O Estado de S. Paulo, um dos articuladores do golpe, também se colocaria
contra o regime militar.
Ainda em 1964, seria publicada por Millôr Fernandes a revista Pif-Paf, antiga
seção da revista O Cruzeiro, que se tornaria um marco desse período. Especializada em humor,
com charges do próprio Millôr, essa revista seria uma das primeiras manifestações contra o
golpe militar, embora não fosse essa a idéia original, pois Millôr pensava mais na revista como
um projeto gráfico orgânico, com críticas aos costumes da classe média, do que um projeto
ideológico. Tanto assim, que a revista estava pronta antes do golpe. As circunstâncias políticas,
porém, mudaram os rumos do trabalho. A revista teve duração de apenas oito números, sendo
que o último foi apreendido pelos militares. Não foi apenas a apreensão da revista que
precipitou o seu fim, mas também as suas características mais gerais de confecção: falta de
organização administrativa e falta de pessoal de apoio, o que implicou um produto caracterizado
pelo amadorismo e pelo voluntarismo.
644
É interessante observar que tais características seriam
uma constante na imprensa alternativa que se desenvolveria nos anos posteriores, o que põe a
revista Pif-Paf como uma das suas precursoras.
645
Não foi apenas a imprensa escrita a vítima das ações do novo regime - a TV
Excelsior também seria atingida. Esta emissora foi inaugurada em 1959 e pertencia a Mário
Wallace Simonsen, empresário vinculado à exportação café e que defendia as teses da corrente
nacionalista. Entre 1962 1963 a Excelsior contratou as principais estrelas da TV Rio, quase
levando a emissora carioca à falência. Com seu discurso nacionalista, foi a emissora de TV que
apoiou João Goulart durante todo o seu governo, apoio este que custaria caro quando os
militares tomaram o poder do país. De todos os meios de comunicação atingidos imediatamente
após golpe, apenas os jornais Última Hora e Correio da Manhã sofreram tantas retaliações por
parte do governo. Simonsen, que já enfrentava problemas financeiros antes do golpe, logo
venderia a emissora que afundaria nos anos seguintes, fechando em 1969. Como podemos
observar, elementos políticos também eram razões para a formação e destruição de uma
emissora de televisão.
646
643
- Andrade, Jeferson de. Um Jornal Assassinado - a Última Batalha do Correio da Manhã. Rio de
Janeiro, José Olympio, 1991;
644
- Kucinski, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários - nos Tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo,
Scritta, 1991;
645
- o precursor da imprensa alternativa foi o jornal mineiro Binônimo, lançado em 1951; Kucinski,
Bernardo. op. cit.;
646
- Henrique da Costa, Alcir. “Rio e Excelsior: Projetos Fracassados?” In Henrique da Costa, Alcir;
Simões, Inimá Ferreira e Kehl, Maria Rita. Um País no Ar - História da TV Brasileira em 3 Canais. São
Paulo, Brasiliense/FUNARTE, 1986;
Praticamente todos os jornais e revistas nacionalistas e de esquerda foram
fechados, quer por pressão dos militares como por problemas econômicos. Mas também foram
criados espaços para a publicação de idéias. A Editora Civilização Brasileira seria uma das mais
combativas neste sentido. Dirigida por Ênio Silveira, a editora especializar-se-ia em publicações
com temáticas internacionais, com duas implicações: em primeiro lugar, havia intenções
comerciais, já que temas internacionais despertavam grande interesse do público leitor,
refletindo-se nas vendas; em segundo lugar, a escolha do que era traduzido pela editora passava
por questões políticas internas do país, naquilo que pudesse, preferencialmente, fazer referências
ao que ocorria dentro do Brasil, e que os militares dificultavam ou proibiam de ser publicado.
647
Tal prática fora muito comum durante a ditadura do Estado Novo (1937/1945).
648
Em outubro de 1965, a editora lançou o tablóide Reunião, que duraria três
números. Ainda em 1965, seria lançada a Revista Civilização Brasileira, que procuraria discutir
os problemas nacionais com ênfase marxista.
649
De acordo com a apresentação da revista:
“A Revista Civilização Brasileira não ignorará as
experiências estrangeiras, naquilo que possam conter de
colaborações útil ao processo nacional. Colherá em todo o mundo o
pensamento vivo e atuante daqueles que contribuem para a melhoria
da condição humana, mas seu enfoque será básica e
fundamentalmente a dos interesses nacionais. Não será tolhida por
um nacionalismo sentimentalóide e estreito, mas por certo não cairá
nos esquemas geopolíticos, nos planejamentos estratégicos que o
State Department e o Pentágono idealizm e que certas figuras da
política nacional executam.
650
A Revista Civilização Brasileira mergulhou na questão vietnamita, utilizando a
guerra como “fundo” para suas críticas contra os Estados Unidos, contra o imperialismo, contra
o capitalismo e, também, contra o regime militar. O primeiro artigo sobre a Guerra do Vietnã
publicado pela revista foi de autoria de Antônio Houaiss, discutindo um artigo dos Editorialistas
da Monthly Review. Houaiss afirmou que
“Há uma presença (sem aspas) chinesa não apenas no
Sudeste asiático, mas na Ásia do Sul lato sensu, multi-secular, de tipo
emigratório, sem plano de Estado, para a sobrevivência dos
647
- Silveira, Ênio. Palestra proferida no Auditório do IFCH, UNICAMP, Campinas, SP, 1994. Outras
editoras tomaram os mesmos rumos da Civilização Brasileira, com a Saga, que publicou a obra do
indiano K. Panikkar, A Dominação Ocidental na Ásia; a Paz e Terra publicou as considerações de um
budista vietnamita, Thich Nhat Hanh, Vietnã: Flor de Lótus em Mar de Fogo, entre outros (a Civilização
Brasileira era a distribuidora da Paz e Terra). Panikkar, K. A Dominação Ocidental na Ásia do Século
XV aos Nossos Dias. 2ª ed., Rio de Janeiro, Saga, 1969; e Hanh, Thich Nhat. Vietnã - Flor de Lótus em
Mar de Fogo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968;
648
- Dines, Alberto. Entrevista para o Autor, realizada no dia 20 de setembro de 1995, Campinas, SP;
649
- Félix, Moacyr (Org.). Ênio Silveira - Arquiteto de Liberdades. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1998;
650
- Revista Civilização Brasileira. Nº 1, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, Março/1965, p. 4;
indivíduos que decidiram assentar sua vida em outros pontos que não
o da China propriamente dita. A fidelidade destes ao Estado chinês
moderno o da China real, repitamos é uma hipótese que tem sido
objeto de propaganda e de ominosas predições, mas até hoje
nenhuma atitude pode ser atribuída que corrobe a sua
‘periculosidade’, a serviço da China.”
651
O autor, então, ressaltou que é a “outra” presença chinesa, entretanto, um dos
móveis da tensão na área. É essa outra “presença” que está por trás das (injustas) motivações
norte-americanas, pois
‘sob a inspiração do Pentágono e de John Foster Dulles,
se foi ancorando na estratégia norte-americana a convicção de que a
queda de um peão seria seguida de outro e assim sucessivamente, de
tal arte que em breve a Ásia inteira vivia a cair nas garras do
comunismo. A única alternativa, dentro desse esquema genérico, era
apegar-se a cada peão o mais possível, ainda que, ao cabo, as forças
armadas norte-americanas fossem a só resistência contra a expansão
comunista em cada um dos governos que essas forças armadas
instituíssem nesses peões. De modo que, em nome da democracia, os
Estados Unidos da América têm sido levados a instaurar os mais
espúrios governos do mundo nessas áreas, porque sem nenhuma
raiz popular. Aos governos comunistas ou esquerdizantes, odiosos
porque comunistas ou esquerdizantes (ainda que contando com o
apoio das largas massas das respectivas populações e ainda que
apresentando índices de progresso material à altura dos esforços
coletivos), os Estados Unidos não têm podido oferecer aos olhos do
mundo outra coisa que quislings dos mais minoritários e
desamparados do mundo.
652
(grifos meus)
E, concluindo o artigo, Houaiss afirmou que
“Balanço: Duas convicções existem geralmente quanto ao
problema no seu conjunto: 1) a questão do Vietnam não se resolverá
por via militar; se essa via for sustentada, tende a alargar o conflito,
quantitativa e qualitativamente; o escaladamento pode vir a chegar
até o tipo atômico: cumpre, a qualquer preço, cortar essa via,
enquanto é tempo; 2) as negociações diplomáticas se imporão, mais
cedo ou mais tarde, embora se possa presumir que se arrastarão por
muito tempo e se estrangularão em muitos pontos.
Entrementes, a realidade das lutas sociais na área e no
mundo encaminharão para um relevo maior ou menor.”
653
Críticas aos Estados Unidos, defesa da autonomia dos povos (mesmo que
aceitassem governos “de esquerda ou esquerdizantes”), medo de uma guerra nuclear: eis como a
revista de Ênio Silveira trabalhava com a Guerra do Vietnã - e tudo isso apenas na primeira
matéria sobre a guerra.
651
- Revista Civilização Brasileira. Nº 2, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, Maio/1965, p. 71;
652
- op. cit., p. 73;
653
- Idem, pp. 83-84;
De um modo geral, a estratégia da revista para cobrir a Guerra do Vietnã
baseou-se em duas fontes principais: o Tribunal Bertrand Russell e a Contracultura.
O Tribunal Internacional de Crimes de Guerra, mais conhecido como Tribunal
Bertrand Russell, era tudo o que Ênio Silveira poderia desejar: uma iniciativa crítica contra a
participação norte-americana no Vietnã formada por intelectuais internacionalmente famosos
(além de Bertrand Russell, faziam parte do tribunal Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir,
Vladimir Dedijer, Laurent Schwartz, Isaac Deustcher, entre outros).
654
A Revista Civilização
Brasileira, então, aproveitou-se do tribunal para denunciar as políticas dos Estados Unidos em
relação ao Vietnã e ao mundo.
O próprio Bertrand Russell ganharia espaço na revista, explicando as razões da
criação do tribunal:
“Dirijo-me a vocês, cidadãos norte-americanos, movido por meu interesse na
liberdade e na justiça social. Muitos de vocês crerão que seu país tem servido a estes ideais
e, certamente, os Estados Unidos possuem uma tradição revolucionária que, em suas
origens, gravitou em favor da liberdade humana e da igualdade social. Esta tradição tem
sido traída pela minoria que governa atualmente os Estados Unidos. Muitos de vocês talvez
não saibam até que ponto seu país está controlado por industriais que, em parte, baseiam
seu poder nos grandes consórcios econômicos espalhados nos quatro cantos da terra.”
655
Russell argumentou que a luta vietnamita baseava-se na justiça e na liberdade,
comparando a luta vietnamita com a resistência revolucionária norte-americana frente aos
ingleses.
656
Uma das causas da guerra, para Russell, era o conjunto de interesses do Complexo
Industrial-Militar, pois esta
“concentração de poder torna inelutável para o
Pentágono e a grande indústria a continuação da corrida
armamentista, a fim de salvaguardar seus próprios interesses. Os
subcontratos que beneficiam indústrias menos importantes e aos
empreiteiros de guerra, envolvem todas as cidades norte-americanas
e afetam o trabalho de milhões de pessoas. Quatro milhões trabalham
para o Departamento de Defesa. Sua folha de pagamento se eleva a
654
- para maiores informações sobre o Tribunal Russell ver: Russell, Bertrand. Crimes de Guerra no
Vietnã. 2ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; e Russell, Bertrand; Sartre, Jean-Paul e Dedijer,
Vladimir. Os Estados Unidos no Banco dos Réus. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1970;
655
- Revista Civilização Brasileira. Nºs. 9-10, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira,
Setembro/Novembro/1966, pp. 65-66;
656
- Bertrand Russell afirmou que: “Na realidade, a resistência popular vietnamita é
igual à resistência revolucionária norte-americana frente aos ingleses que controlavam a
vida política e econômica das colônias americanas, no Século XVIII. A resistência
vietnamita é igual à resistência dos maquisards franceses, à dos comunistas iugoslavos e
à dos guerrilheiros da Noruega e Dinamarca durante a ocupação nazista. Por isso, um
pequeno povo camponês é capaz de por em xeque o Exército da nação industrial mais
poderosa da terra.”. op. cit., pp. 66-67;
doze mil milhões de dólares, o dobro da indústria automobilística
estadunidense.”
(...)
“Desse modo, o povo norte-americano é carne de canhão
utilizada por aqueles que não só exploram os vietnamitas mas também
ao próprio povo dos Estados Unidos..”
657
Os protestos contra a guerra também foram ressaltados pelo filósofo:
“Não obstante, o povo norte-americano começa a
compreender e a demonstrar a mesma determinação e valentia
manifestada pateticamente pelos vietnamitas. A luta em Harlem,
Watts e na América Latina, a resistência dos estudantes norte-
americanos, o crescente descontentamento por esta guerra
demostrado amplamente pelo povo norte-americano, dão esperanças
a todo o gênero humano de que está próximo o dia em que os homens
cruéis e cobiçosos já não possam enganar e abusar da nação norte-
americana.”
658
E, finalizando o artigo, Bertrand Russell explica a real finalidade do tribunal:
“O tribunal internacional de crimes de guerra é em si
mesmo uma exortação à consciência do povo norte-americano, nosso
aliado numa causa comum. (...) O Presidente Johnson, Dean Rusk,
Robert McNamara, Henry Cabot Lodge, o general Westmoreland e
seus colegas criminosos responderão ante uma justiça mais ampla do
que aquela que eles reconhecem e receberão uma condenação mais
profunda da que estão em condições de entender.”
659
Outro membro ativo do Tribunal Russell, Jean-Paul Sartre, também ganhou
espaço na revista. O artigo de título “Genocídio” foi um dos textos mais fortes contra a Guerra
do Vietnã publicados no Brasil.
660
O filósofo francês criticou, furiosamente, a política externa
norte-americana por provocar genocídios:
“O governo americano não é culpado de ter inventado o
genocídio moderno, nem mesmo de tê-lo escolhido em meio a outras
respostas possíveis e eficazes à guerrilha. Ele não é culpado por
657
- Idem, p. 69;
658
- Idem, ibidem, p. 72;
659
- Idem, ibidem, p. 73;
660
- Jean-Paul Sartre abre seu artigo definindo genocídio: “A palavra ‘genocídio” não existe há muito
tempo: foi o jurista Lemkin quem a forjou entre as duas guerras mundiais. A coisa é antiga como a
humanidade e não houve sociedade, até agora, cuja estrutura se tenha preservado de cometer esse crime.
Conclui-se que todo genocídio é um produto da história e que leva a marca da coletividade da qual
procede. Aquele que temos que julgar é o feito da maior potência capitalista do mundo contemporâneo:
enquanto tal é que é preciso tentar entendê-lo ou seja, enquanto ele exprime ao mesmo tempo as
infraestruturas econômicas desta potência, seus fins políticos e as contradições da conjuntura presente.”
Revista Civilização Brasileira. Nº 17, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira,
Janeiro/Fevereiro/1968, p. 1;
exemplo de ter-lhe dado sua preferência por motivos de estratégia
ou de economia. De fato, o genocídio se propõe como a única reação
possível à insurreição de todo um povo contra seus opressores; o
governo americano é culpado de ter preferido, de preferir ainda uma
política de agressão e guerra, visando o genocídio total, a uma
política de paz, a única que teria uma contraprestação, porque
implicaria necessariamente na reconsideração dos objetivos
principais que lhe impõem as grandes companhias imperialistas por
intermédio de seus grupos de pressão. Ele é culpado de prosseguir e
de intensificar a guerra, se bem que cada um de seus membros
compreende cada dia mais profundamente, pelos relatórios dos chefes
militares, que o único meio de vencer é “liberar” o Vietnã de todos os
Vietnamitas.
661
E, encerrando o artigo, Sartre relacionou a luta vietamita à luta mundial e da
humanidade:
“Quando um camponês tomba no seu arrozal, ceifado por
uma rajada de metralhadora, nós somos todos atingidos na sua
pessoa. Assim também os Vietnamitas combatem por todos os homens
e as forças americanas contra todos. Não apenas no sentido figurado
nem abstrato. E também não somente porque o genocídio seria no
Vietnã um crime universalmente condenado pelo direito dos homens.
Mas porque, pouco a pouco, a chantagem representada pelo
genocídio se estende a todo o gênero humano, apoiando-se sobre a
chantagem da guerra atômica, quer dizer, do absoluto da guerra
total, e porque este crime, perpetrado todos os dias sob todos os
olhos, faz de todos aqueles que não o denunciam cúmplices daqueles
que o cometem, e, para melhor nos avassalar, começa por nos
degradar. Neste sentido, o genocídio imperialista só pode radicalizar-
se: porque o grupo que se quer atingir e aterrorizar, através da
nação vietnamita, é o grupo humano por inteiro.”
662
(grifos meus)
Podemos notar que muitas das críticas levantadas por Russell e Sartre poderiam
ser aplicadas no Brasil da época, pois a maioria expressiva da esquerda brasileira analisava a
ditadura militar como fruto do imperialismo norte-americano - o mesmo que atuava no Vietnã.
A luta vietnamita defendida por Sartre poderia ser a luta brasileira, por exemplo. Tais
coincidências de conteúdo não foram, de forma alguma, acidentais.
Já as discussões a partir da Contracultura envolveram as idéias do pensador
alemão Herbert Marcuse, que defendeu nas páginas da revista a existência de uma “sociedade
tecnológica”:
“Entendo por sociedade tecnológica aquela que se
caracteriza pela automação progressiva do aparato material e
intelectual que regula a produção, a distribuição e o consumo, quero
661
- op. cit., p. 17;
662
- Idem, pp. 17-18;
dizer, um aparato que se estende tanto às esferas públicas de
existência como às particulares, tanto no domínio cultural como ao
econômico e político; em outras palavras, é um aparato total.
(...)
“A racionalidade, assim como a eficiência do aparato tecnológico, e o alto
grau de produtividade atingido por este, levam a uma coordenação e manipulação totais,
obtidas em grande parte por métodos invisíveis e agradáveis. Esses métodos produzem a
perda da autonomia e da liberdade individuais, apesar do grau, aparentemente elevado, de
independência que prevalece na sociedade.”
663
E, criticando tal lógica, Marcuse concluiu que “nesta sociedade a tecnologia, a
técnica e o progresso técnico são utilizados como instrumentos políticos na batalha contra as
formas humanas de existência.”
664
Mesmo assim, tais técnicas estão ajudando a produzir, dentro
dessa mesma sociedade tecnológica, a contestação a ela: estudantes, minorias, guerrilheiros no
Terceiro Mundo, etc. Mas, apesar disso, suas críticas seriam profundas em relação aos
contestadores, como podemos perceber na seguinte passagem:
“Parece-me que as forças de oposição estão na atualidade
consideravelmente ilhadas, carecem de solidariedade internacional,
são espontâneas e se mostram desorganizadas em extremo,
concentrando-se em dois pólos opostos: o primeiro são os
movimentos de libertação nacional que se realizam nos países
atrasados; o segundo é a oposição fundamentalmente intelectual que
existe nos países industrialmente avançados. Creio que há uma
profunda relação entre ambos, mas que não foi, de modo algum,
transferida à realidade por meios da organização ou da
solidariedade.”
665
Marcuse, num artigo posterior, analisando a contestação dos estudantes norte-
americanos, concluiu que toda “oposição só pode, hoje, ser considerada em um quadro geral.
Como fenômeno isolado, é, desde o início, falseado.”
666
A Guerra do Vietnã tinha um
importante papel neste quadro, pois
“... esta oposição foi fortalecida pela guerra do Vietname.
Para estes estudantes a guerra do Vietname, pela primeira vez,
desvendou a essência da sociedade existente: a necessidade, que lhe é
imanente, de expansão e agressão, e a brutalidade da luta de
concorrência no terreno internacional.”
667
A Guerra do Vietnã era, portanto, uma das motivações da oposição estudantil
nos Estados Unidos. E sobre a Guerra do Vietnã especificamente, Marcuse comentou que:
663
- Revista Civilização Brasileira. Nº 18, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira,
Março/Abril/1968, p. 4;
664
- op. cit., p. 6;
665
- Idem, p. 11;
666
- Revista Civilização Brasileira. Nºs. 21-22, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira,
Setembro/Outubro/1968, p. 80;
667
- op. cit., p. 83;
“Trata-se de uma luta decisiva contra todas as tentativas
de libertação nacional, em todos os cantos do mundo, decisiva no
sentido de que uma vitória do movimento libertador vietnamita daria
o sinal para a ativação de movimentos libertadores, em outras partes
do mundo e muito mais próximas da metrópole, onde realmente
existem enormes investimentos. Se, neste sentido, o Vietname, de
modo algum, é apenas um acontecimento da política externa, mas está
ligado à essência do sistema, talvez também um ponto de inflexão no
desenvolvimento do sistema, talvez o começo do fim. Pois o que aqui
se mostrou é que a vontade humana e o corpo humano, com os mais
pobres armamentos, são capazes de por em cheque o sistema de
destruição mais operante de todos os tempos. Isto é, ainda uma vez,
algo de novo na história mundial.”
668
Mas a falta de união e articulação entre esses movimentos os prejudicarão.
Mesmo estratégias criativas (como os bed-in, teach-in, discussões sobre sexo, etc.) precisam de
articulação entre os grupos de contestação e, principalmente, de uma teoria que dê caminhos
para reflexões e ações.
669
Concluindo o artigo, Marcuse afirmou que:
“O fato é que nos encontramos em face de um sistema,
que, desde o começo do período fascista e, ainda hoje, por sua
realidade, renegou propriamente a idéia do progresso histórico um
sistema cujas íntimas contradições se manifestam sempre
renovadamente em guerras desumanas e desnecessárias, e cuja
crescente produtividade é uma crescente perturbação e um crescente
desperdício. Tal sistema não está imunizado. Ele já se defende contra
a oposição do mundo. E mesmo que não alcancemos em que possa
adiantar essa oposição, devemos prosseguir, se quisermos ainda
trabalhar como homens e ser felizes. Em aliança com o sistema, nada
conseguiremos.”
670
Destacando os movimentos jovens de contestação dos Estados Unidos e da
Europa, a revista procurava estimular os jovens brasileiros a fazerem o mesmo. As grandes
questões da época foram devidamente retratadas pela Revista Civilização Brasileira, utilizando-
se da Guerra do Vietnã, entre outros temas para serem “lidas” sob uma ótica da esquerda no
Brasil.
A tática da editora Civilização Brasileira de “usar” a Guerra do Vietnã como
estímulo para criticar os Estados Unidos e a situação política brasileira também seria utilizada
pela direita, mas para denunciar as atrocidades comunistas. Em 1966, a editora da revista O
Cruzeiro lançou um pequeno livro, Guerra no Vietnam: Por quê?, do jornalista indiano M.
668
- Idem, p. 84;
669
- Idem, ibidem;
670
- Idem, ibidem, p. 90;
Sivaram, mostrando uma visão bem negativa dos comunistas, como podemos notar na seguinte
passagem:
“E é por essa razão (a injusta agressão comunista no
mundo) que temos tido guerras, não desejadas e ruinosas, com o
objetivo de resistir aos seus fabricantes, que acreditam apenas na
força e a nada se curvam, exceto a ela própria. À semelhança da
travada contra Hitler e à da Coréia, a guerra no Vietnam somente
poderá terminar com a retirada do agressor. Qualquer outra solução
significará não somente a escravização de todo o Vietnam, como
também de todo o sudeste asiático. E o processo de conquista
comunista poderá não terminar ali.”
671
Como podemos observar, o Medo do Expansionismo Comunista ainda exercia
influência na produção da imprensa. E o padre Generoso Bogo reforçaria ainda mais este medo
utilizando-se do Vietnã.
672
O padre Bogo era conhecido mundialmente pelo seu trabalho de caridade com
as crianças vítimas da guerra no Vietnã do Sul - ele trabalhava num dos inúmeros orfanatos
católicos no país.
673
Na sua volta ao Brasil em 1969, ele lançou um livro, Imagens e Paisagens
do Vietnã, contado a história do país, sua geografia, além da sua trajetória pessoal como padre.
O mais interessante deste livro é que ele extrapola seu caráter histórico e geográfico, tornando-
se um libelo contra o comunismo no Vietnã do Sul. Eis uma passagem reveladora:
“(...) afirmar que a China de Mao é uma ‘sociedade sem
classes’, é uma cínica manipulação de estilo para ocultar uma
flagrante mentira! - E é à massa não comunista que se impõem as
tarefas mais pesadas e esfalfantes em nome de um partido que
usurpou o poder com a perfídia, a violência, e o terror para o ‘bem
estar’ do... povo! - Vão a Macau e a Hong Kong, os que crêem, para
671
- Sivaram, M. Guerra no Vietnam - Por quê?. Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1966, p. 204. A editora José
Olympio também publicou obras contra os comunistas vietnamitas, como foi o caso do livro de Jean
Lartéguy, Um Milhão de Dólares por Vietcong. Lartéguy, Jean. Um Milhão de Dólares por Vietcong. Rio
de Janeiro, José Olympio, 1966;
672
- outros setores da Igreja Católica também discutiam a Guerra do Vietnã. O padre Cechin, irmão
marista, escreveria, junto com sua irmã Matilde, um interessante livro, Crescei e Vivei, no qual
incorporava à vida religiosa cristã elementos sociais da atualidade, argumentando que não era mais
possível viver apenas dos escritos antigos, ou seja, era necessário uma visão mais global da realidade, e
Cristo tinha de entrar nessa realidade. O autor destacou alguns pontos que deveriam ser pensados em
termos cristãos, e entre eles estavam os golpes da América Latina, a mini-saia, a música dos Beatles e a
Guerra do Vietnã - esta última que não deveria ser acompanhada passivamente, mas criticamente. O livro
foi proibido nas escolas, pois, para as autoridades, ele incentivava a luta de classes. Cechin, Padre.
Crescei e Vivei. s/L, s/D (mimeo); outras referências à obra estão em Betto, Frei. Batismo de Sangue - os
Dominicanos e a Morte de Carlos Marighella. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1985;
673
- o jornalista José Hamilton Ribeiro, para conseguir o visto da embaixada do Vietnã
do Sul, alegou que iria fazer uma reportagem com o padre Bogo (o que não era
inteiramente verdade, pois o padre não estava no Vietnã no momento que Hamilton
Ribeiro alegava que iria visitá-lo). Ribeiro, José Hamilton. O Gôsto da Guerra. São
Paulo, Brasiliense, 1969;
ver, para falar com os milhões de privilegiados que conseguiram e,
conseguem ainda, contra as balas, ultrapassar fronteiras e trincheiras
em busca da liberdade.”
674
Até mesmo a beleza do país não combina com o regime comunista, numa visão
geográfica, no mínimo, curiosa. Bogo acreditava que queda do Vietnã seria uma tragédia, pois a
“ameaça comunista atinge todos nós. Um triunfo comunista na Ásia, seria uma catástrofe para
a Europa.”
675
Até mesmo os analistas norte-americanos desconsideraram tal hipótese. Em
muitos sentidos, tais visões eram raras por volta de 1969, pois os discursos contra a guerra
acabaram superando os discursos a favor dela e representações desta natureza apareciam muito
pouco freqüentemente.
O padre Bogo estava bem inteirado do que acontecia no Vietnã - até mesmo por
que trabalhava no país e tentou mostrar a faceta mais selvagem do Vietcong e do Vietnã do
Norte, pois essa selvageria existia realmente, mas estava encoberta por visões de heroísmo
dessas forças contra as forças armadas norte-americanas, muito mais poderosas:
“Que Deus livre o nosso grande povo dessas mazelas do
‘paraíso’ de Mao, e dos... pacifistas, e dos simpatizantes deles que
pretendem enganar-nos e fazer-nos engolir a ‘pílula
dessa...‘igualdade social’!”
676
A representação das forças comunistas como heróis era muito comum na época,
mesmo quando elas nada tinham de heróicas. O livro do padre Bogo foi esquecido, pois sua
temática esbarrava em representações muito diferentes da que se tinha em relação à guerra no
momento do seu lançamento em 1969.
677
Mas o livro do padre Bogo não foi o único a ser escrito no Brasil sobre a guerra.
Luís Barreiros, correspondente do jornal Correio da Manhã, foi ao Vietnã do Sul em 1970 e
escreveu uma série de reportagens para o jornal, publicadas em janeiro de 1971.
678
Mas não
foram as suas reportagens contra os comunistas e a favor do Vietnã do Sul que chamam a
674
- Bogo, Padre Generoso. Imagens e Paisagens do Vietnam. Porto Alegre, Dom Bosco, 1969, p. 152;
675
- Bogo, Padre Generoso. op. cit., p. 154;
676
- Bogo, Padre Generoso. Idem, p. 152;
677
- uma curiosidade: o padre, para arrecadar fundos para ajudar mil e trezentos
“pequeninos refugiados” vietnamitas, recorreu a doações em dinheiro com depósitos em
contas bancárias, sendo um dos precursores dessa prática no Brasil. Os bancos são:
Banco Industrial e Comercial do Sul S.A. (Sulbanco, de Porto Alegre, São Leopoldo e
de Lages); Banco Nacional do Comércio, agências de Rio do Sul e de Itajaí, em Santa
Catarina; Bradesco, de Campinas e de Lorena; Banco de Desenvolvimento do Estado de
Santa Catarina S.A., na Guanabara e em Presidente Getúlio, Santa Catarina.
Infelizmente, os bancos que ainda existem recusaram-se a prestar informações da
movimentação destas contas, por questões de sigilo bancário (ou por não terem mais
informações das mesmas), o que nos impede de descobrir os efeitos de tal campanha.
Bogo, Generoso. Idem, ibidem, parte interna da contracapa;
678
- Correio da Manhã. Rio de Janeiro, várias edições de janeiro/1971;
atenção para este correspondente, mas sim o fato de o jornalista ter escrito um romance tendo a
Guerra do Vietnã como fundo, Saigon Meu Amor
679
O romance conta a história da camponesa Nguyen Thy Phuong, que, logo no
começo do livro, foi estuprada por um guerrilheiro Vietcong. A seguinte passagem é bastante
reveladora sobre a visão do autor em relação ao Vietcong:
“O corpo de menina-moça de Thy Phuong despertou no
vietcongue instintos animalescos e que o ardor das lutas traiçoeiras e
criminosas haviam escondido. Porque Vo Thuong (o guerrilheiro) de
há muito não tinha relações sexuais normais com mulheres. Nos
acampamentos, às pressas, e muitas vezes de pé mesmo, encostado às
árvores, possuía mulheres, filhas ou irmãs de outros guerrilheiros.
Quando faziam prisioneiras, era um dos que, aos grupos violavam
bestialmente velhas e moças e até mesmo crianças, que depois de
servirem de pasto para todos, eram assassinadas a golpes de baioneta
ou com tiros na fronte. Mas agora, sozinho, sem ninguém por perto,
tinha ao seu dispôr, à sua mercê, uma prisioneira linda! E ‘comida’
de americano!”
680
Após o estupro, ela viajou para Saigon para viver com sua amiga de infância
Kim Hoa (uma prostituta que lhe arrumaria o mesmo emprego) e, na sua primeira noite, ela
conheceu o jornalista brasileiro Milton de Almeida, enviado a Saigon para cobrir a guerra pelos
“Diários Unidos” (empresa de notícias fictícia), e ambos se apaixonam. Phuong descobre que
Kim Hoa é lésbica e que esta está apaixonada por ela. Um norte-americano, misteriosamente,
deu grandes somas de dinheiro a Phuong e ela, assim, pode pagar as contas com a cafetina do
lugar. Phuong, então, é seqüestrada pelo norte-americano e por sua amiga, que a levam até o
Camboja. Milton, ao procurá-la no bordel e não encontrando-a, preocupa-se, descobre toda a
trama e vai salvá-la junto com as autoridades norte-americanas. Os dois se casam e vêm viver
no Brasil.
Apesar do frágil enredo do livro, ele nos revela muitas informações úteis, desde
o roteiro de viagem do Brasil até o Vietnã do Sul (linha EUA-Japão-Vietnã do Sul) até como os
correspondentes de guerra trabalhavam no campo de batalha. O moralismo do autor é patente: o
guerrilheiro Vietcong é caracterizado como estuprador e as autoridades norte-americanas como
cumpridoras da lei e da ordem. Muitas questões da guerra aparecem no livro, como o perigo de
vida que os correspondentes passavam na sua cobertura (no livro, um correspondente de guerra
do Japão foi morto) e o desgaste da guerra na imprensa no início da década de 70 (o personagem
679
- Barreiros, Luís. op. cit.. Este foi o único na época, pois outro romance tendo a guerra no Vietnã de
fundo seria lançado em 1995: Netto, Osmar. Vietnã - a Saga de um Brasileiro. São Paulo, O. Netto, 1995;
680
- Barreiros, Luís. Idem, p. 17;
recebe um telegrama dos “Diários Unidos” informando que a Guerra do Vietnã estava perdendo
o interesse).
681
O mais importante desse romance é que a representação da guerra ganhou um
espaço raro neste momento no Brasil, de apoio aos norte-americanos e ao Vietnã do Sul. Luís
Barreiros procurava valorizar a beleza da mulher vietnamita, que estava sendo destruída, assim
como o próprio país, pela guerra e pela luta dos comunistas em tentar destruir “a democracia”
do Vietnã do Sul.
Apesar dessas iniciativas da direita, a Guerra do Vietnã seria uma das grandes
incentivadoras da esquerda armada no Brasil.
Houve uma reação guerrilheira contra o novo regime militar no Brasil quando o
coronel reformado do Exército Jefferson Cardim Osório, em julho de 1965, criou, com 33
membros, as Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), apossou-se de um caminhão
militar em Três Passos, no rio Grande do Sul e iniciou, no Sudoeste do Paraná, uma tentativa,
frustrada, de guerrilha, que logo seria desbaratada, sem que se disparasse um tiro sequer.
682
A
iniciativa deste levante foi de Leonel Brizola, exilado no Uruguai. Já podemos perceber a
influência da guerrilha vietnamita no Brasil pois, de acordo com o jornalista e ex-guerrilheiro
Flávio Tavares, “Brizola estava literalmente inundado pela concepção de guerrilha, lia revistas
do Vietnã do Norte e me contou, inclusive, que fazia exercícios de tiro e assalto a baioneta.”
683
Mas a guerrilha cubana ainda era a grande referência. Ainda de acordo com Flávio Tavares,
toda “a veemência dos seus 43 anos concentrava-se em defender ‘o foco’.”
684
Mesmo com a vitória dos militares, a Luta pela Revolução Socialista
continuaria influente nos anos seguintes a 1964, chegando no seu auge em 67/68,
principalmente tendo como exemplo, além da luta travada no Vietnã, as revoluções chinesa e
cubana. A grande imagem, porém, era a do guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara.
Em 1965, Guevara escreveu um pequeno ensaio denominado Vietnam e a Luta
Mundial Por Liberdade, que partia de um ponto de vista latino-americano para pensar a
revolução em termos globais, principalmente no Terceiro Mundo, pois, como ele mesmo referiu,
na “América Latina a luta avança, de armas na mão, na Guatemala, Colômbia, Venezuela e
Bolívia, e os primeiros focos já estão aparecendo no Brasil.”
685
Guevara ressaltou a herança
comum da opressão no continente, bem como a linguagem e costumes semelhantes,
favorecendo a criação de uma base comum. Che ressaltou que é preciso uma luta continental,
681
- “Parabéns Senhor e Senhora Almeida PT Guerra do Vietnã Perdendo Interesse PT Acontecimentos
Irlanda Pakistan Uruguai Tomam Lugar Notícias Dai PT Retorne Com Madame Almeida PT Felicidades
Pombinhos VG Abraços Diários Unidos.”
Barreiros, Luís. Idem, ibidem, p. 205;
682
- Gorender, Jacob. op. cit.;
683
- Tavares, Flávio. Memórias do Esquecimento. São Paulo, Globo, 1999, p. 177;
684
- Tavares, Flávio. op. cit.;
685
- Guevara, Ernesto Che, Vietnam e a Luta Mundial Por Liberdade, sem referências (mimeo);
palco de muitas e grandes batalhas, “em nome da humanidade, em nome da sua libertação”.
686
Os outros combates que estão acontecendo são pequenos e esporádicos, mas importantes, pois
estão criando os mártires que figurarão na história das Américas. Na sua visão messiânica da
revolução, Guevara argumenta que a guerrilha praticada pelo Vietcong derrotaria as forças dos
Estados Unidos, que tinham acabado de entrar em combate. O texto pregava a possibilidade de
todos os países explorados seguirem os mesmos caminhos, e que a luta, apesar de árdua, minaria
o poder “imperialista” dos Estados Unidos. A grande idéia de Che se resumiria numa das mais
famosas frases da década: “Criar um, dois, três...vários Vietnãs!”
687
Sonhar tal idéia poderia ser lógico para o momento, mas apresentava muitas
dificuldades práticas. A guerrilha Vietcong tinha as suas especificidades, que raramente são
encontradas em outros lugares, muito menos na América Latina - a própria guerrilha que levou
Fidel Castro ao poder era muito diferente da praticada pelo Vietcong, por exemplo. Não se
contestava o empenho Vietcong na luta contra os Estados Unidos, mas alguns fatores devem ser
considerados: o número de desertores crescia de acordo com as dificuldades encontradas; a
própria FLN não era uma unidade total e incontestável, muitas das suas lideranças não eram
comunistas, e havia um número respeitável de diferenças com o seu aliado, o Vietnã do Norte; a
violência contra o camponês também era uma prática constante do Vietcong, mesmo que sua
violência fosse mais seletiva que a dos sul-vietnamitas.
688
Mas tais especificidades foram
desconsideradas por Che Guevara.
Quando o guerrilheiro argentino escreveu este texto, a guerra ainda não tinha
entrado no impasse, mas as suas palavras confirmariam-se, uma a uma. As imagens da guerra
mostravam guerrilheiros frágeis fisicamente enfrentando, sem recuar ou desistir, sofrendo
pesadas privações, um exército melhor treinado e armado, fazendo qualquer esforço, por mais
desumana ou violenta que fosse, para manter sua luta por sua causa. Que imagem poderia ser
mais indicada para jovens que contestavam os valores sociais (como a norte-americana e
européia) ou que queriam a revolução (como a latino-americana)? O próprio exemplo de Che
Guevara era significativo - um “homem do mundo”, lutando por suas idéias sem se preocupar
com o futuro ou com o que pensassem dele. A Luta pela Revolução Socialista ganhava “corpo,
voz e alma” com Che Guevara e o Vietnã.
689
686
- Guevara, Ernesto Che. op. cit.;
687
- Guevara, Ernesto Che. Idem;
688
- Gigon, Fernand. USA X Vietcong - as Duas Faces do Conflito. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1967;
689
- em 1967, Che Guevara escreveu sua “Mensagem à Tricontinental”, documento
divulgado em abril deste ano, que continuava a destacar a revolução mundial e a idéia
de “criar Vietnãs”: “Cada gota de sangue derramado, em qualquer país sob cuja
bandeira não se nasceu, é uma experiência transmitida aos que sobreviveram, a ser
acrescentada depois à libertação de seu próprio país (...). Não podemos fugir do
chamamento desta hora. O Vietnã o está apontando com sua inesgotável lição de
Um dos frutos deste imaginário foi a criação, pelo governo cubano, da
Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), órgão internacional que visava
auxiliar grupos revolucionários da América Latina, mantendo inclusive campos de treinamentos
de guerrilheiros. Em agosto de 1967, foi organizada uma conferência desta organização em
Havana, e a idéia de criar muitos Vietnãs era a palavra de ordem - sabia-se que Guevara estava
em algum lugar da América Latina, preparando uma guerrilha. A idéia de foco revolucionário,
tão cara aos pensamentos de Guevara e Fidel Castro (era, basicamente, a razão do sucesso da
Revolução Cubana), seria levada a cabo pelo grupo Movimento Nacionalista Revolucionário
(MNR), de liderança brizolista, que tentaria criar um “foco” na serra do Caparaó, em abril de
1967. Mas, como a tentativa anterior no Sudoeste do Paraná, esta guerrilha foi facilmente
desbaratada.
690
As dificuldades de se criar “novos Vietnãs” ou mesmo de desenvolver o
“foquismo” - cubano eram imensas. O próprio Guevara percebeu as dificuldades de se “criar
Vietnãs”, sendo ele mesmo capturado e morto na Bolívia em outubro de 1967. Apesar desse
revés, o movimento revolucionário internacional não se abateu, procurando a saída guerrilheira
como uma opção válida. Logo, as guerrilhas proclamavam sua idéia de criar Vietnãs no
Uruguai, na Argentina, na França, nos Estados Unidos - a invasão da universidade de Berkeley
suscitou essa frase: “criar uma, duas, muitas Berkeleys!”
691
A idéia criada por Che Guevara
acabou atingindo um alcance muito maior do que qualquer comunista vietnamita poderia
esperar - a Luta pela Revolução Socialista não poderia ter recebido maior internacionalização.
E suas representações também apareciam no Brasil. Uma das primeiras
manifestações da idéia de se “criar Vietnãs” foi o jornal Amanhã, publicado em 1967, ligado ao
Grêmio da Faculdade de Filosofia da USP, criado por Ítalo Tronca e dirigido por Raimundo
Pereira, que vendeu quase 10 mil exemplares nas bancas, um feito inédito para publicações
estudantis, e que teve a duração de apenas sete semanas.
692
Mas foram sete semanas produtivas
em termos de cobertura da Guerra do Vietnã. No número um, na matéria “Uma Guerra Suja”, a
crítica contra os Estados Unidos era evidente:
heroísmo, sua trágica lição quotidiana de luta e morte para a consecução da vitória final.
(...) Podemos ver de perto um futuro radioso se dois, três, muitos Vietnãs florescerem
através do mundo, com sua quota de mortes e imensas tragédias, seu heroísmo de todos
os dias e seus repetidos golpes contra o imperialismo, obrigado a dispersar suas forças
diante do ataque súbito e do ódio crescente de todos os povos do mundo!” Extraído de:
Anderson, Jon Lee. Che Guevara - uma Biografia. Rio de Janeiro, Objetiva, 1997, pp.
825-826;
690
- Gorender, Jacob. op. cit.;
691
- Folha de São Paulo (caderno “Especial). São Paulo, 22/03/88, p. 3;
692
- Kucinski, Bernardo. op. cit.;
“Na semana passada, em Guam, uma tranqüila
ilha do Pacífico, Johnson e os líderes militares sul-
vietnamitas concluíram que a única forma de obter a paz
no sudeste asiático consiste na intensificação da guerra:
mais bombas, destruição de usinas siderúrgicas e
elétricas do Vietnã do Norte, mais americanos na guerra,
além dos 470 mil que já estão lá.
(...)
A intensificação da guerra anunciada em Guam
por Johnson significa evidentemente, mais Napalm e mais
fósforo branco, maior número de crianças civis mutiladas
pelos bombardeios. E isto é feito em nome de uma
civilização cristã e ocidental.”
693
E, complementando o texto, foi publicado uma chocante foto de uma criança
vietnamita mutilada (sem o braço), mostrando a “ação” norte-americana na guerra. No mesmo
número, o jornal denunciou a “guerra química” realizada pelos Estados Unidos. De acordo com
o artigo:
“O atual Departamento de Estado americano alega que
‘nem o espírito nem a letra do acordo foram quebrados pelos EUA no
Vietnã.’. Diz que os gases utilizados são apenas de efeito morais ou
lacrimogênios. Sobre estes mesmos gases, a Sociedade Química
Americana diz o contrário, após ter identificado um deles, o
alfacloroacerofenone: eles são perigosos, têm efeitos complicados,
trazem cegueira e podem ser letais.”
694
O jornal, assim como a Revista Civilização Brasileira, também iria se utilizar
do Tribunal Russell, reproduzindo a carta de Bertrand Russell ao povo americano (e
apresentando no final da mesma uma história em quadrinhos da revista norte-americana MAD,
onde uma mulher descreve um criminoso para o retrato-falado e, no último quadrinho, temos a
imagem de Lyndon Johnson).
695
Mas seria na edição de número três que o jornal entraria fundo na guerra. No
seu Caderno Especial “Guerra do Vietnã”, o jornal repetiu as denúncias sobre a participação do
Complexo Industrial-Militar no desenvolvimento (e manutenção) da guerra, assim como a
Revista Civilização Brasileira já o fizera:
“A presença norte-americana no sudeste asiático
tem, além do seu caráter puramente político, o sentido de
tentar equilibrar a economia através da produção bélica.
Já de alguns anos o investimento na indústria bélica vem
sendo a saída para os enormes capitais excedentes que
693
- Amanhã. Nº 1, São Paulo, 1967, p. 4;
694
- op. cit., p. 16;
695
- Amanhã. Nº 6, São Paulo, 1967, pp. 9-10;
não podem ser aplicados em outros setores para evitar
crises de super-produção.
(...)
Alguns comentaristas tentam personalizar a
guerra no Presidente Johnson, que é pintado como culpado
único da aventura da ‘escalada’. Na realidade, Johnson já
subiu ao governo na crista de um processo de crise
complexa e poderosa estrutura de grupos monopolistas
internacionais com sede nos EUA. Os americanos
entraram numa guerra da qual não podem sair sem
prejudicar interesses destes grupos e interesses
militares.”
696
Mas a posição radical do jornal em relação à guerra ficou evidente no início
deste caderno especial:
“O Sudeste da Ásia é hoje um dos lugares do
mundo onde se decidem algumas das batalhas finais
entre o capitalismo e o socialismo. Uma dessas batalhas, a
guerra do VIETNÃ, não passa de um capítulo dramático
dessa luta.”
697
Um “capítulo dramático” das “batalhas finais entre o capitalismo e o
socialismo”: a guerra não era vista, pelo jornal, como resultado de uma interferência
“imperialista” ou uma guerra civil ou mesmo de simples luta por independência, mas sim parte
de um confronto de duas ideologias, de dois universos diferentes e em constante luta. A visão do
jornal não deixava dúvida alguma: era inevitável uma batalha final entre o capitalismo e o
socialismo, sendo que um dos capítulos decisivos desta batalha estava passando no Vietnã.
Raimundo Pereira, que defendia tal ponto de vista, seria outra figura importante da futura
imprensa alternativa que começava a buscar o seu espaço, principalmente pelas publicações de
O Sol e Poder Jovem.
Alimentado pela Luta pela Revolução Socialista (e em particular na idéia de
Guevara sobre criar muitos Vietnãs), o movimento estudantil entrou na temática do Vietnã.
Começaram as discussões teóricas quanto aos significados do ataque imperialista norte-
americano contra um país frágil e pequeno, que resistia heroicamente. Para os estudantes mais
radicais, era a luta do “bem” contra o “mal”, do “oprimido” contra o “opressor”, de uma pobre e
pequena nação contra a maior máquina de matar da história da humanidade. Uma lição a ser
seguida por quem optasse pela revolução.
As possibilidades práticas dos estudantes seguirem esse exemplo eram muito
limitadas, pois não tinham passado por experiências tão duras e ásperas. Mas o que importava?
696
- Amanhã. Nº 3, São Paulo, 1967, p. 10;
697
- op. cit., p. 7;
Eles odiavam o regime militar, o capitalismo que dele se servia, quer o capitalista nacional ou o
capitalista internacional, imperialista, representado pelos Estados Unidos. Esses estudantes
queriam ação, estimulados pelas revoluções Chinesa e Cubana, mais o exemplo da guerrilha
Vietcong. Zuenir Ventura resumiu, numa frase, o significado do Vietnã para aquele momento:
“O Vietnã era a vitória do Impossível!”
698
Era o impossível, empurrado pela paixão, que levou
muitos estudantes às lutas revolucionárias. A Luta pela Revolução Socialista os levaria às ações,
mesmo que nada pudesse garantir os resultados - que quase sempre mostrar-se-íam trágicos.
O Vietnã estava na ordem do dia: estudantes levantavam discussões sobre o
assunto e protestos tendo como slogans palavras sobre a guerra começavam a aumentar;
seminários foram criados para se discutir a guerra do Vietnã, como a “Semana do Vietnã”, que
correu várias cidades durante o mês de abril de 1967;
699
inúmeros documentos foram produzidos
pela UNE referindo-se ao Vietnã, como na declaração de princípios do Vigésimo Oitavo
Congresso da UNE, onde a ligação do problema vietnamita com a realidade brasileira foi clara:
“O imperialismo, o latifúndio e a burguesia que se uniram em abril, sob o comando da casta
militar, para instalar a tirania no País, são as mesmas fôrças que assassinaram a população no
Vietnã.”
700
O plano de ação da UNE para o exercício do período 1966/67, e aprovado pelo
vigésimo oitavo congresso (clandestino), destacava a guerra em dois artigos: o décimo quinto,
que colocava como luta da entidade a oposição à invasão do Vietnã pelo “imperialismo norte-
americano”; e o décimo sexto, que a entidade lutaria contra os auxílios de guerra fornecidos
pelo governo brasileiro “à força agressora do imperialismo norte-americano” para a guerra,
“para esmagar a luta de libertação do povo vietnamita”.
701
A causa vietnamita era a causa
brasileira, pensavam estes estudantes.
702
Não que tais documentos pudessem alterar
politicamente o que acontecia no Vietnã, mas o tema era visto como próximo da realidade
brasileira. A Guerra do Vietnã já fazia parte da vida do país, pelo menos para algumas parcelas
da população - os mais intelectualizados.
Não foram apenas os grupos de esquerda ou estudantis que usavam a Guerra do
Vietnã como referencial: a guerra também era pensada pelos adversários da idéia de revolução,
e sua aceitação (ou rejeição) também eram pensadas. José Poerner nos descreve um fato curioso
698
- Ventura, Zuenir. Palestra proferida no Instituto de Economia da UNICAMP em Campinas, SP, agosto
de 1993;
699
- Martins Filho, João Roberto. Movimento Estudantil e Ditadura Militar 1964/1968. Campinas,
Papirus, 1987;
700
- documento citado em Poerner, Arthur José. O Poder Jovem - História da Participação Política dos
Estudantes Brasileiros. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 353;
701
- extraído de: Poerner, Arthur José. op. cit., p. 351;
702
- a voz dos estudantes: Só com uma organização coesa, firme, sólida, é que podemos derrubar nossos
inimigos, da mesma maneira que o povo vietnamita derrota o imperialismo e a ditadura militar do
Vietnam do Sul. Mas da mesma forma que a luta do povo vietnamita tem sido árdua, a nossa sem dúvida
alguma também o será.” Extraído de: Ventura, Zuenir. 1968 - O Ano que Não Terminou: a Aventura de
uma Geração. 11ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988, p. 113;
sobre este problema: a AUI (Associação Universitária Interamericana, de origem norte-
americana), para conseguir infiltrar agentes estudantis dentro dos movimentos brasileiros,
realizava uma série de perguntas, sendo que uma das quais era sobre o que o estudante achava
da Guerra do Vietnã, e caso ele não a considerasse como um crime cometido pelos Estados
Unidos, o entrevistado seria ignorado, pois se não ligava para o assunto agora, supunha-se que
não ligaria nunca.
703
A Guerra do Vietnã já deixara de ser apenas um problema entre os países
beligerantes e transformou-se num problema mundial. A superexposição da guerra pelos meios
de comunicação no mês de fevereiro por causa da ofensiva do Tet fez com que o conflito ficasse
mais próximo de um número muito grande de pessoas no país. Mas foi em maio de 1968 que a
Guerra do Vietnã entrou na realidade brasileira de uma maneira definitiva através da imprensa
brasileira, mas não apenas por causa da sua cobertura pura e simples. Um drama pessoal juntou
o país ao tema. A revista Realidade, que buscava a vivência da reportagem, teria muito mais
vivência do que sua linha editorial poderia supor ou desejar.
A revista Realidade, nesse momento da guerra, realizava uma cobertura muito
tímida, com apenas uma matéria de destaque, em 1966, descrevendo o conflito no Sudeste
Asiático desde a presença francesa até as tensões do momento. Apesar de tão escassas, as
características do New Journalism apareceram, pois a matéria foi ilustrada por um belo ensaio
fotográfico (valorização da imagem na construção da notícia), feito pelos repórteres Claude
Sauer e Jean Durieux, que “nascem, sofrem e morrem no Vietnã.” (expressão procurando
mostrar o envolvimento dos jornalistas na reportagem).
704
A temática da guerra era pouco explorada pela revista até 1967, mas cresceria
muito em 1968. A revista utilizava material de correspondentes estrangeiros, como a italiana
Oriana Fallaci, que faria a primeira grande reportagem da revista sobre a guerra (capa da edição
número 24), que consistia numa entrevista com um guerrilheiro Vietcong preso e condenado à
morte.
705
A fotografia da capa era reveladora: o guerrilheiro envolto numa penumbra negra,
como se estivesse num ambiente fechado e carregado, pronto para o seu destino. Tom mórbido
para um destino mórbido.
No fim de 1967, a revista recebeu proposta da Embaixada dos Estados Unidos
para enviar um correspondente de guerra ao Vietnã, pagando, inclusive, as despesas
706
- os
Estados Unidos incentivavam o envio de correspondentes, tentando cooptá-los à causa norte-
americana.
707
A revista recusou a oferta e decidiu enviar um correspondente financiado por ela
703
- Poerner, Arthur José, op. cit.;
704
- Realidade. Nº 2, São Paulo, Abril Cultural, Maio/66, pp. 32-41;
705
- Realidade. Nº 24, São Paulo, Abril Cultural, Março/68, capa; no mesmo número, pp. 131-140;
706
- Ribeiro, José Hamilton. op. cit.;
707
- Knightley, Phillip. A Primeira Vítima. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978;
própria, para ter maior liberdade de cobertura. O escolhido para fazer a cobertura da guerra foi
José Hamilton Ribeiro, um dos seus melhores jornalistas.
Hamilton Ribeiro foi até o Vietnã do Sul, “integrou-se” a uma companhia de
soldados norte-americanos (recebendo uniforme, com a escrita de “Báo Chi- imprensa, em
vietnamita - de um lado, e “Press Correspondent”, do outro, que era o uniforme “básico” dos
correspondentes de guerra no Vietnã),
708
e partiu com as missões militares junto a um fotógrafo
japonês, Kusaburo Shimamoto (que não tirava as fotografias no momento que o jornalista
brasileiro achava melhor, alegando que esperava um acontecimento “mais espetacular”).
709
Infelizmente para Hamilton Ribeiro, o fotógrafo japonês iria conseguir a sua foto “espetacular”.
No dia 19 de março de 1968, numa missão de patrulha na chamada região de
Landing Zone Betty”, realizada pela Companhia D (Delta), do Oitavo Batalhão da Primeira
Divisão de Cavalaria Aeromóbil, que Hamilton Ribeiro estava cobrindo, ocorreu uma explosão,
atingindo dois soldados norte-americanos. O guia de Hamilton Ribeiro, o soldado Henry,
sugeriu que fossem ver o que tinha acontecido. O guia pisou num monte de mato pequeno,
Hamilton Ribeiro também pisou ali, como era recomendado para que os correspondentes
fizessem, mas sem a mesma sorte. Havia uma mina no local, que foi detonada e explodiu.
710
O
próprio Hamilton Ribeiro nos conta sua experiência:
“Foi aí que senti a perna esquerda. Os músculos
repuxavam para a coxa com tal intensidade que eu não me
equilibrava sentado. Para não cair, rodopiava sobre mim mesmo, em
círculos e aos saltos. Instintivamente, levei as duas mãos para
‘acalmar’ a minha perna esquerda, e foi então que a vi em
pedaços.”
711
A foto de Hamilton Ribeiro, tirada pelo fotógrafo japonês (que tanto queria algo
de “espetacular”), ganhou a capa da revista Realidade.
712
O drama particular do correspondente
brasileiro, que perdeu uma parte da perna, e suas condições nos hospitais de DaNang e, depois,
nos Estados Unidos, tornaram-se a grande notícia da guerra no Brasil, recebendo cobertura,
inclusive, de outros meios.
A cobertura do drama do jornalista pela revista seguiu os caminhos típicos do
New Journalism (apesar da vivência do jornalista com o acontecimento ter chegado a um ponto
extremo), ou seja, reportagens sentimentais, com belas (e dramáticas) fotos, valorizando as
reportagens esteticamente e buscando a melhor adequação da palavra às imagens das
fotografias. A crítica à presença norte-americana na região se destacaria, mas seria obscurecida
708
- Ribeiro, José Hamilton. op. cit.;
709
- Ribeiro, José Hamilton. Idem;
710
- Ribeiro, José Hamilton,. Idem, ibidem;
711
- Realidade. Nº 26, São Paulo, Abril Cultural, Maio/68, pp. 27-30;
712
- op. cit., p. 1 (capa);
pelo próprio drama pessoal do jornalista. Mesmo assim, Hamilton Ribeiro pode expor sua
crítica à guerra:
“Uma coisa, entretanto, não me sai da cabeça: por que o
pequeno Van-Thanh (enfermeiro que cuidou de Hamilton Ribeiro) não
pode parar de chorar? Por que os americanos que têm medo e os sem
medo não podem voltar para casa? Por que os vietcongs não
retornam aos arrozais?”
713
José Hamilton Ribeiro não foi o único jornalista brasileiro a estar no Vietnã.
Luís Edgar de Andrade, nesse momento correspondente da revista Manchete (ele fora, até 1966,
correspondente da revista Fatos & Fotos), seria uma das vozes mais conscientes da guerra. Suas
matérias caracterizaram-se como análises muito bem fundamentadas que pesavam ambos os
lados do conflito - o que era raro neste momento tão marcado pelo maniqueísmo político de
quem estava envolvido na cobertura da guerra. Apesar dessa ponderação, o correspondente não
era “neutro” e se posicionava contra a guerra. Ele reconhecia que este era um problema local,
onde a presença norte-americana era desnecessária. Apesar dessa posição, não apoiava
inteiramente as táticas de guerra do Vietcong e do Vietnã do Norte, que não abriam espaços
para negociações - sem contar a selvageria de muitas de suas ações. O jornalista não tinha
dúvidas quanto à determinação do Vietcong, mas criticava também o seu sectarismo, que o
impedia de ver uma saída pacífica.
Outro jornalista brasileiro a se envolver na cobertura da guerra foi Antônio
Callado, que foi cobrir a situação no Vietnã do Norte para o Jornal do Brasil nos meses de
setembro e outubro de 1968. As matérias de Callado exaltavam os comunistas, a sua política de
fim de analfabetismo e de desenvolvimento econômico, além da resistência contra os
bombardeios norte-americanos. Eis uma passagem expressiva do posicionamento do jornalista:
“Como conseguiram os vietnamitas derrotar
completamente uma grande potência da Europa Ocidental, a França,
em 1954, e como conseguiram levar os americanos à mesa de
conferência, em Paris, em 1968? Foi o que procurei descobrir no
Vietnã, como repórter profissional, falando a todo o mundo,
perguntando aos dirigentes de Hanói, a heróis de guerra,
questionando indiretamente gente do povo, camponeses em arrozais e
roças de mandioca, pilotos americanos no cárcere. Ouvi o troar do
incessante bombardeio americano perto do Paralelo 17, presenciei
cenas severas, doces, divertidas. Numa aldeia a Oeste de Hanói, em
plena floresta, houve um momento de horror que saltou em cima de
mim como um tigre. No mundo inteiro, para explicar o fenômeno
vietnamita, fala-se geralmente em ‘heroísmo’. E daí? É fácil ser herói
713
- Idem, p. 42;
um dia, talvez até um ano, digamos. Mas como se estrutura de forma
durável o heroísmo?”
714
Uma das reportagens mais expressivas foi uma entrevista com um piloto norte-
americano capturado, depois de seu avião ter sido derrubado pelos norte-vietnamitas. Callado
apresentou uma visão positiva do lado comunista, como podemos perceber na seguinte
passagem:
“Os humildes da terra, no Vietnã, começaram a ganhar o
seu combate milenar. Se outros povos humildes soubessem seguir o
luminoso exemplo vietnamita o mundo ainda poderá ser o lugar de
paz e justiça com que têm sonhado os fundadores de religiões e
profetas, de Zaratustra e Jeremias a Karl Marx e Ho Chi Minh.”
715
Podemos perceber que a Luta pela Revolução Socialista estava presente na
construção apresentada pelo jornalista da cobertura da guerra. A estada de Callado no Vietnã do
Norte ganhou uma importância maior, pois ele era o único correspondente do continente
americano (com exceção dos cubanos, que eram de um regime comunista, cujo trabalho sempre
era facilitado pelas autoridades de Hanói) durante o ano de 1968, o que aumentava a
importância de suas matérias. Em muitos sentidos, o Brasil tinha uma real importância na
Guerra do Vietnã, pois era o único país não-comunista a poder mostrar o lado do Vietnã do
Norte em 1968.
716
Mas foi o drama do jornalista Hamilton Ribeiro que faria com que a
aproximação da guerra ao cotidiano do país não ficasse mais circunscrita a grupos de
intelectuais ou de estudantes. Não estamos afirmando que a guerra fosse muito discutida fora do
ambiente intelectual ou estudantil, apesar da ofensiva do Tet e da fatalidade ocorrida com
Hamilton Ribeiro - eram ainda os intelectuais e estudantes que mais se preocupavam com a
situação do Vietnã. No entanto, a questão não era mais algo estranho para o imenso número de
pessoas que acompanhavam a luta e a resistência vietnamita principalmente através da
imprensa.
714
- Callado, Antônio. Vietnã do Norte - Advertência aos Agressores. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1969, pp. 1-2;
715
- Callado, Antônio. op. cit., p. 113;
716
- a cobertura de Antônio Callado também serviu de notícias para outros órgãos. A
revista Visão destacou que “... o diplomata de Hanói frisou, então, que cada boca
estrangeira que entrava em seu país representava sérios problemas: comida para mais
um, intérprete para mais um e até mesmo segurança para mais um. E tanto comida como
gente disponível andavam escassos... O jornalista brasileiro voltou ao Rio, o tempo
passou, um novo ano entrou, o mundo deu muitas voltas e nada de licença para viajar
até Hanói. A paciência oriental de que Callado se munira já começava a esgotar, quando
finalmente chegou uma carta ao Jornal do Brasil oficializando a viagem. Assim, quando
nossa edição estiver circulando, possivelmente a imprensa já contará com um
correspondente de guerra em ação no Vietnam do Norte”. Visão. Rio de Janeiro, Nº 6,
13/09/68, p. 11;
Foi assim que, no dia primeiro de maio na Praça da Sé (quando o governador de
São Paulo, Abreu Sodré, foi agredido pelos manifestantes) e nas greves de Osasco e Contagem,
palavras de ordem sobre o Vietnã foram gritadas por trabalhadores - mesmo que estimuladas por
estudantes e/ou membros de grupos radicais de esquerda.
717
O que chamou a atenção foi que os
trabalhadores, em grande número, responderam positivamente a essas palavras de ordem, ou
seja, gritaram-nas também. De alguma forma, o que acontecia no Vietnã atingia esses
trabalhadores, pois se fosse algo deslocado ou muito distante de sua realidade, eles não se
teriam pronunciado. Isso não quer dizer que os trabalhadores se sentissem próximos à causa
revolucionária Vietcong, ou que se sentissem parte de uma grande união proletário-camponesa
mundial. Os meios de comunicação descreveram a selvageria da guerra e a luta do Vietcong,
teoricamente mais fraco, contra a opressão dos Estados Unidos, o que os aproximava dos
trabalhadores brasileiros, que se viam oprimidos pelos patrões e pela ditadura militar,
encontrando nisso alguma semelhança com a sua própria realidade. Politicamente, porém, as
distâncias entre a causa Vietcong e a “luta” operária brasileira eram grandes.
Não que tais distâncias fossem vistas por todos. Os grupos da esquerda radical,
estimulados também pelas grandes manifestações estudantis no Rio de Janeiro (que se
espalharam pelo país inteiro), encontravam, nesses movimentos, o momento propício para a luta
armada, e começaram a atuar de uma maneira mais intensa, buscando recursos, aliados e
militantes. Todavia, poucos trabalhadores se entusiasmaram com as perspectivas de uma
guerrilha.
Vladimir Palmeira estava ligado à Dissidência - DI-GB - , um grupo muito
influenciado pelas “teorias foquistas de Guevara, Débray e Fidel”, acreditando que “a revolução
era um produto exportável e que era possível criar muitos focos revolucionários ou Vietnans.”
718
A visão de outro militante estudantil, Alfredo Sirkis, era conclusiva, pois ele analisou que havia
“Movimento Estudantil também no Uruguai, no México. Guerrilha na Bolívia, na Venezuela e
na Guatemala. E sobre aquilo tudo pairava o Vietnã, que resistia e vencia debaixo de
bombas.”
719
O Vietnã era usado como referência para qualquer espécie de resistência, ou
mesmo de luta por algo novo. José Celso Martinez Corrêa, que provocara polêmicas com duas
peças teatrais, “O Rei da Vela” e “Roda Viva”, onde os atores integravam-se com o público,
ofendendo-o, pois o “objetivo é abrir uma série de Vietnans no campo da cultura, uma guerra
contra a cultura oficial, de consumo fácil. O sentido da eficácia do teatro hoje é o sentido da
717
- Gabeira, Fernando. O Que é Isso, Companheiro? 19ª ed., Rio de Janeiro, Codecri, 1980;
718
- Ventura, Zuenir. op. cit., p. 69;
719
- Sirkis, Alfredo. op. cit. p. 68;
guerra teatral ser travada com as armas do teatro anárquico, cruel, grosso como a grossura e
apatia em que vivemos.”
720
Corrêa acreditava que, para “deseducar” o público, tinha de se usar as armas da
violência e do choque. Nada poderia representar melhor essa idéia de violência e choque contra
a cultura oficial do que a Guerra do Vietnã. A luta do Vietcong contra a maior potência mundial
inspirou idéias desta natureza. A “Vitória do Impossível” parecia estar cada vez mais próxima
do “Possível”. O imaginário de se criar Vietnãs extrapolava os limites da guerrilha.
O mês de outubro de 68 caracterizou-se por manifestações contra a Guerra do
Vietnã. A visita do ex-comandante-chefe das forças norte-americanas no Vietnã do Sul, o
general Westmoreland (que, como vimos, fora substituído depois da ofensiva do Tet) recebeu
uma recepção calorosa no pior sentido do termo: cerca de 500 manifestantes foram protestar
contra a presença do general, contra a guerra e a favor da revolução socialista no Brasil.
721
Já o
outro acontecimento desse mês relacionado ao Vietnã foi bem mais dramático e violento. O
capitão do exército dos Estados Unidos, Charles Chandler, estava no Brasil, fazendo um curso
na universidade McKhenzie, em São Paulo. Ele esteve no Vietnã alguns anos antes e estava no
Brasil para um curso de língua portuguesa. No mesmo dia da prisão dos congressistas da UNE
em Ibiúna, ele foi alvejado por um grupo de esquerda (a Vanguarda Popular Revolucionária,
sigla VPR, em ação conjunta com a Ação Libertadora Nacional, sigla ALN) e morto.
722
No local
do seu assassinato, panfletos foram deixados, e seu conteúdo mostrava a radicalização
guerrilheira e o quanto a questão do Vietnã estava na ordem do dia:
“Justiça revolucionária executa o criminoso de guerra no
Vietnã, Chandler, e adverte a todos os seus seguidores que mais dia
menos dia ajustarão suas contas com o tribunal revolucionário.”
723
Outro panfleto que também fora jogado no local era mais completo:
“O assassinato do Comandante Che Guevara na Bolívia
foi cometido por ordem e orientação de criminosos de guerra como
este agente imperialista Chandler, que praticou inúmeros crimes de
guerra no Vietnã e veio ao Brasil para preparar outros criminosos
sob os auspícios do Pentágono Militar dos Estados Unidos da
América.
Brasil, Vietnã da América.
Criar um, três Vietnãs, eis a palavra de ordem do
Comandante Che Guevara, que foi cruelmente assassinado na Bolívia
720
- extraído de: Ventura, Zuenir. op. cit., p. 93;
721
- um carro da polícia, sem saber do que se tratava, cruzou com os manifestantes e
acabou sendo incendiado, depois de servir com “palanque” para um dos manifestantes
denunciar o general “Vestemorelano”, que ninguém, evidentemente, conhecia. Gabeira,
Fernando. op. cit.;
722
- Gorender, Jacob. op. cit.;
723
- Veja. Nº 6, São Paulo, Abril Cultural, 1968, p. 25;
por agentes imperialistas do nível deste Chandler, notório criminoso
de guerra no Vietnã, e hoje punido e executado pela Justiça
Revolucionária pelos seus crimes de guerra no Vietnã.”
724
Quase um ano depois do assassinato do capitão Charles Chandler, no dia 15 de
agosto de 1969, Carlos Marighella, com dez homens armados, tomou conta da cabine de
transmissão da Rádio Nacional de Diadema e divulgou uma mensagem “à Nação”:
“O justiçamento do capitão norte-americano Chandler, que veio
da Guerra do Vietnã para fazer espionagem da CIA no Brasil, é outra
prova de que os grupos revolucionários armados estão atentos da
defesa da nossa soberania e na preservação dos interesses
nacionais.”
725
A Luta pela Revolução Socialista chegava à sua representação mais violenta no
Brasil. A idéia de “criar Vietnãs” estava sendo levado na prática. Em janeiro de 1969, o capitão
Carlos Lamarca, considerado o melhor atirador do II Exército (quartel Quitaúna, em Osasco),
desertou, levando 72 fuzis FAL. O guerrilheiro Carlos Lamarca citaria constantemente o
conflito vietnamita em quase toda a sua produção escrita (cartas, diários, bilhetes, etc., todos
materiais clandestinos), chegando a cunhar a frase “A América Latina será o eterno Vietnã dos
Estados Unidos”,
726
uma corruptela da frase-lema de Che Guevara. Em muitos sentidos, o Brasil
tinha o “seu Che Guevara”.
O regime militar se fechou definitivamente com o Ato Institucional número 5 (o
AI-5) que mergulhou o país em um dos períodos mais repressivos de sua história. Era a vitória
da “linha dura”. Os militares não pouparam recursos ou meios para conter a oposição, utilizando
inclusive a censura na imprensa, pressões eleitorais e tortura de militantes de grupos
subversivos. Logo, estes grupos foram caindo, com seus membros sendo mortos ou capturados
e, estes últimos, invariavelmente, torturados. A “caça” ao guerrilheiro Carlos Lamarca foi
intensificada, com cercos no vale do Ribeira, em São Paulo, entre abril e junho de 1970.
727
A revista Veja também destacaria o guerrilheiro. Com o cerco no vale do
Ribeira ainda em andamento, notícias sobre a guerrilha acabariam por ser publicadas. A revista
Veja faria uma capa significativa sobre o tema: o título era “Os Segredos do Terror” e ao
utilizar a expressão “terror” referindo-se à guerrilha, a revista demonstrava o seu
posicionamento contrário a ela. Esta capa mostrava uma pequena máscara mortuária em tom
amarelo ao lado; debaixo, um trecho de uma carta de Lamarca apreendida, onde o guerrilheiro
724
- extraído de: Souza, Percival de. Autópsia do Medo - Vida e Morte do Delegado Sérgio Paranhos
Fleury. São Paulo, Globo, 2000, p. 189;
725
- extraído de: Souza, Percival de. op. cit., p. 190;
726
- extraído de Sirkis, Alfredo. Roleta Chilena. São Paulo, Círculo do Livro, 1981, pp. 44-45;
727
- José, Emiliano e Miranda, Oldack. Lamarca - o Capitão da Guerrilha. 8ª ed., São Paulo, Global, 1984;
mantém sua posição revolucionária e mostra a importância da Guerra do Vietnã como estímulo
à luta:
“O revolucionário tem mesmo que romper com a
sociedade que quer transformar, abomina a sua cultura alienante.
Como poderemos fazer a revolução se citamos como
exemplo o trabalho de um vietcong que passava todo dia num buraco
escondido e à noite saía para fazer trabalho político e ao mesmo
tempo nos ressentimos de cinema, teatro, etc.?
Não importa como vivemos; nenhuma dificuldade pode
nos deixar “um pouco frustrado ou um pouco indeciso.”
Denuncio a companheira como vacilante ideologicamente.
Saudações Revolucionárias.
Carlos Lamarca (CID)
VPR”
728
Como podemos perceber, a Guerra do Vietnã continuava na ordem do dia nas
esquerdas revolucionárias. Apesar do golpe recebido pela guerrilha com a morte de Carlos
Lamarca em 1971, seria a Guerrilha do Araguaia o seu canto de cisne.
Uma das razões do fracionamento da redação do jornal Opinião, que resultaria
no jornal Movimento, foi a cobertura da guerra.
729
A idéia da corrente maoísta era incentivar a
guerrilha do Araguaia promovida pelo PC do B. Era uma guerrilha rural, numa região afastada
dos grandes centros (e, conseqüentemente, da repressão que destruía outros grupos
revolucionários), com problemas sociais específicos e tensões por questões de terra.
730
O movimento foi organizado sem pressa, formando sua base de operações e
treinamento na selva, reconhecendo o local, inteirando-se dos problemas da população local,
realizando pequenos serviços e ajudas, e procurando conquistar sua confiança - conquistar seus
“corações e mentes”. O planejamento foi exemplar, mas os problemas práticos só foram
sentidos mais tarde. Isso porque, em primeiro lugar, para se fazer uma guerrilha camponesa era
necessário a presença de um grande número de camponeses, o que simplesmente não existia na
região do Araguaia. Com uma densidade populacional de aproximadamente 10 pessoas por
quilômetro quadrado, estabelecer uma ampla rede de ligações entre militantes e camponeses era
muito difícil. Outro problema foi a localização e a extensão do Araguaia. Qualquer
deslocamento guerrilheiro era dificultado por essa ser uma área muito extensa (o que, por outro
lado, dava a vantagem de dificultar a repressão). Também a enorme distância de qualquer
grande centro impossibilitava o suprimento material e de novos combatentes. Um terceiro
728
- Veja. Nº 91, São Paulo, Abril Cultural, 1970, p. 1 (capa);
729
- Bernardo Kucinski comenta que “[no] final, havia em Opinião uma redação maoísta, para qual
contribuía também a própria cobertura da guerra do Vietnã, na qual a resistência era tratada heroicamente,
como de resto era tratada por toda a imprensa liberal.” Kucinski, Bernardo. op. cit.; p. 277;
730
- informações sobre a Guerrilha do Araguaia extraídas de Portela, Fernando. Guerra de Guerrilhas no
Brasil. 8ª ed., São Paulo, Global, 1986;
problema, talvez o mais difícil, é que a população local, por mais que gostasse dos guerrilheiros,
provavelmente não enxergava na luta armada o caminho para o fim das suas dificuldades.
731
Os
guerrilheiros acreditavam que lutavam em nome do povo; no entanto, eles tinham seus próprios
objetivos, que não necessariamente coincidiam com os do povo.
732
Isolados, sem possibilidades de abrir canais de abastecimento e de reposição de
guerrilheiros, sem possibilidade alguma de expansão, e sem qualquer publicidade (com exceção
de uma reportagem completa feita pelo O Estado de S. Paulo e outra feita pelo Jornal da Tarde,
ambas em 1972), os guerrilheiros foram encurralados e, apesar das vitórias iniciais (tropas
inexperientes foram mandadas, inicialmente, para a região; logo seriam enviadas tropas mais
treinadas e experientes na luta contra as guerrilhas, ou seja, com esquemas de tortura), seriam
derrotados.
Em 1975, o último sonho de se criar um Vietnã no Brasil morria, mas não sem
deixar uma nota irônica: um bordel que foi montado na região, depois da saída das tropas e da
“pacificação” da área, seria chamado de “Vietnã”.
733
***
Como vimos neste capítulo, a imprensa brasileira não apenas “trouxe” as
guerras para o Brasil, mas também as “usou” para defender suas causas: a direita denunciando
seus inimigos em comunistas (quer eles fossem ou não) e as práticas violentas dos mesmos; e a
esquerda denunciando a ditadura ou tentando ganhar “corações e mentes” para a luta armada.
Na reportagem da revista Veja sobre o capitão Lamarca, podemos notar uma terceira via na
cobertura: corrente que não era favorável à ditadura e também era contra os movimentos
revolucionários, que era uma tendência liberal, que O Estado de S. Paulo também iria seguir.
A complexidade de questões e variações do “uso” da imprensa na cobertura da
Guerra do Vietnã em relação à cobertura da Guerra da Coréia é relevante e não pode ser
desconsiderada: o imaginário da Guerra Fria tornou-se mais fragmentado durante o período da
Guerra do Vietnã, assim como a imprensa brasileira.
731
- relatos de um guerrilheiro do Araguaia ilustram o quando o ideal estava distante da realidade: “Assim,
desde o início as Forças Guerrilheiras estruturam-se como expressão dos sentimentos e dos interesses das
massas, intimamente a elas ligadas.” s/A. Diário da Guerrilha do Araguaia. 3ª ed., São Paulo, Alfa-
Omega, 1985, p. 38;
732
- “E ninguém é jamais o verdadeiro porta-voz de uma categoria determinada a não ser
conjunturalmente - e ainda que o fosse seria preciso demonstrar que o ponto de vista desta categoria vale
para todos, o que reconduz ao problema precedente. (...) Mais do que qualquer outro, o político e o
pensador político falam em seu próprio nome e sua própria responsabilidade. O que é, evidentemente, a
suprema modéstia.” Castoriadis, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 3. ed., Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1982, p. 15;
733
- Portela, Fernando. op. cit.
O Fim das Guerras
As negociações de paz das duas guerras tiveram muitos pontos em comum:
começaram de maneira tensa, alongaram-se por um tempo que pareceu infinito e as suas
definições deixaram muitas questões em aberto.
O Início das Negociações de Paz na Coréia - Kaesong
Na Coréia, percebendo que as forças da ONU estacionaram na altura do
paralelo 38 em 1951, soviéticos e chineses se propuseram a negociar. Quando o secretário-geral
da ONU convocou as partes envolvidas para as discussões de paz, a resposta positiva dos dois
países foi imediata. Pouco depois, os Estados Unidos e seus aliados também se manifestariam a
favor das negociações.
734
Em 10 de julho as discussões de paz iniciaram-se na cidade sul-coreana de
Kaesong, perto do paralelo 38. Luciano Carneiro, jornalista da revista O Cruzeiro, foi enviado
em setembro para Kaesong com o objetivo de cobrir as negociações. A reportagem destacou,
inicialmente, a própria participação do correspondente brasileiro que, dentre “mais de 200
correspondentes que disputavam lugar para ir a Kaesong (a 6 Km do paralelo 38), o repórter foi
o “36º a entrar na cidade dos intermináveis negociações e armistício”.
735
Nas palavras do
próprio jornalista,
“fazemos questão de salientar o número, como se fosse um
bilhete premiado, porque, desde que se esboçaram os primeiros
movimentos para conversações de paz, a maior ambição de todo
correspondente era justamente ir a Kaesong. Assim, deu-me grande
satisfação ser o 36.o.”
736
Carneiro começou a descrever o seu caminho de Tóquio, quando recebeu a
autorização para cobrir as negociações de Kaesong, até chegar na cidade propriamente dita. O
jornalista defendia, de antemão, a hipótese de que o lado comunista queria uma trégua para
ganhar tempo e “com o correr dos dias, essas dúvidas foram confirmadas”. Tal desconfiança de
que as negociações faziam parte de uma estratégia comunista para ganhar tempo e não admitir a
sua derrota era comum de ser defendido pela imprensa brasileira - não se admitia que o objetivo
dos comunistas fosse apenas o de se querer a paz, única e exclusivamente.
734
- s/A. “Impasse e Extermínio - As Batalhas que Decidiram o Destino da Coréia.In Coleção “Guerra
na Paz”. V. 1, Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1984;
735
- O Cruzeiro. Nº 49, Rio de Janeiro, 22/09/51, pp. 76 a 82;
736
- op. cit., p. 76;
A chegada do jornalista brasileiro na cidade Kaesong (uma “terra de ninguém”,
nas palavras de Carneiro, devido sua proximidade dos combates) foi bastante perigosa, apesar
da presença dos negociadores e da imprensa mundial. Os primeiros 20 correspondentes
chegaram na cidade escoltados. No dia que Luciano Carneiro chegou, dois soldados chineses
estavam armados, o que era expressamente proibido. Um soldado norte-coreano, que
“pressentiu um escândalo”, afastou os dois da frente da imprensa.
737
Para a presença de correspondentes em Kaesong foi feito um acordo entre as
partes: haveria um número igual de correspondentes de ambos os lados. De acordo com
Carneiro, entre os próprios correspondentes ficou acertado que “nós bateríamos as fotos deles e
eles as nossas. Assim foi feito. Lembro-me de um dos fotógrafos comunistas usava um
‘RolleiFlex” alemã e outro uma máquina russa de nome muito complicado, parecidíssima com
a ‘Contax’.”
738
No dia 26 de junho começaram, efetivamente, as negociações, sendo que o
“clima” não era dos mais calmos na cidade. Luciano Carneiro nos contou alguns detalhes:
“Em K, quando estive lá, o comando norte-coreano e dos
voluntários chineses mantinha um caricato ‘comitê de recepção’. E
era um pessoal pouco cordial. Os seus membros se trancavam a
maior parte do tempo numa sala e não vinham receber ninguém.
Andei colhendo umas fotos deles, inclusive de uma moça que era
inimiga acérrima dos fotógrafos.”
739
As negociações não progrediam, sendo que uma das reuniões durou pouco mais
de 7 minutos. Para Luciano Carneiro, a idéia de que os comunistas estavam negociando apenas
para ganhar tempo confirmava-se com tais demoras. Apesar dessas afirmações, a reportagem
não apresentou qualquer indício ou prova de que tais demoras e “manobras” fossem apenas
produzidas pelo lado comunista. As negociações estavam “emperradas” não apenas por causa
dos comunistas, mas sim por causa dos interesses de todos os lados envolvidos no conflito,
que queriam ganhar o máximo possível dessas negociações.
Para encerrar a reportagem, Luciano Carneiro relatou um fato curioso: o general
Nam Il, representante chinês nas conferências, tentou acender seu cigarro com fósforos
produzidos pelo “mundo comunista”, que não acenderam; pouco depois, o general utilizou-se de
um isqueiro “comunista”, que também não acendeu; logo, ele iria utilizar-se dos fósforos das
Nações Unidas (que estavam juntos dos fósforos e isqueiros “comunistas”) e conseguiu,
finalmente, acender seu cigarro. Poucos dias depois o general receberia 2.500 caixas de fósforos
737
- Idem;
738
- Idem, ibidem;
739
- Idem, ibidem, p. 79;
da empresa norte-americana Diamond, com o telegrama: “Esperamos que esses fósforos ajudem
o General a ver a verdadeira luz.”
740
Apesar do otimismo inicial, as negociações logo seriam transferidas para um
outro local, Pan Mun Jon, e durariam ainda aproximadamente dois anos. O tempo passava e as
discussões apenas aumentavam, o que desanimava os soldados de ambos os lados. De novembro
a dezembro de 1951, tanto as forças da ONU quanto as forças comunistas começaram a reforçar
suas posições. Era o início da guerra de trincheiras ou, como ficou conhecida, a guerra
“estática”.
O Início das Negociações de Paz no Vietnã - Paris
No Vietnã a guerra não foi, de forma alguma, “estática”, mesmo no período de
negociações. Depois da ofensiva do Tet, os Estados Unidos mostraram-se mais maleáveis para
iniciar as negociações de paz. A vitória apertada do republicano Richard Nixon mudaria os
rumos da guerra, ou pelo menos era assim que se acreditava. A revista Fatos & Fotos
reproduziu uma matéria da Associated Press sobre a posse de Nixon, esperando que suas
intenções de paz realmente pudessem fazer efeito, principalmente no Vietnã. O título não
poderia ser mais significativo: “Richard Nixon - A Posse da Paz”.
741
Nixon apresentou sua proposta para acabar com a guerra, conhecida como
“vietnamização”, que consistia na retirada de tropas norte-americanas do Vietnã do Sul que
teria, em contrapartida, suas forças armadas reforçadas para que ganhassem a “sua” guerra. Tal
política esvaziaria os movimentos pacifistas, pelo menos num primeiro momento. Por outro
lado, começavam as negociações de Paris, que poderiam terminar a guerra rapidamente, ou pelo
menos era essa a esperança. Os procedimentos da conferência foram feitos dentro de um acordo
geral, conseguido logo nas primeiras sessões, aumentando as expectativas.
A Folha de S. Paulo noticiou esse acordo inicial, mostrando o que foi
arranjado: acerto do uso de idiomas (“o vietnamita e o inglês são oficiais e o francês é de
trabalho”), bem como a forma da mesa (“redonda e sem separações nem sinais distintivos e as
mesas retangulares para os secretários e tradutores”); estabelecimento do número de 15 pessoas
por delegação; admissão da imprensa por 15 minutos na sala de conferência, antes de iniciar os
trabalhos; estabelecimento da grande sala do Hotel Majestic como o local das conferências.
742
À
medida que as negociações foram se desenvolvendo e assuntos mais relevantes foram sendo
discutidos, as partes foram se mostrando inflexíveis em suas reivindicações e a esperança de um
acordo rápido foi desaparecendo.
740
- Idem, ibidem, p. 81;
741
- Fatos & Fotos. Nº 418, Brasília, Editora Bloch, 06/02/69, pp. 6-11;
742
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 19/01/69, p. 2;
Um destaque na cobertura das negociações de Paris foi a esposa do vice-
presidente do Vietnã do Sul, Cao Ky, uma belíssima mulher vietnamita chamada Dang Thi
Tuyet May e apelidada de “Flor da Neve”, ganhando notícias por sua beleza e ocidentalidade.
743
Como podemos observar, em termos puramente políticos, as negociações estavam deixando
muito a desejar.
A revista Realidade nem sequer tomou conhecimento das negociações de Paris
e manteve sua linha de buscar na vivência e no sentimento humano a matéria-prima básica das
reportagens sobre a Guerra do Vietnã. No número 37, a revista apresentou uma reportagem,
realizada pelos jornalistas Don Moser e Larry Burrows, contando a vida e os sofrimentos de
uma menina vietnamita, Tron, que tinha sido ferida e estava com seu lar destruído.
744
Era uma
tentativa da revista de mostrar a selvageria do conflito e aumentar suas vendas, pois a
concorrência com a revista Veja, da mesma editora, a estava matando - a Realidade estava
sendo subjugada pela Veja, que começava a melhorar suas vendagens.
745
E as Negociações Continuam na Coréia...
Enquanto a Guerra da Coréia “estacionou” na altura do paralelo 38 em 1951, o
ano de 1952 iniciava-se com os votos de “Feliz Ano Novo! 1952” na Folha da Manhã, que
cobriram toda a capa.
746
Apesar desse otimismo para um feliz 1952, o tom editorial do jornal
não se alterou, com o anticomunismo sendo uma das suas temáticas mais comuns. O jornal
também continuou cobrindo a Guerra da Coréia com grande destaque - inclusive as vagarosas
negociações de paz.
Num editorial da Folha da Manhã do dia 3 de fevereiro, denominado
“Estagnação na Coréia”, tal situação foi analisada, ressaltando que a seis meses “não somente se
criam novas divergências entre a delegação da ONU e os representantes comunistas”, como
também “não se registram ações militares de grande envergadura”.
747
Indiferentemente aos
resultados de Pan Mun Jon, o editorial complementou que três fatos eram inquestionáveis:
“1.o) a agressão comunista está definitivamente contida
na região acima do paralelo 38; 2.o) em conseqüência, a União
Soviética, em todo esse período de um ano e meio, não ousou
perturbar “manu militari” a vida soberana de outros povos em
nenhum ponto do globo; e 3.o) as Nações Unidas crescem de prestígio
e de força, já se podendo dizer agora que não serão colhidas de
743
- Veja. Nº 22, São Paulo, Abril Cultural, 1969, pp. 30-31;
744
- Realidade. Nº 37, São Paulo, Abril Cultural, Abril/69, pp. 50-58;
745
- Kucinski, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários - nos Tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo,
Scritta, 1991;
746
- Folha da Manhã. São Paulo, 01/01/52, p. 1;
747
- Folha da Manhã. São Paulo, 03/01/52, p. 4;
surpresa em caso de nova agressão, ao mesmo tempo que os
preparativos militares continuam aceleradamente por toda parte.”
748
Mesmo com a Folha da Manhã ainda elogiando a ação das forças da ONU e
criticando os comunistas, seu enfoque sobre a guerra não deixava de esconder uma certa
irritabilidade quanto à demora das conversações de apresentarem resultados práticos. Um
editorial do mesmo jornal publicado em 22 de outubro desse ano, ou seja, 8 meses depois do
editorial anterior, demonstrava que os problemas nas negociações continuavam os mesmos:
“Depois de 122 enervantes sessões plenárias, iniciadas
em meados de julho do ano passado na cidade norte-coreana de
Kaesong e só há pouco interrompidas na aldeia de Pan Mun Jon,
nenhum acordo se firmou entre a ONU e os comunistas sobre a
possibilidade de paz na Coréia.”
749
Mas as negociações não significaram, realmente, a diminuição dos combates.
Apesar da natureza “estática” que a guerra tomou forma a partir de 1951, as perdas de vidas
foram mais acentuadas neste período do que no momento da guerra de “movimento”. Em outras
palavras, mesmo sendo “estática”, a guerra ainda era muito violenta. Esse mesmo editorial
referiu-se a tal problema:
“O certo é que na Coréia permanece entre aliados e
comunistas o mais completo desacordo quanto à maneira de se
conseguir um dia a suspensão das hostilidades. Desse desacordo o
sinal mais evidente é a intensificação dos combates, que aos poucos
vão lembrando a época anterior às conversações, quando se sucediam
as ofensivas e contraofensivas sensacionais.”
750
As negociações estavam realmente lentas. A revista Manchete, logo na sua
edição de estréia, na seção “O Mundo em Manchete”, destacou o seguinte “Diálogo da Paz”
(como o pequeno bloco foi chamado):
“Por mais incrível que pareça, o diálogo que abaixo
transcrevemos consta da at de uma sessão da ‘Conferência de
Conciliação’, em Pam-Mun-Jon, na Coréia. A troca de
‘amabilidades’ verificou-se entre o delegado comunista Hsien Fang e
o norte-americando Turner:
- Para se ter um ar tão estúpido como o seu, só mesmo
fazendo de propósito.
- O senhor é de uma vulgaridade insuperável!
748
- op. cit.;
749
- Folha da Manhã. São Paulo, 22/10/52, p. 4;
750
- op. cit.;
- No que concerne aos seus aeródromos, experimente
reconstruí-los e, depois, levante o nariz para o ar, para ver o que lhe
cai em cima!
- Deixe-se de cretinices!
- O senhor é como o salteador que diz à vítima: nada terás a
receiar se me deres a bolsa e ficares quietinho.
- O senhor é quem tem uma carantonha de bandido!”
751
O “diálogo” acima demonstrou bem a intransigência de ambos os lados.
O artigo “Os “Ming-15” Russos na Coréia”, de Theophilo de Andrade,
publicado na revista O Cruzeiro, analisou a guerra até aquele momento, argumentando que a
entrada da China na guerra criou uma “situação militar inteiramente nova, sendo, por assim
dizer, uma nova guerra que se iniciou.” O artigo destacou as duas operações militares norte-
americanas para essa “nova guerra”: a operação KILLER (“cuja finalidade foi matar tantos
chineses, liquidar tamanha cópia de tropas amarelas que os comunistas se vissem obrigados a
negociar uma paz razoável. E obteve seus efeitos.”) e a STRANGLE (“iniciada em agosto (...) -
uma vasta empresa de caráter aéreo, com o escopo de impedir o suprimento dos exércitos
comunistas, ao ‘front’ estabilizado, no meio da península”).
752
O artigo defendia que, para
combater tais táticas, os soviéticos estariam enviando aviões Ming-15 para os chineses. Essa
eventual ajuda soviética foi contundentemente criticada pelo articulista:
“A intervenção dos ‘Ming-15’ russos, na guerra da
Coréia, veio por em perigo os objetivos militares limitados que, ali, as
forças das Nações Unidas se impuseram. E há de obrigar o comando
aliado a tomar medidas para assegurar o domínio dos ares, pois, sem
ele, falhará a ‘Operação Strangle’ e, falhada esta, falhará também a
‘Operação Killer’
Ao próprio General Vanderberg, entretanto, não parece
possível conservar-se aquela supremacia sem o bombardeio e
destruição das bases mandchus.
Aqui, porém, encontramo-nos em face da resolução que
ultrapassa o simples terreno militar pois, em verdade, se trata de uma
decisão política.”
753
O curioso da argumentação deste artigo foi que o auxílio norte-americano para
seus aliados, milhares de vezes maior do que o auxílio que seria dado “eventualmente” pelos
soviéticos, raramente foi criticado, mesmo quando as forças da ONU invadiram a Coréia do
Norte.
As análises do historiador inglês Arnold Toynbee sobre as grandes questões
mundiais do momento foram comentadas pelo O Cruzeiro na matéria “Toynbee e a Guerra”,
751
- Manchete. Nº 1, Rio de Janeiro, Editora Bloch, 26/04/52, p. 38
752
- O Cruzeiro. Nº 16, Rio de Janeiro, 02/02/52, p. 37;
753
- op. cit.;
escrita por Theophilo de Andrade. Indagado sobre as possibilidades de uma convivência
pacífica entre democracia e comunismo no mundo, o historiador respondeu que os impérios
Romano e Persa não obtiveram vitórias decisivas entre si, apesar dos confrontos constantes, mas
enfraqueceram-se o suficiente para ambos caírem. Tal situação não deve ocorrer entre Estados
Unidos e União Soviética, pois, de acordo com o historiador, “não haverá lugar para uma
política de boa-vizinhança entre o mundo democrata e bolchevista, mas será possível uma
situação de respeito mútuo.”
Theophilo de Andrade comentou as análises do historiador:
“O mais curioso é que, na opinião de Toynbee, essa
situação é não somente possível, mas desejável. Acha ele que se a
guerra, para qual o Ocidente deve encontrar-se permanentemente
preparado, explodir, as democracias a vencerão. Mas a Europa, a
Ásia e a África ficarão em tal estado que é duvidoso possam os
Estados Unidos reconstruí-las. Ademais, para o famoso historiador
inglês, há uma mútua conveniência na tensão.”
754
Uma opinião até mesmo otimista para o momento. Mas as análises do
historiador inglês foram muito além, tocando num ponto vital da lógica da Guerra Fria - a
criação de “inimigos” por ambos os lados. Theophilo de Andrade complementou:
“As democracias precisam do espantalho do diabo
bolchevista para se manterem em forma, trabalharem e não
degenerarem. E as nações bolchevistas do diabo capitalista com o
mesmo objetivo. As dificuldades, no final das contas, são o sal
indispensável à vida, sem o qual esta perde o seu valor.”
755
Como podemos perceber, a idéia da “necessidade” da existência de um grande e
poderoso “inimigo”, do “diabo”, um conceito tão caro para ambas as nações, já era discutida na
época ou, em outras palavras, a dinâmica maniqueísta da Guerra Fria era observada e
criticada, como nos comentários de Arnold Toynbee.
Os inúmeros problemas envolvendo as negociações de paz eram tratados pela
imprensa brasileira com bastante freqüência, como já observamos. Um artigo publicado em O
Cruzeiro, denominado “O Exército que não quer ser Repatriado”, também escrito pelo
articulista Theophilo de Andrade, argumentou que uma das razões do impasse das negociações
são os prisioneiros de guerra capturados pelas forças ocidentais, pois os chineses e coreanos
comunistas presos não querem voltar ao seu lar:
754
- O Cruzeiro. Nº 19, Rio de Janeiro, 23/02/52, p. 53;
755
- op. cit.;
“A revelação é espantosa e mostra que o repúdio ao
comunismo, na Ásia, é bem maior do que se poderia supor.
Certamente é esta a primeira vez na história da
humanidade em que os soldados de um exército se recusam a voltar a
seus lares.”
756
O problema da repatriação dos prisioneiros de guerra atingia ambos os lados,
pois muitos prisioneiros das forças democráticas recusavam-se a voltar para seus países de
origem, quer por terem sido “seduzidos” pelo regime comunista (e pelas facilidades oferecidas
para desertarem) ou obrigados através da tortura. A imprensa brasileira (e a ocidental, de um
modo geral) raramente comentava esse lado do problema com grande profundidade, preferindo
mostrar a forte “sedução” que a democracia exercia sobre os soldados comunistas.
No artigo “O Impasse na Guerra da Coréia”, Theophilo de Andrade descreveu
rapidamente a guerra até aquele momento - a apresentação de resumos da guerra era uma prática
muito constante da cobertura da imprensa brasileira - , mais um vez ressaltando que a entrada de
tropas chinesas iniciaram uma “nova guerra” (outra idéia constante na imprensa brasileira), mas
que muitas coisas ainda iriam ocorrer:
“Agora, está-se no verão, na Coréia. Os exércitos
comunistas estão preparados para ofensiva. E as negociações de
trégua, como era de esperar e como foi previsto, por nós, há um ano,
não levaram a qualquer resultado prático. Que fazer? Ficar na
trincheira o resto da vida, esperando o advento da terceira guerra
mundial? Ou esperar a terceira e mais violenta ofensiva dos
comunistas, que, para tanto, segundo o General Van Fleet,
Comandante do Oitavo Exército Americano, já contam com um
milhão de homens, convenientemente adestrados?”
757
A idéia dos comunistas como perigosos e insaciáveis “provocadores da guerra”
foi uma representação constante na cobertura da imprensa brasileira da Guerra da Coréia. Pelas
palavras acima, podemos perceber que não importava muito a lógica dos campos de batalha ou
mesmo da mesa de negociações: a iniciativa da guerra sempre era do lado comunista; os
“provocadores” da agressão sempre eram os comunistas.
Ainda nesta edição foi publicado uma das poucas e raras informações do lado
comunista: uma pequena nota sobre o jornal norte-coreano Minchu Chosen, que denunciava
atrocidades cometidas pelos norte-americanos.
758
O minúsculo tamanho da nota demonstrava o
grau de interesse que a imprensa brasileira destinava para o lado comunista expor suas
denúncias: pouco ou nenhum.
756
- O Cruzeiro. Nº 33, Rio de Janeiro, 31/05/52, p. 53;
757
- O Cruzeiro. Nº 40, Rio de Janeiro, 19/07/52, p. 45;
758
- op. cit., p. 46;
As eleições presidenciais nos Estados Unidos não mudariam muito o quadro da
guerra “estática” e de vagarosas negociações de paz. O general Dwight David Eisenhower
tornou-se presidente dos Estados Unidos pretendendo manter a guerra na Coréia e impedir o
avanço comunista na região. Como havia prometido na sua campanha eleitoral, três semanas
após ter vencido as eleições Eisenhower visitou os campos de batalha na Coréia, indo
diretamente para a linha de frente. Conversou e fez sua refeição com alguns soldados, observou
uma batalha de artilharia e voou numa missão de reconhecimento sobre as trincheiras.
759
A visita de Eisenhower ao front suscitou comentários na imprensa mundial,
como no artigo “A Viagem de Eisenhower à Coréia”, de Drew Pearson, publicado pelo O
Cruzeiro, cujo conteúdo destacou a preocupação do seu autor quanto à integridade física do
novo presidente, pois
“O perigo que possa correr o General Eisenhower não
consiste em ataque deliberado por parte dos comunistas. Não é de
supor que os homens do Kremlin queiram lançar o mundo a uma
guerra. Mas a mania suicida dos guerreiros orientais é por demais
conhecida e capaz de fazer com que um piloto em estado de
embriaguez ou um grupo de ‘KAMIKASES’ que estivessem voando a
poucos quilômetros de distância pudessem criar uma crise da qual
nascesse a terceira Guerra Mundial.”
760
Para sorte do presidente Eisenhower, e alívio do articulista, nenhum
KAMIKASE surgiu durante sua visita ao front coreano.
Eisenhower, ao presenciar a guerra de perto, deixou que seu “lado militar”
falasse mais alto do que o “lado político”: ele chegou à conclusão de que o impasse sangrento
dos campos de batalha não tinha para onde ir, pois os dois lados não tinham forças para vencer a
guerra ou mesmo de realizar uma ofensiva relevante para desestabilizar o adversário. Como não
era partidário do uso de armas nucleares no conflito, a política de Eisenhower sobre a Guerra da
Coréia, ao assumir a presidência em 1953, consistiu em persistir nas negociações para tentar a
paz.
761
Mas as negociações continuavam muito difíceis.
Havia dois problemas principais para serem debatidos: 1º - a fixação de uma
linha entre os dois lados, o que permitiria a criação de uma zona desmilitarizada após a cessão
das hostilidades; 2º - o problema da troca de prisioneiros de guerra. O primeiro item foi
satisfeito por volta de novembro de 1951, confirmando as posições ganhas pelas forças da ONU
759
- Sandberg, Peter Lars. Eisenhower. Coleção “Os Grandes Líderes”, São Paulo, Nova Cultural, 1987;
760
- O Cruzeiro. Nº 10, Rio de Janeiro, 20/10/52, p. 24;
761
- Rémond, René. História dos Estados Unidos. São Paulo, Martins Fontes, 1989;
em decorrência dos avanços militares do general Van Fleet realizados entre setembro e outubro
de 1951.
762
Mas a questão da troca de prisioneiros foi mais demorada - e mais espinhosa.
A delegação da ONU defendia uma repatriação voluntária, mas sua proposta
recebeu muita pressão pois, como vimos anteriormente, muitos prisioneiros chineses não
queriam voltar para o seu país, assim como muitos prisioneiros das forças da ONU (incluindo
norte-americanos) não queriam voltar para suas pátrias de origem. Os soldados que não se
repatriaram foram usados, nos anos seguintes, como propaganda ideológica dos dois lados, quer
para mostrar as vantagens de um regime sobre o outro ou para justificar as acusações mútuas de
“lavagem cerebral” desses prisioneiros.
763
... assim como no Vietnã...
O ano de 1970 iniciava-se com poucas esperanças de paz no Vietnã. As
negociações de Paris continuavam sem resultados e a política de “vietnamização” prosseguia,
com a retirada de tropas norte-americanas acelerando-se cada vez mais. O interesse pela guerra
diminuíra muito na imprensa mundial, com outras temáticas ganhando maior destaque, como os
problemas no Oriente Médio, o terrorismo na Europa ou a questão irlandesa.
764
A imprensa brasileira não seguiu os caminhos da imprensa internacional no
começo da década de 70 - ela continuava dando intensa cobertura sobre a guerra, apesar do seu
esvaziamento, até por que era um dos assuntos menos visados pela censura. Além do jornal
alternativo O Pasquim, a revista Veja também destacaria a guerra criticamente.
762
- s/A. “Impasse e Extermínio - As Batalhas que Decidiram o Destino da Coréia.In Coleção “Guerra
na Paz”. op. cit.
763
- a imprensa ocidental teve dificuldades para cobrir as conversações de paz. Sem
confiar nos correspondentes, o alto-comando norte-americano dava-lhes uma mistura de
mentiras, meias-verdades e deturpações sérias. Dentro desse quadro, alguns
correspondentes começaram a recorrer aos dois correspondentes ocidentais que se
encontravam junto à delegação norte-coreana/chinesa - Wilfred Burchett (trabalhando
para o Ce Soir, jornal esquerdista de Paris) e Alan Winninghton (do London Daily
Worker). Os dois tinham acesso a vários documentos, mapas e relatórios, sendo fontes
importantes para a imprensa ocidental. O exército norte-americano advertiu para que os
correspondentes ocidentais para não acreditarem nas informações de Burchett e
Winninghton, pois eram comunistas - um argumento mais do que “definitivo” para as
forças armadas norte-americanas. Mesmo assim, os correspondentes ocidentais
continuaram obtendo informações através do dois, sendo que praticamente todas as
informações passadas por ambos acabariam, de uma maneira ou de outra, sendo
provadas como verídicas. Knightley, Phillip. A Primeira Vítima. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1978;
764
- “O Vietnã perdia importância no cenário mundial, cedendo terreno para outras regiões em crise, como
o Oriente Médio.” Roubicek, Rafael. Ho Chi Minh - um Poeta do Apocalipse. Coleção Encanto
Radical”, Nº 51, São Paulo, Brasiliense, 1994, p. 80;
A seção “Internacional” da Veja ganharia uma forma padrão a partir de 1970. A
seção abria com uma reportagem grande, com fotografias coloridas que explorariam os mais
variados recursos gráficos e editoriais (mapas, gráficos, desenhos, etc.). As notícias
internacionais menores seriam postas em pequenas colunas, com no máximo uma fotografia,
pequena e em preto-e-branco, sem maiores recursos gráficos ou editoriais.
Foi nesse espaço menor que a revista publicou uma notícia que, apesar de
pequena, foi, no mínimo, inusitada. O Vietcong atacou, em Saigon, um orfanato, matando
velhos e crianças.
765
Tal notícia deveria ter recebido, por parte da revista, um tom condenatório
ao Vietcong, mostrando a selvageria comunista, ainda mais com a presença da censura
impedindo visões muito diferentes.
A recriminação realmente aconteceu, mas o final da matéria foi revelador, pois
a matéria concluiu que tais atitudes mostravam, mais que qualquer outra coisa, a determinação
do Vietcong em querer vencer a guerra. Era uma observação procedente em termos de Vietnã,
mas difícil de ser exposta naquelas circunstâncias. O estilo impessoal e neutro da revista tornou
possível no Brasil a publicação de uma visão nada impessoal e neutra da guerra, o que seria uma
característica da revista nesse período de ditadura.
A revista Realidade continuava, apesar de sua decadência. Experimentos de
linguagem, típicos do New Journalism, ainda eram feitos: para ilustrar o trabalho do fotógrafo
Larry Burrows, que cobriu a Guerra do Vietnã desde 1963 e morreu na queda de um helicóptero
no Laos, os “clics” da máquina fotográfica foram utilizados no título (“Ódio, clic. Morte, clic.
Guerra, clic”).
766
A vivência e as experiências dos seres humanos ainda eram valorizados pela
revista. Um dos últimos trabalhos do fotógrafo Larry Burrows foi a volta ao Vietnã do menino
Lau, vietnamita refugiado no Estados Unidos, procurando sua família. O encontro (que foi
fotografado) de uma parente e o menino de muletas foi o grande impacto da reportagem,
mostrando a emoção do reencontro e a dor e tristeza que a guerra podia provocar.
767
Técnica e
conteúdo estavam juntos para realçar o pesadelo da guerra.
O Pasquim continuava suas matérias críticas. Paulo Francis analisou a guerra
do ponto de vista de Hanói, onde aparecem duas saídas: “independência absoluta ou sua
destruição pelos EUA.” O desenho da reportagem, de um vietnamita cortando a cabeça da
águia, símbolo dos Estados Unidos, mostrou o posicionamento do jornal perante as opções
levantadas pelo artigo de Paulo Francis.
768
O jornal acreditava (e desejava) a independência do
Vietnã e a saída norte-americana da região.
A cobertura para quem estava no Vietnã, nesse momento, era difícil, pois as
notícias, aparentemente, estavam escasseando. A imprensa norte-americana inclinou-se a supor
765
- Veja. Nº 105, São Paulo, Abril Cultural, 1970, p. 56;
766
- Realidade. Nº 61, São Paulo, Abril Cultural, Abril/71, pp. 54-60;
767
- Realidade. Nº 60, São Paulo, Abril Cultural, Março/71, pp. 52-56;
768
- O Pasquim. Nº 43, Rio de Janeiro, 1970, pp. 22-23;
que a guerra estava acabando, principalmente depois das revelações de My Lai, como vimos. A
saída gradativa dos soldados norte-americanos reduzira o interesse do público norte-americano
(e mundial), e os bombardeios pareciam iguais aos dos anos anteriores. Tal situação escondia
muitos problemas. As tropas norte-americanas estavam entrando em colapso, desiludidas pela
impossibilidade de vitória e pela expectativa de saída do Vietnã. O uso constante de drogas,
quebra de hierarquia, assassinatos entre os soldados e oficiais, questões raciais, eram alguns dos
problemas. Na verdade, as tropas estavam levando uma série de questões internas do seu país
para o Vietnã, questões estas caracterizadas pela contestação às autoridades, uso de drogas e
reivindicações de setores raciais dos movimentos negros. A desilusão das possibilidades de se
vencer a guerra, estimulada pela “vietnamização”, e a crença de que intervenção norte-
americana na região fora um grande erro, também afetavam a moral das tropas.
A revista Veja publicaria uma reportagem sobre essa situação, com um título
bem demonstrativo: “Vietnã - Paz e Marijuana”, argumentando que a influência hippie atingira
as tropas norte-americanas no Vietnã, que os soldados consumiam maconha e contestavam a
guerra.
769
A fotografia da reportagem completava perfeitamente o conteúdo da mesma, pois
mostrava alguns soldados descansando durante uma patrulha, com olhares perdidos e
desanimados.
O desânimo dos soldados era muito grande também pelas impossibilidades de
se vencer a guerra, como observamos. Paulo Francis comentou que
“Nunca o contrôle civil de uma guerra foi tão forte como
no Vietnã, ao contrário do que sonham alguns esquerdistas
impressionados com a imagem de complexo-industrial-militar. E os
soldados estão começando a irritar-se ante o seu papel ridículo, de
bode expiatório do fracasso dos EUA no Vietnã.”
770
Outra dificuldade era que a “vietnamização” não se limitava a retirar soldados
norte-americanos e reforçar as tropas sul-vietnamitas. Os bombardeios tornaram-se mais
intensos, sendo que muitos deles eram realizados secretamente e não mais se limitavam aos dois
Vietnãs.
771
O Camboja e o Laos também seriam atingidos.
Apesar dos desejos do general MacArthur de atacar o território chinês, os
combates da Guerra da Coréia nunca ultrapassaram o espaço físico da própria Coréia. O
governo Johnson manteve, com muitas dificuldades, a guerra dentro do território do Vietnã,
quer com tropas no sul ou bombardeios no norte. O governo Nixon queria acabar com os
principais centros de propagação da guerrilha, mesmo que para isso tivesse de ultrapassar os
limites dos Vietnãs.
769
- Veja. Nº 75, São Paulo, Abril Cultural, 1970, pp. 35-36;
770
- O Pasquim. Nº 43, Rio de Janeiro, 1970, p. 2;
771
- Knightley, Phillip. op. cit.;
Sabendo que tal iniciativa provocaria muitos protestos, a política de Nixon
concentrou-se em realizar secretamente bombardeios e incursões armadas nestes países. Tal
política fracassou, pois o número de correspondentes de guerra ainda era muito grande no
Vietnã e empreitadas dessa natureza sempre eram facilmente percebidas.
772
Uma matéria da
revista Veja mostrava que a situação no Camboja poderia se complicar, pois o Príncipe
Sihanouk, que havia aplicado uma política neutralista em relação à guerra do país vizinho, tinha
sido derrubado pelo general Lon Nol, anticomunista, o que envolveria ainda mais o país no
conflito do Vietnã do Sul.
773
Logo as análises da revista se confirmariam.
A invasão secreta no Camboja foi realizada por forças sul-vietnamitas e norte-
americanas, sendo rapidamente descoberta, recebendo uma grande cobertura da imprensa. A
Folha de S. Paulo destacou que “Sul-vitnamitas invadem Camboja”, inclusive com um pequeno
mapa, mostrando detalhadamente as operações militares.
774
O governo norte-americano deu
total apoio ao governo de Saigon, bem como ao governo cambojano, liderado por Lon Nol, que
permitiu essa incursão armada dentro do território de seu país.
775
O Pasquim denunciou criticamente a invasão do Camboja através de Paulo
Francis que, em artigo publicado pouco depois do início das operações militares na região,
argumentou que o ocorrido demonstrava a real doutrina Nixon, ou seja, que as tentativas de
pacificação propostas pelo seu governo eram falsas ou, nas palavras do próprio Paulo Francis, a
doutrina Nixon foi atirada “na lata do lixo”. Para ilustrar este artigo, uma montagem fotográfica
colocava o rosto de Nixon num corpo de Brucutu - mais uma vez conteúdo e técnica eram
utilizados habilmente para se construir a notícia.
776
Mas o pior ainda estava por vir para o governo Nixon e sua política de ataques
secretos. Os movimentos pacifistas (em queda de influência desde o início da “vietnamização”)
receberam um novo sopro de vida com esses ataques secretos no Camboja. As universidades
norte-americanas praticamente fecharam em protesto, mas seria na universidade de Kent que os
acontecimentos se radicalizariam. A Guarda Nacional, a pedidos do governador, invadiria a
universidade, que estava paralisada. A tensão não diminuiu, pois os enfrentamentos com os
estudantes ficariam cada vez mais agudos, até que a ebulição chegou ao seu ponto máximo: a
Guarda Nacional atirou nos estudantes, ferindo dez e matando quatro.
777
A reação aos incidentes
da universidade de Kent foi imediata, com universidades entrando em greve e grandes
manifestações sendo formadas.
772
- Knightley, Phillip. Idem;
773
- Veja. Nº 81, São Paulo, Abril Cultural, 1970, pp. 54-55;
774
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 30/04/70, p. 2;
775
- op. cit., p. 1;
776
- O Pasquim. Nº 46, Rio de Janeiro, 1970, p. 21;
777
- Tuchman, Barbara W. A Marcha da Insensatez - de Tróia ao Vietnã. 2ª ed., Rio de Janeiro, José
Olympio, 1986;
As tropas receberam um prazo para sair do Camboja e o cumpriram. Para Paulo
Francis, em sua “opinião pessoal”, tal cumprimento de prazo foi apenas um disfarce do governo
Nixon, querendo com isso justificar suas ações criminosas no Camboja e na guerra como um
todo, pois, afinal de contas, o que estava em pauta era o ataque a um país vizinho ao Vietnã do
Sul e a extensão da própria guerra, e não o cumprimento de uma promessa presidencial.
778
A situação no Camboja ficou difícil, já que esses ataques jogaram o Vietcong
para dentro do país e criaram um grande número de refugiados cambojanos vítimas dos ataques
aéreos. Estes se uniriam ao Khmer Vermelho, grupo radical de esquerda cambojano, que,
auxiliado pelo Vietcong, também começaria uma guerrilha no país.
Todas essas operações de guerra foram noticiadas pela imprensa brasileira. A
invasão do Camboja foi objeto da capa da revista Veja, sendo que a reportagem apresentou
duras e impressionantes fotos mostrando a selvageria dos combates, com inúmeros corpos de
guerrilheiros vietcongs espalhados pelo chão, aldeias destruídas e a situação do país agravada
ainda mais com sua entrada no conflito do vizinho Vietnã do Sul. Podemos perceber, nessa
reportagem, como a utilização das fotografias serviram para enfatizar o texto da mesma.
779
Outra dificuldade para o desejo dos norte-americanos de “vietnamização” era
que as tropas sul-vietnamitas que participaram das operações no Camboja - como num teste de
“vietnamização” progressiva - fracassaram. O mesmo ocorreria em 1971, quando tropas sul-
vietnamitas tentaram fechar a trilha Ho Chi Minh no Laos, o que levou a este país à mesma
situação do Camboja: a invasão estimulou a guerrilha comunista do país, liderada pelo Pathet
Lao. O que era para ser uma diminuição dos esforços de guerra, transformou-se num aumento
significativo dos mesmos.
No meio das incertezas quanto ao Laos, apareceria, dentro dos Estados Unidos,
um dos grandes “furos” jornalísticos da guerra: os Documentos do Pentágono, que foram
publicados (ou melhor, furtados do Pentágono) pelo jornalista Daniel Ellsberg, do The New
York Times.
780
Os Documentos do Pentágono mostravam que o envolvimento norte-americano
no Vietnã era bem mais complicado do que havia sido anunciado desde o começo das
operações, e que muita mentira fora dita desde seu princípio. As causas da guerra eram bem
mais distantes e pouco éticas do que tinha sido revelado até então. Desde os governos
Eisenhower e Kennedy missões secretas tinham sido autorizadas, deixando o envolvimento
norte-americano comprometido moralmente.
O Pasquim também noticiou a exposição dos Documentos do Pentágono com
um artigo de Paulo Francis, que não deixava dúvidas quanto ao caráter errôneo da participação
778
- O Pasquim. Nº 56, Rio de Janeiro, 1970, p. 18;
779
- Veja. Nº 96, São Paulo, Abril Cultural, 1970, p. 1 (capa);
780
- Tuchman, Barbara W. op. cit., p. 373;
norte-americana no Vietnã. Para o autor, o que aparecia nos documentos não eram surpresas,
mas apenas confirmação do caráter assassino da presença norte-americana na região.
781
Outro acontecimento jornalístico marcou o ano de 1971. O fotógrafo Phillip
Jones Griffiths, que cobria a Guerra do Vietnã desde 1964, lançou um livro com suas fotografias
da guerra denominado Vietnam Inc, provocando grande polêmica pela violência de suas
fotografias. A ênfase de Griffiths estava na tentativa de mostrar que o povo vietnamita era rico
culturalmente e que estava sendo destruído pelo domínio da “cultura Coca-Cola”, que os matava
pela sua resistência. O autor queria que os norte-americanos conhecessem o povo vietnamita e
não que os destruíssem.
782
Griffiths poderia ter apenas a intenção de fazer com que o povo norte-
americano conhecesse o povo vietnamita. No entanto, sua obra fez com que os norte-americanos
vissem além disso a destruição desse país pela atuação de suas forças armadas. A força da
imagem mais uma vez mostrava-se presente e atuante, pois o livro provocou grande polêmica.
As imagens fotográficas foram isoladas neste trabalho, mostrando uma selvageria concentrada,
dando maior impacto ainda ao material.
Tantas imagens de destruição juntas foram demais para a opinião pública norte-
americana. Mais uma vez, a imprensa participava da formação da opinião pública nos Estados
Unidos e no mundo. Pesquisas desse ano revelaram que, pela primeira vez, a maioria dos norte-
americanos queriam a saída em definitivo de suas tropas, mesmo que o Vietnã do Sul caísse
para os comunistas.
783
A tendência, que se verificava desde 1968, confirmara-se de maneira
definitiva.
Não que essa fosse uma tendência absoluta. A chamada “maioria silenciosa”
ainda demonstrava que não aceitaria a derrota tão facilmente, encontrando forças simbólicas
para tentar impor essa visão. O tenente Calley, o oficial condenado pelo massacre de My Lai,
por exemplo, foi transformado em “herói” nos Estados Unidos, ganhando, inclusive,
popularidade.
784
Paulo Francis procuraria explicar tal fenômeno, chegando a criticar o
comportamento típico da chamada “maioria silenciosa” que Nixon utilizava por sua “fôrça de
inércia”.
785
Inércia que atingia a Contracultura, que enfrentava o rigor conservador da
administração de Richard Nixon. Com a retirada gradual dos soldados norte-americanos do
Vietnã, os movimentos pacifistas esvaziaram consideravelmente. Mesmo assim, figuras
781
- O Pasquim. Nº 50, Rio de Janeiro, 1971, p. 2;
782
- Griffiths, Philip Jones. Entrevista concedida para: Guariglia, Ana Maria. “Griffiths Lembra Tragédia
do Vietnã.In Folha de S. Paulo (caderno “Ilustrada”). São Paulo, 16/04/1994, p. 1;
783
- Knightley, Phillip. op. cit.;
784
- O Pasquim. Nº 36, Rio de Janeiro, 1970, p. 2;
785
- O Pasquim. Nº 48, Rio de Janeiro, 1970, pp. 6-7;
importantes na mídia demonstravam sua contestação à guerra, como Noam Chomsky que
visitou Hanói.
786
A atriz Jane Fonda faria o mesmo pouco tempo depois.
Denunciar a guerra através de suas vítimas mais indefesas foi a grande
estratégia da revista Realidade, como vimos anteriormente. No ano de 1972, a revista
apresentou um dramático ensaio fotográfico sobre as crianças vietnamitas, vítimas da guerra,
que ocuparia grande espaço no número 75. Um dos fotógrafos da Associated Press, James
Bordier, chegou a largar a profissão para cuidar das crianças vietnamitas.
787
...até o Fim da Guerra da Coreía...
No primeiro semestre de 1953, as negociações de paz estavam finalmente
chegando a um acordo aceitável para todas as partes. Muito do sucesso dessa fase das
negociações deveu-se à morte de Stalin, no começo de 1953. As novas lideranças soviéticas
desejavam um clima de confronto menor com o ocidente e, para tal, era essencial que o conflito
coreano acabasse o mais depressa possível. Sem ter como objetivos principais a pressão sobre o
Japão e o medo da união da China com os Estados Unidos, pontos básicos da política stalinista
na Ásia até então, os dirigentes soviéticos direcionaram, então, sua política externa para o que
viria a ser conhecido, a partir de 1954, como “Coexistência Pacífica”.
788
Chineses e norte-
coreanos foram pressionados pelos soviéticos para que aceitassem os termos da ONU.
As reações da imprensa brasileira perante o possível armistício foram bastante
positivas, apesar das críticas à União Soviética (e ao comunismo de um modo geral)
continuarem intensas. No dia 3 de maio, no O Estado de S. Paulo, o editorial “O Mundo em
Marcha”, de Jan Costa, relacionava o “pacifismo” soviético à sua estratégia de enganar o mundo
para dominá-lo, sendo que o destino da Coréia estaria diretamente relacionado ao da Indochina:
“O desenvolvimento da situação no Oriente parece
indicar claramente que a protelação do armistício na Coréia foi um
meio de manter ocupados neste último país os recursos humanos e
materiais dos ocidentais, a fim de impedir que eles fossem deslocados
para a Indochina. Ao mesmo tempo, a trégua, embora limitada, dos
últimos meses, talvez tenha sido útil à China, que assim pôde ampliar
a sua ajuda aos comunistas que lutam contra os franceses.”
789
Dentro dessa perspectiva maquiavélica que as forças comunistas eram sempre
enquadradas, as dificuldades para um acordo de paz tinham de ser muito difíceis mesmo: o lado
786
- a visita de Noam Chomsky ao Vietnã do Norte está relatada no livro: Chomsky, Noam. At War with
Asia. Grã-Bretanha, Fontana, 1971;
787
- Realidade. Nº 75, São Paulo, Abril Cultural, Junho/72, pp. 83-88;
788
- Holloway, David. Stalin e a Bomba. Rio de Janeiro, Record, 1997;
789
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 03/05/53, p. 3;
democrático não confiava (e nem deveria confiar) de forma alguma no lado comunista. E,
como vimos, o domínio soviético sobre os movimentos pacifistas existia, mas sim para
pressionar o mundo ocidental para que este fosse menos agressivo em relação à União
Soviética, e não para uma eventual dominação do mundo.
No dia 5 de maio, O Estado de S. Paulo destacou que “Ameaçam os Aliados
Suspender as Negociações do Armistício”, pois, de acordo com a matéria, a ONU havia
proposto que o Paquistão fosse o país neutro que fosse custodiar os 46.000 chineses e norte-
americanos que não queriam ser repatriados e, caso tal proposta não fosse aceita pelo lado
comunista, os aliados suspenderiam as atuais negociações. O editorial observou que:
“O Paquistã (sic) é uma das quatro nações asiáticas que
os próprios comunistas mencionaram como “neutros aceitáveis”,
porém, quando o chefe da delegação aliada, tenente-general William
K. Harrison, fez a proposta, o chefe da representação comunista,
general Nam, nada respondeu.”
790
Encerrando o editorial, mais uma vez foi defendido a idéia de que o lado
comunista não colaborava para o fim do conflito, apesar da intransigência ter sido, neste caso,
do lado norte-americano e da ONU.
A Manchete, na matéria “Três Anos de Guerra na Coréia”, de autoria de José
Guilherme Mendes, destacou que os norte-americanos esperavam que mais países tivessem
enviado tropas para a Coréia (a Colômbia, de acordo com o artigo, enviou cerca de mil homens
para a Coréia), mas que o “Brasil, apesar dos esforços de vários jornalistas e representantes
políticos, nunca teve ambiente para que semelhante atitude fosse cuidada seriamente”,
791
temática esta que já discutimos detalhadamente esta situação no capítulo anterior. E sobre as
possibilidades de paz, José Guilherme Mendes destacou que:
“Porque é verdade é que se a paz na Coréia constituía um desejo sincero de
quase todo o mundo, a paz total ainda é um desejo muito mais arraigado e profundo. De
tão simples e poderoso, esse desejo se comunica hoje, a todos os homens de boa
vontade.”
792
As perspectivas de paz foram crescendo até chegarem aos acordos definitivos.
A Folha da Manhã do dia 26 de julho destacou que a assinatura do armistício ocorreria nos
próximos dias, ilustrando sua matéria com um mapa da Coréia e explicando detalhadamente
como seria o cessar-fogo, além de uma cronologia dos principais acontecimentos da guerra.
793
O Estado de S. Paulo publicou, nesse mesmo dia, a importante manchete “Seria Assinado
790
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 05/05/53, p. 3;
791
- Manchete. Nº 62, Rio de Janeiro, Editora Bloch, 27/06/53, p. 9;
792
- op. cit.;
793
- Folha da Manhã. São Paulo, 26/07/53, p. 1;
Amanhã o Acordo de Armistício”, cuja matéria apresentava um conteúdo muito parecido com o
mesmo apresentado pela Folha da Manhã.
794
No dia 27 de julho, o jornal Tribuna da Imprensa não apresentou como notícia
principal o armistício na Coréia, mas sim a sua luta contra o jornal Última Hora: “Comprovada
a Falsificação - Comandos Hoje para a Identificação do Falsário”, matéria que referia-se à
nacionalidade bassarabiana de Samuel Wainer.
795
Apenas na página cinco foi que o jornal tratou
do assunto, numa pequena e bastante discreta notícia: “Afinal Assinado o Armistício na
Coréia”.
796
Já o jornal Última Hora noticiou com destaque a assinatura do armistício,
deixando sua luta contra o jornal de Lacerda em segundo plano. No dia 28 de julho, na sua
segunda edição, o jornal noticiou que “Com o Fim da Guerra da Coréia: 91 BILHÕES DE
DÓLARES ANUAIS PARA A PAZ E O PROGRESSO DAS NAÇÕES” - artigo este que
procurava mostrar os prejuízos econômicos produzidos pela guerra, no sentido de que os
Estados Unidos no lugar de financiar o crescimento econômico mundial, financiou uma guerra.
A seguinte passagem é bastante relevante:
É mais do que evidente de que a guerra na Coréia havia
torpedeado a política externa norte-americana, consistente na
reabilitação econômica e financeira dos povos, para salvá-la do caos
comunista. Disso dá uma idéia perfeita a impressionante estatística,
difundida pelo próprio Eisenhower: a guerra custou uma média anual
de 91 bilhões e 200 milhões de dólares. Quer dizer, 91 bilhões e 200
milhões subtraídos à segurança e ao progresso do todos os povos
livres do mundo, entre os quais devemos incluir o Brasil, que foi dos
mais afetados pelo desvio dos recursos norte-americanos para os
campos de batalha na Ásia.”
797
A matéria, mesmo que aparentemente mostrando apenas uma preocupação com
as questões econômicas mundiais, também destacou o “saldo” negro da guerra: 2.500 mortos e
4.000 sem lares por dia. Além disso, ela também elogiou a ação norte-americana de enfrentar os
comunistas na Coréia, evitando o que ocorreu em Munique, quando os ingleses permitiram a
expansão do nazismo - que foi chamado de “antimuniquismo” - , numa outra referência direta à
Segunda Guerra Mundial:
“E que deu certo, prova-o o fato irrefutável de ter sido
contida a expansão soviética, dando-nos a convicção de que o mundo
794
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 26/07/53, p. 1;
795
- de acordo com as leis brasileiras da época, uma pessoa estrangeira não poderia ser dono de veículos
de comunicação. Samuel Wainer foi “acusado” de não ser brasileiro, mas sim bassarabiano, o que o
proibiria de ser dono da Última Hora. Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 27/07/53, p. 1;
796
- op. cit., p. 5;
797
- Última Hora. Rio de Janeiro, 27/07/53, p. 1;
vermelho começa a desagregar-se. Justamente porque um
imperialismo agressivo, como o russo, quando perde a sua dinâmica,
está definitivamente condenado à morte.”
798
Para um jornal constantemente acusado de defender o comunismo, tal
posicionamento era, no mínimo, estranho para um público menos avisado ou que acreditou na
maior parte das propagandas agressivas direcionadas contra o jornal. Podemos perceber que o
jornal Última Hora não concordava com a invasão norte-coreana na Coréia do Sul.
Mantendo o seu típico estilo de valorização da parte visual, a capa desta edição
apresentava muitas fotografias da guerra, com o comentário “todas as terras da Coréia
revolvidas pelos obuses ou calcinadas pelos lança-chamas”. As fotografias apresentadas eram
impressionantes: 1ª foto: um soldado canadense ferido; 2ª foto: um combatente comunista ferido
sendo atendido; 3ª foto: um soldado sul-coreano ferido; 4ª foto: alguns soldados comunistas
presos nos campos de concentração ocidentais.
799
Além dessas fotografias, também foram
publicadas fotos dos “personagens da guerra e da paz”: General Mark Clarke, General William
Harrison, o representante soviético Jacob Malik, General Nam Il, General Il Sung.
800
O jornal fez um sutil uso das fotografias, colocando as vítimas/combatentes da
guerra junto dos comandantes/negociadores da paz - a diferença entre a selvageria das
vítimas/combatentes e a aparente tranqüilidade burocrática dos comandantes/negociadores da
paz procurou mostrar as grandes diferenças produzidas pela guerra.
E, finalmente, no dia 28, O Estado de S. Paulo publicou a notícia tão esperada
pela imprensa brasileira nos últimos três anos (e, particularmente, pelo próprio jornal):
“Assinado Armistício em Pan-Mun-Jon”.
801
O editorial dessa edição preocupou-se, assim como
a matéria da Última Hora, com as questões econômicas do fim da guerra, cujo título do mesmo
não deixava espaço para maiores dúvidas: “O Armistício na Coréia e a Vida Econômica”.
O editorial argumentou que o armistício assinado na Coréia iria provocar
“rumores exagerados” sobre sua repercussão na economia mundial e, em particular, na
economia do Brasil. Existiriam poucas mudanças, continuou o editorial, e uma delas seria
justamente uma eventual redução do uso de armas no mundo, o que provocaria uma menor
produção das mesmas e, conseqüentemente, uma diminuição do seu comércio:
“Por isso, as encomendas feitas pelas forças armadas
continuarão a declinar, ao passo que aumentará a produção
destinada ao consumo civil, decorrendo daí a diminuição dos perigos
798
- op. cit.;
799
- Idem;
800
- Idem, ibidem;
801
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 27/07/53, p. 1;
inflacionistas, queda dos preços e competição mais acirrada entre os
produtores.”
802
A posição do comprador deveria ser melhor que a do vendedor - ou, em termos
estritamente econômicos, tal situação é conhecida como “buster’s market”. O café, principal
produto brasileiro, graças à geada, não correria o risco de queda de preço naquele momento,
mas o mesmo não poderia ser afirmado a outros produtos de exportação. A inflação também era
um problema sério da economia brasileira, pois aumentava o custo da produção, ressaltou o
editorial.
803
Eis uma crítica sutil ao governo Vargas que, nessa época, estava sempre sendo
acusado de formentar a inflação.
804
Como podemos perceber, a oposição de Vargas não
costumava perder qualquer espécie de acontecimento para atacar o presidente.
A Folha da Manhã foi a mais detalhista dos órgãos da imprensa brasileira que
cobriram a assinatura do armistício. Nesse mesmo dia, os pormenores chegaram à beira do
exagero, com descrições detalhadas. Mas, no meio de todas aquelas informações
pormenorizadas, podemos perceber o ódio entre as delegações norte-americanas/sul-coreanas e
chinesas/norte-coreanas. As assinaturas de tão esperado e demorado armistício não duraram
mais do que 15 minutos.
805
A Manchete destacou que
“Às 10 horas e 1 minuto do dia 26 de Julho de 1953 (uma nova data histórica)
foi assinada a paz na Coréia. No chamado ‘barraco da paz’, generais de várias
nacionalidades, com uma simples assinatura fizeram cessar as hostilidades que já se
prolongavam por mais de 3 anos. Foi mais um ‘front’ que morreu.”
806
As palavras acima foram acompanhadas de uma foto de um canhão atirando e
mais nada. Foi apenas este pequeno texto e foto que a revista dedicou sobre fim da guerra.
Podemos perceber que a linguagem imagética, típica da revista, foi aplicada totalmente neste
acontecimento.
No dia 29 de julho, O Estado de S. Paulo, na seção “Momento Político”,
destacou a reação da Câmara dos Deputados no Brasil, criticando os comunistas mais uma vez:
“A Câmara dos Deputados manifestou de modo
expressivo seu regozijo pelo término da guerra da Coréia, tirando do
episódio a lição que ele oferece ao mundo, da maneira mais clara e
tranqüilizadora e que só os comunistas procuram obscurecer.”
807
802
- op. cit., p. 3;
803
- Idem;
804
- Ianni, Octavio. O Colapso do Populismo no Brasil. 4ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1978;
805
- Folha da Manhã. São Paulo, 28/07/53, pp. 1-2;
806
- Manchete. Nº 67, Rio de Janeiro, Editora Bloch, 08/08/53, p. 3;
807
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 29/07/53, p. 3;
Os esforços da ONU foram reconhecidos pelo jornal e, neste reconhecimento,
podemos perceber a visão da Divisão Bipolar do Mundo:
“... pela primeira vez na história universal, um organismo
de natureza internacional empenhou-se em guerra para impor, num
conflito em que uma potência era agredida por outra, uma solução
comum de natureza eminentemente jurídica.
Esta é a grande e inesquecível lição que devemos tirar do
ato da assinatura do armistício celebrado agora com o mesmo
sentimento de jubilo em Washington e em Moscou - os dois pólos
ideológicos do mundo contemporâneo.”
808
O Correio da Manhã do dia 28, na capa, destacou que “Muitos homens
tombaram depois de assinado o armistício”:
“Seul, 27 (Warren Franklin, da UP) O período de três
anos, um mês e dois dias de guerra na Coréia terminou às 10 horas
da manhã de hoje, em uma atmosfera carregada ainda de hostilidades
a envolver posições de batalha.
(...)
Ernest Hoberecht, UP A ansiada trégua da Coréia foi assinada, ontem, às 22
horas e um minuto, no ‘Pagode da Paz’, que os bolchevistas construíram apressadamente
em Pan Mun Jom, pondo fim, de tal modo, a uma guerra que começou com o ataque
surpresa desencadeado pelos bolchevistas contra sul-coreanos, a 25 de junho de 1950.
Foi uma guerra que durou três anos e 32 dias, e que,
apesar das negociações de trégua, parecia jamais acabar.
Ao ser assinada a trégua, os aviões americanos aterraram
em seus campos de pouso, carregados com bombas que não chegaram
a lançar, em vista da ordem de cessar fogo.
Os soldados aliados permaneceram vigilantes em suas
trincheiras, observando os bolchevistas e dispostos a responder a
qualquer ataque, com ordem, porém, de não disparar em primeiro
lugar.”
809
Não existem evidências de que apenas o lado comunista provocou os disparos
finais da guerra. Ambos os lados, provavelmente, continuaram atirando apesar da assinatura do
armistício, mas tal possibilidade não foi considerada: os comunistas eram quem deveriam ser
vigiados.
De qualquer forma, em 28 de julho de 1953 foi assinado os acordos que
punham um fim definitivo à guerra - o chamado armistício de Pan Mun Jon. Depois de quase
três anos de guerra, o país continuava dividido exatamente igual como estava antes do início da
guerra.
810
O conflito terminaria com uma situação irônica: neste mesmo dia, o presidente Rhee,
808
- op. cit.
809
- Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 28/07/53, p. 1;
810
- de acordo com Bruce Cumings, quando a guerra acabou “the North had been devastated by three
years of bombing attacks that hardly left a modern building standing. Both Koreas had watched as a
virtual holocaust ravaged their country and turned the vibrant expectations of 1945 into a nightmare. The
para surpresa das Nações Unidas, apresentou um conta de 90 milhões de dólares pelo aluguel
das terras sul-coreanas utilizadas pelas forças da ONU durante a luta.
811
A imprensa mundial cobriu a guerra com muitas dificuldades pois, além dos
perigos comuns na cena de guerra, existiu um fator inusitado, porém feroz: a censura.
Analisando a censura sobre as notícias da guerra, Drew Pearson, no artigo “Conseqüências da
Censura nas Notícias de Guerra”, publicado pelo O Cruzeiro, comentou que
“O secretário-de-Estado John Foster Dulles estabeleceu
uma censura tão rigorosa sobre as informações provenientes da
Coréia que o público norte-americano não se apercebe dos perigos
que estão de novo anuviando o horizonte daquela remota
península”
812
Tal comentário estava baseado na violação dos acordos de paz pela Coréia do
Norte, que tinha aumentado o seu armamento. Aliás, acusações mútuas de violação dos termos
dos acordos de Pan Mun Jon foram uma constante nos anos seguintes.
Nesse mesmo número da revista, Pedro Lima, numa reportagem sobre os
bastidores cinematográficos de Hollywood, destacou que os“produtores americanos resolvem o
problema do estrelismo com acordos secretos - Betty Gable, Marilyn Monroe e Laureen Bacall
fazem as pazes cinematográficas”
813
O título da matéria? “Pan Mun Jon em Hollywood”.
814
Podemos perceber o quanto a guerra estava incorporada na imprensa pelo uso do nome do local
das negociações de paz na Coréia para destacar uma notícia relativamente banal.
... e no Vietnã!
Já no Sudeste Asiático a paz foi mais complicada - e violenta. Em 1972, o
Vietnã do Norte tentaria uma grande ofensiva para dominar o sul, aproveitando a retirada de
grande parte das forças terrestres norte-americanas. Para desapontamento das forças norte-
vietnamitas, a aviação norte-americana permaneceu na região e conteve a ofensiva. Mesmo
point to remember is that this a civil war, and, as a British diplomat once said, ‘every country has a right
to have its War ou the Roses.’ The true tragedy was not the war itself, for a civil conflict purely among
Koreans might have resolved the extraordinary tensions generated by colonialism, national division and
foreign intervention. The tragedy was that the war solved nothing: only the status quo ante was restored,
only an armistice held the peace. Today the tensions and the problems remain.” Cumings, Bruce. Korea’s
Place in the Sun a Modern History. Nova Iorque, Londres, W.W. Norton & Company, 1997, p. 298;
811
- Knightley, Phillip. op. cit.;
812
- O Cruzeiro. Nº 4, Rio de Janeiro, 07/11/53, p. 52;
813
- op. cit., pp. 30 e 31;
814
- Idem;
assim, os norte-americanos não conseguiram desalojar cerca de 145 mil soldados norte-
vietnamitas, que ficaram no Vietnã do Sul.
815
As negociações de Paris, depois de anos de esterilidade, começavam a chegar a
bases relativamente aceitáveis. Por volta de novembro de 1972, chegou-se a um acordo
(praticamente igual aos acordos de Genebra de 1954), mas os representantes do Vietnã do Sul
não o aceitaram, provocando a revolta dos delegados do Vietnã do Norte que abandonaram a
mesa de negociações. Esse foi o espaço para que o jornal Opinião pudesse criticar a ação dos
Estados Unidos no Vietnã.
O jornal Opinião seguiria caminhos semelhantes aos do O Pasquim na
cobertura da guerra, mas sem o estilo humorístico. As referências ao Vietnã foram feitas dentro
do seu estilo de seriedade, com a tradução e publicação textos de Wilfred Burchett (que se
identificava com o lado comunista) e I. F. Stone (outro crítico da guerra). Seu primeiro número
colocava, na capa, uma caricatura de Nixon sobre uma fotografia de aldeões vietnamitas, com a
manchete: “Por que Nixon Adiou a Paz?”
816
Dentro da edição incluíam-se três dos mais belos
artigos escritos na imprensa alternativa, da autoria de três ex-correspondentes de guerra que
estiveram no Vietnã: Antônio Callado, José Hamilton Ribeiro e Luís Edgar de Andrade.
Antônio Callado destacava a luta do Vietnã do Norte e a beleza do país, que
estava sendo destruído pela aviação norte-americana. Dificilmente o país que lutara com tanta
coragem contra o opressor infinitamente mais poderoso seria o mesmo de antes, com seus
plantadores de arroz e costumes milenares. A guerra poderia estar no fim, militarmente; mas
outra guerra mais importante seria a reconstrução nacional.
817
Hamilton Ribeiro seguiu caminho
semelhante ao de Callado ao descrever o Vietnã do Sul, um país também belo e cheio de
búfalos, com uma paisagem difícil de se imaginar no Brasil. A guerra poderia acabar e os norte-
americanos saírem, mas a dor e a destruição, tanto física quanto moral, demorariam muito a ser
esquecidas.
818
Luís Edgar de Andrade levantou uma curiosa hipótese: caso os norte-americanos
tivessem saído da guerra, eles teriam sido os vencedores, e não os derrotados. A Frente de
Libertação Nacional (FNL) sempre procurou ter uma voz ativa no Vietnã do Sul, algo que os
governos sul-vietnamitas e as forças norte-americanas impediram. Os norte-americanos diziam
que o objetivo de sua presença era abrir o caminho da democracia no Vietnã do Sul. Sendo
assim, os acordos em perspectiva seriam a base de um futuro governo nacional democrático. A
saída norte-americana iria concretizar a democracia no Vietnã do Sul - uma vitória para os
norte-americanos (que a força não conseguira).
819
815
- Tuchman, Barbara W. op. cit.;
816
- Opinião. Nº 1, Rio de Janeiro, 06-13/11/1972, p. 1 (capa);
817
- op. cit., p. 16;
818
- Idem, p. 16;
819
- Idem, ibidem, p. 17;
Três artigos perfeitos para a crítica da guerra, o caminho, por excelência, das
análises do jornal. Mas a guerra continuou, pois o abandono da mesa por parte dos norte-
vietnamitas foi o pretexto para que os Estados Unidos lançassem o maior bombardeio da
História até então.
O presidente Nixon esperou a sua reeleição (que foi uma vitória esmagadora),
para realizar livremente os bombardeios. Essa onda de ataques aéreos ficou conhecida como o
“Natal de Nixon”, e foi a mais intensa da guerra, destruindo quase toda a infra-estrutura do
Vietnã do Norte.
820
Em compensação, o equipamento antiaéreo fornecido pela URSS causou
pesadas baixas na aviação norte-americana, aumentando o número de prisioneiros de guerra.
Foi um desses bombardeios que gerou uma das imagens mais impressionantes
da guerra: uma menina correndo, nua, chorando, com o corpo queimando por napalm. Ela foi
filmada pela televisão e também imortalizada numa das mais chocantes fotografias já feitas. O
fato de ter sido gravada pela televisão e pelos meios escritos implicou um impacto marcado
simultaneamente pelo “movimento” (na imagem da televisão) e pelo “congelamento” (na
fotografia, segurando a tensão ao máximo). Tornou-se o quadro perfeito e definitivo da guerra,
além de uma das imagens mais chocantes do século XX.
Um artigo publicado pelo O Estado de S. Paulo, (anteriormente publicado pelo
The Economist), analisou os bombardeios realizados durante a toda guerra e, em particular, este
último. O artigo procurou justificar a presença norte-americana na região:
“É difícil definir, com toda a precisão, esse limite para o
exercício do poderio militar norte-americano no Vietnã. Muitos
argumentam, com sinceridade, que foi ultrapassado há muito tempo,
talvez em 1968, talvez até mesmo antes, quando o presidente Johnson
decidiu enviar para lá 500 mil homens; para outros, foi quando os
B52 atingiram Hanói, desta vez. Mas, para outros ainda, e entre eles
‘The Economist’ (nota minha: e também O Estado de S. Paulo), os
norte-americanos estavam certos quando atenderam ao primeiro e
subseqüentes apelos de socorro do Vietnã do Sul, e continuaram a
resistir às sucessivas tentativas dos comunistas para reunificar pela
força os dos Vietnãs, incluindo a invasão da parte sul pelo norte.”
821
Ressaltando que os bombardeios eram uma arma tanto militar quanto política, o
artigo nos apresentou um outro problema:
“Nixon teria ainda procurado reduzir a eficácia de uma
outra grande ofensiva comunista contra o Vietnã do Sul, malhando
820
- as linhas de trem que ligavam o Vietnã do Norte à China foram bombardeadas, assim como o porto
de Haiphong - vários barcos soviéticos e chineses estavam atracados nesse que era o único porto que
recebia provisões externas, o que poderia ter gerado um conflito internacional com essas duas potências
comunistas;
821
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 14/01/73, p. 3;
ainda mais as linhas de abastecimento do Vietnã do Norte. As divisões
norte-vietnamitas que se encontram no sul, já enfrentam dificuldades,
confundidas pelos preparativos para um cessar-fogo que não veio,
sem contato com seus comandantes, e desorientadas pela falta de
definição da linha do partido.”
822
Os bombardeios não se destinavam apenas a “quebrar” o Vietnã do Norte e suas
tropas localizadas no sul, mas procuravam também manter viva as esperanças do Vietnã do Sul:
“Por último, os bombardeios podem muito bem ter sido
destinados a mostrar a Thieu que os norte-americanos não o
desampararão e que os perigos de concluir um tratado com os
comunistas diminuirão pelo fato de que será sempre possível mandar
os bombardeios outra vez a Hanói.”
823
“Nixon Ordena Novos Ataques Sobre Hanói”, foi a manchete de capa da Folha
de S. Paulo do dia 19 de dezembro.
824
No dia 20, a dramaticidade aumenta: “EUA desfecham
grande ofensiva aérea no Vietnã”.
825
Mesmo sendo reportagens de capa, receberiam espaços
pequenos que não correspondiam aos violentíssimos ataques dessa ofensiva aérea, demostrando
que não eram apenas os Estados Unidos que estavam saturados da guerra.
Mas a imprensa alternativa não estava saturada. O jornal O Pasquim contava
com a participação muito especial de Luís Edgar de Andrade - uma pessoa de valor simbólico
em relação à Guerra do Vietnã, pois fora correspondente de guerra na região - como um dos
redatores. Em sua colaboração ao jornal, além de analisar o que estava acontecendo no Sudeste
Asiático, ele contaria algumas das passagens de quando fora correspondente de guerra no Vietnã
do Sul. O “Natal de Nixon” seria ironizado pelo jornal com a expressão “Feliz Napalm”.
826
A capa do jornal Opinião sobre o mesmo assunto não deixava dúvida alguma
sobre o posicionamento do jornal: uma caveira, vestida de Tio Sam, com o braço para a frente,
com o dedo indicador esticado, com a manchete: “Nixon rezou neste Natal. E Você?” Um jornal
católico de Amsterdã destacou que Nixon deu um bom exemplo ao rezar no natal, e o jornal
Opinião completou a idéia destacando que ele também ordenara os mais violentos ataques ao
Vietnã do Norte em toda a guerra.
827
A grande imprensa também salientou negativamente o “Natal de Nixon”, mas
não com tanta veemência. O Opinião, todavia, tinha as suas razões para tal veemência, pois
ainda pensava na Guerra do Vietnã como algo mais do que a denúncia das barbáries norte-
americanas: a guerra ainda era um exemplo para estimular a luta revolucionária.
822
- op. cit.;
823
- Idem;
824
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 19/12/72, p. 1;
825
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 20/12/72, p. 1;
826
- O Pasquim. Nº 181, Rio de Janeiro, 1972, p. 1;
827
- Opinião. Nº 8, Rio de Janeiro, 25/1272-01/01/73, p. 1;
Os bombardeios foram encerrados e os norte-vietnamitas voltaram à mesa de
negociações. Em janeiro de 1973, eles assinaram os acordos que levaram à paz, ou, nas palavras
de Nixon, a uma “paz honrosa” - uma maneira nada convincente de esconder o que todos
sabiam, ou seja, que a maior nação do mundo havia sido derrotada por uma pequena nação de
agricultores.
O final da guerra foi celebrado pela imprensa brasileira, sendo matéria de capa
de vários jornais e revistas. A capa da Folha de S. Paulo destacou, em letras garrafais: “Fim da
Guerra do Vietnã”, com fotografias de Nixon e dos mediadores, Le Thuc Dho e Henry
Kissinger, além de uma reportagem resumindo os nove anos de conflito.
828
O Estado de S. Paulo também noticiou os acordos: com a palavra “Paz” em
grande destaque e o subtítulo “Nixon Anuncia o Fim de 12 Anos de Guerra”.
829
O Jornal
Nacional também destacou o fim da guerra:
“Acordo de cessar-fogo, terminando o conflito no Vietnã,
é assinado em Paris. O ajuste inclui a retirada das tropas norte-
americanas do Vietnã do Sul, a libertação dos prisioneiros norte-
americanos mantidos pelo Vietnã do Norte e uma comissão de quatro
países para supervisionar o armistício.”
830
Perto da saída norte-americana, os cartunistas do jornal O Pasquim iriam
produzir uma grande quantidade de cartuns sobre a guerra. Quando foi anunciada a saída dos
norte-americanos da guerra, a edição veio entitulada “Pazquim” - e na capa havia um míssil em
forma de supositório com um soldado norte-americano perguntando onde enfiaria aquilo.
831
A
edição ainda traria um pequeno histórico da guerra em cartuns do Henfil,
832
e um pôster muito
especial: vários super-heróis norte-americanos fugindo de um pequeno Vietcong.
833
Millôr
Fernandes escreveria um artigo cômico, cujo título é: “Derrota, não! Apenas o Resultado de
Torpe e Violento Desrespeito às Regras Mínimas da Ética Militar!”. O artigo satirizava a saída
dos norte-americanos pelo fato do inimigo não ter perdido ou recuado, apesar da lógica militar
aplicada (“romperam um esquema tático invencível”).
Nas palavras ácidas e satíricas de Millôr:
“Não podíamos continuar a luta contra um bando de
vagabundos que não tinham idéia do preço de uma guerra, nem
828
- Folha de S. Paulo. São Paulo, 24/01/73, p. 1;
829
- O Estado de S. Paulo. São Paulo, 24/01/73, p. 12;
830
- extraído de: s/A. 15 Anos de História. Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1984, p. 321;
831
- O Pasquim. Nº 187, Rio de Janeiro, 1973, p. 1;
832
- O Pasquim. Nº 137, Rio de Janeiro, 1973, pp. 4-8;
833
- op. cit., pôster central;
sombra de responsabilidade quanto ao sacrifício que tudo aquilo
custava ao contribuinte americano.”
834
Parece que o regime militar brasileiro não achou muita graça, pois censurou
este artigo.
835
Para todos os efeitos, a saída norte-americana do Vietnã foi considerada como o
final da guerra pela imprensa mundial e brasileira. A “paz”, na verdade, não chegou na região
da Indochina, sendo que os acordos de Paris conseguiram, no máximo, tirar as forças norte-
americanas da região. Esperava-se que o Vietnã do Norte tomasse rápido o país, já que a
“vietnamização” mostrara-se, até aquele instante, um fracasso total. Não apenas a guerra
continuava, mas também a indústria bélica norte-americana (ou o chamado “complexo
industrial-militar”), cuja produção não seria afetada pela saída das tropas do Vietnã, como
denunciou a revista Realidade.
836
As forças sul-vietnamitas não conseguiram levar a guerra sem os conselheiros
norte-americanos. Dois anos após a saída dos Estados Unidos, o Vietnã era reunificado sob um
governo comunista. O Laos e o Camboja também foram dominados pelas forças comunistas do
Pathet Laos e do Khmer Vermelho, respectivamente.
Duas grandes imagens marcaram esta reunificação: 1ª - a embaixada dos
Estados Unidos em Saigon cercada pela população vietnamita, esperando sua vez para fugir -
sendo que, na maioria esmagadora dos casos, foi uma espera em vão; 2ª - o porta-aviões norte-
americano jogando helicópteros no mar, pois estava muito lotado e poderia sofrer danos.
837
A guerra continuou na Indochina, apenas os problemas da Guerra Fria foram
sendo substituídos por questões locais, que iam desde problemas fronteiriços até os conflitos
causados pela presença de uma minoria chinesa na região (cerca de um milhão de pessoas em
cada país).
838
A Indochina raramente encontrou a paz.
A “teoria do dominó” acabou por aí, pois os três países não estenderam o
comunismo a seus vizinhos, preocupando-se com questões locais. Estas levaram a outras
guerras - entre o Vietnã e o Kampuchea (novo nome do Camboja, dado pelo sanguinário Khmer
834
- Fernandes, Millôr. Millôr no Pasquim - o Inventor da Liberdade de Imprensa. São Paulo, Círculo do
Livro, 1977, p. 187;
835
- o artigo não chegou a ser publicado no O Pasquim, mas foi recuperado por Millôr Fernandes anos
mais tarde e publicado em livro. Fernandes, Millôr. op. cit.;
836
- Realidade. Nº 83, São Paulo, Editora Abril, Fevereiro/73, pp. 64-67;
837
- a evacuação estava sendo feita com helicópteros das forças armadas norte-americanas, mas os
vietnamitas que tinham helicópteros fugiram com os aparelhos até o porta-aviões, o que provocou a
sobrecarga e a necessidade de atirar alguns aparelhos no mar. Tais imagens podem ser vistas no
documentário Guerra do Vietnã - a Queda de Saigon Documentário, Estados Unidos, Discovery Channel,
dirigido por Michael Dutfield, 1995;
838
- Crozier, Brian. Sudeste Asiático em Conflito. Rio de Janeiro, Bloch Editores, 1967;
Vermelho)
839
e entre o Vietnã e a China, em 1979.
840
O Vietnã abandonaria o Kampuchea
apenas em 1989.
O Fim da Guerra do Vietnã e a Televisão no Brasil
Como vimos, a televisão no Brasil cresceu bastante no decorrer da década de 50
e principalmente, na década de 60, assim como seu parque tecnológico. As imagens que
chegavam da Guerra do Vietnã eram de melhor qualidade, comparando-se com as (poucas)
imagens vindas da Guerra da Coréia. Mas foi na década de 70 que a cobertura da televisão da
Guerra do Vietnã produziria maiores conseqüências.
A “independência” do programa Globo Repórter permitiu que este realizasse
um dos primeiros documentários sobre a Guerra do Vietnã no Brasil no início da década de 70.
O teor do programa, completamente contrário à participação norte-americana na guerra,
provocou reações contrárias do regime militar contra a emissora, reações estas logo contestadas:
o documentário foi feito a partir de imagens fornecidas pela própria embaixada norte-americana
no Brasil - ou, em outra palavras, a própria produção norte-americana também mostrava uma
visão desfavorável à presença do seu país no Vietnã. O documentário seria reprisado uma
semana depois.
841
Mas o Vietnã ainda provocaria mais violência. Em 3 de setembro de 1975, a TV
Cultura de São Paulo, no seu jornal do meio-dia, exibiu um documentário (produzido pela
agência de notícias inglesa Viesnews) de 7 minutos sobre a Guerra do Vietnã (mais
especificamente sobre a vida de Ho Chi Minh), bastante favorável aos comunistas. O então
diretor da TV Cultura, Wladimir Herzog, não deixou que o documentário fosse exibido no
noticiário da noite e despediu o editor que o havia exibido de manhã, suspeitando que a exibição
do documentário fora de propósito, para comprometê-lo contra a ditadura.
Mas o “mal” já estava feito e a reação contrária ao documentário foi imediata.
Cláudio Marques, colunista do jornal Diário do Comércio e Indústria e comentarista político do
programa Shopping News, da TV Bandeirantes, que não passava de um típico “bajulador” da
839
- o regime do Khmer Vermelho faria desaparecer todas as cidades do Camboja, levando praticamente
toda a população para os campos de trabalhos, matando qualquer pessoa que pudesse apresentar qualquer
indício de diferenças sociais, como ter formação acadêmica (a simples presença de um diploma poderia
levar à morte o portador), ou mesmo possuir uma simples caneta. Hudson, Christopher. Os Gritos do
Silêncio. Coleção “Campeões de Venda”, Rio de Janeiro, Rio Gráfica, 1987;
840
- a invasão do Vietnã no Camboja, aliado da China, provocou a guerra. Os chineses procuraram
“punir” os vietnamitas. A invasão durou uma semana e seus resultados foram contraditórios, com ambos
os lados vangloriando-se de terem sido os vencedores. Mandel, Ernest... [et al.]. China x Vietnã -
Revolução Chinesa e Indochinesa. São Paulo, Versus, 1979;
841
- nunca ficou devidamente claro se esta reapresentação foi feita por causa dos pedidos do público (o
que demonstraria a aceitação desta visão crítica da guerra) ou se foi uma imposição do general Odílio
Denis, pois seus netos estavam em época de vestibular e ele exigiu que eles assistissem o programa.
Extraído de:. TV Ano 50. Documentário, Rio de Janeiro, Rede Globo, dirigido por Pedro Bial, 2000;
ditadura e que atacava Herzog constantemente, não perdeu a oportunidade e, na sua coluna no
jornal, escreveu:
“Vietcong na TV Cultura.
Bastante comentada, por sua ‘oportunidade’ e
‘qualidade’, a reportagem levada ao ar, na quarta-feira, pela TV
Cultura, em seu programa noticioso do meio-dia. Inúmeros minutos
de programação da emissora educativa foram dedicados à história do
Vietnam e às lutas que ali ocorreram nos últimos anos, dando-se
especial destaque a pensamentos e à figura de Ho Chi Minh, o líder
comunista do Vietnam do Norte.
Pode ser que exista alguma razão muito forte para tal tipo
de preocupação da TV Cultura, mas não há dúvida que, no Brasil,
existem temas muito mais educativos e salutares do que a história dos
conflitos na Indochina ou os conceitos de vietcong.”
842
Seu comentário na TV Bandeirantes, em 7 de setembro, foi mais direto:
“TV Educativa continua uma nau sem rumo. Repercutindo
- pessimamente - o documentário exibido pelo canal 2, fazendo a
apologia do vietcong. Eu acho que o pessoal do PC da TV Cultura
pensa que isto aqui virou o fio...”
843
No dia 11 do mesmo mês, a Última Hora, nesta altura dos acontecimentos
formada por uma equipe totalmente a favor da ditadura, afirmou que
“TV Cultura, do Vietnã ao Camboja
A TV Cultura, canal 2 de São Paulo, parece mesmo estar
preocupada com os problemas da Indochina. No seu noticioso das 21
horas de terça-feira, no mesmo momento em que todas as outras
televisões levavam a público fatos de importância nacional, a TV 2
dava destaque ao regresso do príncipe Norodon Sihanouk ao Camboja,
após um exílio na China Comunista. Historiando os fatos (afinal,
história é cultura...) disse lá o jornal da Fundação Padre Anchieta que
‘após nacionalizar o comércio exterior e a rede bancária do Camboja e
de recusar ajuda norte-americana, Sihanouk sofreu pressões de
Washington’. E daí por diante. Apenas por curiosidade, na pauta de
todos os noticiosos do mesmo horário, estavam os seguintes assuntos
nacionais e que não mereceram nenhuma referência da TV Cultura:
regresso do governador Paulo Egydio de Brasília; aumento do preço
842
- extraído de: Markun, Paulo. (Org.). Vlado - Retrato da Morte de um Homem e de uma Época. São
Paulo, Círculo do Livro, s/D, pp. 70;
843
- extraído de: Markun, Paulo. op. cit.;
dos combustíveis; entrevista do secretário de Saúde sobre vacinação
contra pólio em São Paulo; estabelecimento de limite de velocidade
nas estradas; autorização de Senado para aumento da dívida da
prefeitura de São Paulo.”
844
A “linha dura” estava procurando “comunistas” para justificar as suas práticas
violentas - e a sua própria existência, pois estava também lutando contra a “distensão”
promovida pelo governo Geisel.
845
Wlado, como era conhecido, participava do PCB (junto com
os jornalistas Paulo Markun, George Duque Estrada, Anthony Christo e Rodolfo Konder), mas
em discussões sobre a participação democrática da imprensa perante a ditadura, naquilo que
alguns dos membros do grupo da época iriam chamar pejorativamente de “masturbação
ideológica”. Não existia desejos deste grupo para ações violentas ou lutas armadas. Mas, para a
“linha dura”, que combatia a idéia de uma revolução socialista no Brasil, os “elogios” a Ho Chi
Minh e ao Vietcong eram inaceitáveis, ainda mais vindos de um comunista.
A Guerra do Vietnã (e a exibição do documentário sobre Ho Chi Minh) não foi
o fator principal para a prisão e morte de Wlado, mas contribuiu consideravelmente. Mesmo
com o fim da guerra e a vitória dos comunistas, o tema Vietnã ainda era delicado no Brasil.
***
Podemos encontrar grandes diferenças entre a cobertura do fim das duas
guerras na imprensa brasileira: o monopolismo do anticomunismo ainda era a essência da
cobertura da Guerra da Coréia, enquanto que a variedade tornou-se a base da cobertura da
Guerra do Vietnã. Não apenas existia uma imprensa mais variada, mas também muitas outras
orientações políticas e “usos” da imprensa das notícias.
A cobertura da Guerra da Coréia era utilizada para denunciar o comunismo,
ação esta que foi quase a tônica da grande imprensa. Já na cobertura da Guerra do Vietnã
existiram variações e, em muitos sentidos, uma unanimidade: existiu celebração da retirada
norte-americana do Vietnã. Quer por ser uma causa perdida (já fazia um bom tempo, aliás), quer
para mostrar que a “maior máquina militar da História da Humanidade” era falível e que a luta
revolucionária era válida como forma de resistência ao capitalismo algo que membros da
redação do jornal alternativo Opinião acreditavam seriamente.
As imagens, na cobertura do final da Guerra do Vietnã, foram marcantes, como
a famosa cena da menina vietnamita atingida com napalm ou dos helicópteros sendo jogados no
844
- extraído de: Markun, Paulo. Idem, pp. 70-71;
845
- D’Araujo, Maria Celina e Castro, Celso (Orgs.). Ernesto Geisel. 5ª ed., Rio de Janeiro, Editora
Fundação Getúlio Vargas, 1997.
mar em 1975. Não que a Guerra do Vietnã fosse mais violenta: a Guerra da Coréia também
produziu momentos de violência, mas as possibilidades da transmissão dessas imagens violentas
foi menor, o que produziu menos impacto.
Considerações Finais
As guerras da Coréia e do Vietnã acabaram, mas não a mídia (e,
principalmente, a televisão), que continuaria a ser um elemento fundamental das relações
políticas do mundo. As guerras deixaram os seus “vestígios”, como veremos a seguir,
“vestígios” estes que ainda são presentes na cultura. E a presença de imagens é uma dessas
manifestações mais evidentes.
Imagens e Ação
O bluesman Lightnin’ Hopkins, que tinha composto um blues melancólico
sobre a guerra (Sad News From Korea, de 1951), ficou bem mais otimista e compôs The War is
Over, festejando a paz em 1953.
846
Outras expressões culturais iriam surgir nos Estados Unidos
no decorrer dos anos enfocando a Guerra da Coréia, como a revista em quadrinhos Combat
Casey, que faria um grande sucesso entre as crianças e que se referia, basicamente, às aventuras
do valente e destemido soldado Casey que, com bravura, determinação e princípios (todos
democráticos, logicamente), enfrentava os comunistas norte-coreanos.
847
O “empate” no campo
de batalha não diminuiu o ímpeto “salvador” dos norte-americanos, algo que iria ser abalado na
Guerra do Vietnã.
A Coréia não apresentou cores algo que sobrou no Vietnã. Além da televisão,
o cinema também participou desta última guerra, embora não no momento exato dela, com
exceção do filme Os Boinas Verdes, mas que não valorizou os efeitos imagéticos do conflito
na verdade, não passou de um filme de ação claramente favorável à presença norte-americana
no Vietnã.
848
A comédia M.A.S.H., embora tenha sua história passada durante a Guerra da
Coréia, fez inúmeras sátiras à guerra de um modo geral, e à Guerra do Vietnã em particular.
849
Acorrentado ao Passado, de 1972, foi uma das primeiras produções norte-americanas a tocar
diretamente no assunto da guerra, mostrando o drama de 3 mulheres cujos maridos estavam
presos ou desaparecidos no Vietnã.
850
846
- Muggiati, Roberto. Blues - da Lama à Fama. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1995;
847
- King, Stephen. Dança Macabra. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1989; e www.combatcasey.com;
848
- Os Boinas Verdes (The Green Barrets). Filme, Estados Unidos, dirigido por John Wayne, 1968;
849
- M.A.S.H. Filme, Estados Unidos, dirigido por Robert Altman, 1970;
850
- Acorrentado ao Passado (Limbo). Filme, Estados Unidos, dirigido por Mark Robson, 1972;
O primeiro grande documentário sobre a guerra, Corações e Mentes, foi bem
além de uma visão meramente maniqueísta: utilizando-se de um vasto material telejornalístico,
o documentário, através de uma frenética construção de imagens e sons, enfatizou o caráter
imagético da guerra e o erro da presença norte-americana no Vietnã.
851
O documentário captou
magistralmente o delírio visual da guerra e suas conseqüências trágicas para a vida vietnamita e
norte-americana.
852
Outros filmes foram realizados na década de 70 enfatizando, principalmente, as
conseqüências da guerra para os soldados que lá estiveram, como foram os casos dos sucessos
de bilheteria Amargo Regresso e O Franco-Atirador, ambos de 1978,
853
sendo que este último
chegaria a ganhar o prêmio Oscar de melhor filme. Mas foi Apocalypse Now de Francis Ford
Coppola, que mergulharia fundo na ferida norte-americana no Vietnã.
854
A busca filosófica (e violenta) realizada pelo capitão Willard atrás do Coronel
Kurtz nas selvas do Camboja, busca esta baseada na obra Corações das Trevas, de Joseph
Conrad, fez com que Coppola criasse um dos maiores delírios visuais da história do cinema,
perfeito para o que ocorreu durante a Guerra do Vietnã. Entre muitas referências a drogas,
rock’n’roll e violência, a passagem mais significativa do filme foi viagem de vários helicópteros
ao som da música “Cavalgada das Valquírias”, do compositor alemão Richard Wagner, que
antecipava um violento e absolutamente desnecessário ataque a uma vila dominada pelo
Vietcong.
855
Violência, cores, drogas, música, desespero - eis os ingredientes do filme de
Coppola; eis a melhor descrição possível sobre a Guerra do Vietnã.
856
851
- Corações e Mentes (Hearts and Minds). Documentário, Estados Unidos, dirigido por Peter Davis,
1974;
852
- e também ganharia o Oscar de 1974 como melhor documentário. O diretor Peter Davis e o produtor
Bert Schneider, depois de ironizar o fracasso das forças armadas norte-americanas no Vietnã, leram um
telegrama da delegação Vietcong à Conferência de Paz em Paris. Augusto, Sérgio. “O Melhor da Festa é
o que Ela tem de Pior.In O Estado de S. Paulo. Caderno 2, São Paulo, 25/03/2001, p. 5;
853
- Amargo Regresso (Coming Home), Filme, Estados Unidos, dirigido por Hal Ashby, 1978; e O
Franco-Atirador (The Deer Hunter). Filme, Estados Unidos, dirigido por Michael Cimino, 1978;
854
- -logicamente que outros filmes sobre a guerra com outras abordagens também foram realizados,
como é o caso do tocante Os Rapazes da Companhia C (The Boys in Company C, Filme, Estados Unidos,
dirigido por Sidney J. Furie, 1978), que retratava o dia-a-dia de uma companhia de boinas-verdes no
Vietnã. Em 1986, o sucesso de Platoon, dirigido por Oliver Stone, abriu uma espécie de “temporada de
filmes sobre o Vietnã”, surgindo vários filmes sobre o tema. Entre as várias produções de qualidade muito
variada, podemos destacar Nascido Para Matar (Full Metal Jacket, Filme, Inglaterra, dirigido por Stanley
Kubrick, 1987) e Pecados de Guerra (Casualities of War, Filme, Estados Unidos, dirigido por Brian de
Palma, 1987);
855
- Apocalypse Now! Filme, Estados Unidos, dirigido por Francis Ford Coppola, 1979;
856
- as filmagens de Apocalypse Now! foram igualmente alucinantes. No Festival de
Cannes de 1979, Francis Ford Coppola disse: “Meu trabalho não é um filme. Não é um
filme sobre o Vietnã... é “o” Vietnã. É como foi, uma loucura. Nós o fizemos do modo
como os americanos estavam no Vietnã. Estávamos na selva, éramos muitos homens.
Tínhamos acesso a muito dinheiro, muito equipamento, e fomos enlouquecendo aos
poucos.” Extraído de: O Apocalipse de um Cineasta - Heart of Darkness, Documentário,
Estados Unidos, escrito e dirigido por Fax Bahr e George Hickenlooper, 1991;
A Guerra do Vietnã teria seus significados culturais reelaborados no Brasil,
onde podemos destacar duas manifestações mais explícitas: a primeira seria a idéia de
resistência, surgida ainda na década de 60, reforçadas pelas experiências guerrilheiras e pelo
“teatro guerrilheiro” de José Celso Martinez Côrrea,
857
sendo que tal idéia sobreviveria até a
década de 90, sendo, inclusive, utilizada por alguns militares brasileiros que afirmaram que
resistiriam, como no Vietnã, às investidas internacionais que buscariam “internacionalizar” a
floresta amazônica, defendendo-a como um patrimônio nacional;
858
a segunda idéia, que
também surgiu na década de 60, relacionaria o Vietnã com a violência - algumas favelas das
regiões mais pobres da cidade de São Paulo ainda hoje são chamadas, no jargão policial e na
gíria local, como “Vietnã”, por causa do grande número de mortos que a ocorrência policial
registra.
Uma outra idéia, relacionada a esta última, também foi mantida no Brasil. Não
foi apenas o bordel no Araguaia que ligaria o nome Vietnã ao sexo e à marginalidade. No
interior do estado São Paulo, região da Alta-Araraquarense (cuja principal cidade é São José do
Rio Preto), em particular nas cidades de Santa Fé do Sul, Jales e Fernandópolis, são realizadas
festas agropecuárias de peões de boiadeiro. Dentro de um recinto montado, tem-se uma área de
prostituição, que é chamada pelo povo local de Vietnã ainda nos dias de hoje.
859
É interessante
perceber a maneira como a Guerra do Vietnã foi apropriada pelas camadas populares: uma área
de baixo meretrício, onde ocorrem, normalmente, brigas e mortes, além da própria devassidão
da prostituição, é chamada de “Vietnã”. As camadas populares associam o Vietnã a uma área de
verdadeiro caos, sem respeito às leis, à moral ou qualquer espécie de ordem - ou mesmo de
qualquer respeito pela vida. A Guerra do Vietnã não poderia ter sido melhor representada.
A Imprensa Pós-Vietnã
A imprensa (e, de certa forma, uma “nova moral” criada pela Contracultura)
também reagiria ao conservadorismo da época: Richard Nixon foi obrigado a renunciar à
presidência por causa do escândalo de Watergate, escândalo este levantado pela imprensa, no
caso específico pelo The Washington Post, através de dois jornalistas: Bob Woodward e Carl
857
- passagem de José Celso Martinez Côrrêa extraída de Ventura, Zuenir. 1968 - o Ano que Não
Terminou - A Aventura de uma Geração . 11ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988, p. 93;
858
- pesquisas feitas durante a Segunda Guerra Mundial mostraram que os bombardeios estratégicos, ou
seja, aqueles que são feitos para “castigar” o inimigo, acabaram por estimular a resistência dos atacados.
Isso ocorreu durante ataques alemães na Inglaterra (1940/41), durante ataques aliados aos alemães
(1944/45) e também nos ataques norte-americanos ao Vietnã do Norte (1964/1972). Tuchman, Barbara
W. A Marcha da Insensatez - de Tróia ao Vietnã. 2. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1986;
859
- as festas foram visitadas pelo Autor da pesquisa no interior do estado de São Paulo;
Bernstein.
860
Mas a televisão também influiu nos acontecimentos: o assunto estava “esfriando”
quando o apresentador de televisão Walter Cronkite resolveu apresentá-lo na televisão,
enfatizando as investigações dos dois jornalistas do Post.
861
. Apesar de exemplos como este, a
grande imprensa norte-americana continuou conservadora. Mesmo a criação de um canal
exclusivo de notícias no começo dos anos 80, a CNN (Cable News Network), não mudaria tal
quadro. Nos Estados Unidos, a mídia continuou na mão de poucas pessoas.
862
Mas nem só de grandes publicações viveu a mídia no pós-Vietnã. Na segunda
metade da década de 70, o mundo seria inundado por uma série infinita de pequenas
publicações, mimeografadas ou xerocadas: eram os fanzines, que se tornaram a imprensa da
geração Punk. Tais publicações caracterizavam-se por serem individuais ou de grupos
pequenos, que tratavam sobre assuntos que agradassem seus criadores (geralmente versavam
sobre bandas de rock ou outras manifestações culturais que ocorriam ao redor das bandas
comentadas), na forma de pequenos jornais mimeografados, xerocados ou de qualquer tipo de
produção barata.
O primeiro fanzine relevante foi a revista Punk, lançada em 1975 na cidade de
Nova Iorque, que procurou retratar a cultura alternativa dos clubes de rock’n’roll da época, mais
especificamente o CBGB’s e o Max Kansas City. A música e o movimento Punk estavam
surgindo. Legs McNeil, fundador e “cartum vivo” da revista (referência ao Alfred E. Newman,
da revista MAD), defendeu que um dos objetivos básicos para a sua criação foi que seriam dadas
bebidas grátis aos fundadores (além de McNeil, John Holmstron, cartunista, e Ged Dunn,
negociante).
863
Era uma diversão, coisa de garotos, mas que viraria um fenômeno quando, na
Inglaterra, uma série de bandas de rock (Sex Pistols, Clash, Damned, etc.) fariam a sua “leitura”
da música produzida em Nova Iorque e dariam a forma definitiva ao que viria a ser chamado de
860
- para maiores informações sobre Watergate e a renúncia de Nixon, ver: Woodward, Bob e Bernstein,
Carl. Todos os Homens do Presidente. 3ª ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977; e Woodward, Bob e
Bernstein, Carl. Os Últimos Dias. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976;
861
- Conkrite, Walter. Repórter. São Paulo, DBA, 1998;
862
- de acordo com Ben H. Bagdikian: “Quando cinqüenta homens e mulheres controlam mais da metade
das informações e das idéias que atingem 220 milhões de americanos, é hora desses últimos examinarem
as instituições que lhes fornecem sua visão diária do mundo.” Bagdikian, Ben H. O Monopólio da Mídia.
São Paulo, Scritta, 1993, p. 18;
863
- McNeil nos relata melhor o nascimento desta revista e do seu nome: “Vi a revista que Holmstron
queria lançar como um álbum dos Dictators (conjunto de rock pré-punk) que ganhasse vida. No encarte
do disco havia uma foto dos Dictators numa lanchonete White Castle, e eles estavam com jaquetas de
couro preto. Embora a gente não tivesse jaquetas de couro preto, a foto parecia nos descrever
perfeitamente - uns caras espertos. Então achei que a revista deveria ser feita pra outros fodidos como
nós. Garotos que cresceram acreditando só nos Três Patetas. Garotos que faziam festas quando os pais
não estavam e destruíram a casa. Sabe como é, garotos que roubavam carros pra se divertir. Então eu
disse: ‘Por que a gente não chama de Punk?’ A palavra ‘punk’ pareceu ser o fio que conectava tudo que a
gente gostava - bebedeira, antipatia, esperteza sem pretensão, absurdo, diversão, ironia e coisas com um
apelo mais sombrio.” McNeil, Legs e McCain, Gillian. Mate-me Por Favor - uma História sem Censura
do Punk. Porto Alegre, L&PM, 1997, pp. 221-222;
Punk Rock. De Londres também surgiu a versão definitiva do fanzine: Sniffing Glue.
864
Junto
com o Sniffing Glue, surgiriam muitas publicações do gênero, como foi o caso da a Bondage,
criada por Shane MacGowan, um rapaz de 19 anos.
865
Apesar da existência desse universo alternativo praticamente artesanal, a
tecnologia influenciaria totalmente a produção noticiosa dos últimos tempos. A velocidade desta
produção aumentaria, assim como a sua exuberância técnica, por causa da rede mundial de
computadores, a Internet. A televisão iria se fragmentar ainda mais, com o advento das TVs
pagas. Duas emissoras em particular podem ser destacadas: a MTV (Music Television) e a CNN
(Cable News Network).
A MTV, lançada no dia primeiro de agosto de 1981, apresentava (aliás,
apresenta), essencialmente, uma programação de videoclips ou, como ficou conhecido, apenas
clips.
866
Poucos pensaram que tal iniciativa pudesse fazer sucesso. Mas, atingindo um público
essencialmente jovem, e buscando novas linguagens tecnológicas, a MTV iria se tornar uma das
emissoras mais importantes dos Estados Unidos.
867
E essa linguagem inovadora inverteu a
lógica comercial da venda de álbuns musicais: antes, o clip era utilizado apenas para divulgar
músicas ou álbuns, principalmente para artistas que não tinham muito tempo para dedicar-se à
televisão e precisavam atingir um grande público; agora, o clip tornou-se fundamental para o
sucesso da música ou do álbum, chegando, em alguns casos, do clip ser mais famoso do que a
própria música em si, quando não também do próprio artista.
A CNN iria abrir uma espécie de “monopólio” sobre a produção de notícias,
pois era um canal exclusivo de notícias.
868
O uso da tecnologia, já abundante em outras
emissoras, seria levado às últimas conseqüências na CNN. A importância das coberturas feitas
864
- de acordo com Antônio Bivar (um dos primeiros autores brasileiros a escrever
sobre o Punk): “Em 1976 as semanas são delirantes. Mil coisas estão acontecendo, entre
elas o surgimento do primeiro fanzine punk. Fanzine é a junção das palavras fan (de fã,
em português) com magazine (revista, em inglês). Fanzine = uma revista do fã, feita
pelo fã e para o fã. Em setembro de 76 sai o primeiro fanzine punk, o Sniffing Glue
(Cheirando Cola). Seu editor é Mark Perry, bancário, 19 anos, cabelos longos, entediado
com o emprego. Então ele ouve um disco dos Ramones - a banda punk americana -
assiste ao grupo ao vivo, acha ótimo e decide escrever uma crítica a respeito. Escreve
oito páginas e tira 200 cópias, em xerox, no escritório da namorada. E passa adiante.”
Bivar, Antônio. O Que é Punk. Coleção Primeiros Passos”, 3ª ed., São Paulo,
Brasiliense, 1984, p. 51;
865
- Yapp, Nick. The Hulton Getty Picture Collection 1970’s. Londres, Könemann, 1998;
866
- informações sobre a MTV extraídas de; Xavier, Ricardo (Rixa) e Sacchi, Rogério. Almanaque da
TV: 50 Anos de Memória e Informação. Rio de Janeiro, Objetiva, 2000; e História do Rock (History of
the Rock and Roll). Documentário, Nº 10, Estados Unidos, escrito, produzido e dirigido por Susan
Steinberg, 1992;
867
- o Brasil também iria ter a sua MTV, inaugurada em 20/10/90. Xavier, Ricardo (Rixa) e Sacchi,
Rogério. op. cit.;
868
- para maiores detalhes da CNN, ver: Whittemore, Hank. CNN: a História Real. São Paulo, Best
Seller, 1990;
pela televisão ganhariam aspectos dramáticos, como foi a sua cobertura da Guerra do Golfo.
Peter Arnett, figura-chave na cobertura desta guerra, nos afirma que
“Com os cofres finalmente abertos, estava gastando
milhões para uma cobertura de guerra tão completa quanto fosse
possível.
(...)
A CNN estava arriscando muito mais na cobertura da
guerra do que os seus competidores.”
869
Apesar da presença de Arnett em Bagdá e das muitas fortes imagens da CNN, a
cobertura da Guerra do Golfo foi, essencialmente, censurada pelas autoridades norte-
americanas. As emissoras de televisão, então, “criavam” as situações por computador, bem
menos chocantes do que as cenas “de campo”, que foram censuradas ou impedidas de aparecer
por ordens das próprias emissoras.
As redes de televisão tomariam inúmeros cuidados com a produção de imagens
e discursos das notícias, principalmente na cobertura de guerras. Os militares ingleses
controlariam o fluxo de notícias da Guerra das Malvinas, assim como os próprios norte-
americanos fariam o mesmo na invasão de Granada.
870
Na Guerra do Golfo, a construção da
cobertura televisiva seria das mais complexas possíveis, onde foi apresentado um espetáculo
agradável de ser visto. Maria Rita Kehl complementa:
“Se nos anos 60 as primeiras imagens mostradas ao vivo
sobre a Guerra do Vietnã, por exemplo, mobilizaram opinião pública
(...), nos anos 90 a guerra do golfo Pérsico é transmitida pela
televisão como um espetáculo excitante, um Indiana Jones em grande
escala para diversão dos espectadores que torcem para que o
“grande justiceiro” consiga eliminar Satã com métodos eficientes e
cheios de efeitos pirotécnicos”
871
Não há mais inexperiência na utilização da mídia, nada é deixado ao acaso.
Tudo está sendo cada vez mais programado (inclusive construções noticiosas manipuladoras).
Brasil: Novos Tempos para a Imprensa?
869
- Arnett, Peter. Ao Vivo no Campo de Batalha - Do Vietnã a Bagdá, 35 Anos em Zonas de Combate de
Todo o Mundo. São Paulo, Rocco, 1994, pp. 404-405;
870
- s/A. “O Triste Adeus à Inocência.In Coleção “Guerra na Paz”, V. 4, Rio de Janeiro, Rio Gráfica,
1984;
871
- Kehl, Maria Rita. “Imaginar e Pensar.In Novaes, Adauto (Org.). Rede Imaginária - Televisão e
Democracia. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p. 60;
A Folha de S. Paulo transformaria-se no mais importante jornal brasileiro nas
décadas de 80 e 90, em particular por realizar mudanças constantes na sua forma, copiando
novas inovações apresentadas nos Estados Unidos (em particular o USA Today) e na Europa.
Seu grande rival, O Estado de S. Paulo, demorou demais para apresentar reformas relativamente
simples (como publicar edições às segundas-feiras e incluir cores, modificações estas realizadas
apenas na segunda metade de década de 80) e, ainda hoje, vive em constante ostracismo,
sobrevivendo por causa da sua tradição.
A imprensa alternativa brasileira iria ruir na década de 80, inclusive O
Pasquim.
872
O jornal engajou-se no processo de Anistia e numa série de eventos políticos (como
nas eleições para o governo do estado do Rio de Janeiro em 1982, que deram vitória a Leonel
Brizola),
873
mas sua proposta política não atingia mais o público. Com a abertura política
iniciada pelo governo Geisel, continuada no governo João Figueiredo e finalizada com o fim da
ditadura, outras publicações, em particular as da grande imprensa, puderam expressar-se
livremente, ocupando o espaço que outrora era do O Pasquim. A “patota” (ou o que sobrou dela,
pois também aconteceram muitas brigas internas) lançaria a versão paulista do jornal no final da
década de 80, que fracassaria. Pouco depois, o jornal fecharia.
874
Outras publicações alternativas surgiriam na década de 80, como foi o caso da
revista Chiclete com Banana, criada pelo cartunista Angeli, e que merece ser destacada.
A tradição de se fazer uma produção artesanal e marginal, típica da imprensa
alternativa, foi mantida pela revista Chiclete com Banana: a revista começou a ser publicada em
novembro de 1985 como um dos primeiros produtos da editora Circo Editorial, editora esta que
procuraria especializar-se na produção de quadrinhos nacionais e para adultos a partir de um
esquema artesanal de produção, mas procurando qualidade profissional.
875
Quanto à crítica política sistemática e intransigente ao governo, uma das
características básicas da imprensa alternativa, a revista Chiclete com Banana, mesmo fazendo
críticas à política tradicional e ao governo, não as apresentava de maneira sistemática. Uma
explicação possível dessa linha é o fato da revista não ter nascido dos espaços fechados pela
ditadura, pois, quando a revista foi lançada, a ditadura militar estava em decadência e a grande
872
- Kucinski, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários - nos Tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo,
Scritta, 1991;
873
- Braga, José Luiz. O Pasquim e os Anos 70 - Mais Pra Epa que Pra Oba..., Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1991,
874
- a grande parte da equipe do O Pasquim retornaria em 1999 na revista Bundas;
875
- a relação esquema artesanal/qualidade profissional foi melhor demonstrada quando um dos leitores
da revista Chiclete com Banana, na sua seção de cartas denominada “Upper-Cut - A Porrada do Leitor”,
ao reclamar do elevado custo da revista, recebeu a seguinte resposta: “Chiclete com Banana custa caro
porque o papel é caro, o fotolito uma fábula, a impressão então... nem se fala; bimestral, porque não
somos pasta de dentes, que é fabricada em série. Este gibi é um trabalho de autor. Suas páginas são
lambidas uma a uma... num processo quase artesanal por uma minúscula equipe cu-de-ferro. Aí é que está
o tesão. Somos marginais mas fazemos um produto profissional.” (grifos meus). Angeli. Chiclete com
Banana. Nº 5, São Paulo, Circo Editorial, 1986, p. 37;
imprensa já não recebia tanta pressão e criticava o governo com maior liberdade. Não
coincidentemente, a própria imprensa alternativa começou a desaparecer a partir deste
momento, como já observamos anteriormente.
876
Apesar disso, a revista também não criticaria
de maneira sistemática os governos civis que se seguiriam após a queda do regime militar.
O que a revista procurava criticar, essencialmente, era a política de um modo
geral. Na edição de número 11, esse posicionamento ficava claro: com o título “Polititica!”, a
capa desta edição apresenta um homem de terno e gravata, representando a figura típica de um
político tradicional de direita, engolindo literalmente uma criança vestida com o chapéu do
Mickey.
877
Mas as críticas políticas apresentadas pela revista não se limitavam apenas à direita:
o personagem Meiaoito, apresentado como um típico revolucionário do final da década de 60 e
início da década de 70 e perdido nos novos tempos da década de 80, foi um veículo constante
para se criticar as esquerdas de um modo geral. Em outras palavras: tanto a direita quanto a
esquerda foram massacrados impiedosamente pela revista.
Tal característica seria mantida nas publicações Casseta Popular e Planeta
Diário. A valorização da imagem destas publicações seria “recompensada” pelos novos tempos,
pois, logo, elas seriam reunidas na televisão, através do programa Casseta & Planeta Urgente!,
exibido regularmente pela Rede Globo.
A televisão dominaria a vida brasileira, sendo alvo de intensa luta política.
Quando a Rede Tupi fechou, abriu-se disputa de vários grupos para receber concessão para
montar uma rede de televisão (a concessão ainda é uma atribuição governamental). Entre os
concorrentes, estavam o grupo Abril, o grupo Bloch e o apresentador de televisão Sílvio Santos.
A vitória destes dois últimos (que resultaria na já falida Rede Manchete e no SBT,
respectivamente)
878
não foi por causa de merecimento ou por suas melhores propostas: a
ditadura “vingava-se” do grupo Abril por causa da sua constante oposição e o impedia de ter o
seu canal de televisão.
879
876
- Kucinski, Bernardo. op. cit.;
877
- não apenas a política é satirizada nesta capa, mas também o consumismo das sociedades atuais.
Chiclete com Banana, Nº 11, São Paulo, Circo Editorial, 1987, capa;
878
- Sílvio Santos nos relata que “Como não consegui comprar as ações da Record e como só continuei na
Globo graças a uma gentileza do dr. Roberto Marinho, senti crescer em meu espírito a necessidade de ter
um canal de televisão. Podia estar tranqüilo com meu programa na Record se alguém não tivesse
comprado na minha frente os 50% da emissora. Então pensei: bem, não comprei a Record, não faz mal.
Mas como poderei ser dono de um canal? Só se o governo, algum dia, tiver um para conceder. O Moysés
Weltman, meu amigo e diretor da revista Amiga, na época, me incentivou, dizendo para eu entrar na
concorrência, pois achava que eu tinha todas as chances de ganhar um canal. Assim, quando surgiu a
primeira oportunidade de o governo conceder canais, o 9 de São Paulo e o 9 do Rio de Janeiro, decidi
entrar. Entrei pensando: ‘Se ganhar, ganhei; se não ganhar, não ganhei. Não faz mal, pelo menos vou
tentar, vou saber como isso se processa. Tenho condições, tenho possibilidades financeiras, tenho know
how, vou entrar.’” Entrou e ganhou a concessão de canais. Silva, Arlindo. A Fantástica História de Sílvio
Santos. 2ª ed., São Paulo, Editora do Brasil, 2000, p. 61;
879
- Mello, Geraldo Anhaia. Muito Além do Cidadão Kane. São Paulo, Scritta, 1994;
Mas a grande emissora do país continua sendo a Rede Globo: o quase
monopólio desta emissora sobre o simbólico da vida brasileira ainda é uma realidade, embora
ele já não seja mais tão monolítico como nas décadas de 70 e 80. Mesmo assim, influiria na
eleição de Fernando Collor de Mello para a presidência em 1989.
Luís Inácio Lula da Silva tinha sido considerado o vencedor do primeiro debate
contra Collor. Na véspera das eleições, em 14 de dezembro, foi realizado o segundo debate entre
os candidatos e Collor foi considerado o vencedor. Mesmo assim, o resumo feito pelo Jornal
Nacional do segundo debate e exibido no dia 15 de dezembro foi excessivamente favorável a
Collor. No dia 17 de dezembro as urnas confirmam a vitória deste no segundo turno. A Rede
Globo foi acusada de manipular os resultados do debate - Lula fora mal, mas não tanto quanto
foi apresentado - e influir na eleição de Collor.
880
A Rede Globo ficou a favor de Collor até as vésperas do seu impeachment, em
29 de setembro de 1992. Curiosamente, a própria emissora ajudou sem querer na destituição do
seu “protegido”: quando as denúncias contra Collor ficaram mais intensas, a emissora exibia,
coincidentemente, uma mini-série, Anos Rebeldes, que retratava a juventude engajada dos anos
60, e que seria o modelo dos jovens autodenominados “caras pintadas”, que fariam passeatas
contra Collor.
881
Em outras palavras: a Rede Globo deu o simbólico para que derrubassem o
governo de sua preferência.
A influência da televisão não atingiu apenas a política, mas também a forma da
imprensa escrita. A valorização da imagem e da velocidade de informação foram decisivos para
a imprensa brasileira dos últimos 20 anos. A “vitória” da imagem sobre o texto foi quase que
total. A revista Veja tornou-se a única grande revista semanal brasileira, apresentando textos
cada vez mais pobres e a parte visual cada vez mais trabalhada e intensa. Mesmo assim, a
revista ainda mantém uma estrutura essencialmente escrita.
As organizações Globo lançaram, para concorrer com a Veja, a revista Época,
levando ao máximo a linguagem da televisão na imprensa escrita: cortes rápidos entre as
matérias, superficialidade nas abordagens (recursos típicos do Jornal Nacional), uso (até
excessivo) de imagens e pouca escrita. Roberto Marinho, no primeiro número da revista, deixa
claro essa opção estética:
“Estamos em plena revolução tecnológica no campo da
comunicação social com a disseminação de computadores
domésticos, a proliferação de satélites e o advento da Internet. A
globalização da produção abre as portas para a globalização do
conhecimento. A velocidade da comunicação é cada vez maior, e o
mesmo acontece com a massa de informações oferecidas à sociedade.
880
- Conti, Mário Sérgio. Notícias do Planalto: a Imprensa e Fernando Collor. São Paulo, Companhia das
Letras, 1999;
881
- Conti, Mário Sérgio. op. cit.;
Desses dados nasce a necessidade de um novo conceito de
revista. Essa é a idéia que nos levou a Época.
(...)
A diagramação e o tratamento de fotos, ilustrações,
gráficos e tabelas não têm precedentes no mercado editorial
brasileiro. É também um avanço significativo o fato de que a arte
jamais tem função apenas decorativa: ela constitui importante
complemento da informação.”
882
Apesar da intensa publicidade (principalmente da própria Rede Globo de
Televisão), a revista não fez o sucesso esperado. Tal “fracasso” mostra que a leitura ainda
requer certos requisitos básicos que a linguagem da televisão provavelmente jamais irá alcançar.
O Fim da Guerra Fria: Será que Ela Acabou Mesmo?
Quando o mundo menos esperava, depois de mais de 40 anos de confrontos, a
Guerra Fria acabou.
883
A década de 80 foi terrível para a União Soviética pois, além do país (e seus
satélites”) ter sido atingido por uma fortíssima estagnação econômica, houve também uma
estagnação tecnológica.
884
O governo do republicano Ronald Reagan,
885
percebendo tais
condições, iria forçar ainda mais o clima de “competição” típico da Guerra Fria prejudicando
ainda mais o já combalido império soviético.
886
O governo de Ronald Reagan, além de ter utilizado uma agressiva propaganda
política (a União Soviética seria inúmeras vezes chamada por Reagan de “Império do Mal”,
entre outras visões extremamente midiáticas e maniqueístas), também aumentou o confronto da
Guerra Fria, financiando grupos contra governos ou movimentos políticos de esquerda (como os
Contra, na Nicarágua e os rebeldes do Afeganistão, estes diretamente contra as forças invasoras
soviéticas) e aumentando o número de armas nucleares, de um modo geral.
882
- Época. Nº 1, Rio de Janeiro, Editora Globo, 25/05/98, p. 5.
883
- informações do fim da Guerra Fria que se seguem foram extraídas de: Guerra Fria. Documentário,
São Paulo, Rádio e Televisão Cultura, dirigido por Roseli Ferro, 1998; e Cold War. Documentário,
Estados Unidos, Cable News Network (CNN), produtores executivos Pat Mitchell e Jeremy Isaacs, 1998;
884
- para maiores informações sobre a situação social da União Soviética na década de 80, ver: Dobbs,
Michael. A Queda do Império Soviético. Rio de Janeiro, Campus, 1998;
885
- de acordo com René Remond, o programa de Ronald Reagan “conjugava o velho individualismo
americano, o dogma da livre iniciativa e as teses monetaristas da escola de Chicago: exprimia uma reação
contra a expansão da administração federal e do Welfare State. Propunha um desengajamento do Estado,
um desmantelamento da administração de Washington com a transferência de responsabilidade para os
Estados, uma redução drástica de despesas, com exceção do orçamento da Defesa, mediante cortes
severos nas verbas destinadas à assistência social e à educação, conjugada com uma volta ao equilíbrio
orçamentário e uma diminuição significativa dos impostos diretos.” Rémond, René. História dos Estados
Unidos. São Paulo, Martins Fontes, 1989, p. 122;
886
- informações extraídas de: Império do Mal (Ronald Reagan). Documentário, Estados Unidos, WGBH
Boston For The American Experience, produzido por Margaret Drain e Austin Hoyt, 1998;
Reações contrárias às política armamentistas do governo Reagan ocorreram,
logicamente. O historiador E. P. Thompson, entre seus variados estudos, também iria analisar
questões relacionadas com a Guerra Fria e sobre a expansão das armas atômicas. Uma dessas
questões veio à tona em dezembro de 1979, em Bruxelas, quando a OTAN decidiu instalar os
mísseis nucleares de curto alcance Cruise e Pershing II na Europa, o que resultaria num aumento
ainda maior de armas nucleares em território europeu, além de transformar também este mesmo
território num dos alvos preferenciais dos soviéticos em caso da eclosão da Terceira Guerra
Mundial, o que transformaria a Europa numa “barreira” nuclear dos Estados Unidos.
Essa decisão estimulou as discussões pacifistas em toda a Europa e Thompson
foi um dos seus deflagradores. Seu artigo “Notas sobre o Exterminismo, o Estágio Final da
Civilização”, publicado na revista New Left Review,
887
daria o pontapé inicial para intensas
discussões. Nesse texto, Thompson criou o conceito “exterminismo” - a política praticada de
valorização das armas nucleares para resolver as questões mundiais, relegando o ser humano a
um segundo plano.
888
Thompson, analisando a Guerra Fria mais detalhadamente, destacou que
ela, além de ser fruto da deterioração das tradições européias, o que provocou uma divisão
inaceitável entre o Leste e o Oeste, sobreviveu desde 1945 por causa da existência e aumento
contínuo dos arsenais nucleares e que, para que a Guerra Fria deixasse de existir, era preciso
acabar com esses arsenais.
889
Cornélius Castoriadis, além dos seus estudos sobre o imaginário, também
preocupou-se com a Guerra Fria e com os problemas europeus no início da década de 80. Sua
obra Diante da Guerra fazia uma grave denúncia contra as políticas armamentistas das duas
grandes potências, cujo clima de confronto poderia levar o mundo para uma guerra destruidora.
Castoriadis, reconhecendo sua impotência (e também da maior parte da humanidade) perante as
possibilidades de se evitar a guerra, pediu lucidez:
“Nós não temos nenhum poder diante do processo que se
está ampliando e que só ganha sentido quando referido à guerra,
próxima ou distante. Não temos tampouco nenhum poder sobre a
atitude de um grande número de pessoas, aqui e lá - do outro lado da
cortina de ferro -, que é a única força que poderia paralisar o
processo. Tudo o que depende de nós é contribuir para a
sobrevivência, através do cataclisma que nos ameaça, dos germes - os
mais numeroso e vigorosos possíveis - de espírito crítico, de lucidez,
de liberdade, de responsabilidade.”
890
887
- o texto de Thompson na revista, bem como respostas e comentários a ele, foram organizados em livro
lançado no Brasil. Thompson, E. P. e outros. Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo, Brasiliense, 1985;
888
- Thompson, E. P. op. cit.;
889
- Thompson, E. P. Beyond the Cold War. London, Merlin Press, 1982;
890
- Castoriadis, Cornélius. Diante da Guerra - V. 1: As Realidades. São Paulo, Brasiliense, 1982, pp. 16 e
17;
Tanto o posicionamento de Thompson quanto o de Castoriadis partem do
princípio do mundo dividido bipolarmente entre norte-americanos e soviéticos. Os constantes
confrontos entre as superpotências deixavam as possibilidades de destruição do mundo muito
mais do que simples hipóteses acadêmicas, argumentaram os dois intelectuais.
Apesar dos protestos, Reagan manteve sua política agressiva perante os
soviéticos. Talvez o símbolo maior da sua política agressiva tenha sido o anúncio, no começo da
década de 80, da criação de um sofisticado plano de defesa que ficaria popularmente conhecido
como “Star Wars” (“Guerra nas Estrelas” que, como o termo “Império do Mal”, foi baseado no
famoso filme de mesmo nome), que consistia num complexo sistema de satélites munidos de
raios laser, comandados por computador, que, em caso de uma guerra nuclear, atingiram os
mísseis soviéticos antes deles atingirem alvos ocidentais.
891
Apesar do estardalhaço do anúncio deste plano de defesa, muito pouca coisa foi
feita efetivamente para concretizá-lo e o projeto seria adiado. Mas, além de ter sido mais uma
das armas de propaganda política dos republicanos para conquistar o eleitorado aproveitando-se
das fortes imagens maniqueístas da dinâmica da Guerra Fria que ainda imperava na sociedade
norte-americana, o alcance propagandístico desta “arma” fora dos Estados Unidos funcionou
plenamente e “atingiu” o seu alvo: Moscou.
Os dirigentes soviéticos apavoraram-se perante as perspectivas do projeto
Guerra nas Estrelas” ser levado realmente adiante pelos norte-americanos. A concorrência
com os norte-americanos, até então, tinha sido feita de uma maneira muito intensa, mas sempre
com desvantagens para os soviéticos, principalmente no campo tecnológico.
892
A própria corrida
espacial, que os soviéticos lideraram nos anos iniciais, foi perdida quando os Estados Unidos
alcançaram a Lua. Os arsenais atômicos soviéticos eram menores e com tecnologia muito
inferior, comparando-se com a mesma tecnologia norte-americana. O projeto “Guerra nas
Estrelas” foi a “pá de cal” na concorrência soviética no quesito de armamentos. O todo
poderoso império soviético não tinha condições de realizar, tanto em termos tecnológicos ou
econômicos, um projeto de tal magnitude.
Não tendo condições de rivalizar como os norte-americanos e com sua
economia decaindo desesperadamente a cada ano, toda a estrutura soviética foi repensada,
inclusive dentro do poderoso (e conservador) Exército Vermelho. Uma série de mudanças
políticas (Glasnost) e econômicas (Perestroyka) seriam realizadas pelo governo de Mikhail
891
- Dobbs, Michael. op. cit.;
892
- a própria derrota soviética no Afeganistão foi resultado direto da superioridade tecnológica norte-
americana, que ofereceu para os guerrilheiros locais armas leves que poderiam destruir os poderosos
helicópteros soviéticos. Informação extraída de: Os Bastidores da CIA, Documentário, Estados Unidos,
Discovery Channel, produzido por Alan Levin e Stephen Stept, 1997;
Gorbachev, tentando revigorar o velho império.
893
Gorbachev não tentou destruir o comunismo
soviético, mas sim revigorá-lo e moderni-lo, mas a situação saiu do seu controle. Logo, os
países dentro da área de influência soviética seguiriam os mesmos caminhos e, com uma maior
liberdade econômica, começaram a surgir movimentos exigindo também liberdade política,
inclusive dentro dos estados soviéticos - e, entre estes estados, estava também a Rússia.
Um a um os países do Leste Europeu foram se desvinculando dos regimes
comunistas que os governaram desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em alguns casos, esta
desvinculação foi pacífica, como na Bulgária, Tchecoslováquia, Polônia e Alemanha Oriental -
cuja capital, Berlim, assistiu a queda do famoso muro que transformou-se no símbolo do fim do
comunismo. Em outros países a violência esteve presente, como nos casos da Romênia (onde o
ditador Nicolae Ceaucescu e sua esposa Elena seriam presos e fuzilados) e na Iugoslávia que,
mesmo não estando completamente atrelado aos soviéticos, assistiu uma série de reivindicações
nacionalistas que iriam fragmentar o país. A própria União Soviética seria fragmentada e, com
seu fim em 1991, acabou definitivamente a Guerra Fria.
894
Com a queda do muro de Berlim em 1989 e a desestruturação do império
soviético em 1991, desapareceu a política de “esferas” de influência. E também desapareceu o
“inimigo” que justificava a política de intervenção global dos Estados Unidos - o comunismo
não precisava mais ser “contido” pelo simples fato de não existir mais, com algumas (e frágeis)
exceções, como a isolada e subestimada Cuba (a China, apesar de ser uma ditadura, promoveu
uma intensa e lucrativa abertura econômica com o ocidente).
Assim, os Estados Unidos encontrariam uma nova desculpa econômica para
manter sua hegemonia: a Globalização, que praticamente obriga todos os países do mundo a
seguirem o modelo econômico dos Estados Unidos. Para Noam Chomsky, a Globalização não
passa da continuidade da Guerra Fria em outros termos: antes, os Estados Unidos utilizavam-se
de intervenções e golpes para impor a sua hegemonia; na “Nova Ordem Mundial”, utilizam-se
da lógica do mercado e das bolsas de valores.
895
A política de dominação mundial tentada pelos Estados Unidos desde 1945
continua, na visão de Chomsky, mesmo sem precisar de “inimigos”, embora eles eventualmente
apareçam, como aconteceu com os narcotraficantes, com os terroristas árabes e, em 1990 e
1991, com Saddam Hussein e a Guerra do Golfo.
896
Na verdade, os Estados Unidos começaram
a eleger novos inimigos para substituir o comunismo. Chomsky complementa que:
893
- referências à queda da União Soviética extraídas de: Dobbs, Michael. op. cit.; e Mikhail Gorbachev -
O Homem que Mudou o Mundo (Mikhail Gorbachev - The Man Who Changed the World).
Documentário, Inglaterra, BBC News, produzido por Rosalind Erskine, 1999;
894
- extraído de: Guerra Fria, programa produzido e exibido pela Rádio e Televisão Cultura, op. cit.; e
Cold War, programa produzido e exibido pela Cable News Network (CNN), op. cit.;
895
- Chomsky, Noam. Novas e Velhas Ordens Mundiais. São Paulo, Scritta, 1996;
896
- Chomsky, Noam. op. cit.;
“Quanto à Nova Ordem Mundial, ela é muito como a
velha, com uma nova aparência. (...) As regras básicas da ordem
mundial permanecem como sempre foram: o governo da lei para os
fracos, o governo da força para os fortes; os princípios de
“racionalidade econômica” para os fracos, o poder e a intervenção
de Estado para os fortes.”
897
Até que ponto Noam Chomsky está certo? O fim da União Soviética selou o
fim da política de “esferas” de influência da maneira fechada como tinha sido elaborada no pós-
Segunda Guerra Mundial. Mas ainda é cedo para tirarmos conclusões definitivas. De qualquer
forma, Chomsky está certo num ponto: com ou sem “guerras”, a presença norte-americana na
vida de todo o planeta é incontestável - e, aparentemente, será uma realidade por muitos e
muitos anos.
Conclusões
Como foi apresentado durante a pesquisa, a imprensa brasileira realizou uma
cobertura própria, diferente da realizada pela imprensa norte-americana, por exemplo.
Naturalmente que os Estados Unidos, que tinham soldados atuando nas duas guerras, teriam um
posicionamento específico diante dos fatos da guerra (que se refletiria na cobertura da mesma) ,
diferente da de um país fora do conflito, como é o caso do Brasil. Pelas condições políticas e
sociais próprias do Brasil, e mesmo sendo um país ocidental simpatizante dos Estados Unidos, a
imprensa brasileira, teria uma ótica dos acontecimentos diversa da condições norte-americanas.
A pesquisa mostrou como a imprensa brasileira “usou” as duas guerras para
mostrar suas posições políticas e para retratar questões internas do país, como podemos perceber
na oposição da grande imprensa ao segundo governo de Getúlio Vargas e ao grupo
“nacionalista” durante a cobertura da Guerra da Coréia; e as críticas contra a ditadura militar e a
pregação da revolução socialista, no caso da cobertura da Guerra do Vietnã a revolução
socialista foi pregada pela imprensa alternativa, pois a grande imprensa jamais tenha cogitado
em apoiar um governo socialista no Brasil.
A pesquisa também mostrou como o Imaginário da Guerra Fria e suas
Significações Imaginárias Secundárias atuaram na construção noticiosa das guerras. Na
comparação entre as coberturas jornalísticas, podemos perceber que existia um “monopólio”
anticomunista durante a Guerra da Coréia, “monopólio” este que foi sendo alterado durante a
cobertura da Guerra do Vietnã: nesta última, mesmo órgãos claramente anticomunistas,
mostraram-se mais flexíveis em relação aos combatentes comunistas. As guerras, além de serem
em dois momentos distintos, eram diferentes tanto em termos militares quanto políticos e estas
diferenças atingiram o Imaginário da Guerra Fria.
Tal mudança também foi devida às novas tecnologias que foram incorporadas à
imprensa, deixando-a mais rápida e dinâmica. Neste ponto, a presença da televisão, tanto na
cobertura das guerras quanto na produção da imprensa escrita como um todo, fragmentou o
“monopólio” do início da Guerra Fria e permitiu visões menos maniqueístas, como foi o caso da
Contracultura. A imprensa escrita, além de tornar-se mais rápida, também começou a apresentar
uma linguagem mais imagética, característica esta que seria reforçada com a presença da
informática. Velocidade e imagens: eis as grandes características que a imprensa escrita
“ganhou” entre a cobertura da Guerra da Coréia e a Guerra do Vietnã; eis as novas “ambiências”
que ela encontrou nos tempos atuais.
897
- Chomsky, Noam. Idem, ibidem, p. 335.
Bibliografia
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- Diário Carioca;
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- Imprensa Popular;
- Jornal da Tarde;
- Jornal do Brasil;
- Notícias Populares;
- Novos Rumos;
- Tribuna da Imprensa;
- Última Hora;
* Revistas:
- Chiclete com Banana;
- O Cruzeiro;
- Estudos Sociais;
- Época;
- Fatos & Fotos;
- Manchete;
- Realidade;
- Revista Brasiliense;
- Revista do Clube Militar
- Reunião;
- Revista Civilização Brasileira;
- Senhor;
- Veja;
- Visão;
* Imprensa Alternativa:
- Amanhã;
- Binômio;
- Flor do Mal
- Jornalivro;
- Movimento;
- Opinião;
- O Pasquim;
- Pif-Paf;
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1995;
- Silveira, Ênio. Palestra proferida no Auditório do IFCH, UNICAMP,
Campinas, SP, 1994;
- Soneto, Ricardo e Diogo, Edson. “30 Anos da Marvel no Brasil.In revista
Wizard Brasil. Nº 13, Rio de Janeiro, Editora Globo, 1997;
- Thompson, Edward. Notas sobre o Exterminismo, o Estágio Final da
Civilização.” In Thompson, Edward... [et al.]. Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo,
Brasiliense, 1985;
- Tronca, Ítalo. Entrevista para o Autor, realizada em 18 de Outubro de 1995,
Campinas, SP;
- v/A. “Bundas Entrevista: Mino Carta.” In revista Bundas. Nº 77, Rio de
Janeiro, Editora Pererê, 05/12/2000;
- Vargas, Getúlio. “Instruções para a Missão de Góis Monteiro nos EUA, de
Julho de 1951.” In Novaes e Cruz, Adelina Alves... [et al.]. (Orgs.). Impasse na Democracia
Brasileira: 1951/1955 Coletânea de Documentos. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas,
1983;
- Ventura, Zuenir. Palestra proferida no Instituto de Economia da UNICAMP
em Campinas, SP, agosto de 1993;
- Vidal, Gore. As Diversões Imperiais.In Folha de S. Paulo (Caderno
Mais!”). São Paulo, 07/12/97;
- Weaver, Warren. “A Teoria Matemática da Comunicação.In Cohn, Gabriel
(Org.). Comunicação e Indústria Cultural - Leituras de análise dos Meios de Comunicação na
Sociedade Contemporânea e das Manifestações da Opinião Pública, Propaganda e Cultura de
Massa nessa Sociedade. 2. ed., São Paulo, Editora Nacional, 1975;
* Filmes e Documentários:
- Acorrentado ao Passado (Limbo). Filem, Estados Unidos, dirigido por Mark
Robson, 1972;
- O Apocalipse de um Cineasta - Heart of Darkness. Documentário, Estados
Unidos, escrito e dirigido por Fax Bahr e George Hickenlooper, 1991;
- Apocalypse Now! Filme, Estados Unidos, dirigido por Francis Ford Coppola,
1979;
- Amargo Regresso (Coming Home), Filme, Estados Unidos, dirigido por Hal
Ashby, 1978;
- Attica: Solução Final (Against the Wall). Filme, Estados Unidos, dirigido por
John Frankenheimer, 1993;
- Os Bastidores da CIA. Documentário, Estados Unidos, Discovery Channel,
produzido por Alan Levin e Stephen Stept, 1997;
- Os Boinas Verdes (The Green Barrets). Filme, Estados Unidos, dirigido por
John Wayne, 1968;
- CBS Classics. Documentário, Estados Unidos, produtora executiva
Patti Hassler, dirigido por Eric Shapiro, exibido originariamente em 02/06/88 e
retransmitido como CBS Classic em 1998;
- Cold War. Documentário, Estados Unidos, Cable News Network (CNN),
produtores executivos Pat Mitchell e Jeremy Isaacs, 1998;
- Corações e Mentes (Hearts and Minds). Documentário, Estados Unidos,
dirigido por Peter Davis, 1974;
- Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon). Filme, Estados Unidos, dirigido por
Sidney Lumet, 1975;
- O Dia Seguinte (The Day After). Filme, Estados Unidos, dirigido por
Nicholas Meyer, 1983;
- O Franco-Atirador (The Deer Hunter). Filme, Estados Unidos, dirigido por
Michael Cimino, 1978;
- Gimmie Shelter. Documentário, Inglaterra, dirigido por David Mayles, Albert
Mayles e Charlotte Zwerin, 1971;
- Guerra Fria. Documentário, São Paulo, Rádio e Televisão Cultura, dirigido
por Roseli Ferro, 1998;
- Guerra do Vietnã: a Queda de Saigon. Documentário, Estados Unidos,
Discovery Channel, dirigido por Michael Dutfield, 1995;
- História do Rock (History of the Rock and Roll). Documentário, Nº 10,
Estados Unidos, escrito, produzido e dirigido por Susan Steinberg, 1992;
- Ia Drang - A Primeira Batalha da Guerra do Vietnã. Documentário, Estados
Unidos, produzido pela NBC e exibido pela Rede Bandeirantes de Televisão em 1994, que não
forneceu maiores detalhes sobre a produção e direção;
- Império do Mal (Ronald Reagan). Documentário, Estados Unidos, WGBH
Boston For The American Experience, produzido por Margaret Drain e Austin Hoyt, 1998;
- M.A.S.H. Filme, Estados Unidos, dirigido por Robert Altman, 1970;
- Mikhail Gorbachev - O Homem que Mudou o Mundo (Mikhail Gorbachev -
The Man Who Changed the World). Documentário, Inglaterra, BBC News, produzido por
Rosalind Erskine, 1999;
- Nascido Para Matar (Full Metal Jacket). Filme, Inglaterra, dirigido por Stanley
Kubrick, 1987;
- Pecados de Guerra (Casualites of War). Filme, Estados Unidos, dirigido por
Brian De Palma, 1987;
- Platoon. Filme, Estados Unidos, dirigido por Oliver Stone, 1986;
- O Poder e a Mídia. Documentário, Inglaterra, BBC, escrito e dirigido por
Laurence Rees, 1992;
- Querida América - Cartas do Vietnã (Dear America). Documentário, Estados
Unidos, dirigido por Bill Couturie, 1987;
- Os Rapazes da Companhia C (The Boys in Company C). Filme, Estados
Unidos, dirigido por Sidney J. Furie, 1978;
- TV Ano 50. Documentário, Rio de Janeiro, Rede Globo, dirigido por Pedro
Bial, 2000;
- os programas documentários da CBS, sob o comando de Walter Cronkite,
foram apresentados pela televisão brasileira na Globosat, em julho de 1994, sem referências.
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