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Laurindo Mékie Pereira
Dependência, Favores e Compromissos: Relações Sociais e Políticas em
Montes Claros nos anos 40 e 50.
Orientador: Profa. Heloísa Helena Pacheco Cardoso
Uberlândia, maio de 2001
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Sumário
SUMÁRIO............................................................................................................................1
INTRODUÇÃO....................................................................................................................2
CAPÍTULO I: A POLÍTICA DESENVOLVIMENTISTA EM MONTES CLAROS14
1.1 MONTES CLAROS NOS ANOS 50: ENTRE A ESPERANÇA E A FRUSTRAÇÃO................14
1.2 - A INVENÇÃO DO CENTENÁRIO .................................................................................24
1.3 - O ACORDAR DO SONHO ...........................................................................................43
CAPÍTULO II: A SACRALIZAÇÃO DA INSTÂNCIA DO POLÍTICO...................60
2.1 OS SIGNIFICADOS DO CORONELISMO.......................................................................61
2.2.- O CORONEL SACRALIZADO .......................................................................................72
2.3 A TEATRALIZAÇÃO DOS EVENTOS ...........................................................................83
2.4 FAVORES, VIOLÊNCIA E FRAUDES............................................................................94
CAPÍTULO III: AS ESTRATÉGIAS POPULARES DE PARTICIPAÇÃO
POLÍTICA........................................................................................................................110
3.1 A RELATIVIDADE DA DEPENDÊNCIA ......................................................................110
3.2 ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA E AÇÃO POLÍTICA..............................................119
3.3 ENTRE A ACEITAÇÃO E A NEGAÇÃO DO PODER VIGENTE.........................................127
3.4 O (RE)FAZER DA POLÍTICA ......................................................................................145
ANEXOS...........................................................................................................................155
FONTES ...........................................................................................................................168
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................173
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2
Dependência, Favores e Compromissos: Relações Sociais e Políticas em
Montes Claros nos anos 40 e 50.
Introdução
O período compreendido entre o fim do Estado Novo e o golpe militar de 1964 é
significativo na História do Brasil. Os processos de industrialização e urbanização e as
complexas relações sociais e políticas, nesse momento de mudanças, constituem temas
sempre suscetíveis de discussões.
A industrialização foi, do ponto de vista econômico, a preocupação central do
Estado brasileiro que, aproveitando-se da situação externa favorável crescimento
exuberante da economia internacional no pós-guerra , buscou acelerar o desenvolvimento
do capitalismo no Brasil, servindo como auxiliar do capital privado no processo de
acumulação, investindo em setores menos atrativos aos interesses privados, montando a
infraestrutura necessária à implementação das indústrias e intervindo em questões sociais
com o fim de dar segurança aos capitais investidos.
Para tanto, a prática do planejamento tornou-se necessária. Se durante os governos
de Eurico Gaspar Dutra e Getúlio Vargas os planos revelaram-se infactíveis, a execução do
Plano de Metas durante a gestão de Juscelino Kubistchek proporcionou ao país os maiores
índices de crescimento industrial até então registrados em sua história.
Paralelo ao processo de industrialização, e em parte decorrente dele, o crescimento
da população urbana, combinado com a existência de práticas políticas razoavelmente
estáveis como as eleições diretas e o voto universal (exceto analfabetos), forjou um
conjunto de relações sociais e políticas complexo, articulando velhas e novas práticas.
3
O estudo dessas relações é o que se pretende neste trabalho que, embora se volte
para um local específico a cidade de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais , não
compreende a manifestação dessas relações isoladas do todo nacional. Os anos 40, com o
fim da ditadura varguista, assinalaram a “volta à democracia”, agora com um significado
especial: a Constituição de 1946 garantia a elegibilidade do executivo local. Partindo dessa
conjuntura nacional, a pesquisa procura compreender como relacionavam-se população e
lideranças políticas nesta nova fase, agora marcada por eleições para todas as instâncias.
A manutenção das relações de dependência eram indispensáveis às elites locais no
contexto do chamado “período democrático”. O progressivo fortalecimento do Estado
como agente planejador, investidor e parceiro da iniciativa privada
1
fez crescer a
importância de se deter o seu controle. Conscientes dessa nova realidade, os grupos
dominantes de Montes Claros organizaram-se para se fazer representar no Congresso
Nacional, Assembléia Legislativa, Câmara e Prefeitura Municipais.
Em âmbito nacional, o fim do Estado Novo assinalou o surgimento de diversas
agremiações partidárias no país. Três grandes partidos predominariam ao longo das
décadas seguintes (1945-1964): o Partido Social Democrático (PSD), O Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) e a União Democrática Nacional (UDN). No plano estadual, o Partido
Republicano (PR) também detinha uma certa influência.
A crescente oposição à ditadura varguista entendida como decorrente do ambiente
internacional pró-liberalismo do pós-guerra forçou a organização de um sistema
partidário no país `a medida que situação e oposição convenciam-se da necessidade de se
1
ABREU, Marcelo de Paiva (org.) A ordem do progresso. Cem anos de política econômica republicana
1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990. Conforme Abreu, as elites brasileiras sempre foram resistentes à
aceitação total do Laissez Faire. O fortalecimento e intervencionismo do Estado após 1930 manifesta-se na
sua crescente ação como agente planejador da economia e investidor em setores específicos como infra-
estrutura e ramos não interessantes ao capital privado. Pp. 8-9.
4
criar mecanismos institucionais para canalizar interesses e pressões políticas.
2
O PSD
nasceu das estruturas burocráticas do Estado Novo, “...criado, como se sabe, de cima para
baixo; ou mais exatamente de dentro para fora do Estado, através da convocação feita
pelos interventores às bases municipais nos estados.”
3
Reunindo as expressivas lideranças
municipais, sob o comando dos interventores e apoiadas num arcabouço burocrático que
lhe garantia cargos e poder de decisão, o PSD já nasceu grande e foi, ao longo do período,
a maior força partidária.
Também sob a “orientação” de Getúlio Vargas, o PTB foi estruturado de maneira a
abrigar os interesses das camadas operárias urbanas. Estreitamente ligado ao Estado, o
Partido controlava cargos dos Ministérios do Trabalho e Previdência e utilizava-se desse
mecanismo para exercer sua influência política.
4
A UDN surgiu como o partido de oposição ao getulismo e comportou-se como tal
até o desfecho golpista de 1964. Congregando interesses urbanos elite urbana e alta
classe média , a União Democrática Nacional teve dificuldades em penetrar no interior,
onde a máquina pessedista era extremamente sólida. Por outro lado, no espaço urbano, teve
dificuldades em arrebanhar amplo apoio em virtude da penetração do PTB junto ao
operariado e de partidos menores que também ocupavam seu espaço contribuindo para a
pulverização dos votos.
O PR foi um partido de base regional. Era o herdeiro do velho Partido Republicano
da Primeira República. O PR conservou um significativo prestígio político em Minas
Gerais pois, embora não tivesse condições de chegar ao comando do Estado, era a força
que decidia as eleições estaduais na medida em que poderia estar aliado tanto à UDN
2
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930-1964). São Paulo:
Alfa-Omega, 1990, pp. 63-64.
3
SOUZA, Maria do Carmo Campello. Op. Cit., p. 109.
5
quanto ao PSD. De posse desse instrumento, os perristas vendiam caro seu apoio a cada
eleição: em troca da aliança, abocanhavam vários cargos de secretarias até delegados
municipais.
Apesar do aparente clima de mudanças no ocaso do Estado Novo, da agitação
política proporcionada pelo surgimento de partidos políticos com bases nacionais, segundo
Maria do Carmo Campello de Souza há mais continuidade que ruptura em 1945. Para a
autora, o Estado exercia, mesmo após a queda de Vargas, enorme “condicionamento”
sobre os partidos e sua estrutura burocrática, forjada ao longo dos 15 anos de predomínio
getulista, não foi alterada pela Constituição de 1946.
Exemplo concreto disso é a própria existência de dois partidos saídos das entranhas
do Estado o PSD e o PTB que, embora representassem segmentos sociais divergentes,
foram a base política predominante no período e que deu sustentação aos projetos de
desenvolvimento até a crise institucional do início da década de 1960.
Em 1945, em Montes Claros, formaram-se dois partidos: o Partido Social
Democrata (PSD) e o Partido Republicano (PR). Em ambas as siglas predominavam os
interesses da elite agrária e comercial, sendo praticamente impossível detectar diferenças
programáticas ou ideológicas entre os mesmos. Na realidade, suas divergências
remontavam a velhos conflitos familiares. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a
União Democrática Nacional (UDN), também criados nesta época, não tinham grande
força política e sempre compunham com os outros partidos nas eleições municipais e
apoiavam candidatos de outras cidades, nas eleições para a Assembléia Estadual e
Congresso Nacional.
4
WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 53.
6
As campanhas eleitorais são, por excelência, o momento de expressão das relações
de compromissos. É na efervescência dos períodos que antecedem `as eleições que se
intensifica a prestação de favores, como abertura de estradas, nomeações de professoras,
delegados e subdelegados; e os favores prestados ao longo dos anos, cotidianamente são
relembrados. O voto toma a figura de uma mercadoria. Longe de expressar a livre
afirmação de uma vontade individual, o voto é um mecanismo pelo qual a pessoa obtém
algo para si ou para seu grupo restrito e uma forma pela qual se paga uma “dívida”
contraída anteriormente.
A análise dessas relações estabelecidas entre população e as lideranças locais e
destas com as instâncias superiores do setor público, revela um modelo político coronelista
marcado pela sobreposição de valores e interesses individuais sobre o público,
materializados nos favores pessoais, no mandonismo e no alijamento da possibilidade de
livre expressão política da população.
Neste trabalho, coronelismo significará sempre uma relação de dependência que se
manifesta através de favores e se perpetua por meio de compromissos que mantêm a
dominação política das elites econômicas sobre a população. No entanto, a pesquisa atenta
para o caráter recíproco da dependência e para os limites da dominação. Esses dois
aspectos afloram no estudo das estratégias populares de participação política, que se
utilizam de brechas do sistema hegemônico para se manifestar.
Para reconstituir essas relações e captar seus significados, um conjunto de fontes foi
levantado. A documentação utilizada inclui a imprensa, Jornal Gazeta do Norte, O Jornal
de Montes Claros, Revista Montes Claros, Revista Montes Claros em Foco e Encontro; os
documentos da Câmara Municipal, livro de atas, projetos, correspondências de políticos,
7
entidades e moradores; os depoimentos orais, as obras de memorialistas locais e os dados
estatísticos.
Os jornais Gazeta do Norte e O Jornal de Montes Claros foram de fundamental
importância para a pesquisa. Eles analisam assuntos variados e fazem a cobertura de
eventos diversos como planos econômicos, comícios, posses de candidatos eleitos,
inaugurações de obras e reuniões de entidades.
Esses jornais desempenharam o papel de veículo das idéias das elites locais. Essas
idéias aparecem nos artigos assinados, nos editoriais e na maneira como são narrados os
episódios políticos. Assim, a informação do jornal é, para a pesquisa, a representação de
quem a escreveu ou professou, e não será tratada como dado objetivo. A imprensa é porta-
voz de interesses de classes ou de frações de classes e, embora se apresente como isenta
para ser digna de maior credibilidade, seu texto sempre retrata uma dada ideologia, uma
visão de mundo.
5
O Jornal Gazeta do Norte era de propriedade de pessoas ligadas ao PSD, embora
seus editores insistissem em afirmar sua falta de “cor política”. O Jornal de Montes Claros,
propriedade do Capitão Enéas Mineiro de Souza
6
(PSD), prefeito municipal de 1951-1955,
apresentava-se como um “instrumento a serviço da população de Montes Claros”.
Além de possibilitarem o levantamento de fatos aparentemente isolados, como
nomeações de funcionários públicos e obtenção de benefícios junto aos Governos Federal e
Estadual através da influência pessoal, esses jornais permitem perceber as estratégias de
dominação adotadas pelos grupos políticos tradicionais. Simultâneo `as medidas práticas
em forma de favores, um conjunto de representações do cidadão e do político ideais era
5
VIEIRA, M. do Pilar de A e outros. “Imprensa como fonte para a pesquisa história”. In: Projeto História.
Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História. São Paulo:
PUC, nº 3, 1984.
8
mobilizado e disseminado. Assim, quando se referia ao cidadão comum, o jornal
enfatizava as qualidades do pai de família “sertanejo corajoso e trabalhador” e também
“ordeiro” e “honesto”. Quanto aos líderes, as imagens pregadas podem ser agrupadas em
dois tipos aparentemente contraditórios, mas na verdade complementares: por um lado,
valorizava-se o líder de “família tradicional”, “trabalhador”, “conhecedor das dificuldades
do povo”; de outro lado, destacava-se a formação acadêmica - médicos, advogados e
engenheiros -, a “cultura” desses homens, seu preparo intelectual e seu “profundo
conhecimento” da sociedade. A associação dessas representações construíam a figura do
líder ideal, o “chefe”, o “guia”, o indivíduo que nasceu para ser “condutor de pessoas”.
Entretanto, essas imagens não aparecem na superfície do texto. Os jornais
preocupavam-se em parecerem isentos, é o “artifício da impessoalidade”
7
que procura
dissimular o sujeito, nas diversas matérias publicadas.
Neste sentido, torna-se preciso penetrar no discurso, procurar encontrar nele as
mensagens ideológicas, por vezes ocultadas à primeira vista por figuras ou estratégias
argumentativas, como assinala Fiorin
8
. O autor identifica duas categorias de textos:
figurativos e não-figurativos (ou temáticos): Nos textos não figurativos, a ideologia
manifesta-se com toda a clareza, ao nível dos temas. No textos figurativos, essa
manifestação ocorre na relação figuras-temas.”
9
Para compreender o discurso enquanto
formulação figurada é necessário, pois, antes apreender o (s) tema (s) de que ele trata. A
6
1951 foi o único ano ao qual tivemos acesso a esse jornal. Em 1952 o jornal foi adquirido pelo advogado
Oswaldo Antunes.
7
CAPELATO, Maria Helena Rolim. “O Controle da Opinião e os Limites da Liberdade: Imprensa Paulista
(1920-1945)” In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, vol 12, Nº 23/24, 1992. Conforme a
autora “Com a artifício da impessoalidade ocultava-se o poder pessoal que se diluía na aparência de um
poder sem sujeito. A imprensa ficava, assim, descaracterizada como instrumento de interesse particular.
Graças a essa astúcia, ela era apresentada ao público leitor como expressão dos altos valores eternos,
universais e, consequentemente, como apartidária, apolítica e impessoal.” P. 57.
8
FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Ática, 1990.
9
Idem, p. 25.
9
relação entre temas e figuras faz submergir um universo ideológico que visa concretizar
valores universais em uma sociedade de classes como a nossa.
A análise do discurso é imprescindível ao trabalho do historiador se se admite que
todo documento histórico é portador de algum tipo de discurso.
10
O que não significa,
porém, reduzir a história ao texto ou discurso,
...trata-se antes de relacionar texto e contexto: buscar os nexos entre as
idéias contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e o
conjunto de determinações extratextuais que presidem a produção, a
circulação e o consumo dos discursos.
11
Esses “cuidados” metodológicos foram também observados no trabalho com as
revistas. A revista Montes Claros circulou apenas no ano de 1941 e era uma publicação do
grupo Jornal Gazeta do Norte. A Revista Montes Claros em Foco começou a ser editada
em 1956 e constitui uma fonte significativa, particularmente o número 4 (junho de 1957),
edição comemorativa do Centenário de Montes Claros. Da revista Encontro só tive acesso
a um único número, o de 1962. As matérias dessas revistas seguem o estilo dos jornais e
também contribuem na propagação do discurso dominante. Suas informações,
confrontadas com outras fontes, foram importantes na recuperação de eventos políticos e
os artigos de lideranças locais, nelas contidos, permitiram o estudo do pensamento político
hegemônico.
Não obstante o seu compromisso com o pensamento e projetos políticos dos grupos
dirigentes, a imprensa não pôde ocultar os problemas sociais: o desemprego, o êxodo rural,
a precariedade do saneamento básico, a crônica falta de água, a deficiência da energia
elétrica e a carestia que assolava a cidade, apareceram nos jornais, ainda que de forma
10
CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. “História e Análise de Textos”. In: Domínios da
História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, pp. 375-399
10
furtiva e dissimulada. No entanto, reconstituir essa outra faceta da cidade, bem como a
posição das pessoas comuns frente a esses problemas exclusivamente pelos jornais
mostrou-se inviável.
Foi nesse sentido que a documentação da Câmara Municipal adquiriu relevância.
Ela compõem-se de livro de atas, projetos, correspondências de políticos, de entidades e de
moradores. O exame do livro de atas possibilita a confrontação das suas informações com
as veiculadas pela imprensa e a recuperação do teor dos discursos dos vereadores e suas
posições quanto a problemas da comunidade. Os projetos e correspondências revelam as
formas pelas quais se relacionavam os líderes políticos entre si e com a população.
São nas correspondências de entidades associações profissionais e filantrópicas,
sindicatos, diretório estudantil e de moradores que a pesquisa procurou perceber a
manifestação de um pensamento divergente do discurso dominante. A análise desses
documentos visou verificar o grau de assimilação e rejeição popular a esse discurso.
Percebe-se que a cordialidade e harmonia sociais enfatizadas pela imprensa não se
verificavam na vida diária das pessoas. As correspondências denunciam um espaço urbano
insalubre, a falta de trabalho, a elevação de preços de artigos de primeira necessidade,
escolas em condições precárias e entidades beneficentes em vias de extinção por absoluta
falta de recursos.
Entretanto, se, por um lado, essa realidade social e a insatisfação popular
transpareciam nas cartas e abaixo-assinados, a forma de resolução desses problemas,
proposta ou reivindicada, marcava-se pelas mesmas estratégias utilizadas pelos grupos
dirigentes: medidas paliativas, ajuda individual e troca de favores.
11
Idem, p. 378.
11
Aprofundar a compreensão dessas estratégias populares de aceitação e negação foi
o que se pretendeu com os depoimentos orais. Esses foram úteis para se captar novas
visões da sociedade, identificar de que forma os diversos segmentos reconstroem as noções
de autoridade e as funções do poder público. O cruzamento das informações das fontes
diversas imprensa, Câmara Municipal, memorialistas com as fontes orais permitiu
reconstituir o cotidiano da população do município, sua condição de dependência, seus
momentos de inserção no sistema de dominação política ou sua oposição aos projetos das
elites.
As entrevistas visaram recuperar as visões de um público que não teve voz, ou não
se manifestou politicamente além do voto. Essa escolha justifica-se na medida em que a
manifestação do discurso da população verificada nos jornais ou documentos da Câmara,
em sua maioria, estão ligadas às entidades, aos grupos organizados, aos indivíduos “ativos”
politicamente nos anos 40 e 50. Essa é uma escolha consciente, é uma definição de
caminhos e opções, é a “invenção do depoimento oral”
12
mais adequado aos objetivos da
pesquisa.
É, pois, o cidadão simples, a “testemunha-objeto”, na expressão de Voldman, e não
“sujeito” da sua história, o que se buscou ouvir. É esse indivíduo que, ao contrário da
pessoa que participou ativamente dos eventos políticos e que tem um discurso construído a
ser transmitido, pode fornecer informações diversas, e mesmo semelhantes, mas vistas sob
outro prisma, das representações pesquisadas nas fontes escritas.
12
VOLDMAN, Daniele. “A invenção do depoimento oral” In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta de
Moraes. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, pp. 247-265
12
No entanto, os depoimentos por si só “...não esclarecem necessariamente os fatos
passados, mas são interpretações atuais deles.
13
A memória do passado não equivale
exatamente ao fato ocorrido, o presente interfere no passado, as condições históricas em
que o depoimento se inscreve são pois elementos constitutivos do próprio discurso
14
. Daí
o cruzamento múltiplo das diversas fontes no esforço de reconstituição da realidade vivida
pelos diversos personagens das relações estudadas por esta pesquisa.
Os memorialistas foram de grande utilidade na reconstituição da “história
cronológica” da região e do município e na obtenção de informações específicas. Dentre os
memorialistas Hermes de Paula, Ivone Silveira, Zezé Colares, Nelson Viana e Jorge
Tadeu Guimarães destaca-se o primeiro. Paula foi o coordenador da comissão instituída
pela Prefeitura Municipal que coordenou as comemorações do centenário do município em
1957. A primeira edição do seu livro Montes Claros, sua história, sua gente e seus
costumes é de 1957 e reflete o pensamento hegemônico do período, o sonho da Montes
Claros centenária, moderna e pacífica. Os dados estatísticos publicados nos jornais e
revistas e principalmente os coletados no IBGE, embora não constituam, por si só, a
história, foram de grande relevância no esforço de compreensão das condições sociais e
econômicas quando cruzados com outras fontes.
A dissertação foi organizada em três capítulos. No primeiro está em foco a política
desenvolvimentista no município de Montes Claros. Nos anos 50, a cidade foi o palco de
um grande movimento de articulação política regional que visou a inserção do Norte de
Minas nos programas de investimentos públicos coordenados pelo Estado e União. O ápice
13
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco e ROSA, Zita de Paula. “História oral: uma utopia ?”. In: Revista
Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, vol. 13, nº 25/26, pp. 7-16, p.13
14
MONTENEGRO, Antônio Torres. “História oral, caminhos e descaminhos” In: Revista Brasileira de
História. São Paulo: ANPUH, v. 13, nº 25/26, 1993, pp. 55-65.
13
deste movimento foi a festa do Centenário de Montes Claros em 1957. Por isso, grande
parte do capítulo é dedicada à compreensão dos múltiplos significados desse evento.
O segundo capítulo aborda a sacralização da instância do político, as diversas
formas pelas quais se realizava a dominação política, tais como a construção de lideranças
e mitos, a teatralização dos eventos políticos, a violência, as fraudes e a prática do favor
pessoal como canal de obtenção/realização de benefícios públicos.
O terceiro e último capítulo procura compreender as estratégias populares de
participação política. O objetivo é averiguar os caminhos percorridos pela população,
individual ou coletivamente, para se manifestar politicamente e para realizar seus
propósitos. Essa análise revela um comportamento ambivalente, a oscilação entre
momentos de absoluta complacência e colaboração e momentos de críticas contundentes
ao discurso e projetos dominantes-conservadores.
14
Capítulo I: A política desenvolvimentista em Montes Claros
1.1 – Montes Claros nos Anos 50: Entre a Esperança e a Frustração
A década de 1950 foi o tempo do espetáculo. Dirigido por um governo com um
ousado plano de desenvolvimento econômico, o Brasil alcançou os maiores índices de
crescimento industrial de sua história. O governo Juscelino Kubitschek, fundamentado no
bem estruturado Plano de Metas, visava fazer a transição do país de base agrícola para o
país de base industrial e assim incorporá-lo ao mundo capitalista moderno.
O Plano de Metas elegeu a industrialização como o seu objetivo central e a
apontava como o único meio possível de se fazer a modernização. Para viabilizar a
industrialização, procurou atacar de imediato os chamados “pontos de estrangulamento” -
a deficiência da energia elétrica e do sistema de transportes
15
- apoiado na abertura da
economia nacional aos investimentos externos para, em parceira com os capitais estatais e
privados nacionais, viabilizar a infra-estrutura necessária à concretização desse objetivo.
O desenvolvimentismo era apresentado pelo presidente e pela imprensa como o
remédio para os males econômicos brasileiros. Sua efetivação, traria, por conseqüência,
benefício ao conjunto da sociedade. Assim, invocava-se o apoio de todos ao esforço
político do governo de promover o desenvolvimento econômico, o crescimento
quantitativo da riqueza nacional que, uma vez efetivado, seria, em uma segunda etapa,
dividida para o bem de toda a coletividade.
15
O Programa de governo compreendia 30 metas, nos setores de energia (elétrica, nuclear, carvão mineral,
petróleo), transportes (ferrovias, rodovias, portos e dragagem, marinha mercante, transportes aeroviários),
produção agrícola (trigo, armazéns e silos, frigoríficos, matadouros, mecanização e fertilizantes), indústria
siderúrgica, alumínio, metais não ferrosos, cimento, celulose e papel, borracha, indústria automobilística,
construção naval, indústria mecânica e material elétrico pesado, e educação. Todas as metas se uniam em
torno da busca de um processo acelerado de desenvolvimento econômico, mesmo a da educação, incluindo
escolas industriais e agrícolas e a ênfase no reequipamento das escolas de engenharia.
15
A primeira parte do Plano obteve êxito ocorreu o crescimento quantitativo da
riqueza do país. Entretanto, a socialização dos ganhos alcançados pelo crescimento
industrial nunca se efetivou.
O otimismo era disseminado pela imprensa da época. Assimilando o discurso
oficial, os jornais reproduziam a ideologia dominante. Assim como o governo, a imprensa
apresentava a industrialização como a via única e necessária ao desenvolvimento
econômico e assegurava a universalização de seus benefícios.
Um dos pilares do desenvolvimentismo era o Planejamento Econômico. Desde a
década de 1940 esta prática se manifestava forte. Em nível nacional, o Plano SALTE,
apesar de não lograr êxito expressivo, foi a primeira experiência brasileira efetiva nesta
área.
16
A prática do planejamento, entendida com a definição de projetos e investimentos a
partir de uma avaliação criteriosa da realidade nacional, foi uma política não só federal,
mas também adotada por diversos governos estaduais.
A ideologia do desenvolvimentismo, planejamento e intervenção do Estado na
economia, estava presente, portanto, também em âmbito estadual. Nesse contexto, é
formulado o Plano de Recuperação Econômica e Fomento à Produção pelo Governo
Milton Campos (1947-1951) em Minas Gerais, tendo como objetivo central os
investimentos em energia e transportes 67% do total dos investimentos previstos.
17
Embora o plano de Campos não tenha alcançado êxito, foi ele a base do programa de
desenvolvimento, também centrado no binômio energia e transportes, do Governador
16
CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Conciliação, Reforma e Resistência: governo, empresários e
trabalhadores em Minas Gerais nos anos 50. São Paulo: USP, 1998. (Tese de Doutorado).
O Plano SALTE foi elaborado em 1948 pelo Governo Gaspar Dutra tendo como áreas prioritárias: saúde,
alimentação, transporte e energia. O SALTE não obteve êxito em função das limitações orçamentárias e das
dificuldades de obtenção de empréstimos externos.
17
DINIZ, Clélio Campolina. Estado e Capital Estrangeiro na Industrialização Mineira. Belo Horizonte:
UFMG/PROED, 1981. p. 63.
16
Juscelino Kubitscheck, conforme Diniz.
18
O governo JK em Minas Gerais foi vitorioso no
aumento dos recursos energéticos, sendo a constituição da CEMIG, em 1952, o principal
instrumento desse setor. Já o programa de transportes, embora tenha avançado, teve
resultados mais modestos, permanecendo deficiente. Para executar o binômio, o governo
radicalizou seu papel de auxiliar do capital privado agindo “...como verdadeira alavanca
nos moldes de acumulação capitalista, transferindo recursos públicos para empresas
privadas”
19
.
Foi essa mesma lógica que presidiu o Plano de Metas do presidente Juscelino
Kubitscheck. O plano de JK serviu-se do legado da Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos, que durante o Governo Vargas (1951-1954) realizara o diagnóstico da economia
nacional, e dos estudos da CEPAL-BNDE que recomendara a industrialização sob direção
e incentivo do Estado como estratégia para o desenvolvimento do país.
20
Firmado no tripé formado por capitais estatal, estrangeiro e privado nacional, o
Plano de Metas foi vitorioso na aceleração do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. O
Plano propunha-se também a produzir justiça social. Essa era considerada uma
18
Idem.
19
Diniz, Clélio Campolina, op. cit. pp.79-80. Conforme Diniz essa transferência de recursos dava-se sob três
formas principais no ramo das obras rodoviárias: “As tabelas de pagamento das obras foram feitas tomando-
se como base, em sua maioria, serviços manuais. Após a concorrência, o DER reajustou a tabela. Por outro
lado as empresas começaram a se equipar, o que foi facilitado pela taxa de câmbio preferencial para
importação de equipamentos, estabelecida pela Instrução 70 da SUMOC. A mecanização das empresas
implicou aumento da produtividade e redução dos custos. Essa foi, pois, a primeira dupla forma de sobre-
lucros. Para acrescentar a isto, as empresas substituíram (e o DER consentiu) a maioria das obras de arte
(pontes, viadutos, etc) por terraplanagem. Com tabelas baseadas em serviços manuais e sendo o mesmo
mecanizado, a terraplanagem era indiscutivelmente a maior fonte de lucro para as empresas. Aí estava,
portanto, uma terceira forma de sobre-lucros.”
Uma análise minuciosa acerca da industrialização do Estado de Minas Gerais, considerando os papéis
desempenhados pelo Estado, empresários e elites políticas está em DULCI, Otávio Soares. Política e
Recuperação Econômica em Minas Gerais. Belo Horizonte, UFMG, 1999.
20
CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco, op. cit. p. 52. Ver também:
ORENSTEIN, Luiz e SOCHOCZEWSKI, Antônio Cláudio. “Democracia com Desenvolvimento: 1956-
1961” In: ABREU, Marcelo Paiva (org.) A ordem do progresso. Cem anos de política econômica
republicana 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990, pp. 171-195
17
conseqüência direta do avanço industrial.
21
O final do governo JK não comprovou essa
previsão. Embora os efeitos da modernização tenham sido usufruídos pela população, o
Plano de Metas não alterou a relação de exploração característica do capitalismo, pelo
contrário, a consolidou.
22
A insatisfação social frente aos resultados das políticas desenvolvimentistas
evidenciaram-se nos movimentos populares no final dos anos 50. Em Montes Claros, como
em muitas outras cidades, os anos 1958 e 1959 foram de agitação social, expressas em
mobilizações contra a carestia e contra o monopólio da carne.
A região Norte do Estado de Minas Gerais esteve à margem do
desenvolvimentismo dos anos 50. Os efeitos práticos da intervenção do Estado como
promotor da industrialização só surgiram na segunda metade da década de 1960, quando
foi viabilizada a infra-estrutura energética e de transportes e os incentivos fiscais da
SUDENE atraíram à região investimentos industriais em volume expressivo. Entretanto, a
região não assistiu passivamente ao espetáculo do período. A cidade de Montes Claros foi
o centro de mobilização das elites regionais em um esforço conjunto para atraírem os
investimentos do Estado e se inserirem na política desenvolvimentista.
A imprensa de Montes Claros, dirigida pelo PSD e PR, assimilou o discurso
desenvolvimentista e cuidou de reproduzi-lo. As elites locais empreenderam um
movimento aglutinador de forças para assim participarem dos benefícios e investimentos
do Estado. Representando os interesses dos grupos agrário e comercial dominantes, os
jornais legitimaram a ideologia oficial e procuraram construir a imagem de uma cidade
“moderna”, “pacífica” e “civilizada”. Não obstante o seu compromisso com esse ideário, a
21
LEOLPDI, Maria Antonieta P. “Crescendo em meio à incerteza: a política econômica do governo JK
(1956-60). In: GOMES, Ângela de Castro. O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1991. O apelo
social do Plano de Metas era, segundo Leopoldi, uma das bases da ideologia desenvolvimentista e um dos
18
imprensa não pôde evitar o reverso da moeda: a cidade pobre, a precariedade do
saneamento básico, a crônica falta de água, a deficiência da energia elétrica e a carestia que
assolava a cidade ao longo de toda a década, apareceram nos jornais, acusando a outra face
do “desenvolvimentismo”.
A eleição e gestão do governador JK, na primeira metade dos anos 50, foi para
Montes Claros a esperança e a frustração. As elites uniram-se em torno do “filho de nossa
terra” (embora JK tenha nascido em Diamantina, cidade do Vale do Jequitinhonha, a
imprensa e as lideranças políticas de Montes Claros sempre o trataram como “norte-
mineiro”). O jornal Gazeta do Norte fez uma intensa campanha pró-JK, enfatizando o seu
caráter realizador e modernizador `a frente da prefeitura de Belo Horizonte: A sua
presença no Palácio da Liberdade assegurará a Minas dias de trabalho e
prosperidade.”
23
Na sua visita a Montes Claros, os grupos locais o PR e as duas alas do
PSD , apesar da acirrada campanha municipal, uniram-se para receber o candidato a
governador. Juscelino Kubitschek desfilou em carro aberto “ladeado por Milton Prates e
Cel . Filomeno Ribeiro”.
24
Milton Prates era o líder da Ala Liberal do PSD e Cel Filomeno
Ribeiro o líder da Ala Ortodoxa. JK recebeu 9.410 votos e Gabriel Passos 3.040, no
município de Montes Claros, que, em 1950, possuía cerca de 15 mil eleitores.
O governo Juscelino Kubitschek começou com grande esperança para o município:
José Esteves Rodrigues, ex-deputado por Montes Claros, foi nomeado Secretário de
Viação e Obras Públicas do Estado. O Gazeta comenta: “Radicado em nosso meio por
instrumentos ideológicos utilizados por JK para conseguir apoio político a ele.
22
CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Op.cit.
23
Gazeta do Norte. Montes Claros, 10 ago. 1950, p.1
24
Gazeta do Norte. Montes Claros, 15 set. 1950, p.1
19
laços de família e de coração é motivo de assinalado júbilo para Montes Claros vê-lo no
elevado cargo de secretário da Viação (...)”
25
Mas a política desencadeada por Juscelino Kubitschek não significou para o Norte
de Minas o mesmo que para outras regiões do Estado. Tomando por base os setores de
energia e transportes, verifica-se que a situação dos mesmos no município permaneceram
precaríssimos no período. O caso da energia é significativo e merece um destaque maior.
A energia elétrica foi instalada para uso doméstico em 1917. Até 1944 a Usina do
Cedro, situada na Fazenda do Cedro, forneceu energia `a cidade. Em 1944 foi inaugurada a
ligação de Montes Claros com a Usina de Santa Marta, situada no Município de Grão
Mogol. Apesar de bem superior à Usina do Cedro, essa solução não foi definitiva. O
racionamento de energia ocorria em todos os períodos de estiagem. No início da década de
1950, o problema apresentava-se mais grave, crescia a população urbana aumentando o
consumo de energia.
26
Em outubro de 1951, em virtude das constantes interrupções no
fornecimento, foi iniciada uma reforma geral na linha de transmissão.
Em novembro de 1951, o Jornal Gazeta do Norte anuncia, entusiasmado, a
assinatura de convênios entre a Comissão do Vale São Francisco e o Governo de Minas
Gerais para a construção de uma usina elétrica em Pandeiros, município de Januária e outra
em Jequitaí, município próximo a Montes Claros, e a abertura de várias estradas na região.
As obras estavam orçadas em 102 milhões de cruzeiros. O otimismo era tão grande que se
falava na instalação de uma fábrica de cimento em Montes Claros e de diversas indústrias
têxteis em Januária, Maria da Cruz e São Francisco, municípios que seriam beneficiados
25
Gazeta do Norte. Montes Claros, 04 fev. 1951. p.1
26
A população urbana era de 15.316 pessoas em 1940, 21.943 em 1950 e 43.097 em 1960. Censo
Demográfico de 1940. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.- Censo
Demográfico de 1960.
20
pela energia de Pandeiros. A inauguração de Pandeiros estava prevista para 1953 e a de
Jequitaí para 1954, assegurava o secretário da Viação, José Esteves Rodrigues.
27
O entusiasmo da elite local ficou evidente na comemoração do primeiro aniversário
do Governo JK na Câmara Municipal. Os vereadores promoveram, com a presença do
prefeito Enéas Mineiro de Souza e várias lideranças políticas do PR e do PSD, uma sessão
comemorativa, no dia 31 de janeiro de 1952, em homenagem ao Governador:
Com a palavra o vereador secretário, fez brilhante discurso
enaltecendo as virtudes do homenageado dr. Juscelino Kubistchek, tendo ao
som da música sido descerrada a cortina verde-amarelo que cobria a efígie do
alto dirigente do Estado. O discurso foi entrecortado por palmas, reinando
grande entusiasmo.
28
Em maio de 1952, o Governador falava aos mineiros pelo rádio. Atento, o Gazeta
do Norte transcreveu o discurso otimista do governador, destacando-o numa longa matéria
intitulada “1952 é o ano da execução vitoriosa do binômio energia e transporte. Minas que
sempre foi a terra da liberdade há de ser também a terra da prosperidade
29
. A frase era
parte do discurso de JK e virou manchete do Gazeta.
A promessa de “um ano vitorioso” não se confirmou para o Norte de Minas, as
estradas não foram abertas e as usinas sequer foram licitadas.
O problema do racionamento de energia atingiu o auge em 1953. A estiagem
daquele ano parece ter sido mais forte, o nível da barragem de Santa Marta baixara demais
e a cidade vivia semanas inteiras completamente às escuras. Em junho foi dirigido um
apelo ao Governador reivindicando a instalação imediata de um conjunto diesel de 800 a
1000 HP como “solução provisória” e a construção de uma nova usina em Santa Marta e a
construção da Usina de Jequitaí, como “soluções definitivas”. O documento dirigido ao
27
Gazeta do Norte. Montes Claros, 04 nov. 1951, p.1
28
Gazeta do Norte. Montes Claros, 03 fev. 1952, p.2
29
Gazeta do Norte. Montes Claros, 22 maio 1952, p.1
21
governador foi assinado pelo Bispo Luiz Victor Sartori, representando a Mitra Diocesana,
pelo Prefeito Enéas Mineiro de Souza, diretórios políticos, Associações Comercial e Rural,
industriais, estudantes e União Operária.
30
Pressionado, Juscelino Kubitschek visitou Montes Claros no início do mês de julho
e prometeu enviar o conjunto diesel e resolver outros problemas, como colocar novamente
em funcionamento o aeroporto que estava interditado, construir estradas e instalar mais
escolas para centenas de crianças.
Em setembro, novamente lideradas pelo Bispo Luiz Sartori, as lideranças e
entidades enviaram novo apelo a JK. Passaram-se dois meses desde sua visita e nada fora
realizado. A situação era crítica: no dia 10 de setembro o Gazeta do Norte dizia que os
vereadores usaram velas e fósforos para ler a pauta da reunião realizada no dia 03 do
setembro de 1953.
Entretanto, mais contundente que o apelo das lideranças foi o movimento dos
estudantes de Montes Claros. No dia 15 de setembro centenas de estudantes realizaram um
“comício de protesto” contra JK, pela demora na resolução dos problemas da cidade. “Os
manifestantes, percorreram antes as ruas da cidade, empunhando faixas com inscrições
jocosas e alusivas ao fato, concentrando-se em seguida na praça cel. Ribeiro (...).Tanto a
passeata como o comício transcorreram em perfeita ordem.”
31
O ato dos estudantes
contou com a adesão de “elementos de outras classes”, conforme o Gazeta do Norte. O
jornal não diz, mas o fato mais significante da passeata foi o “enterro simbólico” do
governador.
32
30
Gazeta do Norte. Montes Claros, 28 jun. 1953, pp.1 e 4
31
Gazeta do Norte. Montes Claros, 17 set. 1953, p.1
32
GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Faces do Legislativo. Montes Claros: Sociedade Educacional Arapuim, 1997,
p. 96.
22
Neste contexto de crise, a Associação Comercial de Minas Gerais, em colaboração
com a Associação Comercial de Montes Claros, realizou nos dias 19 e 20 de setembro a
“Terceira Reunião das Classes Produtoras do Estado”, na sede da Associação local. A
reunião também contou com a participação da Associação Rural de Montes Claros, de
representante da Federação das Associações Rurais do Estado de Minas FAREM - e de
líderes políticos como José Esteves Rodrigues e Plínio Ribeiro dos Santos. Ao seu final, as
“classes produtoras” elaboraram um documento em que faziam “recomendações” para a
solução dos problemas do município de Montes Claros, e da região. Destacam-se nestas
“recomendações” a instalação de um frigorífico em Montes Claros, a organização de uma
sociedade mista para explorar o serviço de Força e Luz, abertura e reforma de estradas
diversas, instalação em Montes Claros, e outros municípios, de agências da Associação de
Crédito e Assistência Rural ACAR para financiamento dos pequenos agricultores e
instalação da telefonia interurbana e do SENAC também em Montes Claros.
33
Além destas
reivindicações “menores”, o Encontro recomendava a mobilização pela modificação da Lei
de Imposto de Renda sobre Pessoa Física, no sentido de aumentar o limite de isenção de
rendimento e das deduções para esposas e filhos. Todas essas reivindicações evidenciam o
grau de mobilização das elites locais e regionais e o desejo de maiores investimentos do
Estado na região, contribuindo, dessa forma, para reforçar as pressões sobre o governo
estadual.
Apesar de todas as pressões, o conjunto diesel só chegou em novembro e sua
instalação e pleno funcionamento demorou meses, sem, entretanto, solucionar
satisfatoriamente o problema da energia.
33
Gazeta do Norte. Montes Claros, 27 set. 1953, pp. 1 e 4.
23
A lentidão com que se comportou Juscelino Kubitschek explica-se por um
problema de ordem política. O governador exigia a unificação do PSD local. O partido
cindiu-se em 1946 em duas alas: a “liberal” dissidente e a “ortodoxa”. O governador
condicionou a realização de qualquer benefício no município à união da sigla. As duas alas
fizeram, então, um acordo e venceram as eleições de 1954.
O acordo político, no entanto, não resolveu os problemas e, em janeiro de 1955,
uma comissão de vereadores do PSD reuniu-se em Belo Horizonte com o governador para
solicitar a solução dos velhos problemas. Ao mesmo tempo, a Associação Comercial
reivindicava a aquisição de um novo conjunto diesel para a cidade.
34
Em maio de 1955, o
Bispo Luiz Sartori chefiou uma comissão de lideranças e visitou o então governador Clóvis
Salgado. Na reunião estavam os presidentes das Associações Rural e Comercial, o
presidente da Câmara e o Prefeito de Montes Claros. Ficou acertada a criação da Cia
Hidroelétrica do Norte de Minas com um capital de 50 milhões de cruzeiros, sob a direção
da CEMIG, e o governador prometeu instalar um novo conjunto diesel em noventa dias.
35
O balanço da gestão JK-Clóvis Salgado não foi positivo para o Norte de Minas. O
desenvolvimento da energia e dos transportes, grande bandeira do governo, não
contemplou essa região. Mas uma nova oportunidade se apresentava: Juscelino Kubitschek
disputava a presidência e sua vitória significaria a primeira vez que um “norte-mineiro”
ocuparia o mais alto cargo da República. Era uma chance histórica rara, as elites de Montes
Claros perceberam isso e prepararam-se para não desperdiçá-la. Era preciso uma estratégia
nova, um movimento capaz de arregimentar forças e atrair a atenção e os investimentos do
Estado. É neste contexto que se inscreve a grande festa do centenário de Montes Claros.
34
Gazeta do Norte. Montes Claros, 13 jan. 1955, p.1
35
Gazeta do Norte. Montes Claros, 05 maio 1955, p.1
24
Chega aí 1956! Uma cortina de tristeza nos separa dos fatídicos anos
de 1954 e 1955, tão agitados e tão fúnebres. Entremos agora em 1956 com
melhores propósitos, com mais confiança nos nossos destinos futuros, com
mais fé em Deus, com menos rancor e mais imbuídos de nossas
responsabilidades.
Esqueçamos o passado, vivamos o presente em harmonia e unidos para
a reconstrução moral e material do Brasil e contribuiremos com patriotismo
para a grandeza futura de nossa infelicitada pátria! Sejam os propósitos de
todos os brasileiros para 1956.
36
É esse o estado de espírito de Montes Claros ao final de 1955. Parece mesmo que
um novo país e uma nova cidade estavam para nascer no limiar de 1956.
1.2 - A Invenção do Centenário
Agradeço a Deus a alegria de estar à frente do governo de Montes
Claros na passagem do primeiro Centenário da criação desta cidade.
Nestes dias de festa, o meu pensamento se volta para aqueles que
plantaram nos chapadões sertanejos a semente da cidade querida que é, hoje,
motivo de orgulho para todos nós.
Saudemos com emoção os pioneiros do progresso de Montes Claros. À
sombra tutelar daqueles que vieram antes de nós que lutaram e sofreram sob
os nossos céus lavados e límpidos Montes Claros cresce. É através da lição
dos trabalhadores de ontem, que recolhemos o exemplo e o estímulo, que nos
dão coragem e fé para o prosseguimento da jornada.
Na comemoração do Centenário da cidade de Montes Claros,
queremos abraçar todos os filhos desta terra. O nosso abraço é também para
aqueles que vieram de longe e vivem entre nós, amando e servindo a cidade
generosa e hospitaleira, que os acolheu com carinho.
Aos visitantes ora entre nós e que prestigiam, com a sua presença, a
celebração do Centenário de Montes Claros o nosso agradecimento e a nossa
saudação afetuosa.
CEM ANOS. Rejuvenescida, palpitante de seiva e de vigor, cheia de vida,
atinge a cidade de Montes Claros o seu primeiro Centenário. Nesta grata
oportunidade, renovemos o compromisso de bem servi-la.
Geraldo Athayde
Prefeito Municipal de Montes Claros.
36
SENIOR, Motejo. Gazeta do Norte. Montes Claros, 08 dez 1955, p.1
25
O texto transcrito foi a saudação do prefeito municipal publicada no “dia do
centenário” nos jornais e revistas locais. Nele estão algumas das idéias que marcaram o
“Centenário”: a força, a coragem e fé do homem sertanejo, a imagem grandiosa dos
“pioneiros”, a harmonia reinante entre os “filhos da terra”, a cidade moderna:
“rejuvenescida”, “cheia de vigor e vida”.
Até o ano de 1957, 03 de julho era uma data qualquer para os montesclarenses. Não
há um registro sequer de comemorações neste dia como aniversário da cidade. A
emancipação política de Montes Claros ocorreu em 13 de outubro de 1831, quando o
arraial foi elevado à categoria de Vila com Câmara, agente executivo e instância judiciária.
No dia 16 de outubro de 1832 foi instalada a Câmara Municipal. O título de cidade foi
obtido em 03 de julho de 1857, o que, dentro do contexto do Império, não tinha nenhum
efeito prático, tendo apenas um valor honorífico.
Em 1932, no dia 16 de outubro, foi comemorado o primeiro centenário de
emancipação política. A Prefeitura decretou feriado nesse dia para que todos os moradores
participassem dos festejos que ocuparam o dia inteiro com missas, desfiles, inaugurações e
baile.
37
Por que, então, a grande festa do Centenário levada a efeito a 03 de julho de 1957?
O Centenário de 1957 é uma “tradição inventada”. As tradições inventadas são um
conjunto de práticas rituais e simbólicas que visam transmitir determinados valores e
normas. Para tanto, utiliza-se, sempre, de um passado histórico devidamente recortado,
capaz de criar a idéia de uma continuidade histórica e assim legitimar a tradição.
38
37
Revista Nossa História, Montes Claros, set. 1999, ano I, N. 1, pp.15-16
38
HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence. (org.) A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1984, pp.9-10.
26
Eric Hobsbawm classifica as tradições inventadas, após a Revolução Industrial, em
três categorias/objetivos: a) aquelas que estabelecem ou simbolizam a coesão social; b)
aquelas que estabelecem ou legitimam instituições, status ou relações de autoridade e c)
aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de idéias, sistemas de
valores e padrões de comportamento
39
. Há um traço característico comum nas três
categorias: todas se propõem a funções sociais e políticas. A “tradição inventada” é, pois,
essencialmente ideológica.
A invenção do Centenário de Montes Claros insere-se no contexto de entusiasmo
característico do período e reflete a vitalidade da pecuária local, maior força econômica e
braço direito da Prefeitura Municipal na promoção da festa. Mas além disso, foi uma
estratégia cuidadosamente planejada para solidificar relações políticas de dependência e
dominação, construir a imagem de uma cidade moderna, de um povo ordeiro e trabalhador
e, por fim, atrair os tão reclamados investimentos do Estado e da União.
A partir desse ano, o três de julho transformou-se numa data festiva em Montes
Claros: inauguração de obras, desfiles escolares e sessões cívicas são realizadas todos os
anos para comemorar o “aniversário de emancipação política do município”. A “tradição
inventada” foi assimilada, autonomizou-se em relação aos seus idealizadores e aos
objetivos específicos que a engendraram
40
.
Para empreender a comemoração e solidificar essa “tradição”, a imprensa teve um
papel fundamental. A primeira referência ao assunto surge em setembro de 1955, quando o
médico e escritor Hermes de Paula comenta o caráter especial do ano de 1957: Duzentos e
cinqüenta anos de fundação. Cem anos de cidade. 1957 será, para nós, um ano de
39
Idem.
40
Como assinala Hobsbawm, uma vez assimiladas, as tradições deixam de ser totalmente “manipuláveis pelo
seu criador”. HOBSBAWM E RANGER, op. cit. pp. 315-316.
27
significação especial. Será uma oportunidade para relembrarmos os feitos de nossos
antepassados e um convite para celebrarmos novas realizações.
41
O artigo de Hermes de Paula foi escrito em um contexto de tranqüilidade política
O Partido Republicano (PR) e o Partido Social Democrático (PSD) apoiaram a candidatura
JK à presidência da República e ao mesmo tempo de uma certa apreensão quanto ao
futuro: o problema da energia permanecia inalterado e as diversas medidas paliativas
fracassaram. Nesse contexto, o congraçamento político dos grupos adversários era
apresentado como a última esperança.
O Deputado Estadual Teófilo Pires, um dos líderes do PR municipal, em uma longa
entrevista na Rádio Sociedade Norte de Minas propõe a criação de “um comitê” único, sob
a presidência do Bispo Luiz Victor Sartori
42
, para aglutinar as forças políticas opostas e
assim resolver a “situação de abandono” em que se encontrava o município. O deputado
mostrava-se convicto de suas idéias:
Aplaudo de coração e declaro-me um soldado a serviço desse
movimento. Sei de sua necessidade; compreendo que sem a união dos homens
representativos de nossa terra os líderes das classes rural, industrial, das
profissões liberais e, principalmente, das agremiações político-partidárias a
estagnação e a ausência de realizações oficiais, públicas, continuarão sendo a
resultante de esforços despendidos em sentidos vários, em direções opostas.
43
Teófilo Pires lembra que o passado de controvérsias políticas trouxe enormes
prejuízos à cidade
enquanto outras cidades (...) receberam, a mão cheias, as benesses da
cornucópia governamental que se derramavam em favores sobre coletividades
adormecidas, Montes Claros, núcleo de trabalho, operosa oficina do
41
Gazeta do Norte. Montes Claros, 11 set. 1955, p. 1. Em 12 de abril de 1707 o sr. Gonçalves Figueira
obteve a sesmaria onde instalaria a Fazenda Montes Claros, daí o Sr. Hermes dizer que 1957 marcaria
também os “duzentos e cinqüenta anos de fundação”.
42
A escolha do Bispo Sartori era, segundo o Deputado, necessária porque ele tinha “reconhecida autoridade
moral”, era inegável seu “alheamento às lutas partidárias” ele seria o “denominador comum, eliminador de
arestas que, porventura, ainda se mostrassem demasiado vivas.”
43
Gazeta do Norte. Montes Claros, 28 jul. 1955, p. 1.
28
progresso, força magnífica de empreendimentos, era contida, estagnada,
acorrentada pela nenhuma ajuda e até mesmo pelo desprezo e pelo
esquecimento do governo estadual.
44
O discurso do deputado aborda três idéias centrais do Centenário. Ele fez a
propaganda da cidade: “oficina do progresso”, “núcleo de trabalho”; identificou a causa
dos problemas, os conflitos políticos; e apontou a solução: a conjugação das forças
políticas para barganhar com o Estado os investimentos que as elites e a população locais
requeriam. Segundo Teófilo Pires, este era o pensamento de todos “os homens de
responsabilidade nos destinos de Montes Claros”, e ele mesmo já tinha abordado o assunto
com lideranças como Hermes de Paula e Deputado José Esteves Rodrigues (PR).
Reforçando o discurso conciliador, o Gazeta do Norte publica diversos artigos
pregando a conciliação política. Exemplo disso é o artigo assinado por “M.S.” que defende
a “união política” de todos os partidos para viabilizar os benefícios de que carecia o
município. Contra os “pessimistas” que não acreditavam no acordo, “M.S.” invocava o
exemplo da unificação do PSD que muitos julgavam impossível e tornou-se uma realidade.
O candidato JK visitou a cidade no final de agosto de 1955. Além da “verdadeira
consagração popular”, conforme o Gazeta do Norte, o futuro presidente foi recebido pelos
perristas e pessedistas que, juntos, em um grande comício, pediram votos para ele. Por sua
vez, JK assumiu o compromisso de resolver os conhecidos problemas de telefone, energia,
água e a ligação rodoviária Montes Claros-Belo Horizonte.
O “comitê” proposto por Teófilo Pires não foi formado. Mas, pelo decreto Nº 30, de
05 de março de 1956, o Prefeito João Ferreira Pimenta
45
nomeou uma Comissão Central
44
Gazeta do Norte. Montes Claros, 28 jul. 1955, p. 1.
45
O prefeito Alfeu de Quadros licenciou-se dia 01 de janeiro de 1955. J.F. Pimenta, vice, assumiu. Em
janeiro de 1957, J.F. Pimenta licenciou-se, assumindo o presidente da Câmara Municipal, Geraldo Athayde.
Os três eram do PSD. Essas mudanças faziam parte do acordo que unificou a sigla em 1954. Alfeu de
Quadros e Geraldo Athayde eram da antiga ala liberal e J.F. Pimenta da ala ortodoxa. Parece que Quadros
29
para as comemorações do “primeiro” centenário, tendo como presidente o médico Hermes
Augusto de Paula, como tesoureiro o Sr. Hélio Morais e secretário o Sr. Cândido Simões
Canela. Contava também com cinco presidentes de honra: os Deputados Federais Plínio
Ribeiro (PSD), José Esteves Rodrigues (PR); os Deputados Estaduais Antônio Pimenta
(PSD) e Teófilo Pires (PR) e o Presidente da Câmara Municipal, vereador Geraldo
Athayde (PSD). A comissão tinha plenos poderes para organizar as comemorações.
46
A escolha de Hermes de Paula para presidente não foi por acaso. Ele era o homem
ideal para executar o projeto Montes Claros Centenária. Disputou e perdeu as eleições
municipais de 1951 pela ala liberal do PSD e mesmo assim desfrutava de largo prestígio
social, auxiliava dezenas de entidades filantrópicas, era “intelectual”, escritor e
“historiador” (estava escrevendo naquele momento o livro “Montes Claros, sua história,
sua gente e seus costumes”).
Simultânea à festa cívica, foi programada a “primeira”
47
exposição agropecuária e
industrial de Montes Claros. Para efetivar a exposição, a Associação Rural mobilizou-se
para construir o seu Parque de Exposições orçado em 10 milhões de cruzeiros, numa área
de 350 mil metros quadrados no futuro Bairro Alto São João.
O parque era uma velha pretensão dos ruralistas. Em 1951 a Câmara Municipal já
doara à Associação Rural uma verba para a sua construção. Entretanto, foi em nome do
centenário que o então presidente da Associação, João Alencar Athayde, conseguiu dos
poderes públicos recursos expressivos e construiu o parque. A Prefeitura Municipal
disputou a eleição dada a sua maior densidade eleitoral. Ele fora prefeito do município durante o Estado
Novo e de 1947 a 1951.
46
Gazeta do Norte. Montes Claros, 05 abr. 1956, p.1.
Pelo Decreto 31, de 25 de junho de 1956, o prefeito constituiu uma Comissão de Honra composta pelo
Presidente JK, Governador Bias Fortes e uma dezena de outras autoridades. Ver Anexo C.
47
A primeira exposição ocorreu entre os dias 15 e 18 de agosto de 1951 na Chácara do Cel. Francisco
Versiani Athayde, no futuro bairro Alto São João. Interessada em valorizar a festa de 1957, a Associação
Rural ignorou aquele primeiro evento.
30
concedeu à entidade a isenção dos impostos sobre a compra do terreno para o parque,
pavimentou a via de acesso do Alto São João, concedeu uma subvenção anual de Cr$
200.000,00 por cinco anos
48
e isenção de impostos sobre o loteamento que a associação fez
nas adjacências do parque.
A contribuição do governo estadual foi obtida através do Secretário de Agricultura
Álvaro Marcílio, que atuou como advogado em Montes Claros por vários anos e era
estreitamente ligado aos ruralistas. Os órgãos estaduais deram auxílio técnico, colocando
engenheiros do DER para orientar a construção e transportando materiais de Belo
Horizonte para Montes Claros, e deram auxílio financeiro: no dia 03 de fevereiro de 1957 o
secretário da agricultura Álvaro Marcílio esteve na cidade e entregou a João Alencar
Athayde um cheque de um milhão de cruzeiros, foi uma “Doação feita pelo sr.
Governador Bias Fortes para aquela importante obra.”
49
Em âmbito federal, a ajuda foi
intermediada pelo jornalista José Carlos de Lima, redator do Jornal “Correio da Manhã” e
com grande influência nos meios políticos federais. Por sua influência, a bancada mineira,
liderada por José Bonifácio de Andrade, amigo pessoal do jornalista, conseguiu incluir, no
orçamento de 1957, um auxilio de um milhão de cruzeiros para o parque.
50
A inauguração do parque e a realização da exposição agropecuária demonstraram o
entusiasmo dos setores dominantes de base rural que, apesar das suas reivindicações serem
já velhas o aumento do número de trens para o transporte do boi gordo para o mercado
do Rio de Janeiro e o apoio do Estado para instalar no município um frigorífico tinham
motivos para comemorar.
48
GUIMARÃES, op. cit. pp. 51 e 119-120.
49
Gazeta do Norte. Montes Claros, 07 fev 1957, p.1.
50
Gazeta do Norte. Montes Claros, 04 nov. 1956, p. 1
31
A atividade pecuária teve um desempenho vitorioso ao longo de toda a década de
1950. Isso é perceptível nos números da “exportação” do boi gordo. Pela Central do Brasil
foram embarcados 102.801 unidades em 1948, o número subiu para 111.748 em 1950 e em
1956 chegou a 130.000
51
. Outro indicativo da vitalidade da pecuária local é o vertiginoso
crescimento da Cooperativa Agropecuária que, fundada em 1954, começou a funcionar em
janeiro de 1955 com pequeno número de sócios e um capital de 360 mil cruzeiros. Quatro
anos depois, 1958, já tinha um capital de cerca de seis milhões de cruzeiros e contava com
oitocentos sócios distribuídos em 22 municípios da região
52
.
Constituída enquanto preocupação central da administração municipal, a festa do
Centenário possuía dois propósitos estreitamente relacionados: o primeiro, reunir as forças
políticas locais para reivindicar investimentos do Estado no município; o segundo,
apresentar uma Montes Claros nova, moderna, próspera e sem conflitos políticos.
O primeiro propósito começou a ser alcançado antes mesmo da festa propriamente
dita. A Associação Rural conseguiu construir o seu parque de exposições obtendo o apoio
financeiro do município, do Estado e da União e, em nome do centenário, a Prefeitura
conseguiu verbas para empreender diversas reformas urbanas.
O ano de 1956 começou com uma grande notícia para Montes Claros: o Presidente
Juscelino Kubitschek havia liberado um empréstimo de 30 milhões de cruzeiros ao
município. A notícia foi dada com alarde pelo Gazeta do Norte no início de fevereiro, mas
nunca se efetivou. Nos meses seguintes, os Deputados Estaduais e Federais de Montes
Claros apresentaram vários projetos concedendo verbas especiais para o município.
51
O Jornal de Montes Claros. Montes Claros, 12 set. 1951, p. 1 e Enciclopédia dos Municípios Brasileiros.
Rio de Janeiro: FIBGE, 1959.
52
Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros, novembro e dezembro de 1958, n. 9, pp. 8-9.
32
Finalmente, um projeto do Deputado Plínio Ribeiro (PSD), concedendo uma verba de
cinco milhões para as festividades, foi aprovado no Congresso Nacional.
53
A Prefeitura desenvolveu um ousado serviço de embelezamento urbano para as
festividades do Centenário. Em outubro de 1956, ainda na gestão de João Ferreira Pimenta,
foi iniciado o calçamento do centro da cidade. Com o pedido de licença de João F.
Pimenta, o presidente da Câmara, o advogado e invernista Geraldo Athayde (PSD), ex-
Deputado Estadual e ex-presidente da Associação Rural por vários mandatos, assumiu a
chefia do executivo. O “Prefeito do Centenário”, como ficou conhecido, nomeou o
engenheiro Joaquim José da Costa Júnior com o fim exclusivo de coordenar as “obras do
Centenário”. Essa nomeação tinha significados maiores que os aspectos técnicos. Costa
Júnior fora engenheiro da prefeitura no mandato de Antônio Teixeira de Carvalho, vulgo
“Dr. Santos”, nos anos 1937-1942. “Dr. Santos” faleceu em 1942 e transformou-se em um
símbolo de “progresso” e “modernidade”. Durante sua gestão foram ampliados os serviços
de abastecimento d’água, construída a Praça de Esportes e realizados vários serviços de
embelezamento urbano. Costa Júnior encarnava o mito Dr. Santos, “evocava a memória do
realizador, urbanista e modernizador”, conforme o Gazeta do Norte.
O projeto de urbanismo ganhou fôlego em março de 1957, quando o ministro José
Maria Alkmin, norte-mineiro de Bocaiúva, comunicava ao prefeito:
Rio, 22- Tenho o prazer de comunicar acabo de assinar exp. favorável,
autorizando o início do processo de abertura de crédito especial em cinco
milhões para auxílio festejos comemoração centenário dessa cidade cordial
abraço. José Maria Alkmin. Ministro da Fazenda.
54
53
Gazeta do Norte. Montes Claros, 24 jun. 1956, p.1
54
Gazeta do Norte. Montes Claros, 24 mar. 1957, p. 1
33
Preocupado com a sujeira e o aspecto de “cidade velha” que as casas do centro
possuíam, o prefeito lançou um “veemente apelo ao povo de Montes Claros” para que
fizessem a limpeza das fachadas dos prédios e muros e outras dependências que fossem
visíveis das vias públicas.
O esforço para se preparar para o centenário era total, a ponto da Prefeitura cancelar
todos os seus compromissos com outras atividades:
(...) a partir desta data fica suspenso, temporariamente, todo e
qualquer pagamento por parte da prefeitura das dívidas assumidas até
dezembro de 1956, por motivo da precária situação financeira da prefeitura.
Apela portanto, o senhor prefeito, pela melhor compreensão e boa
vontade dos respectivos credores a respeito dessa deliberação, afim de que
possa melhor controlar as finanças municipais e, consequentemente, continuar
as obras já iniciadas na cidade em preparativos para as comemorações de seu
centenário.
Prefeitura Municipal de Montes Claros, 04 de maio de 1957.
Francisco Pimenta Figueiredo Secretário da Prefeitura. Visto.
Geraldo Athayde Prefeito Municipal.
55
Como a cidade hospedaria centenas de pessoas e várias autoridades, foi feito um
enérgico combate aos focos de pernilongos. O Governo Federal enviou técnicos e a
Prefeitura mobilizou 20 homens para o serviço. Fábricas, residências, casas comerciais, e
esgotos foram dedetizados no mês de junho.
Para aliviar a situação financeira crítica da prefeitura, o Gazeta do Norte diz, no dia
02 de junho, que foi “Recebida uma verba do Estado de cr$ 500.000,00 conseguida por
intermédio do Deputado Teófilo Pires como contribuição para o centenário.
No dia 03 de julho começaram as festividades. Foi uma semana de espetáculos. A
cidade estava preparada: as ruas centrais foram calçadas com blokret, as ruas dos bairros
próximos ao centro foram cascalhadas, os jardins das praças estavam bem cuidados, pontes
foram construídas sobre o rio Vieira (que corta quase toda a cidade), as construções velhas
34
ostentavam pinturas novas, a passagem de gado pelas ruas do Centro, velho costume local,
foi proibida e o “majestoso parque” estava pronto.
Durante o “centenário” realizou-se o I Congresso do Algodão, espetáculos
pirotécnicos, cavalhadas no estádio João Rebelo, diversas solenidades religiosas e
esportivas, um desfile histórico-folclórico, diversas palestras acerca dos “homens
importantes” de Montes Claros e a exposição agropecuária. As solenidades oficiais
contaram com as presenças do Governador Bias Fortes e do Presidente Juscelino
Kubitschek.
Enquanto a Associação Rural e a Prefeitura Municipal preparavam-se para as
comemorações, políticos, comerciantes, industriais e fazendeiros lideravam um movimento
de reivindicação de investimentos mais vultosos para região do Norte de Minas. No mês de
julho de 1956, o deputado montesclarense Plínio Ribeiro (PSD) reuniu-se com o Presidente
Juscelino Kubitschek e apresentou-lhe as suas principais reivindicações: - empréstimo de
30 milhões à cidade de M. Claros; - erradicação da doença de Chagas; - conclusão das
obras da rodovia Corinto-Montes Claros com asfalto; - instalação de um frigorífico em
Montes Claros; - melhorias da EFCB Estrada de Ferro Central do Brasil (reforma nos
trilhos, eliminação de curvas) e por fim, a construção da hidrelétrica de Jequitaí.
56
Junto ao governo estadual pleiteava-se a construção de um novo sistema de
abastecimento de água em Montes Claros e uma política de incentivo e proteção à
cotonicultura e indústria têxtil.
Apesar das pressões, esses benefícios, parte deles, só chegaram a partir da década
de 1960. As questões do abastecimento d’água, da hidrelétrica de Jequitaí e da
cotonicultura merecem um destaque maior.
55
Gazeta do Norte. Montes Claros, 09 maio. 1957, p.1
35
O abastecimento d’água era deficiente. Logo nos primeiros meses de sua gestão, o
Governador Bias Fortes, por solicitação do PSD local, enviou à cidade técnicos para
estudarem o problema e apontar as possíveis soluções. Essas, entretanto, não se efetivaram.
Em fevereiro de 1957 as esperanças renasceram. O diretor do DNOCS Departamento
Nacional de Obras contra a Seca , José Cândido Pessoa, visitou a região com o mesmo
objetivo dos técnicos estaduais. Após demoradas discussões e várias viagens pela região,
foram deliberadas as medidas mais urgentes a serem tomadas por aquele órgão: -
construção de uma barragem no Rio dos Porcos para abastecimento de Montes Claros; -
envio de perfuratrizes de poços tubulares; - construção de pequenos açudes para
fazendeiros e pequenos proprietários rurais. A barragem do Rio dos Porcos estava orçada
em 10 milhões de cruzeiros e o diretor do DNOCS deixou Montes Claros assegurando o
seu início imediato.
57
Entretanto, o problema só seria resolvido a partir de 1961, quando foi
iniciada a construção da barragem do “Rebentão de Ferros” para abastecer a cidade.
58
O apoio à cotonicultura e indústria têxtil regionais era uma “preocupação
constante” do Secretário da Agricultura do Estado, Álvaro Marcílio. Para concretizar uma
política de assistência a essa atividade foi o organizado o I Congresso do Algodão em
Montes Claros, entre os dias 30 de junho e 03 de julho de 1957. O Congresso foi dirigido
pelo Secretário da Agricultura. Nele, os cotonicultores e industriais (especificamente
Simeão Ribeiro, proprietário da Fábrica de Tecidos Santa Helena) cobraram maior
assistência técnica, abertura de crédito especial e incentivos fiscais. O Congresso encerrou-
se festivamente com a presença do Governador Bias Fortes que sancionou uma lei
reestruturando o Serviço Especial da Cultura do Algodão, transformado-o em Serviço do
56
Gazeta do Norte. Montes Claros, 01 jul. 1956, p.1
57
Gazeta do Norte. Montes Claros, 14 mar. 1957, pp.1 e 4
36
Fomento ao Algodão. O Gazeta comenta entusiasmado a medida, mas não diz o seu efeito
prático.
Quanto à energia, a mobilização foi maior. A usina de Jequitaí, em discussão desde
1951, era apontada como a solução definitiva. Os Prefeitos de Bocaiúva, Coração de Jesus,
Francisco Sá, Brasília de Minas, Pirapora, Jequitaí, Várzea da Palma, Juramento,
Buenópolis e Montes Claros reuniram em maio de 1956, nessa cidade, tendo como
convidado especial o Sr. Celso Andrade, Prefeito de Belo Horizonte. Nessa reunião,
formou-se uma comissão, tendo como presidente o vereador de Montes Claros Jáder Dias
Figueiredo, com a tarefa de ter (...)entendimento com o governador Bias Fortes,
presidente da Comissão do Vale São Francisco, ministro José Maria Alkmin e o presidente
da República (...)”.
59
A comissão trabalhou exaustivamente por mais de um ano. A CVSF Comissão do
Vale São Francisco enviou técnicos ao local, cachoeira do Rio Jequitaí, o projeto foi
elaborado e em algumas oportunidades o Gazeta do Norte chegou a noticiar o início da
obra. Entretanto, em maio de 1957, reuniram-se Jáder Dias Figueiredo, José Maria Alkmin,
Ministro da Fazenda e Assis Scaffa, presidente da CVSF, quando foi descartada a
construção da usina por sua inviabilidade econômica. Em troca, o governo federal assumiu
o compromisso de construir linhas de transmissão de Três Marias para todos os municípios
que seriam beneficiados com o “projeto Jequitaí”.
O segundo propósito da festa do centenário era inserir Montes Claros dentro do
contexto do Brasil novo e industrializado, como uma nova cidade e com uma nova política,
melhorar a imagem de Montes Claros em âmbito estadual e nacional.
58
No início de 1959 o DNOCS inaugurou a Barragem Rebentão dos Porcos. No entanto, parece que esta não
correspondeu às expectativas e necessidades uma vez que a imprensa e as lideranças locais continuaram a
“brigar” por recursos para a Barragem de Rebentão dos Ferros.
37
O prestígio político do município foi significativo desde o Império, quando
Gonçalves Chaves, natural de Montes Claros, foi presidente das Províncias de Santa
Catarina e Minas Gerais. Mas, junto com esta força política, sobrevivia a fama de uma
cidade violenta, infestada de jagunços e acostumada a resolver suas divergências políticas
por meio da força. A fama não era gratuita. Pelo menos três episódios tiveram repercussão
em todo o Estado e mesmo em todo o País.
O primeiro destes fatos data de 1915 quando se formaram duas Câmaras
Municipais. Os dois grupos “Partido de Cima” e “Partido de Baixo” - julgaram-se
vitoriosos. “Formaram-se duas câmaras no mesmo prédio, em salas diferentes. (...) no
mercado instalaram-se duas balanças(...)”
60
O governo estadual interveio, unificando a
Câmara através de um sorteio que definiu o presidente do Legislativo local.
O segundo episódio marcante ocorreu em 1918. Os grupos liderados pelos coronéis
Camilo Prates e Honorato Alves travaram um tiroteio nas ruas de Montes Claros
resultando em vários feridos e quatro mortos.
Se esses primeiros fatos “projetaram” Montes Claros em âmbito estadual, o tiroteio
de 1930 o fez em nível nacional. O grupo liderado por Dr. João Alves, no comando da
Câmara em 1930, apoiava a Aliança Liberal. A oposição local apoiava Júlio Prestes e tinha
o Jornal Gazeta do Norte como veículo de propaganda. O vice-presidente da República,
Melo Viana, visitou a cidade e, quando sua comitiva passava em frente à residência do Dr.
João Alves, ocorreu uma troca de tiros. Resultado do tiroteio: diversos feridos, incluindo o
59
Gazeta do Norte. Montes Claros, 17 mai. 1956, p.1
60
PAULA, Hermes de. Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. Belo Horizonte: Minas
Editora, 1979. pp. 157-158.
38
próprio Melo Viana, e cinco mortos, entre eles o secretário do vice-presidente, Dr. Rafael
Fleury.
61
A partir desses episódios Montes Claros ficou conhecida como “terra de
cangaceiros”.
62
Mesmo em nível local a memória desses fatos incomodava. Em todo início
de campanha política a imprensa publicava numerosos artigos, pregando a “paz e a
concórdia”, a “tranqüilidade para a família montesclarense”. A tensão e a insegurança eram
fortes em tempos de eleição. Em 1947, os presidentes dos partidos assinaram um acordo
suspendendo a campanha política para a prefeitura cinco dias antes das eleições. Os líderes
justificaram a medida por causa da “(...)exaltação de ânimo existente e desejando manter
a calma necessária para que as eleições do dia vinte e três transcorram com o brilho
cívico que os nossos foros de civilização exigem, e ainda não expor a nossa população a
situações trágicas (...). Assinaram o acordo: Cel. João Lopes Martins (PR), Cel. Domingos
Lopes da Silva (PSD Independente), Cel. Filomeno Ribeiro (PSD), Álvaro Marcílio (UDN)
e Argentino Roque de Souza (PTB).
Os eventos do Centenário foram a oportunidade de se construir uma nova imagem
da cidade. Isso fica evidente na realização do Desfile Histórico e Folclórico que apresentou
“uma visão panorâmica da vida da cidade, seus usos, suas tradições, suas danças, suas
músicas e sua fé religiosa”, conforme o Gazeta do Norte. A folia de reis, os vaqueiros, as
penitências, as músicas religiosas, as encenações bíblicas e as serenatas compuseram o
Desfile que, além disso, apresentou os “fatos históricos importantes” em forma de teatros e
61
PAULA, Hermes de. op. cit.
62
Em 03 de junho de 1953 os vereadores de Montes Claros enviaram um protesto inflamado às emissoras de
rádio - Rádio Segurança Pública, Clube de Pernambuco, Record e Rádio Globo - que, ao noticiarem um
acidente com o montesclarense João Alencar Athayde no Rio de Janeiro, referiram-se à cidade como “terra
de cangaceiros”. GUIMARÃES, op. cit. pp. 81-82.
39
alegorias. O desfile, que envolveu cerca de duas mil pessoas nas encenações, encantou as
“milhares de pessoas postadas nas ruas que não podiam conter as lágrimas de emoção ante
a beleza evocativa do espetáculo”, diz o Gazeta do Norte, para quem o Desfile de Montes
Claros só foi superado no Brasil pelo desfile do Quarto Centenário de São Paulo e “outro
desfile realizado em Salvador”.
A realização de uma série de palestras no Colégio Imaculada Conceição acerca das
personalidades históricas da cidade, também pretendeu a reconstrução da história de
Montes Claros. Essas palestras versavam sobre antigos líderes da cidade ao longo dos cem
anos de sua existência. Os palestrantes eram as lideranças de vários partidos e
monteslcarenses ilustres, entre eles o escritor Cyro dos Anjos.
Juntos, desfile e palestras, deram uma nova versão da história de Montes Claros,
mostraram uma cidade cheia de harmonia e vitoriosa graças às suas “grandes lideranças” e
ao seu povo “ordeiro e trabalhador”.
Constava também das festividades a inauguração do Colégio São José. O prédio do
colégio começou a ser construído em 1951 pela Associação dos Amigos do Progresso de
Montes Claros entidade criada pelo Rotary Clube de Montes Claros e que reunia as
principais lideranças políticas, fazendeiros e empresários locais. Depois de construído, o
prédio foi entregue aos Irmãos Maristas gratuitamente. A iniciativa era uma contraposição
à tentativa dos Metodistas que pretendiam instalar um colégio evangélico em Montes
Claros.
63
O Colégio Marista São José se transformaria, a partir de 1957, no centro de
formação das futuras elites políticas locais e por lá passou grande parte das lideranças dos
anos 70 e 80.
63
GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Op. cit. p. 39.
40
Embora não se possa negar o êxito das festividades, é possível perceber algumas
frestas no edifício da Montes Claros Centenária. A outra face da cidade, travestida pelo
espetáculo de 1957, será abordada mais adiante. Aqui importa destacar três pontos.
Pelo menos três itens das comemorações fracassaram. O primeiro diz respeito à
Planta Cadastral da Cidade. Esta começou a ser elaborada em meados de 1955 e fazia parte
do plano da “nova Montes Claros”, serviria de orientação às inovações urbanísticas, às
construções que eram reclamadas ao Estado. A Planta só foi concluída em setembro de
1957. Ou seja, o trabalho de modernização do espaço urbano levado a efeito pela Prefeitura
para o Centenário foi completamente ametódico e desorientado. Saliente-se também que
1957 foi o ano de maiores construções privadas, totalizando 220 unidades, com área
aproximada de 10 mil metros quadrados.
64
Não por acaso, um dos principais problemas de
Montes Claros na atualidade é a caótica organização do espaço urbano, principalmente nas
ruas centrais.
Outra “decepção” foi quanto ao Pentáurea, clube campestre criado para o lazer das
elites locais. Todo o Projeto Pentáurea foi criado e executado por Hermes de Paula, o
coordenador geral do Centenário. Até o nome foi cuidadosamente escolhido: “Pentáurea é
uma palavra híbrida criada para significar cinco bodas de ouro, ou duzentos e cinqüenta
anos correspondentes a fundação de Montes Claros, sendo programada a inauguração do
clube nas solenidades comemorativas do centenário da cidade”, comenta o Gazeta do
Norte, em 06 de abril de 1958, data da inauguração do clube.
A cidade também frustrou-se com a ausência do Clube de Regatas Flamengo. A
presença da equipe carioca para um jogo festivo contra a seleção local foi anunciada com
alarde, mas não se confirmou.
64
Gazeta do Norte. Montes Claros, 12 jan. 1958, p. 1
41
O ponto alto da festa do centenário foi a visita de Juscelino Kubitschek. O
presidente inaugurou a primeira exposição e abriu oficialmente as comemorações. A união
dos grupos locais na recepção festiva e pacífica aos ministros e secretários de Estado, ao
governador Bias Fortes e ao presidente da República demonstraram que a cidade havia se
“regenerado”.
O discurso proferido por Juscelino Kubitschek é um retrato fiel do
pensamento/ideologia disseminados pela elite e pela imprensa locais nos anos 50.
65
No
decorrer do discurso, as imagens de um povo forte e trabalhador e de uma cidade próspera
se sucedem. O presidente inicia enaltecendo a lealdade e fidelidade dos montesclarenses.
Refere-se ao parque de exposições como o sinal do “arrojo, o espírito progressista, o brio
municipal, a inteligência vivaz, a energia e a perseverança do povo de Montes Claros”.
JK foi até às origens coloniais de Montes Claros para identificar as fontes de sua
vitalidade: “pertenceis à raça indômita de desbravadores que (...) vai edificando uma
nação vigorosa, que ainda em nossos dias surpreenderá o mundo com seu poder e sua
riqueza, postos a serviço de fraternos anseios de paz, na comunhão dos povos.” Neste
trecho, estão também associadas diversas idéias que compunham a ideologia
desenvolvimentista: o vigor da “raça”, a nação grandiosa que progride e surpreende, a
harmonia e a fraternidade entre os povos. Nesse raciocínio não há nenhum conflito,
obstáculo ou dificuldade qualquer ao desenvolvimento do país.
Reforçando o imaginário bandeirante, o presidente retoma a história regional:
associais a ousadia, ao ânimo aventureiro, ao cavalheiresco fervor
bandeirante, que veio do Sul a cata de pedras preciosas, pacíficas virtudes
65
A desenvoltura com que Juscelino falava da história de Montes Claros, de suas memórias políticas e de
seus projetos explica-se, além do fato dele ser natural de Diamantina, cidade do Vale Jequitionha, pela
presença de José Maria Alkimin no Ministério da Fazenda (Alkimin era natural de Bocaiúva, cidade próxima
a Montes Claros, e estreitamente ligado às lideranças políticas montesclarenses) e do escritor Cyro dos Anjos
que era sub-chefe do Gabinete do Presidente.
42
campônias dos criadores de gado e plantadores de roça que subiram o Rio São
Francisco e povoaram os sertões em estabelecimentos duradouros. Na
confluência desses movimentos (...) vossa terra abrigou e fundiu populações de
tendências distintas, mesclando as varonis qualidades daqueles dois tipos de
sertanistas (...).
Desenhado o modelo do homem norte-mineiro, JK entra pessoalmente em cena,
veste-se da indumentária que ele mesmo confeccionou: “Homem do Norte de Minas, sinto-
me constrangido em louvar e enaltecer as vossas virtudes. Dir-se-ia que, fazendo-o,
também me louvo e enalteço.” Aqui encontra-se uma sutileza do discurso presidencial: JK
associa idéias como bandeiritismo, bravura, desbravamento e vigor sertanejo com as
noções de progresso e modernidade em voga nos anos 50 e apresenta-se como a síntese
desses dois conjuntos de virtudes.
Juscelino elogiou as lideranças antigas do município e reafirmou as antigas
promessas: a pavimentação Montes Claros-Corinto, Rodovia Montes Claros-Pirapora,
canalização do Rio Vieira, ampliação do abastecimento de água e retificação de esgotos e a
ligação do Norte de Minas ao sistema Três Marias. O último item, a energia, foi objeto de
longa explanação porque, segundo o presidente, representaria a “revolução” de toda a
economia do município e da região. “Proporcionando-vos energia e transporte convosco
cooperando em serviços locais de vital importância para a vossa população, espero poder
dar um passo definitivo para que a esta próspera cidade se abram perspectivas ilimitadas
de progresso”
66
, concluiu JK, enchendo Montes Claros de esperança.
O presidente disse tudo que seu público queria ouvir. A julgar pelo seu discurso, o
centenário inventado cumpriu todos os seus propósitos. Estas imagens ficaram registradas
na memória das pessoas que assistiram ao espetáculo:
66
OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. “Vós me tocastes profundamente com a vossa lealdade e a vossa
fidelidade”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 07 jul. 1957, p.1
43
Pra mim foi um (Prefeito Geraldo Athayde) que deu um visual na cidade com
esse parque, foi quando eles construiu esse parque (...) mas num foi construído
pela Prefeitura não, cê entendeu? foi pela Sociedade Rural (...) Pra inaugurar
isso aí e fazer o Centenário da cidade, primeiro Centenário, ele começou a
mudar a Praça da Matriz, de bloqueti (...) folgou ali as ruas, foi calçando,
arrumano, foi preparano a cidade pra a primeira festa do Centenário que foi
uma, um estoro de festa, certo?. Mais aí tamem foi quando Juscelino
Kubistcheck de Oliveira, que foi um grande Governador, tamem de Minas, que
eu considero um dos mior Governador, entre ele e Magalhães Pinto e otros
mais aí naquela época era a época do homem séro e honesto, por isso que eu
digo pro cê que quando eu conheci o Presidente da República que chamava
Getúlio Varga até quando ele morreu, pra mim foi um homem, pelo menos um
homem séro, nego num invadia, o Brasil num viro casa de mãe joana na época
dele não, cê pode perguntar esses mais veios da minha idade e mais veio do
que eu que es diz a mesma coisa: não, o Brasil era Brasil.
67
Entretanto, passada a festa, findo o espetáculo, Montes Claros acordou para a
realidade.
1.3 - O Acordar do Sonho
Foram-se as festas do Centenário e os últimos visitantes despendem-
se deixando saudades e levando lembranças (...)
Vão-se os últimos visitantes e a cidade se integra nos seus problemas
quotidianos, na luta pelas utilidades que sobem de preços e que, no auge do
Centenário atingiram cifras astronômicas, verificando-se verdadeiros
assaltos á bolsa do próximo.
Agora é a batalha de cada um para por a vida em dia, pagar as
dívidas, ajeitar os negócios. E é uma batalha extenuante e árdua, na qual se
empenha todo o povo.
‘Festa acabada, músicos a pé.’
IVES.
68
O sonho de uma Montes Claros “harmônica” e “próspera” não se concretizou. O
governo JK terminou sem que suas promessas se cumprissem. Entre 1958 e 1961 as
lideranças locais, respaldadas pela imprensa, repetiram todo o roteiro já conhecido:
67
Depoimento de Osmar dos Reis Lopes Ribeiro, agricultor/carpinteiro/aposentado, no dia 15/06/2000 em
Montes Claros
44
reclamaram, reuniram-se, até ameaçaram se opor aos governos mas, aproximando-se as
eleições, receberam festivamente os candidatos situacionistas e quando esses perderam as
eleições, aderiram aos vitoriosos.
1958 foi ano de eleições municipais. Era o momento de colocar à prova o
“congraçamento político”, os êxitos e fracassos do Centenário. O PSD e PTB concorreram
às eleições lançando Geraldo Athayde para Prefeito e Cel. Domingos Lopes da Silva para
Vice. A campanha do “Prefeito do Centenário” assentava-se no trinômio “água e esgoto,
energia elétrica e calçamento”.
Athayde serviu-se da memória do Centenário e foi beneficiado pela divulgação do
concurso realizado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) que
escolheu os “dez municípios brasileiros de maior progresso em 1957”. Montes Claros ficou
em 8º lugar no Brasil e em primeiro em Minas Gerais.
69
A premiação foi recebida por
Hermes de Paula, representante do Prefeito, em solenidade que contou com a presença do
Presidente Juscelino Kubistchek.
Com o apoio da UDN, o PR lançou como candidato a Prefeito o engenheiro Simeão
Ribeiro tendo como Vice o médico Pedro Santos (PTR). Ribeiro já conhecia os meandros
da política local: ele disputara e perdera as eleições em 1947 e 1954.
A campanha eleitoral foi “tensa e hostil”
70
e o “Prefeito do Centenário” foi
derrotado. Evidentemente, não se trata aqui de dizer que a derrota de Geraldo Athayde seja
conseqüência única de um possível descontentamento popular com o “fracasso” do
Centenário. Mas com certeza, a campanha “hostil” e o resultado das eleições mostram uma
realidade bem distinta da Montes Claros centenária de 1957.
68
Gazeta do Norte. Montes Claros, 28 jul. 1957, p. 1
45
O fracasso das reivindicações de Montes Claros explica-se, em grande parte, pelas
características econômicas da região. A maior fonte de renda e o setor que mais empregava
em Montes Claros era o agropecuário
71
. Os programas de desenvolvimento executados
desde o final dos anos 40 elegiam a industrialização como prioridade absoluta.
Em âmbito estadual, o Plano de Recuperação e Fomento a Produção do Governo
Milton Campos (1947-1951) representou uma esperança para Montes Claros porque,
embora também elegesse a industrialização como meta principal, previa um
desenvolvimento integrado e equilibrado da indústria e da agricultura. As medidas voltadas
para o desenvolvimento dos setores rurais consistiam na produção de adubos e calcário e
na instalação de um rede de frigoríficos em Belo Horizonte, Triângulo Mineiro, Ibiá,
Governador Valadares e em duas cidades do Norte de Minas: Pirapora e Montes Claros.
72
Apesar de não ter conseguido efetivar seus objetivos concretos, o Plano de Milton
Campos serviu de base para o plano de desenvolvimento do Governador Kubsticheck.
Entretanto, na gestão JK, o equilíbrio indústria-agricultura cedeu lugar ao esforço total no
desenvolvimento da primeira. Para tanto, o governo estadual procurou romper os entraves
infraestruturais: a deficiência dos transportes e as limitações energéticas. A idéia de um
desenvolvimento integrado foi abandonada em favor da especialização produtiva e da
concentração espacial da indústria na região metropolitana de Belo Horizonte.
73
69
Os municípios premiados foram, pela ordem: Americana (SP), Curitiba (PR), Piracicaba (SP), Porto Alegre
(RS), São Lourenço da Mata (PE), Bauru (SP), Mandacaru (PR), Montes Claros (MG), Piancó (PB) e Serra
Negra (RN). Gazeta do Norte. Montes Claros, 25 nov. 1958, p.1
70
GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Op. cit., p. 131.
71
As atividades agropecuárias empregavam 80,80% da população economicamente ativa em 1940, 64,58%
em 1950 e 66,80 % em 1960. Censo Demográfico de 1940. Série Regional. Parte III- Minas Gerais. Tomo I.
Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1950. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959
e Censo Demográfico de 1960 - Minas Gerais - V.I. Tomo IV. Rio de Janeiro: IBGE, 1960.
72
DINIZ, Clélio Campolina. Op. cit.
73
DULCI, Otávio Soares. Política e recuperação econômica em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG,
1999.
Diniz, Clélio Campolina. Op. cit.
46
A mesma orientação especialização/concentração industrial foi seguida no
Governo Bias Fortes (1956-1960). Assim, predominou nos anos 50 o que Dulci chama de
“Modelo Pessedista” em detrimento do “Modelo Udenista” que, segundo o autor, era a
política de desenvolvimento integrado que se tentou executar no Governo Milton Campos.
Na linha de raciocínio de Dulci, a presença de Juscelino Kubsticheck na
Presidência da República significou a extensão do “modelo pessedista” de modernização
para todo o Brasil. De fato, conforme diversos autores
74
, o Plano de Metas, embora
mencionasse a agricultura como uma de suas áreas de atuação, não enfrentou efetivamente
os problemas da agropecuária e ignorou a questão agrária.
Segundo Cardoso, as diversas ações que constavam no item “racionalização da
agricultura” do Plano de Metas - mecanização, uso de fertilizantes, controle sanitário,
conservação do solo, irrigação e aperfeiçoamento do rebanho pretendiam transformar “a
agricultura arcaica em outra bem mais moderna, apoiada em conhecimentos científicos e
tecnologia avançada.
75
Para tanto, o Plano recomendava a “construção de silos, armazéns
e frigoríficos” e “ampliação e diversificação do crédito agrícola”. Entretanto, conforme a
própria autora, após três anos de Plano de Metas, a agricultura e a pecuária permaneciam
“deficitárias” do ponto de vista produtivo e a questão agrária intocada, confirmando o
“monopólio da propriedade da terra” e a não aplicação da legislação trabalhista à massa
camponesa até o final do Governo JK.
76
74
Ver:
CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Op. cit.
ABREU, Marcelo de Paiva. Op. cit.
LEOLPDI, Maria Antonieta P. “Crescendo em meio à incerteza: a política econômica do governo JK (1956-
60). In: GOMES, Ângela de Castro. O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1991.
LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica. São Paulo: Brasiliense, 1983.
75
CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Op. cit. , p. 54
76
idem, pp. 59-60
47
Assim, sendo a industrialização a meta central dos programas de desenvolvimento
dos anos 50, os investimentos foram concentrados em setores que pudessem alavancar e
concretizar tal objetivo. O desenvolvimento do binômio energia e transportes, privilegiado
pelas administrações estaduais de JK e Bias Fortes e pelo Plano de Metas, marginalizou o
Norte de Minas. Esta região, como todo o Nordeste, viria a ser contemplada com uma
“meta especial”: a Operação Nordeste.
Nesse sentido, a criação da SUDENE (1959) e a inclusão do Norte de Minas em sua
área de atuação transformaram-se na última esperança para a região. As obras que
demandavam maior investimento, como a ligação com Três Marias, a pavimentação da
rodovia Montes Claros-Belo Horizonte e o apoio para montagem do frigorífico, só
surgiram na segunda metade da década de 1960, já com o apoio da Superintendência.
77
Apesar da SUDENE, o início dos anos 60 era nebuloso para o Norte de Minas. Se
durante os anos 50 a imprensa local veiculou o entusiasmo e o “progresso” do Município e
da região, ocultando suas mazelas, outro foi o seu comportamento na década de 1960. No
início desta, o quadro era desolador: a seca castigava, as lavouras perdiam-se, os hospitais
estavam desaparelhados e epidemias diversas afetavam a população.
As calamidades foram objeto de uma significativa reportagem da Revista Encontro,
em fevereiro de 1962: “Prefeitos advertem: Norte de Minas caminha para a revolução”
78
.
A matéria descrevia de forma contundente a crítica situação social da região e vislumbrava
um futuro incerto:
O ambiente social que se vem criando na região Norte do Estado, com
a ameaça de rompimento dos últimos fios de esperança da população, dia a
77
Acerca da política de desenvolvimento da SUDENE em Montes Claros ver: OLIVEIRA, Marcos Fábio
Martins. O processo de desenvolvimento de Montes Claros (MG) sob a orientação da SUDENE (1960-
1980).São Paulo: USP, 1996. (Dissertação de Mestrado).
78
Revista Encontro. Montes Claros, fevereiro de 1962, n. 9, pp. 8-13. Segundo a reportagem cidades como
Salinas tinham 85% da população analfabeta, alguns Distritos tinham 97% das pessoas infectadas pela
esquistossomose e o Prefeito de Monte Azul diz que “há gente passando fome” em toda a região.
48
dia mais dominada por forte corrente de pessimismo, leva o observador, que se
ponha a fazer uma análise objetiva, rigorosamente impessoal da situação a
uma conclusão nada alentadora: o Norte de Minas caminha para o caos! A
realidade sócio-econômica que vive a região vai gerando no sertanejo (...) um
sentimento de rebeldia que poderá atingir seu ponto crítico com o desejo de
reformulação da estrutura vigente, fermentando um processo revolucionário
de resultados imprevisíveis.
O risco de uma “revolução sertaneja” era, pois, o maior fantasma. Aqui é preciso
delimitar o que significava a “revolução” para a Revista Encontro. Segundo a reportagem,
havia o risco evidente de “rebeldia” e “reformulação das estruturas vigentes”. Essa seria a
revolução popular, fora de controle, de “imprevisíveis” conseqüências. Diante desse risco,
os Prefeitos da região propunham uma outra revolução, capaz de evitar aquela e erradicar
os males que perturbavam os sertanejos: a separação do Norte de Minas e a formação de
um novo Estado.
Esse sonho era acalentado há algum tempo e a crise dos anos 60 o estimulava ainda
mais. Para os Prefeitos entrevistados pela reportagem - Sílvio Brasileiro de Azevedo,
Prefeito de Januária, Levy de Souza e Silva, Prefeito de Monte Azul, Geraldo Santana,
Prefeito de Salinas e Simeão Ribeiro, Prefeito de Montes Claros a causa dos problemas
vividos pela região era o desamparo governamental: “É preferível libertarmos para
dirigirmos a nós mesmos, com nossos próprios esforços, que pertencermos a um grande
Estado, numa situação de inferioridade que nos causa mal. Separados, dividiremos nossas
responsabilidades e benefícios eqüitativamente”, afirmava o prefeito Levy de Souza e
Silva. O movimento separatista fracassou e a revolução popular não ocorreu.
Entretanto, se as lideranças políticas esperaram a década de 1960 para denunciar de
forma explícita as condições sócio-econômicas do município e região, o mesmo não
ocorreu com a população de Montes Claros.
49
Maior que a frustração das elites, que viram baldados seus esforços empreendidos
para participarem das “vacas gordas”, eram as dificuldades em que vivia a maioria da
população antes, durante e depois do centenário.
Embora a imprensa tenha difundido a idéia da “nova Montes Claros”, a realidade
era bem distinta. O alto custo de vida assolava a população e esta, mesmo que a imprensa
não o dissesse explicitamente e as classes dirigentes tentassem dissimular, sempre
mostrou-se insatisfeita e em algumas ocasiões reagiu energicamente.
A outra face da Montes Claros dos anos 50:
Apesar dos jornais terem dado demasiada ênfase no “progresso” de Montes Claros
no anos 50, não lhes foi possível evitar que os graves problemas sociais como o
desemprego, a mendicância, a violência urbana e a carestia também freqüentassem as suas
páginas.
A população do município de Montes Claros cresceu mais de 100% ao longo da
década. Ainda não há uma explicação para esse “fenômeno”. Uma hipótese é que ele esteja
relacionado, provavelmente, à ligação ferroviária da Central do Brasil com a Leste
Brasileiro, que fez da cidade um ponto de passagem entre o Nordeste e São Paulo e que
mobilizou grande número de trabalhadores para a construção da linha férrea.
79
. Junto com
o movimento de retirantes, cuja boa parte permanecia em Montes Claros, agudizaram-se
problemas como a mendicância, o desemprego e a violência urbana.
A mendicância era o que mais “incomodava”. Diversas entidades filantrópicas
atuavam na assistência às crianças e idosos que “moravam” nas ruas. Destaca-se a
50
Associação das Damas de Caridade que era dirigida pelas esposas das principais lideranças
políticas. Os jornais contribuíam, divulgando eventos e campanhas beneficentes.
Os furtos e roubos eram uma constante na cidade. Entretanto, o assunto só parece
ter chamado atenção da imprensa e autoridades locais quando um “estranho” invadiu a
casa de diversas autoridades e feriu a golpes de madeira o Juiz de Direito e o Vice-
Prefeito.
80
O episódio data de 1952 e provocou uma série de reportagens no Gazeta do
Norte acerca da violência cuja causa, para o jornal, era a falta de policiamento. Para
resolver esse problema foi instalado, em 1956, o 10º Batalhão da Polícia Militar de Minas
Gerais em Montes Claros.
O problema do desemprego era gravíssimo. Ao final da década de 1950 apenas
28,8% da população estava empregada. Segundo o IBGE, em 1950 havia 21.549 pessoas
em atividades remuneradas para uma população total de 52.367 pessoas. A população em
1960 totalizava 136.472 e só havia emprego remunerado para 39.365 pessoas (os dados de
1960 incluem a população e a PEA (População Economicamente Ativa) de Mirabela,
município desmembrado de Montes Claros em 1962).
81
O aumento constante e acelerado dos preços dos artigos de primeira necessidade era
o que mais inquietava a população. Considerando-se o elevado número de pessoas sem
atividades remuneradas é fácil compreender que o impacto da carestia era ainda maior. O
problema era antigo. Na sua coluna “Assunto do Dia”, em O Jornal de Montes Claros,
Motejo Senior abordava o assunto constantemente. “O povo grita e tem razão: a vida, em
79
OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins. O processo de desenvolvimento de Montes Claros (MG) sob a
orientação da SUDENE (1960-1980).São Paulo: USP, 1996. (Dissertação de Mestrado), p. 121.
80
Gazeta do Norte. Montes Claros, 13 nov. 1952, p.1.
81
Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1956. Censo Demográfico de 1980. V. I, Tomo XVI.
Rio de Janeiro: IBGE, 1980.
Evidentemente o desemprego é menor se considerarmos apenas os números da população maior de dez anos
de idade (42.316 pessoas em 1940 e 48.040 em 1950.) Entretanto, tendo em vista o caráter rural da economia
51
Montes Claros, se dificulta, de dia para dia”. E adverte: é preciso corrigir o problema para
que esses (...)tão sérios problemas não degenerem em exploração por parte de indivíduos
desalmados, porta-vozes de Moscou.”
82
Não havia nenhum movimento “desalmado”, comunista no Município. Mas fica
evidente um certo clima de tensão social. O mesmo se percebe no artigo do fazendeiro e
ex-presidente da Associação Rural de Montes Claros, Antônio Augusto Teixeira, no
Gazeta do Norte, comentando o protesto dos estudantes em outubro de 1953. O vigoroso
protesto dos estudantes, contra o então Governador Juscelino Kubitschek, repercutira em
todo o Estado. O autor do artigo esforçou-se para depreciar o ato chamando-o de
“bobagem”, movimento sem “expressão política”, “bolha de sabão que o sopro da brisa
desfaz”, mas a certa altura reconheceu:
(...) apesar de tudo, houve o fato concreto e, seria interessante
investigar as suas causas profundas, procurar conhecer os fatores psicológicos
que o determinaram. Ao primeiro exame o que ressalta e impressiona é a
facilidade e destemor, com que hoje se investe contra os poderes constituídos,
evidenciando um desprestígio do princípio abstrato da autoridade, devido,
talvez, a falta de ética com que altos mandatários exercem suas funções, e, ao
mesmo tempo revelando a existência no seio das massas, de um estado crônico
de insatisfação, um mal estar permanente, a presença de fermento de revolta
pronto a explodir ao menor contato. Isto de um modo geral. (porém) (...) de um
ângulo mais restrito, regional ou local, o caso apresenta-se sobre outro
aspecto.
83
(grifos meus)
O outro aspecto a que o autor se referiu era a frustração do Norte de Minas com o
Governo JK. O Norte de Minas encheu-se de esperança com a eleição de Juscelino
Kubitschek, primeiro “filho da região a subir ao Palácio da Liberdade”, diz o articulista.
Julgava-se “credenciada a um dos primeiros lugares na fila dos pretendentes aos favores do
governo estadual” e nada obtivera.
regional pode-se afirmar que grande parte da população menor de dez anos já estava, por hábito e
necessidade, envolvida em atividades remuneradas e/ou de subsistência..
82
O Jornal de Montes Claros, Montes Claros, 22 out. 1951, p.3.
52
Continuando seu artigo, Antônio Augusto Teixeira reconheceu a situação crítica em
que se encontrava a cidade, mas esclareceu: “Está claro que os homens de
responsabilidade não aplaudem, nem prestam apoio a estas manifestações incontidas da
cólera popular. São mais controlados, aguardam melhores dias. Mas os fatos si não
justificam, pelo menos explicam estas atitudes. (grifos meus). Os “fatos” aos quais se
refere é o caos urbano que, como reconhece o autor, gerava revolta sem entretanto ser
suficiente para justificar a atitude dos estudantes. Embora tenha se esforçado para camuflar
a realidade, o autor não pôde evitar o óbvio: havia uma “mal-estar” entre a população.
Por toda a década de 1950 permaneceram tanto essa tensão social como o esforço
da imprensa em abafá-la. Os estudantes voltaram a manifestar-se de forma enérgica em
março de 1959. Esse movimento foi desfechado contra o proprietário do Cine Cel. Ribeiro,
que só reconhecia como válidas as carteirinhas de estudantes por ele carimbadas. Apenas o
carimbo do DEMC Diretório do Estudantes de Montes Claros não era suficiente para
garantir o desconto para os estudantes no cinema. Irritado, o DEMC promoveu um protesto
em frente ao estabelecimento. Pressionado, o empresário se rendeu e suspendeu a prática
de carimbar as carteirinhas. Comentando o fato, “L. Pimenta”, no artigo “Estudantes X
Carimbo”, dizia-se preocupado:
Atravessamos uma era de insatisfação das massas ante a elevação
desordenada e constante do custo de vida. O desajuste social que se
observa atualmente nas grandes e pequenas metrópoles é o ponto de
partida para os condenáveis ‘quebra-quebra’ contra a propriedade
alheia.
84
(grifos meus)
O custo de vida era apontado por “L. Pimenta” como a causa profunda da revolta
dos estudantes.
83
TEIXEIRA, Antônio Augusto, Gazeta do Norte. Montes Claros, 08 nov. 1953, p.1
84
PIMENTA, L. “Estudantes X Carimbos”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 22 nov. 1959, p.1
53
A carestia atingiu níveis insuportáveis nos anos de 1958 e 1959, a ponto de
provocar um fato até então inusitado na Câmara Municipal. Na sessão do dia 28 de
novembro, os vereadores aprovaram uma moção de apoio ao movimento grevista dos
bancários mineiros que estavam há várias semanas em greve por uma aumento salarial de
35% . A longa moção de solidariedade dos vereadores termina dessa forma:
Considerando que os bancários, há anos espoliados em seus direitos e
pretensões, levando um padrão de vida verdadeiramente humilhante, não
podem mais se sujeitar a imposições de tal ordem, que não atendem aos
reclamos oriundos da astronômica elevação do custo de vida e, por isso, estão
mesmo dispostos a adotar medidas extremas que lhes garantam uma vida mais
condigna;
Considerando que cabe aos Senhores Vereadores, como legítimos
representantes do Povo, zelar pelo bem estar social do Povo, do qual a
população bancária é das mais honradas parcelas, RESOLVE:
Aprovar uma moção de irrestrita solidariedade ao movimento pró
aumento salarial dos bancários de Minas Gerais (...).
85
(grifos meus)
O contundente manifesto dos vereadores foi enviado às diretorias dos Bancos com
agências em Montes Claros, ao Governador do Estado, ao Secretário das Finanças do
Estado, ao Delegado Regional do Trabalho, ao Presidente do Tribunal Regional do
Trabalho, ao Diretor do Banco do Comércio e Indústria de Minas Gerais S/A, ao
Presidente do Sindicato dos Bancos de Minas Gerais, ao Sindicato dos Bancários de
Montes Claros e à Federação dos Bancários de Minas Gerais e Goiás.
A alta dos preços era geral. Entretanto, o preço da carne foi o que mais provocou a
reação da população. O Matadouro Otany tinha o controle exclusivo do abate de gado na
cidade desde julho de 1957, quando venceu a concorrência aberta pela Prefeitura. No final
de 1958 o preço subira em demasia. Os açougueiros, pressionados pela população,
culpavam o matadouro.
85
Pasta de amostragem documental da Câmara Municipal de Montes Claros. Ofício Nº 375/58.
54
Em janeiro de 1959 a crise atingiu o ápice. No dia 18, os Sindicatos dos bancários,
comerciários, trabalhadores da construção civil, condutores de veículos de tração animal e
as Associações Profissionais dos mecânicos, barbeiros e cabeleireiros e açougueiros, o
Círculo Operário e a União Operária dirigiram um veemente protesto ao Prefeito Alfeu
Gonçalves de Quadros contra o aumento da carne, concedido ao matadouro pela Comissão
de Tabelamento, “sem consultar a parcela mais interessada no problema que são os
consumidores”. Os sindicalistas exigiam a revisão do aumento, a formação de uma nova
comissão de tabelamento com a participação de representantes dos sindicatos e associações
de trabalhadores e a publicação do contrato existente entre a Prefeitura e o Matadouro.
Pressionado, o Matadouro propôs ao Sindicato dos açougueiros entregar-lhes as
suas instalações para que eles, os açougueiros, explorassem diretamente o abate de gado e
assim fornecesse carne a preços menores à população
86
. O sindicato recusou a proposta.
Por sua vez, o Prefeito fez publicar na imprensa e enviou à Câmara Municipal uma
cópia do contrato firmado entre a Prefeitura e o Matadouro Otany em julho de 1957.
O “problema da carne” foi objeto de calorosas discussões nas reuniões da Câmara
Municipal, em todas as sessões da segunda quinzena de janeiro de 1959. Os vereadores de
oposição ao prefeito Alfeu de Quadros (PSD) o criticavam de forma violenta. Na sessão do
dia 10 de janeiro o vereador Pedro Martins Sant’ana (PR) condenava o prefeito por “(...)
haver procedido o tabelamento da carne, defendendo apenas os interesses da firma
concessionária”.
87
As pressões se avolumaram e o prefeito convidou a Câmara para uma
reunião dia 25 de janeiro, para proceder o reexame no tabelamento da carne-verde da
cidade.”
86
Gazeta do Norte. Montes Claros, 22 jan. 1959, p.1
87
SANT’ANA, Pedro Martins. Livro de Atas da Câmara Municipal de Montes Claros. Sessão Nº 526, 19
maio 1959, p. 3
55
No dia 31 de janeiro tomava posse o novo Prefeito, Sr. Simeão Ribeiro Pires. No
mês de março, o sócio-majoritário do Matadouro Otany, Sr. Osmani Barbosa, colocou a
sua empresa à venda.
88
Não surgiu ninguém disposto a comprar o matadouro. O preço da
carne parece ter sido normalizado, pelo menos o assunto foi perdendo vigor nos debates na
Câmara e na imprensa.
Os outros produtos de consumo diário também estavam com preços elevados. A
Revista “Montes Claros em Foco” aborda o problema em uma reportagem intitulada “Es
provado: pobre vive é de teimoso”. A matéria é incisiva:
Montes Claros é uma cidade onde há problemas de todas as espécies,
os quais, com o passar dos anos, se vão tornando cada vez mais complicados e
de difícil solução. São problemas sociais, de ensino, administrativos,
econômicos, etc, que estão a clamar dos administradores o máximo de esforço
e boa vontade, no sentido de ser-lhes dada solução urgente, já que alguns
estão tomando aspecto de calamidade pública. (...) acima de qualquer outro, o
problema do custo de vida está exigindo a atenção dos homens públicos de
Montes Claros (...).
89
A matéria publica também uma tabela que apresenta a evolução dos preços no
município nos anos de 1957 e 1958:
Evolução dos preços em Montes Claros – 1957-1958
Produto Ano 1957- valores em cr$ Ano 1958 valores em cr$
Café (moído) 24,00 28,00
Arroz ( de 1ª ) 22,00 30,00
Banha 60,00 75,00
Feijão 14,00 18,00
Manteiga 90,00 140,00
Farinha 8,00 13,00
Cebola 15,00 30,00
Sal 5,00 9,00
Sabonete 7,00 15,00
Leite em pó 40,00 70,00
Toucinho 50,00 70,00
Carne 40,00 50,00
Lenha (metro) 110,00 240,00
Fonte: Revista Montes Claros em Foco.Montes Claros, jan/fev. de 1959, n. 10, p. 19.
88
Gazeta do Norte. Montes Claros, 29 mar. 1969, p. 1
89
Revista Montes Claros em Fóco. Montes Claros, Jan./Fev. 1959, Nº 10, p.19
56
Contra a carestia mobilizaram-se as donas de casas de Montes Claros. No início de
fevereiro de 1959 foram distribuídos vários panfletos convidando as mulheres a
comparecerem a uma reunião no dia 15, no antigo prédio do Instituto Norte Mineiro de
Educação, com a finalidade de criar a “União Feminina de Montes Claros”. O panfleto
abordava a questão do alto custo de vida e dizia que “a mulher montesclarense tem
condições de dar solução a muitos problemas”.
Na reunião foi fundada a “Associação Feminina das Amigas do Progresso de
Montes Claros”, tendo como presidente Sebastiana Figueiredo e como secretária Wanda
Aguiar. A finalidade era “(...)cooperar com os poderes constituídos no fomento ao
progresso geral e, consequentemente, dar ao povo melhores condições de vida.”
90
Essa
associação parece ter sido abandonada em favor da Associação da Donas de Casa de
Montes Claros, fundada em 07 de março, com a mesma presidente e secretária da outra
associação. Na carta à Câmara, a Associação da Donas de Casa diz que tem por
finalidade, colaborar com as autoridades constituídas, no combate à carestia de vida”
91
Nos meses de março e abril a entidade reuniu centenas de assinaturas da população
e no dia primeiro de maio apresentou à Câmara Municipal um abaixo-assinado com mais
de 1.300 assinaturas. A reivindicação era “o empenho da Câmara no sentido de tomar
providências para ser criado nesta cidade, com urgência, um Posto de Abastecimento para
vender gêneros alimentícios e artigos de primeira necessidade à população, por preços
acessíveis.”
92
A entidade empreendeu uma vigorosa passeata pelas ruas centrais da cidade. Para
simbolizar a carestia e mesmo a fome da qual muitas famílias já eram vítimas, as donas de
90
Pasta de Amostragem documental de 1959 da Câmara Municipal de Montes Claros.
91
Idem.
92
Idem.
57
casa levaram as panelas vazias para a rua fazendo um barulho enorme e provocando um
ambiente desolador.
93
No dia 09 de maio, a Câmara Municipal realizou uma sessão extraordinária para
discutir o problema e suas possíveis soluções. As donas de casa foram à reunião e afixaram
no “plenário” vários cartazes com suas reivindicações. Pressionados, os vereadores
comprometeram-se a se dirigirem ao Presidente da República, Governador do Estado,
Ministro do Trabalho e a outras autoridades para que fossem instalados na cidade vários
postos de abastecimento de alimentos. Apesar da solidariedade dos edis às donas de casa, a
reunião foi um pouco tensa. Assustados, os vereadores hipotecaram apoio ao movimento,
mas foram cautelosos. O presidente da casa, vereador João Valle Maurício, pedia “(...)aos
vereadores e ao povo em geral, para procurarem solucionar o assunto dentro da ordem e
da justiça, de maneira a não por em perigo a tranqüilidade da família montesclarense”.
O vereador José Laércio Peres de Oliveira, também esclarecia: “Somos contra o ‘quebra-
quebra’, porque somos pela ordem, justiça e tranqüilidade da família brasileira.”
94
A mobilização das donas de casa surtiu alguns efeitos. Embora não resolvesse as
causas da carestia e nem possuísse poder para tal, suas reivindicações provocaram a
mobilização dos poderes públicos para ampliar na cidade os armazéns do S.A.P.S.
Serviço de Alimentação da Previdência Social. No dia 14 de maio de 1959 o delegado do
S.A .P. S. em Minas Gerais, Reinaldo Bertto, esteve em Montes Claros estudando medidas
para aprimorar o serviço daquele órgão.
95
O S.A P.S. fornecia artigos como arroz, açúcar,
feijão e café a preços inferiores aos de mercado.
93
Depoimento da Sra. Wanda Pereira Dias, doméstica aposentada, no dia 24 de abril de 2000 em Montes
Claros.
94
PERES, José Laércio. Livro de Atas da Câmara Municipal de Montes Claros. Sessão Nº 548, 05 maio
1959.
95
Gazeta do Norte. Montes Claros, 14 maio 1959, p.1
58
Além da ampliação do S.A.P.S., postos de abastecimento da Polícia Militar
passaram a fornecer artigos de primeira necessidade a preços mais acessíveis. Essas
medidas paliativas arrefeceram os ânimos. No dia 17 de junho, a presidente em exercício
da Associação das Donas de Casa, Arlete Lopes Vemuto, escreveu à Câmara agradecendo
pelo seu “enérgico pronunciamento” favorável às suas reivindicações.
Em suma, Montes Claros viveu a euforia da era de ouro do Brasil a década de
1950 de uma forma bem específica. A pecuária, setor vital da economia do município,
teve um bom desempenho e, por isso, a Associação Rural, juntamente com a Prefeitura,
organizou a grande festa do Primeiro Centenário de Montes Claros.
O Centenário foi uma “tradição inventada” pelas elites de Montes Claros. Seus
objetivos foram: solidificar relações sociais de dependência e dominação da população por
meio da transmissão de valores e regras de comportamento; construir a imagem de uma
nova cidade, próspera e pacífica, em âmbitos estadual e nacional e, por fim, servir como
estratégia de atração de investimentos públicos para o município.
Entretanto, os sonhados investimentos em infra-estrutura, pré-requisitos para a
industrialização, não ocorreram. A principal conquista do município e do Norte de Minas
durante a execução do programa desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek foi a inclusão
da região na área de atuação da SUDENE. Foi através dessa que as demandas por serviços
de transporte e energia elétrica foram sendo atendidas e foi graças aos seus incentivos
fiscais que se efetivou a industrialização da cidade.
Se para as elites montesclarenses a década de 1950 foi um período de crescimento e
euforia relativos, para a maioria da população foi um tempo de grandes dificuldades: agudo
desemprego e acentuada elevação do custo de vida, principalmente ao final da década.
59
Mas a população não se omitiu: estudantes, operários e donas de casas reagiram
energicamente à exploração a que estavam expostos, usaram dos meios que lhes foram
possíveis dentro de uma sociedade conservadora, onde as manifestações populares
desatreladas dos tradicionais líderes políticos eram, até então, algo completamente inédito
e “absurdo”, já que a política era algo reservado para os “aptos”, destinados a esta função,
“talhados” para a liderança e para o domínio.
60
Capítulo II: A sacralização da instância do político
Quando nas eleições de outubro de 1950 a população montesclarense
elegeu Enéas Mineiro de Souza para governante de seus destinos, foi porque o
povo sabe sempre quais são os seus verdadeiros líderes, instintivamente
distingue entre as massas aqueles que nasceram predestinados a dirigir essas
mesmas massas ... afirmamos que o povo de Montes Claros acertou escolhendo
para arcar com as grandes responsabilidades de guiá-lo pela estrada do
progresso, um homem de qualidades excepcionais, de aptidões diretivas raras
nos dias presentes...
96
Para Montes Claros, o desenvolvimentismo representou uma grande esperança:
faltava energia não só para industrialização como também para consumo doméstico, e as
estradas da região eram precaríssimas. As elites locais, predominantemente agrárias,
mobilizaram-se para inserir o município nos programas de investimentos públicos. O mais
significativo desses esforços políticos foi a festa do Centenário da cidade comemorado a
03 de julho de 1957, assunto abordado no capítulo I.
Na mobilização das elites constava também, evidentemente, a estratégia eleitoral. É
nesse sentido que as candidaturas governistas foram respaldadas pelos grupos locais que,
apesar das divergências em âmbito municipal, apoiavam os mesmos nomes e projetos em
níveis estadual e federal.
Dessa forma, a preservação das relações de dominação política, firmada em práticas
coronelistas, era necessária aos projetos políticos e econômicos das elites. A análise da
situação econômica e social dos anos 40 e 50 no município descortina um quadro não
muito alentador e contribui para se compreender essas relações políticas. O problema do
desemprego era grave. Ao final da década de 1950 apenas 28,8% da população estava
96
O Jornal de Montes Claros. Montes Claros, 05 dez. 1951, pp. 1 e 5.
61
empregada.
97
Os serviços de água, esgoto e iluminação eram precaríssimos, atendiam a
(respectivamente) 12% , 10% e 18% da população urbana
98
. O analfabetismo também era
alto: 74, 63 % da população não sabia ler ou escrever em 1950
99
.
É nesse cenário que a figura política do coronel se destaca. Desprovida de renda,
serviços públicos decentes e instrução razoável, a população é afastada do exercício livre
de seus direitos políticos, seu papel restringe-se a votar no homem, “dotado de virtudes
especiais”, capaz de guiá-la e de “resolver o problema” por ela. A sacralização do líder e
da instância do político, os papéis e os significados do coronel nessas relações políticas, a
teatralização do poder em pequenos episódios durante e depois das campanhas eleitorais, a
prática do favor como marca das relações eleitor-coronel, coronel-coronel e coronel-
governo (estadual e federal) serão os objetos de análise deste capítulo.
2.1 – Os Significados do Coronelismo
... sempre cercado de amigos e admiradores Domingos Lopes procura
servir a todos, não poupando esforços, não economizando nem tempo nem
dinheiro, dentro de suas possibilidades. São sem conta os que recorrem a sua
magnanimidade à procura de médico e de remédio e outros amparos.
Domingos Lopes é com justa razão o chefe ouvido e acatado por que faz justa
consideração que lhe dispensam os que se colocam sob a sua proteção e sob a
sua orientação, uma vez que compreendem que ele só procura o benefício de
todos e a grandeza de sua terra.
100
As relações sociais e políticas estabelecidas em Montes Claros nos anos 40 e 50
marcavam-se pela dependência mútua entre seus agentes, pela prática do favor e dos
97
Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1956. Censo Demográfico de 1980. V. I, Tomo XVI.
Rio de Janeiro: IBGE, 1980.
98
Censo Demográfico de 1960. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1960, vol. 1, tomo IX.
99
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.
100
Gazeta do Norte. Montes Claros, 27 jul. 1950, pp. 1-2
62
compromissos. As diversas relações - lideranças-povo, lideranças-lideranças, Município-
Estado-União travadas no cotidiano e acentuadas nos períodos eleitorais, compõe um
modelo de dominação social e política. Contudo, tal dominação é limitada pelo caráter
recíproco da dependência imposto pelo sistema eleitoral, que garante ao indivíduo o
direito ao voto e obriga o candidato a conquistá-lo e pelas estratégias populares de
participação política, sejam elas de forma submissa ou insurgente. É a esse conjunto de
relações que damos o nome de coronelismo em Montes Claros.
Na literatura que trata do tema do coronelismo há diferentes visões acerca de seus
fundamentos, origens e decadência. Talvez o único ponto em que haja absoluto consenso
seja quanto ao seu período de auge: a Primeira República.
101
A tese de Leal, de 1948, primeiro grande trabalho que versa acerca do assunto,
continua sendo a mais citada e conserva um lugar de destaque na historiografia. Segundo o
autor, o coronelismo foi o sistema político da Primeira República que articulava as três
esferas do poder público Municípios, Estados e União, em uma complexa rede
interdependente, sustentada por favores e compromissos.
Para Leal, o coronelismo foi possível dada a confluência de dois elementos
díspares: um sistema político de extensa base representativa a república federativa eletiva
e uma estrutura econômica arcaica, dominada pelo latifúndio.
101
Os autores convergem quanto a este ponto. Ver:
CARONE, Edgard. A República Velha. (Instituições e Classes Sociais ). São Paulo: Difel, 1972.
CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados, escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG,
1999.
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro. São Paulo: Globo,
2000. Vol. I e II
GUALBERTO, João. A Invenção do Coronel. Vitória: UFES, 1995.
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. Coronelismo: uma política de compromissos.São Paulo: Brasiliense,
1981.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. “O Coronelismo numa interpretação sociológica” In: FAUSTO, Bóris
(dir.)História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil republicano estrutura de poder e economia (1889-
1930).São Paulo, Difel, 1975, T.III.
63
O caráter recíproco das relações de poder, a assimetria entre economia e política e a
prática do favor como moeda política, apontados por Leal, foram assimilados por outros
autores.
Há, entretanto, diferentes posições quanto às origens e início do coronelismo.
Enquanto Leal as encontra na passagem Império-República, há autores que as identificam
na Colônia e no Império. Carone, Faoro e Janotti
102
, embora reconheçam que a política
coronelista só se consolidou na Primeira República, explicam a emergência do fenômeno a
partir da institucionalização do poder dos chefes locais efetuada pelas patentes da Guarda
Nacional criada em 1831.
Outra perspectiva é a de Gualberto.
103
Segundo este, o coronelismo tem suas raízes
plantadas nos primórdios da colonização portuguesa, quando a concentração de renda e
poder e o sistema escravocrata, associado ao latifúndio, fizeram surgir os potentados rurais.
A estes integravam-se os homens livres sem posses à procura de proteção e à disposição
para realização dos mais diversos serviços. Nos potentados rurais, não obstante o caráter
violento das relações dominador-dominado, havia um componente afetivo e religioso que
amenizava essas relações, fortalecendo-as e fazendo aparecer os princípios de
solidariedade e reciprocidade. Neste contexto, a figura do chefe, do senhor, instituía-se,
tornando-se uma referência simbólica da sociedade. Assim sendo, a estrutural colonial
forjou o coronelismo:
Os latifundiários encarnaram o poder e o Estado. Foi através deles que
o Estado existiu e se manifestou...Durante o período colonial, a sociedade
brasileira construiu progressivamente seus personagens políticos. O
102
CARONE, Edgard. Op. cit.
FAORO, Raymundo. Op. cit.
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. Op. cit.
103
GUALBERTO, João. Op. cit.
64
personagem central engendrado por este processo histórico foi o latifundiário,
pai simbólico do coronel republicano.
104
Outro ponto polêmico é quanto ao papel do personagem principal do sistema: o
coronel.
O coronel é alguém que dispõe de um certo poder econômico, tem condições de
prestar favores e é dotado do carisma para liderar, conforme Queiroz, que destaca também
a força das parentelas nas composições coronelistas.
Segundo esta autora, a posse de bens econômicos é indispensável ao exercício da
chefia coronelista. Entretanto, apenas a fortuna não garante a liderança. Sem o dom
especial para liderar, o carisma, a capacidade de despertar admiração e obediência, o poder
coronelista não poderia ser exercido. Esta visão pode ser também encontrada em Faoro.
105
Para o autor de Os donos do poder
O coronel , antes de ser um líder político, é um líder econômico, não
necessariamente, como se diz sempre, o fazendeiro que manda nos seus
agregados, empregados ou dependentes. (...) Se a riqueza é substancial à
construção da pirâmide, não é fator necessário, o que significa que pode haver
coronéis remediados, não senhores de terras (...). Ocorre que o coronel não
manda porque tem riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder,
num pacto não escrito.
(...)
A origem do seu poder, mais do que a situação econômica, deriva do
prestígio, da honra social, tradicionalmente reconhecido.
106
Segundo Faoro, a “investidura coronelesca” é sempre feita pelo governador do
Estado, ou pelo grupo que o controla. Em âmbito municipal, o coronel era a liderança
econômica, a proteção dos camponeses e dependentes, o elo de ligação com o mundo
104
GUALBERTO, João. Op. cit. pp. 37-38.
105
FAORO, Raymundo. Op. cit.
106
FAORO, Raymundo, op. cit. pp. 242-243 e 258
65
“exterior”. Assim, o poder do coronel, provém da riqueza, mas não apenas dela, ele
legitima-se no seu reconhecimento social e na sua investidura pelo Estado.
Contudo, enquanto autores como Faoro e Queiroz enfatizam o carisma e a honra e
tradição sociais como fontes de poder do coronel, Leal
107
caminha em outra direção. Para o
autor, a fonte do poder coronelista é a grande propriedade da terra. É no cenário rural e nas
cidades interioranas, dominadas pelo latifúndio, que o coronel, normalmente um grande
fazendeiro, exerce seu poder sobre uma população dependente, não instruída e não
assistida pelo Estado. Outra diferença de Leal em relação a Faoro e Queiroz é quanto a
extensão do poder dos coronéis. Enquanto os dois últimos enxergam o chefe local como
expressão clara da força do poder privado (apoiado em grandes parentelas, segundo
Queiroz), Leal o descreve como expressão da decadência do poder privado que, incapaz de
se manter sozinho, alia-se, em condição de inferioridade, ao poder público em progressivo
fortalecimento.
Outra é a tese de Souza:
Vejo o poder dos coronéis sendo determinado por um conjunto de
elementos que interagem mutuamente, com destaque para a política
assistencialista-paternalista e clientelista que se desenvolve, principalmente,
no âmbito da máquina administrativa local... A concessão dessas políticas
quase sempre é atribuída à “bondade”, à “generosidade”, dos chefes, e não à
distribuição impessoal de recursos de competência burocrática da máquina
administrativa local, estadual e federal.
108
O mais interessante no autor citado é que ele vê o coronelismo como resultante de
um “conjunto de elementos”, embora dê ênfase no papel da “política assistencialista-
paternalista”.
107
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978.
108
SOUZA, João Morais de. “Discussão em torno do conceito de coronelismo da propriedade da terra às
práticas de manutenção do poder local”. In: Caderno Estudos Sociais. Recife: v. 11, n. 2. jul/dez, 1995. p.
325.
66
A tentativa de se encontrar um “elemento determinante” do poder do coronel
parece-me extremamente problemática. A análise dos personagens políticos de Montes
Claros, em meados do século XX, revelam a interação de elementos diversos poder
econômico, tradição ou “honra social”, carisma, política assistencialista, violência, fraude e
propaganda ideológica pela imprensa como fonte do poder dos coronéis locais.
Portanto, neste trabalho, coronel é uma liderança social, política e econômica que
se utiliza de variadas estratégias para conquistar, exercer e manter seu poder. As formas de
obtenção, legitimação e perpetuação do poder, neste trabalho, podem ser reunidas em dois
grupos: medidas “não práticas” como a propaganda, os discursos e a teatralização do
poder; e medidas práticas como a prestação de favores pessoais, a violência e a fraude.
A maior polêmica a respeito do coronelismo reside, entretanto, quanto à sua
decadência. O consenso acadêmico em torno do período áureo do coronelismo a Primeira
República apresenta-se, em parte, na discussão do seu declínio. Todos os autores
trabalhados aqui admitem significativas mudanças nas relações de poder após 1930, ou
mesmo o completo desaparecimento do coronelismo nesta data. A discussão é quanto à
intensidade dos impactos da “Revolução de 1930” sobre o coronelismo. Seriam eles
parciais, totais ou ocorreu apenas uma reacomodação com a ascensão de Getúlio Vargas ?
Autores que defendem a decadência definitiva do coronelismo em 1930 Faoro,
Leal e Carvalho apontam a centralização do poder, os processos de urbanização e
industrialização e o aperfeiçoamento das instituições jurídicas e eleitorais como fatores
determinantes de uma nova realidade social e política, incompatível com as práticas
coronelistas.
Outra proposta de entendimento dos impactos do movimento de 1930 está em
Queiroz, Janotti, Souza e Gualberto. A primeira, embora concorde com a tese de que as
67
mudanças sócio-econômicas e jurídicas desarticularam o coronelismo,
109
reconhece que as
práticas coronelistas foram incorporadas por novas lideranças e partidos políticos, após a
queda do Estado Novo (1945):
... existe uma linha de continuidade interna de nossa política; ela se
evidencia, por exemplo, no aparecimento do novo tipo de coronelismo, o
coronelismo urbano, para integrar na política brasileira elementos novos;
assim os fenômenos que vão aparecendo adotam formas já conhecidas para se
incorporarem no que existe.
110
Janotti, por sua vez, rechaça de forma contundente a tese da decadência do
coronelismo. A autora não ignora as transformações dos anos 30 e 40, que faziam surgir
“novos comportamentos políticos” e exigiam “novas acomodações”. Entretanto, “nessa
nova conjuntura dos grandes centros urbanos, há certos traços de parelelismo entre a
figura do coronel e a dos chefes populistas” porque “Ambos utilizam na conquista do
eleitorado o empreguismo, o favoritismo, a barganha eleitoral, o compadrio e a
violência.”
111
Na interpretação de Janotti, as práticas políticas são reelaboradas, mas sem
provocar rupturas profundas:
Autores insistem no ocaso do coronelismo, talvez por não terem se
detido na observação dos seus novos compromissos. Até a revolução de 30
modificações são registradas nas relações coronelísticas, mas não a ponto de
determinar sua extinção. Não há dúvida que Getúlio Vargas se valeu dos
coronéis do sertão, dos estancieiros gaúchos e mesmo dos fazendeiros
paulistas para tomar o poder e nele se manter. O mesmo poder-se-ia dizer de
todos os governos da República, até hoje.
O coronelismo demonstra, portanto, ter uma estrutura bastante
plástica, adaptando-se a sucessivos momentos históricos.
112
109
Essa posição é defendida pela autora em QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. “O coronelismo numa
interpretação sociológica...”.
110
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. O Mandonismo local na vida política brasileira. São Paulo: Instituto de
Estudos Brasileiros, 1969, p. 29.
111
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. “O coronelismo ainda é uma questão historiográfica ?”. Texto
mimeo. Apresentado na Mesa Redonda: “Questões Interpretativas da República: Coronelismo, Revolução
e Populismo” . ANPUH. Belo Horizonte, 1997.
112
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. “O coronelismo ainda é uma questão historiográfica ? ...”
68
Souza
113
também reconhece que com a revolução de 1930, o coronelismo “foi
alterado”, mas não eliminado. Segundo o autor, o período de 1930-1992 corresponde ao
“Coronelismo em mutação”. Ao estudar o coronelismo no Nordeste, ele identifica a
“política assistencialista-paternalista”, conforme citação anterior, como o instrumento
mantenedor das relações coronelistas.
O coronelismo é um elemento político importante no final do século XX e foi um
dos componentes decisivos na eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994, para João
Gualberto.
114
Segundo o autor, o imaginário político brasileiro compõe-se de três grandes
vertentes: o coronelismo, o populismo e a tecnoburocracia, sendo a primeira a matriz das
duas últimas.
Na perspectiva de Gualberto, as novas lideranças emergentes nas décadas de 1930 e
1940 o populista e o tecnocrata foram formadas dentro dos valores coronelistas da
Primeira República e, além disso, faziam parte, ou compartilhavam, do pensamento
modernizador-autoritário de uma elite intelectual que ser formou no Brasil nas primeiras
décadas do século XX, não representando nenhuma ruptura em relação aos coronéis.
Assim como Janotti, Gualberto também identifica coronéis em plena atividade em
meio às novas lideranças do pós-30, porque Getúlio Vargas, embora tenha se tornado o
centro do imaginário político nacional, não rompeu com o imaginário coronelista
precedente: “Vargas atacaria os coronéis, seres vivos feitos de carne e osso, sem atacar os
elementos centrais da instituição imaginária do coronelismo.”
115
Os “elementos centrais”,
conforme o próprio autor, eram a violência, o paternalismo autoritário e a exclusão da
113
SOUZA, João Morais de. Op. cit.
114
GUALBERTO, João. Op. cit.
115
GUALBERTO, João, op. cit. p. 192.
69
população da cidadania, da livre expressão política. Assim sendo, o próprio Vargas
transformou-se num “Grande coronel nacional”.
A profunda impregnação da sociedade brasileira pelo imaginário do coronel,
possibilita a sobrevivência do coronelismo, mesmo que os coronéis desapareçam, porque
“As práticas políticas do coronelismo sobreviveram `a desaparição progressiva dos
coronéis” e “Até hoje, as práticas políticas do coronelismo sobrevivem graças à ação de
seus herdeiros políticos: os tecnocratas e os populistas”
116
.
Enquanto diversos autores debatem as transformações/permanências do coronelismo,
Carvalho aponta o seu fim em 1930. Preocupado com os conceitos, imbuído da tarefa de
fixá-los, o autor defende o conceito de coronelismo de Leal sistema político da Repúbica
Velha que foi fruto da inadequação do sistema político ao sistema econômico e impõe
uma camisa-de-força às pesquisas acerca do poder local após 1930 ao asseverar: “O
coronelismo não existiu antes dessa fase e não existe depois dela”
117
.
Uma definição como esta é bastante problemática. De fato, o coronelismo tal como
conceitua Carvalho, inspirado em Leal, desapareceu após 1930. Mas, seria possível fixar o
“verdadeiro” conceito de coronelismo? Fazer isso, ou seguir tal conceito, seria negar a
própria história, que é sempre criação, imprevisibilidade. A rigidez conceitual proposta por
Carvalho aprisiona a história e inviabiliza sua compreensão, na medida em que cria
padrões fixos e modelos explicativos.
Para Carvalho, as relações de poder local após 1930, longe de ser coronelistas, eram
clientelistas. Por clientelismo ele entende ...um tipo de relação entre atores políticos que
envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, vantagens fiscais,
116
GUALBERTO, João. Op. cit. pp. 14 e 219.
117
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p.132.
70
isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto”
118
. Na visão do autor, o
clientelismo aumentou com o fim do coronelismo, porque “`a medida que os chefes
políticos locais perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles deixam de
ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com os eleitores,
transferindo para estes a relação clientelista.” Assim, se admitíssemos os conceitos de
coronelismo e clientelismo fixados por Carvalho, eles seriam incapazes de explicar o caso
de Montes Claros, onde os coronéis dispunham de larga margem de ação, “controlavam”
votos, usavam seus bens privados para favorecer e proteger eleitores e eram intermediários
interessantes ao Estado.
Em trabalho recente, Fortunato
119
propõe uma discussão inovadora acerca do
coronelismo. A autora não apresenta novos conceitos, pelo contrário, critica os diversos
conceitos de coronelismo e sua aplicação a diferentes casos, sem limites de tempo e
espaço. Fortunato procura entender a história da construção dos conceitos de coronelismo e
de coronel, investigando as condições e os interesses que presidiram tal construção.
Segundo a autora, os autores que desenvolveram o tema nos anos 40 em diante, a
partir de Leal, tiveram como fonte principal os discursos de políticos e intelectuais dos
anos 20, que criticavam os vícios da Primeira República e pregavam a centralização do
poder e a constituição de um Estado forte, acima das oligarquias regionais. Assim, tais
autores teriam “inventado” os conceitos de coronel e coronelismo para depreciar as
relações de poder da Primeira República e para justificar as novas conjunturas econômicas
e sociais do pós-30 – industrialização e Estado centralizador e, por isso, o movimento de
1930 apareceria como um fato histórico que “consolidou a queda das oligarquias e mudou
118
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 134.
119
FORTUNATO, Maria Lucinete. O coronelismo e a imagem do coronel: de símbolo a simulacro do poder
local. Campinas: UNICAMP, 2000. (tese de doutorado)
71
a cara do país”, em quase todos os trabalhos que versam acerca do coronelismo.
Curiosamente, como salienta a própria autora, o primeiro trabalho acadêmico acerca do
coronelismo só surge em 1948 com Leal. Ou seja, neste momento, a ideologia do Estado
Novo já se desgastara e esse discurso acadêmico já refletia um outro tipo de conjuntura e
idéias. Para Fortunato, a grande questão no pós-Estado Novo era “reimplantar” a
democracia sem os defeitos do coronelismo: “Como será possível o Estado reassumir um
papel ‘liberal’ sem se retornar aos mandos dos ‘coronéis’ ? Ou seja, que mudanças
precisariam ser efetuadas para que esse ‘Estado’ passasse por uma ‘redemocratização’
sem que houvesse um retorno ao fortalecimento do ‘poder privado’ ...? ”
120
Para responder a essas questões, os conceitos de coronelismo e coronel foram criados e
institucionalizados para “diferenciar democracia e liberalismo de coronelismo”.
A ideologia dos anos 40 e 50 explicaria ainda, segundo Fortunato, a sobrevivência do
conceito de coronelismo e sua validade para casos posteriores a 1930, dado o deslocamento
da abordagem do fenômeno do âmbito nacional para o regional. Esse deslocamento
também seria “ideológico”: o Nordeste, rural e “atrasado”, seria o local de permanência do
coronelismo, enquanto o Centro-Sul, urbano e “moderno”, teria assistido ao fim inevitável
daquele sistema político.
A crítica de Fortunato à construção de coronelismo e coronel reflete também uma outra
concepção de poder e política. Segundo a autora, em todos os trabalhos acerca do
coronelismo
Percebe-se, então, que o poder é visto ... como algo que, apesar de se
constituir como dominação privada, se encontra centralizado e localizado no
Estado. Dessa forma, reduz-se à política, e se apresenta como estrutura e não
como relação, como tradição e não como um fluxo permanente de luta no qual
120
FORTUNATO, Maria Lucinete. Op. cit. p. 88
72
as forças envolvidas não obedecem à uma destinação ou a uma mecânica, mas
ao acaso da própria luta.
121
Essa crítica ao caráter institucional da política, enfatizado no discurso coronelista
acadêmico, parece ser a maior contribuição de Fortunato que, inspirada em Michel
Foucault, postula que “o poder está presente nos mais finos mecanismos do intercâmbio
social. Ele produz e é produzido permanentemente nas relações sociais ...”
122
A abordagem do coronelismo em Montes Claros que efetuamos procura apreender
essas relações de poder não apenas no âmbito institucional. Uma preocupação deste
trabalho é verificar a margem de liberdade e ação dos eleitores assunto que tem uma
tímida ou nenhuma abordagem nos autores diversos (evidentemente, isso deve-se, em
parte, às características do período que eles analisam a Primeira República). Embora
autores como Janotti e Leal relatem as obrigações do coronel para com o eleitor, não há,
em seus trabalhos, uma abordagem clara do papel ativo da população no jogo político.
Neste trabalho procura-se o entendimento da relação coronel-população de forma
dinâmica, a visão da dependência como relativa e limitada pelas estratégias populares de
participação política. Essa será, basicamente, a temática do capítulo III.
2.2.- O coronel sacralizado
Como já foi dito anteriormente, o poder do coronel advém e é construído de um
conjunto de fatores e estratégias. Tentar encontrar um aspecto determinante desse poder
parece-nos inviável, porque seria simplificar a análise e comprometer a compreensão do
tema.
121
Idem, p. 43.
73
Em Montes Claros, o coronel apresenta-se e é apresentado como indivíduo acima
dos homens normais, não apenas por seu poder econômico ou influências, mas também
pelos dotes especiais de nascimento ou formação acadêmica. As representações do “guia”,
o “condutor de massas” inato, dotado por Deus para orientar e “conduzir os destinos” ou o
profundo conhecedor da sociedade por sua “cultura”, são enfatizadas no sentido de projetar
a liderança e a instância do político para uma dimensão superior, não acessível a todos. É o
Mito do Salvador
123
que está presente nessas imagens: o “coronel” toma a forma do
salvador, encarna a esperança da população, dá-lhe a certeza da ordem e segurança sociais
e da realização das suas aspirações.
Esse conjunto de imagens é mobilizado para construir o líder político, para
conferir-lhe uma dimensão extraordinária. Episódios como datas de aniversários,
inaugurações e falecimentos eram os momentos de maior efervescência do imaginário do
caráter sobrenatural do líder.
Velhos coronéis como Antônio dos Anjos, Camilo Prates e Filomeno Ribeiro eram
apresentados como “padrão de exemplo e virtudes”, “exemplo simbólico das virtudes
superiores”. Embora a década de 1950 tenha assistido ao surgimento de novas lideranças,
isso não significou mudanças rupturais: as lideranças tradicionais e as emergentes
mantiveram uma relação harmoniosa, confundiam-se, compartilhavam das mesmas idéias.
Os “novos” coronéis também se serviam dessas representações. Autoridades, como o
médico Antônio Teixeira de Carvalho prefeito nomeado durante o Estado Novo , eram
apresentadas enquanto o “guia admirável de uma coletividade”. O médico citado trazia
122
Idem, p. 3.
123
GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
74
“em si a predestinação desses vultos que vêm fadados para um destino amplo e
grandioso” e era “ um fiador perfeito dos destinos do município”
124
.
O prefeito Capitão Enéas Mineiro de Souza 1951-1955 - foi o exemplo mais
acabado de culto à personalidade, de sacralização. Ele viera do Nordeste, atuou como
militar no Estado de Pernambuco na perseguição ao grupo de Lampião e enriqueceu-se
como empreiteiro da Central do Brasil, na expansão da ferrovia pelo Norte de Minas. Ele
era “uma figura singular de desbravador e homem de ação”; seu arrojo despertava uma
admiração e, pode-se dizer, adoração, por sua varonil pessoa
125
.
Após sua ascensão à prefeitura, intensificou-se sua glorificação. Além do Gazeta
do Norte, O Jornal de Montes Claros, propriedade do prefeito, empreendeu uma vigorosa
campanha para construir o “Mito Capitão Enéas”. Ele era apresentado como “um raio de
sol”, um “juiz e administrador” que, “predestinado a dirigir essas massas”, cumpria uma
“missão sagrada”. Em dezembro de 1951, o estudante Adão Fé Souza assim o saudava
numa formatura: “É uma honra para mim saudar a V. Excia. em quem vemos um idealista
e um realizador, um homem digno de por todos os títulos da nossa admiração, ou antes, da
nossa veneração.”
126
Sua administração privilegiou as obras visíveis e grandiosas, como
calçamento de ruas e abertura de estradas. A situação financeira da prefeitura era precária,
para a imprensa só um homem “clarividente”, dotado de virtudes especiais, poderia realizar
tantas obras: “O Capitão Enéas Mineiro parece até uma personagem de contos de fada. É
como se possuísse uma varinha de condão. Tudo cresce e progride sob os seus
cuidados”.
127
124
Gazeta do Norte. Montes Claros: 05 jul. 1941, p. 1.
125
Gazeta do Norte. Montes Claros: 12 jul 1950, pp.1 e 4
126
O Jornal de Montes Claros. Montes Claros: 13 dezembro 1951.
127
Gazeta do Norte. Montes Claros: 11 fev. 1951, pp. 1 e 4.
75
O Jornal de Montes Claros foi o instrumento principal da propaganda política do
Capitão Enéas Mineiro. Ao ler o jornal têm-se a sensação que o empresário e prefeito era,
de fato, um homem acima dos demais, um ser extraordinário. As virtudes e imagens do
Capitão Enéas eram destacadas em perfeita sintonia com os valores políticos de Montes
Claros: a admiração por virtudes como o arrojo, a coragem, o trabalho, a autoridade. O
personagem parecia reunir em si todos aqueles valores. Em um artigo denominado “A vida
trepidante do Capitão Enéas Mineiro de Souza”, Bergerac descreve a formação do
homem. Embora extenso, vale a pena registrá-lo:
A 12 de fevereiro de 1898 nascia nos arredores de Campina Grande,
na lendária Paraíba, robusta criança, que recebeu o nome de Enéas. E bem
dado lhe foi o nome, pois a sua vida cheia de aventuras e de lutas e de vitórias,
assemelha-se ao do seu homônimo da mitologia.
Robusto no físico e vivo na inteligência, o pequeno Enéas fazia a todos
sentir os traços fortes e inconfundíveis de uma personalidade marcante.
Irrequieto, possuindo a fibra inquebrantável do nordestino, anseava
por aventuras, trazendo em sobressalto constante seus austeros e amorosos
pais.
Refreando suas tendências, derivava-as para os folguedos infantis,
constituindo-se desde logo o chefe e o conselheiro da garotada que, com ele
compartilhava das primeiras luzes escolares tornando-se, dentre os pequenos
o maior !.
Nas rusgas comuns entre a petizada, era a sua voz, imperiosa e
respeitada, que decidia sempre. Era o árbitro acatado, porque, colocando-se
na defesa dos mais fracos, reprimia as injustiças, advertindo aqueles que
abusavam da superioridade física ou social, para oprimir aos fracos e aos
humildes. Este foi o traço característico, que na sua infância o impôs como um
Juarez e mais tarde o tornou um grande consultor de massas.
Aos doze anos, tornando-se órfão de pai, embrenhou-se pelo sertão
nordestino, enfrentando prematuramente os árduos trabalhos com que a vida
se lhe abriu.
Já com o peso de uma súbita responsabilidade, sem o amparo paterno,
enveredou-se na agitação para que havia sido talhado ... E foi assim que o
pequeno Enéas, com o destemor que ainda o caracteriza, se transferiu para
Sergipe, empregando-se num engenho de açúcar.
E o seu salário era cinqüenta centavos diários, quinhentos reis
antigamente. Mas, para ele era uma pequena fortuna. E imaginem que dos
cinqüenta centavos, dos antigos quinhentos reis, ainda tinha que tirar o seu
sustento.
As mãos calejadas ou sangrentas pelo labutar com as afiadas folhas da
cana ou com o manejo cansativo da enxada, sentiam a suavidade da água
76
cristalina, quando, no velho hábito que ainda lhe persiste, á madrugada lavava
o rosto jovem e já enrugado, para depois entregar-se ao seu banho da
madrugada.
Lá permaneceu seis meses, no fim dos quais, tendo no pé de meia as
parquíssimas economias, adquiriu dois muares e entregou-se à nova vida.
Tornou-se ‘cambiteiro’, isto é transportava a cana do canavial para o
engenho... Era já um pequeno senhor !
E o nosso herói progredia sempre. Não conhecia fadiga ou cansaço.
Sempre disposto e jovial.
A vida no engenho tornara-se-lhe monótona e resolveu ‘correr o
mundo’. Ei-lo logo a percorrer todo o nordeste a lombo de burro, dormindo ao
relento, no exótico abrigo de um couro de onça ...
E assim, os anos iam se passando, aperfeiçoando as suas naturais
tendências para o bem e para a justiça, indo sempre ao encontro do sofrimento
alheio, indulgente para com o próximo, severo, porém contra a mentira ou
contra a injustiça.
A sua ferrenha força de vontade fora do comum e têmpera de aço,
esteiram a rígida e austera educação que recebera de seu saudoso progenitor.
As lutas, já em tão tenra idade, o sofrimento, o domínio dos seus
próprios impulsos, as suas vitórias, deram-lhe uma interior consciência de sua
força e do destino que lhe era traçado. E constituiu-se logo o conselheiro e o
pai dos desvalidos.
(...)
128
(grifos meus)
O texto é significativo. Sua idéia e objetivos centrais parecem ser: não é qualquer
um que pode ser líder, chefe, senhor, condutor de homens, o comando político só pode ser
exercido por pessoas predestinadas para tal encargo.
As virtudes do líder vão surgindo a cada parágrafo. O primeiro postulado é que o
líder nasce com esta missão, é talhado para a chefia pelo Destino, por uma força
sobrenatural, por Deus. Às virtudes inatas, acrescentam-se outras no desenrolar de sua
vida, o “herói” forma-se em cotidiano de lutas, em um ambiente social que forja as suas
qualidades e caráter.
Desde criança ele era chefe, conselheiro e árbitro. No exercício dessa liderança
mirim ele protege os mais fracos e reprime as injustiças. A adolescência e a juventude não
128
BERGERAC. O Jornal de Montes Claros. 20 out. 1951, p.1
77
lhe foram fáceis: era pobre e órfão de pai, mas o “herói” não cansa, nem fatiga, tem
“têmpera de aço”.
As adversidades eram necessárias para que ele aperfeiçoasse ainda as suas
naturais tendências para o bem e para a justiça”, lutasse contra a injustiça e a mentira e
tivesse maior consciência da “sua força e do destino que lhe era traçado”, para ser
conselheiro e o pai dos desvalidos.” Nessa “biografia” de Enéas Mineiro encontramos as
características do coronel que a imprensa buscava construir: severidade, bondade, justiça,
proteção, conselho, solidariedade.
Filomeno Ribeiro era outra liderança expressiva do período. Fazendeiro e
industrial, Filomeno foi o grande nome do PSD, até o seu falecimento em 1951. Suas
virtudes principais que apareciam nos discursos eram a sensatez e a serenidade: “sereno e
pacífico, fadado por Deus para acalmar os ânimos, implantar a ordem e a
fraternidade...”
129
. Em 1951 Filomeno Ribeiro foi escolhido presidente da Câmara
Municipal, por causa de sua “experiência, critério e alto senso de ordem e
responsabilidade.” Filomeno era um líder respeitado: “As suas palavras, sempre
acatadas, pela justeza de suas medidas, ponderação e equilíbrio, serão sem dúvida
naquele conselho ouvidas e seguidas, pois traduzirão, certamente, sempre o desejo de
contribuir para o bem estar do nosso povo e para os altos destinos de nossa terra.”
130
O arrojado Enéas Mineiro e o sereno Filomeno Ribeiro são faces de uma mesma
moeda: o Salvador. Como salienta Girardet
131
, o mito do Salvador manifesta-se de
múltiplas formas: ele pode simbolizar a tranquilidade, a permanência e a estabilidade,
129
CARVALHO, João Antônio Pimenta de. Gazeta do Norte. Montes Claros, 02 dez. 1945.
130
Gazeta do Norte. Montes Claros, 04 fev. 1951, p.1
131
GIRARDET, Raoul. Op. cit.
78
como também o Salvador pode ser o herói que irrompe de uma hora para outra e representa
a aventura e a determinação, notabilizando-se pelas ações grandiosas.
De forma geral, essas idéias/imagens do político grandioso, da sacralização da
política, eram produzidas, utilizadas e divulgadas pelas principais lideranças de Montes
Claros, no período 1940-1964, independente da filiação partidária e da posição/atividade
econômica.
A construção da política como algo distante da população era feita, como dissemos
anteriormente, reunindo dois conjuntos de imagens do político ideal: a ênfase na tradição,
nas virtudes inatas para o exercício da liderança; e a valorização do homem culto, técnico,
acadêmico. Essas imagens misturam-se, mesclam-se, sendo quase impossível encontrá-las
isoladas em uma liderança, mesmo porque os líderes “novos”, “intelectuais”, estavam
umbilicalmente ligados aos “velhos coronéis”.
A valorização do “conhecimento científico” e da formação acadêmica das
lideranças esteve presente nas campanhas de médicos Alfeu de Quadros, prefeito de
1947-1951, Hermes de Paula em 1950; advogado - Geraldo Athayde em 1958; e
engenheiro - Simeão Ribeiro em 1947, 1951 e 1958.
Na apresentação dos candidatos, em seus discursos, o imaginário do Salvador
também está presente. Na campanha municipal de 1947, Simeão Ribeiro era apresentado
como um homem “dinâmico, esclarecido e honrado, filho de tradicional família
montesclarense” e o “engenheiro competente, apto a resolver os problemas” do
município. Já o médico Alfeu de Quadros, vitorioso na disputa, era apresentado como a
garantia da “segurança e da paz”, porque ele era um indivíduo equilibrado”, um
administrador esclarecido” e, por isso, capaz de “conduzir com justiça e firmeza os
79
destinos de Montes Claros”
132
. “Votar em Alfeu Gonçalves de Quadros é um dever. Chefe
e guia sereno, que impõe pela lealdade e pelo espírito de justiça ... administrador de larga
visão...”
133
. “(Teremos) Estradas, pontes, escolas nas vilas e povoados ...se o povo sagrar,
nas urnas, este nome (Alfeu Quadros), que, para nós, é uma bandeira e um símbolo.
134
Na campanha de 1950, o grupo de Alfeu de Quadros e Milton Prates apoiou o
médico e escritor Hermes de Paula como candidato a prefeito. A campanha de Paula dizia
que “Montes Claros precisa da inteligência moça e vigorosa do Dr. Hermes de Paula,
cujo nome é uma bandeira de paz e operosidade ...”
135
Sejam as virtudes “intelectuais”, sejam as “tradicionais”, o que está sendo
construído é uma dimensão superior para o líder e a noção de inferioridade e submissão da
população que, incapaz de se expressar de forma autônoma, deve escolher alguém para
guiá-la.
Ao agradecer à população o apoio à candidatura vitoriosa de Alfeu de Quadros em
1947, o Deputado Milton Prates dizia:
E aí está a vitória insofismável... Si aos chefes que vos conduziram prestais
agora generosa homenagem, faz-se mister dizer, que a vitória, é tanto deles e
dos candidatos vitoriosos como vossa, meus amigos. Foram a vossa lealdade e
vosso civismo que asseguraram o magnífico resultado do pleito.
136
O “civismo” e a “lealdade” destacados pelo Deputado são acessórios, apenas
enfeitam o seu discurso. O que está evidente é que as pessoas foram “conduzidas” pelos
chefes políticos. A sacralização do coronel era, pois, um instrumento de
132
“PP”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 23 out. 1947, p. 1
133
“R”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 02 nov. 1947. P. 1
134
PRATES, Milton. “Ao povo montesclarense”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 09 nov. 1947, p. 1
135
Gazeta do Norte. Montes Claros, 03 set. 1950. P. 1
136
PRATES, Milton. “Uma proclamação do Deputado Milton Prates aos seus amigos”. Gazeta do Norte. 14
dez. 1947, p. 1
80
dominação/subordinação políticas extremamente forte e, por isso mesmo, utilizado pelos
mais diversos tipos de líderes.
É difícil estabelecer uma classificação dos coronéis de Montes Claros. Em um
esforço de esquematização, não rígida, pode-se dizer que havia dois tipos de coronéis: o
tradicional e o moderno. O primeiro tipo era o fazendeiro e o grande comerciante. Em suas
práticas estariam mais acentuados elementos como a violência, a fraude e o menor recurso
à oratória. O segundo tipo, o moderno, era o advogado, o engenheiro, o médico e as
lideranças “populares” (construtores e pequenos comerciantes).
137
Suas práticas políticas
ressaltavam mais o conhecimento técnico, a capacidade administrativa, a utilização mais
efetiva do recurso à oratória, a importância de se modernizar a cidade e a valorização das
atividades e obras “culturais” (biblioteca, banda de música, desfiles).
Dentre os coronéis tradicionais destacam-se o Prefeito Enéas Mineiro de Souza e os
vereadores Filomeno Ribeiro, Hildeberto Alves de Freitas (vulgo Cel. Deba), João Lopes
Martins (vulgo Cel. Lopinho), Domingos Lopes e Manoel José de Souza (vulgo Neco
Santa Maria).
Os principais coronéis modernos foram os prefeitos Alfeu de Quadros, Simeão
Ribeiro Pires, Geraldo Athayde, Pedro Santos, vereadores José Xavier Guimarães,
Ubaldino Assis, Deputados Milton Prates, José Esteves Rodrigues, Plínio Ribeiro e
Antônio Pimenta lideranças como João Alencar Athayde (presidente da Associação Rural
local) e Hermes de Paula (candidato a prefeito em 1950).
Essa divisão não significa isolamento, diferenças programático-ideológicas. Na
realidade, os pontos em comuns eram muito mais expressivos. Não havia também conflitos
entre modernos e tradicionais. Os dois tipos estavam em todos os partidos, agindo em
137
Acerca da ocupação dos Vereadores e Prefeitos ver Anexo E.
81
perfeita harmonia. Parece mesmo que a combinação “novo”-“velho” era a receita política
mais acertada. As duas principais lideranças do PR eram o Deputado José Esteves
Rodrigues e o Cel. Lopinho. Alfeu de Quadros, Milton Prates, Cel. Deba, Neco Santa
Maria e Domingos Lopes comandavam o PSD.
Mesmo o PTB, que poderia ser visto como “moderno”, não abriu mão da receita
coronelista. O partido foi dirigido por muito tempo por Domingos Lopes, Pedro Santos e
pelo advogado Álvaro Marcílio.
A UDN talvez seja o único partido dirigido apenas por “novos” líderes. Advogados
(Darcy Bessone, Alfredo Coutinho e Álvaro Marcílio), comerciantes como João Paculdino
Ferreira, e médicos, como Pedro Santos, revezaram-se no comando da sigla. No entanto, a
ausência do elemento tradicional tornou a legenda fraca como indicam o Anexo E e este
depoimento:
A política de baixo era dirigida pelos “coronéis” do PSD, a política de
cima era dirigida também por um “coronel”, chamado Cel. Lopinho (João
Lopes Martins), que dirigia o PR. Curiosamente, a UDN não se tornou um
partido político em Montes Claros porque não teve nenhum “coronel” para
dirigi-la, então a UDN aqui era nula, quase inexistente.
138
Outra demonstração da mistura de modernos e tradicionais são as múltiplas
mudanças de partidos dos mais diversos líderes. Simeão Ribeiro, por exemplo, disputou e
perdeu as eleições para a Prefeitura em 1947 pelo PSD, em 1954 pelo PR, partido pelo qual
elegeu-se Prefeito em 1958. Alfeu de Quadros elegeu-se Prefeito em 1947 pelo PR e em
1954 pelo PSD em aliança com a UDN. Em 1958 Alfeu apoiou Geraldo Athayde para
Prefeito pelo PSD em aliança com o PTB. Já o Vereador Hildeberto Freitas, o Deba, que
138
OLIVEIRA, Evelina Antunes Fernandes de. Nova cidade, velha política. Um estudo de poder sobre
Montes Claros MG. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1994 (dissertação de mestrado), p. 41.
O texto é extraído da fala de um entrevistado cujo nome a autora não publica.
82
exerceu três mandatos consecutivos de vereador, foi PR em 1947, PTN (Partido
Trabalhista Nacional) em 1951 e PSD em 1954.
A ligação coronéis modernos-coronéis tradicionais dava-se também em virtude das
ligações familiares. Simeão Ribeiro e Alfeu de Quadros, classificados como modernos,
exemplificam bem isso. O primeiro era filho do Cel. Luiz Pires e de Dona Maria Ribeiro
Pires. A família Ribeiro-Pires era uma das mais poderosos na política do Norte de Minas
desde o início do século.
139
Simeão era sobrinho de Cel. Filomeno Ribeiro, seu modelo:
“Em suave recordação sinto volver o pensamento para o passado, na lembrança da figura
de meu tio Philomeno Ribeiro dos Santos. Atraindo-nos para a vida pública, para o íntimo
convívio com o povo nas suas lutas e sofrimentos e na vitória do povo, sentimos a
presença espiritual de seus ensinamentos em forma bem viva e marcante”, disse Simeão
em sua posse como Prefeito em 1959.
140
Alfeu de Quadros foi uma das figuras centrais da política local ao longo de 20 anos.
De 1942 a 1945 ele foi prefeito nomeado. Venceu as eleições em 1947 e em 1954. Quadros
era médico, co-proprietário do Clinica Santa Terezinha. Entretanto, sua grande força
política era completada pela ligação familiar: ele era casado com Helena Prates, filha de
Camilo Prates, líder político regional do final do Império a 1930.
141
Compreender a força da liderança, do personagem político, é, pois, indispensável à
elucidação das relações políticas do período em estudo. Mais significativo que os Partidos
ou qualquer ideologia, o que decidia as eleições e determinava a composição do poder,
eram as posições dos coronéis. A fragilidade dos partidos evidenciava-se nas constantes
mudanças de siglas, no surgimento de agremiações temporárias e desconhecidas como
139
PAULA, Hermes de. Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. Montes Claros: Pongetti,
1979.
140
Montes Claros em Foco. Montes Claros, Junho-Julho de 1959, N. 11, p. 4.
83
PTN, UPI e PL e nas múltiplas alianças (PSD + PTB + UDN + PRP em 1947, PSD + PR +
UDN + PTB em 1951, UDN + PSD em 1954, PSD + PTB em 1958 e PSD + UDN + PTB
em 1962) ao longo do período. Embora autores como Dulci e Oliveira
142
enfatizem o
papel dos Partidos em suas análises da política de Minas Gerais, caso do primeiro autor, e
de Montes Claros, estudado por Oliveira, as fontes estudadas pela presente pesquisa
apontam para outra direção: em Montes Claros a sigla servia apenas para cumprir uma
exigência legal. Mais importante que as coligações de partidos era a articulação dos chefes
políticos:
E assim, senhores, como os pequeninos riachos correm para os
grandes rios e estes seguem em procura do oceano, também, em matéria
política, reina a mesma lei de Harmonia, por quanto, cada agrupamento tem
um guia e cada púgilo requer um líder, e sucessivamente até que tudo seja
canalizado em fortes correntes a um grande chefe.
143
2.3 – A Teatralização dos Eventos
Agora, época da votação era festa também. Era festa porque havia nos
cumercios todo aí na seção que a gente ia votar era, os políticos levava muita
coisa prá lá, muita carne né, cumida, fazia aquelas tachada. Naquele tempo
custava muito votar, tinha vez que entrava até pra noite, eu mesmo já cheguei
votar duas horas da manhã, tinha muito e era, pegava aquela fila pra votar.
Mais tinha aquele farturão também de cumida, era, cê chegava assim tava
aquela tachada de carne com arroz lá pra dá cumida pro povo, né. O povo ia
pra aquilo mesmo, pra votar pra eles, eles tinha aquele prazer também de dá
bastante cumida pro povo né, era, parecia uma festa né.
144
141
Acerca da força da Família Prates ver também PAULA, Hermes de. Op. cit.
142
DULCI, Otávio Soares. Op. cit. OLIVEIRA, Evelina Antunes Fernandes de. Nova Cidade, Velha Política
- um estudo de poder sobre Montes Claros - MG. Recife: UFPE, 1994. (Dissertação de Mestrado).
143
CARVALHO, Fanor. “A visita do Prefeito Municipal, Dr. Alpheu Gonçalves de Quadros, aos Distritos de
Miralta, Mirabrela e Patis”. Gazeta do Norte. Montes Claros: 13 mai 1945. O discurso foi proferido em um
comício no Distrito de Miralta na campanha presidencial de 1945.
144
Depoimento de Manoel Ribeiro da Silva, agricultor aposentado, em Montes Claros no dia 17/06/2000.
84
As eleições eram uma festa. Era o coroamento de uma campanha eleitoral marcada
por eventos grandiosos, multidões reunidas, “shows” musicais, intensas discussões nos
bares, nas esquinas e nas Igrejas. Entretanto, além do período eleitoral, a realização de
festas, as encenações, a teatralização, fazia parte do cotidiano dos montesclarenses,
funcionando como um elemento solidificador das tradições políticas.
Para compreensão dessas práticas Georges Balandier é uma importante referência.
Para o autor, o recurso à dramatização, o uso dos cerimoniais, a produção de imagens e a
manipulação de símbolos são práticas contínuas do poder estabelecido. E este não se
sustenta apenas pela justificação racional ou pelo domínio imposto pela força. O
imaginário e o simbolismo lhes são essenciais. Desde as sociedades tribais, passando pelos
regimes absolutistas, democracias contemporâneas, ditaduras republicanas, regimes
socialistas, todo poder político “...obtém finalmente a subordinação por meio da
teatralidade ...”.
145
O recurso à teatralização ia de pequenos episódios, como o sepultamento de um
operário ou a comemoração do aniversário do Prefeito, até um grande evento, como a Festa
do Centenário analisada no capítulo I.
O “teatro político” tanto constrói relações de poder como se serve do poder já
existente para se realizar. Em 1940 o IBGE encetou uma vigorosa campanha de
esclarecimento pela imprensa, para convencer as pessoas a fornecerem informações aos
recenseadores. O último censo fora realizado em 1920 e havia um enorme receio popular
em relação à pesquisa. Após a campanha pelo Jornal, tiveram início as atividades
censitárias em Montes Claros com uma grande festa de inauguração da agência do IBGE,
com a presença de “representantes de todas as classes sociais”, conforme o Gazeta do
145
BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: Editora da UNB, 1982.
85
Norte, e uma missa na Igreja Matriz. Finda a Missa, os funcionários do IBGE e os
recenseadores dirigiram-se à residência do Prefeito Antônio Teixeira de Carvalho para
efetuar o primeiro ato do censo na cidade. Além de ser uma homenagem ao Prefeito, como
disse o Gazeta, foi uma estratégia de divulgação do censo e para romper as resistências. O
próprio Departamento Estadual de Estatística já havia divulgado nota pela imprensa,
conclamando os prefeitos a apoiarem o censo que vinha enfrentando dificuldades. Para o
Departamento, era o Prefeito o “elemento radicado no município que administra, ligado
por parentesco ou amizade a famílias numerosas” que podia contribuir para vencer as
resistências, porque “basta às vezes, uma palavra sua para os temores desaparecerem.”
146
Vê-se que as palavras e ações do Prefeito detinham expressiva influência sobre a
população local, transmitiam segurança, poderiam mesmo determinar decisões. Saliente-se,
por fim, o fato de que autoridades e pessoas comuns conheciam-se mutuamente e
conviviam em relações muito próximas e, por vezes, familiares.
Um palco importante dos teatros políticos era o Clube Montes Claros onde o
homenageado, normalmente o Prefeito ou um Deputado, desfilava sob uma chuva de
pétalas de rosas atiradas por um grupo de jovens. Assentava-se em meio às autoridades
presentes políticos, líderes operários e militares e era saudado por longos discursos. Na
realidade, no clube ocorria o coroamento do ritual que se desenvolvia ao longo do dia.
A comemoração do aniversário do prefeito Antônio Teixeira de Carvalho, em 1940,
começou com uma missa às 8:00 horas com “incalculável número de pessoas” presentes.
Os desportistas da cidade realizaram festivas partidas de voleybol ao longo da tarde e o
comércio cerrou suas portas às 15:00 horas. O prefeito recebeu várias visitas: às 13:00
horas foi visitado pelas professoras primárias da Prefeitura, às 15:00 pela Irmãs e alunas do
146
Gazeta do Norte. Montes Claros. 24 fev. 1940. P. 1
86
Colégio Imaculada Conceição e às 18:00 por Comissão do Grupo Escolar Gonçalves
Chaves. À noite ocorreu o banquete no Clube Montes Claros com a “adesão de
representantes de todas as classes sociais ... o prefeito subiu as escadarias do club sob
uma chuva de flores atiradas pelas alunas do Ginásio Municipal.”
147
Apesar de rotineiros e de ter muita repercussão na imprensa, esses eventos eram
elitizados. Por envolver mais a população, a visita de autoridades, as inaugurações e as
campanhas eleitorais eram mais eficientes e expressivos.
Além de inculcar valores, as encenações políticas tinham efeito “prático”,
claramente definido e perceptível, como se procurou estudar no caso do centenário. A
população e as pequenas lideranças eram conscientes disso e serviam-se também desse
instrumento.
O povoado de Santa Rosa de Lima desejava tornar-se distrito. Para tanto, precisava
do apoio da prefeitura. Em 1943, o Prefeito Alfeu de Quadros foi homenageado em sua
visita ao povoado. Foi recebido por um desfile de 100 cavaleiros, pelas crianças da escola
local e pela Banda Euterpe Montesclarense. Constou também das festividades a
inauguração da placa “Praça Alfeu de Quadros”, nome dado ao principal logradouro de
Santa Rosa.
Em 1945 Alfeu voltou a Santa Rosa de Lima. Estava se iniciando a campanha
presidencial, Quadros apoiava Gaspar Dutra para presidente. Em seu discurso, o líder local,
Agenor de Oliveira, disse que a outra visita, a de 1943, visou “unicamente a elevação do
nosso povoado a Distrito... Graças aos seus hercúleos esforços foram realizadas as nossas
147
Gazeta do Norte. Montes Claros, 06 jul. 1940, pp. 1 e 4.
87
aspirações...estamos a dever esse inesquecível cometimento” e por isso “nosso apoio é
incondicional pela candidatura do eminente General Eurico Dutra...”
148
Os comícios realizados na zona rural eram um ritual cuidadosamente montado. A
população aglomerava-se à espera da caravana do candidato. Este desfilava a cavalo,
margeado por dezenas de outros cavaleiros, da entrada até o centro do distrito, onde a
população o esperava. Ao longo do trajeto ouviam-se os gritos dos cavaleiros e o pipocar
de fogos. Era uma espécie de entronização. Chegando ao centro, o candidato era saudado
pela massa, pelos líderes locais e por crianças e professores que liam discursos elogiosos
ao visitante ilustre.
Após os discursos, a caravana hospedava-se na casa dos chefes políticos locais.
Esta prática parece que era comum a todos os candidatos e não se restringia apenas aos
períodos de campanha. O Prefeito Alfeu de Quadros (1942-1947, 1947-1951 e 1958)
sempre participava destas solenidades, quando de suas visitas à zona rural. Quando em
Santa Rosa de Lima, relatado anteriormente, ele hospedou-se na casa do Capitão Agenor
de Oliveira e de lá despachou recebendo“numerosas visitas tendo-se inteirado e
providenciado pela solução de numerosos problemas essenciais ao desenvolvimento
daquele distrito...”
149
Também no espaço urbano a teatralização era costumeira. A posse do Prefeito
Enéas Mineiro, em 1951, é significativa. Como era do estilo do “Capitão Enéas”, os
eventos foram numerosos: na madrugada ocorreu alvorada; 8:00 horas, missa na Catedral;
após a missa, churrasco no pátio da algodoeira de sua propriedade; 13:00 horas,
lançamento da pedra fundamental do hospital do Círculo Operário de Montes Claros,
desfile de ciclistas e às 15:30 cerimônia cívica: posse na Prefeitura. Concluída a cerimônia
148
Gazeta do Norte. Montes Claros, 17 jun. 1945. pp. 1e 6.
88
de transmissão do cargo, o empossado ofereceu-se para levar o ex-Prefeito Alfeu de
Quadros até a sua residência. “Em carro aberto sentaram-se os dois ilustres políticos,
formando-se extenso cortejo até a residência do Dr. Alfeu de Quadros... Um gesto
altamente simpático que despertou os maiores aplausos.”
150
À noite ainda ocorreram um
banquete no auditório da Rádio ZYD-7 e um baile no clube dos bancários.
O interessante neste caso é o desfile dos dois inimigos políticos sob o aplauso da
multidão. Neste ponto reside um outro aspecto do teatro político. Como veremos adiante, a
violência fazia parte do cotidiano da população de Montes Claros e, por isso mesmo, era
também um elemento importante na política. Contudo, como mostra o episódio citado, os
grupos dominantes tinham uma certa “diplomacia” e um “código” de comportamento
seguido e respeitado nos momentos públicos, ritualizados, “cívicos”.
Assim, o momento do ritual político podia significar uma estratégia de um grupo
específico, mas também significava a oportunidade de afirmação do “modelo” dominante,
cujos valores eram comuns às elites.
As visitas de candidatos e governantes também eram marcadas pelas encenações.
Em 09 de junho de 1951 Montes Claros parou para receber o Governador Jucelino
Kubistchek. JK chegou às 12: 00 horas, sendo recebido pelas autoridades e pela “grande
multidão”. “Em carro aberto, foi S. Exa. conduzido até a cidade onde, da Praça de
Esportes á Praça Dr. Chaves, achavam-se postados os estabelecimentos de ensino da
cidade, associações esportivas etc que receberam o ilustre visitante com entusiásticas
aclamações e longas palmas.”
151
Ao lado do Prefeito Enéas Mineiro, dos Deputados José
Esteves Rodrigues e Antônio Pimenta e do Secretário de Finanças, JK discursou para a
149
Gazeta do Norte. Montes Claros, 17 jun. 1945, p. 1
150
Gazeta do Norte. Montes Claros, 04 fev. 1951, pp. 1 e 4.
151
Gazeta do Norte. Montes Claros, 10 jun. 1951. P. 1
89
multidão sob intensos aplausos. Eventos semelhantes ocorreram com a visita do
Governador Bias Fortes em 1958, quando foram inauguradas várias obras na cidade e
ocorreu a II Exposição Agropecuária de Montes Claros, aberta solenemente pelo
Governador.
A encenação também pode ser encontrada em pequenas atitudes. Em 1955, o
Prefeito em exercício, João Ferreira Pimenta, na primeira semana de seu mandato, visitou o
mercado municipal acompanhado por vários Vereadores para examinar as suas condições
de funcionamento e “entrar em contato com o povo”. Visitar o Mercado Municipal era
politicamente estratégico: um dos problemas que sempre ocupava as páginas dos jornais
era a insalubridade das bancas e dos produtos ali comercializados e o aumento constante de
preços. Segundo o Gazeta do Norte, a atitude de João Ferreira Pimenta foi recebida com
“enorme simpatia” pela população. Semanas depois o Gazeta voltava ao assunto e dizia
que a visita do Prefeito “já surtira efeitos salutares” na resolução dos problemas acima
referido. Pimenta inaugurou também as palestras radiofônicas em Montes Claros. Aos
domingos, a Radio Sociedade Norte de Minas levava ao ar a prestação de contas do
Prefeito à população pelo seus atos.
152
Outra forma de encenação eram as filiações. Em 1954, Simeão Ribeiro (ex-PSD)
filiou-se ao PR. O chefe do PR, João Lopes Martins, vulgo Coronel Lopinho, organizou
uma calorosa manifestação popular na Praça Dr. Carlos, uma das principais da cidade de
então (as outras duas praças centrais eram a Praça da Matriz e a Praça Coronel Ribeiro),
para saudar o novo perrista. Ao som de fogos e das músicas executadas pela banda da
152
As palestras radiofônicas parecem não ter prosseguido. Pelo menos a imprensa escrita, que saudou com
entusiasmo seu início, não registra o prosseguimento das mesmas e/ou suas repercussões.
90
União Operária
153
, a “grande multidão” deslocou-se a pé até a casa de Simeão Ribeiro na
Avenida Cel. Prates (a casa de Simeão distava da praça Dr. Carlos cerca de 200 metros),
onde foram proferidos vários discursos. O ritual foi o primeiro ato da campanha municipal
de 1954 em que Simeão disputou a prefeitura pelo Partido Republicano contra Alfeu de
Quadros do PSD.
O teatro político atravessou décadas. Em 29 de dezembro de 1960, Montes Claros
parou de novo. Era o centenário de nascimento de Camilo Prates. Ele foi uma das mais
expressivas lideranças políticas de Montes Claros durante a Primeira República.
154
Em
1940 ele faleceu aos 80 anos de idade. Camilo Prates sempre era apresentado pela
imprensa e políticos montesclarenses dos anos 40 e 50 como um modelo de cidadão e líder.
As comemorações do dia 29 de dezembro começaram pela manhã com uma Missa
e com o lançamento da pedra fundamental da herma de Camilo Prates, que seria construída
na Praça Dr. Carlos. À noite ocorreu uma sessão cívica no Colégio Imaculada Conceição,
com a presença das autoridades municipais, estudantes, populares e familiares do
homenageado. Na mesma sessão, as professoras do Colégio organizaram quadros
artísticos, apresentando “velhas modinhas de Montes Claros.” Todos os eventos foram
acompanhados pela banda de música da Polícia Militar. As comemorações estenderam-se
pelo mês de janeiro de 1960. O Rotary de Montes Claros e o Instituto Histórico de Minas
prestaram homenagens a Camilo Prates.
153
A União Operária de Montes Claros foi fundada em 1894. Em 1906 ocorreu uma divisão e uma ala
fundou a Liga Operária Beneficente. Em 1928 a Liga mudou de nome passando a chamar-se União Operária
e Patriótica de Montes Claros. A entidade desempenhava um trabalho beneficente, de assistência médico-
odontológica aos associados e mantinha estreitas ligações com as lideranças políticas dos dois grupos
políticos locais (PSD e PR). Sua banda sempre comparecia a eventos realizados por ambos os grupos
políticos. De qualquer forma, sua presença neste ato pode ter servido como um registro da presença dos
trabalhadores no mesmo. A União Operária será objeto de análise no capítulo III. Ainda a seu respeito ver
anexo F.
154
PAULA, Hermes Augusto de. Op. Cit.
91
O Gazeta do Norte deu intensa cobertura aos eventos e publicou os discursos
produzidos nas festividades:
Os belos aspectos da vida de Camilo Prates, cujo centenário se
comemora com suave sentimento de afeto são todos da intimidade da gente
montesclarense. E sua conduta de homem público, ornada de virtudes, criou
tradição em torno de sua personalidade. É já uma consagração que lhe
enaltece o nome, provinda da estima pública a que fez jus o político de espírito
nacionalista e de alta linha moral.
155
Nesse raciocínio, Camilo Prates tornara-se uma legenda, um mito, estava acima das
facções políticas, tudo isso obra de suas virtudes pessoais. O caráter suprapartidário ou
apartidário nestas comemorações é, de fato, interessante. Neste caso específico, as
lideranças políticas mais expressivas compareceram às cerimônias. O então presidente da
Câmara, João Vale Maurício e o então Prefeito Simeão Ribeiro ambos do PR e inimigos
políticos da família Prates, um dos pilares do PSD local participaram ativamente da
homenagem a Camilo Prates.
O mais significativo do Centenário de Camilo Prates foi o discurso proferido pelo
médico e escritor Hermes de Paula, no dia do lançamento da pedra fundamental da herma
de Camilo Prates na Praça Dr. Carlos. O discurso é longo (ver Anexo G), traça o perfil do
homenageado, seus amigos e relata episódios marcantes de sua carreira política. Camilo
Prates foi, na Primeira República, um grande chefe político do “Partido de Baixo”
156
.
No decorre do discurso as práticas políticas do velho coronel vão se revelando de
forma entusiasmada. Diz o orador:
Era véspera de eleição ... sem querer a gente recitava a quadrinha
popular e buliçosa, que constituía uma resposta e um aviso a certas ameaças
veladas: ‘Olímpio Dias quando soube deu grito no terreiro; se matar Camilo
Prates, morre gente o ano inteiro’...
155
PRATES, Milton. Gazeta do Norte. Montes Claros, 10 jan. 1960. P. 1
156
Nos tempos da Primeira República os grupos locais eram divididos entre Partido de Baixo e Partido de
Cima A respeito da política da Primeira República ver PAULA, Hermes de. Op. cit.
92
Agora, há um reboliço maior, chegam trezentos e tantos cavaleiros
com violas e violões. Vem cantando e dando ‘vivas’ a Camilo Prates. Todos já
esperavam por eles, vém do Mandacarú. São eleitores de Juca Souto o Neco
Santa Maria do passado...
Eu não fui eleitor de Camilo Prates, minha idade não me permitia.
Mas, estava integrado no partido camilista, pois como muitos outros meninos
de minha idade, fazia parte da ‘soldadesca de baixo’. E tive até o meu
‘batismo’, quando, em um encontro com a ‘soldadesca de cima’. No outro dia
eu exibia, orgulhosamente, um grande hematoma na testa, sinal certo de
luta.
157
Se retirarmos do texto as quatro palavras “eleição”, “eleitores”, “eleitor” e
“partido”, o trecho encaixa-se de forma perfeita na narração de um combate militar, ou de
uma guerra civil. Parece ser esse o clima político em Montes Claros nas primeiras décadas
do século XX. Além da violência, vê-se que a teatralização dos eventos políticos era um
costume antigo.
É interessante que tal discurso tenha sido pronunciado em praça pública, sob
intensos aplausos e publicado na primeira página do Gazeta do Norte. Assim, evidencia-se
que o imaginário coronelista, usando a expressão de João Gualberto, era bastante sólido,
legítimo e atuante em Montes Claros. O próprio discurso de Paula deixa claro a
sobrevivência daqueles costumes políticos “antigos” na “atualidade” (1960). É
significativo que o discurso tenha sido escrito e proferido por Hermes de Paula, que era
considerado pela imprensa da época como um dos maiores intelectuais da região e uma
liderança moderna, de amplos conhecimentos acadêmicos. Isso corrobora a tese defendida
neste trabalho de que as práticas políticas dos “coronéis modernos” eram semelhantes,
senão iguais, às dos “coronéis antigos”.
Morte e política sempre tiveram um convívio muito próximo, servindo-se
mutuamente em Montes Claros.
157
PAULA, Hermes de. Gazeta do Norte. Montes Claros, 24 jan. 1960, p. 1
93
“Deba não morreu”. Essa foi a manchete do Gazeta do Norte para anunciar o
falecimento do vereador Hildeberto Alves de Freitas, em 15 de Abril de 1962. Deba era
uma das principais lideranças políticas nas décadas de 1940 e 1950, um dos chefes do
PSD. Seu corpo foi recebido no Aeroporto (ele morreu em Belo Horizonte) por uma
“multidão”. Em parte do trajeto em direção ao cemitério, foi conduzido pela “mão do
povo”; a última viagem de Deba foi concluída de carro, seguida por pessoas de “todas as
classes sociais” e, por fim, “Ao baixar o corpo à sepultura, falaram, em comovidas
orações, o Dr. Robinson Crusoé Moura, Professor José Raimundo Neto.” Mas “com
Deba acontece o mesmo fenômeno de Getúlio. Como Getúlio, Deba continua presente em
Montes Claros... Ambos são uma mística. Jamais morrerão para o povo. Deba não
morreu.” E parece que não morreu mesmo, como discutiremos adiante, Deba é o mais
citado e respeitado coronel nos depoimentos populares.
A teatralização era, portanto, um elemento constitutivo das relações políticas em
Montes Claros. A relação do “coronel” com o eleitor, marcava-se por essas estratégias que
conferiam ao primeiro uma ascendência sobre o segundo e que reforçava a dominação.
Mas não era só isso, em conjunto com o imaginário do Salvador, com a força de suas
imagens, os “coronéis” executavam ações “práticas”.
94
2.4 – Favores, Violência e Fraudes.
Conheci um chefe político que não dava tréguas: Carlos Leite.
Terminado qualquer pleito, vencedor ou vencido, não descansava, não
se desvencilhava do eleitor, não o perdia nunca de vista, quer na convivência
do campo, quer na cidade, dando-lhe assistência, ou amparo de qualquer
natureza.
Quase não falava sobre política; ouvia muito e perguntava pouco.
Vivia nos consultórios médicos, nos cartórios e delegacias, prefeituras
e coletorias, fórum e igrejas, sempre a serviço do eleitor.
158
O coronel mantém sua hegemonia também pela sua capacidade de fazer favores
159
instrumento fundamental ao coronelismo. O favor e a troca permeavam todas as relações
eleitor-coronel, coronel-coronel e coronel-poder público. Acoplado ao favor, os coronéis
lançavam mão da violência e da fraude.
Como intermediário entre o poder público e o eleitor, os “coronéis”
desempenhavam o papel central do sistema político municipal. Era ele o canal por onde os
recursos públicos chegavam à comunidade, ou aos indivíduos, e o “controlador” do destino
dos votos. Entretanto, longe de ser uma figura infalível e absoluta, o coronel era limitado
pelas exigências do seu eleitorado e pelas dificuldades de viabilização de recursos junto
aos poderes públicos. Era, pois, a múltipla dependência a marca característica desse
sistema.
Uma rede de compromissos mútuos envolvia todos os agentes da política. O favor
funcionava como a contrapartida do voto. As nomeações para cargos públicos delegados,
158
TUPINAMBÁ, Sebastião. Gazeta do Norte. Montes Claros, 18 abr. 1954, p. 1.
Carlos Leite, fazendeiro, era um dos líderes rurais do PSD. Em 1947 ele foi Prefeito nomeado pelo
Interventor Estadual.
159
LEAL enfatiza que as atribuições dos coronéis são múltiplas e o não atendimento `as demandas dos seus
eleitores é um sério risco de perda do controle sobre os votos. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e
Voto. São Paulo: Alfa-ômega, 1978.
95
subdelegados, professoras e servidores da Prefeitura são o exemplo mais acabado dessa
prática.
A dependência da população em relação às lideranças políticas, embora não fosse
total como se discutirá no capítulo III, era evidente. Parte da população local vivia em
verdadeira penúria. Era o poder particular do coronel, ou sua interferência junto ao poder
público, na maioria das vezes, a única forma de resolução dos problemas da comunidade.
O primeiro caso, o recurso à ajuda particular do chefe político, fazia parte do cotidiano das
pessoas. O depoimento de Manoel Rodrigues é, nesse aspecto, significativo:
Era, cê sabe aquela fome de comércio né, naquele tempo, aquilo era
direto né, os pessoal passano pricisão, é tudo, uns cumia otros não, que
naquele tempo num era brincadera não... Agora tinha os fazendero, os
Fonseca lá, que morava lá pertim do comércio, a valença dos pobres lá era
esse povo, os Fonseca, que eles tinha muitia vaca né. E cê sabe que o leite que
eles tirava era só pra dispesa deles e pra dá pra os pobres. Dava aquela
mininada, aquela mulecada, era cada cabaça desse tamanho. Aquilo era um
fome, era uma fome disgramada, o povo passava pricisão. Tinha nego que
ficava treis dia sem acender fogo dentro de casa.
160
Quando a situação requeria a intervenção do poder público era através do “coronel”
que o recurso era obtido: abertura de estradas, instalação de escolas, patrocínio às viagens,
subvenção a entidades e associações. Esses favores recebidos cotidianamente pela
população era uma dívida contraída junto às lideranças. As eleições eram o momento
adequado para o “pagamento”.
Santa Rosa Estrada de Rodagem. Graças aos esforços do inteligente
fazendeiro invernista deste Distrito, Sr. Domingos Lopes da Silva, o exmo. Sr.
Prefeito Dr. Antônio Teixeira de Carvalho operoso e digno Prefeito ... em
breves dias mandará construir a nossa rodovia, que partirá do entroncamento
da estrada carreira com a rodagem de Bela Vista ... construída pelos
abastados fazendeiros e invernistas, srs. Ladislau Barbosa Braga, cap. Luiz da
Silva Gusmão, João Ribeiro de Andrade, Francisco Carlons de Oliveira.
161
160
Depoimento de Manoel Rodrigues da Silva, agricultor, vigia, aposentado, em Montes Claros no dia 16 de
junho de 2000.
161
Gazeta do Norte. Montes Claros, 16 nov. 1940
96
A carta era de autoria de um “correspondente” do jornal em Santa Rosa. O trecho
citado reflete alguns aspectos da política de favores: as limitações do poder público, a força
do poder privado e o papel do coronel como mediador entre Prefeitura e população.
O fazendeiro Domingos Lopes, juntamente com Hildeberto de Freitas e Neco Santa
Maria, era uma das maiores lideranças políticas do município, como se pode observar no
depoimento de senhor Osmar dos Reis.
(...) tocando lavoura e aí o que é que acontece, naquelas décadas de
52, 1953, aí veio aquela, é aquela, influência do algodão e aí eu fui rancar
toco ...na fazenda do Cel. Dumingos Lopes, aí eu já fui tocá fazenda do Cel.
Dumingo Lopes que era até meu cumpadre (...) naquela época um dos grandes
políticos aqui de Montes Claros (...) e o, o Deba, né, finado Deba, que era o
Hildeberto José de Freitas, pansudão, valente! , perigoso!, né, e o Neco
Santamaria, esses três homem quasi que comandava a maiuria da força
política de Montes Claros naquela época...
Eu falo porque naquela região de Miralta esse Cel. Domingos Lopes
foi o home que mai sirviu aquela comunidade ali, o que ce pricisasse com ele
ele tava ali ... pricisasse de um advogado assim numa hora difíci ele vinha e
punha, dinheiro emprestado, emprestava....
“(...) Deba, já era fazenda prá cá, mas tamém era a mesma coisa
...Esse Neco Santamaria ele comandava um comercim que tinha ali ni Santa
Maria, pessoal ali de Miguelzim, depois de Migulezim por ali tinha um lugar
chama Santa Maria, então lá tinha um comercio, um comercim, espécie de
uma colônia, um patrimônio lá, e ele tinha uma fazenda em volta desse trem
então ele dominva aquilo tudo ali, ce entedeu ? Ele era muito rico dominava
aquilo tudo ali, mas o pessoal tinha essas coisa né.
162
Em troca do favor, o voto:
Mais Dumingo Lopes foi um pulítico forte né, ele era coronel. Coronel é que
mandava né, era pulítico forte, quer dizer ele já era coronel, depois ele foi
veriador, ganhou, sei que os primero voto que nós damo foi pra ele, na época né,
eu tava com dezoito ano. Eu comecei votar, hoje eu to com 73, mais toda eleição
que tem eu voto, custumei vota neste povo, a gente fica, como diz, puxando a
sardinha deles né.
163
162
Depoimento de Senhor Osmar dos Reis Lopes Ribeiro, agricultor, carpinteiro, aposentado, em Montes
Claros dia 15 de junho de 2000.
163
Depoimento de Senhor Manoel Ribeiro da Silva, agricultor, aposentado, em Montes Claros dia 17 de
junho de 2000.
97
Domínio econômico, dependência, favores, compadrio e violência compunham o
receituário político. Os três coronéis citados aparecem praticamente em todos os
depoimentos coletados para este trabalho de forma semelhante. Seus candidatos venceram
praticamente todas as eleições municipais, estaduais e federais - de 1947 a 1958.
Em1958, eles apoiaram Geraldo Athayde (PSD/PTB), que foi derrotado por Simeão
Ribeiro (PR/UDN).
O favor poderia ser prestado ou conseguido de múltiplas formas. Em 1951,o
Ferroviário Esporte Clube encontrava-se em vias de extinção por carência de recursos.
Solução encontrada: escolheu o Prefeito Enéas Mineiro como seu presidente de honra
prestando-lhe uma homenagem festiva. Em troca, o Prefeito ofertou ao clube Cr$ 3.000
para manter suas atividades. O caso foi publicado com entusiasmo na primeira página de O
Jornal de Montes Claros.
É significativo a legitimidade dessas relações. O favor não era feito às escondidas,
era a forma correta, normal do cotidiano e também da política. Nas campanhas eleitorais, a
distribuição de roupas, sapatos e alimentos à população era intensificada e feita de forma
pública: “Era época de eleição, que eles abriu uma loja lá, pa dá pano pro povo, pano e
calçado né.... Então tinha um estoque de butina véia, sapato véio, que tava já, pur que cê
sabe que quando cai de linha, aí es pegava e duava, comprava barata e duava, o povo da
roça tá nem aí, tinha butina tá bom né ? ...
98
Mas, “(...) o povo também era honesto, os políticos era honesto, ah..., os eleitor, se
o eleitor falasse com cê: ‘pode contá cum meu voto’, pudia contar com ele, otro num
dobrava não.”
164
Na campanha municipal de 1951, o Prefeito Alfeu de Quadros e o seu candidato
Hermes de Paula, ambos médicos, faziam consultas e distribuíam medicamentos nos
comícios e o Gazeta do Norte publicava com alarde esses fatos.
No Distrito de Mirabela, “Terminados os discursos os Drs. Hermes de Paula e
Alfeu de Quadros atenderam a uma infinidade de doentes que ali se encontravam, dando-
lhes consultas e distribuindo medicamentos aos mais necessitados.” De Mirabela a
caravana seguiu para Patis e “antes do regresso da caravana a esta cidade, os drs. Hermes
de Paula e Alfeu de Quadros deram consultas a mais de uma centena de doentes que ali se
encontravam.”
165
Essa prática era, pois, comum; jamais contestada e a população servia-se dela para
alcançar seus objetivos particulares ou coletivos. Mesmo nas mais agressivas campanhas
políticas ela não era questionada por qualquer liderança, entidade ou indivíduo.
Garantido o domínio sobre os votos, as lideranças políticas municipais tinham esse
“bem” a ser negociado com as instâncias superiores da política. Assim, o princípio da troca
marcava também a relação dos políticos locais com os Governos Estadual e Federal.
Embora a Constituição de 1946 tenha aumentado a parcela de autonomia dos
municípios, com a ampliação de suas receitas e a garantia da elegibilidade do executivo e
isso tenha provocado mudanças nas relações Município-Estado, como enfatiza Victor
164
Depoimento de Osmar dos Leis Lopes Ribeiro, agricultor, carpinteiro, aposentado,em Montes Claros no
dia 15 de junho de 2000.
165
Gazeta do Norte. Montes Claros, 21 set. 1950, p.1.
99
Nunes Leal
166
, o grau de dependência das Prefeituras em relação ao Governo Estadual era
ainda enorme:
Administrativamente, a cidade se via às voltas com um problema
extremamente grave: as receitas financeiras que o município recebia, mal
davam para manter a prefeitura em funcionamento e existia uma dependência
quase umbilical dos governos, Federal e Estadual, para o repasse de verbas
constitucionais destinadas aos municípios.
167
Diante dessa situação, os líderes locais emprestavam apoio político uso do seu
prestígio para conseguir votos e cobravam liberação de recursos para obras específicas,
nomeações de protegidos e aliados.
A nomeação/demissão de funcionários públicos constituía numa das estratégias
eleitorais: era um meio de fazer alianças, arrebanhar votos e recompensar apoios.
Em 1945, o Governador Benedito Valadares “por indicação do Sr. Dr. Alfeu
Gonçalves de Quadros”
168
, nomeou novos juízes de paz, subdelegados e professoras. A
lista é grande. Destacam-se os casos de Gorgônio Mendes Cardoso, nomeado Juiz de Paz
em Miralta; Alvino Pereira de Souza para subdelegado e José Freire Alkmin para Juiz de
Paz, ambos em Patis. Os três nomeados eram os anfitriões do Prefeito Alfeu Quadros em
suas viagens à zona rural e seus companheiros de partido (PR em 1947, PSD em 1954) nas
disputas políticas.
Entre a queda de Benedito Valadares em 1945 e a posse de Milton Campos em
1947 Minas Gerais teve quatro Interventores Federais. A cada Interventor que assumia,
mudavam os delegados, subdelegados, escrivães de paz, professores e Prefeito em Montes
Claros. O município teve três Prefeitos no período - Alfeu Quadros, Demóstenes Rocket e
166
LEAL, Victor Nunes, op. cit.
167
GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Faces do Legislativo. Montes Claros: Sociedade Editorial Arapuim, 1997, p.
40.
168
Gazeta do Norte. Montes Claros, 14 jun. 1945. P. 1
100
Carlos Leite que, conforme os interesses de seu grupo, indicavam ao Interventor a lista
dos nomes a serem “premiados” com a nomeação ou demissão.
169
O caso das nomeações de professoras é bem ilustrativo. Desde 1945, dezenas de
delas foram sendo nomeadas a cada novo interventor e a cada novo prefeito. Em julho de
1947, o Gazeta do Norte noticiava que o Grupo Escolar Gonçalves Chaves tinha 21
professoras para cinco classes, cujo número médio de alunos era cinco.
As nomeações não foram, entretanto, apenas um fenômeno de tempos de “exceção”
ou instabilidade, tratava-se de uma prática política de todo o período. Em 1956 o Deputado
Antônio Pimenta (PSD), montesclarense, fez um contundente discurso contra o
Governador Clóvis Salgado. O Deputado teceu vários elogios a Salgado pelos “grandes
benefícios” dispensados ao município, disse estar satisfeito com o “apoio administrativo”
do Governador, mas estava indignado com a distribuição dos cargos: “Nesse importante
setor da vida política, os correligionários do PSD foram inteiramente alijados, tendo sido
preteridos nos seus mais legítimos direitos”. Pimenta reclamava dad nomeações de
“perristas” para diversos cargos em Montes Claros:
O PSD de Montes Claros teve que suportar o ônus de uma orientação
nitidamente facciosa ... devo enumerar as nomeações políticas em Montes
Claros pelo Governador Clóvis Salgado, tendo recaído todas elas
exclusivamente, em elementos de sua agremiação partidária
170
:
1 Secretaria de Finanças. Coletoria Estadual. Promoção da
funcionária Senhorita Argentina Dias ...preterindo Jayme Leite Vieira que
exerce o cargo de auxiliar técnico há 19 anos ...
2- Dispensa sumária do funcionário Marcos Alves dos Santos e sua
substituição pelo Sr. Rodrigo Sarmento, devendo-se salientar que dois outros
169
Foram dezenas de nomeações e demissões naquele período, publicadas no Gazeta do Norte nos seguintes
dias: em 1946 dias 07/03, 28/03, 30/06, 01/09, 22/09, 21/11 e em 1947 dias 05/01, 19/01, 30/03, 20/04,
20/07, 23/10.
170
PR e PSD fizeram uma aliança política em 1951 para vencer as eleições para o Governo Estadual.
Juscelino Kubitschek (PSD) teve como Vice Clóvis Salgado (PR) e, segundo o discurso do Deputado
Pimenta, havia um acordo de repartir os cargos entre as duas siglas que não vinha sendo cumprido desde a
saída de JK para disputar a presidência.
101
funcionários, que haviam sido contratados pelo Governador JK tiveram seus
atos cassados e substituídos por elementos de seu partido ...
A lista é enorme, inclui a demissão e admissão de novos funcionários do Fórum,
do Grupo Escolar D. João Pimenta e da Caixa Econômica Estadual, “todos ... retirados dos
quadros do PR, sem a mínima consideração ao PSD que é majoritário no município, com
prefeito, vice-prefeito e todas as autoridades eletivas pertencentes a sua legenda.”
171
Destacam-se, neste caso, a legitimidade das nomeações políticas e o uso dos cargos
públicos como propriedades dos grupos políticos. O discurso foi proferido na Assembléia
Legislativa e publicado na primeira página do Gazeta do Norte. Percebe-se que o Deputado
Pimenta não questionava a prática da nomeação em si, sua indignação é por ver seus
aliados preteridos.
Outro exemplo expressivo do papel das nomeações nas composições políticas
encontra-se no acordo político que unificou o PSD local em 1954.
O PSD mineiro cindiu-se em duas alas em 1946 Liberal e Ortodoxa. Em Montes
Claros os principais ortodoxos eram o industrial Plínio Ribeiro, o fazendeiro Filomeno
Ribeiro (falecido em 1951), o Vereador João Ferreira Pimenta, o Deputado Estadual
Antônio Pimenta e o engenheiro Simeão Ribeiro Pires. A ala liberal, dissidente, era
liderada por Alfeu de Quadros, Deputado Estadual Geraldo Athayde e Deputado Federal
Milton Prates.
A ala liberal (Alfeu Quadros) venceu as eleições de 1947, aliada ao PR. Em 1951
os pessedistas liberais lançaram Hermes de Paula para Prefeito. Os ortodoxos conseguiram
reunir UDN e PR em torno do “forasteiro” Enéas Mineiro, que acabou vitorioso.
171
Gazeta do Norte. Montes Claros, 12 fev. 1956. P. 1
102
A primeira metade da década de 1950 foi, como vimos no capítulo I, um período
marcados por graves problemas em Montes Claros. O Governador JK condicionava a
realização de quaisquer obras na cidade à unificação da sigla. A reunificação era difícil,
mas necessária ao PSD, porque cada ala tinha seu candidato a Prefeito, a Deputado
Estadual e a Federal. Dividido, a derrota do PSD seria inevitável. Mas como conciliar
tantos interesses?
Juscelino Kubitscheck tinha a solução. O partido foi unificado para disputar as
eleições de 1954 nos seguintes termos: os liberais indicaram Alfeu Quadros para Prefeito,
os ortodoxos indicaram João Ferreira Pimenta para Vice, Plínio Ribeiro para Deputado
Federal e Antônio Pimenta para Estadual. Geraldo Athayde (liberal) candidatou-se a
Vereador e Milton Prates (liberal) foi nomeado representante de Minas Gerais no Conselho
Consultivo do Banco do Nordeste pelo Governador JK. Simeão Ribeiro (ortodoxo) não
abria mão de sua candidatura, por isso abandonou o PSD e disputou a eleição pelo PR.
O acordo foi bem-sucedido nas urnas, apoiados pelo governo estadual, todos
elegeram-se. Depois das eleições veio a segunda parte do pacto. Alfeu de Quadros
licenciou-se no primeiro dia de mandato em favor do Vice João Ferreira Pimenta, que
governou até 1957, quando o Presidente da Câmara Geraldo Athayde assumiu a chefia do
executivo local.
A última parte do acordo foi executada em 1958. O Distrito de Juramento, reduto
eleitoral de João Ferreira Pimenta, havia sido emancipado em 1953. Assim, sua renúncia à
Prefeitura de Montes Claros em 1957 o liberou para participar da eleições de 1958 em
Juramento, saindo vitorioso do embate eleitoral. Por sua vez, o PSD de Montes Claros
apoiou, de forma unânime, a Geraldo Athayde para Prefeito Municipal.
103
Como vimos no capítulo I, a relação Município-Governo Estadual e Federal
também era marcada pelos favores e trocas. Na gestão do Presidente Juscelino Kubitscheck
ganhou destaque a atuação do jornalista José Carlos de Lima na intermediação de recursos
para Montes Claros. O jornalista, dado o amplo acesso a gabinetes de ministros,
Deputados, Senadores e com o próprio JK, tornou-se o “representante” do município em
Brasília. Desde pequenos benefícios, como verbas para entidades beneficentes, construção
de escolas e postos de saúde, até grandes empreitadas, como empréstimos para a
Associação Rural, construção de barragens, estradas e pavimentação, era José Carlos de
Lima quem “conseguia”. Até mesmo no processo de inclusão da região do Norte de Minas
na área de atuação da SUDENE, Lima foi importante:
Na primeira mensagem do presidente Juscelino Kubitscheck ao Congresso
Nacional instituindo a SUDENE não constavam os Estados de Minas Gerais e
Maranhão ... o jornalista José Carlos do Valle Lima, credenciado no
Congresso e cunhado de João Alencar Athayde (presidente da Associação
Rural de Montes Claros), preparou a emenda número 1 ao projeto SUDENE,
que foi apresentada por José Bonifácio de Andrade, deputado de Minas ...
Negocia-se com os deputados nordestinos a inclusão por etapas: inicialmente
a região só participaria do rateio de verbas, sem direito a incentivos fiscais, o
que daria tempo ao Nordeste para se adiantar na captação dos incentivos e
investir em infra-estrutura industrial. Mas as negociações favoráveis a
SUDENE se aceleram e entre a aprovação da lei de criação do órgão e do
primeiro Plano Diretor ... passam-se apenas três meses e, nos termos desta
Segunda mensagem do Presidente da República, o Norte de Minas já consta
como membro do Conselho Deliberativo da SUDENE. O empenho do
jornalista é retribuído com o cargo de representante de Minas neste Conselho
nos governos Magalhães Pinto, Rondon Pacheco e Aureliano Chaves.
172
Outros dois elementos compunham os fatores determinantes do mando coronelista
em Montes Claros: a violência e as fraudes eleitorais.
A violência sempre foi ocultada ou dissimulada pela imprensa. Entretanto, ela fazia
parte do cotidiano da população e também da política. As pessoas andavam armadas
172
OLIVEIRA, Evelina Antunes Fernandes de. Op. cit. p. 66
104
facas, canivetes e revólveres no dia-a-dia: “Dava uma noite de São João cê vi o sujeito
meter a mão dentro, tirava o revolver, tá, tá, atirava pra cima. Era normal, muito natural,
sabe?
173
“Andava, aí o pessoal andava com revólver, otros com garrucha, facão, andava
com arma na cintura, faca ... ia nas festa lá, quando era ali, de madrugadinha, tirava esse
revólver atirava pra cima, era tirotero...”
174
A violência era uma tradição na política local. Como já foi visto no capítulo I, a
cidade era conhecida nacionalmente como palco de lutas armadas, “terra de cangaceiros”.
Na campanha eleitoral de 1947, dado o clima de completa insegurança, os chefes
políticos locais fizeram um acordo, suspendendo a campanha para evitar conflitos:
Os abaixo assinados, expressando o pensamento dos partidos políticos
locais que representam, considerando a exaltação de ânimo existente e
desejando manter a calma necessária para que as eleições do dia vinte e três
(23) transcorra com o brilho cívico que os nossos foros de civilização exigem e
ainda não expor a nossa população a situações trágicas, vêm se comprometer
a tudo fazerem no sentido de impedir violências de qualquer sorte, e
considerando mais, que possa ter havido quaisquer insultos de parte a parte,
concordam considerar os possíveis insultos como inexistentes e mais ainda
que, de agora em diante, não seja feita qualquer propaganda em boletins,
comícios, radio e jornais.
Em nome dos respectivos partidos os abaixo assinados recomendam aos
seus amigos e correligionários a máxima calma e respeito a todos os
adversários.
Montes Claros, 19 de novembro de 1947.
aa) Philomeno Ribeiro dos Santos Presidente do Diretório do PSD
João Lopes Martins Presidente do Diretório do PR
Domingos Lopes da Silva – Presidente do Diretório do PSD I
Álvaro Marcílio Presidente do Diretório da UDN
Argentino Roque da Silva Presidente do Diretório do PTB
Armênio Veloso Presidente do Diretório do PRP.
175
173
Depoimento de José Santos, seleiro aposentado, em Montes Claros no dia 16 de junho de 2000.
174
Depoimento de Manoel Ribeiro da Silva, agricultor aposentado, em Montes Claros no dia 17 de junho de
2000.
175
Gazeta do Norte. Montes Claros, 23 nov. 1947, p. 1.
105
Segundo a imprensa, aquelas eleições foram tranqüilas: parece que o “pacto dos
coronéis” de Montes Claros foi bem sucedido. Entretanto, a própria necessidade e
existência do acordo denuncia o clima de hostilidade reinante na política local.
A subordinação da polícia ao grupo no poder, a ação dos coronéis acima da lei eram
comuns, conforme os depoimentos dos moradores:
Teve um crime aqui pro lado de Mirabela e es viero aqui pa resolve esse
poblema e num tava podeno resolver porque o crime lá era do lado desses
home, cê entenderu? e aí o que acontece es foi buscar um delegado em Belo
Horizonte para resolver esse problema aí, um juiz lá, forte lá, diferente,
quando ele chegou aqui e começou executar o negoço, invistigar e executar, o
Neco, o Deba, o Dumingo Lopes, presente defendeno o negoço lá e ele quereno
condenar, cê entedeu? Mas o crime lá era do lado deles, aí eu sei que vai prá
lá, discute pra cá, é hoje, amanha de novo, acho que depois de uns sete dias
que es tava mexendo com esse trem, numa reunião aí diz que o delegado, esse,
acho era juiz naquela época né, falô assim, falô assim: ‘é, Montes Claros é
famoso, a fama de Montes Claros corre longe, aqui é duro’, aí diz que viro pru
Neco Santamaria, que o Neco tava discutino nervoso, ele era homão forte, ‘é
seu Neco, diz que o senhor aqui é pinta brava né’, e aí diz que ele viro pru
delegado e levantô assim: ‘pinta brava não eu sô é mancha, eu so mancha
brava’, quer dizer que pinta é miudinha e mancha é grande e o delegado, o,
falo assim, ó tiau e bença (...) o delegado falo assim ó vô embora que pode
acontece um coisa pior comigo (...) cês fica com cês mesmo aí que é da
turmona aí, cês se vira, e casco fora, isso é daquelas década de 50, 50 e poco,
tá? então era assim o delegado tinha que chega e saber controla a coisa, se
quisesse faze bobage, quisesse pisar, num, cê entendeu como é né ?
176
Na fala de Sr. Osmar, o delegado (ou juiz) é impotente diante do poder dos coronéis
Deba, Neco e Domingos Lopes, além disso, vê-se que a “fama” de Montes Claros
extrapolava os contornos do município.
Mas não eram só os coronés de tipo “tradicional” que abusavam do seu poder
pessoal: Esses custume foi mudano. No tempo de Dr. Afreu tinha os cabo eleitoral, eu não
vô falar quem era porque pode ofender alguém, mas tinha os cabo eleitoral que fazia as
176
Depoimento de Osmar dos Reis Lopes Ribeiro, agricultor, carpinteiro, aposentado, em Montes Claros no
dia 15 de junho de 2000.
106
coisa fiado nas costas de Dr. Alfreu, fazia e tava feito que era cabo eleitoral de Dr. Alfreu
né?, fazia e tava feito.
177
O controle sobre a força militar era também necessário à política de favores:
Aquele finado Debra... Era um home que, ele Neco Santamaria esse
povo né, esse povo que na época que se a pessoa fazia um crime antes da
polícia vim atrás deles eles corria lá, botava eles do portão pra dentro: ‘é fica
aqui que a polícia num vem não’. Depois que passava aquele portãozinho pro
lado de dentro da residência dele cabou. Eles num entrava não... Eles botava
nas fazenda deles pra trabalhar, levava pra lá: ‘é cê vai ficar aí tantos anos’.
Pessoa saía de lá se um parente num discontasse aquilo... Preso num ia não,
nunca.
178
A prática era comum entre os políticos da época, fossem eles coronéis “modernos”
ou “tradicionais”, mesmo porque eles atuavam juntos como se pode ver neste trecho do
livro de memórias da Câmara Municipal:
Hélio Leal Tupinambá ... se viu numa situação constrangedora.... O
negro Cornélio, um robusto criolo, que nos dias normais costumava pastorear
gado e cultivar a terra, se envolvera numa briga de cabaré, e na iminência de
ser preso, deu uma ‘pisa’ em dois atrevidos soldados, que só conseguiram
subjugá-lo, com a providencial chegada do reforço policial. No dia seguinte ...
Hélio... acabou chegando na Delegacia.
Do outro lado da mesa, um esbravejante delegado ... : - esse sujeito não
sai daqui, nem com o pedido do Papa, e é melhor se retirar, pois senão, vai
sobrar também para o Senhor !
Dodô (apelido de Hélio), que sabia perfeitamente a falta que o Cornélio
lhe fazia na lida quotidiana da roça, retrocedeu, e como bom mineiro, foi
procurar o seu recurso. Chegando até Hildeberto Alves de Freitas, o ‘Deba’,
um dos ‘coronéis’ do PDS (sic), esse o levou ao Dr. Alpheu Gonçalves de
Quadros, Prefeito á época, e Dodô pode contar com detalhes o seu problema.
Depois de ouvir, Dr. Alpheu tomou de um bloco de receituário, e nele mesmo,
fez o que seria o ‘alvará de soltura’ do Cornélio. Quando chegou na delegacia
e entregou o bilhete, o delegado, lívido, ‘espumando’ de raiva e engolindo em
seco, ordenou:
- Chico Mangabeira, solta o negão!
179
177
Depoimento de José Santos, seleiro aposentado, em Montes Claros, no dia 16 de junho de 2000.
178
Depoimento do Senhor Francisco Vieira de Silva, aposentado, em Montes Claros, no dia 23 de junho de
2000.
179
GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Op. cit. p. 408.
107
Quanto às fraudes, embora não existam “provas”, há fortes indícios de que elas
também eram praticadas. A explícita subordinação de policiais militares e delegados aos
coronéis leva-nos a crer que o mesmo, certamente em menor intensidade, pode ter ocorrido
em relação a Justiça Eleitoral.
A lei eleitoral era burlada, por exemplo, pelo voto dos analfabetos. Estes só
conquistaram o direito ao voto pela Constituição de 1988, mas já votavam em Montes
Claros há 50 anos, conforme depoimento do Sr. João Barbosa: “... eu num cheguei estudar
não. Eu assino o nome, não eu num leio não, assim arguma coisa, argum nome.” Mas,
“Eu votava. Pra Deba, Neco também nunca votei não. Simeão eu votei pra ele. Votei
também pra o finado Capitão Enéas, votei nele também. Dr. Pedro também, votei nele.”
180
Dona Augusta Maria também era analfabeta e votava: “Esse negoço de leitura a
gente num tinha direito de istudar, era só trabaiar, hoje em dia me faz muita falta esse
negoço, num tinha tempo pra estudar tamém não. Eu aprendi, faço mal mal o nome... Ele
era bom prefeito. Eu votei foi nele, Simeão Ribero, Mario Ribero.
181
A lei eleitoral exigia que o eleitor fosse alfabetizado e, para evitar aqueles que
apenas “fazem o nome”, exigia o preenchimento do formulário de alistamento pelo próprio
eleitor. Mas, pelo jeito, essa lei não era cumprida em Montes Claros.
O senhor Osmar dos Reis relata um caso concreto de fraude eleitoral envolvendo
políticos, policiais e autoridades judiciais:
Eu já votei, sabe cume que eu votei, naquele tempo, é igual eu tô te falano,
Domingo Lopes, Neco, Deba, eles fazia a coisa da manera que es quiria, então
naquela época lá em Miralta nós era uma turma de 14 anos de idade, até que
meu pai ainda era vivo, aí eles reuniro lá um grupo de políticos aí foro lá, e lá
180
Depoimento de João Barbosa Ribeiro, ex-funcionário da Central do Brasil, aposentado, em Montes
Claros, no dia 20 de junho de 2000.
181
Depoimento de Augusta Maria de Jesus, lavadeira aposentada, em Montes Claros no dia 19 de junho de
2000.
108
tinha um juiz lá’, um juiz e um escrivão chamado Pedro Ferreira Antunes e o
Juiz de Paz era o, o Vicente Ruas, né, então o que que eles fizeram, eles
aumentaro a idade nossa, nós era uma bando lá, nós era lá assim uns doze,
tudo assim duma época, tudo faixa de catorze, quinze ano de idade, inclusive
minha esposa, e outros mais, aí passou, pôs nós tudo com 18 anos. Oia, vai lá
no Cartório de Miralta procura o livro de registro, que eu tenho dois registro
lá, eu tenho um registro de nascimento meu que esse de 31, de 30 de setembro
de 1931 e tenho um registro lá numa otra página lá, de 28, se, como se eu
tivesse nascido in 28, es aumentaro a idade nossa, porque naquele tempo es
pudia fazê, os título num tina retrato, era um talão assim ó, sem retrato, né, só
tinha o nome, e pusero nos nosso 18 anos.
O ex-prefeito Simeão Ribeiro Pires também diz-se prejudicado pelas
“irregularidades” das eleições:
Eu, na história de Montes Claros, fui candidato três vezes: a primeira,
na redemocratização, ganhei na cidade, mas na zona rural, era o chamado
mandiocal, vinha o chefe político, que detinha poder de polícia, tinha o poder
de tudo; não é desculpa de derrotado na ocasião, mas havia muitas
irregularidades.
182
Simeão não menciona quais seriam as irregularidades, mas parece convicto de que
elas existiram e eram praticadas pelos coronéis do PSD, seus adversários. De qualquer
forma seu depoimento evidencia a extensão do poder dos chefes políticos que, segundo ele,
era o “poder de tudo”, possivelmente sobre a justiça eleitoral também.
Vimos nesse capítulo o caráter multiforme das fontes do poder dos coronéis: a
construção e divulgação de mitos, a teatralização dos eventos políticos grandiosos e
cotidianos, as relações de troca, os favores pessoais e coletivos, a violência e a fraude.
Estas estratégias políticas eram comuns a todas as lideranças. E embora algumas fossem
mais acentuadas em alguns casos, percebe-se que as elites políticas de Montes Claros,
fossem rurais ou urbanas, independente de partido, apesar das acirradas campanhas locais,
182
PIRES, Simeão Ribeiro. In: OLIVEIRA, Evelina Antunes Fernandes de. Op. cit. pp. 43-44.
109
tinham os mesmos princípios políticos, utilizavam-se dos mesmos recursos e viam a
população como incapaz de se expressar politicamente de forma autônoma.
Contudo, o domínio das elites, assentado nessas relações de dependência, tinha
limites. Os coronéis não dominavam uma população ignorante e totalmente passiva: da
troca do voto pelo favor até a revolta e o protesto público enérgico, a população participou
ativamente da política local, ora resistindo, ora concordando, negando ou assimilando o
discurso dominante. É o que se verá no capítulo III.
110
Capítulo III: As estratégias populares de participação política
3.1 – A Relatividade da Dependência
Ao lado das imagens de um povo trabalhador e honesto, as elites de Montes Claros
viam o povo como incapaz, limitado, ignorante e, por isso, passível de dominação. A
combinação dos dois conjuntos de imagens as positivas e as negativas faziam parte da
estratégia de hegemonia política praticada pelas lideranças: à população era confiada as
atividades simples, braçais, que não exigem esforço intelectual; e à classe política as
atividades nobres como a gerência, a administração, a liderança.
A difusão dessas imagens não ocorria de maneira uniforme. As positivas eram
amplamente divulgadas pelos jornais e revistas. A visão negativa do povo aparecia ora nos
discursos, que exaltavam o papel das lideranças, ora em documentos produzidos pelas
entidades ou articulistas dos jornais.
“Somente um povo que possui qualidades inatas de bondade e a fibra
inquebrantável do sertanejo, poderá avançar sempre... crescendo gigantescamente num
esforço admirável de tenacidade e de coragem... uma cidade que possui um povo
civilizado e laborioso, povo que não teme o trabalho, que não desanima... Isto é Montes
Claros.”
183
A passagem é de autoria de José Monteiro Fonseca, escrita no primeiro
número da Revista Montes Claros em Foco. Fonseca foi um dos diretores dos dois jornais
da época, Gazeta do Norte e O Jornal de Montes Claros, e era inspetor federal de ensino
na região. Era um intérprete autêntico do pensamento das elites locais.
183
FONSECA, José Monteiro. “Montes Claros por Fora e por Dentro”. Revista Montes Claros em Foco.
Montes Claros: agosto de 1956, n. 1. p. 12.
111
A coragem e a fibra do sertanejo são canalizados, no discurso hegemônico, para o
trabalho dentro da ordem: “Eu te saúdo, Montes Claros querida... pelo índice de cultura de
teu povo, ordeiro e trabalhador, generoso e acolhedor”
184
, dizia o Deputado Estadual
Teófilo Pires (PR) por ocasião do Centenário da Cidade em 1957.
Já vimos no segundo capítulo como a sacralização da instância do político reduzia o
papel da população na relação política, ao reservar as atividades de liderança para pessoas
“aptas” para tal, seja pela competência técnica, seja pela “obra do destino”, que talhava as
pessoas desde o nascimento para a “condução das massas”. A idéia central da sacralização
é que o povo é incapaz, carente da tutela de alguém. Aqui vamos retomar essa discussão e
confrontá-la com o pensamento da própria população.
Quando não trabalha, o povo é uma “doença”, uma ‘chaga”
185
. Quando trabalha, é
corajoso e ordeiro, mas também ignorante e incapaz: “Montes Claros é cidade de
sertanejos e como sabeis, o sertanejo antes de tudo é ignorante, pouco conversador, muito
honrado e muito sincero.”
186
A passagem citada, uma adaptação grosseira da conhecida
frase de Euclides da Cunha em Os Sertões “O sertanejo é antes de tudo um forte” é de
autoria do médico João Valle Maurício, Vereador nos anos 50 e o primeiro reitor (1965-
1977) da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior FUNM instituição da qual a
Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES - é sucedânea.
Como “ignorante”, o sertanejo é, portanto, incapaz de se expressar politicamente
como se vê nesse artigo de Zé Pereira no Gazeta do Norte:
Meu candidato, o General Dutra, está eleito... Aquela propaganda em
prol do Brigadeiro, sistemática, inteligente e tão bem orientada não deu
resultado... No Brasil as propagandas políticas não dão resultado: nunca
184
PIRES, Teófilo. “Saudação à Cidade Centenária”. Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros, julho
de 1957, n.4, p. 16.
185
As expressões “chaga” e “doença” são utilizadas por padres, lideranças políticas e articulistas para referir-
se a categorias como mendigos, desempregados e pessoas sem casas que viviam nas ruas de Montes Claros.
186
MAURÍCIO, João Valle. O Jornal de Montes Claros. Montes Claros, 05 set. 1951, p.1.
112
deram. Foi assim na campanha civilista de Ruy Barbosa; repete-se agora com
Eduardo Gomes.
É que as idéias não penetram nas massas...Entre nós a propagação das
idéias, boas ou más, tem de vencer o peso morto da inércia: as distâncias que
separam as populações e a ignorância das massas. Como solução de
emergência poderiam substituir o sufrágio universal pelo senso alto, a eleição
indireta... Assim como está, não pode... Não é possível que o voto de um
Getúlio Vargas ou Wenceslau Braz; de um Bernardes ou Melo Viana se
equipare ou se anule pelo voto encabrestado de um destes papudos do Rio
Verde.
187
Outro articulista do Gazeta do Norte, Sebastião Tupinambá, relata, em 1947, como
ensinou um eleitor analfabeto a burlar a lei e a votar. Segundo o autor, o Senhor Israel
Rodrigues, um morador das margens do Rio São Lamberto, repetiu exaustivamente a
assinatura de seu nome até conseguir rabiscar “Rael Roiz”, abreviatura por ele,
Tupinambá, sugerida para facilitar a vida de Senhor Israel na hora do alistamento. Israel
votou: “...tive a leviandade de perguntar-lhe em quem tinha votado. ‘Uai votei ni sô
Carlo.’ A criatura de Deus, ignorava o direito de escolher e eleger alguém, não sabia o
ome de quem estava entregando pela soberania do voto os destinos de seu país.”
188
O caso relatado por Sebastião Tupinambá pode até ser fictício, mas é muito
representativo. Os dois artigos tanto revelam as imagens que as elites tinham da população
como demonstra de que forma essas imagens eram divulgadas com o intuito de torná-las
cada vez mais sólidas e assim perpetuar o sistema de dominação política.
Se o povo é incapaz de se expressar politicamente, do ponto de vista econômico
também ele precisa ser dirigido e, por conseqüência, explorado. O fazendeiro Antônio
Teixeira, um dos expoentes principais da Sociedade Rural de Montes Claros escrevia com
regularidade para o Gazeta do Norte acerca dos projetos e programas dos Governos
Federal e Estadual. Em 1951 ele analisava as propostas de reforma agrária refutando-as,
187
PEREIRA, Zé. “Eleições”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 16 dez. 1945, p.1.
113
ora com argumentos “técnicos”, ora com argumentos sociais e políticos, não conseguindo
esconder, no entanto, a explícita oposição entre os interesses dos grandes fazendeiros e os
interesses dos partidários da reforma. Segundo a articulista, o problema do campo não era
falta de terras e sim a deficiência dos transportes, a escassez de mão de obra e a
desorganização da política de preços. Teixeira apontava também para o risco da reforma
agrária provocar a diminuição de “braços na grande lavoura”. O pecuarista, a certa altura
do artigo, irrita-se com a possibilidade de serem entregues a dezenas de pessoas pequenos
glebas de terras e, então, aparece a sua noção de quem seriam os trabalhadores do Norte de
Minas: “Não bastam para administrar, mesmo para uma pequena gleba, dois braços
robustos, é preciso um pouco de crânio: iniciativa. E é infelizmente o que falta, de um
modo geral ao nosso homem do campo. Habituado a ser mandado, atrofiou-se-lhe a
faculdade de dirigir.”
Teixeira prossegue negando a eficiência produtiva da pequena propriedade e,
embora admita o atraso e a inadequação das técnicas da agricultura no país, defende as
relações econômicas e de poder forjadas pela estrutura rural: “Nos mais remotos rincões
rurais, observa-se um bosquejo de organização: há a divisão do trabalho e a
especialização de funções. Existe uma hierarquia de autoridade que é uma contingência
humana e está longe de ser a apregoada exploração do homem pelo homem.”
No texto de Antônio Teixeira os trabalhadores rurais são desprovidos de
“iniciativa”, não possuem nenhuma capacidade de direção autônoma. Ora, a um grupo de
pessoas desse tipo o melhor que pode existir são pessoas dispostas a guiá-las, orientá-las,
fazer por elas o que lhes é impossível sozinhas. O autor diz que os homens do campo estão
“habituados a serem mandados” e por isso perderam a “faculdade de dirigir”. É
188
TUPINAMBÁ, Sebastião. “Israel, o eleitor.” Gazeta do Norte. Montes Claros, 23 jan. 1947, p. 1.
114
interessante esse trecho porque nele se reconhece o caráter social-histórico da
“bestialização” dos trabalhadores. No entanto, em seguida, o articulista diz que a
organização rural na qual foi dado ao trabalhador um papel subalterno realmente existe,
mas é uma hierarquia de autoridade necessária e, de forma alguma, significa “exploração
do homem pelo homem”.
Uma vez negada a exploração, fica implícita a idéia de que os “homens do campo”
maioria absoluta da população do município - são mesmo inferiores, limitados e,
portanto, dependentes dos grandes fazendeiros e do ponto de vista político, passíveis da
tutela do coronel seu amigo, protetor e orientador.
Além do Jornal e dos pecuaristas, os vereadores compartilhavam do imaginário da
operosidade e da inferioridade da população já vimos que para o vereador João Valle
Maurício “o sertanejo antes de tudo é ignorante”. Nos projetos e ofícios dos vereadores vê-
se os mesmos adjetivos usados para referir-se à população.
Em um requerimento não assinado de 1948, era solicitada a iluminação do Bairro
Bonfim: “Senhor Presidente: Habita o Bairro Bonfim, uma população numerosa,
trabalhadora e ordeira, que muito tem contribuído para o progresso material de nossa
terra. Não me parece justo que esses nossos patrícios, centena dos quais sufragaram
nossos nomes, para que aqui defendêssemos os seus direitos e aspirações, continuem
privados do conforto elementar da iluminação elétrica.”
189
É notório que o autor do requerimento reconhece o direito ao “conforto” da energia
elétrica, mas antes disso três idéias estão presentes no texto: o povo trabalhador e ordeiro, a
retribuição ao voto e o fato dessa população contribuir para o “progresso material”. Trata-
se na verdade de idéias associadas e complementares: o povo trabalha, comporta-se de
189
Pasta de Amostragem documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1948.
115
forma ordeira, contribui para o progresso material e entrega às lideranças as atividades
políticas e administrativas, dependendo delas para a realização de suas reivindicações.
As mesmas idéias estão presentes no requerimento do vereador Pedro Martins
Sant’ana em 1955: “O Bairro Santo Expedito, Sr. Presidente, é um local desta cidade que
promete grande desenvolvimento para Montes Claros e é habitado por inúmeras famílias
ordeiras e laboriosas e, portanto, merece a atenção do poder competente para os seus
problemas.”
190
Para a Associação Comercial e Industrial de Montes Claros ACI o povo
também é limitado e ignorante e, por isso, é preciso ter cuidado com ele, protegê-lo.
Quando foi discutida a instalação de um posto de combustíveis na Praça Dr. Carlos
Versiani
191
, a ACI posicionou-se contra o mesmo sob o argumento de que “alegam nossos
associados, principalmente os estabelecidos e residentes na referida praça e ruas
adjacentes, ser um atentado contra a segurança pública (a instalação do posto), dado o
perigo que oferece por se tratar de logradouro dos mais movimentados da cidade,
freqüentado como o é por crianças inocentes, empregadas domésticas ignorantes e
descuidadas, e, finalmente por elementos de toda espécie...”
192
A convergência dos dois conjuntos de imagens as “positivas”: povo corajoso,
trabalhador, ordeiro; e as “negativas”: povo ignorante, incapaz, sem iniciativa resulta na
concepção de que a população era, para as elites (ou como elas queriam fazer crer),
dependente do ponto de vista intelectual, econômico e político.
190
SANT’ANA, Pedro Martins. Pasta de Amostragem documental da Câmara Municipal de Montes Claros,
1955.
191
Em 1952 a cidade foi envolvida numa enorme polêmica: um empresário solicitava do Prefeito Enéas
Mineiro de Souza uma autorização para instalar um posto de combustíveis na Praça Dr. Carlos Versiani,
umas principais da cidade. O Projeto foi exaustivamente debatido na Câmara e terminou aprovado.
192
RAMOS, Antônio Loureiro (presidente) e VIEIRA, Air Lelis. (1º secretário). Pasta de Amostragem
documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1952.
116
Por todas as discussões desenvolvidas até aqui neste trabalho percebe-se que, de
fato, havia uma dependência da população em relação às elites políticas e econômicas. Não
se trata, pois, de negá-la neste momento. Ao inverso, trata-se de problematizá-la. Até que
ponto esta população era “ignorante” e sem iniciativa? Quais os limites do comportamento
“ordeiro” da população? Essa população dependente e dominada entregava “de graça” os
destinos do município às lideranças?
Quando analisamos os documentos produzidos pelos movimentos populares ou os
depoimentos, verificamos que o discurso das elites nem sempre tinha correspondência no
pensamento das pessoas. Longe de ignorante e dócil, o “sertanejo” é consciente de seus
problemas, dos seus exploradores e dos caminhos que poderá percorrer para sobreviver e
mesmo participar das atividades políticas.
Saliente-se que, para viabilizar seus projetos políticos as elites precisavam,
inevitavelmente, do voto da população. Sendo este fato fundamental para que se
compreenda o caráter relativo e recíproco da dependência.
De posse do direito ao voto e conscientes desse instrumento, as pessoas o podiam
utilizar como mecanismo de pressão, de obtenção de favores, de participação política.
Participação essa que está longe de ser cidadã, mas também que revela um papel ativo do
eleitor no processo político.
As pessoas distinguiam com clareza as lideranças políticas que as representavam, e
dentro da cultura do favor pessoal, condenavam ou aprovavam conforme o tratamento
recebido individualmente ou do seu pequeno grupo.
A lavadeira Augusta Maria de Jesus, analfabeta e mãe de quatorze filhos, tem o ex-
Prefeito Antônio Teixeira de Carvalho, vulgo Dr. Santos, como um modelo de político
porque “ele era um home que tanto ele era bom na Prefeitura, quanto ele era bom no
117
consultório dele. Ele nunca deixou um pessoa chegar no consultório dele atrás de um
remédio ou de uma consulta que voltasse sem ele, nunca deixou... É por isso que as pessoa
gostava.” No entanto, Dona Augusta tem pavor de Juscelino Kubsticheck:
Aquele num prestava nem pra matá de pedra, ave Maria. Aquilo era ruim,
mais era ruim mermo. Nessa ocasião meu marido trabaiava na Central, num
era só meu marido não, era todo mundo que trabaiava na Central, passou
cinco mês sem vê um tustão, ele só com esse dinheiro, comeno esse dinheiro
pra fazê essa nova Capital pra lá e era comeno e agente só, num ficava cum
fome que tinha o armazém né, que furnicia né, pra gente, mais dinheiro, cinco
mês sem saí dinheiro. Quando começou saí, saiu o pagamento, ia pagano de
pouco a pouco. Ta fazeno essa, essa Capital lá, e aí agora que o povo sofreu
mermo. O povo ficava, um roga pra São Nonato, um fala, otro fala, até que ele
ixpludiu mermo. Era demais moço, era uma revolta danada.
193
Para outros entrevistados, JK foi um extraordinário Presidente e o fato de, durante o
seu mandato, ter construído a nova capital, constitui um motivo a mais para engrandecê-lo.
No entanto, para Dona Augusta, JK simboliza o desrespeito ao trabalhador e a crueldade; a
construção de Brasília não tem nada de romântico, pelo contrário, é “culpada” pela miséria
a que foi submetida sua família.
Situação semelhante é relatada por Ana Dias Lima
194
. Ela também reprova JK por
ter lhe negado um emprego: “Juscelino ... que na época que ele tava aí escrivi uma carta
pra ele pedino emprego aqui e tal ele me arrespondeu dizeno que num cogitava emprego
aqui, era só mesmo prus que já tava trabaiano, num sei contá nada de bom pra ele não.”
Mas Getúlio Vargas “foi o melhor presidente ... até hoje o direito que funcionário
tem, o trabaiador, o operário tem, muita lei foi dexada por ele, o Getúlio Vargas foi um
ótimo presidente”, diz o ex-funcionário da Central do Brasil, João Barbosa Ribeiro,
satisfeito com os benefícios das leis trabalhistas.
193
Depoimento de Augusta Maria de Jesus, lavadeira aposentada, em Montes Claros no dia 19 de junho de
2000.
194
Depoimento de Ana Dias Lima, aposentada, em Montes Claros no dia 20 de junho de 2000.
118
Nas ações coletivas também a população demonstra seus interesses e suas
estratégias de ação política. Nos documentos enviados à Câmara Municipal as entidades
operárias elogiavam os vereadores e o prefeito, mas eram enfáticas ao apresentar suas
reivindicações: as entidades apresentavam-se como representantes da “classe mais
explorada e indefesa”, ou como representantes das “razões do povo” que são “soberanas e
decisivas”. Os estudantes, ora organizados pelo DEMC Diretório dos Estudantes de
Montes Claros -, ora não organizados, empreendiam movimentos enérgicos. Como vimos
no capítulo I, eles realizaram vigorosos protestos contra o governador Kubstichek no início
da década de 1950 e quase depredaram o Cine Coronel Ribeiro, em 1959, pelo fato deste
desconsiderar as carteirinhas do DEMC.
O movimento das mulheres contra a carestia também foi uma explícita
demonstração de recusa ao discurso dominante. A Associação das Donas de Casa de
Montes Claros conseguiu mobilizar a população contra a elevação constante de preços na
cidade em 1959 e exerceu forte pressão sobre a Câmara e Prefeitura municipais pela
ampliação do serviço de armazéns públicos em Montes Claros.
Vê-se que em ambos os casos as ações individuais e as coletivas a população
apresentava-se consciente de sua condição de explorado e não assistiu passivamente às
ações das elites. As noções das elites de que o povo é ignorante, sem iniciativa e “bem
comportado” parecem perder força diante da consciência de uma lavadeira que quer “matar
à pedra o presidente”, de operários que se reconhecem como “explorados”, de donas de
casa que fazem passeatas e de estudantes que ameaçam depredar cinema.
Aos protestos populares, as elites precisavam responder com ações efetivas haja
vista a necessidade de se “manter a ordem” e também o eleitorado. A população tinha
119
consciência do caráter mútuo dessa relação de dependência e utilizou-se das estratégias que
lhes foram possíveis para atingir seus objetivos.
3.2 – Estratégias de sobrevivência e ação política
A relação estabelecida entre eleitor e liderança marcava-se pelo binômio
subordinação-dominação. Entretanto, esta relação é dinâmica, constrói-se no cotidiano de
dominadores e subalternos, é modificada e reinventada à medida que as circunstâncias o
exigem. Há, pois, um confronto de interesses e um papel ativo desempenhado por ambos
os sujeitos do processo.
O primeiro caso a discutir é como as pessoas agiam individualmente para atingir
seus objetivos. A análise dessas ações revela uma confusão entre as esferas públicas e
privadas, a prática do favor como inerente à política, como seu elemento constitutivo
fundamental. Como vem sendo discutido neste capítulo, o eleitor, embora subordinado,
desempenhava um papel ativo na relação política e apesar das elites construírem e
divulgarem as imagens de um povo ignorante e incapaz, verifica-se que tal discurso não
era assimilado no todo, ou sofria a oposição de um contra-discurso materializado na prática
dos indivíduos.
Os eleitores tinham consciência de suas escolhas políticas (não necessariamente
livres), também iam além da retribuição ao favor, podiam até mesmo enganar o coronel,
seu amigo, protetor e candidato:
Eu mi lembro uma vez (...)era época de eleição, que eles abriu uma loja lá, pa
dá pano pro povo, pano e calçado né, aí, o dono da loja lá era meu cunhado,
(...) mas dava aqueles panim ruim, aqueles xadrez, aqueles panim mais ruim,
entendeu? Aí teve um dia (...) cheguei lá, (...) bateno papo e ele tava midino
pano e dano um muncado de muié que foi lá pegá. Eu peguei falei com ele
assim, que é meu cunhado e cumpade né, (...), falei ó, o negócio é o seguinte,
120
eu nunca exigi nada pra votá, eu acumpunho Dumingo Lopes, esse povo aí, a
gente falava acompanhá, né, cumpanheiro, ispontanea vontade, é, livre
vontade, pur que es é meu amigo, quando eu priciso de um cavalo eu vo lá e es
me dá, quando eu priciso de um carro de boi pra carriar, um trem es me
impresta, então, né, eu priciso de uma madera eu vô lá, eu to pricisano de uma
madera assim, assim, ‘ah entra aí no mato caça aí’, então, gente ajuda. Pur
que se for pra eu dá meu voto em troco desse panim ruim esse é que eu compro
uai, esse eu compro pronto, vo lá e compro, então no caso se for pra mim
ganha alguma coisa, eu queria ganhá um coisa que eu num posso comprá, que
ganhá um trem que eu já tive, usando, e posso comprá, né, num é interessante
não, agora se for pra eu ganha uma coisa que eu num tenho condição de
comprar, aí interesso. Esses pano, só dá esses pano, aí tinha uma pia de pano
daqueles tricolino, tricolino fino mesmo, ninguém tirava, tava lá cheio,
ninguém tirava. Aí quando aquele pessoal saiu, deu certo que uma hora isvaziô
lá, ele falo cumigo assim: escolhe um, escolhe uma, esse tricolino, escolhe aí.
Ah bom, esse aí eu aceito, pois eu quero aquele ali, puxô lá, tiro dois metro e
meio. Eu passei a mão nesse trem (...) mamãe muito boa costureira ( ...) falei ó
mamãe um pano que aqui pra senhora fazê uma camisa boa pra mim (...).
195
O depoimento do Senhor Osmar Reis é significativo. Em primeiro lugar, está claro
que sua vida cotidiana é marcada pela dependência em relação aos vizinhos fazendeiros
com quem travava relações de favor. Esse mesmo fazendeiro que o “ajuda”, é seu amigo e
“companheiro”. Ora, nada mais justo e correto, na visão do Senhor Osmar, que votar no
seu “companheiro” Domingos Lopes e isso é feito de forma “livre e espontânea”. Ninguém
o obrigou a votar em um nome específico, foi um ato “livre” de pressões, esse voto foi
conquistado no dia-a-dia, em relações de trabalho, vizinhança e amizade. Contudo, mesmo
reconhecendo os “méritos” de seu candidato, respeitando-o, sendo seu amigo, o eleitor o
engana, “passa-o para trás”. Utiliza-se da prática adotada pelo chefe político de distribuir
objetos de baixa qualidade às pessoas em ano de eleição prática essa normal e que parece
complementar os favores prestados ao longo de todos os anos para obter um bem mais
valioso e, isso, através de outro favor: a intermediação de seu compadre e cunhado. O ato
legitima a ação contraditória de doação/compra do voto e, por esse mecanismo, a perpetua.
195
Depoimento de Osmar Reis Lopes Ribeiro, agricultor, carpinteiro, aposentado, em Montes Claros no dia
121
Ao mesmo tempo, coloca-a em questionamento, estabelecendo medidas de valor na troca
de mercadorias, ao dar ao voto esta categoria. De qualquer forma, ao aceitar o favor, o
eleitor compactua com a prática, instituindo-a, servindo-se dela para a satisfação de
necessidades imediatas.
Quando os indivíduos apelavam para o poder público, o favor era novamente o
mecanismo pelo qual esperavam realizar o seu pedido. Entretanto, dificilmente as pessoas
se dirigiam diretamente ao Prefeito Municipal. Entre este e elas interpunha-se o Vereador,
ou outra liderança influente.
O mesmo Osmar relata que os moradores dos distritos rurais, particularmente
Miralta, onde ele residia, construíam eles mesmos várias obras públicas, mas quando se
tratava de serviços maiores, que careciam da ação da Prefeitura, eles iam até os coronéis e
estes “Coronel Dumingos Lopes, o Deba mesmo, esses grande, político, vinha e cobrava,
apertava o pescoço do Prefeito daquele época, as vez pra fazê uma estrada”.
Por ser o político com cargo eletivo mais próximo do eleitor, eram os vereadores os
intermediários freqüentes das reivindicações. A eles eram dirigidos os mais diversos
pedidos.
Exemplo disso encontramos na carta do senhor Benedito Gomes de Macedo à
Câmara Municipal em 1948. Ele alega ter sido funcionário público municipal entre os anos
de 1906 e 1935, nomeado para diversas atividades (Escrivão de Paz, “fiscal-procurador”,
porteiro) pelos mais diversos líderes políticos que estiveram à frente da Câmara e da
Prefeitura naquele período. O missivista diz ter sido exonerado “sem causa justificada” em
1935 pelo então Prefeito José Antônio Saraiva. Embora o “currículo” de Senhor Benedito
o “autorizasse” a reclamar seus direitos ao poder público, o conteúdo de sua carta é
15 de Junho de 2000.
122
emotivo, chega a ser patético: “...sou um dos homens mais conhecidos, um dos mais
pobres e um dos mais velhos desta cidade, pois, já completei 80 anos e acho-me sem
recursos para o meu sustento e de minha pobre velha doente e acho-me cego em situação
de completa miséria !”. Após relatar suas condições de vida e suas atividades como
funcionário municipal, o Senhor Benedito apresenta seu pedido: “... uma ajuda de custo,
para que eu e minha pobre velha possamos viver os poucos dias que nos restam, mais
tranqüilos” e, por fim, diz está “confiado no elevado espírito de justiça e caridade de Vs.
Excias, como legítimos representantes do povo deste município, espero ser atendido.”
196
O vocabulário e a forma como escreve o Senhor Benedito demonstra que, de fato,
ele conhecia as formalidades dos documentos públicos e sabia também como funcionavam
as decisões políticas. Ele foi admitido e manteve-se como funcionário municipal sempre
através do favor, por meio das múltiplas nomeações. Assim, apelou o Senhor Benedito
para o “espírito de justiça e caridade” dos vereadores. Embora pareça ter consciência de
seu direito à “ajuda de custo”, ele é consciente também de que a moeda política é o favor.
Não bastava a justiça, era fundamental a caridade e, por isso, a carta apela para a
sensibilidade dos vereadores, não para a aplicação da lei ou do direito. A Comissão de
Finanças e Justiça da Câmara julgou o assunto de competência do Executivo e o remeteu
ao Prefeito Alfeu de Gonçalves de Quadros.
O apelo à caridade é também o argumento central utilizado pelo preso da cadeia
local, João Maurício dos Santos. Ele pretendia ser transferido para a cadeia de Neves e
para tanto carecia que “alguém arranjasse a transferência” e não tendo como “pagar um
advogado” para encaminhar o processo, apelou para o presidente da Câmara Municipal,
196
MACEDO, Bendito Gomes de. Pasta de Amostragem documental da Câmara Municipal de Montes
Claros, 1948.
123
Vereador João Valle Maurício, para “me fazer uma caridade com um auxílio”. O edil não
teve dúvidas: encaminhou um ofício ao juiz de direito solicitando a transferência.
197
Em ambos os casos, os indivíduos, Benedito e João Maurício, a partir da própria
lógica das ações dos grupos dominantes, elaboram estratégias e argumentos para a
resolução de seus problemas pessoais. Vê-se que as fronteiras entre o público e o privado
mostram-se diluídas. Além da fusão do primeiro com o segundo no cotidiano de lideranças
e população, o privado também projeta-se no público como forma de sobrevivência.
Os vereadores Hildeberto Alves de Freitas e Pedro Santos foram os intermediários
dos moradores do povoado de Caraíbas (município de Montes Claros) para a instalação de
uma escola municipal. É curiosa a forma como se expressam os autores das
correspondências dirigidas aos vereadores:
Dr. Pedro Santos
Saudações.
O fim desta é dizer ao Snr. como Veriador para nos arranjar uma escola nas
Caraibinha, por que tem uns 50 meninos a cima, é arretirado do comerço 3
légua e é um peçoal tudo fraco que não pode mudar para os comerço por os
filhos nas escolas, então peço aos snr. como amigo para tomar providência
neste assunto
Do amigo as orde
Olympio Rodrigues Camêlo.
198
A carta de Sr. Olympio é escrita a mão, seu linguajar é coloquial, familiar. É um
bilhete dirigido a um amigo Vereador que, por sua influência e caridade, pode “arranjar” a
escola. É notória a maneira personalizada como se dá essa relação entre a população e o
poder público, a idéia subjacente à correspondência é a do favor pessoal. Contudo, é
significativo também que o indivíduo se sinta no direito de escrever ao Vereador e
197
Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1961.
198
CAMÊLO, Olympio Rodrigues. Projeto-Lei nº 15: Escolas rurais de Clarinha e Caraíbas. Vereador Pedro
Santos, 1948.
124
reivindicar dele o benefício. O projeto de instalação da escola foi aprovado pela Câmara
Municipal, em 31 de agosto de 1948.
As ações coletivas parecem mais bem elaboradas e organizadas. Um dos seus
recursos era o abaixo-assinado. Esta foi uma estratégia muito utilizada ao longo de todo o
período pesquisado. Para uma cidade espaço urbano - de cerca de 20 mil pessoas e com
elevado índice de analfabetismo
199
, a constante elaboração de listas de assinaturas com
centenas de nomes, e mesmo milhares, como ocorreu no movimento das donas de casa, é
bastante significativo.
Quando precisavam de qualquer serviço público, os moradores apelavam para o
Vereador mais próximo, com correspondências acompanhadas de centenas de assinaturas.
Parece que a quantidade de nomes constante nas listas era uma espécie de termômetro da
indignação da população, uma vez que os Vereadores sempre discutiam asperamente a
quantidade de assinaturas presente nos documentos, seja para depreciá-los, seja para
valorizá-los.
Em 1956, os moradores do Bairro Vila Guilhermina, um bairro periférico, enviaram
um abaixo-assinado com 107 assinaturas ao Vereador Cândido Simões Canela:
Ilmo Exmo. Snr. Cândido Simões Canela.
DD. Vereador á Câmara Municipal de M. Claros.
Respeitosos cumprimentos.
Nós abaixo assinados, residentes a Vila Guilhermina, viemos muito
respeitosamente solicitar a Vsa. se digne cientificar a administração
municipal, o estado deplorável em que permanece a mais de um ano, a ponte
localizada no final da Rua Dr. Veloso, ligando a Cidade e referida Vila.
199
A população urbana de Montes Claros era de 15.316 pessoas em 1940, 21.243 em 1950 e 43.097 em 1960
conforme os Censos Demográficos de 1940 e o Anuário Estatístico de 1980.
Da população urbana em1950 apenas 50.64% sabiam ler e escrever segundo a Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros. RJ: IBGE, 1959.
125
Para que Vsa. tenha nitidez do que pedimos anotamos as seguintes
irregularidades sobre a ponte que é demasiadamente estreita, sem corrimão de
um lado, esburacada (...)situada numa curva e sem iluminação.
Certos de que Vsa. prestigiará na medida do possível o nosso apelo
agradecemos antecipadamente.
Montes Claros, 14 de Novembro de 1956.
200
Trata-se de um documento diferente da carta do Senhor Olympio Rodrigues. Aqui a
reivindicação é bem mais elaborada, o tom é agressivo, os moradores utilizam argumentos
mais racionais para justificar suas reclamações e criticam a demora na resolução do
problema “o estágio deplorável em que permanece a mais de ano”. O abaixo-assinado foi
encabeçado por Zeferino Oliveira Guedes que, em agosto de 1957, voltou a escrever
reivindicando benefícios para o seu bairro. Guedes diz que a Vila Guilhermina não tem
água encanada, iluminação elétrica, nem esgoto. Entretanto, o tema central de sua carta,
agora escrita através do Jornal Gazeta do Norte
201
, são os reparos na velha ponte objeto
do abaixo-assinado de 1956 que permanecia precária, oferecendo riscos à população.
Guedes repete o tom agressivo do documento anterior, diz que o bairro foi abandonado
porque é habitado por “operários das mãos calosas e os sofredores da lavoura”, mas tece
abundantes elogios ao então Prefeito Geraldo Athayde pelas obras do centenário. Como
veremos adiante, essa oscilação entre uma postura agressiva e uma atitude de aceitação e
complacência foi uma constante nas reivindicações populares, parece mesmo que era um
elemento constitutivo das suas estratégias de ação.
Viu-se neste item o caráter dinâmico da relação de subordinação-dominação travada
entre as elites e a população montesclarenses. Depreende-se dos casos discutidos o papel
ativo desempenhado por ambos os pólos desta relação. As ações populares não conseguiam
romper com a hegemonia das elites econômicas, não tinham força para tanto, nem
200
Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1956.
126
demonstram pretendê-lo. Mas percebe-se que esta hegemonia não era exercida sem
percalços ou limites. Servimo-nos aqui da noção de hegemonia de Williams para quem
“Uma hegemonia vivida é sempre um processo. Não é, exceto analiticamente, um sistema
ou uma estrutura. É um complexo realizado de experiências, relações e atividades, com
pressões e limites específicos e mutáveis. (...) Tem de ser renovada continuamente,
recriada, defendida e modificada. Também sofre uma resistência continuada, limitada,
alterada, desafiada (...).”
202
Destaca-se no pensamento do autor a necessidade da experiência concreta para que a
hegemonia se confirme. É exatamente nesta prática que reside as ações de dominador e
dominado, num processo contínuo de inter-relação.
No caso em discussão, Montes Claros, vê-se que a hegemonia exercida sofreu as
pressões opostas que lhe forçaram rápidos movimentos de reestruturação, ou pequenas
concessões para sobreviver. Entretanto, a oposição sofrida não era capaz, e nem queria,
romper com o sistema dominante. Como salienta Williams, a força do pensamento e
cultura hegemônicos, ao mesmo tempo que é combatida, é também compartilhada, porque
hegemonia constitui “um senso da realidade para a maioria das pessoas na sociedade, um
senso de realidade absoluta, porque experimentada, e além da qual é muito difícil para a
maioria dos membros da sociedade movimentar-se, na maioria das áreas de sua vida.”
203
O indivíduo encontra-se, pois, “aprisionado” pelos valores dominantes, cuja
estrutura é sólida e para a qual ele, apesar de contestar ou exigir reformulações, ajuda a
sustentar e, na medida em que resiste dentro da ordem, confere-lhe legitimidade.
201
GUEDES, Zeferino Oliveira. Gazeta do Norte. Montes Claros, 08 ago. 1957, p. 5.
202
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zaar, 1979, p.115.
203
WILLIAMS, Raymond. Op. cit. p. 113.
127
A análise das estratégias de sobrevivência e ação política procurou compreender a
presença efetiva da população nos processos políticos para tornar possível o próprio
entendimento do sistema de dominação econômica e política que, embora fosse (e seja)
vigoroso, não existiu sem oposição, porque “...qualquer hegemonia (...), embora por
definição seja sempre dominante, jamais será total ou exclusiva. (...) qualquer processo
hegemônico deve ser especialmente alerta às alternativas e oposição que lhe questionam
ou ameaçam o domínio.”
204
3.3 – Entre a aceitação e a negação do poder vigente
Ao longo do período pesquisado a população comportou-se oscilando momentos de
assimilação do discurso dominante e instantes de negação deste discurso ou construção de
um contra-discurso.
No primeiro caso, percebe-se sua participação efetiva na troca de favores com as
lideranças políticas e com o poder público municipal; e no segundo, a mesma entidade tece
críticas `as lideranças, condena algumas de suas atitudes e apresenta suas reivindicações.
Trata-se, na realidade de um movimento contínuo de crítica e aplauso, uma estratégia de
reconhecimento e reivindicação. Esse procedimento é perceptível no trabalho desenvolvido
por entidades como a União Operária, o DEMC, a Associação das Donas de Casas e
sindicatos diversos.
A União Operária de Montes Claros foi fundada em 1894. Em 1906 ocorreu uma
divisão e uma ala fundou a Liga Operária Beneficente. Em 1928 a Liga mudou de nome
passando a chamar-se União Operária e Patriótica de Montes Claros. “ ‘Deus, União e
204
WILLIAMS, Raymond. Op. cit. p. 116.
128
Trabalho’. É este o lema da ‘União Operária e Patriótica de Montes Claros’. Entidade
civil e filantrópica, fundada em nossa terra, em 1894, por um grupo de homens idealistas e
dotados de elevado espírito altruístico.” A frase é de Sebastiana Osório, em reportagem
para a revista Montes Claros em Foco em seu primeiro número, em agosto 1956. A
finalidade da matéria era, segunda sua autora, expor ao público os fins e princípios da
entidade (ver no anexo F a declaração de princípios da União Operária).
Coerente com o slogan “Deus, União e Trabalho”, a entidade tem fins
“filantrópicos” e “altruístas”. Dentre os objetivos listados destacam-se a “proteção social”,
o “auxílio jurídico, médico, farmacêutico, dentário e material”. Para realizar seus fins, a
entidade firmava-se nos seguintes princípios:
1º) A doutrina moral do Evangelho de Cristo, o respeito mútuo, amor e
harmonia entre os homens.
2º) Repúdio à luta sistemática e violenta de classes.
3º) A fórmula de Toniolo: O trabalho cada vez mais dominante, a natureza
cada vez mais dominada, o capital cada vez mais proporcionado.
4º) A necessidade da intervenção moderada do Estado na questão social no
sentido de controlar e regular o justo salário, a justa produção e o justo preço.
5º) Conserva-se acima e fora da política partidária.
205
O caráter beneficente e assistencialista da União Operária está explícito. A
preocupação com questões como tratamento médico-odontológico é retomada na seqüência
da reportagem, quando a autora lista os benefícios conquistados pela “atual” diretoria: 50%
de descontos em consultas médicas, 50% em serviços jurídicos e 30% em serviços
odontológicos.
A “doutrina moral do Evangelho de Cristo, a harmonia entre os homens, o repúdio
a luta de classes e a distância em relação aos partidos políticos”, princípios propugnados
pela entidade, poderiam sugerir, à primeira vista, completa apatia política. No entanto, não
205
OSÓRIO, Sebastiana. Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros, agosto de 1956, n. 1, p. 40.
129
é este o comportamento da União Operária: com a força de representar cerca de 800
associados
206
, ela esteve presente em quase todos os embates políticos travados no
município no período pesquisado.
A União Operária era estreitamente vinculada aos grupos políticos hegemônicos de
Montes Claros. Em seus eventos particularmente o “1º de maio” Prefeito, Vereadores e
Deputados de diversos partidos discursavam e eram homenageados. Apesar de dizer-se
fora da luta partidária, a entidade apoiou em 1947 o candidato a Vereador José Xavier
Guimarães (UDN). Guimarães não foi eleito. Já em 1951, ele chegou à Câmara Municipal,
desta vez pelo PTB, como “representante dos operários”.
Como vimos no capítulo I, a União Operária teve participação ativa nas
reivindicações feitas ao governador JK no início da década de 1950. A proximidade com as
elites, entretanto, não significava completa colaboração. Em festa comemorativa do “Dia
do Trabalho” em 1948, no cine Cel. Ribeiro, com a presença de várias autoridades locais,
um dos diretores da entidade, Argentino Roque da Silva, pronunciou um enérgico discurso
em nome dos “indigentes e desamparados”, acusando a “situação crítica dos trabalhadores
no mundo inteiro”, condenando os patrões que vêem os operários como “simples
máquina”, rechaçando as propostas “aproveitadoras” dos fascistas e comunistas” e, por
fim, exigindo o “amparo social para os trabalhadores pelo poder público”.
207
Além da
presença das autoridades, note-se que o evento foi realizado no Cine Coronel Ribeiro,
propriedade da Família Ribeiro, uma das tradicionais forças políticas do município como
foi visto no capítulo II. Percebe-se, pois, que a entidade está próxima ao patrão, está
206
OSÓRIO, Sebastiana. Op. cit.. É possível que a matéria tenha superdimensionado o peso da União
Operária, mas este número 800 é uma referência muito constante em outras matérias e textos de Jornal ou
da Câmara Municipal.
207
SILVA, Argentino Roque da. “Dia do Trabalho”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 02 maio de 1948, p.1
130
disposta a colaborar, bate palmas para as lideranças mas, em contrapartida, exige
“tratamento humano” dos patrões e “amparo” do poder público.
Em 1955 a entidade participou ativamente dos debates em torno do projeto de
aumento dos impostos municipais, posicionando-se contra o mesmo. Nas correspondências
à Câmara Municipal, a entidade protestava:
esta entidade, que congrega o corpo operário desta cidade, classe que vem
sofrendo (...) toda série de sofrimentos, com o horrível custo de vida que
estamos atravessando, sem haver contudo qualquer compensação da receita,
vem à presença de V. Excia. manifestar a estranheza com que a classe
operária recebeu a notícia de aumento de tributos.
Como V. Excia. e os demais componentes dessa Câmara não desconhecem
por certo, a classe trabalhadora não suporta presentemente novos ônus, por
ser de angústia a situação em que se acha (...)
Suas receitas não têm se aumentado de forma alguma, enquanto que suas
despesas, em franco paradoxo, vêm subindo toda semana, atingindo o mínimo
indispensável à sua sobrevivência (...)
Somos a classe mais explorada e indefesa, visto que, enquanto as classes
conservadoras e as liberais se defendem dos aumentos, subindo os preços de
sua produção, de suas mercadorias e dos seus serviços, as classes operárias,
empregados e funcionários não têm meios para proceder da mesma forma, em
virtude de sua dependência econômica como assalariados que são.
Para nós, a situação é calamitosa e não sabemos para quem iremos apelar.
No mercado, somos explorados tremendamente pelos famosos atravessadores,
contra os quais essa Câmara tem combatido energicamente (...)
A Força e Luz veio agora com umas tarifas absurdas, francamente
proibitivas à bolsa do operário.
No tocante à Saúde Pública, operários e suas famílias morrem
freqüentemente à mingua, por não poderem comprar remédios (...)
As medidas dos estabelecimentos comerciais, açougues etc. não são auferidas
e o pobre é roubado vergonhosamente com as diferenças de pesagem e
medidas, sem que a autoridade a quem compete corrigir tais abusos tome
qualquer providência.
Dos ricos, os infratores não tentam roubar, receosos de providências
policiais, escândalos e outras reações. O operário é sempre a vítima indefesa.
Dessa forma, Sr. Presidente, é lamentável que o Sr. Prefeito procure
aumentar impostos (...) como todos o sabemos, que estes aumentos recaem no
consumidor (...)
Com estas considerações, Sr. Presidente, a classe operária confia no elevado
senso de compreensão dos dignos componentes dessa edilidade, conhecedoras
como são da situação aflitiva em que vivemos (...)
Respeitosas saudações
131
União Operária e Patriótica de Montes Claros
Donato Dias de Oliveira
Presidente.
208
O texto de Oliveira denuncia um quadro sombrio da cidade no ano de 1955: carestia,
saúde pública deficiente, fraudes nos pesos e medidas, atravessadores no mercado e
policiais manipulados. Embora o objetivo do documento fosse demonstrar a repulsa ao
projeto de majoração dos tributos, ao longo da exposição Oliveira revela a consciência dos
operários como “classe mais explorada”, sua situação de dependência em relação aos
salários sua única fonte de renda possível e sua condição de maiores vítimas dos altos
impostos. Nota-se também, no texto, uma associação entre os “ricos” e os policiais. Neste
ponto, fica implícita a idéia de que a força policial é um instrumento de dominação das
elites.
Donato de Oliveira escrevia constantemente pelo Jornal Gazeta do Norte
conclamando os operários a fortalecerem suas entidades e lutarem pelos seus “direitos”:
(...)revendo páginas de um livro (...), encontrei uma sabia advertência
que diz o seguinte: ‘Uni, operariado de todo o território nacional, formai e
reforçai as vossas entidades de classe a fim de que, unidos, possais melhor
receber a reivindicação de vossos direitos (...)’;
Vós sois, operariado brasileiro, (...) dotado de uma capacidade
intelectual que se destaca entre os demais povos do globo. Sendo rico em
capacidade produtiva sois rico e independente, não necessitando adotar
credos políticos por sugestão de povos, que não possuem o que vós possuís,
principalmente esse rico preconceito de justiça e moral que é a suprema honra
do operariado.
Esses atributos, vós tendes para emprestar sem juros, a esses povos da
Rússia, nome sugestivo que se assemelha ano nosso termo russio que significa
cor turva, embaciada, sem clareza.
Operariado de Montes Claros, trabalhai pela União Operária de Montes
Claros, trabalhando para a nossa terra e pelo Brasil.
209
208
OLIVEIRA, Donato Dias. Pasta de Amostragem documental da Câmara Municipal de Montes Claros,
1955.
209
OLIVERIA, Donato Dias de. Gazeta do Norte. Montes Claros, 31 mar. 1955, p. 1.
132
Oliveira exorta os operários a se unirem, organizarem-se para empreender suas lutas.
Estas, no entanto, não eram para subverter a ordem, alterar as estruturas sociais e
econômicas. O que se pretendia eram melhores condições de vida como trabalhadores,
como assalariados, e para isso, estabeleciam o diálogo, complacente ou agressivo, com os
patrões e/ou com o poder público.
A União Operária atuou também na luta pela implantação da “semana inglesa” na
cidade. A chamada semana inglesa consistia no fechamento do comércio e indústria mais
cedo aos sábados. O assunto foi alvo de calorosos debates.
O projeto foi apresentado na Câmara Municipal pelo vereador Cândido Canela (PSD)
em setembro de 1956. De imediato, a Associação Comercial e Industrial de Montes Claros
posicionou-se contra o mesmo e começou uma campanha para impedir sua aprovação. Por
sua vez, os trabalhadores organizaram-se através de diversas entidades: União Operária,
Sindicato dos Bancários, Círculo Operário Cristão, Associação dos Empregados do
Comércio e Diretório dos Estudantes de Montes Claros DEMC. Este foi o primeiro
movimento, no período pesquisado, em que estas entidades atuaram em conjunto por um
objetivo comum. Na luta contra a carestia e contra o monopólio da carne, em 1959, isto
voltaria a ocorrer já com o apoio de novas entidades.
O assunto foi amplamente debatido nas reuniões nas sedes das entidades. Pelo
rádio, o DEMC, através do programa “Atualidades Estudantis”, veiculado aos domingos
pela Rádio Sociedade Norte de Minas, a única do município, deu ampla cobertura e apoio
ao projeto, realizando entrevistas com lideranças, como o vereador Cândido Canela, o
presidente da Associação dos empregados do Comércio, Britivaldo Marques, o presidente
do Círculo Operário, Oliveira Barbosa, o presidente da União Operária, Donato de Oliveira
e com o presidente do Sindicato dos Bancários, Raimundo Lyrio Brant.
133
Evitando tomar partido na discussão, o Jornal Gazeta do Norte publicava os artigos
e correspondências dos dois lados do embate. O movimento pró “semana inglesa”
demonstrava ganhar corpo. Em agosto de 1956 o jornal publicou uma carta do Padre
Agostinho Beckauser dirigida ao vereador Cândido Canela:
(...)
soube de mais uma iniciativa generosa sua em benefício desta terra, a
‘semana inglesa’. A primeira vista, parece um contra-senso encurtar as horas
de serviço, quando a luta é para produzir mais e melhor. No entanto, é preciso
dar condições dignas e humanas ao povo para que ele possa, com mais
satisfação cumprir seu duro labor cotidiano. E não se diga que este projeto
não tenha raízes mais fundas. Falo em nome de 1.050 circulistas-sócios com
suas famílias, que dão assim ampla cobertura popular a este projeto humano e
porque não dizê-lo justo e necessário. É com satisfação que vejo algum
representante do povo interessar-se pelos problemas sociais que tanto afligem
a população de Montes Claros que, neste ponto, ainda está na adolescência,
embora o centenário esteja aí. Conte, pois, snr. Vereador, com nosso apoio e
aplauso. Seguiremos atentos a atuação da Câmara.
Grato. a) Pe. Agostinho J. Beckauser Cura da Catedral.
210
Os argumentos do Padre Beckhauser tinham endereço certo. Ele tocou em vários
pontos nevrálgicos do debate. Em primeiro lugar, os adversários do projeto, a ACI e a
bancada do PR na Câmara
211
, argumentavam que o projeto não tinha o “apoio da
população” e era “anti-econômico”. Além disso, o peso da palavra do “Cura da Catedral”
não deixava de ser significativo numa cidade cuja maioria absoluta da população era
católica. Destaca-se também a disposição do Padre em acompanhar a “atuação da
Câmara”, o que poderia soar como uma ameaça política, haja vista o prestígio social da
Igreja.
Contra o projeto, J.S. Teixeira, escrevia, em outubro de 1956, argumentando que a
“semana inglesa” prejudicaria o comércio local e que, além do mais
210
BECKHAUSER, Agostinho J. Gazeta do Norte. Montes Claros, 16 set. 1956, p. 1
211
A bancada do PR na Câmara em 1956 era composta pelos seguintes Vereadores: Ubaldino Assis Oliveira,
Artur Fagundes de Oliveira, Benedito Pereira Gomes, José Antônio Veloso, José Maia Sobrinho e Pedro
Martins Santana.
134
(...) basta de tanto descanso; precisamos trabalhar com mais ardor e
desprendimento.
Já dispomos com fartura, de domingos, dias santos, feriados e períodos de
férias, horas de almoço e café, além das horas nos bancos dos jardins.
Incentivemos, sempre, o aumento da produção, que é o que o país necessita,
para que criemos superávit, isto é, a produção suplantando o consumo.
Releguemos os programas de diminuição do trabalho, anseando levantar o
gigante ‘deitado eternamente em berço esplendido.
212
Na Câmara Municipal, o vereador Ubaldino Assis, um dos fundadores e diretores
da Associação Comercial e Industrial, liderou a linha de frente de resistência ao projeto. Os
debates atravessaram meses. Em 1957, o tema estava de novo em pauta na Câmara. O
projeto tomou a forma de uma disputa partidária PSD x PR - e isso acabou beneficiando
os trabalhadores. O PR tinha minoria na Câmara apenas seis vereadores. O PSD tinha
oito e o PTB um vereador. Como os vereadores faltavam muito às reuniões, a bancada
perrista na oposição e mais aguerrida - conseguiu, por várias vezes, impedir a votação do
projeto retirando-se do plenário.
Por fim, em abril de 1957, a Câmara aprovou a “semana inglesa”. Terminada a
batalha na Câmara, iniciou-se a batalha jurídica. A ACI recorreu à Assembléia Legislativa
de Minas Gerais alegando inconstitucionalidade do projeto. Embora a Assembléia não
tenha dado razão à ACI, parece que a entidade orientou seus filiados a não cumprirem a lei
porque, em julho de 1957, a Prefeitura Municipal de Montes Claros avisava que iria fazer
“cumprir, como todo rigor, a Lei nº 353 que dispõe sobre o fechamento do comércio, aos
sábados, às 15 horas (...)”.
213
A disputa continuou nos tribunais locais e estaduais. Em setembro de 1958 a
“semana inglesa” era impedida pela justiça:
212
TEIXEIRA, J. S. “Semana Inglesa”. Gazeta do Norte. Montes Claros, 14 out. 1956, p.1.
135
Por acórdão de 2 do corrente mês de setembro, o Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado acaba de negar provimento a agravo interposto pelo Dr.
Juiz de Direto desta Comarca e pela Prefeitura Municipal de Montes Claros,
contra a sentença de 12 de abril do corrente ano, do mesmo Juiz, que, em
mandado de segurança impetrado por Benjamin Rego e outros comerciantes
desta cidade (em número de setenta) cassou os efeitos da lei municipal 353, de
12 de abril de 1957, que determinara o fechamento do comércio local á14
horas aos sábados, instituindo nesta cidade a chamada ‘semana inglesa’.
214
Na dia 14 de setembro de 1958, o advogado da Prefeitura Municipal, Henrique
Chaves, informava que o executivo local recorreria da decisão. Esta foi a última referência
ao assunto por parte da imprensa. Embora não tenhamos encontrado mais nada a respeito,
parece que a “semana inglesa” foi mesmo implantada na cidade. Pelo menos na pequena
biografia do Vereador Cândido Canela, publicada pelo livro de memórias da Câmara
Municipal, a efetivação do projeto é apresentada como uma das maiores contribuições de
Canela para o município.
215
O final da década de 1950 foi marcado por vigorosos protestos da população contra
a constante elevação dos preços de gêneros de primeira necessidade e contra o monopólio
do serviço de fornecimento de carne bovina na zona urbana. Nesta oportunidade, as
entidades populares agiram novamente em conjunto: operários, estudantes e donas de casa
realizaram uma campanha contra a carestia e pelo fim do monopólio da carne. O caso foi
analisado no capítulo I e é objeto de análise aqui sob um uma nova problemática.
Na campanha contra o monopólio da carne em 1959, os presidentes de vários
sindicatos da cidade, após várias assembléias específicas, reuniram-se na seda da União
Operária, elaboraram e enviaram uma carta-protesto ao Prefeito Alfeu de Quadros:
213
PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTES CLAROS. Gazeta no do Norte. Montes Claros., 25 jul.
1957, p.2.
214
Gazeta do Norte. 11 set. 1958, p. 1.
215
GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Op. Cit., pp. 361-362.
136
(...) depois de debaterem em Assembléias as conseqüências danosas do
aumento do preço da carne ora concedido, por solicitação da empresa
concessionária do Matadouro local, resolveram manifestar de público o mais
veemente protesto pela maneira sumária como foi julgado tão palpitante
problema que afeta toda a população. Sem consultar a parcela mais
interessada no problema, que são os trabalhadores, resolver a Comissão de
Tabelamento, mesmo na ausência daqueles seus membros que maior
penetração têm no seio do povo, conceder sem mais nem menos, a absurda
elevação do preço da carne mais consumida para $52,00 o quilo, tudo isto de
afogadilho, sem estudar mais detidamente e com base técnica tão grave
problema. O povo, principalmente os trabalhadores, aqueles que vivem de seus
minguados salários, já têm consciência de sua força e, já cansados de serem
espoliados como vítimas indefesas, exigem que sejam ouvidos quando
estiverem em pauta problemas que lhes dizem respeito! O aumento em tela, da
maneira como foi decretado, é tanto mais absurdo quando se sabe que a
comissão deixou de apreciar a proposta dos açougueiros locais, no sentido de
fornecer carne a população a preços mais accessíveis! Não poderia a
Comissão se negar sumariamente a estudar a proposta e, no caso de não
aceita-la, explicar ao povo, através da imprensa, os motivos da recusa. A
comissão, criada para ajustar periodicamente o preço da carne de acordo com
um contrato de concessão cujo texto todo o mundo ignora, deixou de zelar pelo
interesse da população, para conceder, de mão beijada, o malsinado aumento,
sem se dar ao trabalho de investigar as razões da concessionária, as razões
dos açougueiros, que lutam para vender mais barato, e as razões do povo, que
são soberanas e decisivas. Em casos dessa natureza e gravidade, julgamos,
indispensável que sejam convocados técnicos que orientem com sólidos
fundamentos a Comissão, apresentando dados concretos sobre a procedência
dos argumentos das partes. Não bastam argumentos da concessionária. É
necessária uma opinião técnica e isenta.
Diante dos fatos, sob todo o ponto de vista condenáveis, os trabalhadores de
Montes Claros, irmanados com todo o povo, lançam o seu protesto e o seu
repúdio pelas deliberações tomadas à sua revelia e fazem a V. Excia o seguinte
apelo:
Publicação do contrato existente entre a Prefeitura e a Concessionária.
Revogação do aumento ora concedido e criação de uma nova comissão para
debater o assunto, devendo ser nela incluídos representantes dos diversos
sindicatos e Associações Profissionais reconhecidas.
Reafirmamos outrossim que somos pelo monopólio Estatal, ou seja,
exploração de serviços de interesse público pelos Governos, Federal, Estadual
e Municipal. No caso presente, é de interesse público que o abate da carne
seja feito pela Prefeitura, a fim de evitar protecionismos e exclusividades que
sempre geram desordens sociais.
Somos, enfim, pela livre concorrência que permite o atendimento das
necessidades imediatas dos trabalhadores de Montes Claros e da população
mais desprotegida de nossa terra !.
Montes Claros, 18 de Janeiro de 1.959.
216
216
Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1959.
137
A carta foi assinada pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários
de Montes Claros, (nome do presidente ilegível), Sindicato dos Empregados no Comércio
(Waldir Carvalho), Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil (Zeferino
Guedes de Oliveira), Sindicato dos Condutores de Veículos Tração Animal (Izidoro
Gonçalves Queiroz), Associação Profissional dos Mecânicos de Montes Claros (José M.
Oliveira), Associação Profissional dos Barbeiros e Cabeleireiros (nome ilegível),
Associação Profissional dos Açougueiros (Camilo Lellis), Círculo Operário de Montes
Claros (O . Barbosa) e União Operária (Romeu Silva).
Este documento foi produzido em um momento de graves problemas sociais no
município. Como vimos no capítulo I, além do preço da carne, o preço dos outros artigos
elevavam-se constantemente e o desemprego era gravíssimo. Neste sentido, ele reflete
muito mais que a simples insatisfação dos trabalhadores com o problema específico da
carne. Em todo o país, o ano de 1959 assinalou a eclosão de protestos populares, greves e
saques. Embora os índices de crescimento industrial do país constituísse uma bandeira
política do Governo Federal, o cotidiano de grande parte da população era assolado pela
inflação que corroia os salários e, por conseqüência o poder aquisitivo e o padrão de vida
da população. Em Montes Claros, o final da década de 1950 foi o reverso da moeda da
“cidade centenária”. A grande, moderna e próspera cidade festejada em 1957 cedeu lugar a
uma cidade real, habitada por pessoas sem trabalho, mal-remuneradas, sujeitas à
exploração dos comerciantes locais e à ação devastadora da elevação dos preços de
produtos básicos.
Este é, talvez, o mais agressivo documento produzido (e encontrado por esta
pesquisa) pelas entidades populares no período. O tom é enfático e as frases são diretas. Os
signatários do texto apresentam-se como porta-vozes da população trabalhadora e pobre e,
138
portanto, com direito e representatividade para protestar. Os interesses da população e da
prefeitura-concessionária estão claramente identificados como opostos, o conflito não é
dissimulado, os sindicalistas colocam a nu seu inimigo.
As propostas de solução do problema reivindicadas são também dignas de análise.
Reivindica-se a publicação do contrato de concessão do monopólio, a revogação do
reajuste da carne e a nomeação de nova comissão com representantes dos trabalhadores.
Vê-se que a agressividade/profundidade da crítica não se repetem no conteúdo das
alternativas propostas. Os debates acerca do assunto permaneceram na imprensa e Câmara
Municipal, no entanto, a publicação do contrato e a revisão do preço da carne pela
Prefeitura arrefeceram os ânimos.
É importante também a defesa, pelos sindicatos, do “monopólio estatal” e a livre
concorrência. O primeiro significaria a garantia contra “protecionismos e exclusividades”
que provocam “desordens sociais”. Isso reflete os limites da crítica e protesto dos
trabalhadores. Apesar de afirmar anteriormente que o povo está “cansado de ser espoliado”
e que suas razões são “soberanas e decisivas”, os sindicalistas demonstram estarem
preocupadas com possíveis “desordens”. O monopólio diz respeito ao serviço de abate que
deveria ser de responsabilidade do Estado ou controlado por ele, sendo possível, desta
forma, controlar o preço de custo. A livre concorrência diz respeito ao mercado e controle
do preço a varejo, acreditando que, com o abastecimento regular do mercado, esses preços
poderiam baixar, diminuindo a margem de lucro dos açougueiros. Aparentemente sem
nexo, o fato de defenderem monopólio e concorrência ao mesmo tempo reflete o
pensamento/objetivo do movimento: a solução dos problemas e “necessidades imediatas”
dos trabalhadores “desprotegidos”, sem maiores discussões ou preocupações ideológicas.
139
Este comportamento contraditório dos operários de Montes Claros não era uma
prática isolada. Conforme Heloísa Helena Pacheco Cardoso, essa era uma característica
marcante nas ações das classes trabalhadoras do Estado de Minas Gerais que “que lutavam
contra o poder do capital, identificado nos industriais e no Estado, mas viam neles os
únicos interlocutores possíveis e os parceiros ideais na reconstrução de um mundo
melhor.”
217
Conforme a autora, um bom exemplo desta estratégia de “aproximações e
afastamentos” entre operários, patrões e poder público eram as comemorações do “Dia do
Trabalho:
O primeiro de maio foi, das celebrações oficiais, a que mais simbolizou
essa política de aproximação entre os trabalhadores e o Estado.
Demonstrando uma vontade legalista e uma certa confiança nas autoridades,
as organizações sindicais aproveitavam a oportunidade para tornar pública as
suas reivindicações. (...)
As representações sindicais elegiam, nessas comemorações, os poderes
públicos como interlocutores que, presentes, respondiam com a possibilidade
de mudanças efetivas nas relações de trabalho.
Se, de um lado, governo e empregadores tentaram absorver o primeiro
de maio, transformando-o de manifestação em festa, de outro, a dimensão
política dada a ele pelos trabalhadores foi preservada na medida em que se
conservou a data como meio de pressão e de encaminhamento das suas
reivindicações.
218
É um procedimento semelhante ao da União Operária em Montes Claros, como se
viu anteriormente. A entidade era subvencionada pela Prefeitura de Montes Claros e pelo
Governo do Estado de Minas Gerais
219
. As comemorações do “1º de Maio” e as
217
CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Conciliação, Reforma e Resistência: governo, empresários
e trabalhadores em Minas Gerais nos anos 50. São Paulo: USP, 1998. (Tese de Doutorado), p. 9.
218
CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. Op, cit. P. 148.
219
A subvenção pública municipal à entidade foi aprovada pela Câmara Municipal em 20 de outubro de
1952, por unanimidade. O projeto concedia uma verba anual de Cr$ 10.000,00 a União Operária.
Dentre as subvenções incluídas no orçamento estadual (exercício de 1958) pelo Deputado Estadual Teófilo
Pires (PR) constavam Cr$ 10.000,00 para a União Operária. O mesmo projeto concedia o mesmo valor à
Associação dos trabalhadores na indústria civil de Montes Claros. Gazeta do Norte. 01 jan. 1958. p. 2.
140
solenidades de posse das novas diretorias organizadas pela União Operária sempre
contavam com a “presença ilustre” das autoridades municipais, Deputados Estaduais e
Federais. Como já foi dito anteriormente, esses eventos eram realizados até mesmo em
espaços de propriedade dos patrões e dos políticos sem, no entanto, impedir que os
operários apresentassem suas críticas e reivindicações ao poder público e aos empresários.
Outra entidade atuante no período foi o Diretório dos Estudantes de Montes Claros.
O DEMC também recebia subvenções da Prefeitura
220
e a oscilação entre o aplauso e a
crítica também lhe era característica.
O I Congresso dos Estudantes de Montes Claros, realizado em outubro de 1951,
teve como Presidente de Honra o Prefeito Municipal Enéas Mineiro de Souza. O
Congresso objetivou a reorganização da entidade na “mais completa harmonia com o
regime nacional a fim de que o mesmo possa se tornar mais digno de confiança e do
amparo dos poderes públicos”
221
,
Entretanto, essa aparente docilidade dos estudantes, a harmonia e a fraternidade
propostas romperam-se em diversas oportunidades. A mesma entidade que aplaude,
condena e protesta. Em 1953, os estudantes fizeram um vigoroso protesto contra o
governador Juscelino Kubistcheck promovendo seu enterro simbólico. O episódio foi
considerado um “escândalo” pelas autoridades locais que, por meio da imprensa, o
condenaram veementemente. Em 1956-1958 o DEMC foi um das forças que lutaram pela
“semana inglesa”, e, em 1959, os estudantes ameaçaram depredar um cinema da cidade por
se sentirem desrespeitados pelo empresário do estabelecimento.
220
Em carta-renúncia em 28 de dezembro de 1959 o presidente do DEMC João Carlos Albuquerque diz que
“o único problema (do DEMC) não me foi possível resolver: a carência de amparo dos Poderes Públicos.
Estou convencido de que o Diretório não conseguirá manter-se por muito tempo ainda, sem a existência de
uma subvenção oficial certa.” A subvenção da Prefeitura ao DEMC consta nas correspondências da entidade
em agradecimento à Câmara. Mas, pelo visto, no final da década de 1950 parece ter sido cortada. Pasta de
Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1959.
141
Nesse mesmo ano (1959), o DEMC participou do movimento pela ampliação da
Escola Normal de Montes Claros. Esta limitava-se à formação de professores e os
estudantes reivindicavam do Governo Estadual a criação do Curso Científico anexo à
mesma. A correspondência dos estudantes ao Governador foi publicada pelo Jornal Gazeta
do Norte que também deu amplo apoio à medida:
(...)
Este apelo Sr. Governador, não está vinculado a nenhum movimento
político-partidário. É originário tão somente da mais premente necessidade.
(...)
Nós o consideramos, Dr. Bias Fortes, um dos homens públicos de
maior envergadura política de Minas Gerais. (...)
Sem embargo, bem sabemos que muitas vozes, infelizmente, se
levantarão contra esta idéia.
Mas saiba V. Exa. que depositamos, de agora em diante, em suas mãos,
a solução deste problema que, para nós, é de suma importância.
Adiantamos, no entanto, a V. Exa. que não mais aceitaremos aquele
fragílimo argumento de que tal medida seria contrária aos interesses do
ensino, visto terem as Escolas Normais como finalidade precípua a formação
de professas primárias, o que viria a desvirtua-las.
Se lhe dizemos que não aceitaremos tal justificativa, é porque não seria
o único e excepcional caso a anexação do Curso Científico à Escola Normal
(...)
Portanto, Dr. Bias Fortes, a V. Exa. nos dirigimos, quais filhos a um
pai, isto é, na certeza de que a nossa pretensão (...) será realizada.
Os estudantes dão pronto reconhecimento à autoridade do Governador, o vêem como
um grande “homem público”, mas também o têm como um pai. Estão combinados, neste
texto, argumentos racionais com motivos sensíveis, direito com gentileza ou favor. É uma
relação familiar característica: o filho tem direito a algo e é consciente disso, sabe também
que é dependente da boa vontade do pai. Assim, é preciso reconhecer-lhe a autoridade,
justificar seu pedido e, por fim, colocá-lo com a responsabilidade de atender a
reivindicação já que o “problema está em suas mãos” e “nós temos certeza” que o pai não
221
COSTA, Dilvanir José da. O Jornal de Montes Claros, 06 out. 1951, p.4.
142
negará ao filho um benefício. É uma relação paternalista e consiste, pois, numa obrigação
recíproca. O respeito e o reconhecimento devidos à autoridade têm como contrapartida um
favor concreto.
A docilidade do conteúdo desse documento contrasta-se com a ação dos estudantes
em 1962. Neste ano, os estudantes reivindicavam do Governo do Estado a construção de
um novo prédio para a Escola Normal sem, todavia, serem atendidos. Na madrugada do dia
sete de setembro os estudantes, de posse de uma grande quantidade de alimentos,
invadiram e tomaram o controle do prédio da Escola onde pretendiam permanecer até uma
posição do governo estadual. O protesto foi cuidadosamente programado: a opção por
tomar o prédio no dia sete visava impedir o “desfile da independência”, o que daria maior
repercussão ao ato. Os alunos que começaram a chegar para o desfile eram impedidos de
entrar no colégio onde os estudantes revoltados afixaram cartazes e faixas e gritavam
palavras de ordem em forma de um pequeno comício”. A diretoria da Escola solicitou a
ação da polícia militar. Esta deu aos alunos cinco minutos para desocupar o prédio e deu a
“segurança necessária” para a realização do desfile. Os estudantes abandonaram a escola
sem serem fisicamente molestados (pelo menos a imprensa não o registra). Segundo o
Gazeta do Norte, a Diretoria da Escola Normal “já está” encaminhando o processo de
expulsão dos “cabeças do movimento”. Contudo, a mesma reportagem diz que “Ouvindo
estudantes apuramos que caso sejam concretizados estas penalidades violentas, toda
escola irromperá em greve definitiva em sinal de protesto.”
222
Assim sendo, o movimento
parece ter contado com a simpatia e apoio da maioria dos estudantes. Por fim, saliente-se
que o protesto dos estudantes foi bem-sucedido no que diz respeito ao seu objetivo:
“chamar a atenção do governo estadual”. Além da abordagem do assunto pelos jornais
222
Gazeta do Norte. Montes Claros, 09 set. 1962, p.1.
143
locais, a “tomada da Escola Normal” assustou o Secretário de Segurança do Estado, que
enviou alguns agentes do DOPS (Departamento de Ordem Pública e Social” para Montes
Claros onde permaneceriam para “dominar a situação caso ela viesse a agravar-se.”
223
Vê-se que colaboração e agressividade combinam-se nas ações das entidades
populares. O mesmo se observa no movimento contra a carestia, liderado pelas donas de
casa, em 1959.
A elevação do custo de vida no final da década de 1950 em todo o país, também
motivou agitações populares em Montes Claros. As donas de casas, os estudantes e
sindicatos diversos empreenderam uma campanha junto à Câmara e Prefeitura Municipais
exigindo providências contra o constante aumento nos preços de gêneros de primeira
necessidade. A documentação produzida por esta campanha reflete o movimento pendular
destas estratégias populares de participação, a oscilação entre uma postura complacente e
um discurso mais agressivo. É o que se percebe no movimento das donas de casa.
A Associação das Donas de Casa de Montes Claros foi criada porque considerava
“ser de grande utilidade, dever e vantagens, a participação da mulher montesclarense em
colaborar com os poderes constituídos no combate à carestia”
224
. Dispostas a “colaborar”,
as donas de casa empreenderam passeatas, recolheram assinaturas, exigiram reuniões
públicas com os vereadores e provocaram um verdadeiro estado de tensão social. Nas
reuniões na Câmara Municipal para debater o assunto os vereadores pediam “...ao povo em
geral, para procurarem solucionar o assunto dentro da ordem e da justiça, de maneira a
não por em perigo a tranqüilidade da família montesclarense”. O Vereador José Laércio
Peres de Oliveira, assustado, esclarecia: “Somos contra o ‘quebra-quebra’, porque somos
223
Gazeta do Norte. Montes Claros, 09 set. 1962, p.1.
224
Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros, 1959.
144
pela ordem, justiça e tranqüilidade da família brasileira.”
225
A reivindicação das donas de
casa era pela ação da classe política local junto aos Governos Estadual e Federal, pela
ampliação dos armazéns públicos na cidade para distribuição de gêneros alimentícios a
preços acessíveis. A reivindicação foi atendida
226
e as donas de casa escreveram à Câmara
Municipal gratas aos vereadores pelos “seus esforços” e solicitavam a continuação do
“brilhantismo”, da “valiosa cooperação e assistência” dos edis na campanha contra a
elevação do custo de vida.
227
De modo geral, as entidades populares reivindicavam a intervenção das autoridades a
quem elegeram e em quem “confiavam” para resolução dos seus problemas. Do discurso
da população, depreende-se, pois, uma noção da eficácia da ação popular e também a
noção de sua dependência em relação ao poderes público ou particular das lideranças.
A alternância entre a aceitação e a oposição demonstra que as mesmas autoridades
que são objeto das críticas mais contundentes, são também merecedoras do respeito e da
confiança da população, e os responsáveis pela resolução dos seus problemas. É o “preço
da deferência”
228
. A autoridade é legítima e é, em si, inquestionável, em contrapartida
225
PERES, José Laércio. Livro de Atas da Câmara Municipal de Montes Claros. Sessão Nº 548, 05 maio de
1959.
226
As informações quanto a instalação/ampliação dos postos de abastecimento de alimentos na cidade não
são muito claras. Segundo o Jornal Gazeta do Norte, além dos postos dos S.A.P.S., que “eram vários”, a
Polícia Militar também prestava este tipo de serviço.
227
VEMUTO, Arlete Lopes. Pasta de Amostragem Documental da Câmara Municipal de Montes Claros,
1959.
228
THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Cia
das Letras, 1998. Thompson analisa os costumes populares na Inglaterra no século XVIII. Evidentemente
trata-se de algo completamente distinto do objeto de estudo aqui. Entretanto, a obra do autor serve neste
como instrumental analítico. Acerca do “preço da deferência” especificamente, a discussão encontra-se no
capítulo Patrícios e Plebeus” onde são analisadas as relações entre as duas categorias: “Os pobres podiam se
dispor a conceder sua deferência à gentry, mas apenas por um preço, que era substancial” (p. 78).Outra
demonstração do caráter ambivalente das manifestações populares encontra-se na análise do autor no capítulo
“A economia moral da multidão inglesa no século XVIII” : mobilizada em motins a multidão obriga as
autoridades juiz, delegado, prefeito a presidirem o ato de compra dos cereais ao preço exigido por ela
(p.180). O procedimento é significativo, pois fica claro a força da multidão mobilizada bem como seu
reconhecimento frente ao poder das autoridades.
145
obriga-se, implicitamente, a resolver os problemas públicos e privados das pessoas às quais
“representam”.
A relação população-governo é, pois, marcada por valores paternalistas,
personalistas, familiares, sensíveis. Reivindicações e protestos combinam-se com
colaboração, complacência, favores e gentilezas. Interesses públicos e privados se
confundem. A pequena ou nenhuma diferenciação entre as duas coisas era freqüente e isso
era profundamente admirado pelas pessoas, constituía a própria noção de política da
sociedade montesclarense de meados do século XX.
3.4 – o (re)fazer da política
A análise das relações sociais e políticas estabelecidas entre população e lideranças
políticas em Montes Claros ao longo das décadas de 1940 e 1950 faz emergir os valores
políticos predominantes naquela sociedade. Tendo o favor como o elemento central,
interesses e projetos particulares mesclam-se com programas e ações públicas. Era o
(re)fazer da política, a (re)elaboração constante de formas de dominação, sobrevivência e
ação política.
Em 1947, o engenheiro Demósthenes Rockert foi nomeado Prefeito de Montes
Claros. Rokert era o engenheiro-chefe dos serviços de expansão da estrada de ferro Central
do Brasil pelo Norte de Minas. Sem ligações mais sólidas com os interesses e costumes
políticos locais, o Prefeito publicou o seguinte comunicado logo após a sua posse:
De ordem do Exmo. Sr. Prefeito Municipal aviso as partes interessadas
que em sua residência não atenderá a pessoa alguma que o procurar para
tratar de assuntos que diz respeito a administração municipal.
Para isto, ficará a disposição dos interessados na Prefeitura, em todos
os dias úteis das 14 às 16 horas, com exceção dos sábados.
Secretaria da Prefeitura Municipal de Montes Claros - 8 de Janeiro de 1947.
146
Demosthenes Rockert Prefeito Municipal
Francisco Pimenta Figueiredo Secretario da Prefeitura.
229
O Prefeito queria deixar explícita a distinção entre o espaço privado sua
residência do espaço público a prefeitura. Tratava-se de uma pretensão muito ousada:
Para os montesclarenses esses espaços formavam um todo, pouca diferença poderia se
estabelecer entre ambas as dimensões.
Para avaliar um determinado administrador, a primeira e mais forte lembrança do
entrevistado é a do favor individual recebido:
(Capitão Enéas): Muito bom prefeito também, sabe, ele dava,
beneficiava muito o povo, beneficiava, até casa ele dava pro povo. Eu tinha um
cunhado mesmo que ele ajudou. Ele construiu a casa, sabe ? Um cunhado que
era empregado do DER, foi lá fazer um serviço lá em Burarama e lá teve
ocasião de conhecer ele e ele ajudou, ele tava construino uma casa e ele
ajudou ele construir a casa.
230
A relação eleitor-autoridade era muito próxima. Entre eles havia uma teia de
sólidos laços de amizade e compromissos tornando estreita a ligação entre o público e o
privado, entre a autoridade/cargo da pessoa que os exerce. Assim, compreende-se como
outros dois itens são sempre destacados pelos depoentes como características fundantes das
práticas políticas do período: a violência e o peso da palavra dos “políticos”.
Como foi visto nos capítulos precedentes, a violência fazia parte do cotidiano e dos
processos político-eleitorais de Montes Claros. Quando inquiridos acerca desse assunto os
entrevistados são claros:
Coronel Dumingo Lopes (...) Deba, que era o Hildeberto José de
Freitas, pansudão! Valente! Perigoso! né, e o Neco Santamaría, esses treis
home quasi que comandava a maiuria da força política de Montes Claros (...)
então o povo tinha medo né, todos eles treis tinha essa fama, mas era uns home
229
Gaza do Norte. Montes Claros, 08 jan. 1947, p. 2.
230
Depoimento de Senhor José Santos, seleiro aposentado, em Montes Claros no dia 16 de junho de 2000.
147
muito bom, era umas pessoa que ajudava mesmo, agora ele não gostava de
gente que traí eles, esse povo daquele tempo, cê sabe cume-que-é? Eles tinha
confiança na gente tudo mais, mais a pessoa tinha que ser séria e honesta, com
eles tinha que ser assim (...)
231
A violência combinada com favores, “honestidade” e “fidelidade” constituíam, pois,
o receituário do bom político. Este pensamento é compartilhado por outros: “(...) O sujeito
prendia, ou mandava dá um coro, batia ne gente, batia. Não era só a polícia que batia
não. Se num andava direito entrava no coro.”
232
A violência combina-se também com “justiça”:
Capitão eu conheci. (...). Era um home muito séro, né, muito gente boa
tombém, sirviçal né, tinha muita dó dos pobres né, o Capitão né. Mais só tinha
uma coisa, era igual Lampião (...), nego num mitia a cara lá, lá ladrão num
robava. (...) Era gente boa moço, é que es era, as pessoa errado, as vez dizia
que es era bravo, a pessoa tava errada, o sujeito erra e num quê recebê (...)
Agora a pessoa, trata uma pessoa bem tratada pode ser o cascavel que for (...)
era gente boa, gente sero né.
233
E “Neco Santamaría, finado Deba, (...) eles só corrigia quem tava errado, é Deba, o
Necosantamaria, tivesse errado eles corrigia, como de fato eu acho que tá certo né,
corrigir o que tá errado (...)”
234
Aos depoentes não ocorria a idéia de que a justiça deveria ser atribuição do poder
público. Pelo contrário, sendo o coronel uma pessoa “séria”, “honesta” e “justa”, nada mais
normal que ele exercesse também o poder de punir “quem estava errado”. Note-se que a
ampla legitimidade conferida à violência é devida ao fato de que ela, a violência, além de
se constituir como uma prática cotidiana, não significava medo ou terror para as pessoas
231
Depoimento de Osmar dos Reis Lopes Ribeiro, agricultor, carpinteiro, aposentado, em Montes Claros no
dia 15 de junho de 2000.
232
Depoimento de Senhor José Santos, seleiro aposentado, em Montes Claros no dia 16 de junho de 2000.
233
Depoimento de Senhor Manoel Rodrigues da Silva, agricultor, vigia, aposentado, em Montes Claros no
dia 20 de junho de 2000.
234
Depoimento de Senhor João Barbosa Ribeiro, ex-funcionário da Central do Brasil, em Montes Claros no
dia 20 de junho de 2000.
148
próximas ao coronel. Pelo contrário, a força desse representava segurança e proteção para
seus amigos e aliados
235
. Estes, sentindo-se próximos do coronel, travando com ele
relações diárias de favores e compromissos, o vêem como uma salvaguarda, um refúgio,
mesmo que tais “vantagens” tenham o preço da subordinação que, sob o verniz do
paternalismo e da “amizade”, permanece oculta.
Outro indicativo da forte personalização das relações políticas é o “valor da palavra”.
Esta, mais do que qualquer outro mecanismo jurídico, por exemplo , era a garantia que
os eleitores contavam para a realização de suas pretensões. Está sempre associada com as
noções de seriedade e honestidade, parece ser a maior virtude das lideranças políticas. “Se
eles falasse uma coisa, eles fazia né, se prometesse fazia, o que eles falava era firme”, diz
Dona Augusta Maria cuja idéia é confirmada por José Santos: “Os políticos de otros tempo
o que falava tava falado, era de palavra, sabe?”. Para Francisco Vieira, “palavra” e
“seriedade” estão estreitamente ligados, daí sua preferência pelos “políticos de
antigamente”: “Político de antigamente tinha palavra: falava que fazia uma coisa, fazia
né. Hoje os políticos de hoje cê vê né, é só promessa, promessa (...). Era mais sério que
tinha palavra né”. A honestidade/sinceridade também estão ligadas ao peso da palavra:
“naquele tempo os políticos sempre era mais sincero né. De palavra, de honestidade né”,
diz Manoel Ribeiro da Silva.
Evidentemente essa memória extremamente positiva dos “políticos de antigamente”
relaciona-se de forma direta com a insatisfação dos entrevistados com as lideranças
políticas da atualidade. Contudo, não obstante essa ressalva, percebe-se que no coronel,
além da “vocação”, conhecimentos, favores e proteção, os eleitores viam muita
235
O próprio uso dos apelidos “Neco”, “Deba”, “Lopinho” (Coronel João Lopes Martins) denotam a
familiaridade existente entre as pessoas “comuns” e os coronéis, a excessiva personalização e carga
emocional presentes nas relações políticas.
149
“sinceridade” e “honestidade”, virtudes estas traduzidas em palavras “firmes” e
materializadas em ações concretas.
Coerente com o pensamento da população, as lideranças também davam ênfase na
importância da “palavra dada”. Em carta aberta aos “seus amigos”, o Coronel Filomeno
Ribeiro pedia votos para Bias Fortes, candidato a Governador em 1947. Para justificar seu
pedido afirmava: “eu lhes posso assegurar, que na sua administração (...) o sertão mineiro
será largamente beneficiado. Temos, a este respeito, promessa formal desse nosso amigo e
todos nós temos certeza cabal de que a sua palavra honrada equivale á própria
realização.”
236
-se que o valor da palavra permeava amplas relações: Filomeno
empenha sua palavra, “assegura” aos eleitores a recompensa que terão em votar em Bias
Fortes, porque a “palavra honrada” deste “nosso amigo” corresponde à “própria
realização”. É a palavra do líder mais próximo sustentando a palavra do líder mais distante.
É compreensível as conseqüências deste tipo de costumes sociais e políticos: a
capacidade de reivindicação e livre expressão ou atuação política em bases cidadãs dos
indivíduos ou dos movimentos organizados iam até os limites impostos pela dependência,
pelo paternalismo e pela cultura do favor. Esta noção está subjacente na forma como são
requeridos benefícios, na maneira como se “agradece” os serviços prestados. O favor está
acima da noção do direito ou dever. Trata-se da presença dos sentimentos
caracteristicamente familiares no seio das relações públicas, entre poder privado e poder
público. As raízes desta cultura e desta prática estão presentes nos primórdios da
colonização do Brasil, como foi discutido no capítulo II. A vitalidade do favor no espaço
urbano, no contexto dos anos 50, demonstra a capacidade de reestruturação e sobrevivência
de que dispõe os sistemas de dominação social e política exercida pelas elites brasileiras. O
236
Gazeta do Norte. Montes Claros, 12 jan. 1947, p. 1
150
favor elemento diametralmente oposto ao direito sobrevive ao longo da História do
Brasil. Roberto Schwarz o estuda na sociedade e literatura no contexto do Império.
O autor analisa a dicotomia entre as idéias européias e a realidade social brasileira
marcada pelo latifúndio e pela escravidão mesmo após a independência. Focalizando a
situação do homem livre na colônia - “nem proprietário, nem proletário”-, dependente do
favor para sobreviver, Schwarz entende esta prática, o favor, como elemento fundamental
da formação da sociedade brasileira. “(...)com mil formas e nomes, o favor atravessou e
afetou no conjunto a existência nacional (...). Esteve presente por toda parte, combinando-
se às mais variadas atividades, mais e menos afins dele, como administração, política,
indústria, comércio, vida urbana, Corte etc. (...) O favor é a nossa mediação quase
universal (...)”
237
A força do favor está também, e principalmente, na sua capacidade de gerar
relações de cumplicidade e reconhecimento mútuos. A prática do favor encerra em si um
reconhecimento recíproco entre o prestador e o beneficiado. E esta conduta tende a se
perpetuar. Conforme Schwarz “Esta cumplicidade sempre renovada tem continuidades
sociais mais profundas, que lhe dão peso de classe no contexto brasileiro, o favor
assegura às duas partes, em especial à mais fraca, de que nenhuma é escrava. Mesmo o
mais miserável dos favorecidos via reconhecida nele, no favor, a sua livre pessoa, o que
transforma prestação e contraprestação, por modestas que fossem, numa cerimônia de
superioridade social, valiosa em si mesma.”
238
O autor analisa o favor dentro do contexto
da escravidão no Brasil. Aqui, importa-nos enfatizar a idéia do reconhecimento, os
aspectos relacionadas aos sentimentos pessoais, as questões de ordem afetiva presentes no
favor em si mesmo. Aspectos estes vigorosos, capazes de perpetuar relações demasiado
237
SCHWARZ, Roberto. Ao Vencedor as Batatas. São Paulo: 34, 2000, p. 16.
151
personalizadas entre os indivíduos em todas as instâncias de suas vidas, e de estendê-las
para o espaço público. Aliás, a confusão entre o espaço público e o privado é própria do
favor e remonta, conforme Sérgio Buarque de Holanda, às formas sociais engendradas no
mundo rural do Brasil-colônia quando “a família colonial fornecia a idéia mais normal do
poder, da respeitabilidade, da obediência e da coesão entre os homens. O resultado era
predominarem, em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica,
naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado
pela família.”
239
A personalização do exercício dos serviços ou cargos públicos é decorrente da
presença dessa invasão do público pelo privado. Conforme o mesmo autor, a “família
patriarcal fornece o grande modelo por onde se hão de calcar, na vida política, as
relações entre governantes e governados”
240
. Ainda conforme Holanda, toda a ordem
administrativa do Império e da República estava impregnada pelos valores familiares, a
emotividade-intimidade predominando sobre a racionalidade-impessoalidade nos processos
políticos.
A sobrevivência destas práticas reelaboradas, reinventadas na realidade social-
histórica de Montes Claros nos anos 1940 e 1950 revela, pois, a força de um conjunto de
relações sociais e políticas que entravam o desenvolvimento de práticas políticas
efetivamente democráticas e continua a permitir a sobreposição dos interesses
particularistas sobre os interesses públicos.
238
SCWARZ, Roberto. Op. cit. p. 20.
239
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil.São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 82.
240
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op cit. p. 85.
152
Considerações Finais
O sistema político hegemônico em Montes Claros nas décadas de 1940 e 1950
estruturava-se em um conjunto de relações sociais travadas em um cotidiano de mútua
dependência entre dominados e dominantes.
O período focalizado pela pesquisa foi um tempo de intensas modificações
econômicas no Estado de Minas Gerais e no país. As diversas políticas de desenvolvimento
levadas a efeito abriram amplas possibilidades de acumulação para o capital privado bem
como trouxe pressões sobre as estruturas políticas precedentes, uma vez que aceleraram os
processos de industrialização e urbanização e com estes fizeram surgir novos segmentos
sociais e políticos portadores de interesses e projetos divergentes.
Em sintonia com a conjuntura estadual e nacional e interessadas em participar dos
benefícios das políticas desenvolvimentistas, as elites montesclarenses organizaram-se para
requerer do Estado e União os investimentos que o município carecia particularmente
nos setores de energia, transporte, saneamento básico e incentivo à industrialização da
carne, principal produto da região.
A realização da festa do Centenário de Montes Claros em 1957 foi o mais
significativo dos movimentos organizados pelas elites. O centenário foi inventado com a
finalidade de construir uma nova imagem para a cidade, projetá-la para além da região
como próspera e pacífica, solidificar as relações sociais e políticas hegemônicas e, por fim,
exercer uma pressão sobre as instâncias superiores do Estado pela liberação de recursos
para o município.
Apesar de bem sucedido no que concerne aos dois primeiros objetivos, o
Centenário não logrou êxito como mecanismo de atração de investimentos. Para Montes
153
Claros, o entusiasmo dos anos 50 não se materializou. As reivindicações que demandavam
maior volume de capitais só seriam atendidas a partir da segunda metade da década de
1960, por meio dos incentivos e da atuação da SUDENE. A inclusão do Norte de Minas
na área de atuação da SUDENE foi, talvez, o fato positivo para esta região no período.
Saliente-se, no entanto, que a mobilização das elites regionais, principalmente de Montes
Claros, precederam à criação da superintendência (1959).
De qualquer forma, as possibilidades abertas pela SUDENE podem ter determinado
uma mudança de rumo nas atitudes e estratégias da imprensa e elites montesclarenses.
Assim, ao invés de se insistir na produção e difusão das imagens de uma cidade “operosa”,
“próspera” e “grandiosa”, os grupos dominantes teriam passado a projetar a situação de
miséria social e econômica do município e da região para justificar sua presença na área de
incentivos fiscais e assim exigir do poder público Estado e União efetivos
investimentos. As matérias divulgadas pela imprensa no início da década de 1960,
denunciando as mazelas sociais da região, apontam para essa possibilidade. Contudo, isso
é apenas uma hipótese e está a merecer um trabalho de pesquisa específico que elucide um
possível processo de “fabricação” da pobreza do Norte de Minas.
Para viabilizar seus projetos econômicos, os grupos dominantes utilizaram-se do
“controle” sobre o voto da população como um bem a ser negociado com os governos
constituídos em troca da liberação de recursos para o município.
Para tanto, “controlar os votos”, um conjunto de estratégias foi engendrado. As
fontes do poder das lideranças, dos coronéis, compunham-se de medidas “não-práticas”,
como a propaganda ideológica pela imprensa e a teatralização dos eventos políticos e
medidas “práticas”, como a prestação de favores, a violência e as fraudes eleitorais.
154
Não obstante ter se constatado a hegemonia das elites e a existência de um sistema
político autoritário e violento, viu-se também que a dominação não foi exercida sem
questionamentos ou obstáculos. Estes eram impostos pelo papel ativo desempenhado pela
população na relação travada com os coronéis, atores principais da política local. Assim,
rechaçamos a idéia de uma hegemonia absoluta e sem limites, na medida em que
verificamos o caráter recíproco da dependência eleitor-coronel e confrontamos as imagens
de um povo sertanejo ignorante, trabalhador e ordeiro com as práticas de uma população
consciente, subordinada, mas ativa.
Limitada pela exigência do sistema eleitoral, que impunha às elites a conquista do
voto da população, e pelas estratégias de participação desta, a dominação não chegou,
contudo, a ser colocada em perigo concreto. As reivindicações e ações populares existiram
dentro do limite da própria condição de dependência e dos valores sociais e políticos
compartilhados por ambos os pólos da relação, especificamente a prática do favor pessoal,
costume engendrado ao longo de séculos de história.
A efetiva participação popular no sistema político, individual ou coletivamente,
mesmo que subordinada, contribuiu para lhe dar legitimidade, perpetuando, dessa forma,
relações autoritárias, mascaradas pelo paternalismo e pelo favor.
O predomínio deste sistema político no município e na região parece ter se
prolongado pelas décadas seguintes e ainda na atualidade apresenta forte condicionamento
sobre as noções da população e da classe política acerca dos deveres do poder público e,
fundamentalmente, na distinção entre os seus interesses e os interesses privados. A mais
viva demonstração disso é a vitalidade com que o favor se manifesta nos processos
políticos e sociais ainda hoje, funcionando como um obstáculo direto ao surgimento de
práticas políticas efetivamente democráticas.
155
Anexos
Anexo A
Região Mineira do Nordeste RMNe/Área Mineira da SUDENE *
156
Legeda :
1- Águas Vermelhas
2 – Bocaiúva
3 – Botumirim
4 – Brasília de Minas
5 – Buritizeiro
6 – Capitão Enéas
7 – Claro dos Poções
8 – Coração de Jesus
9 – Cristália
10– Engº Navarro
11 – Espinosa
12 – Francisco Sá
13 – Francisco Dumont
14 – Grão Mogol
15 – Ibiaí
16 – Itambicabira
17 – Itacarambi
18 – Icaraí de Minas
19 – Jaíba
20 – Janaúba
21 – Januária
22 – Jequitaí
23 – Juramento
24 – Lagos dos Patos
25 – Lassance
26 – Lontra
27 - Manga
28 – Mamonas
29 – Matias Cardoso
30 – Mato Verde
31 – Mirabela
32 – Monte Azul
33 – Montes Claros
34 – Montalvânia
35 – Montezuma
36 – Pedras de Maria da
Cruz
37 – Porteirinha
38 – Pirapora
39 – Riacho dos Machados
40 – Rio Pardo de Minas
41- Rubelita
42- Salinas
43 – São Francisco
44 – São João do Paraíso
45 – São João da Ponte
46 – Taiobeiras
47 – Ubaí
48 – Urucuia
49 – Várzea da Palma
50 - Varzelândia
* Não inclui os municípios emancipados em 1996.
Fonte: OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins. O processo de desenvolvimento de Montes
Claros (MG) sob a orientação da SUDENE (1960-1980).São Paulo: USP, 1996.
(Dissertação de Mestrado), pp.72-73.
157
Anexo B
Território de Montes Claros em sua emancipação
Fonte: OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins. O processo de desenvolvimento de Montes
Claros (MG) sob a orientação da SUDENE (1960-1980).São Paulo: USP, 1996.
(Dissertação de Mestrado), p.81.
158
Anexo C
Comissão de Honra das Comemorações do Centenário de Montes Claros.
Juscelino Kubitschek de Oliveira Presidente da República
João Marques Belchior Goulart Vice-Presidente da República
Ulisses Guimarães Presidente da Câmara Federal
Apolonio Sales Vice-Presidente do Senado Federal
Orozimbo Nonato da Silva Presidente do Supremo Tribunal Federal
José Francisco Bias Fortes Governador do Estado de Minas Gerais
Artur Bernardes Filho Vice-Governador do Estado de Minas Gerais
Nisio Batista de Oliveira Presidente do Tribunal de Justiça
José Augusto Ferreira Filho Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Minas
Gerais
General da Brigada Américo Braga Comandante da 4ª Região Militar
Assis Chateaubriand Representante da Imprensa Nacional
Tenente Coronel Geraldo Batista Comandante do 10º Batalhão de Infantaria da Polícia
Militar
D. José Alves Trindade Bispo Diocesano de Montes Claros
Otávio Vieira Machado Juiz de Direito da Comarca
Abilio Leite Barbosa Filho Juiz Municipal
Jair Renault de Castro Promotor de Justiça
Tenente Coronel José Coelho de Araújo Delegado Especial de Polícia
(A comissão foi nomeada pelo Prefeito em exercício João Ferreira Pimenta pelo Decreto
Nº 31 de 25 de junho de 1956. )
Fonte: Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros, agosto de 1956, n. 1, p. 6.
159
Anexo D
Montes Claros Centenária
Canção do Centenário
(Letra e música de Luiz de Paula)
Montes Claros, vovó centenária,
tú estás tão bonita, de vestido novo,
vê tuas ruas, tuas igrejas,
olha só a alegria do povo !
Eu relembro teu nobre passado
de lutas e glórias e tantas belezas,
teu luar, tuas serenatas
e o labor de teus filhos criando riquezas.
E os Morrinhos, com a capelinha
Onde minha mãezinha
rezava orações
e onde à noite os teus cantores
falavam de amores
em ternas canções.
Montes Claros, e esta imensa saudade
que a minh’alma invade
nos últimos refolhos,
minha terra, escuta o meu canto
e perdoa este pranto
que cai dos meus olhos
Fonte: Gazeta do Norte. Montes Claros, 20, dez. de 1959.
160
Anexo E
Prefeitos de Montes Claros - 1930-1970
Nome Sigla Período Profissão Observação
Alfredo Souza Coutinho 1928-1931 Advogado/juiz Pres.Câmara
Orlando Ferreira Pinto 1931-1932 Engenheiro
Cel. João Martins da Silva
Maia
1932-1933 Fazendeiro
Carlos Pereira dos Santos 1933-1934 Prefeito interino
Mário Versiani Veloso 03/34-
05/34
Farmacêutico
Filho de Antônio
A.Veloso
Floriano N.Siqueira
Torres
1934-1935 Eng./Func.DER
Dr.José Antônio Saraiva 1935-1936
Dr.Antônio Teixeira
Carvalho
1937-1942 Médico Vulgo Dr.Santos.
Dr.Alfeu Gonçalves de
Quadros
PP 1942-1947 Fazendeiro/ Médico
Nomeado pelo Gov.
Benedito Valadares.
Dr. Demóstenes Rocket 1947 Engenheiro
Dr.Alfeu Gonçalves de
Quadros
PR 1947-1950 Fazendeiro / Médico 1º Prefeito eleito
Vice: Atos Braga PR 1947-1950 Prof./Contador/Jornalist
a
Diretor do Jornal o
“O Operário” em
1948. Exerceu o
mandato de Prefeito
em 1948.
Enéas Mineiro de Souza PSD 1951-1954 Fazendeiro/Industrial
Vice: João Lopes Martins PR 1951-1954 Fazendeiro vulgo “Cel.Lopinho”
Alpheu Gonçalves de
Quadros
PSD 1955-1958 Fazendeiro / Médico
renuncia durante o
mandato para cumprir
acordo interno do
PSD, só governando
último semestre de
1958.
Vice:. João F.Pimenta PSD 1955-1956 Fazendeiro/Engenheiro Foi Prefeito de 1955-
1956
Geraldo Athayde 1957-1958 Fazendeiro/Advogado P
res.da Câmara. Foi
Prefeito em
substituição a João F.
Pimenta 1957-1958.
Simeão Ribeiro Pires PR 1959-1962 Fazendeiro/Engenheiro
Vice: Pedro Santos PTR 1959-1962 Fazendeiro/Médico
Pedro Santos 1963-1966 Fazendeiro / Médico
Vice: Luis de Paula PSP 1963-1966
Antônio Lafetá Rebello ARENA
1967-1970 Fazendeiro
Vice: Alfeu G. de
Quadros
ARENA
1967-1970 Fazendeiro/Médico
161
Anexo E (cont.)
Vereadores - 1947-1970
Legislatura 1947 – 1950 - Eleição: 23/11/1947
Nome Partido
Profissão Observação
João Lopes Martins PR Fazendeiro vulgo “Cel. Lopinho”
Mauro de Araújo Moreira PR Fazendeiro /
Bancário
Antônio Augusto Veloso PR Fazendeiro /
Médico
Antônio de Oliveira Fraga PR Industrial
José Joaquim Pereira Dé PR Comerciante
Hildeberto Alves de Freitas PR Fazendeiro vulgo “Cel. Deba”
Gorgônio Mendes Cardoso PR Fazendeiro
Alvino Pereira de Souza PR Fazendeiro
Domingos Lopes da Silva PR Fazendeiro
Carlos Gomes da Mota PR Fazendeiro / Adv.
João Ferreira Pimenta PSD Fazendeiro / Eng.
José Dias da Silva PSD Comerciante
Philomeno Ribeiro Santos PSD Fazendeiro/Industr
ial
João Soares de Carvalho PSD Comerciante
Pedro Santos UDN Fazendeiro /
Médico
Legislatura 1951 – 1954 - Eleição: 03/10/1950
Nome Sigla Profissão Observação
Cel. Filomeno Ribeiro dos
Santos
PSD Fazendeiro
João Antonio Pimenta
Carvalho
PTN Fazend./Eng.Civil
José Maia Sobrinho PR Fazendeiro
Aleixo Pereira Lopes PR Fazendeiro
Pedro Santos PTN Fazendeiro
João F. Pimenta PSD Fazendeiro / Eng.
Sebastião Almério Borges PR Contador
José Xavier Guimarães PTB Construtor
Antônio Augusto Veloso PTN Fazendeiro / Méd
José Nunes Mourão PTN Fazen./Prof./Adv
Hildeberto Alves de Freitas PTN Fazendeiro
Adhemar Dias de Figueiredo PTN Fazendeiro
Ricardinho Francisco Tófani PTN Agrimensor
Gorgônio Mendes Cardoso PTN Fazendeiro
Mário Antônio Rabelo PSD Comerciante
162
Anexo E (cont.)
Legislatura 1955 – 1958 - Eleição: 03/10/1954
Nome Sigla Profissão Observação
Dr. Geraldo Athayde PSD Fazendeiro/ Adv.
José Nunes Mourão PSD Fazen./Prof./Adv
Hildeberto Alves de Freitas PSD Fazendeiro
Jader Dias de Figueiredo PSD Fazendeiro
Ricardinho Francisco Tófani PSD Agrimensor
Cândido Simões Canela PSD Tabelião
Benone Gomes da Mota PSD Comerciante
José Avelino Pereira PSD Fazendeiro
José Xavier Guimarães PTB Construtor
Ubaldino Assis Oliveira PR
Artur Fagundes de Oliveira PR Fazendeiro/Adv.
Benedito Pereira Gomes PR Fazendeiro/Com
José Antônio Veloso PR Fazendeiro
José Maia Sobrinho PR Fazendeiro
Pedro Martins de Sant’ana PR Prof./Advogado
Legislatura: 1959-1962 - Eleição: 03/10/1958
Nome Sigla Profissão Observação
João Valle Maurício PR Fazendeiro / Med
Benone Gomes da Mota PSD Comerciante
José Nunes Mourão PSD Fazen./Prof/Adv.
José Laércio Peres de
Oliveira
PR Func.Público
Mário Ribeiro da Silveira UPI Fazendeiro /Med.
Artur Fagundes de Oliveira PR Fazendeiro /Adv.
Ubaldino Assis Oliveira PR Adv/Comerc.
Robson Crusoé Loures de
Macedo Moura
PR Adv./Bancário
Oldemar Santos UPI Adv./Industrial
José Maia Sobrinho PR Fazendeiro
Geraldo Rodrigues dos
Santos
PSD Fazendeiro
Dr.Geraldo Corrêa Machado PSD Fazendeiro / Med
Áfilo Mendes de Aguiar PSD Médico
Manoel José de Souza PSD Fazendeiro
José Geraldo Alkimim PSD
163
Anexo E (cont.)
Legislatura 1963 – 1966 - Eleição: 07/10/1962
Nome Sigla Profissão Observação
Cândido Simões Canela PSD Tabelião
Gentil Freire Alkimim PSD Fazendeiro/Com.
Geraldo Athayde PSD Fazendeiro /Adv.
Humberto Guimarães Souto PSD Advogado
João Luiz de Almeida Filho PSP Advogado
Jonas Alves de Almeida UDN
José Coelho de Araújo PSD Fazen./Med./Del.
José Gomes Ribeiro PR
José Linhares Frota Machado
PR Advogado
José Rodrigues Souto PR Fazendeiro
Manoel José de Souza PSD Fazendeiro
Orlando Ferreira Lima UDN Func.Público
Simeão Ribeiro Pires PR Fazendeiro/Eng.
Virgílio Gonçalves Pereira PSD Fazendeiro
Ubaldino Assis de Oliveira PR Advogdo/Comer.
Legislatura 1967 – 1970 - Eleição: 15/11/1966
Nome Sigla Profissão Observação
Aroldo da Costa Tourinho MDB Médico
Francisco José Pereira ARENA
Fazendeiro/Adv.
João Henrique Dutra ARENA
Radialista/Banc.
João Lopes de Melo ARENA
Comerciante
Jonas Alves de Almeida ARENA
José Coelho de Araújo ARENA
Fazend./Med.Del.
José da Conceição Santos MDB
José Sidney Figueiredo
Chaves
ARENA
Fazendeiro/Adv.
Manoel José de Souza ARENA
Fazendeiro
Manoel Messias Machado MDB
Nivaldo Maciel de Araújo ARENA
Radialista
Pedro Narciso MDB Fazendeiro/Adv.
Simeão Ribeiro Pires ARENA
Fazendeiro/Eng.
Valdemiro Fagundes de
Oliveira
ARENA
Wanderlino Arruda ARENA
Fonte: GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Faces do Legislativo. Montes Claros: Sociedade
Editorial Arapuim, 1997.
164
Anexo F
Fins e Princípios da União Operária e Patriótica de Montes Claros
“Foi criada com o objetivo de agregar a classe operária e coordenar a atividade de seus
associados dentro de uma organização forte e perfeita, com os seguintes fins:
1º) - Prestar-lhes todo o gênero de benefício e defesa a saber:
a) cultura moral, intelectual, social e física pela fundação e adesão de escolas, pela
realização de conferências, pela são imprensa, pelo rádio, cinema educativo, teatro,
esportes, escotismo, etc.
b) proteção social, por uma assistência carinhosa e eficiente nas oficinas, escolas e lares,
advogando os interesses legítimos da classe.
c) auxílio jurídico, médico, farmacêutico, dentário e material, pelas várias formas de
beneficências e mútuo socorro.
Para colimar êstes ideais, a União Operária firma suas bases nos seguintes princípios:
1º) A doutrina moral do Evangelho de Cristo, o respeito mútuo, amor e harmonia entre os
homens.
2º) Repúdio à luta sistemática e violenta de classes.
3º) A fórmula de Toniolo: O trabalho cada vez mais dominante, a natureza cada vez mais
dominada, o capital cada vez mais proporcionado.
4º) A necessidade da intervenção moderada do Estado na questão social no sentido de
controlar e regular o justo salário, a justa produção e o justo preço.
5º) Conserva-se acima e fora da política partidária.”
Fonte: Revista Montes Claros em Foco. Montes Claros, agosto de 1956, n. 1, p. 40.
165
Anexo G
Discurso de Hermes de Paula nas comemorações do Centenário de Camilo Prates em
29 de dezembro de 1959.
“Não estou aqui cumprindo uma ordem, vim até a praça pública de bom grado,
embora cumprindo mal uma tarefa honrosa, quando me é oferecida a oportunidade de
comentar a vida de uma figura marcante no cenário político de nossa comunidade e
principalmente sobre o homem que meu pai tinha como um de seus maiores amigos.
Camilo Prates foi, por excelência, político. A política encheu sua vida desde os 20
até os 80 anos. Viveu intensamente.
Na política encontrou seus grandes amigos e experimentou as maiores emoções.
Com a política êle amou e serviu Montes Claros. E Montes Claros durante 50 anos
vibrou um (sic) torno de sua figura extraordinária.
Liberal de raça, abolicionista, tribuno ardoroso, defensor intransigente da justiça e
do direito Camilo Prates foi o grande líder do Norte de Minas. Ele sentia as reivindicações
de sua gente. Seus atos, suas causas traduziam sempre os desejos, as esperanças, os
sentimentos e os anseios daqueles que o apoiavam e que acompanhavam vivamente
emocionados, mas absolutamente confiantes a marcha de seus argumentos até o desfecho
final sempre vitorioso.
Da política, como já falei, Camilo Prates tirou quase tudo. Só não tirou dinheiro.
Camilo Prates, que ocupou posições as mais destacadas, deputado federal durante vários
anos, quase irmão de Francisco duas vezes ministro da viação ele teve as melhores
oportunidades para exercer funções meramente remuneradas ou conseguir empresas
altamente lucrativas.
Entrento sua estatura moral o traço predominante de seu carater faziam-no voltar as
vistas para as causas do povo. Suas atitudes, sempre bem definidas, não constituiam artigos
de negocio, pois a riqueza em dinheiro não estava entre os objetivos de sua vida.
E era por isso, que seus amigos políticos de Montes Claros, ainda que, ás vezes,
derrotado no ambito municipal, mantinham sempre acesa e crepitante a fogueira do
entusiasmo; êles tinham um chefe a altura de qualquer situação, êles tinham um chefe de
mãos limpas, imune ás vicissitudes tão comuns aos detentores do poder.
Era assim que meu pai sentia Camilo Prates amigo de de toda a prova. Honestio
cento por cento, inteligente, culto e sobretudo amigos dos amigos.
Eu cito meu pai, porque foi com êle que aprendi a admirar Camilo Prates. Mas, os
amigos de Camilo Prates eram todos assim. Eram numerosíssimos.
Francisco Augusto de Andrade (Chico Nené). Ainda o vejo a frente de seus
eleitores, a cavalo. A banda Euterpe tocava um dobrado marcial. Os foguetes pipocando no
ar. Os cavalos inquietos, fogosos.
Os aboiados ...
Era véspera de eleição e, justamente nesta praça passavam todos eleitores numa
demonstração de força e como que uma visita de apoio ao chefe.
Atrás de Chico Nené, vêm João Dias, Olimpio Dias, Rochano. Trazem os eleitores
de Brejo das Almas. Que entusiasmo ! Que galhardia ! E a confiança que Olimpio Dias
166
Anexo G (cont.)
inspirava em todos ... Sem querer a gente recitava a quadrinha popular e buliçosa, que
constituia uma resposta e um aviso a certas ameaças veladas: ‘Olímpio Dias quando soube
deu grito no terreiro; se matar Camilo Prates, morre gente o ano inteiro’.
De Juramento chega Luis Maia, dono do distrito. Calmo, caladão, mas firme e
decidido.
Agora, há um reboliço maior, chegam trezentos e tantos cavaleiros com violas e
violões. Vem cantando e dando ‘vivas’ a Camilo Prates. Todos já esperavam por eles, vém
do Mandacarú. São eleitores de Juca Souto o Neco Santa Maria do passado.
A praça enche de cavaleiros e pedestres. E um estado de euforia incerteza de vitoria
invade o coração dos ‘estrepes’.
Durante toda a noite há ‘comes e bebes’a fartar. Musicas, cantos, Batucadas.
Vespera de eleição festa para o estomago e para o espirito ...
Seu Camilo não dorme. De rancharia em rancharia visita durante a noite seus
eleitores, conversando e auscultando. Ao lado de seu Camilo podem ver-se os camilistas
vermelhos, chamados naquele tempo de ‘estrepes laportes’ Basilio de Paula, Chico
Souto, Augusto Dias de Abru, Olimpio Dias de Abreu, Antonio Lucrecio, Jacinto Ataide,
Sebastião Tupinambá Quincas Costa João Figueiredo, José de Cacau, Americo Pio,
Antonio Narciso Soares, Antonio Emidio, Etelvino Teixeira, Manoel Crispim, Professor
Pedro Guimarães, Joaquim Mangabeira, Justino Guimarães, Antonio Francelino Lafetá,
major Antonio Prates Sobrinho, Jorge de Souza Santos, Teodomiro Paulino, Olimpio
Quintino, João Chaves, Juca Prates, Niquinho Teixeira.
Camilo Prates sabia fazer amigos. De tal maneira eram ligados a ele, que não se
pode falar em Camilo Prates isoladamente. Seria uma amputação.
É por isto que estou citando aqui alguns de seus líderes, apenas os que a minha
memória poude recolher de relance. Muitos já fizeram, como ele, a última viagem. Outros,
porém estão aí, estão aqui presentes.
Não houve convite nominal para esta festa de gratidão. Os que aqui estão, vieram
espontaneamente.
É comovedor este espetáculo de amizade demonstrado por João Vovô, Mestra Bila
e Adeodato Cunha. Leram a notícia das festividades do centenário do nascimento de
Camilo Prates e sem medir sacrifícios transportaram de Brasilia e aqui se acham
abrilhantando esta homenagem ao grande e saudoso amigo. De mais longe veio João de
Faria outro fiel amigo de Camilo Prates.
Neste momento de ternura quando queremos perpetuar em praça pública a grande
figura de Camilo Prates, é de justiça que se rendam também homenagens aqueles
montesclarenses, sob todos os aspectos dignos de nossa admiração, aos quais Montes
Claros muito deve e que, na política, estavam situados do outro lado.
Dr. Honorato José Alves, primeiro cirurgião de Montes Claros, professor
catedrático de oftalmologia da faculdade de Medicina de Minas Gerais, deputado federal
por Minas de dois decênios.
Desembargador Antonio, Augusto Veloso, que era nosso representante na
Assembléia provincial, íntegro defensor da Justiça e profundo conhecedor do direito.
Dr. João José Alves, que disputava o poder municipal, médico humanitário e
incansável, que devido a sua dedicação durante a gripe espanhola, apesar de uma crise
política e de ser político militante, foi alvo de uma homenagem publica por todas as
correntes políticas.
167
Anexo G (cont.)
Eu não fui eleitor de Camilo Prates, minha idade não me permitia. Mas, estava
integrado no partido camilista, pois como muitos outros meninos de minha idade, fazia
parte da ‘soldadesca de baixo’. E tive até o meu ‘batismo’, quando, em um encontro com a
‘soldadesca de cima’. No outro dia eu exibia, orgulhosamente, um grande hematoma na
testa, sinal certo de luta.”
Fonte: Gazeta do Norte. Montes Claros, 24 jan. 1960, p. 1
168
Fontes
a) Jornais
- Gazeta do Norte. Montes Claros - 1940-1962 (exceto 1941 e 1961)
- O Jornal de Montes Claros. Montes Claros - setembro a dezembro de 1951
b) Revistas
-- Encontro. Montes Claros, fevereiro de 1962, n. 9.
- Montes Claros em Foco. Montes Claros - 1956-1962
- Montes Claros. Montes Claros – 1941.
- Nossa História. Montes Claros – 1999.
c) IBGE
- Censo Demográfico de 1940. Série Regional. Parte III- Minas Gerais. Tomo I. Rio de
Janeiro: Fundação IBGE, 1950.
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Estatística. Órgão Regional do IBGE, 1952.
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- Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.
- Censo Demográfico de 1960 - Minas Gerais - V.I. Tomo IV. Rio de Janeiro: IBGE, 1960.
- Censo Demográfico de 1970. Minas Gerais. Série Regional. Vol. I. Tomo XIV. 2ª parte.
Rio de Janeiro: IBGE, 1970.
- Censo Demográfico de 1980. V. I, Tomo XVI. Rio de Janeiro: IBGE, 1980.
d) Câmara Municipal de Montes Claros:
169
- Atas das reuniões de vereadores – 1959-1960.
- Correspondências Diversas de entidades e moradores – 1947-1962.
e) Memorialistas
GUIMARÃES, Jorge Tadeu. Faces do Legislativo. Montes Claros: Sociedade Educacional
Arapuim, 1997.
PAULA, Hermes de. Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. Montes
Claros: Pongetti, 1979.
SILVEIRA, Yvonne, COLARES, Zezé. Montes Claros de ontem e de hoje. Montes Claros:
Academia Montesclarense de Letras, 1995.
VIANNA, Nelson. Efemérides montesclarenses 1707-1962. Rio de Janeiro: Pongetti, 1964.
f) Entrevistas
Ana Dias Lima
Dia: 20/06/2000
Nasceu em Juramento, distrito de Montes Claros até o ano de 1953, em 1918. Teve quatro
filhos em dois casamentos, viveu alguns anos em São Paulo, na década de 1940 e 1950,
mas passou grande parte da vida na zona rural de Montes Claros onde, além de trabalhos
domésticos auxiliava o marido nas atividades agrícolas. Atualmente é viúva, aposentada e
reside na casa dos filhos.
Ana Dias do Carmo
Dia: 17/06/2000
170
Nasceu em Juramento em 1935 onde viveu até os 5 anos de idade. Mudou-se para o
povoado Cabeceiras, também no município de Montes Claros, onde reside até a atualidade.
Estudou até a 3ª série primária, casou-se no ano de 1956 com Manoel Ribeiro da Silva com
quem tem 11 filhos.
Augusta Maria de Jesus
Dia: 19/06/2000
Nasceu em São José do Gorutuba, atual cidade de Janaúba (MG), em 1915. Nunca
frequentou a escola, casou-se na década de 1930 e teve 14 filhos. Reside em Montes Claros
há várias décadas onde sempre trabalhou como lavadeira. É viúva, aposentada e reside em
casa própria.
Francisco Vieira da Silva
Dia: 23/06/2000
Nasceu em 1935 no município de Brasília de Minas (MG). Mudou-se para Montes Claros
em 1952 a procura de trabalho. Trabalhou em chácaras próximas a cidade e na Fábrica de
Óleo Mariflor recolhendo sementes de algodão. É portador de deficiência física,
aposentado e reside em casa dos irmãos.
João Barbosa Ribeiro
Dia: 20/06/2000
Nasceu em São José do Gurutuba em 1921. Mudou-se para Francisco Sá (MG) e para
Montes Claros na década de 1930. Trabalhou na construção civil até ser admitido como
trabalhador braçal da Rede Ferroviária Central do Brasil. Foi dispensado da Central do
171
Brasil na década de 1950 quando foi concluída a ligação ferroviária Central do Brasil-
Leste Brasileiro (Minas Gerais-Bahia). Morou cerca de um ano no Paraná e foi readmitido
pela Central no final dos anso 50. Casou-se em 1950 e teve seis filhos, nunca frequentou a
escola. É aposentado, reside na casa de seus filhos.
José Santos
Dia: 20/06/2000
Nasceu em Calculé (BA) na década de 1910. Mudou-se para Montes Claros na década de
1930. Trabalhou como relojoeiro, ourives e seleiro até aposentar-se. Cursou até a 4ª série
primária. Casou-se na década de 1930 e teve 10 filhos. Reside em casa própria.
Maria Neuzália Ruas Silva
Dia: 16/06/2000
Nasceu em 1938 em Mirabela, distrito de Montes Claros até o ano de 1962, cursou até a 4ª
primária. Casou-se em 1956. Mudou-se para Montes Claros em 1978. Reside em casa
própria.
Manoel Ribeiro da Silva
Dia: 17/06/2000
Nasceu em 1927 no distrito de Cabeceiras, município de Montes Claros, onde casou-se na
década de 1950 e reside até hoje. Estudou até a 3ª série primária, teve onze filhos. Reside
na atualidade na mesma Cabeceiras onde é proprietário de um sítio.
Manoel Rodrigues da Silva
Dia: 16/06/2000
172
Nasceu em 1926 em Nova Esperança, distrito de Montes Claros. Casou-se em 1945,
mudou-se para Montes Claros em 1978, trabalhou como agricultor e vigia. É aposentado,
casado, pai de oito filhos e reside em casa própria.
Osmar Reis Lopes Ribeiro
Dia: 15/06/2000
Nasceu em 1931 em Miralta, distrito de Montes Claros onde trabalhou como agricultor até
o ano de 1971 para a zona urbana de Montes Claros. Casou-se em 1940, teve dez filhos.
Trabalhou como carpinteiro prara a Prefeitura de Montes Claros nas décadas de 1970 e
1980. É aposentado e reside em casa própria.
Rita Xavier Costa
Dia: 16/06/2000
Nasceu em Curral Velho, Município de Montes Claros. sempre trabalhou em serviços
rurais. Mudou-se para Montes Claros na década de 1970. Nunca freqüentou escola, é
casada, aposentada, mãe de oito filhos.
Wanda Pereira Dias
Dia: 24/04/2000.
Nasceu na década de 1930. Casou-se com José Souto, tem cinco filhos. É doméstica
aposentada. Reside em Montes Claros em casa própria. Estudou até a 4ª série primária.
173
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republicana 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
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