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NOEMIA DOS SANTOS PEREIRA MOURA
UNIEDAS: o símbolo da apropriação do protestantismo norte-americano pelos
Terena (1972-1993)
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NOEMIA DOS SANTOS PEREIRA MOURA
UNIEDAS: O SÍMBOLO DA APROPRIAÇÃO DO PROTESTANTISMO NORTE-
AMERICANO PELOS TERENA (1972-1993)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul, Campus de Dourados, para a
obtenção do título de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Osvaldo Zorzato
Dourados Agosto de 2001
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NOEMIA DOS SANTOS PEREIRA MOURA
UNIEDAS: O SÍMBOLO DA
APROPRIAÇÃO DO
PROTESTANTISMO NORTE-
AMERICANO PELOS TERENA (1972-
1993)
COMISSÃO JULGADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
Presidente e orientador: Prof. Dr. Osvaldo Zorzato________________________________
2º Examinador: Prof. Dr. Antonio Brand _______________________________________
3º Examinador: Prof. Dr. Gilson Rodolfo Martins ________________________________
Dourados, 14 de Agosto de 2001.
4
NOEMIA DOS SANTOS PEREIRA MOURA
NASCIMENTO 07/10/1967 AQUIDAUANA/MS
FILIAÇÃO: Joaquim Ramos Pereira (In memorian)
Isabel Maria dos Santos Pereira
CÔNJUGE: Raimundo João de Moura
FILHO: André Luiz Pereira Moura
1987/1990: Curso de Graduação em História
Centro Universitário de Aquidauana, UFMS
1992/1994: Curso de Especialização em História da América Latina
Centro Universitário de Aquidauana, UFMS
1999/2001: Curso de Pós-Graduação em História, nível de Mestrado
Campus de Dourados, UFMS
5
RESUMO
Este estudo pretende demonstrar o modo como os Terena “crentes” comportaram-
se diante da presença dos missionários norte-americanos da SAIM (South American
Indian Mission). A tese central desta investigação é de que entre as décadas de 70 e 90 do
século XX, os Terena “crentes” apropriaram-se da Missão protestante UNIEDAS (União
das Igrejas Evangélicas da América do Sul), enquanto instrumento político-religioso de
inclusão e ascensão social na sociedade brasileira. Primeiramente, nacionalizaram o
protestantismo, depois apropriaram-se do discurso religioso e por último apossaram-se da
estrutura da Missão nacional. E ao longo desse processo as lideranças “crentes”
projetaram-se em diversos espaços sócio-políticos da sociedade envolvente,
demonstrando serem criadores de alternativas/respostas como os demais atores sociais.
6
ABSTRACT
This study intends to show how the "believers" Terena indians behaved
themselves before the North American missionaries from the South American Indigenous
Mission (SAIM). The central thesis of this investigation is that along the 70s to the 90s
decades of the twentieth century, the "believers" Terena appropriated of the Protestant
Mission UNIEDAS (União das Igrejas Evangélicas da América do Sul), as a political-
religious channel of inclusion and social ascension in the Brazilian society. Firstly, the
Terena people nationalized the Protestantism, after that they took the religious speech,
and finally they appropriated of the structure of the national mission. Along of this
process the "beliervers" leadership found prominence in various social-political spaces of
the emergent society, proofing to be they creator of alternatives/responses as other fellow
social actors.
7
Ao povo Terena por apontar alternativas culturais para a
convivência em outros espaços sócio-políticos.
8
AGRADECIMENTOS
Para desenvolver uma monografia de Mestrado muitos caminhos tem-se que
trilhar. É um percurso que ninguém consegue fazer sozinho. Portanto, faz-se necessário
reconhecer a ajuda de algumas pessoas que estiveram mais presentes durante o processo.
Com certeza, não se têm condições de arrolar uma a uma. Porém, fica um agradecimento
geral a todos e todas que conosco caminharam, sorriram, dialogaram, refletiram,
discordaram, orientaram e incentivaram, desde a formulação do anteprojeto, as primeiras
leituras, a redação e a conclusão. Algumas, no entanto, não poderiam deixar de ser
contempladas neste ritual. Desta forma, agradeço imensamente:
- Àqueles que me deram a vida - Joaquim (in memorian) e Isabel. E à própria vida
proporcionadora desta rica experiência acadêmica;
- À força energética que me enche de ânima e de vontade de conquistar novos espaços
profissionais e humanos;
- Às lideranças Terena “crentes” que disponibilizaram o corpus documental
cumprimentadas nas pessoas dos seguintes Pastores: Josias Paulo, Jonatan José, Jair de
Oliveira, Jonas Gabriel Reginaldo, Alberto França Dias. Ancião - Adalberto França Dias e
Silvarino Machuca de Andrade;
- Aos suportes afetivos e materiais responsáveis por grande parte dessa conquista- Minha
família: Raimundo, André Luiz, Isabel, Maria, Severina, seus familiares e os demais
parentes que acreditaram e “torceram”;
- Aos suportes afetivos e intelectuais que conquistados ao longo deste percurso acadêmico:
Eudes Fernando, Iára, Zorza, Zirza, Vera Lúcia, Astor, Cláudio, Cimó, João Carlos,
Biazotto, Arnaldo, Vilma, Lélian, Renata, Cléo, Zé Carlos, Valdeí, Rudiane, Marcelo, os
companheiros (as) ideológicos, demais professores (as) que contribuíram nesta empreitada;
- À turma do Mestrado (1999-2001), pelas valiosas discussões e reflexões coletivas -
Renata, Lélian, Ziliani, Aroldo, Luzia, Ana Paula, Alexandre, José Carlos e Joana;
- Aos professores que compuseram a Banca de Exame de Qualificação, pelas
contribuições: Dr. Cláudio Alves de Vasconcelos e Dr. Gilson Rodolfo Martins;
- À Profª Drª Alda Quadros do Couto pela sua dedicação e profissionalismo na verificação
da estrutura textual, gramatical e ortográfica;
9
- Ao meu orientador, Prof. Dr. Osvaldo Zorzato, pela paciência, capacidade intelectual,
dedicação, amizade e companheirismo;
- Ao Governo Popular do Mato Grosso do Sul, através da Secretaria Estadual de Educação
dirigida pelo Prof. Mestre Pedro César Gonçalves Kemp, por investir na capacitação
docente, deferindo o pedido de Afastamento para Estudo com ônus (1999-2001).
10
EPÍGRAFE
“Os que andastes pelo mundo e entrastes em casas de prazer de príncipes, vereis naqueles quadros
e naquelas ruas dos jardins dois gêneros de estátuas muito diferentes, umas de mármore, outras de murta. A
estátua de mármore custa muito a fazer, pela dureza e resistência da matéria; mas depois de feita uma vez,
não é necessário que lhe ponham mais a mão, sempre conserva e sustenta a mesma figura: a estátua de
murta é mais fácil de formar, pela facilidade que lhe dobram os ramos; mas é necessário andar sempre
reformando e trabalhando nela, para que se conserve. (..) Há umas nações naturalmente duras, tenazes e
constantes, as quais dificultosamente recebem a fé e deixam os erros de seus antepassados: resistem com as
armas, duvidam com o entendimento, repugnam com a vontade, cerram-se, teimam, argumentam, replicam,
dão grande trabalho até se renderem; mas uma vez rendidos, uma vez que recebem a fé, ficam nelas firmes
e constantes como estátuas de mármore, não é necessário trabalhar mais com eles. Há outras nações pelo
contrário (e estas são as do Brasil) que recebem o que lhes ensinam, com grande docilidade e facilidade,
sem argumentar, sem replicar, sem duvidar, sem resistir; mas são estátuas de murta, que em levantando a
mão e a tesoura o jardineiro, logo perdem a figura, e tornam a bruteza antiga e natural, e a ser mato como
dantes eram.” (Pe Antonio Vieira)
11
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................13
Capítulo I
1- As experiências dos Terena antes do contato com a Missão ISAMU
1.1- Do Chaco ao Sul de Mato Grosso: alternativas de convívio dos
Terena.........18
1.2- O SPI, as reservas Terena e a presença protestante (1912)...........................35
1.3- As demandas Terena e os interesses proselitistas das Missões
ISAMU/SAIM........................................ .............................................................39
1.4- As primeiras seis décadas de protestantismo: conflitos católicos e
crentes....44
Capítulo II
2. UNIEDAS: nacionalização do protestantismo norte-americano na conjuntura do
regime militar (1972-93)
2.1- As relações das missões cristãs com a FUNAI na década de 70: criação da
UNIEDAS..............................................................................................................52
2.2- Identidade crente: passaporte para a sociedade nacional...............................64
Capítulo III
3- O fortalecimento das lideranças Terena e a apropriação definitiva da UNIEDAS
3.1- Abrindo os arquivos da UNIEDAS................................................................75
3.2- Instâncias de poder da UNIEDAS e das igrejas arroladas..............................79
3.3- Organização estrutural da Missão UNIEDAS................................................84
3.4- De convertidos a batizados: direitos, privilégios, deveres e
disciplina...........85
3.5- Dizimar é ofertar ao Senhor!..........................................................................90
3.6- Organização eclesiástica.................................................................................91
3.7- O processo educacional e a promoção de novas lideranças............................93
Capítulo IV
4- Ruptura com a SAIM e consolidação da apropriação da UNIEDAS pelos
Terena crentes
4.1- O fortalecimento indígena nos âmbitos nacional e regional e o reflexo sobre
as organizações Terena locais.............................................................................. 96
4.2- Persistência protestante proselitista e ampliação da frente de projeção
político-religiosa .................................................................................................109
4.3- Novas possibilidades apontadas para a sobrevivência da
UNIEDAS...........117
Considerações finais...........................................................................................121
Fontes..................................................................................................................127
Referências bibliográficas
................................................................................ 131
Bibliografia.................................................................................................137
Anexos.......................................................................................................138
12
LISTA DE ABREVIATURAS
AITECA Associação Indígena Terena de Cachoeirinha
CIMI Conselho Missionário Indigenista
CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
FUNAI Fundação Nacional do Índio
IBCB Instituto Bíblico Cades Barnéia
ISAMU Inland South American Indian Mission Union (anglo-norte-americana)
MEU Missão Evangélica Unida (alemã)
NOB/RFFSA Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima Noroeste do Brasil
ONA Objetivos Nacionais Atuais
ONGs Organizações não-governamentais-DGEP Departamento Geral de
Estudos e Pesquisas
ONP Objetivos Nacionais Permanentes
SAIM South American Indian Mission (norte-americana)
SPI Serviço de Proteção ao Índio
SPILTN Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores
Nacionais
UNÍ União das Nações Indígenas
UNIEDAS União das Igrejas Evangélicas da América do Sul
13
INTRODUÇÃO
Por entender que é muito difícil deixar de visualizar as práticas culturais
separadas das práticas pelos quais os grupos étnicos articulam a reprodução de sua
existência enquanto sociedades, ou seja, das práticas que envolvem a manutenção das
estruturas produtivas da sociedade, buscou-se discutir neste estudo, a apropriação da
Missão UNIEDAS (União das Igrejas Evangélicas da América do Sul) como uma
resposta/alternativa do grupo Terena “crente” ao processo de abrasileiramento que o
Estado brasileiro tentava impor-lhe de todas as formas, durante os períodos da ditadura
militar e da reabertura democrática. (FERREIRA NETO, Apud VAINFAS e CARDOSO,
1997, p. 325)
Desta forma, lançou-se um olhar diacrônico sobre as fontes
1
levantadas buscando
fazê-las dialogar entre si, enquanto a historiadora dialogava com os conceitos de
apropriação/integração que serviriam posteriormente para iluminar a busca de respostas
nas fontes, a partir da problemática suscitada ao longo da elaboração do anteprojeto e,
depois, do projeto basilar dessa pesquisa. Para tanto, foi necessária a compreensão de que
sozinha a disciplina de História não teria condições de conformar uma proposta
metodológica que abrangesse tal empreitada. Buscou-se então o estreitamento de um
diálogo com a Antropologia que, há mais tempo, vem elaborando uma série de trabalhos
acadêmicos sobre os índios enquanto atores sociais.
2
As elaborações antropológicas foram imprescindíveis, principalmente, no momento
de recuperação das pautas culturais de contato dos Terena, enquanto grupo étnico, ao longo
do processo histórico, para demonstrar como suas estratégias presentes estão permeadas de
resquícios de sua cultura tradicional. Dos trabalhos antropológicos destacaram-se as
primeiras abordagens elaboradas no segundo quartel do século XX: Fernando Altenfelder
Silva, Mudanças culturais dos Terena, 1948 e Kalervo Oberg, A economia Terena no
Chaco, 1946; as das décadas de 50 e 60: Roberto Cardoso de Oliveira: Do índio ao bugre
1976 e Urbanização e tribalismo, 1968; as de 70: Edgar de Assis Carvalho, A Alternativa
dos vencidos, 1979; e os mais recentes das décadas de 80 e 90: Aççolini, Adoção de um
1
No caso das citações essas fontes foram transcritas literalmente como se encontravam nos documentos.
2
Considerar os indígenas enquanto atores sociais significa compreender que o grupo étnico deve ser inserido
em eixos espaço-temporais e relacionados a conjuntos específicos de atores, com valores e estratégias
sociais bem determinados. (OLIVEIRA, 1999, p. 8)
14
novo mito, 1996 e o de Fernanda Carvalho, Koixomuneti e outros curadores, 1996, entre
outros.
De acordo com as elaborações de OLIVEIRA (2000), pode-se afirmar que os
Terena apropriaram-se e continuam apropria ndo-se de objetos culturais do outro porque
têm necessidade de incorporar e ser incorporados à sociedade nacional à qual foram
coibidos a inserir-se. Assim comenta,
Os seus objetos culturais de desejos recentes, como a moeda e o
passaporte, são o resultado da necessidade que esses povos têm de
incorporar em seu modo de vida meios de sobrevivência nesse
novo mundo em que foram obrigados a se inserir. (..) Porém, o que
talvez seja pior é o efeito moralmente perverso do etnocentrismo
colonial, que tende a transformar a consciência indígena numa
“consciência infeliz” (..) levando o “índio a se ver com os olhos do
branco”, do colonizador. (OLIVEIRA, 2000, p. 18)
Esse diálogo entre a História e a Antropologia torna-se imprescindível devido ao
fato de que, até a primeira metade do século XX, a historiografia, ao considerar os povos
indígenas como “sem história”, negou-lhes o estatuto de sujeitos históricos. Por outro lado,
só muito recentemente a temática indígena passou a ser objeto das preocupações
historiográficas. Como essa temática sempre foi objeto de preocupações antropológicas,
explica-se a necessidade do diálogo e da aproximação entre ambas as áreas.
Dentre os estudos, anteriormente mencionados, aqueles que se debruçaram sobre o
aspecto religioso, sem enfocar a UNIEDAS enquanto Missão, foram os de Grazielle
Aççollini e Fernanda Carvalho. O primeiro fez uma discussão sobre o fenômeno
pentecostal entre os Terena, que se expandiu principalmente a partir da década de 80. A
pesquisadora classificou a UNIEDAS como mais uma denominação pentecostal,
semelhante às demais existentes na aldeia de Bananal. Talvez desconhecesse o processo de
construção e conformação da Missão Nacional e sua estreita ligação com as denominações
anglo-norte-americanas. Apesar disso, serviu como referência para uma interlocução, já
que no presente estudo considera-se a UNIEDAS enquanto Missão originária do
protestantismo de invasão
3
. O segundo trabalho, cujo eixo central é a presença de
manifestações xamanísticas nas aldeias de Taunay e Ipegue, enfatizou o protestantismo da
UNIEDAS como um dos elementos que ajudou a ocultar o xamanismo Terena.
Quanto aos demais trabalhos se percebeu que a historiografia não registrava
nenhum trabalho de fôlego sobre a etnia Terena e muito menos no aspecto da religiosidade.
3
Para aprofundamento desta discussão a leitura indicada seria a de ALVES, 1981.
15
Encontraram-se apenas algumas monografias que abordavam rapidamente esta etnia:
Leonice Sanches, Reserva Buriti, 1994 e Noemia Moura, Uma aldeia Terêna urbana,
1994. A partir desta constatação, optou-se por retirar as coletividades indígenas de um
amplo esquema dos estágios evolutivos da humanidade e passar a situá-las na
contemporaneidade e em um tempo histórico múltiplo e diferenciado, no qual os diversos
grupos indígenas passassem a conviver com outras formas de organização sócio-política
que lhes exigirá uma nova readaptação que levarão alguns a se integrar
4
para poder
sobreviver etnicamente.
Baseando-se nos ensinamentos de Marc Bloch e nas valiosas contribuições da
Escola dos Annales, é sabido que o historiador engaja-se em responder indagações do seu
presente quando se volta à compreensão de alguma situação humanamente provocada, seja
no passado mais longínquo ou num presente que não quer tornar-se passado. As perguntas
instigadoras dessa investigação foram as seguintes: Por que o Terena é estereotipado
enquanto grupo étnico colaboracionista, amigo do poder, expropriador de outros índios,
preferido da República? E por que se integra, no ponto de ser classificado como totalmente
assimilado pelo Estado brasileiro? Como consegue reproduzir-se e sobreviver na sociedade
brasileira? Por que assumiu o protestantismo norte-americano? Como enxerga a
UNIEDAS?
A partir dessas indagações e das primeiras impressões das fontes, formulou-se
uma hipótese perseguida até o fechamento desta pesquisa: Os Terena “crentes” se
apropriaram da UNIEDAS enquanto instrumento político-religioso de ascensão e projeção
de suas lideranças nos diversos espaços político-sociais da sociedade envolvente. Dessa
forma, enquanto análise histórica, refletiu-se o tempo todo sobre as experiências de um
grupo étnico em contato estreito com uma sociedade atípica, em todos os seus níveis, da
qual estava impossibilitado de alhear-se ou isolar-se. Os Terena experimentaram durante
dois séculos (XIX e XX), e continuam a fazê -lo no século atual, uma situação de contínua
criação de alternativas/respostas enquanto grupo diferenciado, dentro de uma sociedade
cujos princípios e características entram diretamente em confronto com suas formas
tradicionais de organização e tendem a reelaborar seus próprios esquemas/categorias na
ótica do outro e, a partir destes esquemas, realçar sua identidade étnica.
4
O conceito de integração está sendo utilizado a partir da ótica de Nathan Wacthel que o descreve como o
processo de incorporação de elementos culturais estranhos ao sistema local que os submete aos seus próprios
esquemas e categorias. (WATCHEL, 1976, p. 118)
16
Devido à inexistência de trabalhos historiográficos mais aprofundados sobre os
contatos inter-religiosos, esta elaboração buscou dialogar com alguns pressupostos teórico-
metodológicos presentes nos artigos localizados no primeiro volume da obra organizada
por Robin Wright (1999)- Transformando os Deuses. Essa obra foi composta por estudos
de caso que levaram a uma reflexão sobre os contatos inter-religiosos entre as sociedades
indígenas e as não-indígenas. Os antropólogos pesquisadores procuraram, através desses
estudos, fugir da abordagem usual de analisar as conseqüências e os impactos das práticas
missionárias nas culturas indígenas e buscaram focalizar as maneiras como os povos
indígenas têm incorporado, rejeitado ou transformado as diferentes formas de cristianismo.
Segundo o que pode se observar, esses estudiosos propuseram uma abordagem etno-
histórica na linha da antropologia histórica. Este traba lho enveredou por uma abordagem
na linha da história indígena.
Desta forma, reafirmam-se os desafios que estão postos para os historiadores dos
indígenas: 1) recuperar o papel histórico dos atores nativos na formação das sociedades e
culturas do continente, revertendo o enquadramento destes enquanto vítimas de poderosos
processos externos à sua realidade; 2) repensar o significado da história a partir da
experiência e da memória de populações que não registraram, ou pouco o registraram do
seu passado através da escrita. (MONTEIRO, 1995)
Levando em conta esses desafios propõem-se algumas elaborações distribuídas
em quatro capítulos. No primeiro capítulo faz-se uma breve digressão, na tentativa de
contextualizar as pautas culturais de contato dos Terena, no intuito de demonstrar que o
processo histórico realizado está permeado de resquícios culturais tradicionais. Para
desenvolvê-lo foram utilizadas as produções antropológicas das décadas de 40-90.
O segundo capítulo apresenta o processo no qual se deu a criação da UNIEDAS e
a nacionalização do protestantismo norte-americano. Procura-se desenhar um painel da
conjuntura da nacionalização; a necessidade da South American Indian Mission (SAIM)
em transmitir a tarefa de evangelização aos Terena “crentes”; e as condições que foram se
configurando e possibilitando a ruptura definitiva entre as duas missões. O penúltimo
capítulo proporciona um desnudamento das fontes acima mencionadas, com o objetivo de
explicitar o modo como as lideranças “crentes” se fortaleceram durante a conformação da
Missão nacional, para posteriormente assumi-la.
O último capítulo enfoca diretamente o tensionamento das relações entre a SAIM
e a UNIEDAS. Esboçou-se um panorama sobre as organizações sócio-políticas dos Terena
em comparação com a movimentação indígena nacional, salientando as influências dessas
17
organizações na decisão das lideranças da UNIEDAS. Destacou-se a crise financeira
enfrentada pós-ruptura e as novas possibilidades apontadas pela Junta Administrativa.
As fontes alicerçadoras foram coletadas juntamente às igrejas locais e à Junta
Administrativa da UNIEDAS e os documentos levantados através das lideranças indígenas
protestantes: Livro Atas (1972-98), Estatutos da UNIEDAS e das Igrejas locais (1997),
Orientações aos Candidatos ao Batismo (1997), Carta do Missionário que esteve entre os
Terena em 1912 (1963) e cinco depoimentos orais de lideranças da UNIEDAS. Como
fontes bibliográficas foram utilizadas as pesquisas desenvolvidas pelos antropólogos nas
décadas de 40 a 90.
Abordou-se o corpus documental procurando cruzar os relatos da entidade com as
informações levantadas nas fontes bibliográficas. Além disso, buscou-se as conexões desta
história particular com a macro história dos povos indígenas na sociedade nacional.
Este estudo se propõe a contribuir na construção historiográfica indígena do Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, na tentativa de oportunizar que novos atores sociais, até a
poucas décadas “silenciados”, viessem à tona. E lança indagações para que novos
historiadores se interessem pela temática indígena e desenvolvam novos estudos.
Isto posto, e por entender que a existência de uma representação estereotipada dos
povos indígenas geralmente resultou em atitudes no mínimo contrárias a seus interesses,
espera-se que esta investigação venha a contribuir para um debate em outros termos. E
talvez, imprimir uma nova representação através da qual a sociedade nacional e seus
diversos grupos possam ter atitudes mais tolerantes para com os indígenas.
Finalmente, conclui-se o estudo traçando apenas considerações finais, com a
intenção de ao invés de fechar, abrir novos questionamentos, novas abordagens e novos
objetos na temática indígena.
18
CAPÍTULO I
As experiências dos Terena antes do contato com a Missão
ISAMU
19
Do Chaco ao sul de Mato Grosso: alternativas de convívio dos Terena
Neste primeiro capítulo, o objetivo central é fazer considerações sobre a situação
histórica anterior ao processo de retribalização e contatos missionários evangélicos. Essas
considerações se fazem necessárias para desnudar as formas de contatos interétnicos que os
Terena estabeleceram no Chaco paraguaio e durante o processo de migração e fixação nas
terras do sul de Mato Grosso; do mesmo modo, permitem-nos compreender as novas
relações (sociais, econômicas, políticas, culturais) sugeridas após a criação das Reservas
Federais Indígenas, no processo de reorganização tribal, tanto com os funcionários do
Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e com os missionários cristãos, como com os
regionais e, entre eles mesmos.
Para desenvolver as argumentações e organizar as informações este trabalho
ancorou-se nas produções de viajantes, antropólogos e etnohistoriadores que estiveram
entre estes índios ou que vinham desenvolvendo pesquisas sobre essa etnia; uma leitura
antropológica faz-se importante na medida em que se trabalha com outra cultura que não é
a brasileira. Serve, inclusive para desestereotipar os Terena enquanto povo
pacífico/dócil/civilizador ou então como índios/capitalistas/descaracterizados exploradores
de outros. Desde logo se pode adiantar que, ao longo de sua historicidade, foram
amplamente espoliados de suas terras, dizimados e escravizados, primeiramente pelos
hispano-lusos e depois pelos fazendeiros que se estabeleceram, após a Guerra do Paraguai,
no território do sul de Mato Grosso. Entretanto, enquanto atores sociais forjaram várias
alternativas de convívio e sobrevivência com e frente à sociedade envolvente.
Os Guaná/Chané são um subgrupo da grande família lingüística Aruák que se
subdivide no Brasil em Terena, Layana, Kinikinao e Exoaladi. Até meados do século
XVIII, viviam no Chaco paraguaio, na margem ocidental do Rio Paraguai e depois dessa
data, migraram para o território entre os rios Miranda (afluente do Rio Paraguai) e
Aquidauana, rios situados no atual Estado brasileiro do Mato Grosso do Sul.
Até o Tratado de Madri (1750), o atual território do Mato Grosso do Sul (1977)
encontrava -se em domínios da Espanha, onde os Jesuítas da Companhia de Jesus, do
Paraguai, constituíram a província de Itatin. Alguns relatos apontam para a possibilidade
de que parte dos Guaná (Layana, Echoaladi, Kinikinao e Terena) estabeleceu-se nesta
província desde 1673 a leste do rio Paraguai, quer dizer, na margem oriental.
20
Provavelmente, nem todos os subgrupos Chané/Guaná migraram ao mesmo tempo.
(AZARA, 1985, p.18)
Desde o Chaco, os Guaná caracterizavam-se como predominantemente agricultores
não deixando, no entanto, de coletar, caçar, pescar e realizar expedições guerreiras ao lado
dos seus “suseranos”, os Mbayá-Guaikuru, exímios cavaleiros, com os quais mantinham
contatos. Essas outras atividades eram necessárias dadas as características da região
chaquenha e dos interstícios das lavouras. A região do Chaco apresentava um longo
período de seca, o que exigia uma estocagem de excedente. Entretanto, os Guaná,
principalmente os Terena, em contato com outros povos, essencialmente, coletores e
caçadores, realizaram um intercâmbio de hábitos econômicos, alimentares e culturais; esse
intercâmbio decorreu de relações baseadas em trocas comerciais ou de relações de
submissão/subordinação a esses outros povos. (OBERG, 1949, p. 21) Todavia, os contatos
interétnicos dos Guaná/Chané com outros povos indígenas ou não, foram uma constante ao
longo do processo histórico desse subgrupo, permanecendo até o tempo presente com os
remanescentes Terena, único grupo do subgrupo Aruák, sobrevivente enquanto etnia e
preservação da identidade étnica.
Os diversos grupos Chané/Guaná mantiveram contatos diferenciados com os
Mbayá/Guaicurú. Um relato de Aguirre indica alguns termos destes contatos:
Os Guaná são índios lavradores não-cavaleiros, mansos,
empreendedores e não folgazões. Desejam servir e se empregam a
troca de salário (..)o costume dos Guaná servirem começou depois
da paz dos Mbayá. Estes últimos estavam a meio caminho dos
primeiros, na província, e como os Guaná vinham, trabalhavam e
levavam alguns utensílios com que melhoravam seu modo de vida
e ainda comerciavam com os demais índios, os Mbayá começaram
a cobrar-lhes passagem, com o que os Guaná concordaram.
(AGUIRRE, 1793, p. 469-510)
Outro estudioso contrapõe-se à afirmação de Aguirre, informando que os Terena
tornaram-se eqüestres, como seus “suseranos”, sem desviar sua orientação agrícola
(CARVALHO, 1979, p. 37). O cavalo lhes servia nas atividades guerreiras para a obtenção
de braços para suas lavouras, aumentando numericamente sua população, mesmo a partir
da miscigenação étnica. Por terem se tornado eqüestres suas relações com os suseranos
Mbayá eram mais de aliança do que de submissão. Por outro lado, os Mbayá, em função do
seu rígido controle de natalidade, tinham mecanismos de adoção-integração rápida dos
seus cativos/aliados.
21
A propósito dos Chané e do seu imbricamento interétnico com os Mbayá/Guaicurú,
Carvalho assim manifestou:
seu módulo cultural no século XVII, caracteriza-se por uma
mistura de elementos Chané-Aruaque próprios e Mbayá/Guaikuru.
Continuavam a ser cultivadores com o ethos de heróis culturais
gêmeos e sua irmã mítica, horticultora. Praticavam o mecanismo
regulador das metades endogâmicas e cerimoniais, não se tratando
de um princípio segregativo, mas distributivo, principalmente em
ocasiões que envolvessem o controle da aglomeração ou da
desordem potencial nas relações intergrupais. As metades
“sukirikiono” e “shumono”, procediam do mesmo tronco, de
“Yuriko-yuwakai”, (herói civilizador que tirou os Terena do fundo
da Terra), irmão da horticultora e essa dualidade implicava
rivalidade e etiqueta “provocativas” (..) Talvez pelo fato de serem
eqüestres, suas relações com os “dominadores” eram mais de
aliados subordinados do que vassalos plenos (CARVALHO, 1979,
p. 37-8)
Entretanto, a apropriação de elementos culturais por parte dos Mbayá também
ocorreu. Deu-se um duplo processo de “mbayazação/chaneização” dos povos Mbayá e
Guaná no período de suas estreitas relações. O melhor exemplo da chaneização foram os
Kadiwéu, que tornaram-se excelentes ceramistas e tecedores a exemplo dos Guaná.
A sujeição sócio-política dos Guaná/Chané, se bem que assumisse
caráter de subordinação retributiva, produziu novos aspectos na
cultura Mbayá: obtenção fácil dos bens de subsistência; novas
formas de estratificação etnossocial; afirmação da dominância
étnica e guerreira; certo impacto etnobiológico decorrente do
intercasamneto dos chefes e guerreiros Mbayá com mulheres
Chané. (..) os Cadiguegodi (Caduveo-Mbayá-Guaicuru) que se
tornaram excelentes ceramistas e tecedores. (CARVALHO, 1979,
p. 35)
Ainda a respeito das relações interétnicas dos Chané com outros povos, outra
estudiosa afirmou que obedeciam a três pautas básicas:
frente aos grupos culturalmente inferiores os Chané impunham-se
formando colônias e realizando ou uma integração gradual
utilizando estes povos como trabalhadores ou raptando suas
mulheres. Em outros casos, mantinham relações periféricas
amistosas com grupos com quem poderiam trocar, ou que
poderiam intermediar estas práticas, como os Payaguá. Já com
22
relação aos grupos guerreiros não ofereciam resistência,
sujeitando-se uma posição de submissão, como “status” de
“Niyolola” frente aos Mbayá. (SCHUCH, 1995, p.60).
Essas pautas culturais de contato remetem à compreensão das relações simbióticas
dos Terena com os Mbayá-Guaikuru, que era um grupo guerreiro, com os Chamacoco, aos
quais submeteram e com os Payaguá, com quem comercializavam. Remetem ainda, à
compreensão da facilidade que os seus subgrupos tiveram, amplamente visualizada nos
Terena, de incorporarem os hábitos, costumes culturais e discursos de outros grupos
étnicos. Por exemplo, dos espanhóis, ainda no Chaco, apropriaram-se, indiretamente, dos
instrumentos agricultáveis de metal. Dos Mbayá-Guaikuru, incorporaram, ao longo do seu
convívio, a estrutura organizacional de estratificação social e o cavalo enquanto montaria.
Enfim, os Terena sempre apresentaram-se como um povo re-sociabilizador, quando
convinha à sua sobrevivência física e cultural.
Ainda no Chaco, iniciaram relações estreitas com os Mbayá-Guaicuru que se
estenderam até os meados do século XVII. Entretanto, as relações entre os hispanos e os
índios cavaleiros sempre foram marcadas pela violência. Entretanto, estes,
Mbayá/Guaicurú, solicitaram redução aos espanhóis ou ainda, por sua vez, os espanhóis
tentaram reduzi-los. SCHUCH (1995) destacou uma primeira tentativa da parte dos
espanhó is que ocorreu por volta de 1609, ao mesmo tempo que reduziram os Guarani. Essa
redução foi dirigida pela terceira Missão da Companhia de Jesus, cuja incumbência era
converter os indígenas ao cristianismo e domesticá-los. A principal intenção da Coroa era
diminuir os ataques praticados por estes índios, abrir o trânsito para a comercialização no
espaço de Assunção-Peru e converter outras nações habitantes daquela região, das quais
algumas estavam sob o poder Guaicurú. (HERBERTS, 1998, p. 48)
Da parte dos Mbayá/Guaicurú, todas as tentativas espanholas foram vãs. Os
Guaicurú continuaram nômades, mantiveram suas práticas religiosas e desconsideraram a
prática do cultivo, por ser uma atividade dos cativos (Niyolola). Os missionários não
conseguiram estabelecer uma comunicação plausível, dada a complexidade do idioma
Mbayá e ainda conviveram com surtos de varíola que dizimaram muitos silvícolas. Da
parte dos índios Chané/Guaná, a etnohistoriadora, supracitada, destacou um pedido de
redução não atendido pelos espa nhóis por impedimento dos seus “suseranos”, por volta de
23
1760. Os Guaná/Chané ainda estavam sob a proteção dos Mbayá/Guaicurú. Os
Mbayá/Guaicurú temiam ser aquele o caminho da liberdade para os seus Niyolola
5
.
Perseguidos pelos espanhóis, os Guaicurú buscaram aliança com os portugueses
que também procuraram reduzi-los. O fim de seu apogeu étnico e o estreitamento de suas
áreas de atuação ocorreram somente em meados do século XVIII, quando a Coroa lusitana
organizou expedições punitivas que os ameaçaram e os seus antigos inimigos, os Lengua e
Enimagá, passaram a disputar suas terras, seus cavalos e seus cativos. A partir daí sua
relações com os Chané/Guaná entraram em declínio porque já não os supriam em suas
demandas. Segundo OLIVEIRA,
Em princípios do século XVII, para os Guaná a ida dos Guaikurú a
suas aldeias não era apenas útil, como ainda desejada. Eles
necessitavam de facas, machados e outras coisas mais, que
somente seus hóspedes podiam fornecer, graças aos assaltos que
efetuavam contra os espanhóis e portugueses. (OLIVEIRA, 1976,
p.33)
Com o avanço hispânico colonizador sobre o Chaco paraguaio, os conflitos com os
Mbayá-Guaikurú, “suseranos” dos Chané/Guaná, intensificaram-se. Segundo Assis
Carvalho (1979), as expedições militares espanholas perseguiram os Mbayá, em 1796, até
o rio Miranda, perto de Albuquerque, na província do Mato Grosso, território português.
Sobre a perseguição dos espanhóis, comentou-se que, conforme os colonos
espanhóis foram se interessando pelas terras do interior paraguaio e prosseguiram o
processo de colonização/invasão das terras indígenas, foram surgindo os conflitos também
com as tribos Chané/Guaná que optaram por migrar diante da superioridade hispânica.
(SCHUCH, 1995) Todavia, na margem oriental do rio Paraguai, defrontaram-se com outra
empresa colonizadora, a lusitana, enfrentando problemas análogos. Os Guaná
aproximaram-se dos portugueses porque o cerco estava se fechando. Seus antigos
“suseranos” enfrentavam as perseguições dos colonos espanhóis que abriam fazendas
Chaco adentro, no intuito de delimitar sua área de mobilidade. Pediram auxílio aos
soldados portugueses que se instalavam na região do Baixo Pantanal, através dos fortes, na
última década do século XVIII.
A referida autora informa, ainda, sobre dois movimentos feitos pelos Guaná em
busca da proteção portuguesa, contra os Guaicurú e os espanhóis. O primeiro foi em 1793,
quando cerca de 300 Guaná dirigiram-se ao Presídio de Coimbra e o segundo, em 1796,
5
No idioma dos Mbayá/Guaicurú o termo Niyolola significava o mesmo que cativo.
24
quando mais 500 solicitaram a proteção. Para os portugueses, depois do Tratado de Madri
(1750), era importante acolher índios amigos, pois necessitavam povoar a fronteira e
garantir a posse do território invadido. (SCHUCH, 1995, p. 55)
Entretanto, os Mbayá firmaram acordo de paz com os portugueses e contra os
espanhóis, no ano de 1791, solicitando redução missionária. Deslocaram-se para a margem
oriental do Rio Paraguai, mais precisamente entre os rios Miranda e Aquidauana, da
província do Mato Grosso, região que, no século XIX, passou a ser domínio brasileiro
(1822). Os Kadiwéu e os Terena migraram mais ou menos na mesma época para o sul do
Mato Grosso. Mas suas relações de aliança/dependência já haviam se deteriorado no século
passado. Desfazem-se, principalmente, pela falta de controle e segurança dos primeiros
sobre os outros, devido à mobilidade física/territorial adquirida pelos “índios cavaleiros”,
que alargaram suas incursões à banda oriental e devido a criação de outras necessidades.
Em fins do século XVII, as incursões dos Guaicurú perderam o caráter subsistencial e se
voltaram para a satisfação do prestígio social e do direito da propriedade despertados pela
acumulação. No entanto, reafirmavam a mesma existência tribal e perpetuavam a
socialização guerreira da juventude. (HERBERTS, 1998, p. 53)
O trecho que se segue faz referência à localização dos povos indígenas. De acordo
com as informações do Capitão de Fragata D. Juan Francisco Aguirre, cuja missão era
demarcar os limites entre as terras espanholas e portuguesas na América Meridional, os
Guaná, nos idos de 1793, já encontravam-se estabelecidos na margem oriental do rio
Paraguai e reduzidos pelos missionários católicos na parte setentrional da província
espanhola. AGUIRRE descreveu em seu relatório o número da população Guaná:
o número de Guaná em suas aldeias, segundo o presbítero D. Pedro
Dominguez, somado aos que o padre Bartolomé hospeda em sua
redução, era o seguinte: Nação Etelena conta aproximadamente
com 1.000 homens, Layana 500, Hechoaladis 1.000, Equiliquináos
600 e Neguacapatemi- 200. Em nota de rodapé a tradutora
acrescenta: À página 487 do artigo, a informação se completa: Os
Guaná somavam então 8.200 pessoas, das quais 3.300 homens.
(CARVALHO, 1985, p. 20).
Portanto, no final do século XVIII, início do século XIX, remanescentes, Kadiwéu
(Mbayá/Guaikuru) e Terena (Chané/Guaná), se estabeleceram nas proximidades do
município de Miranda até o rio Aquidauana, onde surgirá o Município com o mesmo nome
em 1892. SUSNIK (1978), enfatizou que com a dissolução das relações de
25
aliança/dependência dos Terena com os Mbayá, a orientação sócio-econômica Terena
passou a girar em torno de seus próprios líderes guerreiros, e o poder dos chefes das
metades assumiu importância residual. (p. 39). O fortalecimento do poder dos chefes
Terena predominará até a dissolução de suas aldeias na metade do século XIX, quando
eclodiu a Guerra do Paraguai.
Outra informação sobre a localização dos Terena, antes de 1864, chegou-nos
através do Visconde de TAUNAY, que esteve na região sul-matogrossense na condição de
militar do Exército brasileiro. Narrou em sua Retirada da Laguna que, às vésperas da
Guerra contra o Paraguai, os Terena estavam estabelecidos em Naxedaxe, a seis léguas da
vila de Miranda, no Ipegue a sete e meia, e na aldeia Grande a três. (TAUNAY, 1948, p.
267).
Por sua vez, BOGGIANI, comerciante italiano que esteve entre os Kadiwéu,
registrou que,
Como as expedições militares contra os Mbayá por parte dos
espanhóis continuaram (em 1796 e nos anos seguintes), os
Uatedéo, os Ejuco, os Cadiueo e outras hordas se transferiram dos
seus antigos pousos junto às colônias espanholas e especialmente
da vizinhança do forte Bourbon ou Olimpo, para o território de
Albuquerque, ao passo que aqueles do rio Mondego se puseram
sob a proteção do forte português de Miranda, construído para
defesa das supostas ameaças espanholas (BOGGIANI, 1945, p.
266)
Nos idos de 1850, chegaram a Cuiabá, capital da Província do Mato Grosso, os
missionários Capuchinhos italianos que substituiriam os Capuchinhos franceses na
evangelização dos índios do Baixo-Pantanal e na assistência aos não-índios situados na
região. O líder desta congregação na Província fora o Frei Mariano de Bagnaia, que ficou
conhecido como o missionário do Pantanal.
Logo após sua chegada, Frei Bagnaia embrenhou-se na região do Baixo-Pantanal,
contatando diretamente com os povos Chané-Guaná. Estes se situavam à margem do rio
Paraguai, ao longo dos rios Miranda e Aquidauana. Viviam em contato com os Guaicurú
com os quais assemelhavam-se na língua e nos costumes. O missionário do Pantanal, em
seus relatórios, descreveu seus cultivos-milho, mandioca, cana-de-açucar, algodão, etc;
seus costumes- cabelos compridos, chapéu de palha mexicano; suas armas de fogo; seu
26
ritual fúnebre de sepultamento em esteiras e sob um túmulo de madeira. (SGANZERLA,
1992, p. 238).
O principal objetivo deste missionário, que se tornou Diretor dos Índios em Mato
Grosso, pelo visto, era civilizar os índios e os regionais. Isto posto, porque a política
indigenista, no século XIX, não fora direcionada ape nas pelo Imperador e muito menos
pelos presidentes provinciais. Outros atores emergiram - os diretores de índios, capitães de
aldeias, missionários, fazendeiros, administradores locais e militares e interferiram,
muitas vezes, direta ou indiretamente no processo. Criaram-se momentos de
incompatibilidade entre o poder central e os poderes locais (VASCONCELOS, 1999, p.
57). Então, em muitas ocasiões, Bagnaia classificaria os regionais como mais primitivos do
que os próprios silvícolas. É que à época, segunda metade do século XIX, civilizar
significava ocupar, ordenar e controlar os espaços geográficos, dentro da ótica das relações
sociais capitalistas. Significava exterminar a selvageria e aí eram incluídos os indígenas e o
meio em que viviam - as florestas e as formas tradicionais de vida de seus habitantes. Por
fim, civilizar significava destruir as sociedades indígenas tidas como inferiores e implantar
uma outra considerada superior. (ZORZATO, 1998, p. 185)
Os missionários católicos (capuchinhos italianos) desenvolveram a evangelização
entre os regionais e os indígenas. Construíram capelas em todos os núcleos populacionais
existentes no entorno de Miranda. Entre os Chané -Guaná introduziram a cristianização.
Por volta de 1859, realizaram contato com os Terena e fundaram a capela de São Francisco
de Assis, considerada por Bagnaia como uma das mais prósperas. Em pouco tempo os
Capuchinhos realizaram muitos batizados e casamentos na região, principalmente entre os
indígenas. Os missionários italianos prosseguiram com a catequese/civilização, por mais
cinco anos, quando foram interrompidos pela invasão paraguaia que destruiu Miranda e
muitas aldeias circunvizinhas. Terminada a Guerra em 1870, Frei Bagnaia, vitima direta do
conflito, não mais retornou a Miranda e nem aos índios da região. Retornou ao Baixo-
Pantanal para instalar-se em Corumbá. (SGANZERLA, 1992) Portanto, a primeira
experiência cristã documentada foi desenvolvida por uma das ordens católicas dirigida
pelo Frei Mariano de Bagnaia.
Os Terena que experimentaram grandes perdas no conflito platino,
historiográficamente conhecido como a Guerra do Paraguai (1864-70), entre Brasil,
Argentina e Uruguai contra o Paraguai, cujo principal motor foi a abertura da navegação a
essas nações, permaneceram distribuídos em suas aldeias, localizadas ao longo das
margens dos rios Miranda e Aquidauana. Entretanto, mesmo que a convivência direta com
27
os missionários tenha sido de curta duração, os Terena apropriaram-se da identidade de
“cristãos; provavelmente, porque se aperceberam que esse título era o passaporte de
“civilizado” reconhecido pelos colonizadores da sociedade brasileira. Apresentar-se como
cristão era uma forma de ser aceito melhor pela sociedade envolvente. Para eles ser cristão
significava ser civilizado.
Com a eclosão do conflito, as forças brasileiras buscaram reforços entre os índios
da região. Alguns responderam prontamente; os Terena relutaram, ficaram distantes, mas
finalmente não acharam outra maneira naquele momento para defender suas terras.
Partic iparam efetivamente da Guerra (1864-70) ao lado do exército brasileiro e de outros
grupos étnicos, a exemplo dos Mbayá-Guaicurú e dos Layana (Chané/Guaná).
Acreditavam que lutando efetivamente, estariam assegurando a posse de suas aldeias já
formadas naquela região. Ao fim do conflito, presenciaram além da destruição das aldeias
a usurpação de suas terras pelos fazendeiros.
Alguns dos usurpadores foram os próprios soldados que resolveram permanecer
naquela região ao invés de regressar às terras natais. Outros invasores foram os imigrantes
paraguaios, que adentraram às fronteiras brasileiras na expectativa de melhorar suas
condições de vida, já que seu país estava completamente destruído. Os demais povoadores
foram os fazendeiros que vindos de outras regiões, atendendo o chamado de povoamento
do Estado brasileiro, buscavam melhores pastagens para seu gado, riquezas minerais do
sertão do Brasil e o preenchimento dos espaços vazios do sul de Mato Grosso.
Contudo, o conflito platino marcou profundamente a memória tribal Terena, ao
ponto de um renomado antropólogo enfatizar que
esse conflito representou, além de um fator ponderável à
mobilidade dos Terena, uma experiência que ficou gravada
profundamente na memória tribal, constituindo-se, pode-se dizer,
na fase heróica de um povo pacífico por natureza; proporcionou-
lhes uma tomada de consciência de seus direitos sobre o território
que ocupam (..) Resgata a autoconsciência que os Terena têm de
sua história. (OLIVEIRA, 1976, p. 59-60).
Foi justamente nessa época de pós-guerra, que o sul do Mato Grosso passou a ser
sistematicamente colonizado e que os Terena não conseguiram mais se isolar dos
contatos diretos com os regionais. Essa colonização, no entanto, não se originou da
guerra em si, mas da necessidade do Império brasileiro de proteger suas fronteiras,
ocupando-as e explorando-as segundo uma formação social diferenciada daquela até
28
então praticada pelos indígenas. Os Terena foram aliciados para trabalhar em condições
desumanas, sendo profundamente explorados como força-de-trabalho. (SIMONIAN,
Apud Revista Terra Indígena, 1988, p. 11)
Alguns soldados dessa etnia receberam condecorações, patentes e uniformes
militares, mas poucos retornaram as suas antigas aldeias. E quando retornaram tiveram de
reconstruí-las e protegê-las dos usurpadores colonizadores. A maioria dos Terena
esparramou-se pelas recém-criadas fazendas de gado. Exímios cavaleiros e agricultores
conseguiram facilmente empregar sua mão-de-obra da qual os fazendeiros precisavam,
naquela região desassist ida de mão-de-obra escrava negra. Esta era caríssima, devido às
condições de transporte. Portanto, só lhes restava contratar os Terena, que não eram
folgazões e necessitavam empregar sua força de trabalho em troca da sobrevivência física.
Richard ROHDE, pesquisador alemão que dirigiu uma missão científica pelo
Museu de Berlim nos anos de 1883-84 e que esteve entre os Terena, após o conflito
mencionado, informou a localização destes a oeste da cidade brasileira de Miranda até a
fronteira boliviana. A primeira aldeia dista 2 léguas, a última aproximadamente 12-14
léguas da referida cidade. (ROHDE, s.d., p. 11)
O pesquisador forneceu outras notícias sobre os Terena, no final do século XIX.
Trata-se de uma descrição pormenorizada daquele período. Descreve suas características
físicas, sua identificação enquanto cristãos, a disposição interna de suas casas e utensílios,
sua organização política e econômica, seus trajes cotidianos e de festas, sua alimentação,
seu artesanato, suas festas. Enfim, fornece um painel geral sobre seu modus vivendi.
Destacou, também, um aspecto da religiosidade Terena que entendeu como dissociado da
práxis da sociedade:
Os Terenos consideram-se cristãos, apesar de não terem nenhuma
noção das crenças cristãs. As suas crianças não são batizadas nem
abençoadas, e eles não conhecem as nossas festas cristãs. Nunca vi
um Tereno rezar, e nenhum tinha um rosário, objeto que aqui
funciona como indicação principal do credo católico. Eles são
muito fiéis às suas tradições e rezam ainda, como os seus
ancestrais, para as estrelas. (ROHDE, 1885, p. 11)
Na verdade, a cultura tradicional Terena sempre fora impregnada de
religiosidades. Ainda no Chaco paraguaio, acreditavam num ser superior criador do
mundo. Explicavam sua origem através de suas mitologias. Dedicavam seus cultos
cerimoniais aos mortos e à prática de boas colheitas. O Koixomuneti ou médico-feiticeiro
29
era o dirigente dos rituais mágico-religiosos e dos demais aspectos do cerimonial. Sua
principal festa era o orehokoti, quando as Plêiades apareciam no céu, a época que
coincidia com a Semana Santa católica. Nessa festa, ao final das cerimônias xamanísticas,
os Terena se dividiam em dois grupos que se hostilizavam e lutavam. ALTENFELDER
SILVA (1948) nomeia esses grupos de “calmo” e “bravo” e menciona uma certa
superioridade do segundo sobre o primeiro. OLIVEIRA (1976) só verificou essa
superioridade de uma metade sobre a outra nas manifestações cerimoniais e diz não ter
encontrado correspondência na ordem social ou política. Descreve assim o caráter dual da
tradicional sociedade Terena:
Briga, astúcia e malícia, de um lado, paz, seriedade e paciência, de
outro lado, são alguns dos atributos conferidos às metades e por
meio dos quais assume a sociedade Terêna o seu caráter dual (...) o
dualismo corta a sociedade em diferentes níveis no mitológico,
no cerimonial e no social conferindo-lhe, não obstante, a mesma
e indiscutível unidade inerente ao herói civilizador, ainda que
cortado em dois (OLIVEIRA, 1976, p. 191)
Os Koixomuneti, xamãs ou médicos-feiticeiros eram importantíssimos para os
Terena. Estes acreditavam que os assuntos humanos eram diretamente influenciados pelo
mundo dos espíritos (ALTENFELDER SILVA, 1948, p. 271). Os xamãs sabiam como
protegê-los contra os espíritos, através de ritos mágicos e também podiam obter a ajuda
desses mesmos espíritos quando precisassem. Acreditavam que os espíritos dos mortos
podiam voltar, então de tudo faziam para que não encontrassem o caminho de volta.
Quando doentes, consultavam o médico-feiticeiro. Temiam o xamã porque este podia tanto
curar como colocar a doença através da magia negra. O xamã participava na assistência às
caçadas, pescarias e guerras, selecionava e treinava seus aprendizes, organizava festas,
enfim, estava presente em todos os níveis de vida do povo Terena.
Interessante é que a auto-identificação enquanto cristão, mencionada por Rohde,
deve ter sido estimulada pelos frades capuchinhos italianos que vieram em substituição aos
frades franceses, sob a direção do Frei Mariano de Bagnaia (1859-64) e que estiveram
entre os Terena antes da passagem de Rohde. Como o visitante percebeu, a auto-
identificação como cristão não tinha correspondência na prática religiosa indígena, o que
nos permite afirmar tratar-se mais de uma percepção de conveniência do que um fato.
30
Esta característica de dualidade da sociedade Terena aparentemente manifesta-se
até na atualidade com as divisões religiosas destes em “católicos” e “crentes”. Parece ser
uma necessidade cultural esse aspecto dualístico, nem que seja em outras manifestações
que não sejam, como tradicionalmente, no casamento ou nos níveis de representatividade
sócio-político.
O esparramo
6
estabeleceu o período de cativeiro indígena, que vai estender-se até a
formação das reservas federais, demarcadas e/ou homologadas pelo Serviço de Proteção ao
Índio (1910). Esse período foi marcado pela agressividade e violência dos fazendeiros
sobre a população indígena aldeada e desaldeada. Nas aldeias viviam em constante
suspense. Ora eram atacadas e queimadas suas casas, ora suas roças eram sumariamente
destruídas pelo gado bovino. (OLIVEIRA, 1976, p. 89) Entretanto, a etnia Terena foi a que
mais contribuiu no processo de povoamento do sudoeste brasileiro. Produziu bens de
consumo para os regionais, foi mão-de-obra nas fazendas de criação de gado, na
construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e na construção das linhas telegráficas
da região. (CARVALHO, 1992, p. 471) Toda essa situação foi assistida pela Política
Indigenista vigente até fins do século XIX. Sua principal preocupação era no sentido da
pacificação/civilização dos grupos tribais desta região e de seu aliciamento às lutas que se
travavam com os espanhóis ou, mesmo, sua neutralização. Além dessa orientação política
geral no que diz respeito à pacificação/civilização dos povos indígenas, o governo imperial
transferira muitas vezes esta tarefa aos missionários católicos.
Na região estudada, após a Guerra, somente os Terena do grupo Chané/Guaná e os
Kadiwéu, do grupo Mbayá/Guaikuru, sobreviveram enquanto grupos étnicos. Alguns
remanescentes de outros grupos desses troncos lingüísticos que acompanharam essas etnias
sobreviveram, miscigenando-se com os grupos hegemônicos. É o caso dos Kinikinao, do
tronco Chané/Guaná, que vivem entre os Terena.
Somente no século XX os Terena despertaram o interesse dos pesquisadores.
Foram estudados primeiramente pelos antropólogos. Debruçaram-se inicialmente, na
década de 40, Altenfelder (1948) e Oberg (1949); posteriormente nas de 50 e 60 foi a vez
de Oliveira (1976, 1968) e nas décadas finais outros como Carvalho (1979), Carvalho
(1996), Aççolini (1996) entre alguns outros compõem um número mais expressivo.
Portanto, Altenfelder, cujo trabalho é sobre a aldeia de Bananal, pertencente a área
6
Esparramo foi um conceito utilizado por BRAND (1997) retirado do vocabulário dos próprios Guarani, para
caracterizar uma situação de desterritorialização deste povo. Neste texto, caracteriza a condição dos Terena
desaldeados após a guerra do Paraguai, que permaneceram destribalizados e esparramados pelas fazendas que
se constituíram na segunda metade do século XIX.
31
indígena de Taunay/Ipegue- Aquidaunana-MS, é leitura obrigatória para aqueles que se
interessarem por essa etnia. Seu trabalho pode ser tratado como um clássico do século XX
sobre a história Terena. Seu objetivo era analisar as mudanças culturais vivenciadas pelos
Terena após a Guerra do Paraguai, quando os contatos com os regionais passaram a ser
freqüentes. Esteve entre os Terena por duas vezes. Uma semana em junho de 1946 e de
dezembro deste ano a fevereiro de 1947. Ressaltou o envolvimento das aldeias Terena
pelas fazendas de gado; o aumento da dependência dos indígenas dos administradores
fazendeiros e dos centros comerciais das cidades; a presença da mão-de-obra indígena nos
projetos de povoamento e ligação do Mato Grosso aos principais centros comerciais da
região sudeste (RJ E SP): construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e das Linhas
Telegráficas; descreveu a interferência direta das fazendas e fazendeiros na vida
econômica e social das aldeias; referiu-se ao despovoamento das aldeias por causa dos
freqüentes ataques do gado das fazendas circunvizinhas às roças; os reclames constantes
pelos índios da situação de cativeiro a Rondom (militar a serviço do Brasil na fase do
Império e depois da República) e, por fim, mencionou o estabelecimento dos protestantes
anglo-norte-americanos em Bananal, como fatores convergentes destas mudanças.
O autor supracitado registrou que terminada a Guerra, os contatos desses
indígenas com os regionais e o exército brasileiro estreitaram-se sem retorno. Nas
fazendas, mesmo em regime de cativeiro, os índios apropriaram-se das técnicas de
produção e criação dos purutuya (brancos), das práticas de comercialização, dos
casamentos religiosos e monogâmicos realizados pelos padres católicos que assistiam
religiosamente as capelas espalhadas pela região, enfim, iam adotando aspectos da cultura
brasileira. Esta apropriação pôde ser percebida por DUROURE, que narrou a passagem
da Missão Salesiana no sul de Mato Grosso, no final do século XIX. Este biógrafo de
Dom Bosco, comentando a estadia desta missão em uma fazenda situada entre Nioaque e
Aquidauana destacou o encontro do missionário com índios Terena que viviam na
fazenda e a cena de um casamento Terena, que reproduziam o comportamento dos
purutuya.
Nioaque, cidade fronteira, agasalha gente de várias nacionalidades;
(..)Durante toda a sua permanência, o padre esforça-se para semear
nas almas e espírito de compreensão, o perdão das injúrias, o amor
aos outros, sem grande resultado, infelizmente. Em outubro o padre
deixa Nioaque. A cidade em peso o espera nas margens do rio
Urumbeva para despedir-se dele e receber a última bênção. Viaja o
dia todo em companhia dos catequistas e do sr. Anastácio
Vincenzo, dono de uma lancha a vapor em Corumbá. À noite,
32
apenas hospedados numa casa, rebenta um terrível furacão.
Relâmpagos, trovões, chuva pesada perturbam o sono durante a
maior parte do tempo. De manhã, o padre celebra a santa missa,
batiza sete criança e assiste a um casamento de índios terenos. E
seguem para a frente. (DUROURE, 1977, p. 160)
Entretanto, esta foi a situação dos Terena desaldeados e esparramados. Aqueles que
conseguiram retornar e reorganizar suas aldeias passam a comercializar seus produtos
(farinha, rapadura, mandioca, milho, etc.), no comércio regional (Miranda, Taunay e outros
povoados próximos), afim de complementarem sua renda. Todavia, permaneceram
identificando-se com os demais indígenas, mesmo porque, os agrupamentos brasileiros não
os aceitavam como iguais e os tratavam como inferiores. (ALTENFELDER SILVA, 1948)
Há necessidade de se fazer uma breve digressão sobre a história do SPI (Serviço de
proteção ao Índio-1910), para compreender o seu papel enquanto órgão governamental
diretor da política oficial do Estado. Observou-se historicamente que, proclamada a
República (1889), o Brasil continuou a fortalecer suas fronteiras, povoando todo o
território, além de adequar-se ao movimento de modernização pelo qual estavam passando
os países europeus. O Marechal Cândido Mariano Rondom, veterano do Exército
brasileiro, responsável pela implantação da rede telegráfica que ligou os confins do sertão
mato-grossense aos centros comerciais brasileiros (Rio de Janeiro e São Paulo), foi
escolhido pelos republicanos para resolver os conflitos que obstruíam o progresso do
Estado brasileiro e desprotegiam suas fronteiras territoriais. (GAGLIARDI, 1989)
A Missão rondoniana foi duplamente utilizada como veículo de
comunicação/reivindicação entre os índios do sul de Mato Grosso e o governo republicano.
O Estado criou as condições objetivas para a comunicação nacional e ajeitou a vida dos
indígenas, liberando as terras devolutas para os empreendedores do povoamento e do
progresso do Mato Grosso. Ajeitou a situação, conforme as necessidades e interesses do
Estado brasileiro. Entretanto, denunciou os maus tratos e a falta de urbanidade dos
fazendeiros para com os trabalhadores indígenas. Sua voz somada às vozes de outros
militares, intelectuais, indianistas, religiosos católicos, entre outros colaboradores, ecoou
nos altos escalões do governo que, intencionando moldar um Brasil moderno, criou o SPI
(1910) para desenvolver a política indigenista republicana. Essa política era norteada da
idéia de que, mais cedo ou mais tarde, os índios extinguiriam-se pelo extermínio ou pela
assimilação.
Ao SPI, portanto, competia aglutinar os indígenas e os não-índios, na categoria de
trabalhadores nacionais e organizá-los enquanto mão-de-obra rural. Esta foi uma estratégia
33
de povoamento da República. Inclusive a primeira sigla do Serviço de Proteção era
SPILTN (Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais) e o
órgão estava vinculado ao Ministério da Agricultura. Posteriormente, em 1918, os
trabalhadores nacionais são desvinculados do Serviço de Proteção ao Índio.
Nessa conjuntura de modernização do Estado brasileiro, portanto, a questão
indígena também requereu um olhar específico. A orientação política no início do século
XX, ainda era a de assimilação e, portanto, competia ao SPI criar condições para que,
gradualmente, os índios fossem abrasileirando-se, na condição de trabalhadores nacionais.
As autoridades republicanas, diferentemente das autoridades da Colônia e do Império,
criaram uma política indigenista de cunho assistencialista, por mais precária que fosse.
O SPI não foi criado somente para proteger os índios. Além dos índios, sua tarefa
abrangia a fixação da mão-de-obra rural não estrangeira no campo, através de um sistema
de controle do acesso à propriedade e treinamento técnico, efetivado por meio de unidades
de ação denominadas centros agrícolas. Mesmo separando-se, em 1918, o setor de
localização dos trabalhadores nacionais do SPI, a intenção de transformar os índios em
pequenos produtores rurais capazes de se auto-sustentarem, apesar de distintas visões do
ser indígena terem dado ensejo a diferentes construções discursivas, persistiu. (LIMA,
1992, p. 156-9)
Todavia, em 1928, um regime jurídico especial para os índios se materializaria
através da lei n.º 5484/28 e pela primeira vez se instituiu legalmente o termo índio e
institucionalizou-se a tutela do Estado sobre o genérico status de índio. A efetivação da
posse indígena sobre a terra foi tratada caso a caso entre a União e suas unidades
federadas. Cada Reserva foi resultado de uma maior ou menor margem de barganhas e
conchavos. Neste momento, nenhuma repercussão favorável aos povos indígenas foi
vislumbrada. O novo termo jurídico era utilizado para diluir as diferenças entre os índios
do Brasil. Entretanto a partir da década de 70, esse termo, antes tido como genérico,
assumiu o caráter, para os povos indígenas, de categoria mobilizadora em torno dos pontos
comuns a todos eles. Uniram-se, principalmente, ao redor da bandeira da recuperação da
terra indígena.
Outro estudioso do SPI afirmou que para esse momento, o slogan de Rondom
atrair e pacificar que conotava uma atenção especial aos índios, significava
essencialmente,
34
conquistar terras sem destruir os ocupantes indígenas, obtendo,
assim, a mão-de-obra necessária à execução dos ideais de Couto
Magalhães, de desbravamento e preparação das terras não
colonizadas (para uma posterior ocupação definitiva por brancos),
por meio de populações “aclimatadas” aos trópicos. Realizar-se-ia
o duplo movimento de conhecimento-apossamento dos espaços
grafados como desconhecidos nos mapas da época, e a
transformação do índio em trabalhador nacional. (LIMA, 1992,
p. 160-1)
Outra peça da legislação reforçadora dessa política de abrasileiramento dos índios
foi o Regulamento de 1936. Este fixa o monopólio do governo sobre a ação protecionista
em áreas de fronteira e reforça a permanência das missões evangélicas estrangeiras que se
encontrassem estabelecidas entre povos indígenas, anteriormente à publicação, enquanto o
Estado julgasse necessário. Para os objetivos deste trabalho, é importante assinalar que esta
Lei trata da presença de missões evangélicas entre os povos indígenas. No seu Artigo de
n.° 44 e § 1º, dispõe:
Nas zonas de fronteira e sertões despoliciados do Brasil, só
brasileiros natos poderão exercer função de natureza educativa e de
caráter nacional junto aos índios.
§1º As pessoas e associações estrangeiras que aí já se encontram
estabelecidas, com a missão de catequizar ou educar os índios,
poderão permanecer no mesmo local o tempo necessário a juízo do
Governo, observadas as garantias asseguradas aos índios pela
Constituição e leis vigentes. (LIMA , 1992, p. 166)
Desse modo, no tocante aos Terena, assegurou-se à South American Indian
Mission, (SAIM), o direito de permanecer entre estes índios, fato que ocorria desde 1925.
As Reservas Terena e a presença protestante
A partir de 1904, as Reservas Terena começaram a ser definidas, a Estrada de Ferro
NOB/RFFSA encontrava-se em construção e as redes de Linhas Telegráficas rondonianas
estavam por se encontrar: eram sinais de que a República Federativa tinha dado passos
importantes e imprescindíveis para modernizar o Brasil e enquadrá-lo no cenário
internacional como uma nação em desenvolvimento. Outras medidas foram tomadas para a
modernização do país, de acordo com os princípios positivistas. Dentre elas destacou-se a
35
laicização das instituições do Estado, o que significava a separação definitiva da Igreja
Católica enquanto religião oficial do Estado brasileiro.
O órgão protetor executou o confinamento dos Terena. Por um lado, a criação das
Reservas, naquele momento específico, foi necessária para os Terena e para o Governo
brasileiro. Para os indígenas foi legitimado um espaço que consideravam seu, por menor
que fosse e para o Estado resolvia momentaneamente o problema com os índios,
considerados obstáculos ao progresso. Por outro lado, com o crescimento populacional
indígena, verificou-se a inviabilização da sobrevivência Terena, naquela área restrita onde
dependiam somente do cultivo do solo. Então, as próprias condições de produção da
sobrevivência os compeliu a complementar suas necessidades vendendo sua força de
trabalho fora da reserva. Isso, porque a demanda de necessidades, criada pela sociedade
envolvente, era muito superior às condições de consumo proporcionadas pelas relações de
produção dentro das aldeias.
A mobilidade dos Terena, inter-reservas, fora observável quando verificavam
melhores condições de trabalho e maiores facilidades oferecidas por aquelas aldeias mais
próximas dos centros urbanos. Sem condições de produzir a sobrevivência nas aldeias, a
maioria da população masculina era impelida da área indígena para o mercado de trabalho
regional. O antropólogo Roberto Cardoso de oliveira finalizou sua análise afirmando que:
Os Terêna que trabalham fora da Reserva jamais conseguem economizar o suficiente para
investir em bens, como gado ou maquinaria e, nem mesmo, conseguem qualquer
poupança. (OLIVEIRA, 1976, p. 74).
Com a conformação das Reservas indígenas, os Terena foram convocados pela
Missão Rondoniana e depois pelo SPI, para povoá-las. Neste momento de reorganização
e retribalização, os indígenas estavam vivendo um processo de reacomodação local.
Havia entre as famílias que se reagrupavam muitas diferenças que garantiriam a partir
daquele momento uma formação heterogênea dentro de cada área. Isto porque no
processo de realdeamento, cada indivíduo, ou cada família, levara consigo o acúmulo de
décadas de experiências de contato com os regionais. OLIVEIRA observou que alguns
índios ricos contribuíram em muito para quebrar o equilíbrio econômico dentro de
algumas aldeias, através da introdução do comércio e do emprego de mão-de-obra
assalariada. Estes tinham tido contato estreito com o mercado regional e quando surgiu a
oportunidade de ter sua própria terra decidiram instalar-se nas Reservas. Como já tinham
algum patrimônio, fora mais fácil organizar seus roçados e assegurar suas posses. Estes
eram os únicos Terena que conseguiam viver exclusivamente da renda da aldeia. O
36
antropólogo afirmou, a partir da realidade da aldeia Cachoeirinha, que considerava essas
experiências importantes, para despertar os demais indígenas para a existência do
mercado regional porém, as via como fator de desequilíbrio econômico dentro da
sociedade.
foram importantes essas experiências para o nascimento de uma
mentalidade mercantil, praticamente inexistente em Cachoeirinha.
Um dos resultados mais imediatos é o emprego de índios no núcleo
central nas “fazendas” do Capão, notadamente no ambicioso
Terêna, Lúcio Souza, antigo trabalhador da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil, e ex-proprietário... (OLIVEIRA, 1976, p. 89)
As reservas transformaram-se em depósitos abundantes de mão-de-obra e não
corresponderam às necessidades de sobrevivência cultural e física das famílias. Não
resolveram os problemas dos índios em relação à exploração da mão-de-obra indígena
pelos fazendeiros. Provavelmente, nem era essa a meta do governo, pois pretendia liberar o
território, pela via política, para a penetração do progresso e da civilização. (LIMA, 1992)
Com relação à secularização institucional, os republicanos positivistas desferiram o
golpe separatista contra a Igreja Católica brasileira através da Constituição de 1890, que
reconheceu a liberdade religiosa no Brasil. Acirrou-se, porém, o movimento que ficou
conhecido como a Questão Religiosa que já havia se iniciado na segunda metade do século
XIX.
A Questão Religiosa foi um movimento de todas as forças contrárias ao
conservadorismo e ultramontanismo da Igreja Católica num país técnica-educacionalmente
atrasado. Essas forças contrárias manifestaram-se no galicanismo, jansenismo, liberalismo,
maçonaria, deísmo e protestantismo, favoravelmente a liberdade religiosa no Brasil. Essa
querela do Estado brasileiro contra o absolutismo universalista da Igreja Católica
manifestou-se concretamente nas leis e na conformação das forças políticas dentro do
governo republicano. O poder secular materializou seus ideais positivistas, a partir das
seguintes iniciativas: instituição da obrigatoriedade do casamento civil, facultando o
casamento religioso, assumiu os registros de nascimentos e óbitos, assumiu a direção e
zelo pelos cemitérios, entre outros. (VIEIRA, 1980)
No tocante à política indigenista, durante toda a existência do SPI (1910-67),
prevaleceu uma orientação assimilacionista, preocupa da em pacificar os grupos tribais,
convertê-los em fronteiras vivas ou neutralizá-los mediante as disputas por territórios
37
conquistados. Legalmente, o Estado tentou laicizar a política indigenista republicana. Mas,
muitas vezes facilitou e permitiu, na prática, as missões cristãs (católicas e protestantes),
desenvolverem medidas assistenciais e religiosas.
Em 1912, após a criação do Serviço de Proteção e os rearranjos nas reservas, os
Terena de Bananal e Ipegue
7
, receberam a visita de alguns missionários da ISAMU (Inland
South American Mission Union), que deslocando-se de Conceptión/Paraguai, vinham
conhecer Bananal e sua população, na intenção de propor o trabalho missionário entre
esses índios. A partir de algumas pistas sugeridas por GALLOIS e GRUPIONI (1999), em
seu texto O índio na Missão Novas Tribos, deduziu-se que, provavelmente, a ISAMU seja
caudal do movimento de renovação que sacudiu o protestantismo clássico dos Estados
Unidos, na primeira metade do século XIX, cujo objetivo era a cristianização do mundo.
Esse movimento, de cunho fundamentalista, tinha como meta para as missões-de-fé tornar
todos os crentes iguais e para tanto era necessário civilizar os povos tribais.
Essas missões espalharam-se pelo mundo não-ocidental, com a perspectiva de
atingir os não-alcançados, até a última tribo. Segundo GALLOIS, sua meta era defender a
cultura americana contra a onda do ecumenismo ocidental. Assim comenta,
A revista Brown Gold reitera, ano após ano, imagens de combate,
nas ilustrações e nos textos de suas contracapas, representando os
missionários como soldados e os nativos como brutas-feras. (..)
Esse traço marcante do fundamentalismo deve ser ressaltado mais
uma vez, pois é para a defesa da cultura norte-americana,
“ameaçada” pelo ecumenismo, que surgem as missões de fé e
especialmente a NTM.. (GALLOIS e GRUPIONI, 1999, p. 92)
Rubem ALVES (1981) classificou o protestantismo estabelecido no Brasil no início
do século XIX, como de imigração e de invasão. Considerou como de imigração aquele
trazido pelas colônias de imigrantes e restrito a elas. Já o protestantismo de invasão vindo
dos Estados Unidos não tratava de criar um espaço cultural para uma população de
imigrantes, mas de invadir a cultura dos nativos para convertê-los a uma fé.(ALVES,
1981, p. 130). Os norte-americanos pretendiam desenvolver o proselitismo e a
evangelização entre os povos indígenas no Brasil. Para justificar sua presença num país
considerado cristianizado, mesmo que fosse pelo credo católico, os missionários norte-
americanos definiriam o catolicismo brasileiro como paganismo, a partir de um olhar
7
No final deste capítulo estão anexados os Mapas das atuais aldeias Terena do Mato Grosso do Sul, da Sede
da Missão SAIM em Cuiabá/Mato Grosso e das Aldeias Terena sob a influência da SAIM até 1993.
38
estereotipado. Dessa forma, necessária era a evangelização proselitista que objetivava
ganhar almas perdidas para Cristo. (ALVES, 1981, p.130-1)
Desta feita, a Igreja Católica reagiu com intolerância e perseguição aos proselitistas
que passaram a canalizar suas energias na linha da polêmica, sem nenhum avanço no
campo da produção teológica. Por sua vez, o pensamento protestante até meados do século
passado (XX) foi marcado por um quadro de azedume polêmico e foi dentro desse quadro
polêmico que vai estabelecer-se, na aldeia Bananal, no sul de Mato Grosso, a Missão
anglo-norte-americana.
As duas primeiras décadas da presença dos protestantes na área de Taunay/Ipegue
foram extremamente conflituosas, acarretando a expulsão da Missão ISAMU da Aldeia de
Bananal. As motivações desses conflitos serão explicitadas no próximo sub-item. Segundo
pistas, deixadas por outros estudiosos das religiões indígenas, os protestantes norte-
americanos no Brasil pretendiam-se os regeneradores da ordem social, através do
Protestantismo ético. Sua prática assistencialista gerou a criação de escolas e hospitais. Um
desses estudiosos caracterizou os protestantes dentro do que denominou limites rigorosos
do racional, do próprio e do recomendável.
De um lado, o cultivo dos valores familiares, abençoados por um
patriarcalismo benigno, protetor da fidelidade conjugal, da
educação dos filhos, da ordem hierárquica que liga a mãe ao pai,
cabeça da família, e ambos aos filhos. Do outro lado, valores
pequeno-burgueses, tão próprios dos homens quase pobres e que
desejam subir na vida: o esforço individual, o trabalho árduo, a
disciplina pessoal, a economia sistemática das sobras do trabalho, a
rejeição de toda e qualquer forma de esbanjamento irresponsável
com a bebida, o fumo e o jogo, o amor à limpeza, à honestidade
base de todo e qualquer contrato social, a obediência às
autoridades, garantia dos direitos de cada um. (ALVES, 1981, p.
128).
Após a chegada da ISAMU entre os Terena, realizou-se o Congresso do Panamá
(1916), para tratar da América enquanto fronteira missionária protestante. Esse Congresso
aconteceu à revelia das decisões tomadas na Conferência de Edimburgo (1910), cujos
participantes deliberaram que não se fazia necessária a evangelização de uma nação já
considerada católica. ... em oposição à penetração missionária na Ásia e na África, aqui os
protestantes abriam caminho em meio a outros que se diziam também cristãos. (ALVES,
1981, p. 131). Esse evento com certeza justificou a permanência da ISAMU entre os
Terena.
39
As demandas Terena e os interesses proselitistas da ISAMU e depois da
SAIM
Os protestantes chegaram na primeira década do século XX. Naquele momento os
Terena estavam ainda se reorganizando em suas áreas e tinham, provavelmente, diversas
necessidades. Com a visita da Missão ISAMU em 1912, algumas portas se abriam para
aquela etnia. Para os Terena a Missão representava uma agência assistencialista que
supriria em parte suas demandas, principalmente a demanda da educação. Para a Missão,
os indígenas eram o alvo por onde ela poderia começar o processo de evangelização no
Brasil.
Ambos os atores sociais tinham motivos para se recepcionar com muita festa.
Trataram de firmar um acordo de assistência. Os Terena organizariam as casas para os
missionários e o local onde funcionaria a escola em Bananal. Os missionários voltariam à
sede da entidade e viabilizariam as condições para voltarem no ano seguinte e estabelecer-
se na aldeia. Mais de cinco décadas depois, um inglês
8
relatou como se deram os primeiros
contatos inter-religiosos com os Terena:
No ano de 1912 Sr. John Hay, então diretor do ISAMU, e eu,
fizemos uma viagem de reconhecimento, visitando muitas das
aldeias dos índios Terena, a fim de colher conhecimento do campo
e ver a possibilidade de abrir trabalho aí. Viajamos a cavalo de
Concepção, Paraguai, passando uns dois meses em viagem,
Bananal era ponto principal do nosso interesse, e lá como em
Ipegue e as outras aldeias visitadas, fomos cordialmente recebidos.
(CARTA
9
, 1963, p. 1-2).
Entretanto, muitas coisas se modificariam no retorno dos missionários, no ano
seguinte. A cordialidade Terena já não fora mais sentida pelos missionários que ficaram
mais de uma semana negociando com o Serviço de Proteção para poder sequer adentrar à
8
É importante lembrar que a primeira Missão transcultural protestante, a ISAMU (Inland South American
Mission Union), era composta por norte-americanos e ingleses e somente a partir de 1925 permaneceram
entre os Terena “crentes” os missionários norte-americanos da SAIM.
9
Provavelmente, a pedido das lideranças Terena crentes, o Diretor da SAIM (South American Indian
Mission), Sr. Buckman, escreveu ao Sr. Henrique Winttington, na Inglaterra, solicitando um relato dos seus
primeiros contatos com os indígenas de Bananal. Em 1963, recebeu a carta-resposta, que foi traduzida do
inglês para o português, decerto pelo próprio destinatário. Esta Carta, ou a cópia dela, estava em posse do Sr.
Adalberto França Dias, ancião da I.E. de Anastácio, que gentilmente franqueou uma cópia para o acervo de
documentação desta pesquisa.
40
área. Na Carta, fica evidente que os Terena já haviam conseguido junto ao SPI um
professor. E já que a sua demanda fora suprida não havia mais necessidade da Missão entre
eles.
Em 16 de maio de 1913, minha esposa, eu, nossa filha de apenas 3
meses e os novos missionários com seu filhinho, embarcamos de
Assunção. (...) Chegando a Taunay dia 30 de maio, já no escurecer.
A estação, naquela época, era um vagão em cima de dormente, e aí
passamos a noite junto com um agente e um turco. O Capitão e
alguns dos seus homens vieram arranjar para a nossa entrada no
meio deles. Porém, quando ouviram que não havíamos recebido
permissão por escrito, da Sociedade de Proteção aos Índios, não
fomos permitidos a entrar.(...) A razão principal de não sermos
recebidos pelos índios era que desde a nossa visita no ano anterior,
o governo havia prometido mandar um professor. Disseram-nos
que visto que o governo estava para mandar um professor, não
havia mais necessidade da nossa presença.” (CARTA, 1963, p. 3).
Percebe-se que enquanto precisavam suprir suas necessidades e de certa forma,
pressionar o governo brasileiro, através do SPI, para cumprir com o seu papel de protetor
dos índios, os Terena alimentaram a possibilidade da Missão entre eles. Quando atingiram
o que pretendiam, descartaram os missionários. De fato, fica subentendido que não
buscavam na ISAMU uma nova prática religiosa e sim assistência e neste caso específico,
a educação.
Todavia, a ISAMU não se deu por dispensada e solicitou ao SPI a autorização para
permanecer na área indígena e desenvolver a evangelização e a recebeu. Com certeza, a
autorização àquela agência missionária não foi gratuita. Não constam na Carta, as
barganhas para essa autorização. Consta somente a sugestão de que o missionário
Winttington tentava negociar com os oficiais em Aquidauana e no Rio de Janeiro e que
esperou, com sua caravana, durante duas semanas, pela licença governamental. Conseguida
a autorização, estabeleceram-se e iniciaram as suas atividades que inicialmente
objetivavam conquistar os índios, conhecer os seus costumes, a sua língua, as suas práticas
religiosas e somente depois começar a difundir seus ideais evangelizadores/civilizadores.
As conversões só vieram algum tempo depois e despertaram os ânimos dentro da aldeia.
A partir das primeiras conversões, envolvendo as lideranças tribais, os índios não-
convertidos realçaram sua identidade de cristãos e passaram a autodenominar-se católicos
em contraposição aos novos crentes. ALTENFELDER SILVA, primeiramente, e depois
OLIVEIRA, que estiveram entre os Terena nas décadas de 40, 50 e 60, conseguiram sentir
41
e descrever em que bases se davam as disputas entre esses dois grupos oposicionistas.
Entretanto, nessa época, início do século XX, os Terena não estavam sendo assistidos por
nenhuma congregação católica, o que nos remeteu a pensar que essa auto-identificação
enquanto católicos teria sido resgatada dos contatos intermitentes que mantiveram antes da
Guerra do Paraguai com os missionários Capuchinhos italianos e dos contatos esporádicos
com missões católicas nas fazendas onde estavam antes da criação das Reservas.
É que os Terena, diferentemente de outros subgrupos Chané/Guaná (Layana,
Exoaladi, Guaná), não mantiveram contatos religiosos que viessem a modificar sua cultura
ou introduzir uma nova religiosidade. OLIVEIRA menciona que não percebeu em nenhum
relato de seus informantes tal intensificação do proselitismo religioso católico. Essa
discussão traz novamente à tona, aquela antiga necessidade de forjar os dualismos internos
à sociedade Terena, que sempre se manifestaram no campo mitológico indígena. Talvez, a
representação deste cenário dual, criado em torno do aspecto religioso-católicos e crentes,
tenha correspondência com a tradicional organização dos Terena em uma sociedade
dualista. É possível que essa divisão em grupos antagônicos, cujos atores continuam a
reconhecer-se e ser reconhecidos enquanto índios, seja uma necessidade da própria
sociedade em reorganização, para alimentar suas características tradicionais. Todavia, essa
divisão não necessariamente tem sido percebida, enquanto tal, pelos grupos. (OLIVEIRA,
1976, p. 58)
O antropólogo pioneiro relatou em seu estudo de caso sobre Bananal, o início dos
conflitos em torno das primeiras conversões de lideranças. Descreveu detalhadamente a
conversão do Capitão da aldeia de Bananal, Marcolino Wollily, nomeado pelo SPI em
1915. Em 1916, levando metade da aldeia, o Capitão converteu-se ao protestantismo e
passou a se reconhecer e comportar como crente. Enquanto liderança, influenciou boa
parte de seus patrícios à conversão. Então, criou-se um impasse na aldeia após sua decisão.
Os Terena não conseguiram lidar com as duas funções de Wolilly. Não conseguiram
separar a sua opção religiosa da liderança política interna. Provavelmente, nem o próprio
Capitão conseguia. O descontentamento dos católicos gerou uma divisão da aldeia em dois
grupos antagônicos: o grupo dos crentes e o dos católicos. (ALTENFELDER SILVA,
1948)
Outro antropólogo, também detectou esse clima de rivalidade e hostilização em
Bananal e em outras aldeias nas quais estabeleceu-se o protestantismo, nas décadas de 50 e
60. Essa tensão resultou num primeiro momento em uma disputa acirrada desses grupos
pela permanência da ISAMU na área indígena. Este estudioso informou que
42
A instalação do missionário (Alexander Rattray-Hay) na Reserva
resultou numa verdadeira cisão da comunidade, (Bananal)
sobretudo a partir do momento da conversão do “Capitão”
Marcolino Wollily ao credo evangélico.(...) Resultou inicialmente
na expulsão do missionário das terras da Reserva, em 1920, com
sua mudança para as proximidades.(...) Os atritos se sucederam até
a saída definitiva da mencionada missão da área Terêna,
(OLIVEIRA, 1976, p. 115-6).
Os próprios funcionários do SPI tiveram receio da organização dos “crentes” na
aldeia e fizeram opção pelo partido dos católicos.
nota-se certa incompatibilidade entre funcionários do S.P.I. (Posto
e Escola) e missionários evangélicos. (..) Essa discriminação às
Missões protestantes parece dever-se a duas razões básicas: a
primeira pelo fato de lutar contra uma ideologia religiosa arraigada
na população brasileira e indígena, que é um misto de catolicismo,
espiritismo e crenças e práticas tribais; a Segunda pela maior
operatividade dos missionários protestantes, maior agressividade
de ação nas Reservas, chegando ao ponto de utilizarem alto-falante
para a propaganda do Evangelho (com música e perorações); tudo
isto combinado com uma organização bastante eficiente, levando
os “crentes” a uma vida de grupo mais intensa, através dos vários
cultos realizados semanalmente, e do preparo de índios para
desempenharem funções de proselitismo.(OLIVEIRA, 1976, p. 97)
Os “católicos” e seus aliados conseguiram expulsar a ISAMU da Reserva de
Taunay, em 1920, sob a acusação de instigar os índios contra o órgão protetor. Todavia,
não conseguiram neutralizá-la politicamente. Os missionários norte -americanos apelaram
para os direitos constitucionais de liberdade de culto. E os Terena “crentes”, liderados por
Wolilly, tomaram para si a luta por um espaço religioso, dentro da aldeia. Após muitas
querelas, os missionários conseguiram recomeçar suas atividades através da SAIM
10
.
Estes conflitos se reproduziram em representações estereotipadas que saíram do
universo interno das aldeias e se materializaram na sociedade nacional na forma de
10
A expulsão da ISAMU (Inland South American Mission Union) de Bananal, em 1920, desencadeou seu
próprio esfacelamento. Duas instituições compuseram-se após sua desorganização- uma norte-americana, a
SAIM (South American Indian Mission), que em 1925 retornou ao trabalho com os Terena; e a outra- a New
Testament Gospel Union, congregou o grupo inglês. (OLIVEIRA, 1968, p. 116)
43
preconceito. Dentro das aldeias, cada um dos grupos tinha sua própria representação a
cerca do outro.
A cada um dos grupos corresponde um conjunto de estereótipos: o
“católico” é considerado vagabundo, beberrão e farrista; o
“protestante”, como sendo piedoso, trabalhador e honesto. Isto é o
que pensa o “crente” de si mesmo e dos “católicos”. Já o
“católico”, embora não negando que grande parte dos seus bebe
muito, acreditam que trabalham mais do que os “crentes”, uma vez
que esses “vivem no culto e só pedem esmolas e não levam a vida
a sério”. Parece que a diferença básica entre eles é que a maior
parte dos “crentes” sabem ler e escrever porque são estimulados
a isso para poder estudar a Bíblia, enquanto os “católicos” não
possuem semelhante estímulo. Essa diferença caracteriza a própria
intervenção religiosa: os missionários protestantes muito mais
preocupados com a alfabetização do que os padres Redentoristas.
(OLIVEIRA, 1976, p. 101)
Fora do âmbito das aldeias esses estereótipos também foram percebidos no senso
comum. Tidos como “bugres”, os índios foram e ainda são discriminados
incondicionalmente. Entretanto, aqueles que se abstêm da bebida, do fumo, das arruaças e
são trabalhadores aparentam ser melhor aceitos pela sociedade envolvente.
Todavia, tanto Altenfelder Silva quanto Oliveira consideraram que a conversão era
mais motivada por elementos políticos do que religiosos. Isso queria dizer que dentre uma
multiplicidade de razões que levavam os índios converterem-se, uma única teria conteúdo
religioso; as tensões políticas, essas sim, motivaram as mudanças de lado, tanto de um
grupo quanto do outro. Quanto ao fator religioso, Oliveira observou:
Os indivíduos que passam do grupo “católico” ao “protestante”, ou
vice-versa, são em regra levados por uma multiplicidade de razões,
das quais uma teria conteúdo religioso.(..) Entre estes, as religiões
penetraram, mas de uma maneira muito formal- através de seus
cerimoniais- do que como instrumentos novos de interpretação do
mundo. (OLIVEIRA, 1976, p. 98-9)
As múltiplas razões que estimulavam os Terena a aderirem ao outro partido
religioso eram muitas vezes banais e outras vezes levavam o indivíduo e sua família a
buscarem outros espaços geográficos de convivência e sobrevivência. Eram manifestados
através das desavenças na comunidade; do descontentamento com a administração do
posto Indígena, com a conjuntura política do momento, ou até mesmo a simples
transgressão da abstinência alcóolica. A constatação dessas tensões tornou-se possível
porque as aldeias que acolheram o credo protestante dividiram-se antagonicamente em
44
grupos de “crentes” e “católicos”, como já foi comentado. Foram elas: Aldeia Buriti,
Francisco Horta, Limão Verde, Moreira, Bananal. Outras, como União e Aldeinha se
compuseram enquanto aldeia protestante. As demais aldeias só vieram a ter contato com o
novo credo a partir da formação da UNIEDAS em 1972.
As primeiras seis décadas de proselitismo religioso (1912-1972)
Após o retorno da Missão SAIM para Bananal, as tensões político-religiosas
continuaram a manifestar-se. Para as famílias que aderiram ao credo protestante, uma das
alternativas era a mobilidade entre aldeias, reservas ou até a migração para outros luga res
onde constituiriam seus próprios espaços. Desse modo, em decorrência de transferências
de indivíduos e famílias, surgiram novos agrupamentos de protestantes como foram os
casos de Aldeinha e União.
Aldeinha originou-se da aquisição de uma área na margem esquerda do município
de Aquidauana, atualmente município de Anastácio. Uma família de Terena expulsos de
Buriti adquiriu a área e instalou-se, recebendo patrícios de várias outras aldeias. Esse
agrupamento ficou conhecido como um reduto de índios crentes.
Quase à semelhança de Aldeinha, originou-se a Aldeia União, cuja área foi
adquirida na década de 40 por missionários protestantes alemães. Lá foram instaladas
famílias indígenas convertidas e ogerizadas por seus próprios patrícios “católicos”.
Nas atas da UNIEDAS, das décadas de 70-90, verificou-se uma luta dos Líderes
Terena em incorporar as Chácaras União e Água Azul, ao patrimônio da Missão nacional.
Nos primeiros sessenta anos de presença protestante entre os Terena “crentes”,
perpassados pelas relações conflituosas entre os grupos religiosos antagônicos, quem
dirigiu os trabalhos evangelísticos entre os Terena “crentes” foram os missionários norte-
americanos. Nesse período, foram fundadas doze igrejas evangélicas cristãs. Todas eram
autônomas, sendo que o vínculo entre elas era a evangelização protestante estrangeira.
Dentre as doze, somente a Igreja Evangélica de Bananal esteve ausente na fundação da
União das Igrejas Evangélicas da América do Sul (UNIEDAS-1972), tomando assento
posteriormente na reunião da Junta Administrativa, do mesmo ano. Bananal foi a que mais
polemizou com a Junta ao longo de suas atividades, chegando até uma pseudo-ruptura com
a Missão, cujos membros “desgarrados” deram origem a outra denominação Igreja
Independente Cristã de Ipegue.
45
Durante essas primeiras décadas, os missionários norte-americanos concentraram o
controle e direção das atividades de cada Igreja Evangélica local. Os Terena só vieram
fazer parte do quadro ministerial da SAIM e participar efetivamente na evangelização a
partir da década de 60. Conforme o depoimento oral de um ex-presidente, sabe-se que:
Iniciou esse trabalho entre nós através da SAIM (South American
Indian Mission), deram problemas nas aldeias Xavantes e então
nos idos de 60 houve uma denúncia dos índios contra a Missão
Americana e eles saíram expulsos das aldeias. Então isso, como
eles trabalhavam com nós acharam por bem que nós como Terenas
fizéssemos um trabalho de frente. Nascesse um trabalho entre nós,
de que o índio tivesse as rédeas do trabalho evangélico no Brasil,
que nós organizasse.”(Depoimento n.º I, 03/06/00, p. 1)
De acordo com esse e outros relatos orais, foi a partir de 1960 que a SAIM
começou a formar os primeiros ministros Terena. A memória das lideranças “crentes”
afirma até hoje que a SAIM teria necessitado do intercâmbio dos Terena com relação aos
demais povos indígenas, por estar vivenciando muitos conflitos culturais; apesar de serem
preparados para missões transculturais, sentiam-se alheios à cultura dos povos indígenas,
como exemplifica o relato supracitado sobre as relações dos missionários norte-americanos
com os Xavante.
Da parte da missão, as fontes consultadas indicam que já havia uma predisposição
de formar um ministério nativo. De fato, não se pode dizer ao certo como agiram os
missionários norte-americanos, porque não foi possível contatá-los no decorrer desta
pesquisa e nem ter acesso aos seus arquivos enquanto missão. Entretanto, precisava -se de
mais evidências para confirmar tal hipótese, que fica aqui indicada para posteriores
investigações. É que no mesmo tempo que essas constatações foram possíveis através das
pesquisas antropológicas, o Estatuto da UNIEDAS e das Igrejas apresenta a idéia de que a
SAIM tinha como meta principal evangelizar os povos indígenas e criar em cada Estado
Nacional uma instituição protestante que desse sustentação e continuidade a sua atividade
religiosa. Nessa passagem, o Reverendo Davis, fundador histórico da missão e idealizador
da evangelização dos povos indígenas da América do Sul, afirmou:
Afim de realizar ‘a sua visão’, o jovem pastor adotou o seguinte
programa: a)- O cumprir literal da grande comissão do nosso
Senhor Jesus Cristo, na proclamação do Evangelho, principalmente
entre povos indígenas do vasto interior da América do sul. b)-
Estabelecer da igrejas evangélicas nacionais. c)- O preparar de um
46
ministério nativo do país onde se encontra o obreiro missionário.
(ESTATUTOS, 1997, p. 02).
Nessa citação também encontra-se o caráter proselitista da SAIM, que se propõe a
proclamar o evangelho, principalmente entre os povos indígenas. Portanto, já nascera com
os objetivos, público alvo e estratégias de trabalho bem definidas.
Visualiza-se, na comparação da literatura e do Estatuto, um jogo de preservação de
uma memória funcional para os índios “crentes” que se desconstrói quando confrontada
com as atas. Porém, esta é uma leitura que estará presente, como já foi demonstrado, nos
discursos das lideranças Terena.
No que diz respeito à preparação de um ministério nativo, tudo indica que seu
surgimento está ligado às pressões do regime militar. Essa última idéia de que a
conjuntura, pós-golpe, influenciou na formação de um ministério nativo que desembocará
numa missão nacional Terena, será trabalhada no próximo capítulo. Todavia, a década de
60 seria para todos, índios e missionários, o início de uma nova fase no processo de
evangelização dos índios mato-grossenses e quiçá da América do Sul. A SAIM resolveu
investir na formação de missionários indígenas.
No próximo capítulo, demonstrar-se-á como a UNIEDAS formou-se e conformou-
se no seio da ditadura militar e na efervescência do movimento indígena e como aos
poucos os Terena foram assimilando e adotando a idéia de apropriação total da Missão
nacional.
47
MAPA DAS TERRAS DO MATO GROSSO DO SUL EFETIVAMENTE
OCUPADAS POR ÍNDIOS
48
49
MAPA DA SEDE DA SAIM EM MATO GROSSO
50
51
MAPA DAS ALDEIAS TERENA SOB A INFLUÊNCIA DA MISSÃO SAIM ANTES
DE 1993 (RFFSA)
CAPÍTULO II
UNIEDAS: Nacionalização do protestantismo norte-americano na conjuntura
do regime militar (1972-93)
52
As relações das Missões cristãs com a FUNAI na década de 70 e a criação da
UNIEDAS
Neste capítulo demonstra-se o processo no qual se deu a criação da UNIEDAS e os
seus passos rumo à conformação enquanto Missão Nacional protestante Terena. Portanto, a
hipótese central é de que a UNIEDAS nasceu da confluência de distintas motivações
políticas, de vários atores, no contexto da política indigenista do regime militar. Dentre
essas motivações foi possível destacar as seguintes: 1) a pressão governamental sobre as
missões cristãs, principalmente àquelas ligadas ao Conselho Indigenista Missionário,
através da discussão e aprovação do Estatuto do Índio (1973); 2) a ocupação por parte das
missões evangélicas de espaços políticos que conciliavam seus interesses proselitistas com
a conjuntura nacional; 3) a construção do processo de apropriação da UNIEDAS, enquanto
instrumento político-religioso de ascensão e inclusão social dos Terena “crentes” na
sociedade nacional.
Essa conclusão foi fundamentada nas pautas culturais de contato dos Terena e
favorecida pelo movimento de autodeterminação dos povos indígenas em decorrência das
demandas da etnia de criar alternativas/respostas ao convívio e à concorrência direta com
os regionais.
Para comprovar esta hipótese buscou-se conhecer, de um lado, a política indigenista
do regime militar (1964-85), no seio da qual iniciou-se o movimento de autodeterminação
dos povos indígenas, inaugurado também na década de 70; de outro, o modo como a
FUNAI se relacionou com as missões protestantes e, nesse contexto, quais as condições
das lideranças “crentes” para dirigir uma Missão evangélica autônoma ou quase autônoma.
Na década de 70, do século XX, a principal reivindicação dos povos indígenas foi a
demarcação das terras indígenas, principalmente, as do território da Amazônia Legal, que
circunscrevia também as terras do atual Mato Grosso. Entretanto, o governo brasileiro
tinha outros planos para essa região e a FUNAI o ajudaria a concretizá-lo.
Quando os povos indígenas começaram a exigir da FUNAI o cumprimento do
artigo 49 do Estatuto do Índio, que salvaguardava a demarcação de suas áreas em cinco
anos, depararam-se com o verdadeiro atravancador do processo de demarcação- A
Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. Além da sua aprovação, necessitava
de um decreto do Presidente da República. Dentro do projeto do regime, de supostamente
53
transformar o Brasil em uma potência continental e mundial, só caberiam os índios que
estivessem integrados no sistema produtivo; do contrário, constituíram-se em óbices ao
desenvolvimento econômico e tecnológico.
Da mesma forma, a situação dos índios herdada pela FUNAI era grave pois, as
invasões de suas terras eram generalizadas e as cenas de violência tornavam-se diárias. Tal
cenário trágico exigia medidas urgentes. A primeira, das várias medidas que foram
tomadas pelo órgão, para o abrasileiramento e contra a violência sobre os povos indígenas,
foi o armamento dos próprios índios aldeados para se auto-defender, através da criação da
Guarda Rural Indígena (1970), a GRIN. A tentativa fora frustrada, porque os próprios
guardas indígenas criaram, nas aldeias, aos moldes do policiamento não-índio, um clima de
hostilização e disputas intenso. O objetivo de defender a vida, a terra e os direitos dos
índios através dos próprios índios não foi atingido. A insegurança em que viviam as
comunidades e povos indígenas, a despeito das garantias constitucionais, dos direitos
históricos e o da burocracia protecionista foi a prova concreta dessa tentativa vã. (HECK,
1996).
No início de sua gestão, a FUNAI tinha uma enorme simpatia da imprensa e da
opinião pública. Era reconhecida graças ao trabalho incansável dos indigenistas,
agrônomos e topógrafos, que permaneceram no quadro funcional, dadas as exonerações
dos diversos funcionários “corruptos”. De sua parte, a direção da FUNAI procurava
demonstrar o empenho do governo brasileiro pela sorte dos índios e mantinha um diálogo
interno com os índios e os indigenistas. (GOMES, 1988, p. 91).
Isso foi por pouco tempo, até quando a sociedade civil e as organizações pró-índios
perceberam que a política indigenista oficial objetivava circunscrever os povos indígenas
amazônicos em pequenas áreas agricultáveis, a exemplo dos índios mato-grossenses
(Terena, Kadiwéu, Guarani, etc.), para explorar as riquezas de sua terras (principalmente as
do subsolo) e de fato aplicar seu projeto nacional de desenvolvimento com segurança.
O órgão tutor estava assaltado por interesses ideológicos e econômicos que
perpassavam a política indigenista praticada pelo regime militar. Paradoxalmente, no
mesmo tempo que o governo Geisel aprovou o Estatuto do Índio (1973) e deu um prazo de
cinco anos para a demarcação de todas as reservas indígenas, acelerou o processo de
emancipação dos índios da tutela do Estado. E claro ficou que, emancipando-se os
indígenas, consequentemente emancipavam-se as suas terras.
A FUNAI esteve vinculada ao Ministério do Interior, indicando a subordinação da
questão indígena ao processo desenvolvimentista, de avanço das frentes econômicas e
54
ocupação de “espaços vazios” (na concepção geopolítica dos militares), especialmente no
centro do país e na Amazônia. (HECK, 1996, p. 17). Esse Ministério fora encarregado de
expandir as fronteiras econômicas, promover a integração nacional e a ocupação dos
espaços vazios; dentre os órgãos criados para efetivar a política desenvolvimentista
(SUDAM e SUDENE) estava a FUNAI. Na prática repetia-se a problemática disputa pela
terra, envolvendo colonos/fazendeiros e indígenas, que a rigor esteve presente na história
do Brasil desde os primeiros contatos dessas etnias. A problemática da terra fazia -se
presente em todo o território brasileiro, principalmente nas áreas de fronteiras habitadas
por povos indígenas, demonstrando os descasos da União na proteção de seus direitos, na
legitimação de suas terras e no resguardo de seus bens coletivos.
Após a criação da Assessoria de Segurança e Informação (ASI, 1969), iniciou-se
um processo de institucionalização da presença dos órgãos de informação e segurança na
questão indígena. (HECK, 1996, p. 61). As conseqüências desta implantação serão o
controle cada vez mais rígido sobre o quadro de funcionários, a vigilância de lideranças
indígenas e indigenistas de diversas instituições, pelos próprios funcionários/agentes, uma
vez que a maioria era do quadro militar. Os resultados foram demissões ou exonerações, a
pedido, por discordância com a política indigenista oficial. A demissão do sertanista Cotrin
Neto ilustrará neste texto a intransigência do governo brasileiro diante dos seus intoleráveis
oposicionistas.
Cotrin Neto “afirmou que seu trabalho na FUNAI tem se limitado a
simples administrador de interesses de grupos econômicos e
segmentos nacionais, dado à política de concessão de áreas
indígenas pela FUNAI (...) Informou ainda o Sertanista que a
FUNAI tem concedido certidões negativas (que diz não existirem
índios na região) a empresas de desenvolvimento agropecuário e
colonização, para terras tradicionalmente ocupadas por grupos
indígenas” (FSP 20/05/72). “Quando a FUNAI monta um posto
indígena, explica Cotrin, seu objetivo é tirar o índio do seu sistema
tradicional de economia de subsistência e lança-lo na economia de
mercado. O trabalho dos chefes de posto da FUNAI é claramente
de administrar a produção dos índios (...) Para Cotrin, os índios são
lançados num sistema econômico no qual não tem condições de
competir e, portanto, de sobreviver” (Jornal da Tarde 31/05/72).
“Ele considera que as ofertas de paz são um engodo e que o
verdadeiro objetivo é a integração do índio na economia de
mercado e no trabalho organizado, de forma imediatista e sem
qualquer respeito aos métodos tradicionais da tribo, que são
violentados”. (HECK, 1996, p. 62).
55
Os ditos espaços vazios do centro do país e da Amazônia, na verdade, estavam
totalmente ocupados por diversos povos indígenas, alguns até considerados totalmente
integrados pela sociedade nacional, no caso dos Terena. A ordem era ocupar as terras onde
viviam os povos indígenas e o Estado procurou alastrar sua presença e seu controle, de
forma cada vez mais intensa e eficaz. (HECK, 1996, p. 40).
Para tanto, era necessário tomar algumas medidas como: manter os indígenas
afastados das fronteiras (foram considerados apátridas e obstáculos ao desenvolvimento) e
alienar suas riquezas naturais (esses bens deviam estar à disposição da nação). Isso porque,
aquele mesmo índio que no século anterior fora considerado guardião das fronteiras
passou a ser considerado um elemento perigoso e descompromissado com o binômio
segurança/desenvolvimento durante a ditadura militar. Dessa forma, mais uma vez, tentou-
se promover a integração do índio à nação brasileira.
Para conter essa política estatal violenta, foi necessária a aglutinação de forças
internacionais e nacionais pró-indígena, para pressionar as autoridades responsáveis. As
principais entidades coadjuvantes, daquele momento, foram o CIMI (Conselho Indigenista
Missionário), algumas outras ONGs (entidades não-governamentais) e intelectuais
engajados (antropólogos, religiosos católicos, entre outros).
Isso tudo, entretanto, não era uma mera contradição na práxis da FUNAI. Era o
reflexo do modelo econômico gestado pela ditadura militar e consolidado na política
indigenista brasileira. Para entendê-la é só atentar para as características do modelo
econômico, apontadas pelo pesquisador Paul Suess:
O “modelo” implantado é, portanto, não só autoritário, exportador
e gerador de dívidas, mas também concentrador em relação ao
capital e às terras... (..) A ditadura militar de 1964, que substituiu o
espaço estreito do populismo, garantiu através de medidas
repressivas sobre a força de trabalho (operários) e a produção
ideológica (estudantes, partidos, Igreja) -, até a pouco tempo, o
“modelo econômico”. (SUESS, 1989, p. 85-6)
Uma das ações do final da década de 60, do Ministério do Interior, ao qual a
FUNAI estava ligada, foi a criação das Colônias Indígenas
11
que objetivava promover a
integração dos índios evitando o êxodo para países limítrofes e neutralizando a ação dos
“pseudo-missionários” estrangeiros, que empregam seu tempo em pesquisas e contrabando
11
Essas colônias eram áreas destinadas à exploração agropecuária, administradas pela FUNAI, onde os
índios ditos aculturados conviviam com membros da comunidade nacional. (HECK, 1996, p. 83)
56
de minérios” bem como, (..) concentrar os índios em torno de formas de produção no
estilo dos colonos. (HECK, 1996, p. 82-3) Juntamente com as colônias indígenas, foram
cria dos, pelo menos, 20 postos fronteiriços (Peru, Colômbia, Venezuela e Guianas) na
intenção de coibir a emigração através das trilhas tradicionais por onde os indígenas
costumavam deixar o Brasil.
A FUNAI, porém, não cumpriu com a demarcação das terras indígenas como
previa o Estatuto do Índio (1973) e nem se tornou auto-suficiente. Ao contrário disso, a
partir de 70, efetivou um novo modelo indigenista no Brasil, no qual os militares fizeram-
se presentes em todos os níveis de comando e execução deste órgão; ampliou os serviços
de assistência e marcou presença junto à maioria da população indígena do país, exceto
onde entendeu que não se fazia mais necessário. De acordo com o relatório do Diretor do
DGEP (Departamento Geral de Estudos e Pesquisas), Paulo Monteiro dos Santos, ficam
explícitas as reais intenções do governo brasileiro.
Foi o período em que a FUNAI planejou e vem executando tarefas
de importância das unidades sanitárias volantes; da implantação da
farmácia padrão, em cada Posto Indígena; da reestruturação das
Delegacias regionais e dos Postos Indígenas em bases técnicas com
inclusão de profissionais como médicos, dentistas, advogados,
enfermeiras, assistentes sociais, técnicos agrícolas etc: da
recuperação e instalação de novos postos Indígenas... (HECK,
1996, p. 84, nota 86).
Pela afirmação destacada evidenciou-se que esta foi a época do integracionismo a
qualquer custo. Estava muito óbvia a política de integração acelerada executada pela
FUNAI que, através de seu presidente, General Ismarth Araújo, pretendia reprimir
frontalmente a sociedade civil e principalmente, as entidades religiosas envolvidas com a
cristianização indígena. Um dos órgãos rechaçados desta forma foi o Conselho Missionário
Indigenista, cujos missionários foram proibidos de entrar nas áreas indígenas, sob a
acusação de insuflar os ânimos desses povos contra os órgãos governamentais criando
situações de mobilização das lideranças indígenas.
Isto porque o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), enquanto entidade,
assessorava as Conferências e Assembléias das lideranças nacionais e auxiliava os
indígenas em sua organização. Uma vez que não podia falar pelos direitos dos índios,
instrumentalizava-os a se defenderem com seus próprios recursos. Foi assim que se
originou a UNÍ (União das Nações Indígenas - 1979). Todavia, as denúncias do governo
57
contra o CIMI acirravam-se e a proibição deste órgão em permanecer entre os índios foi
consumada. Então
os missionários do CIMI foram proibidos de entrar nas áreas
indígenas (maio de 75), os índios, sistematicamente proibidos de
participar em Assembléias e reuniões; e os antropólogos
estrangeiros atuando nos “projetos especiais”, foram deles
afastados, por orientação dos órgãos de segurança. (HECK, 1996,
p. 90)
O CIMI, também fundado em 1972, como a UNIEDAS, é uma pastoral da Igreja
Católica subvencionada pela Confederação dos Bispos do Brasil (CNBB) e apoiadora das
lutas indígenas. Suas linhas de ação são vinculadas às discussões latino-americanas, dado o
caráter continental da causa indígena. Alguns de seus dirigentes nacionais exigiram, na
década de 70, a moratória missionária, declarando ‘que o melhor para as populações
indígenas, e também para preservar a integridade moral das próprias igrejas, é acabar
com toda atividade missionária’. (SUESS, 1989, p. 30) Todavia, sua política de apoiar,
com todos os meios possíveis, a luta dos povos indígenas pela demarcação, recuperação e
garantia de suas terras, defendendo os direitos dos índios de serem ouvidos nestes
processos, principalmente no traçado de limites, confrontava-se diretamente com a política
do órgão oficial que não objetivava demarcar as terras indígenas. O CIMI
Prometeu em sua segunda Assembléia (1977), de acordo com o
Documento de Assunção (1972), apoiar com todos os meios ao
nosso alcance, os povos indígenas que estão lutando pela
demarcação, recuperação e garantia de suas terras. Defender
também o direito que têm os índios de serem ouvidos nas
demarcações, fazendo valer os seus critérios no traçado de limites.
(SUESS, 1989, p.31)
Entretanto, o Estado brasileiro assegurava na Lei o que na prática cotidiana das
políticas públicas buscava desconstruir. O Estatuto do Índio talvez tenha sido um avanço, o
retrocesso estava no encaminhamento prático.
Regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das
comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura
e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão
nacional. (CUNHA, 1987, p. 216)
58
Dessa forma, os conflitos e debates do CIMI com os órgãos governamentais foram
inevitáveis. O maior embate talvez tenha sido travado no Seminário FUNAI/MISSÕES
(1975). Esse debate foi organizado pelo órgão de proteção ao índio e girou em torno de
acusações e retaliações. O General Ismarth de Araújo, presidente da FUNAI, chegou no
ponto de deslegitimar publicamente, através da imprensa, o CIMI enquanto interlocutor da
Igreja e pressionou os representantes das Missões para se desligarem do CIMI. Daquele
momento em diante, aquele órgão estatal exigia das Missões a realização de convênios
como condição prévia para a sua presença em áreas indígenas. (SUESS, 1989, p. 23)
Em Mato Grosso a política intitulada “integração rumo à emancipação” não foi
muito propalada. Provavelmente, os índios mato-grossenses não representavam obstáculos
aos dirigentes nacionais, pois eram considerados aculturados e quase totalmente
integrados. Desde o começo do século XX, estavam reservados e em contato direto com a
sociedade envolvente. Assim os representavam os militares brasileiros,
As tribos mato-grossenses já estão em condições de aplicar em
suas áreas, projetos de desenvolvimento, para que com o benefício,
possam ter uma emancipação econômica e se tornarem autônomos.
O índio também é gente, e sem essa emancipação, não se pode
pensar numa integração. (..) O general acredita que as tribos
douradenses, já são comunidades que em curto espaço de tempo,
pelo grau de aculturação, de contatos com os brancos e seu modo
de comercializar seus produtos, estarão integrados definitivamente
à vida dos brancos”. (FSP 17/05/75, Apud, HECK, 1996, p. 92).
Os Terena, em particular, tinham um histórico de participação na política
indigenista do início da República por ter auxiliado, muitas vezes, o governo a
pacificar/civilizar outros povos indígenas. Exemplo desta colaboração foi o translado de
famílias Terena para junto dos Guarani, em Francisco Horta- Dourados/MT, Icatu e
Araribá, ambas em São Paulo, entre as décadas de 20 e 30, do século passado, cuja
principal tarefa era pacificar e civilizar essas etnias.
Em outros momentos, principalmente a partir da década de 70, os Terena,
convertidos e conversores protestantes, tomaram para si a função de pacificar/civilizar os
patrícios e demais etnias, ancorados exclusivamente na retórica evangélica. Intensificaram
essa tarefa quando apropriaram-se da UNIEDAS.
Nesta mesma década, em 1978, Rangel Reis, Ministro do Interior, encaminhou a
minuta do decreto de emancipação à Presidência da República que, após muitos debates e
59
pressões da sociedade civil organizada, foi engavetado. Entretanto, este acontecimento
serviu de estopim para a eclosão do movimento de autodeterminação dos povos indígenas.
A partir desse momento, os índios juntamente com antropólogos, missionários católicos e
outras forças iniciaram o processo de lutas pelo reconhecimento dos direitos indígenas,
principalmente, a luta pela terra.
Desta forma, as forças iam tomando seus lugares: de um lado, os governos militares
forjaram uma nova política indigenista oficial, onde se destacou a integração acelerada dos
índios ao pr ojeto econômico do Estado de Segurança e Desenvolvimento, do outro, os
movimentos indigenista e indígena forjaram seu contraponto, através da bandeira da
autodeterminação.
Os indígenas, em fase de organização, constituíram-se em ponto de pauta da
preocupação nacional estatal e civil. E o modelo indigenista militarista submeteu-se
totalmente à Doutrina de Segurança Nacional. Com a Doutrina de Segurança Nacional,
definiu-se uma espécie de projeto, no qual o Estado e o grande capital eram condições
indispensáveis à concretização dos objetivos nacionais, definidos pelas forças armadas.
(HECK, 1996, p. 12). Os pilares nos quais se assentou essa política de Segurança Nacional
foram: a determinação dos Objetivos Nacionais Permanentes (ONP) e dos Objetivos
Nacionais Atuais (ONA). Os primeiros eram objetivos políticos, que resultaram da
interpretação de interesses e aspirações nacionais e os segundos derivavam-se da análise
conjuntural, dos impedimentos ou oposições à realização dos ONP - Objetivos Nacionais
Permanentes. A questão indígena encaixou-se dentro dos ONP, pois os índios ameaçavam
a Integração, o Progresso e a Soberania da nação. Analisando o extrato do Estudo n.º 7,
elaborado pela Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional, A Questão Indígena e
os Riscos para a Soberania e Integridade do Território Nacional pode-se constatar a
presença deste receio estatal. Este documento orientava as instituições governamentais, no
sentido de bloquear a demarcação das terras indígenas na faixa de fronteiras enquanto
medida de segurança nacional. Segue a transcrição das principais diretrizes do documento.
h Integração Nacional ao prejudicar a integração física, social,
econômica e cultural do País, principalmente no tocante às áreas
indígenas situadas na Faixa de Fronteira da Amazônia;
h Integridade do Patrimônio Nacional pois envolve, além da
manutenção de fronteiras não vivificadas, a formação de encraves
dissociados da comunhão nacional, com riscos de formação de
futuros territórios indígenas autônomos;
60
h Progresso - visto que impede o crescimento da economia
nacional, ao inibir a exploração dos recursos naturais das terras
indígenas;
h
Paz Social ao acirrar os sentimentos de diferença e
segregação raciais, do isolamento e autodeterminação, de
confronto e libertação dos povos indígenas;
h Soberania pois sofre influência externa que prejudica a livre
decisão governamental a respeito das relações entre os diferentes
grupos nacionais, bem como no que concerne à escolha da melhor
forma de valer-se do Território Nacional e dos seus recursos
naturais. (HECK, 1996, p. 55)
Todavia, percebe-se que essa prática ambígua da FUNAI permitiu fissuras no
processo de implantação da nova política indigenista. Este órgão que detinha a
exclusividade de desenvolver políticas assistenciais, de acordo com o Estatuto de 1973,
dentre outros objetivos, não assistiu adequadamente os indígenas e caiu no descrédito da
opinião pública, que doravante será, aos poucos, galvanizada pelos apoiadores da luta pela
autodeterminação dos povos indígenas. A bandeira da autodeterminação, inaugurada na
passagem da década de 60 para a de 70, conquistou ampla visibilidade na década de 80
quando a nova Carta Magna era gestada. Foi nesse entremeio que nasceu a União Nacional
Indígena (UNI, 1979) e outras organizações indígenas que assessoradas pelo CIMI, por
indigenistas e antropólogos, galgaram espaços legais, importantíssimos, na Constituição de
1988.
É neste cenário de disputas políticas (FUNAI x CIMI) que se enquadraram as ações
das Missões conflituosas. Como foi realçado por um estudioso
12
uma das características do
protestantismo de invasão norte-americano era a obediência às autoridades constituídas de
cada nação em que se fixavam. Pelo visto, a UNIEDAS adotou também esse
comportamento pois em momento algum se indispôs com as autoridades brasileiras.
Ao contrário disso, as pistas que foram dadas por outros estudiosos, são de que as
agências proselitistas e as instituições estatais congregavam dos mesmos objetivos de
civilização/pacificação com relação aos povos indígenas. Ambas almejavam ocupar
espaços vazios - uma no aspecto político-geográfico e outra no aspecto político-religioso
cristão. Entretanto, os espaços a ocupar ditos vazios, foram preenchidos por diversas etnias
seculares que detinham rituais religiosos e organização sócio-político-econômica próprios.
12
ALVES (1981) classifica o protestantismo que se introduziu no Brasil como de invasão, no caso o norte-
americano e o de migração que veio como religião dos imigrantes europeus.
61
A Missão evangélica norte-americana, que se encontrava entre os Terena desde o
início do século passado, fundava a UNIEDAS, juntamente com as lideranças crentes
indígenas, assegurando um espaço na sociedade brasileira para dar continuidade a sua
política assistencialista e proselitista. A UNIEDAS apareceu no cenário político-religioso
em 1972 e consolidou-se enquanto Missão nacional autônoma, nas décadas seguintes.
Como a FUNAI exigia os convênios, das entidades religiosas, é bastante provável
que a Missão nacional tenha se conveniado. Alguns pastores mencionaram nos documentos
que a continuidade da SAIM entre os Terena deu-se por conta da solicitação das lideranças
indígenas, através da UNIEDAS, de carteirinha/passaporte que permitissem o livre trânsito
em suas aldeias, enquanto membros. Depois de 1972, os norte -americanos foram vistos
como assessores/apoiadores das atividades evangelizadoras daquela entidade.
No Estado de Mato Grosso, no caso dos Terena crentes, coincidiram também
alguns outros interesses, com relação ao princípio de integração na comunhão nacional. Os
Terena “crentes” não almejavam transformar a sociedade vigente na década de 70, mas
serem incluídos nela.
No caso da SAIM, bem como de todas as outras missões estrangeiras em território
brasileiro, manter boas relações com o Estado conservaria sua autorização para evangelizar
os Terena, bem como sua permanência entre eles. Provavelmente, os missionários
estrangeiros não tinham perspectivas de contrapor-se ao governo brasileiro, e nem
necessidade, já que tinham plenas condições de desenvolver suas atividades proselitistas,
sem retaliações. Talvez tenha se estabelecido entre a FUNAI, a SAIM e a UNIEDAS um
pacto tácito, como acontecera entre o órgão governamental e outras agências.
apesar de sua atuação mundial, as missões de fé não costumam se
posicionar em favor dos direitos humanos, sobretudo porque
evitam interferências públicas e qualquer atividade que, ao ser
relacionada como uma interferência anti-governamental, colocaria
em risco a postura de suas relações com os poderes; esta
característica é também congruente à ideologia semi-messiânica,
politicamente conservadora dessas agências. (GALLOIS e
GRUPIONI, 1999, p. 120).
Apesar da falta de informação empírica, a bibliografia consultada descartou
qualquer interferência de missões evangélicas em assuntos de cunho político ou
econômico, ou ainda, em defesa dos povos indígenas evangelizados. Ao contrário, realça o
62
conservadorismo dessas entidades e a cooperação destes entre si. A propósito da ação das
Missões evangélicas, os mesmos autores supracitados afirmam que visavam:
preencher lacunas no trabalho em educação que o órgão
assistencial nunca teve condições de executar. Mencionamos
também que este repasse de responsabilidades não é apenas
pragmático, pois está claro que a política oficial sempre teve
interesse em adotar especialistas ou instituições, capazes de
acelerar o processo de integração dos índios à sociedade nacional.
(GALLOIS e GRUPIONI, 1999, p. 103)
É possível supor que esses acertos refletiram-se no pragmatismo evangélico da
SAIM. Na metodologia e doutrinas desenvolvidas pela SAIM com os Terena, estavam
imbricados os valores religiosos e culturais ocidentais (cristianismo/capitalismo) norte-
americanos. Juntamente com os elementos religiosos foram disseminados os valores
culturais e a visão de mundo dos missionários norte-americanos. Então, mesmo não tendo
provas comprobatórias empíricas, algumas pistas sobre a formação e comportamento dos
missionários norte-americanos da ISAMU e depois da SAIM, foram deixadas por um
conhecido antropólogo que esteve entre os Nambiquara na década de 30 do século passado.
O estudioso fez a seguinte observação a respeito da ação desta Missão protestante:
Conheci muitos missionários e apreciei o valor humano e científico
de vários. Mas as missões protestantes norte-americanas que
procuravam penetrar no Mato Grosso central por volta de 1930
pertenciam a uma espécie particular: seus membros vinham de
famílias camponesas do Nebraska ou dos dois Dakotas, onde os
adolescentes eram criados numa crença literal do Inferno e dos
caldeirões de óleo fervendo. Alguns tornavam-se missionários
como quem faz um seguro. Assim sossegados quanto à própria
salvação, pensavam não ter mais nada a fazer para merecê-la; no
exercício de sua profissão, demonstravam uma dureza e uma
desumanidade revoltantes. (LÉVI-STRAUSS, 1986, p. 274)
O caráter pragmático do protestantismo proselitista, revelando o descompromisso
dos missionários com a preservação da cultura indígena foi apontado por outros estudiosos.
A tradução da Bíblia, por exemplo, na língua nativa e o estudo desta, foram necessários
enquanto veículo facilitador da comunicação e transmissão de saberes do mundo dos não-
índios. O mesmo se aplica ao investimento na alfabetização no idioma e em português.
Outro único estudo menciona uma alteração de conduta e temporalidade Terena devido à
organização sistemática dos índios conversos. (OLIVEIRA, 1976)
63
Este pesquisador levantou indícios de que os convertidos passavam a obedecer
uma outra rotina de estudos e cultos bíblicos que visavam modificar a antiga organização
nas aldeias. Comportamento esse que se refletiu nas relações destes convertidos com os
outros Terena. Daí seguiram conflitos interreligiosos, políticos e administrativos,
provocando a migração de famílias inteiras, seja para outras aldeias, seja para cidades ou
para novos núcleos indígenas do Estado.
O caráter pragmático do treinamento recebido pelos missionários,
selecionados principalmente em função de suas virtudes espirituais,
evidencia o desinteresse, mesmo que pragmático, pelas
peculiaridades culturais dos povos a serem atingidos. (..) A
armadilha que o método representa, permiti-lhes transferir a
responsabilidade da revelação: quem prega não são os
missionários, mas os índios. (GALLOIS e GRUPIONI, 1992, p.
99)
Para a FUNAI, entretanto, fora estratégica a prática assistencialista desenvolvida
pelas Missões ISAMU e depois SAIM aos Terena. Além dos Terena serem considerados
integrados e, portanto, dispensarem assistência, a Missão supria as demais demandas -
saúde e educação- acompanhada de longe pelo órgão tutor. Situação provável que
assegurava a passividade das lideranças “crentes” diante do governo brasileiro.
A SAIM prestou assistência educacional, assistência à saúde, estudo lingüístico
com codificação/decodificação da língua e tradução da Bíblia Sagrada, e introduziu valores
da sociedade nacional e internacional, entre os povos indígenas convertidos no sul de Mato
Grosso. A criação da UNIEDAS viria coroar a nacionalização do protestantismo
provavelmente sua antiga meta. A FUNAI, em nada se opôs, principalmente, porque o
lema da UNIEDAS sempre teria sido não se indispor com as autoridades constituídas. Suas
lideranças confirmaram através dos depoimentos que as boas relações sempre foram à
política de ambas as instituições.
Portanto, a FUNAI e as Missões, no geral, serviram de instrumentos para a política
indigenista que ocupou constantemente o pano de fundo do Projeto de Nação dos Militares.
Identidade crente: passaporte para a sociedade nacional
64
Mencionou-se nos itens anteriores que a UNIEDAS serviu para as lideranças
indígenas crentes enquanto instrumento político-religioso de inclusão e ascensão social na
sociedade nacional. Portanto o ato de conversão não traz implícita apenas a aceitação do
novo credo religioso. Traz ao novo grupo de protestantes possibilidades de vantagens não
conquistadas enquanto índios. Dentre elas, uma maior aceitação pela sociedade nacional.
Então, para os Terena, o tornar-se crente significou criar uma nova identidade. Essa
identidade foi concretizada como passaporte para um suposto convívio entre os não-índios.
Para preservar esse novo passaporte, os convertidos adotavam algumas condutas
consideradas de “crentes” - não beber, não fumar e nem participar de festas consideradas
profanas. Esta conduta tem sido preservada, bem como a conversão até o momento em que
facilitasse sua penetração no âmbito da sociedade envolvente, regional e brasileira ou,
enquanto satisfizessem suas necessidades políticas internas. Daí permanecerem
convertidos.
Quando, em decorrência de uma conjuntura favorável, se apropriaram dos trabalhos
de evangelização no Brasil, sentiram-se preferidos e reconhecidos como iguais pela
sociedade não-índia e principalmente, pelos seus reais tutores, os missionários
estrangeiros. Entretanto, essa estratégia política da apropriação não fica explicitada em
seus documentos. Foi explicitada através das disputas travadas no seio da sociedade
Terena. Essas disputas constituíram-se em alternativas encobertas pelo manto da
religiosidade protestante ou católica.
Comparando a experiência cristã dos Terena e a da etnia Wari, a partir da
contribuição de Vilaça, percebe -se que estes últimos indígenas também se apropriaram do
cristianismo evangélico no intuito de revitalizar e reorganizar seu grupo étnico, frente ao
contato violento com a sociedade envolvente. Os Wari também construíram alternativas e
instrumentos de convivência a partir da evangelização. Dessa forma, a estudiosa enfatiza
que:
a aceitação do cristianismo não pode ser explicada somente porque
eles viviam aí a possibilidade de atualizarem um ideal de
fraternidade generalizada, mas sim porque atualizar essa
possibilidade era uma solução para a revitalização do grupo,
desorganizado e atônito com a violência do contato; uma forma de
inserção de sua cultura na nova ordem. (..) Com a conversão
65
conseguiram não só viver um ideal autenticamente wari, mas viver
com os brancos, aparentemente em condições de igualdade. (..) foi
também uma tomada de posição diante da situação de
contato.(VILAÇA, 1999, p.147)
Assim como os Terena e os Wari, os povos Krahô e Sirionó também
experimentaram essa tomada de decisão e apropriação do discurso e prática evangelizadora
do não-índio. Em ambos os casos a adesão ao cristianismo teve relação com a busca de
uma nova identidade social e não como uma tentativa de resolução de problemas
cosmológicos surgidos a partir do contato. (VILAÇA, 1999, p. 147).
Outros autores também perceberam os índios que estudaram enquanto sujeitos
históricos. Isto quer dizer que somos nós os estudiosos da temática indígena que
demoramos a percebe-los desta forma. Os índios sempre se sentiram tomadores de posição,
e, portanto, atores sociais. No geral, os povos indígenas afirmaram sempre suas
oportunidades de opção por uma ou outra saída. Muitos exemplos são destacados na
literatura: no caso dos Krahô e Canela, narram que quando lhes foi dada a oportunidade de
escolher seus utensílios, preferiram o arco e a cuia à espingarda e ao prato que ficaram com
o branco. Como essa narrativa tem-se na história uma infinidade de outras. (CUNHA,
1992, p. 19) Muitos outros casos dessa natureza, poderiam aqui ser elencados.
Os Terena “crentesfizeram uma opção ao converter-se ao protestantismo que os
demais Terena ainda não realizaram. Provavelmente, eles não tenham tido a dimensão dos
missionários norte-americanos enquanto inculcadores de uma nova visão de mundo através
do cristianismo. Possivelmente, alguns dos missionários estrangeiros também não se
pensassem enquanto tal.
Todavia, temos pistas desde a década de 40 de que essa identidade de “crente”, não
se converteu em um enraizamento do novo credo na cultura Terena. Parece ter
representado mais o papel de um documento político/diplomático do que uma nova
subcultura. Isto quer dizer que o cristianismo não se sobrepôs ao xamanismo ou ao
“catolicismo”. Portanto, não marcou profundamente a conduta do índio crente. Tanto é
verdade que, não só os Terena, mas alguns outros povos indígenas que optaram pelo
protestantismo continuaram afirmando que nem por isso deixaram de ser índios- são índios
crentes. Sobre os Terena em geral, observou um antropólogo, nas décadas de 50 e 60:
66
Uns e outros em menor ou maior grau freqüentam as práticas
xamanísticas e comparecem às festividades religiosas e profanas
fundidos num só conjunto de cerimoniais, aparecendo num mesmo
plano os elementos cristãos, os indígenas e as práticas profanas.(..)
Exceção, talvez, de uns poucos indivíduos, “crentes”, para a
maioria as novas religiões representaram apenas uma capa, alguma
coisa exterior à consciência individual, válida como fonte de status
e de papéis que melhor viessem ajustar os indivíduos às novas
situações criadas pelas comunidades em mudança. (OLIVEIRA,
1976, p. 18, 98-99)
Na afirmação o autor frisa que alguns crentes, provavelmente as lideranças
indígenas que transformaram-se em ministros da SAIM, estão mais envolvidas
doutrinariamente do que os demais. Porém, embora não se pretenda com essa pesquisa
demonstrar o grau de conversão dos índios Terena, a fala do autor se faz reveladora quando
descreve situações que nos levam a repensar os convertidos enquanto agentes criadores de
alternativas nos contatos cada vez mais estreitos com os não-índios.
Outro estudioso dessa etnia já percebera, na década de 1940, que enquanto os
Terena não se reestruturassem tribalmente, não teriam elementos suficientes para definir-se
entre as tendências religiosas -cristãs ou não- que tomavam corpo dentro de suas aldeias.
Porém, arriscou-se a sugerir que dentre essas tendências a do xamanismo seria a mais
evidente. Com isto quis dizer que reagrupando-se e reorganizando-se em grupo étnico os
Terena realçariam sua religiosidade tradicional. (ALTENFELDER SILVA, 1946) Em
parte, sua hipótese foi comprovada por uma etnohistoriadora que esteve pesquisando a
permanência do xamanismo entre os Terena, na década de 80, também na área a qual
pertence Bananal. Entretanto, pelo que pudemos perceber, apesar de ser um instrumento
político-religioso, o protestantismo persistiu nesta etnia, reproduzido pelos próprios índios
missionários. (CARVALHO, 1996)
Então, o que parece desenhar-se na atualidade, é que as aldeias caminham para
refletir internamente as relações desenvolvidas na sociedade envolvente. Pode-se assim
arriscar dizer que ALTENFELDER SILVA, na década de 1940, não tinha os elementos
adequados para delinear sua hipótese e portanto, não podia vislumbrar aldeias Terena
convivendo com uma multiplicidade religiosa. O que não desapareceu ainda foi a
característica de inconstância religiosa, segundo o que comentaram os pastores em seus
depoimentos. Conforme esse depoimento, alguns patrícios buscaram nas igrejas da
UNIEDAS uma ajuda financeira e/ou alimentar, dentre outras demandas.
67
A questão da inconstância religiosa é muito importante. Foi a partir desta categoria
que primeiro ALTENFELDER SILVA (1948) e mais tarde OLIVEIRA (1976) lançaram as
pistas de que o cristianismo enquanto doutrina ideológica não tinha atingido um grau de
consistência que permitisse aos missionários conceituar definitivamente um Terena de fato
como católico ou crente. OLIVEIRA presenciou situações que definiram as conversões
mais como instrumentos políticos dos índios para suprir suas necessidades junto aos
missionários e a sociedade envolvente como um todo, do que como satisfação espiritual.
Este último estudioso observou que, fosse o Terena
crente ou católico obedecia a compulsões de caráter essencialmente
político, apenas racionalizadas em têrmos religiosos. (..) A verdade
é que a auto-identificação religiosa nesses Terêna, divididos em
grupos antagônicos, tem um componente político indisfarçável.
(OLIVEIRA, 1968, p. 116-7).
Pelos estudos desenvolvidos por esses estudiosos já citados, bem como por outros
que aparecerão ao longo deste texto, pode-se afirmar que essa característica de
inconstância religiosa não é uma particularidade da cultura da etnia em estudo. Pelo visto,
essa inconsistência vem sendo visualizada desde os primeiros contatos dos missionários
europeus com os diversos povos indígenas, isto porque a utilização desta categoria é datada
no século XVIII, no Sermão do Espírito Santo do Padre Antônio Vieira. Entretanto, foi
recuperada e reelaborada por Viveiros de Castro (1992), quando comparou os indígenas
inconstantes com um vegetal (a murta), que precisava diariamente de cuidados de
jardinagem, caso contrário retomavam a forma original. Isto significaria que voltariam as
práticas xamanísticas. A moral da história, baseada no sermão do Pe. Antônio Vieira,
jesuíta do século XVI, era de que, aos inconstantes toda a atenção deveria ser dispensada
até que se convertessem ao estado do mármore - sempre bem talhado e constantemente
uniforme. O que o Padre nã o esperava é que seus vegetais tivessem suas próprias formas.
Os índios tinham visões do mundo, de religiosidade e eram atores sociais com condutas
próprias.
Os Terena, convertendo-se ao protestantismo passavam a incorporar valores
culturais ocidentais tais quais os missionários norte-americanos viam e viviam. Dentre
eles, as novas necessidades de consumo oriundas desse encontro. Nas atas consultadas foi
interessante observar como se posicionaram em suas assembléias: deixavam transparecer
esse novo modo de ser, dito civilizado, rejeitando suas práticas tradicionais. Esta situação
de rejeição já havia sido denunciada por outros pesquisadores:
68
As interpretações nativas não são analisadas, apenas rejeitadas em
bloco enquanto expressões de satanás. As práticas simbólicas são
quase sempre descritas como partes do “sistema opressivo” que
mantém os nativos em “estado de temor espiritual permanente”.
Diante disto, a destruição cultural aparece como a única alternativa
para libertá-lo de satanás (..) Mesmo que divirjam quanto a
finalidade atribuída à intervenção “protetora”, indigenistas
clássicos e missionários entram em sintonia quanto à inexorável
“integração” dos índios à cultura dominante”. (..) a integração é
necessária pois “reflete o senso comum a respeito da fragilidade
das culturas minoritárias diante da tecnologia, dos sistemas de
representação político-administrativos, dos saberes, etc... da
sociedade majoritária. (..) Os missionários evangélicos “ou
simplesmente recusam a diferença cultural, ou negam o estatuto de
humano aos não revelados”.(..) Mas, como os homens só se tornam
iguais (diante de Deus) quando revelados e como meta das missões
de fé é tornar a todos iguais, é necessário civilizar os povos tribais.
(GALLOIS e GRUPIONI, 1999, p.108-9)
Desta forma, observou-se que a nova visão dos “crentes” rejeitava o conjunto de
manifestações culturais da tradição étnica.
Os Terena crentes, ou pelo menos suas lideranças, pareciam perceber que a eles
estava reservada a tarefa de continuar a evangelização e a direção da Missão evangélica
nacional. Aos poucos, e desde a década de 1960, os missionários norte-americanos
iniciaram o processo de instrução/preparação do quadro de lideranças indígenas
evangélicas. Gradativamente, os índios “crentes” assumiram o compromisso da
evangelização. De sua parte, as lideranças indígenas pretendiam-se superiores aos outros
grupos étnicos que objetivavam evangelizar e apesar de temerosos com relação aos
obstáculos, principalmente os financeiros, assumiram a empresa.
Percebeu-se ainda, a partir de outros trabalhos acadêmicos, sobre etnias
diferenciadas, que essa característica da superioridade é muito comum entre os povos
indígenas. E, portanto, não é uma característica peculiar à etnia Terena. O povo Waiwai
cristianizado, também se representa enquanto etnia superior diante daqueles povos que
desconhecem o cristianismo. Um estudioso informou que esse povo formulara um duplo
objetivo para a evangelização de outras etnias.
Oferecer aos índios isolados a salvação física e espiritual, levando-
os remédios alopáticos e a “palavra de Jesus Cristo”. Estas
intenções estão fortemente imbuídas de um sentido cristão, mas
também de uma lógica da cultura waiwai que coloca os outros
grupos indígenas (e mesmo os brancos) numa escala inferior de
69
socialização e humanidade (ao mesmo tempo em que possuem
recursos cobiçados) e, por isso, devem ser “waiwainizados”, nas
palavras de Howard (1990). (QUEIROZ, 1999, p. 277)
Com os Terenacrentes” essa suposta superioridade em relação a outros grupos
étnicos manifesta-se a partir de algumas diferenciações. A primeira diferença é que através
do longo convívio com os missionários norte-americanos, apropriaram-se da escrita. Logo,
vêem os outros grupos que mantém a tradição oral, como analfabetos. Essa apropriação do
saber tinha repercussão também na sociedade nacional onde não apenas uma parcela do
povo é analfabeta, mas sobretudo a escolaridade é um dos pré-requisitos para a ascensão
social. Além disso, distinguem-se dos não-crentes pela forma de trajar-se e comportar-se.
Geralmente, usam roupas sociais para freqüentar os cultos. Os trajes denotam as diferenças
sociais entre os membros da igreja, pois as lideranças “crentes” se trajam sempre com
muito rigor. São muito educados e polidos no tratamento com os não-índios. Até a sua
postura física e facial os distingue. São altivos, visíveis e um tanto quanto arrogantes. Suas
habitações também são destacadas das demais. Dessa forma, os Terena “crentes” foram, ao
longo da conformação da UNIEDAS, configurando um certo padrão que legitimou seu
olhar discricionário perante os demais e vice-versa.
Neste caso, dos contatos estreitos com os missionários evangélicos norte-
americanos resultou o fortalecimento da auto-estima do grupo indígena “crente” e de suas
lideranças, que se consideraram cultas e preparadas para conviver com os demais
brasileiros e dirigir a Missão nacional. Os “crentes”, em geral, se utilizam da dupla
identidade: a de índio e de brasileiro; aprenderam a conviver com ambas. Quando julgam o
outro como não-civilizado, estão invocando sua identidade de brasileiro. Este tipo de
representação pode ser observado nas atas e um caso ilustrativo é o registro de um
missionário cuja atuação em um campo avançado
13
destinava-se a iniciar um trabalho
evangelístico com os índios Pareci e Tubarão, na região de Rondônia. O missionário, em
assembléia, referiu-se a estes povos enquanto etnias que ainda viviam em estágio
primitivo. (ATAS, 1979, p. 46b)
A utilização das categorias - primitivo, civilizado, superior - entre outras,
demonstra que os Terena têm incorporado, da sociedade envolvente, os mesmos
preconceitos de que historicamente têm sido vítimas. Talvez seja oportuna outra
comparação dos Terena com os Waiwai. Estes últimos índios estão longe de aperceber-se
13
São considerados campos avançados aqueles trabalhos com outras etnias.
70
de que reproduzem, com outras etnias, a representação estereotipada que a sociedade
brasileira criou sobre eles.
Hoje “evangelizados”, “crentes”, consumidores da medicina
ocidental, se sentem superiores aos outros grupos étnicos que não
tiveram acesso a este “mundo eterno” e que vivem na escuridão
das matas, das trevas. Por isso, sentem-se, como os missionários,
com o dever de salvar os “pobres” índios isolados., procurando-os
no meio da selva a fim de levar até eles os medicamentos que os
salvarão da doença e do evangelho que os salvará do medo e dos
pecados, transformando-os em seres imortais. (QUEIROZ, 1999, p.
279).
Entretanto, essa influência religiosa de nada adiantaria se os Terena crentes não
tivessem uma predisposição aos contatos mais estreitos e se não fossem capazes de
apropriar-se dos discursos e dos espaços sócio-políticos da sociedade contatada. Isto quer
dizer que esta condição de se adaptar e incluir-se em outros espaços societários foi
fundamental para a sobrevivência física e cultural da etnia e fazia parte de suas pautas
culturais de contato, apresentadas no primeiro capítulo. Ultimamente, a sociedade
envolvente está sentindo a presença dos Terena através de sua política ousada de ocupação
de espaços.
Esse despertar do movimento indígena deve Ter influenciado muito esta etnia.
Provavelmente, já no período da discussão e aprovação do Estatuto do Índio (1970-73), os
Terena “crentes” se aperceberam da necessidade de criar outras alternativas de convívio,
além das que vinham desenvolvendo. Tanto é que nã o ficaram apegados somente à
assistência religiosa da SAIM. Assumiram a evangelização dos indígenas sul-americanos e
criaram, conjuntamente com a SAIM, seu próprio instrumento de reprodução evangelística
UNIEDAS - e aos poucos foram forjando-a e apropriando-se de sua estrutura.
Todavia, nota-se, a partir da década de 70, uma grande inserção dos Terena na
sociedade brasileira. São funcionários públicos, advogados, enfermeiros, porteiros de
hotéis, empregadas domésticas, vereadores, administradores da FUNAI, entre outras
ocupações. Foram de um lado estimulados pela conjuntura favorável de apoio da sociedade
civil à causa indígena e de outro, pela política da UNIEDAS de projeção de lideranças em
todos os espaços, permitidos, da sociedade brasileira. Enquanto outras etnias optaram por
manter-se afastadas desses espaços ou utilizar-se de outros instrumentos para prosseguir
sua luta pela sobrevivência física e cultural, os Terena e principalmente os crentes,
71
optaram por ocupá-los. Para tanto, participaram da criação da União das Nações Indígenas
(1979)
14
; criaram a Associação Kaguateca; infiltraram-se na administração regional da
FUNAI, com sede em Campo Grande; ocuparam espaços nos parlamentos municipais e
nos serviços públicos. Esses espaços políticos, administrativos e institucionais, bem como
a apropriação lenta da UNIEDAS, foram conquistados a partir da potencialização dos
Terena enquanto sujeitos históricos, estatuto recentemente reconhecido pela historiografia
brasileira.
Essa influência das Igrejas protestantes, e principalmente da UNIEDAS, enquanto
facilitadora de contatos no plano político já foi visualizada por outra pesquisadora desta
etnia. Estudando a aldeia de Bananal, AÇÇOLINI afirma que as igrejas pentecostais,
dentre elas a UNIEDAS,
tem exercido uma influência importante no plano político. (...) os
adeptos da aldeia se voltara à política de forma mediada pela
igreja: esta tornou-se uma grande formadora de opinião neste
aspecto e grande aliada daqueles candidatos, tanto do interior da
aldeia quanto da cidade, que conseguem seu apoio, carregando
consigo um número razoável de eleitores. (AÇÇOLINI, 1996, p.
64)
É interessante esta observação da estudiosa supracitada, principalmente para
constatar-se que prevaleceu até a atualidade essa influência partidária das igrejas
protestantes nas disputas externas e internas da sociedade indígena.
Ficou evidenciado, pelas nossas pesquisas, nos documentos da Missão nacional,
bem como nos depoimentos orais de seus pastores, que os Terena crentes buscaram afirmar
sua presença enquanto missionários no desenvolvimento do protestantismo entre os demais
Terena e as outras etnias. Suas argumentações, no entanto, chegam ao ponto de
contradizer-se. Afirmam que sua presença no quadro de missionários foi imprescindível
para diminuir as barreiras culturais enfrentadas pelos missionários estrangeiros. Neste
ponto, contradizem-se porque ser índio não é o mesmo que ser Kadiwéu, Bororo, Xavante.
Cada grupo étnico tem suas características, sua cultura, seus costumes, seus idiomas, seus
valores, suas manifestações religiosas, etc. Então, mais uma vez percebe -se que os Terena
crentes utilizamse da categoria índio, criada pela Política Indigenista, na década de 1930,
para justificar sua intermediação entre missionários norte-americanos e etnias brasileiras.
Observa -se nesse procedimento, a amplitude do fosso das desigualdades entre estes índios
14
A UNI foi criada em 1979, no município de Aquidauana-MS, em uma reunião de etnias, na qual um dos
grupos majoritários era o dos Terena.
72
transmudados em missionários, com valores e concepção de mundo condizentes com o
cristianismo, ou seja, com os valores eurocêntricos e os demais.
É possível afirmar que o discurso dessa pseudo-semelhança entre os povos
indígenas faz parte da leitura dos missionários, cujas instituições tinham o objetivo de
homogeneizar o mundo através de uma concepção cristã. E também que algumas
instituições sentissem a necessidade de quadros nativos para o êxito de seu trabalho.
Contudo, no caso em questão, é interesse dos Terena propagar esta idéia de que os choques
culturais são amenizados pela presença dos índios missionários. Com certeza os Terena
“crentes” introjetaram e reorganizaram à sua maneira esta idéia de que os choques culturais
são amenizados pela presença dos índios missionários. Por isso mesmo essa idéia continua
muito presente nos discursos das lideranças da UNIEDAS, como a que se segue:
Hoje nós temos em ata a prova real dessa situação. Eles
trabalharam entre nós até 1971, eles só organizaram seis ou sete
igrejas durante todo esse tempo que trabalhou. Pela dificuldade
logicamente, cultural, então é um trabalho altamente transcultural,
né e o que acontece. Ficaram quanto tempo e nós de 72 até aqui
estamos com 24 igrejas não só entre os Terena, Xavante, Pareci,
Bakairi, Suruí e Tubarão. Em 28 anos de existência basicamente
nas mãos dos índios, conseguimos fazer essa transformação entre
sete igrejas, para 24 igrejas, fora as congregações entre outros
grupos que aceitaram a Cristo mas não tem ainda uma igreja
consolidada. Então a prova está aí. Então de fato o índio usando o
próprio índio pra evangelização do próprio índio a facilidade da
conversão é bem maior, bem maior.” (Depoimento n.º I, 03/06/00,
p. 04)
Além deste trabalho “altamente transcultural”, a intermediação entre missionários
estrangeiros e índios não civilizados pelos missionários nativos é justificada de várias
outras formas. Primeiro porque os missionários estrangeiros necessitavam dos “índios
mansos” para atrair os “selvagens”, em benefício da segurança dos agentes não-índígenas e
garantindo maior eficácia no empreendimento. Depois pelo fato que esta preparação
transcultural evitava a necessidade do deslocamento e sustento de novos missionários
estrangeiros. (GALLOIS e GRUPIONI, 1999, p. 87)
Em outro trecho, o depoimento refere-se aos choques culturais ocorridos entre os
missionários norte-americanos e os Xavante. Esse conflito se deu no momento em que a
SAIM resolvera investir na formação dos quadros indígenas. Para os Terena, este conflito
reforça a hipótese da necessidade da sua intermediação, acima exposta.
73
Iniciou esse trabalho entre nós através da SAIM (South American
Indian Mission), deram problemas nas aldeias xavantes e então nos
idos de 60 houve uma denúncia dos índios contra a Missão
Americana e eles saíram expulsos das aldeias. Então isso, como
eles trabalhavam com nós acharam por bem que nós como Terenas
fizéssemos um trabalho de frente. Nascesse um trabalho entre nós,
de que o índio tivesse as rédeas do trabalho evangélico no Brasil,
que nós organizasse. (Depoimento n.º I, 03/06/00, p. 1)
As palavras do ex-presidente da Missão UNIEDAS e atual Pastor da Igreja
Evangélica Indígena de Taunay justificaram a tomada de posição das lideranças
evangélicas Terena, enquanto índios já civilizados
15
e dispostos a civilizar outros povos.
Está evidente que esse discurso é mais uma tentativa de colocar os Terena como povo
certo, no lugar certo. Todas as lideranças entrevistadas tentam demonstrar que o processo
de autonomia da UNIEDAS mediante a SAIM foi “natural” e seguiu um curso que não
tinha retorno e não teria “progresso” sem a participação e colaboração desses indígenas.
No próximo capítulo se demonstrará como foi o processo de conformação das
instâncias de poder da UNIEDAS e o fortalecimento das lideranças Terena que
paulatinamente, apropriaram-se dessa Missão nacional.
15
Quando refere-se ao conceito de civilização, quer dizer que os Terena já vivem e organizam-se aos moldes
da sociedade capitalista ocidental apesar de não perderem sua identidade étnica. Quer dizer que além dos
costumes e dogmas cristãos os missionários evangélicos trouxeram consigo os valores da sociedade
capitalista que foram quotidianamente inserindo-se entre os índios alcançados. Isso não quer dizer que os
únicos civilizadores foram os missionários. Os não índios, do seu entorno, também serviram como agentes
nesse processo.
74
CAPÍTULO III
O fortalecimento das lideranças Terena e a apropriação
definitiva da UNIEDAS
75
Abrindo os arquivos da UNIEDAS
A intenção deste capítulo é demonstrar como as lideranças Terena crentes se
fortaleceram no processo de apropriação da missão UNIEDAS, enquanto instrumento
político-religioso, relacionando-o com os elementos conjunturais externos e internos às
aldeias. Para tanto, serão utilizadas fontes, fornecidas pelos “crentes”, que cruzadas entre si
fornecerão um panorama geral e processual. São elas: Os Estatutos da Missão e das igrejas
arroladas, o Livro de Atas, a Orientação aos Candidatos ao Batismo e os depoimentos de
cinco lideranças atuais da missão.
A primeira Constituição da UNIEDAS foi elaborada e aprovada em assembléia
geral, logo após sua criação em 1973. Segundo seus dirigentes, havia uma predisposição
imediata de dar organicidade à entidade registrando-a em Cartório. Com o ato de
reconhecimento legal pelo Estado Nacional a Missão assemelhava-se às demais entidades
civis e religiosas. Por outro lado, era reconhecida pela sociedade envolvente. Essa postura
expôs o interesse imediato dos missionários da SAIM e da UNIEDAS no reconhecimento
da Missão evangélica nacional exclusivamente dirigida pelos indígenas.
Dessa forma, a UNIEDAS foi composta pelas Igrejas independentes até então,
organizadas pelos missionários norte-americanos. Ao todo estiveram na Assembléia de
Organização da Missão nacional, realizada na Igreja Evangélica de Taunay, onze igrejas:
Nesta data se fizeram presentes, as seguintes Igrejas com seus
respectivos representantes: Igreja Evangélica da aldeia de Córrego
do Meio (..), no município de Cidrolândia. Igreja Evangélica de
Água azul- Município de Anastácio (..). Cidade de Anastácio (..)
Igreja Evangélica do Limão Verde (..); Igreja Evangélica da
Lagoinha (..). Igreja Evangélica de Taunay (..). Igreja Evangélica
de Água Branca (..). Igreja Evangélica de Ipegue (..). Estes lugares
são localizados no município de Aquidauana. Igreja Evangélica de
União (..). Igreja Evangélica de Argola (..). Igreja Evangélica de
Moreira (..) cujas localidades, se encontram no município de
Miranda. (ATA, 1972, p. 1-2)
Cada uma das igrejas arroladas possuía sua organização interna, que posteriormente
à formação da UNIEDAS foi padronizada de acordo com o modelo de Estatuto da Missão
nacional. Cada Conselho deveria ser imediatamente composto e montar sua mini-
constituinte. Aos seus membros competia redigir o Estatuto de acordo com as diretrizes da
76
Constituição da UNIEDAS, para depois colocá-lo à apreciação dos seus membros que
deveriam analisá-lo e aprová -lo.
As fontes fornecidas pela Missão nacional foram: “A Constituição e Ordem da
União das Igrejas Evangélicas da América do Sul- Da Origem e Caráter da Nossa
Missão” (1997), que se subdivide em: 1) Estatuto da União das Igrejas Evangélicas da
América do Sul; 2) Informação para os Candidatos ao Batismo; 3) Emendas da
Constituição da UNIEDAS; 4) Resoluções da Assembléia da UNIEDAS; e 5) Regimento
Interno. O primeiro documento contém as diretrizes doutrinárias da Missão e das igrejas
locais, o segundo versa sobre os requisitos exigidos dos candidatos ao Batismo, o terceiro
ressalva as emendas elaboradas pelas comissões estatutárias e aprovadas nas assembléias
gerais da Missão, o quarto expõe as resoluções formuladas nas assembléias e o último que
foi elaborado com a intenção de homogeneizar o comportamento das igrejas arroladas,
explicita como essas igrejas locais deveriam se reger internamente.
O Livro de Atas (1972-98) fornece um painel de como de fato organizou-se a
entidade: seus anseios, suas atividades, suas decisões, suas discussões, a construção de suas
lideranças locais e centrais, as dificuldades cotidianas de cada igreja em relação à
disciplina de seus membros, etc. Esses relatos do cotidiano da Missão como um todo e das
Igrejas, em particular, comparados com as diretrizes teóricas dos Estatutos, permitem
abrangências mais reais da sua estruturação e organização. As Atas da UNIEDAS contém
os relatos de três décadas de assembléias Gerais, ordinárias e extraordinárias, da
UNIEDAS e, portanto, abarcam todo o processo de conformação, da ruptura com a SAIM
e da construção da autonomia da Missão.
A Orientação aos Candidatos ao Batismo apresenta um modelo disciplinar para a
conduta do convertido após o Batismo, modelo esse que é conservado até hoje; percebe-se
porém, que em linhas gerais dá sinal de sua própria superação frente às novas situações
conjunturais internas e externas às áreas indígenas. Um desses sinais, a título de exemplo,
foi observado na parte que orienta os candidatos com relação às práticas tradicionais da sua
cultura, tidas inicialmente, pelos missionários da SAIM, como espíritas e, portanto,
satânicas. As primeiras orientações referem-se às práticas de danças e manifestações
xamanísticas e vão no sentido de coibir a participação dos convertidos. Para as lideranças
protestantes, esse conjunto de procedimentos e comportamentos que ligavam e
identificavam o grupo étnico tornavam-se entraves à cristianização.
Neste sentido, percebe-se que as orientações explicitadas neste documento estão
desfocadas da prática dos crentes hoje, bem como de suas lideranças. Provavelmente,
77
porque da década de 80 aos nossos dias, os movimentos indigenistas e indígenas colocaram
em cheque muitas de suas visões e concepções de organização, aprofundando-se o debate
sobre o resgate da cultura tradicional enquanto elemento potencializador e reforçador da
identidade étnica. Portanto, as atuais lideranças crentes estão constantemente em busca de
espaços sócio-políticos na sociedade nacional e utilizam-se dos discursos antropológicos
para conquistá-los jamais ficando alheias a essa discussão. Tanto isso é verdade, que além
de acompanhar e difundir o debate de reconstrução e reforçamento identitário estão
exteriorizando, através de ações concretas, mesmo que isoladas esta compreensão e
engajamento. Um exemplo recente, foi a apresentação da Dança do Bate-Pau, tradicional
em suas comemorações e temporariamente esquecida, no Campus de Aquidauana/UFMS,
na Noite Cultural do Curso de Pedagogia - 2001. De um grupo de quarenta e dois Terena,
entre católicos, crentes e não-cristãos, destacaram-se alguns homens e mulheres para
apresentar-se ao público. Além da apresentação em si, que já vem sendo realizadas em
vários locais público e privado, o interessante é que o mobilizador e organizador foi um
pastor da UNIEDAS; aliás um dos depoentes deste estudo e provavelmente um dos
defensores do resgate e preservação cultural. Este pastor foi criado fora da área indígena e
atualmente reside em uma aldeia entre os municípios de Dois Irmãos do Buriti e
Sidrolândia. Atualmente, é membro da mesa diretora da Junta Administrativa da
UNIEDAS.
Todavia, não se pode generalizar essa capacidade de flexibilização da disciplina dos
“crentes”, porque alguns líderes idosos jamais concordariam com tal situação. Também,
neste aspecto, poderá se dizer que há uma hierarquização dessa percepção e isto faz com
que se crie um espaço de debates internos na UNIEDAS, de posicionamentos frente a esta
conjuntura. Isto quer dizer que nem todas as lideranças das igrejas locais e da Missão
concordam com a revitalização da cultura tradicional Terena. O que é compreensível, pois,
esta poderá tomar um rumo revisionista que proponha a desconstrução do protestantismo
proselitista. Nesta reflexão revisionista viriam à tona as manifestações xamanísticas que
provavelmente, inviabilizariam a concepção cristã da sociedade externa. Daí observar-se,
através dos relatos das atas, momentos de avanço e retrocesso a cerca desta discussão. Este
debate interno aponta pistas das tendências que permearão as discussões nas próximas
décadas deste milênio: a) debate coletivo em torno de uma única manifestação religiosa
que, atenderá ao mesmo tempo, as demandas espirituais e terrenas dos Terena; ou, b) a
cristalização das posições de cada grupo e a forjação de estratégias de convencimento
àquelas pessoas que ainda não tenham posição definida. De acordo com o que se pode
78
averiguar, apesar da flexibilidade com relação a algumas situações conjunturais, os Terena
“crentes” têm muita convicção acerca do seu papel de expandir o protestantismo e
dificilmente permitirão a perda desse espaço religioso que também é político, e lhes
proporciona ascensão e inclusão nas sociedades Terena e na brasileira, respectivamente.
Os depoimentos das lideranças atuais da UNIEDAS e das Igrejas locais, foram
utilizados mais como fontes explicativas e informativas, de questões não elucidadas e
como ferramenta para a apreensão atual da representação que as lideranças pretendem
cristalizar. Portanto, foram lidas, na sua essência, como representações de um grupo
crente, acerca do seu papel no mundo, na sociedade brasileira e na sociedade Terena.
Representações essas, que objetivam sedimentar a visão de mundo do ponto de vista do
protestantismo indígena, originário do protestantismo de invasão dos Estados Unidos.
Portanto, conclui-se que o corpus analisado cumpriu a função de ajudar a responder
a problematização objeto desta pesquisa. Quer dizer, apesar de constituir-se num acervo
documental legitimador e justificador do trabalho dos missionários da SAIM pelos
missionários indígenas da UNIEDAS permitiu, também à pesquisadora, uma leitura
contrapelo na tentativa de apreender o significado da apropriação do discurso pelos Terena.
Desta forma, pode-se afirmar que os Estatutos foram instrumentos legitimadores e
inauguradores do processo de transição do trabalho evangelístico dos missionários norte-
americanos para os Terena “crentes”, enquanto a UNIEDAS foi o símbolo da apropriação
do discurso e da estrutura de reprodução do protestantismo proselitista. A partir de 1972,
os Terena tornaram-se, em tese, os dirigentes da evangelização, apesar de na prática ainda
serem conduzidos pela SAIM, que permanecerá no meio deles até o ano de 1993.
Instâncias de poder da UNIEDAS e das Igrejas arroladas
Segundo o modelo de gestão da UNIEDAS, o poder central estava concentrado na
Junta Administrativa que o descentralizava através das assembléias gerais. Por sua vez, nas
Igrejas locais o poder também se centralizava no Conselho da Igreja e diluia-se na
representatividade da comunidade evangélica. No conjunto, as instâncias de poder são
compostas por: 1) a Junta Administrativa; 2) a Comissão de Interligação; 3) as Comissões
estatutárias, também denominadas especiais; 4)o Conselho de Igreja; e 5) as assembléias
gerais locais e da Missão. Dar-se-á uma visão geral sobre essas instâncias.
79
A Junta Administrativa, composta exclusivamente pelas lideranças indígenas
crentes, tinha a função de executar a política determinada pela assembléia geral e assumir
as responsabilidades do corpo administrativo da UNIEDAS. Era formada pelos cargos a
seguir destacados: presidente, vice-presidente, secretário geral, tesoureiro e secretário-
executivo. Seus membros eram eleitos pelo voto universal dos delegados representantes
das Igrejas evangélicas arroladas. Todavia, paralelamente a essa instância de poder,
constituiu-se outra - a Comissão de Interligação, que será apresentada posteriormente.
Para compor a primeira Junta, foram escolhidas lideranças que já se destacavam no
cenário evangélico enquanto pessoas públicas da Missão, desde os anos 60. Essas pessoas
tinham formação teológica de nível superior e de acordo com o discurso dos “crentes”,
eram descendentes diretas dos fundadores e divulgadores do Evangelho. Por isso foi
possível, através das atas, fazer uma exposição da concentração do poder político-religioso
da UNIEDAS em mãos de uma única família, por quase três décadas. Entretanto, está
ressalvada nos Estatutos e relembrada nas atas, a possibilidade real de mobilidade
hierárquica a todos os membros ativos da UNIEDAS. Quer dizer, em tese, qualquer
membro poderia ascender dentro da hierarquia da instituição, desde que conseguisse
construir seu espaço e acesso. A coerência legal seria que os membros que respeitassem
rigorosamente os artigos de fé poderiam tornar-se líderes.
No campo religioso, as atas evidenciaram que as lideranças protestantes não
emergiam a partir de decretos ou resoluções estatutárias. Elas tinham que minimamente
destacar-se e galgar espaços na sociedade indígena. Faz-se importante ressaltar que muitas
vezes quem respondia pela função nem sempre detinha o poder de fato, podendo ser uma
caixa de ressonância de vontades alheias. No caso de algumas lideranças da UNIEDAS,
verificou-se o destaque político-religioso de pessoas que de fato dirigiram e que
mantiveram até a atualidade uma forte carga de poder, se tornando pessoas públicas desta
instituição.
O único instrumento de coibição parcial de indicações políticas para as direções dos
organismos de poder da Missão eram as eleições diretas e universais. Mesmo assim
percebeu-se a força que algumas lideranças exercitavam na formação das chapas
concorrentes. Os candidatos eram submetidos ao pleito eleitoral que era decidido pelo
maior número de votos dos delegados representantes das Igrejas locais. Os delegados
participantes das assembléias também eram escolhidos pelas assembléias locais. A pista
fornecida pela documentação analisada é que o número de delegados por Igreja era
determinado pelo número de membros inscritos no Livro de registros dos membros ativos
80
ou devidamente observados no caso de disciplinamento. Entretanto, não foi possível
detalhar o critério devido à ausência de informações adequadas.
Estatutariamente, a Junta Administrativa deveria reunir-se trimestralmente, ou em
caso de urgência, a qualquer momento devidamente notificado. A cada membro
correspondia uma função determinada. Ao presidente e ao vice-presidente competia
presidir as assembléias gerais e as reuniões da Junta, bem como, representar a instituição,
interna e inter-eclesiásticamente, em eventos civis e sociais; aos secretários correspondia a
função de manter a Missão burocraticamente em dia; aos tesoureiros era designada toda a
parte contábil que deveria ser rigorosamente apresentada à Junta e à assembléia para
devida aprovação; ao secretário executivo competia visitar periodicamente as Igrejas
locais, transmitir as decisões das assembléias gerais e da Junta Administrativa, mediar
problemas internos às igrejas e promover a unidade da UNIEDAS. Nessa composição não
foram observadas aquelas denominações inspiradas na organização tradicional da
sociedade Terena.
O poder da Junta Administrativa foi dividido, até o início da década de 90, com a
Comissão de Interligação formada pelos representantes da SAIM no Brasil e pelas
lideranças da UNIEDAS. Esse espaço na verdade já existia na prática, porém, os
representantes da SAIM preferiram institucionalizá-lo, talvez para dar visibilidade e
demarcar espaço de poder. Sua principal atividade era elaborar uma política administrativa
juntamente com as lideranças indígenas. Todavia, as atas realçaram a importância política
dos missionários estrangeiros na organização e financiamento da obra missionária
indígena, da Missão nacional.
Quando da constituição da UNIEDAS, essa Comissão foi gestada a partir das
reivindicações de inclusão dos missionários da SAIM na continuidade do trabalho
evangelístico. Os norte-americanos fundamentados no princípio de que as duas instituições
tinham as mesmas metas - evangelizar todos os povos indígenas da América do Sul -
solicitaram a criação desta instância de discussões, elaborações e decisões. Atualmente,
esta Comissão não é muito realçada pelas lideranças indígenas, o que é bastante
compreensível se aceitarmos que as sociedades recordam de acordo com suas necessidades
e anseios. E que a memória tem suas próprias funções e, portanto, os Terena crentes
representam o processo de apropriação de acordo com seus interesses e com o objetivo de
sedimentar uma representação evangélica e cristã, tida como indígena. Formou-se uma
parceria de abrangência continental, entre a Missão norte-americana e a brasileira indígena.
81
Além da Comissão os representantes da SAIM participavam efetivamente de todas as
atividades desenvolvidas pela UNIEDAS e atendiam também os campos avançados.
Na década de 80, à Comissão de Interligação (UNIEDAS + SAIM) somou-se uma
terceira instituição - a Missão Evangélica Unida (MEU), que se integrou a partir das
relações de ajuda estabelecidas com o Presidente da UNIEDAS, na época. Aquele, após
uma visita à Alemanha, em busca de verbas para o trabalho missionário, trouxe consigo
essa nova parceira, entidade de origem alemã, que investiu na reforma do Instituto Bíblico
“Cades Barnéia” e na reforma e ampliação da Escola Evangélica “Lourenço Buckman”,
situada em Taunay. Adquiriu com seus recursos a Chácara União que, depois da autonomia
da Missão UNIEDAS, foi incorporada ao seu patrimônio. A missão alemã perseguia os
mesmos objetivos da SAIM - evangelizar os povos indígenas da América do Sul. De
acordo com as atas, permaneceu entre os Terena após a ruptura desses com a SAIM,
auxiliando nos campos avançados.
As Comissões Especiais formavam outro organismo de poder e tratavam
basicamente das mudanças estatutárias. Eram essas comissões que formulavam os
instrumentos legais para as práticas desenvolvidas. A primeira comissão da história da
Missão nacional foi responsável pela elaboração dos estatutos. Dessa fizeram parte quatro
Terena e um norte-americano. Todos os seus componentes indígenas estiveram também
destacados na formação da primeira Junta Administrativa. Eram formadas geralmente, por
pessoas que se destacavam na Comissão de Interligação (missionários estrangeiros e
indígenas) e que a partir destas participações iam construindo e ocupando espaços de
lideranças. Com certeza eram indicadas pelas lideranças estabelecidas. Observou-se que o
poder de elaboração, proposição de idéias e argumentação aos delegados, proporcionava
aos constituintes um destaque frente aos demais crentes, elevando-os ao status de
lideranças em potencial. Dessas comissões saiam os membros que aos poucos ascendiam
aos cargos de direção da UNIEDAS.
No âmbito das igrejas locais, a principal instância de poder era o Conselho da
Igreja, composto pelo Pastor (Presidente), pelo secretário e pelo Tesoureiro, além dos
anciãos e dos diáconos. A principal função do Conselho era organizar e dirigir as
atividades diretas com a comunidade evangélica. Seus componentes eram eleitos pelas
assembléias locais e a cada um correspondia uma respectiva função: ao pastor competia a
direção espiritual e administrativa da Igreja. Este tinha direitos ao subsídio da igreja, à casa
pastoral e ao custeio de suas viagens a serviço. Seus deveres, dezenove ao todo,
encontram-se detalhados no Estatuto. Destacam-se: ministrar a palavra; oficiar a benção do
82
matrimônio; acompanhar os trabalhos da sociedade na medida do possível; instruir os
candidatos ao Batismo; entre outros.
Além do presidente, o conselho da igreja tinha o secretário e o tesoureiro. Ao
primeiro competia organizar a documentação e ao segundo as finanças. Ambos eram
responsáveis pela organização dos relatórios anuais encaminhados à Assembléia Geral da
UNIEDAS, pelas Igrejas Evangélicas arroladas.
Segundo o Estatuto, os demais membros, os anciãos e os diáconos, eram
considerados oficiais da Igreja. Na ausência de pastores assumia a presidência do
Conselho um ancião, eleito dentre os demais. O pré-requisito para ser consagrado ancião
era que o candidato tivesse experiência de diácono e uma vida de fé e piedade, diante da
igreja. O cargo era eletivo e a consagração feita em Assembléia Geral da Missão, pela
Junta Administrativa e os pastores presentes. Competia ao ancião substituir o presidente,
na sua ausência ou impedimento e prestar assistência integral nos cultos e demais
atividades religiosas. Na prática exercia também a função de conselheiro dos membros da
igreja. O seu cargo poderia ser vitalício, desde que observasse cotidianamente as regras
estatutárias. Para a igreja eleger anciã os era necessário respeitar o seguinte critério: de 01
a 50 membros - 1 ancião; de 51-100 membros - 02; de 101 acima: 03.
O diácono, também membro oficial, deveria ser um membro ativo eleito pela
assembléia de sua igreja. Era empossado pelo Pastor ou Presidente do Conselho, depois de
consagrado em Assembléia Geral da UNIEDAS. Suas principais atribuições eram: zelar
pelos bens móveis e imóveis da igreja; levantar as ofertas durante os cultos; ajudar na
ordem e disciplina do culto. O exercício do seu mandato tinha a duração de dois anos,
podendo ser reeleito.
Outro cargo oficial da Igreja era o de Superintendente da Escola Dominical,
também eleito pela assembléia. Sua função era de planejar, dirigir e acompanhar todas as
atividades de preparação dos futuros batizados. (Estatutos, 1997, p.18-20) Fazendo uma
rápida comparação da função desse cargo eclesiástico e do cargo temporal das Secretarias
de Educação, sejam municipais ou a estadual, observa-se que este cargo corresponde à
segunda pessoa, vindo depois do Secretário de Educação, tamanha a importância desta
instância do Ensino. Isto quer dizer, provavelmente, que para a Missão este cargo
incorporava muito poder. Todavia, por mais poder que tivessem todos os membros dessas
instâncias, do Presidente da Junta ao Diácono da Igreja, todos se subordinavam às decisões
da Assembléia Geral da UNIEDAS, que se constituía, portanto, no fórum mais importante.
83
Organização estrutural da Missão
De acordo com as descrições documentais, a União das Igrejas Evangélicas da
América do Sul constituiu-se numa federação das igrejas evangélicas organizadas
anteriormente pelos representantes da SAIM. Portanto, as demais igrejas, que foram sendo
organizadas posteriormente, deveriam obedecer aos critérios de associação estabelecidos
no Estatuto da Missão. Isso se deu, por exemplo, com a Igreja Evangélica Cristã de
Bananal que não estava presente na Assembléia de fundação da UNIEDAS. Para se
associar teve que solicitar por escrito e ser avaliada segundo os dogmas da instituição.
As novas entidades que alcançavam o status de Igreja, depois de um longo estágio
enquanto congregação, eram avaliadas com relação a estrutura organizacional, a
expressividade do número de membros, a capacidade de auto-sustentação financeira.
Deveria ter um Conselho composto e em funcionamento que assumisse a tarefa de dirigir
doutrinária e administrativamente a entidade religiosa. Ao Conselho, como um todo,
competia a responsabilidade de preservação do patrimônio financeiro e escriturário da
Igreja, bem como, zelar pelo aumento do número de fiéis. Portanto, deveria fazer
prestações de contas financeiras e burocráticas anualmente à UNIEDAS e em menor
espaço de tempo à comunidade evangélica. A federação solicitava aos conselheiros, na
figura dos secretários, uma atenção especial aos arquivos e livro atas e ao tesoureiro, um
livro caixa detalhadamente organizado. Anualmente, a UNIEDAS recolhia esse material e,
através da Comissão de Livros escolhida na plenária e aclamada pelos delegados, fazia a
conferência e elaborava um relatório sobre o material. Ao longo dos anos, segundo os
depoimentos das lideranças, devido à constante mobilidade desse material, esses relatórios,
que deveriam estar em anexo às atas, extraviaram-se. Todavia, mesmo com essa cobrança
sistemática e um acompanhamento, mesmo que precário, do secretário executivo, notou-se
que esses registros nem sempre foram entendidos como necessários pelas igrejas locais.
Enquanto os relatórios foram feitos oralmente, conseguiu-se acompanhar o
cotidiano das igrejas locais, entretanto, depois de 80 a Junta passou a solicitar os relatórios
por escrito. Estes eram lidos na Assembléia e entregues ao Secretário da UNIEDAS, que
mencionava o recebimento e o arquivamento, em anexo. Com essa nova sistemática,
muitas informações perderam-se. Algumas igrejas nem confeccionavam esses materiais ou
por falta de preparo ou prática. Por conta da inexistência de uma sede e arquivos fixos, os
secretários falhavam com sua obrigação de constituir e conservar um acervo documental.
84
Constatou-se, portanto, a ausência de inúmeros documentos, tidos como arquivados.
Parecia ser corrente o hábito dos documentos serem repassados aos presidentes,
permanecendo em sua guarda durante todo o mandato. Atualmente, a Junta está
acomodando-se na Chácara do Instituto Bíblico Cades Barnéia, cujo Diretor é também
secretário geral da Missão.
De convertido a batizado: direitos, deveres e punições
Os depoimentos das lideranças indígenas evidenciaram que as igrejas locais têm
uma freqüência numérica expressiva em seus cultos, que contrasta com os seus registros no
Livro de Rol
16
. A explicação fornecida pelos dirigentes é de que os visitantes não querem
contrair um compromisso institucional e preferem viver na posição de ouvintes. Batizados,
teriam que orar e comportar-se de acordo com os Estatutos.
No entanto, a nossa Igreja tem muita assistência, dos católicos, mas
não tem decisão mesmo. Não é por falta da gente levar a
comunicação não, a escolha é pessoal de ficar naquela posição. A
gente continua desenvolvendo o evangelismo, inclusive fazemos o
discipulado. O discipulado é quando você trabalha com
determinada pessoa. (Depoimento n.º V, 10/04/2000, p.5)
Este depoimento, juntamente com os demais relatos das atas e dos outros líderes,
desconstrói uma representação que está presente no senso comum da sociedade envolvente.
Antes do contato com as fontes, estava certa de que atualmente a UNIEDAS, juntamente
com as outras denominações evangélicas eram numericamente superiores às outras
manifestações religiosas nas áreas indígenas Terena que se denominam católicas.
É bem provável que esta representação tenha sido estimulada pelo grau de
organização e sistematização do trabalho missionário evangélico, principalmente da
Missão, nas aldeias. Todavia, as lideranças indígenas crentes, em seus depoimentos, não
reforçaram-na e demonstraram que estão bem informadas da composição sócio-
econômico-populacional das áreas indígenas onde atuam. Esta discussão compreenderia
uma outra investigação que fica aqui proposta: Os índios não-crentes são católicos em sua
16
O Livro em que o Conselho assenta o nome dos batizados.
85
maioria, ou assim se autodenominam para evitar as possíveis retaliações por parte da
sociedade nacional e dos demais patrícios?
O depoimento supracitado também informa que as igrejas locais desenvolvem
cotidianamente uma prática proselitista sistemática que vai desde o culto, a participação
nos departamentos, na escola dominical, até visitas aos não-conversos, na tentativa de
trazê-los para a comunidade evangélica. Percebe-se que as convocações à conversão são
formuladas constantemente. As pessoas que manifestam o desejo de integrar-se são
convidadas a preparar-se através do Manual de Orientação aos Candidatos ao Batismo,
além de participarem dos cultos e demais atividades.
Este Manual contém os seguintes requisitos de disciplinamento que, como foi
anteriormente mencionado, parte destes encontram-se superados pela prática cotidiana dos
crentes. O candidato teria que adquirir as seguintes habilidades e certezas - sentir-se
realmente convertido; ter conhecimento bíblico; ter como conduta o bom testemunho; e
obedecer a disciplina da Igreja. (Orientação aos Candidatos ao Batismo, 1997, p. 21-24).
Esta preparação tem sido considerada como necessária pelos “crentes” pois, o Batismo
sempre foi considerado um sacramento essencial para a preparação do discipulado para
receber e praticar as doutrinas.
Observou-se que todos os itens do Manual são de cunho disciplinador - o que fazer
e como faze-lo. No último, por exemplo, evidenciou-se a negação e satanização das
seculares manifestações xamanísticas. h) Não tratar com padres feiticeiros, nem com
nenhuma forma de espiritismo. (Orientação ao Candidato ao Batismo, 1997, p. 24).
Segundo uma antropóloga esta orientação ainda no fim da década de 80 era prevalecente.
(CARVALHO, 1996). Provavelmente o seja até a atualidade. Sua principal justificativa,
fundamentalista, fora extraída de um texto bíblico que, refere-se a essa atitude como
desviadora do caminho cristão. Observe-se a passagem:
Entre ti não achará quem faça passar fogo o seu filho ou a sua filha
nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem
feiticeiro, nem encantador de encantamentos, nem quem pergunte
aos mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao
Senhor; e por estas abominações o Senhor teu Deus os lança fora
de diante dele. (ESTATUTOS, 1997, p. 24)
86
Em outra alínea, deste mesmo trecho, observa-se que as recomendações para uma
vida pura e reta estão sendo repensadas pelas lideranças, por não se adequarem mais à
realidade vigente. Então, o ponto que se segue não é mais cobrado com tanto rigor
disciplinar. Na prática, já citamos o exemplo do reavivamento da Dança do Bate Pau.
Algumas lideranças mencionam nas atas que são manifestações culturais reforçadoras da
identidade indígena. Outras ainda acham que não devem ser praticadas por “crentes”.
A título de exemplo prático, destacou-se um deles - acompanhar os trabalhos da
sociedade na medida que for possível. O destaque recaiu sobre este na tentativa de se
demonstrar como a Igreja regulou e acompanhou os trabalhos na sociedade. Na
Assembléia Geral de 1974, foi registrado que os delegados da Igreja Evangélica de Taunay
apresentaram aos delegados das outras igrejas e à Junta, uma médica que desenvolveria,
para todos os Terena daquela área indígena, a assistência a saúde. Através desse relato,
nota-se certamente a força e influência que os “crentes” da UNIEDAS tinham naquela
localidade. A apresentação da profissional tinha um duplo intuito: de um lado expressava o
caráter controlador da Missão sobre as ações cotidianas dos membros daquela localidade.
De outro, realçava a descaracterização dos poderes transcendentais dos médico-feiticeiros,
apesar de ainda persistirem no cenário contemporâneo Terena. (ATAS, 1974, p. 17).
Tanto para o primeiro exemplo, como para o segundo, o que permanece válido é a
vigília controladora da vida dos “crentes por seus pastores que atendem às
recomendações da UNIEDAS. A Missão demonstra, desta forma, que é uma instituição
extremamente coibidora. Seus mecanismos de controle e punição estão destacados na sua
legislação.
Toda sua doutrina dogmática assentava-se nos livros da Bíblia. Os crentes
acreditavam que somente ali se encontrava a verdade cristã. Seguem, portanto, o princípio
fundamentalista, cujo princípio é de sacralidade e infalibilidade do livro sagrado.
Acreditam que o “crente” que estuda a Bíblia ou que escuta a sua pregação é iluminado
pelo Espírito Santo e passa a compreender e internalizar seus ensinamentos. Por isso é que
os missionários norte-americanos investiram desde o início dos seus trabalhos em
alfabetizar os Terena em seu idioma e no da sociedade nacional. Alfabetizados, estes
passariam a manusear a Bíblia individualmente, reforçando a decisão da conversão.
O convertido era considerado pecador quando desobedecia a disciplina reta e justa,
estabelecida pela Igreja. Ela deveria ser pregada a todos indistintamente pois objetivava,
segundo as informações, a correção e readmissão do membro à comunidade. O membro
poderia ser disciplinado através das seguintes modalidades: a) admoestação: continuava
87
gozando de todos os privilégios, porém era advertido a confiar mais no seu Senhor; b)
suspensão: perdia os privilégios durante aquele período e só retornava ao convívio
evangélico quando a comunidade decidia; c) exclusão: deixava de ser membro da igreja
por causa de falta gravíssima. No entanto, continuava sendo alvo da simpatia e das orações
dos membros ativos e caso se arrependesse publicamente, poderia ser reincluído.
(Orientação para o Candidato ao Batismo, 1997, p. 25) Todavia, observou-se que, apesar
da Igreja ser disciplinadora, instituía uma série de alternativas para que os membros se
reconciliassem.
Partindo dessa premissa, verificou-se que a coibição ao pecado era muito forte. Não
só ao Conselho cumpria a função de vigiador, como a toda comunidade evangélica. No
caso de solicitação da reinclusão do membro suspenso ou excluído deveria expor-se
publicamente, confessando o seu pecado para daí a assembléia julgá-lo, readmiti-lo ou não.
Tanto é que o Estatuto prevê que o membro disciplinado só poderá ser readmitido pela
própria comunidade que aplicou-lhe a punição. Outra igreja não poderia recebê -lo
enquanto cumprisse a disciplina. (Estatutos, 1997, p. 14)
Para ser membro de uma Igreja da UNIEDAS, o candidato deveria preencher uma
série de requisitos: 1:- Aceitar Cristo como seu Salvador e Senhor. 2:- Ser batizado nas
águas em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo. 3:- Dar prova pelos seus atos, do
arrependimento de seus pecados e desejar viver uma vida nova de acordo com o
ensinamento da Bíblia. 4:- E seja legalmente casado ou solteiro, quanto ao seu estado
civil. (ESTATUTOS, 1997, p. 12) É interessante ressaltar que tanto o adultério quanto o
divórcio eram extremamente rechaçados pelas lideranças e pelos cânones da Missão
nacional. Entretanto, as atas estão recheadas de exemplos de adultério e provavelmente o
índice de separação entre casais batizados seja expressivo. Todavia, esta é apenas uma
constatação já que não se dedicou uma atenção especial a esses acontecimentos.
Cada aspirante a membro batizado deveria aceitar Jesus Cristo e os dogmas da
Igreja. A conversão era entendida pelas lideranças “crentes como uma opção individual o
que correspondia a um compromisso que ia além da aceitação dogmática. O contrato
individual de fé com a Igreja e com o Deus cristão era sacralizado com o Batismo.
A Missão Pessoal do Espírito Santo: O Espírito Santo regenera e
santifica o crente e substitui a Jesus Cristo na sua obra que realizou
na cruz do Calvário. 1- Em relação ao mundo, veio para convencê-
lo do pecado, da justiça e do juízo, preparando os homens ao
arrependimento. 2- Em relação ao crente, veio para ensinar e guiar
88
o crente no conhecimento de toda a verdade. Ilumina o crente para
compreender a Palavra de Deus. 3- Em relação a Cristo, ele veio
para glorificar e anunciar o que Cristo fez. Jo. 16: 8-11; 17:17-19;
16: 13-14. (ESTATUTOS, 1997, p. 9)
A partir dessa ótica, pode-se compreender o que disse um dos pastores sobre a
conversão como uma decisão pessoal.
A igreja que está querendo que o pessoal se reconheça daquilo que
está passando, que as pessoas devem ter uma decisão pessoal pois
elas estão ali sob o jugo de uma coisa muito triste que é o vício, né,
a bebida; e preferem se jogar naquilo, naquela desgraça ao invés de
chegar e parar e começar um novo caminho. (...) “Pra mim tá bom
eu não vou ter condições de estar dentro de uma igreja”, ele não
leva a tomar uma decisão né, tomar um outro passo, que é viver em
paz, ter a paz, ter a paz da Bíblia. (Depoimento n.º V, 10/04/00, p.
6)
Ficou evidente, desde os primórdios da formação da UNIEDAS que o
procedimento da SAIM e agora dos índios “crentes era atribuir aos indígenas a
responsabilidade pela escolha de seu destino. Caso quisesse receber o estatuto de humano e
de civilizado cada indivíduo deveria, por livre arbítrio tomar a decisão de conversão. De
acordo com as investigações de outros estudiosos essa concepção de livre arbítrio permite,
em alguns casos “desculpar” os selvagens não revelados. (GALLOIS e GRUPIONI, 1999,
p. 103). Esse princípio de opção individual está presente no discurso das lideranças da
UNIEDAS. Vejamos alguns trechos expressivos.
Eu acho o seguinte professora: cada indivíduo tem o seu livre
arbítrio. Cada um escolhe. E por outro lado não há condição de
imposição porque a fé é livre. (..) Nós apresentamos nossa
mensagem tão somente a mensagem que tem o cristianismo, o
evangelho, mas imposição jamais. (Depoimento n.º I, 03/06/2000,
p. 5)
É expressiva também a fala do ancião Adalberto França Dias.
É, na realidade, existem vários tipos de pessoas na igreja. (..) Há
pessoas que convertem e fazem uma decisão real na sua vida.
Recebe Cristo como seu único salvador e procura crescer... (..)
agora tem o tipo de pessoa que vem para o Evangelho, tá na igreja
89
mas não tem interesse, não se alimenta espiritualmente, não lê a
palavra, não estuda.... (Depoimento n.º VI, 30/05/2000, p. 3)
17
Segundo os estatutos, os membros gozariam dos direitos e privilégios, mas ficavam
sujeitos ao cumprimento dos deveres. Seus direitos consistiam em ser amplamente aceito e
acomodado na comunidade evangélica. Os privilégios eram de poder transitar entre as
denominações portando uma carta de recomendação. Em contrapartida, seus deveres eram:
1:- Assistir os trabalhos regulares da igreja. 2:- Contribuir regularmente para a
manutenção da igreja, tal qual como ofertas e dízimos. 3:- Ler a Bíblia, meditá-la orar
diariamente. 4:- Dar testemunho e evangelizar. 5:- Ter a Escritura Sagrada como regra de
fé e prática. 6: - Aceitar toda a decisão da igreja local, tal como exortação e admoestação.
7:- Defender a igreja das doutrinas falsas. (ESTATUTOS, 1997, p. 13)
Dizimar é ofertar ao Senhor!
Como já foi mencionado anteriormente, antes da criação da UNIEDAS, todo o
trabalho evangelístico fora financiado pela South American Indian Mission (SAIM),
através das remessas de verbas feitas por Igrejas norte-americanas que a compunham ou
por aquelas que pretendiam contribuir com a evangelização indígena. Entretanto,
nacionalizado o protestantismo, a Junta Administrativa passou a exercitar o compromisso
dos convertidos em dizimar e ofertar para o alcance da autogestão e autofinanciamento.
Porém, os “crentes” enfrentaram alguns obstáculos práticos, um dos quais foi a falta de
hábito dos dizimistas em custear os trabalhos missionários; outro foi a carência que as
aldeias enfrentavam e enfrentam. Entretanto, estes óbices não emperraram o trabalho
porque até a década de 90, a SAIM continuou financiando-o.
O patrimônio da UNIEDAS também se avolumou devido à parceria com as duas
missões estrangeiras (SAIM E MEU). Construíram o Instituto Cades Barnéia, cuja
estrutura era do antigo Instituto Água Azul; ampliaram as dependências da Escola
Lourenço Buckman, construindo alojamentos para os professores; adquiriram a Chácara
União e ampliaram a rede de ofertas e dízimos para as entidades. Esses investimentos
17
Este depoimento foi feito pelo Ancião Adalberto França Dias, Ancião da Igreja UNIEDAS de Anastácio,
no dia 30/05/2000, em sua casa na Vila Umbelina, próxima a aldeia Aldeinha, localizada na zona urbana de
Anastácio-MS. Foi este Ancião quem forneceu a Carta, de 1963.
90
permitiram à Missão nacional herdar uma estrutura aparelhada quando concluiu-se a
ruptura com a Missão norte-americana.
Somente com o afastamento total da SAIM, a UNIEDAS aplicou,
sistematicamente, a cobrança da décima parte sobre as rendas dos fiéis. A partir daí, a
Junta Administrativa apercebeu-se do patrimônio a ser conservado e expandido.
Apercebeu-se também de que tinham poucas condições para prosseguir a evangelização
junto às outras etnias. De acordo com os depoimentos, principalmente o do Presidente da
UNIEDAS na época da ruptura, a SAIM afastou-se e não deixou possibilidades das
lideranças da Missão nacional contatar as entidades evangélicas que anteriormente
financia vam muitos dos seus trabalhos evangelísticos.
Os missionários das igrejas locais e dos campos avançados (Rondônia e Mato
Grosso) tiveram de incorporar definitivamente, em seu discurso, a contribuição financeira,
sob pena de não poderem continuar se auto-ma ntendo. Todavia, a Junta não ficou parada,
continuou persistindo nas parcerias com outras missões, como vamos verificar no próximo
capítulo.
Organização eclesiástica
Até a década de 80 as lideranças indígenas da UNIEDAS não tinham se preocupado
com a definição da estrutura eclesiástica da Missão nacional. A partir desse momento, com
as demais questões encaminhadas abriram um espaço para enquadrar a UNIEDAS em uma
das formas organizacionais propostas pelo Protestantismo mundial. Dentre as existentes -
episcopal, presbiteriana e congregacional - os representantes das igrejas locais optaram
pela terceira. Inicialmente, a Junta Administrativa propôs um estudo aprofundado sobre as
três formas eclesiásticas que foi realizado por um de seus líderes. A apresentação e
definição da organização eclesiástica ficaram assim documentadas:
Primeiro falou sobre a forma Episcopal cuja forma de
administração é feita por uma pessoa. É uma forma de tirania; em
que membros da igreja não participam da decisão das atividades
cristãs. É uma forma em que uma pessoa fala por todos sem que
ninguém tenha o direito de optar. O maior exemplo da forma
Episcopal é o da igreja romana, em que o papa é o rei de todos os
católicos. Estes não tem direito a palavra. O papa dita os deveres
de seus adeptos sem que estes tenham livre ação contraria a
decisão papal. Segunda forma é a presbiteriana; aqui existe um
91
conselho, composto de presbíteros docentes e regentes estes
administram a igreja local. Acima da sessão da igreja local está o
presbitério, formados por representantes de várias igrejas locais e
acima de vários presbitérios, e acima do Sínodo esta o supremo
concilio. Podendo assim a sessão da igreja local ser anulada por
esses outros poderes. Terceira forma é a congregacional esta forma
é que a Uniedas adota. Terceira forma e a congregacional esta
forma é que a Uniedas adota. Aqui as igrejas são autônoma. Não há
nenhum poder externo sobre ela. O povo de Deus, isto é a
congregação decide seus negócios. A Uniedas usa esta forma
devido o seu respaldo bíblico. Para comprovação se verificaram as
seguintes passagens bíblicas atos 6:3; atos 15:3; 4: 22; I Corintos
4:5; 11:16; II Corintos 8:8-19, 23. Atravez deste governo, todos os
membros são iguais perante Deus. Todos podem aspirar cargos
nas igrejas. Todos podem expressar livremente o seu
pensamento; este é o ensinamento bíblico.” (ATAS, 1981, p. 58b-
59
a
)
Em seu depoimento oral, um dos ex-presidentes da UNIEDAS, o mesmo que
realizou o estudo para a Junta, detalhou ainda mais as informações sobre a organização
eclesiástica congregacional e as funções dos membros do Conselho das Igrejas.
O sistema congregacional. Por que? A igreja tem o seu pastor e
depois suas ovelhas. Dentro de cada igreja tem um conselho
executivo da igreja. O pastor faz parte, os anciões fazem parte
desse conselho que organiza a igreja. Então, qualquer problema
dentro do conselho, dentro da igreja, problema moral, problema
espiritual, problema financeiro, isso aí é discutido dentro do
conselho e levado para a igreja através de uma reunião,
oficialmente para aqueles membros que aceitaram a Cristo e que
foram batizados e que fazem parte da igreja. Porque nós temos o
rol de membros da igreja, agora todos participam do problema que
existe dentro da igreja. Então nós respeitamos, não ficamos em
cima com o pastor e o conselho da igreja. Nós levamos tudo para a
igreja decidir na vida dessa pessoa se está tendo problemas,
dificuldades como é que vamos resolver? Este é o sistema
congregacional. (Depoimento nº I, 03/06/00, p. 6)
Todavia, esse sistema congregacional apresentou duas faces. No mesmo tempo que
afirmava abrir espaço para que todos participassem e exprimissem seus pensamentos,
observou-se uma permanência das lideranças ou de seus familiares na direção tanto da
UNIEDAS, como das igrejas locais. A comprovação desse monopólio está ao final de cada
Ata, nas assinaturas dos delegados e identificação dos mesmos sobrenomes. É só verificar
os sobrenomes no final de cada Ata, para identificar essa permanência.
92
Ao mesmo tempo, essa forma eclesiástica assemelhava-se à organização sócio-
política tradicional do povo Terena. Na aldeia tradicional, todas as decisões eram levadas
pelo Conselho Tribal à comunidade, que em assembléia geral discutia as soluções e
respostas adequadas. Eram momentos de construção de alternativas para os problemas da
aldeia. É fato que não tinha essa conotação individualista que a conversão exige, mas não
deixava de ter sua estratificação própria: chefes do povo, chefe de guerra, conselho de
anciãos, pessoas comuns e koichomuneti (líder religioso).
Na verdade, as lideranças forjaram uma explicação de que todos tinham acesso e
espaço, ao mesmo tempo em que não os desocupavam.
O processo educacional e a formação de novas lideranças crentes
Para fortalecer-se ainda mais, as lideranças da UNIEDAS prosseguiram e
aceleraram a formação de um quadro de missionários indígenas para suprir as
necessidades das igrejas locais. Utilizaram-se para tanto, de organismos já existentes à
época da SAIM, tais como a Escola Evangélica de Taunay, que passou a administrar a
partir de 1974 e o Instituto Bíblico “Água Azul”, cuja incorporação só se concluiu depois
de 1993, mas que prosseguirá na formação dos missionários indígenas. E que continuam
em plena atividade neste novo milênio.
A Escola Evangélica “Lourenço Buckman”, antiga “Taunay” que atendia
inicialmente o antigo primário (1ª a 4ª séries), objetivava “evangelizar as crianças ao
mesmo tempo aperfeiçoando-as na formação social e intelectual” (ATA, 1976, p. 27
a).
Era vista como mais um instrumento de evangelização dos Terena e outros povos que lá
matriculavam seus filhos.
Taunay sempre com o seu ritmo lento mais seguro, tem um
canal de benção para as vilas e as aldeias ao redor. Tem
uma Escola Evangélica nível antigo primário, e implantação
de Ginásio, onde se prega a palavra diariamente aos alunos,
cujos resultados tem sido positivo. (ATAS, 1978, p. 37 a).
Como prova de investimento e preocupação com a educação, os alemães
protestantes financiaram, em 1978, a construção de residências para os professores da
93
Escola Evangélica de Taunay, em uma área de 15,6 m². (ATAS, 1979). Essa Escola
Evangélica, de acordo com os relatórios descritos na Ata anual implantou, posteriormente,
o primeiro grau completo, o que hoje corresponde ao Ensino Fundamental. Referem-se à
Escola como de Primeiro Grau, já em 1983. Na Ata de 1985, menciona-se que a Escola
fora regularizada desde 1982 e preparada para reconhecimento do Sistema Estadual de
Educação, através da Secretaria Municipal de Aquidauana, em 1985.
Com relação a sua manutenção, até o ano de 1993, foi financiada por entidades
religiosas - SAIM e a Igreja Internacional do Calvário, do estado de São Paulo, por
entidade governamental - FUNAI, e por pessoas físicas- Professora Iolanda Bueno. A
FUNAI fornecia merenda escolar para os estudantes indígenas e ainda mantinha a Escola
Municipal em parceria com o Município de Aquidauana-MS.
Como foi observado a escola atendia às exigências da Secretaria Municipal de
educação de Aquidauana, porque estava situada na área indígena de Taunay/Ipegue,
portanto dentro desse município. Porém, seu objetivo principal, que ficou explicitado
várias vezes nas atas, era evangelizar os alunos de acordo com os princípios religiosos da
Missão nacional.(Ata, 1984) Portanto, constituía-se duplamente em aparelho ideológico do
Estado brasileiro e da UNIEDAS.
Outra instituição evangélica, voltada exclusivamente para a formação missionária
fora o Instituto Bíblico “Cades Barnéia” (IBCB), antigo Instituto Bíblico “Água Azul”,
herdado da MEU. Até hoje, muitos habitantes anastacianos, e mesmo alguns índios
“crentes, referem-se ao Instituto pelo antigo nome “Água Azul”. Esse estabelecimento
religioso cujo nome “Cades Barnéia” significa biblicamente, em latim, “lugar de decisão”
tinha como principal função multiplicar missionários para atuarem nas igrejas evangélicas
locais arroladas à UNIEDAS.
Para cumprir com as exigências burocráticas do Conselho Estadual de Educação do
Mato Grosso do Sul, o Diretor do IBCB deveria ser portador de diploma de curso superior.
Portanto, na década de 80 o presidente da UNIEDAS concentrou a direção do Instituto,
através da indicação das lideranças crentes. É bastante provável que os crentes não
aceitariam um diretor não-índio e não-crente.
Segundo o Livro de Atas, o funcionamento do Instituo iniciou-se em março de 1980
e a demanda que atendia dividia-se em três modalidades de ensino: Curso Pré-instituto:
para os alunos com instrução de primário (atualmente, séries iniciais do Ensino
Fundamental); Curso breve: para os alunos de instrução ginasial (Ensino Fundamental
completo), com duração de dois anos; aos alunos com o ginasial incompleto, era oferecido
94
o mini-ginásio; Curso Médio de Teologia: para os alunos que tinham o nível colegial
(Ensino Médio), com duração de três anos.
Para matricular-se no IBCB, além de serem membros ativos das Igrejas locais, os
candidatos deveriam sentir a chamada para o Ministério. Juntamente com o candidato
seguia uma carta de recomendação do Pastor ou Presidente do Conselho da Igreja a
respeito do aluno. A igreja de origem do aluno deveria ainda contribuir financeiramente
para a manutenção do interno. Provavelmente, o interesse pela formação escolar atraiu
muitos candidatos que não haviam sido escolhidos por Deus, mas almejavam mudar de
situação sócio-econômica.
O IBCB foi mantido, até 1993, através de doações da SAIM, da UNIDA e das
Igrejas locais, principalmente aquelas que encaminhavam seus membros para serem
internos. Os alunos também contribuiam a sua maneira, desenvolvendo diariamente tarefas
de manutenção e produção. Trabalhavam algumas horas por dia na granja, na horta e na
lavoura.
Com relação à formação teológica de nível superior, a Missão UNIEDAS realizava
convênios com outras instituições evangélicas de outros estados da federação para que seus
membros pudessem preparar-se. Todavia, a formação escolar nunca fora pré-requisito para
o candidato a pastor. Entretanto, algumas lideranças afirmam que o estudo dava mais
segurança na prática da evangelização e atualmente há um pastor cursando teologia em
Bauru/SP.
Desta forma, demonstrou-se que as lideranças indígenas fortaleceram-se no
processo de conformação da UNIEDAS.
No capítulo seguinte será abordada a ruptura definitiva da UNIEDAS com a SAIM,
as condições nas quais ficaram as lideranças indígenas “crentes” e as novas possibilidades
que se apontaram para a Missão nacional.
95
CAPÍTULO IV
Ruptura com a SAIM e consolidação da apropriação da UNIEDAS pelos
Terena crentes
96
O fortalecimento indígena nos âmbitos nac ional e regional e seus reflexos
sobre as organizações Terena locais
A política de nacionalização do protestantismo norte-americano facilitou a
transição da evangelização dos povos indígenas, antes realizada por missionários
estrangeiros para as lideranças crentes dos próprios índios. No caso dos Terena, as
lideranças religiosas, apropriaram-se primeiramente do discurso e do olhar evangelizador,
depois da obra missionária e por último do patrimônio da UNIEDAS, construído por índios
e não-índios (ingleses, norte-americanos, alemães). Tudo isso representado pelo controle
da UNIEDAS.
Nos dois outros capítulos se apresentaram os desdobramentos das fases de
apropriação do discurso e da direção da Missão nacional, neste último, demonstrar-se-á
como o desfecho do processo de apropriação foi determinado por elementos externos e
internos ao movimento protestante proselitista. Externamente se explorará o fortalecimento
do movimento indígena no seio da ditadura militar e seus reflexos nas diversas formas de
organização das sociedades indígenas, principalmente das Terena. Internamente, será
enfocado o tensionamento das forças missionárias norte-americanas com as forças das
lideranças indígenas “crentes”. As fontes alicerçadoras das argumentações serão as
mesmas apresentadas no capítulo anterior.
A partir desses pressupostos será esboçado um rápido panorama sobre as
organizações Terena em comparação com a movimentação nacional; e em seguida, será
explorada a influência dessas organizações na decisão dos Terena “crentes” em apropriar-
se in totun do instrumento de reprodução do protestantismo entre os povos circunvizinhos.
Os indigenistas aperceberam-se no final da década de 70 que os próprios indígenas
deveriam assumir a direção de suas lutas com a devida tomada de consciê ncia da
necessidade de organização e união das nações indígenas do Brasil. As entidades pró-
índios começaram, principalmente o CIMI (1972), a aglutinar as lideranças em torno de
conferências e assembléias que discutiriam os eixos comuns de suas lutas. Aperceberam-se
que o ideal brasileiro era de homogeneizar todos os seus habitantes em um único povo,
com uma única língua e cultura. Era o ideário de nação que os republicanos perseguiam. E
neste espaço território-cultural só caberia aqueles que se encaixassem dentro do modelo do
Estado moderno transladado do continente europeu.
97
Entretanto, a partir desta compreensão, as entidades pró-índios começaram a
investir na mobilização dos povos indígenas em torno de demandas comuns. A bandeira
que mais os aglutinava era a luta pela terra. Todos os índios sentiam-se lesados com
relação a demarcação e homologação das áreas indígenas e principalmente, com relação às
usurpações efetuadas, após essas conformações. A princípio, cada grupo étnico achava que
podia, a partir de atos reivindicativos dentro da legalidade estatal, empreender esforços
próprios e alcançar conquistas. Posteriormente, com o auxílio de assessores não
governamentais, perceberam, pelo menos as lideranças, que o problema da terra indígena
constitui-se em uma ameaça à institucionalidade do território brasileiro. E finalmente,
tomaram consciência de que desorganizadamente só galvanizariam retaliações particulares.
Portanto, desde o final da década de 70, do século passado, o Brasil começou a
assistir ao ensaio de organização do movimento indígena que se fortalecia em torno da
bandeira da autodeterminação, anteriormente levantada pelo movimento indigenista. Os
povos indígenas organizaram-se para enfrentar a política nacional do Estado brasileiro que
investia na possibilidade de abrasileirar todo o território nacional e aqueles personagens
que estivessem sobre ele. Dia a dia, ficava mais explícito o lugar que o índio ocupava e as
condições às quais deveria submeter-se. O Estado nacional precisava descaracterizar as
nações indígenas para homogeneizar a nação brasileira. Precisava desobstruir os espaços
vazios para o progresso.
Nas décadas de 80 e 90, as áreas indígenas Terena foram divididas por organismos
e entidades, reconhecidos legalmente pela sociedade brasileira, que os legitimavam perante
o Estado nacional. Foram organizadas e galvanizadas diversas associações sociais, diversas
instituições religiosas, vários partidos políticos, vários times de futebol, etc. As aldeias
tornaram-se reflexos da sociedade envolvente, ao mesmo tempo que transfiguravam-se em
blocos de resistência ao progresso.
No Mato Grosso do Sul, em 1979, foi fundada a associação Kaguateca que
aglutinava várias etnias indígenas objetivando unificar suas ações. Sua eclosão originou-se
da luta contra a perseguição das lideranças indígenas e o acirramento dos conflitos em
torno da terra. Historicamente essa entidade passou até 1993, por três fases distintas de
organização. 1) - 1979-85- conformou-se em defesa das comunidades indígenas a partir do
assassinato do líder Guarani Marçal de Souza. 2)- 1985-88- com o acirramento dos
conflitos em torno da terra, rearticulou-se em busca de aproximação com organismos
interestaduais, na pretensão de organizar os desaldeados, propondo-se a localizá-los,
identificá-los e propor formas de organização. 3)- Sua terceira fase estendeu-se até 1993 e
98
foi o período de concretização das articulações e unificação das lutas indígenas no Estado.
Suas prioridades, neste último período, foram no sentido de realçar as lutas pela defesa e
demarcação das áreas indígenas, bem como pela apuração do processo que tratava do
assassinato do líder Guarani, Marçal de Souza.
Nesse momento, o CIMI regional teve um papel relevante na organização,
informação, formação e assessoria aos povos indígenas que procuravam suas respostas na
unificação de suas lutas em torno do eixo da recuperação e demarcação de suas terras.
Todavia, não lhe foi permitido acompanhar a formação de todas as entidades,
principalmente, aquelas vinculadas aos protestantes.
Com o movimento de redemocratização da década de 80, a sociedade civil foi
chamada pelos movimentos a organizar-se, com objetivos imediatistas vinculados à
política do país. Como a proximidade e os contatos dos Terena com as cidades eram
intensos e estreitos, sofreram largamente esta repercussão. Suas aldeias foram divididas em
vários grupos sociais de acordo com as influências externas da sociedade nacional.
Esta política de conformação e fortalecimento dos movimentos indígenas
apresentou-se confusamente. Estava marcada por movimentos isolados, cada qual
observando suas próprias demandas e por outros que se apercebiam que o problema
indígena brasileiro era estruturalmente agrário e, portanto interligado às bases estruturais
nas quais conformara-se o Estado nacional. Em outras palavras, os últimos percebiam que
para resolver a questão da terra indígena brasileira seria necessário revolver as estruturas
da sociedade, o que significaria o seu desmonte.
Em O lugar do índio, DURHAN (1981) alertava que a questão indígena era
estrutural e não apenas uma luta dos índios contra o Estado. Seria uma luta pela
democratização plena do regime e da sociedade. Afirmava veementemente, que o
movimento indígena teria que sair do espaço puramente ideológico para atingir a eficácia
do espaço político. Enfatizava que a luta indígena era muito mais profunda do que seus
protagonistas imaginavam e apontava que,
A verdade é que não se pode propor, de fato uma solução
satisfatória do problema indígena sem colocar imediatamente em
questão a necessidade de alterar as estruturas de dominação
profundamente enraizadas na sociedade brasileira (..) Resolver o
problema indígena implica, primeiramente, reconhecer o caráter
eminentemente social da propriedade da terra e admitir que é o uso
do território para o bem-estar de uma coletividade que legitima sua
posse. Em segundo lugar, resolver o problema indígena exige o
reconhecimento do direito à autodeterminação por parte de
99
pequenas unidades políticas e a incompetência do Estado para
definir, sem a participação dos interessados, o que é melhor para
eles. Resolver o problema indígena também quer dizer,
necessariamente no plano social, aceitar como legítimas diferenças
de hábitos e costumes, tolerar comportamentos até agora
considerados desviantes e, portanto, contestar a legitimidade da
dominação ideológica que tem sido um baluarte da opressão das
camadas dirigentes sobre a população em geral. Finalmente, há que
lembrar a dimensão supranacional (..) De um lado, despertando
uma solidariedade internac ional que encontra, na ONU, um apoio
institucional importante. De outro, porque a construção de uma
identidade indígena supera os limites territoriais dos Estados
nacionais e começa a assumir uma dimensão continental através da
realização de encontros e congressos que reúnem líderes indígenas
de diferentes países. (DURHAN, Apud, COMISSÃO PRÓ-
ÍNDIO, 1983, p. 18)
Os Terena, entretanto, acostumados a negociarem diferentemente com os poderes
instituídos, foram ainda mais insistentes na via da legalidade. Foram sempre os índios
amigos do poder: “mansos”, “colaboradores”, “ambiciosos”, “obedientes”, “astutos”,
“dóceis”, “pacíficos”, “acessíveis”, enfim o estereótipo do bom selvagem. Essa
representação de índio manso e amigo há muito fora cristalizada e permaneceu presente
nos imaginários Terena e regional enquanto discursos verídicos. Os Terena por sua vez,
baseados em suas pautas culturais de contato indígena, os aceitaram, reproduziram e
introjetaram de acordo com as suas necessidades. Todavia, habituados a um tratamento
diferenciado tentaram arranjar-se de outras formas, antes de aderirem às reivindicações
coletivas. No entanto, o Estado brasileiro não os privilegiar em detrimento das outras
minorias étnicas.
Posteriormente, o movimento indígena assessorado pelas entidades pró-indígenas
percebeu conjuntamente que suas bandeiras, e principalmente a da terra, tinham raízes
estruturais e que estavam diretamente ligadas à luta pela terra que tinha assento nas
estruturas agrárias do país e que não seriam resolvidas por não interessarem ao Estado.
Perceberam, em sua maioria, que somente a luta articulada poderia gerar resultados
concretos e pouco a pouco, foram articulando-se em nível nacional e internacional.
A década de 80 foi perpassada pela organização do movimento indígena que
conquistou espaços constitucionais importantes na Legislação brasileira. Contudo, o que
está previsto em lei nem sempre quer dizer estar em vias de concretização. Porém, gera
expectativas de que organizados os povos indígenas possam fazer valer essas conquistas.
Nesta década, muitos intelectuais orgânicos contribuíram com suas profundas elaborações,
100
para a causa indígena. Forjou-se uma situação de pesquisa-intervenção que repercutiu
diretamente nas lutas indígenas. Com relação à emancipação indígena, muitos trabalhos
realizados contribuíram para que os indígenas rejeitassem essa “conquista” que o Estado
brasileiro oferecia. A produção intelectual casava a discussão da cidadania e emancipação.
Maria Tereza SOUZA faz uma discussão muito interessante, estimulando à
reflexão, em seu texto Os índios e os “custos” da cidadania, sobre como tratar o índio e
sua causa, se como uma questão de cidadania ou se uma questão de direitos humanos. A
autora defendeu que a causa indígena deveria ser tratada de acordo com a segunda
concepção - direitos humanos. Explicou que para tornar-se cidadão, o índio teria que se
submeter aos direitos e deveres da sociedade brasileira. Para tanto, seria necessário
dispensar a tutela do Estado e aceitar suas regras que revelam necessariamente a
concepção de mundo, a forma de organização para produzir, o modo de ganhar a vida, os
valores da sociedade nacional. (SOUZA, Apud, COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO, 1983, p. 42).
Isto implicaria em deixar de ser índio. No caso de se considerar a bandeira dos direitos
humanos, a primeira discussão a ser travada seria o reconhecimento das terras indígenas
como condição sine qua non de sua sobrevivência e o direito pleno à autonomia e
soberania.
DALLARI, em Índios, cidadania e direitos, também fez a discussão sobre a
inclusão ou não do índio via cidadania. Demonstrou uma distinção entre a cidadania
simples e a cidadania ativa. Como simples considera a cidadania que é comumente
confundida com a nacionalidade - quer dizer, ao se nascer no Brasil já se é considerado
cidadão brasileiro. Já a cidadania ativa, ocorre quando o cidadão tem plena capacidade
para exercer seus direitos, não precisando ser substituído por um representante nem
assistido por uma pessoa ou órgão público. (DALLARI, Apud, COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO,
1983, p. 53). Neste segundo caso, fica evidente que a cidadania indígena no Brasil é
regulada e relativa, ou seja, somente com a assistência da FUNAI pode ter seus direitos
reconhecidos. Quer dizer também, que fora da tutela, através da emancipação o índio
torna-se um cidadão brasileiro comum que ocupará o lugar social que a sua capacidade
individual lhe garantir. Provavelmente, a maioria do indigenato comporia a categoria de
não-cidadãos: desempregado, sub-empregado, principalmente se não adquiriu uma
qualificação profissional requerida pela sociedade. Portanto, os índios teriam que
conquistar seu espaço sócio-político por dentro da situação de tutela, enquanto não se
conseguisse mobilizar a sociedade civil para desconstruir as bases estruturais desta
sociedade injusta, individualista, exploradora e acumuladora de riqueza em poucas mãos.
101
O Estado, por sua vez, para disfarçar o grau de periculosidade que representava a
luta dos índios, ofereceu em meados dos anos 70, o Estatuto do Índio como a solução para
todos os problemas, durante as próximas décadas. Criou expectativas de regularização das
terras, no mesmo tempo que criava mecanismos para impedir essa concretização. O que
para os Terena significava, inicialmente, uma medida paliativa aos “amigos da república”,
para o Estado brasileiro era uma investida contra o seu poderio..
Entretanto, a habilidade Terena de conquistar espaços sócio-políticos, sob formas
diferenciadas de organização, continuaria subsistindo enquanto tática de negociação. Esta
etnia, e principalmente o grupo de índios crentes, apropriaram-se de discursos e outros
recursos que possibilitaram sua inclusão e ascensão social. Desta época aos nossos dias, os
índios vêm galvanizando a opinião pública e organizando-se, dentro dos parâmetros da luta
pela autodeterminação - autonomia, liberdade, alteridade.
A partir de 1990 esses indígenas fortaleceram-se com outras organizações. Emergiu
o Comitê Terena como instrumento de luta pela efetivação dos direitos sobre a posse das
terras. Sua abrangência , foi quase total, nove das doze áreas indígenas
18
. Geralmente, suas
reuniões aconteciam no município de Aquidauana devido a centralidade do município. A
coordenação ficava ao encargo de uma direção que se organizou aos moldes das
associações reconhecidas pela sociedade envolvente. A organicidade que se buscava
configurar eram os mini-comitês localizados em cada aldeia. Suas prioridades giravam em
torno da terra, cultura, unidade e autonomia. Suas temáticas voltavam-se para àquelas do
movimento de autodeterminação. Suas ações eram externadas através da pressão política
quando diziam respeito ao cumprimento dos deveres do Estado, e da conscientização
interna quando diziam respeito a preparar a base para realizar as reivindicações. Até 1993,
não tinham uma política voltada à formação de quadros. Buscavam articulação com outras
organizações indígenas para fortalecerem-se mutuamente. (MANGOLIM, 1993, p. 95-97).
O movimento indígena apropriou-se da categoria índio, institucionalizada na
década de 1930, para aglutinar as diversas etnias existentes. Reverteu-se um conceito que
tentava homogeneizar, a serviço da dominação do capita, em um instrumento de combate e
ruptura das estruturas nas quais assentava suas bases. Os movimentos indígenas e
indigenistas conseguiram interpor na pauta nacional a questão indígena. Então, à etnia
indígena só restaria organizar-se para o enfrentamento direto com a sociedade brasileira.
18
Áreas Terena por municípios: Aquidauana: Limão Verde, Taunay/Ipegue; Anastácio: Aldeinha; Dois
Irmãos do Buriti: Buriti; Dourados: Dourados; Miranda: Cachoeirinha, Lalima, Moreira, Passarinho;
Nioaque: Nioaque; Rochedo: Água Limpa; Sidrolândia: Buritizinho. MANGOLIM, 1993, p. 62-75.
102
Esta conjuntura de fortalecimento do movimento indígena sinalizou favoravelmente
para outras formas paralelas de organização. Os Terena “crentes” iam paulatinamente
fortalecendo-se perante a SAIM, até o ponto de aperceberem-se da inevitabilidade da
ruptura, pois a Missão genitora não faria vistas grossas ao jogo empreendido pelas
lideranças “crentes”. Estava visível para os norte-americanos o propósito dos Terena. Por
outro lado, havia a possibilidade de denunciadas, essas lideranças voltarem-se contra a
SAIM e impludirem coletivamente as contradições do processo de evangelização.
Encadeavam-se as dificuldades para a resolução daquela situação emblematicamente tensa.
Os líderes “crentes” pensavam na possibilidade de uma ruptura no plano político, mas
corriam o risco de perder seus financiadores evangélicos. O impasse constituído perduraria
até 1993, quando as conciliações tornaram-se inviáveis.
Entretanto, a formação de diversos instrumentos de pressão à política indigenista
nacional, que apontavam para a condição da autodeterminação, estimularam os Terena
crentes a assumir de vez a UNIEDAS em sua plenitude e resolver os problemas das
finanças. As ações das lideranças indígenas levaram a SAIM a formular uma contestação e
uma tentativa de redirecionar as intervenções da Missão nacional através de suas bases
locais. Entretanto, abriu-se um debate interno das forças constitutivas da Comissão de
Interligação que deflagraram a desmontagem do modus vivendi e da parceria até então
estabelecida.
Os Terena tinham o discurso, a estrutura, mas não lidavam com as dificuldades
econômicas da Missão. Estavam de mãos atadas com relação à ampliação de suas
atividades. Conseguiram acelerar a desvinculação com a genitora, mas não produziram as
bases de sustentação do trabalho para os campos avançados.
Segundo a fala dos missionários estrangeiros, os Terena “crentes” utilizavam-se da
estrutura e influência da UNIEDAS enquanto canal de projeção de suas lideranças
protestantes na sociedade brasileira e desviavam-se dos princípios da vida pura e reta
previstos no Estatuto da Missão. Por sua vez, as falas das lideranças indígenas “crentes”
também acusavam os missionários de terem criado situações conflituosas com relação aos
ensinamentos cristãos, ao longo do convívio. Chegou-se ao ponto de se agredirem
moralmente.
Generalizou-se portanto, um clima de tensão entre as forças políticas que
conduziam o processo de evangelização dos índios da América do sul. Mostravam-se as
fragilidades inerentes ao processo de conformação do protestantismo entre os Terena, que
desde sua origem dava sinais de um possível estrangulamento.
103
Apesar de não ter sido feito um contato direto com os missionários norte-
americanos durante o desenvolvimento desta investigação, percebeu-se a partir do corpus
documental da UNIEDAS que a SAIM tinha projetado, desde o início dos trabalhos com
os Terena, a formação das bases nacionais indígenas e a transferência da direção das
atividades evangélicas aos seus líderes. Isto está descrito e foi mantido após a ruptura no
Estatuto da UNIEDAS
19
, conforme citação a seguir:
No início do século XX, na providência de Deus, o Ver. Joseph A.
Davis, chegou a entender da necessidade de uma efetiva
distribuição do Evangelho nos campos missionários da América do
Sul. A fim de realizar a “sua visão”, o jovem pastor adotou o
seguinte programa: a:- O cumprir literal da grande comissão do
nosso Senhor Jesus Cristo, na proclamação do Evangelho,
principalmente entre povos indígenas do vasto interior da América
do Sul. b:- Estabelecer das igrejas evangélicas nacionais. c:- O
preparar de um ministério nativo do país onde se encontra o
obreiro missionário. (ESTATUTOS, 1997, p.2)
Todavia, os missionários da SAIM não conseguiram conduzir harmonicamente o
processo de transição, devido à emergência de tensões acerca da natureza da Missão
nacional: a) para a SAIM, a UNIEDAS constituía-se em um instrumento religioso,
amparado pela legislação brasileira, que expandiria o protestantismo cristão entre os povos
indígenas da América do Sul; b) para as lideranças “crentes” Terena, a UNIEDAS
constituía-se em instrumento político-religioso de expansão proselitista e projeção sócio-
política de suas lideranças na sociedade envolvente e posteriormente por todo o continente
sul-americano.
Na Ata da Assembléia Extraordinária da UNIEDAS de 1993, ficou apontada a
pretensão dos missionários da SAIM em transferir o trabalho evangélico para as lideranças
da UNIEDAS. Justificavam que a sua presença fora necessária até a constituição de um
ministério nativo. Mas demonstraram seus sentimentos de descontentamento com a forma
de condução da Missão nacional pelos Terena crentes. Denunciavam que as ações dos
índios iam ao encontro dos seus projetos políticos ao invés de privilegiar essencialmente o
religioso.
É possível, entretanto, dizer que desde os primeiros contatos os Terena viram na
Missão estrangeira um veículo de comunicação com a sociedade nacional, através da
19
Foi mantido após um longo debate porque com a ruptura alguns líderes indígenas queriam “apagar” os
registros sobre a SAIM. (ATA, 1993, p. 167b)
104
assistência educacional e posterior ampliação de possibilidades: comunidades evangélicas
Terena unificando-se e comunicando-se com outras comunidades fora das aldeias;
preenchimento de espaços remunerados internos e externos às áreas indígenas, entre
outras. Realçados na pauta política nacional, enquanto problema da nação brasileira, os
povos indígenas perceberam que precisavam se organizar e fortalecer o movimento
indígena. As lideranças “crentes” dos Terena, que possivelmente acompanhavam todos
esses debates através de suas lideranças nacionais e internacionais, perceberam que a
UNIEDAS era um instrumento político-religioso paralelo às demais organizações político-
sociais. Portanto, serviram-se dessa Missão enquanto canal de comunicação, ascensão e
inserção na sociedade brasileira.
Da parte dos Terena, observou-se que houve mudanças de ponto de vista e de
direção ao longo da conformação político-religiosa de sua Missão. Tanto foi assim que, nas
décadas de 70-90, do século passado, tornou-se perceptível o interesse da SAIM repassar
aos Terena a tarefa da evangelização, bem como, a predisposição dos líderes indígenas de
assumi-la. O que não ficara explícito era como se daria essa passagem. Os Terena não
sabiam se podiam arcar com a estrutura e sua manutenção; do mesmo modo, a SAIM
estava em dúvida se devia afastar-se totalmente ou permaneceria representando o papel de
federação para as Igrejas arroladas; e, nesse caso, se continuaria ou não a financiar o
trabalho evangelístico.
Com as novas possibilidades de convívio na sociedade envolvente, os líderes
indígenas se desviaram da orientação centralizada na SAIM, sua genitora, e impulsionaram
o aspecto político mais do que o religioso da Missão: buscavam a inclusão social e a
participação nos espaços institucionalizados pelo Estado brasileiro. Fizeram isso, dentro
dos valores reconhecidos pela ordem burguesa e capitalista.
Averiguou-se ainda que, no ato da nacionalização as lideranças indígenas não
tinham um plano arquitetado para apr opriar-se do que viria a ser a Missão UNIEDAS. Foi
ao longo da conformação que vislumbraram as possibilidades de projeção dos seus quadros
religiosos em outros espaços sócio-políticos da sociedade nacional. Além disso, a década
de 90 trouxe novos elementos que motivaram a ruptura simbiótica entre a UNIEDAS e a
SAIM, possibilitando aos Terena crentes a apropriação total da evangelização dos povos
indígenas da América do Sul. Externamente, tiveram influências das entidades indígenas,
estimuladas pela necessidade de organização da sociedade civil para reforçar a política de
reabertura democrática iniciada na década anterior. Internamente, ampliaram-se as tensões
entre o modo norte-americano de conceber uma conduta cristã e o modo indígena, o que
105
provocou as disputas pelo direcionamento político da Missão nacional. Então, o
fortalecimento do movimento indígena nacional e estadual incidiu e incitou as
organizações locais, fortalecendo suas lideranças e portanto, tensionando as correlações de
forças constitutivas da direção evangelística, conformada até então na Comissão de
Interligação.
Esse impasse ficou evidente na reprovação dos missionários estrangeiros às ações
anti-cristãs efetuadas pelos líderes indígenas. O missionário Wesley Seng, quando propôs o
afastamento definitivo da SAIM, enumerou os principais motivos de discordância entre sua
missão e a dos indígenas. Disse então que,
1) Não se encaixa a visão da obra evangelística missionária, a falta
de apoio para um ponto de pregação feita pelo Instituto; 2) De
visão disciplinar de líderes e não líderes não bate; 3) Do uso
indevido de propriedade dedicado exclusivamente ao Senhor, não
se encaixam (veículos do IBCB influência política e promoções);
4) Falta da devida consideração e respeito a atual administração do
IBCB; 5) Desmoronamento do convívio familiar do IBCB; 6) Falta
de prestações de contas, quanto a oferta enviada, por mais de dois
anos, visto que o Governo Americano tem exigido por causa da
(declaração) Fiscalização de Renda. A SAIM não tem o
pensamento de desfazer o Modus Vivendi, porém fica a disposição
da UNIEDAS desfazer. (ATAS, 1993, 163b).
A fala do representante norte-americano, como foi mencionada nas atas, denuncia a
utilização da UNIEDAS e do seu patrimônio, para outros propósitos que nada tinham a ver
com os propósitos evangelísticos. Referiu-se às retaliações feitas à divulgação do
Evangelho pelos missionários da SAIM; ao tratamento disciplinar diferenciado, para as
lideranças e para os demais membros- aos casos de adultério e demais problemas
familiares; à utilização do patrimônio da Missão para projeções pessoais e promoções
políticas- a falta de prestação de contas que garantia a transparência das verbas recebidas
em doações intercedidas pela SAIM e da deterioração de sua imagem enquanto mediadora
dessas ofertas; nessa época os norte-americanos auxiliavam no IBCB e sentiam-se alheios
às discussões e decisões acerca do educandário. Tinham compromissos fiscais com o seu
governo de origem - os Estados Unidos e dados os problemas contábeis, provavelmente,
não era muito interessante ser reconhecida como mantenedora daquela Missão.
Entretanto, percebeu-se que a SAIM tentou conquistar o apoio das igrejas locais
com o interesse de reverter a situação de afastamento. Acontece que sua tática teve efeito
106
contrário. Os líderes locais sentiram-se “manipulados” e juntaram-se à decisão da Junta
Administrativa da UNIEDAS. Manifestaram-se a favor da independência total da
UNIEDAS. A decisão fora tomada e as lideranças “crentes” Terena insistiam em
administrar a Missão a sua maneira e apropriaram-se totalmente da Missão e do seu
patrimônio.
As lideranças da UNIEDAS, em contrapartida às acusações da SAIM, responderam
com outras acusações aos seus interlocutores. Defenderam-se a si e aos demais líderes da
UNIEDAS e propuseram o desligamento total das missões. Registrou-se em ata que,
A seguir Pr. Jair de Oliveira pede a palavra e diz haver muitos
fuxicos e fruticos que estão sendo feitos. Diz ainda que o irmão
Wes Seng disse que ele teria só a preocupação na área da finança,
ele confirma e diz que os missionários não vem para o Brasil
“comendo vento” e sim, levantam fundo para seu ministério. (..)
cita inúmeros casos de pecados cometidos pelos missionários da
SAIM inclusive o abandono de crianças aqui no Brasil... (ATAS,
1993, p. 163-4).
Outras falas foram feitas no mesmo sentido de rompimento total. Outro depoimento
extraído da mesma Ata foi mais contundente e enfático. É hora de assumirmos essa obra e
que a proposta da Junta é que haja um desligamento inclusive do Modus Vivendi. (ATAS,
1993, p.163). Desfizeram-se, desta forma, os laços que uniam as missões.
Mesmo que retratando uma outra situação entre índios e missionários, cabe aqui a
chamada da antropóloga Dominique GALLOIS, quando do afastamento da Missão Novas
Tribos da área dos índios Zo’é, feito pela FUNAI, na década de 80.
As formas como cada grupo indígena incorpora as prestações
assistenciais é determinante para o sucesso ideológico da missão:
os empreendimentos sócio-econômicos criam as bases para a
secularização da religião tradicional e a aceitação do evangelismo
fundamentalista (..) Pois os índios têm projetos próprios . Não
estão apenas interessados na troca de bens e na obtenção de uma
proteção. Desejam uma troca de saberes e é neste quadro que
captam a evangelização.(GALLOIS e GRUPIONI, 1999, p. 117)
107
Retomando-se o caso Terena, não estava prevista a separação total que levasse à
conformação de uma outra linha de comportamento diferenciada daquela de origem norte-
americana. A SAIM se afastaria, porém pretendia continuar a relacionar-se com a
UNIEDAS e talvez canalizaria recursos enquanto sua representante internacional. Os
Terena, ou talvez seja melhor mencionar alguns líderes mais influentes, conduziram a
discussão para uma desconstrução total da relação orquestrada desde o início do século
XX. Caminhou-se por uma estrada que não tinha retorno, pelo menos enquanto aquelas
lideranças permanecessem na linha de frente.
Todavia, se desconstruiu a parceria e o modus vivendi. Os Terena conseguiram
autonomizar-se político-administrativamente dos norte-americanos resgatando para si as
igrejas locais, a estrutura construída por quase um século e prosseguiram na sua política de
ocupação de espaços sócio-políticos na sociedade brasileira. Desde o princípio tinha ficado
explícito para os missionários protestantes que os Terena buscavam suprir suas
necessidades. Era uma prática étnica utilizar-se de instrumentos da outra sociedade em
contato para se aproximar e inserir.
Desta forma, criaram representações sócio-políticas em busca de parcerias com a
sociedade nacional e se apropriaram da UNIEDAS na tentativa de legitimar suas ações. A
maturidade do próprio movimento indígena e indigenista favoreceu e fortaleceu alguns
grupos, dentre eles o dos “crentes” para que assumissem os rumos de suas entidades. Os
Terena “crentes” não se constituíram em mármore protestante, como os missionários
pretendiam que fosse. Revelaram-se murtas, apresentando-se ora de um jeito, ora de outro;
conseguiram definir outras formas a partir da possibilidade de transformar-se a partir de
suas opções. Porém é fato que, inicialmente, os próprios missionários da SAIM
desconheciam a possibilidade dos Terena de forjar essas alternativas religiosas. O povo
Terena, por sua vez, encurralado e estimulado pela política indigenista a concluir o
processo de autonomia através de uma integração acelerada - incluindo-se na classe dos
trabalhadores nacionais - revelou-se um autêntico forjador de alternativas para este contato
direto, através de várias frentes (religiosa, política, educacional, institucional, entre outras).
E buscou várias formas de “inserção com cidadania”, ou com “igualdade”, na sociedade
envolvente.
Persistência protestante proselitista e ampliação da frente de projeção
político-religiosa
108
Os Terena, como não poderia ser diferente, fazem parte do conjunto dos povos
indígenas que buscam resposta e alternativas para o convívio na sociedade nacional que os
sufoca. Eram considerados em vias de integração, pelos antropólogos, historiadores, órgão
de proteção, entre outros, ainda na década de 70, como prevê o Estatuto do Índio. Os
Terena, porém provaram através de várias ações que estavam e estão vivos e presentes
etnicamente. Cresceram populacionalmente e continuam criando seus espaços sócio-
políticos, num sistema hegemonicamente marcado por uma economia regulada pelo
mercado.
Entretanto, essas buscas de respostas ao convívio com os não-índios nem sempre
foram realizadas, homogeneamente, enquanto grupo étnico. De qualquer modo, embora
diferenciados, os grupos Terena organizaram-se a sua maneira, sempre tentando preservar
a identidade étnica que os caracteriza. Um desses exemplos foi a formação do grupo social
dos “crentes”, cuja apropriação dos instrumentos de evangelização da SAIM, projetou suas
lideranças para fora do espaço religioso, aos níveis local, estadual, nacional e internacional.
Ilustrarei uma destas projeções, ao nível internacional, com o depoimento de Marcos
Terena, nascido e criado na área indígena de Bananal/Ipegue, o berço do protestantismo.
Esse depoimento foi publicado no livro Os índios vão à luta (1981) quando esse líder era
presidente da União das Nações Indígenas - UNÍ (1979). Hoje com aproximadamente 49
anos, continua sendo reconhecido pelas entidades pró-indígenas como representante de seu
povo. Estudou durante a infância e adolescência na Escola Evangélica de Taunay, depois
renomeada de “Lourenço Buckman”, depois solicitou bolsa de estudo da FUNAI para
cursar Administração de Empresas na Faculdade Católica de Brasília. É considerado um
índio aculturado e, portanto, integrado. Porém nunca aceitou a emancipação. O depoimento
a seguir enfatiza, dentre outras coisas, o sentimento de discriminação por parte de
brasileiros e por parte da própria agência de proteção, que vivenciou na sociedade
nacional.
Como índio terena , oriundo do Mato Grosso do Sul, persisti na
luta concorrendo com os demais estudantes e crianças
circunvizinhas a fim de conseguir formar em idênticos graus de
instrução que os mesmos. Pensava assim, no entanto, esqueci-me
de um detalhe: minha origem era diferente, na minha casa o
costume era diferente e a minha cara também era diferente. Eu era
109
um “bugre”. Bugre na minha região significa um pejorativo cruel
para o índio bobo e ignorante tal como um animal irracional, e
assim fui identificado e assimilei essa identificação (..) Pensei
encontrar na FUNAI, porque a Lei diz isso, um apoio de orientação
profissional. (..) Entretanto, quando cheguei a propor à FUNAI
meu aproveitamento como funcionário e piloto, fui informado pelo
próprio Presidente Coronel Nobre da Veiga que isto só seria
possível se eu aceitasse ou propusesse minha “emancipação”.
FUNAI, assim como o Estatuto do Índio (..) querem nos apresentar
uma integração sujeita a uma emancipação precoce e sem o
mínimo de segurança à identidade de índio. (..) Se hoje a FUNAI
leva este povo para uma integração, despreparado como está, estará
levando-o para a marginalização, para o desemprego, para o
assalto, para concorrer enfim com a tão sofrida sociedade brasileira
em sua classe mais baixa. (Depoimento de Marcos Terena, Apud,
COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO, 1983, p. 66-72)
Os Terena “crentes” jogaram sempre em dois ou mais times. Foram sempre Terena
e “crentes”. Como evangélicos eram bem recebidos, mas continuavam a ser diferentes
como disse Marcos Terena e, portanto, estereotipados. A emancipação só geraria a
indigência aos “bugres pobres”.
A evangelização para os Terena, bem como o convívio com os missionários norte-
americanos e os brasileiros, foram momentos de aprendizagem, apropriação, readaptação e
convívio. Porém, também é fato que os “crentes”, após a ruptura, continuaram
desenvolvendo o proselitismo e pretendendo expandir o Evangelho.
Este fato vem contrapor-se à abordagem tradicional que analisava as conseqüências
e os impactos das práticas missionárias nas culturas indígenas e não prestava atenção ou
prestava pouca atenção, nos “campos inter-religiosos” de identidade. Quer dizer, não
atentava às maneiras com que as religiões indígenas têm moldado o cristianismo, forjando
criativamente alternativas religiosas. (WRIGHT, 1999, p.7)
A UNIEDAS, enquanto entidade e membro da família evangélica, abriu espaços
sócio-políticos-econômicos e proporcionou liberdade de trânsito aos seus fiéis, na
sociedade nacional. Isto também não quer dizer que só porque o índio tornou-se crente
estava livre do preconceito. Entretanto, o índio crente fora alfabetizado e disciplinado a
viver socialmente como os não-índios. A visão ocidental/capitalista já estava presente entre
os “crentes” desde o primeiro momento das conversões. Converter-se ao protestantismo
significava aceitar as suas regras e neste caso específico aceitar o modo de olhar do outro
que veio cristianizar/civilizar àqueles que não conheciam a salvação em Cristo. Os
“crentes” então passam a conviver na sociedade nacional tendo que respeitar suas regras e
110
sujeitar-se as suas contradições. No entanto, os Terena passaram a ser “crentes”, mas não
deixaram também de ser índios. O que vai gerar um paradoxo. Convivem duplamente, ou
talvez triplamente com as sociedades nacional e internacional e com a sua própria. Têm de
ser um índio crente devendo respeito aos dogmas, mesmo que estes desconsiderem suas
especificidades culturais e seus antigos valores. Em todos os espaços que convivem
constroem alternativas de participação includente. São índios em vias de integração e
“crentes”. Assim se reconhecem e são reconhecidos pelos demais índios e não-índios.
Todavia, as lideranças crentes da UNIEDAS providenciaram junto à FUNAI de
Brasília, provavelmente, através de seus representantes instalados na Administração
regional de Campo Grande, a desautorização a SAIM de transitar e evangelizar em áreas
indígenas Terena. A missão norte-americana retirou-se do cenário dos Terena e acomodou-
se em sua sede em Chapada dos Guimarães/MT. Segundo os depoimentos orais dos líderes
atuais da UNIEDAS a SAIM mudou sua sigla para SAM (South American Mission),
desincorporando os índios e não se encontra estabelecida em nenhuma área indígena.
Percebeu-se ao longo da conformação da UNIEDAS e de suas fases de apropriação
pelos índios “crentes” que estes, provavelmente, envolvidos em outros fóruns de discussão
permitidos pela organização dos Terena em outros movimentos sócio-políticos (Kaguateca,
Comitê Terena, entre outros) posicionaram-se contra a completude do processo de
assimilação. Posicionaram-se enquanto sujeitos históricos sabedores e conhecedores de
suas limitações enquanto individualizados. Ao longo do processo de afinamento com a
sociedade nacional puderam perceber que não se incluiriam no Estado brasileiro com o
mesmo status quo atingido nas aldeias perante os seus patrícios. Tomaram a decisão
consciente de que era mais rentável politicamente permanecer índio crente.
Tanto foi possível essa clareza quanto ao lugar social que ocupavam nas aldeias que
tomaram a decisão de romper definitivamente com os missionários norte-americanos para
livremente utilizar-se da UNIEDAS enquanto instrumento projetor de lideranças na
sociedade brasileira e escudo protetor contra os ataques a sua identidade indígena. Mesmo
que aos olhos do Estado tenham completado todo o “estágio da civilização”, mantiveram o
direito constitucional de escolha quanto à emancipação. E pelo visto, a negação da
emancipação foi uma deliberação que extrapolou os limites das áreas Terena bem como a
própria limitação de grupo étnico.
Outros pesquisadores demonstraram que a identidade étnica é realçada em face da
presença do outro e que não existe cultura que subsista imutável e idealizada. É
111
característico do ser humano o delineamento de um processo contínuo e dinâmico. Uma
estudiosa, em particular, dizia na última década do século XX que
... o protecionismo não só não garante autonomia como cria
condições para seu esfacelamento. (..) Os índios não esperam dos
brancos que lhes reensinem sua tradições, mas querem dominar o
português, a matemática e outras técnicas habitualmente
monopolizadas pelos brancos.(..) A Antropologia dos movimentos
étnicos evidenciou que a forma mais eficiente de fortalecer a
autonomia de um grupo é permitir que se reconheça demarcando-
se dos outros- numa identidade coletiva. (..) a identidade cultural
não desaparece ao contato com modos de ser e pensar
diferenciados. Ao contrário. A identidade morre nos espaços
fechados, que limitam a reflexão comparativa, que não propiciam a
práxis contrastiva, ou que refletem apenas um espelhamento com
agentes transfigurados em protetores de uma cultura dita
tradicional, idealizada e imobilizada no tempo. (GALLOIS, 1998,
p. 131-2)
No intuito de estabelecerem-se enquanto lideranças autônomas, os “crentes” que
detinham o controle da Junta Administrativa decidiram limitar os espaços de ação da
SAIM. Desfeita a parceria reivindicaram junto à FUNAI nacional, o desligamento total
da missão norte-americana. Segundo os depoimentos, os missionários norte-americanos
perderam a liberdade de trânsito nas áreas Terena, depois de quase nove décadas de
assistencialismo e trabalho evangelístico. Desfizeram-se portanto, todos os elos que os
unia até então.
Eles pediram, antes de ir embora, os senhores nos permitam
trabalhar, tomar conta do trabalho deles em Rondônia. (..) Com
qual harmonia? Se os senhores estão achando que nossa
administração está ruim, de repente vocês levantam problemas
referentes as nossa doutrinas.(Depoimento nº I, 03/06/2000, p.5)
Por outro lado, a SAIM também radicalizou enquanto intermediadora dos
financiamentos que chegavam para a evangelização indígena. Pelo menos uma leitura mais
criteriosa denota, implicitamente, que a Missão internacional restringiu-se a nacionalizar o
patrimônio constituído ao longo do convívio com os Terena “crentes e com os
missionários alemães. Com isso, as verbas que eram enviadas do exterior pelas instituições
112
evangélicas foram retiradas. Provavelmente, o golpe Terena foi comunicado a essas
entidades que suspenderam a remessa de verbas para o Brasil.
A Missão SAIM reorganizou-se como pôde, e atualmente funciona enquanto
diretora de um Instituto de Formação em sua sede no Estado de Mato Grosso, em Chapada
dos Guimarães. Sua denominação atual South American Mission, é um resquício do
conflito com os Terena.
A UNIEDAS, portanto foi profundamente abalada pela suspensão das doações
externas que recebia constantemente. Na tentativa de se auto-sustentar definiu uma política
sistemática de contribuição dizimista de seus fiéis. Seus estabelecimentos de capacitação e
formação de quadros diminuíram a produtividade mediante a dificuldade de auto-gerir-se.
Suas igrejas arroladas estavam limitadas pelas condições sócio-econômicas de seus
habitantes. As aldeias estagnadas cada vez mais dependiam do mercado de trabalho
regional para subsistir. Mal conseguiam manter seu Conselho funcionando. Talvez, por
causa disso, a atual Junta Administrativa da UNIEDAS esboça tentativas de reaproximação
com a antiga genitora.
Os “campos missionários” foram frontalmente atingidos. A princípio, eram
financiados exclusivamente pelas ofertas internacionais e interdenominacionais, levantadas
pelas missões SAIM e MEU. Com o afastamento de uma das missões, o trabalho
evangelístico declinou-se. Alguns povos que estavam em vias de fortalecer o processo
missionário, conformando as primeiras congregações, tiveram uma brusca surpresa quando
de um momento para o outro presenciaram a despedida do missionário. Naquelas aldeias
que estavam em processo mais maduro manteve-se, com muitas dificuldades financeiras,
uma família missionária. Esta modalidade foi observada entre os Tubarão, Bakairi, Suruí,
entre outros povos dos Estados vizinhos, de Rondônia e Mato Grosso. Esse missionário,
posteriormente, com a conformação da congregação em Igreja, seria sustentado pela
própria comunidade e seria ascendido ao status de pastor presidente do Conselho da
Igreja.
Para os Terena “crentes”, a situação criada não foi muito animadora. Deu-se
continuidade à conformação das igrejas locais já existentes, tanto entre os Terena como nos
campos avançados, e prosseguiram o trabalho entre os próprios patrícios, constituindo um
corpo de vinte e cinco igrejas até 1998.
Antes da ruptura já havia um trabalho pequeno da SAIM com outras tribos antes
da criação da UNIEDAS. Com as parcerias estabelecidas, primeiro com a SAIM (1972) e
depois, com a UNIDA (1978), esse trabalho se ampliou. As missões parceiras
113
participavam com recursos humanos (pastores e professores), dada sua formação e
treinamento com trabalhos transculturais dos estrangeiros, e com doações para a
administração e custeio da empresa. A SAIM entrava com a maior parte dos recursos e a
UNIDA dava uma ajuda menor. Formou-se uma admin istração tripartiste
(UNIEDAS+SAIM+MEU). Todavia, nos campos avançados, herdados da SAIM, o
trabalho imperrou por falta de estrutura financeira. Continuaram investindo nos povos já
alcançados, mas não conseguiram ampliar esse quadro. O Pr. Jair relatou que essa
administração tripartiste foi responsável pela construção de uma sub-sede em
Vilhena/Rondônia, com ampla infra-estrutura para apoiar os campos avançados daquela
região. Concluiu-se, com a ajuda dos informantes depoentes, que estes “campos”
significavam novos locais e tribos alcançados pelo Evangelho fora do território-sede da
Missão. De acordo com informação oral essa sub-sede de Vilhena era
muito bem estruturada, porque o dinheiro de fato veio em uma
certa importância que pudesse dar uma estrutura muito boa, né. (..)
Temos um terreno de 36 hectares, construímos quatro prédios,
bons prédios. Ficava perto da cidade, uns quatro quilômetros. Hoje
está uma cidade. No centro tem calçamento, água encanada,
energia elétrica, tem tudo, são 36 hectares. Ainda conservamos a
área verde. Existe ainda vários bichos dentro da nossa área. De lá
que alcançamos as outras tribos em Rondônia: Tubarão, Suruí, são
seis tribos que temos trabalho. Eles ajudaram nessa situação. (..)
Eles cortaram as ajudas financeiras. (Depoimento nº I, 03/06/2000,
p. 5)
Enquanto perdurou a aliança entre as missões, os “campos” de fato avançaram. Seis
povos foram alcançados. Alguns conseguiram montar congregações da UNIEDAS. Outros
conseguiram passar da congregação à igreja, como é o caso dos Tubarão. Porém, após a
ruptura e a escassez financeira a UNIEDAS ficou patinando na tentativa de assegurá-los.
Pelo visto, a SAIM também fechou os canais de comunicação e de financiamento da
UNIEDAS com o universo evangélico do exterior. Num dos depoimentos foi dito que:
Na saída dos americanos, nós ficamos assim, marcando passo, em
termos de outras tribos, que nós não pudemos mais fazer. Não
tivemos mais ajuda de fora como tínhamos. (..) desde que a SAIM
saiu não tivemos mais ajuda. (..) há uma necessidade dos índios
Terena fazer a evangelização junto a outros povos indígenas. Tem
mais de 130 tribos que ainda não foram evangelizadas e nós
114
precisamos alcançar. (..) Nós precisamos de parceria. (Depoimento
nº I, 03/06/2000, p.7)
A metodologia para contatar e alcançar um novo povo indígena requer um
investimento financeiro significativo da parte da missão. É necessário fazer visitas, e aos
poucos iniciar as pregações. Às vezes, o contato se dá a partir do próprio indígena, cuja
demanda é um professor ou um enfermeiro, ou qualquer outra necessidade. Para isso, a
missão tem que custear os missionários e suas atividades até que o próprio povo comece a
assumir o compromisso de auto-sustentar o seu novo credo. Não se tem um prazo fixo para
desenvolver esse trabalho. Por isso é que a UNIEDAS encaixa-se no conceito de missão de
fé porque depende diretamente do apoio voluntário e direto de grupos ou igrejas locais
que efetuam doações para sustentar as atividades da missão. (GALLOIS e GRUPIONI,
1999, p. 87)
A UNIEDAS, de acordo com as atas, realizou poucas parcerias rentáveis. Com a
Missão Presbiteriana do Reverendo Sueng Mankin (1994) estreitou alguns laços que lhe
rendeu uma certa cooperação/parceria. As atas demonstram que depois de 1994, esta
missão sempre se fez representar nas Assembléias anuais da UNIEDAS. No primeiro
encontro, o Reverendo Sueng Mankin manifestou o desejo de cooperação/parceria de sua
missão:
Pensa em cooperar oferecendo escola técnica evangélica em São
Paulo onde poderá ter missionários. Pede que não tenham medo,
não levará a obra, pois a obra é de Deus. Por essa razão pede a
Assembléia que a prove e oficialize termos dessa cooperação que
apresentado ao plenário, por unanimidade foi aprovado. (ATAS,
1994, p. 170
a)
Provavelmente, as dificuldades financeiras protelaram os benefícios da Missão
Presbiteriana porque dois anos depois voltou a reafirmar sua parceria.
Reverendo Mankin, explicando das dificuldades enfrentadas,
reafirmando disposição em continuar buscando aporte financeiro
para UNIEDAS e colocar recursos para apoio de bolsistas no
IBCB. As igrejas da Coréia pretendem ajudar a construir igrejas e
auxiliar na manutenção dos pastores. Por dificuldades em concluir
o prédio da Escola Técnica neste ano poderá receber apenas cinco
estudantes no mês de março e no mês de agosto poderá receber
estudantes para o curso de enfermagem. Diz que pretende ajudar
financeiramente os missionários em Rondônia e solicita da
115
UNIEDAS o nome e a conta corrente desses missionários para que
faça o repasse direto ao obreiro. (ATAS, 1996, p.180)
A UNIEDAS estreitou suas relações com a antiga parceira alemã (1978) a MEU
(Missão Evangélica Unida). Sobre essa parceria as atas não mencionam cooperação
financeira, porém ratificaram a permanência do missionário Martin Black e provavelmente,
dos demais que se encontravam nos “campos avançados” de Rondônia.
ouviu-se a palavra do missionário Martin Black da Missão UNIDA
que expressou seu desejo de continuar participando da obra do
senhor juntamente com os missionários do campo em Rondônia (..)
houve manifestação dos delegados, aprovando o trabalho
desenvolvido pelo irmão; Após este posicionamento a Assembléia
manifestou por aclamação a importância desse trabalho. (ATAS,
1994, p. 172)
Todavia, foi perceptível o temor da Junta Administrativa em perder o patrimônio
construído coletivamente pela Comissão de Interligação. Temia-se que as Missões SAIM e
UNIDA reivindicassem o patrimônio construído entre os Terena. Então, resolveram tomar
as devidas providências, no intuito de regularizar, preservar e expandir o patrimônio
herdado. Aprovaram a construção e instalação do escritório da UNIEDAS na sede da igreja
Evangélica da América do Sul de Aquidauana e criaram a Comissão de Patrimônio e Bens
Imóveis, móveis e semoventes. Mas não era só isso que temiam. A SAIM havia solicitado
a continuidade dos trabalhos em Vilhena/Rondônia, o que não foi consentido pelas
lideranças indígenas sob o pretexto de não haver mais o Modus Vivendi entre ambas.
Mesmo assim, a SAIM havia procurado através de trabalhos localizados conquistar suas
lideranças. As atas demonstraram que insistiram, mas suas tentativas foram vãs.
Novas possibilidades apontadas
No campo das possibilidades de avanço do protestantismo proselitista se percebeu
novas tendências sendo esboçadas pela UNIEDAS na tentativa de responder as suas
limitações. Já na década de 80, iniciou-se a expansão proselitista para fora da população
indígena. Os missionários indígenas começaram a receber em suas igrejas fiéis de outras
116
etnias que vinham participar em comunhão. A UNIEDAS reforçava seu papel de
conversora e divulgadora do Evangelho junto a etnias diferenciadas. Fundaram-se, para
tanto, congregações que depois atingiriam o estatuto de igrejas nos municípios de Miranda,
Aquidauana, Anastácio e Campo Grande. As cidades apresentavam-se como alternativas à
crise financeira pela qual as igrejas das aldeias passavam, abrangiam novos fiéis e
estreitavam os relacionamentos interétnicos, pelo menos no tocante às camadas subalternas
da socieda de nacional.
Em Limão Verde, e provavelmente, em outras aldeias, verificou-se que os índios
“crentes” estão envolvendo-se diretamente no processo de redelimitação da sua área
indígena, o que demonstra uma abertura para as questões políticas abrangentes da causa
indígena despertadas pelo movimento. Aponta-se para um repensar identitário quando os
índios “crentes” começam a discutir em suas assembléias as possibilidades de remover de
seus documentos orientações que negam as suas tradições culturais milenares, como é o
caso das danças típicas ou do jogo de futebol enquanto lazer. Se a orientação, conforme o
Estatuto, tem sido:
f. Não dançar e não assistir ao cinema. “Não toqueis coisas
imundas. Se alguém está em Cristo, nova criatura é, as coisas
velhas já passaram, eis que tudo se fez novo.” II coríntos 5:17. g.
Não jogar em corrida de cavalos... nem nalguma outra coisa. II
Cor. 5:17 h. Não tratar com os padres feiticeiros, nem com
nenhuma outra forma de espiritismo. “Entre ti não achará quem
faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha nem adivinhador,
nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem
encantador de encantamentos, nem quem pergunte aos mortos; pois
todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor; e por estas
abominações o Senhor teu Deus os lança fora de diante dele.”
Deuteronômio 18:10-12. i. Não andar com os maus companheiros
e associações. “não vos prendais desigualmente ao jugo com os
infiéis; porque que participação tem a justiça com a injustiça? E
que comunicação tem a luz com as trevas? II Co. 6:14.
(ORIENTAÇÃO, 1997, p. 24)
Após o cisma com a SAIM, em 1933, as lideranças Terena abordaram questões
antes não mencionadas que merecem uma maior atenção, dadas as possibilidades de
Terenização do protestantismo. Dentre elas, destacaram-se: a) ampliação do proselitismo
nas áreas urbanas nas quais estão situados os denominados índios citadinos (Vila
Trindade - Aquidauana, Vila Umbelina UNIEDAS de Anastácio, Vila Marçal de Souza
- Campo Grande); b) aproximação com setores mais progressistas da sociedade
117
envolvente; c) retorno à identidade étnica enquanto política de reaproximação cultural
com os patrícios; d) esboço de um movimento de mulheres indígenas, para concorrer aos
cargos de direção da Missão nacional e dos conselhos das igrejas locais; e) fortalecimento
das lideranças em postos sócio-políticos da sociedade envolvente: representante na
FUNAI Regional de Campo Grande, chefias de postos indígenas nas aldeias, bem como
de cargos eletivos nas aldeias e nos municípios vizinhos, entre outros. Isso demonstra o
caráter instrumental do espaço institucional conquistado.
Nota-se o surgimento de discussões sobre o comportamento das lideranças
indígenas crentes com relação aos aspectos culturais: preservação da língua materna e
participação na dança do bate pau tradicionalmente praticada por estes. Nesse ponto,
observou-se uma vinculação desses elementos retomados enquanto símbolos identitários,
resgatados pelo povo Terena com o movimento de autodeterminação. Percebeu-se que as
lideranças das últimas gerações estão acompanhando atentamente, pari passo, os
desdobramentos das “negociações” do movimento indígena, do resgate identitário e da luta
pela autodeterminação. Fala-se na possibilidade da construção de uma teologia indígena.
Outra questão cultural resgatada pelas lideranças da UNIEDAS foi a de divulgação
do Evangelho no idioma Terena. É verdade que essa atividade já vinha sendo desenvolvida
por um ou outro ancião mas, a ênfase maior era dada à língua portuguesa. No entanto, após
a ruptura os representantes das Igrejas locais reconheceram em assembléia o Ministério na
língua nativa, o que passou a ser uma exigência aos novos pastores que se formavam. Foi
incorporado o Ministério de divulgação da palavra de Deus no idioma Terena na estrutura
da UNIEDAS e consagrado um ancião que há muito tempo desenvolvia essa modalidade
de evangelização entre seus patrícios. Através do registro em ata, percebe-se uma certa
satisfação por parte do ministro consagrado do reconhecimento da Missão nacional:
Foi procurado pelo irmão Carlos (SAIM) para realizar eventos que
divulgarão este trabalho, mas entendi que não deve pois este
trabalho não é só dele mas muitos outros participarão e além do
que é membro da Uniedas, portanto é só com autorização da
Uniedas que poderá realizar. Diz que é bom que o terêna fale o
português, mas convém que não deixe de falar a sua língua pois é a
garantia da continuidade da cultura deste povo. Diz que a leitura da
Bíblia na própria língua materna auxiliará em muito na
compreensão da Palavra e este será meu ministério. (ATAS, 1996,
p. 182a)
118
Nesta ata ficaram demonstradas duas concepções sobre a necessidade da utilização
do idioma indígena. Quando os estrangeiros utilizaram-se da Bíblia traduzida no idioma foi
no intuito de facilitar a pregação, porém, da parte dos Terena tinha-se essa preocupação
com a manutenção da cultura indígena. Não foi em vão que estas discussões sobre a
preservação ou não da cultura indígena se manifestaram mais fortemente com o surgimento
dos movimentos indígenas. Entre os Terena, afloraram da necessidade que esta etnia tem
sentido de realçar sua identidade em contraposição à identidade de brasileiro que a
sociedade envolvente procurou lhes incutir.
Outro momento de expressão cultural deu-se em torno da liberação ou não dos
índios conversos para participar da dança do bate-pau e de outras manifestações culturais.
A querela deu-se mais porque alguns líderes de Cachoeirinha foram incisivamente
contrários, baseados na argumentação de que esta prática cultural levava muitos crentes a
bebida, por isso solicitavam da Assembléia posição a respeito. (Atas, 1994, p. 167b).
Porém, outros delegados defenderam a participação dos crentes da dança por considerá-la
uma manifestação cultural e tradicional. Não sendo consensual, as lideranças debateram e
estabeleceram critérios no intuito de inibir qualquer oportunidade para os crente de
testemunho desdenhoso para o Corpo de Cristo. (Atas, 1996, p. 168
a) Cada igreja local
ficaria responsável pelos seus critérios. Entretanto, as lideranças tidas como mais
progressistas não ousaram defender abertamente aquelas manifestações culturais, pelo
menos naquele momento.
Essas são manifestações de imbricamento das necessidades cotidianas e das
respostas que a religiosidade pode dar. São maneiras de realizar resgates culturais
refutados anteriormente, para fortalecer a luta pelos direitos indígenas, produzindo
mudanças na concepção das lideranças sobre a cultura indígena sufocada pela
evangelização e civilização cristã. Talvez, agora que seus protetores religiosos não se
encontram mais entre eles, se agarrem a outras formas de assegurar sua etnicidade frente à
sociedade nacional e se engajem de fato rumo a autodeterminação.
Outra questão muito pouco mencionada, mas que está presente o tempo todo é a
ausência da participação das mulheres na direção da Junta Administrativa, ou mesmo nos
Conselhos da igrejas locais. Também só foi mencionada a participação das mulheres após a
ruptura. Estas adquiriram a oportunidade de, na ausência de um representante masculino,
assumir o papel de diaconisa, sem consagração, temporariamente até que o cargo seja
devidamente preenchido. A mulher é reconhecida somente na companhia de seu marido,
pastor, missionário, que ocupa um lugar de destaque e é devidament e assessorado pela
119
esposa, mesmo que essa tenha formação completa. É permitido ainda, que lidere
departamentos dentro da Missão, sem muita influência nas decisões. Nem como delegadas
elas não podem participar nas assembléias. Entretanto, nas últimas duas décadas (80 e 90),
as mulheres têm estado, mais presentes nas atas, seja nas comissões de Livro, na
Secretaria, mesmo sem cargo, elas começam a aparecer.
Por último, com relação ao processo de projeção de lideranças indígenas nos
espaços sócio-políticos da sociedade envolvente, percebe-se que há um contínuo
movimento de inclusão e de ascensão das lideranças indígenas “crentes”. Enxerga-se nas
aldeias o movimento de ocupação dos cargos de Chefias de Postos Indígenas; nos espaços
públicos, o aumento de funcionários indígenas; nos espaços legislativos, principalmente
municipais, a presença dessas lideranças; nos ingressos e saídas dos programas de
graduações das universidades, eles se fazem presentes, entre outros espaços. É constante a
luta para manter-se índio e buscar a inclusão social.
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desafiados pelo Estado brasileiro a sobreviver ou se extinguir, os Terena
conseguiram, através de suas facilidades de adaptação, ocupar espaços sócio-políticos a
partir de alternativas/respostas às possibilidades e oportunidades vislumbradas na
sociedade envolvente. Neste caso, em específico, observou-se o processo de apropriação de
uma Missão evangélica norte-americana que “nacionalizada” e “terenizada” transformou-
se na UNIEDAS.
Todavia, é de fundamental importância que se perceba que essa apropriação não
partiu de uma ação premeditada dos Terena. As condições de apropriação foram se
configurando aos poucos mediante as relações entre os missionários da SAIM e os Terena
“crentes”. Os Terena, enquanto atores sociais, foram apercebendo-se, motivando-se e
posicionando-se na conjuntura. Foram moldando a Missão UNIEDAS de acordo com suas
necessidades de convívio na sociedade brasileira, que os limitava a sobreviver
subordinadamente enquanto grupo minoritário e diferenciado. Entretanto, desde o início
dos contatos com os norte-americanos estiveram predispostos às trocas culturais.
Depois de percorridos todos esses séculos observou-se, que ao longo do processo
histórico foi se configurando uma representação positiva sobre a etnia Terena. A literatura
produzida destaca os Terena com características de um povo manso, trabalhador e afeito
aos contatos com os não-índios e com os demais povos indígenas. Como o principal
objetivo deste primeiro capítulo era apreender as alternativas de convívio dos Terena ao
longo dos tempos anteriores a sua fixação no atual Estado de Mato Grosso do Sul, faz-se
importante, uma breve retomada demonstrando que todas as respostas engendradas pelos
Terena foram mediadas por suas pautas cult urais de contatos que permitiram e permitem,
ainda no início do século XXI, a produção de alternativas dentro de uma sociedade
envolvente, cooptadora, consumista e individualista, e possibilita sua sobrevivência étnica.
Todavia, retoma -se também, no intuito de denunciar que esta representação continua ainda
a ser reforçada por pesquisadores contemporâneos, como é o caso de Sganzerla (1992).
Em seu estudo biográfico sobre a vida do Frei Bagnaia, o autor contribuiu para a
permanência do estereótipo do Terena, pacífico/dócil/bonzinho/colaborador/civilizador. A
idéia que prevalece no seu texto é aquela que coloca o Terena como vítima submissa que
amolda-se à situação de domínio passivamente, o que contrasta frontalmente com as ações
121
agressivas empreendidas por esses índios, ao longo do processo histórico, para manter-se e
reproduzir-se enquanto grupo étnico no século passado e nos demais. Suas relações com os
brasileiros foram de submissão, o que não significou que estes índios renderam-se ou
foram cooptados pela sociedade envolvente. Utilizaram-se de outras formas de
enfrentamento diferenciadas daquelas do embate direto que dizimou muitas etnias e
diminuiu numericamente outras. Provavelmente, foram essas formas diferenciadas de
contato que legaram a eles sua existência e organização até o presente. Novos estudos
estão se voltando para esse enfoque analítico nas três últimas décadas, desde que a
História reconheceu o estatuto de sujeitos históricos aos povos indígenas. Dentre estes e
especificamente sobre os Terena podem ser citados: Alternativa dos Vencidos,
CARVALHO (1979) considerado aqui como um dos pioneiros; Xaray e Chané, SCHUCH
(1995). Nestes dois últimos estudos percebeu-se os índios sendo visualizados enquanto
atores sociais que respondem ao longo do processo às demandas sócio-político-econômicas
colocadas pelas conjunturas.
Os Terena são o resultado mais aprimorado, talvez, de todas as tentativas do Estado
nacional brasileiro em homogeneizar seus territórios e seu povo. É um dos símbolos de
resistência mais transfigurado, porém reconhecido enquanto grupo étnico, da resistência
dentro da lógica ordem burguesa de exclusão.
Cabe dizer que essa proposta de análise partiu do princípio de que os Terena são
atores sociais que produziram, e produzem, alternativas/respostas dentro da condição de
grupo étnico submetido à política de um Estado nacional ao qual foi condicionado a
adequar-se ou desaparecer. Foi possível depreender desse estudo que a opção desses
indígenas foi de estrategicamente submeter -se e a partir dessa condição elaborar saídas
concretas para superar a situação estabelecida. Entretanto, isso não significa classificar
essa postura indígena como uma resposta revolucionária, pois se percebeu claramente que
essa etnia buscou, e busca, inserir-se dentro da ordem burguesa. Então, o objetivo central
seria demonstrar que enquanto grupo étnico, os Terena formularam e agiram de acordo
com as possibilidades e oportunidades existentes.
Entre as décadas de 70 e 90 do século XX, os Terena crentes apropriaram-se da
Missão protestante UNIEDAS (União das Igrejas Evangélicas da América do Sul),
enquanto instrumento político-religioso de inclusão e ascensão social na sociedade
brasileira. Primeiramente, se apropriaram do discurso religioso, depois nacionalizaram o
protestantismo, e por último apossaram-se da estrutura da Missão nacional. Ao longo desse
122
processo as lideranças “crentes” se projetaram em diversos espaços sócio-políticos da
sociedade envolvente demonstrando ser criadores de alternativas/respostas.
Desde o início do século passado, essa etnia estabeleceu contatos com uma missão
protestante, formada por representantes ingleses e norte-americanos, que objetivava
expandir o protestantismo entre os nativos do Brasil e, principalmente, entre os povos
indígenas. Seus primeiros contatos foram realizados no ano de 1912. Ambos demarcavam
suas demandas. Parte dos Terena solicitava imediatamente assistência educacional,
enquanto os missionários buscavam seguidores e divulgadores do seu credo entre os povos
indígenas. Ressalvadas e superadas as dificuldades, a primeira Missão Inland South
American Mission Union (ISAMU) fixou-se entre os Terena no ano de 1913, mas somente
a partir de meados dessa primeira década de funcionamento iniciou sua ação proselitista.
As primeiras conversões, entretanto, provocaram diversos conflitos na aldeia
Bananal, sede religiosa norte-americana. Muitas formas de divisão ocorreram a partir desse
momento: divisão desta aldeia em blocos antagônicos “católicos” e “crentes”; diversas
formas de hostilização inter-grupais; criação de redutos protestantes indígenas
independentes (União 1946 e Aldeinha 1933); remanejamento de aldeia para aldeia;
êxodo indígena para as cidades próximas; configuração de partidos políticos
oposicionistas, etc. Entretanto, os crentes optaram por assumir sua nova identidade que
serviria de passaporte inter-comunidades evangélicas, dentro e fora das aldeias.
O período compreendido entre 1960-72 foi considerado, neste trabalho, como a
primeira fase do processo de apropriação. Foi o período da apropriação do discurso
evangelístico e de sua propagação. Nesta fase, os missionários da SAIM conduziram e
direcionaram a evangelização protestante. Desta década em diante passaram a formar um
quadro religioso indígena por necessitarem de um suporte local/nacional para facilitar a
divulgação do protestantismo.
Esse projeto de nacionalização do protestantismo foi acelerado no final da década
de 60 e início de 70, dada a conjuntura do regime militar que pressionava as missões,
principalmente aquelas ligadas ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI-1972), a se
reestruturarem conforme as exigências da política indigenista militarista. Desta forma,
conjugou-se o ideal de aprimoramento e treinamento das lideranças indígenas crentes que
deveriam assumir a evangelização, com as exigências conjunturais da Política Indigenista
militarista (FUNAI - 1967). Configurada a primeira fase, de apropriação do discurso,
iniciou-se a segunda, com a criação e estruturação da UNIEDAS.
123
Na segunda fase, os norte-americanos continuariam a assessorar, dirigir e financiar
a Missão nacional, juntamente com as lideranças Terena, através da Comissão de
Interligação (SAIM+UNIEDAS). Entretanto, a Junta Administrativa, composta
exclusivamente de quadros indígenas, seria a principal executora das propostas tiradas nas
Assembléias Gerais das igrejas arroladas à Missão nacional. Desta forma, muitas vezes a
Junta sobrepôs-se aos encaminhamentos da Comissão, o que provocaria descontentamentos
nos representantes da SAIM.
Todavia, a Missão UNIEDAS foi se organizando e conformando enquanto
instrumento político-religioso dos Terena “crentes”, que se apropriaram lenta e
definitivamente de sua estrutura a partir da ruptura total com a sua genitora. Para tanto, a
Junta investiu, primeiramente, na conformação das igrejas locais, através da ampliação de
quadros religiosos formados em suas escolas: Escola Evangélica “Lourenço Buckman” e
Instituto Bíblico “Cades Barnéia”, cujo principal objetivo era multiplicar o número de
ministros indígenas para atuar nas igrejas evangélicas locais e nos campos avançados.
Paralelamente à formação teológica aconteceram: o registro cartorial da nova
entidade; a definição das diretrizes doutrinárias e estatutárias; a definição por um sistema
de organização eclesiástica congregacional; a estruturação departamental das atividades
desenvolvidas pela entidade (Departamentos de senhoras, senhores, adolescentes e
crianças, jovens, de missões, de escola dominical, entre outros); a conformação dos
Conselhos de igrejas locais; a projeção de lideranças religiosas e sócio-políticos da
sociedade envolvente em busca de novas parcerias além das existentes.
Na década de 70, a UNIEDAS contatou várias entidades religiosas nacionais e
internacionais, conquistando a ajuda da Missão alemã MEU - Missão Evangélica Unida
que, juntamente com a SAIM, compôs na década de 80, a Comissão de Interligação
(UNIEDAS+SAIM+MEU). Foi a partir dessas parcerias que a Missão nacional conseguiu
levantar um financiamento para reforma e ampliação de suas escolas de formação.
Portanto, esta foi a fase de organização da Missão nacional e preparação de suas
lideranças para assumir definitivamente a direção da evangelização dos índios da América
do Sul. Através da evangelização a UNIEDAS projetou suas lideranças em espaços sócio-
políticos da sociedade nacional. Os Terena estreitaram o convívio com os sul-mato-
grossenses e passaram ao processo de apropriação da Missão, caracteristicamente presente
ao longo de seu percurso histórico.
A UNIEDAS constituiu-se, portanto, em um novo campo de possibilidades de
ascensão social. As lideranças “crentes” ocuparam espaços sócio-políticos, antes
124
permitidos apenas aos brasileiros emancipados, e continuaram desfrutando dos direitos
indígenas, constitucionalmente reais a partir de 1988. Constituíram-se em: funcionários
públicos, presentes em todas as esferas de governo; representantes legislativos municipais;
representantes indígenas na FUNAI regional de Campo Grande; universitários graduados e
graduando-se; representantes junto a organismos internacionais governamentais (ONU) e
não governamentais pró-indígenas. Enfim, demonstraram que estão vivos, presentes e
étnicamente reconhecidos. Por mais que os estereótipos tentem diminuir sua presença
indígena, estão galgando ascensão.
Entretanto, foi na década de 90 que experimentaram a última fase da apropriação
definitiva da estrutura da UNIEDAS. Essa década instigante trouxe ainda o movimento de
formação de diversas outras associações Terena, o que também influenciou na tomada de
posição das lideranças indígenas “crentes”. Dentre as associações destacaram-se, além da
Associação Kaguateca fundada no final da década de 70, que abrangia o Estado de Mato
Grosso do Sul, congregando os povos Terena, Guató e Guarani; o Comitê Terena (1990),
que compreendia nove das doze áreas Terena; e as associações das aldeias. Por exemplo,
na área de Cachoeirinha nasceram várias outras - Associação Indígena Terena de
Cachoeirinha (AITECA); Associação Mãos Unidas (aldeias de Campão e Babaçu);
Associação da aldeia de Argola.
Toda essa conjuntura favoreceu ainda mais ao processo de apropriação da Missão
pelas lideranças “crentes” Terena, motivada principalmente por uma relação conflituosa
entre a SAIM e a UNIEDAS. Estabeleceu-se entre as missões parceiras um ambiente de
desconfiança e acusações mútuas. Ambas justificavam suas diferenças com relação à
conduta correta do indígena cristão e acusavam-se mutuamente, chegando ao extremo de
renunciarem definitivamente à possibilidade de continuar o modus vivendi elaborado pela
Comissão de Interligação. O resultado não poderia ser outro senão o afastamento total.
Após a ruptura com a SAIM, as lideranças indígenas, consolidadas através da Junta
Administrativa, prosseguiram com a divulgação evangélica na tentativa de consolidar a
autonomia da UNIEDAS. Todavia, viram-se fadados a relutar diante dos obstáculos
financeiros que se interpuseram no caminho da Missão. Novas parcerias foram buscadas
juntamente com a cobrança sistemática do dízimo. Porém, faltava-lhes a influê ncia que a
SAIM tinha junto às entidades financiadoras. Pelo visto, cada uma das missões
empreendeu suas retaliações. Os norte-americanos retiraram-se do convívio dos Terena
“crentes”, deixando-os sem perspectivas de reatarem as parcerias internacionais até então
125
firmadas, e os “crentes” agiram junto à FUNAI para vetar o acesso da Missão estrangeira
às áreas Terena.
Até a atualidade, a UNIEDAS não conseguiu efetivar parcerias que dessem
sustentação financeira aos campos avançados. Somente foi possível dar continuidade aos
trabalhos iniciados na época da SAIM e da Missão MEU (Rondônia, Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul), a partir do auxílio financeiro da etnia alcançada. Atualmente, diante dos
obstáculos, está sendo cogitada uma reaproximação da UNIEDAS com a SAIM.
Possivelmente seriam reatados os antigos contatos que apontavam, antes do afastamento,
um alargamento do trabalho evangelístico indígena na América do Sul.
Finalmente, não se pode esquecer que todos os grupos sociais, não hegemônicos,
dentro da sociedade nacional, têm suas limitações. Os Terena, como não poderia ser
diferente, fizeram e fazem parte do conjunto de povos indígenas que buscam respostas e
alternativas para o convívio na sociedade nacional. Apesar de ser considerada integrada
pelo Estado brasileiro, esta etnia demonstrou várias possibilidades de alternativas/respostas
à sociedade envolvente. Este estudo propôs-se demonstrar uma dessas, a via religiosa
protestante, que permitiu aos Terena “crentes” possibilidades de ascensão e inclusão sócio-
política.
126
FONTES
I- FONTES DOCUMENTAIS:
1- Livro Atas da UNIEDAS (1972-98)
2- A Constituição e Ordem da União das Igrejas Evangélicas da América do Sul Da
origem e caráter da Nossa Missão (1997) - ESTATUTOS
3- Carta do primeiro missionário ao Diretor da SAIM no Brasil - 1963
4- A Orientação aos Candidatos ao Batismo
5- Entrevistas:
I- Depoimento do Pastor Jair de Oliveira Igreja de Taunay/Aquidauana
03/06/2000
II- Depoimento do Pastor Jonatan José Presidente da UNIEDAS, Igreja de Campo
Grande 09/06/2000
III- Depoimento do Pastor Josias Paulo Igreja de Anastácio/Anastácio 08/05/2000
IV- Depoimento do Pastor Alberto França Dias Igreja Água Azul/Dois Irmãos do
Buriti 06/06/2000
V- Depoimento do Pastor Jonas Gabriel Reginaldo Igreja Limão Verde/Aquidauana
10/04/2000
VI- Depoimento do Ancião Adalberto França Dias Igreja de Anastácio/Anastácio
30/05/2000
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136
Autorizo a reprodução deste trabalho.
Dourados-MS, Agosto de 2001.
NOEMIA DOS SANTOS PEREIRA MOURA
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