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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
PRAIEIROS, GUABIRUS E “POPULAÇA”:
AS ELEIÇÕES GERAIS DE 1844 NO RECIFE
MANOEL NUNES CAVALCANTI JUNIOR
RECIFE
2001
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
PRAIEIROS, GUABIRUS E “POPULAÇA”:
AS ELEIÇÕES GERAIS DE 1844 NO RECIFE
MANOEL NUNES CAVALCANTI JUNIOR
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Marcus Joaquim M. de
Carvalho
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RECIFE
2001
ABREVIATURAS
APEJE Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano (Recife)
IAHGP Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco (Recife)
DPH Divisão de Pesquisa Histórica do Departamento de História da UFPE (Recife)
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
PRAIEIROS, GUABIRUS E “POPULAÇA”:
AS ELEIÇÕES GERAIS DE 1844 NO RECIFE
MANOEL NUNES CAVALCANTI JUNIOR
RECIFE
2001
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
PRAIEIROS, GUABIRUS E “POPULAÇA”:
AS ELEIÇÕES GERAIS DE 1844 NO RECIFE
MANOEL NUNES CAVALCANTI JUNIOR
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Marcus Joaquim M. de
Carvalho
RECIFE
2001
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AGRADECIMENTOS
Os sonhos que conseguimos concretizar em nossas vidas não são frutos unicamente de
trabalho individual. Precisamos contar com amigos e companheiros que nos ajudem na dura
jornada de torná-los realidade. É com esta certeza que aqui deixo minha sincera gratidão a alguns
deles.
Inicialmente devo a Marcus Carvalho o voto de confiança no meu trabalho e a paciência
na sua tarefa de orientar-me nesta dissertação. Graças à oportunidade que me deu de ser um de
seus bolsistas de Iniciação Científica, pude entrar em contato com a pesquisa histórica e reunir
boa parte do material aqui utilizado. A ele, o meu muitíssimo obrigado.
Aos Professores do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História, com
quem aprendemos a valorizar e a tomar gosto pela pesquisa histórica.
Sou grato aos funcionários do Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano pela boa
acolhida e constante disposição em ajudar. Em especial agradeço a D. Lindinalva, da
Hemacoteca, pessoa acolhedora e sempre pronta a facilitar o trabalho dos pesquisadores que ali
chegam.
Não poderia deixar de expressar gratidão ao meu Deus, fundamento e sentido de minha
vida. Continua a revelar-se como um verdadeiro Consolador, cujo amor permite que mais este
sonho se torne agora realidade.
Minha gratidão também se estende aos meus familiares. Mesmo distantes, lá na minha
querida Paulo Afonso, meus pais e irmãos contribuíram decisivamente para a conclusão deste
trabalho.
Aos meus colegas de graduação e mestrado não posso deixar de reconhecer a importância
que tiveram para o meu crescimento nos estudos universitários. Pessoas como Douglas, Lana,
Ana Laura, Ricardo, Edlúcia, Jailson, Kênia e tantos outros, companheiros e companheiras que
iniciaram comigo esta aventura que se desenrola desde 1994, ano que chegamos a esta
Universidade.
Finalmente, agradeço a minha esposa o apoio durante todo o mestrado. Ela e o meu filho
foram fontes de inspiração e força nesta jornada.
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ABREVIATURAS
APEJE Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano (Recife)
IAHGP Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco (Recife)
DPH Divisão de Pesquisa Histórica do Departamento de História da UFPE (Recife)
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SUMÁRIO
RESUMO 04
INTRODUÇÃO 05
1. O RECIFE DA DÉCADA DE 1840: SEUS BAIRROS,
SEU POVO E SEUS PROBLEMAS 09
1.1 A cidade do Recife: bairros centrais e seus arredores 09
1.2 Mudanças na paisagem urbana: o Recife e o governo do Barão da Boa Vista 17
1.3 Aumento da população... 22
1.4 ...Multiplicação dos problemas 31
2. TRAPIXEIROS, REPUBLIQUEIROS E PRAIEIROS: A CONTURBADA
POLÍTICA PERNAMBUCANA 38
2.1 O Partido Conservador: Boa Vista e a política da “reorganização e
do futuro” 38
2.2 O Partido Praieiro: em busca do apoio popular 42
2.3 Borges da Fonseca: a voz do liberalismo radical e revolucionário 48
3. FACÇÕES POLÍTICAS PERNAMBUCANAS E O INÍCIO DO QÜINQÜÊNIO
LIBERAL 58
3.1 O Ministério Liberal de 2 de Fevereiro 59
3.2 A dissolução da Câmara dos Deputados 62
3.3 Os Presidentes da Província 65
4. O XADREZ ELEITORAL: PRAIEIROS E BARONISTAS LUTANDO NO
TABULEIRO DAS URNAS 76
4.1 Regras e objetivos: a legislação eleitoral e os cargos em disputa 76
4.2 Os primeiros movimentos: os postos-chaves vão sendo ocupados 80
4.3 O começo do confronto: a eleição de juízes de paz e vereadores 91
4.3.1 O processo de qualificação dos votantes 94
4.3.2 A eleição e o fecha-fecha 96
4.4 As eleições primárias 105
4.4.1 A formação das chapas 107
4.4.2 A eleição 111
4.5 Cheque-mate: as eleições são definidas 114
CONCLUSÃO 119
BIBLIOGRAFIA 124
6
FONTES 126
ANEXOS 127
7
RESUMO
Este trabalho aborda o tema da Praieira em Pernambuco, centrando sua análise nas
eleições gerais de 1844 na cidade do Recife. Tem como objetivo principal avaliar a participação
popular naquele processo eleitoral e sua relação com os grupos políticos que disputavam o poder
na província.
Partindo da caracterização da cidade, especialmente de suas áreas mais urbanizadas, dos
problemas sociais e econômicos gerados pelo seu crescimento demográfico, passando pelos
grupos políticos e seus posicionamentos frente ao desenrolar da política imperial e provincial,
chega-se ao clímax da disputa eleitoral ocorrida entre os meses de setembro e outubro daquele
ano. A reconstituição desta história aponta uma maneira alternativa de ver a relação entre os
grupos menos privilegiados e as camadas dirigentes da cidade, onde aqueles procuram superar as
barreiras legais impostas para a sua participação no processo político-partidário. Como resultado
da renhida disputa pelo poder entre praieiros e baronistas, o apoio desta parte da população passa
a ser valorizado por um dos partidos em luta, no caso o praieiro. Incorporando no seu discurso
temas de seu interesse, como a nacionalização do comércio a retalho, a Praia consegue cooptar o
apoio popular e abrir brechas para a manifestação de sua visão sobre o momento histórico em
que viviam. Movimentos de rua como o fecha-fecha, acontecidos naquele ano, são expressões de
uma população que aproveita tais brechas para manifestar seus anseios e protestar contra o que
entendia ser as causas dos difíceis problemas que enfrentava.
INTRODUÇÃO
Entre 1842 e 1849 a Província de Pernambuco foi palco de uma disputa política que
marcaria a história do Segundo Reinado e que ficaria conhecida pelo nome de um dos partidos
envolvidos na luta: o Movimento Praieiro. Seu início remonta a 1842, quando ocorreu uma cisão
no Partido Liberal local. Insatisfeitos com o domínio político da família Cavalcanti/Rego Barros,
deputados liberais dissidentes e algumas lideranças anteriormente ligadas aos conservadores
fundaram o Partido Nacional de Pernambuco ou, como ficou mais conhecido, Partido Praieiro.
O Partido da Praia formulou um discurso baseado em dois pontos. O primeiro era a
oposição ao domínio da família Cavalcanti/Rego Barros, encarnada na figura do então Presidente
da Província, Francisco do Rego Barros, Barão e futuro Conde da Boa Vista. O segundo
consistia na defesa da nacionalização do comércio a retalho, ramo maciçamente dominado pelos
portugueses. Inicialmente os praieiros se dedicaram à luta contra a administração de Boa Vista.
Os confrontos aconteciam nas Assembléias e nos jornais da época, sendo que os dois grupos
possuíam jornais que lhes serviam de porta-vozes. No início de 1844 um gabinete liberal sobe ao
poder e Rego Barros encerra sete anos de governo à frente da Presidência da Província. Sucede-o
Joaquim Marcelino de Brito e, logo em seguida, Tomás Xavier Garcia de Almeida, o responsável
pela perseguição ao confederados de 1824. Inconformados com esta situação e fortalecidos pela
vitória nas eleições para a Assembléia Geral, os praieiros forçam o gabinete na capital do
Império a indicar um nome de confiança. Tomás de Almeida é demitido e vem para o seu lugar o
Desembargador Antônio Pinto Chichorro da Gama. Sua posse foi no dia 11 de julho de 1845,
configurando-se a partir daí o que Joaquim Nabuco denominou de "pleno domínio da Praia".
Com Chichorro da Gama, a máquina administrativa montada durante os anos de governo
do Barão da Boa Vista começou a ser desmontada. Homem de confiança dos praieiros, o novo
Presidente da Província foi tirando do governo as pessoas ligadas aos guabirus e pondo nos seus
lugares pessoas indicadas pelo Partido da Praia. Ele também mexeu com outros interesses do
grupo conservador, chegando ao ponto de levar a polícia a invadir engenhos dos guabirus em
busca de escravos roubados. O quadro se reverteu em 1848, quando o gabinete liberal caiu e foi
posto em seu lugar um gabinete conservador. Com a iminência de perder o que tinham
conquistado até aquele momento, os praieiros não se conformaram com a saída de Chichorro da
Gama da Presidência. Em novembro do mesmo ano estourou uma revolta armada que se alastrou
pela província. As forças praieiras, concentradas em Água Preta, enfrentaram a repressão levada
adiante pelo governo provincial. A luta armada culminou com uma frustrada tentativa de invasão
6
da cidade do Recife em fevereiro de 1849. A derrota dos praieiros neste episódio praticamente
pôs fim ao movimento, com os líderes que participaram do levante presos, mortos ou em fuga.
Um dos mais importantes momentos da Praieira foi o ano de 1844, quando foram
realizadas as eleições gerais que viriam a formar a nova Assembléia Geral e renovar os quadros
da Câmara Municipal do Recife e dos juizados de paz da província. Eram na verdade cargos
tidos como chaves para a disputa política que então se desenrolava em Pernambuco, como
adiante veremos. Neste pleito os praieiros jogavam seu destino político, pois a vitória significaria
o início da conquista do poder local sobre os baronistas e seus aliados.
Outros aspectos a serem ressaltados juntamente com aquela eleição são as agitações de
rua que aconteceram no Recife durante o desenrolar da Praieira. Eram expressões da luta
político-eleitoral em que se digladiavam praieiros e baronistas. Os distúrbios mais famosos desse
período foram os mata-marinheiros de 1848. Porém, outros menos famosos ocorreram e
geralmente são utilizados para caracterizar este período. Um desses eventos foi o fecha-fecha
ocorrido em setembro de 1844. Nas eleições para vereadores e juízes de paz surgiram distúrbios
nas ruas do Recife. No dia 07 de setembro, dia das eleições, houve problemas nas Matrizes da
Boa Vista e, principalmente, na da freguesia dos Afogados. Nesta freguesia, um ajuntamento de
moradores e de grupos vindos da Boa Vista, de Santo Antônio e São José aumentou o clima de
tensão, o que provocou o cancelamento das eleições naquele local. Ao voltarem para o Recife, os
grupos que estavam nos Afogados provocaram muita confusão por onde passavam, estendendo
os conflitos pelas noites dos dias 8 e 9 de setembro.
Dentro de tudo que já foi escrito a respeito do Movimento Praieiro, os levantes populares
ocorridos neste período são normalmente associados ao domínio de certo grupo sobre as massas
que promoviam os distúrbios. Para pesquisadores como Izabel Marson, estes levantes estavam
relacionados com a ação de grupos subordinados ligados a um grupo dirigente. Não havia,
segundo ela, uma ação independente dos grupos promotores de tais levantes, sendo estes fruto do
clientelismo urbano.
1
Desta forma, a participação popular foi extremamente limitada. Uma outra
corrente de pesquisadores não vê estes levantes com os mesmos olhos. Segundo eles, os grupos
subordinados agem conforme a sua interpretação do momento político, não se restringindo sua
ação à subordinação aos grupos dirigentes.
2
A partir deste quadro, algumas questões podem ser levantadas. Como caracterizar a
participação das camadas populares do Recife no processo político-eleitoral durante a Praieira?
1
MARSON, Izabel Andrade. O Império do Progresso: A Revolução Praieira em Pernambuco (1842-1855). São
Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
2
Ver por exemplo CARVALHO, Marcus J. M. de. A Praieira e a Nacionalização do Comércio a Retalho. in Anais
da XV Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa História. Rio de Janeiro: 1995.
7
Entenda-se por camadas populares os homens livres pobres, não-proprietários e até mesmo os
artífices. Seria esta participação apenas resultado do clientelismo político? Que relação existe
entre o fecha-fecha e a participação política daquelas camadas da sociedade recifense? Por que
os cargos em disputa despertavam tanto o interesse eleitoral dos diferentes grupos políticos
envolvidos na luta?
No intuito de responder a tais questões, dividimos o nosso trabalho em quatro capítulos.
No primeiro procuramos fazer uma contextualização do Recife da época, mostrando como a
cidade estava dividida e enfatizando as principais áreas urbanas: os bairros do Recife, Santo
Antônio, São José e Boa Vista. As transformações desta paisagem durante o governo de Boa
Vista, o movimento de crescimento populacional e os problemas sócio-econômicos por ele
gerados também foram contemplados nesta parte da pesquisa.
O segundo capítulo se refere a uma análise dos grupos políticos que então se destacavam
na luta pelo poder na província: o conservador, liderado pelo Barão da Boa Vista; o praieiro; o
liberal radical, cujo líder principal era Borges da Fonseca. Tradicionalmente os dois primeiros
são os mais lembrados nas pesquisas referentes à Praieira. A inclusão do terceiro grupo, aquele
que menos possibilidades tinha de sair vencedor na luta, se justifica pelos laços que possuía com
a camada social que selecionamos para basear a pesquisa. Borges da Fonseca era um tradicional
defensor dos interesses dos homens livres pobres e dos artífices nacionais. Além disso, se tornará
um dos mais ferrenhos adversários do Partido Praieiro durante as eleições de 1844, disputando
com ele o apoio desta parcela da população do Recife.
No terceiro capítulo foi enfatizada a análise do posicionamento daqueles três grupos
políticos frente aos acontecimentos que eclodiram com a subida ao poder do gabinete liberal de 2
de fevereiro de 1844. Privilegiamos três aspectos: como as facções se portaram diante do novo
gabinete, da dissolução da Câmara dos Deputados em maio do mesmo ano e dos presidentes que
vieram a substituir Boa Vista, especialmente os dois nomeados pelo gabinete, Joaquim
Marcelino de Brito e Thomaz Xavier Garcia de Almeida.
Por fim, o quarto capítulo foi dedicado à descrição das diferentes etapas do processo
eleitoral e à análise do seu desenrolar, bem como do modo de agir das facções durante as
votações. É neste capítulo também que fazemos referência ao fecha-fecha, tentando perceber a
maneira como o movimento se deu, as pessoas envolvidas nele e os desdobramentos que
provocou. Tentamos assim englobar o período que vai da eleição de vereadores e juízes de paz
do Recife (setembro) até a etapa final da votação para deputados gerais, a eleição secundária
(outubro). Finalizamos com a análise dos números finais da eleição tanto no Recife, principal
8
preocupação nossa, como no restante da província, identificando as pessoas que formariam a
nova bancada pernambucana na Assembléia Geral e o grupo que se sagraria vencedor.
A documentação utilizada nesta pesquisa constou, principalmente, dos jornais que
serviam de porta-vozes para os grupos políticos do período: o Diário de Pernambuco, ligado aos
conservadores; o Diário Novo, representante dos praieiros; e O Nazareno, de propriedade de
Borges da Fonseca. Além disso, utilizamos também relatórios dos presidentes da província de
Pernambuco, de autoridades policiais a eles subordinadas, de titulares de algumas repartições
públicas e de peças judiciais formuladas na época, como o inquérito contra Borges da Fonseca de
1847 e os autos do inquérito da Revolução Praieira.
Esperamos, desta forma, contribuir para o enriquecimento das pesquisas em torno de um
período ainda pouco analisado dentro da história da Praieira, onde começava a se moldar o
domínio da Praia em Pernambuco. Como já dissemos em um de nossos trabalhos, período
violento e conturbado da história pernambucana, mas não menos rico em possibilidade de
pesquisa para o historiador.
3
3
CAVALCANTI JR., Manoel Nunes. “Pandilha”, “cacetistas” e “moços de laço”: o fecha-fecha de 1844 no
contexto do Movimento Praieiro. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Monografia de Bacharelado, p. 8.
1. O RECIFE DA DÉCADA DE 1840: SEUS BAIRROS, SEU POVO E SEUS
PROBLEMAS
A década de 1840 no Recife está inserida no meio de um período de profundas
transformações em sua estrutura e vida urbanas. A pacata cidade de fins do século XVIII foi se
transformando e mudando de ares. Experimentou os ventos de mudança que vinham junto com a
chegada da família real portuguesa ao Brasil, depois com o processo de Independência e os
agitados anos do período regencial. O mar revolto da política também jogou contra os seus
arrecifes ondas aterradoras, fazendo da capital pernambucana o palco de duas revoluções
frustradas e de diversos levantes urbanos nas três primeiras décadas do século XIX. A primeira
metade do XIX terminaria com um violento embate entre os grupos dirigentes da Província, onde
as ruas do Recife seriam mais uma vez palco privilegiado.
A até então estacionada população recifense sofreu um rápido crescimento ao longo do
século XIX. Passando a exercer atração nas populações do interior imediato, o Recife foi
recebendo cada vez mais gente e o número de seus habitantes se agigantando. A sua área urbana
se expandia graças à conquista dos aterros sobre terras que antes pertenciam aos rios. Mas isso
não acontecia impunemente, pois os crescimentos populacional e urbano eram maiores do que a
cidade podia suportar. Graves problemas passaram a afetar a capital pernambucana, tais como o
aumento da miséria, o agravamento das condições de higiene e de saúde pública. O termômetro
destas mudanças, que estavam longe de serem plenamente positivas, eram os seus bairros
centrais e seus arredores, locais onde se desenrolava a trama da vida diária de sua população.
1.1 A cidade do Recife: bairros centrais e seus arredores
A capital da Província de Pernambuco podia ser dividida em duas áreas. A primeira era a
área urbana propriamente dita, composta pelos seus quatro bairros centrais: Recife, Santo
Antônio, São José e Boa Vista. A segunda correspondia aos “arredores do Recife”, expressão
que ficou conhecida em obra do cronista Pereira da Costa e que correspondia à extensa região ao
redor dos bairros centrais. Em 1844 ela abarcava o território de quatro freguesias: Santo Amaro
de Jaboatão, São Lourenço da Mata, Poço da Panela e Afogados. Somando-se a estas quatro as
outras freguesias de São Frei Pedro Gonçalves (Recife), Santo Antônio, São José e Boa Vista,
eram oito as freguesias que estavam sob a administração da Câmara Municipal do Recife.
4
4
COSTA, Francisco A. Pereira da. Arredores do Recife. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981.
GAMA, José Bernardes Fernandes. Memórias Históricas da Província de Pernambuco. Vol. 1. Tomos 1 e 2. Recife,
1844; reedição: Arquivo Público Estadual, 1977. pp. 30-37. Diário de Pernambuco (Recife), 15/08/1844.
10
O primeiro bairro da região central era o do Recife. Região mais antiga da cidade, era o
local do porto e o primeiro contato de quem desembarcava na capital. Os estrangeiros que aqui
estiveram no século XIX e que deixaram testemunhos escritos demonstram a forte impressão
causada pela cidade vista do mar, além do seu porto, do casario e do burburinho das ruas. O
engenheiro francês Vauthier, ao chegar em 1840, surpreendeu-se com o “cenário gracioso” que
se deparou ao avistar o Recife ainda em alto mar, de onde podia ver “casas brancas, os telhados
emergindo da fresca vegetação”. Estranhou o aspecto do porto, onde de um lado estava o arrecife
e do outro, “em quase toda a sua extensão, praias arenosas ou casas construídas sem a menor
ordem”.
5
O Pastor Daniel Kidder, missionário americano que esteve em Pernambuco por volta
de 1839, considerou singular a paisagem do Recife vista do mar. “As casas alvacentas,
construídas na praia, parecem surgir do meio das ondas.”
6
No mirante de um sobrado, Kidder
contemplou a baía repleta de jangadas que, com suas largas velas latinas, davam um encanto
especial à paisagem. Viu também ao longe navios que passavam ao largo do porto e que
completavam sua movimentada paisagem.
7
Complementando a visão da área portuária, podemos
usar a descrição de Henry Koster, um inglês que morou no Recife durante a segunda década do
século XIX. Ao desembarcar no Cais da Alfândega, impressionou-lhe o burburinho e a agitação
dos negros. “A feia algazarra que fazem quando carregam um fardo, os berros ou ditos em sua
linguagem própria, algum verso no ritmo popular português, as numerosas perguntas que nos
fazia a maior parte daqueles que deparávamos... tudo se combinava para embaraçar-me e
perturbar-me.”
8
Região densamente ocupada, o bairro do Recife quase triplicou sua largura através de
aterros durante o século XVIII. Com isso a sua área urbana foi expandida em direção a fora de
portas, aproximando-se do forte do Brum.
9
A paisagem de suas ruas era dominada pela presença
esguia dos sobrados. Segundo Koster, as casas variavam no número de andares. Nas ruas
menores não passavam de um andar, possuindo grande número delas apenas o térreo. Para
Vauthier, estas casas térreas eram a moradia da “plebe”. Mas havia também os sobrados que
chegavam a possuir até 5 andares.
10
Era no Recife que localizavam-se as casas comerciais de
grosso trato, os armazéns de açúcar e algodão, o prédio da Associação Comercial, da Alfândega
5
FREYRE, Gilberto (prefácio e notas). Diário Íntimo do Engenheiro Vauthier. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Saúde, 1940. pp. 27-28.
6
KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanência no Bras il (Províncias do Norte) . Biblioteca
Histórica Brasileira. Vol. XII. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1951. p. 72.
7
Idem, p. 75.
8
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. 2ª ed. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, Governo do
Estado de Pernambuco, 1978. p. 28.
9
TRIGUEIRO, Edja Bezerra Faria. Oh de fora! Um Estudo sobre a Arquitetura Residencial Pré-Modernista do
Recife, enquanto Elemento Básico de Composição do Cenário Urbano. Recife: Universidade Federal de
Pernambuco, Dissertação de Mestrado, 1989. p. 77.
10
KOSTER, op. cit. p. 30. TRIGUEIRO, op. cit. p. 80.
11
e o da Assembléia Provincial. Suas ruas estreitas já na época de Koster eram calçadas, com
exceção de apenas uma.
11
Bastante movimentadas, elas eram tomadas por um intenso comércio
ambulante e por feiras semanais, como a da Rua do Bom Jesus. Foram as negras vendedoras que
tanto incomodaram Koster quando ele se instalou na sua primeira residência, pois “uma vintena
de negras” gritava na sua janela, “em todos os tons de que a voz humana é capaz”, frutas, doces e
outras mercadorias para vender.
12
Era marcante a presença de negros cativos neste tipo de
comércio.
Fruto da sua relação com o porto, era o bairro do Recife também o local onde se
concentravam a maior parte das tabernas e de prostíbulos da cidade. Nestes lugares os
marinheiros aproveitavam para matar sua sede de bebidas e divertimento com mulheres depois
de longos dias em alto mar, provocando muita confusão e problemas com a polícia. A primeira
metade do século XIX foi um período de aumento da prostituição e do processo que Gilberto
Freyre chamou de “sifilizacão”, processo este que acompanhou o desenvolvimento urbano do
Recife naquele período. Certamente o número de estabelecimentos deste tipo cresceu
principalmente na região portuária da cidade, estando ali prostitutas de primeira, segunda e,
principalmente, de terceira ordem, pertencentes à chamada “escória”.
13
No Recife também existiam muitos estabelecimentos de compra e venda de escravos.
Apesar da proibição do tráfico, em 1831, continuaram a funcionar muitas casas especializadas
em comercializar negros cativos para fora de Pernambuco. Símbolo desta época são os nomes
pelos quais algumas ruas do bairro ficaram conhecidos, como Rua da Senzala Nova e Rua da
Senzala Velha.
14
Atravessando-se a ponte do Recife, chegaríamos à antiga ilha de Antônio Vaz. Lá
estavam dois outros bairros, o de Santo Antônio e o de São José, que até 1844 formavam uma
única freguesia. Era aquela ponte o único meio de ligação entre o bairro do Recife e esta outra
parte da cidade, erguida ainda no período de governo do conde holandês Maurício de Nassau.
Já no início do século Santo Antônio era considerado o bairro mais importante da cidade.
Kidder o considerou o mais bonito.
15
Sua porção norte era a região das repartições públicas, de
ruas largas e comércio intenso. O traçado urbanístico da ilha era contrastante, havendo sensíveis
diferenças entre os seus dois bairros. Na região de Santo Antônio predominavam as ruas largas e
retas, herança ainda da ocupação holandesa e do seu estilo de urbanização adotado quando da
11
KOSTER, op. cit. p. 30.
12
KOSTER, op. cit. p. 29.
13
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento do Urbano. 2
ª
edição; 3 volumes. São Paulo: Livraria José Olympio Editora, 1951. pp. 342.
14
CARVALHO, Marcus J. M. Liberdade: Rotinas e Rupturas do Escravismo no Recife, 1822-1850. Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 1998. pp. 54-55.
15
KOSTER, op. cit. p. 30. KIDDER, op. cit. p. 79.
12
construção da Cidade Maurícia. Já em São José predominou o estilo português, com um traçado
labiríntico, ruas estreitas e tortuosas, entremeada de igrejas e seus respectivos pátios.
16
Para conhecer um pouco e ter uma idéia do traçado da ilha, façamos um passeio
imaginário por algumas de suas ruas, muitas delas que serviriam de palco para manifestações de
rua e embate de facções políticas (ver mapas em anexo 01). Vindo do Bairro do Recife e
atravessando a ponte que nos leva a Santo Antônio, atravessamos o arco do lado deste bairro e
chegamos à Rua do Crespo (atual 1º de Março), local de comércio chique e bastante
movimentado. Ainda à beira da ponte, à nossa esquerda, está o Cais do Colégio e, mais em
frente, o Largo do Arsenal de Guerra. Prosseguindo pela Rua do Crespo, logo mais em frente
chegamos a um cruzamento, estando a nossa esquerda a Rua do Colégio, que nos levaria ao largo
de mesmo nome, e a nossa direita a Rua da Cadeia (atualmente estas duas ruas compõem a Rua
do Imperador). Seguiremos por esta rua, uma das mais antigas da ilha, e, logo depois da esquina
com a Rua do Mundo Novo, ela recebe o nome de Rua de São Francisco, estando ali localizado o
Convento e a Igreja dos Franciscanos, local onde os holandeses edificaram o Forte Ernesto. Ao
final da rua nos deparamos com o Largo do Palácio (atual Campo das Princesas ou Praça da
República), onde foram edificados dois dos principais prédios públicos durante a administração
do Barão da Boa Vista: o Teatro de Santa Isabel e o Palácio do Governo.
Pegando à esquerda, tomaremos o caminho da Rua de Santa Isabel, margeando aquele
largo. Passaremos pela esquina da Rua da Florentina e chegaremos às margens do rio, de onde
poderíamos avistar o casario da Rua da Aurora. Prosseguindo à esquerda, passaríamos pela
esquina da Rua Bela e pelo início da Rua do Mundo Novo, chegando até à Praça do Capim.
Margeando o rio temos a Rua do Sol, chamada assim pelo fato do sol, depois de meio-dia, ficar
bem em frente às casas até depois das cinco horas. Da praça poderíamos seguir até o Largo do
Paraíso pela Rua da Roda, sendo que quase lá passaríamos pela esquina da Rua Detrás do
Quartel. Paralela à Rua da Roda tínhamos as ruas do Sabão e a do Senhor Bom Jesus fazendo
esquina com a Rua de Santo Amaro. Sigamos em frente pela Rua do Sol, e logo estaremos na
entrada da Ponte da Boa Vista e no início da larga e espaçosa Rua Nova. Por ela chegaremos até
à Matriz de Santo Antônio e, logo em seguida, à Rua do Cabugá, que termina na Praça da
Independência (atual Pracinha do Diário). Rodeada por quarenta casas térreas que formam um
quadrado em torno da praça, ela outrora era conhecida como Praça da Polé, nome de um
instrumento de tortura que servia para castigar os escravos e que ali existia.
Continuemos com o nosso passeio pela Rua Larga do Rosário, que nos levará até a Igreja
de Nossa Senhora do Rosário. Seguindo em frente pela Rua do Fogo, logo avistaremos a Igreja e
16
TRIGUEIRO, op.. cit. pp. 80-86.
13
o largo de São Pedro, já na divisa entre Santo Antônio e São José. Pegando uma das travessas de
São Pedro, chegaremos à Rua Direita, que bem perto encontra-se com o Largo do Livramento.
Mas sigamos o sentido contrário, indo em direção ao Forte das Cinco Pontas. No final da Rua
Direita encontraremos a Rua das Cinco Pontas que nos levará ao Forte e até o início da Rua
Imperial. Indo em direção à Ponte de Afogados por esta mesma rua, nos deteremos um pouco na
esquina com a Rua Augusta. Esta, juntamente com a Rua dos Martírios e a de Hortas, formam
um só caminho que leva ao Pátio do Carmo. Mas como se aproxima o fim da tarde e do nosso
passeio, faremos o caminho até a Ponte da Boa Vista. No final da Rua Augusta pegaremos uma
travessa à esquerda que irá nos guiar à Rua da Concórdia. Caminhando por toda sua extensão,
encontraremos novamente a Rua do Sol e finalmente chegamos ao final do passeio na Ponte da
Boa Vista. Fatigados por tão longa caminhada, resta-nos sentar em um dos seus banquinhos e
apreciar a bela paisagem do pôr do sol.
Em 1844, a Assembléia Provincial dividiu a ilha em duas freguesias. A parte norte
continuaria sendo chamada de Santo Antônio, enquanto que a nova freguesia de São José do
Ribamar ficaria com a parte sul. A divisão em freguesias veio corroborar, de certa forma, as
diferenças de riqueza entre as duas partes da ilha. Santo Antônio era a região das repartições
públicas e do comércio. Na sua região central existiam a repartição da polícia, a das obras
públicas, a Relação do distrito, o tribunal dos jurados, a Tesouraria Geral e a Provincial, a sala
das audiências dos juízes do crime, do cível e da paz, o selo e o correio. No seu extremo norte
surgiriam ainda o Palácio e a Secretaria do Governo, como também o Teatro de Santa Isabel. Já
em São José não havia nenhum prédio público, e o movimento comercial desta freguesia era
quase nulo, quadro que poderia ser mudado apenas em fins de 1857 com a inauguração da
estrada de ferro e sua estação.
17
Segundo os dados do censo de 1856, Santo Antônio possuía
2.170 escravos para uma população livre de 8.734 pessoas; São José tinha 1.122 escravos e
10.324 pessoas livres.
18
Respectivamente, a proporção era de mais ou menos 1 escravo para cada
4 homens livres e de 1 escravo para cada 9 habitantes livres. Tomando-se a posse de escravos
como um índice de riqueza, nenhum outro bairro tinha uma porcentagem de escravos tão baixa
quanto São José, nem mesmo Afogados, tradicionalmente um lugar habitado por pessoas muito
modestas. Lá a proporção era de 1 escravo para cada 5 habitantes livres.
Outro dado que aponta para a divisão desigual da riqueza entre os dois bairros da ilha é o
da classificação das moradias. Considerando que o tipo da residência demonstrava a condição
17
Diário de Pernambuco (Recife), 9/10/1857, in MELLO, José Antônio Gonsalves de (org.). Diário de Pernambuco:
Economia e Sociedade no 2
º
Reinado. Recife: Editora Universitária/UFPE, 1996. p. 494.
18
Arquivo Público Estadual de Pernambuco, Relação Numérica da População Livre e Escrava do 1
º
Distrito do
Termo do Recife, 10/01/1856.
14
social do morador, como afirmou Vauthier ao dizer que casas térreas eram moradia da “plebe”,
então em São José havia mais gente desse nível social do que em Sa nto Antônio. Segundo dois
artigos publicados no Diário de Pernambuco de 1857 pelo cronista Antônio Pedro de Figueiredo,
em Santo Antônio havia 1.772 casas. Destas, 1.129 eram térreas, o que dá um percentual de 63%
do total de casas do bairro. Já em São José, das 1.733 casas 1.548 eram térreas, ou seja, 89% do
total de residências (ver Tabela nº 1). Isso sem falar que as casas com um ou mais andares eram
sempre em número superior em Santo Antônio, chegando o número de prédios com 3 andares
neste bairro ser 56 vezes superior ao de São José.
19
Tabela nº 1
Tipo e Distribuição das Casas em Santo Antônio e São José em 1857
TÉRREAS 1 ANDAR 2 ANDARES 3 ANDARES 4 ANDARES TOTAL
São José 1.548 129 54 2 - 1.733
Santo Antônio 1.129 237 288 112 6 1.772
Em relação às atividades comerciais, a ilha abarcava a maior parte do comércio de secos
e molhados da cidade. Segundo dados de Figueira de Mello, existiam 319 lojas deste tipo em
Santo Antônio (ver Tabela nº 2).
20
Era um comércio diurno, pois lá estaria a menor concentração
de tabernas do Recife. Este forte comércio a retalho de Santo Antônio estava em sua maioria nas
mãos de comerciantes portugueses, que seriam vistos pela população pobre como a razão
principal de sua difícil situação de vida. Seriam eles o alvo preferido das manifestações de rua e
dos mata-marinheiros ocorridos durante a década de 1840 no Recife. Vale salientar ainda que
estes números são anteriores a 1844, quando ainda não existia a freguesia de São José. Abarcam,
portanto, a ilha como um todo. Podemos afirmar, no entanto, que a quase totalidade deste
comércio se concentrava no bairro de Santo Antônio. Como já foi visto, ainda em 1857 o
comércio em São José era quase nulo (ver nota 14).
A ilha de Santo Antônio seria um dos lugares em que a paisagem urbana seria modificada
de maneira mais acentuada durante o governo do Barão da Boa Vista (1837 a 1844), com o
surgimento de novos prédios públicos, modificação do traçado e abertura de novas ruas e
surgimento de novas residências. Este assunto será visto em tópico posterior.
19
MELLO, José Antônio Gonsalves de. op. cit. p. 495; e O Diário de Pernambuco e a História Social do Nordeste.
Vol. 2. Rio de Janeiro: Gráfica O Cruzeiro, 1975. p. 842.
20
MELLO, Jeronymo Martiniano Figueira de. Ensaio Sobre a Estatística Civil e Política de Pernambuco. Recife:
1852; reedição: Recife, Conselho Estadual de Cultura, 1979. p. 184.
15
Tabela nº 2
Distribuição das Lojas na Cidade do Recife em 1828
DE FAZENDAS SECAS DE MOLHADOS TABERNAS TOTAL
Bairro do Recife 66 46 84 196
Bairro de S. Antônio 179 140 34 353
Bairro da Boa Vista 4 - 66 70
Atravessando mais uma ponte chegamos ao bairro da Boa Vista, que dá nome também à
ponte que o interliga ao bairro de Santo Antônio. Desde meados do século XVIII sua área vinha
sendo ampliada por sucessivos aterros. Um dos primeiros foi o que deu origem à atual Rua da
Imperatriz, que por muitos anos ficou conhecida como Rua do Aterro. Conhecida também como
“o continente”, a Boa Vista tinha uma situação toda peculiar. Cortada pelo canal Derby-
Tacaruna, as águas do canal eram regidas pela maré. Dependendo se estivesse alta ou baixa,
fazia com que o bairro se alternasse entre a condição insular e continental. Sua ocupação seguiu
os moldes coloniais, com localidades em blocos de tamanho variado e interligados por caminhos
em cujas margens se localizavam sítios e casas de campo. Da metade do século XVIII até a
primeira metade do XIX, foi o principal foco de expansão urbana do Recife.
21
Bernardes Gama o considerava o bairro mais belo da cidade. O Pastor Kidder observou
que o bairro era bastante extenso e ocupado principalmente por prédios residenciais e casas de
campo. Ao contrário das demais regiões da cidade, na Boa Vista predominavam as casas baixas,
extensas e cercadas de jardins. Suas ruas não eram calçadas e estavam sempre em completo
estado de abandono.
22
Pertencia à freguesia da Boa Vista a região da Madalena, onde se localizava uma das
áreas mais aprazíveis do Recife de então, conhecida como sítio Passagem da Madalena. Era o
ponto onde existia a ponte de mesmo nome que ligava a Boa Vista com a antiga freguesia da
Várzea. À beira do Capibaribe, ali foram edificadas belas residências com as suas frentes
voltadas para o rio. Na visão de Vauthier, era a região do luxo e dos sítios, com casas belas e
adornadas, rodeadas de muros gradeados por onde se avistavam os jardins. Um de seus
moradores era ninguém menos que o Barão da Boa Vista. Na época em que Kidder esteve no
Recife, a Madalena estava recebendo novas e finas residências.
23
21
TRIGUEIRO, op. cit. pp. 90-91.
22
GAMA, op. cit. p. 31; KIDDER, op. cit. p. 79.
23
FREYRE, Gilberto (prefácio e notas). op. cit. p. 51; KIDDER, op. cit. p. 81.
16
Sendo uma área predominantemente residencial, o número de casas comerciais neste
bairro era bem menor do que nos demais. Olhando para os números da tabela nº 2 dá para
constatar isto. O que havia na Boa Vista era um bom número de tabernas, mais exatamente 66.
Ficava atrás apenas do Recife, o bairro da boemia por excelência. Segundo Carvalho, isto se
explica pelo fato de que, na época, geralmente festas e bebedeiras aconteciam perto de onde se
morava.
24
Fato é que as tabernas eram um constante foco de problemas para as autoridades.
Muitas brigas e confusões tinham início dentro de suas portas. Além disso, atraía todo tipo de
gente. Quanto mais vagabunda, piores os elementos que iam até ela experimentar de suas
“bebidas espirituosas”.
Coincidência ou não, a Boa Vista seria o lugar de conflitos nas eleições de 1844 e de
onde partiriam muitas pessoas para engrossar as fileiras do fecha-fecha.
As demais regiões que cercavam estes quatros bairros da capital compunham os
chamados “arredores do Recife”. Eram áreas extensas, muitas delas ainda com fortes laços que
as ligavam aos engenhos existentes na região. Diversas povoações se espalhavam por suas terras,
interligadas por caminhos cheios de casebres nas suas margens ou com uma vegetação intensa
que chegou a fascinar os viajantes que por aqui passaram.
Alguns dos arredores se destacavam. Afogados, por exemplo, era uma povoação muito
próxima ao Recife, existindo como uma fronteira entre a área urbana e a rural. Interligava-se ao
sul do bairro de São José pela ponte dos Afogados, via aterro do mesmo nome. Sua população
era formada em sua maioria por pessoas de poucas ou nenhuma posse. Vauthier, ao passar por lá,
refere-se apenas a casebres que formavam o casario da população. Segundo Figueira de Mello,
em 1828 não havia nenhuma loja de secos ou molhados na freguesia, apenas 32 tabernas. Pelos
sítios da região vagueavam temidos “proletários”, vistos pelos líderes do partido conservador
como aliados dos praieiros e elementos propensos a desordens em época de eleição.
25
Outro lugar de destaque era a freguesia do Poço da Panela. Localizada à margem do
Capibaribe, abarcava a povoação que dava nome à freguesia, a de Casa Forte, a do Monteiro e a
de Apipucos. Lugares extremamente aprazíveis, eram os preferidos pelas “boas famílias” para
passarem as festas de fim de ano e o verão. “Estes lugares, que pelo Inverno tem poucos
habitantes, pelo Verão tornam-se tão procurados, que uma casa muito ordinária, não se alcança
para os quatro meses do calor, senão por avultada soma.”
26
Ainda segundo Fernandes Gama, não
havia melhor forma de gastar o dinheiro do que desfrutar do ar vivificante daquele paraíso que
24
CARVALHO, op. cit. p. 66.
25
FREYRE, Gilberto (prefácio e notas). op. cit. p. 50; MELLO, Jeronymo Martiniano Figueira de. op. cit. p. 184;
Diário de Pernambuco (Recife), 26/09/1844, nº 215, p. 2.
26
GAMA, op. cit. p. 37.
17
eram as margens amenas do Capibaribe. Fato é que durante o período de festas, os subúrbios do
Recife experimentavam os burburinhos da população da capital que fugia do calor dos bairros
mais populosos e centrais para desfrutar do seu clima mais ameno e “salubre”.
1.2 Mudanças na paisagem urbana: o Recife e o governo do Barão da Boa Vista
Até meados da década de 1830, o aspecto da cidade do Recife e o modo de vida de sua
população estavam ainda muito aquém do que poderia proporcionar os avanços do mundo
moderno, cujo espelho maior era a Europa. Um marco na transformação do Recife foi o governo
de Francisco do Rego Barros, Barão e futuro Conde da Boa Vista, que durou de 1837 a 1844. Por
meio de uma arrojada política de obras públicas, o Barão da Boa Vista conseguiu dar à capital de
sua Província natal ares de modernidade e imprimir uma nova dinâmica na sua vida social.
Homem fortemente influenciado pela cultura européia, Rego Barros teve como um dos seus
principais objetivos a transformação do Recife numa cidade que seguisse os modelos urbanos
europeus. Queria fazer da capital pernambucana uma bela cidade para que os ricos senhores de
engenho e seus filhos não abandonassem sua terra natal.
O governo de Boa Vista está inserido num período em que se desenrolava o processo que
Gilberto Freyre chamou de reeuropeização.
27
Segundo ele, a forte influência das culturas moura,
africana e oriental sobre a cultura local estava sendo minada pela cada vez mais dominante
influência inglesa e francesa. O modo de vida, os hábitos e os costumes iam sendo afrancesados.
No Recife a reeuropeização significou urbanização. O florescimento de um modo de vida urbano
representou a luta contra valores e elementos culturais classificados de ultrapassados, sendo
substituídos por elementos de culturas ditas “civilizadas”. Desta forma, as gelosias orientais
deveriam dar lugar às grades de ferro e vidro inglesas, os palanquins não combinavam com uma
cidade que almejava ser “civilizada” e as cores vivas do Oriente foram substituídas pelo cinza
carbonífero dos países industrializados.
Politicamente, o governo de Boa Vista está inserido no projeto conservador de
reordenamento da sociedade brasileira, chamado na época de “política da reorganização e do
futuro”. Formulado em meados da década de 1830 para se contrapor à investida liberal do início
da Regência, o programa conservador tinha por objetivo substituir o que era visto como
representação do atraso pelo progresso material e moral, o que levaria o país a uma ordem
harmônica e feliz. Empunhavam a bandeira da centralização do poder e da luta contra os maus
costumes oriundos da escravidão (ambição, rebeldia, violência e desvalorização do trabalho).
Seu discurso baseava-se numa análise dita “científica” da sociedade, onde a ciência e a técnica
27
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento do Urbano. 2
ª
edição; 3 volumes. São Paulo: Livraria José Olympio Editora, 1951.
18
eram tomadas como instrumentos para a formulação de um novo modelo social. Por serem
imparciais, a ciência e a técnica permitiriam a concretização de um progresso harmonioso e
pacífico, onde os conflitos estariam ausentes.
28
Boa Vista foi o implementador desta política conservadora em Pernambuco. Buscou
erguer uma sociedade que almejasse a civilização com ordem e harmonia. Utilizou-se da ciência
e da técnica para encontrar o progresso que seria necessário para alcançar esse estado. Mas o seu
modelo ideal de sociedade não era para todos, pois fora planejado e pensado para aqueles que
pudessem ser alcançados pela linguagem da ciência. A massa inculta, vista como “o profano
vulgacho que só acredita naquilo que vê”, precisaria ser guiada pelos ilustrados a fim de
aprender seus direitos e deveres e reconhecer seus verdadeiros amigos.
29
Sua política de obras atingiu as mais diferentes áreas. Construiu o Palácio do Campo das
Princesas a partir da reforma do Palácio Velho, edifício que passaria a ser a residência oficial dos
Presidentes da Província. Deu início aos trabalhos de construção do Teatro Público (atual Teatro
de Santa Isabel), ao Cemitério Público (atual Cemitério de Santo Amaro) e ao projeto de
construção da Casa de Detenção. Construiu a ponte pênsil da Caxangá, obra das mais modernas
para a época. Ordenou também um novo sistema de numeração das habitações e de identificação
do nome de ruas, travessas e becos. Abriu novas estradas que ligavam a capital a localidades da
Zona da Mata Sul e Norte. Um exemplo foi a chamada Estrada de Pau d’Alho, que começava no
largo da Madalena e seguia em direção àquela povoação, passando pelas áreas do Cordeiro,
Iputinga, Várzea e Caxangá. Essa estrada foi a que deu origem à atual Av. Caxangá.
30
Uma de suas maiores preocupações foi a manutenção das pontes que interligavam os
bairros e os arredores do Recife. Construídas de madeira, elas se desgastavam rapidamente e
precisavam constantemente de reparos. Além do desgaste natural, outros fatores contribuíam
para a diminuição de sua vida útil. Na ponte do Recife, o hábito de dar espias às embarcações
(usar os seus esteios para amarrar as cordas dos barcos) exigia uma força maior da madeira. Já na
ponte dos Afogados o risco maior era durante a época de cheia do Capibaribe, pois o braço do rio
que passava por baixo dela recebia parte do entulho arrastado pela forte correnteza. No meio do
aguaceiro vinham troncos de árvores que, caso não fossem tomadas providências rápidas, se
chocavam com os esteios de sustentação da ponte e danificavam sua estrutura. Quanto à ponte da
Boa Vista, o seu maior problema eram os entulhos de lixo que a população jogava nas suas
margens, pois isso favorecia o rápido apodrecimento da madeira.
28
MARSON, Izabel Andrade. O Império do Progresso A Revolução Praieira em Pernambuco (1842-1855). São
Paulo: Editora Brasiliense, 1987. p. 189-232.
29
Ver MARSON, op. cit. p. 303.
30
Para saber mais sobre as obras deste período, ver o livro de GUERRA, Flávio. O Conde da Boa Vista e o Recife.
Recife: Fundação Guararapes, 1973.
19
A ponte que sofreu maior intervenção do governo foi a da Boa Vista. Praticamente foi
construída uma nova. As obras duraram de 1838 a 1841, onde a nova ponte recebeu varandas de
ferro no lugar das de madeira, bancos importados da França e um inédito calçamento.
Ainda no intuito de proteger e conservar as pontes, o governo aprovou a criação da
“Polícia das Pontes” por meio das Posturas Adicionais da Polícia Sanitária da Cidade e seus
Subúrbios, publicadas em dezembro de 1839.
31
Composta de apenas quatro artigos, a Postura
que regulamentava a dita Polícia proibia em seu artigo 1
º
o depósito, nas pontes ou em suas
imediações, de materiais para obra, linhas ou qualquer outro objeto que embaraçasse o seu livre
trânsito, punindo-se os contraventores com uma multa de 8 mil réis. Já o artigo 3
º
legislava
especificamente sobre a Ponte do Recife, proibindo os mestres, donos ou consignatários de
qualquer tipo de embarcação de amarrá-las ou lhes dar espias nos esteios da ponte. As posturas
da polícia sanitária também proibiam que pelas pontes passassem carros de fora com
carregamento de açúcar, madeiras, pedras, tijolos ou telha. Só seria permitido o trânsito de
carroças de um só boi, além de carruagens, seges e carrinhos. Da mesma forma, proibiam as
carruagens, seges e carrinhos de passarem correndo pelas pontes, devendo andar sobre elas a
“passo natural”. Essas medidas, se respeitadas, ajudariam a prolongar um pouco mais a sua vida
útil.
Uma região privilegiada pelas obras da administração de Rego Barros foi a ilha de Santo
Antônio. No seu extremo norte foi erguido o Palácio do Governo e iniciadas as obras do Teatro
de Santa Isabel. Ao lado da entrada da ponte do Recife construiu o Passeio Público no Cais do
Colégio ou, como ficou conhecido na época, Cais Boyer, nome do engenheiro que o edificou.
Segundo o Pastor Kidder, havia ba ncos pintados de verde junto à muralha para o público sentar.
À noite ou pela manhã era muito agradável sentar-se ali, mas durante o dia a falta de árvores e o
sol causticante tornavam o calor insuportável.
32
A ilha estava passando por um processo de franca expansão do seu território, como
também a cidade de um modo geral. O surgimento de novas áreas habitadas tornava necessário o
reordenamento das ruas. O grande e rápido crescimento da capital é citado por Rego Barros no
seu relatório à Assembléia Provincial de 1840.
33
No lado sul da ilha, a construção de novas casas
expandiu a área habitada do bairro de São José para as imediações do Forte das Cinco Pontas. A
expansão do aterro dos Afogados deu origem à Rua Imperial, que seria a mais extensa da cidade
com 1,5 km de extensão. As novas edificações também se estendiam na porção ocidental da ilha,
na região que ficaria em torno do aterro da futura Casa de Detenção. Mas elas não se limitaram a
31
Diário de Pernambuco (Recife), 18/12/1839.
32
KIDDER, op. cit. p. 79.
33
Diário de Pernambuco (Recife), 06/03/1840.
20
surgir apenas nestas regiões. Em ruas antes pouco edificadas, novas casas iam sendo erguidas.
Era o caso da Rua Augusta e de parte das ruas da Palma e da Concórdia, consideradas em 1857
como áreas de ocupação recente.
34
Este aumento do número de residências nos dois bairros da ilha levou o governo a
procurar meios de viabilizar o crescimento e ordenar o traçado urbano segundo os padrões
europeus. Havia no Gabinete Topográfico da ROP um projeto do terreno e alinhamento das ruas
com vistas ao aumento do bairro de Santo Antônio.
35
O que o governo queria era amenizar o
traçado labiríntico da região de São José, para assim dar a ela um ar mais parecido com as
principais cidades européias. Desta forma, combatia-se o excesso de becos e as construções
irregulares que acabavam por impedir um alinhamento mais racional das ruas e sua perfeita
interligação.
Talvez o maior esforço do governo neste sentido tenha sido a elaboração das Posturas
Adicionais da Arquitetura, Regularidade e Aformoseamento da Cidade, aprovadas interinamente
pelo Presidente da Província e publicadas no Diário de Pernambuco de 31/10/1839. Segundo
Flávio Guerra, elas teriam sido sugeridas pelo técnico João Bloem, alemão que trabalhou no
Recife por indicação da Câmara Municipal, em fins de 1839.
36
Compostas por vinte e um
artigos, as posturas procuravam estabelecer regras para as novas construções e enquadrá-las
dentro de um plano onde predominava a simetria, a ordem e a regularidade, inspirado nos
modelos de urbanização das cidades mais “adiantadas” em escala de civilização. A ordem e o
progresso da nova sociedade pernambucana deveriam se refletir também em suas ruas e casas.
De acordo com as novas posturas, as licenças para edificar nas ruas que haveriam de se
abrir só seriam concedidas depois de levantada a planta de seu arruamento (Art. 1
º
). As novas
ruas e travessas teriam um mínimo de 60 e 40 palmos (13,2 e 8,8m) de largura, respectivamente
(Art. 2
º
). Todas as ruas seriam divididas em quarteirões com os fundos medindo entre 500 e 600
palmos (110 e 132m), e nenhuma propriedade poderia ter menos de 30 palmos (6,6m) de frente
(Art. 3
º
). As novas casas edificadas deveriam possuir um alicerce que suportasse, no mínimo,
uma casa de dois andares (Art. 5
º
). Nenhum prédio poderia ter menos de 21 palmos (4,62m)
entre o cordão e o frechal, nem uma altura superior à largura da rua ou travessa para onde estiver
a sua frente (Art. 7
º
). O número de portas e janelas das novas residências, suas dimensões, tipo e
distribuição pelos diferentes andares são determinadas pelo Art. 8
º
, além de regularizar as
34
MELLO, José Antônio Gonsalves de (org.). Diário de Pernambuco: Economia e Sociedade no 2
º
Reinado. Recife:
Editora Universitária/UFPE, 1996. p. 495.
35
APEJE, Coleção Obras Públicas, vol. 9, 05/08/1839, pp. 70-75.
36
GUERRA, op. cit., cap. 6.
21
dimensões das portas das cocheiras. Até as cornijas teriam que ser niveladas, tendo suas faces
inferior e superior no mesmo nível das casas de mesma altura (Art. 9
º
).
A modificação de prédios já existentes só seria autorizada mediante exigência de
nivelamento, cordeação e demais adaptações aos preceitos simétricos destas posturas (Art. 10).
Novos pavimentos em casas já edificadas, só naquelas que estiverem de acordo com o plano e
dimensões marcadas pela Câmara (Art. 13). Em ruas já edificadas, novos prédios serão regulados
pelo Cordeador a partir dos edifícios da mesma rua que estejam mais próximos da simetria
determinada pelas posturas (Art. 15). Até mesmo os muros que fossem construídos deveriam
seguir as mesmas dimensões, perspectivas, simetria e regularidade exigidas para os edifícios
(Art. 14). Os proprietários deveriam construir nas ruas novas esgotadores laterais para o
recebimento de água da chuva e dos prédios, além de serem exigidas bicas na parte superior da
cornija (Art. 16). Todos os edifícios novos deveriam ser uniformes e guardar as mesmas
dimensões externas, sendo obrigatória a construção de passeios de laje com 10 palmos (2,2m) de
largura (Art. 18). Todo o edifício, muro, muralha ou parede que fossem pegos pelo Fiscal
desaprumado em metade de sua largura, deveria ser demolido dentro do prazo marcado pelo
mesmo Fiscal (Art. 19).
As punições aos infratores destas posturas iam do pagamento de multas, que variavam
entre 10 mil e 30 mil réis, demolição da obra e até prisão. Aos proprietários, a punição ficava
apenas nas multas, mas para os mestres de obra, ela poderia ser multa ou então oito dias de
prisão. Problemas de minas, defeitos de construção, má qualidade de materiais ou incapacidade
do terreno, se surgidos até quatro anos depois de acabada a obra, a responsabilidade seria do
mestre (Art. 20).
Além do problema da falta de simetria e de ordenamento das edificações, um outro muito
grave e que prejudicava a imagem de uma cidade que aspirava ao progresso, era o acúmulo de
água, agravado durante o inverno, e o lixo nas suas ruas. Tornava-se necessário combatê-los por
serem vistos como fontes de insalubridade para a capital. No centro e nas margens dos três
bairros erguiam-se imensos depósitos de toda espécie de imundícia. Uma cruzada em favor da
limpeza e higiene pública foi tentada por meio das Posturas Adicionais da Polícia Sanitária da
Cidade e seus Subúrbios.
37
A atividade dos bauleiros e a venda de carne e peixe secos foram
centralizadas na Rua da Praia, ficando proibido a venda destes produtos em outras ruas da
cidade. O abate de gado foi regularizado, sendo estabelecido horários de acordo com a época do
ano.
37
Diário de Pernambuco (Recife), 17/12/1839.
22
Os vendedores nos mercados, lojistas, taverneiros, donos de armazéns, padarias,
refinações, artistas de qualquer tipo de ofício, sacristãos de Igrejas e Capelas e todos os
proprietários de qualquer negócio ou indústria de porta aberta, todos eles estavam na mira das
posturas. Não poderiam lançar à rua qualquer tipo de resíduo que prejudicasse o trânsito ou o
asseio de suas lojas. Até às 6:00h de cada domingo, deveriam varrer as testadas de todo o
edifício onde está localizado o seu estabelecimento, depositando o lixo nos lugares determinados
pela Câmara. Os Fiscais visitariam aos sábados, ou em qualquer outro dia da semana, as vendas,
tabernas e botequins para verificar se estavam devidamente limpas, multando as que
encontrassem sujas. Todos os moradores de edifícios urbanos seriam obrigados a também limpar
as testadas de suas residências até às 6:00h da manhã do domingo.
Quanto ao acúmulo de água nas ruas, medidas saneadoras também foram tomadas.
Segundo avaliação do engenheiro francês Louis Vauthier, o estado das ruas de Santo Antônio e
São José não era nada bom.
38
Fazendo-se uma linha divisória que ia da Ponte do Recife até a da
Boa Vista por meio das ruas do Crespo (1º de Março), do Cabugá e Nova, algumas ruas
localizadas ao norte dela estavam intransitáveis.. Para serem melhoradas, estas ruas precisavam
de aterros, fazendo-se o meio mais convexo e cavando-se em certas partes mais baixas algumas
valas laterais onde se reúnem as águas. Ao sul daquela linha, poucas eram as transitáveis. Quase
todas precisavam de aterros, podendo ser melhoradas por meio de valas. O problema de acúmulo
de água era agravado pelo hábito dos proprietários que estavam edificando suas casas de, durante
e depois da construção, deixarem consideráveis depósitos de caliças e terras. Tais depósitos
atrapalhavam o trânsito público e impediam o movimento das águas.
39
Em novembro de 1842, Vauthier comunica o final das obras de combate à acumulação de
água nas ruas da capital, que estavam sob a direção do engenheiro Bauletreau.
40
Reconhece que
estas obras não constituíam um sistema regular e definitivo de escoamento das águas da chuva,
que só seria possível por meios mais dispendiosos. Elas servem apenas de remediação para os
maiores inconvenientes causados por tais acúmulos. Finaliza o francês chamando a atenção para
a necessidade de uma contínua manutenção daquelas obras.
1.3 Aumento da população...
A análise da população do Recife da primeira metade do século XIX nos aponta para um
processo de rápido crescimento no seu número de habitantes. As áreas mais afetadas por este
processo serão justamente as que correspondem aos seus quatro bairros centrais. Duas fontes nos
38
APEJE, Coleção Obras Públicas, vol. 13, pp. 307-313, 23/05/1842.
39
Idem, vol. 13, p. 331, 04/06/1842.
40
Idem, vol. 14, pp. 206 e 207, 16/11/1842.
23
trazem luz sobre o assunto. A primeira é a obra de Figueira de Mello, o chefe de polícia e um dos
principais nomes na repressão à insurreição praieira de 1848. Ele escreveu um ensaio estatístico
em 1852, utilizando na análise da população de um censo realizado em 1828. Seus dados são
bastante detalhistas e dão conta desde o número de lojas comerciais até o número de pessoas
livres e escravas em cada uma das freguesias do Recife. Fato importante é a classificação e
divisão da população por gênero. A segunda fonte é o mapa de um censo realizado em 1855 e
publicado em janeiro de 1856. Seus dados não são tão minuciosos quanto os de 1828, registrando
apenas o número total da população masculina e feminina, livre e escrava de cada freguesia.
Vale lembrar que os dados coletados não são de todo confiáveis, mas pelo menos nos dão uma
idéia de quem eram os habitantes da capital da província em dois momentos de sua história, o
que na verdade é o que nos interessa no momento.
41
Os números dos dois censos estão contidos
nas tabelas nº 3 e 4.
Tabela nº 3
População da Cidade do Recife em 1828
LIVRES CATIVOS
BAIRRO
Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total
TOTAL
Recife 1.470 1.800 3.270 1.597 1.043 2.640 5.910
Santo Antônio 4.188 6.215 10.403 1.362 1.657 3.019 13.422
Boa Vista 1.525 2.545 4.070 1.144 1.132 2.276 2.394
Tabela nº 4
População da Cidade do Recife em 1856
BAIRRO
POPULAÇÃO
MASCULINA
POPULAÇÃO
FEMININA
LIVRES ESCRAVOS TOTAL
Boa Vista 5.022 5.629 8.244 2.407 10.651
Santo Antônio 5.100 5.804 8.734 2.170 10.904
São José 4.826 6.620 10.324 1.122 11.446
Recife 4.106 3.870 5.968 2.008 7..976
Segundo Figueira de Mello, a população do bairro do Recife no final da década de 1820
era de 5.910 almas, distribuída conforme os números apresentados na tabela nº 5. Deste total,
3.270 pessoas eram livres e 2.640 eram escravas. Em termos percentuais, respectivamente 55,3%
e 44,6%. Levando-se em consideração que, segundo Carvalho, ninguém gostava de revelar sua
riqueza, o censo mostra um número de escravos menor do que na realidade o era. Isso indicaria,
41
MELLO, Jeronymo Martiniano Figueira de. op. cit. p. 184. Arquivo Público Estadual de Pernambuco, Relação
Numérica da População Livre e Escrava do 1
º
Distrito do Termo do Recife, 10/01/1856. Sobre o trabalho de
Figueira de Mello, ver CARVALHO, op. cit. pp. 39-47.
24
então, que os escravos correspondiam à metade da população do bairro, podendo chegar a ter
superado o número de pessoas livres.
42
Tabela nº 5
População do Bairro do Recife em 1828
HOMENS MULHERES TOTAL
Livres 1.470 1.800 3.270
Cativos 1.597 1.043 2.640
Total 3.067 2.843 5.910
Analisando-se os números da população escrava percebe-se que os homens superavam
em quantidade as mulheres: 1.597 (60,5%) contra 1.043 (39,5%). Deve-se estes números ao fato
de existir naquele bairro atividades tradicionalmente voltadas para os homens, tais como os
trabalhos de estiva no porto, de carga e descarga, de transporte de mercadorias, de manutenção
de navios, sem falar no trabalho das grandes casas de importação e exportação. Os escravos
também atuariam como negros de ganho e aluguel e no intenso comércio ambulante do bairro,
além de servirem em serviços domésticos.
43
Exemplo destes últimos era o leva e traz dos
“tigres”, barris onde eram colocados os dejetos das residências para serem despejados nas praias
dos rios ou pontes da cidade. Mesmo já sendo um trabalho nada agradável, o pobre cativo corria
o risco de, em meio ao percurso, o fundo do barril ceder e ele tomar um banho de urina e fezes.
As escravas atuavam principalmente em atividades domésticas, servindo de amas de leite,
cozinheiras, mucamas e outros ofícios. Muitas podiam ser encontradas vendendo mercadorias
nas ruas do bairro, seja no comércio ambulante ou nas feiras de rua. Eram elas que gritavam nas
janelas das casas e sobrados anunciando seus produtos, como no caso já citado de Koster.
Carvalho chama a atenção para um dado do censo que revela a relação entre os números de
escravas e de fogos no bairro, que são exatamente os mesmos: 1.043. Isso mostra como era
extensiva a escravidão doméstica e suntuária.
44
Em relação à população livre do bairro, os dados mostram um relativo equilíbrio entre
homens e mulheres, estando estas ligeiramente à frente com um percentual de 55%. Quanto a sua
ocupação, podemos fazer uma relação entre a população livre do bairro do Recife e os seus
42
CARVALHO, op. cit. p. 54.
43
CARVALHO, op. cit. p. 53.
44
CARVALHO, op. cit. p. 53. Segundo a legislação eleitoral, “por Fogo entende-se a casa, ou parte dela, em que
habita independentemente uma pessoa ou família; de maneira que um mesmo edifício pode ter dois, ou mais Fogos.”
Artigo 6º do Decreto n. 157, de 4 de maio de 1842. apud SOUZA, Francisco B. S. de. O Sistema Eleitoral no
Império. Rio de Janeiro: 1872; reedição: Brasília, Senado Federal, 1979. p. 202. Citado por CARVALHO, op. cit. p.
43.
25
iguais de outras partes do Brasil. Em uma de suas obras, Iraci Del Nero da Costa estudou o grupo
dos homens livres proprietários e não-proprietários a partir de dados estatísticos de diversas
partes do Brasil, relativos ao período do final do século XVIII até a década de 1830. Uma de
suas conclusões foi a de que os proprietários ocupavam-se de cargos da Igreja, de rentista, na
magistratura, nos empregos civis, no corpo militar, nas profissões liberais, no comércio e no
transporte. Já os não-proprietários, apesar de uma parcela estar envolvida em atividades de
comércio e de transporte, a grande maioria ocupava-se dos serviços gerais, em trabalho de
jornaleiros e artesãos.
45
Esta certamente era também a divisão de áreas de trabalho entre a
população livre no bairro, acrescentando-se apenas que, por estar numa área litorânea, os não-
proprietários eram também os que se ocupavam nas atividades voltadas para o mar. Destaque
para os pescadores de fora de portas, que serão elementos ativos nos movimentos analisados em
capítulo posterior.
A respeito da população da ilha de Santo Antônio, os dados de Figueira de Mello
correspondem ao período em que Santo Antônio e São José ainda eram um só bairro. Sua
população era de 13.422 pessoas (ver tabela nº 6). Deste total, 3.019 eram cativos, o que mostra
existir mais escravos naquela região do que em qualquer outra parte do Recife. Uma parte desta
mão-de-obra escrava era utilizada no intenso comércio ali existente. Outra servia como artesãos
que forneciam produtos para o comércio a retalho, tais como sapatos, utensílios de folhas de
flandres, roupas masculinas, rendas e roupas finas. Por fim, os escravos eram utilizados também
em trabalhos braçais. Mas a maior parte trabalhava mesmo era nos serviços domésticos.
46
Tabela nº 6
População do Bairro de Santo Antônio em 1828
HOMENS MULHERES TOTAL
Livres 4.188 6.215 10.403
Cativos 1.362 1.657 3.019
Total 5.550 7.872 13.422
Ao contrário do que existia no bairro do Recife, em Santo Antônio o número de mulheres
escravas era superior ao dos homens, correspondendo a 54,8% da população cativa. Isso
demonstra a relativa superioridade das atividades femininas naquela parte da cidade. As escravas
trabalhavam tanto nas residências como nas ruas, principalmente no comércio ambulante. A
45
COSTA, Iraci Del Nero da. Arraia-Miúda. São Paulo: MGSP Editores, 1992. p. 93.
46
CARVALHO, op. cit. pp. 56 e 60.
26
circulação de “negras quitandeiras” era um problema que constantemente a Câmara Municipal
tentava solucionar por meio de posturas municipais. Uma delas determinava o recolhimento das
escravas a partir das 20:00h. Juntas com os negros, provocavam “derriços” em muitas ruas do
bairro que chegavam a escandalizar as “pessoas de bem”.
47
A população livre era bem superior à escrava. Enquanto esta representava 22,4%, aquela
ficava com 77,6%. Isso mostra que poucas pessoas em Santo Antônio eram donas de escravos,
ou donas de muito poucos.
48
A ilha era um lugar onde a divisão entre ricos e pobres se tornava
mais acentuada. Boa parte desta população livre estava na mesma condição dos seus iguais do
bairro do Recife. Muitos eram empregados como jornaleiros, artesãos e aprendizes no comércio,
enquanto outros competiam com os escravos no comércio ambulante. Conforme as conclusões
de Iraci Del Nero da Costa, uma parte dos não-proprietários se ocupava com o pequeno
comércio.
49
Para o bairro da Boa Vista, a população estava distribuída conforme a Tabela nº 7. A
população escrava estava distribuída por sexo de forma mais equilibrada do que em outras partes
do Recife. Isso aponta para uma divisão sexual do trabalho mais ou menos eqüitativa, à
semelhança de Santo Antônio. Sendo um bairro essencialmente residencial, os escravos estavam
voltados para os trabalhos domésticos. Isso não impedia, no entanto, que atuassem no comércio
de rua e nas feiras. Carvalho chama a atenção para a sua proporção de escravos: era de 35,8% do
total da população. Mesmo sendo menor do que a do Recife, é, porém, muito alta para uma área
residencial. Isso é um indício de que a escravidão na época deixara de ser um simples sistema
econômico para ser um modo de vida na capital.
50
Tabela nº 7
População do Bairro da Boa Vista em 1828
HOMENS MULHERES TOTAL
Livres 1.525 2.545 4.070
Cativos 1.144 1.132 2.276
Total 2.669 3.677 6.346
Sobre a população livre da Boa Vista, vale para ela o que já citamos a respeito do mesmo
grupo nos outros bairros da capital no que diz respeito a sua ocupação. É importante também
observarmos que boa parte destas pessoas livres estaria ligada a tarefas relacionadas aos sítios e
ao trabalho doméstico, pois este bairro praticamente não possuía movimento comercial. É
47
CARVALHO, op. cit. p. 63.
48
CARVALHO, op. cit. p. 56.
49
COSTA, op. cit. p. 93.
50
CARVALHO, op. cit. pp. 65-67.
27
curioso observar a superioridade do número de mulheres em relação ao de homens. Do total da
população livre, elas representavam 62,5%. Só Santo Antônio chegaria perto deste número, mas
lá os dados na verdade englobam também São José. Uma explicação talvez esteja no fato de que,
sendo um bairro com uma alta proporção de escravos (35,8%), possivelmente o número de
negros e negras forras também fosse significativo entre a população livre. Sabe-se que entre os
escravos, as mulheres levavam vantagem em relação aos homens na luta por alforria, sendo
maior o número de mulheres que conseguiam alcançar este tipo de liberdade.
51
Um quadro comparativo pode ser construído agora tomando os números do mapa de
1856, cujos dados gerais estão na tabela nº 4. Atentando isoladamente para cada bairro, os
números do bairro do Recife apontam para uma forte tendência de crescimento da sua população,
que saltou de 5.910 habitantes em 1828 para 7.976 em 1856, resultando em um crescimento
percentual de 34,9% (ver tabela nº 8). A proporção de homens e mulheres no total da população
permaneceu quase a mesma coisa, ficando nos dois anos em torno de 51% para os homens e 48%
para as mulheres. O número de escravos caiu, passando de 2.640 no primeiro censo para 2.008
em 1856. Isso talvez se deva à cada vez maior dificuldade do abastecimento de mão de obra
escrava por meio do tráfico ilegal. Por sua vez, a população livre pulou de 3.270 para 5.968
pessoas. Em relação à questão de divisão de gênero, mesmo os dados não sendo tão detalhados,
podemos inferir algumas coisas. Se considerarmos que a proporção entre homens e mulheres
escravos não mudou em relação a 1828 ou variou pouco (2 mulheres para cada 3 homens), em
1856 existiam 1.200 escravos e 808 escravas. Desta forma, subtraindo estes valores com os
números totais de homens e mulheres, podemos chegar a 2.906 homens e 3.062 mulheres dentro
da população livre. Isso nos indicaria que no crescimento da população livre, o gênero masculino
predominou e equilibrou, em relação a 1828, a relação entre os números de homens e mulheres
livres.
Tabela nº 8
População do Bairro do Recife em 1856
HOMENS MULHERES LIVRES ESCRAVOS TOTAL
Recife 4.106 3.870 5.968 2.008 7.976
Percebe-se, portanto, modificações importantes na composição da população do bairro do
Recife. O número de habitantes cresceu, principalmente entre as pessoas livres, e o número de
escravos caiu. Este fenômeno será percebido também nos números dos censos nos outros bairros.
É o caso dos dois bairros da ilha de Santo Antônio. Já com a divisão entre Santo Antônio e São
José, os dados mostram que houve um aumento significativo do número de seus habitantes.
51
CARVALHO, op. cit. pp. 222-225.
28
Enquanto que em 1828 Santo Antônio possuía 13.422 habitantes, em 1856 os dois bairros juntos
eram habitados por 22.350 pessoas (ver Tabela nº 9). Na ilha, portanto, o crescimento foi de
66,5%. O número de escravos não cresceu muito, enquanto que a população livre quase dobrou
entre as duas datas: foi de 10.403 para 19.058 pessoas. Isoladamente, os dados mostram que São
José possuía uma população livre superior à de Santo Antônio, mas perdia em número de
escravos. Esta constatação mostra o que já foi dito em linhas anteriores, que a proporção de
escravos em São José era a menor da capital. Aponta, portanto, para o fato de que em termos de
divisão de riqueza São José perdia para Santo Antônio.
A população livre pobre predominava em São José, e era de lá que vinha boa parte da
chamada “populaça” que engrossava as fileiras das manifestações de rua deste período. Uma
descrição de parte desta população foi feita por Vauthier, quando em um de seus passeios
atravessou algumas áreas de São José rumo à ponte dos Afogados.
“Toda a população masculina e feminina estava, pois, de pé, as
mulheres, negras e mulatas, já instaladas à porta de seus mucambos,
olhando vagamente a rua, mostrando o colo e os seios até meio caminho da
cintura. Crianças de toda idade e sexo; as meninas, sobretudo, emolduravam
agradavelmente a figura das mães. Toda essa população ia passar assim o
dia, em vaga contemplação vegetativa, recolhendo-se à sombra para deixar
abrandar o sol e voltando à porta, logo que ele desaparecesse. É assim a vida
dessas criaturas que se vestem e se nutrem de ar, cobrem-se de um pouco de
tecido branco e comem apenas alguns punhados de farinha de mandioca.
Mesmo assim, ape sar da simplicidade de vida, sua preguiça e imprevidência
são tais que o problema de sua existência parece insolúvel.”
52
Tabela nº 9
População dos Bairros de Santo Antônio e São José em 1856
HOMENS MULHERES LIVRES ESCRAVOS TOTAL
Santo Antônio 5.100 5.804 8.734 2.170 10.904
São José 4.826 6.620 10.324 1.122 11.446
Na Boa Vista a população saltou de 6.346 pessoas para 10.651 (ver tabela nº 10),
representando um crescimento de 67,8%. Foi a maior taxa de crescimento entre os bairros da
52
FREYRE, Gilberto (prefácio e notas). Diário Íntimo do Engenheiro Vauthier. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Saúde, 1940. p. 50.
29
área urbana do Recife. Constata-se também que o número de escravos cresceu pouco e a
população livre duplicou, sendo também o maior crescimento do Recife entre os homens livres.
O aumento mais acelerado entre os homens equilibrou a divisão dos habitantes em termos de
gênero. Estes dados batem com os comentários já feitos à respeito da Boa Vista como um dos
bairros de maior expansão urbana no período e o acelerado processo de aumento do número de
residências neste bairro.
Tabela nº 10
População do Bairro da Boa Vista em 1856
HOMENS MULHERES LIVRES ESCRAVOS TOTAL
Boa Vista 5.022 5.629 8.244 2.407 10.651
Passando a observar os números gerais da população urbana do Recife nos dois censos,
constatamos que o ritmo de seu crescimento foi bastante acelerado. Comparando os dados (ver
tabela nº 11) percebe-se que entre 1828 e 1856, o número de habitantes cresceu de 25.678 para
40.977 pessoas. Isto significa um aumento de praticamente 60% em menos de trinta anos.
Tabela nº 11
População da Cidade do Recife em 1828 e1856
1828 1856
Livres Escravos Livres Escravos
Recife 3.270 2.640 5.968 2.008
Santo Antônio 10.403 3.019 8.734 2.170
São José - - 10.324 1.122
Boa Vista 4.070 2.276 8.244 2.407
Total 17.743 7.935 33.270 7.707
Os fatores que levaram a esse crescimento populacional não estão relacionados ao
crescimento vegetativo e nem ao aumento do número de escravos, mas sim a processos
migratórios do interior imediato para a capital. O Recife, durante o séc. XIX, tornou-se pólo de
atração das populações das áreas vizinhas.
53
Uma ideologia liberal de valorização da cidade,
maior liberdade (ou menor repressão) e oportunidades para os grupos subordinados da
população, a cidade como centro do poder político e da administração, a cobiça por empregos
53
CARVALHO, M. J. M. de. Os Símbolos do “Progresso” e a “Populaça” do Recife, 1840-1860, in Cidades
Brasileiras: Políticas Urbanas e Dimensão Cultural. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros/USP, 1998. p. 65-70.
30
públicos e até mesmo a onda de obras públicas do governo de Boa Vista, tudo isso contribuiu
para acelerar o processo migratório que elevou rapidamente o número de habitantes do Recife.
Analisando ainda os números da tabela nº 11, observamos que a população escrava
cresceu muito pouco, ficando quase que estacionada. Por outro lado, a população livre quase
dobrou de tamanho. Isto significa que o contigente migratório que chegava ao Recife era
formado em sua maioria por homens livres, e nos arriscamos a afirmar que a grande maioria era
de pessoas pobres que fugiam de problemas como a seca e a violência política.
As duas áreas que mais cresceram em número de habitantes foram as da Boa Vista e da
ilha de Santo Antônio. Explica-se isto pelo fato de que eram essas áreas que ainda possuíam
espaço para a expansão do número de moradias. Neste aspecto, a Boa Vista era uma região
privilegiada, pois uma porção muito grande de sua área ainda não era ocupada.
Focalizando a análise sobre a ilha de Santo Antônio constata-se que ela continuava a ser a
região mais habitada do Recife. Em Santo Antônio e São José vivia mais da metade da
população da área urbana da capital. Tanto sua população livre como a escrava eram superiores
às dos outros bairros. Dos dois bairros da ilha, São José era o mais populoso. Tinha um total de
11.446 habitantes, contra 10.904 de Santo Antônio. Mais uma vez a questão do espaço pode
explicar tal superioridade, pois era justamente a região de São José que possuía mais áreas
desocupadas que poderiam ser aproveitadas para a construção de novas residências. O avanço
dos aterros sobre o rio é mais significativo neste período na região do aterro dos Afogados e do
lado oeste, em direção à Boa Vista, onde surgiria mais tarde o aterro que daria lugar à construção
da Casa de Detenção da Província.
Esta preferência por São José e Santo Antônio explica-se também pela proximidade da
ilha com o porto do Recife. Para a população mais pobre os trabalhos no porto serviriam como
um meio de sobrevivência. Em Santo Antônio também existia o Cais do Colégio, local de
desembarque para muitos navios e de possibilidade de trabalho para muitas pessoas. Por fim, o
fato de em Santo Antônio concentrar-se o comércio fino e o a retalho também servia como
atrativo para quem chegava ao Recife preferir se fixar em suas proximidades, mesmo que isso
significasse construir um mucambo nas áreas de mangue.
Estes dois fatores não tinham tanta força na Boa Vista. O bairro era mais distante do
porto e não possuía um movimento comercial significativo e tão forte como o de Santo Antônio.
O crescimento populacional no bairro tanto pode estar associado a um aumento da população
pobre que vinha do interior como também ao crescimento do número de habitantes mais
endinheirados. Estes seriam os donos das residências luxuosas à beira do Capibaribe que iam se
multiplicando na região, como constataram alguns viajantes.
31
Percebe-se, portanto, que a década de 1840 está em meio a um processo de forte
crescimento da população urbana do Recife. Tal crescimento fez duplicar a população livre da
cidade, em que estariam muitos negros libertos, pardos livres e homens brancos pobres. Esta
população livre se concentrou de forma mais numerosa na Boa Vista, Santo Antônio e,
principalmente, São José. As conseqüências desta expansão não tardariam a aparecer.
1.4 ...Multiplicação dos problemas
Este crescimento populacional foi maior do que a cidade poderia suportar. O primeiro
problema a surgir foi o de onde colocar tanta gente que chegava ao Recife. As novas construções
necessárias para receber um contingente cada vez maior de pessoas forçou o crescimento da área
urbana ocupada, onde os aterros tomavam áreas cada vez maiores às águas do rio Capibaribe. A
ilha de Santo Antônio expandiu-se bastante, principalmente do lado oeste, em direção à Boa
Vista, e do lado sul, na região do Forte das Cinco Pontas e na ligação com a povoação dos
Afogados. O aterro ali existente, que estava sendo aumentado durante a administração do Barão
da Boa Vista, daria lugar à abertura da Rua Imperial. Nas ruas com o menor número de
residências os espaços vazios começavam a ser ocupados. Quem não conseguia um lugar para
morar, simplesmente dormia pelas ruas ou pontes da cidade, como observou Kidder em relação à
ponte do Recife.
54
A seguir viria o problema de como absorver a mão-de-obra que estava surgindo. Os
cargos públicos não eram suficientes para empregar todas as pessoas e havia todo um processo
de ligações clientelistas que só permitiam o acesso a tais cargos para as pessoas ligadas ao grupo
que estava no poder. Uma das repartições mais visadas para os pretendentes de empregos era a
Repartição de Obras Públicas (ROP). Nos requerimentos recebidos pela Presidência da Província
o cargo mais solicitado era o de inspetor de obras, cuja exigência era a de formação na área de
engenharia. Como nenhum dos solicitantes possuía tal formação, todos apelavam para a Lei de
10/06/1835 que permitia a contratação de um leigo na inexistência de um engenheiro. O caso
mais extremo foi o de João Baptista Diniz, que pedia para ser nomeado em qualquer lugar da
repartição. Agarrou-se a uma promessa feita pelo vice-presidente da Província, Francisco de
Paula Cavalcanti d’Albuquerque, de que lhe arranjaria um emprego. Foi, por fim, indicado para
inspecionar as obras da estrada de Pau d’Alho.
55
Muitos dos suplicantes eram ex-soldados das tropas de 1ª e 2ª linhas, tendo também
ocupado outros cargos públicos. Foi o caso de José da Silva Bastos, que serviu 6 anos na 1ª linha
do Exército e ocupou o lugar de Guarda das Contribuições da Junta do Comércio na extinta
54
KIDDER, op. cit. p. 78.
55
APEJE, Coleção Obras Públicas, vol. 6, p. 257, 25/05/1838.
32
Mesa da Inspeção.
56
Tentavam impressionar também destacando seus conhecimentos, como o
fez Manoel Pereira da Silva ao registrar seus conhecimentos do latim e do francês.
57
Boa parte se
dizia em difícil situação financeira, com família numerosa para sustentar e passando pelos
desarranjos provocados pelo desemprego. Um deles chegou a apontar o seu desejo de prestar
mais um serviço a sua Pátria como motivo adicional para requerer o emprego.
58
Da parte do Inspetor Geral da ROP, Firmino Herculano de Moraes Ancora, responsável
pelo envio dos ofícios à presidência, alguns critérios parecem nortear o julgamento dos
suplicantes. Interessava-lhe a idoneidade da pessoa, sua conduta moral, probidade e inteireza de
caráter. O peso maior, porém, era o da capacidade e “inteligência” necessária do suplicante para
ocupar o cargo. Muitos tinham boas referências, mas careciam da “inteligência” exigida pelo
emprego. No caso de Bernardino de Sena Lima, ele não tinha nem uma coisa, nem outra. Moraes
Ancora não confirmou sua inteligência profissional e não tinha informações sobre sua qualidade
moral.
59
Naqueles dias de carestia os salários dos empregados da ROP não os ajudavam muito a
enfrentar as dificuldades de subsistência, principalmente aqueles que ocupavam os cargos mais
simples. Segundo dados de um orçamento para as obras de reparo no prédio da Relação, um
mestre de carpina que iria dirigir a obra ganharia uma diária de 2.000 réis, enquanto que um
oficial ficaria com 1.200 e um aprendiz com 560 réis. O mestre pedreiro teria a mesma diária do
carpina e cada um dos seus serventes ficaria com 560 réis diários. Outros cargos da ROP teriam
salários um pouco melhores. A maioria dos responsáveis por obras ganhava 40.000 réis mensais,
os amanuenses ficavam com 33.333 e os desenhistas do Gabinete Topográfico com 25.000 réis.
60
Como se não bastasse, eram constantes os atrasos de salários dos funcionários públicos.
Em 1838, Inspetor Geral da ROP oficiava ao Presidente da Província reclamando do atraso dos
pagamentos dos funcionários de sua repartição.
61
Já em 1844, o Diário Novo reclamava da
penúria em que viviam os funcionários públicos, pois desde outubro de 1843 não recebiam
salários.
62
Se a situação de quem possuía um emprego era difícil, pior ainda para quem não o
tinha. O desemprego de boa parte da população acabou por elevar o número de mendigos e de
“desocupados” na ruas do Recife. Em 1835, o então Chefe de Polícia da Província, Joaquim
Nunes Machado, falava a respeito do aumento da miséria urbana.
63
56
Idem, vol. 6, p. 280, 02/06/1838.
57
Idem, vol. 6, p. 250, 21/05/1838.
58
Idem, vol. 6, p. 256, 25/05/1838.
59
Idem, vol. 6, p. 231, 17/05/1838.
60
Idem, vol. 7, p. 163-165, 04/10/1838; vol. 7, p. 34-45, 28/07/1838.
61
Idem vol. 6, p. 51, 27/01/1838.
62
IAHGP, Diário Novo, 26/02/1844, n
o
46, p. 3.
63
APEJE, Coleção Polícia Civil vol. 2, 25/03/1835. Citado por CARVALHO, op. cit., p. 80.
33
Restringido o acesso dos homens livres pobres aos melhores cargos públicos, um campo
de trabalho que começava a ser aberto a eles era o de empregados nas obras públicas da
Província. Em 27 de julho de 1839 o governo baixou uma Portaria ordenando a dispensa de
todos os trabalhadores escravos que estivessem empregados nas obras públicas e que fossem
anunciadas em jornais ofertas de emprego aos trabalhadores livres. Tais ordens foram cumpridas
no dia 29 por Moraes Âncora.
64
Em outros ofícios, ele relata os problemas causados pela
dispensa dos escravos. Até o dia 03 de agosto apenas oito serventes livres responderam ao
anúncio do Diário de Pernambuco, provocando o atraso e até a paralisação de algumas obras. No
dia 22 do mesmo mês o número de operários livres subiu para oitenta e quatro, sendo quarenta e
nove artífices e trinta e cinco serventes. Em janeiro de 1840 o número de serventes era de
oitenta, sendo que no dia 07 de fevereiro este número estava reduzido para apenas vinte. Ele
aponta três motivos para esta diminuição: o longo prazo de dez dias entre os pagamentos, isso
quando eram feitos em dia; a pouca disposição dos homens livres em atuarem naqueles postos de
trabalho; e o hábito deles não trabalharem enquanto durava o dinheiro do salário, o que os levava
a se ausentarem e a quase nunca retor narem ao trabalho.
65
O maior obstáculo ao emprego da mão
de obra livre nas obras públicas era, sem dúvida, a repulsa ao trabalho manual. Numa sociedade
em que o grosso destas tarefas era feito pelos escravos, até mesmo os homens livres pobres
procuravam não se associar a trabalhos relacionados à mão de obra escrava.
Uma outra área em que poderiam ser aproveitados os homens livres despossuídos era a
do comércio a retalho. Monopolizado, porém, pelos portugueses, este tipo de comércio não lhes
oferecia oportunidades. Os comerciantes portugueses preferiam optar pelos serviços dos jovens
lusitanos que chegavam ao Brasil em busca de trabalho, sendo na maioria das vezes objeto de
exploração dos seus patrões.
66
Uma das principais bandeiras levantadas pelo Partido Praieiro era
não só a nacionalização do comércio a retalho, mas também a da expulsão de todos os jovens
portugueses solteiros da Província. A ocupação de postos de trabalho por estes jovens imigrantes
foi também um dos estopins para a explosão de violência anti-lusitana dos mata-marinheiros que
ocorreram entre 1844 e 1848, sendo o fecha-fecha o primeiro deles.
O quadro social se agrava com uma aguda crise de preços dos gêneros alimentícios e
conseqüente aumento do custo de vida durante o final da década de 1830 e o início da de 1840.
Em ofício datado de 27 de janeiro de 1838, Moraes Ancora informa o atraso no pagamento dos
trabalhadores da ROP, acrescentando que “...não tendo eles outro meio de subsistência além do
64
APEJE, Coleção Obras Públicas, vol. 9, p. 55; Diário de Pernambuco (Recife), 30/07/1839.
65
Idem vol. 9, p. 55, 85, 86; vol. 10, p. 53.
66
Sobre a imigração portuguesa para o Recife no séc. XIX, ver o artigo de CARVALHO, Marcus. O
Antilusitanismo e a Questão Social em Pernambuco, 1822-1848, in Emigração / Imigração em Portugal Actas do
Colóquio Internacional sobre Emigração e Imigração em Portugal (séc. XIX-XX), p. 145-160.
34
seu jornal, nem tempo para ganhar de outro modo a vida, é crueldade priva-los por tanto tempo
dos salários, que tem ganhado com o seu suor, principalmente em um tempo de extraordinária
carestia dos gêneros de primeira necessidade.” (grifo nosso)
67
Alerta ainda para o risco dos
empregados abandonarem as obras, “...pois que cansados de sofrer fome e miséria se resolverão
a ir servir a quem lhes pague pontualmente.” Em um outro ofício datado de 29 de agosto de
1838, o Administrador Fiscal da ROP, Amaro Francisco de Moura, relata a situação de dois
sentenciados designados para trabalharem nas obras públicas, afirmando que eles não
conseguirão “...se sustentar com a diária de 80 réis, que determina a Lei, avista do estado de
carestia dos víveres.”(grifo nosso)
68
Sugere que a diária passe para 200 réis.
Em 1844, o articulista do Diário de Pernambuco reclamava da situação difícil em que
muitos pais de família viviam, pois o suor do seu trabalho não conseguia lhes garantir a farinha e
a carne de que sua família necessitava. Só a carne já estava custando 16 patacas (5.120 réis). Já o
Diário Novo se perguntava como era que os funcionários públicos conseguiam sobreviver com
seus salários atrasados e com o alto custo dos gêneros de primeira necessidade.
69
Completando este quadro social da cidade do Recife no período aqui analisado, vale a
pena observar algumas das pessoas que formavam o grupo de marginalizados da época, aqueles
que representavam constante preocupação para as autoridades policiais. Para isso, levantamos os
dados referentes às comunicações da Prefeitura da Comarca do Recife para o Presidente da
Província, publicadas em uma das sessões do Diário de Pernambuco. Lá, o Prefeito relata o
número de pessoas presas, seus nomes, sua cor, por quem foi preso e o motivo da prisão.
Pesquisamos alguns meses dos anos de 1837 a 1840, período em que os cargos de Prefeito e
Sub-Prefeito possuíam poderes de polícia.
Foram vistas 156 ocorrências só na região da ilha de Santo Antônio, com um total de 204
pessoas presas. Destas, a maior porcentagem era de pardos (39%), seguidos de pretos (30%) e
brancos (19%). O restante era formado por semi-brancos, pardos escuros, crioulos e pardos
claros, havendo ainda um índio, um francês e um espanhol. Os escravos presos eram em número
de 35, sendo em sua grande maioria pretos. Apenas um pardo e um outro pardo escuro eram
escravos.
Daquelas pessoas presas, 33 eram mulheres, sendo 5 escravas pretas. Quanto à cor, a
maioria era de pardas (39%), seguidas de pretas (36%), brancas e pardas escuras (9% cada),
crioulas e semi-brancas (3% cada). Elas estavam envolvidas nos mais variados delitos, indo
desde brigas até furtos. O uso de palavras indecentes provocava uma visita ao calabouço do
67
APEJE, Coleção Obras Públicas, vol. 6, p. 51, 27/01/1838.
68
Idem, vol. 7, p. 120, 29/08/1838.
69
APEJE, Diário de Pernambuco (Recife), 19/12/1844. IAHGP, Diário Novo (Recife), 26/02/1844.
35
Quartel de Polícia, como foi o caso da parda Francisca Maria, que, além dos palavrões, insultou
o Sub-Prefeito de Santo Antônio. As pardas Maria do Paraíso, Izabel da Conceição e Maria
Thomasia foram detidas por serem “de péssima conduta”, tendo a última o agravante de insulto à
vizinhança. Mulheres sem rumo, achadas tarde da noite pelas ruas ou em tabernas também eram
detidas. Talvez esta designação escondesse por trás de si a condição de prostitutas.
O “sexo frágil” também se envolvia em desordens e brigas pelas ruas. Em um dia de maio
de 1840, a Patrulha das Cinco Pontas prendeu a parda Maria da Conceição, por estar apedrejando
a quem passava pela rua e por ter quebrado os pratos do tabuleiro de uma preta. Já a preta
Edvirgem da Conceição foi presa juntamente com a parda Ana Inácia e com o pardo Manoel
Teixeira, pois estavam em desordem num armazém dos Martírios e com pretensões de matar o
dono do estabelecimento. Como se não bastasse, os três ainda insultaram o Sub-Prefeito. As
ébrias também davam o ar de sua graça na cadeia, como a preta Antônia Reinalda, presa
juntamente com seu companheiro de copo por estarem “bastante ébrios e em princípio de
desordem”. Existiam ainda os casos de “sedução de menores”, onde três mulheres foram presas,
em 28 de maio de 1839, por terem seduzido uma menor para fugir da casa de sua mãe visando
“maus fins”.
O grosso dos delitos era mesmo praticado pelos homens. Em seu conjunto, as práticas
que levavam à prisão concretizavam-se na rua. Era este o espaço privilegiado da desordem, o
lugar predileto daqueles que transgrediam as normas e os valores dominantes, dos que viviam à
margem da sociedade. Por isso, ela era também o lugar da repressão, o espaço onde a vigilância
do poder público deveria ser exercido com intensidade e firmeza. Juntamente com a noite, a rua
significaria para muitos transgressão e, até certo ponto, liberdade.
A rua era o lugar dos escravos que buscavam fugir de seus senhores, como foi o caso do
pardo escuro Joaquim. Preso a mando de seu senhor por estar fugido, foi detido às 20:00h do dia
7 de agosto de 1838. Enquanto era conduzido para o calabouço da Polícia, degolou-se a si
mesmo com uma navalha na Rua do Cabugá, ato interpretado pelo Sub-Prefeito como sendo
fruto do medo de receber algum castigo mais severo por parte do seu senhor. Os escravos
também aproveitavam a ausência de seus senhores para se envolverem em diferentes ações.
Metiam-se em brigas, furtos e desordens, tendo como companheiros não apenas outros escravos,
mas também homens livres. O pardo Francisco, escravo de Antônio Prisco da Fonseca, foi preso
junto com outros pardos livres na madrugada de 5 de janeiro de 1838, sendo pegos em grande
alarido que incomodava a vizinhança. Já um escravo de nome Antônio foi preso por ter ido até
uma taberna para insultar o dono do estabelecimento e querer dar-lhe um soco, enquanto que os
escravos Francisco e Benedito foram detidos por estarem brigando armados de cacete. Ousado
36
mesmo foi o preto Francisco, escravo de Francisco Inácio Martins, preso no dia 6 de agosto de
1838 por estar insuflando a “plebe” para insultar a quem passava por junto dele.
Era a rua também o lugar dos desordeiros, dos inquietadores da vizinhança e dos ébrios.
Estes últimos eram muitos, fazendo parte deles o pardo Antônio Joaquim, considerado
incorrigível e um ébrio “profissional”. Alguns destes bêbados gostavam de proferir palavrões e
chegavam até mesmo a ameaçar a vida de outros. Foi o caso de um branco, Manoel Pedro do
Nascimento, preso no dia 22 de março de 1840 por estar embriagado e armado, querendo ferir a
quem encontrava. Viviam pelas ruas os amantes da noite e de manifestações proibidas, como o
escravo José do Rosário, detido por brincar de bumba à meia-noite, tendo seus comparsas
escapado ao verem a patrulha. O espanhol Jerônimo Candamb foi flagrado com alguns pardos
tocando viola tarde da noite pelas ruas do bairro. E ainda a dupla Francisco José e José Neto,
presos por serem encontrados à 1h da manhã na Rua do Livramento com sucia de guitarra.
Outros alvos das patrulhas policiais eram os ociosos, vagabundos e sem destino, muitos
deles sendo detidos para o recrutamento, principalmente nos anos finais da década de 1830. Os
praticantes de jogos de azar também eram potenciais inquilinos da cadeia. Alguns deles foram
flagrados pelas patrulhas, como os oito pardos presos no dia 27 de agosto de 1838, por serem
pegos jogando cartas a dinheiro em uma canoa no porto da Rua Nova. Freqüentadores mais
agitados do pequeno teatro defronte ao convento dos franciscanos também acabavam indo parar
no Quartel de Polícia. Foi o caso do pardo Pedro Baptista, que expôs no cenário um desenho
imoral.
Mas boa parte destas pessoas que eram detidas pelas forças policiais tinha uma coisa em
comum: o pouco respeito que sentiam por aquelas autoridades. Tal desrespeito não estava
restrito a um grupo social, pois de escravos a brancos, todas as camadas sociais dos “visitantes”
da cadeia dirigiam impropérios aos soldados, à toda a patrulha e até mesmo ao Sub-Prefeito.
Eram inúmeros os casos como o do preto Francisco das Chagas, preso pela patrulha da Ribeira
de Santo Antônio por ter dado uma “cacetada” num soldado do Corpo Policial. A ousadia
chegava ao ponto de alguns tentarem se opor à prisão de outrem. Foi por isso que o preto Julião
Pereira foi preso, por se opor à prisão de João Romão que estava a fazer desordem no aterro dos
Afogados.
Uma última categoria que podemos citar como sendo perturbadores da ordem e
tranqüilidade públicas era a dos loucos. No seu relatório de 1838 dirigido ao Presidente da
Província, o Prefeito da Comarca do Recife, Francisco Antônio de Sá Barreto, já reclamava da
falta de “cubículos” nos hospitais para que recebessem os loucos, “que andão pelas ruas a
fazerem acções indecentes, em risco de atacarem alguma pessoa...”. Preso por estar em estado de
37
“alienação”, o pardo Antônio de Paula Correia foi enviado ao Hospital de Caridade, pois no dia
anterior ao da prisão já havia se lançado da Ponte do Recife e não conseguia responder
corretamente ao que era perguntado.
A cidade que almejava assemelhar-se às modernas e industrializadas cidades européias
não poderia admitir tais comportamentos. Era preciso abandonar definitivamente tudo aquilo que
estivesse associado a valores atrasados, deixar o caminho livre para que o modo de vida
verdadeiramente urbano impregnasse o comportamento de sua população mais ilustrada. A
cidade deveria ser reformulada a imagem e semelhança de sua elite política, criando espaços
mais belos e inacessíveis àqueles que representavam uma afronta e uma ameaça à boa ordem que
estavam construindo. O Recife, portanto, ia sendo embelezado, mas a sua sociedade e o seu
espaço tornavam-se cada vez mais hierarquizados e restritos.
Esta é, portanto, uma reconstrução da capital pernambucana na década de 1840. Uma
cidade em transformação na sua paisagem, com uma população em rápido crescimento, mas que
insistia em permanecer dentro de uma rígida e excludente hierarquia social. As contradições
desta sociedade somadas aos problemas do desemprego e o elevado custo de vida para as
camadas mais pobres, seriam os ingredientes adicionais de um conturbado quadro de ferrenha
luta pelo poder entre as facções políticas da Província durante as eleições gerais de 1844. A
identificação destas facções, sua composição e interesses são o assunto que trataremos no
próximo capítulo.
2. TRAPIXEIROS, REPUBLIQUEIROS E PRAIEIROS: A CONTURBADA POLÍTICA
PERNAMBUCANA
O quadro político pernambucano em 1844 encontrava-se polarizado na luta entre dois
partidos: de um lado o conservador cujos integrantes eram chamados por seus adversários de
trapixeiros e baronistas e do outro o Partido Nacional de Pernambuco ou Praieiro uma
dissidência liberal cujos membros ficaram conhecidos também como praieiros. Mas enquanto
baronistas e praieiros lutavam ferrenhamente pelo controle político da província, uma terceira
corrente lutava por espaço neste jogo do poder. Era o grupo encabeçado por Antônio Borges da
Fonseca, liberal radical de origem paraibana e com grande influência entre as camadas mais
baixas da população da capital pernambucana. A penetração de suas idéias entre os homens
livres pobres e sua defesa dos interesses dos pequenos comerciantes brasileiros contra o
predomínio dos portugueses, fará de Borges da Fonseca uma figura ímpar nos eventos políticos
de 1844.
Mas para compreendermos este quadro, façamos um retorno de alguns anos na história de
Pernambuco.
2.1 O Partido Conservador: Boa Vista e a política da “reorganização e do futuro”
No dia 26 de novembro de 1837 desembarcava no porto do Recife o então deputado à
Assembléia Geral, Francisco do Rego Barros. Vinha para cumprir o decreto de outubro do
mesmo ano que o nomeara Presidente da Província de Pernambuco, tomando posse no cargo a
dois de dezembro. Começava ali um governo que duraria quase sete anos ininterruptos, fato
único na política pernambucana durante o Império.
Natural do Engenho Trapiche, na cidade do Cabo, nasceu a 3 de fevereiro de 1802. Na
sua juventude chegou a participar dos eventos de 1821 que culminaram na Revolução de Goiana
e na Convenção de Beberibe. Foi deportado para Lisboa e preso na fortaleza de São João da
Barra sob a acusação de ter participado do atentado à vida do Capitão-mor português Luís do
Rego Barreto. Em 1823 foi libertado e, depois de dois anos, ingressou na Universidade de Paris,
de onde saiu com o grau de Bacharel em Matemática. De volta ao Brasil participou ativamente
da vida política como deputado à Assembléia Geral até chegar à Presidência de sua Província
natal em 1837, com apenas 35 anos de idade.
70
No agitado mar da política regencial, Francisco do Rego Barros surgia como a solução
para o problema de quem colocar na Presidência da Província. O então regente Araújo Lima,
70
GUERRA, Flávio. O Conde da Boa Vista e o Recife. Recife: Fundação Guararapes, 1973. p. 21-25.
39
futuro Marquês de Olinda, tinha como opositor o também pernambucano Holanda Cavalcanti,
futuro Visconde de Albuquerque. Quando Araújo Lima foi eleito regente, o Presidente da
Província era o irmão de Holanda Cavalcanti, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque.
Investido do cargo, o Marquês de Olinda logo retirou o irmão de seu opositor da presidência, isto
acontecendo em fevereiro de 1837. Temendo tornar ainda mais aguda a divisão política na
Província, o Regente resolveu escolher um nome que apaziguasse as cisões entre os
conservadores locais, sendo o futuro Barão da Boa Vista o nome ideal.
71
Seu governo pode ser dividido, politicamente, em dois períodos. O primeiro corresponde
aos anos que vão da sua posse até 1842, quando ocorre uma forte coalizão das forças políticas da
Província em torno das lideranças das famílias Rego Barros/Cavalcanti, não havendo
praticamente distinção da posição entre liberais e conservadores pernambucanos. O segundo
período compreende os anos de 1842 a 1844, quando um grupo de políticos marginalizados pela
aliança dos Cavalcanti/Rego Barros resolve fundar um novo partido que corresponderia a uma
terceira força política na Província. O objetivo inicial deste novo partido seria a saída de Boa
Vista da Presidência da Província.
Quando assume em 1837 o cargo de Presidente da Província, Francisco do Rego Barros
representava um nome de consenso entre os grupos políticos pernambucanos.
72
Homem do
Partido Conservador, ele tinha laços de parentesco com a família dos Cavalcanti, que então
possuía figuras proeminentes tanto entre os conservadores, com Francisco de Paula (Visconde de
Suassuna), como no Partido Liberal, com Holanda Cavalcanti (Visconde de Albuquerque). Eram
este dois os líderes de seus partidos em Pernambuco. Tais ligações políticas com líderes de
ambos os partidos permitiram que Boa Vista prosseguisse no seu cargo até 1844,
independentemente do Gabinete no poder ser liberal ou conservador.
73
O consenso deste período possibilitou a hegemonia política dos grupos ligados aos
Cavalcanti/Rego Barros. Seria muito difícil ocupar espaço político se não fosse pela via desses
grupos hegemônicos. Foi assim que alguns dos futuros líderes praieiros conseguiram conquistar
seu espaço na Província e na Assembléia Geral, como Nunes Machado, Urbano Sabino e Peixoto
de Brito, eleitos em 1838 como deputados à Assembléia Geral pelo Partido Conservador. Tanto
71
Idem, ibdem.
72
Idem, ibdem.
73
Sobre a relação entre Boa Vista e os Cavalcanti, ver os capítulos 1 e 3 de QUINTAS, Amaro. O Sentido Social da
Revolução Praieira. 6ª ed. Recife: Editora Massangana, 1982.
40
eles, como também o liberal moderado e futuro praieiro Vilella Tavares, estavam bem afinados
com o projeto político conservador implantado na Província.
74
A nível nacional, tal projeto era encabeçado por um grupo de políticos em ascensão no
comércio nacional, ladeados por magistrados, grandes comerciantes, produtores de café e
financistas. Este grupo surgia como defensor da ordem e do progresso, objetivando construir
uma sociedade harmônica e feliz por meio do progresso material e moral. Segundo Izabel
Marson, defendiam a preservação da integridade do Império, a implantação do livre-cambismo, a
imigração e a modernização da produção agrícola.
75
Sua luta era contra o modelo liberal de
descentralização adotado pelo Ato Adicional de 1834, que acusavam de ter criado um sistema
favorável à desordem e à desintegração do Império. O Ato Adicional também teria preservado o
que chamavam de “Brasil tradicional”, um modelo de nação que já se tornara inviável.
76
O
sistema que defendiam era baseado numa forte centralização do Estado. Tendo como aliados os
magistrados, os conservadores utilizaram a Lei de Interpretação do Ato Adicional e a Reforma
do Código de Processo para enfraquecer os poderes locais e, ao mesmo tempo, fortalecer os
poderes políticos dos bacharéis funcionários do Estado. A reconstituição do ambiente da corte e
a valorização da imagem senhorial do imperador contribuiriam também para fortalecer a idéia
centralizadora do poder. Momentaneamente derrotados com a manobra política liberal que levou
ao “Golpe da Maioridade”, em 1840, os conservadores finalmente conseguiram ver seus planos
concretizados em 1841, com a aprovação da lei que restaurava o Conselho de Estado e da
Reforma do Código de Processo.
77
Em Pernambuco, o projeto conservador de progresso moral e econômico foi implantado
por Francisco do Rego Barros, facilitado pela aliança com os liberais locais liderados por
Holanda Cavalcanti.
78
Esta política também capitaneou o apoio dos bacharéis, como os já citados
Nunes Machado, Urbano Sabino e Peixoto de Brito. Na Assembléia Geral foram grandes
defensores das reformas propostas pelos conservadores, se opuseram ao “Golpe da Maioridade”
e criticaram duramente os movimentos armados dos liberais paulistas e mineiros de 1842. Com
todo esse apoio, Boa Vista implementou uma política que tinha por objetivo a melhoria e a
modernização da produção agrícola, visando principalmente a construção de estradas e melhorias
no porto. Um dos principais instrumentos dessa sua política foi a Repartição de Obras Públicas,
órgão que também se responsabilizou pela implementação de melhorias na capital da Província.
74
MARSON, Izabel Andrade. O Império do Progresso: A Revolução Praieira em Pernambuco (1842-1855). São
Paulo: Editora Brasiliense, 1987. p. 191. NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império. Vol. 1. 5ª ed. Rio de
Janeiro: Topbooks, 1997. p. 79-80.
75
MARSON, op. cit., p. 197.
76
Idem, p. 199.
77
Idem, p. 198-199.
78
MARSON, op. cit., p. 192. Ver também QUINTAS, op. cit., p. 23-76.
41
Com as mudanças na legislação feitas em 1842, houve uma necessidade de centralização
das decisões e dos cargos públicos na Província. Uma das principais motivações foi a mudança
no processo eleitoral, onde agora os postos chaves recaíam sobre os delegados ou subdelegados,
os juízes municipais e os juízes de direito: os primeiros passaram a compor a mesa de
qualificação dos eleitores de cada paróquia; os outros dois presidiam, respectivamente, o
Conselho Municipal e o júri da relação de Distrito, segunda e terceira instâncias de julgamento
dos recursos denunciadores de fraude eleitoral. A nomeação de aliados para estes postos chaves
era fundamental para os resultados das eleições.
79
A partilha destes cargos deixou de lado alguns dos bacharéis aliados dos últimos anos.
Nas eleições de 1842, realizadas já sob a regulamentação das novas leis de 1841, a máquina
eleitoral montada por Rego Barros e Holanda Cavalcanti não permitiu o acesso aos cargos
legislativos de alguns dos bacharéis, principalmente daqueles ligados ao comércio e aos
elementos de fortuna recente na agricultura. Aliados destes últimos não conseguiram se eleger
juízes de paz e nem foram nomeados aos cargos de delegado e subdelegado, fundamentais para o
sucesso eleitoral. Em fevereiro de 1843, Nunes Machado e Urbano Sabino denunciaram na
Câmara a manobra de Boa Vista que os impediu de assumirem os cargos de deputados à
Assembléia Geral como titulares. Para Isabel Marson, “a represália de Boa Vista provinha de
desentendimentos pessoais precedentes, pois, ao boicotar os nomes de Nunes, Peixoto e Sabino,
estava revidando a propaganda negativa que estes haviam desenvolvido na Corte para impedir
que Rego Barros permanecesse no governo da Província...”.
80
Estes desentendimentos puseram
fim ao primeiro período do governo do Barão da Boa Vista, caracterizado pelo consenso. Daí
surgiria o conflito que iria arrastar-se até 1849.
Finda a fase da quase unanimidade política na província, o partido conservador se
conservará no poder e terá na figura do Barão da Boa Vista o seu principal líder. Rego Barros
comandará o jogo de alianças e distribuição de cargos que culminaria na vitória eleitoral do seu
partido e do grupo liberal comandado por Holanda Cavalcanti nas eleições gerais de 1842.
Outros nomes terão destaque na luta política que se desenrolará daí em diante, tais como os de
Nabuco de Araújo, Maciel Monteiro, Sebastião do Rego Barros e Figueira de Mello.
2.2 O Partido Praieiro: em busca do apoio popular
Em fins de 1842 e princípio de 1843 surge o Partido Nacional de Pernambuco ou
Partido da Praia, como ficou mais conhecido. Era uma terceira via dentro da política
79
SOUZA, Francisco Belisário S. de. O Sistema Eleitoral no Império. Brasília: Senado Federal/UNB, 1979. p. 25-
32.
80
Idem, p. 205.
42
pernambucana formada tanto por conservadores como por liberais alijados do poder pela
monopolização da máquina eleitoral de Holanda Cavalcanti e do Barão da Boa Vista.
81
O
objetivo imediato deste novo grupo era a luta em favor da queda de Boa Vista do seu cargo de
Presidente da Província, tornando-o o alvo principal das suas críticas.
A formação da facção praieira se caracterizava pelo seu ecletismo. O grupo principal de
sua liderança era formado pelos deputados gerais Nunes Machado, Urbano Sabino e Peixoto de
Brito, todos bacharéis e antigos colaboradores do Barão da Boa Vista. Isabel Marson destaca o
caráter moderador destes políticos e o apoio que eles deram ao projeto conservador de
fortalecimento do poder central em detrimento dos poderes locais, no período anterior ao
rompimento com Boa Vista.
82
Além destes, havia na liderança praieira os deputados provinciais
Vilella Tavares e o Monsenhor Muniz Tavares. Ambos eram liberais moderados e este último
participara da Revolução Liberal de 1817 em Pernambuco.
Dois outros nomes também tinham peso dentro do partido. Eram os irmãos Luiz Inácio
Ribeiro Roma e o General Abreu e Lima, filhos do Padre Roma, uma das principais figuras da
Revolução de 1817. O primeiro era o dono da tipografia do Diário Novo, principal órgão da
imprensa praieira. Sua vida política caracterizou-se por inesperadas mudanças de posição: entre
1827 e 1832 foi ferrenho opositor de D. Pedro I, durante a regência passou a defender o retorno
do imperador, participou da repressão aos cabanos no Pará e no início da década de 1840 apoiou
a política do regresso através do jornal O Eco da Religião e do Império. Já seu irmão Abreu e
Lima notabilizou-se pela participação na luta em favor da independência das colônias espanholas
na América, sendo um dos generais do exército de San Martim. Seu pensamento era calcado no
liberalismo e é tido como o primeiro brasileiro a escrever um livro no país sobre o socialismo.
Para fazer frente ao domínio dos baronistas na província, os praieiros usaram da
estratégia de se aproximarem das camadas populares, pois sabiam que sem seu apoio não
conseguiriam vencer a resistência da oligarquia dos Cavalcanti-Rego Barros.
83
Com esse
objetivo em mente, trataram logo de capitanear para o seu partido figuras que tinham maior
afinidade com aquelas camadas. Tentaram a adesão de Borges da Fonseca, mas não tiveram
sucesso. Conseguiram dividir a sociedade secreta da qual Borges fazia parte e assim
convenceram alguns de seus membros a os apoiarem. Deram forma então a uma ala do partido
que tinha grande penetração e prestígio entre o povo. Exemplos disto eram os irmãos Antônio e
81
SANTOS, Mário Márcio de A. Um Homem Contra o Império - Vida e Lutas de Antônio Borges da Fonseca.
Recife: Fundarpe, 1995. pp. 75-76. Sobre o surgimento do Partido Praieiro e sua composição, ver também
QUINTAS, Amaro. op. cit., p. 26-76; a introdução escrita por CHACON, Vamireh in MELLO, Jerônimo M. F. de.
Autos do Inquérito da Revolução Praieira. Brasília: Senado Federal, 1979; MARSON, op. cit., pp. 189-192;
CARNEIRO, Edison. A Insurreição Praieira (1848-1849). Rio de Janeiro: Conquista, 1960.
82
MARSON, op. cit., p. 189-192. Ver também SANTOS, Mário Márcio de A. op. cit., p. 75.
83
SANTOS, Mário Márcio de A. op. cit., p. 77.
43
Francisco Carneiro Machado Rios. Nomes bastante populares e de tradição de luta contra os
portugueses, tinham influência também entre os soldados, pois Antônio Machado Rios era
tenente coronel do corpo de artilharia. Eles seriam peças fundamentais para as pretensões
eleitorais dos praieiros em 1844.
O discurso dos praieiros conseguiu incorporar as insatisfações das camadas populares da
província, especialmente as da capital. As condições sócio-econômicas não eram nada favoráveis
aos homens livres pobres, aos libertos e aos artesãos, principais grupos que sofriam com as
conseqüências negativas do crescimento desordenado do Recife. Como já foi visto no capítulo
anterior, a cidade experimentava um processo de rápido aumento da sua população e de
construções na sua área central. O mercado de trabalho não crescia o suficiente para absorver o
número cada vez maior de habitantes, o que resultava em aumento do número de
desempregados, desocupados, mendigos e marginais. Além do fator desemprego, outro que
contribuía para piorar a situação era a carestia dos produtos de primeira necessidade, levando a
fome a ser companheira incômoda de boa parte das famílias recifenses.
Na visão da época as causas destes problemas passavam por dois temas: a posse da terra e
o comércio.
84
O primeiro mereceu a atenção de Antônio Pedro de Figueiredo e ocupou
importante espaço na sua revista O Progresso, editada entre os anos de 1846 e 1848. Mestiço e
de origem humilde, o antigo professor do Liceu foi um dos pensadores pernambucanos mais
lúcidos de sua época.
85
Para ele a grande propriedade era uma das responsáveis pela difícil
situação social em que se encontrava a província. Herdeiros do sistema de sesmarias, os grandes
proprietários de terra acabavam por criar um sistema de dominação e exploração dos seus
agregados, imunes à intervenção de qualquer governo. Em troca da permissão de viverem nas
suas terras, exigiam de seus agregados obediência absoluta. Tais relações eram permeadas de
violência e despotismo, gerando o que Figueiredo chamava de nova “feudalidade... que mantém
diretamente, sob jugo terrível, metade da população da província, e oprime a outra metade por
meio de imenso poder que lhe dá esta massa de vassalos obedientes...”
86
A insatisfação popular com esta situação era direcionada nas críticas contra a dominação
da oligarquia dos Cavalcanti. Junto com os Rego Barros, os Cavalcanti dominavam a política
pernambucana e, conseqüentemente, os principais postos de mando e liderança no governo.
84
SANTOS, Mário Márcio de A. op. cit., pp. 75, 87 e 88; NABUCO, Joaquim. op. cit., p. 117-118.
85
Sobre a vida e pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo, ver as seguintes obras: QUINTAS, Amaro. O Sentido
Social da Revolução Praieira. 6ª ed. Recife: Ed. Massangana, 1982. cap. 6. MARSON, Isabel A. Política, Ciência e
Utopia: a Revista “O Progresso” e a (Re)Criação da Monarquia Constitucional no Brasil (1846-1848). in Revista
Brasileira de História. Vol. 12. nº 23/24, setembro 91/agosto 92. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, 1991. P. 99-110.
86
Citado por QUINTAS, Amaro. A Revolução Praieira. in História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II. Vol. 2.
São Paulo: Bertrand Brasil, 1993. p. 229.
44
Ao lado da posse da terra, o problema do monopólio do comércio por parte de
estrangeiros também era visto como um gerador dos problemas econômicos e sociais daqueles
dias tão conturbados. No comércio de grosso trato, onde o capital investido deveria ser elevado,
havia uma grande desproporção entre brasileiros e estrangeiros. Segundo dados da Folhinha de
Algibeira de 1844, dos 77 grandes comerciantes do Recife, apenas 23 eram brasileiros. O
restante era formado por 8 portugueses, 20 ingleses, 3 norte-americanos, 9 franceses, 10 alemães,
1 holandês, 1 dinamarquês e 2 suíços.
87
No comércio a retalho a desproporção era ainda maior. E
aqui o destaque ficava com a presença portuguesa neste tipo de comércio. Em sua edição de 1 de
janeiro de 1848, o jornal Voz do Brasil denunciava:
“Não menos de seis mil casas de comércio a retalho se acham em
Pernambuco, e todas elas de estrangeiros: assim - lojistas, quitandeiros,
taberneiros, armazeneiros, trapixeiros, açucareiros, padeiros, casas de roupa
feta, de calçado, funileiros, tanueiros e tudo é estrangeiros. Cada uma dessas
casas têm 3 e 4 caixeiros todos portugueses; calculemos porém a dois, e
teremos doze mil caixeiros, com seis mil patrões, dezoito mil portugueses
que nos excluem do comércio.”
88
E no dia 17 de março de 1848 o mesmo jornal dizia: “Existem na rua da Praia para mais
de 120 marinheiros no comércio de carne seca, e apenas 3 brasileiros”.
89
Como já observou Mário Márcio, os comércios de grosso trato e a retalho formavam uma
corrente cujo elo inicial eram os fornecedores ingleses e os agiotas europeus, terminando no
comerciante retalhista. Este último era em sua maioria esmagadora formado por portugueses.
Eram eles, os bodegueiros e os taverneiros, que conviviam diariamente com o povo, vendendo e
comercializando os gêneros de primeira necessidade. Na visão popular eles acabavam sendo
responsabilizados pelo aumento de preço dos alimentos e dos produtos de que necessitavam para
viver.
90
No momento em que o desemprego apertava, o custo de vida só tendia a crescer e a fome
começava a ameaçar, a energia gerada pela insatisfação popular era canalizada preferencialmente
para o português da padaria, da bodega ou do açougue, a quem pertencia um caderninho de
“fiado” onde provavelmente estavam anotados os nomes de inúmeros recifenses endividados.
O mérito político dos praieiros foi o de ter conseguido perceber estas insatisfações
populares e aglutinado no seu discurso críticas àquela situação. Associaram o governo do Barão
87
Citado por SANTOS, Mário Márcio de A. Um Homem Contra o Império - Vida e Lutas de Antônio Borges da
Fonseca. Recife: Fundarpe, 1995. p. 91.
88
QUINTAS, Amaro. O Sentido Social da Revolução Praieira. op. cit. p. 44.
89
Idem, ibdem.
90
SANTOS, Mário Márcio de A. Um Homem Contra o Império. op. cit. p. 87 e 91.
45
da Boa Vista aos desmandos da família Cavalcanti e à proteção aos estrangeiros, especialmente
aos portugueses. Some-se a tudo isto o fato de terem levantado a bandeira da defesa do jornaleiro
brasileiro, especialmente no que diz respeito à defesa da nacionalização do comércio à retalho.
Este sim foi o grande atrativo que levou artesãos e homens livres pobres a cerrarem fileiras ao
lado dos praieiros, dando à luta deste partido um caráter popular. Proposta que caia muito bem
aos ouvidos de boa parte da população do Recife, mas que não era suficiente para sanar as
dificuldades pelas quais passavam, pois a raiz dos problemas estava nas contradições de uma
sociedade assentada na escravidão.
Podemos afirmar assim que o objetivo primordial da liderança praieira nos idos de 1844
era a conquista do poder mediante queda do Barão da Boa Vista. Para alcançá-lo procuraram
formar uma oposição que aglutinasse as insatisfações e o apoio popular, pois assim poderiam
fazer frente à máquina administrativa dos Cavalcanti-Rego Barros. Naquele quadro sócio-
econômico e de acordo com o caminho que preferiram seguir, a sua política oposicionista
acabaria sendo “bairrista, provinciana, tradicionalista, favorável ao aproveitamento da força de
trabalho local, mesmo com prejuízo do desenvolvimento tecnológico da região”.
91
Vale salientar que mesmo sabedores da importância do apoio de setores populares do
Recife, principalmente nos períodos eleitorais, os líderes praieiros tinham consciência de que
suas propostas não podiam espantar o apoio de senhores de engenho e de comerciantes. Sem
estes, a luta pelo poder também ficaria inviável. Assim, enquanto acenavam com propostas de
interesse de artesãos e homens livres pobres, buscavam também se aproximar de proprietários de
terra e homens ligados ao comércio. A palavra de ordem seria radicalizar no discurso, mas nem
tanto na prática.
Este fato pode ser constatado mais adiante, quando da luta eleitoral de 1844. Mas um
dado já pode nos ajudar a perceber tal política. Naquele ano estava ocorrendo uma contenda
entre a Câmara Municipal do Recife e alguns taberneiros da Boa Vista sobre a nova
regulamentação para aferição de pesos e medidas. Uma lei provincial de 02 de maio trazia o
novo regimento, o que levou a Câmara a exigir a aferição “por ternos completos”. Já os
taberneiros, amparados nos seus costumes e em duas sentenças jurídicas, só queriam aferir os
pesos e medidas de que tinham necessidade em suas lojas. O resultado da confusão foi que os
fiscais municipais estavam aplicando multas àqueles comerciantes, que na sua grande maioria
eram portugueses.
92
No dia 14 de agosto o periódico conservador O Guararapes, que tinha como redator
Nabuco de Araújo, acusava o juiz de direito e líder praieiro Joaquim Nunes Machado de ser o
91
Idem. p. 76.
92
IAHGP, Diário Novo, n
os
145 e 152, 08 e 16/07/1844.
46
juiz que estava dando sentenças favoráveis aos taberneiros da Boa Vista. Segundo ainda o
mesmo jornal, o objetivo de tais sentenças era obter o apoio daqueles comerciantes a retalho para
a eleição do também praieiro Antônio Carneiro Machado Rios ao cargo de juiz de paz da
freguesia. O Diário Novo tomou a defesa dos taberneiros, confirmou as sentenças, mas negou
que elas tivessem sido dadas em troca de apoio político.
93
O autor anônimo da coluna Correio do Recife, no Diário de Pernambuco, comentava na
sua edição de 29 de novembro uma conversa que ouvira em uma das ruas da cidade. Um
“vendilhão” português da praça da Boa Vista estava a falar de política e a chamar os brasileiros
de ladrões. O luso em questão, segundo o jornalista, era um dos beneficiados por Nunes
Machado na questão dos taberneiros com a Câmara Municipal. Interessantes são suas palavras de
lamentação pelo fato presenciado: “o diabo da política chega hoje até aos escravos, graças aos
homens dos 5.000”.
94
A relação entre praieiros e portugueses pode ser avaliada ainda através da participação de
lusitanos ao lado daqueles nas eleições, fato este denunciado pelas folhas adversárias. O Diário
de Pernambuco de 17 de setembro, através de um misterioso “O Verdadeiro Patriota”,
denunciava irregularidades na qualificação de eleitores na freguesia de São José. Segundo o
jornal, o presidente da junta qualificadora daquela freguesia, o praieiro Joaquim Vilella de Castro
Tavares, deixou de fora das eleições diversos “homens de bens, proprietários, negociantes e
militares”. Em compensação concedeu o direito de voto a um grande número de portugueses e
caixeiros, suspeitos de terem assinado a chapa dos candidatos da Praia.
95
Borges da Fonseca, no seu jornal O Nazareno, também acusava constantemente o apoio
de portugueses aos praieiros durante as eleições. Um português chamado “grulha”, que seria um
“papeleta” da Praia, chegou ao ponto de gritar “foras” e “dentros” durante os dias de votação.
“Sabemos que os brasileiros no dia das eleições são soberanos, e que podem exceder-se alguma
cousa; mas portugueses, não.”
96
Ainda segundo O Nazareno, a Praia tinha como um de seus candidatos a eleitores em São
José um tal de Pedro Antônio Guimarães. “Procurando nós informações a respeito dessa
notabilidade praieira, soubemos ser um português vindo para o Brasil em 1826 e trazendo por
companheiro um Sr. Manoel Pequenino, que também naquela freguesia está estabelecido.”
97
O caso, porém, mais noticiado nos periódicos da época foi o do português Joaquim
Ignacio da Costa Orelhas. Segundo o Diário Novo ele era dono de uma casa de negócios no Rio
93
IAHGP, Diário Novo, n
o
178, 19/08/1844. APEJE, O Guararapes, n
o
3, 14/08/1844.
94
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
268, 29/11/1844.
95
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
208, 17/09/1844.
96
APEJE, O Nazareno, n
o
59, 06/09/1844.
97
Idem, ibdem.
47
de Janeiro. Por ter apoiado a campanha da maioridade de D. Pedro II, foi perseguido e forçado a
deixar a corte em menos de 24 horas. Chegou ao Recife e aqui estava vivendo na miséria. Foi
novamente perseguido e preso pelo então chefe de polícia interino Caetano José da Silva
Santiago, que estava tentando agradar aos conservadores do gabinete de 20 de janeiro de 1843.
Os planos dos baronistas de expulsar Orelhas do país foram interrompidos quando o praieiro
Antônio Afonso Ferreira assumiu a chefia de polícia. Recebeu então permissão de sair da cadeia
acompanhado de um policial para tratar dos seus negócios e poder sobreviver sem a ração da
cadeia.
98
Para os baronistas o Orelhas era um português que havia sido expulso do Rio de Janeiro
por causa de “travessuras”. Estava na cadeia do Recife por ordem do governo imperial e era réu
pronunciado pela 2ª Vara do Juízo Municipal. Um de seus crimes foi o de ferir um preso. Sua
liberdade havia sido conseguida pela Praia com fins claramente eleitorais. Fora visto ajudando
Nunes Machado nas eleições para juiz de paz em São José, onde com outros praieiros rodeou o
Sr. Joaquim Bernardo, presidente da mesa paroquial, forçando-o a aclamar os secretários e
escrutinadores indicados por seus aliados. Servia como uma espécie de ajudante de Nunes
Machado, com quem ia e voltava dos Afogados na ocasião dos tumultuosos dias do fecha-fecha,
montado em um cavalo russo rabão, com o laço Nacional no chapéu e uma folha da
independência no peito.
99
Parece que o destino do Orelhas não foi dos melhores. Depois das eleições primárias os
jornais praieiros não mais citam o seu nome e nem dizem o que houve com ele. Mas as palavras
do Nazareno, ainda em setembro de 1844, dão a entender que ele recebera alguma punição do
governo imperial:
“Onde está o Snr. Orelhas? Quem o atrocida hoje? O que faz a praia
nacional? Por que não clama contra tão bárbaro ministério que lhe arrancou
do seio um protetor tão caro, um espoleta tão valente? Oh! que a praia não é
lá para acompanhar defuntos... E o ministério salvador tirar o braço direito
da praia!... Homens do povo, perguntai aos patriarcas o que é feito do
Orelhas, o que por ele fizeram... e desenganai-vos.”
100
Estes fatos davam margem para que os adversários dos praieiros concentrassem boa parte
de suas críticas na incoerência entre suas práticas e seu discurso. E um dos que se destacaram
nesta tarefa foi Borges da Fonseca, principal nome dos liberais radicais de Pernambuco da época.
98
IAHGP, Diário Novo, n
o
177, 17/08/1844.
99
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
180, 15/08/1844; n
o
211, 20/09/1844. DPH, Diário de Pernambuco, n
o
183,
17/08/1844; APEJE, O Guararapes, n
o
06, 23/08/1844.
100
APEJE, O Nazareno, n
o
63, 17/09/1844.
48
2.3 Borges da Fonseca: a voz do liberalismo radical e revolucionário
O paraibano Antônio Borges da Fonseca foi uma das figuras mais interessantes da
história política do Brasil Império. Jornalista, professor de primeiras letras, solicitador de causas,
é um personagem que se destaca neste período turbulento da praieira pelo seu idealismo, seu
ardor revolucionário e pela fidelidade aos seus princípios liberais e republicanos.
Filho provavelmente bastardo de José Vitoriano Borges da Fonseca com uma índia,
Borges nasceu em 1808. Sua raiz paterna vem de uma família de militares portugueses. Seu pai
fora Tenente Coronel Comandante do Destacamento de Linha de Alagoas, tendo apoiado a
Revolução de 1817 e feito parte da junta governativa de 1821 que surgiu após a deposição de
Luís do Rego Barreto. Foi criado ora pelo pai no Recife, ora pela mãe na Paraíba.
101
O ideário revolucionário esteve presente na vida de Borges da Fonseca desde a sua
meninice.
102
A casa de seu pai no Recife foi lugar de reuniões dos revolucionários de 1817. A
repressão ao movimento levou o seu pai a mudar-se com a família para a Paraíba, de onde
testemunharam a Confederação do Equador. Foi neste período, entre os seus 16 e 18 anos, que
teve início seus primeiros confrontos com as autoridades locais, participando ativamente das
conspirações contra a Corte. Em 1828 estava no Recife, sendo um dos principais líderes da
sociedade secreta Carpinteiros de São José, cujo objetivo era a luta contra o absolutismo de D.
Pedro I e de sua aliada, a sociedade Coluna do Trono e do Altar. Dentre os seus companheiros de
sociedade estavam dois nomes que figurariam nos eventos de 1844: Antônio Carneiro Machado
Rios e Sebastião do Rego Barros. Suas atividades revolucionárias o levaram ao Rio de Janeiro,
onde passou a editar o jornal O Repúblico e acabou se tornando um dos principais líderes da
oposição ao imperador e do movimento que culminou com a abdicação em 7 de abril. Na célebre
Noite das Garrafadas, Borges era um dos organizadores da passeata de patriotas que gerou o
confronto com os lusitanos.
Sua vida de panfletário e revolucionário se baseia na formação do seu pensamento.
Freqüentou por algum tempo o Liceu Pernambucano, mas não chegou a terminar os estudos.
Acabou por tornar-se um autodidata. Conhecedor da língua francesa estudou a obra do iluminista
francês Rousseau, Do Contrato Social. As teses roussenianas iriam moldar as convicções de
Borges durante o restante de sua vida.
103
Elas podem ser constatadas nas palavras que abriam as
edições do seu jornal O Nazareno no ano de 1844. Para ele, “...o povo é soberano: o governo é
sua obra e sua propriedade, os funcionários públicos são seus comissários.” Desta forma, quando
rompe-se o contrato social “...o povo pode, quando quiser, mudar seu governo, e demitir seus
101
SANTOS, Mário Márcio de A. Um Homem Contra o Império. op. cit. pp. 21-22.
102
Idem, pp. 22-48.
103
Idem, pp. 22-24.
49
mandatários.” A resistência à opressão dos governantes é também um direito e um dever do
homem e dos cidadãos: “Quando o governo oprime o povo, a insurreição do povo inteiro, e de
cada porção do povo, é o mais santo dos deveres.”
104
Republicano convicto, Borges sempre caracterizou sua pregação política pela defesa de
reivindicações regionais, que seriam concretizadas através de uma reforma constitucional de
cunho federalista.
105
A defesa agressiva de seus ideais deu margem para que seus adversários o
acusassem de pregar idéias separatistas, republicanas e democráticas. Mas para ele, ser taxado de
“republiqueiro” não era problema, e sim motivo de orgulho: “Nós, a quem vós chamais
republiqueiro, temos muita honra disto, porque em nossa vida toda não temos sansculotrado, não
temos advogado a demagogia.”
106
Sua tática não era a de escamotear seus objetivos, mas sim
mostrar claramente os princípios que defendia. Assume suas convicções democráticas e desafia
seus adversários a mostrarem quando foi que as negou: “Nós somos conhecidos em toda parte
como democrata; ainda não desmentimos esse caráter, e, se não, dizei-o quando; e pois não
podemos ser de um partido que a democracia não queira...”
107
Seu discurso também era caracterizado por um tom profundamente nacionalista. Intitula o
seu grupo político de “partido verdadeiramente nacional”. Suas críticas aos estrangeiros eram
direcionadas principalmente aos ingleses e portugueses. Os primeiros eram acusados por Borges
de interferirem na soberania do país e de quererem ditar os rumos do Brasil. Isto se evidenciava,
segundo Borges, no tratamento dado pelo governo imperial ao caso do ditador Rosas, onde o
ministério, para satisfazer aos interesses ingleses, começava a se preparar para guerreá-lo.
108
Mas as baterias de críticas estavam voltadas mesmo contra o elemento lusitano. Seu anti-
lusitanismo estava presente desde a época de luta contra o governo de D. Pedro I, a quem
acusava de entregar o país aos seus compatriotas de além-mar. O português simbolizava para
Borges e para boa parte da população a tirania e a exploração, o elemento que impedia o Brasil
de tornar-se livre e de dar melhores condições de vida para o seu povo. Nesta frente de luta
fundou em 1844 o jornal O Verdadeiro Regenerador Brasileiro, em parceria com Jacinto
Severiano Moreira da Cunha. O objetivo do Regenerador era debelar os portugueses,
considerados como os principais responsáveis pelos males do povo. Mesmo com toda aquela
104
APEJE, O Nazareno, n
o
41, 09/01/1844.
105
SANTOS, Mário Márcio de A. op. cit. p. 67.
106
APEJE, O Nazareno, n
o
61, 11/09/1844.
107
APEJE, O Nazareno, n
o
66, 01/10/1844.
108
APEJE, O Nazareno, n
o
55, 20/08/1844.
50
campanha contrária aos portugueses, o redator do Nazareno procurava mostrar que sua luta não
era contra pessoas, mas sim contra as suas interferências na vida nacional.
109
Nesta cruzada nacionalista, Borges criticava a interferência portuguesa na vida política do
país. Ela acontecia justamente porque os políticos brasileiros e os partidos davam espaço para
isso, usando os portugueses para conseguir seus intentos de poder. Neste aspecto mesmo os
praieiros, que tentavam passar um discurso nacionalista para a população, eram acusados de
estarem associados aos lusitanos. Em uma das edições de setembro de 1844, O Nazareno se
dirigia aos praieiros com as seguintes palavras: “É assim que em vossas chapas não dispensais
portugueses, enquanto que não achais no número dos nossos artistas um só homem bom, para
considerardes. (...) Vós que tendes por vossos melhores chefes e correligionários a portugueses, e
que lhes estais avassalados, não podeis aspirar o título de partido brasileiro.”
110
Seu ardente discurso de oposição e em defesa dos interesses dos trabalhadores e artesãos
nacionais fazia com que seu prestígio entre as camadas populares do Recife fosse elevado.
Mostrava-se como um defensor e guia dos homens livres pobres, sendo esta luta uma das bases
de sua vida pública. O estreito relacionamento com os elementos daquele grupo corroboram o
que ele pregava e defendia. Iremos encontrá-lo como advogado de um negro livre, Agostinho
José Pereira, líder espiritual de um grupo de negros protestantes, acusado pelas autoridades de
crime de rebelião.
111
Em uma de suas chapas para as eleições de deputados gerais de 1844, ele
indica como candidatos sete artesãos ou artistas.
112
Desde o tempo em que viveu na Paraíba e as
lutas no Rio de Janeiro, seu círculo de relacionamentos incluía marceneiros, alfaiates e
sapateiros.
113
Eram estes elementos da sociedade recifense que compunham a base política de
Borges da Fonseca. Para eles eram dirigidas suas propostas e de lá ele tirava boa parte dos seus
companheiros de lutas políticas.
Sua leitura dos problemas do país, seus princípios e ideais políticos não permitiam que se
afinasse com nenhum dos grupos políticos dominantes na Corte. Tanto conservadores como
liberais eram duramente criticados por Borges nos seus periódicos. Na sua visão, os políticos da
capital do Império se dividiam em três grupos: o retrógrado, o conservador violento e o
conservador acanhado. “...Mas nenhum deles ao menos é conservador pacífico...
Desgraçadamente não conhecemos um lado que possamos acreditar de progressista, e menos de
109
“Nós em verdade apreciamos, e temos relações com portugueses; mas eles todos sabem que não lucramos deles
cousa alguma, que francos sempre repelimos sua influência...” APEJE, O Nazareno, n
o
62, 13/09/1844.
110
APEJE, O Nazareno, n
o
59, 06/09/1844.
111
CARVALHO, Marcus J. M. de. "Que Crime é Ser Cismático?” As transgressões de um pastor negro no Recife
patriarcal, 1846. in Estudos Afro-Asiáticos. nº 36. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Afro-Asiáticos/Universidade
Candido Mendes, 1999. pp. 97-122.
112
APEJE, O Nazareno, n
o
59, 06/09/1844.
113
SANTOS, Mário Márcio de A. op. cit. pp. 53-54.
51
organizador.”
114
Tanto liberais como conservadores lutavam por um único objetivo: o poder. De
posse dele não faziam nada para melhorar as condições sociais do país.
Borges da Fonseca também dividia os políticos em duas “coortes”: a do governo e a da
oposição. Os dois grupos só divergiam “em cousas meramente acidentais, comuns ambas nos
fins, que são perpetuidade da guerra, das odiosidades, e desse poder anárquico e anti-social”.
115
A “coorte do governo” se dividia em grupos conforme os interesses de facções que
representava. No Rio de Janeiro havia três grupos distintos: o do então chefe do gabinete,
Honório Hermeto Carneiro Leão; o de José Clemente Pereira e o encabeçado por Aureliano de
Souza e Oliveira Coitinho. “Crereis que eles se entendam? Não, hostilizam-se reciprocamente,
que é sempre este o resultado dos mesquinhos interesses individuais, (...) vão porém todos
coerentes no sustentar todos os desregramentos da atualidade, todos os abusos, todas as
espoliações, todos os transtornos da ordem pública.”
116
A “coorte da oposição” também se divide em grupos, isolados entre si, desrelacionados e
sem bandeira nenhuma. O problema, segundo Borges, estaria na superficialidade com que os
grupos de oposição agiam, sem se preocuparem em tratar dos verdadeiros problemas pelos quais
o país passava. “Entregue a todos os vícios das oposições meramente políticas, sempre no
acanhado círculo dos lugares comuns, da polêmica e das pessoalidades, teme entrar no exame da
organização social e política; porque ele mataria o vício da rotina, de que se não quer ela
separar.”
117
Para ele, a oposição deveria deixar de lado as formalidades e reformular suas
prioridades, tocando em temas como o da “reorganização” social e política. Só assim ela
conseguiria formular um sistema e hastear uma bandeira que levasse à união dos seus diferentes
grupos. Não agindo assim, só estaria contribuindo para perpetuar a estrutura política e social que
tantos males traziam à nação.
Na política local o redator do Nazareno procurava se distanciar dos dois grupos em
disputa pelo poder, mostrando suas divergências em relação tanto a praieiros como a baronistas.
O grupo conservador era tido por Borges como seguidor de um “puritanismo” que o
levava a se afastar e desprezar elementos das camadas mais baixas da sociedade. Assim, os
conservadores não tinham sensibilidade o suficiente para entender as necessidades dos mais
pobres, preocupando-se apenas em atender aos interesses dos ricos proprietários e comerciantes.
Criticava-os também pelo fato de serem os representantes daqueles que promoviam o
“desmonte” dos princípios liberais que nortearam o Ato Adicional de 1834, centralizando
114
APEJE, O Nazareno, n
o
47, 15/03/1844.
115
APEJE, O Nazareno, n
o
41, 09/01/1844.
116
Idem, ibdem.
117
Idem, ibdem.
52
novamente o poder nas mãos da Corte e pondo em prática a política conservadora da
“reorganização e do futuro”.
Mas o curioso é que, pelo menos nas edições do Nazareno de 1844, praticamente
inexistem ataques aos conservadores locais. Em contrapartida, encontramos alguns elogios à sua
maneira de se conduzirem politicamente. Tal atitude pode ser explicada pelo fato dos baronistas
estarem naquele ano entrando num processo de perda do poder e de postos no governo
provincial. Desta forma, não sendo mais governo eles deixavam de ser o alvo dos ataques de
Borges da Fonseca.
Tais atitudes levaram os praieiros, então adversários de Borges, a acusá-lo de ser agente
do grupo político de Boa Vista. Numa das edições do Nazareno ele explica porque não atacava
os baronistas:
“Primeiramente nem o barão, nem os seus empeceram nunca a marcha
do Nazareno; mas isto fizeram sempre os praieiros...; em segundo lugar
nunca da parte dos baronistas aparecem violência alguma contra o redator
do Nazareno, nem contra seus amigos; mas apareceu da parte dos praieiros;
em terceiro nunca os baronistas procuraram enxovalhar nosso crédito, e o
têm feito constantemente os praieiros; em quarto os escritores baronistas
têm respeitado nossas convicções, e outro tanto o não têm feito os praieiros;
em quinto os escritores baronistas escrevem com muita decência, e
dignidade, e os praieiros vil e torpemente; finalmente os baronistas, por
própria confissão praieira, estão inteiramente abandonados, a população os
não crê; mas a população está iludida, e sacrificada pela facção praieira, a
mais imoral, politicamente falando, que jamais tem aparecido no Brasil.”
118
Somem-se a estes fatos a amizade entre Borges, o Barão da Boa Vista e o irmão deste,
Sebastião do Rego Barros. O redator do Nazareno não esconde em nenhum momento o respeito
que nutria pelos dois, mesmo que não comungassem das mesmas idéias políticas. “...porém vós
sabeis que sempre nos recusamos a escrever contra o barão, de quem outrora fomos amigos; vós
sabeis que ainda conservamos íntima amizade a seu irmão o snr. Sebastião do Rego Barros isto
não é uma novidade para vós.”
119
Já foi lembrado aqui que Borges e Sebastião do Rego Barros foram companheiros na
sociedade secreta Carpinteiros de São José. Desde 1828 os dois eram amigos. Para ele, esta
118
APEJE, O Nazareno, n
o
61, 11/09/1844.
119
APEJE, O Nazareno, n
o
53, 21/05/1844.
53
amizade não afetava suas convicções e era sinal de tolerância: “Não podem amigos pensarem
diversamente em política? Só na vossa política pessoal é que se não admite a tolerância.”
120
Em relação a Boa Vista, a amizade e o respeito são explicados pela sua atitude de auxílio
a Borges quando este fora perseguido na Paraíba:
“...não ignorais que perseguidos pelo sr. Pedro Xaves, e no excesso do
frenesi anárquico do ministério de março, aqui acharam abrigo, e a inteira
proteção do nobre barão da Boa Vista, que estava na presidência quando
vós, unidos a dois frenéticos deputados pela Paraíba, apoiava todas as
atrocidades que ali se sofreu... O que quereis pois? Que desconheçamos a
proteção que aqui recebemos do nobre barão? Devíamos, e devemos ser
ingratos? Entretanto reparamos aqueles fatos administrativos que julgamos
desviados, sempre com a consideração que lhe temos tributado.”
121
Quanto aos praieiros, Borges da Fonseca será um decidido crítico do seu modo de fazer
política e da maneira como tentavam conquistar o poder. Os desentendimentos tiveram início
ainda no período em que Borges militava na sociedade secreta Vigilante. Criada em princípios de
1843, esta sociedade aglutinou em seus quadros o remanescente oposicionista da Jardineira, que
havia lutado contra o absolutismo de D. Pedro I. Seu fundador fora o padre Luís Inácio de
Andrade Lima, vigário da vila de Nazaré da Mata, interior de Pernambuco. Com um discurso de
oposição ao processo de centralização política que ocorria no Império, os vigilantes conseguiram
organizar sucursais pelo interior e também nas províncias vizinhas, trazendo novamente à tona as
reivindicações de autonomia local.
122
Logo de início Borges é convidado a ocupar o cargo de secretário da sociedade e torna-
se, junto com o padre Luís Inácio, um de seus principais líderes. Transfere sua residência para
Nazaré da Mata e juntos passam a editar o jornal O Nazareno. Segundo Borges, a sociedade
havia sido criada com o intuito de fazer prevalecer os “princípios democráticos” sobre os da
“reorganização e do futuro”. Almejavam uma reorganização social no sentido de implementar
uma “democracia monárquica”, fazendo-se necessário para isso convocar uma Assembléia
Constituinte por parte do imperador.
123
Enquanto os vigilantes ou nazarenos iam desenvolvendo suas atividades, ocorreu um
desentendimento entre os militantes da política da “reorganização e do futuro” e deste racha
surgiram os praieiros. Eles também resolveram criar uma sociedade secreta, onde no seu
120
APEJE, O Nazareno, n
o
57, 28/08/1844.
121
Idem, ibdem.
122
SANTOS, Mário Márcio de A. op. cit. pp. 72-74.
123
APEJE, O Nazareno, n
o
57, 28/08/1844.
54
compromisso determinavam a instalação de “sociedades auxiliares” nas quais fossem admitidos
os “homens mais honestos da classe inferior”. Estes deveriam ficar obrigados a cumprirem tudo
que lhes fosse ordenado.
124
Foi neste momento, segundo Borges, que eles tiveram a idéia de
tentar aliciar o apoio dos vigilantes e pôr fim a sua tranqüilidade. A idéia dos praieiros era clara:
como necessitavam de apoio popular, nada melhor do que recrutar uma sociedade com grande
penetração entre a massa recifense e que já estava disseminada pela província.
125
Os praieiros começaram então a levantar entre os nazarenos algumas questões pessoais e
de família, propondo a fusão das duas sociedades. “Mas nunca dispensastes a intriga individual;
e esta fusão dizíeis vós era para vencer as eleições. Então foi a sociedade unânime em rejeitar a
moção pois que não tinha a eleição por fim; mas e apenas como um dos meios de conduzir ao
fim aspirado.”
126
Negada a fusão, os praieiros trabalharam no sentido de dividir a sociedade. O
alvo foi Borges da Fonseca, visto como o principal obstáculo à consolidação dos intentos da
Praia. Surgiram então as acusações de ser ele partidista do Barão, pelo fato do Nazareno não
escrever nada contra Boa Vista e por ser amigo de Sebastião do Rego Barros. Chegaram mesmo
a convidá-lo a ser candidato na chapa praieira, mas ele recusou.
A Praia continuou seus esforços e conseguiu aliciar alguns dos nazarenos para o seu
lado.
127
O plano era dividir os vigilantes, escantear Borges e toma r para si a tipografia, que era
propriedade da sociedade. Desta forma conseguiriam calar o redator do Nazareno, pois sua
doutrina “tendia a insuflar a plebe ou classe inferior”. Como ele resistia, alguns decidiram que
seria melhor matá-lo. Sua morte chegou a ser decretada, mas um dos praieiros temeu pela sua
numerosa família que iria ficar na miséria e o plano foi cancelado. No entanto, Borges
continuava tendo o apoio do padre Luís Inácio. Juntamente com ele e com os veneráveis Manoel
Pereira de Moraes e João Batista do Amaral e Melo, este seu futuro genro, transferiram a
tipografia de Nazaré da Mata para o Recife em meados de 1843. Os praieiros armaram
emboscadas em diversas partes do caminho, mas eles conseguiram enganar seus inimigos
utilizando trajetos alternativos.
128
O principal articulador destas “intrigas” foi Urbano Sabino. Segundo Borges foi ele quem
tentou dividir a sociedade nazarena, tentou acabar com a tipografia, quem o perseguiu e aliciou
companheiros seus. A tarefa “predileta” do Urbano era impôr seus candidatos para a chapa
praieira e trabalhar pela sua candidatura e do Nunes Machado. “Quereis porém saber quais são
124
Idem, ibdem.
125
SANTOS, Mário Márcio de A. op. cit. p. 77.
126
APEJE, O Nazareno, n
o
57, 28/08/1844.
127
Um deles pode ter sido o Padre Domingos Alves Vieira. Amigo de Borges, estava com os praieiros “por iludido e
timorato, crendo que só deste modo nós os democratas podemos marchar sem perigo...”. Ver APEJE, O Nazareno,
n
o
67, 05/10/1844.
128
APEJE, O Nazareno, n
o
57, 28/08/1844; SANTOS, Mário Márcio de A. op. cit. pp. 77-79.
55
os candidatos do snr. Urbano? Vo-lo diremos, porque o sabemos com toda a segurança... Ei-los:
um Urbano, dois Nunes Maxado, três Urbano, quatro Nunes Maxado e assim até o duodécimo,
treze o snr. Antônio Joaquim de Melo, quatorze o snr. dr. Antônio Afonso; isto porém de modo
que não corra perigo a eleição dos dois primeiros em que tudo se cifra.”
129
Os ataques do Nazareno contra Urbano e Nunes Machado se concentravam no fato de
que estes dois haviam sido “fiéis colaboradores” dos conservadores. Ajudaram a elaborar e a
aprovar as leis de Interpretação do Ato Adicional e do Código de Processo, e que naquele ano de
1844 passavam a criticá-las. A “conversão” repentina deles de reorganizadores para liberais se
deveu única e exclusivamente pelo fato de ambos não terem mais espaço nos planos dos
conservadores. O motivo que os movia era tão somente o desejo de conquistarem um lugar na
Câmara dos Deputados.
“Outrotanto porém não se dá no partido praieiro. Captaneado por os
snrs. Urbano e Nunes Maxado estes foram e são dos reorganizadores; mas
entraram por especulação, por esperança de ganho, e como praças da
falange que organizou o nobre senador snr. Vasconcelos em 1838, e a quem
chamou - maioria compacta, decidida e brasileira. Qual deve ser a
moralidade de um partido que tais chefes têm? Homens que estão prontos a
sacrificarem o mundo inteiro por uma beca o podem ser?”
130
Nunes Machado e Urbano Sabino representavam o grupo que Borges classificava de
“liberais novos”. Estes eram antigos membros da oligarquia que passaram à oposição por não
terem os seus interesses atendidos pelos conservadores. Eram colaboradores da política da
reorganização e do futuro, mas tentavam vestir uma roupagem liberal. Apoiavam o novo
ministério liberal de 2 de fevereiro de 1844 tão somente pela esperança de que com isso iriam
conseguir um “empregozinho” ou uma “beca” de deputado geral.
131
Além de questões pessoais e do “oportunismo político” dos praieiros, o que pode explicar
as críticas do Nazareno a estes é o fato da Praia estar avançando sobre o grupo da sociedade
recifense em que Borges procurava se apoiar politicamente. Já vimos que uma das estratégias
praieiras era a de buscar o apoio das camadas populares que mais sofriam com o desemprego, a
carestia dos gêneros de primeira necessidade e com a concorrência da mão-de-obra estrangeira.
Eram justamente estes grupos, como os artesãos e os homens livres pobres, que mais se sentiam
atraídos pela pregação nacionalista, anti-lusitana e radical do Nazareno. A Praia estava
seduzindo aqueles grupos e sua tática estava dando resultados.
129
APEJE, O Nazareno, n
o
64, 19/09/1844.
130
APEJE, O Nazareno, n
o
66, 01/10/1844.
131
APEJE, O Nazareno, n
o
51, 07/05/1844; n
o
52, 10/05/1844; n
o
53, 21/05/1844.
56
Por esta razão é que vamos encontrar nas páginas do Nazareno insistentes alertas de
Borges ao “povo e aos artistas” do Recife contra a maneira de agir do praieiros. Segundo ele, o
povo estava sendo utilizado como “instrumento” para a satisfação dos interesses eleitorais dos
candidatos da praia: “...Ora vedes como ides embaídos por esses partidos todos, e principalmente
pelos praieiros, que, afetando muita liberdade, só vos querem para instrumentos, e sem
representação alguma: vós deveis votar cegamente em suas chapas, dizem eles, e é nisto que está
a liberdade que vos concedem, e isto ainda por especial favor.”
132
Os praieiros só se
interessavam pelo povo porque ele serviria como massa de manobra, como um pelotão de frente
para as suas ações violentas: “Atendei bem, homens do povo, não se quer para vós direitos, não
se quer igualdade, nem liberdade, apenas se vos consente a honra de serdes espoletas; porque na
linguagem dos nossos dominadores vós sois uns faquistas, uns perdidos, que deveis estar sempre
nas peas.”
133
Mas para tristeza sua o povo estava correspondendo às ilusões da Praia, cedendo
ante à tentação de promessas que nunca seriam concretizadas:
“Quando vemos a facilidade do povo no sujeitar-se a seus verdugos,
que pregando a liberdade o escravizam, e obstam a prática do mais sagrado
direito, o do voto livre na escolha dos que o têm de representar; não
podemos deixar de lamentar sua cegueira. E após de quem corre este povo
desacautelado? Dos seus próprios algozes, daqueles que já o têm
sacrificado.”
134
Mesmo todas as críticas e ataques aos praieiros não impediam que o Nazareno enxergasse
qualidades em alguns dos membros daquele partido, chegando até mesmo a recomendar o voto
popular a eles. É caso de Francisco Carneiro Machado Rios, um dos principais nomes da Praia.
Ainda que não tivesse boas relações com ele Borges o considera um homem de “caráter puro”,
“estimável” e de “excelentes qualidades”. Não vivia de “traficâncias políticas” e dedicava sua
vida à luta pela liberdade do seu país.
135
Outro praieiro que merecia elogios era Joaquim Vilella
de Castro Tavares, pois seus princípios de “ordem e liberdade”, sua “superioridade intelectual”,
sua “sisudez” e “bom juízo” eram bem conhecidos da população.
136
Outros nomes seriam os de
Filipe Lopes Neto Jr. (“versado nos traquejos da política”), Assumpção Cabral, Padre Domingos
Alves Vieira, Afonso Arthur e Manoel de Souza Teixeira.
137
132
APEJE, O Nazareno, n
o
59, 06/09/1844.
133
APEJE, O Nazareno, n
o
55, 20/08/1844.
134
APEJE, O Nazareno, n
o
62, 13/09/1844.
135
APEJE, O Nazareno, n
o
57, 28/08/1844; n
o
62, 13/09/1844; n
o
66, 01/10/1844.
136
APEJE, O Nazareno, n
o
66, 01/10/1844.
137
APEJE, O Nazareno, n
o
57, 28/08/1844; n
o
67, 05/10/1844.
57
Estes portanto seriam os grupos que iriam compor o cenário político pernambucano em
1844. Nós os encontraremos se posicionando diante dos acontecimentos que iriam se desenrolar
durante aquele ano, iniciando-se pela ascensão do gabinete de 2 de fevereiro e culminando com
as eleições gerais de setembro e outubro. A luta pelo favor governamental envolveria praieiros e
baronistas num emaranhado jogo de cooptação dos Presidentes da Província que se seguiriam
após a saída de Boa Vista do cargo. Serão estes pois os temas do próximo capítulo.
3. FACÇÕES POLÍTICAS PERNAMBUCANAS E O INÍCIO DO QÜINQÚÊNIO
LIBERAL
O ano de 1844 teve início sem perspectivas de mudança para os grupos políticos que
lutavam pelo poder na província pernambucana. A presidência continuava nas mãos da coalizão
de conservadores e liberais liderados pelo Barão da Boa Vista e por Holanda Cavalcanti. Os
dissidentes de ambos os partidos, prejudicados pela monopolização política dos Rego Barros-
Cavalcanti, já haviam se unido numa nova agremiação de cunho liberal - o Partido Praieiro. Seu
objetivo principal era retirar Boa Vista da presidência, primeiro passo na tentativa rumo à
ocupação de cargos no governo provincial. Mas as perspectivas não eram nada boas, pois o então
ministério conservador de 20 de janeiro de 1843 dava total apoio ao Barão.
Borges da Fonseca escrevia no seu O Nazareno desanimadoras previsões políticas para o
novo ano que se iniciava. Não conseguia enxergar diferenças significativas entre os dois grupos
políticos litigiosos da província. Tanto governo como oposição lutavam por uma fatia do poder e
por cargos. Ambos não possuíam nenhum interesse em mudar as bases sociais em que se
fundava o Império, permitindo desta forma que as desigualdades e as injustiças se
perpetuassem.
138
Na corte o governo era comandado pelo gabinete conservador de 20 janeiro de 1843. Seu
principal nome era Honório Hermeto Carneiro Leão, futuro Marquês do Paraná e então Ministro
da Justiça. Um dos principais pilares do Partido Conservador, Honório conduziu o ministério a
confirmar o Barão da Boa Vista na presidência de Pernambuco e atraiu para si a ira da oposição
praieira, que esperava a sua demissão. Para a Praia, qualquer perspectiva de futuro político
passava agora também pela mudança no gabinete.
Ao romper o ano de 1844, uma série de fatos complicou a vida do ministério de 20 de
janeiro. Segundo Isabel Marson, divergências entre Honório e o Imperador, intransigência nas
negociações com os ingleses sobre os tratados de comércio e o tráfico de escravos e a
impopularidade de alguns projetos apresentados pelo gabinete, principalmente a Lei Agrária e o
aumento de impostos, deram espaço para que a oposição liberal e o grupo dos áulicos acuassem
o gabinete e conseguissem alcançar hegemonia política.
139
Em fevereiro do mesmo ano o
ministério conservador caía e ascendia ao poder um novo ministério, agora liberal: o de 2 de
fevereiro. Era o início dos acontecimentos que trariam novas perspectivas políticas para a
província de Pernambuco e novas variantes para os grupos que lutavam pelo seu controle.
138
APEJE, O Nazareno, n
o
41, 09/01/1844.
139
MARSON, Izabel Andrade. O Império do Progresso: A Revolução Praieira em Pernambuco (1842-1855). São
Paulo: Editora Brasiliense, 1987. p. 233.
59
3.1 O Ministério Liberal de 2 de Fevereiro
O gabinete conservador de 20 de Janeiro pediu demissão a 2 de fevereiro. O imperador
designou Almeida Torres para organizar o novo ministério que, além dele na pasta do império,
tinha Ernesto Ferreira França com a de estrangeiros, Manoel Alves Branco com a da fazenda, Sr.
Ramiro na da justiça e Manoel da Fonseca Lima e Silva na da guerra e marinha.
140
Um decreto
de 23 de maio iria modificar esta composição, nomeando para o Ministério da Justiça Manoel
Antônio Galvão, para o da Marinha Hollanda Cavalcanti e para o da Guerra Jerônimo Francisco
Coelho.
141
Para os conservadores de Pernambuco, a queda do ministério anterior vinha sendo
tramada pelos membros do chamado Clube da Joana. Segundo Izabel Marson, este grupo era
formado por conservadores moderados que tinham bom acesso a D. Pedro II. Suas principais
figuras eram os irmãos Aureliano e Saturnino Coutinho e o mordomo do Paço, Paulo Barbosa.
Para a autora, fora esta facção e principalmente seus articuladores que abriram as portas da Corte
para a Praia.
142
Nas palavras do Diário de Pernambuco, o triunvirato formado por Aureliano, Saturnino e
Paulo Barbosa era o responsável pela elevação e queda dos políticos imperiais. Mais uma vez
eles tinham formulado intrigas e saíram vencedores. “É de temer em verdade, depois de tantas e
tão assinaladas vitórias da Joanna, que de hoje em diante a intriga e não as lutas parlamentares;
as nulidades, e não as sumidades, o saltimbanco político, e não o estadista, tenham valor e
mereçam ocupar os altos cargos do país”.
143
Sua maior indignação se dava pelo fato de que os
conservadores do ministério de 20 de janeiro perderam o poder sem que tivesse ocorrido um só
problema com a Câmara. Isto de fato não ocorreu, mas também vale ressaltar que ela era
formada na sua grande maioria por deputados conservadores.
O grupo conservador em Pernambuco tinha razões para manter-se preocupado, pois a
mudança de gabinete tinha tudo para atingir a estrutura de poder montada por ele em aliança com
o grupo liberal fiel a Holanda Cavalcanti. Seus adversários políticos na província, os praieiros,
tinham conseguido montar fortes ligações com políticos influentes na Corte, principalmente com
elementos do Clube da Joana. Se esta facção estava mesmo por trás da elevação dos liberais ao
poder, era de se esperar que algumas vantagens a Praia conquistasse no governo provincial. Mas
com tudo isto, os conservadores ainda tinham uma carta guardada na manga: Holanda Cavalcanti
era um dos principais líderes liberais na Corte e sua influência no novo gabinete não permitiria
140
DPH/UFPE, Diário de Pernambuco, n
o
44, 23/02/1844.
141
DPH/UFPE, Diário de Pernambuco, n
o
137, 19/06/1844.
142
DPH/UFPE, Diário de Pernambuco, n
o
70, 23/03/1844. MARSON, Izabel Andrade. op. cit. p. 233-34.
143
DPH/UFPE, Diário de Pernambuco, n
o
70, 23/03/1844.
60
que em Pernambuco ocorressem as inversões políticas que era de se esperar acontecessem em
outras províncias. A cautela tornava-se um elemento extremamente necessário, pois a nova
situação exigia a espera do desenrolar dos acontecimentos. Se no Rio de Janeiro a batalha já
havia sido perdida, em Pernambuco ela estava apenas começando. Daí o fato dos conservadores
locais se solidarizarem com seus pares da Corte, criticarem a forma como ocorreu a mudança de
ministério e os responsáveis pela manobra, mas aguardarem para se manifestar a respeito da
política local. Afinal de contas, por enquanto o Barão da Boa Vista ainda ocupava a presidência
da província e seu grupo estava fortemente encravado no poder.
Já para os praieiros não poderia ter acontecido coisa melhor. Com o ministério de 20 de
Janeiro no poder não havia perspectiva nenhuma de mudança na balança política da província.
Esta tenderia sempre para os conservadores. Mas com a queda do gabinete conservador e a
elevação dos liberais a situação mudava, surgindo a esperança de ocupação de cargos no governo
provincial. Por esta razão a notícia da mudança de gabinete não poderia ter chegado em hora
melhor para a Praia.
A primeira atitude dos líderes praieiros foi a de festejar a ascensão do gabinete liberal e
prestar o mais profundo apoio. Eles farão questão de mostrar que seus princípios são os mesmos
do novo gabinete. Quando isto é posto em dúvida pelos baronistas, os praieiros repelem
energicamente tal acusação:
“Combatemos a política ominosa de 19 de setembro, e os membros do
gabinete conosco; reprovamos os princípios das transações, e vendagem; a
corrupção, os interesses mesquinhos de pessoas; a perseguição o extermínio,
a delapidação dos dinheiros públicos, e outras infâmias, que constituíam a
essência da política dos homens da reorganização e do futuro; queremos a
ordem a constituição e a liberdade para os brasileiros, defendemos nossas
instituições contra as tentativas desses vândalos, que têm querido fazermos
retrogradar para os tempos coloniais; sustentamos o mérito, elogiamos a
virtude, clamamos pela economia, pedimos a paz, e a execução das leis; o
gabinete de 2 de fevereiro sabe de nossas fileiras, e se pronuncia por um ato
da maior significação, lança por terra o império do arbítrio e das vexações,
considera todos os brasileiros com os mesmos direitos, ninguém fica fora da
lei; eis o triunfo de nossos princípios”.
144
A fidelidade aos princípios do gabinete de 2 de Fevereiro e a sua identificação como seu
representante local serão utilizados como instrumento de pressão pelos praieiros para que os
144
IAHGP, Diário Novo, n
o
167, 03/08/1844.
61
presidentes de província nomeados após a saída de Boa Vista pusessem em prática o pensamento
do partido. Em outras palavras, que fossem demitidas as autoridades nomeadas pelo Barão e
postos em seus lugares pessoas da confiança do Partido Praieiro.
Posicionamento bastante curioso diante da mudança de gabinete terá Borges da Fonseca.
Apesar de fazer oposição ao gabinete de 20 de Janeiro e basear seu pensamento em princípios
liberais, ele não ficará nem um pouco empolgado com a ascensão do grupo liberal ao poder. Para
ele, “este acontecimento é apenas uma contradança de cortesãos, algumas vezes sorteado com
algum homem honesto, que se substituem no mando, e mando absoluto”.
145
Seu ceticismo se
justificava pelo fato de que os conservadores não deixaram completamente o poder, pois alguns
dos seus integrantes ocupavam parte no novo ministério, sendo que a outra parte era ocupada por
“conservadores acanhados”. “Daqui vem o crermos, que o atual gabinete viverá vida de
expediente, e morrerá nulo e insignificante, sem merecer uma lágrima; talvez porém menos
execrado que seus predecessores”.
146
Borges chega a avaliar alguns nomes que passavam a compor o novo gabinete. É crítico
em relação à melhoria da administração do exército pelo Sr. Lima e Silva, “porque esse
brigadeiro apenas é um bom oficial de fileira, e nada pode, nem sabe obrar por si”. É o mesmo
sentimento em relação à justiça, com o Sr. Ramiro, pois “talvez que esse ministro a si mesmo se
despache para o supremo tribunal de justiça”. Confia, entretanto, em dois nomes. O primeiro é o
de Ernesto Ferreira França, que recebeu a pasta dos negócios estrangeiros. Representava uma
esperança em que com ele os estrangeiros cessassem de ultrajar os brasileiros. “Certamente o
honrado ouvidor do Recife, o honrado desembargador da Bahia não se deixará desacreditar, e
estamos certos que ele, reconhecendo a impossibilidade de obrar bem, abandonará o pesado,
corrompido e corrupto lugar.” O outro nome é o de Jerônimo Francisco Coelho, pessoa em quem
se podia confiar a tarefa de exercer seu cargo sob os princípios da moralidade.
147
Se em nível nacional Borges não se empolgava com o novo quadro político, na política
provincial seu ceticismo era ainda maior. Sendo o Partido Praieiro o dito representante do
gabinete de 2 de Fevereiro, não haveria pior escolha dos liberais da Corte para delegar tal
função. Ele se refere aos praieiros com a alcunha de “liberais novos”, pois o seu passado não
confirmava os novos posicionamentos de boa parte de seus líderes. “Aqueles que ontem foram os
assassinos da liberdade, e dos direitos de todos, hoje se ostentam mais liberais que ninguém, e
neste estado de contínua e habitual traição nos levam a não podermos compreender como é o
mundo, e como ele vai. O certo é que aqueles que de parceria com outros cravaram-nos o punhal
145
APEJE, O Nazareno, n
o
46, 27/02/1844.
146
APEJE, O Nazareno, n
o
47, 15/03/1844.
147
APEJE, O Nazareno, n
o
47, 15/03/1844.
62
hoje, divergidos de seus parceiros, se ostentam uns liberais sem mancha, uns mártires.”
148
O
Nazareno procurava enfatizar para os seus leitores o passado conservador da liderança praieira,
principalmente as figuras de Nunes Machado e Urbano Sabino. Eles trabalharam em prol das
modificações no Ato Adicional e deram total apoio à política da reorganização e do futuro,
vindo a romper com seus antigos aliados apenas quando seus interesses foram preteridos.
Na visão de Borges o interesse que movia os praieiros a apoiarem o ministério liberal era
tão somente o de conseguirem ocupar cargos públicos e serem contemplados com vagas na
Câmara dos Deputados. Não havia por parte deles nenhum desejo em modificar a estrutura social
e política do Império, em propor reformas na Constituição e em lutar a favor de uma maior
autonomia das províncias. Desta feita, com aliados desse quilate e com ações que não
coadunavam com o que Borges esperava de um ministério genuinamente liberal, como foi o
apoio dado aos portugueses e ingleses e a intenção de combater o “americano Rosas”, o
Nazareno resolveu por se colocar na oposição ao gabinete de 2 de Fevereiro.
149
3.2 A Dissolução da Câmara dos Deputados
Uma das estratégias do ministério de 2 de fevereiro foi a de resguardar o novo gabinete
de problemas gerados por radicais e independentes através da política de aproveitamento dos
“submissos” e de castigo dos “soberbos”, segundo verso de um poema romano citado por Alves
Branco (Parcere subjectis, delellare superbos). Ao mesmo tempo, os liberais procuraram
imprimir um tom moderado à nova política, tentando governar acima dos particularismos e sem
o monopólio partidário característico do gabinete conservador anterior.
150
Tais intenções esbarraram na resistência imposta pela Câmara dos Deputados. Eleita em
1842 e sob a inspiração do gabinete conservador de 23 de março de 1841, o mesmo que liderou a
repressão à Revolta Liberal de 1842, a Câmara não aceitou a queda do ministério também
conservador de 20 de janeiro. Conseqüência deste embate foi a dissolução, concretizada no dia
24 de maio de 1844. Segundo os jornais da época, o decreto imperial chegou em meio a uma
sessão da Câmara. Quando ele começou a ser lido pelo presidente da casa, simpatizantes do novo
ministério que lotavam as galerias começaram a dar gritos de “apoiados”, “viva o Imperador” e
“viva o Ministério”. No meio da confusão o Barão da Boa Vista, que aquela altura já havia
retornado ao Rio de Janeiro, bateu com força na balaustrada e disse: “Indignos, indignos são
aqueles que enchem as galerias de semelhante canalha”.
151
Tal atitude será amplamente utilizada
148
APEJE, O Nazareno, n
o
52, 10/05/1844.
149
APEJE, O Nazareno, n
o
55, 20/08/1844.
150
MARSON, Izabel Andrade. op cit. p. 234.
151
DPH, Diário de Pernambuco, n
o
137, 19/06/1844.
63
pelos praieiros na época das eleições para acusar o Barão de destratar e não saber lidar com o
“povo”.
Em Pernambuco a notícia não foi surpresa. Quando os rumores de uma possível
dissolução começaram a circular os praieiros prontamente se colocaram a seu favor. No Diário
Novo de 5 de junho, ainda quando a confirmação do decreto não era conhecida no Recife, a Praia
publicou um artigo do jornal Íris onde justificava-se tal posicionamento. Segundo o jornal aquela
Câmara não havia sido eleita de acordo com a vontade do povo e nem era fruto de uma eleição
livre, tendo predominado na época a coação. Aquelas eleições ocorreram logo depois dos
movimentos de São Paulo e Minas, quando as garantias foram suspensas e a polícia impunha a
força através das armas. Nas duas províncias que empreenderam a revolta liberal suas
populações encontravam-se acossadas, enquanto que nas demais o governo era visto como tábua
de salvação e tinha todas as suas vontades satisfeitas. O resultado disto: “...a mor parte dos
deputados atuais, foram eleitos pelo governo, e não pelo povo. Homens há que se dizem
representantes desta ou daquela província, que nunca esta ou aquela província viu ou conheceu
de nome; e em tal fato é a prova mais evidente de que a vontade do povo não teve parte na
escolha.”
152
Nada mais natural, portanto, que o Ministério dissolvesse uma Câmara onde a sua
maior parte lá estava graças às ações de seus inimigos.
Independente de todas as justificativas, a dissolução viria num ótimo momento para os
praieiros. Ao concretizar-se tal ato viria acompanhado da convocação de novas eleições para
deputados gerais, o que de fato aconteceu. Agora eles teriam uma grande oportunidade de
emplacar os nomes de seus principais líderes e levá-los a ocuparem maior espaço no jogo do
poder na Corte. E o momento não poderia ser melhor: a Praia estava conseguindo tirar bom
proveito das insatisfações geradas pelo governo de Boa Vista; o apoio popular, item importante
para a luta eleitoral como veremos, estava sendo conquistado; aos poucos conseguiam
concretizar a idéia de serem os verdadeiros representantes na província do ministério liberal que
dominava o poder e isso geraria importantes dividendos políticos.
Quanto ao grupo político ligado ao Barão da Boa Vista a dissolução não poderia chegar
em pior hora. Os desgastes sofridos pelo longo governo de Rego Barros na província estavam
gerando perigosas insatisfações e a oposição praieira dia-a-dia se fortalecia. Com a queda do
ministério conservador de 23 de janeiro seus integrantes passaram à incômoda situação de
oposição ao novo ministério liberal, o que traria, mais cedo ou mais tarde, desagradáveis
conseqüências para quem estava acostumado com as benesses do poder. Pouco a pouco os
baronistas iam perdendo o controle do poder na província, apesar de todo esforço que fariam
152
IAHGP, Diário Novo, n
o
122, 05/06/1844.
64
para evitar que isto viesse a se concretizar. A forte bancada que existia na Câmara teria que ser
desfeita, voltar a Pernambuco e se preparar para a difícil luta eleitoral que se prenunciava.
Por tudo isso se entende a reação dos baronistas à dissolução da Câmara. Na sua edição
de número 1, o jornal O Guararapes de Nabuco de Araújo caracterizava tal atitude ou como a
falta de habilidade do novo gabinete em convencer os deputados das vantagens do seu programa
de governo, ou como evidência da sujeição que ele tinha aos revoltosos de São Paulo e Minas,
que não toleravam uma Câmara formada por defensores da ordem.
153
Na edição seguinte o jornal
baronista defendeu o posicionamento intransigente do corpo Legislativo, pois ele “...reconheceu
a perfídia, a hipocrisia, a falta de dignidade, o solipsismo dos que pretendiam abusar de homens
de saber e tino político, como se fossem infantes”.
154
Assim, o raio da inversão política acabava
de cair sobre o Império.
Contrário à ação do gabinete liberal também ficou Borges da Fonseca. Num artigo do
Nazareno de 3 de maio daquele ano, portanto anterior à dissolução, o Repúblico criticava a
defesa por parte dos liberais de um instrumento absolutista e antidemocrático do governo.
Segundo ele, o novo ministério não poderia justificar tal atitude no fato de que os conservadores
do gabinete de 23 de março também dissolveram a Câmara em desacordo com a Constituição.
Esta, no seu Artigo 101, Parágrafo 5, diz que a dissolução só poderia acontecer em caso de
necessidade de salvação do Estado, coisa que não estava em jogo. Os liberais não precisariam
utilizar deste instrumento, pois facilmente poderiam convencer os então deputados de maioria
conservadora a atuarem de acordo com os interesses dos que tinham conquistado o poder, pois
eles “...são comissários de todos os governos existentes e possíveis”. A dissolução traria como
resultado necessidades de novas eleições, cujos meios utilizados para a vitória do governo já
eram conhecidos: violência, dinheiro, hábitos, distinções, títulos, pensões e empregos.
155
Borges irá propor uma medida bastante original. Considerando que a legislatura de 1842
foi prematuramente dissolvida por um golpe do gabinete de março de 1843, aquele ato deveria
ser considerado como nulo, sem validade. Se o novo ministério zelasse pela constitucionalidade
anularia o decreto de 1º de maio de 1843 e reconvocaria a Câmara eleita em 1842, esta sim
considerada como a verdadeira representação nacional. Isto para Borges não seria dissolução, e
sim a “...reabilitação do direito público do país, que foi nulificado tão bárbara, como atrozmente
pelo ministério de março.” Suas esperanças, porém, eram praticamente nulas, pois o ministério
153
APEJE, O Guararapes, n
o
01, 08/08/1844.
154
APEJE, O Guararapes, n
o
02, 10/08/1844.
155
APEJE, O Nazareno, n
o
50, 03/05/1844.
65
de 2 de fevereiro era formado por “conservadores acanhados” que jamais tomariam uma atitude
em prol do interesse do povo.
156
Concretizada a dissolução, Borges voltará a criticar as razões que levaram o ministério de
2 de fevereiro a tomar esta decisão e questionará a legitimidade das futuras eleições para
deputados gerais. Se o gabinete achou que a Câmara colocou-se contra os interesses nacionais e
agora iriam apelar para a Nação se manifestar nas urnas, Borges se pergunta quem então é a
Nação. Com o sistema eleitoral da época, ela seria na verdade o próprio ministério, os
presidentes de província, os delegados e subdelegados. O povo não conseguia se expressar
através do voto, pois aquele sistema não o permitia. Havia toda uma série de intimidações que
levavam à anulação da força popular. O resultado das urnas era na realidade a confirmação dos
interesses da facção que estivesse no poder.
157
De fato Borges da Fonseca não estava de todo enganado. Veremos que muitas de suas
análises se confirmam no momento em que as eleições de 1844 ocorrem. A força do governo no
resultado final do pleito era extremamente forte. E um dos principais elementos para que isso se
concretizasse era o Presidente da Província. Vejamos agora como os grupos políticos em
Pernambuco se portaram frente aos substitutos do Barão da Boa Vista no governo provincial.
3.3 Os Presidentes da Província
O mesmo decreto que dissolveu a Câmara convocou eleições para o preenchimento dos
novos postos de deputados gerais nas províncias. Os partidos começaram então a se mobilizar
visando o embate eleitoral previsto para setembro daquele ano.
As pretensões de vitória nas urnas para quaisquer dos grupos políticos dependiam
necessariamente do homem que ocupasse o cargo de maior peso político na província: a sua
presidência. Legalmente considerado como representante do imperador, cabia ao Presidente da
Província executar o programa político do Gabinete e assegurar o cumprimento das leis do
Império. Era o guardião da Constituição, tendo poderes para intervir em assuntos que iam desde
o veto e suspensão da aplicação de leis provinciais até a distribuição de terras. Contudo, como
bem lembra Richard Graham, sua principal tarefa era “gerar dividendos eleitorais a favor do
Gabinete”.
158
Testemunhos da época apontam o Presidente da Província como um posto chave para a
vitória eleitoral dos Gabinetes que se sucediam no poder. O então deputado Francisco Belisário
Soares de Souza denunciava: “Tudo tornou-se artificial nas eleições. O mais desconhecido
156
APEJE, O Nazareno, n
o
51, 07/05/1844.
157
APEJE, O Nazareno, n
o
54, 18/06/1844.
158
GRAHAM, Richard. Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. p. 86.
66
cidadão nomeado presidente de província constitui-se logo, e por este simples fato, o único poder
eleitoral da província a que preside”.
159
O próprio D. Pedro II constatou isto e admitiu que “os
presidentes servem, principalmente, para vencer eleições”.
160
Os instrumentos para a concretização do seu papel eleitoral eram diversos. Partindo da
prerrogativa legal de supervisionar o cumprimento da lei, o Presidente da Província seria o
árbitro final de contendas envolvendo a posse de um juizado de paz. Como o juiz de paz era o
presidente da mesa eleitoral, ele poderia facilmente manobrar para que pessoas ligadas ao seu
grupo político ocupassem tais cargos. Poderia também o presidente adiar uma eleição por até três
meses, tempo suficiente para que se concretizassem arranjos necessários à vitória dos candidatos
governistas.
161
Mas seu maior poder eleitoral era a tarefa de indicar e nomear pessoas para
cargos públicos. Como veremos no próximo capítulo, alguns postos eram chaves para o sucesso
de qualquer partido nas eleições. Dentre eles podemos citar o de chefe de polícia da província, o
de delegados e subdelegados (estes últimos membros da mesa eleitoral) e postos na Guarda
Nacional. Outros cargos públicos de menor importância eram utilizados como moeda de troca
visando a aquisição de uma clientela e seus correspondentes votos.
Sendo, portanto, um cargo fundamental dentro do jogo eleitoral, não era à toa que os
diferentes grupos políticos de Pernambuco estavam de olho no indivíduo que o ocupava.
Cônscios disto os praieiros lutavam para que o ministério de 2 de fevereiro demitisse o Barão da
Boa Vista, enquanto que os conservadores se agarravam em alguns fios de esperança para que
isso não acontecesse. Percebendo a iminência de sua saída, Rego Barros inicialmente pediu para
que a Câmara Municipal chamasse o seu 1º Vice-Presidente a fim de o substituir, alegando
questões de saúde para justificar seu afastamento da Presidência.
162
No dia 16 de abril o Ministro
do Império, José Carlos Pereira de Almeida Torres, dirigia um ofício ao Barão informando-lhe
que D. Pedro II havia aceitado seu pedido de demissão.
163
Era o fim de quase sete anos seguidos
de governo à frente da província. No início de maio partia Boa Vista rumo à corte para ocupar
seu lugar na Câmara e testemunhar sua dissolução.
O primeiro a substituir Boa Vista foi o 1º Vice-Presidente, Pedro Francisco de Paula
Cavalcanti d’Albuquerque, irmão de Holanda Cavalcanti. Deputado provincial, ele deixou seu
lugar na Assembléia para ocupar o novo cargo a 13 de abril, mas dezesseis dias depois já
informava à Câmara Municipal sua impossibilidade de continuar na Presidência devido ao Aviso
159
SOUZA, Francisco B. S. de. O Sistema Eleitoral no Império (com apêndice contendo a legislação eleitoral no
período de 1821-1889). Octaciano Nogueira (ed.). Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos, vol. 18. Brasília:
Senado Federal, 1979. p. 6.
160
Citado por GRAHAM, op. cit., p. 116.
161
GRAHAM, op. cit., p. 117.
162
IAHGP, Coleção Ofício da Presidência da Província à Câmara Municipal do Recife, 1843-1845, 11/04/1844.
163
DPH, Diário de Pernambuco, n
o
108, 09/05/1844.
67
Imperial de 09 de abril, que não mais permitia os deputados estarem a frente do governo das
províncias.
164
Em seguida veio Izidro Francisco de Paula Mesquita e Silva, 3º Vice-Presidente, que já
no dia 02 de maio informava à Câmara Municipal sua posse.
165
Sua administração durou pouco
mais de um mês, tempo suficiente para ser alvo dos jornais praieiros. Para estes Izidro mostrava-
se parcial em demasia, pois seguia a mesma política do Barão da Boa Vista. Denunciavam
também as dispensas ilegais de pessoas da Guarda Nacional que não partilhavam dos mesmos
pensamentos que ele. Em especial eles ficavam apavorados com os boatos de que ele iria demitir
delegados e subdelegados, justamente os que não deveriam sair.
166
Provavelmente seriam
pessoas ligadas à Praia. Mesmo tendo voltado atrás em algumas das críticas, os praieiros não
consideravam Izidro Francisco ainda o melhor presidente para governar a província segundo
seus interesses.
Já os conservadores não escondiam que o novo presidente era seguidor da política de Boa
Vista, indo em defesa das suas ações. Na visão de um de seus integrantes, o que os praieiros
esperavam era por demissões de baronistas e nomeações de seus partidários, coisa que não
aconteceu. Sobre as demissões na Guarda Nacional, elas têm ocorrido para o “cômodo e
interesse da província”, e não por interesses particulares ou ódios. “Continue S. Ex. a governar,
como vai governando, que terá sempre o apoio de todos os homens sensatos, e de todos que têm
que perder. Para um Governo se acreditar nada mais precisa do que fazer o contrário do que a
oposição quer, que não é certamente o que ele diz que quer.”
167
Infelizmente para os baronistas a
administração de Izidro teve um fim muito rápido, pois seu substituto nomeado pelo ministério
chegou já no início de junho, trazendo consigo a dúvida sobre a solução do impasse político que
imperava na província desde a saída do Barão. Para eles significava o gasto de novas energias
visando a conservação do poder que haviam conquistado havia longos anos.
No dia 6 de junho tomava posse da presidência da província o baiano Joaquim Marcelino
de Brito, nomeado pelo ministério com a incumbência de exercer uma política moderadora. Isto
significava para ele uma tarefa extremamente difícil. A estratégia dos liberais da corte era
conservar no poder as pessoas ligadas a Holanda Cavalcanti, cujo apoio era fundamental naquele
momento, e ao mesmo tempo ceder cargos e postos aos praieiros. O problema era que tais
164
IAHGP, Coleção Ofício da Presidência da Província à Câmara Municipal do Recife, 1843-1845, 13 e
29/04/1844.
165
IAHGP, Coleção Ofício da Presidência da Província à Câmara Municipal do Recife, 1843-1845, 02/05/1844.
166
IAHGP, Diário Novo, n
o
109, 18/05/1844.
167
DPH, Diário de Pernambuco, n
o
119, 23/05/1844.
68
pessoas se confundiam com o grupo do Barão da Boa Vista. Assim, a ordem era não fazer
inversões desorganizadoras.
168
Os praieiros trataram logo de tentar capitanear o apoio do novo presidente e cair nas suas
graças. Referiram-se a ele como “delegado do atual gabinete, seguidor da política de concórdia e
reparação”.
169
Marcelino de Brito foi recebido entusiasticamente por membros do partido
praieiro. Eles organizaram uma recepção no dia da posse, onde milhares de pessoas o saudaram
no pátio da Igreja de São Francisco. No dia seguinte, uma multidão de mais de 5 mil pessoas
acompanhada de músicos se dirigiu ao palácio e deu vivas, desfilando em seguida pelos três
bairros da cidade. O grupo parava em frente de algumas casas e cantava o hino nacional,
dispersando-se na mais “perfeita ordem” na casa que servia de sede da Tipografia Imparcial.
170
A versão dos conservadores dá uma mostra do poder do apelo popular naquele momento
do Partido Praieiro. Eles iriam denunciar nos seus jornais que a maior parte das pessoas que
percorreram as ruas do Recife nos dois dias de recepção a Marcelino de Brito era de escravos.
Foram dados alguns morras à oligarquia e aos marinheiros no bairro do Recife, enquanto que
vivas surgiram para os cidadãos livres e sujeitos. Por fim, a multidão chegou a dar umas
pancadas num almocreve.
171
Os praieiros negaram todas estas acusações, mas as relações de uma
ala do partido com as camadas mais baixas da cidade e a atração que o seu discurso antilusitano
e antioligárquico exercia sobre elas nos leva a crer que o grosso dos manifestantes era formado
por tais grupos, inconformados com a conjuntura econômico-social da qual já tratamos nos
capítulos anteriores.
Dando continuidade à política de conquista do apoio de Marcelino, a imprensa praieira se
derramou em elogios a sua pessoa. “Seus precedentes, saber, e ilibada honra; um natural dócil e
afável: seu gênio justiceiro, e legal e convenientemente enérgico (...) nos faz conceber a bem
fundada esperança de que S. Ex. (...) envidará todos os seus esforços para reparar os estragos,
causados a esta infeliz terra pela desastrosa administração do Sr. barão da Boa Vista.”
172
Chegaram ao ponto de colocar o seu nome na chapa praieira para eleitores da freguesia de Santo
Antônio.
173
Suas expectativas giravam em torno da maneira como o novo presidente iria pôr em
prática a política do ministério em Pernambuco. Ao considerar-se o grupo aliado e representante
do gabinete liberal na Província, a Praia esperava que Marcelino de Brito fizesse uma inversão
168
MARSON, Izabel Andrade. op cit. p. 235.
169
IAHGP, Diário Novo, n
o
121, 04/06/1844.
170
IAHGP, Diário Novo, n
o
123, 07/06/1844.
171
IAHGP, Diário Novo, n
o
128, 15/06/1844. Segundo ele, os jornais baronistas que lançaram tais acusações foram
o Diário de Pernambuco (n
o
132) e o Estrela (n
o
50).
172
IAHGP, Diário Novo, n
o
123, 07/06/1844.
173
APEJE, O Nazareno, n
o
59, 06/09/1844.
69
política na administração, tirando todos os funcionários nomeados na administração de Boa Vista
e colocando no lugar pessoas de sua confiança.
Isto fica claro em um artigo publicado na mesma edição do Diário Novo que noticiava os
festejos da posse do novo governo provincial, intitulado “O que fará o novo presidente?”.
174
Segundo ele, Marcelino de Brito não conseguirá levar adiante as diretrizes do gabinete de 2 de
fevereiro sem antes trocar as pessoas do governo. “Assim vê-se que todos os meios da ação e
força, todos os lugares de consideração se acham nas unhas dos aplaudidores da política passada;
...conseqüentemente salta aos olhos a necessidade de uma substituição geral, efetuada segundo as
regras da conveniência e critério, e S. Exa. não deve, nem pode recusar a isso...” Por onde
deveria então começar a mudança? Os ataques praieiros têm um alvo preferencial: a polícia,
especialmente os delegados, subdelegados e inspetores de quarteirão. “Instrumentos da tirania,
agentes dessa política detestável de transações, foram postos nos lugares com a única
incumbência de assaltarem e violarem as urnas eleitorais; ignorantes pela maior parte, perversos,
carregados de crimes, que em vez de policiarem, merecerem ser policiados!” Por mais que
denunciem o estado de insegurança em que se encontra a província e assim justifiquem as
demissões dos ocupantes destes cargos, o que eles queriam mesmo era anular o poder eleitoral
dos baronistas, visto que se desenhava uma eleição geral para um futuro bem próximo e os
cargos de polícia eram decisivos para o sucesso nas urnas.
O interesse eleitoral dos praieiros vai ficando mais explícito quando se confirma a
dissolução da Câmara dos Deputados e são convocadas eleições para a composição de uma nova.
O Diário Novo irá lembrar a Marcelino de Brito a responsabilidade do cargo que ocupa e o dever
de coadjuvar a causa do ministério que representa, “preparando devidamente o triunfo
nacional”.
175
O partido confia na vitória eleitoral do gabinete e que ele tomará todas as medidas
necessárias para esse fim. Quanto ao presidente da província, espera que não se deixe afetar do
“contágio da indiferença”.
176
Em relação aos conservadores ligados ao Barão da Boa Vista, suas esperanças estavam
voltadas para o sucesso da interferência de Holanda Cavalcanti em seu favor junto ao novo
gabinete. Desta forma era salutar que a imprensa baronista não tratasse Marcelino de Brito como
inimigo, mas que buscasse levá-lo a empreender uma política avessa às inversões que estavam
ocorrendo em outras províncias do Império. Foi o que de fato aconteceu, pois não encontramos
nas páginas dos periódicos conservadores ataques à pessoa do novo presidente. Pelo contrário,
tratam-no muito bem. O Diário de Pernambuco irá responder ao desejo dos praieiros de demissão
174
IAHGP, Diário Novo, n
o
123, 07/06/1844.
175
IAHGP, Diário Novo, n
o
135, 25/06/1844.
176
IAHGP, Diário Novo, n
o
138, 28/06/1844.
70
de funcionários públicos destacando que o novo presidente é um magistrado imparcial, probo e
reto.
177
Marcelino de Brito não irá mexer em muitos cargos, para o desespero dos praieiros e
alívio dos conservadores. A principal mudança será feita na chefia de polícia: foi demitido o
baronista Manoel Vieira Tosta e posto em seu lugar o praieiro Antônio Afonso Ferreira, vindo do
cargo de Juiz de Direito da comarca de Jacobina, na Bahia.
178
Os quadros policiais restantes
foram muito pouco modificados, sendo substituídos apenas 8 delegados e 10 subdelegados.
179
Cabe perguntar sobre o porquê desta política tão moderada do gabinete de 2 de fevereiro em
relação a Pernambuco, enquanto que em outras regiões o que se via era a inversão política pura e
simples. Para Isabel Marson, as principais explicações são duas: garantir o apoio de Holanda
Cavalcanti ao gabinete e manter a distância e sob controle o grupo que até meados do ano
anterior condenava as ações dos liberais de São Paulo e Minas Gerais em 1842.
180
O resultado
desta política era condenado pelos próprios praieiros, que gerou uma crise no relacionamento
entre os responsáveis pela polícia da província. “O chefe de polícia quase não tem ação; os
oficiais do corpo policial são seus inimigos figadais, os subdelegados igualmente o são; mesmo
os seus ordenanças não lhe podem inspirar confiança, porque são subordinados aos seus oficiais,
e até podem ser outros tantos espiões, encarregados de vigiar e denunciar todos os seus
passos...”
181
Essas atitudes da presidência da província começaram a gerar uma desconfiança dos
praieiros em relação a Marcelino de Brito. Cada dia mais as cobranças iam aumentando e a
paciência dos líderes da Praia diminuindo. A proximidade das eleições e o início dos trabalhos
eleitorais tornavam urgente o controle do maior número possível de cargos policiais para levar
vantagem na qualificação dos eleitores, pois isso determinaria quem poderia ou não votar.
“Vão começar os primeiros trabalhos eleitorais, já se deu princípio à
qualificação, e entretanto toda a força está nas mãos dos partidistas da
oligarquia! Não concebemos tal sistema... Pedimos pois providências ao
administrador da província; ...o negócio é sério, e não estamos dispostos a
presenciar quedos o sacrifício de nosso partido, e de nossos princípios; a
tolerância e condescendência tem limites, e excedê-los é não ser prudente, é
cometer um verdadeiro suicídio. Até hoje temos nos limitado a lembrar
algumas medidas, que julgamos indispensáveis, agora porém que a
177
DPH, Diário de Pernambuco, n
o
134, 15/06/1844; n
o
145, 01/07/1844.
178
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
153, 10/07/1844.
179
MARSON, Izabel Andrade. op cit. p. 235.
180
MARSON, Izabel Andrade. op cit. p. 237.
181
IAHGP, Diário Novo, n
o
163, 30/07/1844.
71
exigüidade do tempo, e aproximação do perigo não admite mais demoras,
mais panos quentes, as exigimos em nome da pátria, em nome do governo, e
dos princípios...”
182
Os praieiros começam a pressionar abertamente o presidente da província e a
responsabilizá-lo por uma eventual derrota eleitoral.
183
Os conservadores, por sua vez,
aproveitavam a oportunidade para se colocar ao lado de Marcelino de Brito e defendê-lo dos
ataques da Praia. Desta forma eles conseguiram alcançar o que desejavam: as mudanças nos
principais cargos do quadro policial continuaram sendo limitadas e preservaram boa parte do seu
poderio eleitoral.
Esta celeuma entre os líderes da Praia e Marcelino de Brito só tem razão de ser no que diz
respeito às demissões no quadro policial, pois em outras áreas o presidente foi extremamente
favorável aos praieiros. Quando analisarmos no próximo capítulo os lances do xadrez eleitoral
que acabou se transformando as eleições gerais daquele ano, perceberemos que a maioria
esmagadora das decisões a respeito das regras eleitorais foi em benefício deste grupo. E mesmo
não ocorrendo a inversão que tanto desejavam, os praieiros saíram-se vencedores em
praticamente todas as freguesias da capital.
Contudo, o relacionamento entre praieiros e a presidência só tendia a piorar. Até que no
dia 07 de outubro, desembarcava no Recife o novo presidente nomeado pelo gabinete, Thomaz
Xavier Garcia de Almeida. A saída de Marcelino de Brito, na visão dos conservadores do grupo
de Boa Vista, teria sido tramada pelos próprios praieiros junto ao ministério na corte.
184
Ele
passou tempo suficiente no Recife para dirigir e presenciar a luta eleitoral entre praieiros e
baronistas nas eleições primárias, ocorridas em setembro. Cabia agora ao novo presidente dirigir
os trabalhos das eleições secundárias.
As mágoas deixadas por Marcelino de Brito na liderança praieira se deve, segundo a sua
imprensa, a alguns fatores. Tão bem recebido que foi, tratou de caluniar os membros do partido
na corte, classificando-os de insignificantes. Os nomes propostos pelo chefe de polícia para
ocupar os cargos nos quadros policiais “eram de condição tão rasteira, tão despidos de
consideração e prestígio, que não era possível nomeá-los”.
185
Por isso tomou a iniciativa de pedir
ao gabinete que demitisse Antônio Afonso Ferreira. Além de atitude tão “mesquinha”, o ex-
presidente deixou-se levar pelas maquinações dos baronistas, que se fingiam de aliados seu e
182
IAHGP, Diário Novo, n
o
158, 23/07/1844.
183
“...não compreendemos pois, nem podemos explicar o procedimento, que tem tido o governo... o Exm. presidente
será o responsável pelo resultado sinistro da eleição.” IAHGP, Diário Novo, n
o
160, 26/07/1844.
184
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
224, 07/10/1844.
185
IAHGP, Diário Novo, n
o
218, 07/10/1844.
72
manobravam na corte a sua demissão, visando a nomeação de alguém de sua plena confiança. A
gota d’água teria sido a falta de uma atitude mais firme de Marcelino contra os boatos que os
conservadores espalhavam na corte a respeito do pretenso estado de anarquia em que se
encontrava a província devido aos acontecimentos envolvendo o fecha -fecha de setembro. A sua
apatia resultou na própria demissão.
As palavras finais dos praieiros em relação a Marcelino de Brito contrastam-se com a
euforia provocada pela sua chegada: “Pernambuco terá de recordar-se por muito tempo da
maneira fraca pusilânime, dúbia, para não dizer insidiosa, com que se portou o Sr. Joaquim
Marcelino, que oxalá nunca tivera sido lembrado para esta presidência. (...) dizemo-lhe os nossos
adeuses, e lhe desejamos próspera viajem para nunca mais voltar: a terra lhe seja leve.”
Para completar os pontos de vista em relação a Marcelino, resta-nos ver somente o
posicionamento de Borges da Fonseca. O Nazareno ficou mais de um mês fora de circulação,
tendo iniciado sua paralisação justamente no início da administração Marcelino de Brito. Suas
opiniões começam a surgir no início de setembro, demonstrando não ter muita simpatia por ele.
Na primeira referência chama-o de analfabeto.
186
Utiliza o seu exemplo para mostrar que o
ministério não sabe conduzir a sua política, pois desde o início sabia que ele não tinha condições
de governar Pernambuco na crise em que a província se encontrava.
187
Além disso, seu caráter
conciliador acabava por tentar agradar tanto a praieiros como a baronistas, pois “pé no mato pé
no caminho, quer a todos os partidos, a todas as facções agradar”.
188
Por fim, toma o episódio da
sua demissão para criticar a falta de compostura dos praieiros: “Ainda não era vindo o ilustre
brasileiro, e já o Diário Novo, e mais outros se ocupavam em tecer-lhe encômios - é nosso,
diziam eles, é homem de muita probidade, retidão, e direitura, e pois há de vir acabar com todos
quantos não forem praieiros... é inesperadamente mudado, já não serve, e ei-lo coberto das mais
atrozes injúrias.
189
O que Borges não contava era com a nomeação de Thomaz Xavier Garcia de Almeida
para a presidência da província. Tendo assumido o cargo no dia 9 de outubro, lança na imprensa
uma carta onde fala da honra de voltar a presidir a província e conclama os pernambucanos a
seguirem a ordem e a paz.
190
Borges será o único a criticar tal atitude do ministério de 2 de
fevereiro, pois afinal de contas Thomaz Xavier não lhe trazia boas recordações. Este havia
presidido a província em 1829, ano em que o Repúblico tinha sido preso no Recife e, após sua
libertação, iniciado os trabalhos do periódico A Abelha Pernambucana. O seu objetivo maior era
186
APEJE, O Nazareno, n
o
65, 28/09/1844.
187
APEJE, O Nazareno, n
o
68, 08/10/1844.
188
APEJE, O Nazareno, n
o
64, 19/09/1844.
189
APEJE, O Nazareno, n
o
69, 11/10/1844.
190
APEJE, O Nazareno, n
o
69, 11/10/1844.
73
lutar contra as pretensões da sociedade secreta Coluna do Trono e do Altar, dita defensora do
absolutismo e aliada de D. Pedro I. Segundo Mário Márcio, o novo jornal oposicionista por certo
recebeu apoio financeiro da sociedade Carpinteiros de São José, então adversária da Coluna.
191
Apesar de serem poucos, os “colunas” tinham um decidido apoio da corte. Desta forma, o então
presidente Thomaz Xavier manobrava em favor dos interesses deste grupo e perseguia os seus
adversários, incluindo aí Borges. O resultado desta perseguição foi a ida do Repúblico para o Rio
de Janeiro em 1830.
As palavras de recepção de Borges ao novo presidente relembram tais acontecimentos:
“S. E. o snr. Tomaz Xavier pode ser muito apropriado para
presidências, e ainda mais alguma cousa; nunca porém para a presidência
desta província, na qual sua ressurreição não pode deixar de trazer
tristíssimas recordações.
Foi mesmo conosco, quando redigíamos a Abelha Pernambucana, que
S. E. teve de lutar em 1829; DEUS não queira que igual luta abramos hoje
em 1844. Força é pois dizer a S. E. que, se ainda pretende aniquilar os
democratas; se ainda pretende dar azo à galegada, há de ter paciência de
sofrer todo o rigor de nossa oposição; franca e leal, como a conhece S. E., e
não traiçoeira, e caluniadora. Por agora nos abstemos de lançar os olhos
sobre esse passado de melancolia e horrores, esperando pela conduta do snr.
Tomaz Xavier.”
192
O ultraje maior, segundo o Nazareno, era o fato de Thomaz Xavier, além de defensor na
província dos “colunas”, ter sido o relator da comissão militar que julgou os rebeldes de 1824.
Era símbolo, portanto, da repressão monarquista aos revolucionários pernambucanos. Para
engrossar mais ainda o caldo, o ministério trazia junto com ele para ocupar o lugar de
Comandante das Armas o Sr. Seara, oficial que se ofereceu para comandar a escolta que
cumpriria a execução de Frei Caneca e capitaneou a “quadrilha” que o espingardeou.
193
Mas Borges era uma voz solitária na política pernambucana da época. Os praieiros logo
trataram de dar todo o apoio ao novo presidente e se mostrarem como seus aliados na província,
de uma forma muito parecida com a recepção a Marcelino de Brito:
“O Sr. Thomaz Xavier é magistrado ilustrado e probo, não há de tolerar as traficâncias
do trapixe...; tem pensamento e vontade sua, e não há de receber ordens de quem quer
que seja; tem energia, e há de punir os prevaricadores, os abusos e excessos das
191
SANTOS, Mário Márcio de A. op cit. p. 31-33.
192
APEJE, O Nazareno, n
o
68, 08/10/1844.
193
APEJE, O Nazareno, n
o
70, 16/12/1844.
74
autoridades... portanto devem os trapixeiros estar bem tristes e cabisbaixos... O Sr.
Thomaz Xavier é nosso aliado, segue a política atual, merece a confiança do governo,
que sustentamos, e por conseguinte estamos satisfeitíssimos com essa excelente
nomeação, e damos os parabéns à província pela aquisição de um administrador
ilustrado, probo, e enérgico, que esperamos, há de fazer a felicidade da província.”
194
Porém, o entusiasmo da Praia com Thomaz Xavier não durou muito tempo. Já no início
de novembro o Diário de Pernambuco informava que os líderes praieiros teriam ido ao Rio de
Janeiro pedir a sua demissão, pois diziam ser ele “pouco maneável”.
195
Já em dezembro a mesma
notícia volta a ser publicada pelo mesmo Diário, só que agora os praieiros pedem a demissão de
Thomaz Xavier em troca de votos na Assembléia Geral.
196
Esta proposta faz sentido, pois a essa
altura já estava clara a vitória da Praia nas eleições e a formação de uma forte bancada na
Câmara.
A razão do descontentamento da liderança praieira era o assédio dos baronistas sobre o
presidente e suas respostas positivas a eles. Isto irá se confirmar após a morte do senador por
Pernambuco, Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque. As eleições para a formação da lista
tríplice foram marcadas para o dia 26 de janeiro de 1845. Desde então começaram as
movimentações dos partidos visando a formação das chapas. O Partido da Praia formou a sua
colocando um nome indicado pelo ministério: Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e
Silva. Os outros dois nomes eram os de Antônio Joaquim de Mello e Manoel de Souza
Teixeira.
197
Sem espaço entre os praieiros, Thomaz Xavier acabou por colocar o seu nome justamente
na chapa dos baronistas, completada ainda pelo Barão da Boa Vista e seu irmão, Sebastião do
Rego Barros. Foi o estopim para os ataques da Praia contra a presidência da província.
Contrastando com os elogios da época da posse, a imprensa praieira passa a fazer referência ao
seu envolvimento com a repressão aos revolucionários de 1824 e a tratá-lo como um dos chefes
de um partido inimigo das instituições liberais.
198
As críticas passam a ser muito parecidas com a
levantadas contra Marcelino de Brito no final do seu governo:
“Quando por ocasião do Sr. Marcelino de Brito deixar a administração
desta província por haver perdido a confiança do Ministério, e assumido as
rédeas do governo o Exm. Sr. Thomaz Xavier, nos persuadimos que ele
194
IAHGP, Diário Novo, n
o
218, 07/10/1844.
195
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
245, 02/11/1844.
196
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
286, 23/12/1844.
197
IAHGP, Diário Novo, n
o
20, 25/01/1845.
198
IAHGP, Diário Novo, n
o
9, 13/01/1845.
75
representasse aqui os sentimentos políticos daquele de quem era delegado, e
então resolvidos estávamos a prestar-lhe o nosso apoio; quanto nos
enganamos!
Pouco tempo decorreu, que S. Ex. não mostrasse o que era,
continuador da política do seu antecessor, e ele se lança nos braços dos
nossos adversários, uma face pouco agradável nos apresenta, por não ver o
seu nome incluído na lista para senador do partido nacional; hei-lo pois
metido com os honorianos daqui, guerreando por conseguinte aos
candidatos do nosso lado..., ora, como queria ele que lançássemos mão de
um homem, que está com os nossos adversários, de um homem, que sendo
delegado de um governo, favorece as idéias dos seus contrários?”
199
Percebe-se nestes acontecimentos a disposição dos dois principais partidos da província
em querer atrair para si o apoio dos presidentes nomeados pelo gabinete para Pernambuco. Num
clima de total hostilidade mútua, onde os praieiros queriam tomar de assalto o poder e os
baronistas buscavam preservá-lo, os presidentes seriam decisivos na definição desta luta. A Praia
só conseguiria ver atendido o seu pedido de um presidente plenamente afinado com os seus
interesses com a chegada de Chichorro da Gama, substituindo Thomaz Xavier. Mas para que
isso fosse possível, a sua força política precisaria ser comprovada com uma vitória eleitoral, o
que aconteceu em 1844. Nosso próximo passo é justamente este, a análise das eleições gerais no
Recife, retrato do que ocorreria no restante da província.
199
IAHGP, Diário Novo, n
o
27, 03/02/1845.
4. O XADREZ ELEITORAL: PRAIEIROS E BARONISTAS LUTANDO NO
TABULEIRO DAS URNAS
Os grupos políticos aos quais nos referimos até o momento tinham diante de si a dura
tarefa do embate eleitoral. Confirmada a dissolução da Câmara, eram convocadas eleições para a
formação da bancada pernambucana que iria representar a província na nova Assembléia Geral.
Os aliados de Boa Vista e Holanda Cavalcanti eram maioria na bancada anterior, lutando agora
para manter a hegemonia no poder provincial. Os praieiros vinham no intuito de ocupar espaço
no poder e conseguir cacife junto ao gabinete liberal para negociar o seu apoio na nova Câmara.
Estes eram os dois grupos com maior chance de vitória nas eleições marcadas para setembro e
outubro daquele ano. A voz destoante com a estrutura montada pelos dois partidos era Borges da
Fonseca, que com o seu discurso republicano radical e anti-lusitano lutava com os praieiros pelo
apoio das camadas mais baixas da sociedade recifense. Percebo que tal apoio seria fundamental
para o sucesso da Praia na sua luta contra os baronistas.
Os trabalhos eleitorais daquele ano estavam divididos em três etapas. A primeira era a da
eleição de juízes de paz de algumas freguesias onde foram criados novos distritos. Ela estava
marcada para acontecer em agosto. A segunda correspondia à chamada eleição primária, onde
seriam escolhidos os eleitores para a formação do Colégio Eleitoral. Além disso, ocorreriam as
votações para os novos ocupantes dos cargos de juiz de paz e vereadores. Esta etapa aconteceria
em setembro. A última, que ocorreria um mês após as primárias, portanto em outubro, consistia
na chamada eleição secundária, na qual o Colégio Eleitoral escolhia finalmente os deputados que
representariam a província na Assembléia Geral.
A luta pelo voto se transformaria em um verdadeiro jogo de xadrez entre os oponentes,
com as suas estratégias, movimentação de peças, ataques, contra-ataques e avanços sobre o
terreno adversário. Como todo jogo, haveria um objetivo a ser alcançado e regras a serem
obedecidas. Vejamos inicialmente estes dois itens.
4.1 Regras e Objetivos: a Legislação Eleitoral e os Cargos em Disputa
Segundo o sistema eleitoral da época, havia diferentes etapas até se chegar à eleição de
deputados e senadores. De quatro em quatro anos ocorriam as eleições para vereadores e juízes
de paz, período alterado apenas quando a Câmara era dissolvida. A seguir viria a eleição dos
eleitores do Colégio Eleitoral que escolheria os deputados, chamada de eleições primárias. Um
mês depois das primárias eram realizadas as eleições em que de fato se votava para escolha dos
deputados que formariam a nova Câmara. Seriam as eleições secundárias. Como o cargo de
77
Senador era vitalício, só em caso de morte de um deles era que o Colégio escolhia um substituto.
Os votantes primários ainda elegiam, de dois em dois anos, os deputados que compunham a
Assembléia Provincial.
Em 1844 ocorreriam as chamadas eleições gerais, pois a escolha de vereadores e juízes
de paz coincidiram com a eleição para a nova Câmara. Assim, o calendário eleitoral ficou
definido da seguinte forma: em agosto seriam eleitos os juízes de paz dos distritos criados em
algumas das freguesias da capital; em setembro era a vez da eleição primária para deputados e a
escolha dos novos vereadores e juízes de paz; em outubro aconteceria a eleição secundária, onde
seriam definidos os novos deputados por Pernambuco para a Assembléia Geral.
Quanto ao processo eleitoral, ele era composto por uma série de passos que o tornavam
complexo e cheio de possibilidades de manobra para favorecer os grupos políticos que se
enfrentavam nas urnas. Em regra geral, o partido que estava no poder conseguia sair-se
vencedor. Tudo começava com a elaboração da lista dos votantes para as eleições de vereadores
e juízes de paz e para as primárias. Segundo o Ato Adicional de 1834, esta incumbência era da
junta de qualificação, formada pelo juiz de paz da freguesia, o vigário e o vereador mais votado.
A junta determinava as pessoas que estariam em condição de votar de acordo com o que
estabelecia a lei. Segundo ela, os eleitores deveriam ser os homens acima de 25 anos, que não
morassem com seus pais e que tivessem uma renda líquida de 100 mil réis anuais. As exceções
eram as seguintes: podiam votar a partir dos 21 anos os homens casados, os que recebessem
consagração religiosa ou patente de oficial militar, além dos funcionários públicos que ainda
morassem com seus pais. Mulheres e escravos não eram sequer mencionados pela lei.
Ainda segundo o Ato Adicional, a junta de qualificação era também a responsável pelo
julgamento dos recursos impetrados contra fraudes no processo de qualificação. No dia das
eleições, a mesa eleitoral era presidida pelo juiz de paz e tinha autoridade para decidir sobre a
idoneidade e identidade dos votantes.
Tais regras seriam modificadas com a Lei de Interpretação do Ato Adicional e a Reforma
do Código de Processo, aprovadas em 1840-41, e pelas instruções de 4 de maio de 1842. Elas
tiraram muito do poder dos juízes de paz, visto como símbolo do caráter descentralizador do Ato
Adicional. Em termos eleitorais, estas novas leis modificaram a formação da junta de
qualificação, sendo composta agora pelo juiz de paz, o vigário e o delegado ou subdelegado, que
era nomeado pelo governo para ocupar tal cargo. O julgamento de recursos denunciadores de
fraude também sofreu modificações. Em primeira instância, tais recursos seriam julgados pela
própria junta; em segunda, pelo Conselho Municipal, presidido pelo juiz municipal; e em terceira
78
instância, pela relação do distrito, cuja presidência cabia aos juízes de direito.
200
Percebe-se
assim como os magistrados passaram a ter papel fundamental no resultado das eleições, pessoas
estas que eram estrategicamente nomeadas pelo governo para esses cargos. Desta forma, o
gabinete no poder garantiria resultados sempre favoráveis aos seus protegidos políticos locais.
Finalmente, a mesa eleitoral passou a ter competência apenas sobre a identidade dos votantes,
deixando de se pronunciar sobre a sua idoneidade.
Sendo um processo tão importante, é preciso deter-se um pouco mais sobre esta primeira
etapa do processo eleitoral. Para um observador da época, antes de 1842 eram “a vozeria, o
alarido, o tumulto, quando não murros e cacetadas, decidiam do direito de voto dos cidadãos que
compareciam”.
201
A intenção do governo com a regulamentação da qualificação a partir daquele
ano seria a de controlar os abusos, porém “as fraudes..., a intervenção direta da autoridade
policial e outros muitos abusos anularam os resultados que porventura pudessem nutrir os
autores das instruções quanto a seus efeitos”.
202
Como a junta qualificadora reunia-se a cada ano,
havia total possibilidade da nova junta alterar toda a lista das qualificações de anos anteriores.
Sendo um processo moroso, nem sempre os partidos fiscalizavam os seus trabalhos. O resultado
era a manipulação dos interesses locais e a inclusão e exclusão de nomes conforme os interesses
políticos dos qualificadores.
A brecha para essas ações estava na própria lei, pois não havia clareza quanto à renda
legal exigida para um indivíduo possuir o direito de voto. Segundo Richard Graham, as
polêmicas em torno de quem poderia votar eram causadas principalmente pela cláusula que
regulamentava o rendimento mínimo de cada votante.
203
O valor estabelecido por lei, segundo
críticos da época, abria espaço para que quase todas as pessoas pudessem ser votantes. As
discussões também giravam em torno do que viria a ser “renda líquida”, se este termo também
abarcava os salários provenientes de empregos ou se restringia às rendas de bens de raiz e de
indústria. Mas o que importava mesmo não era quem podia votar, mas quem de fato era
qualificado como eleitor pelas juntas. Neste caso, tudo dependeria dos membros da junta de
qualificação e de suas ligações políticas. Isso fazia com que certos eleitores fossem qualificados
em determinada eleição e desqualificados nas eleições seguintes por uma outra junta.
204
A estes problemas some -se a interferência dos presidentes de província. Eles tinham o
direito legal de anular qualificações com base em qualquer pretexto, atendendo assim aos
200
MARSON, op. cit., pp. 193 e 194; SOUZA, Francisco Belisário S. de. op. cit., pp. 57-58.
201
SOUZA, Francisco Belisário S. de. op. cit., p. 25.
202
Idem, p. 25.
203
GRAHAM, Richard. Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. p.
142.
204
Sobre esta discussão, ver GRAHAM, op. cit., pp. 139-150.
79
interesses do grupo local aliado do governo e agindo em prol da vitória eleitoral do gabinete ao
qual servia. Desta forma, para os partidos políticos o sucesso em uma eleição dependia e muito
do controle da junta qualificadora e do resultado final dos seus trabalhos.
205
As eleições de 1844 foram realizadas conforme estas novas regras, principalmente as
instruções de 1842. Vale a pena chamar a atenção para a importância que a figura do
subdelegado passaria a ter no processo eleitoral, pois ele seria um dos responsáveis pela
elaboração da lista das pessoas aptas a votarem. Mas a pergunta que se coloca é a respeito de
alguns dos elementos que seriam escolhidos naquelas eleições: os membros das Câmaras
Municipais e as pessoas que ocupariam o cargo de juiz de paz nas diferentes freguesias da
Província. Mas o que estaria por trás destes cargos para tornar tão acirrada a disputa eleitoral nos
agitados dias de setembro daquele ano?
Até 1842, os vereadores podiam fazer parte da junta de qualificação dos votantes.
Juntamente com o juiz de paz e o pároco, o vereador mais votado elaborava a lista das pessoas
que estavam em condição de participar das eleições primárias. Além disso, era ele quem presidia
as assembléias eleitorais. A partir daquele ano, os conservadores aprovaram uma lei que
substituía o vereador pelo delegado ou subdelegado na junta de qualificação. Da mesma forma,
os delegados agora passariam a presidir as assembléias eleitorais no seu lugar, até uma nova lei
ser aprovada pelo gabinete liberal em 1844 e retirá-los desta função.
Fora estas mudanças de legislação, o grande valor eleitoral dos vereadores estava em dois
pontos: eram eles que controlavam os recursos do processo de qualificação e, nas cidades que
encabeçavam os distritos eleitorais, apuravam os resultados dos Colégios Eleitorais.
206
Seriam,
portanto, os membros da Câmara Municipal do Recife que contariam os votos das eleições
primárias que formariam o Colégio Eleitoral para a escolha dos deputados pernambucanos. O
domínio de certo partido sobre a Câmara poderia favorecer as fraudes na contagem de votos.
Some-se a isto o controle dos recursos que davam entrada na justiça contestando a lista dos
votantes, o que poderia servir para influenciar o aumento ou diminuição dos nomes ligados a um
dos grupos políticos envolvidos na disputa.
Apesar desta importância dos vereadores na luta eleitoral, os partidos estavam de olho
mesmo era no cargo dos juízes de paz. Na década de 1830 eles receberam amplos poderes
através das reformas liberais promovidas pelo Código Penal de 1831. De acordo com o Código,
os juízes de paz eleitos possuíam funções policiais e judiciais, sendo autorizados a prender e
interrogar pessoas, como também a julgar casos menores. Com a reforma do Código Penal de
1841, promovida pelos conservadores, grande parte dos seus poderes foi transferida para os
205
SOUZA, Francisco Belisário S. de. op. cit., p. 27.
206
GRAHAM, op. cit., p. 120. Ainda sobre o papel eleitoral dos vereadores, ver pp. 80, 117 e 140.
80
delegados e subdelegados, que passariam agora a prender suspeitos, emitir ordens de busca,
ouvir testemunhas e redigir processos.
207
Em termos eleitorais, o juiz de paz possuía papel importantíssimo. Para Graham, era ele a
“chave da eleição”.
208
Juntamente com o vigário e o delegado, o juiz de paz compunha a mesa
eleitoral e a presidia. Além de dirigir os trabalhos no dia da eleição, a mesa era incumbida de dar
a última palavra quando surgiam dúvidas sobre a identidade dos votantes que compareciam à
Igreja Matriz para votar. Testemunhas eram arroladas para comprovar a identidade do indivíduo,
estando entre elas o próprio juiz de paz, cuja palavra pesava decisivamente. Ele também era o
presidente do Colégio Eleitoral durante as eleições que indicariam os nomes dos deputados para
a Câmara. Mais importante ainda, ele ocupava a presidência da junta de qualificação que redigia
a lista dos votantes. Sua autoridade era inconteste e ali representava o papel principal do teatro
eleitoral, ocupando o lugar hierarquicamente mais elevado entre os diversos outros atores.
209
Esta importância da figura do juiz de paz no processo eleitoral é apresentada no periódico
baronista O Guararapes, editado por Nabuco de Araújo. No intuito de conscientizar seus
leitores sobre a importância da sua eleição, o editor observa: “vós não ignorais a imediata
ingerência, que a lei lhes dá na eleição dos vossos primeiros mandatários; isto é, daqueles, a
quem cometeis a escolha dos vossos Representantes: tal eleição é pois da ordem a mais
elevada”.
210
Desta forma, quando as diferentes facções políticas da Província se degladiavam naquelas
eleições, elas tinham consciência da importância dos cargos para o resultado final das urnas. O
que estava em jogo ali era o futuro político de cada uma delas; decidia-se quem sairia vitorioso
na futura eleição para deputado e, conseqüentemente, com maior poder de “persuasão” junto ao
novo gabinete liberal.
4.2 Os Primeiros Movimentos: Os Postos-Chaves Vão Sendo Ocupados
Para os interesses eleitorais em luta naquele momento o cargo muito visado era o da
Presidência da Província. Já vimos que no período eleitoral ele esteve ocupado inicialmente por
Marcelino de Brito e depois por Tomás Xavier. Destes o que esteve mais tempo envolvido com
as eleições foi o primeiro, que chegou em Pernambuco com ordens de não fazer inversões
desorganizadoras.
211
Assim, as mudanças na administração foram em número bem reduzidos. Os
207
GRAHAM, op. cit., pp. 73 e 79.
208
Idem, p. 146.
209
Sobre a visão teatral das eleições, ver GRAHAM, op. cit, pp. 139-164.
210
APEJE, O Guararapes, nº 04, 17/08/1844.
211
Sobre a administração de Marcelino de Brito, ver o capítulo 3.
81
praieiros não conseguiram ver concretizados seus desejos de inversão política na província, mas
foram contemplados com alguns cargos.
Partindo desta constatação, percebe-se que a preocupação agora estava na ocupação de
cargos que interferissem diretamente nos resultados eleitorais. Destes, o que mais nos interessa
aqui são os de polícia e de juizado de paz. Vejamos, portanto, como praieiros e baronistas se
dividiam nestes cargos na capital. É bom lembrar que o grupo de Borges da Fonseca não tinha
participação na administração, o que se explica pelo seu oposicionismo a qualquer dos grupos
que estivesse no poder e pelo seu ideal republicano. Vez por outra encontraremos o Repúblico
defendendo e apoiando algumas pessoas que ocupavam tais cargos, mas isto não significa que
elas cerrassem fileiras junto a ele.
Analisemos inicialmente os cargos policiais. Como já foi visto, Marcelino de Brito não
promoveu muitas modificações nesta área da administração. A mais importante talvez tenha sido
a troca do baronista Manoel Vieira Tosta pelo praieiro Antônio Afonso Ferreira no cargo de
chefe de polícia da província.
212
Era a primeira vitória dos praieiros na luta pela ocupação de
espaço na administração provincial, mas ela não foi completa. As ações do novo chefe eram
limitadas no seu raio de ação pela presença de figuras ligadas a Boa Vista tanto no corpo policial
como nas subdelegacias. No comando do corpo de polícia estava o Tenente-Coronel Pedro
Alexandrino de Barros, que segundo os praieiros era um dos principais cabos eleitorais do
Barão.
213
Além dele existiam outros oficiais baronistas, como Antônio Carlos de Pinho Borges e
os que são chamados apenas por Barbalho, Major Bezerra e Severino.
214
Esse quadro dúbio se completa quando se levantam os nomes de outros integrantes da
polícia. O delegado do 1º distrito do Recife era o baronista Joaquim José da Fonseca, substituído
em julho pelo praieiro Candido Autran da Mata e Albuquerque.
215
Os subdelegados das
principais freguesias da capital estavam distribuídos da seguinte forma: na do Recife o titular era
o baronista Francisco Mamede de Almeida; na de Santo Antônio estava o também baronista
Domingos Afonso Néri Ferreira; em São José era Manoel Camello Pessoa, praieiro; na Boa Vista
estava o baronista Antônio Carlos de Pinho Borges; e em Afogados, Manoel Joaquim do Rego e
Albuquerque Mello, a princípio tido pelos praieiros como um aliado.
216
Tal composição não agradava a Praia, que denunciava nos seus jornais a difícil situação
em que a política de Marcelino de Brito havia colocado a província: “Um partido estava somente
montado e de posse de todos os meios de força e ação. S. Exa. entendeu ser imparcialidade armar
212
APEJE, Diário de Pernambuco, n
os
148 e 153, 04/07 e 10/07/1844.
213
IAHGP, Diário Novo, n
o
192, 05/09/1844.
214
IAHGP, Diário Novo, n
o
160, 26/07/1844; n
o
187, 30/08/1844.
215
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
162, 19/07/1844; n
o
163, 20/07/1844.
216
IAHGP, Diário Novo, n
o
192, 05/09/1844; n
o
191, 04/09/1844.
82
também o outro, armou-o, isto é, habilitou a ambos para brigarem!”
217
O que o partido queria era
a eliminação dos baronistas de todos os cargos ligados à polícia, colocando em seus lugares
pessoas da sua confiança. Como o presidente provincial não atendia a estes anseios, os praieiros
começaram a elevar o tom de suas críticas (ver capítulo 3). Em uma delas o Diário Novo mostra
como estavam difíceis as relações entre a chefia de polícia e seus subordinados, ligados a Boa
Vista:
“O chefe de polícia quase não tem ação; os oficiais do corpo policial são seus
inimigos figadais, os subdelegados igualmente o são; mesmo os seus
ordenanças não lhe podem inspirar confiança, porque são subordinados aos
seus oficiais, e até podem ser outros tantos espiões, encarregados de vigiar e
denunciar todos os seus passos... Foram demitidos alguns delegados, e os
novamente nomeados tem pedido a demissão de alguns subdelegados, em que
não tem confiança os quais não tem sido demitidos... Não podem as coisas
marchar por semelhante maneira, e nos consta que alguns dos novos
delegados pretendem pedir suas demissões, não sendo demitidos alguns
subdelegados.”
218
O equilíbrio de forças entre praieiros e baronistas acabava quando a questão era o juizado
de paz. Até agosto de 1844 a Praia estava em ampla vantagem em relação aos seus adversários
conservadores. O partido tinha o controle sobre a freguesia do Recife, de Santo Antônio, Boa
Vista e Afogados, com os Srs. Japiassu, Joaquim Bernardo de Figueiredo, Antônio Carneiro
Machado Rios e Manoel Joaquim do Rego e Albuquerque, respectivamente.
219
Sobre este último
vale salientar que até então era tido como aliado dos praieiros, mas que durante as eleições
ocorrerão problemas que os colocarão em lados opostos. Deste conflito surgirão os eventos que
darão margem ao fecha-fecha da quele ano.
Nestas freguesias os baronistas ocupavam apenas as suplências. Sendo um cargo de
fundamental importância para as pretensões eleitorais, eles não poderiam se dar ao luxo de
abandonar o campo de batalha aos seus adversários da Praia. Assim, a luta eleitoral começaria
mesmo antes das eleições, ainda quando não se tinha certeza da convocação das eleições gerais
daquele ano. A certeza existia apenas em torno das eleições para a renovação dos juízes de paz e
da Câmara Municipal, cujos mandatos se encerrariam no final do ano. A má sorte dos baronistas
217
IAHGP, Diário Novo, n
o
190, 03/09/1844.
218
IAHGP, Diário Novo, n
o
163, 30/07/1844.
219
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
202, 10/09/1844; APEJE, O Guararapes, n
o
11, 06/09/1844; APEJE, Diário de
Pernambuco, n
o
174, 05/08/1844; IAHGP, Diário Novo, n
o
162, 29/07/1844; IAHGP, Diário Novo, n
o
192,
05/09/1844.
83
se deveu ao fato de que a eleição para deputados gerais coincidiu com um momento em que eles
não detinham o controle sobre os juizados de paz das principais freguesias da capital.
Para reverter esta situação os conservadores ligados a Boa Vista fizeram inicialmente
uma manobra junto à Assembléia Provincial para dividir a maior freguesia da capital: a de Santo
Antônio. O projeto de divisão foi apresentado pelo então deputado provincial Nabuco de Araújo
e aprovado pela Assembléia, passando a existir na área da antiga ilha de Antônio Vaz uma nova
freguesia, a de São José do Ribamar. O decreto foi aprovado no dia 23 de março e publicado
como sendo a lei provincial nº 133, de 2 de maio de 1844, tendo sido sancionada pelo vice-
presidente Pedro Francisco de Paula Cavalcanti d’Albuquerque.
220
Para os praieiros era clara a intenção dos baronistas em tirar proveito eleitoral desta
divisão. O objetivo era enfraquecer a influência de párocos que não se submetiam à vontade do
grupo baronista e também atingir o poder de algum juiz de paz adversário na freguesia em que se
promovia a divisão. Desta forma a Assembléia Provincial estava agindo no sentido de “preparar
o campo eleitoral” em favor de Boa Vista.
221
Englobando agora uma freguesia, São José precisaria de uma autoridade policial e de um
juiz de paz. Para infelicidade dos baronistas, o subdelegado nomeado foi um praieiro, Manoel
Camello Pessoa.
222
Mas o interesse maior e que exigiu maior empenho dos conservadores estava
no cargo de juiz de paz. Ele precisaria ser eleito, e isto significava que o sucesso nas urnas iria
depender de quem presidisse o processo eleitoral na nova freguesia. A data da eleição foi
marcada para o dia 4 de agosto, sendo que o juiz de paz eleito encerraria o seu mandato junto
com os demais e com os vereadores da Câmara Municipal, ou seja, no final daquele mesmo
ano.
223
No entanto, a importância do cargo estava no fato de que o indivíduo que o ocupasse iria
presidir a votação das eleições gerais que ocorreriam em setembro e outubro naquela região do
Recife.
Os baronistas trataram logo de procurar determinar a pessoa que deveria presidir a eleição
em São José. Por meio da Câmara Municipal, a qual também dominavam, indicaram o vereador
Luiz Francisco de Mello Cavalcanti. Tal atitude foi barrada por uma decisão do então presidente
da província Marcelino de Brito. Para ele, quem deveria presidir a mesa era o juiz de paz titular
de Santo Antônio, freguesia que fora desmembrada para fazer surgir a de São José. O problema
passava ser saber quem era o juiz de paz titular. O último que havia sido eleito era o praieiro
Joaquim Bernardo de Figueiredo, mas para os baronistas ele havia renunciado ao cargo há muito
220
IAHGP, Diário Novo, n
o
151, 15/07/1844; DPH, Diário de Pernambuco, n
os
72 e 121, 27/03 e 25/05/1844;
APEJE, Coleção Câmaras Municipais, vol. 22, 22/05/1844, p. 48.
221
IAHGP, Diário Novo, n
o
85, 17/04/1844.
222
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
168, 29/07/1844.
223
IAHGP, Diário Novo, n
o
151, 15/07/1844.
84
tempo. Assim, caberia ao primeiro suplente presidir a eleição, que era justamente o baronista
Domingos Affonso Néri Ferreira. Para o infortúnio dos conservadores, Bernardo de Figueiredo
reivindicou sua posição de juiz de paz titular e acabou presidindo a eleição.
224
Com o comando da sub-delegacia e da mesa paroquial, os praieiros dificilmente iriam
perder aquela primeira eleição em São José. Os fatos que se seguiram são um retrato do que
ocorreria durante os demais pleitos eleitorais daquele ano. Vejamos a descrição segundo o ponto
de vista dos praieiros:
“Pelas 8 horas da manhã apresentou-se na Igreja o juiz de paz efetivo o
Sr. Joaquim Bernardo de Figueredo, e em proporção vinham comparecendo
os habitantes da freguesia, de todos os credos e condições, começando o ato
da formação da mesa depois das 11 horas porque o pároco ou de moto
próprio, ou de encomenda deixou-se ficar em casa, o que deu lugar a oficiar-
se a S. Ex.; sendo propostos os Srs. desembargador Peixoto, Dr. Vilella,
coronel Burlamaqui, e Francisco Serafico, que foram aceitos sem o menor
sinal de reprovação, estando já então a Igreja apinhada de povo, que entrou
logo a votar livremente. Depois entendendo a mesa que já havia suficiente
tempo para todos entregarem suas cédulas, e que a continuação da recepção
podia dar lugar ao abuso de se repetirem os votos, acordou em se fechar a
urna, e passar-se à apuração...
É verdade que depois de assim ser excluído pela mesa
começaram a aparecer alguns condutores de maços de listas assinadas, e
com nomes imaginários, e também os soldados da Guarda Nacional
destacada, em regular formatura com seu major e capitão a frente, e depois
de policiais, cujos votos forçados não foram recebidos em conseqüência
daquela deliberação da mesa. Mas por ventura é novo esse procedimento da
mesa, é ilegal? Não é assim que se tem procedido sempre, e que procederam
os senhores João Arcenio Barbosa no tempo da presidência do Sr. Manoel
Zeferino dos Santos, e ainda em 1840 o Sr. Nery Ferreira? De que outro
arbítrio se poderia prevalecer a mesa para impedir a repetição dos votos?”
225
Percebe-se nesta descrição o poder que tinha a mesa paroquial para beneficiar o grupo ao
qual estavam ligados seus membros. A determinação do horário em que foi encerrada a eleição
impediu que eleitores baronistas depositassem nas urnas os seus votos. Observa-se também como
224
IAHGP, Diário Novo, n
os
169 e 170, 06/08 e 07/08/1844; APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
174, 05/08/1844.
225
IAHGP, Diário Novo, n
o
169, 06/08/1844.
85
as posições de comando na Guarda Nacional e em outros postos militares eram importantes, pois
os comandados que tinham direito a voto procuravam seguir, muitas vezes debaixo de coação, a
orientação política dos seus comandantes.
Aquela primeira batalha para os baronistas estava perdida, restando a eles o protesto nas
páginas de seus jornais. O interessante desta outra versão é que se inclui mais um elemento que
fará parte do processo eleitoral daquele ano. O Diário de Pernambuco dirá que a Igreja onde foi
realizada a eleição ficou cheia dos partidários do Diário Novo, vindos de todas as freguesias da
cidade e comandados por Nunes Machado. Esta multidão acabou forçando a formação da mesa
apenas por praieiros e permitindo que fossem “recebidas as listas que lhes convinham, sem
ordem, sem regularidade, sem se proceder à chamada, sem se examinar se estavam assinadas, se
os signatários estavam no caso de votar, enfim em completa anarquia”. A “gritaria, a assuada e
insultos” promovidos pelos praieiros afastavam do local os “mais tímidos” e forçaram o término
antecipado da votação, “excluindo da urna a quase totalidade dos habitantes da freguesia”.
226
Ainda segundo o Diário de Pernambuco, uma representação foi enviada ao presidente da
província denunciando os acontecimentos daquela eleição, eivada de atitudes ilícitas por parte da
mesa e da multidão de partidários da Praia. Segundo o documento, “indivíduos rodearam a mesa,
cerraram-se para impedir o acesso dos moradores da freguesia, encheram a urna de maços e
maços de cédulas; e quando ficou ela pejada, deu-se por findo o recebimento que durou 10
minutos, sendo que às 10h da manhã estava esse ato acabado, e foram repelidos e escarnecidos
os suplicantes e a maioria dos moradores da freguesia”.
227
Esta eleição em São José encaixa-se perfeitamente na tese levantada pelo deputado
Francisco Belisário, onde para um partido vencer as eleições era preciso ter a maioria da mesa
eleitoral, “intrépida, resoluta”, e contar com o apoio de uma multidão “vociferadora e disposta a
todos os desacatos”.
228
É bom percebermos um detalhe: aquela multidão era formada, segundo o
relato dos jornais, por pessoas de outras freguesias e que, portanto, não tinham direito ao voto.
Mesmo assim, contribuíram para o resultado final das eleições. Evidencia-se a participação
popular no processo eleitoral, mesmo que de forma extra-legal. O que discutiremos mais adiante
é o que motivava naquele momento tal participação a favor do Partido Praieiro.
O resultado final da eleição em São José foi amplamente favorável aos praieiros, que
conseguiram eleger o juiz de paz titular e o efetivo. A diferença de votos entre os candidatos da
Praia e os baronistas também foi significativa, ficando a sua distribuição da seguinte forma:
229
226
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
174, 05/08/1844.
227
Idem, ibdem.
228
SOUZA, Francisco Belisário S. de. op. cit., p. 29.
229
IAHGP, Diário Novo, n
o
169, 06/08/1844.
86
1º. Dr. Joaquim Vilella de Castro Tavares 747 votos (praieiro)
2º. Antônio Ferreira d’Anunciação 701 votos (praieiro)
3º. Manoel José Teixeira Bastos 125 votos (fração do partido liberal)
4º. Joaquim Maria de Carvalho 91 votos (fração do partido liberal)
5º. João Arsenio Barbosa 79 votos (baronista)
6º. Francisco Baptista de Almeida 34 votos (baronista)
A primeira manobra do grupo político de Rego Barros fracassou, resultando na conquista
por parte dos praieiros de mais uma freguesia importante da capital. Mas os baronistas ainda
tinham outros trunfos e continuaram a movimentar suas peças no sentido de tentar anular o
predomínio praieiro sobre os juizados de paz da capital.
Evocando a lei provincial nº 134 de 2 de março daquele ano, a Câmara Municipal
resolveu dividir as freguesias da capital, com exceção de São José, “em tantos distritos, quantos
entendeu necessários para o bom andamento da justiça e comodidade pública”.
230
Isto aconteceu
na sessão extraordinária do dia 10 de julho, ficando a divisão da seguinte forma: Santo Antônio,
dois distritos; São Frei Pedro Gonçalves (Recife), dois distritos; Boa Vista, três distritos; Santo
Amaro de Jaboatão, dois distritos; São Lourenço da Mata, dois distritos; Poço da Panela, dois
distritos; Afogados, três distritos.
231
Para os praieiros este novo plano dos baronistas foi pensado e elaborado por Nabuco de
Araújo na Assembléia Provincial, sendo ele o único elemento daquele partido que tinha
capacidade para planejar tal manobra.
232
Percebendo isto a Praia resolveu de imediato protestar e
denunciá-la nos seus jornais, apontando as conseqüências eleitorais que ela traria:
“A câmara municipal desta cidade, tem dado gostos dos manejos eleitorais.
Dividiu todas as freguesias em tantos distritos, quantos lhes pareceram
‘convenientes’, fazendo divisões tortuosas, desiguais, e menos conformes à
comodidade dos povos; e todas essas divisões deram em resultado ficarem
os juízes de paz atuais, com que não contavam os reorganizadores, fora da
presidência das mesas paroquiais, o que mostra visivelmente o espírito que
dirigiu a nossa ‘modista’ câmara.”
233
Para exemplificar o que a decisão da Câmara faria nas freguesias, foi levantado o caso do
praieiro Antônio Carneiro Machado Rios. Sendo juiz de paz do 1º distrito e morador da Rua
Velha, com a nova divisão ele passaria a residir no 2º distrito e isso faria surgir a necessidade de
230
APEJE, Coleção Câmaras Municipais, vol. 22, 13/07/1844, p. 72.
231
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
180, 15/08/1844.
232
IAHGP, Diário Novo, n
o
187, 30/08/1844.
233
IAHGP, Diário Novo, n
o
162, 29/07/1844.
87
se eleger um juiz de paz para o 1º distrito. Como era o juiz de paz deste distrito que presidia a
mesa paroquial nas eleições, os praieiros estariam correndo o risco de perderem o controle sobre
as eleições das freguesias em que dominavam.
234
Apesar de todo protesto e da representação que
a Praia levou a Marcelino de Brito, o presidente da província confirmou a decisão da Câmara
Municipal e ainda determinou o seguinte: os juízes de paz de então deveriam terminar o seu
mandato (que iria até o final daquele ano) nos distritos em que residiam; novos juízes de paz
deveriam ser eleitos nos distritos que os não possuíam e estes encerrariam o seu mandato junto
com os dos vereadores daquela legislatura (que também se encerraria no final do ano).
235
Na visão dos praieiros os juízes de paz das freguesias em que foram criados novos
distritos tinham o direito de escolher em que distrito morar e exercer suas funções, pois eles
haviam sido eleitos antes das modificações feitas pela Câmara Municipal. Já para esta, eles
deveriam ficar atuando apenas no distrito onde residiam no momento daquelas mudanças.
236
Diante do impasse e de uma petição feita por Antônio Carneiro Machado Rios, o presidente
Marcelino de Brito resolveu determinar que fossem realizadas novas eleições para juízes de paz
em todos os distritos criados com a divisão promovida pela Câmara. Isso seria uma vitória para
os baronistas se não fosse o complemento desta decisão da presidência: em cada freguesia
haveria uma única mesa paroquial para a eleição e ela seria presidida pelos atuais juízes de
paz.
237
Em outras palavras, a estrutura dos juizados de paz seria alterada, porém os praieiros
teriam o controle do processo eleitoral com os seus aliados que ocupavam estes postos nas
principais freguesias da capital.
Estabelecida a data da eleição para 18 de agosto, os partidos trataram de iniciar suas
manobras eleitorais. A Praia distribuiu seus candidatos para algumas freguesias da seguinte
forma:
238
1º distrito de Santo Antônio
Manoel Antônio Viegas
Antônio da Costa Rego Monteiro
2º distrito de Santo Antônio
Joaquim Bernardo de Figueredo
Feliciano Joaquim dos Santos
1º distrito da Boa Vista
Ten.-Cor. Antônio Carneiro Machado Rios
Clorindo Ferreira Catão
234
Idem, ibdem. O juiz de paz a quem cabia as tarefas eleitorais era o do distrito onde estivesse localizada a matriz
da freguesia. Pela importância que os partidos deram aos primeiros distritos, pressupõe-se que eles tinham tal
prerrogativa. Sobre o assunto, ver SOUZA, Francisco Belisário de. op. cit. p. 39.
235
IAHGP, Coleção Ofício da Presidência da Província à Câmara Municipal do Recife, 1843-1845, 17/07/1844.
236
IAHGP, Diário Novo, n
o
162, 29/07/1844.
237
IAHGP, Coleção Ofício da Presidência da Província à Câmara Municipal do Recife, 1843-1845, 01/08 e
06/08/1844.
238
IAHGP, Diário Novo, n
os
176 e 179, 16 e 20/08/1844.
88
2º distrito da Boa Vista
Ten.-Cor. Antônio Germano Cavalcanti
José Antônio dos Santos e Silva
3º distrito da Boa Vista
Joaquim José da Costa
Joaquim Carneiro Machado Rios
1º distrito do Recife Ignácio Antônio Borges
Percebe-se que a Boa Vista era o reduto dos irmãos Machado Rios, sendo um dos centros
de arregimentação dos componentes das manifestações populares que estas eleições iriam
testemunhar e um dos locais que mais problemas iriam enfrentar com o processo eleitoral. Ainda
sobre as chapas praieiras, os baronistas fizeram alguns comentários sobre os dois candidatos
adversários do 1º distrito de Santo Antônio. Segundo O Guararapes, os dois são “rapazes de
pulso em todo o sentido e dignos na verdade da escolha da pandilha”. Acusa o Viegas de querer
apenas se aproveitar do “ossinho” que é o cargo, enquanto que o “Costinha” quer juntar o novo
ofício ao de cônsul de “uma terra de cujos habitantes ainda não veio nem virá tão cedo um só a
esta província”. O que os motivava mesmo eram as promessas dos chefes praieiros em troca da
fidelidade caso fossem eleitos.
239
Dos conservadores pudemos levantar alguns nomes que iriam concorrer em Santo
Antônio e na Boa Vista, ficando assim distribuídos:
240
1º distrito de Santo Antônio
Ten.-Cor. Domingos Afonso Néri Ferreira
Casemiro de Sena Madureira
1º distrito da Boa Vista
Francisco Ignacio de Athayde
Bernardo José Martins Pereira
2º distrito da Boa Vista
Manoel Luiz Viraens
José Maria Freire Gameiro
1º distrito do Recife Francisco Mamede de Almeida
Destes candidatos, o mais visado pelas críticas da Praia era o Néri Ferreira. Ele ocupava o
cargo de tesoureiro da fazenda, era comandante do batalhão da Guarda Nacional da freguesia de
Santo Antônio, vereador (“lugar que não exerce por falta de tempo”), subdelegado e juiz de paz.
Perguntavam os praieiros para que ele queria concorrer a mais um cargo, se os que ocupava já
tomavam todo o seu tempo? Concluíam que o objetivo era meramente eleitoral.
241
Este objetivo,
na verdade, não deixava de ser também dos próprios praieiros.
239
APEJE, O Guararapes, n
o
02, 10/08/1844.
240
IAHGP, Diário Novo, n
os
175 e 184, 14 e 27/08/1844.
241
IAHGP, Diário Novo, n
o
175, 14/08/1844.
89
O clima anterior à eleição foi tomado por acusações mútuas. Os praieiros acusavam os
baronistas de prepararem uma caixinha para compra de votos.
242
Estes denunciavam a atuação do
então juiz de direito Nunes Machado, que andava pelas tendas dos marceneiros, sapateiros e
alfaiates em busca de assinaturas para cédulas de votação, além de agir em favor dos taberneiros
da Boa Vista com o fim de obter votos para o seu candidato naquela freguesia, Antônio Carneiro
Machado Rios.
243
Diziam-se admirados da forma como o chefe de polícia Antônio Afonso
Ferreira atacava o seu primo Domingos Néri Ferreira, subdelegado de Santo Antônio e ligado
aos conservadores, desprezando os laços familiares e atendo-se apenas aos interesses políticos.
Por fim, O Guararapes fazia um alerta dirigido por um escritor que se identificava como “Um
Neto de Henrique Dias” aos de sua “laia, que não saímos eleitores e não podemos ser
deputados”, aos jornaleiros “filhos de Deus e da Virgem Maria”, contra a forma dos praieiros
fazerem polí tica e o risco que aquela classe corria com a subida ao poder do praierismo.
244
Quando o dia 18 chegou, os principais confrontos entre praieiros e baronistas ocorreram
nas freguesias da Boa Vista e de Santo Antônio. Naquela houve a tentativa de assassinato do
presidente da mesa paroquial, Antônio Carneiro Machado Rios. Segundo o Diário Novo, o
sargento d’Artilharia Manoel Gonçalves Sobreira adentrou à matriz armado de uma bengala de
estoque e esperando o momento certo de agir. Descoberto por populares evadiu-se e foi
perseguido pelo povo, escondendo-se na casa do major João Pedro de Araújo Aguiar. Quando ali
a polícia chegou, o sargento havia escapado pelo quintal montado num cavalo do major. Os
praieiros desconfiaram da atuação do inspetor de quarteirão João Evangelista Belo, que tudo
presenciou e deixou o sargento Sobreira escapar. Chamam a atenção ainda para o fato do
inspetor ser homem de confiança do subdelegado da freguesia Pinho Borges. Concluem, assim,
ser este fato uma demonstração de como os baronistas planejam acabar com os seus
adversários.
245
Mas para a imprensa baronista os praieiros estavam desvirtuando o que de fato
acontecera. O sargento cometeu o crime de entrar armado na igreja, mas para daí imaginar que
ele iria assassinar Antônio Carneiro em plena luz do dia era muita “pretensão”.
246
O que para
eles importava era o fato de como a eleição estava sendo conduzida por aquele juiz de paz e pelo
seu grupo. O próprio Antônio Carneiro havia sido visto numa loja de ferragem da Rua Nova
comprando quarenta navalhas de mola, do tipo que abertas se transformam em “verdadeiros
punhais”. Elas poderiam ter sido distribuídas para os membros do seu grupo utilizarem como
242
Idem, ibdem.
243
APEJE, O Guararapes, n
os
04 e 05, 17 e 21/08/1844.
244
APEJE, O Guararapes, n
o
03, 14/08/1844.
245
IAHGP, Diário Novo, n
os
180 e 181, 21 e 22/08/1844.
246
APEJE, O Guararapes, n
o
06, 23/08/1844.
90
arma no dia da eleição.
247
Neste dia o que ocorreu na matriz da Boa Vista foi uma “verdadeira
saturnal”. O subdelegado Pinho Borges foi desrespeitado e desacatado, a disciplina militar foi
quebrada e o tumulto foi geral. Um oficial chegou a levantar a mão contra um superior diante do
seu comandante e dos seus soldados. “Os insultos choviam sobre qualquer que não era do Sr.
Juiz de Paz, e indivíduos preparados de propósito para esse fim, e açulados por outros, sem
respeito a nenhuma consideração, estavam prontos a lançar-se furiosos contra todo o cidadão
honesto, que não partilhava os sentimentos de seus mandantes.”
248
Em Santo Antônio ocorreu, segundo os baronistas, uma série de irregularidades no
processo eleitoral. A mesa foi composta pelo juiz de paz praieiro Joaquim Bernardo de
Figueiredo, mais os senhores Urbano Sabino, Sousa Teixeira e Sá Barreto. Imediatamente o
presidente nomeou Urbano Sabino como um dos escrutadores contra a vontade dos baronistas.
Além disso, a lista dos votantes que ele utilizou foi elaborada por ele e por outras lideranças da
Praia. O resultado foi que inúmeros votantes ligados ao grupo do Barão ficaram de fora e
impedidos de votar. Pessoas como o próprio Domingos Néri Ferreira, candidato a juiz de paz,
Dr. Fulgêncio, secretário da Câmara Municipal, Gustavo José do Rego e Soares de Macedo não
tinham seus nomes incluídos na lista e perderam assim o direito de participar da votação.
249
O Diário Novo destaca a atuação de oficiais do corpo de polícia ligados aos baronistas no
dia da eleição em Santo Antônio. Na manhã deste dia eles começaram a capitanear soldados na
matriz “para os acompanharem em todos os excessos e movimentos anárquicos, que eles
julgassem conveniente empregar”. No momento em que o juiz de paz escolheu os dois
escrutinadores, o próprio comandante do corpo, Pedro Alexandrino, “foi o primeiro que rompeu
em gritos descompassados e tumultuários, imitado pelos seus oficiais e soldados, que, a um sinal
ajustado, sacudiam os bonés para o ar, davam foras, e atordoavam o templo com uma vozeria
diabólica”.
250
O conflito entre os dois grupos tornou-se acirrado, com gritos e insultos de parte a
parte, com os seus integrantes quase chegando às vias de fato e à troca de agressões físicas.
Tamanho foi o tumulto provocado por aqueles oficiais que o chefe de polícia achou por bem
postar uma força policial no pátio da matriz para o caso de uma eventual briga entre os partidos.
O que se destaca de todos estes eventos durante a primeira etapa do processo eleitoral
daquele ano é a forma de participação das forças militares. Há uma clara ligação entre a
oficialidade e os partidos políticos. Na Boa Vista o Corpo de Artilharia, através do seu
comandante Fernando Luiz Ferreira, atuou em favor dos praieiros. Segundo O Guararapes, no
247
APEJE, O Guararapes, n
o
04, 17/08/1844.
248
APEJE, O Guararapes, n
o
05, 21/08/1844.
249
Idem, ibdem.
250
IAHGP, Diário Novo, n
o
184, 27/08/1844.
91
dia da eleição foram distribuídas chapas pelos sargentos para todos os soldados que votavam,
sendo elas em favor de Antônio Carneiro. Os oficiais Pedro Ivo e Pedro Afonso se postaram na
porta da matriz para revistar todos os soldados que por ali passavam e tomar as chapas que não
fossem as “oficiais”. Na mesa paroquial o comandante fiscalizava que chapa era depositada na
urna e “desgraçado do soldado d’Artilharia que não desse lista amarela com o Sr. Carneiro!”
251
Na freguesia de Santo Antônio ocorreu justamente o contrário. Os soldados da Cavalaria e do
corpo de polícia foram impedidos de votar, sendo que seus comandantes eram pessoas ligadas
aos baronistas. O juiz de paz presidente da mesa, Joaquim Bernardo, acatou argumento de Nunes
Machado e fez todas as manobras para que eles não votassem. O que o líder praieiro dizia era
que os soldados não eram livres e votariam forçadamente em quem os seus superiores
indicassem.
252
O resultado das urnas não poderia ter sido melhor para os praieiros. Venceram nas quatro
principais freguesias da capital. No primeiro distrito de São Frei Pedro Gonçalves (Recife), foi
eleito o praieiro Ignácio Antônio Borges com 217 votos, contra 190 do baronista Francisco
Mamede de Almeida. Em Santo Antônio, para o primeiro distrito foi eleito Manoel Antônio
Viegas com 472 votos, sendo seu suplente Antônio da Costa Rego Monteiro (448 votos). Os
baronistas Néri Ferreira e Sena Madureira tiveram, respectivamente, 183 e 143 votos. Na Boa
Vista a Praia venceu nos três distritos, sendo que no primeiro Antônio Carneiro Machado Rios
obteve 629 votos e seu suplente, Clorindo Ferreira Catão, 549. Outro dos irmãos Machado Rios,
Joaquim Carneiro, foi eleito no terceiro distrito.
253
Em São José o praieiro Joaquim Vilella de
Castro Tavares já havia sido eleito anteriormente.
Com isso, os praieiros dominavam um dos principais postos para o sucesso na eleição
primária e para abrir caminho rumo à formação de uma bancada expressiva na Câmara. As
maiores e mais importantes freguesias da capital estavam sob o seu domínio, fortalecendo sua
posição política para enfrentar os baronistas na próxima etapa eleitoral.
4.3 O Começo do Confronto: A Eleição de Juízes de Paz e Vereadores
O período eleitoral que abarcava o mês de setembro já era conhecido pelos tumultos que
provocava devido à disputa entre os partidos. Nabuco de Araújo, no seu periódico O Lidador, já
qualificava estes dias como sendo “aziagos, tenebrosos e perigosos”. Complementava lastimando
o efeito que as eleições tinham sobre a vida da cidade: “A necessidade de fazer-se uma eleição é
sempre uma calamidade. Ninguém ignora que atualmente uma ordem para eleição equivale a um
251
APEJE, O Guararapes, n
o
05, 21/08/1844.
252
Idem, ibdem.
253
IAHGP, Diário Novo, n
os
179 e 184, 20 e 27/08/1844.
92
rebate tocado no meio da população, e a cujo estridor se agitam, se exacerbam as paixões
violentas dos partidos, resultando quase sempre que o campo eleitoral se torne em teatro de
guerra, em campo de carnagem!”
254
Este clima prenunciava os eventos que iriam ocorrer nas eleições que indicariam os novos
juízes de paz e vereadores. O Diário de Pernambuco nos primeiros dias de setembro, mês em
que ocorria o pleito, criticava as declarações de Francisco Borges Mendes, um dos mais ativos
praieiros naquele momento, em que prometia ir armado para a matriz de São José e a primeira
facada seria desferida contra um homem não identificado pelo jornal. O mesmo jornal dava conta
de boatos que corriam pela cidade a respeito de um levante tramado para aquele mesmo dia,
sendo que agentes praieiros tentavam seduzir as praças do batalhão da Boa Vista e do corpo de
polícia para a sedição. Diante disto, pede para que o presidente da província dispersasse a
marcha em comemoração à Independência.
255
As provocações eram feitas de lado a lado. Um rapaz ligado aos baronistas, Augusto
Frederico d’Oliveira, andou gritando pelas ruas que o “partido liberal” era composto de “cabras e
negros”. Para os praieiros, os baronistas estavam comprando votos na freguesia do Recife a 5 e
10 mil réis; em São José e na Boa Vista havia portugueses vendilhões pedindo aos fregueses
assinaturas a troco de dez tostões. Já para estes, eram os praieiros que estavam a oferecer de 1 a 5
réis por assinatura em um batalhão da Guarda Nacional e a muitos outros cidadãos. Até mesmo
Borges da Fonseca, cujo jornal havia passado um tempo sem circular devido à mudança da
tipografia de Nazaré da Mata para o Recife, engrossava as acusações contra os praieiros
denunciando a formação de uma “bolsa” de 1 conto e 500 mil réis para a compra de votos.
256
Esta questão da compra de votos nos remete a uma análise sobre os votantes primários. A
descrição que um contemporâneo faz deste grupo não é das mais elogiáveis. Diz ele que o
votante pertencia à “turba multa, ignorante, desconhecida e dependente”. Normalmente era
analfabeto, não lia jornais e não freqüentava “clubes”. Era ignorante politicamente e sobre o
assunto só sabia que o seu voto pertencia ao “Sr. Fulano” por dependência ou porque ele o
compraria por um preço mais alto. O votante das freguesias urbanas se diferenciava das rurais
pelo fato de ser mais “repugnante, venal e corrompido”. Alguns eram mais dependentes,
enquanto outros possuíam maior liberdade. “Os votantes da categoria livre têm a liberdade de
vender o voto como e a quem lhes apraz”.
257
254
O Lidador, 10/04/1845, p. 1. Citado por MARSON, Izabel A. Movimento Praieiro (1842-1849) Imprensa,
Ideologia e Poder Político. São Paulo: Editora Moderna, 1980. p. 59.
255
APEJE, Diário de Pernambuco, n
os
197 e 199, 04 e 06/09/1844.
256
IAHGP, Diário Novo, n
os
186 e 192, 29/08 e 05/09/1844; APEJE, O Guararapes, n
o
11, 06/09/1844; APEJE, O
Nazareno, n
o
58, 03/09/1844.
257
SOUZA, Francisco Belisário de. op. cit. p. 34.
93
A busca pelo apoio popular foi uma tônica neste período, principalmente do lado praieiro
e de Borges da Fonseca. O Guararapes mostrava-se preocupado com a tática de incitar os
“pobres proletários contra os homens abastados de todas as classes”. Usava-se o “perigoso”
expediente de promover a discórdia através da “diferença de cor”. Os “agitadores” procuram
mostrar aos “concidadãos pretos e pardos” que os seus direitos não são reconhecidos, seduzindo-
os a “deixarem os seus trabalhos para tomarem parte ativa nas discussões políticas”. Em troca do
apoio que lhes prestarem, eles recebem a promessa de bens e de respeito aos seus direitos. O
jornal irá reconhecer que estas classes não gozam das “primeiras prerrogativas” e nem são
“avantajadas em riqueza”, mas justifica isto mostrando que não há no mundo um sistema que
consiga tirar toda uma classe de um “estado inferior” para uma “hierarquia elevada”. “Haverá
alguma nação no mundo que não tenha ricos e pobres, felizes e desditosos, sem que nelas haja a
diferença de cores?”
258
O remédio, segundo o jornal, não está nos partidos políticos, mas na
“transformação” da sociedade em uma ordem onde prevaleça a racionalidade, onde o “trabalho e
a indústria se vejam organizados pela ciência” e que o direito seja de fato uma realidade. E
finalmente o artigo termina com um apelo:
“Homens do trabalho! Homens que só no trabalho podeis achar a vossa
subsistência honesta e tranqüila! Não vos deixeis iludir por esses fariseus,
que só de vós se lembram quando precisam dos vossos serviços. Homens de
cor, pardos ou pretos, que estais no mesmo caso, não empregueis o vosso
tempo e força que deveis empregar em vossos misteres, em proveito de
questões em que não podeis ter parte senão secundária, e como máquinas!
Sede laboriosos, econômicos, arranjados, vós todos cujas famílias têm o pão
cotidiano dependente dos vossos esforços; que nisto é que está o vosso bem
e felicidade sobre o atual grêmio em que vivemos. Assim nada tereis a
recear nem de uns nem de outros; a tranqüilidade inalterável, a segurança
pública é o que somente vos pode garantir meios legítimos de ganhar a
vida.”
259
Este temor de que as camadas mais baixas da sociedade recifense fossem utilizadas como
instrumento de manobra por partidos políticos, principalmente pelos praieiros, era compartilhado
pelo Nazareno de Borges da Fonseca. Constantemente ele alerta os do “povo” para que abram os
seus olhos e não se deixem enganar pela “sedução” vinda dos líderes da Praia. Mas que também
não acompanhassem os baronistas, homens que encheram a população de tributos. O apelo é
258
APEJE, O Guararapes, n
o
11, 06/09/1844.
259
Idem, ibdem.
94
para que firmassem fileiras em torno dele e dos seus aliados, os que sempre lutaram em seu
favor.
“Atendei bem, homens do povo, não se quer para vós direitos, não se
quer igualdade, nem liberdade, apenas se vos consente a honra de serdes
espoletas; porque na linguagem dos nossos dominadores vós sois uns
faquistas, uns perdidos, que deveis estar sempre nas peas. Eles vos temem e
vos odeiam; e só por necessidade hoje vos bajulam: deixai passar as
eleições, e vereis então o que são eles.Homens do povo, que só viveis para
serdes sacrificados neste regime monárquico, só vos deveis servir a
democracia, reuni-vos pois em redor de nós, segui nossa bandeira: nós
queremos que vós representeis vosso país, queremos vossa liberdade no
voto, e não que sejais vítimas de trapaças insignificantes, e inauditas.”
260
A composição deste apoio popular era o primeiro passo na formulação da estratégia
eleitoral dos praieiros. Como já foi visto anteriormente, o sucesso iria depender do domínio da
mesa paroquial e da existência de grupos nas matrizes que fizessem pressão junto aos votantes
(ver nota 29). Mas antes mesmo que o dia da eleição chegasse, uma outra tarefa importante era o
processo de qualificação dos eleitores. E nisto a atuação do juiz de paz seria fundamental como
veremos.
4.3.1 O processo de qualificação dos votantes
A maneira como se deu a preparação das listas dos votantes nas freguesias do Recife foi
envolta em controvérsias. Normalmente esta tarefa era da responsabilidade dos juízes de paz,
subdelegados e párocos, que juntos definiam os moradores de cada freguesia que estavam aptos a
participarem das eleições. Dias antes das primárias estas listas deveriam ser afixadas nas portas
das matrizes e publicadas na imprensa, no intuito de que cada cidadão soubesse se iria ou não ter
direito a voto e para que houvesse tempo de alguém que fosse excluído poder recorrer à junta de
qualificação. Este seria o procedimento legal, mas o que predominou naquelas eleições não foi
bem isto.
O caso de duas freguesias deixa isto bem claro: Santo Antônio e São José. Na primeira o
juiz de paz do primeiro distrito era o praieiro Manoel Antônio Viegas, enquanto que o
subdelegado era o baronista Domingos Afonso Néri Ferreira. Pode-se imaginar como não seria
complicada a tarefa da qualificação numa freguesia onde a junta estava dividida entre os
adversários. No entanto, os praieiros souberam manobrar bem para superar esta dificuldade.
260
APEJE, O Nazareno, n
o
57, 28/08/1844.
95
No dia 2 de setembro o presidente da província, alertado pelo subdelegado de Santo
Antônio, oficiava a Manoel Viegas ordenando-lhe que convocasse imediatamente a junta
qualificadora e explicasse a razão de não o ter feito ainda. E até o dia quatro, apenas três dias
antes da eleição, o Diário de Pernambuco não tinha recebido nenhuma lista para ser
publicada.
261
Segundo O Guararapes, as listas não estavam sendo enviadas à imprensa pelo fato
de conterem nomes falsos de votantes.
262
Tal procedimento abria espaço para a ação do fósforo,
indivíduo que se apresentava no dia da eleição para a mesa paroquial fazendo-se passar por
alguém cujo nome se fazia presente na lista de chamada.
263
Para os baronistas a qualificação em Santo Antônio estava sendo irregular, pois a junta
havia sido instalada secretamente na casa do juiz de paz Manoel Viegas. O acesso estava restrito
aos inspetores de quarteirão ligados a Manoel Camello Pessoa, subdelegado da freguesia vizinha
de São José.
264
Assim, a autoridade policial da freguesia que deveria participar do processo foi
posta de lado e a lista de votantes sairia de acordo com os interesses dos praieiros para garantir a
vitória naquela localidade. Seguiria-se, assim, a tese levantada pelo deputado Francisco
Belisário: “Feita uma boa qualificação, está quase decidida a eleição.”
265
Na freguesia de São José o processo foi muito parecido, sempre a favor dos praieiros. A
diferença estava no fato que tanto o juiz de paz Joaquim Vilella de Castro Tavares quanto o
subdelegado Manoel Camello Pessoa eram ligados à Praia. Segundo o Diário de Pernambuco, as
duas autoridades estavam qualificando somente os seus “comparsas” e deixando de lado aqueles
que se recusavam a assinar suas chapas, ficando de fora inclusive “muitos proprietários”. Além
disso, estavam improvisando fogos e nomes que o Pároco desconhece e sabe que não
existem”.
266
O Guararapes denunciava que todas as “tramóias da praieirada” estavam sendo
realizadas na casa do próprio juiz de paz, sem que ninguém de fora do círculo praieiro tivesse
acesso ao processo de qualificação. Nomes imaginários estavam sendo colocados nos “fogos” da
freguesia para a produção de listas que seriam utilizadas pelo Borges Mendes e demais
correligionários no dia da eleição. O critério para o indivíduo ser considerado votante era o de
ser simpatizante ou não da Praia, o que fazia com que qualquer “miserável proletário” acabasse
sendo qualificado.
267
Até mesmo Borges da Fonseca denunciava a atuação do subdelegado
Manoel Camello, que saía “de porta em porta, como franciscano às esmolas”, buscando
261
APEJE, Diário de Pernambuco, n
os
195 e 197, 02 e 04/09/1844.
262
APEJE, O Guararapes, n
o
11, 06/09/1844.
263
SOUZA, Francisco Belisário de. op. cit. p. 29.
264
APEJE, O Guararapes, n
o
07, 27/08/1844.
265
SOUZA, Francisco Belisário de. op. cit. p. 27.
266
APEJE, Diário de Pernambuco, n
os
196 e 198, 03 e 05/09/1844.
267
APEJE, O Guararapes, n
os
09 e 10, 02 e 04/09/1844.
96
assinaturas para suas chapas e ameaçando de demissão os inspetores independentes e aqueles
ligados ao seu grupo político.
268
4.3.2 A eleição e o Fecha-Fecha
Era este clima tenso de acusações e provocações mútuas que ocorreria no dia 7 de
setembro a eleição para escolha dos novos juízes de paz e vereadores, cujos mandatos
começariam em janeiro do ano seguinte. Cada grupo procurava apresentar suas chapas, ao
mesmo tempo em que enumeravam os defeitos dos candidatos adversários.
Os praieiros não tinham motivos para estarem satisfeitos com a Câmara Municipal, pois a
sua grande maioria era formada por pessoas ligadas a Boa Vista. Como já foi visto, em muitos
momentos ela serviu de instrumento aos baronistas para tentar anular a influência da Praia no
processo eleitoral, principalmente no que diz respeito à criação da freguesia de São José e a
divisão de freguesias em distritos. Para reverter este quadro eles lançaram uma chapa composta
pelos seguintes nomes: Manoel de Souza Teixeira, proprietário; Gaudino Agostinho de Barros,
negociante; Francisco Carneiro Machado Rios, proprietário; Dr. Ignacio Nery da Fonseca; Dr.
Antônio José Alves Ferreira; Major José Egidio Ferreira; Dr. Joaquim de Aquino Fonseca;
Antônio Ricardo do Rego; Rodolfo João Barata d’Almeida.
269
Borges da Fonseca fez comentários sobre estes candidatos. Sobre Souza Teixeira, lembra
do respeito que sente por ele, mas indaga sobre o fato dele ser o então presidente da Câmara e de
a ter abandonado. Francisco Carneiro era um dos melhores nomes, pois seria a candidatos assim
que o Nazareno daria irrestrito apoio. Antônio Ricardo do Rego já era vereador e apoiava todas
as ações dos seus outros colegas. “Não é certamente um homem próprio para a crise”, observa.
Já o Antônio José Alves Ferreira tinha muitas coisas boas, mas “nenhuma propriedade” para o
cargo. Sua mansidão e boas maneiras o atestavam como bom candidato a juiz de paz. Quanto aos
demais, Borges os considera nomes insignificantes e despreparados. Conclui indagando sobre
outras pessoas que na sua visão poderiam assumir tranqüilamente tal cargo:
“Onde está o snr. José Ejino de Miranda, cuja probidade, e madura reflexão,
não poderíeis recusar? Tem algum impedimento o snr. dr. Jeronimo Vilela?
Qual é o demérito do snr. Joaquim Cláudio Monteiro? Porque não serviu o
snr. dr. Assumpção Cabral? O snr. Lopes Neto onde está? Versado no
traquejo da política não vos seria excelente vereador?”
270
268
APEJE, O Nazareno, n
o
58, 03/09/1844.
269
IAHGP, Diário Novo, n
o
183, 26/08/1844.
270
APEJE, O Nazareno, n
o
5, 28/08/1844.
97
Estas observações de Borges da Fonseca nos apontam para uma de suas características:
ele não era contra determinada pessoa só pelo fato de ser seu adversário político. Em muitos
momentos perceberemos que ele recomenda o voto de seus correligionários a candidatos de
outros partidos.
Quanto aos baronistas, a defesa da então Câmara Municipal era um ponto de honra.
Contra os ataques do Diário Novo, o Diário de Pernambuco destacava a série de obras que os
vereadores tinham empreendido na capital.
271
Para a nova legislatura municipal apresentavam os
seguintes candidatos: tentando a reeleição estavam Francisco Antônio de Oliveira, Manoel
Caetano Soares Carneiro Monteiro, Manoel Coelho Cintra, Major Manoel do Nascimento Costa
Monteiro e Luiz Francisco de Mello Cavalcanti; já os novatos seriam o Tenente Coronel Manoel
Joaquim do Rego Albuquerque, José Ramos de Oliveira, José Camello do Rego Barros e
Francisco Luiz Maciel Via nna. Destes o destaque fica para José Ramos de Oliveira, o então
presidente da Associação Comercial.
272
Finalmente o dia 7 de setembro chegou e ocorreu a votação para a escolha dos juízes de
paz e vereadores que ocupariam os juizados de paz e a Câmara Municipal no ano seguinte. O
levante militar previsto pelos baronistas não aconteceu, mas isto não significa que a eleição
transcorreu tranqüila.
O principal foco de distúrbio localizou-se na freguesia dos Afogados. Povoação pobre
dos arredores da capital, a região era uma espécie de fronteira entre a parte urbanizada da cidade
e a área de plantação da cana-de-açúcar. Sua posição estratégica era importante, pois consistia
em uma das entradas da ilha de Santo Antônio via ponte e aterro dos Afogados. Seria por ali que
as tropas praieiras, cinco anos mais tarde, iriam invadir a cidade e combater as tropas governistas
nas ruas de São José e Santo Antônio. O Forte das Cinco Pontas, desde a época dos holandeses,
fora construído ao sul do bairro de São José para proteger a capital de uma eventual invasão
vinda pelos Afogados.
Naquela freguesia os candidatos praieiros a juiz de paz eram Manoel Joaquim do Rego e
Albuquerque e Francisco Carneiro Machado Rios.
273
O primeiro era juiz de paz e subdelegado e
iria presidir a mesa paroquial. A princípio era tido como um aliado pelos praieiros, mas depois
ele iria se identificar como ministerialista sem ser praieiro.
274
O que a documentação dá a entender é que o Francisco Carneiro, um dos irmãos
Machado Rios, era o candidato preferencial da Praia, enquanto que Joaquim do Rego ficaria na
271
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
194, 31/08/1844.
272
APEJE, O Guararapes, n
o
11, 06/09/1844. APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
273, 06/12/1844. IAHGP, Diário
Novo, n
os
106 e 145, 14/05 e 08/07/1844.
273
IAHGP, Diário Novo, n
o
191, 04/09/1844.
274
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
203, 11/09/1844.
98
suplência. O problema surgiu quando este último, então titular, não aceitou entrar no jogo e
resolveu trabalhar para permanecer no cargo. O início da discórdia começou na formação da
mesa, quando o “povo” que estava na matriz não aceitou os nomes indicados pelo juiz de paz.
Segundo o Diário Novo, não satisfeito com a intromissão popular ele mandou tocar rebate a uma
companhia da Guarda Nacional da qual era comandante e assim começaram os distúrbios que
culminariam com o Fecha-Fecha.
275
Os eventos então que se seguiram foram descritos pelo delegado do 1
º
Distrito do Termo
da Capital, Cândido Autran da Motta Albuquerque. Autoridade ligada aos praieiros, o delegado
remeteu um ofício no dia 9 de setembro daquele ano para a presidência da província. Ele chegou
à povoação no dia anterior, 8 de setembro. Encontrou poucas pessoas na Igreja e fora dela.
Imediatamente recolheu as bengalas e cacetes que havia entre os populares. “Reinava
tranqüilidade e tudo pressagiava uma eleição sem tumulto.”
276
Quando foi para reiniciar a
eleição, o delegado se surpreendeu com a atitude de parte da mesa em não dar início aos
trabalhos por se sentir coagida por uma multidão vinda do Recife, multidão esta que ele afirmava
não existir. Joaquim do Rego solicitou que a força policial fosse estacionada em frente à Igreja,
mas como a ordem da presidência era de só acioná-la em caso de desordem ou ameaça ao
andamento das eleições, o delegado não atendeu ao pedido. Desta forma, o juiz de paz se
levantou e foi embora juntamente com outros membros da mesa, afirmando que não presidiria os
trabalhos.
O problema de fato teria início depois que o subdelegado foi encontrar-se com o
Presidente da Província. Logo que ele saiu, “chegou um bando de quase cem pessoas oriundas da
Boa Vista, São José e Santo Antônio dando vivas a Sua Majestade o Imperador e à
Independência e vinham sem armas”. Cândido Albuquerque conseguiu persuadir a multidão a se
dispersar pela povoação, sendo que logo depois chegaram o Comandante das Armas e o chefe de
polícia com uma força de cavalaria.
277
O impasse com o juiz de paz continuava e as eleições
permaneciam interrompidas. Ao sair o Comandante das Armas, chegou Joaquim do Rego, que
também era subdelegado de Afogados, dando vivas à Independência e ao Imperador, sendo
275
IAHGP, Diário Novo, n
os
196 e 201, 10 e 16/09/1844.
276
APEJE, Coleção Polícia Civil, vol. 8, p. 384-385, 09/09/1844. O delegado Cândido Albuquerque consta como
um dos revoltosos presos no Quartel de Polícia depois da tentativa de tomada do Recife pelas forças praieiras, em
fevereiro de 1849. Ver MELO, Jerônimo M. F. de. Autos do Inquérito da Revolução Praieira. Brasília: Senado
Federal, 1979. p. 147.
277
O Comandante das Armas era o Coronel Henrique Marques de Oliveira Lisboa, que havia substituído Sá Barreto,
e o Chefe de Polícia era Antônio Afonso Ferreira. Segundo Marson, Henrique Lisboa era ligado aos praieiros (O
Império do Progresso, pp. 235 e 239).
99
correspondido pelo povo.
278
“Mas apareceram alguns imprudentes, que deram fora ao Sub-
Delegado, e querendo o Chefe de Polícia, eu e outros muitos cidadãos manter-nos a ordem e
chamarmos o povo ao sossego não nos foi logo possível, e apareceram então alguns excessos da
cavalaria que quis carregar contra o povo...” Na confusão saiu um homem ferido na cabeça. A
ordem foi restabelecida com algum custo e em seguida o chefe de polícia se retirou, deixando as
forças de cavalaria e infantaria sob as ordens do delegado Cândido Albuquerque.
Os acontecimentos do dia 8 iriam em parte se repetir no dia seguinte. Logo depois de
escrever o primeiro ofício, o delegado Cândido Albuquerque escreveria um segundo, quase
simultaneamente aos acontecimentos. Este segundo ofício, datado também do dia 9, foi escrito às
10:00h. Mais uma vez, grupos oriundos da Boa Vista, Santo Antônio, São José e outras partes da
cidade chegavam à povoação de Afogados. Apesar de estarem desarmados, o temor do delegado
era a da quebra da ordem. “Nesta hora em que estou oficiando a Vossa Excelência entra um
bando de quase cinqüenta homens, desarmados é verdade, porém lembro a Vossa Excelência que
lhe não faltarão armas se pretenderem, como suponho, algum atentado contra a ordem.”
279
Ainda
segundo o delegado, armas e farta munição vindas de fora haviam chegado à povoação dias
antes. De acordo com o Diário Novo, o ajuntamento teria chegado a mais de 2 mil pessoas.
280
Se
este foi de fato o número real daquela manifestação, era bastante expressivo para a época.
Corresponderia, mais ou menos, à metade da população daquela freguesia.
281
Diante de tamanho ajuntamento e do risco de quebra da ordem pública, com a ameaça de
confronto armado, Marcelino de Brito envia ofício a Cândido Albuquerque informando a
suspensão das eleições naquela freguesia.
282
Esta solicitação, segundo o delegado, seria feita pelo
Borges Mendes, que também era participante dos acontecimentos.
283
A recomendação do
Presidente da Província para o delegado foi a de tomar todas as providências para evitar o roubo
da urna, providência esta que foi prontamente tomada com a colocação de toda a força policial
dentro da Igreja. Mas ainda assim o delegado temia a ação dos populares, pois termina o seu
ofício escrito no calor da hora com a curiosa observação: “P.S. O povo está muito animado para
roubar a urna; e bom será que Vossa Excelência mande mais alguma força.”
278
Ver também o relato do Diário de Pernambuco. DPH, Diário de Pernambuco, n
o
204, 12/09/1844. Segundo esta
versão do Diário de Pernambuco, ele estava acompanhado de amigos e juntos foram cercados por uma multidão de
mais de mil pessoas armadas de cacete, sendo chamado de déspota, baronista e cabano.
279
APEJE, Coleção Polícia Civil, vol. 8, p. 388, 09/09/1844.
280
APEJE, Diário Novo, nº 198, 12/09/1844, p. 1.
281
Segundo um censo de 1856, doze anos depois daquelas ocorrências, a população de Afogados correspondia a
5.514 pessoas. Ver APEJE, Relação Numérica da População Livre e Escrava do 1
º
Districto do Termo do Recife,
10/01/1856.
282
APEJE, Coleção Registros de Ofício, vol. 18/03, pp. 75 e 76, 09/09/1844.
283
Francisco Borges Mendes, baiano, Solicitador de Causas, foi um dos presos durante a repressão aos revoltosos
praieiros de 1849. Acabou sendo absolvido da acusação de aliciar e reunir gente para a rebelião. Ver MELO,
Jerônimo M. F. de. Autos do Inquérito da Revolução Praieira. Brasília: Senado Federal, 1979. pp. 143, 439-444.
100
Os temores de Cândido Albuquerque parece que não se concretizaram. No dia seguinte,
10 de setembro, o chefe de polícia, Antônio Afonso Ferreira, escrevia ao Presidente da Província
informando ter retirado daquela freguesia 50 pessoas oriundas do Recife e que não havia
nenhuma reunião do povo, reinando a tranqüilidade.
284
No dia 11, encontramos novamente o
delegado Cândido Albuquerque escrevendo ofício de Afogados. Relata apenas um pequeno
incidente com o Alferes comandante da força que protegia a urna, quando aquele entrou sozinho
no recinto onde ela estava guardada. Para evitar desconfianças, ordenou que só se entraria na
Igreja com a presença dele e do Alferes, “pois tem a urna uma grande fresta na parte onde ficam
as dobradiças da tampa por onde muito bem se podem introduzir cédulas.”
285
Os jornais baronistas denunciaram a participação de muitos líderes da Praia naqueles
eventos. Segundo eles, os irmãos Joaquim, Antônio e Francisco Carneiro Machado Rios, juntos
com o juiz de direito Nunes Machado e o capitão da cavalaria Pedro Ivo, todos teriam chefiado
grupos de “batalhões de ligeiros” que foram perturbar a eleição nos Afogados. Nunes Machado
chegou a ser classificado como o “novo Pedrozo”, célebre líder da “soldadesca desenfreada” que
atormentou a vida política da província no período da Independência.
286
Além destes, irmãos do
chefe de polícia, Antônio Afonso, e o juiz de paz de São José, Joaquim Vilella de Castro
Tavares, também estariam envolvidos nos distúrbios. Este último justificou sua participação
dizendo ter ido ajudar o seu sogro Francisco Carneiro, já que o capitão Mathias de Albuquerque
teria marchado para os Afogados com a sua companhia de Guarda Nacional a fim de prejudica-
lo.
287
Os desdobramentos do que ocorreu nos Afogados foram vistos nas noites dos dias 8 e 9
de setembro, quando os grupos da Boa Vista e Santo Antônio que haviam ido até lá retornaram e
promoveram o Fecha-Fecha na cidade. Segundo a imprensa baronista, estes “batalhões ligeiros”
eram comandados por Nunes Machado. Houve ameaça ao comércio e diversas pessoas foram
agredidas, principalmente portugueses. Deram “cacetadas” no moleque de Amaro Benedicto de
Sousa (brasileiro nato) e no português Jerônimo Cardozo de Macedo Guimarães nas Cinco
Pontas. Na rua Direita os portugueses João Correia Carneiro Sobrinho, o caixeiro de João
Bernardo de Carvalho Pinto e o da padaria de Antônio Alves de Miranda Guimarães foram
atacados, ficando todos mais ou menos “maltratados”.
288
Aquelas duas noites foram bastante conturbadas em muitas ruas do Recife. Grupos
armados de cacete espalhavam o medo e a violência entre os cidadãos “pacíficos” da cidade.
284
APEJE, Coleção Polícia Civil, vol. 8, pp. 389 e 390, 10/09/1844.
285
APEJE, Coleção Polícia Civil, vol. 8, p. 391, 11/09/1844.
286
DPH, Diário de Pernambuco, n
o
204, 12/09/1844. APEJE, O Guararapes, n
o
15, 21/09/1844.
287
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
208, 17/09/1844. IAHGP, Diário Novo, n
o
201, 16/09/1844.
288
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
210, 19/09/1844.
101
Segundo O Guararapes, o fecha-fecha teve início com a entrada do batalhão de “cacetistas” na
cidade. Os agitadores dividiram-se em dois grupos, indo um dar vivas no pátio de Santa Cruz, na
Boa Vista, e o outro, tendo à frente Nunes Machado e Afonso Ferreira, no Campo do Palácio.
289
Depois disso, o que se viu foi o desfile de muitos grupos pelas ruas provocando brigas e muita
confusão, com a perseguição de pessoas ligadas aos seus adversários políticos. Mais uma vez,
um dos alvos visados foram os portugueses, que, segundo o jornal, “viram sua hora chegada”.
Houve até o embarque de famílias em navios ancorados no porto para fugirem da violência
destes grupos.
O mesmo jornal chega a temer a repetição dos acontecimentos da setembrizada de 1831.
“O que quer dizer a imputação de que os negociantes calumniaram a todos
os Pernambucanos? O que siginifica esse dia dos desenganos, que promette
aos commercianates o D. novo? É um rebate para que os iludidos, que vos
seguiram a 8 de Setembro se manchem com o sangue, e a propriedade dos
negociantes, a fim de que possais nesse dia de horror depois de saciados de
sangue, desembainhar a espada para retomar o roubo dos vossos leões
illudidos, como o fizestes em 1831, e sacrifica-los no Chora menino para que
elles não declarassem em que poder estava a maior parte do roubo, nem
quaes eram os chefes do saque, os que os levaram a manchar pela primeira
vez o nome Brasileiro...”
290
Diante de tanta confusão, a atitude do comércio não poderia ter sido outra a não ser a de
fechar as portas dos seus estabelecimentos. Conta o redator de O Guararapes que em uma
daquelas noites do fecha-fecha, Nunes Machado passou pela Rua Direita pedindo que os
proprietários das tabernas e padarias abrissem suas portas, pois ele garantiria a ordem. Bastava
ele dar as costas para que os donos fechassem suas lojas.
291
O grosso destes proprietários seria
formado por portugueses, e certamente não seriam loucos de expor suas lojas e eles próprios ao
ódio do povão que corria armado pelas ruas.
Uma idéia da dimensão do tumulto provocado por este fecha-fecha nos é dada ainda pelo
O Guararapes, quando noticia a ação “exemplar” de algumas autoridades na repressão aos
“batalhões ligeiros”.
292
O Sr. Rigueira Costa, juiz municipal, comandou alguns policiais naquelas
duas noites e apreendeu mais de cem cacetes. Já o 2
º
Comandante de Polícia, Manoel Antônio
Martins, rondou pelo bairro da Boa Vista e dispersou vários grupos, tomando mais de duzentos
289
APEJE, O Guararapes, nº 13, 17/09/1844, p. 1.
290
Idem, ibdem.
291
APEJE, O Guararapes, nº 12, 12/09/1844, p. 3.
292
APEJE, O Guararapes, nº 13, 17/09/1844, p. 1.
102
cacetes. Em São José a ronda foi feita pelo Sr. Barbalho, que acabou desarmando perto de
duzentos “cacetistas”. Estes números chegariam em torno de quinhentos cacetes apreendidos,
sem citar os que foram apreendidos por outras autoridades e os grupos que conseguiram escapar
à repressão policial. Pode-se tomar até como exagerados os números deste periódico, pois
interessaria aos conservadores super dimensionar a violência para desacreditar os chefes da
polícia praieira. Mas como o próprio Diário Novo estimou em mais de duas mil pessoas o
ajuntamento nos Afogados (ver nota 80), pode-se pensar em um número de fato elevado de
participantes nos tumultos do fecha-fecha.
Os ofícios das autoridades policiais ao Presidente da Província também dão mostras dos
tumultos ocorridos naquelas noites. Os fatos mais graves foram relatados pelo subdelegado da
freguesia de São Frei Pedro Gonçalves, que correspondia ao bairro do Recife, Francisco Mamede
de Almeida.
293
Segundo ele, na noite do dia 8 correram boatos “aterradores” na freguesia que
“alguns homens pescadores moradores no Bairro de Fora de Portas pretendiam aproveitarem-se
do escuro da noite para espancarem algumas pessoas e fazerem outros atentados...” Isso levou
algumas famílias a abandonarem suas casas e a se refugiarem em casas estranhas, chegando certo
número delas a embarcarem em navios para buscar proteção. Visando evitar tais problemas, o
subdelegado solicitou uma força de 20 homens e a dividiu em duas patrulhas, dando ordens para
que “fizesse correr a todas as pessoas que se fizessem suspeitas e tirasse os cacetes a quem o
tivesse e fizesse dispersar qualquer grupos e fazê-los recolher às suas casas.” Quando ele se
dirigia a Fora de Portas para juntar-se a uma das patrulhas, encontrou pelo caminho diversos
grupos daquela gente a darem vivas, fazendo-os dispersar e se recolherem as suas casas. Até às
22:00h, quando se recolheu, não houve mais nenhum incidente, porém, como forma de
prevenção, deixou uma patrulha para que fizesse ronda até meia-noite.
Já no dia 7 de setembro ocorreram tumultos. Segundo o Comandante Geral de Polícia,
Pedro Alexandrino de Barros Cavalcanti, foi preso o pardo Sabino Bruno do Rozário pela 1
ª
Patrulha da Ribeira, pois o dito foi flagrado em grande desordem junto com muitos outros
desordeiros. Estes puderam escapar devido ao seu grande número.
294
O mesmo Comandante
informa a prisão de Joaquim Marques de Sena, soldado do Batalhão de Artilharia, por ter sido
encontrado, no dia 9, armado de um cacete e se opor a entregá-lo.
295
A violência contra adversários políticos também foi registrada. O Comandante Pedro
Alexandrino informou ao Presidente da Província no dia 8 a prisão do paisano Francisco Antônio
da Cruz, feita à ordem do Delegado do Termo do Recife e levada à cabo pelo juiz de paz
293
APEJE, Coleção Polícia Civil, vol. 8, p. 386, 09/09/1844.
294
APEJE, Coleção Polícia Militar, vol. 9, p. 323, 07/09/1844.
295
APEJE, Coleção Polícia Militar, vol. 9, pp. 325 e 326, 09/09/1844.
103
Antônio Carneiro Machado Rios. O paisano “estava bastante espancado com algumas contusões
e declarou no (ilegível) que fora espancado pela gente do dito Juiz de paz que cercava a sua
porta, por ter sido pela mesma gente indigitado como Baronista.”
296
Quanto à força policial que foi montada para manter a ordem naquelas noites de
setembro, a documentação também faz menção a ela.
297
Na noite do dia 7, o Chefe de Polícia
requisitou três guardas com seis soldados e um inferior cada uma. Seguiram para as matrizes de
Santo Antônio, São José e Boa Vista, fazendo ronda durante toda a noite e madrugada. Na noite
do dia 8 foram requisitados os já falados 20 policiais e seu comandante que foram mandados
para a freguesia de São Frei Pedro Gonçalves. Além desta patrulha, outras quatro foram enviadas
para o Recife, São José, Santo Antônio e Boa Vista. Eram formadas por um inferior e oito
soldados, comandadas por oficiais. O juiz municipal também comandou uma ronda de mais
quatro soldados. Uma última patrulha de doze soldados comandada por um inferior foi enviada
para o Recife. O aumento do número de patrulhas nesta noite do dia 8 equivale ao aumento das
agitações provocadas pelo fecha-fecha, pois foi nesta noite e na seguinte que os grupos reunidos
em Afogados voltaram para o Recife.
Diante de todos os acontecimentos, os praieiros negaram sua participação e acusaram os
baronistas de tentarem passar a idéia de que o estado da província era de “anarquia”, alardeando
um eventual saque iniciado nos Afogados e que se dirigia para o Recife, espalhando boatos de
assassinatos e de luta entre as tropas e o povo que se achava naquela freguesia. O objetivo
principal era fazer com que o governo tomasse medidas fortes e prejudicasse as eleições.
298
Seguindo tal plano, o Diário Novo denunciou a existência de uma representação na corte
enviada, segundo boatos, pelo comércio pernambucano que reclamava do estado de “anarquia”
em que se encontrava a província. O documento apontaria como culpados pela situação o
presidente da província, pelo seu desleixo, e o Comandante das Armas e o chefe de polícia, pela
conivência com os agitadores. Acompanhava um pedido de demissão de tais autoridades.
299
A
Associação Comercial, através do seu presidente José Ramos de Oliveira, negou ter elaborado e
enviado a dita representação, negativa esta plenamente aceita pela imprensa praieira. “Muito
prezamos o caráter distinto destes Srs., e bastaria que a palavra de um homem tão honesto e tão
probo, e um dos maiores capitalistas do Brasil, como é o Sr. José Ramos de Oliveira, nos fosse
dada, para que todas as prevenções, quaisquer que fossem da nossa parte, desaparecessem...”.
300
296
APEJE, Coleção Polícia Militar, vol. 9, p. 324, 08/09/1844.
297
APEJE, Coleção Polícia Militar, vol. 9, p. 324-326, 08 e 09/09/1844.
298
IAHGP, Diário Novo, n
o
202, 17/09/1844.
299
IAHGP, Diário Novo, n
o
203, 18/09/1844.
300
IAHGP, Diário Novo, n
o
204, 19/09/1844.
104
Mas os desdobramentos do fecha-fecha não terminaram por aí. Ainda de acordo com o
Diário Novo, os baronistas trataram de espalhar para outras províncias e para a corte cartas
descrevendo um “imaginário” estado de anarquia da província. Aproveitaram a passagem de um
tal Sr. Candido Batista pelo Recife para encarregá-lo de ser o portador. Uma carta anônima foi
publicada no periódico conservador carioca Sentinela da Monarquia descrevendo os “horrores”
perpetrados pelos praieiros durante as eleições do dia 7 de setembro. O Recife estaria em plena
“desordem”, os inimigos da anarquia sendo perseguidos e os estrangeiros perdendo seus bens.
No mesmo número da Sentinela havia um relatório sobre a situação de “terror” que vivia a
província, sendo ele atribuído aos Srs. Sebastião do Rego Barros e Maciel Monteiro.
301
O resultado desta campanha foi a chegada no porto do Recife de navios de guerra
estrangeiros que vinham com a missão de proteger seus cidadãos.
“Os oficiais estrangeiros saltaram imediatamente para terra, e têm
percorrido toda esta cidade, examinando casa por casa, porta por porta, e
perguntando a todos estupefactos quais os sinais indeléveis de tão espantosa
anarquia, de tão furioso saque; indagando com uma surpresa indizível onde
se acham refugiados seus compatriotas e todos os estrangeiros, cujas
fortunas desapareceram pelo roubo entronizado como o triunfo
sanguinolento do partido popular!!!...”.
302
Estes navios de guerra seriam portugueses, franceses, sardos, norte-americanos e
franceses. De fato, foram registradas naqueles dias as entradas de alguns destes navios no porto
do Recife. A corveta francesa La Coquette chegou da Bahia no dia 19 de setembro; vindo
também da Bahia, a fragata sarda Eurídice aportou no dia 25; o brigue-escuna português Tâmega
chegou no dia seguinte, também vindo da Bahia. Toda esta movimentação fora causada pelos
baronistas visando a demissão de autoridades praieiros, mas o único resultado teria sido a saída
de Marcelino de Brito da presidência.
303
Tudo isto era resultado dos eventos ocorridos no entre os dias 7 e 9 de setembro, tendo
como principal motivação a eleição para juízes de paz e vereadores. Os resultados desta eleição
foram contrastantes. A nova Câmara Municipal seria formada por uma maioria esmagadora de
vereadores ligados aos baronistas. Dos nove vereadores, eles conseguiram eleger oito. Os
praieiros conseguiram eleger apenas um, Inácio Nery da Fonseca (ver anexos 01 e 02).
Já para os juízes de paz, os praieiros conseguiram emplacar a maioria dos seus
candidatos. Nas principais freguesias da capital eles conseguiram eleger seus candidatos, ficando
301
IAHGP, Diário Novo, n
os
210 e 220, 27/09 e 09/10/1844.
302
IAHGP, Diário Novo, n
o
210, 27/09/1844.
303
IAHGP, Diário Novo, n
o
208, 23/09/1844; n
o
209, 26/09/1844; n
o
210, 27/09/1844.
105
assim distribuídos: na de São José ficou Joaquim Vilella de Castro Tavares; no 1° distrito de
Santo Antônio venceu Manoel Viegas; Japiassu derrotou os baronistas no 1° distrito do Recife.
Apesar do resultado no 1° distrito da Boa Vista não ter sido divulgado, a documentação dá a
entender que lá Antônio Carneiro Machado Rios foi o escolhido. Assim, a Praia confirmava sua
posição hegemônica sobre as principais áreas da capital da província. O próximo lance do xadrez
eleitoral seria a eleição primária propriamente dita, onde os eleitores que escolheriam os novos
deputados gerais por Pernambuco seriam indicados.
4.4 As Eleições Primárias
Foi ainda sob o efeito do fecha-fecha que se desenrolaram os preparativos para as
primárias. O pleito estava marcado para o dia 22 de setembro, apenas quinze dias após as
eleições de juízes de paz e vereadores. Quanto aos partidos, a Praia estava numa situação
privilegiada no Recife, pois tinha como aliados os juízes de paz das principais freguesias da
cidade e isso lhe garantia o controle da mesa paroquial no dia das eleições e, principalmente, o
comando do processo de qualificação. Já os baronistas se encontravam numa situação
complicada, pois teriam que passar pela eleição em uma posição de desvantagem em relação aos
seus principais adversários. Assim, o clima tenso provocado pelos distúrbios dos dias 8 e 9
daquele mês lhe favoreciam, servindo como foco de denúncias contra autoridades praieiras e
instrumento de pressão sobre a presidência da província.
304
Aproveitando-se dos acontecimentos, a imprensa baronista permaneceu com a tática de
denunciar a forma como as autoridades praieiras estavam levando o processo eleitoral. O
Guararapes noticiava a existência de grupos armados de cacete que andavam de dia e de noite
“injuriando”, “espancando” e “excluindo” a quem bem lhes parecesse. Tudo isto sob o olhar
complacente das autoridades policiais praieiras.
305
Por sua vez, Borges da Fonseca considerava uma “imoralidade” a forma como os líderes
praieiros assediavam a população em busca de assinaturas para as suas chapas. Tinham o fim
“sinistro” de utilizar o povo como instrumento “cego” de seus interesses políticos pessoais,
servindo apenas para “brigadores e faquistas”.
306
Mas sua maior mágoa foi a cooptação de
Jacinto Severiano Moreira da Cunha, seu companheiro de redação do periódico O Verdadeiro
Regenerador. Segundo Borges, Jacinto começou se negar a escrever contra os portugueses e
parou de denunciar o lusitanismo do partido praieiro. Para completar, passou a denunciar o
304
Isto não quer dizer que o fecha-fecha tenha sido provocado pelos baronistas. Como veremos na conclusão, os
eventos a ele ligados podem ser analisados como um instrumento de pressão de grupos da sociedade recifense
excluídos das decisões políticas e afetados pelos problemas econômicos e sociais daquele momento histórico.
305
APEJE, O Guararapes, n
o
12, 12/09/1844.
306
APEJE, O Nazareno, n
os
59 e 61, 06 e 11/09/1844.
106
próprio Borges da Fonseca por ter dito que possuía sessenta votos na freguesia de São José para
o Barão da Boa Vista, Sebastião do Rego Barros e Maciel Monteiro. Tudo isso depois de Jacinto
ter participado de uma reunião na casa do Luiz Inácio Ribeiro Roma e sido “circunvalado” pelo
Nunes Machado.
307
Em meio a toda esta situação continuava o processo de qualificação para as primárias. À
semelhança do que ocorreu antes da eleição de juízes de paz, persistiam as denúncias de fraude
por parte dos juízes praieiros. Segundo o decreto de 4 de maio de 1842, o processo englobava um
período de quinze dias para as reclamações e representações sobre inclusão e exclusão ilegais de
“cidadãos ativos”.
308
A principal queixa dos baronistas estava justamente nisto, pois os praieiros
trabalharam de tal forma que as juntas qualificatórias foram dissolvidas e não houve tempo para
os recursos.
309
Conforme O Guararapes, duas irregularidades estavam acontecendo na freguesia de
Santo Antônio, onde quem estava conduzindo o processo era o juiz de paz suplente, Antônio da
Costa Rego Monteiro. A primeira referia-se ao fato da qualificação de pessoas impedidas por lei
de serem votantes e o aumento do números de fogos. O “Costinha” alterava dados sobre a renda,
condição em relação à família (ser filho-família ou dependente impedia a qualificação de
alguém) e a idade das pessoas. “Assim ficou esta freguesia, graças a este portento praieiro,
habitada como nunca o foi dum instante para o outro.”
310
A segunda irregularidade teria sido a
não-qualificação dos soldados do corpo de polícia que moravam no quartel, justificada pelo fato
de que eles por habitarem ali não tinham liberdade de voto.
311
Como já foi visto anteriormente, o
comando do corpo policial era praticamente todo formado por oficiais baronistas. O temor dos
praieiros era que o comando forçasse os soldados a votarem em suas chapas, levando algum
risco para as suas pretensões naquela freguesia. Mas para o Diário Novo o problema não estava
em os soldados morarem no quartel, mas sim na irregularidade de nomes que constavam na lista
apresentada ao seu juiz de paz. Ela continha 53 nomes, sendo que o primeiro era do sargento
José Justino de Souza, “casado e conhecido há muito morador nos Afogados”. Como ele tinha o
também sargento João Fernz Silva Reinou, morador de São José, e muitos outros.
312
Em São José o Diário de Pernambuco também apontou uma série de irregularidades
promovida pelo juiz de paz Joaquim Vilella. De acordo com o jornal ele fez qualificação fora do
prazo, não publicou e nem afixou as listas na porta da matriz, como reza a lei e só convocou a
307
APEJE, O Nazareno, n
o
60, 09/09/1844.
308
Decreto n
o
57, de 4 de maio de 1842. in SOUZA, Francisco Belisário de. op. cit. p. 202.
309
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
214, 25/09/1844.
310
APEJE, O Guararapes, n
o
15, 21/09/1844.
311
Idem, ibdem.
312
IAHGP, Diário Novo, n
o
203, 18/09/1844.
107
junta qualificadora para receber reclamações dos que ficaram de fora da lista no dia em que ela
teria que ser dissolvida. As petições de 400 cidadãos ligados aos baronistas só chegaram depois
de dissolvida a junta, numa sessão que durou apenas meia hora. Por uma lista conseguida com o
pároco da freguesia soube-se que “muitos homens de bem, negociantes, proprietários, artistas e
militares foram esbulhados do gozo do direito de votar, como também que grande número de
Portugueses (de papeleta) e muitos filhos famílias, caixeiros e até proletários foram
indevidamente qualificados...”.
313
O coro contra o processo de qualificação levado adiante pelos juízes de paz da Praia era
engrossado por Borges da Fonseca, que no Nazareno pedia a anulação das eleições a serem
realizadas no dia 22. “O tal firman para a eleição manda que as listas se tenham manifestado pelo
menos 8 dias antes, e não se tendo cumprido seu preceito té nisto consentirá S. E. o snr.
presidente que se a eleição faça? Não há violência mais flagrante, não há burla mais infame, e
perversa.”
314
Os reclames dos adversários da Praia não foram ouvidos e o processo continuou, com a
data das primárias sendo confirmada para o domingo, dia 22 de setembro. A situação era
amplamente favorável aos praieiros na capital, com seus juízes de paz controlando a qualificação
e as futuras mesas paroquiais das principais e mais populosas freguesias do Recife.
4.4.1 A formação das chapas
Uma das informações mais interessantes que pudemos colher junto à documentação
analisada foi a dos nomes de candidatos a eleitores em algumas freguesias. Os grupos envolvidos
e interessados no processo eleitoral divulgavam suas chapas na imprensa, além de comentar a
respeito dos candidatos adversários. Cruzando informações podemos fazer um levantamento de
algumas características sociais das pessoas ligadas a cada um dos grupos.
A chapa dos baronistas em Santo Antônio continha trinta e dois nomes, enquanto que a
da Boa Vista continha trinta e oito (ver anexos 3 e 4). Encabeçando a lista da primeira freguesia
estava o nome do então presidente da província, Marcelino de Brito. Era uma clara tentativa de
aliciar para si o apoio da principal autoridade da província, processo este que já analisamos em
capítulo anterior. Há alguns nomes de figuras já conhecidas, como os de José Thomaz Nabuco de
Araújo; Pedro Alexandrino de Barros Cavalcanti, comandante do corpo de polícia; João do Rego
Barros, também oficial do corpo de polícia; Domingos Afonso Néri Ferreira, subdelegado de
Santo Antônio. Há bacharéis, como o Dr. Casimiro de Sena Madureira, que tinha sido secretário
do governo provincial. Quanto à Boa Vista, encontramos os nomes do subdelegado Pinho
313
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
208, 17/09/1844.
314
APEJE, O Nazareno, n
o
64, 19/09/1844.
108
Borges, do irmão do Barão da Boa Vista, Sebastião do Rego Barros e do conhecido político
Maciel Monteiro. Também estão na lista os nomes do ex-Comandante das Armas, Sá Barreto e
do padre Miguel do Sacramento Lopes Gama.
Dois nomes que chamam a atenção na chapa baronista da Boa Vista são os de José
Ramos de Oliveira e Francisco Antônio de Oliveira, dois conhecidos traficantes de escravos da
época. O primeiro era filho de José de Oliveira Ramos, também traficante de escravos e dono de
uma das maiores fortunas da província. Era o presidente da Associação Comercial e cônsul da
Dinamarca no Recife. Juntamente com Francisco Antônio, que traficava escravos desde os anos
20, compunha o grupo que formava os contratadores da construção do teatro Santa Isabel.
315
Sobre os praieiros conseguimos levantar as chapas de eleitores para três freguesias. A
primeira delas é a de Santo Antônio (ver anexo 5). Ela também é encabeçada pelo presidente da
província, Marcelino de Brito, incluindo ainda o nome do Comandante das Armas, Henrique
Marques de Oliveira Lisboa. A presença deste na lista era sinal de “bajulação” e irregularidade,
segundo os baronistas. Para estes a lei era clara quando exigia que um cidadão para ser
qualificado deveria morar a pelo menos trinta dias quando da primeira reunião da junta
qualificadora, e o Comandante das Armas havia chegado somente no dia 7 de setembro, tempo
portanto insuficiente para concorrer nas primárias.
316
Em Santo Antônio estavam concorrendo os principais líderes da Praia, aqueles que
formavam a ala dos bacharéis, como Nunes Machado, Urbano Sabino, Jerônimo Vilella e Filipe
Lopes Neto. Há a presença de três juízes de paz, empregados públicos, militares e proprietários.
Além das figuras mais conhecidas do movimento, alguns nomes constam naquela freguesia que
estarão envolvidas nos fatos da revolta de 1848-1849 e seus nomes arrolados nos autos do
processo. Os juízes de paz Antônio da Costa Rego Monteiro e Feliciano Joaquim dos Santos
foram pronunciados como réus, sendo que o primeiro foi acusado de ter usado sua casa para
“fazer fogo” às tropas governistas, enquanto que o segundo foi um dos oficiais das tropas
praieiras.
317
Estão também arrolados como réus Cândido Autran, Antônio da Assunção Cabral,
Joaquim Cláudio Monteiro, Ignácio Manoel Viegas e Miguel Afonso Ferreira, sendo este último
também líder de tropas.
318
Na chapa da freguesia de São José estão também outros nomes famosos, como os de
Joaquim Vilella de Castro Tavares e Manoel Camello Pessoa, então subdelegado (ver anexo 6).
315
CARVALHO, Marcus J. M. Liberdade: Rotinas e Rupturas do Escravismo no Recife, 1822-1850. Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 1998. pp. 158-159.
316
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
211, 20/09/1844.
317
MELO, Jerônimo M. F. de. Autos do Inquérito da Revolução Praieira. Brasília: Senado Federal, 1979. pp. 298 e
75.
318
Idem, pp. 5-6 e 56.
109
O Camello Pessoa seria acusado nos autos como organizador de clubes praieiros para aliciar
pessoas, sendo assim “sedutor de povos”, e por ter “feito fogo” da sua casa contra tropas do
governo.
319
Duas outras pessoas seriam indiciadas como participantes da rebelião: Pedro Antônio
Teixeira Guimarães e Francisco Borges Mendes. Este baiano solicitador de causas, liberal desde
1821, era considerado um dos principais “sedutores de povos” e propagandista dos praieiros.
320
A terceira freguesia era a da Boa Vista. Lá estavam presentes o juiz de paz Antônio
Carneiro e seu irmão Joaquim Carneiro, acompanhados de um bom número de militares,
funcionários públicos, negociantes e proprietários. Podemos destacar alguns nomes, como o do
futuro herói Pedro Ivo, Antônio José Ribeiro Cavalcanti e Clorindo Ferreira Catão, todos
pronunciados como réus nos autos, sendo o último acusado de ser “sedutor de povos”.
321
Quem também divulgou chapa de eleitores foi Borges da Fonseca. Há duas listas, sendo
uma para Santo Antônio e outra para a freguesia do Recife (ver anexos 8 e 9). A mais
interessante é a primeira, pois ela se destaca por alguns aspectos. Quatro nomes que são
indicados por Borges constam na chapa praieira: José Francisco Pinto, Antônio Afonso Ferreira,
Antônio da Assumpção Cabral e Candido Autran da Mata Albuquerque. Com relação a este
último o Repúblico iria mais tarde arrepender-se de seu apoio. Quando ele foi acusado em 1847
pelo governo praieiro de crime de abuso da liberdade de imprensa, Candido Autran fora o
promotor público que sustentara a acusação. Dizia, então, ser o seu acusador republicano como
ele e de militarem debaixo das mesmas bandeiras, admirando-se de como um homem se
constituísse em “carrasco de seu amigo, daquele que lhe dera provas terminantes de cordialidade,
expondo três vezes a sua vida para livrá-lo do punhal e bacamarte dos assassinos, como o fez...
com o seu amigo o Senhor Candido Autran em Patos, Piancó, e Pombal na Província da Paraíba
do Norte...”.
322
A presença de nomes comuns com a lista praieira demonstra alguns laços que
perpassavam os ideais de Borges e de elementos a serviço da Praia, não sendo a oposição deste a
todo o partido. Esta idéia é reforçada ainda pelo fato de estarem nomes na lista do Nazareno e
que foram esquecidos pela liderança praieira, mas que teriam papel importante na revolta. Um
deles é o do proprietário José Egino de Miranda, pronunciado como réu nos autos e acusado de
pelo menos três crimes: criador de clubes praieiros em sua residência, “sedutor de povos” e de
utilizar sua casa para “fazer fogo” nas tropas do governo quando da invasão do Recife em
fevereiro de 1849.
319
Idem, pp. 51, 271 e 296.
320
Idem, pp. 51 e 272. Sobre Borges Mendes, ver IAHGP, Diário Novo, n
o
174, 13/08/1844.
321
Idem, pp. 51 e 271.
322
IAHGP , Juízo Municipal da 1ª Vara, Recurso de Antônio Borges da Fonseca, 1847.
110
Porém o dado mais curioso da lista de Borges é a presença de dois boticários e sete
“artistas”, fato único entre os partidos que estavam em disputa na época. A explicação para isto
certamente encontra-se na forte relação que ele possuía com o grupo e a defesa de seus interesses
contra os dos portugueses, vistos como os causadores de seus maiores males. Dentre aqueles
nomes destaca-se o do “artista” Manoel do Amparo Caju, figura que será bastante citada nas
páginas dos autos do inquérito da revolta praieira. Alfaiate de profissão, Manoel do Amparo
também “fez fogo” contra as tropas legalistas da sua própria residência e era considerado
“influído na causa” dos praieiros, visto como cabeça de rebelião.
323
Para completar a análise das chapas, resta algumas observações sobre as indicações que
Borges da Fonseca faz para que seus correligionários votassem na freguesia da Boa Vista. Ali ele
recomenda o voto em pessoas que haviam sido esquecidas, eram “notáveis por seu caráter, e
patriotismo”, sendo elas as seguintes: José Ramos de Oliveira, Tenente-Coronel Antônio
Germano Cavalcanti, Joaquim José da Costa, Joaquim da Anunciação Siqueira Varejão,
desembargador Manoel Rodriguez Vilares, Manoel do Nascimento da Costa Monteiro, Patrício
José Borges, Vicente Antônio do Espírito Santo, Sabino Ribeiro Guimarães, Antônio Martins
Ribeiro, José Alexandre Ferreira, José Joaquim Bizerra Cavalcanti, Antônio José Bandeira de
Melo Junior, Bento José da Costa, Filipe Duarte Pereira, Felis José Tavares de Lira, Dr.
Clemente Ferreira da Costa e José Ignácio da Assunção Senior.
Mais uma vez se percebe entre as indicações de Borges a repetição de nomes que já
pertenciam a chapas de outros grupos políticos. Daqueles nomes dois eram de candidatos
baronistas (José Ramos de Oliveira e Manoel do Nascimento Costa Monteiro), enquanto que
outros três eram praieiros (Joaquim José da Costa, Sabino Ribeiro e José Joaquim Cavalcanti).
Borges incluiu o nome de dois traficantes de escravos, sendo que sobre um deles, o José Ramos
de Oliveira, já falamos acima. O outro é Bento José da Costa, um antigo simpatizante da
Revolução de 1817, dono de grande fortuna e influência na política pernambucana. Seu passado
de apoio às revoluções ocorridas em Pernambuco talvez tenha despertado a simpatia do
Nazareno.
324
Eram estes os nomes envolvidos na disputa em torno dos eleitores que elegeriam os
novos deputados gerais pernambucanos. Os partidos tinham consciência do momento decisivo
que era aquele, pois a derrota nas primárias significaria praticamente o fim das chances de se
fazer uma bancada forte.
323
MELO, Jerônimo M. F. de. Autos do Inquérito da Revolução Praieira. Brasília: Senado Federal, 1979. p. 288.
324
Sobre a participação de traficantes de escravo na política de Pernambuco, ver CARVALHO, Marcus J. M.
Liberdade: Rotinas e Rupturas do Escravismo no Recife, 1822-1850. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1998. pp.
155-171.
111
4.4.2 A eleição
Chegado o dia 22, um domingo, os trabalhos tiveram início. O ritual previsto pela lei de
1842 previa uma celebração religiosa antes da formação da mesa. Na freguesia do Recife o
vigário Francisco Ferreira Barreto, nome incluído na chapa de Borges da Fonseca, fez um
sermão alertando os votantes sobre a responsabilidade que recaía sobre eles. “Se sois fiéis ao
Evangelho, sede fiéis a vossa consciência. A vossa Pátria não vai bem, vós mesmos aumentareis
hoje o seu transtorno, se lhes sois infiéis.”
325
Mostrou o quadro negativo em que se encontrava o
país: guerra no sul, impostos enormes, impunidade, descrédito dos políticos, governo
desmoralizado e descontentamento generalizado. Seu conselho final resumiu-se no seguinte:
“Melhorareis os nossos destinos, e preenchereis vossa missão”.
326
Finalizada a cerimônia religiosa, passava-se à leitura da lista dos cidadãos qualificados
como elegíveis. A esta altura as matrizes já estavam cheias. Segundo o Diário Novo, em uma
delas havia mais de trezentas pessoas “gradas” do lado em que estavam os simpatizantes dos
praieiros, enquanto que do lado dos baronistas ficaram pouco mais de vinte.
327
À medida que o
pároco ia lendo, o escrivão do juiz de paz colocava na urna um bilhete com o número
correspondente a cada nome. Finalizada a leitura o juiz de paz procederia ao sorteio de 16 nomes
para formarem a comissão que indicaria os dois secretários e dois escrutadores que comporiam a
mesa juntamente com o juiz de paz e o pároco. Os bilhetes seriam retirados da urna por um
menor.
328
Naquele dia todas as freguesias do Recife seguiram este ritual. E seria no processo da
formação da mesa que recairiam as principais queixas dos baronistas contra os juízes de paz da
Praia. Tomemos como exemplo o caso da freguesia de São José. De acordo com o Diário de
Pernambuco a chamada dos elegíveis foi feita por uma lista particular, e não pela geral conforme
rezava a lei. A trapaça do escrivão de paz teria sido tamanha que ele arrumou os bilhetes dos
elegíveis praieiros de um lado da urna e os dos baronistas de outro. O menor escolhido seria
parente do próprio escrivão, já adestrado para tirar somente os bilhetes do lado em que foram
arrumados os da Praia. O plano foi posto em risco quando o pároco resolveu chacoalhar a urna e
assim misturar os bilhetes. Mas o juiz de paz Vilella Tavares e seu escrivão não se deram por
vencido, encontrando logo uma maneira de alcançar seus intentos. Desta forma, enquanto os
bilhetes eram retirados um número era lido, mas não o do bilhete, e sim um que constava numa
lista posta sobre a mesa. Isto garantia que a maioria dos “sorteados” fossem praieiros. “A sua
325
IAHGP, Diário Novo, n
o
216, 04/10/1844.
326
Idem, ibdem.
327
IAHGP, Diário Novo, n
o
209, 26/09/1844.
328
Decreto n° 157, de 4 de maio de 1842, Art. 13 e 14. in SOUZA, Francisco Belisário de. op. cit. pp. 203-204.
112
sorte (do menor) tão inimiga foi da gente da ordem, que em sessenta e tantos nomes que leu o
Escrivão, apenas dois não exprimiam a praia, sendo notável que, esquecido o nome de um
Fialho, fosse ele repetido em outra cédula.”
329
Em quase todas as freguesias cujo juizado de paz estava sobre o controle dos praieiros os
procedimentos foram praticamente os mesmos, destacando-se, além de São José, Santo Antônio
e Boa Vista. O resultado foi a formação de mesas plenamente favoráveis à Praia, o que levou os
correligionários baronistas a abandonarem o campo aos seus adversários. O Diário Novo tentava
explicar tal atitude dos seus adversários chamando a atenção para o número reduzido de
conservadores nas matrizes.
“Essa gente se achava em tal minoria que era impossível compor a mesa a
seu favor; quase a totalidade dos elegíveis presentes eram dos nossos
princípios, e as pessoas, que assistiram ao sorteamento, podem atestar senão
caíram à sorte muitos trapixeiros, e ninguém tem culpa de que eles
estivessem ausentes, e até saíram alguns dentre os presentes, que não
quiseram (sem dúvida com vergonha de se sentarem entre homens livres)
participar a honra de eleger a mesa.”
330
A implicação mais imediata da vantagem de uma mesa a favor de um partido era a do
reconhecimento da identidade do votante.
331
Com isso, ela tinha o direito de rejeitar listas de
votos por procuração que ela achasse suspeitas de fraude, votos estes normalmente que
beneficiariam os adversários. Quanto às listas de procuradores correligionários seus, que
poderiam possuir nomes e assinaturas falsificadas, tinham acesso livre à urna.
Um fato curioso aconteceu em Jaboatão, onde o juiz de paz era um dos vice-presidentes
que sucederam ao Barão da Boa Vista, Izidro Francisco de Paula Pereira de Mesquita. Segundo o
Diário de Pernambuco, o dito juiz de paz cometeu uma série de irregularidades: fez uma reunião
em sua casa para excluir o Delegado das urnas, realizou a qualificação em sua casa, publicou a
lista dos votantes no dia em que extinguiu a junta qualificadora, excluiu da lista mais de
cinqüenta moradores do Sr. Domingos de Souza Leão, sorteou a mesma mesa das eleições
passadas, onde estavam presentes cinco cunhados seus, e sob pretexto de que queriam roubar a
urna mandou gente armada de engenhos beneficiados para proteger a Igreja. Some-se a isto a sua
esperteza no dia da eleição:
“Tomou a soberana Mesa o seu costumado expediente das eleições
passadas, de iludir as pessoas que entregavam seus ofícios ou listas,
329
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
213, 24/09/1844. Ver também Diário de Pernambuco, n
o
212, 23/09/1844.
330
IAHGP, Diário Novo, n
o
209, 26/09/1844.
331
Decreto n° 157, de 4 de maio de 1842, Art. 16, § 1°. in SOUZA, Francisco Belisário de. op. cit. p. 204.
113
deitando-os na urna sem exame; e como geralmente no mato cada um que
entrega seu voto retira-se, quando se entra na apuração a que já não estão
mais presentes, nem o dono das listas, nem os procuradores ou proprietários,
a Mesa foi rompendo-as e inutilizando-as sem objeção, com diferentes
pretextos; umas por não haver quem dentre as pessoas da Mesa conhecesse a
letra, e outras porque quem tem fé para reconhecer a dos outros, não vale
para si...”.
332
Os resultados no Recife foram amplamente favoráveis aos praieiros. Nas freguesias de
Santo Antônio, São José e Boa Vista todos os eleitores escolhidos eram praieiros (ver anexo 10).
Fora estas freguesias da capital, a Praia ainda venceu em S. Pedro Mártir de Olinda, Itamaracá,
Goiana, Nazaré, Glória, Ipojuca, Una, Água Preta, Limoeiro, Bom Jardim, Bezerros, São
Caetano, Lagoa de Baixo, Flores, Tacaratu, Exu e Salgueiro.
333
Os baronistas conseguiram prevalecer na capital apenas nas freguesias do Poço da Panela
e dos Afogados. Fora conseguiram dominar as de Maranguape, Igarassu, Tejucupapo,
Tracunhaém, Pau d’Alho, Cabo, Muribeca, Limoeiro, Rio Formoso, Barreiros, Escada, Bonito,
Garanhus, Papacaça, Águas Belas, Buíque, Brejo, Pesqueira, Ingazeira, Fazenda Grande, Serra
Talhada e Ouricuri.
334
O equilíbrio ocorreu na capital apenas na freguesia do Recife, onde eleitores praieiros e
baronistas ingressaram nas listas finais (ver anexo 11). Percebe-se que quatro dos nomes
sugeridos por Borges da Fonseca conseguiram ser eleitos: o vigário Francisco Ferreira, o padre
Joaquim Antônio, o Dr. João José Pinto e Antônio João da Ressurreição e Silva. Outras
freguesias “mistas” foram as de Santo Antão e Altinho.
335
Munidos do respaldo que conseguiram nas urnas, os praieiros vão enfatizar na sua
imprensa a vitória que alcançaram nas primárias, vitória esta que seria maior se Marcelino de
Brito não tivesse deixado a polícia nas mãos dos “inimigos” do gabinete do qual era
representante. Mesmo assim, a população pernambucana deu mostras de que “odeia e
excomunga semelhante sucia de quilombolas e seu malunguinho”.
336
A missão agora seria a de
emplacar os seus candidatos na segunda etapa da eleição, ou seja, nas secundárias.
332
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
222, 04/10/1844.
333
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
264, 25/11/1844.
334
Idem, ibdem.
335
Idem, ibdem.
336
IAHGP, Diário Novo, n
o
224, 14/10/1844.
114
4.5 Cheque -Mate: As Eleições São Definidas
As eleições secundárias foram mais tranqüilas que as anteriores. Não houve a
concentração de populares nas matrizes, nem tampouco ocorreram tumultos nas ruas. Os ventos
de outubro eram outros.
Quando esta nova etapa ocorreu a presidência da província tinha testemunhado a troca de
seu titular. Saiu Marcelino de Brito e chegou Thomaz Xavier, sendo ele alvo das mesmas
expectativas e manobras de aliciamento dos dois principais grupos políticos que se degladiavam
em Pernambuco.
Definidos os eleitores, começavam a surgir os nomes dos 13 candidatos de cada grupo,
sendo este o número de vagas para os deputados gerais. Uma questão pode ser levantada: por quê
os partidos não escolhiam e divulgavam suas chapas durante a campanha das primárias? Ao
mesmo tempo que explicava, Borges da Fonseca criticava tal atitude: “nada de candidatos antes
da eleição de eleitores, porque os que forem excluídos não trabalham mais e corre perigo essa
eleição”.
337
É no Nazareno que encontramos os nomes dos candidatos a deputados pela Praia,
sendo eles os seguintes:
338
1. Urbano Sabino Pessoa de Melo;
2. Joaquim Nunes Machado;
3. Manoel Inácio de Carvalho;
4. Antônio Joaquim de Melo;
5. Antônio da Costa Rego Monteiro;
6. Filipe Lopes Neto Jr.;
7. General Abreu e Lima;
8. Antônio Afonso Ferreira;
9. Padre Francisco Muniz Tavares;
10. José Pedro da Silva;
11. Manoel Mendes da Cunha Azevedo;
12. Felix Peixoto de Brito Melo;
13. Dr. Jeronimo Vilela de Castro.
Comentando esta chapa praieira, Borges da Fonseca irá dizer que todos os nomes se
resumem na verdade a dois: Urbano Sabino e Nunes Machado. A prioridade da eleição estava
com os dois, sendo os demais nomes apenas acessórios. Alguns nomes foram preteridos porque,
na visão do Repúblico, o Sr. Urbano tinha medo que eles lhes fizessem sombra. Era o caso do
337
APEJE, O Nazareno, n
o
64, 19/09/1844.
338
APEJE, O Nazareno, n
o
66, 01/10/1844.
115
Visconde de Goiana, do padre Muniz Tavares, do general Roma (Abreu e Lima) e do Joaquim
Vilella Tavares. “Qual será o candidato que não incomoda ao sr. Urbano? Falai no sr. Joaquim
José da Costa, e ouvi como se molesta; e assim nos srs. José Pedro da Silva, e desembargador
Peixoto; falai em qualquer outro, e tudo será reparo e formalidade...”.
339
Continuando suas observações, Borges se mostra indignado pelo fato de os treze nomes
pertencerem todos à cidade, não tendo nenhum representante do interior. Além disso, a maioria
era formada por bacharéis. “Sete bacharéis foram indigitados, e se não treze, infalivelmente nove
aspirantes, e é esta a deputação que se impõe a Pernambuco. Certamente Pernambuco buscava
mais em não ter representação do que em sofrer a lista que lhe impõe a praia.”
340
Para se contrapor aos praieiros ele indica uma chapa composta pelos seguintes nomes:
341
1. Visconde de Goiana;
2. Joaquim José da Costa;
3. Padre Luiz Inacio de Andrade Lima;
4.
Coronel Leonardo Bezerra de Siqueira Cavalcanti;
5. Dr. Joaquim Vilela de Castro Tavares;
6. Coronel Francisco Barboza Nogueira Paes;
7. Tenente Coronel Antônio Carneiro Machado Rios;
8. Desembargador Joaquim Teixeira Peixoto.
Borges irá destacar a honestidade e o patriotismo de cada um destes senhores, nomes
“superiores” à maioria dos candidatos praieiros e esquecidos por suas lideranças. Lembra da
forma como o Dr. Joaquim José da Costa sacrificou sua fortuna para ajudar aos brasileiros
durante o processo de Independência. Mesmo não tendo boas relações com o Antônio Carneiro,
reconhece o seu “amor à liberdade” e a sua “boa fé”. Por fim, chama a atenção para a
“superioridade intelectual” do Dr. Joaquim Vilella, sua “sisudez”, seus “princípios de ordem e
liberdade”.
342
Mesmo com todo o esforço de Borges da Fonseca, a luta parecia estar mesmo se
decidindo em favor dos praieiros. Até os baronistas não conseguirão deter a vitória da Praia no
principal colégio eleitoral da província, que era o da capital. Os números dos resultados que os
jornais iam publicando demonstram como eram fortes a chapa praieira e a máquina eleitoral que
trabalhava para a sua vitória.
339
APEJE, O Nazareno, n
o
64, 19/09/1844.
340
APEJE, O Nazareno, n
o
66, 01/10/1844.
341
Idem, ibdem.
342
Idem, ibdem.
116
Já no dia 30 de outubro saía o resultado da votação no colégio do Recife (ver anexo 12).
O mais bem votado foi Urbano Sabino, com 175 votos, seguido de perto por Antônio Afonso
Ferreira e Nunes Machado. Dos treze primeiros colocados, oito pertenciam à chapa praieira e
dois à chapa proposta por Antônio Borges da Fonseca. Dos candidatos da Praia apenas dois não
seriam incluídos no número dos deputados gerais: Rego Monteiro e Abreu e Lima. Nomes
importantes da liderança conservadora ficaram bem atrás, como Maciel Monteiro (37 votos),
Pedro Francisco de Paula Cavalcanti (36 votos), o próprio Barão da Boa Vista (30 votos),
Sebastião do Rego Barros (21 votos) e Nabuco de Araújo (19 votos). Dos 2.745 votos apurados
naquele colégio, somente os candidatos da chapa praieira tiveram 1.707, ou seja, mais de 62% do
total de votos. Tais números mostram a força que o Partido Praieiro tinha conquistado na capital,
força esta adquirida através da ocupação de postos chaves para o resultado eleitoral e do
aliciamento do apoio popular.
A apuração final realizada pela Câmara Municipal foi marcada pelas disputas entre
praieiros e baronistas. O ponto da discórdia era a ata de votação de alguns colégios do interior:
os de Garanhuns, Taquaritinga e Ouricuri. No primeiro, houve a divisão em dois colégios, sendo
um presidido pelo juiz de paz suplente. Assim, os praieiros consideravam nula a votação daquele
colégio. Nos outros dois, teria ocorrido fraude na própria criação dos colégios por parte da
Assembléia Provincial. Os três, dessa forma, iriam beneficiar candidatos ligados ao Barão da
Boa Vista, coisa que os líderes praieiros lutavam para evitar. Além disso, tinham esperança que o
colégio do Cabo, onde predominava um dos irmãos de Boa Vista, fosse também anulado devido
à violência que ali houve.
343
Contando com o apoio do presidente da Câmara, Manoel de Souza Teixeira, e de outros
dois vereadores, os praieiros tentaram eliminar da apuração a ata do colégio de Taquaritinga.
Manoel Teixeira enviou um ofício ao presidente da província explicando seus motivos para que
tivesse excluído tal ata. Em resposta, Thomaz Xavier decidiu que os votos do colégio fossem
apurados em separado, mesmo havendo “muitas diferentes razões de duvidar” da veracidade de
sua ata, pois a reunião ocorreu em lugar “não designado para colégio”, ele não foi presidido por
“autoridade legítima” e não houve apresentação da “cópia autêntica” da ata.
344
Mesmo com todas
as manobras a Praia não conseguiu impedir que os votos de Taquaritinga e Garanhuns fossem
incluídos na apuração, ficando suas esperanças para que a Assembléia Geral os anulassem. Com
isso o resultado final da apuração para deputados gerais ficou sendo o seguinte:
345
343
IAHGP, Diário Novo, n
os
249 e 257, 14 e 23/11/1844.
344
IAHGP, Diário Novo, n
o
267, 06/12/1844; IAHGP, Coleção Ofício da Presidência da Província à Câmara
Municipal do Recife, 1843-1845, 03/12/1844.
345
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
273, 06/12/1844.
117
Nome
Votos
1. Dr. Antônio Afonso Ferreira 794
2. Barão da Boa Vista 719
3. Dr. Urbano Sabino Pessoa de Mello 713
4. Dr. Joaquim Nunes Machado 704
5. Dr. Pedro Francisco de Paula C. 658
6. Cons. Sebastião do Rego Barros 638
7. Cons. Antônio Peregrino Maciel Monteiro 633
8. Antônio Joaquim de Mello 626
9. T. C. Manoel Ignacio de Carvalho M. 606
10. Manoel Mendes da Cunha Azevedo 579
11. Antônio da Costa Rego Monteiro 567
12. Dr. Jerônimo Vilella de Castro Tavares 559
13. Dr. Álvaro Barbalho Uchôa C. 555
Suplentes (?)
Dr. José Thomas Nabuco de Araújo Jr. 534
Francisco Muniz Tavares 532
Dr. Felix Peixoto de Brito e Mello 512
Ten. José Pedro da Silva 490
Dr. João José Ferreira d’Aguiar 471
Dr. José Bento da Cunha Figueiredo 467
Dr. Filippe Lopes Neto 460
Des. Manoel Ignacio Cavalcanti Lacerda 458
Visconde de Goianna 446
Dr. Manoel Joaquim Carneiro da Cunha 423
Dr. Alexandre Bernardino Reis e Silva 418
Cor. Leonardo Bezerra de Siqueira C. 353
José Ignacio de Abreu e Lima 350
Mesmo com a inclusão de colégios que beneficiavam os conservadores, os praieiros
conseguiram eleger oito deputados, enquanto que aqueles fizeram apenas cinco. Mas isso não foi
a vitória final do Partido Praieiro, pois o quadro seria modificado com a inclusão no processo da
Câmara Geral. Na terceira sessão preparatória da Câmara dos Deputados, realizada no dia 26 de
dezembro daquele mesmo ano, a comissão de constituição e poderes, presidida por Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, um dos candidatos a senador por Pernambuco (ver
capítulo 3), decidiu por anular os colégios do Cabo, Ouricuri e Garanhuns, acrescentando ainda a
anulação da eleição primária da freguesia dos Afogados.
346
A conseqüência imediata de tal
decisão foi a reformulação dos resultados finais na província e a troca de lugares de alguns
deputados. Nabuco de Araújo, que tinha assumido a vaga de Pedro Francisco, Sebastião do Rego
Barros e Maciel Monteiro ficaram como suplentes remotos e deixaram de ser titulares. Já
Francisco Muniz Tavares, Félix Peixoto de Brito e Filipe Lopes Neto passaram a ser titulares, o
que fez a Praia pular sua bancada de oito para onze deputados. Dos conservadores, apenas o
346
IAHGP, Diário Novo, n
o
22, 28/01/1845.
118
Barão da Boa Vista e Álvaro Barbalho, na condição de primeiro suplente, permaneceram. O
resultado final ficou sendo o seguinte:
347
1.
Antônio Affonso Ferreira
2. Urbano Sabino Pessoa de Mello
3. Joaquim Nunes Machado
4. Antônio Joaquim de Mello
5. Manoel Mendes da Cunha Azevedo
6. Manoel Ignacio de Carvalho Mendonça
7. Jerônimo Villela de Castro Ta vares
8. Antônio da Costa Rego Monteiro
9. Francisco Muniz Tavares
10. Pedro Francisco de Paula Cavalcanti d’Albuquerque
11. Feliz Peixoto de Brito e Mello
12.
Barão da Boa Vista
13. Felippe Lopes Neto
SUPLENTES
14. Álvaro Barbalho Uxoa Cavalcanti
15. José Pedro da Silva
16. Sebastião do Rego Barros
17. Visconde de Goianna
18. Antônio Peregrino M. Monteiro
19. José Bento da Cunha Figueiredo
20. José Ignacio d’Abreu e Lima
21. José Thomaz Nabuco d’Araújo
Encerravam-se assim as eleições gerais com a consolidação do poder da liderança
praieira em Pernambuco. Depois de um longo processo de lutas contra o grupo ligado ao Barão
da Boa Vista, a Praia conseguia formar uma bancada forte que lhe daria condições para
barganhar com o ministério de 2 de fevereiro um novo presidente que pusesse em prática a tão
sonhada inversão política na província. Este homem seria Chichorro da Gama. A agora oposição
baronista iria ficar nesta condição por mais alguns anos, até 1848. Desta forma estava aberto o
caminho para o que Joaquim Nabuco chamou de “pleno domínio da Praia”.
348
347
IAHGP, Diário Novo, n
o
21, 27/01/1845.
348
NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império. 5ª edição. Vol. 1. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. p. 95.
CONCLUSÃO
O estudo das eleições gerais de 1844 contribui para o entendimento do fenômeno que foi
a participação popular no movimento praieiro, bem como serve de base para uma análise das
estratégias que as camadas mais baixas da sociedade recifense utilizavam para superar as
barreiras legais que as impediam de ter papel ativo nas decisões eleitorais.
A documentação analisada mostra a luta entre os dois principais grupos políticos da
província de Pernambuco naquele momento. De um lado os conservadores ligados ao Barão da
Boa Vista e apoiados pelo grupo liberal de Holanda Cavalcanti, ligados ao poder por uma
administração que já durava quase sete anos. Tanto tempo no governo permitiu a este grupo
formar uma vasta rede de clientelismo e de ocupação de cargos públicos importantes para o
sucesso eleitoral. Do outro lado estavam os praieiros, indivíduos deslocados do poder pelo
partilhamento deste entre o Barão e Holanda Cavalcanti. Era a composição, em outras palavras,
dos insatisfeitos com a centralização política levada adiante por aqueles dois líderes da
província.
349
O primeiro grande embate entre praieiros e baronistas foi justamente aquelas eleições de
1844. O Partido Praieiro soube usar as insatisfações geradas pela longa administração de
Francisco do Rego Barros e a partir delas montar seu discurso de oposição. Percebendo sua
desvantagem em relação aos quadros baronistas, ele parte em busca do apoio popular. Para tanto
procurou inicialmente cooptar o apoio de lideranças que tinham acesso a camadas menos
privilegiadas da sociedade recifense. Fracassaram na tentativa de integrar Borges da Fonseca ao
seu grupo, mas boa parte dos aliados do Nazareno cedeu e decidiu pelo apoio à Praia. Além
destes, nomes como os dos irmãos Machado Rios também contribuíram para dar ao partido uma
conotação popular. O próximo passo para atrair a confiança da população mais pobre do Recife
era incorporar no seu discurso temas de seu interesse, tais como o anti-lusitanismo e a
nacionalização do comércio a retalho.
O esforço da Praia foi recompensado no momento em que as eleições aconteceram, pois
sua vitória veio acompanhada de vasto apoio popular. É importante refletirmos sobre um detalhe
desta relação entre os praieiros e os grupos populares do Recife. Em uma de suas obras, Izabel
Marson critica uma corrente de interpretação da Praieira que remonta a Joaquim Nabuco e passa
por Amaro Quintas, onde o movimento é visto como possuindo forte conotação popular. Para
ela, a composição do partido e sua prática política demonstram seu caráter elitista e
comprometedor com as estruturas excludentes da época. O próprio caráter popular do
349
Ver o capítulo “Praieiros e Baronistas”, in MARSON, Izabel Andrade. O Império do Progresso: A Revolução
Praieira em Pernambuco (1842-1850). São Paulo: Brasiliense, 1987.
120
movimento foi construído pelos seus adversários com o objetivo de condená-los pelo crime de
rebelião.
350
No meu ponto de vista, a documentação sobre as eleições daquele ano apontam mais
para a perspectiva de Nabuco do que a de Marson. Pode-se até concordar com ela no que se
refere ao interesse último da liderança praieira. De fato ela não visava a transformação das
estruturas sociais e políticas que impediam as camadas populares de terem acesso às decisões do
poder. O próprio Borges da Fonseca por várias vezes apontou as contradições do discurso da
liderança praieira, principalmente no que dizia respeito entre ela e o passado de seus principais
políticos. Mas não se pode negar o apoio que aquelas camadas deram aos praieiros.
Acredito que o foco da questão deve ser centrado não na liderança do Partido Praieiro, e
sim nos próprios integrantes destas camadas populares. No capítulo 1 vimos a situação em que se
encontrava a cidade do Recife à época: crescimento da sua área urbana e da população, aumento
da mendicância, carestia dos produtos de primeira necessidade e desemprego. Os
desdobramentos destes problemas econômicos e sociais na cidade levavam a uma visão
deturpada sobre os seus reais motivos. O inimigo número um da população mais pobre, a que
mais sofria com todos estes problemas, era o estrangeiro, principalmente o elemento lusitano.
Num quadro como este, o canto da sereia praieira era quase irresistível. Nem mesmo Borges da
Fonseca, homem acostumado a lidar com esta parte do povo recifense, conseguiu convencê-los
de que a Praia queria apenas utilizá-los como massa de manobra. O problema era que para
aquelas pessoas o Partido Praieiro significava uma possibilidade real de colocar no poder um
grupo que procurava se identificar com seus anseios. Afinal de contas, que outro grupo político
com chances de conquistar o controle do governo provincial tinha até então inserido em seu
discurso reivindicações e propostas daqueles grupos?
Mesmo que para a liderança do partido as promessas não passassem disso, para aquela
parte da população o aceno de que reivindicações suas seriam atendidas era pra valer. Animados
com a possibilidade de solução para os seus problemas, os artistas nacionais resolveram
encaminhar para o Rio de Janeiro uma petição em que reivindicavam a expulsão de artistas
estrangeiros. No dia 11 de dezembro o Diário Novo publicava o seguinte aviso:
“No dia 12 do corrente mês estará exposto em casa de Luiz Gonzaga de
Viterbo, na rua estreita do Rosário n. 39, para os Pernambucanos artistas que
quiserem assinar um requerimento que se dirige a Sua Majestade e à
Assembléia Geral em que se pede prontas providências a fazer parar as
350
MARSON, Izabel Andrade. O Império do Progresso: A Revolução Praieira em Pernambuco (1842-1850). São
Paulo: Brasiliense, 1987.
121
calamidades brasileiras mostrando a causa dos males que nos afligem e
indicando o remédio a pôr termo a eles.”
351
Comentando esta nota, o Diário de Pernambuco mostrava exatamente a motivação que
estava por trás do documento:
“A malta da praia, os pescadores de Deputação e mais concumitâncias para
levarem a classe de operários a se prestar aos seus manejos eleitorais,
prometeram-lhe nesta vida mais do que Mafoma prometeu aos seus
seguidores na outra. Entre outros contos e enredos com que a embalaram e
seduziram foi a expulsão dos estrangeiros artistas e artífices de todo o
gênero etc. etc. O verso entoou, os pobres homens deixaram-se levar do
brilho de um sonho, o serviço que deles se queria foi feito; tratava -se do
pagamento: fez-se o assinado...”.
352
Os praieiros reconheceram a legitimidade da reivindicação, mas não assumiram a autoria
do documento e nem admitiram que tivessem feito tal promessa aos artistas. “Eles, é verdade,
muito nos ajudaram, porque são cidadãos, têm sentimentos políticos e são nossos
correligionários, como são todos os que vivem licitamente de sua indústria e trabalho... Eis a
razão única porque eles nos ajudaram, e não porque os iludíssimos.”
353
Mas o que importava não
era tanto a questão de terem ou não feito a promessa, e sim o fato de assumirem em seu discurso
a defesa dos interesses de tais grupos sociais.
No que diz respeito à participação das camadas mais pobres do Recife no processo
eleitoral, percebe-se como a legislação procurava impedi-la. A começar pelo voto censitário,
onde se estipulava uma determinada renda para que o indivíduo tivesse o direito do voto. Mesmo
que a lei desse margem para interpretações as mais diversas, e com isso uma parte significativa
de homens livres não-proprietários acabassem votando, o máximo a que chegariam era participar
como votantes primários. Mas como já afirmou Giovanni Levi, todo sistema normativo, por mais
rígido que seja, sempre deixa frestas para que o indivíduo possa agir com relativa liberdade.
354
Foi isso o que pudemos constatar nas eleições de 1844. E o fecha-fecha de setembro daquele ano
pode ser analisado a partir desta perspectiva.
A pressão popular sobre os votantes e de apoio às mesas paroquiais dominadas pela Praia
foi uma das armas utilizadas pelo partido para garantir a vitória no pleito. Para tanto era
351
IAHGP, Diário Novo, n
o
271, 11/12/1844.
352
APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
280, 14/12/1844.
353
IAHGP, Diário Novo, n
o
278, 19/12/1844.
354
LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-História. in BURKE, Peter (org.). A Escrita da História: Novas Perspectivas . São
Paulo: UNESP, 1992.
122
necessário mobilizar um número grande de pessoas que estivessem dispostas a ajudar. Foi a
partir daí que os grupos populares aliciados pelos praieiros começaram a agir de conformidade
com a sua visão de mundo e de sua maneira de interpretar o mau momento em que viviam. A
promoção do fecha-fecha não era do interesse da liderança praieira, pelo menos não da forma
como aconteceu. O que ela desejava era pressão política, e não violência nas ruas. Afinal de
contas, a chefia de polícia era sua e eles tinham um presidente de província até então acessível e
nomeado por um ministério tido como aliado. Não era interessante promover violência e dar
margem para que seus adversários tentassem desmoralizar as autoridades policiais e o próprio
governo provincial. Além disto, a eleição apresentava-se extremamente favorável à Praia, e sua
liderança não correria o risco de vê-la anulada por conta de violências promovidas por seus
correligionários. Já os baronistas não tinham apoio popular suficiente para se contrapor aos
praieiros e promover uma manifestação como aquela.
Isto nos leva a interpretar o fecha -fecha como sendo uma manifestação de grupos
marginalizados dentro da sociedade recifense e que naquele momento tinham encontrado uma
brecha para demonstrar suas insatisfações através do aceno feito pelos praieiros. O estopim para
os acontecimentos de setembro foi o lugar que a liderança praieira deu para tais grupos, que
normalmente não tinham possibilidade quase que nenhuma de participação no processo eleitoral.
É interessante percebermos os integrantes e os alvos da manifestação.
A documentação nos fornece alguns indícios sobre a condição social das pessoas que
participaram do fecha-fecha. Uma primeira pista é a referência às intenções dos pescadores de
Fora de Portas, no Bairro do Recife, na noite do dia 8. Seria um dos grupos que aproveitaram as
agitações para promover perseguições a certas pessoas, provavelmente motivados por
sentimentos de vingança. Vimos também a prisão de um soldado do Batalhão de Artilharia na
noite do dia 9, estando armado de um cacete. Uma das explicações para o apoio de elementos da
tropa de linha e da polícia aos praieiros é a influência exercida sobre eles pelos irmãos Carneiro
Machado Rios, militares e líderes bastante populares aliados dos praieiros naquele momento.
Além destes, o próprio Pedro Ivo, militar também influente entre os soldados, é visto como
elemento ativo nas ações eleitorais. Por fim, as expressões usadas pelos jornais para se referir aos
participantes daquele evento nos apontam outras pistas: populaça anarquizada, cacetistas,
pandilha, desordeiros e gentalha. Já as vítimas da anarquia seriam os proprietários, as famílias,
os amigos da ordem, os cidadãos, os negociantes, os comerciantes e os homens pacíficos.
Portanto, a massa dos integrantes do fecha-fecha seria formada por homens não-proprietários,
sem fortuna, mal vistos pelas elites e pertencentes ao baixo escalão da sociedade. Em outras
palavras, seria a “populaça” do Recife.
123
Esta “populaça” não se envolveu nos eventos ligados às eleições de 1844 simplesmente
por laços de clientelismo a um ou outro grupo político, nem por pura simpatia, mas havia um
outro elemento que os impulsionava a cerrar fileiras com os praieiros. Este elemento já foi
apontado por Joaquim Nabuco no século passado: a luta em favor da nacionalização do comércio
a retalho. Reivindicação antiga do “povo” recifense, a bandeira em favor desta luta seria
retomada a partir de 1844 e se estenderia no discurso da Praia até o embate final de 1848-9 com
a luta armada.
355
Para a população pobre da cidade, a principal fonte das suas mazelas era o
excesso de portugueses no pequeno comércio. Os lusitanos monopolizavam não somente a
propriedade dos pequenos estabelecimentos, mas também as vagas de emprego oferecidas neste
ramo. Tamanha era a revolta contra esta situação que também se reivindicou a expulsão de todos
os portugueses solteiros da Província.
356
Isso explica porque um dos principais alvos de tumultos
como o fecha-fecha e os mata-marinheiros eram os portugueses e o seu comércio.
Desta forma, a reivindicação da nacionalização do comércio a retalho foi o elemento de
maior propulsão que levou a “populaça” a participar de eventos como o fecha-fecha e a se
integrar na luta política provincial. O seu apoio iria para aqueles que encarnassem, pelo menos
no discurso, tal causa. Favorecidos por um ambiente político onde os grupos dirigentes
encontravam-se desunidos e, portanto, enfraquecidos, o “povo” encontrou oportunidades de pôr
na rua sua reivindicação. Dirigidos pela sua interpretação do momento político, aqueles grupos
subordinados agiam conforme as suas expectativas de verem concretizadas as medidas que, na
sua percepção, melhorariam as suas condições de vida (ou sobrevivência).
355
Ver CARVALHO, Marcus J. M. de. A Praieira e a Nacionalização do Comércio a Retalho. in Anais da XV
Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa História. Rio de Janeiro: 1995.
356
CARVALHO, Marcus J. M. de. Os Símbolos do “Progresso” e a “Populaça” do Recife, 1840-1860. in Cidades
Brasileiras Políticas Urbanas e Dimensão Cultural. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros/USP, 1998. p. 52-
70.
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125
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Modernista do Recife, enquanto Elemento Básico de Composição do Cenário Urbano.
Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Dissertação de Mestrado, 1989.
126
1. FONTES
1.1 Fontes manuscritas:
Coleção Obras Públicas APEJE, Recife.
Coleção Polícia Civil APEJE, Recife.
Coleção Câmaras Municipais APEJE, Recife.
Coleção Registros de Ofício APEJE, Recife.
Coleção Polícia Militar APEJE, Recife.
Relação Numérica da População Livre e Escrava do 1
º
Distrito do Termo do Recife,
10/01/1856 - APEJE, Recife.
Coleção Ofício da Presidência da Província à Câmara Municipal do Recife - IAHGP,
Recife.
Juízo Municipal da 1ª Vara, Recurso de Antônio Borges da Fonseca, 1847 IAHGP,
Recife.
1.2 Fontes impressas:
Diário Novo IAHGP, Recife.
O Nazareno APEJE, Recife.
O Guararapes APEJE, Recife.
Diário de Pernambuco APEJE, Recife.
Diário de Pernambuco DPH, Recife.
127
ANEXOS
128
ANEXO I
Mapas da Ilha de Santo Antônio
V
ANEXO II
Resultado Final Da Apuração Para Vereadores do Recife
Eleição de 7 de Setembro de 1844
Nome Votos
Manoel Joaquim do Rego Albuquerque 5.579
Luiz Francisco de Mello Cavalcanti 5.381
Manoel do Nascimento da C. Monteiro 5.346
José Ramos de Oliveira 5.175
Manoel Caetano Soa res Carneiro M. 5.020
Francisco Antônio d’Oliveira 4.946
Ignacio Nery da Fonseca 4.849
José Camelo do Rego Barros 4.828
Manoel Coelho Cintra 4.825
Suplentes
Manoel de Souza Teixeira 4.772
Francisco Carneiro Machado Rios 4.629
Dr. Antônio José Alves Ferreira 4.236
José Egidio Ferreira 4.150
Dr. Joaquim de Aquino Fonseca 4.100
Rodolfo João Barata d’Almeida 4.041
Gaudino Agostinho de Barros 3.420
Francisco Luiz Maciel Vianna 3.234
José Higino de Miranda 2.349
Antônio Ricardo do Rego 2.303
Fonte: DPH, Diário de Pernambuco, n
o
253, 12/11/1844.
VI
ANEXO III
Resultado Final Da Apuração Para Vereadores do Recife
Com Votação por Freguesia e Identificação Política
Eleição de 7 de Setembro de 1844
Partido da Ordem (baronistas)
Reci.
(716)
Santo
Antônio
(1317)
São José
(1114)
Boa
Vista
(2041)
Afogados
(1255)
Boa
Viagem
(118)
Jabo.
(900)
Poço
(1526)
São
Lour.
(1845)
José
Ramos
211 183 128 123 1019 15 820 1461 1215
Manoel
Joaquim
40 124 104 36 1182 17 822 1450 1801
Nascimen
to
59 163 110 101 1142 17 763 1402 1589
Luiz
Francisco
30 138 97 36 1156 16 690 1458 1760
Oliveira 39 121 91 27 1151 13 371 1338 1795
Manoel
Caetano
44 137 89 59 1156 16 281 1478 1760
Cintra 33 124 74 38 993 15 264 1451 1830
José
Camelo
20 122 95 33 1142 11 137 1489 1779
Maciel
Vianna
11 104 111 45 1155 21 160 417 1210
Partido da Praia
Souza
Teixeira
392 1146 971 1926 90 45 86 96 20
Nery da
Fonseca
341 1058 962 1889 356 105 56 57 23
Francisco
Carneiro
262 1141 974 1928 91 65 76 91 1
A. J.
Alves
247 1062 914 1841 14 29 54 21 54
José
Higidio
228 1060 916 1856 30 8 26 15 11
Dr.
Aquino
238 1060 898 1829 11 4 29 31 0
Barata 182 1056 912 1795 21 0 0 75 0
J. Higino
de M.
56 86 410 1771 20 1 0 15 10
Gaudino 390 993 519 89 98 7 416 886 22
Antônio
Ricardo
154 1044 374 54 18 3 620 15 21
M.
Pimentel
2 3 339 1793 3 0 0 13 0
Fonte: DPH, Diário de Pernambuco, n
o
263, 23/11/1844.
VII
ANEXO IV
Relação dos Nomes de Candidatos a Eleitores na Chapa Baronista
Freguesia de Santo Antônio
1. Joaquim Marcelino de Brito
2. Tenente-Coronel Domingos
Affonso Neri Ferreira
3. Dr. Casimiro de Sena Madureira
4. Dr. José Thomaz Nabuco d’Araújo
Jr.
5. Major Gustavo José do Rego
6. José Bento da Cunha Figueiredo
7. Capitão Claudino Benício Machado
8. Benvenuto Augusto de Magalhães
Taques
9. Escrivão Innocêncio da Cunha
Goianna
10. Empregado Público Luiz Francisco
de Mello Cavalcanti
11. Dr. João Floripes Dias Barreto
12. Tenente Manoel Camillo Pires
13. Brigadeiro José Joaquim Coelho
14. Tenente-Coronel Pedro
Alexandrino de Barros Cavalcanti
15. Escrivão Guilherme Patrício
Bezerra
16. Fiscal Manoel Joaquim Silveira
17. Capitão João do Rego Barros
18. Guarda-mor Manoel José Martins
Ribeiro
19. Major Thomaz José da Silva
Gusmão Jr.
20. Joaquim José da Fonseca
21. Dr. Francisco de Paula Baptista
22. Capitão Sebastião Lopes Guimarães
23. Dr. Antônio José Pereira
24. Empregado Público Francisco
Xavier Cavalcanti
25. Dr. José Bernardo Galvão
Alcanforado
26. Tenente-Coronel Manoel Gonçalves
Pereira Lima
27. José Nicolau Rigueira Costa
28. José Francisco Mamede d’Almeida
29. Joaquim Francisco Cavalcanti
30. Antônio da Silva Gusmão
31. Antônio Joaquim Correia de Brito
32. João Facundo da Silva Guimarães
Fonte: APEJE, O Guararapes, n
o
15, 21/09/1844; IAHGP, Diário Novo, n
o
187, 30/08/1844.
3
ANEXO V
Relação dos Nomes de Candidatos a Eleitores na Chapa Baronista
Freguesia da Boa Vista
1. Antônio Carlos de Pinho Borges
2. Sebastião do Rego Barros
3. João José Ferreira de Aguiar
4. Antônio Peregrino Maciel Monteiro
5. Antônio Pedro de Sá Barreto
6. Francisco Antônio de Oliveira
7. José Ramos de Oliveira
8. João Pinto de Lemos
9. Augusto Frederico de Oliveira
10. Luiz Gomes Ferreira
11. Manoel Coelho Cintra
12. João Valentim Vilela
13. Venâncio Henriques de Rezende
14. Affonso Honorato Bastos
15. Bernardo José Muniz Pereira
16. Miguel Carneiro da Cunha
17. Domingos Germano Affonso
Rigueira
18. João Ribeiro de Vasconcelos Pessoa
19. Antônio Joaquim de Siqueira
20. João Gonçalves da Silva
21. Manoel Luiz Virães
22. José Thomaz de Campos Quaresma
23. João Pedro de Araújo e Aguiar
24. Manoel Caetano Soares Carneiro
Monteiro
25. Luiz Antônio Rodrigues de
Almeida
26. Manoel Peregrino da Silva
27. Joaquim Correia da Costa
28. Maximiano Francisco Duarte
29. Francisco Ignacio de Atahyde
30. Luiz da Veiga Pessoa
31. Antônio Ignacio de Azevedo
32. Francisco Rodrigues Sette
33. José Maria Freire Gameiro
34. Manoel do Nascimento da Costa
Monteiro
35. Miguel do Sacramento Lopes Gama
36. Francisco Ribeiro Pires
37. Francisco Sérgio de Matos
38. Francisco João Carneiro da Cunha
Fonte: APEJE, O Guararapes, n
o
15, 21/09/1844.
3
ANEXO VI
Relação dos Nomes de Candidatos a Eleitores na Chapa Praieira
Freguesia de Santo Antônio
1. Presidente Joaquim Marcelino de Brito
2. Comandante das Armas Henrique Marques de Oliveira Lisboa
3. Dr. Antônio Afonso Ferreira
4. Delegado Candido Autran da Mata e Albuquerque
5. Procurador fiscal Antônio Joaquim de Mello
6. Dr. Joaquim Nunes Machado
7. Dr. Jeronimo Vilella de Castro Tavares
8. Dr. Filippe Lopes Netto
9. Dr. Urbano Sabino Pessoa de Mello
10. Comendador Manoel de Souza Teixeira
11. Coronel Joaquim Bernardo de Figueiredo
12. Juiz de paz Manoel Antônio Viegas
13. Juiz de paz Antônio da Costa Rego Monteiro
14. Juiz de paz Feliciano Joaquim dos Santos
15. Dr. Antônio d’Assunção Cabral
16. Ajudante Francisco Joaquim Pereira Lobo
17. Major José Egídio Ferreira
18. Tenente Francisco de Paula Carneiro Leão
19. Empregado público Manoel da Silva Ferreira Junior
20. Capitão Joaquim José Franco
21. Proprietário Joaquim Cláudio Monteiro
22. Tenente Miguel Afonso Ferreira
23. Empregado público Francisco Simões da Silva
24. Negociante Luiz Ignacio Ribeiro Roma
25. Cirurgião Miguel Felício da Silva
26. Negociante Ignacio Manoel Viegas
27. Empregado público José Maxado Freire Pereira da Silva
28. Empregado público Francisco Ludgero da Paz
29. Manoel Joaquim da Costa
30. Tabelião Manoel Antônio Coelho de Oliveira
31. Cirurgião José Francisco Pinto Guimarães
32. Negociante José Pedro do Rego
Fonte: IAHGP, Diário Novo, n
o
204, 19/09/1844.
4
ANEXO VII
Relação dos Nomes de Candidatos a Eleitores na Chapa Praieira
Freguesia de São José
1. Dr. Joaquim Vilella de Castro Tavares
2. Pe. Basílio Gonçalves da Luz
3. Pe. Antônio Francisco da Trindade
4. Manoel Florêncio Alves de Moraes
5. Antônio Ferreira d’Anunciação
6. Manoel Camello Pessoa
7. José Jacinto dos Santos
8. José Fernandes da Cruz
9. Francisco Antônio das Chagas
10. João Manoel Ribeiro de Couto
11. Antônio Luiz de Sousa
12. João de Deus Cabral
13. Francisco Serafico d’Assis Carvalho
14. Manoel Antônio Nunes Machado
15. Joaquim Francisco Bastos
16. Francisco Camello Pessoa de Lacerda
17. José Conegundes da Silva
18. Desembargador Joaquim Teixeira Peixoto d’Abreu e Lima
19. Francisco Borges Mendes
20. Thomé Fernandes de Castro Medeira
21. Pe. Thomé Ignacio Gomes
22. Coronel Trajano Cezar Burlamaqui
23. Joaquim Salvador Pessoa Siqueira Cavalcanti
24. Domingos de Azeredo Coutinho
25. José da Silva Pavão
26. Manoel Antônio Ribeiro
27. Coronel Francisco José Martins
28. Francisco da Costa Arruda Mello
29. Antônio Joaquim d’Oliveira Baduen
30. Manoel Francisco de Moura
31. Pedro Antônio Teixeira Guimarães
Fonte: IAHGP, Diário Novo, n
o
210, 27/09/1844.
5
ANEXO VIII
Relação dos Nomes de Candidatos a Eleitores na Chapa Praieira
Freguesia da Boa Vista
1. Juiz de paz Antônio Carneiro Machado Rios
2. Vigário João Manoel da Costa Pinheiro
3. Negociante Clorindo Ferreira Catão
4. Tesoureiro João Manoel Mendes da Cunha
5. Negociante Joaquim José da Costa
6. Proprietário Joaquim Carneiro Machado
7. Empregado Público Evaristo Mendes da Cunha
8. Professor Simplício José de Mello
9. Proprietário José Antônio dos Santos e Silva
10. Dr. Ignacio Nery da Fonseca
11. Negociante Antônio Gonçalves Ferreira
12. Despachante Antônio Bernardo Rodrigues Sette
13. Empregado Público José Marinho Pereira dos Santos
14. Proprietário João Pacheco de Queiroga
15. Tenente da Guarda Nacional Francisco José da C. Guimarães
16. Lente Dr. Pedro Autran
17. Visconde de Goianna
18. Negociante Manoel José Vieira da Silva
19. Antônio José Ribeiro de Moraes
20. José Francisco Lavra
21. José Joaquim Bezerra Cavalcanti
22. Alferes João Monteiro de Andrade Malvinas
23. Francisco Martins Raposo
24. Tenente Pedro Affonso Ferreira
25. Sabino Ribeiro Guimarães
26. Negociante José Marques da Costa Soares
27. Capitão Pedro Ivo Velloso da Silveira
28. Tenente Coronel Fernando Luiz Ferreira
29. Tesoureiro Luiz Rodrigues Sette
30. Major Manoel do Nascimento C. Monteiro
31. Escrivão Francisco de Barros Correia
32. Desembargador Belmonte
33. Professor Porfiro da Cunha Moreira
6
34. José Francisco de Souza Lima
35. Empregado público José Pacheco de Queiroga
36. Negociante Manoel Elias de Moura
37. Capitão Antônio Manoel de M. Misquita
38. Tenente Marcelino José Lopes
Fonte: IAHGP, Diário Novo, n
o
210, 27/09/1844.
7
ANEXO IX
Relação dos Nomes de Candidatos a Eleitores na Chapa de Borges da Fonseca
Freguesia de Santo Antônio
1. Dr. Pedro Dornelas Pessoa
2. Dr. Antônio da Assumpção Cabral
3. Dr. Manoel Mendes da Cunha Azevedo
4. Dr. Candido Autran da Matta Albuquerque
5. Dr. João de Barros Falcão de Albuquerque
6. Dr. Antônio Afonso Ferreira
7. Dr. José Francisco Pinto
8. Dr. Fulgensio Infante de Albuquerque Mello
9. Advogado Francisco de Paula Gomes dos Santos
10. Boticário Joaquim José Pinto Guimarães
11. Boticário José da Rocha Paranhos
12. Proprietário José Eginio de Miranda
13. Proprietário José Gabriel da Silva Loreiro
14. Empregado João Francisco Bastos
15. Tenente Filipe Servulo Bizerra Cavalcanti
16. Alferes Lourenço José Rumão
17. Artista Felis Francisco da Paz
18. Artista Diogo Maxado de Hortas
19. Artista Manoel do Amparo Caju
20. Artista José Francisco de Paula
21. Artista José Ignacio da Assumpção Junior
22. Artista Manoel Joaquim da Costa
23. Artista José Francisco Carneiro
24. Negociante Vitorino Francisco dos Santos
25. Solicitador Domingos José Marques
Fonte: APEJE, O Nazareno, n
o
59, 06/09/1844.
8
ANEXO X
Relação dos Nomes de Candidatos a Eleitores na Chapa de Borges da Fonseca
Freguesia do Recife
1. Vigário Francisco Ferreira Barreto, cidadão digno dos mais altos cargos da nação
2. Dr. Antônio Joaquim de Moraes e Silva
3. Francisco Cavalcanti de Mello
4. Major Joaquim Caetano de Souza Cosseiro
5. Dr. João José Pinto
6. Joaquim dos Santos
7. Antônio João da Ressurreição e Silva
8. Capitão João Ribeiro Pessoa de Lacerda
9. Padre Joaquim Rafael da Silva
10. Inácio Antônio Borjes
11. Tenente José Inacio de Medeiros
12. Padre Primo Feliciano Tavares
13. José Rodrigues Pereira
14. Capitão Antônio Roberto e Silva
15. Leandro José Ribeiro
16. Padre Joaquim Antônio Marques
17. Dr. Francisco José da Silva
18. Joaquim José de Miranda
19. José Inácio da Câmara
20. Constansio José das Neves
Fonte: APEJE, O Nazareno, n
o
61, 11/09/1844.
9
ANEXO XI
Resultado das Primárias em Santo Antônio, São José e Boa Vista
Eleitores da Freguesia de Santo Antônio
Nome Votos
1. Comendador Manoel de Souza Texeira 821
2. Procurador Fiscal Antônio Joaquim de Mello 819
3. Dr. Antônio Afonso Ferreira 817
4. Dr. Urbano Sabino Pessoa de Mello 817
5. Proprietário Antônio da Costa Rego Monteiro 817
6. Dr. Joaquim Nunes Machado 815
7. Coronel Joaquim Bernardo de Figueredo 814
8. Dr. Jeronimo Villela de Castro Tavares 813
9. Dr. Antônio da Assumpção Cabral 811
10. Cirurgião Miguel Felício da Silva 811
11. Dr. Candido Autran da Matta e Albuquerque 810
12. Proprietário Feliciano Joaquim dos Santos 808
13. Juiz de paz Manoel Antônio Viegas 807
14. Major José Egidio Ferreira 806
15. Negociante Ignacio Manoel Viegas 805
16. Capitão Joaquim José Franco 804
17. Empregado público Francisco Simões da Silva 802
18. Alferes Miguel Affonso Ferreira 801
19. Exm. Comandante das Armas Henrique Marques de Oliveira Lisboa 800
20. Empregado público Manoel da Silva Ferreira Junior 795
21. Ajudante Francisco Joaquim Pereira Lobo 792
22. Empregado público José Machado Freire Pereira da Silva 792
23. Ajudante Francisco de Paula Carneiro Leão 789
24. Dr. Filippe Lopes Netto 774
25. Negociante José Pedro do Rego 773
26. Proprietário Luiz Ignacio Ribeiro Roma 773
27. Cirurgião José Francisco Pinto Guimarães 769
28. Negociante Joaquim Cláudio Monteiro 766
29. Proprietário Manoel Joaquim da Costa 764
30. Tabelião público Manoel Antônio Coelho de Oliveira 755
31. Exm. Presidente Joaquim Marcelino de Brito 754
32. Comendador Francisco Ludgero da Paz 751
Eleitores da Freguesia de São José
Nome
Votos
1. Dr. Joaquim Vilella de Castro Tavares 949
2. Pe. Basílio Gonçalves da Luz 944
3. Pe. Antônio Francisco da Trindade 943
4. Manoel Florêncio Alves de Moraes 943
5. Antônio Ferreira d’Anunciação 941
6. Manoel Camello Pessoa 941
7. José Jacinto dos Santos 938
8. José Fernandes da Cruz 938
9. Francisco Antônio das Chagas 937
10. João Manoel Ribeiro de Couto 936
10
11. Antônio Luiz de Sousa 936
12. João de Deos Cabral 936
13. Francisco Serafico d’Assis Carvalho 935
14. Manoel Antônio Nunes Machado 933
15. Joaquim Francisco Bastos 933
16. Francisco Camello Pessoa de Lacerda 930
17. José Conegundes da Silva 930
18. Desembargador Joaquim Teixeira Peixoto d’Abreu e Lima 927
19. Francisco Borges Mendes 927
20. Thomé Fernandes de Castro Medeira 926
21. Pe. Thomé Ignacio Gomes 923
22. Coronel Trajano Cezar Burlamaqui 900
23. Joaquim Salvador Pessoa Siqueira Cavalcanti 886
24. Domingos de Azeredo Coutinho 885
25. José da Silva Pavão 882
26. Manoel Antônio Ribeiro 869
27. Coronel Francisco José Martins 867
28. Francisco da Costa Arruda Mello 864
29. Antônio Joaquim d’Oliveira Baduen 860
30. Manoel Francisco de Moura 852
31. Pedro Antônio Teixeira Guimarães 840
Eleitores da Freguesia da Boa Vista
Nome Votos
1. Juiz de paz Antônio Carneiro Machado Rios 1.476
2. Vigário João Manoel da Costa Pinheiro 1.465
3. Negociante Clorindo Ferreira Catão 1.463
4. Tesoureiro João Manoel Mendes da Cunha 1.462
5. Negociante Joaquim José da Costa 1.460
6. Proprietário Joaquim Carneiro Machado 1.459
7. Empregado Público Evaristo Mendes da Cunha 1.457
8. Professor Simplício José de Mello 1.457
9. Proprietário José Antônio dos Santos e Silva 1.450
10. Dr. Ignacio Nery da Fonseca 1.450
11. Negociante Antônio Gonçalves Ferreira 1.448
12. Despachante Antônio Bernardo Rodrigues Sette 1.447
13. Empregado Público José Marinho Pereira dos Santos 1.445
14. Proprietário João Pacheco de Queiroga 1.444
15. Tenente da Guarda Nacional Francisco José da C. Guimarães 1.437
16. Lente Dr. Pedro Autran 1.437
17. Visconde de Goianna 1.436
18. Negociante Manoel José Vieira da Silva 1.436
19. Antônio José Ribeiro de Moraes 1.435
20. José Francisco Lavra 1.434
21. José Joaquim Bezerra Cavalcanti 1.434
22. Alferes João Monteiro de Andrade Malvinas 1.432
23. Francisco Martins Raposo 1.432
24. Tenente Pedro Affonso Ferreira 1.430
25. Sabino Ribeiro Guimarães 1.430
26. Negociante José Marques da Costa Soares 1.430
27. Capitão Pedro Ivo Velloso da Silveira 1.429
28. Tenente Coronel Fernando Luiz Ferreira 1.427
29. Tesoureiro Luiz Rodrigues Sette 1.417
11
30. Major Manoel do Nascimento C. Monteiro 1.413
31. Escrivão Francisco de Barros Correia 1.411
32. Desembargador Belmonte 1.408
33. Professor Porfiro da Cunha Moreira 1.401
34. José Francisco de Souza Lima 1.393
35. Empregado público José Pacheco de Queiroga 1.392
36. Negociante Manoel Elias de Moura 1.391
37. Capitão Antônio Manoel de M. Misquita 1.389
38. Tenente Marcelino José Lopes 1.282
Fonte:IAHGP, Diário Novo, n
o
210, 27/09/1844.
12
ANEXO XII
Resultado das Primárias na Freguesia do Recife
Eleitores de S. Frei Pedro Gonçalves Votos
Dr. José Raimundo da Costa Menezes 824
Vigário Francisco Ferreira Barreto 775
Antônio João da Ressurreição e Silva 753
Dr. João José Pinto 721
Pe. Joaquim Antônio Marques 720
Pe. Francisco José Tavares da Gama 720
Pe. José Leite Pita Ortigueira 709
Francisco José Silveira 709
Francisco Mamede de Almeida 706
Manoel Gonçalves da Silva 700
José Joaquim d’Oliveira 695
Manoel Ignacio d’Oliveira 688
Luiz Antônio Vieira 684
Bernardo Antônio de Miranda 683
Manoel da Silva Neves 682
Antônio Annes Jacome Pires 671
João Francisco Teixeira 671
Antônio Alves Barbosa 666
Manoel Alves Guerra 663
Gaudino Agostinho de Barros 656
José Gomes Leal 654
Antônio Joaquim Ferreira de Sampaio 649
Alexandre Rodrigues dos Anjos 644
Francisco Cavalcanti de Mello 643
João Nepomuceno Barroso 633
José Maria Seve 628
Fonte:IAHGP, Diário Novo, n
o
211, 28/09/1844.
13
ANEXO XIII
Resultado da Eleição para Deputados Gerais
Colégio do Recife
Nome Votos
1. Dr. Urbano Sabino Pessoa de Mello 175
2. Antônio Afonso Ferreira 172
3. Dr. Joaquim Nunes Machado 169
4. Antônio Joaquim de Mello 166
5. Dr. Jerônimo Vilella de Castro Tavares 156
6. José Pedro da Silva 150
7. Dr. Manoel Mendes da Cunha Azevedo 142
8. Visconde de Goianna 128
9. Manoel Ignacio de Carvalho Mendonça 125
10. Dr. Felippe Lopes Netto Jr. 123
11. Pe. Francisco Muniz Tavares 115
12. Antônio Carneiro Machado Rios 83
13. Dr. Felis Peixoto de Brito e Mello 77
14. Des. Gregório da Costa Lima Belmonte 72
15. Antônio da Costa Rego Monteiro 71
16. Gen. José Ignacio de Abreu e Lima 66
17. Joaquim José da Costa 66
18. Dr. João José Pinto 56
19. Vicente Thomaz Pires de Figueiredo C. 50
20. Des. Joaquim Teixeira Peixoto de A. L. 44
21. Dr. José Bento da Cunha Figueiredo 42
22. Dr. Antônio Peregrino Maciel Monteiro 37
23. Dr. Pedro Francisco de Paula Cavalcanti 36
24. Augusto Federico de Oliveira 34
25. Dr. Joaquim Vilella de Castro Tavares 33
26. Barão da Boa Vista 30
27. Dr. João José Ferreira de Aguiar 24
28. Pe. Venâncio Henrique de Rezende 24
29. Dr. Francisco João Carneiro da Cunha 23
30. Pe. Miguel do Sacramento Lopes Gama 23
31. Pe. Luiz Ignacio de Andrade Lima 22
32. Dr. Sebastião do Rego Barros 21
33. Álvaro Barbalho Uchôa Cavalcanti 20
34. Dr. José Thomaz Nabuco de Araújo 19
35. Brigadeiro José Joaquim Coelho 16
36. Des. Joaquim Marcelino de Brito 15
37. Dr. Manoel Joaquim Carneiro da Cunha 13
38. Dr. Domingos de Souza Leão 13
39. Vigário Francisco Ferreira Barreto 11
40. Dr. Afonso Arthur de A. e Albuquerque 9
41. Antônio José de Oliveira 9
42. Dr. Manoel Ignacio Cavalcanti de Lacerda 8
43. Dr. Luiz de Carvalho Paes de Andrade 8
44. Dr. Caetano José da Silva Santiago 7
45. Apolinário Florentino de A. Maranhão 5
46. Izidro Francisco de Paula Mesquita e Silva 5
47. José dos Santos Nunes de Oliveira 4
14
48. Dr. Alexandre Bernardino do Reis e Silva 4
49. Leonardo Bezerra de Siqueira Cavalcanti 3
50. Dr. José Francisco de Arruda Câmara 3
51. Pe. João Manoel da Costa Pinheiro 2
52. Dr. Joaquim Francisco de Faria 2
53. Dr. Bernardo Rabello da Silva Pereira 2
54. Manoel de Souza Teixeira 2
55. Jacinto Severiano Moreira da Cunha 2
56. Dr. Manoel Francisco de Paula Cavalcanti 1
57. Domingos Malaquias de A. Pires Ferreira 1
58. Cap. João Ribeiro Pessoa de Lacerda 1
59. Comendador José Ramos de Oliveira 1
60. Francisco Carneiro Machado Rios 1
61. Francisco Honório Bezerra de M. Jr. 1
62. Dr. Fermino Pereira Monteiro 1
63. Manoel Paulino de Goveia Muniz Feijó 1
Fonte: APEJE, Diário de Pernambuco, n
o
243, 30/10/1844.
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