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“na realidade a situação pra quem queira se tornar um intelectual legítimo, é
terrível. Hoje mais que nunca o intelectual ideal é o protótipo do fora-da-lei,
fora de qualquer lei. O intelectual é o ser livre em busca da verdade. A verdade
é a paixão dele. E de fato o ser humano socializado, as sociedades, as nações,
nada tem que ver com a Verdade. Elas se explicam, ou melhor, se justificam,
não pela Verdade, mas por um sem número de verdades locais, episódicas,
temporárias, que, estas, são frutos de ideologias e idealizações. O intelectual
pode bem, e deverá sempre, se pôr a serviço duma dessas ideologias, duma
dessas verdades temporárias. Mas por isso mesmo que é um cultivado, e um ser
livre, por mais que minta em proveito da verdade temporária que defende, nada
no mundo o impedirá de ver, de recolher e reconhecer a Verdade da miséria do
mundo. Da miséria dos homens. O intelectual verdadeiro, por tudo isso, sempre
há de ser um homem revoltado e um revolucionário, pessimista, cético e cinico:
fora da lei.”
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Mário de Andrade mostra uma ambivalência de sentimentos, que talvez se
explique por uma crença no retorno dos valores universais e eternos do homem de
espírito. Ele pensava que, encerrada a crise mundial, o intelectual poderia voltar a ser
artista.
Mário de Andrade pensava assim em 1934, portanto, antes do Estado Novo,
que iria mudar este panorama. Mesmo assim ele procuraria manter-se independente.
Mais tarde, durante os anos 54-64, os intelectuais passariam a ver o povo
como a verdadeira garantia da unidade nacional. Assim, povo e nação, nesses anos,
seriam indissociáveis. A preocupação, então, não seria garantir a coesão interna da
nação, mas defendê-la das ameaças externas ligadas ao imperialismo. Isto pode ser
confirmado nas colunas de Paulo Francis no Última Hora:
“vários leitores me perguntam se não exagero a influência dos EUA na
deterioração da economia nacional. Acham que a responsabilidade da
espoliação de que somos vítimas cabe, em parcelas iguais, aos dirigentes
brasileiros, que se acolham diante dos grupos estrangeiros ou se tornam seus
sócios. Meus leitores são muito inteligentes. Estou de acordo com eles, até certo
ponto. Claro que o Brasil não estaria como está se no poder estivessem líderes
nacionalistas decididos a ir às últimas conseqüências contra os espoliadores. [...]
quem vota, em sua maioria (agora decrescendo) é a classe média, ligada
culturalmente aos EUA, à influência americana que, de econômica a partir de
1930, tornou-se global em seguida à II Guerra. O colonialismo americano é
bastante mais sutil do que, digamos, o francês. Os americanos, como disse
David Bell, há muito desistiram de jogar os “marines” contra os latino-
americanos, quando estes ousam prejudicar seus interesses. Enviam o Pato
Donald, embolsam os Schmidts [Augusto Frederico] a bom preço, e assim por
diante.”
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40
ANDRADE. Táxi e crônicas no Diário Nacional, p. 516.
41
FRANCIS. Paulo Francis informa e comenta, Última Hora, Belo Horizonte, 11.10.1963, p. 4.