Mas nos detenhamos no que acima nos fala Alexandre Gonçalves Pinto, repórter
de uma realidade que pouco lhe agrada.
Para ele havia um despropositado progresso
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cuja principal mazela era ter
acabado com “as músicas melodiosas” que não existiam mais, a não ser quando um dos
“cantores modernos” cantava uma delas (aquelas de Catullo, cita como exemplo), sendo
por isso imediatamente festejado pelas pessoas do tempo da “coroa”. A essa música de
melodiosidade opunham-se o samba e a marcha contrapontados pelas “barulhentas e
irritantes músicas estrangeiras”
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. Inexoravelmente, apontava a superação da modinha,
confirmando o balanço que Vagalume fizera da música brasileira em 1933. Catullo fora
a tática que já se desviara um pouco da estética que o celebrizara, adentrando o terreno
da poesia sertaneja. É célebre, por exemplo, O Marroeiro e outras que tais, tão bem
descritas nas suas crônicas-memórias anteriormente aventadas.
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Nesse mesmo trecho, o carteiro Alexandre flagra uma condição essencial dos
cantores do seu tempo: a potência da emissão de voz. Pois aqueles “cantores daquela
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Pinto, A G. Op. cit. P. 56-8
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Grifo de Alexandre G.Pinto.
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Na década de 20 era muito grande a penetração da música de jazzband no Rio de Janeiro e S. Paulo. Cf.
depoimento de Nicolino Cópia, o Copinha, flautista e clarinetista, em depoimento ao Museu da Imagem e
do Som. O próprio Alexandre nos facilita o trabalho quando na página 62 nos fala de Malaguta, ex-
Diretor de Harmonia do Flor de Abacate e então regente ds Jazzband e Tuna Mambembe.
No seguimento da menção a Catulo da Paixão Cearense, Alexandre confirma a amizade do poeta com
os boêmios Satyro Bilhar e João Riper, que encontramos descrita pelo grande representante da modinha
em suas memórias para a revista literária Vamos Ler!
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Esse aspecto sertanejo/folclórico, dessa fase da produção de Catullo, apontada pelo atento cavaquinista
e violonista, se insere num contexto onde o folclore de índole rural torna-se verdadeira coqueluche na
capital federal e em S. Paulo, precisando por isso, a nosso ver, desde que melhor investigado, ser
avaliado como uma maneira segundo a qual o compositor popular urbano se apropria de uma temática
muito discutida dentro da ideologia dos intelectuais que teriam em Mário de Andrade, nos anos 20 o seu
mais exuberante artífice, com vistas à implementação de um projeto de música nacionalista de teor
erudito para a nacionalidade. Mas, a bem da verdade, em 1915, na noite de 28 de Dezembro, no Teatro
Municipal de S’Paulo, uma iniciativa do escritor Afonso Arinos colocou naquele palco das classes médias
e altas da sociedade paulista, com muito sucesso, algumas cenas de Bumba meu Boi. Um sucesso análogo
se repetiria em 1919 quando do bailado O Contratador de Diamantes, também de Arinos e encenado
postumamente, quando naquele palco um cateretê fora dançado por “pretos verdadeiros”. Mas, segundo
a Enciclopédia da Música Brasileira, p.137, a aceitação da canção sertaneja, - o nome que os
compositores urbanos deram às estilizações de ritmos rurais resultantes no que chamaram arbitrariamente
de moda,chula, toada, cateretê, embolada, batuqueI,, - a partir da segunda década do século XX, parece
ter seu primeiro grande resultado com a toada Cabocla de Caxangá, “sucesso” do carnaval de 1914, letra
de Catulo e música de João Pernambuco.Outros exemplos: nas hostes populares, é a trajetória inicial de
Noel Rosa e seus companheiros Almirante (que se aperfeiçou nas emboladas) e Braguinha, no Bando dos
Tangarás, quando uma verdadeira overdose de folclore inundava as produções de diversos autores de
ambas as linhagens. Pelo lado erudito podem ser lembrados Heckel Tavares, Francisco Mignone, que
escreveram música popular de base folclórica. Durante as décadas de 30 e 40 as rádios acusam em seus
casts um número significativo de cantores de folclore, bem como composições especialmente feitas sob
uma base supostamente folclórica, quando não ocorrem exatamente adaptações diretas da tradição rural.