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NEIMAR MACHADO DE SOUSA
A REDUÇÃO DE NUESTRA SEÑORA DE LA FE NO ITATIM:
ENTRE A CRUZ E A ESPADA (1631-1659).
DOURADOS
2002
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NEIMAR MACHADO DE SOUSA
A REDUÇÃO DE NUESTRA SEÑORA DE LA FE NO ITATIM:
ENTRE A CRUZ E A ESPADA (1631-1659).
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em História, Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul - Campus de
Dourados.
Orientador: Prof. Dr. Eudes Fernando Leite
DOURADOS
2002
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NEIMAR MACHADO DE SOUSA
A REDUÇÃO DE NUESTRA
SEÑORA DE LA FE NO
ITATIM: ENTRE A CRUZ E A
ESPADA (1631-1659).
COMISSÃO JULGADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
Presidente e orientador: Prof. Dr. Eudes Fernando Leite ____________________
2º Examinador: Prof. Dr. Júlio Quevedo _________________________________
3º Examinador: Prof. Dr. Osvaldo Zorzato _______________________________
Dourados - MS, agosto de 2002
4
DADOS CURRICULARES
NEIMAR MACHADO DE SO USA
NASCIMENTO 14/02/1976 Amambai - MS
FILIAÇÃO
Deusdete Martins de Souza
Dalvina Machado de Sousa
GRADUAÇÃO
Licenciatura Plena em Filosofia (1995-1997)
Universidade Católica Dom Bosco - UCDB
Campo Grande MS
1999 – 2002
Atuação no magistério em escolas e faculdades da rede
pública e particular como professor do Ensino Médio, Pré-
Vestibular e Ensino Superior.
5
AGRADECIMENTOS
Ao prof. Dr. Eudes Fernando Leite, pela orientação e confiança.
Aos professores do programa de Mestrado, pela paciência.
Aos professores Dr. Osvaldo Zorzato e Dr. Jérri Roberto Marin pelas
observações e direcionamentos apontados na banca de qualificação.
Aos professores Gilson Martins, Antônio Brand, Kátia Vietta, Ayr
Trevisanelli e Celso Smaniotto pelo suporte técnico e boa vontade.
Aos colegas do curso, pelos debates, apoio e colaboração.
À Kátia Queiroz, pela compreensão.
À família de Nilson Júnior, por receber-me em sua casa, seu lugar.
Ao Museo etnografico "Andres Barbero" na pessoa de Adelina Pusineri.
À CAPES, que proporcionou um breve subsídio financeiro importante
para a execução desta pesquisa.
6
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
....................................................................................8
LISTA DE ANEXOS......................................................................................9
LISTA DE TABELAS....................................................................................10
RESUMO........................................................................................................11
ABSTRACT ....................................................................................................12
INTRODUÇÃO..............................................................................................13
1. AS MISSÕES JESUÍTICAS E A CONQUISTA "ESPIRITUAL"
DO GUARANI............................................................................................21
1.1 A COMPANHIA DE JESUS E A SUA VISÃO DE MUNDO.......................21
1.2 O GUARANI .....................................................................................31
1.3 OS COSTUMES TRADICIONAIS DOS GUARANI (ÑANDE REKO)............34
1.4
A
C
ONQUISTA
"E
SPIRITUAL
"
DO
G
UARANI
.....................................41
2. AS MISSÕES JESUÍTICAS NA PROVÍNCIA DO PARAGUAI
E ITATIM ...................................................................................................45
2.1 A REGIÃO DO ITATIM......................................................................50
2.2 OS ÍNDIOS DO ITATIM......................................................................58
2.3 A MISSÃO DE NUESTRA SEÑORA DE LA FE........................................65
2.3.1 Localização e fundação..................................................65
2.3.2 Ataques bandeirantes .....................................................69
2.3.3 A fase posterior a 1634..................................................71
2.3.4 Os ataques bandeirantes e a destruição da Missão.........76
2.3.5 Os conflitos com o bispo Berdardino de Cárdenas ........86
2.3.6 Os caciques da Missão de Nuestra Señora de la Fe ......87
2.3.7 A catequese ....................................................................88
3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O COTIDIANO
DAS PRÁTICAS INDÍGENAS E JESUÍTICAS NA MISSÃO
DE NUESTRA SEÑORA DE LA FE.......................................................89
3.1 O XAMANISMO E A RESISTÊNCIA ORGANIZADA PELOS GUARANI ....95
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................119
FONTES DOCUMENTAIS...............................................................119
BIBLIOGRAFIA.............................................................................120
DICIONÁRIOS..............................................................................129
INTERNET ....................................................................................129
ANEXOS.........................................................................................................130
8
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 MAPA A REGIÃO DO ITATIM ............................................................
FIGURA 2 MAPA A PROVÍNCIA DO ITATIM ENTRE 1632-1634...........................
FIGURA 3 MAPA LA PROVINCIA DEL ITATIN .......................................................
FIGURA 4 MAPA ATAQUES DE LOS BANDEIRANTES A LAS REDUCCIONES .............
9
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 MAPA ETNOGRÁFICO DO RIO PARAGUAI .............................................
10
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 LOCALIDADES E CACIQUES DO ITATIM................................................
TABELA 2 REDUÇÕES E RESPECTIVOS CACIQUES DO ITATIM................................
TABELA 3 POVOADOS E RESPECTIVOS CACIQUES DO ITATIM...............................
11
RESUMO
O trabalho visa analisar a história da Redução de Nuestra Señora de la Fe,
fundada em 1631, no alto rio Paraguai, a partir da releitura das cartas ânuas dos
jesuítas que atuaram na região do Itatim, a partir da nova historiografia indígena.
A proposta da pesquisa é trazer à luz uma situação de contato intercultural, em
que temos, de um lado, a dominação do sistema colonial espanhol, a pressão das
incursões escravistas dos bandeirantes e a introdução de novos valores por parte
dos jesuítas e, de outro, a resistência do Guarani frente a um modelo imposto pelo
colonialismo luso-espanhol. O estudo está relacionado ao abrangente processo que
vai do estabelecimento da redução em 1631 até o abandono, em 1659, devido à
pressão dos bandeirantes. A idéia central é de que os Guarani não foram meras
vítimas da história, mas que resistiram do ponto de vista cultural, religioso e até
físico para preservar a sua identidade. Os índios da missão, como ativos agentes
da história, fizeram alianças políticas no sentido de se protegerem dos
encomendeiros e bandeirantes.
12
ABSTRACT
The objective of this research is to analise the history of the Comunity of Nuestra
Señora de la Fe, grouded in 1631, in the heights of Paraguay River, reading the
annual letters issued from the Jesuits that worked in the region of Itatim, being
this reading based upon the new historiography of the indian peoples. The main
aim of the research is to bring to light a situation of intercultural relationship in
which we have, on the one side, the predominance of the spanish colonial system,
the pressure of the incursions of the former pioneers that departed from the
province of São Paulo in order to gather slaves and find and explore gold and
stones (the “bandeirantes”) and the introduction of new values by the jesuits, on
the one side and, on the other, the Guarani resistance face to the model imposed
by the luso-spanish colonialism. This study is, then, related to the broad process
that begins with the establishment of the reduction in 1631 until it was withdrawn
in 1659, due to the pressure of the above mentioned pioneers. The nuclear idea to
this work is that the Guarany people were not mere victims of history. Instead of
it, they resisted from a historical, religious and even physical point of view, to
preserve their identity. The indians of the mission, as active agents of history,
have even, e.g., built political coalitions in order to provide themselves protection
against the “bandeirantes” and “encomendeiros” (spanish pioneers).
13
INTRODUÇÃO
Segundo a cosmovisão Guarani, o princípio
1
de tudo o que existe ocorreu
quando um poderoso mágico
2
se manifestou desde as trevas. Os descendentes
atuais dos Guarani o chamam de Ñanderuvuçu (nosso grande pai), que é assistido
e acompanhado por Ñanderu-Mbaecuaá (nosso pai conhecedor de todas as
coisas). Os dois criam e dividem entre si Ñandecy (nossa grande mãe). A casa de
Ñanderuvuçu fica no centro da terra e é cercada por um jardim. A mandioca é um
dos generosos presentes que Ñanderuvuçu deu aos homens. Mas, como os homens
mostraram-se ingratos, decidiu-se pela sua destruição.
3
A terra já foi destruída uma vez quando Ñanderiquey (nosso grande
irmão), filho de Ñanderuvuçu e de Ñandecy, retirou um dos pilares que davam
sustento ao mundo que vacilou e a terra foi destruída pelo fogo. Apenas um
grande mágico Guyraypoty e seu grupo sobreviveram após dançar dia e noite
1
Pouco nos chegou, através dos missionários, da mitologia dos Guarani,. Muitas de suas crenças
eram compartilhadas também pelos Tupi do litoral e vários desses mitos ainda estão presentes entre
os Guarani atuais.
2
Poderoso mágico pode ser lido também como um grande xamã, que neste caso corresponde ao mito
do herói civilizador presente em muitas outras culturas antigas. Os jesuítas associaram o herói
civilizador Guarani a São Tomé, que, segundo o Pe. Montoya (1639), ensinou aos Guarani “os
mistérios divinos”. Cf. MONTOYA, A. R. Conquista Espiritual, p. 55. A rede de caminhos
indígenas, conhecida pelo nome tupi Peabiru, era chamada pelos missionários espanhóis de camino
de San Tomé. Cf. ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del
Paraguay, p. 225. A cristianização dos nomes e heróis dos Guarani e dos ameríndios em geral será
uma marca registrada na atuação dos missionários no Novo Mundo.
3
Cf. HAUBERT, M. Índios e Jesuítas no Tempo das Missões, p. 35-40.
14
sem cessar. Foi levado para onde se encontra Ñandecy, lugar muito fértil onde as
plantas crescem por si mesmas e o mel corre em abundância.
Ñandecy, certa vez, diz para Ñanderuvuçu não acreditar que o milho, a
mandioca, enfim, que o rápido crescimento das plantas devia-se à sua mágica.
Diante desta afronta, Ñanderuvuçu abandona a mulher e a casa e vai para uma
região tenebrosa e inacessível, levando apenas sua rede. Na nova casa, há um
morcego suspenso na altura do teto, e um tigre azul ou jaguar fica sob sua
rede. A qualquer momento Ñanderuvuçu pode mandar o morcego devorar o sol; e
o tigre azul, a lua e os homens. A mulher acabou devorada por jaguares quando
saiu procurar por Ñanderuvuçu; sobreviveram os filhos que ela estava esperando,
um de Ñanderuvuçu e o outro de Ñanderu-Mbaecuaá. Desde então, o fim do
mundo é iminente.
Segundo algumas tradições Guarani, muito tempo depois chegarão
homens cuja aparência e obras seriam designados como herdeiros do herói
Ñanderuvuçu.
De fato alguns homens vieram, não se sabe exatamente de quem eram
descendentes, mas eram brancos, tinham pêlos e se vestiam de modo estranho.
Vieram do outro lado da grande água, tinham cavalos, máquinas de todo tipo,
armas de fogo e pareciam invulneráveis à mágica indígena.
Estes invulneráveis eram os espanhóis num primeiro momento, depois
vieram outros: os bandeirantes. Como se não bastasse, os Guarani ainda
conheceram homens que combatiam a sua mágica sob o pretexto de protegê-los de
ambos os anteriores, eram os jesuítas. Foi o princípio do fim.
15
A delimitação do período (1631-1659) subordina-se à necessidade de
concentrar o estudo do contato ocorrido entre os índios e os jesuítas na missão
Nuestra Señora de la Fe, desde as primeiras incursões dos padres jesuítas, a partir
da fundação da Frente Missionária do Itatim, até a sua destruição no Itatim,
deslocamento e concentração dos índios remanescentes nas proximidades da
cidade de Assunção.
A abordagem teórica e metodológica que orienta este trabalho considera
o Guarani reduzido como uma unidade étnica, porque culturalmente transformado.
Esta transformação não deve ser encarada como um fato eminentemente negativo,
pois cada sociedade carrega dentro de suas práticas sementes da transformação,
com os índios
4
não seria diferente.
A transformação do modo de ser Guarani evidencia o caráter ativo do
indígena frente ao avanço colonial luso e espanhol e também é resultado de uma
luta contra as representações impostas pelos jesuítas detentores do poder da
escrita, que classifica, nomeia e define as comunidades, quer aceitem ou não os
rótulos a elas impostos.
Na opinião de Monteiro, a problemática da “penetração dos jesuítas entre
os Guarani e a articulação de um expressivo sistema de missões as reduções
permanecem um dos capítulos mais interessantes e problemáticos da história do
continente”
5
.
As missões jesuíticas são alvo ainda hoje de acirrados debates. Sua
4
Neste trabalho, quando for utilizada a palavra índio, o autor entende todo aquele indivíduo que
assim se identifica, que é reconhecido pelos membros de sua comunidade como um de seus
elementos e que mantém vínculos históricos com populações pré-colombianas.
16
interpretação oscila entre pontos tão discrepantes como: “comunismo
missionário”, “socialismo missionário” ou até “modo de produção subsidiário”.
Clóvis Lugon é o principal representante da corrente do “comunismo”.
Na obra República “Comunista” Cristã dos Guaranis, erige-se sua tese, cujos
fundamentos são os conselhos comunitários que administravam a comunidade
missionária, que mantinha sua autonomia administrativa, formando com as
demais reduções uma confederação soberana (república). Ele cita ainda o trabalho
comunitário e a propriedade coletiva para apoiar sua análise. Existe também, na
mesma linha, a análise de Décio Freitas, O Socialismo Missioneiro, cujo autor
aponta elementos formadores da sociedade socialista (propriedade, gestão e
apropriação comuns) como presentes na redução.
6
A análise que considera uma economia missioneira desvinculada da
economia mercantil colonial está expressa em Caravaglia, na obra Conceito de
Modo de Produção. Segundo seu autor, o padre missionário é o principal
responsável pela dominação do branco e pela instauração de uma camada que
organiza e controla a produção.
7
Na análise de Monteiro, estas abordagens, embora bastante difundidas
nos meios acadêmicos, são corroboradas pelo fato de que as “missões surgiram no
bojo do sistema colonial espanhol [...] e permaneceram fortemente vinculadas a
5
MONTEIRO, J. M. Os Guarani e a história do Brasil meridional: séculos XVI-XVII, p. 486.
6
Cf. QUEVEDO, J. Guerreiros e Jesuítas na Utopia do Prata, p. 13-14; LUGON, C. A República
Comunista Cristã dos Guaranis, 1610-1768, p. 189-198.; FREITAS, D. O Socialismo
Missioneiro, p. 58-64.
7
Cf. QUEVEDO, J. Guerreiros e Jesuítas na Utopia do Prata, p. 15.
17
este sistemas até a expulsão da Companhia de Jesus em 1767”
8
.
Um outro elemento que falseia a tese do estado teocrático é a própria
finalidade que tinham as missões de prover braços úteis aos colonos, súditos para
a coroa, soldados para defender os territórios pouco povoados e milícias para
eventualmente socorrer as cidades espanholas.
9
Arno Kern, em seu livro Missões: uma utopia política (1982), propõe um
modelo de síntese que ao mesmo tempo procura superar os anteriores, ao concluir
que a organização política das missões não foi nem antevisão do futuro nem
aplicação de utopias renascentistas e muito menos ponto de partida para
estabelecimento de um “Estado Jesuítico”.
Para Arno Kern, as missões foram o “resultado de uma busca de
equilíbrio entre a sociedade espanhola e a indígena, entre os interesses das frentes
de expansão colonizadora hispano-portuguesa e os objetivos evangelizadores da
ação missionária, entre o trono e o altar”
10
.
Quanto ao Itatim, em específico, um trabalho, que se tornou clássico
devido à clareza com que relaciona as missões aí estabelecidas dentro do contexto
da economia do Paraguai colonial, é a obra de Regina Gadelha, As Missões
Jesuíticas do Itatim. Nesta obra, a autora realiza um estudo em que a economia
colonial baseada no trabalho indígena era predominantemente natural. A
sonegação do trabalho indígena da parte dos jesuítas é que gerou os diversos
conflitos que assolaram a região do Itatim.
8
MONTEIRO, J. M. Os Guarani e a história do Brasil meridional: séculos XVI-XVII, p. 487.
9
FURLONG, G. Missiones y sus Pueblos Guaranies, p. 357.; SEVERAL, R. S. A Guerra
Guaranítica, p. 169-173.
18
Esta pesquisa não tem a pretensão de romper com a vasta bibliografia
produzida acerca das missões em geral e sobre o Itatim em específico. Ela
pretende ampliar o campo de estudos ao analisar as fontes dos cronistas jesuítas
produzidas no século XVII a respeito da Missão de Nuestra Señora de la Fe na
província do Itatim, segundo as novas perspectivas empregadas na história
indígena.
A nova historiografia indígena tende a projetar os Guarani e o indígena
de um modo geral enquanto ativos agentes de sua história, reservando-lhes o
direito de escolha e combatendo mitos, como a passividade do Guarani reduzido
diante do poder de persuasão da mensagem inaciana.
11
As fontes documentais são as cartas ânuas da província do Paraguai,
pertencentes, originalmente, à coleção particular do político e bibliófilo
naturalizado argentino Pedro de Angelis (1784-1859). Uma parte desta coleção foi
vendida ao governo brasileiro durante o Segundo Império e incorporada ao acervo
da Biblioteca Nacional. Os manuscritos da Coleção de Angelis foram publicados
entre 1951 e 1969 e divididos em sete volumes.
A leitura destes relatos está direcionada para a análise dos discursos e
imagens produzidas pelos jesuítas acerca dos índios do Itatim como discursos que
nem sempre se pautam pela realidade empírica, mas pela força da autoridade do
argumento teológico.
Esta pesquisa aborda especificamente o segundo volume da coleção De
10
Cf. KERN, A. Missões: uma utopia política, p. 08.
11
Cf. MONTEIRO, J. M. Os Guarani e a história do Brasil meridional: séculos XVI-XVII, p.
486-487.
19
Angelis, intitulado Jesuítas e Bandeirantes no Itatim (1596-1760), publicada em
1952 e anotada pelo historiador português Jaime Cortesão, que foi incumbido da
publicação dos manuscritos. Estas cartas publicadas no Brasil reúnem os escritos
dos missionários que trabalharam in loco no Itatim.
As cartas ânuas da província do Paraguai, redigidas pelos superiores
provinciais dos jesuítas, foram publicadas na Argentina, em 1929, nos tomos XIX
e XX da coleção intitulada Documentos para Historia de la Argentina, e abordam
o período de 1615 a 1637. Existe ainda outro grupo de manuscritos publicados em
Buenos Aires pela Academia Nacional de História em 1990 (referente ao período
de 1632-1634) e as cartas que relatam os acontecimentos do período de 1641 a
1643 foram publicadas na série Documentos de Geohistoria Regional nº 11,
também na Argentina, em 1996.
As linhas gerais das fontes jesuíticas tendem a orientar-se segundo um
modelo que realça o êxito de seu projeto catequético em salvar o nativo de sua
“bárbara ignorância”, o que denota um eurocentrismo extremo, em que o índio é
degradado como mera vítima dos encomenderos paraguaios ou bandeirantes
paulistas. Antes de mais nada, os Guarani, como depositários de uma cultura oral,
foram vítimas do poder da palavra escrita pelos missionários europeus.
A pesquisa foi estruturada em três unidades. No primeiro capítulo, As
missões jesuíticas e a “conquista espiritual” do Guarani, buscamos compreender
alguns aspectos da mentalidade e do modo de agir dos jesuítas, que os
diferenciavam das demais ordens religiosas da época. Neste capítulo tratamos de
duas mentalidades paradoxais em muitos aspectos: a visão de mundo dos jesuítas
20
e os costumes tradicionais dos Guarani. Ainda neste capítulo, é discutido o
encontro destes dois campos semânticos através da conquista espiritual dos
Guarani levada a cabo nas reduções.
No segundo capítulo, As missões jesuíticas na província do Paraguai e
no Itatim, analisamos e contextualizamos a frente missionária do Itatim e suas
relações com a Província do Paraguai. Os aspectos ambientais e geográficos são
alvo da exposição neste capítulo, pois permitem ao leitor uma idéia mais
aproximada do local onde foi instalada a missão e da sua relevância para a
historiografia regional da região onde hoje está o Estado de Mato Grosso do Sul.
Os fatores importantes e passíveis de análise a partir das fontes, como Ataques
Bandeirantes, a destruição da missão (1647), os conflitos com o bispo Bernardino
de Cárdenas, os caciques da Missão de Nuestra Señora de la Fe e a catequese,
são abordados nos itens 2.3.2 a 2.3.7.
O terceiro capítulo, Considerações gerais sobre o cotidiano das práticas
indígenas e jesuíticas na Missão de Nuestra Señora de la Fe, analisa as
representações que os jesuítas construíram nas cartas ânuas acerca da coragem e
abnegação diante dos desafios da missão e dos índios como ingratos e dados aos
prazeres da carne. Neste capítulo, preocupamo-nos em mostrar que apesar destas
representações não apontarem diretamente, os índios eram indivíduos conscientes
do processo que estava ocorrendo e, que não se conformaram simplesmente diante
da pressão escravista lusa e espanhola.
21
1. AS MISSÕES JESUÍTICAS E A CONQUISTA "ESPIRITUAL" DO
GUARANI
Kikio nasceu no centro
Entre montanhas e o mar
Kikio viu tudo lindo
Tudo índio por aqui
Índio América, teus filhos
Foi Tupi, foi Guarani
Kikio morreu feliz
Deixando a terra para ao dois
Guarani foi pro sul,
Tupi pro norte
(Geraldo Espíndola)
1.1 A COMPANHIA DE JESUS E A SUA VISÃO DE MUNDO
Companhia de Jesus é o nome da ordem religiosa fundada no século XVI
pelo nobre espanhol Inácio de Loyola e cujos membros são comumente
denominados de Jesuítas. O título de "companhia" exprime o caráter militar que o
fundador imprimiu à instituição. Uma coincidência, até certo ponto reveladora, é o
fato de que o superior das missões do Paraguai, Antônio Ruiz de Montoya, antes
de ingressar na Companhia, foi soldado em Lima no ano de 1605.
Com efeito, quando o fundador, em 1534, organizou em Paris um
pequeno grupo de estudantes, sua intenção era simplesmente criar uma ordem
religiosa para o trabalho missionário na Palestina.
As viagens para o Oriente não foram possíveis em virtude da guerra entre
os venezianos e turcos. Neste período, achava -se Inácio de Loyola em Roma, com
22
a idéia de buscar um substituto para aquele seu frustrado objetivo e aí se formulou
um novo programa, a "atividade missionária", devidamente acrescida do elemento
pedagógico que é a pregação e o serviço ao papado. Imediatamente, a sociedade
começou a trabalhar e o serviço ao papado. Imediatamente, a sociedade começou
a trabalhar para esses fins; e eis que pouco mais tarde se acentuou um terceiro e
definitivo aspecto, quando assumiu o caráter da mais enérgica "arma" do
catolicismo, a luta contra o protestantismo.
Quanto à história da instituição na sua forma definitiva, podemos dividi-
la em dois períodos, sendo o primeiro (1540-1773) o que compreende os dois
primeiros séculos, tanto que decorreram desde a origem até a abolição da Ordem
nos tempos do papa Clemente XIV, e o segundo que vai desde o seu
restabelecimento por Pio VII (1814) até nossos dias.
A guerra entre Veneza e os Turcos impediu a Inácio de Loyola e aos seus
companheiros (Pedro Fabro, único padre do primeiro grupo, em Paris, Francisco
Savério, Diogo Laines, Alonso Salmeirão, Simão Rodrigues, Nicolau Bobadilha e
os três novos associados, agregados em 1535: Cláudio Jaio, Pascádio Eroet e João
Codurio) de seguirem viagem para a Terra Santa: eles reuniram-se em Roma com
o objetivo de porem-se debaixo das ordens do papa. Esboçaram um sumário do
novo instituto, que, apresentado por Inácio de Loyola ao Papara Paulo III por
intermédio do Cardeal Contarini, foi aprovado verbalmente em Tivoli
(03/09/1539) e confirmado publicamente pela bula papal Regimini Militantis em
27/09/1540, assumindo existência jurídica de ordem religiosa com o título de
Companhia de Jesus. O primeiro geral (superior) foi o próprio Inácio de Loyola
23
(1541-1556); foi ele quem compôs (1547-1550) em espanhol as Constituições da
Ordem depois traduzidas e publicadas em latim (1558).
Virtualmente todo o poder era colocado nas mãos do superior geral
escolhido para exercer vitaliciamente essas funções.
A Congregação Geral, com poder para legislar e escolher um novo
superior geral, somente reunia-se depois da morte do geral, exceto em situações
extraordinárias.
A obediência foi exaltada na Companhia mais que em nenhuma outra
instituição religiosa. O processo peculiar de fomentar o espírito de ordem era o de
um intensivo treino mental, religioso e físico, tudo prescrito nos "Exercícios
Espirituais" de Inácio de Loyola. Esse treino manifestava um conhecimento
minucioso das relações recíprocas entre os estado psíquicos e fisiológicos, não se
omitindo pormenor algum dos que pudessem estimular a imaginação do aspirante
até o ponto em que os ensinamentos da Igreja e da ordem apareciam identificados
com a verdade divina. O jesuíta era treinado para que não se deixasse sucumbir ao
horror do pecado sob o temor da pena.
Os Exercícios Espirituais vinculam o jesuíta ao espírito cruzadista,
combativo e intolerante da Idade Média.
Em 1555, a ordem já contava com um milhar de membros. Desde o
princípio, dedicou-se à pregação e à educação em países católicos e protestantes.
A sua expansão foi rápida e a Companhia se estendeu por todas as partes
principais da Itália, nos domínios papais, bem como por Veneza, Gênova, Milão,
Ferrara, Florença e Sena, pelo reino de Nápoles e por toda Sicília e Córsega; logo
24
passou aos reinos de Portugal e Castela, Aragão, Catalunha e Valência, a maior
parte da Andaluzia, enfim a toda a Espanha; dali navegou para as Índias do rei de
Portugal e difundiu-se para o Oriente, até mesmo onde não chegava o poder das
armas de Portugal, como era o caso do Japão. Para o sul, alargou-se por diversas
partes da África, pelo Congo, chegando à Etiópia.
Os jesuítas desembarcaram na então América portuguesa, expandiram-se
pela Áustria e diversas regiões da Alemanha, pela França e Flandres, chegaram à
Irlanda. Os padres da companhia procuravam obter a confiança dos monarcas,
diplomatas e organizadores para se tornarem seus confessores. Dado o regime
político da época, a maneira prática de assegurar a submissão à Igreja era atuar
através da influência dos reis e dos poderosos, de onde resulta um natural
interesse da ordem pelas pessoas desta classe.
12
O plano educacional dos jesuítas foi estruturado pelo geral Aquaviva
(1593-1615) na obra intitulada Ratio Studioroum (1585-1599). No sistema
educacional jesuíta, predominava o espírito antiespeculativo e tradicionalista
típico da Contra-Reforma.
13
Em 1640, já havia 521 colégios, restabeleceram o catolicismo na Baviera,
na Áustria, na região do Reno e na França. Tinham cátedras em todas as mais
antigas universidades européias, enfim detinham grande influência a ponto de
carimbar o estilo barroco no culto católico.
A atuação dos jesuítas começou a decair de seu aspecto militante depois
de cerca de um século de fundação e a sua pedagogia começou a enfrentar forte
12
Cf. LEITE, B. Generalidades das Missões Jesuíticas: 1531-1759, p. 16-17.
25
oposição dos iluministas, principalmente em Portugal. Na segunda metade do
século XVIII, em quase todos os governos da Europa, havia ministros que eram
adversários dos jesuítas. O Marquês de Pombal é um dos mais conhecidos.
A principal barreira erguida entre os jesuítas e as coroas de Portugal e
Espanha foi a execução do tratado de limites pelo qual os portugueses cediam à
Espanha a colônia de Sacramento em troca dos Sete Povos das Missões (1750).
Somente dois anos após a assinatura do Tratado de Madri (1750),
chegaram comissários espanhóis à região do Prata. Os jesuítas do Paraguai foram
representados na Audiência Real de Charcas; argumentando acerca da
impossibilidade da execução do tratado, obtiveram um memorial em seu favor.
Recorreram à Audiência de Lima e o vice-rei enviou uma cópia da representação à
Corte da Espanha e a Buenos Aires.
Em resposta, foi enviado, por ordem do Superior Geral dos jesuítas, o Pe.
Luiz Lopes de Altamirano, munido de plenos poderes sobre os jesuítas da
América do Sul, com o objetivo de cumprir as ordens de El-Rei.
Os índios, naturalmente, se recusaram a abandonar suas terra e a se
transladarem, houve um a guerra. Mais tarde vieram leis que "libertavam" os
índios e extinguiam as "missões" (1757); os índios saíram da tutela dos jesuítas e
passaram a ser governados por funcionários do Estado.
14
A principal acusação aos padres da Companhia vinha do Marquês de
Pombal, que iniciou uma campanha junto ao Papa Bento IX, afirmando que os
13
op. cit., p. 20.
14
op. cit., p. 23.
26
jesuítas exerciam comércio ilícito
15
no Novo Mundo e ainda alvoroçavam a plebe
contra a metrópole. O papa nomeia pela bula In specula supremae dignitatis
(01/04/1758) o cardeal D. Francisco de Saldanha, visitador e reformador da
Companhia, que, por sua vez, deu como provadas as acusações do estadista em
15/05/1758.
16
A revolta dos índios contra as imposições do Tratado de Madri e a
Guerra Guaranítica foram pretextos habilmente utilizados pelo Marquês de
Pombal para indispor as cortes ibéricas contra a Companhia de Jesus. Em
conseqüência disto, os jesuítas foram banidos da América.
Em 1759, a situação tornou-se crítica para os jesuítas quando, pouco após
o patriarca de Lisboa proibi-los de pregar de pregar e confessar, o rei de Portugal
15
O artigo proibido comercializado pelos jesuítas era a erva-mate produzida nas missões conhecidas
na região do Prata como caá-i (erva pequena ou miúda). Foram os soldados de Irala que trouxeram
para Assunção a erva-sagrada dos índios, que logo enfrentou forte oposição dos religiosos que
chegavam a excomungar quem sorvesse um único gole da bebida, porque, para os franciscanos,
acreditavam ser afrodisíaca e estimulante e, sendo assim, estimularia pecados contra a castidade e a
incontinência em geral. A despeito das ameaças de "eterno castigo", foram muitos os que se
entregaram abertamente ao uso do mate. As excomunhões foram tantas que os sacerdotes resolveram
suspendê-las, sob pena de perder todos os seus fiéis nas do Novo Mundo. Nas missões jesuíticas, se
desenvolveu um verdadeiro império da erva-mate com que os ervateiros espanhóis não conseguiam
concorrer. Foi nas missões jesuíticas que surgiram os primeiros ervais plantados, pois os jesuítas
descobriram que as sementes de erva-mate, passadas pelo suco gastrointestinal humano e de aves,
germinavam nas sementeiras. As autoridades coloniais, após 1620, baixaram uma "ordenança"
proibindo os jesuítas de exportarem quantidade superior a 12.000 arrobas anuais; tal situação gerou
um contrabando (comércio ilícito), pois, especialmente no Paraguai , a erva determinava inclusive o
câmbio e capitalizava as reduções. Cada arroba de erva beneficiada valia um "peso oco"; e três pesos
correspondiam a um peso de prata. Todas as transações comerciais eram feitas desta forma. Cf.
LESSA, B. História do Chimarrão. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 1977. Quando a erva era negociada
diretamente com os índios, seu preço, naturalmente, caía. Montoya afirma que era comum os índios
darem duas mil libras (aproximadamente 907 kg) de erva por um vestido de pano ordinário e cem
libras (aproximadamente 45 kg) por um chapéu. Cf. MONTOYA. A. R. Conquista Espiritual, 62-
63. Os argumentos teológicos (ex autoctoritate) com os quais a bebida guarani originária da América
foi combatida pelos espanhóis são apenas parte de um pano de fundo em que a única categoria que
sobra para a cultura desconhecida é a de "demoníaca". O mito da periculosidade da erva deve muito
aos jesuítas que a associavam a la yerba del Pirú llamada de coca. A erva era muito popular no Peru
colonial a ponto de o nome mate ser de origem quechua.
16
Este episódio foi levado paras as telas do cinema no filme "A Missão" (1986). Ganhou a "Palma de
Ouro" em Cannes.
27
sofre um atentado. As suspeitas, naturalmente, recaíram sobre a ordem que teve
seus bens seqüestrados, muitos dos seus membros foram detidos e foi publicada
uma lei que os considerava desnaturalizados, proscritos e exterminados nas
metrópoles e nas colônias.
Em 1767, foi publicada a obra "Dedução Cronológica", redigida pelo
Marquês de Pombal, compêndio de seus panfletos contra a Companhia. Três anos
depois de serem expulsos de Portugal os jesuítas, a Companhia foi extinta na
França em 1767 e no mesmo ano foram também banidos da Espanha e Nápoles.
Além das divergências eclesiásticas e pedagógicas invocadas contra os jesuítas no
século XVIII pelos seus opositores, outras acusações foram contra eles levantadas
à guisa de simples pretexto. O próprio Pombal inundou a Europa de folhetos em
todas as línguas contra os jesuítas e especialmente contra os do Paraguai,
Argentina, Uruguai e Brasil.
17
A formação filosófica, aliada ao episódio e desdobramentos da Contra-
Reforma, foi elemento decisivo na constituição de um modus operandi dos
jesuítas no desenrolar de sua ação missionária na América e, incluso nesta, a
província do Paraguai e o Itatim.
A formação jesuítica desenvolvia-se dentro do conceito de filosofia
cristã. Na opinião de Philoteus Boehner, filosofia cristã é um conjunto de
"sistemas filosóficos cujo caráter distintivo provém da fé cristã"
18
. Este sistema
teve implicações na concepção de história medieval que permeava a mentalidade
dos jesuítas. Neste período a história é vista como providencialista, ou seja, os
17
Cf. LEITE, B. Generalidades das Missões Jesuíticas: 1531-1759, p. 23-25.
28
acontecimentos são decorrentes da atuação da Providência Divina. A
reconstituição dos acontecimentos servia apenas para provar ou divulgar idéias já
cristalizadas. Dentro desta visão, os jesuítas procuravam uma razão da História
que estivesse além do curso dos acontecimentos. Preocupavam-se com o
miraculoso e o diabólico. A História, como as outras ciência, estava subordinada à
teologia.
Desta maneira, a ação dos jesuítas deve ser compreendida como norteada
pela tradição, não tem como objetivo construir novos edifícios, senão de
estabelecer em bases mais sólidas aquilo que se consolidara no passado, no
sentido de aprofundar e melhorar.
Os jesuítas distinguem entre problemas de primeira e segunda ordem,
sendo sua prioridade os assuntos ligados à elucidação da fé e a este estão todos os
demais subordinados, inclusive a questão da alteridade, problema que não
incomodava muito um espanhol dos séculos XVI e XVII.
A negação da alteridade subordina-se à forte tendência sistematizadora
da filosofia cristã. O pensamento cristão aspira a uma visão total da realidade. Sua
carência de espírito criativo é compensada pela visão de conjunto. Desta maneira,
as formas de pensar, que não se encaixam dentro de sua visão do todo, são
consideradas como incorretas e, portanto, necessitam ser "iluminadas" pela fé.
O indígena, segundo esta visão, encontrava-se na gentilidade. O termo
gentio é próprio da tradição religiosa judaico-cristã e refere-se àquele que professa
18
BOEHNER, P.; GILSON, E. História da Filosofia Cristã, p. 09.
29
religiões não-monoteístas. São pagãos. A expressão gentio
19
é anterior à conquista
espiritual dos indígenas da América, mas os espanhóis e lusitanos, como membros
da cristandade, consideravam-se continuadores da missão inicialmente conferida
aos judeus.
20
Aos cristãos cabia a tarefa de transformar os pagãos em gentios. O índio,
para ser convertido, é negado e concebido como tabula rasa, quadro
completamente branco a ser organizado pela fé e pela razão.
A gentilidade é associada na América à barbárie, e até bem recentemente
é comum encontrarmos o termo selvagem como sinônimo de índio. Na missão, o
índio terá de aprender inclusive a comer, a vestir-se e a comportar-se como
cristão. Na batalha pelo monopólio da santidade entre jesuítas e os Guarani, estes
últimos tiveram suas antigas práticas demonizadas.
21
Outro elemento essencial para compreender melhor as práticas jesuíticas
é a sua filiação aristotélica por intermédio de Tomás de Aquino (1227-1274). O
tomismo foi ferramenta muito útil no combate ao protestantismo após a Reforma.
O clero espanhol e os jesuítas mantinham íntimas ligações com o tomismo como
forma de referendar uma visão de mundo definidora do papel das forças sociais
novas que se apresentavam no século XVI.
Na Espanha, os focos do tomismo eram o seminário de Granada e a
Universidade de Alcalá, capitaneados pelo cardeal primaz de Espanha Francisco
19
A origem deste termo é bíblica e está ligada aio fato de que os judeus cristãos se viam como
privilegiados, pois pertenciam ao "povo eleito", ao passo que os demais "gentios" não. A propósito
disto, a passagem mais ilutrativa é de Paulo: "è porventura Deus somente dos Judeus? Não o é
também dos gentios? Sim, também dos gentios". (Rm 3,29).
20
Cf. QUEVEDO, J. Guerreiros e Jesuítas na Utopia do Prata, p. 53.
30
Ximenez de Cisneros. O seminário de Granada era o modelo que os Padres do
concílio de Trento tinham diante dos olhos ao tentar reformar a formação do clero
católico.
22
O fundador da Companhia de Jesus, Inácio de Loyola, vinculou-se
estreitamente ao tomismo, o qual admitia que a ordem natural e a sobrenatural
foram criadas por Deus, sendo este o Ser por excelência que pela criação
"emprestava" o ser às criaturas.
O homem dotado de livre-arbítrio deve conformar-se à vontade de Deus,
disciplinando sua vontade através de exercícios, pois a Cristandade encontrava-se
numa verdadeira Cruzada contra seus inimigos. O jesuíta, como "soldado" da fé,
tinha de purificar-se, para bem desempenhar sua função, por meio dos Exercícios
Espirituais, verdadeiro motor da espiritualidade jesuítica.
A filosofia cristã é um sistema filosófico, pois, além de sua pretensão
totalizadora, atribui um sentido próprio à história. Para o cristianismo, a história é
interpretada à luz de um plano sobrenatural de salvação universal. Deus é o
princípio de tudo: ve io a desobediência dos homens e inicia-se a primeira fase da
história sob o signo da morte. Este período vai até Moisés, quando se inicia outro
"plano" para salvar a humanidade sob o signo da lei. Foi então que apareceu
Cristo e com seu advento sobreveio um terceiro período. A partir de então,
passaram a existir duas comunidades a se debaterem numa luta de vida e morte
mundo afora: uma que optou por Cristo e outra que, tendo a opção da fé, não a
21
Cf. POMPA, C. Profetas e Santidades Selvagens. Missionários e Caraíbas no Brasil Colonial,
p. 189.
22
Cf. QUEVEDO, J. Guerreiros e Jesuítas na Utopia do Prata, p. 27;236.
31
aceitou; são os infiéis. A grande decisão ocorrerá no juízo final, que porá fim ao
terceiro período da história e dará início a uma nova era, sem fim.
23
1.2 O GUARANI
Quando chegaram os portugueses no Brasil, os índios tinham certa
identidade lingüística e cultural e viviam dispersos ao longo de toda a costa com
ramificações pelo interior, sempre acompanhando o vale dos rios. Eles evitavam
regiões áridas e as altas altitudes onde o clima é mais frio. Os índios dominavam
todo o litoral, com a exceção de alguns pontos, como o estuário do rio da Prata, a
foz do rio Paraíba, o norte do Espírito Santo, o sul da Bahia e a divisa entre o
Ceará e o Maranhão, onde havia intrusões de outras etnias.
24
Estes índios compõem o tronco Tupi-Guarani e podem ser subdivididos
em dois grupos: ao sul, os Guarani ocupavam as bacias dos rios Paraná, Paraguai,
Uruguai e o litoral desde a Lagoa dos Patos até a altura de Cananéia (SP); na
margem oeste do rio Paraguai, seus domínios chegavam à região de Assunção e
iam até a cordilheira na Bolívia (Chiriguano); ao norte, os Tupinambá dominavam
a costa desde o Iguape até o Ceará, incluindo os vales dos rios que deságuam no
mar. No interior, a fronteira eram os rios Tietê e Paranapanema.
25
Entre os Guarani, o cultivo de base era o milho, enquanto entre os
Tupinambá a mandioca amarga era utilizada na produção de farinha
26
. A origem
23
Cf. BOEHNER, P.; GILSON, E. História da Filosofia Cristã, p. 21-22.
24
Cf. FAUSTO, C. Os Índios antes do Brasil, p. 68-69.
25
op. cit., p. 69.
26
Ressalta-se aqui que este era o alimento básico nas bandeiras e monções devidamente acrescido de
32
do Guarani é muito possivelmente amazônica, devido à adaptação ao meio ser
característica deste lugar com base na agricultura de coivara, na pesca e na caça.
As guerras, as expedições de captura de escravos e, principalmente, as
epidemias e a fome dizimaram os Tupi-Guarani.
27
Em 1594, os oficiais espanhóis
escreviam a sua Majestade, desde Assunção, dando conta de que "los índios
[Guarani] que serviam a esta ciudad están menoscabados, porque no hay ni la
decima parte de los que debería haber, por varias causas y enfermedades, y
también por los abusos de los españoles."
28
A escassez de mão-de-obra nas vizinhanças das cidades interiorizava as
expedições de apresamento de escravos. Conforme veremos mais adiante neste
trabalho, uma das saídas encontradas pelos colonos de Assunção foi buscar mão-
de-obra em "la tierra llamada Ytatyn"
29
, já descrita na Relação de Irala em 1542,
ano de sua primeira incursão por terras pantaneiras.
As datações arqueológicas sugerem que os antepassados dos Guarani
começaram a ocupar o Sul e o Sudeste brasileiros muitos anos antes de os
portugueses e espanhóis aportarem no Novo Mundo e tornarem-no semelhante ao
velho.
Existe uma certa homogeneidade entre os índios da Bacia do Prata e a foz
feijão e pedaços de toucinho, conforme relata Sérgio Buarque de Holanda em sua obra Monções. Daí
decorre naturalmente a acomodação que houve entre os costumes portugueses e indígenas no Brasil
seiscentista. O mesmo fenômeno pode também ser observado entre os espanhóis de Assunção, que
tinham como base alimentar a mandioca "doce", cultivada pelos Guarani por influência dos
espanhóis que a preferiam. Cf. SUSNIK, B. El Rol de los Indígenas en la Formación y en la
Vivencia del Paraguay. I. p. 23.
27
Cf. FAUSTO, C. Os Índios antes do Brasil, p. 70.
28
op. cit., p. 71.
29
Anales de la Biblioteca. Publicación de Documentos relativos al Río de la Plata con Introducción
y Notas por P. Croussag. VIII, 1912: 347. In: COSTA, M. F. História de um País Inexistente: O
33
do Amazonas, o que permite inferir que, além de uma interação, houve uma
continuidade de ocupação. Sobre a discussão a respeito das rotas que os proto-
Tupi-Guarani, existem atualmente duas hipóteses concorrentes: o centro de
origem do Guarani é o centro da Amazônia (provavelmente entre as bacias dos
rios Madeira e Tapajós), atingiram o rio Paraguai e daí ocuparam a floresta
subtropical e o litoral de sul para norte. A segunda hipótese é proposta por José
Brochado com base na análise das formas e estilos cerâmicos, inverte o sentido do
deslocamento e afirma que os proto-tupinambá desceram o Amazonas até a sua
foz e expandiram-se acompanhando o litoral no sentido leste-oeste e depois
norte-sul até encontrarem-se e serem barrados pelos Guarani na altura de São
Paulo. Neste sentido também são esclarecedoras as pesquisas do arqueólogo
Francisco da Silva Noelli, pesquisador e professor da Universidade Estadual de
Maringá.
30
Para os Guarani, temos diversas outras designações, como a de Carijó ou
Cario em Assunção e na costa atlântica; Mbyasá, no caminho que ligava estas
áreas; Tobatí, Guarambaré e Itati ou Itatim no Paraná-Paraguai; Tape nas bacias
do Uruguai e médio Paraná; e Chiriguano na Bolívia.
31
Pantanal entre os Séculos XVI e XVIII, p. 43.
30
A este respeito faltam ainda informações arqueológicas decisivas, o que nos recomenda cautela,
até mesmo porque os cronistas falam de povoamento recente do litoral, na Amazônia as pesquisas se
detêm na várzea e, por outro lado, já há cerâmica datada do período entre 100 e 500 d.C. associada
aos povos tupi-guarani no Brasil meridional. A hipótese de migração de sul para norte ainda é mais
aceita. A hipótese da origem amazônica do Guarani é amparada também em evidências etnográficas
descritas de maneira pormenorizada nos trabalhos de Branislava Susnik.
31
Cf. FAUSTO, C. Os Índios antes do Brasil. p. 76-77.
34
1.3 OS COSTUMES TRADICIONAIS DOS GUARANI (ÑANDE REKO)
32
Entre os Guarani, a autoridade não é um direito, mas uma qualidade. O
maior bem é a liberdade. Para exercer a liderança, é preciso ter o dom da palavra,
é ele também que escolhe os chefes da guerra e decide as questões de interesse
dos demais. O líder só detém o poder enquanto detém prestígio; perdendo este,
logo é abandonado.
33
Muitas vezes ocorre que o líder acumula funções políticas e
religiosas, sendo também um xamã.
34
O xamã
35
tem uma função social essencial entre os Guarani.
36
Os xamãs
foram fundamentais ao estimular a resistência dos Guarani quanto ao seu modo de
ser tradicional. Os "espíritos cercam e dominam os índios por toda a vida". Os
rituais são de uma forma de precaver-se contra a ação dos espíritos ou de atrair a
sua influência.
37
O xamã é um especialista, e, ao mesmo tempo, seus conhecimentos
passeiam por diversas áreas, pois sua origem remonta a uma época que não havia
fronteiras entre ciência, arte religião. Seus serviços são regiamente pagos, até
mesmo porque, dependendo da avareza do paciente, a cura não se conclui. Sua
32
Segundo Bartomeu MELIÁ (Los Guaraní-Chiriguano, I, 29) este conceito tem uma semântica
bastante rica, porém seu significado básico ainda é aquele expresso pelo Pe. Montoya no livro Tesoro
de la lengua guarani (1639), ou seja, "Modo de ser, modo de estar, sistema, lei, cultura, norma
comportamento, hábito, condição, costumes".
33
Cf. MONTEIRO, J. M. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo, p. 23.
34
Cf. HAUBERT, M. Índios e Jesuítas no Tempo das Missões, p. 27.
35
O termo original para xamã vem da língua siberiana manchu-tungus saman e significa "conhecer"
ou "aquele que conhece". Em português ou tupi (ou guarani) o equivalente seria paye, pajé ou pagé.
A definição clássica de xamanismo técnicas arcaicas de êxtase vem do estudioso romeno das
religiões Mircea Eliade (1907-1986).
36
Especialmente, entre os Guarani missioneiros (Tupi do litoral brasileiro, o Guarani e os Mojos
Bolívia). É entre os Guarani que os xamãs exercem maior influência, que não raro se estendem por
várias aldeias e em muitos casos são os únicos chefes.
37
Cf. HAUBERT, M. Índios e Jesuítas no Tempo das Missões, p. 28-29.
35
autoridade é também moral e penal, pois leva o paciente a confessar as violações
às regras tradicionais, uma vez que tudo pode suscitar a cólera dos espíritos, até
mesmo o excesso no abate de animais.
Um elemento que não deve deixar de ser registrado é a semelhança com
que as práticas xamânticas se reproduzem entre os nativos de diversas regiões do
mundo
38
, como os aborígines, os siberianos, os esquimós, índios da região
amazônica e Guarani. A principal característica é o transe induzidos por tambores
ou maracá e substâncias psicoativas ou tabaco. No estado de transe, o xamã
desprende-se do corpo e resgata o espírito de alguém que está doente. A doença
pode ser física ou psicológica. Os xamãs trabalham também como espíritos
aliados que podem ser de animais selvagens, ancestrais ou ervas medicinais.
Quando falamos em xamanismo, devemos lembrar que um dos axiomas
implícitos da mentalidade racional e científica dos tempos modernos é a
ordenação como forma de organizar a percepção do mundo. Os conhecimentos
dos Guarani satisfazem muito bem a este propósito ordenador. Para Claude Lévi-
Strauss, "Essa exigência de ordem constitui a base do pensamento que
denominamos primitivo, mas unicamente pelo fato de que constitui a base de todo
o pensamento, pois é sob o ângulo das propriedades comuns que chegamos mais
facilmente às formas de pensamento que nos parecem muito estranhas".
39
O xamã conduz ainda as danças e encantamentos e até a colheita, tem
poder sobre as "forças obscuras", sobre a chuva e, em alguns casos, até sobre a
vida; revela as disposições dos inimigos e garante o sucesso das expedições
38
A validez universal é uma das prerrogativas da ciência moderna.
36
guerreiras.
40
Os feiticeiros têm o mesmo poder dos xamãs, mas os utilizam para fazer
o mal; se descobertos, são condenados à morte. Normalmente, a feitiçaria é
atribuída a povoados vizinhos e é motivo de guerra.
As doenças são o sinal que a alma foi roubada ou envenenada por
elementos perturbadores, nestes casos somente o xamã pode ajudar. A ajuda se
opera através de vários métodos, como, por exemplo, a absorção da bebida
mágica, o mate, a comunicação com os espíritos, a interpretação dos sonhos e a
força de seus encantamentos. São estes os expedientes que o xamã utiliza para
descobrir o espírito raptor, que, uma vez descoberto, é perseguido pelo xamã até
que a alma seja recuperada e devolvida ao paciente, o qual neste caso ficará
curado. Outro método utilizado consiste em sugar a parte do corpo atingida pelo
mal e em seguida expelir pela boca um pedregulho, um cabelo, um inseto ou
qualquer outro objeto. Pode-se ainda soprar com força sobre o doente para
transmitir-lhe sua força mágica; recorre-se também à fumaça do tabaco que é
dirigida sobre o corpo.
41
O futuro também pode ser previsto pelos xamãs. Os métodos são
variados: pode-se interpretar o som do Maracá
42
, o vôo ou canto dos pássaros,
movimento dos vermes e a andadura dos lagartos podem ser "lidos". A natureza
neste caso é vista como um livro criptografado que, mediante a chave adequada de
39
LÉVI-STRAUSS, C. O Pensamento Selvagem, p. 25.
40
Cf. HAUBERT, M. Índios e Jesuítas no Tempo das Missões, p. 27-29.
41
op. cit., p. 27-29.
42
Instrumento musical tocado pelos indígenas. Cabeça oca, fixada numa haste de madeira, que se
enche de pedregulhos e caroços de frutos, geralmente ornada com plumas de aves.
37
leitura, pode ser interpretada. Estas práticas indígenas divinatórias são velhas
conhecidas dos europeus e suas raízes são tão antigas quanto as técnicas dos
caçadores neolíticos que descobriam a direção que a caça havia tomado, bem
como a espécie, tamanho e até o peso aproximado, apenas "lendo" pegadas,
galhos quebrados e excrementos.
O italiano Carlo Ginzburgo chama este modo de proceder de "paradigma
indiciário", que consiste num "método interpretativo centrado sobre os resíduos,
sobre os dados marginais, considerados reveladores".
43
Este método interpretativo
da realidade física acabou por moldar uma concepção de mundo que foi transposta
para a religiosidade.
Mais uma vez é preciso frisar que magia e ciência não devem ser
consideradas como contraditórias. Se considerarmos as práticas mágicas dos
xamãs como uma forma tímida de ciência, então "privar-nos-íamos de todos os
meios de compreender o pensamento mágico"
44
e o estaríamos reduzindo a uma
etapa da evolução e científica, deste modo não seria mais autóctone, mas europeu.
O mais apropriado é colocar magia e ciência como modos desiguais de
conhecimento, mas ainda assim resultado de observação metódica, a fim de
confirmar ou rejeitar hipóteses.
No tocante à espiritualidade, a religiosidade Guarani está mais próxima
da natureza, isto porque, ao que tudo indica, o índio se vê como parte da natureza
e integrado como um todo ao meio em que vive. Um exemplo disto é um costume
Guarani que impõe a proibição de caçar ao índio cuja mulher acabou de à luz.
43
Cf. GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história, p. 149.
38
Esta riqueza mítica contrasta com a esterilidade racionalista dos ritos
europeus, cuja expansão determinou a destruição de muitos aspectos do
pensamento nativo. Na opinião de Frederick Turner, o processo de combate às
idéias religiosas indígenas surge de "uma mistura de pavor e resistência à
selvageria, exatamente o sentimento que toda a força acumulada da tradição
judaico-cristã alimentava."
45
O pavor dos europeus cristão foi transladado para as terras americanas e
expressa um esforço de "harmonizar" o resto do mundo consigo mesmo.
Um dos comportamentos do Guarani que certamente mais espanto
causou entre os europeus foi a antropofagia. Por meio dela, é possível apropriar-se
da força vital do inimigo e todos os participantes do ritual saem de alguma forma
engrandecidos. Os prisioneiros não são executados de imediato, podem até casar e
participam de todas as atividades, após um período variável de tempo- até anos- é
solenemente morto a golpe de maça
46
, despedaçado e comido. A maior parte da
carne é fervida e os pedaços podem ser distribuídos pelas aldeias vizinhas. Dos
ossos se fabricam pontas de lança e flautas.
47
O prisioneiro enfrenta a morte, feliz,
e despreza os perseguidores, fazendo-os lembrar dos membros daquela aldeia
mortos e comidos pela sua e da futura vingança dos seus pela sua morte. Desta
maneira, a guerra tem uma função social essencial entre os Guarani. Este fator foi
inclusive utilizado pelos conquistadores em seu próprio benefício, por ser uma
"fábrica de cativos" que, não raras vezes, preferiram a honra da morte nos rituais
44
VI -STRAUSS, C. O Pensamento Selvagem, p. 28.
45
TURNER, F. O Espírito Ocidental contra a Natureza: mito, história e as terras selvagens, p. 85.
46
Arma com uma extremidade esférica provida de pontas agudas.
39
antropofágicos a verem-se vendidos como escravos.
48
A guerra é tão importante que, até para se casar definitivamente, é
necessário que se tenha matado e aprisionado pelo menos um inimigo. O
casamento só é vetado entre parentes consangüíneos por parte de pai. É permitido
o divórcio, se a esposa for estéril, preguiçosa ou muito rabugenta. O homem pode
ser abandonado também se for mau caçador, poltrão ou mesquinho.
49
Entre os Guarani, existe a crença em uma vida após a morte
50
. Quando
alguém morre, vai para a morada dos mortos que fica "além das montanhas" onde
muitos ancestrais já se juntaram à "nossa grande mãe" (ñandecy) para dançar e
beber em sua companhia e usufruir, em repouso, de todos os bens. O acesso é
vetado aos efeminados e covardes e muito difícil para as mulheres, exceto as
esposas dos guerreiros valorosos.
51
A organização social entre os Guarani compreende uma complexa rede
de laços consangüíneos, políticos e adotivos denominada de te 'vy
52
em guarani e
geralmente traduzida como família extensa. Os espanhóis souberam explorar em
benefício próprio esta característica Guarani. Quando chegaram em Assunção,
aquilo que os espanhóis pensaram ser "hospitalidade" dos Guarani, na realidade
era uma estratégia para evitar a invasão de seus povoados (tekó’há
53
) que ficavam
rio acima.
47
Cf. HAUBERT, M. Índios e Jesuítas no Tempo das Missões, p. 27-29.
48
Cf. MONTEIRO, J. M. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo, p. 19.
49
Cf. HAUBERT, M. Índios e Jesuítas no Tempo das Missões, p. 27-29.
50
Crença comum também entre a maioria dos indígenas americanos.
51
Cf. HAUBERT, M. Índios e Jesuítas no Tempo das Missões, p. 27-29.
52
O te’vy (família extensa) era assim denominado porque os parentes moravam em uma mesma casa
comunal.
53
Povoado indígena com várias casas comunais.
40
Quando uma aldeia era composta por várias casas comunais, era
denominada de tekó’há
54
. O povoado que continha somente uma casa comunal era
chamado de tey’y. As tensões internas eram solucionadas por meios da criação de
um novo tey’y. Daí decorre a característica guerreira dos Guarani, pois, ao
chegarem em um novo território que nem sempre estava despovoado, começava
uma guerra. O resultado da guerra era a servidão do perdedor, que, além de ceder
alimentos, tinha de fornecer mulheres aos guerreiros vencedores. Este
procedimento acabava por "guaranizar" outros povos não-guarani, uma vez que os
filhos dessas uniões seriam Guarani.
No Itatim, Pe. Diego Ferrer chama estes povos guaranizados de
Gualachos. Nas vizinhaças da cidade de Xerez, havia duas aldeias de Gualachos,
ou seja, povos que não eram Guarani, mas falavam a língua Guarani.
Um dado interessante são as mútuas rezingas entre os Guarani e seus
vizinhos Guaicuru
55
e Paiaguá. No idioma Guarani, a palavra Guaicuru significa
gente má e traiçoeira. Em contrapartida, Félix de Azara
56
registrou um mito
Paiaguá sobre as origens dos Guarani:
Nuestro primer padre fue el pez por nosotros llamado pacu, el vuestro
fue aquél, al cual le dan nombre de dorada; el padre de los guarany
fue un sapo. En fuerza de si diversos orígenes vuestro color es más
bello y claro, única ventaja que tenéis sobre nosostros porque los
superamos en todo el resto; por el mismo motivo los guarany son
54
Um único tekó’há poderia conter até oito casas comunais, na descrição de Montoya.
55
Segundo SUSNIK (Etnografia Paraguaya, p. 2), a designação Guaicuru era um apelativo com o
qual os Guarani identificavam seus inimigos que habitavam a margem ocidental do médio rio
Paraguai. Este termo se generalizou na época colonial a partir dos colonos de Assunção que os
tomaram por empréstimo dos Guarani.
56
Félix de Azara foi o enviado da coroa espanhola incumbido de demarcar in loco as determinações
do Tratado de Santo Ildefonso, firmado em 1777. Durante sua passagem pelo Pantanal (a partir de
1781), transcreve relatos de mitos indígenas e compõe relatos de cunho botânico e naturalista sobre a
região da mítica lagoa de Xaraés (uma referência aos campos inundados da região). Cf. COSTA, M.
F. História de um País Inexistente, p. 230-231.
41
despreciables y repugnantes como el sapo su padre.
57
Pelo que se pode observar, o etnocentrismo não é monopólio nosso. Os
Guarani chamam a si próprios de a’vá, que significa homem, gente, pessoa, sendo
assim, ao reservarem para si a categoria de gente, o que então sobraria para os
demais?
Segundo Pierre Bourdieu, a língua é um sistema simbólico pois gera um
todo coerente que une o som e o sentido. Desta forma, "a análise estrutural
constitui instrumento metodológico que permite [...] aprender a lógica específica
de cada uma das formas simbólicas"
58
. Cada forma simbólica possui uma estrutura
imanente que pode ser apreendida por meio da língua. A resistência e a
assimilação também podem ser estudadas quando as práticas do outro são
apropriadas e ressignificadas no discurso dominante ou com tais pretensões.
Quando um determinado grupo cria representações depreciativas para os
demais, seja ele Guarani ou espanhol, tem por objetivo unir os próprios membros
e legitimar sua posição de domínio.
1.4 A CONQUISTA "ESPIRITUAL" DO GUARANI
As missões jesuíticas estão vinculadas ao sistema colonial espanhol e,
conseqüentemente, à sua interpretação. O processo de Conquista Espiritual do
Guarani, perpetuado literariamente por Antonio Ruiz de Montoya, não pode
deixar de lado a articulação entre as esferas espiritual e material na conquista do
57
AZARA, F. Viaggi nella América Meridionale, p. 140. In: VANGELISTA, C. Los Payaguá entre
Asunción y Cuiabá, p. 163.
42
indígena.
Na opinião de Bartomeu Meliá, a missão tem como intenção explícita a
introdução do índio no cristianismo e no seio da Igreja através da conversão e da
aceitação da fé. Em seu projeto missionário, os jesuítas tomam o Guarani como
uma realidade muito mais completa que muitos projetos modernos mais
parcializados em seus objetivos.
59
A distância cronológica do objeto estudado confere ao historiador uma
espécie de onisciência que se volta unidirecionalmente para o passado. Cientes
disto, podemos afirmar que a documentação etnográfica produzida pelos jesuítas
de fato prestou um serviço ao registrar para a posteridade costumes de uma cultura
oral. Por outro lado, esta mesma literatura é muito condescendente consigo
própria quando trata das interferências dos missionários dos costumes nativos.
Mais adiante, neste trabalho, será desenvolvida com mais propriedade a hipótese
de que os índios só aceitaram a redução em situações excepcionais frente a
pressões dos encomenderos espanhóis ou para ganhar aliados frente a disputas
políticas internas.
É possível que o projeto jesuítico fosse utópico, se o tomarmos como um
projeto que foi inviabilizado pela Igreja e pela necessidade insaciável de cativos
por parte dos bandeirantes, pelo projeto de expansão pelo rei de Portugal D.
João V , pelo sistema de encomiendas dos colonos espanhóis e pela forte
resistência liderada pelos xamãs perseguidos como feiticeiros pelos jesuítas ,
mas estas reduções foram possíveis, porque existiram e ocuparam um enorme
58
BOURDIEU, P. O Poder Simbólico, p. 09.
43
território na região do rio Paraná e Iguaçu (Guairá), no Rio Grande do Sul (Tape),
nas duas margens do rio Paraguai (Itatim), no Paraguai, no Uruguai, na Argentina
(Misiones), e prosperaram de tal sorte que não eram poucos os interessados em
seus celeiros.
A redução
60
é um método missional, que reúne os indígenas em
povoações para que vivam uma vida mais política e humana, segundo a concepção
religiosa e ideológica da época.
61
Os diversos modos de dar a conhecer a fé e a doutrina cristã se apóiam no
uso da língua Guarani e de outras linguagens (música, arte, arquitetura) que
parecem dar excelente resultado entre os Guarani. Pode-se discutir se esta língua e
linguagens não representam um estranhamento ao modo de pensar e expressa-se
próprio do Guarani, mas que no caso das missões Guarani atuaram como vias de
comunicação que os Guarani chegaram a assimilar de maneira seletiva.
Outro elemento básico é o fator de urbanização. A redução se confunde
com um plano urbanístico que enquadra a vida do Guarani em um nosso espaço
definido pelo templo e a casa dos padres, o colégio, a praça e as casas dispostas
em quadras regulares.
A base econômica deve ser objeto de cuidados especiais. Os jesuítas,
com um forte sentido de captação do modo de produção e das formas de trabalho,
próprios dos Guarani mantiveram os cultivos tradicionais e também o equilíbrio
59
Cf. MELIÁ, B. Los Guarani-Chiriguano, p. 83.
60
O termo redução predominou entre as missões espanholas da Companhia de Jesus, ao passo que no
Brasil os termos aldeamento e missão eram mais utilizados. Os termos misiones e reduciones foram
utilizados como sinônimos na medida em que pretendiam reduzir os índios à vida civilizada. Após
1655, as missões do Paraguai foram transformadas em doctrinas, ou paróquias, sob a jurisdição
44
entre as chácaras particulares das famílias e os trabalhos comunais. A provisão de
ferramentas de ferro foi um grande alicerce para reduzir os agricultores Guarani.
Uma produção bastante planificada e com alto rendimento assegurava plenamente
o auto-abastecimento da redução. As estâncias de gado, mantidas à distância
segura dos campos, eram também uma fonte permanente de provisão de carne.
A economia reducional se orientava especialmente ao consumo e
distribuição interna em regime de providencialismo. Os bens destinados ao
comércio estavam inteiramente centralizados através da administração dos padres
missionários, aos particulares não era permitido realizar transações por conta
própria.
62
Este regime que certamente limitava as aspirações do indivíduo
procurava precaver os abusos e evitar a desvalorização dos produtos indígenas.
O sistema de educação procurava reproduzir o novo tipo de Guarani a
que a missão se propunha: homens cristãos, adaptados ao trabalho comum e
alguns deles especializados em ofícios qualificados, mais para as obras
necessárias na redução que para o mercado externo.
Este sistema foi desenvolvido pelos jesuítas nas missões entre os Guarani
do Paraguai e depois transplantado via Itatim até os Guarani da cordilheira
(1690).
63
diocesana local (D. Bernardino de Cárdenas).
61
Cf. MELIÁ, B. Ñande Reko: nuestro modo de ser, p. 82.
62
Cf. MELIÁ, B. Los Guarani-Chiriguano, I, p. 83.
63
op. cit., p. 81-84.
45
2. AS MISSÕES JESUÍTICAS NA PROVÍNCIA DO PARAGUAI E ITATIM
E formaram suas tribos
Cada um em seu lugar
Vez em quando se encontravam
Pelos rios da América
(Geraldo Espíndola)
Assim que Colombo chegou à América, D. João II, rei de Portugal,
interessou-se pelas terras do Novo Mundo, enviando embaixadores para tratar
diretamente com os reis espanhóis. Nas negociações, os embaixadores de Portugal
conseguiram chegar ao Tratado de Tordesilhas em 07 de Junho de 1494, após
recusarem as bulas Inter cetera de 04 de maio de 1493, Ex imia de 03 de maio de
1493 e a bula Dudun siquidem de 26 de Setembro de 1493 do papa espanhol
Alexandre VI, que favoreciam os monarcas espanhóis. Pelo tratado, as partes se
comprometeram a não enviar armadas para fazerem descobrimentos, comércio e
conquista fora dos limites estipulados pelo acordo.
O presente trabalho de pesquisa situa-se geograficamente numa faixa
limite entre a coroa portuguesa e a coroa espanhola, isto é, a região da jurisdição
da Província do Paraguai.
Nos séculos XVI e XVII, os limites da Província do Paraguai chegavam,
ao norte, com a Capitania de São Vicente, uma vez que a linha de Tordesilhas que
dividia as terras de Espanha e de Portugal era apenas imaginária e pouquíssimas
pessoas (talvez ninguém preocupou-se com o mero detalhe) sabiam quantas
46
léguas equivaleria a um grau de longitude e desta forma determinar o limite entre
a América Portuguesa e Espanhola. Seja como for, para os historiadores o referido
meridiano passava sobre o Iguape, atual Estado de São Paulo. Ao sul, o limite era
o Rio da Prata; a leste, o Oceano Atlântico, e a oeste a Província de Tucuman,
atualmente pertencente à Argentina. Outro limite era a cidade de Santa Cruz de la
Sierra, elevada à província e desmembrada do Paraguai pelo Marquês de Cañete
(1560). O Paraguai compreendia os territórios das antigas províncias do Guairá,
Tape, Uruguai e Itatim, além das regiões do Chaco e do Rio da Prata, sendo assim,
a sua jurisdição incluía os atuais estados brasileiros do Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e Sul de Mato Grosso (Itatim), subindo até a bacia do Amazonas e
incluindo o Uruguai e a Argentina, excetuando-se a região de Tucumam.
64
Em 1587, o Superior Geral da Companhia, Pe. Cláudio Aquaviva dispôs
que a nova missão deveria pertencer à Província do Peru. O jesuíta Manoel da
Nóbrega tentou diversas vezes ir a Assunção para fundar uma missão no Paraguai.
Em 11 de Agosto de 1588, os jesuítas se estabelecem em Assunção.
65
Sobre a criação da vice-província do Paraguai, corria uma anedota de que
o superior da Companhia de Jesus em Roma, Pe. Aquaviva, transformou o país
(Paraguai) em província inspirado diretamente por Deus através de uma voz
celestial.
66
64
Cf. SUSNIK, B. Una visión socio-antropológica del Paraguay, XVI ½ XVII. P. 7-17. O atual
Paraguai não deve ser confundido com o que os jesuítas chamam de "província" do Paraguai, ou
Paraquaria (em latim). A Companhia de Jesus é dividida em províncias, ela própria reagrupada em
"assistências" (Itália, Alemanha, França, etc.). A província do Paraguai, compreendia mais ou menos
os territórios atuais da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, do Rio Grande do Sul (Brasil), da Bolívia
oriental e, inicialmente, do Chile.
65
Cf. MALLMANN, A N. Retrato sem Retoque das Missões Guarani, p. 124.
66
Cf. MONTOYA, A.R. Conquista Espiritual, (1989), p. 54.
47
No Paraguai, os jesuítas não foram os primeiros missionários entre os
índios; houve também franciscanos, mercedários, entre outros, que não receberão
maior atenção nesta pesquisa devido ao objeto de estudo ser uma missão jesuítica
em particular.
Em 1593, o Pe. Juan Romero chega ao Paraguai, será o primeiro Superior
das Missões dos Jesuítas, até 1603, quando a província do Paraguai é
desmembrada do Peru e elevada à categoria de vice-província
67
. Por ocasião do
desmembramento, Diogo de Torres será nomeado novo Superior do Paraguai e
juntamente com ele chegam a Assunção outros 12 missionários.
As linhas de ação dos Jesuítas eram: conquistar o território pertencente à
coroa espanhola e catequizar os índios para salvar suas almas. Tinham consciência
os Jesuítas das dificuldades e dos problemas da região, não só física, mas política
e econômica. Porém, o Pe. Torres sabia como assegurar também o
desenvolvimento material da Província, mesmo combatendo a escravidão dos
índios.
A província do Itatim (Figura 1), fundada em 1631, é uma continuação
das missões do Guairá. O Pe. Antonio Ruiz de Montoya, superior das missões do
Guairá, envia para o Itatim os jesuítas: os flamengos Justo Mansilla e Diego de
Ransonnier
68
, o francês Nicolás Henard, o napolitano Ignacio de Martino e o
irmão Mateo Fernández.
69
Este último era dotado de várias habilidades manuais
sendo ferreiro, sapateiro e carpinteiro. Desta maneira, era muito útil na fase de
67
Cf. ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 90.
68
Nas cartas ânuas do Itatim não há referência à atuação deste jesuíta. Tudo indica que foi eleito pelo
superior Antonio Ruiz de Montoya para a missão do Itatim, mas não permaneceu na região.
48
fundação das novas reduções.
70
Os índios da província de Tepotii e Serra do Itatim foram encomiendados
pela primeira vez pelo governador de Assunção Rramyres de Velasco em 30 de
Novembro de 1596. A próxima encomienda referida nas fontes consultadas ocorre
em 12/11/1597 também no Itatim, ou "estrada que aí se leva". Um detalhe
interessante que se pode observar é o fato de que sempre há a referência para que
se dê um dos índios (do grupo dos encomiendados) para o serviço de um convento
ou obra pia (uma forma apropriada de acalmar os dilemas morais que pudessem
sobrevir). Estas primeiras encomiendas destinavam-se aos colonos de Assunção.
71
Um detalhe interessante é que o próprio Irala obteve para o seu serviço
índios encomiendados no Itatim.
72
Antes de prosseguirmos, algumas ressalvas devem ser feitas. Itatim é
uma referência geográfica e, por sua vez, a chamada frente missionária do Itatim
estava sujeita ao colégio dos Jesuítas em Assunção, mas, do ponto-de-vista
eclesiástico, estava subordinada ao bispado (obispado) do Paraguai. Durante o
período em que havia reduções jesuíticas no Itatim (1631-1659), o bispo de
Assunção, único em todo o Paraguai, era o franciscano Bernardino de Cárdenas e
seu superior, o arcebispo, ficava em Charcas, no alto Peru.
73
A catequese do atual Mato Grosso do Sul é realizada de forma particular,
seja pela distância dos grandes centros, seja pela situação limítrofe (leia-se alvo de
69
ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 258.
70
op. cit., p. 323.
71
CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 09-10.
72
Encomienda feita por Domyngo Martinez de Irala em 20/11/1597. Cf. item III (doc. Nº 148). In:
CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes do Itatim, p. 10.
49
disputas) entre as duas coroas. A presença dos Jesuítas no Mato Grosso começa
com as Missões no Itatim no século XVII.
74
O bispado do Paraguai compreendia os seguintes povoados
75
:
1. Departamento de Santiago
A Santo Inácio de Gaaguaçu
B Nuestra Señora de la Fe
C Santa Rosa
D Santiago
E San Cosme
2. Departamento de Candelária
A Ytapua
B Candelária
C Santana
D Loreto
E San Inacio Miny
F Corpus
G Trinidad
H Jesus
73
Cf. MAEDER, E. J. A.; GUTIERREZ, R. Atlas Historico del Nordeste Argentino, p. 32.
74
Cf. SGANZERLA, A. A História do Frei Mariano de Bagnaia, p. 127.
75
DE ANGELIS, P. La Coleción de Documentos de Pedro de Angelis y el Diario de Diego de
Alvear, Cf. Anexo. Quando neste texto o leitor encontrar a expressão "povoado", ela será sempre
tradução do termo espanhol pueblo, mais próximo de vila, tomada no sentido de origem de cidade,
uma vez que, com o fim da tutela religiosa dos aldeamentos, muitas das antigas missões acabaram
sendo "municipalizadas". (Cf. VAINFAS, R. Dicionário do Brasil Colonial, p. 21-24). Nos
manuscritos da Coleção de Angelis, particularmente no volume dedicado ao Itatim (vol. II), o termo
50
2.1 A REGIÃO DO ITATIM
Em 1633, o padre Diego Ferrer, superior das Missões do Itatim, em carta
ânua ao Provincial sobre a geografia e etnografia da região, assim define o Itatim:
Nuestro Itati tiene de parte del Oriente a la dicha cordillera, al
Poniente tiene al río Paraguay, de la parte del Norte tiene al río
Butetey [Miranda] que entre en el Paraguay que esta cuajado de
muichissimos gualachos labradores de que hablaremos despues, y
hazia el sur tiene los pueblos que corren hazia la Assumpcion. Su
altura o elevación de polo sobre el Horizontes es de diez e nuebe
grados hasta veynte e dos grados y medio hazia el sur. (...) esta tierra
del Itati es muy fragosa y por esto se llama Itaati que quiere dezir
piedras con puntas por los muchos pedregales que ay en ellas.
76
Segundo padre Diego Ferrer, o Itatim (Figura 1)
77
é a região
compreendida entre os seguintes limites naturais: a leste, a Serra de Amambai e a
oeste, o rio Paraguai; ao sul, o rio Apa
78
e ao norte o rio Taquari, sudoeste do
Mato Grosso, portanto.
79
A palavra Itatim tem sua origem na língua guarani (ita = pedra e tin ,
contração de morotin = branca) e seu significado é Pedra Branca.
A ocupação desta província está no contexto da conquista espanhola da
região da Bacia do Prata iniciada em 1536
80
. Em seu avanço em direção às
fabulosas riquezas, os primeiros conquistadores eram embalados pelos sonhos de
riqueza da Serra de Prata e do Rei Branco ou do "Eldorado" amazônico. Assim
surgiram outras lendas quando estes aventureiros foram detidos em sua penetração
"pueblo" denota uma povoação indígena não necessariamente reduzida.
76
CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 29-30.
77
Cf. COSTA, M. F. História de um País Inexistente, p. 33-43
78
O rio Apa era conhecido também como rio Guaviañó. Cf. SUSNIK, B. Etnografia Paraguaya, p.
112.
79
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 30.
80
A conquista do Rio da Prata pela coroa castelhana consolidou-se com a fundação de Buenos Aires
(1536), porém o Rio da Prata já era navegado pelos portugueses desde 1514.
51
pela grande área inundada, tida por eles, na época, como um grande lago que
acreditavam tratar-se da Lagoa de Xaraés
81
onde nasceria o rio Paraguai. Esta
lenda é relatada por Ulrich Schmidl, soldado e aventureiro alemão vindo para a
América em companhia de D. Pedro de Mendoza e que acompanhou Cabeza de
Vaca em sua expedição em busca da "Serra da Prata".
82
Os espanhóis
permaneceram por dois séculos nesta região e foram compelidos a abandonar as
terras pelos paulistas e indígenas inimigos, porém, antes da ocupação definitiva
pelos portugueses no século XIX, a região torna-se território dos Guaicuru,
emigrados do Chaco.
Os rios que cortam o território do Itatim pertencem todos à Bacia do
Paraguai. Destacam-se o Taquari, o Negro, o Miranda e o Aquidauana, o
Nabileque, o Branco, o Tererê, o Taruma e o Apa. A leste da Serra de Maracaju,
(Cf. Figura 1) estão os tributários do rio Paraná, rota percorrida pelos bandeirantes
que atacaram o Itatim.
As matas desta região são hidrófilas (margeando os rios principais),
predominam porém os campos, domínio por excelência dos Pantanais
83
. Toda a
81
Pantanal inundado que no imaginário dos primeiros conquistadores da região do pantanal era uma
lagoa mítica que se acreditava dava origem ao rio Paraguai. Alvar Nuñes cabeza de Vaca é o
primeiro a descrever em seus comentários o fenômeno da inundação da região. Segundo ele, as
inundações começavam por volta de Janeiro, estendendo-se até os meses de março-abril quando a
terra volta a secar. Na verdade, a inundação pode estender-se até junho e também existem anos em
que não se alaga completamente. A questão só foi solucionada no século XIX com estudiosos
eruditos, naturalistas, botânicos, engenheiros e geólogos. Veja sobre o assunto: COSTA, M. F.
História de um País Inexistente, p. 33-43; GADELHA, R. M. A. F. As Missões Jesuíticas no
Itatim, p. 51-59.
82
Cf. COSTA, M. F. História de um País Inexistente, p. 33-43
83
O plural "Pantanais", preferido pelos geógrafos, será adotado aqui porque (estende-se desde a foz
do rio Jauru até o rio Apa, com 770 km de extensão e cerca de 100.000 km
2
de largo) sua concepção
é mais ampla que um terreno pantanoso. É uma região antropogeográfica cujo relevo, vegetação e
economia resultam de atividades ligadas à rede fluvial. Pode ser dividido em várias unidades: O
Pantanal de São Lourenço, do Ciuabá, do Taquari, do Miranda, do Nabileque e do próprio rio
52
região do Itatim está situada no centro do continente sul-americano, próximo da
linha do Trópico de Capricórnio, compreendendo uma parte do Pantanal inclusive,
e a enorme distância das margens oceânicas. Nestas condições, são normais as
temperaturas elevadas, em suas médias anuais. Todo o Itatim está situado numa
enorme depressão constituída pelo rio Paraguai e seus afluentes da margem
esquerda.
O clima da região se acha sujeito a extremos, alternando-se a umidade
máxima, no decurso das inundações anuais do verão (Janeiro até
excepcionalmente Junho), com secas hostis do inverno.
As precipitações no verão são de 1.164,6 mm e restringem-se aos 60 mm
mensais no inverno. A temperatura máxima chega a 40,6 e 40,8 ºC em Corumbá e
Aquidauana e a mínima a 0,8 ºC a 1,2 ºC abaixo de zero. As médias, porém,
indicam 30,8 30,9 ºC e 19,7 18,1ºC, respectivamente.
84
Em 1537, um grupo de espanhóis, fugindo de Buenos Aires devido à
resistência imposta pelos nativos, fundaram Assunção, onde já estivera Aleixo
Garcia (1524-1526), retornando após saque em províncias fronteiriças no Império
Inca. Os espanhóis se fixaram em Assunção, após serem convidados pelos
Guarani (Cario) para permanecerem no local, passaram então a ser "parentes" dos
Guarani que lá habitavam.
Em princípio, os espanhóis aproveitaram a extensão dos laços familiares
Paraguai, cada um possuindo características próprias. Cf. NOGUEIRA, A. X. O Que é Pantanal.
São Paulo: Brasiliense, 1990. Apesar deste trabalho não ser um estudo geográfico, considera a
geografia importante num estudo histórico sobre uma missão jesuítica porque nesta região como
em outras também o homem transformou, mas também foi transformado na medida em que
interagiam homens, plantas e animais.
53
Guarani e tomaram índias por esposas, desta forma tiveram ingresso entre os
Guarani na categoria de tovayá
85
, ou seja, cunhados. Entre os Guarani, a categoria
de tovayá implicava obrigações sociais de prestar serviços e em alguns casos
acompanhar expedições guerreiras. Foi este tipo de relação que caracterizou as
relações entre os colonos de Assunção e os Guarani no início da colonização do
Paraguai.
A instituição do cuñadazgo nos domínios espanhóis acabou por
transformar o Guarani, afastando-o da esfera de influência do tekó’há que
geralmente ficava longe da cidade e confiná-lo no tava
86
como reserva de mão-de-
obra. Na medida em que havia decréscimo populacional por meio das epidemias,
os Guarani foram sendo degradados de aliados em escravos. Logo após a sua
fundação, Assunção viu-se transformada numa cidade de criollos
87
, devido à
"fecundidade" dos espanhóis. Socialmente de (direito) os criollos não eram índios,
apesar de o serem economicamente (de fato).
Um processo semelhante foi identificado na origem seiscentista de São
Paulo por John Manuel Monteiro, onde os portugueses, inicialmente aliados dos
Tupi, pouco tempo depois assumem uma posição ofensiva de trágicos resultados,
pois "no curto espaço de duas gerações, os principais habitantes da região de São
Paulo tinham vivido a destruição de aldeias e a desintegração de suas
84
Cf. CORRÊA FILHO, V. C. História de Mato Grosso, p. 40.
85
Cunhado. O cuñadazgo nas colônias espanholas guarda uma certa semelhança funcional com o
compadrio das terras portuguesas. Este tipo de relações que foram forjadas na península ibéricas e
transportadas para terras americanas têm servido de modelo para as relações políticas e laborais ainda
hoje nas ex-colônias tanto espanholas quanto portuguesas.
86
Povoado colonial.
87
Mestiços.
54
sociedades".
88
Em Setembro de 1543, chega a Assunção o capitão espanhol Rui Diaz de
Melgarejo
89
, juntamente com Alvar Nuñes Cabeza de Vaca, com o qual percorreu
a mesma rota de Aleixo Garcia (1524-1526), do litoral de S. Catarina até
Assunção. Nuflo Chaves estendeu os domínios espanhóis até Santa Cruz de la
Sierra em 1560
90
.
Preocupados em garantir a ocupação definitiva da região, os espanhóis
lançaram-se à exploração do rio Paraná, visando garantir a livre navegação pelo
rio Paraguai. Em 1580, os espanhóis fixam assento na região do Pantanal, quando
Rui Diaz de Melgarejo fundou, na chamada Província do Itatim ou Itati, uma
precária vila de nome de San Tiago de Xerez ou Jerez (1580), no vale do rio Pardo
e Ciudad Real del Guahyrá em 1556 na desembocadura do rio Piquiri no rio
Paraná, no local onde existia a aldeia do Cacique Guahyrá.
A terceira comunidade fundada por Melgarejo é Vila Rica do Espírito
Santo, por ordem de Juan de Caray, provavelmente em 1570, na foz do rio
Corumbataí com o rio Ivaí, em terras do cacique Coracibera.
Os jesuítas que percorreram o Itatim partiram da Ciudad Real del
Guahyrá, no período entre 1589 e 1599, época em que se solidificou a presença
católica e jesuítica no Guairá, pois foi a partir de 1589 que esta entrou em fase de
consolidação, quando lá aportaram os primeiros padres jesuítas da Companhia de
88
Cf. MONTEIRO, J. M. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo, p. 55.
89
Um detalhe curioso é que mais tarde (1609) seu filho, clérico secular, torna-se jesuíta e
colaborador nas missões do Guairá, devido aos profundos conhecimentos de sertanista sobre a
região. Cf. GADELHA, R. M. A. F. As Missões Jesuíticas do Itatim: um modelo das estruturas
sócio-econômicas coloniais do Paraguai (século XVI e XVII), p. 211.
55
Jesus para atender a espanhóis e indígenas. Anteriormente, já haviam passado, de
maneira rápida, por Ciudad Real del Guahyrá apenas alguns padres franciscanos
que não receberão maior atenção neste trabalho.
Na hipótese de Jaime Cortesão, o Itatim era uma região estratégica para a
comunicação entre o Brasil e o Peru, entre o vale do rio Paraguai e o Amazonas.
Esta foi a pr incipal causas dos longos conflitos entre bandeirantes e jesuítas na
região. Os planos da missão do Itatim são do Pe. Diogo de Torres, primeiro
provincial da província do Paraguai e datam de 1609
91
e seu objetivo era expandir
as missões pelo Paraguai e pelo Chaco até o Amazonas.
Regina Gadelha já aponta outra razão para os conflitos ocorridos no
Itatim. Para ela, os conflitos entre índios e colonos foram ocasionados pela
sonegação da mão-de-obra indígena pelos jesuítas baseados em cédulas reais
obtidas pelos seus procuradores junto à corte de Madri. Esta análise tem uma
característica peculiar, ao considerar que os ataques paulistas às missões do Itatim
não tinham relação com os conflitos entre jesuítas e os colonos de Xerez e
Assunção.
A frente missionária do Itatim tinha à sua frente cinco jesuítas, destes um
era o superior e os outros quatro jesuítas estavam distribuídos dois em cada uma
das reduções.
92
A criação das reduções do Itatim ocorreu mediante a implantação de
90
CORRÊA FILHO, V. C. As Raias de Matto Grosso: fronteira septentrional, p. 42.
91
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 04.
92
op. cit., p. 84.
56
frentes itinerantes de catequese (Cf. Figura 2)
93
que tinham por objetivo a
posterior fundação de quatro reduções. Uma das frentes missionárias localizava-se
no povoado de Araquay, onde o principal cacique era Diego Paracu. O plano das
quatros reduções tornou-se inviável devido aos ataques bandeirantes de 1632.
A missões do Itatim foram fundadas com o envio dos jesuítas Ignacio de
Martino, Justo Mansilla, Diego Ferrer, Nicolás Henard e o irmão Mateo
Fernández, enviados do Guairá em 1631 pelo Pe. Antonio Ruiz de Montoya,
superior geral das 13 missões que havia no Guairá.
94
A primeira missão que os jesuítas assumiram na região foi entre os índios
moradores das margens do rio Miranda e Paraguai, e que estavam encomiendados
aos colonos de Xerez
95
. Ao contrário do que pensavam os colonos, estes índios
das vizinhanças de Xerez não eram Guarani e se enquadravam na categoria dos
"Gualachos", índios que falavam a língua Guarani mas pertenciam a outro grupo
étnico. Falavam o Guarani por imposição e tinham a obrigação de fornecer
alimentos.
Segundo relato do jesuíta Manuel Berthold, em carta datada de
93
Na documentação consultada, as frentes missionárias são também chamadas de missões rurais, isto
porque as reduções eram chamadas de espaço urbano. A rigor, entre 1632 e 1634, não havia reduções
no Itatim, apenas missões itinerantes: os jesuítas passavam nos povoados de índios pregando, na
figura 02, apresenta um mapa onde estão representadas quatro missões do Itatim: Santa María de la
Encarnación, San Ángeles, San José e Pedro y Pablo. Foram encontradas, nas fontes, pequenas
divergências quanto ao nome destas missões que segundo ALBUQUERQUE (1977, p. 22), seriam:
Santa María, San José, Ángeles e San Pedro. Como se pode observar, é apenas uma questão
hagiográfica e que está fora dos domínios da história. A missão de Santa María de la encarnación
era o nome cristão da frente missionária da aldeia de Araquay do cacique Paracu e do xamã
Ñanduabuçu. Após os ataques bandeirantes, os índios desta aldeia (tekó’há) foram reduzidos na
redução de Nuestra Señora de la Fe (taré) num lugar mais a oeste de Araquay e próximo às margens
esquerdas dos rios Miranda e Paraguai (Cf. Figura 03).
94
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 100.
95
A primeira referência a encomiendas de índios nas vizinhanças de Xerez se dá em 17-04/1597,
conforme o item IV (CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 11).
57
20/03/1652, escrita no Colégio de Assunção, a Missão do Itatim tinha por objetivo
reduzir índios infiéis da cidade de Xerez, os Itatines e os chiriguanas. Neste lugar,
os índios encontravam-se em pequenos povoados sem "curas" e sem igrejas.
96
A exemplo de Assunção, o sustento da cidade de Xerez foi garantido
pelos Guarani encomiendados. A subsistência dos colonos paraguaios era
garantida pelos índios encomiendados e residentes no tava. Os sonhos de riquezas
dos colonos tornaram possível a sobrevivência num ambiente difícil como era o
Paraguai colonial.
Neste contexto, o posterior estabelecimento dos jesuítas no Itatim foi um
empecilho às práticas dos colonos. Encontraram-se ainda na bibliografia
consultada inúmeras citações em que a cidade de San Tiago de Xerez é referida
como a aldeia dos Itatines, o que deixa transparecer uma confusão entre o núcleo
encomendeiro de colonos espanhóis e a Frente Missionária do Itatim, ao encargo
dos jesuítas
97
, englobando toda a região como apenas um aldeamento. Em seus
primeiros anos, a missão do Itatim era um complexo de aldeamentos composto
pelas missões de Nuestra Señora de la Fe (esta missão era também conhecida
como Nuestra Señora de Taré e mais tarde por Aguaranambi), San José, Angeles
e San Pedro, todos aglutinados em torno da cidade de Xerez.
98
96
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 100.
97
Cf. CORRÊA FILHO, V. C. As Raias de Matto Grosso: fronteira septentrional, p. 42; CABRAL,
O. Histórias de uma Região: Mato Grosso, fronteira Brasil-Bolívia e Rondônia, p. 35.
98
Cf. ALBUQUERQUE, M. M.; REIS, A C. F.; CARVALHO, C. D. Atlas Histórico, p. 22.
58
2.2 OS ÍNDIOS DO ITATIM
A missão do Itatim era um mosaico étnico onde, juntamente com a
maioria Guarani, estavam reduzidas outras etnias falantes da língua guarani
(índios que foram reduzidos à servidão e guaranizados) e índios que não eram
guarani-falantes como os Guató. Normalmente, a documentação etnográfica
produzida pelos jesuítas e viajantes engloba todos os índios do Itatim como
itatines e muitas vezes como Guarani-Itatines. Poucas informações específicas
temos sobre os Guarani-Itatim; da documentação pesquisada a mais completa é a
carta do jesuíta Diego Ferrer. É ele quem afirma, na carta ânua de 21 de Agosto de
1633, que os índios das missões do Itatim não eram nem Guarani, nem Tupi, mas
Temiminos, segundo ele, "agiles para la caça".
99
No século XVII, baseado em Cabeza de Vaca e Schmidel e em outras
várias expedições espanholas à região, Pe. Diego Ferrer afirma que estes Itatines
não eram verdadeiros Guarani nem Tupi, mas uma nação intermediária, por ele
dividida em dois grupos lingüísticos: os Gualachos e os Guarani, os primeiros não
falavam o guarani e compreendiam vários grupos, os Guaná, os Tuno, os Mbayá,
os Guarano, entre outros em número menor. Eles praticavam comércio com os
Itatines e tinham como limite de seus domínios o rio Bermejo; compreendiam
povos chaquenhos conhecidos também como Guaycuru e Guaycuriti. Entre os
Itatines, os Guarani propriamente ditos autodenominavam-se de ybityryguás.
Estudos modernos indicam serem estes povos da nação Guarani e que,
entre os primeiros observadores jesuítas, persiste uma certa dificuldade na
59
diferenciação dos grupos. Segundo Métraux, citado por Regina Gadelha
100
, o
território dos Guarani, não ultrapassava o alto rio Miranda, embora ainda
houvesse alguns grupos encontrados até nas imediações do rio Taquari.
TABELA 1 LOCALIDADES E CACIQUES DO ITATIM
LOCALIDADES
DENOMINAÇÃO
LOCAL DOS
GRUPOS
"PUEBLOS" "CACIQUES"
Prov.Tepoti
(Rio Apa)
Serra do Itatim
* Yaguayra
Alvaro, Ybacari,
Mangara, Bernayra, Br.
Rio Paraná * *
Juan
Juanyco
Prov. Taranta
(entrada para o Itatim)
* *
Tayuru
Ytapitigua
Itatim * *
Guaya, Comytan,
Yararayu, acayruy e
Caraya
Xerez (arredores) Ñuaras JuºFarel +
Rio Muriei
(Itatim) (próximo de
Xerez)
Yapimboae
Xpoval
101
(ou
Himimpebaya)
galihony
Rio Muriei Cutuguae Cuytic e Chanchae
Poypoyu e
Yaniguyriayu
Rio Muriei Cunumyay Coymbua e Yopayapi
Ychenterentunyu,
Ybopeyu,
Hicotayu,Ychenyu
Chetiguatuyu,
Chachumyu, Hiponyu,
Pantabayu, Antitanyu,
Guactacyu,
Uguaribuyu e
Hijoranyu.
FONTE: GADELHA, R. M. A. F. As Missões Jesuíticas do Itatim: um modelo das
estruturas sócio-econômicas coloniais do Paraguai (séculos XVI e XVII). p. 257.
*
O nome não consta na documentação consultada.
99
CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 30.
100
Cf. GADELHA, R. M. A. F. As Missões Jesuíticas do Itatim, p. 256.
101
Creio que aqui houve uma dificuldade quanto à interpretação da grafia colonial dos jesuítas que
freqüentemente utilizavam-se de caracteres gregos. Este nome seria Cristóval, (as abreviaturas eram
muito comuns nas cartas ânuas).
60
Todas as nações indígenas que habitavam do rio Miranda até o rio Apa
eram chamadas de Itatines, apesar de o uso deste termo englobar diversas
parcialidades conhecidas por nomes locais, de acordo com os nomes dos
povoados ou de seus respectivos caciques.
Segundo Branislava Susnik
102
, a área de influência dos índios do Itatim
se estendia para além da região do Itatim, chegando até o Guairá antigo. Estes
índios do Itatim são comumente denominados, na bibliografia colonial, pelo termo
genérico de itatines; já Bartomeu Meliá chama os itatines de Guarani históricos,
baseado principalmente nos estudos etnolingüísticos do Pe. Antonio Ruiz de
Montoya, Tesoro de la Lengua Guarani.
103
É preciso ter claro, que ao utilizarmos o termo Itatines, não nos estamos
referindo somente aos Guarani, uma vez que a região do Ita tim englobava
diversos povos indígenas.
Para Branislava Susnik
104
, os Itatines eram compostos de varões que
praticavam a pilhagem e a guerra em expedições guerreiras. Deslocavam-se até o
Império Inca em busca de metais, enfeites, onde, inclusive, havia outra variedade
de milho. Na mitologia Guarani, o império Inca deu origem a mitos, como o país
de Candiré, terra de fertilidade onde havia fartura de metais e de alimentos. Os
espanhóis, ao ouvirem estas narrativas, acabaram por adaptá -las às suas crenças de
que havia minas de metais preciosos no Paraguai, realmente um milagre
102
Cf. SUSNIK, B. El Rol de los Indígenas en la Formación y en la Vivencia de Paraguay. I. p. 42.
103
Cf. MELIÁ, B.; SAUL, M. V. A.; MURARO, V. F. O Guarani: uma bibliografia etnológica, V.
índice temático.
104
Esta afirmação de Branislava Susnik está ancorada na obra do Cônego João Pedro Gay,
especialmente em seus relatos sobre a expedição de Aleixo Garcia, na obra Historia da Republica
61
hermenêutico.
TABELA 2 REDUÇÕES E RESPECTIVOS CACIQUES DO ITATIM
LOCALIDADES REDUÇÕES CACIQUES
Rios Miranda e Nabileque
(paralelos 20º e 21)
San José de Ycaroig Ñanduabuçu
Ñaeumitang Ángeles de Taruaty
Don Luiz Tataguaçu,
Guaybipó e Ñanduabuçu
Margem esquerda do rio
Miranda na direção da serra da
Bodoquena
San Benito de Yatay ou
Yutay
Ñanduabuçu e Paracu (Don
Diego)
Terras de Ñanduabuçu
Natividad de Nuestra Señora
de Taraguy
Aguaraguaty (Don
Bartolomé) e Naê (Don Juan)
Rios Tepoty (abaixo do
paralelo 21º)
Tepoty
Ñanduabuçu e Paracu (Don
Diego)
Andirapucá, (abaixo do
paralelo 21º)
Andirapucá
Ñanduabuçu e Paracu (Don
Diego)
Yatebó (localidade entre
Andirapucá e Tepoty)
Yatebó (junção de Andirapucá
e Tepoty)
Ñanduabuçu e Paracu (Don
Diego)
Entre os paralelos 22º e 23º
Santo Inácio de Caaguaçu (ou
Cahuaçu) em 1650 San
Ignacio de Ypané
Ñanduabuçu e Paracu (Don
Diego), também os caciques
da outra banda
do rio Paraguai, Guairaminá e
seu sobrinho Baraliquini
Nove dias de jornada de
Caaguaçu (margens do rio
Paraguai e próximo dos rios
Paiaguá)
Nuestra Señora de la Fe del
Taré (Santa María de la Fe e
depois Aguarananby)
Borabebé, Nantabaguá,
Ñanduabuçu e Paracu (Don
Diego)
FONTE: MCA, Jesuítas e Bandeirantes no Itatim; BECKER, I. I. B., Lideranças
Indígenas, p. 109-118.
Para os jesuítas, os Itatines seriam de melhor trato que os demais Guarani
e teriam um melhor governo. Quanto ao idioma, Pe. Ferrer observa algumas
poucas diferenças dos demais Guarani, assemelhando-se mais à linguagem dos
Tupi.
105
Sobre os índios do Itatim, baseada em Ferrer, Regina Gadelha (1977)
elaborou um quadro registrando as localidades e a denominação dos grupos ou
Jesuitica do Paraguay. Já o Cônego Gay tem como fonte principal os trabalhos de Rui Diaz de
Guzmán a respeito do povoamento da Província do Rio da Prata.
62
povoados (Tabela 1).
Gadelha totaliza 11 grupos, 13 povoados e 33 caciques com seus
respectivos nomes. Apresenta os caciques como principais da aldeia, mas não
como únicos chefes. Quanto às denominações locais, grupos e casas, não traz
indicação para todas; somente constam nomes para 5 grupos e 5 povoados.
106
Ítala Irene Becker, em seu estudo sobre as lideranças indígenas nas
reduções jesuíticas do Paraguai, reconhece no Itatim as reduções, povoados e
respectivos caciques constantes na Tabela 2.
Quando ocorre a fundação da Missão do Itatim, entre 1631 e 1632,
surgem quatro frentes missionárias itinerantes: San José (1632), Ángeles de
Taruati (1632), San Benito de Yatay (1632) e Nuestra Señora de Taraguy (1632).
Logo no início das missões, os maloqueros de San Pablo atacam o Itatim e levam
cativos em 1632. Os jesuítas continuam os trabalhos, reunindo novamente os
índios em duas reduções em 1633-1634 (Andirapucá; 1633 e Tepoty, 1633) que,
devido às dificuldades (fome, peste e frio), são unidas em um numeroso povoado
redução chamado de Yatebó, o qual, por sua ve z, em 1635 é dividido novamente
formando duas missões denominadas de Santo Inácio de Caaguaçu (1635) e
Nuestra Señora de la Fe do Taré (1635).
107
Havia também alguns povoados
conforme observaremos na Tabela 3.
Os povoados de Ipané ou Pitum aparecem sempre em situações de
mobilidade dos índios do Itatim: estes postos concentravam índios que fugiam das
105
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 30.
106
Cf. BECKER, I. I. B. Lideranças Indígenas, p. 106.
107
op. cit., p. 108.
63
invasões portuguesas e ficavam a uma distância entre 40 a 50 léguas de Assunção
na margem esquerda do rio Paraguai, entre os paralelos de 23º e 24º.
TABELA 3 POVOADOS E RESPECTIVOS CACIQUES DO ITATIM
LOCALIDADES POVOADOS CACIQUES
Rio Ipané Guaçu Ipané ou Pitum
Guarambaré (Don Pedro),
Pazay (Don Diego) e Tampá
(Don Pedro)
Rio Ipané Guaçu Ybu Ñanduabuçu
FONTE: MCA, Jesuítas e Bandeirantes no Itatim; BECKER, I. I. B. Lideranças Indígenas ,
p. 109-118.
O povoado de Ipané (tava) aparece nas ânuas como precisando ser
"missionado" em 1647 e, em 1649, o Pe. Ferrufino menciona o envio de jesuítas
para estas localidades. O povoado de Ybu é descrito como contendo inúmeros
índios missionados e "devotos".
Entre os Itatines, as terras eram comunitárias e cada família (homem,
mulher e filhos) possuía o seu próprio lote de mandioca, devidamente cultivado.
Quando os campos se esgotavam pela prática da coivara, e a caça se escasseava, a
aldeia emigrava em busca de outro lugar para se instalar, geralmente próximo à
fonte de água e, desta forma, o padrão do povoamento segue o vale dos rios.
Cada aldeia constituía-se como um grupo ofensivo-defensivo e durante as
mudanças do luga r da aldeia, eram respeitados os limites do território da aldeia
vizinha. A solidariedade local era forte, a ponto de evitar a destruição ou extinção
do grupo. A dinâmica interna da sociedade guarani somente foi alterada com a
chegada dos espanhóis.
Os vínculos de sangue ou de parentesco eram extremamente importantes
nas alianças com os povoados vizinhos, como forma de fortalecer e reforçar a paz
64
dentro do grupo, além de ser um reforço nas alianças em tempos de guerra. Esta
característica Guarani foi aprove itada pelos espanhóis em benefício próprio, pois
obtinham a força de trabalho e o auxílio em expedições guerreiras dos cunhados
(tovayá) confinados nos pueblos.
Uma modalidade semelhante de contato entre culturas ocorreu entre
portugueses e Tupi que habitavam o litoral brasileiro. Em ambas as frentes de
colonização, os perdedores foram os nativos, que tiveram seus costumes
combatidos como hereges, o que acabava por justificar a escravidão dos
dominados.
Cada aldeia possuía seu chefe ou cacique principal, porém seu poder de
direito durava enquanto durasse sua autoridade de fato. Por outro lado, os
cronistas espanhóis acreditavam que o cacicazgo já era uma dignidade hereditária.
No Paraguai colonial, os caciques aliados e "cristãos" eram agraciados com o
honor ífico título de "Don". No Itatim, há o caso do cacique Paracu, cujo nome,
após a "conversão", passou a ser Don Diego Paracu. O cacique era escolhido de
acordo com as suas virtudes pessoais.
O mando, de fato, permanecia nas mãos dos xamãs. No Itatim, o
Ñanduabuçu é o principal e mais ouvido cacique e principal barreira à "conquista
espiritual" intentada pelos jesuítas na região.
65
2.3 A MISSÃO DE NUESTRA SEÑORA DE LA FE
2.3.1 Localização e Fundação
A missão de Nuestra Señora de la Fe figura entre as mais antigas do
Itatim, pois, assim que chegou o Pe. Diego Ferrer (1631), estabeleceu na aldeia de
Araquay a Missão de Nuestra Señora de la Fe , aí permanecendo até os ataques
bandeirantes na região do Itatim em 1632.
No período de 1631-1634, a missão "perambulou" entre os paralelos 19 e
22 de latitude sul (V. Figura 2), entre o Paraguai a oeste e a serra de Amambai a
leste, situada entre os rios Taquari ao norte e o Apa ao sul, segundo carta ânua de
Pe. Diego Ferrer de 21/08/1633
108
. Ali os jesuítas Vicente Hernández e Vicente
Badia eram bastante estimados por Don Diego Paracu, cacique da aldeia Araquay
e do povoado chamado de Taré, foram eles que prometeram padres ao povoado. A
Missão ficava distante de Assunção quase 100 léguas
109
e nove dias de caminhada
ao norte de Caaguaçu.
Na Figura 3, reproduzimos o mapa Nº 95 da Cartografia Jesuítica, em
que está representada toda a província do Itatim. Alguns detalhes deste mapa
merecem destaque, como a proximidade da aldeia Araquay do cacique Paracu e o
posterior abandono após os ataques bandeirantes de 1632 e o estabelecimento da
Missão de Nuestra Señora de la Fe na margem esquerda do rio Miranda
(Mbotetey
110
) e muito próxima à sua desembocadura no rio Paraguai. Um detalhe
108
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 29.
109
op. cit., p. 89.
110
Alguns autores trazem a expressão Butetey suprimindo a letra "m" inicial. Porém para um não
66
interessante é que o mapa traz , barra acima do rio Miranda, um símbolo que se
assemelha a uma ponte, mas uma análise das condições técnicas da época e
materiais da redução permitem deduzir que o símbolo indica um local de travessia
para a outra banda do rio Paraguai. O ponto de passagem para a outra margem
estava localizado acima da desembocadura do Miranda pela razão prática de estes
lugares geralmente serem pedregosos e de forte correnteza.
O mapa da Figura 3 traz ainda representações da serra e dos muitos
ervais que havia na região de Mbaracayú eram, (Maracaju), dos povoados de
Xerez, Ipané, Guarambaré, e da missão de Santo Inácio de Caaguaçu.
Os ervais de Mbaracayú eram, segundo Montoya, nativos e largos, (duas
ou três léguas). Foram alvo de acirradas disputas entre os colonos e os jesuítas,
devido à insalubridade e crueldade com que eram explorados os índios. O
povoado de Mbaracayú, em alguns anos, transformou-se num verdadeiro ossário,
porque os índios tinham de carregar entre cinco e seis arrobas (algo em torno de
90 kg) de ervas nas costas por distâncias que variavam entre 60 e 120 km.
111
Muito embora as fontes escritas não forneçam as coordenadas precisas da
localização da missão, o mapa La Provincia del Itatín fornece uma precisão
maior, do que deve ser tomada com certas ressalvas devido à margem de erro dos
instrumentos disponíveis no século XVII. De acordo com o mapa (Figura 03), as
coordenadas da Missão de Nuestra Señora de la Fe seriam: latitude 20º10' S e
falante da língua guarani torna-se praticamente impossível saber que está palavra possui uma
nasalização antes de ser pronunciada . Esta nasalização está representada graficamente pela letra "m".
111
Cf. MONTOYA, A. R. Conquista Espiritual, (1989) p. 63; CORTESÃO, J. Jesuítas e
Bandeirantes no Guairá, p. 173.
67
longitude
112
57º30' W.
Uma análise mais detalhada do mapa mostra que a Missão de Nuestra
Señora de la Fe estava próxima a um braço do rio Miranda que o mapa do Mato
Grosso do Sul (IBGE, 1995) não aponta. A causa do desaparecimento deste braço
de rio deve-se provavelmente ao assoreamento, pois estava localizado em área
baixa e, sendo assim, o desaparecimento deste braço de rio aumenta mais a
margem de erro do mapa.
A redução permaneceu no local representado no mapa da Figura 03 desde
1633 até 1647, quando novos ataques dos paulistas forçaram a sua descida até o
Paraguai.
A missão foi fundada pelo jesuíta Vicente Hernández e seria ponte de
passagem para a outra banda do rio Paraguai e dali até os chiriguana na Bolívia.
113
No início da missão, atuaram nela também os jesuítas Domingo Muñoa e
Christóval de Arenas. Os relatos dos jesuítas afirmam que estes índios eram
muitos semelhantes aos chiriguana; em resumo, não queriam entrar na igreja nem
tornarem-se cristãos. Ameaçavam de morte e furtavam a comida dos padres para
que a fome e o medo os obrigasse a ir embora. Domingo de Muñoa foi ferido no
rosto com um pedaço de pau e Christóval de Arenas derrubado no chão inúmeras
vezes. De acordo com os jesuítas, os índios cometiam estes atos de violência
instigados por uns "feiticeiros" que o Pe. Vicente Badia havia expulso do povoado
112
A longitude da missão foi obtida pela sobreposição do mapa La Provincia del Itatín (Figura 03)
com o mapa atual do Mato Grosso do Sul (IBGE, 1995). O mapa original traz uma marcação
longitudinal diferente da utilizada atualmente (0º a 180º a partir do meridiano de Greenwich) que
varia entre 0º a 160º. O meridiano zero, utilizado como referência pelo desenhista deste mapa, é
desconhecido, provavelmente é a Espanha e, neste caso, haveria um erro de 8 graus.
68
de Taré.
114
Os trabalhos de fundação duraram três anos. Em um ano, Manuel
Berthold "doutrinou" e batizou 500 pessoas, deixando reduzidos mais de 500 e,
entre eles, 14 famílias de índios da outra banda do rio Paraguai, de Santa Cruz de
la Sierra e dos Chiriguana. A redução foi dedicada a Nuestra Señora de la Fe e a
primeira em Caaguaçu foi dedicada a Santo Inácio.
115
Em Nuestra Señora de la Fe, foram mortos pelos índios os padres Pedro
Romero, o irmão Mateo Fernández e um índio cristão. Tal fato se deu após os
jesuítas trazerem para a missão índios da margem direita do rio Paraguai.
116
As notícias que nos chegaram desta missão estão em cartas ânuas escritas
pelos jesuítas que atuaram na frente missionária e dirigidas para o Rei da Espanha,
Real Conselho de Índias, Vice-Rei, Real Audiência do Prata e ao Ouvidor da Real
Audiência.
117
A Missão de Nuestra Señora de la Fe não recebeu ajuda do rei da
Espanha, era sustentada (até que se tornasse auto-suficiente) pelo colégio de
Assunção e pela Província Jesuítica do Paraguai.
118
Logo após a vinda do Pe. Diego Ferrer, chegou também o Pe. Ignacio de
Martino para a aldeia de Ñaeumitang, onde estava o cacique Luiz Tataguaçu, o
qual com os demais chefes mostrou-se arredio aos jesuítas.
113
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 101.
114
op. cit., p. 101.
115
op. cit., p. 101.
116
op. cit., p. 102.
117
op. cit., p. 98-99.
69
2.3.2 Ataques Bandeirantes
Os jesuítas sempre tiveram consciência do "perigo" bandeirante e por
isso mantinham uma rede de espias para observar sinais da presença destes, até
mesmo porque uma parte dos índios reduzidos no Itatim provinham dos povos
destruídos (Loreto, Santo Inácio, São Xavier, São José, Anunciação, São Miguel,
Santo Antônio, São Pedro, São Tomé, Angelis, Conceição, São Paulo e Jesus
Maria) por bandeirantes no Guairá em 1631.
119
Apenas haviam começado os trabalhos missionários no Itatim
120
, quando,
em 1631, chegaram os bandeirantes na aldeia de Araquay. Convenceram ao
cacique Paracu que vinham a pedido dos padres e necessitavam da ajuda do
cacique e sua gente para vingarem-se de uns índios que haviam "mal ablado" dos
padres.
De acordo com o relato do Pe. Diego Ferrer, foi fácil aos portugueses
convencerem Paracu, para que fossem "com ellos a pelear contra sus hermanos
por el grande amor e afición que tenian a sus P
es
. y assi fue Paracu com toda su
gente armada com sus flechas en compañia de los portuguezes a los pueblos que
estan adelante...".
121
Os portugueses foram favorecidos pela ausência dos padres Ignacio de
Martino e Nicolás Henard. Assim que estes souberam do ocorrido, partiram
imediatamente rumo à aldeia de Paracu, onde se encontravam ainda alguns
118
op. cit., p. 89.
119
Cf. GAY, J. P. História da República Jesuítica do Paraguay, p. 72.
120
Não havia ainda mais que duas ou três missões. Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no
Itatim, p. 100.
70
portugueses. Segundo nos diz Pe. Diego Ferrer, os jesuítas caminharam "noches e
dias hasta llegar" até a aldeia de Paracu.
Quando o Pe. Ignacio de Martino encontrou os portugueses, foi preso
durante três dias por tê-los ameaçado com sua espada e para não se encontrar com
os índios que estavam dispersos pelas matas e reorganizar alguma resistência.
122
Pe. Nicolás teve mais sorte, pois encontrou o "fulano Quadros"
Ascenso Quadros, capitão-mor da bandeira
123
e junto a ele conseguiu a libertação
de Ñanduabuçu, os seus caciques e Diego Paracu. Desta forma, os jesuítas
obtiveram o reconhecimento de Ñanduabuçu, conseguindo assim fundar duas
reduções.
Os índios e jesuítas retiraram-se cerca de 30 ou 40 léguas para os
povoados denominados de Taragui, Ibu, Iatebo, Tareiri e em Iutai. No próximo
ano, retornam os bandeirantes e destroem os povos e reduções. Os índios fogem
novamente e desta vez cruzam o rio Paraguai juntando-se a infiéis, uns aliam-se
aos Paiaguá e os outros simplesmente se escondem. Os padres retiram-se para
Caaguaçu (40 léguas de Assunção e 4 do povoado de índios cristãos, Ypané)
levando cerca de 200 índios.
124
Após estes ataques paulistas, os neófitos da Companhia de Jesus no
Itatim padecem da pobreza, fome, frio e sol
125
e longas caminhadas até 1633,
121
op. cit., p. 39-40.
122
op. cit., p. 41.
123
Cf. GADELHA, R. M. A. F. As Missões Jesuíticas do Itatim: um modelo das estruturas sócio-
econômicas coloniais do Paraguai (séculos XVI e XVII), p. 242.
124
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 100.
125
É pertinente repetir aqui que tanto o calor quanto o frio da região castigavam, de fato, aqueles que
nela se aventuravam. A máxima chega a 40,6 e 40,8 ºC e a mínima pode chegar a 0,8 ºC a 1,2 ºC
abaixo de zero.
71
quando as missões da região ganham novo alento. A Missão de Nuestra Señora de
la Fe reduziu os sobreviventes do povoado de Araquay sob a influência do xamã
Ñanduabuçu e ficou ao encargo inicial de Diego Ferrer.
2.3.3 A Fase Posterior a 1634
O ano de 1634 foi difícil para a redução: apesar da ajuda do colégio de
Assunção, faltaram alimentos, pois as plantações haviam sido destruídas pelos
bandeirantes.
O colégio de Assunção auxiliava a redução, enviando instrumentos
agrícolas, sementes e todo o necessário para a instalação dos padres no Itatim. O
colégio enviava também gado, sobretudo no início da redução, o que na época
constituía-se num bem inestimável, especialmente porque supria a insuficiência de
gêneros alimentícios enquanto os roçados não produziam o suficiente, para as
numerosas famílias reduzidas.
126
A introdução do gado, bem como de mudas de novas plantas, novos
conhecimentos trazidos pelos missionários, a utilização de machados de ferro,
instrumentos agrícolas (boi, arado) e a tecelagem foram elementos que muito
contribuíram para a aceitação dos jesuítas por parte dos indígenas, de modo
especial, os guerreiros Guarani, o que lhes conferia uma superioridade tecnológica
frente aos seus inimigos tradicionais.
O período compreendido entre 1639 e 1647 é o mais próspero para
ambas as reduções do Itatim. Apesar da rebeldia inicial, os Itatines já se achavam
72
suficientemente enfraquecidos para que pudessem opor grande resistência aos
obstinados jesuítas.
Por volta de 1647, o povoado já se encontrava em "bom estado" de
cristianismo, ou seja, as mulheres uma vez exortadas já se vestiam com
"decência e decoro", segundo os dogmáticos preceitos da época, e também foram
localizados e devidamente castigados feiticeiros
127
. Nesta ocasião, introduziu-se
na missão a disciplina da Quaresma
128
, duas vezes por semanas.
129
Ao verem a prosperidade da missão, os antigos habitantes da cidade de
Xerez tentaram mais uma vez em 1637 apelar ao governador de Assunção, para
voltar a dispor do serviço dos Itatines.
130
Os jesuítas apelam ao rei e obtêm a
prorrogação de isenção dos Guarani misioneros do serviço pessoal, após a
intervenção do Pe. Montoya.
Os índios da Missão do Itatim, particularmente aqueles neófitos
remanescentes dos ataques bandeirantes de 1631-1632, segundo Pe. Manuel
Berthold, eram "bárbaros, borrachos, pintados, cabeludos como mulheres,
soberbos e desobedientes"
131
. Estes índios, na opinião dos jesuítas, eram em tudo
parecidos com os Chiriguana. Diziam-se cristãos simplesmente porque havia
passado em suas terras um certo clérigo chamado Cerian que lhes deu nomes
cristãos. Batizou alguns, mesmo sem conhecer a sua língua, ou seja, de cristãos só
tinham o nome. Entre eles havia também alguns índios que escaparam da
126
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 103-5.
127
Em toda a literatura jesuítica deste período, os xamãs são chamados de feiticeiros.
128
Período de 40 dias que vai da Quarta-feira de cinzas até Domingo de Páscoa, destinados, por
católicos romanos e ortodoxos, à penitência (jejum e abstinência). Do lat. Quadragesima.
129
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 86.
73
destruição das missões do Guairá e vieram acompanhando os padres e fugindo dos
portugueses.
132
Os trabalhos começaram com estes 200 índios: pregação do evangelho,
catequese e batismo. Os jesuítas que ficaram trabalhando no Itatim (Diego Ferrer
e Nicolás Henard) foram ajudados pelos trabalhos pelos também jesuítas Vicente
Hernández e Domingo Muñoa. Estes índios começaram a viver como cristãos e
ajudaram a reduzir outros 300 índios nos três anos que se seguiram.
133
Neste trabalho de reagrupar os índios, o jesuíta Domingo de Muñoa
reduziu alguns "Guatós yndios de outra lengua"
134
na outra banda do rio Paraguai,
porém durante a volta para a missão morreu assistido pelo Pe. Christóval de
Arenas a umas seis léguas de distância da missão.
A catequese já estava reorganizada no Itatim por volta de 1639, isto
porque somente neste período puderam ser auxiliados, financeiramente, pelo
colégio de Assunção. Chegam também no Itatim os jesuítas Manuel Berthold
135
e
seu companheiro Barnabé Bonilla. Nesta fase, as incursões em busca de novos
índios para serem reduzidos já iam a uma distância de 40 léguas ou mais. Nestas
jornadas (que podiam durar meses), eram os próprios índios que sustentavam os
padres com frutos, caça e pesca. Muitas vezes tornavam a pé para a missão
130
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Uruguai, p. 448-9.
131
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 100.
132
op. cit., p. 100.
133
op. cit., p. 101.
134
op. cit., p 102.
135
Este jesuíta atuou na redução dos índios nas frentes missionárias do Uruguai, teve participação
ativa na fundação da Missão de S. Miguel em 1632, onde reduziu cerca de 1000 índios. Cf.
CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 99.
74
trazendo, sobre seus cavalos, enfermos e idosos.
136
O jesuíta Manuel Berthold afirma que os índios da missão eram novos e
"ariscos", obrigavam os jesuítas a correr atrás deles muitas vezes, até que, através
do "bom tratamento", os índios adquiriram amor pelos padres, entravam na igreja
e ouviam as pregações. Isto tudo sem a ajuda de espanhóis ou soldados
137
, o que
permite a conclusão de que, em outras missões ou povoados, a espada trabalhava
para aumentar o poder de persuasão da cruz, a fim de obter a "adesão" à fé do
maior número de índios.
De acordo com a leitura das fontes, pode-se afirmar que a fundação da
redução de Nuestra Señora de la Fe , data do período entre 1632 e 1633. O local
escolhido para o estabelecimento da missão pela gente de Ñanduabuçu
desagradou aos jesuítas, por situar-se muito próximo dos Paiaguá e "outras nações
bárbaras do Chaco",
138
daí decorre naturalmente que a missão se fixou nas
margens do rio Paraguai. Percebemos que a gente de Ñanduabuçu conhecia muito
bem a região, ao escolher as margens do rio Paraguai, regiões naturalmente
procuradas para habitação de homens e animais, uma vez que as margens do rio
são mais elevadas que as planícies próximas e, portanto, permanecem secas
durante as inundações (V. Figura 03).
Os jesuítas tinham grandes expectativas e esperanças em relação a esta
missão, pois a consideravam ponte de lançamento para a catequização de outras
"nações" indígenas que, por sua vez, estavam próximas da missão e eram "aptas
136
op. cit., p. 101.
137
op. cit., p. 101.
138
Cf. GADELHA, R. M. A F. As Missões Jesuíticas do Itatim: um modelo das estruturas sócio-
75
para o evangelho". Dentre estas outras nações, a mais próxima era a dos Guató (14
léguas de distância). Para constatá-los, foi enviado o jesuíta Alonso Arias
139
, que
teria causado grande espanto entre as mulheres e crianças a princípio, mas depois
deste primeiro contato vieram os "principais" com suas canoas, reunindo grande
número de indígenas aos quais os jesuítas teriam dado a entender que seu desejo
era apenas o contato e seu intento era "dar-lhes conhecimento de Deus seu criador
e de sua lei para que suas almas não parecessem eternamente no inferno. E
havendo feito juntar no dia seguinte os meninos, começou a instruí-los".
140
O conteúdo desta catequese principiava pela explicação dos
mandamentos e terminava pelo matrimônio com uma só mulher. Após o
encerramento da catequese, os Guató se teriam convertido e transferido para a
margem ocidental do rio Paraguai, mais próximo da Missão. A partir de então, as
visitas ao povoado são bastante freqüentes.
Conforme se pode observar através da leitura das fontes, o que também é
confirmado na obra do padre Antonio Ruiz de Montoya A Conquista Espiritual
feita pelos Religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai,
Paraná, Uruguai e Tape , o programa de catequese nas missões jesuíticas era
organizado da seguinte forma: a catequização sempre começava com os meninos,
uma vez que, por meio destes, almejava-se converter os adultos, principalmente
através da música que exercia grande fascínio entre os Guarani: parece que os
jesuítas conseguiam "conquistar" mais indígenas com uma flauta, do que com
econômicas coloniais do Paraguai (séculos XVI e XVII), p. 243.
139
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 85.
140
op. cit., p. 85-86.
76
espadas, imagem perpetuada pelo filme "A Missão" (1986).
2.3.4 Os Ataques Bandeirantes e a Destruição da Missão
No dia 08 de Setembro de 1647 (Natividade de Nossa senhora), houve
um grande número de confissões e comunhões. Na noite deste dia, o povoado foi
atacado pelos bandeirantes (maloqueros del Brasil). Foram aprisionados em suas
casas, segundo os jesuítas, cerca de 220 indígenas. Os bandeirantes retiraram-se
antes de amanhecer para onde estavam suas canoas, em vista de seu número ser
reduzido. Os indígenas, sabendo que levavam cativos, seguiram-nos pelo mesmo
caminho, conseguindo cercá-los a uma légua do povoado no cume de um morro.
No resgate morreram seis membros do povoado e um da bandeira, enquanto
muitos outros ficaram feridos.
141
Assim que souberam em Caaguaçu do ataque bandeirante, foi enviado
para Nuestra Señora de la Fe um grupo em socorro, mas demorou a chegar
porque a missão ficava a 40 léguas de Caaguaçu. Ainda assim, os portugueses
foram seguidos durante alguns dias, até que índios e jesuítas desistiram de
alcançá-los. Voltaram então pelas cabanas construídas e abandonadas pelos
bandeirantes entre uns povos de infieles montaraces
142
, onde foram encontrados 9
ou 10 corpos de Portugueses e Tupis, provavelmente mortos em alguma cilada.
143
Após os ataques do dia oito de Setembro de 1647, o povoado onde ficava
a Missão de Nuestra Señora de la Fe e seus remanescentes deslocaram-se
141
op. cit., p. 86-87.
142
Referência aos indígenas que estavam reduzidos e viviam fora dos povoados, nas matas.
77
aproximadamente 18 léguas adiante de Sa nto Inácio de Caaguaçu, onde fizeram
ranchos.
144
O objetivo com esta retirada era aproximar-se da Missão de Santo
Inácio (distante 40 léguas), para que uma ficasse a vista de outra e a defesa, frente
aos bandeirantes fosse mais eficiente.
Após vários dias de penosa jornada e atacados pela peste e pela fome, os
índios decidiram parar na metade do caminho, na orelha de um rio onde fixaram
moradia, contrariando a vontade de Domingo de Muñoa e Christóval de Arenas.
145
A única comida era carne. O que restara da missão foi alvo de uma "peste en las
camaras de sangre" e os demais índios se dispersaram pelos montes em busca de
caça e frutas silvestres. A fome é o maior impedimento ao trabalho dos jesuítas.
146
No trabalho de reajuntar os índios, morre o Pe. Domingo de Muñoa no
dia 11 de agosto de 1648. Este jesuíta nasceu em Bilbao de Vizcaya e fez o
noviciado em Andalucia, tinha fama de piedoso e faleceu com 42 anos de idade e
23 de Companhia de Jesus, atuou nas transmigrações do Guairá e nas missões do
Itatim.
147
Na ocasião de sua morte, Domingo Muñoa padecia de um mal
desconhecido
148
- parecido com uma espécie de cólica com dores intensas e um
"fogo artificial que interiormente le abrasava". Padeceu também o frio intenso e a
143
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 86-87.
144
op. cit., p. 87.
145
op. cit., p. 90.
146
op. cit., p. 87.
147
op. cit., p. 88.
148
As cartas ânuas estão repletas de relatos "piedosos" sobre falecimento de missionários. Estes
relatos são denominados de necrologia e tinham por objetivo tanto comunicar quanto registrar um
breve currículo da vida do jesuíta falecido.
78
falta de telhado (trazia consigo apenas um lenço).
149
Por ocasião de sua morte, Domingo Muñoa estava indo atrás de uns
índios que soube estarem cativos (e, portanto, correndo o risco de serem
"pervertidos") num povoado de infieles distante cerca de 30 léguas. O
companheiro
150
deste jesuíta era o Pe. Christóval de Arenas.
Assim que cessou a peste, os padres começaram a reunir os índios para
cuidar de "los sembrados" (semeados).
Neste período, a Missão foi atacada novamente no dia primeiro de
Novembro de 1648, porém, devido à situação em que esta se encontrava, poucos
índios foram aprisionados.
151
Os ataques freqüentes denotam que os bandeirantes fixaram
acampamento e conheciam muito bem a região. A origem destes conhecimentos
sobre a missão do Itatim provinha de antigos moradores da cidade de Xerez que se
mudaram para São Paulo.
Após mais este ataque bandeirante, os poucos índios que restaram
juntamente com os jesuítas chegaram com a maior brevidade possível na missão
de Caaguaçu. Na Missão, encontram-se com Pe. Justo Mansilla
152
, recém-chegado
do colégio de Assunção, retornando de viagem ao Guairá em busca de armas e
munições. Essas armas tiveram que ser deixadas no colégio de Assunção, pois o
governador, por recomendação do bispo D. Bernardino, não autorizara sua entrada
149
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 88.
150
Vale ressaltar que os jesuítas, por serem padres membros de uma congregação religiosa, nunca
vão para um trabalho sozinhos, estão sempre em número mínimo de dois.
151
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 90.
152
Pe. Justo Mansilla passa vários anos nas missões do Uruguai para recuperar-se de uma moléstia
79
no Itatim.
153
Transcorridos apenas oito dias de chegada de Justo Mansilla, o povoado
de Santo Inácio de Caaguaçu foi repentinamente atacado pelos bandeirantes que
fizeram cativeiro de índios e prenderam Pe. Christóval de Arenas (da Missão de
Nuestra Señora de la Fe). Imediatamente foi despachado ao governador um aviso
de invasão e às pressas, juntando-se cerca de 200 índios sob a chefia de Pe.
Alonso Arias, respónsavel pelos trabalhos da lavoura em Santo Inácio de
Caaguaçu.
154
A defesa contava com flechas
155
e não mais que 26 armas de fogo
156
,
em pouco tempo a redução foi tomada pelos paulistas.
157
Pe. Christóval de Arenas estava preso na choça de um índio para que não
informasse o tamanho da força dos bandeirantes. É ele quem nos informa,
posteriormente que o intento dos bandeirantes, chefiados por Antonio Raposo
Tavares
158
salteador insigne de estas malocas era chegar até o Peru, levando
sete peças médias de artilharia. A jornada passava pelo Paraguai, porque, segundo
se tinha notícia, lá havia prata. Diante do Pe. Christóval de Arenas, agitavam a
contraída na região do Itatim. Provavelmente o tal mal era tuberculose, uma vez que o jesuíta foi para
uma região mais fria e montanhosa a fim de recuperar-se. op. cit., p. 100.
153
op. cit., p. 90.
154
Um detalhe importante nos é fornecido pelas fontes aqui. Estas lavouras comandadas pelo jesuíta
Alonso Arias destinavam-se a abastecer a missão de Santo Inácio durante sua mudança, ou seja, as
missões do Itatim depois que começaram as incursões bandeirantes na região estavam preparando-se
para a transferência provavelmente para um lugar mais próximo de assunção ao se distanciar dos
bandeirantes ficariam mais próximas dos encomendeiros.
155
O arco e flecha era utilizado também pelos bandeirantes e Tupi. Nesta época eram as armas mais
usadas, tanto por branco quanto por índios. Suas vantagens eram a leveza, o silêncio e a velocidade.
Um índio chegava a disparar até sete flechas no intervalo de tempo em que se carregava de munição
um arcabuz.
156
Armas provavelmente contrabandeadas no Guairá, pois por interferência do bispo Bernardino de
Cárdenas os índios do Itatim não estavam autorizados de utilizar armas de fogo.
157
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 91.
158
Segundo VARNHAGEN (História Geral do Brasil, III, p. 157) as primeiras incursões de
bandeiras paulistas pelas missões do Paraguai datam de 1639.
80
bandeira aclamando o rei de Portugal, D. João IV.
159
As informações que
chegaram ao Pe. Christóval de Arenas falavam de 180 portugueses, porém ele não
se persuadiu de que fossem tantos.
O resgate de Christóval de Arenas ocorreu na manhã de 7 de Novembro
de 1748. Os índios foram divididos em três tropas por Alonso Arias, que
surpreenderam os guardas. Pe. Christóval foi colocado sobre uma égua, pois
estava muito fraco, e foi levado até o local onde estava Pe. Justo Mansilla.
160
Em seu discurso, Alonso Arias encorajava os índios na defesa de seus
irmãos, de sua fé, de sua pátria e das Igrejas destroçadas.
Os índios, logo depois, foram cercados e atacados pelos portugueses e
índios Tupi. Os Guarani puseram-se em fuga e, perseguidos pelo inimigo, nova
batalha se iniciou. Morreram oito índios da missão, 6 ou 7 portugueses e alguns
índios Tupi.
161
Mais adiante, o jesuíta Manuel Berthold nos relata que nesta fuga é
morto a tiros o Pe. Alonso Arias (de Caaguaçu) por ter resgatado Christóval de
Arenas e estar subtraindo também índios cativos.
162
Existe uma versão, sustentada na História Geral das Bandeiras
Paulistas, a nos dizer que o principal responsável pela destruição pelas missões do
Paraguai foi o próprio governador D. Luiz de Cespedes, o qual teria dado
encomiendas de índios do Paraguai aos portugueses. Além disso, encontrou-se
secretamente com os líderes de diversas bandeiras paulistas e ainda mantinha um
engenho no Rio de Janeiro com escravos cativos das missões jesuíticas. O
159
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 91.
160
op. cit., p. 91.
161
op. cit., p. 92.
81
governador explorava a mão-de-obra de neófitos da Companhia em terras
espanholas também com:
...inclemencia para com os pobres silvicolas, forçados, na mais
pavorosa escravidão, a explorar os hervaes que possuia na região de
Maracaju. Produzia matte detestavel que os consumidores
desprezavam a custa de "innumerables vidas de yndios que mueren
sin sacramentos. Los que escapan buelven tales a sus tierras que
parecen retablos de la muerte".
163
Como podemos perceber, os bandeirantes argumentavam que escravistas
inclementes eram os espanhóis. Pode-se deduzir que, sob a ótica do escravo, há
muito pouca ou quase nenhuma diferença se o título de seu tormento for
escravidão ou servicio personal. Esta discussão se trava principalmente no plano
da retórica, uma vez que havia paralelamente uma "luta" jurídica da parte dos
jesuítas frente às autoridades coloniais, incluindo as do Brasil.
Juntamente com os padres da Companhia, os índios continuaram a
retirar-se, até chegarem às margens do rio Ipané à espera de socorro de soldados
espanhóis. Dali a missão solicitou ao governa dor abrigo em Assunção em troca do
serviço; enquanto isso, a Companhia oferecia para o sustento dos índios o gado
vacum, até que a lavoura produzisse seu sustento.
164
O referido socorro, enviado
pelo governador D. Diego de Escobar y Osorio, demorou um mês, informa-nos o
Pe. Barnabé de Bonilla.
165
O bispo de Assunção, mais influente que o próprio governador,
aproveitou-se da situação e enviou uma esquadra de soldados espanhóis sob o
162
op. cit., p. 102.
163
TAUNAY, A. E. História Geral das Bandeiras Paulistas, p. 160.
164
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 92.
165
op. cit., p. 105.
82
pretexto de socorro. A esquadra levava consigo um clérigo secular nomeado
visita dor pelo bispo e um capitão espanhol com armas de fogo. O visitador trazia
uma carta do bispo proibindo os jesuítas de exercerem suas funções (pregação e
confissão) e acusando-os de serem os verdadeiros culpados pelo ataque
bandeirante ao Itatim, pois os paulistas estavam, na realidade, apenas vingando-se
pelos inúmeros mortos na Guerra do Uruguai.
166
A intenção do bispo (segundo os jesuítas) era ordenar demolição do
Colégio de Assunção e expulsar os jesuítas do Paraguai, passando as direção das
missões a clé rigos seculares sob sua jurisdição.
167
A esquadra exigiu que os jesuítas se apresentassem em Assunção em dois
dias para prestar esclarecimentos. Os jesuítas, após protestarem, exigiram uma
intimação por escrito ordenando sua expulsão e abandono de suas doutrinas
(missões). Em resposta obtiveram um prazo de doze horas para abandonarem o
local, caso contrário seriam despejados à força. Depois de um dia mais de
prorrogação, os padres foram obrigados a deixar os índios. Com eles deixaram
cerca de 700 cabeças de gado para alimento, pois as reduções eram bem prósperas
para o padrão da época. Os bens dos padres misioneros foram confiscados (éguas,
166
op. cit., p. 92. Esta referida "Guerra do Uruguai" ficou conhecida como a "batalha do M'bororé".
Foi a maior derrota dos bandeirantes, ocorrida em 1641 no rio M'bororé, afluente do rio Uruguai. Um
batalhão de Guarani e Guarani-Itatim da missão de São Francisco Xavier, hoje província de
Misiones, Argentina, enfrentou e venceu uma frota de 130 canoas, com 350 bandeirantes e 1200
índios. Os paulistas foram surpreendidos por 70 canoas armadas com arcabuzes, arcos e um canhão.
Ao cabo de seis dias de batalha, foram massacrados. Somente a partir de então o avanço paulista
sobre o território espanhol diminuiu, após esta batalha as expedições bandeirantes eram menores e
concentravam-se no centro-oeste (Itatim) e noroeste de São Paulo entre índios que não falavam o
Tupi, nem plantavam, provavelmente índios Jê. Sem escravos Guarani, as plantações de São Paulo
entraram em declínio. (Fontes sobre a batalha de M'bororé: MONTEIRO, J. M. Negros da Terra:
índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994;
HOLANDA, S. B. O Extremo Oeste. São Paulo: Brasiliense, 1994.
167
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 92.
83
mulas e cavalos) pelo clérigo visitador. Perderam também o direito a tudo o que
foi deixado na antiga povoação.
168
Quanto à partida dos jesuítas, os seus relatos nos dão conta de que os
Guarani ficaram muito entristecidos, também pelo fato de os jesuítas lhes terem
feito promessas de ampará-los junto aos espanhóis (não eram raras as vezes que
os índios eram enganados pelos colonos de Assunção, principalmente no comércio
da erva-mate que, nesta época, fazia as vezes de "moeda no Paraguai").
169
Eram
cerca de 250 famílias de Itatines misioneros.
Os padres misioneros do Itatim chegaram por terra até o rio Jejuí que
desemboca no rio Paraguai, embarcaram num barco emprestado e no sétimo dia
de navegação chegaram a Assunção. No colégio da Companhia, foram recebidos
com festa (goço y alegria). O reitor do colégio, logo na chegada dos padres,
encaminhou ao governador um documento protestando contra o despojo dos
padres e pedindo a restituição do que lhes foi subtraído dando diversas razões para
tal.
170
O governador não só deixou de dar crédito aos jesuítas como mandou
invadir o colégio de Assunção, atendendo a uma petição do bispo em que este
dizia que tanto a invasão do maloqueros de San pablo (bandeirantes), bem como a
retirada de tanta gente e até mesmo a morte do Pe. Alonso Arias não passava de
invenção dos jesuítas.
171
Diante do transcorrido, os religiosos fugiram do colégio (se ausentaron e
168
op. cit., p. 94.
169
op. cit., p. 94-95.
170
op. cit., p. 95.
84
fueron aguardar el sucesso de las cosas y mejora de los tiempos a ñras
rreduciones). Os padres retornaram ao colégio apesar de uma tentativa de
expulsá-los através do Cabildo e de requerimentos diversos, porém o governador
se opôs ao reconhecer os danos que uma expulsão acarretaria.
172
Transcorridos estes fatos todos, falece repentinamente o governador,
após ser abandonado pelo bispo e agora aliado de outras religiões.
173
Em
Assunção, não ocorre nenhuma demonstração de afeto ao falecido governador, da
parte do povo, segundo relata os jesuítas.
174
Os jesuítas possuíam inimigos tanto em outras ordens religiosas como
também entre os não-religiosos (governador, para citar apenas um), isto se não
mencionarmos também os índios que, pelo fato de os jesuítas sempre condenarem
energicamente a ação dos xamãs, não lhes eram muito simpáticos.
Os índios e jesuítas remanescentes do Itatim fixaram-se por volta de 1649
nas proximidades do rio Tebiquari
175
, situado no atual Paraguai. As 1000 famílias
de Nuestra Señora de la Fe foram reduzidas a 300, 150 em Ipané e as demais em
Aguaranambi.
176
As missões são restituídas aos jesuítas em 07 de Março de 1650 por
ordem do Vice-rei e da Real Audiência do Prata, ordem que foi cumprida pelo
novo governador do Paraguai D. Sebastian de Leon y Zárate.
177
Foram designados
171
op. cit., p. 96.
172
op. cit., p. 96.
173
As ordens religiosas, eram chamadas de religiões na época colonial.
174
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 97.
175
Região de grandes pântanos à margem oriental do rio Paraguai. (Cf. BECKER, I. I. B.
Lideranças Indígenas, p. 93.)
176
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 102.
177
op. cit., p. 102-105.
85
para as missões, os padres Justo Mansilla e Barnabé de Bonilla. Após muito
trabalho conseguem reunir novamente povoados distantes de até 70 léguas de
distância para onde se haviam retirado cerca de 800 famílias. Muitos índios
haviam-se retirado para a outra banda do rio Paraguai, movidos pelos rumores
segundo os quais os jesuítas os haviam abandonado após a expulsão promovida
pelo bispo de Assunção. A partir de então, a Missão de Nuestra Señora de la Fe,
enfrentou relativa tranqüilidade, de modo especial, após 1650, organizando-se
social e economicamente
178
no Itatim até 1659, quando foi transferida para o
Paraguai (proximidade de Assunção) mantendo o mesmo nome até que, por volta
de 1707, é desmembrada em uma outra redução, Santa Rosa.
O itinerário das incursões dos mamelucos
179
sobre as missões jesuíticas,
entre elas Nuestra Señora de la Fe , está representado na Figura 4 (Ataque de los
bandeirantes e las reducciones), onde as reduções concentravam-se
estrategicamente para resistir aos bandeirantes. Esta fase não receberá maior
destaque aqui, por não estar incluída no recorte cronológico desta pesquisa.
Quanto aos índios, obrigados a deslocar-se mais de 100 léguas desde
Nuestra Señora de la Fe até as proximidades de Assunção, restava recomeçar tudo
de novo, pois além de padecerem as penúrias da viagem, perdiam suas terras (V.
Anexo 1), seus poucos bens e sua casa.
178
Cf. DALCIM, I. Em Busca de uma "Terra sem Males", p. 74.
179
No mapa La Provincia do Itatim (figura 03)o termo mameluco esta grafado como mamaluco. Esta
palavra, de origem discutida, certamente provém do tupí mamaruca e significa mestiço. Mais tarde, o
termo passou a ser grafado como mameluco, por influência do nome de uma milícia egípcia. Cf.
ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 224.
86
2.3.5 Os Conflitos com o bispo Berdardino de Cárdenas
Uma vez que as missões se estabeleceram no Itatim, o bispo de Assunção
passou a solicitar que as direções destas fossem deixadas ao encargos de seus
clérigos seculares, recém-ordenados, que, segundo os jesuítas, sabem mucho poco
mas que leer y esso muy malo e ainda são de costumes muito pouco
qualificados.
180
Como os jesuítas, por motivos óbvios, recusaram-se a transferir a
administração das missões do bispo D. Bernardino, este por sua vez deu início a
uma série de articulações com o objetivo de expulsá-los daquelas missões.
A oportunidade esperada por D. Bernardino de Cárdenas chegara
juntamente com os ataques bandeirantes de 1647. No início do ano de 1647, Pe.
Justo Mansilla foi até o Guairá em busca de armas e munições que foram enviadas
pelo vice-rei para a defesa das reduções, porém, assim que este chega no colégio
de Assunção, solicita autorização ao governador (e insiste nela por mais de dois
meses) para passar com as armas ao Itatim, alegando que as missões correriam
grave perigo com a volta do inimigo e conseqüentemente a fronteira e a
autoridade real com que se trazia m aquelas armas.
181
O pedido não foi atendido pelo governador por solicitação do bispo D.
Bernardino. Assim, pela falta que fazia na missão, Pe. Justo partiu sem as armas.
No caminho havia um povoado de índios sob a direção de um clérigo jovem "sem
o temor de Deus", na ótica de Justo Mansilla, que recebera ordens do bispo para
impedir, usando da força se necessário, a passagem do jesuíta (atajarle el passo y
180
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 89.
181
op. cit., p. 90.
87
despojarle y maltratale). Pe. Justo Mansilla foi protegido por um Capitão daquele
"presídio"
182
, mas, mesmo, assim o referido clérigo despachou de noite um grupo
de índios que roubaram nove cavalos, sem os quais a travessia dos pântanos teria
sido muito penosa.
183
2.3.6 Os Caciques da Missão de Nuestra Señora de la Fe
O principal cacique da missão (e também de todo o Itatim) era
Ñanduabuçu, famoso pajé, que somente se apresentou pessoalmente aos jesuítas
após ter provas de que não estavam compromissados com os colonos de Assunção
nem com os portugueses de São Paulo.
184
Além de Ñanduabuçu, tinham
influência entre os índios de Nuestra Señora de la Fe os caciques Borabebé,
Nantabaguá e Don Diego Paracu.
O cacique Borabebé era sobrinho de Ñanduabuçu e teve participação nos
episódios em que foram agredidos e feridos os jesuítas Domingo de Muñoa e
Christóval Arenas. Diego Paracu, o segundo mais importante cacique do Itatim,
atuou também em outras missões do Itatim juntamente com Ñanduabuçu.
Alguns autores levaram a hipótese de que as artimanhas políticas de
Ñanduabuçu, levaram os jesuítas a desterrá-lo para Yapeyú
185
, duzentas léguas de
distância desta missão, juntamente com um filho seu e Borabebé.
182
Do Lat. Praesidium, guarnição, acampamento, apoio.
183
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 90.
184
op. cit., p. 34-6.
185
Parte de frente missionária do Uruguay, nas margens do rio homônimo, afluente do Uruguay e 30
léguas abaixo de Concepción. Fundada em 1627 com apenas 100 índios e próximos do limite
meridional dos Guarani, mantinham contato com caçadores dos arredores de Buenos Aires, como os
charruas. Cf. BECKER, I. I. B. Lideranças Indígenas, p. 133.
88
2.3.7 A Catequese
Entre os "pecados" combatidos no povoado de Nuestra Señora de la Fe ,
estão os "enfeites" e tatuagens pelo rosto e diversas partes do corpo que, segundo
os jesuítas, eram relíquias do tempo em que eram gentios.
O jesuíta Manuel Berthold afirma que os jesuítas iam reduzindo os índios
apenas com uma cruz na mão e com grande perigo de vida: não foram poucas as
vezes que precisaram correr atrás dos índios para conseguir reduzi-los.
186
As reduções do Itatim se organizariam de forma similar às demais
reduções Guarani no Paraná e Uruguai, chefiadas pelos jesuítas. Os parcos
resultados alcançados no Itatim devem-se aos índios da missão do Guairá,
principalmente da missão de N. S. de Loreto
187
, que haviam escapado aos ataques
bandeirantes e acompanharam os jesuítas na redução dos Itatines.
Foi utilizada no Itatim, além da persuasão, a força bruta, havendo até
raptos e prisões forçadas de alguns caciques em diversas ocasiões, como foi o
caso do desterro de Ñanduabuçu.
186
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 98-99.
187
Também chamada de Loreto del Pirapó, formava juntamente com a missão de San Ignacio del
Guayrá as reduções iniciais no Guairá. Foi fundada em 1610 por Simão Masseta, Joseph Cataldino e
Antonio Ruiz de Montoya, ambas tinham cerca de 2000 famílias reduzidas. Os índios desta redução
também foram utilizados na exploração da erva-mate nas florestas de Maracaju, assim conheciam o
Itatim. Cf. BECKER, I. I. B. Lideranças Indígenas, p. 64.
89
3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O COTIDIANO DAS PRÁTICAS
INDÍGENAS E JESUÍTICAS NA MISSÃO DE NUESTRA SEÑORA DE LA
FE
E lutavam juntos contra o branco
Em busca de servidão
E sofreram tantas dores
Acuados no sertão
(Geraldo Espíndola)
Este capítulo tratará da resistência construída pelos índios da Missão de
Nuestra Señora de la Fe frente às tentativas dos jesuítas em fazê-los abandonar
suas práticas tradicionais.
A fundação da Missão Nuestra Señora de la Fe foi um momento ímpar
da instauração de violento processo de dominação dos Guarani do povoado do
Taré. Violento porque junto aos padres vinha a imposição de novos costumes que
se sobrepunham aos do Guarani tribal.
A justificativa da resistência indígena é evidente, pois foi a resposta
natural frente ao artifício do domínio imposto por parte do sistema colonial luso
espanhol. É a resposta do oprimido frente ao opressor e esta resistência é
caracterizada pelas alianças realizadas pelos chefes Guarani ora com os jesuítas,
ora com os espanhóis, mas sempre com o objetivo de preservar os seus interesses.
Este dinamismo que caracterizou as relações entre os Itatines e os colonizadores
só é percebido de maneira residual nas fontes, pela óbvia razão que elas foram
90
escritas pelos espanhóis.
As cartas ânuas (fontes primárias) eram também chamadas de "cartas
edificantes"
188
: o adjetivo edificante permite uma visão antecipada do gênero que
percorre estas correspondências, que visavam aumentar o fervor religioso
daqueles que as lessem e, por meio de relatos das "virtudes" e milagres operados
por meios dos padres misioneros, atrair mais soldados-operários para as fileiras da
Companhia de Jesus.
Um dos problemas internos enfrentados pelos jesuítas era o reduzido
número de pessoas dispostas ao trabalho nas reduções. Para a Missão de Nuestra
Señora de la Fe , eram bem poucos os voluntários, segundo nos relata, em 1634, o
superior da Ordem em Assunção, Diego de Boroa, dizendo que "precisamente por
aquel mismo tiempo se recrutaban en Europa expediciones de nuevos misioneros
para aquellas regiones".
189
O recrutamento, apesar da massiva propaganda empregada pelos jesuítas
por meio da cartas ânuas, não foi bem sucedido, devido às dificuldades
geográficas da região da redução e à resistência dos índios, que os jesuítas
chamavam de "fiereza", comparando os nativos não convertidos a feras.
Os jesuítas europeus que se dispunham a vir para as terras missionárias
preferiam dedicarse a las misiones de Nueva Francia [o Canadá], no sólo para
salvar los índios infieles, sino para poder sufrir más.
190
O jesuíta Nicolás Henard,
que trabalhou oito anos em Nuestra Señora de la Fe, chegou a esperar dez anos a
188
BOROA, D. La Província del Itatín, p. 535.
189
Cf. BOROA, D. La Província del Itatín, p. 537.
190
BOROA, D. La Província del Itatín, p. 537.
91
fim de obter a permissão do superior geral Mucio Viteleschi em Roma para
trabalhar na frente missionária do Paraguai.
Os vencidos têm o direito à memória negado, porque ela pode fortalecer
a consciência da identidade étnica do grupo e, em assim sendo, poderia fomentar
revoltas.
191
Os colonos de Assunção e Xerez temiam as rebeliões porque
conheciam a habilidade guerreira dos Guarani
192
e, como tal, conspiraram para o
fracasso dos empreendimentos dos missionários, já que os estabelecimentos dos
jesuítas implicaria na sonegação da mão-de-obra dos índios, tendo como base
Cédulas Reais obtidas em Madri pelos procuradores
193
da Companhia.
Affonso de E. Taunay (1925) lança algumas luzes sobre as articulações
entre os colonos de Xerez (motivado pelo "ódio antijesuitico") e os bandeirantes,
por ocasião dos ataques dos paulistas à missão de Nuestra Señora de la Fe.
191
Na região de Assunção, a última tentativa de revolta ocorreu entre os anos de 1652-1658 quando
os Guarani levantaram-se mais uma vez contra os trabalhos obrigatórios. O líder da revolta Rodrigo
Yaguariguay foi enforcado junto com seus seguidores e os prisioneiros foram escravizados por
serem "rebeldes" e indolentes. À medida que a posição de Assunção ia-se firmando, aumentava a
carga sobre os ombros dos índios Guarani que trabalhavam no cultivo, nas obras públicas e privadas,
cuidando do gado, no corte de madeira, nas plantações de tabaco, nos ervais, nas lavouras de algodão
e, em caso de perigo de índios inimigos, serviam também como soldados. Um elemento que deve ser
ressaltado é o fato de que estas atividades impostas aos índios (mas não unicamente a eles) exigem
pouca qualificação, o que atesta a condição social inferior em que se encontravam os índios
(especialmente os Guarani) e os criollos, que não eram índios de direito, apenas de fato. A violência
com que as rebeliões eram reprimidas mostra a importância a elas atribuída. Este drama do ano 1660
quebrou a última resistência Guarani na região do Paraguai colonial. Este episódio recebe breve
comentário aqui porque nele tomam parte Itatines misioneros expulsos do Itatim. Cf. SUSNIK, B.
Etnografia Paraguaya, p. 124s.
192
O Guarani se autodenominava de avá (pessoa, ser humano), já o guerreiro se chamava de avá-eté
e gozava de status privilegiado dentro da comunidade, praticava a poligamia forçada ou consentida,
tomava posse, por meio da guerra, dos rios, tinha direito sobre a colheitas dos povoados menores
submetidos e "integrava" outras aldeias à sua a fim de prover os braços necessários aos trabalhos
agrícolas, de modo que o expansionismo Guarani encontrava nele o guerreiro seu representante
concreto. Cf. SUSNIK, B. Etnografia Paraguaya, p. 104-105.
193
O procurador da Província do Paraguai era o jesuíta Francisco Dias Taño. Esta função era
necessária na opinião dos jesuítas, pois muitas pessoas "en aquel tiempo" deixavam levar-se e tinham
"transtornado la cabeza de aquellas famosas calumnias contra la compañia y sus misioneros". Cf.
BOROA, D. La Província del Itatín, p. 544.
92
Taunay justifica as incursões, porque, segundo relata, as missões do Itatim
representavam o perigo da
expansão espanhola do Alto Paraguai trancando-lhe o curso do grande
rio central. Para isto era preciso destruir Santiago de Jerez, guarda
avançada dos domínios castelhanos no Sul de Mato Grosso [...] capital
de um distrito fartamente povoado de índios e onde já havia prosperas
reduções jesuíticas [...] houvessem os hespanhóes conseguido manter
o seu presídio de Jerez e no século XVIII aos paulistas estariam
trancadas as entradas do Cuyabá.
194
A obra de Taunay tem como fonte os periódicos do genealogista Pedro
Taques e fala de alguns ilustres cavalheiros da Província do Paraguai que
passaram para a capitania de S. Paulo, juntamente com outros "fidalgos", seus
parentes, todos obrigados a transmigrar, por incorrerem no crime de lesa
majestade
195
. Eram eles: Padre Juan de Ocampo y Medina, Gabriel Ponce de
Leon, Bartholomeu de Torales (natural de Vila Rica do Guairá), Barnabé de
Contreras y Leon, sua mulher Beatriz de Espiñosa (naturais de Santiago de Xerez)
e filha D. Violante de Guzman que se casou com o paulista Domingos do Prado
em agosto de 1637.
As intrigas entre jesuítas, paulistas e espanhóis gravitavam em torno da
dominação indígena, que se expressa sob os mais variados disfarces, muitas vezes
sob a égide de encontro de povos e culturas diferentes, cujo fim último é
transformar a alteridade indígena e reduzi-la à escravidão.
194
TAUNAY, A. E. História Geral da Bandeiras Paulistas, II, p. 199.
195
Os procuradores da Companhia de Jesus procuraram apresentar representações jurídicas junto ao
Conselho de Índias, pedindo punição para alguns espanhóis habitantes de Xerez acusados de traição,
no Brasil (os agressores se intitulavam de portugueses do Brasil e raramente paulistas) acusaram a
Raposo Tavares de ter liderado a companhia do Itatim entre 1628-1632, acusação refutada por
Taunay que tenta derrubar, argumentando que em 1º de Janeiro de 1633 o sertanista tomava posse
como juiz na Câmara Municipal de São Paulo e logo depois se empossava no cargo de Ouvidor da
Capitania de S. Vicente e, sendo assim, não poderia não poderia ter presenciado à queda de Xerez e
93
Os colonos e jesuítas espanhóis, por sua vez, acusavam todos os jesuítas
brasileiros
al contemplar de cerca la ruina de tantas almas, ya que la santa
obediencia nos ata la mano. (...) Entre tantos fueron esparcidos
siniestros rumores por algunos europeos, que todos los jesuítas
portugueses se habían conjurado com los brasileños y que estaba ya
listo el jefe militar com su ejército, y además una flota para llevarse
lejos a la esclavitud a los neófitos.
196
Observa-se assim que, quando o passado não é satisfatório, sempre é
possível inventá-lo, como esclarece Eric Hobsbawm
197
: "História inventada é
basta nte comum (...) e serve de matéria-prima no processo de fabricar nações
historicamente novas (...)". Tal é o caso de diversos Estados latino-americanos,
construídos a partir da rejeição sistemática do passado indígena. Os espanhóis e os
jesuítas protegiam os índios da escravidão imposta pelos portugueses e,
eventualmente, se serviam do trabalho dos nativos, pois afinal eles tinham pagar
de alguma maneira pelos "muitos benefícios" da conversão a fé cristã (aptos, ou
"naturalmente inclinados" ao jugo de Cristo
198
). Quanto aos demais que não se
convertiam (não inclinadas ao jugo de Cristo), eram punidos com a escravidão
pela rebeldia. Como é possível observar, eram bem poucas as alternativas que
restavam aos nativos.
O processo de dominação tem início com a imposição de nome cristão ao
povoado indígena. O nome da missão, muito embora em textos atuais figure como
Nuestra Señora de fe del Tare, a leitura da documentação consultada confirma que
ao ataque às missões jesuíticas, tudo seria intriga dos Padres que não visavam ao "bem comum do
povo, estando os índios obrigados a servir este povo". op. cit., p. 201-202.
196
BOROA, D. La Província do Itatín, p. 534.
197
Cf. HOBSBAWM, E. Sobre História, p. 28ss.
198
Cf. BOROA, D. La Província do Itatín, p. 534.
94
não. Pe. Francisco Lupercio de Zurbano é quem confirma esta informação ao
dizer que a missão era "llamada por outro nombre Taré".
199
Taré era o nome indígena do povoado, ao passo que Nuestra Señora de
la Fe era a tentativa jesuítica de cristianizá-lo. Nunca é demais relembrar que
objetivo de missão era converter o índio a fé cris tã, ou reproduzir os paradigmas
da cristandade ali, para tanto era preciso (re)nomear, atividade de criador por
excelência.
A tarefa de evangelizar estes índios tornava-se ainda maior, devido ao
grande número de almas que havia no Taré. No período de 1641-1643, O
provincial dos jesuítas afirma que havia na missão 2.200 pessoas
200
, um número
significativo que a equipara aos grandes povoados missionários do Paraná e
Uruguai.
Em 1635, a missão de Nuestra Señora de la Fe era considerada pelos
jesuítas como campo de ação missionária mais difícil entre as missões do
Paraguai. Esta notícia quem afirma é o Pe. Diego de Boroa, para o qual "Aquella
gente era estremamente feroz e intratable , y muy hostil a la fe cristiana, tanto
que varias veces quiso matar a los misioneros".
201
Além do modo de ser tradicional dos indígenas da missão, que por si só
já era uma barreira a sua cristianização havia também uma resistência física,
confirmada nas fontes. Do mesmo modo, a conquista "espiritual" vinha aliada à
redução dos índios, o que possibilitaria um trabalho mais intenso de evangelização
199
Cf. ZURBANO, F. L. Cartas Anuas de la Província Jesuítica del Paraguay 1641-1643, p. 147.
200
op. cit., p. 147.
201
Cf. BOROA, D. La Província do Itatín, p. 537.
95
e um melhor aproveitamento do "braço" (trabalho) indígena também.
A resistência dos índios de Taré aos missionários foi tão aguerrida que os
índios "han llegado a poner las manos sobre ellos, y aun a derles com un palo,
como lo hicieron com el padre Domingo muñoa, dándole con uno em la cara e no
quedando satistechos de verlo bañado en su sangre, le dieron muchos empellones
tratándole de hombre ruyn y de demonio ".
202
No período de 1641-1643, retratado em carta ânua do Pe. Zurbano, a
missão do Itatim completava dez anos desde a sua fundação, no entanto os índios
"no han correspondido a los excessivos trabajos que han tenido os Padres em su
cultivo espiritual, pues fuera del poco aprecio que han hecho de venir a la
doctrina y la iglesia".
203
Os principais culpados desta resistência para os jesuítas eram os
"feiticeiros" que exortavam os índios a permanecerem fiéis às suas tradições. A
constante referência depreciativa à ação xamanística nas fontes acaba tendo efeito
inverso, pois confirma a sua importância.
3.1 O XAMANISMO E A RESISTÊNCIA ORGANIZADA PELOS GUARANI
Nem sempre as coisas que moveram povos e deram forma a sua história
têm expressão documental e quantificável. Este é o caso do xamanismo e sua
influência entre os índios reduzidos no Itatim. Em tal situação, é preciso apurar a
análise, de modo a "ver" os indícios sobre os quais as fontes falam ou deixam de
202
CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 88.
203
Cf. ZURBANO, F. L. Cartas Anuas de la Província Jesuítica del Paraguay 1641-1643, p. 147.
96
dizer.
Os índios da Missão de Nuestra Señora de la Fe figuravam no
imaginário jesuítico como ingratos, traidores, maliciosos, temerosos da fé e do
cristianismo, beberrões, feiticeiros e ainda tinham várias esposas.
204
A partir desta
posição dos jesuítas, podemos dizer que os Itatines valorizavam sua cultura e seus
costumes, que os jesuítas tiveram dificuldades em convertê-los e que mesmo
aqueles que aceitavam a fé, ou seja, passavam pelo ritual do batismo, resistiam ao
novo catecismo imposto pelos padres como condição de permanência dentro da
missão.
O mesmo modelo de análise pode ser aplicado às crenças e práticas
inerentes dos Itatines da Missão de Nuestra Señora de la Fe. A partir da
afirmação, abundante nas fontes, de que os índios eram "feiticeiros", podemos
concluir que tinham assim seus próprios meios de relacionar-se com o mundo
natural e sobrenatural. Sendo assim, os índios simbolizavam, conceituavam
animais, lugares e eventos. Alguém que é dotado e capaz de produzir pensamento
não pode ser tão bárbaro assim.
205
Os americanos encontrados pelos colonizadores não só tinham, como
haviam sistematizado um sistema de categorias conceituais situado,
geograficamente, no Ocidente e que, a rigor, não era ocidental (na concepção
européia do termo). Normalmente este sistema é chamado de xamanismo. Na
Missão de Nuestra Señora de la Fe, a mitologia tinha uma função de mediação
entre o índio e a realidade às vezes trágica e que esteve acometido com o avanço
204
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 104.
97
das frentes de colonização lusa e espanhola.
O xamã desempenha, entre os indígenas, a mesma função social que
sacerdotes e reverendos, porém as práticas xamanísticas são chamadas de
feitiçaria e a dos sacerdotes de religião. É possível observar que a dominação,
antes de passar para as roupas, alimentos, remédios e deuses, se configura e
cristaliza no campo discursivo.
Não se pode negar também que as missões jesuíticas foram um fértil
campo de trocas culturais, pois a resistência supõe também assimilação, tanto da
parte dos missionários quanto da parte indígena. A resistência indígena era mais
aguerrida em relação às mudanças impostas e atingiam o núcleo de sua forma de
lidar com as forças naturais e até sobrenaturais que povoavam o pensamento
indígena.
As categorias utilizadas pelos jesuítas para tipificar o indígena devem ser
analisadas com muito cuidado, pois toda leitura de uma alteridade antropológica
subordina-se a interesses. Um processo interessante foi a inversão semântica do
termo pagé, pajé, payé ou caraíbas, que de santidade virou sinônimo de feiticeiro
da bibliografia dos jesuítas do século XVII.
Esta inversão ocorreu durante o processo de leitura da cultura Guarani e
conseqüente tradução do catolicismo ibérico para a língua Guarani. Tal ocorrido
não é de se espantar, pois geralmente os "santos" dos outros são feiticeiros.
No povoado do Taré, o xamã era Ñanduabuçu. O jesuíta Diego Ferrer
relata que, no Itatim, todos o reconhecem como cacique principal e sua autoridade
205
Cf. TURNER, F. O Espírito Ocidental contra a Natureza, p. 14-16.
98
é reconhecida desde a região de cordilheira de Maracaju ate Assunção.
206
Dentro da lógica do discurso jesuítico, Ñanduabuçu é chamado de
feiticeiro, apesar de pouco conhecido dos missionários. A residência do cacique
ficava no povoado do Ibu (cem léguas do Itatim), conforme relata Diogo Torres
em 1614.
207
Ñanduabuçu já era conhecido pelos jesuítas antes da abertura da
frente missionária do Itatim.
O grande espaço concedido a este índio do século XVII, nos relatos
jesuíticos, permite inferir o quanto era importante aos padres vencê-lo, pois em
torno dele concentrava-se a resistência indígena na Missão de Nuestra Señora de
la Fe e Itatim como um todo. Assim que a posição dos missionários se firmou
dentro do Itatim indígena, o xamã foi desterrado para o Uruguai, como castigo por
ter planejado a morte dos padres que morreram no Itatim.
Ñanduabuçu foi um dos primeiros no Itatim a desconfiar dos abraços e
"mostras de muito amor"
208
dadas pelos jesuítas. Foi um dos primeiros a
desconfiar daqueles estrangeiros que davam "algunas cuñas, cuchillos, cuentas y
otros rescates"
209
para tornar mais eloquente "o desejo de ajudar e ensinar o
caminho do céu 'y lastima grande que se perdiessen e fuessen al ynfierno".
210
Por que Ñanduabuçu resistiu, estimulou e organizou as estratégias de
combate aos jesuítas e à sua mensagem?
A resposta não é simples e a resistência a novos costumes é natural. Na
206
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 31.
207
op. cit., p. 24.
208
op. cit., p. 24.
209
CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 24.
210
op. cit., p. 24
99
opinião de Mircea Eliade, "as sociedade tradicionais tendem à recusa da história e
uma imitação constante dos arquétipos revela a sua sede do real e do pavor de se
perder ao deixar-se invadir pela insignificância da existência profana"
211
.
O "Novo Mundo" espanhol e jesuítico era, em última instância, uma
irrealidade, no plano da ontologia, e injusto numa análise mais concreta. O estudo
das cartas ânuas exige um esforço hermenêutico, diante de fontes indecisas, entre
a memória e a lenda. As notícias dos missionários, não raras vezes, trazem dados e
interpretações contrárias e o pouco da vida cotidiana que deixam passar é
transformado em crônica moral edificante.
As visões premonitórias, os relatos floreados e o pouco rigor fatual
fizeram com que algumas obras dos jesuítas fossem colocadas no Índice dos
Livros Proibidos da Igreja Católica, no século XVII, o Index.
212
Os missionários
do Paraguai tinham uma queda literária pelo sacro, em detrimento do profano.
Sobre tudo pairava uma aura sobrenatural e a política interna e externa das
reduções era vista a partir de uma visão apocalíptica, em que anjos lutam contra
demônios, protegendo os índios num país distante
213
.
Os missionários se viam como alargadores das fronteiras do cristianismo.
Ao fundar igrejas nos territórios pantanosos e pagãos do Itatim, sentiam-se
continuadores dos apóstolos, e do seu fervor religioso brotava a intolerância e o
etnocentrismo.
É possível afirmar que a maior tentação dos cronistas jesuítas foi reduzir
211
Cf. ELIADE, M. O Mito do Eterno Retorno, p. 106.
212
Cf. ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 90.
213
Cf. MONTOYA, A R. Conquista Espiritual, (1989), p. 54.
100
a realidade toda à luta entre Deus e demônios. O superior das missões do
Paraguai, Pe. Montoya, colocava todos os obstáculos à ação jesuítica sob a
responsabilidade das "forças do mal". Por outro lado, a magia, a mata povoada de
espíritos (animismo), os sonhos premonitórios, os transes xamanísticos e a busca
da terra sem mal (ou país de Candiré) configuravam a cultura guarani.
Como era de se esperar, o confronto entre a religiosidade dos Guarani e
seus xamãs, considerados pelos jesuítas como demoníacos, foi o principal
empecilho à aproximação dos jesuítas e indígenas. O duelo entre o missionário e o
xamã constitui a maior parte da Conquista Espiritual
214
, que sob esta ótica pode
até ser colocada em dúvida.
Na Missão de Nuestra Señora de la Fe (antiga aldeia Araquay), o cacique
principal (ou aquele que foi reconhecido pelos jesuítas) era um membro da casta
dos guerreiros
215
. Segundo o relato de Diego Ferrer (1633), "Em Araquay,
povoado de D. Diego Paracu, foram inscritos pelo Pe. Nicolás Henard trezentos
índios"
216
. Após os ataques paulistas em 1632, os remanescentes do povoado do
cacique Paracu foram reduzidos em Nuestra Señora de la Fe.
Embora Ñanduabuçu fosse um cacique com grande influência em todo o
Itatim, não morava no povoado do Taré, lugar escolhido pelos índios para a
redução. A aliança entre Paracu e os jesuítas de Nuestra Señora de la Fe acabava
fortalecendo a sua posição em detrimento de Ñanduabuçu.
Da parte dos jesuítas, não houve a intenção de "converter" a religião
214
Cf. ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 90.
215
Cf. SUSNIK, B. Etnografia Paraguaya, p. 110ss.
216
CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 34.
101
Guarani. As poucas e isoladas tentativas em atribuir a Jesus alguns cantos
sagrados dos índios não ganharam muitos adeptos entre os missionários. Porém na
opinião de Arno Alvarez Kern, houve uma interação entre jesuítas e indígenas, o
que acabou por tornar os estabelecimentos reducionais em instituições originais na
busca do equilíbrio entre as sociedades espanholas e indígenas.
217
O cristianismo peculiar dos missionários espanhóis foi assimilado
seletivamente pelos Guarani
218
, apesar do período reduzido em que permaneceram
reduzidos no Itatim, para que alguma mudança mais duradoura fosse perceptível.
Do mesmo modo, os costumes indígenas foram assimilados seletivamente pelos
missionários também, pois do contrário as implicações do contato seriam muito
minimizadas.
Os missionários utilizaram-se muito da música como forma de atrair os
meninos, pois a recitação e os cantos, revelados em sonhos, também eram comuns
na religião Guarani. Os xamãs possuíam vários cantos que lhes davam autoridade.
Cada índio possuía, igualmente, o seu canto revelado da mesma maneira. No
Itatim, entre os Gualachos, os jesuítas compuseram cantos que eram recitados com
os índios reunidos de manhã e de tarde como fórmula de estabelecer vínculos
entre missionários e índios que se substituíssem aos tradicionais com o xamã.
Os relatos dos missionários fazem menção freqüente ao mundo onírico
ou à ação divina. Palavras ouvidas em sonho e ameaças com a ira divina de
eficácia imediata são comuns. Diego de Boroa, provincial do Paraguai, fala em
1634 do castigo recebido e da fulminante cólera divina contra os inimigos da
217
Cf. KERN, A. Missões: uma utopia Política, p. 8-16.
102
Companhia de Jesus: "el uno de estos famosos procuradores sucumbió a una
febre contagiosa, y el outro, que era el mismo, de quién hablamos, murió
repentinamente al volver al Paraguay, no alcanzando siquiera tiempo para
confesarse de sus pecados"
219
.
Ao que parece, no Paraguai do século XVII, as febres contagiosas
atingiam com freqüência inimigos, amigos e até os próprios jesuítas. Estes relatos
deixam claro o estilo fabuloso das cartas ânuas e justificam o fato de serem
conhecidas também como "cartas edificantes", ou seja, destinavam-se a aumentar
a piedade daquele que as lesse.
As fábulas não param por aí. Normalmente há referências a "fatos"
totalmente desconectados da realidade, como aparições de santos, anjos e
ressuscitados, com o objetivo de captar os índios para o rebanho dos batizados
mediante o medo.
Os deuses Guarani também foram utilizados e "adaptados" ao
cristianismo. É o caso de Tupã, o Deus das tormentas. O primeiro missionário a
utilizá-lo, mediante um contorcionismo teológico, para referir-se ao Deus cristão,
apesar de ambíguo, foi Manuel de Nóbrega. Desde os primeiros contatos com os
Tupi, Tupã foi associado ao trovão. Esta divindade Guarani foi preferencialmente
utilizada pelos jesuítas por representar uma mitologia do desastre: o deus
destruidor adquiriu assim especial importância por estar próximo ao Deus cristão,
aquele que castiga e se vinga dos inimigos. Outros deuses também foram
apropriados, embora sejam pouco citados nas crônicas. É o caso de Ñanderuvuçu,
218
Cf. ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 89-91.
103
o herói civilizador.
220
A tradição de São Tomé, embora amplamente difundida, é utilizada com
cautela e o próprio Montoya confessa: al principio di muy poco crédito. Os
missionários identificaram o Paí Zumé, mito Guarani, com o apóstolo São Tomé.
Este teria pregado o evangelho entre os indígenas e profetizado a vinda de
sacerdotes que criariam grandes povoados com ordem e política cristã.
221
Na
realidade, o Paí Zumé é o personagem mítico que ensinou aos Guarani o cultivo
da mandioca.
222
Os missionários utilizavam o termo Paí para designar a eles
próprios, também traduzindo para a língua Guarani o termo padre como um misto
entre pai e xamã, um xamã cristão.
Na América do Sul, a tática dos missionários seguia a mesma orientação
européia: procurem ganhar primeiro as pessoas de créditos entre os índios, como
os cabeças dos outros. Em Nuestra Señora de la Fe , este princípio foi seguido à
risca. Os jesuítas procuraram fazer de Paracu um "exemplo" para os demais índios
da missão. Como entre os indígenas não havia rei, eles procuraram captar
primeiro os caciques. Este princípio foi utilizado como um dos meios de acesso à
complexa estrutura social dos Guarani. Para compreendermos o papel da liderança
do cacique e do xamã, entre os Guarani, é preciso entendermos um pouco melhor
como esta autoridade se articula dentro da sociedade estruturada.
A sociedade Guarani era constituída por pequenos grupos, famílias
extensas, linhagens ou gerações, descendentes de um ancestral comum, agrupados
219
BOROA, D. La Província del Itatín, p. 534.
220
Cf. ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 94-5.
221
Cf. MONTOYA, A. R. Conquista Espiritual, (1989), p. 72.
104
em unidades socioeconômicas básicas, muitas vezes autônomas e ilhadas: o tey’y.
quando esta unidade de até duzentas pessoas tomava parte de uma estrutura maior
(que poderia absorver até oito tey’y) chamava -se tekó’há.
O parentesco constituía o anel que mantinha unida a estrutura social,
normatizava as habitações, a política, economia e as relações de escambo. Os
líderes, neste caso, eram os pais de linhagem, daí se esclarece o papel
preponderante dos "mais velhos" entre os índios americanos. Estes líderes eram
chamados, na língua Guarani, de tey’yru, mas os espanhóis os chamaram, desde a
América Central, de caciques.
223
O matrimônio entre os Guarani de distintas regiões promovia uma rede
de relações que ultrapassava os limites dos tey’y e tekó’há. Juntamente com a
noiva, vinham alguns presentes, como a obrigação de ajuda mútua entre os
cunhados (tovaya), elemento rapidamente explorado pelos espanhóis. Em
conseqüência do matrimônio surgiam difusos vínculos de solidariedade,
atualizados em situações de carestia ou ataques armados. Esta instituição se
concretizava em pactos entre chefes de muitos tey’y, quando ocorriam as
freqüentes migrações entre os Guarani.
Cada tey’y ou tekó’há possuía um cacique de autoridade quase absoluta
em caso de guerra, porém limitada em tempo de paz. Isto explica por que a
autoridade de Ñanduabuçu era mais duradoura que a de Paracu na Missão de
Nuestra Señora de la Fe. Esta foi a causa provável de Paracu aceitar a redução
222
Cf. ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 95.
223
O nome Guarani correspondente a cacique é Tuvicha, mas não conheceu correspondente espanhol
nem se quer aparece na documentação jesuítica.
105
dos índios de seu tey’y (Araquay) no povoado (pueblo) no Taré.
O cacique marchava primeiro nas batalhas, organizava as atividades
coletivas na preparação da roça, as caças coletivas ou a construção de cabanas.
Seu único privilégio era a poligamia. Diego Ferrer, ao tecer o relato dos ataques
bandeirantes de 1632, diz que abandonaram a bandeira "D. Diego Paracu e sua
mulher e muitos outros quando entenderam que foram enganados pelos
portugueses, vieram atrás deles alguns Tupi querendo levá-los à força mas
voltaram devido às muitas flechadas morrendo alguns"
224
.
Aparentemente, Paracu abandonou este privilégio em troca do apoio dos
missionários, ou fez que com que assim acreditassem, pois em 1632 os trabalhos
de implantação da missão do Itatim estavam apenas iniciando. As mulheres eram
o sinal da autoridade do cacique, que chegava a possuir até 30 mulheres, segundo
Montoya
225
.
Alguns caciques influenciavam em uma ampla região e chegavam a dar
nome à região, como Guairá e Tayoba. No caso do Itatim, isto não ocorreu, pois a
palavra refere-se a uma característica física da região. Caso os caciques não
cumprissem a sua tarefa, perdiam a autoridade, precisando ser habilidosos no
relacionamento com outros grupos (índios e jesuítas) e com o próprio também.
Sua função, dentro da microssociedade da aldeia (tey’y ou tekó’há), era essencial,
pois era ele quem distribuía as terras entre as famílias ou tey’y, tinha de manter a
paz e freqüentemente, quando as qualidades físicas não eram suficientes, era
preciso lançar mão de dotes metafísicos: a magia. Por isso, muitos caciques eram
224
CORTESÃO, J. Jesuítas e bandeirantes no Itatim, p. 42.
106
também xamãs.
O cacique precisava ser bom orador, mas sobretudo generoso e, neste
caso, o cargo transformava-se num peso, na medida em que precisava trabalhar
muito mais que os outros e, em muitos casos, possuir menos. Como se vê, o
processo de escolha da liderança era bastante racional, no sentido de que era
cacique aquele que poderia ou estaria disposto a contribuir mais com o grupo. Por
outro lado, o cargo não estimulava disputas ardentes.
Esta característica nativa (presentes generosos como sinal de autoridade)
foi aproveitada pelos jesuítas nas missões do Paraguai e no Itatim, para
aproximar-se dos índios, utilizando "cunhas, facas , anzóis, contas e o restante que
houver", segundo Ferrer.
226
Na Missão de Nuestra Señora de la Fe , estes artigos
obtidos com os jesuítas e espanhóis eram comercializados com outros povos que
habitavam rio Paraguai acima (Chiriguanas e os Ibitiriguaras) em troca de
metais.
227
Os xamãs tinham fama de possuir grandes poderes sobre a natureza e
sobre os homens, podiam curar, ser adivinhos e ainda messias para levá-los à terra
sem mal. Desde o fim do século XV, os Guarani do Paraguai perseguiam o
paraíso terrestre de seus mitos, associados provavelmente ao Império Inca.
Utilizavam-se de cantos, danças, ornamentos plumários, maracas (voz dos
espíritos), bebiam e fumavam la yerba (erva mate) ou tabaco.
228
Esta é uma das
razões pelas quais os jesuítas não foram muito simpáticos à erva-mate, porém
225
Cf. MONTOYA, A R. Conquista Espiritual (1989), p. 76.
226
CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 46.
227
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 46.
107
mudaram de idéia frente às possibilidades econômicas do mate das missões.
Os xamãs (bons oradores) assimilaram rapidamente algumas categorias
dos discursos dos missionários. São constantes as referências a xamãs que se
apresentavam como homens-deuses, criadores do céu e da terra, senhores da
morte ou como o próprio Paí Zumé.
Os ossos dos xamãs eram cultuados pelos índios. Montoya relata um caso
semelhante no Guairá:
Era o templo de bastante capacidade e bem adornado sendo que nele
havia um reservado com duas portas, em que se achava o corpo,
pendurado de dois paus numa rede (...) as cordas dela estavam
guarnecidas muito bem de plumagem vistosa e vária, sendo que
cobriam a rede mesmo uns panos preciosos de plumas pintadas (...)
Havia ainda alguns utensílios com que os índios perfumavam aquele
lugar, em que ninguém a não ser o sacerdote
229
ousava entrar e este,
em nome do povo, fazia ao oráculo as perguntas desejadas.
230
Após localizados, os ossos eram queimados pelos missionários em
público, aproveitando a oportunidade para "instruir" os índios. A intolerância dos
jesuítas fez com que aumentasse a resistência Guarani.
Na mentalidade indígena, era perfeitamente possível a convivência de um
sincretismo entre as práticas dos "padres" e as crenças dos Guarani, porque,
quando os índios iam à missa, iam mais para agradar aos missionários (e garantir
o suprimento de vacas, machados de ferro, anzóis etc.) que movidos pela piedade.
Os xamãs, assim como os caciques, tinham um poder instável. Não era
raro serem expulsos da comunidade se ineficientes. Em contrapartida, podiam
chegar a deter o poder político absoluto sobre um tey’y ou tekó’há e, neste caso,
228
Cf. ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 99.
229
Os jesuítas aqui identificam o xamã como sendo o sacerdote indígena.
230
MONTOYA, A R. Conquista Espiritual (1997), p. 18.
108
ganhavam presentes e as jovens que desejassem. Os caciques e xamãs eram
freqüentemente itinerantes.
231
O historiador John Manuel Monteiro identificou uma característica
semelhante entre os Tupi de São Paulo:
Ao longo do século XVI, a principal frente de ação adotada pelos
missionários foi a luta contra pajés e caraíbas que, certamente,
representavam a última e mais poderosa linha de defesa das tradições
indígenas. Especialmente concentrada, a ofensiva contra os
"feiticeiros" justifiva-se na certeza de que a presença e influência
carismática dos pajés ameaçavam subverter o trabalho dos próprios
padres.
232
Os xamãs eram os representantes natos da cultura Guarani e foram os
maiores adversários dos jesuítas. Sua resistência justifica-se, pois eram os
defensores da cultura tradicional que estavam em risco de extinção. No Itatim,
vencer a Ñanduabuçu significaria, na opinião dos jesuítas, quebrar a resistência
dos índios e garantir o sucesso da missão.
Os xamãs se esforçaram para imitar os sacerdotes, especialmente em
relaçãos aos rituais dos sacramentos católicos (entendidos como mágico pelos
indígenas e às vezes pelos próprios missionários). O batismo, Eucaristia e as
unções com óleo acrescentavam poderes a quem os recebesse, pensavam os xamãs
que então deveriam ser "removidos" dos índios mediante rituais semelhantes,
porém com o objetivo inverso. Montoya relata que no Guairá, seguindo ordens do
xamã Yeguacaporu, os índios "Construíram igrejas, nelas colocaram púlpitos,
faziam suas práticas e chegavam a batizar. Era esta a fórmula de seu batismo: 'Eu
231
Cf. ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 99ss.
232
MONTEIRO, J. M. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo, p. 48.
109
te desbatizo!' E com isso levavam todo o corpo dos "batizandos".
233
A resistência indígena encabeçada pelos xamãs atuava em duas frentes:
procurava evitar que novos índios entrassem na esfera de influência dos padres
representada pelo batismo, e além disso, agia de modo a demover aqueles que já
tinham sido batizados através de um antibatismo. Por isso, os relatos jesuíticos
fazem constante referência a índios que aparentemente cristianizados voltavam às
suas antigas práticas. No Itatim ocorreu o mesmo após os assaltos bandeirantes de
1632 e os problemas de fome e seca do ano seguinte. À medida que a missão não
podia prover as necessidades materiais dos índios, a mensagem dos missionários
perdia sua eloqüência.
Os missionários, por sua vez, combateram os xamãs de forma menos
brutal que os soldados espanhóis. Eles procuraram substituir os caciques xamãs
tradicionais pelo ascetismo (pobreza e disciplina) e poderes com os quais
protegiam aos índios e enriqueciam as reduções com ornamentos de culto,
ferramentas, plantas, remédios e gado.
Em seu discurso, os jesuítas do Itatim procuravam incorporar algumas
categorias do universo cultural dos Guarani. Um dos processos que procurou
minar a resistência dos Guarani, através da dominação de seu universo simbólico,
foi aquele que identificou, no plano do discurso, a terra sem mal com o paraíso
cristão. Neste novo caminho, os Guarani não seriam mais guiados pelos seus
xamãs, agora chamados de feiticeiros, mas pelos jesuítas.
Os missionários não vacilaram em recorrer a artimanhas pedagógicas. Os
233
MONTOYA, A R. Conquista Espiritual (1997), p. 267.
110
indígenas atribuíram milagres aos jesuítas que não combatiam estas crenças, pois
queriam herdar as funções do xamãs. Montoya era apelidado de Quaracití, sol
resplandecente, porque os índios acreditavam que o missionário recebera o
espírito de um xamã de mesmo nome.
A conservação das autoridade locais fazia parte da política colonial
espanhola para os domínios americanos, contanto que se integrassem às novas
estruturas de poder, ou seja, contanto que aceitassem a dominação e não
interferissem no fornecimento da mão-de-obra, tinham a "autoridade"
reconhecida. Com esta manobra, alguns caciques "ingressaram" na nova
sociedade, representada no Itatim pelos jesuítas, com receio de perder a autoridade
e os privilégios.
Na redução de Nuestra Señora de la Fe, o prestígio do cacique Paracu
aumentou quando recebeu o título honorífico de Dom, após ter autorizado a
inscrição de mais de 300 índios no catecismo do jesuíta Nicolás Henard durante a
redução dos índios
234
, além disso ganhou a posteridade da história escrita por
meio de cartas ânuas.
Durante a fundação das reduções, havia a solenidade da entrega da vara,
símbolo do poder. Os portadores da vara não eram necessariamente membros do
cabildo. Os membros do cabildo eram eleitos por um ano, mas o cargo do cacique
era vitalício. Muitas vezes, um cacique principal tornava-se também corregedor e
assim convertia se na máxima autoridade do povoado e de sua família
transformava -se numa espécie de nobreza local.
234
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 34.
111
A autoridade dentro da redução podia ser a mesma que no tey’y ou
tekó’há original, contanto que o cacique principal não fosse xamã (ou os jesuítas
não soubessem que fosse). As reduções devem ser compreendidas como
estruturas em que conviviam nem sempre pacificamente costumes indígenas (e
tudo indica que eram mais comuns do que pensamos ou admitiam os padres em
suas cartas) com a nova sociedade que se tentava impor por meio de costumes e
religião européia.
O cacique também estava isento dos tributos da coroa e do serviço
pessoal e sua função dentro da redução era sobretudo a de encarregado pelos
trabalhos no campo. Desaparecidos os antigos caciques, seus descendentes
perderam influência (como era costume entre os Guarani), mas se mantiveram
como chefes guerreiros.
Foram freqüentes ainda os enfrentamentos entre os Guarani não
convertidos e os catecúmenos. Os últimos eram ameaçados com a antropofagia,
ameaça que em diversas ocasiões foi cumprida.
235
No Itatim, o costume da
antropofagia, embora citado, não foi muito freqüente, ao menos contra os
batizados. A relativa proximidade de Assunção logo fez os Guarani
compreenderem que saía mais em conta vender suas vítimas como escravos que
devorá-las.
Nas reduções, de modo geral, a atuação dos caciques e xamãs foi tão
atuante quanto a dos missionários jesuítas. Em diversos momentos, houve
encontros e desencontros. Os dons teatrais e retóricos dos caciques certamente
235
Cf. ARRÓSPIDE, J. R. L. Antonio Ruiz de Montoya y las Reducciones del Paraguay, p. 101.
112
superavam em muito os dos padres de um catolicismo que desvalorizava a
emoção em benefício do ascetismo. Os discursos dos caciques e xamãs eram
convincentes porque dramáticos. A sua autoridade decorria também da oratória
Guarani, para tanto gesticulavam solenemente e os missionários estrangeiros, em
diversas vezes, ficaram impressionados com a expressividade dos nativos. Na
ótica dos jesuítas, esta qualidade foi convertida em defeito e, desta forma, nas
cartas ânuas, viram-se transformados em "fingidos".
Em Nuestra Señora de la Fe, um ocorrido chama atenção pois, apesar de
a missão estar nas proximidades de inúmeras nações indígenas na outra margem
do rio Paraguai, o provincial Lupércio de Zurbano, além de preocupado com as
índias que iam sozinhas à igreja, proíbe a passagem para o outro lado do rio. Esta
recomendação segue a mesma linha do provincial anterior, Diego de Boroa, que,
antes da fundação de qualquer redução, exigia que comunicado o reitor de
Assunção, o qual consultaria um conselho e, some nte depois, autorizaria ou não a
passagem dos missionários. Esta preocupação era quanto à segurança, pois são
freqüentes os relatos de caciques da outra banda do rio que vinham até a missão
com o objetivo de atrair os missionários para emboscadas, o que de fato ocorreu
com o jesuíta Pedro Romero, o irmão Mateo Fernández
236
e um índio cristão
237
.
O mais interessante é que o misticismo ou talvez o desejo incontrolável
de alargar as fronteiras da cristandade fazia que os missionários mantivessem
diálogos imaginários, em que os índios (na outra banda do rio Paraguai não se
236
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 102
237
Este índio por não ser nem cacique, nem xamã e muito menos espanhol tem seu nome omitido,
porque provavelmente para os jesuítas, os índios "comuns" diferiam entre si apenas enquanto
113
falava Guarani) diziam uma coisa e os padres ouviam outra. Esta modalidade de
"diálogo" lembra aquela apontada por Todorov entre Colombo e os nativos que
para ele eram todos parecidos por estarem nus e não portarem características
distintivas
238
.
Os diálogos mantidos entre Colombo e os índios permitiram concluir que
os nativos, além de já possuírem virtudes cristãs, estavam desejosos de se
converterem. Como argumenta Todorov, a "visão de Colombo é facilitada pela
capacidade que tem de ver as coisas como lhe convém"
239
.
Certamente, o cético Lupércio de Zurbano identificou qualidades
semelhantes entre os padres da redução de Nuestra Señora de la Fe , quando lhe
escreviam dizendo do desejo que os "pagãos" da outra margem do rio Paraguai
tinham de se ver reduzidos. O projeto do provincial para a missão era primeiro
ganhar a amizade dos Paiaguás, para somente depois fundar reduções na outra
margem
240
.
No Itatim, as formas de resistência foram as mais variadas possíveis.
Quando se tratava de defender suas tradições, os Guarani da redução tramavam
assassinatos, associavam-se aos padres, acusavam os missionários de
cumplicidade quando lhes convinha, ironizavam o Deus dos cristãos que negou
espigas de milho aos jesuítas em 1633, defenderam-se das malocas improvisando
armas e seguindo as táticas guerrilheiras de padres lavradores, alguns até ficaram
amigos dos jesuítas Vicente Hernandez e Vicente Badia (que, por ter maior
pertencentes ou não ao rebanho.
238
Cf. TODOROV, T. A Conquista da América, p. 43.
239
op. cit., p. 52.
114
contato com os índios, não cruzavam a outra margem do rio Paraguai), andavam
nus mesmo após o batismo (porque a vestimenta representa a imposição da
mentalidade também), bebiam nas festas, cantavam as suas músicas sagradas, não
quiseram abandonar as várias mulheres, mas estrategicamente adotaram práticas
cristãs num sincretismo que, além de marca registrada da gente mestiça, garantia o
suprimento de vacas quando o tempo não era favorável.
240
Cf. CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, p. 65-68.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa, mais do que revisitar uma temática bastante estudada,
como é o caso das missões jesuíticas, quis instigar as pessoas a refletir sobre um
assunto esquecido: a redução de Nuestra Señora de la Fe no Itatim, um lugar onde
viveram índios à procura de sustento. As incursões de encomenderos espanhóis de
Assunção e Xerez e os bandeirantes paulistas soterraram este modesto passado das
populações nativas do Taré. Como estes nativos compunham populações
iletradas, portanto incapazes de escrever (mas não de contar) a sua história,
acabaram vítimas também do dominador poder do registro escrito que rebaixa as
palavras faladas.
Os estudos sócio-históricos sobre os índios do Itatim existem, mas são
poucos, e ainda restam grandes lacunas a serem sanadas. O que se sabe das
pessoas que viveram no Itatim? Como viviam os índios reduzidos?
Uma história dos índios reduzidos no Itatim deve ser escrita com a
colaboração da Arqueologia e, não se conhecem, até o momento, sítios
arqueológicos com restos materiais gerados pelas reduções do Itatim (templos,
casas, cemitérios, oficinas, escolas etc.). A Arqueologia, por sua vez, necessita de
base bibliográfica que facilite o trabalho de campo. A isto se prestam as pesquisas
e levantamentos históricos.
116
O estudo de uma redução do Itatim contribui com elementos
esclarecedores sobre como viveram e trabalharam as pessoas que povoavam esta
região, grosso modo, na primeira metade do século XVII. Sua contribuição
consiste em chamar a atenção para um passado indígena pouco estudado da
história do Mato Grosso do Sul e não contemplado a contento na historiografia
concebida em termos centro-sertão.
A destruição da Missão de Nuestra Señora de la Fe e do Itatim como um
todo provocou profundas modificações na ocupação espacial de região onde hoje
está o Mato Grosso do Sul. O Anexo 1 reproduz um mapa etnográfico da região
do alto rio Paraguai, produzido por Guido Boggiani, onde se observa que os
antigos e tradicionais territórios Guarani foram ocupados por outros povos
indígenas.
A conseqüência direta das incursões bandeirantes sobre o Itatim foi a
depopulação Guarani de parte do atual Mato grosso do Sul e, desta forma, é
possível inferir que os atuais Guarani são remanescentes dos indígenas não-
reduzidos nas missões jesuíticas ou que fugiram destas após os ataques
bandeirantes.
Cronologicamente, os índios da província do Itatim estão a anos de
distância das pessoas que hoje vivem no Mato Grosso do Sul, porém está distância
não evitou que a vida tribal, não muitos diferente de outros ameríndios, que se
desenvolveu ao longo dos rios pantaneiros, continue enterrada dentro de nós como
uma memória filogenética. À História e à Arqueologia cabe a tarefa de escavar e
estudar as evidências materiais destas memórias.
117
No que concerne à resistência indígena face à cristianização, a figura do
xamã é sempre destacável como o principal líder da resistência.
Até mesmo o mais cético dos historiadores não pode negar que alguns
índios se converteram ao cristianismo, ao menos externamente, pois os relatos dos
jesuítas deixam claro que havia uma relativa frequência às missas (apenas os
vestidos), confissões e pregações. A aceitação (assimilação seletiva) do
cristianismo seria ela também uma forma de resistência, pois, desta maneira, os
índios procuravam agradar aos padres, o que certamente lhes traria benefícios
concretos, como a sonegação da mão-de-obra para os encomenderos, mediante as
cédulas reais obtidas em Madri pelos procuradores da Companhia de Jesus, as
ferramentas, as sementes, o gado e o arado, isto sem falar na possibilidade (para
alguns) de ser alfabetizado na língua espanhola e assim ter a possibilidade de
acesso às autoridades coloniais que nem sempre compreendiam a língua Guarani.
Em Nuestra Señora de la Fe, desenrolou-se um dos capítulos do
encontro-confronto entre duas visões de mundo diferentes: uma cristã-jesuítica e
uma outra indígena. Os defensores da visão de mundo cristã-jesuítica
representavam o projeto colonial espanhol, que tinha por objetivo reduzir os
índios à vida civilizada graças à pregação cristã e às armas da coroa sempre
prontas para agir contra aqueles que não se sujeitassem. Aspecto igualmente
importante é o fato de que os jesuítas intentavam converter os índios, e a
evangelização, no limite, acaba por violar de alguma forma a pessoa humana, não
apenas aquela evangelizada nos métodos do século XVI e XVII. Evangelizar, ou
catequizar, é querer impor sua verdade ao outro convidá-lo a adotar um novo
118
sistema de crenças e valores, e destruir aquele dentro qual se formou, apesar dos
resultados desestabilizadores que venham a se produzir na vida social daquele
povo.
No Itatim, sobrepunham-se ainda duas frentes de colonização: uma
portuguesa e outra espanhola. A outra frente foi a resistência indígena, assunto
sobre o qual as fontes se calam. Ao historiador cabe interpretar silêncios,
murmúrios e indícios daqueles que tiveram a voz calada, porque considerados
bárbaros e inferiores.
Neste trabalho, não pretendemos esgotar a temática. Pelo contrário, a
pesquisa aqui desenvolvida desdobra-se em inúmeras possibilidades de novos
estudos e campos a serem explorados. Outros olhares devem ser lançados sobre a
missão de Santo Inácio de Caaguaçu, sobretudo numa perspectiva que inclua
também o cotidiano da missão e a cultura material das reduções no Itatim como
um todo. A ampliação da análise sobre o Itatim depende ainda de novas
evidências arqueológicas e até documentais mediante o acesso de
correspondências de missionários contidas em bibliotecas e arquivos europeus.
119
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130
ANEXOS
ANEXO 1 MAPA ÉTNICO (GUIDO BOGGIANI) .................................................
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