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Idari Alves da Silva
CONSTRUINDO A CIDADANIA
Uma análise introdutória sobre o direito à diferença
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Apresentada ao Programa de pós
Graduação em História, na linha Trabalho
e Movimentos Sociais da UFU -
Universidade Federal de Uberlândia, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em História Social, sob a
orientação do Professor Dr. Hermetes Reis
de Araújo
Uberlândia, 2002
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Prof.º Dr........................................................................................................................
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Idari Alves da Silva
CONSTRUINDO A CIDADANIA
Uma analise introdutória sobre o direito à diferença
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Apresentada ao Programa de pós
Graduação em História, na linha Trabalho
e Movimentos Sociais da UFU -
Universidade Federal de Uberlândia, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em História Social, sob a
orientação do Professor Dr. Hermetes Reis
de Araújo
Uberlândia, 2002
Agradeço:
À Universidade Federal de Uberlândia, pública e
gratuita, que me proporcionou as condições
necessárias à minha formação até este momento;
A todas as pessoas ligadas à proposta de manter
de pé este mestrado, especial aos professores
que acompanham minha vida acadêmica desde a
graduação neste Instituto;
A Maria Helena Moura pela paciência e
profissionalismo;
A Florisa Maria Alves Resende e Silva, pelo
carinho dispensado a este trabalho e o cuidado
minucioso na correção,
Aos companheiros e companheiras de luta no
Movimento pelos direitos das pessoas com
deficiência;
À ajuda incomum recebida de Rui Bianchi (que
passou para outro plano durante a elaboração
deste trabalho) e Elza Ambrosio do (Centro de
Documentação e Informação da Pessoa
Portadora de Deficiência):
E à vida.
Dedico à
Celeste Santana, minha esposa que me deu
força, paciência, companheirismo em todos os
momentos e meu filho Lucas que nasceu
durante a fase de elaboração deste trabalho.
A história “ocupa-se de homens vivos, e tudo o que se refere aos
homens, ao maior número possível de homens, a todos os homens do
mundo enquanto se unem entre si em sociedade e trabalham, lutam e se
melhoram a si mesmos, não pode deixar de agradar mais que qualquer
outra coisa”.
Antonio Gramsci
Sumário
Resumo: 09
Introdução: 10
Capítulo I
Em busca do direito de ter direitos empoderamento
Conceitos e preconceitos
Voltando aos anos setenta
O Ano Internacional das Pessoas Deficientes no Brasil
18
24
27
41
Capítulo II
O Movimento pelos direitos das pessoas portadoras de deficiência
A cidadania a fórceps ou de arrasto
52
62
Capítulo III
O Movimento pelos direitos das pessoas portadoras de deficiência diante
da crise dos paradigmas.
Políticas públicas
A Lei Orgânica de Uberlândia De deficientes a cidadãos:
a construção da cidadania
75
86
87
Considerações Finais 103
Fontes 105
Bibliografia 108
Extraído do documento A/37/351 - Nações Unidas 1982
Resumo
Este trabalho tem por finalidade contribuir com a história dos
movimentos sociais no Brasil, em especial a trajetória política do Movimento pelos Direitos
das Pessoas Deficientes.
Escolhi trabalhar com o tema das pessoas portadoras de deficiência sob
seu aspecto de organização social e optei por tratá-lo sob a ótica do movimento político
porque nem todos os deficientes do Brasil são ou estão felizes com a forma que a sociedade
e os governantes tratam desse tema já que, na maioria das vezes, são alvos de caridade,
piedade ou vítimas do preconceito.
No primeiro capítulo, faço uma leitura do momento histórico do
início da década de oitenta, retroagindo ao período do ultimo quarto da década de
setenta, principalmente quando surgem os novos movimentos sociais, sua
organização pelo direito de querer ter direitos.
No segundo capítulo, estabeleço o contraponto entre os escritos
sobre os Movimentos Sociais e a atuação do Movimento das pessoas portadoras de
deficiência, inserindo-o na discussão acadêmica como parte dos movimentos sociais,
mostrando a importância desse segmento que representa, no mínimo, 10% da
população do país e deve ser devidamente registrado na história, enquanto
movimento social organizado que tem propostas e luta por seus objetivos.
No terceiro capítulo, procuro fazer uma análise dos resultados
obtidos nas lutas pela Constituinte, as leis que passaram a existir e que conferem a
essas pessoas a condição de igualdade perante todos os demais cidadãos do país e
contrapor à realidade das pessoas nas cidades hoje. Percebendo nas vivências, na
falta de serviços essenciais, nas barreiras arquitetônicas, ambientais e sociais, na
falta de respeito ao direito à educação especial e inclusiva, saúde, programas de
órtese e prótese, a verdadeira face da cidadania no Brasil em relação aos
“deficientes”.
INTRODUÇÃO
“Unamo -nos por uma luta comum!
Unamo-nos para exigir nossa completa
participação e igualdade de oportunidade
!”.
1
Este trabalho é o resultado final de uma pesquisa acadêmica para
obtenção do título de mestre em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia e
tem por finalidade contribuir com a história dos movimentos sociais no Brasil, em especial
a trajetória política do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes
2
.
Muitos dos motivos pelos quais procuro desenvolver trabalho nessa área
se baseiam em duas questões que são: a observação feita ao longo de vinte anos de
militância no próprio Movimento e a ligação com outros movimentos sociais que atuam na
defesa de direitos humanos.
Nessa perspectiva, posso dizer que este trabalho é um retrato em dupla
face, é pesquisa e vida de militante, em que não pude determinar ao certo onde inicia uma e
outra.
O que muito me instiga também é a grande semelhança que existe entre
as formas de organização dos primeiros grupos de "deficientes" e os grupos de trabalho dos
movimentos de mães, mulheres, e outros que às vezes recebiam apoio dentro das
organizações religiosas como é o caso dos clubes de mães citados por Eder Sader:
“Seja pelos seus testemunhos, por outros registros, ficamos
sabendo da existência de clubes de mães e formas similares de
organização de donas de casa desde, pelo menos, o findar dos anos
1
Grito dos participantes do I congresso mundial da Organização Mundial de Pessoas Deficientes, Singapura,
1981.
2
O termo movimento de defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência é recente e sucede o
Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes que teve importância no inicio da história deste segmento
no Brasil, entretanto, ressaltamos que existe em São Paulo uma entidade o Movimento pelos Direitos das
Pessoas Deficientes que é citada neste trabalho.
50, patrocinadas às vezes pela prefeitura, às vezes por associações
benevolentes, ligadas à Igreja ou a entidades como o Lions Club.
Nessas associações, algumas mulheres, previamente capacitadas,
ensinavam outras, pobres e necessitadas, a bordar, costurar e fazer
trabalhos manuais, além de transmitir instruções de higiene e
saúde”.
3
Uma boa parte das entidades de deficientes e para deficientes também
originaram ligadas a esse tipo de organização, seja religiosa ou filantrópica, semelhantes às
citadas por Sader, pelo aspecto necessidade, incapacidade e falta de poder de si
(empowerment)
4
.
“Empowerment significa o processo pelo qual uma pessoa ou um grupo
de pessoas, usa o seu poder pessoal inerente à sua condição por
exemplo: deficiência, gênero, idade, cor (eu diria raça),- para fazer
escolhas e tomar decisões, assumindo assim o controle de sua vida...( ) O
que o movimento de vida independente vem exigindo é que seja
reconhecida a existência desse poder nas pessoas portadoras de
deficiência e que seja respeitado o direito delas de usá-lo como e quando
bem lhes aprouver. Neste caso, estamos empoderando essas pessoas, ou
seja, facilitando o seu empowerment. Quando alguém sabe usar o seu
poder pessoal, dizemos que ele é uma pessoa empoderada.... Neste
sentido, independência e empowerment são conceitos interdependentes.
3
SADER, EDER, Quando Novos Personagens Entraram em Cena Experiências, Falas e Lutas dos
Trabalhadores da Grande São Paulo (1970 80) 2ª Edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra 1995. pp.199 200
4
Segundo SASSAKI, Romeu kazumi. Inclusão Construindo uma sociedade inclusiva. Rio de Janeiro. WVA,
3ª edição 1999. p 39, “O termo inglês empowerment é mantido sem tradução porque ele já está consagrado na
comunidade empresarial e entre os ativistas de vida independente. Mas, têm havido tentativas no sentido de
traduzi-lo como ‘empoderamento’ ( já adotado em Portugal), ‘fortalecimento’, ‘potencialização’ e até
‘energização’ ”. Saleinta ainda que embora este termo esteja se tornando comum na literatura mundial ele
iniciou no movimento de portadores de deficiência e se estendeu para o campo de gerenciamento de recursos
humanos.
Não se outorga esse poder à pessoa; o poder pessoal está em cada
pessoa desde o seu nascimento. Com freqüência acontece que a
sociedade famílias, instituições, profissionais etc. não tem
consciência de que o portador de deficiência também possui esse poder
pessoal (Rogers, 1978) e, em conseqüência essa mesma sociedade faz
escolhas e toma decisões por ele, acabando por assumir o controle da
vida dele”.
5
Por muito tempo isso foi visto e aceito como sendo a forma viável de
prestar ajuda ao deficiente. Contudo, nem todas as pessoas concordavam com essa tutela
como veremos adiante.
Minha formação política originou-se nas comunidades eclesiais de base e
não tenho muito definido quando e como aconteceu a minha desvinculação dos
movimentos de igreja para efetivamente me dedicar à causa da cidadania da pessoa
portadora de deficiência. Mas sei que tudo que aconteceu nessa “passagem” foi
conseqüência natural de uma trajetória determinada pela minha condição de portador de
deficiência física e pela preocupação com as causas sociais apreendida nas discussões da
Pastoral da Juventude. Aliado a isso, tenho o compromisso de usar o conhecimento e a
experiência para ajudar com a parte que me compete como cidadão, a transformar a
sociedade e, em especial, a vida daqueles que são parte da mesma luta e que comungam no
mesmo sonho: a justiça social no Brasil.
Escolhi trabalhar com o tema das pessoas portadoras de deficiência sob
seu aspecto de organização social e optei por tratá-lo sob a ótica do movimento político
porque nem todos os deficientes do Brasil são ou estão felizes com a forma que a sociedade
e os governantes tratam desse tema já que, na maioria das vezes, são alvos de caridade,
piedade ou vítimas do preconceito.
Tendo o enfoque no lado político do segmento das pessoas portadoras de
deficiência, não trato das conhecidas histórias de vida de pessoas que contam em livros
inteiros suas dificuldades, doenças, sofrimentos, desavenças familiares, abandonos etc.,
5
SASSAKI, op.cit., p.38
mas que procuram estudar para vencer os obstáculos Muitas pessoas se orgulham de terem
conseguido isso, pois lutaram, e chegaram lá, conquistaram certo destaque, superação ou
reconhecimento. Não tenho nada contra esses depoimentos entretanto, meu intuito é
apresentar uma voz forte e objetiva, de luta por direitos civis no Brasil; por isso, quero
deixar claro que neste trabalho não existe nenhuma lição de vida, nenhum exemplo a ser
seguido como vemos em tantos livros sobre esse assunto. Saliento que minha experiência
de militância política no Movimento é diferente de lição de vida, uma vez que a militância
é relato de vivência política e exercício de cidadania. Já exemplo de vida, se resume na
prática da dificuldade que o deficiente tem para ser uma pessoa comum.
Todas as pessoas devem perseguir os seus objetivos sejam eles grandes
ou pequenos e essa busca faz parte da natureza humana e assim deve ser compreendida.
Contudo, o diferente tem em si o estigma
6
que o condena a ser distinto seja por feitos,
omissões ou por incompetência.
Dessa forma, solicito cautela. Experiência pessoal de militância e
exemplo de vida no sentido empregado aqui, não se misturam e não são a mesma
coisa.
O registro que faço neste texto é parte da história de um segmento social
como tantos outros que lutaram e lutam por justiça social em qualquer parte do mundo,
dentro de suas especificidades. Os portadores de deficiência têm um diferencial que merece
ser considerado pela pesquisa acadêmica e pela história, que é a sua forma de dizer: não
queremos viver de caridade quando podemos e devemos produzir, usufruir e ser feliz. É a
voz daqueles que se recusam a dizer “sim, somos coitados”, pessoas que, por muitas vezes,
foram tratados como arrogantes porque se recusaram a ser carregados para subir uma
escada onde deveria existir uma rampa. São as vozes dessas pessoas que são chamadas de
ignorantes por recusarem esmolas, brigões por defenderem direitos e revoltados por se
indignarem com a injustiça que estarão sendo ouvidas neste trabalho.
6
Do Grego stígma. a palavra estigma no sentido empregado, significa uma marca, um sinal, aquilo que
assinala, pode ser entendido de forma negativa, como pode também, ser aquilo que confere o diferencial
positivo como no caso de uma obra de arte.
Discordando e concordando como a própria dinâmica da vida, existe hoje
um legado de muita experiência, vitórias importantes e derrotas muito caras, conquistas
legais, marcadas por profundas lembranças em cada uma das pessoas, vontades, desejos e
carências de respeito. Ingredientes que formam o elemento-força que ainda mantém pessoas
- apesar das dificuldades impostas pelas próprias limitações - há mais de trinta anos firmes
no mesmo propósito de ver o "deficiente" respeitado como cidadão de verdade.
A vanguarda
Busca do sentimento de pertencimento
No universo de todas as pessoas portadoras de deficiência existentes
no Brasil na década de oitenta, há um grupo que se diferencia, que se apresenta de
forma organizada, tem uma proposta verdadeiramente sua e que é diferente porque
traz a fala dos diferentes por si mesmos. O elemento chave deste trabalho é: procurar
“escutar” essas vozes, identificar seus autores e apontar os atores em duas
oportunidades históricas que elegemos como marcos, ponto de referencia e de
partida: o Ano Internacional da Pessoa Deficiente e a Assembléia Nacional
Constituinte.
Fazendo a crítica sobre o Ano Internacional da Pessoa Deficiente
(1981) e a Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988) que são considerados dois
momentos de grande importância para o segmento das pessoas portadora de
deficiência, procuro apontar as diferenças existentes nos discursos das pessoas que
estavam em busca de direitos falando por si mesmos e outras que por sua vez,
procuravam manter a situação de clientelismo, assistencialismo e filantropia.
No primeiro capítulo faço uma leitura do momento histórico do início da
década de oitenta, retroagindo ao período do ultimo quarto da década de setenta,
principalmente quando surgem os novos movimentos sociais, sua organização pelo direito
de querer ter direitos. Para este capítulo tomo como parâmetro o livro Quando novos
personagens entraram em cena, de Eder Sader, para situar o movimento nacional de luta
das pessoas portadoras de deficiência no contexto acadêmico, principalmente naquilo que o
caracteriza como movimento social com capacidade de mobilização política dos que se
faziam representar pelas lideranças.
Existe um trecho do livro de Eder Sader onde ele expressa o
significado desse momento no contexto histórico do Brasil da ditadura militar:
“Atores sociais e interpretes, no próprio calor da hora, se
aperceberam de que havia algo de novo emergindo na história
social do pais, cujo significado, no entanto, era difícil de ser
imediatamente captado.
A novidade eclodida em 1978 foi primeiramente enunciada sob a forma
de imagens, narrativas e análises referindo-se a grupos populares os
mais diversos que irrompiam na cena pública reivindicando seus
direitos, a começar pelo primeiro, pelo direito de reivindicar direitos....
Eles foram vistos, então pelas suas linguagens, pelos lugares de onde se
manifestavam, pelos valores que professavam, como indicadores de
emergência de novas identidades coletivas. Trata-se de uma novidade no
real e nas categorias de representação do real”.
7
Trago os dois momentos em estudo: o Ano Internacional e a
Constituinte, procurando esclarecer o que difere e o que qualifica o movimento das
pessoas deficientes no debate política pelo direito de falar por si.
No segundo capítulo, partindo destes dois momentos, estabeleço o
contraponto entre os escritos sobre os Movimentos Sociais e a atuação do
Movimento das pessoas portadoras de deficiência, inserindo-o na discussão
acadêmica como parte dos movimentos sociais, mostrando a importância desse
segmento que representa, no mínimo, 10% da população do país e deve ser
7
SADER, Eder op cit., pp. 26 e 27
devidamente registrado na história, enquanto movimento social organizado que tem
propostas e luta por seus objetivos.
No terceiro capítulo, procuro fazer uma análise dos resultados
obtidos nas lutas pela Constituinte, as leis que passaram a existir e que conferem a
essas pessoas a condição de igualdade perante todos os demais cidadãos do país e
contrapor à realidade das pessoas nas cidades hoje. Percebendo nas vivências, na
falta de serviços essenciais, nas barreiras arquitetônicas, ambientais e sociais, na
falta de respeito ao direito à educação especial e inclusiva, saúde, programas de
órtese e prótese, a verdadeira face da cidadania no Brasil em relação aos
“deficientes”.
Com isso é possível perceber que as reivindicações do inicio da
década de oitenta ainda estão presentes nas falas das pessoas, porque embora
existam muitas leis que assegurem ao portador de deficiência a condição de cidadão,
ainda não existe efetivamente a prática de se cumprir a determinação legal e os
portadores de deficiência ainda estão à espera do cumprimento da Lei.
Diante dessa situação, as entidades de portadores de deficiência que se
constituem enquanto organizações não governamentais (ONGs), se apresentam também
como prestadoras de serviços públicos de saúde, qualificação profissional, habilitação e
reabilitação, dentre outros serviços, não têm conseguido acompanhar as mudanças que
estão ocorrendo em função da demanda reprimida - onde se misturam deficiência e pobreza
que apesar de serem coisas distintas é comum virem juntas ou associadas- e o desejo de
vida com um pouco mais de dignidade. Por outro lado, o Estado já não tem respostas
prontas para essas questões por se tratar de assuntos de relevância social que não estão
somente na deficiência, mas nas dificuldades causadas pela pobreza, analfabetismo,
desemprego e doenças epidêmicas, que sempre ocorrem em lugares onde falta saúde
pública, saneamento básico e moradia. Na sociedade de direito, é o Estado o responsável
pelo bem estar social, a dignidade da pessoa humana, assim como determina a
Constituição da República Federativa do Brasil em seu Art. 1º, III.
Tudo isso constitui parte de uma “meada” que forma um objeto de
estudo das ciências humanas, redefinindo seus próprios paradigmas em função da
nova realidade mundial, a chamada “globalização”, na qual a miséria também é
globalizada.
Trazendo o tema para uma realidade mais próxima recupero
movimentação para a elaboração da Lei Orgânica de Uberlândia Minas Gerais,
salientando a participação das entidades de portadores de deficiência naquele
processo constituinte.
Entendo que minha obrigação neste trabalho seja analisar os
documentos, apontar a importância do segmento de pessoas portadoras de
deficiência no contexto dos movimentos sociais e, tendo por base os pressupostos
acadêmicos obtidos nas disciplinas cursadas na fase de créditos do mestrado, buscar
sistematizar o conhecimento de forma acadêmica colocando mais um ponto no mapa
dos movimentos sociais no Brasil.
Os recursos de que disponho para este trabalho são basicamente
documentos do Movimento nos momentos analisados, tais como cartas, propostas,
fotografias, anteprojetos, emendas, criticas, boletins informativos, jornais e revistas de
circulação interna, entrevistas com antigos militantes, reportagens da imprensa escrita de
circulação nacional e documentos oficiais.
Entretanto, essas fontes, principalmente os boletins, cartas, jornais
internos e propostas que trazem consigo um forte apelo emocional, vêm carregados de
sentimentos de quem escreveu ou editou, o que pode oferecer duas possibilidades de
diálogo: condiciona a percepção da realidade do momento em que o documento foi
elaborado, a revolta das pessoas militantes e a vontade de ser ouvido, o desejo de mudança,
a indignação com a falta de oportunidade e de respeito à dignidade humana expressa em
texto; pode também oferecer dificuldades principalmente no que se refere a datas e
comprovações de dados. Tomando o devido cuidado isso prejudica mas não inviabiliza,
porque os resultados obtidos como por exemplo na Constituição Federal, comprovam a
efetivação e concretização dos desejos manifestos nas fontes.
CAPÍTULO 1
Em busca do direito de ter direitos
Empoderamento
Dados da Organização Mundial de Saúde estimam que 10% da
população mundial seja portadora de algum tipo de deficiência, mas, adverte que nos
países mais pobres os índices podem subir para até 20%. O Brasil se encaixa nesse
perfil, embora seja adotado o índice de 10% como parâmetro.
Porém, seguindo o critério de 10% que é o mínimo que a OMS determina
e entendendo que a população brasileira seja de 165.000,000 (cento e sessenta e cinco
milhões de habitantes) a distribuição deste percentual fica da seguinte forma:
ÁREAS DE DEFICIÊNCIA POPULAÇÃO PERCENTUAL
Deficiência mental ( D M ) 8.250,000
5,0%
Deficiência Física ( D F ) 3.300.000
2,0%
Deficiência Auditiva ( D A ) 2.475.000
1,5%
Deficiência Múltipla 1.650.000
1,0%
Deficiência Visual ( D V ) 825.000
0,5%
TOTAL 6.500.000 10,0%
DISTRIBUIÇÃO DAS DIFERENTES
FORMAS DE DEFICIÊNCIA
0,5%
1%
1,5%
2%
5%
Mental
Física
Auditiva
Múltipla
Visual
Fonte: Organização Mundial de Saúde
Temos portanto, a estimativa de que no Brasil existam dezesseis milhões
e quinhentas mil (16.500.000) pessoas portadoras de algum tipo de deficiência. Observa-se
que esses dados podem oscilar porque ainda não fora realizado um recenseamento com o
objetivo de determinar precisamente quem, quantos, onde estão e como são essas pessoas.
Nem mesmo o censo de 2000 dará conta dessas respostas uma vez que a metodologia de
pesquisa utilizada não foi a de contagem da população e sim, a de amostragem aleatória
onde são sorteadas as residências em que serão perguntadas se há pessoa “deficiente” na
família.
Diante da falta de uma pesquisa mais qualificada nesse sentido, é muito
difícil se pensar em efetivar ações que viabilizem a cidadania, isto por causa da imensa
diversidade de entendimentos sobre a temática da deficiência e são grandes as diferenças de
propostas no sentido de atender as necessidades dessas pessoas.
Nessa mesma proporção, a Organização das Nações Unidas -ONU-
quantifica o contingente de portadores de deficiência nos demais países do mundo.
Segundo esses dados, a Terra conta hoje com cerca de 600 milhões de habitantes com
algum tipo de deficiência. Se considerarmos a família, cerca de 25% da população do
mundo está diretamente envolvida com a questão da deficiência.
Quando se fala em pessoas portadoras de deficiência sempre temos
a tendência de lembrar dos considerados "deficientes permanentes”, entretanto,
devem ser acrescidos ao percentual os "deficientes temporários”: idosos, obesos,
pessoas muito altas ou excessivamente baixas, pessoas que estejam em tratamento
de saúde, grávidas, convalescentes de cirurgia, pessoas conduzindo carrinhos de
bebês, indo um pouco mais adiante podemos considerar até mesmo uma pessoa
puxando um carrinho de feira que tem dificuldade para subir uma calçada, etc. Com
isso, o índice de pessoas portadoras de necessidades especiais, se somados os
permanentes e temporários, pode surpreender as estimativas.
Procurando trazer esses números para a vida cotidiana, podemos
considerar que nenhuma pessoa vive isolada no mundo, sem contato com outros.
Considerando ainda que para cada "deficiente" (10%) exista uma família com no
mínimo mais duas pessoas, (30%) somando se amigos e relacionamentos afetivos,
esse número chega com facilidade a 50% da população mundial, de alguma forma
associada ao tema da deficiência.
Isso difere da idéia simplista de que todas as pessoas são
“deficientes”, uma visão que tenta igualar o desigual e, reforçando ainda mais o
preconceito, ignora o verdadeiro sentido da cidadania. Pensar que todo mundo seja
deficiente é no mínimo arriscado, porque neutraliza as especificidades e as
qualidades das pessoas salientando a parte em detrimento do todo.
Ainda reforçando mais o preconceito, é comum associarem a
deficiência a uma pessoa que falta a ponta da última falange do dedo mínimo ou
outra que use óculos corrigindo uma ametropia de 1 ou 2 graus; se todas as pessoas
fossem deficientes o diferente seria não ser deficiente. Não se pode justificar as
falhas e faltas com a generalização do objeto.
Dificilmente existe uma pessoa sem deficiência que não tenha em
seu circulo de convivência alguém que seja "deficiente" e isso pode determinar ao
final, as escolhas que podem ser feitas para que seja possível realizar atividades
junto com a pessoa "deficiente" de seu convívio. Por exemplo, locais que ofereçam
serviços com acessibilidade
8
para todos, podem ser preferidos àqueles que não
estejam alertas para esses detalhes que fazem diferença.
É fácil imaginar a situação de uma pessoa em cadeira de rodas
desejando usar os serviços de um estabelecimento, como um terminal de caixa
eletrônico de banco cuja altura do teclado não permite visibilidade para quem está
na posição sentado; ou não conseguindo entrar em locais públicos ou de uso público
porque existem escadas ou a porta é estreita. Uma pessoa que não ouve tentando se
comunicar numa loja, ou solicitando uma informação numa destas ilhas de serviços
8
O conceito de acessibilidade no sentido usado é muito amplo, se confunde com o conceito de cidadania
quando significa a condição de se oferecer a todas as pessoas em igualdade a oportunidade, liberdade e
possibilidade de acesso, permanência, uso e consumo dos bens, serviços, tecnologias, conhecimentos, espaços
públicos e de uso públicos, inclusive o direito de escolha.
que são instaladas em terminais rodoviários, aeroportos, shoppings. Observa-se que
a Língua Brasileira de Sinais LIBRAS, é reconhecida como forma de expressão
válida para comunicação.
As informações e propagandas veiculadas na televisão deixam um
cego desorientado, pois a imagem tem um poder muito forte e apelativo que faz a
diferença do produto e muitas vezes fecha o enunciado com frase do tipo: “veja que
beleza” ou “ligue para o telefone que está em seu vídeo”.
Esses casos são comuns e mostram que mesmo sendo uma parcela
significativa da população, o "deficiente" ainda não foi descoberto como potencial
de consumo que é uma forma rápida de ser reconhecido, principalmente no mundo
globalizado.
Isso significa que o pouco que se faz em matéria de acesso universal
aos bens e serviços são ao reboque da lei e não como reconhecimento e valorização
dessa fatia de população como pessoas comuns com diferenças.
De acordo com o Correio da UNESCO edição 03/81, as causas da
deficiência são pela ordem: 1º) nutrição inadequada da mãe e crianças, 2º) ocorrências
anormais pré-natais e perinatais, 3º) doenças infecciosas, 4º) acidentes, 5º) outras. Com
isso, observa-se que as causas que figuram nos primeiros lugares são todas relacionadas
com a situação de pobreza dos países e, lembre-se, esse documento retrata uma realidade do
início da década de oitenta e que o ano de 1985 já aponta o Brasil como campeão mundial
de acidentes de trânsito e trabalho, com deficiências irreversíveis
9
.
“O transito produz 360 mil feridos por ano, dos quais 120 mil
tornam-se portadores de deficiência permanentes e outros 40 mil morrem”.
10
O Programa de Ação Mundial para as pessoas portadoras de
deficiência determina nos itens 40 e 41 que o aumento do número de pessoas
deficientes e a sua marginalização social podem ser atribuídos a diversos fatores,
entre os quais figuram:
9
Fonte: Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF, 1980.
10
Revista de administração municipal municípios IBAM Ano 46 nº 233, janeiro/fevereiro 2002, p. 6
“a) As guerras e suas conseqüências e outras formas de violência e
destruição: a fome, a pobreza, as epidemias e os grandes movimentos
migratórios.
b) A elevada proporção de famílias carentes e com muitos filhos, as
habitações superpovoadas e insalubres, a falta de condições de higiene.
c) As populações com elevada porcentagem de analfabetismo e falta de
informação em matéria de serviços sociais, bem como de medidas
sanitárias e educacionais.
d) A falta de conhecimentos exatos sobre a deficiência, suas causas,
prevenção e tratamento; isso inclui a estigmatização, a discriminação e
idéias errôneas sobre a deficiência.
e) Programas inadequados de assistência e serviços de atendimento
básico de saúde.
f) Obstáculos, como a falta de recursos, as distâncias geográficas e as
barreiras sociais, que impedem que muitos interessados se beneficiem
dos serviços disponíveis.
g) A canalização de recursos para serviços altamente especializados, que
são irrelevantes para as necessidades da maioria das pessoas que
necessitam desse tipo de ajuda.
h) Falta absoluta, ou situação precária, da infra-estrutura de serviços
ligados à assistência social, saneamento, educação, formação e
colocação profissionais.
i) O baixo nível de prioridade concedido, no contexto do desenvolvimento
social e econômico, às atividades relacionadas com a igualdade de
oportunidades, a prevenção de deficiências e a sua reabilitação.
j) Os acidentes na indústria, na agricultura e no trânsito.
k) Os terremotos e outras catástrofes naturais.
l) A poluição do meio ambiente.
m) O estado de tensão e outros problemas psico-sociais decorrentes da
passagem de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna.
n) O uso indevido de medicamentos, o emprego indevido de certas
substâncias terapêuticas e o uso ilícito de drogas e estimulantes.
o) O tratamento incorreto dos feridos em momentos de catástrofe, o que
pode ser causa de deficiências evitáveis.
p) A urbanização, o crescimento demográfico e outros fatores indiretos.
41. A relação entre deficiência e pobreza ficou claramente demonstrada.
Se o risco de deficiência é muito maior entre os pobres, a recíproca
também é verdadeira. O nascimento de uma criança deficiente ou o
surgimento de uma deficiência numa pessoa da família pode significar
uma carga pesada para os limitados recursos dessa família e afeta a sua
moral, afundando-a ainda mais na pobreza. O efeito conjunto desses
fatores faz com que a proporção de pessoas deficientes seja mais elevada
nas camadas mais carentes da sociedade. Por essa razão, o número de
famílias carentes atingidas pelo problema aumenta continuamente em
termos absolutos. Os efeitos dessas tendências constituem sérios
obstáculos para o processo de desenvolvimento.”
11
Vale lembrar que os acidentes aparecem em quarto lugar no relatório do
UNICEF, Acrescente-se a isso o aumento da violência urbana, principalmente a partir dos
anos noventa, e a conseqüente crise social que o país atravessa e teremos um retrato da
realidade do Brasil com relação às causas de deficiências.
As formas de atenção ou assistência prestadas a essas pessoas, as formas
de compreender a questão da deficiência, a diferença entre o conceito de integração
12
defendido ainda por uma parcela significativa do segmento, principalmente de profissionais
que trabalham com portadores de deficiência. Por outro lado, o paradigma da inclusão
11
PROGRAMA DE AÇÃO MUNDIAL PARA AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, Assembléia Geral da
Organização das Nações Unidas - ONU de 03 de Dezembro de 1982 Resolução 37/52. Inclusive por esta data
e acontecimento, ficou sendo 03 de dezembro o dia internacional da pessoa portadora de deficiência.
12
O conceito de integração propõe inserir a “pessoa deficiente” na sociedade porém, sem alterar o meio ou os
padrões estabelecidos, por exemplo: a pessoas deveriam criar formas de superar os obstáculos físicos
programáticos e atitudinais existentes sem alterá-los. É o esforço apenas da “pessoa com deficiência” para
romper as barreiras. Este modelo ainda reflete o modelo médico da deficiência que acredita que o problema é
a “pessoa deficiente” que pode ser ‘consertado’ com um aparelho ortopédico, uma cirurgia ou alguma forma
de tratamento.
adotado por entidades de deficientes e escolas que desenvolvem trabalhos no sentido de
preparar e encaminhar, principalmente para o mercado de trabalho, pessoas portadoras de
deficiência e vice-versa, ou seja, procuram fazer com que a sociedade, as cidades, e a
empresa do setor privado e os órgãos e empresas públicas, saibam trabalhar com as
diferenças.
13
“A inclusão da pessoa com necessidades especiais é um processo
relativamente novo. Durante décadas, a realidade deste grupo de pessoas
sempre foi a exclusão. Houve um tempo em que se a inclusão social era
difícil, a inclusão escolar não era sequer pensada e a inclusão pelo
trabalho seria uma utopia. O sentimento de pertencimento só era possível
através do convívio com pares, com seus iguais, distantes do resto do
mundo, fechados em associações especializadas. Num determinado
momento pensou-se na inclusão como uma luta e conquista individual e
não como um direito. Este processo, que depende mais do sujeito e de ele
se adaptar às exigências da sociedade, foi denominado integração. E ao
contrário, quando se torna uma questão de direitos e de a sociedade se
preparar para receber as diferenças, passa a se denominar inclusão.”
14
Conceitos e preconceitos
É comum pessoas se sentirem embaraçadas ao se referirem a uma
pessoa portadora de deficiência, por não saber qual seria a forma adequada de
tratamento e querer usar a que seja mais elegante ou correta. Uso várias formas de
tratamento do tema dentro dos períodos abordados, mesmo porque, essas formas de
tratamento mudam de acordo com a “evolução” do próprio Movimento. Então, as
palavras, deficiente, "deficiente", pessoa deficiente, pessoa com deficiência, pessoa
13
Sobre a diferença entre os conceitos de integração e inclusão veja capítulo 3
14
BATISTA, Cristina Abranches Mota (Org) Inclusão dá trabalho. Belo Horizonte MG, 2000 p.16
portadora de deficiência e portadores de necessidades especiais, não têm a obrigação
de serem orientadores de vocabulário, mesmo porque, não existe consenso mundial
sobre a forma correta de tratamento dispensado a essas pessoas.
“O termo necessidades especiais é aqui utilizado com um significado
mais amplo do que estamos habituados a supor. Às vezes, encontramos
na literatura, em palestras e em conversas informais o uso das
expressões pessoas portadoras de necessidades especiais, pessoas com
necessidades especiais e portadores de necessidades especiais como
sendo melhores do que usar as expressões pessoas portadoras de
deficiência, pessoa com deficiência e portadores de deficiência no
sentido de que, assim, seria evitado o uso da palavra "deficiência”,
supostamente desagradável ou pejorativa. Todavia, ‘necessidades
especiais’ não deve ser tomado como sinônimo de ‘deficiências’
(mentais, auditivas, visuais, físicas ou múltiplas).
Portanto, aquelas expressões em negrito são corretas se não forem
utilizadas como sinônimas das expressões grifadas. Acresça-se que é
aceitável que se diga ou escreva ‘pessoas deficientes’. O que não se
aceita mais é o uso dos vocábulos ‘deficiente’ e ‘deficientes’ como um
substantivo, exceto quando um ou outro for necessário no contexto de
uma explicação, para não cansar o leitor ou o interlocutor com
repetições das explicações referidas no parágrafo anterior”.
15
Acredito ser mais forte que todas as formas de tratamento, a força da luta
por justiça no sentido mais amplo da palavra, para que um dia seja possível a todas as
pessoas viverem com respeito e dignidade independente da forma, de sua condição social,
étnica, de gênero, de credo ou ideológica.
Sobre todas as pessoas que são vítimas de alguma forma de preconceito
recai o estigma da anormalidade e da incompetência. Isto pesa mais quando se pensa que a
15
SASSAKI, op.cit.p.15
boa aparência ainda é regra nas seleções para emprego, embora seja proibido. Saliento, a
palavra deficiente não é o antônimo de eficiente e sim a falta de uma parte do todo, mas não
é o todo, um déficit de alguma parte do corpo, um membro, ou mesmo uma capacidade.
Citando a legislação brasileira, NASCIMENTO busca na íntegra o
Decreto Federal de n.º 3298/99 em seu artigo 3º que considera:
“Deficiência toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o
ser humano”.
16
Tratando do tema do estigma, Gofmam
17
, assinala que a pessoa
estigmatizada muitas vezes se sente verdadeiramente aquilo que dizem que ela é, pode
inclusive expressar ações e reações diante de seus iguais como se ela fosse diferente, se
recusam a se olharem no espelho, e diante dos “normais”, podem adotar atitudes de
compensação que vão desde inventar estórias e contar vantagens sobre si mesmos se apoiar
na desvantagem para justificar seus fracassos, ou por outro lado, se superar em atividades
de trabalho que seriam consideradas impossíveis ou muito difíceis para alguém nas suas
condições. Essas situações negativas e mesmo as que conferem atributos considerados
positivos como a atividade profissional esmerada e a obediência servil no ambiente de
trabalho, são complicadas porque a pessoa não está sendo comum.
O conjunto de estruturas desqualificantes que forma o estigma da
deficiência, da loucura, do feio, de outra raça, do anormal e tantos outros, é bem maior que
dizer que é somente preconceito. O estigma dá conta de um universo maior de valores
negativos que são formados e difundidos de várias formas, nas falas, nos olhares, nos
gestos, nas ausências, na negação etc., mas, que são introjetados também pelas pessoas que
16
NASCIMENTO, Rui Bianchi. A visão parcial da deficiência na revista Veja (1989 1999). São Paulo, 119
p., Dissertação de Mestrado USP. São Paulo, 2001. P. 34
10
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da Identidade deteriorada. Trad. Márcia Bandeira
de Mello Leite Nunes. 4.ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1982.
são vítimas dessa marca. A introjeção é um mecanismo psicológico no qual o indivíduo
inconscientemente passa a considerar como seus valores e características alheios.
Não se pode esquecer que o estigmatizado é um ser humano,
portanto um produto social do seu tempo e meio e que não é diferente dos demais
somente porque é deficiente, por exemplo.
Voltando aos anos setenta
A década de setenta no Brasil foi um momento de profundas
dificuldades políticas, o país atravessava um dos mais terríveis momentos de sua
história, uma forte repressão militar impunha ao povo o domínio pelo medo. Era a
ditadura militar.
Foram muitas vidas sacrificadas, prisões injustas e outros tantos
desaparecidos nos porões da ditadura, seqüelas deixadas nas pessoas e nas famílias,
histórias que até hoje não foram suficiente e verdadeiramente explicadas.
Apesar de toda a repressão e perseguição, as pessoas ainda tinham
força e vontade de mudar, encontrar um caminho que pudesse levar a um horizonte e
vislumbrar a liberdade novamente.
Neste contexto, e em meio a tantas e diversas formas de organização
social dos movimentos populares, no caso os urbanos, surgem as entidades de
pessoas portadoras de deficiência. Segundo João Batista Cintra Ribas, as entidades
começam a ser criadas no final da década de setenta já em função da movimentação
para o Ano Internacional da Pessoa Deficiente.
18
Em 1979, visando analisar e propor soluções para os problemas que
lhes afligiam, um grupo de pessoas deficientes iniciou contatos com indivíduos e
entidades interessadas nesse assunto. Este grupo surgia no momento em que as
pessoas deficientes se posicionavam de maneira mais direta no debate político,
18
1981-1991 Ano Internacional das Pessoas Deficientes dez anos depois. Matéria de capa da revista
Integração ano 4 n.º 12 em 03/1991
fazendo e trazendo reflexões que não se viam até essa data, inserindo no discurso a
sua própria inquietação frente à realidade de vida que cada um conhecia muito bem,
participando de manifestações públicas a respeito das injustiças sociais que recaiam
sobre elas, fruto de atitudes preconceituosas de toda sociedade.
As primeiras entidades organizadas a nível nacional foram o
Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos, fundado em 1954, a Federação
Nacional das APAEs, criada em 1962, a Federação Nacional das Sociedades
Pestalozzi em 1970 e a Federação Brasileira de Instituições de Excepcionais,
fundada em 1974.
Entretanto, meu propósito é procurar identificar as entidades sob os
seus diversos nomes, mas que apresentem identidades comuns: a proposta de lutar
por direitos civis. Isto se configura como o elemento primordial desta pesquisa que
não segue a tendência mais forte e comum no Brasil que é a de retratar a história de
entidades filantrópicas. Assim, esta pesquisa faz parte das vozes dissonantes em
relação à postura assistencialista. É a história dessas vozes dissonantes que
apresento neste trabalho.
A Organização inicial constava de reuniões mensais em que os
participantes, em clima descontraído e fraterno, expunham seus pontos de vista e
indicavam o caminho do Movimento, concluindo-se que não se tratava de “mais
uma” entidade, mas um MOVIMENTO flexível, ágil e atuante no sentido de levar
as pessoas deficientes a se organizarem na luta por seus direitos. Nessa ocasião
aderiu-se à idéia a formação da “Coalizão Nacional pró - Federação de Entidades
de Pessoas Deficientes” que congregava entidades de deficientes de todo o país e
que realizou o I e o II Encontros Nacionais de Pessoas Deficientes ( Brasília / 1980
e Recife / !981).
No anexo 1 de sua dissertação ( Veja os olhos do Brasil ) Rui
Bianchi do Nascimento apresenta sua autobiografia e, com riqueza de detalhes, o
início do debate que iria apontar as reivindicações dos “deficientes” daquele
momento em diante, as primeiras pessoas que somaram fileiras, as viagens de
“carona” em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), os alojamentos em ginásio
de esportes sem banheiro adaptado, as dificuldades, as lutas e as conquistas,
pequenas para os outros, porém imensas para quem esperava o mínimo.
É impossível relatar esta história sem se referir a Maria de Lourdes
Guarda, uma mulher com tamanhas limitações que morava dentro de um hospital
em São Paulo, mas de seu leito comandava o “Brasil dos deficientes”, ajudava com
caridade e impunha respeito quando falava de amor ao ser humano. Amada e
respeitada como mãe e criticada por ser bondosa - não sabia dizer não. Este misto
define a liderança que viajou o país criando núcleos da Fraternidade Cristã de
Doentes e Deficientes (FCD), uma instituição de apostolado leigo ligada à igreja
católica, mas de caráter ecumênico, com finalidade evangelizadora, centrada no
ser humano e que, no meu modo ver, não tem a posição política declarada porque,
apesar de ser dirigida por leigos, isto é, pessoas da comunidade, estando visitando
os doentes e deficientes em suas casas e hospitais, não se propõe (em tese) a
discutir ou questionar a ordem das coisas.
Pelos núcleos da Fraternidade passaram muitos dos grandes líderes
do movimento de deficientes no Brasil, a exemplo do próprio Rui. Entretanto, a
Fraternidade, sendo de origem francesa, sofre algumas alterações no Brasil e
justiça se faz quando se reconhece que essas lideranças não ficam apenas nas
visitas e aproveitam as reuniões da FCD para conhecer outros iguais e discutir suas
realidades, trocar experiências e por fim, não se sabe ao certo quem ajuda quem
nesta história porque quem pode oferecer algo, um conhecimento que seja, se sente
muito mais feliz por ter sido útil num mundo que se pensava inútil.
No começo foi assim, as pessoas se encontravam para discutir e
transmitir experiências em reuniões de igrejas, hospitais, clínicas de fisioterapia.
Embora se diga que estas entidades têm um caráter reivindicativo
desde o início, ressalta-se que, mesmo por causa da repressão, elas se formaram
com caráter de grupo de ajuda mútua, em que as pessoas trocavam experiências, se
confraternizavam, faziam amizades e tinham também nesse encontro uma, e talvez
a única, oportunidade no mês de saírem de suas casas - quase trinta anos depois
isto ainda continua acontecendo.
Apesar de a documentação referente não estar sistematizada, a
organização das pessoas portadoras de deficiência nos estados já era definida,
como prova, a fotografia de evento realizado em São Paulo com 25 entidades de
dez estados em 1980. No mesmo ano, outro evento em Brasília reuniu
aproximadamente mil pessoas representando entidades de vários estados como
veremos adiante.
19
Esses eventos já eram organizados pela Coalizão pró Federação de
Entidades de Pessoas Deficientes com simpatizantes espalhados por todo o Brasil,
e uma espécie de matriz em São Paulo, que mais tarde veio a se tornar o
Movimento Pelos Diretos das Pessoas Deficientes.
Em documento (Carta Programa) elaborado e divulgado pelo
Movimento Pelos Direitos das Pessoas Deficientes de São Paulo encontramos um
breve histórico deste início:
Em dezembro de 1980, com as bases de atuação definidas e com o
nome de MOVIMENTO PELOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES, o
grupo lançou sua Carta Programa
20
e elegeu sua 1ª Coordenação. Criou-se um
espaço para uma postura crítica de substancial importância em relação à forma que
foi elaborado o projeto para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. (1981)
A Carta Programa tem um caráter político que aponta o rumo da
entidade como sendo “político apartidário, não religioso e aberto a todas as
pessoas e entidades que concordem em lutar, ombro a ombro, pela participação
plena das pessoas deficientes na sociedade.” Em 1981, o Movimento tomou a
iniciativa de organizar e realizar a Abertura Oficial do Ano Internacional das
19
Fonte: Encontro nacional de pessoas deficientes, realizado em São Paulo nos dias 9 e 10 de agosto de
1980, organizado pela Coalizão pró-federação nacional de entidades de pessoas deficientes. Segundo Rui
Bianchi do Nascimento deste encontro participaram 25 entidades de dez estados.
20
Fonte: Boletim de dezembro de 1980 com a íntegra da Carta Programa do Movimento pelos Direitos das
Pessoas Deficientes. Este documento foi divulgado na Câmara Municipal de São Paulo.
Pessoas Deficientes em São Paulo, com solenidade na Câmara Municipal e
organizou diversas atividades, entre as quais as cinco mesas redondas sobre
Barreiras Arquitetônicas, Trabalho, Assistência Médica e Reabilitação, Legislação
e Transportes que reuniu pessoas deficientes, técnicos e órgãos governamentais
para discussão desses problemas.
Observe a característica importante na citação acima em relação à
forma de se apresentar à população: o movimento de São Paulo se apresenta como
um movimento político de “deficientes”e muito embora se diga apartidário, tem a
coragem de se posicionar em documento que não nasce como filantrópico, a
exemplo de tantas entidades que já existiam e outras que ainda viriam a ser criadas.
É um detalhe que pode parecer sem importância mas, numa
sociedade onde o “deficiente" é visto apenas como passivo da caridade alheia e do
Estado, isto, sem dúvida, é uma manifestação dissonante de pessoas que se
consideram capazes de falar por si e buscar por meio de sua vontade e luta, o
direito, o respeito e, talvez um dia, a dignidade. O mínimo que conseguimos
imaginar para essas pessoas, naquele momento, é que eram visionários. Enquanto
as entidades para deficientes faziam festinhas e quermesses, pediam ajuda a
políticos para comprar cadeiras de rodas e bengalas, essas pessoas diziam “não,
isto deve ser uma obrigação do Estado, as “crianças deficientes" devem ter acesso
à escola e a se profissionalizarem, elas têm o direito de crescer e de trabalhar e
serem adultos produtivos.” Isso definitivamente, era a contramão de tudo que se
acreditava a respeito do deficiente deveria ficar em casa sendo sustentado pela
família, ou numa oficina protegida pelo Estado, trabalhando sem nenhum
compromisso com a produtividade ou com a utilidade do que fazia ali.
Em 1980, o Movimento em São Paulo introduz, a exemplo da mesa
redonda citada, as temáticas que ainda são atuais. Hoje, no ano 2002, quem quiser
realizar com sucesso evento sobre o tema da pessoa portadora de deficiência,
obrigatoriamente deve passar por legislação, órtese e prótese, habilitação e
reabilitação profissional e de vida diária, barreiras arquitetônicas (acessibilidade),
trabalho e transportes. São assuntos que se entrelaçam e não se distanciam nem
podem ser dissociados por seu alto grau de importância, quando se pretende
oferecer a estas pessoas as mínimas condições de acesso à dignidade.
Em 1982, por força da necessidade de sua atuação, o Movimento
Pelos Direitos das Pessoas Deficientes se oficializou como entidade civil e tem
prosseguido na luta de organização das pessoas deficientes e na conscientização da
sociedade.
A história do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes é
a história de todo movimento popular autêntico: nasce pequeno
pela raiz, e cresce à medida que as pessoas deficientes tomam
consciência de que devem lutar por seus direitos de cidadania e
exigir a participação plena e igualdade social.”
21
Acompanhando um movimento mundial direcionado pela ONU, ao
instituir o Ano Internacional das Pessoas Deficientes AIPD-, as associações
dirigidas por portadores de deficiência começaram a se reunir para organizar o
evento no Brasil. Como conseqüência, dos dias 22 a 25 de outubro de 1980, em
BrasíliaDF, aconteceu o I Encontro Nacional de Entidades de Pessoas
Deficientes, que contou com a presença de mil participantes representando 39
entidades de todas as regiões do país e os diversos tipos de deficiência, entre eles
os “cegos”, “surdos”, “deficientes físicos” e “hansenianos”, vindos de todo o
Brasil.
Deste encontro, saiu um documento que dava as diretrizes básicas
da luta do movimento por direitos do cidadão. No início do evento, os líderes do
movimento entregaram uma proposta de documento para discussão e, ao término,
foi aprovado em assembléia o documento final com as contribuições dos
21
NASCIMENTO, op.cit. “O Ano Internacional da Pessoa Deficiente” p.1
participantes. Quatro tópicos resumem em seus itens, a abrangência do texto final
concentrando-se assim:
22
I- Trabalho benefícios;
II- Transportes acessos;
III- Assistência médico-hospitalar reabilitação e aparelho de
reabilitação;
IV- Legislação.
O documento proposto traz uma linha geral de proposições que
merecem ser transcritas:
1- “Que toda organização que trate de deficientes físicos assuma
essa atividade de forma abrangente, ou seja, os cuidados médicos,
psicológicos, readaptação ou treinamento profissional e
incorporação à atividade produtiva.
2- Que seja respeitada a legislação de integração do deficiente no
sistema produtivo e que sejam adaptadas as condições de trabalho
às condições da deficiência.
3- Que não seja cortado o pagamento de aposentadoria por
invalidez ao incapacitado se o mesmo for declarado apto para
alguma atividade produtiva e exercê-la.
4- Que sejam identificados por patologias os cargos que permitam
pessoas deficientes no exercício de uma atividade produtiva e que
sejam criadas prioridades na ocupação das vagas existentes.
5- Que sejam criadas condições adequadas de transporte para
pessoas deficientes”.
22
Fonte: Documento aprovado pelas 39 entidades de pessoas deficientes credenciadas no I Encontro nacional
de entidades de pessoas deficientes realizado em Brasília DF de 22 a 25 de Outubro de 1980.
A análise desses cinco ítens oferece ampla margem de compreensão
do rumo que aqueles líderes queriam dar ao Movimento, logo no item 1 a
determinação que as entidades deveriam cuidar de todos os aspectos relacionados
ao ser humano e a sua incorporação ao mercado de trabalho uma marca da
integração quando não menciona neste item as condições do meio físico.
Já no item 2, fica claro o desejo da integração, mas já é manifesta a
confusão, comum naquela época, com o conceito de inclusão quando fala que
sejam adaptadas as condições de trabalho às condições da deficiência.
O item 3, retrata um desejo antigo dos “deficientes aposentados”
que ainda não foi atendido no Brasil e em função disso, estes aposentados exercem
atividades no mercado informal ou se sujeitam a trabalhar sem as garantias legais
do trabalhador. Com o objetivo de evitar a aposentadoria desnecessária existe o
serviço de reabilitação da previdência social que, em tese, tem dever de reabilitar o
trabalhador acidentado ao trabalho na mesma empresa, mesmo que em atividade
diferente. Recentemente, os “deficientes” dos Estados Unidos conquistaram o
direito de não perder a aposentadoria caso voltem à ativa.
No item 4, há uma reivindicação do campo do trabalho que solicita
a compatibilidade das atividades de trabalho com as deficiências e que acabou
resultando num catálogo com as ocupações que a “pessoa deficiente” pode exercer.
A outra reivindicação contemplada na Constituição Federal de 1988, trata das
reservas de vagas para “deficientes” nos concursos públicos em todos os níveis, e
as cotas que as empresas têm que ocupar com pessoas reabilitadas da previdência
social ou com “pessoas deficientes” qualificadas para a função.
23
E finalmente, o item 5, uma das mais antigas e legítimas
reivindicações do movimento, acesso ao transporte coletivo, foi garantida em lei,
23
Fonte: Decreto Nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei n
o
7.853, de 24 de outubro de
1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as
normas de proteção, e dá outras providências.
mas, ainda não efetivada a contento e grande parte do que se fez até hoje, foi por
imposição de medidas judiciais.
24
Importante que esse documento, além de orientar as discussões no
Encontro, é uma diretriz de conduta para as associações que passavam, deste
momento em diante, a serem congregadas numa entidade nacional legítima e
representativa de todo o segmento organizado das entidades de deficientes, a
Coalizão Nacional, - nome que sugere ter sido adotado a partir da Coalizão pró-
Federação de Entidades de Pessoas Deficientes- reunindo todos os tipos de
deficiências e que definiu as linhas gerais de política a serem adotadas para o
AIPD, com uma característica principal: a representatividade dos próprios
portadores de deficiência e não mais pelos especialistas. Significava o
requerimento do direito de falar por si e buscar o sonho de serem iguais dentro de
suas desigualdades.
É claro que essas linhas gerais de políticas para o Ano Internacional
das Pessoas Deficientes definido pela Coalizão, não foram adotadas pelos
coordenadores do evento no governo, mas serviram para incluir na Comissão
Nacional os representantes das entidades de “deficientes”.
Não podemos deixar de identificar o teor desse documento pela sua
postura reivindicativa de direitos e, mesmo depois de mais de 20 anos, ele ainda
permanece atual nas bandeiras de lutas das pessoas portadoras de deficiência. É
forte e marcante a linha de pensamento dos líderes, naquele momento representado
pelos ativistas reunidos em Brasília, para pensar e escrever por eles mesmos as
suas reivindicações e traçar as diretrizes de luta das entidades representadas no
Encontro Nacional.
É muito impressionante imaginar essa quantidade de pessoas
reunidas num evento que com certeza, não se repetiu em tamanho e qualidade por
muitas vezes no Brasil e mais interessante ainda é perceber que este Movimento
24
Quando um serviço é oferecido por reconhecimento do Direito, os resultados são muito maiores e melhores
que aqueles obtidos sob o peso de uma determinação da justiça.
não tem a força de permanecer unido e dar continuidade as suas bandeiras de luta.
Mesmo quando os representantes voltavam às suas entidades, as discussões não
disseminavam e muito se perdeu por falta de condições financeiras e humanas para
divulgar as decisões dos Encontros as suas bases.
Neste ponto cabe ressaltar que as entidades representadas neste e em
outros eventos que aconteceram tinham na maioria como seus representantes,
voluntários e aposentados -os demais não podiam dedicar muito tempo ao
movimento por causa de suas condições financeiras.
Este esclarecimento pode parecer desnecessário, mas, ele traz ao
texto um dado importante quando entendo ser neste momento que estavam
nascendo as primeiras grandes lideranças que tiveram importância fundamental no
Ano Internacional de Pessoa Deficiente e mais a frente nos debates da Assembléia
Nacional Constituinte.
Aquele grupo se apresentava em nome de um segmento,
representando seus pares, em cujo meio se encontrava uma maioria pobre,
estigmatizada, escondida e calada por toda sorte de descrédito e preconceito. Além
disso, sem poder de barganha, sem nenhum interesse ou forma de poder capaz de
servir para conquistar as forças políticas do país. A realidade deste movimento é
diferente do ponto de vista político quando ele se distancia dos outros movimentos
que tinham, no mínimo, o poder de sair à rua e gritar, cruzar os braços, fazer greve
de fome ou outra forma de manifestação. Os deficientes que lutavam pelo ideal de
serem cidadãos já estavam parados, de braços cruzados, confinados à eterna reclusão
imposta pelo estigma durante séculos de rejeição social. Saliento, mesmo o direito
de votar não era exercido por grande parte dos deficientes no Brasil até o advento da
Constituição de 1988, porque o deficiente não era obrigado a votar, portanto nem o
poder de barganha do voto existia para estas pessoas.
Foi assim, sem poder dizer tudo e querendo poder mais, que aquelas
pessoas adotaram um caminho muito eficaz: tentar ganhar a opinião pública para sua
causa. Nem mesmo as próprias entidades tinham uma só forma de pensamento sobre
como deveria ser sua conduta; havia militantes que, por estarem muito envolvidos
com realidade de suas comunidades e conhecendo as condições de extrema miséria
que as pessoas viviam, não viam outra solução senão mais assistencialismo e mais
filantropia.
Neste ponto, ainda não podemos pensar que a sociedade já tivesse
claro o objetivo da luta deste segmento. Ao contrário da luta das mulheres, dos
negros, dos índios e outros que tinham suas bandeiras definidas e entendidas pela
sociedade, os “deficientes” estavam iniciando sua longa caminhada, eles não
desfrutavam nem entre si de clareza de entendimento quanto a suas propostas e
reivindicações. Uma grande maioria das pessoas e dos próprios parlamentares
entendia que deficiente era assunto de assistência social, caso de saúde e de
aposentadoria por invalidez.
Quando um documento, como o de 1980, chega às mãos dos
políticos, eles não dão o devido valor ao assunto e não consideram aquelas pessoas
do ponto de vista da capacidade produtiva. Entretanto, se observarmos as
reivindicações contidas no documento, veremos que são todas no sentido de dar
mais autonomia e independência ao “deficiente”. Veja a contradição: as “pessoas
deficientes” reivindicavam direitos de ser produtivas e propunham a redução do
assistencialismo, mas quem tinha realmente força política eram as entidades
assistencialistas e isto vai se evidenciar no ano de 1987, em forma de denúncia no
discurso de Messias Tavares no dia da entrega das emendas do segmento de
“deficientes”, na Assembléia Nacional Constituinte.
Em trecho especialmente recortado para ilustrar este argumento ele
diz:
“Ter que tolerar a assistência social para quem já tomou consciência de
seus direitos civis é um incômodo, pois ela tem um ranço de
paternalismo e assistencialismo que não está sendo repugnado apenas
em nosso discurso, mas nas seqüelas que nos marcam dia a dia: o
assistencialismo é creme hipócrita que procura esconder as
responsabilidades políticas. Mesmo assim com o caráter de habilitação
e reabilitação, com vistas à integração na vida econômica e social do
país, este assistencialismo ainda era palatável: dava para ser digerido.
No entanto, no Novo Relatório ele se torna restrito à habilitação e fala
em integração à vida comunitária. Não queremos as festinhas para nos
alegar como fazem, também de forma distorcida, com os velhos,
queremos e vamos participar da vida econômica e social do país”
25
Messias foi incisivo e decisivo em suas palavras e define o quê e em
quê diferem as duas propostas apresentadas e, neste trecho do discurso, é possível
perceber a denúncia clara do desconforto causado nas pessoas pelas atividades
assistencialistas generalizadas e “com ranço de paternalismo”. Messias entretanto,
não condena a assistência social, mas para quem verdadeiramente não possa ser
capaz de se manter com seu trabalho.
Nesse sentido, não são as dificuldades impostas pelo meio físico ou
pelo sistema político de uma sociedade ou de um país, mas as forças impeditivas
impostas pela limitação que a pessoa traz, que devem determinar se ela tem ou não
condições de ser produtiva e participar da vida social como qualquer um.
Compreendo que de uma maneira geral a luta de 1980 tem ainda
importância para o Ano Internacional porque, mesmo que as propostas do
documento de Brasília não tenham sido acatadas como um todo, elas servem para
mostrar a cara destas pessoas, levantando uma reflexão sobre a vida das “pessoas
deficientes” no Brasil, despertando-os para a possibilidade de lutar para melhorar a
sua própria condição de vida.
25
Fonte: Discurso de Messias Tavares de Souza, Coordenador da Organização Nacional das Entidades de
Deficientes Físicos ONEDEF, na Assembléia Nacional Constituinte em 26 de agosto de 1987.Transcrito sob o
título: “EMENDA POPULAR É DEFENDIDA POR MESSIAS NA CONSTITUINTE” Jornal Etapa edição
de Setembro de 1987 p.3
Nestes dois momentos - o Ano Internacional e a Assembléia
Nacional Constituinte -, o segmento de portadores de deficiência no Brasil passa a
escrever sua história porque começa a falar por si mesmo. São os momentos a partir
dos quais a história daquelas pessoas passa a ser contada de forma diferente.
Das imagens que tenho gravadas em minha memória que mais
representam estes dois momentos históricos são: em 1981, uma emissora de
televisão que fazia a cobertura das atividades do Ano Internacional da Pessoa
Deficiente, entrevistou uma pessoa que, não tendo como se locomover havia criado
um carrinho que era puxado por cães como se fosse um trenó. Poderia ser cômica se
não fosse trágica a condição em que se encontravam ambos, homem e cães.
Outra cena muito interessante e menos bizarra: um grupo de
representantes de entidades ligadas às pessoas portadoras de deficiência encontrava-
se na Assembléia Estadual Constituinte em Belo Horizonte e quando os deputados
os cumprimentavam com olhares de piedade e tapinhas nas costas, entretanto no
outro dia após a leitura, na tribuna da Assembléia, do documento, da proposta de lei
apresentada por aquelas pessoas, os mesmos deputados cumprimentavam as mesmas
pessoas com vigorosos apertos de mãos e não mais com os costumeiros “passar de
mãos nas cabeças”.
“não é para o diferente que se deve olhar em busca da
compreensão da diferença, mas sim para o comum”.
26
A missão da Coalizão Nacional
A Coalizão Nacional tinha a difícil missão de congregar todas as
entidades de “pessoas deficientes” do país, sob uma sigla forte e unida para lutar por
direitos das “pessoas deficientes”. Entretanto, desde o encontro de 1981 em Brasília,
havia ficado uma ponta de dificuldade nesta união que foi crescendo, começando a
26
GOFFMAN,op.cit..p.138
aparecer os problemas de relacionamento entre os interesses dos diversos tipos de
deficiência, sem conseguir solucionar as dificuldades inerentes, Isso porque, as
pessoas são “deficientes”, mas as dificuldades são específicas e, em falta do devido
poder de negociação para administrar os conflitos, em 1983 num encontro realizado
em São Bernardo dos Campos SP, a Coalizão Nacional teve fim, dissolvendo-se em
várias Federações, Confederações e Organizações Nacionais, com fins específicos
de defender os interesses do seu segmento, mas permanece a possibilidade de
diálogo entre estas naquilo que é de núcleo comum.
Evidentemente que a Coalizão Nacional era formada por lideranças
de todos os tipos de deficiência, mas o que dificultou a sua continuidade foi o clima
de desconfiança entre os “pares” e o preconceito de uns para com os outros.
O ano de 1984 foi decisivo do ponto de vista da estrutura do
movimento. Fundaram-se a FEBEC -Federação Brasileira de Entidades de Cegos-; a
ONEDEF -Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos-; a FENEIS -
Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos-, e o MORHAN -
Movimento de Reintegração dos Hansenianos-. Além disso, fundou-se o Conselho
Brasileiro de Entidades de Pessoas Deficientes para reunir as quatro entidades e
substituir a Coalizão Nacional. O Conselho atuou até 1986 e hoje se encontra
desativado.
Outra situação muito interessante nesse contexto é o fato de que as
lideranças do segmento têm clareza de seus objetivos, defendem fortemente as suas
idéias e as colocam em documentos que são entregues às autoridades. Enfim, fazem
o necessário para o início e depois não são capazes de acompanhar ou dar
prosseguimento aos seus trabalhos.
Desde o I encontro em Brasília todos os anos acontecem encontros
nacionais de todas as Federações e Organizações de “deficientes”, as propostas são
elaboradas, discutidas e votadas e acabam ficando apenas no desejo das lideranças,
pois em sua grande maioria as decisões não são efetivadas.
Resumindo, a Coalizão Nacional nasceu forte por sua
representatividade e morre nova por não saber lidar com as dificuldades comuns-
em todo ambiente democrático há divergências de opiniões.
O Ano Internacional das Pessoas Deficientes no Brasil
Uma boa parte da legislação que existe hoje é ressonância das
determinações da Comissão Nacional para o Ano Internacional das Pessoas
Deficientes.
Em 1980 a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas-
ONU- resolução n.º 31/123 de 1979, declarou o ano de 1981 como Ano
Internacional da pessoa Deficiente. Este fato teve grande importância nas vidas
dessas pessoas porque o tema chegou até a grande imprensa e foram realizados
vários programas de televisão sobre o assunto. Os jornais deram atenção,
especialmente no dia 21 de setembro dia nacional de luta da pessoa portadora de
deficiência física.
Para que essa determinação da Organização das Nações Unidas -
ONU-, fosse atendida o governo brasileiro decretou sob o número 084919, de 16 de
julho de 1980, a instalação da Comissão Nacional do Ano Internacional da Pessoa
Deficiente, em seu livro “Deficiência física”.... No capítulo 1 a deficiente história
dos “deficientes”... Apolônio
27
afirma que: “..As explicações para a inexpressiva
participação de entidades de "deficiente" na comissão, bem como os critérios para
a escolha dos diferentes membros, não consta do documento expedido pela
comissão...”
28
27
O professor Dr. Apolônio Abadio do Carmo é membro do corpo docente do Departamento de Educação
Física da Universidade Federal de Uberlândia, é um grande estudioso da questão da deficiência, com muitas
participações em importantes eventos nacionais e internacionais na condição de palestrante e conferencista,
sendo ele um dos primeiros profissionais de educação física a trabalhar com “deficientes” e, por isso, uma das
maiores autoridades do Brasil nesta área.
28
CARMO, Apolônio Abadio do. Deficiência Física : A Sociedade Brasileira Cria, “Recupera “ e Discrimina.
Brasília: Secretaria dos Desportos/ PR,1991. pp. 33,34
Esclareço que os nomes dos membros da Comissão foram
designados pelo Ministro da Educação e Cultura, Pasta à qual a Comissão estava
ligada pelo decreto presidencial já citado.
Sobre essa “inexpressividade” apontada pelo professor Apolônio,
discordo, o documento registra a existência de representantes de duas entidades: a
Coalizão Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, representada por José
Gomes Blanco, na condição de membro e o Cel. Luiz Gonzaga de Barcellos
Cerqueira, representante da Associação dos Deficientes Físicos do Estado do Rio de
Janeiro ADEFERJ, este na condição de consultor
29
.
Ocorre que na apresentação da comissão, o texto não faz referência
às entidades acima citadas. Meu entendimento é que a confusão de nomes de
Ministérios e entidades possa ter contribuído para o entendimento que o professor
teve deste momento e deste documento.
Em edição especial, o boletim informativo do MOVIMENTO
PELOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES, com data de junho de 1981,
transcreve vários documentos entregues ao então presidente da República, General
João Baptista de Oliveira Figueiredo, e à Presidente da Comissão Nacional do Ano
Internacional, Sr.ª Helena Bandeira de Figueiredo, dizendo respeito ao decreto-lei
n.º 84.919 de 06/07/1980, que cria a Comissão Nacional do Ano Internacional das
Pessoas Deficientes. O teor dos documentos é de profunda indignação frente ao
desrespeito das autoridades e da Comissão para com as pessoas deficientes ou
representantes das entidades na Comissão e da falta de respeito da presidente da
Comissão em não atender, não responder correspondência e não permitir aos
deficientes presentes nas reuniões nenhum direito a emitir opinião, apenas ouvir.
Isso poderia legitimar a preocupação de Apolônio, embora não esteja dito em seu
29
Veja fonte: Relatório da Comissão Nacional do AIPD. Este documento contem todos os nomes dos
membros da Comissão Nacional e foi publicado pelo governo do Brasil em 1981 para divulgar os resultados
dos trabalhos do ano internacional das pessoas deficientes no país, bem como dados quantitativos das pessoas
deficientes, suas necessidades e algumas iniciativas de projetos de atenção a estas pessoas.
livro a que tipo de participação ele se refere, se presença física ou atuante,
contribuinte, uma vez que as pessoas poderiam estar lá, mas não foram acatadas as
suas opiniões.
O boletim demonstra a indignação dos representantes, e aponta mais
quando deixa claro que o Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes tem um
discurso afinado de busca dos direitos, conhece a declaração da Organização das
Nações Unidas ONU- e exige o respeito e a dignidade por se tratarem da parte
envolvida diretamente.
30
Minha atitude em trazer em anexo na integra esses documentos é
mais importante que simplesmente fazer guardar num texto acadêmico esses nomes,
mas sim, registrar cada um deles e em especial os nomes dos representantes das
entidades de deficientes, para que não haja dúvidas sobre as atitudes e a participação
desses representantes naquele momento. Posso dizer com certeza: eles estiveram lá,
marcaram sua participação, deram sua contribuição, para alguns, necessária e
suficiente, para outros, insatisfatória e submissa. Mesmo para que possa haver
críticas, sejam elas construtivas ou não, é necessário antes, existir.
Devemos tomar muito cuidado para não generalizar e em especial,
ao tirar conclusões sobre um documento. A história nos ensina o exercício da
paciência e do cuidado na lida e no trato com as fontes e, principalmente, em não
atribuir ou subtrair partes dos documentos. Por isso, antes de fazer qualquer tipo de
critica a um documento faz-se necessário tomar certos cuidados para não passar por
cima do que estamos procuramos.
Entretanto, mesmo havendo os nomes dos membros de entidades de
deficientes no relatório, não encontramos documento que dê conta da amarra desta
discussão com a existência dos nomes daquelas pessoas na lista do relatório da
30
Fonte: Boletim especial do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes Julho 81. Este Boletim,
especialmente dirigido à presidente da Comissão Nacional de Ano Internacional Sra. Helena Bandeira de
Figueiredo, mostra a oposição do MDPD à Comissão Nacional do Ano Internacional que, de acordo com o
Boletim a sua composição foi arbitrária e antidemocrática, desrespeitando os preceitos da ONU.
Comissão. Isto é, não temos como afirmar se as reivindicações foram atendidas. Ou
por outro lado, se estas pessoas tiveram seus nomes inclusos no relatório sem o
devido consentimento.
A Comissão Nacional do Ano Internacional da Pessoa Deficiente
teve sob sua responsabilidade o dever de divulgar e contribuir com a instalação das
Comissões Estaduais e Municipais, recolher contribuições destas e apresentar o
relatório final onde são traçadas as metas a curto, médio e longo prazo a serem
implantadas pelos Estados, Territórios, Distrito Federal e Municípios em suas
respectivas comissões estaduais e municipais, para a década seguinte ao Ano
Internacional das Pessoas Deficiente, nas seguintes áreas: conscientização,
prevenção, educação, reabilitação, capacitação profissional e acesso ao trabalho,
remoção de barreiras arquitetônicas, legislação. Prevê ainda que os resultados dessas
ações deveriam ser avaliados dez anos depois, em 1991. O ano é marco da luta por
cidadania e, muito embora a forma de abordagem do tema pela imprensa tenha sido
piedosa, valorizando mais a deficiência que a pessoa, não podemos dizer que tenha
sido perdido ou exigir dos meios de comunicação, postura e discurso inclusivo
naquele momento. Mas mostrou as condições de vida do portador de deficiência,
trouxe a público suas dificuldades e o descaso das autoridades brasileiras para com
as “pessoas deficientes”, principalmente em relação à saúde, educação e trabalho.
Por outro lado, denuncia as relações familiares, maus tratos e abandono a que o
portador de deficiência estava, ou está submetido.
31
8-
31
veja Fonte: Trecho do Discurso de José Gomes Blanco, representante da
Coalizão Nacional de Entidades de pessoas Deficientes, na Comissão Nacional do
Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Proferido por ocasião do encerramento
do Encontro Nacional de Representantes das Comissões Estaduais, reunidos em
Contagem Minas Gerais de 23 a 26 de março de 1882, para avaliar o Ano
Internacional das Pessoas Deficientes no Brasil. (Revista Reabilitação, ano 2 nº 4
julho 1982 pág. 9)
“O Ano Internacional das Pessoas Deficientes foi de muitas lutas;
entretanto, o encontro que ora se encerra veio demonstrar que
alguns espaços foram ocupados
Precisamos, todavia, que as nossas responsabilidades aumentam na
razão direta de nossas conquistas.
Todos esperam de nós um número cada vez maior de realizações.
Por este motivo, é importante frisar que a soma de esforços é
fundamental para a continuidade dos trabalhos já iniciados e o
desenvolvimento de novas ações.
O resultado da avaliação feita neste encontro servirá de parâmetro
para o futuro, para que os erros por ventura verificados sejam
corrigidos.
Queremos a continuidade de todo este trabalho realizado através
da criação de órgãos no âmbito Federal, nos Estados e
Territórios”
32
Em contraponto, os brasileiros puderam ver pela televisão as
conquistas que já eram realidades, principalmente na Europa. Puderam ver que
naqueles países, a pessoa portadora de deficiência tinha um pouco mais de respeito e
já tinha a vida um pouco mais independente. Já existiam os centros de vida
independente que são de grande importância para a conquista da cidadania dessas
pessoas. Nesses centros de vida independente, a pessoa aprende a realizar as
atividades de vida diária, cuidar de seu corpo, tem contato com outras pessoas com a
32
Fonte: Trecho do Discurso de José Gomes Blanco, representante da Coalizão Nacional de Entidades de
pessoas Deficientes, na Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Proferido por
ocasião do encerramento do Encontro Nacional de Representantes das Comissões Estaduais, reunidos em
Contagem Minas Gerais de 23 a 26 de março de 1882, para avaliar o Ano Internacional das Pessoas
Deficientes no Brasil. (Revista Reabilitação, ano 2 nº 4 julho 1982 pág. 9)
mesma deficiência, desenvolve sua auto-estima e se lança em busca de seu espaço
na escola, trabalho, lazer, afetividade etc.
33
Tudo isto era muito pouco conhecido no Brasil até o Ano
Internacional do Portador de Deficiência. O que se sabia era contado por pessoas
que tiveram oportunidade de irem ao exterior, mas nem todos tinham acesso a essas
informações.
Dos resultados das propostas e discussões no Ano Internacional
surgiu, além de diretrizes para a década, o maior resultado a nível internacional: o
Programa de Ação Mundial para as pessoas com deficiência que foi aprovado pela
Resolução 37/52 de 3 de dezembro de 1982, em Assembléia Geral das Nações
Unidas, no seu trigésimo período de sessões.
Além de ter a chancela da ONU que lhe confere credibilidade e o
legitima perante os países membros, o Programa tem por finalidade promover
medidas eficazes para a prevenção de deficiência e para a reabilitação e a realização
dos objetivos de “igualdade” e de “plena participação” de pessoas com deficiência
na vida social e no desenvolvimento. Isso significa oportunidades iguais às de toda
população e uma eqüitativa participação na melhoria das condições de vida,
resultante do desenvolvimento social e econômico. O programa recomenda que
esses princípios devem ser aplicados com o mesmo alcance e com a mesma
urgência em todos os países, independentes de seu nível de desenvolvimento.
34
Com a alavanca do Ano Internacional, o movimento nacional em
defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência no Brasil, tem um
significativo impulso. Apesar das dificuldades enfrentadas pela Coalizão Nacional
33
Veja Fonte: Otto Marques da Silva. Para a direita, para a esquerda ou para a frente ? In. Opinião. Revista
Integração ano 4 n.º 12 em 03/1991. (Em 26 de julho de 1990, o então presidente do EUA George Bush
promulga a Lei americana sobre pessoas portadoras de deficiência: Americans With Disabilities Act. Esta lei
é resultado de muita luta e significa uma grande conquista dos portadores de deficiência daquele país.)
34
Programa de Ação mundial para pessoas com deficiência/ Tradução Edilsom Alkmin da Cunha- Brasília:
CORDE, 1996. A primeira tradução deste documento para o português no Brasil foi feita pelo MDPD de São
Paulo.
em atender a todos os interesses, o movimento manteve-se unido nos momentos
importantes.
Um destes momentos e o que considero como o maior em termos de
participação e resultados foi a Assembléia Nacional Constituinte, onde a força deste
segmento foi posta à prova e por meio de convencimento pelas palavras, usando o
desconhecimento dos políticos sobre o tema ou lançando mão do expediente da
piedade, foi aprovada uma das mais completas Constituições do mundo no que diz
respeito ao tema das pessoas portadoras de deficiência.
Por ocasião da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, toda
a legislação brasileira foi aberta para discussão no Congresso Nacional, para que
fosse possível após a ditadura militar, ter uma Constituição Brasileira que refletisse
os desejos do povo desta terra e que devolvesse à população o espírito cidadão e,
aqueles que ainda não podiam se dar ao direito de dizer “sou cidadão de fato” o
direito ao sonho do vir a ser.
Um dos momentos mais importantes desta história foi aquele da
entrega e defesa oficial da emenda constitucional popular pelo Movimento Nacional
das Pessoas Portadoras de Deficiência à Assembléia Nacional Constituinte, no dia
28 de agosto de 1987, em Brasília.
A emenda foi apresentada pelo Coordenador Nacional da ONEDEF,
Senhor Messias Tavares de Souza, indicado pelo movimento para defender o
documento, e que proferiu um discurso inflamado (já citado), que retrata bem a
forma de pensar das lideranças do segmento naquele momento.
Para quem acompanhou de perto aquele momento e sentiu as
emoções em conjunto, certamente concorda que este discurso sozinho serve como
objeto de um bom trabalho científico.
Os resultados da participação das “pessoas deficientes” na
Assembléia Nacional Constituinte não podem ser medidos apenas no momento em
que a Constituição foi promulgada, porque mesmo havendo muitas conquistas
daqueles desejos apresentados no documento de 1980, uma quantidade considerável
de leis e regulamentações continuaram sendo feitas e continuam até hoje. Isto em
função de pressão das próprias pessoas interessadas ou como resultado do trabalho
de líderes do próprio segmento que se elegeram para cargos públicos e fazem as suas
proposições nas esferas de poder.
O jornal ETAPA edição dez-86 / jan-87, em matéria intitulada A
Constituição e os portadores de deficiência, assinada pelo engenheiro Cândido Pinto
de Melo, Coordenador do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes expõe.
“esse documento é uma pequena contribuição para a discussão
sobre os interesses das pessoas deficientes na próxima Constituição
Brasileira.
Com ele pretende-se ampliar a discussão, debate e mobilização das
pessoas deficientes e demais interessados na problemática do grupo
no processo constituinte de tal forma que a nova Constituição
assegure de maneira explicita os seus direitos”
35
Esta matéria serviu como orientação às entidades e seus membros
que nunca tinham ouvido falar em processo constituinte muito menos que o povo
poderia dar opinião na formulação das leis. Com sérias críticas ao modo como foram
eleitos os deputados constituintes e principalmente sobre a participação dos
senadores biônicos alerta que se as pessoas deficientes quisessem mudar alguma
coisa na legislação brasileira sobre o tema deveriam fazer pressão nos deputados, a
começar pelos mais próximos da causa e ampliar ao máximo possível estes contatos.
A matéria serve ainda como parâmetro que determina o que as
pessoas deveriam buscar na nova Constituição como saúde, trabalho, educação,
transportes, dentre outros.
35
Fonte: Eng. Cândido Pinto de Melo In. A constituição e os portadores de deficiência Jornal Etapa Dez/Jan-
86 p.12 “Este documento é uma pequena contribuição para a discussão sobre os interesses das pessoas
deficientes na próxima Constituição brasileira...”
Do III Encontro Nacional de Coordenadoria, Conselhos Estaduais e
Municipais e Entidades de Pessoas Portadoras de Deficiência, realizado em Belo
Horizonte / MG, no dia sete de dezembro de 1986, saiu a seguinte proposta do
Movimento para a Constituição:
I- “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de sexo, raça,
trabalho,credo religioso e convicções políticas ou por ser portador
de deficiência de qualquer ordem. Será punido pela Lei toda
discriminação atentatória aos direitos humanos.
II- Garantir e proporcionar a prevenção de doenças ou condições
que levem a deficiência.
III- Assegurar às pessoas portadoras de deficiência, o direito à
habilitação e reabilitação com todos os equipamentos necessários.
IV- Assegurar a todas as pessoas portadoras de deficiência, o
direito à educação básica e profissionalizante obrigatória e
gratuita, sem limite de idade, desde o nascimento.
V- A União, os Estados e os Municípios devem garantir para a
educação das pessoas portadoras de deficiência, em seus
respectivos orçamentos, o mínimo de 10% do valor que
constitucionalmente, for destinado à educação.
VI- Proibir a diferença de salários e de critério de admissão,
promoção e dispensa, por motivo discriminatório, relativos à
pessoas portadoras de deficiência, raça, cor, sexo, religião, opinião
política e nacionalidade, idade, estado civil, ordem e condição
social.
VII- Conceder a dedução no imposto de renda, de pessoas físicas e
jurídicas, dos gastos com adaptação e aquisição de equipamentos
necessários ao exercício profissional de pessoas portadoras de
deficiência.
VIII- Regulamentar e organizar o trabalho das oficinas abrigadas
para pessoas portadoras de deficiência, enquanto não possam
integrar-se no mercado de trabalho competitivo.
IX- Transformar a “aposentadoria por invalidez” em “seguro
reabilitação”, e permitir à pessoas portadoras de deficiência,
trabalhar em outra função diferente da anterior, ficando garantido
este seguro sempre que houver situação de desemprego.
X- Garantir a aposentadoria por tempo de serviço, aos 20(vinte)
anos de trabalho, para as pessoas portadoras de deficiência que
tenham uma expectativa de vida reduzida.
XI- Garantir o livre acesso a edifícios públicos e particulares de
freqüência aberta ao público, a logradouros públicos e ao
transporte coletivo, mediante a eliminação de barreiras
arquitetônicas, ambientes e adaptação dos meios de transportes.
XII- Garantir ações de esclarecimento junto às instituições de
ensino, às empresas e às comunidades, quanto à prevenção de
doenças ou condições que levem à deficiência.
XIII- Garantir o direito à informação e à comunicação,
considerando-se as adaptações necessárias para as pessoas
portadoras de deficiência.
XIV- Isentar de impostos as atividades relacionadas ao
desenvolvimento de pesquisa, produção, importação de material ou
equipamento especializado para pessoas portadoras de
deficiência.”
36
36
Fonte: Proposta para a nova Constituição Federal aprovada no Encontro Nacional de Coordenadorias,
Conselhos Estaduais e Municipais e entidades de pessoas portadoras de deficiência em Belo Horizonte MG,
em 7 de dezembro de 1986.
Observe-se que, como era de se esperar, a maioria destas propostas
são as mesmas formuladas para o Ano Internacional, o que reforça o argumento de
que o Ano foi a alavanca para a Constituição e para a organização política dos
“deficientes” no Brasil.
No terceiro capítulo será possível conhecer algumas destas
reivindicações já garantidas em leis no conjunto do direito da pessoa portadora de
deficiência, mas para saber como se chegou lá, veremos antes, no segundo capítulo,
como foram vistas estas articulações políticas pelo próprio movimento de pessoas
portadoras de deficiência.
CAPÍTULO 2
O Movimento pelos direitos das pessoas portadoras de deficiência.
por ele mesmo.
Sei que estou tentando abrir horizontes e, quando se aventura a andar
onde não existem nem estradas é sempre mais difícil. Porém, existem trilhas que já foram
traçadas por outros movimentos sociais no Brasil - a exemplo dos movimentos de defesa
dos direitos das chamadas minorias sociais tais como: índios, negros, etc. - e se estas vias
não passam pelo meu destino, ao menos podem servir de orientação até o ponto mais
próximo, de onde parto nessa aventura de contar uma parte da historia do movimento das
pessoas portadoras de deficiência no Brasil.
Entendo que escrever a história do Movimento em defesa dos direitos das
pessoas portadoras de deficiência no Brasil, por certo, é contar um pouco da história do
preconceito, do estigma, da discriminação, da exclusão e injustiça social neste país.
Saliento que os livros que tratam do tema dos Movimentos Sociais como
por exemplo, “Quando novos personagens entraram em cena” de Eder Sader, oferecem
subsídios para que eu possa perceber a identidade existente entre os novos movimentos
sociais no Brasil e o Movimento pelos Direitos das “Pessoas Deficientes”, no espaço
político de discussão e reivindicação de direitos civis.
Esta é uma oportunidade de resgate, recondução e fazer a mão do
“deficiente” segurar no devido canto daquela bandeira de luta, onde hoje, por
esquecimento, indiferença ou até mesmo por preconceito, não aparece nos escritos da
história, articulados com tanto outros movimentos sociais como os das mulheres, os
étnicos, os de índios, etc.
Quero, inicialmente, prestar uma justa homenagem àquele que foi
um dos maiores responsáveis por todas as conquistas que as pessoas portadoras de
deficiência obtiveram no Brasil, por sua atuação como ativista determinado,
combativo, crítico incansável e acima de tudo, ético. Até seus últimos dias de vida
se prestou a escrever, promover eventos esclarecedores sobre os mais diversos temas
relativos às deficiências, proferir palestras e debates sempre numa postura firme,
objetiva e acima de tudo, comprometido com os Direitos da pessoa portadora de
deficiência. Falo de meu “irmão em ossos” e Companheiro, Rui Bianchi do
Nascimento
37
que desde o dia sete de setembro de 2001 não está mais entre nós.por
sentir- me honrado por sua amizade trago para a minha dissertação uma parte de sua
compreensão sobre a trajetória dos movimentos sociais.
Citando Bobbio
38
, Rui distingue a existência de duas correntes na reflexão
dos clássicos sobre os movimentos sociais. Por um lado os que se preocupam com a
irrupção das massas na cena política, como Le Bon, Tarde, Ortega e Gasset, que acreditam
que os “comportamentos coletivos da multidão sejam manifestação de irracionalidade”,
rompimento perigoso da ordem estabelecida; uma forma de pensar mais apropriada aos
teóricos da “sociedade de massa”. Por outro, se destacam Marx, Durkheim e Weber, que
com diferentes formas e abordagens, acreditam que os “movimentos coletivos denotam
transição para formas de solidariedade mais complexas (Durkheim); a transição do
tradicionalismo para o tipo legal-burocrático (Weber); quer o início da explosão
revolucionária (Marx)”.
Estes três pensadores têm em comum nas suas análises sobre os
movimentos sociais, a compreensão da existência “de tensões na sociedade, a
identificação de uma mudança, a comprovação de uma passagem entre estágios de
integração através de transformações de algum modo induzidas pelos
comportamentos coletivos”.
37
Dentre outras atividades, Rui Bianchi foi ativista do Movimento pelos Direitos das Pessoas Portadoras de
Deficiência no Brasil desde o início década de setenta, com formação na área de biblioteconomia e título de
mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, organizou um vasto acervo de documentos e leis,
digitalizando boa parte deles, foi um dos responsáveis pela criação do Moviemnto pelo Direito das Pessoas
Deficientes em São Paulo; Coordenou a Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos
ONEDEF; coordenou o jornal ETAPA da ONEDEF; fundou o Centro de documentação e informação da
pessoa portadora de deficiência CEDIPOD que mantém a edição e distribuição para todo o país do
informativo BABILEMA além do mais completo SITE sobre o tema da deficiência centrado na cidadania
existente no Brasil. www.cedipod.org.br
38
BOBBIO, Norberto, MATTEUCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília :
Unb, 1986. 1318 p
Bobbio, diz que os “comportamentos coletivos e os movimentos sociais
constituem tentativas fundadas num conjunto de valores comuns, destinadas a definir as
formas de ação social e influir nos seus resultados. Comportamentos coletivos e
Movimentos sociais se distinguem pelo grau e pelo tipo de mudança que pretendem
provocar no sistema, e pelos valores e nível de integração que lhes são intrínsecos”.
39
Ainda, Bobbio salienta que Alberoni faz a distinção entre fenômenos
coletivos de agregados e fenômenos coletivos de grupo. Nos fenômenos coletivos de
agregado,-se um comportamento similar num grande número de indivíduos, sem que se
formem novas identidades. Uma vez desaparecido o elemento, a tensão, a disfunção que
deu lugar a tais comportamentos coletivos, muito pouco terá mudado em quem neles
participou. É o caso do pânico, da multidão, da moda, do boom. Nos fenômenos coletivos
de grupo, pelo contrário, os comportamentos semelhantes dão origem ao surgimento de
novas coletividades, caracterizadas pela consciência de um destino comum e pela
persuasão de uma comum esperança”.
40
Identificando-se com as características de fenômenos coletivos de grupos
os movimentos sociais surgidos no final da década de setenta no Brasil, marcam uma fase
na história recente do País e muda principalmente as formas políticas de pensar tidas como
coisas impróprias para as classes subalternas.
No final da década de setenta, setores das classes subalternas que durante
21 anos de ditadura militar (1964-1985) se viram afastados do acesso à cidadania, ao direito
de ter direitos, retomaram o desejo de liberdade, começaram a denunciar, a resistir, a
organizar-se em torno da reivindicação de seus direitos. Constituiram-se no Brasil inteiro,
nos últimos anos daquela década e nos anos oitenta, milhares de novos movimentos sociais
populares e sindicais. Foi quando “novos personagens entraram em cena” (Título do livro
de Eder Sader). Novos movimentos sociais surgiram, não enquanto formatos específicos
para expressar o protesto e encaminhar demandas, pois nessa perspectiva existiram ao
longo de toda a história, mas pelas características historicamente diferenciadas que
incorporaram.
39
- BOBBIO, op.cit p. 787
40
BOBBIO, op.cit p. 788
Na literatura sobre esses movimentos sociais existentes, abordam-se
extensivamente os fatores que contribuíram para os seus surgimentos nessa fase da história
do Brasil. Em síntese, apontam-se como principais os seguintes: a espoliação concreta das
classes subalternas, refletida na degradação das condições de vida (não consideradas em si
mesmas, mas enquanto potencialmente alimentadoras de reivindicações); a compreensão
emergente da população quanto à precariedade de sua existência e às suas privações; a
percepção da necessidade de ação coletiva para interferir nos processos decisórios do poder
público e das empresas privadas; o momento político global, acenando com uma abertura
relativa; e o apoio encontrado na sociedade civil, principalmente de setores da Igreja
Católica e de outras instituições atentas aos direitos da pessoa humana.
41
Aspectos importantes precisam ser ressaltados no estudo dos movimentos
sociais: as características, as exigências e os valores de cada um dos agentes. A análise se
dá no ponto onde se cruzam o comportamento do agente e a dinâmica do sistema.
Interpretações do passado caíram no erro de reduzir tudo para o campo da psicologia. Mais
recentemente veio o risco de se levar menos em conta o agente como individuo dentro de
cada movimento. Daí a falta de uma análise dos participantes, suas motivações, seus
recursos e suas tarefas.
Os estudos clássicos dos movimentos sociais considera-os somente como
manifestação das classes populares, mas a heterogeneidade é um fator presente. Citando
Souza
42
, Peruzzo
43
diz “uma certa ampliação, que vai além das classes sociais dos
manuais (proletariado e campesinato), às quais se conferia o poder messiânico de
transformação da história”. Aos poucos, fomos descobrindo o mosaico heterogêneo do
popularismo. Mas os movimentos sociais não podem ser vistos só sob a ótica da produção e
do trabalho. A esfera do sagrado e as expressões culturais também lhes definem os
contornos. Essa ampliação dos movimentos sociais indica o esgotamento da busca de um
único sujeito histórico protagônista (a burguesia no capitalismo, o proletariado no
socialismo) que concentraria a capacidade messiânica de transformar a sociedade. Existe
41
PERUZZO, Cicília Krohling. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da
cidadania. Petrópolis : Vozes, 1998. 342 p
42
SOUZA, Luiz Alberto. Elementos éticos emergentes nas práticas dos movimentos sociais. Sintese - Nova
Fase, 1990, nº 48, p.76-77.
43
. PERUZZO, Cicilia Krohling. ob. cit.
uma pluralidade das presenças criativas, ou destrutivas, na história, com diversos e
inesperados atores e seus respectivos movimentos.
Os movimentos sociais são objeto de vários estudos, e diversas
interpretações e revisões teórico-conceituais que resgatam experiências históricas em seu
conjunto. Mas também realçam argumentos sobre seu papel na sociedade, variando entre
seu caráter político como agente de transformação e o realce em suas limitações políticas.
Parece-me não ser o caso de superestimar nem subestimar o papel dos
movimentos sociais com base em elementos a eles externos. É necessário entender sua
práxis concreta.
Uma corrente de pensamento percebe os movimentos sociais como
secundários e inferiores, em potencial de transformação, aos partidos políticos e sindicatos,
e por esse motivo eles deveriam estar a serviço destes, seriam “correias de transmissão”,
bases militantes-eleitorais, “escolas” de onde se extrairiam seus quadros.
De acordo com Peruzzo
44
essa abordagem fundamenta-se numa das linhas
do marxismo-leninismo, a qual concebe a classe operária como única força capaz de
promover a emancipação dos explorados e oprimidos, cabendo ao partido político de
vanguarda o papel de sujeito da revolução.
Outra corrente encara os movimentos sociais como formas de
participação popular organizada e mobilizada com a mesma importância que os partidos e
sindicatos.
Essa abordagem tem em Gramsci sua base, no tocante à estratégia de
conquista de posições, de espaços e da hegemonia na sociedade, mesmo antes da tomada do
poder do Estado. Não se deixa de lado a contribuição dos partidos políticos, não se atribui
aos movimentos sociais populares valores que superam os partidos e os sindicatos. Existe,
sim, uma complementariedade para o esforço de democratização da sociedade.
Nota-se nos movimentos sociais, em nossa realidade, que eles passam por
momentos diferentes. Peruzzo
45
fala em fases.
A mobilização social foi uma fase de grandes manifestações. Ela levou a
população a ocupar espaços públicos para opor-se, denunciar e reivindicar.
44
PERUZZO, Cicilia Krohling. ob. cit.
45
PERUZZO, Cicilia Krohling. ob. cit.
Numa segunda fase os movimentos sociais preocuparam-se mais com sua
própria organização. Procuraram fortalecer-se internamente, institucionalizaram-se
estatutos, registros formais, sede, etc., dedicaram-se à conscientização, mobilização e
formação política dos participantes, além de assembléias. Nesse momento os meios de
comunicação não davam muita visibilidade.
numa terceira fase - a de articulação - no final da década de oitenta início
da de noventa, o meio acadêmico discute a retração e a queda dos movimentos sociais, mas
em muitos lugares eles se transformam em organizações mais abrangentes motivados pela
necessidade de somar forças. Surgiram organizações como o Movimento Nacional dos
Direitos Humanos e o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, por exemplo. E,
depois de várias tentativas as entidades nacionais criaram, em 1994, a Central dos
Movimentos Populares.
Antes, os movimentos negavam tudo que viesse do Estado, agora
começaram a aceitar o diálogo. Abriram, assim, espaço no interior do Estado que, por sua
vez, passou a reconhecer nos movimentos, interlocutores, e passou a aceitar suas
reivindicações. Isto veio a exigir dos movimentos lideranças mais preparadas,
especializadas e com maior competência para negociar, propor e debater questões e
programas públicos, numa relação de igualdade entre as partes.
A criação de conselhos populares para diferentes assuntos e a adoção do
referendo e da tribuna livre, são exemplos de conquistas legais que foram bandeiras de lutas
dos movimentos que agora foram incorporadas na Carta Magna e em Constituições
Estaduais e Leis Orgânicas Municipais. Constituem-se mecanismos que fortalecem e
favorecem a participação popular direta. Mostra também que o Estado reconhece e legitima
a representatividade das organizações sociais.
Atualmente vivemos o momento das parcerias. As organizações sociais
procuram mais eficácia na busca de soluções para suas reivindicações e ações concretas de
realização. Formam parcerias com órgãos públicos, empresas, organizações não-
governamentais - ONGs. Criam-se canais que potencializam as práticas de se fazer projetos
e apresentar propostas de acordo com as necessidades da população, interferindo
positivamente nas políticas públicas. Como exemplo disso pode-se citar o Conselho
Municipal da Criança e do Adolescente.
É um momento em que os movimentos sociais são mais pluralistas e os
partidos políticos têm seus interesses mais acentuados, aumentando seus conflitos internos.
Esta análise, disposta em fases, não significa que o movimento social
tenha um desenvolvimento linear. Muito pelo contrário, eles se encontram muitas vezes em
diferentes fases, alguns dando seus primeiros passos outros, num processo mais avançado.
O fato do Estado incorporar algumas das propostas do movimentos
sociais, talvez explique a estagnação desses movimentos nos anos noventa.
Desde a década de oitenta, a temática dos movimentos sociais vem
servindo para campanhas eleitorais. Porém ela não tem refletido em aumento de
participação nos governos democraticamente eleitos, e nem sempre chegou a haver
mudanças nas estruturas de poder.
Isso tem provocado estudos no meio acadêmico e atritos no movimento
social. “O assunto é complexo. Se o Estado assimila as reivindicações, até que ponto não
age como dissimulador, cooptador e desestimulador dos movimentos? Por outro lado,
como não se relacionar com o poder público quando este detém o potencial para
encaminhar a solução de determinados problemas?”
46
O envolvimento do movimento popular com o Estado deve ser no sentido
de contribuir com o atendimento de suas necessidades, porém sem perder sua identidade
como elemento de reivindicação e conquista de direitos. Não é propósito do movimento
popular atual adotar a postura de criticar por criticar, sem oferecer opções, contrapartida,
serviços e aceitar parcerias. Mantidos seus princípios não vejo impedimentos sendo
possível fazer um bom trabalho de parceria, seja com o Estado ou com a iniciativa privada.
Mas infelizmente nem sempre isso acontece. Na maioria das vezes as
lideranças são cooptadas, não conseguem separar o trabalho técnico da militância e perdem
sua identidade enquanto líderes o que pode refletir negativamente no movimento popular.
No caso dos portadores de deficiência vê-se que o Governo assimilou a
linguagem do movimento, criando as Coordenadorias Nacional e estaduais de apoio,
assistência e proteção da pessoa com deficiência. Apesar disso nunca um portador de
deficiência foi escolhido para coordenador da CORDE por exemplo, embora sempre
tenham sido apresentados nomes. Mas o pior a meu ver é que essas estratégias, usadas pelo
Governo, desarticulam o Movimento. Os menos esclarecidos acreditam na “boa vontade”
do Estado, a exemplo do que foi divulgado recentemente no Brasil com o chamado “direito
a passe livre” para “deficientes” em ônibus interestadual, uma propaganda enganosa que
sugere que todos os “deficientes” têm direito a esse serviço, mas na verdade existem muitas
restrições, sem falar no caráter filantrópico da propaganda.
“Os movimentos sociais passam por diferentes etapas. Uns já atingiram
sua forma de organização, articulação, consciência política e a própria ação coletiva,
outros estão começando, alguns em sua fase intermediária, há também aqueles que estão
tentando se recuperar”. A vantagem é justamente movimento, o processo dialético, se
todos os movimentos estivessem igualados dentro de um só estágio de desenvolvimento
poderia ter chegado à conclusão que não se justificavam mais suas existências. “Portanto
não há homogeneidade ou padrão de experiência democrática; ainda assim a tônica é a
democracia direta, onde todos partilham uma experiência de igualdade, de atuação,
podem falar, propor, debater, trabalhar e ter voz ativa nas decisões, até quando lideranças
agem autoritariamente”.
Essa experiência de participação é interessante pelo fato de que todos dão
opiniões, têm voz, enfim, participam de fato, porque se sentem entre iguais. Quando
acontece de ser necessária uma intervenção no Poder constituído, na forma de
representação, seja no Poder executivo ou Legislativo as pessoas se sentem mais
fortalecidas porque sabem que do seu lado tem muitas vozes representativas que legitimam
seu discurso. É como se o indivíduo cedesse lugar ao coletivo.
“Não podemos dizer que seja um novo tipo de democracia e sim
utilização de novos espaços, antes usados por organizações burocráticas ou hierárquicas.
Nas democracias mais avançadas, o cidadão, depois de ter conquistado o direito de
participação na política, percebeu que esta se insere no âmbito muito mais amplo, o da
sociedade em seu conjunto, e que não existe decisão política que não esteja condicionada
por aquilo que acontece na sociedade civil. Portanto, uma coisa é a democratização da
46
PERUZZO, Cicilia Krohling. ob. cit.
direção política, outra é a democratização da sociedade”,
47
que é o ato de trazer para as
discussões as vivencias, valores, experiências, falas de quem tem toda uma bagagem
construída no cotidiano e que espera o momento de poder difundi-las, repassar à sociedade,
o saber adquirido na vivencia, na práxis.
“Os segmentos de esquerda, algumas vezes, na sua pressa em avançar
acabam por atrasar o processo normal de evolução dos movimentos sociais. Em geral os
movimentos abrigam uma diversidade de pessoas muito grande, desde as que não têm
nenhum interesse partidário até” os que vêem no movimento uma fonte promissora de
votos para uma pretensa carreira política, os candidatos de plantão, que só aparecem em
véspera de pleitos eleitorais, “os simpatizantes e os filiados a partidos políticos”. Dessa
forma, muitos militantes do movimento popular, que se filiaram a partidos políticos
dividem seu tempo entre o movimento popular e o partido e, muitas vezes acontece de, aos
poucos, não serem mais identificados como lideranças populares e sim como militantes do
partido, perdemdo sua identidade com o movimento.
“Com uma direção partidarizada, aqueles não identificados acabam por
afastar-se, e os de outros partidos ficam lutando pelo poder. Isso leva as organizações a
perderem-se em conflitos internos”, as disputas passam a ser pelo poder no movimento
uma luta partidária e entre grupos, “deixando de lado necessidades concretas que deveriam
ser levadas em conjunto se houvesse tolerância, democracia e pluralismo na prática
política, e onde o interesse coletivo deveria estar acima do interesse individual e
partidário”. De maneira geral quem mais perde com isso é o movimento popular, porque
os partidos se revezam no poder de acordo com os resultados eleitorais e, os elementos que
identificam o partido hoje podem não ser os mesmos num espaço de quatro anos, ao passo
que o movimento popular, que não é cooptado por grupos ou partidos políticos, é
identificado sempre por suas bandeiras de reivindicações e propostas, independentemente
de quem seja governo ou de qual grupo político esteja no poder.
“Os movimentos sociais tornaram-se autônomos, esta foi uma marca que
lhes conferiu legitimidade. A autonomia foi quebrada em alguns casos de cooptação de
lideranças pelo clientelismo político, ou pelo dirigismo político-partidário. Em qualquer
desses casos os movimentos são atingidos em sua caminhada de reivindicações, podendo
perder força de organização, passar por rupturas internas e serem utilizados para outros
interesses”.
Quem conheceu Rui Bianchi sabe que, de forma direta, ele está
denunciando, principalmente algumas “associações de deficientes” no Brasil que se
tornaram verdadeiros currais eleitorais de políticos (ex líderes), que controlam as entidades
em benefício de um grupo repetindo a política dos coronéis. Já que não se pode dizer que
tais “associações” estejam de todo comprometidas com a causa dos portadores de
deficiência, como fazem os militantes do movimento que trabalham apenas pelo ideal da
justiça social.
“Há também casos em que militantes optam pela carreira política,
indicados pela base popular ou por opção pessoal. Isso acaba prejudicando o movimento
social”, pois nem sempre essas lideranças continuam a serviço do movimento que lhe deu
origem politicamente, não colocam seus mandatos a serviço do fortalecimento do
movimento popular e terminam não se identificando com suas bases. Além disso, muitas
vezes fazem curta carreira política porque, quando voltam para o movimento já não são
recebidas como lideranças. Já que frustraram os sonhos de representatividade política do
segmento.
E o que é pior, “novas lideranças não são preparadas para continuar o
trabalho que vinha sendo realizado”. E fica a pergunta: será que novas lideranças
ameaçariam o poder daqueles que optaram pela carreira política?
“Os movimentos sociais populares representam estruturas novas que
podem vir a contribuir na formação de um duplo poder. São criações da sociedade civil,
que a vão democratizando, exercendo um papel do qual os canais tradicionais de
representação não estavam dando conta. Além do mais, não tiram espaços destes, mas,
pelo contrário, podem somar esforços com eles. São depositários de experiências da
democracia direta, surgindo, talvez, para complementar a democracia representativa.”.
48
Os espaços de representação de poder ocupados por estruturas arcaicas e
distantes do povo, impregnados por uma forma de fazer política onde as decisões de toda
47
PERUZZO, Cicilia Krohling. ob. cit
48
NASCUMENTO, op.cit.pp. 7- 17
ordem são tomadas em gabinetes e a portas fechadas, cansaram e não conseguiram
responder aos anseios da população que tinha entre seus maiores desejos, a vontade de
dizer em que, e como poderiam contribuir para as mudanças sociais que deveriam ser
adotadas.
A cidadania a fórceps ou de arrasto
“A verdadeira democracia, aquela que implica o total respeito aos
Direitos Humanos, está ainda bastante longe no Brasil. Ela existe
apenas no papel. O cidadão brasileiro na realidade usufrui de uma
cidadania aparente, uma cidadania de papel. Existem em nosso
país milhões de cidadãos de papel”.
49
O portador de deficiência é, sem dúvida, o exemplo maior do
“cidadão de papel”, mas sua memória tem muito a dizer. Em textos, falas, gestos e
sinais se desvendarão os meandros das relações sociais que envolvem essas pessoas
e isto trará à luz os vários “corcundas de Notre Dame”, ocultos na engrenagem
social desigual e desumana que existe no Brasil.
Quando Dimenstein aponta a situação em que ainda vivem as
pessoas sujeitos de muitos direitos e pouca ou nenhuma justiça neste país, deve ser
levada em conta, pela “denúncia” que seu livro faz ao tratar do Estatuto da Criança e
do Adolescente, esta grande Lei em abrangências e também enorme nas formas e
vezes em que é desrespeitada. Os próprios limites impostos pelo mercado editorial,
impedem que o autor faça uma crítica sistemática desta situação.
Evelina Dagnino define:
49
DIMENSTEIN Gilberto. O Cidadão de Papel, São Paulo ática 12ª edição 1996.
“Acho que há duas dimensões que presidem a emergência dessas
novas noções de cidadania e que devem ser lembradas para
marcar o seu terreno próprio. Em primeiro lugar, o fato de que ela
deriva e portanto, está intrinsecamente ligada á experiência
concreta dos movimentos sociais, tanto os de tipo urbano - e aqui é
interessante anotar como a cidadania se entrelaça com o acesso à
cidade - quanto os movimentos de mulheres, negros, homossexuais,
ecológicos etc., na organização desses movimentos sociais, a luta
por direitos tanto o direito à igualdade como o direito à
diferença- constitui a base fundamental para a emergência de uma
nova noção de cidadania[...] Como conseqüência dessas duas
dimensões, eu destacaria um terceiro elemento que considero
fundamental nessa noção de cidadania: o fato de que ela organiza
uma estratégia de construção democrática, de transformação
social, que afirma um nexo constitutivo entre as dimensões da
cultura e da política. Incorporando características da sociedade
contemporânea, como o papel das subjetividades, a emergência de
sujeitos sociais de novo tipo e de direitos de novo tipo, a ampliação
do espaço da polít ica, essa é uma estratégia que reconhece e
enfatiza o caráter intrínseco e constitutivo da transformação
cultural para a construção democrática. Nesse sentido, a
construção da cidadania aponta para a construção e difusão de
uma cultura democrática”.
50
Esta definição de Evelina tem características interessantes. Ela fala
da cidadania como conceito forjado na participação popular, constituindo uma
50
DAGNINO, Evelina Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: Anos 90
política e Sociedade no Brasil Editora Brasiliense São Paulo, 1994 p. 103.
ligação entre cultura e política, trazendo à cena pública os novos sujeitos que se
apresentam por meio de suas manifestações e reivindicações; exemplo da busca de
acesso à cidade como espaço de todos. O direito à igualdade e à diferença, é a base
de discussão de uma nova forma de entendimento da política e construção da cultura
da democracia. Evelina fala da inclusão em que a participação popular se dá de
forma a definir, pertencer, participar do sistema no qual se quer ser incluído. Uma
forma de conferir ao cidadão o poder de decisão sobre as prioridades, partindo do
seu próprio ponto de vista e de suas necessidades e experiências. É o que chama se
“a invenção de uma nova sociedade”.
Direito á diferença: é a garantia do reconhecimento que sociedade
é composta de pessoas que são diferentes enfim, não existe padrão de ser humano
a sociedade é diversa e na diversidade devem ser estabelecidas as relações sociais
e políticas. Esta é uma velha reivindicação dos movimentos sociais principalmente
aqueles representantes das vítimas de preconceitos de toda ordem. Messias
Tavares já dizia em 1987.
“É nesse território, burgo ou cidade, que se exercerá a cidadania
burguesa, a liberdade abstrata, conquistada pela revolução
industrial inglesa, em termos econômicos, e pela revolução
francesa com a Queda da Bastilha. Liberdade abstrata porque se
pode ser ou ter apenas no papel ou na imaginação, mas o modo de
produção e distribuição não permite que isto se realize, de fato. O
cidadão socialista não é escravo dos particulares capitalistas, mas
é da universalidade do Estado. Há que se encontrar, no socialismo
autogestionário ou no capitalismo do bem estar social, o respeito á
dignidade e à diferença. Há que se construir uma constituição sob
o pano de fundo da necessidade contemporânea de se respeitar o
ser humano, nos seus aspectos universais, particulares e
singulares, sob pena de não se respeitar o cidadão em todas as
dimensões”.
51
Tanto Evelina quanto Messias falam do direito à diferença, cada
um a seu modo. Evelina nos oferece condições de encontrar no discurso carregado
de emoção, feito por Messias, a fala que identifica e leva o Movimento pelos
direitos das pessoas portadoras de deficiência, ao encontro do discurso dos
movimentos populares, base de luta pela transformação do status social do Brasil.
Sader diz que são os dominados que iniciam a luta por direitos, “a
começar pelo primeiro o direito de reivindicar direitos”. Portanto, direito à
diferença, à indignação pelo baixo salário, pela opressão do silêncio, pela liberdade
cassada.
“Eles foram vistos então, pelas suas linguagens pelos lugares de
onde se manifestavam, pelos valores que professavam, como
indicadores da emergência de novas identidades coletivas”.
52
Quando os movimentos sociais atuantes no campo do Direito Civil
surgem como novos atores no cenário político brasileiro, significa que: junto com
os setores organizados de trabalhadores, representantes e representados pelos
sindicatos, trazem também o respaldo popular de insatisfeitos, dominados, que não
faziam parte do sistema das relações políticas por serem desprovidos de algo que
se convencionara como padrão.
Esta particularidade de que as pessoas são desprovidas pode ser de
ordem financeira, física, racial, moral, de localização no espaço urbano de origem
etc. Isto as tornam diferentes.
51
TAVARES, Messias. idem
.
52
SADER, op.cit p. 27.
Diferentes numa sociedade que hipocritamente tem leis e se diz
igualitária, justa, defensora dos Direitos Humanos e condenadora da discriminação
preconceituosa.
Porém, esta mesma sociedade que se escandaliza com a violência,
acredita que essas diferenças são até mesmo de ordem patológica, se eximem da
responsabilidade social que cada um tem e transfere para o Estado a culpa pelo
“mal” que lhes causa a simples existência destes diferentes.
Mendigos, andarilhos, pedintes, “deficientes” são recolhidos dos
centros das grandes cidades em época de festas como a do carnaval, para que os
turistas não sejam importunados ou vejam como os seres humanos “diferentes” são
tratados no país.
Não esqueçamos das cavernas medievais onde eram depositados
os doentes (leprosos), “deficientes” (coxos e aleijados) e ali permaneciam à mercê
da caridade alheia, até o fim dos seus dias.
A visão de sofrimento, condenação à cadeira de rodas, trevas em
vida, etc, foi forjada neste período e permanece muito viva nos dias atuais. Não é
difícil uma pessoa que não consiga andar mais que dez metros recusar, com
veemência, usar uma cadeira de rodas por alguns minutos.
O imaginário coletivo está impregnado com essas formas de
recusa ao diferente e, as pessoas no uso comum, não percebem que suas atitudes
são de rejeição. Tendem a associar a deficiência ao insucesso ou à pobreza, se
recusam a aceitar que a “pessoa deficiente” que estudou, trabalha, tem família,
continue sendo “deficiente”.
No segmento de “deficientes”, os ativistas sabem que não é
possível deixar de ser “deficiente”, diferente, o que se busca é diminuir o estigma
da incapacidade, incompetência, ineficiência, mas sem passar a super herói. Esta
linha tênue que separa o estigmatizado da pessoa comum é o que faz a diferença
entre uma pessoa que aceita e sofre a vida e outra que procura por respeito.
O que Evelina qualifica como terceiro elemento - o surgimento e
incorporação de novos tipos de sujeitos e de novos tipos de direitos - completa seu
entendimento da concepção de uma nova noção de cidadania. São estes novos
sujeitos que são identificados por Eder Sader como personagens, que surgem em
cujo cenário estão representados os anseios de todos aqueles que são esquecidos,
sem fala e sem direitos.
Neste momento de construção da cultura democrática abrem se
espaços de reivindicações sociais populares, representados por manifestações as
mais variadas, de diferentes formas e em diversos lugares, de maneira politizada ou
não, em igrejas, associações de moradores, clubes de mães, sindicatos de
trabalhadores, apresentando um grito que haveria de se tornar um verdadeiro eco a
restabelecer a liberdade a todas as pessoas. Esta chama da liberdade almejada,
legitimava a transformação política que começava a ocorrer no Brasil - algo novo
estava acontecendo no país.
São essas forças populares que levantam a discussão sobre a
cidadania, uma palavra tão forte que há muito tempo estava calada, sob o jugo da
ditadura. Foram as vozes dos personagens anônimos, com muito pouco pelo que
buscar, que ecoaram nas ruas das cidades, em praças públicas nas manifestações
cercadas pela cavalaria da polícia como as citadas por Sader, que despertaram as
pessoas para uma nova realidade: a necessidade de abertura - o povo já não
suportava mais os anos de repressão.
Interessante, o movimento popular pela redemocratização do Brasil
não foi nenhuma ação de grupos revolucionários ligados de alguma forma à
organizações que atuaram no passado. Eram pessoas comuns, donas de casa,
trabalhadores, desempregados, estudantes, mães, movimentos étnicos, enfim, gente
que não buscava nenhuma forma de revolução, golpe ou coisa parecida, mas a
liberdade, o poder devolvido ao seu lugar de origem.
No Estado democrático de Direito o poder pertence ao povo, é
exercido através do povo e somente existe de fato para servir ao povo.
As pessoas portadoras de deficiência ainda estavam um pouco
atrasadas na escala de reivindicações, pois, enquanto por um lado as pessoas
lutavam para restabelecer a liberdade, o “deficiente” ainda estava a caminho de
conquistar o direito de ser livre, de poder ir e vir livremente.
O direito à liberdade na Constituição Brasileira se traduz de maneira
mais direta no direito de ir e vir. Isso significa que todas as pessoas são livres para
andar por toda parte sem serem incomodadas ou presas.
Para uma pessoa portadora de deficiência, principalmente as que
fazem uso de cadeiras, de rodas esse direito significa muito mais que não ser preso
ou incomodado, significa direito à liberdade de acesso, significa o fim dos
obstáculos arquitetônicos, enfim, significa poder sair de casa, circular com sua
cadeira de rodas, fazer uso dos serviços e bens públicos livremente e com
autonomia.
Portanto, para o portador de deficiência o direito de ir e vir significa
a possibilidade de que um dia seja possível por fim ao exílio forçado a que tantos
são obrigados a sofrer, mesmo depois de tantos anos do fim da ditadura militar.
A cidadania como exercício do acesso à cidade oferece
possibilidades de interpretações: pelo lado do acesso ao meio urbano podemos ver a
luta pela moradia, serviços urbanos, saúde pública dentre outros; pela ótica das
pessoas que lutam por acessibilidade ao meio físico despertamos para as questões
das barreiras arquitetônicas e ambientais, que impedem o acesso das pessoas com
dificuldade de locomoção aos bens e serviços públicos e de uso público.
Barreiras arquitetônicas ou ambientais são aqueles obstáculos
existentes nas cidades, que se exemplifica com escadas, degraus que são feitos em
calçadas junto à divisa de terreno, pavimentação irregular, ausência de rampas ou
rebaixo de meio-fio nos cruzamentos (esquinas), calçamento de passeios com
material polido ou escorregadio, placas no meio do passeio público, extensão de
lojas às calçadas, hidrantes mal posicionados, toldos de comércio a uma altura
inferior a dois metros e que provocam acidentes com os deficientes visuais, enfim,
são impedimentos que uma pessoa pode sofrer em sua tentativa de acesso, uso e
consumo a um bem, serviço, equipamento público ou de uso público, e que
terminam sendo empecilhos ao exercício da sua condição de cidadão.
Vejamos o exercício proposto pelo Arquiteto e Urbanista Ricardo
Moraes:
53
“....um exercício de imaginação: pense na sua cidade. Aposto que
você se lembrará de ter enfrentado situação semelhante. Você tem
que desviar de tantos obstáculos nos passeios buracos,
jardineiras, irregularidade no piso, rampas nas entradas de
garagens, telefones públicos, caixas de correios, lixeiras fradinhos,
veículos estacionados em barraquinhas, ufa!- que no fim do dia,
você gastou a energia de uma maratona para vencer 100m. Será
muito complicado, ao menos nas áreas de maior afluxo de pessoas,
termos faixas livres de obstáculos sobre os passeios? Afinal, eles
existem em função dos pedestres!”.
54
Recursos tecnológicos tendem a ser recebidos como ideais e
inquestionáveis. Entretanto, as escadas e esteiras rolantes - não somente - existentes
nas lojas e shopping centers, podem ser descanso para as pessoas no exercício de
subir a um piso superior e podem ser impedimentos a uma pessoa que tenha pouco
equilíbrio, ou mesmo idosos que não se adaptam a estes equipamentos da
modernidade.
“As cidades são, por sua natureza, locais de troca e de convívio
humano. São espaços onde habitam, trabalham e circulam pessoas com
as mais diversas necessidades. São, por isso, espaços que devem ser
acessíveis a todos”.
53
Coordenador do Projeto “Municíp io e Acessibilidade” do Instituto Brasileiro de Administração Municipal -
IBAM
Essa é a concepção perfeita do conceito de arquitetura para a diversidade,
onde se projeta e executa a cidade a partir da percepção das diversas necessidades de seus
habitantes.
“Contudo, essa premissa nem sempre esteve presente no cenário da
gestão municipal. Há muito os espaços públicos das cidades são concebidos para ser
majoritariamente usados por um padrão idealizado de pessoas, padrão este que
exclui os portadores de deficiência, os muito altos ou baixos, os obesos os idosos.
Tomando como exemplo cidades brasileiras de diferentes portes, nota-se o
despreparo destes locais em relação à oferta de condições de acesso para as pessoas
com dificuldade de locomoção. O espaço mal concebido acaba concretizando uma
segregação não desejada, porém ainda muito presente na sociedade: o que foge do
padrão deve ser afastado ou, no mínimo, não merecer a devida atenção, pois é a
“exceção”. Ao contrário, acessibilidade e cidadania são direitos humanos universais
que devem se concretizar através de um ambiente demo crático”. Por mais estranho
que possa parecer, as cidades são planejadas para serem habitadas por uma
população imaginária, previamente fabricada, todos iguais e com as mesmas
vontades. Não se pode esquecer que isto já foi testado no mundo com resultados
catastróficos para a humanidade, na segunda guerra mundial.
“A acessibilidade de todos ao espaço público das cidades e, em especial,
das pessoas portadoras de deficiência, não é uma demanda recente. A sociedade sempre
rotulou este grupo como o “menos dotado” para exercer quaisquer atividades sociais.
Desse modo, as cidades não precisariam estar adaptadas”. Uma “solução” absurda mas
possível de ser pensada porque sob esta ótica o problema estaria na pessoas, ou melhor
seria a pessoa. Esta foi uma visão preconceituosa que dominou por muito tempo o
pensamento das pessoas a esse respeito dos “deficientes” e que, somente começou a ceder,
depois que foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que todas as
pessoas passam a ter direito à vida e à dignidade.
54
Revista de Administração Municipal op.cit p. 6
As barreiras sociais acabavam impondo um exílio forçado às pessoas
portadoras de deficiência, para as quais seu espaço de atuação, como membro social, se
resumia ao universo de suas próprias residências. Os Municípios excluíam assim, parcela
de sua população ao taxá-la de incapaz e improdutiva. Na sociedade brasileira, tão pautada
pelas desigualdades sociais, as pessoas portadoras de deficiência iniciam um processo de
negação do estereótipo que há muito lhes foi imposto e induzem a abertura de novos
caminhos. Permitir a uma pessoa portadora de deficiência exercer plenamente sua
cidadania implica fazer cumprir os Direitos Humanos já reconhecidos. O espaço concreto
dos Municípios é o cenário onde se desenvolve esta ação.
55
É importante discutir como essas cidades são planejadas,
edificadas e sobre quais pilares as relações sociais são
estabelecidas, quais são os espaços reservados ao homem na
acepção da palavra, ao meio ambiente, à liberdade de ir e vir nas
vias públicas, para que se identifique a que grupo ou a quem estes
pilares estão ligados, quais são os interesses que se sobressaem,
visto que os interesses financeiros estão sufocando cada vez mais os
espaços destinados ao pedestre nas calçadas. Qual tem sido a
postura dos responsáveis pelo resguardo e cumprimento das leis
perante os edificadores (fiscalização)? Será que existe jogo de
interesse nesta relação? Se sim, qual ou quais? Estas perguntas
ficam sem respostas porque a acessibilidade não acontece por
respeito ao direito à diferença mas por pura exigência legal.
Preocupa pensar que apenas ao reboque da lei as coisas podem ser
forçadas a acontecer e não pela tomada de consciência que, na
verdade é o que deveria ficar.
Passados dez anos da promulgação do Estatuto da Cidadania
(Constituição Federal), como os espaços públicos e de uso públicos
55
- Município e Acessibilidade IBAM. Rio de Janeiro 1998, pp. 09 -10
estão sendo pensados e construídos, levando-se em conta a
determinação de respeito ao direito de ir e vir?
Não é difícil entender porque chamo de cidadania de arrasto. Dez
anos é muito tempo para que uma proposta seja apresentada,
testada, melhorada mas, a prática é de se fazer o mínimo e somente
quando já não se dá mais para protelar. É mais difícil hoje
arrancar alguma ação concreta de respeito ao direito de ir e vir da
pessoa portadora de deficiência no Brasil, do que foi arrancar dos
deputados constituintes, as leis. As coisas acontecem muito
lentamente e dificilmente se encontra um governante que tenha a
capacidade de entender que acessibilidade não é oferecer acesso
aos “deficientes”, mas a todas as pessoas.
“O código de obras e edificações regula os espaço edificados e seu
entorno. Atua como agente legalizador dos costumes construtivos e trata
as questões relativas à estrutura, função, forma, segurança e salubridade
das construções. (...) Devido à ausência de diretrizes em acessibilidade a
adequação espacial e transformação urbana ocorridas em alguns
municípios, foram permeadas pelos padrões e critérios técnicos
abordados na NBR 9050 da ABNT e atenderam com maior ênfase à
eliminação das barreiras físicas”.
56
No Dicionário de Urbanismo, Françoise Choay
define:
Acessibilidade é a “possibilidade de acesso a um lugar. A
acessibilidade(.....) influencia fortemente sobre o nível dos valores
essenciais fundamentais. (.....) A formulação que mais satisfaz é
aquela na qual podemos ponderar as acessibilidades por diferentes
56
- Município e Acessibilidade op.cit pp. 39-40.
tipos de oportunidades ( emprego, locais de compra, locais de
lazer, etc.)”.
57
Entretanto, não são apenas as barreiras físicas e ambientais a
impedir o exercício da cidadania, existe uma gama de outras barreiras, dentre elas,
cita-se o grande impedimento causado pelo desrespeito à legislação brasileira em
todos os níveis. Os legisladores têm o costume de criar leis sem aplicabilidade,
sobretudo não se pode esquecer que a legislação brasileira no que é afeto ao tema
estudado neste capítulo ainda não conseguiu se desvencilhar do foco caritativo e de
tutela estatal. No capítulo três apresento e discuto algumas leis existentes, pinçadas
entre as que considero de maior impacto positivo, se forem aplicadas a contento.
O movimento popular foi atuante. Como vimos, lutou, contribuiu,
apanhou da polícia, fez a sua parte para que a população se livrasse da opressão da
ditadura militar, conquistasse o direito de escolha de seus governantes, retomasse a
liberdade. Contudo, não foram todos que ficaram livres, o portador de deficiência
vive ainda hoje sob o jugo da ditadura das escadas, das calçadas esburacadas, das
placas de propaganda, da falta de planejamento urbano para a diversidade, da falta
de vontade política de cumprir a lei, do orçamento público que sempre acaba antes
de chegar recursos para acessibilidade, da lentidão da justiça, e da ditadura dos
tribunais, que insistem em dar mais importância ao lucro que ao ser humano quando
decidem a favor de emp resas de transportes coletivos, alegando que a demanda de
usuários por ônibus adaptados não justifica o gasto para adaptá-los. A cidadania é de
papel.
Adotando uma figura de linguagem mais contundente posso dizer
que a cidadania no Brasil, e especialmente das pessoas portadoras de deficiência, é
cidadania de arrasto.
57
- Município e Acessibilidade op.cit p.11.
Como pode ser visto a seguir, a conquista legal significou apenas a
condição de poder lutar por algum direito, o que não era possível antes da
Constituição de 1988 e das Leis Orgânicas de 1990. É um sonho em etapas em que a
garantia dos direitos significa apenas uma parte, e a cidadania a fórceps significa que
o sonho pode virar pesadelo porque, sem o exercício cotidiano da busca da cidadania
por parte dos interessados, corre-se o risco de perder direitos e que aquela parte que
foi arrastada volte para o ponto de partida.
Por muitas vezes as pessoas portadoras de deficiência deixaram de
tomar consciência disso, e foram embora para suas casas quando viram seus direitos
garantidos no papel. Continuam esperando que as letras saltem das linhas para as
suas vidas. Continuarão esperando por muito tempo ainda. A cidadania é exercício
diário.
CAPÍTULO 3
O Movimento pelos direitos das pessoas portadoras de deficiência diante
da crise dos paradigmas.
“Numa ciência onde o observador é da mesma natureza
que o objeto, o observador é, ele mesmo, parte de sua
observação”.
(Claude Lévi Strauss )
Este capítulo difere dos outros que já mostramos acima, porque aqui
se muda inclusive a pessoa do verbo - neste ponto já não falamos mais deles, e sim
de nós. Aqui se dá a fusão e a confusão do pesquisador e do objeto pesquisado e,
muito das minhas experiências de vinte anos de militância neste movimento, em
todos os níveis, municipal, estadual e federal estarão sendo colocadas. Por muito
tempo relutei em deixar as minhas experiências influenciarem este trabalho por me
preocupar com a subjetividade do pesquisador, entretanto, não seria correto comigo
mesmo se furtasse ao leitor o direito de saber onde eu me situo nesta história.
Abordo principalmente a legislação existente nas esferas federal e
municipal, fazendo o contraponto com a prática das entidades governamentais e das
não governamentais ONGs, objetivando discutir a realidade das pessoas portadoras
de deficiência sob a ótica da luta pela cidadania, tendo as leis como ferramentas
para a conquista e efetivação da dignidade.
Em seu livro Deficiência Física: a sociedade brasileira cria,
recupera e discrimina, Apolônio
58
apresenta no capítulo 1 (a deficiente história dos
deficientes), uma coletânea de leis sobre o assunto, principalmente no que diz
respeito à educação especial e à assistência social. Com riqueza de detalhes,
58
CARMO, Apolônio Abadio do, op.cit.p.21
transcreve alguns artigos que considera mais importantes, sendo que as leis tinham
um viés assistencialista por dois motivos: porque o deficiente era confundido com
doente, ou, se não era considerado doente perante a lei, na prática os serviços
disponíveis estavam ligados à assistência à saúde, ou seja, deficiente somente era
visto como caso médico. Destaca ainda, o Ano Internacional da Pessoa Deficiente,
sobretudo o relatório e as decisões da Comissão Nacional do Ano internacional
confirmando que o Ano foi a grande alavanca para a discussão atinente aos
portadores de deficiência na Assembléia Nacional Constituinte, entretanto, o recorte
dado em seu trabalho impossibilita analisar constituinte.
A Constituição de 1988 - Constituição Cidadã - altera os conceitos
antigos sobre a deficiência com a participação, mesmo que indesejada ou não
compreendida, das entidades de "deficientes" e, se não foi possível isentá-la do
caráter caritativo, ao menos já podemos ver a legislação brasileira, sobre esse tema
apontando rumos ao que determinam as resoluções internacionais como a
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Resolução n.º 217
A
(III) Assembléia
Geral da Organização das Nações Unidas - ONU de 10 de dezembro de 1948.
Em seus princípios fundamentais a Constituição da República
Federativa do Brasil promulgada em 1988, determina que todos os cidadãos
brasileiros são iguais e institui crime o ato ou atitude preconceituosa.
A participação das lideranças de pessoas com deficiência na
elaboração desta Constituição, ajuda a garantir uma legislação onde o
assistencialismo cede lugar à dignidade. A assistência social toma um novo rumo
dando ênfase à habilitação e reabilitação, inserção e reinserção no mercado de
trabalho, garantia de cotas de participação de trabalhadores com deficiência nas
empresas, reserva de percentual de vagas em concursos públicos em todos os níveis,
garantia de um salário mínimo mensal a quem não possa se manter ou ter sua
manutenção pela família, Prevê a criação dos conselhos representativos das pessoas
com deficiência, ficando a critério dos estados e municípios a criação dos conselhos
locais. A forma e o caráter desses conselhos e qual o seu poder de ação frente aos
órgãos públicos, depende da representatividade das pessoas com deficiência na sua
composição, em todas as localidades.
Nesse sentido, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa
Portadora de Deficiência CONADE, “Criado pelo Decreto nº 3.076 de 1º de junho
de 1999 no âmbito do Ministério da Justiça, como órgão superior de deliberação
colegiada, ao qual compete, principalmente, o acompanhamento e a avaliação da
política nacional da pessoa portadora de deficiência e das políticas setoriais de
educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto,
lazer, política urbana, no que tange à pessoa portadora de deficiência”.
59
Na área educacional fica proibida a recusa de matrícula em escolas
por motivo de deficiência, buscando garantir-se o acesso com igualdade de
condições e tratamento aos alunos com deficiência, por meio de um atendimento
educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. O conceito
de inclusão começa a ser adotado na legislação brasileira quando observamos, por
exemplo, que o Estado tem o dever de qualificar os profissionais da educação para
trabalharem com alunos com deficiência. E ainda, o acesso à educação significa que
as escolas não podem ter obstáculos ou barreiras arquitetônicas.
Depois da Constituição de 88 vieram as leis esparsas que definem
mais especificamente tal assunto. Nesse sentido, a Lei federal 7853/89,
regulamentada pelo Decreto nº 3.298/99:
Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de
deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para
lntegração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, institui a tutela
jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina
a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras
providências.
60
59
Fonte: http://www.mj.gov.br/sedh/hpconade2/conade_menu.htm
60
fonte: http://www.mj.gov.br/sedh/dpdh/dpdh.htm
Esta lei estabelece o apoio na forma da lei à pessoa portadora de
deficiência, orienta os estados e municípios e cria a CORDE. Esta por sua vez,
esteve ligada à Presidência da República e atualmente está com o Ministério da
Justiça- e incumbe o Ministério Público de cuidar dos interesses da pessoa com
deficiência e define como crime a discriminação com preconceito.
Após sua regulamentação a lei 7853 tornou-se a mais importante lei
do Brasil no tocante ao direito das pessoas com deficiência, porque dispõe sobre a
política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência, consolida as
normas de proteção, e dá outras providências.
61
Ao definir a política nacional, o Decreto acima citado ratifica a
Constituição/88 e avança, obrigando o poder público em todos os níveis a assegurar
o exercício pleno dos direitos individuais e coletivos inclusive dos direitos à
educação, à saúde, ao trabalho, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à previdência
social, à assistência social, ao transporte, à edificação pública, à habitação, à cultura,
ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e
das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.
A Lei federal nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000, conhecida
como Lei da Acessibilidade, estabelece as formas de eliminação das barreiras
arquitetônicas, que inclusive já estava prevista no Decreto 3298/99. É uma lei
ampla, clara em todos os seus artigos, que contribui muito com o planejamento
urbano, uma vez que determina objetivamente o que, como, e onde devem ser
eliminadas tais barreiras.
“Esta Lei estabelece normas gerais e critérios básicos para a
promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência
ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e
61
fonte: http://www.mj.gov.br/sedh/dpdh/dpdh.htm
de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano,
na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de
comunicação”.
62
Nos municípios as Leis Orgânicas asseguram muitos direitos que
podem oferecer, principalmente aos mais pobres, as mínimas condições de vida
como: passe livre nos transportes coletivos, adaptação para cadeiras de rodas no
sistema de transportes coletivos urbanos - depois estende a interurbanos e
intermunicipais-, exigência em projetos da construções civil de adequação ao acesso
para todas as pessoas.
Conhecendo essas leis, o cidadãos e cidadãs brasileiros portadores
de deficiência sentem-se em condição para iniciarem outra luta, ainda mais difícil e
penosa: colocá-las de fato na vida de cada um.
O olhar lançado sobre a pessoa portadora de deficiência no início da
organização social desse segmento, é diferente daquele percebido após a
Constituinte de 1988, isto porque o foco de luz muda quando se percebe que o
“deficiente”, que ora era visto como objeto de assistência social, passa a ter as
mesmas garantias e deveres de fato, igual a qualquer cidadão - de objeto passa à
condição de sujeito. Em tese, é a caridade privada tão conhecida e costumeira desde
a antigüidade, saindo de cena para dar lugar ao direito público de cidadão, e onde se
estabelece, além do princípio da igualdade, que cada brasileiro tem o direito de
expressar por si e ir e vir como quiser.
Sobre estes dois direitos fundamentais é preciso perceber no dia a
dia das pessoas portadoras de deficiência, como está se dando na prática o exercício
da cidadania no cotidiano da cidade. Isto significa estudar, trabalhar, ter lazer,
passear, namorar etc. Antes da Constituição de 1988 o “deficiente” não era
considerado, do ponto de vista de quem vê, pessoa como ser humano; seria como
62
fonte: http://www.mj.gov.br/sedh/dpdh/dpdh.htm
dizer que a parte cobria o todo, o todo é o sujeito, a pessoa, com suas qualidades,
potencialidades e limitações inerentes ao ser humano; e a parte é o predicado, a
deficiência é a parte, ela está na pessoa, mas não é a pessoa. A Constituição Federal
vem possibilitar ao todo superar a parte, é a qualidade da pessoa de rebater uma
agressão sofrida tendo como arma a lei, prevalecendo o Estado de Direito.
A lei é a ferramenta que o administrador necessita para promover a
justiça brasileira oferecendo as condições necessárias para proporcionar dignidade
às pessoas, em especial àquelas com deficiência.
A legislação brasileira é ampla. A política nacional, muito bem
definida em lei, e o Ministério Público têm poder e dever de punir quem não cumprir
ou desrespeitar a lei de proteção à pessoa com deficiência.
Contudo, não é suficiente, a lei por si só não tem força e não se
auto-aplica, é necessária a vontade política e disposição judicial para que a lei seja
cumprida.
Ações isoladas de iniciativa do Governo Federal têm oferecido
mudanças principalmente na área da assistência social. Nos municípios as questões
são tratadas de forma mais interna e, as Leis Orgânicas elaboradas após a
Constituição de 1988 garantem aquilo que é proposto na Constituição.
Passados mais de dez anos de Leis Orgânicas, pouco, ou muito
pouco foi feito no que possa ser tomado como parâmetro indicador de mudança no
quadro geral de vida do “deficiente” no Brasil, enquanto regularidade em todas as
cidades.
Na sua grande maioria, as cidades, principalmente as de médio e
grande porte, sofrem com a falta de planejamento urbano, desrespeito à legislação e
o conhecido “jeitinho” para burlar a exigência legal.
Por sua vez, os administradores reclamam que a carga que recai
sobre as cidades repassada pela união é pesada, por isso não podem cumprir tudo
que existe na lei.
As maiores reclamações das pessoas com deficiência são as
condições de circulação e de transportes. Considero estes ítens relevantes porque
traduzem o desejo da pessoa em participar da vida cotidiana da cidade.
Este desejo não é definido como manifestação da vontade explícita
da pessoa de fazer algo considerado útil dentro dos padrões estabelecidos pela
sociedade. Porém, é um desejo de circular pelo espaço público, usar o sistema de
transportes, enfim, sair do exílio forçado, fazer algo que é atividade corriqueira para
quem não porta nenhuma deficiência.
Não é possível definir se as pessoas que esmolam ou vendem balas
nos cruzamentos das ruas e avenidas fariam outra coisa se as cidades oferecessem
um pouco mais de conforto e segurança, contudo, não é somente a atividade
desempenhada que conta como cidadania neste caso, mas também a condição e
garantia de acesso aos bens e serviços comuns.
Existem ações individuais de administradores que procuram
diminuir a distância que separa a lei da prática, neste sentido, são adotadas medidas
que criam serviços especiais de transportes para “deficientes”, projetos de remoção
de barreiras arquitetônicas e ambientais em determinados pontos da cidade onde se
julga haver mais necessidade, possibilidade e freqüência de uso.
São ações isoladas porque não cumprem o objetivo da lei que é o de
equiparar as oportunidades; não é uma proposta de ação continuada. Depende de
recursos orçamentários próprios e acima de tudo da vinculação, sensibilidade e
compreensão do administrador sobre a causa das pessoas portadoras de deficiência.
E dessa vinculação ainda se deve separar as ações caritativas, politiqueiras e
assistencialistas, daquelas que realmente proponham a promoção humana e
diminuição das desigualdades sociais.
Enfim, são muitas as necessidades públicas que quando não ficam
para depois, na maioria das vezes não têm continuidade. Exceto aqueles programas
de assistência social, mais especificamente o benefício de prestação continuada -
Decreto N° 1.744 de 5 de dezembro de 1995.
63
Por falta de um ordenamento político direcionado, as prefeituras se
tornam repassadoras de recursos, por meio de subvenção social, às entidades que
prestam assistência às pessoas com deficiência cujos projetos podem variar entre:
distribuição de cestas básicas, doação de cadeira de rodas, óculos, próteses, ou
propostas mais elaboradas de apoio à qualificação profissional e encaminhamento ao
mercado de trabalho, apoio à volta a escola, defesa de direitos, cursos de promoção
da auto-estima, combate ao preconceito da sociedade sobre o “deficiente” e vice
versa.
O Estado, dotado de poder e de responsabilidade, não consegue
resolver os problemas sociais do povo e, em se tratando de pessoas portadoras de
deficiência, as dificuldades que são inerentes à especificidade de cada tipo de
deficiência, associadas à falta de experiênc ia dos agentes públicos, tornam a situação
ainda mais difícil. E as entidades, que na maioria das vezes são desprovidas de
recursos, ao mesmo tempo que têm sob sua “proteção” grande número de
assistidos”, ficam à espera dos órgãos do Estado, de quem recebem recursos
financeiros para manter seus projetos de assistência, e assim se estabelece a relação
de dependência e atrelamento a grupos políticos, tirando sua autonomia e liberdade
de ação.
Em segundo lugar, grande parte dos próprios "deficientes", por não
terem consciência de seus direitos, acham que os serviços que eles recebem do
Estado, são caridade, “politicagem”, ou seja, não são capazes de entender a
diferença entre um direito e uma esmola, e buscam então nas associações
assistenciais as vantagens imediatas e passageiras, e estas, ao contrário da inclusão
da pessoa portadora de deficiência na sociedade em seus mais diversos aspectos, -
63
Fonte: http://www.mj.gov.br/sedh/dpdh/dpdh.htm Regulamenta o benefício de prestação continuada
devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, de que trata a Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e
dá outras providências.
apesar do que consta em seus objetivos estatuários -, acabam criando um círculo
vicioso, onde a entidade existe porque dá assistência e o associado existe por ser
objeto desta assistência.
As entidades de portadores de deficiência são formadas e
administradas por pessoa portadora de deficiência. Associações que, em tese, têm
como objetivos lutar pela melhoria da qualidade de vida dessas pessoas.
Existe uma diferença conceitual entre entidade de portadores de
deficiência e entidade para portadores de deficiência. As entidades para são
formadas por técnicos e especialistas com finalidade de prestar atendimento e
oferecer serviços à pessoa portadora de deficiência. Há uma relação onde o portador
de deficiência é um aluno ou um paciente sobressaindo a visão médica da
deficiência. Nas entidades de pessoas portadoras de deficiência, prevalece o trabalho
em conjunto. Teoricamente o associado se liga por afinidade, identidade e
semelhança com a realidade de outras pessoas que têm os mesmos interesses, que se
juntam para somar forças, dividir experiências e resultados. Da ação conjunta destas
pessoas depende a melhoria ou não de suas condições de vida.
Estas são as principais diferenças entre as duas formas de
classificação entidades. Contudo, na prática, as pessoas que fundaram as
“associações de deficientes” trazem consigo o ranço do assistencialismo e da
filantropia; dão uma conotação caritativa à entidade tentando amenizar os
sofrimentos dos “deficientes” que, em sua grande maioria, são causados pela
pobreza e não pela deficiência propriamente dita. O fato de ser uma entidade de
pessoas portadoras de deficiência, não a faz comprometida com a justiça social.
Como ocorre em muitas cidades, as entidades de "deficientes" incorporam o
assistencialismo e o clientelismo e, na maioria das vezes, por falta de políticas
públicas específicas, funcionam como agências prestadoras de serviço do Estado e
muito pouco, ou quase nada realizam no campo da ação política e promoção
humana.
Nesse caso, as entidades de e para “deficientes” não conseguem ter
diferenças em suas ações, fazem praticamente a mesma coisa: assistência social
simplesmente, e vivem de subvenção social. Com raras exceções, algumas mantêm
projetos de geração de renda, se transformando em entidades empresas, seguindo
uma tendência de inserção na lógica do mundo globalizado, mas enfrentam muitos
problemas principalmente os de ordem administrativa.
A relação profissional nesses ambientes não se estabelece dentro do
estrito campo da profissão. Há sempre um forte apelo filantrópico e emocional nas
relações, o que neutraliza o caráter político das entidades, e transfere uma gama
muito maior de responsabilidades do Estado para dentro das associações.
Araci Nallin, falando sobre os centros de reabilitação, tem um
trecho que se encaixa perfeitamente às entidades, mesmo porque elas, na maioria das
vezes, fazem também o papel da reabilitação.
“.....mais escamoteado ficava a questão dos profissionais nos
centros de reabilitação. Considerados de alto valor humanístico, os
profissionais que neles atuavam se viam assediados por apelos a
uma ação com conotação caritativa, sendo equiparados a quase
missionários da reabilitação”
64
.
Esta é uma característica muito forte nas associações, existindo um
grande apelo à caridade. Muitas vezes, as pessoas que tomam frente na criação de
uma entidade e sua direção nos primeiros anos não são portadores de deficiência,
são pessoas bondosas que têm muita pena do “deficiente”, e vêm para a entidade
com o objetivo de ajudar.
64
NALLIN Araci Reabilitação em instituição: suas razões e procedimentos: análise de representação do discurso. Brasília
CORDE, 1985. Pag. 13
Reconheço o valor dessas pessoas nas atividades de trabalho das
entidades. Observando bem de perto, a maioria das associações não têm condições
de sobreviver sem o trabalho voluntário. Entretanto, é o foco de aproveitamento
deste trabalho que deve ser discutido aqui. O trabalho voluntário nas entidades é
usado para substituir carências profissionais, falhas em sua estrutura, falhas nos
equipamentos sociais do Estado e a profunda lacuna que existe entre a determinação
legal e a prática de educação especial inclusiva, serviços sociais, de saúde etc.
O trabalho voluntário, se utilizado dentro dos objetivos da
promoção humana, pode trazer grandes resultados porque as pessoas que procuram a
entidade para fazer este tipo de atividade têm experiências, saberes, muita vontade
de ajudar e podem ser liberadas para os ensinamentos de vida diária,
profissionalização, reforço escolar, visitas e apoio em atividades de lazer. Mas, na
maioria das vezes os voluntários terminam fazendo trabalhos burocráticos dentro das
associações, atividades rotineiras que não chegam ao associado diretamente, e
absorvem grande parte das pessoas, ao passo que elas poderiam estar junto ao
associado desenvolvendo atividades orientadas por profissionais, que poderiam vir a
modificar a condição de vida da “pessoa deficiente”.
Não é difícil encontrar voluntários em tardes inteiras carimbando
documentos que facultam ao “deficiente” o acesso a algum benefício, como o
transporte gratuito, e que não sabem nada sobre as pessoas para as quais estão
realizando tal atividade.
O aprendizado de atividades de vida diária - AVD é um exercício de
muita paciência, esforço e repetição até que as pessoas consigam desenvolver sua
técnica ou encontrar meios para realizar determinada atividade sem dependerem dos
outros ou com a mínima ajuda externa. A relação de dependência da pessoa
portadora de deficiência com seu assistente pode ser diminuída com os resultados do
treinamento de AVD, ao passo que não desenvolvendo esta capacidade, a pessoa
pode ficar a vida toda dependendo dos outros para as atividades cotidianas.
Evidentemente, nem todas as pessoas com deficiência podem
atingir um desenvolvimento que as tornem independentes, mas no universo de suas
vontades, a sua realização pode estar em simplesmente conseguir segurar o copo,
operar um aparelho de informática, sair de casa para estudar, mesmo que não possa
escrever - são desejos que podem ser atendidos com atitudes simples.
Políticas públicas
Uma política específica para determinado setor é o instrumento que
estabelece as formas, modos e recursos para a manutenção de atividades contínuas
que cumpram os objetivos propostos a curto, médio ou longo prazo.
O governo federal, através da CORDE, apóia projetos em convênios
com prefeituras, associações, órgãos públicos estaduais, financiando e orientando
projetos dentro de um limite de recursos e de acordo com a prioridade do ano
determinada pelo Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de
Deficiência CONADE.
Destaco o programa Cidade para Todos. Tal consiste em repasse
de recursos financeiros para cidades pólos e capitais, por meio de convênio para a
remoção de barreiras arquitetônicas, adaptação de prédios públicos e adaptação de
transportes coletivos nos casos de empresas públicas. É um programa importante,
contudo, a CORDE não pode se comprometer em garantir sua continuidade nos anos
subseqüentes numa mesma cidade. Isto por causa do orçamento financeiro que varia
de um ano para outro, e também, porque o recurso está dentro de uma pasta maior
que é responsável pela promoção dos direito humanos. Logo, não há recurso para
todos.
A CORDE apóia ainda campanhas educativas, eventos, publicações
de livros e revistas sobre deficiências, divulgação de trabalhos impressos e mantém
um serviço de informação sobre o tema com endereços de entidades, lista de
discussão, palestrantes e toda a legislação em vigor que estão à disposição no
endereço: http://www.mj.gov.br/sedh/dpdh/corde/sicorde.htm
A Lei Orgânica de Uberlândia
De deficientes a cidadãos: a construção da cidadania
Trazendo essa discussão para uma realidade mais próxima, a
elaboração das Leis Orgânicas dos Municípios foi um momento de grande
oportunidade de discussão politizada, participação popular e debate sobre a
realidade das cidades em face da nova Constituição Federal de 1988 e das
Constituições Estaduais.
A Constituição Federal atribui aos estados e municípios a
responsabilidade, dentre outras, de elaborar as suas Constituições Estaduais e Leis
Orgânicas. “O pleito municipal de 1988 teve uma dimensão maior do que todos os
anteriores. Pela primeira vez na história do país, no mesmo dia, todos os
municípios existentes elegeram prefeitos e vereadores”
65
. Os vereadores eleitos em
1988, tiveram a responsabilidade de elaborar a Lei Orgânica de sua cidade.
66
Uma experiência muito forte foi a Assembléia Municipal
Constituinte da Lei Orgânica de Uberlândia Minas Gerais, instalada no dia 29 de
setembro de 1999. A Câmara Municipal de Uberlândia passou a ser, daquela data
65
Eleições municipais de 1988 e a repercussão no quadro partidário e na redemocratização brasileira.
Texto elaborado pelo consultor do INESC João Gilberto Lucas Coelho, Brasília fevereiro de 1989.
(mimeo.)
66
O processo de criação de uma lei se dá da seguinte forma: O parlamentar interessado elabora o projeto,
apresenta-o à mesa diretora que o repassa para as comissões temáticas referentes à área a que diz respeito.
Estando de acordo vai ao plenário; momento em que qualquer parlamentar pode pedir vista ao projeto.
Isso significa que o projeto fica em poder daquele parlamentar por um período suficiente para seu
convencimento ou não da importância do projeto em questão. Feito isto, o projeto é levado ao plenário
para votação. Dependendo da importância do projeto ele tem que ser votado duas vezes para somente
depois, ser encaminhado para a sua sanção pelo Poder Executivo.
em diante, fórum máximo de discussões, propostas, debates incansáveis e votações
de projetos.
Antes de dar início às discussões foi elaborado o Regimento Interno
da Câmara Constituinte.
67
A proposta de Regimento apresentada pelos vereadores
não contemplava a possibilidade de emendas populares, apenas propunha a
realização de audiências públicas sobre temas específicos. Isto se o Presidente da
Comissão de Sistematização entendesse necessário. Depois de muita discussão
foram mantidas as audiências públicas e, garantidas também a participação da
comunidade organizada por meio de representantes eleitos em assembléias setoriais
por área de interesse. Mas a forma como foi encaminhada a elaboração deste
regimento não agradou aos vereadores da oposição, que a consideraram arbitrária e
antidemocrática. Em razão disso, os vereadores de oposição se dirigiram à
comunidade em carta e se dispuseram a subscrever as emendas populares que
obtivessem um mínimo de mil assinaturas. Se comprometeram ainda a não assumir
nenhum cargo nas comissões temáticas, participando delas somente como membros
e criaram o chamado bloco constituinte independente.
68
Essa atitude aproximou um pouco mais esses vereadores do
movimento popular e demarcou com quem as entidades podiam contar para a defesa
de suas propostas
A participação da comunidade se deu de forma direta, em que o
cidadão comum acompanhava os trabalhos diretamente da Câmara ou por meio de
seus representantes, que tinham direito a voz na tribuna e discutiam com os
vereadores os projetos originários dos movimentos populares, dentro dos seguintes
critérios:
67
Fonte: - Resolução 421/89 da Câmara Municipal de Uberlândia. Institui o Regimento da Câmara
Constituinte
68
Fonte: Documento dos vereadores de oposição que cria o Bloco Constituinte Independente, por considerar
que a forma como foi composta a mesa diretora da Câmara Constituinte excluiu totalmente do processo
decisório, os vereadores de oposição.
O Regimento, em seu artigo 36, assegurou que poderiam ser
apresentados projetos de iniciativa popular ou emendas às proposições de leis dos
vereadores desde que uma entidade, legalmente constituída, assumisse a
responsabilidade, conseguisse uma quantidade de assinaturas como apoio à proposta
popular;
Muito embora o número de assinaturas exigido no regimento - 5%
dos eleitores que correspondia a onze mil assinaturas em cada proposta e um eleitor
somente podia subscrever até dez propostas-
69
, fosse alto, era a forma, que restava
ao povo de opinar na elaboração das leis que estavam sendo criadas e que seriam
aquelas que passariam a reger a vida da cidade tão logo fossem promulgadas.
O movimento popular não concordou com a exigência de cinco por
cento (5%) de assinaturas. Aceitou a proposta dos vereadores do “Bloco
independente” e conseguiu baixar para meio por cento (0,5%) o número de
assinaturas que corresponde a um mil e cem por emenda, conforme pode ser
constatado no material distribuído pelo Fórum de Entidades Populares (FEP)
70
.
A todos os segmentos organizados da cidade que tiveram interesse,
foram garantidas as mesmas condições estabelecidas. Depois de discussões internas,
aos grupos foram eleitos delegados, que tinham sob sua responsabilidade debater e
assinar as propostas na hora de registrá-las na secretaria. Cada proposta de emenda
deveria ser assinada por dois vereadores e um representante (delegado) da entidade
proponente, caso fosse de iniciativa popular. Algumas dessas propostas que não
foram contempladas na primeira fase de discussão, puderam ser reapresentadas
individualmente por vereadores que tiveram nova chance de apreciação, e nessa
como em todas as fases, a pressão popular foi muito importante.
69
Nessa época Uberlândia contava com duzentos e vinte mil eleitores.
70
Fonte: Cartilha do Fórum de Entidades Populares (FEP) ensinando a importância da coleta de assinaturas
para que as emendas populares pudessem ser acatadas pela Câmara Municipal. “ As entidades populares e a
elaboração da Lei Orgânica Municipal.” (Material de divulgação)
Foram eleitos delegados para representar o Movimento - um
membro da Associação dos Paraplégicos de Uberlândia - APARU, que fui eu,
71
e
um da Associação dos Deficientes do Triângulo Mineiro -ADEVITRIM - que foi o
advogado Vital Severino Neto, então presidente daquela entidade.
Outra atribuição dos representantes de entidades populares era a de
discutir com os vereadores as propostas de seu setor e encaminhar as alterações
necessárias. Muitas vezes tinham que “cortar na própria carne” fazendo alterações
em seus projetos para não perder de tudo as suas propostas.
Além de fazer o trabalho na tribuna, os representantes tinham a
responsabilidade de arregimentar público, garantir pressão popular nos momentos de
votação dos projetos, estudar as propostas dos vereadores, além de encontrar as
diferenças em relação ao projeto popular e saber usar o tempo de tribuna com poder
de convencimento suficiente para garantir o voto dos vereadores na emenda popular.
Não foi fácil porque os representantes eram pessoas da comunidade,
sem costume de participação em debates, falar em público, usar microfone e todas
essas questões que parecem simples, mas que na verdade são difíceis,
principalmente quando do outro lado estão vereadores contrários ao projeto popular
e com muitos anos de experiência de tribuna, além de representar outros interesses
não aparentes.
Foi o momento de maior efervescência democrática que a cidade de
Uberlândia teve nos últimos anos. Juntando com a vontade de fazer uma Lei
Orgânica que refletisse o desejo dos segmentos sociais representados havia também
a sede de liberdade e mudança, há muito contida pela ditadura militar.
Organizando as entidades representativas dos vários segmentos
sociais estavam as associações de moradores; associações de pessoas portadoras de
deficiência; sindicatos dos trabalhadores das indústrias da alimentação, vestuário,
71
Foi um processo tão importante na minha vida naquele momento que eu não soube administrar, abandonei
o curso de história na UFU, fui para a militância e somente retornei depois que a Lei Orgânica de Uberlândia
já estava promulgada.
telecomunicações, SIND-SAÚDE, Associação dos Paraplégicos de Uberlândia
(APARU); Associação dos Deficientes Visuais do Triângulo Mineiro
(ADEVITRIM); Associação dos Surdos de Uberlândia (ASU); Movimento de
defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência de Uberlândia; Associações
de moradores dos Bairros: Tubalina, Bom Jesus e Santa Rosa; Centro de Assessoria
Jurídica ao Movimento Popular e Sindical de Minas Gerais; Articulação nacional do
solo urbano, SENALBA-MG; União dos Trabalhadores na Educação (SID-UTE);
Consciência Negra; Comissão Pastoral da Terra; SOS Meio Ambiente; Associação
dos Docentes da Universidade Federal de Uberlândia (ADUFU); entidades de classe
e de profissionais como a Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) e, com uma
ação destacada, o Fórum de Entidades Populares (FEP) e o Centro de Defesa dos
Direitos Humanos (CDDH), ligado à Diocese de Uberlândia.
Contribuíram também algumas associações de moradores e grupos
populares, que não estavam legalmente constituídos, entretanto, os seus nomes não
puderam aparecer no cabeçalho das emendas por questões docume ntais.
A mobilização popular se firmava sendo necessária sua coordenação
por parte do FEP que passou a direcionar as atividades, servindo como ponto de
referência para discussões, elaboração das propostas, coletas de assinaturas e
mobilização popular.
A comunidade podia contar ainda com o apoio dos vereadores de
oposição, destacando-se a atuação da vereadora Nilza Alves de Oliveira (PCB), que
colocou seu gabinete à disposição dos interessados durante todo o período de
negociações tornando-se a primeira pessoa a se reunir com as entidades para
envolver o movimento popular na discussão do Regimento Interno da Câmara
Constituinte, bem como esclarecer sobre o que é Lei Orgânica. Nilza foi uma das
pessoas (vereadoras) mais combativas na defesa das emendas populares.
72
72
Fonte: Carta da vereadora Nilza Alves de Oliveira às entidades populares, convidando para primeira
reunião sobre a Lei Orgânica. Esta reunião aconteceu às 15 horas do dia 26 de agosto de 1989, na sede do
Partido Comunista Brasileiro à rua Marques Póvoa nº 144.
O povo não sabia o que significava a nova Lei Orgânica da cidade.
Por isso o Fórum de Entidades Populares organizou atividades conscientizadoras
como seminários e cartilhas em linguagem simples, ensinando a população a
participar, elaborar emendas, promover discussões nos bairros e nas entidades. Foi
necessário ensinar aos próprios líderes de entidades que aquele era um momento
único que a população tinha para tentar fazer com que a cidade tivesse uma Lei
Orgânica o mais legítima possível do ponto de vista do respaldo popular.
E nesse sentido, se a Lei Orgânica de Uberlândia não ficou como
todos esperavam, ao menos se pôde dizer que muita gente aprendeu a reconhecer o
poder que o povo tem quando deseja e procura mudar as regras estabelecidas no
campo da política. Foi o momento de maior efervescência política e de experiência
de participação popular que Uberlândia já teve. As reuniões na Câmara terminavam
por volta de vinte e duas horas; depois desse horário os grupos ainda tinham fôlego
para se reunir até tarde da noite, às vezes até na madrugada, para tratar das
estratégias que deveriam ser adotadas no dia seguinte.
Um dos locais de reuniões era o escritório da ADUFU que
funcionava como um centro de apoio ao movimento popular, disponibilizando
xerocópias, telefone, espaço físico e, sempre, os professores da UFU contribuíam
com idéias para a melhoria das propostas.
O aprendizado de cidadania foi tão importante para quem participou
daquele momento que hoje, passados mais de dez anos, as pessoas ainda se lembram
de muitos detalhes. Do ponto de vista das manifestações, foi interessante a
diversidade dos segmentos envolvidos. Num mesmo debate estavam homens e
mulheres, professores universitários, médicos, advogados, políticos, trabalhadores,
estudantes, religiosos, negros, portadores de deficiência, favelados, moradores do
centro da cidade e da periferia. Daí pode-se perceber o quanto eram acaloradas as
discussões.
Foi uma estratégia muito acertada porque as discussões surgidas
faziam com que todas as pessoas adquirissem bastante conhecimento sobre os
assuntos relativos às propostas. As entidades, conjuntamente, se responsabilizaram
pelas emendas e, para isso todos tinham igualmente, conhecimento das as emendas.
Por exemplo: os “deficientes” tinham todo conhecimento da emenda referente ao
meio ambiente, educação, saúde, moradia, espaço urbano etc.. Era uma maneira de
envolver os participantes com todas as propostas e de não dividir por segmento ou
por interesses. Como resultado, todas as pessoas envolvidas passaram a defender as
emendas nas ruas, em todos os lugares onde estivessem e, depois de terminados os
trabalhos restaram o conhecimento e a experiência do exercício para a vida toda.
Apesar de ter sido muito desgastante para todos, ficou a marca na
memória desta cidade e a certeza de ter valido a pena o sacrifício.
Entre os setores sociais representados, com direito a apresentar
propostas populares e defendê-las na tribuna, alguns tiveram maior atuação e dentre
eles se destacam: educação, saúde, moradia, meio ambiente, pessoa portadora de
deficiência.
Instalada a Assembléia, as comissões temáticas da Câmara
acolheram os ante-projetos dos vereadores e elaboraram as propostas de Leis que
foram submetidas à discussão no plenário da Casa e, naquele momento, os
vereadores puderam pedir vistas aos projetos e colocando-os nas mãos das entidades
populares.
Foi desta forma que a população soube que a proposta colocada pela
Câmara, não refletia o desejo da comunidade.
Derrubar as propostas dos vereadores não era possível e, por outro
lado, estrategicamente não era aconselhável se indispor com os edis porque eles
poderiam ficar insatisfeitos e não votar. Para prejuízo, isto aconteceu algumas vezes.
A saída era elaborar as propostas populares, coletar assinaturas e
conseguir, apresentá-las na Câmara para disputar com as propostas dos vereadores.
Assim foi feito. Os movimentos sociais de Uberlândia se juntaram e
elaboram a sua proposta de Lei Orgânica. Foi montada uma estrutura de coleta de
assinaturas que funcionava da seguinte forma: os militantes levavam o material para
casa, trabalho, escolas, igrejas. No dia 22 de janeiro de 1990, foi montado um stand
na praça Tubal Vilela onde se utilizava um trailer cedido pela Secretaria de Estado
do Trabalho e Ação Social - SETAS
73
diretoria regional de Uberlândia. Foram
colocadas bancas nas principais avenidas da cidade além de mutirões de coletas de
assinaturas e como esquema, nos locais de coletas tinham-se todas as propostas de
emendas. Uma observação: para dificultar ainda mais o trabalho, as emendas não
podiam ser apresentadas em pacote. Cada uma tinha que receber assinatura
individual, de modo que uma pessoa acabava assinando até dez vezes, o que
dificultava e atrapalhava muito. Imagine ter que convencer uma pessoa a ficar em
horário de pico, no mínimo dez minutos escutando alguém e assinando papéis!
As pessoas que ficavam nos pontos de coleta de assinatura foram
treinadas para oferecer todas as propostas ao eleitor e, neste momento, valia muito o
poder de persuasão. No caso da proposta dos “deficientes” foram usadas todas as
“armas”; a que mais dava resultado era a piedade. As pessoas assinavam felizes
quando ficavam sabendo que era para criar lei para ajudar o “deficiente”. De
propósito uma banca foi colocada em frente à Catedral de Santa Terezinha nos
horários de missa, quando as pessoas saiam da igreja era uma correria para atender
tanta gente querendo assinar para ajudar os deficientes (destaca-se: de vez em
quando alguns fiéis mais compadecidos ofereciam esmolas também). Até poucos
anos antes eram comuns as campanhas de coletas de dinheiro para comprar cadeiras
de rodas, muletas e óculos que depois eram distribuídos junto ao pé da escadaria da
Catedral com cobertura da imprensa e presença de políticos.
Mesmo contando com a boa vontade de muitos e com a
benevolência de outros tantos, o número de assinaturas era algo difícil de conseguir.
Entretanto, não restava outra saída e a cidade já estava sabendo, através da
73
Fonte: Cartilha do Fórum de Entidades Populares (FEP) que fala da importância de todas as pessoas
assinarem as emendas que estavam à disposição no trailer na praça Tubal Vilela.
imprensa,
74
das discussões que ocorriam na Câmara Municipal e, de certa forma, já
estava um pouco mais consciente da importância daquele momento.
Algumas pessoas se recusavam a assinar todas as emendas e diziam
que somente queriam ajudar os “deficientes da APARU”.
A Associação dos Paraplégicos de Uberlândia APARU
75
é uma
entidade de pessoas portadoras de deficiência física, tendo sido a entidade que
coordenou os trabalhos para a formação do Movimento de defesa dos direitos das
pessoas portadoras de deficiência de Uberlândia. Por ser uma entidade reconhecida
em Uberlândia e desfrutar de muita credibilidade junto à opinião pública, bem como
perante os políticos e fazer parte do segmento, exercia influência política sobre as
outras associações. Entretanto, essa liderança exercida pela APARU serviu, até
aquele momento, de suporte para a escolha dos delegados representantes de todas as
entidades na Câmara Municipal. Desse momento em diante quem determinou as
ações foi o Movimento em Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras de
Deficiência de Uberlândia; forma encontrada para fazer com que não houvesse
privilégio de uma sobre outra associação. Contudo, por algumas vezes, os dirigentes
e associados das entidades não podiam marcar presença na Câmara Municipal até o
final das sessões, tendo em vista a dificuldade de transporte para o retorno às suas
casas.
Isto refletiu muito negativamente nos resultados das votações
emendas porque, como estratégias, a bancada da situação fazia com que as
discussões se estendessem até bem mais tarde pois sabiam que se as pessoas
permanecessem ficariam sem transporte e, com esta jogada, muitas leis foram
votadas após a meia noite -a exemplo da lei que garante a adaptação dos ônibus de
transporte coletivo para acesso de cadeira de rodas, que foi votada a uma hora da
manhã quando na platéia restavam apenas alguns resignados militantes.
74
Jornal Correio, 09/11/1989 política pagina 5
Mas, em geral, as pessoas com deficiência não sabiam que os
efeitos da nova lei não seriam imediatos nem que aquele momento significava
apenas o início de uma longa caminhada. As necessidades eram tantas que aquelas
pessoas tinham esperança de que, promulgada a nova lei tudo mudaria de um dia
para o outro. Não foi assim e nem poderia ter sido se a cidadania é construída num
processo diário.
A responsabilidade dos líderes aumentava a cada vez que sobre eles
eram depositadas as esperanças de um pouco mais de tranqüilidade e condições de
sobrevivência com mais dignidade.
Das pessoas com deficiência saiu uma proposta de lei com vinte e
quatro itens. Inicialmente esta proposta foi entregue à Comissão Temática da Ordem
Social e, não sendo acatada pelos vereadores, não acataram e então foi transformada
em emendas populares que tramitaram, foram discutidas e votadas. Dos vinte e
quatro itens, vinte e dois foram contemplados e entraram na Lei Orgânica.
Para elaborar as suas propostas, as entidades de portadores de
deficiência tomaram por base a Constituição Federal e a Constituição do Estado de
Minas Gerais, adequando à realidade local. Isto foi muito importante porque
impedia a alegação dos vereadores sempre diziam que a proposta não era
constitucional. Dessa forma não houve como derrubar as emendas por
inconstitucionalidade.
Dentre as conquistas consideradas mais difíceis, a garantia de
transporte coletivo adaptado para cadeiras de rodas estava em primeiro lugar. Esta
foi a mais almejada, debatida, sofrida e negociada às duras penas.
Os temas que não foram votados são: o que garantiria o intérprete
de linguagem de sinais em todas as repartições públicas e o que asseguraria a
75
Para saber mais sobre a Associação dos Paraplégicos de Uberlândia veja: SILVA, Idari Alves da A
CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA Breve Reflexão Sobre a Associação dos Paraplégicos de Uberlândia.
Universidade federal de Uberlândia, Monografia Mímeo,1994.
implantação de semáforos sonorizados nos cruzamentos das ruas. Um prejuízo que
até hoje não foi possível reparar.
De todas as emendas apresentadas, a das pessoas portadoras de
deficiência foi a que obteve maior índice de aproveitamento; algo em torno de 95%,
o que coloca a cidade de Uberlândia em posição de destaque com uma das
legislações mais completas do Brasil no que tange à pessoa portadora de deficiência.
Em segundo lugar a emenda que trata do meio ambiente.
Outro aspecto que merece ser considerado é que a promoção
humana é a determinante de toda lei. Importante também é perceber que a visão de
projeto a longo prazo faz com que, na sua maioria, a lei continue atual.
A Lei Orgânica de Uberlândia foi promulgada no dia 05 de junho
de 1990. Dia que teve sua importância histórica por se tratar de promulgação de uma
Lei Orgânica elaborada com alguma participação popular, que tem suas
dificuldades. Não foi possível conquistar tudo o que foi desejado pela população,
mas instituiu também o marco de uma nova caminhada, talvez mais difícil, árdua e
sofrida, embora traduza o fazer com que todas aquelas conquistas saíssem do papel
vindo a ser, de fato, direito efetivo na vida da população uberlandense.
Lembro-me de uma frase do então presidente da Câmara Municipal
quando da promulgação da Lei Orgânica que, ao me cumprimentar pela atuação nos
trabalhos me disse: você ganhou mas não leva”. Naquele momento os ânimos
estavam exaltados e não tive condição de compreender aquela frase além da
expressão. Mas hoje, passados mais de dez anos, posso perceber que a conquista da
Lei significou para a pessoa portadora de deficiência em Uberlândia uma verdade:
estavam dadas as ferramentas para que a luta por cidadania pudesse ser deflagrada,
desta vez com um pouco mais de condições, talvez de igualdade perante a lei.
significou também que cada um daqueles artigos recentemente promulgados eram a
certeza de muita luta política, jurídica e popular ainda por vir, para fazer com que as
autoridades venham a cumprir o que determina a lei.
Tal fato revela ainda, que os personagens que entraram em cena
naquele momento conseguiram cumprir seu papel e, de certa forma, conquistaram o
direito de ter os direitos de que fala Eder Sader.
A luta pela efetivação das conquistas teve início logo após a
promulgação da Lei Orgânica e, de todas as demandas, a que mais se torna
significativa na vida de quem fez e faz parte desse Movimento, é a da acessibilidade
compreendida no sentido que conceituo no início deste trabalho. Esta, tem recebido
maior destaque e, especificamente, o acesso ao transporte coletivo adequado se
sobressai a todas as outras necessidades.
Uberlândia tem hoje uma população de aproximadamente meio
milhão de habitantes. O meio de transporte popular existente é feito por ônibus
urbanos e recentemente, por outros veículos tipo vans.
A garantia de que quinze por cento da frota de ônibus coletivos da
cidade deve ser adaptada para o acesso de cadeiras de rodas, significou um avanço
para o Movimento. Apesar de divididas em três etapas de cinco por cento cada,
dentro de três anos o percentual de quinze por cento seria atingido. Isto significava
que as pessoas poderiam vir a ter condições de se locomoverem na cidade de
maneira autônoma.
Retomando, aquela frase do presidente da Câmara você ganhou
mas não leva”, se revelou logo nos primeiros anos da nova legislação. O serviço de
transporte coletivo da cidade de Uberlândia é explorado por empresas privadas
mediante concessão da Prefeitura e, mesmo sabendo que a lei obriga a adaptação dos
veículos, as administrações que se sucederam desde a de 1990, não se
comprometeram com o cumprimento dessa determinação. Um dos argumentos dos
representantes das empresas de transportes coletivos, respaldado pelos técnicos da
prefeitura, é que não existe demanda suficiente que justifique a adequação da frota
ao percentual que a lei determina Outro argumento é que a adaptação tem um custo
muito alto e que é inviável, porque o “deficiente” não paga transporte. E o que é
pior, falam que se forem adaptar a frota terá que aumentar o preço da passagem,
jogando a população contra quem tem gratuidade.
Essas formas de justificativas terminam obrigando as entidades
representativas a adotarem ações mais agressivas em defesa da lei e de seus
representados. Nesse sentido, a Associação dos Paraplégicos de Uberlândia -
APARU tem hoje ações judiciais contra a Prefeitura de Uberlândia e contra as
empresas concessionárias de transporte coletivo, reivindicando o imediato
cumprimento da Lei Orgânica e o respeito aos contratos de concessão. Este é um
ponto que está sempre em pauta nas discussões do Movimento em Uberlândia com
os administradores públicos locais, caracterizando-se como o maior desafio político
na área dos portadores de deficiência e a administração municipal.
Em resumo, ainda não foi possível implementar grandes avanços e,
no que tange ao transporte, a população portadora de deficiência conta hoje com dez
ônibus e dez vans adaptados assim distribuídos:
Os ônibus adaptados circulam em linhas especiais previamente
estabelecidas e fora dos trajetos dos ônibus comuns, tornando os percursos longos,
trafegando praticamente vazios e demorando muito nas suas voltas, o que é inviável,
principalmente para quem tem horário a cumprir.
As vans são divididas em dois serviços gratuitos para o portador de
deficiência da seguinte forma:
Cinco vans adaptadas trafegam a serviço do programa “Passe
Livre”. Um serviço de transporte gratuito para a população. Em tese, este serviço faz
a coleta de passageiros nos bairros levando-os até os corredores onde passam os
ônibus. Dali, os passageiros seguem de ônibus até o seu destino ou até os terminais
urbanos, mediante o pagamento da passagem. O portador de deficiência tem
gratuidade no transporte coletivo da cidade, desde que esteja matriculado em escola,
fazendo tratamento em clinicas ou associado a entidade representativa.
Outras cinco vans adaptadas atendem o serviço de transporte porta-
a-porta. Este sistema é um serviço implantado em janeiro de 2002, e tem dois
objetivos básicos:
a) - cumprir o artigo 190 da Lei Orgânica;
b) - resolver a dificuldade de acesso à educação e formação
profissional em virtude do transporte. A pessoa carente portadora de deficiência, tem
direito ao serviço de transporte com hora marcada, que a leva à escola e a devolve
em sua casa no final do turno.
Teoricamente este serviço tem o objetivo de oferecer melhores
condições para quem quer estudar não sendo permitido outros usos para tais
veículos, como por exemplo, o transporte para o trabalho. O maior desafio para a
implantação deste serviço é o de não deixar que ele se torne “serviço de táxi”
gratuito para alguns, em detrimento de muitos, sob a alegação de que não existe
ônibus adaptado em quantidade suficiente.
Quanto à acessibilidade ao meio físico, a Lei Orgânica determina:
Art. 187 “a lei disporá sobre normas de construção e adaptação de
logradouros e dos edifícios de uso público a fim de garantir acesso
adequado às pessoas portadoras de deficiência”.
Parágrafo único “O poder público não fornecerá alvará de
construção para prédios particulares com destinação comercial ou
multifamiliar, acima de três andares, que tiverem em seus projetos
obstáculos arquitetônicos e ambientais que impeçam ou dificultem o
acesso e circulação dos portadores de deficiência e promoverá a
fiscalização de sua execução”
Este artigo foi regulamentado no Código de Obras do Município
76
no ano de 2000. Com isso, a equipe de fiscalização de obras passa a contar com um
instrumento legal e a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano através
76
Lei Municipal Complementar Nº 235 de 12 de junho de 2000.
da Seção de Acessibilidade, faz a análise dos projetos com destinação comercial ou
residencial multifamiliar, aprova quanto a acessibilidade se este estiver de acordo
com a Norma
77
de acessibilidade, e faz vistoria na obra no momento de liberação do
habite-se. Este somente será aprovado se a obra tiver sido executada de acordo com
o que está no seu projeto.
É um serviço de fiscalização mas, ao mesmo tempo, é educativo
porque é oferecida uma série de informações aos profissionais de Arquitetura,
Engenharia e da construção civil, no tocante à acessibilidade. Constata-se que uma
parcela significativa desses profissionais não receberam formação adequada para
projetar e executar espaços e ambientes dentro do conceito de desenho universal ou
arquitetura para diversidade.
Segundo Sassaki:
“ O desenho universal pode ser chamado ‘desenho para todos’ ou,
como sugere Conde (1994), ‘arquitetura para todos’. Hoje,
colocado dentro do movimento da inclusão social, o desenho
universal poderia também ser chamado ‘desenho inclusivo’, ou
seja, projeto que inclui todas as pessoas. Os produtos e ambientes
feitos com desenho universal ou inclusivo não parecem ser
especialmente destinados a pessoas com deficiência. Eles podem
ser utilizados por qualquer pessoa, deficiente ou não. É até possível
que pessoas não-deficientes nem percebam, nesses produtos ou
ambientes, certas especificidades que atendem às necessidades de
pessoas com deficiência”
.
78
77
Norma de Acessibilidade para pessoas portadoras de deficiência, NBR - 9050/94 da Associação Brasileira
de Normas Técnicas - ABNT.
78
SASSAKI, Romeu op. cit. p. 141
Isto significa que a tendência pode ser de se tornar regra a
arquitetura universal no meio profissional da construção civil e do mobiliário, mas
como dito, esta é uma questão de educação também dos profissionais e de
responsabilidade das pessoas que são encarregadas de fiscalizar a execução dos
projetos. Porque, sem esta ação não se pode dizer que os projetos bem serão
executados. A prática tem mostrado que somente será possível um pouco de
cidadania quando a responsabilidade for devidamente dividida, cada um assumindo
seu papel na luta cotidiana de fazer valer o direito. Mesmo os sujeitos dos direitos
também devem assumir sua parte e, como eu já disse, segurar o devido canto dessa
bandeira de luta e caminhada, que não termina em 1988 ou 1990, mas que apenas
teve seu inicio nestas datas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considero que escrever é um dos exercícios mais difíceis do
trabalho científico. Isto porque tenho facilidade com a fala. Entretanto, há momentos
que somos instigados a desafiar os nossos próprios limites.
Iniciei este trabalho sabendo que estava investindo forças numa
empreitada de análise, mesmo que introdutória, sobre um tema tão sedutor que é o
direito à diferença.
Houve momentos que tive vontade de deixar de lado e cuidar de
outras coisas. Mas, não seria justo comigo e nem com as pessoas que acreditaram
nesse sonho desde o início, além do que, não seria correto com o Movimento que é
tão carente de estudos acadêmicos no viés que faço aqui.
Durante todo o trabalho tive sempre o cuidado de seguir uma linha
de raciocínio apontada desde a introdução, mostrando a maneira como nós, pessoas
portadoras de deficiência, entramos em cena como movimento político; aparecemos,
trabalhamos, garantimos leis, e ainda, refletir um pouco sobre como estamos ou
deveríamos estar fazendo para efetivar as garantias legais.
Outro objetivo perseguido neste trabalho foi o de discutir um pouco
a legislação específica, bem como as questões conceituais sobre vários assuntos que
perpassam este debate como: preconceito, estigma, integração e inclusão. Sei que foi
apenas um pequeno passo, mas o caminho está aberto. Isto pode tornar mais fácil
continuar, mesmo porque essa discussão é nova e carece de amadurecimento.
Cada um dos três momentos que analiso é um objeto em particular
com inúmeras possibilidades de estudos, mas esse recorte foi necessário em virtude
do propósito deste trabalho, que procura mostrar a trajetória política do Movimento
pelos direitos das pessoas portadoras de deficiência, como uma parte dos
movimentos sociais no Brasil.
Considero também que este trabalho não é o desejado, mas é o que
pude realizar neste momento. Sempre existe um ponto de partida, outras pessoas
virão, seguirão de onde parei, ou farão novamente o caminho que percorri para o
bem da história.
Fontes
1- Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF, 1980.
O Correio da UNESCO Março de 1981 Ano 9 nº 3.
2- RIBAS, João Batista Cintra 1981-1991 Ano Internacional das Pessoas
Deficientes dez anos depois. O que mudou? In. Revista Integração ano 4 n.º 12 de
03/1991.Matéria de capa
3- Encontro nacional de pessoas deficientes, realizado em São Paulo nos dias 9
e 10 de agosto de 1980, organizado pela Coalizão pró-federação nacional de
entidades de pessoas deficientes. Segundo Rui Bianchi do Nascimento deste
encontro participaram 25 entidades de dez estados.
4- Fonte: Boletim de dezembro de 1980 com a íntegra da Carta Programa do
Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes. Este documento foi divulgado na
Câmara Municipal de São Paulo.
5- Documento aprovado pelas 39 entidades de pessoas deficientes credenciadas
no I Encontro nacional de entidades de pessoas deficientes realizado em Brasília
DF de 22 a 25 de Outubro de 1980.
6- Decreto Nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei n
o
7.853, de
24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências.
7- Discurso de Messias Tavares de Souza, Coordenador da Organização Nacional
das Entidades de Deficientes Físicos ONEDEF, na Assembléia Nacional
Constituinte em 26 de agosto de 1987.Transcrito sob o título: “EMENDA
POPULAR É DEFENDIDA POR MESSIAS NA CONSTITUINTE” Jornal Etapa
edição de Setembro de 1987 p.3
8- Relatório da Comissão Nacional do AIPD. Este documento contem todos os
nomes dos membros da Comissão Nacional e foi publicado pelo governo do Brasil
em 1981 para divulgar os resultados dos trabalhos do ano internacional das pessoas
deficientes no país, bem como dados quantitativos das pessoas deficientes, suas
necessidades e algumas iniciativas de projetos de atenção a estas pessoas.
9- Boletim especial do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes Julho
81. Este Boletim, especialmente dirigido à presidente da Comissão Nacional de Ano
Internacional Sra. Helena Bandeira de Figueiredo, mostra a oposição do MDPD à
Comissão Nacional do Ano Internacional que, de acordo com o Boletim a sua
composição foi arbitrária e antidemocrática, desrespeitando os preceitos da ONU.
10- Trecho do Discurso de José Gomes Blanco, representante da Coalizão
Nacional de Entidades de pessoas Deficientes, na Comissão Nacional do Ano
Internacional das Pessoas Deficientes. Proferido por ocasião do encerramento do
Encontro Nacional de Representantes das Comissões Estaduais, reunidos em
Contagem Minas Gerais de 23 a 26 de março de 1882, para avaliar o Ano
Internacional das Pessoas Deficientes no Brasil. (Revista Reabilitação, ano 2 nº 4
julho 1982 pág. 9)
11- Otto Marques da Silva. Para a direita, para a esquerda ou para a frente? In.
Opinião. Revista Integração ano 4 n.º 12 em 03/1991. (Em 26 de julho de 1990, o
então presidente do EUA George Bush promulga a Lei americana sobre pessoas
portadoras de deficiência: Americans With Disabilities Act. Esta lei é resultado de
muita luta e significa uma grande conquista dos portadores de deficiência daquele
país.)
12- Eng. Cândido Pinto de Melo In. A constituição e os portadores de deficiência
Jornal Etapa Dez/Jan-86 p.12 “Este documento é uma pequena contribuição para a
discussão sobre os interesses das pessoas deficientes na próxima Constituição
brasileira...”
13- Proposta para a nova Constituição Federal aprovada no Encontro Nacional de
Coordenadorias, Conselhos Estaduais e Municipais e entidades de pessoas portadoras de
deficiência em Belo Horizonte MG, em 7 de dezembro de 1986.
14- Regulamenta o benefício de prestação continuada devido à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso, de que trata a Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e dá outras
providências.
15- Resolução 421/89 da Câmara Municipal de Uberlândia. Institui o Regimento da
Câmara Constituinte
16- Documento dos vereadores de oposição que cria o Bloco Constituinte
Independente, por considerar que a forma como foi composta a mesa diretora da
Câmara Constituinte excluiu totalmente do processo decisório, os vereadores de
oposição.
17- Cartilha do Fórum de Entidades Populares (FEP) ensinando a importância da
coleta de assinaturas para que as emendas populares pudessem ser acatadas pela
Câmara Municipal. “ As entidades populares e a elaboração da Lei Orgânica
Municipal.” (Material de divulgação)
18- Carta da vereadora Nilza Alves de Oliveira às entidades populares, convidando
para primeira reunião sobre a Lei Orgânica. Esta reunião aconteceu às 15 horas do
dia 26 de agosto de 1989, na sede do Partido Comunista Brasileiro à rua Marques
Póvoa nº 144.
19- Cartilha do Fórum de Entidades Populares (FEP) que fala da importância de
todas as pessoas assinarem as emendas que estavam à disposição no trailer na praça
Tubal Vilela.
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