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divergências no que diz respeito à temática: a pintura histórica e a pintura de gênero
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Todavia, torna-se importante ressaltar que nosso interesse recai sobretudo na pintura de
gênero, e, portanto, nossas análises concentrar-se-ão em autores e obras relacionados a
esta tendência; referências à pintura acadêmica (histórica) serão feitas esporadicamente,
quando necessário, para explicitar a natureza da oposição e a forma como esta se
desdobrou em diferentes ideários acerca do conceito de arte e da função do artista na
sociedade.
Segundo Bown
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, as discussões sobre a relevância de temas para a pintura russa
teriam iniciado na primeira metade do século XIX, quando um grupo de artistas
acadêmicos fora enviado à Itália para estudar a arte da Renascença.
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Em Roma, artistas
como Karl Bryullov e Alexander Ivanov, produziram grandes pinturas de caráter
acadêmico, nas quais pode-se observar uma evidente adoção de temáticas renascentistas
como mitos, lendas clássicas e episódios cristãos, temas que compunham o repertório
essencial dos grandes mestres renascentistas.
A obra “O Último Dia de Pompéia” (fig. 1) de Bryullov é um exemplo
espetacular desta mentalidade clássica então prevalescente na Academia. Retratando a
legendária erupção do Vesúvio e a consequente ruína da cidade de Pompéia, a imagem
apresenta composição não propriamente renascentista, mas, poderíamos dizer, um tanto
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O Termo pintura histórica, em sentido lato, aplica-se a toda obra pictórica cuja temática são os grandes
fatos consagrados por uma tradição historiográfica, que não preserva os aspectos corriqueiros da
experiência, mas antes, acentua a dimensão épica das situações, insuflando-lhes grandiosidade, mistério e
alçando-lhes à condição de entidades quase mitológicas. No caso específico da Rússia, a expressão
designa as obras construídas sobre grandes temas genéricos da história universal ou nacional,
frequentemente aliando representação histórica e mitos e lendas provenientes da tradição greco-romana.
O conceito ‘pintura de gênero’, designa as realizações pictóricas que abordam a temática do cotidiano das
populações camponesas. Segundo Gombrich, o interesse em retratar aspectos do cotidiano é uma
consequência de um sentimento iconoclasta inaugurado pela Reforma Protestante, que suprimiu toda e
qualquer representação imagética nos domínios da Igreja, arruinando, assim, um dos principais campos de
trabalho dos pintores que, a partir de então, voltaram-se para estes temas de natureza secular e popular. O
holandês Peter Bruegel, é um dos principais pintores de gênero da Resnascença e, em várias obras,
retratou de forma primorosa e peculiar traços marcantes das festividades cmaponesas. Na Rússia, esta
tendência alcançou maior expressão na obra do grupo Os Itinerantes, que, na Segunda metade do século
XIX, empreendia viagens pelo interior do país com o objetivo de registrar plasticamente a existência
camponesa nas pequenas aldeias espalhadas pelo território.
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BOWN, Matthew Cullerne. Socialist Realist Painting. New Haven/London: Yale University Press,
1998, p.5.
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Este interesse pela cultura ocidental, que muitas vezes se converteu em verdadeira adoração, tem suas
origens no ambicioso projeto ocidentalizante, iniciado ainda no reinado de Pedro o Grande, no século
XVIII, quando um conjunto de medidas foram implementadas, visando romper o isolamento político,
econômico e cultural a que o país estivera sujeito durante séculos, e promover a integração do mesmo no
mundo moderno europeu. Entre tais medidas figurava a criação de uma Academia de Artes e Ciências nos
moldes ocidentais, que foi instituída em 1756, já no reinado da imperatriz Elizaveta Petrovna. Não
consideramos relevante registar aqui maiores detalhes sobre estes fatos. Para aprofundar a discussão ver
o livro de Bown supra-citado e a obra “The Russian Experiment in Art” de Camilla Gray (London:
Thames and Hudson, 1990).