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ii
NA TRAMA DO ARQUIVO: A TRAJETÓRIA DE
OLIVEIRA VIANNA (1883-1951)
Giselle Martins Venancio
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em História Social, do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em História.
Orientadora: Andrea Daher
Rio de Janeiro
Julho de 2003
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iii
NA TRAMA DO ARQUIVO: A TRAJETÓRIA DE OLIVEIRA VIANNA (1883-1951)
Giselle Martins Venancio
Orientadora: Andrea Daher
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História.
Aprovada por:
______________________________
Presidente, Prof
a
. Dr
a
. Andrea Daher
_______________________________
Prof. Dr. José Murilo de Carvalho
_______________________________
Prof
a
. Dr
a
. Francisca Nogueira de Azevedo
_______________________________
Prof
a
. Dr
a
. Lucia Lippi de Oliveira
_______________________________
Prof
a
. Dr
a
. Glaucia Villas Bôas
Rio de Janeiro
Julho de 2003
iv
Venancio, Giselle Martins
Na trama do arquivo : a trajetória de Oliveira Vianna (1883-
1951)/ Giselle Martins Venancio Rio de Janeiro : UFRJ, 2003.
xiv, 340f. : il; 31 cm.
Orientadora: Andrea Daher
Tese (doutorado) UFRJ/Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais/Programa de Pós Graduação em História Social, 2003.
Referências Bibliográficas: f267-285.
1. Vianna, Oliveira, 1883-1951. 2. Vianna, Oliveira, 1883-
1951 - Correspondências 3.Ciência Política. I. Daher, Andrea. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em História
Social. III. Título.
v
RESUMO
NA TRAMA DO ARQUIVO: A TRAJETÓRIA DE OLIVEIRA VIANNA
Giselle Martins Venancio
Orientadora: Andrea Daher
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História
Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de doutor em História.
Oliveira Vianna - considerado um dos mais importantes intelectuais brasileiros da
Primeira República e um dos pioneiros dos estudos sociológicos brasileiros organizou, ao
longo de sua vida, um arquivo e uma biblioteca pessoal nos quais ordenou os
acontecimentos que balizaram a sua trajetória, estabelecendo coerências, construindo
continuidades e linearidades, visando, de certa forma, legar um “esboço” de sua própria
biografia. O arquivo privado e a biblioteca pessoal de Vianna sugerem uma escrita
autobiográfica, e apontam para a “fabricação” de uma memória postumamente elaborada
por seus herdeiros intelectuais.
Assim, esta pesquisa procurou destacar de um conjunto de acontecimentos a
trajetória de Oliveira Vianna, mais particularmente, o seu processo de formação,
autopercepção e designação como intelectual. Insere-se, dessa forma, num tipo de produção
historiográfica que busca revalorizar os vestígios escritos, principalmente aqueles nos quais
estão registradas as escolhas, as intenções e as ações públicas dos indivíduos, contribuindo
no sentido de compreender o seu papel e a sua ação na construção dos laços sociais.
Palavras-chave: OLIVEIRA VIANNA BIOGRAFIA INTELECTUAL
CORRESPONDÊNCIA ARQUIVO - BIBLIOTECA PRIVADA
Rio de Janeiro
Junho de 2003
vi
ABSTRACT
ABSTRACT
OLIVEIRA VIANNA THROUGH THE WEB OF THE ARCHIVES
(1883-1951)
Giselle Martins Venancio
Orientadora: Andrea Daher
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História
Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
- UFRJ - como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de doutor em História.
Oliveira Vianna who is considered to be one of the First Republic’s most
important intellectuals and a pioneer in sociological studies in Brazil organized
throughout his life an archives and a personal library in which he recorded all important
events of his life, establishing coherences, building continuities and linearities, trying, in a
way, to leave behind a very defined scope of his own biography. Vianna´s private archives
and personal library suggest an autobiographic writing, and suppose the construction of a
memory that has been elaborated by his intellectual heirs.
This research intended to detach of a certain number of events Oliveira Vianna´s
intellectual biography, concerning above all his studies, his autoperception and his
understanding of being an intellectual. This research belongs to a historiographic field
which gives value to the written vestiges, mainly those in which the individuals’ choices,
intentions and public acts are recorded, contributing to the understanding of their roles and
actions when constructing social relationships.
Key-words: OLIVEIRA VIANNA INTELLECTUAL BIOGRAPHY LETTERS -
ARCHIVES PERSONAL LIBRARY
Rio de Janeiro
Junho de 2003
vii
Esta tese é dedicada a Henrique que com seu
carinho faz minha vida muito mais alegre e
colorida - e a Tomás e Igor, que somente por
viverem, me tornam profundamente feliz.
viii
AGRADECIMENTOS
Um trabalho de pesquisa encontra sempre o momento de ser divulgado, tornado
visível. Embora necessário, esse instante é também angustiante visto que a pesquisa é
sempre incompleta, aberta, rica de possibilidades, mesmo quando se exige dela um ponto
final. Talvez fosse melhor que se pudesse finalizá-la com reticências. Na hora de concluir,
releio documentos, investigo novamente o catálogo da biblioteca, procedo a revisão de
anotações. Nas notas, encontro, além das referências de pesquisa, uma história que não foi
contada na tese: a memória deste trabalho. Indícios de minhas próprias leituras,
informações colhidas em arquivos e bibliotecas e - senão o mais recorrente, certamente o
mais prazeroso - as sugestões dadas por todos aqueles que contribuíram, de alguma forma,
para a realização deste trabalho.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Prof
a
Dr
a
. Andrea Daher por seu rigor e
exigência. Sua leitura atenta contribuiu decisivamente para o aprofundamento das questões
tratadas e por uma maior elegância na forma final do texto.
À Capes, agradeço pela concessão da bolsa de pesquisa que permitiu a realização
deste trabalho e da bolsa de doutorado sanduíche que me possibilitou passar um ano em
Paris, na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), sob a orientação do
professor Roger Chartier.
As aulas, textos e sugestões do professor Chartier tornaram-se a maior inspiração
deste trabalho e, a sua generosidade, o maior exemplo para minha atuação profissional.
O período passado em Paris, além de muito profícuo para o desenvolvimento da
pesquisa, foi rico em bons momentos e na construção de novas e grandes amizades. Aos
meus amigos “parisienses”, Eliana, Lilian, Neiva, Dani, Marcos, Pedro, Eliane e Emília,
gostaria de agradecer pelos momentos de boas conversas que acabaram colaborando não
somente com a pesquisa, mas também para aquecer com um calorzinho tropical o frio
inverno europeu.
A Lola e Fuad, amigos parisienses” mais que especiais, por todo o carinho e,
principalmente, pela atenção que dispensaram a mim e a Igor, quando num desses
momentos da vida em que somos surpreendidos com acontecimentos adversos, as
dificuldades pareciam intrasponíveis. Seu carinho foi fundamental para que eu pudesse
acreditar que seria possível superar os obstáculos.
ix
Ao professor Jean Hébrard, pela leitura atenta do meu trabalho e por tantas
sugestões fundamentais para as mudanças de rumo da tese. E ao professor Afrânio Garcia,
que com sua enorme gentileza, acabou se tornando o porto seguro de muitos brasileiros em
Paris.
Além dos registros de minha temporada parisiense, minhas notas de pesquisa
guardam também anotações de rascunhos de textos, alguns posteriormente publicados e
das muitas horas passadas fechada em bibliotecas e arquivos, a investigar documentos e
livros.
Sobre os textos, três professores merecem ainda ser lembrados. À professora Angela
de Castro Gomes, agradeço a freqüente interlocução ao longo de todo o processo de
redação da tese. Ao professor Antonio Carlos Souza Lima, as importantes sugestões dadas
à pesquisa no momento do exame de qualificação do projeto. E a professora Francisca
Nogueira agradeço o estímulo constante e as inúmeras demonstrações de carinho.
Quanto as notas de pesquisas em bibliotecas, neste trabalho, por razões evidentes,
uma instituição se destaca: a Casa de Oliveira Vianna. O tempo passado nesse arquivo fez
com que eu acabasse por me tornar amiga das pessoas que lá trabalham. Assim, gostaria de
fazer um agradecimento especial à Patrícia, Deise, Jane, Cláudia, Miriam, Zezé e Derval e
D. Rosa que compartilharam comigo cada nova “descoberta” da pesquisa.
As anotações de trabalho registram ainda as inúmeras versões que foram escritas até
se chegar a esta forma final. Neste processo, devo agradecer a Olívia e Tia Teresa, pessoas
queridas de quem eu, várias vezes, abusando da generosidade, solicitei ajuda.
Mas esta versão final foi revisada pelo Prof. João Vianney Campos de Mesquita a
quem agradeço a rapidez em atender os meus apelos sempre urgentes e a qualidade do
trabalho realizado.
E, por fim, mas com certeza, na origem de tudo, um agradecimento especial para a
minha família. A Ana Chrystina, prima querida, por todas as sugestões e pelo constante
incentivo, aos meus pais, Rinaldi e Vera, meu irmão Juninho e minha avó, Cecinha, que
sempre me estimularam e acreditaram no meu trabalho. A eles agradeço também os
inúmeros momentos com os quais colaboraram para tornar meu cotidiano mais simples
permitindo minha maior dedicação ao trabalho.
x
À Anne, pelos constantes “auxílios bibliográficos” e, principalmente, pelo carinho
com que me recebeu em sua família.
A Henrique, Igor e Tomás, um enorme agradecimento, por terem, durante esse
longo tempo, agüentado as minhas freqüentes ausências e suportado os inúmeros momentos
nos quais o meu humor não correspondia ao amor que me destinavam.
xi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO _____________________________________________
CAPÍTULO 1: OLIVEIRA VIANNA NO ESPAÇO SOCIAL DA
PRODUÇÃO INTELECTUAL DE NITERÓI E DO RIO DE JANEIRO
NOS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XX ______________________
1.1) O “pequeno mundo intelectual” : “homens de letras” e “homens
de ciência” ...................................................................................................
1.2) Cartografia intelectual de Niterói ...................................................
1.2.1) De Saquarema a Niterói ......................................................
1.2.2) Políticos no Londres, bicheiros no Brasil intelectuais no
Paris ................................................................................................
1.2.3) Em Niterói, boemia rima com academia .............................
1.3) Rio de Janeiro, capital da produção intelectual ...............................
1.3.1) Boemia e vida intelectual no Rio de Janeiro .......................
1.3.2) A Academia Brasileira de Letras ........................................
1.3.3) Templos da ciência, da memória e da história nacional:
museus e Institutos Históricos ........................................................
1.3.4) Os jornais e a publicização dos diálogos intelectuais .........
1.3.5) As revistas literárias, porta-vozes de intelectuais ...............
1.4) A correspondência social de Oliveira Vianna ................................
CAPÍTULO 2: O MAGISTÉRIO E OS EMPREGOS PÚBLICOS:
ALTERNATIVAS PROFISSIONAIS PARA VIANNA NO MUNDO
DAS LETRAS ______________________________________________
15
28
28
33
33
42
52
62
63
66
81
89
97
107
116
xii
2.1) As faculdades de Direito do Rio de Janeiro na Primeira República
2.2) O professor Oliveira Vianna ...........................................................
2.3) Do governo do estado do Rio de Janeiro ao governo da União.......
2.4) A morte de Vianna, a fundação da Casa de Oliveira Vianna e a
“fabricação” da memória ...........................................................................
CAPÍTULO 3: “UM FRADE BOLANDISTA NO RECESSO DE SEU
LABORATÓRIO DE IDÉIAS” _________________________________
3.1) A construção de um espaço de leitura: a biblioteca da casa da
alameda São Boaventura .............................................................................
3.1.1) Da biblioteca da fazenda do Rio Seco à biblioteca da casa
da alameda São Boaventura ................................................
3.1.2) Correspondência e trocas de livros ......................................
3.2) Investigando a biblioteca: dos pés-de-páginas ao alto das estantes
3.3) Da leitura à escrita ..........................................................................
3.3.1) Registros de leitura que esboçam a escrita: os
“papagaios” de Vianna ............................................
CAPÍTULO 4: A OBRA PUBLICADA DE OLIVEIRA VIANNA _____
4.1) É de São Paulo que vem o livro de estréia: Populações
Meridionais do Brasil .................................................................................
4.1.1) O grupo d’O Estado de São Paulo e o surgimento da
Revista do Brasil .................................................................
120
137
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150
155
155
161
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170
179
179
185
188
188
xiii
4.1.2) Monteiro Lobato editor .......................................................
4.1.3) Populações Meridionais do Brasil .......................................
4.2) A produção editorial de Vianna.......................................................
4.2.1) “O sociólogo de nossos dias e de nossa terra”: a produção
editorial de Vianna nos anos 20 ..........................................
4.2.2) Do sociólogo ao jurista: a produção de Oliveira Vianna
nos anos 30 e 40 ..................................................................
4.2.3) As obras póstumas ...............................................................
4.2.4) Oliveira Vianna e as coleções de estudos brasileiros ..........
4.3) Oliveira Vianna por Oliveira Vianna: as representações de si na
obra publicada .............................................................................................
4.4) Oliveira Vianna entre os intelectuais: trocas de correspondências
e divulgação da obra publicada ...................................................................
CONCLUSÃO ______________________________________________
BIBLIOGRAFIA ____________________________________________
Anexo 1: OS INTELECTUAIS, O CAFÉ PARIS E AS
ACADEMIAS DE NITERÓI ___________________________________
Anexo 2: NOTÍCIAS DE JORNAIS SOBRE A POSSE DE
OLIVEIRA VIANNA NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS __
Anexo 3: MEMBROS DA ACADEMIA BRASILEIRA DE
LETRAS CONTEMPORÂNEOS DE OLIVEIRA VIANNA (1940-1951)
Anexo 4: ARTIGOS DE JORNAIS DE OLIVEIRA VIANNA ____
202
215
220
224
231
241
243
247
255
263
267
287
293
294
296
xiv
Anexo 5: MISSIVISTAS DE OLIVEIRA VIANNA E SUAS
INSTITUIÇÕES _____________________________________________
Anexo 6: PROFESSORES E DISCIPLINAS DOS CURSOS DE
CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS E NOTARIADO DA
FACULDADE LIVRE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DO
RIO DE JANEIRO ___________________________________________
Anexo 7: BREVE BIOGRAFIA DOS PROFESSORES DA
FACULDADE LIVRE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DO
RIO DE JANEIRO (1891) _____________________________________
Anexo 8: A FUNDAÇÃO DA SOCIOLOGIA _________________
Anexo 9: VOLUMES DA BIBLIOTECA DE VIANNA: LIVROS
DOS PRECURSORES E FUNDADORES DA SOCIOLOGIA NA
EUROPA __________________________________________________
Anexo 10: TROCAS DE CORRESPONDÊNCIAS E
INTERCÂMBIOS DE LIVROS ________________________________
298
325
328
330
331
336
INTRODUÇÃO
No dia 28 de março de 1951, morria Francisco José de Oliveira Vianna, em Niterói,
cidade onde viveu a maior parte de sua vida. Tratava-se de um dos mais reconhecidos
intelectuais brasileiros da Primeira República, um homem que tinha exercido uma função-
chave no primeiro período do governo Vargas e um dos pioneiros dos estudos sociológicos
brasileiros. Vianna havia conhecido em vida o sucesso intelectual, porém, em seus
momentos derradeiros, havia sido alvo de constantes críticas.
Oliveira Vianna nasceu em Saquarema, no ano de 1883. Sexto filho de uma família
de proprietários de terras, publicou, aos 37 anos, seu primeiro livro, concluído dois anos
antes: Populações Meridionais no Brasil. Sua trajetória, até esse momento, incluía a
formação em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1905 e a docência de Direito Judiciário e
Penal e de Direito Industrial, desde 1916, na Faculdade de Direito de Niterói. Mais tarde,
Oliveira Vianna viria a ocupar, ainda, diversos cargos na burocracia estatal, tais como,
diretor do Instituto de Fomento Agrícola, em 1926, Conselheiro do Interventor Ari
Parreiras, em 1930, Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho, de 1932 a 1940, e
Ministro do Tribunal de Contas da União, de 1940 a 1951. Além disso, participou da
Comissão Revisora das leis da Justiça do Trabalho, em 1939.
Solteiro, sem filhos, Vianna morria sem deixar herdeiros e legava aos seus amigos
tudo o que acumulou ao longo de sua vida: livros, periódicos, jornais, cartas, rascunhos e
anotações. Seu arquivo privado pessoal e sua biblioteca compunham o maior dos bens que
seriam transmitidos, senão aos seus herdeiros diretos, ao menos aos seus sucessores
intelectuais.
A morte de Vianna desencadeou em seus amigos um desejo de lutar
incessantemente para forjar uma memória mais “positiva” de seu percurso e de suas
qualidades intelectuais, com vistas a manter presente a sua produção no espaço intelectual
brasileiro. Nas “batalhas da memória”
1
, os amigos de Vianna assumiram, de certa forma, a
tarefa de elaborar objetivamente uma representação que destacasse os serviços prestados
por ele ao país, durante sua atuação nos órgãos estatais, assim como seu mérito intelectual.
1
POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
1989, p. 4.
16
Na visão de seus herdeiros intelectuais
2
, a primeira medida necessária para fazer
com que todos reconhecessem o justo lugar de Vianna no campo da produção intelectual no
Brasil e evitar o seu esquecimento definitivo era preservar o espaço onde ele havia vivido a
maior parte de sua vida: sua casa da alameda São Boaventura, 41, no Fonseca, Niterói.
Imediatamente após a sua morte, iniciou-se o processo para transformar esse espaço em
uma fundação, mantida pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de
garantir a preservação de sua memória.
A casa testemunhava a existência de Vianna e legava às futuras gerações uma
organização objetiva de seu passado e a imagem que ele havia fabricado de si mesmo
através da conservação de papéis e livros. Freqüentemente, as representações dos
indivíduos são forjadas a partir de construções póstumas. No caso de intelectuais como
Vianna, são comuns os discursos no momento do enterro, as biografias, reedições de sua
obra e os eventos que servem para marcar de alguma forma a “despedida”. São essas
homenagens que “recriam a pessoa no templo da memória”
3
.
No caso de Vianna, essa construção da memória, embora acentuada no momento de
sua morte, teve início muitos anos antes, no instante em que ele próprio decidiu organizar
sua vida em papéis, “induzindo a elaboração de sua posteridade”
4
. Ao organizar seu
arquivo pessoal, Oliveira Vianna ordenou os acontecimentos que balizaram sua vida,
estabeleceu coerências, construiu continuidades e linearidades em sua trajetória, em suma,
almejou deixar definido o seu lugar social, suas relações com os seus pares e uma espécie
de esboço de sua própria biografia. Na gestão e organização de um “sem número de
contradições e tensões”
5
, Vianna elaborou sua versão, mas silenciou, evidentemente, sobre
diversos aspectos. Nessa escrita fragmentária, deixou inscrito o seu caráter modelar de
homem público e a grandeza de sua produção intelectual. Nenhuma linha mais explícita
sobre sua vida pessoal. Nenhuma carta de amor, nenhum poema, esparsas referências à vida
familiar. Os documentos explicitam, entre registros e lacunas, lembranças e esquecimentos,
2
O grupo de amigos mais próximos de Vianna era formado por Alberto Lamego Filho, Thiers Martins
Moreira, Geraldo Bezerra de Menezes, Marcos Almir Madeira, Dail de Almeida, Anselmo Macieira,
Vasconcelos Torres e Hélio Palmier, todos ex-alunos da Faculdade de Direito de Niterói. São esses indivíduos
que, após a morte de Vianna, vão atuar de modo constante com vistas a construir uma memória positiva de
sua obra e de sua trajetória.
3
ABREU, Regina. A fabricação do imortal. Memória, história e estratégia de consagração no Brasil. Rio de
Janeiro: Rocco/ Lapa, 1996, p. 67.
4
Idem.
17
o dizível e o indizível, o memorável e o imemorial. Mostrava-se o homem público e o
intelectual, ocultava-se a dimensão privada de sua vida.
Analisar essa escrita exige a observação cuidadosa de sua especificidade. Os
arquivos privados pessoais podem, como quaisquer outros, ser considerados “(...)
evidências das transações da vida humana
6
, no entanto, possuem características
específicas que os tornam também bastante singulares como fonte para os estudos
históricos. Qualquer arquivo é classificado, fundamentalmente, a partir da origem de seus
documentos, ou seja, pelo processo de acumulação. Por esse motivo, melhor seria defini-los
como arquivo de proveniência pública, cujos documentos remetem-se a instâncias do
Estado, ou arquivo de proveniência privada, acumulados por pessoas físicas ou jurídicas
sem relação direta com órgãos estatais. Segundo Garcia
7
, “a noção de documento público
aparece cada vez mais associada à de mandato, e quem detém uma parcela da autoridade
pública produz documentos públicos”. Mas, muitas vezes, um arquivo, de origem privada,
pode mudar de natureza, se forem alteradas as relações entre a entidade produtora e o
Estado
8
.
É importante destacar o fato de que arquivos privados de homens públicos - como é
o caso do conjunto documental organizado por e sobre Oliveira Vianna -, apresentam,
freqüentemente, problemas para a classificação de seus documentos. Nem todos os
documentos do acervo são de caráter privado, pois muitos deles são relacionados às funções
públicas desempenhadas pelo titular ao longo de sua vida. Esse é um problema bastante
comum nesse tipo de coleção de documentos, como chama atenção Heymann
9
, ao analisar
o arquivo privado de Filinto Muller:
O limite que separa os documentos públicos
daqueles de caráter privado, em se tratando de
titulares que atuaram como homens públicos, é
bastante tênue e objeto de constantes reflexões.
(...) é possível encontrar documentação que
5
POLLAK, Michel. op. cit. p. 13.
6
COOK, Terry. “Arquivos pessoais e arquivos institucionais: para um entendimento arquivístico comum da
formação da memória em um mundo pós moderno”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 11, n. 21, 1998,
p. 131.
7
GARCIA, Maria Madalena A. de M. Machado. “Os documentos pessoais no espaço público”. Estudos
Históricos. Rio de Janeiro, vol. 11, n. 21, 1998, p. 179.
8
GARCIA, Maria Madalena. op. cit. p. 177.
9
HEYMANN, Luciana. As obrigações do poder: relações pessoais e vida pública na correspondência
pessoal de Filinto Muller. Rio de Janeiro: PPGAS/MUSEU NACIONAL/ UFRJ, 1997, pp. 64-65.
18
deveria integrar fundos de arquivos públicos, mas
que foi “privatizada” pelos agentes que estiveram
à frente de cargos por um determinado período,
passando a integrar sua documentação pessoal,
demonstrando nessa mélange de esferas e
confusões, imbricações e impropriedades que
caracterizam as relações entre público e privado
nesse domínio.
10
Entre os arquivos privados, pode-se identificar ainda um tipo específico: os arquivos
privados pessoais, que se definem, principalmente, pelo fato de todos os documentos do
acervo possuírem como marca identitária uma relação direta com o nome próprio do titular
do arquivo. Num arquivo pessoal, é o nome do titular que cria a identidade fundamental do
acervo constituído. E é a partir dele que se organiza a série de documentos acumulados.
O risco que se pode correr ao se trabalhar com arquivos privados pessoais é o de se
acreditar que eles traduzem uma visão mais verdadeira do indivíduo à medida que foi
organizado pelo próprio titular. Cria-se a falsa noção que identifica os conjuntos
documentais de origem pessoal a uma manifestação concreta e objetiva da memória
individual de seus titulares.
Pode-se, portanto, sugerir que a pesquisa que tem como objeto arquivos privados
pessoais deve, primeiramente, identificar o processo de construção desses acervos
documentais, atentando-se para a idéia de que eles podem e devem ser lidos, assim como
qualquer outro texto ou documento, como uma escrita, e que, por esse motivo,
(..) não podem nunca anular-se como texto, ou
seja, como um sistema construído consoante
categorias, esquemas de percepção e apreciação,
regras de funcionamento, que remetem para as
suas próprias condições de produção
11
.
O arquivo torna-se, pois, o próprio objeto de investigação. Busca-se compreendê-lo
descobrindo em sua trama a função dos documentos, sua forma e seus destinatários. A
homogeneidade do acervo, relacionada à existência de único titular, é quebrada quando se
considera e se investiga as características específicas de cada documento arquivado.
10
HEYMANN, Luciana. As obrigações do poder: relações pessoais e vida pública na correspondência
pessoal de Filinto Muller. Rio de Janeiro: PPGAS/MUSEU NACIONAL/ UFRJ, 1997.
11
CHARTIER, Roger. Au bord de la falaise. L´histoire entre certitude et inquiétude. Paris: Albin Michel,
1998, p. 63.
19
Interrogar um arquivo pessoal significa compreender a escolha e a classificação dos
documentos guardados, historicizando cada corpus de texto. Como acentua Bourdieu, é
necessário que se faça uma crítica do estatuto social dos documentos, interrogando-se sobre
seus usos e destinos
12
.
O arquivo pessoal é sempre organizado para enunciar e criar um pensamento, uma
reflexão, uma história. Ao longo da vida, muitos dos registros acumulados por um
indivíduo são descartados e o resultado dessa ação é que se conserva apenas uma parte
desses vestígios. Através de uma triagem diária, são arrumados, desarrumados,
classificados os papéis, pondo-se em ordem a desordem cotidiana. Ao arquivar, o
colecionador, de certa forma, manipula a existência: omite, ignora ou dá destaque a certas
passagens. A escolha e o registro de determinados acontecimentos, pensamentos e
reflexões, determinam o sentido que o colecionador busca dar ao arquivo. Como anota
Artières
13
, muitas vezes,
arquivar a própria vida é por-se no espelho, é
contrapor à imagem social a imagem íntima de si
próprio, e nesse sentido o arquivamento do eu é
uma prática de construção de si mesmo e de
resistência.
O arquivo privado pessoal permite vislumbrar uma “vontade de guardar”
14
, de
tornar público o privado, de exibir a exemplaridade da própria história. Assim, a
organização de um arquivo pessoal acentua a individualidade do titular, redefinindo o seu
lugar particular na pluralidade dos acontecimentos históricos.
Nesse contexto, destacam-se os arquivos privados pessoais como locus privilegiado
de análise histórica, pois registram uma forma de acumulação privada que possui como
marca identitária específica o nome próprio do titular. Eles são revalorizados não porque
representam um conhecimento “mais verdadeiro”, mas sim porque asseguram a
possibilidade de mudanças de foco a partir da redução do campo de observação e a
12
CHARTIER, Roger e BOURDIEU, Pierre. “A leitura: uma prática cultural”. Práticas de leitura. São Paulo:
Estação Liberdade, 1996, p. 234.
13
ARTIÈRES, Philippe. “Arquivar a própria vida”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 11, n. 21, 1998,
p. 11.
14
VIANNA, Aurélio, LISSOVSKY, Maurício e SÁ, Paulo Sérgio Moraes. “A vontade de guardar: lógica e
acumulação em arquivos privados”. Arquivo e administração. Rio de Janeiro, vol. 10, n. 2, 1986.
20
compreensão de configurações intelectuais múltiplas que exibem uma memória específica.
A análise desse tipo de fonte permite a compreensão das relações estabelecidas entre as
representações subjetivas do titular do arquivo e a memória que se constrói sobre ele. A
exploração de arquivos pessoais pode, dessa forma, contribuir para o trabalho do
historiador, revelando dimensões do “vivido” ocultas em outros tipos de análises históricas.
O arquivo de Oliveira Vianna guarda a “leitura” e a “escrita” de si próprio, ao
mesmo tempo que as múltiplas leituras e escritas de todos aqueles que passaram por sua
organização. Sem dúvida, o arquivo constitui uma memória de Oliveira Vianna que pode
ser decodificada através de um trabalho interpretativo de seus documentos. Pomian
15
observa que, ao contrário dos monumentos que remetem ao passado num simples olhar, os
arquivos e documentos precisam ser decifrados e criticados. Segundo ele, o arquivo é uma
memória objetiva, porém virtual. É a leitura histórica que o reatualiza, ressignificando-o e
tornando-o suporte da memória.
O arquivo privado pessoal de Oliveira Vianna constitui, assim, uma memória a ser
decifrada que pode, à medida que é explorado e analisado, informar sobre aspectos até
então ignorados sobre ele e suas relações sociais. Entrar nesse arquivo e reconstituir a
tessitura mais ou menos visível de sua atividade como leitor, escritor, professor, jurista e
sociólogo é o desafio maior dessa investigação. Ao desenredar-se a trama do arquivo,
pretende-se elaborar uma biografia intelectual de Francisco José de Oliveira Vianna,
levando-se em conta a sua escrita autobiográfica inscrita nos suportes materiais que
compõem o acervo, bem como a “fabricação” de uma memória postumamente elaborada
por seus herdeiros intelectuais.
Nesse sentido, essa pesquisa tem o objetivo de escrever uma “história no
singular”
16
, à medida que pretende destacar do conjunto dos acontecimentos a trajetória de
um indivíduo, mais particularmente, seu processo de formação, autopercepção e designação
como intelectual
17
.
15
POMIAN, Krzysztof. “Les archives: du Trésor des Chartres au Caran”. In: NORA, Pierre (org.). Les lieux
des mémoires. Paris: Gallimard, 1992.
16
Expressão utilizada por Jean Hébrard em seminário na École de Hautes Etudes en Sciences Sociales, ao se
referir às narrativas de guerra.
17
A escolha da perspectiva individual não é aqui, evidentemente, contrária à social. A idéia é reconhecer a
ação de um sujeito entre outros sujeitos, conciliar a singularidade e o coletivo, como propõe Jacques Revel, ao
assinalar que “esse individualismo metodológico tem limites, já que é de um conjunto social – ou melhor, de
uma experiência coletiva – que é sempre preciso procurar definir as regras de constituição e de
21
Dessa forma, essa investigação insere-se num tipo de produção historiográfica que
passou a revalorizar os vestígios escritos associados aos indivíduos, principalmente aqueles
onde estavam registradas suas escolhas, intenções e ações públicas. Ao romper com a
postura que destacava a antítese entre o individual e o social, os historiadores atuaram no
sentido de “restaurar o papel dos indivíduos na construção dos laços sociais”.
18
Ao circunscrever-se o âmbito da investigação, tornou-se possível sobrepor as
diversas séries documentais no tempo, de modo a, por exemplo, encontrar-se o mesmo
indivíduo em contextos sociais diversos
19
, proposta que acabou por promover a
redescoberta da biografia. Sabina Loriga, anota que a revalorização da biografia foi por
vezes vista como uma capitulação diante de uma história tradicional. Freqüentemente mais
atentos à dimensão coletiva da experiência histórica, alguns historiadores afirmaram que se
estava correndo o risco de se abandonar a história-problema para voltar a uma história
cronológica, baseada em uma frágil conceituação
20
. Destacar um destino individual levava
os historiadores a temerem um abandono das reflexões mais voltadas para o social e um
retorno à antiga idéia de valorização do herói, do gênio, do excepcional
21
.
Como resposta a essa crítica, os historiadores interessados no gênero biográfico
produziram uma prática historiográfica diversa. O foco no destino individual era visto por
eles como uma forma de enriquecer a análise social, tornando sua variáveis mais
numerosas, mais complexas e também mais móveis
22
. Interessava aos historiadores
conhecer um grande número de experiências distintas vividas em contextos diversos.
Nesse sentido, Maurizio Gribaudi propôs a idéia de acompanhar itinerários
individuais que permitiam fazer aparecer a multiplicidade de experiências, a pluralidade de
seus contextos de referências e as contradições internas e externas das quais são
funcionamento”. Ver: REVEL, Jacques. “Microanálise e construção do social”. In: REVEL, Jacques (org.).
Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: editora da FGV, 1998, p. 21.
18
CHARTIER, Roger. “A história hoje; dúvidas, desafios e propostas”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
vol. 7, nº 13, 1994, p. 97-113.
19
GINZBURG, Carlo. “o nome e o como”. In: a micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand do
Brasil, 1989, p. 173-174.
20
LORIGA, Sabina. “A biografia como problema” in: REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas; a
experiência da microanálise. Rio de Janeiro: editora da FGV, 1998.
21
Segundo Loriga, (...) numa (...) perspectiva elaborada nos últimos anos pela micro-história não é
necessário que o indivíduo represente um caso típico; ao contrário, vidas que se afastam da média levam
talvez a refletir melhor sobre o equilíbrio entre a especificidade do destino pessoal e o conjunto do sistema
social. LORIGA, Sabina. op. cit. p. 248.
22
REVEL, Jacques. op. cit. p. 23.
22
portadoras
23
. A idéia de itinerário rompia com a antiga visão de biografia como um relato
linear e cronológico. Essa noção buscava desvendar os múltiplos fios que ligavam um
indivíduo ao seu contexto, recuperando a relação e não reforçando a antítese entre o social e
o individual.
A concepção aproximava-se da noção de trajetória, elaborada por Pierre Bourdieu,
que opunha à idéia de narrativa biográfica, com base no pressuposto de que a vida constitui
um todo coerente e orientado que se desenrola numa ordem cronológica, o conceito de
trajetória partindo da idéia de que o real é descontínuo
24
.
O arquivo privado e a biblioteca de Vianna sugerem, como se disse, uma escrita
autobiográfica que instiga a sua problematização e convida à elaboração de uma biografia,
compreendida como trajetória.
A aproximação com os documentos do arquivo e com os livros da biblioteca da
Casa de Oliveira Vianna para a elaboração deste trabalho, resultou numa reflexão
formalizada em 4 capítulos.
No primeiro, intitulado Oliveira Vianna no espaço da produção intelectual de
Niterói e do Rio de Janeiro nos primeiros anos do século XX, pretende-se traçar uma
anatomia
25
do mundo das letras nessas duas cidades, buscando-se identificar a localização
dos “homens de letras” no campo intelectual.
Nessa definição, a noção de campo, proposta por Bourdieu, é fundamental, visto
que os acontecimentos biográficos se definem prioritariamente como alocações e
deslocamentos no espaço social. O campo – pensado como o microcosmo social no qual se
23
Idem.
24
Bourdieu define trajetória “como(...) uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo
agente (ou um mesmo grupo), em um espaço ele próprio em devir e submetido a transformações incessantes.
(...) Os acontecimentos biográficos definem-se antes como alocações e como deslocamentos no espaço social,
isto é, mais precisamente, nos diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição dos diferentes tipos
de capital que estão em jogo no campo considerado.(...) Isso é, não podemos compreender uma trajetória, a
menos que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou; logo
o conjunto de relações objetivas que vincularam o agente considerado ao conjunto dos outros agentes
envolvidos no mesmo campo e que se defrontaram no mesmo espaço de possíveis”. BOURDIEU, Pierre. “A
ilusão biográfica” Razões Práticas; sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996, p. 81 e 82.
25
Robert Darnton utiliza a expressão “anatomia da república das letras” ao analisar os relatórios que um
inspetor do comércio livreiro chamado Joseph D’Hémery produziu, quando investigou os indivíduos que
escreviam livros em Paris, ao longo do século XVIII. Segundo Darnton, ao proceder a essa investigação,
D’Hémery possibilitou que se esboçasse um “perfil do intelectual no apogeu do Iluminismo” . Ver:
DARNTON, Robert. “Um inspetor de polícia organiza seus arquivos: a anatomia da república das letras”. In:
O grande massacre de gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 191-245.
23
produzem bens culturais – permite elaborar uma visão da sociedade a partir da observação
de cada agente ou cada instituição em suas relações objetivas com todos os outros
26
.
A análise desenvolvida nesse primeiro capítulo é particularizada pelas redes de
sociabilidade estabelecidas entre os intelectuais, com destaque especial para a utilização da
correspondência passiva de Vianna.
Assim, é primordial perceber como se posicionaram os diversos intelectuais diante
das instituições que compunham o campo intelectual, em Niterói e no Rio de Janeiro, nos
primeiros anos do século XX e como Vianna se inseria nesse campo a partir da análise das
instituições a que pertencia e de sua correspondência social. A trajetória de Oliveira Vianna
é pensada, assim, em relação aos seus pares, buscando-se estabelecer, em contraposição à
uma análise dos pensamentos individuais, uma história da intelectualidade.
O segundo capítulo, chamado O magistério e os empregos públicos: alternativas
profissionais para Vianna no mundo das letras, trata especificamente do processo de
formação acadêmica de Vianna, assim como de seu itinerário profissional. Em que medida
sua formação acadêmica influenciou, permitiu ou limitou suas escolhas profissionais?
Quais eram os caminhos possíveis para os “homens de letras” que desejavam uma renda
estável e quais foram as escolhas de Vianna?
Através das cartas, bilhetes e outros documentos, investiga-se, ainda neste capítulo,
o processo de aposentadoria de Oliveira Vianna, buscando-se compreender como a rede de
amizades urdida ao longo da vida criou o capital simbólico que lhe permitiu posicionar-se
de forma excepcional, mesmo num momento em que sua trajetória de vida apontava para
uma posição decadente.
No capítulo seguinte, intitulado “Um frade bolandista no recesso do seu
laboratório de idéias”, pretende-se investigar a biblioteca privada de Oliveira Vianna com
o objetivo de se compreender, através da análise do conjunto de livros, aspectos de seu
itinerário intelectual e de suas práticas de leitura.
26
Segundo Bourdieu, “(...) os campos de produção cultural propõem, aos que neles estão envolvidos, um
espaço de possíveis que tende a orientar sua busca definindo o universo de problemas, de referências, de
marcas intelectuais (...) esse espaço de possíveis é o que faz com que todos os produtores de uma época
sejam ao mesmo tempo situados, datados e relativamente autônomos em relação às determinações diretas do
ambiente econômico e social (...). BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas. Campinas: Papirus, 1996, p. 53.
24
Em suma, esse capítulo investiga o processo de formação do acervo da biblioteca,
bem como o seu percurso de leitor e os vestígios da maneira pela qual se realizou a sua
produção escrita.
No último capítulo da tese, denominado A obra publicada de Oliveira Vianna,
esboça-se a sua trajetória editorial, reconhecendo-se que sua produção intelectual insere-se
numa problemática mais ampla, relacionada à qualificação social na qual Vianna se inseria.
Busca-se investigar em que medida o trabalho de seus editores contribuiu para a
transformação de Vianna em um dos autores considerados referência fundamental na
história do pensamento social brasileiro.
Ao longo de toda a pesquisa, optou-se por utilizar o conjunto de correspondências
passivas conservadas no arquivo de Vianna como fio condutor da análise das suas formas
de inserção social e profissional no “mundo das letras”.
A série de correspondências investigadas destacava-se entre os diversos documentos
guardados no arquivo de Vianna. Documentos típicos de arquivos privados pessoais, as
cartas possuem características ao mesmo tempo íntimas e públicas, pessoais e relacionais.
A. Castillo Gomez destaca a importância da correspondência como fonte para os estudos
históricos, ao afirmar que esse é um tipo de documento que o historiador não pode
negligenciar sob pena de ser cúmplice de determinados silêncios e esquecimentos
27
.
Apesar de Oliveira Vianna ter mantido, durante cerca de 30 anos, uma intensa
produção intelectual e uma grande importância política, os críticos e comentadores da sua
obra são unânimes em afirmar suas características pessoais de reclusão social. Ao longo de
sua vida, Oliveira Vianna contribuiu para a construção de uma auto-imagem de homem
reservado e austero. Isso decorreu, sem dúvida, do fato de ter evitado festas, recusado
convites para ocupar cargos e posições de destaque e ter vivido sempre no âmbito exclusivo
de sua residência, recolhido à sua biblioteca. Mas, ao mesmo tempo que se esboçava essa
auto-representação, Vianna guardava, em seu arquivo pessoal, cartas, bilhetes, documentos
que indicam, registram - algumas vezes privilegiadamente – as suas relações pessoais. A
análise de seu arquivo pessoal sugere a imagem de um homem recluso que mantinha uma
forma própria e singular de relacionamento social: a prática epistolar. A coleção de
correspondências passivas de Vianna forma um conjunto importante do acervo, não
25
somente pela sua quantidade, mas porque registra uma forma específica de sociabilidade.
No trabalho sobre as cartas destaca-se, justamente, suas estratégias e práticas de
relacionamento pessoal e profissional. Não se trata de traçar uma nova representação desse
intelectual que elimine aquela já sedimentada pelos seus estudiosos, mas compreender de
que forma a escrita epistolar constituiu uma prática que visava estabelecer e manter uma
rede de relações sociais, profissionais e intelectuais.
O arquivo de Oliveira Vianna guarda uma grande quantidade de cartas, tendo sido
preservadas tanto a sua correspondência passiva quanto uma parte, embora pequena, de
cópias de sua correspondência ativa. Considerando-se os documentos presentes nesse
acervo, pode-se verificar que Vianna guardou das cartas que recebeu, em cerca de 40 anos,
1499 exemplares, o que corresponde a uma média de 37 por ano, cerca de 3 por mês. Com
relação às cartas que escreveu, estão presentes no arquivo 90 exemplares de cópias ou
rascunhos dos textos enviados. Essa quantidade de cópias das cartas escritas por Vianna
não deve ser minimizada, visto não ser comum em arquivos desse tipo (privado e pessoal) a
guarda da correspondência ativa. Nesta pesquisa, portanto, optou-se por se trabalhar com a
correspondência passiva de Vianna, visto ser este acervo maior e mais completo.
Ao contrário que se pode supor à primeira vista, a categoria correspondência não é
homogênea. Ela abriga enorme quantidade de formas discursivas distintas e é resultante de
diversas práticas. Refere-se tanto a relações oficiais e públicas, como as privadas e íntimas,
alia intenções tão distintas quanto discussões intelectuais, solicitações de emprego, pedidos
de favores, relato de notícias, entre outras. Na opinião de Dauphin, “vestígio de uma
realidade complexa, a forma carta absorve uma infinita diversidade de práticas e de
registros, que é importante esclarecer”.
28
Uma carta expressa mais do que o texto que ela contém. Sua materialidade denota a
condição de sua redação, a análise de sua trajetória e a identificação de seu(s)
destinatário(s) – se individual, institucional ou familiar – permite a compreensão dos
27
GOMEZ, Antonio Castillo. Cultura escrita y clases subalternas: una mirada española. Alcalá de Henares,
Sendoa, 2001, p. 16.
28
Como anota ainda Dauphin, o termo correspondência, assim como escrita, é polissêmico. Significa traço,
aquilo que corresponde ao que resta da realidade de um acontecimento; é, ao mesmo tempo, texto produzido e
objeto trocado entre aqueles que se (co) respondem e designa ainda o processo da escrita, a lógica que funda
os gestos e as práticas; é a correspondência entre os indivíduos que testemunha suas trocas afetivas,
profissionais e intelectuais. DAUPHIN, Cécile. “Pour une histoire de la correspondance familiale”.
Romantisme, Paris, Albin Michel, 1995, p. 89-92.
26
mecanismos de sua circulação e a sua presença num arquivo, isto é, o conhecimento dos
gestos em prol de sua conservação, deixa entrever os critérios que definiram sua
importância.
Por esse motivo, elaborou-se, neste trabalho, em relação ao acervo de
correspondências passivas de Oliveira Vianna, uma tipologia dos documentos presentes. Há
nesse arquivo diversas formas de correspondências que podem ser classificadas em seis
tipos distintos, divididos em três grupos.
No primeiro grupo, estão as cartas que se pode caracterizar como expressivas de
suas relações de amizade e de prestígio político. São aquilo que Michel Trebitsch
29
define
como correspondência-rede, muito mais importantes pela função que desempenham do que
por seu conteúdo. Ele é composto: da correspondência social – mensagens de Natal e Boas
Festas; participação de nascimento, de novo endereço; congratulações por novos cargos
ocupados por Oliveira Vianna; convites para festas; cartões postais; aviso de falecimento;
agradecimento de manifestação de pesar; cartas desejando melhora de saúde e pronto
restabelecimento, em caso de doenças, e convites de casamentos - e também das
correspondências que tratam de assuntos políticos – comentários sobre pareceres do
Ministério do Trabalho; discussão sobre eleições; pedidos de empregos e favores,
destacando-se, entre essas últimas, as relativas ao processo de aposentadoria de Oliveira
Vianna, quando este então se torna o solicitante, e os amigos os mediadores.
Esse grupo de correspondências foi analisado no primeiro capítulo da tese, com
vistas a compreender uma das estratégias de relacionamento social desencadeadas por
Vianna e, ainda, no segundo capítulo, buscando-se compreender de que forma as relações
de amizade urdidas durante a sua trajetória lhe foram úteis nos últimos momentos de sua
vida.
O segundo grupo de correspondências, formado pelo que denominamos de
correspondência-ordinária, é, ao contrário das primeiras, mais importante pelo conteúdo
que as cartas veiculam do que por sua função, pois esta reduz-se à solução de atividades e
problemas cotidianos do intelectual. Compõem esse grupo: as cartas para aquisição de bens
29
Os conceitos de correspondêcia-rede e de correspondência-laboratório estão definidos em: TREBITSCH,
Michel. “Correspondances d´intellectuels: le cas des lettres d´Henri Lefebvre à Norbert Guterman (1935-
1947)”. Sociabilites intellectuelles: leiux, milieux, réseaux. Les Cahiers de L ´IHTP. Cahier n. 20, mars. 1992,
p. 83.
27
materiais - nestas são destaques principalmente as correspondências referentes à aquisição
de livros - e as correspondências sobre assuntos cotidianos – pagamentos de empréstimos;
solicitação de empréstimos; informações acerca de inventários e causas judiciais familiares.
Este grupo de correspondências não foi particularmente analisado nesta pesquisa.
Apenas alguns exemplares foram utilizados, no terceiro capítulo da tese, para se obter
informações sobre o processo de aquisição de livros por Vianna, tanto em livrarias
estrangeiras quanto brasileiras.
O terceiro conjunto de correspondências é caracterizado pelas cartas que compõem
o que chamamos aqui a sua comunidade de leitores, o seu grupo de troca intelectual.
Seriam as que M. Trebitsch denomina as correspondências-laboratório, em que as idéias
trocadas pela via epistolar são parte do próprio trabalho intelectual. Estas cartas são
destacadas tanto por sua função de estímulo, inspiração e desenvolvimento do trabalho
intelectual quanto pelo seu conteúdo, pois ele próprio é constitutivo do trabalho intelectual.
Esse grupo é formado pelas cartas que se referem a questões intelectuais – são as que
tratam de opinião sobre textos e livros; solicitação para publicação de artigos, livros e
textos; pedidos de doação de livros para bibliotecas e instituições; solicitação de autógrafos
em livros; convites para prefaciar livros, para entrevistas e para bancas de concursos;
doação de livros por diversos intelectuais – como também pelas cartas de agradecimento,
categoria na qual foram inseridas as cartas enviadas pelas pessoas que receberam livros da
autoria de Oliveira Vianna enviados de presente.
Este último conjunto de cartas foi analisado tanto no capítulo 3 (quando ao tratar do
processo de formação do acervo de sua biblioteca privada investigou-se, através das cartas
trocadas com intelectuais, o movimento de intercâmbios de livros) quanto no capítulo 4 (ao
se questionar, por meio das cartas de agradecimento, a estratégia utilizada por Vianna para
a divulgação de seus livros, textos e idéias).
CAPÍTULO 1: OLIVEIRA VIANNA NO ESPAÇO SOCIAL DA PRODUÇÃO
INTELECTUAL DE NITERÓI E DO RIO DE JANEIRO NOS PRIMEIROS ANOS
DO SÉCULO XX:
1.1) O “pequeno mundo intelectual” : “homens de letras” e “homens de ciência”
“A identidade dos homens públicos na República
Velha passava fundamentalmente por sua
condição letrada. De maneira geral, na virada do
século, as letras representavam importantes bens
simbólicos”
1
.
Oliveira Vianna produziu sua obra entre os anos 10 e os anos 50 do século XX,
período em que se esboçava um processo de definição das ciências sociais e forjava-se um
embate entre as ciências, ditas sociais, e a literatura. Definiam-se, desta forma, os limites
dos espaços literários e científicos, à medida que se tentava identificar quem eram os
“homens de letras” e os “de ciência”.
Por um lado, na Academia Brasileira de Letras, criavam-se polêmicas com as
eleições de indivíduos considerados “homens não de letras”
2
, como o médico Osvaldo
Cruz
3
. Por outro, os “homens de ciência”, auto-definindo-se como intelectuais que lutavam
pelo progresso científico da nação, passavam a questionar o papel dos literatos que,
segundo eles, afastavam-se dos problemas mais urgentes do país
4
.
“Homens de letras” e “homens de ciência”, no entanto, apesar das disputas travadas,
faziam parte de um restrito grupo de intelectuais que participavam de instituições que,
1
ABREU, Regina. “Um homem de letras” in: A fabricação do imortal: memória, história e estratégias de
consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco/Lapa, 1996, p. 137.
2
O País, 11.05.1912. Citado por EL FAR, Alessandra. A encenação da imortalidade. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2000, p. 115.
3
No discurso de recepção de Osvaldo Cruz na Academia, Afrânio Peixoto tenta diluir as barreiras existentes
entre literatura e ciência justificando uma noção mais abrangente da expressão “homens de letras”. Por outro
lado, acadêmicos como Carlos de Laet, José Veríssimo e Filinto de Almeida mantém sua posição de oposição
à entrada, na Academia, de indivíduos sem referências literárias. Ver: EL FAR, Alessandra. op. cit. p. 114.
4
Lilia Schwarcz destaca a esse respeito o embate que ocorreu entre Silvio Romero e Machado de Assis. Após
a publicação de um ensaio em que Machado de Assis criticava Silvio Romero, este responde publicando um
artigo onde comparava a obra de Machado de Assis e Tobias Barreto. Nas palavras da autora, “sem entrar nos
detalhes da polêmica, o mais importante é verificar que, no julgamento muito pouco científico que Romero
fez de Machado de Assis, transparecem os limites de uma outra polêmica. Ou seja, a disputa entre os
“homens de ciência”, que se auto-identificavam a partir do vínculo com instituições científicas e de uma
postura singular, intervencionista e atuante, e os “homens de letras”, que, na visão de autores como Romero,
encontravam-se afastados das questões prementes de seu tempo”. SCHWARCZ, Lilia O espetáculo das
raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras,
1993, p. 40.
29
desde meados do século XIX, no Brasil, vinham se organizando criando espaços de
sociabilidade e de atividade literária e científica.
A imprecisão do conceito de “intelectual” é um aspecto referido, unanimemente,
pelos diversos autores que se preocuparam com a história dos intelectuais. A respeito deste
tema, Jean François Sirinelli afirma: “Com freqüência se destacou o caráter polissêmico da
noção de intelectual, o aspecto polimorfo do meio dos intelectuais, e a imprecisão daí
decorrentes para se estabelecer critérios de definição da palavra (...)”
5
. E ainda Roger
Chartier comenta: “Às certitudes lexicais das outras histórias, a história intelectual opõe
uma dupla incertitude de vocabulário. Cada historiografia nacional possui suas próprias
designações, e em cada uma delas diferentes noções, mal distintas umas das outras, entram
em competição”
6
.
Assim, considerou-se a participação nessas sociedades que surgiam - espaço onde
os eruditos se encontravam, discutiam e mantinham trocas culturais – como o aspecto
básico para a definição da própria condição de “homens de letras” e de “homens de
ciência”
7
no Brasil na primeira metade do século XX.
Ao contrário da visão idealizada de intelectuais que se mantinham reclusos em
gabinetes dedicados somente à leitura e ao estudo, criava-se uma postura de “homens de
letras”, marcada justamente pelas vias de sociabilidade intelectual. Não era a qualidade de
letrado que estabelecia as estratégias de sociabilidade, mas, ao contrário, era exatamente a
participação na sociedade dos “homens de letras” que definia a condição de letrado
8
. A
convivência fundada nos salões, nos cafés, nas conversas entre os intelectuais era
absolutamente necessária e fundamental, pois a condição de “homem de letras” se acomoda
mal à solidão e ao afastamento de sua “república”. Um intelectual totalmente solitário isola-
5
SIRINELLI, Jean-François. “Os intelectuais”. In: REMOND, René. Por uma história política. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p. 242.
6
CHARTIER, Roger . “Intellectuel” . In: BURGUIÈRE, André. Dictionnaire des sciences historiques. Paris:
Press Universitaires de France, 1986, p. 373.
7
Ao investigar a definição do significado da expressão “homem de letras” Roger Chartier afirma que,
durante o século XVIII, alguns intelectuais idealizaram os letrados como indivíduos voltados para o estudo, a
leitura e a vida em gabinetes. Entretanto se essa era a imagem ideal do homem de letras, a ela correspondia,
desde o século XVIII, uma outra, mais real e cotidiana marcada justamente pelas estratégias de intercâmbios
intelectuais. CHARTIER, Roger. “L´homme de lettres”. In: VOVELLE, Michel. L´homme des Lumières.
Paris: Éditions du Seuil, 1996, p. 160.
8
CHARTIER, Roger. op.cit. 172.
30
se do mundo e perde uma das referências básicas de sua condição, a possibilidade de
intercâmbio e de aprofundamento se suas idéias
9
.
Também os “homens de ciências” buscaram estabelecer, neste momento, centros de
pesquisa e ensino onde pudessem discutir e (re)elaborar modelos científicos que melhor se
adequassem à investigação dos aspectos singulares do país
10
. Os museus etnológicos e as
escolas de direito e medicina eram espaços privilegiados de discussão científica, em que
modelos teóricos importados, principalmente da Europa, revelavam propostas originais
para a solução dos problemas do Brasil. Segundo Lilia Schwarcz,
Longe de conformarem um grupo homogêneo,
divididos em função dos vários interesses
profissionais, econômicos e regionais (...) esses
intelectuais guardavam, porém, certa identidade
que os unia: a representação comum de que os
espaços científicos dos quais participavam lhes
davam legitimidade para discutir e apontar os
impasses e perspectivas que se apresentavam
para o país. Reduzida, essa elite ilustrada
acabava circulando pelos diferentes centros e
estabelecendo relações de intercâmbio cultural,
perfil comum que lhes garantia, de um lado, certo
reconhecimento, de outro, certa polivalência, que
nesse caso encobria a parca especialização, ou
mesmo a frágil delimitação das áreas de saber.
11
Eram, portanto, esses “homens de letras” e os “de ciência” que formavam o petit
monde étroit da intelectualidade brasileira nos primeiros anos do século XX. Eles
mantinham práticas singulares de sociabilidade, canais através dos quais veiculavam suas
9
É interessante observar depoimentos de intelectuais sobre a dificuldade criada a partir de uma vida solitária.
As duas frases seguintes estão separadas por um período de dois séculos o que nos leva a crer que a condição
de intelectual é ainda hoje, como há 200 anos atrás, marcada pela necessidade de intercâmbios culturais:
“Vous me demandez si j’ai lu l’abbé Raynal? Non. Mais pourquoi? Parce que je n’ai plus ni le temps ni le
goût de la lecture. Lire tout seul, sans avoir à qui parler, avec qui disputer ou briller, ou écouter, ou se faire
écouter, c’est impossible.” Correspondance de l’abbé Galiani citado por CHARTIER. op. cit. 1996. P. 172
“É possível que se leia quando existe um mercado no qual possam ser colocados os discursos concernentes
às leituras. Se essa hipótese pode surpreender, até chocar, é porque somos precisamente pessoas que têm
sempre sobre a mão um mercado, alunos, colegas, amigos, cônjuges etc., a quem podemos falar de leituras.”
Depoimento de Pierre Bourdieu no texto “A leitura: uma prática cultural” in : CHARTIER, Roger (org.)
Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996, p. 238.
10
Ver SCHWARCZ, Lilia. op. cit.
11
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 37
31
idéias e estabeleciam suas relações com o conjunto da sociedade
12
. O estudo das estratégias
de sociabilidade utilizadas por esses grupos torna-se, assim, uma via fértil para a definição
do próprio conceito de intelectual da época, à medida que, ao invés de se tentar estabelecer
os limites do campo intelectual, busca-se compreender o seu funcionamento. A noção de
campo de produção intelectual desenvolvida aqui é inspirada na proposta de Pierre
Bourdieu, que considera campo de produção intelectual, um espaço singular, de luta
concorrencial, onde as obras são elaboradas e onde se tramam as carreiras
13
. Não se trata
de determinar quem pode ou não ser considerado intelectual, mas sim de perceber quem
são as pessoas que circulam nos meios literários, culturais e científicos e as funções que
elas ocupam nestes espaços
14
.
Para isso, busca-se identificar a localização dos intelectuais no interior do campo
para, dessa forma, estabelecer uma história da intelectualidade. Em contraponto, como
afirma Chartier, a uma história dos pensamentos individuais, pretende-se elaborar uma
outra história, que é a das categorias e esquemas partilhados e incorporados
15
.
Através das idéias de lugar e redes de sociabilidade e de itinerário intelectual
16
,
busca-se compreender o espaço social por onde Oliveira Vianna circulava, produzia e
divulgava suas idéias, bem como a teia urdida por suas relações pessoais e profissionais,
considerando-se o meio intelectual não como conjuntura ou “cenário”, mas como condição
mesmo de elaboração intelectual
17
.
Para investigar os espaços de sociabilidade intelectual deste período, analisa-se
aqui, os cafés, as academias, os jornais e as revistas literárias e culturais.
Verifica-se, através desta investigação, que Oliveira Vianna freqüentava alguns
desses locais. Como membro de institutos e academias, Vianna estabelecia relações com
outros intelectuais com os quais, eventualmente, travava polêmicas e debates. Na faculdade
12
TREBITSCH, Michel. “Avant-propos: la chapelle, le clan et le microcosme” Les cahiers de L´IHTP. N.
20, mars 1992, pp. 11-21 e VELLOSO, Monica Pimenta. “Cafés, revistas e salões: microcosmo intelectual e
sociabilidade” . Modernismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FGV, 1996, pp. 35-85.
13
BOURDIEU, Pierre. “O campo científico”. In: ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo:
Ática, 1983, pp.122-153.
14
TREBITSCH, Michel. op. cit. p. 10.
15
CHARTIER, Roger. op. cit., 1986. p. 374.
16
desenvolvidas por Sirinelli no texto “Le hasard ou la necessité? Une histoire en chantier: l´histoire des
intellectuels”. Vingtième siècle. Revue d´histoire. n. 9, janvier-mars 1986, pp. 97-108.
17
TREBITSCH, Michel. op. cit. p. 19.
32
de Direito do estado do Rio de Janeiro
18
, em Niterói, onde era professor, encontrava outro
espaço de intercâmbio cultural com alunos e colegas. Através das revistas e nos jornais com
os quais colaborou, estabeleceu uma imagem que permitiu o seu reconhecimento intelectual
ao mesmo tempo que criou um público leitor.
Oliveira Vianna pertencia, certamente, a um grupo de intelectuais cuja sociabilidade
se dava principalmente através da escrita. Isso o mantinha longe das práticas intelectuais
fundadas na sociabilidade mundana e corroborava a sua auto-representação idealizada de
“homem de letras” para o qual a condição de letrado pressupunha o afastamento do mundo.
Segundo esta auto-representação, somente longe das paixões e dos divertimentos, o homem
de letras poderia cultivar o seu espírito crítico e criativo.
Fortalece-se, assim, a hipótese de que foi através da escrita epistolar que Vianna
estabeleceu e manteve a sua rede de sociabilidade, pois ao mesmo tempo que se esboçava
essa auto-representação, Vianna guardava, em seu arquivo pessoal, cartas, bilhetes,
documentos que são registros do privilégio dado a suas relações pessoais. A análise mais
atenta da correspondência social presente em seu arquivo pessoal sugere, assim, a imagem
de um homem recluso que mantinha uma forma própria e singular de relacionamento
social: a prática escriturária.
Era, principalmente, através da escrita que Oliveira Vianna estabelecia sua relação
com o mundo. Ele freqüentemente “respondia aos críticos nos livros seguintes ou nas
reedições (...)”
19
. Também era através de seus artigos para os jornais ou de seus livros que
expunha sua opinião sobre os mais diversos assuntos. Por meio de seus pareceres,
contribuía para a constituição de uma nova legislação trabalhista no país. E, pelas cartas,
evidentemente, ele estabelecia relações pessoais e profissionais.
18
A faculdade de Direito do estado do Rio de Janeiro passou a funcionar em Niterói em 25 de março de
1915, a partir da fusão das faculdades de Direito Teixeira de Freitas, que havia sido criada na cidade do Rio
de Janeiro, em 1912, pelo professor Joaquim Abílio Borges, e de Direito do estado do Rio de Janeiro que
também funcionava na capital da República. Em 1921, essa faculdade adotou o nome de faculdade de Direito
de Niterói, tendo em vista ter passado a denominar-se faculdade de Direito do Rio de Janeiro aquela que seria
mais tarde a Faculdade Nacional de Direito. A faculdade de Direito de Niterói foi federalizada pela lei 2.721,
de 30 de janeiro de 1936 e, em 18 de dezembro de 1960, passou a integrar juntamente com as faculdades de
ciências econômicas, filosofia, engenharia, entre outras existentes na cidade, a Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UFERJ). A UFERJ transformou-se, em 1965, na atual Universidade Federal
Fluminense (UFF).
19
CARVALHO, José Murilo de. “A utopia de Oliveira Vianna”. Pontos e Bordados. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 1998, p. 204.
33
A correspondência de Oliveira Vianna pode, seguramente, ser vista como uma via
privilegiada para investigar sua rede de relações. Tanto mais porque as cartas oferecem,
diferentemente de outros escritos, marcas de relações mútuas, visto que a prática epistolar
de um indivíduo só existe em função de uma interlocução. É portanto uma via de mão
dupla, um ir e vir entre uma intenção anunciada, uma espera ansiosa e uma resposta que
tem, por principal função, o reestabelecimento do início do processo.
A leitura das cartas de Vianna permite relativizar a interpretação corrente
20
que o
considera um intelectual recluso e solitário, destacando justamente suas estratégias e
práticas de relações pessoais.
1.2) Cartografia intelectual de Niterói:
1.2.1) De Saquarema a Niterói:
Oliveira Vianna chegou a Niterói em 1897 vindo de Saquarema
21
, cidade onde
nasceu na fazenda do Rio Seco, em 20 de junho de 1883.
Os seus pais, o coronel Francisco José de Oliveira Vianna e dona Balbina de
Oliveira Vianna tiveram seis filhos. Com o mesmo nome do pai, Francisco José, o Chico,
como era chamado em casa, era o mais novo deles. Chico viveu toda a infância na fazenda
do Rio Seco, uma propriedade de cerca de 155 alqueires onde se plantava café e que
possuía um considerável número de escravos.
20
José Murilo de Carvalho, por exemplo, anota: “(..) o que se sabe da personalidade de Oliveira Vianna, um
matuto arredio que raramente aceitava convites para palestras; que ao falar em público era quase inaudível;
que só por motivo de doença deixava o Rio de Janeiro, ou melhor, sua casa de Niterói; que nunca saiu do
País, embora tivesse um biblioteca internacional; que nunca fez parte dos círculos intelectuais do Rio, nem
da vida mundana da cidade. Um exilado do mundo rural decadente na cidade grande”. VER: CARVALHO,
José Murilo. “A utopia de Oliveira Vianna”. In: Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo
Horizonte: UFMG, 1998, p. 220.
21
A vila de Nossa Senhora de Nazaré de Saquarema recebeu a denominação de freguesia, em 12 de janeiro de
1755, a partir do desmembramento do território do município de Cabo Frio. Em 08 de maio de 1841, por
iniciativa do vice-presidente da Província, o visconde de Baependi, a freguesia foi elevada a categoria de
município. A lei n. 238 desta data, determina: “Foi criada uma vila – no arraial denominado Nossa Senhora
de Nazaré de Saquarema – conservando o mesmo título. A nova vila ficará pertencendo a comarca de Cabo
Frio”. Poucos anos depois, em 1859, a decisão foi tornada sem efeito pelo decreto n. 1128 de 06 de fevereiro
e Araruama passou a ser sede do município de Saquarema. Os habitantes de Saquarema protestaram e com o
decreto n. 1180 de 24 de julho de 1860, a população da vila pôde ver restaurada sua antiga situação jurídica,
tendo sido reestabelecida a vila de Saquarema mantendo-se também a de Araruama. Em 03 de janeiro de
1890, já no período republicano, a vila de Saquarema foi elevada a categoria de cidade. Ver: PEIXOTO,
Dídima de Castro. História Fluminense. Lumak Gráfica Editora Ltda, s.d.; TORRES, João Batista de
Vasconcelos. Oliveira Vianna; sua vida e sua posição nos estudos brasileiros de sociologia. Rio de Janeiro:
34
A região de Saquarema, na Baixada Fluminense, onde se localizava a fazenda,
havia, na segunda metade do século XVIII, se desenvolvido a partir da implantação de uma
importante lavoura canavieira. Embora cultivada em propriedades menores que as de
Pernambuco e do Recôncavo Baiano, a cana de açúcar ganhou, no período citado, uma
significativa importância nesta região
22
.
Ao longo do período imperial, a lavoura açucareira foi paulatinamente cedendo
lugar à expansão cafeeira, pois a Província dispunha de elementos favoráveis para o plantio
de pés de café: “ampla oferta de terras, clima e relevo adequados, força de trabalho
subutilizada, estrutura comercial instalada a partir dos negócios com o açúcar, tropas de
muares e porto próximo”
23
. Assim, a Província do Rio de Janeiro, com sua economia
baseada nas atividades ligadas ao açúcar e ao café, destacou-se, durante o período do
Império, como a principal região econômica do país e também como o centro do
conservadorismo escravista. Grandes proprietários de terras de Saquarema, como Joaquim
José Rodrigues Torres e Paulino José Soares ocuparam nesse período, importantes cargos
na política.
Joaquim José Rodrigues Torres foi o primeiro presidente da Província do Rio de
Janeiro, sendo sucedido por seu conterrâneo, Paulino Soares. Eles alcançaram uma tal
importância na política imperial que, durante o período, o termo saquarema, passou a
denominar mais do que os nascidos naquela vila. Por saquarema passou-se a designar os
conservadores fluminenses “(...) e se assim ocorria era porque eles tendiam a se
apresentar organizados e a ser dirigidos pela “trindade saquarema” : Rodrigues Torres,
Freitas Bastos, 1956 e IBGE. Enciclopédia dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959, vol XXII.
p. 428- 432.
22
A riqueza da lavoura canavieira permitiu que os proprietários da região desfrutassem de grande prestígio
político no período imperial. Segundo Ilmar Mattos, “um importante produtor escravista nesta área foi o Dr.
Francisco de Macedo Freire de Azeredo Coutinho (1747-1823), bacharel em Direito pela Universidade de
Coimbra e capitão-mor de Cabo Frio. Era proprietário d a Fazenda da Tiririca, na freguesia de Araruama, e
dos engenhos de Fora e de Sant’Anna. Daquela fazenda, cujos engenhos de açúcar era servido por
numerosos escravos e gados, trafegava os seus produtos para a cidade do Rio de Janeiro por meio de
lanchas que navegavam pela lagoa de Araruama e saíam para o oceano pela barra de Cabo Frio. De seu
primeiro casamento teve uma única filha; esta casou-se, por sua vez, com o proprietário do engenho
Itapacorá, e duas de suas filhas esposaram Joaquim Jo Rodrigues Torres, futuro Visconde do Itaboraí, e
Paulino José Soares de Sousa, futuro Visconde do Uruguai no início do segundo Reinado”. MATTOS, Ilmar
Rohloff de. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, Brasília: INL, 1987, p. 43.
23
FERREIRA, Marieta de Moraes (coord.) A República na Velha Província. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed.,
1989, p. 28.
35
futuro Visconde de Itaboraí, Paulino José Soares de Sousa, futuro Visconde do Uruguai, e
Eusébio de Queirós”
24
.
A produção cafeeira trouxe ainda uma grande modernização para a Província do Rio
de Janeiro. Enquanto a produção açucareira usava, basicamente, o transporte fluvial, o café
era transportado prioritariamente por via terrestre. Por isso, a expansão cafeeira impôs a
necessidade de construção e melhoria de novos caminhos. O surgimento das ferrovias
impulsionou ainda mais os negócios do café, pois as estradas de ferro uniam com maior
rapidez os centros produtores do interior ao porto do Rio de Janeiro. Com a melhoria nas
condições de transporte, novos centros produtores começaram a surgir. Se até 1860 os
grandes produtores estavam localizados na região ocidental do Vale do Paraíba,
destacando-se Resende, Barra Mansa, Vassouras, São João Marcos e Passa Três, a partir
dessa data valorizou-se a face oriental da bacia do Paraíba, destacando-se o eixo produtor
formado entre Cantagalo e Paraíba do Sul.
Apesar da expansão do número de lavouras e da área plantada, o setor cafeeiro
fluminense passou a enfrentar, nas últimas décadas do século XIX, sérios problemas:
Tratava-se, na verdade, de uma crise estrutural.
Organizado sobre uma base escravista, o setor
cafeeiro fluminense enfrentava problemas
resultantes da extinção do tráfico internacional de
escravos em 1850: o encarecimento da mão-de-
obra e o progressivo endividamento dos
proprietários rurais que, já na década de 1860,
precisavam hipotecar suas propriedades para
manter o trabalho nas suas lavouras.
25
No momento em que Francisco José nasceu, em 1883, eram essas as condições da
propriedade do Rio Seco. A antiga e próspera fazenda vinha sofrendo os abalos pelos quais
passava toda a economia cafeeira fluminense.
A situação da família Oliveira Vianna agravou-se ainda mais quando, dois anos
após o seu nascimento, o coronel Francisco José morreu, deixando seus seis filhos órfãos.
A morte do pai modificou a vida do menino Chico. D. Balbina assumiu a administração da
24
Os coronéis plantadores de café de Saquarema ocuparam uma importante posição política durante o
Império. Esta influência levou a criação do apelido saquarema para designar um grupo de pessoas, os
conservadores, que se opunham aos liberais, luzias. Ver: MATTOS, Ilmar Rohloff de. op. cit. p. 108.
25
FERREIRA, Marieta de Moraes. op. cit. p. 29
36
fazenda, mantendo ainda a educação dos filhos. Foi ela quem iniciou o filho nas primeiras
letras, situação comum no meio rural brasileiro da época. Assim, Francisco José aprendeu a
ler nos livros da pequena biblioteca da fazenda.
A biblioteca, formada pelo coronel Francisco José nas suas visitas a livrarias da
cidade do Rio de Janeiro, era parte da sede da fazenda, que possuía ampla sala, quartos
grandes e arejados e uma imensa cozinha
26
. Francisco José, ainda menino, costumava
visitar esse espaço:
Nas horas dos folguedos infantis metia-se pela
biblioteca do pai, esquadrinhando tudo e lendo
com avidez tudo o que lhe caía nas mãos. Leu,
dessa maneira, Gil Braz de Santilhana
27
, o Diabo
Côxo, um livro de medicina e exemplares da
Revista da Semana, colecionados entre 1884 e
1885.
28
Após aprender a ler, Francisco José passou a freqüentar a Escola Pública Estadual,
localizada na cidade de Saquarema, dirigida pelo professor Quincas Souza, e freqüentada
principalmente por alunos de origem humilde. Algum tempo depois, Vianna foi transferido
para outra escola, mais próxima da sede da fazenda, dirigida pelo seu tio Felipe Alves de
Azevedo.
Quando atingiu a idade de 13 anos, Vianna passou a viver em Niterói onde se
deveriam cumprir os planos que a mãe tinha para sua carreira e sua vida. Como membro de
uma família de proprietários de terras em declínio, Vianna passaria a investir em um
itinerário educacional que lhe possibilitasse uma nova alternativa de inserção social. Face a
26
Era bastante comum a existência de bibliotecas em casas de fazendas. Espaço normalmente destinado aos
homens da casa, principalmente ao pai, proprietário da fazenda, essas bibliotecas muitas vezes foram
utilizadas pelos filhos para suas leituras de lazer ou estudo. Os textos de Maria Helena Camara Bastos
intitulado “O diário de Cecília Assis Brasil (1916-1928): práticas de leitura de uma moça gaúcha” e o de
Maria Arisnete Câmara de Morais chamado “Vida íntima das moças de ontem: um encontro com Sophia
Lyra” (ambos publicados na coletânea Refúgios do eu: educação, história e escrita autobiográfica.
Florianópolis, Mulheres, 2000, organizada pelas professoras MIGNOT, Ana Chrystina Venancio, BASTOS,
Maria Helena Camara e CUNHA, Maria Teresa Santos) descrevem as práticas de leitura de duas moças, filhas
da elite econômica e intelectual de suas épocas, as voltas com os livros que formavam as bibliotecas de seus
pais.
27
História de Gil Braz de Santilhana, de Alain René Lesage, foi um dos textos literários de maior circulação
no Rio de Janeiro no início do século XIX. Este romance, um sucesso editorial da Europa da época, foi
traduzido para diversas línguas, sendo a versão portuguesa de Barbosa de Bocage considerada uma das mais
importantes. Ver: ABREU, Márcia. Leituras literárias no Rio de Janeiro (1769-1807). www.intercom.org.br
p. 03 e NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Livreiros franceses no Rio de Janeiro: 1799-1824.
www.intercom.org.br. p. 07
37
uma situação de desequilíbrio diante de condições econômicas desfavoráveis, o
investimento em educação e a opção por um curso superior que lhe possibilitasse lugar de
destaque na sociedade poderia impedir um maior rebaixamento social da família
29
.
Quando Vianna chegou a Niterói, vindo do interior do estado, os jornais
anunciavam:
Salve Século XIX Salve Animatógrafo Lumière - A
última palavra do engenho humano. A mais
sublime maravilha de todos os séculos. Pinturas
moverem-se, andarem-se, trabalharem, ouvirem,
chorarem, morrerem, com tanta perfeição e
nitidez, como se homens, animais e coisas
naturais fossem o assombro dos assombros. Salve
Lumière! O Animatógrafo Lumière é invento tão
majestoso, soberbo e imponente, que a própria
natureza, que privilegiou o seu autor, conserva-se
estática diante de sua pasmosa contemplação!
A exibição dos diversos quadros, que serão
expostos à admiração do público, é tão primoroso
e sedutor atrativo, que, quem por ela é uma vez
surpreendido, procura irresistivelmente emergir
sempre o seu espírito observador da deliciosa
admiração desse assombroso espetáculo!
As Exmas. famílias desta capital encontrarão à
Rua do Ouvidor no 141, um salão de espera digno
de sua recepção e iluminado à luz elétrica, das 12
horas às 10 da noite. Ao Animatógrafo, pois, de
Lumière cabem hoje, de todo o mundo civilizado
os aplausos bem merecidos de uma admiração,
sem limites. 141 Rua do Ouvidor.
30
A vida na cidade era cheia de novidades para o menino criado na fazenda.
Principalmente naquele momento, em que o mundo passava por tantas transformações que
“(...) os ponteiros do relógio da História pareciam andar mais depressa”
31
. Os bondes, a
28
TORRES, Vasconcellos Torres. op. cit . p . 22
29
Sobre o processo de reconversão social dos filhos da elite agrária decadente do fim do Império, ver:
MICELI, Sérgio. Poder, sexo e letras na República Velha. São Paulo: Perspectiva, 1977, p. 22 e GARCIA
JUNIOR, Afrânio. “Les intellectuels et la conscience nationale au Brésil”. Actes de la recherches en sciences
sociales. n. 98, 1993, p. 20.
30
Folha da Tarde, 9 de agosto de 1897 apud NEVES, Margarida de Souza e HEIZER, Alda. A ordem é o
progresso. O Brasil de 1870 a 1910. São Paulo: Atual, 1991.
31
NEVES, Margarida de Souza e HEIZER, Alda. A ordem é o progresso. O Brasil de 1870 a 1910. São
Paulo: Atual, 1991, p. 15.
38
luz elétrica, o cinematógrafo, os automóveis faziam com que o tempo, no dizer de João do
Rio, parecesse passar mais rápido:
Oh! O automóvel é o criador da época vertiginosa
em que tudo se faz depressa, com o relógio na
mão, e ganhando vertiginosamente tempo ao
tempo. (...)
32
.
Niterói também passava naquele momento por importantes modificações na
paisagem urbana
33
. Foi considerada cidade em 28 de março de 1835, depois que a Vila Real
da Praia Grande foi escolhida para sediar o governo da Província, pois a criação do
Município Neutro
34
como sede do Governo Geral, havia separado a cidade do Rio de
Janeiro, política e administrativamente, da Província do Rio de Janeiro.
A projeção de Niterói à condição de capital da Província colaborou para o seu
rápido desenvolvimento, ao longo do século XIX. Um plano de transformações urbanas foi
elaborado, em 1841
35
, englobando, de um lado, os bairros de São Domingos, Gragoatá e
Ingá e, de outro, Icaraí e uma parte de Santa Rosa, esse último chamado, naquela época, de
“Vila Nova de Icaraí”. Este plano previa o traçado de ruas paralelas e perpendiculares,
estendendo-se desde a Praia de Icaraí até a avenida Santa Rosa, passando pelo Campo São
Bento
36
. O traçado das ruas só se deu efetivamente em 1854, mas alguns anos antes, em
32
João do Rio. “A era do automóvel” apud NEVES, Margarida de Souza e HEIZER, Alda. op.cit. p. 17.
33
Desde o início do século XIX, os grandes negociantes do Rio de Janeiro, os nobres e oficiais portugueses
que vieram ao Brasil juntamente com D. João VI, passaram a apreciar a região de São Domingos e de Praia
Grande como um local pitoresco para estabelecer uma residência de veraneio. Segundo Marli Cigagna
Wiefles, “Traverser la baie pour passer quelques jours de loisir à Praia Grande devient une mode. (...) Cette
mode s´étend quand D. João lui même y adhère pour des séjours au Campo de Dona Helena (du nom de la
propriétaire des lieux, D. Helena Francisca Casimira de Bessa), ancien champ de manioc transformé en
jardin à Praia Grande (...) Pour l´anniversaire du roi, le 13 mai 1816, c´est au Campo de Dona Helena que
les troupes défilent, devant la famille royale, toute la noblesse et le corps diplomatique qui ont realisé la
traversée depuis Rio.” WIEFELS, Marli Cigagna. La dynamique de l´espace urbain de Niterói, état de Rio de
Janeiro: l´évolution de la ville de Niterói, RJ, par rapport à la ville de Rio de Janeiro dans la région
metropolitaine (Grande Rio). Paris: Université de Paris III – Sorbonne Nouvelle (Institut des Hautes Études
de l´Amerique Latine), 2001 (thèse de doctorat), p. 44.
34
O Ato Adicional de 1834 separou a municipalidade do Rio de Janeiro da Província do Rio de Janeiro,
dando-lhe o status de município neutro. A partir daí a Assembléia Provincial passou a reunir-se à Praia
Grande que tornou-se capital da Província sendo rebatizada com o nome de Niterói. A vila de Niterói, que
contava naquele momento com cerca de 10 mil habitantes, passou a sediar todas as instituições provinciais.
35
Este é o segundo plano de planejamento urbano de Niterói. O primeiro havia sido elaborado em 1820, no
momento em que um decreto havia transformado São Domingos da Praia Grande em Vila Real da Praia
Grande, composta das freguesias de São João Batista de Icaraí, de São Sebastião de Itaipu, de São Lourenço
dos Indios e de São Gonçalo.
36
Campo São Bento era o nome genérico dado a região de Santa Rosa. O Jardim São Bento, hoje conhecido
como Campo São Bento, só foi construído em 1909.
39
1849, a ligação pelo litoral, do centro da cidade a Icaraí, passando pelo Ingá, fora
concluída com a destruição com dinamites do arco de Itapuca, uma espécie de gruta situada
à beira do mar. Até aquele momento, a ligação de Icaraí com o centro da cidade fazia-se
pelo interior, passando pelas atuais ruas da Conceição e Marquês do Paraná.
Ao longo do século XIX, ainda, as ruas do centro, de São Domingos e Gragoatá,
passaram a contar com iluminação pública (em 1837, movida a óleo de baleia e, a partir de
1847, a hidrocarbureto). Depois de 1871, a iluminação pública passou a funcionar a gás e,
em 1906, a eletricidade.
Os bondes apareceram em 1871. Num primeiro momento, puxados por animais,
sendo substituídos mais tarde, por bondes elétricos. As dezenas de linhas de bondes
cobriam praticamente toda a extensão da vila: de um lado, bondes que iam de Icaraí a Santa
Rosa e de outro, os que se dirigiam aos bairros do Barreto, Neves e trafegavam ao longo da
estrada de Maricá, à margem do rio Vicencia, antecipando o que viria a ser o traçado da
atual Alameda São Boaventura.
Alguns anos mais tarde, seria nesta região da cidade que a família Oliveira Vianna
se estabeleceria. Mesmo no tempo em que moravam em Saquarema, os Oliveira Vianna
peridodicamente se deslocavam para Niterói, numa longa e penosa viagem, realizada a
cavalo, de Saquarema até Rio Bonito, onde embarcavam no trem da Leopoldina.
Proprietários de uma chácara cuja casa havia sido construída pelo pai do poeta
Alberto de Oliveira
37
, a família Oliveira Vianna instalou-se, em 1897, definitivamente em
Niterói. Caberia, a partir daí, a Clotilde, a irmã mais velha, cuidar da administração da casa
e acompanhar os estudos dos irmãos mais moços.
A casa, localizada na enseada de São Lourenço, no atual bairro do Fonseca, tinha
duas espaçosas varandas e um grande jardim que se tornaria, mais tarde, o local predileto
de Francisco José de Oliveira Vianna para a leitura matinal dos jornais.
37
O pai do poeta Alberto de Oliveira era mestre de obras e carpinteiro. Ver: LEITE NETO, Wanderlino
Teixeira. Dança das cadeiras: história da Academia Niteroiense de Letras (junho de 1943 a setembro de
2000). Niterói: Imprensa Oficial, Rio de Janeiro: Livraria Ideal, 2001, p. 234.
40
Naquela época, o Fonseca, com suas chácaras e pequenos sítios, lembrava
(...) remotamente o meio agrário de que
procedera, já pela casa colonial em que habitava,
já pelo silêncio em seu derredor(...)
38
.
Ao chegar a Niterói, Francisco José matriculou-se no Colégio Brasileiro, do
professor Carlos Alberto, localizado na rua da Praia (hoje Visconde do Rio Branco), entre
as ruas São João e Marechal Deodoro
39
. Esse colégio era reconhecido como um dos
principais estabelecimentos de ensino preparatório para os exames do Colégio Pedro II.
38
TORRES, Vasconcellos. op. cit. p. 24.
39
A rua do Imperador passou a chamar-se Marechal Deodoro, em 1889 por proposta do vereador Alexandre
Ribeiro de Oliveira. BACKHEUSER. Minha terra e minha vida: Niterói há um século. Niterói: Niterói
Livros, 1994, p. 251.
Enseada de São Lourenço, s.d. A seta indica a casa de Francisco José de Oliveira Vianna
localizada em frente à igreja de Sant´Anna. Documento pertencente ao arquivo privado
pessoal de Oliveira Vianna.
41
Em fins de 1900, Vianna submeteu-se aos exames do Pedro II, concluindo assim
seus estudos secundários. O próximo passo seria o curso universitário. Oliveira Vianna
pretendia cursar a Escola Politécnica, visto ser a matemática sua disciplina preferida.
Porém, acabou por matricular-se na Faculdade de Direito. Seu principal biógrafo,
Vasconcelos Torres, afirma que a mudança se deu pelo simples fato de ter perdido o prazo
de inscrição na Politécnica.
A matemática seduzia-o . Para quem prezava a
objetividade, nada melhor que lidar com os
números. A próxima etapa, indiscutivelmente,
seria a Escola Politécnica. Seu sonho era esse.
Lera o programa do vestibular e admitia ser
aprovado, ele que até então havia sido o primeiro
aluno nos cursos que freqüentara. Tudo pronto
para o desideratum.(...) Estava em ordem a
papelada para a matrícula. Semanas antes da
prova a sua dedicação não teve limites e a
confiança na admissão dominava-lhe a alma.
Feliz, comparece à secretaria da Escola e exibe
os documentos. Examina-os um funcionário que
com frieza, lhe diz ter-se encerrado o prazo das
inscrições. Um impacto atingira-lhe o coração.
Colhido pelo inesperado não consegue camuflar a
tristeza. Um ano perdido. Um castelo desfeito
diante de uma simples frase protocolar
pronunciada por um servidor subalterno da
secretaria. Que iria dizer em casa? Estupefato,
contrafeito e pesaroso regressou a Niterói. Na
barca arquitetara outros planos. (...) No dia
seguinte volta ao Rio. Regressando ao lar, à
noitinha, entre conformado e melancólico, diz:
matriculei-me, hoje, na Faculdade de Direito.
40
A Faculdade de Direito levaria Vianna ao Rio. Diariamente atravessaria a baía e
dirigir-se-ia ao prédio da faculdade. Dirigida por França Carvalho, o corpo docente da
Faculdade de Direito era composto, entre outros
41
, por Froes da Cruz
42
, Carlos Afonso,
40
TORRES, Vasconcelos. op.cit. p. 26 e 27.
41
TORRES, Vasconcelos. op. cit. p. 32.
42
Luís Carlos Fróes da Cruz nasceu em 1852 e morreu em 1924. Foi advogado, professor e político, tendo
sido redator chefe do jornal A Província do Rio, entre 1883 e 1884, e vereador na cidade de Niterói.
42
Leôncio de Carvalho
43
, Cândido de Oliveira, Mário Vianna, Dídimo da Veiga, Araújo
Lima, Barros Pimentel e Serzedelo Corrêa.
Apesar deste primeiro contato com o espaço cultural do Rio de Janeiro, a vida
intelectual de Oliveira Vianna permaneceria incontestavelmente ligada à cidade que
escolheu para morar. É em Niterói que Vianna estuda, trabalha e tece sua mais importante
rede de sociabilidade intelectual.
1.2.2) Políticos no Londres, bicheiros no Brasil e intelectuais no Paris:
Falar da vida intelectual de Niterói significa referir-se imediatamente aos cafés,
locais onde os intelectuais se reuniam informalmente para conversas, discussões e trocas de
idéias. Os cafés podem ser vistos e analisados como um importante espaço de
sociabilidade, como destaca Velloso, ao analisar o modernismo na cidade do Rio de
Janeiro. O café é “(...) o local onde os intelectuais conseguem exercer a criatividade,
dando vazão à sua sensibilidade artística, tão sacrificada no horário do trabalho público.
Além do mais, nesse local é que se travam relações de amizade, efetuando-se os contatos
sociais”
44
.
Em Niterói, esses lugares reuniam grupos de jovens que viriam a se tornar, mais
tarde, importantes nomes da intelectualidade da cidade. Entre estes, destacavam-se aqueles
que se reuniam no Café Paris, reduto da intelectualidade niteroiense no início do século e
berço das principais academias que vieram, anos depois, a organizar-se na cidade.
43
“Filho do Dr. Carlos Antonio de Carvalho, nasceu na Corte aos 18 de junho de 1847. Matriculou-se, em
1864, no primeiro ano do Curso Jurídico de São Paulo, bacharelando-se em 1868. No ano seguinte defendeu
teses e recebeu o grau de doutor. Foi aprovado por unanimidade. Inscreveu-se em concurso, em 1870, com
Américo Brasiliense e José Joaquim de Almeida Reis. Classificado em terceiro lugar, foi nomeado lente
substituto, por decreto de 4 de janeiro de 1871, tomando posse em 3 de fevereiro do ano seguinte. Ocupou a
pasta do Império no gabinete de 5 de janeiro de 1878, presidido pelo conselheiro Sinimbu. De 1878 a 1880,
foi deputado geral por São Paulo. Por decreto de 7 de junho de 1881, foi nomeado lente catedrático de
direito constitucional, das gentes e diplomacia. Tomou posse em 14 do mesmo mês. Por decreto de 31 de
janeiro de 1885 foi nomeado bibliotecário da Faculdade de Direito, tomando posse em 4 de fevereiro. Por
decreto de 4 de outubro de 1890, foi nomeado diretor da Faculdade. Fez parte do Senado Paulista e do
Congresso Constituinte, sendo um dos relatores da primeira Constituição de São Paulo. Por decreto de 7 de
fevereiro de 1895, foi designado para a cadeira de direito público, na qual se jubilou, por decreto de 12 de
janeiro de 1901. Mudou-se, então, para o Rio de Janeiro, onde lecionou na Faculdade Livre de Direito e
onde faleceu aos 9 de fevereiro de 1912.”Ver: www.usp.br
44
VELLOSO, Monica Pimenta. op.cit. p. 47
43
Inauguração da Estação Hidroviária de
Passageiros (Estação Central das Barcas), 1908.
Coleção Funiarte, Niterói, RJ.
Segundo Lyad de Almeida, “o Café Paris foi a grande “roda” dos boêmios de
Niterói”
45
. Localizado na rua Visconde de Rio Branco n
o
. 417, situava-se no trecho
compreendido entre as ruas da Conceição
e Coronel Gomes Machado, no “coração”
da cidade.
Essa região se havia tornado o
centro propulsor das atividades
comerciais, sociais e intelectuais de
Niterói, desde 1908, momento em que,
com a desativação das antigas estações
das barcas, a de Nichteroy, da Ponte
Velha e a de São Domingos, o centro
comercial da cidade organizou-se em
torno da praça Martim Afonso. A
inauguração da Estação Central das
Barcas mudou a fisionomia urbana da
cidade que sempre esteve, nas palavras de Everardo Backheuser, “ancorada às barcas”
46
.
O Café Paris, a partir desta mudança, passou a deter, na geografia da cidade, uma
posição privilegiada. Sua proximidade à estação das barcas era tal que se podia ver, da
porta do estabelecimento, o relógio do edifício da Companhia Cantareira “(...) e, portanto,
controlar o tempo disponível para ingerir, à mesa, evidentemente, um cafezinho e o
clássico copo d’água, até a saída da próxima barca”
47
. Localizava-se num prédio antigo
próximo a outros importantes estabelecimentos comerciais da cidade, como se pode
verificar, do texto de Heitor Gurgel publicado no jornal O Fluminense:
Naqueles quatro prédios ficavam o Café Londres,
o Cinema Total, o Hotel, Café e Restaurante
Paris, e, finalmente, no prédio maior, da esquina
do largo com a rua da Conceição, o Café Brasil.
O Café Londres era o preferido dos políticos que
ali tinham encontros diários com seus “cabos
eleitorais” e eleitores mais chegados; o Café
45
ALMEIDA, Lyad. Lili Leitão, o Café Paris e a vida boêmia de Niterói. Niterói: Niterói Livros, 1996, p. 33.
46
BACKHEUSER, Everardo. op. cit. p. 106
47
FORTE, José Mattoso Maia. Notas para a história de Niterói. Niterói: INDC, 1973, p. 44.
44
Brasil era o quartel-general dos “bicheiros” e
dos apostadores do famoso jogo. O Café Paris,
situado no andar térreo do hotel do mesmo nome,
era freqüentado pelos poetas, escritores e
boêmios (...)
48
.
O Café Paris
49
ocupava o oitavo prédio a partir da rua Coronel Gomes Machado. Na
loja da esquina, número 399, havia, em 1910, um armazém de secos e molhados e, mais
tarde, um depósito de gelo. Algum tempo depois, instalou-se ali o Café Vista Alegre e,
numa das portas, que recebeu o número 399-A, a Casa Amorim, de comestíveis finos. A
loja seguinte, de número 403, era ocupada
pela A Cooperativa, uma empresa de
confecções que veio a incorporar depois a
casa ao lado originariamente destinada a
negócios de vidraçaria, molduras e papéis
pintados. A casa de número 405, que havia
sido primitivamente ocupada pelo cinema
Nictheroy, depois pelo Grande Empório
Comercial passou depois a sediar a Casa
Pinto que negociava brinquedos, papéis
pintados e fogos de artifício. O prédio de
número 409 abrigou, durante vários anos, o
Bazar Souza Marques e no sobrado, a
Associação Comercial de Niterói. Em
seguida ao bazar vinha o prédio de número
413 que havia sido ocupado inicialmente
pelo Cinema Chic e onde, a partir de 1914,
passou a funcionar a Drogaria Barcellos. Ao
lado ficava o Café Brasil, que, como
afirmou-se anteriormente, era reduto de bicheiros e jogadores e que, mais tarde, deu lugar à
Agência de Loterias de propriedade de José Gonçalves Eufrásio, um dos maiores bicheiros
48
citado por ALMEIDA, Lyad. op. cit. p. 15-16
Mapa do centro da cidade de Niterói.
ALMEIDA, Lyad. Lili Leitão, o Café Paris e a
vida boêmia de Niterói. Niterói: Niterói Livros,
1996, p. 20.
45
da cidade daquela época. Ao lado do Café Paris, localizado no número 417, estabelecia-se a
Casa Vianna, de calçados, que, mais tarde, passou a denominar-se Casa Bordallo. Na loja
de número 425, localizava-se a Padaria e Biscoutaria Central, até 1913, quando o prédio foi
ocupado pelo então chamado Café Londres. A partir daí, a rua sofria um grande recuo onde
se localizava o Cinema Royal seguido de pequenas lojas como a Casa São João, de
comércio de vitrolas, rádios e gramofones, um escritório de uma empresa de mudanças e na
esquina da rua da Conceição, a Confeitaria Luso-Brasileira
50
.
O prédio do Café Paris dividia-se em dois espaços distintos. No primeiro, localizado
na parte da frente, ficava o café, onde se podia ver à porta um quadro-negro em que
estavam escritos os principais pratos do dia servidos no restaurante, localizado na parte dos
fundos. O café e o restaurante eram separados por portas de vaivém envidraçadas. À
esquerda situava-se a cafeteria onde eram preparadas as bebidas, café, leite e chocolate a
serem servidas aos fregueses. Do outro lado, à direita da entrada principal, ficava o caixa do
estabelecimento, onde o dono Sr. Meirelles
51
, controlava o trabalho dos garções e as contas
da freguesia.
No salão do café estavam dispostas dezoito mesas de pés de ferro e tampo de
mármore. Nove delas, encostadas na parede, com três cadeiras cada e nove na fila do centro
com quatro cadeiras cada uma. No salão do restaurante, nos fundos do estabelecimento,
havia três grandes mesas com oito cadeiras cada uma e ao lado, encostadas nas paredes, dez
pequenas mesas com três cadeiras cada. O serviço do restaurante ficava a cargo de quatro
garções responsáveis por servir almoço e jantar diariamente até as 22 horas.
Se, nas mesas do restaurante, famílias inteiras se reuniam para almoçar, era, ao cair
da noite, nas mesinhas do café, que a vida boêmia e intelectual ganhava adeptos:
À mesa do Café, sentado, rindo
No meio de uma roda literária,
René recita uns seios de mulata
E a roda toda fica besta, ouvindo
Depois o Gomes Filho os seios mata,
Com outra poesia – o lago azul, dormindo
49
A descrição dos prédios vizinhos e da organização interna do Café Paris pode ser encontrada em FORTE, J.
Mattoso Maia. op. cit. pp. 43-60.
50
A descrição dos prédios da região pode ser vista em: FORTE, José Mattoso Maia. op. cit. p. 48-49.
51
Antonio Benedito Meirelles havia se tornado dono do café, em 1910, ao se associar ao então proprietário o
Sr. Bento da Silva Braga, formando a firma Braga e Meirelles.
46
Muito ao longe... Depois Leitão sorrindo,
Descreve a dura vida de um pirata.
Depois o Tangerini calmamaente,
De improviso recita alegremente
Uma poesia linda como o amor!
A roda fica besta novamente,
Gonzaga então levanta sorridente
E murmura um soneto de valor...
52
Alguns autores afirmam que foi em 1922 que os boêmios de Niterói passaram a se
encontrar no Café Paris
53
. Almeida, entretanto, contesta essa data, citando Lourenço Araujo
que afirma:
Não é certo que a “roda” literária do Café Paris
se tenha formado em 1922. O Café já existia
desde 1898, e nele se reuniam, ainda nos
primeiros tempos, segundo consta, jornalistas e
poetas, para trocar idéias sobre literatura e
política. Em 1913, quando comecei a freqüentá-
lo, já ali se encontrava o “Cenáculo
Ambulante”
54
.
Maia Forte
55
, também questionando-se sobre o momento em que os encontros
intelectuais passaram a se realizar no Café Paris, aponta o surgimento da roda boêmia, num
período anterior a 1922. Segundo ele, o costume de realização desses encontros deu-se no
momento da transferência da estação das barcas da Ponte Velha para a Ponte Central -
portanto, em 1908 - e iniciou-se pela ação de um grupo que se reunia, anteriormente, na
Confeitaria do Baptista (Café e Confeitaria Vitória), localizada na rua Marechal Deodoro nº
10, próximo à Ponte Velha. Desse grupo inicial
56
, fazia parte Guilherme Cruz
57
, Joaquim
52
Esse soneto, possivelmente uma obra conjunta dos integrantes da roda do Café Paris, assinado por João de
Nictheroy, foi entregue por Nelson Tangerini, filho de Nestor Tangerini a Wanderlino Teixeira Leite Netto.
Ver: LEITE NETTO, Wanderlino Teixeira. op. cit. p. 15.
53
Lyad de Almeida afirma que Kléber de Sá Carvalho apresenta o ano de 1922 como o momento em que os
boêmios passaram a se reunir no Café Paris. No entanto, esta data é contestada pelo próprio Almeida e por
outros autores, como veremos a seguir.
54
ALMEIDA, Lyad. op. cit. p. 17
55
FORTE, J. M. Maia. op. cit. p. 49-50
56
Os dados referentes aos membros deste grupo foram retirados de FORTE, José Mattoso Maia. op. cit. p. 52,
de LEITE NETTO, Wanderlino Teixeira. op. cit. pp. 234 a 381 e BACKHEUSER, Everardo. op. cit.
57
Guilherme Cruz publicou, em 1906, juntamente com Altino Pires, uma coletânea de poesias.
47
Peixoto
58
, Eurípedes Ribeiro
59
, Isidro Nunes
60
, Altino Pires
61
, Luís de Sousa Dias
62
e
Luciano Gualberto
63
.
Aos poucos, a esse grupo, foram-se juntando novos membros como Luis Pistarini de
Resende
64
, Elias Cabral
65
, Georges Angely (Gil Maia)
66
, Luis Antonio da Costa Junior
67
e
Lourenço Araujo. Havia, ainda, aqueles que freqüentavam esporadicamente o grupo: Max
Vasconcelos
68
, Benjamin Costa
69
, Varron, Bento Barbosa
70
, Lacerda Nogueira
71
, Anísio
Monteiro
72
, Olavo Bastos
73
, Franklin Coutinho
74
, Kléber de Sá Carvalho
75
, entre outros.
Esse grupo, bastante heterogêneo, de intelectuais, composto por professores,
literatos, teatrólogos, poetas e jornalistas, formou o que eles denominaram “Cenáculo
Ambulante”, expressão utilizada para nomear o próprio grupo. Maia Forte explica que eles
utilizavam o adjetivo ambulante porque
58
Joaquim Eugênio Peixoto, niteroiense, foi tabelião, maçom e vereador. Foi um dos fundadores da Academia
Fluminense de Letras. Dirigiu os jornais Vida Fluminense (cuja redação funcionava na sua própria casa na rua
da Conceição n. 138), Gazeta da Manhã, A Cruzada (com Marcel Azevedo, Julio Seabra, Dario Cesário,
Serpa Pinto e Lincoln Pires) e O Diário (com Julio Pompeu, Otávio Kelly, Joaquim de Mello e outros).
59
Eurípedes Dutra Ribeiro foi poeta, professor e jornalista. Como professor fundou em parceria com Osvaldo
Soares de Souza, a Academia Fluminense de Comércio, e, como jornalista, foi diretor da revista A
Constelação (com Luciano Gualberto e Artur Leite) e da revista Cidade Sorriso. Foi membro da Academia
Fluminense de Letras.
60
Isidro Nunes era poeta e jornalista. Trabalhou na revista A Cruzada, de Niterói, e em A Imprensa e na
Gazeta de Notícias, no Rio de Janeiro.
61
Altino Pires trabalhou, até 1905, na revista A Cythara e em A Semana (hebdomadário surgido em Niterói
em 1906) e depois no jornal A Vida Fluminense juntamente com Joaquim Peixoto. Foi o primeiro diretor do
Diário Oficial do Estado e membro da Academia Fluminense de Letras.
62
Luis de Souza Dias era delegado.
63
Luciano Gualberto era médico, nascido em Petrópolis. Escreveu O Rabecão, O Bandolim e A Constelação.
64
Luiz Pistarini nasceu em 1877 na cidade de Resende, Rio de Janeiro. Poeta romântico, publicou os
seguintes livros: Bandolim, Sombrinhas, De luto e Postais, além da obra póstuma Agonias e ressurreições.
65
Elias Cabral trabalhou em vários periódicos da imprensa niteroiense. Fundou com M. Faria, O Apollo, em
1902, trabalhou em O Pharol, em 1906 e foi redator de A Rolha, jornal humorístico surgido em 1907.
66
Georges Angely era petropolitano. Morreu durante a primeira guerra mundial, antes de 1918.
67
Luis Antonio da Costa Junior era professor, inspetor escolar e poeta.
68
Max Vasconcellos era campista. Faleceu jovem, aos 28 anos, deixando inédita sua produção poética.
69
Benjamin Costa era poeta e teatrólogo nascido em Niterói. Publicou uma vasta obra que incluía Primeiras
Canções, Canções da terra virgem (poesia), Amor de condenado (teatro), Céu Tropical, entre outros. No
jornalismo atuou em O Fluminense, Rebate e Jornal das Moças. Morreu em 1954.
70
Bento Barbosa era escritor. Autor do livro No tempo do Café Paris ainda inédito.
71
Nelson de Lacerda Nogueira nasceu em Sumidouro e foi criado em Niterói. Trabalhou na redação de O
Estado ao lado de Mário Alves e de Antonio Noronha Santos. Criou o Arquivo Público e a Biblioteca
Universitária durante o governo de Feliciano Sodré. Elegeu-se deputado à Assembléia Estadual Classista em
1936, vindo a perder seu mandato durante o Estado Novo.
72
Anísio Monteiro era poeta. Escreveu Fogo Sagrado e Lilazes.
73
Olavo Bastos nasceu em Niterói em 1891 e morreu nesta mesma cidade em 1937.
74
Franklin Coutinho era farmacêutico de profissão, mas trabalhava nos Correios. Poeta e trovador, lançou seu
primeiro livro em 1915.
75
Escritor. Colaborou no jornal Letras Fluminenses lançado por Luiz Magalhães, em julho de 1950.
48
o grupo de poetas que o compunha naquela
época, não se reunia somente no Café; este era
escolhido para as ocasiões de mau tempo. Em
caso contrário servia-lhe o ambiente pitoresco,
inteiramente livre das despesas, da orla marítima,
desde o Gragoatá até Icaraí, ou mesmo além
76
.
Os membros da rodinha do Café Paris possuíam outros locais de encontro, como
conta Wanderlino Teixeira Leite Neto:
(...) Como o Café Paris fechava por volta da
meia-noite, os integrantes da “Roda” seguiam de
bonde para São Francisco e iam terminar a
noitada nas mesas do bar do restaurante Lido,
que só bem mais tarde encerrava o expediente.
77
É o mesmo Teixeira Leite Netto que chama a atenção para o fato de que grande
parte da produção literária dos membros da grupo do Café Paris se tenha perdido, devido
justamente à sua condição de cenáculo ambulante e ao suporte efêmero utilizado por eles
para a escrita de seus textos :
(...) Lamentavelmente, muito da produção
literária desse grupo de boêmios perdeu-se, já
que seus integrantes tinham por hábito escrever
em papel de embrulhar pão ou no verso do papel
prateado de maços de cigarro. A maioria
abandonava seus escritos nas mesas do Café
Paris ou do Lido, à mercê de uma vassoura
iletrada.
78
Embora a produção literária que se forjava nas mesas desses bares e restaurantes
tenha se perdido e não possa hoje testemunhar a existência deste grupo de literatos, seus
membros deixaram relatos e testemunhos que, recontados freqüentemente por aqueles que
os conheceram ou os admiravam, mantém um registro de sua memória. Além disso, os
membros do Café Paris deixaram escritos em periódicos, em livros e até mesmo em versos,
as suas histórias.
76
FORTE, J. M. Maia. op. cit. p. 53.
77
LEITE NETTO, Wanderlino Teixeira. “Passeio das letras na taba de Araribóia”. Dança das cadeiras:
história da Academia Niteroiense de Letras (junho de 1943 a setembro de 2000). Niterói: Imprensa Oficial,
Rio de Janeiro: Livraria Ideal, 2001, p. 14.
78
LEITE NETTO, Wanderlino Teixeira. op. cit., p. 14.
49
O “Cenáculo Ambulante” que começou a partir da reunião de um pequeno grupo de
jovens literatos, foi, com o passar do tempo, ampliando-se cada vez mais e novos membros
foram sendo incorporados à roda literária do Café Paris. Maia Forte cita por exemplo, os
nomes de Quaresma Junior
79
, Raul de Leoni, Salomão Cruz, Renato Vianna
80
, Nestor
Tangerini
81
, Mazini Rubano
82
, Luis Leitão
83
, Jefferson Ávila Junior
84
, Gomes Filho
85
,
Benedito Montes
86
, Homero Pinho
87
, Luiz Gonzaga, Trinas Fox
88
e Paula Aquiles.
Esses letrados exerciam, muitas vezes, atividades como profissionais da imprensa,
visto ter sido o jornalismo, no início do século, uma freqüente porta de entrada para o
mundo literário. Era principalmente através dos jornais, que os literatos tornavam-se
conhecidos do publico leitor e reconhecidos pelos seus pares, passo fundamental para
conseguir a publicação de seus livros
89
. Assim, esses homens de letras, que se dedicavam à
imprensa, formavam um outro grupo de assíduos freqüentadores do Café Paris. Segundo o
testemunho de Maia Forte, os jornalistas
(...) faziam do Café seu ponto de apoio fora da
redação. (...) Era o local em que se tomavam
decisões de toda ordem, faziam-se consultas aos
79
José Quaresma de Moura Junior foi jornalista e teatrólogo.
80
Renato Vianna utilizava o pseudônimo de Dr. Calazans. Era carioca, empresário e teatrólogo. Fundou, em
Porto Alegre, o Teatro Anchieta e a Escola de Arte Dramática.
81
Nestor Tangerini nasceu em Piracicaba, em 1896, e morreu no Rio de Janeiro, em 1966. Foi professor de
português, funcionário dos Correios e redator de diálogos nas revistas teatrais. Pertenceu à União Brasileira de
Compositores e a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais.
82
Mazzini Rubano nasceu em Niterói, em 1905 e morreu em Belo Horizonte, em 1956. Trabalhou em diversos
jornais da cidade de Niterói. Publicou o livro de poesias A Mulher e o Pecado.
83
Luis Antonio Gondim Leitão (Lili Leitão) nasceu em Niterói, em 1890. Foi jornalista, humorista, teatrólogo
e poeta.
84
Jefferson Ávila Junior era caricaturista e ilustrador. Nasceu em Salvador, em 22 de maio de 1898.
Colaborou nas revistas D. Quixote, Farpas e Revista Brasileira, e ainda com O Malho, A Careta, O Jornal, A
Pátria e A Nação. Foi diretor artístico da editora Costallat & Micoles e correspondente dos jornais cariocas O
Globo, A Nação e a Gazeta de Notícias. Foi fundador da Associação Fluminense de Jornalistas e da Academia
Niteroiense de Letras, além de secretário do jornal niteroiense O Estado e diretor do museu Antonio Parreiras,
em Niterói.
85
Eduardo Luís Gomes Filho era carioca. Foi radialista, professor e poeta. Trabalho em O Dia e no Diário do
Estado, além de na Rádio Educadora do Brasil. Foi membro da Associação Fluminense dos Jornalistas, da
associação Brasileira de Escritores, da Academia Campista de Letras e do Cenáculo Fluminense de História e
Letras.
86
Benedito Cândido de Magalhães Montes nasceu em Niterói, em 1881. Foi compositor e poeta. Com o
pseudônimo de B. dos Alpes trabalhou em diversos jornais do Rio de Janeiro e de Niterói.
87
Homero Pinho foi membro da Academia Fluminense de Letras e prefeito de Niterói.
88
Trinas Fox era desenhista. Filho do também desenhista Joaquim Trinas, conheceu desde a adolescência dos
ambientes literários do Café Papagaio e da Colombo, no Rio de Janeiro, vindo depois a freqüentar o Café
Paris.
89
GONTIJO, Rebeca. Manoel Bomfim (1868-1932) e o Brasil na história. Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 2001 (dissertação de mestrado), p. 3.
50
amigos, preparavam-se alguns sueltos para o
jornal do dia seguinte ou até mesmo redigia-se o
artigo de fundo da próxima edição.
90
.
Agrupando um número considerável de indivíduos e grupos dedicado à vida
intelectual da cidade, a “rodinha” do Café Paris, para celebrar e legitimar sua importância
no mundo das letras de Niterói, estabeleceu práticas rituais, onde se forjavam a legitimação
e a memória do grupo, imitando assim, os ritos encenados no templo máximo das letras
nacionais, a Academia Brasileira de Letras. Foi criada, assim, uma cerimônia entre os
membros do grupo que os transformava em atores de uma encenação que os legitimava uns
diante dos outros. Bem como na Academia Brasileira de Letras, onde as práticas
“encenavam a imortalidade”
91
, os membros da roda do Café Paris forjaram, aos poucos,
uma identidade para o grupo.
Mas – como em uma academia -, ao mesmo tempo que evocavam o passado através
de ritos, para consolidar uma identidade e uma memória, deviam visar também mecanismos
de incorporação de novos sócios que garantiriam a manutenção do grupo e/ou da
instituição.
Assim, como nas práticas acadêmicas, ganham destaque os rituais realizados nas
sessões destinadas a receber os novos sócios eleitos. Segundo El Far, era nessas sessões, na
Academia Brasileira de Letras, que “mediante uma teatralização minuciosamente
delineada”, os acadêmicos sublinhavam a importância da vida e da obra dos novos
sócios
92
:
(...) Depois de eleitos, os novos membros eram
recebidos na qualidade de acadêmicos por seus
colegas numa assembléia extraordinária aberta
ao seleto público da elite carioca. Ou seja,
através de uma encenação planejada em todos os
seus detalhes, reafirmavam-se perante a
sociedade, simultaneamente, o valor institucional
de uma agremiação literária e o vínculo
genealógico entre seus integrantes
93
.
90
FORTE, J. M. Maia. op. cit. p. 55.
91
EL FAR, Alessandra. A encenação da imortalidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.
92
EL FAR, Alessandra. op. cit. pp. 96-108.
93
EL FAR. op cit. p. 97.
51
Parodiando os rituais da Academia, o grupo do Café Paris criou também seus
próprios ritos para controlar e recepcionar os candidatos à “imortalidade” no Cenáculo
Ambulante. Lourenço de Araújo relata, em depoimento no jornal Letras Fluminenses
94
, as
formas utilizadas para a admissão de novos indivíduos ao grupo:
(...) a boêmia, no tempo do Café Paris, era tal
qual uma religião, uma “seita superior”. O
boêmio que pretendesse ingressar na roda tinha
que possuir certos predicados, talento, razoável
cultura (quando menos) e, também, quando
menos, algum espírito, alguma verve. O recém-
admitido, o noviço recebia um batismo. Um
veterano trazia pelo braço o iniciado e o
apresentava ao grupo no posto de comando (PC)
que ficava no Café e se dirigiam para os jardins
públicos, de preferência o Jardim Pinto Lima e
Campo de São Bento, ou então, para as praias de
Gragoatá (...), de Icaraí ou de São Francisco. E
realizava-se o batismo. (...) Formávamos uma
ciranda, uma roda. O candidato a imortal ficava
no centro, baixava, então, o espírito de Jesus
Cristo, como dizíamos, e falava o veterano
encarregado de receber o “bicho”, que agradecia
em seguida. Mas todos nós orávamos.
95
A encenação realizada garantia, assim como a da Academia, a legitimidade dos
boêmios do Café Paris como grupo intelectual, criando uma verdadeira genealogia que
estabelecia a interação necessária, embora fictícia, entre os membros do grupo, forjando,
desta forma, a existência da agremiação
96
.
94
O jornal Letras Fluminenses foi criado, em 1950, por um grupo formado por Luiz Magalhães, Aurélio
Zaluar. Geir Campos, Sávio Soares de Souza, Arino Peres, Lyad de Almeida, Edson Rodrigues Chaves, Hélio
Alves de Araujo, Luiz Palmier, Maurílio Gouvêa, Renato de Lacerda e Elmo Tavares. Inicialmente a
publicação ficou sob a responsabilidade de Luiz Magalhães, Luiz Palmier, Maurílio de Gouvêa, Renato de
Lacerda e Elmo Tavares. Mais tarde, porém, Luiz Magalhães passou a cuidar sozinho da publicação que teve
periodicidade incerta tendo sofrido diversas e prolongadas interrupções.
Devo esta informação a Wanderlino Teixeira Leite Neto que me facultou a leitura de sua obra ainda inédita
Passeio das letras na taba de Araribóia.
95
ALMEIDA, Lyad. op. cit. p. 39.
96
Alessandra El Far cita o discurso de recepção de Lévi-Strauss na Academia Francesa, em 1974, momento
em que ele destaca a importância dessas práticas de recepção, afirmando que “as instituições só conseguem
adquirir legitimidade e desempenhar um papel relevante no seio do corpo social ao repousarem sobre dois
princípios o da “constância” e o da “exigência de filiação”, que visam a consistência e a durabilidade. A
constância significa, na visão do etnólogo, a fusão de um grupo de sujeitos enquanto membros de um mesmo
estabelecimento. Não importa o valor individual de cada um, e sim a maneira pela qual esse valor interage
com os demais no viés institucional. A exigência de filiação, por sua vez, remete à necessidade de fixar uma
52
1.2.3) Em Niterói, boemia rima com academia:
O espaço de produção intelectual na cidade é ainda mais extenso. Nos anos 10, 20 e
30, a informalidade dos encontros nos cafés acompanhou a crescente institucionalização da
vida literária na cidade, com a criação de diversas academias, que se tornaram importantes
espaços de sociabilidade intelectual em Niterói.
A primeira associação de letrados foi fundada na cidade, em 1859, o Instituto
Niteroiense, mais tarde, foi criado, em 1861, o Ateneu Niteroiense, sob a presidência do
senhor José Joaquim Vieira Souto, seguidos ainda por outros, de vida mais efêmera, como
o Instituto Pedagógico, presidido pelo professor Guilherme Briggs e o Congresso Literário
Guarani.
Em 1909, foi fundada na cidade uma importante Academia, o Instituto Histórico e
Geográfico do Estado do Rio de Janeiro, que funcionou, de forma precária, até 1918. Desta
instituição faziam parte Simões da Silva, Agrippino Grieco, Oliveira Vianna, José Geraldo
Bezerra de Menezes e Quintino Bocayuva, entre outros.
Mas, a mais importante academia criada na cidade, no início do século XX foi a
Academia Fluminense de Letras. Sua história remonta ao ano de 1906, quando
Epaminondas de Carvalho, Quaresma Junior e Joaquim Peixoto começaram a alimentar a
idéia de criar em Niterói uma academia de letras de âmbito estadual. Durante cerca de dez
anos, o grupo amadureceu a idéia até que, em 1916, passou a se reunir mais freqüentemente
na sede do Cartório Peixoto para organizar institucionalmente a academia. Inicialmente
criou-se uma lista de adesões que chegou a reunir cerca de 72 nomes e imaginou-se criar
uma comissão para avaliar os currículos daqueles que pretendiam tornar-se futuros
acadêmicos. A primeira comissão organizada, composta por Alberto de Oliveira
97
, Luiz
Murat
98
e Alcindo Guanabara
99
desfez-se depois da morte desse último
100
. Tentou-se, então,
linha temporal que ligue as pessoas numa vertente genealógica. Apesar de ser em parte fictícia, é essa
genealogia que vai garantir a existência da agremiação”. Ver: EL FAR, Alessandra. op.cit. p. 98.
97
Alberto de Oliveira nasceu em Saquarema, em 1859. Poeta parnasiano, foi fundador, ao lado de Machado
de Assis e de Lúcio de Mendonça da Academia Brasileira de Letras. Publicou Meridionais, Alma das cousas,
Lição da Pátria, Canções Românticas, Alma em Flor, Sonetos e Poemas, Ramo de Árvore, Versos e rimas,
Por amor de uma lágrima e Livro de Emma.
98
Luiz Norton Barreto Murat nasceu em Itaguaí, em 04 de maio de 1861. Formou-se na faculdade de direito
de São Paulo, em 1883. Colaborou com os jornais A Gazeta de Notícias, A Cidade do Rio e O Paiz. Foi
deputado constituinte em 1891 e deputado federal pelo Rio de janeiro, em 1909. Poeta, publicou os seguintes
livros: Quatro poemas, A última noite de Tiradentes, O faquir, Ondas e Poesias escolhidas.
53
Carta de Oliveira Vianna citada em NOGUEIRA, Lacerda. A Academia Fluminense
de Letras: subsídios autobiográficos pertinentes ao histórico da instituição. Rio de
Janeiro: Gráfica do Jornal do Comércio S. A.
,
29 de
j
ul. 1943.
formar uma nova comissão com Oliveira Vianna e os irmãos Gastão e Artur Briggs. A idéia
fracassou, de novo, em função da recusa daqueles que a formariam. Oliveira Vianna
recusou-se a cumprir esse papel de avaliador, alegando que ele não possuía conhecimentos
literários suficientes para desempenhá-lo, como se pode ver pela carta enviada por ele
101
:
99
Alcindo Guanabara nasceu em Magé, em 1865. Cursou a faculdade de medicina, mas não chegou a concluir
o curso por falta de recursos. Colaborou nos jornais Novidades, A República, Gazeta da Tarde, O Correio do
Povo, Jornal do Comércio, A Imprensa e O Paíz. Foi deputado e senador. Foi fundador do jornal A Tribuna e
da Academia Brasileira de Letras. Publicou: História da Revolta, A Presidência de Campos Sales e Discurso
Fora da Câmara.
100
As fontes consultadas afirmam que foi a morte de Alcindo Guanabara que impediram o funcionamento
desta primeira comissão. Entretanto, esta morte só se deu em agosto de 1918, enquanto que a segunda
comissão foi organizada ainda em 1917 e as escolhas dos primeiros acadêmicos ocorreu em julho de 1918.
Isso leva a crer que foram outros os motivos que determinaram a dissolução da primeira comissão.
101
A carta diz: Ilmo. Sr. Homero Pinho, Tenho em mãos o ofício que V. Ex. me dá conta da resolução da
Academia de Letras Fluminense, designando-me para membro da Comissão julgadora das obras dos
candidatos às cadeiras da mesma Academia. Tardei na resposta, porque o referido ofício só agora me chega
às mãos, recambiado, como foi, de Niterói, para aqui. Grande desvanecimento teria em poder atender o
apelo, com que, por proposta de meu prezado confrade sr. Ricardo Barbosa tanto me distinguiu a Academia.
Entretanto, razões grandes me sobejam para não aceitar a generosa incumbência, entre as quais está a da
impossibilidade de não poder comparecer às reuniões da Comissão aí. Visto como motivos de saúde me
obrigam a prolongar por tempo não pequeno a minha estadia em terras de Minas. Demais, não me julgo com
a competência bastante para o julgamento das obras puramente literárias, como devem ser na sua maioria,
as obras sujeitas ao estudo e ao juízo da comissão. Excuse-me V. Ex., com estas razões perante a Academia,
da qual V. Ex. é muito digno secretário, e muito grato lhe ficará o conterrâneo e admirador. Francisco José
de Oliveira Vianna. Barbacena, 03.04.918”.
54
Interessante pensar que Oliveira Vianna tenha recebido esse convite em 1917, alguns anos
antes de publicar o seu primeiro livro. O convite demonstra que, apesar de ainda não ter
publicado livros, Vianna já possuía na cidade um reconhecimento como homem de letras
que, certamente, se devia à sua produção na imprensa. Aliás, a produção intelectual
divulgada através dos periódicos e jornais era justamente o que servia para legitimar a
entrada dos intelectuais nessa e outras academias da época. Com relação especificamente à
Academia Fluminense de Letras, cabe reproduzir a fala de seu secretário perpétuo, Lacerda
Nogueira, demonstrando que a inexistência de livros publicados e o reconhecimento
intelectual a partir da produção publicada na imprensa era uma característica comum aos
acadêmicos:
Geralmente os que se candidatavam à Academia
não tinham livros publicados, mas davam imenso
valor à colaboração de todos os tempos na
pequenina e simpática imprensa dos municípios
ou na desta cidade, aliás modestíssima.
Recortavam o que era estampado e esperavam um
dia tudo reunir num volume que os recomendasse
à posteridade... Os médicos nunca olvidavam suas
teses; e muitos outros literatos arrolavam inéditos
em prosa e poesia prestes a receberem o
“benefício da imprensa”.
102
Assim, em 22 de julho de 1917, foi fundada a mais importante das academias de
intelectuais da cidade, a Academia Fluminense de Letras. Os 40 imortais
103
só foram
escolhidos no dia 14 de julho de 1918, e sua instalação oficial só foi decretada em 11 de
agosto de 1919, no prédio da Escola Normal de Niterói
104
. A inauguração da Academia não
102
NOGUEIRA, Lacerda. A Academia Fluminense de Letras: subsídios autobiográficos pertinentes ao
histórico da instituição (separata do vol. X da Academia Fluminense de Letras). Rio de Janeiro: Gráfica do
Jornal do Comércio S. A., 29 de jul. 1943.
103
Os 40 membros fundadores da Academia Fluminense de Letras foram: Agenor de Roure, Alvaro de Castro
Menezes, Antonio Lamego, Arthur Nunes, Altino Pires, Armando Rodrigues Gonçalves, Alceste Fróes da
Cruz Ribeiro, Alfredo Rangel, Adelino Magalhães, Armando Negreiros, Belisário de Sousa Junior, Emilio
Kemp, Ernesto Paixão, Eurípedes Ribeiro, Epaminondas de Carvalho, Horácio Campos, Homero Pinho,
Ildefonso Falcão, Joaquim Lacerda, Julio Salusse, Joaquim Peixoto, Jonathas Botelho, José Quaresma de
Moura Junior, J. Cortes Junior, Lopes Trovão, Luciano Gualberto, Mucio da Paixão, Mendonça Pinto, Mattos
Cardoso, Martins Teixeira Junior, Nelson de Lacerda Nogueira, Olavo Guerra, Olavo Bastos, Olympio de
Castro, Osório Dutra, Oliveira Vianna, Ricardo Barbosa, Serpa Pinto, Salomão Cruz e Teixeira Leite Filho.
104
A Academia Fluminense de Letras funcionou sem sede própria até novembro de 1927, quando o presidente
do estado do Rio de Janeiro, Feliciano Pires de Abreu Sodré, promulgou a lei n. 2162, prevendo a sua
instalação no prédio da Biblioteca Pública Estadual , na Praça da república s/nº, no centro da cidade. A nova
55
resultou no sucesso esperado pelos seus mentores. No dia marcado compareceu apenas a
metade dos acadêmicos e o auditório estava, na opinião de um de seus membros, bastante
vazio
105
. Mesmo assim, apesar do fracasso desse evento inaugural, a Academia passou a
reunir, em seu quadro social, os principais homens de letras da cidade, dividindo-os em
quatro classes distintas: letras, belas artes, ciências e ciências políticas e sociais.
A institucionalização do mundo das letras não significou, porém, o fim do grupo
boêmio do Café Paris. Ao contrário, os membros desse grupo continuaram reconhecidos
como legítimos representantes da intelectualidade da cidade. Em seu discurso de posse na
Academia Fluminense de Letras, Kleber Sá Carvalho, chama a atenção para a permanência
da importância da “roda” do Café Paris, no “petit monde” intelectual de Niterói:
Á época da fundação da Academia, dois grupos se
defrontavam definidos na vida intelectual da
cidade. De um lado Quaresma Junior, Joaquim
Peixoto, Lacerda Nogueira, Salomão Cruz e
vários outros que, segundo a irreverência dos não
acadêmicos, eram aristocratas da pena que
sonhavam com o pomposo fardão de general das
letras. O outro, um numeroso grupo de moços,
promessas e realidades, que negavam, criticavam
e aplaudiam, à maneira de uma turba inquieta,
boêmia, quase traquinas, de seta em unho,
estalando vidraças.
106
Na verdade, esses dois grupos não se opunham tão frontalmente quanto faz parecer
o discurso acima. Analisando os nomes das pessoas que faziam parte do grupo do Café
Paris, bem como daqueles que vieram a formar a Academia Fluminense de Letras, percebe-
se uma série de coincidências
107
.
É o próprio Kléber Sá de Carvalho que, praticamente contradizendo-se, afirma:
Não! Esse grupo chefiado por um acadêmico (...)
não combatia a Academia. Buscava um lugar ao
sol. Reagia e produzia assaltando salões,
invadindo reações, forçando seu público,
impondo o valor de cada um.
108
.
sede foi finalmente inaugurada em 06 de setembro de 1934. A esse respeito, ver: NOGUEIRA, Lacerda. op.
cit. p. 45 e LEITE NETTO, Wanderlino Teixeira. op. cit. p. 19.
105
NOGUEIRA, Lacerda. op. cit. p. 27.
106
ALMEIDA, Lyad de. op. cit. p. 34.
107
A esse respeito, consultar quadro Anexo 1.
108
ALMEIDA, Lyad de. op. cit. p. 36.
56
Muitos nomes da “roda” do café Paris vieram a se tornar importantes membros da
Academia Fluminense de Letras. Um caso exemplar é o de Nelson de Lacerda Nogueira,
um dos principais membros fundadores da Academia. Primeiro ocupante da cadeira de n º
38, Nogueira viria a representar, segundo Emmanuel de Macedo Soares, “a própria alma
da instituição, da qual seria secretário perpétuo”
109
.
Um outro exemplo é o de Luiz Pistarini de Rezende. Membro da boemia do Café
Paris, Pistarini, falecido em 1918, foi escolhido para patrono da cadeira número 27 da
Academia.
Olavo Bastos, outro freqüentador do Café Paris, tornou-se também membro da
Academia Fluminense de Letras. Considerado, segundo Maia Forte, “o último dos boêmios
românticos”, Bastos chamava a atenção por “comparecer às solenidades da Academia
Fluminense de Letras de fraque, calças listradas, camisa de peito duro e polainas
brancas”
110
.
Além desses, pode-se ainda citar os exemplos de José Quaresma de Moura Júnior,
Salomão Vergueiro da Cruz e Homero Soares Pinho que, como participantes do
Cafelogeu
111
, tornaram-se integrantes da Academia Fluminense de Letras.
A caracterização desse intercâmbio permite acentuar a importância do Café Paris
como lugar de sociabilidade intelectual em Niterói. A reconstituição desse processo
demonstra que é comum o fato de as academias nascerem da iniciativa particular de um
grupo de homens, em torno dos quais um círculo de amigos passa a se reunir
periodicamente
112
. O itinerário do mundo das letras em Niterói – do Café Paris à Academia
Fluminense de Letras – parece confirmar a idéia de que “na história dos cafés estão
109
BACKHEUSER, Everardo. op.cit. p. 246.
110
FORTE, J. M. Maia. op. cit. p. 55.
111
Cafelogeu era um neologismo utilizado pelos intelectuais para identificar o Café Paris. Segundo Maia
Forte, foi criado “(...) numa evidente alusão ao Silogeu Brasileiro, outro neologismo inventado para designar
o prédio, já demolido, que ficava na esquina da avenida Augusto Severo e Rua Teixeira de Freitas, no bairro
da Lapa, no Rio de Janeiro, e onde se agrupavam então diversas associações literárias e científicas, v. g. a
Academia Brasileira de Letras, o Instituto dos Advogados, a Academia Nacional de Medicina e o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro”. FORTE, J. M. Maia. op. cit. p. 54.
112
Esta observação é feita por Alain Viala ao estudar a história das academias francesas. Ver: VIALA, Alain.
Naissance de l´écrivain. Paris: Les éditions de Minuit, 1985, p. 18.
57
impressas as histórias das vanguardas artísticas e intelectuais das mais diferentes
nacionalidades”
113
.
Durante algum tempo, a informalidade da “roda” do Café Paris conviveu com a
formalidade das Academias. A boemia literária freqüentava o ambiente sisudo das
academias que se formavam na cidade numa perfeita convivência intelectual. Essa situação
durou até o início dos anos 30, quando uma tragédia ameaçou os freqüentadores do Café
Paris, pois o prédio onde ele se localizava pegou fogo.
No último domingo de janeiro de 1933, uma explosão no depósito da Casa Borges,
localizada na rua da Conceição, número 27, ameaçou destruir todos os prédios antigos
localizados naquele quarteirão do centro da cidade. Os bombeiros conseguiram controlar o
fogo. Mas, no dia seguinte, outro incêndio de maiores dimensões acabou por destruir o
Café Paris. Segundo relatos de testemunhas, o fogo começou no prédio da rua Visconde do
Rio Branco, número 409, onde funcionava o Bazar Souza Marques. Rapidamente, as
chamas se propagaram para a Drogaria Barcellos, que ficava no prédio vizinho. A maior
atenção dos bombeiros dirigiu-se para isolar a Casa Pinto onde ficava um grande depósito
de fogos de artifícios. Apesar de vitoriosos na estratégia de isolamento do estabelecimento
comercial, os bombeiros não conseguiram evitar a destruição do bar A Garota e os
prejuízos causados ao Café Paris.
O incêndio significou um grande golpe nas atividades comerciais do Café ao mesmo
tempo que desencadeou o início da dispersão do grupo boêmio. Mas o fim do Café Paris só
viria mesmo a ocorrer alguns anos depois, em 1942, quando, por ocasião da abertura da
Avenida Amaral Peixoto, todo o quarteirão onde se localizava o café foi demolido
114
.
Antes mesmo que o citado incêndio desse início à lenta e irreversível dispersão do
grupo do Café Paris, outros movimentos literários
115
, formados por jovens estudantes,
começaram a se organizar na cidade. Foram atividades marcadamente estudantis realizadas,
principalmente, nos estabelecimentos de ensino. Dentre estes movimentos podemos citar a
organização do Grêmio Cultural Alberto de Oliveira no Ginásio Bittencourt Silva, que
funcionou de 1927 a 1931; o Grêmio Literário Barão de Teffé, idealizado, em 1926, por
113
VELLOSO, Monica Pimenta. op. cit. p. 51.
114
Maiores informações sobre o incêndio e o fim do Café Paris podem ser obtidas em: FORTE, José Mattoso
Maia Forte. op. cit. p. 58-60.
115
sobre estes movimentos, ver: LEITE NETO, Wanderlino Teixeira. op. cit. p. 20.
58
Eudes Casimiro Costa Marques, - aluno do Colégio Brasil, - juntamente com seus
companheiros Vicente Guanabarino, Almir Guimarães, Murilo Soares e Luiz Negreiros; o
Grêmio Rio Branco, fundado em 1925 por alunos do Colégio Abílio. Sua atividades eram
divulgadas através do jornal O Discípulo; e o Grêmio Literário Euclides da Cunha que
funcionava no colégio Brasil.
Um outro importante movimento literário estudantil organizado na cidade foi a
criação da Academia de Letras dos Universitários Fluminenses
116
. Fundada em 30 de
outubro de 1934, na Faculdade de Direito de Niterói, a Academia compunha-se de Macário
de Lemos Picanço, Raul de Oliveira Rodrigues, Marcos Almir Madeira, Julio Kahl, Rocha
Lourenço, Ernani Carvalho, João Pires, Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes, Brígido
Fernandes Tinoco, Durval de Almeida Batista Pereira, Carlos Ramos, Antonio da Silva
Mendes, Pascal de Souza Fontes e Hélio Sodré.
Apesar do surgimento de outros grêmios literários, o grupo do Café Paris rendeu
ainda muitos frutos demonstrando que, em Niterói, a relação entre a boemia literária e as
academias não se limitou apenas à Academia Fluminense de Letras. Maia Forte assinala
que
o manancial de talentos entre os que conviviam
no Cafelogeu era tão generoso que não supriu
apenas a Academia Fluminense, mas transbordou
para o Cenáculo Fluminense de História e Letras
e para a Academia Niteroiense de Letras
117
.
O Cenáculo Fluminense de História e Letras foi fundado em setembro de 1924 a
partir da alteração na denominação da Academia Fluminense de História e Letras, criada
um ano antes. Os principais membros do Cenáculo Fluminense eram: Amadeu de
Beaurepaire Rohan, Lourenço de Araújo, Alfredo Costa Arantes, Vitorino Honorato Lopes,
Gustavo Cruvello D´Ávila, Ney Leôncio Mouzinho, Francisco de Assis Furtado Memória,
Valério Cruvello D´Ávila, Ulisses Tranquilino de Vasconcelos e Leopoldo Raimundo
Teodoro Eugênio Leford Varon
118
. O Café Paris foi novamente o cenário do nascimento
dessa instituição. Em entrevista ao jornal Letras Fluminense, número 9, Lourenço Junior
descreve a criação do Cenáculo:
116
LEITE NETO, Wanderlino Teixeira. op. cit. p. 21.
117
FORTE, J. M. Maia. op. cit. p. 56.
59
Em setembro de 1923, o conde Amadeu de
Beaurepaire Rohan, tornara a reunir no Café
Paris, e juntamente com Ângelo Eliseu e comigo,
organizara o Cenáculo Fluminense, constituído,
em grande parte, com os elementos do “Cenáculo
Ambulante”. Em 1924, numa reunião realizada
na residência do Dr. Sebastião Lessa, o Cenáculo
passou a chamar-se Academia, para, mais tarde,
por proposta de Olavo Bastos, transformar-se no
Cenáculo Fluminense de História e Letras...
119
Além do Cenáculo Fluminense de História e Letras, o grupo de boêmios do Café
Paris esteve também na origem da Academia Niteroiense de Letras, fundada em 1943.
A fundação dessa Academia, no entanto, remonta a uma importante disputa
intelectual, desencadeada vinte anos antes entre dois destacados intelectuais niteroienses:
Lacerda Nogueira, secretário perpétuo da Academia Fluminense de Letras, e Armando
Gonçalves, diretor da Escola Normal de Niterói. Emmanuel de Bragança Macedo Soares
assim comenta a briga ocorrida em 1921:
Armando participara da fundação da Academia
Fluminense de Letras, quatro anos antes, mas
nela não se sentiu a vontade, desafeiçoando de
Lacerda Nogueira, que desde logo se fez
condestável do grêmio. Tinha ali outros desafetos,
como Horácio Campos. Então renunciou à
imortalidade. Daí resultou reforma estatutária,
casuística, vedando de então por diante o direito
à renúncia. Pois bem: Armando reuniu alguns
jovens descontentes, que não haviam sido
considerados merecedores da láurea acadêmica,
chamou outros que encontraram também
fechadas as portas da Academia, porque não
eram, como exigiam os estatutos, fluminenses de
berço. Por fim, se escudou no prestígio do general
Anápio Gomes, que tinha lá a sua queda pela
literatura, fundando a Academia Livre de Letras.
Esta, como a camélia de Benedito Lacerda deu
dois suspiros e depois morreu.
120
118
LEITE NETO, Wanderlino Teixeira. op. cit. p. 20.
119
citado por ALMEIDA, Lyad de. op. cit. p. 35.
120
citado por LEITE NETO, Wanderlino Teixeira. op. cit. , p. 45-46.
60
O desejo de fundar uma academia que, de alguma forma, concorresse com a
Fluminense de Letras permaneceu vivo em Armando Gonçalves. Assim, dez anos mais
tarde, em 1931, ele fez uma nova tentativa. Reunindo em torno de si jovens estudantes e
poetas, entre eles Raul de Oliveira Rodrigues, Brígido Tinoco, Geraldo Bezerra de
Menezes, Myrtharístides de Toledo Piza, Francisco Pimentel, José Nazareth e ainda o bispo
Dom José Pereira Alves, o professor Edésio Barbosa, o advogado Telles Barbosa, além de
Carlos Américo Castrioto, Armando Gonçalves deu início a um novo grêmio literário.
Reunindo-se um dia na Faculdade de Direito, outro no Liceu Nilo Peçanha, ou na casa de
Castrioto, promoveram reuniões e elaboraram planos e idéias. Mas a força do grupo foi
sendo abalada com as eleições sucessivas do bispo D. José e de Telles Barbosa e, mais
tarde, de Brígido Tinoco, Carlos Castrioto e Melchíades Picanço para a Academia
Fluminense de Letras
121
.
Esse grêmio literário, por muitos considerado o precursor da Academia Niteroiense
de Letras, não deve ser confundido com essa última instituição, efetivamente criada em 11
de junho de 1943. Na opinião de Wanderlino Teixeira Leite Neto,
a verdade, já agora inconcussa, é que o grupo a
que nos temos referido teria sido o precursor de
nossa Academia. Precursor ou predecessor é, no
mais trivial da sua conceituação, o que vem antes
de alguém ou de algum acontecimento para
anunciar a sua chegado ou aparecimento. Mas o
precursor jamais poderá se confundir com o
precedido.
122
Assim, apesar de se considerarem herdeiros do grêmio literário fundado por
Armando Gonçalves, os membros da Academia Niteroiense de Letras acreditam que a
instituição criada em 1943 guarda diferenças fundamentais em relação à agremiação
anterior.
A reunião inaugural da Academia Niteroiense de Letras ocorreu, em 11 de junho de
1943, na sala em que funcionava o gabinete do diretor do Departamento de Educação do
121
ver a esse respeito: LEITE NETO, Wanderlino Teixeira. op. cit. p. 43-45.
122
LEITE NETO, Wanderlino Teixeira. op. cit. , p. 45.
61
Estado do Rio de Janeiro, Rubens Falcão, localizado no prédio da Biblioteca Pública
Estadual, no centro da cidade
123
.
O grupo da Academia Niteroiense de Letras originou-se não somente da antiga
“roda” do Café Paris mas também do grupo que havia formado a Academia de Letras dos
Universitários Fluminenses o que significa dizer que grande parte de seus membros vieram
da Faculdade de Direito de Niterói.
Durante essa primeira reunião foi aprovada uma diretoria provisória composta de
Myrtharístides de Toledo Piza, presidente, Francisco Pimentel, secretário e Lealdino Soares
de Alcântara, tesoureiro. Em 10 de julho de 1943, uma segunda reunião realizada no
mesmo local da anterior, confirmou o nome dos patronos das 40 cadeiras, propostos pelo
presidente provisório
124
. A partir daí, teve início efetivamente a Academia Niteroiense de
Letras que teve intensa atividade até o ano de 1957, a partir de quando viveu um intervalo
em sua produção que durou até 1972, data a partir da qual ela se reorganizou compondo
uma nova diretoria.
Em 1973, uma reforma nos estatutos da agremiação criou mais dez cadeiras,
elevando para cinqüenta o número de acadêmicos. Na assembléia geral realizada no dia 19
de junho daquele ano, quatro novos patronos foram designados: Oliveira Vianna, Ismael
Coutinho, Levi Carneiro e Melchíades Picanço. Ainda em outubro de 1943, foram
escolhidos os demais patronos das outras seis cadeiras: Leopoldo Fróes, Luiz (Lili) Leitão,
Everardo Backheuser, Américo de Castro, Benjamin Constant e Agripino Grieco. Nesta
mesma ocasião, Raul de Oliveira Rodrigues propôs que a cadeira de número 36 que possuía
123
Estiveram presentes e por isso foram considerados membros fundadores, os seguintes acadêmicos: Antonio
Santa Cruz Lima, Brígido Tinoco, Carlos Alberto Lúcio Bittencourt, Dulcydides de Toledo Piza, Francisco
Martins de Almeida, Francisco Pimentel, Geraldo montedônio Bezerra de Menezes, Guaracy de Albuquerque
Souto Mayor, Heitor Luiz do Amaral Gurgel, Horácio Pacheco, Jefferson D´Ávila Junior, José Pinto
Nazareth, Lealdino Soares Alcântara, Macário de Lemos Picanço, Marcos Almir Madeira, Myrtharístides de
Toledo Piza, Raul de Oliveira Rodrigues, Rubens Falcão, Ruy Buarque de Nazaré, Serafim Silva, Sylvio Lago
e Walfredo Martins.
124
Os 40 patronos, em ordem do número das cadeiras, são: Alberto de Oliveira, B. Lopes, Alberto Torres,
Casimiro de Abreu, Euclides da Cunha, Fagundes de Varela, José do Patrocínio, Lopes Trovão, Lúcio de
Mendonça, Oscar de Macedo Soares, Antonio Parreiras, Raul Pompéia, João Caetano, Silva Jardim, Alcindo
Guanabara, José Geraldo Bezerra de Menezes, Henrique castrioto, Andrade Figueira, Azevedo Cruz, Cardoso
Fontes, Silva Santos, Sebastião de Lacerda, Senna Campos, Julio Maria, Joaquim Manoel de Macedo, Luiz
pistarini, Carlos de Lacerda, Luiz Murat, Pedro Luiz Pereira de Souza, Salvador de Mendonça, Belizário de
Souza, Osório Duque Estrada, Domício da Gama, Joaquim Norberto, Teixeira de Mello, Miguel Lemos,
Múcio da Paixão, Raul de Leoni, José Carlos Rodrigues e Alfredo Pujol.
62
como patrono Miguel Lemos passasse a ter como patrono o poeta niteroiense Eduardo Luiz
Gomes Filho.
A descrição do processo de institucionalização da vida intelectual de Niterói entre
os anos 10 e 50 permite observar algumas das redes de sociabilidade criadas por Francisco
José de Oliveira Vianna na cidade.
Oliveira Vianna não foi freqüentador da roda do Café Paris e foram poucos os
membros desse grupo que mantiveram com ele algum tipo de relacionamento epistolar.
Encontram-se, no arquivo de Vianna, correspondências apenas de Lacerda Nogueira,
Homero Pinho e Paula Aquiles. Mas a análise destas cartas, reforça ainda mais a idéia da
distância que Vianna mantinha em relação ao grupo, pois as cartas de Lacerda Nogueira e
de Paula Aquiles datam da segunda metade dos anos 40, momento em que o Café Paris já
havia sido destruído e seu grupo se dispersado. Além disso, Homero Pinho, que escreve a
Vianna em 1938, para agradecer a um livro enviado de presente, era também, como Vianna,
membro da Academia Fluminense de Letras.
No entanto, a participação de Oliveira Vianna, nas academias organizadas na
cidade, é marcante: participou da Academia Fluminense de Letras, do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio de Janeiro e seu nome foi escolhido como patrono de uma das cadeiras
da Academia Niteroiense de Letras.
Vianna manteve ainda relações de amizade muito próximas com os membros da
Academia de Letras dos Universitários Fluminenses, tendo inclusive, alguns deles, como
Marcos Almir Madeira e Geraldo Bezerra de Menezes, participado de seu restrito círculo de
amigos íntimos.
1.3) Rio de Janeiro, capital da produção intelectual
Nos primeiros anos do século XX, Oliveira Vianna atravessou a baía para dar
continuidade aos seus estudos. Depois dos exames preparatórios no Colégio Pedro II, deu
início ao seu curso na Faculdade de Direito. Naquele momento, as faculdades de Direito
abriam as portas para uma das mais importantes carreiras para aqueles que se preparavam
para a vida pública e para o “mundo das letras”
125
.
125
Diversos estudos destacam a importância das faculdades de direito na vida intelectual e política do país.
Um exemplo pode ser verificado no estudo já clássico sobre a elite intelectual da República Velha, realizado
por Sérgio Miceli. Segundo este autor, “Até meados da República Velha, a faculdade de direito era a
63
Seria esse o seu primeiro contato com o espaço intelectual da capital da República,
num momento em que praticamente toda a produção intelectual do país se fazia na cidade
do Rio de Janeiro. A cidade era palco dos principais acontecimentos políticos de
transformação da ordem imperial e de construção da ordem republicana, bem como
concentrava o maior mercado para os “homens de letras” o que determinava sua
proeminente posição nos meios intelectuais
126
.
1.3.1) Boemia e vida intelectual no Rio de Janeiro
A vida literária no Rio de Janeiro, nas últimas décadas do século XIX, girava em
torno dos cafés e de um grupo de intelectuais que se definiam como “boêmios”. Este
conjunto de literatos era, na opinião de Nicolau Sevcenko, formado pelos escritores
cariocas da virada do século XIX para o XX, que se dedicaram à militância nas causas
políticas da época: a abolição e a república. Esses literatos, em sua maioria, condenavam o
Império e a escravidão e defendiam um tipo de literatura que valorizava os ideais de
progresso e modernização da época. A palavra de ordem desta geração era, segundo
Sevcenko,
condenar a sociedade “fossilizada” do Império e
pregar as grandes reformas redentoras: a
“abolição”, a “república”, a “democracia”. O
engajamento se torna a condição ética do homem
de letras. Não por acaso, o principal núcleo de
escritores cariocas se vangloriava fazendo-se
conhecer por “mosqueteiros intelectuais”.
127
instância suprema no campo da produção ideológica concentrando inúmeras funções políticas e culturais.
(...) A faculdade de direito atuava ainda como intermediária na importação e difusão da produção intelectual
européia, centralizando o movimento editorial de revistas e jornais literários, fazia as vezes de celeiro que
supria a demanda por elementos treinados e aptos a assumir os postos parlamentares e os cargos de cúpula
dos órgãos administrativos, além de contribuir com o pessoal especializado para as demais burocracias, o
magistério superior e a magistratura”. MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-
1945). São Paulo: Difel, 1979, p. 35.
126
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão; tensões sociais e criação cultural na Primeira República.
São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 93.
127
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão; tensões sociais e criação cultural na Primeira República.
São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 78/79.
64
Conhecida como “geração modernista de 1870”, esses intelectuais foram
amplamente estudados por historiadores
128
que os consideraram pertencentes a uma época
de ruptura e transformação e parte de uma elite europeizada, que foi diretamente
responsável pelos fatos que vieram a transformar o cenário político, econômico e social
brasileiro no período de transição da monarquia para a república. Coerentes com esta
análise, definiam-se como “mosqueteiros intelectuais”. Através desta auto-nomeação,
delineava-se uma geração de intelectuais que se considerava não apenas agente da
transformação social mas “a própria condição perspícua do seu desencadeamento e
realização”
129
.
A análise mais corrente que se faz desta “geração de 1870”, considera que ela
manteve um significativo engajamento político na luta pelo fim da monarquia e pela
abolição. De acordo com esta interpretação, os literatos dividiram-se, a partir de 1889, em
três grupos distintos: aqueles que aderiram ao novo regime, os que optaram pela defesa da
arte literária separada da política e os que mantiveram o engajamento político, tratando a
literatura como um instrumento de compreensão e luta pela transformação do país
130
.
Pertenceram a esta geração: Tobias Barreto
131
, Aluísio Azevedo, Joaquim Nabuco,
José do Patrocínio, Alberto Salles, Miguel Lemos, Silva Jardim, Clóvis Bevilaqua, Silvio
Romero, Rui Barbosa, Olavo Bilac, Paula Ney, Guimarães Passos, Coelho Neto, Pardal
Mallet, José Veríssimo, entre outros.
Distintos em seu posicionamento político, estes intelectuais da virada do século XIX
para o XX, pertenciam às mais diversas correntes literárias: eram naturalistas, românticos,
128
Importantes análises sobre a “geração de 1870” podem ser encontradas nos seguintes textos:
SEVCENKO, Nicolau. op. cit.; NEEDELL, Jeffrey. Belle Époque Tropical. Sociedade e cultura de elite no
Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993; VENTURA, Roberto. Estilo
Tropical. História cultural e polêmicas literárias no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1991;
VELASQUES, Musa Clara Chaves. A Lapa boêmia: um estudo da identidade carioca. Niterói: UFF, 1994
(dissertação de mestrado); PEREIRA, Leonardo A. M.. “Literatura e história social: a “geração” boêmia do
Rio de Janeiro do fim do Império” . In: História Social,n. 1, Campinas, IFCH-UNICAMP, 1994.
129
SEVCENKO, Nicolau. op. cit. p. 80.
130
Ver a esse respeito: RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza. A dança das cadeiras. Literatura e
política na Academia Brasileira de Letras (1896-1913). Campinas: Ed. da Unicamp, Cecult, 2001, p. 17-18.
131
Na classificação de MACHADO NETTO, Antonio Luis. Estrutura Social da República das Letras.
Sociologia da vida intelectual brasileira (1870-1930). São Paulo, Grijalbo-EDUSP, 1973, Tobias Barreto
figura entre os membros da geração de 1833-1847. Entretanto, Tania de Luca argumenta que Tobias Barreto
iniciou seus estudos tardiamente tornando-se aluno da Faculdade de Direito do Recife apenas com 31 anos e
graduando-se apenas um ano antes de Araripe Junior. Por isso, na opinião desta autora, pode-se considerar
Tobias Barreto pertencente a essa mesma geração intelectual. Ver: LUCA, Tania de.A Revista do Brasil: um
diagnóstico para a (N) Ação. São Paulo: USP, 1996 (tese de doutorado), p. 7.
65
simbolistas e parnasianos. Uma outra característica marcante desta mesma geração era que
eles freqüentemente se reuniam nos cafés da cidade onde formavam suas rodas e se
dedicavam a polêmicas
132
.
Os principais cafés “literários” do Rio, nesse período, eram, entre outros, o Café do
Rio, no cruzamento da rua do Ouvidor com a rua Gonçalves Dias; o Java, no Largo de São
Francisco, esquina de Ouvidor; o Café Paris, o Café Papagaio; o Café Globo, na rua
Primeiro de Março entre Ouvidor e o Beco dos Barbeiros. Havia ainda outros pontos
igualmente freqüentados pelos literatos: a Confeitaria Colombo, na rua Gonçalves Dias, e a
Confeitaria Pascoal, na rua do Ouvidor, além de outras menos freqüentadas como a
Cailteau e a Castelões”
133
.
Com o passar dos anos, o modo de vida boêmio da intelectualidade foi,
progressivamente, cedendo espaço a outros meios de sociabilidade. A fundação da
Academia Brasileira de Letras, em 1897, foi um marco significativo nesse processo. A
partir da criação dessa agremiação, a vida intelectual da cidade se institucionalizou
deixando, pouco a pouco, os boêmios numa posição secundária. Se até esse momento, eram
os cafés o principal palco da produção literária na cidade, a Academia Brasileira de Letras
surgiu para modificar essa situação como comenta Pedro Calmon:
A Academia apareceu em 1896, fundada por um
aristocrata, Joaquim Nabuco, um retraído,
Machado de Assis: até então o café é o salão
literário da cidade, onde surgem os poetas com
seu ar sombrio, a gravata em borboleta e os
cabelos compridos, é onde se aparam as farpas,
escrevem-se os artigos de imprensa, os escritores
convivem – bebendo – o que é indispensável – e
fazendo frases – o que é temível.
134
A boemia intelectual não deixou de existir imediatamente depois da organização da
Academia Brasileira de Letras. O que ocorreu foi que, nos anos 20, a boemia literária foi
132
Os estudiosos que analisaram esta geração de intelectuais basearam-se principalmente nas memórias
redigidas nos primeiros anos do século XX e nas biografias escritas entre os anos 40 e 60. Na opinião de João
Paulo Coelho de Souza Rodrigues, o uso destas fontes levou a construção de uma memória sobre este grupo
que destacou muito mais o seu caráter boêmio que o seu engajamento político nos primeiros anos da
República Velha. RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza. “A geração boêmia: vida literária em
romances, memórias e biografias” .In: CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo. A história contada. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
133
BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975, p. 33.
66
gradativamente se deslocando da rua do Ouvidor para a periferia do centro da cidade. Os
cafés foram sendo substituídos pelos dancings e cabarés da Lapa, locais onde os literatos
passaram a conviver com outros tipos de “boêmios” como sambistas, malandros e
marginais. Aos poucos, referir-se à intelectualidade passou a ser aludir aos acadêmicos que,
ao contrário dos boêmios, foram-se associando, ao longo dos anos, progressivamente, à
elite carioca e não às camadas populares.
1.3.2) A Academia Brasileira de Letras:
(...) Em letras, temos a nossa Academia Brasileira
– é verdade. É uma bela senhora, generosa,
piedosa, religiosa; mas tem um defeito: só estima
e julga com talento os seus filhos legítimos,
naturais, espúrios e, mesmo, os adotivos. Quem
não sugou o leite da academia ou não foi
acalentado por ela, quando de colo, a rabugenta
matrona não dá mérito algum.
135
Em tom sarcástico, Lima Barreto descreve, em 1921, as condições de produção
intelectual no Brasil no período. Nos anos 20, pertencer à Academia Brasileira de Letras
significava prestígio social e proporcionava ao intelectual, destaque entre a elite da época.
A Academia havia-se firmado como “a instituição de letras por excelência do país. Os
acadêmicos eram escolhidos para presidir concursos literários, recepcionar os escritores
estrangeiros que por aqui passavam e até mesmo acompanhar os cursos de língua
portuguesa ministrados em faculdades européias”
136
. Apesar de haver um grande debate
sobre as qualidades literárias dos eleitos e de existirem, na verdade, poucos acadêmicos que
fossem tidos realmente como grandes “homens de letras”, muitos escritores desejavam
ostentar em suas publicações o título de imortal, levando-os a tentar, alguns por vezes
consecutivas, a eleição para a Academia.
Criada em 1897, a partir da ação de alguns homens de letras que se reuniam em
torno da Revista Brasileira, a Academia, ao longo dos anos, foi adquirindo prestígio entre
os intelectuais cariocas, bem como entre os membros da elite letrada brasileira.
134
Pedro Calmon citado por VELASQUES, Musa. op. cit p. 53.
135
BARRETO, Afonso Henriques de Lima. “O meu conselho”. In: Feiras e Mafuás. São Paulo: Brasiliense,
1956, p. 172-173.
136
EL FAR, Alessandra. op. cit. p. 118.
67
A criação de uma academia de letras, nesse momento, não foi uma iniciativa isolada
visto que, nesse período, os institutos, museus e estabelecimentos científicos eram vistos
como meio fundamental da produção intelectual e seus integrantes eram considerados
homens ilustres e respeitados.
Ao longo dos anos 1880 e 1890, diversas experiências haviam tentado fundar um
instituto totalmente dedicado às letras nacionais. Os “homens de letras” do país “(…)
queriam reconhecimento social e uma identidade que os diferenciasse dos outros setores
da sociedade intelectual”
137
. Propunham, assim, a criação de uma instituição que
viabilizasse encontros regulares para “com isso institucionalizar um saber literário e
reivindicar os interesses específicos da profissão”
138
. Assim, no final do século XIX,
surgiram, na cidade do Rio de Janeiro, o Grêmio de Letras e Artes (1887)
139
, a Sociedade
dos Homens de Letras (1890)
140
, entre outras instituições que tinham como objetivo
congregar os “homens de letras”.
A própria Academia Brasileira de Letras tem sua origem relacionada a esse
período
141
. No ano de 1889, Medeiros e Albuquerque que, naquela época, era diretor de
Instrução Pública do Ministério do Interior do governo provisório de Deodoro da Fonseca,
teve a idéia de criar uma academia de letrados patrocinada pelo governo. Ao tratar desse
assunto com seu superior, o ministro Aristides Lobo, e com o secretário do Ministério da
Justiça, Lúcio de Mendonça, teve imediatamente sua idéia aceita. No entanto, mudanças
políticas acabaram atrapalhando seus planos e a idéia de uma academia de letras só seria
137
EL FAR, Alessandra. op cit. p. 42.
138
Idem
139
A criação do Grêmio de Letras e Artes foi noticiado pelo Jornal do Comércio em fevereiro de 1897. A
agremiação pretendia reunir seus membros para a leitura de trabalhos literários além de auxiliar os escritores
que não possuíam recursos suficientes para a publicação de seus textos. Faziam parte desta associação: Artur
e Aluísio Azevedo, Coelho Neto, Paula Nei, Guimarães Passos, Valentim Magalhães, Olavo Bilac, Rodrigo
Otávio, Figueiredo Coimbra, Alberto Silva, além do artista plástico Rodolfo Bernardelli. Ver: EL FAR,
Alessandra. op cit. p. 42.
140
A Sociedade dos Homens de Letras tinha como principal objetivo conseguir do governo brasileiro uma lei
reguladora dos direitos autorais. A instituição teria representantes em todos os centros intelectuais do país,
criando e regulamentando oportunidades seguras de publicação. Propunham ainda um fundo social de ajuda
em casos extremos e uma solidariedade mútua com o objetivo de salvaguardar a profissão literária no país.
Assinaram seus primeiros estatutos: Valentim Magalhães, Olavo Bilac, Artur e Aluísio Azevedo. Ver: EL
FAR, Alessandra. op. cit. p. 43.
141
A história desta proposta inicial de criação da Academia Brasileira de Letras é contada por RODRIGUES,
João Paulo Coelho de Souza. A dança das cadeiras. Literatura e política na Academia Brasileira de Letras
(1896-1913). Campina: Editora da Unicamp, Cecult, 2001, p. 34.
68
retomada alguns anos mais tarde pelos grupos
142
que se reuniam em torno da Revista
Brasileira, da revista A Semana
143
e do clube Rabelais
144
.
Em 1896, novamente os meios intelectuais viram surgir um novo projeto de criação
de uma academia de letras. Desta vez, seu principal articulador era o poeta e jornalista
Lúcio de Mendonça, que possuía considerável prestígio entre a elite letrada da época,
principalmente por ter alcançado um posto importante na política republicana
145
. Em meio
às reuniões literárias da Revista Brasileira
146
, que se realizavam todas as tardes no horário
do chá das cinco, na rua do Ouvidor, 66, Lúcio de Mendonça - juntamente com Machado
de Assis, Joaquim Nabuco, Valentim Magalhães, Graça Aranha e Araripe Junior -
acalentou o sonho de fazer nascer uma nova academia de letrados. A futura agremiação
teria o nome de Academia Brasileira de Letras e, no projeto inicial de seus criadores,
receberia proteção oficial do governo republicano que seria responsável pela indicação dos
10 primeiros acadêmicos, que por sua vez elegeriam outros 20 e mais 10 correspondentes.
A academia surgiria sob a tutela do governo, que provisoriamente cederia um espaço no
Ginásio Nacional para sua sede e autorizaria a publicação das obras de seus membros pela
142
Josué Montello afirma que “a redação de A Semana, o clube Rabelais e a redação da Revista Brasileira
atuaram como núcleos de convergência afetivas das gerações literárias que fundaram a Academia”. Ver:
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Academia Brasileira de Letras: 100 anos. São Paulo: BEI
Comunicação, 1997, p. 13.
143
A revista literária A Semana foi criada por Valentim Magalhães, um dos fundadores da Academia
Brasileira de Letras, na década de 1890.
144
O clube Rabelais foi fundado por Araripe Junior e Raul Pompéia, em 1892, com o objetivo de realizar um
jantar mensal em que se reuniam escritores e artistas. Ver: Josué Montello. op. cit. p. 16.
145
Lucio de Mendonça era bacharel em direito tendo realizado seu curso na faculdade de direito do Largo de
São Francisco, em São Paulo. Em 1889, chegou ao Rio de Janeiro e, junto com Valentim Magalhães, fundou
o panfleto político O Escândalo. Fracassada a tentativa de um jornal próprio, tornou-se colaborador de O País
e do Jornal do Brasil. Durante todos esses anos, publicou seus livros em pequenos estabelecimentos
editoriais, como foi o caso de Vergastas (1889), lançado pela tipografia Carlos Gaspar da Silva. Com a
proclamação da República, esse jornalista que tinha sido um dos maiores propagandistas do novo regime na
imprensa, foi chamado a ocupar o cargo de diretor geral da Secretaria do Estado da Justiça e dos Negócios
Internos, aí permanecendo até 1895, quando foi nomeado presidente do Supremo Tribunal Federal. Em 1901,
Lúcio de Mendonça foi nomeado Procurador Geral da República. Lucio de Mendonça publicou um único
romance O marido da adúltera, em 1882. Sobre a biografia de Lucio de Mendonça, ver: EL FAR, Alessandra.
op. cit. p. 15; MENDONÇA, Carlos Sussekind de. Lucio de Mendonça. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1934 e RODRIGUES, João Paulo. op. cit. p. 80.
146
A Revista Brasileira era uma publicação quinzenal com cerca de 70 páginas vendida em toda a cidade a 2
mil réis. Definia-se como uma revista de ciências, letras, artes, história, filosofia, economia, política,
sociologia, viagens e bibliografia. Publicava freqüentemente artigos de Nina Rodrigues, Silvio Romero,
Araripe Junior, Joaquim Nabuco, Coelho Neto, almirante Jaceguai, Medeiros e Albuquerque, Visconde de
Taunay, Inglês de Souza, Capistrano de Abreu, Domício da Gama, Graça Aranha, Filinto de Almeida, Lucio
de Mendonça, Machado de Assis, Magalhães de Azeredo, entre outros. O grupo não se distinguia por uma
estética comum, mas, ao contrário, justamente pela aceitação de sua heterogeneidade. O que constituía sua
unidade era o culto às letras. Ver: EL FAR, Alessandra. op cit. p. 44 e 45.
69
Imprensa Nacional. Segundo seus mentores, a fórmula pensada de associação, formada por
membros indicados pelo governo e por outros eleitos pelos seus próprios pares, garantia a
neutralidade das “paixões políticas”, termo utilizado na época para se referir aos embates
políticos, partidários ou não:
A discussão acadêmica situar-se-ia além de
qualquer incompatibilidade política, e a maior
prova dessa neutralidade seria eleger como
membros homens da estatura de Joaquim Nabuco,
Taunay, Afonso Celso, que ainda defendiam a
antiga monarquia, ao lado de declarados
republicanos
147
, como Olavo Bilac, Coelho Neto e
o próprio Lúcio de Mendonça
148
.
No projeto de seus mentores, a Academia seria um local neutro, à parte da vida
política. Ela funcionaria como um espaço agregador onde os “homens de letras” poderiam
dedicar-se exclusivamente à defesa de sua “arte”
149
.
Mas esse projeto não foi implementado sem resistências. Assim que a proposta de
uma academia de letras com o apoio do governo republicano ganhou as ruas, os jornais
começaram a publicar artigos ridicularizando o que consideravam ser a continuidade de
modelos e símbolos monárquicos. Além disso, a possibilidade de criação de uma academia
de letrados num país de analfabetos era também freqüentemente criticada pela imprensa
150
.
As críticas veiculadas pela imprensa não desanimaram Lúcio de Mendonça como
demonstra o artigo publicado na Gazeta de Notícias, em 3 de dezembro de 1896:
Tendo o governo tido escrúpulos sobre a
constitucionalidade da criação da projetada
Academia de Letras, resolveram os iniciadores da
idéia constituir-se livremente, o que farão
brevemente. Isso não impede, porém, que na
próxima reunião do Congresso eles peçam certas
concessões necessárias ao bom funcionamento da
147
Em 1888, Lúcio de Mendonça havia lançado um folheto no qual afirmava ter sido o período monárquico
no Brasil “(...) um tempo tristíssimo, delimitado, constrito, impregnado de convenção e de mentira, tempo
que era escandaloso dizer a verdade”. Ver: MENDONÇA, Carlos Sussekind de, MENDONÇA, Edgard
Sussekind de e BARBOSA, Francisco de Assis. Lúcio de Mendonça – esboço biográfico (mimeo), citado por
MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: o legado pioneiro de
Armanda Álvaro Alberto. Bragança Paulista: EDUSF, 2002, p. 80.
148
EL FAR. op cit. p. 23.
149
RODRIGUES, João Paulo C. S. op.cit. p. 45.
150
sobre a polêmica na imprensa a respeito da criação da Academia Brasileira de Letras, ver: EL FAR,
Alessandra. op cit. p. 24 a 33.
70
Academia e que habilitam a prestar os serviços
que é lícito esperar de tão útil instituição
151
.
Assim, mesmo sem lugar fixo para as suas reuniões e com uma verba mínima, foi
fundada em 20 de julho de 1897, a Academia Brasileira de Letras:
Nascemos em 1897. Precisamente no dia 20 de
julho, à sombra de tênue inverno carioca. Um ano
que recolhia os escombros da Monarquia,
enquanto aguardava o futuro de uma República
apenas instaurada.
152
A reunião de fundação da Academia, realizada numa das salas do Pedagogium,
importante colégio localizado na rua do Passeio, não contou com um grande número de
adeptos. Apenas 16 futuros acadêmicos
153
participaram desse encontro. Algumas ausências
foram bastante notáveis como por exemplo a de Lúcio de Mendonça, o principal
responsável pelo nascimento da nova instituição
154
. Por sua simplicidade, pode-se supor
que a cerimônia de inauguração da Academia foi mais um evento interno, um rito que
visava criar maior coesão entre seus membros, garantindo a construção de uma identidade
singular a esse grupo de pessoas.
Inspirada na Académie Française, uma das mais respeitadas instituições de letrados
da época, a Academia Brasileira de Letras teria 40 membros fundadores vitalícios,
escolhidos, como previam seus estatutos, entre os homens que houvessem publicado obras
de reconhecido mérito e valor literário. Além desses membros efetivos, haveria 20 sócios
correspondentes
155
indicados pelos acadêmicos. Os sucessores dos membros efetivos
seriam escolhidos por eleições internas.
A nova academia tinha como missão elaborar uma história oficial das obras e dos
autores da literatura nacional, bem como preocupar-se com as normas ortográficas da
151
citado por EL FAR, A. op. cit. p. 52.
152
Nélida Piñon no livro ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. op. cit. p. 7.
153
Compareceram a esta reunião: Araripe Junior, Arthur Azevedo, Franklin Dória, Filinto de Almeida, Graça
Aranha, Guimarães Passos, Joaquim Nabuco, Machado de Assis, Olavo Bilac, Rodrigo Otávio, Silva Ramos,
Sílvio Romero, Teixeira de Melo, Urbano Duarte, visconde de Taunay e José Veríssimo. RODRIGUES, J. P.
C. S. op. cit. p. 33.
154
Idem.
155
Os 20 primeiros sócios correspondentes foram, segundo El Far: Bartolomeu Mitre, Eça de Queirós, Elisée
Reclus, Émile Zola, Eugênio de Castro, Guerra Junqueiro, Henrique Sienkiewicz, John Fiske, John Milton
Hay, Teófilo Braga, Garcia Merou, Guilherme Blest Gana, Henrique Ibsen, Herbert Spencer, José Echegaray,
Giosué Carducci, Lev Tolstoi, Paul Groussac, Rafael Obligado e Theodor Mommsem.
71
língua portuguesa. Para a consecução do primeiro destes objetivos, organizar-se-ia um
dicionário bibliográfico nacional coligindo dados biográficos e literários dos acadêmicos.
Além disso, adotar-se-ia um patrono para cada uma das cadeiras da Academia, com
vistas a organizar-se uma genealogia entre os escritores brasileiros. Em seu discurso, na
reunião de fundação da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis realizou uma
“memória histórica”
156
sobre os movimentos pela inauguração daquela instituição e referiu-
se especialmente à questão da nomeação dos patronos das cadeiras:
Já o batismo de suas cadeiras com os nomes
preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da
crítica e da eloqüência nacionais é indício de que
a tradição é o seu primeiro voto. Cabe-vos fazer
com que ele perdure. Passai aos vossos
sucessores o pensamento e a vontade iniciais,
para que eles os transmitam aos seus, e a vossa
obra seja contada entre as sólidas e brilhantes
páginas da nossa vida brasileira.
157
Ficava claro, no discurso de Machado, que a genealogia que se visava criar entre os
literatos fundava uma tradição necessária à construção de uma memória que eles, a partir de
então, lutariam para preservar. Os patronos seriam escolhidos pelos acadêmicos entre os
escritores brasileiros falecidos cujas obras tivessem marcado a história literária do país: “ao
ordenar o passado, que até então se mostrava disperso, os acadêmicos estabeleceriam uma
história oficial, instituiriam mitos e recortariam uma memória literária, mostrando, por
fim, a existência de uma tradição nas letras brasileiras”
158
. Os acadêmicos teriam,
portanto, inventado uma tradição literária no país
159
.
As sessões ordinárias aconteceriam semanalmente necessitando para a sua
realização de um quórum mínimo de 10 acadêmicos e a diretoria seria composta
156
RODRIGUES, J. P. C. S. op. cit. p. 34.
157
“Discurso do Sr. Machado de Assis” in: ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Discursos Acadêmicos
(1897-1906). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934, p. 11.
158
EL FAR, Alessandra. op. cit. p. 60.
159
Hobsbawm considera tradição inventada “(...) um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras
tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e
normas de comportamento através da repetição, o que implica automaticamente uma continuidade em
relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer uma continuidade com um passado
histórico apropriado”. HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1984, p. 9.
72
basicamente de cinco cargos: presidente, secretário-geral, 1
o
secretário, 2
o
secretário e
tesoureiro.
Os 40 primeiros acadêmicos
160
, apesar de serem todos reconhecidos como homens
de letras, formavam um quadro bastante heterogêneo. Havia entre os fundadores da
Academia, romancistas, poetas, críticos literários, gramáticos, historiadores, dramaturgos e
cronistas. Dividiam-se em parnasianos, realistas e naturalistas, além de professarem, no
terreno da política, opiniões díspares e contraditórias. Quanto à formação intelectual, a
maioria absoluta era formada de bacharéis em direito, mas havia também médicos,
engenheiros, além daqueles que nem sequer tinham chegado a realizar um curso superior.
Com relação à idade, havia uma certa concentração de homens entre 36 e 46 anos, mas
pode-se dizer que a Academia “compunha-se de moços e de velhos”
161
, visto que estavam
presentes desde jovens como o poeta e diplomata Magalhães de Azeredo, de 25 anos, até o
advogado e historiador Pereira da Silva, então com 80 anos.
Sem a ajuda financeira do governo e sem sede própria, a Academia viveu um
período de grande instabilidade, nos seus primeiros anos. Diante das dificuldades
apresentadas, Joaquim Nabuco
162
sugeriu a Machado de Assis uma mudança na política de
admissão de novos acadêmicos:
Você sabe que eu penso dever a Academia ter
uma atmosfera mais lata do que a literatura
exclusivamente literária para ter maior
influência. Nós precisamos de um certo número
de grands seigneurs de todos os partidos. Não
devem ser muitos, mas alguns devemos ter,
mesmo porque isso populariza as letras.
163
160
Os 40 primeiros acadêmicos foram: Luís Murat, Coelho Neto, Filinto de Almeida, Aloísio Azevedo,
Raimundo Correia, Teixeira de Melo, Valentim Magalhães, Alberto de Oliveira, Carlos Magalhães de
Azeredo, Rui Barbosa, Lucio de Mendonça, Urbano Duarte, visconde de Taunay, Clóvis Beviláqua, Olavo
Bilac, Araripe Junior, Silvio Romero, José Veríssimo, Alcindo Guanabara, Salvador de Mendonça, José do
Patrocínio, Medeiros e Albuquerque, Machado de Assis, Garcia Redondo, Franklin Dória, Guimarães Passos,
Joaquim Nabuco, Inglês de Sousa, ArturAzevedo, Pedro Rabelo, Luís Guimarães Junior, Carlos de Laet,
Domício da Gama, Pereira da Silva, Rodrigo Otávio, Afonso Celso, Graça Aranha, Oliveira Lima e Eduardo
Prado.
161
EL FAR. op cit. p. 66.
162
Desde os primeiros tempos da Academia, Joaquim Nabuco defendia a posição de que não deveriam ser
excluídos dos quadros desta instituição “(...) políticos e cientistas que prezassem as letras (...)”. Ver:
“Discursos do sr. Joaquim Nabuco” in: ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Discursos Acadêmicos
(1897-1906). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934, p. 15.
73
Ao longo dos anos 10 e 20 foi a política dos grands seigneurs proposta por
Nabuco
164
que levaria à consolidação do modelo da Academia e o seu reconhecimento
junto à elite brasileira. Essa política levou a proposição de nomes de diversos indivíduos
que não tinham uma grande experiência no mundo jornalístico ou editorial. Algumas
propostas criaram grandes polêmicas e debates entre os acadêmicos a respeito do que
deveria ser uma instituição como a Academia Brasileira de Letras e de quem mereceria
estar nela representado. Entre as eleições mais polêmicas podemos citar a do almirante
Jaceguai, a de Lauro Muller e a de Oswaldo Cruz
165
.
A eleição do almirante Jaceguai foi resultado de uma batalha pessoal de Joaquim
Nabuco. Desde 1903, Nabuco insistia com Machado na entrada de Jaceguai
166
, veterano
militar da guerra do Paraguai, na Academia. O próprio almirante declinava constantemente
do convite alegando não ser um homem de letras. Mas a insistência de Nabuco foi mais
forte o que levou Jaceguai a se candidatar e eleger-se em 1907.
Outra eleição polêmica foi a de Oswaldo Cruz que concorreu, em 1911, à vaga
deixada por Raimundo Correia. O famoso médico brasileiro que não tinha jamais publicado
uma linha sequer concorria com o romancista Batista Cepelos e os poetas Emílio de
Menezes e Luís Guimarães Filho. A candidatura de Oswaldo Cruz gerou uma grande
discussão entre os acadêmicos: de um lado estavam aqueles como Olavo Bilac que
acreditavam que a eleição do sanitarista significaria o fim dos critérios de definição dos
homens de letras e afirmavam que se o médico fosse eleito, qualquer outro indivíduo, sem
vínculo com as letras, também poderia candidatar-se. Por outro lado, ficaram aqueles, como
163
ASSIS, Machado de. Correspondência. Rio de Janeiro: Jackson, 1946, p. 52-53. Citado por EL FAR,
Alessandra. op cit. p. 82.
164
Alessandra El Far argumenta que a ampliação do conceito de “homens de letras”, permitindo a entrada de
não literatos na Academia fez parte de uma política proposta por Joaquim Nabuco. Já João Paulo Rodrigues,
ao contrário, afirma que foi somente a partir da morte de Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Joaquim
Nabuco que houve “(...) o surgimento de visíveis rachas internos à instituição e a volatização daquele sufixo
“de letras””. Ver: EL FAR, Alessandra. op. cit. e RODRIGUES, J. P. C. S. op. cit. p. 148.
165
João Paulo Rodrigues possui, a respeito destas eleições, uma interpretação diversa. Ele argumenta que as
eleições de Lauro Muller e de Oswaldo Cruz marcam o fim de um período na Academia Brasileira de Letras,
marcado pelo controle de Lucio de Mendonça, Machado de Assis e Joaquim Nabuco. Segundo este autor,
após as mortes dos três acadêmicos, ocorridas entre 1908 e 1910, o modelo de Academia construído por eles –
aparentemente distante e livre dos conflitos políticos – deixou de existir. O jogo político, com suas
negociações e conflitos, tornou-se mais aparente e é esta situação que explica, na opinião do autor, os debates
desencadeados pelas eleições de Muller e Oswaldo Cruz. RODRIGUES, J. P. C. S. “Mesquinhezas imortais”.
op. cit. pp. 129-180.
74
Afonso Celso, que argumentavam que Oswaldo Cruz “estimava os nossos escritores e que
seria do maior interesse que o sanitarista adotasse em seus trabalhos as normas
ortográficas da Academia”
167
. Apesar do debate, deu-se a eleição de Oswaldo Cruz, em
1912, que ganhou por 17 votos contra 10 de Emílio de Menezes a vaga deixada por
Raimundo Correia. Esta eleição fez com que o debate em torno do que seria efetivamente
um homem de letras extravasasse os muros da Academia e ganhasse a imprensa:
Alguns jornais questionavam a falta de critério
acadêmico ao aceitar “homens não de letras”,
criticando a tentativa de transformar o “cenáculo
exclusivo das letras” no “capitólio geral das
glórias” ou num espaço de “expoentes da
mentalidade brasileira”. As revistas de humor
chegavam mesmo a indicar quem seriam os
verdadeiros homens de letras e, além das rimas
irônicas, lançavam listas de futuros candidatos à
Academia, incluindo desde o então presidente da
República, o marechal Hermes da Fonseca, até
exdrúxulos personagens fictícios, como o
“capitao Brederodes, chefe do serviço de mata-
carapanãs do Pará”
168
.
Alguns meses depois da eleição de Oswaldo Cruz, a Academia viveria outra eleição
polêmica: a de Lauro Muller. Militar e ministro da Relações Exteriores, Muller
candidatava-se a vaga do barão de Rio Branco e como não possuía nenhum texto publicado
apressou-se a mandar imprimir, em Paris, um discurso feito numa festa para o então
presidente marechal Hermes da Fonseca, com vistas a cumprir as exigências estatutárias
para a candidatura. Assim como acontecera com Oswaldo Cruz, os acadêmicos dividiram-
se sobre a legitimidade, ou não, dessa candidatura. Muller acabou se elegendo com 22
votos contra 15 dados a Ramiz Galvão, diretor da Instrução Pública, que com ele disputava
a vaga.
Essas eleições, apesar de gerarem polêmicas e dissidências internas na Academia,
levaram essa instituição a ganhar maior visibilidade e a estreitar seus laços com a elite
política, garantido-lhe acesso à rede de favores com que a citada elite presenteava seus
166
Artur Silveira da Mota, o barão de Jaceguai, nasceu em 1843 e morreu em 1914. Era oficial da marinha
tendo participado da Guerra do Paraguai. Foi adido naval de várias embaixadas brasileiras na Europa e nos
Estados Unidos e diretor da escola naval. Publicou suas Memórias, em 1905.
167
EL FAR, Alessandra. op cit. p. 112.
168
EL FAR, Alessandra. op cit. p. 115.
75
amigos. Por outro lado, como instituição responsável pela constituição e preservação da
excelência literária das letras brasileiras, a Academia decidiu, em 1916, - talvez
influenciada pelos debates provocados em torno dessas eleições – impor que todo candidato
à imortalidade comprovasse a propriedade de obras publicadas como se percebe da notícia
divulgada na Revista do Brasil:
A Academia Brasileira resolve exigir que todo
candidato a eleição na casa lhe envie uns tantos
exemplares dos seus livros publicados. Quer dizer
que, sem obra impressa, já ninguém pode
pretender as honras da imortalidade. Até aqui, só
se exigia, oficialmente do candidato que tivesse
talento e valor. Não era preciso que ele os
provasse, exibindo os seus livros. A Academia
reconhecia-os, proclamava-os, e como ninguém
tinha nada a ver com a vida daquela sociedade
independente e fechada, é claro que a Academia
exercia um direito seu. Exercia-o logicamente.
Sendo ela o tribunal superior e soberano das
letras, os méritos possíveis do candidato não
poderiam ter melhor prova do que o próprio fato
dele ser admitido no alto cenáculo (...).
169
Apesar desta nova exigência, os anos 20 e 30 viriam consolidar a ampliação do
conceito de “homens de letras” utilizado pela Academia, tornando sua definição mais
extensa e menos diretamente ligada aos que se dedicavam à literatura. As eleições de
Gustavo Barroso, em 1923, Claudio Justiniano de Sousa, em 1924, Dom Aquino Correia e
Fernando Magalhães, em 1926, Edgar Roquette Pinto, em 1927, Afonso Taunay, em 1929,
Alcântara Machado, em 1931, Celso Vieira, em 1933, Rodolfo Garcia e Ribeiro Couto, em
1934, Alceu Amoroso Lima e Miguel Osório de Almeida, em 1935, Pedro Calmon, Levi
Fernandes Carneiro e João Neves da Fontoura, em 1936, José Carlos Macedo Soares,
Oliveira Vianna, Cassiano Ricardo, em 1937, Clementino Fraga e Viriato Correia, em 1938
confirmariam o alargamento da definição de “homens de letras” utilizada pela Academia
visto serem todos eles intelectuais ligados a produção de obras históricas, antropológicas,
sociológicas mas não particularmente associados à poesia, à literatura ou ao teatro. Alguns
entre eles, tinham uma trajetória muito mais ligada à política e à diplomacia do que uma
169
Revista do Brasil, n. 7, ano 1, jul. 1916. p. 281/282.
76
atuação no mundo das letras seja no que se refere tanto à produção jornalística quanto à
editorial.
Oliveira Vianna foi um desses novos nomes incorporados à Academia Brasileira de
Letras durante os anos 30
170
. Depois de muito resistir, Vianna candidatou-se e elegeu-se,
em 1937, ingressando em 1940, aos 57 anos. No momento de sua posse, a instituição já
desfrutava de um imenso prestígio entre as camadas letradas e a elite política brasileira.
O caminho de Vianna até a Academia havia sido bastante longo. Desde o início dos
anos 20, seus amigos mais próximos, entre eles o poeta parnasiano Alberto de Oliveira
insistiam para que Vianna se candidatasse a uma vaga na ABL. A insistência dos amigos
era tão grande que eles chegaram a formar o que se auto-intitulou “o grupo da
catequese”
171
. Alberto de Oliveira era o que mais insistia junto a Oliveira Vianna para que
ele se candidatasse e, por isso, ele próprio se apresentava como o “presidente do grupo da
catequese”.
Durante muitos anos e a cada vez que uma cadeira se tornava vaga, o “grupo da
catequese” entrava em ação para tentar convencer Vianna de que ele deveria se candidatar.
Insistentemente, Vianna declinava do compromisso e mantinha-se resistente. Entretanto,
em 1937, um fato mudaria a sua posição: a morte do amigo Alberto de Oliveira.
Quando Alberto de Oliveira morreu, Vianna, sem comunicar a nenhum outro
membro do “grupo da catequese”, dirigiu-se à Academia Brasileira de Letras e propôs a sua
candidatura. Seria essa, talvez, a oportunidade que Vianna teria de prestar uma homenagem
pública ao velho amigo visto que, pelas normas da Academia, cabia ao novato fazer o
elogio de seu antecessor. Na opinião de um antigo membro
172
do “grupo da catequese”, o
170
De 1932 a 1940, Oliveira Vianna ocupou o cargo de consultor jurídico do Ministério do Trabalho. Sérgio
Miceli, em seu estudo sobre os intelectuais brasileiros, afirma que, ao longo dos anos 30, a elite intelectual
que colaborava com o Estado varguista foi paulatinamente sendo incorporada as instâncias de reconhecimento
intelectual tais como a Academia Brasileira de Letras. Diz ele, “o valor social conferido a essa elite
transparece sobretudo nas recompensas com que foram brindados (…) cujos lucros materiais e simbólicos
derivam das eleições para a Academia Brasileira de Letras, para o Instituto Histórico, das designações para
o desempenho de representações oficiais no Exterior ou para a participação de colegiados internacionais
(…)” . Como exemplo desta elite brindada com recompensas, ele cita Levi Carneiro, Oliveira Vianna e José
Carlos Macedo Soares que tornaram-se membros da Academia em 1936 e 1937. MICELI, Sérgio. Intelectuais
e Classe Dirigente no Brasil (1920-1945). Rio de Janeiro: Difel, 1979, p. 147 e 148.
171
Foi Marcos Almir Madeira que nos concedeu essa informação, em entrevista no dia 17 de maio de 2002.
Segundo ele, esse grupo era formado por Alberto de Oliveira, José de Castro Nunes, Levi Carneiro e
Henrique Castrioto.
172
Essa opinião foi manifestada pelo professor Marcos Almir Madeira em entrevista concedida no dia 17 de
maio de 2002 no Pen Clube do Brasil, no Rio de Janeiro.
77
Oliveira Vianna que se candidatou a Academia não foi o intelectual, mas sim o amigo de
Alberto de Oliveira.
Apresentada a sua candidatura, Vianna foi eleito. Vencida a etapa da candidatura,
ele ainda adiaria por muito tempo a posse na cadeira 8 da Academia. Em 15 de novembro
de 1937, quando já findava o prazo previsto pelo estatuto para a sua posse, Vianna escreve
ao presidente da Academia Brasileira de Letras, Ataulfo de Paiva, justificando a demora e
pedindo a extensão do prazo:
Como sabe V. Ex., vence este mês o prazo, que me
concedem os estatutos, para empossar-me na
cadeira, para que fui eleito. O meu intuito é
empossar-me até o fim deste ano, mas pelos
motivos poderosos que tive oportunidade de expor
a V. Ex., receio que os meus múltiplos afazeres,
de caráter inadiável, não me permitam realizar
este objetivo. Por isso, quero desde já me
prevenir, rogando a V. Ex. que me [ilegível] a
conceder, na forma dos estatutos e do regimento,
uma prorrogação de mais 4 meses, em
continuação ao prazo regimental para empossar-
me
173
.
Apesar do aparente desinteresse manifestado por Oliveira Vianna pelo constante
adiamento da posse, a carta à Ataulfo de Paiva finalizava com uma observação importante:
“Isto não importa na renúncia de meu projeto de empossar-me”. E, até mesmo, estabelecia
uma data: “(...) até 30 de dezembro deste”. Vianna manifestava, assim, seu interesse em
manter-se entre o grupo de acadêmicos o que certamente angariaria prestígio a sua
trajetória intelectual e política
174
. .
Apesar da demora e dos constantes adiamentos, a posse de Vianna na Academia
deu-se finalmente em 20 de julho de 1940, três anos após a sua eleição. A cerimônia de
posse de Vianna contou com a presença do presidente da Academia, Celso Vieira, de Levi
Carneiro, Clementino Fraga, Afonso Taunay, Afrânio Peixoto, Alcides Maya, Aloísio de
Castro, Antonio Austregésilo, Ataulfo de Paiva, Barbosa Lima Sobrinho, Filinto de
173
carta de Oliveira Vianna a Ataulfo de Paiva, 15 de novembro de 1937. Arquivo da Academia Brasileira de
Letras (correspondência ativa de Oliveira Vianna, 1937-1945).
174
Esse interesse também pode ser identificado pelo fato de Vianna ter enviado, já como acadêmico eleito, no
Natal de 1937, um cartão ao presidente da Academia, com “melhores votos de feliz ano novo”. Cartão de
78
Almeida, Múcio Leão, Pedro Calmon, Ribeiro Couto, Rodolfo Garcia e Viriato Correia.
Participaram ainda, o sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras, João Luso, o
representante do Presidente da República,- comandante Otávio Medeiros - e o Ministro do
Trabalho, Waldemar Falcão
175
. Os jornais, como fazia-se à época, registraram a posse do
novo acadêmico
176
.
Tão logo assumiu a cadeira número 8
177
, Vianna tornou-se um acadêmico bastante
presente tendo participado de, praticamente, todas as sessões que se realizaram no segundo
semestre de 1940. Das 25 sessões realizadas no período, Vianna faltou a apenas duas: a de
22 de agosto de 1940, momento em que o escritor argentino Antonio Aita proferiu uma
conferência sobre a literatura argentina contemporânea
178
e à sessão de 7 de novembro de
1940. Percorrendo-se as atas das sessões da Academia, nota-se que Vianna, apesar de falar
pouco, não participando das polêmicas e debates travados durante as reuniões, esteve
sempre presente, tendo composto, somente no ano de 1940, três das comissões designadas
pelo presidente Celso Vieira.
A primeira das comissões de que Oliveira Vianna participou referia-se à mais
importante questão discutida pelos acadêmicos ao longo do segundo semestre de 1940: a
proposta de João Neves da Fontoura e Cassiano Ricardo de novo processo eleitoral para
membros efetivos. A questão, por se tratar de assunto de profundo interesse dos acadêmicos
e, principalmente, por alterar aspectos dos ritos tradicionais estabelecidos pela instituição,
mobilizou, de maneira apaixonada, os membros da Academia. Na sessão de 17 de outubro
de 1940, Alcides Maya enviou à mesa um requerimento solicitando a nomeação de uma
comissão que discutisse o projeto de mudança no processo eleitoral e desse um parecer. O
presidente Celso Vieira designou para a comissão os nomes de Levi Carneiro, Oliveira
Vianna e Pedro Calmon.
Ainda em 1940, Oliveira Vianna participaria de mais duas comissões. A primeira
delas, nomeada para representar a Academia na homenagem que a Associação Brasileira de
Imprensa prestou a Ataulfo de Paiva, mandando fundir placas de bronze para serem
Oliveira Vianna, 1937. Centro de Memória da Academia Brasileira de Letras, pasta Oliveira Vianna
(correspondência ativa 1937-1945).
175
Ata da sessão de 20-07-1940.
176
Ver anexo 2.
177
O anexo 3 apresenta um quadro com os acadêmicos contemporâneos de Vianna na ABL.
178
Ata da sessão de 22-08-1940.
79
colocadas na avenida que leva seu nome, no Leblon
179
. Ao lado de Adelmar Tavares, Alceu
Amoroso Lima, e Pereira da Silva, Oliveira Vianna compareceu à cerimônia que se fez
realizar no dia 7 de dezembro de 1940.
A última das comissões de que Vianna participou, em 1940, foi formada por ele,
Pereira da Silva e Cassiano Ricardo, para julgar o concurso de biografias dos maiores
vultos nacionais, realizado por iniciativa de Roberto Marinho, diretor do jornal vespertino
O Globo
180
. Nessa mesma sessão, Pedro Calmon prestou uma homenagem a Oliveira
Vianna pela sua nomeação para o cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União.
No ano de 1941, a participação de Vianna na Academia Brasileira de Letras
começaria a ser menos assídua. Das 47 sessões realizadas ao longo do ano, ele deixou de
comparecer a 24. Embora tenha participado de apenas metade das sessões, Oliveira Vianna
não ficou de fora do que talvez tenha sido o mais importante acontecimento do ano: a
indicação e eleição de Getúlio Vargas, então Presidente da República, para a Academia.
Na sessão do dia 8 de maio, Oliveira Vianna, Olegário Mariano, Alcides Maya,
Gustavo Barroso, Ataulfo de Paiva, Aloysio de Castro, Adelmar Tavares, Osvaldo Orico,
José Carlos Macedo Soares e Celso Vieira, propuseram a indicação do nome de Getúlio
Vargas para a vaga aberta com a morte de Alcântara Machado.
Após a indicação do nome de Vargas, os demais candidatos, cientes da prática
interna da Academia, marcada pelo jogo de acordos e relações pessoais, retiraram suas
candidaturas
181
.
Oliveira Vianna não esteve presente em todas as sessões realizadas entre maio e
julho de 1941, momento em que se teceu a eleição de Vargas, mas ele não deixou de
comparecer à sessão de 7 de agosto de 1941, dia em que ocorreu a votação para a cadeira
número 37. Naquele dia, o presidente da Casa iniciou a sessão dizendo que procederia à
eleição do novo membro efetivo para a vaga de Alcântara Machado, sendo candidato
Getúlio Vargas e José Julio de Carvalho. Roquette-Pinto tomou a palavra para condenar a
candidatura deste último, argumentando que “(...) por ocasião de apresentar-se candidato
a uma das vagas da Academia um indivíduo dessa cidade notoriamente imbecil, ficaria
resolvido que a mesa teria autoridade para aceitar ou não as candidaturas que se
179
Ata da sessão de 28-11-1940.
180
Ata da sessão de 12-12-1940.
181
Eram candidatos já inscritos Basílio de Magalhães, Menotti del Picchia e Martins de Oliveira.
80
apresentassem”
182
. E completava dizendo que se deveria “(...) cancelar essa inscrição”.
Com a concordância dos demais acadêmicos, cancelou-se a inscrição de José Julio,
tornando-se Getúlio Vargas candidato único à cadeira de Alcântara Machado.
Vianna, apesar de faltar às sessões seguintes à eleição de Vargas, retornaria à
Academia no dia 9 de outubro, quando Vargas apresentou-se para
(...) agradecer duplamente aos seus colegas,
primeiro pela espontaneidade da indicação de seu
nome sem que de sua parte tivesse havido
qualquer solicitação, segundo, pelo número
expressivo de votos com que os acadêmicos
homologaram essa indicação.
183
A partir de 1942, a presença de Vianna nas sessões da Academia tornou-se cada vez
mais rara. Mesmo assim, ele ainda participa, ao lado de Clementino Fraga, Pedro Calmon,
Ribeiro Couto, Levi Carneiro, João Neves da Fontoura e Cassiano Ricardo, da comissão
julgadora do primeiro prêmio de crítica e história literária da Academia Brasileira de
Letras, cujo vencedor foi Menotti del Picchia.
Vianna utilizou ainda o espaço de uma das sessões em que compareceu para
divulgar o livro recém publicado de um de seus raros amigos íntimos. Na sessão do dia 9 de
julho, ele apresentou o livro Homens e Idéias, de Geraldo Bezerra de Menezes,
esclarecendo que:
O autor é ainda muito moço; é este o primeiro
livro que publica. Traz um prefácio do nosso
eminente confrade sr. Levi Carneiro, escrito com
a largueza de vista, o brilho e o autorizado e
atualizado saber de costume. Publicista católico,
inicia o novel autor a sua carreira literária por
um ato de fé, escrevendo um livro de combate em
prol de seu ideal. É um ato de coragem, de
firmeza, de dignidade espiritual que marca e
define a personalidade do jovem pensador
fluminense – e fá-lo bem o herdeiro de José
Geraldo Bezerra de Menezes, seu pai, um erudito
admirável e dispersivo, dos mais informados e dos
mais completos (...)
184
.
182
Ata da sessão de 07-08-1941.
183
Ata da sessão de 09-10-1941.
81
Na segunda metade dos anos 40, a presença de Vianna na Academia Brasileira de
Letras rarearia ainda mais. Os amigos também acadêmicos reclamariam a sua falta, como
se pode notar pelo cartão escrito por Levi Carneiro no natal de 1946:
(...) que o ano novo o torne mais assíduo à
Academia, mais desejoso do convívio dos amigos
e admiradores que lá se acham.
185
A freqüente ausência de Oliveira Vianna na Academia parece confirmar a opinião
de um de seus amigos de que ele “(...) gostava mais do Instituto Histórico do que da
Academia”
186
, pois possuía “maior afinidade” com seus membros. Talvez o espaço do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) fosse mais adequado a homens como
Vianna cuja produção não se caracterizava por obras literárias, poéticas ou teatrais, mas sim
por estudos que visavam compreender o Brasil apontando caminhos para o seu
desenvolvimento. Essa perspectiva o aproximava dos “homens de ciência”
187
da época,
divididos em função dos seus diversos interesses profissionais, econômicos e regionais,
mas, antes de tudo, “(...) intelectuais que lutavam pelo progresso científico da Nação”
188
.
Os espaços ocupados por esses “homens de ciência” eram outros. Eles estavam
localizados nos museus etnográficos que surgiam naquele momento, no Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, nos diversos institutos históricos regionais e ainda, a partir
principalmente dos anos 30, nas Universidades que se organizam no país, consolidando um
novo espaço da produção científica nacional.
1.3.3) Templos da ciência, da memória e da história nacional: museus e
Institutos Históricos.
Se, desde o período colonial, o Brasil havia servido de roteiro de viagens e estudos
de naturalistas estrangeiros que “aqui coletavam vestígios de culturas em extinção”
189
, ao
longo do século XIX essa situação se modificou, com o surgimento de diversos centros
nacionais de pesquisas científicas, que se baseavam prioritariamente nas teorias
184
Ata da sessão de 09-07-1942.
185
Cartão de natal de Levi Carneiro a Oliveira Vianna. Arquivo pessoal de Oliveira Vianna.
186
Entrevista concedida por Marcos Almir Madeira no dia 17-05-2002.
187
Lilia Schwarcz inclui Oliveira Vianna entre os homens de ciência listados por ela em seu trabalho.
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 38 e 39.
188
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 40.
189
ABREU, Regina. op. cit. p. 163.
82
evolucionistas desenvolvidas na Europa. Até aquele momento, fora o olhar europeu que se
destacara nas visões e interpretações do Brasil. A partir daí, os “homens de ciência”
iniciaram “(...) um trabalho de reelaboração das teorias européias em função do contexto
específico brasileiro, pensando em sua aplicação local”
190
. Nas últimas décadas do século,
entraram em funcionamento alguns centros que seguiam essa perspectiva
191
: o Museu
Paranaense, fundado em 1866; o Museu Paulista, dirigido pelo cientista alemão Hermann
Von Ihering, em 1893, e o Museu Nacional, que apesar de ter sido criado em 1818,
passava, nesse momento, por grandes transformações, sob a direção de Batista Lacerda.
A fundação do museu Paraense, em Belém, deu-se com o estabelecimento da
Associação Filomática do Pará, organizada por Domingos Soares Ferreira Penna, em 6 de
outubro de 1866. Ferreira Pena – geógrafo, etnógrafo, político e jornalista – criou esta
fundação, acreditando que ela teria um importante papel a cumprir numa cidade onde
faltava tanto uma escola de ensino superior quanto centros de pesquisas científicas. O
objetivo desta associação “(...) seria o estudo da natureza amazônica, de sua flora e fauna,
da constituição geológica, da geografia e história da imensa região”
192
.
A associação, entretanto, devido a diversos contratempos, acabou extinta, em 1888,
por decisão dos deputados da Assembléia Legislativa Estadual. Somente em 1891, a
associação e o museu foram reorganizados, passando a contar, a partir de 1893, com a
direção do zoólogo suíço Emílio E. Goeldi.
Durante a gestão de Goeldi na direção do museu, ocorreram diversas mudanças na
sua organização interna: foram criadas diferentes seções (zoologia, botânica, etnologia,
arqueologia, geologia e mineralogia), uma biblioteca especializada em ciências naturais e
biologia, e foram montados jardins zoológicos e botânicos ao lado do museu. Também
nesse momento, o museu passou a publicar uma revista intitulada Boletim do Museu
Paraense Emílio Goeldi, cujo projeto era “(...) bastante centrado nas ciências naturais, que
tinham como base estudos locais, orientados, porém, pela produção e inquietação dos
190
Idem.
191
A descrição dos processos de fundação dos museus bem como da reorganização do museu Nacional
seguem neste texto a proposta desenvolvida por Lilia Scwarcz. SCHWARCZ, Lilia. op. cit..
192
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 84.
83
naturalistas europeus e norte-americanos”
193
. Nessa publicação, figuravam, em primeiro
lugar, os estudos de zoologia, seguidos pelos de botânica e geologia
194
.
Os estudos naturalistas, no entanto, não se limitavam à fauna e à flora. Partindo da
análise, classificação, hierarquização e exposição desses objetos, o museu deu início a uma
discussão singular sobre o “homem brasileiro”. Os profissionais do museu passaram a
conceber “(...) a ciência do homem como uma espécie de arte classificatória, sendo sua
tarefa obter exemplos típicos de etapas pelas quais tem caminhado a humanidade em seu
avanço até o nosso tempo e, sobretudo, a nossa sociedade”
195
.
Foi igualmente essa a perspectiva do Museu Paulista, a respeito do “homem
brasileiro”. Inaugurado em 1894, com o objetivo de estudar a “(...) história natural da
América do Sul e do Brasil, por meios científicos”
196
, o museu Paulista passou a ser
dirigido, nesse mesmo ano, pelo zoólogo Herman von Ihering, que criou uma publicação
com o objetivo de divulgar os estudos científicos da instituição: a Revista do Museu
Paulista. Concebendo a antropologia como um ramo dos estudos zoológicos e botânicos,
Von Ihering chega a afirmar nas páginas da revista:
(...) de fato, o que vale para os animais e no
mundo da natureza vale também para os homens
e sua evolução.
197
Essa publicação, da mesma forma que a anterior, apontava para uma estreita relação
entre a biologia e a antropologia. Para seus autores,
(...) estudar o ‘homem primitivo’ não era muito
diferente de estudar a flora e a fauna locais. Na
verdade, na perspectiva oficial do Museu
Paulista, o estudo da humanidade claramente se
subordinava a certos ramos do conhecimento
científico, em especial a biologia, e só interessava
enquanto tal. Afinal, era de Von Ihering a
definição e a certeza de que “a evolução
encontrada na natureza era exatamente igual
àquela esperada para os homens”
198
.
193
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 86.
194
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 88.
195
Da Matta, Roberto. Introdução a Edmundo Leach. São Paulo: Ática, 1983, p. 8, citado por SCHWARCZ,
Lilia. op. cit. p. 92.
196
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 79.
197
Citado por SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 82.
198
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 83.
84
Da mesma forma, no Museu Nacional, reorganizado a partir das administrações de
Ladislau Netto (1874-1893) e Batista Lacerda (1895-1915), surgiu, em 1876, uma
publicação – os Archivos do Museu Nacional – cujo conteúdo revelava igualmente um
predomínio absoluto das ciências naturais: zoologia, botânica e geologia. Do mesmo modo
que nas instituições citadas anteriormente, para o Museu Nacional, a antropologia
constituía um ramo das ciências biológicas e naturais, afastada das teorias sociológicas ou
filosóficas
199
.
Pelo que se apresentou até o momento, pode-se perceber que, preocupadas com a
análise da flora e da fauna nacionais, as publicações produzidas pelos museus etnográficos
serviam, principalmente, para a divulgação das teorias evolucionistas em voga na Europa,
na segunda metade do século XIX. A partir daí, a transposição dos modelos da biologia
para a antropologia deu-se rapidamente. Apesar do pouco espaço destinado à antropologia
nas publicações, foi através dos estudos que se faziam nos museus que os intelectuais
partiram para pensar a especificidade do homem brasileiro e o papel da miscigenação racial
na composição do povo do país:
Partindo do modelo das ciências naturais,
utilizavam o desenvolvimento das espécies
animais e vegetais ora como metáforas, ora como
modelos para explicar, seja os tipos puros, seja a
presença da hibridação
200
.
Num contexto dominado pelos estudos biológicos, os intelectuais viram-se,
portanto, desafiados a pensar quem era o “homem brasileiro”.
Francisco José de Oliveira Vianna foi uma dessas pessoas sensibilizadas pela
produção etnográfica dos museus. Leitor assíduo das publicações desses centros científicos,
Vianna mantinha-se atualizado nas discussões teóricas realizadas nesses espaços, o que,
para ele, era um motivo de orgulho:
De mim comigo, devo confessar que (...) costumo
receber de todos os cantos do país, desde o
extremo norte ao extremo sul, livros e folhetos
que se publicam sobre assuntos relativos aos
problemas históricos, econômicos, étnicos,
199
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 78.
200
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 93.
85
jurídicos e sociais das nossas regiões e Estados.
Posso dizer mesmo que tudo que se tem publicado
em nosso país de mais excelente e substancial
sobre estas matérias me tem sido enviado
201
.
Na biblioteca de Vianna encontra-se tanto a publicação do Museu Emílio Goeldi
quanto a do Museu Paulista, além dos Anais do Museu Nacional.
Como “homem de ciência”, Vianna também parece ter sido influenciado, em seus
estudos, pela “obsessão biológica do século”
202
, como parece confirmar a carta recebida por
ele, escrita por uma pessoa chamada O. Domingues, da escola de agricultura “Luiz de
Queiroz”, de Piracicaba:
Piracicaba, 10 de novembro de 1929.
(...) no meio cultural brasileiro, vejo no autor da
‘Evolução do Povo Brasileiro’, o espírito mais
bem orientado em sociologia – justamente porque
se mostra mais culto em biologia, ciência onde
aquela tem suas raízes principais. (...) Sou
apreciador devotado da vossa obra de sociólogo
armado da biologia, o que é entre nós cousa
nova, caminho aberto pelo autor de 'Populações
Meridionais do Brasil’
203
.
Na verdade, o trabalho etnográfico produzido nos museus foi um dos assuntos que
mais desafiaram Vianna, nos primeiros anos do século XX
204
. Para colocar-se a par do que
de mais novo se fazia em termos de pesquisa etnográfica, ele se mantinha atualizado, não
somente com as já citadas revistas editadas pelos museus, mas também com a leitura de
folhetos, boletins e periódicos publicados pelos diversos institutos históricos organizados
no país, pois, na opinião de Vianna, eram essas publicações que garantiam a divulgação do
conhecimento etnográfico no Brasil:
No tocante à pesquisa histórica e à etnografia,
principalmente à etnografia indígena, estes
201
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Intercâmbio intelectual”. Ensaios Inéditos. Campinas: Editora da
Unicamp, 1991, p. 380.
202
Expressão utilizada por Antonio Candido e citada por SCHWARCZ, Lilia. op. cit., p. 92.
203
Carta de O. Domingues a Oliveira Vianna, datada de 10 de novembro de 1929. Arquivo privado pessoal de
Oliveira Vianna (seção: correspondências/pasta O. Domingues).
204
O acervo fotográfico do arquivo de Oliveira Vianna guarda um documento interessante a esse respeito: um
álbum de fotografias intitulado álbum de estudos. É um álbum composto de 68 fotos, coletadas por Vianna,
dos mais variados tipos físicos de homens da Baixada (incluindo a região de Saquarema). A maior parte das
fotografias conta ainda com anotações sobre os “estudos raciais” de Vianna.
86
estudos ou ensaios ainda se salvam do olvido
inevitável, porque, em regra, são recolhidos nas
páginas das Revistas dos vários Institutos
Históricos, que se espalham, hoje, por quase
todos os Estados. Destas revistas algumas são
publicações valiosas, ricas pelas fontes
documentárias que revelam, e pelas monografias
originais que editam sobre a historiografia local.
Para não citar as do Instituto Histórico e do
Arquivo Público de São Paulo e a do arquivo
público de Minas, recordo apenas as editadas
pelo Instituto Histórico de Pernambuco, da Bahia,
do Ceará, do Rio Grande do Norte e do Rio
Grande do Sul: todas elas já consagradas como
coletâneas preciosas de informações sobre a
nossa história, a nossa geografia e a nossa
economia regional e local
205
.
Os temas relativos aos indígenas, bem como questões a respeito de viagens e
explorações científicas e debates sobre história regional eram fundamentais nas publicações
dos institutos históricos
206
.
Essas instituições, criadas em diversos estados brasileiros ao longo do século XIX,
tiveram como modelo o pioneiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado
em 1838, no Rio de Janeiro, com o objetivo de elaborar uma história nacional assim como
de recolher, organizar e guardar uma farta documentação que pudesse servir a esse
propósito.
Inspirado no Institut Historique de Paris, o IHGB constituiu-se como uma
instituição responsável por elaborar uma história do Brasil que desse conta da gênese da
Nação e que inserisse o país numa tradição de civilização e progresso
207
.
O IHGB organizou-se segundo os critérios das academias ilustradas européias dos
séculos XVII e XVIII, onde a seleção dos membros pautava-se mais por determinações
sociais do que pela produção intelectual. Assim, a forma de recrutamento de seus sócios
baseou-se mais no jogo das relações sociais do que no critério da competência profissional.
205
VIANNA, Francisco José de Oliveira. op. cit. p. 380.
206
GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. “Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro e o projeto de construção de uma memória nacional”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 1,
1988, p. 20.
207
GUIMARÃES, Manoel L. S. op. cit. p. 8.
87
Desde os seus primeiros anos de funcionamento, o instituto manteve uma estreita
ligação com o Estado brasileiro. Entre os seus 27 primeiros sócios, encontravam-se “(...)
nada menos que dez conselheiros de estado, seis destes ainda senadores. Portanto estava
aí reunida a nata da política imperial (...)”
208
. O reinado de D. Pedro II veio estreitar
ainda mais esses laços, pois a partir dos anos 40 o Imperador passou a financiar as
atividades do instituto, bem como a freqüentar pessoalmente suas reuniões. Essa relação tão
próxima com o Estado Imperial marcou profundamente a produção do IHGB, que guardou
as determinações de um saber oficial
209
.
Ao longo de sua história, o IHGB manteve e até reforçou essas características.
Mesmo no fim do período monárquico, que tanto havia marcado a instituição, os membros
do IHGB (re)elaboraram símbolos e rituais adequando-se à nova ordem republicana:
Em 1905 [Max Fleiuss, secretário da instituição]
tomou a iniciativa de alterar a data das sessões
magnas – realizadas até então no dia da primeira
participação do imperador no IHGB – para 15 de
novembro, como homenagem ao novo regime.
Demonstrava o secretário a mesma fidelidade ao
sistema vigente, ainda que essa lealdade
implicasse um câmbio de posições políticas. Sem
esquecer a monarquia, e em especial d. Pedro II,
considerado ‘protetor perpétuo’ do
estabelecimento, Fleiuss garantia uma nova
aliança com os representantes da República, que
a partir de então ganhavam um acesso mais
formalizado aos recintos do instituto
210
.
Oliveira Vianna tornou-se sócio do IHGB em 18 de junho de 1824, quando Fleiuss
era seu secretário. A relação entre eles vinha de um período anterior a essa data, visto que
em janeiro desse mesmo ano Vianna havia se tornado sócio correspondente da Société des
Américanistes de Paris
211
, por indicação do próprio Max Fleiuss. Esse fato demonstra que
208
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 102.
209
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 102.
210
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 107.
211
A Société des Américanistes de Paris havia sido fundada em 1895, com o objetivo de reunir os estudos
científicos sobre a América e seus habitantes. Essa sociedade era formada de membros titulares, membros de
honra e membros correspondentes, que deveriam ser apresentados por, pelo menos, dois membros mais
antigos e eleito pela maioria dos membros da sociedade. Oliveira Vianna foi apresentado à Sociedade, em
1823, por Max Fleiuss e P. Rivet, secretário da Sociedade e funcionário de um museu de Paris. Vianna foi
nomeado membro-correspondente na sessão de 8 de janeiro de 1824, juntamente com outros brasileiros
88
Vianna já mantinha, com pelo menos alguns membros do IHGB, um relacionamento muito
próximo.
Vianna freqüentava com assiduidade as reuniões do Instituto e mantinha-se a par de
sua produção através da coleção de sua revista. Nesse periódico, a maior parte dos artigos
relacionava-se à história, à geografia e às biografias. Embora com menor importância, a
antropologia e a etnologia eram também disciplinas contempladas em suas páginas.
A discussão etnográfica que se fazia nas páginas da Revista do IHGB seguia de
perto as abordagens desenvolvidas nos museus. No entanto, a produção do IHGB associava
à visão evolucionista dos naturalistas um discurso religioso católico, como afirma
Schwarcz:
Elaborada sobretudo por jesuítas e elementos
ligados ao setor militar – como, por exemplo, o
coronel José de Machado Oliveira, ou Domingos
Alves Moniz Barretos -, a imagem do indígena era
a de um elemento redimível mediante a catequese,
que o retiraria de sua situação ‘bárbara e
errante’ para inseri-lo no interior da civilização,
entendida pelo instituto como processo
eminentemente branco. Nesse aspecto, a mesma
postura teórica se mantém para a população
negra: ainda que participasse de um ‘estado
ainda mais inferior’, não lhes era retirada a
humanidade. Era sempre um modelo
evolucionista social e monogenista que
predominava, coerente com a marcada influência
católica no local
212
.
Essa produção certamente interessava Vianna que, ao longo dos anos 20, dedicou-se
prioritariamente aos estudos relativos à composição do povo brasileiro, em livros como
Populações Meridionais do Brasil, Raça e Assimilação e Evolução do Povo Brasileiro.
Apesar dessa proximidade temática entre os estudos antropológicos que se
publicavam na Revista do IHGB e a produção intelectual de Oliveira Vianna, é interessante
observar que os artigos que publicou nesse periódico tratavam de outro tipo de assunto.
Analisando os textos publicados por Vianna na RIHGB, entre 1920 e 1945, nota-se que ele
indicados pelos mesmos sócios: Affonso Celso, Taunay, Augusto Tavares de Lyra, Manoel Cícero Peregrino
da Silva e Agenor de Roure. Nessa mesma sessão, Capistrano de Abreu foi também nomeado sócio-
correspondente, indicado por P. Rivet e por Mlle Pomès.
212
SCHWARCZ, Lilia. op. cit. p. 112.
89
publicou apenas ensaios histórico-biográficos, não havendo nenhum artigo de cunho
etnográfico
213
.
No entanto, a publicação desses textos revela um lado da produção de Vianna
diferente daquele que vinha tornando público. Ao longo dos anos 20, tanto nos livros que
lançou, quanto nos artigos que publicava nos jornais – espaço privilegiado de discussão
intelectual, nas primeiras décadas do século XX, no Rio de Janeiro – Vianna priorizou
temas ligados à etnografia e, muito raramente, dedicou-se à publicação de ensaios
biográficos.
1.3.4) Os jornais e a publicização dos diálogos intelectuais:
Os jornais foram, no início do século XX, o principal meio de publicação e
circulação de idéias utilizado pela intelectualidade brasileira
214
. Até os anos 20, quando
213
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “D. Pedro e a propaganda republicana” in: RIHGB, t. 98, vol. 152,
1925, pp. 412-419; VIANNA, F. J. O. “D. Pedro II e seus ministros” in: RIHGB, t. 98, vol. 152, 1925, pp.
874-880 (publicado também no Correio da Manhã de 02 de dez. 1925) e VIANNA, F. J. “Max Fleiuss” in:
RIHGB, vol. 182, jan.- mar. 1944, pp. 38-40 (publicado também em A Manhã de 12 fev. 1943 e no livro:
VIANNA, Francisco J. Ensaios Inéditos. São Paulo, Unicamp, 1991, pp.347-350).
214
Marialva Barbosa apresenta, em sua tese de doutorado, um mapeamento dos estudos sobre a história da
imprensa no Brasil e o papel dos jornais como espaço privilegiado da produção intelectual no país. Segundo
essa autora, os temas citados foram objeto de análise dos seguintes textos, entre outros: SODRÉ, Nelson
Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966; BARROS, Jaime.
Evolucion del periodismo en el Brasil. Buenos Aires: 1942; FONSECA, Godim. Biografia do jornalismo
carioca. Rio de Janeiro: Quaresma, 1941; BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. São Paulo: Ática, 1990;
VIANNA, Hélio. Contribuição à história da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945;
MELO, José Marques de. Fatores sócio-culturais que retardaram a implantação da imprensa no Brasil. São
Paulo: Universidade de São Paulo, 1972 (tese de doutorado); HONS, André Seguin des. Os diários do Rio de
Janeiro (1945-1982). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro (dissertação de mestrado);
HONS, André Seguin des. Le Brésil, presse et histoire – 1930/1945. Paris: Ed. L’Harmattan, 1987;
MORAES, Laura do Nascimento. Catálogo analítico descritivo dos jornais de Florianópolis, 1894-1914.
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1985 (dissertação de mestrado); TORRESCHI,
Elizabeth W. R. Editora Globo: uma aventura editorial nos anos 30 e 40. Porto Alegre: Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1988 (dissertação de mestrado); CALLADO, Ana Arruda. Os
editoriais da Abolição – um momento chave para a linguagem jornalística no Brasil. Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1989 (dissertação de mestrado); KUNCINSKI, Bernardo. Jornalistas
e revolucionários – a imprensa alternativa no Brasil (1964/1991). São Paulo: Universidade de São Paulo,
1991 (tese de doutorado); AZEVEDO, Maria Nazareth Capiberibe. A imprensa republicana antes do 15 de
novembro (introdução ao estudo de suas formas e conteúdo ideológico). Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 1975 (dissertação de mestrado); RODRIGUES, Vera Lúcia. A questão da independência no
jornal da República. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1988 (dissertação de mestrado); AZEVEDO,
Luiz Vitor Tavares de. Carlos Lacerda e o discurso de oposão na Tribuna da Imprensa (1953-1955).
Niterói: Universidade Federal Fluminense, 1988 (dissertação de mestrado); CARDOSO, Tereza Maria Rolo
Fachada Levy. A Gazeta do Rio de Janeiro: subsídios para a história da cidade (1808-1821). Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1988 (dissertação de mestrado); SCHWARCZ, Lilian Moritz.
Retrato em preto e branco: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987; FERNANDES, Humberto Machado. Palavras e brados: a imprensa
90
eram raras as editoras nacionais, e aquelas que existiam dedicavam-se principalmente à
produção didática
215
, eram os jornais que publicavam diálogos, discussões e polêmicas,
num “jogo intelectual” que fazia com que os intelectuais obtivessem, no mínimo, maior
visibilidade e prestígio, e pudessem, assim, almejar um posto na burocracia oficial ou no
mundo da política.
Apesar de freqüente, a participação de Oliveira Vianna na imprensa foi sempre
marcada pela livre colaboração e não por uma função remunerada. Ele não era um
jornalista de profissão, pois na opinião de Vasconcelos Torres, seu principal biógrafo, ”(...)
jornalista profissional não poderia ser; jamais redigiria contra as suas idéias”
216
. Dessa
forma, Vianna era, assim como diversos intelectuais de seu tempo, um homem que fazia da
imprensa um espaço para a divulgação de suas idéias e para a legitimação de sua forma de
pensamento. Segundo Barbosa, os colaboradores eram
(...) políticos ou profissionais liberais que, através
de artigos publicados, procuravam alcançar a
notoriedade almejada. Assim, era comum nessas
empresas a colaboração gratuita de deputados,
senadores, médicos e advogados, juizes e outros,
que faziam do jornal um meio de divulgação
pessoal.
217
A estréia de Oliveira Vianna na imprensa ocorreu quando ainda cursava os
preparatórios para o colégio Pedro II. Devido à amizade mantida com Alfredo Azamor,
secretário de O Fluminense, ele enviou ao jornal um artigo que, para sua surpresa, acabou
saindo no “a pedidos”.
abolicionista no Rio de Janeiro (1880-1888). São Paulo: Universidade de São Paulo, 1991. Ver: BARBOSA,
Marialva. Imprensa, poder e público (os diários do Rio de Janeiro, 1880-1920). Niterói: Universidade
Federal Fluminense, 1996 (tese de doutorado).
215
Em seu estudo sobre a produção de livros no Brasil, Laurence Hallewell conclui que “(...) no período
1914-1920 (...) a produção editorial que ainda tinha lugar no Brasil raramente se aventurava além dos
campos seguros dos livros didáticos e de livros sobre a legislação brasileira, e não passava de atividade
casual e secundária das grandes livrarias”. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. São Paulo: Edusp/T.
A. Queiroz, 1985, p. 235.
216
TORRES, Vasconcelos. op. cit. p. 38.
217
BARBOSA, Marialva. op. cit. p. 102.
91
Após essa estréia, um pouco decepcionante para Vianna, ele colaborou com os
jornais Diário Fluminense e A Capital
218
, antes de passar a colaborar com os periódicos
cariocas A Imprensa e O Paiz .
Considerando os recortes guardados pelo próprio Vianna em seu arquivo privado
pessoal, pode-se observar que ele escreveu principalmente nos seguintes periódicos:
Correio Paulistano, Correio da Manhã, A Nação, Jornal do Comércio, Diário de Notícias
e A Manhã
219
.
Percebe-se ainda que essa colaboração divide-se em períodos determinados: nos
anos 20, ela se deu principalmente no Correio Paulistano e Correio da Manhã; nos anos
30, Vianna continuou a colaborar no Correio da Manhã e iniciou sua participação nos
jornais A Nação, Jornal do Comércio e Diário de Notícias, passando, nos anos 40, a
colaborar no jornal A Manhã.
O jornal Correio Paulistano, com o qual Vianna colaborou nos anos 20, surgiu em
1854, na cidade de São Paulo. Foi publicado diariamente até julho de 1855, quando se
tornou bi-semanal, tendo retomado, em 1858, sua publicação diária.
Em seu primeiro número, no dia 26 de junho de 1854, o edital apresentava a linha
do jornal como informativa e imparcial. Ao longo do tempo, o Correio Paulistano assumiu
diversas orientações distintas, como descreve Nelson Werneck Sodré:
Em 1882, assumiu a direção do Correio
Paulistano Antonio Prado, que levaria o jornal,
em 1887, a fazer-se abolicionista, para, em junho
de 1889, com os liberais no poder, exercer severa
oposição, mas na linha monarquista, e, com os
acontecimentos de 15 de novembro na corte, ser o
primeiro órgão a considerar irreversível a
República
220
.
O jornal durou até 1930, quando o movimento revolucionário praticamente
liquidou a imprensa que apoiava o regime anterior. Os bens do Correio Paulistano foram
desapropriados pelo novo governo do estado, que os anexou às oficinas da imprensa oficial.
218
O periódico A Capital foi fundado por Álvares de Azevedo Sobrinho e Mario Vianna, em 1902. O
secretário era Quaresma Junior. O jornal funcionava em Niterói, na rua Visconde do Rio Branco, esquina da
rua Saldanha Marinho. BACKHEUSER, E. op. cit. p. 276.
219
Ver anexo 4.
220
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p.
259.
92
A colaboração de Oliveira Vianna nesse jornal foi freqüente ao longo dos anos 20,
como demonstra a carta de Francisco Ferreira, de 17 de junho de 1927:
Meu ilustre amigo Dr. Oliveira Vianna,
Recebi com grande prazer sua preciosa carta
anunciando-me que embora irregular por mais
algum tempo, a sua colaboração continuará a
ilustrar as colunas do “Correio Paulistano”.
Como são raros os grandes espíritos no nosso
país, é uma verdadeira felicidade para um jornal
poder contar com um deles e dos mais eminentes,
como é o meu amigo. Continue, pois, Dr. Oliveira
Vianna (...) os seus magistrais artigos.
Os melhores agradecimentos do amigo e
admirador
Francisco Ferreira
Neste período, Vianna colaborava ainda com outro órgão importante da grande
imprensa do Rio de Janeiro: Correio da Manhã
221
, como se pode observar pela carta de
Manoel Paulo Filho, datada de 18 de setembro de 1926:
Meu ilustre e prezado amigo Dr. Oliveira Vianna,
Atenciosos cumprimentos. Até agora, 11 da noite,
não me chegou às mãos, o seu costumado artigo
de Domingo, o que registro com imenso pesar (...)
Peço-lhe despachar pelo nosso maldito serviço
postal o artigo com quarenta e oito horas de
antecedência, às sextas-feiras, por exemplo. Às
vezes, para os nossos Correios, entre o Rio e
Niterói, vai uma distância maior que a que existia
entre Palos, em 1492, e o arquipélago das
Bahamas, era de Colombo.
Nos primeiros 20 anos do século XX, esse jornal era um dos periódicos mais
populares do Rio de Janeiro:
(...)[o Correio da Manhã] era um dos mais
baratos da cidade, custando o exemplar avulso
221
O jornal O Correio da Manhã foi fundado em 15 de junho de 1901, no Rio de Janeiro por Edmundo
Bittencourt, com o objetivo de ser, desde o primeiro momento, um jornal de oposição. Segundo Werneck
Sodré, o artigo de apresentação já deixava bem delineada a linha participante e combativa do jornal: “(...) em
bom senso sabe o povo que essa norma de neutralidade com que certa imprensa tem por costume carimbar-se
é puro estratagema para, mais a gosto e a jeito, poder ser parcial e mercenária. Jornal que se propõe a
defender a causa do povo não pode ser, de forma alguma, jornal neutro. Há de ser, forçosamente, jornal de
opinião”. SODRÉ, N. W. op. cit. p. 328.
93
100 réis, e as assinaturas que inicialmente eram
de 30$000 a anual e de 19$000 réis a semestral,
diminuirão de preço em 1904, passando para
25$000 e 16$000
222
.
Além de manter o preço baixo, o Correio da Manhã desenvolveu diversas
estratégias promocionais, de redação e editoriais, para ser lido por um número cada vez
maior de pessoas. A criação de pequenos anúncios de oferecimentos e pedidos de empregos
e de aluguéis de casas simples, como também a oferta de brindes em datas especiais do ano
fizeram com que o jornal aumentasse seu número de leitores. A utilização de recursos
gráficos e editoriais, como fotografias ilustrando a matéria principal, entrevistas
esclarecendo assuntos anteriormente publicados e o recurso a manchetes de páginas,
seguidas de subtítulos, tornavam o jornal moderno e atraente aos seus compradores
223
.
Ao longo dos anos 20, Oliveira Vianna tornara-se um intelectual bastante conhecido
em função do lançamento de seus primeiros livros, publicados desde os primeiros anos da
década. A publicação de Populações Meridionais do Brasil, em 1920, pela editora
Monteiro Lobato & Cia
224
, havia permitido o lançamento de vários outros textos seus,
lançados por essa mesma editora ou por outras.
Ocupando o cargo de professor da faculdade de direito de Niterói, desde 1916, e o
de Diretor do Instituto de Fomento Agrícola do estado do Rio de Janeiro, desde 1926,
Vianna destacava em seus artigos principalmente questões como a política do café ou as
caixas rurais de crédito. Ou ainda questões metodológicas para o desenvolvimento de seus
estudos sociológicos, como o artigo que tratava do método de Le Play
225
.
Nos anos 30, Vianna passou a colaborar com outros periódicos além de ter dado
continuidade aos seus trabalhos no Correio da Manhã. Dos artigos de sua autoria relativos
a esse período e guardados em seu arquivo pessoal, a maior parte foi publicada no Jornal
do Comércio e no Diário de Notícias. Os temas dos artigos sofreram também uma
transformação. Ao ocupar o cargo de consultor jurídico do Ministério do Trabalho (1932-
222
BARBOSA, Marialva. op. cit. p. 44.
223
BARBOSA, Marialva. op. cit. p. 37-45.
224
A respeito das edições e reedições dos livros de Oliveira Vianna, ver o capítulo 3 desta tese.
225
Frédéric Le Play foi um dos precursores dos estudos sociológicos na França. Ele foi um dos primeiros
estudiosos a tentar elaborar um método de observação direta, etnográfico e comparativo. Ver: CABIN,
Philippe e DORTIER, Jean-François. La sociologie. Histoire et idées. Paris: Sciences Humaines éditions,
2000.
94
1940), Vianna começou a destacar, em seus textos, temas como sindicalismo, legislação
trabalhista, corporativismo e salário mínimo.
Os periódicos escolhidos para sua colaboração demonstravam, igualmente, um
maior prestígio de Vianna e sua maior aproximação com o poder estabelecido, pois esses
jornais, ao contrário daqueles com os quais ele havia colaborado nos anos 20, eram muito
mais próximos da elite política e econômica do país.
O Jornal do Comércio, antigo periódico, fundado em 1827, orgulhava-se de ser
“(...) o jornal das classes conservadoras, lido pelos políticos, pelos homens de negócios e
pelos funcionários graduados”
226
. Era, ao lado da Gazeta de Notícias, um dos maiores
jornais brasileiros. A condição de jornal das elites era também determinada pelo seu preço,
pois o periódico era o mais caro do Rio, chegando sua assinatura a ser comercializada pelo
dobro do preço da do Jornal do Brasil.
O Diário de Notícias, outro jornal com o qual Vianna colaborou, ao longo dos anos
30, foi fundado em 1930 por Orlando Ribeiro Dantas, Nóbrega da Cunha e Alberto
Figueiredo Pimentel.
A maior participação de Vianna nesse periódico deu-se durante o período do Estado
Novo, momento em que o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), chefiado por
Lourival Fontes, controlava de forma bastante rigorosa a imprensa e o rádio, baixando,
inclusive, listas de assuntos proibidos. Além disso, o DIP distribuía verbas a jornais e
emissoras de rádio, levando vários proprietários de órgãos de imprensa a enriquecer
rapidamente. Segundo W. Sodré, “os jornais passaram, assim, por gosto ou a contragosto,
a servir à ditadura”
227
, exceção feita a poucos jornais que não se corromperam, entre eles,
o Diário de Notícias
228
. Apesar desse periódico não estar “a serviço da ditadura”, os
artigos assinados por Vianna em suas páginas tratavam sempre de assuntos de interesse do
governo do Estado Novo e, mais especificamente, do Ministério do Trabalho, do qual fazia
parte. Temas como “o cidadão do Estado Novo”, “crise e salário mínimo”, “novos
tempos” eram os tratados por Vianna no Diário de Notícias.
Nos anos 40, a colaboração de Oliveira Vianna na imprensa se intensificou no jornal
A Manhã, periódico que começou a circular, no Rio de Janeiro, em agosto de 1941, com
226
BARBOSA, Marialva. op. cit. p. 58.
227
SODRÉ, N. W. op. cit. p. 439.
228
Idem.
95
uma postura francamente favorável ao Estado Novo
229
. Sua publicação tinha por objetivo
torná-lo o porta-voz do regime de Vargas, fazendo-o assumir um caráter didático na
exposição de idéias do presidente e na publicação de realizações do regime.
O superintendente das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União, coronel Luis
Carlos da Costa Neto, encarregado de indicar o nome do diretor do jornal, escolheu
Cassiano Ricardo para essa função. Membro da Academia Brasileira de Letras, desde 1937,
Cassiano Ricardo havia sido um dos líderes do movimento da Semana de Arte Moderna em
1922, tendo participado ativamente dos grupos "Verde Amarelo" e "Anta", ao lado de
Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Raul Bopp, Cândido Mota Filho e outros. Havia ainda
trabalhado como redator no Correio Paulistano, entre 1923 e 1930 e fundado a Novíssima,
revista literária dedicada à causa dos modernistas e ao intercâmbio cultural pan-americano,
em 1924.
Em 1937, Cassiano Ricardo havia fundado, com Menotti del Picchia e Mota Filho, a
"Bandeira", movimento político que se contrapunha ao Integralismo. O movimento possuía
um jornal, O Anhangüera, que defendia a ideologia da Bandeira, condensada na fórmula:
"Por uma democracia social brasileira
230
, contra as ideologias dissolventes e exóticas”.
Cassiano lançara ainda, em 1937, um livro denominado Brasil no original, em que
defendia, de forma mais acabada, a idéia de uma democracia social para o país. A produção
desses textos, que demonstravam uma clara harmonia entre as suas idéias e o regime de
Vargas, aliado ao grande prestígio angariado por Cassiano Ricardo nas instituições
legitimadoras dos “homens de letras” do país
231
, faziam dele uma escolha acertada, sob a
perspectiva do governo, para dirigir o jornal A Manhã .
O nome de Cassiano Ricardo deu ao periódico um grande prestígio, atraindo para as
páginas de A Manhã o nome de vários intelectuais da época. Foram membros de seu corpo
editorial: Barros Vidal, como secretário, Jorge Lacerda, Cecília Meirelles, Ribeiro Couto e
Leopoldo Aires. Além desses intelectuais, Oliveira Vianna, Afonso Arinos de Mello
Franco, José Lins do Rego, Alceu Amoroso Lima, Vinícius de Moraes e Manuel Bandeira
229
GOMES, Angela de Castro. História e Historiadores, Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 16/17.
230
O conceito de democracia social é desenvolvido por GOMES, Angela de Castro. A invenção do
trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, cap. 4.
231
Além da Academia Brasileira de Letras, Cassiano Ricardo pertenceu a Academia Paulista de Letras.
96
eram nomes de prestígio nos meios intelectuais que colaboraram freqüentemente com o
jornal.
O primeiro dos artigos de Vianna publicados no jornal A Manhã tratava justamente
do “movimento de 1937 e seu sentido histórico”. A partir daí, seguiu-se uma série de
artigos que tinham como principal tema a questão do nazismo, da doutrina nacional-
socialista e do conceito de ariano na doutrina nazista. Todos esses artigos foram escritos e
publicados em 1943, momento em que o Estado Brasileiro participava da Segunda Guerra
Mundial, ao lado dos países aliados. Os artigos de Vianna foram escritos com o objetivo de
avaliar as atitudes de Hitler na guerra e de criticar os brasileiros que se mostravam então
simpáticos à Alemanha. Diz ele em um dos artigos:
De alguns tenho ouvido mesmo que seria muito
mais fácil nos “arregalar” proveitosamente
diante de uma Alemanha vitoriosa, do que diante
de uma Inglaterra vitoriosa. – “Os alemães –
dizem eles, simploriamente – nunca tiveram
conflitos ou casos conosco, como os ingleses –
haja vista a questão Christie e da ilha da
Trindade (...) São estes os argumentos dos nossos
“simpatizantes” da Alemanha e dos nossos
“neutralistas”. No fundo, todos eles estão
sentindo o constrangimento da situação esquerda
em que se encontram, oscilando entre as suas
preferências de “snobs”, que os inclinam para o
sadismo nazista, e o seu dever de brasileiros, que
lhes impõe o imperativo categórico de serem
inimigos dos inimigos de sua pátria
232
.
Para Vianna, a defesa da posição oficial adotada pelo Estado Novo era mais
importante do que qualquer simpatia pessoal por este ou aquele bloco. Tanto mais que esses
artigos estavam sendo publicados num periódico que, como foi dito anteriormente,
desempenhava a função de porta-voz dos interesses do Estado.
Os artigos escritos por Vianna serviram também como estratégia para responder aos
seus críticos quanto ao uso que havia feito do conceito de raça, nos livros publicados
durante os anos 20 e 30. Nas folhas de A Manhã, Vianna tentava estabelecer diferenças
232
VIANNA, F. J. O. “Consciência e Inconsciência dos “simpatizantes” da Alemanha”. A Manhã. 09-04-
1943.
97
precisas no conceito de “raça” utilizado pelos alemães e a definição que havia servido aos
seus próprios estudos antropológicos. Em um dos textos, Vianna afirma:
Tendo a raça ariana tantos direitos, é natural que
se pergunte o que é essa raça, ou melhor: como
os nacionais-socialistas conceituam essa raça?
Porque o que importa é, realmente, o conceito
que os modernos doutrinadores do
pangermanismo fazem ou admitem da “raça
ariana”, que é, aliás, um conceito mais “político”
do que “biológico” e, por isso, propositadamente
impreciso, de modo a assegurar maior liberdade
de ação aos inspiradores e executores do
expansionismo alemão
233
.
Defensor do Estado Novo, Vianna utilizou o espaço do jornal A Manhã não somente
para estabelecer e propagar as posições políticas do Estado varguista, mas também para
defender suas idéias sociológicas e antropológicas, tentando diferenciá-las das posições
mais radicais do nazismo
234
.
Naquele momento, fase de aguda polarização política, não apenas os jornais
cumpriam o papel de divulgadores do debate de idéias do campo intelectual. Também as
diversas revistas culturais e literárias representavam um importante espaço de sociabilidade
intelectual, publicando os confrontos de idéias travados nos limites das instituições que
abrigavam os “homens de letras” e de “ciência” do país.
1.3.5) As revistas literárias, porta-vozes de intelectuais:
As revistas literárias e culturais cumpriram, na primeira metade do século XX, um
importante papel como espaço de intercâmbio intelectual
235
. Assim como os jornais, por
seu caráter de “obra em movimento”, de escrita mais efêmera que a dos livros, serviram de
“espaço de experimentação”, onde as idéias dos autores se ofereciam à discussão e se
testavam permitindo a publicação de trabalhos ainda em curso e de obras em elaboração.
233
VIANNA, F. J. O. “O conceito de “ariano” na doutrina nazista” A Manhã. 07-05-1943.
234
Uma análise, um pouco diversa desta, sobre os textos publicados por Vianna no jornal A Manhã pode ser
encontrada em MADEIRA, Marcos Almir. Oliveira Vianna: vulnerabilidades da crítica. Rio de Janeiro:
Academia Brasileira de Letras, 1999.
235
Sobre as revistas de humor, nas quais se expressaram os diversos membros da geração boêmia, ver:
VELLOSO, Mônica Pimenta. “Cafés, revistas e salões: microcosmo intelectual e sociabilidade”. Modernismo
no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FGV, 1996, pp. 35-85.
98
Bem como os demais espaços de trocas intelectuais, já analisados, as revistas
serviam de “(...) ponto de encontro de itinerários individuais sob um credo comum”
236
.
Uma revista – escrita plural e coletiva – veiculava, ao ser publicada, uma proposta singular
e reivindicava, em oposição a outras, uma “(...) nova cultura, uma nova estética ou uma
nova orientação científica que ela significa[va] ou não sob a forma de um manifesto ou de
um artigo fundador”
237
. Ao tornar-se pública, a revista tomava a aparência de um projeto
consolidado, unido, minimizando, ou mesmo fazendo desaparecer, todo o processo que
levara à sua organização e que, nos “bastidores”
238
, se caracterizara por disputas
intelectuais e políticas. O exemplar publicado mascara, de certa forma, o processo de
criação e elaboração da “mensagem” veiculada.
Por isso, torna-se fundamental investigar os traços dos “bastidores” das revistas – a
composição dos comitês de redação, a presença ou não de determinados nomes em seu
corpo editorial e a identidade dos colaboradores –, tendo em vista compreendê-las como
mais um espaço de sociabilidade intelectual que, assim como os demais, servia de lugar de
concorrência e disputas.
Essa investigação, no entanto, é dificultada pela escassez de fontes que se refiram
aos processos de criação e publicação desses periódicos. Para desenvolver esse tipo de
abordagem, podem ser considerados alguns tipos de fontes tais como os diários, as
memórias de literatos e editores e as correspondências. Todas elas, fontes fragmentárias e
dispersas, tanto mais por serem características, principalmente, de arquivos privados
pessoais, de difícil localização e, freqüentemente, não organizados e/ou fechados aos
pesquisadores.
Embora seja também uma fonte difícil de se trabalhar, em função de seu caráter de
“documento de complexo tratamento analítico”
239
, dentre as fontes citadas, as
correspondências possuem um traço singular: elas portam os diálogos, as falas de editores e
236
PLUET-DESPATIN, Jacqueline. “Une contribuition à l´histoire des intellectuels: les revues” in:
Sociabilités intellectuelles: lieux, millieux, réseaux. Les cahiers de L´IHTP. CNRS, mars 1992, p. 126.
237
PLUET-DESPATIN, Jacqueline. op. cit. p. 129.
238
Na opinião de Jacqueline Pluet-Despatin, “(...) une revue ne se réduit pas à son sommaire et celui-ci est le
produit d´une intense activité en coulisse”. Por esse motivo, para investigar as redes de sociabilidade
estabelecidas a partir de uma revista é necessário, segundo ela, conhecer os “bastidores” da publicação. Ver:
PLUET-DESPATIN, J. op. cit. 127.
239
Ver, a esse respeito, o texto de: GOMES, Angela de Castro. “O ministro e sua correspondência: Projeto
político e sociabilidade intelectual”. In: GOMES, Angela de Castro (org.) Capanema: o ministro e seu
ministério. Rio de Janeiro: editora FGV, 2000, p.18-22.
99
colaboradores, de solicitantes e solicitados, e são, por esse motivo, fontes privilegiadas para
se observar a intensa negociação que se estabelece em torno de um projeto editorial.
Vianna, como os demais intelectuais de seu tempo, publicou alguns de seus textos
em periódicos literários e científicos. Assim, seu arquivo privado pessoal registra, através
de sua correspondência passiva, alguns dos convites que recebeu para colaborar em
diferentes publicações.
As cartas solicitando artigos de Vianna ocupam um espaço significativo em seu
acervo. Por esse motivo, pode-se sugerir que a solicitação de amigos e editores foi, muitas
vezes, um estímulo para a elaboração de novos textos, tendo servido de inspiração
240
para o
exercício intelectual de Oliveira Vianna. As solicitações de artigos e textos para revistas
e/ou para compor obras de autoria coletiva, além de diversas encomendas de artigos para
jornais, funcionaram, freqüentemente como um incentivo para o prosseguimento do
trabalho intelectual.
Consultando sua correspondência, pode-se verificar que há diversas encomendas
para revistas literárias e científicas dos mais diferentes gêneros e tendências político-
ideológicas.
Em carta datada de 1 de junho de 1931, San Tiago Dantas pergunta a Oliveira
Vianna sobre a possibilidade de enviar um artigo para o jornal A Razão:
Caro amigo Dr. Oliveira Vianna,
Venho com prazer anunciar-lhe que “A Razão” já
agora está em vésperas de aparecer, e que eu
aqui estou para lembrar a sua magnífica
promessa de nos dar uma colaboração periódica.
Pretendemos começar a publicação do jornal no
dia dez, mais ou menos, e seria para nós uma
incomparável alegria ainda poder contar para o
primeiro número com a sua colaboração.
240
A noção de “inspiração” descrita aqui como resultado do trabalho de leitura e troca de informações foi
desenvolvida por Peter Stalybrass no texto “La materialité de l’écriture, 1450-1600” apresentado no
seminário do professor Roger Chartier na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, em junho de
2001. Segundo as palavras do autor, “Quand Shakespeare écrivait une pièce, à mon avis, il ne “réfléchisait”
pas. Il ouvrait sur sa table ou sur son bureau (dont malheureusement nous ne savons rien) les chroniques de
Raphael Holinshed, s’il écrivait une pièce sur l’histoire d’Angleterre, de même que d’autres chroniques
historiques, et des livres plus banals, tels que la traduction d' Ovide et de Virgile, des passages de Marlowe et
de Sidney, etc. L’inspiration, autrement dit, ne venait pas des profondeurs de l’âme mais de l’analyse de
textes et de sa propre mémoire; elle provenait de lectures et de conversations”. STALYBRASS, Peter . La
materialité de l’écriture, 1450-1600. (mimeo).
100
A direção dessa revista, de caráter anticomunista, via em Oliveira Vianna um aliado,
como se percebe no trecho abaixo citado da mesma carta:
São Paulo, mais do que nunca está precisando do
senhor, como de todos os que abrem caminhos
seguros, nesta hora tão confusa, tão indecisa da
vida brasileira. O comunismo e o separatismo
embriagam a mocidade e os homens já formados.
A compreensão do Brasil, a sua visão objetiva,
real, é, como o senhor vem dizendo há tantos
anos, nosso único caminho da salvação. E nós
precisamos ouvir agora novamente essa verdade,
que nos chegará aumentada pelas profundas
ressonâncias do ambiente em pânico em que
estamos.
O nosso jornal terá talvez esse papel magnífico,
de fazer ouvir em São Paulo, as vozes dos grandes
“clérigos” do espírito brasileiro, que falam aos
“leigos” de todo o país. Como espero ir ao Rio
ainda antes de sair “A Razão", terei o prazer de
vê-lo e, se for possível, de receber do senhor o
primeiro artigo, com que se iniciará sua
colaboração.
Por ora apenas desejo exprimir-lhe o nosso
profundo agradecimento pela confiança e pelo
prestígio, com que o senhor auspicia o nosso
jornal. E apresentando-lhe as saudações do Dr.
Alfredo Egydio de Souza Aranha, nosso diretor, e
do Plinio Salgado, quero mais uma vez exprimir-
lhe, Dr. Oliveira Vianna, os meus protestos de
grande admiração e profundo respeito, por quem
é hoje um dos maiores mestres do espírito e da
mocidade brasileira.
San Tiago Dantas.
Ainda nesse mesmo ano, em carta de 9 de novembro, enviada de Paris, Ribeiro
Couto
241
solicita uma contribuição de Oliveira Vianna para publicação na revista
portuguesa Descobrimento. Diz ele:
241
Ribeiro Couto nasceu em Santos, SP, em 12 de março de 1898, e faleceu em Paris, França, em 30 de maio
de 1963. Cursou a Faculdade de Direito de São Paulo, trabalhando no Jornal do Comércio, em 1916, e depois
no Correio Paulistano. Transferiu-se para o Rio de Janeiro e, em 1919, bacharelou-se na Faculdade de
Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Designado para o posto de auxiliar de consulado m Marselha,
partiu em fins de 1928 para aquela cidade francesa, onde o cônsul-geral o indicou para vice-cônsul honorário.
Em 1931, foi removido para Paris, onde serviu um ano como adido junto ao consulado geral. O governo
101
Meu querido mestre e amigo Oliveira Vianna,
Aparece em Lisboa, de três em três meses, uma
revista de cultura, de excelente apresentação
intitulada Descobrimento. Tenho o encargo de
obter colaboração brasileira para ela. O Alberto
Rangel, por exemplo, colabora no número 3 (a
aparecer por esses dias). Vou mandar-lhe um
exemplar. Estas linhas são para pedir-lhe
encarecidamente que me remeta um capítulo
inédito de um de seus livros em preparação, ou
um ensaio sobre qualquer assunto para essa
revista. Imagine que quando fui convidado para
dirigir a colaboração brasileira, prometi logo um
trabalho seu, pois você é o maior nome da
sociografia brasileira e um dos seus ensaios nos
daria uma excelente posição naquela revista.
Trata-se do interesse exclusivo do Brasil, para o
qual e pelo qual você trabalha sempre
luminosamente. Conto com você, em nome de uma
velha e sólida devoção, que é também amizade.
Manda-me?
A correspondência também expõe a colaboração de Vianna com os órgãos de
divulgação das idéias dos pensadores católicos. Em carta de 18 de outubro de 1932, Alceu
Amoroso Lima propõe a Vianna que envie uma colaboração para a revista A Ordem,
periódico que havia sido criado em agosto de 1921 por Jackson de Figueiredo
242
, fundador
também do Centro Dom Vital. Ao longo dos anos 20, esses órgãos tornaram-se
responsáveis pelo início de um longo processo de revitalização do catolicismo. O Centro,
assim como a revista, buscava reunir a inteligência católica tendo em vista promover a
campanha por suas idéias. Angela de Castro Gomes aponta a importância desses órgãos e
dos intelectuais católicos, ao longo da Primeira República, como estratégica para o que ela
denominou catolicização do país:
provisório, por designação do ministro Afrânio de Melo Franco, em 1932, promoveu-o a cônsul de terceira
classe. Foi 2º secretário de legação na Holanda, de 1935 a 1940; 1º secretário de legação, em 1942;
encarregado de Negócios em Lisboa, de 1944 a 1946; ministro plenipotenciário na Iugoslávia, de 1947 a
1952; embaixador do Brasil na Iugoslávia, de 1952 até aposentar-se.
Durante a sua permanência na Europa, ocupou-se também de divulgar a literatura brasileira. Foi eleito para a
Academia Brasileira de Letras, em 28 de março de 1934.
102
As figuras exponenciais e referenciais desta bem
cuidada investida foram, além do cardeal Leme,
os líderes leigos Jackson de Figueiredo e Alceu
Amoroso Lima, envolvidos na direção da revista
A Ordem e do Centro Dom Vital, particularmente
atuantes durante as décadas de 20 e 30.
243
Ao analisar o ambiente intelectual do Rio de Janeiro durante os primeiros anos do
século XX, Castro Gomes ressalta a convergência desse movimento de militância católica,
que se desenvolvia, com outros movimentos intelectuais do período, como o simbolista.
Segundo ela,
(...) o Rio de Janeiro dos anos 10 torna-se uma
cidade importante para a montagem de uma rede
intelectual que se reconhece como pertencente a
uma tradição simbolista. Essa tradição mística e
espiritualista, contudo, não pode ser
mecanicamente associada ao boom da militância
católica que então começava a se desenvolver.
Entretanto seria impossível não assinalar a
convergência, bem como os laços que passam a
unir as trajetórias de alguns intelectuais
simbolistas e algumas das mais importantes
lideranças leigas da militância católica de então.
São tais conexões que nos permitem transitar do
simbolismo ao modernismo; do início do século
aos anos 20 e 30; e de outros estados do Brasil à
capital federal.
244
Entre os intelectuais que aproximavam as tendências simbolista e católica estava
Tasso da Silveira. Ele nasceu em 1895, filho do poeta simbolista e diretor da revista
Cenáculo
245
, Silveira Neto. Em 1916, já no Rio de Janeiro, Tasso da Silveira estabeleceu
contatos com vários intelectuais, como Jackson de Figueiredo, sobre quem escreveu um
242
Jackson de Figueiredo nasceu em 1891, na cidade de Aracaju. Mudou-se em 1909 para Salvador, onde
cursou a faculdade de Direito. Após concluir o curso, partiu para o Rio de Janeiro e tornou-se, em 1918,
proprietário da Livraria Católica. Morreu no Rio de Janeiro, em 1928.
243
GOMES, Angela de Castro. Essa gente do Rio... modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: ed.
Fundação Getulio Vargas, 1999, p. 31.
244
GOMES, Angela de Castro. op. cit. p. 39.
245
A revista Cenáculo promoveu um grande impulso ao movimento simbolista em Curitiba, através da ação
de seus principais colaboradores: Emiliano Perneta, Julio Perneta, Dario Veloso e Silveira Neto.
103
ensaio literário. Anos mais tarde, associado ao seu amigo Andrade Muricy
246
, Tasso
participou da montagem de algumas revistas literárias, entre elas América Latina, em 1919;
Árvore Nova, em 1922, e Terra do Sol, em 1924.
Foi justamente para solicitar uma colaboração para a revista Terra do Sol que Tasso
da Silveira escreveu a Oliveira Vianna, em 08 de novembro de 1925. Não seria esse o
primeiro trabalho de que os dois participariam juntos. No ano anterior, 1924, Vicente
Licínio havia organizado um livro denominado À margem da história da República, que
contou com a participação de Tasso da Silveira e de Oliveira Vianna além de outros
colaboradores como Alceu Amoroso Lima, Pontes de Miranda e Ronald de Carvalho.
A revista Terra do Sol expressava um grande interesse pelo pensamento social
brasileiro e possuía uma postura bastante nacionalista. Contou com artigos de
colaboradores como Rocha Pombo, Vitor Vianna, Amadeu Amaral e Elysio de Carvalho.
Este último também está entre os que buscaram a colaboração de Oliveira Vianna
para a composição de revistas literárias. Elysio de Carvalho era tradutor, crítico e ensaísta.
Foi um dos grandes divulgadores da obra de Wilde no Brasil e escreveu diversas crônicas,
nas quais descrevia a boemia do Rio de Janeiro, utilizando um estilo carregado de termos
estrangeiros. Ao lançar a Revista Nacional, ele escreveu a Vianna solicitando um artigo:
Prezado confrade,
Tenho o prazer de comunicar-lhe que durante o
mês de abril vindouro aparecerá nesta capital o
primeiro número da Revista Nacional. Concebida
nos moldes da Outlook de New York, essa
publicação mensal terá o caráter do mais elevado
e significativo expoente da cultura brasileira em
mais variadas modalidades. A nossa metrópole
não dispensa hoje a contribuição desse
instrumento de cultura e nacionalismo e, para
suprir essa lacuna, dado o nosso desenvolvimento
econômico, científico e literário, um grupo de
homens de letras a cuja frente se acham Celso
Vieira, Carneiro Leão, Carlos Pontes, José
Mariano Filho e o abaixo assinado, tomou a
iniciativa de sua elaboração. Além do comentário
elucidativo e orientador de todos os aspectos da
246
Andrade Muricy é considerado, segundo A. de Castro Gomes, um dos maiores estudiosos do simbolismo
no Brasil. Paranaense como Tasso da Silveira, eles eram muito amigos. Cursaram juntos o Ginásio
Paranaense e a faculdade de Direito do Paraná. Ambos vieram para o Rio de Janeiro em meados dos anos 10.
No Rio, Muricy viveu da crítica musical e literária.
104
vida brasileira e internacional, a Revista
Nacional estamparia estudos ou artigos pelos
maiores nomes que ilustram nossa atualidade,
contando desde já com a colaboração permanente
do Sr. Pedro Lessa, Assis Brasil, Oliveira Lima,
Carlos de Laet, João Ribeiro, Azevedo Amaral,
Roquette Pinto e outros muitos. Transmitindo-lhe
essa notícia, faço em nome de todos meus colegas
de direção, um apelo a sua dedicação e ao seu
patriotismo, a fim de tomar um posto entre nossos
colaboradores efetivos. Certo do seu valiosíssimo
concurso, pelo qual a Revista Nacional antecipa a
expressão de seu máximo reconhecimento, devo
comunicar-lhe que é desejo de todos nós que seu
nome figure desde o primeiro número nos
sumários da revista. Inútil dizer-lhe que a Revista
Nacional está aparelhada para remunerar essa
colaboração (...) Aguardando a sua resposta
aproveito o ensejo para apresentar-lhe os meus
protestos da mais forte admiração e meu
particular apreço.
Elysio de Carvalho”.
A solicitação de Elysio de Carvalho foi prontamente aceita por Oliveira Vianna,
como se pode observar pela carta enviada nove dias após a primeira:
Prezado confrade Dr. Oliveira Vianna,
Acuso o recebimento de sua carta datada de 25
do corrente. Os diretores da Revista Nacional
ficam muito penhorados com o acolhimento que
dispensou à iniciativa que pretendem levar a cabo
e estavam bem certos de que outra não seria a
atitude de seu nobre espírito. Todos nós temos em
alta conta a sua mentalidade e somos acordes em
considerá-lo o mais brilhante e o mais profundo
dos sociólogos brasileiros. Bem vê, meu caro
confrade, que, assim sendo, não poderia a Revista
Nacional dispensar o seu valiosíssimo concurso e
espera que seu nome figure no sumário de seu
primeiro número. (...)
Sem outro motivo, aproveito o ensejo para dizer-
lhe que tem o direito de contar com a minha
simpatia e a minha forte admiração.
Elysio de Carvalho.
105
A correspondência de Vianna permite ainda identificar outras revistas que
igualmente solicitaram trabalhos seus. Em carta datada de 3 de maio de 1932, Candido
Motta Filho envia a Vianna exemplares da revista Política, que ele havia fundado em São
Paulo, e, meses depois, em nova carta de 26 de outubro, solicita sua colaboração para esse
periódico.
Mas as cartas recebidas por Vianna demonstram que as solicitações de seus
trabalhos não se limitaram aos periódicos citados. Além deles, artigos de Vianna foram
também requeridos por Anísio Ribeiro, em 30 de agosto de 1932, para compor a revista
Arquivo; por Pantaleão Pessoa, em 19 de julho de 1935, para a Revista Militar do Brasil;
por Oswaldo Vianna, em 22 de abril de 1939, para a revista A Planície; por Roland Cerbini
em carta de 7 de setembro de 1948, para jornal O Colégio e por Montan Leite, para a
Revista de Criminologia de Medicina Legal.
Ao consultar essa coleção de cartas, pode-se perceber que as encomendas de
trabalhos partiam de grupos distintos. Através delas, identifica-se uma rede de relações
profissionais, composta de intelectuais dos mais diversos grupos: do pensamento católico
ao modernismo, dos militares e conservadores aos liberais.
Se foi através das cartas que solicitaram a contribuição de Vianna para a elaboração
de novos trabalhos, foi também, pela via epistolar que ele teceu e manteve suas relações
profissionais e de amizade.
Apesar de ter freqüentado grande parte dos espaços formais
247
de sociabilidade
intelectual descritos anteriormente, Vianna construiu uma auto-imagem de homem recluso
e solitário. Na representação que construiu de si, parece ter postulado a superioridade da
escrita em detrimento da conversação. Para ele, as trocas intelectuais se estabeleciam muito
mais em função da escrita do que da oralidade
248
.
247
Sobre a noção de espaços formais e informais de sociabilidade intelectual, ver: VELASQUES, Muza Clara
Chaves. Homens de letras no Rio de Janeiro nos anos 30 e 40. Niterói: Universidade Federal Fluminense,
2000, p.39.
248
Roger Chartier, ao estudar os homens de letras do século XVIII francês, chama a atenção para o fato de
ter-se constituído, naquele momento, uma representação idealizada de intelectual como indivíduos voltados
para o estudo, para a leitura e a vida em gabinete. Segundo essa representação, tais indivíduos priorizavam as
leituras e a escrita e desvalorizavam as conversas e a vida mundana. Entretanto, apesar dessa representação
idealizada, os intelectuais organizaram, ao mesmo tempo, diversos espaços de intercâmbios intelectuais onde,
através das conversas, eles estabeleciam uma forma singular de sociabilidade. CHARTIER, Roger. op. cit.
1996, p. 190.
106
Talvez isso explique, de certa forma, o fato de ele ter colaborado com um grande
número de jornais e revistas, de posições ideológicas muitas vezes distintas. Através de
seus artigos, Vianna expunha sua opinião sobre os mais diversos assuntos, estabelecendo,
pouco a pouco, seu lugar no espaço da produção cultural.
Vianna apresentou assim, à sua maneira, uma estratégia de sociabilidade baseada
prioritariamente na escrita. Em seu arquivo privado pessoal há diversos tipos de
documentos que testemunham suas práticas de intercâmbio cultural e profissional e
comprovam a hipótese de que foi através da escrita que Vianna estabeleceu uma rede de
relações profissionais e pessoais.
Assim, ganha destaque em seu arquivo pessoal um documento curioso, uma
caderneta de anotações onde se lêem nomes de pessoas a quem enviar livros ou
cumprimentos de boas festas. A caderneta contém uma lista de pessoas a quem Oliveira
Vianna enviava presentes e cumprimentos: é um desses documentos que tornam pública a
intimidade das relações pessoais. Trata-se de uma anotação onde o próprio titular nos poupa
o trabalho de identificar e caracterizar sua correspondência. Ela expõe suas intenções e
pretensões de intercâmbios epistolares. Mas uma questão imediatamente se impõe: seriam
essas as pessoas que Oliveira Vianna estimava, apesar de não estarem presentes no seu dia-
a-dia solitário? A descoberta desse documento indica, mesmo que de forma imprecisa e
parcial, o grupo ao qual estava referida a sociabilidade daquele homem recluso. A
caderneta parece apontar para uma prática de relacionamento pessoal marcada e
materializada pela escrita. Era através do envio de seus próprios livros e cartões de boas
festas que Oliveira Vianna estabelecia, concretizava e reproduzia relações de amizade.
Na caderneta do arquivo de Oliveira Vianna encontram-se discriminados os nomes
das pessoas voluntariamente escolhidas por ele para estabelecer laços de relações
profissionais e pessoais. Mas o fato de constar daquela lista não significava que uma
determinada pessoa tivesse realmente recebido livros e cumprimentos ou, melhor dizendo,
a lista poderia compreender um número maior de pessoas do que aquelas a quem Oliveira
Vianna efetivamente enviou presentes e cartões de boas festas. A caderneta traduz, sem
dúvida, uma intenção, mas não necessariamente um contato efetivo. Como saber quais das
pessoas constantes na lista contaram realmente com a estima e consideração de Oliveira
Vianna e foram agraciadas com “presentes de papel”, livros de sua autoria e cartões de boas
107
festas? Quais dos que receberam esses presentes iniciaram ou deram continuidade à troca
voluntária de gentilezas que marca as relações sociais?
Esse foi o principal questionamento que nos levou à exploração de uma outra fonte
do arquivo: as correspondências. Se as relações pessoais do titular baseavam-se
principalmente na prática escriturária, a correspondência emergia como uma fonte
privilegiada para o desvendamento dessas relações. A análise da prática epistolar em
momentos distintos da História e em espaços diversos vêm demonstrando como a
correspondência “(...) pôde se inscrever nos tempos e espaços sociais específicos (...)
preenchendo funções extremamente variáveis”
249
. Segundo Maria Rosa Camargo,
nos motivos, nas necessidades e interesses dos
correspondentes, nos assuntos que trazem e
especialmente nos procedimentos a que recorrem,
a escrita vai ocupando seu espaço como prática
social, que se concretiza no próprio objeto, neste
caso nas cartas, e que se constrói no jogo das
interações sociais.
250
Dessa forma, pode-se relativizar a interpretação que considera Oliveira Vianna um
homem solitário, buscando identificar na prática epistolar o espaço privilegiado de seu
relacionamento na sociedade dos “homens de letras”.
1.4) A correspondência social de Oliveira Vianna
Oliveira Vianna era, como se afirmou anteriormente, o antípoda do indivíduo
sociável. Recluso por natureza, de poucos amigos, Vianna caracterizava-se justamente pela
sua tendência ao isolamento e pela vida dedicada ao trabalho intelectual, solitário em sua
biblioteca. Vianna era um leitor voraz, vivendo em um momento histórico em que a leitura
já tinha, há muito, perdido a sua característica de atividade realizada em grupo, em voz alta,
para deleite de muitos. A leitura era, para ele, uma atividade eminentemente íntima, pessoal
e solitária.
Mas, apesar de todo o isolamento físico de Oliveira Vianna em relação à vida social,
ele estabeleceu uma forma própria de sociabilidade, definida pelas práticas e estratégias que
249
CAMARGO, Maria Rosa. “Cartas adolescentes: uma leitura e modos de ser...”. In: MIGNOT, Ana
Chrystina, BASTOS, Maria Helena Camara e CUNHA, Maria Teresa Santos. Refúgios do eu: educação,
história e escrita autobiográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000, p. 208.
250
CAMARGO, Maria Rosa. op. cit. p. 203.
108
desenvolveu para sua “vida em sociedade”. Sem ser sociável, no sentido literal do termo, o
que envolve o prazer de estar com outras pessoas e o gosto pela vida em sociedade, Vianna
apresentou, à sua maneira, uma estratégia de sociabilidade baseada prioritariamente na
escrita e, mais especificamente, na escrita epistolar.
Ao mesmo tempo em que se esboçava sua auto-representação de homem solitário,
Vianna guardava, em seu arquivo pessoal, documentos que referem-se às suas relações
pessoais, algumas vezes, privilegiado-as.
As cartas, cartões, telegramas e bilhetinhos, presentes no arquivo registram o lugar
das relações pessoais eleitas, dos convites, dos agradecimentos, dos elogios, dos assuntos
políticos e também da discussão intelectual.
Na opinião de Michel Trebitsch, as correspondências que podem ser consideradas
veículo de estabelecimento de relacionamento pessoal são definidas como
correspondências-rede
251
. Segundo ele, elas se caracterizam por serem menos interessantes
por seu conteúdo do que por sua função, pois os assuntos tratados são sistematicamente
repetidos e sua forma é, com freqüência, extremamente padronizada. Entretanto a
identificação de seus emissores e a compreensão dos mecanismos de sua circulação
permitem perceber a teia de relações urdida em torno do destinatário das cartas.
No arquivo de Vianna encontra-se um grande número de cartas de caráter social que
podemos classificar, como Trebitsch, de correspondências-rede. Entre elas, há
principalmente, as mensagens de Natal e de Boas Festas, os cartões de participação de
nascimento, de comunicação de novo endereço ou de felicitações por novos cargos
ocupados por Oliveira Vianna; os convites para festas e casamentos; os cartões postais; os
avisos de falecimento; os agradecimentos de manifestação de pesar e as cartas desejando
melhora de saúde e pronto restabelecimento em caso de doenças.
Analisando essas correspondências, identifica-se um conjunto de 261 missivistas
distintos. Entre eles, 20 eram membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 24
251
TREBITSCH, Michel. “Correspondances d'intellectuels: le cas des lettres d´Henri Lefebvre à Norbert
Guterman (1935-1947)”. in: Sociabilités intellectuelles: lieux, milieux, réseaux. Les Cahiers de L´IHTP.
Cahier n. 20, mars 1992, p. 83.
109
pertenciam a Academia Brasileira de Letras, 35 eram sócios de outros institutos ou
academias nacionais e/ou regionais e 53 eram ocupantes de cargos públicos importantes
252
.
A investigação desse tipo de correspondência permite identificar como a via
epistolar era utilizada por Oliveira Vianna para manter-se inserido no espaço da produção
cultural, sem que lhe fosse necessário freqüentar, obrigatória e regularmente, as instituições
que serviam de reduto à sociabilidade intelectual.
Michel Trebitsch afirma que a correspondência pode ser utilizada como um
instrumento de abordagem da sociabilidade intelectual, porque ela é uma das raras fontes
escritas segundo um modo de relações sociais dominado pela fala e pela oralidade. Além
disso, a correspondência mantém um status de narrativa pessoal, semelhante à
autobiografia e aos diários, e diferente dos textos destinados à publicação, o que lhe confere
uma impressão maior de veracidade. E ainda, por último, porque a correspondência, que
constitui um lugar de sociabilidade privada, em oposição aos lugares de sociabilidade
públicos, como as revistas, os colóquios e os manifestos, é também lugar de troca, não
somente entre pessoas, mas entre comportamentos individuais e regras impostas do
exterior, códigos sociais ou normas de escrita
253
.
Assim, a exploração da correspondência social presente no arquivo privado pessoal
de Oliveira Vianna permite esboçar, ainda que de maneira fragmentária, a sua rede de
relações pessoais, marcada e materializada pela escrita epistolar.
Através da análise desses documentos insinua-se a imagem de um homem que preza
suas relações pessoais, mesmo que de forma singular e distante, e que faz com que seja
mantida, com um significativo grupo de pessoas, uma constante troca de gentilezas e
favores. A imagem de homem recluso ganha, dessa forma, outra dimensão. Não se pode
dizer que Oliveira se mantivesse fora de círculos de amizades e, ainda, pelo arquivamento
das correspondências, pode-se perceber que ele não tinha nenhum interesse em ocultar
essas relações.
252
Muitos missivistas eram, ao mesmo tempo, membros do IHGB, da ABL, dos institutos regionais e
ocupavam cargos de destaque na vida pública, como se pode perceber a partir dos dados organizados no
quadro anexo 5.
253
TREBITSCH, Michel. “Correspondances d´intellectuels: le cas des lettres d´Henri Lefebvre à Norbert
Guterman (1935-1947)”. in: Sociabilités intellectuelles: lieux, milieux, réseaux. Les Cahiers de L´IHTP.
Cahier n. 20, mars 1992, pp. 70-84.
110
As relações de amizade de Vianna possibilitam a compreensão de um mecanismo
informal que lhe permitia, enfrentar alguns dos desafios cotidianos e muitas das imposições
das organizações institucionalizadas.
Ao investigar as relações de amizade, Josepa Giner
254
, concluiu ser esta uma
construção social e culturalmente determinada, que não possui uma forma fixa e que
mantém uma prática dinâmica e mutável, cujas formas variam histórica e socialmente.
Segundo a autora, os conteúdos da amizade estão conformados por um conjunto de
constrangimentos externos, sobre os quais a pessoa exerce apenas um controle relativo.
Assim, pode-se definir a amizade como uma relação voluntária e pessoal, em que não existe
nem hierarquia, nem autoridade. É uma relação entre iguais, não havendo a assimetria
característica das relações formais ou mesmo das relações informais, marcadas pelo apelo a
um superior.
O estudo das relações de amizade permite esboçar as redes de sociabilidade de um
indivíduo, destacando suas escolhas voluntárias, suas relações eleitas e o espaço limitador
onde essas se estabelecem. Ainda segundo Josepa Giner,
o enfoque das redes sociais enfatiza o papel de
ator dos indivíduos, este não só se acha
constrangido e manipulado – através de pautas
complexas de regras – por seu entorno social,
mas ele mesmo mediante a estratégia que imprime
às suas relações interpessoais manipula esse
entorno para alcançar seus interesses.
255
Ao longo de sua trajetória, Oliveira Vianna fez amigos, encantou admiradores,
desencadeou críticas. A rede urdida em torno dele não era composta somente de amigos.
Havia também alunos e professores, companheiros de trabalho, críticos e editores,
acadêmicos “imortais” e pessoas comuns.
A noção de rede de relações pessoais remete-se à idéia de que cada indivíduo
encontra-se vinculado a outros por relações de parentesco, amizade ou outras
determinações pessoais. Refere-se, portanto, à noção desenvolvida por Norbert Elias de
254
Os estudos antropológicos que tratam das relações de amizade foram sintetizados no livro: GINER, Josepa.
La amistad: perspectiva antropologica. Barcelona: Icaria editorial, 1995.
255
GINER, Josepa. op. cit. p. 52.
111
cadeia de interdependência
256
, segundo a qual, “uma das condições fundamentais da
existência humana é [justamente] a presença simultânea de diversas pessoas inter-
relacionadas”.
257
Essa interdependência pode ser mobilizada por um indivíduo para fins distintos,
tornando-o vinculado a outros, direta ou indiretamente. Assim, a idéia de generosidade,
implícita na noção de amizade desinteressada, muitas vezes camufla a troca de interesses e
a obrigatoriedade no intercâmbio de bens e favores
258
. Cartões de felicitações,
cumprimentos e presentes dados, aparentemente, de forma voluntária exigem sempre
retribuição, o que acaba por enredar pessoas em laços de amizade e fidelidade. Essa
obrigatória reciprocidade é vivida, na verdade, como se não existisse, pois a troca entre
parceiros envolve serviços e ajudas de naturezas distintas, que são apreendidas como
unidades isoladas, sem qualquer vínculo entre si.
Esse tipo de correspondência - cartões de Natal, de boas festas, de visitas, os
convites para festas e comemorações, as cartas desejando melhoras de saúde ou solicitando
favores - é fortemente marcado por uma forma repetitiva e vazia de conteúdo. A maior
parte dela é composta de cartas ou cartões impressos em grande quantidade, sem nenhuma
referência pessoal, onde a escrita manuscrita aparece apenas, em muitos casos, na
assinatura do remetente. Nessa correspondência poucas são as cartas manuscritas e é ainda
menor o número daquelas que contêm um relato extenso.
No arquivo de Oliveira Vianna, entre as centenas de documentos referidos a esse
tipo de correspondência, encontra-se um que representa uma exceção, justamente por seu
conteúdo e extensão. É a carta que Raimundo Maranhão Aires escreve a Oliveira Vianna,
enviada da cidade de Lageado, no Mato Grosso, no dia 20 de agosto de 1937:
Ilmo. Sr. Oliveira Vianna.
Saudações cordiais.
Desde o momento em que fostes eleito para a
vaga do memorável Alberto de Oliveira, o nosso
ex-príncipe dos poetas brasileiros, tive em mente
256
Citado em: CHARTIER, Roger. História Cultural; entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1992, p.
101.
257
ELIAS, Norbert. A Sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1994, p. 27.
258
A partir das observações propostas por Marcel Mauss, em Ensaio sobre a Dádiva, a respeito da
ambigüidade existente na prática da troca de presentes, podemos compreender a amizade como uma espécie
de contrato informal estabelecido entre pessoas que se vêem como iguais e trocam bens e serviços de modo
recíproco. Ver: MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a dádiva; forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”.
Sociologia e Antropologia. São Paulo: Edusp, 1974.
112
levar-vos as minhas felicitações pela vossa
ingressão na Casa de Machado de Assis. Porém
agora se me apresentando um momento oportuno
transmito nessas linhas incolores os meus
parabéns pela vossa vitória, pela vossa entrada
naquela casa, que tendes direitos sobejos, porque
sois grande e talentoso.
A vossa obra profunda vazada em forma
puramente sadia e complexa, nos faz crer, a
paciência e a cultura que dispondes para nos
apresentar com tanta segurança de dados e notas,
uma obra como “Raça e Assimilação”,
“Populações Meridionais”, “Problemas de
política objetiva”, “O Idealismo da Constituição”
e tantos outros similares em estilo e perfeição, em
tonalidades frescas e agradáveis, como em pureza
de moldes e agudeza de explanação dos assuntos.
A vossa literária, apesar de um pouco obscura
perante o alto sertão brasileiro, ultimamente tem
se difundido em escala mais dilatada e vasta. O
eco de vosso nome já ecoa com simpatia, por
esses lugares ínvios e irredentos da civilização. A
vossa obra apesar de profunda goza nos nossos
meios o lugar merecido.(...)
Assim, pois, aqui deixo novamente as minhas
congratulações pela vossa vitória, dispondo
sempre do menor admirador.
Raimundo Maranhão Aires.
Esta carta é bastante representativa, visto que possui características pouco comuns à
correspondência social.
Raimundo Maranhão Aires, autor da carta, era membro da Academia
Matogrossense de Letras, e escreve a Oliveira Vianna que, naquela data, além de consultor
Jurídico do Ministério do Trabalho, era autor de uma extensa obra publicada e já
consagrada – que o missivista demonstra conhecer – e membro recém eleito da Academia
Brasileira de Letras. A aproximação e possível amizade com Oliveira Vianna interessava a
esse homem do interior, em luta pela obtenção de uma maior visibilidade para sua trajetória
no campo intelectual
259
.
259
Como afirma Bourdieu, “a forma das relações que as diferentes categorias de produtores de bens
simbólicos mantêm com os demais produtores (...) depende diretamente da posição que ocupam no interior
do sistema de produção e circulação de bens simbólicos, e ao mesmo tempo, da posição que ocupam na
113
Para Maranhão Aires, escrever naquele momento a Oliveira Vianna significava
aproximar-se de um indivíduo que desfrutava de grande prestígio intelectual e político, o
que explica, por exemplo, o fato de ele finalizar a carta com a seguinte observação
manuscrita: “Aguardo que o ilustre sociólogo me honre com algumas de vosso próprio
punho, aí vai o endereço”.
Na tentativa de aproximar-se mais uma vez de Vianna, Maranhão Aires voltaria a
escrever ao sociólogo alguns anos mais tarde. Na ocasião, enviou cartões de Natal – nos
anos de 1944 e 1945 – que são também bastante ilustrativos das estratégias utilizadas por
esse missivista para se fazer reconhecer por Vianna. Esses cartões demonstram que a
correspondência, enquanto uma forma de intercâmbio social como qualquer outro, se insere
num tipo de prática social mais ampla, ultrapassando a esfera do íntimo e referindo-se a
determinações da esfera pública
260
.
Ao contrário dos cartões de boas festas comumente utilizados, Maranhão Aires
mandou imprimir um modelo no qual apareciam listadas as academias e associações
culturais às quais ele pertencia. Ao observar os dois cartões enviados em anos consecutivos,
pode-se perceber que Aires atualizava os dados de seu “currículo”, o que caracteriza um
interesse em demonstrar o progresso de seu posicionamento no espaço social da produção
cultural.
hierarquia propriamente cultural dos graus de consagração, tal posição implicando numa definição objetiva
de sua prática e dos produtos dela derivados”. BOURDIEU, Pierre. “O mercado de bens simbólicos”. In: A
economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992, p. 154.
260
Sobre a correspondência como uma prática social que ultrapassa os limites da esfera do privado e do
íntimo, ver Roger Chartier citado por TREBITSCH, Michel. op. cit. p. 82.
Cartões de Boas Festas enviados por Raimundo Maranhão Ayres, em 1943 e 1944. Arquivo pessoal
de Oliveira Vianna.
114
Se é verdade que alguns missivistas, como Maranhão Aires, enviaram a Vianna
cartas nas quais tentavam demonstrar um maior reconhecimento no campo intelectual,
também é real que Vianna se utilizou dos mesmos recursos para fazer-se reconhecer nesse
campo.
Apesar de se trabalhar aqui com a correspondência passiva de Vianna e por isso não
ser possível caracterizar de maneira mais concreta a escrita epistolar desse intelectual,
através das cartas recebidas, pode-se ter acesso a ele “pela ótica do outro”
261
, visto que as
cartas são produto da interação entre remetente e destinatário.
A maior parte dos missivistas que destinaram a Vianna algum tipo de carta social
limitou-se apenas a esse tipo de correspondência, não mantendo com ele nenhum outro
relacionamento como, por exemplo, uma discussão intelectual. Além disso, é importante
destacar que muitas das cartas ou cartões, recebidos por Vianna, agradeciam mensagens
anteriormente enviadas por ele. Na verdade, é possível notar que tanto mais importante e
reconhecido política e intelectualmente o missivista, mais sua correspondência referia-se ao
agradecimento a cartas de Vianna. Alguns missivistas caracterizam-se por terem enviado a
Vianna unicamente cartas de agradecimento, como é o caso de Manuel Bandeira e Oswaldo
Aranha.
Um outro aspecto importante a ser investigado, a respeito deste conjunto de cartas,
diz respeito à singular temporalidade com que ele se organiza. A maior parte das cartas que
compõem essa parte do acervo é formada por cartões de boas festas e em seguida de
congratulações pela data de aniversário de Vianna. Assim, pode-se verificar que em dois
momentos do ano – em junho, data de aniversário de Oliveira Vianna e em dezembro, no
período das festas de Natal e Ano Novo – o número de correspondências aumenta
significativamente.
Ainda em relação à temporalidade descrita por essa correspondência, percebe-se que
há um aumento do número de cartas em momentos específicos da vida de Oliveira Vianna.
A maior parte dos registros que figuram no acervo foram recebidos ao longo dos anos 40,
momento em que Vianna possuía um significativo reconhecimento intelectual e social, pois
ocupava o cargo de Ministro do Tribunal de Contas, era membro da Academia Brasileira de
261
MIGNOT, Ana Chrystina V. “Artesãos da palavra: cartas a um prisioneiro político tecem redes de idéias e
afetos”. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos e MIGNOT, Ana Chrystina V.
Destinos das letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002, p. 116.
115
Letras – além de sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – e possuía várias
obras publicadas.
Assim, pode-se perceber que, se o conteúdo da correspondência de caráter social
não apresenta maior interesse, a identificação de seus autores, bem como a análise das redes
tecidas a partir de sua circulação são extremamente ricas. Considerando-a uma forma
privilegiada de sociabilidade, alimentada por Vianna, pode-se identificar pelo menos uma
parte de seus interlocutores. Compreende-se assim que, através da escrita epistolar, ele se
mantinha em contato com indivíduos dos mais diversos lugares do país, utilizando-se desse
mecanismo para se manter recluso, sem permanecer isolado.
CAPÍTULO 2: O MAGISTÉRIO E OS EMPREGOS PÚBLICOS:
ALTERNATIVAS PROFISSIONAIS PARA VIANNA NO MUNDO DAS LETRAS
O que os indivíduos devem à escola é sobretudo
um repertório de lugares comuns, não apenas um
discurso e uma linguagem comuns, mas também
terrenos de encontro e acordo, problemas comuns
e maneiras comuns de abordar tais problemas
comuns.
1
(Pierre Bourdieu)
Como se sabe, ao longo do período imperial, a formação jurídica no país fazia-se
exclusivamente nas faculdades de Recife e de São Paulo, em torno das quais se desenvolvia
grande parte da vida cultural. Apesar de não se poder considerar as faculdades de direito
como o único lugar de formação da intelectualidade brasileira
2
nos primeiros anos do
século XX, é possível julgá-las como um espaço privilegiado no processo histórico de
produção intelectual no Brasil. Os relatos de Clóvis Beviláqua sobre a famosa Escola do
Recife, de Spencer Vampré acerca da Academia de São Paulo e o livro de Pedro Calmon a
respeito da faculdade de Direito do Rio de Janeiro compõem uma trilogia que permite
inserir a história dos cursos jurídicos na origem da formação do campo intelectual no
Brasil
3
.
Oliveira Vianna, como veremos neste capítulo, cumpriu o caminho mais comum
seguido pelos intelectuais de seu tempo. Sua formação acadêmica deu-se na Faculdade de
Direito, mas, diferentemente de outros contemporâneos, não foi a Escola de Recife ou a de
São Paulo que serviu de palco para seus estudos, mas sim a recém-criada Faculdade Livre
de Direito do Rio de Janeiro. Esse curso, ao lado do da Faculdade Livre de Ciências
Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, surgiu em 1891, pondo fim à exclusividade até então
desfrutada pelas escolas jurídicas oficiais. Criadas nos primeiros anos do governo
1
BOURDIEU, Pierre. “Sistemas de ensino e sistemas de pensamento” in: A economia das trocas simbólicas.
São Paulo: Perspectiva, 1992, p. 207.
2
Luiz de Castro Faria chama atenção para a importância dos seminários religiosos, das faculdades de
medicina e das escolas militares que, ao lado das faculdades de direito, formavam a elite intelectual do país no
século XIX e primeiros anos do século XX. Ver: FARIA, Luiz de Castro. “Sistemas de ensino, escolas de
direito, genealogias intelectuais”. Conferência pronunciada da Procuradoria Geral do estado do Rio de
Janeiro, promovida pela AJUP, em 28 de maio de 1987. (mimeo), p. 22-28.
3
FARIA, Luiz de Castro. “Sistemas de ensino, escolas de direito, genealogias intelectuais”. Conferência
pronunciada da Procuradoria Geral do estado do Rio de Janeiro, promovida pela AJUP, em 28 de maio de
1987. (mimeo), p. 21.
117
republicano, com o objetivo de formar a burocracia estatal na capital da República, essas
escolas passaram a concorrer com Recife e São Paulo no processo de formação da
intelectualidade do país. Se até os últimos anos do Império havia sido para essas duas
faculdades que os jovens haviam se deslocado em busca de formação e de maior prestígio
social e político, nos primeiros anos da República, as escolas criadas no Rio de Janeiro
permitiram maior diversidade na formação da intelectualidade e da burocracia do Estado
republicano.
O ensino jurídico no período imperial, além de concentrado nos dois
estabelecimentos citados há pouco, enfrentava ainda outros problemas: o absenteísmo dos
alunos, a grande autonomia do corpo docente e a inexistência de controle por parte do
Estado
4
. Apesar das sucessivas tentativas de organização do ensino superior no país
representadas pelas reformas de 1854, 1865, 1871, 1879 e 1885
5
, o Estado Imperial não
conseguiu exercer sobre o ensino jurídico um efetivo controle do currículo, métodos de
ensino e corpo docente
6
.
O curso jurídico no Brasil apresentava problemas. Um dos mais sérios era a
ausência de alunos das aulas. A falta de obrigatoriedade da presença às aulas fazia com que
os estudantes deixassem de assisti-las, tornando praticamente inexistente a vivência
acadêmica. Muitos alunos apareciam na faculdade apenas nos dias dos exames.
Um segundo problema dizia respeito à qualidade dos conteúdos ministrados. Era
comum os alunos acusarem os professores de incompetência e denunciarem a prática de
“aulas lidas”, freqüentemente monótonas e pouco atraentes. Além disso, a baixa
remuneração da atividade do magistério agravava ainda mais a situação, pois, embora o
ofício de professor representasse prestígio social, os baixos salários acabavam tornando sua
4
É importante notar que há autores que trabalham com a hipótese contrária de que foi justamente o grande
controle exercido pelo Estado Imperial que impediu a criação de um ensino jurídico livre. Seguimos aqui a
tese de Sérgio Adorno que demonstrou que, apesar das diversas tentativas de controle por parte do Estado, na
verdade, o ensino jurídico constituiu-se, no país, de forma desordenada e livre. Ver: ADORNO, Sérgio. Os
aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
5
Data de 1854 a reforma Couto Ferraz e de 1879 o decreto que instituiu o ensino livre.
6
Cf. Sérgio Adorno, no livro Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Segundo
Adorno, a despeito das interpretações que consideram que o ensino jurídico no Império teria se caracterizado
por uma visão lógica e harmônica do Direito e teria sido rigidamente controlado pelo Estado, não teria havido
qualquer controle efetivo sobre os cursos de Direito.
118
prática complementar às demais atividades profissionais desempenhadas pelos bacharéis e
doutores, tais como a política, a magistratura e advocacia
7
.
Apesar dessa situação e a despeito das constantes denúncias de baixa qualidade do
ensino jurídico no país, o governo imperial decidiu, em abril de 1879, através do decreto
7.247, institucionalizar o ensino livre, o que significava maior rigor nos exames mas, ao
mesmo tempo, maior liberdade nas práticas cotidianas de ensino nas faculdades brasileiras.
Na verdade, essa proposta já vinha sendo defendida desde meados do século por indivíduos
reconhecidamente liberais, como Martim Francisco, que a havia escrito em sua Memória
histórica da Faculdade de São Paulo, do ano de 1857 e havia sido ratificado, alguns anos
mais tarde, por Leôncio de Carvalho
8
.
Somente no período republicano essa situação começaria a se transformar. Deodoro
da Fonseca, ao nomear Benjamin Constant como Ministro da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos, em 19 de abril de 1890, abriu espaço para modificações no ensino jurídico no
país. A ação de Benjamin Constant à frente desta pasta imediatamente se fez sentir, quando,
em 02 de janeiro de 1891, foi aprovado o decreto n. 1232-H que estabelecia “(...) o
regulamento das instituições de ensino jurídico dependentes do Ministério da Instrução
Pública”
9
. Esse regulamento determinava que os cursos das faculdades de Direito
passariam a ser divididos em ciências jurídicas, ciências sociais e notariado, e organizados
em quatro séries para o primeiro, três séries para o segundo e duas para o terceiro
10
.
7
VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo (150 anos de ensino jurídico no Brasil). São
Paulo: Perspectiva, 1982, p. 119.
8
Segundo ele, era preciso acabar com o “(...) carrunchoso regimen de faltas, lições e sabatinas, regimen
de grande vantagem nos estabelecimentos de instrução primária e secundária, mas impróprio para as
faculdades, cujas aulas são freqüentadas por alunos que já devem dispor de um espírito culto e, por
conseqüência, saber discriminar o que mais convém aos seus interesses e às suas aspirações. Querer
compelir ao trabalho o estudante de uma academia por outros meios que não seja o exemplo do mestre, a
proficiência das lições e a severidade dos exames é uma perfeita utopia. Cada um estude com quem quiser e
onde lhe for mais cômodo e venha prestar depois, na devida ocasião, perante os lentes do instituto oficial, as
provas determinadas por lei. Conceda-se a todo cidadão o direito de abrir cursos em que lecione e
desenvolva qualquer ciência, tendo, como único juiz de seu mérito, a opinião independente do público”. Ver:
Leôncio de Carvalho. “Memória histórica de 1871” apud VAMPRÉ, Spencer. Memórias para a história da
Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo: 1924, vol. II, p. 337.
9
VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo (150 anos de ensino jurídico no Brasil). São
Paulo: Perspectiva, 1982. p. 179/180.
10
Segundo este decreto, do curso de ciências jurídicas constariam as seguintes matérias: Filosofia e História
do Direito, Direito Público e Constitucional, Direito Romano, Direito Criminal (incluindo o Direito Militar),
Direito Civil, Direito Comercial (incluindo o Direito Marítimo), Medicina Legal, Processo Criminal, Civil e
Comercial, Prática Forense, História do Direito Nacional e Noções de Economia Política e Direito
Administrativo; o curso de ciências sociais seria composto das seguintes disciplinas: Filosofia e História do
Direito, Direito Público, Direito Constitucional, Direito das Gentes, Diplomacia e História dos Tratados,
119
Determinava ainda que o grau de bacharel em ciências jurídicas habilitava para a
advocacia, a magistratura e os ofícios de justiça, enquanto que o de bacharel em ciências
sociais permitia o exercício de funções nos corpos diplomático e consulares e para os
cargos de diretor, subdiretor e oficial das secretarias de governo e administração. O curso
de notariado habilitava para todos os ofícios da justiça.
O decreto de 1879 estabelecendo o ensino livre havia agravado também, de certa
forma, aquele que era o principal problema do ensino jurídico no país: a situação de
ausência dos alunos. Isso levou ao crescimento das denúncias de falta de rigor nos exames e
de piora na qualidade de ensino das faculdades. Por esse motivo, a questão da presença
obrigatória voltou a mobilizar, nos primeiros anos da República, as discussões a respeito da
organização dos cursos jurídicos no país.
Para tentar resolver parte dos problemas que a freqüência livre trazia para o ensino
jurídico, o governo fez aprovar a lei n. 444 de 3 de setembro de 1895, que determinava o
regime misto, estabelecendo que somente os alunos matriculados nas faculdades antes de
30 de outubro de 1895 poderiam usufruir do privilégio da não-obrigatoriedade da
freqüência às aulas. Mas não era somente a presença dos alunos que a nova lei estabelecia.
Também a assiduidade dos professores passaria a ser controlada pelos fiscais do governo. A
partir de 1901, ficou ainda determinado que os professores deveriam cumprir uma carga
horária de cinco dias semanais e não apenas três como previa o regulamento anterior.
E na tentativa de solucionar de uma vez por todas o problema da freqüência de
alunos e professores, o governo passou a exigir, em 1902, que o relatório apresentado pelas
faculdades demonstrasse a presença por mês e não o total anual.
Se, por um lado, o decreto de 1879 agravou, como foi demonstrado, a situação da
ausência dos alunos nas aulas, por outro, ele estimulou a criação de faculdades livres no
país levando a imediata criação, na cidade do Rio de Janeiro, capital federal, de duas novas
Ciência da Administração e Direito Administrativo, Economia Política, Ciência das Finanças e Contabilidade
do Estado, Higiene Pública e Legislação Comparada sobre Direito Privado (noções); e as matérias do curso
de notariado seriam: Explicação Sucinta do Direito Pátrio Constitucional e Administrativo, Explicação
Sucinta do Direito Pátrio Criminal, Civil e Comercial, Explicação Suscinta do Direito Pátrio Processual e
Prática Forense. Ver: VENÂNCIO FILHO, Alberto. op.cit. p. 180.
120
faculdades de Direito, a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais e a Faculdade
Livre de Direito
11
.
Busca-se compreender a seguir o lugar ocupado pela Faculdade Livre de Direito do
Rio de Janeiro entre os cursos de Direito criados e em funcionamento no país naquele
período, investigar seu sistema de ensino
12
e pensar, assim, o papel da formação acadêmica
de Vianna relativamente a sua produção intelectual e política.
2.1) As faculdades de Direito do Rio de Janeiro na Primeira República
Em nota explicativa que abre seu livro sobre a história da Faculdade Nacional de
Direito, Pedro Calmon adverte para o fato de que a dificuldade existente para se reconstruir
esta história reside na questão de que as duas instituições que lhe deram origem não
deixaram vestígios organizados de suas existências. Além disso, na opinião desse mesmo
autor, outra dificuldade resulta da “(...) ausência de uma tradição escolar viva, pitoresca,
memorável, como acontecia em São Paulo (...) ou em Recife (...)”
13
.
A Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro havia sido
planejada antes mesmo da reforma Benjamin Constant, ainda durante o período
monárquico.
Um jovem advogado, Dr. Fernando Mendes de Almeida, havia reunido, em 18 de
abril de 1882, alguns amigos em seu escritório - à rua do Rosário número 74 - para fundar a
Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais o que se limitou, naquele momento, a
redação de uma ata de fundação, que previa o início das aulas para 01 de maio de 1883.
Segundo esse documento - assinado por Tarquínio Bráulio de Souza Amarantho, João
Batista Pereira, João Carlos de Oliva Maya, Rodrigo Otávio de Oliveira Menezes, José da
Silva Costa, Antônio Coelho Rodrigues, Bulhões de Carvalho e Fernando Mendes de
11
Sobre a organização dessas faculdades no Rio de Janeiro, ver: VENÂNCIO FILHO. op. cit. e CALMON,
Pedro. História da Faculdade Nacional de Direito (1891-1920). Rio: Coelho Branco, 1945.
12
A noção de sistema de ensino aqui utilizada é baseada na definição dada por Luis de Castro Faria inspirado
pelos estudos de Pierre Bourdieu e Maurice Godelier. Segundo Castro Faria, para falarmos em sistema de
ensino, “temos que pensar necessariamente em objetos, coisas, indivíduos e relações entre eles, sem o que
essa categoria perde o sentido (...) Essa noção de sistema, como sabem, representa uma totalidade. Quando
estou usando a palavra sistema, quando estou operando com a noção de sistema, eu tenho sempre presente
objetos e relações”. Ver: FARIA, Luis de Castro. Sistema de ensino, escolas de Direito e genealogias
intelectuais. Conferência pronunciada na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, em 28 de maio de
1987. p. 2/3 (mimeo).
13
CALMON, Pedro. História da Faculdade Nacional de Direito (1891-1920). Rio de Janeiro: Coelho
Branco, 1945.
121
Almeida – determinava-se que Fernando Mendes de Almeida seria o diretor da nova
faculdade e que se responsabilizaria por providenciar todos os procedimentos necessários a
sua instalação
14
.
O projeto só pôde ser implementado após 1891 quando então promulgou-se a
reforma Benjamin Constant. Nesse momento, muitos dos signatários da primeira ata de
fundação da faculdade não mais poderiam participar. Entretanto, a ausência dos
companheiros não tirou o fôlego daqueles que tinham como objetivo lutar pela instalação
de um curso de ciências jurídicas no Rio de Janeiro. Dessa forma, imediatamente após a
publicação do decreto da reforma, o grupo liderado por Fernando Mendes de Almeida – do
qual se mantinham solidários Tarquínio de Souza, Batista Pereira, Oliva Maya, Silva Costa
e Bulhões de Carvalho - enviou ao Ministro e Secretário de Estado da Instrução Pública,
Correios e Telégrafos, Benjamin Constant, um documento comunicando a fundação da
Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro
15
. E, alguns meses mais
tarde, em 19 de maio de 1891, reuniram-se no salão do Liceu de Artes e Ofícios, e
declararam “organizada e instalada definitivamente a Faculdade Livre de Ciências
Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro iniciada em 1882
16
17
relacionando os membros do
corpo docente
18
a ser submetido à aprovação do Governo Federal
19
.
Ainda no ano de 1892, o governo republicano estabeleceria novas normas com
vistas a aumentar o controle sobre os cursos jurídicos em funcionamento no país. Em
regulamento datado de três de dezembro, o Ministério da Justiça e Negócios Interiores
transformou a ação dos comissários do governo que, até aquele momento, tinham a função
de assistir e intervir apenas nos exames finais dos cursos, em inspetores fiscais com
14
CALMON, Pedro. op. cit. p. 25
15
Documento datado de 13 de janeiro de 1891. Arquivo Nacional. Série Educação. Notação: IE 3 250.
16
É interessante notar que, apesar de instalada somente no ano de 1891, os membros da nova faculdade
guardariam, durante toda a sua existência, a data de fundação de 1882, constando sempre esta data dos
documentos oficiais.
17
VENANCIO FILHO, A. op.cit. p. 187.
18
ver anexos 6 e 7.
19
Sobre o corpo docente organizado nesta ocasião, Pedro Calmon tece o seguinte comentário: “(...) era uma
elite acadêmica de alta reputação intelectual, que assumia a responsabilidade de incorporar, impor,
defender, um instituto universitário digno da capital do país. Vultos do passado e jovens homens públicos,
que faziam brilhantemente as primeiras artes na imprensa, no livro, na tribuna; antigos ministros e bacharéis
recentes; gente da Monarquia e republicanos de pensamento e ação; sábios e literatos; humanistas e
advogados de intensa atividade profissional. Mesmo representantes de correntes opostas, como José Higino e
Silvio Romero a propósito da “Escola do Recife”, e Fernando Mendes e Afonso Celso, a respeito do
regime...”. CALMON, Pedro. op. cit. p. 38 apud VENÂNCIO FILHO, A. op. cit. p. 187.
122
atividades permanentes junto aos institutos. Esses inspetores deveriam fiscalizar todas as
atividades dos cursos jurídicos, remetendo ao Ministério relatórios semestrais
20
.
Em 1895, faleceu o conselheiro Portela, que inicialmente havia ocupado o cargo de
decano
21
e mais tarde de diretor da faculdade. A Congregação, em sessão de 19 de
dezembro de 1895, criou, em homenagem a sua memória, um prêmio, uma medalha de
ouro, com seu nome a ser concedido aos alunos que se destacassem durante o curso
22
.
Também em 1895 foi criada a “Revista Jurídica”, periódico organizado pelos alunos, tendo
ainda sido nomeados lentes substitutos: Manuel Álvaro de Souza Sá Vianna, Rodrigo
Octávio Langaard de Menezes e José Pereira da Graça Aranha. Nesse mesmo ano, foram
aprovados os novos estatutos que unificavam os cursos de ciências jurídicas sociais e
notariado, passando o curso a se compor das seguintes disciplinas ministradas pelos
professores abaixo discriminados
23
:
20
Os inspetores responsáveis pela fiscalização da Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de
Janeiro foram: Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, seguido de João Joaquim Pizarro
(23/06/1891 a abril de 1892) ; Lucio de Mendonça e Vicente de Souza (de abril de 1892 a maio de 1893); José
Cesário de Miranda Ribeiro (de maio de 1893 a junho de 1894); Joaquim Xavier da Silveira (de junho de
1894 a 19/11/1897); Augusto Álvares de Azevedo (de 19/11/1897 a 28/04/1898); Miranda Ribeiro (de
28/04/1898 a abril de 1903); Carlos Silveira Martins (de abril de 1903 a julho de 1915); Manuel Porfírio de
Oliveira Santos (de julho de 1915 a abril de 1919) e Alfredo Paranaguá Moniz (a partir de abril de 1919).
Apud CALMON, Pedro. op. cit. p. 53.
21
O decano não tinha função definida. Era como um presidente de honra que tinha por função fornecer a
Congregação um pouco de seu prestígio e agremiar pessoas para levar a frente o projeto da faculdade. Ver:
CALMON, Pedro. op. cit. p. 47.
22
O primeiro aluno vencedor do prêmio Conselheiro Dr. Manuel Portela foi José de Miranda Valverde.
Relatório dos comissários fiscais do governo junto às faculdades livres de direito da Capital Federal no ano
de 1896. Arquivo Nacional. Série Educação (IE 3 240).
23
Relatório dos comissários fiscais do governo junto às faculdades livres de direito da Capital Federal no
ano de 1896. Arquivo Nacional. Série Educação (IE 3 240)
123
Série Disciplina Professor
Filosofia do Direito Silvio Romero
Direito Romano João Evangelista Sayão de Bulhões
Carvalho
Primeiro Ano
Direito Público Constitucional Tarquínio de Souza
Direito Civil Antonio Coelho Rodrigues
Direito Criminal João Batista Pereira
Direito Internacional e
Diplomacia
Felisberto Pereira da Silva
Segundo Ano
Economia Política João Carlos de Oliva Maya
Direito Civil João Costa Lima Drummond
Direito Criminal Cândido Mendes de Almeida
Ciência das Finanças e
Contabilidade do Estado
José Viriato de Freitas
Terceiro Ano
Direito Comercial Pedro Leão Velloso Filho
Direito Civil Paulino José Soares de Souza Jr.
Direito Comercial José da Silva Costa
Teoria do Processo Civil,
Comercial e Criminal
João Bandeira de Melo
Quarto Ano
Medicina Pública Agostinho José de Souza Lima e
Antonio Maria Teixeira
Prática Forense João Manuel Carlos de Gusmão
Ciência da Administração e
Direito Administrativo
João Carneiro de Souza Bandeira
História do Direito,
especialmente do Direito
Nacional
Affonso Celso de Assis Figueiredo
Quinto Ano
Legislação Comparada sobre
Direito Privado
Hermenegildo Militão de Almeida
Obs: Além desses professores, ainda lecionavam nesta faculdade os seguintes lentes substitutos:
Oscar Nerval de Gouveia, José Pereira da Graça Aranha, Júlio de Barros Raja Gabaglia, Alfredo do
Nascimento Silva, João Policarpo dos Santos Campos, Rodrigo Octávio, Herculano Inglez de Souza e Manuel
Álvaro de Souza Sá Vianna. Havia ainda as cadeiras facultativas Enciclopédia Jurídica e Direito Internacional
Privado, ministradas respectivamente por Eduardo Ramos e Fernando Mendes de Almeida.
No ano de 1901, nova reforma dos estatutos modificou mais uma vez o curso de
ciências jurídicas. Manteve-se o mesmo tempo de formação mas houve modificações nas
disciplinas que passaram a se distribuir da seguinte forma: Primeiro ano: Filosofia do
Direito e duas cadeiras de Direito Romano; Segundo ano: Direito Público e Constitucional,
124
Direito Internacional Público, Direito Civil e Direito Internacional Privado; Terceiro ano:
Direito Civil, Direito Criminal, Direito Comercial; Quarto Ano: Direito Civil, Direito
Comercial, Direito Criminal, Economia Política, Ciência das Finanças e Contabilidade do
Estado; Quinto Ano: Teoria do Processo Civil, Comercial e Criminal, Ciência da
Administração e Direito Administrativo, Legislação Comparada do Direito Privado e
Prática do Processo Civil, Comercial e Criminal.
Em novembro de 1904, os distúrbios causados na cidade em função das
transformações urbanísticas que se processavam e mais particularmente, por causa da
Revolta da Vacina, afetaram também o bom andamento das aulas da faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais
24
.
Mas, após o fim do motim, a faculdade voltou a funcionar normalmente e, cerca de
um ano e meio mais tarde, em maio de 1906, inaugurou-se a revista A Época, periódico
organizado pelos estudantes que durou até, pelo menos, 1941 e que contava com o apoio
financeiro da diretoria da faculdade. Segundo Pedro Calmon, o redator-chefe de A Época
era normalmente o líder intelectual de sua turma.
Apesar de algumas dificuldades enfrentadas
25
, a faculdade permaneceu no prédio do
Ginásio Nacional até 1915, quando conseguiu, por iniciativa de Affonso Celso, adquirir
sede própria, à rua do Catete número 243.
No mesmo ano de 1891 foi criada, no Rio de Janeiro, a Faculdade Livre de Direito,
organizada em 31 de maio, pelo Dr. Carlos Antônio França de Carvalho, numa sala do
mosteiro de São Bento
26
.
24
O motim foi deflagrado a partir da publicação, no dia 09 de novembro de 1904, de um decreto
regulamentando a aplicação da vacinação obrigatória contra a varíola. Sobre as transformações urbanísticas
na cidade do Rio de Janeiro e a Revolta da Vacina, ver: CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. O
Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987; MEAD, Teresa.
“Civilizing Rio de Janeiro: The public health campaign and the riot of 1904”. Journal of social history, winter
1986, pp. 301-322; PAMPLONA, Marco Antonio. Riots, republicanism and citizenship: a comparative
approach to elite attitudes and responses on riots in NYC and RJ during the consolidation of the republic
order. Ph.D. Dissertation. New York: Columbia University, 1990, caps. 7 e 9 e SEVCENKO, Nicolau. A
Revolta da Vacina. São Paulo: Brasiliense, 1984.
25
Entre março e maio de 1912, a faculdade funcionou na Academia de Comércio, situada a praça Quinze de
Novembro, no antigo Convento do Carmo.
26
Em 1920, a Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro e a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e
Sociais do Rio de Janeiro fundiram-se, passando a denominar-se Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, sob
a direção do conde Afonso Celso. Meses depois, em 07 de setembro de 1920, o presidente Epitácio Pessoa
criou a Universidade do Rio de Janeiro reunindo a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Faculdade de
125
França Carvalho era, segundo Pedro Calmon, um “ortodoxo” da liberdade do
ensino superior. Acreditava que a melhoria do ensino jurídico se faria não pelo
restabelecimento de antigos métodos pedagógicos, mas, ao contrário, pela criação de um
método baseado na liberdade. Por esse motivo, ele era contrário à presença obrigatória dos
alunos. A proposta da faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro era portanto:
“freqüência livre, lentes respeitáveis, exames rigorosos e métodos recentes sem as ásperas
tradições de Coimbra...”
27
. Mas, paradoxalmente, a faculdade que França Carvalho
organizou foi a que melhor se adequou à lei da presença obrigatória de alunos e
professores
28
.
A faculdade foi organizada a partir da ação de França Carvalho, Dr. Carmo, um
respeitado advogado da capital da República, e Benedito Raimundo. Raimundo era amigo
íntimo do então Ministro da Justiça, João Barbalho, desde os tempos de aluno da faculdade
de Direito do Recife, além de ter sido também professor do colégio dos frades beneditinos e
amigo pessoal do frei D. Manuel de Santa Catarina Furtado, abade da ordem de São Bento.
Foram essas relações de amizade que garantiram a instalação da faculdade de Direito no
mosteiro de São Bento e que facilitaram a rápida autorização para o funcionamento do
curso. Assim, a Faculdade Livre de Direito foi fundada no dia 31 de maio de 1891, com os
seguintes professores assinando a ata de fundação: José Joaquim do Carmo, Carlos Antônio
de França Carvalho, Álvaro Caminha Tavares da Silva, José de Oliveira Coelho, Benedito
Raimundo da Silva, Leandro Chaves de Melo Ratisbona, Antônio Vaz Pinto Coelho da
Cunha, Eugênio de Valadão Cata Preta, Augusto Daniel de Araujo Lima, Manoel Inácio
Gonzaga, Ubaldino do Amaral Fontoura, João Pedro Belfort Vieira, José de Góis Siqueira,
Luiz Carlos Fróes da Cruz, João Brasil Silvado, Teodureto Carlos de Faria Souto, José
Antonio Pedreira de Magalhães Castro, Eduardo Teixeira de Carvalho Durão, Antônio de
Medicina do Rio de Janeiro e a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Alguns anos mais tarde, essa
universidade passaria a denominar-se Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
27
CALMON, Pedro. op. cit. p. 145.
28
França Carvalho faz questão de frisar em relatório a assiduidade de alunos e professores na instituição que
dirigia: “as aulas funcionaram com toda a regularidade, sendo notável a assiduidade dos alunos e ainda
mais notável a assiduidade dos lentes, que, cinco vezes por semana, conforme a nova lei, regiam as
respectivas cadeiras, tendo esgotado quase todas as cadeiras dos respectivos programas”. Ver: Relatório do
diretor Carlos Antonio de França Carvalho, dezembro de 1901. Arquivo Nacional, série Educação, notação
IE 3 241.
126
Paulo Ramos Jr. e Dr. Carmo
29
. Essa reunião de fundação não contou com a presença de
Dermeval da Fonseca, José Higino Duarte Pereira e Sylvio Romero que, no entanto,
participaram da segunda sessão, realizada no dia 4 de junho com o objetivo de distribuir as
disciplinas entre os professores e determinar o horário das aulas.
Apesar de a Faculdade Livre de Direito ter começado a se organizar muitos anos
depois da Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, ela conseguiu organizar-se mais
rápido, instalar-se e começar as aulas antes ainda que a sua congênere. A direção da
faculdade fez noticiar nos jornais da cidade o início do funcionamento da primeira
faculdade de direito da capital da República, não sem deixar de registrar o pioneirismo
dessa iniciativa:
Ontem, em um dos salões de ensino do mosteiro
de São Bento efetuou-se a abertura das aulas dos
diferentes cursos dessa faculdade. Além do
concurso de numerosos alunos já inscritos
compareceram o Dr. Carmo, Manuel Inácio
Gonzaga, Silvio Romero, França Carvalho, Fróis
da Cruz, Teodureto Souto, Valadares, Ratisbona,
Paula Ramos, Carvalho Durão, Álvaro Caminha,
Ubaldino do Amaral, Pelino Guedes, Benedito
Raimundo da Silva, Vaz Pinto, Brasil Silvado,
José de Góis, Dermeval da Fonseca e Araujo
Lima, faltando alguns professores por motivos
justificados. Subiram a cadeira para apresentar
em largos traços, os seus planos de ensino,
perfeitamente acordes os Drs. Silvio Romero,
Carvalho Durão, França Carvalho, Paula Ramos,
Álvaro Caminha, Pelino Guedes e Fróis da Cruz,
os quais foram aplaudidos ao proferirem as
últimas palavras em seus discursos. O ilustre
diretor da faculdade, Dr. Carmo, subiu por sua
vez à cadeira, de onde, ao esboçar o seu
programa, agradeceu a todos quantos, pela
palavra e pelos fatos, o engrandeciam, ajudando-
o na realização da idéia da primeira faculdade
livre do Brasil.
30
No ano de 1892, o ministro Campos Sales determinou a instalação da Faculdade
Livre de Direito no prédio da Escola Normal. Assim, na opinião de Pedro Calmon, o
29
CALMON, Pedro. op.cit. p. 150.
30
Gazeta de Notícias, 12 de junho de 1891 Apud CALMON, Pedro. op. cit. p. 156.
127
governo tratava “(...) com eqüidade as duas instituições. No Ginásio uma, na Escola
Normal a outra, ficavam instaladas à sombra, e sob o amparo do Estado”
31
.
A partir de 1892, mais professores passaram a fazer parte do quadro docente da
faculdade, estando o quadro das disciplinas e seus respectivos professores organizados da
seguinte maneira, em 1893:
Disciplina Professor
Filosofia do Direito Fausto Cardoso
Direito Constitucional França Carvalho
Direito Romano Giffenig von Niemeyer
Direito Civil Benedito Valadares e
Rodrigo Otávio
Direito Criminal Viveiros de Castro
Direito Comercial Frederico Borges e Sancho
Barros Pimentel
Medicina Pública Araujo Lima
História do Direito Nacional Silvio Romero
Processo Civil Paula Ramos Jr.
Economia Política Serzedelo Correia
Praxe Forense Benedito Raimundo
Direito Internacional Público Nilo Peçanha
Higiene Pizarro
Fonte: Relatório dos fiscais do governo para o Ministério
Os anos de 1893 e 1894 foram tempos difíceis para a cidade do Rio de Janeiro. A
Revolta da Armada tumultuou o espaço urbano dificultando a vida dos moradores da cidade
e particularmente dos estudantes. Esse acontecimento adquiriu tal monta que Pedro Calmon
chega a afirmar que “(...) não podia haver estudo sério e contínuo no Rio de Janeiro, de
setembro de 1893 a novembro de 1894. (...) a Revolta da Armada a flamejar no porto, a
cidade em pé de guerra, estudantes arrolados nos batalhões de voluntários, cheio o
31
CALMON, Pedro. op. cit. P. 164.
128
ambiente de ruídos e tumultos duma profunda transformação nacional - em tal situação o
curso jurídico não teria intensidade, mesmo constância”
32
.
Apesar das dificuldades enfrentadas, a faculdade seguiu funcionando e entre os anos
de 1895 e 1899, o quadro de professores da Faculdade Livre de Direito foi profundamente
reformado com a entrada de Antonio Sá Peixoto Pereira Leite, Enéas de Arroxelas Galvão e
Esmeraldino Olímpio Torres Bandeira, na cadeira de Direito Criminal; Joaquim Xavier da
Silveira e Joaquim Borges Carneiro em Filosofia do Direito; Francisco de Paula Lacerda de
Almeida e Carlos Afonso de Assis Figueiredo na disciplina Direito Civil; Amphilóquio
Botelho Freire de Carvalho, para ministrar Direito Público Constitucional; Dídimo Agapito
da Veiga, na cadeira de Finanças; Mario da Silveira Vianna, professor substituto de Direito
Civil e Comercial; Carlos Seidl na disciplina Medicina Pública; Cândido Luis Maria de
Oliveira, em Legislação Comparada; e Raul Pederneiras na cadeira de Direito Internacional
Público
33
. O quadro docente foi ainda completado em 1901 e 1902, com a chegada de
novos professores que passaram a compor o quadro da faculdade: Alfredo Varela, na
cadeira de Direito Administrativo e Leôncio de Carvalho, ministrando a disciplina optativa
Enciclopédia Jurídica. Segundo Calmon, “(...)este último dava ao estabelecimento o
prestígio de seu nome”
34
.
Quando Oliveira Vianna entrou nesta faculdade o curso estava organizado em torno
dos princípios estabelecidos pela lei número 314, de 30 de outubro de 1895, que,
modificando alguns aspectos da reforma Benjamin Constant, havia reunificado o curso de
direito, determinando o fim dos cursos de ciências sociais e de notariado e estabelecendo
maior rigor nas normas dos cursos jurídicos em funcionamento no país. Através desta lei, o
curso de direito passou a organizar-se em cinco anos
35
e tornou-se obrigatória a presença
dos alunos, determinando-se ainda que as faculdades livres deveriam manter um mínimo de
30 alunos e um patrimônio mínimo de 50 contos de réis.
32
CALMON, Pedro. op. cit. p. 182
33
CALMON, Pedro. op. cit. p. 179.
34
CALMON, Pedro. op. cit. p. 190.
35
A partir dessa reforma o curso de ciências jurídicas passou a contar com a seguinte distribuição de
disciplinas: 1º ano: Filosofia do Direito, Direito Romano e Direito Público Constitucional; 2º ano: Direito
Civil, Direito Criminal, Direito Internacional Público e Diplomacia e Economia Política; 3º ano: Direito Civil,
Direito Criminal (especialmente Direito Militar e Regime Penitenciário), Ciências das Finanças e
Contabilidade do Estado e Direito Comercial; 4º ano: Direito Civil, Direito Comercial (especialmente Direito
Marítimo, Falência e Liquidação Judiciária), Teoria do Processo Civil, Comercial e Criminal, Medicina
129
A unificação dos cursos era um antigo desejo de muitos professores e estudantes,
como afirma Souza Bandeira, em 1892, em Memória Histórica:
A separação do ensino nos cursos jurídico e
social afigurase-me uma medida que não consulta
os interesses científicos e prende-se a uma falsa
intuição do direito. Com efeito, no período atual
da evolução científica do direito, tão ligadas
estão entre si as diversas disciplinas que o
compõem, que não se pode arbitrariamente
separar umas das outras sem prejudicar a
unidade do conjunto
36
.
No momento da entrada de Vianna na faculdade, após a reorganização do curso, o
quadro de professores da Livre de Direito estava composto da seguinte maneira:
Disciplina Professor Breve biografia dos professores
Fausto Cardoso Sergipano. Formou-se em Recife em 1884. Foi delegado de
polícia e professor de história. Deputado federal (1900-
1902). Publicou Cosmogonia política e americana, em 1892,
Concepção monística do Universo, em 1894 e Taxonomia
social, em 1898.
Joaquim Xavier
da Silveira
Nasceu em Santos (SP) em 1864. Formou-se pela Faculdade
de Direito de São Paulo, em 1886. Governou o Rio Grande
do Norte e foi deputado federal.
Filosofia do
Direito
Joaquim Abílio
Borges
Carneiro
Filho do barão de Macaúbas. Nasceu na Bahia, em 1860 e
diplomou-se pela faculdade de Direito de São Paulo.
França
Carvalho
Nasceu em Igassú (RJ) em 1845. Foi abolicionista e redator-
chefe de A Reforma, órgão liberal. Foi deputado provincial e
geral no Império e deputado constituinte na República.
Eugênio
Valadão Cata-
Preta
Republicano histórico. Formou-se pela faculdade de Direito
de São Paulo, em 1883.
Direito
Constitucional
Amphilóquio
Botelho Freire
de Carvalho
Direito Romano Giffenig von
Niemeyer
Nasceu na Bahia em 1841. Estudou Humanidades e Ciências
na Alemanha. Formou-se em 1864 pela faculdade de Direito
de São Paulo.
Pública; 5º ano: Prática Forense, Ciência da Administração e Direito Administrativo, História do Direito
(especialmente do Direito Nacional) e Legislação Comparada sobre Direito Privado.
36
Memória Histórica lida em 20 de agosto de 1893 pelo Dr. João C. de Souza Bandeira apud CALMON,
Pedro. op. cit. p. 67
130
Benedito
Valadares
Nasceu em Pitangui (MG) em 1850. Bacharelou-se em São
Paulo em 1873, doutorando-se em 1874. Foi deputado
provincial e geral no Impérioe diretor da Instrução Pública
da cidade do Rio de Janeiro durante a gestão do prefeito
Cesário Alvim.
Rodrigo Otávio
de Langaard
Menezes
Nasceu em Campinas em 1866. Bacharelou-se em São Paulo
em 1886. Foi secretário da presidência no governo de
Prudente de Moraes.
Francisco de
Paula Lacerda
de Almeida
Naceu em Recife em 1850. Formou-se na faculdade de
Direito dessa mesma cidade em 1872. Foi delegado de
polícia em Recife e juiz no Espírito Santo, Sergipe e Rio
Grande do Sul. Foi professor da escola normal de Porto
Alegre. Publicou Obrigações, em 1897; Pessoas Jurídicas,
em 1905, o Código Civil visto por alto e Direito das cousas
e sucessões.
Direito Civil
Carlos Afonso
de Assis
Figueiredo
Foi Presidente da Província do Rio de Janeiro em 1889.
Francisco José
Viveiros de
Castro
Nasceu em Alcântara (MA), em 1862. Foi deputado
provincial (MA), presidente do Piauí, promotor e juiz.
Publicou: A nova escola penal, Atentado ao pudor,
Sentenças e decisões em matéria criminal, Questões de
direito penal e Ensaio Jurídico.
Antonio Sá
Peixoto Pereira
Leite
Enéas de
Arroxelas
Galvão
Direito
Criminal
Esmeraldino
Olímpio Torres
Bandeira
Nasceu em Recife em 1865. Formou-se em Recife em 1889.
Foi procurador Nacional da República, prefeito de Recife,
deputado federal e Ministro da Justiça no governo Nilo
Peçanha.
Frederico
Augusto Borges
Cearense. Nasceu em 1853 e formou-se em Recife, em 1875.
Foi promotor público em Fortaleza, jornalista e
abolicionista. Deputado constituinte e liberal.
Luiz Carlos
Fróes da Cruz
Formou-se pela faculdade de Direito de São Paulo, em 1872.
Liberal, foi deputado entre 1906/1908 e 1912/1915.
Sancho Barros
Pimentel
Formou-se em Recife em 1870.
Direito
Comercial
Mário da
Silveira Vianna
131
Araujo Lima Nasceu em Minas Gerais. Formou-se na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro. Foi professor do Colégio
Militar e do Pedro II.
Medicina
Pública
Carlos Seidl Médico. Foi Diretor da Saúde Pública da cidade do Rio de
Janeiro, em 1918.
História do
Direito
Nacional
Silvio Romero Nasceu em Lagarto, Sergipe, em abril de 1851 e faleceu no
Rio de Janeiro, em 1914. Formou-se na Faculdade de Direito
de Recife. Foi professor de filosofia do Colégio Pedro II.
Profundo admirador de Tobias Barreto, Silvio Romero
caracterizou-se por uma extensa produção bibliográfica.
Processo Civil Antonio Paula
Ramos Jr.
Formou-se em São Paulo em 1860. Escreveu Comentários
ao Código Civil e Questões Práticas do processo criminal.
Economia
Política
Inocêncio
Serzedelo
Correia
Nasceu no Pará, em 1858. Engenheiro militar. Foi deputado
constituinte e prefeito do Distrito Federal.
Praxe Forense Benedito
Raimundo
Nasceu em São Luiz (MA) em 1842. Formou-se pela Escola
de Direito de Recife. Foi diretor da Escola Normal e inspetor
escolar de 1895 a 1902.
Nilo Peçanha Nasceu em Campos (RJ) em 1862. Formou-se em Recife em
1887. Foi deputado, senador, governador do Rio de Janeiro,
vice-presidente da República e presidente da República.
Direito
Internacional
Público
Raul
Pederneiras
Nasceu no Rio de Janeiro em 1874. Caricaturista e
teatrólogo. Dirigiu interinamente a faculdade.
Higiene José Joaquim
Pizarro
Nasceu em 1842. Doutorou-se em medicina em 1866. Foi
diretor da seção de Zoologia e Anatomia Comparada do
Museu Nacional. Diretor do Jardim Botânico.
Finanças Dídimo
Agapito da
Veiga
Formou-se em São Paulo em 1868. Foi diretor do Tesouro
Nacional e o primeiro diretor do Tribunal de Contas da
União e a partir de 1894, foi seu presidente por 25 anos.
Publicou Lições de Ciências das Finanças e Economia
Pública; Ensaios de Finanças e Economia Pública e
Evolução das Ciências das Finanças, os dois últimos em
1927.
Legislação
Comparada
Cândido Luis
Maria de
Oliveira
Foi Ministro (interino) da Fazenda, de 20/07/1889 a
28/07/1889.
Direito
Administrativo
Alfredo Varela Deputado positivista. Fundador do jornal O Comércio do
Brasil.
Enciclopédia
Jurídica
Leôncio de
Carvalho
Nasceu no Rio de Janeiro em 1848. Bacharelou-se e
doutorou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Foi
proprietário do Correio Paulistano e influente político liberal
no Império. Foi deputado provincial e geral, ministro do
Império e professor da faculdade de Direito de São Paulo.
132
Teoria e prática
do processo
civil, comercial
e criminal
João Pedro
Belfort Vieira
Nasceu no Maranhão, em 1864. Bacharelou-se em São Paulo
em 1884. Foi senador e ministro do Supremo Tribunal
Federal.
O quadro de professores era composto por profissionais formados tanto na Escola
de Recife quanto na de São Paulo, com destaque para a segunda.
Em São Paulo, segundo Sérgio Adorno, a estrutura curricular e o conteúdo
programático que se desenvolviam no curso jurídico expressava tanto “(...) as antinomias
do pensamento liberal quanto as correntes filosóficas que se sucediam, uma a uma na vã
esperança de conciliar tendências opostas”
37
. Apesar de considerar que a tendência jus-
naturalista tenha predominado, Adorno afirma que, nessa faculdade, os sistemas filosóficos
tornaram-se conhecidos freqüentemente através de “filósofos menores”. Talvez seja essa
uma explicação para a crítica desencadeada pelos alunos aos professores e aos cursos. Ao
elaborar uma síntese a respeito do corpo docente da Faculdade de São Paulo no período
final do Império, Afonso Arinos comenta:
Antes da reforma republicana os estudos de
direito na faculdade de São Paulo se processavam
mais ou menos dentro do velho espírito rotineiro e
canônico. Os lentes, para começar, eram sombras
do passado. No tempo em que Afrânio [de Melo
Franco] foi aluno (1887-1891), a faculdade
ostentava um grupo de senectudes militantes.
38
As novidades eram muito freqüentemente trazidas pelos próprios alunos em um
sem-número de periódicos que se criavam e com a mesma rapidez, muitas vezes,
desapareciam
39
. Era comum, na opinião de Adorno, que as novas correntes jurídico-
políticas aparecessem, inicialmente entre os estudantes e se expressassem na imprensa
acadêmica
40
. Assim, apesar da baixa qualidade dos cursos ministrados, e ainda que se
considere insuficiente a produção de conhecimento na academia de São Paulo, as elites
37
ADORNO, Sérgio. “O liberalismo sob as arcadas: o confronto entre a academia formal e a academia real”
in: Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 96.
38
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Um estadista da República. Rio de Janeiro: José Olympio, 1955, p.
132.
39
Periódicos da faculdade de São Paulo. VENÂNCIO FILHO, p. 139.
40
ADORNO, Sérgio. “O liberalismo sob as arcadas: o confronto entre a academia formal e a academia real”
in: Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 103.
133
políticas mantinham a consideração de que nesse espaço se formava a elite pensante do
país.
No Recife, o ensino processava-se de forma muito semelhante a São Paulo. Mas,
apesar da acusação do grande rebaixamento do nível de ensino nessa academia, nos anos
80, a entrada de Tobias Barreto, em 1882, marcou na memória desta faculdade, “(...) uma
entrada de ar novo, de novas idéias, de novas concepções na mentalidade de então (...)”
41
.
Assim, seja através das leituras e das trocas de informações desencadeadas pelo
periodismo universitário, seja a partir da entrada de novos professores e do
desenvolvimento de outras idéias nos cursos de São Paulo e Recife, os professores que
vieram formar as faculdades do Rio de Janeiro eram, em sua maioria, críticos da visão
clássica do direito, baseada na idéia do livre-arbítrio, e compartilhavam da idéia de que o
indivíduo era produto de um meio genético e social específico. Assim concorriam para um
processo de crescente cientização do direito o qual importava à ciência e aos seus
especialistas descobrir “as causas que levavam ao crime”.
Em 1900, ano em que Vianna começa a freqüentar a Faculdade Livre de Direito,
eram essas as idéias em voga. O curso, que havia passado a ocupar o prédio do Instituto
Comercial, na praça Duque de Caxias, número 10, cedido pelo prefeito João Felipe Pereira,
consolidava o seu corpo docente em torno das idéias do direito positivo e cientificista.
Em 1902, a faculdade mudou-se para a rua do Lavradio, número 96, prédio cedido
pelo então prefeito da capital, Francisco Pereira Passos. Neste mesmo prédio, veio a se
instalar, alguns dias depois, o Instituto Comercial. Dois anos mais tarde, em 1904, o diretor
do Instituto Comercial, Medeiros e Albuquerque, solicitou o esvaziamento do primeiro
andar que era ocupado pela faculdade de Direito. O prefeito Pereira Passos autorizou a
permanência da faculdade até o final do ano.
A Revolta da Vacina também repercutiu na faculdade Livre de Direito, tanto mais
porque um dos nomes mais em evidência na campanha contra o governo Rodrigues Alves
era o de Alfredo Varela, professor do curso
42
.
41
VENANCIO FILHO, Alberto. op cit. , p. 114.
42
José Murilo de Carvalho descreve a participação de Alfredo Varela no conflito, nos seguintes termos:
“Outro deputado positivista envolvido na campanha foi Alfredo Varela, ex-aluno da Escola Militar do Rio,
positivista, também protegido de Júlio de Castilhos. Em maio de 1904, com o auxílio financeiro de
monarquistas do Rio e de São Paulo, fundara o jornal O Comércio do Brazil, no qual passou a atacar com
violência o governo. Em agosto, em conseqüência de ataques ao comandante da brigada policial, general
134
No entanto, os anos passados no prédio da rua do Lavradio foram benéficos
financeiramente. A instituição conseguiu acumular recursos para a compra do prédio onde
veio a se instalar definitivamente - a casa da praça da República número 54 - até a fusão
com a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais
Como vimos, no período compreendido entre os anos de 1891 e 1919, as duas
faculdades de direito conviveram concorrencialmente. Se nos ativermos ao número de
bacharelandos em cada um dos cursos, como se vê do quadro a seguir, podemos considerar
que a Livre de Direito desfrutou de maior popularidade entre os anos de 1892 a 1911, vindo
a perder alunos para a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais no período
subseqüente.
NÚMERO DE FORMANDOS NA FACULDADE LIVRE DE DIREITO E NA
FACULDADE LIVRE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS NO PERÍODO DE
1891 A 1919
Ano Faculdade Livre de
Ciências Jurídicas e Sociais
Faculdade Livre de
Direito
1891 * 1
1892 7 10
1893 13 23
1894 22 35
1895 8 19
1896 14 19
1897 9 9
1898 14 14
1899 10 4
1900 26 3
1901 * 18
Hermes da Fonseca, levou um tiro no ombro desfechado pelo filho deste”. VER: CARVALHO,José Murilo.
Os Bestializados: O Riod e Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 97.
135
1902 3 34
1903 26 17
1904 18 42
1905 12 44
1906 55 32
1907 19 66
1908 26 56
1909 70 71
1910 51 71
1911 43 97
1912 78 79
1913 51 54
1914 56 *
1915 76 *
1916 94 *
1917 119 119
1918 254 126
1919 201 117
* A informação do número de formandos não consta nos relatórios desses anos.
Fonte: Relatórios dos fiscais do governo para o Ministério da Justiça.
A primeira notícia a respeito da fusão das duas faculdades livres foi proposta no
relatório dos fiscais do governo em 1894
43
.
Mas, foi somente em 6 de maio de 1902, que Lima Drummond e Bulhões de
Carvalho, professores da Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, escreveram a
Batista Pereira uma carta solicitando que convocasse a Congregação para tomar
43
Os fiscais do governo afirmavam no relatório de 1894: “Antes de darmos por concluído o presente
relatório, cumpre-nos assinalar, em breves considerações, já a desnecessidade e mesmo inconvenientes da
coexistência de duas faculdades congêneres nesta cidade (...) Foi por isso que com a maior simpatia
acompanhamos a tentativa de fusão das duas faculdades feitas por alguns professores, mas infelizmente
frustradas por efeito da interposição de força estranha aos legítimos interesses do ensino público superior”.
Relatório dos comissários fiscais do governo junto às faculdades livres de direito da Capital Federal no ano
de 1894. Arquivo Nacional. Série Educação (IE 3 240).
136
conhecimento de uma proposta de modificação dos estatutos que sugeria, novamente, a
fusão das duas faculdades. A idéia seduzia a maior parte do corpo docente e uma proposta
acabou sendo elaborada por Fernando Mendes, Bulhões de Carvalho e Drummond.
Entretanto, ela acabou obtendo resposta negativa, dada pela Faculdade Livre de Direito
que, através de ofício de seu diretor, França Carvalho, lido na sessão de 12 de maio de
1902, recusava-se a aceitar a fusão nos termos que a Faculdade de Ciências Jurídicas e
Sociais propunha. França Carvalho queria “fusão legítima” e não “absorção” ou
“desigualdade”. A Faculdade Livre de Direito propunha igualdade de patrimônio, mesmo
número de professores, subordinação à lei do ensino e não aos estatutos da outra faculdade.
Essas exigências acabaram inviabilizando a proposta de fusão.
Alguns anos depois, em 17 de novembro de 1919, mais uma vez a idéia da fusão
voltou à pauta. O professor Cândido de Oliveira Filho propôs à Congregação da Faculdade
Livre de Direito que se nomeasse uma comissão para viabilizar a fusão das duas faculdades
de direito da cidade do Rio de Janeiro. Foram designados para essa comissão, o próprio
Cândido de Oliveira Filho, Carpenter, Viveiros de Castro, Lacerda de Almeida e Porto
Carreiro. No dia 27 de fevereiro de 1920, a comissão apresentou uma proposta de fusão
baseada nos seguintes itens: plenos poderes ao diretor para promover a dita reforma,
reconhecimento dos direitos adquiridos pelos substitutos, aprovação simultânea, pela outra
escola, das mesmas resoluções.
A Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais decidiu então nomear também
uma comissão – constante de Fernando Mendes, defensor ardente da proposta de fusão,
Carvalho Mourão, Manuel Cícero e Eugênio de Barros - para avaliar a proposta. No dia
primeiro de março, a congregação desta faculdade aprovou o projeto de unificação,
ratificada no dia 29 pela faculdade Livre de Direito.
Finalmente, no dia 24 de abril de 1920, ambas as congregações se reuniram para
reafirmar o acordo. Comunicaram ao governo o acordo e passaram a discutir os novos
estatutos.
Um mês depois de fechado o acordo, em 24 de maio de 1920, os novos estatutos
foram aprovados e foi determinado que o conde Affonso Celso seria o diretor da nova
instituição, ficando o professor Fróis da Cruz, antigo diretor da Faculdade Livre de Direito,
vice-diretor da nova instituição.
137
Em setembro do mesmo ano, o presidente Epitácio Pessoa criou a Universidade do
Rio de Janeiro, reunindo a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de
Direito do Rio de Janeiro.
138
2.2) O professor Oliveira Vianna
Após a sua formatura, em 1905, Oliveira Vianna passou um longo período
dedicando-se aos seus estudos e a ministrar aulas de matemática no colégio Abílio, em
Niterói. Somente em 1916, Vianna tornou-se professor da Faculdade de Direito do estado
do Rio de Janeiro.
Esta faculdade havia se transferido para Niterói em 25 de março de 1915, a partir da
fusão da Faculdade de Direito Teixeira de Freitas – que havia sido criada na cidade do Rio
de Janeiro, em 1912, pelo professor Joaquim Abílio Borges – e da Faculdade de Direito do
Estado do Rio de Janeiro que também funcionava na capital da República.
Em 1921, essa faculdade adotou o nome de Faculdade de Direito de Niterói,
considerando que passara a denominar-se Faculdade de Direito do Rio de Janeiro aquela
que seria mais tarde a Faculdade Nacional de Direito
44
.
Assim, a Faculdade de Direito do estado do Rio de Janeiro, mais tarde Faculdade
de Direito de Niterói viveu um significativo processo de crescimento ao longo dos anos 20,
44
A Faculdade de Direito de Niterói foi federalizada pela lei n. 2721, de 30 de janeiro de 1936 e, em 18 de
dezembro de 1960, passou a integrar juntamente com as Faculdades de Ciências Econômicas, Filosofia e
Engenharia, entre outras existentes na cidade, a Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro (UFERJ)
que, em 1965, transformou-se na atual Universidade Federal Fluminense (UFF).
Antigo prédio da Faculdade de Direito de Niterói e relação dos professores. Arquivo
de Centro de Memória Fluminense (UFF).
139
tornando-se, segundo dados do relatório do Departamento Nacional de Ensino, a terceira
maior faculdade de Direito do Brasil, em número de alunos, em 1926
45
. Subvencionada
pelo governo federal, essa faculdade contava também, nesse período, com o apoio do
governo estadual que, em troca da gratuidade de mensalidades oferecida a dez alunos por
ano, concedia uma subvenção anual que lhe assegurava o pagamento do aluguel de sua
sede.
Vianna assumiu as disciplinas Teoria e Prática do Processo Penal e Direito
Industrial. Esse novo desafio profissional levou Vianna a novas leituras e ao reencontro
com discussões jurídicas que ele vinha desenvolvendo desde os tempos de estudante. Na
opinião de Castro Faria,
Nada tem de estranho o fato de Oliveira Vianna
ter lecionado “Teoria e prática do processo
criminal”: esse nome que deu à disciplina (...) ao
contrário, constitui-se em dado indispensável
para o restabelecimento dos caminhos
percorridos no sentido de construir a
cientificidade que sempre reivindicou para as
suas análises.
46
O Direito Penal era, nesse momento, entre as disciplinas do curso, aquela que
ocupava uma posição privilegiada em relação ao processo de modernização e cientização
da profissão. No campo do Direito Criminal, inicia-se então um movimento que se
caracteriza pela crescente participação dos médicos-legistas, dos peritos e dos psiquiatras
nos desvendamentos dos crimes e nos julgamentos. São criadas disciplinas especializadas
nos cursos jurídicos e a ação desses especialistas passa a ser cada vez mais importante no
andamento e no resultado dos processos criminais
47
.
Ao se tornar professor de Direito Penal, Oliveira Vianna retomou leituras que
provavelmente havia realizado ao ser aluno, na Faculdade Livre de Direito, de Viveiros de
Castro, que havia publicado, em 1894, um compêndio intitulado A nova escola penal
48
.
45
Mensagem do Presidente de Província do Rio de Janeiro, 1928.
46
FARIA, Luiz de Castro. “Programa de teoria e prática do processo criminal”. Oliveira Vianna.: De
saquarema à alameda São Boaventura, 41 – Niterói. O autor, os livros, a obra. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2002, p. 114.
47
RIBEIRO FILHO, Carlos Antonio Costa. “Clássicos e positivistas no moderno direito penal brasileiro: uma
interpretação sociológica”. In: HERSCHMANN, Micael e PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. A invenção
do Brasil moderno. Medicina, educação e engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 131.
48
Apud FARIA, Luiz de Castro. op. cit. p. 115.
140
Procedeu também a novas leituras, sem deixar de considerar o texto de Galdino Siqueira,
Curso de processo criminal
49
, e os livros de dois dos principais representantes da Escola
Positiva do Direito, Enrico Ferri e Rafael Garofalo
50
.
Essas leituras fizeram com que Oliveira Vianna desse início a uma produção
intelectual diversa da que realizara até então. Vianna elaborou um folheto de doze páginas
que foi publicado pela Tipografia do Jornal do Comércio, intitulado Programa de Teoria e
prática do processo criminal que seguia, segundo Castro Faria, muito de perto o
compêndio de Galdino Siqueira
51
.
Foi também na Faculdade de Direito de Niterói que Vianna começou a formar o que
viria a ser, mais tarde, seu principal grupo de leitores e críticos. Ao lado de alunos, jovens
estudantes que se tornariam seus amigos mais próximos, Vianna fundou o Clube de
Sociologia, para o qual ele traçou um roteiro de trabalho apontando um caminho para o
estudo de temas fluminenses e organizando grupos de pesquisa de campo em favelas e
morros da cidade. Faziam parte desse grupo: Alberto Lamego Filho, Thiers Martins
Moreira, Geraldo Bezerra de Menezes, Marcos Almir Madeira, Dail de Almeida, Anselmo
Macieira, Vasconcelos Torres e Hélio Palmier
52
.
Esses alunos tornar-se-iam os principais herdeiros intelectuais de Vianna e seus
amigos mais íntimos, aqueles que teriam acesso à biblioteca da alameda São Boaventura.
Eles passariam a freqüentar a casa de Vianna e privariam de sua intimidade até seus últimos
dias. Vasconcelos Torres, um dos membros do grupo, descreve como eram as reuniões que
se realizavam na casa da alameda São Boaventura:
(...) chegávamos pela manhã e o surpreendíamos
na espaçosa varanda, entregue à leitura dos
jornais. Os artigos que despertavam sua atenção
eram recortados e à medida que se ia inteirando
do noticiário, esparramava as folhas pelo chão.
Logo nos conduzia à biblioteca e comentava o
último livro lido ou abria a gaveta e nos exibia os
originais do próximo estudo escolhendo um
49
O livro Curso de processo criminal, de Galdino Siqueira, cuja primeira edição data de 1910, encontra-se na
biblioteca de Oliveira Vianna.
50
Na biblioteca de Vianna encontram-se, desses autores, os seguintes livros: FERRI, Enrico. Os criminosos
na arte e na literatura. Lisboa: Livraria Clássica, 1923 e GAROFALO, Rafael. La criminologie. Paris: Felix
Alcan, 1890.
51
FARIA, Luiz de Castro. op. cit. p. 116
52
LONGO, Angelo. Oliveira Vianna: um saquarema na República. Niterói: SEEC, 1981, p. 39.
141
capítulo para que o lêssemos em voz alta. De ver
como seguia atentamente a leitura, determinando
aqui ou ali, uma interrupção para um comentário.
Colhia, com tal sistema, a primeira impressão.
Nós formávamos como que uma pequena
sociedade para ele. As poucas visitas que fez foi
sempre a um de nós, os amigos moços que
contavam com a sua afeição
53
Esses jovens amigos de Vianna formavam o grupo que participava da elaboração de
seus textos, tendo a possibilidade de discuti-los e criticá-los antes de se tornarem públicos.
A atuação de Vianna na Faculdade de Direito colocou-o ainda em contato com
importantes nomes da vida política fluminense e abriu caminhos para novas oportunidades
profissionais. Assim, em 1926, Oliveira Vianna estreou no serviço público estadual
ocupando o cargo de diretor do recém criado Instituto de Fomento agrícola do Estado do
Rio de Janeiro.
2.3) Do governo do estado do Rio de Janeiro ao governo da União
O Instituto de Fomento Agrícola do Estado do Rio de Janeiro havia sido criado por
sugestão de Feliciano Pires de Abreu Sodré, então Presidente do Estado do Rio de Janeiro,
no ano de 1926, através do decreto n. 2.189 de 21 de agosto, que regulou o seu
funcionamento determinando que sua diretoria seria constituída por um presidente, cargo
exercido pelo Secretário de Estado das Finanças, um representante do governo e outro
representante da lavoura. Para o cargo de representante do governo, o presidente Abreu
Sodré nomeou o general Dr. Antônio Ilha Moreira que declinou do convite. Em virtude
dessa recusa, Francisco José de Oliveira Vianna foi nomeado para o cargo.
O Instituto de Fomento Agrícola tinha como objetivo principal estimular a produção
agrícola do estado do Rio de Janeiro, principalmente no que diz respeito à produção
cafeeira. A atuação de Vianna nesse instituto levou-o a angariar prestígio político que
acabou por conduzi-lo a novos cargos na esfera do governo estadual. Em 1931, Oliveira
Vianna tornou-se membro do Conselho Consultivo do estado do Rio de Janeiro e, a partir
daí, foi nomeado para o cargo de Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho.
53
TORRES apud LONGO, Angelo. op. cit. p. 39
142
Os anos 30 e 40 podem ser considerados, na opinião de alguns autores
54
, como
verdadeiramente revolucionários no que diz respeito ao tratamento da questão trabalhista
no Brasil. Isso porque, nesse período, elabora-se, além da legislação trabalhista, uma
política de valorização do trabalho e de “reabilitação” do papel e do lugar do trabalhador
nacional. O estado varguista estruturou um discurso que construiu, nas palavras de
Gomes
55
, um homem novo, ao associar trabalho e cidadania. Ser cidadão passou a
significar ser trabalhador, responsável pela expansão de sua riqueza individual e pelo
desenvolvimento do país. Nesse momento o trabalho desvincula-se da situação de pobreza,
passando a ser um direito e um dever do homem, ou seja, um ato de realização e uma
obrigação para com a sociedade e o Estado.
É importante destacar o fato de que a maior parte da legislação trabalhista criada
nesse período foi elaborada durante o período do governo provisório – entre 1930 e 1934 –
e que esse foi o momento em que o palco das discussões, elaboração e aprovação das leis se
transferiu do Legislativo para o Executivo, visto que estavam suspensas as casas
legislativas federal, estaduais e municipais, além dos canais políticos de representação
partidária. Por esse motivo, esta é uma fase em que o governo legisla sem obstáculos,
transformando o Poder Executivo no locus privilegiado para a criação das leis
trabalhistas
56
.
É precisamente nesse momento que Oliveira Vianna se torna Consultor Jurídico do
Ministério do Trabalho. Ao comentar a forma como se dava a elaboração da legislação
social brasileira durante a gestão do Ministro do Trabalho, Salgado Filho (1932-1934), ele
demonstra claramente o processo de hipertrofia do poder Executivo:
O processo adotado pelo Sr. Salgado Filho teve,
além disso, a vantagem de, pela multiplicação das
comissões técnicas, acelerar a elaboração das
leis sociais, que as circunstâncias do momento
estavam exigindo.
Como quer que seja, de uma forma ou de outra,
pudemos realizar em cerca de quatro anos, a
elaboração de todo esse vasto complexo jurídico
que forma a legislação social vigente. Esse vasto
54
GOMES, Angela de Castro. “A construção do homem novo”. In: LIPPI, Lucia; VELLOSO, Monica e
GOMES, Angela. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 151-165.
55
Idem.
56
GOMES, Angela de Castro. Burguesia e trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1979, p. 215.
143
labor legislativo, operado em tão curto espaço de
tempo, não tem paridade em nenhuma legislação
do mundo, a não ser a NRA americana, e, deve-se
a isto, por um lado à técnica adotada e, por outro,
principalmente ao fato de estarmos num período
de poderes discricionários confundidos como se
achavam, numa mesma pessoa, as atribuições do
Poder Legislativo e as do Poder Executivo – a
facilidade de elaborar regulamentos.
Com o advento do regime constitucional, este
trabalho de elaboração passou para a Câmara
dos Deputados. Ora, esta, como é sabido,
costuma imprimir aos seus trabalhos um ritmo de
lentidão exasperante (...)
57
Como podemos perceber, nessa estrutura de organização do poder, o Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, criado pelo decreto n. 19.433 de 26 de novembro de 1930,
se destacou, ao constituir o principal núcleo articulador de todas as medidas relativas ao
trabalho. A participação de Oliveira Vianna no processo de normatização das relações de
trabalho foi de grande relevância, posto que se tornou Consultor Jurídico do Ministério do
Trabalho, cargo que exerceria durante oito anos, justamente no principal período de
elaboração das leis trabalhistas, entre 1932 e 1940. Segundo dois de seus principais
biógrafos
58
, Oliveira Vianna representaria muito mais do que um consultor, sendo,
efetivamente, o verdadeiro articulador de toda a legislação trabalhista:
Oliveira Vianna, no Ministério do Trabalho,
ocuparia a relevante função de Consultor
Jurídico. Denominação de um cargo somente,
porque em verdade se constituiria no centro
criador e orientador da reforma social
59
.
Como consultor jurídico do Ministério do Trabalho, pode-se dizer que Vianna
passou de autor de um discurso legítimo sobre a sociedade para artífice de uma nova
organização social.
57
VIANNA, Francisco J. de Oliveira. “Gênese da legislação trabalhista brasileira”. Ensaios Inéditos. São
Paulo: Unicamp, 1991, p. 283.
58
TORRES, João Batista de Vasconcelos. Oliveira Vianna: sua vida e sua posição nos estudos brasileiros de
sociologia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956 e MACIEIRA, Anselmo. Mundos e construções de Oliveira
Vianna. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1990.
59
TORRES, J. B. V. op. cit. p. 102.
144
O objetivo do Ministério, explicitado pelo discurso oficial, era desenvolver uma
política trabalhista que harmonizasse interesses de patrões e operários, como se percebe
pelo texto que justifica sua criação:
A norma de ação consiste em substituir a luta de
classes negativa e estéril, pelo conceito orgânico
e justo de colaboração entre as classes, com
severa atenção às condições econômicas do país e
aos reclamos da justiça social
60
.
Era esse o argumento político e ideológico que presidia a fala do governo: a idéia da
construção de uma ordem social, em que imperasse a colaboração entre as classes. Oliveira
Vianna compartilhava os sonhos dos homens de sua geração: corrigir o Brasil e construir a
nação, subordinando interesses individuais e privados aos interesses coletivos. O seu ideal
era o de que a legislação trabalhista pudesse ser o instrumento básico desse processo.
Segundo ele, as mudanças legais seriam capazes de corrigir as desigualdades e os
desequilíbrios, transformando a sociedade dentro da ordem.
Em 1940, Oliveira Vianna sairia do Ministério do Trabalho para assumir o cargo de
Ministro do Tribunal de Contas da União.
Sérgio Miceli
61
, em seu estudo sobre Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil
(1920-1945), destaca o papel exercido por Oliveira Vianna como membro do que ele
denomina “elite intelectual e burocrática do regime”. Esse seleto conjunto de intelectuais
possuía enorme valor social adquirido por terem eles sido convocados, durante o período
Vargas, para assumir cargos de cúpula do Executivo, onde tinham participação efetiva no
processo decisório em matéria de sua alçada. Até mesmo a atividade intelectual desse grupo
se confundia com a prestação de serviços políticos. A atuação de Oliveira Vianna no
Ministério do Trabalho tinha esse caráter, a ponto de Castro Faria
62
, afirmar que a
convivência deste com o poder “deu-lhe a ilusão de poder converter suas idéias e
programas em determinações políticas irreversíveis.”
60
SILVA, Zélia Lopes da. A domesticação dos trabalhadores nos anos 30. São Paulo: Marco Zero/CNPq,
1990, p. 59.
61
MICELI, Sérgio. Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979.
62
FARIA, Luis de Castro. “A obra de Oliveira Vianna; uma tentativa de reconstituição”. (mimeo)
145
Tanta dedicação ao projeto de Estado organizado nos anos 30 rendeu “prêmios” a
Oliveira Vianna. Miceli afirma que o valor da elite intelectual do regime transparece
sobretudo nas recompensas com que os seus membros eram brindados:
nos intervalos entre o desgaste produzido por
uma missão e o início de um novo mandato, eram
designados para os cargos honoríficos do Poder
Judiciário e do Ministério Público, para alguns o
Tribunal de Contas, para os que mais se
expunham a Consultoria Geral da República, ou
então, o consolo de uma procuradoria ou
instância suprema da justiça eleitoral.
63
O caráter de prêmio dessa nomeação é destacado pelo seu principal biógrafo,
Vasconcelos Torres, quando assinala que Oliveira Vianna
Cumprira seu dever no Ministério. (...) e
esgotara-se demasiado na árdua função. O físico
denunciava os excessos da atividade intelectual.
(...) A velha e predileta sociologia não se
encontrava abandonada mas não vinha tendo a
assistência de antigamente. Já construíra o
monumento e, bom pedreiro, não almejava
perder-se nos arremates finais que deveriam
competir aos outros. Carecia voltar ao estudo
costumeiro, completar a pesquisa para o segundo
volume de Populações Meridionais do Brasil. (...)
Que outros viessem para substituí-lo e seguissem
as suas pegadas. Nesse meio tempo verifica-se
uma vacância no tribunal de Contas da União. O
presidente Vargas oferece-a ao escritor que
admirava. Desejava premiar-lhe o labor. O lugar
permite o prosseguimento do estudo e da
pesquisa.
64
Além deste caráter, o cargo no Tribunal de Contas podia ser considerado de grande
valia para Vianna num momento (início dos anos 40), em que a recepção de suas idéias -
63
MICELI, Sérgio. op. cit. p. 147.
64
TORRES, Vasconcelos. Oliveira Vianna. Sua vida e sua posição nos estudos brasileiros de sociologia. Rio
de Janeiro, Freitas Bastos, 1956. P. 112 e 113.
146
diretamente associadas à ditadura do Estado Novo - já não contavam com um ambiente
muito favorável
65
.
Vianna permaneceria no Tribunal de Contas durante uma década, até que, no início
dos anos 50, as crescentes críticas à sua obra e o agravamento de suas condições de saúde
levaram-no à aposentadoria e a dedicar-se exclusivamente à sociologia e à conclusão dos
estudos em andamento.
É nesse momento que a participação da rede de amigos, articulada ao longo de uma
vida inteira, ganha vulto. As cartas trocadas com os amigos durante o seu processo de
aposentadoria testemunham o seu prestígio político, intelectual e social.
No seu arquivo pessoal, podemos identificar o início deste processo a partir de um
bilhete de Marcos Almir Madeira , que diz:
Mestre Dr. Oliveira Vianna,
Escrevo-lhe do próprio correio em Niterói. Hoje,
2ª feira, dia 10, o Collet apresentará o projeto
que lhe mando essa cópia, que acaba de sair da
máquina da D. Maria. Seguirá carta amanhã.
Antecipo-lhe os meus parabéns: garantida a sua
aposentadoria.
Lembranças e saudades a todos.
Marcus
O bilhete acima encontra-se manuscrito acompanhando a cópia do projeto de
aposentadoria de Oliveira Vianna, depositada em seu arquivo pessoal, e que foi apresentado
pelo deputado Heitor Collet na Câmara dos Deputados em 10 de abril de 1950. A
informalidade e o tom de intimidade do bilhete demonstram que estamos diante de uma
situação em que compromissos fundados na lógica das relações pessoais permitem um
acesso diferenciado ao poder estatal.
O bilhete se refere a um projeto que seria apresentado no Congresso Nacional. É
importante destacar que, quando escrito, o projeto ainda não havia sido apresentado na
Câmara, mas, desde já, a aprovação era certa, o que se pode perceber pela frase: “garantida
sua aposentadoria” . Certamente um acordo previamente estabelecido entre o deputado que
apresentaria o projeto e outros membros do Congresso garantiam a sua vitória.
65
CARVALHO, José Murilo de. “A utopia de Oliveira Vianna” in: Pontos e Bordados; escritos de História
e Política. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1999. P. 203.
147
Importante também é sublinhar o papel de mediador desempenhado tanto por
Marcos Almir Madeira quanto por Heitor Collet. Nesse caso, o principal mediador é
Marcos Almir Madeira, amigo pessoal de Oliveira Vianna e autor do bilhete citado. As
correspondências que precederam e sucederam esse bilhete demonstram que o seu papel
como mediador foi importante para a aprovação, pelo Congresso Nacional, da lei especial
que garantiu a aposentadoria de Oliveira Vianna.
Numa carta, sem data, também manuscrita, possivelmente escrita antes do bilhete,
Marcos Almir Madeira diz o seguinte:
Caro mestre Dr. Oliveira Vianna,
Vai tudo bem: o Collet garante a vitória na
Câmara .(...) Só mesmo os acontecimentos da
hora - as demarches para a sucessão, coisas que,
como o sr. sabe, estão absorvendo o Congresso -
não consentiram que o nosso Heitor abrisse fogo;
mas, logo depois do dia 10 - 4ª ou 5ª feira,
portanto estará apresentando o projeto.
Os dois documentos demonstram que a mediação até ali realizada por Marcos Almir
Madeira vinha dando resultados positivos. O mediador acionara um deputado federal que
garantia não só a apresentação do projeto como também a vitória na Câmara, o que
significa que também ele, Heitor Collet, vinha mediando outros contatos que permitiriam a
aprovação do projeto.
A atuação de Collet está registrada ainda no arquivo, em dois outros documentos:
uma nova carta de Almir Madeira e um recorte do Diário do Congresso. Na carta, Almir
escreve:
Escrevi-lhe anteontem, horas antes de ir a
Tribuna o Collet. E realmente ele foi. Foi e
ouviram-no com muito interesse. Mando-lhe um
retalho do próprio Diário do Congresso para que
o sr. veja que toda a bancada fluminense desta
vez se uniu...
O recorte do Diário do Congresso também enviado por Almir Madeira reproduz o
discurso do deputado Heitor Collet:
Senhor Presidente, a Academia Brasileira de
Letras, por proposta do ilustre Sr. Levi Carneiro
148
(...) endereçou ao Congresso Nacional um apelo
no sentido de decretar por lei especial a
aposentadoria daquele eminente escritor
(Oliveira Vianna) com vencimentos integrais no
cargo de Ministro do Tribunal de Contas.
A concessão da medida - são palavras do sr. Levi
Carneiro - “não será apenas um prêmio, será a
garantia de que o sr. Oliveira Vianna poderá
levar a bom termo os livros que tem em
preparação. Foi ao ler a sua recente e grandiosa
obra - Instituições Políticas Brasileiras -
acompanhando a larga e profunda análise da
nossa estruturação social e política; verificando a
imensa quantidade de estudos das datas mais
recentes, em que ela se apoia - desde os mais
notáveis sociólogos americanos e europeus até os
de observação do meio nacional; atendendo a
outros trabalhos já concluídos, ou em preparo,
(...)e me salteou a impressão do ingente esforço,
do sacrifício incalculável que está realizando o
nosso insígne companheiro. Doente, isolado em
seu retiro em Niterói, e ainda mais no da remota
Saquarema, está ele empenhado em uma série de
estudos que lhe hão de acrescer o glorioso
renome conquistado e esclarecer os rumos da
política nacional.
66
Nesse discurso, Heitor Collet se refere a um terceiro mediador: Levi Carneiro. Este
teria sido o responsável pelo encaminhamento ao Congresso do apelo no sentido de
conseguir a aposentadoria de Oliveira. Foi ele também o autor da justificativa explicitada
por Collet.
Vasconcelos Torres, em seu livro sobre Oliveira Vianna, registra a ação de Levi
Carneiro da seguinte maneira:
Quando, no Congresso, a bancada fluminense,
acatando sugestão da Academia Brasileira de
Letras, apresentou um projeto subscrito em
primeiro lugar pelo deputado Heitor Collet, por
via do qual lhe seria concedida a aposentadoria,
não escondeu o seu aborrecimento e,
seguidamente repetia: o que tem a política a ver
com a minha vida? A propósito Levi Carneiro
66
Diário do Congresso Nacional, 11 abril de 1950.
149
narra: “o trato pessoal revelava um homem
imprevisto: modesto, simplíssimo até a
humildade, falando pouco e baixo, timidamente,
suavemente risonho, condescendente e discreto.
Recordei a minha iniciativa sobre a sua
aposentadoria. Ao lançar a minha sugestão
acentuei que o fazia sem ouvir a opinião de
Oliveira Vianna, nem lhe pedir que a autorizasse.
Ainda assim - recebi dele, logo depois, uma carta
desalentada: eu agira como amigo,
precipitadamente, ninguém o prezava, ninguém
lhe prestaria aquela homenagem; ele ia requerer
aposentadoria sem esperar por uma concessão
impossível. Custou-me desconvencê-lo. Fiz-lhe
ver que devia esperar - e ele esperou por mais
tempo, aliás, do que o em que teria o conforto da
concessão autorizada pelo Congresso Nacional.
67
Essa fala de Levi Carneiro contribui para a construção da imagem de um Oliveira
Vianna tímido, discreto e também de uma pessoa que se recusava a receber favores
pessoais, que punha os “grandes” interesses sociais acima de qualquer personalismo. Essa
imagem explicitada por Levi Carneiro, em sua fala, e reafirmada por Vasconcelos Torres,
em seu livro, contribuiu para a construção de uma memória que, como vimos
anteriormente, até hoje se mantém nos estudos sobre Oliveira Vianna.
Vale considerar que o apelo pela aposentadoria de Oliveira Vianna partiu
justamente de Levi Carneiro, proposto na Academia Brasileira de Letras. Ao explorarmos
melhor os documentos relativos à aposentadoria depositados no arquivo, podemos perceber
que a ação de Levi Carneiro não foi menor. Talvez tenha sido este o mentor de todo o
processo de aposentadoria, o principal mediador, aquele que foi capaz de acionar as pessoas
certas e de criar as justificativas necessárias.
Levi Carneiro, assim como Oliveira, fazia parte da elite intelectual e burocrática do
regime do Estado Novo. A sua trajetória inclui a participação no Conselho Consultivo do
estado do Rio de Janeiro, o cargo de Consultor Geral da República, a presidência da Ordem
dos Advogados do Brasil, a vice-presidência da Federação Interamericana de Advogados e
juiz da Corte Internacional de Justiça em Haia. Participou ainda da elaboração do projeto
67
TORRES, Vasconcelos. op. cit. p. 150.
150
para o Código do Processo Civil e Comercial e foi Consultor Jurídico do Ministério das
Relações Exteriores.
A relação entre Oliveira Vianna e Levi Carneiro é testemunhada por uma série de
correspondências deste último ao primeiro, depositadas no arquivo. Mas, a participação de
Levi no processo de aposentadoria pode ser verificada em duas cartas de Marcos Almir
Madeira. A primeira delas diz o seguinte:
De uma forma ou de outra, a lei virá - e isto é que
interessa. (...) A recompensa viria por ser o sr.
quem é e haver produzido a obra que produziu.
Tudo teria assim um sentido mais educativo, mais
cultural, posso mesmo dizer mais cívico.
Vigoraria, então o primeiro projeto do Dr. Levi.
De qualquer modo, porém, o meu grande mestre
está de parabéns.
O primeiro projeto de Levi Carneiro diz respeito à idéia de considerar a
aposentadoria como prêmio, para evitar, como diz Almir Madeira, a “aritmética da
contagem do tempo de serviço”. É , em relação a esse aspecto, que novamente a mediação
de Levi Carneiro se torna importante. Em outra carta, Marcos Madeira escreve:
O dr. Levi elucidou o Collet quanto à contagem
do tempo de magistério. Escreveu-lhe uma carta.
Acho que é tempo de o sr. mesmo lhe escrever
também. A justificação, que ele mesmo esboçou,
está bem urdida. Deu-me a conhecer as linhas
gerais do plano (grifo dele) e trocamos idéias.(...)
Hoje, só quero lhe dizer que vai tudo muito bem,
que as minhas saudades insistem e que seria
interessante por no correio umas sugestões para o
Collet. Não sobre a faculdade como elemento da
aposentadoria, porque a esse respeito, o dr. Levi
já disse “mot de la fin” - mas sobre outras
atividades ou comissões.
Como podemos perceber através da idéia de “plano”, existia uma articulação,
elaborada por Levi Carneiro e com os seus “passos” traçados, pelo menos, com o auxílio
de Almir Madeira e Heitor Collet. O caminho necessário para que o plano deles fosse bem-
sucedido na Câmara também é registrado em carta de Almir Madeira após a apresentação
do projeto na Câmara:
151
Agora, a marcha da sugestão será esta: Comissão
do Serviço Público Civil (de que faz parte o
próprio Collet) e Comissão de Constituição e
Justiça, onde o Duvivier está inclinado a propor
que se transforme sua aposentadoria em prêmio
propriamente dito. Nesse caso não se contará
tempo de serviço. Tudo será posto em termos de
“homenagem excepcional”, pelos seus “altos
serviços a cultura brasileira”.
2.4) A morte de Vianna, a fundação da Casa de Oliveira Vianna e a “fabricação” da
memória
O processo de aposentadoria de Vianna, embora vitorioso, chegou um pouco tarde.
Vianna faleceu em março de 1951.
Ao morrer, Vianna deixou tudo o que havia colecionado, livros, documentos,
fotografias, na casa onde viveu toda a sua vida, na alameda São Boaventura, número 41, no
Fonseca, Niterói. Ela sintetiza sua herança, um legado que deveria ser guardado, mantido,
preservado. Ao morrer, Oliveira tornava-se imagem a ser preservada, memória a ser
fundada e difundida por tudo o que ele havia produzido em vida: os livros, a biblioteca, o
seu arquivo pessoal, os seus artigos publicados em jornais e revistas. Toda a casa onde
Vianna viveu guarda as marcas de sua vida, os vestígios materiais de sua existência, o
espaço onde estão materializados os artefatos que permitem a construção de sua memória.
Em 1951, logo após a sua morte, os amigos e discípulos intelectuais tomaram para
si a responsabilidade de organizar o legado material e intelectual de Oliveira Vianna
criando todo um processo de construção de uma memória, que culminou na organização da
Fundação Oliveira Vianna (FOV), na manutenção da biblioteca e na organização de seu
arquivo privado pessoal.
No momento de sua morte, Vianna já não mais desfrutava do reconhecimento
intelectual que havia granjeado nos anos 20 e 30. A participação de Oliveira Vianna no
Estado Novo e, principalmente, as idéias desenvolvidas nos seus livros associadas a
pensadores duramente criticados a partir dos anos 40, fizeram com que os textos de
Oliveira Vianna passassem a ser associados com o que existia de mais conservador em
matéria de sociologia e análise política. Em oposição à obra de Oliveira Vianna,
152
esboçaram-se várias críticas que podem, em linhas gerais, ser sintetizadas na seguinte
afirmação de Silvia P. de Castro:
A sociologia de Oliveira Vianna traz a marca do
saber de seu tempo. Seus escritos, articulados por
dentro da matriz autoritária-racista-
evolucionista, propunham soluções para os
problemas de sua época, em sintonia com os
anseios das classes dominantes.
68
A luta em defesa de sua obra por parte dos amigos e herdeiros intelectuais começou
mesmo no dia de sua morte. Enquanto o corpo de Oliveira Vianna era velado em sua casa,
realizava-se na Assembléia Legislativa Estadual uma sessão onde se esboçava uma
estratégia, que seria utilizada nos anos subsequentes por seus amigos, de construção de uma
memória positiva que culminaria com a reabilitação da sua obra.
Na sessão do dia 28 de março de 1951, os deputados Alberto Torres, Vasconcelos
Torres, Lara Vilela, Arino de Matos, Macário Picanço, Geraldo Rodrigues e Omar
Magalhães apresentavam um requerimento para que
(...) a Assembléia manifestando o seu pesar, em
homenagem à memória do grande sociólogo
Francisco José de Oliveira Vianna hoje falecido,
nesta capital, levante a sessão, fazendo-se
representar em seu sepultamento, por uma
comissão de deputados, informada sua família
dessas expressões do nosso sentimento.
69
A apresentação do requerimento foi seguida de vários discursos que além de
homenagear Oliveira Vianna, reabilitavam, de certa forma, sua obra. O deputado Macário
Picanço assim se pronunciou:
(...) Erudito na acepção mais exata do termo,
manejando a língua portuguesa e línguas outras
com facilidade admirável; estilo próprio, sempre
elegante, sempre límpido, tão elegante e tão
límpido que Afonso de E. Taunay o disse um
“artista da prosa”, como Alberto de Oliveira foi o
artista do verso no “esplendor do
parnasianismo”; historiador dos mais eminentes;
68
CASTRO, Silvia Pantoja S. de. “Da privatização do público à publicização do privado”. Rio de Janeiro,
CPDOC, jul. 1990, p. 32-33 (mimeo).
69
Diário da Assembléia Legislativa, 29 de março de 1951.
153
jurista de percepção pronta; professor de direito;
sociólogo com predileção pela etnografia, grande
como Euclides da Cunha, Silvio Romero e Alberto
Torres; acadêmico, e acadêmico até na
sobriedade do porte, a ilustrar com a sua
presença cotidiana a Academia do nosso estado e
a do Brasil; em suma, escritor fecundo, com livros
vários e todos notáveis, o primeiro deles –
Populações Meridionais do Brasil – publicado em
1918 [sic] e logo a firmar o seu nome no conceito
dos estudiosos, outro – Evolução do Povo
Brasileiro – traduzido inclusive para o japonês,
por tudo que fez, por tudo que realizou, por tudo
que idealizou, Oliveira Vianna soube engrandecer
a inteligência e a cultura do Brasil.
70
O deputado Vasconcelos Torres foi ainda mais enfático ao dizer:
(...) vim a essa Assembléia para, frente a meus
colegas, extravasando a dor do meu sentimento,
solidarizar-me com a justa homenagem prestada
ao maior cérebro vivo da América do Sul,
segundo afirmou o professor Lynn Smith, acatado
sociólogo norte-americano e que, ultimamente,
está traduzindo as obras do autor de “Evolução
do Povo Brasileiro”. (...) Fluminense como
Euclides e como Alberto Torres – e que glória
para nós possuirmos os três maiores sociólogos
da América do Sul!- excedeu a todos no gênero de
que tratou; a todos e sobre todos iria agigantar-
se, pela obra de pesquisa, pela inauguração dos
estudos de psicologia social, os primeiros
realizados na América Latina.
71
Além dos discursos e do requerimento adequados à situação fúnebre, essa sessão da
Assembléia ainda seria marcada por um outro acontecimento ligado à memória de Oliveira
Vianna: a apresentação de um projeto de lei que visava dar o nome de Oliveira Vianna à
escola construída pelo Fundo Nacional de Educação em Bacaxá, 2º distrito do Municípo de
Saquarema, onde o sociólogo havia nascido.
70
Diário da Assembléia Legislativa, 29 de março de 1951.
71
Diário da Assembléia Legislativa, 29 de março de 1951.
154
Em meio a homenagens e discursos, os deputados utilizavam-se de recursos como
citações de falas de intelectuais, rememoração de dados biográficos e comparação com
outros intelectuais, construindo assim um repertório verossímil que sustentasse as
homenagens prestadas.
Foi a ação dos amigos, aliada a uma atuação política daqueles que acreditavam na
necessidade da preservação do legado de Vianna, que levou à criação da Casa de Oliveira
Vianna.
Adquirida pelo governo do Estado em 1955, ela foi primeiramente transformada em
Fundação Oliveira Vianna pelo decreto n. 5317, de 16 de abril de 1956. A instituição tinha
o objetivo de preservar o espaço onde Oliveira Vianna viveu a maior parte de sua vida e
manter à disposição do público interessado o seu arquivo pessoal, sua biblioteca, além dos
móveis e objetos da casa.
Visava ainda, à atualização da biblioteca, à organização de um arquivo com as notas
de estudos, os originais de suas obras, as cartas, as fotografias, os títulos e quaisquer
documentos que se relacionassem à vida e à atividade intelectual de Oliveira Vianna, além
da edição de um pequeno boletim informativo sobre as atividades da Fundação, divulgação
e edição de trabalhos sobre temas brasileiros focalizados sob o ângulo das ciências sociais,
organização de um centro de pesquisas e transformação da casa num museu para promover
cursos, conferências e exposições. A Fundação existiu durante 20 anos até que, em 9 de
abril de 1975, através do decreto-lei nº 60, foi extinta, passando o seu acervo a integrar a
Fundação Estadual de Museus do Rio de Janeiro, recebendo o nome de Casa de Oliveira
Vianna. Alguns anos mais tarde, em abril de 1980, a Casa passou a pertencer à FUNARJ -
Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro.
Durante esses 45 anos de existência, a Casa de Oliveira Vianna não conseguiu
cumprir a maior parte dos objetivos da Fundação. Não se tornou um centro de pesquisas,
nem promoveu cursos e conferências, mas, por outro lado, tem o mérito de ter mantido à
disposição dos pesquisadores interessados a biblioteca particular e o arquivo pessoal de
Oliveira Vianna.
Na biblioteca estão expostos livros da autoria de Vianna e de escritores diversos,
tendo cerca de 12.000 exemplares entre livros, folhetos e periódicos. O arquivo contém
155
todos os seus documentos pessoais, textos publicados e inéditos, cartas, manuscritos,
documentos ligados à sua vida pública, entre outros. A quantidade dos documentos
depositados nesse acervo é ainda desconhecida, visto que grande parte deles ainda carece
de organização, catalogação e tratamento. Seu arquivo é uma importante fonte
historiográfica, pois é revelador da formação e da auto-representação do intelectual, visto
que contém os registros de suas leituras, de seu processo de escrita, de suas atividades
públicas e de sua rede de relações pessoais.
CAPÍTULO 3: “UM FRADE BOLANDISTA NO RECESSO DE SEU
LABORATÓRIO DE IDÉIAS”
1
3.1) A construção de um espaço de leitura: a biblioteca da casa da alameda São
Boaventura
A Casa da alameda são Boaventura n. 41, no Fonseca, em Niterói, teve uma grande
importância na vida de Oliveira Vianna. Desde que sua família chegou à cidade, em 1897,
ela passou a morar neste endereço e foi na biblioteca que ele mandou construir nesta casa
que estudou, leu e escreveu durante toda a sua vida. A biblioteca era seu lugar preferido,
seu espaço privado e privativo
2
. Era este o principal lugar de leitura de Oliveira Vianna e,
ao mesmo tempo, seu refúgio e seu lugar de comunicação com o mundo. Nessa biblioteca,
ele conhecia as notícias e novidades. Através dos volumes guardados, obtinha o
conhecimento que utilizava em seus livros, que eram, eles também, escritos nesse mesmo
lugar.
Esta biblioteca e esta casa tiveram uma tal importância na vida de Oliveira Vianna
que, apesar de muitas vezes os prefácios de seus livros não comportarem a data da
publicação ou da redação da obra, neles freqüentemente estava presente a inscrição:
“Estado do Rio. Alameda São Boaventura, 41. Fonseca”.
Assim, pode-se afirmar que esta biblioteca e essa casa marcam os principais espaços
onde foi conservado tudo que pode testemunhar a vida de Oliveira Vianna. É o lugar onde
estão organizados os vestígios materiais de sua existência e os objetos que permitem a
reconstrução de sua memória.
A vida de Oliveira Vianna foi marcada por intenso trabalho intelectual. Homem
reservado, recluso, Vianna considerava a atividade das letras a mais séria e importante das
muitas que desempenhava. Segundo seu principal biógrafo, Vasconcellos Torres, o
sentimento de apego aos livros marcava a sua prática desde o tempo de estudante. Ao
descrever seu cotidiano estudantil, Vasconcellos Torres noticia:
1
Luiz de Castro Faria afirma que Oliveira Vianna elaborava sua obra “(...) com a paciência de um frade
bolandista no recesso do seu laboratório de idéias. FARIA, L. C. Oliveira Vianna: De Saquarema à
alameda São Boaventura, 41 – Niterói. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 62.
2
Segundo Darnton, é importante precisar o lugar onde o leitor lê pois essa informação pode nos dar indícios
de suas formas e práticas de leitura. DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. São Paulo: Companhia das
Letras, 1990, p. 156.
157
Na Faculdade não se destacava dos demais a não
ser pelo entranhado amor ao livro. (...) Distante
das rodas boêmias regressava ao Fonseca ao
término das aulas, trazendo consigo,
invariavelmente, um livro que folheava durante a
travessia. (...) No velho casarão do Campo de
Santana cuidava-se invariavelmente do livro.
3
A prática de reclusão social de Vianna e a seriedade quanto ao tratamento de tudo o
que se relacionava à leitura e aos livros certamente coincidiram com o comportamento
marcante do típico leitor/intelectual do início do século. A leitura era vista como “coisa
séria” de um grupo privilegiado de letrados que conhecia os seus mistérios e dominava os
seus segredos. Em seu estudo sobre o livro no Brasil, L. Hallewell traça o perfil do que era,
segundo ele, o leitor típico no país no início do século XX:
(...) cidadão respeitável que andava de preto,
usava chapéu coco, marchava lentamente,
merecia todo conceito e respeito. A linguagem dos
livros devia ser sonora, os assuntos sempre muito
sérios deviam ser tratados com vagar e a
gravidade exigidos pela fina educação.
4
A descrição, um pouco caricatural, permite que se vislumbre as características
singulares dos leitores que podiam ser identificados justamente por sua austeridade e
seriedade. Em um estudo sobre bibliotecas de intelectuais, Tania Bessone
5
demonstra como
que a compra e a guarda de livros marca uma forma, um estilo de vida, revelando uma
faceta importante do trabalho intelectual. Segundo Bessone, desde meados do século XIX,
a posse de livros passou a proporcionar um status aos grupos médios urbanos,
principalmente aquele formado pelos profissionais liberais, tais como médicos, advogados e
jornalistas
6
.
3
TORRES, João Batista de Vasconcelos. Oliveira Vianna: sua vida e sua posição nos estudos brasileiros de
sociologia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 31.
4
HALLEWELL, Lawrence. O Livro no Brasil (sua história). São Paulo: Edusp, T. A. Queiroz, 1985.
5
FERREIRA, Tania M. T. Bessone da Cruz. “Bibliotecas de médicos e advogados do Rio de Janeiro; dever e
lazer em um só lugar” . In: ABREU, Márcia (org). Leitura, História e História da Leitura. Campinas:
Mercado das Letras, 2000, p. 315.
6
Tania Bessone cita os trabalhos de José Murilo de Carvalho. A Construção da ordem; a elite política
imperial. Brasília: Editora da UnB, 1981 e de L. Hallewell. O Livro No Brasil, sua história. São Paulo:
Edusp, T. A. Queiroz Editora, 1985, como trabalhos que relacionam o quadro de estabilidade política do
Império e o status da posse do livro pelos setores médios às causas da ampliação da quantidade de livros e da
qualidade destes na formação de bibliotecas privadas no século XIX.
158
Oliveira Vianna, assim como outros intelectuais de seu tempo, deu atenção especial
ao processo de formação de sua coleção de livros. Ele começou muito cedo a formação de
sua biblioteca. O interesse pelos livros e pelas leituras, aliado à sua personalidade austera e
reservada e ao modelo de intelectual sério que ele pretendia seguir, fez com que, em 1911,
muitos anos antes do lançamento de seu livro de estréia, Populações Meridionais do Brasil,
ele realizasse uma reforma na casa onde morava com a família para abrigar justamente o
seu gabinete de leitura ou, como ele gostava de chamar, a sua biblioteca. Vianna mandou
adaptar a casa para abrigar a biblioteca com a construção da sala principal, da varanda, da
sala de visitas e de seu quarto. A casa mudava e o principal espaço era destinado à leitura.
A biblioteca da casa de Oliveira Vianna sobreviveu ao seu proprietário e encontra-
se ainda hoje preservada na sua forma original. É uma grande sala que dá acesso direto à
varanda na entrada principal da casa. Da biblioteca ele podia perceber quem chegava e saía,
o movimento da casa. A biblioteca lhe permitia, assim, manter-se recolhido e, ao mesmo
tempo, em contato com a vida cotidiana
7
.
Ao se entrar nesse espaço, vê-se logo a sua mesa de trabalho com canetas-tinteiros e
o famoso lápis de duas pontas, uma vermelha outra azul, com o qual Vianna insistia em
inscrever seus percursos de leitura nos espaços em branco dos livros colecionados.
Oliveira Vianna tinha por hábito marcar seus livros. Ao ler, ele escolhia, registrava,
deixava traços de sua leitura. A marcação dos livros de Vianna gera curiosidade. É possível
descobrir, através desses indícios, os seus modos de ler?
Muitos amigos de Vianna já se fizeram essa pergunta e alguns tentaram respondê-la.
Marcos Almir Madeira, amigo pessoal de Oliveira Vianna e diretor durante um ano da
Fundação Oliveira Vianna
8
, afirmou certa vez em entrevista a um jornal:
Oliveira Vianna grifava em vermelho quando
discordava do autor e em azul quando
concordava.
7
É interessante notar que ao se referir ao gabinete de Montaigne, Roger Chartier descreve uma situação
semelhante. Diz ele, “(...) retraite ne signifie pas réclusion ou rejet du monde. La “librairie” de Montaigne
est un lieu d´où l´on voit, sans être forcement vu, et que donne pouvoir à celui qui s´y retire. Pouvoir sur la
maison et ses gens: “Je me détourne un peu plus souvent à ma librairie, d´où tout d´une main je commande à
mon ménage. Je suis sur l´entrée et vois sous moi mon jardin, ma basse-cour, ma cour, et dans la plupart des
membres de ma maison”. Ver: CHARTIER, Roger. “Les pratiques de l´écrit” in: CHARTIER, Roger. e
DUBY, Georges (orgs). Histoire de la vie privée: de la Renaissance aux Lumières. Paris: Éditions du Seuil,
1985, p. 136.
159
Essa versão acabou sendo considerada por muitos como verdadeira. Entretanto, uma
sobrinha de Vianna, funcionária mais antiga da Casa, nega que as marcações tenham esse
significado. Segundo ela, Oliveira Vianna marcava arbitrariamente, utilizando o azul e o
vermelho indistintamente, sem com isso querer estabelecer nenhum significado.
Considerando que nenhuma leitura é neutra, e que não existe marcação sem
significado mas que, ao contrário, através das marcações o leitor de certa forma se inscreve
no texto, pode-se considerar que os traços de Vianna são, na verdade, os primeiros esboços
de sua escrita
9
. Apesar dos esforços empreendidos, não foi possível estabelecer
rigorosamente os critérios dessas marcas e traços, mas certamente eles indicam os
primeiros passos na construção de sua escrita.
Ao lado da mesa de trabalho, vê-se uma outra, menor, com sua velha máquina de
escrever, e na outra ponta uma pequena estante, de quatro lados, giratória, onde estão
alguns de seus “instrumentos de trabalho”, como dicionários e obras de referência
10
.
Além dos objetos descritos, o gabinete de trabalho de Vianna abriga também sua
coleção de livros. Em estantes que vão do chão ao teto, cobrindo todas as paredes, os livros
de Vianna contam um pouco de sua história de leitor, possibilitando entrever o seu
posicionamento diante do sistema de referências intelectuais de seu tempo.
Na prateleira de uma das estantes, pode-se notar a existência de um busto, em
cerâmica, de Eça de Queiroz, apontado por amigos, colaboradores e funcionários do
arquivo como o literato predileto de Vianna. Sua coleção de livros possuía 15 volumes de
14 títulos distintos desse autor
11
.
8
Marcos Almir Madeira foi diretor da Fundação Oliveira Vianna no ano de 1973.
9
Antoine Compagnon já o demonstrou ao afirmar que o ato de sublinhar um texto é a forma através da qual o
leitor se insere no texto transformando leitura em escrita. COMPAGNON, Antoine. La second main ou le
travail de la citation. Paris: Éditions du Seuil, 1979, p. 19-20.
10
Luiz Carlos Villalta chama a atenção para a presença comum de objetos para a escrita nos gabinetes de
leitura. Segundo esse autor, desde o século XVIII, “objetos para leitura, escrita e armazenagem de livros
existiam nas residências mesmo naquelas em que faltavam livros. Certas casas mineiras e cariocas contavam
com tinteiros, papeleiras, estantes (...) conservando penas de escrever até para vendê-las (...). Em outras, por
sua vez, havia estantes e livros, acrescendo-se, em alguns casos, tinteiros e mapas”. VILLALTA, Luiz
Carlos. “O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura” . In: NOVAIS, Fernando (org.). História da
vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, vol. 1, p. 377.
11
Os títulos de Eça de Queiroz encontrados no acervo de Oliveira Vianna são: A cidade e as serras. Porto:
Lello, 1912; O primo Bazílio. Porto: Chardron, 1935; A ilustre casa de Ramires. Porto: Lello, 1938; A
Reíiquia. Porto: Lello, 1945; O conde d´Abranhos e a catastrophe. Porto: Chardron, 1925; Os maias:
episódios da vida romântica. Porto: Lello, 1935; O mandarim. Lisboa: Lello e irmão, 1945; O crime do padre
Amaro. Porto: Lello, 1945; Prosas bárbaras. Porto: Chardron, 1917; Notas contemporâneas. Porto: Chardron,
1909; Cartas da Inglaterra. Porto: Lello, s.d. ; A correspondência de Fradique Mendes. Porto: Lello, 1932;
160
A paixão por Eça de Queiroz era um dos traços de identificação de Oliveira Vianna
com os demais intelectuais de seu tempo. Segundo Monteiro Lobato, desde pelo menos a
publicação de Os Maias, em 1888, a intelectualidade brasileira parecia ter sido acometida
por uma espécie de aecite
12
: uma febre ou paixão intensa por Eça de Queirós. Esse
encantamento pela obra de Eça de Queirós atravessou, sem perder força, pelo menos as
duas primeiras décadas do século XX, mas parece ter surgido ainda no período anterior aos
anos 80 do século XIX. Na opinião de Paulo Franchetti, isso decorre de um conjunto amplo
de motivos:
Por um lado, o romancista não aparecia ao
público apenas como o autor de umas tantas
obras-primas. Era uma presença muito mais
próxima: um jornalista que escrevia regularmente
nos periódicos brasileiros, opinando sobre os
mais diversos assuntos. De fato, só na Gazeta de
Notícias, Eça escreveu durante 16 anos seguidos,
a partir de 1880. Além disso, tinha sido um dos
jovens rebeldes que, ao lado de Antero de Quental
e Teófilo Braga, se empenharam na denúncia do
atraso político, moral e científico das nações
ibéricas: era um dos representantes da já mítica
Geração de 70, iconoclasta e modernizadora. Era
também o autor das Farpas (1871-72), em que
não só satirizara a sociedade portuguesa do seu
tempo, mas também ironizara cruelmente o
imperador do Brasil, D. Pedro II, no momento
mesmo em que começava a fortalecer-se o
republicanismo no país. Por tudo isso, no
ambiente encharcado de propaganda republicana
dos últimos anos do Império e de propaganda
antilusitana nos primeiros anos da República,
Eça podia ser visto como um aliado progressista:
um equivalente, para a vida portuguesa sua
contemporânea, do que era o seu amigo Oliveira
Martins para o passado dessa mesma sociedade.
13
A biblioteca pessoal de Vianna inscreve em seu acervo suas preferências de leitura,
sua trajetória profissional e intelectual e suas práticas de escrita. A herança deixada pelos
Correspondência. Porto: Chardron, 1926; O Egyto, notas de viagem. Porto: Lello e Irmão, 1938 e Cartas
inéditas de Fradique Mendes e mais páginas esquecidas. Porto: Lello e Irmão, 1945.
12
FRANCHETTI, Paulo. “Febre de Eça”. Mais! Folha de São Paulo. 13/08/2000.
13
Idem.
161
livros colecionados por ele permite que se infira sobre as intenções que o levaram a
acumulá-los, visto que Vianna não deixou testemunhos explícitos sobre a composição do
acervo. É certo que a criação de um espaço de leitura no interior da casa, ao contrário de ser
uma característica que o distinguia, era, na verdade, mais um indício da identificação de
Vianna com os demais homens de letras de seu tempo, pois “de maneira geral, na virada
do século, as letras representavam importantes bens simbólicos”
14
. Colecionar livros era
uma etapa importante na formação de um intelectual. Possuir um gabinete de leitura,
estantes cobertas de livros, uma quantidade de raridades ou de livros pertencentes aos
cânones literários nacionais ou estrangeiros, simbolizavam para os seus pares sua
importância intelectual.
Considerando-se que o tamanho das bibliotecas era freqüentemente associado ao
refinamento intelectual de seus proprietários, possuir um grande acervo de livros
significava ser visto e respeitado como um intelectual erudito
15
, além de ser,
evidentemente, um registro de suas atividades intelectuais.
Márcia Delgado, em seu estudo sobre sebos e livros em Minas Gerais, indaga-se
sobre os motivos pelos quais se constituem bibliotecas privadas. Na opinião de Delgado,
essas razões, “(...) são de ordem arbitrária e variada, indo desde o amor pelos livros de
determinado gênero ou assunto até o interesse mercadológico pelo livro como fonte de
investimento”.
16
A biblioteca de Oliveira Vianna certamente possui, na sua origem, alguns desses
elementos propulsores. Seu acervo permite identificar aspectos de uma importante parcela
do trabalho intelectual de Vianna.
14
ABREU, Regina. A fabricação do imortal. Rio de Janeiro: Lapa/Rocco, 1996, p. 137.
15
Em seu estudo sobre as bibliotecas mineiras no século XVIII, Luiz Carlos Villalta chama a atenção para a
relação entre o refinamento intelectual dos proprietários e o tamanho das bibliotecas. Segundo ele, "o
tamanho das bibliotecas mineiras era diverso, não sendo determinado pela riqueza, mas pelo grau de
refinamento intelectual e de escolaridade de seus proprietários. Padres, advogados e cirurgiões possuíam,
via de regra, as maiores bibliotecas. Havia, ainda, uma relação estreita entre, de um lado, a composição das
livrarias e, de outro, a condição social e o ofício de seus proprietários"
15
.VILLLALTA, Luiz Carlos. op. cit
p. 362.
16
DELGADO, Márcia. Cartografia sentimental de sebos e livros. Belo Horizonte:Autêntica, 1998, p. 85.
162
3.1.1) Da biblioteca da fazenda do Rio Seco à biblioteca da casa da alameda
São Boaventura
Oliveira Vianna começou muito cedo a formação de sua biblioteca. Possivelmente,
parte do acervo veio da velha biblioteca que existia na casa da fazenda do Rio Seco,
formada por seu pai, o coronel Francisco José, nas diversas visitas que fazia a livrarias da
cidade do Rio de Janeiro. O fato de ter nascido numa família letrada – sua mãe o havia
ensinado as primeiras letras - contribuiu seguramente para que Vianna viesse a ampliar a
sua condição de “grande leitor”.
Quando completou 13 anos e passou a viver em Niterói, foi na casa da alameda São
Boaventura, 41, no Fonseca, que a família Vianna se instalou. Alguns anos mais tarde, em
1911, ele promoveu a reforma da casa que levou à criação de um espaço de leitura, fazendo
com que a biblioteca ganhasse espaço físico definitivo. Mas a formação do acervo
prolongou-se, como se pode supor, por toda a sua vida.
A biblioteca de Vianna pode ser considerada de grande porte
17
. Hoje, seu catálogo é
composto de cerca de 12.000 exemplares, entre livros, folhetos e periódicos. Pode-se
dividir esse acervo em duas partes distintas: a primeira delas, composta de 4.161 livros
18
,
foi praticamente organizada na sua totalidade pelo próprio Vianna, tendo havido apenas,
após a sua morte, a inclusão de um ou outro exemplar. Já a segunda, composta pelos
periódicos, contou com a inclusão sistemática de vários títulos e exemplares novos após a
morte de Vianna.
A biblioteca de Vianna é mais um gabinete de trabalho do que a coleção de um
bibliófilo. Assim como a biblioteca de Jacques-Auguste de Thou, descrita por Gabriel
Naudé e analisada por Jacques Revel, a primazia era dada “(...) antes à qualidade das
edições, e a importância das obras segundo os critérios dos eruditos, que as obras raras ou
preciosas”
19
. Vianna buscava prioritariamente “(...) juntar o saber crítico elaborado
17
Apenas a título de comparação, a biblioteca de Machado de Assis, doada a Academia Brasileira de Letras,
possui 736 volumes. Ver: VIANNA, Glória. “Revendo a biblioteca de Machado de Assis”. In: JOBIM, José
Luis (org.). A biblioteca de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001, p. 119.
18
Os livros formam um total de 4.161 exemplares de 3.949 títulos distintos.
19
REVEL, Jacques. “Entre dois mundos: a biblioteca de Gabriel Naudé”. In: BARATIN, Marc e JACOB,
Christian. O poder das bibliotecas. A memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 222.
163
através do tempo e os comentários das grandes obras”
20
. Por esse motivo, ele priorizava a
produção contemporânea em detrimento das obras antigas e raridades.
A trajetória profissional de Vianna foi, sem dúvida, um critério determinante do
acervo da biblioteca. Observando-se o acervo, pode-se verificar que a maior parte dos
títulos que o compõem relaciona-se às ciências sociais
21
.
CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DA BIBLIOTECA DE OLIVEIRA VIANNA
Tipo de livro Títulos Percentual
CIÊNCIAS SOCIAIS 1385 35%
LIVROS JURÍDICOS E ADMINISTRATIVOS 821 21%
BIOGRAFIAS, MEMÓRIAS E AUTOBIOGRAFIAS 184 4,5%
LITERATURA BRASILEIRA 171 4,3%
LITERATURA ESTRANGEIRA 128 3,2%
HISTÓRIA DO BRASIL E LITERATURA DE VIAJANTES 451 11,4%
HISTÓRIA GERAL 310 8%
RELIGIOSOS 39 1%
OUTROS 460 11,6%
TOTAL 3949
22
100%
Uma análise mais minuciosa dos títulos e temáticas dos livros que compõem o
acervo de Vianna, indica cinco grandes linhas de classificação. A primeira delas é marcada
pelos estudos das ciências sociais, a segunda é composta dos livros sobre a realidade
brasileira
23
, em terceiro lugar são textos relacionados à legislação administrativa, trabalhista
e aos estudos jurídicos; um quarto grupo é formado pela literatura brasileira e estrangeira e,
por fim, há os livros religiosos.
20
Idem.
21
Entende-se por ciências sociais, nesse texto, os estudos relacionados ao homem em sociedade tais como os
trabalhos de antropologia, psicologia, economia, filosofia, geografia, ciência política, etc, visto que, até esse
momento, no Brasil, a maior parte dessas ciências não havia passado ainda por um processo de especialização
e institucionalização.
22
A biblioteca possui, como se afirmou, um conjunto de 4161 exemplares. O número citado aqui, 3949,
corresponde à quantidade de títulos, visto que alguns deles possuem vários exemplares diferentes.
23
Afrânio Garcia Jr. cunhou a expressão “o Brasil em representação” para se referir a esse tipo de estudos.
São textos que destacam a construção da Nação e de uma identidade nacional. Ver sobre esse aspecto:
GARCIA JR., Afrânio Raul. “O Brasil como representação”. In: Comunicação, n. 6, Rio de Janeiro,
UFRJ/PPGAS, 1981 e ABREU, Regina. A fabricação do imortal: memória, história e estratégia de
consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco/Lapa, 1996, p. 138.
164
Estudos de antropologia, sociologia, geografia, educação, economia, filosofia e
psicologia interessavam prioritariamente a Oliveira Vianna, pois ele estava preocupado em
entender, através de suas leituras, e explicar, por meio de sua obra escrita, os princípios de
organização da sociedade, da cultura e da política nacionais. Nesse sentido, aos livros de
ciências sociais devem-se somar ainda os títulos relacionados à história do Brasil e os
relatos de viajantes.
Entre os autores da área de ciências sociais, destacam-se, na biblioteca de Vianna,
nomes como Le Play, Edmond Demolins. Georges Gurvitch, Harold Laski, Gustave Le
Bon, Vacher Lapouge, Vidal de la Blache, Emile Durkheim, Georges D´Avenel, Roger
Bastide e Franz Boas.
Considerando-se o quadro
24
elaborado por Philippe Cabin e Jean-François Dortier,
publicado no livro La Sociologie: histoire et idées
25
, sobre os precursores e fundadores da
sociologia na França, Alemanha, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Itália, vemos que a
biblioteca de Vianna era bastante atualizada com o que se publicava em termos de ciências
sociais nesses países. Vianna possui livros de 20 dos 24 autores citados no quadro.
No que diz respeito à corrente francesa, que começou a organizar-se na segunda
metade do século XIX, Vianna possuía 3 volumes de Comte, 1 de Tocqueville, 5 de Tarde,
1 de Worms, 4 de Le Bon, 3 de Durkheim, 1 de Halbwachs e 2 de Bouglé.
A corrente francesa dos estudos sociológicos fundada por Auguste Comte no fim
dos anos 30 do século XIX, viveu no final do século um grande impulso com a ação de
Gabriel Tarde, René Worms e Emile Durkheim, que passaram a disputar a hegemonia
intelectual sobre a disciplina.
Gabriel Tarde adquiriu, logo no primeiro momento, um renome internacional e dois
de seus livros L´opinion et la foule e Les lois de l´imitation foram verdadeiros sucessos
editoriais. René Worms, hoje quase que totalmente desconhecido, era nos últimos anos do
século XIX, um grande talento da sociologia francesa. Autor do livro Organisme et societé,
Worms criou também a Revue Internationale de Sociologie e fundou um Instituto
Internacional de Sociologia. Mas foi o último dos três, Émile Durkheim, o mais bem-
sucedido na tentativa de criar uma equipe de intelectuais em torno de seu projeto. Em 1896,
24
Ver anexo 8.
25
CABIN, Philippe e DORTIER, Jean-François (orgs.). La Sociologie: histoire et idées. Paris: Sciences
Humaines Éditions, 2000.
165
criou a revista L´Année Sociologique na qual participavam Marcel Mauss, Maurice
Halbwachs, Célestin Bouglé, François Simmiand e Paul Fauconnet, entre outros. O grupo
em torno desse periódico foi, por cerca de 20 anos, o mais importante da sociologia
francesa.
A biblioteca de Vianna possuía, além dos livros dos autores já citados, uma coleção
da revista Année Sociologique, composta dos números 1 a 12, correspondente aos anos de
1896 a 1924, o que demonstra a sua atualidade em relação ao que se produzia nos meios
intelectuais franceses, mais especificamente no campo dos estudos sociológicos.
Ainda no que se refere à sociologia francesa, o quadro elaborado por Cabin e
Dortier apresenta uma ausência significativa: a escola de Le Play, uma das precursoras do
pensamento sociológico francês. Le Play foi um dos primeiros a tentar construir um método
de observação direta da realidade social, desenvolvendo uma perspectiva etnográfica e
comparativa. Os membros desta escola, Descamps, Demolins, Rousiers e Tourville estavam
entre os pioneiros da pesquisa social e o conjunto de sua produção compõe uma das
maiores coleções da biblioteca de Vianna que considerava as monografias dos discípulos de
Le Play “(...)luminosas e belas”
26
. De Descamps, Vianna possui 3 títulos, 6 de Demolins, 6
de Rousiers e 1 de Tourville. Segundo Cabin e Dortier, Frederic Le Play e seus seguidores,
embora pioneiros da sociologia empírica, foram rapidamente excluídos do campo
sociológico em função de sua condição de conservadores católicos
27
.
No que se refere à escola alemã de sociologia, Vianna se mostrava também
conhecedor da produção mais atual da época, tendo adquirido 1 título de Marx, 2 de Weber,
1 de Simmel, 3 de Tönnies e 5 de Sombart.
De Spencer, precursor dos estudos sociológicos na Grã-Bretanha, Vianna possui 8
volumes e, de Pareto e Mosca, fundadores do pensamento sociológico na Itália, 5 e 1
volumes, respectivamente.
Dos fundadores da sociologia norte-americana, mais especificamente dos membros
da chamada Escola de Chicago, Vianna possuia 1 texto de Small e 1 de Robert Park
28
.
Apesar do número reduzido de volumes desses autores, não se pode considerar a relação de
26
VIANNA, Francisco José de Oliveira. Evolução do Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1938, p. 37.
27
CABIN, Philippe e DORTIER, Jean-François (orgs.). La sociologie: histoire et idées. Paris: Sciences
Humaines Éditions, 2000,. P. 44.
28
Sobre esses títulos, ver anexo 9.
166
Vianna com eles pouco expressiva, pois em seu arquivo se encontram algumas cartas de
Robert Park: uma delas, datada de 13 de julho de 1933, na qual ele agradece os livros
Populações Meridionais do Brasil e Raça e Assimilação, enviados por Vianna; a segunda,
com data do dia 21 de novembro de 1934, em que Park envia um livro de presente para
Vianna, e a última, com data de 5 de fevereiro de 1935, na qual ele recomenda um amigo
que viria estudar no Brasil.
Entre os “sociólogos” brasileiros pode-se verificar, entre outros nomes, 10 volumes
de Gilberto Freyre
29
e 4 livros de Gustavo Barroso
30
.
Lucien Febvre e Fustel de Coulanges
31
, bem como Momsem
32
, Ranke
33
e Henri
Berr, são alguns dos historiadores que aparecem representados no acervo. Na lista de
historiadores brasileiros, todos os nomes importantes daquele momento estão
representados: Max Fleiuss
34
, Felisberto Freire
35
, Afonso Celso
36
, José Maria Bello
37
,
Alfredo Ellis Jr
38
, Pedro Calmon
39
, Caio Prado Jr
40
. e Sérgio Buarque de Holanda
41
.
29
FREYRE, Gilberto. Sociologia. Rio de Janeiro: Jose Olimpio, 1945; FREYRE, Gilberto. Região e tradição.
Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1941; FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: Decadência do patriarcado
rural no Brasil. São Paulo: Comp. Ed. Nacional, 1936; FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil. Rio de
Janeiro: J. Olympio, 1948 ; FREYRE, Gilberto. CARVALHO, Rodrigues de. CASCUDO, Luis da Camara.
PONTES, Carlos. CARNEIRO, Nelson. MOREIRA, Juliano. RIBEIRO, Leonidio. BERARDINELLI, W.
BROWN, Isaac. CAMARGO JUNIOR, Jovelino M. de. PERNAMBUCO, Jarbas. ANDRADE, Nair.
AMADO, Jorge. MELLO NETO, Jose Antonio Goncalves de. CAMPELLO, Samuel. RAYMUNDO,
Jacques. AVILA, Fernando Bastos de. PERNAMBUCO, Ulysses. Novos estudos Afro-Brasileiros. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1937 (2 volumes) ; FREYRE, Gilberto. Conferencias na Europa. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1938; FREYRE, Gilberto. O Mundo que o português criou. Rio de
Janeiro: Jose Olympio, 1940; FREYRE, Gilberto. Açúcar; algumas receitas de doces e bolos dos engenhos do
Nordeste. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1939; FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influencia da
canna sobre a vida e a paisagem do nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1937.
30
BARROSO, Gustavo. Historia secreta do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937;
BARROSO, Gustavo. Historia militar do Brasil. São Paulo: Nacional, 1935; BARROSO, Gustavo. O Brasil
na lenda e na cartografia antiga. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1941 ; BARROSO, Gustavo. O Brasil
em face do prata. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1930.
31
COULANGES, Fustel de. Histoire des institutions politiques de l'ancienne France, la monarchie franque.
Paris: Hachette, 1888; COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Lisboa: Classica ed., 1929 e
COULANGES, Fustel de. Leçons a l'imperatrice sur les origines de la civilisation française. Paris: Hachette,
1930.
32
MOMMSEN, Theodoro. Compendio del derecho publico romano. Buenos Aires: Impulso, 1942 e
MOMMSEN, Theodoro. Histoire Romaine. Paris: Ernest Flamarion, 1935.
33
RANKE, Leopold Von. The histoiry of the popes, their church and state. London.
34
FLEIUSS, Max. Páginas de Historia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1930; FLEIUSS, Max. História
da cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Melhoramentos, 1928. ; FLEIUSS, Max. Anchieta: Conferências
lidas no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 1933-1934. Porto Alegre: Globo, 1935. ; FLEIUSS, Max.
História administrativa do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1932.; FLEIUSS, Max. O Instituto Histórico
através de sua revista. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938.
35
FREIRE, Felisbello Firmo de Oliveira. Historia da revolta de 6 de setembro. s. l. : s. ed., 1896.; FREIRE,
Felisbello Firmo de Oliveira. Os portuguezes no Brazil. Rio de Janeiro: Typ. do economista Brasileiro, 1907 e
FREIRE, Felisberto Firmo de Oliveira. Historia de Sergipe, 1575-1855. Rio de Janeiro: Perseverança, 1891.
167
A literatura de viajantes aparece nas obras de Gandavo, Debret e Saint-Hilaire.
Os educadores estão representados pelas obras de Azevedo Amaral, Fernando de
Azevedo e John Dewey e o pensamento psicológico aparece em obras de Freud e Jung.
Entre os filósofos, destacam-se os livros de Benedetto Croce, Engels e sete volumes
da obra de Henri Bergson.
Em segundo lugar, em número de títulos, figuram os livros jurídicos e
administrativos, também diretamente relacionados às atividades profissionais de Vianna.
Entre os juristas nacionais, há títulos de Clóvis Bevilácqua, Achilles Bevilácqua e Rui
Barbosa e entre os estrangeiros, aparecem Fantini, Barassi, Baudri-Lacantiniere, entre
outros.
Se forem somados os títulos correspondentes às rubricas ciências sociais, livros
jurídicos, história geral e do Brasil e biografias, memórias e autobiografias (dos grandes
vultos da História nacional e estrangeira), pode-se verificar que estes representam 3.151
títulos, o que corresponde a cerca de 80% do acervo.
36
CELSO, Affonso. Oito annos de parlamento poder pessoal de D. Pedro II. São Paulo: Melhoramentos,
1928 e CELSO, Affonso. El emperador D. Pedro II y el instituto historico. Buenos Aires: Imprenta Mercatali,
1938.
37
BELLO, José Maria. Historia da Republica, primeiro período 1889-1902. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1940.
38
Deste autor, Oliveira Vianna possuía 12 livros. ELLIS JUNIOR, Alfredo. Populações paulistas. São Paulo:
Comp. Ed. Nacional, 1934; ELLIS JUNIOR, Alfredo. O ouro e a paulistania. s. l.: s. e. , s. d. ; ELLIS
JUNIOR, Alfredo. Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano. São Paulo: Comp. Ed.
Nacional, 1936; ELLIS JUNIOR, Alfredo. Amador Bueno, o rei de São Paulo. São Paulo: Ed. J. Fagundes,
s.d.; ELLIS JUNIOR, Alfredo. Capítulos da historia social de S. Paulo. São Paulo: Comp. Ed. Nacional,
1944; ELLIS JUNIOR, Alfredo. A evolução da economia paulista e suas causas. São Paulo: Companhia Ed.
Nacional, 1937; ELLIS JUNIOR, Alfredo. Um parlamentar paulista da republica. Subsidio para a historia
da republica em S. Paulo e subsidio para a historia econômica de São Paulo. São Paulo: Joao Bentivegna,
1949; ELLIS JUNIOR, Alfredo. Feijó e a primeira metade do século XIX. São Paulo: Comp. Ed. Nacional,
1940; ELLIS JUNIOR, Alfredo. Raposo Tavares e sua época. Rio de Janeiro: José Olympio, 1944; ELLIS
JUNIOR, Alfredo. Confederação ou separação. São Paulo: Ed. Paulista, 1934.; ELLIS JUNIOR, Alfredo.
Noções elementares de geographia superior e de estatistica. Sao Paulo:.Saraiva , 1932; ELLIS, Alfredo. Raça
de gigantes, a civilização no planalto paulista. São Paulo: Helios, 1926.
39
CALMON, Pedro. Historia de la civilizacion brasileña. Buenos Aires: Ministerio da Justica e Inst. Publico,
1937; CALMON, Pedro. Historia do Brasil. São Paulo: Nacional, 1939; CALMON, Pedro. Historia social do
Brasil. São Paulo: Nacional, 1937; CALMON, Pedro. História da civilização brasileira. São Paulo: Comp.
Ed. Nacional, 1933; CALMON, Pedro. A princesa Isabel, a redentora. São Paulo: Comp. Ed. Nacional, 1941;
CALMON, Pedro. O rei filosofo, vida de D. Pedro II. São Paulo: Comp. Ed. Nacional, 1938; CALMON,
Pedro. Historia da casa da torre. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1939; CALMON, Pedro. Historia da Bahia.
São Paulo: Melhoramentos, 1928; CALMON, Pedro. Jose de Anchieta, o santo do brasil. São Paulo:
Melhoramentos, 1930.
40
PRADO JUNIOR,Caio. Evolução Política do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1933 e PRADO
JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Martins, 1942.
41
HOLANDA, Sérgio Buarque. Monções. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1945.
168
Mas a literatura brasileira e estrangeira também tem seu lugar nesse acervo. Apesar
de quantitativamente representar menos de 10% dos títulos, exemplares dos principais
cânones literários nacionais e estrangeiros podem ser encontrados, tais como José de
Alencar, Machado de Assis, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Manuel Antonio de Almeida,
Manuel Bandeira, Humberto de Campos, Casimiro de Abreu, Menotti del Picchia,
Monteiro Lobato, além de outros nomes consagrados.
Em relação aos autores estrangeiros, constam títulos de Goethe, Balzac, Cervantes,
Camões, Corneille, Racine, Molière, Erasmo, Dante, Flaubert, Dickens, Dostoievsky, além
de uma quantidade significativa de volumes de Alexandre Herculano, autor do qual possuía
26 títulos.
Quanto à presença dos autores estrangeiros, a biblioteca de Oliveira Vianna parece
estar de acordo com os princípios de qualidade intelectual da época, pois, segundo Tania
Bessone, eram as obras desses autores as que mais circulavam nos leilões de livros. Diz ela:
A língua estrangeira predominante nas obras
divulgadas nos avisos de leilões era o francês,
sobretudo na segunda metade do século XIX, com
nítida preferência para autores como Corneille,
Racine, Molière, Montesquieu, Rousseau,
Benjamin Constant, Victor Hugo, Dumas, Eugène
Sue. Ponson du Terrail e Chateaubriand eram
também muito indicados nas listagens. Dos
portugueses, os mais comuns eram Camilo
Castelo Branco, Herculano, Garret e Camões. A
partir da década de 70, tornaram-se mais
freqüentes obras em inglês e alemão:
Shakespeare, Schiller, Goethe, Proudhon, Walter
Scott, Dickens, Disraelli e as irmãs Bronte
estavam entre os mencionados mais amiúde.
42
A presença de livros de literatura estrangeira traduz ainda outra característica dessa
biblioteca: a diversidade de línguas. Nota-se a presença de cinco línguas mais freqüentes:
espanhol, inglês, alemão, francês e italiano, com destaque para as duas últimas. O estudo de
línguas estrangeiras por Oliveira Vianna pode ser registrado também pela grande
42
FERREIRA, Tania Bessone, "Biblioteca de médicos e advogados do Rio de Janeiro: dever e lazer em um
lugar" in: ABREU, Márcia (org). Leitura, História e História da Leitura. Campinas: Mercado das Letras,
2000. p 328.
169
quantidade de livros didáticos e de gramáticas de línguas estrangeiras agrupados em nossa
classificação, na rubrica outros.
Outra característica importante dessa biblioteca é a presença de livros religiosos. O
número de livros religiosos não traduz, na verdade, o seu valor no acervo de Oliveira
Vianna. Isso porque não era na biblioteca, mas em outro cômodo da casa, que Vianna
guardava esse tipo de livro. Em seu quarto de dormir, numa estante fixa à parede, junto à
sua cama de solteiro, ele colecionava o que ele chamava de seus "livros de cabeceira", uma
coleção de 78 títulos, dos quais 67 eram religiosos. Segundo Marcos Almir Madeira,
Essa era uma das características de Oliveira
Vianna, nas suas poucas horas vagas, geralmente
à noite, ele se dedicava a leitura espiritual".
43
Ao que parece, essa coleção - que começou a ser formada a partir da herança da
pequena biblioteca da fazenda - foi intensamente reforçada pela aquisição de exemplares,
sistematicamente realizada pelo próprio Vianna.
Pelos documentos presentes no arquivo e a partir da característica de isolamento
social de Vianna, pode-se verificar que a aquisição de livros era para ele uma atividade
realizada, principalmente, pela via escrita e, mais especificamente, pela troca de
correspondências.
Ele pouco freqüentava livrarias e, por isso, comprava livros por catálogos de
empresas nacionais e estrangeiras. A partir da exploração de correspondências presentes em
seu arquivo pessoal, pode-se identificar as principais editoras e livrarias nas quais ele
adquiria livros: Livraria Boffoni, Livraria Civilização Brasileira, Livraria Editora Freitas
Bastos, Livraria José Olympio, Livraria Suíssa Walter Roth, Livros de Portugal, W. M.
Jackson inc., Livraria Globo, Les Librairies Flammarion, Foreign International Book
Company, Fondo de Cultura Economica e Editora Anchieta.
Com relação aos periódicos, como demonstrado anteriormente, Vianna interessava-
se pela recepção de revistas e folhetos dos diversos centros de pesquisa, organizados no
país desde fins do século XIX
44
, bem como adquiria diversos periódicos de universidades e
centros de pesquisas localizados fora do Brasil.
43
Marcos Almir Madeira em depoimento ao caderno Encontro do Jornal O Fluminense.
170
3.1.2) Correspondência e trocas de livros
Vianna atualizava seu acervo também através da troca de livros com outros
intelectuais. O hábito do envio e recebimento de livros marcou o cotidiano de Vianna e,
através dele, pode-se vislumbrar uma prática epistolar específica.
Receber um livro, enviar um livro, agradecer um livro enviado e lido, agradecer um
livro enviado ainda não lido, receber agradecimentos por livros enviados lidos ou não por
seus interlocutores são práticas cotidianas conhecidas por todos os intelectuais. Seguindo o
caminho traçado por essas trocas de livros, pode-se percorrer a rede de sociabilidade de um
intelectual.
Oliveira Vianna guarda em seu arquivo diversas cartas de intelectuais que enviaram-
lhe livros de presente
45
, em troca ou não dos livros enviados por ele
46
.
Receber um livro de presente, expedido pelo próprio autor, marca o reconhecimento
do receptor como alguém capaz de realizar uma leitura legítima, de emitir uma opinião
importante, além de buscar também ser reconhecido pelo receptor como uma pessoa que
possui uma produção significativa.
Germano Correia, Walter Euler, Alfredo Ellis, Marcos Konder, Antero Manhães,
Lucio Mendieta y Nuñes, Walter Pompeu, Mário Sette, A. Varela, Aderbal Filho, Carlos
Campos, Djalma Forjaz, Adriano Mettello, José Salgado, Mathias Gomes dos Santos,
Claudio de Souza e Octávio Amadeo são aqueles que enviaram livros da própria autoria a
Oliveira Vianna. O intercâmbio de livros entre estes e Vianna demonstra que eles o
reconheciam como qualificado para emitir um comentário sobre os temas tratados,
buscavam trocar idéias e gerar uma opinião pública sobre o livro em questão e, talvez, até
mesmo produzir uma opinião publicada à medida que seus trabalhos seguintes poderiam vir
a citar o texto lido.
Há ainda, entre as pessoas que enviam livros de presentes, aquelas que mandam
livros de outros autores. Nesse caso, o presente tem uma função bastante diferente. O livro
visa apenas a agradar o receptor, demonstrar a importância da amizade de Vianna para
quem o envia. Assim, o livro normalmente diz respeito diretamente aos interesses pessoais
44
Sobre essa questão, ver cap. 1 desta tese.
45
Ver anexo 10.
46
Entre as pessoas que dirigiam livros a Oliveira Vianna estão tanto as que mandavam livros de sua autoria
quanto as que remetiam livros de outros autores de presente.
171
e profissionais de Oliveira Vianna. É assim que os livros enviados por Carneiro Felipe,
Ildefonso Albano, Ellis Torres, Souza Netto, Irineu Pinheiro, A. Roças, Ivan Nogueira
Itagiba, Francisco Salles Vicente de Azevedo, Joaquim Alves, José Carlos Macedo Soares,
Alfred Knopf, Ribeiro Couto e Elysio de Carvalho tratam de questões trabalhistas, de
assuntos relacionados à organização social e política brasileira e à política de teor agrícola.
172
3.2) Investigando a biblioteca: dos pés-de-páginas ao alto das estantes
A citação aparece (...) como um eco repercutido
pela vontade do escritor. Citar tem várias
significações. Na língua-mãe, o latim, citare quer
dizer “pôr em movimento”, mas em espanhol, a
mesma palavra tem o sentido de “dar entrevista”,
e em francês pode ter até o sentido muito forte de
“convocar”. (...) E para nós, leitores, a citação
tem valor de índice básico (...).
47
Embora importante para a análise da biblioteca, o exame dos títulos que compõem o
acervo, bem como do processo de sua constituição – convém se dizer - não são suficientes
para traçar a trajetória de leitura de seu titular. Isso porque a presença de um livro em uma
biblioteca não implica que ele tenha sido necessariamente lido, nem, ao contrário, sua
ausência, não significa que ele tenha sido ignorado
48
.
Acreditando-se poder considerar que a verdadeira fonte para se conhecer a trajetória
de leitura de um escritor é a sua obra, e que as citações feitas por um determinado autor
representam aquilo que a sua escrita reteve das leituras que realizou, a análise das citações
nas obras publicadas de Oliveira Vianna possibilitam a identificação, a partir da sua escrita
e, em confronto com o catálogo de sua biblioteca, de parte de seu percurso de leitor
49
.
Assim, a análise dessa trajetória deve necessariamente incluir o cruzamento de informações
e indícios presentes na sua escrita, como caminho complementar para analisar seu itinerário
de leitura. As citações intratextuais e as notas de rodapé, realizadas por esse autor, em seus
livros, formam o roteiro seguido, permitindo a identificação dos livros que Oliveira Vianna
considerava realmente importantes entre os volumes de sua coleção.
47
LE MOING, Monique. A solidão povoada. Uma biografia de Pedro Nava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1996, p. 104.
48
Num texto chamado “Biblioteca de escritores”, publicado na coleção História das Bibliotecas Francesas,
Arbaizar afirma que a análise de bibliotecas de escritores nos deixa algumas lições que podem ser sintetizadas
nos seguintes pontos básicos: ela é formada de situações tão particulares que torna-se impossível generalizá-
la; o inventário de uma biblioteca é sempre lacunar (...) a presença de um livro em uma biblioteca não implica
que ele foi lido, como a sua ausência não significa que ele foi ignorado; a biblioteca ocupa uma parte ínfima
no processo criativo. Ver: ARBAIZAR, Philippe. "La bibliothèque de l'écrivain" in: Histoire des
bibliothèques françaises. Paris: Promodis/Éditions du Cercle de la Librairie, 1992.
49
Em um texto intitulado “As duas cabeças de Oliveira Vianna”, José Murilo de Carvalho realizou uma
análise semelhante a que se propõe fazer neste trabalho. Investigando as citações de Vianna na obra
Populações Meridionais do Brasil, buscou compreender as influências “(...) teóricas, metodológicas e
políticas que puseram o livro na lista dos textos indispensáveis ao nosso conhecimento”. Ver: CARVALHO,
José Murilo de. “As duas cabeças de Oliveira Vianna”, p. 3. (mimeo)
173
Cotejando as obras colecionadas na biblioteca com as citadas nos livros publicados,
pôde-se processar a identificação de algumas das matrizes intelectuais e discursivas de
Oliveira Vianna de modo a compreender suas influências na formação, elaboração e
divulgação de suas idéias.
A análise das citações, a partir de sua classificação – em informação, conceitual,
erudição e crítica - permitiu o conhecimento de parte de seus autores de referência, suas
fontes de trabalho e as origens de sua “inspiração”.
Foram também observadas as citações epigráficas que mereceram uma atenção
especial, pois possibilitaram a identificação de autores considerados “exemplares” para
Oliveira Vianna e a compreensão de seu percurso de leitura, bem como os possíveis desvios
e mudanças nessa trajetória.
As epígrafes são, no dizer de Antoine Compagnon, “a citação por excelência”
50
,
pois, a epígrafe é um ícone, no sentido de que permite uma entrada privilegiada na
enunciação. É na epígrafe que o autor anuncia sua proposta de escrita. Nesse sentido, as
idéias contidas nas epígrafes não são do autor, mas poderiam ser
51
. A epígrafe, de certa
forma, representa o livro, infere-o, resume-o
52
.
Nos livros de Vianna, as epígrafes aparecem tanto no início do volume, isoladas, no
centro da página quanto no princípio de alguns capítulos. Alguns livros possuem uma
grande quantidade de epígrafes, como é o caso de Instituições Políticas Brasileiras que, nos
seus dois volumes, soma 26 capítulos e possui um total de 14 epígrafes, e Populações
Meridionais do Brasil que, em 16 capítulos, possui 14 epígrafes. Outros, como Direito do
Trabalho e Democracia Social ou Raça e assimilação, não possuem nenhuma epígrafe.
Há ainda aqueles livros que possuem apenas uma única epígrafe mas essa ocupa
justamente a página de abertura, cumprindo o papel de “posto avançado”
53
, nas palavras de
Compagnon. Esse é o caso de Evolução do Povo Brasileiro, que tem na primeira página
50
COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Belo Horizonte: UFMG, 1996, p. 79.
51
LE MOING, Monique. A solidão povoada. Uma biografia de Pedro Nava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1996, p. 107.
52
COMPAGNON, Antoine. op. cit. p. 80.
53
Idem.
174
uma frase de Lapouge
54
: “La science politique est la science de l´évolution sociale, et l´art
politique celui de diriger mieux l´évolution à venir”
55
.
Embora, Lapouge só seja citado outras quatro vezes ao longo das 349 páginas do
livro e, que, em duas dessas citações, Vianna se dedique a demonstrar os limites de suas
análises no que se refere à realidade brasileira, o fato desta frase do autor abrir o livro
associa a escrita de Vianna às suas idéias tornando-as representativas de suas premissas
básicas
56
, como “(...) um prelúdio, ou uma confissão de fé”
57
.
Lapouge seria ainda citado por Vianna em outros textos, o que levaria muitos
autores a associar as idéias dos dois intelectuais. Silvia Pantoja, numa referência a relação
entre ambos, afirma
(...) no intuito de identificar os supostos membros
das elites, chamo a atenção para o fato de que,
buscando “respaldo científico” às suas
elaborações nas teorias de Lapouge, Gobineau,
Amon e Woltman, então em voga na Europa,
Oliveira Vianna, pelo menos até meados da
década de 1930, apresenta uma preocupação
racista, relacionando as características dos tipos
sociais ao fator biológico. Esta postura, ao meu
ver, leva-nos a relacionar os conceitos de raça e
elite, e a perceber que, para Vianna, a verdadeira
elite era composta por indivíduos de “boa
hereditariedade”, mais precisamente, por
brancos, membros da “raça superior”: os
arianos.
58
Talvez a identificação da ascendência das teorias racistas do século XIX sobre a
obra de Vianna, embora verdadeira, seja um tanto reducionista. Analisando um pouco mais
54
Lapouge era um adepto da seleção social. Baseando-se no darwinismo social e na idéia de luta pela
sobrevivência das espécies, propôs a criação de uma nova ciência social que batizou de antropossociologia.
Professor em Montpellier, dedicou-se à zoologia e à antropologia e fez um trabalho prático de medição de
cerca de vinte mil crânios. Considerava que o homem livre não existia, pois todo indivíduo era determinado
pelas condições de sua raça.
55
LAPOUGE apud VIANNA, Francisco José de Oliveira. Evolução do povo brasileiro. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1938 (3
ª
ed.), p. 19.
56
A biblioteca de Vianna contém dois livros de Vacher de Lapouge: Les selections sociales: cours libre de
science politique. Paris, Thorin, 1896, e Race et milieu sociale. Paris, Marcel Rivière, 1909. Tanto pela
citação no livro quanto pelas data das edições presentes na biblioteca, pode-se afirmar que esses livros foram
lidos antes da publicação de Evolução do Povo Brasileiro.
57
COMPAGNON, Antoine. op. cit. p. 80
58
CASTRO, Silvia Regina Pantoja Serra de. Da privatização do público à publicização do privado: as
contribuições de Oliveira Vianna. Julho 1990 (mimeo).
175
atentamente as notas de rodapé e as citações intratextuais feitas por Vianna ao longo do
livro Evolução do Povo Brasileiro, são encontrados indícios de outras influências menos
referidas, algumas praticamente esquecidas.
Entre os diversos autores citados por Vianna, dois chamam imediatamente a
atenção. O primeiro deles é Gabriel Tarde, que Vianna define como “pensador
genialíssimo”
59
, ao analisar a crítica que ele faz aos evolucionistas. Tarde foi um dos
grandes nomes da sociologia jurídica francesa dos últimos anos do século XIX. Ele iniciou
seus estudos de direito em Toulouse, concluindo-os em Paris em 1866. A partir de 1880,
Tarde passou a publicar regularmente na Revue Philosophique e na revista Archives
d´Antropologie Criminelle. Em seus textos, Tarde desenvolveu a idéia de uma psicologia
social do pensamento dos indivíduos. Segundo ele, os fenômenos coletivos deveriam ser
tratados a partir das interações e das inter-relações das consciências individuais. De Tarde,
Vianna guardou os cinco livros já citados e reteve, sem dúvida, uma grande influência
teórica.
Outro autor bastante citado por Vianna no texto “O moderno conceito de evolução
social”, capítulo que serve de introdução ao livro Evolução do Povo brasileiro é Lucien
Febvre. Buscando compreender as forças que influenciam a evolução das sociedades e a
heterogeneização da estrutura social, Vianna destaca o papel do meio geográfico, baseando-
se em Vidal de la Blache e Lucien Febvre. À afirmação de Ratzel de que o solo “regula o
destino dos povos com uma cega brutalidade”, La Blache opunha a idéia do “possibilismo”
geográfico que, segundo Vianna, faz do “homem uma força inteligente, reagindo contra o
determinismo do meio físico e não um mero autômato, impelido cegamente por ele”
60
.
Mas, ao finalizar a análise, Vianna conclui,
(...) por mais que o homem faça para se libertar
das influências do ambiente cósmico, delas nunca
conseguirá libertar-se inteiramente. Di-lo Lucien
Febvre, embora partidário decidido do
“possibilismo” de La Blache. E com ele toda a
ciência social contemporânea.
61
59
VIANNA, Francisco José de Oliveira. Evolução do povo brasileiro. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1938 (3
ª
ed.), p. 31.
60
VIANNA, Francisco José de Oliveira. op. cit. p. 35-36.
61
Idem.
176
Há ainda, neste texto, mais três citações de Febvre, todas extraídas do livro La terre
et l´évolution humaine
62
, do qual Vianna possuía um exemplar em sua biblioteca. Era a
relação entre os grupos humanos e o seu meio natural a questão que, naquele momento,
definia a afinidade entre Vianna e Febvre. Como se sabe, no momento inaugural da revista
Annales, a escola geográfica possibilista de Vidal de la Blache, fundada na relação entre os
grupos humanos e seu meio natural e o movimento criado por Henri Berr, em torno da
Revue de Synthèse, associando a história à geografia, influenciaram Marc Bloch e Lucien
Febvre
63
. Vianna também cita o livro de Henri Berr - La synthese en histoire, essai critique
et teorique
64
-, no texto de Evolução do povo brasileiro.
Seguindo a via das citações de Vianna nesse livro, encontram-se indícios que podem
orientar na abordagem da biblioteca. Os dados empíricos utilizados por ele para compor a
sua análise são retirados de autores diversos – Germano Correia, Loretto Couto, Diogo de
Vasconcelos, Saint-Hilaire, Basílio da Gama, Pereira Lago, mas, principalmente, em
Antonil, autor que Vianna admirava profundamente. A admiração por Antonil é atestada
não somente pelo conjunto de citações encontrado no livro, mas também por uma carta
escrita por Vianna ao seu amigo José Geraldo Bezerra de Menezes, na qual afirma:
Do Antonil, muita coisa lucrei com a leitura que
fiz. Pus-me, por intermédio dele, a corrente de
umas certas particularidades, que me faltavam
sobre esse maravilhoso século III, o maior de
nossa história
65
.
Considerando que os livros Populações Meridionais do Brasil e Instituições
Políticas Brasileiras são, respectivamente, o primeiro e o último livro de Vianna e que são
os que possuem a maior quantidade de epígrafes, a comparação entre as citações de ambos
pode indicar as funções que essas frases e enxertos de textos assumiram em seus livros.
A primeira edição de Populações Meridionais do Brasil não possui uma epígrafe de
abertura do livro. No entanto, a edição da Paz e Terra, de 1973, inicia o livro com uma frase
62
FEBVRE, Lucien. La terre et l´évolution humaine. Paris: La Renaissance du Livre, 1922.
63
BURGUIÈRE, André. “Histoire d´une histoire: la naissance des Annales” . Annales ESC, 34
ª
année, n. 6,
novembre-décembre 1979, p. 1351.
64
Há um exemplar do livro - La synthese en histoire, essai critique et teorique. Paris: Felix Alcan, 1911. - na
biblioteca de Vianna.
65
Carta de Oliveira Vianna a José Geraldo Bezerra de Menezes, em 01.11.1920 apud MENEZES, Geraldo
Bezerra de. Intérpretes do Brasil. Niterói: Clube de Literatura Cromos, 1997, p. 180.
177
de José Ingenieros, médico argentino, a quem se devem numerosos trabalhos no campo da
psiquiatria e da filosofia e a referência como um dos maiores intelectuais argentinos de seu
tempo:
Por su método, por sus ideas, por su erudición,
me há parecido uma de las obras más notables en
su género que hasta ahora se há escrito en Sud
América. Mi ignorancia de los problemas étnicos,
sociológicos y políticos del Brasil me impide de
comprender el mérito de muchas cuestiones, en
detalle; pero, en conjunto, y juzgando los tomos
venideros por el presente, se trata de un
verdadero monumento que honra a la cultura de
todo el Continente.
66
Essa epígrafe, diferente do que comumente acontece, não tem a função de antecipar
para o leitor as idéias que serão desenvolvidas pelo autor do livro, mas sim de ratificar a
qualidade do livro, induzindo o leitor a uma análise positiva do texto. Mais do que epígrafe,
a frase de Ingenieros cumpre uma função de prefácio.
O primeiro volume de Instituições Políticas Brasileiras também não possui
epígrafe, mas o segundo volume tem, em sua primeira página, uma frase de Eça de
Queiroz, onde este literato afirma
Aos que sabem dar a verdade à sua pátria não a
adulam, não a iludem, não lhes dizem que é
grande, porque tomou Calicute; dizem-lhe que é
pequena porque não tem escolas. Gritam-lhe sem
cessar a verdade rude e brutal. Gritam-lhe: Tu é
pobre, trabalha! Tu és ignorante, estuda! Tu és
fraca, arma-te!
67
A idéia contida na frase de Eça - de que os verdadeiros patriotas são aqueles que são
capazes de demonstrar os problemas e os defeitos da Nação e mostrar-lhes o caminho -
parece ter sido seguida por Vianna ao longo de sua produção intelectual, como demonstrou
Castro Faria ao analisar o prefácio escrito por Vianna para seu próprio livro Problemas de
66
INGENIEROS, José apud VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações Meridionais do Brasil. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1973, p. 9. Na verdade, essa frase de Ingenieros é parte de uma carta escrita por ele a
Monteiro Lobato comentando a obra de Vianna. Ver a esse respeito: TORRES, Vasconcelos. op. cit. p. 70.
178
política objetiva. Neste prefácio, como chama a atenção Castro Faria, Vianna apresentava-
se às elites brasileiras como um guia capaz de levar o país a uma situação de progresso.
Com relação às epígrafes, é ainda interessante notar que nenhum dos autores citados
por Vianna, em Populações Meridionais do Brasil, foi também citado em Instituições
Políticas Brasileiras. O espaço de 29 anos que separa os dois livros talvez tenha sido
responsável por essa mudança nos seus autores “exemplares”. Contudo, se se analisa mais
atentamente os autores citados em epígrafe, vê-se em Instituições Políticas Brasileiras,
livro publicado em 1949, nomes que aparecem na obra de Vianna desde suas primeiras
publicações. Neste último livro publicado em vida, Vianna usa, como epígrafe, textos de
Descartes, Halbwachs, Fustel de Coulanges, Henri Berr, Eça de Queiroz e Joaquim
Nabuco, autores que haviam sustentado algumas das idéia de seus primeiros livros. Neste
livro publicado já no crepúsculo de sua vida, Vianna parece ratificar a idéia que desenvolve
no prefácio ao afirmar:
(...) estas instituições sociais, tão importantes,
não são, porém, estudadas com a largueza que
merecem. Tento agora estudá-las no Brasil, à luz
desses critérios, e reconfirmando idéias
anteriores, desenvolvidas desde 1920 – desde
Populações. E daí este livro.
68
O uso em epígrafe, de autores que aparecem em seus livros desde seu texto de
estréia, permite, reafirmar a idéia que o próprio Vianna buscou veicular de estabilidade e
homogeneidade da obra que preparava.
As citações de Instituições Políticas Brasileiras se comparadas com as de
Populações Meridionais do Brasil, encerram algumas permanências e outras tantas
diferenças.
67
Eça de Queiroz apud VIANNA, Francisco José de Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Belo
Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Niterói: Editora da Universidade
Federal Fluminense, 1987, p. 13.
68
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Prefácio”. Instituições Polítics Brasileiras. Belo horizonte: Itatiaia,
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense,
1987, p. 23.
179
Entre os autores que se mantêm-se citados em Instituições Políticas Brasileiras,
pode-se considerar os sociólogos da escola de Le Play- Rousiers, Descamps, Demolins e
Tourville - e ainda os autores de teorias raciais, como Lapouge e Amon, sobre os quais
Oliveira Vianna desenvolve críticas ao longo do texto, procurando livrar-se do estigma de
racismo:
É claro que estou longe do pan-racismo de
Lapouge, formulado nesse conceito incisivo de
suas Sélectiones sociales e que resume a essência
da sua doutrina e da sua escola: - “os fatos
sociais se explicam pela luta de elementos
antropológicos diferentes – e a história não é
senão um processo de evolução biológica”. Hoje,
a moderna escola francesa de etnologia está
deslocando o campo das investigações: - do
fenômeno da “raça” (tipo antropológico) está
passando para uma entidade coletiva – a “etnia”.
Ao utilizar o conceito de etnia, Vianna buscava livrar-se da principal acusação que
havia norteado a maior parte das críticas negativas à sua obra. No entanto, com o objetivo
de manter a idéia de que seus livros formavam uma obra homogênea e coerente, Vianna
via-se na necessidade de justificar as diferenças com o que ele chamou de teoria
panculturalista e reafirmar algumas de suas posições mais primárias, argumentando:
(...) não aceito o pan-culturalismo desta escola,
que quer tudo explicar em termos de “cultura”,
até os fenômenos fisiológicos, e se recusa a fazer
intervir, na formação e evolução das sociedades e
da civilização, os fatores biológicos, negando
qualquer influência ao indivíduo ou à raça e à
sua poderosa hereditariedade.
69
Entre as diferenças, talvez a mais importante seja a inclusão de autores da moderna
escola jurídica norte americana, Benjamin Nathan Cardoso, Aronson e Hellman. Destes, a
biblioteca de Vianna conta com exemplares apenas do último, um livro intitulado Benjamin
N. Cardozo, american judge, publicado em Nova Iorque, em 1940.
69
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Prefácio”. Instituições Polítics Brasileiras. Belo Horizonte: Itatiaia,
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense,
1987, p. 47.
180
Em Instituições Políticas aparece ainda a citação do livro de Ralph Linton, Cultura
y personalidad, publicado no México, em 1945, que estava presente no acervo de sua
biblioteca. Linton, etnólogo americano, professor da Universidade de Columbia,
desenvolveu uma teoria da relação entre cultura e personalidade a partir, especialmente do
conceito de personalidade de base. Visando a combater a escola culturalista de Franz Boas -
que no Brasil, significava o mesmo que criticar a obra de Gilberto Freyre, tantas vezes
reafirmada como moderna e brilhante em oposição a sua, racista e envelhecida – Vianna
chega a afirmar que “(...) Linton era um dos poucos intelectuais americanos do seu gosto
“(...) pela lucidez da sua exposição, pela concisão e elegância de seu método literários
pela ductilidade e pela equanimidade de seu julgamento”
70
.
Seguindo os indícios das citações dos livros de Vianna, percebe-se como, ao longo
da vida, ele foi elaborando, a partir de suas leituras, um “tecido cultural denso”
71
que lhe
serviu de base para a produção de sua obra escrita.
3.3) Da leitura à escrita
3.3.1) Registros de leitura que esboçam a escrita: os “papagaios” de Vianna
“Mon travail d’ecrivain consiste uniquement à
mettre en oeuvre (à la lettre) des notes, des
fragments écrits a propos de tout et à toute
époque de mon histoire. Pour moi traiter un sujet,
c’est amener des morceaux existante a se grouper
dans le sujet choisi bien plus tard ou imposé”.
(Paul Valéry, Cahiers)
A biblioteca de Oliveira Vianna traduz tanto o itinerário de leituras quanto traça o
seu percurso como autor.
No que diz respeito aos vestígios do processo de transformação do ato de ler em ato
de escrever, o arquivo guarda uma grande quantidade de notas, rascunhos, pequenos papéis
que registram os primeiros momentos da produção dos textos que viria a publicar. As
70
VIANNA, Francisco José de Oliveira. Instituições Polítics Brasileiras. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 1987, p. 50.
71
Expressão utilizada por Monique Le Moing para referir-se à obra de Pedro Nava. LE MOING, Monique.
op. cit. p. 103.
181
anotações são coletâneas de leituras, repertórios de citações que Vianna viria mais tarde
utilizar em seus trabalhos pois “(...) toda citação é primeiro uma leitura”
72
.
A estes inúmeros papéis, Vianna denominou “papagaios”. A palavra Papagaio no
dicionário Aurélio aparece com 22 significados diferentes, desde o animal até significados
menos usuais na língua portuguesa, entre os quais alguns relacionados diretamente ao
processo da escrita. Papagaio pode significar a papeleta que se junta aos livros entregues ao
encadernador, com instruções sobre a maneira de executar o trabalho, ou ainda um pedaço
de papel que se prende à extremidade de uma folha para continuar nela o escrito.
Talvez essa última tenha dado origem aos “papagaios” de Oliveira Vianna. Ele
chamava papagaios pequenos pedaços de papel de formas múltiplas e diversas onde ele
escrevia frases, textos e fragmentos que seriam, posteriormente, utilizados ou não em seus
textos e livros. Nestes papelotes, ele anotava idéias, suas ou não, muitas vezes trechos de
diálogos com amigos - até mesmo conversas telefônicas - algumas opiniões de “matutos da
Baixada”, guardadas com o mesmo cuidado que as anotações dos conceitos dos maiores
intelectuais europeus e americanos. Algumas vezes, pequenos bilhetes para ele mesmo,
como se vê no texto de um dos papagaios:
Ler o livro de Marcel Pernant – Biologie aet
marxisme – da minha biblioteca. Há um estudo
muito novo sobre os grandes problemas da
biologia humana.
Segundo Marcos Almir Madeira, esses papéis formam um dos principais
documentos arquivo de Oliveira Vianna,
(...) são os seus apontamentos e notas pessoais de
estudo, tudo do próprio punho, que ele colecionou
e catalogou em fichários junto com as notas
bibliográficas (...) Suas anotações, catalogadas
por assunto e que eram apelidadas de papagaios,
estão reunidas num fichário especial
73
.
72
COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Belo Horizonte: UFMG, 1996, p. 17.
73
Entrevista concedida por Marcos Almir Madeira na sede do PEN Clube do Brasil, no Rio de Janeiro, em 17
de maio de 2002.
182
Prática comum entre os letrados
74
, na biblioteca de Vianna a guarda de frases,
citações e anotações ganhou aspectos de requinte. Especialmente para conservar os
papagaios, Vianna mandou fabricar o que ele chamou de “fichário de idéias”, um armário
composto de seis gavetas divididas em seis partes retangulares. Em cada uma delas,
guardava anotações de um assunto diferente. Uma ordenação que, sem dúvida, expressa
algo de seus hábitos de leitura e de sua prática de escrita.
Os papagaios permitem perceber algo que os livros publicados omitem: o processo
de elaboração das idéias e de construção da escrita. São 6119 documentos divididos em 29
assuntos diferentes, como se pode ver no quadro abaixo:
CLASSIFICAÇÃO DOS PAPAGAIOS DE OLIVEIRA VIANNA
Assunto Gaveta Pacote Número de
documentos
Antonismo Local 4 3 66
Capitalismo 5 2 18
Centralização e Descentralização 3 5 148
Citações Máximas (epígrafes) 3 1 426
Problema social 1 1 121
Classes dirigentes e raças 2 1 24
Concepção pluralista 6 6 19
Concepção administrativa –
parlamento econômico
25 83
Direito ao emprego 1 3 621
Direito Social 2 3 402
Estado Moderno 6
6
1
2
516
626
Justiça do Trabalho – Poder
Judiciário
1
1
2
4
310
54
74
Desde o Renascimento diversos instrumentos com vistas a colher citações, sentenças e anedotas passaram a
ser utilizados pelos eruditos. Entre eles, destacavam-se as coleções de lugares-comuns que, “reunindo sob
uma forma mais ou menos sistemática uma massa de informações e citações tiradas das fontes mais diversas,
essas obras, inicialmente nascidas da seleção e da coleção de um autor particular, tornam-se, (...) resumos
de bibliotecas ou "bibliotecas portáteis", onde os letrados podem colher o necessário para enriquecer seus
escritos”. As coletâneas de lugares-comuns armazenavam de modo que se pudesse encontrá-los rapidamente
diferentes informações - colhidas através da leitura ou das transmissões orais nos diversos espaços de
sociabilidade intelectual – que pudessem ser utilizadas para diversas formas de produção posterior tais como
cartas, orações, cursos e publicações de todas as espécies. Talvez essa tenha sido a idéia propulsora da
organização dos papagaios de Vianna. Ver a esse respeito, BLAIR, Ann. “Bibliotecas portáteis: as coletâneas
de lugares-comuns na Renascença tardia”. In: BARATIN, Marc e JACOB, Christian. O poder das bibliotecas.
A memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: editora UFRJ, 2000, p. 74-75.
183
O após-guerra 5 4 4
O problema social 4 5 3
O sentido realista 2 6 388
Partidos políticos 4 2 52
Poder Executivo 3 6 52
Poder Legislativo 3 4 61
Política corporativa, organização
corporativa, conselhos de Estado
1 5 283
Política social 4 4 28
Pontos de revisão 1 2 75
Problema social 1
4
1
5
298
3
Pré-capitalismo (notas) 6 3 4
Psicologia do campeador 4 6 66
Raça clima e cultura 2
3
3
4
2
3
39
12
170
Revolução Hebdomadaire – 1906 5 6 16
Sindicatos 1 6 145
Estereótipos 2 2 291
Citações 5 1 461
Empresa e Instituição 1 4 273
Os papéis utilizados e a forma da escrita também são muito variáveis. Eles variavam
de tamanho e qualidade. Podiam ser pequenos retalhos de papel de embrulho, verso de
impressos diversos, folhas de papel de bloco, folhas de papel ofício inteiras ou divididas ao
meio, na horizontal e na vertical, pedaços de papel timbrado dos órgãos nos quais
trabalhou. A maior parte das anotações foi feita em papel sem pauta, de forma manuscrita,
utilizando caneta-tinteiro azul, lápis preto ou o seu famoso lápis de duas pontas, azul e
vermelha. Nenhuma das anotações possui data. Há ainda recortes de jornal e pequenas
folhas datilografadas.
Entre os papagaios, existem cerca de 75 documentos classificados como “pontos de
revisão” e que permitem inferir as releituras que Oliveira Vianna fazia de sua própria obra e
a forma como elaborava e reelaborava sua escrita.
Assim como não deixou testemunhos de suas leituras, Vianna também não produziu
nenhum registro de como desenvolvia seu processo de escrita. Os papagaios e os demais
184
documentos de seu arquivo sugerem algumas hipóteses que não podem ser consideradas
senão como possibilidades. Poder-se-ia supor que Vianna escrevia como descreve Pedro
Nava em um de seus livro:
Como escrevia e escrevo:
Penso bem a estrutura de um capítulo.
Escrevo o seu sumário, ou boneco ou esqueleto.
Procuro entre minhas notas cada uma que se
adeque a cada um desse boneco.
Numero entre estas notas a escolhida.
Escrevo esse número ao lado de cada item do
sumário.
Escrevo e componho consultando um por um.
Destruindo as fichas a medida que escrevia, conto
isso a Drummond. Ele manda que eu guarde
todas.
Do fato de guardá-las nasceu mais respeito pelo
meu escrito, pelo trabalho que ele me custa.
75
Vianna provavelmente usava suas fichas, senão numerando-as de acordo com os
itens do rascunho que preparava, certamente classificando-as em função dos assuntos que
pretendia tratar. Talvez seja por isso que em seu arquivo apareçam alguns papéis
classificados com dois tipos de assuntos diferentes, sugerindo uma constante
reclassificação.
Os papagaios fornecem algumas pistas para se compreender o percurso de escrita
de Vianna que pode ser completado por meio da investigação de suas correspondências e
até mesmo de suas constantes revisões de sua obra publicada.
Uma revista do arquivo de Vianna sugere uma forma curiosa utilizada por ele para
aperfeiçoar a sua escrita. É um exemplar da Revista do Brasil, no qual Vianna publicou um
texto intitulado Psicologia das Revoluções Meridionais
76
que, embora já impresso e
publicado, foi corrigido por ele.
A escrita de Vianna, assim como a de qualquer intelectual, obedecia a critérios,
ritmos e práticas. Ao mesmo tempo, forjava idéias e uma produção atualizada que, embora
75
NAVA, Pedro apud LE MOING, Monique. A solidão povoada. Uma biografia de Pedro Nava. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 129.
76
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Psicologia das revoluções meridionais”. Revista do Brasil, n. 23,
ano II, vol. VI, nov. 1917, p. 298-310.
185
original, era conformada em grande medida pelo espaço que ocupava no campo intelectual
e dos intercâmbios que estabelecia com seus interlocutores.
A análise das condições de edição da obra de Vianna – que será realizada no
próximo capítulo – é, necessariamente, uma via complementar para investigação de seu
processo de formação, auto-representação e reconhecimento como intelectual.
CAPÍTULO 4: A OBRA PUBLICADA DE OLIVEIRA VIANNA
Oliveira Vianna é, na opinião de Castro Faria, um autor consagrado na história do
pensamento social e político brasileiro
1
. Sua consagração deu-se principalmente pelo fato
de ele ter sido designado como tal por outros intelectuais a partir da análise dos livros que
publicou. O nome de Vianna é familiar aos letrados
2
e, mais particularmente, aos estudiosos
da área. Desde os seus primeiros textos publicados, Oliveira Vianna foi muito lido e a
importância de seus livros, no debate intelectual brasileiro, só é negada, na opinião de José
Murilo de Carvalho, “por alguns críticos raivosos”
3
.
Muito lido nos anos 20 e 30, a ponto de Capistrano de Abreu afirmar que “Oliveira
Vianna grassava”
4
, seus livros eram elogiados por importantes críticos da época e cada
novo texto publicado ou reedição de outros era recebida com atenção particular pela
imprensa. Apesar da boa receptividade, com o passar dos anos, os textos de Vianna
passaram a ser alvos, ainda nesta época, de duras restrições desencadeadas por críticos
como Astrojildo Pereira e Waldemar Falcão, entre outros. A presença de autores ligados ao
pensamento racista europeu entre suas fontes principais, aliada à adesão de Vianna ao
governo de Vargas, nos anos 30, e ao elogio ao golpe de 1937, criaram o ambiente para
fixar uma avaliação negativa da obra desse autor que acabou por aprofundar as críticas e
levá-la, a partir principalmente dos anos 50, a “cair em desgraça”
5
nos meios acadêmicos.
Às vezes duras e negativas, as críticas à obra de Vianna têm sido recorrentes, o que
antes de caracterizar uma negação da obra do autor, reflete o seu reconhecimento como um
antagonista legítimo cujas idéias devem ser consideradas nas disputas intelectuais
6
.
Assim, seja pelo reconhecimento do valor de seus escritos seja através de um juízo
negativo, Vianna é um nome lembrado toda vez que se trata de listar autores importantes
1
FARIA, Castro . “Populações Meridionais do Brasil – ponto de partida para uma leitura de Oliveira Vianna”
Boletim do Museu Nacional. N. 29, set. 1978 (mimeo).
2
FARIA, Castro. op. cit.
3
CARVALHO, José Murilo de. “As duas cabeças de Oliveira Vianna” (mimeo), p, 01.
4
CARVALHO, José Murilo de. “A utopia de Oliveira Vianna” . Pontos e Bordados. Escritos de história e
política. Belo Horizonte: UFMG, 1999, p. 202.
5
Expressão usada por Stella Bresciani para se referir às críticas negativas à obra de Vianna. Ver:
BRESCIANI, Maria Stella Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade. Oliveira Vianna
interpreta o Brasil. Campinas: Unicamp, 2002, p. 1.
6
Alfredo Wagner de Almeida faz observação semelhante a respeito da obra de Jorge Amado. ALMEIDA,
Alfredo Wagner. Jorge Amado: política e literatura. Rio de Janeiro: Campus, 1979, p . 24.
187
para a história do pensamento social e político brasileiro
7
. A recepção de suas obras
mereceu sempre algum tipo de avaliação, nunca tendo sofrido a indiferença de seus pares
8
.
Essa designação resultou da análise realizada, pelos críticos, do conjunto de seus
livros num movimento que associava os textos publicados à idéia totalização da obra do
autor:
Os críticos de Oliveira Vianna na realidade
identificam obra com livro, ou livros, e a partir da
leitura de um de seus livros pretendem falar da
sua obra, como se esta fosse uma totalidade, a
respeito da qual não hesitam em proferir
generalizações
9
.
Essa definição de obra, embora corrente, guarda dois problemas básicos, em
primeiro lugar, o fato de relacionar obra ao conjunto de trabalhos publicados. Se
considerarmos, como Bourdieu, que “publicar é tornar público” fazendo “(...) passar do
oficioso ao oficial”
10
, os livros publicados por um autor não correspondem ao total de sua
obra mas apenas àquela parte de seus escritos que ele considera merecedora de vir a
público. Os textos editados são aqueles sobre os quais um indivíduo reivindica sua autoria e
a partir dos quais se representa no mundo intelectual. Identificar a obra de um autor aos
trabalhos vindos a lume significa, portanto, limitar a concepção de obra, considerando
apenas a produção que rompe o espaço do privado, isto é, àquela que o autor
deliberadamente exibe.
Roger Chartier assinala que foi somente no início do século XVIII que a teoria do
direito natural e a estética da originalidade fundamentaram a propriedade literária. A partir
desse momento, justificou-se a posse dos frutos do trabalho intelectual e o autor passou a
7
Wanderley Guilherme dos Santos inclui todos os livros publicados por Oliveira Vianna em seu Roteiro
bibliográfico do pensamento político-social brasileiro (1870-1965). Belo Horizonte: UFMG, 2002 e Manuel
Palácios chega à conclusão em seu estudo que Oliveira Vianna é um autor incluído na lista daqueles que
“explicam o Brasil”. MELO, Manuel Palácios de Cunha e. Quem explica o Brasil. Juiz de Fora: Editora
UFJF, 1999.
8
Após analisar as criticas à obra de Oliveira Vianna efetuadas por Contreras Rodrigues, Nelson Werneck
Sodré, Luiz Washington Vita e João Camilo de Oliveira Torres, Castro Faria conclui dizendo não restar a
menor dúvida de que “Oliveira Vianna é um clássico e, como tal, um autor reconhecido (...)”. FARIA,
Castro. Oliveira Vianna: de Saquarema à alameda São Boaventura, 41 – Niterói. O autor, os livros, a obra..
Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 22.
9
FARIA, Castro. “ A obra – uma tentativa de reconstrução”. op. cit. P. 20.
10
BOURDIEU, Pierre e CHARTIER, Roger . “A leitura: uma prática cultural”. In: CHARTIER, Roger.
Práticas de leitura. São Paulo: Ed. Estação Liberdade,1996, p. 24.
188
ser reconhecido como o detentor de uma propriedade imprescritível sobre as suas obras
que, nessa concepção, era resultado de seu próprio gênio. Nesse momento passou-se a
relacionar a originalidade da obra ao gênio criativo do autor. A idéia de autor passou a
relacionar-se ao nome próprio que dava identidade e autoridade ao texto
11
. É justamente em
oposição a esse entendimento de autor como um demiurgo que Chartier se posiciona, ao
estabelecer que “o escritor cria, apesar de tudo na dependência”
12
, isto é, num campo de
possíveis
13
. É essa dependência que inscreve a invenção intelectual nas suas condições de
possibilidades e de inteligibilidade.
Um segundo aspecto a ser questionado diz respeito ao fato de se considerar a obra
de um determinado autor como um todo homogêneo e coerente através da qual se pode
conhecer o seu pensamento. Isso não significa ignorar o acesso possível ao pensamento de
um autor através de seus escritos, porém faz com que se considere o fato de que a
publicação de um texto não expressa exclusivamente as “idéias” e as estratégias de seu
autor, mas inscreve também o processo de transformação de idéias em livros executado
pelos profissionais da editoração. Os autores escrevem textos que se transformam em livros
numa sucessão de passos envolvendo diferentes produtores que interferem na significação
das palavras impressas até a sua recepção. Segundo Chartier, o ponto essencial é justamente
“(...)o processo pelo qual os diferentes atores envolvidos com a publicação dão sentido aos
11
Segundo Chartier, é Foucault que sugere que, numa determinada sociedade certos gêneros para circular e
serem recebidos, têm necessidade de uma identificação fundamental dada pelo nome de seu autor, enquanto
outros não. Na definição de Foucault, “nos domínios em que a atribuição de um autor é regra – literatura,
filosofia, ciência – vê-se bem que ela não desempenha o mesmo papel; na ordem do discurso científico, a
atribuição a um autor era, na idade Média, indispensável pois era um indicador de verdade. Uma proposição
era considerada como recebendo de seu autor seu valor científico. Desde o século XVII, essa função não
cessou de se enfraquecer no discurso científico: o autor só funciona para dar nome a um teorema, um efeito,
um exemplo, uma síndrome. Em contrapartida, na ordem do discurso literário, e a partir da mesma época, a
função do autor não cessou de se reforçar: todas as narrativas, todos os poemas, todos os dramas ou
comédias que se deixava circular na Idade Média no anonimato ao menos relativo, eis que, agora, se lhe
pergunta (e exige que respondam) de onde vêm, quem os escreveu; pede-se que o autor preste contas da
unidade de texto posta sob seu nome; pede-se-lhe que revele, ou ao menos sustente, o sentido oculto que os
atravessa; pede-se-lhe que os articule com sua vida pessoal e sua experiências vividas, com a história real
que os viu nascer. O autor é aquele que dá a inquietante linguagem da ficção suas unidades, seus nós de
coerência, sua inserção no real.”. Ver: FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996
e CHARTIER, Roger. Do leitor ao navegador. São Paulo: Unesp, 1999.
12
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros. Brasília: UNB, 1994, p. 9.
13
Nas palavras de Bourdieu, “(...) esse espaço de possíveis é o que faz com que os produtores de uma época
sejam ao mesmo tempo situados, datados e relativamente autônomos em relação às determinações diretas do
ambiente econômico e social”. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo:
Papirus, 1996, p. 53.
189
textos que transmitem, imprimem e lêem”
14
. Nos últimos anos, a história do livro e das
práticas de leitura também já demonstrou que os textos só existem vinculados aos seus
suportes materiais, por isso é essencial, para a compreensão de seus significados, que
consideremos a produção e a difusão dos objetos impressos.
Considerando-se, em primeiro lugar, não somente os textos publicados mas também
aqueles que lhes deram origem, e, posteriormente, caracterizando a noção de obra, não
somente pelas idéias veiculadas como também a sua forma e o suporte material em que elas
se inseriam, a análise dos livros de Vianna será desenvolvida, em primeiro lugar, através da
verificação das condições de edição dos textos.
A produção de Vianna será analisada, ainda, através das condições de escrita de
seus livros. Não propriamente o conteúdo dos livros, mas o diálogo que, através dos
prefácios, notas de apresentação e da correspondência, ele estabeleceu com os produtores e
intérpretes de seus escritos. Essa investigação visa a identificar os projetos editoriais nos
quais a sua obra se insere e a rede de relações em que Vianna está situado com vistas a
compreender alguns aspectos da legitimação de sua produção intelectual.
4.1) É de São Paulo que vem o livro de estréia: Populações Meridionais do Brasil
4.1.1) O grupo d’O Estado de São Paulo e o surgimento da Revista do Brasil
Num raro depoimento autobiográfico, o próprio Vianna relata o significado da sua
atuação como colaborador de grandes jornais. Isso, segundo ele, lhe abriu as portas ao
mundo editorial:
Das colunas d’O Paiz me chamaram os paulistas:
Pinheiro Junior
15
e Plinio Barreto
16
– para a
Revista do Brasil; e, depois Monteiro Lobato –
para a grande publicidade dos livros (pois devo a
Lobato a primeira edição das Populações
Meridionais). Foram estes os espíritos generosos
14
CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: Unesp, 2002, p. 61.
15
José Machado Pinheiro Junior era bacharel em Direito, diplomado pela faculdade do Largo de São
Francisco. Ele trabalhou como redator de O Estado de São Paulo ininterruptamente, de 1909 a 1944. Redigiu,
entre 1918-1939, as seções Coisas da Cidade (diária) e Revista das Revistas (semanal). Ver: MELO, Luis
Correia de. Dicionário dos Autores Paulistas. São Paulo: Comissão do Centenário da cidade de São Paulo,
1954, p 476 e LUCA, Tania de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N) Ação. São Paulo: USP, 1996
(tese de doutorado). p. 27.
16
Plínio Barreto foi revisor no jornal O Estado de São Paulo, em 1886, quando ainda era estudante de direito.
Posteriormente passou a redação tendo sido: repórter, redator, redator-chefe e diretor. Ver: MELO, Luis
Corrêa de. op.cit. p. 85-86 e LUCA, Tania de. op. cit. p. 27.
190
e desinteressados, os gênios bons e benfazejos que
assistiram aos meus começos literários.
17
O convite para escrever na Revista do Brasil partiu, na verdade, de Plínio Barreto
“(...) a quem coube recrutar o corpo de colaboradores do novo periódico (...)”
18
por meio
do contato com figuras expressivas da intelectualidade para informá-las a respeito da nova
publicação. Através de Nereu Rangel Pestana, seu colega na redação de O Estado de São
Paulo fez contato e recebeu resposta positiva para participação no periódico de Olavo
Bilac, Graça Aranha, Alcides Maya, Alfredo Valadão, João Kopke, Félix Pacheco, José
Veríssimo, Nestor Victor, Roquette Pinto, João Ribeiro, Assis Brasil, Oliveira Lima, Silvio
de Almeida, Basílio de Magalhães, Valdomiro Silveira e Medeiros e Albuquerque
19
.
A Revista do Brasil havia sido idealizada pelo chamado grupo de O Estado de São
Paulo, formado por Julio de Mesquita, Plinio Barreto, Pinheiro Junior e Alfredo Pujol.
Estimulados pela grande efervescência nacionalista, desenvolvida durante o período da
Primeira Grande Guerra, esses homens começaram a advogar a necessidade urgente de se
conhecer melhor o país para arrolar as suas necessidades mais prementes e organizar uma
ação de saneamento dos males nacionais. Condenando a política brasileira que, segundo
eles, era expressão de uma oligarquia que fraudava as eleições e limitava a expressão da
vontade popular e o estabelecimento da democracia, o grupo d´O Estado, como se auto-
denominavam, se propôs criar um periódico destinado a provocar o debate e a promover o
conhecimento da “realidade nacional”. A revista, que num primeiro projeto se chamaria
Cultura, foi publicada pela primeira vez em 25 de janeiro de 1916, data do aniversário de
fundação de São Paulo, e, mais de acordo com o clima nacionalista, recebeu o nome de
Revista do Brasil.
Ao receber o convite de Plínio Barreto, Oliveira Vianna prontamente respondeu
dizendo que, embora estivesse “(...) absolutamente proibido de escrever por dois ou três
meses (...)” por motivo de doença, prometia enviar-lhe alguns trabalhos sobre “(...)
17
TORRES, Vasconcelos. Oliveira Vianna: sua vida e sua posição nos estudos brasileiros de sociologia. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 38
18
LUCA, Tania Regina de. op.cit. p. 36.
19
LUCA, Tania Regina de. op cit. p. 36-37.
191
assuntos de história social que interessava principalmente a origem da gente paulista e a
sua ação no jogo da nossa história geral”
20
.
Vianna cumpriu prontamente a promessa que havia feito ao editor. Em carta datada
de maio de 1917, dois meses após a primeira, enviou para publicação o primeiro capítulo
do que viria mais tarde a ser o livro Populações Meridionais do Brasil
21
, texto publicado na
revista do mês de junho de 1917.
Aceitando o convite feito por Plínio Barreto para participar da revista, Oliveira
Vianna, que ainda não tinha publicado livros, viria a figurar entre importantes intelectuais
brasileiros
22
e participar de um projeto que tinha como objetivo principal, “construir um
núcleo de propaganda nacionalista (...) que erigia como problema primordial do país a
ausência de consciência nacional capaz de transformá-lo num todo organicamente
estruturado”
23
. De acordo com o manifesto-programa divulgado no texto de Júlio de
Mesquita
24
, publicado no primeiro número da revista, este periódico pretendia diminuir o
“profundo desconhecimento das coisas nacionais” em que estavam mergulhados os
brasileiros e incutir no povo “(...) a consciência do próprio valor, estabelecer uma
“corrente de idéias e pensamentos” (...) a fim de combater o seu “estado mórbido” e
equipará-lo “às raças adultas, emancipadas e sadias””
25
. A revista previa, nas palavras
de Tania de Luca, não só a elaboração de um diagnóstico da nação, mas também um projeto
de ação concebido por um grupo que “(...) se considerava capaz de colocar o país no rumo
certo”
26
.
A Revista do Brasil, concebida nestes termos, teve vida longa. Entretanto, sua
publicação não foi contínua e ininterrupta. Os seus estudiosos apontam para a existência de
cinco fases distintas em sua publicação
27
.
20
Carta de Oliveira Vianna a Plinio Barreto. Arquivo particular de Plínio Barreto. Friburgo, 31.03.1917 citada
por Péricles da Silva Pinheiro. Suplemento do centenário n. 30. O Estado de São Paulo. 26.07.1975, p. 02.
21
Carta de Oliveira Vianna a Plinio Barreto. Coleção particular de Plínio Barreto. Boca do Mato, 17.05.1917.
22
Ver: Péricles da Silva Pinheiro. Suplemento do centenário n. 30. O Estado de São Paulo. 26.07.1975.
citado por LUCA, Tania de. op cit. p 37.
23
LUCA, Tania de. op. cit. p. 42.
24
Esse texto não aparece assinado mas Tania de Luca afirma que Wilson Martins, no livro História da
Inteligência Brasileira (São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1978, vol. 6, p. 38), diz ser de autoria de Júlio de
Mesquita. Ver: LUCA, Tania de. op. cit. p. 41.
25
LUCA, Tania de. op. cit. p. 42.
26
LUCA, Tania de. op cit. p. 43.
27
Sobre as diversas fases da Revista ver, além do já citado estudo de Tania de Luca, IKEDA, Marilda A.
Balieiro. Revista do Brasil – 2ª fase. Contribuição para o estudo do modernismo brasileiro. São Paulo,
FFLCH-USP, 1975 (dissertação de mestrado); ORLOF, Marta Lívia. Revista do Brasil e a formação de uma
192
A primeira delas correspondente ao período compreendido entre 1916 e 1925.
Compõe-se de 113 números, cuja publicação foi interrompida pela falência de Monteiro
Lobato. A chancela então foi adquirida por Assis Chateaubriand.
A segunda, totalizando 9 números, refere-se ao período entre os anos 1926 e 1927.
Essa fase durou pouco mais de quatro meses, momento em que a publicação do periódico
foi dirigida por Plínio Barreto, Afrânio Peixoto, Alfredo Pujol e João Pandiá Calógera. A
direção editorial ficou a cargo do redator-chefe, Rodrigo de Mello Franco de Andrade e do
secretário ad hoc, Prudente de Moraes, que alinharam a revista aos periódicos modernistas
da época, como Terra Roxa e A Revista, e dedicaram à produção artística e à crítica literária
a maior parte do seu espaço editorial.
A terceira fase teve início quando, no ano de 1938, Assis Chateaubriand a relançou
colocando Otávio Tarquínio de Souza em sua direção. Essa fase durou até o ano de 1943 e
compôs-se de 56 números. Neste período vislumbra-se um esforço para se resgatar algumas
características do primeiro momento da revista.
O quarto segmento temporal refere-se ao ano de 1944, quando, sob a direção de
Frederico Chateaubriand e tendo Millor Fernandes como secretário, foram publicados três
números. Depois de passar por modificações gráficas, a revista tornou-se semelhante à
americana Seleções no seu formato e passou a ter um conteúdo mais leve e humorístico.
O último período diz respeito a um breve ressurgimento, com alguns números
esporádicos, publicados entre 1984 e 1990.
A participação de Oliveira Vianna na Revista do Brasil foi sistemática ao longo de
toda a primeira fase. Do ponto de vista quantitativo, podemos afirmar que essa foi uma das
mais marcantes colaborações da revista nesse tempo. Vianna ocupa, nesse momento, ao
lado de Roquette Pinto e Godofredo Rangel, a quinta colocação entre os autores mais
publicados no periódico, tendo participado com 10 artigos. Ele fica atrás apenas de
Monteiro Lobato, com 40 artigos publicados, Arthur Motta, com 25, Amadeu Amaral e
Mário de Andrade, com 13, e Júlio César da Silva e Medeiros e Albuquerque, com 12
28
.
consciência nacional (1922-1925). FFLCH-USP, 1980 (dissertação de mestrado); PAIVA, Denise. As
categorias da literatura brasileira na Revista do Brasil (1916-1919). FCL-Assis: Unesp, 1992 (dissertação de
mestrado) e SILVA, Mário Camarinha. “ A Revista do Brasil: de Monteiro Lobato a Chateaubriand” Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 349: 61-73, out.-dez. 1985.
28
Interessante observar que tanto o texto de Pedro Rodolfo Bodê de Moraes, Fidalgos do café e livros no
Brasil: Monteiro Lobato e a criação das editoras nacionais. Rio de Janeiro, PPGAS, 1995 (dissertação de
193
Durante esse primeiro período de publicação, a revista manteve uma certa
uniformidade, percebida em todos os seus 113 números.
O maior espaço da capa era destinado ao sumário, onde se podia ler o título dos
artigos e os nomes de seus autores. Tania de Luca considera que essa escolha decorria do
fato de que “(...) nada poderia expressar melhor os objetivos do periódico e revelar sua
natureza do que o sumário que estampava as grandes questões nacionais, debatidas pelos
maiores expoentes da inteligência nacional”
29
. O sumário na capa, além de revelar o
conteúdo, expressava a qualidade dos artigos.
Entretanto, se é verdade que a revista se
dedicava à discussão das “grandes questões
nacionais”, é também verídico que ela abria as suas
páginas a textos de caráter poético e literário. Além
disso, ao lado dos “maiores expoentes da inteligência
nacional”, que se apresentavam no sumário seguidos
de inscrições que os relacionavam à Academia
Brasileira de Letras ou ao Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, figuravam também autores
iniciantes e desconhecidos, orgulhando-se inclusive
os editores da revista de utilizarem suas páginas para
o lançamento de novos talentos. É importante frisar
que, além do próprio nome e da inscrição citada
relacionando os autores à importantes instituições do campo intelectual, não havia nenhum
outro tipo de apresentação dos colaboradores. Isso nos leva a supor que se a referência a
colaboradores conhecidos garantia a qualidade da publicação, por outro lado, a participação
no periódico contribuía para criar a notoriedade de alguns escritores menos conhecidos.
A permanência do sumário na capa da revista pode, assim, ser analisada também a
partir de outra consideração: a relação entre a identidade dos autores – se consagrados ou
não – e o período de publicação da revista. Se, no momento de lançamento do periódico, o
mestrado), quanto o de Cecília Lara. “Revista do Brasil: uma fase da cultura brasileira” . Suplemento do
Centenário, n. 36. O Estado de São Paulo. 03.04.1976 não se referem a Oliveira Vianna quando tratam dos
autores mais publicados na primeira fase da Revista do Brasil.
29
LUCA, Tania de. op. cit. p. 43.
194
destaque dado à qualidade dos autores era necessário para garantir a notoriedade da
publicação - pois a presença de nomes (re)conhecidos garantiria a venda e permitiria aos
editores o risco de publicar autores menos conhecidos do público leitor -, com o passar do
tempo, essa marca editorial colaborou para a criação de uma identidade da revista e para o
fortalecimento de sua legitimidade no campo intelectual. Desta forma, a presença dos
autores e dos títulos dos textos na capa da revista, embora contribuísse para a valorização
da qualidade do próprio periódico, trazia também benefícios aos próprios autores que
ganhavam maior importância intelectual pelo fato de estarem listados no sumário da capa
da Revista do Brasil
30
.
Dessa forma, nesse momento, escrever para a Revista do Brasil tornou-se o sonho
de muitos intelectuais visto que esse periódico havia se tornado uma das mais importantes
publicações da Primeira República
31
. Seu objetivo de fazer uma fotografia completa do
Brasil por meio da colaboração de vários intelectuais e escritores promoveu seu sucesso
editorial, fazendo com que ela contasse com a colaboração de autores de matizes diversos,
desde os grandes nomes da chamada “geração de 1870”, passando pelos intelectuais
católicos, pelos pensadores autoritários e pelos modernistas.
Ao longo de toda a sua primeira fase de publicação, a distribuição dos artigos na
Revista do Brasil seguiu o mesmo padrão: primeiro um conjunto de ensaios inéditos que
abordavam assuntos variados como história, geografia, sociologia, política, sanitarismo,
medicina, etc. Em seguida, alguns textos literários – contos, poesias, novelas ou romances,
publicados em capítulos
32
– e, após estes textos, apresentavam-se as seções fixas: a
Resenha do Mês, Variedades e Curiosidades, Notas de Ciências, Debates e Pesquisas e
Notas do Exterior, entre outras
33
.
30
A análise aqui apresentada das características editoriais da Revista do Brasil foi inspiradas pela leitura do
texto de Gérad Noiriel, “ “L´Univers Historique” : une collection d´histoire à travers son paratexte (1970-
1993)” Genèses 18, janvier 1995, pp. 110-131.
31
Na opinião de Tania de Luca, “o periódico foi, no seu gênero, a publicação de maior longevidade na
República Velha, tendo se convertido num fórum onde as questões nacionais eram debatidas sob os mais
variados pontos de vista.”. LUCA, Tania de. op. cit. p. 59
32
A Revista do Brasil publicou os romances Vida Ociosa, de Godofredo Rangel (entre os números 17-25),
País de Ouro e Esmeralda, de J. A. Nogueira (entre os números 36-57), e o Diário de Viagens, de Martim
Francisco (entre os números 32-42). LUCA, Tania de. op. cit. p. 44.
33
Vale considerar que ao longo do período em que a revista foi editada, algumas novas seções foram criadas,
outras suprimidas e outras ainda modificadas, mas a maior parte das seções citadas permaneceu estável ao
longo da primeira fase da revista.
195
A revista publicava ainda uma significativa quantidade de material iconográfico que
ilustrava artigos e ensaios ou que se constituía em seções específicas como as Caricaturas
do Mês, a de Gravuras Antigas e a Galeria dos Editados
34
.
O projeto editorial da revista era pensado em todos os seus detalhes. O papel de
carta com o qual os editores da revista dirigiam-se aos seus colaboradores era timbrado com
o seguinte texto inscrito no interior de um retângulo vermelho no canto superior direito da
página:
A Revista do Brasil, fundada em 1916, publica
mensalmente mais de cem páginas de literatura,
arte, ciência, história, assuntos econômicos e
sociais, estudo das coisas brasileiras, romances,
novelas, poesias, etc. A sua Resenha do Mês põe
os leitores ao corrente do movimento intelectual
do país e dos estrangeiro transcrevendo ainda os
melhores artigos publicados pelos jornais
brasileiros. Estampa numerosas ilustrações e as
melhores caricaturas do mês. O seu principal
programa é ser uma publicação nacional, de real
interesse para o público a quem oferece amelhor
leitura possível, agradável, útil e educativa.
Dentro de pouco tempo não haverá um só
brasileiro inteligente e patriota que deixe de
assiná-la. Entre os seus colaboradores destacam-
se Rui Barbosa, Olavo Bilac, Pedro Lessa,
Alberto de Oliveira, Mário de Alencar, Domício
da Gama, Oliveira Lima, João Ribeiro, Medeiros
e Albuquerque, Inglez de Souza, Magalhães de
Azeredo, Augusto de Lima, Afrânio Peixoto, todos
da Academia Brasileira, e muitos outros ilustres
escritores. Forma todos os anos três volumes de
cerca de 500 páginas cada um com numerosas
ilustrações. Assinatura anual 15$000, edição de
luxo 22$000. Número avulso 1$500
35
.
A citação, embora longa, é bastante ilustrativa da forma como os editores da Revista
do Brasil se auto-representavam no campo editorial: eram modernos, atualizados com o que
34
Para uma leitura mais aprofundada das seções da Revista do Brasil, ver: LUCA, Tania de. op. cit. pp. 44-
50.
35
Carta de Pinheiro Junior a Oliveira Vianna, de 03 de setembro de 1918. Arquivo pessoal de Oliveira
Vianna. Série correspondências. Pasta Pinheiro Junior.
196
de melhor se publicava no país e relacionavam-se de forma muito próxima com os
membros da principal instituição legitimadora da intelectualidade nacional.
Assim, ao aceitar, em 1917, o convite para participar do corpo de colaboradores da
Revista do Brasil, Oliveira Vianna passa a integrar o que poderia se considerar o principal
periódico cultural do país da época.
A colaboração de Vianna na Revista do Brasil foi bastante freqüente. Logo, em
1917, primeiro ano em que essa colaboração se deu, além do primeiro texto já referido, ele
escreveu um segundo intitulado Populações meridionais do Brasil (II), publicado no
número de agosto, e mais dois outros artigos, ambos intitulados Psicologia das revoluções
meridionais, editados nos números de novembro e dezembro. Essa intensa participação fez
com que Vianna se tornasse um dos autores mais publicados na revista ao longo de 1917,
juntamente com Monteiro Lobato e Medeiros e Albuquerque, atrás apenas de Godofredo
Rangel, que publicou, ao longo daquele ano, seu romance Vida ociosa, em capítulos
mensais.
A participação de Oliveira Vianna na Revista do Brasil aliás, não foi sistemática
somente em 1917. A partir de 1918, momento em que Monteiro Lobato se tornou
proprietário da revista, os laços que naquele momento já o uniam a Vianna estreitaram-se
ainda mais e a colaboração de Vianna na Revista do Brasil manteve-se freqüente.
Monteiro Lobato assumiu a Revista do Brasil quando o periódico passava por
dificuldades financeiras. O grande prestígio intelectual que a revista amealhara não
significava sucesso comercial. A revista acumulava prejuízos e, já há algum tempo, Lobato
desejava tomar a frente do periódico, acreditando poder transformá-lo num sucesso
editorial e comercial. Em carta a Godofredo Rangel, manifestava claramente esse desejo:
Lá pela Revista do Brasil tramam coisas e
esperam a deliberação da assembléia dos
acionistas. Querem que eu substitua o Plinio na
direção; mas minha idéia é substituir-me à
assembléia, comprando aquilo. Revista sem
comando único não vai.
36
Quando, em junho de 1918, Ricardo Severo, presidente da sociedade anônima
proprietária da revista, fez, na assembléia dos acionistas, um diagnóstico nada alentador da
36
Monteiro Lobato. A barca de Gleyre. São Paulo: Brasiliense, 1959, p. 365.
197
situação financeira da empresa, Monteiro Lobato acabou por adquiri-la. Assinalou Ricardo
Severo:
Houve um erro original na organização da
empresa, erro apenas sob o ponto de vista da
textura financeira. Parece-me que não
deveríamos ter-nos congregado em coletividade
anônima, de capital parcelado em pequenas cotas
de numerosos acionistas, e porque, das
dificuldades que sobrevieram para a
integralização do capital social, provieram as
primeiras e contínuas dificuldades desta empresa
de literatos. Deveria, quando muito, ter-se
constituído sob a forma de parceria ou grupo
mínimo de associados, que desde o começo
realizasse o capital base, (...) Como, porém, assim
não foi desde o princípio, avolumou-se
extraordinariamente o passivo, sem que o capital
social concorresse senão com uma reduzida
porcentagem e desta sorte estabeleceu-se o
desequilíbrio
37
.
Por cinco contos de réis
38
Monteiro Lobato adquiriu a revista tornando-se seu único
proprietário. Imediatamente após a compra, que ocorreu em junho de 1918, Lobato iniciou
o processo de reorganização da empresa com vistas a torná-la rentável: ampliou o espaço
dedicado à criação literária, com vistas a tornar a revista mais leve, solicitou a colaboração
dos leitores, desenvolveu a propaganda visando a aumentar o número de assinantes,
modernizou o sistema de distribuição enviando uma circular aos agentes de correio pedindo
o endereço de estabelecimentos comerciais de quaisquer tipo que pudessem vender as suas
revistas. Dessa forma, Lobato multiplicou os pontos de venda e ampliou o número de
37
Ricardo Severo. “Relato da situação financeira da sociedade anônima Revista do Brasil”. Revista do Brasil ,
n. 30, vol. VIII, junho de 1918, pp. 215-216.
38
Segundo informação dada por Carmem Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladmir Sachetta, no livro
Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia, a revista foi adquirida por este valor. Dizem eles: “(...) [Monteiro
Lobato] resolve concretizar a compra, efetivada em junho de 1918 através da escritura passada no 1º
Tabelionato da capital, de Filinto Lopes. Por cinco contos de réis Lobato adquiria o seu ativo – incluindo
móveis, o estoque de exemplares e o título, avaliados em torno de três contos-, além de um passivo que girava
por volta de dezessete contos”. Ver: AZEVEDO, Carmem Lucia de, CAMARGOS Marcia e SACHETTA,
Vladmir. Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia. São Paulo: Editora Senac, 1998, p. 120. Entretanto, Alice
Mitika Koshiyama, no livro Monteiro Lobato, intelectual, empresário, editor, afirma que o montante da venda
chegou a dez contos de réis: “Monteiro Lobato editor começou comprando, por dez contos, a propriedade da
Revista do Brasil. Ela apresentava um balanço deficitário, tendo no ano findo acusado um passivo de
dezesseis contos para um ativo de apenas três”. Ver: KOSHIYAMA, Mitika. Monteiro Lobato, intelectual,
empresário, editor. São Paulo: T. A. Queiroz, 1982, p. 68.
198
assinantes, o que acabou resultando em compensações financeiras. Em julho de 1919, o
balanço anual da Revista do Brasil já acusaria um ativo de 70 contos e nenhum passivo
39
.
Logo no primeiro número sob a propriedade de Lobato, em julho de 1918, Vianna
publicou um artigo intitulado “As pequenas comunidades mineiras”
40
. Mantinham-se,
assim bastante constantes os contatos entre Vianna e o grupo desse periódico. A produção
de Vianna, remunerada, era cada vez mais valorizada pois, segundo os editores, ela
representava a certeza de boas vendas. Em carta datada de 03 de setembro de 1918,
Pinheiro Júnior, naquele momento gerente do periódico, escrevia a Vianna:
Prezado Dr. Oliveira Vianna
Segue com esta [gratificação] o último número da
Revista do Brasil, acompanhado de um projeto em
que o distinto amigo há de encontrar por força
alguma tese que lhe agrade, afim de a
desenvolver na Revista. O seu último trabalho foi,
como os anteriores, muitíssimo apreciado. Já
recebemos mesmo pedidos de todos os números
da revista em que o amigo colaborou. Já vê, pois,
que não nos deve deixar por muito tempo sem a
sua colaboração.
Aqui fica sempre as suas ordens, o amigo e
admirador
Pinheiro Jr
41
A resposta de Vianna à carta de Pinheiro Júnior não se fez esperar. Nela, Vianna
elogiou o esboço do programa da revista e comprometeu-se com o envio de mais trabalhos,
o que levou Pinheiro Júnior a escrever, uma semana mais tarde:
(...) Muito agradecido também pelo que nos diz
sobre o prospecto da revista. O programa que tão
agradavelmente o impressionou, foi elaborado
por Monteiro Lobato.
(...) Sem mais, por enquanto, aqui fica a espera de
boas notícias suas, e de seus trabalhos prometidos
à revista,
o amigo e admirador
Pinheiro Junior
42
39
KOSHYIAMA, Alice Mitika. Monteiro Lobato: intelectual, empresário, editor. São Paulo: T. A. Queiroz,
1982, p. 75.
40
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “As pequenas comunidades mineiras”. Revista do Brasil, número
31, vol. VIII, de julho de 1918.
41
Carta de Pinheiro Junior a Oliveira Vianna, de 03 de setembro de 1918. Arquivo pessoal de Oliveira
Vianna. Série correspondências. Pasta Pinheiro Junior.
199
Possuir admiradores entre os editores da Revista do Brasil e dirigentes do jornal O
Estado de São Paulo era importante para Vianna num momento em que esse intelectual
utilizava a grande imprensa e os periódicos especializados para a divulgação de suas idéias.
Esse procedimento, comum aos intelectuais da época, pavimentava o caminho que o levaria
à publicação de seu primeiro livro e permite matizar a opinião de que Vianna, ao escrever
Populações Meridionais do Brasil era um ilustre desconhecido do mundo intelectual
43
.
Vianna se fazia conhecer criando vínculos de cumplicidade com editores, críticos e público,
o que levava sua produção a ser reconhecida e legitimada antes mesmo da sua estréia em
livro. Por meio desses periódicos, Vianna fazia-se conhecer e reconhecer, tornando sua
produção passível de apreciação também em outras instâncias de legitimação do campo
intelectual.
O mesmo Pinheiro Júnior, escrevendo em 1919 sobre colaboração para o jornal O
Estado de São Paulo, destaca o fato de Vianna já haver se tornado, nessa época, legítimo
colaborador de veículos de grande influência no espaço intelectual: O Paiz, A Revista do
Brasil e o jornal O Estado de São Paulo:
Meu caro Dr. Oliveira Vianna
Só hoje posso responder a sua prezada carta de 6
do corrente, acerca de sua colaboração para O
Estado. O seu bilhete postal que neste momento
nos chega as mãos, coincide com esta resposta e
com a publicação de seu magnífico artigo.
(...)
Como já hoje mesmo deve ter visto (se é que lê O
Estado todos os dias), o seu artigo não só foi
aceito, como foi publicado logo, enquanto outros
numerosíssimos esperam a sua vez, já compostos
na oficina. Isso dá bem a medida do apreço em
que o temos aqui no “Estado”, como é visto em
todas as rodas intelectuais. O nosso redator-
chefe, o sr. Nestor Pestana, já o conhece há
muito, da leitura e se refere ao meu amigo com
42
Carta de Pinheiro Junior a Oliveira Vianna, de 10 de setembro de 1918. Arquivo pessoal de Oliveira
Vianna. Série correspondências. Pasta Pinheiro Junior.
43
José Murilo de Carvalho comenta: “É preciso (...) explicar porque Populações Meridionais foi um livro tão
influente e ao mesmo tempo tão polêmico. Até sua publicação, o autor, Francisco José de Oliveira Vianna,
era um completo desconhecido do mundo intelectual brasileiro e fuminense”. CARVALHO, José Murilo de.
“As duas cabeças de Oliveira Vianna”, p. 2. (mimeo)
200
muitos louros, não só ao seu estilo como aos
assuntos que escolhe, e sobretudo à superioridade
de vistas com que os encara. (...) Foi muito
apreciado o seu trabalho sobre “os antigos
paulistas”, de sorte que o meu amigo já está
muito bem lançado. Aliás muita gente já o
conhece através do Paiz e da Revista do Brasil.
Com muita consideração, estima e grande
admiração , do seu amigo
Pinheiro Junior
44
Na carta guardada no arquivo pessoal, Oliveira Vianna assinalou o segundo
parágrafo citado que destaca o fato de seu texto ter passado na frente de outros na ordem de
publicação no jornal. Provavelmente Vianna via neste trecho da carta de Pinheiro Junior a
comprovação de que finalmente conseguia inserir-se no espaço da produção intelectual,
pois passava a ser considerado com distinção entre os demais aspirantes a colaboradores de
O Estado de São Paulo.
Por meio da carta de Pinheiro Júnior, pode-se entrever a ação de Vianna que,
utilizando-se da relação previamente estabelecida com o grupo da Revista do Brasil, faz
uma proposta de colaboração mais sistemática para o jornal O Estado de São Paulo. Nessa
proposta, Pinheiro Júnior viria desempenhar o papel de mediador entre Vianna e o
periódico, tecendo redes de relações que pudessem levá-lo a alcançar o posto de
colaborador regular e remunerado:
O Nestor Pestana recebe com muita satisfação a
sua proposta de colaboração nos termos que
propõe. É um desejo que os artigos do meu
distinto amigo venham a ser os mais freqüentes
possíveis – mas como estão compostos numerosos
artigos a espera somente de espaço para saírem –
o Nestor aguarda para chegar a uma combinação
definitiva consigo, que saiam uns tantos artigos
antiquíssimos. Pode, pois, ir mandando os seus
magníficos, certo de que, se houver alguma
demora na publicação, isso é porque a oficina
tem numerosos a espera de espaço. (...)
Quanto à remuneração, está claro que a sua
colaboração não pode ser de outra forma. Mas
44
Carta de Pinheiro Junior a Oliveira Vianna, de 16 de outubro de 1919. Arquivo pessoal de Oliveira Vianna.
Série correspondências. Pasta Pinheiro Junior.
201
sobre isso eu me entendo definitivamente com a
direção do Estado o que farei por esses dias (...)
45
Assim, através do estreitamento dos laços com o grupo do jornal O Estado de São
Paulo, bem como por meio da manutenção do vínculo de colaborador com a Revista do
Brasil, Vianna trabalhava para legitimar sua produção diante do grupo de letrados. As
relações estabelecidas por ele construíam o caminho que o levaria à publicação de seu livro
de estréia, Populações Meridionais do Brasil. Os amigos paulistas, ao estabelecerem um
juízo positivo sobre seus textos, tornaram talvez mais seguramente possível a sua entrada
no mercado editorial, passando, de certa forma, da função de críticos de sua obra ao papel
de seus editores.
A editora que viria a publicar os primeiros livros de Vianna foi criada por Monteiro
Lobato, tendo surgido como uma atividade subsidiária da Revista do Brasil. Em 1918, o
sucesso do periódico e dos negócios em geral levou Lobato a sonhar mais alto e a escrever
a Godofredo Rangel: “Tenho esperanças de que desta brincadeira de Revista do Brasil me
saia uma boa casa editora”
46
.
Assim surgiu a “Edições da Revista do Brasil” que começou a funcionar nesse
mesmo ano com a publicação de Urupês, livro do próprio Lobato impresso na seção de
obras do jornal O Estado de São Paulo e que viria a ter, ainda nesse mesmo ano, uma
segunda edição.
Vianna viria a ser um dos novos autores que a editora de Lobato lançaria no
mercado. A estréia de Vianna no mercado editorial com a publicação de Populações
Meridionais do Brasil tornaria a presença desse autor ainda mais freqüente nas páginas da
Revista do Brasil. Ao longo dos anos seguintes, Vianna publicaria “Origens pastoris da
democracia rio-grandense”, no número 75, de março de 1922; “O idealismo na evolução
política do Império e da República”, no número 81, de setembro 1922; “Carta a Hilário
Freire”, número 95, de novembro 1923; e “Oscilações da taxa de fecundidade durante o
ciclo bandeirante”, no número 111, de março de 1925.
45
Carta de Pinheiro Júnior a Oliveira Vianna, de 16 de outubro de 1919. Arquivo pessoal de Oliveira Vianna.
Série correspondências. Pasta Pinheiro Júnior.
46
Monteiro Lobato. A barca de Gleyre. São Paulo: Brasiliense, 1959, vol. II, p. 186.
202
A presença de Vianna na Revista do Brasil pode também ser avaliada através de
textos de autoria de outras pessoas que tratavam diretamente de seus livros
47
. Durante os
anos 20, quando os livros de Vianna passaram a ser editados pela Edições da Revista do
Brasil, a presença de seu nome no periódico tornou-se constante através dos diversos
artigos e resenhas que avaliavam a sua produção, ocupando um espaço considerável na
revista antes mesmo de adquirir maior visibilidade no meio intelectual. A revista destacava
com freqüência as obras de Vianna nas propagandas da editora, resenhava-as na seção
Bibliografia e transcrevia os comentários que elas suscitavam na imprensa brasileira.
Nesse sentido, em abril de 1921, Bruno Ferraz publicou uma Resenha de
Populações meridionais do Brasil , no número 61, em junho de 1922; a seção Bibliografia
publicou uma Resenha de Pequenos estudos de psicologia social de Oliveira Vianna e, em
setembro de 1923, Agripino Grieco escreveu um artigo também sobre Populações
meridionais.
A partir de 1920, a editora, que havia surgido como uma atividade secundária, vai
cada vez mais absorvendo o trabalho de Lobato levando-o a escrever a Godofredo Rangel ,
em 1924: “entreguei a revista ao Paulo Prado e ao Sérgio Milliet e não mexo mais
naquilo”
48
. Entretanto, a Revista do Brasil ficaria sob sua propriedade até maio de 1925 e, a
julgar pela carta escrita a Oliveira Vianna, em 1932, permaneceria por longo tempo
incluída em seus projetos intelectuais. Escreve Lobato:
Meu caro Vianna
Entre as muitas maluquices que estou fazendo,
(...) mais uma está prestes: a ressurreição da
Revista do Brasil. Deu-me saudades da coitada,
além de que não posso passar sem um órgão de
expressão de idéias onde eu mande e desmande.
E ressucitando-a quero que o primeiro número da
nova fase traga algo de sensacional do nosso
grande sociólogo – o homem que se fosse ouvido
nesse momento de reconstrução daria os moldes
exatos da forma de equilíbrio de que
necessitamos. Lança a tua idéia de como deve ser,
para que não degenere em asneira sociológica, as
novas bases constitucionais do país, nesse artigo
que te peço para a Revista. Ou o que quiseres. A
remuneração será pífia como os tempos – 100$.
47
LUCA, Tania de. op. cit. p. 203.
48
LUCA, Tania de. op. cit. p. 73.
203
Adeus. (...)
Adeus
Do Lobato
Mas a Revista do Brasil só voltaria a ser publicada em 1938, sob o controle de Assis
Chateaubriand que entregou a direção do periódico ao historiador Otávio Tarquínio de
Souza. Lobato escreveria mais uma vez a Vianna, dizendo que tentaria publicar a revista
com o nome de Revista Brasileira, numa tentativa de reeditar o nome do periódico
organizado, no final do século XIX, pelo grupo que havia criado a Academia Brasileira de
Letras. Tentativas frustradas. A revista não mais pertenceria a Lobato. Mas, sua atividade
de editor ganharia um grande impulso com a criação da Companhia Editora Nacional.
4.1.2) Monteiro Lobato editor
Através das Edições da Revista do Brasil, Monteiro Lobato tornou-se o primeiro
editor de Oliveira Vianna. Vários são os autores que apontam Lobato como fundador da
indústria editorial brasileira, dizendo que o “aparecimento literário de Monteiro Lobato em
1918, com a publicação do livro Urupês, deve valer como início de uma nova era cultural,
social e econômica do Brasil”.
49
Destarte, um certo ufanismo paulista de parte da historiografia que encontrou em
Monteiro Lobato - como denuncia Anibal Bragança
50
- um “ponto zero” da nossa indústria
editorial, a atuação desse escritor na produção editorial brasileira é realmente significativa.
Além de marcante, ela se caracterizou também por lançar freqüentemente novos autores.
A casa editorial de Lobato começou a funcionar, em 1918, com o lançamento de
Urupês, livro de sua autoria. O sucesso desta primeira experiência editorial alimentou em
Lobato o sonho de publicar novos textos e, ao contrário do que era comum entre os editores
da época, de autores estreantes.
Lobato era um editor diferente pois, além de promover uma verdadeira revolução
editorial investindo com maior rigor na melhora do padrão gráfico dos livros, ele criou uma
49
TRAVASSOS, Nelson Travassos. Minhas memórias de monteiros lobatos. São Paulo: Edart, 1964. p. 13.
50
BRAGANÇA, Aníbal . “A política editorial de Francisco Alves e a profissionalização do escritor no
Brasil”. in: ABREU, Márcia (org.) Leitura, História e História de Leitura.. Campinas: Mercado das Letras,
2000. p. 455.
204
cadeia de vendedores espalhados pelo país e distribuía, a título de divulgação, exemplares
dos livros editados por ele para a pequena imprensa das cidades do interior.
Monteiro Lobato investia na função de editor, cabendo-lhe realizar todas as etapas
para a publicação e comercialização dos livros. A habilidade de Lobato no cumprimento
destas tarefas logo transformou sua editora numa empresa promissora, o que lhe permitia
correr o risco de lançar autores que ainda não haviam publicado livros. Oliveira Vianna foi
um deles.
Apesar de Lobato ter sido o primeiro editor de Vianna, a relação entre eles é ainda
hoje pouco esclarecida
51
. Para tentar compreender a forma como essa relação se deu,
consultamos as cartas escritas por Lobato a Vianna, ao longo dos anos 20 e 30.
Escritas por Monteiro Lobato a Oliveira Vianna ao longo de 17 anos de amizade
epistolar, essas cartas podem surpreender àqueles que se acostumaram a ver Lobato como
um “editor revolucionário”
52
, como ele mesmo se definia, e Vianna como um pensador
autoritário, conservador e retrógado.
Lobato foi, de fato, visto por alguns como um visionário, uma pessoa à frente de seu
tempo, responsável por uma das maiores transformações ocorridas no mercado editorial
brasileiro no início do século XX. Ele chegou a ser descrito nas palavras de Anísio
Teixeira, como um homem que “(...) pertencia a essa rara família de profetas e poetas
que condensam, de súbito, para um momento e um povo, a sua própria essência
espiritual”
53
. Vianna, ao contrário, foi até considerado um “retardatário, incapaz de
acompanhar o que se fazia em outros países”
54
e no Brasil.
Na memória construída sobre esses intelectuais, suas trajetórias parecem espelhar
vivências não somente diferentes, mas opostas.
Oliveira Vianna e Monteiro Lobato, apesar de jamais terem se encontrado e de
terem vivido trajetórias distintas - a ponto de o primeiro ocupar um lugar de destaque no
51
Segundo Vasconcelos Torres, quem apresentou Oliveira Vianna a Monteiro Lobato foi Ataíde Parreiras.
Mas em nossa pesquisa, não encontramos nenhuma referência que comprovasse essa proposição. Ver:
TORRES, João Batista de Vasconcelos. Oliveira Vianna: sua vida e sua proposição nos estudos brasileiros
de sociologia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 59.
52
LOBATO, Monteiro. Prefácios e entrevistas. São Paulo: Brasiliense, 1959, vol. 1, p. 252.
53
TEIXEIRA, Anísio. A Tarde, 06 de julho de 1948, apud CAVALHEIRO, Edgar. Monteiro Lobato. Vida e
obra. São Paulo: Nacional, 1956, (2 tomos), p. 353.
54
LEITE, Dante Moreira. O caráter Nacional Brasileiro. São Paulo: Pioneira, 1976 (3ª ed.), p. 220.
205
governo Vargas enquanto o outro esteve preso
55
– mantiveram um relacionamento, durante
vários anos e que pode ser testemunhado por uma coleção de 35 cartas presentes no arquivo
privado pessoal de Vianna.
Para Lobato, para quem “carta é conversa de um amigo, é duo – e é nos duos que
estão o mínimo da mentira humana”
56
, este é o lugar onde os amigos se mostravam
desnudos, sem fantasias.
A prática epistolar vem ganhando, sob a visão dos historiadores, um lugar
privilegiado no campo da história cultural. Através delas, pode-se investigar dados muitas
vezes impossíveis de se obter por outras fontes
57
.
55
Monteiro Lobato foi preso por três meses, em 1941. Neste mesmo período, Oliveira Vianna ocupava o
cargo de ministro do Tribunal de Contas da União.
56
Citado por VIANNA, Aurélio e FRAIZ, Priscila (orgs). Conversa entre amigos: correspondência escolhida
entre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, Rio de Janeiro:
Fundação Getulio Vargas/CPDOC, 1986.
57
O estudo das correspondências vem adquirindo uma grande relevância nos últimos anos. Na França, na
Espanha e no Brasil, pode-se verificar o surgimento de um número significativo de estudos que têm nas cartas
o objeto privilegiado de investigação. A título de exemplo, pode-se citar, em primeiro lugar, o livro
organizado por Roger Chartier. La correspondance. Les usages de la lettre au XIXe siècle. Paris: Fayard,
1991. Ainda no que se refere à bibliografia francesa, numa rápida análise, deve-se considerar os seguintes
textos: Loïc Chotard. “Correspondance: une histoire illisible”. Romantisme. Paris, n. 90, 1995; Cécile
Dauphin. “Por une histoire de la correspondance familiale” Romantisme. Paris, n. 90, 1995; Cécile Dauphin,
Lebrun-Pézerat e D. Poublan. Ces bonnes lettres: une correspondance familiale au XIXe siècle. Paris: Albin
Michel, 1995; Christine Métayer. Au tombeau des secrets: les écrivains publics du Paris populaire Cimitière
des Saint-Innocents XVIe-XVIIIe siècle. Paris: Albin Michel, 2000. Na Espanha, pode-se destacar os trabalhos
escritos ou organizados por Antonio Castillo Gomez, entre os quais se inclui: Antonio Castillo Gomez,
“Hablen cartas e callen barbas: escritura y sociedad en siglo de oro”. Historiar: Revista Cuadrimestral de
Historia. Alcalá de Henares, n. 4, 2000; Juan Luis Calbarro. “Un epistolario de guerra en el archivo de la
escritura popular Bajo Duero: la correspondencia del teniente Augustín Morales com la familia del soldado
José Montalvo (1937-1943)” e Eduardo Ruiz Bautista. “Cartas del cárcel. Escritura y represión en un tiempo
de guerra” em Antonio Castillo Gomez (org.) Cultura escrita y clases subalternas: una mirada española.
Sendoa, marzo 2001; Veronica Sirre Blas. “Escribir y servir; las cartas de una criada durante el franquismo”
in: Signo. Revista de Historia de la cultura escrita. Alcalá de Henares, Universidad de Alcalá, 10, 2002, pp.
121-140. Com relação à produção brasileira, pode-se considerar os trabalhos de: Luciana Heymann.
“Indivíduo, memória e resíduo histórico: uma reflexão sobre arquivos pessoais e o caso Filinto Muller”
Estudos Históricos, 10 (19), 1997; Surama Conde Sá Pinto. A correspondência de Nilo Peçanha e a dinâmica
da política na Primeira República. Rio de Janeiro, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1999;
Angela de Castro Gomes. “O ministro e sua correspondência: projeto político e sociabilidade intelectual”
.Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: editora FGV, 2000; Walnice Nogueira Galvão e
Nádia Battella Gotlib (orgs) Prezado senhor, prezada senhora. São Paulo: Companhia das Letras, 2000;
Maria Rosa Camargo. “Cartas adolescentes, uma leitura e modos de ser...” em Ana Chrystina Mignot, Maria
Helena Camara Bastos e Maria Teresa Santos Cunha. Refúgios do eu; educação, história e escrita
autobiográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000; Diana Gonçalves Vidal. “Da sonhadora para o arquiteto:
Cecília Meireles escreve a Fernando de Azevedo (1931-1938)” em Margarida de Souza Neves, Yolanda Lima
Lôbo e Ana Chrystina Mignot (orgs.) Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-
Rio/Loyola, 2001; Giselle Martins Venancio. “Presentes de papel: cultura escrita e sociabilidade na
correspondência de Oliveira Vianna” Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 28, 2001 eMaria Helena Camara
Bastos, Maria Teresa Santos Cunha e Ana Chrystina Venancio Mignot (orgs.) Destinos das letras. História,
educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002.
206
Embora nem sempre tratem de “intimidades”, as correspondências funcionam como
uma via privilegiada para investigar relações pessoais. Ao contrário de outras fontes, tais
como os diários e as memórias, que também oferecem à leitura textos de foro privado, as
cartas deixam entrever marcas de relações mútuas.
O conjunto de cartas trocadas entre Lobato e Vianna é um reflexo fiel da trajetória
de Lobato ao longo dos anos 20 e 30.
Um dos temas freqüentemente tratados na correspondência para Vianna refere-se às
impressões de Monteiro Lobato ao chegar aos Estados Unidos
58
. De Nova Iorque, Lobato
escreve a Vianna, em novembro de 1927
59
:
Sabe por que não escrevo? Porque há assunto
demais. Pego a máquina e desanimo. O
reservatório é o açude de Quixadá, mas o
buraquinho de saída tem meia polegada de
diâmetro. Como escrever, meu caro amigo?
Afogado dessa maneira num excesso de temas,
assuntos e impressões? (...). Tudo grande demais,
tudo fora de medida a que nosso pobre cérebro
sul americano está afeito. A altura das casas, os
algarismos, as pernas das mulheres, tudo tonteia
(...)
O assunto tem continuidade, em carta de 28 de abril de 1928:
As medidas que o mundo conhece já não servem
para medir um país que está deixando de ser país
para ser todo um mundo novo dentro de um
velho(...)
E completa, em dezembro de 1928,
Meus estudos – e têm sido árduos, levaram-me a
esta fórmula: Não é mais país. País é França,
Alemanha, etc. States não é mais país.
Extrapaizou-se. Virou mundo dentro do mundo e
58
Monteiro Lobato viajou para os Estados Unidos no dia 25 de maio de 1927, a bordo do navio American
Legion, para ocupar interinamente o cargo de adido cultural junto ao consulado brasileiro de Nova Iorque.
Permaneceu nos Estados Unidos até 1930, quando, após a vitoriosa revolução, Vargas demitiu os funcionários
interinos e extranumerários de representações diplomáticas e consulares no estrangeiro. Ver: AZEVEDO,
Carmem Lucia de et alii. op. cit, p. 232.
59
No capítulo intitulado “De frente para o futuro”, Carmem Lucia Azevedo, Marcia Camargos e Vladmir
Sachetta referem-se ao conjunto de cartas que Monteiro Lobato escreveu dos Estados Unidos para os amigos.
As cartas, segundo eles, “ricas em impressões do cotidiano”, refletem a empolgação de Lobato com a
modernidade do país. Ver: Carmem Lucia Azevedo et alii. op cit., p. 237-252.
207
central station que fatalmente terá que manobrar
todos os outros países
.
O deslumbramento era tal que, na carta de abril de 1928, Lobato chegou a afirmar:
O que vim buscar nesse país, sabes o que foi? Um
desânimo infinito – a certeza do que eu
suspeitava, que a raça é tudo e que não temos
raça... Gobineau, Gobineau...
60
.
Outro dos temas que se repetem assiduamente na correspondência é a questão do
ferro e do petróleo. Em meio aos diversos símbolos da modernidade capitalista que
Monteiro Lobato descobriu nos Estados Unidos, ele começou a elaborar a idéia de que só
seria possível transformar o Brasil numa nação produtiva, eficiente e rica, caso houvesse
maior investimento na produção de ferro e na exploração de petróleo. A luta pela defesa
desta causa no Brasil ocupou grande parte da vida de Lobato e consumiu muito de sua
energia, como ele conta a Vianna :
(...) minhas estadas no Rio, embora freqüentes
tem sido horrendamente ocupadas pelo big fight
pró ferro. Custa ferrar um país como o nosso,
mais que ferrar burro chucro. Foge com os
cascos, escoicea, dá corcovos. (...) E agora temos
o petróleo que vai ser lançado. O novo aparelho
que assinala a existência do petróleo e pois
permite que se perfure no lugar certo. Quanta
coisa! Só por boca, meu caro, senão a carta vira
livro. (...) O que me resta a viver não é muito - e a
tarefa a realizar é ainda maior que um bond. Não
tenho tempo para mais nada que me agrada. Todo
ele vai para o que é forçoso fazer.
A empolgação com a questão é tão grande que fez com que, num determinado
momento, Lobato chegasse a estabelecer um cronograma de atividades para a sua empresa:
A minha Petroleos
61
está incorporada, com todo o
capital subscrito. Em fins de fevereiro os
operadores do maravilhoso aparelho estarão
entre nós. Em março já teremos indicações
60
Sobre o tema da raça em Monteiro Lobato, ver: MORAES, Pedro Bodê de . “O Jeca e a cozinheira: raça e
racismo em Monteiro Lobato” Revista de Sociologia e Política. N. 8, 1997, pp. 99-112.
61
A Companhia Petroleos do Brasil foi lançada em dezembro de 1931 e sua subscrição alcançou, nos
primeiros quatro dias, quase metade das ações. Ver: AZEVEDO, Carmem Lucia et alii. op. cit. p. 272
208
positivas. Em junho ou julho os jornais noticiarão
o grande acontecimento do primeiro gusher. Em
vez de te rires de mim, guarda essa para a
próxima verificação da profecia.
A busca pelo petróleo tornou-se um desejo tão forte na vida de Monteiro Lobato
que, por ocasião da candidatura de Oliveira Vianna à Academia Brasileira de Letras, ele
escreveu:
Obrigado pelo convite para entrar em tua
companhia no matadouro. Tenho de tirar petróleo
e fazer ferro, não devo, portanto, arriscar a vida.
Mas você meu caro, tem o dever de lá entrar, 1)
porque toda gente estranha a sua ausência; 2)
porque pela carta que me escreve não demonstra
nenhum medo da letalidade da imortalidade
brasílica. (...) Sinceramente devo dizer-te que me
sinto muito velho e arrasado para disputar
glórias sociais. Tirante petróleo, de fato não
desejo mais coisa nenhuma deste mundo – e cada
vez me convenço mais da vitória do petróleo.
A crítica constante à Academia Brasileira de Letras, às suas práticas e aos seus ritos
também ocupou um grande número de páginas da correspondência de Lobato a Vianna.
Ele denunciava, freqüentemente, o seu “medo da imortalidade” como na carta escrita a
Vianna. Certa vez, escreveu também a Godofredo Rangel, “(...) eu me sinto terrivelmente
mortal. A “imortalidade” me assusta...”
A crítica é ainda recheada de uma intensa ironia como quando Lobato afirma
escrevendo dos Estados Unidos: “A Academia... Como fica pequenininha daqui.”
Apesar da crítica à Academia Brasileira de Letras, a consagração que pode trazer a
ocupação de uma vaga numa instituição como esta levou Lobato a alimentar mais um de
seus sonhos
62
. Escrevendo a Oliveira Vianna, Monteiro Lobato associa petróleo e
consagração no mundo das letras, dizendo:
62
A relação entre Monteiro Lobato e a Academia Brasileira de Letras foi bastante conturbada. Lobato não
conseguiu se eleger acadêmico embora seu nome tenha sido cogitado em diversas ocasiões. Em 1921, Lobato
candidatou-se à ABL, mas retirou a candidatura em seguida. Anos mais tarde, em janeiro de 1926, voltou a
candidatar-se mas abandonou a disputa mesmo sem retirar oficialmente a candidatura. Finalmente, em 1944,
ocorreu a última tentativa de candidatura de Lobato à Academia: um grupo de intelectuais indicou seu nome
mas ele não aceitou concorrer. Sobre esse tema, ver: MORAES, Pedro Rodolfo Bodê de. Fidalgos do café e
livros do Brasil – Monteiro Lobato e a criação das editoras nacionais. (dissertação de mestrado). Rio de
209
Não se espante pois de mais mês, menos mês, a
notícia te chegar que we struck oil. E por essa
época você não estiver imortalizado pela Lethal,
entrarás na minha academia de letras. Doarei um
poço de petróleo para termos uma comme il faut –
com um jetãonzão que vai fazer o pessoal daí
morrer de inveja.
Esse conjunto de correspondências muito nos informa sobre as idéias de Monteiro
Lobato, mas também nos leva a conhecer melhor Vianna. A identidade do destinatário vai
se construindo nas imagens do autor das cartas. Como produto da interação do remetente
com o destinatário, a carta permite que ambos se tornem seus protagonistas porque de
ambos se obtém informações. Depois de escrita, “a carta já não é de quem escreve, e sim
de quem a recebe, daí a importância de se perguntar pelo destinatário e não concentrar-se
unicamente no autor do escrito”
63
.
Das cartas de Lobato, surge um Oliveira Vianna negligenciado pelos estudos
biográficos posteriores
64
. As cartas transbordam admiração, construindo a imagem de um
intelectual rico, criativo, fundamental para o progresso do país.
As primeiras cartas de Monteiro Lobato para Oliveira Vianna são do princípio dos
anos 20
65
, quando Lobato tinha acabado de lançar Vianna como um dos autores revelados
por sua casa editorial
66
. Nesse momento, houve, na opinião de Lucia Lippi, uma
“confluência de interesses e perspectivas” entre Lobato e Vianna, o que, talvez, os tenha
aproximado. Entre eles ocorreu, segundo essa autora, uma “(...) confluência de objeto (o
homem rural brasileiro), de explicações (o racismo, a mestiçagem, a psicologia coletiva) e
de preocupações (como esculpir um país com esta matéria prima)”, o que levou Lobato a
editar em 1920 e reeditar em 1922 Populações Meridionais do Brasil.
Janeiro, PPGAS/MN/UFRJ, 1995, p. 80-81.
63
BLAS, Veronica Sierra. “Escribir y servir: las cartas de una criada durante el franquismo” Signo. Revista de
historia de la cultura escrita. Alcalá de Henares: Universidad de Alcalá, 10, 2002, p. 126
64
As biografias de Monteiro Lobato praticamente ignoram as relações entre ele e Oliveira Vianna.
65
Apesar de Lobato guardar o hábito de não datar suas cartas, pode-se inferir essa informação por outros
dados que as correspondências trazem: o endereço de Lobato ou pelo assunto abordado – freqüentemente fala-
se da edição dos livros Populações Meridionais do Brasil e Evolução do Povo Brasileiro.
66
Ainda não foi possível estabelecer com precisão como se deu o encontro entre os dois. De acordo com as
informações disponíveis, Vianna afirma que foi Plínio Barreto e Pinheiro Júnior que o chamaram para a
Revista do Brasil e o apresentaram a Lobato.
210
Talvez tenha vindo daí a admiração de Lobato por Vianna e suas idéias. As cartas
enviadas ao longo deste período demonstram sempre uma grande preocupação de Lobato
com a saúde de Vianna, um intelectual brilhante, segundo ele, cuja vida e idéias seriam
fundamentais para o progresso do país. Escreve Lobato,
Deu-me grande alegria saber de tua melhora.(...)
Virás para cá como um messias, um homem que
traz a luz nova (grifo dele). (...) Como te querem,
como te compreendem aqui! E como isso depõe a
favor da mentalidade de São Paulo, um dos (...)
lugares do Brasil onde creio possível a passagem
do utópico para o orgânico. (...) é aqui que terá o
que merece.
Lobato considerava que a admiração dos paulistas por Vianna era um elemento que
depunha a favor da mentalidade dos seus conterrâneos. Considerava ser São Paulo o lugar
onde Vianna deveria começar uma nova vida, visto que a cidade impunha-se, neste
momento, como símbolo do que de mais moderno e progressista havia no país
67
. Por isso,
os paulistas estariam mais aptos a reconhecer o valor daquele a quem ele chamava de “novo
messias”.
Assim, em junho de 1922, Lobato novamente escreveu a Vianna para fazer um
convite:
A Liga Nacionalista incubiu-me de convidar-te
para uma conferência aqui. Deseja ela,
interpretando a voz unânime de São Paulo, ter a
honra de apresentar-te solenemente ao público
paulista. És o grande homem que surge, o
sociólogo, o abridor de sendas novas, e a Liga
quer ter o gosto de dizer mais tarde – Fomos nós
que o descobrimos e o apresentamos ao país.(...).
67
Ao longo dos anos 20, quando São Paulo consegue impor sua ascendência econômica ao restante do país, a
questão da disputa econômica entre esta cidade e o Rio de Janeiro ganhou novos contornos no debate
intelectual. Alguns intelectuais divulgaram a idéia de que era São Paulo a matriz da nacionalidade brasileira,
ao mesmo tempo que buscaram desqualificar e deslegitimar o Rio de Janeiro como centro político da nação.
Na argumentação do grupo, estava sempre presente a idéia do adiantamento de São Paulo em relação ao resto
do Brasil: “os demais estados são vistos como “irmãos pobres e retardados”. Daí a imagem bastante
diivulgada, de São Paulo como a locomotiva a puxar vagões vazios...” VELLOSO, Monica Pimenta. “A
“cidade-voyer”: o Rio de Janeiro visto pelos paulistas.” Revista Rio de Janeiro. Niterói, vol. 1, n. 4, set/dez.
1986, p. 59.
211
A afeição de Lobato nos fala de Vianna e nos leva também a conhecer um pouco da
imagem que se fez desse intelectual, no início dos anos 20. Ao se referir aos livros de
Vianna que vinham sendo lançados por sua editora, Lobato reafirma sua admiração pelo
autor:
Teu livro continua a entusiasmar. Todos o lêem e
o falam sem reservas, derramando-se em louros.
Vou mandar um exemplar ao Bernardes e outro
ao Washington intimando-os a lerem-no. Os
futuros presidentes têm que ser orientados por ti.
Lobato não só lançara os livros de Vianna como também fizera questão de divulgar
suas idéias, enviando-os a amigos, políticos e outros intelectuais. Sem dúvida, esse era um
dever do editor, previsto inclusive no contrato que ambos assinaram para a publicação de
Populações onde, no primeiro item, o editor se comprometia a “(...) fazer a propaganda do
livro, difundido-o na medida do possível”. Mas a divulgação das idéias de Vianna por
Lobato não se deu somente através dos meios tradicionais – anúncio, por exemplo – nem
decorreu apenas de compromissos contratuais. A admiração por suas idéias fazia Lobato
falar de Vianna aos amigos, o que se pode constatar quando destaca ao finalizar uma
correspondência: “as tuas cartas são copiadas e circulam”.
As cartas de Lobato para Vianna cobrem um extenso período. São 17 anos de troca
epistolar contínua, embora nem sempre freqüente. Normalmente, as trocas de cartas
obedecem a uma prática circular. Uma carta – texto produzido e objeto trocado entre
aqueles que se correspondem – pode tanto representar uma resposta a uma questão
formulada anteriormente em outra correspondência, quanto significar uma nova solicitação,
o que demanda a escrita de outra carta. Por isso, a leitura e investigação de um conjunto de
cartas pressupõe não somente o conhecimento de seu conteúdo informativo, como também
a pesquisa de sua dimensão temporal, isto é, dos ritmos que cadenciam essa troca epistolar.
A cadência dessa comunicação pode ser contínua, freqüente, quando se discute uma
questão importante ou polêmica, ou pode ser menos assídua, embora igualmente contínua.
Ela pode ainda ser descontínua quando ligada ao acaso dos acontecimentos. Um outro
aspecto que pode cadenciar o ritmo do intercâmbio de cartas está ligado a questões de
ordem biográfica dos missivistas. Aspectos singulares de suas trajetórias e interesses
individuais dispõem e predispõem os indivíduos a entrarem, ou não, no jogo do debate de
212
idéias criado pela escrita epistolar.
As cartas de Lobato para Vianna foram mais assíduas nos anos 20, e tornaram-se
mais esparsas ao longo dos anos 30. Em seu período inicial, a troca de cartas foi mais
intensa. Nessas, o conteúdo traduzia maior afinidade entre os missivistas e uma admiração
mútua. Foi esse o “tempo do encanto”, que levava Lobato a escrever a Vianna:
“Os futuros presidentes [do Brasil] têm que se
orientar por ti”.
Ou ainda, quando, no final de 1928, ele escreve de Nova Iorque:
Recebi teus queridos garranchos e com a grata
nova de que aderiu... Parabéns. Nada mais duro
nem mais idiota que remar contra a corrente. E
muita coisa boa pode fazer uma pessoa
inteligente, para o bem público, que se põe a
vogar pelo sabor das águas. Mais do que vogando
contra. Nenhuma prova poderias dar da tua
inteligência do que essa resolução de entrar na
política e assim vá recheando ela de valores (...).
No dia em que te vir no Congresso deixarei de me
referir a ele com os adjetivos de hoje e muita
gente fará o mesmo. É de Viannas lá que o Brasil
precisa (...)
O encantamento que unia esses dois intelectuais nos anos 20, começou, porém, a
sofrer abalos nos primeiros anos da década de 30.
A adesão de Vianna ao governo Vargas, com a ocupação do cargo de consultor
Jurídico do Ministério do Trabalho, levou Lobato a registrar os primeiros indícios de
desencantamento:
Teu cartão veio provar-me que, como homem que
se mumifica dentro de um ministério do trabalho,
tens forçosamente de ignorar o que o trabalho
anda a operar ao redor de ti. Mundo da lua... (...)
Vem passar dois dias cá. Precisas de sol – mas
sol de campo, de montanha, de zona petrolífera e
não desse infecto sol do rio
68
, para galegos. O
ministério deve estar te embolorando. Vem
desembolorar-te cá. (...).
68
Manteve-se a grafia original de Lobato para o nome da cidade do Rio de Janeiro, escrito com minúscula.
213
Com o passar dos anos, no entanto, o tom da escrita foi se tornando mais grave e
Lobato começou a carregar nas tintas da crítica. As atitudes tomadas pelos membros do
governo Vargas ganharam de Lobato uma apreciação cada vez mais desfavorável. Em carta
datada de 24 de novembro de 1935, ele anota:
Receio que a lei que vocês querem fazer venha
atrapalhar ainda mais os movimentos da
iniciativa particular. Temos leis demais. Cada lei
é um cipó. Amarrado por elas, o Brasil é esse
mendigo de cócoras num monte de ouro, como
você sabe. (...) Se eu fosse ditador do Brasil,
entraria com este programa: revogar uma lei por
dia. Seriam 365 cipós suprimidos por ano. No fim
de alguns anos, o gigante encipoado estaria
límpido como um yankee. (...) Leia o novo
prefácio sobre o caso Alagoas. São seis páginas
só. Pare numa livraria e leia. Aquilo é para
preparar um movimento no Norte contra a lei de
Minas, que é a maior imbecilidade que poderia
sair da cabeça dos cipozantes. Que cavalos os
nossos legisladores (...).
As críticas de Lobato à Lei de Minas e à política governamental relacionada à
siderurgia e ao petróleo não eram explicitadas apenas em cartas a Vianna. Lobato fazia
palestras sobre o assunto, dava conferências, entrevistas na imprensa, além de ter, em mais
uma tentativa de mobilizar a opinião pública, prefaciado um livro sobre o tema e publicado
um texto de sua autoria sobre a exploração do petróleo
69
.
O julgamento desfavorável do governo de Vargas tornava-se cada vez mais comum
nos textos, palestras e cartas de Lobato. Essa situação agravou-se ainda mais quando a nova
conjuntura política do Estado Novo censurou a imprensa, impedindo que as críticas se
tornassem públicas. Lobato decidiu-se então por outra estratégia, para manter sua
69
O primeiro desses livros foi lançado em junho de 1935 pela Companhia Editora Nacional. Chamava-se A
luta pelo petróleo. Era uma obra de Essad Bey, traduzida por Charlie W. Frankie, antigo colaborador de
Lobato em levantamento geofísicos e prospecções. Lobato assinava um longo prefácio, no qual denunciava a
falta de eficiência do Serviço Geológico, órgão estatal responsável pelas pesquisas no setor no Brasil. O
segundo livro, escrito pelo próprio Lobato, intitulado O escândalo do petróleo, chegou às livrarias em agosto
de 1936. Nele, Lobato relata a situação do poço de Alagoas, afirma que a descoberta de petróleo nessa região
do país contrariava os interesses da Standard Oil e relata as estratégias utilizadas por companhias estrangeiras
– aliadas ao governo federal – para impedir a exploração autônoma de petróleo por companhias nacionais.
Ver: Carmem Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladmir Sachetta. op. cit. p. 282.
214
campanha pelo petróleo: enviar correspondências a pessoas importantes do governo,
expondo suas opiniões e necessidades. Ele demonstra claramente essa estratégia em carta
ao general Góis Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército, em 1940: “(...) sou obrigado
a continuar na campanha não mais pelo livro ou pelos jornais, porque já não temos a
palavra livre, e sim por meio de cartas aos homens do poder”.
Entre os “homens do poder” do Estado Novo estava o seu “velho camarada”
Oliveira Vianna. Embora as críticas ao governo se tornassem mais freqüentes, Lobato
mantinha com Vianna um discurso afetivo que, em nome da velha amizade epistolar que os
unia, lhe permitia escrever, em fins de 1938, para pedir um favor àquele que ele
considerava parceiro no compromisso pelo desenvolvimento do país:
Meu caro Vianna: o que preciso de você é que me
ajude numa pretensão nossa [da União
Jornalística Brasileira sob a direção de Monteiro
Lobato], e me diga que obstáculos há. Se os
houver. A União Jornalística Brasileira requereu
a organização de uma feira permanente de
amostras em São Paulo. Requereu ao ministro.
Há uma comissão para isso. Como os caminhos
da Burocracia Nova são mais insondáveis que os
antigos da Divina Providência, muitas vezes as
coisas encalham e a gente não sabe por que. Ora
o que te peço é ver se a nossa pretensão vai
encalhar – e ajude, com bons conselhos, a
desencalhá-la (...) Do teu realmente
(fisicamente)velho camarada.
Monteiro Lobato.
Vianna apressou-se em responder a carta de Lobato e também a tentar atender a sua
solicitação. Mas sua disposição e diligência não significaram uma maior aproximação com
Lobato. Alguns dias depois, Oliveira Vianna recebeu de Lobato uma carta na qual ele
reclamava da solução dada ao seu pedido e reafirmava com maior intensidade as críticas ao
Estado Novo:
Vianna amigo,
Só hoje, 29, recebi a tua de 20. O correio do
Estado Novo descobriu meios de dilatar para 9
dias o trajeto de uma carta daí para aqui. Se no
zodíaco tivesse o signo do Kagado, não seria
outro o escolhido para o nascimento do Estado
Novo. Quando te falei nos mistérios insondáveis
215
da burocracia esotérica não calculei que estava
próxima a vinda de mais uma documentação dos
cujos. O despacho que S. Excia. deu, como vejo
de tua carta, foi deferido em termos [grifo dele].
Se isso não é esoterismo integral, não sei o que
seja. Em termos! [grifo dele] Fiquei na mesma.
Que termos? Se é a parte de lá que fala em termos
e sabe de termos, por que não os declara logo?
Voltaire mandava que antes de qualquer debate
se definissem os termos. A burocracia esotérica
que nos felicita não segue o precioso conselho de
Voltaire. Não define os termos... E ficamos todos
na mesma, de boca aberta, a perguntar-nos uns
aos outros: que termos, mulher?
Quem sabe você que é um insider, pode
esclarecer-nos nesse ponto, ou informando-me de
tais termos ou indicando-me o caminho de
descobrir o pensamento secreto que anima os
esotéricos quando dizem: em termos.
Os caminhos dos dois “camaradas” distanciavam-se cada vez mais. A trama de
afetos urdida ao longo de anos através do intercâmbio epistolar rompia-se à medida que
ambos investiam em projetos pessoais divergentes. A rebeldia de Lobato fazia com que
denunciasse, de forma cada vez mais veemente, o que ele considerava ser uma manobra dos
homens do Estado contra as companhias nacionais de petróleo. Enquanto isso, Vianna, cujo
nome cada vez mais era associado à postura autoritária do Estado Novo, saía do Ministério
do Trabalho para ocupar a posição de Ministro do Tribunal de Contas da União.
A última carta de Lobato a Vianna registra um último “desencontro”:
Há tempos te incomodei com o negócio de uma
exposição industrial que havíamos requerido – e
a autorização ministerial foi concedida sem
demora. Mas aconteceu o que não esperávamos:
não houve meio de encontrar em São Paulo um
espaço bastante amplo onde localizar a
exposição. E tivemos de pedir a dilatação do
prazo, nada de espaço... (...) Mas agora,
inopinadamente, apareceu o espaço (...) Mas o
segundo prazo está no fim.
Escrita em 4 de agosto de 1939, a carta antecedeu de 2 anos o episódio da prisão de
Monteiro Lobato sob a ditadura do Estado Novo, ocorrida em janeiro de 1941. Apesar do
216
crescente desencanto de Lobato com as atividades de seu amigo, esta carta ainda tem
registrada uma despedida carinhosa:
Adeus, meu caro e disponha sempre do amigo
certo
Monteiro Lobato.
4.1.3) Populações Meridionais do Brasil
Está já exposto à venda nas principais livrarias
do Rio de Janeiro, o primeiro tomo da obra do sr.
Oliveira Vianna, jovem e eminente escritor
nacional (...)
70
O anúncio do jornal O Fluminense, do dia 14 de maio de 1921, divulgava o
lançamento do livro de estréia de Oliveira Vianna, Populações Meridionias do Brasil
(História – organização – psicologia. Primeiro volume. Populações rurais do centro-sul:
paulistas – fluminenses – mineiros) fruto do contrato assinado entre Lobato e Vianna, em
julho de 1919, transferindo à Revista do Brasil os direitos de publicação do livro sob os
seguintes termos:
Francisco José de Oliveira Vianna, morador em
Niterói Estado do Rio de Janeiro, transfere a
Revista do Brasil, empresa editora com sede em
São Paulo, representada pelo seu diretor
proprietário J. B. Monteiro Lobato, os direitos de
publicação do livro Populações Meridionais do
Brasil, mediante as seguintes cláusulas:
A Revista do Brasil obriga-se a) imprimir o livro
correndo por sua conta todas as despesas; b) dar
a primeira edição mil exemplares, ficando ao
arbítrio da Revista o número de exemplares das
edições subsequentes; c) a pagar ao autor trinta
por cento (30%) dos lucros líquidos, a medida
que as livrarias revendedoras forem liquidando as
suas contas; d) a justificar ao autor o custo da
obra; e) a fazer a propaganda do livro,
difundindo-o na medida do possível.
O autor obriga-se a não publicar outra edição do
mesmo livro na vigência deste contrato.
E como assim convencionaram o presente,
lavrado em duplicata.
70
O Fluminense, 14 de maio de 1921.
217
Niterói, 25 de julho de 1919
Francisco José de Oliveira Vianna
Jose Bento Monteiro Lobato
Considerando-se as condições da
época, o contrato era bastante favorável ao
autor. Num momento em que as edições se
contavam às centenas, Lobato propunha a
Vianna uma primeira edição, de seu livro de
estréia, de mil exemplares. Num mercado
editorial onde uma taxa de dez por cento de
direitos autorais era vista como um grande
negócio para o autor, Lobato sugeria 30% a
Vianna
71
.
Ao ser lançado, o livro de Vianna era
o mais caro do catálogo das “Edições da
Revista do Brasil”. O preço pode ter sido
determinado segundo os termos do contrato
assinado com o autor, mas talvez também
estivesse relacionado ao seu público leitor. Em carta a Vianna, tratando de um de seus
livros, Lobato escreve:
Hoje (...) é impossível ter o livro barato (...) Além
disso, é um engano supor que um livro como o teu
a preços populares, sai mais. Isso se dá em países
onde o povo lê. Aqui só a elite lê (grifo dele). Já
fiz a experiência em várias obras e verifiquei que
não há público para o livro em papel vagabundo.
Apesar do preço e a despeito dos estreitos limites do mercado editorial brasileiro
naquele momento, o livro de Vianna representou um bom negócio para Lobato, visto que
ele foi muito bem recebido pela crítica especializada da época, o que resultou numa
71
Laurence Hallewell, em O livro no Brasil (sua história). São Paulo: Edusp, 1985, afirma que pagar seus
autores generosamente para os padrões da época foi uma prática comum a Monteiro Lobato. Segundo ele,
“parece ter sido de dez por cento a taxa de direitos autorais que ele normalmente pagava, mas muitas vezes
essa porcentagem era maior” . HALLEWELL, Laurence. op. cit. p. 268. Vianna parece ter sido um dos
autores nos quais Lobato acreditava poder investir mais.
218
segunda edição
72
, em 1922, pela Monteiro Lobato & Cia
73
. Concluía-se, nesse momento,
uma importante etapa na vida deste autor. A publicação do primeiro livro marcava um
momento culminante de legitimação de Oliveira Vianna como um intelectual importante
da Primeira República. O livro de estréia, como salientou Alfredo Wagner de Almeida
74
ao
se referir a Jorge Amado, tem imensa importância, pois, como o produtor cultural não
possui obra anterior que possa representar “aceitação social”, a emergência do livro de
estréia “tem que necessariamente se impor aos agentes e instâncias de legitimação que
integram a estrutura interna do campo intelectual naquele período de tempo”
75
. Oliveira
Vianna garantiu, a partir daí, seu lugar definitivo entre os legítimos analistas da realidade
brasileira.
Populações Meridionais do Brasil é o livro de Oliveira Vianna que mais vezes foi
reeditado. Possui nove edições publicadas por sete casas editoriais distintas:
72
Antes mesmo desta segunda edição, Monteiro Lobato havia publicado um outro livro de Vianna, Pequenos
estudos de psicologia social, lançado em 1921.
73
Em meados de 1920, Monteiro Lobato havia reorganizado a editora associando-se a Octalles Marcondes
Ferreira e constituindo uma nova sociedade que passou a denominar-se Monteiro Lobato & Cia.
74
ALMEIDA, Alfredo Wagner de. Jorge Amado; Política e Literatura. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
75
ALMEIDA, Alfredo Wagner de. op.cit. p. 24
219
EDIÇÕES E REEDIÇÕES DO LIVRO POPULAÇÕES MERIDIONAIS DO BRASIL
Edição Editora Local Data Coleção
Primeira edição Edições da Revista
do Brasil
São Paulo 1920
Segunda edição Monteiro Lobato
& Cia.
São Paulo 1922
Terceira edição Companhia
Editora Nacional
São Paulo 1933 Brasiliana
Quarta edição Companhia
Editora Nacional
São Paulo 1938 Brasiliana
Quinta edição José Olympio Rio de Janeiro 1952
Sexta edição Paz e Terra Rio de Janeiro 1973 Estudos sobre o Brasil
e a América Latina
Sétima edição Itatiaia/ Eduff Belo Horizonte/
Niterói
1987 Reconquista do Brasil
Oitava edição Câmara dos
Deputados
Brasília 1982
Nona edição Nova Aguilar Rio de Janeiro 2000 Intérpretes do Brasil
Na última edição do livro, antes de sua morte
76
, Vianna escreveu um prefácio no
qual afirmava:
Este livro sai nesta quarta edição tal como na
primeira. Não lhe modifiquei nada. Não costumo
alterar ou retificar o conteúdo de livros que
publico
77
.
Embora seja verdade que não tenha havido modificações no texto do livro, visto que
Vianna, ao citar Durkheim em epígrafe, defende a idéia de que um livro deve manter as
suas idéias originais, as diversas edições de Populações Meridionais do Brasil passaram
por modificações impostas pelos profissionais da editoração.
O título completo
78
da primeira edição foi mantido na segunda edição de 1922 e nas
edições da Brasiliana em 1933 e 1938. Ainda na quinta edição, primeira pela José Olympio,
em 1952, o título original completo é mantido mas é publicado pela primeira vez o segundo
76
Antes de sua morte, a última edição foi a quarta publicada pela Companhia Editora Nacional em 1938.
77
78
O título completo é: Populações Meridonais do Brasil (história – organização – psicologia. Primeiro
volume. Populações rurais do centro-sul: paulistas – fluminenses – mineiros).
220
volume do livro chamado O campeador rio-grandense
79
. A sexta edição, publicada pela
editora Paz e Terra, do Rio de Janeiro, além de contar com os dois volumes da edição
anterior, suprimiu parte do título, aparecendo apenas Populações Meridionais do Brasil. As
“dimensões do universo do discurso (história-organização- psicologia) e dos espaços
privilegiados (Populações rurais do centro-sul: paulistas- fluminenses – mineiros) são
eliminadas como se não tivessem nenhuma significação para o entendimento mais imediato
do posicionamento do autor”
80
.
Assim que foi lançado, em 1920, Populações Meridionais do Brasil cumpriu uma
trajetória de sucesso. As críticas, em sua maioria positivas, consideravam Vianna a grande
revelação dos estudos sociológicos do período. José Maria Belo
81
, Osório Duque Estrada
82
,
Alceu Amoroso Lima
83
, entre outros, escreveram textos elogiosos, logo na primeira hora
após o lançamento de livro, favorecendo uma recepção positiva à obra e incluindo-o entre
os autores que deveriam ser necessariamente lidos, a partir de então, para se conhecer o
Brasil.
O livro de Vianna, ao conseguir arrancar elogios de dois dos maiores críticos
literários do Brasil daquela época – Alceu Amoroso Lima e Agripino Grieco – apontados
por alguns autores como “artífices do senso público das décadas de 20 e 30”
84
, abriu
definitivamente as portas do mundo editorial para Oliveira Vianna.
79
Essa mudanças no título desta obra de Vianna foram observadas por Luis de Castro Faria. Ver: FARIA,
Luis de Castro. op. cit. , p. 60 e 61.
80
FARIA, Luis de Castro. op. cit., p. 61.
81
BELO, José Maria. À margem dos livros. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil, 1923.
82
ESTRADA, Osório Duque. Crítica e Polêmica. Rio de Janeiro, 1924.
83
LIMA, Alceu Amoroso. Obras completas – Primeiros estudos (O Pré modernismo de 1919 a 1920). Rio de
Janeiro: Agir, 1948. A primeira edição do livro é de 1921, ano seguinte ao lançamento do livro de Vianna e o
capítulo 60, “Sociologias”, trata de Populações Meridionais do Brasil.
84
ALMEIDA, Alfredo Wagner. op. cit., p.
221
4.2) A produção editorial de Vianna
85
Lucia Lippi comenta, em um texto sobre as leituras realizadas acerca da obra de
Oliveira Vianna, ser este um autor que, embora freqüentemente acusado e criticado, não é
jamais esquecido. Segundo ela, “de vez em quando se redescobre Oliveira Vianna e se
reeditam suas obras. (...)
86
. De fato, isso se observa através da sucessão de reedições à
qual os livros de Vianna foram submetidos desde o momento de lançamento de seu livro de
estréia, Populações Meridionais do Brasil, os livros de Vianna foram sucessivamente
reeditados a contar de 1920. Somente nos anos 60 não houve nenhuma edição ou reedição
de nenhum de seus livros.
EDIÇÕES E REEDIÇÕES DOS LIVROS DE OLIVEIRA VIANNA
87
PERÍODO LIVRO EDIÇÃO
Primeira edição, 1920Populações Meridionais do Brasil
Segunda edição, 1922
Primeira edição, 1921Pequenos estudos de psicologia social
Segunda edição, 1923
Evolução do Povo Brasileiro Primeira edição, 1922
O Idealismo na Evolução Política do Império e da
República
Primeira edição, 1922
O Idealismo da Constituição Primeira edição, 1924
O Ocaso do Império Primeira edição, 1925
Anos 20
O Idealismo da Constituição Primeira edição, 1927
85
Há um capítulo do livro recém-publicado de Luiz de Castro Faria no qual ele elabora uma análise dos livros
de Oliveira Vianna, tratando, além da cronologia de publicação, da investigação do conteúdo de cada um dos
textos. Diferentemente dessa análise, a nossa não tratará das questões temáticas e propriamente referentes ao
conteúdo dos livros mas apenas ao seu processo de lançamento, editoração e reedição pelo mercado editorial.
Recomendamos pois para um maior aprofundamento das questões temáticas, a leitura do texto de Castro
Faria. Ver: FARIA, Castro. “Os livros – relação em ordem cronológica e comentário”. Oliveira Vianna: De
Saquarema à alameda São Boaventura, 41 – Niterói. O autor, os livros, a obra. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2002, pp. 39-117.
86
OLIVEIRA, Lucia Lippi. “Uma leitura das leituras de Oliveira Vianna”. In: BASTOS, Élide & MORAES,
João Quartim de (orgs.). O pensamento de Oliveira Vianna. Campinas: Unicamp, 1993, p. 242.
87
A elaboração desse quadro inspirou-se na bibliografia organizada por André Luiz Faria Couto e citada por
Lucia Lippi no texto “Uma leitura das leituras de Oliveira Vianna”. In: BASTOS, Élide Rugai e MORAES,
João Quartim de (orgs.). O pensamento de Oliveira Vianna.. Campinas: Editora da Unicamp, 1993, pp. 263-
267.
222
Terceira edição, 1933Populações Meridionais do Brasil
Quarta edição, 1938
Segunda edição, 1933Evolução do Povo Brasileiro
Terceira edição, 1938
O Ocaso do Império Segunda edição, 1933
O Idealismo da Constituição Segunda edição, 1939
Problemas de Política objetiva Primeira edição, 1930
Primeira edição, 1932
Segunda edição, 1934
Raça e assimilação
Terceira edição, 1938
Problemas de Direito Corporativo Primeira edição, 1938
Anos 30
As Novas Diretrizes da política Social Primeira edição, 1939
Pequenos estudos de psicologia social Terceira edição, 1942
Problemas de política objetiva Segunda edição, 1947
Problemas de direito sindical Primeira edição, 1943
Anos 40
Instituições políticas brasileiras Primeira edição, 1949
Populações Meridionais do Brasil Quinta edição, 1952
Evolução do povo brasileiro Quarta edição, 1956
O Ocaso do Império Terceira edição, 1959
Raça e assimilação Quarta edição, 1959
Instituições Políticas Brasileiras Segunda edição, 1955
O problema do trabalho e democracia social Primeira edição, 1951
Problemas de organização e problemas de direção Primeira edição, 1952
Anos 50
Introdução à História Social da economia pré-capitalista Primeira edição, 1958
Anos 60 NENHUMA EDIÇÃO OU REEDIÇÃO
Populações Meridionais do Brasil Sexta edição, 1973
Problemas de política objetiva Terceira edição, 1974
Instituições políticas brasileiras Terceira edição, 1974
Anos 70
Problemas de organização e problemas de direção Segunda edição, 1974
Sétima edição, 1987Populações Meridionais do Brasil
Oitava edição, 1982
O Idealismo da Constituição Segunda edição, 1981
Instituições Políticas Brasileiras Quarta edição, 1987
Introdução à história social da economia pré capitalista Segunda edição, 1987
Anos 80
História Social da economia capitalista Primeira edição, 1987
Ensaios Inéditos Primeira edição, 1991
Populações Meridionais do Brasil Nona edição, 2000
Anos 90
Instituições Políticas Brasileiras 2000
223
Um ponto interessante a se observar é justamente a temporalidade dos lançamentos
e reedições da obra de Vianna. Durante os anos 20 e 30, Vianna lançou uma grande
quantidade de livros novos e reeditou vários desses textos. Nos anos 40, sua produção
parece diminuir. Houve, nesse decênio, quatro publicações, sendo que apenas duas destas,
são lançamentos de novos títulos. Nos anos 50, no entanto - talvez em função da morte do
autor no primeiro ano da década - foram feitas oito edições da obra de Vianna, com três
lançamentos de novos títulos. Nos anos 60, não houve nenhum lançamento ou reedição de
seus livros. Talvez um aspecto que explique esse esquecimento da obra de Vianna, no
período, seja as duras críticas à sua obra elaboradas na década anterior, principalmente por
Dante Moreira Leite. Esse autor, - que, nas palavras de Lucia Lippi, escreveu, em meados
dos anos 50, um “livro-cânone”, que passou a condicionar “(...) o que se dizia, ou melhor,
o que se podia dizer[nas ciências sociais do período]
88
– lançou sobre a obra de Oliveira
Vianna o parecer mais negativo possível. Segundo ele,
(...) na verdade, a obra de Oliveira Vianna não
resiste a qualquer crítica, por mais benevolente
que o leitor procure ser, por mais que deseje
compreendê-lo em sua época e em seu ambiente
(...) Oliveira Vianna (...) não tinha dotes de
observador ou teórico. O que nele parece teoria é
imaginação gratuita, grosseira deformação de
fatos e teorias alheias.
89
Trabalhos como esse de Dante Moreira Leite, aliado a uma leitura da história das
ciências sociais no Brasil - que consideravam toda a produção anterior ao surgimento das
faculdades de ciências sociais como pré-científicas -, serviram para desqualificar a obra de
Oliveira Vianna e alijá-la do mundo intelectual e acadêmico durante vários anos.
Mas nos anos 70, a organização de um novo governo autoritário no Brasil e a
necessidade de explicar porque a história da República no Brasil vinha sendo marcada mais
por períodos de governos fortes, centralizadores que de períodos democráticos, levaram os
intelectuais a buscar nos estudos anteriores razões para compreender o autoritarismo
brasileiro. Trabalhos dos pensadores da Primeira República e do período do Estado Novo
foram novamente considerados e Oliveira Vianna reapareceu como importante
88
OLIVEIRA, Lucia Lippi. “Interpretações sobre o Brasil” in: MICELI, Sérgio (org.) . O que se ler nas
ciências sociais brasileiras (1970-1995). São Paulo: Editora Sumaré/ANPOCS, Brasília: Capes, 1999, p. 156.
224
representante do chamado pensamento autoritário. Foram publicadas novas edições de seus
trabalhos e Vianna voltou a ser lido e criticado.
A partir desse momento - e, principalmente depois que Wanderley Guilherme dos
Santos, opondo-se à concepção segundo à qual dividia-se a história das ciências sociais em
“pré-cientifica” e científica, reinseriu às discussões sobre a obra de Oliveira Vianna no
cenário intelectual
90
- surgiram diversas edições dos livros de Vianna e o lançamento de
dois títulos inéditos desse autor.
No fim dos anos 90, os preparativos para as comemorações dos 500 anos do
Descobrimento do Brasil novamente criariam um ambiente propício para a retomada da
história das ciências sociais no Brasil e para a reflexão a respeito de quais eram os
pensadores que melhor haviam interpretado o país. No contexto das comemorações
aprofundava-se uma reflexão sobre a nossa identidade e os intelectuais que haviam se
dedicado a essa temática tiveram seus trabalhos novamente valorizados no mercado
editorial.
A editora Nova Aguilar lançou uma coleção luxuosa, em papel-bíblia, sob o título
de Intérpretes do Brasil, onde reuniu textos de importantes intelectuais brasileiros. O
lançamento da obra foi motivo de destaque da grande imprensa. Os cadernos Idéias/Livros,
do Jornal do Brasil de 20 de maio de 2000, e o Prosa e Verso, do Globo de 24 de junho de
2000, publicaram, com grande destaque, matérias sobre o lançamento com os comentários
das historiadoras Jacqueline Hermann e Isabel Lustosa.
Isabel Lustosa destaca a importância da coleção, afirmando que ela reúne
(...) livros que tiveram grande impacto quando de
seus lançamentos e cujas idéias se incorporaram
de uma maneira ou de outra a uma espécie de
substrato, de psiquê nacional.
91
A autora vai ainda mais longe na afirmação da importância da coleção quando,
citando um comentário feito por Luís Jorge Werneck Viana, questiona: “em que medida
esses livros, ao invés de interpretarem o Brasil, não inventaram o Brasil da maneira como
o conhecemos?”
89
LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro. São Paulo: Pioneira, 1976, p. 221.
90
Ver: LIMA, Nísia Trindade. “Apresentação” in: SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Roteiro
bibliográfico do pensamento político-social brasileiro (1870-1965). Belo Horizonte: UFMG, 2002.
225
Oliveira Vianna encontra-se, assim, inserido nos anos 90, no quadro geral dos
“inventores” do Brasil entre Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Manuel Bonfim,
Alcântara Machado, Paulo Prado, Graciliano Ramos, Gilberto Freyre, Caio Prado Junior e
Florestan Fernandes, todos nomes representativos da “produção nacional dedicada à
análise histórica, sociológica, antropológica e política brasileiras (...)”.
92
A produção de Oliveira Vianna, apesar de duramente criticada em alguns
momentos, manteve-se, portanto, ao longo dos últimos 50 anos, ocupando um espaço
bastante significativo no mercado editorial especializado na área de ciências sociais. Como
assinala Lucia Lippi, fortuitamente “Oliveira Vianna renasce das cinzas e volta a
perturbar os sono dos intelectuais brasileiros (...)”
93
.
4.2.1) “O sociólogo de nossos dias e de nossa terra”
94
: a produção editorial de
Vianna nos anos 20
Antes mesmo da segunda edição de Populações Meridionais do Brasil, Monteiro
Lobato publicou, em 1921, um outro livro de Vianna, Pequenos estudos de psicologia
social.
Esse pequeno volume - que seria reeditado ainda mais duas vezes, a primeira em
1923 pela Monteiro Lobato & Cia, e mais tarde, em 1942, na coleção Brasiliana -
relacionava-se à produção publicada por Vianna, no início dos anos 20, na Revista do
Brasil e ainda à uma reflexão sobre Feijó que alguns anos depois viria a ser também
publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
95
.
Pequenos estudos de psicologia social foi um dos livros de Vianna reeditados na
Brasiliana. No exemplar dessa coleção, foram incluídos alguns novos capítulos: “Minas da
tradição e Minas do progresso”, “Os fluminenses e sua civilização”
96
e o texto sobre
91
LUSTOSA, Isabel . “Repensar o Brasil” . Prosa e Verso/ O Globo, 24 de junho de 2000, p. 6
92
HERMANN, Jacqueline. “Para entender o Brasil”. Caderno Idéias/Jornal do Brasil, 20 de maio de 2000, p.
1.
93
OLIVEIRA, Lucia Lippi. “Uma leitura das leituras de Oliveira Vianna” in: BASTOS, Élide Rugai e
MORAES, João Quartim de. O pensamento de Oliveira Vianna. Campinas: Unicamp, 1993.
94
Essa é uma das expressões com a qual Alceu Amoroso Lima se refere a Oliveira Vianna quando procede à
crítica de sua obra. LIMA, Alceu Amoroso. Estudos – 2
a
série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934.
95
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Diogo Feijó” in: Anais do Segundo Congresso de História
Nacional, vol. III, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942, p. 207-219.
96
Esse texto havia sido originalmenate escrito por Vianna como prefácio de livro de Alberto Ribeiro Lamego,
Na planície do solar e da senzala.
226
Alberto de Oliveira que havia servido a Oliveira Vianna como discurso de posse na
Academia Brasileira de Letras.
O terceiro livro publicado por Vianna foi Evolução do povo brasileiro. Editado
pela primeira vez com o título de O povo brasileiro e sua evolução, serviu de texto
introdutório ao recenseamento de 1920, publicado pelo Ministério da Agricultura, Indústria
e Comércio, em 1922.
O texto originou-se de uma encomenda feita por Bulhões de Carvalho, em nome da
Diretoria Geral de Estatística do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, em 11 de
julho de 1921:
A Diretoria Geral de Estatística, atendendo a
reconhecida competência de V. Ex., vem por meio
desta convidá-lo para escrever uma memória
sobre a formação de nossa nacionalidade,
apreciando os fatos históricos que assinalaram
essa evolução desde o início da fase colonial no
século XVI até os nossos dias. Esse trabalho deve
figurar com outros, sobre assuntos diversos, na
introdução da obra em que serão
consubstanciados os resultados do censo de 1920,
introdução que constará de um resumo descritivo
e crítico sobre o Brasil considerado em todos os
aspectos porque se manifesta o seu
desenvolvimento, quer do ponto de vista
sociológico e político, quer no que diz respeito
aos seus recursos materiais e condições naturais
de prosperidade (...)
Aceito o convite de Bulhões de Carvalho, Vianna redigiu o texto que passou a
compor a introdução dos resultados do censo. Onze anos mais tarde, em 1933, a obra foi
reeditada pela Companhia Editora Nacional, na coleção Brasiliana. Seu título mudou para
Evolução do povo brasileiro, tendo com esse nome sido reeditada também em 1938, na
própria Brasiliana e em 1956, pela José Olympio.
O Idealismo na evolução política do Império e da República foi o primeiro título
publicado na coleção Biblioteca do Estado de São Paulo, que reunia artigos anteriormente
escritos para este jornal. A série, iniciada com o texto de Vianna, foi apresentada pelos
editores do jornal como de grande utilidade para os intelectuais do país:
227
Com a série de volumes, que hoje começamos,
poderão os estudiosos guardar e aproveitar
plenamente o que de mais importante apareça nas
edições cotidianas destinadas ao grande
público.
97
Iniciar essa coleção com a publicação dos textos de Vianna demonstra a importância
que os editores do periódico davam a sua obra.
A idéia inicial dos editores do jornal parece ter sido comemorar o centenário da
Independência com a publicação de uma série de artigos que ocupariam apenas uma página
do jornal, como se pode ver pela carta enviada a Olveira Vianna por Nestor Pestana:
O Estado de São Paulo desejando contribuir para
a comemoração do centenário da nossa
independência, resolveu promover a publicação
de uma série de trabalhos relativos as diversas
manifestações da vida nacional, no período
correspondente ao primeiro século de nossa
existência autônoma.
Cada estudo destes poderá ocupar pouco mais ou
menos, o espaço de uma página do “Estado” e
deverá estar concluído e em nosso poder até o fim
de junho de 1922.
Tomamos a liberdade de incluir o nome de V.
Excia. entre os autores por nós escolhidos para a
elaboração desses artigos e pensamos confiar a
V. Excia um tema, de sua escolha, que se inscreve
no quadro acima formulado. Ou outro que V.
Excia nos sugerir(...)
98
.
É interessante notar que a carta, datilografada, tinha um padrão onde vinha escrito
“Tomamos a liberdade de incluir o nome de V. Excia entre os autores por nós escolhidos
para a elaboração desses artigos e pensamos confiar a V. Excia o que se insere no seguinte
tema __________________”. No entanto, na correspondência enviada para Vianna, esse
trecho da carta aparecia riscado. Nestor Pestana afirmava a Vianna que ele poderia escrever
um artigo com um tema de sua escolha, o que demonstra, provavelmente, o prestígio
adquirido por Vianna, em 1922, com os editores desse periódico.
97
Apud FARIA, Luiz de Castro. Oliveira Vianna: De Saquarema à alameda São Boaventura, 41 – Niterói. O
autor, os livros, a obra.. Rio de Janeiro: Relume Dumará/UFRJ, 2002, p. 64.
228
Tudo indica que o projeto de elaboração dos artigos comemorativos mudou e os
editores do Estado de São Paulo decidiram criar uma pequena coleção com os textos
anteriormente publicados no jornal. Para essa coleção, escolheram o nome de Oliveira
Vianna para a autoria do primeiro volume.
Abrir a coleção fazendo parte da “galeria de notáveis”
99
do jornal O Estado de São
Paulo resultava não somente de sua recente trajetória no mundo editorial, mas também de
sua colaboração com esse periódico que, como demonstrado, se desenvolveu de forma
bastante assídua antes mesmo da publicação de Populações Meridionais do Brasil.
O sucesso obtido por seu primeiro livro, Populações Meridionais no Brasil, e ainda
o reconhecimento que vinha adquirindo no campo intelectual, a partir da publicação dos
outros livros, - Pequenos Estudos de Psicologia Social, de 1921, O idealismo da Evolução
Política do Império e da República, publicado em 1922 e Evolução do povo Brasileiro, de
1923 - levaram Vianna a tornar-se membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB), em 1924.
E foi por solicitação do IHGB, que escreveu O Ocaso do Império, publicado em
1925 pela Companhia Melhoramentos de São Paulo. A proposta do IHGB, visando à
comemoração do centenário de D. Pedro II, foi a de convocar alguns de seus membros para
historiar as diversas fases do Império. Seriam onze monografias que deveriam tratar cada
uma delas de um momento específico da história imperial. A Oliveira Vianna coube a
tarefa de tratar do “Império na sua fase pré agônica, quando já mergulhado nas sombras
de seu ocaso melancólico”
100
.
Vianna recebeu o convite com pouca satisfação. Escrever um livro de caráter
histórico não correspondia, naquele momento, aos seus interesses. Alguns anos mais tarde,
assim Vianna se referiria à tarefa solicitada pelo IHGB:
Fora-me distribuído, por sugestão de Max
101
, o
tema sobre a “queda do Império”. Recebi a
designação com reserva, direi mesmo – com
irritação; e estava firme na disposição de
arranjar um pretexto para não escrever o
98
Carta de Nestor Pestana a Oliveira Vianna, datada de 10 de maio de 1922. Arquivo privado de Oliveira
Vianna. Série correspondência. Pasta Nestor Pestana.
99
Expressão utilizado por Castro Faria para se referir aos autores publicados pela Biblioteca do estado de São
Paulo. FARIA, Castro. op.cit. p. 64.
100
VIANNA, Francisco José de Oliveira. apud FARIA, Luiz de Castro. op. cit. p. 70.
101
Max Fleiuss, secretário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
229
trabalho. Não que me seduzisse a tese, que era
excelente e me daria margem para muita coisa;
mas, porque estava inteiramente entregue à
elaboração do 2
o
volume da série Populações
102
e não me agradava interromper o trabalho para
lançar-me em pesquisas de outra natureza. Tal
foi, porém, a insistência de Max, a confiança que
ele tinha de que eu não faltaria ao apelo, que não
me senti com força para desiludí-lo na
expectativa e esquivar-se à designação. Estava
então ainda convalescendo em Teresópolis de
grave enfermidade e tive que desenvolver o tema
longe de meus arquivos e dos meus livros e, em
conseqüência, jogando com material,
documentário reduzidíssimo, nem sempre de
primeira mão. Mas entreguei dentro do prazo: é a
monografia que figura no tomo especial d
“Revista”
103
, comemorativo do centenário de D.
Pedro II, e que, mais tarde saiu em livro, sob o
título “O Ocaso do Império”
104
.
Esse foi o primeiro livro de Vianna publicado pela Companhia Melhoramentos de
São Paulo. Não se pôde esclarecer de que forma se deu a aproximação de Vianna com a
Melhoramentos, mas sabe-se que essa empresa, criada em 1915, atuou no mercado
editorial, ao longo dos anos 20 e 30, desenvolvendo estratégias de segmentação do público
leitor. Assim, ao lado de uma produção que visava a atingir prioritariamente, por exemplo,
as orientações do universo educacional, com a criação, a partir de 1926, da Biblioteca
Infantil, dirigida por Lourenço Filho, expoente do movimento escolanovista no Brasil, a
editora criou uma série de livros que buscavam atender às expectativas do público voltado
para os estudos historiográficos e sociológicos. Publicou, assim, além do livro de Oliveira
Vianna, textos de Affonso Taunay, Oliveira Lima, Assis Cintra, Capistrano de Abreu, Max
Fleiuss e Herbert Smith.
102
O segundo volume de Populações Meridionais do Brasil só seria publicado muitos anos depois, em 1952,
pela editora José Olympio.
103
Ver: VIANNA, Francisco José de Oliveira. “D. Pedro e a propaganda republicana” . Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 98, v. 152, 1925, pp. 412-419 e VIANNA, Francisco José de Oliveira.
“D. Pedro II e seus ministros”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 98, v. 152, 1925, pp.
874-880.
104
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Max Fleiuss”. In: Ensaios Inéditos. Campinas: Unicamp, 1991, p.
349-350.
230
Também a segunda edição de O Ocaso do Império saiu pela Melhoramentos, em
1933, apesar do interesse demonstrado pela Companhia Editora Nacional em publicá-lo.
Em carta datada de 31 de março de 1933, os editores da Melhoramentos reclamavam o
anúncio feito pela Companhia Editora Nacional e pediam esclarecimentos a Vianna:
Prezado sr.
De posse de sua estimada carta sem data, vimos
comunicar a V. S. que até essa data não nos
chegaram as mãos as provas da obra O ocaso do
império de sua autoria (...)
Aproveitando o ensejo pedimos nos esclarecer
sobre o anúncio que da obra acima é feito pela
Companhia Editora Nacional, na capa traseira
das obras da coleção "Brasiliana” de que é
editora, porquanto achamos estranho semelhante
anúncio justamente agora que estamos ocupados
com a impressão da 2
a
edição do livro.
Aguardamos sua resposta, firmamo-nos, com
elevada estima e apreço.
Nesse mesmo período, Vianna desfrutava de grande prestígio junto à Companhia
Editora Nacional, que reeditava seus textos na coleção Brasiliana e mantinha uma
freqüente e cordial correspondência diretamente com Octalles Marcondes Ferreira, seu
proprietário. As cartas de Octalles Ferreira a Vianna, escritas nessa época, começavam
invariavelmente com a saudação “Prezado amigo Dr. Oliveira Vianna”, evidenciando uma
proximidade maior com este editor.
A desconfiança dos editores da Melhoramentos parece ter tido algum fundamento.
Uma carta de Octalles Ferreira para Vianna, datada 25 de janeiro de 1925, portanto três
meses antes da carta anterior, mostra que o autor negociava mesmo a publicação da
segunda edição de O Ocaso do Império com a Companhia Editora Nacional :
Por estes dias mandaremos as provas de
Evolução do Povo Brasileiro. Já é pois oportuno
que V. S. nos envie os originais para a 2
a
edição
de O Ocaso do império.
A respeito dos direitos autorais dessas três
reedições venho lhe fazer a seguinte proposta e
que V. S. pode nos responder com toda a
franqueza se lhe convém ou não: pagaremos 10
contos ao todo pelas três reedições, sendo de
Populações Meridionais do Brasil, 4.000
231
exemplares, Evolução do povo Brasileiro, também
4.000 exemplares e o Ocaso do Império, 3.000
exemplares (...)
Apesar da negociação com a Nacional, os compromissos anteriormente assumidos
com a Melhoramentos levou o livro a ser reeditado por esta última. O ano de 1933 marcou
a reedição de Populações Meridionais do Brasil e Evolução do Povo Brasileiro, na
Brasiliana. O Ocaso do Império não foi jamais incluído no catálogo desta coleção. Talvez
os compromissos contratuais assumidos com a Melhoramentos o tivessem impedido. Mas
o interesse da Companhia Editora Nacional e a relação de Vianna mais próxima com os
dirigentes desta editora talvez possam explicar, ao menos parcialmente, o fato de O Ocaso
do Império ter sido o único livro de Vianna editado pela Melhoramentos. A terceira edição
deste livro seria publicada, muitos anos depois, em 1952, por uma terceira empresa, a
Livraria José Olympio, editora que passará a deter os direitos sobre os livros de Vianna ao
longo dos anos 40.
Ainda nos anos 20, Vianna viria a publicar o livro O Idealismo da Constituição,
pela editora Terra do Sol, em 1927. O texto aqui referido era, na verdade, uma edição em
separata do capítulo de autoria de Oliveira Vianna publicado no livro organizado por
Vicente Licínio Cardoso, em 1924, intitulado À margem da história da República
105
.
Castro Faria chama atenção para o fato de que nas bibliografias de Oliveira Vianna,
o livro O Idealismo da Constituição figura, em geral, como se fosse um texto distinto do
capítulo publicado na coletânea organizada por Licínio Cardoso. Opondo-se a essa visão,
Faria argumenta:
Afinal, é preciso que se restabeleça de uma vez:
esse livrete de 1927 reproduz literalmente o texto
de 1924, do inquérito de Vicente Licínio Cardoso,
ao qual foram incoporados alguns artigos sobre a
mesma temática (...) o livrete O idealismo da
Constituição, publicado no Rio de Janeiro, em
1927, foi uma republicação, com adenda, do texto
publicado em 1924, com o mesmo título, no
inquérito “À margem da história da
República”.
106
105
CARDOSO, Vicente Licínio (org.). À margem da história da República. Rio de Janeiro: Anuário do
Brasil, 1924, pp. 137-160.
106
FARIA, Luiz de Castro de. op. cit. p. 73.
232
Esse texto teria ainda segunda edição, essa sim, ampliada, na coleção Brasiliana,
em 1939. Essa edição é bastante aumentada, tendo Vianna incluído um capítulo que
atualiza os textos anteriores. Apenas a título de comparação, pode-se observar que o texto
editado pela Terra do Sol possuía apenas 158 páginas, enquanto que o da Brasiliana tem
355 páginas. Segundo Faria, a atualização do texto, em 1939, obedece ao propósito de
inseri-lo na conjuntura do fim dos anos 30, dando a Vianna o cunho consagrador de
visionário, aquele que se antecipa aos acontecimentos
107
.
Foi desta posição, articulada durante os anos 20, que Oliveira Vianna orquestrou,
através da crítica às idéias e instituições liberais da Primeira República, o lugar, que ele
mesmo denomina, de cientista social. E foi com o capital cultural e científico, adquirido e
reconhecido, que pôde ocupar cargos políticos que, na sua visão, lhe permitiriam
solucionar os problemas sociais do Brasil. A crença na objetividade e na neutralidade da
ciência o fazia analisar os fatos sociais e afirmar a confiabilidade de suas propostas.
Foi esta visão “científica” que Oliveira Vianna buscou aplicar, nos anos 30, à sua
vida de homem público, tentando articular, na qualidade de Consultor Jurídico do
Ministério do Trabalho, ciência e política na resolução das questões sociais e trabalhistas.
4.2.2) Do sociólogo ao jurista: a produção de Oliveira Vianna nos anos 30 e 40
Durante os oito anos em que permaneceu na Consultoria Jurídica, Oliveira Vianna
dedicou-se inteiramente a assuntos relacionados aos aspectos jurídicos dos problemas
sociais: corporativismo, sindicalismo, direito do trabalho e direito social. A experiência na
Consultoria tornou-se um marco em sua carreira intelectual transformando seus temas de
estudo e criando novos objetos de análise. Seus trabalhos, nessa época, foram objeto de
uma espécie de reorientação. Os livros publicados após este período na Consultoria têm,
segundo Angela de Castro Gomes, “o tom da experiência de um intelectual que passou
pela burocracia do Estado, nela investindo muito tempo e esforço”.
108
Problemas de Política Objetiva foi publicado em 1930, antes mesmo que Vianna
viesse a ocupar o cargo de consultor no Ministério do Trabalho. Este livro compõe-se de
107
FARIA, Luiz de Castro. op. cit. p. 74.
108
GOMES, Angela de Castro. “ A práxis corporativa de Oliveira Vianna” in: BASTOS, Élide Rugai e
MORAES, João Quartim de. O pensamento de Oliveira Vianna.. Campinas: Unicamp, 1993, p. 47.
233
uma coletânea de artigos publicados nos jornais O País, Correio da Manhã, O Jornal, O
Estado de São Paulo e Correio Paulista, entre 1918 e 1928. Ele é apontado por Castro
Faria
109
como uma obra que tem o caráter explícito de “projeto político, de indicador de
rumos e soluções” para o país. Esse autor analisa atentamente o prefácio do livro, escrito
por Oliveira Vianna, demonstrando como este apontava para a idéia de uma proposta
política. No prefácio, Vianna se refere ao livro A Retirada da Laguna, chamando a atenção
para o fato de que o autor, Alfredo Taunay, expõe a ignorância absoluta dos homens que
chefiaram a expedição militar relatada, destacando o papel individual desempenhado por
um indivíduo simples naquela situação. A partir dessa análise, Castro Faria afirma que
Oliveira Vianna critica a elite política brasileira destacando que,
(...) na esfera política e constitucional, as nossas
elites dirigentes não estão mais informadas que
na esfera militar. Nesta, como naquela, o seu
desconhecimento da terra é total
110
.
A partir daí, Oliveira Vianna delineia seu projeto político, oferecendo-se como guia
para a vida política do país:
O objetivo principal desse livro é justamente
mostrar como seria possível corrigir este
desconhecimento e os males que dele derivam,
procurando trazer aos centros de governo e da
administração, por meio do mecanismo
engenhoso dos Conselhos Técnicos, a
colaboração de todos os homens de boa vontade,
práticos, experientes, que, embora não
pertencendo à classe política, estejam contudo –
tal como aquele obscuro campeiro da Retirada da
Laguna, em contato mais direto com a nossa
realidade e, por isso mesmo, mais senhores das
suas indissincrasias, das suas intimidades e dos
seus segredos
111
.
Apresentando-se como detentor de grande conhecimento sobre a realidade
brasileira, apoiado principalmente no sucesso da publicação de seus livros anteriores, já
reconhecido intelectualmente, Oliveira Vianna mostrava-se como um dos “homens de boa
109
FARIA, Luiz de Castro. op.cit. p. 75.
110
VIANNA, 1974. p. 17.
111
Idem.
234
vontade”, “experiente” que poderia colaborar para a superação do “desconhecimento” da
elite política e para a elaboração de um projeto estatal que tirasse o país da situação de
atraso em que se encontrava.
Vasconcellos Torres registra que a publicação do livro em 1930, aliado a essa
postura de Vianna de se oferecer como iluminador dos caminhos dos homens políticos,
ocasionou uma série de criticas negativas:
Verdadeira atordoada levantou-se contra o novo
livro, encontrando eco nas gazetilhas do Jornal
do Comércio. A campanha presidencial de 1930
ocorria num clima agitado e os artífices da
celeuma imputavam ao escritor a ridícula
acusação de que seu propósito era o de fornecer
aos poderosos do dia os elementos que lhe
permitiriam golpear a democracia e as
instituições vigentes. A crítica impiedosa não
cessava no martelamento dessas inverdades. (...)
A coincidência da publicação do livro com os
comícios eleitorais de 30 parece ter gerado a
injustificável tempestade
112
.
Fiel ao seu estilo, Oliveira Vianna responderia a essas críticas somente em 1947, no
prefácio da segunda edição dessa obra. Nessa ocasião, ele escreveria uma resposta que
reforçaria a auto-imagem de um intelectual acima das disputas partidárias, um homem
totalmente dedicado à ciência e à busca da verdade que, nesse momento, se traduzia na
pesquisa e explicação das características da realidade nacional:
Não tenho, nem nunca tive atinências partidárias
de qualquer espécie. Não pertenço a partido
algum. Não pertenço, nunca pertenci e espero em
Deus que terei a lucidez e o bom senso bastantes
para jamais pertencer. Muito ao contrário disso,
sempre fiz timbre de ser um espírito livre,
inteiramente livre, desses atilhos de partidos.
Desta liberdade, que o meu apartidarismo me
concede, se a tenho usado têm sido para julgar os
nossos homens públicos e os nossos homens de
governo com inteira independência e
imparcialidade, ou censurando-os quando fazem
jus à censura, ou aplaudindo-os quando merecem
o meu aplauso, e, se nominalmente tenho
112
TORRES, Vasconcelos. op.cit. p. 144.
235
aplaudido a este ou aquele homem de governo –
fato aliás raríssimo -, só o tenho feito quando seus
atos coincidem com as linhas fundamentais do
meu pensamento, expresso em quase uma dezena
de livros. Estes livros é que constituem o meu
partido: não tenho outro
113
.
Nesse prefácio é a auto-imagem do intelectual e do cientista que Oliveira Vianna
pretende destacar, anunciando que as disputas partidárias e políticas estariam destinadas a
um outro tipo de indivíduo.
Esse foi o primeiro livro de Vianna publicado pela Companhia Editora Nacional,
empresa criada por Monteiro Lobato, em 1925, em sociedade com Octalles Marcondes
Ferreira, depois que a Monteiro Lobato & Cia havia pedido falência.
Octalles havia se tornado sócio de Lobato em 1920, quando da criação da Monteiro
Lobato & Cia. No início dos anos 20, os negócios na editora iam muito bem, levando
Lobato e Octalles Ferreira a endividarem-se com a importação de novas máquinas. Porém
em 1924, a revolta dos tenentes em São Paulo paralisou as atividades da empresa por dois
meses, o que os fez acumular um grande prejuízo. Um ano depois, em junho de 1925, uma
grande seca castigou São Paulo, levando ao corte de energia elétrica pela Light e novas
perdas para a Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato
114
.
Com tantos contratempos e prejuízos, Lobato foi obrigado a requerer, em 24 de
julho de 1925, a falência da empresa. Mas essa atitude não significou para ele o abandono
do mercado editorial. No mesmo ano, em 15 de setembro, nascia, no Rio de Janeiro, a
Companhia Editora Nacional, com sede na rua Senador Dantas, n. 105. Essa empresa
cumpriria uma importante função na história editorial do país e desempenharia, mais
particularmente, um papel significativo na trajetória editorial dos livros de Vianna. Isso se
deu não somente com o lançamento de obras isoladas mas, principalmente, pela sistemática
reedição na coleção Brasiliana, lançada por esta editora a partir de 1931.
No início dos anos 30, um ano após o lançamento do primeiro volume da coleção
Brasiliana - Figuras do império e outros ensaios, de Pereira Batista -, saía o primeiro livro
113
VIANNA, Francisco José de Oliveira. op. cit. p. 22-23.
114
Sobre o endividamento da empresa, ver: KOSHIYAMA, Alice Mitika. Monteiro Lobato: intelectual,
empresário, editor. São Paulo: T. A. Queiroz editor, 1982 e AZEVEDO, Carmem Lucia de, CAMARGOS,
Márcia e SACHETTA, Vladmir. Monteiro Lobato : furacão na Botocúndia. São Paulo: editora Senac de São
Paulo, 1998.
236
de Vianna nesta coleção. Era o quarto volume da série, um texto inédito de Vianna
intitulado Raça e assimilação.
Vianna parece não ter gostado muito da edição organizada pela Companhia Editora
Nacional e nem mesmo da inclusão de seu livro na coleção Brasiliana que dava, naquele
momento, seus primeiros passos. Uma carta de Octalles Ferreira, de 12 de maio de 1932,
responde as prováveis críticas de Vianna à edição do livro:
Prezado amigo Dr. Oliveira Vianna
Acabo de receber sua última carta e fiquei muito
triste com a notícia que me deu de que no livro
existe vários erros de revisão.
Não foi por falta de cuidado, pois mandei fazer
uma revisão completa pelos nossos revisores e
eles são habilitados pois são profissionais e
trabalham nesse serviço há anos. Por isso foi
grande a minha surpresa. Se o senhor ainda
quiser e julgar necessário poderemos fazer uma
errata.
O livro vai saindo bem.
A capa é de uma coleção da qual já publicamos 4
volumes
115
. Mas não é futurista.
Na opinião de Castro Faria, esse livro já nasce
(...) inapelavelmente envelhecido. Só serve como
representação das representações, então em voga
no campo intelectual brasileiro, sobre a
diversidade étnica e a pluralidade cultural. Aliás,
quando foi lançado já era velho em termos de
fundamentação teórica. Artur Ramos acusou-o de
basear-se em “ciência do século passado” e
Oliveira Vianna certamente não gostou, mas era
verdade incontestável.
116
Apesar das críticas pelo fato de se remeter diretamente “ao problema da raça ou
das raças no Brasil”
117
, o livro não parece ter tido, no momento de seu lançamento, um
julgamento muito negativo, pois a primeira edição foi seguida de duas outras, em 1934 e
115
Os quatro volumes a que se refere Octalles Ferreira são: Figuras do Império e outros ensaios, de Pereira
Batista, publicado em 1931; O marquês de Barbacena, de João Pandiá Calógeras, de 1932; As idéias de
Alberto Torres, de Alcides Gentil, de 1932, e o próprio livro de Vianna.
116
FARIA, Luiz de Castro. op. cit. p. 80.
117
VIANNA, Francisco José de Oliveira. Raça e assimilação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959, p. 10 (4
a
edição).
237
em 1938, na própria coleção Brasiliana e ainda uma quarta edição, em 1959, pela José
Olympio editora.
Provavelmente tinham sido justamente essas críticas que fizeram com que Vianna,
no momento de lançamento da segunda edição, escrevesse um prefácio onde destacava as
qualidades do texto e sublinhava os espaços nos quais teria tido uma recepção positiva:
Teve este livro uma acolhida benévola por parte
da crítica e do público. Houve um certo
movimento de interesse em torno dos temas nele
agitados. Em alguns centros de cultura médica,
vários de seus pontos de vista foram discutidos.
O segundo livro de Vianna, lançado nos anos 30, foi Problemas de Direito
corporativo
118
, reunindo um conjunto de artigo publicados no Jornal do Comércio, do Rio
de Janeiro, rebatendo as críticas que o deputado Waldemar Ferreira havia feito ao projeto
de organização da Justiça do Trabalho.
Esse foi o primeiro texto de Vianna lançado pela José Olympio, que viria a se tornar
mais tarde o principal editor dos intelectuais ligados ao Estado Novo:
Livros de Amaral, Almir de Andrade, Francisco
Campos, Oliveira Vianna e outros corifeus do
regime foram ganhando terreno no catálogo da
José Olympio. Por volta do fim da década (...) os
benefícios para a editora José Olympio também
ressaltam ao constatar que a maior parte das
resenhas de obras publicadaas nas revistas do
DIP, em Novas Diretrizes dirigida por Azevedo
Amaral, em Letras Brasileiras revista dirigida por
Heitor Moniz e editada pela empresa editora
oficialista A Noite, correspondem a livros
editados por aquela publicadora.
119
Essa casa editorial lançou seu primeiro livro um mês após a criação da livraria,
inaugurada no dia 29 de novembro de 1931, em São Paulo. Desde os seus primeiros
trabalhos editoriais, José Olympio caracterizou-se por estabelecer laços muito próximos
118
Esse livro possui uma segunda edição publicada pela editora da Câmara dos Deputados, em 1983, com
introdução de Alberto Venâncio Filho.
119
SORA, Gustavo. Brasilianas. A casa José Olympio e a instituição do livro nacional. Rio de Janeiro:
UFRJ/PPGAS/Museu Nacional, 1998, p. 182.
238
com os autores editados
120
. Com Oliveira Vianna não foi diferente. Depois da mudança da
livraria para a Rua do Ouvidor, número 111, no centro do Rio de Janeiro, essa passou a ser
uma das poucas livraria freqüentadas por Vianna. Apesar de sua preferência por comprar
por catálogo, sem sair de sua casa, Oliveira Vianna quebrava esse hábito quando, todas as
semanas, às quartas-feiras, dirigia-se à Livraria José Olympio para conversar com o
editor
121
. Vianna não era o único intelectual que se costumava freqüentar a José Olympio.
O editor costumava utilizar o seu escritório para receber os autores para conversas sobre
atualidades, projetos de livros e coleções
122
.
A prática dos intelectuais reunirem-se em livrarias para discutir projetos mútuos era,
neste momento, já bastante antiga no Rio de Janeiro. Além dos demais espaços de
sociabilidade, as livrarias apareciam, desde o final do século XIX, como local de reunião.
Entre elas destacava-se a Garnier, que tinha sido fundada nos últimos anos do século XIX,
no edifício até então ocupado pela livraria Briguiet.
Na festa de inauguração havia sido distribuído aos convidados um volume de
Machado de Assis, com o autógrafo do autor. Machado viria a se tornar um dos mais
importantes freqüentadores da Garnier, ao lado de José Veríssimo e Mário de Alencar
123
. A
importância da livraria entre os literatos era tão grande, que levou João Luso, em um artigo
intitulado “A sublime porta”, publicado na revista Kosmos, em 1908, a se referir à porta da
Garnier da seguinte forma:
Atravessá-la representa já um primeiro êxito,
qualquer coisa como transpor de um passo
resoluto e heróico o marco da estrada simbólica,
para aquém do qual tudo é obscuridade, para
além do qual tudo é consagração. (...) Ficar ali de
perna trançada, o ombro contra o batente, as
duas mãos solidamente apoiadas no castão da
bengala, eis a decisiva demonstração de talento
ou de valor que a história exige para
conscientemente se pronunciar. Parar àquela
soleira ilustre é indicar aos séculos vindouros a
atitude da própria estátua; é posar para a
120
SORA, Gustavo. op. cit. p. 66.
121
Essa informação foi fornecida por Marcos Almir Madeira, um dos poucos amigos ainda vivos de Vianna,
em entrevista no Rio de Janeiro, no dia 17 de maio de 2002.
122
SORA, Gustavo. Op. cit. p. 177.
123
As informações sobre a livraria Garnier podem ser obtidas em: BROCA, Brito. A vida literária no Brasil –
1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975, pp. 40-45.
239
posteridade. A Academia, por ser exclusivamente
de letras, não pode dar, no seu seio restrito, lugar
a todos os imortalizáveis; além disso dispõe
apenas de quarenta cadeiras, em cada uma das
quais se pode sentar apenas um gênio; ao passo
que a porta da Garnier, onde os vultos se podem
continuamente revezar, corresponde a um espaço
ilimitado, independente de eleições, sem poltronas
embaraçosas, sem as insígnias do sr. Rodrigo
Otávio atravancando a apoteose dos eleitos. A
porta da Garnier amplia a Academia, ao mesmo
tempo que repara as injustiças devidas à sua
insuficiência.
124
Não era somente a roda de amigos de Machado de Machado de Assis que se reunia
na Garnier. Outras rodas de escritores, como a dos simbolistas, anarquistas e socialistas, na
qual se agrupavam Gustavo Santiago, Rocha Pombo, Múcio Teixeira, Pedro Couto, Fábio
Luz, Curvelo de Mendonça, Nestor Vitor e outros
125
.
Além da do grupo da Garnier, havia outras livrarias no centro da Capital da
República reiteradamente visitadas por intelectuais. O próprio Machado de Assis
costumava freqüentar a Livraria Quaresma, à rua São José, onde também se reuniam
Alberto de Oliveira, Catulo Cearense e João Ribeiro. Na Livraria Briguiet, à rua Nova do
Ouvidor, costumavam aparecer o Barão Homem de Melo, Artur Orlando, Pandiá
Calógeras, Graça Aranha, Cândido de Oliveira e Rui Barbosa. Na Laemmert, também na
rua do Ouvidor, podiam ser vistos Figueiredo Pimentel, Jarbas Loretti, Elísio de Carvalho,
e, após 1903, Euclides da Cunha. Freqüentavam a Livraria Azevedo, na rua Uruguaiana,
Carlos de Laet, Fausto Barreto, Hemérito José dos Santos e Castro Lopes
126
.
124
LUSO, João. “A Sublime Porta” , artigo da Revista Kosmos, em novembro de 1908. Apud BROCA, Brito.
A vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975, p. 40 e 41
125
Estes nutriam uma certa hostilidade em relação a Machado, visto que consideravam que seus seguidores
haviam sido afastados da Academia Brasileira de Letras no momento de sua fundação. Sobre esta questão,
Alceu Amoroso Lima assim se pronunciou no seu Quadro sintético da Literatura Brasileira : “Basta ver
como o simbolismo de 1890, ou mesmo de 1900, foi conservado à margem e seus maiores representantes
sistematicamente afastados da Academia, em 1897 (Cruz e Souza estava então no auge de um imenso
prestígio em todo o território nacional, como documenta o meu Panorama), que pretendia ser, como quase
foi – salvo este erro capital dos maiores, como Machado de Assis ou Joaquim Nabuco – uma seleção de toda
a elite intelectual da época. O simbolismo foi considerado pela gerontocracia parnasiana, naturalista, ou
simplesmente intelectual, como sendo uma minoria desprezível”. Apud BROCA, Brito. op. cit. p. 43.
126
Todas as informações a respeito das livrarias foram obtidas em BROCA, Brito. op. cit. pp – 40-45.
240
Talvez tenham sido os preparativos para a edição de Problemas de direito
corporativo que tenham aproximado Oliveira Vianna de José Olympio. Este livro, bem
como Problemas de direito sindical, seu texto subseqüentemente editado pela Editora Max
Limonad, do Rio de Janeiro, em 1943, equivalem, na opinião de Castro Faria, a “uma
prestação de contas da sua atuação como especialista a serviço de um grande projeto
político”. É “(...) a demonstração pública da sua capacidade técnica e do seu desempenho
marcante como consultor do Ministério do Trabalho”
127
. Entre o lançamento do primeiro e
do segundo livro, foi ainda publicado pelo Serviço de Estatística da Previdência e Trabalho,
em 1939, um livrinho de 31 páginas, intitulado As Novas Diretrizes da Política Social, que
reproduzia uma conferência proferida por Vianna da Escola de Serviço Social, em 30 de
agosto de 1939.
O último livro publicado por Vianna ainda em vida foi Instituições Políticas
Brasileiras, que saiu pela José Olympio, em dois volumes, em 1949. Este livro pode ser
considerado um grande acerto de contas de Vianna com os críticos de sua obra. Nele,
Vianna reafirma as suas concepções teóricas e as principais idéias desenvolvidas ao longo
de sua obra. Mas aproveita também para revelar “a sua intimidade com as novidades da
ciência social, mas sempre fazendo recordar que ele mesmo, muito antes já abordara o
problema”
128
. Numa incrível quantidade de notas de rodapé, Vianna comenta os novos
textos e as críticas dirigidas aos seus livros anteriores.
Esse é mais um dos livros de Vianna reeditado diversas vezes. Ele teve uma
reedição pela José Olympio, em 1955, uma 3
a
edição publicada pela Record, em 1974, a 4
a
edição saiu pela editora Itatiaia, num projeto conjunto com a editora da Universidade
Federal Fluminense e ainda uma última edição, preparada pela editora do Senado Federal
nas comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil.
Assim que lançou Instituições Políticas Brasileiras, os planos de José Olympio
eram lançar uma publicação com as obras completas de Vianna. No periódico A vida dos
livros, publicado pela editora, ela anunciava os seus próximos lançamentos e as novidades
de seu catálogo. No arquivo privado de Vianna está presente o n. 134 deste periódico, com
um bilhete manuscrito de José Olympio, no qual se lê:
127
FARIA, Luiz de Castro de. op. cit. p. 83.
128
FARIA, Luiz de Castro. op. cit. p. 86.
241
Ao prezado Dr. Oliveira Vianna com um abraço
amigo, este boletim que enviamos a quase todas
as principais cabeças do país.
José Olympio
129
Nesse exemplar, a editora anuncia os diversos lançamentos previstos para os anos
de 1951. Ao lado de livros de Mário Donato, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do
Rego, Rubem Braga, Graciliano Ramos, entre outros, publica o plano de edição das obras
completas de Oliveira Vianna, noticiando:
A Livraria José Olympio anuncia para breve o
lançamento das obras completas de Oliveira
Vianna, cujos estudos de história e sociologia são
dos mais importantes e fundamentais para um
exato conhecimento das atuais condições de nosso
povo, em tudo que se refere a evolução de nossas
instituições políticas, sociais e econômicas. Autor
de obra já numerosa que se destaca pela solidez
da erudição e pela objetividade com que foi
construída, Oliveira Vianna vai agora apresentá-
la de maneira uniforme e sistemática coroando
assim longos anos de estudo e meditação sobre os
grandes problemas nacionais.
130
A publicação das obras completas faria chegar ao público, ao lado da reedição de
seus livros, uma grande quantidade de textos ainda inéditos que Vianna freqüentemente
anunciava como prontos. Uma carta de José Olympio a Vianna, datada de 26 de outubro de
1950, parece justamente preparar o lançamento desse projeto da editora:
Prezado Dr. Oliveira Vianna,
Estimo que este bilhete o encontre melhor.
Como vê, os jornais já estão publicando a notícia
das obras completas.
E os inéditos? O 2
o
volume das Populações?
Posso programar essa obra para 1951?
131
.
O ano de 1950 marcaria o agravamento das condições de saúde de Vianna que viria
a falecer em março de 1951. A morte de Vianna não frustrou os planos da José Olympio
129
Carta de José Olympio a Oliveira Vianna. Arquivo pessoal de Oliveira Vianna. Série correspondência.
Pasta de José Olympio.
130
A vida dos livros. Rio de Janeiro: José Olympio, n. 134.
242
que, neste mesmo ano, começou a lançar as obras completas do autor. A coleção não teve
início com o 2
o
volume de Populações Meridionais do Brasil como possivelmente
pretendia o editor, mas sim com o lançamento do livro Direito do Trabalho e democracia
social, seu primeiro texto póstumo publicado em 1951.
4.2.3) As obras póstumas
Direito do Trabalho e democracia social é a primeira obra póstuma de Vianna. É
mais uma das coletânea lançadas por ele. Num prefácio datado de 20 de julho de 1948, o
que indica que o livro já estava pronto alguns anos antes de ser lançado, ele afirma que esta
é uma coletânea de textos, conferências, ensaios e artigos de jornais elaborados no período
compreendido entre 1932 e 1940, justamente quando serviu como consultor jurídico do
Ministério do Trabalho.
O segundo livro de Vianna, lançado postumamente, foi Problemas de organização e
problemas de direção, editado pela José Olympio, em 1952
132
. Apesar de publicado um ano
após a sua morte, o livro traz um prefácio assinado por ele, o que indica, como o anterior,
que ele já estava preparado, esperando a publicação alguns anos antes.
Após esses dois volumes, foram editados dois livros inéditos de Vianna que
tratavam de assuntos muito diferentes dos anteriores e que, embora lançados com um
grande intervalo, possuíam entre eles uma temática comum: Introdução à História social
da economia pré-capitalista no Brasil e História social da economia capitalista no Brasil
datam, respectivamente, de 1958 e 1987.
Ambos os livros foram organizados a partir de manuscritos inéditos deixados por
Vianna em seu arquivo pessoal. Apesar de lançados como novidade e como texto atual,
Castro Faria faz uma dura crítica a Introdução à história social da economia pré-capitalista
no Brasil, afirmando que, no momento de seu lançamento, “(...) o discurso de Oliveira
Vianna – de simplificador e reducionista – já se tornara completamente inaceitável”
133
.
131
Carta de José Olympio a Oliveira Vianna. Arquivo pessoal de Oliveira Vianna. Série correspondências.
Pasta José Olympio.
132
Importante destacar aqui que o 2
o
volume de Populações Meridionais do Brasil, O acmpeador Rio-
grandense foi lançado também em 1952, pela editora José Olympio, como já nos referimos.
133
FARIA, Luiz de Castro. op. cit. p. 95.
243
Nos anos 50, a obra de Vianna havia envelhecido e as críticas negativas que se publicavam
situavam-no entre os autores de ciências sociais do Brasil que mereciam o esquecimento
134
.
O segundo texto, História social da economia capitalista no Brasil, foi lançado
apenas no final dos anos 80, numa edição conjunta da editora Itatiaia e da Eduff. Apesar de
publicado 36 anos após a morte de Vianna, o prefaciador da obra é o próprio autor, que já o
havia deixado pronto. Assim, Vianna mantém mesmo nas suas obras póstumas a sua
característica de ser sempre prefaciador de suas próprias obras. Antecipando as possíveis
críticas que o livro poderia vir a sofrer, anuncia no prefácio que não considerava nem este,
nem o outro texto sobre o pré-capitalismo trabalhos definitivos. Segundo o autor, eram
“(...) capítulos em esboço, antes croquis de capítulos, capítulos ainda não concluídos, em
que há numerosos pontos de incerteza ou de dúvida, corrigíveis, espero, numa terceira
revisão mais cuidadosa”
135
. Vianna não teria tempo de proceder à revisão, o que acabou
por ser feito pelo seu secretário de longa data, Hélio Benevides Palmier, a quem coube a
organização dos originais para publicação.
O último livro de Vianna publicado postumamente foi uma coleção de ensaios
editado pela Unicamp, em 1991, que se intitula Ensaios Inéditos. Reunindo textos de várias
épocas distintas da produção de Vianna, organizados também por Hélio Benevides, o livro
conta com uma apresentação de Marcos Almir Madeira, amigo e um dos principais
divulgadores da obra de Vianna. Nessa apresentação, Almir Madeira se propõe resgatar a
contemporaneidade do texto de Vianna, afastando os julgamentos negativos da crítica e
livrando-o, principalmente, da acusação de racista. Cita trechos inéditos de Vianna:
“(...) tudo parece indicar que o futuro tipo
antropológico do brasileiro será o ariano
modelado pelos trópicos, isto é, o ariano vestido
com aquilo que alguém chamou a “libré de
clima”. O brasileiro do futuro, por maior que seja
o grau de arianização, não deixará de ser o
moreno que sempre foi”
136
Marcos Almir Madeira então conclui, questionando :
134
Mesmo assim, o livro ganharia, em um outro contexto, uma 2
a
edição publicada pela editora Record em
1974.
135
VIANNA, Francisco José de Oliveira. História social da economia capitalista no Brasil. Belo Horizonte:
Itatiaia, Niterói: Eduff, 1987, p. 21
244
Não estará aí, embrionária, a tese da morenidade,
que tanto ampliou a merecida popularidade de
Gilberto Freyre como sociólogo e
antropólogo?...
137
Madeira, como bom discípulo, usava as mesmas armas aprendidas com o mestre.
Digeria a crítica tentando, a partir dela, atualizar a obra de Vianna e mostrá-la como
antecipadora das análises posteriores. Oliveira Vianna, no início dos anos 90, deveria ser
lido, na visão de Almir Madeira, não como um opositor de Gilberto Freyre - condição
tantas vezes celebrada pela crítica - mas sim, como um antecipador da teses freyreanas,
mais consagradas, por sua vez, no campo das ciências sociais no Brasil.
4.2.4) Oliveira Vianna e as coleções de estudos brasileiros
A maior parte dos livros publicados por Oliveira Vianna foi inserida em coleções
que as diversas editoras brasileiras lançaram com o objetivo de valorizar a cultura nacional
e divulgar o trabalho de intelectuais brasileiros ou estrangeiros sobre o Brasil.
Evidentemente, o ato de inserir um livro e um autor numa determinada coleção
significa torná-lo parte de uma produção editorial coletiva, na qual cada um dos volumes
deve, de alguma forma, representar a idéia totalizadora. Organizar uma coleção implica na
definição de um destinatário preciso, numa escolha de textos definida por um projeto
intelectual e editorial e na crença de que essa seleção previamente dada pode condicionar,
de algum modo, a recepção. Para os criadores das coleções, todos profissionais do mundo
editorial - considerados por sua politização e por seu engajamento em favor de um
progresso do conhecimento - os livros e as coleções cumprem o papel de aperfeiçoamento
moral e espiritual e de enriquecimento da consciência
138
.
Dessa forma, as coleções podem ser consideradas como um espaço que constituiu
uma determinada memória e que se pode resgatar a partir da investigação das etapas de
construção do conjunto: a seleção das obras e dos temas, as características editoriais, as
136
VIANNA, Francisco José de Oliveira apud MADEIRA, Marcos Almir. “Apresentação”. In: VIANNA,
Oliveira. Ensaios Inéditos. Campinas: Unicamp, 1991, p. 8.
137
MADEIRA, Marcos Almir. op. cit. p. 8
138
OLIVERO, Isabelle. “La collection, lieu de savoir et de mémoire”. L´invention de la collection. Paris:
Éditions de l´IMEC, 1999, p. 270.
245
formas para difusão dessa escolha, enfim, a fabricação dos volumes e as intenções dos
editores.
A literatura especializada é unânime em considerar os anos 30 como um momento
de significativas mudanças no que diz respeito ao mercado editorial brasileiro: maiores
tiragens, novas estratégias de distribuição, edições mais bem acabadas e melhor
remuneração dos autores através do pagamento de maiores quantias pelos direitos autorais.
Foi também nesse decênio que as diversas editoras nacionais passaram a organizar coleções
nas quais estabeleciam o que era fundamental ser lido para se conhecer o Brasil. A primeira
dessas coleções foi a Brasiliana, já bastante citada neste trabalho.
Esta coleção, criada em 1931, fazia parte de um projeto editorial mais complexo,
lançado pela Companhia Editora Nacional e que se intitulava Biblioteca Pedagógica
Brasileira (BNP). Organizada por Fernando de Azevedo, subdividia-se em cinco séries,
Literatura Infantil, Atualidades Pedagógicas, Livros Didáticos, Iniciação Científica e
Brasiliana.
Os livros da Brasiliana, editados em formato pequeno, possuíam uma capa
padronizada – um contorno do mapa do Brasil pontilhado de estrelas – e contavam,
invariavelmente, com a seguinte apresentação:
A 5ª série, que figura na BNP, com o título de
Brasiliana, é a mais vasta e completa coleção que
se tentou, até hoje, de estudos brasileiros. Esta
série compõem-se de ensaios sobre a formação
histórica e social do Brasil, de estudos de figuras
nacionais e de problemas brasileiros (históricos,
geográficos, etnológicos, políticos, econômicos
etc), de reedição de obras raras e de notório
interesse e de traduções de obras estrangeiras
sobre assuntos brasileiros
139
.
Entre 1930 e 1940, nos dez primeiros anos de sua publicação, a coleção Brasiliana
editou cerca de 200 títulos distintos, de vários autores diferentes. As análises
historiográficas ocuparam, nesse período, uma posição destacada. Segundo Heloísa Pontes,
139
PONTES, Heloísa . “Retratos do Brasil: editores, editoras e “Coleções Brasiliana” nas décadas de 30, 40 e
50” in: MICELI, Sérgio (org.) , História da Ciências Sociais no Brasil. (vol. 1). São Paulo: Vértice/Ed.
Revista dos Tribunais, IDESP, 1989,. p. 390.
246
(...) o que se explica pelo movimento de
“redescoberta” do país, produzido em grande
parte pelo pensamento social da época que
reintroduziu, a partir de novas chaves analíticas
e políticas, o debate sobre a questão da cultura e
da identidade nacional. É, pois, nesse contexto
que se deve buscar as razões tanto para a
produção de ensaios de cunho “sociológico” (...)
como para reedição de cronistas e viajantes,
sobretudo daqueles que, através de expedições
científicas, percorreram o país ao longo do século
XIX.
140
Oliveira Vianna figura como um dos autores mais editados pela Brasiliana, no
período. Se considerarmos os anos compreendidos entre 1930 e 1940, ele aparece em
terceiro lugar, com quatro livros publicados, precedido apenas de Saint-Hilaire, com sete
livros, e Pedro Calmon e Pandiá Calógeras, com seis. Dos sete livros publicados por
Oliveira Vianna, durante os anos 20, três foram reeditados pela Brasiliana nos anos 30
141
, o
que demonstra uma boa recepção de sua obra e um percurso que justifica ser considerado
um dos mais importantes intelectuais desse período
142
, sobretudo se considerarmos que o
grande momento editorial da Brasiliana foram justamente os anos 30
143
.
140
PONTES, Heloísa. op. cit.. p. 392.
141
Os livros publicados por Oliveira Vianna nos anos 20 e reeditados pela Brasiliana nos anos 30 são:
Populações Meridionais do Brasil, São Paulo, Monteiro Lobato e Cia, 1920 (1ª edição) e 3ª edição,
Brasiliana, 1933; Evolução do Povo Brasileiro (publicada na 1ª edição com o título de O Povo Brasileiro e
sua Evolução). Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, 1922 e 2ª edição, Brasiliana,
1933; e O Idealismo da Constituição, Rio de Janeiro, Terra do Sol, 1927 (1ª edição) e 2ª edição, Brasiliana,
1939.
142
A presença de Vianna na Brasiliana pode ser considerada também pela participação direta ou difusa em
volumes de outros autores. O primeiro volume da coleção, um texto de Pereira Batista, intitulado Figuras do
Império e outros ensaios, o autor escreve um capítulo no qual dialoga com o texto de Oliveira Vianna, O
idealismo da Constituição, que havia sido publicado alguns anos antes, em 1927. Também o volume número
3, As idéias de Alberto Torres, escrito por Alcides Gentil, conta com um prefácio de Vianna. Dessa forma,
pode-se verificar que Vianna tem alguma participação em 3 dos 4 primeiros volumes da coleção,
demonstrando não somente o prestígio que ele desfrutava dentro da Companhia Editora Nacional, mas
também o seu reconhecimento no campo intelectual no período.
143
Em seu estudo sobre as coleções de assuntos brasileiros, citado anteriormente, Heloísa Pontes noticia que
“A Brasiliana, por exemplo, que conheceu seu boom editorial na década de 30 e meados dos anos 40, passou
a partir de então a dar prejuízos sistemáticos à Nacional. Sua continuidade só foi possível graças aos
subsídios do governo federal, feitos através da compra de 500 exemplares de cada livro pelo Instituto
Nacional do Livro”. In: PONTES, Heloisa. op. cit. p. 386.
247
Depois da Brasiliana
144
, as demais editoras brasileiras criaram suas próprias
coleções. Durante os anos 30, 40 e 50, a Livraria José Olympio e a Livraria Editora Martins
dedicaram-se à organização de coleções, tais como a Documentos Brasileiros (1936) e a
Biblioteca Histórica Brasileira (1940), que visavam, também, a estudar a realidade do país
desvendando, mapeando e caracterizando seus múltiplos aspectos.
A idéia da Brasiliana passou a balizar a história do livro no Brasil, indicando o
princípio que orquestraria a organização de coleções formadas por aqueles livros que
deveriam necessariamente ser lidos para se conhecer o país, algo como “(...) uma coleção
metafórica do país, onde um leitor forâneo, por exemplo, pudesse de um só golpe de vista
ter toda a cultura nacional ao seu alcance”
145
. Esse procedimento criou uma espécie
tradição entre as casas editoriais brasileiras que passaram cada uma delas a criar a sua
própria “brasiliana”, com objetivos semelhantes à primeira e com o propósito de conquistar
uma fatia do mercado editorial.
Os livros de Vianna foram, aos poucos, sendo editados e reeditados em muitas
dessas coleções. A sua constante inserção nesses conjuntos de livros revela a idéia de que
Vianna foi sendo visto como um autor fundamental para a compreensão dos diversos
aspectos da cultura e da sociedade brasileira e a sua obra foi sendo construída e constituída
como símbolo do pensamento sociológico brasileiro.
Para Vianna, a inclusão de seus livros nessas coleções significa não somente a
maior divulgação de seu trabalho, mas também um aumento nos seus rendimentos em
direitos autorais, pois “como em larga medida, a coleção era um empreendimento de
prestígio para a editora, a inclusão de um trabalho nela sempre foi, na prática, uma
garantia de venda e de publicidade”
146
Assim, a coleção Brasiliana incluiu no seu catálogo os seguintes livros de Oliveira
Vianna: Populações Meridionais do Brasil, Evolução do Povo Brasileiro, O Idealismo da
Constituição, Problemas de política Objetiva e Raça e Assimilação.
144
Sobre as coleções de assuntos brasileiros publicadas nos anos 20, 30 e 40, ver o importante estudo de
PONTES, Heloísa . “Retratos do Brasil: editores, editoras e “Coleções Brasiliana” nas décadas de 30, 40 e
50” in: MICELI, Sérgio (org.) , História da Ciências Sociais no Brasil. (vol. 1). São Paulo: Vértice/Ed.
Revista dos Tribunais, IDESP, 1989, pp. 359-483.
145
SORA, Gustavo. Brasilianas. A casa José Olympio e a instituição do livro nacional. Rio de Janeiro:
UFRJ/PPGAS/Museu Nacional, 1998, p. 16.
146
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. São Paulo: Edusp/ T. A. Queiroz, 1985, p. 301.
248
Populações Meridionais do Brasil foi ainda incluído nas coleções Estudos sobre o
Brasil e a América Latina, editada pela Paz e Terra, Reconquista do Brasil
147
, publicada
pela Itatiaia e Eduff, e Intérpretes do Brasil, publicado pela Nova Aguilar.
Esta última coleção publicou ainda Instituições Políticas Brasileiras, Introdução à
história social da economia pré-capitalista no Brasil e História social da economia
capitalista no Brasil.
Problemas de Direito corporativo foi incluído na coleção Biblioteca do pensamento
político republicano, editado pela Câmara dos Deputados e Instituições Políticas
Brasileiras compôs a coleção Biblioteca básica brasileira, editada pelo Senado Federal.
Além disso, como já foi dito anteriormente, a coleção Biblioteca d´O Estado de São Paulo
foi inaugurada com o livro de Vianna, O idealismo na evolução política do Império e da
República.
A inclusão de Vianna no catálogo de coleções das diversas editoras que publicaram
os seus livros traduz a importância deste autor no campo intelectual, pois, apesar de
profundamente criticado em alguns momentos de sua trajetória, ele ainda é lembrado a cada
vez em que se pensa em constituir uma coleção de livros que representem o pensamento
social brasileiro.
4.3) Oliveira Vianna por Oliveira Vianna: as representações de si na obra
publicada
Oliveira Vianna construiu, na sua obra publicada, auto-representações
constantemente reelaboradas através dos prefácios que escreveu para as suas obras e das
contínuas citações de seus livros ainda em elaboração. Em prefácios, notas de auto-
referência, bem como nas correspondências, Vianna estabelecia programas de escrita e
anunciava aspectos da obra que estava produzindo. Esses “programas de escrita” eram a sua
maneira de reafirmar a homogeneidade de sua obra, referir-se aos textos ainda em
preparação, anunciar projetos futuros, evitar possíveis críticas e, ainda, responder aos
147
A coleção Reconquista do Brasil dirigida por Mário Guimarães Ferri tinha como objetivo “divulgar obras
raras do passado e lançar preciosidades do presente”. Ver: SEGALA, Lygia. Ensaios de luzes sobre um
Brasil pitoresco: o projeto fotográfico de Victor Frond. Rio de Janeiro: PPGAS/Museu Nacional, 1998, p.
299.
249
críticos. Dessa forma Vianna, de certo modo, conformava a recepção de seus livros,
divulgando idéias que acabariam por ser incorporadas pelos próprios analistas.
Os prefácios, muitas vezes, tem uma autoria diferente da do texto apresentado
148
. O
prefaciador, nesse caso, é normalmente uma pessoa mais conhecida e com uma obra
importante no campo de estudos do texto em questão. Nesse caso, o prefaciador tem por
função valorizar as qualidades do texto, apresentar seu autor à comunidade de leitores e
justificar a sua importância diante da crítica.
Outras vezes, os prefácios são escritos pelo próprio autor do texto a ser apresentado.
Nesse caso, os prefácios têm a função de servir ao próprio autor para justificar suas
escolhas diante do público leitor, bem como, de certa forma, interferir nos critérios com que
a obra será julgada por seus leitores. O prefácio é a ocasião de o autor falar diretamente aos
seus leitores, apresentandos seus “escrúpulos”
149
, isto é, suas hesitações, dúvidas e
inquietações.
Como já vimos, Oliveira Vianna foi sempre prefaciador de si. Os seus livros
possuíam sempre um texto inicial no qual apresentava as idéias principais a serem
desenvolvidas, os autores que o haviam inspirado, uma breve análise dos limites de sua
obra, os projetos em andamento e a afirmação da estabilidade de sua obra e da harmonia
entre os seus diversos livros. Havia ainda um ponto importante: o debate com a crítica. Nos
prefácios às primeiras edições, Vianna freqüentemente adiantava aquelas críticas que
poderiam vir a ser feitas, listando os pontos mais frágeis do texto apresentado. No caso de
reedições, Vianna apresentava brevemente as críticas já produzidas e as respondia.
Apesar dos prefácios de Vianna apresentarem reiteradamente essa estrutura, pode-se
perceber em seus diversos livros publicados, cinco tipos mais comuns de prefácio: os que
anunciam a estabilidade da obra; os que tentam demonstrar a homogeneidade de sua
produção; aqueles nos quais ele debate com os críticos; os que se antecipam às críticas
anunciando os limites da obra; e os que projetam o futuro de sua produção editorial.
148
Palavra que se origina do latim praefatio, prefácio significa “o que se diz no princípio”. Texto,
normalmente breve, que abre um livro, os prefácios comumente servem para apresentar uma obra ao leitor,
informando-o, valorizando o texto escrito e legitimando aquele que o escreve.
149
Em um texto intitulado “La préface ou les scrupules de l´auter”, Gérard Noiriel analisa os prefácios
escritos por diversos autores para a coleção L´Univers Historique. Ver: NOIRIEL, Gérard. “ “L´Univers
Historique”: une collection d´histoire à travers son paratexte (1970-1993)”. Genèses 18, janvier 1995, p. 110-
131.
250
Na opinião de Gérard Genettte, num prefácio, mesmo as informações mais
contingentes e objetivas são postas com vistas a constituir uma “forma oblíqua de
valorização” do texto
150
. Assim Vianna, ao valorizar seu texto, minimizava as possíveis
críticas e destacava a originalidade e a profundidade de suas análises, mesmo quando o
texto em questão não correspondia à qualidade destacada.
Castro Faria, em um texto avaliando a obra de Oliveira Vianna, destaca que seus
críticos “(...)pretendem falar da sua obra, como se esta fosse uma totalidade, a respeito da
qual não hesitam em proferir generalizações”
151
. Segundo Faria, os autores lêem um livro
de Vianna e a partir dele eles tecem comentários críticos a respeito de toda a obra desse
autor. Citando Foucault, quando ele diz que “(...) é preciso pôr em suspenso as unidades
que se impõem da forma mais imediata – as do livro e da obra”, Castro Faria conclui
dizendo que a obra não é uma unidade imediatamente dada.
Essa postura, apontada por Faria em relação aos livros de Vianna, pode ser
estendida à crítica às obras de qualquer outro autor. Mas, se é verdade que muitas vezes os
críticos tomam a parte pelo todo e promovem generalizações sobre a obra de um
determinado autor que acaba por ensejar enormes distorções cognitivas, no caso de Vianna,
esse parece ter sido o procedimento mais recorrente. Após listar diversas críticas aos
diferentes livros de Vianna, Castro Faria, profundo conhecedor de sua obra, demonstra que
essa foi a forma usual utilizada por seus comentaristas: tomar um livro como representativo
da totalidade de suas idéias.
Como já foi dito, ao escrever e reescrever os prefácios enunciando a forma como
esses textos “deveriam” ser lidos, Vianna promovia assiduamente a idéia de que escrevia
uma obra estável, harmônica e homogênea.
Bons exemplos desses procedimentos são os prefácios à segunda e a terceira edição
do livro Evolução do Povo Brasileiro.
No prefácio à segunda edição deste livro, Vianna escreve:
Este livro sai nesta nova edição como saiu na
primeira: não lhe introduzi modificação alguma,
salvo ligeirissimos retoques de forma. Não vi
razão para alterá-lo nem no seu pensamento nem
150
Gérard Genette apud Gérard Noiriel. op. cit. p. 112
151
FARIA, Castro. “A obra – uma tentaiva de reconstrução”. Oliveira Vianna. De Saquqrema à Alameda São
Boaventura, 41 – Niterói. O autor, os livros, a obra. Rio de Janeiro: Relume Dumará/UFRJ, 2002, p. 20
251
nas suas conclusões. Esses dez anos, decorridos
depois da sua primeira edição, não trouxeram
nenhum desmentido as suas afirmações, antes as
robusteceram em muitos pontos.
152
E repete no prefácio à terceira edição:
Este livro foi escrito em 1922, há três lustros,
pois. Neste decurso de tempo, o Brasil mudou
muito na sua estrutura: tem crescido, evoluído,
progredido. No entanto, repito nesta nova edição
o que já disse no prefácio da anterior: não há
nenhum motivo novo que me leve a modificar
qualquer das conclusões, a que cheguei, ao
estudar o nosso povo no tríplice aspecto da sua
sociedade, da sua raça e das suas instituições
políticas.
153
Ao reiterar a estabilidade de sua obra, Vianna atualiza as suas idéias, permanecendo,
ao mesmo tempo “(...) fiel às suas concepções teóricas primaciais”
154
. Dessa forma
constrói a imagem de um intelectual à frente de seu tempo, um antecipador de idéias e
posições.
Vianna buscou demonstrar ainda em seus prefácios que a análise da identidade do
povo brasileiro, que desenvolveu em seus primeiros livros, manteve-se válida por todo o
tempo de sua produção intelectual, mesmo durante o período em que, ocupando o cargo de
consultor do Ministério do Trabalho, interrompeu o curso das pesquisas já em andamento e
dedicou-se “à análise dos aspectos jurídicos dos problemas sociais”
155
.
No prefácio ao livro Problemas de organização e problemas de direção, Oliveira
Vianna buscou relacioná-lo aos seus trabalhos anteriores e caracterizar a produção
desenvolvida no Ministério do Trabalho, estabelecendo uma correlação entre os diversos
livros:
Este pequeno volume reflete parte das minhas
antigas preocupações acerca dos problemas de
organização do nosso povo. Problemas que
152
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Prefácio à 2
a
edição”. Evolução do povo brasileiro. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1938 (3
a
edição), p. 9.
153
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “prefácio à 3
a
edição”. Evolução do povo brasileiro. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1938 (3
a
edição), p. 13.
154
FARIA, Luiz de Castro. op. cit. p. 86.
155
VIANNA, Francisco José de Oliveira apud GOMES, Angela de Castro. “A práxis corporativa de Oliveira
Vianna”. In: BASTOS, Élide Rugai e MORAES, João Quartim de. O pensamento de Oliveira Vianna.
Campinas: Unicamp, 1993, p. 45.
252
sempre me preocuparam nos meus estudos sobre
a formação de nossa gente: principalmente
durante o período em que servi como consultor
jurídico do Ministério do Trabalho, onde a função
que ali exerci me levava, logicamente, ao trato
destes problemas e também dos problemas de
Direito Social e de Direito Corporativo, que lhe
são correlativos.
Daí o traço comum, a afinidade ideológica que
este livro apresenta com outros livros meus,
especialmente com Problemas de Direito
Corporativo, Problemas de Direito Sindical,
Idealismo da Constituição, Problemas de Política
Objetiva e Instituições Políticas Brasileiras.
156
Um terceiro tipo de prefácio, dedicado a responder aos julgamentos negativos
suscitados pelo livro em questão, adequavam-se, evidentemente, àqueles escritos para
reedições, posto que são constantemente, exercícios de justificação, onde a necessidade da
reedição é destacada como um dos aspectos de valorização da obra publicada.
O prefácio à 2
a
edição de Instituições Políticas Brasileiras exemplifica bem essa
situação, onde Vianna alega que a rápida reedição demonstrava a importância do texto:
Este livro entra, agora, em sua segunda edição.
Esgotou-se cedo e rapidamente: em pouco mais
de dois meses. Para mim, sou forçado a confessar
que teve um êxito maior do que eu esperava. Livro
em dois volumes e de custo relativamente alto,
tendo obtido uma saída tão rápida, é fato deveras
significativo.
157
E continua respondendo às críticas que o livro havia suscitado, demonstrando que
elas haviam sido muito mais positivas do que se esperava para um livro definido por ele
mesmo como “muito polêmico”:
Tanto mais quanto eu havia bulido em duas casas
de marimbondo, com duas classes ou grupos
extremamente suscetíveis: o dos políticos, cuja
psicologia tracei, dizem, com pessimismo (...) e o
dos comunistas teóricos (...). cada um deles, e
156
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Prefácio”. Problemas de organização e problemas de direção. Rio
de Janeiro: Record, 1974, p. 7 (2
a
edição).
157
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Prefácio da 2
a
edição”. Instituições Políticas Brasileiras. Belo
Horizonte: Itatiaia, Niterói, Eduff, 1987, p. 13.
253
todos, estão convencidos de que são “homens de
idéias adiantadas” e são “espíritos modernos e
progressistas”. Ninguém os tira disto: zangam-se
com facilidade e o seu tom é, de regra, explosivo e
contundente.
Quanto aos políticos, estes silenciaram. (...)
Muitos deles, porém, quebraram o silêncio
convencionado e vieram a mim, publicamente – e
com elevação – dar seu aplauso franco e integral.
Quanto à crítica, em geral, a acolhida do livro
variou de mera referência discreta e polida à
recepção franca, irrestrita, calorosa, com uma ou
outra nota discordante, aqui e ali
(rarissimamente), revelando a intolerância já
prevista.
158
A autovalorização diante da crítica era, claramente, um dos principais objetivos dos
prefácios de Vianna. Nas reedições, respondia aos críticos, mas, nos lançamentos, algumas
vezes, antecipava-se aos possíveis julgamentos negativos. Esse é o caso do prefácio ao livro
História social da economia capitalista. Prevendo a possibilidade do livro vir a suscitar
críticas negativas, Vianna destaca neste texto as eventuais fragilidades que nele se poderia
apontar:
Em primeiro lugar, apesar do título, algo
pretensioso – de História social da economia
capitalista no Brasil, trata-se apenas de uma
simples Introdução à História e não propriamente
de uma História da economia capitalista no
Brasil. Quero dizer que não contém ele – e nem
foi escrito para este fim – nenhum estudo
minudente dos acontecimentos, episódios e fatos,
que exprimem cronologicamente o
desenvolvimento histórico da nossa economia.
Nele procuro dar apenas discriminação as
tendências gerais das nossas instituições
econômicas e das idéias e sentimentos que vêm
presidindo e inspirando o seu desenvolvimento e
expansão (...) Como aparecem neste livro, são
capítulos em esboço, antes croquis de capítulos,
capítulos ainda não concluídos (...) Reuni-os,
agora, neste volume, para efeito, apenas, de vê-
los enfeixados num conjunto mais ou menos
158
Idem
254
sistematizado, destinado a uma futura revisão
definitiva (...)
159
Projetar o futuro da obra também era um traço comum nos prefácios escritos por
Vianna - mais uma das estratégias dele para justificar-se diante das críticas. Assim, desde o
primeiro prefácio que escreveu para o seu livro de estréia, Populações Meridionais do
Brasil, em 1918, Vianna já estabelecia e tornava público seu plano de trabalho para o
estudo da formação das populações do Brasil:
O primeiro destes ensaios, dedicado a populações
meridionais, contém os estudos monográficos
sobre os dois tipos sociais formados nos habitats
do sul (...) ensaio dedicado as populações
setentrionais estudarei o tipo social formado nas
regiões secas do nordeste, o tipo regional do
sertanejo, cujo espécimen mais representativo é o
“homem das caatingas cearenses”.
(...)Completará a análise da populações
setentrionais um outro pequeno ensaio, em que
farei o estudo do tipo sertanejo na sua expansão
pela hiléia amazônica, onde se mostra sob a
feição do caucheiro e explorador de seringais.
160
Seguindo essa fórmula de anunciar seus trabalhos, projetando livros futuros, Vianna
escreveu também o prefácio de Raça e assimilação:
Neste pequeno volume, faço uma rápida síntese de
apenas alguns capítulos de duas obras mais
vastas: uma – O ariano no Brasil (biologia e
mesologia da raça) – já quase concluída; a
outra, a Antropologia Social (psicologia e
sociologia das raças), em preparação.
161
Dessa forma, Vianna usava os espaços dos prefácios para traçar seus planos de
trabalho, anunciar suas obras e ainda tornar públicas pesquisas em andamento. Os prefácios
não apenas valorizavam o texto singular que ele apresentava mas criava uma idéia de
159
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Prefácio”. História social da economia capitalista no Brasil. Belo
Horizonte: Itatiaia, Rio de Janeiro: Eduff, 1987, p. 19-21.
160
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Palavras de prefácio”. Populações Meridionais do Brasil. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1973, p. 16-17.
161
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “Prefácio”. Raça e assimilação. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio editora, 1959 (4
a
edição), p. 7.
255
conjunto, inseria o livro apresentado na “coleção” de textos do autor, ressaltando os
aspectos nos quais esse texto particular se integrava à obra mais geral que se elaborava.
Uma outra maneira encontrada por Vianna para valorizar a sua obra e anunciar seus
projetos futuros foi através da auto citação.
Oliveira citava-se constantemente. Muitas vezes, mencionava livros que ainda
estavam sendo preparados, estratégia através da qual reiterava a idéia de que escrevia uma
obra, no mínimo, homogênea.
Há, inclusive, alguns textos de Vianna que, apesar de freqüentemente citados,
jamais foram publicados. O Ariano no Brasil, Antropologia Social, Raça e Seleções
Étnicas, História da Formação Racial no Brasil e Raça e seleções telúricas apareceram
diversas vezes como projetos em preparação.
Para O Ariano no Brasil, um dos textos “em preparação” mais citados por Vianna,
ele chegou a receber um adiantamento da Companhia Editora Nacional, como se pode
perceber da carta de Octalles Marcondes Ferreira datada de 25 de janeiro de 1933, na qual o
editor discute com Vianna o pagamento de direitos autorais dos livros publicados:
(...) desses dez contos, descontaremos 6 contos
que já lhe pagamos do livro O Ariano no Brasil.
Resulta pois que teremos que mandar ao sr. um
saldo de 4:000$000, e quando fizermos a edição
do Ariano teremos que lhe pagar os direitos
autorais que recaírem sobre essa edição.
162
A espera dos editores da Companhia Editora Nacional pelos originais de O Ariano
no Brasil se prolongou por vários anos. Quatro anos após a carta anterior, no momento que
a editora planejava comemorar o livro número 100 da Brasiliana, Octalles Ferreira escreve
a Vianna sugerindo que o seu livro fosse o título publicado nesse volume comemorativo:
Estamos à procura de um grande livro para ser o
volume 100 da Brasiliana e se pudéssemos contar
com o Ariano...
163
162
Carta de Octalles Marcondes Ferreira a Oliveira Vianna, 25 de janeiro de 1933. Arquivo privado de
Oliveira Vianna. Série correspondências. Pasta Octalles Marcondes Ferreira.
163
Carta de Octalles Marcondes Ferreira a Oliveira Vianna. Arquivo pessoal de Oliveira Vianna. Série
correspondências. Pasta Octalles Marcondes Ferreira.
256
O livro editado no número 100 da Brasiliana foi o texto de Roberto Simonsen,
História econômica do Brasil: 1500-1820.
Em carta datada de 3 de dezembro de 1935, Octalles escreve:
Prezado amigo Dr. Oliveira Vianna.
Vi hoje, na Revista Ariel, um anúncio da Livraria
José Olympio, que me deixou muito triste.
O anúncio em questão é um livro novo seu – O
tipo étnico no Brasil – anunciado como para
aparecer brevemente editado pela referida
livraria.
Ora nós sempre fizemos questão de ser seus
únicos editores, estamos sempre a lhe pedir
livros, tal o empenho que temos em editar seus
trabalhos, editamos a coleção Brasiliana única
até agora publicada no Brasil sobre assuntos
brasileiros e da qual o amigo é um dos melhores
colaboradores, estávamos assim certos de que
todos os trabalhos que o amigo escrevesse,
principalmente sobre o Brasil, seriam
seguramente editados naquela coleção.
Ficamos assim muitos desapontados em perder
um livro seu, livro que tanto viria valorizar a
coleção Brasiliana.
Este seria mais um dos títulos de Vianna que permaneceria inédito, não tendo sido
publicado nem pela José Olympio nem pela Companhia Editora Nacional. Ao que parece,
Vianna acaba por construir a idéia de que cada livro publicado era parte de um conjunto
mais amplo e completo que estava aos poucos sendo preparado e que merecia apreciação na
sua totalidade.
4.4) Oliveira Vianna entre os intelectuais: trocas de correspondências e divulgação
da obra publicada
Durante o período compreendido entre os anos 1920 - ano da publicação de seu
livro de estréia Populações Meridionais do Brasil - e 1951, - ano de sua morte - Oliveira
Vianna doou exemplares de 11 dos 13 títulos que publicou
164
e recebeu de 57 pessoas
164
Os livros publicados por Oliveira Vianna no Brasil ao longo de sua vida são: Populações Meridionais do
Brasil, 1920; Pequenos Estudos de Psicologia Social, 1921; Evolução do Povo Brasileiro, 1922; O Idealismo
na Evolução Política do Império e da República, 1922; O Ocaso do Império, 1925; O Crédito sobre o café,
1927; O Idealismo da Constituição, 1927; Problemas de Política Objetiva, 1930; Raça e Assimilação, 1932;
257
distintas cartas de agradecimento pelo envio de seus livros
165
. Esse número com certeza não
traduz rigorosamente o grupo de pessoas a quem ele mandou livros, pois temos que
considerar aqueles que, por algum motivo, deixaram de agradecer o envio
166
ou mesmo
aquelas cartas que se perderam nas sucessivas reorganizações do arquivo. Mas, sem dúvida,
esse conjunto documental pode ser analisado como uma mostra significativa do grupo de
pessoas agraciadas com “presentes de papel” e com quem o titular do arquivo estabeleceu o
que Dauphin chama de pacto epistolar, fundado nas trocas afetuosas
167
.
A exploração das cartas escritas por pessoas que agradeciam os livros enviados por
Vianna foi um dos caminhos utilizados para compreender a prática social que se traduz no
processo da escrita epistolar. A escolha desse tipo de correspondência deu-se
prioritariamente em função de que ela evidencia importantes elementos das relações
pessoais: a troca de presentes e de cartas. Pode-se considerar que os interlocutores de
Oliveira Vianna que receberam “presentes de papel” foram aqueles que mereceram dele
maior estima e consideração, pois, como vêm demonstrando os diversos estudos
antropológicos sobre o tema
168
, a troca de bens entre indivíduos e a sua conseqüente
obrigação de reciprocidade são aspectos que caracterizam as relações de amizade.
O envio e recebimento de livros é uma prática freqüente no “mundo das letras”.
Receber um livro, enviar um livro, agradecer um livro enviado e lido, agradecer um livro
Problemas de Direito Corporativo, 1938; As Novas Diretrizes da Política Social, 1939; Problemas de Direito
Sindical, 1943 e Instituições Políticas Brasileiras, 1949. Dessa lista estão excluídos os textos ou livros
publicados no exterior, os textos publicados em obras de autoria coletiva e os livros editados após a sua
morte.
165
Consta do arquivo de Oliveira Vianna um total de 66 cartas de agradecimento pelo envio de livros. Destas,
5 foram enviadas nos anos cinqüenta, após a morte do escritor, correspondendo, portanto, a agradecimentos
enviados à família pelo envio de livros do titular do arquivo. Há ainda 4 cartas de indivíduos que agradecem
em nome de instituições (Instituto Interamericano, Universidade de Wiscosin, Companhia Editora Americana
e Biblioteca Nacional). Todas essas cartas foram excluídas de nosso corpus de análise. Estamos considerando
somente as cartas pessoais de agradecimento recebidas pelo próprio Oliveira Vianna ao longo de sua vida.
166
Um exemplo dessa situação pode ser percebido na fala do próprio Oliveira Vianna ao se referir, de forma
magoada, a Rui Barbosa: “Quando publiquei Populações Meridionais do Brasil, mandei-lhe com uma
respeitosa dedicatória, o livro; mas não me acusou a recepção. Depois de inaugurada a Casa de Rui
Barbosa, eu, ao percorrer anonimamente o santuário de seus estudos, tive a curiosidade de pedir o volume
das Populações, que devia existir na sua biblioteca. O livro, de fato, estava lá; mas intato. Os dedos do
grande Rui Barbosa não haviam sequer aberto a primeira página do enorme cartapácio de capa amarela, em
que Monteiro Lobato enfeixara a primeira edição”. Apud REZENDE, Maria José. “Oliveira Vianna e a
mudança social no Brasil”. Caderno de estudos sociais. Recife, vol. 15, n. 1, p. 151.
167
DAUPHIN, Cécile. “Les manuels épistolaires au XIXe siècle” . In: CHARTIER, Roger. La
correspondance. Les usages de la lettre au XIXe siècle. Paris: Fayard, 1991.
168
Os estudos antropológicos que tratam sobre a amizade foram sintetizados por Josepa Giner no livro La
amistad; perspectiva antropologica. Barcelona: Icaria Editorial, 1995.
258
enviado ainda não lido, receber agradecimentos por livros enviados lidos ou não por seus
interlocutores são práticas cotidianas conhecidas por todos os intelectuais.
A primeira questão a ser investigada a respeito das correspondências de
agradecimento refere-se justamente ao que elas agradecem, aos livros que Oliveira Vianna
mandou de presente.
Os livros enviados por Oliveira Vianna ao longo dessas três décadas foram:
Populações Meridionais do Brasil, Pequenos estudos de psicologia social, O ocaso do
império, O Idealismo da Constituição, Evolução do Povo Brasileiro, Problemas de política
objetiva, Raça e assimilação, Problemas de direito corporativo, As novas diretrizes da
política social, Problemas de direito sindical e Instituições Políticas Brasileiras.
A prática do envio de livros foi bastante constante e, observadas também as datas
das cartas de agradecimento, nota-se que essa prática se estendeu por todo o período da sua
vida intelectual, iniciando-se logo após a publicação de seu primeiro livro, em 1920,
intensificado-se durante os anos 30 e mantendo-se no decorrer dos anos 40.
A análise da correspondência de agradecimento permite perceber que a remessa
massiva de exemplares ocorria principalmente no momento da edição ou reedição dos
livros. Dessa forma, verifica-se que, durante os anos 20, Oliveira Vianna enviou quatro
títulos distintos: Populações Meridionais do Brasil; Pequenos Estudos de Psicologia
Social; O Idealismo da Constituição e O Ocaso do Império. Ao longo dos anos 30, foram
oito os títulos doados: O Idealismo da Constituição; O Ocaso do Império; Evolução do
Povo Brasileiro; Novas Diretrizes da Política Social; Populações Meridionais do Brasil;
Raça e Assimilação; Problemas de Política Objetiva e Problemas de Direito Corporativo.
Nos anos 40, os títulos enviados de presente foram: Problemas de Política Objetiva; O
Idealismo da Constituição; Instituições Políticas Brasileiras; Problemas de Direito
Sindical e Pequenos Estudos de Psicologia Social.
A doação desses livros e de outros, pelo próprio autor, significa uma forma de auto-
propaganda, ao mesmo tempo que indica o reconhecimento do receptor como pessoa
autorizada a estabelecer uma leitura legítima. Todas as pessoas que receberam e
agradeceram os livros enviados por Vianna eram homens, nascidos entre 1860 e 1927, a
maior parte deles egressos de escolas de Ensino Superior. Quanto à formação profissional,
24 desses interlocutores cursaram a faculdade de Direito, 5 eram militares, 2 eram médicos,
259
3 eram sociólogos de formação
169
e 1 era religioso. Quanto aos outros, não foi possível
identificar se existia algum tipo de formação universitária ou profissional específica.
Uma característica que imediatamente chama a atenção é a quantidade de
advogados entre os receptores de livros doados por Oliveira Vianna. Cerca de 60 % dos
receptores de livros possuíam essa formação profissional, o que corrobora os diversos
estudos publicados sobre a importância das faculdades de Direito na vida intelectual e
política do país no início do século XX, como chama a atenção Sérgio Miceli num estudo já
clássico sobre as elites intelectuais
170
.
Até meados da República Velha, a faculdade de
direito era a instância suprema no campo da
produção ideológica concentrando inúmeras
funções políticas e culturais. (...) A Faculdade de
Direito atuava ainda como intermediária na
importação e difusão da produção intelectual
européia, centralizando o movimento editorial de
revistas e jornais literários, fazia as vezes de
celeiro que supria a demanda por elementos
treinados e aptos a assumir os postos
parlamentares e os cargos de cúpula dos órgãos
administrativos, além de contribuir com o pessoal
especializado para as demais burocracias, o
magistério superior e a magistratura .
Outra questão importante a ser destacada é a existência de uma característica
comum a todos os interlocutores sobre os quais foi possível identificar dados biográficos:
100% deles possuíam livros publicados. Era portanto entre os “homens de letras” que
Oliveira Vianna buscava estabelecer sua comunidade de leitores. Era para eles que Vianna
escrevia e era deles que ele gostaria de obter, através de uma estratégia normalmente
privada – a correspondência – uma opinião pública.
Vianna, ao escolher pessoas específicas no universo de seus amigos e conhecidos,
para mandar seus livros de presente, ele, de certa forma, organizava os possíveis leitores
dos livros, criando um nincho social particular de recepção
171
.
169
Os sociólogos de formação eram todos estrangeiros visto que nessa época os cursos de ciências sociais
ainda começavam a se organizar no Brasil.
170
MICELI, Sérgio. op. cit. p. 35.
171
Na opinião de Chartier, “as obras (...) produzem o seu nincho social de recepção (...)”. CHARTIER,
Roger. A ordem dos livros. Leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília:
UnB, 1994. p. 21.
260
O livro de que Vianna doou mais exemplares foi Problemas de Política Objetiva,
publicado em 1930, pela Companhia Editora Nacional, e que é considerado, num estudo de
Castro Faria
172
, como uma obra que tem o caráter explícito de “projeto político, de
indicador de rumos e soluções para o país”
173
.
Neste livro, que se divide em 5 partes, Vianna constrói uma auto-imagem de
conhecedor da realidade nacional, esboçada através de um retorno à obra de Alberto Torres.
As idéias de Torres são destacadas, justamente, para demonstrar o seu papel no
desvendamento das características da nacionalidade brasileira. Nas outras três partes do
livro, Vianna trata de pontos mais objetivos de seu projeto político, questionando o
conceito de liberdade, a organização dos partidos e analisando o papel dos conselhos
técnicos em governos modernos. Oliveira Vianna conclui a quarta parte estabelecendo um
possível programa de utilização dos conselhos técnicos no Brasil. Esse era, segundo Castro
Faria
174
, um verdadeiro programa político, concebido segundo os critérios da análise
científica.
Durante os anos 30 e 40, Oliveira Vianna enviou esse livro a várias pessoas como se
pode observar através das cartas de agradecimento presentes em seu arquivo
175
.
Observando-se as datas das cartas, nota-se que houve dois momentos distintos e
bastante marcados em que Oliveira Vianna enviou exemplares. O primeiro deles foi o
primeiro semestre de 1930, data da primeira edição do livro pela Companhia Editora
Nacional, e o segundo, os últimos seis meses de 1947, momento de sua reedição na coleção
Brasiliana.
Apenas dois receptores agradecem livros enviados fora desses marcos cronológicos:
Virgílio Correia da Silva, que escreve em 1941, e Levi Carneiro, cuja carta data de 1949.
Como o período transcorrido entre os dois grandes momentos de remessa de livros e as
cartas de agradecimento desses receptores é bastante longo, pode-se considerar que o envio
de exemplares a essas pessoas obedece a uma temporalidade e a interesses singulares. Os
17 anos transcorridos entre uma e outra, correspondem, seguramente, ao lançamento das
duas edições, a de 1930 e a de 1947.
172
FARIA, Castro Faria. A obra de Oliveira Vianna; tentativa de reconstrução. (mimeo)
173
Idem. p. 62.
174
FARIA, Castro. op. cit.
175
Ver anexo 1 deste capítulo.
261
A relação geral de receptores, que se pode considerar de pessoas merecedoras de
“presentes de papel” por parte de Oliveira Vianna, deve ser observada a partir da análise de
dois eixos de temporalidades e características distintas: a análise da sua trajetória e a
compreensão de acontecimentos significativos para a história política do país.
Se observarmos com atenção, podemos perceber nos quadros uma grande diferença
entre os receptores da primeira e da segunda remessa. Na primeira, em 1930, encontram-se
principalmente pessoas que podem ser consideradas oriundas do campo intelectual,
enquanto, na segunda, em 1947, encontram-se prioritariamente personagens do mundo
político.
A partir dessa análise, pode-se sugerir que ocorreu, no período observado, uma
mudança no círculo de relações pessoais de Oliveira Vianna que teria se expandido a partir
de um mundo eminentemente intelectual, incorporando grupos e pessoas pertencentes ao
estrato político.
Em 1930, data da publicação da primeira edição de Problema de Política Objetiva,
Oliveira Vianna era professor da Faculdade de Direito do estado do Rio de Janeiro, em
Niterói. Apesar de já ter vivido a experiência de ocupar um cargo público, como diretor do
Instituto de Fomento Agrícola (1926), sua vida pública era marcada principalmente pelas
suas atividades intelectuais, a participação no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a
preparação de suas aulas e palestras e a elaboração de seus livros que, até aquele momento,
já se contavam em número de sete, dois deles pela Companhia Editora Nacional.
A despeito do sucesso dessas publicações, o círculo de relacionamento pessoal de
Oliveira Vianna era ainda restrito se comparado ao que viria a ser alguns anos mais tarde.
Entre os receptores de livros de Oliveira Vianna nesse período estão: (conde) Afonso Celso,
Tobias Monteiro, Alberto de Oliveira, Walter Pompeu, Alfredo Augusto Varela e Afonso
Taunay.
No momento da reedição do livro na coleção Brasiliana e da segunda grande
remessa de exemplares, a trajetória de Oliveira Vianna tinha permitido a expansão de seu
círculo de relacionamento pessoal e, principalmente, a incorporação de um número
significativo de pessoas que ocupavam ou haviam ocupado cargos políticos.
Em 1947, Oliveira Vianna era Ministro do Tribunal de Contas da União, cargo para
o qual ele havia sido nomeado por Vargas, como prêmio pelos serviços prestados durante
262
os anos 30 e, principalmente, ao longo do Estado Novo. Depois de oito anos como
Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho, entre os anos de 1932 e 1940, e após ter
tomado parte em comissões importantes do governo - tais como a Comissão encarregada do
anteprojeto da Constituição, em 1933, e a Comissão Revisora das Leis da União, em 1939
- e depois de ter atingido o ápice do reconhecimento intelectual ao ser eleito, em 1937, para
a Academia Brasileira de Letras, Oliveira Vianna não era o mesmo de 1930, aquele que
enviara seus livros exclusivamente aos seus amigos intelectuais.
O Brasil de 1947 também não era o mesmo de 1930. Os problemas políticos eram
outros e a realidade nacional tinha se transformado bastante.
Quais seriam então as pessoas merecedoras dessa nova edição incluída numa
importante coleção brasileira?
Em 1947, J. Plínio Salgado Filho, Juarez Távora, Eurico Gaspar Dutra, Getúlio
Vargas e o cel. Lima Figueiredo agradecem a Oliveira Vianna a remessa de seu livro.
Muitos deles ocupavam, naquele momento, importantes cargos políticos no governo
republicano brasileiro.
Juarez Távora, militar, depois de ter sido Ministro da Viação e Obras Públicas, em
1930, e Ministro da Agricultura, em 1933, estava, em 1947, na subchefia do Estado Maior
do Exército.
Eurico Gaspar Dutra, também militar, no momento da recepção do exemplar do
livro enviado por Oliveira Vianna era Presidente da República.
Getúlio Vargas, que havia sido o grande líder revolucionário em 1930, e presidente
da República durante os 15 anos seguintes (1930-1945) era, nesse momento, senador.
O cel. José de Lima Figueiredo não exercia nenhum cargo nesse momento, visto
que somente viria a se tornar deputado federal alguns anos mais tarde, em 1951. Sua
origem intelectual era conhecida, pois havia publicado, durante os anos 30, alguns livros
sobre a população indígena e sobre limites territoriais do Brasil. Embora não pertencesse ao
mundo político, havia um ponto que o assemelhava aos outros receptores: era também um
militar.
Por que motivo Oliveira Vianna destinou prioritariamente aos militares o envio
dessa edição? Talvez, na concepção do autor, fossem os militares aqueles que, neste
263
momento, deveriam ser alertados para os aspectos particulares da realidade nacional pois a
Guerra Fria que se estruturava exigia deles, e dos políticos, uma tomada formal de posição.
Vianna , através do envio de livros, buscava, de certa forma, participar das decisões,
tomadas pelos dirigentes, sobre os rumos do país. Pode-se notar que, por meio de sua
prática epistolar, ele almejava criar uma estratégia de organização e desenvolvimento de
suas relações de sociabilidade, mas, principalmente, uma via de estruturação de uma
comunidade de leitores que garantiria a propaganda e a propagação de suas idéias.
CONCLUSÃO
Enquanto a pesquisa é interminável, o texto
deve ter um fim (...) a representação escriturária
é “plena”; preenche ou oblitera as lacunas que
constituem, ao contrário, o próprio princípio da
pesquisa, sempre aguçada pela falta.
(Michel de Certeau)
Do conjunto de documentos e livros que compõem o arquivo privado pessoal e a
biblioteca de Oliveira Vianna, emerge um conjunto inumerável de proposições, imagens e
representações. Delas, tentou-se trabalhar algumas, muitas outras restaram podendo ser
objeto de futuras pesquisas.
Com este trabalho, procurou-se contribuir para as reflexões já realizadas sobre
Oliveira Vianna, buscando-se inspiração nos estudos realizados nos campos da biografia,
da história dos intelectuais, dos arquivos privados, das bibliotecas e das correspondências.
Muitas foram as referências que sugeriram interpretações e permitiram deduções. Nestas
considerações finais, busca-se portanto, retomar algumas interpretações inquirindo os
próprios limites desta pesquisa e identificando aspectos que sugerem novas vias de
investigação.
Um dos primeiros objetivos enunciados era o de pensar uma história da
intelectualidade definida a partir da análise dos espaços de sociabilidade que os eruditos
fundam e nos quais convivem. Procurou-se elaborar uma definição de intelectual que se
baseasse não apenas na produção de uma obra publicada, mas também e principalmente, no
reconhecimento granjeado por um indivíduo nos diversos espaços de sociabilidade
intelectual existentes no seu tempo.
No caso de Vianna, um dos espaços de sociabilidade que ganhou imediatamente
destaque foi a troca epistolar. Na qualidade de um indivíduo solitário e isolado, Vianna
desenvolveu através da escrita e, mais especificamente, da prática epistolar, a sua forma
primordial de inserção no mundo das letras. Esse aspecto da vida de Vianna, embora
diretamente associado à sua personalidade, não parece ter sido uma condição que o tornava
original no espaço letrado de seu tempo.
265
Em um texto sobre Capistrano de Abreu, José Carlos Reis o descreve como um
“(...) um autêntico sertanejo, um caboclo matuto, (...) desagradável. (...) um desconfiado
tapuia transplantado para o meio civilizado”
1
. A auto-representação do intelectual como
um indivíduo sisudo, fechado, de poucos amigos, parece ter sido perseguida por muitos
letrados contemporâneos ou antecessores de Vianna, o que reforça a hipótese de que a via
epistolar – compreendida como o espaço da troca, como aponta Trebitsch - é um caminho
seguro para se investigar as relações estabelecidas entre os intelectuais nos primeiros anos
do século XX. Mas, ao contrário de Capistrano, que teve suas cartas publicadas por José
Honório Rodrigues
2
, Vianna não guardou sua correspondência ativa, onde ele
possivelmente elaborava, em constante interlocução com outros eruditos, muitas das idéias
ulteriormente publicadas em sua obra. Vianna arquivou apenas as cartas que recebeu e foi
por meio delas - onde ele aparece somente filtrada pela visão de outro - que se pôde inferir,
entrever, suas práticas de relacionamento social, político e profissional. Através delas,
surge a imagem de um indivíduo reservado, porém atuante, distante da vida mundana, mas
integrado às discussões no campo intelectual.
Um segundo ponto suscitado nesta pesquisa foi a relação que se estabeleceu entre a
formação escolar e acadêmica de Vianna e sua atuação profissional e produção intelectual.
Buscou-se pensar em que medida o percurso escolar e universitário de Vianna conformou
sua trajetória profissional e sua obra publicada posteriormente. Sob esse aspecto, visou-se a
recuperar o processo de constituição das faculdades de Direito, no Rio de Janeiro, no último
decênio do século XIX, tentando discriminar as disciplinas e os respectivos professores
com vistas a possibilitar a inferências das relações entre a vida de estudante e a vivência
profissional de Vianna. Os documentos consultados, embora esclarecessem aspectos ainda
desconhecidos das instituições investigadas, calavam sobre outras características
importantes de serem ainda interrogadas. A elaboração de uma pesquisa mais minuciosa no
que se refere aos programas e leituras realizadas em cada uma das disciplinas talvez
pudesse esclarecer melhor o papel desempenhado por determinados professores sobre a
formação e até mesmo sobre a produção de estudos jurídicos nos anos 20 e 30.
1
REIS, José Carlos. “Anos 1900: Capistrano de Abreu. O surgimento de um povo novo: o brasileiro”. In: As
identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: editora FGV, 2002, p. 86.
2
RODRIGUES, José Honório (org.). Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1977.
266
Outro aspecto proposto para investigação dizia respeito a uma construção
memorialística positiva que os amigos de Oliveira Vianna tentaram empreender, após a sua
morte, com o objetivo de regenerar a imagem de decadência intelectual que havia marcado
seus últimos anos de vida. Um texto encontrado no arquivo pessoal de Thiers Martins
Moreira, depositado na Fundação Casa de Rui Barbosa, de certa forma sintetiza esta
militância memorialística posta em prática pelos herdeiros intelectuais de Vianna:
(...) incontestavelmente, o pensador mais original
e de maior influência neste campo de estudos
sociais e políticos em nosso país, é Francisco
José de Oliveira Vianna. Necessitarei dominar
minha emoção ao falar desse amigo, cujo corpo,
pouco antes de partir para Washington, deixei na
terra de sua província fluminense que ele tanto
amava e que nunca abandonou. Por mais de 20
anos, privei de sua amizade e de sua casa, que na
cidade de Niterói, mais parecia uma velha casa
de fazenda, com parentes, agregados e pretinhos
espertos servindo a mesa. Nunca exerceu uma
função política, nem lhe seduzia a parte prática,
as lutas eleitorais, o prestígio da autoridade, o
exercício do comando da coisa pública. Nesse
sentido é bem ao contrário a Nabuco, a Rui, ao
próprio Alberto Torres. Contentava-se com os
jornais, as revistas, os livros, as estatísticas, os
relatórios oficiais, os discursos, as conversas com
amigos. Com esse material, e sem nenhuma
experiência direta, somente pela observação dos
fatos nacionais ou estrangeiros, escreveu os
melhores estudos que possuímos de crítica aos
aspectos meramente teóricos de nossa
organização política.
3
Para esse trabalho de construção memorialística póstuma, os amigos de Oliveira
Vianna contaram com a ação do próprio Vianna que elaborou pacientemente ao longo de
toda a sua vida um acervo de documentos que induzia à posteridade a representação de
homem público e de intelectual que lhe interessava legar. Nada de testemunho de foro
privado, nada que pudesse macular a imagem de um cidadão probo, respeitável, sem
3
Arquivo pessoal de Thiers Martins Moreira. Série: originais para publicação em livro. Fundação Casa de Rui
Barbosa.
267
pretensões políticas. Todas as referências deveriam construir a representação de um
profissional venerável, preocupado sobretudo com os interesses do país.
A essa representação, o acervo acumulado por Vianna e sua biblioteca particular
somava ainda outra: a do intelectual erudito, atualizado, conhecedor das últimas novidades
em voga nos principais centros de produção científica. O itinerário e as práticas de leitura e
escrita inscritos na trama do arquivo de Vianna e nos volumes de sua biblioteca permitiram
investigar as relações entre suas leituras e sua obra publicada, entre os seus métodos de
escrita e o seu percurso de transição de leitor/autor.
Aqui também a pesquisa encontrou diversos limites que sugerem novas
investigações. O método adotado – o exame da biblioteca por meio das notas e citações
coletadas em seus textos publicados – dificulta a elucidação das matrizes teóricas não
explicitamente reveladas ou tornadas públicas em suas obras.
Um último objetivo enunciado visava compreender de que forma a obra publicada
de Vianna espelhava, em certa medida, a constituição de uma nova qualificação
profissional que se forjava, no Brasil, na primeira metade do século XX: o intelectual
particularmente preocupado com os aspectos singulares da realidade nacional.
Compreendendo-se as condições de produção da obra de Vianna, buscou-se identificar o
papel de cada um dos agentes implicados no percurso de transformação de manuscritos e
notas esparsas em livros.
Vianna, através de seus prefácios, citações auto-referentes e de sua correspondência,
estabelecia a qualidade e a harmonia da obra que estava tornando pública, conformando sua
recepção e divulgando um julgamento positivo que acabaria por ser incorporado pelos
próprios analistas. Ao mesmo tempo, os editores, os organizadores de coletâneas de textos e
livros e a crítica especializada contribuíam, por meio de sua ação, para transformar Vianna
em um dos intelectuais canônicos do que se considera ser o “pensamento social brasileiro”,
uma referência incontornável, sempre que se buscou compreender ou explicar o Brasil.
267
BIBLIOGRAFIA
TEXTOS DE OLIVEIRA VIANNA
VIANNA, F. J. “Max Fleiuss” . Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 182, jan.-
mar. 1944, pp. 38-40.
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “D. Pedro II e seus ministros”. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, t. 98, v. 152, 1925, pp. 874-880.
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “As pequenas comunidades mineiras”. Revista do Brasil, número
31, vol. VIII, de julho de 1918.
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “D. Pedro e a propaganda republicana” . Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 98, v. 152, 1925, pp. 412-419.
IANNA, Francisco José de Oliveira. “Psicologia das revoluções meridionais”. Revista do Brasil, n. 23,
ano II, vol. VI, nov. 1917, p. 298-310.
VIANNA, Francisco José de Oliveira. “O homem brasileiro e o mundo de amanhã”. Letras Brasileiras, n.
5
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metropolitaine (Grande Rio). Paris: Université de Paris III Sorbonne Nouvelle (Institut des Hautes
Études de l´Amerique Latine), 2001 (thèse de doctorat).
286
ANEXOS
287
Anexo 1 OS INTELECTUAIS, O CAFÉ PARIS E AS ACADEMIAS DE NITERÓI
1
NOME DO INTELECTUAL
Café Paris
AFL
2
ANL
3
IHGRJ
ALUF CFHL
Adelino Magalhães X
Agenor de Roure X
Agripino Grieco Patrono X
Alberto Fortes X
Alberto Lamego X
Alberto Lamego Filho X
Alberto de Oliveira X Patrono
Alberto Torres Patrono
Alceste Fróes da Cruz Ribeiro
X
Alcindo Guanabara X Patrono
Alfredo Costa Arantes X
Alfredo Rangel X
Altino Pires X X
Amadeu de Beaurepaire Rohan
X
Anísio Monteiro X
Antonio Espanha X
Antonio Lamego X
Antonio Renato de Lacerda X
Antonio Santa Cruz Lima X
Antonio da Silva Mendes X
Apollo Martins de Oliveira X
Arino de Souza Mattos X
Armando Negreiros X
Armando Rodrigues
Gonçalves
X
1
Este quadro foi montado a partir das informações contidas nos seguintes livros: NOGUEIRA, Lacerda.
Academia fluminense de Letras: subsídios autobiográficos pertinentes ao histórico da instituição. (separata
do vol. X da revista da Academia Fluminense de Letras). Rio de Janeiro: Gráfica Editora Jornal do Comércio
S. A., 29 jul. 1943; LEITE NETTO, Wanderlino Teixeira. A dança das cadeiras: história da Academia
Niteroiense de Letras (junho de 1943 a setembro de 2000). Niterói: Imprensa Oficial, Rio de Janeiro: Livraria
Ideal, 2001; BRAGANÇA, Aníbal. A livraria Ideal: do cordel à bibliofilia. Niterói: Edições Passárgada/
EDUFF, 1999; BACKHEUSER, Everardo. Minha terra e minha vida: Niterói há um século. Niterói: Niterói
Livros, 1994 e FORTE, José Mattoso Maia. Notas para a história de Niterói. Niterói: INDC, 1973
2
Para compor os membros da Academia Fluminense de Letras considerou-se o período compreendido entre
1918 e 1973, a partir das listas de acadêmicos que estão presentes nos livros citados.
3
Para a composição do quadro levou-se em conta apenas os quarenta primeiros acadêmicos eleitos para a
Academia Niteroiense de Letras. Não se considerou as eleições posteriores, nem os ocupantes das dez novas
cadeiras criadas com a reforma dos estatutos em 19 de junho de 1973. Entretanto foram considerados os
patronos destas novas cadeiras, visto que alguns destes referiam-se a um momento cultural anterior da história
da cidade.
288
Arthur Nunes X X
Artur Briggs X
Ataulfo de Paiva X
B. Lopes Patrono
Belisário de Souza Jr. X Patrono
Benedito Angrense Brasil dos
Reis
X X
Benedito Costa X
Benedito Montes X
Benjamin Costa X
Bento Barbosa X
Brígido Fernandes Tinoco X X
Carlos Alberto Lúcio
Bittencourt
X
Carlos Conceição X
Carlos Maul X
Carlos Ramos X
Castro Menezes X
Creso Braga X
Dayl do Carmo Guimarães de
Almeida
X
Dulcydides de Toledo Piza X
Durval de Almeida Batista
Pereira
X
Edmundo March X
Eduardo Gomes Filho X Patrono
Elias Cabral X
Emílio Kemp X
Emmanuel de Macedo Soares X
Epaminondas de Carvalho X
Ernani Carvalho X
Ernesto Paixão X
Eugênio Cordeiro X
Eurípedes Ribeiro X X
Everardo Backheuser X Patrono
Figueira de Almeida X
289
Francisco de Almeida
Pimentel
X
Francisco de Assis Furtado
Memória
X
Francisco Estigarribia X
Franklin Coutinho X
Gastão Briggs X
Georges Angely X
Geraldo Montedônio Bezerra
de Menezes
X X X X
Gomes Leite X
Guaracy de Albuquerque
Souto Mayor
X
Guilherme Cruz X
Gustavo Cruvello D´Ávila X
Hamilton Nogueira X
Heitor Luiz Gurgel do Amaral
X
Hélio Nogueira X
Hélio Sodré X
Henrique Araújo X
Henrique Castrioto X
Homero Pinho X X
Honório Silvestre X
Horácio Campos X
Horácio Pacheco X
Ildefonso Falcão X
Isidro Nunes X
J. Cortes Jr. X
Jefferson Ávila Jr. X X
João de Barros Uchôa X
João Batista Vasconcelos
Torres
X
João Clementino de Melo Lula
X
João Pires X
Joaquim Lacerda X
Joaquim Peixoto X X
Jonathas Botelho X
José Agostinho de Lara Vilela
X
290
José de Castro Nunes X
José Figueiredo Alves X
José Geraldo Bezerra de
Menezes
Patrono X
José Mairink de Souza Motta X
José Pinto de Nazareth X
Julio Kahl X
Julio Salusse X
Kleber de Sá Carvalho X
Lacerda Nogueira X X
Latour Neves da Silva Arueira
X
Lealdino Soares Alcântara X
Levi Carneiro X Patrono
Lopes Trovão X Patrono
Lourenço Araujo X X
Luciano Gualberto X X
Luis Lamego X
Luis Pistarini Resende X Patrono Patrono
Luiz Antonio da Costa Jr. X
Luiz Gonzaga X
Luiz Lamego X
Luiz (Lili) Leitão X Patrono
Luiz Murat X Patrono
Luiz Palmier X
Luiz Rubano X
Luiz de Souza Dias X
Manuel Duarte X
Marcos Almir Madeira X X
Martins Teixeira Jr. X
Mattos Cardoso X
Maurício Medeiros X
Max Vasconcelos X
Mazini Rubano X
Melchíades Picanço X Patrono
Mendonça Pinto X
Mouzinho X
Múcio da Paixão X Patrono
Myrtharístides de Toledo Piza
X
Nelson Rangel X
291
Nestor Tangerini X
Ney Leôncio X
Olavo Bastos X X
Olavo Guerra X X
Oliveira Vianna X Patrono X
Olympio de Castro X
Osório Dutra X
Pascal de Souza Fontes X
Paula Achilles X
Paulino Netto X
Prado Kelly X
Oscar Fontenele X
Quaresma Jr. X X
Quintino Bocayuva X
Ramon Benito Alonso X
Raul de Leoni X Patrono
Raul de Oliveira Rodrigues X X X
Renato Lacerda X
Renato Vianna X
René Descartes de Medeiros X
Ricardo Barbosa X
Roberto Mesquita X
Rocha Lourenço X
Rubens Falcão X
Ruy Buarque de Nazareth X
Ruy Gonçalves X
Salomão Cruz X X
Sena Campos X
Serafim Silva X
Serpa Pinto X
Silva Araujo X
Simões da Silva X
Soares Filho X
Sylvio Pereira do Lago X
Teixeira Leite Filho X
Teófilo Guimarães X
Tomé Guimarães X
Trinas Fox X
Ulisses Tranquilino de X
292
Vasconcelos
Valério Cruvello D´Ávila X
Varon* X X
Vitorino Honorato Lopes X
Walfredo Martins X
Xavier Placer X
AFL Academia Fluminense de Letras
ANL Academia Niteroiense de Letras
IHGRJ Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro
ALUF Academia de Letras dos Universitários Fluminenses
CFHL Cenáculo Fluminense de História e Letras
Seu nome completo era Leopoldo Raimundo Teodoro Eugênio Leford Varon. Mas
ele era conhecido nos meios acadêmicos apenas por Varon.
293
Anexo 2 NOTÍCIAS DE JORNAIS SOBRE A POSSE DE OLIVEIRA VIANNA NA
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
TÍTULO DO ARTIGO DATA PERIÓDICO
Oliveira Vianna: solene homenagem será
prestada,
a 20 do corrente, ao ilustre sociólogo brasileiro
Julho 1940 O Estado
Oliveira Vianna na ABL: a posse do eminente
sociólogo
20 jul. 1940 O Estado
Para a ABL: A solenidade de hoje no mais alto
cenáculo do país
20 jul. 1940 Correio da Noite
Na ABL: A posse, hoje, do sociólogo Oliveira
Vianna
20 jul. 1940 A Noite
Um dia de jubilo para a intelectualidade
fluminense
21 jul. 1940 O Estado
Foi ontem recebido na ABL o sucessor de Alberto
de Oliveira (como o sr. Oliveira Vianna
Se referiu ao grande poeta fluminense)
21 jul. 1940 Correio da Manhã
Discurso de posse de Oliveira Vianna na ABL 21 jul. 1940 Jornal do
Comércio
(Quadro organizado a partir dos artigos guardados por Oliveira Vianna em seu arquivo privado pessoal)
294
Anexo 3 MEMBROS DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
CONTEMPORÂNEOS DE OLIVEIRA VIANNA (1940-1951)
Cadeira
Acadêmico Eleito em Posse Morte
01 Afonso d´Escragnolle Taunay 07 nov. 1929 06 maio 1930 20 mar. 1958
02 João Neves da Fontoura 19 mar. 1936 12 jul. 1937 31 mar. 1963
03 Francisco Filinto de Almeida Fundador Fundador 28 jan. 1945
Roberto Simonsen 09 ago. 1945 07 out. 1946 25 maio 1948
Aníbal Freire da Fonseca 30 set. 1948 10 maio 1949 22 out. 1970
04 Alcides Castilho Maya 06 set. 1913 21 jul. 1914 02 out. 1944
Clodomir Vianna Moog 20 set. 1945 17 nov. 1945 15 jan. 1988
05 Aloísio de Castro 14 nov. 1917 15 abr. 1919 07 out. 1959
06 Barbosa Lima Sobrinho 28 abr. 1937 13 jan. 1938
07 Afrânio Peixoto 07 maio 1910 14 ago. 1911 12 jan. 1947
Afonso Pena Jr. 22 maio 1947 14 ago. 1948 12 abr. 1968
08 Oliveira Vianna
09 Carlos Magalhães de Azeredo Fundador Fundador 04 nov. 1963
10 Osvaldo Orico 28 out. 1937 09 abr. 1938 19 fev. 1981
11 Adelmar Tavares 25 mar. 1926 04 set. 1926 20 jul. 1963
12 José Carlos de Macedo Soares 30 dez. 1937 10 dez. 1938 28 jan. 1968
13 Hélio Lobo 06 jun. 1918 26 nov. 1919 1 jan. 1960
14 Clóvis Bevilaqua Fundador Fundador 26 jul. 1944
Carneiro Leão 30 nov. 1944 1 set. 1945 31 out. 1946
15 Guilherme de Almeida 06 março 1930 21 jun. 1930 11 jul. 1969
16 Pedro Calmon 16 abr. 1936 10 out. 1936 16 jun. 1985
17 Edgard Roquette Pinto 20 out. 1927 03 mar. 1928 18 out. 1954
18 Antonio Joaquim Pereira da Silva 23 nov. 1933 26 jun. 1934 11 jan. 1944
João Peregrino Junior da Rocha
Fagundes
04 out. 1945 25 jul. 1946 12 out. 1983
19 Gustavo Barroso 08 mar. 1923 07 maio de
1923
03 dez. 1959
20 Múcio Carneiro Leão 19 set. 1935 16 nov. 1935 12 ago. 1969
21 Olegário Mariano 23 dez. 1923 20 abr. 1927 28 nov. 1958
Cadeira
Acadêmico Eleito em Posse Morte
22 Miguel Osório de Almeida 05 set. 1935 23 nov. 1935 02 dez. 1953
23 Guilherme de Andrade de Almeida 06 mar. 1930 21 jun. 1930 11 jul. 1969
295
24 Manuel Bandeira 29 ago. 1940 30 nov. 1940 13 out. 1968
25 Ataulfo de Paiva 09 dez. 1916 23 maio 1918 08 maio 1955
26 Ribeiro Couto 28 mar. 1934 17 nov. 1934 30 maio 1963
27 Levi Fernandes Carneiro 23 jul. 1936 07 ago. 1937 05 set. 1971
28 Francisco Xavier Ferreira Marques 24 jul. 1919 17 set. 1920 30 out. 1942
Menotti del Picchia 01 abr. 1943 20 dez. 1943 23 ago. 1988
29 Claudio Justiniano de Souza 28 ago. 1924 28 out. 1924 28 jun. 1954
30 Antonio Austregésilo Rodrigues Lima 29 ago. 1914 03 dez. 1914 23 dez. 1960
31 Cassiano Ricardo 09 set. 1937 28 dez. 1937 14 jan. 1974
32 Viriato Correia 14 jul. 1938 29 out. 1938 10 abr. 1967
33 Fernando Magalhães 22 jul. 1926 08 set. 1926 10 jan. 1944
Luis Edmundo 18 maio 1944 02 ago. 1944 08 dez. 1961
34 Dom Aquino Correia 09 dez. 1926 30 nov. 1927 22 mar. 1956
35 Rodrigo Octavio Fundador Fundador 28 fev. 1944
Rodrigo Octavio Filho 10 ago. 1944 19 jun. 1945 20 abr. 1960
36 Clementino Fraga 1938 10 jun. 1939 08 jan. 1971
37 Alcântara Machado 23 abr. 1931 04 out. 1933 01 abr. 1941
Getulio Vargas 07 ago. 1941 29 dez. 1943 24 ago. 1954
38 Celso Vieira 20 jul. 1933 05 maio 1934 19 dez. 1954
39 Rodolfo Garcia 02 ago. 1934 13 abr. 1935 14 nov. 1949
Elmano Cardim 13 maio 1950 29 set. 1950 19 fev. 1979
40 Alceu Amoroso Lima 29 ago. 1935 14 dez. 1935 14 ago. 1983
296
Anexo 4 - ARTIGOS DE JORNAIS DE OLIVEIRA VIANNA
Título do Artigo Jornal Data
O presidente e o veto parcial Correio Paulistano 28 jan. 1928
Ainda a política do café Correio da Manhã 28 jun. 1928
O problema do crédito e as caixas rurais Correio da Manhã 09 jan. 1929
Um leplayano dissidente Correio da Manhã 02 fev. 1929
De compasso e fita métrica Correio da Manhã 20 jul. 1930
Os estudos sociológicos no Brasil Agosto 1931
O problema da representação profissional Correio da Manhã 04 dez. 1932
O sindicato e o problema de seu controle A Nação 29 mar. 1933
O problema da imigração assíria no Brasil Jornal do Comércio 30 jun. 1934
Discurso de Oliveira Vianna na recepção do professor
Mendes Correia na Faculdade de Direito de Niterói
Jornal do Comércio 01 jul. 1934
Oração do professor Oliveira Vianna no segundo
aniversário da Academia de Ciência da Educação
Jornal do Comércio 12.04.1935
O brilhante parecer do professor Oliveira Vianna O Gládio
4
Set. 1935
Os regionalismos e a unidade nacional O Jornal 17 set. 1935
Novos rumos educacionais (carta) O Estado 28 out. 1935
Razões da originalidade do sistema sindical brasileiro 22 abr. 1937
O cidadão do Estado Novo Diário de Notícias 07 fev. 1939
Intercâmbio Intelectual Diário de Notícias 14 fev. 1939
Crise e salário mínimo Diário de Notícias 07 mar. 1939
Crise e elites dirigentes Diário de Notícias 15 mar. 1939
O exemplo da Suécia Diário de Notícias 23 abr. 1939
Novos tempos O São Gonçalo 01 out. 1940
Quadro e enquadramento da nossa legislação sindical Jornal do Comércio 12 e 13 abr. 1941
O movimento de 1937 e seu sentido histórico A Manhã 10 nov. 1942
Max Fleiuss A Manhã 12 fev. 1943
Ruy e os livros A Manhã 19 fev. 1943
Duas concepções do Estado A Manhã 26 fev. 1943
O “Herrenvolk” e seus direitos 05 mar. 1943
Duas concepções do Estado A Manhã 14 mar. 1943
O conceito de inimigo na doutrina nacional-socialista A Manhã 19 mar. 1943
A ilusão da neutralidade A Manhã 26 mar. 1943
4
Jornal do Diretório Acadêmico dos estudantes da Faculdade de Direito do estado do Rio de Janeiro onde
Vianna era professor.
297
Consciência e inconsciência dos “simpatizantes” da
Alemanha
A Manhã 09 abr. 1943
Duas concepções do “ Espaço vital” A Manhã 23 abr. 1943
O nazismo e as colônias alemães A Manhã 30 abr. 1943
O conceito de “ariano” na doutrina nazista A Manhã 07 maio 1943
Razões da originalidade do sistema sindical brasileiro A Manhã 18 jun. 1943
O problema social e a pequena propriedade 02 jul. 1943
O Estado moderno e o problema das elites A Manhã 18 jul. 1943
O problema social e a pequena propriedade Síntese Agosto 1943
O sindicalismo e o corporativismo no mundo do após
guerra
A Manhã 03 set. 1943
Individualismo e solidarismo A Manhã 08 out. 1943
Os nossos territórios A Manhã 15 out. 1943
Imigração e colonização ontem e hoje A Manhã 05 nov. 1943
Democracia e governo de elites A Manhã 12 dez. 1943
A unidade nacional e a missão do poder central O Estado 02 abr. 1944
Sociologia do eleitorado e do delegado “nosso” A Palavra 05 abr. 1949
O Brasil e a teoria das maiorias Qualitativas s.d.
Os historiadores do bandeirismo
Cristãos novos em São Paulo Correio Paulistano s.d.
298
Anexo 5 MISSIVISTAS DE OLIVEIRA VIANNA E SUAS INSTITUIÇÕES
Nome Café Paris/
Academias
de Niterói
ABL
IHGB
Outras Instituições/ informações
relevantes
Cargos Públicos
A. Barros Franco
A. P. Ramos
A. Saboia Lima
Abel Borges Leal
Abel S. de Azevedo
Magalhães
Professor da Faculdade de Direito
de Niterói.
Achille Bassi Professor do Instituro de
Matemática da Universidade de
São Carlos. Era italiano. Veio para
o Brasil em 1939, a convite do
governo brasileiro para assumir a
cátedra de geometria na
Universidade do Brasil.
Acúrcio Torres
Adahyl Coelho
Adamastor Lima Um dos fundadores da faculdade
de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Adauto Fernandes
Aderbal Novaes
Adolfo Madruga
299
Affonso Celso X X Professor da faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais do Rio de
Janeiro. Um dos fundadores da
ABL.
Affonso Taunay X X Academia Paulista de Letras,
Academia Portuguesa de História.
Diretor do museu Paulista.
Afonso Costa Membro da Academia Carioca de
Letras.
Afonso de Carvalho
Afonso Jofily
Afrânio Antonio de Costa
Afrânio de Melo Franco X Deputado estadual MG (1902/1906), deputado federal
(1906/1918), secretário de Finanças de Minas Gerais (1918),
Ministro da Viação (1918/1919), deputado federal (1920/1924),
embaixador do Brasil na Liga das Nações (1924/1926), deputado
federal (1926/1930), Ministro das Relações Exteriores
(1930/1934), presidente da comissão encarregada de elaborar o
projeto de Constituição (1932/1933), deputado estadual MG
(1934). Exerceu diversas funções diplomáticas a partir desta
data.
Afrânio Martins Dourado
Agamenon Magalhães Deputado estadual PE (1918/1922), deputado federal PE
(1923/1930), deputado constituinte (1933), Ministro do Trabalho
(1934/1937), Ministro interino da Justiça (1937), interventor
federal em Pernambuco (1937/1945), deputado constituinte
(1946), governador de Pernambuco (1950/1952).
300
Agripino Nazareth Membro da Comissão constituída por Evaristo de Moraes -
enquanto ocupava o cargo de Consultor Jurídico do Ministério
do Trabalho (gestão de Lindolfo Collor) - para elaborar as bases
da nova legislação trabalhista do brasil.
Alarizio de Andrade Moura
Albertino Moreira Presidente da OAB/Santos no
período de 1939 a 1940.
Alberto de Almeida
Albuquerque
Alberto de Oliveira X X Poeta parnasiano. Foi considerado
“o príncipe dos poetas brasileiros”.
Exerceu o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública do Rio de
Janeiro.
Alberto Lamego X X Um dos mais importantes
intelectuais do antigo estado do
Rio de Janeiro.
Trabalhou no Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil.
Albino Martins de Souza
Imparato
Alcebíades Delamare Professor da faculdade de Direito
de Niterói.
Alcides Gentil Intelectual. Autor de uma obra
sobre Alberto Torres.
Alcinor Cupertino de
Barros
Aldemar Guerreiro
Alexandre Sommier
Alfredo Athayde
Alfredo de Freitas Bahiense
301
Alfredo Mariano de
Oliveira
Alfredo Valadão Jurista. Ministro do Tribunal de Contas (1916-1935).
Almir Rodrigues Madeira Professor e pediatra.
Aloisio de Castro X X
Era membro da Academia
Nacional de Medicina,; da
Sociedade de Neurologia,
Psiquiatria e Medicina Legal do
Rio de Janeiro; da Sociedade de
Medicina e Cirurgia do Rio de
Janeiro; membro honorário da
Sociedade de Medicina e Cirurgia
de São Paulo; do Instituto
Brasileiro da História da Medicina;
do Conservatório Brasileiro de
Música; membro da Comissão de
Cooperação Intelectual da Liga das
Nações (1922-1930); diretor do
Instituto Ítalo-Brasileiro de Alta
Cultura; membro efetivo da
Academia Pontifícia das Ciências.
Na Academia Brasileira de Letras,
foi segundo-secretário (1921-
1922); secretário-geral (1926) e
presidente (1930 e 1951).
Aloysio de Carvalho Filho Jornalista do Diário da Bahia.
Alvaro de Amorim
Machado
Álvaro Ferreira da Silva
Pinto
Professor da Faculdade de Direito
de Niterói e da Faculdade de
Direito da Universidade do Brasil.
302
Álvaro Sardinha Presidente do Tribunal de Contas do antigo estado do Rio de
Janeiro (1969/1970)
Álvaro Teixeira Assumpção
Amilcar Dutra de Menezes Capitão “Arvoredo”. Diretor do Departamento de Imprensa e
Propaganda.
Angelo Mendes de Moraes General. Prefeito do Distrito Federal (1947).
Aniceto de Medeiros
Correia
Desembargador.
Antenor Rodrigues Silva do
Valle
Antenor Varia
Antonio Accioly Carneiro
Antonio Borges Leal
Antonio Dourado
Antonio Macedo
Antonio Moura Lima
Arnaldo Tavares Lyra
Arnaldo Tavares Lyra Filho
Arthur de Souza Costa
Arthur Ferreira Costa
Arthur Torres Filho
Artur de Almeida Torres Membro da Academia Brasileira
de Filologia.
Ary Pinto de Marins
Ataliba Lepage
303
Ataulfo de Paiva X X X Presidente da Academia Brasileira
de Arte.
Augusto Camossa Saldanha
Austregésilo de Athayde X
Auto Marinho
Barbosa Lima Sobrinho X X Membro do Instituto dos
Advogados do Rio de Janeiro, da
Associação Brasileira de Imprensa,
do Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico de
Pernambuco além de outras
instituições.
Deputado federal PE (1935/1937), presidente do Instituto do
Açúcar e do Álcool (1938/1945), deputado constituinte (1946),
governador de PE (1948/1951), deputado federal (1959/1963)
Bastos Tigre Jornalista, poeta, humorista e
compositor. Fundador e diretor da
Revista D. Quixote. Presidente da
SBAT (Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais) e bibliotecário da
Biblioteca Nacional.
Benjamin Costa X Era poeta e teatrólogo nascido em
Niterói. Publicou uma vasta obra
que incluía Primeiras Canções,
Canções da terra virgem (poesia),
Amor de condenado (teatro), Céu
Tropical, entre outros. No
jornalismo atuou em O
Fluminense, Rebate e Jornal das
Moças. Morreu em 1954.
304
Bernardino de Almeida
Bernardino José de Souza X Vice-presidente do Tribunal de Contas da União (1946).
Cândido Motta Filho X X Membro da Academia Paulista e
da Academia Brasiliense de Letras.
Ministro do Supremo Tribunal Federal
Capistrano Pereira Membro fundador da Academia
Flumi-nense de Medicina, da
Academia Nacio-nal de Medicina e
do Instituto Brasileiro de História
da Medicina. Professor da
faculdade nacio-nal de Medicina.
Carlos Castrioto
Carlos de Gusmão
Catarina Lamego da Silva
Celso Vieira X Membro fundador da Academia
Pernambucana de Letras.
Cenira Trindade
Christovam de Camargo Escritor.
Ciro Versiani dos Anjos Escritor. Subchefe do gabinete civil da Presidência no governo Juscelino
Kubitschek.
Cláudio de Souza X Foi presidente da ABL por duas
vezes (1938 e 1946)
Claudionor Souza Lemos Diretor da Caixa de Amortização (1954/1958).
Corina de Araújo
Coriolano de Goes Integrou o primeiro comitê
executivo da revolução
Constitucionalista de 1932.
305
Creso Braga X
Danilo Pio Borges
Davydoff Lessa
Dayl do Carmo G. de
Almeida
X Deputado estadual, membro do Tribunal Superior do trabalho.
Décio Ferreira Cretton Professor de física, química e
história natural.
Donald Pierson Professor da Escola Livre de
Sociologia e Política (1939/1957)
Edgard Teixeira Leite Secretário de Fazenda de PE (1930)
Edir Rocha
Edmundo da Luz Pinto Membro da Academia Catarinense
de Letras. Sócio fundador do
Instituto Histórico de Petrópolis.
Deputado estadual SC (1918/1926) e deputado federal
(1926/1930).
Edmundo de Macedo
Soares e Silva
X Governador do estado do Rio de Janeiro
Eduardo Lima
Eduardo Tranchete
Elmano Cardim X X Diretor do Jornal do Comércio.
Sócio fundador do Instituto
Histórico de Petrópolis.
Elysio Araujo Deputado federal RJ (1906/1912) e deputado estadual RJ
(1927/1930).
Elysio de Carvalho Escritor. Editor de diversas
revistas literárias.
Eugênio Sodré Borges
306
Eunice Rodrigues Barros
Eurico Bastos Filho
Eurico Gonçalves Bastos
Euzébio Branco
Fausto Alvim Presidente do sindicato dos
comerciários.
Feijó Bittencourt
Feliciano Sodré
Fernando Nobre
Filinto Muller Estudou na Escola Militar do
Realengo, tendo sido declarado
aspirante a oficial da Arma de
Artilharia (1922).
Secretário do Interventor federal de São Paulo (1931). Chefe de
polícia do Distrito Federal (1933-1942). Oficial de gabinete do
ministro da Guerra (1942-1943). Presidente do Conselho
Nacional do Trabalho. Senador MT (1947-1951 e 1954-1973).
Florêncio Abreu X Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Sul
Francisco Behrensdorf Jr. Presidente da Associação
Comercial de Pelotas (1930/1932)
307
Francisco de Aquino Corrêa
X X Um dos fundadores do Instituto
Histórico e Geográfico de mato
Grosso e da Academia Mato-
grossense de Letras. Foi o autor da
letra do Hino de Mato Grosso.
Arcebispo de Cuiabá.
Francisco de Paula Achilles
X Diretor da Imprensa Nacional
Frederico César Burlamaqui
Diretor do Departamento Nacional
de Portos e Navegação.
Gabriel de Rezende Passos Deputado federal MG, Secretário do Interior e secretário de
Finanças de MG.
Gastão Almeida
Geraldo Bezerra de
Menezes
X Sócio correspondente do Instituto
Histórico de Petrópolis.
Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (1946/1951)
Geraldo Mascarenhas da
Silva
Getúlio Dornelles Vargas X Deputado Federal (1923/1926), Ministro da Fazenda
(1926/1927), Presidente RS (1928/1930), Presidente da
República (1930/1945 e 1951/54).
Godofredo Maciel
Guilherme Auler X Membro correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Sul. Sócio efetivo
do Instituto Histórico de
Petrópolis.
308
H. de Rossi
Halford Harris White
Haydée Marinho
Heitor Moniz Escritor.
Hélio Vianna
Helvécio Xavier Lopes
Henrique Dodsworth Deputado federal (1924/1930 e 1934/1937). Deputado
constituinte (1933).Em julho de 1937 ocupou a
interventoria do Distrito Federal. Prefeito do Distrito
Federal (1937/1945). Em abril de 1946 foi nomeado
embaixador em Portugal.
Henrique Dória
Vasconcellos
Henrique Fish de Miranda
Heraldo Silva
Herbert Moses
Hermino Lyra
Hésio Fernandes Pinheiro Jurista.
309
Hirosê Pimpão Jurista.
Honório Monteiro Professor de Direito Comercial e
Economia e Legislação Social da
Faculdade de Direito de São Paulo.
Diretor da Faculdade de Direito de
São Paulo (1943/1945). Membro
do Conselho Estadual de
Educação, da Câmara de Ensino
Superior e representante da
Congregação da Faculdade de
Direito no Conselho Universitário.
Deputado Constituinte (1946) e presidente da Câmara dos
Deputados. Ministro do Trabalho do Governo Gaspar Dutra.
Horácio Campos X
Hugo Silva
Humberto Bevilácqua
Ivan Lins
J. Alves Dias Diretor da Companhia
Melhoramentos (editora) de São
Paulo.
J. G. de Aragão
310
J. Pereira Lira
J. Plínio Salgado Filho
Jarbas Loretti
Jarbas Peixoto
Jayme d e Faria (e Abigayl
de Faria)
Jayme Luna
João Carlos de Almeida
João Carlos de Castro
Nunes
João Chede Presidente da Alerj. Deputado estadual RJ.
João de Barros Uchoa X Monsenhor
João Ribeiro Mendes
Joaquim Henrique Coutinho
Ministro do Tribunal de Contas. Presidente do tribunal de Contas
da União (1950/1951, 1955/1956, 1960/1961)
Jorge de Lima Alagoano. Estudou Medicina em
Salvador, transferindo-se para o
Rio de Janeiro, onde defendeu tese
sobre os serviços de higiene na
capital federal. Ainda estudante de
Medicina, publicou seu primeiro
livro, XIV Alexandrinos (1914).
Médico e professor de Literatura
Brasileira da Universidade do
Brasil e do Distrito Federal.
Diretor da Escola Normal Estadual de Alagoas. Diretor Geral da
Instrução Pública e Saúde de Alagoas. Deputado estadual AL.
Em 1925 foi eleito vereador no Rio de Janeiro, ocupando, três
anos mais tarde, a presidência da Câmara.
311
Jorge do Rego Barros Fundador da associação dos ex-
alunos dos colégios militares.
José Américo X Advogado, bacharelou-se pela
Faculdade de Direito de Recife em
1908. Escritor. Lançou, em 1928,
A Bagaceira, considerado o ponto
de partida do novo romance
regional brasileiro.
Promotor geral PB (1911-1922). Consultor geral do Estado PB
(1922). Secretário Estadual do Interior (1928). Secretário de
Segurança PB (1930). Chefe civil da revolução de 30 para o
Norte e Nordeste. Ministro de Viação e Obras Públicas. Membro
trabalhos constituintes entre 1933 e 1934 . Senador PB (1934).
Ministro do Tribunal de Contas da União (1935-1947). Senador
PB (1947). Presidente da UDN. Governador PB (1950). Ministro
da Viação e Obras Públicas (1953-1954). Governador PB (1954).
José Argeu Cruz Barros
José Aurélio Gonçalves de
Freitas
José Calazans Militar. Foi delegado de polícia e vereador de Paraibuna (SP)
José Carlos de Macedo
Soares
X Advogado, formou-se pela
Faculdade de Direito de São Paulo,
em 1905. Presidente da Academia
Brasileira de Letras (1942-1944).
Presidente da Associação
Comercial de SP (1923). Membro
da Academia Brasileira de
Filologia. Sócio fundador do
Instituto Histórico de Petrópolis.
Secretário de Justiça SP (1930).
Durante o ano de 1932, desempenhou missões diplomáticas na
Europa. Deputado federal constituinte SP (1933). Ministro das
Relações Exteriores (1934-1937). Presidente do Instituto
Brasileiro de Estatística (1934-1951). Ministro da Justiça (1937).
Interventor federal SP (1945-1948). Ministro das Relações
Exteriores (1955-1958).
José Cesário da Silveira
312
José Coutinho
José da Silva Gallo
José de Castro Nunes X Advogado. Diplomou-se na
Faculdade de Ciências Jurídicas e
Sociais do Rio de Janeiro, em
1906.
Fiscal de Ensino (1909-1911); Procurador dos Feitos da
Prefeitura de Niterói (1915-1931); Membro do Conselho
Administrativo da Caixa Econômica Federal e seu Presidente
(1930); Membro do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro
(1928-1931). Juiz Federal Substituto, na Seção do Estado do Rio
de Janeiro (1931-1934); Juiz Federal da 2ª Vara da Seção do
antigo Distrito Federal (1934-1937) e Juiz dos Feitos da Fazenda
Pública, também do antigo Distrito Federal (1937-1938).
Ministro do Tribunal de Contas da União (1938 1940). Ministro
do Supremo Tribunal Federal (1940-1945). Vice-Presidente do
Supremo Tribunal Federal (1945-1949).
José de Freitas Bastos
José de Morais
José de Oliveira Rocha
José Figueiredo Alves X
José Francisco Bias Fortes
Governador de MG (1956-1961).
313
José Honório Rodrigues X X Advogado. Diplomou-se na
Faculdade de Direito da então
Universidade do Brasil. Em 1937,
aos 24 anos ganhou o 1o Prêmio
de Erudição da Academia
Brasileira de Letras com o livro
Civilização holandesa no Brasil.
Bolsista da Fundação Rockefeller,
passou um ano nos Estados Unidos
(1943-1944), onde frequentou
cursos na Universidade de
Columbia e fez pesquisas
históricas. Formou-se, em 1955,
pela Escola Superior de Guerra.
Em 1937, recebeu o Prêmio de Erudição da Academia Brasileira
de Letras.Diretor da Divisão de Obras Raras e Publicações da
Biblioteca Nacional (1946-1958) e diretor interino da mesma
Biblioteca em várias ocasiões; diretor da Seção de Pesquisas do
Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores
(1948-1951); diretor do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
(1958-1964). Ocupou vários cargos: de professor de História do
Brasil do Instituto Rio Branco, professor de Ensino Técnico da
Prefeitura da Guanabara, professor da Faculdade de Ciências
Econômicas do Estado do Rio de Janeiro e professor da
Universidade Federal Fluminense. Foi secretário executivo do
Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (1964-1968).
José Maria Leoni
José Pereira Alves Bispo de Niterói.
José Pio Borges de Castro Membro do Instituto dos
Advogados Brasileiros. Diretor da
Companhia Brasileira de
Eletricidade Siemens/Schuckert
314
José Wanderley de Araujo
Pinho
X Sócio fundador do Instituto
Histórico de Petrópolis.
Josué Montello X Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico do Pará.
Presidente da Academia Brasileira
de Letras (1994/1995).
Inspetor Federal do Ensino Comercial, no Rio de Janeiro (1937).
Professor do curso de Organização de Bibliotecas, do
Departamento Administrativo do Serviço Público (1943).
Professor da cadeira de Literatura Portuguesa do curso superior
de Biblioteconomia. Diretor geral da Biblioteca Nacional e
diretor do Serviço Nacional de Teatro (1947). Professor de
Estudos Brasileiros da Universidade Nacional Mayor de San
Marcos, em Lima, no Peru (1953/1955). Subchefe da Casa Civil
do Presidente da República (1956). Professor de Estudos
Brasileiros, na Universidade de Lisboa (1957) na Universidade
de Madri (1958). Presidente do Conselho Federal de Cultura
(1967-1968), e membro até 1989, quando o Conselho foi extinto.
Conselheiro cultural da Embaixada do Brasil em Paris (1969-
1970). Organizador do Museu Histórico e Artístico do
Maranhão. Embaixador do Brasil junto à UNESCO (1985-1989).
Lair Ximenes Branco
315
Laurinha Rodrigo Otávio Esposa de Rodrigo Otávio.
Lauro Alonso
Lealdino Soares Alcântara X Diretor geral do colégio Brasil, em
Niterói.
Leda Stella da Silva
Mendonça
Levi Carneiro X X X Bacharel em Ciências Jurídicas e
Sociais pela Faculdade de Direito
do Rio de Janeiro. Presidente da
Academia Brasileira de Letras
(1941) Membro correspondente da
Academia das Ciências de Lisboa.
Membro benemérito do Instituto
dos Advogados Brasileiros, da
Associação Brasileira de Educação
e da Sociedade Brasileira de
Direito Internacional.
Secretário da Delegação brasileira à Conferência Internacional
de Jurisconsultos (1912). Presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil. Consultor geral da República (1930-1932). Deputado
constituinte (1934). Consultor jurídico do Ministério das
Relações Exteriores. Ministro das Relações Exteriores. Membro
brasileiro da Corte Permanente de Arbitragem de Haia. Juiz da
Corte Internacional de Justiça em Haia (1951-1954).
Lima Franco
Lourival Fontes Representante doo Brasil no
Conselho Administrativo do
Bureau Internacional do Trabalho.
Oficial de gabinete do prefeito do Distrito Federal (1932).
Diretor do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural
(DPDC) (1934 1937). No ano seguinte o DPDC transformou-se
no Departamento Nacional de Propaganda e em 1939 no
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Diretor do DIP
(1939-1942). Embaixador do México (1945). Chefe do Gabinete
Civil da Presidência da República (1951-1954). Senador SE
(1955- 1963).
Lucia Benjamin Guimarães
316
Lucio Correia e Castro
Luiz Camillo de Oliveira
Netto
Escritor.
Luiz da Silveira Paiva
Luiz F. Santos Lima
Luiz Mariano de Oliveira
Luiz Palmier X Escritor. Autor do livro
Cinquentenário de São Gonçalo.
Luiza Marcelino Branco
Lygia de Mendonça
Moreira
M. Vianna de Castro Sócio fundador do Instituto
Histórico de Petrópolis.
Manuel Bandeira X Fiscal de bancas examinadoras de preparatórios (1928-1929).
Inspetor de ensino secundário (1935). Professor de Literatura
Universal no Externato do Colégio Pedro II (1938). Professor de
Literaturas Hispano-Americanas na Faculdade Nacional de
Filosofia (1942). Membro do Conselho Consultivo do
Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Marieta Dourado Pereira
Mário Gomes Corrêa
Mário Sette Academia Pernambucana de Letras
e Instituto Arqueológico de
Pernambuco.
317
Maurício de Medeiros X Médico. Diplomou-se na
Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro.
Deputado estadual RJ (1916). Deputado federal (1921 e 1927-
1930). Chefe da delegação brasileira ao I Congresso Mundial de
Psiquiatria (1950). Ministro da Saúde nos governos de Nereu
Ramos e de Juscelino K. de Oliveira. Professor catedrático da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Max Fleiuss X Sócio fundador do Instituto
Histórico de Petrópolis.
Medeiros Dantas
Melchíades Picanço X Instituto dos Advogados
Fluminenses
Mozart da Gama
Mozart de Cunto
Natalício Valentim Bouças Membro do conselho nacional de
Economia e Finanças.
Newton Lima
Odette Serpa
Olavo Dantas
Olympio Mello
318
Orozimbo Nonato Advogado. Diplomou-se pela
Faculdade de Direito de Minas
Gerais (1911). Foi Livre-Docente
e, posteriormente, Professor
Catedrático, por concurso, de
Direito Civil da Faculdade de
Direito de Minas Gerais (1925-
1940), lecionando a mesma
matéria na Faculdade de Direito da
Pontifícia Universidade Católica
do antigo Distrito Federal.
Delegado de Polícia em Aiuruoca e Turvo (1912). Promotor de
Justiça, nas cidades de Arassuaí e Entre Rios. Juiz Municipal em
Rio Branco e Entre Rios (1913). Secretário do Conselho
Deliberativo de Belo Horizonte (1927-1930). Advogado-Geral
do Estado de MG (1933). Desembargador do Tribunal de
Apelação de Minas Gerais (1934-1940). Consultor-Geral da
República(1940- 1941). Ministro do Supremo Tribunal Federal
(1941). Vice-Presidente do Supremo Tribual Federal (1951 e
1954). Presidente do Supremo Tribunal Federal (1956- 1960).
Oswaldo Aranha Deputado Federal (1927/1928), Ministro da Justiça (1930/1931),
Ministro da Fazenda (1931/1934), Embaixador nos EUA
(1934/1937), Ministro das Relações Exteriores (1938/1944),
Ministro da Fazenda (1953/1954).
Oswaldo Barata Professor da Faculdade de Direito
de Niterói.
Oswaldo Barcelos
Oswaldo Bragança
Otaviano Barbosa de
Macedo
319
Otávio Mangabeira X Engenheiro. Diplomou-se pela
Escola Politécnica da Bahia, em
1905. Engenheiro encarregado da
inspeção dos trabalhos do porto da
Bahia e professor de Astronomia
da Escola Politécnica da Bahia
(1907-1911).
Engenheiro civil, formou-se Vereador em Salvador (1908).
Deputado Federal BA,(1911-1926). Ministro das Relações
Exteriores (1926). Deputado federal (1934-1937).
Presidente nacional da UDN (1946). Deputado federal BA
(1946/1947). Governador da Bahia (1947-1951). Deputado
federal BA (1955). Senador BA (1959).
Othon Barros
Paschoal Villaboim Membro e ex-presidente da
Academia Carioca de Letras.
Professor catedrático da UERJ.
Paulo A. Silva
Paulo Gomes da Silva
Paulo Oliveira
320
Pedro Calmon X X Advogado. Diplo-mou-se pela
Univer-sidade do Rio de Janeiro,
em 1924. Diretor do Museu
Histórico Nacional. Membro da
Socieda-de de Geografia do Rio de
Janeiro e de Institutos Históricos
de vários Estados brasileiros.
Membro correspondente da
Academia das Ciências de Lisboa
e da Academia Portu-guesa de
História. Sócio honorário da
Sociedade de Geo-grafia de
Lisboa, da Real Academia
Espanhola e da Real Academia de
História da Espanha
Secretário particular do ministro da Agricultura no governo
Bernardes. Deputado estadual da BA (1927-1930). Deputado
federal BA. Ministro da Educação e Saúde (1950-1951).
Livre docente de Direito Público Constitucional na Faculdade
Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Catedrático da
mesma Faculdade de que também foi diretor por 10 anos (1938-
1948).Reitor da (1948-1950 e 1951-1966). Professor de História
da Civilização Brasileira na Universidade do Distrito Federal
(1935). Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro desde a sua fundação em 1940 e da Faculdade de
Filosofia da Universidade Santa Úrsula no Rio de Janeiro.
Professor de Historia do Brasil do Colégio Pedro II. Recebeu o
título de Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de
Janeiro; Doutor honoris causa das Universidades de Coimbra,
Quito, Nova York, de San Marcos e da Universidade Nacional
do México; e professor honorário da Universidade da Bahia.
Pedro Luiz Arnoud Padre.
Péricles Madureira de
Pinho
Ministro da Educação (interino) (1953)
Philadelpho de Azevedo Ministro do Supremo tribunal Federal.
Plinio Alberto de Almeida
Plinio Pinheiro Guimarães Membro do Tribunal Superior Eleitoral.
Plinio Travassos Membro da Academia
Ribeirãopretana de Letras.
Radler de Aquino
321
Rafael Xavier
Raimundo Maranhão Aires Academia Matogrossense de
Letras
Raul Fernandes
Reginaldo Nunes
Renato Kehl Médico e farmacêutico de
formação. Um dos mais
importantes propagandistas do
movimento eugênico. Membro da
Liga de Higiene Mental do Rio de
Janeiro.
Presidente da Comissão Central de Eugenismo criada em 1931.
Richard Norman Davies Membro da The Rio de Janeiro
City Improvements Co. Ltda.
322
Roberto Simonsen X Formou-se em Engenharia Civil
pela Escola Politécnica de SP.
Participou da fundação da primeira
Escola de Sociologia e Política
existente no Brasil e ali assumiu a
cadeira de professor de História da
Economia Nacional. Era membro
dos institutos históricos e
geográficos de São Paulo, Santos e
Rio de Janeiro; da Academia
Paulista de Letras; da Academia
Portuguesa da História; do Clube
de Engenharia do Rio de Janeiro;
do Instituto de Engenharia de São
Paulo; e de outras academias
internacionais.
Diretor geral das obras da Prefeitura de Santos (1911-1912).
Deputado federal SP (1934). Senador (1945).
Rodrigo Otávio Filho X X Bacharelou-se em Ciências
Jurídicas e Sociais pela Faculdade
Livre de Ciências Jurídicas e
Sociais do Rio de Janeiro (1914).
Presidente da Academia Brasileira
de Letras (1955). Era membro
efetivo do Instituto dos Advogados
Brasileiros; da Sociedade
Brasileira de Geografia e da
Sociedade Brasileira de Direito
Internacional.
323
Rogério de Freitas
Romeu Rodrigues Silva
Rubem Machado Rosa X
Rubens Falcão X Escritor niteroiense.
San Tiago Dantas Diretor da Faculdade Nacional de Filosofia (1941/1945),
deputado federal MG (1959/1961), Ministro das Relações
Exteriores (1961/1962), deputado federal MG (1962/1963),
Ministro da Fazenda (1963) e deputado federal MG (1963/1964).
Sávio Soares de Sousa Advogado. Escritor niteroiense.
Fundador do Grêmio Literário
Humberto de Campos, em Niterói
(1944). Presidente do Clube dos
Amigos do Livro, em Niterói
(1959).
Diretor da Casa de Oliveira Vianna.
Solidônio Leite Filho Escritor.
Stéphane Vannier Prefeito de São Gonçalo (1929-1930)
Telles Barbosa Professor da Faculdade de Direito
de Niterói.
Teresita M. Porto da
Silveira
324
Thadée Skowroski
Thomas Leonardo
Thomaz Correia de
Figueiredo Lima
Ulpiano de Barros Diretor do Domínio da União do Ministério da Fazenda (1937-
1943).
Valentim Bouças Auxiliou Oswaldo Aranha quando Ministro da Fazenda e depois
como embaixador.
Vicente Boffoni
Vieira de Mello
Vitor do Espírito Santo
Waldemar da Silveira
Waldemar Falcão Deputado federal CE.
Waldemar Vasconcelos
Wilson de Oliveira Vianna
Xavier Placer X Escritor niteroiense. Presidente da
seção estado do Rio de Janeiro da
União Brasileira de Escritores.
Yolanda Mendonça
325
Anexo 6 PROFESSORES E DISCIPLINAS DOS CURSOS DE CIÊNCIAS
JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS E NOTARIADO DA FACULDADE LIVRE DE
CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DO RIO DE JANEIRO
CURSO DISCIPLINAS PROFESSOR
PROPOSTO
5
PROFESSOR
EM 1891
6
PROFESSOR
EM 1892
7
Filo
sofia e
História do
Direito
Affonso Celso
de Figueiredo Jr.
Silvio Romero Affonso Celso CIÊNCIAS
JURÍDICAS
PRIMEIRA
SÉRIE
Direito Público e
Constitucional
Augusto
Olympio Gomes
de Castro
Augusto
Olympio Gomes
de Castro
Direito Romano
João Evangelista
Sayão Bulhões
de Carvalho
João Evangelista
Sayão Bulhões
de Carvalho
João Evangelista
Sayão Bulhões
de Carvalho
Direito Civil
Antonio Coelho
Rodrigues e
Tarquínio
Bráulio de Souza
Amarantho
Tarquinio
Bráulio de Souza
Amarantho
Paulino José
Soares de Sou
za
Jr.
Direito
Comercial
Manoel do
Nascimento
Machado Portela
e José da Silva
Costa
José da Silva
Costa
CIÊNCIAS
JURÍDICAS
SEGUNDA
SÉRIE
Direito criminal
João Batista
Pereira
João Batista
Pereira
Lima
Drummond
5
Relação do corpo docente da Faculdade enviada ao governo federal em 1891. Arquivo Nacional. Série
educação. Notação: IE 3 250.
6
De acordo com as informações fornecidas por CALMON, Pedro. op. cit. pp. 56-61.
7
Conforme horário das aulas publicado no Jornal do Comércio de 27 de abril de 1892.
326
Medicina Legal
Agostinho José
de Souza Lima
Agostinho José
de Souza Lima
Agostinho José
de Souza Lima
Direito Civil
Antonio Coelho
Rodrigues e
Tarquinio de
Souza
Antonio Coelho
Rodrigues
Tarquinio de
Souza
CIÊNCIAS
JURÍDICAS
TERCEIRA
SÉRIE
Direito
Comercial
Manoel do
Nascimento
Machado Portela
e José da Silva
Costa
Mano
el do
Nascimento
Machado Portela
História do
Direito Nacional
Fernando
Mendes de
Almeida
Fernando
Mendes de
Almeida
Processo
Criminal, Civil e
Comercial
João Capistrano
Bandeira de
Melo
João Capistrano
Bandeira de
Melo
João Capistrano
Bandeira de
Melo
Noções de
Economia
Política e Direito
Administrativo
André Augusto
de Pádua Fleury
José Higino
Duarte Pereira
André Augusto
de Pádua Fleury
CIÊNCIAS
JURÍDICAS
QUARTA
SÉRIE
Prática Forense e
Hermenêutica
Jurídica
João Manuel
Carlos de
Gusmão
João Manuel
Carlos de
Gusmão
Filosofia e
História do
Direito
Affonso Celso CIÊNCIAS
SOCIAIS
PRIMEIRA
SÉRIE
Direito Público e
Constitucional
Augusto
Olympio Gomes
de Castro
Augusto
Olympio Gomes
de Castro
Direito das
Gentes,
Diplomacia e
História dos
Tratados
Felisberto
Pereira da Silva
Felisberto
Pereira da Silva
Felisberto
Pereira da Silva
Economia
Política
João Carlos de
Oliva Maya
João Carlos de
Oliva Maya
João Carlos de
Oliva Maya
CIÊNCIAS
SOCIAIS
SEGUNDA
SÉRIE
Higiene Pública João da Costa
Lima Castro
João da Costa
Lima e Castro
João da Costa
Lima Castro
327
Ciência da
Administração e
Direito
Administrativo
José Higino
Duarte Pereira
J. Bandeira
Ciência das
Finanças e
Contabilidade do
Estado
José Viriato de
Freitas
José Viriato de
Freitas
CIÊNCIAS
SOCIAIS
TERCEIRA
SÉRIE
Legislação
Comparada
sobre o Direito
Privado
Severino de
Freitas Prestes
Severino de
Freitas Prestes
José Viriato de
Freitas
Explicação
Sucinta do
Direito Pátrio
Constitucional e
Administrativo
Theodureto
Carlos de Faria
Souto
Thomaz Alves
Jr.
NOTARIADO
PRIMEIRA
SÉRIE
Explicação
Sucinta de
Direito Pátrio
Civil, Comercial
e Criminal
Thomaz Alves
Jr.
Candido Mendes
de Almeida
Explicação
Sucinta do
Direito Pátrio
Processual
Silvio Romero Silvio Romero NOTARIADO
SEGUNDA
SÉRIE
Prática Forense e
Hermenêutica
Jurídica
João Manuel
Carlos de
Gusmão
328
Anexo 7 BREVE BIOGRAFIA DOS PROFESSORES DA FACULDADE LIVRE
DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DO RIO DE JANEIRO (1891)
Professor Disciplina Dados biográficos
Silvio Romero Filosofia do
Direito
Nasceu em Lagarto (SE). Bacharelou-se em Recife,
em 1873. Foi deputado federal.
Souza Bandeira Direito Público e
Constitucional
Nasceu em Recife, em 1865 e formou-se pela
faculdade de Direito dessa mesma cidade, em 1884.
Severino Prestes
José Higino
Duarte Pereira
Direito
Administrativo
Nasceu em 1847. Formou-se em Recife, em 1867.
Doutorou-se em 1876. Foi Ministro da Justiça em
1891.
João Evangelista
Sayão Bulhões de
Carvalho
Direito Romano Nasceu no Rio de Janeiro, em 1852. Bacharelou-se
em Recife em 1874. Doutorou-se em São Paulo. Foi
presidente do Banco da República, em 1905.
José da Silva
Costa
Direito
Comercial
Nasceu no Rio de Janeiro, em 1841. Bacharelou-se
em São Paulo, em 1862.
Carlos Augusto
Gusmão
Direito
Comercial
Marítimo
Formou-se em 1879 na faculdade de Direito de São
Paulo. Foi secretário da comissão do código civil e
um dos fundadores da Academia Brasileira de
Letras.
Tarquínio Bráulio
de Souza
Amarantho
Direito Civil Nasceu em Taparí (RN), em 1829. Bacharelou-se na
faculdade de Recife, em 1857, tornando-se doutor
em 1859. Foi professor de direito civil na faculdade
de Recife.
Antônio Coelho
Rodrigues
Direito Civil Nasceu no Piauí. Formou-se em Recife em 1866. Foi
substituto e depois catedrático nessa mesma
faculdade. Deputado pela sua província. Prefeito do
Distrito Federal, em 1900.
José Viriato de
Freitas
Ciência das
Finanças e
Contabilidade do
Estado
Oliva Maya Economia
Política
329
João Batista
Pereira
Direito Criminal Nasceu em Campos (RJ), em 1833. Formou-se em
São Paulo, em 1857. Foi deputado provincial e geral
e presidente de São Paulo.
Cândido Mendes
de Almeida
Direito Criminal Nasceu no Rio de Janeiro, em 1866. Formou-se em
Recife embora tenha feito parte de seus estudos em
São Paulo. Era monarquista convicto.
João Capistrano
Bandeira de Melo
Processo Civil e
Comercial
Nasceu em Olinda, em 1836. Bacharelou-se em
Recife em 1856. Foi professor substituto e
catedrático nessa faculdade. Presidiu no Império as
330
Anexo 8 A FUNDAÇÃO DA SOCIOLOGIA
8
8
CABIN, Philippe e DORTIER, Jean-François. La sociologie: histoire et idées. Paris: Sciences Humaines
Éditions, 2000, p. 16.
Les débuts de la sociologie
France
Allemagne
Grande-Bretagne
Les précurseurs
A. Comte
(1798-1857)
K. Marx
(1818-1883)
A. de Tocqueville
(1805-1859) H. Spencer
(1830-1903)
Italie
Les fondateurs
G. Tarde C.H. Cooley V. Pareto
(1843-1904) (1864-1929) (1848-1923)
R. Worms G.H. Mead G. Mosca
(1869-1926) (1863-1932) (1858-1941)
G. Le Bom
(1841-1931)
L´Ecole
allemande
L´Ecole de sociologie
Durkheimienne M. Weber L´Ecole
De sociologie (1864-1920) de Chicago
E. Durkheim G. Simmel A. Small
(1858-1917) (1858-1918) (1864-1926)
M. Mauss F. Tönnies W. Thomas
(1872-1950) (1855-1936) (1863-1947)
M. Halbwachs W. Sombart R. Park
(1877-1945) (1863-1941) (1864-1944)
C. Bougé E. Troeltsch E.W. Burgess
(1870-1940) (1865-1923) (1886-1966)
1800
1900
Etats-Unis
331
331
ANEXO 9 - VOLUMES DA BIBLIOTECA DE VIANNA: LIVROS DOS PRECURSORES E FUNDADORES DA
SOCIOLOGIA NA EUROPA
País Precursores Fundadores
A. Comte La philosophie positive. Paris: Ernest Flammarion, 1889.
(2 volumes)
Catechisme positiviste, ou soumaire exposition de la
religion universelle. Paris: Librairie Garnier Freres, s.d.
G. Tarde Les lois sociales: esquesse d´une sociologie. Paris: Felix
Alcan, 1910; La logique sociale. Paris: Felix Alcan,
1898; Les transformations du droit, étude sociologique.
Paris: Felix Alcan, 1903; La criminalité comparée.
Paris: Felix Alcan, 1890 e Les lois de l ´imitation, étude
sociologique. Paris: Felix Alcan, 1891.
A.
Tocqueville
La democratie en Amerique. Paris: Michel-Levi Freres,
1874.
R. Worms Precis de philosophie. Paris: Hachette, 1911.
Le Play Oeuvres. Paris:. Lib. Plon, 1941. ; La reforme sociale en
France. Paris: Alfred Mame, 1874; La reforme sociale en
France: deduite de l'observation comparee des peuples
europeens. Tours: Alfred Mame et Fils, 1974.
G. Le Bon Psychologie de l'Education. Paris: Ernest Flammarion,
1924.; L'evolution actuelle du monde. Paris: Ernest
Flammarion, 1927.; Lois psychologiques de l'evolution
des peuples. Paris, Felix Alcan, 1907 e As opinioes e as
crenças. Rio de Janeiro: Garnier, 1922.
França
Descamps La sociologie experimentale. Paris: Marcel Riviere,
1933.; La formation sociale de l'anglais modern. Paris:
Armand Colin, 1914 e. La formation sociale du Prussien
moderne. Paris: Armand Colin,. 1916.
Durkheim Les regles de la methode sociologique. Paris: Felix
Alcan, 1938.; De la division du travail social. Paris:
Felix Alcan, 1932. E ducação e sociologia. Sao Paulo:
Melhoramentos, 1933.
332
Demoulins A quoi tient la superiorite des Anglo-Saxons. Paris:
Firmin-Didot, s.d.
Repertoire des repercussions sociales. Paris: Bureaux de
La Science Sociale, 1907.
Les Francais d'aujourd'hui. Paris: Firmin-Didot, s.d.
La necessite d'un progaimme social, et d'un nouveau
classement des partis. Paris: Firmin-Didot, 1895.
L' education nouvelle. Paris: Firmin Didot, s.d.
Comment la route creele type social, les routes de
l'antiquite.Paris: Librairie de Paris, s.d.
Halbwachs
L'evolutions des besoins dans les classes ouvrieres.
Paris: Felix Alcan, 1933.
Rousiers Hambourg et l´Alemagne contemporaine. Paris: Armand
Colin, 1902.
La vie américaine, éducation et société. Paris: Librairies
de Paris, 1910.
Les industries monopolisées. Trusts aux États-Unis. Paris:
Armand Colin, 1902.
Les syndicats industriels de producteurs en France et a
l'etranger. Paris: Armand Colin, 1912.
La question ouvriere en Angleterre. Paris: Firmin-Didot,
1895.
Ranches fermes et usines. Paris: Firmin-Didot, s. d..
Bouglé Essais sur le regime des castes. Paris:. Felix Alcan,
1908.
Tourville Histoire de la formation particulariste. Paris: Firmim-
Didot, s.d.
333
Weber Economia y sociedad. Mexico: Fondo de Cultura
Economica, 1944.
Historia economica general. Mexico: Fondo de Cultura
Economica, 1942.
Simmel SIMMEL, Jorge. Sociologia, estudios sobre las formas
de socializacion. Buenos Aires: Espasa-Calpe,
Argentina, 1939.
Tönnies Desarrolo de la cuestion social. Barcelona: Labor,
1933.
Comunidad y sociedad. Buenos Aires: Losada, 1947.
Principios de sociologia. Mexico: Fondo de Cultura
Economica, 1942.
Alemanha Marx Il capitale. Torino: Ed. Torinese, 1924.
Sombart L´apogée du capitalisme. Paris: Payot, 1932.
La industria. Barcelona: Ed. Labor, 1931.
A new social philosophy. Princenton: Princenton
University Press, 1937.
Les bourgeoi. Paris: Payot, 1926.
Lujo y capitalismo. Santiago de Chile: Cultura, 1935.
334
Grã-
Bretanha
Spencer Les premiers principes. Paris: Felix Alcan, 1888.
Les bases de la morale évolucionniste. Paris: Felix Alcan,
1885.
Le role morale de la bienfainsance. Paris: Guillaumin et
Cie, 1895.
Problème de morale et de sociologie. Paris: Guillaumin,
1894.
Introduction à la science sociale. Paris: Germer Bailliere,
1874.
Principes de sociologie. Paris: Germer Bailliere, 1878 (3
volumes).
Educação intelectual, moral e física. Rio de Janeiro:
Laemmert, 1901.
L´individu contre l´État. Paris: Felix Alcan, 1895.
Small General sociology. Chicago: The University of
Chicago Press, 1920.
Estados
Unidos
Robert Park An outline of the principles of sociology. New York:
Barnes Noble, 1939.
335
V. Pareto Traite de sociologie generale. Lausanne: Payot, 1917;
Traite de sociologie generale. Lausanne: Payot, 1917;
Compendio di sociologia generale. Firenze. G.
Barbera, 1920; Les systemes socialistes. Paris: Marcel
Giard, 1926 e Critica ao capital. Rio de Janeiro:
Pongetti, 1937.
Itália
G. Mosca Histoire des doctrines politiques, depuis l'antiquite
jusqu'a nos jours. Paris: Payot, 1936.
336
ANEXO 10- TROCAS DE CORRESPONDÊNCIAS E INTERCÂMBIOS DE LIVROS
RECEPTOR DE
LIVROS DE
VIANNA
LIVRO RECEBIDO DATA DA
CARTA DE DE
AGRADECIMENTO
LIVRO ENVIADO
A VIANNA
DATA DA
CARTA DE
ENVIO
(conde) Afonso Celso
Raça e Assimilação
Problemas de Política Objetiva
Problemas de Direito Corporativo
25/05/1932
23/03/1930
08/06/1938
A. Roças
A obra social do presidente
Rodriguez
08/12/1934
A. Varela Problemas de Política Objetiva 30/03/1930 Política Brasileira Interna e Externa 27/01/1930
Aderbal Filho Direito ao Descanso 29/07/1937
Adriano Mettelo Ponta Porã
uma região de
extraordinárias
Possibilidades naturais
20/04/1946
Afonso Taunay Problemas de Política Objetiva 12/04/1930
Afrânio de Melo
Franco
Problemas de Direito Corporativo 01/06/1938
Alberto de Oliveira Problemas de Política Objetiva 02/06/1930
Alberto Lamego Instituições Políticas Brasileiras 03/05/1949
Alfred Knopf Politics Among Nations
Public Administration
24/04/1950
01/05/1950
Alfredo Ellis Raça e Assimilação 21/06/1932
Artigo de sua autoria sobre
imigração
s.d.
Alfredo Povina Problemas de Direito Sindical 08/03/1944
Antero Manhães Homo 06/07/1928
337
Antonio Carlos Pinto
de Andrada
Problemas de Direito Corporativo 25/07/1938
Arthur Ferreira Reis História do Amazonas 25/04/1932
Berilo Neves Instituições Políticas Brasileiras 27/04/1949
Carlos Campos Sociologia e filosofia do Direito 14/05/1944
Carlos Magalhães de
Azeredo
O Ocaso do Império 08/02/1934
Carlos Maximiliano Problemas de Direito Corporativo 21/06/1938
Carneiro Felipe Destino Social do Capitalismo s.d.
Claudio de Souza Instituições Políticas Brasileiras 07/04/1949 Terra do Fogo
Viagem ao Polo Norte
s.d.
Clementino Fraga Pequenos estudos de Psicologia
Social
08/09/1942
Djalma Forjaz Senador Vergueiro
Senador Vergueiro (2º vol.)
s.d.
17/10/1925
Donald Pierson Evolução do Povo Brasileiro 10/08/1936
Ellis Torres Sindicatos rurais na federação 23/09/1941
Elmano Cardim Problemas de Direito Corporativo 05/01/1938
Elysio de Carvalho Pequenos Estudos de Psicologia
Social
26/05/1922 Principios del espirito americano 23/06/1923
Eurico Gaspar Dutra Instituições Políticas Brasileiras
Problemas de Política Objetiva
18/05/1949
agosto de 1947
Francisco Campos Problemas de Direito Corporativo 31/05/1938
Francisco Salles
Vicente
de Azevedo
Ensaios sociais, políti
cos e
econômicos
01/02/1950
338
Gal. Francisco José
Pinto
O Idealismo da Constituição 30/03/1939
Germano Correia Populações Meridionais do Brasil
Raça e Assimilação
09/04/1933
29/06/1932
Trabalhos antropológicos 01/05/1929
Getulio Vargas Problemas de Política Objetiva
Problemas de Direito Corporativo
Problemas de Direito Sindical
O Ocaso do Império
18/10/1947
16/06/1938
18/01/1944
22/08/1933
Gustavo Capanema O Idealismo da Constituição
Problemas de Direito Corporativo
19/03/1939
27/05/1938
Idelfonso Albano Jeca Tatu
Maria Xique-Xique
s.d.
Irineu Pinheiro O Joazeiro de Padre Cícero 17/04/1940
Iris Caetano Instituições Políticas Brasileiras 24/08/1949
Ivan Nogueira Itagiba
Indelinqüência e Responsabilidade
J. Plinio Salgado
Filho
O Idealismo da Constituição
Populações Meridionais do Brasil
Problemas de Política Objetiva
24/03/1939
10/10/1926
31/08/1947
Joaquim Alves Nas fronteiras do Nordeste 16/01/1930
Joaquim de Melo O Idealismo da Constituição 31/08/1927
José Carlos Macedo
Soares
Santo Antonio de Lisboa Militar do
Brasil
s.d.
José de Castro Nunes Raça e Assimilação 13/06/1932
José Figueiredo Alves
Populações Meridionais do Brasil 20/10/1938
José Salgado El Dean Funes 15/08/1939
339
La Constitucion uruguaia de 1934
Juarez Távora Evolução do Povo Brasileiro
Problemas de Política Objetiva
29/04/1933
23/08/1947
Levi Carneiro Problemas de Política Objetiva 31/12/1949
Lucio Mendieta y
Nunes
Instituições Políticas Brasileiras 06/07/1949 Cuadernos de Sociologia
Teoria de los grupamentos sociales
31/05/1950
Luis da Câmara
Cascudo
Instituições Políticas Brasileiras 18/05/1949
Luiz Magalhães Direito do Trabalho e Democracia
Social
s.d.
Luiz Vianna Filho Instituições Políticas Brasileiras 12/08/1949
M. Rodrigues Varzea do Assú 28/03/1950
Manoel Paulo Filho O Idealismo da Constituição 29/03/1939
Marcos Konder
Democracia, Integralismo e
Comunismo
05/07/1937
Mário Sette Populações Meridionais do Brasil
Direito do Trabalho e Democracia
Social
Problemas de Política Objetiva
05/07/1923
12/02/1927
15/03/1923
Os azevedos do Poço 31/12/1927
Mathias Gomes dos
Santos
Os jesuítas 22/01/1941
Melchíades Picanço Novas Diretrizes da Política Social
09/10/1939
Misach Franco O Idealismo da Constituição 01/09/1949
Monteiro Lobato Raça e Assimilação 13/05/1932
Nelson Werneck
Sodré
Instituições Políticas Brasileiras 18/07/1949
Octaviao Amadeo Vida Argentina s.d.
340
Péricles Madureira
Pinho
Problemas de Direito Corporativo 17/06/1938
Plinio Barreto Populações Meridionais do Brasil 10/11/1920
Raul Fernandes Problemas de Direito Corporativo s.d.
Reginaldo Nunes Instituições Políticas Brasileiras
Problemas de Direito Corporativo
09/04/1949
20/06/1938
Ribeiro Couto
Biblioteca Brasileira de Cultura
(vol.1)
24/11/1933
Robert Park Populações Meridionais do Brasil
Raça e Assimilação
13/07/1933
13/07/1933
Rodolfo Rivarole Populações Meridionais do Brasil
Problemas de Direito Corporativo
08/07/1938
08/07/1938
Rodrigo Otávio O Ocaso do Império 09/04/1937
San Tiago Dantas Problemas de Direito Sindical 31/07/1922
Serafim Leite Instituições Políticas Brasileiras 18/05/1949
Souza Netto Legislação Trabalhista 17/01/1939
Tobias Monteiro Problemas de Política Objetiva 28/05/1930
Virgilio Correia da
Silva
Problemas de Política Objetiva 28/04/1941
Walter Euler Problemas de Política Objetiva s.d. Continuidade Dinâmica s.d.
Walter Pompeu Problemas de Política Objetiva 18/04/1930 Ceará Colônia 15/12/1929
Washington Luiz
Pereira de Souza
Pequenos Estudos de Psicologia
Social
31/07/1922
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