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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
MESTRADO EM HISTÓRIA
NEGÓCIOS NA MADRUGADA:
FORMAÇÃO E EXPANSÃO DO COMÉRCIO ILÍCITO EM
URUGUAIANA
RONALDO BERNARDINO COLVERO
Dissertação de Mestrado na área de História
Regional, apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História como requisito parcial para
obtenção do grau de mestre em História sob a
orientação do Prof. Dr. Fernando da Silva Camargo.
Passo Fundo, Abril de 2003.
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10
_____________________________________________________________________
C727n Colvero, Ronaldo Bernardino
Negócios na madrugada : o comércio ilícito e a expansão da
economia no extremo oeste (1850-1870) / Ronaldo Bernardino
Colvero. 2003.
179 f.
Dissertação (mestrado) Universidade de Passo Fundo, 2003.
2003.
1. História do Rio Grande do Sul 2. Contrabando 3. Uruguaiana
4. Economia Fronteira Oeste I. Título
CDU:981.65
_____________________________________________________________________
Catalogação na fonte: bibliotecária Sandra M. Milbrath Vieira CRB 10/1278
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AGRADECIMENTOS
A minha família e à memória de meu pai.
Ao Prof. Dr. Fernando Camargo, meu orientador, incentivador, crítico
e um grande entusiasta deste trabalho.
Ao Alex Jacques da Costa, amigo, colega de trabalho, colaborador de
extrema importância na construção deste trabalho, pois sua capacidade
intelectual influenciou decisivamente os rumos desta dissertação.
Alex, como pesquisador foste muito sábio e, como amigo, um amparo
nas discussões, e eu não tenho palavras que possam expressar meus
agradecimentos. Muito obrigado é pouco.
Ao amigo e professor Elton dos Santos Machado, pela influência e
auxílio nas decisões.
À profª. Jandira Elohá Lopes, pela oportunidade e confiança em mim
depositada.
Aos professores Edson Paniágua e Lauro Rubim, pela participação no
clube.
Aos professores do mestrado: prof.ª Dr.ª Ana Luiza Reckziegel, prof.ª
Dr.ª Loiva Otero Félix, prof. Dr. Tau Golin e prof. Dr. João Carlos
Tedesco.
Ao Programa de Pós-Graduação da UPF.
À Deize, do PPG.
À prof.ª Ms. Maria de Lourdes Brondani D’Ávila, pelo saber histórico.
Ao prof. Ms. Edison Gonzague Brito.
Ao prof. Danilo e equipe do Cepal de Alegrete, de extrema
importância no levantamento de fontes bibliográficas.
A Elezita, Cláudio e Édina, por todo auxílio dado neste trabalho.
Aos colegas da RPS Sistemas pelo apoio incondicional.
Às funcionárias da sala do Arquivo Histórico e sala Raul Pont do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini.
Aos sempre prestativos e atenciosos funcionários do Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul.
Aos funcionários do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul.
À Biblioteca Pública de São Borja, em especial à prof. Lurdes e prof.
Theresinha.
Ao Cartório de Registro de Imóveis de Uruguaiana.
Aos funcionários da Biblioteca da Urcamp - campus de São Borja.
Às colegas de graduação: Carmem, Silvia e Mariza.
12
RESUMO
A necessidade de resgatar a história local remeteu, neste trabalho, à discussão acerca
da formação de um espaço econômico e do desenvolvimento do comércio lícito e ilícito na
fronteira oeste da província do Rio Grande do Sul, mais especificamente em Uruguaiana, no
período compreendido entre 1850 e 1870. O espaço local foi estudado a partir da ocupação
guarani, do contrabando no Prata sob influência inglesa, e dos tratados de fronteira. Para isso,
o estudo explicita os conceitos de fronteira, limite e território, pois é necessária uma visão
mais aprofundada do tema em questão. O estudo recai no plano econômico, visto que o social
e o político são estudados em sua conexão com a dinâmica interna do sistema econômico,
colaborando no sentido de levantar elementos empíricos e hipóteses teóricas para um
entendimento amplo e profundo de uma região de fronteira. A distribuição das sesmarias
através das doações ou aquisições de terras devolutas e, a partir de 1850 a lei de terras como
forma de legalização a titulo de propriedade das terras, foram responsáveis pelo povoamento e
defesa particular da região da campanha, que contava com suas guardas que tinham a função
da defesa do território, em especial, a fronteira que nasceu como representação dos sesmeiros.
A condição de fronteira-zona de Uruguaiana, no período de 1850 a 1870, foi desenvolvida sob
alguns condicionamentos: 1º a fronteira com a Argentina e o Uruguai; 2º os pecuaristas; 3º os
comerciantes locais e 4º os comerciantes estrangeiros. Este estudo traz o levantamento de
várias fontes que mostraram as nuanças do desenvolvimento econômico, político e social
daquela cidade de fronteira, permeado pelo contrabando que se fazia corriqueiramente, em
razão, sobretudo, da falta de um esquema eficaz para banir tais procedimentos. Também
realiza a análise dos registros e fatos que interferiram no desenvolvimento da vila de
Uruguaiana no período determinado nesta pesquisa, com ênfase na formação da cidade com
suas características, o processo de urbanização, os meios de comunicação e transportes,
aspectos do comércio local, as importações e exportações, o problema da mão-de-obra, o
contrabando e alguns traços característicos do homem da fronteira.
PALAVRAS-CHAVE: fronteira, comércio, contrabando, Uruguaiana.
13
ABSTRACT
This work brings about the need of rescuing the local history the discussion about the
formation of the economical settlement and the development of licit and illicit commerce in
the west border of the province of Rio Grande do Sul, more specifically in Uruguaiana,
between 1850 and 1870. the guarani occupation, the influence of England in the Prata
contraband, and the border treats were studied concerning to the local space. Since a broadest
and deepest view of the matter would be necessary, limit, territory and contributed to the
reflection about the empirical elements and theoretical hypotheses related to the border region
of Uruguaiana. At that time, the distribution of land properties called “sesmarias” was made
according to donations and acquisition of free lands by the “sesmeiros”. People who
established there were responsible for the defense of the border region as well as the
population growth. The legalization of the properties was made after the 1850 law. The
condition zone-border of Uruguaiana was developed accord ing some conditions, such as: 1)
the Uruguay-Argentina border; 2) the farmers; 3) the local traders; 4) the foreign traders. The
research about economic, social, political development of that time shows among many
matters the lack of an efficient project to banish and punish wrong procedures in that border
region. This study also carries the analysis of the facts and registers which influenced in the
process of urbanization, means of transportation and communication, local commerce,
imports and exports trades, the employment, illicit commerce, and the characteristics of the
man as well.
KEYWORDS: border, commerce, contraband, Uruguaiana.
14
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ........................................................................................................ 03
RESUMO ............................................................................................................................. 04
ABSTRACT ........................................................................................................................ 05
LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................... 07
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 09
1. A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO RIO-GRANDENSE .............................................. 14
2. AS PRIMEIRAS CONCESSÕES DE TERRAS NA REGIÃO DE URUGUAIANA ... 26
3. CRIAÇÃO DOS PRIMEIROS POVOADOS DA FRONTEIRA NA MARGEM DO RIO
URUGUAI ........................................................................................................................... 50
4. A URBANIZAÇÃO NA FRONTEIRA OESTE RIO-GRANDENSE ........................... 66
5. A FORMAÇÃO DO ESPAÇO ECONÔMICO .............................................................. 91
6. O CONTRABANDO NA FRONTEIRA OESTE ...........................................................137
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................162
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................171
15
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa das missões do Paraguai e do Uruguai ....................................................... 15
Figura 2: Mapa do Rio Grande de São Pedro com as divisões do Tratado de Madri e Santo
Ildefonso ............................................................................................................................... 23
Figura 3: Foto de cerca de pedra da região .............................................. 29
Figura 4: Cópia (frente) escaneada da Carta de Doação de Sesmarias feita pelo
conde de Rezende a Timóteo Lemes do Amaral, datada de 1799 ......................... 30
Figura 5: Cópia (verso) escaneada da Carta de Doação de Sesmarias feita pelo
Conde de Rezende a Timóteo Lemes do Amaral, datada de 1799 ........................ 31
Figura 6: Principais portos fluviais argentinos, brasileiros e uruguaios do rio Uruguai na
segunda metade do século XIX ............................................................................................ 78
Figura 7: Mapa da Invasão Paraguaia em Uruguaiana (18/09/1865) ................................... 82
Figura 8: Participação do Porto de Uruguaiana nas exportações de mercadorias com o Rio da
Prata em relação aos portos de Itaqui, São Borja e Uruguaiana (1850-1881) ...................... 94
Figura 9: Movimentação de importação do posto de Uruguaiana em relação aos
portos de Itaqui e São Borja (1850-1881) ......................................................... 95
Figura 10: Irradiação dos portos de Uruguaiana, Itaqui e São Borja dentro da província do Rio
Grande do Sul ....................................................................................................................... 96
Figura 11: Dados comparativos das importações entre os portos de Uruguaiana e Rio Grande
(1850-1868) .......................................................................................................................... 103
Figura 12: Balsas que atravessavam o rio Uruguai transportando madeiras ........................ 106
Figura 13: Dados comparativos das exportações realizadas pelos portos de Uruguaiana e Rio
Grande ................................................................................................................................... 110
Figura 14: Receita e despesa geral do município de Uruguaiana conforme o Livro de
Estatística de 1926 ................................................................................................................ 118
16
Figura 15: Receita e despesa da Vila de Uruguaiana conforme o Livro de Receitas e Despesas
de 1847-1856 ........................................................................................................................ 118
Figura 16: Receita e despesa geral do município de Uruguaiana conforme o Livro de
Estatística de 1926 ................................................................................................................ 119
Figura 17: Receita e despesa da Vila de Uruguaiana conforme o Livro de Receitas e Despesas
de 1847-1856 ........................................................................................................................ 120
17
INTRODUÇÃO
O florescimento do comércio no Brasil foi perceptível a partir de várias condições
socioeconômico-políticas que se verificaram após um longo período de colonização e fixação
sob o domínio português. Várias foram as tentativas externas de outros países para tomar
partes do território brasileiro, algumas com sucesso; outras, nem tanto. E o Brasil continuou
sua trajetória de forma a garantir os lucros da Metrópole.
O Rio Grande do Sul nasceu em um contexto de disputa entre duas potências
européias, Portugal e Espanha, que se estabeleceram na América do Sul atraídas pelas
riquezas minerais e naturais, as quais geravam dividendos para ambas as Coroas. Os padres da
Companhia de Jesus tomaram parte na ocupação do território sul-rio-grandense, pois se
estabeleceram na província, onde lutaram contra os bandeirantes que vinham em busca de
mão-de-obra. Para isso, procuravam escravizar o índio e saquear suas aldeias, ação que
começou a ser evitada pelos padres jesuítas a partir de sua instalação em solo sul-americano.
Desde a primeira incursão missioneira aos campos sul-rio-grandenses, que, na época,
pertenciam ao Reino de Espanha, já era perceptível uma incipiente forma de comercialização
com Buenos Aires e Montevidéu, feita através da navegação pelos rios Uruguai, Paraguai e
Paraná. Depois de vários tratados e tentativas de ocupação territorial, o que valia mesmo era o
uti possidetis, e foi isso o que Portugal fez rapidamente ao perceber que as terras ao sul
deveriam ser garantidas para que pudesse participar do lucrativo comércio platino, para onde
as vistas de muitos países já haviam se voltado há algum tempo.
Dessa forma, o Rio Grande do Sul sofreu um processo de povoação relativamente
rápido, visto que em praticamente dois séculos formaram-se várias vilas e cidades em
Não foi por isso
que os padres da Companhia se
estabeleceram ali. Na verdade, foi
ali que eles tiveram de enfrentar os
bandeirantes e não em outro lugar.
18
diversos pontos da província: algumas servindo como paragem de tropeiros que vinham em
busca do gado criado livremente nos campos; outras, somente com objetivos militares, para
salvaguardar uma fronteira-zona que ainda não havia se formado, e, ainda, as pequenas
povoações formadas a partir da mistura de índios e outros povos, que eram características da
região missioneira.
A República Farroupilha, a tão falada e famosa insurreição sul-rio-grandense contra o
Império brasileiro, veio em meio a um processo de consolidação de fronteiras por parte do
segundo, o que agravava os ânimos referentes a essa região. Uruguaiana, ou a Capela Curada
de Uruguaiana, surgiu de uma iniciativa farroupilha, quando a capital da república farrapa se
encontrava em Alegrete em 1843. Mas qual seria o intuito dos políticos farroupilhas em
fundar uma povoação às margens do rio Uruguai? Teriam eles intenção de fundar o primeiro
porto farroupilha para a obtenção de contato direto com o Prata, por considerarem essa
estratégia econômica e politicamente importante?
É importante ressaltar nesse ponto que não se pretende aqui obter a comprovação das
duas questões apontadas, mas, a partir dessas interrogações, chegar a uma conclusão sobre o
modo como se deu a ocupação dos espaços econômicos nessa região de fronteira, onde fatores
étnicos, políticos, ideológicos, sociais participavam de todo um processo gradativo de
consolidação de territórios.
Na historiografia de Uruguaiana não há uma obra que leve em consideração um
aspecto que é de fundamental importância para o crescimento de uma comunidade, que é a
questão da ocupação do espaço econômico sobretudo a partir do processo da capitalização da
América do Sul. Por isso, este estudo foi motivado pela necessidade de conhecer o modo
como surgiram as comunidades de fronteira, principalmente a de Uruguaiana, indo além dos
achismos que foram relatados até hoje pela historiografia sul-rio-grandense. Como um desses,
deixa -se de lado a visão de que o fim da Guerra do Paraguai foi o único ponto da
historiografia sul-rio-grandense e brasileira em que se enxergou Uruguaiana como o centro
das atenções. Através deste trabalho, pensa-se possibilitar uma visão mais ampla daquilo que
seria um comércio de pouca lucratividade e do qual muitos até hoje duvidam, que era a
navegação do rio Uruguai como principal via de transação comercial do Sul do Brasil.
Substituir todos os
“sul-rio-grandense” e “sul -rio-
grandenses” que aparecerem por
“sul-rio-grandense” e “sul -rio-
grandenses”.
19
Hoje o porto de Rio Grande é um dos portos mais movimentados do Brasil em número
de transações comerciais e por receber boa parte da comercialização brasileira feita através da
navegação. No entanto, os gaúchos e os uruguaianenses, em especial, esquecem-se de que, no
século XIX, em plena expansão do capitalismo, teve-se um porto que superou de diversas
formas aquele que hoje é o segundo maior porto do Brasil.
Pelo vasto material obtido em diversas fontes historiográficas e primárias, encontrou-
se que o porto de Uruguaiana foi importante na formação e no crescimento da região sul da
província. Nos acordos de livre navegação assinados entre os três países que formam a bacia
do rio Uruguai Brasil, Argentina e Uruguai , constata-se o objetivo de manter contatos
muito estreitos e, até mesmo, de desenvolver uma cooperação, por razões políticas,
econômicas ou, ainda, de ocupação espacial.
Não se podem dissociar as questões sociais e políticas desse âmbito da análise que
tiveram influência direta nos tratados, acordos, súmulas e decisões, pelos quais se desenvolvia
cada vez mais na vila e, mais tarde, na cidade de Uruguaiana o comércio, diretamente
interligado com vários países da Europa e da América através do seu porto. Por isso, analisa-
se a política local a partir da leitura efetuada nos livros da Câmara de Vereadores da vila, sua
instituição política mais importante e que controlava todas as áreas que se relacionavam com
a localidade, como a alfândega, a cadeia, o cemitério, o bem-estar social e os distritos.
A sociedade uruguaianense surgiu de uma pequena povoação já estabelecida em outra
região, que comporia mais tarde o município e na qual já se encontravam convivendo
portugueses, espanhóis e índios. Posteriormente, com o boom do comércio através do rio
Uruguai, a sociedade foi sendo penetrada por atores de regiões mais longínquas, como
ingleses, franceses, alemães, etc. Esses personagens iriam contracenar na formação identitária
desta comunidade de fronteira, que transcende o espaço demarcado como limitação de suas
fronteiras e se insere dentro de um contexto, ao mesmo tempo, inerente e diferente de seu
território. Aqui, não se pode esquecer que a afirmação das nacionalidades deu -se somente a
partir da segunda metade do século XIX, com os processos de consolidação das fronteiras
num âmbito mais abrangente entre os países que compunham a Bacia do Prata; restaram,
então, apenas questões mais específicas em relação à fronteira entre Brasil e Argentina, como
a de Palmas, que transcenderia a passagem do século XIX para o XX.
Cuidado com essas
expressões. Quem esqueceu? Eu,
você?
Limpe todos esses
“etc.”
20
A pesquisa empreendida foi desenvolvida tomando-se por base documentos da época,
como atas da Câmara de Vereadores da vila de Uruguaiana e os registros de correspondências
desta com a presidência da província. Desses foram extraídas informações sobre diversas
questões relativas à vila que eram pedidas pelo governo a fim de prestação de contas e
conhecimento da realidade socioeconômica da região. Foram também utilizados mapas feitos
na época pelos agrimensores que trabalharam na região. Dessa forma, vê-se que as fontes
primárias foram abundantes e ricas em material para a interpretação e reflexão neste estudo.
Tomam-se ainda como base para a interpretação do material obras de vários autores que
trabalham com a história do Rio Grande do Sul, compreendendo principalmente o período
entre 1850 e 1870, delimitação temporal do presente trabalho.
A divisão deste trabalho em seis capítulos foi motivada pela necessidade de separação
temática, delimitando-se os pontos que envolveram a ocupação dos espaços econômicos na
região da fronteira oeste e, mais especificamente, em Uruguaiana. O capítulo 1 versa sobre a
ocupação do território sulino num contexto envolvendo a necessidade de sobrevivência dos
povos guaranis, conduzidos pelos padres da Companhia de Jesus, e suas formas de
organização social, política e econômica dentro das reduções que povoaram o noroeste do
estado e que auxiliaram na extensão desta povoação por todo o território sul-rio-grandense.
No capítulo 2, trata-se das primeiras concessões de terras na região de Uruguaiana, dos
pioneiros da povoação e do desenvolvimento local, iniciado a partir das estâncias, que
formaram o primeiro baluarte econômico do Rio Grande do Sul. Doadas ou ocupadas por
pessoas de diversas regiões, por meio delas as culturas e experiências se intercruzaram,
alavancando os processos de desenvolvimento da região fronteiriça.
Ainda neste capítulo, podem ser vistas as transformações, avanços e retrocessos que
antecederam as tratativas de delimitação das fronteiras entre a província de São Pedro do Rio
Grande do Sul e os Estados vizinhos, já que Uruguaiana se localiza na fronteira entre os três
países que compõem o sul da América do Sul: Brasil, Uruguai e Argentina. Em relação a
essas divisas, constata-se que a diplomacia brasileira na época do Império e, posteriormente,
no início República, procurava resolver o problema da demarcação dos limites.
No capítulo 3, descreve-se a formação dos povoados da fronteira oeste da província de
São Pedro: São Borja, Itaqui e Uruguaiana. São Borja insere-se num contexto de formação
A mesma coisa do
comentário anterior...
21
jesuítica no qual houve uma transformação dos mais diversos setores a partir da ocupação
definitiva dos portugueses em 1801, que levaram a fronteira a tornar-se uma das principais
regiões de comercialização de produtos. Itaqui teve uma formação populacional anterior à de
Uruguaiana e passava por um período de crescimento em razão do porto. Por fim, aborda-se a
formação de Uruguaiana a partir do primeiro povoado nas margens do rio Uruguai, sua
origem farroupilha e a fundação da vila, onde se localizava o porto mais movimentado da
província.
O capítulo 4 versa sobre a questão urbana, explicitando os pontos fundamentais da
urbanização da fronteira oeste, tomando como base uma concepção teórico-metodológica
voltada a essa problematização. Trazem-se levantamentos feitos do traçado das ruas, das
Posturas Municipais adotadas pela Câmara para administrar a vila, dos terrenos doados pelos
presidentes da província, e analisa-se a relação econômica estabelecida entre os cidadãos.
No capítulo 5 entra-se na questão-chave da presente dissertação, pois é a partir do
âmbito econômico que se conseguirá analisar todo o processo de desenvolvimento da vila de
Uruguaiana. A economia assume, nesta parte, papel central, coadjuvando a questão dos
transportes, um dos meios que possibilitaram grande lucros. Servindo-se da história
quantitativa, analisam-se as arrecadações das “mesas de rendas” de Uruguaiana, fazendo uma
comparação com as de outras cidades da fronteira da província.
O último capítulo, de número 6, versa sobre um dos principais problemas encontrados
não só nesta região de fronteira, mas em qualquer outra região que apresente facilidades
naturais e políticas para sua efetivação: o contrabando. Neste capítulo, relatam-se alguns fatos
relacionados ao tema ocorridos no município de Uruguaiana e as formas como este
contrabando era desenvolvido, tanto por brasileiros quanto por argentinos e uruguaios. Assim,
verificam-se as conseqüências desse tipo de comércio ilícito para o município de Uruguaiana,
para a província do Rio Grande do Sul e para o Império do Brasil.
Tens usado muito
essa palavra.
22
1. A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO RIO-GRANDENSE
Durante o século XVII, a ocupação holandesa no Nordeste brasileiro e em algumas
regiões da África, estas abundantes em mão-de-obra negra, forçou os portugueses no Brasil a
se deslocarem em direção ao sul a fim de aprisionar o gentio,
1
que estava reduzido nas
missões jesuíticas situadas na região de Itatins e Guairá, na margem esquerda do rio
Paranapanema, fundadas pelos missionários da Companhia de Jesus em 1607.
2
As incursões
portuguesas receberam o nome de “entradas” e “bandeiras” e tinham como principal intuito o
ganho econômico através do aprisionamento de mão-de-obra, destinada para as lavouras que
os portugueses possuíam.
Os jesuítas tinham como objetivo reduzir o índio para “convertê-lo à fé cristã,
livrando-o de sua cultura pagã que era considerada como obra do diabo”,
3
e também para
“remissão dos pecados, dessa forma o fim maior da evangelização se confirmava para
alcançar de Nosso Senhor uma grande estima da gloriosa empresa que lhes confiou, e fazer-se
instrumentos aptos seus para a conversão de tantos fiéis”.
4
Segundo Mário Maestri, “o projeto
jesuítico era o mesmo para todo o novo mundo. Reunir em uma aldeia diversas comunidades
nativas, submetê-las à autoridade colonial e convertê-las ao cristianismo e ao que se
considerava como civilização”.
5
1
QUEVEDO, Júlio (Org.). Rio Grande do Sul: quatro séculos de história. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1999.
p.104. “Gentio” é um termo que faz parte exclusivamente da tradição judaico-cristã e serve para indicar todos
aqueles que professam religiões não monoteístas, geralmente profanas, fundamentando -se na oposição entre
“povo eleito” e os demais povos.
2
Companhia organizada em 15 de agosto de 1534 por Ignácio de Loyola e mais sete companheiros, sendo
reconhecida pelo papa Paulo III somente em 1540. Tinha como premissa a “militância cristã”.
3
FLORES, Moacyr. Reduções jesuíticas dos guaranis. Porto Alegre: Edipucrs, 1997. (Coleção História, 17).
4
BOLLO, Pe. Diego Torres S.J. Primeira instrução para os padres José Cataldino e Simão Mazzete de 1609
apud QUEVEDO, op. cit., p.107.
5
MAESTRI, Mário. Uma história do Rio Grande do Sul: da pré-história aos dias atuais. 2.ed. Passo Fundo:
Ediupf, 2000. p.61. (Cadernos do Núcleo de Estudos Históricos Lingüísticos).
23
Fonte: Baseado em MAEDER, E. J. A.; GUTIERREZ, R. Atlas histórico y urbano del nordeste argentino.
Resistência, Chaco: Instituto de Investigaciones Geohistoricas, 1994. p.57 in: QUEVEDO, Júlio. Guerreiros e
jesuítas na utopia do Prata. São Paulo: Edusc, 2000. p.77.
Figura 1: Mapa das missões do Paraguai e do Uruguai.
São Paulo, ou melhor, a capitania de São Vicente, com as incursões bandeirantes,
tornou-se uma área especializada no aprisionamento e venda de gentios, mas, ao contrário do
24
que se pensava, este não se destinara para a região açucareira e, sim, segundo estudos de John
Monteiro, permanecia na própria província de São Vicente como mão-de-obra nas fazendas.
6
Segundo Júlio Quevedo e José Tamanquevis: “O Jesuíta representava uma ameaça, pois
disputava a mão-de-obra indígena; os luso-brasileiros queriam escravizá-los, enquanto os
jesuítas queriam cristianizá-los e especializá-los em uma profissão para a autodefesa.”
7
Com os ataques dos luso-brasileiros e os interesses dos espanhóis, os jesuítas viram-se
obrigados a migrar para o sul, penetrando em território rio-grandense em 1626, na chamada
zona do “Tape”,
8
e, a partir daí, fundando reduções. Essas penetrações no território sulino
deram-se sob bandeira espanhola, pois os primeiros jesuítas que vieram para a América
estavam sob o comando da Coroa espanhola. Logo, a sua estabilização temporária na região
Sul deu-se justamente em razão de uma estratégia geopolítica
9
da Espanha para o continente
americano.
Tanto as reduções do Tape como, mais tarde, as dos Sete Povos das Missões faziam
parte do sistema colonial espanhol, pois foram criadas pela necessidade de manutenção de um
território, conseguida através da fundação de agrupamentos indígenas dentro dos princípios
cristãos, que impunham ao índio uma doutrina. Entretanto, as reduções representavam para os
índios a possibilidade de não serem escravizados, tanto pelos encomenderos espanhóis quanto
pelos luso-brasileiros de São Vicente. Conforme relatos do padre Roque Gonzáles, fundador
das missões, referentemente à região do Tape, o índio, por vezes, resistia ao processo
reducional, dificultando em certos momentos o trabalho do jesuíta. E continua: “No período
reducional os missionários defrontaram-se com muitas adversidades, tanto internas
(sublevações indígenas, ação de animais ferozes) quanto externas (o encomendero espanhol e
as bandeiras escravistas)”.
10
6
Ler mais em MONTEIRO, John. Os negros da terra. São Paulo: Terra, 2000.
7
QUEVEDO, Júlio; TAMANQUEVIS, José C. Rio Grande do Sul: aspectos da história. 4.ed. Porto Alegre:
Martins Livreiro, 1995. p.16.
8
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. 8.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997. p.8.
(Série Revisão, 1). Tape era a área que se estendia pela bacia do Jacuí, limitando-se, por um lado, pelos
contrafortes das Serras do Mar e Geral e com o rio Uruguai, por outro.
9
A geopolítica diferencia-se das demais geografias pelo princípio de dinamismo, ou seja, utiliza os dados
geográficos cruzados com a ação política do Estado, interna e externamente. No entanto, não tem o fim de buscar
idéias abstratas e universais sobre diversos aspectos, mas achar elementos para promover uma discussão da
atuação política do Estado tanto no âmbito interno quanto internacional. Friederich Ratzel foi o grande precursor
e inspirador das geopolíticas desenvolvidas por muitos Estados na busca de sua hegemonia capitalista. Este
comparava o Estado a um organismo vivo, sujeito às leis naturais. Ver mais em SILVEIRA, Helder Gordim da.
Argentina x Brasil: a questão do Chaco Boreal. Porto Alegre: Edipucrs, 1997.
10
QUEVEDO, Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata, p.80.
Não está certo,
pois ainda não era “território rio -
grandense”.
25
Entretanto, os jesuítas consideravam o espaço guarani na construção das reduções, o
que se pode notar através das Cartas Ânuas,
11
da época da formação das reduções jesuíticas da
margem oriental do Uruguai. Nessas era expresso que as missões seriam construídas nos
lugares que tivessem alguma significação especial, ou fossem sagrados para os guaranis, o
que, por conseqüência, facilitaria o contato com os índios e a transformação do espaço já
construído pela cultura guarani em espaço reducional cristão.
O ano de 1636 foi marcado por um desastroso incidente: iniciaram-se os ataques às
reduções do Tape, chefiados por Raposo Tavares.
12
Conhecidos como “entradas” e
“bandeiras”, esses ataques tinham como principais objetivos a exploração do pau-brasil e o
aprisionamento de índios para serem utilizados como escravos nas fazendas do Nordeste e do
Sudeste da Colônia. As expedições chefiadas por Raposo Tavares enquadravam-se como
“bandeiras”, porque seu intuito era o aprisionamento dos índios que se encontravam reduzidos
na região do Tape.
Frente a essa ameaça externa, os padres da Companhia de Jesus perceberam a
necessidade de se organizar para os combates entendidos como uma Guerra Santa. Essa
guerra era justificada e defendida ideologicamente através dos Exercícios espirituais, escritos
por Ignácio de Loyola a partir de 1522 e publicados em 1548.
13
A partir de 1680, com a fundação da Colônia do Sacramento, em frente ao porto de
Buenos Aires, e o retorno dos jesuítas ao local de suas antigas reduções, ficou claro que as
nações ibéricas estavam interessadas em permanecer definitivamente na região, iniciando-se,
assim, um processo de conflito político, militar, econômico, religioso. O objetivo luso era
intervir no comércio espanhol, pois vinha sofrendo duras perdas desde 1640, quando do
término da União Ibérica.
14
11
Ânua, segundo FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Dicionário da língua portuguesa
século XXI. São Paulo: Nova Fronteira, 2000. p.157, significa carta-relatório dos sucessos ocorridos durante um
ano. Sendo assim, as Cartas Ãnuas dos padres jesuítas seriam relatórios feitos para informar a Congregação
Jesuíta sobre os fatos ocorridos no decorrer do ano nas missões ou peregrinações.
12
Antônio Raposo Tavares nasceu em Portugal por volta de 1598, vindo para o Brasil no ano de 1618, pois seu
pai era governador da capitania de São Vicente. Iniciou suas expedições, conhecidas como despovoadoras, em
1627, atacando primeiramente Guairá e, em 1636, o Tape. Teve alguns cargos públicos e chefiou a expedição
que chegou até o atual estado do Pará, levando três anos para tanto. Faleceu na cidade de São Paulo no ano de
1658. Disponível em: <httpd://www.submarino.net/jubileu/raposo_tavares.htm> Acesso em 26 dez. 2002.
13
Ver mais em QUEVEDO, op. cit.
14
Consultar QUEVEDO, Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata.
26
Desde 1640, o contrabando tivera uma ascensão na região do Prata, onde os
portugueses, através da Colônia do Santíssimo Sacramento, mantinham um intenso comércio
de manufaturas, principalmente inglesas. Isso deixava os espanhóis desgostosos, levando-os,
em conseqüência, em 1680, a atacar o reduto português. Quanto aos índios, acreditavam que a
região pertencia aos domínios espanhóis e, portanto, ao seu rei. Conforme relata Fernando
Camargo:
O Prata foi, durante todo o período colonial no continente americano, o mais
importante ponto de contato entre as colônias espanholas e portuguesas. De fato, os
conflitos e os intercâmbios lícitos e ilícitos entre essas duas colonizações não
foram tão significativos no restante da imensa fronteira entre o Brasil e os
virreynatos da América do Sul espanhola, como na bacia do rio da Prata, onde se
mostraram inúmeros e constantes.
15
Segundo Quevedo e Tamanquevis, “em agosto de 1680, os índios missioneiros
atacaram o reduto, sobrando poucos sobreviventes”.
16
Com isso, os portugueses ameaçaram
guerrear com a Espanha, o que resultou no Tratado Provisional de 1681, pelo qual a Colônia
foi devolvida aos portugueses.
A partir da segunda metade do século XVII, as reduções em território sulino estavam
organizadas econômica, política e culturalmente de uma forma independente da espanhola,
iniciando-se um processo cada vez mais intenso de expansão territorial rumo ao sul, como se
verifica pela narrativa de Fernando Camargo:
As reduções, ou missões, de San Luís, San Borja, San Miguel, San Ángel, San Juan,
San Lorenzo e San Nicolás se desenvolviam a olhos vistos e se transformavam nas
pérolas da experiência missioneira jesuítica.
O território básico que ocupavam era delimitado pelos rios Uruguai, Ibicuí e Jacuí,
mas suas adjacências se estendiam, através das chamadas estâncias dos povos, até os
campos orientais, às proximidades do rio Negro.
17
O retorno dos jesuítas à região do Tape em 1682 deu-se, sobretudo, pelas pressões
sofridas a partir da grande procura pelo couro na economia platina. No entanto, o interesse por
este produto, abundante na região ao norte do Prata, também se deu por p arte dos lusos, que já
possuíam um ponto mais ao sul sob seu domínio, a Colônia do Santíssimo Sacramento.
15
CAMARGO, Fernando. O malón de 1801: a guerra das laranjas e suas implicações na América Meridional.
Passo Fundo: Clio Livros, 2001. p.12.
16
QUEVEDO; TAMANQUEVIS, Rio Grande do Sul: aspectos da história, p.18.
17
CAMARGO, op. cit., p.61.
27
Em 1737 foi fundado na região da atual cidade de Rio Grande o forte Jesus Maria
José. A vila de Rio Grande de São Pedro, pode-se dizer, foi o primeiro agrupamento urbano
do Rio Grande do Sul, no qual havia um dos principais meios de ligação com o resto do
continente e com a Europa: o porto. Por esse motivo, a região era o alvo principal de muitos
contrabandistas, que vinham por terra ou por mar e cujo objetivo era transportar suas
mercadorias para outros lugares.
No ano posterior, em 1738, a Coroa portuguesa chegou a criar na vila de Rio Grande a
Comandância Militar do Rio Grande de São Pedro, sediada naquela localidade, mas
subordinada ao comando existente em Santa Catarina, que, por sua vez, obedecia às
determinações provenientes do Rio de Janeiro.Essa medida e a distribuição de sesmarias
próximo a Rio Grande visavam manter o domínio sobre a área. Conforme relata Quevedo, “a
expansão portuguesa preocupava sobremaneira os missionários. Nas correspondências dos
jesuítas da década de 1740, sobressai a preocupação com a presença portuguesa e a missão
dos povoados de defender a fronteira espanhola na Zona do Rio da Prata”.
18
Nota-se aí uma
tentativa de os índios criarem uma identidade espanhola para defender os interesses da Coroa,
com ênfase no resguardo da fronteira espanhola.
Segundo Sandra Pesavento, as Missões eram
unidades economicamente desenvolvidas, praticamente autônomas, exportando para
a Europa, enviando tributos ao Geral de Companhia, em Roma, com influência
política dentro dos Estados Católicos da Europa, a Companhia de Jesus tornou-se
pouco a pouco uma ameaça. Generalizou-se o boato de que a ordem jesuíta se
constituíra num “Estado dentro do Estado e que os padres estariam com intenção de
fundar um ‘Império Teocrático na América’”.
19
Contrapondo-se a isso, Mário Maestri afirma, em sua obra, História do Rio Grande do
Sul: a ocupação do território, que
jamais houve projeto jesuítico de construção de um reino teocrático-cristão nas
Américas Império Universal. Após algumas décadas, quando as comunidades
nativas estavam estabilizadas, elas transformavam-se em doutrinas, ficando sob a
autoridade eclesiástica dos bispos e, portanto, das Coroas Ibéricas, responsáveis pela
administração religiosa nas colônias.
20
18
QUEVEDO, Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata, p.152.
19
PESAVENTO, História do Rio Grande do Sul, p.12.
20
MAESTRI, Uma história do Rio Grande do Sul: da pré-história aos dias atuais, p.61.
Tire essas
reticências daqui.
28
Quevedo afirma, analisando a obra A cristandade colonial: mito e ideologia de
Riolando Azzi, que “a Missão fazia parte do projeto de Cristandade Colonial, no qual o jesuíta
foi o principal artíficie, ao converter o guarani em ‘índio reduzido’ ”
21
.
No período que compreendeu o final da primeira metade do século XVIII, as
condições de diálogo entre os espanhóis, os luso-brasileiros e os guarani-missioneiros na
região do Prata eram quase insustentáveis, pois “espionagem, táticas, armamentos, avanços,
retrocessos, roubo ou pilhagem de gado, contrabando, eram elementos rotineiros no processo
de expansão e ocupação da região”
22
.
É importante comentar que o espaço geográfico regional que abrigava os guaranis era
manejável e disperso e foi nele se desenvolveram todos os tipos de relações econômicas,
políticas e sociais dos índios. Na região é que se forma a identidade. E nesta região, foi-se, aos
poucos, transformando a identidade guarani em identidade espanhola pela persuasão da
aculturação empreendida pelos jesuítas. Como se pode observar, conforme comenta Júlio
Quevedo: “[a Coroa] transformou os índios em súditos, agentes e defensores da causa
política.”
23
Enquanto, na Europa, os vassalos das Coroas de Portugal e Espanha disputavam as
terras por meio de lutas, nos meios políticos ocorria uma permanente troca de acusações,
motivadas pela expansão ibérica na América, com ocupação de regiões desconhecidas. Para
isso, baseavam-se no Tratado de Tordesilhas, que definia limites de fronteira, embora
ninguém soubesse precisamente onde estavam esses limites. Nesse contexto, os monarcas das
duas Coroas assinaram, em 1750, um novo tratado, com objetivos políticos, econômicos e
geográficos, o Tratado de Madri.
24
Conforme Sandra Pesavento, como uma “zona
21
QUEVEDO, Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata, p.13.
22
QUEVEDO, op. cit., p.157-158.
23
QUEVEDO, op. cit., p.87.
24
O tratado continha três artigos fundamentais para a redefinição do espaço, que objetivavam reduzir o
contrabando, criar uma zona neutra e fortalecer o equilíbrio entre as duas nações ibéricas e seus domínios. Ainda
segundo o tratado, caberia à Espanha a zona portuária do Prata, enquanto Portugal dominaria o interior e grande
parte da hidrografia. O tratado também redimensionou a função e o espaço das Missões na região, inserindo-as
na zona neutra como elemento mantenedor da fronteira. O papel beligerante de Sete Povos foi bastante reduzido
em função do propalado equilíbrio, sendo entregues aos luso-brasileiros. Ver mais em QUEVEDO, Guerreiros e
jesuítas na utopia do Prata, p.159.
29
economicamente rica e constituindo ameaça política à segurança das monarquias ibéricas, a
região dos Sete Povos foi colocada em pauta nas disposições do Tratado de Madri ”.
25
No setor econômico, as Missões possuíam papel importante dentro do Estado
Espanhol na América, pois exportavam grande quantidade de produtos, inclusive para a
Europa. Os índios reduzidos industrializavam a erva-mate e tinham uma colheita farta. Eles
possuíam duas formas de trabalho com a terra: Tupã-baé, que nada mais eram do que as terras
de Deus, onde eles trabalhavam comunitariamente durante um certo período e o que colhiam
revertia para a comunidade; Aban-baé, que eram terras de uso próprio de cada família
indígena, mas que não eram mais bem exploradas em razão da falta de tempo e de energia
suficiente para o trabalho.
26
Como todos os outros meios de produção, a terra era da
comunidade, formada pelos padres, pelos representantes da Coroa e de Deus. Os índios, por
conseqüência, defendiam esta terra e a bandeira castelhana.
Outro processo econômico que teve grande expansão em virtude das Missões foi a
criação de gado, que havia sido trazido já em 1555 pelos irmãos Góis e que, posteriormente,
foi conduzido até o Peru. Em 1634, quando da primeira tentativa de redução dos índios, os
jesuítas trouxeram o gado da outra margem do rio Uruguai, o qual, quanto de seu retorno para
lá, ficou solto, tornando-se mais tarde o principal atrativo para os bandeirantes de São Paulo e
espanhóis da região do Prata.
Politicamente, os indígenas reduzidos estavam organizados de uma forma que os
convencesse de que realmente participavam da administração das reduções, pois, segundo
Júlio Quevedo, “a Missão representava a ampliação política do Estado espanhol na Zona do
Prata, avançando até onde o governo não conseguia chegar”
27
.
Ana Luiza Reckziegel registra que
o fato de o território sulino não mostrar maior atrativo econômico, que tornasse
possível o seu enquadramento nos moldes mercantilistas adotados pela economia da
época, e a sua própria distância física do centro administrativo da colônia
confinaram-no a um isolamento que só seria rompido mais de dois séculos depois de
1500.
25
Para ver mais PESAVENTO, História do Rio Grande do Sul.
26
Conforme QUEVEDO; TAMANQUEVIS, História do Rio Grande do Sul: aspectos da história.
27
QUEVEDO, op. cit., p.103.
Q
ue fazem esses
colchetes aqui?
30
Se o Rio Grande do Sul não atraiu, nos primeiros tempos, o olhar do
colonizador, logo depois, colocar-se-ia numa posição de importância, se não
econômico-política, pelo menos estratégico-militar.
28
A partir daí, como já se viu, o principal objetivo dos portugueses passou a ser a
conquista das terras que levassem até a região do Prata, justificando-se através do uti
possidetis da terra. No momento em que isso ocorresse,
a região sulina iria adquirir relativo significado econômico em decorrência das
necessidades do centro do país durante o período minerador, especificamente no que
tangia à apropriação do gado, que serviria de alimento e meio de transporte para
aquela zona; também no que se referia à estreita vigilância sobre a atividade
comercial desenvolvida pelo porto de Buenos Aires, que resultou na fundação da
Colônia do Sacramento, ponta-de-lança das ambições portuguesas sobre a bacia do
Prata.
29
Entretanto, com o início da demarcação das terras que estavam sendo passadas para o
domínio português, os índios reduzidos nas Missões revoltaram-se. Esse fato acabou gerando
a Guerra Guaranítica, que se iniciou em 1754 e acabou com o combate de São Miguel, onde
os índios foram massacrados e derrotados pelos portugueses em 1856.
Em 1760, pela necessidade de conceder maior poder de decisão e autonomia, foi
criada a Capitania do Rio Grande de São Pedro, com sede em Rio Grande, mas ainda
subordinada ao Rio de Janeiro. E em 1761, foi assinado entre Portugal e Espanha o Tratado de
El Pardo, que não anulava completamente o de Madrid, mas devolvia as Missões Jesuíticas ao
domínio espanhol e a Colônia do Sacramento, a Portugal.
Em virtude da guerra dos sete anos na Europa, as Coroas Ibéricas novamente se
atacavam na América. Mesmo com a paz, pelo menos provisoriamente na Europa, em 1777 a
terceira ofensiva castelhana, que tomou a Ilha de Santa Catarina e novamente ficou de posse
da Colônia de Sacramento, levou a que fosse assinado um novo Tratado em 1777, o de Santo
Ildefonso. O tratado tinha por objetivo a troca das Missões e da Colônia do Sacramento pela
Ilha de Santa Catarina, bem como a renúncia à navegação nos rios da Prata e Uruguai por
parte de Portugal. Foi definida, a partir de então, uma faixa de terra na divisa das duas
fronteiras, entre a lagoa Mirim, lagoa Mangueira e a costa atlântica, como terras neutras, não
pertencentes a nenhuma das Coroas. No entanto, os “Campos Neutrais”, como ficaram
28
RECKZIEGEL, Ana Luiza Gobbi Setti. A diplomacia marginal: vinculações políticas entre o Rio Grande do
Sul e o Uruguai (1893-1904). Passo Fundo: Ediupf, 1999. p.13.
29
RECKZIEGEL, op. cit., p.13.
31
conhecidas tais terras, serviram como uma das principais rotas de contrabando entre o Rio
Grande do Sul e a Banda Oriental.
30
Fonte: LAZAROTTO, Danilo. História do Rio Grande do Sul in: PESAVENTO, História do Rio Grande do Sul,
p.25.
Figura 2 : Mapa do Rio Grande de São Pedro com as divisões do Tratado de Madri e Santo Ildefonso.
Até 1801, o Rio Grande de São Pedro ficou,portanto, praticamente rasgado ao meio,
com as Missões sob o domínio e governo espanhol leigo. Pelas considerações de Thomas
Whigham pode-se ter uma idéia de como se desenvolveu a política do governo espanhol nas
Missões:
After the jesuits departed, the mission region passed into the hands of Royal agents,
an arrangement that theorecally safeguarded the interests of the Indians. In fact, the
new administrators systematically looted the missions and, with the help of
Correntino profiteers, reduced the Guaraní population to little better than slaves. The
Spaniard’s singleminded pursuit of profits from yerba production meant the neglect
of subsistence agriculture, leaving the Indians chronically malnourished. The secular
authorities within the Upper Plata showed little concern; in some cases, they even
disregarded the Indian’s need for clothing. Writing in 1799, Félix de Azara
commented, “I believe I can positively say that not a single pueblo has been given a
30
Ver em PESAVENTO, História do Rio Grande do Sul.
Mesmo caso
anterior. Acho desnecessário esse
mapa.
32
complete set of clothing, not even once, since the expulsion of the Jesuits, and I
emphasize… that I do not exaggerate”.
31
No caso do Rio Grande do Sul, reforçou-se a mercantilização da economia gaúcha
com o fortalecimento das estâncias produtoras de charque somente a partir de 1810, a partir
de quando, “a indústria do charque gaúcho adquire grandes proporções devido à
impossibilidade da indústria platina, de carne seca, atender ao mercado consumidor.”
32
No ano de 1801, os portugueses, tendo à frente o estancieiro Manuel dos Santos
Pedroso, juntamente com José Borges do Canto e mais alguns homens, conquistaram as
Missões orientais, o que levou a que começasse a se definir a fronteira oeste do Rio Grande
do Sul. Segundo Fernando Camargo:
A tomada do Povo de São Borja encerrou o capítulo da tomadas das Missões
pelas armas portuguesas. Excetuando-se momentos nos quais os espanhóis
intentaram forçar os passos do rio Uruguai, tendo sido repelidos em todas as
tentativas. Uma partida portuguesa ousou ainda, dia 19 de novembro de 1801, cruzar
o rio, atacando e saqueando o povoado de São Lucas da Concepção.
33
A dominação portuguesa só foi possível em razão da vontade dos indígenas de se
submeterem à Coroa portuguesa, ou melhor, à indiferença desses diante do acontecido,
excetuando-se algum caso mais específico, pois não houve qualquer reação contrária. A partir
de então, houve vários confrontos entre portugueses e espanhóis para manterem sua soberania
sobre tal território. No entanto, no final de novembro de 1801, os luso-brasileiros deram um
aviso ao vice-rei de Buenos Aires, marquês de Sobremonte, afirmando terem recebido
notícias do Tratado de Paz de Badajós, no qual se assegurariam as possessões e cessaria o
fogo. Mais tarde, Sobremonte receberia determinações de Buenos Aires confirmando tal ação.
31
Quer dizer que, “após os Jesuítas terem sido deportados, a região das missões passou para as mãos dos agentes
reais espanhóis, em um arranjo que teoricamente resguardaria os interesses dos índios. Realmente, os novos
administradores sistematicamente saquearam as missões e, com a ajuda de aproveitadores Correntinos,
reduziram os Guaranis à uma população pouco melhor que de escravos. Os espanhóis, decididamente buscavam
a lucratividade com a produção da yerba negligenciando a agricultura de subsistência, deixando os índios
cronicamente subnutridos. As autoridades leigas dentro do Prata Superior mostraram pouco interesse; em alguns
casos, eles até desconsideravam a necessidade de vestimenta para os indígenas. Escrevendo em 1799, Felix de
Azara comenta, ‘Eu creio positivamente em dizer que uma única peça de vestuário foi dada a um indivíduo deste
pueblo, desde a expulsão dos jesuítas, e eu enfatizo... não estou exagerando’.” WRIGHAM, Thomas. The politics
of river trade: tradition and development in the Upper Plata, 1780-1870. Albuquerque: University of New
Mexico Press, 1991. p.111-112.
32
SILVA, Edmar Manique da. Ligações externas da economia gaúcha (1736-1890) in: DACANAL,
Hildebrando; GONZAGA, Sergius (Org.). RS: economia e política. 2.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
p.59.
33
CAMARGO, O malón de 1801: a guerra das laranjas e suas implicações na América Meridional, p.132.
33
É importante salientar que, no Tratado de Paz de Badajós, não se comentara em parte
alguma sobre as questões referentes à América Meridional, e, sim, sobre as fronteiras luso -
espanholas na Europa. As fronteiras luso-brasileiras e hispano-platinas, como a divisa com o
Uruguai, só começaram a ser definidas com os tratados de limites de 1851. Portanto, pode-se
concluir que
talvez a explicação do malón de 1801 resida não somente neste ou naquele
argumento, mas no conjunto de expectativas individuais e coletivas que calavam
fundo no espírito e nas necessidades dos homens e mulheres que se envolveram
diretamente nos acontecimentos, as quais deviam ser as mais variadas e díspares,
sem contudo, impedir que possamos efetuar uma aproximação histórica, no sentido
de construir um quadro panorâmico e compreensível, a partir dos elementos de
análise e interpretação que dispomos.
34
Cabe se fazer uma ressalva neste ponto para entender-se o que seria o malón, a fim de
elucidar a questão, que envolve os acordos de fronteiras e a situação beligerante que era
constantemente verificada na região Platina. Esse fato foi marcado, primordialmente, pela
relação entre as coroas ibéricas na região Platina, relacionado diretamente à guerra das
Laranjas que ocorria na Europa. Dessa forma, um grupo de luso-brasileiros, composto
principalmente de contrabandistas e desertores e, dentre eles Manoel dos Santos Pedroso, José
Borges do Canto e Gabriel Ribeiro de Almeida se propôs a retomar a posse dos Sete Povos da
Missões para a coroa portuguesa. Esse ato foi citado na literatura da área como um levante de
maloqueiros, bandoleiros, portanto, um malón.
35
A partir daí, as disputas territoriais foram
marcadas por discussões, sobretudo diplomáticas, sobre quem deveria ter direito às terras, até
que se entrasse em acordo através de um tratado de paz.
Ve-se, entretanto, que estão intrinsecamente ligados os interesses daqueles bandoleiros
e os benefícios que a coroa concedia nessa região, principalmente a doação de sesmarias que
teve grande procura, também, por parte de estancieiros do centro do país, militares e
funcionários do Império que buscavam uma propriedade onde pudessem desenvolver alguma
atividade capitalista. Inicialmente, essas atividades não fugiram do modelo já consagrado
pelos jesuítas na região sul: a criação do gado e a produção de alguns produtos de consumo
alto como a erva-mate.
34
CAMARGO, O malón de 1801: a guerra das laranjas e suas implicações na América Meridional, p.149.
35
CAMARGO, op. cit. p.12-13.
34
2. AS PRIMEIRAS CONCESSÕES DE TERRAS NA REGIÃO DE URUGUAIANA
É a partir da doação de sesmarias
36
na região de Uruguaiana que se começa a analisar
todo o processo de formação das estâncias, da cidade e, conseqüentemente, da sua economia,
que esta deriva de uma condição basicamente pastoril, relacionada, portanto, diretamente à
primeira.
Embora esse espaço trabalhado a partir da doação das sesmarias já tivesse sido
ocupado pelos índios
37
que habitavam os campos, mesmo que de uma forma muito esparsa,
neste capítulo, procura-se verificar os principais pontos relacionados com as terras doadas
nesta região. Mesmo tendo já uma dominação territorial primordialmente portuguesa, a região
continuou até meados da década de 50 do século XIX sob a ameaça de invasões castelhanas
provindas do país vizinho, pois não havia nenhuma cláusula, em tratado algum, que
delimitasse a fronteira entre a província de São Pedro do Rio Grande do Sul e a Argentina,
nem com o Uruguai.
36
“Terrenos inclusos ou abandonados, entregues pela monarquia portuguesa, desde o século XIII, às pessoas que
se comprometiam a coloniza-los [...] Uma sesmaria media em regra, cerca de 6.500m². Instituídas no período
medieval, as sesmarias projetaram-se para o período moderno, sendo transplantadas para as terras portuguesas de
ultramar, inclusive o Brasil. Aqui elas assumiram feição peculiar, transformando-se em grandes latifúndios,
reflexo de doações generosas da monarquia portuguesa.” Ver AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral.
Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. São Paulo: Nova Fronteira, 1990. p.358.
37
Nesta região do Rio Grande do Sul, entre o Planalto Médio e a região do Prata, em direção mais a oeste,
encontravam-se principalmente os índios charruas, sendo que também se encontravam mais ao sul e a leste os
minuanos e, mais ao norte, os guaranis, como se pode ver nas palavras de Arno Kern: “Os Guaranis, [...]
desceram da Amazônia para o sul, pelos caminhos hidrográficos da bacia platina, Instalaram-se desde o sul do
Mato Grosso e do Trópico de Capricórnio, até a foz do rio da Prata, ocupando ainda o litoral sul-brasileiro.
Deixaram intocadas, entretanto, as alturas do planalto meridional e o pampa.” Ver mais em KERN, Arno
Alvarez. Antecedentes indígenas. 2.ed. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
1998.
35
Um exemplo da invasão espanhola neste “território de ninguém”
38
foi o incêndio
provocado na região da Capela Queimada, na costa do Inhanduí, atual município de Alegrete,
que, na época (1816), não passava de um distrito de Cachoeira. Nessa localidade Andresito
Artigas mandou queimar a Capela de Nossa Senhora da Conceição Aparecida do Alegrete.
39
A Coroa portuguesa começou a doar terras, através dos seus governadores nesse
território de São Pedro, para militares, em sua maioria, e até mesmo estancieiros que já
viviam na região oeste, mas sem nenhum documento oficial de propriedade. A partir de 1814,
iniciou-se o processo de concessões de terras na região onde hoje se encontra o município de
Uruguaiana, através do regime de sesmarias.
A distribuição de sesmarias deu origem aos latifúndios, ou seja, grandes extensões de
terra pertencentes a apenas um proprietário. Segundo Pedro Fonseca, “a grande propriedade
não é apenas características da fronteira; de certo modo, é um elemento da própria economia
pecuária”.
40
Portanto, a região, no período, tinha a sua economia voltada à pecuária, com
grandes propriedades dedicando-se à criação de gado.
O povoamento da região da campanha deu-se pela necessidade de fixação de território,
com a distribuição de grandes extensões de terras voltadas para a criação do gado. Roche
relata a respeito:
A formação de uma sociedade essencialmente rural teve por base a
apropriação da terra, que se realizou no Rio Grande, como no resto do país, sob o
regime de latifúndios. A unidade de medida era a légua de sesmaria (43 quilômetros
quadrados), e as primeiras concessões de terra foram, em média, de 129 quilômetros
quadrados cada uma.
41
A região em estudo era composta por campos extensos com pouco povoamento e não
havia um exército para defesa dos limites de fronteira, o que facilitava as freqüentes invasões
dos castelhanos. A fronteira apresenta-se, assim, como uma representação dos sesmeiros, da
ocupação da terra pela distribuição das sesmarias, as quais, ao mesmo tempo, serviam para
38
PONT, Raul. Campos realengos: formação da fonteira sudoeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Renascença, 1983. v.II, p.556.
39
Conforme TRINDADE, Miguel Jacques. Alegrete: do século XVII ao século XX. Porto Alegre: Movimento,
1985. v.I.
40
FONSECA, Pedro C. Dutra. RS: economia e conflitos políticos na república velha. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1983. p.51.
41
FONSECA, op. cit., p.51.
36
ocupar e para policiar e apoiar os postos das guardas portuguesas que se deslocavam
freqüentemente pelas áreas de fronteira. Portanto, “em breve, as sesmarias teriam os desígnios
de promoverem a fixação dos gaudérios com os primeiros arranchamentos e fogões, que de
logo evoluíram para as primeiras estâncias”.
42
O povoamento da região da campanha ocorreu à medida que se alastravam pelo pampa
e pelo Brasil as notícias da possibilidade da riqueza pastoril, e da necessidade dos
“candidatos” a sesmeiro terem espírito aventureiro, em virtude da localização das sesmarias,
as quais exigiam, em certos momentos, que fosse montada na propriedade uma guarda
particular para defesa de seus interesses e da própria vida. Segundo Raul Pont, “a concessão
de sesmarias poderia ser um prêmio ou merecido galardão. Entretanto o domínio e a posse da
área pretendida exigiam muitas vezes o sacrifício da própria vida”.
43
Logo,
as sesmarias cobriram as áreas conquistadas, chegando sofregamente até novas
divisa políticas. Reduzindo o bandoleirismo que aí reinava, os nossos campeiros
tinham seus movimentos limitados pela presença dominadora da estância, que do
topo das coxilhas podiam esquadrinhar profundamente o horizonte em derredor.
44
Só a partir de Lei de Terras de 1850
45
é que as terras devolutas passaram a ter um
caráter legal, conforme o artigo nº 3, parágrafo 1 a 4, que dizia o seguinte:
1) as que não se achassem aplicadas a algum uso publico, nacional, provincial ou
municipal;
2) as que não se achassem no domínio particular por titulo legitimo, nem fossem
havidas por sesmarias ou outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não
incursas em comisso por falta de cumprimento das condições de medição,
confirmação e cultura;
3) as que não se achassem dadas por sesmarias ou outras concessões do Governo,
que, apezar de incursas em comisso, fossem revalidadas por aquela lei;
4) as que não se achassem ocupadas por posses, que, apezar de não se fundarem
em titulo legal, fossem legitimadas por aquela lei.
46
A aquisição dessas terras devolutas era facilitada para aqueles que já possuíssem
terras, denotando uma exclusão dos que as não possuíam, de renda muito baixa ou quase nula,
conforme se pode constatar pelo artigo nº 15 da Lei de Terras:
42
PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste o Rio Grande do Sul, v.2, p.557.
43
PONT, op. cit., v.2, p.556.
44
PONT, op. cit., v.2, p.557.
45
Ver “Lei de Terras”em Texto completo da Lei de Terra de 1850. Disponível em:
<http://www.webhistoria.com.br/lei1850.html> Acesso em: 18 fev. 2002.
46
Ver “Lei de Terras”, op. cit. Acesso em: 18 fev. 2002.
37
Art. 15. Os possuidores de terra de cultura e criação, qualquer que seja o
tulo de sua aquisição, terão preferência na compra das terras devolutas que lhes
forem contíguas, com tanto que mostrem pelo estado da sua lavoura ou criação, que
tem os meios necessários para aproveitá-las.
47
No início do século XIX, não havia ainda as cercas de arame que hoje servem para
delimitar as estâncias; portanto, as sesmarias se situavam, para sua melhor identificação, entre
acidentes geográficos, como rios, arroios, matas, coxilhas, etc. Com os escravos, foram sendo
construídas as cercas de pedra, ainda existentes na região da Campanha para limitar as
sesmarias. Este trabalho de demarcação ficava a cargo do proprietário, que, para isso,
contratava os “pilotos”, os quais utilizavam para a medição elementos como o palmo
48
, a
braça
49
e a corda
50
.
Fonte: Acervo Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont. RP/GAV.06, nº 70.
Figura 3: Foto de cerca de pedra da região.
Algumas disposições referentes às doações de terras e sesmarias que ainda tinham
caráter português foram a base para a formulação de normas e providências, mesmo tendo
caráter isolado, criadas e dispostas no alvará de 5 de outubro de 1795 para regulamentar o
47
Ver “Lei de Terras” em Texto completo da Lei de Terra de 1850. Disponível em:
<http://www.webhistoria.com.br/lei1850.html> Acesso em: 18 fev. 2002.
48
Cada palmo equivalia a 22 cm.
49
Cinco palmos formavam uma vara e, por sua vez, duas varas formavam uma braça.
50
Duas braças, que equivaliam juntas a 110m, formavam a corda, que foi largamente empregada nas medições
de sesmarias pelos agrimensores da época.
38
regime de sesmarias no Brasil. Ao ler duas cartas de doações de sesmaria datadas de 1799 e
1802, percebe-se que as determinações do alvará de 1795 eram nelas expressas, como o
trecho que se transcreve a seguir:
Fonte: Acervo Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont. RP/GAV.4, Pasta nº 49-Doc. nº 2.
Figura 4: Cópia (frente) escaneada da Carta de Doação de Sesmarias feita pelo conde de Rezende a Timóteo
Lemes do Amaral, datada de 1799, pela qual são doadas as terras onde hoje, pela localização aproximada, está a
cidade de São Gabriel.
Me pediu em fim lhe fizesse Mercê conceder-lhe de Sesmaria, e sendo visto o
seu Requerimento e a Informação que a Câmara de Porto Alegre que declarou terem
os mesmos Campos no seu maior comprimento pouco mais de duas legoas, e de
largo empartes legoas e quarto com o que se confirma o Provedor da Real Fazenda
daquelle Continente, nao tendo duvida alguma, o Tenente General Governador do
mesmo. Hay por bem dar de Sesmaria [...] em virtude da ordem [...] na parte acima
referida admençoens e confrontaçoens e prevada de prejuízo de terceiro ou de direito
que alguma pessôa tenha nelles, com declaração que os cultivará, e mandará
confirmar esta Minha Carta por S. Mag. Dentro de dois annos e não o fazendo lhe
39
denegará mais tempo, e antes de tomar posse delles, os farei medir, e demarcar
judicialmente, sendo para este effeito notificadas as pessoas com quem confrontar
[...]
51
No trecho transcrito, observa-se a preocupação de não prejudicar terceiros que,
porventura, estivessem usufruindo da terra, pois fora verificado na Câmara de Porto Alegre
que eram devolutas, bem como a confirmação da carta pelo Conselho Ultramarino,
personificado no rei de Portugal, e a medição das ditas terras, que deveria ser feita a cargo do
sesmeiro. Estes três itens constam da provisão de 1795.
Fonte: Acervo Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont. RP/GAV.4, Pasta nº 49-Doc. nº 2.
51
Transcrição da Carta original datada de 1799, como pedido de sesmaria deferido a Timóteo Lemes do Amaral
pelo conde de Rezende. Acervo Sala Raul Pont, Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. RP/GAV4; Pasta
nº 49, nº 2.
40
Figura 5: Cópia (verso) escaneada da Carta de Doação de Sesmarias feita pelo Conde de Rezende a Timóteo
Lemes do Amaral datada de 1799.
Assim também, havia a recomendação de não poder haver nas sesmarias religiões,
proibição de 26 de junho de 1711, e de deverem ficar as madeiras e paus-reais livres para o
real serviço, como se lê neste trecho:
[...] e nesta Datta não poderá suceder em tempo algum pessoa Ecclesiastica,
ou Relligiao, e succedendo, terá com o encargo de pagar Dízimos, e outro qualquer
que Sua Magestade lhes impuzer de novo, e não o fazendo se-poderá dar aquém a
denomeiar: e outro sim sendo o Mesmo Senhor a servida mandar fundar no districto
della alguâ villa, e poderá fazer, ficando livre, e sem encargo algum, ou penção para
o sesmeiro: e não compreenderá esta Datta vicinos, ou Minas de qualquer genero de
Metal, que nella se descobrir, Reservando igualmente os Paus Reaes; e faltando a
qualquer da ditas clauzulas, por serem conformes as ordens de Sua Magestade em
que dispoem a Lei Foral das Sesmarias, ficará privado desta.
52
Em 17 de julho de 1822, foi extinta a cessão de direitos sobre as terras por meio de
sesmarias, mas se autorizava a simples possessão das terras devolutas para cultivá-las. É
importante ressaltar que, diferentemente da occupatio romana, como comenta Ruy Cirne
Lima, a forma de ocupação desenvolvida a partir de 1822 era de “posse com cultura
efetiva”,
53
o que não caracterizava a primeira, que era meramente a aquisição do domínio
54
.
Esse tipo de ocupação auxiliou o pequeno agricultor a possuir terras sob seu jugo, coisa que
dantes as sesmarias oportunizavam apenas aos que tinham um status social perante o governo
provincial, que cedia as terras nessas condições.
É certo que as sesmarias, com suas imensas medidas, iniciaram a formação dos
grandes latifúndios no Brasil, no entanto as possessões, com o tempo, foram se tornando ainda
mais extensas: “A tendência para a grande propriedade estava já definitivamente arraigada na
psicologia da nossa gente.”
55
52
Transcrição da carta de confirmação de doação de sesmaria datada de 1802. Acervo sala Raul Pont. Centro
Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana.
53
Ver mais definições em LIMA, Ruy Cirne Lima. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras
devolutas. 4.ed. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1990. p.53.
54
Aqui se abre um parêntese para explicar a palavra “domínio”, que, no texto, foi utilizada para designar o
sistema econômico medieval caracterizado pela divisão da grande propriedade rural, que era dividido em duas
partes: a reserva e o manso. Era praticamente uma empresa econômica, em que a mão-de-obra era proveniente
dos mansos. Cf. AZEVEDO, Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos, p.142.
55
AZEVEDO, op. cit., p.58.
41
Não é errôneo afirmar que essas terras “possuídas” passaram a ser irregulares, pois não
havia nenhuma forma de registro das mesmas, o que aumentou a falsificação de documentos
quando de seu registro, a partir de 1850. Iniciou-se, então, uma forma de comercialização fora
da lei, pela qual essas terras cada vez mais foram sendo negociadas e vendidas a outrem,
criando-se uma grande rede econômica e social em volta disso.
Em 18 de setembro de 1850, no entanto, entrou em vigor a lei nº 601, que previa a
condição criminal aos danos contra a propriedade, bem como diferenciação do domínio
privado do público, numa tentativa, também, de fazer a efetiva legalização de tais terras.
Como relata Ruy Cirne Lima,
[...] as sesmarias de qualquer maneira invalidadas foram tornadas suscetíveis
de revalidação, bem como as posses ainda não legitimamente transmitidas forma
declaradas legitimáveis, desde que umas e outras preenchessem os requisitos de
cultura efetiva e morada habitual.
56
Essa “Lei de Terras”, como ficou conhecida a lei nº 601, tinha claros objetivos de
estabelecer uma forma de controlar as formas de apropriação das terras do Estado brasileiro.
No entanto, as maneiras pelas quais as terras foram adquiridas anteriormente a esta lei
levaram a que vários problemas, sobretudo a falsificação de documentos, ocorresse para que
se procedesse à legitimação das terras, tanto para os posseiros quanto para os sesmeiros. Esse
fato pode ser corroborado pela citação de José de Souza Martins, reproduzida por Paulo Zarth:
“Uma verdadeira indústria de falsificação de títulos de propriedade sempre datadas da época
anterior ao registro paroquial, registradas em cartórios oficiais geralmente mediante suborno
dos escrivães e notários[...].”
57
É importante notar uma diferença que foi exposta por Paulo Zarth, o qual comenta
que, “no Sul do Brasil, diferentemente de São Paulo, a questão da terra tinha outro
caráter[...]”
58
. Isso porque em São Paulo, os interesses referentes à questão das terras vinham
de uma classe latifundiária muito forte, com plenos poderes no Império, que eram os
cafeicultores. Esses começaram a procurar a mão-de-obra estrangeira devido à Lei Euzébio de
Queiroz, que proibia o tráfico negreiro.
56
LIMA, Sesmarias e terras devolutas: (parecer). p.31-32.
57
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Hucitec, 1981. apud ZARTH, Paulo Afonso.
História agrária do Planalto gaúcho: (1850-1920). Ijuí: Unijuí, 1997. p.75.
58
ZARTH, op. cit., p.71.
“Confimardo” é
uma palabra forte demais.
42
Já, no Rio Grande do Sul, os estancieiros não tinham problema de escassez de
mão-de-obra, pois a pecuária, principal atividade econômica gaúcha, não necessitava
de muitos escravos. A imigração no Sul também forma questão à parte em razão do
seu caráter defensor e colonizador, não explorador. No entanto, deve-se fazer uma
ressalva aqui quando se fala do escravo no Rio Grande do Sul, que, ao contrário do
que pensam muitos historiadores tradicionais, não foi beneficiado por uma escravidão
atípica. Nas atividades voltadas à pecuária, predominante em Uruguaiana, e também
nas atividades urbanas, o escravo foi utilizado como uma mercadoria e, portanto, não
poderia dar prejuízo ao seu proprietário. Para isso, foi criada uma série de aparatos
legais, dentre os quais as Posturas Municipais, como forma de regulamentação das leis
e repressão a uma cultura negra. Também se podem citar todos os tipos de “aparelhos”
existentes nas estâncias e nas cidades utilizados para a repressão.
Um problema que se tornava constante e que causava indignação aos senhores donos
de terras era a fuga de escravos, visto que eram a única mão-de-obra disponível em algumas
regiões da província e do Império. Em uma das correspondências localizadas trocadas entre a
Câmara de Uruguaiana e a Presidência da província, encontrou-se uma medida adotada por
esta para evitar as perdas de escravos que fugiam para os países vizinhos, especialmente para
o Estado Oriental. No documento lê-se o seguinte:
Nº1 Illm.º Ex.
mo
Snr. = A Camara Municipal desta Villa tem a honra acuzar
a recepção do officio em circular de 27 de novembro do anno passado, em que
expressa V.Ex.ª ter reclamado ao Gov.º Imperial o perjuizo que resulta aos
Brazileiros Fazendeiros da Fronteira, da fuga de escravos de sua propriedade para o
Estado Oriental, e adificuldade de as reclamar das Authoridades daquelle mesmo
Estado; e que em consequencia lhe fora comonicado pela Secretaria de Estado de
Negocios Estrangeiros em 11 do mesmo mez de Novembro, que para reclamar das
authoridades daquella Republica á sua entrega se faz preciso que os respectivos
Senhores a quem compete esta reclamação juntem aos seus requirimentos
justificações authenticas e circunstanciadas da maneira que passaram ao mesmo
Estado: A que em cumprimento da citada ordem de V.Ex.ª se fez conetar[?] em todo
o Municipio, tanto por editaes, como transmitindo esta resolução aos respectivos
juizes de paz do 2º e 3º Districto para seu devido andamento. Deos Guarde a V.Exª
Paço da Camara Municipal da Villa Uruguayanna em Sessão Extraordinaria de 19
de Fevereiro de 1848. = Ilm.º Ex.
mo
Snr. Conselheiro Manoel Antonio Galvão,
presidente da Provincia = Manoel Doria da Luz = Fortunato Francisco da Silva =
Jose Marques Vianna = Jose Pereira da Silva = Manoel Pinto de Faria = Zeferino
Nolasco Rodrigues Paz = Jose Caetano de Mello.
59
59
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros de Correspondências (1847-
1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.67-67v.
43
Assim se seguem as correspondências com a Presidência da província sobre o assunto,
tendo sido a citação transcrita a resposta da Câmara em relação a um problema local. O fato
de os vereadores da Câmara de Uruguaiana serem, em sua maioria, estancieiros, acarretava
que se preocupassem, sobremaneira, com a fuga dos escravos, como vemos nesta transcrição:
Nº 3 _ Ill
mo
e Ex.
mo
Snr. = A Camara Municipal desta Villa, respeitosamente
faz presente a V.Ex.ª que na circular de 27 de Novembro do anno passado que leva
contestada esta Camara não se achar comprehendida a fuga de escravos para o
Estado vezinho de Corrientes, que por sua proximidade e falta de Brazileiros por alli
não se pode saber por onde estão os muitos escravos fugados para aquella Provincia,
por que não para o centro d’ella, e mesmo que não atenderião aquellas authoridades
reclamação alguma não sendo esta da Authoridade superior d’esta Provincia, o que
esta Camara poem em conhecim.
to
de V.Ex.ª como medida que pode ter lugar se
V.Ex.ª assim o julga. [...] Paço da Camara Municipal da Villa de Uruguayanna em
Sessão Extraordinaria de 19 de Fevereiro de 1848.
60
A documentação arrolada no Centro Cultural de Uruguaiana com referência às fugas e
processos-crimes deixa claro que os negros também no estado sulino viveram sob um regime
de austeridade. Na vila de Uruguaiana encontravam-se escravos urbanos executando serviços
domésticos e, mais tarde, como escravos de “ganho” e de “aluguel”, que desempenharam
papel fundamental no processo de desenvolvimento da cidade.
Pode-se perceber também que, em Uruguaiana, eram atribuídos muitos defeitos aos
negros para justificar os castigos e punições a que se submetiam, associando-se a cor negra à
inferioridade de raça; logo, incutia-se no povo negro a péssima visão de si mesmo. Deixa-se
claro, portanto, que a não-necessidade de mão-de-obra escrava traria, conseqüentemente, uma
amenização das formas como a escravidão era praticada.
O governo do Rio Grande do Sul, na época, dava subsídios para a instalação de
colonizadores estrangeiros e empresários em determinadas regiões do estado, continuando,
legalmente, a doar terras para o estabelecimento desses cidadãos. Isso já não ocorria em São
Paulo, onde a massa estrangeira vinda para trabalhar nas lavouras de café era assalariada e
não recebia terras, justamente para não poder iniciar uma economia paralela à do café.
61
Portanto, para se ter uma idéia do que foi a Lei de Terras de 1850, deve-se levar em
consideração as diferenças regionais que a história revela, relativas à economia, à distribuição
populacional e à mão-de-obra.
60
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.67v-68.
61
Verificar em ZARTH, História agrária do Planalto gaúcho.
“etc.”
44
Como se comentou anteriormente, a partir da segunda década do século XIX, foram
doadas várias sesmarias na região de Uruguaiana, no período entre 1814 até 1855, das quais a
primeira foi concedida a Antonio Silveira de Souza por Dom Diogo de Souza. Essa concessão
tinha “uma légua de frente por três de fundos localizada ao norte com o rio Ibicuí; pelo sul
com o arroio Ibirocai; pelo oeste com os fundos do rincão onde se encontra o Ibirocai com o
Ibicuí”,
62
conforme descrição da Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul de 1921 e
de 1928. Também houve a sesmaria concedida a Joaquim Antônio de Alencastre pelo
marquês de Alegrete, em 1815, localizada
[...] na costa oriental do Uruguai, e que confronta: ao Norte com o arroio Guarapuitã,
que deságua no Uruguai e divide o campo de Sant’Anna; ao Sul com uma vertente, a
qual, nascendo da cochilha, vai ao citado rio, na parte onde existem uns salsos e, daí
para baixo, uns matos; a Leste com a cochilha, onde se formam vertentes do rio
Quaraí, e a Oeste com o mesmo Uruguai.
63
O cel. Joaquim de Alencastre, cognominado por Raul Pont como o “sesmeiro
brigadeiro Comandante da Fronteira”,
64
acampava na desembocadura do arroio Guarapuitã
com o rio Uruguai com o seu agrupamento militar e executava suas operações militares de
defesa de fronteira. Esse local era mais seguro para a travessia do rio Uruguai na fronteira
entre o Rio Grande e a Argentina, razão pela qual era necessária uma guarda militar para sua
defesa, que deu origem, mais tarde, aos primeiros arranchamentos relatados por Saint-Hilaire
em 1821, na então chamada Povoação de Santana, no Passo de Santana, antes denominado
Rincão de São Joaquim pelos tropeiros que circulavam por esta região.
Em 1º de fevereiro de 1821, nas margens do Arroio Guarapuitã (até hoje conhecido
por este nome), Saint-Hilaire iria encontrar alguns acampamentos, como se pode perceber
neste trecho por ele escrito:
Prosseguindo a caminhada, deparamos um pequeno curral e alguns
homens que, com a nossa presença, esconderam-se entre as árvores. Meus
empregados deduziram logo serem insurretos espanhóis; mas, não entendendo
porque teriam vindo estabelecer-se nesses desertos, pensei que poderiam ser antes
alguns índios refugiados recentemente desse lado do rio Uruguai”.
65
62
Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul de 1921 a 1928. nº 04; fol.178v.; p.141.
63
Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul de 1921 a 1928. nº 10; fol.179; p.154.
64
PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul. v.2, p.575.
65
SAINT -HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Trad. Adroaldo Mesquita da Costa. Porto
Alegre: Martins Livreiro, 1997. p.240.
45
Entretanto, como afirmava o próprio Saint-Hilaire:
Demos com o curral e algumas barracas, mas ninguém apareceu. Soube
pelo vaqueano, chegado ontem à noite, que era este o local da guarda, mas,
provavelmente, ela fôra retirada; ninguém se apresentou à nossa aproximação e,
como eu previra, alguns índios tomaram o lugar dos soldados.”
66
Tendo sido essa a localização da guarda de Sant’Ana, acredita-se que a povoação que
ali se desenvolveu deu origem à vila e, depois, à cidade de Uruguaiana, transferida para o
local atual em 1843. A partir da formação da vila de Uruguaiana é que se teve o
estabelecimento das instituições políticas, econômicas e sociais neste novo porto farroupilha.
A Câmara Municipal, por exemplo, foi instalada no ano seguinte à sua elevação à vila, em
1847.
Durante todo o tempo em que estavam sendo feitas as tratativas para definir onde seria
estabelecida a nova povoação, tanto os farroupilhas quanto os imperialistas já haviam entrado
em negociações com os países vizinhos, Uruguai e Argentina, por diversas vezes para se
estabelecer as fronteiras entre os três países. No entanto, em 1843, não havia ainda sido
conseguida a demarcação das fronteiras sulinas. Conforme Fernando Gil: “Entende-se por
demarcação a fixação de domínios diferenciados do conhecimento [...] e a demarcação
explicita-se através do que é o seu conteúdo, quer dizer pela identificação dos domínios do
conhecimento.”
67
No entanto, a definição inicial desse espaço fronteiriço ocorreu,
inicialmente, a partir da fronteira política e, “mais exactamente, a versão que dela então
propõe o Estado-Nação.”
68
A partir da Revolução de 1810, quando houve a invasão das missões pelos vizinhos
castelhanos, numa tentativa de recuperar essa porção do território que estava nas mãos do
Império brasileiro, o governo do Rio de Janeiro preocupou-se em relação às fronteiras na
região. Dessa forma, criou-se na fronteira oeste uma guarnição para proteger os interesses do
Império, tanto na região de Bagé quanto em Alegrete, no Acampamento de São Diogo e,
posteriormente, em Santana Velha.
66
SAINT -HILAIRE, op. cit., p.240.
67
GIL, Fernando apud MARTINS, Rui Cunha. Fronteira, referencialidade e visibilidade. Estudos Ibero-
amaericanos Revista do Departamento de História. Porto Alegre: Edipucrs, ed. esp., n.1, 2000. p.7.
68
MARTINS, op. cit., p.10.
Não é melhor
castelhanos? Ou eram espanhóis
mesmo? Acho que não, acho que
eram os futuros argentinos. Por via
da dúvidas, ponha “castelhanos”.
46
Com a entrada dos revolucionários portenhos a favor da independência em
Montevidéu, após haverem sido derrotados em Buenos Aires, o vice-rei Elío solicitou auxílio
à Coroa portuguesa, tentando preservar também a vontade da rainha Carlota Joaquina, que via
na região do Prata o seu reino perdido. As tropas de ocupação, sob o comando de dom Diogo,
que transpuseram o Quaraí, tiveram de tomar extremo cuidado com os charruas que, por
vezes, respondiam aos comandos de Tomás de Rocamora, fundador e governador de Entre
Rios, conhecido também como “bandido Rocamora”, combatendo os inimigos ao lado dos
seus milicianos.
Em 1811 foi assinado o tratado de pacificação entre duas das três partes envolvidas,
com o que, conseqüentemente, o exército pacificador brasileiro teria de retornar ao Império.
Apesar das investidas dessas tropas sobre o território oriental com o objetivo, mesmo que
subjetivamente, de incorporar dessa passagem até o Prata, a fronteira rio-grandense ficaria
delimitada, de acordo com o status quo de 1804, até o Ibicuí. Já estavam sob guarnição
brasileira as divisas até o Quaraí, pois, além de ter destacamentos nesta região, os milicianos
já haviam efetuado uma “limpeza” na região do Jarau, onde se encontravam os minuanos e
charruas, que lutavam contra os luso-brasileiros.
69
Em 15 janeiro de 1819, o Cabildo de Montevidéu pretendeu ratificar com o Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarve as linhas divisórias entre o Rio Grande do Sul e o
território do Uruguai, para o que cedia a região entre o Quaraí e o Arapeí. No entanto, como
diz Tau Golin, tudo não passou de uma grande encenação para que esse feito pudesse ser
levado adiante.
70
O general Lecor, representante do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve em
Montevidéu, articulou, juntamente com aquele mesmo cabildo, a entrega de parte do território
compreendido entre o Quaraí e o Arapeí em troca de - por incrível que pareça - um farol na
Ilha das Flores, pois, segundo os próprios cabildantes, com isso cessariam as constantes
desgraças que ocorriam naquela região, como o naufrágio da sumaca Pimpon.
71
Em 1820, as
atas haviam sido ratificadas por ambas as partes e os limites, demarcados.
69
Ver melhor em CRUB , Ulises Rubens. Evolución histórica geográfica y política de lãs fronteras del Uruguay
con Brasil. Montevideu: Imprenta Nacional, 1951.
70
GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o
Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002. v.1.
71
GOLIN, op. cit., p.312.
47
Com a incorporação de parte desse território, a ocupação lusa tornou-se muito mais
presente, o que gerou vários descontentamentos dentro da Banda Oriental e, mais tarde, nas
negociações de 1851, até entre os representantes do Império brasileiro.
Em 1821, com a reunião de um Congresso Cisplatino, Lecor recebeu algumas
orientações da corte sobre como deveria se orientar. Segundo Golin, ele deveria ter três
referências: “a da incorporação ao Brasil ou a uma outra província, ou a da constituição de um
Estado independente, o que o próprio documento considerava ‘mais provável’.”
72
Assim,
juntamente com os cabildantes de Montevidéu que eram favoráveis à anexação, o Congresso
decidiu exclusivamente pela incorporação, o que acabou ocorrendo em 31 de julho de 1821.
Mais uma vez, a intenção e a força externa para que a anexação fosse efetuada
partiram dos representantes de Montevidéu, que deram total apoio ao ato. No entanto, isso
desagradou muito à corte em Lisboa, que antevia a nova disputa que poderia enfrentar diante
da Espanha. E não seria de se estranhar que tais fatos tivessem resultados negativos na corte
portuguesa, como realmente se concretizou, em 1822, com a independência do Brasil,
também proveniente de articulações “subterrâneas”.
73
Ficou disposto então que os limites
deveriam ser:
a leste, pelo Oceano; ao sul, pelo Rio da Prata; a oeste, pelo rio Uruguai e ao norte,
pelo rio Quarai, até a cochilha de Santa Ana, que divide o rio Santa Maria e por esta
parte o arroio Taquerembó Grande e seguindo as nascentes do Jaguarão, entraria na
Lagoa Mirim, passando pelo pontal de S. Miguel, até o Chuí.
74
Com a anexação, os limites recuaram até o Quaraí, mesmo que o governo do Rio
Grande ainda doasse sesmarias até o Arapeí. A questão de terem sido os limites criados
praticamente entre duas províncias dentro de um mesmo estado provocou grandes discussões
até 1851.
Em 1828, no tratado que criou a República Oriental do Uruguai, não se comentou nada
sobre os limites que este país teria, do que se depreende que ficariam como limitações aquelas
já mencionadas no tratado de 1821.
72
GOLIN, A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a
Argentina. p.328.
73
GOLIN, op. cit., p.330.
74
DOCCA, Souza. História do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1954. p.28.
Isso não é verdade.
Nunca encontrei prova que
referendasse a existência desse
documento. Ele é conhecido como
Acordo de 1819...
48
Em 1835 eclodiu a Revolução Farroupilha. Então, na visão dos governantes uruguaios,
já não era o Império a principal ameaça, mas a nova República que estava tentando se
consolidar no cenário sulino. Por isso, antecipando-se a qualquer investida dos farrapos sobre
os territórios uruguaios, Oribe e Rosas, inimigos ferrenhos do Império, tentaram de diversas
formas instrumentalizar os farrapos para unir, através de diversos projetos, desde Santa
Catarina até a Mesopotâmia argentina, os territórios a fim de se fortalecerem como uma nação
independente.
75
Com o intuito de se fortificar e, futuramente, de fixar os limites com a Banda Oriental,
o Império criou uma comissão encarregada de analisar todos os documentos e processos, os
quais fossem necessários para avaliar a melhor maneira e o melhor momento para intervir, de
forma a garantir as fronteiras do sul e do oeste. A notável intenção do Império era de
preparar-se diplomaticamente para garantir uma possível fixação de fronteiras através de uma
geopolítica eficaz para evitar o contato bélico com os vizinhos.
Com certeza, a diplomacia foi um ponto a favor do Brasil em várias ocasiões e a
questão da demarcação das fronteiras foi um claro exemplo disso. Em meio a tantas
convulsões que estavam atormentando a vida platina, desde a queda de Rivera até o bloqueio
do Prata pelos franceses durante o governo de Oribe, que tinham também repercussão no
Brasil, e sob a insistência do ministro Carlos Villademoros, para dar seqüência aos tratados de
delimitação, a comissão brasileira resolveu adiar por mais tempo as iniciativas a serem
tomadas.
76
Rivera, o caudilho oriental, em 1838 fixou dois tratados com os revolucionários
farroupilhas para conseguir apoio na sua intenção de retornar a Montevidéu. No entanto, ao
mesmo tempo em que tratava com os farroupilhas, entrava em conversação com os imperiais,
fazendo um jogo duplo em benefício próprio. Contudo, esses tratados nunca se efetivaram,
pois Rivera tomou posse de Montevidéu ao mesmo tempo que os farroupilhas tomariam Rio
75
MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria. Imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912).
São Paulo: Unesp/Moderna. 1997. p.153, 158 e 162.
76
GOUVEIA, Maurílio de. Marquês do Paraná, um varão do Império. Rio de Janeiro: Bilbioteca do Exército,
1962. p.172 e 174.
49
Grande, o principal porto da província e de fundamental importância para a manutenção da
República Farroupilha.
77
Os farroupilhas, então, ficaram desamparados porque não obtiveram o apoio de
Rivera, que fora subornado pelo Império a fim de que não se cumprisse o tratado de Canguê,
último feito entre Rivera e a República Farroupilha, pelo qual o primeiro reconheceria a
independência desta última e, ao mesmo tempo, os farroupilhas expulsariam os oribistas e
imperiais do território oriental.
Até 1842, com a volta dos liberais ao poder, o Brasil passou por adversidades internas
oriundas de problemas advindos do golpe da maioridade. No Sul, os farroupilhas eram uma
grande preocupação em relação às fronteiras, mas já estavam sendo combatidos pelas forças
militares reorganizadas sob o comando do barão de Caxias. No Prata, com a paz selada entre
Buenos Aires e a França, acabava-se o bloqueio da região, mas criavam-se dificuldades para o
Brasil. Rosas, então, poderia começar a pensar no seu projeto de reorganização do espaço
platino com a anexação da província de São Pedro com o apoio dos farroupilhas, o que trazia
um grande temor ao Brasil.
78
Apesar de ter sido feito às escondidas, o Tratado das Pontas do Quaraí, assinado em
1844 pelos plenipotenciários rio-grandense e uruguaio, foi descoberto por Rosas, que passou a
tentar aliança com o governo imperial para enfraquecer o inimigo. Num ato de desespero,
Rivera, que se viu entrincheirado pelas tropas de Oribe/Rosas e do Império brasileiro e que
fora excluído das conversações de paz entre o Império e os farroupilhas, assinou o tratado
reconhecendo como Estado independente a República Farroupilha.
79
Rosas acreditava que o Uruguai não deveria ficar ciente das tratativas sobre a
demarcação das fronteiras na parte sul do Brasil, pois, assim como fora criado como um
Estado-tampão por Brasil e Argentina no Tratado Provisório de 1828, não tomaria parte de
nenhuma decisão quanto à fixação dos limites territoriais. Para isso, foi assinado um tratado
no Rio de Janeiro pelos plenipotenciários do Brasil e Argentina para pacificar ambos os lados,
o uruguaio e o brasileiro. No entanto, Rosas não aceitou o tratado, pois este não incluía Oribe
77
Conforme VIANA, Hélio. História das fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, 1948. p.138-
139 e SPALDING, Walter. A epopéia farroupilha. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1963. p.355-359.
78
FLORES, Moacyr. Modelo político dos farrapos. 2.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. p.81.
79
FLORES, op. cit., p.82-85.
fica meio chula
essa colocação, aqui.
50
como legítimo sucessor do poder na República Oriental. Outra versão trata-se da tentativa de
Rosas de reorganizar o vice-reinado de Buenos Aires e, por isso, não aceitar os limites
propostos pelo Brasil.
O Brasil sabia que a aliança entre os farrapos e Rivera mantinha-se por laços muito
frágeis, já que os primeiros se encontravam em dissidência dentro do próprio partido, além de
que estavam entrincheirados pelas tropas comandadas por Caxias. Portanto, Rivera estava
praticamente dominado sob o olhar de Oribe.
80
Assim foi que o governo farroupilha acabou
esmagado pelo Império, que não o reconheceu como Estado independente, embora o governo
imperial concedesse, sob a condição de baixarem as armas, indenização aos chefes
farroupilhas e incorporação de seus oficiais no Exército nacional. Acabou, assim, a tentativa
de uma República se tornar independente.
Mesmo passando por diversos problemas internos e externos, o Império brasileiro
tentou garantir suas fronteiras no sul, não mais do que as conquistadas na guerra de 1801 e
retificadas pela convenção de 1821, quando da anexação da Cisplatina. Em 1848, um projeto
conservador visava desemperrar um plano de reconhecimento da fronteira, o que foi posto em
prática através da nomeação de Cândido Baptista de Oliveira pelo imperador, para que
procedesse à verificação e ao rastreamento das fronteiras com a República Oriental.
81
Assim,
segundo as demarcações, ficou delimitada a fronteira sulina da seguinte forma:
Partindo da foz do arroio Chuí, no Oceano, segue a linha da fronteira águas acima
deste arroio até o passo que dista cerca de duas léguas da costa do mar; dali busca, à
rumo de Leste-Oeste (com pequena diferença) o Passo do arroio São Miguel. Segue
pela margem esquerda deste até a sua embocadura na lagoa Mirim. Dali se dirige à
foz do Jaguarão, cingindo a margem ocidental da lagoa Mirim. Sobe pela margem
direita do Jaguarão grande e pequeno; e do galho mais ao Sul deste vai buscar a
rumo direito a origem do galho principal do rio Negro - águas abaixo deste rio até a
sua confluência com o arroio São Luís. Vai procurar daí as vertentes deste arroio na
Coxilha de Santana. Segue na direção desta Coxilha até as vertentes do rio Quaraí. E
da origem do galho principal deste rio, vai pela margem direita terminar na sua
confluência com o Uruguai.
82
Durante sua expedição, o conselheiro Oliveira projetou uma forma de manter a
segurança na fronteira contra os possíveis ataques de inimigos castelhanos. Ele acreditava
80
Ver QUESADA, Vicente G. La política del Brasil con las Repúblicas del Rio de la Plata. Buenos Aires:
Vaccaro, 1919. p.160-162.
81
GOLIN, A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a
Argentin a, p.367.
82
Conforme GOLIN, op. cit., p.370.
51
que, dividindo-se a fronteira em três sessões, para o seu guarnecimento através de tropas
permanentes, a região ficaria totalmente segura. As três sessões eram as de Jaguarão, Bagé e
Alegrete, municípios em que ficariam, permanentemente, aquartelamentos, de onde se
destacariam guardas para manter uma barreira de segurança e prevenção contra deserções.
Para manter esses postos, seria o principal sustentáculo a vila de São Gabriel, pela sua posição
geográfica e fácil ligação com Rio Pardo e outras vilas da campanha. Esta ficaria responsável
por manter Bagé e Alegrete.
83
Vinte e dois anos depois da criação da República Oriental do Uruguai, os tratados de
12 de outubro de 1851 marcaram um ponto importante da história, tanto do Rio Grande do Sul
quanto do Uruguai, pois foi através deles que houve a delimitação dos espaços geográficos do
Sul do Brasil. O Tratado de Aliança, no seu artigo 1º, dizia que tinha “o fim de manter a
independência e pacificar o território da mesma República”, objetivo que a República Oriental
do Uruguai há muito tempo vinha buscando e, sobretudo, a obtenção de proteção por parte do
Brasil.
Desde 1845, com Margariños Cervantes, o Uruguai buscava junto ao governo imperial
brasileiro a proteção de sua independência frente aos perigosos ataques de Rosas, chegando a
oferecer à venda os “Campos Neutrais” e o território entre o Arapeí e o Quaraí, mas nunca se
esquecendo do Tratado de paz de 1828, pelo qual o Brasil reconhecia a independência deste
país. Em 1850, Andrés Lamas, delegado do governo uruguaio enviado ao Rio de Janeiro,
apresentou um Memorandum no qual se referia a essas bases que haviam sido lançadas em
1845 para a assinatura de um tratado de auxílio.
84
Ainda em 1848, Manoel Herrera y Obes, ministro das Relações Exteriores, pressionou
Lamas dizendo que, se o Brasil em 60 sessenta dias continuasse a se mostrar “indolente e
imprevisor”, a República Oriental poderia virar apenas uma província da confederação,
tamanha era preocupação dos líderes uruguaios. A partir daí, a República Oriental só tentou
ratificar seus limites com o Brasil a fim de que se cumprisse o Tratado de 31 de julho de
83
Verificar em TRINDADE, Alegrete: do século XVII ao século XX. e ARAÚJO FILHO, Luiz. O município de
Alegrete. Porto Alegre: Corag, 1985.
84
Ver maiores considerações em DOCCA, História do Rio Grande do Sul. p.47-53.
52
1821, no qual fora incorporado ao Brasil como Província Cisplatina, portanto, estabelecer o
uti possidetis.
85
Então,
o tratado de 1851 não foi mais que uma ratificação dos limites já existentes entre o
Brasil e o Uruguai, há 30 anos, e, por isso, certamente, o dr. Setembrino E. Pereda,
ilustre escritor uruguaio, considera o referido tratado “mais como de demarcação do
que de limites”.
86
Em 1852, foi eleito um novo presidente para o Uruguai, já pacificado, João Francisco
Giró. No mês de março, o ministro brasileiro Hermeto Carneiro Leão solicitou ao governo
uruguaio que desse conta de cumprir as cláusulas dos tratados de 1851. No dia 23 do mesmo
mês, o ministro de Relações Exteriores do Uruguai comunicou que recebera
ordem par [sic] declinar a exeqüibilidade dos ajustes que contêm os ditos Tratados,
porque em sua órbita constitucional só lhe é permitido levar a imediata execução
aquelas leis que o sejam, porque se conformam às condições da Lei fundamental do
Estado.
87
Notava-se, então, uma tentativa de retroceder no que havia sido disposto nos tratados
de 12 de outubro de 1851, contudo a resposta dada por Carneiro Leão foi taxativa, dando três
dias para o cumprimento de tais tratados, pois o Uruguai já havia pedido ajuda à vizinha
Argentina. É interessante, aqui, lembrar que a própria Argentina era um dos principais pivôs
da realização dos acordos entre Brasil e Uruguai, pois este último temia perder sua
independência justamente para o poder argentino. Vê-se, pois, que as uniões políticas e ajudas
mútuas variavam ao sabor dos ventos em um período de tempo curto, mas, acima de tudo,
pode-se perceber o poder coercitivo que o governo imperial brasileiro exercia sobre os demais
governos do Prata, especialmente através da sua diplomacia, como relata Tau Golin:
De imediato, o governo oriental conheceria a habilidade da diplomacia do
Império. Seus argumentos extravasavam a situação circunstancial. O corolário do
texto do Tratado de 1851 era apavorante, pois tomava como referência o convênio
85
Uti possedetis: expressão latina, literalmente significando “tal como possuís”, que constitui fórmula
diplomática utilizada em convenções e tratados cujo objetivo é a fixação de limites territoriais entre países,
estabelecendo o direito ao territóri o pela ocupação efetiva e prolongada. O princípio do uti possidetis, na
formação territorial do Brasil, foi utilizado na celebração do Tratado de Madri, em 1750, que uniu o critério de
ocupação efetiva da terra à sua delimitação pelos acidentes geográficos. Ver mais em AZEVEDO, Dicionário de
nomes, termos e conceitos históricos, p.392.
86
DOCCA, História do Rio Grande do Sul, p.55.
87
DOCCA, op. cit., p.64.
53
de 1821 (fronteira Chuí-Quaraí). Em caso de ser invalidado, sua vigência retroagiria
ao convênio imediatamente anterior, o de 1819 (fronteira Castilhos-Arapeí).
88
Os limites na Barra do Chuí sofreram, entretanto, algumas alterações nos acordos de
maio de 1852 e abril de 1853, além de outras feitas em outubro de 1909 e pela convenção de
maio de 1913.
89
Foi lido um officio do Encarregado do assentamento dos marcos de limites,
communicando achar-se colocado o ultimo Marco de Limites da Linha devisoria
entre Brasil e o Estado Oriental, na Ilha da barra do quarahim no Uruguay, e ficou a
Camara interada.
90
Como se pode ver pela ata da Câmara Municipal da vila de Uruguaiana, os últimos
marcos de delimitação da fronteira Brasil-Uruguai foram fixados no ano de 1862, o que foi
informado à mesma em sessão de 7 de agosto. Deve-se levar em consideração que Uruguaiana
não possui apenas a fronteira com o Estado Oriental, mas também com a Argentina, que, na
época, não havia ainda se consolidado como República Argentina e era um Estado
Confederado
91
.
O primeiro tratado feito entre o Império brasileiro e a Confederação Argentina, que
fazia considerações sobre as fronteiras dos dois Estados, foi celebrado em 7 de março de
1856, denominado “Tratado de Amizade, Comércio e Navegação”. Este tratado foi assinado
pelo ministro do Exterior da Confederação, Juan Maria Gutiérrez, e pelo visconde de Abaeté,
de parte do Brasil. Em 1750, com o Tratado de Madri já haviam ficado definidas as linhas
divisórias a partir do rio Ibicuí, todavia este tratado havia sido assinado entre as duas Coroas
ibéricas, Portugal e Espanha, não entre os Estados nacionais brasileiro e argentino.
No tratado de 1856 estavam contidas algumas referências à comercialização e à livre
navegação nos rios Uruguai, Paraguai e Uruguai, tanto para embarcações brasileiras quanto
para argentinas, com sujeição apenas aos devidos regulamentos fiscais e políticos. O rio
88
GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espntâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai
e a Argentina. Porto Alegre: Tese (Doutorado em História) Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. v.II. p.32.
89
Ver RIBEIRO, João. Fronteiras do Brasil. Salvador: Progresso, s.d. e VIANA, História das fronteiras do
Brasil.
90
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas de 1847 a 1848. Centro Cultural
Dr. Pedro Marini. Sala do Arquivo Histórico. p. 96v-97.
91
Entende-se por confederação uma união de Estados nacionais que mantêm sua autonomia em relação a
outrem, mas que lutam em prol de um mesmo ideal. A Confederação Argentina era formada pelas províncias de
Entre Rios, Corrientes e Santa Fé.
54
Uruguai, pelo que se depreende, nem entrava nas discussões sobre limites, pois era já o
divisor natural de dois territórios que antes faziam parte de um espaço, já dividido pelas
diferentes formas de povoação.
Para confirmar mais dois tratados que giravam em torno da definição dos limites, o
primeiro, de 20 de novembro de 1857, que completou as determinações do tratado de 56, e o
segundo, de 14 de dezembro de 1857, de limites e extradição de criminosos, foi nomeado José
Maria da Silva Paranhos do Rio Branco, barão do Rio Branco, por parte do Brasil.
92
Como em
outras ocasiões de guerra, os tratados foram ratificados pelo Brasil, mas o governo da
Confederação Argentina deixou passar o tempo das ratificações em razão de o Império não ter
se aliado para submeter a província de Buenos Aires, rebelde.
O general Urquiza, presidente da Confederação Argentina, ressentira-se pela falta de
apoio do Império na questão de Buenos Aires, pois acreditava na retribuição de um favor por
parte do Brasil. A cobrança feita pela Confederação ao governo imperial irritou
profundamente o ministro que respondia pelos tratados, José Maria do Amaral, tanto que este
manteve sua posição frente aos acordos. A Confederação, então, entrou em disputa armada
contra a província de Buenos Aires e foi derrotada pelo general Mitre na batalha de Pavón, o
qual se elegeria presidente da República e lutaria por uma “nueva Argentina”.
93
Em 1874, após um período muito conturbado da história sul-americana, quando os
países que fazem fronteira com a parte sul do Brasil empreenderam uma das maiores guerras
que a América do Sul já viu, a Guerra do Paraguai, o barão d’Aguiar foi instruído a negociar
outro tratado ou tentar a aceitação do tratado de 1857 pelo governo da Confederação. Tal foi o
jogo de propostas que se sucederam aos tratados já ratificados que o barão não obteve sucesso
na sua investida. Em 1881, a Argentina começou a levantar dúvidas sobre as divisas do Brasil
na altura de onde hoje estão as divisas dos estados de Santa Catarina e Paraná. Essa questão
ficou conhecida como “das Missões” ou “de Palmas”.
Várias e sucessivas foram as tentativas de chegar a um acordo quanto a essas terras,
tanto que, em 7 de setembro de 1889, foi assinado em Buenos Aires o tratado para pôr fim a
essas diferenças. No entanto, pouco depois, em 5 de novembro, foi assinado no Rio de Janeiro
92
Conforme RIBEIRO, Fronteiras do Brasil .
93
Ver RIBEIRO, Fronteiras do Brasil .
55
o tratado que convencionava pôr sob a decisão do presidente dos Estados Unidos a questão
dos limites. Em 23 de janeiro de 1890, em Montevidéu, foi assinado novo acordo, que
praticamente anularia o último tratado e decidia pela divisão da metade das terras para cada
país.
94
Adelar Heinsfeld diz que, após esse último acordo, a imprensa brasileira teve assunto
para tecer comentários de repúdio às decisões do Império, fazendo apelos para que o mesmo
tratado fosse rejeitado, já que “era extremamente prejudicial à segurança territorial
brasileira”.
95
O último tratado foi rejeitado pela Câmara dos Deputados do Império em votação
arrasadora e com uma rejeição espantosa por todos quantos estavam envolvidos na questão da
demarcação dos limites. Para o Brasil, portanto, os tratados anteriores continuavam valendo.
Foi então que o barão d’Aguiar de Andrada novamente entrou em cena e viajou a Nova York
para defender a questão dos limites frente ao presidente Grover Cleveland dos Estados
Americanos. O problema agravou-se quando o barão faleceu cinco meses antes da defesa e
teve de ser nomeado em seu lugar o barão do Rio Branco, famoso pela sua capacidade
diplomática. Foi então que ficou definido pelo presidente Cleveland que o Brasil teria de volta
1.263 Km de terras na fronteira com a Argentina. Em 1898 foi assinado o Tratado do Rio de
Janeiro, pelo qual ficavam limitadas as fronteiras entre Brasil e Argentina da seguinte forma:
(Art.1º) A linha divisória entre o Brasil e a República Argentina começa no
rio Uruguai defronte da foz do rio Quarahim e segue pelo talweg daquele rio até á
foz do Pepiriguaçú. A margem esquerda ou oriental do Uruguai pertence ao Brasil e
a direita ou ocidental à República Argentina.
(Art.2º) Da foz do rio Pepiriguaçú a linha segue pelo alveo dêsse rio assás
encachoeirado até à sua cabeceira principal, de onde continua pelo mais alto terreno
até à cabeceira principal do rio Santo Antônio e daí pelo seu alveo até sua
embocadura no rio Iguaçú, de conformidade com o laudo proferido pelo Presidente
dos Estados Unidos da América. Pertence ao Brasil o território a leste da linha
divisória em tôda a extensão de cada um dos rios e da linha que divide o mais alto
terreno entre as cabeceiras dos mesmos rios. Pertence à República Argentina o
território que fica a oeste.
(Art.3º) Da bôca do rio Santo Antônio a linha segue pelo talweg do rio
Iguaçú até à sua embocadura no rio Paraná, pertencendo ao Brasil a margem
setentrional ou direita do mesmo Iguaçú e à República Argentina a meridional ou
esquerda.
(Art.4º) As ilhas do Uruguai e do Iguaçú ficarão pertencendo ao país
indicado pelo talweg de cada um dêsses rios. Os Comissários demarcadores, porém,
94
Ver RIBEIRO, op. cit.
95
HEINSFELD, Adelar. A questão de Palmas entre Brasil e Argentina: e o início da Colonização Alemã no
Baixo Vale do Rio do Peixe SC. Joaçaba: Unoesc, 1996. p.81.
56
terão a faculdade de propôr a troca que julgarem aconselhada pelas conveniências de
ambos os países e que dependerá da aprovação dos respectivos governos.
96
Na região de Palmas, durante o período das discussões sobre os limites entre Brasil e
Argentina foram fortes as críticas feitas por ambos os países interessados no território sempre
que viam um sinal obscuro nas negociações. Quando da vitória brasileira, foi grande a
comemoração do governo que via naquela área uma importância estratégica para a ligação
com o Rio Grande do Sul. E, percebendo o interesse argentino, prontamente encontrou uma
maneira de garantir o povoamento da região: a construção da ferrovia São Paulo-Rio
Grande.
97
No período que abrangeu de 1901 a 1904, foram postos os pequenos marcos que
definiriam os limites. A questão foi comentada por um político argentino da seguinte forma:
“Liquidou-se uma questão. Na realidade, os litigantes foram a Espanha e Portugal e não a
Argentina e o Brasil.”
98
Atualmente, a fronteira entre os dois países continua a mesma, no entanto a povoação
modificou-se bastante desde que Moacir M. F. Silva, autor de História das fronteiras do
Brasil, fez seu levantamento, em 1948. É interessante citar nesse ponto as cidades que são
identificadas pelo mesmo, dentre as quais Uruguaiana:
Nove são os municípios brasileiros que se extendem ao longo da fronteira com a
República Argentina. Dois são povoados: Santa Rosa e Palmeira, com 20,94 e 10,78
habitantes por Km², respectivamente; dois são semipovoados: Uruguaiana (5,04) e
São Luís de Gonzaga (9,38); quatro são fracamente povoados: Itaqui (2,97), São
Borja (4,26), Chapecó (3,02) e Clevelândia (1,92); um é despovoado: Foz do Iguaçú
(0,38 habitantes por Km², situação que aliás deve ter sido modificada, depois da
criação do Território de Iguaçú).
99
Outro notório comentário que o autor faz é extraído do livro de Mem de Sá:
Dêsses municípios, quatro cidades estão situadas junto à linha fronteiriça:
Uruguaiana, Itaqui, São Borja e Foz do Iguaçú, com maiores recursos a primeira, um
de nossos mais importantes centros de população da fronteira, cruzamento
ferroviário dotado de unidade industrial da envergadura de uma refinaria de
petróleo.
100
96
RIBEIRO, Fronteiras do Brasil, p.43-44.
97
HEINSFELD, op. cit. p.90-91.
98
RIBEIRO, op. cit., p.45.
99
SILVA, Moacir M. F. in: VIANA, História das fronteiras do Brasil, p.206.
100
SÁ, Mem de. Confronto entre as características demográficas e econômicas de três regiões do Rio Grande do
Sul. apud SILVA, Moacir M. F. in: VIANA, op. cit., p.206.
57
Os comentários transcritos revelam a importância que Uruguaiana, praticamente um
século depois de sua fundação, ainda tinha dentro do cenário sul-rio-grandense e brasileiro,
em razão de sua produção e economia, fortificadas durante o período inicial de sua formação.
A formação de Uruguaiana, assim como dos outros povoados que se situam na
fronteira oeste do Rio Grande do Sul foram resultado das relações existentes nas fronteiras do
Brasil com os países vizinhos. Todos os povoados que costeiam os limites sul-rio-grandenses
possuem características próprias de cidades formadas a partir de inter-relações, nem sempre
amigáveis, com pessoas que possuíam hábitos e língua totalmente diferenciadas mas que
buscavam subterfúgio no outro lado para complementar sua sobrevivência em regiões
praticamente deixadas de lado pelos poderes centralizados.
Viu-se que as discussões para chegar a um acordo sobre as divisas territoriais foram
intensas e recheadas de interesses políticos e econômicos. Assim, passa-se a tratar da
formação das vilas ao longo da costa oeste do Rio Grande do Sul, desde seus antecedentes
coloniais até o processo de fixação de limites.
58
3. CRIAÇÃO DOS PRIMEIROS POVOADOS DA FRONTEIRA NA MARGEM DO
RIO URUGUAI
Em meados de 1632, na banda oriental do rio Uruguai, os jesuítas fundaram 18
reduções, dentre as quais a de São Tomé, próxima ao rio Jaguari, na margem direita do
Ibicuí.
Com a expansão portuguesa, que visava, entre outros objetos, o comércio da região do
Prata e descia cada vez mais para o sul, em 1635 chegou a terras missioneiras a bandeira
chefiada por Raposo Tavares. Então, as missões do Uruguai foram atacadas e abandonadas,
sendo os jesuítas e índios obrigados a voltar para a margem direita do rio. Nessa região,
fundaram novas reduções, inclusive a de Santo Tomé, que progredia sem precedentes, com a
forma de organização reducional jesuítica.
No ano de 1682, o padre jesuíta Francisco Garcia fez a travessia do rio Uruguai para
novamente estabelecer na margem oriental, como relata Cláudio Rodrigues, “à frente de mil
novecentos e cinqüenta e duas almas”,
101
uma nova redução jesuítica, com a construção de
uma palhoça, que seria a igreja, de casas para os índios e de oficinas de trabalho
comunitárias. Essa redução recebeu o nome de São Francisco de Borja. Então, os índios aí
reduzidos começaram a cultivar a terra e a prear e criar o gado vacum, chamado de
“chimarrão”,
102
que estava solto nos pampas desde que havia sido trazido nas primeiras
101
RODRIGUES, Cláudio Oraindi. São Borja e sua história. São Borja: Tricentenário, 1982. p.17.
102
A palavra “chimarrão” é derivada da palavra castelhana cimarrón, que designava toda a gadaria xucra que
vivia solta nos campos e que havia sido trazida até esses campos principalmente pelos jesuítas. Alvarino de
Fontoura Marques, em seu livro Episódios dos ciclos do charque, comenta que “criou-se a fantasia de que o
gado xucro das vacarias era muito abundante, mas extremamente feroz, atacando o homem. [...] Na verdade, o
rebanho “cimarrón” nunca foi assim tão grande, porque a reprodução era baixa em condições selvagens.”
ponto
, Entre outras
coisas,
vacum
59
incursões dos jesuítas pela região. Em 1687, São Francisco de Borja tornou-se independente
de Santo Tomé, obtendo, assim, autonomia administrativa.
É interessante notar que Arsènne Isabelle, em seus escritos sobre sua viagem ao Rio
Grande do Sul entre 1833 e 1834, comentou, ao chegar à Redução de São Borja, que ela teria
sido fundada em 1690, mas registros paroquiais de batizados apontam para a data de 1682.
Durante a primeira metade do século XVIII, os jesuítas promoveram uma grande
revolução econômica, política e educacional de toda região das missões do Uruguai, tendo
respaldo da Coroa de Espanha. Entretanto, o Tratado de Madrid foi a “gota d’água” para se
iniciar a Guerra Guaranítica, que levou vários índios dos Sete Povos das Missões a entrarem
em luta com os lusos, e até mesmo espanhóis, que queriam tomar posse de suas terras.
103
A
guerra acabou com a vitória das tropas ibéricas, que obrigaram os índios a voltar para a
margem direita do rio. Depois de várias tentativas para prender os padres jesuítas como
participantes e incentivadores da guerra guaranítica, “o Rei da Espanha, Carlos III, expediu o
Real Decreto de expulsão dos jesuítas dos territórios de Espanha datado de 27 de fevereiro de
1767.”
104
Segundo Cláudio Rodrigues,
105
“a 15 de julho de 1768 é que o Governador Bucareli, à
frente de um grande exército, veio dar cumprimento ao Decreto de expulsão dos jesuítas das
missões do Uruguai. Chegando em Yapeyu, onde estabeleceu suas tropas, destacou uma
escolta para intimar os jesuítas a se apresentarem em seu quartel.”
106
A partir de 1768, São Francisco de Borja foi governada pelos espanhóis que fizeram
drástica alteração no modo de governo da redução, levando ao aumento da sua população nos
primeiros anos, embora, após algum tempo, tenha entrado em franco declínio. Os índios iam
Mostra-se aí a característica predominante de serem animais alçados, que não tinham sofrido a domesticação
pelo homem. MARQUES, Alvarino da Fontoura. Episódio do ciclo do charque. Porto Alegre: Edigal, 1987.
103
Conforme Fernando Camargo, “foi com o Tratado de Madrid que principiou a decadência, jamais recuperada,
da simbiose entre guaranis reduzidos e padres da Companhia de Jesus e até com religiosos católicos de qualquer
outra origem ou as autoridades laicas coloniais.” CAMARGO, O malón de 1801: a guerra das laranjas e suas
implicações na América Meridional, p.64. Dessa forma, a guerra guaranítica começou a tomar contornos,
auxiliada também pelos desentendimentos internos dos Sete Povos da Missões.
104
RODRIGUES, São Borja e sua história, p.34.
105
Nota-se que a palavra “governador”, no caso de Bucareli, ou melhor, tenente-general Francisco de Paula
Bucareli y Orsua, é em relação a Buenos Aires, de onde veio até São Borja para cumprir o decreto real.
106
RODRIGUES, op. cit., p.34.
Notarmos?
C
rescimento do
que?
Essa nota fica
melhor antes das “aspas”
60
perdendo sua fé em virtude do tratamento que lhes era dispensado, tanto pelos governantes
quanto pelos curas franciscanos que ali se instalaram.
Em 1801, com a conquista dos chamados Sete povos das Missões Orientais do
Uruguai pelos portugueses, São Francisco de Borja teve ativa participação no processo de
proteção e ocupação da região da fronteira oeste da província de São Pedro. No período de
1801-1822, São Borja passou a ser a sede civil e militar do governo da Província das Missões.
Mesmo sabendo que nem tudo que é descrito pelos viajantes que passaram pela região
da campanha, em especial São Borja, pode ser confirmado, torna-se necessário analisar suas
narrativas a respeito desta região. Tendo essa preocupação, tomam-se Auguste de Saint-
Hilaire e Arsènne Isabelle para poder visualizar as questões relativas à ocupação desses
espaços e se ter uma visão de quem eram os habitantes nos primórdios da criação do povoado
de São Borja.
Arsènne Isabelle, assim como Saint-Hilaire, escreveu sobre as belezas que havia na
costa do rio Uruguai, como as matas e a variedade de animais. Todavia, ambos também
comentaram sobre as condições para se chegar ao lugar onde estava construída a igreja e as
choupanas dos índios guaranis. Assim relatou Saint-Hilaire: “Após deixar minha carroça,
entrei logo num lodaçal de quase uma légua de comprimento, onde meu cavalo atolou
profundamente; daí já avistamos a igreja de São Borja e, só um quarto de légua, aquém do
lodaçal, chegamos à aldeia.”
107
Ao ler os escritos desses dois viajantes franceses que aportaram no Rio Grande do Sul,
é perceptível a decepção que tiveram ao ver o primeiro dos Sete Povos das Missões, pois
traziam as imagens descritas e trabalhadas por tantos outros historiadores e viajantes que por
ali haviam passado, os quais os tinham descrito como um grande império extremamente
organizado, com impressionantes manifestações artísticas e organização administrativa.
Como! E são estas as vossas famosas Missões?...Esses edifícios inimitáveis, esse
gigantesco, grandioso, esse admirável plano, esses pueblos enfim, que elogiáveis
tanto!...
O diabo vos leve, a vós e aos jesuítas.
107
SAINT-HILAIRE, Viagem ao Rio Grande do Sul, p.270.
Fica melhor assim
- Dos chamados Sete povos das
Missões Orientais do Uruguai.
Acho que não
precisa
61
Foi assim que me apostrofaram meus fiéis companheiros, encolerizados porque, com
fé em Cherlevoix, Funes e velhos cronistas espanhóis, eu lhes tinha feito uma
pintura pouco fiel, mas pomposa das Missões do Uruguai.
Tive a maior dificuldade do mundo para acalma-los.
108
A destruição e o empobrecimento da região, causados especialmente pela ocupação
portuguesa, foram responsáveis pela gradativa diminuição das populações indígenas e pelo
abandono das plantações. Assim as casas dos índios passavam a ser ocupadas por moradores
brancos, que as utilizavam em boa parte para o comércio.
Em virtude do acampamento das tropas deslocadas de São Borja para a localidade na
costa do Inhanduhy a pedido do Marechal Joaquim Xavier Curado, em 1811, dom Diogo de
Souza, então governador da província de São Pedro, visitou o lugar, que ficou conhecido por
São Diogo e seria, mais tarde, o município de Santana do Livramento.
Chagas Santos,
109
neste mesmo ano (1811), invadiu a província de Corrientes pelo
Passo de Sant’Ana, que mais tarde pertenceria a Uruguaiana, para enfrentar as tropas que
estavam situadas em Santo Tomé, prontas para invadir São Borja a fim de reconquistar os
territórios missioneiros. Além de vencer a batalha, Chagas Santos arrebanhou várias cabeças
de gado para o lado brasileiro. Após essa investida, houve mais duas disputas pelas terras
missioneiras, que foram defendidas pelas tropas de Chagas Santos: em 1816 e em 1818,
ambas contra Andresito Artigas, nascido em São Borja e filho adotivo de dom José de
Artigas, idealista que lutou pela independência da Banda Oriental do Uruguai.
110
Sobretudo em razão das disputas havidas nessa região, em 1822, o coronel José
Pedroso César tentou reerguer a localidade de São Borja através do comércio com o Paraguai,
mais especificamente com Encarnación. Esse comércio é um dado interessante dado para
explicar a formação de São Borja, pois manteve-se ativo até 1852, quando foram abertas as
negociações comerciais entre a Argentina e o Paraguai.
108
ISABELLE, Arsène. Viagem ao Rio Grande do Sul: (1833-1834). Porto Alegre: Martins Livreiro, 1983. p.18.
109
Francisco das Chagas Santos nasceu no Rio de Janeiro em 1763, indo mais tarde estudar em Lisboa, onde foi
nomeado oficial de infantaria. Em 1784 participou da demarcação de limites do extremo sul. Em 1823,
comandou as Armas de São Paulo e, em 1835, comandava a guarnição de Porto, recebendo o título de barão do
Cerro Largo; faleceu em 1840. FLORES, Moacyr. Dicionário de história do Brasil. Porto Alegre: Edipucrs,
1996. p.470.
110
Ver RODRIGUES, São Borja e sua história .
Defendidas pelas
tropas de...
Nascido em
E filho
Quem lutava pelo
“nacionalismo” eram os nazistas...
62
Por resolução de 11 de março de 1833, advinda do governador da província, Manuel
Antônio Galvão, São Borja foi desmembrada de Rio Pardo, sendo elevada à categoria de
“vila” em e de “termo municipal” pouco mais de um ano depois, em 21 de maio de 1834. É
importante aqui fazer uma ressalva para dizer que, até o ano de 1809, o território de São Borja
ficou anexado ao município de Porto Alegre, quando foi dele desmembrado para pertencer ao
termo de Rio Pardo. Somente em 1887, por lei de 21 de dezembro, é que São Borja veio a ser
elevada à categoria de “cidade”.
Sendo lindeiro de São Borja e Uruguaiana, o município de Itaqui era, em seus
primórdios, parte de uma estância jesuítica por volta do ano de 1687. Esta estância teria sido
criada pelos padres que se encontravam do outro lado do rio Uruguai, na redução de La Cruz,
que deu origem ao nome da localidade, Rincão de La Cruz. A partir de 1802, segundo livro
estatístico do IBGE publicado em 1959, começaram a ser doadas as primeiras sesmarias na
região do atual município.
111
Em 1817, o alvará que criou a vila de São Luis de Leal
Bragança, mencionado anteriormente, incluía Itaqui. Por volta de 1821, era apenas um
povoado com alguns ranchos, onde posteriormente acampou o destacamento de 150 homens
comandados por Fabiano Pires de Almeida, que veio até a região a fim de proteger o local
contra possíveis invasões argentinas.
Com o tempo, a freqüente instalação de várias famílias vindas da Argentina, fugindo
das perseguições de Aguirre, levou a que, pela lei provincial nº 15 de 1837, fosse elevada a
“freguesia” a localidade de São Patrício do Itaqui, pois desde 1821 já havia sido traçado um
plano para a pequena povoação. Contudo, somente em 1850 foi nomeado um pároco para a
freguesia, que em 1853 recebeu a primeira “mesa de rendas”, por ser um dos portos mais
ativos da região, superando já o de Itaqui, sobretudo na exportação da erva-mate. Em 1858
havia em Itaqui 400 casas e 6.631 habitantes em todo o município, sendo 5.554 livres, 63
libertos e 1.014 escravos. Pela resolução provincial nº 301 de 1854, o município teve seus
limites firmados em relação aos municípios vizinhos.
112
111
Para ver quais foram os primeiros sesmeiros da cidade de Itaqui verificar INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: 1959. XXXIII v.
p.282
112
SILVA, Sany. Itaqui: primeiros governos (1859-1896). S.l.: 1978, p.7.
63
Entretanto, em 6 de dezembro de 1858, pela lei nº 419 e por intervenção do juiz da
Comarca de São Borja, Hemetério José Velloso da Silveira,
113
Itaqui conseguiu se
desmembrar, mas somente em março de 1859 foi instalada a “vila”. Esta, em 1860, tinha
como uma de suas principais atividades econômicas o porto, verificando-se aí a navegação no
rio Uruguai, que a ligava com os portos de Buenos Aires e Montevidéu, na bacia do Prata,
comerciando especialmente a erva-mate missioneira. Pouco antes de ser elevada à categoria
de “cidade”, Itaqui foi sede da comarca, título que perdeu posteriormente para São Borja. Em
3 de maio de 1879, foi elevada a “cidade”, antes mesmo de São Borja e quatro anos depois de
Uruguaiana.
114
Sobre a criação da vila de Uruguaiana, os primeiros relatos foram deixados pelos
viajantes franceses Arsène Isabelle e August de Saint-Hilaire, que descreveram em seus
diários as mais diversas situações por que passaram na região. Podem-se encontrar nos
escritos de Auguste de Saint-Hilaire, por exemplo, em 1821 as primeiras identificações desta
localidade, ao descrever uma região pouco habitada em que havia grande dificuldade de
deslocamento. Assim também Arsène Isabelle descreveu-a algum tempo depois, em meados
de 1830:
[...] uma estação muito chuvosa traz consternação entre os seus habitantes; as
comunicações tornam-se difíceis pelas cheias dos rios; os terrenos transformam-se
em pântanos; as carretas de transporte ficam atoladas ou suas imensas rodas operam
dificilmente sobre o eixo de madeira, levando meses inteiros a percorrer um
caminho de trinta ou quarenta léguas.
115
Os autores citados registraram também ter encontrado acampamentos que não
passavam de barracas feitas de couro ou ranchos cobertos de capim santa-fé ocupados por
portugueses, espanhóis ou índios. Por essa razão, a melhor maneira de se deslocar nesta região
era através da navegação no rio Uruguai, que mais tarde viria a ser importante rota de
comercialização.
Na década de 1820, identificou-se o vau ou passo de Santana, local onde havia uma
guarda portuguesa que formava um acampamento militar de pequeno porte, mas que já tinha
113
“Hemetério vinha seguidamente a Itaqui. Naquele ano impressionou-se com a enorme quantidade de
processos e o alto valor da renda da área que viria a ser o novo Município, pois atingia, a renda, 55:000$000,
quase o dobro do que São Borja arrecadava.” Ver mais sobre a emancipação de Itaqui em SILVA, Itaqui:
primeiros governos (1859-1896), p.8.
114
Verificar em SILVA, op. cit.
115
ISABELLE, Viagem ao Rio Grande do Sul: (1833-1834), p.12.
64
como objetivo impedir a penetração no território sulino de mercadorias, bem como uma
possível invasão militar espanhola. Não se pode deixar de citar aqui a existência de índios e
espanhóis na região.
Raul Pont, no primeiro volume de Campos Realengos, menciona a visita de Saint-
Hilaire à região relatando:
Os arranchamentos de Santana Velha, situados sobre o Vau de Santana, cinco
léguas da atual cidade, na margem esquerda do Rio Uruguai, formaram o primeiro
aglomerado da povoação ribeirinha, que deram causa a criação do município.
O porto de Santana Velha, próximo ao Arroio Guaraiputãn, marcava o secular
caminho desvendado pelos Jesuítas quando se dirigiam da povoação de Yapeyu para
a Colônia do Sacramento ou para Montevideo. Era pois um itinerário forçoso à
procura do mar.
Desses arranchamentos, tivemos minuciosas notícias através das viagens
descritas nas Memórias do célebre naturalista Saint-Hilaire, que aí esteve acampado,
precisamente em 30 de janeiro a 01 de fevereiro de 1821.
116
Conforme Rogério Haesbaert da Costa: “No início do séc. XIX, as guerras cisplatinas
de 1811-17
117
e 1825-28 fizeram do Rio Grande do Sul novo palco de batalhas e sangrentas
disputas territoriais, em boa parcela como fruto do expansionismo luso-brasileiro.”
118
Nesse
tempo, o Rio Grande do Sul tinha sua economia voltada à atividade criatória, estando nas
mãos dos estancieiros o poder político e militar, o que lhes dava condições de barganhar com
o governo central. Durante o período compreendido entre 1811 e 1828, os estancieiros
apropriaram-se de uma grande quantidade de gado pertencente à Banda Oriental, conforme
relata Arsène Isabelle:
Os brasileiros roubaram da banda Oriental, durante a ocupação injusta do
território dessa república, por suas tropas, mais de 4.000.000 de cabeças de gado,
que eles introduziram na província do Rio Grande como o comprovam os registros
de fronteira.
119
Nesse período não estavam delimitadas as fronteiras da província com os países
vizinhos, em virtude das atribulações tanto em território brasileiro quanto em território
estrangeiro, o que dificultava a consolidação dos limites do território sul-rio-grandense. Só a
partir da década de 1850 é que começaram a ser definidos tais limites graças à diplomacia do
116
PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul, p.76.
117
As guerras Cisplatinas, na verdade, compreenderam, inicialmente, o período de 1811-1813 e, com um
intervalo de tempo de três anos, de 1816-1819.
118
COSTA, Rogério Haesbaert da. RS: latifúndio e identidade regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
p.35.
119
ISABELLE, Viagem ao Rio Grande do Sul: (1833-1834), p.86.
Nós quem? Não
fica melhor “estavam”?
65
Império. Somente havia, portanto, os rios Uruguai e Quaraí como limites naturais entre os três
países nesta região sulina.
Saint-Hilaire, que Isabelle chama, alias sem favor, de viajante muito sábio e
justo, fez um apanhado sobre essas ‘províncias’, mas, na opinião de seu compatriota,
não se extendeu suficientemente, e não o podia fazer, confessa o amigo do
comerciante do Havre, e muito mais quando toca ao interesse econômico que
oferecem as novas cidades e os novos portos, fundados há poucos anos e que
crescem rapidamente.
120
Fica, portanto, evidente pelos relatos dos viajantes franceses o interesse em não
divulgar informações relativas às questões econômicas, mas em salientar sempre os postos
militares, as questões de terras, a flora, fauna e outros dados que lhes conviesse. Certamente,
não se podem considerar esses relatos sobre a região de Uruguaiana como sendo sempre
verdadeiros ou definitivos, mas, efetivamente, pode-se tomá-los como indicadores iniciais
para a pesquisa.
Embora existisse um grande interesse dos viajantes em aumentar os conhecimentos
nas áreas de botânica, astronomia e geografia, não se descartam também as finalidades de
conquista do espaço platino pelos franceses, o que se pode observar pela afirmação de
Carmem Palazzo:
A França demonstrou muito cedo seu interesse pelo Brasil, não
necessariamente a partir de um projeto coerente de expansionismo já que o cenário
interno apresentava-se por demais conturbado mas por meio de incursões
freqüentes com objetivo de comércio.
121
Na segunda quinzena de janeiro de 1821, Auguste Saint-Hilaire tentou encontrar uma
guarda de soldados que estariam acampados no local denominado “vau” ou “passo de
Santana”, conforme narrou: “Há nas vizinhanças daqui uma guarda de alguns soldados
destacados de Belém; devo deixar ai o vaqueano que trouxe de Quaraim e levar outro, mas
infelizmente, meu guia não sabe onde fica instalada a guarda”.
122
No dia 1º de fevereiro de
120
ISABELLE, Viagem ao Rio Grande do Sul: (1833-1834), p.114. “O comerciante do Havre, homem culto,
imbuído, como quase todas as inteligências do seu século, das teorias do Racionalismo, acha que somente
poderia ser liberal insultando a Igreja e, principalmente, os Jesuítas. Não obstante o terrível antagonismo desses
pseudo-liberais, a América Portuguesa reconheceu e reconhece ainda que deve, aos Discípulos de Loyola,
realizações dignas da mais adiantada civilização.” (Comentário tecido por Dante de Laytano, o tradutor da obra
de Isabelle. p.104).
121
PALAZZO, Carmen Lícia. Imagens do Brasil nos relatos de viajantes franceses (séculos XVI e XVIII).
Estudos Ibero-americanos - Revista do Departamento de História, Porto Alegre: PUCRS, v.XXV, n.2, dez.
1999. p.66.
122
SAINT-HILAIRE, Viagem ao Rio Grande do Sul, p.234.
66
1821, encontrou o local onde a guarda deveria estar, porém lá havia apenas barracas
abandonadas e semidestruídas. Alguns homens, com a chegada do viajante, esconderam-se
nas matas, do que o autor deduziu que seriam índios ou espanhóis.
A partir de 1814, com a doação das sesmarias, seus proprietários foram tomando posse
da terra. Sabe-se que, dentro dessas demarcações feitas pelos proprietários das sesmarias,
havia índios, posseiros e tropeiros. Em virtude do intenso contrabando de gado praticado na
região, “insistente tinha sido a troca de chasques dos posseiros com o governo farrapo para
que fosse criado à margem do rio Uruguai uma povoação, especialmente, diziam, para
arrecadação de impostos e sede de uma guarnição”.
123
No entanto, como registra Hemetério
Velloso da Silveira:
A população das fazendas não cogitou de erguer um campanário, como ponto de seu
agrupamento, à exemplo que succedera em Santa Maria, Alegrete, Cruz Alta, Itaqui
e Livramento.
Ahi, onde abundantemente circulavam as onças de ouro, eram indifferentes as
dependencias do Alegrete e pagar carissima a vinda do vigario para a administração
dos sacramentos do baptismo e do matrimonio.
124
Observa-se, assim, que já havia nesta época, mesmo antes da criação da vila, uma
circulação de moeda proveniente de negócios lícitos e ilícitos praticados por comerciantes,
viajantes e estancieiros. Estes últimos reuniram-se para escolher um local melhor para
travessia, pois o Passo de Santana, quando das cheias do rio Uruguai, inundava todo o
pequeno povoado, dificultando a vida da população. Conforme Raul Pont:
Em outubro de 1840, entretanto sobreveio uma tremenda cheia do Rio Uruguai, que
desmantelou os ranchos da povoação, inclusive o Posto Fiscal que já se havia
instalado sob a direção de José Pinto Cezimbra, que exercia as funções de coletor de
impostos, que eram cobrados ao gado contrabandeado.
125
Em 1839 já funcionava um posto fiscal avançado em Sant’Ana Velha, sob jurisdição
da mesa de rendas da alfândega de São Borja, que havia sido criada pelo decreto de 22 de
junho de 1836, embora somente tenha sido instalada em outubro de 1845. Em Uruguaiana, a
alfândega portuária, segundo Raul Pont, foi instalada em 12 de março de 1849, por José
123
PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul. p.72.
124
SILVEIRA, Hemetério José Velloso da. As missões orientaes e seus antigos domínios. Porto Alegre:
Typographia da Livraria Universal de Carlos Echenique, 1909. p.520.
125
PONT, op. cit., p.76.
67
Joaquim da Cunha e Frederico Corrêa da Câmara, e seu primeiro inspetor foi Pinheiro da
Cunha.
126
Começaram, então, os políticos mais influentes da República Farroupilha a discutir
sobre o melhor lugar para a definitiva ocupação da nova povoação. Um desses era Domingos
José de Almeida, mineiro de Diamantina, grande incentivador do comércio e indústria.
Jornalista e, como tal, fundador dos jornais Brados do Sul e Jornal do Povo, entusiasta do
movimento de emancipação e defensor dos ideais da Revolução Farroupilha. Na época, foi
eleito deputado para a primeira Assembléia Legislativa da província em 1835. Viveu boa
parte da sua vida na cidade de Pelotas, onde faleceu em 6 de maio de 1871.
Outro exemplo do político que defendia essas fronteiras foi Joaquim dos Santos Prado
Lima, nascido em Rio Pardo em 1802 e que, aos 32 anos de idade, foi eleito vereador em
Alegrete, para onde viera com a família. Foi presidente da Câmara, juiz de paz, chefe de
polícia, coletor geral e deputado da Assembléia Constituinte da República. Fazia inspeções
rotineiras pela costa do rio Uruguai quando era delegado e juiz de paz. Recebeu terras na
região de Uruguaiana e auxiliou na retirada da população quando da invasão paraguaia em
1865, cedendo escravos e até mesmo reses para o abate. Faleceu aos 94 anos de idade em
1897. Recebeu, ainda em vida, o título de “Patriarca de Uruguaiana”.
A idéia de mudar o pequeno povoado já existia desde 1839, segundo Hemetério José
Velloso da Silveira,
127
mas somente em 1840 é que se iniciaram as tratativas, tendo como
principal interlocutor o estancieiro Joaquim dos Santos Prado Lima, então chefe de polícia de
Alegrete, designado para interceder pela população ribeirinha, que passava dificuldades por
causa das enchentes.
Prado Lima entrou em contato com Domingos José de Almeida, ministro da Fazenda e
do Interior, solicitando que o povoado fosse transferido para as margens do arroio Itapitocai,
no local denominado de “Coxilha de São Joaquim”. O ministro Almeida mobilizou alguns
outros políticos farroupilhas para entrarem em acordo sobre a necessidade da nova
localização, com o que três possíveis locais para sediar o povoado foram levantados: entre os
126
PONT, Raul. Subsídios para a história do contrabando. Uruguaiana: Centro Cultural Dr. Pedro Marini, pasta
95, GAV.11, nº13.
127
SILVEIRA, As missões orientaes e seus antigos domínios.
68
arroios Imbahá e Salso; parte do Rincão de Sant’Ana, próximo à foz do Itapitocai; e por
último, ficando este o local definitivo, a região conhecida como “Capão do Tigre”, situada nas
terras de Manuel do Couto, homem muito rico e conhecido como “Couto Rico”.
128
Percebe-se, através dos documentos e cartas analisados, assim como pelos dados
localizados a respeito da fundação da vila, que o local foi escolhido em razão dos interesses
financeiros dos sesmeiros da região e dos políticos farroupilhas. Foi então decretada a criação
da “Capela de Sant’Ana do Uruguai”:
Decreto nº 21. Alegrete, 24 de fevereiro de 1843 8º da Independência e da
República.
Art. 1º - Fica creada, junto ao Capão do Tigre, na margem esquerda do Uruguai,
uma Capela Curada com a denominação de CAPELA DO URUGUAI.
Art. 2º - A Capela do Uruguai terá por limites o Ibirocaí na sua Barra com o
Ibicuí até a Barra com o Giquiquá, por esta acima seguirá a vertente a rumo do sul
que confronta com outra ao mesmo rumo, que vai ao Garupa e por este abaixo até o
Quarahym, seguindo este até o Uruguai e daí por este acima a feixar na referida
Barra do Ibirocaí, e gozará de todas as vantagens atribuídas por às demais Capellas
Curadas da República. Francisco de Sá Brito, Ministro e Secretário dos Negócios da
Justiça e interinamente dos do Interior o tenha assim entendido e faça executar com
os despachos necessários. “Ass.” Bento Gonçalves da Silva Francisco de Sá
Brito.”
129
O fato, ou seja, a criação da Capela Curada do Uruguai, foi noticiado no jornal farrapo
Estrela do Sul, na sua edição nº 2, de 8 de março de 1843, desta forma:
ALEGRETE
Depois de hum maduro, reflectido exame, sobre o local mais conveniente para
fundar-se huma Povoação na margem esquerda do Uruguay junto ao Passo de
S.Anna, foi ella finalmente creada pelo Decreto de 27 de fevereiro (?) do corrente
anno, que abaixo transcrevemos. A nova Povoação vai pois ser construída em huma
situação formosíssima, e pelas vantagens que apresenta, revalisará muito breve em
riqueza e commércio com as mais populosas e florescentes do Estado. Tem hum
magnífico porto para ancoradouro das embarcaçõens, que podem navegar no
Uruguay, com sufficiente commodidade para conter mais de cento e cincoenta. Em
frente ao arroio existe o Jataity, que necessariamente está destinado para em sua
margem formar-se também outra Capella; e disto resultaram sem duvidas grandes
utilidades mercantis para a que foi recentemente creada. He incrível o numero de
habitantes, que já estão nella se estabelecendo e construindo cazas; attrahida por
tantas vantagens de todas as partes concorre huma multidão ávida de fixar lá o seu
domicillio; circonstancia esta, que promete o mais rápido progresso no augmento da
Povoação. Considerada por outra face a creação de nova Capella muito deve
contribuir para a melhor arrecadação das rendas publicas naquelle ponto, as quaes
creceram naturalmente, à proporção que sejao bem fiscalisadas, e que torne franca a
navegação do Uruguay. He este pois hum estabelecimento que grandes benefícios
128
PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul.
129
PONT, op.cit. p.77.
69
trará ao Paiz, e que deve por conseqüência merecer a mais seria attenção e solicitude
de parte do Governo.”
130
No artigo nota-se um forte empenho de que o comércio e o porto locais se
desenvolvessem, fazendo-se quase que uma convocação para que cada vez mais famílias se
instalassem no local, pois o entusiasmo pela prosperidade desta comunidade era muito grande.
Pode-se dizer que a mudança do povoado para outro local e o anúncio feito deste ato
retratavam a esperança em atrair pessoas e fazer crescer a vila, a qual, possivelmente, seria a
ligação da capital da República Farroupilha, sediada em Alegrete em 1843, com a região do
Prata; inclusive, poderia auxiliar no escoamento da produção das estâncias que se situavam
nessa região, que, em sua maioria, pertenciam a militares e políticos envolvidos com o
governo farroupilha.
Após o fim da Revolução Farroupilha, sob o governo de Patrício Corrêa da Câmara,
foi assinada a lei nº 58, de 29 de maio de 1846, elevando a então Capela do Uruguai a “vila”,
a qual recebeu então o nome de Uruguaiana. Seus limites, como previa a lei, foram fixados
pelo presidente da província em 3 de agosto de 1846, separando-a de Alegrete.
131
Muitas são as interpretações dadas às questões legais de “vila” ou “município”,
caracterizadas no século XIX no Brasil, de modo que a tentativa de compreender esses
conceitos pode conduzir a compreensões duvidosas ou até mesmo confusas. Por vezes, vê-se
que não se tem definido qual é o termo utilizado na designação de “vila”
132
ou “município”,
no caso de Uruguaiana, nos documentos oficiais da Câmara de Vereadores e correspondências
do governo da província com essa entidade. Portanto, quando se fala em “Villa de
Uruguaiana”, está-se fazendo referência a uma povoação de menor porte, com baixa
população, mesmo porque, na época, este era o termo comumente utilizado. Amyr Fortes e
João Wagner analisam as relações jurídicas e as possíveis semelhanças que havia entre
“município” e “vila” de maneira a esclarecer tal dicotomia:
130
Estrela do Sul Transcrição obtida por cópia e gentileza do Sr. José de Almeida Collares, dos originais
conservados na Biblioteca Pública de Pelotas.
131
PONT (1983), p.86.
132
Cf. Jacques Le Goff, na Idade Média, “[...] a villa é um domínio com um prédio principal que pertence ao
senhor; em conseqüência, é um centro de poder, não apenas de poder econômico, mas também de poder em geral
sobre todas as pessoas, os camponeses e os artesãos que vivem nas terras ao redor. Desse modo, quando se passa
a dizer, em francês, la ville (o italiano conservará o termo cittá), marcar-se-á bem a passagem do poder do
campo para a cidade. O termo ‘villa’, esse se aplicará à aldeia nascente a partir dos séculos IX e X.” LE GOFF,
Jacques. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Unesp, 1998. p.12.
rodapé
podem conduzir
70
A palavra “município”, entretanto, só aparece em nosso Direito Constitucional com
a República, pois, até então, as expressões “vila” e “cidade”, além do significado
que possuem, de aglomerado social, serviam para definir um território, subdivisão
de província, ou seja, o município de hoje.[...]
Também a expressão “município” só entrou para nossa legislação com o Ato
Adicional Lei Regencial nº 16 de 12 de agosto de 1834 na qual há referência
explícita aos “municípios das províncias” (Art. 10º, § 6º)...
Durante muito tempo a figura jurídica do município foi concretizada pela “vila”,
embora esta expressão nunca tivesse recebido definição em texto legal. A “vila” era
“uma povoação de categoria inferior a uma cidade, mas superior a uma aldeia” [no
caso de Uruguaiana, à uma Capela Curada].
133
Coisa muito comum naquela época eram as povoações ou nucleações que se
formavam a partir de postos de apoio avançados, além das cercanias das cidades mais
próximas, como diz Miguel Jacques Trindade, referindo-se a Alegrete:
A formação dos distritos e subdistritos em nosso extenso município, como de há
muito vinha acontecendo na Colônia Portuguesa e na província, teve suas bases em
antigo pontos de apoio utilizados pelos padres catequizadores de indígenas e
tropeiros: Oratórios, ‘cavalhadas, vacarias’ e postos de vigilância militar”.
134
Uruguaiana, ou Oratório de Sant’Ana, era o segundo distrito da Capela do Alegrete
antes da criação da Capela Curada em 1843. Esse nome foi mudado para Sant’Ana Velha pelo
fato de outra povoação, na mesma capela, ser conhecida pelo mesmo nome, que mais tarde
seria a cidade de Santana do Livramento.
Em 29 de maio de 1846, pela lei provincial nº 58, foi decretada a elevação à vila da
Capela Curada, segundo normativo que trazia o seguinte:
Artº. 1º - Fica elevada à cathegoria de Villa, a nova povoação de Santa Anna, à
margem do Uruguay; e gosará de todos os foros e previlegio que por Ley tem as
Villas.
Artº. 2º - Esta Villa se chamará Uruguayana e nella haverá hua Parochia, sendo o
seu Orago aquella Santa.
Artº. 3º - O presidente da Provincia marcará provisoriamente os limites do
Município, e da Freguezia, submettendo-os a essa Assembléa, na sua primeira
reunião, afim de definitivamente serem fixados.
Artº. 4º - Os habitantes do Município farão a sua custa a casa da Câmara, e
Cadêa, para cuja construcção a Camara Municipal promoverà subscripção.
Artº. 5º - Ficão consignados quatro contos de réis, para contrução das obras da
Igreja da Villa, devendo o presidente da província dal-os, por prestações à medida
que o andamento da obra o exigir, ao Párocho, ou à pessoa em cujo cargo ellas
estiverem.
Artº. 6º - Ficão revogadas as Leis e disposições em contrario.
133
FORTES, Amyr Borges; WAGNER, João Batista S. História administrativa, judiciária e eclesiástica do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1963. p.03.
134
TRINDADE, Alegrete: do século XVII ao século XX, p.45.
71
Mando, portanto, à todas as Authoridades a quem o conhecimento e execução da
referida Lei, pertencer, que a cumprão e fação cumprir tão inteiramente como nella
se contem. O 1º official que interinamente serve de Secretário desta Presidencia, a
fassa imprimir, publicar e correr. Palácio do Governo na Leal e Vallorosa Cidade de
Porto Alegre aos vinte e nove dias do mez de Maio de mil oitocentos quarenta e seis,
vigesimo quinto da Independência e do Imperio.
135
A Câmara Municipal de Vereadores, como se pode constatar a partir do livro de Atas
das Sessões, foi instalada em 24 de abril de 1847. Um ofício enviado a Manoel Antônio
Galvão, presidente da província, comunicava o fato, o qual se transcreve em seqüência,
destacando que foi registrado no Livro de Correspondências da Câmara:
Illm.º e Ex.
mo
Snr. A Camara Municipal desta Villa, tem a subida honra de
remetter a V. Ex.ª a inclusa copia do Auto de sua installação, que acaba de ter lugar,
cumprindo assim com o disposto na ultima parte do art.º 4º do Decreto de 13 de
Novembro de 1832. Deos Guarde a V. Ex.ª. Villa de Uruguayanna em Sessão de 24
de Abril de 1847.
136
O ofício era assinado pelos primeiros componentes da Câmara “Venancio Jose Per.ª
= Manoel Thomas do Prado Lima = Manoel Doria da Luz = Narciso Antonio d’Oliveirª =
Francisco José Dias = Theodolino de Oliveirª Fagundes = e José Pereirª da Silva”
137
, em
sua maioria sesmeiros nessa cidade.
Desses, Manoel Thomas do Prado Lima era irmão de Joaquim dos Santos Prado Lima
e também possuía terras na região de Uruguaiana, tendo fincado suas raízes na fronteira
mesmo antes da formação da vila. Narciso Antonio de Oliveira era também sesmeiro e major
do Exército e arrematou, em 1864, o Passo da Cruz. Francisco José Dias participou como
sesmeiro e político farroupilha, tendo sido indicado por Domingos José de Almeida para
compor a comissão que definiu onde seria a localização da nova povoação. Theodolino de
Oliveira Fagundes era um dos maiores sesmeiros dentre os vereadores eleitos para compor a
primeira mesa da Câmara da vila de Uruguaiana, tendo recebido sesmarias na região entre o
Pindaí e o Carumbé. Vindo de São Gabriel e irmão do major Narciso, exerceu o cargo de
primeiro juiz de paz da vila de Uruguaiana.
138
135
ALBUQUERQUE, Amílcar Cunha de. Relatório de estatística apresentado ao Coronel João Baptista
Arregui. Uruguaiana: 25 jul. 1926. p.60-61.
136
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.01.
137
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.01.
138
Ver capítulo VI em PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul.
72
Outros tantos documentos, assim como as transcrições das Atas das Sessões da
Câmara, mostram a constante comunicação entre a então vila de Uruguaiana com a
Presidência da província, tanto para prestar informações diversas quanto para solicitar auxílio
do governo em determinadas áreas, como para a instalação de uma agência dos Correios,
139
autorização para trazer de São Borja dois sinos que eram da época das Missões para instalá-
los na Igreja Matriz, etc.
Na época da instalação da Câmara Municipal, era utilizado o “Código de Posturas da
Câmara Municipal da vila de Uruguaiana”, onde constavam todos os deveres e direitos da
Câmara, bem como de seus funcionários, e até mesmo dos moradores da vila, como se pode
perceber por esta transcrição:
Titulo 1º §4º - Todos edificios que se construirem n’esta Villa terão ao menos
dezoito palmos de pé direito, descansarão sobre paredes de pedra ou tijolo, serão
cobertas de telha ou satea; as portas terão doze palmos de altura, e cinco de largura
de vivo ao menos, e as janellas sete palmos de alto, e a mesma largura das portas. O
contraventor soffrerá a multa de 30$000 reis, e obra será demolida assua custa; se
reincidir pagara o duplo da multa, demolir-se-há a obra a sua custa.
140
Para os vereadores previa-se: “Titulo 17º § 147 Todo o empregado da Camara que
nas funçoes de seu cargo, não tratar as partes com toda a urbanidade possivel, faltando-lhes ao
respeito devido, será demittido, hûa vez que não prove que foi provocado.”
141
Dessa forma, e como se constata em algumas atas da Câmara Municipal, os vereadores
eram penalizados por faltas que, porventura, fossem cometidas, tendo-se como base o Código
das Posturas. Isso leva a crer que a política, ao menos municipal, desenvolvida na época era
cumprida de forma bastante enérgica, pelo menos no tocante à organização interna da Câmara
e também da cadeia pública, organizada e gerida pela mesma Casa.
139
Conforme podemos ver em URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros...
(1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. “A Camara
Municipal desta Villa tem a honra acuzar a recepção do officio de V.Sª datado de 12 de outubro ultimo, em que
pede informações sobre o modo de formar huma Agencia de Correios desta Villa a de Alegrete, indicando mais a
V.S.ª as pessoas e todos os quesitos marcados no citado Officio. Esta Camara vai aproceder as infomações
precisas, e logo que as obtenha participara a V.S.ª para o ffeito indicado. = [...] 17 de Nobr. Digo em Sessão
extraordinaria de 17 de Novembro de 1847.”
140
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.34.
141
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.57v.
elimine essa
palavra
73
Principiando com a doação de sesmarias, fixação de território e propriedade, a região
da fronteira oeste do Rio Grande do Sul foi se organizando em pequenos povoados e dando
origem, posteriormente, às cidades. Através de apenas um órgão político-administrativo, a
Câmara de Vereadores, essas vilas ou cidades eram geridas e, pela organização espacial e
política que foi desenvolvida, é que se torna passível de análise a urbanização que se deu no
início da formação das vilas fronteiriças, principalmente em Uruguaiana, onde fatores
políticos e de imigração estrangeira tiveram papel essencial na constituição da vila.
74
4. A URBANIZAÇÃO NA FRONTEIRA OESTE RIO-GRANDENSE
Como se está trabalhando com uma cidade de fronteira, deve-se ter o cuidado de
analisá-la dentro da conjuntura espacial da qual faz parte, pois sabe-se que, apesar de o espaço
hoje estar definido por divisões políticas, desde muito tempo já constituía uma área sem
limites para seus habitantes. Portanto, tudo precisa ser considerado para se poder entender a
forma de ocupação do espaço fronteiriço e a urbanização dessa região.
Bordieu afirma que não existem critérios capazes de fundamentar as classificações
em regiões “naturais” separadas por fronteiras “naturais”. Trata-se de
representações, que podem estar embasadas em critérios objetivos, como
ascendência, território, língua, religião, atividade econômica, ou subjetivos, como o
sentimento de pertencimento.
142
Ao se iniciar esta discussão, torna-se necessário dissertar sobre os conceitos de região,
que são abordados por outras disciplinas compósitas,
143
para melhor se entender a maneira
como os povoados se formaram e ocuparam os espaços regionais. “O primeiro e mais
imediato de todos é o tratamento da geografia física e humana, que irá identificar a região
com base em critérios de delimitação da paisagem natural e étnica.”
144
Também se podem
considerar “los factores geográficos, cuya historia hay que considerar, solo adquiren uma
importancia decisiva cuando se les relaciona com otros datos, económicos, sociales,
culturales”.
145
142
BARCELLOS, Tanya M. de; OLIVEIRA, Naia. As áreas de fronteira na perspectiva da globalização:
reflexões a partir do caso do Rio Grande do Sul/Corrientes. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. p.226.
143
Compósitas é a união de duas ciências num substantivo e num epíteto: história sociológica, demografia
histórica, antropologia histórica; Ver mais em LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes,
1998. p.26.
144
NORONHA, Márcio Pizarro. Região, identificações culturais. História: Debates e Tendências, Passo Fundo:
Ediupf, jun. 1998, v.1, n.1. p.25.
145
BRAUDEL, Fernand. El Mediterráneo: el espacio y la historia. México: Fondo de Cultura Económica, 1992.
p.115.
75
Desde a Antiguidade, o conceito de região veio passando por diversas alterações de
significados e, até mesmo, de perspectivas teóricas e metodológicas, mas foi a partir da Idade
Contemporânea que o Estado passou a influenciar definitivamente na sua configuração.
Uma das principais características do homem é a sua capacidade de adaptação e,
conseqüentemente, a sua capacidade de viver em cidades, o que, conforme a evolução do
homem, acaba por não ser natural. Isso porque há mais ou menos 15 milhões de anos, desde
que os primeiros ancestrais povoaram a Terra, caracterizavam-se pelo nomadismo e viviam
em pequenos grupos em amplos espaços abertos.
Para Milton Santos, o espaço é um fato social, produto da ação humana, uma natureza
socializada, que, por sua vez, interfere no processo social não apenas pela carga de
historicidade passada, mas também pela carga inerente de historicidade possível de ser
construída.
146
Lipietz, por sua vez, acredita que o “espaço social” é o fundamento do espaço
empírico, com o qual se mistura:
[...] o espaço sócio-econômico, segundo o autor, pode ser analisado em termos da
articulação de espacialidades próprias às relações definidas nas diferentes instâncias
de diferentes modos de produção existentes numa formação social. Essas
espacialidades consistem na correspondência entre presença/distância (no espaço) e
participação/exclusão (na estrutura da relação considerada), o que pode ser melhor
entendido pela distribuição de lugares no espaço e na relação.
147
É inevitável, ao se falar de espaço, não levar em consideração que é parte da sociedade
que o produz e que, por isso, deve ser entendido em sua totalidade, assim como a sociedade.
No entanto, esse espaço é particionado em diversos “pedaços”, que podem ser estudados de
diversas formas, utilizando-se de diversos métodos, em elementos que interagem e o fazem
interagir a fim de que se complementarize e seja complementarizado e modificado a partir
das ações externas e internas, supondo uma “interdependência funcional”, como afirma
Milton Santos.
148
146
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Região e história: questão de método in: SILVA, Marcos A. da (Coord.).
República em migalhas. História reginal e local. São Paulo: Marco Zero, 1990. p.28.
147
LIPIETZ, Alain. Le capital et son espace in: SILVA, op. cit., p.29.
148
SANTOS, Milton. Espaço e método. 4.ed. São Paulo: Nobel, 1997. p.7.
76
Segundo o mesmo autor, a divisão dos elementos poderia ser esta: “os homens, as
firmas, as instituições, o chamado meio ecológico e as infra-estruturas.”
149
Cada um responde
por uma função que é a ação dentro do espaço, e o estudo das interações dessas ações é
necessário para se alcançar a totalização do espaço social.
Deve-se levar em consideração para a análise, a posteriori, dos elementos do espaço
sua diferenciação em razão de dado sistema temporal em que ocorrem, bem como espacial,
mudando seu papel. O espaço, assim, deve ser tratado dentro de suas interdependências e com
relação ao todo. Não se trata o espaço na história como sendo absoluto e evidente por si
mesmo, pois este contém dentro de si não só o espaço físico, mas o cultural, o social, o
político e o ideológico. Sua construção é feita pela sociedade, que interage com a
territorialidade, onde as identidades comuns se concentram para dar a “cara” desse espaço.
Procurando a vertente mais particular em torno deste ponto, tem-se a região como
particularização do espaço. Milton Santos esclarece que região
[...] se definiria, [...] como o resultado das possibilidades ligadas a uma certa
presença, nela, de capitais fixos exercendo determinado papel ou determinadas
funções técnicas e das condições do seu funcionamento econômico, dadas pela rede
de relações acima indicadas. Pode-se dizer que há uma verdadeira dialética entre
ambos esses fatores concretos, um influenciando e modificando o outro.
150
Segundo Ana Luiza Gobbi Setti Reckziegel, há uma tendência entre os historiadores
de assimilarem e utilizarem os conceitos produzidos pelos geógrafos, mas, entre as muitas
vertentes explicativas para o termo “região”, há um ponto consensual de que seria a
particularização dos lugares, a sua individualização. Portanto, pode-se aceitar como válida a
definição de região “como um espaço de identidade ideológico-cultural e representatividade
política, articulado em torno de interesses específicos, geralmente econômicos, por uma
fração ou bloco regional de classe que nele reconhece sua base territorial”.
151
Uruguaiana pertence à região denominada de “Campanha”, que já tinha seus espaços
particularizados e era individualizada pela situação imposta pelos conquistadores, visto que
149
SANTOS, Espaço e método, p.6.
150
SANTOS, op. cit., p.67.
151
RECKZIEGEL, A diplomacia marginal: vinculações políticas entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai (1893-
1904), p.20.
77
se localiza num contexto de fronteira. Foi criada ainda quando não havia limites políticos
definidos para o Rio Grande do Sul, os quais somente mais tarde foram demarcados pela
criação da fronteira do estado sulino com o Estado Oriental e a República Argentina, tendo
como fronteira natural o rio Uruguai. Conforme Márcio Pizarro Noronha:
Região, ao invés de ser apenas um referente (no caso específico da
delimitação a um tipo de configuração geográfico-espacial), passa a ser um modo de
proceder um tratamento metodológico que visa estabelecer uma relação
específica no âmbito de uma cartografia simbólica, que deverá incluir os níveis do
local, do regional, do nacional e do transnacional.
152
A vila de Uruguaiana, quando de sua criação, apresentava características militares em
sua organização política, fator fundamental na criação de vários municípios em regiões
consideradas vulneráveis às invasões de países vizinhos. Sua base econômica era formada por
estancieiros que praticavam a criação extensiva de gado; já o desenvolvimento do comércio
desta vila apresentou alguns pontos que se podem considerar importantes em seu crescimento,
como a facilidade de comunicação com as cidades costeiras ao rio Uruguai, bem como com as
da região da bacia do Prata. Foi com a chegada dos elementos culturais vindos da Europa e do
centro do Brasil que o comércio nacional e internacional começou a fluir, passando a ser
identificada a vila como sendo um grande porto de escoamento de produtos para fora e para
dentro do país. Conforme Brasil Pinheiro Machado, podem-se
destacar duas formações sócio-econômicas que, com o passar do tempo, vão
entrando em conflito, numa luta pela hegemonia da sociedade: os donos da terra (os
“latifundiários”) e os comerciantes. Os latifundiários percorrem a linha mais
legítima da tradição da comunidade; os comerciantes representam a possibilidade de
progresso e de superação da atitude tradicional.
153
A possibilidade de uma invasão e a necessidade de fixar limites do território
justificaram a criação de alguns postos da Guarda Nacional para defesa da fronteira, o que
levou a se identificar a província de São Pedro como tendo um papel marginal, pois “a
vocação militar de um posto avançado de fronteira fez com que alguns traços fossem
marcadamente diferentes de outras províncias do Império.”
154
Foram
as tensões de uma fronteira duramente controvertida, em constante estado de guerra,
mais a rudeza primitiva das lides campeiras, explicam as transformações
152
NORONHA. História: Debates e Tendências. Passo Fundo: Ediupf, jun. 1998, v.1, n.1. p.26.
153
MACHADO. História: Questões e Debates. Curit iba, nº2, dez. 1981. p.107.
154
TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Rio Grande da América do Sul: partidos e eleições (1823-1990).
Porto Alegre: Editora da Universidade / Sulina, 1991. p.27.
78
responsáveis pela cunhagem do padrão social que vingou no Rio Grande sob o
designativo regional de gaúcho.
155
A Câmara da vila de Uruguaiana, representada pelos seus vereadores, não tinha uma
certa segurança de seus poderes com referência à defesa de limites internacionais, nem
autonomia para gerar algum débito com oficiais ou praças da Guarda Nacional, que estava
assentada nas imediações da vila, tanto que, para oferecer uma moradia a esses, a Câmara
solicitou autorização ao presidente da província, como se pode verificar através deste ofício:
Illm.º Ex.
mo
Snr. = Tem a honra esta Camara acusar a recepção do officio de
V.Ex.ª de 5 do corrente em que significa como deve entender-se a duvida que esta
Camara tinha sobre a competencia de poder ou não tomar assento de V.ª qualquer
official de G. Nacionaes em destacamento o qual assim se lhe fez saber. = [...]
Uruguayana em Sessão extraordinaria de 6 de Fevereiro de 1849.
156
Isso proporcionou a formação de uma identidade, pois a região necessitava que o
Império criasse estruturas para manter os limites na fronteira oeste da província de São Pedro.
Junto com o início da ocupação do espaço da vila de Uruguaiana, nasceu a
necessidade do comércio, primeiramente com os populares armazéns de secos e
molhados,cuja utilidade é visível até os dias de hoje, e, posteriormente, com empresas
maiores, que faziam transações com o exterior. Portanto, havia duas formações econômicas
bem distintas: os pecuaristas e os comerciantes.
O crescimento urbano era influenciado pelas facilidades de negociar, sem contar os
serviços oferecidos pela concentração urbana, como as sapatarias, ferrarias, armazéns,
escravos de ganho, boticários, bilhares, e outros. Isso atraía a população rural para as áreas
urbanas. E foi a partir dessas concepções de desenvolvimento que o poder político passou a
ser moldado: o que antes estava concentrado nas mãos dos pecuaristas, formando uma
hegemonia política, começou a sofrer mudanças através de opiniões diferenciadas referentes
ao desenvolvimento e ao progresso da vila. O poder político urbano foi assumindo posturas
em benefício da burguesia urbana, mesmo que nesse período (1850-1870) esta classe não
tivesse um papel tão relevante no cenário social brasileiro.
155
TRINDADE; NOLL, Rio Grande da América do Sul: partidos e eleições (1823-1990), p.09.
156
URUGUAIANA. Câmara da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros de Ofícios e Correspondências (1849-
1861) Centro Cultural Dr. Pedro Marini: Sala do Arquivo Histórico. p.9.
79
A região está configurada como uma fração estruturada do todo. Segundo Rogério
Haesbaert da Costa:
A exemplo do pays francês, região proposta por Vidal de La Blache,
considerado o fundador da geografia regional clássica, a Campanha era considerada
uma região no sentido de envolver uma paisagem relativamente uniforme e um
"gênero de vida" específico, representado pela criação de gado em suas grandes
propriedades campestres, a herança cultural lusa e espanhola e as práticas
tradicionais do gaúcho.
157
A região é identidade, é personalidade regional e possui as suas especificidades, que
são historicamente construídas, assim como a definição do espaço local, que pode ser
concebido por dois vieses: o primeiro, concreto, ou seja, o espaço delimitado fisicamente, e o
segundo, abstrato, definido pelas relações sociais desenvolvidas e incorporadas pelos
elementos da comunidade.
158
As Posturas Municipais eram determinantes para o processo de organização do espaço
urbano econômico de Uruguaiana, que foi construído a partir de uma necessidade de
formação de capital, influenciado pela possibilidade de um fluente comércio internacional e
nacional, gerando, assim, relações inter-regionais e internacionais. Para Ciro Flamarion
Cardoso, que assume uma abordagem teórica baseada no materialismo dialético, citado por
Reckziegel, a “noção de região está intimamente ligada ao processo de desenvolvimento
econômico e à difusão das inovações do capitalismo.”
159
A vila de Uruguaiana, desde seu nascimento, possuía uma estrutura que a identificava
como uma fronteira-zona, pois não pode ser concebida como uma zona de periferia no que diz
respeito à economia e a sua importância para o desenvolvimento das outras cidades que eram
partes integrantes desta zona de comércio, como importadores e exportadores, ou,
simplesmente, compradores de produtos que entravam pelo porto de Uruguaiana. Tedesco,
comentando uma posição weberiana, relata que,
a característica básica da cidade é a funcionalidade de um mercado fortificado por
instituições políticas e administrativas (centro de poder) que objetivam a
157
COSTA, RS: latifúndio e identidade regional, p.16.
158
Idéia desenvolvida a partir de discussões em sala de aula na cadeira de História e Região: dimensões teórico-
metodológicas, dia 22 de março de 2001, com a Prof.ª Dr.ª Ana Luiza Reckziegel.
159
RECKZIEGEL. História: Debates e Tendências. Passo Fundo: Ediupf, v.1, n.1, jun.1999. p.18.
80
subsistência econômica, inclusive com formas modernamente conhecidas de
expropriação do excedente alheio.
160
Com a incorporação da individualidade no espaço local, deve-se vê-la mais na sua
complexidade que na unilateralidade de processos aglutinadores, que ignoram as diferenças e
priorizam uma universalização, pois essa visão é facilmente contestada dentro da região.
Portanto, as regiões envolvem relações de poder, ou seja, disputa de poder; uma representação
e uma ideologia, principalmente quando a ideologia é apropriada pelos grupos dominantes e
assimilada pelo restante da sociedade, com o que será, então, uma representação ideológica.
Apesar de a região ter suas articulações com o todo, possui características próprias,
autônomas, que singularizam deste todo o local, que é o conjunto das relações sociais que
atuam dentro do regional. Para Ana Luiza Reckziegel:
Os estudos históricos com o recorte regional são, assim, manifestações de um
tempo que recusa as ditas concepções hegemônicas, tentando resgatar as
particularidades e especificidades locais como maneira de confirmar ou refutar as
grande sínteses até agora impostas como válidas para todas as realidades
históricas.
161
A história regional é uma forma de recorte que o historiador pode utilizar para estudar
o seu objeto de pesquisa. Uruguaiana está inserida dentro do contexto da Campanha, mas
possui suas características próprias, bem como Itaqui e São Borja, pois o crescimento
alcançado pela vila pode ser percebido pelo fluxo de importação e exp ortação que passava
pelo porto e que imprimia a essas três cidades um caráter diferenciado. O maior fluxo de
comercialização dava-se com Buenos Aires e Montevidéu, estas cidades consideradas como
cidades de grande porte, que enviavam vários produtos com destino ao Brasil. Contudo, esses
produtos eram provenientes das cidades fronteiriças brasileiras, que os enviavam aos portos
do Prata, os quais, os reexportavam para as capitais brasileiras que se localizavam próximas à
costa.
O estudo regional oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho
nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da História (como os
movimentos sociais, a ação do Estado, as atividade econômicas, a identidade
cultural, etc.) a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o
160
DAL MORO, Selina Maria; KALIL, Rosa Maria Locatelli; TEDESCO, João Carlos. Urbanização, exclusão e
resistência: estudos sobre o processo de urbanização na região de Passo Fundo. Passo Fundo: Ediupf, 1998.
p.19.
161
RECKZIEGEL. História: Debates e Tendências. Passo Fundo: Ediupf, v.1, n.1, jun.1999. p.21.
81
particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, a regional lida com as
diferenças, a multiplicidade.
162
A ocupação do espaço de Uruguaiana era, antes de tudo, uma qualificação,
componente de um processo econômico e histórico e que urgia ser humanizador e construtor
de uma identidade, pois as migrações, imigrações e as invasões deste espaço, bem como as
apropriações, doações, compras e confiscos, seguidos dos fatores econômicos locais, atraíram
para a esta vila uma considerável quantidade de estrangeiros, o que levou, em 1858, o viajante
francês Avè-Lallemant a dizer sobre a vila:
É uma vila de pelo menos 2.000 habitantes, onde se manifesta, em todos os recantos,
a mais viva atividade comercial. Só franceses existem mais de cem no lugar, entre
eles gente de muito boa educação e irrepreensível conduta. Em Uruguaiana quase
não se reconhece uma cidade brasileira, mas uma hispano -francesa, que parece
apoiar -se em suas relações de vida e de comércio, mais em Buenos Aires e
Montevidéu, do que em Porto Alegre e Rio Grande.
163
A afirmação de Avé-Lallemant e os levantamentos no Arquivo Histórico de
Uruguaiana comprovam a existência de um grande número de estrangeiros na época, dentre
os quais franceses, ingleses, alemães, italianos e espanhóis, que encontraram ali uma vila em
fase de organização urbana. Com eles veio uma parcela do capital que iria estruturar um novo
espaço econômico da fronteira-oeste da província, pois “o espaço é das forças produtivas,
juntamente com o capital e o trabalho, não apenas um ambiente construído.”
164
A força produtiva de Uruguaiana era a pecuária, juntamente com os produtos dele
derivados, como o couro e o charque. Essa força produtiva possuía dois atores: quem detinha
o bem (o animal) e quem possuía o capital, ou seja, o comprador que executava uma oferta de
compra para, a posteriori, revender a um outro estancieiro, que abatia a rés para comercializar
a carne, fresca ou o charque. Assim, o acúmulo de capital era rendoso através das transações
de compra e venda. Para Harvey,
[...] o processo urbano é a produção de um ambiente construído, e o estudo
desse processo envolve o exame das forças pelas quais esse ambiente é produzido e
162
AMADO, Janaína. História e região: reconhecendo e reconstruindo espaços apud RECKZIEGEL. História:
Debates e Tendências. Passo Fundo: Ediupf, v.1, n.1, jun.1999. p.21.
163
AVÉ-LALLEMANT , Robert Christian Bertold. Viagem pelo sul do Brasil no ano de 1858 apud SILVA in:
DACANAL, RS: economia e política, p.67.
164
DAL MORO; KALIL; TEDESCO, Urbanização, exclusão e resistência: estudos sobre o processo de
urbanização na região de Passo Fundo. p.31.
82
seu papel no processo mais amplo de acumulação. Em linhas gerais, o espaço urbano
é produto de interesse do capital.
165
Seriam essas forças produtivas que iriam alavancar o processo de crescimento
econômico que, junto com outros produtos, ocorreu no decorrer da segunda metade do século
XIX: a erva-mate, a madeira, o sal, o couro, etc. Pelo movimento de importações e
exportações, vê-se que a “cidade é a manifestação espacial desse processo de acumulação, ou
seja, a estrutura e o funcionamento das cidades estão radicados na produção, reprodução e
organização em toda parte do processo de acumulação do capital.”
166
Ainda se pode afirmar que muitas foram as transações de compra e venda de gado
feitas com os atravessadores que, algumas vezes, eram contrabandistas, que se multiplicavam
nessa região pela não-coibição de suas ações. A identidade individual desses diversos grupos
que se instalaram nesta região vem se aglutinar aos fatores geográficos e políticos, para,
juntos, formarem uma nova característica do local, transformada diferentemente de outras
regiões, onde a instalação dos imigrantes ocorreu de forma constante e se inseriu no local de
acordo com suas semelhanças, do que é exemplo a quarta colônia italiana, a região de
colonização alemã etc. em uma identidade regional, com traços bem distintos, através da
aglutinação de costumes, políticas, vivências, idiomas etc.
Na medida que os padrões de civilização foram se desenvolvendo acima do nível de
subsistência, as fronteiras entre ecúmenos tornaram-se lugares de comunicação e,
por conseguinte, adquiriram um caráter político. Mesmo assim, não tinha a
conotação de uma área ou zona que marcasse o limite definido ou fim de uma
unidade política. Na realidade, o sentido de fronteira era não de fim, mas do começo
do estado, o lugar para onde ele tendia a se expandir.
167
Apesar das exportações da erva-mate e de outros produtos, a base econômica de
Uruguaiana era a pecuária extensiva, que, a partir de 1858, expandiu-se com maior rapidez. A
legalização das sesmarias passou a ocorrer a partir da Lei das Terras, em 1850, caracterizando
a propriedade rural estancieira e proporcionando, assim, a legalização dos grandes latifúndios:
“Assim, a Coroa portuguesa e os fazendeiros rio-grandenses conjugaram seus interesses na
165
DAL MORO; KALIL; TEDESCO, Urbanização, exclusão e resistência: estudos sobre o processo de
urbanização na região de Passo Fundo, p.29.
166
DAL MORO; KALIL; TEDESCO, Urbanização, exclusão e resistência: estudos sobre o processo de
urbanização na região de Passo Fundo, p.28.
167
Para uma visão mais ampla desta tendência ver: STROHAECKER, Tânia Marques. et.al. Fronteiras e espaço
global. Porto Alegre: AGB Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1998. p.41.
evite
“desenvolvimento”, é melhor
“crescimento” ou outra
expressão...
83
contração das fronteiras: a fome de terra e de gado dos proprietários gaúchos avançou mais
rapidamente que a institucionalização dos limites.”
168
Ana Luiza Gobbi Setti Reckziegel deixa claro que, quando nos
referimos ao inter-relacionamento entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai,
objetivamos chamar a atenção para o fato que se formou uma região na qual se
reconhecem características comuns, isto é, a fronteira entre ambos os territórios foi
extrapolada pela existência de uma área compartilhada desde os primórdios da
ocupação lusitano-espanhola, moldada por uma história comum.
169
Esse inter-relacionamento pode também ser aplicado à fronteira com a Argentina, em
especial aqui, no presente trabalho, à cidade de Uruguaiana. A fronteira não tem poder de
influenciar em características culturais adquiridas durante algum período, pois, mesmo que “a
presença do Estado imponha distinções marcantes entre uma parte e outra, o contato
interfronteiriço pode ensejar estilos de vida semelhantes em ambos os lados, o que, algumas
vezes, influi na existência de uma identidade regional singular.”
170
Com base nessas afirmações, pode-se concluir que a formação de uma identidade
regional pode e sofre influências ocasionadas pelo inter-relacionamento entre países e, no
caso específico de Uruguaiana, forma uma região que ultrapassa os limites determinados pela
fronteira no seu caráter político. Para se entender a criação da identidade de Uruguaiana,
torna-se necessário compreender como se desenvolveu a economia da região e quais foram os
atores que interagiram nesse processo.
A tentativa de analisar a formação da identidade desta região parte dos espanhóis e dos
índios, mas deve-se considerar que, após os portugueses definitivamente terem tomado posse
da região, iniciou-se o segundo processo de influência de identidade, com a vinda para a
região de estancieiros portugueses com o objetivo de garantir a posse do território. Com eles,
entrou em cena um novo ator, o negro, além dos diversos estrangeiros franceses, alemães,
ingleses, que também se instalaram no cenário pampeano em busca de novas oportunidades.
168
RECKZIEGEL, A diplomacia marginal: vinculações políticas entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai (1893-
1904), p.33.
169
RECKZIEGEL, op. cit., p.19.
170
RECKZIEGEL, op. cit., p.19.
Essas etnias
chegaram ali antes dos
portugueses???
84
Portanto, têm-se índios, espanhóis, portugueses e negros, além de imigrantes, em
especial, italianos, franceses e alemães provenientes da Europa, que, com exceção do escravo,
procuravam a realização de aspirações pessoais voltadas ao âmbito econômico. Fica claro que
a identidade de Uruguaiana mudou com o passar do tempo, tendo-se aí um elemento novo, o
gaúcho, que teve sua identidade elevada no contexto nacional a partir da Revolução
Farroupilha. Portanto, ao se comparar o estado rio-grandense com qualquer outro estado
nacional, não se pode esquecer do passado rural e da figura do gaúcho
171
.
A figura do gaúcho, entretanto, estava marcada pelas ideologias elitistas, que, por
necessidade de dominação, incorporaram os modos de vida dos gaúchos para tentar convencê-
los da necessidade da luta contra os imperialistas. Tau Golin, em A ideologia do gauchismo,
comenta que o tradicionalismo era a ideologia da elite rural, que pretendia se sobrepor aos
ensejos do centro do país e manter uma ordem social e de organização interna. Assim, a
corrente tradicionalista, que foi tomando forma no Rio Grande do Sul, serviu de suporte para
a manutenção do poder estatal e, especialmente, econômico dos estancieiros sul-rio-
grandenses.
172
Durante a Guerra do Paraguai, Duque de Caxias, dirigindo-se a Uruguaiana, escreveu:
Para o gaúcho rio-grandense, (mesmo) que um homem tenha nascido à sua porta, na
província de Santa Catarina, quer venha da Lapônia, é sempre baiano. E se, para ele,
o gaúcho castelhano é um rival odiado, ao menos considera-o seu igual, pois sempre
é gaúcho; ao passo que o baiano é um ser inferior, porque não maneja bolas nem
laço, não se tem por ‘centauro’ e não entende ser desonra andar a pé.
173
O gaúcho, segundo Tau Golin, era tido como o “pária do Estado, o marginal do
campo, que, alijado de todos os meios legais e trâmites jurídicos para tomar posse da terra que
conquistara, vivia permanentemente como intruso.”
174
No entanto, não se pode deixar de
perceber o papel que a elite latifundiária do século XIX teve nesse processo de alijamento do
171
Segundo LESSA, Barbosa (1985), p.24 apud COSTA, RS: latifúndio e identidade regional, p.79, o primeiro
documento onde aparece a definição de “gaúcho” foi o Diário de José de Saldanha, escrito em Santa Maria em
1777: “gauches palavra espanhola usada neste país para designar os vagabundos ou ladrões do campo que
matam os touros chimarrões, tiram-lhes o couro e vão vender nas povoações”. Ainda na Revolução Farroupilha
(1834) o termo era usado pejorativamente (v. Lessa, p.26). Já FLORES, Dicionário de história do Brasil, p.237-
238 diz que etimologicamente a palavra é desconhecida, mas que surgiu na região do Prata para designar o grupo
de indivíduos mestiços, brancos, índios e negros que se reuniam nos acampamentos dos índios charruas e
minuanos, marginalizados pela sociedade latifundiária. Ainda comenta que segundo Coni, o primeiro tipo teria
surgido por volta de 1617 em Santa Fé.
172
GO LIN, Tau. A ideologia do gauchismo. 3.ed. Porto Alegre: Tchê, 1983.
173
GOLIN, op. cit., p.20.
174
GOLIN, op. cit., p.68.
Isso é óbvio...
Todos temos nossos objetivos
particulares.
85
gaúcho, tratando-o como um substrato da sociedade que fora criado livre no campo, sem
acesso à menor instrução.
A identidade de Uruguaiana ultrapassa as fronteiras políticas, visto que sua formação,
em certos momentos, poderá servir para aproximar e, em outras, para acirrar as diferenças
entre regiões. Uruguaiana possui sua fronteira natural e tem o rio Uruguai como limite de
fronteira com a Argentina.
A fronteira é, por outro lado, uma área estratégica, e as relações que nela se
expressam a tornam constantemente móvel, ou seja, as fronteiras são sempre
transponíveis por trocas estabelecidas pela sociedade: elas se abrem ou se fecham,
dependendo da origem dos interesses que estão presentes. A fronteira ao mesmo
tempo proíbe e aut oriza a passagem, pois é uma construção histórica resultante de
relações de força entre grupos ou classes sociais, típicas de sociedades
capitalistas.
175
A formação da identidade uruguaianense apresenta particularidades com referência às
demais regiões por se tratar de uma zona de fronteira, cuja identidade muitas vezes é
apropriada, seletiva de objetos, símbolos e significados. Por essa razão, é importante a
reflexão sobre as inter-relações observadas entre identidades locais, nacionais e
intern acionais.
A urbanização é parte indissociável em se tratando de aglomerações humanas e de
formas de produção em conjunto em sociedade. Precisa-se levar em consideração as relações
entre os homens dentro de um espaço delimitado socialmente para se chegar a uma relação
deste com o espaço econômico, cultural, e assim por diante. Como afirma Albers, o
urbanismo, “no sentido moderno da palavra, é o planejamento prospectivo até a fixação
jurídica da utilização do solo na cidade e no campo, interfere nos direitos de uso do
proprietário e em suas expectativas de lucro.”
176
Há, portanto, uma intrínseca relação entre
economia e urbanização. Haroldo Carvalho, citando Weber, confirma que,
[...] apesar de a cidade ser um dos pressupostos para o capitalismo, este, à medida
que se desenvolve, acaba por determinar o ritmo do crescimento urbano; assim, há
uma alteração de posição: a cidade transita de formadora para resultado do próprio
sistema econômico.
177
175
BARCELLOS; OLIVEIRA. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. p.225.
176
ALBERS, G. A cidade in: GADAMER, H.-G.; VOGLER, P. (Org.). Nova antropologia: o homem em sua
existência biológica, socil e cultural. São Paulo: Ediusp, 1977. p.166.
177
CARVALHO, Haroldo L. Elementos para o estudo da urbanização brasileira. Passo Fundo: Ediupf, 1998.
p.11.
A formação da
identidade uruguianense
86
Pelo que foi posto anteriormente sobre a criação da vila de Uruguaiana, percebe-se a
presença de interesses econômicos na formação de centros urbanos nessa região, para
possibilitar o escoamento da produção vinda do interior e fazer frente ao mercado platino. O
porto desta vila seria um dos melhores da bacia do rio Uruguai para comercializar as
mercadorias que fossem importadas daquela região, sem necessidade de efetuar transações
pelo mar. A navegação interna mostrava-se, na época, muito mais segura, pois os produtos
chegavam mais rapidamente ao mercado consumidor do interior do continente. Assim, as
cidades costeiras ao rio formavam uma rede de recepção e distribuição de mercadorias.
Fonte: Mapa baseado em MEDRANO, Lilia Inês Zanotti de. A livre navegação dos rios Paraná e Uruguay: uma
análise do comércio entre o Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889). São Paulo: USP, 1989. Tese
(Doutorado em História). Departamento de História, Instituto de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, 1989., p.114, e nas pesquisas realizadas em outros diversos livros e documentos
analisados.
Figura 6: Principais portos fluviais argentinos, brasileiros e uruguaios do rio Uruguai na segunda metade do
século XIX.
87
Aos poucos, a vila de Uruguaiana foi crescendo em população, aumentando a sua área
urbana e, por conseqüência, atraindo para a região vários comerciantes e trabalhadores
estrangeiros e brasileiros que buscavam melhores condições de vida e negócios lucrativos
com o recém-criado (oficialmente) porto de Uruguaiana.
178
Segundo relatório estatístico de 1926 do chefe de Estatística Municipal de Cachoeira,
em 1846, quando foi elevada a “vila”, Uruguaiana já possuía 4.279 habitantes, dos quais
2.725 eram do sexo masculino e 1.555, do feminino.
179
É necessário que se faça aqui uma
ressalva, utilizando as palavras de Milton Santos quando diz que “[...] esses dados, porém,
devem ser tomados com cautela, já que somente após 1940 as contagens separavam a
população das cidades e das vilas da população rural do mesmo município.”
180
Os proprietários de terras, formados pelos estancieiros e pelos donos de chácaras,
juntamente com seus empregados, começaram a entrar em contato com o novo povoado que
surgia na região da capela de Sant’Ana e, conseqüentemente, iniciaram-se algumas alterações
sociais, que passaram a ser compartilhadas entre os personagens locais e os que vinham de
fora, os quais passaram a contracenar nesse cenário fronteiriço. Esses novos personagens
eram franceses, ingleses, alemães, italianos, portugueses, espanhóis, que já faziam parte do
cenário do Prata. Francisco Scarlato afirma que o imigrante passa, a partir da ruptura com o
seu lugar de origem e do esquecimento das imagens do cotidiano, a buscar se inserir no
178
Não foi possível encontrar uma data específica que marcasse a instalação do porto da povoação, apenas as
correspondências pedindo verbas para a construção de uma rampa. No entanto, o porto já existia até mesmo
anteriormente à fundação da vila de Uruguaiana. “É igualmente sabido que estando collocada nesta Villa a
Alfandega do Uruguay, é aqui o imperio do Commercio especialmente o de importação. Isto demostra a
frequencia do Porto onde se faz o desembarque dos generos, entretanto este Porto tão frequentado, como se deve
calcular pela importancia do Commercio, não tem o maior beneficio sendo frequente o faserem o embarque e
desembarque de generos no meio da lâma.
É pois de mais urgente necessidade de formar-se uma rampa calçada desde a Praça do Porto ate elle.
Esta Camara pença, que com uma consignação de 10:000$000 se realiza esta importante obra, e tendo sido
concedido na Lei do orçamento vigente uma verba para se fazer uma rampa no Porto de Itaqui, que não sendo
mais importante, que este, deseja igual favor.” Conforme URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de
Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861) Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana.
Arquivo Sala Raul Pont. p.149v.-153.
179
CAMARGO, Antonio Eleuterio de. Quadro estatístico e geographico da Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul - 1868 in: ALBUQUERQUE, Relatório de estatística apresentado ao Coronel João Baptista
Arregui, p.07.
180
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 1996. p.21-22. O autor, neste ponto,
tece um comentário sobre as probabilidades e divisões da contagem da população: o período pré-estatístico (do
início da colonização até a metade do século 18); o período protoestatístico (que termina com o primeiro
recenseamento geral do Brasil, em 1872); e o período estatístico que aí começa. Até o censo realizado em 1940
não se dava atenção à participação da população urbana.
se faça
Elimine...
88
espaço físico e social do local onde se encontra, pois seus traços culturais o identificam como
forasteiro.
181
Entretanto, no caso de Uruguaiana, pode-se constatar, com base nos comentários de
autores que trabalharam as questões relacionadas à imigração, como Raul Pont, que foi a vila
que começou a ter sua vida alterada, adquirindo um “quê” de européia.
182
Os Códigos das
Posturas Municipais de 1847 tratavam das questões relativas à imigração em cinco artigos,
num dos quais, o de número 68
183
, previa a possibilidade de o estrangeiro comercializar
produtos na vila, o que lhe era permitido somente se estivesse registrado com sua casa de
negócio na Câmara de Vereadores. Portanto, subentende-se que a vendedores ambulantes
estrangeiros não era permitido trabalhar no recinto da vila, a não ser que fossem casados com
brasileiras.
Pelas Posturas 80
184
e 94
185
, não se permitia a permanência ou trânsito de estrangeiros
no município, contudo a segunda comprometia o estrangeiro, em caso de necessidade de
defesa do território, a estar pronto para defendê-lo. Nesse ponto havia uma dicotomia, pois, ao
mesmo tempo em que se proibia sua permanência, solicitava-se seu auxílio, ou melhor,
ordenava-se que o estrangeiro agisse como filho da terra.
181
SCARLATO, Francisco Capuano. População e urbanização brasileira in: ROSS, Jurandir L. Sanches (Org.).
Geografia do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p.396-397.
182
Para saber mais, ver PONT, Raul. Franceses na fronteira oeste do Rio Grande do Sul in: BEUX, Armindo.
(Org.). Franceses no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Metrópole, 1976. p.122-132.
183
“§ 68º - Dentro dos lemites do Municipio não é permitido a estrangeiro algum poder vender por maior ou a
retalho, generos de quaesquer natureza, excepto os estabelecidos com casa aberta no recinto da Villa, ou
povoações que para o futuro hajão no termo, sob amulta de 30$000 reis, por cada infracção. Desta regra são
exceptuados os casados com Brazileiras que dellas não estejão devorsiados, já estejão establecidos, ou para o
diante vierem establecer-se no Municipio porque estes poderão negociar libremente por toda a sua extenção.”
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.44.
184
“§ 80º - Não é permitido a estrangeiro algum transitar denro do Municipio. O que contravier sofrera apena de
oito dias de cadea, e 30$000 reis de multa; e não tendo comque pagar, o duplo da prizão, sem prejuizo das em
que incorrer pelo codigo criminal.” URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de
Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont.
p.46.
185
“§ 94º - Todo o guarda Nacional, ou qualquer vezinho nacional, ou estrangeiro, que a toda a hora do dia, ou
noite, ouvindo hum tiro na rua, gritos, ou outro algum signal que indique desordem e por essa razão nessecidade
de auxilio, não se apresentar armado com as armas que tiver a sua porta, janella, ou mesmo na rua para coadjuvar
á prisão do delinquente, e prestar auxilio ao encarregado de alguma diligencia ordenada por authoridade
competente, será punido de oito a quinze dias de prisão, e 10$000 reis á 20$000 reis de multa.” URUGUAIANA.
Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr.
Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.48.
89
As Posturas 120
186
e 121
187
referiam a necessidade de os estrangeiros registrarem seus
diplomas de habilitação para exercerem as profissões de médico, boticário ou parteiros, sob
pena de serem multados, caso não o fizessem. Portanto, nota-se a preocupação das
autoridades com a possibilidade de existirem falsários na localidade, pondo em risco a saúde
da população.
A área rural de Uruguaiana era formada por estancieiros que se ocupavam com a
pecuária e que faziam algumas tentativas, ainda que pequenas, de desenvolver a agricultura de
subsistência, que já existia incentivada pela influência de São Borja e Restauração, cidades
que também exerciam preponderante importância nas decisões políticas da vila. Nas atas da
Câmara Vereadores, encontraram-se nomes de pessoas que estavam ligadas ao campo, mas
que, a partir de 1847, passariam a participar do cenário político de Uruguaiana, juntamente
com alguns comerciantes.
As migrações que acabaram acontecendo em direção à região eram provenientes
especialmente da Argentina e do Uruguai, onde a entrada de estrangeiros oriundos dos países
da Europa muito facilitada, pois “[...] a gênese do fenômeno urbano se situa no período do
comércio em grande escala, o que, de certa forma, tornou possível que as cidades recebessem
influências dos elementos de modernização da época.”
188
O Código de Posturas da Câmara de Uruguaiana era responsável por determinar as
características sociais, políticas e econômicas da vila, ou seja, todo o planejamento que
envolvesse o futuro do povoado. O maior poder político, portanto, estava concentrado nessas
leis municipais, responsáveis por todos os acontecimentos e pelo destino da população que
estava dentro dos limites da vila de Uruguaiana. Uma comprovação disso são os mapas
186
“§ 120. Ninguem poderá exercer aproffisão de medico, Boticario, ou Parteira dentro do Municipio, sem que
perante a Camara Municipal se mostrem habilitados nos termos da lei de 3 de outubro de 1832, exibindo os seus
diplomas legães, para serem registrados. Os estrangeiros porem serão obrigados a justificarem a identidade da
pessoa alem da apresentação do titulo, sem o que não poderão exercer assua arte. Ficão sugeitos a multa de
30$000 reis, á 60$000 reis, todos os que contravierem apresente postura, independente das penas em que
incorrerem pelas disposiçoes das Leis criminaes, se forem costumazes.” URUGUAIANA. Câmara Municipal da
Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini,
Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.52v.-53.
187
§ 121. O auto de achada, ou violação nas casas dos §§115, 116, 117 e 118 deste Titulo será feito na
presença do Fiscal, e dos Professores por elle convocados, e o Proffessor, quer nacional, quer estrangeiro, que a
este serviço se negar sob qualquer pretexto, soffrerá amulta de 15$000 reis a 30$000 reis.” URUGUAIANA.
Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr.
Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.53.
188
CARVALHO, Elementos para o estudo da urbanização brasileira, p.15.
90
cartográficos da cidade elaborados para os generais das armas brasileiras que ali estavam
instalados para salvaguardar a fronteira. Francisco Scarlato comenta que: “Ao contrário do
plano geométrico das cidades fundadas pelos espanhóis, as cidades portuguesas criadas nos
territórios da Coroa, nas capitanias, cresceram de forma desordenada.”
189
Fonte: Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont. Pasta 21, GAV.03.
Figura 7: Mapa da Invasão Paraguaia em Uruguaiana (18/09/1865).
O território dessa região de fronteira ainda não estava delimitado judicialmente como
fronteira entre o Brasil e a Argentina, mas sabe-se que sua população tinha costumes
189
SCARLATO in: ROSS, Geografia do Brasil, p.415.
91
portugueses e que a própria vila fora fundada por esses. No entanto, seus traços eram
espanhóis, o que pode levar a crer que sua influência, desde o projeto inicial, era proveniente
de estrangeiros que aqui se encontravam, como os agrimensores Chuster, Félix Grivot e
outros tantos empresários, os quais, aos poucos, foram se instalando na vila. Isso sem contar
com os espanhóis já estabelecidos na primeira povoação de Sant’Ana Velha.
Chuster desenhou em 1845 a planta baixa da vila de Uruguaiana, que a Câmara
Municipal acabou adotando como definitiva e que serviu como modelo básico inicial para o
desenvolvimento urbano. A Câmara deixava claro que o arruamento não poderia ser alterado
através do artigo 1º, §2º
190
das Posturas Municipais, o qual não permitia que se alterasse o que
estava predeterminado nessa planta, além de permitir a contratação de fiscais, chamados
“arruadores”, para perfilar os prédios já existentes no recinto da vila.
191
O registro do contrato do agrimensor Félix Grivot com a Câmara de Uruguaiana foi
levado ao presidente da província a fim de que ele estivesse ciente da contratação para o
nivelamento e feitura da planta da vila, satisfazendo a um pedido feito em diversos ofícios
enviados à Câmara.
Illmo Exmo Snr. = Esta Camara tem a honra levar ao conhecimento de V.Ex.ª
para que se sirva approvar o contracto que em sessão de hontem fez com o
Agrimensor Felix Alexandre Grivot de Valleville para tirar a planta e nivellamento
da Villa, providencia esta julgada de urgente necessidade para não continuarem as
irregularidades dadas ate a presente epoca em que se desenvolve espantosamente o
progresso e aumento da Villa. [...] 16 de Abril de 1858.
192
Entretanto, três anos depois, a mesma Câmara resolveu exonerar Grivot de seu cargo,
o que lhe foi comunicado por carta enviada em 1861:
190
“§ 2º - A Camara Municipal adoptará difinitivamente a planta da mesma Villa levantada em mil oito centos
quarenta e cinco pelo Agrimensor Chuster, e a fará collocar na salla de suas Sessões, onde os interessados
poderão examinal-a, e mesmo d’ella tirarem copias, se lhes convier, não consentindo que por qualquer modo se
altere o arruamento existente.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de
Registros... (1847-1848). Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont, p.33v.-34.
191
“§ 3º - A Camara nomeará um ou mias aruadores se forem necessarios, aos quaes fica competindo alinhar, e
perfilar os edificios, regulando sua frente pela Planta adoptada, e dando a altura das soleiras; por cujo trabalho
perceberão de quem as requerer, 4$000 reis; sendo porem chamdos para dar regularidade as soleiras unicamente,
perceberão 2$000 reis. O arruador que sendo chamado, negar-se a este serviço, será multado pela primeira vez
em 10$000 reis, e nas reencidencias em 30$000 reis, uma vez qe não prove ter tido empedimento attendivel.”
In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.34.
192
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.157.
92
Illmo Snr. Em sessão de hoje, resolveo esta Camara exoneral-o do lugar de
arruador que occupava por nomeação da mesma Camara, fasendo Vm.
ce
entrega ao
V.
r
Julio Fierrard, de todo e qualquer objecto pertencente a mesma Camara que
tenha em seu poder; visto ser quem passa a substituil-o. [...] 26 de Março de 1861.
Illmo Snr. Felix Alexandre Grivot.
193
Félix Grivot era francês e, a convite de um amigo, viera para o Uruguai,
posteriormente se estabelecendo em Uruguaiana para trabalhar. Então, quando de sua
destituição do cargo, o Consulado Francês - acredita-se que os outros consulados agiam da
mesma forma endereçou correspondência à Câmara de Uruguaiana solicitando que
explicasse os motivos que a teriam levado a tomar tal decisão, como se pode constatar pelo
documento transcrito:
Câmara Municipal do Termo de Uruguaiana, 20 de Julho de 1862. Illmo
Senr. Esta Câmara recebendo o off.º que V.S.ª lhe dirigio com data de 15 de Maio
do ultimo, á 16 do corrente mez, a companhado de duas cartas para Felix Grivot,
tem a responder a V.S.ª que as cartas forão entregues ao mesmo Grivot, como verá
do incluso recibo que o mesmo passou, e tendo retirado-se para a cidade de
Alegrete, o mencionado Grivot, motivo por que não se pôde conseguir o recibo em
papel se parado, e assim forçado somos em devolver a V.S.ª o incluso officio visto
junto a elle a char-se o recibo passado por Grivot.
Passando a segunda parte do off.º de V.S.ª tem esta Camara a diser que, Felix
Grivot, foi seu agrimensor, deixando de ser a tempos por circunstancias seu
comportamento com quanto não seja completamente exemplar, em rasão de sua
idade juvenil, com tudo não é merecedor de reprovação para qual quer mister de
nossa sociedade que seja necessario praticar-se algum acto, se incontra nesse
cidadão as qualidades precisas para o seu bom desempenho, que por veses tem sido
de alguma utilidade para esta Villa. Esta Câmara tem dispensado a esse Cidadão
Francez, aquelles favores, que estão em relação com as suas attribuições, e
continuará a fazer em quanto isso julgar que é em beneficio de um individuo
d`alguma sorte digno de concideração. [...] Illm.º Senr. João Baptista de Ormano
Vice Cônsul do Império de França em Porto Alegre.
194
Pelo conteúdo do texto, observa-se que o Consulado francês mostrava-se sempre
presente e mantinha ativa participação na vida de seus concidadãos que trabalhavam ou
residiam em território brasileiro. Assim é que solicitava informações à Câmara Municipal
sobre o modo como estavam sendo tratados os franceses residentes no local.
Gradualmente, juntamente com a crescente urbanização, foi se formando e se
fortalecendo o comércio de Uruguaiana com as principais capitais da Bacia do Prata,
estabelecendo-se contatos comerciais e culturais mais constantes com Buenos Aires e
193
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.02v.
194
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.34.
93
Montevidéu que com Porto Alegre. Esse fato pode ser constatado na citação de Hemetério
José Velloso da Silveira, quando relata:
Em correspondência mais assídua com as duas grandes capitães platinas
(Montevideo e Buenos Ayres) do que com a cidade de Porto Alegre, o pessoal da
villa ostentava um tratamento mais luxuoso, que o commum dos habitantes de outras
povoações da campanha.
195
Acredita-se que os contatos mais freqüentemente mantidos com Buenos Aires e
Montevidéu, em Uruguaiana, realizavam-se apenas entre os habitantes que possuíam um alto
poder aquisitivo, o que determinava e o que atraía, em certos momentos, a vinda de mais
estrangeiros. Esses contatos foram atrativos a diversas empresas que ali se instalaram pela
facilidade de comunicação com o restante do interior do continente. Conforme relata Haroldo
Carvalho:
Naquele momento, não havia um mercado inter-regional mais desenvolvido
uma vez que cada região privilegiava seu comércio externo, independemente dos
vínculos regionais e, especialmente, desvinculada da perspectiva de ampliar o
mercado interno nacional, o que teve reflexos na vida política nacional.
196
Ainda como “Passo” ou “Vau de Santana” e mesmo quando vila, Uruguaiana
representava possibilidades de ampliar o mercado nacional, formando uma zona de
concentração de mercadorias e fluxo de passagem de produtos para as mais diversas regiões
do Prata e também para a Europa. Nesse contexto, o espaço urbano na cidade de Uruguaiana
passou a ter um grande valor comercial. Contudo, esse fato foi motivo, no período de 1839 a
1870, de grande preocupação para os políticos nacionais, pois tal movimentação trazia
implicações para a soberania nacional e também as tarifas alfandegárias.
É possível constatar nas atas da Câmara de Vereadores da vila de Uruguaiana várias
concessões de terrenos feitas pelos presidentes da província e também pela Câmara desde a
sua criação, as quais, invariavelmente, beneficiavam alguma autoridade ou pessoa de nível
econômico elevado. O processo de concessão iniciava-se após os levantamentos dos terrenos
devolutos existentes dentro da vila, que eram repassados pela Câmara ao Império, o qual
remetia, em caso de concessão, um ofício para que aquela tomasse conhecimento e registrasse
o referido título de posse.
195
SILVEIRA, As missões orientaes e seus antigos domínios, p.524.
196
CARVALHO, Elementos para o estudo da urbanização brasileira, p.18.
94
O mesmo procedimento ocorria quando da construção de obras públicas, quando o
terreno em que seria construído o edifício deveria ser avaliado e evacuado para possibilitar a
instalação de obra, como se vê no caso de terrenos em torno da praça da Matriz, destinados
para a construção de prédios públicos. Conforme encontradas nas fontes pesquisadas, em
correspondência à Câmara Municipal, o presidente da província ordenou que esses terrenos
fossem avaliados. É interessante observar que, por concessão da Câmara, um desses terrenos
estava ocupado por um estrangeiro, provavelmente alemão, como se pode ver no registro
deste ofício:
Nº 58 Tem a honra esta camara acusar arrecepção do officio de V.Ex.ª de 21 de
Agosto findo, ordenando se mande avaluar as casas que ocupam o terreno que está
destinado para os edificios publicos, na praça da Matriz d’esta Villa; e passando esta
corporação a dar cumprimento ao que V.Ex.ª manda nomeou uma comição d’entre
seus Membros, para que acomapanhada de Mestres, Carpinteiros e pedreiro,
procedam a uma exacta avaluação; e sendo efectuada por dita comição, como consta
do parecer d’ella por copia authentica junta, assignada por toda a Corporação; pela
qual V.Ex.ª achará circunstanciado o valor de cada um dos trez unicos edificios que
occupam o já mencionado terreno; Valores calculados já com o pouco merecimento
que tem presentemente as casas neste lugar: em quanto aos titulos que os ditos donos
tem, não são mais que concessões dadas pela Camara, na mesma forma que a todos
se tem concedido: um d’elles Apollon Wribek, apresentou assim o que tem e os
outros dois requererão a V.Ex.ª Titulos, acompanhado por conseguinte a ditas
concessoes: hé Ex.
mo
Snr quanto tem esta Camara a informar, sobre quanto V.Ex.ª
ordena. = [...] V.ª Uruguayana em Sessão extraordinaria de 19 de Novembro de
1849.
197
Uruguaiana organizou seu espaço urbano a partir de um disciplinamento feito por um
traçado, determinado pelo mapa urbano, que seguia uma orientação social econômica e
cultural. Essa organização ocorreu principalmente pela distribuição de terrenos devolutos
dentro da ordem estabelecida pela planta cartográfica da cidade, na qual se localizavam todos
os prédios existentes, com as suas respectivas numerações e registros na Câmara, bem como o
nome das ruas. Portanto, era esse um serviço público que foi implementado a partir do
crescimento da urbanização. Como exemplo, podem-se ver as atas dos dias 24 e 29 de maio
de 1861, sobre a doação de terrenos na vila:
Forão apresentados dois Títulos pelos quaes o Exm.º Senr.º presidente da
Provincia,em data de 18 de Dezembro do anno proximo passado servio -se dar ao
Cidadão Eufrário José da Silva, dois terrenos nesta Villa, sendo um sito na rua da
Independência quadra entre a da Imperatriz e Caverá, com sessenta palmos de frente
ao norte, e fundos correspondentes ao Sul a te a meia quadra devidindo-se pelo Leste
com terrenos de Anna America Paz pelo Oeste com terreno concedido ao mesmo
197
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.43-43v.
95
Eufrario e pelo Oeste com terreno devoluto, aos quaes resolveo a Camara fossem
registrados.
198
Foi presente o título pelo qual o Exm. Senr.º presidente da Provincia
concedeo ao Desembargador Luis Alves Leite de Oliveira Bela, um terreno sito na
Rua da Praça desta Villa com seis centos palmos de frente ao Sul, e seis palmos
tambem de fundos ao Norte dividindo-se Leste com a rua tres de Maio, pelo Oeste
com a rua Sete de Setembro e pelo norte com a rua do Principe, e resolveo esta
Camara mandar registrar o referido título.
199
Assim, percebe-se que, na vila, havia muitos terrenos que poderiam ser doados no ano
de 1861, como revelam tais transcrições, sem contar o controle que o presidente da província
detinha em relação às vilas, que seguidamente lhe prestavam informações por meio de
correspondências. Em 1847, logo após a elevação da capela de Uruguaiana a vila, a Câmara
de Uruguaiana recebeu vários ofícios (mais especificamente, um total de quinze) da
Presidência da província, dos quais em treze se indagava sobre as terras devolutas existentes
na mesma para que fossem cultivadas. Veja-se um desses pedidos: “De 20 do dito Fevereiro,
exigindo desta Camara declarace com urgencia quaes as terras devolutas, que há neste
Municipio, para que culturas são mais proprias, e de nellas podesse estabellecer Colonias com
vantagem dessa cultura.”
200
A resposta da Câmara foi taxativa e, ao mesmo tempo estranha, levando-se em conta
que não havia uma povoação de tão vasto território na época. Nota-se um interesse dos
proprietários de terras que faziam parte da Câmara de Vereadores em manter suas posses e
em evitar que a vila fosse invadida por imigrantes e outros “intrusos”, que pudessem lucrar
com o desenvolvimento de um ramo não utilizado no período para a terra, a agricultura. Dizia
o documento:
Quanto porem ao Officio accusado sob nº 13º, tem de informar a V. Ex.ª que
neste Municipio não consta haverem terras devolutas proprias para Colonias, por
quanto estão todos os campos povoados por criadores de gados; e mesmo quando os
houvesse, o que poder -se-hia conhecer unicamente por meio de huma medida que
obrigasse aos Sismeiros medirem, e demarcarem suas Sesmarias, nenhuma
vantagem trarião esses estabellecimentos, pela má qualidade do terreno em geral
para agricultura.
201
198
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1857-1861). Centro Cultural Dr.
Pedro Marini. Sala do Arquivo Histórico. p.74v.
199
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1857-1861). Acervo do Centro
Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.73v.
200
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.03v.
201
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.4.
96
A urbanização da vila, aos poucos, foi crescendo em razão, também, do interesse das
pessoas envolvidas na política local e regional, que se beneficiavam com esta ou aquela
medida tomada pela Presidência da província e que afetava diretamente Uruguaiana, como a
doação de terrenos, por exemplo. As correspondências trocadas entre a Presidência da
província e a Câmara de Vereadores mostram bem essas variações nas decisões locais:
É por demais sabido, como nos lembra Jacques Le Goff, que as pessoas da
Baixa Idade Média “não pensavam, ao obter os forais, as franquias, em criar uma
cidade”. O que pretendiam era ‘formar uma comunidade capaz de fazer frente aos
senhores’. A luta por garantias políticas é um fenômeno que, a partir do século XII,
atravessa todo o espaço europeu ocidental. Não apenas o citadino, mas o rural
também.
202
Os interesses de pessoas mais influentes dentro da vila também acabaram por se tornar
um fator determinante de fatos ocorridos no período, sobretudo por envolverem cidadãos com
alto grau de relacionamento com o governo provincial e até mesmo com o Império, com
militares e abastados estancieiros. Assim, a vila foi moldada de acordo com os ventos da
economia, principal interesse defendido por essas pessoas, que, não generalizando, vieram se
instalar na região, justamente pela facilidade de comércio e, mais especificamente, de
contrabando.
A Câmara Municipal, após a criação das Posturas Municipais, em 23 de agosto de
1847, criou algumas leis com o objetivo de regulamentar as atividades ligadas à administração
pública e privada dos terrenos existentes na vila, bem como das chácaras situadas nos seus
arredores, o que é possível verificar através do livro de registro de ofícios da Câmara
Municipal da vila de Uruguaiana de 1847 a 1848. Tais determinações visavam a que a vila
tivesse uma organização espacial urbana e um crescimento organizado. Tão forte era o poder
das Câmaras que, no artigo nº 1 das Posturas Municipais, previa-se que o terreno doado por
algum órgão público em que não fosse iniciada a construção em determinado período poderia
ser perdido pelo beneficiado; perdido o direito, a Câmara podia passá-lo a outra pessoa que
estivesse em condições de construir alguma benfeitoria na vila. Com isso, ficam claros dois
202
LE GOFF, Jacques apud PEREIRA in: Estudos Ibero-americanos. Porto Alegre: PUCRS, v. XXVII, n.1,
jun.2001. p.76.
97
importantes aspectos: primeiro, o poder que a Câmara possuía e, segundo, as obrigações de
quem recebia algum bem do governo.
203
Ainda sobre os terrenos e construções do perímetro urbano da vila e redondezas,
encontrou-se que uma forma de pena que a Câmara previa para que fossem cumpridas
algumas determinações eram as multas cobradas por infrações cometidas. Assim, os
proprietários dos imóveis eram autuados pelos fiscais da vila, escolhidos pelos vereadores,
formados na época, como se pôde verificar, por comerciantes, militares e estancieiros. Os
valores arrecadados pela Câmara eram passados para o livro de receitas e despesas da vila,
que, posteriormente, era remetido para a fiscalização do Império, em caso mais restrito, para o
governo da província.
204
203
Análise dos artigos seguintes do Código de Posturas: “§ 10º - Os que actualmente se achão na posse de
terrenos no recinto da Villa, por concessão que lhes tenha sido feita a mais de anno, para n’elles edificar, e que
a’té noventa dias depois de postos em execução estas posturas não tenhão dado começo a obra, perdem o direito
a esses terrenos, os quaes serão concedidos a quem se mostre habilitado, e as requeira para edificar.
§ 19º - As disposiçoes de § 10º comprehendem os que estando atualmente de posse de terrenos por trespasse, ou
qualquer outra transacção não tiverem inda edificado, o levantamento de hum muro na frente do terreno, não sera
reputado principio de Edificio.
§ 20º - A Camara não poderá conceder licença para edificar em mais de 60 palmos de terreno a cada individuo,
com a clausula de sollicitar o competente Titulo da Presidencia da Provincia. Os que possuindo actualmente mais
extenção de terreno, e o não tiverem edificado, são conciderados devolutos, e serão dados á quem os pretender.”
In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.35-36v.
204
As posturas seguintes podem nos dar uma visão dos motivos que levavam os fiscais a incorrerem na multa
dos proprietários de terrenos: § 12º - Todo o indivíduo que possuindo terrenos quer já edificados, quer por
edificar, não aprezentar a Camara Municipal o competente titulo de concessão para ser registado, da publicação
d’estas Posturas a [noventa dias] um anno, soffrerá a multa de 30$000 reis; Esta disposição comprehende os
moradores dos suburbios da Villa, que estão na posse de cortes de chacaras, consedidas pelas transatas
commandancias Militares, cujas confirmações devem sollicitar da Presidencia da Provincia.
§ 13º - Fica expressamente prohibido edificar, ou fazer qualquer obra em terrenos publicos, sem licença da
Camara. O proprietario fica sugeito ao aforamento ou a rendamento respectivo, alem da licença. Os
contraventores pagarão a multa de 30$000 reis, e a obra sera demolida a sua custa.
§ 18º - Fica prohibido construir casa coberta de palha dentro do recinto da Villa, como tamem casinha, ou
Galpão dentro dos terrenos a pretexto de recolherem materiaes para obras, pelo perigo eminente dos incendios.
Os contraventores seão multados em 16$000 reis, ena demolição da obra a sua custa; os que como primeiros
provoadores d’esta Villa ainda possuem essas casas, ou ranchos, não lhes poderão fazer obra sem por telha em
sima, sob á multa de 30$000 reis.
§ 26º - Hé expresamente prohibido a qualquer pessoa tirar aterro por meio de escavação na ruas, praças, ou nos
terrenos vazios. Os contraventores pagarão amulta de 4$000 reis, pela primeira vez, e o dobro nas reincidencias.
§ 33º - Os que depositarem, ou mandarrem depositar, nas ruas, praças ou terrenos vazios da Villa, lixos, águas
sujas, aves e animaes mortos, ou quaisquer outros objectos inmundos, que possão corromper a salubridade do ar,
serão multados em 10$000 reis; os donos de animaes que morrerem nas ruas, praças ou estradas, assim como os
moradores em cujas testadas forem encontrados esses animaes, incorrerão commulativamente na mesma pena, se
as não mandarem enterrar, com tanto porem, que o dono ofará assua custa, e o morador por conta da Camara.
§ 123. Os que possuirem no recinto da Villa terreno pantanozo onde se estaganem as aguas, serão obrigados a
aterral-o no prazo que lhes for marcado pelo respectivo Fiscal, em consequencia do exame feito por dous peritos,
com recurço para a Camara Municipal (senão se conformarem com o prazo marcado) por, julgando attendiveis
as rasões cafendidas(?), poderá amplial-o, por huma vez somente. Os que contravierem serão multados em
10$000 reis, e o atterro será feito á sua custa.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana.
98
Das quatro principais cidades da fronteira oeste que possuem alguma ligação
importante com Uruguaiana, apenas Alegrete conseguiu sua emancipação antes desta, em 22
de janeiro de 1857, através da lei provincial nº 339.
205
Assim, com a elevação da vila à cidade
asseguravam-se algumas autonomias, o que Uruguaiana alcançou somente em 1874, no dia 6
de abril, pela lei provincial n.º 808. Em 1875, com a lei nº 865, foi criada a comarca de
Uruguaiana, separando-se da comarca de São Borja.
206
Portanto, a organização econômica, social e principalmente política de Uruguaiana
ocorreu preponderantemente mais cedo que a das demais povoações da fronteira oeste,
denotando uma organização reconhecidamente auto-suficiente para adquirir tal status
decorridos apenas trinta anos de sua criação como “capela curada”.
Sua condição de fronteira, integrada a um fator econômico, o contrabando, fez com
que sua característica principal fosse a grande quantidade de capital que girava na vila, em
função, principalmente da pecuária, setor preponderantemente capitalista, e de seu porto
fluvial, motivo de sua importância maior no espaço regional. A formação econômica de
Uruguaiana está atrelada a essas duas características que, por vezes, se complementavam,
numa interação entre capital rural, incipiente em toda província sul-rio-grandense, e capital
mercantil, inserido na região da fronteira oeste principalmente pelos estrangeiros que ali se
instalaram.
Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul
Pont. p.35v. -53v.
205
ARAÚJO FILHO, O Município de Alegrete, p.59.
206
PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul, p.88.
99
5. A FORMAÇÃO DO ESPAÇO ECONÔMICO
A partir de 1830, empresas inglesas e francesas apareceram no cenário econômico
latino-americano e, junto com elas, trouxeram padrões considerados superiores e mais cultos,
levando em conta as elites existentes, em razão do isolamento dos novos povoados que
surgiam na costa do rio Uruguai. Os novos padrões estavam relacionados às formas de vida,
vestimenta, mobiliário e cozinha, conforme está relatado nos escritos dos viajantes que
passaram por essa região durante o século XIX. Em seus relato, esses registram a sua surpresa
com a superioridade de certos povoados e, ao mesmo tempo, a estranheza em face das
tradições, costumes e aparências dos povoadores.
A burguesia, pelo rápido desenvolvimento de todos os instrumentos de
produção, pelos meios de comunicação imensamente facilitados, arrasta todas as
nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização... Em uma palavra, cria um
mundo a sua própria imagem.
207
Uruguaiana utilizava-se do rio Uruguai para se comunicar com outras cidades
costeiras da província e, ao mesmo tempo, com o exterior. A vila de Uruguaiana surgiu já
usufruindo dessa via fluvial, iniciando seu processo de ocupação de um espaço econômico
que mais tarde lhe renderia grandes dividendos na esfera regional. Na América, assim como
na Europa, como dizem Marx e Engels,
o período do final da década de 1840 até meados da década de 1870 iria provar não
ser, contrariamente ao desejo convencional de alguns, o modelo de crescimento
econômico, desenvolvimento político, progresso intelectual e realização cultural que
iria, apesar de tudo, terminar por sobreviver com algumas melhoras, no futuro
indefinido, mas ao invés de tudo isso uma espécie de interlúdio. Entretanto, suas
realizações globais eram, de qualquer forma, extremamente surpreendentes. Nesta
207
MARX, Karl; ENGELS, Friederich. Manifesto of the Communist Party in: HOBSBAWM, Eric. A era do
capital (1848-1875). 3.ed. Trad. Luciano Costa Neto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.67.
Não tem palavra
melhor?
100
era, o capitalismo industrial tornou-se uma genuína economia mundial e o globo
estava em uma constante realidade operacional. História, dali em diante, passava a
ser história mundial.
208
O fato da navegabilidade é confirmado nas tabelas a seguir, onde se destacam os
volumes de importações e exportações dos principais portos da fronteira oeste da província do
Rio Grande do Sul no período de 1850 a 1881. Neles se observa a importância do Porto de
Uruguaiana dentro do contexto das transações comerciais com o Rio da Prata.
Tabela 1 - Importações realizadas pelas alfândegas do rio Uruguai de
procedência do rio da Prata (1850-1880)
Ano SÃO BORJA ITAQUI URUGUAIANA
1850-51..................... 47:096$000 - 46:737$000
1851-52..................... 46:737$000 - 64:282$000
1852-53..................... 64:282$000 - 116:078$000
1853-54..................... - - 103:847$000
1854-55..................... - - 100:086$000
1855-56..................... - - 296:990$000
1856-57..................... - - 465:046$000
1857-58..................... - - 748:373$000
1858-59..................... 4:786$000 31:868$000 448:856$000
1859-60..................... 11:976$000 9:238$000 456:245$000
1860-61..................... - - 397:847$000
1861-62..................... - - 176:055$000
1862-63..................... - - -
1863-64..................... - - 125:134$000
1864-65..................... - - 229:215$000
1865-66..................... - - 236:413$000
1866-67..................... 1:361$000 15:988$000 812:594$000
1867-68..................... 2:503$000 49:784$000 586:446$000
1868-69..................... - - -
1869-70..................... - 46:670$000 606:137$000
1870-71...... ............... 454$000 45:388$000 281:819$000
1871-72..................... 4:416$000 99:012$000 672:490$000
1872-73..................... 112$000 4:835$000 142:594$000
1873-74..................... 69$000 1:228$000 130:235$000
1874-75..................... 133$000 153$000 166:385$000
1875-76..................... 379$000 3:152$000 183:879$000
1876-77..................... - - -
1877-8..................... - - -
1878-79..................... 1:245$000 7:367$000 1:195:655$000
1879-80..................... - - 957:572$000
1880-81..................... - - 481:739$000
TOTAL 466:425$000 3:876:131$000 5:118:938$000
Fonte: Relatórios apresentados pelos presidentes da província do Rio Grande do Sul à Assembléia Provincial...,
1850-1881, Biblioteca Nacional, RJ.
Nota: Os valores estão expressos em $réis.
208
MARX; ENGELS in: HOBSBAWM, A era do capital, p.66.
101
Tabela 2 - Exportações realizadas pelo rio Uruguai com
destino ao Rio da Prata (1850-1881)
Ano SÃO BORJA ITAQUI URUGUAIANA
1850-51..................... 48:724$000 - 48:724$000
1851-52...... ............... - - 47:039$000
1852-53..................... 5:860$000 - 68:468$000
1853-54..................... - 161:474$000 75:168$000
1854-55..................... 52:392$000 - 130:597$000
1855-56..................... - 228:151$000 149:786$000
1856-57..................... 43:439$000 - 438:252$000
1857-58..................... - 452:198$000 295:045$000
1858-59..................... 29:104$000 708:817$000 614:731$000
1859-60..................... 11:351$000 209:674$000 415:498$000
1860-61..................... 2:159$000 362:263$000 282:977$000
1861-62..................... 28:066$000 - 422:965$000
1862-63..................... - - 168:765$000
1863-64..................... - - 107:405$000*
1864-65..................... - - 277:878$000**
1865-66..................... - - 231:420$000
1866-67..................... 30:844$000 192:810$000 142:596$000
1867-68..................... 32:060$000 322:433$000 147:005$000
1868-69..................... - - -
1869-70..................... 32:049$000 303:128$000 104:865$000
1870-71..................... 51:886$000 345:606$000 111:616$000
1871-72..................... 42:235$000 713:590$000 199:743$000
1872-73..................... 4:029$000 41:620$000 18:004$000
1873-74..................... 3:965$000 22:524$000 13:676$000
1874-75..................... 3:705$000 28:095$000 10:029$000
1875-76..................... 939$000 17:560$000 8:706$000
1876-77..................... - - -
1877-78..................... 43:618$000 - -
1878-79..................... - 185:536$000 213:684$000
1879-80..................... - - 95:806$000
1880-81..................... - 77:437$000
TOTAL 185:279$000 360:071$000 10:228:789$000
Fonte: Relatórios apresentados pelos presidentes da província do Rio Grande do Sul à Assembléia Provincial,
1850-1881, Biblioteca Nacional, RJ.
Nota: * 1º semestre; ** Termo meio dos três últimos anos; valores expressos em $réis.
As tabelas 1 e 2 permitem fazer uma aproximação quantitativa referentemente às
importações realizadas pelas alfândegas do rio Uruguai, vindas do Rio da Prata. Na Tabela 2,
pode-se perceber que Uruguaiana algumas vezes perdeu em valores de comercialização para
Itaqui, o que provavelmente ocorria em razão da quantidade de erva-mate produzida na
região, que era o principal produto de exportação gaúcha comercializado com o Rio da Prata.
A proximidade de Itaqui com a região missioneira talvez tenha sido um fator preponderante
para este aumento de exportações pelo porto dessa cidade, em detrimento de Uruguaiana. O
valor da erva também teve aumento por causa da guerra do Paraguai, a qual acarretou que a
“aproximação”
não fica melhor?
102
erva oriunda daquele país não viesse mais a ser exportada para a região do Prata em razão da
crise e da cessação do comércio com a região.
Deve-se notar que, comparando as tabelas 1 e 2, Uruguaiana possui o porto mais
movimentado e faz bem mais importações que exportações, fato ilustrado na Figura 8.
466:425$000
3:876:131$000
5:118:938$000
Itaqui
São Borja
Uruguaiana
Figura 8 : Participação do Porto de Uruguaiana nas exportações de mercadorias com o Rio da Prata em relação
aos portos de Itaqui, São Borja e Uruguaiana (1850-1881).
Nota: Os valores dos rótulos estão expressos em Réis.
Observa-se que especificamente o Porto de Uruguaiana possui 1:242:807$000 de
diferença em seu montante a mais levando-se em conta os valores que o porto de Itaqui,
segundo maior exportador (Fig. 8). Já, nas importações (Fig. 9), Uruguaiana apresenta um
valor muito superior ao de Itaqui, com uma diferença de 9:868:718$000, e maior ainda que o
de São Borja, chegando a somar 10:043:510$000 de diferença do total desse tipo de
transação.
103
185:279$000
360:071$000
10:228:789$000
Itaqui
São Borja
Uruguaiana
Figura 9 : Movimentação de importação do posto de Uruguaiana em relação aos portos de Itaqui e São Borja
(1850-1881).
Nota: Os valores estão expressos em $réis.
Uruguaiana importava mais produtos dos portos da região do Prata do que exportava
porque sua ligação por terra com as outras cidades do interior da província era mais fácil que
as das vilas de Itaqui e São Borja. Estas duas vilas tinham dificuldade de acesso por terra até
seu porto, em virtude, essencialmente, dos banhados que as circundavam, além de, quem
vinha do sul, para chegar a Itaqui, tinha de transpor o rio Ibicu í, de difícil travessia durante a
maior parte do ano por causa das cheias.
Pode-se ver a abrangência da distribuição dos produtos a partir da entrada nos portos
desta região de fronteira através da Figura 9, onde se vêem as demais cidades que eram
beneficiadas com a redistribuição das mercadorias após o seu desembarque pelas vias
terrestres, que mais tarde seriam secundárias em relação ao transporte ferroviário.
O rio da Prata e o rio Uruguai foram utilizados pelos comerciantes ingleses e franceses
para transportar mercadorias que adquiriam na região de Uruguaiana com fins de exportação,
ou para redistribuir produtos para esta mesma vila e para a região. Um exemplo de empresa
criada por estrangeiros em Uruguaiana a partir de 1858 foi a João Peró & Cia, fundada nesse
mesmo ano por Jayme Soler, de nacionalidade espanhola. Esta empresa teve vários sócio-
proprietários, todos pertencentes às famílias formadoras da primeira sociedade, estabelecida
104
entre os senhores Pablo Soler e José Majó. Após possuir outras razões sociais por causa da
alteração do quadro de sócios da empresa, passou, definitivamente, a se chamar João Peró &
Cia, a partir de 1895, quando seu quadro social contava com os senhores José Majó Sobrinho,
José Camara Canto Sobrinho e João Peró.
209
A empresa João Peró & Cia ocupava-se da importação e venda por atacado de
fazendas, secos e molhados, sendo o seu capital um dos mais elevados do estado. A firma era
a principal acionista da charqueada Barra do Quaraí, o único representante para venda de seus
produtos, que compreendiam, além do charque, couros e outros derivados da matança;
também vendiam sabão e velas da marca “Gladeador”, manufaturadas numa fábrica anexa à
charqueada e de boa aceitação dentro do estado, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.
210
Figura 10 : Irradiação dos portos de Uruguaiana, Itaqui e São Borja dentro da província do Rio Grande do Sul.
209
SOARES, Manuel Adolpho. Uruguaiana: um século de história... (1843 -1943). Porto Alegre: Oficinas
Gráficas da Livraria do Globo, 1942. p.187-188.
210
Ver em MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império
Brasileiro e a Argentina (1852-1889).
Alegrete
Santa Maria
Itaqui
São Borja
Cruz Alta
Passo Fundo
Cachoeira
Caçapava
S. Gabriel
S.
Tomé
Alvear
Restauración
Porto Alegre
S. J. Norte
Rio Grande
Montevidéu
Buenos Aires
Uruguaiana
Pelotas
Rota utilizada inicialmente por
contrabandistas.
Rota utilizada pelos tropeiros.
LEGENDA
Belen
105
Nota: Mapa feito a partir das conclusões tiradas de documentos do prof. Raul Pont sobre a rota das mercadorias
que vinham do Uruguai e da Argentina e dos registros de ofícios da Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana.
Essa ligação por terra que partia de Uruguaiana para as outras cidades do interior da
província foi desbravada e utilizada sobretudo pelos tropeiros, muladeiros, ou birivas que
cruzavam a região. As mulas eram trazidas da banda oriental e da Confederação Argentina,
em especial das regiões de Corrientes e Entre Rios, para as estâncias localizadas em
Uruguaiana, onde permaneciam durante algum tempo até que fosse possível formar uma
tropa, que tinha como destino outras regiões.
Para que os tropeiros se deslocassem com o gado, tornavam-se necessários os passes,
que eram autorizações de passagem de animais e de outros produtos, as quais deveriam ter
desenhadas as marcas dos animais
211
e a quantidade, a fim de que os fiscais pudessem conferir
a procedência, bem como o recolhimento do tributo. Isso não só ocorria entre os países
limítrofes, mas também entre as cidades da província.
Uruguaiana não possuía uma guarda rural encarregada do policiamento para coibir a
prática do comércio ilícito e, até mesmo, do roubo do gado que se dava fora dos limites
urbanos da vila. No entanto, pode-se constatar uma série de determinações feitas aos fiscais
da vila para que atuassem fiscalizando as compras e vendas de gado que se davam nas
estâncias.
212
A partir de 1849, Uruguaiana passou a ser sede da Alfândega. Antes disso, toda a
tramitação de mercadorias que passasse por esta região tinha de prestar contas para as “mesas
de rendas” de Itaqui e São Borja. O posto fiscal que havia no vau de Santana era o local da
cobrança desses impostos sobre os produtos que entravam ou saíam da região de Uruguaiana,
e a data de 1839 é referencial por ser demarcadora da presença de fiscais cobrando impostos.
Em 1849 Uruguaiana já tinha constituída a sua Câmara de Vereadores, que tinha a
preocupação com o desenvolvimento da vila, como se pode notar pelas primeiras medidas
tomadas, registradas no livro de atas e de correspondências de ofícios remetidos e recebidos
211
Ver LIVRO DE MARCAS E REGISTROS. Livro n° 1 de 1851 a 1875. Centro Cultural Dr. Pedro Marini:
Sala Raul Pont, Gav.6, Pasta 1, n° 1.2.
212
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul P ont.
106
pela Casa. Os distritos foram divididos em número de três; as ruas, largas, já tinham sido
demarcadas, o que dava a impressão de rápido desenvolvimento, que, se dependesse do
entusiasmo dos vereadores, seria apenas uma questão de tempo.
As determinações sobre como os fiscais deveriam agir eram feitas pelos vereadores
visando à arrecadação de impostos. Nos distritos, a Câmara nomeava um agente encarregado
para mediar essas transações, que, ao final de um determinado período, prestava contas à
mesa de arrecadação do município. Quando o fiscal encontrava alguma irregularidade,
imediatamente deveria comunicá-la à autoridade policial da vila, para que esta procedesse
dentro das normas que a lei previa, como se pode verificar por registros encontrados no livro
de correspondências da Câmara do período de 1849 a 1861.
213
Ilustrativamente, em uma
fiscalização executada pelo agente fiscal da corporação Antonio Pinto Cezimbra, foi
encontrado gado com marcas diferentes, que comprovou o roubo, ou mesmo a venda de gado
contrabandeado. O fato é assim relatado em uma correspondência:
Illm.º Exmo = O Agente Fiscal desta Corporação Antonio Pinto Cezimbra
encarregado de revisar as tropas introdusidas nos talhos desta V.ª tendo achado um
certo Numero de rézes de marcas alheias aos introductores, sem que estes
verificassem suficientemente a legalidade da sua acquisição, embargou o valor das
mencionadas rezes, em forma lhe prescrevião as suas instrucções. Esse valor
montante a 114$000 reis, e cuja origem será a V.Sª detalhadas pelo mencionado
Agente, por que asfim lhe ordena digo vai ser por este entregue a V.Sª por que assim
lhe ordena a Camara a fim de V.Sª ser devido mandar proceder como foi de direito,
213
“Instrucçoes por que se devem reger os fiscaes agentes nomeados pela Camara Municipal da Uruguayana
para os deferentes destrictos do seu Município.
Art.1º = não deixarão sahir dos seus Destrictos tropa alguma de gado cavallar ou vaccum sem serem por elles ou
seus Agentes registados, com assintencia de dous vezinhos que tambem assignarão os registos. Estes serão tres:
um que acompanhara a tropa, outro que será remitido a esta Camara para ser archivado, e o terceiro ficará
lançado em um quaderno que terão em seu poder os Fiscaes; e que será aberto, encerrado, e rubricado pelo V.º
presidente; o qual tambem deve ser assignado.
Art.2º = Não consentirão que saia gado algum, a não ser da propriedade do Vendedor, authorizado por carta de
ordem ou por declaração verbal do proprietario que estiver presente. Exceptuan-se a tropa que for de Touros,
novillos ou Egoas, sempre que o Vendedor seja suficientemente abonado para responder pelos sugeitos; e
fazendo-se decalaração ao pé delle: ficando entendido que o Fiscal ou Agente que permitir esta faculdade a quem
não estiver no caso, se responçabiliza por elle.
Art.3º = Qualquer Fiscal ou Agente por cujo Districto passar uma tropa e que indo examinal-la como é de seu
dever; achara que não foi registada, ou que o foi sem as formalidades n’esta exigidas; deverá refugar, e fazer
condusir pelo infractor o refugo á largar na querencia.
Art.4º = Ninguem poderá vender couros cavallares ou Vacuns, sem ser registados pelo Fiscal do Destricto, ou
seu Agente, e deverão ir acompanhados por tres registos, na mesma forma que se delibera para o gado no artigo
1º. Alem disso, cada couro virá contramarcado com a marca do Vendedor.
Art.5º = Os couros achados sem estas formalidades serão embargados e depositados, sendo immediatamente
parte o Fiscal a authoridade policial mais imediata para esta proceder na forma da Lei.
Art.6º = Qualquer agente ou Fiscal que não observar o disposto nos anteriores artigos, será demitido
immediatamente. [...] Villa de Uruguayana 18 de Janeiro de 1849.” URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila
de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana.
Arquivo Sala Raul Pont. p.6v. -7v.
107
no interece dos Fazendeiros proprietarios das citadas marcas. = [...] Uruguayana 16
de Janeiro de 1849.
214
Os tropeiros de mulas, como eram conhecidos nesta região os muladeiros, ou
simplesmente tropeiros, eram homens que preavam o gado, ou a mula, que os domavam e os
levavam para serem vendidos em outras cidades e regiões. Eles foram de extrema importância
para o desenvolvimento da fronteira da província. Também eram conhecidos por birivas,
nome atribuído aos tropeiros provenientes da região do Planalto Central e região de Cima da
Serra, onde eram muitos os matos de beribás, árvores típicas da região.
215
Os tropeiros que
levavam tropas de gado de uma praça para outra também muitas vezes transportavam os
produtos para serem revendidos em diferentes pontos da província e do Império.
Uruguaiana ligava-se por terra às demais cidades da região. Quando os tropeiros
vinham da Banda Oriental, entravam por Belén, do outro lado do rio Quaraí, e vinham pelo
Passo da Cruz; então entravam nos campos que hoje pertencem ao município de Uruguaiana;
seguiam-se pela coxilha dos Ventenas, em direção a leste, para chegar ao local denominado
hoje de Três Bocas, de onde rumavam para o norte como quem vai ao Plano Alto; cruzavam o
passo do Ipané e subiam a coxilha de Santa Rosa para evitar a cruza do Itapororó, quando
então chegavam à coxilha do Jacinto, que dividia as águas do Inhanduí e do Ibirapuitã, na vila
de Alegrete.
216
Daí eles rumavam para outras cidades, como Santa Maria, Passo Fundo, Cruz
Alta.
217
Era, portanto, muito mais fácil fazer o trajeto para o interior da província porque era
uma ligação segura por terra. Entre Uruguaiana e Itaqui, havia o rio Ibicuí, que, em épocas de
cheia, impossibilitava a travessia, tanto pelo volume de águas quanto pela distância de uma
margem à outra. Mesmo para São Borja a passagem era difícil, em razão dos diversos
banhadais que circundavam a cidade.
Até hoje, há no município de Alegrete a Rua das Tropas, que margeia o Ibirapuitã e é
um legado dos tropeiros que cruzavam por essa via. Em oficio dirigido à Câmara de
Vereadores de Uruguaiana, a Câmara de Alegrete solicitou o auxílio desta para conseguir
214
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-186 1). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.4.
215
Verificar PONT (1983), vol. 2, cap. VII.
216
O GUARANI, 1870 Arquivo Histórico do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Neste jornal
encontra-se o comentário da construção da estrada que seguiria por este trajeto.
217
Conforme PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul, p.231.
108
abrir uma nova estrada, que consistia em abrir os passos que estavam sob sua jurisdição. Veja-
se o documento mencionado:
O Senr. Vereador Sallasar tomando a palavra fez ver a Camara que tendo a
Camara de Alegrete a tempos officiado a esta sobre a abertura de novos Passos na
Estrada que communica estes municipios, chamando concurrencia desta para a parte
que lhe toca nessas aberturas se havia expedido diversos officios a vários moradores
dessa estrada proximas aos novos Passos, pedindo-se seus serviços como já tinhão
antes offerecido a Camara, mas que tendo um desses moradores o Senr. Ten. Cel.
JM. Guedes da Luz, apresentado certos motivos pelos quaes não podia corresponder
ao pedido da Camara, tornava-se necessário que o serviço preciso no Passo de
Inhanduhy fosse feito as espensas da Camara visto ser urgente a mudança de taes
Passos, tanto mais que a parte pertencente a Camara de Alegrete já estava senão
prompta ao menos em andamento: julgando-se objecto de discussão foi posta em
discussão a representação do Senr. Vereador Sallasar, e resolveo a Camara nomear
uma Commisão composta dos Senr.Vereadores Sallasar e Fonceca, para por si ou
por pessoas de sua confiança, reconheceremos trabalhos precisos nessa parte da
referida Estrada, fazendo logo o respectivo orçamento afim de o mais breve possível
apresentarem a Camara seu parecer a respeito e orçamento para inteirada Camara,
levar tudo ao conhecimento da Presidencia da Provincia e pedir de logo a necessaria
authorização para as despesas de taes obras. O Senr. Vereador Sallasar fez sentir a
Camara que segundo informação do Secretário e mesmo pelo que por si proprio
tinha reconhecido, achava-se o registro de concessão de terrenos em um estado tal
de faltas de lançamentos de varias concessões que tornara-se impossível ao
Secretário informar os requerimentos que sobre tal assumpto lhe erão apresentados;
a vista do que pedia uma medida nosentido de sanarem-se essas faltas e que
lembrava a Camara a ella por meio de edital cha-mou todos os possuidores de
terrenos a apresentarem na Secretaria da Camara os respectivos titulos ou
documentos que lhes dá o direito a taes terrenos, afim de serem nova e regular-
mente feito esse registro, authorizando-se também a compra de um livro próprio
para esse mister: posto em discussão, foi a certa a indicação do Senr. Vereador
Sallasar, authorizando-se ao Secretario a compra de uma livro proprio, assim como
mandou a Camara que se a fixasse editaes com praso rasoavel para virem sendo
apresentados a registro os terrenos.
218
A estrada que partia de Santana Velha em direção à região denominada hoje de Três
Bocas, local de entroncamento com outra estrada que vinha do Passo da Cruz, foi alterada em
virtude da mudança da vila de Uruguaiana, em 1843, pois ficava fora de rota. Assim, em 26
de junho de 1867 a Câmara de Uruguaiana, juntamente com a de Alegrete, designou um novo
traçado para a estrada, com o que o trajeto entre Uruguaiana e Alegrete ficaria menor,
facilitando o transporte das mercadorias para o interior da província.
A vila de Uruguaiana foi criada segundo um padrão totalmente diferente daquele das
demais povoações da fronteira que já haviam sido elevadas à categoria de vila. Apresentava ,
por exemplo, ruas largas, parecendo já estar preparada para o crescimento. Sobre ocupação de
espaços econômicos analise-se o que dizem de Moraes & Costa:
218
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1857-1861). Acervo do Centro
Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala do Arquivo Histórico. p.04-04v.
109
Ninguém levantará dúvidas à afirmação de que as formas espaciais criadas por uma
sociedade exprimem o condicionamento da estrutura econômica que ali domina.
Entretanto, se esse processo possui uma realidade específica em cada modo de
produção, por outro lado ele expressa uma universalidade. Em qualquer época e em
qualquer lugar, a sociedade, em sua própria existência, valoriza o espaço.
219
Desde o posto fiscal que originou a cidade, já havia a intenção de estabelecer uma
grande rota de comércio, gerado pela entrada e saída de mercadorias para as regiões da Bacia
do Prata. Pode-se, assim, notar que, quando a vila de Uruguaiana mudou de lugar por causa da
grande enchente de 1842, em seu novo espaço, ela já foi estruturada prevendo o crescimento
do comércio, do transporte de mercadorias via fluvial, tanto para Buenos Aires como para
Montevidéu e, também, para o centro do Brasil e outros países da Europa.
Uruguaiana situa-se em um ponto de fundamental importância para as arrecadações
provenientes de impostos, bem como para a proteção da fronteira de uma possível invasão ou
apropriação de terras por parte dos países vizinhos. A vila iniciou seu comércio internacional
legal nos primeiros anos de sua existência, em 1850, isto é, quatro anos após sua instalação,
quando já exportava para o exterior mercadorias que representavam valores significativos no
total das exportações da província. Embora com pequenas oscilações, o comércio de
Uruguaiana seguiu em escala ascendente o seu processo de crescimento. As exportações eram
de produtos derivados da indústria pastoril e destinavam-se para a República Oriental do
Uruguai, Argentina, Alemanha, França, Chile, Cuba, Bélgica, Inglaterra, além das praças
nacionais, tais como o Rio de Janeiro, Pernambuco e outros.
219
FLÔRES, João Rodolpho Amaral. A vila de São Borja (1834-1887) numa conjuntura de transição: história
sócio-econômica e geopolítica. Canoas: Unisinos, 1996. Dissertação (Mestrado em História) Centro de
Ciências Humanas, Universidade do Vale do rio dos Sinos, 1996. p.113.
110
Tabela 3 - Quantidade de navios que atracaram no Porto de Uruguaiana entre
os anos de 1850 e 1858 com seus respectivos volumes
Entradas Saídas
Ano
Nº de Navios Toneladas Nº de Navios Toneladas
1850/51 - - - -
1851/52 90 296 70 326
1852/53 - - - -
1853/54 - - - -
1854/55 188 826 45 236
1855/56 320 2.200 99 530
1856/57* 268 1.347 107 466
1857/58 401 2.381 ½ 401 2.936 ½
Fonte: Relatórios presidenciais do Rio Grande do Sul 1859.
Nota: * Neste exercício o total corresponde a nove meses do período financeiro.
Pode-se avaliar o crescimento de Uruguaiana, por estar localizada na fronteira com o
Uruguai e a Argentina e por ter em seus campos uma grande quantidade de gado solto,
“chimarrão”, herança das antigas reduções jesuíticas e fator de influência decisiva para uma
economia inicial voltada para o setor pecuário. Aí se encontravam, então, os estancieiros, que
detinham o poder político e econômico local, os quais, a partir de um dado momento, iriam
acompanhar o início do crescimento econômico e urbano em outra área que não a de sua
origem. Esse desenvolvimento foi muitas vezes conduzido pelos acontecimentos ocorridos
nos países que fazem parte da bacia do Rio da Prata.
O início desse crescimento econômico foi influenciado pela necessidade de exportação
de produtos que tivessem valor comercial para os países vizinhos e que pudessem ser
reexportados para a Europa. Portanto, a vila de Uruguaiana adaptava-se às condições externas,
de modo que os produtos importados comprados deveriam ser bens consumíveis de fácil
comercialização local ou no interior da província.
Quando aqui se refere o crescimento de uma localidade, está-se considerando o
desenvolvimento que vem associado à modernidade, o que, para a idéia “weberiana” de Diehl,
aqui refere
-
se
111
implica a “tendência à perda do sentido e da significação da cultura, o que é, em outras
palavras, a perda do poder de orientação da conduta de vida no processo histórico.”
220
Inicialmente, Uruguaiana tinha a economia voltada à pecuária extensiva, além de se
especializar no comércio de trânsito, pois sua produção, que era remetida para fora da cidade
com destino ao centro do país ou para as exportações, tinha como destino o porto de
Montevidéu, escoado pelo rio Uruguai. Mais tarde, esta navegação seria substituída pelas
estradas de ferro,
que desde logo tiveram o caráter de ferrovias de penetração, dirigindo-se
decididamente para a fronteira do Brasil, onde chegaram muito antes que o fizesse a
rede ferroviária brasileira. De fato, já em 1887, concluído o Ferro-Carril Noroeste
del Uruguay até Barra do Quaraí, e estabeleceria a famosa linha da BGS até
Uruguaiana (e Itaqui no ano seguinte), estas cidades ficaram diretamente ligadas a
Salto e a Montevidéu.
221
Como se pode verificar pela Figura 11, a movimentação de navios em Uruguaiana foi
muito intensa, sendo superior, inclusive, à do porto de Rio Grande durante todo o período
analisado. Mostra-se, assim, uma forte influência dos novos investimentos nos setores
pecuário e comercial nessa região, que levaram a que houvesse um salto na quantidade de
transações efetuadas com os países vizinhos, juntamente com a exportação da erva-mate, que
se comentará adiante. Destaca-se também que, entre 1852 e 1853, aumentaram relativamente
as importações pelo porto de Uruguaiana, coincidindo com a abertura da livre navegação do
rio Uruguai.
0,000
100.000,000
200.000,000
300.000,000
400.000,000
500.000,000
600.000,000
700.000,000
800.000,000
900.000,000
1850-51
1851-52
1852-53
1853-54
1854-55
1855-56
1856-57
1857-58
1858-59
1859-60
1860-61
1861-62
1863-64
1864-65
1865-66
1867-68
ANOS
VALORES
URUGUAIANA
RIO GRANDE
Fonte: Relatórios do presidente da província do Rio Grande do Sul à Assembléia Provincial, 1850-1870, RJ.
220
DIEHL, Astor Antônio. Max Weber e a história. Passo Fundo: Ediupf, 1996. (Ciência e história), p. 117.
221
FRANCO, Sérgio da Costa. Panorama sócio-cultural da fronteira Brasil-Argentina. Verso e Reverso, 1992.
p.32.
Uruguaiana tinha
da cidade
112
Figura 11: Dados comparativos das importações entre os portos de Uruguaiana e Rio Grande (1850-1868).Nota:
Os períodos entre 1862-63, 1866-67 e 1868-69 não possuem valores, por isso não aparecem na figura.
Observando que havia superioridade do volume de transações de importação efetuadas
em Uruguaiana se comparadas às do porto de Rio Grande, uma pergunta emerge: por que os
comerciantes preferiam comerciar com o Prata através do porto de Uruguaiana em detrimento
do porto de Rio Grande?
Arthur Ferreira Filho contribui esclarecendo que os comerciantes preferiam enviar
suas mercadorias pela via fluvial do rio Uruguai até a região do Prata pela facilidade de
navegação, pois o porto de Rio Grande, na época, apresentava vários problemas quanto à
navegabilidade, principalmente no atracamento dos navios. Isso ocorria porque a
profundidade ia gradativamente diminuindo em razão do acúmulo de bancos de areia no
fundo do canal, e as autoridades não tomavam as medidas cabíveis para resolver o
problema.
222
O porto de Rio Grande era o único porto da província que tinha ligação direta
com o oceano, no entanto, em 1800, a profundidade era de 4,40 m, tendo chegado a 3,60 m
em 1849, a 2,20m em 1860 e a apenas 2 metros em 1883.
223
Em 1869 foram desenvolvidas
algumas obras para tentar contornar o problema, como a construção do cais e, mais tarde, da
alfândega. No entanto, somente com o advento da República, em 1889, é que foram
resolvidas tais adversidades para a navegação por esse.
224
Retomando a discussão sobre a tentativa dos farroupilhas de tomar o porto de Rio
Grande com o auxílio de Rivera, vê-se a necessidade de os revolucionários rio-grandenses
fundarem um porto numa região farroupilha e que tivesse ligação pelo interior com Buenos
Aires e Montevidéu. Uruguaiana, portanto, apresentava-se como uma região estratégica para a
comercialização de produtos que manteriam a economia da República Farroupilha.
Outro motivo, dos citados, era o comércio de livre trânsito na região, através de várias
reembarcações, transbordos e permissões, por meio das quais se ia livremente aos territórios
vizinhos, o que acabava por facilitar, além dos transações lícitas, o comércio ilícito, o
contrabando. Um exemplo desses transbordos é a transposição do Salto Grande, entre
222
Ver FERREIRA FILHO, Arthur. A história do Rio Grande do Sul: 1503-1964. 3.ed. Rio de Janeiro: 1964.
223
FERREIRA FILHO, op. cit., p.130.
224
Verificar em URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869).
Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont.
excluir palavra
vírgual
“Retomando a
discussão”...
113
Concórdia e Federação, onde o rio praticamente se divide em dois: “um localizado acima ou
ao norte do Salto Grande e outro abaixo, ou ao Sul, na cidade de Concórdia.”
225
As
embarcações podiam atravessar esse trecho somente nas épocas de enchente do rio; na época
de seca, as mercadorias eram desembarcadas e seguiam por terra até Federação, onde era
reembarcadas. Isso tudo acontecia mesmo depois de o governo da Confederação Argentina
não mais permitir o transporte de mercadorias por trânsito terrestre.
Segundo Medrano, somente a partir de 1860 Federação e Concórdia liberaram o
trânsito livre por seu território, tendo sido abertos os portos destas cidades e isentados os
produtos da fiscalização. Ocorria, então, o envio via terrestre ou fluvial, a partir de Concórdia,
de mercadorias manufaturadas para a alfândega de Uruguaiana. No entanto, essas mercadorias
por vezes eram desembarcadas no porto de Restauração (Paso de los Libres), entrando, após,
ilegalmente no Brasil por algum passo, principalmente o de Santana, mais utilizado na
época.
226
Para esse tráfico acredita-se que eram utilizadas pequenas “chalanas”, que
facilmente atravessavam o rio transportando as mercadorias do porto de Restauração até
Uruguaiana.
Na Figura 12, vêem-se as balsas feitas de troncos de árvores extraídas da costa do rio
Uruguai, tanto no lado argentino como brasileiro. Como se observa, os troncos eram
colocados um ao lado do outro e atados com cordas ou cipós naturais da região, formando as
populares balsas de madeira, conduzidas por barcos, muitas vezes se beneficiando na época
das cheias, pois facilitava-se o transporte desses troncos destinados às cidades para serem
utilizados em construções, fabrico de móveis e outros.
225
MEDRANO, A livre navegação nos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império
Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.157.
226
MEDRANO, op. cit., p.159.
114
Fonte: Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala Raul Pont. RP 125.
Figura 12 : Balsas que atravessavam o rio Uruguai transportando madeiras. Sem identificação de ano, mas,
pelas outras fotos que se encontravam junto a esta, deve ser entre 1890 a 1905.
A presença de produtos de origem européia provenientes de ultramar pelos
portos de Montevidéu ou Buenos Aires, [...] revelam a importância destas fronteiras
para o comércio entre os dois países. Revelam outrossim, a dependência da
província gaúcha, com o porto de Buenos Aires, Montevidéu e os porto fluviais
intermediários, dos quais se destacam Concórdia, Federação e Restauração entre os
portos argentinos e o de Uruguaiana, no Brasil.
227
Uruguaiana configurou-se, a partir de 1850-70, numa zona comercial desenvolvida
que se transformou, concomitantemente, em fronteira-zona, não livre de tarifação
alfandegária, mas de livre navegação e grandes possibilidades de contrabando, o que reduzia o
custo das mercadorias para as outras cidades do interior da província. A livre navegação no
rio Uruguai acontecia sem empecilhos desde que os proprietários dos botes, canoas, chalanas
ou lanchas pagassem a licença à Câmara, bem como comunicassem ao fiscal o tipo de produto
que transportavam para que ele emitisse as referidas notas fiscais.
228
227
MEDRANO, A livre navegação nos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império
Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.175.
228
“§ 87º - Todos os botes, canoas, chalanas de boca abertas, e lanchas que andarem de aluguel ou afrete na
cabotagem do Rio Uruguay, de unos para outros portos do litoral da Provincia, seraõ numerados, e ninguem os
poderá navegar sem tirar todos os annos licença da Camara Municipal, pagando a taxa de 6$000 reis, e a
embarcaçaõ depositada até a satisfaçaõ da multa. Na mesma pena incorreraõ os que transportarem cargas sem
115
Ao mesmo tempo em que a Câmara cobrava uma eficiente fiscalização dos impostos,
os comerciantes e administradores faziam reclamações de alguns fiscais em virtude do
tratamento ríspido que haviam recebido ou por não fazerem “vistas grossas” quando
efetuavam suas inspeções, o que trazia certos desagrados até mesmo à Câmara.
229
A partir de 1859, foram tomadas medidas para assegurar a qualidade da erva-mate
produzida na província a fim de exportá-la em grande escala para os países vizinhos, grandes
consumidores do produto. No entanto, as praças mais ao sul, como Buenos Aires, não
consumiam a erva-mate gaúcha e, sim, a paraguaia. Mesmo assim, havia algumas empresas
em Porto Alegre, como a fábrica de Benjamin Martinez, que faziam a manufatura da erva-
mate e a exportavam para os portos portenhos.
230
A partir 19 de julho de 1869, por lei,
Uruguaiana, Rio Grande, Itaqui e Jaguarão passaram a ser os únicos portos responsáveis pela
exportação da erva-mate para fora da província. Porém, deveriam ter uma fiscalização que
verificasse a qualidade do produto que estava sendo exportado.
primeiramente participarem o Fiscal, para fazer as nesseçarias notas.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal
da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini,
Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.47.
229
“Illmo Exmo Snr. = Esta Camara respeitosamente leva perante V.Ex.ª a dezagradavel correspondencia havida
nos dias 9, 20 e 22 do corrente com Inspector d’Alfandega desta Villa = Por motivos bastante atendiveis
emittidos em officio desta Camara a Exma Presidencia da Provincia em 27 de Maio de 1857 e 10 de Julho do
mesmo anno, quando n’esta Alfandega a desenvolvia um empregado de fasenda entre mil absurdos fiscaes,
grandes violencias ao publico, aos quaes a Exma Presidencia de então callando-se sobre este respondera ao 1º em
data de 18 de Junho de 1857, fasendo nos crêr um mal entendido interesse de parte do Governo em sustentar com
sacrificio mesmo das instituições do Paiz, e garantias de propriedade individual taes empregados, se impede esta
Camara o mais restricto silencio e acentralidade em materias de Fiscalização.
Passada aquella epoca novos ad’ministradores vierão a esta Alfandega melhor o peor sucedidos nunca
tiverão a infeliz lembrança de insinuarem as autoridades que por dever os auxiliarão na policia e fiscalização das
rendas publicas. Assumio porem o actual ad’ministrador e em poucos dias se achou em conflicto com diversas
autoridades locaes, alem do dexespero em que tem posto as autoridades dos Estados Vezinhos e commercio, a
navegação e o pôvo em geral, a tudo isto esta Camara conservando-se silenciosa pelos motivos já expendidos
tractava apenas de desempenhar seu honroso cargo, sem se envolver em nada na marcha do ad’ministrador
d’Alfandega e fasenda nacional; recebendo porem officio do Inspector da Alfandega junto sob nº1 de 9 do
corrente, responder na forma do desta Camara de 20 do mesmo sob nº 2, devolvendo o Inspector este
acompanhado do de nº 3, e encontrando esta Camara reunida em Sessão e se tendo pedido urgencia para
responder a tão insolito e atrevido procedimento de aquelle empregado, resolveo responder lhe na forma do
officio sob nº 4 o que tudo se remette em proprios originaes para V.Ex.ª servir-se tomar conhecimento e julgar
quem quebrantou os devidos preceitos de civilidade e armonia, necessaria ás authoridades publicas.
Outro sim esta Camara participa a V.Ex.ª a resolução que tomou em sessão de hoje a não mais abrir
officios derigidos a ella pela actual ad’ministração desta Alfandega. Se por ventura no alto entender de V.Ex.ª
este procedimento digo este proceder é inconveniente as vistas do Governo Imperial e aos interesses da Fasenda
Publica, se servirá exclarecer-nos por que então de bom grado resignaremos o amuz que nos impõe o pôvo
actualmente opprimido pela ad’ministração d’Alfandega desta Villa. = [...] 22 de Julho de 1859.” In:
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.182v.-183v.
230
MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império
Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.201-202.
116
Demonstrativos das exportações de erva-mate feitas por Uruguaiana são os números
referentes a 1854-55, quando o total do Império foi de 857:000$000, do qual a alfândega
dessa cidade participou com 117:000$000, ou seja, a sétima parte; em 1859, o valor subiu
para 456:000$000; entre 1855 e 1860, Uruguaiana foi responsável pela terça parte do total de
exportação da erva-mate de todo o Império com destino ao Rio da Prata.
231
Na Tabela 4 constam os valores cobrados dos produtos para embarque no porto de
Uruguaiana, extraídos do jornal O Guarany de 1879.
Tabela 4 - Preços dos gêneros sujeitos a direito de exportação
Parte comercial Preços de Uruguaiana
Mercadorias Unidades Valores
Aguardente Litro 300
Assucar Branco Kilog. 500
“ Mascavo 400
Café em Grão 1,000
Caibros Metro 300
Charutos Cento 4,000
Cigarros Kilog. 5,000
Chifres de Boi Cento 2,000
Couros Seccos Kilog. 400
“ de Refugo 800
“ de Terneiros 200
“ Cavallares Um 2,000
Crina Kilog. 400
Farinha de Mandioca 300
Fummo em Rollo M.Q. 1,200
Herva Matte Kilog. 300
Lenha de Madeira 640
840
Pedras Lages Metros 600
“ Agathas Kilog. 060
Penna de Abestruz 4,000
Pipas Armadas e Abatidas Uma 2,000
Pranchóes M.Q. 2,800
Sal Commum Kilog. 70
Taboado M.Q. 1,300
Telhas Cento 8,000
Tijollos 1,600
Tiranetes de Madeira M.Q. 300
Fonte: Jornal O Guarany 19 de Janeiro de 1879. Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini. Sala do Arquivo
Histórico.
231
Ver mais sobre a história da erva-mate em LINHARES, Temístocles. História econômica do mate. Rio de
Janeiro: José Olímpio, 1959, p.130.
117
Nota: No rodapé do demonstrativo estava grafado: Alfandega de Uruguayana, 19 de janeiro de 1879. Prevaleça -
Sá Brito. Os escripturários Porhrio Joaquim de Macedo Filho. Olympio Carlos D'araujo Brusque.
A vila de Uruguaiana tinha sua área urbana muito reduzida, sendo delimitada, por um
lado, pelo rio Uruguai. Em seu entorno havia estâncias e fazendas que cuja principal fonte de
renda era a criação e o abate do gado vacum, que existia em abundância em toda fronteira
gaúcha, bem como era trazido constantemente pelos tropeiros de outras regiões do país e da
província.
Esse gado vacum e até mesmo o gado cavalar criado nas estâncias lindeiras à vila
chamavam a atenção dos bandidos e de estrangeiros, mais especificamente, dos países
vizinhos, que viam neste animal não só a carne, que se apresentava como um dos subprodutos
do gado vacum, mas, sobretudo, a graxa e o couro, os quais tinham um grande mercado, tanto
no Império quanto em outros países. Por esse motivo, a fiscalização também sempre teve o
cuidado de colocar dentro de suas normas a observância ao gado criado dentro do território
guarnecido, tanto que a maioria das leis desenvolvidas na fronteira ou para a fronteira dizia
respeito ao gado, su a criação e comercialização.
232
A fim de se verificar os dados referentes ao total deste tipo de comercialização entre os
portos de Uruguaiana e Rio Grande, analise-se a Figura 13.
232
“§ 131. Todos os fazendeiros e creadores de gado estabellecidos no Municipio, seraõ obrigados amandar
Registar na Camara, a marca de sua propiedade; os que naõ cumprirem esta disposiçaõ, trez mezes dipois da
publicaçaõ destas posturas, seraõ multados em 10$000 reis.
§ 135. Todo o fazendeiro em cujo campo se fizer tropa de corte ou de cria, deverá fazer um registo fiel de todas
as marcas que na tropa houverem, com assist encia da authoridade Policial mais proxima, ou seja Subdelegado,
Juiz de Paz, ou Inspector de Quarteiraõ assignado pello fazendeiro, e dous vesinhos, e rubricado pela authoridade
que assistir ao acto: este registo será feito em triplicata, sendo remitido hum ao archivo da Camara, outro
entregue ao conductor da Tropa e outro ficará em seu poder. O Fazendeiro que contravier incorrerá na multa de
30$000 reis, e na pena de oito, a quinze dias de cadêa.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de
Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana.
Arquivo Sala Raul Pont. p.54-55.
118
Fonte: Relatórios apresentados pelos presidentes da província do Rio Grande do Sul à Assembléia Provincial:
(1850-1870). Biblioteca Nacional, RJ.
Figura 13 : Dados comparativos das exportações realizadas pelos portos de Uruguaiana e Rio Grande.
A produção era voltada para a pecuária, principal fonte de renda, mas havia também
algumas chácaras, em especial as da Ilha Grande, que produziam cereais e leguminosas
233
,
porém de pouca relevância, visto que os cereais consumidos na vila de Uruguaiana vinham de
outras regiões da província ou do exterior. A partir de 1821, a Ilha Grande já estava habitada,
possuindo em 1858 uma população de 150 pessoas, que se dedicavam à agricultura e à venda
de lenha para a vila de Uruguaiana, fazendo o transporte através de carretas e pequenas
embarcações. Através das correspondências da Câmara, constata-se que habitavam a ilha
brasileiros e refugiados da Argentina (sem especificação de nacionalidade), a qual foi muito
utilizada durante a revolução na província, iniciada em 1835, para refúgio do gado das
estâncias próximas.
234
233
“Informações sobre os estabelecimentos Agricolas e colhetas de Cereais
Não existe n’este Municipio um só estabelecimento desta ordem, a não serem tres chacaras na Ilha
Grande que produzem; milho; feijão; e abobora para o consumo de seus danos. Todo o mantimento vendido
n’esta Praça vem dos Municipios de S.Borja e Itaqui ou de Corrientes. As plantações de cereais são em pequenas
proporções eleitas por alguns Senhores Fasendeiros apenas para consumo domestico; deixando de desenvolver
este ramo agricola por falta de consumo em fabricas e de transportes.
He quanto se pode informar a este respeito a Repartição da Statistica Provincial.” In: URUGUAIANA.
Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr.
Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.187-187v.
234
“3ª A Ilha Grande. Esta importante Ilha principia uma legua assima deste Porto, e se estende Uruguay assima
em ûa extenção de duas e meia leguas. Está completamente habitada por brasileiros agricultores e industriosos, e
alguns refugiados da Confederação Argentina. Sua população é calculada em 150 almas. Suas produções são
madeira e lenha, com que forma a esta Villa, e alguns productos de agricultura. Instabilidade e falta de
segurança, que receião continuamente os seus habitantes os tem privado de fazerem propriedades de importancia
0,000
100.000,000
200.000,000
300.000,000
400.000,000
500.000,000
600.000,000
700.000,000
1850-51
1851-52
1852-53
1853-54
1854-55
1855-56
1856-57
1857-58
1858-59
1859-60
1860-61
1861-62
1862-63
1863-64
1864-65
1865-66
1866-67
1867-68
1868-69
Anos
Valores
URUGUAIANA
RIO GRANDE
N
ossa? Substitua
por “A”
119
As preocupações por parte da Câmara com a Ilha Grande tinham como principal
motivo a segurança, pela facilidade da prática do contrabando, em razão da sua proximidade
com a vila e da fácil travessia para esta, bem como para a ilha de Japejú, um pouco mais
acima no rio Uruguai. Por essa razão, em 1858, a Câmara sugeriu ao presidente da província
que retirasse os moradores instalados na ilha e os substituísse por colonizadores imigrantes,
que explorassem seus bens naturais, como a terra fértil, alavancando a produção agrícola,
pouco expressiva até então.
235
Ainda verificando as correspondências da Câmara da vila, constata-se a preocupação
com a comercialização efetuada entre a ilha e os comerciantes de Uruguaiana, sendo
fundamental, na visão daquela, a arrecadação de impostos sobre esse tipo de transação.Veja-
se o documento:
Illm.º Senr. Alem dos interesses das rendas desta Câmara, vou importunar a
V.S.ª rogando-lhe não desimpedir as embarcações que sahir com negocio para
vender-se nas Ilhas ou em qualquer ponto deste município, assim como as carretas
em idêntico caso, sem que representem o conhecimento de ter satisfeito os impostos
Municipaes. Espero que V.S.ª tomará em attencção este meu pedido, certo de que,
também me achará prompto para coadjulo no que por V.S.ª for exigido. [...] 1º de
Julho de 1864. Illm.º Senr. Ant.º Tello Bastos Junior. M. D. Inspector d`Alfândega
desta Villa. O presidente Bento Martins de Meneses.
236
A vila de Uruguaiana apresentava um sistema econômico que compreendia um
conjunto de organizações sociais, cuja finalidade era de facilitar a produção e a distribuição de
bens econômicos. Essas organizações eram instituições jurídicas e sociais, entre as quais a
ahi. Referirei agora algumas tradições antigas relativas à esta Ilha. Consta que em 1821, por pessoas dessa época,
tomarão posse da Ilha 3 Brazileiros um de nome João Ignacio Ilha, nactural de Porto Alegre, um tal Camara de
Santa Catharina, e que pertencera ao regimento da Ilha, e outro que não lembramos o nome [...]Durante a
revolução desta Provincia em 1838 entenderão Mathias de Vargas, Manoel Joaquim Picanha, e Antonio Ferreira
que devião refugiar parte de seos gados n’esta Ilha onde se estabelecerão e fiserão bons ranchos e corraes; tendo
Mathias de Vargas feito uma pequena casa de tijollo e telha que fes condusir do Povo de Japejú..” In:
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.159-161.
235
“Tanto esta como a Ilha Grande estão mais sobre a Costa do Brasil de que sobre a de Correntes. A Camara
prevalece-se desta oportunidade para indicar ao Governo provincial e ao Geral, por entermedio de V.Ex.ª a
conveniencia de serem concedidos para estas 2 Ilhas Colonias agricolas não só para garantir o direito de posse
como pelo melhoramento que traria a necessidade de viveres de que constantemente se recente esta parte da
Provincia pela escaces de braços no desenvolvimento da lavora. Os habitantes destas Ilhas limitão suas
plantações pela falta de estabilidade e segurança o que se removeria se fossem devididas por collonos, que
tratarião de enraizar a segurança e direito de suas propriedades.” In: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila
de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana.
Arquivo Sala Raul Pont.
236
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.72v.
120
Câmara de Vereadores, responsável por legislar em questões relativas à economia da vila e ao
bem-estar da população.
Conforme a vila crescia, surgiam novas necessidades, como foi a criação do Fórum
municipal, já que era difícil levar réus e testemunhas desta localidade até Alegrete, que era
sede da comarca, como se depreende da seguinte correspondência:
6 Illmo Exmo Snr. = A Camara Municipal desta Villa convencida ser do
seu dever promover o milhoramento do seu Municipio, e bem estar de seu
Moradores, resolveu representar a V.Ex.ª a nessecidade de criar no mesmo um
Conselho de Jurados, visto que possam de sufficiente numero de Cidadaos
qualificados, e mesmo ter dado este Municipio 129 Jurados qualificados; numero
este mais que sufficiente para a formação de um Conselho de Jurados conforme a
doutrina do art.º 223 do Regulamento Av. 120 de 31 de Janeiro de 1842. Alem
d’esta razão acresce o incomodo que soffrem os Juizes de Facto em serem obrigados
a concorrerem a Villa do Alegrete para as reunioes do Juri, remeças de prezos, para
ali serem julgados comparecim.
to
das testemunhas; e serem os Escrivaes obrigados a
irem a correição condusindo seus Cartorios em tão longa distancia e com notavel
detrim
to
da administração da justiça; por quanto não existindo criado o Conselho de
Jurados n’este Termo de julgado e não estando elle em caminho por onde tenha de
passar o Juiz de Dereito da Comarca para correr os Termos d’ella, em conformidade
do disposto nos art.º 202 e 204 do citado Regulamento não abre aqui correição. Em
vista d’estas razoes e da solicitude com que V.Ex.ª promove o milhoramento d’esta
Provincia, esta Camara espera que se dignará criar n’este Municipio um termo
Judiciario com Conselho de Jurados. = [...] Villa Uruguayana em Sessão Ordinaria
de 25 de Janeiro de 1850.
237
O sistema econômico de Uruguaiana dependia dos seus elementos estruturais, como as
instituições criadas para regulamentar o comércio local, sendo encarregadas do conjunto de
leis, regulamentos, normas, resoluções, instruções, portarias e avisos disciplinadores e
norteadores das relações econômicas dentro da sociedade local da vila, formada por
brasileiros e estrangeiros. Segundo Souza, “o desenvolvimento econômico deriva da expansão
contínua do produto real de uma economia, implicando mudanças estruturais e melhorias do
bem-estar da população, medido por indicadores econômicos e sociais.”
238
A ocupação dos espaços econômicos na vila foi estruturada por estrangeiros, que se
aproveitavam da pouca fiscalização oferecida em toda a fronteira. Esses estrangeiros, num
primeiro plano, eram comerciantes informais que não contribuíam com os impostos para o
setor público, prejudicando, assim, a arrecadação local e concentrando o capital nas mãos de
237
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.48-48v.
238
SOUZA, Nali de Jesus de. Curso de economia. São Paulo: Atlas, 2000. p.329.
Excluir palavras.
121
quem já o tinha. Somente mais tarde, esses comerciantes iriam se estabelecer com suas casas
comerciais no recinto da vila. Assim, confirma-se o que diz Rogério Haesbaert da Costa:
A Campanha é também uma periferia de crescimento lento, mas subordinada
aqui a um núcleo capitalista não apenas irradiador como também concentrador,
representado à escala estadual por Porto Alegre, e inserida na divisão territorial do
trabalho definida pelo modo de produção dominante. Assim, numa abordagem
teórica de base materialista dialética, a região passa a ser concebida como produto
da desigualdade sócio-espacial intrínseca ao desenvolvimento desigual e combinado
do capitalismo.
239
A economia de Uruguaiana estava voltada, primordialmente, à pecuária, ou seja, à
criação de gado, com a indústria do charque, a criação de ovinos para extração da lã e outros
derivados. Comprovando o predomínio desse tipo de atividade, veja-se o apelo feito pela
Câmara Municipal ao Império, em correspondência enviada em 9 de março de 1850:
Augustos e Dignissimos Senhores Representantes da Nação.
A Camara Municipal da Villa de Uruguayana da Provincia de S.Pedro do Rilgrande
do Sul conscia de seus deveres; não pode deixar approveitar o favoravel ensejo de se
achar reunida a Representação Nacional para ante ella respeitosamente impetrar
proficuo remedio ao actual estado da decadente industria de seu Municipio e de toda
a Provincia que a não ser protegida pela alta sabedoria dos escolhidos da Nação por
medidas que tendão a extirpar o mal antes que tome um caracter cronico e incuravel,
ver-se-há definhada e acarretará por sem duvida após de si todas as calamidades que
urge evitar à classe laboriosa. Ninguem há que ignore, Augustos Senhores
Representantes da Nação, o ramo principal de industria desta Provincia consta do
fabrico do charque, que forma com os couros o mais pingeu ramo de sua exportação;
e sendo identica a industria de commercio de Montevideu e Buenos Ayres, a que
temos dous rivaes, com quem a Provincia não tem podido competir por
circunstancias que cumpre elucidar. Offerecendo o Brazil apenas trez grandes
mercados na actualidade para a venda das carnes, acontece que as fabricadas n'esta
Provincia tem pouca extracção em comcurrencia com as daquelles paizes, sendo a
mor parte das vezes vendida por preços tão mesquinhos que não cobrem a despeza
da produção, não só pela barateza do gado em pé como pela diminuição do imposto
do Sal que entra n'essa fabrica das Carnes estrangeiras, e outras circunstancias que
se conttem por enfadonhas - Dos ingentes prejuizos que tem soffrido, e ainda
soffrem o commercio d'esta Provincia nas vendas dos charques, tem-se resentido por
tal modo a industria d'ella que os seus definhamento tem tocado ao ultimo extremo
de decadencia; e para obviar este grande mal, esta Camara ousa indicar duas
medidas que lhe parecem afficazes, que vem a ser, diminuição; se não a extinção do
imposto do Sal nas Alfandegas, e o acrescimo na imposição sobre as carnes
salgadas, ou charque estrangeiro, não só quanto as importadas de fora do Império,
como as que descem do Estado Oriental pela Lagoa Mirim, que pela Lei nº 369 de
18 de Setembro de 1846 forão nacionalizadas e por conseguinte isentas do imposto
geral como genero estrangeiro. São tão obvias as vantagens que se devem das
medidas indicadas e levando-se o importe sobre o charque estrangeiro e diminuindo
o lançado sobre o Sal no Império, que esta Camara se abstem de entrar em maior
desemvolvimento sobre a materia. Augustos e Dignissimos Senhores Representantes
da Nação a vossa consumada sobedoria, acrisolado patriotismo, practica dos
publicos negocios suprirá o que n'esta humilde representação falta, e esta Camara
Municipal cheia de confiança, espera providencias consentanias com o
239
COSTA, RS: latifúndio e identidade regional, p.18.
Altere.
se tinha
122
milhoramento industrial d'este belo torrão, sendo uma das preciozas estrellas do
Imperio de Santa Cruz, por seus heroicos sacrificios em prol da integridade do
Imperio, merece por sem duvida que a Representação da Nação cure de sua
prosperidade e engrandecimento. Paço da Camara Municipal da Villa de
Uruguayana 9 de março de 1850 = assignarão os Vereadores Manoel Doria da Luz =
Caetano de Mello = Zeferino Nolasco Rodrigues Paz = Luis Pereira da Silva =
Antonio Jose de Azevedo Castro = Francisco Carvalho.
240
O sal era um produto de fundamental importância no fabrico e na conservação dos
produtos de origem animal. Este produto era importado da Europa pelo porto de Montevidéu
e, para chegar a Uruguaiana, passava por duas alfândegas, o que encarecia o seu preço final
para os charqueadores. Segundo Raul Pont, o sal era importado especialmente de “[...]
CADIS, na Espanha e SETÚBAL, em Portugal. O produto importado ficava por preço muito
alto, o que levou os charqueadores platino a buscá-lo na Patagônia. Embora a qualidade
inferior, era entretanto obtido a preço baixo e condições mais vantajosas.”
241
Além da taxação
do sal, o gado em pé vendido no lado do uruguaio e argentino era mais barato que no lado
brasileiro.
Uruguaiana não possuía uma indústria propriamente dita de charque, mas apresentava
uma produção nas estâncias estabelecidas ao redor do perímetro urbano e no interior do
município. Essa produção seria voltada para o consumo interno da vila, visto que o charque
mais comumente comercializado na região era proveniente da Argentina, mais
especificamente da província de Corrientes, como se constata por alguns registros da Câmara:
Illmo Snr = Arrematante das Rendas Municipaes Manoel Marques Vianna
requer a esta Camara que se achando esacto na cobrança da carne fresca que vem do
lado de corrientes, na conformidade da Lei Provincial, por ordem que dizem os
guardas e guarda do porto terem de V.S.ª, e que maior parte dizem ser charques,
porem que não hé mais que carne fresca aberta do outro lado para se evadirem do
citado imposto, e sendo de grave perjuizo ao arrematante semilhante embaraço,
precisa esta Camara que V.S.ª se digne dizer-lhe o que há a respeito para bem do
serviço Municipal. = [...] Villa de Uruguayana 9 de Novembro de 1850.
242
A inexpressiva produção de charque de Uruguaiana, pelo menos nos anos iniciais de
sua fundação, pode ser percebida pela inexistência nas Posturas da Câmara de menção ao
produto.
240
Reivindicações da Câmara da Villa de Uruguayana ao Parlamento Nacional. Arquivo Histórico do Centro
Cultural Dr. Pedro Marini. Dossiê 01 / Doc. 17.
241
PONT, Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul, p.356.
242
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.63-63v.
123
Além das taxações do sal e do preço do gado, havia o contrabando tanto do gado em
pé, quanto do charque, couro, sebo, crinas e outros produtos, prática constante tanto pela
fronteira do lado uruguaio quanto pelo lado argentino, ambos através do rio Uruguai.
Evidencia-se claramente este problema por uma manifestação dos vereadores de Uruguaiana
quando relataram que eram mínimas as importações de charque proveniente dessa região de
fronteira.
Illmo Snr. = Sendo um dever desta Camara velar pelos milhoramentos e bem
estar dos seus Municipes, e sendo um delles, nada menos, que a primeira
necessidade da população, o ramo da carne fresca que vem do lado de Corrientes, da
qual V.S.ª cobra um direito exorbitante, tornando-se assim em mais apuro a carestia
della, e a que a Carniceiros ponhão o preço que querem a seu bel capricho; parece
sem duvida estranho este direito, em vista das explicaçoes que anteriormente deu a
Thezouraria da Fazenda ao Exmo Snr. presidente da Provincia em 20 de Dezembro
de 1850, cuja copia authentica vai junta para que V.S.ª veja que as carnes frescas, as
salgadas ou intituladas charques que vierem de Corrientes não estão sugeitas a
imposição alguma: e nem o devião estar, mesmo outras batelas, como raiz de
mandioca, milho em espiga, quejos, batata, cousas insignificantes, que privão essa
pequena concurrencia a este mercado; e que de recente mesmo se acaso é Lei, de
não estar em uso, tornando -se tanto por isto, como por outros insidentes, pouco
communicado este lugar com o paiz vezinho, cuja reciprocidade commercial se
estranha hoje. Em consequencia pois de V.S.ª julgar que deve continuar esse direito
da Carne fresca que vier do lado de Corrientes para consumo publico, em tão esta
Camara o levará ao conhecimento do Exm.º Snr presidente da Provincia para que se
digne a este respeito providenciar medidas consentaneas com o bem publico. = [...]
14 de Janeiro de 1853.
243
Dessa forma, percebe-se que uma preocupação constante da Câmara era a relação que
estava sendo imposta pelo presidente da província com Corrientes, já que o imposto sobre a
importação da carne fresca ou do charque não deveria ser cobrado, assim como de outros
produtos alimentícios. Contudo, o fiscal da vila taxava-o com valor muito alto, justamente por
não haver tabela que limitasse um valor máximo a ser cobrado na revenda para o consumidor.
Assim, a Câmara viu-se obrigada a reclamar desse problema, visto que poderia gerar diversos
outros, como o contrabando do produto por preços muito mais acessíveis, o que baixaria seu
custo e elevaria seu consumo.
Os saladeiros começaram a ter maior força a partir do bloqueio francês ao porto de
Buenos Aires, entre 1838 e 1839, quando as atividades saladeiris naquela região foram
paralisadas. O fato que provocou a abertura de uma grande quantidade de saladeiros na
fronteira do Brasil, especialmente com o Estado Oriental, como se verá posteriormente, em
243
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.92v.
124
Quaraí, Santana do Livramento, Barra do Quaraí (então pertencente a Uruguaiana).
Conseqüentemente, a criação de gado vacum foi alavancada, atraindo várias tropeadas para a
região.’
Neste ponto do trabalho, é de fundamental importância, para que se tenha uma idéia
dos valores que circulavam na vila de Uruguaiana, saber como estavam organizadas as contas
da Câmara Municipal, principal órgão da vila, e como eram geridas suas finanças durante um
período inicial de dezoito anos. Esse período foi fixado em razão de não haver fontes
indicando as receitas e despesas da vila a partir de 1865, ano da invasão paraguaia a
Uruguaiana, até 1884, quando recomeçaram os registros das contas municipais.
244
Em 11 de janeiro de 1858, a Câmara Municipal da vila de Uruguaiana encaminhou à
Assembléia Legislativa provincial as necessidades mais urgentes do município. Entre essas
estavam as obras públicas, como a cadeia, a matriz da vila, o prédio da Câmara de
Vereadores, melhoramentos no porto, as pontes dos passos, melhorias nas estradas, a
necessidade de escola de instrução que servisse ao sexo masculino, o mercado público e
rendas municipais.
Em relação ao ensino no município, verificou-se que, em 1854, Uruguaiana tinha duas
escolas, uma pública e outra particular. No entanto, a Câmara, pelo que indica um trecho do
relatório enviado ao presidente da província, não aprovava o ensino que estava sendo
desenvolvido, pois não havia nenhuma metodologia que guiasse a obtenção de grau pelos
alunos e suas respectivas habilitações. Por isso, a Câmara solicitava que houvesse melhores
condições de “fiscalização” dos exames.
245
244
Abrimos uma nota neste trecho para esclarecer que a invasão paraguaia durou apenas alguns meses, e o
motivo por não haver fontes até o ano de 1884 provavelmente, foi o extravio das mesmas pela Câmara de
Uruguaiana, que não repassou ao Centro Cultural Dr. Pedro Marini tais livros nem os possui em seus arquivos.
245
“6º Existe nesta Villa duas aulas uma publica e outra particular que ambas são requintadas no adiantamento
dos alumnos e puramente desconhecido desta Camara por que não fasendo dos alumnos exame annual não pode
conhecer quaes seos adiantamentos, menos os internos por que são regulados essa aulas, seria pois para desejar
que uma lei especial determinasse os exames marcando suas epocas regulando seos deferentes termos e quem
seria asistir como examinadores dessas aulas assim como que a mostra dos alunos fosse feito perante a Camara
por que assim serião as informaçoes mais exatas e não se atestaria muitas vezes o que não existe, por que pode
dar-se casos de existirem matriculados tão somente na L.º de Matricula como para fazer numero a que não teria
lugar se esta fosse feita pela mesma dita. Consta tambem de menores o qual é bastante frequentada a mais quanto
a seos adiantamentos sestima de insigne tambem é desconhecido por esta Camara.” Para ver correspondência
completa: URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861).
Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.118v.-120v.
que se tenha
125
Dentre outras solicitações feitas pela Câmara de Uruguaiana, chama a atenção a das
rendas públicas. Neste quesito, afirmava-se que, apesar do grande desenvolvimento no
comércio, as rendas não haviam tido o crescimento esperado. Essa estagnação na arrecadação
teria como motivo o fato de a Câmara ter deixado de funcionar durante algum tempo no ano
de 1854, quando houvera extravio de vários documentos. Além disso, o procurador da Casa
não prestara contas dos impostos recolhidos, prejudicando, assim, a contabilidade e a
escrituração das rendas.
Acerca dessas últimas denúncias, observou-se casos de afastamento de funcionários da
Câmara de Vereadores da vila por motivo de corrupção, desvio de verba pública, calúnia,
difamação, etc. Assim, vê-se que a Câmara passava muitas vezes por turbulências que
tumultuavam o andamento dos seus trabalhos, gerando a indignação de vereadores. Por isso,
eles não poupavam palavras para denunciar os contraventores perante o presidente da
província através dos ofícios que eram enviados à capital.
Exemplificativamente, no período de 1860 a 1861, a Câmara Municipal de Uruguaiana
encontrou irregularidades nas contas apresentadas pelo seu procurador, o que dificultou as
arrecadações dos impostos municipais. Consta que os talões dos recibos haviam ficado em
branco e o fiscal responsável pela cobrança desaparecera , não prestando perante a Câmara. O
fato gerou uma celeuma entre os seus membros, que o levaram ao conhecimento do presidente
da província e da Assembléia, para comprovar a inexatidão em suas receitas e despesas.
Pelos levantamentos realizados nesta pesquisa, constataram-se divergências entre o
que foi encontrado no Livro de Estatística de 1926, apresentado ao então intendente do
município, João Baptista Arregui, e as contas lavradas nos livros de registros de receitas e
despesas da Câmara Municipal de Uruguaiana. Comparando ambos os registros, verificam-se
as discrepâncias.
A partir do levantamento feito nos livros de receitas e despesas da Câmara Municipal,
também se constatou que, em 1847, a arrecadação fora muito baixa, com apenas Rs.
4:997$107; dez anos depois, subiu significativamente para 14:815$788, e assim seguiu em
escala ascendente, tanto nas receitas quanto nas despesas, estas últimas sempre muito altas em
relação aos ganhos.
126
Para uma melhor visualização das alterações ocorridas nas arrecadações e nos gastos
do município, separaram-se as contas por períodos de cinco anos a fim de facilitar a sua
interpretação. Nas figuras 14 e 15 constam, entre 1847 e 1852. A Figura 14 mostra as receitas
e despesas levantadas pelo chefe de estatística de Cachoeira em visita a Uruguaiana em 1926;
já a Figura 15 é o resultado do levantamento atual tomando por base os livros de receitas e
despesas da Câmara Municipal.
0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 8.000
1847-1848
1848-1849
1850
1851
1852
Livro de Estatística de 1926
DESPESA
RECEITA
Fonte: ALBUQUERQUE, Relatório de estatística apresentado ao Coronel João Baptista Arregui (intendente
municipal) em 25 de julho de 1926.
Figura 14 : Receita e despesa geral do município de Uruguaiana conforme o Livro de Estatística de 1926.
0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000
1847-48
1848-49
1849-50
1850-51
1851-52
DESPESA
RECEITA
Fonte: Livro de Receitas e Depesas da Villa de Uruguayana. Arquivo Histórico do Centro Cultural Dr. Pedro
Marini. C.M. 44 1847 a 1856 L.C.
Figura 15 : Receita e despesa da Vila de Uruguaiana conforme o Livro de Receitas e Despesas de 1847-1856.
Excluir palavra
127
Como se pode observar nas figuras, a principal diferença encontrada nos valores é a
quantia de receita arrecadada pelo município. Na Figura 14, segundo o relatório de estatística,
os valores são, em geral, muito mais altos que os recolhidos através da pesquisa e análise das
fontes primárias. Esclarece-se que não se conseguiu chegar à soma apresentada nos relatórios
nos primeiros anos da fundação da vila de Uruguaiana.
No livro de estatística não há a descrição das fontes utilizadas pelo responsável pela
organização dos livros, razão pela qual não se sabe se foram os mesmo livros postos à
disposição do chefe em estatística no ano de 1926, quando foi feito tal estudo. Acredita-se, no
entanto, que os livros existentes sobre receitas e despesas da Câmara não contenham o total
das arrecadações do município, mas somente alguns valores referentes às letras cobradas
pelos fiscais e arrematantes.
0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000
1853
1853-1854
1854-1855
1855-1856
1856-1857
DESPESA
RECEITA
Fonte ALBUQUERQUE, Relatório de estatística apresentado ao Coronel João Baptista Arregui (intendente
municipal) em 25 de julho de 1926.
Figura 16 : Receita e despesa geral do município de Uruguaiana conforme o Livro de Estatística de 1926.
128
0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000
1852-53
1853-54
1854-55
1855-56
1856-57
DESPESA
RECEITA
Fonte: Livro de Receitas e Depesas da Villa de Uruguayana. Arquivo Histórico do Centro Cultural Dr. Pedro
Marini. C.M. 44 1847 a 1856 L.C.
Figura 17 : Receita e despesa da Vila de Uruguaiana conforme o Livro de Receitas e Despesas de 1847-1856.
Com base nas duas figuras, verifica-se que a diferença entre as receitas aumenta ainda
mais, provavelmente porque o estatístico, para chegar ao valor total da receita do município,
somou aos valores arrecadados o saldo anterior da receita, o que elevou o valor, como pode
ser visto na Figura 16. O valor constante na Figura 17 representa apenas o que foi arrecadado
e que consta no livro de receitas e despesas da Câmara, apresentando, portanto, o valo r bruto
recolhido dentro do período em análise.
É importante ressaltar, mais uma vez, que a divergência entre as fontes pode ser
também resultado de uma análise de documentos que se referenciavam a coisas diferentes,
mas que, no entanto, possuíam o mesmo cabeçalho, pois não é provável que fossem
apresentados ao presidente da província documentos que expressassem valores diferentes
daqueles que a Câmara realmente arrecadara, já que esta necessitava de ajuda do governo
provincial e algumas vezes passava por inspeções financeiras.
As principais fontes de receita da Câmara na época, que estão registradas no livro de
receitas e despesas, eram a cobrança das letras do município e pagamentos de multas diversas
por transgressão de alguma das posturas ou lei provincial. Essas letras não eram, senão, os
impostos dos munícipes, que eram pagos aos arrematantes dos distritos ou fiscais
responsáveis pela cobrança e cujos valores posteriormente eram repassados à Câmara, onde se
129
fazia a conferência final dos valores em relação à prospecção do último exercício e tomando
como base os recibos emitidos pelos cobradores. Após essa conferência, os valores eram
levados até o cofre da Câmara, que permanecia, em certa época, na própria casa das sessões e,
posteriormente, foi transferido para o prédio da alfândega no porto.
Não se pode esquecer que a cadeia pública ficava sob responsabilidade da Câmara,
que definia tudo quanto fosse necessário para o seu bom funcionamento. Por essa razão, a
Câmara despendia alguns gastos com o prédio, como o aluguel, e todos os objetos e materiais
que fossem necessários para suas instalações. O prédio da Câmara também era alugado, assim
como o do fórum.
Conforme determinavam as Posturas Municipais, os bares e similares, principalmente
os “bilhares”, não podiam abrir suas portas antes de fazerem o registro do estabelecimento
perante a Câmara, que era mais ou menos um termo de juramento (pago). Isso pode ser visto
no trecho a seguir:
§ 76º - Sem licença da Camara, ninguem pode ter casa de jogo de bilhar,
aqual naõ lhe será concedida sem que assigne na mesma Camara hum termo de naõ
consentir, ou permitir em sua casa outro qualquer jogo. Os que contravierem
sofreraõ apena de 30$000 reis, de multa, e oito dias de cadea, alem das em que
encorrer pelo codigo criminal.
246
Uma preocupação que transparece ao se ler o livro de registro de ofícios da Câmara
era de que não se transgredissem as posturas e, conseqüentemente, não se fizesse concessão
alguma quanto ao pagamento de multas ou taxas, evitando, desse modo, perder arrecadação.
Transcreve-se em seqüência correspondência pela qual a Câmara “intimava” o fiscal da vila a
fazer as devidas considerações frente a um transgressor:
Illm.º Snr. = A Camara Municipal desta Villa, a cujo conhecimento chegou
que se achão affixados annuncios assignados por Januário Paiva marcando o dia
Domingo proximo fucturo para dar um espectacullo Publico de provas ginasticas,
sem que para isso tenha sollicitado desta Camara a competente licença, na forma de
suas Posturas, nem paga a taxa estabellecida pelo § 2º Art.º da Ley Provincial nº 57
de 29 de Maio do anno findo [1846], e ainda mais não tendo inda indennizado a
Camara do imposto correspondente no ultimo espectacullo dado nesta Villa,
resolveo em Sessão de hoje chamar a attenção de V. S.ª para a leitura do Art.º 132
do Regulamento nº 120 de 30 de Janeiro de 1842, e exigir 2º, ao que por parte de V.
S.ª se fação effectivas as disposições do mesmo art.º do Regulamento citado, não
consentindo se deve affeito esse espectacullo sem previa licença da Camara, pois
246
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.45v.
130
que tolerado uma vez qualquer abuzo da Ley, estabellece-se um precedente ridiculo,
e prejudicial ás instituicções do Paiz, e á acção das Autoridades Constituidas. =
Deos Guarde a V.S.ª = Uruguayanna, em Sessão de 14 de Maio de 1847.
247
Dentre várias outras atribuições, pelo que consta no livro de termos de arrematação,
fiança e outros contratos, a Câmara Municipal de Uruguaiana contratava serviços de terceiros
para consertar, construir, enfim, para manter a cidade. Para isso, não havia processo de
licitação, pois dependia da disponibilidade de valores e da necessidade pela qual eram
contratados os serviços de terceiros. Como não havia funcionários públicos na época, quem
fazia a devida cobrança e fiscalização dos serviços era o fiscal da vila. Dessa forma, a Câmara
Municipal mantinha uma forte presença dentro da vila, instaurando processos, controlando a
cadeia pública, arrecadando impostos etc. Isso tudo era feito através de fiscais, tanto no
interior quanto na região urbana, os quais percorriam o município para se certificarem de que
tudo corria conforme as normas legais.
A Câmara, em várias correspondências destinadas ao Império, reclamava que a região
de Uruguaiana era desprovida de mão-de-obra para a lavoura, embora tivesse terra propícia
para a agricultura. Ocorre que, nesse período, a agricultura não apresentava possibilidades de
lucros para os que plantavam, pois estava-se no auge da comercialização do couro, sebo,
graxa, charque, ou seja, todos os produtos relacionados com a pecuária. Também ocorria o
início do desenvolvimento comercial urbano na região, visto que o rio Uruguai proporcionava
a navegação, facilitando as transações comerciais e, assim, permitindo a chegada de produtos
que vinham de outras praças para serem comercializados na fronteira.
Na região de Uruguaiana, no período delimitado nesta pesquisa, embora houvesse
escravos, já havia uma mão-de-obra livre assalariada. Nessa questão concorda-se com Marx
quando diz que “os operários são forçados a vender sua força de trabalho, e a idéia de que eles
podem escolher livremente no mercado de trabalho não passa de uma construção
ideológica”
248
. No caso, como a pecuária era a principal atividade econômica da região, o
operário local não tinha outra escolha.
Foi essa economia pecuarista a responsável pelo crescimento econômico e pelas
mudanças ocorridas na região e nessa comunidade de fronteira. Segundo Naia Oliveira e
247
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.07-07v.
248
ELSTER, John. Marx hoje. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p.44.
131
Tânia Barcellos, “a abordagem que tem como foco as áreas de fronteira remete, antes de mais
nada, a um quadro de compreensão das mudanças estruturais em curso neste fim de século,
mudanças estas que afetam a base da produção capitalista, a política e a sociedade em nível
mundial.”
249
A fronteira oeste do Rio Grande do Sul sofreu influências tanto da Argentina quanto
do Uruguai, ou seja, contradições “entre idéias pode ser condição para se chegar à verdade; o
conflito entre indivíduos, classes ou nações pode ser condição para a mudança social.”
250
A
disputa entre diversos pontos discordantes existe, e não é surpresa para quem vive na
fronteira, no entanto não se pode dizer que não haja cordialidade entre as cidades fronteiriças.
Constatou-se na região em estudo o processo de vendas de terras para colonos e
comerciantes franceses, alemães, italianos, espanhóis e ingleses, os quais se dedicaram à
criação de gado bovino e ovino. Isso pode ser comprovado a partir do livro de transcrições de
transmissões de hipotecas da vila de Uruguaiana, que é documento mais antigo encontrado no
Cartório de Imóveis da cidade.
Nesse livro, pelos sobrenomes das pessoas envolvidas nas transações de compra e
venda de terrenos, casas e terras, verifica-se que se tratava de estrangeiros vindos para
Uruguaiana, ou até mesmo de pessoas que moravam em outras cidades, mas que possuíam
terras ou casas na vila. O fato de morarem em outros locais e de possuírem terras em
Uruguaiana, provavelmente, tenha como razão a guerra contra o Paraguai, pois durante o sítio
a Uruguaiana a população fugiu para outras localidades e até mesmo para os países vizinhos.
Por esse motivo, lê-se no livro de transcrições, por exemplo, que Francisco David de
Medeiros, residente no Paraguai, vendeu, no ano de 1880, terras na localidade do Ibirocaí para
Francisco Maciel de Oliveira, que residia em Santana do Livramento.
251
Portanto, nenhuma
das partes envolvidas era residente em Uruguaiana.
As transações entre partes estrangeiras também constam neste livro, reveladas pelos
sobrenomes dos contratantes, que denotam suas origens, como João Zacouteguy, descendente
de família francesa, que negociou com outro senhor, também de origem francesa, estabelecido
249
BARCELLOS; OLIVEIRA in: Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. p.219.
250
ELSTER, Marx hoje, p.48.
251
CARTORIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE URUGUAIANA. Livro de Transcrições das Transmissões
dos Registros de Hipotecas da Comarca de Uruguaiana (1857-1886). Reg. 1 a 950.
132
na vila, João Pipet, proprietário de um corte de chácara nos subúrbios, no ano de 1884.
Também havia outros descendentes de alemães e ingleses, como, por exemplo, os senhores
João Augusto Pousbach, Guilherme Winhler e João Wisman
252
, que mantinham relações
comerciais e familiares dentro da vila.
Vários são os nomes de franceses que se encontram nos registros de vendas de imóveis
na vila de Uruguaiana, dos quais se enumeram alguns que também são comentados por Raul
Pont no capítulo da obra Franceses no Rio Grande do Sul, organizado por Armindo Beux e
subsidiado pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul e Consulado Francês no biênio da
colonização francesa. São eles Brocard, Pibernat, Guirland, Raggio, Demarchi, Busquets,
Apesteguy, Beheregaray, Marty, Argenou, Bidegain, Orcy, Payot, Zacouteguy, Lacroix,
Lagisquet, Moreau, Codornís, Calvi, Fouchards, e muitos outros que povoaram esta região da
fronteira nos anos iniciais da formação da vila de Uruguaiana.
253
Era comum em Uruguaiana, como foi comprovado, que pessoas residentes em outros
países fizessem transações de compra e venda de terrenos e casas na vila, ou deixassem esses
imóveis como herança aos filhos. Vê-se como exemplo que Jose E. Comas y Busquets,
residente em Montevidéu, vendeu para Francisco Comas y Durlem e Maria Miguela Busquets
y Feher, residentes em Vila Piñeda, na Espanha, um terreno com casa de alvenaria na esquina
das ruas Direita e Formosa no valor de Rs. 300$000. Da mesma forma, Jose Cassarem, então
residindo na vila, deixou de herança para seus cinco filhos, residentes na Espanha, imóveis
nas esquinas da rua do Conde d’Eu com Imperatriz, no valor total de Rs. 2:000$000.
254
No Tratado de Limites assinado entre o Império do Brasil e a República Oriental do
Uruguai em 1851, estava fixado, na parte referente ao comércio e navegação, que “brasileiros
e orientais ficavam isentos do ‘serviço militar obrigatório’; vedava-se a ‘confiscação bélica da
propriedade particular’ quando os de uma nacionalidade fossem ‘residentes’ no território
vizinho.”
255
Portanto, era estabelecido por este tratado que todos os uruguaios ou brasileiros,
252
CARTORIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE URUGUAIANA. Livro de Transcrições das Transmissões
dos Registros de Hipotecas da Comarca de Uruguaiana (1857-1886). Reg. 1 a 950.
253
Para saber mais, verificar BEUX (1976), p.126-130. e CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. Livro de
Transcrições das Transmissões dos Registros de Hipotecas da Comarca de Uruguaiana (1857-1886). Reg. 1 a
950.
254
CARTORIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE URUGUAIANA. Livro de Transcrições das Transmissões
dos Registros de Hipotecas da Comarca de Uruguaiana (1857-1886). Reg. 1 a 950.
255
GOLIN, A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a
Argentina, p.27.
133
residentes ou que possuíssem bens no respectivo país vizinho teriam garantia de não perder
absolutamente nada do que tinham adquirido. Esse fato, provavelmente, foi fundamental para
que anos mais tarde vários terrenos na vila de Uruguaiana passassem a pertencer a uruguaios.
Portanto, houve uma reordenação no que diz respeito ao trabalho e às forças de
produção, pois, como diz Harvey:
A internacionalização do capital, a mundialização das relações produtivas e
comerciais e a redefinição da divisão global do trabalho promovem, inclusive, um
reordenamento dos territórios. A emergência de um novo regime de acumulação de
capital, a acumulação flexível, vem acompanhada de um processo de reestruturação
econômica e de reajustamento social e político, marcado por profundas mudanças
nos princípios locacionais e na organização do trabalho.
256
A ocupação dos espaços econômicos em Uruguaiana proporcionou, constantemente,
um tipo de interação social e cultural influenciada pelo econômico. A chegada de estrangeiros
a essa localidade, pela lucratividade e pelo incentivo das atividades nascentes na fronteira,
levou a que as relações sociais, bem como as relações de trabalho, estabelecessem ligação
direta com as mais diversas praças da região sul e platina.
Comprovando que a vila de Uruguaiana tinha em seu território vários estrangeiros,
localizou-se o relatório que a Câmara de Vereadores enviou à Assembléia Constituinte, no
qual demonstrava preocupação em relação à idéia que os estrangeiros teriam da povoação,
onde não havia ainda algumas condições necessárias para o bem-estar dos cidadãos, bem
como para o incremento do comércio ali desenvolvido. Dessa forma, a Câmara expressou-se
em relação às suas necessidades perante a Assembléia da seguinte forma:
De outras muitas necessidades depende este Municipio; porem como não
pode tudo ser attendido ao mesmo tempo, limita-se a Camara a expor estas que julga
mais importantes; esperando da sabedoria da Assemblea Provincial que attendendo-
as circonstancias especiais deste Municipio, e desta Villa frequentada por
estrangeiros, que em vista do seo estado não poderão formar idea vantajosa de nossa
Civilização a dotará de meios de levar a effeito os melhoramentos que reclama.
257
Em certos momentos dessa análise, a tentativa de entender os estágios iniciais do
capitalismo nesta fronteira remete à complexidade das estruturas econômicas existentes. Sabe-
se que em uma região de fronteira encontram-se “usos, costumes, valores, expressões
256
HARVEY, David apud BARCELLOS; OLIVEIRA. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. p.219.
257
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861) Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.149v.-153.
134
idiomáticas, comuns às populações fronteiriças, que muitas vezes as tornam mais integradas
entre si do que com o restante da população dos países a que pertencem.”
258
A produção da vila de Uruguaiana a partir da segunda metade do século XIX, embora
aumentasse em escala surpreendente, apresentava dificuldades, pois não havia mão-de-obra
qualificada, o que obrigou os ingleses proprietários de algumas charqueadas a trazer em mão-
de-obra do exterior.
Os ingleses possuíam algumas indústrias e detinham a propriedade das terras onde foi
construída a estrada de ferro, a famosa BGS, que ligou as cidades da fronteira muito antes das
vias terrestres que hoje se conhecem; já os franceses começaram a comprar terras e
dedicaram-se ao comércio de importação e exportação. Os ingleses negociavam mais com
Montevidéu, ao passo que os franceses o faziam com Buenos Aires e o Centro do Brasil.
Foram as influências externas e as características de fronteira que impulsionaram o
progresso. Nesse ponto, torna-se oportuno questionar sobre que progresso seria esse e qual a
sua relação com a história da fronteira oeste. O século XIX foi marcado pelas idéias
progressistas na linha da Revolução Francesa, quando os progressos científicos e tecnológicos
tiveram papel essencial para se encontrar uma forma de justificar aquelas idéias. Houve, no
entanto, a procura por leis, ou melhor, por uma lei de progresso que conseguisse abarcar todo
o significado que se tentava outorgar à palavra.
Para ilustrar o que os pensadores do século XIX teorizavam acerca da palavra
“progresso”, veja-se o que dizia Guizot:
A idéia do progresso, do desenvolvimento, parece-me ser a idéia fundamental
contida na palavra “civilização”. O conteúdo do progresso é por um lado uma
produção crescente de meios de força e de bem-estar na sociedade e, por outro, uma
distribuição mais eqüitativa entre os indivíduos, da força e do bem-estar.
259
Le Goff afirma que “o período de 1840 a 1890 é o do triunfo da ideologia do
progresso, simultaneamente com o grande ‘boom’ econômico do Ocidente”
260
, o que era
percebível pela forte industrialização pela qual passavam os países da Europa. Já no século
258
BARCELLOS; OLIVEIRA. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. p.226.
259
GUIZOT, p.114 apud LE GOFF, Jacques. História e memória. 4.ed. Trad. Bernardo Leitão, Unicamp, 1996.
p.257
260
LE GOFF, op. cit., p.259.
135
XX, após a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se a reação dos países do Terceiro Mundo e
houve um grande avanço tecnológico e científico em todo o mundo. Daí em diante diversos
críticos manifestaram suas concepções mais sobre teorias de reação e crescimento do que na
ótica de progresso propriamente dito.
No que tange à história, deve-se concordar com Raymond Aron quando enfatiza que
“a história da humanidade não se reduz ao progresso da ciência”. Daí se falar em
características variadas de cultura, etnia, espaço e técnicas produtivas para se chegar a uma
visão de progresso.
As novas técnicas trazidas por franceses e ingleses, aliados aos proprietários de terras
portugueses e espanhóis, constituíram as diretrizes iniciais do desenvolvimento do capitalismo
numa região de economia pecuarista. Nesse sentido, Paulo A. Zarth esclarece:
Jean Roche dá muito destaque para a qualidade dos colonizadores,
aproximando-se, desse modo, das concepções weberianas de espírito do progresso e,
ao referir-se aos antigos habitantes, deixa implícita a idéia de tradicionalismo.
Nesse discurso, o colono europeu seria o legítimo portador do espírito de progresso
do capitalismo ao passo que o caboclo brasileiro estaria representando o
tradicionalismo, o atraso. Nesse particular, Leo Waibel nos diz que “...nem o
ext rativista, nem o caçador; nem o criador de gado podem ser considerados como
pioneiros; apenas o agricultor pode ser considerado como tal estando apto a
constituir uma zona pioneira e somente ele é capaz de transformar a mata virgem
numa paisagem cultural [...]”.
261
Não se pode concordar com a citação de Leo Waibel contida na transcrição, de que
está descartada a possibilidade de o criador de gado ser o pioneiro. Ao contrário, na análise da
criação de Uruguaiana, pode-se constatar a existência do pioneirismo nesta área através dos
criadores de gados antes mesmo do início da distribuição das sesmarias para os portugueses
na região. A respeito, lembra-se que, nas viagens de Saint-Hilaire, este trouxe consigo uma
figura muito comum e característica da região Sul, personagem de relevante papel na
historiografia rio-grandense, que é o vaqueano. Segundo este autor,
um homem que é vaqueano de uma região é aquele que a conhece perfeitamente
bem. Um bom vaqueano só pode ser um bom guia, razão por que estas duas
expressões se tornaram sinônimas. Eu presumo que vaqueano vem de vaca. O
vaqueano devia ser aquele conhecedor dos caminhos que as vacas seguem
habitualmente e que sabem encontrá-las quando se perdem.
262
261
ZARTH, História agrária do Planalto gaucho, p.32.
262
SAINT-HILAIRE, Viagem ao Rio Grande do Sul, p.186.
136
O processo de desenvolvimento econômico inicou-se com a pecuária, portanto não se
teve nesse período o desenvolvimento de uma agricultura. Não haveria progresso e
desenvolvimento, se não houvesse uma mão-de-obra local provida de um excelente
conhecimento de seus campos e de como lidar com o gado, que, no princípio, vivia à solta;
daí surgiu a figura do gaúcho como o mais alto expoente campeiro, uma figura indispensável
no manejo com o gado. Além disso, a figura do gaúcho é explicitamente a do homem
fronteiriço, uma mesclagem de índios, espanhóis e portugueses nesta região.
Para Markusen, a teoria marxista do desenvolvimento vê-se compelida a
enfrentar a “realidade empírica” da região, enquanto objeto relevante dos conflitos
sociais, embora não seja ela uma categoria marxista fundamental. Assim, “as regiões
existem e são significativas para os marxistas apenas como fenômenos empíricos
sujeitos a uma análise concreta, histórica e caso a caso”.
263
Portanto, as particularidades de fronteira e o início do desenvolvimento econômico
voltado para a pecuária é um reflexo disso devem ser consideradas ao se analisar questões
relativas ao início do capitalismo. Estudos recentes sobre a fronteira feitos pelo inglês Joe
Foweraker, registrados na obra A luta pela terra , esquematizam o desenvolvimento do
capitalismo a partir de três estágios:
- o estágio “não-capitalista”, no qual as atividades estão ligadas ao extrativismo e
as trocas são limitadas. O mercado é precário na região tanto para a terra como para
a produção e o trabalho;
- o estágio “pré-capitalista”, que é “caracterizado por um aumento da migração
para a região e a intensificação da atividade extrativa A terra começa a ser vendida e
comprada”;
- o estágio “capitalista”, em que a migração é intensificada e a região integra-se
efetivamente na economia nacional; a agricultura passa a predominar sobre o
extrativismo e dá origem a um crescente mercado de terras e mercadoria. Ao lado da
pequena produção agrícola surge o mercado de trabalho livre.
264
No caso de Uruguaiana, difícil é poder concordar ou tentar encaixar o primeiro estágio
citado, pois não houve nenhum extrativismo, nem trocas, mas o mercado era ótimo, porque se
exportava e se mandavam produtos para o centro do país. Já, no segundo estágio, pode-se
encaixar o esquema de Forewaker, pois aconteceu o pro cesso migratório e também a venda de
terras em Uruguaiana.
O aumento da migração da população do Centro do país para áreas de fronteira deu-se
em virtude da atração pela facilidade do comércio, o que possibilitava a comercialização de
263
MARKUSEN apud COSTA, RS: latifúndio e identidade regional, p.21.
264
ZARTH, História agrária do Planalto gaúcho. p.34.
Nosso???
137
produtos com os países da Bacia do Prata. A posse, as vendas, as divisões foram algo
conturbado durante o século XIX, pois as primeiras estâncias eram grandes extensões de
terras, de modo que vendas de parte dessas não implicavam grandes perdas para os
estancieiros.
Uruguaiana, ainda quando vila, estava integrada à economia nacional e internacional.
Mesmo sem contar com uma agricultura significativa, tinha um forte comércio de gado e sua
localização era propícia para o crescimento de outras atividades comerciais. Quanto às
questões de mão-de-obra livre na região, nasceu com a pecuária.
Markusen conclui enfatizando que “teorizar sobre o trajeto do
desenvolvimento capitalista de uma região requer uma análise empírica que
identifica as estruturas cultural, política e econômica que se desenvolveram
historicamente, tanto internamente como em relação a outras regiões”.
265
A influência do sistema capitalista pode ser vista nos investimentos feitos pelos
estancieiros na cidade e pelos investidores estrangeiros que chegavam. Os primeiros
montaram indústrias, algumas relacionadas ao ramo da pecuária, utilizando alguns derivados e
fomentando, assim, o comércio local e a possibilidade do aumento das exportações; já os
segundos estavam direcionados para o comércio com outras regiões. Como diz Giddens, “o
capitalismo é ‘ascético’, visto que as ações dos capitalistas se baseiam na auto-renúncia e no
reinvestimento contínuo de lucros. Isto fica claro, diz Marx, na teoria da economia política:
“A economia política, esta ciência da riqueza, é por isso ao mesmo tempo a ciência da
renúncia, da privação, da poupança [...].”
266
O que se deve ter claro é que muitas das exportações para Montevidéu retornavam
como importações para a região central do país.
Ao reportar-se às distintas frações locais de classe, Dulong retoma Gramsci e
sua noção de “sociedade local”, em que o papel do espaço ou da “localização no
território” é um determinante parcial dessa diferenciação, já que o desenvolvimento
do capitalismo é geograficamente desigual, estruturando arranjos específicos entre
frações locais das diversas classes, “que fazem de cada zona do território um
subconjunto social original”.
267
265
MARKUSEN apud COSTA, RS: latifúndio e identidade regional.p.21.
266
GIDDENS, Anthony. Max, Weber e o desenvolvimento do capitalismo in: GERTZ, René E. Max Weber e
Karl Marx. São Paulo: Hucitec, 1994. p.135.
267
COSTA, RS: latifúndio e identidade regional, p.21.
138
Embora Uruguaiana pertença a uma região denominada Campanha, tem suas
particularidades, o que obriga a que não se enquadre em nenhum esquema teórico pronto. Por
isso, seu estudo é feito de dentro para fora, do local para o global, ou seja, é um estudo de
caso em uma comunidade de fronteira que apresenta estruturas que os historiadores não
podem apresentar como traços característicos de um sistema que gere acumulação de capital.
As famílias descendentes de espanhóis e portugueses, ou até mesmo estrangeiros natos
da região ibérica, partilhavam o comércio nesta região com comerciantes ingleses, franceses e
norte-americanos, conforme os produtos que eram importados para a província do Rio Grande
do Sul. Os ibéricos e seus descendentes dedicavam-se ao comércio de produtos tradicionais,
tais como gêneros alimentícios e bebidas, ao passo que os franceses atuavam no comércio
com produtos de alto nível, tais como vinhos e licores, jóias, móveis, vestimentas, destinados
a grupos de altas rendas. Já os ingleses importavam produtos como o ferro, aço, ferragens
têxteis de lã e algodão, ou seja, concentravam sua área de atuação em produtos com alta
rotatividade e preços baixos.
Os estrangeiros que chegaram à região participavam das importações e exportações
através do estabelecimento de casas comerciais, os atacados, que efetuavam suas vendas no
local e vendiam a intermediários - portugueses e espanhóis -, os quais revendiam para outras
cidades localizadas no interior da província do Rio Grande do Sul. Esses estrangeiros
possuíam grandes vantagens, como o conhecimento das estradas, da língua, além de suportar
melhor as dificuldades que a vida do interior oferecia.
Desde sua criação até 1887, a vila de Uruguaiana sofreu influência das políticas de
comércio, dos tratados de limites de fronteira, dos tratados de livre navegação do rio Uruguai
e da bacia do Prata. Os países que faziam fronteira com a vila exerciam influência nesses
pontos e com as importações de produtos que chegavam da Europa que estava vivendo seu
auge na industrialização, o que exigia que se exportasse, além do que o mercado europeu era
insuficiente absorver toda produção à vila esses produtos tornaram-se de fundamental
importância no seu processo de desenvolvimento, bem como para os demais povoados do
interior do estado, já que nestas paragens não existiam indústrias de nenhuma espécie que
trabalhassem com produtos mais elaborados.
Ibérico é quem
nasce na Península Ibérica. É disso
que estás falando? Porque se estás
te referindo aos descendentes,
então é melhor mudar isso...
Como
assim?
139
O início de desenvolvimento deu-se dentro do contexto revolucionário platino de 1835
a 1845. Na década de 1860, com a invasão paraguaia a Uruguaiana, o crescimento do
comércio local, regional, nacional e internacional ficou muito comprometido, também afetado
pelo contrabando que já estava inserido nos costumes, hábitos e práticas nas fronteiras do
Império. O contrabando influenciava em dois aspectos a população local: o primeiro é que os
produtos contrabandeados que chegavam à vila eram comprados pelos comerciantes por um
custo muito inferior, o que lhes proporcionava um maior lucro e uma acumulação de capital
maior, por conseguinte, aumento de seu negócio; o segundo diz respeito às questões relativas
à arrecadação de impostos pelas mesas de arrecadações municipais, o que trazia prejuízos
tanto ao governo quanto aos estancieiros locais, bem como àqueles comerciantes que
compravam mercadorias legais. Portanto, o contrabando atuava como um agente tanto de
retrocesso como de progresso local.
O município, segundo informação da Câmara de Vereadores, contava com várias
estâncias que se dedicavam à criação de bovinos, predominante sobre os eqüinos, ovinos e
muares; sua agricultura era apenas de subsistência, pois a população não se interessava pelas
atividades agrícolas, e não havia produção primária e industrial. Vê -se a seguir uma
correspondência da Câmara ao presidente da província indicando quais eram as produções
primárias que Uruguaiana desenvolvia:
A Camara Municipal de Uruguayana, tem a honra de responder ao opf. de V.
Exa. ...pedindo informações sobre as producções e industrias deste Municipio:-
Seu principal ramo de criação he o do gado vacum, contando-se 83 Estancias, em
todas as quais há também crias de animaes cavallares. Em quasi todas crião-se alem
disso ovelhas, e muares, mas em pequena escalla; e antes como uma auxiliar do que
industria especial -2º Que a carestia de braços faz o Municipio pouco lavrador,
sendo apenas o milho cultivado em porções consideraveis nas Ilhas do Uruguay. A
terrão, comtudo he favoravel ao cultivo da Uva, trigo, feijão, cevada, mandioca,
amenduim e arros, segundo opinião de alguns poucos plantadores que os tem
cultivado -3º Nem a canna, nem o cafe são cultivados neste Municipio:nem consta
de ensaio algum que possa authorizar juizo sufficiente sobre a opportunidade da sua
cultura -4º Consta a existência de minas de ferro nas margens do Imbahá, e de cobre
nas do Capivary: sem no entanto terem havido explorações capases de habilitar um
juizo perfeito na materia. Na costa do Imbahá observão-se productos calcarios de
pessima qualidade, na opinião de entendedores, mas em Sam Marcos tem-se
observado indicios d'outros de melhor quilate. Não há porem forno ninhum de Cal
em actividade, nem consta de tentativas alguma para os estabelecer. Tampouco
existe que se saiba, ninhuma mina de carvão de pedra. -5º Actualmente, trabalhão
somente trez Olarias de Tijolo e telha: tendo sido abandonadas diferentes vezes
desde que começou decahir a Villa em 1847 - De louça nunca houve -6º Excepto as
olarias acima ditas, não há ninhuma outra fabrica, a não ser uma de farinha da pan,
em muito pequena escalla - Aquellas são lidadas com braços livres; esta com
cativos; nem umas, nem outras produzem senão para o consumo -7º Não há noticia
de agua mineral ninhuma; e quanto a rios são os principais o Uruguay, limite deste
falta um “de” aqui.
140
Municipio com a Republica Argentina; Ibicuhy, que o divide do de SamBorja; o
Ibirapuitan e o Inhanduhy divisas com o Alegrete; e Quaray que faz a linha com o
Estado Oriental, - Do primeiro he occioso fallar por muito conhecido, e
pessoalmente explorado por V. Exª. Do segundo feudatario do anterior, pode -se tirar
grande proveito,pelo muito cabedal que arrasta, e longo curso que tem - Obstruido
por numerosos areais, e espessas mattas, a sua navegação he pouco facil no verão
mas na estação invernosa pode ser navegado até alem da sua confluencia com Sta.
Maria, mesmo para barcos de 10 palmos - He riquissimo em madeiras, e rega
terrenos da maior fertilidade -O terceiro admitte pouca navegação inda no tempo da
cheias; faz barra no Ibicuhy, e possui tambem robustas mattas e optimo terrão -O 4º
afluente do que precede, hé rio de curto cabedal -O 5º tambem pouco consideravel
desagua no Uruguay -Alem destes há Ibiro cay, farto de mattos, mas escasso daguas,
o Itapororó analogo ao precedente, e com elle tributario do Ibicuhy; o Touro Passo,
o Itapitocahy, o Salço e o Ibirapuitan,arroios de pouca monta que afluem no
Uruguay. Hum grande numero de Sangas de mais ou menos porte, porem sem
importancia real, cortão o Municipio em todas as direções, e vão confluir nos arroios
já citados, servindo de lindes entre diversas propriedades -Se bem que fruto de
minuciosas indagações, esta Camara credita que a presente informação não hé tão
plena e perfeita como poderia ser, porque de povoação relativamente mui recente
esta parte da Provincia não tem sido ainda esplorada em termos de poderem-se ter
sobre ella dados sufficientemente exactos; sendo por via de regra os mais antigos e
practicos das localidades, os homens menos afetos, para dar dellas a menor noticia.
(13 de abril de 1849).
268
Ainda no ano de 1854, Uruguaiana tinha como principal ramo de atividade a criação
de gado vacum, de animais cavalares, muares e ovinos, realizada nas extensas fazendas que
existiam na região. O gado vacum era utilizado para consumo local em forma de “carne
verde”, chamada assim por não passar pelo processo que a transformava em charque.
A principal praça de venda do gado em pé de forma legal era Pelotas, em razão das
charqueadas, para onde era conduzido pelos tropeiros. Também é importante frisar que muitas
vezes o gado roubado nas estâncias brasileiras ia ilegalmente para o Uruguai, cruzando os
passos onde a travessia era facilitada.
269
No livro de correspondências de 1849-1861, existem contradições com referência às
plantações do município, pois a Câmara, certa feita, solicitava ao presidente da província
auxílio para a compra de uma máquina de moagem de trigo, justificando que este seria o
único produto cultivado na vila. Doutra vez, afirmou que não existia nenhum estabelecimento
de agricultura no município, o que justificaria a entrada de trigo da província de Corrientes, na
Argentina.
270
268
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1849-1857). Acervo do Centro
Cultural Dr. P edro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala do Arquivo Histórico. p.96v-97.
269
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1849-1857). Acervo do Centro
Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala do Arquivo Histórico. p.96v-97.
270
“Illmo Exmo Snr. = Esta Camara tem a honra acusar o recebimento do officio circular de V.Ex.ª de 3 de Abril
do corrente anno sob nº 3 em que communica haver encommendado para os Estado Unidos e achar-se já
141
Os estancieiros de Uruguaiana tinham uma grande preocupação com o aumento do
roubo de gado na região, o qual era levado para além das fronteiras e abatido para as
charqueadas locais. Solicitavam, então, à Câmara de Vereadores que providenciasse leis para
coibir essa prática, a qual, por sua vez, enviou o pedido à Assembléia Geral para tentar sanar
o problema: “Foi lida uma representação a Assemblea Geral em que esta Camara pede leis
para a repressão do Crime de furto de gado; a qual approvada pela Camara foi assigurada.”
271
A preocupação com o contrabando do gado e de outros produtos não era somente
local, pois a falta de arrecadação afetava diretamente o Império. Nesse sentido, pode-se notar
uma grande preocupação deste com as zonas de fronteira e, em especial, com a vila de
Uruguaiana quando do envio de um oficio à Câmara de Vereadores, louvando as posições
referentes às tentativas de coibir essa prática tradicional na fronteira, por ser um problema que
afetava diretamente a economia local:
Lida a acta antecedente foi approvada. Foi presente pelo presidente da
Camara o officio do vice-presidente da Provincia sob numero 6 de 18 de junho, em
que sua Ex.ª envolve pelo mesmo motivo sensuras com louvorez, pois respondendo
a representação desta Camara de 27 de Maio louva esta Camara pelo interesse que
toma pela boa administração da Alfandega e proteção do Commercio lícito, e porque
a Camara não julgando regular a Comissão e seu procedimento pediu providencias
para que o fosse.
272
Segundo o registro de correspondências da Câmara Municipal da vila de Uruguaiana
no período de 1847 a 1848, a venda de carne era bastante controlada por esta, denotando,
além da preocupação com a boa qualidade do produto para o consumo dos habitantes, uma
forma de controle pela possibilidade de contrabando na vila. Transcreve-se a seguir uma
correspondência completa sobre o assunto:
montada uma maquina das usadas naquelle Pais para amuagem do trigo cuja discripção vem transcripta no
Correio do Sul nº 67 de 23 de Março ultimo. Em tempo oportuno esta Camara solicitará da Assemblea Provincial
autorização para acquisição de uma igual para este Municipio cujo único producto de agricultura é o trigo. [...] 1º
de Julho de 1860.” Cf. URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-
1861) Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.93. “Illmo Snr. = Em
sulução a circular de V.S.ª de Fevereiro do corr. anno tem esta Camara a declarar que não tem feito remessa do
mappa annoal da plantação e colheta do anno findo bem como dos anteriores por não existir neste Municipio um
só estabellecimento de agricultura.” Cf. URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de
Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont.
p.94.
271
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1857-1861). Acervo do Centro
Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala do Arquivo Histórico. p.08.
272
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Atas (1857-1861). Acervo do Centro
Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala do Arquivo Histórico. p.11v.
142
Illm.° Snr = Ordena a Camara Municipal, que V. S.ª intime aos talhadores de
carne para consumo da Villa, que até o dia 27 do corr. Mez devem ter
impreterivelmente assogues fixos dentro da Villa, procurando estabellecel-os no
centro da mesma para commodidade de seus habitantes, ficando prohibido dessa
dacta em diante a venda de carne em carretilhas pelas ruas, afim de serem
fiscalisadas os talhos, para V. S.ª, como lhe cumpre, na forma das Posturas
adoptadas. = Deos guarde V. S.ª - Uruguayana, em Sessão de 7 de maio de 1847.
273
A saúde pública, conforme este e outros ofícios, também era uma preocupação da
Câmara:
Illm.º Snr. = Esta Camara ordena V. S.ª emtime a Matheus Pinheiro, e a todos
os individuos que tem corraes dentro do arruamento desta Villa, ou mui proximo a
ellas onde matão gado para o consumo, que no prazo de 15 dias, emprorrogaveis,
facção muda-los para fora , marcando-lhes V. S.ª lugar nos suburbios da mesma
Villa para esse fim, de maneira que não prejudique a saude publica. = Deos Guarde
V.S.ª = Uruguayanna, em Sessão de 7 de Maio de 1847.
274
A região da Campanha, em especial a fronteira oeste, após a invasão dos espanhóis à
Colônia do Sacramento, assumiu o papel de fronteira-zona, como ponto de troca de
mercadorias na região entre os brasileiros e os países que faziam parte da Bacia do Prata.
Sabe-se que o fator que facilitava as trocas nessas regiões era o transporte fluvial, ainda que
limitado pela segurança, que era precária. Por sua vez, o transporte por terra estava limitado
às estradas, que eram muito escassas e exigiam o acompanhamento de pessoas que
conhecessem bem a região para transpor os obstáculos geográficos existentes.
Com o passar do tempo, o Brasil e os países que com ele faziam fronteira sentiram a
necessidade de construir vias de transportes para facilitar o trânsito de produtos que entravam
por suas fronteiras e que também circulavam internamente; assim, os produtos poderiam
chegar a seus destinos mais rapidamente e com menor custo. Isso era natural porque os
mercados das zonas ribeirinhas do rio Uruguai, com maior ênfase na vila de Uruguaiana, logo
se esgotariam, levando a que seus comerciantes necessitassem da abertura de novos mercados
consumidores, que seriam os do interior do estado, como única saída viável para o comércio.
Assim, pressionavam o Império para que disponibilisse verbas suficientes para a construção
desses meios.
273
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.06v.
274
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1847-1848). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. 06v.
143
A preocupação em construir vias de transporte para comunicação com as fronteiras
tornava-se visível nesta região com a chegada do transporte fluvial e o grande fluxo de
mercadorias que chegavam da Europa, via portos de Montevidéu e Buenos Aires os
primeiros receptores de produtos europeus e também americanos , para depois subirem o rio
e serem redistribuídas para as vilas à beira do rio Uruguai. No entanto, nota-se também que as
primeiras ferrovias ligaram cidades que faziam parte das fronteiras do Império, mesmo sendo
essas linhas férreas particulares.
Os portos de Buenos Aires e Montevidéu converteram-se em portos coletores
econômicos de toda a região da fronteira oeste por intermédio do transporte fluvial e, mais
tarde, ferroviário; beneficiaram-se e serviram-se de todo o escoamento de produtos que eram
exportados para fora do Brasil e também dos que eram importados, porque os portos de São
Borja, Itaqui e Uruguaiana necessitavam do escoamento via estes portos e a estrada de ferro;
Obrigatoriamente, os produtos deveriam transpor o Uruguai para chegar ao porto de
Montevidéu, e, depois, seguirem seu destino quando não ficavam no caminho da estrada de
ferro.
A sociedade valoriza o espaço, portanto, o processo de ocupação do espaço econômico
em Uruguaiana deu-se decisivamente influenciado pela sua condição de fronteira com a
República Argentina e o Uruguai. Possuía um meio de comunicação fundamental para o
comércio com a zona do Prata, o rio Uruguai, numa época em que não havia meios seguros e
rápidos de transporte. Com isso, era facilitada também a entrada dos produtos no interior da
província, fazendo um grande hinterland, como diz Fernando Camargo.
275
Esse espaço econômico de fronteira privilegiou, como se viu, o contrabando,
chamando a atenção de comerciantes da Europa que se encontravam em regiões próximas,
vindos daquele continente por causa das guerras e atraídos pela facilidade de acúmulo de
capital através da venda de produtos industrializados, fabricados especialmente na Inglaterra e
na França. Esses comerciantes instalaram-se em Uruguaiana desde seu surgimento, formando
uma zona de grande fluência econômica, contrabalançando com a atividade predominante na
região, a pecuária, que desde seus primórdios pastoris, quando não havia aglomerações
urbanas, era largamente desenvolvida.
275
Ver CAMARGO, Britânicos no Prata, p.38. Camargo, neste trecho, cita Garcia e comenta o que seria o
hinterland e o foreland, levando em consideração a capital plat ina, Buenos Aires.
144
Foi, entretanto, a partir da instalação da estrada de ferro na região que começaram a
ocorrer transformações em Uruguaiana, que passaria a sofrer influências externas com a
chegada de europeus, os quais trouxeram com eles uma série de interesses. As manifestações
de desenvolvimento que a estrada de ferro e os navios a vapor trouxeram para Uruguaiana
levaram a que a preocupação em relação ao charque fosse reduzida, pois não iria se deteriorar
no transporte devido ao tempo que levava até chegar ao seu destino. Também com esses dois
novos métodos de transporte, o custo do frete diminuiu, aumentando, assim, o lucro. Além das
facilidades e da economia que a estrada de ferro proporcionou às cidades de Campanha, não
se podem deixar de citar as integrações e as facilidades para continuar a negociar com estas e
também com a região do Prata. Segundo Joseph Love,
as regiões da fronteira de oeste e sudoeste, portanto, continuaram a procurar os seus
interesses comerciais no Sul. Em tal situação, o comércio de contrabando estava
destinado a florescer. Não que se tratasse de algo novo na região; detinha-se
desenvolvido desde as primeiras tentativas de definir os limites entre a América
portuguesa e a espanhola. Mas com o rápido crescimento econômico da região
platina e do Rio Grande, o contrabando aumentou em proportions phénoménales.
276
Através das considerações feitas, pode-se perceber que, mesmo tendo uma formação
econômica atrasada relativamente em virtude das circunstâncias de sua fundação, Uruguaiana
mostra em seus moldes, em todo seu desenvolvimento e afirmação como cidade de fronteira,
a forma capitalista de aquisição de bens e acúmulo de capital através da venda de produtos.
Assim, passa-se a tratar mais especificamente do comércio ilícito, que já era
característico desta região de fronteira, visto que, antes mesmo de qualquer formação
populacional, passavam por essas paragens muitas mercadorias e animais trazidos das regiões
vizinhas para serem revendidos ou utilizados como força-motriz nos centros urbanos
primitivos da província de São Pedro, bem como no resto do Brasil.
276
LOVE, Joseph. O regionalismo gaucho e as origens da revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975.
p.18.
145
6. O CONTRABANDO NA FRONTEIRA OESTE
A fronteira sempre se apresenta de forma contundente dentro de um estado ou nação,
pois é a partir da demarcação de limites entre um território e outro que surgem
incongruências, manifestações e diversidades dentro do espaço, que pode já ter uma
identidade muito mais voltada ao exterior do que ao interior que o incorpora.
A região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul teve, sobretudo a partir do século
XVIII, grande participação no tráfico de todo e qualquer tipo de mercadorias que eram
contrabandeadas das regiões vizinhas e que passavam ou, pelo menos, eram escondidas nessa
região por não haver patrulhamento e, tampouco, fiscalização. A partir de então,
foi imensa a significação que teve o contrabando platino e gaúcho para explicar à luz
de uma interpretação abrangente, a interação mercantil que uniu, em dada época,
numa só idéia de interesse, a extração e comercialização de couros e a
movimentação, no espaço meridional do Brasil, de vacuns, asininos e cavalares.
277
Isso ocorria justamente porque esse território, a priori, não pertencia à Coroa
portuguesa, sendo identificado, inicialmente, como estância de Japejú; mais tarde, como
território de Entre Rios e, só a partir da incorporação das missões ao Brasil, em 1801, é que
chegou às mãos dos lusitanos.
Como as colônias não podiam comerciar com outra nação a não ser com a sua
respectiva metrópole, tornava-se necessário uma nova forma de adquirir bens por preços mais
baixos que os oferecidos pelos comerciantes lusos, os quais eram altíssimos, visando apenas
277
ANTUNES, Raízes sócio-econômicas de Alegrete, p.182.
146
ao lucro imediato. Por esse motivo é que os changadores
278
que se encontravam no território
sulino começaram um penoso, mas rentoso, comércio ilícito com outras nações européias, que
vinham pelo Rio da Prata para comercializar suas manufaturas. Os changadores efetivavam
trocas nas quais os produtos oferecidos eram aqueles derivados do gado, que se encontrava
em larga escala nas planícies uruguaias e de Entre Rios. Dessa forma, o contrabando ocorria
com tal intensidade que os gados eram passados de uma região para outra sem a menor
contestação de alguma autoridade, conforme relata Maria Ignácia de Souza Antunes:
Os portugueses, e seus aliados ingleses, tinham produtos para vender; os
colonos espanhóis necessitavam desses produtos e tinham os seus próprios para
oferecer em torca; era, pois, para vantagem de ambas as partes que semelhantes
tocas se fizessem.
279
O mesmo ocorria com os produtos trazidos para o norte a partir das transações
efetuadas no sul do Estado Oriental, pois aqui os produtos eram revendidos às povoações
nascentes no início do século XIX. Com a fiscalização posta nas regiões mais ao sul da
província de São Pedro do Rio Grande do Sul, os hispano-platinos começaram a apresentar
documentos que comprovassem sua permanência e os motivos do abate do gado para Buenos
Aires. No entanto, esses ofícios de licença também passaram a ser falsificados para conseguir
a matéria-prima do contrabando sulino, o gado.
280
Após várias crises, lutas e disputas que envolveram Portugal e Espanha na definição
do território, bem como, posteriormente, a definição das fronteiras entre Brasil, Argentina e
Uruguai, um outro fator desencadearia o contrabando: a liberação da comercialização. Isso
porque, da mesma forma que ocorria quando os mercados eram extremamente fechados ao
monopólio metropolitano, a partir da liberação, iniciou-se a tentativa de dominação dos
mercados regionais e locais, num processo no qual ganhava quem oferecia melhores preços.
Então, o contrabando iria dar uma contribuição a todo esse processo de fixação e acúmulo de
capitais.
278
Changador para Juan Francisco Aguirre: “são gaudérios que matam gado sem qualquer licença governamental
para o fazer.” AGUIRRE, Juan Francisco. Diario . Buenos Aires: Biblioteca Nacional, Anales IV. p.138. Já para
Azara, tanto os gaudérios, como os changadores e gaúchos são “a ralé do Rio da Prata e Brasil”. AZARA, Félix
de. Descripción y historia del Paraguay y del Rio de la Plata. Madri: 1847. v.2. p.310. Dessa forma, percebemos
que em na época do desbravamento e ocupação desse território ao sul da América, o changador, bem como o
gaúcho, e aí incluem-se todos os três estereótipos (argentino, brasileiro e uruguaio), era tido como ladrão, como
vagabundo que vivia pelos campos apenas a matar o gado para seu benefício. No entanto, hoje a definição de
Aurélio de Holanda Ferreira é “aquele que faz changas ou carretos; ganhador, carregador, changueiro”.
FERREIRA, Novo Aurélio Dicionário da Língua Portuguesa - Século XXI, p.453.
279
ANTUNES, Raízes sócio-econômicas de Alegrete, p.184.
280
ANTUNES, op. cit., p.185-187.
147
Portanto, a história da formação dessas fronteiras da região oeste da província do Rio
Grande Sul está ligada mais intimamente à questão alfandegária, do reconhecimento de
direitos e veiculação de mercadorias, pois a exigência de determinados produtos para
consumo e sua facilidade de aquisição por vias não legais muitas vezes se antecipariam à
legislação do tráfego mercantil, dando vasão ao contrabando.
281
Em função da sobrevivência e à mercê de intercâmbios, as povoações às margens do
rio Uruguai foram se formando, criando um longo corredor mercantil, pois se dispunham uma
frente à outra; no caso de Uruguaiana, formou-se uma tríplice fronteira, um entreposto
comercial e populacional que facilitaria o comércio, ao mesmo tempo em que chamaria
atenção de comerciantes ilegais.
O intercâmbio entre essas povoações seria facilitado, pois as necessidades individuais
poderiam ser supridas pelo coletivo; assim, formou-se uma rede de comercialização,
beneficiamento e manufatura. Outro ponto fundamental era a moeda corrente em cada país,
com o que, devido à balança cambial, uma povoação teria privilégios em detrimento de outra;
logo, foi esse o fator gerador do comércio e do contrabando nessa região de fronteira.
Acrescenta-se nesse ponto que a necessidade humana e a omissão legislativa também foram
preponderantes para que o contrabando se efetivasse.
No caso da fronteira oeste do Rio Grande, onde está situada Uruguaiana, a identidade
ali presente foi se alterando constantemente em virtude da ocupação que se deu em meados do
século XIX, como já se viu. Com a economia consolidada e fortificada, assistiu-se ao aumento
de um dos crimes mais constantemente tolhidos pelo governo, seja no Brasil, seja em
qualquer outro lugar do mundo: o contrabando.
Segundo Guilhermino César, são cinco as portas de entrada de culturas distintas que se
encontram num processo de expansão e ocupação de uma região praticamente vazia: a costa
Atlântica; a Fronteira Oeste; o baixo nordeste, comprimido entre a orla do mar e o sopé da
Serra; o Norte florestal e as coxilhas do sul.
282
281
Ver PONT, Raul. Subsídios para a história do contrabando. Uruguaiana: Centro Cultural Dr. Pedro Marini,
pasta 95, GAV.11, nº13.
282
CESAR, Guilhermino. O contrabando no sul do Brasil. Caxias do Sul: UCS/EST, 1979. p.11-12.
“está”
148
O espaço aqui em estudo restringe-se à segunda região citada por Guilhermino Cesar,
a Fronteira Oeste, que se originou envolta pela atividade contrabandista em seus setores
econômicos principais, e ainda, no caso de Uruguaiana, com a colaboração da economia
pastoril e das importações e exportações realizadas pelo porto, o que tornava a fronteira mais
vulnerável à prática do contrabando.
No princípio da ocupação desse espaço fronteiriço, muitas eram as tropas de gado que
vinham do lado oriental, ou até mesmo da Argentina, e também levas de gado iam daqui para
os países vizinhos. Através da livre navegação dos rios Uruguai e Paraná, a partir de 1851, a
facilidade com que as mercadorias subiam e desciam o rio era muito grande, o que aumentou
ainda mais os meios pelos quais o contrabando se realizava. Desse momento em diante, o
contrabando não estaria mais restrito ao local, mas expandiu-se ao âmbito internacional,
através da ligação que passou a ser fortemente consolidada com a região do Prata.
A partir desse momento, uma nova classe de pessoas passou a se instalar nas margens
do rio Uruguai em busca de benefícios e fugindo das dificuldades que assolavam os
estrangeiros que se encontravam nas grandes capitais do Prata, refugiados por problemas que
refletiam a situação da Europa
283
.
A partir do Tratado de Madri, observou-se uma nova configuração geopolítica, que
obedecia aos interesses de espanhóis e portugueses nessa região, o que teve um papel
essencial na formação dos espaços econômicos e de transações de mercadorias sem o
conhecimento do fisco. Desde cedo, a inobservância das leis fiscais nesta região foi patente
por causa dos vazios populacionais das regiões sulinas, onde o gado, e os mais diversos
produtos do Prata atravessavam as divisas (ainda não efetivamente demarcadas) para serem
comercializados.
Como a economia rio-grandense estava baseada na pecuária desde o início do seu
povoamento e, mais tarde, a indústria do charque apareceu no cenário sulino, o contrabando
283
Onde a “Primavera dos Povos”, em 1848, gerou lutas pelo poder nas mais diversas nações. Segundo
Hobsbawm, a chamada “Primavera dos Povos” caracterizou-se por “explosões simultâneas continentais ou
mundiais... extremamente raras” (p.30); “[...] foi claramente, e sobretudo em termos internacionais, uma
afirmação de nacionalidade, ou melhor, de nacionalidades rivais.” (p.101). Verificar em HOBSBAWM, A era do
capital.
Isso não pode ir
como explicação no rodapé?
Explique isso.
Exclua essas duas
palavras que ficará melhor...
149
de gado era feito como uma forma de subsistência das grandes empresas charqueadoras, pois
os vários anos de guerras civis, tanto do lado argentino-uruguaio quanto do lado brasileiro,
haviam levado a que os rebanhos fossem reduzidos drasticamente, fortalecendo o comércio
ilícito desse gênero.
284
Com a abertura dos portos fluviais dos rios Paraná e Uruguai, a partir da assinatura do
tratado de livre comércio entre os países do Prata (Argentina, Brasil e Uruguai), propiciou-se
que se estabelecesse um forte comércio entre as cidades do interior dos países e a Bacia do
Prata, mais especificamente, com Buenos Aires e Montevidéu.
285
Dessa forma, como relata Guilhermino César, vê-se que,
na Campanha e na Fronteira Oeste, regiões onde era maior o atrito econômico e
político com os vizinhos, o terreno estava preparado para receber jubilosamente,
com a complacência postulada por Manuel de Magalhães, as correrias do comércio
clandestino.
286
Anteriormente, os governadores das províncias de Entre Rios, Santa Fé e Corrientes,
do lado argentino, haviam tomado medidas que visavam facilitar a navegação e o transporte
de produtos através do rio Uruguai, pois o porto de Buenos Aires estava bloqueado por
intervenção anglo -francesa, o que obrigava os portos do interior a fazerem várias cabotagens e
transbordos, a fim de driblar a fiscalização.
287
Assim, a tentativa de fugir e burlar o domínio
portenho aos demais estados da Confederação Argentina criou uma rede de ligações fluviais
que praticavam tanto o comércio lícito quanto o ilícito, isso tudo com o conhecimento dos
governos, formando uma das primeiras ligações mercantis entre os argentinos e o Império
brasileiro.
A partir de 1860, de acordo com Lilia Medrano, as autoridades da Confederação
Argentina liberaram da fiscalização os portos de Concórdia e Restauración (esta última, hoje
Paso de los Libres); então, a partir daí, o trânsito passaria a ser livre para toda e qualquer
mercadoria que fosse enviada ou que tivesse como destino esses dois portos.
288
Especialmente
284
CESAR, O contrabando no sul do Brasil, p.38.
285
MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império
Brasileiro e a Argentina (1852-1889). p.149-151.
286
CE SAR, op. cit., p.41.
287
CESAR, op. cit., p.41.
288
MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império
Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.159.
150
em Concórdia, havia muitos produtos manufaturados que eram procurados e enviados ao
Brasil, os quais entravam pela alfândega de Uruguaiana. No entanto, por diversas vezes esses
produtos eram embarcados em Concórdia e eram levados até Restauración, cidade onde se
aguardava a melhor oportunidade para atravessá-los pelo rio Uruguai sem o devido
conhecimento da alfândega da vila de Uruguaiana.
289
Para que se possa visualizar quantitativamente o que representavam as relações
fluviais entre os portos vizinhos de Uruguaiana e Restauración, veja-se a Tabela 5, na qual se
percebe que, entre 1º de julho e 11 de agosto de 1855, das vinte e oito embarcações
carregadas que saíram do porto de Restauración, dezenove tinham como destino o porto de
Uruguaiana. A tabela,no entanto, mostra apenas as relações legais realizadas no período.
289
MEDRANO, op. cit., p.159.
Corrija.
151
Tabela 5 - Embarcações saídas do porto de Restauración (1855)
Nome da Embarcação Tonelagem Destino
Bote Fortuna 1 ton. Uruguaiana
Bote Índio 1 ton. Uruguaiana
Bote San Gregório 2 ton. Uruguaiana
Queche Índia 5 ton. Itaqui
Bote Tinoso 1 ton. Uruguaiana
Bote San Antonio 1 ton. Uruguaiana
Canoa San José 1 ton. Santo Tomé
Bote Relâmpago 1 ton. Uruguaiana
Bote Rosa del Uruguay 1 ton. Uruguaiana
Bote Tormenta 1 ton. Uruguaiana
Bote Vences 2 ton. São Borja
Chalupa Paula 2 ton. Concordia
Lanchão Clareto 3 ton. Salto
Lanchão Caballo Marino 1 ton. Uruguaiana
Lanchão Flor del Uruguay 8 ton. São Borja
Lanchão São Borja 1 ton. Uruguaiana
Lanchão Santiago 1 ton. Uruguaiana
Chalupa Adelfa 3 ton. Santo Tomé
Bote Doria 1 ton. Uruguaiana
Bote Pescador 1 ton. Uruguaiana
Lanchão Teodora 3 ton. Uruguaiana
Goleta Catalina 11 ton. Uruguaiana
Goleta Carolina 1 ton. Uruguaiana
Balandra Minerva 6 ton. Uruguaiana
Chalupa Capitolio 3 ton. Federación
Goleta Libertad 14 ton. Santo Tomé
Chalupa Aguila Negra 10 ton. Uruguaiana
Bote Angelito 1 ton. Uruguaiana
Fonte: Relatório apresentado à Assembléia Provincial de São Pedro do Rio Grande do Sul na 2ª sessão da 8ª
Legislatura pelo Conselheiro Joaquim Antão Fernandez Leão. Porto Alegre: Typographia do Correio do Sul,
1859. Biblioteca Nacional, RJ.
Em 27 de maio de 1857, a Câmara Municipal da vila de Uruguaiana reuniu-se em
sessão extraordinária para fazer uma reclamação diante do presidente da província referente à
administração e inspeção da alfândega fluvial da vila. A administração, conforme os
vereadores, estava colocando enormes empecilhos à realização das transações comerciais, o
que teria ocasionado até mesmo a transferência de alguns comerciantes para o povoado em
frente (Restauración), que se instalavam na costa do rio Uruguai, não exatamente dentro do
pequeno povoado, para facilitar a recepção de mercadorias vindas da região do Prata e a
conseqüente liberação para a praça de Uruguaiana. Ali eram revendidas no comércio por
vendedores, muitas vezes por familiares ou amigos dos primeiros.
152
O problema era reclamado pelos cidadãos e, especialmente, pelos comerciantes que
tinham ligação com o governo da província e até mesmo do Império. Assim, através da
Câmara Municipal de Vereadores, foi enviada correspondência oficial em que solicitavam
medidas enérgicas para a resolução da questão. Veja-se o documento:
Illmo Exmo Snr. = A Camara Municipal desta Villa solicita em levar ao
conhecimento de V.Ex.ª todos os malles do seo Municipio que demandão remedio
não pode deixar de reprezentar com todo os respeito contra o presidente da
Commissão, que pela Thesouraria da Provincia foi mandada por examinar e
administrar a Alfandega desta Villa pelos grandes males de que já se recente esta
Povoação, e toda esta Fronteira. Sendo esta Villa o principal Porto do Uruguay
destinado pela natureza para ser o emporio de seo Commercio não tem podido
attingir a esse resultado pelos obstaculos, que passa a expôr = Tendo sido criada esta
Povoação nessa época calamitosa em que uma guerra civil devastara esta campanha,
a mesma especie de guerra nos estados vezinhos inutilizarão o Commercio do
Uruguay e como esta devastadora guerra civil continuara nos Estadoz do prata
mesmo depois da pacificação desta Provincia, só depois que a queda do Ditador
Rosa trouxe a pás do Rio da prata é que se tornou franco o commercio do Uruguay,
para esta Villa pois se derigio elle, que por sem duvida lhe dará sempre grande
importancia, e é a fonte de sua fuctura grandesa. Porem a administração d’Alfandega
de então tantos obstaculos, põe ao commercio lícito que o afugentou quase que de
todo desta Villa para a Povoação enfrente na Provincia de Corrientes, que tornando-
se o deposito de todo esse commercio teve um sofrido crescimento ao mesmo tempo
que esta definhara quando devia ser o contrario por quanto a instabilidade na ordem
publica em dita Povoação e nesta digo Povoação e a estabelidade que esta offerecia,
devia attrahir lhe todo o commercio = As mercadorias porem depositadas no Povo
enfrente intrudusidas para esta Fronteira por contrabando; para o que as extenças e
acceciveis margens do Uruguay, Quarahim, e Ibicuhy, offerecendo toda a facilidade,
sendo impossivel o exitar = Tornou-se então commum o contrabando em notavel
detrimento do commercio licito da moralidade publica e dos interesses dos
commeciantes honrados, e principalmente do crescimento desta Povoação dando so
notaveis utildades aos aventureiros contrabandistas pela maior parte Estrangeiros e a
refferida Povoação em frente a esta Villa Veio porem ad’ministrar esta Alfandega o
honrado e inteligente empregado Caetano de Souza Pinto, que estabelecendo ordem
na administração da Alfandega, facilitando os despachos e sobre tudo, sua
urbanidade, moderação e probidade attrahindo as simpathias do commercio,
chamou-o a Alfandega e se não conseguio extinguir de todo o contrabando o que é
mesmo impossivel, elle tornou-se insensivel e inteiramente reprovado. Então esta
Villa e seu Commercio principiou aprosperar, e a definhar a Povoação em frente,
crescendo rapidamente as Rendas da Alfandega; retirou-se porem esse Snr deixando
Geral pezar em todos commerciantes e particulares, havendo lhe succedido o
honrado Snr Capitão Marcellino Antonio da Silva sob cuja administração continuou
a crescimento nas rendas da Alfandega, e a prosperidade desta localidade. Veio
porem uma commissão composta de empregados da Alfandega do Rio Grande
inspecionar esta e estabelecendo nesta Alfandega um sistema de apprevisar
restrições e com ellas tem como a ad’ministração anterior a do Snr Sousa Pinto,
afugentando o Commercio da Alfandega e desta Villa e restabelecendo o pernicioso
contrabando. O copioso decrescimento das Rendas da Alfandega attentarão esta
verdade visto que só tem digo visto que ella quase que só tem despachado os
generoz que ahy achou depositados, e os que tem subido o Uruguay se dirigem ao
Povo em frente, de onde são introdusidos nesta por contrabando. Occorre mais que
boatos se tem espalhado, que recentindo se o Commercio do Rio Grande da
concorrencia do de Uruguay, e igualmente os rendimentos da Alfandega dessa
Cidade, e prezun’mindo-se que as franqueiras concedidas nesta Alfandega é que tem
causado essa deminuição de rendas, conseguirão que a commissão que hoje
153
ad’ministra esta Alfandega trouxesse a missão de aniquilar o nosso Commercio, e
posto que as pessoas de senço não dessem attenção alguma a esses boatos, e
procedimentos da refferida commissão tem o tornado em crença popular. Esta
Camara está longe de pençar que a commissão tenha isso em vista, e mesmo, que
motivo algum reprovado seja a causa de seo procedimento, porem lamenta que
tomem vulto taes boatos, por que trazem a crença de se tornar o contrabando uma
necessidade, longe digo uma necessidade e que como já está sucedendo, longe de o
encararem como um crime o julgão necessario e se quando o bom sendo reprovava
esse crime era impossivel sua repressão, como será sendo julgado uma necessidade?
Estes males que estão patentes e que já sentimos seos effeitos, precisando de pronto
remedio esta Camara faltaria ao seus deveres se os não levasse ao conhecimento de
V.Ex.ª, pedindo providencias a respeito. Se há necessidade de ser impreccionada
esta Alfandega, esta Camara julga que para ser proveitosa tal inspecção, deve ser
feita por pessoas inteligentes e imparciais, e não por empregados de uma repartição
suspeitos de parcialidade contra esta Alfandega e que não sejão simples rotineiro;
para comprihenderem que os Regulamentos conficcionados para Alfandegas
maritimas, não podem ser exequiveis em todas as suas desposições em uma
Alfandega estabelecida na margem de um rio Central, onde se não pode impedir o
contrabando e em frente fazer definhar a uma Paiz Estrangeiro que tem interesse em
fazer definhar o Commercio licito, e substituil-o pelo do Contrabando do qual tira
grandes vantagens. Esta Camara espera da esclarecida solicitude de V.Ex.ª prontos
remedios que a tolhem estes malles. = [...] Sessão Extraordinária de 27 de Maio de
1857.
290
Provavelmente, a arrecadação diminuiu em determinadas épocas em razão da rigidez e
vigilância dos fiscais, fato que serviu de justificativa para que a Câmara de Vereadores
acusasse a fiscalização da alfândega de responsável pelo baixo fluxo de entrada de
mercadorias pelo porto da vila. Por isso, os barcos seriam quase que obrigados, em virtude
das altas tarifas e da dura inspeção, a descarregar as mercadorias em Restauración, logo em
frente a Uruguaiana.
Analisando a preocupação que a Câmara tinha com a rigidez que a administração da
alfândega exercia na fiscalização de mercadorias que chegavam ao porto de Uruguaiana, fica
claro que esta estava executando seu trabalho com competência. No entanto, a Câmara deixa
transparecer que isso prejudicaria o comércio legal local porque, dessa forma, a cidade
defronte a Uruguaiana, por ter taxas alfandegárias menores que as brasileiras, recebia esses
produtos para, mais tarde, introduzi-los de forma ilegal no comércio local. Essa prática estaria
levando ao crescimento do comércio na cidade de Restauración, o que era sinal de menor
arrecadação de tributos pela Câmara de Vereadores; por conseqüência, retardava-se o
desenvolvimento urbano da vila, bem como se dificultava o aumento de rendas dos
comerciantes locais.
290
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.135v.-137v.
Não é melhor usar
o original em espanhol?
154
Existe uma contradição no registro de correspondência da Câmara de Vereadores de
1865 quando reclama da rigidez da fiscalização alfandegária, pois, ao mesmo tempo em que
isso ocorria, a instituição temia os boatos que se alastravam pelo Império sobre a entrada de
produtos de forma ilegal pelo porto de Uruguaiana. Certamente, isso poderia influenciar a
população no sentido de ver essa prática como algo necessário para a manutenção do
comércio local; e, se isso se tornasse verdadeiro, seria difícil a repressão pelas autoridades.
-se, portanto, a preocupação da Câmara em relação ao porto, que era um dos
principais meios de arrecadação de tributos da vila, sem contar que os vários comerciantes
instalados na localidade estavam perdendo em seus rendimentos, já que o comércio ilícito
invadia a olhos vistos a fronteira. A importância da vila de Uruguaiana em relação ao
comércio fronteiriço e provincial sobressai-se nesse fato, pois a comissão de Rio Grande era
também acusada de tentar “apagar” este porto para que o de Rio Grande se sobressaísse. As
exportações e importações, devido à segurança, à invulnerabilidade e às condições que o porto
de Rio Grande poderia oferecer, seriam muito mais seguras que as do porto de Uruguaiana,
que não teria condições para participar do comércio fluvial com o Rio da Prata. A Câmara
seguia ponderando:
Illmo Exmo Snr. = A Camara Municipal desta Villa tendo recibido o officio
que V.Ex.ª foi servido dirigir lhe com data de 18 de passado sob n° 60 em resposta a
representação que derigio a V.Ex.ª em officio de 27 de Maio deliberou trazer ainda
com todo o respeito as seguintes considerações. Prezenciando esta Câmara az
continuadas queixas do Commercio e do povo contra administração da Commissão
mandada pela Thesouraria par a ad’ministrar a Alfândega desta Villa, e tendo
perfeito conhecimento que o procedimento dessa Commissão anima e põem em
voga o pernicioso Commercio licito digo Commercio de contrabando aniquilando o
Commercio licito; e que este proceder da Commissão e os boatos seguramente
infundados, porem que o procedimento da Commissão tem tornado em crença
popular faria julgarem se uma necessidade a prestarem toda a proteção ao ilícito
contrabando; tendo plena certeza destes factos, entendeo, que pelas dispozições do
art.° 71 e 72 da Constituição do Império e do art.° 1° da Lei de 12 de Agosto de
1834 era de seu rigoroso dever levar tudo do conhecimento de V.Ex.ª. Tendo
também esta Câmara profundo conhecimento por uma dolorosa experiência dos
males que tem causado a pr incipal industria deste Município, a criação dos gados o
continuo furto d’elles e a impunidade desse crime que o acoroçoa fundado nas
mesmas disposições de Leis e a exemplo de quase todas as Câmaras da província tão
bem derigio uma representação a respeito a Assemblea Geral pedindo medidas
Legislativas que ponha um paradeiro a esses males. Esta Câmara convencida como
está de que tanto a substituição do commercio licito pelo contrabando como está
succedendo e seguindo em progressão como a impunidade do objecto, alem dos
dannos que causão a fortuna dos particulares e publica implanta e a immoralidade e
a perversão dos costumes, julgou não só lhe competir como ter de seo rigoroso dever
levar ao conhecimento das autoridades superiores estes males e impetrar
providencias para sua exterpação; e tem tido a satisfação de ver pelos jornaes iguaes
representações de Câmaras desta província tem sido bem recebida pela Câmara dos
Senhores Deputados. Com a recepção do Officio citado de V.Ex.ª tão bem vio com
155
praser os louvores, que foi servido lhe dar pelo interesse que tomou pelo serviço da
Alfândega e proteção ao Commercio licito, veio porem com dor que V.Ex.ª julgou
ter amesma exorbitado de seus deveres ingerindo-se em negócios fiscaes e
ad’ministrativos. Esta Camara porem com o maior respeito pede licença para
declarar a V.Ex.ª que ninhuma ingerência, nem directa e nem directamente tem
tomado nos negócios fiscaes e ad’ministrativos, nem da Alfândega desta Villa e nem
de repartição alguma bem como apurar de ter tão bem representado contra a
impunidade do crime de abigeato, ninhuma ingerência tem tomado sobre a
administração da justiça criminal. A commissão que em vez de fiscalizar, hoje
ad’ministra despoticamente a Alfândega ainda não encontrando parte desta Camara
o menor óbice as suas medidas mesmo illegaes. Pode esta Câmara estar em isso
porem entende, que representar a Autoridade superior acerca de um mal de
perniciosa conseqüência para seu Município, posto que deriu da má ad’ministração
da Alfândega, não é ingerir-se em dita ad’ministração. E permitirá V.Ex.ª de ainda
fazer a respeito as seguintes ponderações: Tendo esta Câmara julgado do seo dever
levar ao conhecimento de V.Ex.ª os acontecimentos momentosos, que se tem dado
neste Município, e em todo o commercio do Uruguay, com a completa e rápida
invasão que estabelecêo a Commissão que veio ad’ministrar a Alfândega teve de
historiar os factos occorridos afim de que V.Ex.ª pudesse bem apreciar a natureza e
origem dos males que soffremos: procurou unicamente os consignar com verdade,
fundando-se na notoriedade publica. Só quis demostrar o que é patente isto é 1°que
ad’ministração da alfândega anterior a do Snr. Sousa Pinto, fez diferença digo fez
definhar o commercio licita as rendas da Alfândega; e especialmente o Commercio
desta Villa; tornando-se a Povoação em frente a esta, na província de Corrientes, o
imporio do commercio do Uruguay e vulgar o contrabando, que todos os dias
tomava maior vulto zombando que todos os dias digo zomgando das medidas
fiscaes, e mesmo das violências praticadas pelo então ad’ministrador da Alfândega.
° que com administração do Snr Sousa Pinto, quazi que se extinguiu o contrabando,
florecendo o Comercio d’esta Villa, tornando-se o deposito do Uruguay; e crescerão
consideravelmente a as rendas da Alfândega: 3° que com a inverção que estabelecêo
ultimamente a Commissão, que de fiscalizadora passou a ser ad’ministradora,
estagnou-se o Commercio desta Villa, com notável detrimento mesmo para as
rendas Municipais tornou-se o Povo em frente outra vez o empório do commercio do
Uruguay e o contrabando toma amplas proporções; e com já se patenteou
estabelecido, de que o fim principal da Commissão é aniquillar o Commercio do
Uruguay a fim de prosperar o do litoral e o pernicioso antagonismo, que se vai
estabellecendo entre esse commercio e o do Uruguay, forão com que se tornem
emproprios e ineficazes as medidas que se impreguem para estinguir o contrabando.
Do experto conhecerá V.Ex.ª e quanto tem sido e continua a ser anormal a
ad’ministração da Alfândega do Uruguay; e a poderosa influencia que lhe exerce
sobre o Commercio e prosperidade desta Villa, que sugeito aos caprichos do
ad’ministrador de Corrientes para entrar nesta por contrabando ora se estabelesse
nesta. Distante como está esta importante ad’ministração das benéficas vistas da
Exma Presidência e da Thesouraria sem que até hoje se tenha estabelecido um
systema fixo e regular de ad’minsitração não sendo como nas outras Alfândegas,
onde a mudança do pessoal da ad’ministração não traz alteração alguma nems na
computação dos Impostos nem no methodo dos despachos. Aqui tudo tem
dependido do pessoal, cada administração se julga autorisada a fazer rápida, e
desconmunais alterações; tanto ao systema de computar os impostos, como no dos
despachos; e V.Ex.ª convirá que tal estado de cousas não pode continuar sem
produsir graves malles.
Esta Câmara está certa que pelo art.° 58 da Lei de seo regimento é autorisada
a denunciar as prevaricações e nigligencias dos empregados públicos; porem não
tendo ingerência dos empregados alguma na ad’ministração da Alfândega não está
habilitada para obter documentos com que comprove uma denuncia em regra; e se a
câmara tem este dever, as autoridades judiciárias e ad’ministrativas, com mais meios
de acção tem mais positivos deveres a respeito, e mais amplos meios de porem em
pratica e por esta razão nem teve esta Câmara em vista quando representou a
respeito a V.Ex.ª e nem agora formular uma denuncia contra a actual ad’ministração;
porem unicamente representar acerca dos males que esta causando; e por isso ainda
156
julga ser lhe licito dizer a V.Ex.ª que se na ad’ministração anterior a da Commissão
existião abusos não consta, que existisse prevaricação por que os favores que são
concedidos a um não geralmente concedidos a todos, sem a menor dependência, e
menos retribuição: se nesses favores existião abusos, havia ao menos o mérito da
igualdade da honestidade e encoruptibilidade como é notório. Hoje porem, quando
haja honestidade e mesmo encorruptibilidade na ad’mnistração, o systema de a tudo
se por dificuldades e de tudo faserem dependência, não pode imperar grande
confiança por ser sabido, que os empregados malservidores costumão de tudo
faserem deficuldades e dependências afim de obterem favores ilícitos. Cumpre mais
a esta Câmara notar que tendo sido essa commissão nomeada para fiscalizar esta
Alfândega, desde que emcumbio-se de sua ad’ministração perdeo o caráter de
fiscalizadora da ad’ministração; porque, por que seria irrizoria a fiscalização, que
farião a seuz próprios actos; havendo portanto a urgente necessidade de ser o seu
turno fiscalisada. Finalmente esta Câmara pensando unicamente cumprir com seu
dever attendendo amagnitude do negocio, e para que a todo tempo seus Munícipes
não tenhão o direito de ataxarem de indeferente, é que pela ultima ser ainda occupa a
attenção de V.Ex.ª com estes negócios esperando que desculpará seos erros se sem
querer tem excedido de suas attribuições = [...] 10 de junho de 1857.
291
A Câmara da vila estava convencida de que o comércio ilícito era maior do que o lícito
e, no entanto, não existia um órgão que reprimisse com autoridade o contrabando e o roubo de
gado, prática essa prejudicial para a arrecadação de impostos e a fortuna de particulares, que
se viam obrigados a baixar seus preços para conseguir concorrer no mercado.
Em 1857 a comissão do porto de Rio Grande chegou à vila de Uruguaiana com o
objetivo de apurar a forma de fiscalização executada pela administração da alfândega, o que
gerou uma revolta por parte da Câmara de Vereadores, alegando que isso se devia a interesses
em aniquilar o comércio que era feito pelo rio Uruguai para que fluísse o do porto de Rio
Grande. A comissão tentou apurar os tipos de concessões ou favores que a administração do
porto fazia, porém, em relatório da Câmara de Vereadores,
292
fica claro que a administração
concedia favores, mas que não existiam abusos e havia honestidade, sendo que os favores não
eram para todos.
A comissão destinada a fiscalizar e apurar os problemas que se passavam no porto
acabou administrando-o por algum tempo, o que gerou atritos entre a Câmara e os fiscais,
que, conseqüentemente, foram totalmente renegados pela sociedade comerciante local e pelos
representantes do poder estatal. Isso gerou graves acusações por parte também da Comissão
contra a Câmara Municipal, visto que “nas entre linhas”, muitas vezes aquela acusava
291
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.139v.-142v.
292
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.139v.-142v.
157
membros desta Câmara de realizarem operações ilícitas, o que explicaria o porquê de não
estarem sendo aceitos na sociedade local.
Se, entretanto, for analisada a questão do pensamento mercantil, todo e qualquer
indivíduo que pratica algum tipo de comércio ilícito, no momento em que passa a ser
investigado, ou, até mesmo, impedido, por dificuldades impostas por um poder maior, de
exercer seu negócio lucrativo, passa a inverter a situação e tenta exaurir-se da culpa colocando
a responsabilidade sobre o representante da lei. Então, esse passa de fiscal a carrasco, tendo
sobre si toda a carga de repressão, característica dada a todo órgão ou indivíduo que exerça
cargo de fiscalização.
O porto de Restauración, segundo Medrano, em meados do século XIX, era o maior
irradiador de contrabando de produtos para o Brasil. Ali havia depósitos de mercadorias
praticamente construídos para utilização dos povos da província do Rio Grande do Sul.
293
Neles se guardavam os produtos que, depois, seriam redistribuídos para o porto em frente
através de chalanas, pailebotes, botes, goletas, lanchões, queches, canoas e balandras. Esse
procedimento era perfeitamente calculado, pois, logo no dia seguinte ao dia em que os
produtos eram depositados, passavam a ser retirados; dessa forma, era improvável que
servissem para consumo interno de Restauración.
294
Nota-se, portanto, que o comércio ilícito era muito conhecido pelas autoridades
brasileiras e, com certeza, como se pode observar através de relatórios expedidos pelos fiscais
da província vizinha, também esses tinham conhecimento do fato, que era um modo de fazer
circular os produtos produzidos tanto no lado argentino como no brasileiro.
Vários problemas sobrepunham-se para barrar o contrabando, pois, desde os tempos
em que essas terras da fronteira pertenciam à Espanha e a Portugal, o comércio ilícito era
largamente praticado por pessoas que tinham propriedades perto das linhas de fronteira e por
comerciantes que vinham até à região apenas para receber ou transpor a mercadoria que
estaria do outro lado do rio. Portanto, a fiscalização só seria realmente eficaz numa área
293
ME DRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império
Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.171.
294
RELATÓRIO do chefe da Administração de Rendas de Restauración. Diário Oficial do Império do Brasil. 30
de agosto de 1863, nº196, 1863. (manuscrito).
158
consideravelmente extensa se houvesse vários postos fiscais e se os três países envolvidos nas
transações tivessem meios de fiscalização mútuos e cooperativos.
Tais práticas de fiscalização, entretanto, não aconteciam. Por isso, quando da liberação
da navegação dos rios Uruguai e Paraná, o Brasil viu-se em péssima situação quanto ao
contrabando na região, e também na região de Mato Grosso, pois esta foi uma medida tomada
entre a República Oriental e a Confederação Argentina visando à maior fluência do comércio,
lícito ou ilícito. Havia uma certa conivência de ambos os Estados e do Brasil com os
contrabandistas, pois em todos os sentidos estava sendo facilitada a travessia de longas
distâncias, por água ou por terra para a comercialização de produtos vindos da Europa.
Talvez fosse por esse motivo que os produtos do contrabando eram introduzidos nas
costas do Uruguai à noite ou quando o clima dificultava sobremaneira a fiscalização, como
ocorria no inverno, quando ficavam ainda mais difíceis as incursões de fiscais até regiões
mais distantes das vilas e que, efetivamente, eram pontos de concentração e desembarque de
mercadorias provenientes da região do Prata. Medrano afirma que “a história do contrabando
esteve intimamente ligada às fronteiras dos três países: Brasil, Uruguai e Argentina. Neste
triângulo tiveram grande participação as povoações de Salto (Uruguai), Restauración
(Confederação Argentina) e Uruguaiana (Brasil) além de outras intermediárias, entre elas
Concórdia (Argentina).”
295
Em Uruguaiana, o comércio crescia rapidamente e seus comerciantes ampliavam cada
vez mais seus capitais. No entanto, inúmeras vezes os acontecimentos levaram a que esses
mesmos comerciantes optassem pelo comércio ilícito e pelas operações ilegais de compra e
venda de mercadoria. Nessas transações estavam envolvidos principalmente estrangeiros que
conheciam os movimentos e maneiras como agiam os contrabandistas. A respeito, em uma
correspondência da Câmara de Vereadores de Uruguaiana, lê-se o seguinte:
Nº 7 Illmo Exmo Snr. = A Camara Municipal desta Villa tem a honra
responder ao officio de V.Ex.ª datado de 24 de Janeiro findo e que não fez mais
antes por querer recolher dados certos acerca da informação que V.Ex.ª ordena de
esta Camara sobre a materia do artigos nelle expressados; e o que pôde obter digo
observar a V.Ex.ª he o seguinte: 1º que os objetos de producção, ou de industria da
Provincia exportados para os estados vezinhos são, Erva-mate, madeiras, Fumo,
farinha de mandioca, tamancos, Arreios, Aguardente, Carretas feitas, Égoas, e Gado
295
MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império
Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.183.
159
de criar; cujo numero e valores, não se pode calcular, por serem condusidos por
deferentes pontos da Fronteira, e fora do alcanse em todo sentido desta corporação.
Em quanto a importação consiste ella em generos estrangeiros de toda classe que
admittem introducção por sua conveniencia mercantil, sem que mesmo se possa digo
sem que mesmo tambem se possa calcular seus valores nem numero. Quanto porem
finalmente ao contrabando, permitta V.Ex.ª que usando da linguagem da verdade,
ponha esta corporação as causas no seu verdadeiro ponto de vista: não he Exm.º Snr.
so o immenso litoral que há em toda a costa do Uruguay e linha de Fronteira, que
occasiona o grande contrabando por que esta dificuldade sempre existio; e nunca
houverão tantos contrabandos como de algum tempo a esta parte: os Commerciantes
preferem arruinar seus capitaes antes que ver-se em presença do Snr. Inspector
Flores, homem cujo caracter austero, bellicoso, e nada urbano, tem mesmo dentro da
Alfandega e no exercicio de suas serias e delicadas funcçoes insultado a Negociantes
que alli hião com toda a moderação fazer seus despachos tem mandado presos
alguns injustamente, mandado dar buscas e outras muitas travas, que perjudica,
aterrorisa, e definha o Commercio; com todas estas violencias proprias de um
caracter subversivo, bem se deixa ver que os Commerciantes preferem negociar com
grave risco de seus Capitaes, de que ver ao Snr. Flores, e mesmo é tal a odiosidade
geral contra as acções desta Snr., que ainda que alguem veja os contrabandos
ninhum os denuncia. Não assim se esta Alfandega tivesse hum homem que tratasse
bem e com politica a todos, sem deixar de ser excecto nas funcções de seu dever em
tão se veria que esse immenso contrabando sessava de facto, por que não esta na
conveniencia mercantil tomar essa via, senão forçado a isso pelas razões que leva
ponderado esta Camara. Talves em outras partes hajão outros motivos, mas nesta
Fronteira não conhece esta Corporação outros que possa dar a V.Ex.ª sobre este mal.
= 11 de Junho de 1853.
296
-se, no trecho extraído do livro de registro de correspondências da Câmara da vila
de Uruguaiana, uma preocupação das autoridades em tentar controlar o contrabando feito em
toda a fronteira oeste, principalmente nessa localidade, pela facilidade da transação de
mercadorias e pelo porto, que se mostrava um dos mais movimentados da província, como se
viu no capítulo anterior. Outro ponto discutido na ata, que, na verdade, era o foco central da
carta, conforme visto através da troca de correspondências desta Câmara com a Presidência da
província, era a austeridade e os prejuízos que vinha causando aos comerciantes o inspetor da
alfândega de Uruguaiana na época, sr. Flores.
297
O funcionário, tendo em suas mãos o poder
de fechar e de inspecionar as mercadorias e as vendas de produtos na vila, vinha, já há algum
tempo, quando discussões e causando problemas aos comerciantes da vila.
Segundo a Câmara, as exportações davam-se por vários lugares, o que dificultava a
apuração do montante exportado, e as importações envolviam todos os tipos de produtos,
desde que fosse favorável sua comercialização na vila e na região. Dessa forma, também se
pode perceber na correspondência supracitada que a Câmara de Vereadores tinha ciência do
296
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.97v.-98v.
297
Não foi possível através da documentação arrolada no Centro Cultural Dr. Pedro Marini, saber qual era o
nome completo deste inspetor da alfândega, por esse motivo utilizamos apenas a forma como é citado nas
correspondências da Câmara enviadas ao presidente da província.
“Uuuuuuuh”...
Assombra quem?
Melhor excluir ou
trocar por “esse inspetor”...
Tempo verbal...
160
que ocorria em sua jurisdição referentemente ao comércio ilícito. No entanto, a culpa disso
recaía no funcionário da alfândega, que estaria agindo de maneira muito enérgica em suas
atividades, o que os comerciantes não aceitavam por não estarem acostumados a esse tipo de
tratamento.
De maneira mais clara, vê-se que o contrabando se realizava de tal forma que as
autoridades tinham conhecimento do fato, contudo nada faziam a não ser tentar autuar os seus
praticantes em flagrante, o que raras vezes acontecia pela falta de pessoal e também pela
indulgência das autoridades em não procurar reverter esse quadro.
Entretanto, não era só o contrabando em si que se constituía numa forma de comércio
ilegal, numa tentativa de burlar as leis fiscais do país, pois também havia a cobrança de
tributos sobre produtos importados. Essa tributação muitas vezes acabava gerando prejuízos
aos cofres públicos, pois o produto passava a ter outra taxação, e não a que lhe era cobrada
por tabela. Isso geralmente ocorria porque, ao entrar na alfândega, o produto era registrado
como tendo outra origem e outro tipo diferente daquele de que realmente derivava.
Transparece, ainda, no texto transcrito que a Câmara tentava justificar a prática do
contrabando pelos comerciantes com o tratamento que era dado pelo inspetor, sr. Flores. Por
isso, apontava uma solução para que cessasse essa prática, que seria a de a alfândega ter uma
administração que tratasse todos com uma política alfandegária de acordo com as
necessidades da vila.
Referentemente a isso, a Câmara de Vereadores, por diversas vezes, demonstrou
querer manter uma estabilização nas contas do município, pois vários eram os comerciantes
que se dirigiam à região apenas para comprar os produtos vindos através do rio Uruguai, para
depois revendê-los em outras cidades do interior da província; assim, Uruguaiana não tinha
lucro algum com esses negócios. Provavelmente por esse motivo, em 1851 a Câmara fez uma
revisão de suas Posturas e incluiu nelas os artigos seguintes:
ARTIGOS DE POSTURAS JUNTAS AO Nº 6
A Camara Municipal desta Villa de Uruguayana, tomando em
consideração que o Commercio da mesma Villa e seu Termo hé em grande parte
manejado por individuos Estrangeiros, os quaes ao mesmo tempo que disfrutão por
esse lado todas as vantagens, e gosos privativos dos Cidadaos Brazieleiros, estão
izemptos do Serviço publico de que estes são onerados; e que a continuação de tal
Commercio há extremamente nocivo aos Negociantes, já por que a aglomeração de
Tempo verbal...
161
generos de negocio importados, e dispostos n’este Municipio pelo Estrangeiro tem
produsido o esmorecimento do Commercio Nacional pela difficil extracção dos
generos, já por aquelle Commercio em lugar de concorrer para o progresso do
Municipio, contribue para seu descrecimento e ruina em razão de não ter
estabelidade, e permanecer só o tempo conveniente para a Venda da factura
effeituada, a qual se retirão os Negociantes com o numerario, desfalcando o
Municipio, e amesma Provincia de sua riquesa intrinsiga; baseada na authorização
que lhe confere o art.º 40 da Carta de lei de 1º de Outubro de 1828, accordoce em
Sessão extraordinaria de hoje formular a este respeito as posturas expressas nos art.º
seguintes =: Artigo 1º A Camara Municipal não concede d’ora avante licença a
individuo algum Estrangeiro não se permitindo pelas ruas, tendas estaveis, ou
volantes ou em quaesquer armaçoens, bolichos, bebidas espirituosas, quinquilharias,
generos, ou fazendas de qualquer denominação, que sejão excepto = § 1º Quando se
convença de que o Commerciante Estrangeiro utiliza com seu Commercio ao
Municipio, tanto por sua permanente estabilidade, como por que do giro de seu
negocio reverte em beneficio reaes ao mesmo Municipio = § 2º - Aos Estrangeiros
nas circonstancias do § precedente so serão consedidas as licenças mediante uma
quantia pecuniaria, que deverão pagar annualmente a qual será arbitrada pela
Camara em relação aos fundos do Negocio; que se pertender dispor, não sendo o
arbitramento nunca menos de 200$000 reis annuaes, alem dos direitos Municipaes
athe o presente estabelecidos = Art. 2º - A cautelando a Camara que não sejão
fraudadas as disposiçoes do art.º 1º estabelece, que o individuo Brazileiro em recaíra
suspeita, de que não hé o proprietario do Negocio mas sim o Agente de algum
Estrangeiro, fica sugeito para obter a licença de abrir casa de Negocio, ou vender por
mascateação, a prestar todas as informações e esclarecimentos que a Camara exigir
té que ella fique no cabal conhecimento da ligitimidade do proprietario = Art.º 3º
Estipular-se-há o prazo de trez meses contados da Publicação destas posturas para os
Negociantes Estrangeiros ora residentes, ou volantes no Municipio, construirem suas
tranzações commerciaes, devindo elles pagarem de suas patentes só a quota
correspondente ao trimestre e serem indemnizados da quantia que houverem
adiantado, excepto. § 1º e único, Aquelles que comprehendidos nas disposiçoes dos
§§ 1º e 2º dos art.º 1º, obtiverem a respectiva licença para continuarem em seu
Negocio = Art.º 4º Todo Negociante Estrangeiro que espirado prazo de 3 meses
proseguir em seu negocio sem previa licença, serão condennados a pena de oito dias
de prisão, e a de multa de 30$000 reis, e o duplo d’estas penas nas reincidencias, as
quaes serão contadas de quinze em quinze dias = Art.º 5º Ficão libres para a
serventia do publico, as pedreiras e Fontes do Municipio, A Camara fara demarcar a
aria sufficiente para tirar a pedra que se precise para construcção de edefficios d’esta
Villa. Todo aquelle que por qualquer maneira procurar empedir dificultar, ou vexar
o publico no uso de semilhantes objectos, incorrerá na multa de 30$000 reis e oito
dias de Cadeia, e nas reincidencias o duplo = Art.º 6º Ficão sendo absulutamente da
serventia publica os montes do Uruguay e de todos os arroios banhados por este.
Todo aquelle que por qualquer rmotivo procurar empedir o uzo d’elles ao publico,
incorrerá na multa de 30$000 e oito dias de cadêa e o duplo nas reincidencias = [...]
Villa de Uruguayana em Sessão extraordinaria de 12 de Fevereiro de 1851.
298
Fica clara a preocupação da Câmara com suas finanças, utilizando como pano de
fundo, para isso, os estrangeiros que já se eram em grande número na vila, estabelecendo uma
grande rede de comércio entre o interior e o exterior e, por isso, “definhando o comércio
nacional”. No entanto, isso seria justificado por volta de 1851, pois a produção brasileira
restringia-se às regiões mais desenvolvidas e mais antigas do país, como Rio de Janeiro, São
298
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.68-69.
162
Paulo e Minas Gerais; as demais só apareciam como portas de entrada, de passagem ou de
saída dos produtos beneficiados em outras regiões.
Num ato para tentar “proteger” o comércio, a Câmara resolveu dificultar ao máximo as
relações comerciais efetuadas dentro da vila por estrangeiros, mesmo que esses estivessem já
há algum tempo ali estabelecidos. No entanto, essa corporação não esperava que tais medidas
levariam ao definhamento do comércio legal e, sobretudo, que intensificariam o contrabando,
efetuado até entre as famílias, principalmente de franceses, que vinham para a região
fronteiriça, onde se estabeleciam em ambos os lados do rio Uruguai para, assim, controlar as
relações ilícitas entre esses países.
Como se viu no capítulo anterior, os meios de transporte eram essenciais para o
florescimento e a manutenção de um comércio rentável, já que, na segunda metade do século
XIX, ainda não havia meios seguros e rápidos. Por essa razão, Uruguaiana e outras cidades
ribeirinhas eram beneficiadas visto que a navegação era permitida, dando condições a um
transporte de mercadorias mais veloz.
Em 1865, a Câmara discutiu com a Assembléia provincial a possibilidade da abertura
de um passo localizado no Rincão de Japejú, na boca do rio Ibicuí, denominado Passo de
Santa Maria, o qual já era utilizado pelos jesuítas para transpor o rio Ibicuí.
299
A reutilização
deste passo resultaria na melhoria das comunicações comerciais com Itaqui e São Borja, e
também com Cruz Alta, que se localizava na região central da província, local este de grande
concentração de gado. Isso deixa clara a importância das comunicações comerciais entre as
cidades do interior da província e as de fronteira.
O comércio utilizava como meio de transporte principal a navegação do rio Uruguai,
contudo dependia totalmente das condições do rio, ou seja, em épocas de cheias podiam subir
o Uruguai grandes embarcações, levando maior quantidade de produtos. Todavia, o comércio
tinha uma grande preocupação com a possibilidade de criar outros meios de transporte, como
as estradas, que se tornaram fundamentais para a saída e entrada de produtos na região.
299
Verificar em URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861).
Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.127v.-128v.
163
Em certa correspondência, a Câmara pedia à Assembléia Provincial providências para
efetuar melhoramentos na estrada que ligava a vila de Uruguaiana a Alegrete, o que seria de
grande importância para o crescimento do comércio. De sua parte, a Câmara comprometia-se
em fazer barreiras ao longo do trecho para cobrança de impostos na tentativa de amortizar os
valores desembolsados pela Assembléia. Em 1857, a vila já tinha uma linha viária que a
ligava até Salto, no Estado Oriental, para onde se dirigiam duas vezes por semana, o que
facilitava a comunicação entre ambas.
300
A Câmara de Uruguaiana, em correspondência dirigida aos deputados da Assembléia
Constituinte Nacional, solicitou em 1862 que se permitisse a navegação do rio Uruguai por
barcos movidos a vapor e não à vela, estes muito mais lentos e dependentes das condições
naturais que os primeiros. Um dos motivos alegados pela Câmara era a redução do
contrabando, o que ocorreria mais facilmente com os barcos movidos à vela, pois esses eram
muito menores, baratos e serviam basicamente para a travessia do rio de uma margem à outra.
O documento tinha o seguinte teor:
Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação Brasileira.
A Câmara Municipal da Villa Uruguayana, província de Sam Pedro do Rio
Grande do Sul, solicita em promover todo o progresso material e moral do
município que representa, com o mais profundo e devido respeito vem confiada no
interesse que os Augustos Representantes da Nação tem mostrado em promover
todos os ramos, que tendem ao engrandecimento do Império de Santa Cruz, pedir-
vos em nome de seus munícipes que adopteis o Projecto de Lei, já approvado pela
Câmara dos Senhores Deputados, em sua ultima Sessão relativa ao contracto
celebrado com João Carlos Pereira Pinto, para a navegação á vapor no baixo e alto
Uruguay e para Merecer este importante beneficio á este e out ros Municipios da
Fronteira da província, esta Câmara passa a ponderar algumas de suas vantagens. O
magestoso rio Uruguay, que banha esperançosas povoações das Comarcas de
Alegrete, S.Borja e outras foi por algum tempo deixado no olvido, sem se cuidar de
sua navegação, que era, e ainda é, feita por pesados barcos de vellas, que levão
meses a transpor-se de uma a outra povoação rio acima, por ser pouco freqüentes os
ventos favoráveis para ella com esse quase abandono, esta Villa, as de Itaqui e
S.Borja, e mesmo as Misões se achavão na tutela e dependência do commercio do
Rio Grande e Porto Alegre, d`onde para traserem seus sentimentos, era necessário
transportarem suas mercadorias em distancias de mais de cem legoas por escabrosas
montanhas e mãos caminhos com essa morosa via de transportes, lento era o seu giro
commercial estabelecido porem um maior ponto a navegação a vella, com mesma
lentidão se tornou o commercio entre estas povoações e as praças do Estado
300
“Este Commercio porem é todo elle feito pela navegação do Uruguay, e por esta rasão depende do estado do
rio e só se desenvolve quando tem elle aguaz para ser navegado. Para poder este Commercio ter o necessário
desenvolvimento de pende de estradas; e as que existem são apenas trilhas feitas pelas carretas sem o menor
beneficio da industria humana. Sendo um dos pontos com que esta Villa sustenta um maior commercio a Cidade
Alegrete, distante desta apenas 22 leguas, para onde não só as relações commerciais como por ser o centro da
Comarca e sede do Juiso de Direito, faz com que haja um continuo transito; [...]” URUGUAIANA. Câmara
Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1849-1861). Acervo do Centro Cultural Dr. Pedro
Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.144.-144v.
164
Oriental, d`onde se principiou a entreter relações commerciaes; mas esse commercio
se tornou em parte pernicioso pelo nefando trafico do contrabando, por que sendo
elle condusido por pequenos barcos de vellas, á esse crime se prestão pela facilidade
de, em qualquer das margens do rio Uruguay, a portarem. Com a vinda do Vapor
Uruguay, tornou-se porem mais rápidas essas relações de commercio, e em parte
minorou-se o contrabando, por que sendo, como são, os transportes feitos por este
vapor, com mais promptidão, não se póde fazer o contrabando, pela rasão de
condusir elle sempre grande numero de passageiros, verdadeiros espectadores, e ter
suas viagens mais certas, rapidas e conhecidas, o que não acontece com os pequenos
barcos á vella, que apenas tripulado por 2 ou 3 homens, e quase de esclusiva
propriedade de aventureiros, se prestão com facilidade ao contrabando. Ora
estabelecendo -se uma linha de vapores regular, necessários para o conducção das
mercadorias exportadas dos Paises visinhos para os nossos portos cessará
necessariamente em grande parte essa navegação prejudicial ao Fisco Nacional, e
tomará de necessidade os transportes dessas mercadorias com mais segurança,
rapides e a vista de muitos passageiros, e de um maior numero de tripulação
necessario a navegação á vapor, e d`esta forma não será fácil o contrabando. A estas
circunstancias está ligado o grandioso porvir que espera esta parte do Império, e o
seu respeito ao estrangeiro visinho, que verá as promptas communicações de
providencias, e a rapidez commoda da conducção de tropas necessárias para
sustentar a dignidade do Pavilhão Brasileiro, feita nestas fronteiras, por máos
caminhos. Em vista das rasões que esta Câmara apresenta, provendo o augmento
moral e material, que resultará da navegação á vapor em maior escala e com
regularidade feita, o usa, como representante de seu Município e pelo interesse do
commercio licito, pedir aos Augustos e Digníssimos Representantes da Nação, a
approvação do referido projecto de lei, atualmente submettido as suas sabias e justas
decisões. [...] Uruguayana, 11 de Dezembro de 1862.
301
A partir da navegação do rio Uruguai por vapores, o contrabando começou a se
desenvolver de maneira um pouco diferente, pois, a partir daí, cresceu sua incidência mais à
noite, visto que, durante o dia, era mais fácil identificar as mercadorias e os navios que as
transportavam. Na época, havia empresas de trânsito fluvial especializadas em conduzir
contrabando, como a de Antonio Corso, famoso contrabandista .
No que se referia aos passageiros, era comentado no ofício como sendo um empecilho
para a prática do contrabando; na verdade, foi um meio encontrado para que este se realizasse
sem maiores problemas, porque, como se pode encontrar no relatório enviado pelo vice-
cônsul argentino em Itaqui às autoridades argentinas em 1870, as tripulações, em sua maioria,
eram compostas de italianos (genoveses), brasileiros e argentinos (muitas vezes filhos dos
primeiros), que neutralizavam qualquer ação contrária ao tráfego dos vapores no alto
Uruguai.
302
301
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.38v.-40.
302
Ver MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império
Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.188.
165
Em 1871, entretanto, o vice-cônsul argentino de Itaqui escreveu uma carta aos
representantes da nação comunicando que o vapor “Uruguay” deveria ter sua licença cassada
para evitar que se alastrasse ainda mais o contrabando. Por meio deste, que não tinha embargo
nenhum ao transitar livremente pelo rio, efetivava-se a maioria dos trâmites do comércio
ilegal, até mesmo porque não mantinha itinerário fixo e, muito menos, conduzia passageiros
constantemente, acabando por arrebanhar toda a cabotagem do alto Uruguai.
303
Lilia de Medrano, em sua dissertação sobre a navegação fluvial nos rios Uruguai e
Paraná, aponta que o vapor “Uruguay”, brasileiro, provavelmente pertenceria à empresa do
contrabandista Antonio Corso, muito conhecido na região da fronteira por fazer contrabando
de elevadas cargas de mercadorias.
304
No entanto, como se pode verificar pela
correspondência anteriormente transcrita, mantida entre a Câmara Municipal de Uruguaiana e
os deputados da Assembléia Geral, este navio pertencia a João Carlos Pereira Pinto, dono de
uma das empresas de transporte fluvial com sede em Uruguaiana.
Na época em estudo, era muito comum a Câmara de Vereadores fornecer atestados de
prestação de serviços a várias pessoas que residiam e trabalhavam na vila de Uruguaiana,
como se pode ver a seguir, no atestado dado ao vapor “Uruguay” seis anos antes da
declaração do vice-cônsul argentino em Itaqui. Este navio foi o primeiro movido a vapor que
saiu do porto de Uruguaiana para fazer transações comerciais e levar passageiros para outras
regiões da costa do rio Uruguai.
A Câmara Municipal de Uruguayana. Attesta que o Vapor Uruguay, tem
prestado utilidade ao commercio e é muito necessária a sua continuação, e bem
assim que tem o mesmo Vapor soffrido prejuízos não só pela paralisação do
commercio devido a guerra do Estado Oriental, como por ter tido occasião de não
poder viajar pela grande seca do rio Uruguay. A sua continuação é de grande
utilidade para o commercio das povoações da Costa do Uruguay, não só para os
transportes de cargas, como mesmo de passageiros, a qual por embarcações de vela é
difícil e muito demorada pela escacez d`algumas veses d`água, e outras de vento.
Secretario da Câmara Municipal de Uruguayana, 15 de Fevereiro de 1864. O
presidente Florentino José de Abreu.
305
A partir do final do ano de 1864, a população da vila de Uruguaiana começou a se
alarmar com as investidas paraguaias realizadas ao longo da costa do Rio Grande do Sul e
303
Ver MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o Império
Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.188-189.
304
MEDRANO, op. cit., p.189.
305
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.68.
166
também do lado argentino. De 26 de julho até o 13 de outubro de 1865, não houve registro
algum nos livros de correspondências da Câmara Municipal, que, no dia 5 de agosto, foi
invadida pelas hordas paraguaias que vinham de São Borja, permanecendo sob seu domínio
até 20 de setembro, quando foi retomada pelas tropas da Tríplice Aliança, com a presença do
imperador dom Pedro II.
Mais um golpe foi desferido contra a municipalidade e o Estado em geral com a
Guerra do Paraguai, pois, como relata Guilhermino César, “durante os choques
sangrentos,[...] o estímulo essencial ao prosseguimento da luta eram os animais de tração e o
gado para o munício.”
306
Uruguaiana foi invadida pelos paraguaios, devastada e retomada pelas tropas
brasileiras e da Tríplice Aliança num período de mais ou menos dois meses, e a grave crise
que isso gerou repercutiu até cinco anos depois. Um exemplo dos gastos feitos na guerra e das
perdas referentes aos impostos pode ser constatado no seguinte trecho de documento da
Câmara Municipal:
A Câmara Municipal da Villa Uruguayanna determina ao Senr. Fiscal
ambulante Mariano Marques de Figueredo que quanto antes vá ao Paso de São Borja
o aonde se achar o Senr. José Lopes Ribeiro fornecedor da 2
a
Divisão sob o
Commando do Ex.
mo
Senr. Barão de Jacuhy exija do mesmo Senr. Fornecedor o
pagamento do imposto de 500 reis por cabeça do gado morto para fornecimento da
mesma Divisão d’esde o mez de junho ate o diaem que passou a mesma Divisão o
Rio Ibichuhy e caso o referido fornecedor se oponha ao pagamento pode com a
presente Portaria por ficar assim autorisado para isso chamal-a a Juiso e proceder a
cobrança judicialmente requerendo em Juiso e fora delle as certidões e mais papeis
precisos alem da cobrança do referido imposto, no caso de ser paga a Câmara M.
al
sem que seja preciso os meios indiciaes fica também o mesmo Senr. Fiscal
habilitado a passar a competente quitação. Uruguayana, 26 de Janeiro de 1866.
307
Assim, como em tantos outros casos de cobrança posterior ao abate das cabeças de
gado que mantinham as guarnições que se encontravam em Uruguaiana durante e após a
guerra do Paraguai, percebe-se o decréscimo ocorrido tanto nos rebanhos quanto na
arrecadação de impostos da vila. Isso leva a crer que, daí em diante, o contrabando teria
passado a ser ainda mais consentido em alguns pontos.
306
CESAR, O contrabando no sul do Brasil, p.43-44.
307
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.93.
“foi”
167
Noutros casos, como o que se pode ver em seqüência, as mercadorias que eram
transportadas pelos navios e barcos que trafegavam pelo rio Uruguai entravam de forma ilegal
no porto de Uruguaiana. Isso dependia muito da fiscalização que estivesse regendo a
alfândega da vila, pois, assim como havia a consciência sobre a realização do contrabando, a
apreensão deste variava de acordo com a postura do inspetor da alfândega. Por vezes
observou-se que a atuação dos inspetores foi reprovada pela Câmara por ser muito enérgica e
violenta, ultrapassando os limites de direitos e necessidades dos cidadãos.
mara Municipal da Villa Uruguayana 18 de Maio de 1866. Ill.
mo
Senr.
Accuso a recepção d’officio que V.S.ª hoje me dirigio e em resposta tenho a dizer a
V.S.ª que a salla do Illmo digo salla das sessões da Câmara Municipal esta occupada
com os trabalhos do Illmo Senr. Juis de Direito e nem deve servir de deposito de
mercadorias também poderão ser depositadas. D. G. V.S.ª Illm.º Senr. João Benicio
da Villa Juis Municipal. Luis Manoel de Sousa. Vereador presidente. Salvo a entre
linha, onde diz aprehendidas como contrabando. O Secretario Interino.
Câmara Municipal na Villa de Uruguayana 7 de Junho de 1866. =
Illustrissimo Snr. = Tenho presente o off.º de V.S. datado de 2 do corr. no qual me
participa que pelo meu off.º de 18 do corr. digo 18 do ppassado mez, em resposta ao
seu da mesma data, ficou sabendo que as mercadorias por V.S. apprehendidas,
naquelle dia, 18, em caza de João Tomas erão de contrabando, e por isso exige de
mim agora informação circunstanciada sobre o modo pelo qual se effectuou esse
contraba ndo visto que fui eu talvez a primeira autoridade que delle teve
conhecimento. Admirando a perspicácia e atilamento com que V.S.ª foi achar no
meu citado off.º revelações importantes só pela simples circunstancia de haver eu ali
proferido a palavra contrabando referindo-me ás mercadorias que V.S.ª exigia ter
apprehendido, devo declarar a V.S.ª em resposta a seu off.º de 2 do corr. que todo o
conhecimento que tenho dos factos sobre os quaes me pede informação
circunstanciadamente me veio do modo e apparato com que V.S.ª effectuou a
deligencia da aprehensão em casa de Tomas, entrando ali sem as formalidades
legaes, prendendo o dono da casa e conservando-o recluso e incommunicavel com
uma das peças da mesma casa como verifiquei quanto lá fui movido pelo natural
desejo de saber que grande acontecimento se havia dado naquella casa. Observando
a maneira brusca e violenta ao procedimento de V.S.ª, que para mais apparato
mandou postar a porta do Tomas uma guarda, como si se tratasse se capturar
naquella casa alg.
m
grande criminoso, e tendo ouvido a alg. Empregado e
marinheiros da alfândega, que tudo aquillo era devido ao ter havido uma denuncia
de contrabando, não hesitou em qualificar de apprehenção de contrabando a que
V.S.ª effectuou naquelle mesmo dia e sobre a qual officiou-me pedindo a salla das
sessões da Cam.ª Municipal p.ª serem depositadas as mercadorias apprehendidas.
Muito reconhecido seria eu a V.S.ª me quisesse indicar que outra cauza deveria ou
poderia eu attribuir a apprehensão, senão a denuncia de contrabando. Pelo exposto
ficará V.S.ª na intelligencia de que se erro houve da sua parte em suppor que se
tratava de uma apprehensão de contrabando foi esse erro se visto tão som.
e
porque vi
e ouvi na occasião em que V.S.ª praticava a deligencia da busca em caza de Tomas.
Por conseqüência mais no caso está V.S.ª se me dar informações a respeito do que
eu de dalas a V.S.ª. Julgo ter assim satisfeito á requisição de V.S.ª em seu citado
off.º. [...] Illm.º Snr. Dr. João Benicio da V.ª Juis Municipal deste termo. Assignado,
Luis Manoel de Souza, Vereador presidente.
308
308
URUGUAIANA. Câmara Municipal da Vila de Uruguaiana. Livro de Registros... (1861-1869). Acervo do
Centro Cultural Dr. Pedro Marini, Uruguaiana. Arquivo Sala Raul Pont. p.96-97.
168
Durante a guerra, haviam ocasiões fortemente propícias ao desenvolvimento do
contrabando em uma fronteira atacada, desprotegida de qualquer fiscalização, tendo sobre si
somente os olhos e as armas dos inimigos e, especialmente, dos aliados que ali se
encontravam efetivando conchavos, enlaces momentâneos com o Império, e a fronteira. Como
diz Guilhermino César: “na guerra ou na paz, a lei da fronteira, como que inspirada no mito
de Ariel, planava acima do bem e do mal.”
309
Os vice-consulados estabelecidos em algumas cidades estratégicas de toda a costa do
rio Uruguai também agiam permanentemente buscando tentar deter o avanço do contrabando.
Naquela época, os consulados tinham um importante papel nas questões que envolvessem
seus respectivos países nas localidades onde se encontravam.
Para entender melhor como se dava essa atuação, é preciso analisar o fato que ocorreu
em Restauración (Paso de los Libres), onde somente em 1867 se fundou um consulado
brasileiro
310
. Daí em diante, esta vila perdeu todo o poder que detinha frente ao contrabando
internacional, o qual coadjuvava desde antes da fundação da sua vizinha Uruguaiana. Isso
aconteceu justamente porque o consulado começou a exigir maior fiscalização e
documentação dos navios, especialmente na reexportação de mercadorias que passavam em
trânsito por ali.
Por causa, sobretudo, da pouca ou precária fiscalização nas alfândegas de Itaqui e São
Borja, era muito comum que os produtos contrabandeados fossem maquiados ou misturados
no meio de cargas normais para entrarem sem problemas nessas vilas. Os produtos
contrabandeados diversas vezes eram carregamentos recolhidos durante a viagem entre o
porto de Uruguaiana e os outros dois portos da costa brasileira no rio Uruguai.
Para evitar maiores problemas, segundo Medrano, as companhias fluviais que agiam
no rio Uruguai, duas, inclusive instaladas em Uruguaiana, tinham para seus navios vários
despachos que designavam as mercadorias para os portos de São Tome ou La Cruz. Dessa
forma, no momento oportuno, os contrabandistas, após passarem pela fiscalização,
309
CESAR, O contrabando no sul do Brasil, p.59.
310
Verificar em MEDRANO, A livre navegação dos rios Paraná e Uruguai: uma análise do comércio entre o
Império Brasileiro e a Argentina (1852-1889), p.185.
169
desembarcavam as mercadorias no arroio Aguapehy à noite ou em horário previamente
marcado, deixando esses produtos em costas brasileiras.
311
É de se notar que os contrabandistas tentavam de todas as maneiras possíveis enredar
em sua prática até mesmo os comerciantes mais honestos, que também sofriam com as tarifas
de importação e exportação cobradas nas alfândegas; logo, era preferível pagar um valor
muito mais baixo para os contrabandistas, que sempre conseguiam entregar a mercadoria onde
o cliente desejasse.
311
MEDRANO, op. cit., p.187.
170
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de um projeto e de muitos interesses políticos e econômicos, o território que
hoje compreende o Rio Grande do Sul começou a ser visto de maneira diferente pelos olhos
europeus, mais especificamente, ibéricos. Assim se iniciou uma leva de ocupações, avanços e
retrocessos no processo de fixação de divisas, que obedeciam apenas a uma geopolítica
desenvolvida por uma Coroa sedenta por terras e soberania na América do Sul. De outro lado,
havia a Coroa vizinha de além-mar, Portugal, que também buscava uma territorialidade que
fosse oportuna para suas ambições econômicas e políticas, principalmente as envolvidas com
a região do Prata.
Com a participação da Companhia de Jesus, vários acontecimentos foram sendo
desenvolvidos em toda a região sul do continente, mais especificamente, na região do Prata.
Um desses acontecimentos foi a economia, originada, a princípio, para o consumo próprio e,
posteriormente, chegando a fazer parte da grande rede de comércio da região platina, por onde
se faziam as exportações dos produtos produzidos pelos índios reduzidos.
Para tanto, as vias de acesso aos locais de comercialização e distribuição das
mercadorias foram também um dos acontecimentos que ficaram como legado às populações,
que mais tarde delas viriam a se beneficiar para o transporte de mercadorias importadas para o
contrabando. Este último, desenvolvido desde os tempos da ocupação jesuítica, foi alvo
muitas vezes de repressão e, em muitas outras, utilizado para o benefício de empresas e
pessoas que viam na lucratividade desse negócio o único recurso para permaneceram na
região.
171
Torna-se importante ressaltar que a rede de comércio criada pelos jesuítas teve o
beneplácito de ambas as Coroas dominadoras da época nesta região americana, pois, ao invés
de coibir a prática comercial a partir das reduções, tentavam, a todo custo, participar também
desse negócio. Portugal e Espanha disputavam lado a lado a hegemonia na região em busca de
maiores riquezas, e um exemplo da incessante ganância real foi a fundação da Colônia do
Santíssimo Sacramento, em frente a Buenos Aires, justamente para vigiar e participar de todo
processo comercial desenvolvido pelo vizinho espanhol.
Durante as experiências comerciais desenvolvidas na América, muitos estrangeiros
também vieram ditar regras e se estabelecer com suas empresas, tentando controlar aquilo que
viam como uma “mina de ouro”. Sobretudo os ingleses, e também franceses, passaram a olhar
com outros olhos para o Prata, pois, apesar da dificuldade de se manterem numa região ainda
inóspita e de grandes diferenças, foram eles que auxiliaram no desenvolvimento social e
cultural de toda a região.
Por uma questão geopolítica e de definição territorial, foi fundamental a fixação dos
limites entre os vizinhos do Prata. No entanto, urgia que se definissem as fronteiras para que
se alcançasse um maior grau de desenvolvimento regional, o que estava ligado diretamente às
questões estatais, pois a Coroa, no caso brasileiro, e as Repúblicas que se formaram na
Argentina e no Uruguai não se continham em tentar aumentar suas posses, abocanhando mais
uma parte de uma região fadada ao desenvolvimento econômico e social desde os primórdios
de sua ocupação.
Assim, uma nova fronteira foi se delineando, a qual possuía suas especificidades, de
forma que não se compreende qual era a língua oficial utilizada, qual a origem exata de sua
população, já que havia índios, europeus e negros misturados a uma leva de pessoas que veio
a se instalar numa região onde o indígena, antes, era o único personagem. Ali o jesuíta
espanhol não chegou a fixar suas raízes sacerdotais provavelmente em razão da forte
resistência dos índios minuanos e charruas, que não se deixavam catequizar.
Dessa forma, antes mesmo da anexação da Cisplatina, tentou-se chegar a uma
definição sobre os limites da região sul do Rio Grande do Sul. Porém, mesmo com o
alargamento das fronteiras e posterior anexação de todo o território ao sul do Quaraí, perdurou
Isso está
contraditório. Se eram do mesmo
grupo social, porque era preciso
que se delimitasse fronteiras entre
eles???
Isso da “bravura
dos grupos pampeanos é um mito.
Cuidado com ele.
172
até 1851, e diríamos que até alguns anos mais tarde, a luta pela demarcação de um território,
que passou por duas esferas distintas: do confronto direto para as raias diplomáticas.
Os tratados fixados com a República Oriental e com a República Argentina foram
marcados por exaustivas negociações entre os países envolvidos, o que deixou como legado,
sem dúvida alguma, além da experiência diplomática, a demarcação de um território tão
disputado, de uma região que, desde o início, se tinha como um território livre, onde se
encontravam várias etnias e onde cada uma tentava garantir seus interesses políticos e
econômicos de forma lícita ou nem tanto.
A diplomacia brasileira foi um ponto de extrema importância na definição das
fronteiras, tanto no caso da Banda Oriental como no da Argentina, do que é exemplo a
questão de Palmas. Foi preferindo a resolução pacífica das situações que se punham frente à
definição do Estado que o Brasil mostrou a força que possuía no continente sul-americano
para negociar um melhor caminho em situações de impasse.
Somente nos anos finais da revolução que movimentou toda a província do Rio
Grande do Sul e o Império de 1835 a 1845 é que a fronteira abaixo do rio Ibicuí, antes divisor
de terras, recebeu uma povoação criada a partir da necessidade farroupilha de manter a sua
república viva, tendo como artéria principal o rio Uruguai e como vias vicinais as picadas
abertas pelos tropeiros e comerciantes. Esses faziam, primordialmente, o comércio entre os
países vizinhos, de onde viriam e com os quais iriam ser comercializadas as produções, as
manufaturas, o gado e tudo mais que fosse necessário para o desenvolvimento econômico de
um Estado republicano que não chegou a nascer, mas que deixou um grande legado político,
social e cultural para a província do Rio Grande do Sul.
Assim como foi anteriormente expressado, não se pretende a comprovação das
questões levantadas, mas tentou-se, a partir dessas interrogações, chegar à conclusão sobre
como se procedeu a ocupação dos espaços econômicos nessa região de fronteira, onde os
fatores étnicos, geopolíticos e socioeconômicos participavam de todo um processo gradativo
de consolidação de territórios.
As primeiras sesmarias doadas na região de Uruguaiana tiveram como destino
principal a produção de charque, de gado para abate e uma escassa produção agrícola. Com o
“foi anteriormente
expressado”
Papel? Não é
melhor “destinação”? Ou algo
parecido?
173
aparecimento do personagem estrangeiro, surgiram novas formas de comércio e novos traços
econômicos foram delineados no espaço local. Duas elites encontraram-se, então, a pecuarista
e a mercantil, ambas com características bem distintas, mas que conseguiram conviver em
harmonia dentro de um mesmo espaço econômico.
No rio Uruguai, de frente para a vizinha República Argentina, na parte sul da atual
cidade de Uruguaiana, encontra-se o Vau ou Passo de Santana, que também atraía atenção de
muitas pessoas que cruzavam a região desde os tempos em que existiam apenas alguns índios
povoando estes pampas. Através desse passo era possível fazer a travessia do rio Uruguai até
o outro lado sem maiores problemas, sendo possível, inclusive, atravessá-lo a pé ou de balsa,
o que era mais comum.
Provavelmente, foi por esse motivo que se montou próximo a este ponto uma guarda
que fiscalizava a presença dos estrangeiros que tentassem se estabelecer nas terras
pertencentes, ao menos alegadamente, à Coroa brasileira. Porém, esse posto avançado tinha
também o intuito de garantia econômica, pois deveria fiscalizar todo e qualquer tipo de
produto que viesse tanto do Uruguai quanto da Argentina, ou que tivesse como destino esses
países. Era muito comum numa região ainda inóspita o “leva-e-traz” de mercadorias
contrabandeadas, o que lesava os Estados, mas, em contrapartida, gerava grande lucratividade
para as pessoas envolvidas, as quais mais tarde se fixaram nesta região com suas grandes
empresas de comércio.
Uma povoação estabeleceu-se próximo ao Passo de Santana pela maior facilidade de
contato com as pessoas que atravessavam aquela região, ou, ainda, por ser formada por
insurretos vindos dos Estados vizinhos, serviria como uma alternativa para esses se
esconderem das perseguições em seus países de origem. Essa povoação não tinha definida
ainda sua identidade, se uruguaia, se brasileira, se argentina. Tampouco havia território
demarcado que pudesse barrar o livre trânsito de pessoas e mercadorias. Foi nesse contexto
que nasceu nos campos mais ao norte, através de vários levantamentos e estudos, a vila de
Uruguaiana, que tinha em seus aspectos nascentes a ideologia da Revolução Farroupilha, com
grande influência dos revolucionários, que participaram da efetiva elevação e rápido
crescimento desta povoação.
Não é melhor
“alegadamente”?
174
Uruguaiana, como se viu, foi criada a partir de uma necessidade geopolítica e
econômica farroupilha. O interesse econômico falou mais alto em relação à sua localização
estratégica, por onde pasava todo o comércio pela via fluvial do rio Uruguai, que ligava o
Império do Brasil ao Uruguai e à Argentina. Mais tarde, vários tratados de comércio e
navegação, bem como para definição de fronteiras, foram efetivados a partir de uma política
de fronteira que tinha raízes na formação econômico-política desta região, e não tanto
histórica, como no caso de Palmas, região já com um histórico de ocupação portuguesa
disputada pelos argentinos.
Dessa forma, floresceu na fronteira oeste uma economia fruto de vários fatores,
diferentes dos do restante da divisa sulina com os países do Prata. Então apareceu como um
dos principais atores dessa economia o elemento estrangeiro, que trouxe para esta região uma
nova maneira de gerir os negócios, de estabelecer transações com outras partes do mundo,
coisa que até então, sem uma política de imigração em massa, não havia ocorrido na
província.
Portanto, foi fundamental a relação estabelecida entre a região, as opções que
Uruguaiana dava ao comércio e, conseqüentemente, à economia local e internacional, pois o
estrangeiro e os estancieiros, que criavam o gado principalmente para o fabrico do charque,
foram se inserindo numa “geoeconomia” na qual as condições naturais dos três países
Brasil, Argentina e Uruguai auxiliaram e permitiram que se desenvolvesse uma rede
comercial no entroncamento das três fronteiras.
Para que isso acontecesse, foi necessário e vísivel, através do longo processo de
assentamento da economia local, a participação da instituição que possuía amplos poderes e
que organizava a vila, a Câmara Municipal de Vereadores. A Câmara, às vezes, exercia o
papel de mediadora entre o elemento nativo (brasileiro) e o estrangeiro (francês, inglês,
americano...), pois foi possível constatar a presença de vários indivíduos que tinham, estreitos
laços com essa instituição. Assim, ao se investigar as atividades desenvolvidas pela Câmara,
pode-se dizer que o processo de urbanização de Uruguaiana, bem como o seu
desenvolvimento e defesa, sustentava-se naquilo que os vereadores admitissem.
É importante destacar essa condição em que a Câmara se encontrava porque a
economia local, em grande parte, foi alavancada por decisões e acordos que esta efetivava
175
com os moradores da vila, em outros termos, com o governo provincial e o governo imperial,
levando o nome de Uruguaiana para outras regiões e ressaltando sua importância estratégica
para a província e o país. Assim é que argumentava sobre a necessidade de providências e
meios para o desenvolvimento de toda uma região interligada por vias fluviais ou terrestres,
por onde circulava boa parte da riqueza comercializada na província. Por vezes,
inclusive,Uruguaiana destacou-se em primeiro lugar no ranking dos municípios da província
em desenvolvimento econômico, o que os dados levantados através das pesquisas mostraram.
Com a fundação da vila e de seu porto, houve uma grande procura por parte dos
produtores e comerciantes de várias regiões da província por esse novo entreposto comercial
no rio Uruguai, comprovado por um certo número de documentos que demonstram a força
que possuía este porto em relação a outros do Rio Grande do Sul. A quantidade de
mercadorias comercializadas e transportadas através deste excedeu em muito à de outros
portos que ainda hoje se destacam dentro do cenário brasileiro, como o porto de Rio Grande,
que, na época, sofria com a dificuldade de navegação em sua barra.
Dessa forma, juntamente com os outros portos existentes em toda costa do rio Uruguai
até o Prata, Uruguaiana cresceu econômica, urbanística e politicamente, pois manteve desde
sua fundação contato direto com as mais diferentes nacionalidades e, conseqüentemente, de
interesses muito variados, que, em parte, implantaram nesta localidade a força do capital
comercial.
Os vários portos existentes em todo o leito principal do rio Uruguai formavam uma
grande teia que se complementava com as vias terrestres, atribuindo à fronteira um papel de
extrema importância dentro do estado. E nessa etapa de desenvolvimento da fronteira,
verifica-se a importância do fator econômico nas relações internacionais, que se davam
independentemente do controle estatal. Essa teia foi responsável pelo desenvolvimento social
de uma região localizada longe dos grandes centros urbanos controlados pelas elites políticas.
Nessa região, o que imperou foi a dominação econômica, a força motriz que movimentava
grandes contingentes humanos em busca de ganhos certos, mesmo que, a princípio, houvesse
muitas dificuldades, que diversas vezes impediam a fixação de centros urbanizados.
Foi pela necessidade de ocupação e posse de um espaço territorial determinado
politicamente pelos tratados e acordos, chegando às definições de limites na fronteira oeste,
176
que nasceu Uruguaiana, uma cidade de fronteira, articulada e estruturada nas questões
econômicas, alicerçadas nas leis das instituições políticas locais (Câmara de Vereadores).
A formação do espaço econômico em Uruguaiana, no período de 1850 a 1870, foi
estruturada sob algumas condições: 1) a fronteira com o Estado uruguaio e com a Argentina,
os quais têm como limite os rios Quaraí e Uruguai, respectivamente, o que era de grande
importância para o tráfego de mercadorias que chegavam ou saíam de Uruguaiana, tanto de
forma legal como ilegal; 2) os pecuaristas que já estavam estabelecidos nessa região de
Uruguaiana, e possuíam o capital proveniente da comercialização do gado, tanto interna
quanto externamente; 3) os comerciantes locais, conhecedores dos trâmites de entrada e saída
de produtos da cidade, bem como das rotas de distribuição destes para o interior da província;
4) os comerciantes estrangeiros, que chegaram com a experiência de negociações que
efetuavam na região do Prata e o capital para os investimentos.
Com o comércio de mercadorias que circulavam amplamente em um intenso fluxo de
produtos, ampliaram-se os negócios dos comerciantes locais e despertou nos estrangeiros que
chegavam a Uruguaiana o interesse em fazer ali investimentos com retornos assegurados, pois
Uruguaiana era uma cidade de fronteira que se consolidava como uma zona de grande
concentração de mercadorias e transações comerciais.
O desenvolvimento da fronteira oeste estruturou-se nas cidades que margeavam o rio
Uruguai, pela sua facilidade de manter relações comerciais com o Prata, o que atraía os
investidores de outras partes do continente e facilitava os negócios dos comerciantes locais,
que importavam e exportavam seus produtos com maior facilidade. Esse fato foi determinante
para que a sociedade local, em especial as instituições como a Câmara de Vereadores,
valorizassem a ocupação econômica de Uruguaiana, aproveitando a condição favorável que a
fronteira lhes proporcionava.
A divisa de fronteira com a Argentina e com o Uruguai era de grande extensão, o que
dificultava a fiscalização de entrada e saída de produtos e colaborava com o crescimento do
comércio de Uruguaiana. Pela maior distância de outras cidades (Itaqui, São Borja, Alegrete e
Quaraí) e também pelas ligações terrestres, Uruguaiana era o primeiro porto para quem
procedia da região do Prata, e isso levava que se tornasse, gradativamente, uma zona de
concentração de mercadorias de diversos tipos e procedências. Inclusive na cidade argentina
177
em frente a Uruguaiana, Restauración, construíram-se vários galpões para armazenamento de
mercadorias que chegavam da região do Prata, passando a participar dessa zona de
negociação de produtos na fronteira.
Portanto, o conceito de fronteira-zona deve ser entendido com base em dois
pressupostos: primeiro, que a fronteira tem suas limitações políticas e suas jurisdições
territoriais determinadas pelo estado; e segundo, a zona de comércio sofre e influencia
decisivamente a economia local e regional. Sendo assim, a economia local de Uruguaiana foi
decisiva em certos momentos no período estudado porque suas particularidades permitiram
sua inserção na economia global.
Entretanto, o contrabando também se desenvolveu proporcionalmente ao comércio
fácil, rápido e lucrativo com o Prata. Nesse caso, várias políticas tentaram desmantelar essa
rentosa relação estabelecida diversos membros de uma sociedade que sofria com as
dificuldades alfandegárias impostas pelo governo centralizado, as quais impediam muitas
vezes o desenvolvimento ainda maior de uma região fundamental para a receita fazendária da
província.
Não só os brasileiros se beneficiavam com esse comércio ilegal, mas também os
vizinhos argentinos e uruguaios, que tentavam acobertar um negócio que na verdade, era mais
lucrativo para eles que para os brasileiros. Os brasileiros eram compradores dos grandes
mercados europeus, de onde eram enviados os produtos que subiam o rio Uruguai até
determinados pontos, onde essa mercadoria era desembarcada e passava de um lado para
outro sem maiores problemas. Nasceu daí também uma classe diferente de comerciantes,
pessoas que exerciam suas atividades na calada da noite, às escondidas.
Na historiografia brasileira e gaúcha, já se ouviu muito de histórias e fatos
relacionados ao contrabando, ao desenvolvimento do comércio, à urbanização e organização
de um espaço tardiamente ocupado. No entanto, acredita-se que a relevância deste trabalho
está no fato de ter tentado desvendar, através da pesquisa de campo, de fontes primárias e de
vasta bibliografia, como ocorriam e se davam as relações comerciais nos anos iniciais da
formação de Uruguaiana, bem como o envolvimento regional implicado nesse processo.
178
Acredita-se que, do ponto de vista econômico de uma região de fronteira que tinha
uma formação recente, mas que nasceu sob a insígnia da Revolução Farroupilha como um
ponto de escoamento, é que se alcançou as respostas aos questionamentos e hipóteses
levantadas. Chega-se ao fim do trabalho acreditando ter respondido a uma série de questões
sobre diversos fatores que produziram alterações significativas e foram marcos importantes na
história de Uruguaiana, na região da fronteira oeste e no Rio Grande do Sul.
Portanto, a economia local, em relação com outras localidades e países, gerou durante
algumas décadas uma grande quantidade de renda, proveniente de exportações, importações e
transações comerciais em geral, que se desenvolviam a partir de uma cidade povoada por
muitos estrangeiros, que ali se instalaram em busca de lucratividade, facilidade de comércio e
riquezas oferecidas pela região.
No entanto, ressalta-se o papel exercido nesse desenvolvimento pelo homem da
fronteira e o empenho que mostrou diversas vezes frente ao órgão máximo da cidade, a
Câmara Municipal de Vereadores, que buscava sempre resolver os problemas municipais
através de muita diplomacia, não recuando ante as crises que enfrentava e a concorrência que
surgia.
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