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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
MESTRADO EM HISTÓRIA
CORONÉIS E IMIGRANTES: DAS LUTAS PELO PODER À
CONQUISTA DO ESPAÇO. SALDANHA MARINHO. 1899 A 1930
Isléia Rossler Streit
Dissertação de Mestrado
na área de História
Regional, apresentada ao
Programa de Pós-
Graduação em História
como requisito parcial
para obtenção do grau de
mestre em História sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª
Loiva Otero Félix.
Passo Fundo, janeiro de 2003
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A minha mãe Isabel e ao meu pai Antoninho, que passaram a vida trabalhando
a terra, reinventando vida nova no ir e vir das estações. Agradeço a eles e aos meus
irmãos Antonielo e Azael o apoio constante.
Agradeço ao meu marido Jonei, que esteve sempre ao meu lado,
nunca se cansando de me esperar.
AGRADECIMENTOS
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A Prof.ª Dr.ª Loiva Otero Félix, agradeço, em especial, pela segura orientação
deste trabalho: suas palavras são ensinamentos de vida, sua paixão pela história e pelo
trabalho que faz supera qualquer obstáculo.
Dedico a vovó Emília Hermann Resler e ao vovô Bruno Resler, meus primeiros
entrevistados, um carinho especial: suas palavras estarão sempre comigo.
À professora Ana Aurora Dumoncel Riguetto, pela disponibilidade e atenção em
fornecer documentos de pesquisa, além de momentos de conversas recheadas de
emoção.
Agradeço também às palavras e indicações de pesquisa de Jaci Castro Castilhos,
Eurydes Castro Júnior e Lauro Prestes Filho, e pelas preciosas informações.
Meu agradecimento à Universidade de Passo Fundo, em especial aos professores
e funcionários do Programa de Pós-Graduação, instituição da qual sou filha. Muito me
orgulho de ter feito parte do seu corpo de alunos por sete anos.
Ao Núcleo de História Política – NHP-PPG UPF, que intermediou os contatos
para a autorização de pesquisa no AVD, fundamental para a realização da pesquisa.
À Capes, que financiou parcialmente o curso.
RESUMO
A ocupação de terras do Planalto Médio do Rio Grande do Sul por imigrantes
vindos das primeiras colônias de imigração a partir de 1890 sugere a conquista de um
espaço que já possuía grupos com identidade e prestígio político-econômico
consolidado no cenário republicano, formando núcleos cooptados pelo governo
estadual. Visando compreender os processos sociais regionais e as discussões sobre os
sujeitos e classes sociais pouco analisados nos estudos da história até há bem pouco
tempo, introduzimos esta temática utilizando um caso específico: a colônia Saldanha
Marinho. Este trabalho relaciona três elementos presentes neste espaço e tempo: a) o
coronelismo (estrutura de mando em potentados locais) borgista, representado pelo
coronel Victor Dumoncel Filho e sua influência na colônia Saldanha Marinho; b) a
empresa colonizadora Castro, Silva e Cia., que loteou as terras da colônia, do qual era
proprietário Evaristo Affonso de Castro, líder abolicionista e federalista; c) os colonos
alemães que começaram a chegar à colônia a partir de 1899. Constatou-se que a colônia
foi um espaço diferenciado na região, pois havia um interesse político, além do
econômico, por parte de Evaristo Affonso de Castro na fundação da mesma. Porém, a
sua influência não se estendeu por muito tempo, abrindo espaço para o coronel Victor
Dumoncel Filho atuar sobre os colonos imigrantes.
Palavras - chaves: história, colonização, coronelismo, companhias colonizadoras,
Saldanha
Marinho.
ABSTRACT
The occupation of lands the Medium Plateau of the Rio Grande do Sul by
immigrants coming from de first colony immigrations from 1890 suggest the conquist
of a space than abready had groups with identity and prestige politic-economic
consolidated on the scenery republic, making cores accepted by the government state.
Trying to understand the regional social problem, and the discussion about the subject
and social (problems) class not much analysted on the history studies, at recently,
introducing this thematic using one specific case Saldanha Marinho colony. This
paper connect 3 elements present in this space end time. A)the Borgist “coronelismo” (
clutch structure in local areas), represented by colonel Victor Dumoncel Filho and his
influence on the Saldanha Marinho colony. b) The Castro, Silva e Cia, colonizer
company than divided lands into lots, the lands of the colony, been the owner Evaristo
Affonso de Castro, boder abolitionist and federalist. c) The German Colonist that begin
to arrive on the colony from 1899, realize than the colony was differenciaded space on
the region cause, on its redige. However influence than didn’t extende it self for so long,
opened space to the colonel Victor Dumoncel Filho act above the immigrants colonist.
Key-Words: history, colonization, “coronelismo”, Company colonizer, Saldanha
Marinho.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS.....................................................................................................3
RESUMO ...........................................................................................................................
4 ABSTRACT
LISTA DE ABREVIATURAS........................................................................................8
INTRODUÇÃO.................................................................................................................9
Capítulo 1 - A OCUPAÇÃO DE UM ESPAÇO: SALDANHA MARINHO
E SUA FUNDAÇÃO .................................................................................23
1.1.Saldanha Marinho e suas divisas territoriais...............................................26
1.2.Empresa Colonizadora Castro, Silva e Cia..................................................31
1.3.Evaristo Affonso de Castro e sua atuação social e política.......................37
Capítulo 2 - O CORONELISMO NO PLANALTO GAÚCHO E AS
LUTAS PELO PODER..............................................................................51
2.1.A atuação do PRR no Planalto do Rio Grande do Sul ...............................54
2.2.A atuação política do coronel Victor Dumoncel Filho...............................61
Capítulo 3 COLONOS IMIGRANTES E O CORONEL VICTOR
DUMONCEL FILHO: DOIS GRUPOS EM UM MESMO ESPAÇO.............79
3.1.No circular das carroças: chegam os imigrantes para ocupar a colônia
Saldanha Marinho ............................................................................................84
3.2.Evaristo Affonso de Castro: o divisor de águas e sua breve presença na
colônia.............................................................................................................90
3.3. “Os homens estão chegando”: a presença do coronel Victor Dumoncel
Filho na colônia Saldanha Marinho............................................................93
3.4.Os causos que nos contam. O coronel e o imaginário: construindo
representações
................................................................................................................................
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
..........................................................................................................................................1
07
FONTES DOCUMENTAIS
..........................................................................................................................................1
10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
..........................................................................................................................................1
13
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................1
18
ANEXOS.......................................................................................................1
22
LISTA DE ABREVIATURAS
AP/RS Arquivo Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
AHRGS Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
AHR-UPF Arquivo Histórico Regional Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo,
Rio Grande do Sul.
AVD/SBS Arquivo Victor Dumoncel Filho. Particular de Ana Aurora Dumoncel
Riguetto. Santa Bárbara do Sul., Rio Grande do Sul.
AEF-CA- Arquivo Estação Férrea , Cruz Alta, Rio Grande do Sul.
IHG/RS-Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
AFC/ERE Arquivo da Família Castro. Particular de Jaci Castro Castilhos e filhos,
Erechim, Rio Grande do Sul.
AFC/CA Arquivo Família Castro. Particular de Eurydes Castro Júnior, Cruz Alta, Rio
Grande do Sul.
AEHR/SM Arquivo Particular de Emília Hermann Resler e Bruno Resler, Saldanha
Marinho.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
MCSHJC- Museu da Comunicação Social Hipólito José da Costa, Porto Alegre.
INTRODUÇÃO
O objetivo principal desta dissertação é examinar o processo de
ocupação do município de Saldanha Marinho, localizado no Planalto Médio gaúcho,
relacionando-o com o coronelismo presente na região no período que abrange o início
do povoamento de Saldanha Marinho (1899) até a década de 1930, quando as
relações coronelistas tradicionais entrariam em crise.
Buscamos demonstrar como se deu a ocupação da colônia Saldanha
Marinho através da segunda leva de imigração alemã e italiana - principalmente
alemã - , desencadeada sob o regime de companhias privadas de loteamento das terras
devolutas, responsáveis pelo início da colonização desta região no Planalto Médio do
Rio Grande do Sul. Em muitas colônias esse procedimento vinculou-se ao
coronelismo predominante do final do século XIX até meados do século XX,
1
inclusive na colônia Saldanha Marinho.
1
Podemos citar alguns exemplos de trabalhos que comprovam esta afirmação, mesmo que não se
restrinjam ao Planalto: PERES, Sebastião. Coronéis e colonos: das crises internas do poder coronelístico
à emergência dos colonos como sujeitos autônomos. Dissertação (Mestrado em História)-PUCRS. Porto
Alegre. 1994. RAMOS, Eloísa Helena Capovilla da Luz. O Partido Republicano Rio-Grandense e o
poder local no litoral Norte do Rio Grande do Sul - 1882/1895. Dissertação (Mestrado em História) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 1990. SILVA, Lucia Silva e. Uruguaiana e
os coronéis. Porto Alegre: Evangraf, 2001; CAVALARI, Rossano Viero. O ninho dos pica-paus: Cruz
Alta na Revolução Federalista de 1893. Porto Alegre: Martins Livreiro. 2001.
A definição espacial envolve o atual município de Saldanha Marinho,
localizado na região do Alto Jacuí, no norte do estado do Rio Grande do Sul, que
abrange uma área de 221 Km², com uma população atual de 3.195 habitantes
2
.
Em busca bibliográfica referente ao processo histórico do município de
Saldanha Marinho, deparamo-nos com uma pequena publicação feita pelas lideranças
emancipacionistas no ano de 1988,
3
que trata da ocupação das terras, sem, no
entanto, abordar questões específicas, ou fazer qualquer análise do processo de
colonização. O objetivo do trabalho era apenas descrever aspectos físicos de
ocupação do espaço, tais como extensão do território, localização, contingente
populacional, número de famílias que migraram, etc.
Desse modo, uma primeira motivação para a realização do estudo
surgiu da percepção de uma lacuna na história do município. O desenvolvimento da
temática representa o resgate histórico de um espaço localizado na divisa entre dois
municípios de representatividade no Planalto Médio gaúcho, Cruz Alta e Passo
Fundo, a colônia Saldanha Marinho, que se tornou ponto estratégico nas questões
políticas do período, sobretudo por conter um ingrediente diferenciador em sua
colonização: ter sido fundada por um líder federalista Evaristo Affonso de Castro.
Partindo dessa premissa, sentimo-nos motivados a realizar o estudo
sobre a relação dos elementos coronelismo, companhias de colonização e imigrantes,
presentes no início do século na história do Rio Grande do Sul, especificamente no
espaço do Planalto Médio, para compreender o contexto em que se deu o surgimento
da colônia Saldanha Marinho.
Ressaltamos que a temática do coronelismo continua a exigir
esclarecimentos na região, pois se tratou de um sistema político complexo, de
relações peculiares, que pode ser investigado de outros ângulos e numa margem de
tempo maior, incluindo a ênfase em relações de tipo clientelistas que extrapolam
aqueles sistemas. Assim, mesmo que o estudo seja de caráter local, discute um tema
pouco explorado pela historiografia gaúcha.
2
Dados do IBGE/ senso de 2000.
3
RIO GRANDE DO SUL. Assembléia Legislativa - Saldanha Marinho (1988) - Comissão de Estudos
Municipais. Porto Alegre: Companhia Rio-Grandense de Artes Gráficas. 1988. (Coleção Novos
Municípios).
Os trabalhos que tratam do poder enfocando-o através do coronelismo
dividem-se em três momentos na historiografia brasileira. O primeiro deles está
concentrado na formação da escola paulista, cujos trabalhos, até a década de 1970,
apesar de serem de cunho regional/local, eram generalizados como de âmbito
nacional por serem os únicos produzidos na academia. Dentre esses temos os de
Victor Nunes Leal, em sua obra clássica para a literatura política brasileira, que
analisa o fenômeno do coronelismo característico do interior do Brasil,
demonstrando uma manifestação do poder local que evidencia o papel do município
na manutenção da ordem oligárquica e da monocultura para a exportação paulista e
mineira do final do Império.
4
Seguindo o modelo de obras que tratam do assunto dentro de uma
caracterização mais geral, estão ainda os trabalhos de Raymundo Faoro, que discute a
presença do coronel gaúcho na política nacional, denominando-o de “coronel
burocrata”.
É a partir de uma discussão epistemológica na historiografia que
podemos observar o surgimento de trabalhos com recortes regionais que, aos poucos,
se somam a essas obras clássicas, reafirmando sua problemática ou demonstrando
especificidades regionais que vêm contestar categorias e funções atribuídas aos
coronéis até então.
No final da década de 1980, outras obras resgataram o tema do
coronelismo no Brasil. Trata-se de abordagens que discutem o coronelismo desde o
sertão rural e pobre do Nordeste brasileiro até o Planalto Médio do Rio Grande do
Sul, este que vê emergir no final do Império a colonização através de imigrantes
europeus provindos das primeiras colônias gaúchas, definindo-se de modo peculiar;
assim, qualquer generalização historiográfica seria problemática.
Um exemplo clássico desse pioneirismo, que serve como marco de uma
segunda geração de estudos sobre as relações coronelistas, é o trabalho de Loiva
Otero Félix, que se dedicou em sua tese de doutoramento (1987) a analisar o
coronelismo no Rio Grande do Sul, demonstrando a contribuição deste durante a
República Velha e na definição do cenário político pós-1930, como articulador nas
4
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto - o município e o regime representativo no Brasil. 3.
ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
relações castilhistas e borgistas. Utilizando os casos do coronel Victor Dumoncel
Filho e Vazulmiro Dutra, com atuação na região de Cruz Alta (Santa Bárbara do Sul)
e Palmeira das Missões, a autora afirma:
Como ponto de partida , pretendemos ter posto em evidência a
presença do coronelismo no Rio Grande do Sul durante a
República Velha, sendo um fator de legitimação do sistema
político- autoritário do castilhismo-borgismo.[...] O
republicanismo castilhista-borgista consolidou-se
gradativamente, por etapas, num processo de maturação que
consumiu mais de uma década, para desalojar os antigos rivais
e instalar uma máquina própria de controle político, de modo a
consolidar-se no poder. Neste período em que o borgismo
conseguiu impor-se nos municípios, foi essencial a política
desenvolvida em relação aos potentados locais, os coronéis.
5
O trabalho citado foi fomento para que muitos estudos surgissem a
posteriori, com temáticas diferenciadas, mas sempre relacionando esse tipo de poder
local instituído no Rio Grande do Sul na República Velha com outros que emergiam,
juntamente com modificações vivenciadas pela sociedade dessa época. Podemos
afirmar que, na década de 1990, surgiram os trabalhos classificados como de terceira
geração dos estudos sobre o coronelismo, os quais começaram a mesclar o tema com
especificidades locais, abrindo uma diversidade muito grande de possibilidades de
exploração temática.
Como exemplo de temáticas sobre o coronelismo que surgem na década
de 1990, temos trabalhos assinalados na segunda edição do livro Coronelismo,
borgismo e cooptação política,
6
no qual Loiva Otero Félix faz um mapeamento das
obras surgidas a partir de indícios trazidos por sua temática. São basicamente estudos
de caráter local, que mostram as muitas lacunas que existem nos estudos sobre o
Planalto Médio do Rio Grande do Sul em relação às redes de poder coronelistas, que
5
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. 2. ed. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 1996. p. 191
6
Op. Cit., p. 10.
traçaram na região um espaço de legitimação e mediação do poder estadual
castilhista- borgista.
7
Dessa maneira, voltamos a frisar que o campo de estudos sobre o
coronelismo é fértil e, no momento em que relacionamos outros elementos,
contemplamos temáticas ainda não abordadas pelos estudos já realizados sobre o tema.
Podem-se agregar ao tema delimitações espaciais e temporais diferenciadas, que
contribuam para o surgimento de novos trabalhos correlatos. Portanto, é fundamental
percebermos os temas como inacabados, pois é a partir de novas discussões que ocorre
crescimento intelectual e historiográfico sobre o assunto.
O segundo aspecto relacionado à temática refere-se às políticas de
colonização da República Velha no Rio Grande do Sul. Segundo Aldair Marli Lando e
Eliane Cruxem Barros, a colonização da província possuía como características: "[...]
Evitar a concentração da propriedade, proibindo a concessão de mais de um lote à
mesma pessoa [...]; as áreas concedidas deveriam ser efetivamente exploradas [...] e o
colono deveria morar no seu lote de terra, explorando-o pessoalmente ou através da
produção familiar.”
8
Esse tipo de ocupação tornou a região diferente da região da Campanha
no Rio Grande do Sul, que se caracterizava pelas estâncias agropecuaristas e
latifundiárias. Essa estrutura de distribuição de terras também é característica do Planalto
7
Dentre alguns trabalhos escritos na década de 1990, podemos citar: COLUSSI, Eliane L. Estado Novo e
municipalismo gaúcho. Passo Fundo: Ediupf, 1996. ; LAZZAROTTO, Danilo. Os capangas do coronel:
romance histórico. Ijuí: Sedigrf, 1995. ; MARTINI, Maria Luiza F. Sobre o caboclo camponês. Um
gaúcho a pé. Dissertação (Mestrado em Sociologia)-Programa de Pós-Graduação em Sociologia/UFRGS,
Porto Alegre, 1993; PERES, Sebastião. Coronéis & colonos. Das crises internas do poder coronelístico à
emergência dos colonos como sujeitos autônomos. Dissertação (Mestrado em História)-PUCRS, Porto
Alegre, 1994. ; FÉLIX, Loiva O .; KLEBER, Haike R ; SCHIMIDT, Benito B. Relações de poder local
versus poder estadual nas áreas de colonização alemã e italiana no Rio Grande do Sul na Primeira
República . Relatório final de pesquisa/CNPq. Porto Alegre. AVANCINI, Elza G. Coronelismo,
cooptação e resistência 1200 votos contra o coronel a Eleição da banha em Ijuí, 1934. In:
AVANCINI, E.G. (Coord.). Educação para crescer. Projeto Melhoria da Qualidade de Ensino: História,
OSPB e Educação Moral e cívica, 2.º grau. Porto Alegre: SE/RS. ELMIR, Cláudio Pereira. Olhares sobre
si e o outro: as várias faces do coronelismo. Cadernos de Estudos, Porto Alegre, Curso de Pós-Graduação
em História/UFRGS, n. 8, p. 24-49, dez. 1993; PEREIRA, Maristela Silva. Os corpos provisórios da
Brigada Militar. Seus aspectos sociais e utilitários (1923-1927). Dissertação (Mestrado em História)-
PUCRS, 1993. PEREIRA, Maristela Silva. Um estudo sobre a participação dos coronéis borgistas nos
conflitos armados da República Velha Rio-Grandense. Estudos Ibero-Americanos, PUCRS, v. 20, n. 2, p.
27-43, dez. 1994. SILVA, Mara Regina Kramer. Linguagem simbólica de poder arquitetura rural
gaúcha. Dissertação (Mestrado em História)-Unisinos, São Leopoldo, 1996.
8
LANDO, Aldair; BARROS, Eliane Cruxen. Capitalismo e colonização os alemães no Rio Grande do
Sul. In : DACANAL, José Hildebrando. RS: imigração e colonização. 2. ed. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1996 . p. 22.
Médio gaúcho, especificamente dos municípios de Palmeira das Missões e Cruz Alta.
Mesmo assim, os dois modos de ocupar a terra, grandes estâncias ou pequenas
propriedades, não sofrem interferência entre si, sendo possível seu desenvolvimento em
áreas distintas. A crise fundiária da metade do século XIX não foi causada pelo
surgimento e pela prosperidade da pequena propriedade, mas, sim, por modificações nas
relações de produção. A imigração apenas ocupou o espaço deixado por essa
desestruturação na distribuição de terras, crise que viabilizou a internalização do modo
de produção capitalista brasileiro.
9
Sandra Jatahy Pesavento discute o imigrante na política gaúcha,
evidenciando seu papel durante a República Velha. Segundo a autora, o novo arranjo
político - “aliança castilhista e a ascensão do PRR” -, pela necessidade de resolver os
problemas econômicos e de imobilidade dos quadros governamentais, evidenciou que
fossem tomadas medidas para equilibrar as forças de atuação do governo. Júlio de
Castilhos, para isso, incorporou setores médios e urbanos e elementos do complexo
colonial, ampliando socialmente a base política”.
10
Formava-se, dessa maneira, durante
a República Velha uma completa hierarquia de mando, com uma organização em épocas
de eleições no sentido de orientar a região colonial para apoiar o governo do estado em
troca do atendimento de suas necessidades econômicas para o desenvolvimento da
atividade industrial e do comércio.
Essa realidade de orientar o eleitor nas eleições de regiões coloniais é
verificada principalmente em relação às Colônias Velhas. Em relação à segunda leva de
imigração que colonizou o Planalto Médio gaúcho e a região das Missões, há algumas
especificidades que merecem estudos.
Sebastião Peres estudou a colonização do município de Santo Ângelo
durante a segunda leva de imigração vinculando-a à presença do coronelismo na região,
estrutura representada no final do século XIX pelo coronel Bráulio de Oliveira. O autor
demonstra que "a existência de um projeto social, político e econômico em relação ao
estado do Rio Grande do Sul, de parte do PRR, é fundamental para compreender o
processo político rio-grandense durante a República velha.”
11
9
Op. cit., p. 46 e 156.
10
Op. cit., p. 169.
11
PERES, Sebastião. Coronéis & colonos: das crises internas do poder coronelístico a emergência dos
colonos como sujeitos autônomos. Dissertação (Mestrado em História)-PUCRS. Porto Alegre, 1994. p . 5
Vários eram os elementos que compunham o projeto do governo
borgista, necessários a sua concretização e que forneciam garantias para a sua
continuidade no poder. Assim, apesar da formação de pequenas propriedades, a massa
de trabalhadores que fazia parte dessas foi peça fundamental na legitimação e
continuidade do poder estadual, através da figura dos coronéis no mandonismo local.
12
O
autor afirma que "Santo Ângelo é um caso visível da influência coronelista (Bráulio de
Oliveira) com relação aos colonos (pequenos proprietários de terra) e o poder
estadual.”
13
Os novos colonos passaram a dar sustentação à manutenção do poder local,
representado pelo coronel Bráulio de Oliveira. Diante dessa afirmação, são necessários
estudos de outras regiões do Rio Grande do Sul para mapear a questão coronelismo e
imigração.
Juntamente com essa questão cabe a pergunta: quanto às companhias
de imigração, como podem ser observadas no processo de ocupação das terras do
Planalto? Precisamos retomar a questão agrária no Rio Grande do Sul para, então,
compreender suas funções. Luíza S. Kliemann, com muita propriedade, problematiza em
seu trabalho não só a dominação exercida pelo Estado através da Lei de Terras de 1850,
mas também as várias estratégias de dominação. Demonstra as contradições geradas no
campo pela aplicação dessa legislação - que substituiu a concessão pela venda de terra -,
que não levou em consideração as especificidades regionais.
14
O centro ideológico do PRR no Rio Grande do Sul era o positivismo
castilhista, no qual eram evidentes as diretrizes capitalistas, que passavam pela
diversificação econômica, pelo desenvolvimento dos meios de transporte, pela
preocupação social, pela necessidade da ocupação do espaço pelo imigrante europeu e
pela importância da mão-de-obra do proletariado. Porém, durante a República Velha,
houve um grande descompasso entre a política de imigração e a distribuição das terras
através das companhias privadas. Comissões e companhias eram criadas na tentativa de
reorganizar os serviços de terras e colonização, possibilitando a acumulação de capital e
o equilíbrio orçamentário do estado. Pode-se concluir que o objetivo do governo era de
ordem burocrática, pois, com a organização das colônias, era possível proceder à
12
Op. cit., p. 15.
13
Op. cit., p. 20.
14
KLIEMANN, Luíza H. Schimitz. RS: terra e poder . História da questão agrária. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1986. (Documenta 21) p. 12 e 24.
cobrança dos impostos e dívidas dos colonos com as companhias e também com o
governo. Com isso, também se verifica a penetração política do PRR no interior gaúcho
15
.
Cabe aqui um questionamento: a companhia de terras que fundou a
colônia Saldanha Marinho Sociedade Norte Industrial Castro, Silva e Cia.- atuou com
o propósito levantado por Kliemann, qual seja, de dar lucros ao governo estadual além
de abrir espaço político?
O terceiro elemento a ser relacionado neste trabalho imigração -
envolve a análise do processo desde a chegada das primeiras famílias na colônia
Saldanha Marinho, aspecto comum na formação colonial do Rio Grande do Sul, à tarefa
de conquista deste espaço pelos colonos, o qual já estava ocupado por forças
coronelistas.
Com a ampliação dos elementos constitutivos da conceituação de
poder propostos a partir das mudanças epistemológicas na historiografia, podemos
questionar e explicar as relações de poder estabelecidas na constituição de uma
sociedade específica. Procuramos, em nosso estudo, analisar a presença de grupos
sociais diferenciados entre si quando da ocupação de terras no atual município de
Saldanha Marinho, os quais se formaram sob a presença de um poder não
institucionalizado, que era o do coronel. A presença de grupos sociais dentro de um
recorte regional político, a priori, homogêneo pode ser percebida também como um
complexo de identidades, de imaginários e de representações de poder.
A participação das famílias imigrantes na região em estudo, a exemplo
de outras regiões de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, revela-se sobretudo pela
preocupação com o ensino, com a religiosidade e com as diversões comunitárias. A
primeira capela, as aulas particulares nas residências dos imigrantes, a catequese, o
clube, tudo foi construído por iniciativa dos primeiros imigrantes que colonizaram o
município. Assim, a presença das famílias de imigrantes na colônia interferia nas
relações de poder através da formação de novos grupos sociais, podendo provocar o
embate ideológico e político em uma região definida sociopolítico-economicamente a
partir de um poder institucionalizado, que era o do coronel.
15
Op. cit., p. 50 a 60.
Essa análise toma um sentido prático, de viabilização de pesquisa e de
originalidade do problema, quando se trata de um espaço ocupado por um poder não
institucional, representado pelo coronel Victor Dumoncel Filho. Como teria se
construído esta relação do coronel com os imigrantes? Utilizando as fontes orais, um
depoimento da senhora Emília Hermann Resler, filha de um casal de imigrantes
provenientes da colônia de Santa Cruz do Sul no início do século e primeiros moradores
da colônia Saldanha Marinho, comprovamos a presença do poder do coronel. Vejamos
parte de sua fala:
Na época daquelas revoltas, que esses coronéis de Santa
Bárbara participavam, eram os cabeças, nosso pai e os homens
da vizinhança se escondiam no mato. Porque, senão, eram
obrigados pelos capangas a irem lutar nas suas tropas. Foram
tempos muito difíceis e que passamos muito medo.
16
O depoimento transcrito justifica ainda mais a importância do resgate
da história local, pois nos leva a perceber que a memória de um certo é reativada,
trazendo junto pavor e medo, ou seja, trazendo um imaginário múltiplo para análise.
Quando da ruptura epistemológica com a razão histórica estruturalista
através da crise dos paradigmas totalizantes, verifica-se uma “intransparência teórica na
ciência histórica"
17
. Em contrapartida, a passagem dos modelos totalizantes para a
fragmentação da história é verificada na historiografia com a introdução de discussões
que têm a contribuição da antropologia e da sociologia. A história cultural é um exemplo
dessa nova concepção. A partir da história cultural, temos as abordagens que se
concentram no estudo do cotidiano, das mentalidades, do imaginário, das idéias, das
representações do poder, do regional, aspectos que resgatam o sujeito na história, com
uma visão diferenciada das relações sociais: é o modo de compreender os fatos
individualizados dentro de uma estrutura.
Nesse sentido, podemos fundamentar com maior precisão os aspectos
relacionados à história regional, o que permite também a análise de relações de poder
16
RESLER, Emília Hermann. Entrevista concedida a Isléia Rossler Streit, em 15 nov. 2001, Saldanha
Marinho. A entrevistada estava com 74 anos de idade na ocasião da entrevista.
17
DIEHL, Astor Antonio. A cultura historiográfica nos anos 80: mudança estrutural na matriz
historiográfica brasileira. Porto Alegre: Evangraf, 1993. v. IV. p. 7.
somando-se a uma abordagem renovada do campo político na história. A partir da Nova
História, de seus enfoques e possibilidades de abordagens históricas, temos a
reformulação dos estudos do espaço, passando-se a valorizar o particular, as
especificidades, que podem ser enfocadas sem perder o sentido ou a significação. Os
estudos sobre a história regional são um exemplo da possibilidade de se identificar
singularidades específicas dentro de um todo aparentemente homogêneo; com isso
podem-se reforçar aspectos desse todo maior, ou contradizê-los.
Maria Cecília Westhapen
18
afirma que trabalhar com história e região
significa enfocar um conceito inacabado e que passa por discussões teórico-
metodológicas cuja finalidade é a formalização e delimitação de sua abrangência:
"Quase sempre confundida , a região a meros espaços geográficos confinados por
divisões político-administrativos que nem sempre correspondem às tradições históricas,
ou às estruturas subjacentes da sociedade, da economia e da civilização".
19
Concebendo os estudos sobre região inseridos numa constante e
produtiva construção teórico-metodológica, já com grande avanço nas definições
conceituais, percebemos a possibilidade de defini-la e de delimitá-la. A definição de
região e a verificação de quais são os critérios delimitadores do espaço regional
apresentam-se como dois problemas intrínsecos para o trabalho nessa linha. Os pontos
de vista a respeito desse conceito tomam caminhos diversos, de acordo com a postura
teórica com que é enfocado.
Uma região, portanto, pode ser definida segundo seu objeto, utilizando
um conjunto de simbologismos e abstrações, tendo, porém, divisas físicas definidas. Mas
também pode ser compreendida como um espaço físico delimitado, um município, por
exemplo, o que nos fornece uma série de indicativos para localizar o estudo do objeto.
A definição de região aparece, assim, cada vez mais distante de um
conceito estático, não englobando apenas um espaço geográfico delimitado
fisicamente. A história cultural contribui cada vez mais para uma delimitação do
18
WESTPHALEN, Maria Cecília. História nacional, História regional. Estudos Brasileiros, Curitiba, (3),
1997. p. 29.
19
Op. cit., p. 29
regional não percebida até então, afirmando que a região é um conceito abstrato dentro
de um contexto macro.
20
Não podemos esquecer da dinamicidade do regional, que é construído
historicamente. Nas palavras de Ana Luíza Setti Reckziegel, "suas características
internas são determinadas e determinantes de sua inserção com o todo. No entanto,
apesar de suas relações com o sistema maior , a região possui relações internas
autônomas que lhe conferem caráter próprio e diferenciado".
21
Os estudos sobre memória, que surgiram na década de 1980, parecem
dar sustentação a esse novo enfoque que é posto à disposição dos historiadores. Como
argumenta Loiva Otero Félix, não se trata de trabalhar com conceitos novos, mas, sim,
de "articular a questão da história, da memória e de sua dimensão constituinte do
tempo" e, a partir disso, a memória aparece como um dos "suportes essenciais para o
encontrar-se dos sujeitos coletivos, isto é, para a definição dos laços de identidade".
22
A
argumentação em torno da memória justifica alguns aspectos trazidos por ela e que
foram incorporados neste estudo.
Na América Latina, a história oral seguiu os passos europeus,
desenvolvendo-se no pós-Segunda Guerra Mundial, juntamente com uma ordem
política que pretendia preservar as lembranças e os registros de "grupos clandestinos
de resistência".
23
Apesar de gerar curiosidade e ansiedade para muitos, os trabalhos
utilizando fontes orais já se desenvolvem há algum tempo.
Para os que utilizaram história oral em seu trabalho, foi um
desafio superar as críticas dos pesquisadores tradicionais, os quais argumentavam que
a subjetividade iria esvaziar os trabalhos em termos de veracidade e de cientificidade.
Todavia, os trabalhos utilizando fontes orais foram ganhando respaldo e confiança no
momento em que mudou a forma de ver e de compreender a realidade da história.
20
Milton Santos defende esta idéia, partindo, porém, de uma visão marxista do conceito de região. Apud
VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. História, região e poder: A busca de interfaces metodológicas.
Locus: Revista de História, Juiz de fora. v. 3, n. 1 p. 86.
21
RECKZIEGEL, Ana Luíza Setti. História regional, dimensões teórico-conceituais. História: Debates e
Tendências, Passo Fundo: Ediupf, v. 1, n. 1, jun. 1999 . p. 19.
22
Ver FÉLIX, Loiva Otero. História e memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: Ediupf, 1998 .
p. 35- 36
23
FÉLIX, Loiva Otero. Política, memória e esquecimento. In: TEDESCO, João Carlos. Usos de
memórias. Passo Fundo: Ediupf, 2002. p. 18.
Dentro dessa realidade, em que a historiografia se volta para o
estudo e para a compreensão de objetos ignorados pelas tendências estruturalistas e
marxistas, com o que se abrem novas possibilidades do conhecimento dentro das
ciências sociais e humanas, os estudos de resgate de memórias tornam-se
fundamentais. A década de 1990 foi marcada pelo aumento da utilização da história
oral como técnica ou metodologia acadêmica, acompanhando um crescente processo
de revalorização da memória.
24
Na construção e reconstrução de lembranças, identificamos um outro
elemento relevante no trabalho com história oral: a explicação do esquecimento como
um elemento de explicação histórica. A memória e o esquecimento fazem parte de um
mesmo campo, podendo encontrar-se ou não. Para usos de fonte oral, é necessário
trabalhar com aquilo que é possível resgatar da memória, pois o psiquismo humano é o
mais complexo sistema; a memória e o esquecimento inserem-se no campo da
subjetividade.
25
As lembranças da memória permitem novas reconstruções da história.
Utilizando a história oral, pode-se fazer a montagem de um outro quebra-cabeça da
trajetória humana. Podemos afirmar, e isso não é trágico, que “a memória é um absoluto
e a história só conhece o relativo".
26
Assim, o trabalho de oralista é um somatório, assim
como o de um arquivista. Pode-se, pois, extrair tanto de uma fonte oral como da escrita
os aspectos pertinentes à temática a ser desenvolvida.
Em relação aos procedimentos de pesquisa, utilizamos fontes escritas
e orais, sempre cuidando em variar o tipo de fonte. Dentre as escritas estão as
encontradas nos arquivos APRS, AHRGS, AHR-UPF, MCHJC/RS, AEF-CA, que nos
auxiliaram a dar os primeiros passos; as fontes documentais particulares dizem respeito
ao AVD/SB, que foi fornecido pela família Dumoncel, na pessoa de Ana Aurora
Dumoncel Riguetto, a partir de uma seleção prévia realizada por ela, porém que nos
foram muito úteis. Também entre os documentos particulares estão aqueles concedidos
pela família Castro, AFC ERE e CA, na pessoa de Jaci Castro Castilhos e Eurydes
Castro Júnior, os quais nos revelaram imensas surpresas neste trabalho.
24
FÉLIX, Loiva Otero. Política, memória e esquecimento. Op. cit., p. 18.
25
FÉLIX, Loiva Otero. História e memória: a problemática da pesquisa. Op. cit., p. 51.
26
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo. 1993
. p. 9.
O processo de levantamento da documentação escrita, evidenciou
uma grande resistência de parte da família Dumoncel para colocar à disposição, para a
pesquisa, a riquíssima documentação existente. Por estarmos tratando de relações
coronelistas, este fato representa um indício importante, levando-nos a deduzir que
acreditam que a documentação deve ainda ser preservada de contextualização histórica,
dos fatos que provavelmente são retratados por ela. Sobretudo, demonstra que não
admitem que não haja um reconhecimento histórico da figura do coronel Victor
Dumoncel Filho, prestígio que se perdeu com a crise das relações coronelistas, a partir
da década de 1930, no Rio Grande do Sul. Em parte, foi recuperado no período militar,
quando o coronel, mesmo idoso, comandou as articulações do movimento militar de 64,
mas praticamente desapareceu na fase da abertura política das décadas de 80 e 90 do
século XX.
As consultas às fontes incluíram a verificação de documentos oficiais,
públicos e particulares, tais como ofícios expedidos e recebidos, requerimentos, jornais,
revistas, cartas topográficas, mapas, cartas, anotações, telegramas, homenagens, carta de
partilha de bens, inventários, testamentos, atas e fotos.
Em relação às fontes orais, tivemos a contribuição de vários
depoimentos: de descendentes do fundador da colônia Evaristo Affonso de Castro, dos
primeiros imigrantes, dos filhos do coronel Victor Dumoncel Filho, bem como de
amigos e empregados deste. Foram entrevistas, depoimentos e conversas com pessoas
que participaram dos acontecimentos políticos e sociais da época, totalizando nove
entrevistas ou depoimentos incorporados ao acervo analítico desta dissertação.
Em relação às etapas de pesquisa, apropriamo-nos da sugestão
metodológica de Loiva Otero Félix, que a divide em três : "coleta de dados; análise,
interpretação e sistematização dos dados; redação das conclusões."
27
Para a redação das
conclusões, dividimos a exposição em três capítulos . No capítulo 1 abordamos o
processo de ocupação da colônia Saldanha Marinho, com o objetivo de definir o espaço
estudado, evidenciando, para isso, três aspectos: primeiramente, verificamos a oscilação
de suas divisas territoriais com o propósito de delimitá-la como uma região de influência
coronelista. O segundo desdobramento abrange a presença da empresa colonizadora
Castro, Silva e Cia., detalhando a demarcação e características dos lotes, bem como as
27
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., p. 91.
especificidades físicas da colônia. Por fim, para completar esta discussão inicial,
narramos a atuação política de Evaristo Affonso de Castro.
No capítulo 2, analisamos o coronelismo no Planalto Médio do Rio
Grande do Sul configurado na pessoa do coronel Victor Dumoncel Filho. Nosso objetivo
principal é delimitar as estratégias utilizadas pelo PRR para permanecer no poder
político estadual no período delimitado neste estudo: recuperar a forma de atuação PRR
no Planalto gaúcho através do que a historiografia já produziu. Esses referenciais
teóricos embasaram a discussão sobre o caso específico do coronel Victor Dumoncel
Filho, permitindo observar suas articulações políticas, a formação das relações pessoais
de mando e obediência no município de Cruz Alta, na localidade de Santa Bárbara do
Sul e na colônia Saldanha Marinho.
Por fim, o capítulo 3 estabelece uma relação entre os três elementos: a
empresa colonizadora e seu proprietário, o coronel Victor Dumoncel Filho e os
imigrantes na formação da colônia Saldanha Marinho. Para tal, apresentamos quatro
subdivisões: a chegada dos primeiros imigrantes à colônia, suas dificuldades e glórias
na conquista deste espaço; o papel inicial de Evaristo Affonso de Castro, que, além de
fundador da colônia, foi uma figura peculiar no contexto; a presença do coronel Victor
na colônia tanto em épocas de formação de grupos de combates como no cotidiano da
vida dos colonos, controlando seu espaço, e, por último, o imaginário e as
representações construídas sobre a imagem do coronel referido.
CAPÍTULO 1
A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO: SALDANHA MARINHO E
SUA FUNDAÇÃO
O Rio Grande do Sul conquistou suas fronteiras e limites definindo-se
gradualmente no espaço nacional. Saldanha Marinho, município que adquiriu sua
emancipação político-administrativa em 1988, situado no Planalto Médio do Rio
Grande do Sul, definiu sua área territorial ainda durante a República Velha, num
processo de colonização através de imigrantes, em maior número alemães e, em menor,
italianos e ibéricos. Tal ocupação fez parte da política estadual de colonização das terras
devolutas existentes na região.
A partir das discussões historiográficas surgidas nos últimos trinta
anos, decorrentes da ruptura epistemológica pela qual passaram, de um modo geral, as
ciências na década de 1970, é possível definir enfoques de estudos que fogem aos
paradigmas totalizantes
28
que os temas e as pesquisas contemplavam até então. É certo
que, com essas novas discussões, podem-se verificar relações de poder em espaços
regionais e locais, estudando aqueles sujeitos que estavam ausentes da análise dos
processos históricos e sociais. É importante destacar os aspectos teóricos da história
política que passaram por uma renovação teórico-metodológica que possibilitou, em
grande parte, o crescimento da incorporação aos estudos das parcelas sociais ainda não
presentes nas análises do campo político da história.
Como este primeiro capítulo pretende definir o espaço de que estamos
tratando, é necessário conhecer as etapas da formação territorial de Saldanha Marinho.
Inicialmente, esse espaço era uma sesmaria
29
de mato e campo utilizada para a criação
de gado, passando a uma colônia de propriedade privada, povoada por imigrantes,
28
LE GOFF, Jacques. A história nova. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 25
29
RUBERT, Rosane Aparecida. Construindo tempos, recompondo tradições: um estudo etnográfico de
memórias junto a velhos moradores de um contexto rural - região do Médio Alto Uruguai. Dissertação
(Mestrado em Antropologia)-UFGRS: Porto Alegre, 2000. A autora caracterizou sesmarias como grandes
propriedades legalizadas pela concessão de títulos destinadas à monocultura de exportação ou à criação
de gado. p. 50.
prioritariamente alemães;
30
posteriormente, passou a um distrito e, a partir de 1988, a
município. Isso significa dizer que iremos situar:
a) a presença de uma família pioneira na região, que foi responsável pela
organização de uma fazenda e, em conseqüência, pela criação de gado e
produção de culturas para consumo e venda;
b) o processo de ocupação desse espaço, que passa pela constante oscilação de
divisas das terras da futura colônia, enquanto ainda era um pequeno povoado
pertencente ao extenso município de Passo Fundo;
c) pela atuação de uma empresa colonizadora, destinada a organizar e promover
a vinda dos colonos imigrantes para ocupar os lotes da colônia, ressaltando
nesse processo e tempo a importância política de um de seus proprietários;
Evaristo Affonso de Castro.
Ao descrever a ocupação de Saldanha Marinho, é fundamental abordar
as políticas adotadas pelo governo estadual no período da República Velha em relação
ao incentivo à colonização de terras, seja através de colônias públicas, seja de
particulares no final da século XIX, utilizando os colonos vindos da segunda leva de
imigração. Tal procedimento era lucrativo para ambos os lados: para os proprietários de
empresas colonizadoras, pelas transações comerciais de compra e venda dos lotes de
terras; para o governo estadual, porque, pela atuação das empresas colonizadoras,
acontecia o gradual e contínuo povoamento do território do Rio Grande do Sul,
integrando-o à economia nacional, ou seja, "a instalação de colonos nas áreas vazias era
o prenúncio do surgimento das relações capitalistas nestas áreas depois do
desbravamento".
31
Assim, em relação ao sentido da imigração no Planalto Médio
gaúcho, escreve Paulo Afonso Zarth:
Além dessas questões de mercado e de projetos de
desenvolvimento agrícola, o sentido da imigração consistia
sobretudo numa estratégia de valorização das terras, o que
explica, entre outros motivos, a insistência nos imigrantes em
detrimento dos lavradores nacionais.[...] Outro aspecto
30
A discussão sobre imigração será realizada no terceiro capítulo.
31
GREGORY, Valdir. Capitalismo, latifúndio, migrações: a colonização do período republicano no Rio
Grande do Sul - Zona Norte e Grande Santa Rosa. Dissertação (Mestrado)-PUCRS, Porto Alegre, 1988 .
p. 65.
importante considerado pelas autoridades locais para justificar
a necessidade de imigrantes[...], é o isolamento da região.
32
Somando-se aos aspectos econômicos/geográficos que incentivaram a
ocupação de algumas regiões do Rio Grande do Sul, o período da República Velha
caracterizou-se por permanentes conflitos políticos, com grupos em busca de posições
satisfatórias no novo cenário republicano. A definição dos grupos para preencher o
governo republicano e, ao mesmo tempo, legitimá-lo no poder deu-se em nível
nacional/estadual e também estadual/local.
Pretendemos demonstrar, com base nos aspectos descritos, a formação
e inserção da colônia Saldanha Marinho num contexto peculiar, no qual se relacionaram
forças antagônicas no espaço colonial: um líder federalista, imigrantes alemães e um
coronel republicano. São elementos presentes na região do Planalto Médio gaúcho que
reafirmam ter sido essa uma realidade de extrema contradição política.
33
1.1 Saldanha Marinho e suas divisas territoriais
A colônia Saldanha Marinho, desde sua fundação, em 1899, até 1931,
localizava-se no extenso município de Passo Fundo, na região de abrangência do distrito
de Carazinho, especificamente na divisa entre o município de Cruz Alta e o de Passo
Fundo, às margens do rio Jacuí Mirim. Sua jurisdição mudou quando o distrito de
Carazinho obteve emancipação político-administrativa de Passo Fundo, o que ocorreu
em 1931, quando a colônia passou a seguir as leis municipais e orçamentárias deste
município.
Cabe destacar que a colônia passou por várias alterações de suas
divisas territoriais desde sua criação, o que se explica pela sua localização num ponto de
divisa territorial entre dois municípios - Passo Fundo e Cruz Alta -, ambos com grande
32
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do Planalto Médio gaúcho. 1850-1920. Ijuí: Editora Unijuí.
1997, p. 80
33
REVERBEL, CARLOS. Maragatos e pica-paus. Guerra civil no RS. Porto Alegre: L & PM. 1985.
extensão territorial neste período, o que sugere que ocorra, com o passar dos anos, o
fortalecimento das comunidades e povoados, o desmembramento e, conseqüentemente,
a oscilação de divisas. Com o decorrer do tempo, as colônias criadas nesses territórios,
ou até mesmo os povoados, em razão do crescimento populacional e econômico,
transformaram-se em vilas, distritos e municípios com legislação própria, emancipando-
se dos municípios maiores. O processo de definição das divisas territoriais dos novos
municípios - Carazinho foi um exemplo -, modificou também a extensão territorial da
colônia Saldanha Marinho, bem como dos locais por onde passam seus limites.
O movimento das divisas aconteceu novamente em 1959, quando
Santa Bárbara do Sul, distrito de Cruz Alta emancipou-se. Estando Saldanha Marinho
próximo a Santa Bárbara do Sul, ocorreu uma anexação de seu território a este;
portanto, de 1959 a 1988, Saldanha Marinho fez parte do município de Santa Bárbara do
Sul
34
.
Sobre o processo da anexação do território de Saldanha Marinho à
Santa Bárbara do Sul, temos o depoimento do chefe da Comissão Emancipacionista
deste município, Lauro Prestes Filho,
35
que relatou como foram os trâmites legais e as
negociações com Carazinho. Segundo o entrevistado:
"A emancipação de Santa Bárbara não teve nada de política, eu
levantei a emancipação, quando ninguém pensava em
emancipar Santa Bárbara comecei sair nos povoados, inclusive
Saldanha, para dizer a população o que era emancipação e
como seria bom para o município. Uma semana depois que sai
com auto-falante nas vilas, aconteceu uma assembléia de
santa-barbarenses, com representantes desses povoados e vilas,
que foi no cinema, pretendíamos formar uma comissão
provisória, e se fez. O presidente foi Ildefonso Gomes Moreira,
um farmacêutico muito respeitado na cidade, humanitário, com
grande respeito e prestígio entre a população e eu como
primeiro secretário. Começou a campanha, especialmente por
Saldanha, por que era um núcleo de outro município, possuía
um importante número populacional, também econômico
pelas terras agrícolas e por ser um núcleo colonial. O
34
Conforme lei municipal de Carazinho n.º 10, de 23/09/1957. Ver FORTES, Amyr Borges; WAGNER,
E. João B. S. História Administrativa, judiciária e eclesiástica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Globo, 1963, p. 349.
35
Lauro Prestes Filho é natural de São Vicente do Sul (1916). Em 1923 ingressou na Brigada Militar em
Porto Alegre; em 1943, contraiu matrimônio com Adelma Dumoncel Prestes e, em 1949, passou para a
reserva não remunerada, no posto de segundo-tenente, vindo a residir em Santa Bárbara do Sul; em 1957
foi chefe da Comissão Emancipacionista de Santa Bárbara do Sul.
representante de Saldanha era um Neuwald, Augusto Neuwald
; e a maioria da população queria a emancipação, porque não
recebiam nada de Carazinho. Bom, iniciamos, então, as
negociações com Carazinho, fomos conversar com o prefeito,
o Anoni, o Antonio José Anoni era o chefe político. O prefeito
foi muito atencioso, começamos a conversa argumentando para
que ele cedesse Saldanha, depois de muita conversa o prefeito
concordou prontamente e nos deu muito apoio, no final da
conversa chamou os funcionários para nos passar os dados de
contabilidade (impostos) sobre o distrito de Saldanha, que era
ligado à Colorado. Fomos lá vários dias anotar os dados sobre
Saldanha, no terceiro dia, de repente entra o prefeito com o
Anoni atrás dele, dizendo: está suspensa toda e qualquer
documentação para Santa Bárbara, justamente na parte mais
importante, mas, fazer o quê? Voltamos. Acredito que por ser
chefe político, quis mostrar serviço, seu poder sobre o prefeito.
Diante deste fato, eu fui à Assembléia, diretamente no gabinete
do governador, coloquei sobre a emancipação de Santa Bárbara
e sobre o que Carazinho tinha feito, se negado a dar os dados
mais importantes para a comissão. Ocorreu uma coincidência
enorme, entrou um funcionário trazendo a correspondência do
dia, foi o governador olhar e, lá estava um ofício sobre o
assunto da suspensão dos dados de Carazinho para Santa
Bárbara. O governador ficou indignado com o acontecido e
ordenou, que com os dados que eu já tinha, seria necessário se
emancipar Santa Bárbara. Saldanha contribuiu com quase mil
habitantes. Depois descobrimos que foi a comissão contra
emancipação de Saldanha que colocou na cabeça do Anoni que
Saldanha não queria se emancipar, fizeram política, nós não
estávamos fazendo, era um movimento sem participação
política. Enfim conseguimos todos os dados e conquistamos a
emancipação.
36
A entrevista leva-nos a concluir que Saldanha Marinho passou para o
município de Santa Bárbara depois de muita luta por parte da comissão
emancipacionista. Os grupos políticos que se posicionavam contra a emancipação de
Santa Bárbara utilizaram Saldanha Marinho para tentar impedir este acontecimento,
visto que apresentava bons índices econômicos, além do contingente populacional
necessário, o que era um fator importante para se conquistar emancipação político-
administrativa. Esses grupos oposicionistas eram aquelas pessoas que queriam ter
tomado a iniciativa de fazer a emancipação; como a iniciativa fora de outro grupo, eles
se manifestaram contra.
36
PRESTES FILHO, Lauro. Entrevista concedida a Isléia Rossler Streit, em 29 nov. 2002, Santa Bárbara
do Sul.
Localizamos mapas que datam do período de 1925 a 1957
37
pelos
quais chegamos a essas conclusões. Além disso, os mapas demonstram a dificuldade de
definição exata das divisas dos municípios citados na região do povoado de Saldanha
Marinho: ora este marco era o arroio Grande, ora o arroio Ibirubá. Essa constante
oscilação de limites territoriais explica-se pela necessidade que um distrito possuía de
ampliar seu território quando encaminhava um pedido de emancipação político-
administrativa (Anexo 1 e 2 ).
Para conquistar a emancipação, era preciso preencher alguns
requisitos, estabelecidos pela lei vigente na época, aos quais nem sempre o distrito
conseguia atender; geralmente, tratava-se de um número mínimo de eleitores, ou do
contingente populacional e até de área territorial mínima. Então, era uma "política de
boa vizinhança" tomar emprestada uma porção de terras do município vizinho para se
enquadrar nos processos de emancipação, ao que se denomina "colaboração territorial".
Como exemplo, Santa Bárbara do Sul emancipou-se de Cruz Alta em 31 de janeiro de
1959
38
utilizando-se de parte do território do distrito de Saldanha Marinho,
39
que
pertencia a Carazinho e que, a partir de então, passou a integrar seu território.
Essa é uma das explicações mais aceitas para o fato de o distrito de
Saldanha Marinho ter, em meados da década de 1950, passado para Santa Bárbara do
Sul, que estava nesse período encaminhando seu processo de emancipação político-
administrativa de Cruz Alta; desde sua fundação, a colônia Saldanha Marinho estivera
ligada administrativamente ao município de Passo Fundo e, posteriormente, passou para
a gestão administrativa de Carazinho.
A discussão referente às divisas da colônia toma importância quando
associamos a ela fatores políticos e ideológicos. Mesmo estando a colônia Saldanha
Marinho regida pelas decisões políticas e administrativas de Passo Fundo e de
Carazinho, não podemos descartar a influência de ideologias e práticas políticas que
37
Referimo -nos aos mapas que estão em RODERJAN, Roselys Vellozo. Raízes e pioneiros do Planalto
Médio. Passo Fundo. Gráfica Universidade de Passo Fundo. 1991; FAGUNDES, Mario Calvet. Passo
Fundo estudo geográfico do município. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul -
Instituto Gaúcho de Reforma Agrária, 1962. Ver mapa: Carta do Rio Grande do Sul, elaborada na
comissão de rede/3, com a colaboração do Daer, 1957, encontrada no Arquivo Público - Porto Alegre/RS.
38
Conforme lei n.º 3.703, de 31 de janeiro de 1959. Ver FORTES, Amyr Borges e WAGNER, E. João B.
S. Op. cit. p. 348.
39
Ver OLIVEIRA, Francisco Antonio Xavier . Dicionário histórico e geográfico de Carazinho. Passo
Fundo: Gráfica UPF, 1992 . p. 135
vinham do município de Cruz Alta, ainda que isso ocorresse de maneira indireta. Nesse
sentido, pois, se levarmos em consideração o poder de mando e controle de votos dos
coronéis da República Velha, veremos que sua atuação extrapola os limites dos
municípios
40
(Anexo 3).
Um outro aspecto interessante a destacar na região, mesmo antes da
divisão do povoado em lotes de colonização, é a presença de uma proprietária das terras
em que se formaria o futuro povoado de Saldanha Marinho. Segundo Lia Guerra
Bocorny, a família Quadros teria sido uma das primeiras a ocupar sesmarias em
Carazinho, tanto na atual sede do município como nos arredores, constituindo os
primeiros núcleos de famílias descendentes de portugueses que habitaram a região, já a
partir de 1827.
41
Roselys Vellozo Roderjan, em seu estudo sobre os primeiros
moradores do Planalto Médio gaúcho, descreve a genealogia de algumas famílias, entre
as quais está a Quadros, que teria se fixado não apenas no distrito de Carazinho, mas
também na sede do município de Passo Fundo, sendo pioneiros agropecuaristas na
região.
Em relação ao povoado de Saldanha Marinho, está registrada a
presença dos Quadros, que possuíam glebas de sesmarias na área, que fora, num período
posterior, demarcada e dividida em lotes. Anna Emília de Quadros, a representante
desta família, era proprietária de terras "entre o Passo de São Pedro, no rio Jacuizinho,
o Jacuí Mirim e Saldanha Marinho."
42
Era casada com Joaquim Roberto Martins, filho
do alferes Rodrigo Félix Martins, que fora um dos primeiros proprietários de terras de
Passo Fundo, ambos naturais de Castro, no Paraná. Em testamento realizado pelo casal
e datado de 12 de
fevereiro de 1868, ficou designado como herdeiro das suas terras e posses seu único e
legítimo filho, Firmino Antonio Martins. Nesse testamento também foi feita a libertação
de seus escravos e a doação de parcelas de dinheiro a todos os seus afilhados, porém
40
Isso será discutido num próximo capítulo. Por ora, ver FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e
cooptação política.. Op. cit., p. 129
41
BOCORNY, Lia Guerra. História dos logradouros de Carazinho. Cópia xerografada. Biblioteca
Municipal de Carazinho/RS . p. 11.
42
RODERJAN, Roselys Vellozo. Raízes e pioneiros no Planalto Médio. Op cit., p. 135.
sem a descrição de seus nomes, uma doação em dinheiro à Igreja de Passo Fundo e o
restante como esmolas para os pobres.
43
No ano de 1874, conforme auto de medição n.º 629, Anna Emília de
Quadros e seu filho Firmino Pinto Martins requereram a legitimação de posse de terras
situadas na serra do Jacuhy, no 4.º Distrito de Passo Fundo. Consta que haviam
decorrido três meses do falecimento do marido e pai das partes, respectivamente,
Joaquim Roberto Martins, razão ela qual era necessário proceder à medição para que a
viúva e o herdeiro obtivesse o título legítimo das terras de cultura
44
das quais já faziam
uso há bastante tempo.
Os documentos encontrados, entretanto, não fazem menção alguma à
denominação da área de terras de propriedade de Anna Emília de Quadros como
"Saldanha Marinho". Deduzimos que se trata dessa área por ter a mesma localização
geográfica que a futura colônia, o que nos leva a uma conclusão prévia de que o nome
da colônia provavelmente foi dado por seu fundador: Evaristo Affonso de Castro. É de
fundamental importância destacar o nome da colônia e identificar quem o teria
atribuído para identificar e justificar o perfil que tomaria a localidade e sua futura
participação política durante os conflitos vividos na região do Planalto Médio gaúcho e
do Rio Grande do Sul, de modo geral, durante a República Velha.
45
Pela análise dos documentos referentes a Anna Emília de Quadros,
podemos observar que esta moradora já se encontrava na região num período bem
anterior à fundação da colônia Saldanha Marinho. Por isso, foi a pioneira na ocupação
das terras, embora não tenha se destacado por algum controle político
46
.
Verificou-se os Quadros, representados por Anna Emília de Quadros e
Firmino Pinto Martins, seu filho, saíram da colônia logo após terem se desfeito das
terras. Essa conclusão advém do fato de que, atualmente, não se encontram indícios da
sua presença no município, bem como nenhum marco histórico que demonstre a
43
Testamento de Joaquim Roberto Martins e Anna Emília de Quadros. 12/02/1868. Autos n.º 57, maço 2,
estante 117; ano 1874; município Passo Fundo. AP-RGS/RS.
44
Autos de Medições n.º 629, de Anna Emília de Quadros e Firmino Pinto Martins, município de Passo
Fundo. Área 11.156.900m² ; sentença 13/02/1875; título 05/01/1881; lei 1850. AH- Porto Alegre /RS.
45
A discussão sobre o nome da colônia e o que isto significa para o período e espaço tratado será
realizada no item 3.2.
46
Não iremos aprofundar neste trabalho a presença de Anna Emília de Quadros em face de não se
enquadrar no período que envolve a temática, bem como por não termos localizado fontes que
esclareçam esse aspecto.
influência ou, até mesmo, o seu pioneirismo na região. O fato que, oficialmente, é
referência como início de ocupação da área do atual município é a presença da empresa
colonizadora Castro, Silva e Cia, que teria ocupado efetivamente as terras com
finalidades de colonização e povoamento do território.
O povoado de Saldanha Marinho iria definir suas divisões territoriais
com os municípios limítrofes apenas após sua emancipação político-administrativa,
quando se desmembrou de Santa Bárbara do Sul, conforme a lei de criação do
município n.º 893, de 09 de maio de 1988. Atualmente, o rio Jacuí Mirim divide o
município de Saldanha Marinho com o seu vizinho Santa Bárbara do Sul.
1.2 Empresa Colonizadora Castro, Silva & Cia
Evaristo Affonso de Castro, juntamente com seu sócio Francisco
Claro Silva, conhecido como “Chico Claro”,
47
fundou a colônia particular Saldanha
Marinho em 2 de maio de 1899. Situada na serra da Cadeia, entre os rios Pinheirinho e
Arroio Grande, no 5º Distrito de Passo Fundo, a colônia tinha uma área inicial de 106
lotes.
48
Os proprietários contrataram uma empresa de Passo Fundo para fazer o mapa
topográfico da colônia dividindo-a em lotes.
Jean Roche, autor de uma das obras sobre colonização alemã mais
completa da historiografia, divide a história da colonização alemã do Rio Grande do Sul
em duas fases, as quais, por sua vez, são subdivididas. Segundo Roche: "Uma vai do
começo da colonização até à queda do Império, a outra corresponde à República.
Contudo, cada uma dessas fases abrange diversos períodos, conforme a colonização
dependia do governo central ou local e gozava do favor ou desfavor oficial."
49
Especificamente sobre o período pós-República, que é a segunda fase
na classificação do autor, afirma: “O governo do Estado, tendo recebido atribuições
mais amplas, desenvolveu as colônias anteriormente fundadas pelo governo imperial e
47
Informações que constam em uma homenagem interna da maçonaria porto - alegrense, realizada por
Omar Castro de Castro a Evaristo Affonso de Castro.
48
OLIVEIRA, Francisco Antonio Xavier. Dicionário histórico e geográfico de Carazinho. Op. cit., p.
167.
49
ROCHE, Jean. A colonização alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969 . p. 94.
criou novas”.
50
Este, incumbido da colonização, deu-lhe um novo estatuto e novo
impulso, bem como instalou novas colônias no Planalto, as quais prosperaram
rapidamente. Essas ações do governo ocorreram no período de 1890 a 1914, segundo
Jean Roche.
A colônia Saldanha Marinho foi fundada dentro da segunda fase de
colonização de terras no Rio Grande do Sul, de acordo com a classificação de Jean
Roche, que se caracterizou pelo esgotamento de terras públicas e devolutas e pela
concessão de áreas a particulares para que procedessem à colonização. Temos, pois, a
partir de 1890, a formação de colônias oficiais e particulares. Na região do Planalto
Médio do Rio Grande do Sul, a ocupação seria feita basicamente com recursos
particulares: entre 1890 e 1922, a iniciativa particular instalou 73 colônias, com média
de 25 hectares cada.
51
Após a aquisição e demarcação dos lotes, o proprietário da colônia
tomava as providências necessárias para vender as terras, quando então entrava o papel
da imprensa. Paulo Afonso Zarth destaca a importância da imprensa no incentivo à
colonização na região de Cruz Alta a partir de 1880, especialmente através de artigos do
periódico Aurora da Serra. Os artigos publicados nessa revista a partir de 1884
chamavam a atenção para o "descaso da população brasileira" em relação ao
desenvolvimento da agricultura na região.
52
O autor do texto argumenta sobre a
importância de acessos comunicativos e de meios de transporte que possibilitassem a
circulação da produção agrícola de gêneros alimentícios; desse modo, a construção da
via férrea era um fator altamente positivo à colonização oficial e particular no
Planalto.
53
Após a vinda dos colonos incentivados pela fundação das primeiras
colônias oficiais, Ijuí e Guarani, iniciou-se a comercialização da terra por proprietários
de grandes áreas de mata virgem ou campo.
54
Segundo Zarth: "O comércio de terras
desenvolvia-se através das companhias colonizadoras, que compravam grandes áreas de
50
Op. cit., p. 117.
51
GREGORY, Valdir. Capitalismo, latifúndio. Migrações: a colonização do período republicano no Rio
Grande do Sul - Zona Norte e Grande Santa Rosa. Op. cit., p. 73.
52
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do Planalto Médio gaúcho. 1850-1920. Op. cit., p. 78.
53
Op. cit., p. 79.
54
Op. cit., p. 82.
terras de um fazendeiro que as havia monopolizado anteriormente e as negociava com
os colonos em pequenos lotes".
55
Nesse contexto, após a fundação da colônia Saldanha Marinho,
iniciou-se, o processo de incentivo e propaganda para que os colonos se fixassem nos
lotes demarcados. A colônia destacou-se na região pela abundância de madeiras de lei,
pela mata de araucárias, ipês, angicos, cabriúva, etc;
56
pelas facilidades de transporte e
comunicação, através da estação ferroviária em Pinheiro Marcado, a 19 Km da
colônia,
57
e o fácil acesso à terra.
Segundo o mapa topográfico (Figura 1), a colônia Saldanha Marinho
abrangia lotes de terras de seis tipos, os quais estavam localizados na área central da
colônia, onde hoje é o centro urbano do município, e nos seus arredores, que hoje
constituem os principais distritos da zona rural; os primeiros eram menores e os
segundos, maiores. É importante salientar que os nomes das principais ruas do
município já foram designadas no mapa topográfico da colônia por seus fundadores,
entre as quais podemos destacar: rua Prestes Guimarães, avenida Silva Tavares, rua
Gumercindo Saraiva, General Portinho, Saldanha da Gama.
58
Utilizando-se dos meios de comunicação, iniciou-se a propaganda
para a venda dos lotes. O jornal Aurora da Serra, de dezembro de 1897, publicou o
seguinte anúncio: "Evaristo Affonso de Castro, fundador e proprietário da Colônia
Saldanha Marinho junto às estações ferroviárias de Santa Bárbara e Pinheiro Marcado,
tem para vender, e encarrega-se da compra e venda de terras."
59
Com a colonização dessa área de campo e mato os proprietários
objetivam trazer colonos alemães e italianos das Colônias Velhas, especialmente
alemães,
60
para explorar as ricas terras da região, bem como a grande quantidade de
madeiras nobres, sobretudo pinheirais. Alfredo Costa faz uma caracterização da
colônia:
55
Op. cit., p. 84,
56
GEHM, Delma Rosendo. Passo Fundo através do tempo. Da Academia Passo-Fundense de Letras.
Passo Fundo: Multigraf. 1978, 3 v. p. 148.
57
Op. cit., p. 149.
58
Mapa topográfico da Colônia Saldanha Marinho, cópia desenhada por Guilh Fricke , em 19 de julho de
1913 . AHR- UPF.
59
Aurora da Serra, anno I, n. 7, dez. 1897; Revista do clube do mesmo nome, com publicação mensal.
Cruz Alta. MCSHJC - Porto Alegre/RS.
60
Por serem os mais antigos e terem maior número de descendentes. Ver Zarth, Paulo Affonso. História
Agrária do Planalto Médio gaúcho. 1850-1920. Op cit., ,p. 82 .
Saldanha Marinho foi fundada em 02 de maio de 1899, pela
firma Castro, Silva & Cia. Demora na serra do Jacuí, 10
quilômetros ao sul da estação Pinheiro Marcado, da estrada de
ferro Santa Maria ao Uruguai e compõe-se de 106 lotes
coloniais de área variável traçados segundo as condições do
terreno, os quais se acham já em grande parte ocupados por
colonos nacionais, alemães e italianos. As condições do solo
são as melhores possíveis para a agricultura, cultivando-se
nela, com vantagens a cana-de-açúcar, trigo, fumo, vinha e
produzindo abundantemente muitos outros cereais. Também
faz o comércio de madeiras, como se pratica em todo o
município. A floresta é riquíssima em pinheiros e outras
madeiras de construção. Ocupa uma área de 2.791 hectares e
conta com 2.000 habitantes. Está no 9º distrito.
61
Apesar de ser uma área com madeiras nobres, o que poderia ser um
grande incentivo para os colonos que começaram a se fixar na colônia, a madeira foi
extraída e explorada em grande parte pelo fundador da colônia, Evaristo Affonso de
Castro, que instalou cerca de quinze serrarias nas suas terras e passou a dedicar-se à
extração da madeira dos pinhais quase em sua totalidade.
62
A colonização do atual município de Saldanha Marinho fez parte de
políticas estaduais e federais de incentivo à ocupação de terras, que visavam, sobretudo,
ocupar os “Campos de Cima da Serra” e do Planalto Médio do Rio Grande do Sul. O
período da República Velha foi um novo momento para as questões agrárias no Brasil.
Assim como as conturbações políticas da passagem do regime monárquico para o
republicano se faziam presentes, as reestruturações econômicas foram marcantes. No
período final do Império assistiu-se a mudanças nas relações econômicas, em virtude da
abolição da escravatura, da imigração, do desenvolvimento da cafeicultura e da
crescente urbanização.
Segundo o estudo realizado por Luiza H. S. Kliemann, a legislação
sobre terras, imigração e colonização seguiu num ritmo quase que próprio, fazendo-se
presente nas questões federais mesmo quando o centro das atenções econômicas e
políticas eram as áreas de exportação do café. Prova disso é uma certa autonomia que os
61
COSTA, Alfredo R. P. da . O Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1922. v. I e II. p. 242.
62
JÚNIOR CASTRO, Eurydes. Entrevista concedida a Isléia Rossler Streit, em 5 fev. 2002, Cruz Alta.
estados, na esteira da contribuição do federalismo, inclusive o Rio Grande do Sul,
obtiveram na resolução dos problemas de terras.
63
O governo associou proprietários particulares, companhias de
colonização e bancos de incentivo para, através dos imigrantes estrangeiros,
desenvolver a propriedade agrícola, classificando as propriedades particulares e as terras
devolutas. Destacamos nessa classificação a segunda categoria, que "diz respeito a
territórios adquiridos por empresas que se formariam para povoamento de terras
devolutas. Nesses territórios, além do loteamento previsto em lei, deviam ser edificadas
escolas, fábricas e, no mínimo, uma enfermaria".
64
Na região do Planalto Médio do Rio Grande do Sul, também
designada de “Campos de Cima da Serra”, foram formadas durante a República Velha
muitas colônias de imigrantes de origem alemã e italiana, provindos das colônias do
Vale do Rio dos Sinos e Serra gaúcha, os quais se enquadraram na categoria de
incentivo à ocupação da terra. Dessas são exemplos as colônias Sarandy e Ijuy.
Concomitante a isso, ocorreu também o que Jean Roche chama de "enxamagem dos
pioneiros", que seria o crescimento da população nas primeiras colônias de imigração e,
por conseqüência, o esgotamento das terras.
65
Os imigrantes do Planalto Médio gaúcho, de um modo geral, fixaram-
se em lotes medidos pelo governo ou por particulares e, nesta última categoria, a grande
maioria era de colonos. Paulo Afonso Zarth, em seu estudo sobre a questão agrária nesta
região, argumenta que a primeira legislação agrária do Brasil de 1850 veio para
organizar a propriedade, mas também deu início a processos fraudulentos e de exclusão
daqueles que ocupavam as áreas de fato, mas que não tinham condições de ocupá-las de
direito. Pode-se afirmar que a política de terras que desenvolveu a pequena propriedade
gaúcha favoreceu os imigrantes europeus, excluindo a grande população regional que já
estava presente na região num período longo e anterior, os lavradores pobres e coletores
de erva-mate.
66
Considerando essa idéia, surge uma questão instigante e que nos serve
como pano de fundo para as discussões posteriores, que será averiguar como se deu a
63
KLIEMANN, Luíza Helena Schmitz. RS: terra e poder - a história da questão agrária. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1986 . p. 46.
64
Op. cit., p. 44.
65
ROCHE, Jean. A colonização alemã no Rio Grande do Sul. Op. cit , p. 319.
66
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do Planalto Médio gaúcho. 1850-1920. Op. cit p., 77.
diferenciação cultural e política entre esses grupos, vinculados ainda à presença do
coronelismo borgista do Planalto gaúcho. Para trabalhos futuros, poderá ser analisado o
relacionamento desses três grupos: caboclos, imigrantes e os coronéis borgistas. Por ora
observaremos apenas os dois últimos. Segundo Álvaro Rocha Vargas,
As novas colônias no território que seria o do município de
Carazinho antes do desmembramento que seria efetuado mais
tarde foram: 1895: Saldanha Marinho ( por Castro, Silva &
Cia) : Barra do Colorado em 1897 ( Companhia de
Colonização); 1897: Alto Jacuí ( Schmitt & Cia.); 1915:
Tamandaré, ( Matte, Vargas e Meira); 1915: Tesouras, ( Matte,
Vargas e Meira).
67
Com a contextualização da fundação de colônias com capital privado,
levantamos os seguintes questionamentos sobre o caso específico da colônia Saldanha
Marinho: qual era o objetivo de seus proprietários fundadores ao ocupar a área? Teriam
algum interesse além do financeiro? Essas questões serão respondidas ao analisarmos a
atuação político-social de Evaristo Affonso de Castro não apenas na colônia, mas antes
disso, quando participou ativamente das questões políticas em Cruz Alta.
1.3 . Evaristo Affonso de Castro e sua atuação social
Conhecer a atuação social e política do proprietário da empresa
colonizadora Castro, Silva e Cia., de Evaristo Affonso de Castro, é de fundamental
importância para conseguirmos relacionar os acontecimentos ocorridos na colônia aos
67
VARGAS, Álvaro Rocha. Do Caapi ao Carazinho. Notas sobre 300 anos de História - 1631-1931.
Gráfica Carazinhense: Carazinho. 1980. p. 76. Alguns dados sobre a fundação de núcleos coloniais
necessitam de estudos para a confirmação efetiva; a colônia Saldanha Marinho é um exemplo, cujos
dados serão confirmados ao longo deste trabalho.
fatos que marcaram o cenário político regional e estadual no período da República
Velha, inserindo, assim, a colônia nas lutas desse período (Anexo 4).
Sabemos que todas as decisões políticas da região são demonstrações
da constante luta dos coronéis republicano-borgistas para permanecerem com o poder
local nas mãos. Essas também estavam relacionadas aos acontecimentos estaduais de
dominação política do Partido Republicano Riograndense por um longo tempo no Rio
Grande do Sul, cujos membros se sentiam desafiados pela oposição federalista ou por
dissidentes republicanos descontentes com a situação que se formara após a
proclamação da República e pela promulgação da Constituição de 1891 no Rio Grande
do Sul.
Contamos, nesta parte do capítulo, com a contribuição de dois netos
de Evaristo Affonso de Castro. A primeira entrevista é com Jaci Castro Castilhos,
nascida em 29 de janeiro de 1923, e filha de Aldo Castro. Jaci conviveu durante muito
tempo com sua avó, Veridiana Prado de Castro, esposa de Evaristo, que não se cansava
de contar aos netos os feitos de seu marido. Dona Jaci falou de seu avô muito
emocionada e, ao mesmo tempo, orgulhosa. Destacamos parte de seu depoimento:
Minha avó contava sempre sobre um dia quando os inimigos
de meu avô chegaram na casa dela trazendo uma orelha
recém-cortada em uma caixinha, dizendo que era a de Evaristo.
Eles queriam amedrontá-la, pois o avô Evaristo estava fora de
casa já há um bom tempo e ela estava sem notícias dele. Então
ela olhou, olhou a orelha e disse que não era a orelha de seu
marido, que era para ir embora que ela não tinha medo, porque
seu marido estava vivo.
68
O depoimento demonstra o envolvimento da avó de Jaci Castro
Castilhos, Veridiana Castro, como a mulher de um líder político na República Velha,
quando a política era assunto a ser tratado com armas, batalhas e perseguições. O
depoimento elucida também os vários meios utilizados pelos inimigos políticos de
Evaristo para amedrontá-lo, buscando, assim, reduzir/enfraquecer sua força política na
região.
68
CASTILHOS, Jaci Castro. Entrevista concedida a Isléia Rossler Streit, em 30 jan. 2002, Erechim.
As informações de Jaci Castro Castilhos levaram-nos a outro neto de
Evaristo, o senhor Eurydes Castro Júnior, que tem setenta anos e mora na cidade de
Cruz Alta. Suas informações foram pontuais sobre a participação do avô na campanha
abolicionista e na maçonaria, destacando também sua atuação na imprensa de Cruz Alta
através da fundação da revista Aurora da Serra. Comentou sobre as obras que seu avô
publicara, relatando detalhes delas e explicando-nos as razões que o teriam levado a
escrevê-las: “Grande amor pela pátria que agora considerava sua.” Segundo Eurydes,
seu avô deixara como herança para seus filhos e netos a simpatia pelas letras, pela
escrita, pela divulgação dos fatos, pela crítica aos acontecimentos que considerava
incoerentes na vida social e política de uma sociedade. Assim é que a família tem uma
tradição na imprensa e nas atividades liberais.
Com base também nos depoimentos obtidos nas entrevistas,
conseguimos traçar o perfil daquela figura que fundou a colônia Saldanha Marinho,
hoje município de mesmo nome. Esse personagem tem uma trajetória de vida que o
caracteriza como um líder político seguro na defesa daquilo em que acreditava.
Conforme um relato oral de uma de suas netas, era forte a posição oposicionista que
Evaristo Affonso de Castro representava na região de Cruz Alta:
Evaristo Affonso de Castro, meu avô, era um idealista que
pouco estava em casa junto com a família Estava sempre
presente nas lutas, mesmo armadas, que ocorreram no Rio
Grande nesta época. Seu principal objetivo era o
abolicionismo, queria a libertação dos escravos de Cruz Alta e
também de todo Rio Grande do Sul. Mais tarde tornou-se um
grande lutador maragato, com um lenço vermelho sempre
amarrado na cabeça.
69
O depoimento foi confirmado pelo neto de Evaristo, filho de Eurydes
de Castro, que, por sua vez, é o filho mais velho de Evaristo. Eurydes Castro Júnior,
fundador do jornal Diário Serrano de Cruz Alta, relatou sobre a atuação de Evaristo
Affonso de Castro na vida política de Cruz Alta e região no início da República e até
mesmo antes dela. Suas informações referem-se, sobretudo, à atuação de Evaristo
Affonso de Castro como um líder abolicionista, que teria lutado pela causa da liberdade
69
CASTILHOS, Jaci Castro. Entrevista citada.
em toda a região missioneira ou serrana. Francisco Antonino Xavier e Oliveira também
menciona o prestígio que tinha Evaristo Affonso de Castro, principalmente em razão da
defesa da causa abolicionista e, também, pelos seus escritos literários.
70
Sobre a atuação de Evaristo na campanha abolicionista, mencionamos
suas realizações no município de Cruz Alta, onde atuou com maior ênfase. Nessa
cidade, foi fundada em 1870 a Sociedade Libertadora Cruz-Altense, com o nome de
Club Litterário Aurora da Serra, destinada a reunir recursos financeiros para adquirir,
por compra, a alforria de crianças escravas. Os recursos eram conseguidos através de
doações, campanhas, festividades, promovidas por uma diretoria eleita a cada ano. Em
1884, Evaristo Affonso de Castro começou a fazer parte da sociedade. Segundo
Prudência Rocha:
A flama libertária, novamente desflaldada, apresentava-se com
as proporções de um autêntico movimento revolucionário. Não
era, agora, o simples alforriamento de crianças; era a ofensiva
direta e frontal contra as cidadelas do escravagismo. Um ariete,
contra as barricadas da servidão. Esse movimento teve suas
origens em 1882, quando Evaristo Affonso de Castro e um
púgilo de intelectuais, fundava a Sociedade Literária Aurora
da Serra. [...] A 1º de janeiro de 1884, lançava a lume a
publicação " Aurora da Serra", que liderou a campanha
abolicionista em Cruz Alta. De agosto de 84 a março de 85,
foram libertados 607 escravos e restaram, apenas 129 cativos,
número que continuou a decrescer de forma constante e
ininterrupta.
71
Cruz Alta antecipou-se à abolição oficial dos escravos decretada em
1888, e esse histórico feito teria se devido, em muito, à atuação de Evaristo Affonso de
Castro, que participava ativamente dos acontecimentos da região. Mozart Pereira Soares
escreve que não existem em Palmeira das Missões sinais de luta pela abolição, mas que
as manifestações ocorridas eram reflexos do que ocorria em Cruz Alta, que foi um dos
70
OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier. Annaes do município de Passo Fundo. Coord. por Marília
Mattos. Passo Fundo: Gráfica e Ed. Universidade de Passo Fundo. 1990 . p. 389.
71
ROCHA, Prudêncio. A história de Cruz Alta. 2. ed. Cruz Alta: Mercúrio, 1980. p. 98.
principais focos de combate ao escravagismo do Rio Grande do Sul, por iniciativa de
Evaristo Affonso de Castro.
72
Evaristo Affonso de Castro, com sua luta ideológica pela causa
abolicionista, teve atuação destacada em Cruz Alta, município que se apresentava como
uma economia agrária característica do período imperial, baseada na mão-de-obra
escrava. Segundo Prudêncio Rocha: "Os senhores de escravos, opunham tenaz
resistência à propaganda abolicionista, considerando os cativos despreparados para
receber os benefícios da liberdade e que a liberação do braço escravo conduziria ao
esbarrondamento da economia nacional."
73
Portanto, é visível o confronto que a Sociedade Libertadora Cruz-
Altense, e especialmente Evaristo Affonso de Castro, seu líder de maior expressão,
estabeleceu com os estancieiros do município ao levar até o final a causa libertadora em
Cruz Alta. Com a proclamação da República e o posicionamento de Evaristo como um
membro do Partido Federalista, concretizou-se ainda mais sua rivalidade com membros
desse partido, já que este município se caracterizou pela maior representatividade
republicana. Rossano Viero Cavalari realizou um estudo sobre a revolução de 1893 em
Cruz Alta, descrevendo a atuação de alguns líderes republicanos e federalistas nas
principais batalhas desta guerra civil. O autor destaca, sobretudo, os detalhes de cada
conflito:
Em Cruz Alta, cidade ardorosamente republicana, as
atrocidades não foram diferentes. Foram presas dezenas de
pessoas a mando de José Gabriel da Silva Lima, inclusive o
jornalista e escritor Evaristo Affonso de Castro, um dos líderes
federalistas que permaneceu na cadeia durante vários dias.
74
Com a cooptação crescente
75
dos líderes republicanos de Cruz Alta
pelo governo de Castilhos e Borges, que eram, em sua maioria, estancieiros da região do
Planalto Médio, cresceu também a oposição de Evaristo Affonso de Castro e dos demais
membros federalistas ao governo estadual. À atuação de Evaristo Affonso de Castro nas
72
SOARES, Mozart Pereira. Santo Antônio da Palmeira. Porto Alegre: Bels. 1974 . p. 175.
73
ROCHA, Prudêncio. A história de Cruz Alta. Op. cit, p. 95.
74
CAVALARI, Rossano Viero. O ninho dos pica-paus: Cruz Alta na Revolução Federalista de 1893.
Porto Alegre: Martins Livreiro, 2001 . p. 44
75
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit, p. 191.
questões abolicionistas soma-se o seu desempenho literário, pois suas obras expressam a
admiração pela região. Podemos citar quatro obras de que se tem registro, todas
publicadas nas duas últimas décadas do século XIX: Notícia descriptiva na região
missioneira, Gigante missioneiro, História de um crime emocionante e Histórico do
Club Literário Aurora da Serra.
76
De caráter informativo, as duas primeiras publicações trazem
importantes informações históricas e geográficas da região do Planalto Médio do Rio
Grande do Sul. Considerando a época em que foram escritas, as obras demonstram o
grande conhecimento que o escritor detinha tanto sobre os aspectos gerais, bem como
sobre especificidades do Planalto Médio gaúcho. Vejamos alguns dados bibliográficos
do nosso personagem:
Evaristo Affonso de Castro, nascido em Âncora, litoral de
Portugal, em 17 de outubro de 1852; falecido no município de
Passo Fundo em 21de setembro de 1910. Comerciante, poeta e
escritor. Bibliografia: "Notícia Descriptiva da região
missioneira", 1ª ed. 1887, 356 págs., mais mapa e apêndices.
Topografia do Comercial, Cruz Alta. Nota: Foram feitas duas
tiragens sendo uma em papel jornal comum e outra em papel
assetinado; "Gigante Missioneiro", poema histórico-
geográfico. Porto Alegre, 3ª ed. 1951, 89 págs. mais notas,
Empresas Gráfica Serra, Cruz Alta. Nota : Consta que a 2ª ed.
Foi lançada em 1906 pela Livraria do Globo.
77
As obras produzidas por Evaristo Affonso de Castro demonstram que
ele possuía um conhecimento geográfico e hidrográfico vasto e detalhado sobre a
região e também sobre todo o estado do Rio Grande do Sul. Sua obra, Gigante
missioneiro, é um poema histórico-geográfico que relata em versos, divididos em nove
cantos, todas as belezas naturais do Rio Grande do Sul, realizando uma descrição
minuciosa dos primeiros povos indígenas; da influência dos jesuítas; das lutas entre
lusos e espanhóis pela conquista do território rio-grandense e pela manutenção desses;
76
A primeira obra encontra-se arquivada no IHG/RS; a segunda foi fornecida por Jaci Castro Castilhos; a
terceira não foi encontrada e a última está no AEF de Cruz Alta-RS.
77
VILLAS-BÔAS, Pedro. Notas de bibliografia sul-rio-grandense. A nação. Porto Alegre: Instituto
Estadual do Livro. 1974 . p. 125.
das espécies de flores, de árvores, de árvores frutíferas, de pássaros, de minerais, de
animais selvagens que habitavam as densas matas; das espécies dos peixes que
compunham a rica rede hidrográfica, etc.
Toda a descrição surge fazendo uma comparação com um gigante que
teria sido desenhado pelo autor sobre o mapa do Rio Grande do Sul. Cada canto do
poema descreve uma parte do corpo do gigante, preenchendo-a com características do
Rio Grande do Sul, especificamente sobre a região missioneira.
78
O que mais nos
interessa verificar nesta obra é a preocupação que o autor tem em denunciar as
maravilhas que compunham a região estavam sendo utilizadas por pessoas e facções
políticas que não se importavam com elas, mas, sim, que visavam apenas garantir a sua
permanência no poder. Isso fica comprovado nos versos que compõem o canto V :
A epopéia - noventa e três
Não quizera aqui lembrar,
Pois s,eu nela tomei parte
Sou suspeito p´ra falar.
Dessa luta há pouco finda,
Muito eu tinha que dizer,
Mas calo, é cedo ainda
Posso os bravos ofender!
Desterremos preconceitos,
Abracemos nosso irmão,
Pois não deve haver despeitos
N'um valente coração!
Hoje, a luta que enaltece
Que engrandece a mais não ser,
É a luta do trabalho,
Da industria e do saber!
79
Segundo informações de Eurydes Castro Júnior, a obra publicada com
o título de A história do crime emocionante descreve o assassinato de Otto Kliemann,
acontecido na colônia Saldanha Marinho logo após a chegada dos primeiros imigrantes,
crime que foi cercado por muito mistério e que provocou medo entre os colonos
vizinhos à vítima. Na obra, Evaristo Affonso de Castro relata um fenômeno
inexplicável que, na época, foi presenciado por ele: seis dias após o crime, ao ser
78
JUNIOR CASTRO, Eurydes. Entrevista citada e informações constatadas na leitura do livro Gigante
missioneiro.
79
CASTRO, Evaristo Affonso de. Gigante missioneiro. 3. ed. Cruz Alta: Serrana, 1951. p. 60 - 61.
colocada a vítima frente aos assassinos, seu "sangue roncou" e saiu pelos orifícios do
corpo provocados pelos tiros e pela degola, o que teria assustado os criminosos, que,
então, confessaram o crime.
80
Infelizmente, houve poucas reproduções desta obra,
tanto que nem mesmo a família possui exemplares dela; logo, não foi possível localizá-
la para este trabalho.
A obra, que tem por título Histórico do Club Litterário Aurora da
Serra, foi escrita por Evaristo Affonso de Castro, que fora sócio fundador e ex-
presidente do clube, publicada pela Typografia do Commercial de Cruz Alta em 1887.
O livro é uma descrição das realizações do Club Litterario Aurora da Serra na região de
Cruz Alta, que prestava serviços às causas da liberdade e da instrução, como diz o autor:
“O caminho iluminado pela luz da verdade, que deslumbra sempre a esses entes
mesquinhos, que, semelhantes as aves nocturnas, desorientam-se e confundem-se com a
presença da luz, que é verdade, nada temos a temer, porque temos do nosso lado deus, a
natureza e a humanidade, que nos guia, auxilia e applaude”.
81
O autor deixa claros seus ideais neste livro, mostrando-se um
entendedor da escrita literária, em virtude de sua riqueza. Transcrevendo uma carta que
faz parte da obra, temos prova dessa afirmação:
Serranos !
É a vós serranos, que habitaes o município de Cruz Alta, a vos
especialmente, que ainda possuis escravos que me dirijo.
Sabeis, não podeis ignorar, que a cidade de Cruz Alta, não
possue mais escravos, desde o dia 31 do passado. O sol
resplandecente da liberdade illuminando no dia 1.º do corrente
a bella Rainha das Missões, não encontrou em seu seio um
único ente curvado ao férreo jugo da escravidão.
Até hoje perto de 400 grilhões tem sido despedaçados, pelas
auras bem fazejas da liberdade, devido a generosidade dos
senhores.
O município está quase livre! 200 e poucos escravos, é o que
resta emancipar-se, pois bem é preciso, é urgente, é necessário
libertar o resto do município. Sei que em vossos peitos pulsão
corações generosos e magnânimos, e não podeis, portanto,
deixar de libertar vossos escravos. O dia 28 de setembro,
corrente, anniversario de sabia lei do immortal Visconde do
Rio Branco deve ser o marco terminal para a completa
liberdade do município. Sim, Serranos! Vós que destes sempre
as mais exuberantes provas de patriotismo, vós que correstes
80
JUNIOR CASTRO, Eurydes. Entrevista citada.
81
Parte retirada do livro Histórico do Club Literário Aurora da Serra, p. 5. AEF-CA
pressurosos em defesa de honra nacional, vós que nunca
trepidastes ente os maiores sacreficios, de abnegação e
civismo, não podeis deixar de acompanhar a humanitária edéia
da emancipação.
Serranos! A província do Rio Grande do Sul, a pátria das
liberdades, tem os ellos fixos em vós. Concedei liberdade
condicional, a vossos escravos, é isso que vos pedimos.
A humanidade inteira vos applaudirá, o Rio Grande será a
terceira província livre e o nome do Rio Grande, qual estrella
brilhante, fulgurará eternamente no ceo da pátria. O dia 28 de
setembro, será para a Cruz Alta, dia de festa e de gala; a
Rainha de Missões, prepara-se desde já, para festejar
dignamente o grande dia da pátria, data da immortal lei Rio
Branco. Vinde pois, serranos, abrilhantar como vossas
presenças esta humanitária festa do progresso e da liberdade.
Cruz Alta, setembro de 1884. Evaristo Affonso de Castro.
82
O trabalho compõe-se de setenta páginas que relatam, além das
atividades da entidade abolicionista, as principais idéias, princípios e objetivos do futuro
fundador da colônia Saldanha Marinho. Acredita-se que o documento Histórico do Club
Litterário Aurora da Serra poderia servir para a descrição da história da abolição da
escravatura em Cruz Alta, constituindo objeto de outro estudo específico sobre o tema.
Neste trabalho, não é objetivo realizar uma análise mais aprofundada da obra, contudo
selecionamos mais um trecho que demonstra a posição de Evaristo sobre o tema
liberdade:
Os inimigos da liberdade tinhão em parte conseguido seu
intento, que era fazer com que a sociedade não podesse pagar o
que devia, e lançal-a ao ridiculo ! Enganarão-se, porém, os
escravophilos. A lucta estava travada num terreno perigoso
para a sociedade, mas era urgente combater o indifferentimo
do povo. A liberdade,filha delecta de Deus, hade sempre
triumphar embalde tentem por-lhe mil obstáculos, por que tem
por armas a Razão e a Justiça.
Especulações, porem, tão baixas, nunca abaterão seu espírito;
ao contrario mas o fortificam para pugnar pela grande causa da
qual foi sempre desde os tenros annos, fervoroso adepto a
liberdade dos captivos certo de que aquelles que lhe movião
guerra e ridicularizavão suas crenças, mais tarde reconhecerião
o erro e lhe farião justiça.
83
82
Op. cit., p. 33 - 34
83
Op. cit., p. 49.
A capacidade de luta e de defesa de seus ideais, juntamente com
aqueles que participavam das mesmas idéias, tanto na campanha abolicionista como no
Partido Federalista de Cruz Alta, transformou a vida de Evaristo em uma constante fuga
e exílios para não cair em emboscadas ou ser preso. Vários episódios foram contados
por sua neta, Jaci Castro Castilhos, que demonstram as perseguições sofridas por ele,
sobretudo durante a Revolução Federalista, a mando de integrantes do Partido
Republicano da região de Cruz Alta.
Evaristo Affonso de Castro exerceu influência na região do Planalto
Médio, também como um líder maçônico, segundo Carlos Dienstbach :
Passados dez anos de adormecimento do Loja Concórdia III,
em 11 de maio de 1898, por iniciativa dos Ilustríssimos
Evaristo Affonso de Castro e Vitor Afonso Viana, que segundo
consta residiam na cidade de Cruz Alta [...], sendo então
instalada a Loja Concórdia do Sul, com nove membros.
84
Omar Castro de Castro, também neto de Evaristo, pesquisou através
da maçonaria, entidade da qual ambos faziam parte, mesmo que não simultaneamente, a
vida de seu avô, o que lhe permitiu reconstruir a trajetória do avô desde a sua chegada
ao Brasil. Trata dos seus estudos num internato de uma ordem religiosa católica em Rio
Grande; sua dedicação, mesmo que com muitas ausências, à família; seu desempenho
como empresário na colonização de terras, fundando a colônia Saldanha Marinho, e a
atuação como um federalista, participando ativamente de movimentos políticos, a ponto
de ser considerado um revolucionário, por atuar especialmente em um dos maiores
redutos republicanos do estado, representado pelos municípios de Cruz Alta e Palmeira
das Missões.
Omar Castro de Castro descreve a participação de Evaristo na
Revolução Federalista: “Evaristo Affonso de Castro pega nas armas, deixa a sua família
84
DIENSTBACH. Carlos. A maçonaria gaúcha. História da maçonaria e das lojas do Rio Grande do Sul.
Londrina: Maçônica A Trolha. 1993, v. 3. p. 402.
e segue lutando pela liberdade. Levava no chapéu uma fita bordada com os dizeres:
'Deus é meu direito'. Seguia de alma leve, mesmo abandonando seu patrimônio, sua
família, certo de que estava lutando por uma causa justa”.
85
Relacionando informações dos três netos de Evaristo que foram
entrevistados e as referências bibliográficas encontradas, é possível questionar alguns
fatos sobre o fundador e proprietário da colônia Saldanha Marinho: sendo um
abolicionista, partidário federalista e, sobretudo, escritor, qual teria sido seu interesse
em tornar-se um empresário do ramo de terras? E, além disso, em dedicar-se à extração
da madeira? Evaristo Affonso de Castro revelaria algum princípio ideológico ao se
tornar empresário de terras? Ou apenas queria enriquecer vendendo lotes de terras a
colonos imigrantes? Esses questionamentos serão respondidos ao longo do
desenvolvimento do estudo, no momento em que trabalharmos diretamente com os
atores envolvidos na problemática: imigrantes, companhia de terras e coronéis. Nesta
parte do texto, apenas levantamos os dados que darão suporte à reflexão a ser
desenvolvida nos próximos capítulos.
Após cinco anos no exílio em Montevidéu, no Uruguai, Evaristo
adquiriu as terras da futura colônia e passou a organizá-la para loteamento. O período
de exílio fora decorrente da Revolução Federalista, que o obrigara, por ser um líder
federalista em Cruz Alta, a sair do país, permanecendo fora de 1892 a 1897.
86
Entretanto, mesmo estando espontaneamente refugiado, teria continuado atento a tudo o
que acontecia no Rio Grande do Sul, mantendo contato com amigos e companheiros
federalistas na organização da luta.
Uma mostra foi o episódio envolvendo o ministro da Marinha,
almirante Luiz Felipe Saldanha da Gama, que, ao aderir ao movimento armado em favor
da causa revolucionária, em 7 de dezembro de 1893, emigrou para Montevidéu.
Conhecendo, então, Evaristo, ambos teriam se solidarizado em prol da revolução que
transcorria no Rio Grande do Sul. Saldanha da Gama, na ocasião, afirmou que a
revolução conseguira "reaviver sobre suas próprias cinzas" e que, então, era chegado o
momento de se fazer um esforço supremo, pois amigos estavam sustentando a luta em
85
Cópia mimeografada de homenagem realizada em uma loja maçônica de Porto Alegre a Evaristo
Affonso de Castro. p. 26. Texto fornecido por Eurydes Castro Júnior.
86
JÚNIOR CASTRO, Eurydes. Entrevista citada.
campo de batalha e precisavam do "auxílio de nossos braços".
87
Sabedor da dedicação
de Evaristo pela "causa santa da revolução rio-grandense", Saldanha da Gama não
hesitou em pedir-lhe ajuda, reconhecendo o esforço que ele já fizera pelo Rio Grande do
Sul.
88
Diante da influência federalista e do espírito de luta política que
caracterizou Evaristo Affonso de Castro, torna-se instigante observar a sua atuação entre
os colonos em Saldanha Marinho. Não podemos esquecer que, apesar de a colônia estar
instalada em território pertencente a Passo Fundo, onde os federalistas, representados
por Prestes Guimarães, exerciam grande liderança, foi marcante a presença de coronéis
republicanos, inicialmente, de Firmino Paula e, posteriormente, de Victor Dumoncel
Filho na região, como líderes representantes de Castilhos e Borges de Medeiros. Os
limites do município a que pertenceu o povoado não foram barreiras para estes, cujo
controle e influência sobre o poder local, fossem ideológicos, fossem eleitoral,
ultrapassaram, certamente, as questões burocráticas de divisas.
Segundo o depoimento de Eurydes Castro Júnior, a influência de
Evaristo Affonso de Castro estava muito presente na colônia: "Os colonos respeitavam e
começavam cada vez mais a aceitar as idéias de Evaristo, que contrariava o poder
estadual do PRR e, a nível local, do coronel, formando um pequeno grupo de
resistência e conquistando cada vez mais a confiança e o respeito dos moradores da
Colônia."
89
O depoimento destacado esclarece os motivos que teriam levado Evaristo a
adquirir terras e a transformá-las em uma colônia para imigrantes, aspecto que será
aprofundado no terceiro capítulo.
Evaristo Affonso de Castro faleceu em 21 de setembro de 1910, aos
58 anos, vítima de pneumonia dupla,
90
deixando a mulher Veridiana Prado de Castro e
quatro filhos, entre 9 e 19 anos de idade: Eurydes, Carolina, Aldo e Lélio. Viúva e filhos
permaneceram por alguns anos na colônia, mas, posteriormente, mudaram-se para
87
Carta de Saldanha da Gama em 7 mar. 1895, para Evaristo Affonso de Castro, que está anexada
integralmente em cópia xerografada de uma homenagem prestada a Evaristo Affonso de Castro por loja
maçônica de Porto Alegre.
88
Op. cit.,.
89
JUNIOR CASTRO, Eurydes. Entrevista citada.
90
Conforme Atestado de Óbito, AP/RS
Erechim e Cruz Alta, onde os filhos passaram a desempenhar atividades como de
profissionais liberais, como contabilistas e advogados.
91
Sobre a morte de Evaristo Affonso de Castro existem duas versões: a
primeira é a de que teria tido como causa uma pneumonia, o que, inclusive, consta na
certidão de óbito, logo, a priori, é a oficial; a segunda está presente nas informações
prestadas por Jaci Castro Castilhos, a qual relata que seu avô morreu de tétano em razão
da queda de um pedaço de madeira sobre um dedo do pé, quando trabalhava em sua
serraria, o que, pela dificuldade de medicação própria da época, teria provocado uma
infecção generalizada fatal. De qualquer maneira, seu falecimento ocorreu apenas após
estar poucos anos instalado na colônia Saldanha Marinho.
Sobre o falecimento de Evaristo, que, de certa maneira, ocorreu
prematuramente e para o qual se apresentam duas versões, como vimos, é conveniente
levantarmos uma comparação: a morte de Evaristo aconteceu no mesmo ano do início
da participação oficial do coronel Victor Dumoncel Filho na política da região do
Planalto, no exercício do cargo de capitão-assistente da 16.º Brigada de Cavalaria da
Guarda Nacional. Esse acontecimento foi apenas levantado, ficando a sua investigação
para trabalhos futuros, pois, no momento, não foram localizadas fontes documentais a
respeito; por isso, não podemos afirmar que realmente tenha existido uma relação entre
esses fatos.
Neste estudo, detemo-nos nos dados biográficos do fundador da
colônia Saldanha Marinho, para, de fato, estabelecer uma ligação entre a atuação do
coronel Victor Dumoncel Filho, representante republicano na região, com os colonos
imigrantes que se fixaram na colônia. Esta, pelos indicativos biográficos do fundador
levantados, teria se constituído num local controlado economicamente por um líder
federalista nos anos iniciais. Nossa afirmação é fruto da análise feita do processo de
demarcação dos lotes, da designação das ruas com nomes de líderes federalistas do
Planalto Médio gaúcho -, dos contratos de compra e venda de lotes de terras, enfim, de
relacionamento de Evaristo Affonso de Castro com os colonos imigrantes após seu
exílio político em razão da Revolução Federalista (1893-1895), embora esse não tenha
se mantido por muito tempo, porque em 1910 faleceu.
91
CASTILHOS, Jaci Castro. Entrevista citada.
Entendemos que a trajetória política de Evaristo Affonso de Castro
não pode ser ignorada ou estudada em separado da análise da ocupação do atual
município de Saldanha Marinho. Os dados biográficos desse personagem permitiram
clarear as hipóteses propostas para este trabalho, de que a colônia Saldanha Marinho
teria passado por um processo de colonização peculiar num espaço territorial
tumultuado politicamente como foi o Planalto Médio gaúcho. À primeira vista, a
ocupação desse espaço teria acontecido seguindo os padrões das demais, porém a
liderança federalista de Evaristo concretizou-se nessa comunidade, formando-se um
grupo de oposição ao republicanismo/borgista de Victor Dumoncel Filho, representado
pela figura dos imigrantes, especialmente nos anos iniciais da colônia.
Sobre a ocupação do espaço territorial da colônia Saldanha Marinho é,
pois, possível concluir que houve um interesse direto do fundador em realizar seus
ideários políticos. Acreditamos que as tentativas de Evaristo Affonso de Castro, como
jornalista, escritor, político e como um líder federalista na República Velha, de
recuperar o poder político na região concretizaram-se quando conseguiu fundar a
colônia Saldanha Marinho. Com os colonos provenientes das primeiras colônias, havia a
possibilidade de formar um grupo de resistência ao republicanismo do Planalto,
representado por Victor Dumoncel e, após 1910, por Victor Dumoncel Filho.
CAPÍTULO 2
O CORONELISMO NO PLANALTO GAÚCHO E AS LUTAS PELO
PODER
Quando se fala em República Velha (1889 a 1930), tanto em nível
nacional como no estadual, subentende-se o surgimento de um novo contexto no cenário
político dessas duas esferas, o que se configurou especialmente no Rio Grande do Sul.
Os estudos que têm como área de concentração a história regional possibilitam trazer
grandes contribuições para essas temáticas. O crescente número de trabalhos,
dissertações e teses realizadas nas duas últimas décadas frisando questões peculiares e
especificidades regionais colaboram significativamente para compor um acervo
historiográfico capaz de contradizer ou, em alguns casos, de reforçar as realidades mais
gerais e estruturais, utilizadas até há bem pouco tempo como únicas dentro da
historiografia política.
Essa reconfiguração das estruturas políticas após a proclamação da
República permite discutir a presença, no Rio Grande do Sul, de novos grupos políticos
que compunham o PRR diferentemente do restante do país e que iriam dar
sustentação à estrutura de poder político que se formava e se consolidava, ocupando o
poder institucional por vários anos.
Este segundo capítulo objetiva delimitar as formas utilizadas pelos
adeptos do Partido Republicano Riograndense para permanecer no poder político
estadual, tomando como um recorte espacial específico o Planalto Médio gaúcho. O
objetivo dessa análise não é constatar as formas que levaram à consolidação e à
permanência desse partido no poder político estadual por vários anos, pois outros
estudos já foram realizados sobre o assunto,
92
mas, sim, observar como isso ocorreu
92
Entre os vários autores destacaremos alguns que tratam do assunto: FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo,
borgismo e cooptação política: Op. cit.,. FÉLIX, Loiva Otero. A sistemática da distribuição regional do
poder no RS na I República. Estudos Leopoldenses, v. 32. n. 146, mar/abr. 1996. PINTO, Celi Regina J.
Positivismo. Um projeto político alternativo. (RS: 1889-1930). São Paulo: L & PM. 1986. (Coleção
Universidade Livre) PINTO. Celi Regina J. Contribuição ao estudo da formação do Partido Republicano
Rio-Grandense (1882-1891). Dissertação (Mestrado em Ciência Política)-UFRGS, Porto Alegre, 1979.
RAMOS, Eloísa Helena Campovilla da Luz . O Partido Republicano Rio-Grandense e o poder local no
num espaço delimitado no estado do Rio Grande do Sul, em Santa Bárbara do Sul, pelo
republicano Victor Dumoncel Filho, cuja atuação política se estendeu para além das
divisas do município de Cruz Alta. Também buscamos caracterizar alguns aspectos
relacionados à colônia Saldanha Marinho, referentes a uma prática de luta constante
frente às várias tentativas dos partidários federalistas em retirar o Rio Grande do Sul do
domínio do PRR. Para o desenvolvimento de tal objetivo analisamos:
a) o PRR e sua consolidação através da cooptação de uma classe de apoio
diferente daquela existente no período monárquico,
93
definindo aspectos gerais
sobre o projeto ideológico e prático de atuação do partido, suas providências
para se manter no poder do estado durante quarenta anos, mesmo depois de
dois conflitos armados;
b) a atuação política do coronel Victor Dumoncel Filho, como um líder regional
que se projetou no cenário estadual, demonstrando a cooptação política que
vigorou na sustentação da estrutura do PRR no Rio Grande do Sul.
94
Aqui
elencamos alguns aspectos biográficos na tentativa de melhor caracterizar um
dos líderes políticos mais significativos, em âmbito regional, da República Velha
no Rio Grande do Sul.
Ao tratarmos do Planalto do Rio Grande do Sul, detemo-nos na
atuação de coronéis borgistas
95
na região dos atuais municípios de Cruz Alta, Palmeira
das Missões e Santa Bárbara do Sul no período de consolidação gradativa do PRR, que
foram os primeiros anos da República Velha no estado sulino.
96
Loiva Otero Félix, após
caracterizar minuciosamente esse período, conclui que
tal processo de instalação de um novo poder e de sua
legitimação não se deu de uma única vez, de forma imediata.
O republicanismo castilhista-borgista consolidou-se
gradativamente [...], para desalojar os antigos rivais e
litoral norte do Rio Grande do Norte 1882-1895. Dissertação (Mestrado em História)-UFRGS, Porto
Alegre. 1990.
93
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p.191.
94
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 131.
95
Conceito caracterizado por. Ver FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 193.
96
Vide FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., 1996. p. 191
instalar uma máquina própria de controle político, de modo a
consolidar-se no poder.
97
Assim, tomamos como ponto central da discussão a atuação do
coronel Victor Dumoncel Filho em Santa Bárbara do Sul, sobretudo no período de 1910
a 1930. Pretendemos tratar das lutas armadas ou não - pela permanência no poder
político dos republicanos, que se construiu e se consolidou pela atuação de três coronéis
republicanos borgistas destacados na região: Firmino de Paula, de Cruz Alta; Vazulmiro
Dutra, de Palmeira das Missões, e Victor Dumoncel Filho, de Santa Bárbara do Sul.
Mesmo que os três políticos nomeados tenham atuado em períodos diferentes,
98
fazem
parte do processo que se formou em defesa do PRR, pois, à medida que as relações
coronelistas tomaram forma no Planalto Médio do Rio Grande do Sul, empenharam-se
em contribuir com a continuidade do poder político do Partido Republicano
Riograndense em nível estadual, o que, de certa forma, representava, também, a
permanência dos coronéis no poder local, do que é exemplo o coronel Victor Dumoncel
Filho.
Além desse aspecto, justifica-se o estudo do coronel Victor Dumoncel
Filho, de Santa Bárbara do Sul, em especial pela proximidade deste povoado com a
recém-fundada colônia Saldanha Marinho, que é o nosso espaço de estudo propriamente
dito e com prioridade na temática.
2.1 A atuação do PRR no Planalto do Rio Grande do Sul
Tratar do Partido Republicano Riograndense exige uma revisão de
trabalhos de caráter mais geral sobre as questões político-partidárias do Rio Grande do
Sul, bem como considerar como sendo de extrema importância os estudos recentes, que,
segundo as novas abordagens no campo político, apresentam considerações as quais
97
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 191.
98
Firmino Paula atuou com maior ênfase no final do século XIX e início do século XX em Cruz Alta;
seguiu-se a presença de seu filho Firmino Paula Filho no mesmo período de Dumoncel, de 1910 a 1930, e
em Palmeira das Missões nas décadas de 20 a 50; o coronel Vazulmiro Dutra é contemporâneo a Victor
Dumoncel Filho. Ver FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., p.
127.
vêm complementar as pesquisas já existentes ou, até mesmo, mostrar novos e peculiares
aspectos. As inovações que se apresentaram com a mudança de forma de governo no
Brasil de Império para República trouxeram uma reformulação especial e diferenciada
em nível estadual, e o Rio Grande do Sul configurou-se de maneira particular do
restante do país. Segundo Celi Pinto,
quando da Proclamação da República, os governos dos novos
estados foram entregues aos partidos republicanos regionais.
Como estes estavam organizados nos moldes dos antigos
partidos monárquicos e compostos pelos mesmos grupos, não
ocorreram grandes mudanças. Em relação ao Rio Grande do
Sul, a situação foi diferente, pois os republicanos não
pertenciam ao mesmo segmento social, nem os mesmos
princípios ideológicos daqueles que estavam no poder até 1889
Partido Liberal.
99
Portanto, as últimas décadas do século XIX no Rio Grande do Sul
apresentaram-se como o momento de consolidação de um novo segmento social, que
constituiu o poder político institucionalizado deste estado da federação. Para tal, novas
estratégias deveriam ser pensadas para que, além de se consolidar no poder
institucional, conseguisse nele permanecer.
A vasta bibliografia existente sobre o assunto traz vários indicativos
que justificam a formação do republicanismo, como um partido que consegue se
perpetuar no poder estadual. Nosso principal objetivo, nesta parte, não é discorrer,
pormenorizadamente, sobre os mecanismos responsáveis pela permanência prolongada
do PRR no poder, pois já são de conhecimento da historiografia, mais, sim, analisar a
atuação do partido em nível regional, através de uma delimitação local em Saldanha
Marinho. Procuramos, assim, justificar o surgimento de um grupo que, apesar da
denominação de “coronéis”, não representava a mesma classe de agropecuaristas da
região da Campanha, que haviam sido os representantes do poder institucional durante o
Império. Com a proclamação da República, a região do Planalto do Rio Grande do Sul
passou a ser uma região fundamental para a estratégia do PRR.
Quando nos referimos ao Planalto do Rio Grande do Sul, vemos essa
região geográfica caracterizada pela função que assumiu como o “principal sustentáculo
99
PINTO, Celi Regina J. Positivismo. Um projeto alternativo. (RS: 1889-1930). Op. cit., p. 10.
do poder de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros”.
100
Foi uma região de ocupação
mais lenta e tardia em relação à Campanha, povoada pelos tropeiros paulistas, que
foram fundando, ao longo do processo de transporte de gado vacum, cavalar e muar para
o centro do país, várias fazendas em locais como Vacaria, Cruz Alta e Passo Fundo. A
apropriação das terras de grandes regiões deu-se de maneira não oficial e arbitrária. Foi
só a partir do século XX que as estruturas tradicionais representadas pelos
agropecuaristas da campanha iriam mostrar sinais de decadência, dando lugar a classes
emergentes de uma oligarquia de estancieiros diferente daquela da fronteira.
101
Assim, fica cada vez mais explícito o papel que assumiu a região do
Planalto do Rio Grande do Sul durante o período da República Velha : uma
encruzilhada onde iriam se chocar várias forças, tanto emergentes como tradicionais,
sempre na defesa de interesses políticos e de conquista de poder. Citamos como
exemplo a colônia Saldanha Marinho nos anos iniciais da sua formação, onde se fizeram
presentes as forças do republicanismo e do federalismo. Por ora, é necessário definir o
que entendemos por republicanismo, PRR e federalismo.
No Rio Grande do Sul, durante o período da República Velha parece
ter ocorrido um amálgama entre a ideologia do partido, profundamente baseada nos
ideais comteanos, e as múltiplas facções que legitimavam o poder estadual. Assim,
mesmo com todas as tentativas da oposição, o PRR conseguiu construir uma visão de
homogeneidade e superioridade política republicana no estado.
Vários autores tratam dessa questão e suas contribuições são
aproveitadas em nosso estudo. Sandra Jatahy Pesavento, ao tratar do imigrante na
política rio-grandense, especificamente na República Velha, afirma que a mudança do
regime viabilizou um novo arranjo político: a aliança castilhista e a ascensão do PRR,
justificados por motivos como problemas econômicos e imobilismo dos quadros
governamentais, o que desafiou Castilhos a resolver problemas cruciais. Uma das
alternativas para a resolução de tais empecilhos foi ampliar socialmente a base política,
incorporando setores médios urbanos e elementos do complexo colonial.
102
Pesavento
não menciona nessa ampliação da base social realizada pelo PRR a presença da nova
100
FÉLIX, Loiva Otero. A sistemática da distribuição regional do poder no RS na I República. Estudos
Leopoldenses, v. 32, n. 146, mar. / abr. 1996. p. 95.
101
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 95.
102
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imigrante na política rio-grandense. In: DACANAL, José
Hildebrando. RS: imigração e colonização. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1996. p. 169.
aristocracia estancieira do Planalto. Essa contribuição foi trazida para a historiografia
por Loiva Otero Félix, para a qual
é importante percebermos no RS da transição republicana
diferentes formas espaciais de distribuição do poder e a criação
de uma sistemática própria no relacionamento político entre
poder local, regional e central, dentro do estado. Tal
sistemática, articulada pelo grupo minoritário que ascendeu ao
poder (o PRR), manifestava-se na forma de obter a
legitimidade e tornar-se o poder hegemônico.
103
Concordamos com o afirmado pela autora e especificamos na decorrer
do trabalho a sistemática de distribuição do poder no Rio Grande do Sul e os elementos
que a compuseram. Aproveitamos a argumentação de Eliane Lucia Colussi, que trabalha
a questão do municipalismo gaúcho no Rio Grande do Sul, a qual afirma: “o
municipalismo gaúcho assume uma particularidade em relação à uniformidade do
municipalismo brasileiro na República Velha. Isso se deu basicamente devido ao seu
viés positivista de organização e a influência do PRR, ou seja, pela força do partido e
pelos contornos ditatoriais”.
104
Um outro elemento que caracteriza o PRR e seu poder de prática
política é a ideologia positivista, baseada no binômio ordem e progresso. Segundo Celi
Pinto, em
1900, Borges, em sua terceira mensagem, citando Augusto Comte, mencionou pela
primeira vez a importância da construção de uma base filosófica como suporte das
instituições rio-grandenses. Delineava-se, assim, nesse momento o tripé fundamental
para a trajetória do PRR ao longo da República Velha: “progresso econômico, governo
responsável e democracia verdadeira, encimados por instituições superiores.”
105
Com a contribuição das autoras citadas, temos a delimitação dos
vários elementos que caracterizaram o PRR. Cabe salientar que, para este trabalho,
quando nos referimos a republicanismo, estamos nos reportando à atuação do Partido
103
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., 1996. p. 92,
104
COLUSSI, Elane Lúcia. Estado Novo e municipalismo gaúcho. Op. cit., p. 29.
105
PINTO, Celi Regina. Positivismo. Um projeto alternativo. (RS: 1889-1930). Op. cit., 1986. p. 50.
Republicano Riograndense no Rio Grande do Sul. Este partido, e aqui utilizamos os
elementos que a historiografia traz para explicar sua longa permanência no poder
estadual sulino, formou um bloco coeso de práticas políticas e de representatividade.
Quando falamos em cenário político durante a República Velha no estado, é
imprescindível mencionar o PRR, bem como retomar questões políticas desse período
que envolveram o Planalto do Rio Grande do Sul e os coronéis castilhista-borgistas que
residiram e atuaram na região. Nesse aspecto iremos nos deter especificamente no
decorrer do texto.
Como estamos tratando de um dos períodos mais turbulentos da
história estadual, é importante observar as características do grupo de oposição ao
republicanismo gaúcho, os chamados "federalistas" ou "gasparistas", forças políticas
que não aceitavam a atuação do PRR, mas também não conseguiram tirá-lo do poder
nos quarenta anos em que estiveram no controle da situação.
Eloísa Ramos, fazendo um apanhado do panorama que antecedeu a
República, descreve como o grupo que iria ocupar o poder republicano em nível
nacional estava imbuído de idéias que tornaram esse regime político adequado ao que o
grupo republicano pretendia. Diz que, “da junção de descontentamento e pressões, [...]
foi que emergiram os principais atores da República. Imbuídos da idéia de federação,
democracia e participação política, e influenciados pelo liberalismo, pelo evolucionismo
e/ou pelo positivismo articularam-se, e um golpe militar fez a República.”
106
Já, em relação ao Rio Grande do Sul, afirma: “Os dois partidos
imperiais - Partido Liberal (liderado por Gaspar Silveira Martins) e o Partido
Conservador, buscaram assegurar a sua participação dentro da ordem monárquica.”
107
Com a proclamação da República e a tomada do poder pelos militares em 15 de
novembro de 1889, o Partido Liberal ficou à margem do poder no Rio Grande do Sul,
já que o sustentáculo político, a partir daquele momento, seria outro grupo oligárquico,
composto basicamente pela elite estancieira do Planalto do estado.
106
RAMOS, Eloísa Helena Capovilla da Luz. O Partido Republicano Rio-Grandense e o poder local no
litoral Norte do Rio Grande do Sul - 1882/1895. Op. cit., 1990. p. 19.
107
Op. cit., p. 22
Nos congressos de 1892 em Bagé e de 1896 em Porto Alegre,
108
a
designação de Partido Federalista foi adotada, sendo os componentes do Partido Liberal
seus ancestrais. Dessa maneira, o grupo que compunha o Partido Liberal durante o
Império era, em termos estaduais, um grupo hegemônico, que se localizava na fronteira
sul do estado, mais conhecida como “Campanha”. Economicamente, caracterizava essa
região a presença de latifundiários, com grandes estâncias de criação de gado;
politicamente, esses estavam afinados e articulados ao poder central nacional: em troca
de garantirem o controle fronteiriço, a unidade territorial e a política nacional, eram
"liberados" pelo governo para o contrabando, bem como usufruíam tarifas especiais de
comércio.
109
Esse grupo, chamado de “coronéis da campanha”, que iria transmutar-
se
110
nos federalistas do período republicano, tinha, na época do Império, duas
vantagens fundamentais: privilégios econômicos e autonomia de ação no âmbito
local.
111
Esse pacto não mais vigorou a partir de 1889, quando, com a ascensão dos
republicanos, passou-se a combater a política de privilégios, atitude política muito
criticada pelo positivismo. Sandra Jatahy Pesavento relata que “teríamos mudanças de
regime a nível nacional, que vinha associada à idéia de redistribuição do poder no plano
provincial e à reorientação da economia gaúcha como um todo”.
112
A questão central que se coloca aqui, em contraponto ao PRR, é
identificar quem eram os federalistas. Entendemos por “federalistas” o grupo de
oposição ao republicanismo positivista implantado e defendido por Júlio de Castilhos e
seguido por Borges de Medeiros durante o período compreendido entre 1889 e 1930. Os
federalistas, que compunham e defendiam as ideologias do Partido Federalista,
lutaram
113
no Rio Grande do Sul pela retomada do poder político e econômico que lhes
fora tirado e transferido para outro grupo a partir de 1889. Esse grupo de oposição
defendeu seus pressupostos políticos e ideológicos utilizando todas as armas possíveis,
108
FRANCO, Sérgio da Costa. Panorama geral da Revolução Federalista. In: ALVES, Francisco Neves e
TORRES, Luiz Henrique (Org.). Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Editora da Universidade
de Rio Grande, 1993 p. 12.
109
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., p. 94.
110
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 64.
111
Op. cit., p. 94
112
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Borges de Medeiros. 2. ed. Porto Alegre: IEL, 1996 . p. 114.
113
Essa luta é visível durante a Revolução Federalista de 1893-5 e na de 1923, continuidade da primeira,
uma luta entre coronéis e ideologias.
formando, por exemplo, grupos de resistência ao PRR em vários locais do estado, bem
como utilizando novos grupos sociais, que foram inseridos em algumas regiões do
estado no início do século XX. Cabe, aqui, hipotetizar a ocupação desta parte do
Planalto do Rio Grande do Sul (Saldanha Marinho) por imigrantes vindos das Colônias
Velhas como uma tentativa de formar grupos de apoio aos federalistas, isso tomando
como pressuposto a influência de Evaristo Affonso de Castro nessa colônia.
Após a delimitação dos três elementos básicos desta análise Planalto
do Rio Grande do Sul, republicanismo ou republicanos e federalistas passamos a
delimitar e conceituar o coronelismo do Planalto.
Refletir sobre o conceito de coronelismo, clientelismo, ou aspectos
correlatos à formação oligárquica, de mando e de voto no estado e no Planalto Médio,
perpassa a temática em estudo diretamente, porém não iremos delimitar aqui esses
elementos, por já terem sido tratados em outras produções historiográficas. Entretanto,
são elementos que não poderão fugir à temática, pois é com eles que pretendemos
relacionar a ocupação de Saldanha Marinho e os imigrantes; portanto, apropriamo-nos
de autores que já realizaram esta delimitação. Como já foi afirmado no início deste
capítulo, utilizamos o conceito de coronelismo utilizado para a região do Planalto do
Rio Grande do Sul durante a República Velha, como coronéis borgistas, abordagem
inaugurada por Loiva Otero Félix em sua tese de doutoramento, resultado de uma
minuciosa pesquisa sobre os coronéis Firmino de Paula, Vazulmiro Dutra e Victor
Dumoncel Filho, este em especial, cuja atuação foi incisiva na região em foco.
114
A região do Planalto do estado começa a ser estudada, descrevendo-se
os aspectos peculiares de espaços locais, a importância desse espaço nas questões
políticas estaduais e nacionais. Surgem, assim, vários elementos que são essenciais ao
entendimento da consolidação e permanência do PRR no governo estadual durante toda
a República Velha.
Não podemos, entretanto, menosprezar as forças
federalistas/gasparistas, também muito presentes no Planalto Médio gaúcho. Segundo
Mariluci Melo Ferreira, em relato sobre a situação de Passo Fundo no ano de 1892: “No
município de Passo Fundo, os federalistas, apesar de controlarem a situação política,
prepararam-se para a possível reação dos republicanos; já em Cruz Alta e na capital, os
114
Ver FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., p. 63 a 94.
castilhistas detinham o poder.(...) Prestes Guimarães temendo as forças de Cruz Alta,
renunciou em 26 de junho de 1892 e logo o município teve domínio absoluto dos
republicanos”.
115
Diante dessa constatação, questionamo-nos: como o PRR conseguiu
“derrubar” as forças gasparistas na região e consolidar-se tão rapidamente no poder?
Segundo Loiva Otero Félix:
A situação de abandono da região serrana pelo governo
provincial; a consciência da comunidade local deste descaso; o
desejo de ação transformadora dessa situação, fazendo que da
década de 1840 à de 1880 o ideal separatista ressurgisse. É
também essencial para podermos entender por que a
República, através do PRR e do castilhismo-borgismo, toma de
imediato uma atitude politicamente contrária ao que ocorria no
período Imperial, vindo, assim, ao encontro das mais antigas
reivindicações locais. Com o novo regime, a região,
especialmente Cruz Alta, adquiriu um espaço político próprio e
o município tornou-se o pólo catalisador regional.
116
Sabemos que essa constatação não pode ser generalizada para as
demais regiões do estado, pois refere-se especificamente ao caso de Cruz Alta-RS, mas
acreditamos que as forças gasparistas continuaram a agir, e com sucesso, em áreas
menores dentro dos extensos municípios de Palmeira das Missões e Passo Fundo. Prova
disso foram as lutas armadas que ocorreram nos anos de 1893-5 e 1923 em pequenos
redutos federalistas dentro destes municípios Pulador (Passo Fundo), Dois Irmãos
(Erechim), Boi Preto (Palmeira das Missões).
Assim, já é consenso o fato de que, durante o período de atuação do
PRR no estado, especificamente na República Velha, ocorreu a cooptação das forças
locais pelo governo Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, e, ao contrário do que
afirmaram estudos gerais sobre coronelismo no Brasil,
117
isso não se restringiu a meros
cargos burocráticos, mas formou-se uma situação de lealdade política com uma troca de
interesses de vários tipos, desde os especificamente econômicos, individuais, enquanto
115
FERREIRA, Mariluci Melo. A trajetória política de Prestes Guimarães. Cadernos Temáticos de
Cultura Histórica, Passo Fundo: Ediupf, n. 6, 1998 . p. 27.
116
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., p. 101.
117
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto - o município e o regime representativo no Brasil. 3.
ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. FAORO, Raimundo. Os donos do poder. Formação do
patronato político brasileiro 4. ed. Porto Alegre: Globo, 1977. 2 v.
classes sociais,
118
aos políticos, justificados pela permanente tensão política desse
período. Assim, concordamos com Loiva Otero Félix quando diz: “Em linhas gerais, e
como regra, na região serrana veremos os coronéis já cooptados pelo governo e
integrados ao partido, em relativa harmonia com o poder estadual, embora com
diminuição da autonomia municipal.
119
Passamos a caracterizar agora um caso específico, o coronel Victor
Dumoncel Filho, que projetou o município de Santa Bárbara do Sul no cenário estadual
para além do período da República Velha.
120
2. 2 A atuação política do coronel Victor Dumoncel Filho
É fundamental, nesta parte do estudo, relatarmos aspectos
relacionados à vida política deste “caudilho” termo que se formou na área conhecida
como a fronteira móvel do Rio Grande do Sul no século XVIII e XIX, ou seja, diz
respeito a “tipos especiais de homens preparados para situações de enfrentamentos, que
pudessem assegurar a manutenção do domínio”,
121
e que se agregou aos coronéis do
período republicano projetando-os de certa forma como heróis. Este coronel projetou a
região do Planalto gaúcho, especialmente Santa Bárbara do Sul, em todas as esferas
políticas, embora o coronel Victor nunca tenha aceitado ser chamado assim (Anexo 5).
Levantar hipóteses sobre a atuação do coronel Victor Dumoncel Filho
significa deixar-se envolver pelo fascínio do estudo dos tempos da República Velha;
refletir sobre assuntos que estão muito presentes na memória das pessoas que
presenciaram os acontecimentos deste tempo na região do Planalto Médio; resgatar
histórias contadas em noites de chuvas, nas rodas de pescarias e de chimarrão, nos
118
Observamos essa realidade quando verificamos o poder econômico do coronel Victor Dumoncel Filho
em Santa Bárbara do Sul e a constante busca de preservação deste.
119
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação polítca. Op. cit., p. 108-109.
120
Durante toda a sua vida demonstrou-se interessado pelas questões políticas em suas várias esferas e
sempre que o assunto político lhe chamava a atenção, enviava correspondências manifestando sua
opinião. Isso ficou comprovado nas múltiplas correspondências encontradas em seu arquivo particular,
em especial atuando também por ocasião do apoio ao movimento militar de 1964, do qual foi um dos
articuladores na região.
121
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., p. 35
armazéns e bares. Enfim, tratar do coronelismo na região delimitada significa trazer à
tona trajetórias de vidas que se envolveram nos conflitos políticos da época ou que
foram por eles envolvidas, marcando com alegrias ou tristezas muitas famílias.
Tratar do coronelismo significa, também, sentir atração para a análise
das múltiplas facetas do poder exercido por algumas pessoas sobre as outras.
Acreditamos que os coronéis do Planalto tiveram uma parcela de colaboração na
construção da sociedade onde estavam inseridos, porém questionaremos as
conseqüências dessa contribuição, ou seja, se os mesmos refletiram positiva ou
negativamente no espaço em que elas ocorreram. Foucault, a respeito, observa que
é preciso parar de sempre descrever os efeitos do poder em
termos negativos: ele exclui, ele reprime, ele recalca, ele
censura, ele abstrai, ele mascara, ele esconde. De fato, o poder
produz, ele produz real, produz domínios de objetos e rituais
de verdade. O poder possui uma eficácia produtiva, uma
riqueza estratégica, uma positividade.
122
Partindo da premissa de que o coronelismo no Brasil e,
especificamente, no Rio Grande do Sul representou uma organização social com tanta
representatividade nesta esfera quanto na política -, com força atuante por um longo
período, questionamo-nos: quais eram os grupos ou organizações políticas e sociais que
ameaçavam realmente esse sistema? A estrutura coronelista do Planalto, representada
pelos coronéis Victor Dumoncel Filho e Vazulmiro Dutra, preocupava-se apenas com os
grupos de oposição visivelmente constituídos? Ou pode-se considerar como poder
aquele que surge da trama social como o dos imigrantes que ocuparam as várias
colônias particulares do Planalto como um potencial ameaçador à construção e à
manutenção do poder republicano/borgista?
Dessa maneira, o tema coronelismo no Planalto do Rio Grande do Sul
leva-nos cada vez mais a enquadrar nessa estrutura de mando
123
as violências e
atrocidades cometidas pelos estancieiros e representantes da elite rural e urbana contra
os vários grupos de imigrantes que se instalaram na região no início do século. Esses
vinham de sociedades marcadas por outros valores e princípios ideológicos, sobretudo
122
FOUCAULT, Michael. Microfísica do poder. 17. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. XVI
123
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgimo e cooptação politica. Op. cit., p. 38.
associados à modernidade e ao progresso, bandeira bastante defendida pelo positivismo,
do qual era adepto o PRR na República Velha no Rio Grande do Sul, ponto este em que
parece mostrar-se bastante contraditório.
Uma notícia transcrita do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro para
o jornal A Federação, intitulada “Colônias”, descrevia a difícil e árdua realidade dos
colonos em termos de alimentação, de instalação, mas ressaltava que eles estavam
recebendo todo o apoio possível do governo republicano do estado: “Por este motivo
não há colono desanimado, todos trabalham satisfeitos ajudando o Rio Grande do Sul a
crescer.”
124
O ano da publicação desta notícia, 1907, indica a fase da segunda leva
de imigração, aquela de colonos provenientes das Colônias Velhas, que iam atrás das
terras dos “Campos de Cima da Serra”, ou seja, dos campos do Planalto e do Alto-
Uruguai do estado sulino. Lembramos também que essa era uma região ocupada pelos
estancieiros e coronéis republicanos, de modo que o questionamento passa a ser o
modo como o governo republicano administraria a questão junto aos coronéis do
Planalto, ou se deixaria que o conflito fosse resolvido diretamente pelos colonos,
companhias de terra e coronéis no local onde ocorriam.
Nosso objetivo neste subcapítulo não é fornecer uma biografia
completa do coronel Victor Dumoncel Filho, importante figura política para
historiografia regional do Rio Grande do Sul, mas expor alguns dados biográficos a fim
de entendermos a sua atuação política. Igualmente, buscamos explicitar aspectos que se
relacionam com sua vida política, especialmente no período de 1920 a 1930, anos de sua
maior participação nas decisões políticas regionais.
Resumidamente, utilizaremos as informações biográficas trazidas por
Loiva Otero Félix sobre esse personagem, a qual relata “que nasceu na fazenda do
Capão Ralo (10/04/1882), município de Cruz Alta, e faleceu em 6 de setembro de 1972
em Santa Bárbara do Sul. Foi a figura política mais importante da cidade de 1900 até
1937, embora sua atuação tenha continuado bastante identificada até o pós-64.”
125
Seguindo a prática desenvolvida por todos os estancieiros da elite gaúcha, Victor
Dumoncel Filho seguiu para São Leopoldo para realizar seus estudos no Colégio dos
124
A Federação, Porto Alegre, 21-fev.-1907. MCSHJC- Porto Alegre/RS.
125
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., p. 157.
Jesuítas, onde foi colega de José Antônio Flores da Cunha, Getúlio Dorneles Vargas,
Nereu Ramos, João Neves da Fontoura, Paim Filho, entre outros.
126
Segundo depoimento de João Osório Dumoncel, filho do coronel
Victor Dumoncel Filho, este se desentendeu com Getúlio Vargas no Colégio dos
Jesuítas, razão pela qual permaneceriam como rivais posteriormente.
Victor Dumoncel Filho não seguiu seus estudos na Faculdade de
Direito de São Paulo por motivos afetivos, pois era muito apegado à avó paterna,
127
tendo voltado para Santa Bárbara, onde logo começou a conquistar seu espaço na
política regional. Casou-se com a filha do general Firmino Paula, liderança significativa
do PRR em nível estadual e líder absoluto em Cruz Alta. Segundo o depoimento de
Lauro Prestes Filho, o coronel Victor casou-se por motivos políticos: “Foi uma maneira
que ele encontrou para conseguir, mais rapidamente, chegar a cargos políticos de
destaque”.
128
Por indicação, em 1904 tornou-se promotor público. Em 1906, recebeu o
diploma do Centro Republicano de Cruz Alta, o que comprova ter sido um
correligionário do partido; em 1910, foi nomeado capitão assistente da 16ª Brigada de
Cavalaria da Guarda Nacional; em 1912, foi eleito membro do Conselho Municipal de
Cruz Alta, no qual, através das eleições seguintes, até 1923.
Os laços de parentesco com os principais líderes políticos regionais e
estaduais justificam ainda mais seu destaque como força republicana no 4º Distrito de
Cruz Alta Santa Bárbara do Sul. Mas não se pode esquecer da tradição de participação
política
da família Dumoncel desde a fundação de Santa Bárbara e a Revolução Federalista. A
conjuntura política republicana, que necessitava da colaboração dos coronéis para o
continuísmo político, possibilitou a gradual ascensão de Victor Dumoncel Filho, que
iria se consagrar na Revolução de 1923 e deixar visíveis suas características de
liderança militar, bem como de um porte “autoritário, imponente, destemido, senhor de
um zeloso espírito de lealdade partidária ao PRR”.
129
126
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., p. 157.
127
Aspecto reafirmado pelo depoimento da filha, dona Ana Aurora Dumoncel Riguetto, e por ter iniciado
o namoro com a filha de Firmino Paula.
128
FILHO PRESTES, Lauro. Entrevista citada.
129
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 160.
O período de 1923 a 1932 marcou sua participação nas luta de
1923, 1924, 1930 e 1932. Envolvendo-se não só nos combates
militares, mas também na luta política travada na região e
documentada intensamente na imprensa local de Cruz Alta e
Palmeira. Sua atuação política fez-se sobretudo de forma
oficial, através do cargo de subchefe de polícia da região, com
sede em Cruz Alta, e de membro da Executiva do Partido
Republicano Rio-grandense local.
130
Em uma série de reportagens realizadas pela Revista do Globo em
1962, o repórter Ney Fonseca afirmou que, “olhando-o bem, jamais diríamos que foi um
homem terrível, um homem cuja voz de comando poderia matar ou salvar condenados
ao fuzilamento”.
131
A observação de um jornalista que fizera parte de uma geração
posterior àquela que foi contemporânea a este “terrível homem” evoca a necessidade de
se desvendar a história daqueles que estavam "do outro lado" em relação ao coronel e
seus grupos.
Pelas considerações feitas sobre a vida política de Victor Dumoncel
Filho, é possível relacionar as informações obtidas com a presença das famílias de
imigrantes alemães que colonizaram a colônia Saldanha Marinho a partir de 1899, as
quais estavam totalmente inteiradas dos conflitos republicanos nos anos da República
Velha. Com isso, reafirmarmos nosso questionamento: os imigrantes alemães estavam
de que lado?
Cabe reforçar a tradição da família Dumoncel e, em especial, a
atuação do coronel Victor Dumoncel Filho na política, bem como sua eclética formação
intelectual, características que lhes deram condições de entender os processos e
acontecimentos políticos, constitucionais e bélicos do Rio Grande do Sul e também do
Brasil, deles participando.
Justifica-se essa afirmação quando analisamos o acervo documental
particular da família, no qual encontramos um grande número de jornais, revistas, guias
informativos, encartes especiais, enfim, uma infinita variedade de periódicos que eram
assinados pelo coronel Victor, bem como outros tratando de assuntos e acontecimentos
recentes e polêmicos, ou de acontecimentos extraordinários. Essa constatação se
130
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., p. 160.
131
Revista do Globo, n. 835, 8 dez. 1962. Série “ Revoluções gaúchas contadas por seus combatentes”
1ª série “ O terrível homem de Santa Bárbara”. p. 66
confirma no depoimento de dona Ana Aurora Dumoncel Riguetto, filha do coronel
Victor Dumoncel Filho, a qual relata que ele designou uma pessoa de sua confiança
para a tarefa de trazer-lhe diariamente a correspondência da Agência dos Correios até a
Fazenda das Picaças, local onde teria passado a maior parte de sua vida.
É fácil, pois, concluir que essas inúmeras fontes de informações
provam o interesse que o coronel possuía pelas questões gerais, sobretudo políticas e
econômicas, o que, no contexto da época, era indispensável, quase que obrigatório.
Também era por essas múltiplas informações que detinha, através do hábito da leitura,
que muitos políticos procuravam-no para informar-se sobre os rumos que iria tomar o
estado e até mesmo o país, bem como para pedir-lhe opiniões sobre decisões a serem
tomadas na política regional, estadual ou nacional.
132
Victor Dumoncel Filho foi um grande proprietário de terras do
Planalto do Rio Grande do Sul,
133
e que tinha um poder econômico relevante; foi um
estancieiro representativo entre os da região serrana, latifundiários que passaram a
legitimar também o poder político do PRR a partir da proclamação da República.
134
Consta na documentação do arquivo particular da família que muitas das terras teriam
sido herdadas por seu pai, Victor Dumoncel.
135
Segundo a carta de partilha, os bens do
avô do coronel Victor Dumoncel foram divididos em imobiliários, a maioria terras
rurais, mas também alguns terrenos urbanos
136
.
Entretanto, a área que Victor Dumoncel, pai do coronel Victor
Dumoncel Filho, teria recebido de herança familiar seria menos que a terça parte do
que este possuía no início do século XX, bem como representaria uma quantidade
ínfima se comparada ao montante de terras de que esta era proprietário. Isso demonstra
que, num prazo de duas gerações, pai e filho tiveram grande capacidade e facilidade
132
RIGUETTO, Dumoncel Ana Aurora. Entrevista concedidas a Isléia Rossler Streit, em maio, jun., jul.,
Santa Bárbara do Sul. Ana Aurora é filha do coronel Victor Dumoncel Filho.
133
Basta verificar o número de registros que constam no registro de imóveis de Cruz Alta, bem como as
várias escrituras que estão no AVD/SBS.
134
As relações clientelistas desenvolvidas por Victor Dumoncel Filho na região são analisadas no
terceiro capítulo.
135
Também é considerada uma figura de destaque na região do Planalto, compondo a elite estancieira e
participando da Revolução Federalista, ao lado dos republicanos. Ver FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo,
borgismo e cooptação política. Op. cit., p. 157.
136
Certidão da partilha dos bens de Victor Dumoncel, com data de 21 de março de 1888, realizada pelo
advogado João França, que encaminhou o processo ao juiz de direito da comarca de Cruz Alta.
AVD/SBS.
para adquirir enorme quantidade de terras. Essa constatação se torna ainda mais
evidente quando associamos essa rápida ascensão no domínio de terras ao momento em
que ocorreu, ou seja, paralelamente ao período em que as terras do Planalto do Rio
Grande do Sul começavam a ser ocupadas com grande expressão por colonos vindos
das Colônias Velhas. E esse processo ocorreu amparado pelas políticas de colonização
desenvolvidas através de empresas particulares de colonização com incentivo do
governo do estado.
Sobre a aquisição das terras, o depoimento de Jerônima, uma das
nossas entrevistadas, revelou um dos meios utilizados pelo coronel nas suas práticas
coronelistas, que, conseqüentemente, lhe possibilitou o aumento de suas terras.
Segundo ela, “você sabe que aqueles que não obedeciam às leis que o coronel criava ou
às suas ordens tinham as terras tomadas por ele. Toda a semana eles iam para Cruz Alta
registrar terras, terras que roubavam, pegavam das pessoas”.
137
Justifica-se, dessa
maneira, o aumento espantoso das terras do coronel em uma época de incentivo à
colonização e à ocupação das terras devolutas.
Jean Roche relaciona, em detalhes, o nome das múltiplas companhias
de terras, seus proprietários, ano de atuação, local e as colônias que fundaram. Nesse
trabalho constatamos que o período da República Velha no Planalto do estado assistiu a
um grande comércio de terras, ocasionando, com isso, o aumento gradativo do
contingente populacional
138
.
Politicamente, o coronel Victor Dumoncel Filho esteve ligado ao
presidente do estado e desempenhou funções que lhe foram atribuídas por Borges de
Medeiros durante a República Velha; também posteriormente a esse período, em virtude
de sua ligação com os governadores e partidos políticos que estiveram no poder político
institucional do estado, especialmente José Antônio Flores da Cunha. Os coronéis do
Planalto caracterizam-se como “um tipo de coronel, com traços de personalidade que o
impunham diante de seu grupo, e cuja força carismática e audácia de atitudes,
desprezando a cautela e a diplomacia, tinham de se fazer presentes”.
139
137
JERÔNIMA, pseudônimo utilizado para identificar o depoimento de uma antiga funcionária da
família. Entrevista concedida a Isléia Rossler Streit, em 12 out. 2002, Santa Bárbara do Sul. Ver dados
mais específicos sobre a entrevistada no terceiro capítulo.
138
ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. . Porto Alegre: Globo, 1969. v. I. p. 144
139
LIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit, p. 42.
Quando conversamos com familiares da família Dumoncel,
percebemos ainda o tom impositivo que imprimem aos seus discursos, o que parece ter
como finalidade inibir pessoas menos esclarecidas, ou que se deixam influenciar pela
imagem de medo “do coronel” passada. Isso nos leva a concluir que seus traços de
personalidade eram representativos e marcantes, sobretudo quando do enfrentamento
pessoal direto, no “corpo a corpo”, pois, mesmo em uma simples conversa, conforme
constatamos nas entrevistas feitas, ele sempre fazia questão de mostrar que detinha o
“controle da situação”.
140
(Anexo 6 , 7 e 8).
O aspecto sociopsicológico da obediência à hierarquia, ressaltado por
Loiva Otero Félix,
141
confirma-se em cada documento escrito analisado,
142
ou em cada
entrevista feita, constituindo-se num ingrediente muito significativo na construção da
representatividade do coronel Victor Dumoncel Filho na esfera pública estadual e na
configuração das relações coronelistas regionais. Foi a partir dessas constatações que
nos questionamos: qual teria sido o papel dos imigrantes que começaram a construir
uma comunidade na colônia Saldanha Marinho? Seriam meros trabalhadores rurais, que
não se afinaram com a audácia sociopsicológica do coronel? Os colonos representariam
um grupo contrário aos interesses do coronel Victor Dumoncel? Ou teriam se deixado
influenciar simplesmente pela audácia e força política, militar e econômica que o
caracterizavam?
A representatividade do coronel Victor Dumoncel Filho, ligado ao
governador Borges de Medeiros, ampliou-se pelo exercício de vários cargos ligados à
defesa político-policial da região, o que lhe deu autoridade para agir livremente,
mantendo-a sempre sob seu controle político.
A representatividade e a influência do coronel na região, entretanto,
foram construídas em virtude da lealdade e da obediência demonstradas por ele para
140
Item bastante destacado por um dos filhos do coronel Victor Dumoncel Filho, João Osório Dumoncel,
em uma conversa informal em Santa Bárbara do Sul, no dia 5 de jul. de 2002, na residência que pertenceu
ao coronel Victor Dumoncel Filho. Dizia naquela ocasião: “Costumava usar de todas as armas para
resolver os problemas, indo muitas vezes até as últimas conseqüências para realizar seus objetivos”.
141
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 43.
142
Para citar um exemplo, temos uma carta escrita por Pedro Luiz da Silva, em 26 de maio de 1930:
Passando ao assunpto que me faz tomar a liberdade de vos escrever a presente carta, tenho um obsequio a
pedir a V. S. a , por que se trata de companheiros nossos e mesmo interesses que diz respeito a
honrabilidade de Santa Bárbara”.
com o governo do estado, sem esquecer que este era um item fundamental e aglutinador
da situação inicial da República no estado. Segundo Loiva Otero Félix, “o castilhismo
converteu-se, após 1903, no lastro catalisador das diferentes forças sociais,
consolidando o poder de Borges de Medeiros como chefe do partido e do governo, sem
suprimir e poder dos coronéis [...], usou elementos da doutrina positivista que não se
chocaram com as estruturas de poder já existentes,”
143
ou seja, não ocorreu, na prática
política, “contradição entre a centralização do PRR e a descentralização do
coronelismo”.
144
Ressalta-se da documentação também o desejo dos coronéis do
Planalto de defenderem as causas que giravam em torno do patriotismo, da defesa do
Rio Grande do Sul, do regime republicano, bem como de empreenderem esforços sem
medida para afastar as forças contrárias e revolucionárias, que poderiam contrariar os
interesses particulares dos coronéis. Isso pode ser comprovado em um relatório do 18º
Corpo Auxiliar da Brigada Militar, de 31 de maio de 1925, que se refere aos “bravos e
leaes companheiros de sempre e que não medem sacrifícios na defesa do Rio Grande do
Sul (rasuras) do regimem republicano.[...] que muito distinguiram-se, cumprindo
rigorosamen (rasuras)deveres de amor ao Rio Grande.”
145
Não se pode esquecer ainda que, além disso, os coronéis do modelo
borgista eram os maiores proprietários de terras da região e estavam, mesmo que
indiretamente, lutando pela defesa desse modelo fundiário. A permanência de um
padrão de vida ascendente, próprio do coronel, era diretamente dependente do controle
político que ela exercia sobre os grupos de milícias e de voluntários, que formava com
muita facilidade, quando solicitados pelo governo estadual diante de qualquer suspeita
de movimentação dos grupos de oposição.
A constatação da existência de relação entre desempenho político e
econômico vem ao encontro da afirmação incisiva de um dos filhos do coronel Victor
Dumoncel Filho, quando diz que “as terras onde hoje fica Mato Branco (interior de
Saldanha Marinho) foram utilizadas por muitas pessoas, que tomaram posse delas, mas
que pertenciam ao papai. Assim como, depois que ele faleceu, foram encontradas pilhas
de notas promissórias no cofre, demonstrando os empréstimos que o papai fazia a
143
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., p. 77.
144
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 78.
145
Relatório do dia 31 de maio de 1925 do 18º Corpo Auxiliar da Brigada Militar. AVD/SBS.
muitas pessoas, sem nunca ninguém da família saber e nem mesmo sem nunca terem
sido cobradas por ele”
146
.
A incumbência de formação de grupos de combates, que era atribuída
ao coronel Victor Dumoncel Filho, fica explícita em um Relatório do 18º Corpo
Auxiliar da Brigada Militar, pelo qual ele era responsável:
"[...]com a chegada de novos grupos de voluntários, tinha
reunido aproximadamente 500 homens resolutos, e, foi com a
mais viva satisfação que verifiquei ser grande parte delles
veteranos da revolução de 1923, bravos e leaes companheiros
de sempre e que não medem sacrifícios na defesa do Rio
Grande do Sul ( rasuras) do regimem republicano. Ainda
(rasuras) diquei os nomes dos officiaes que ( rasuras) nham o
quadro do corpo, em (rasuras) mero de 22, em sua quase totali
(rasuras), ex-officiaes dos 1.º e 2.º corpos da (rasuras)eta
Brigada do Norte, sendo isso uma garantia para o bom exito
da unidade, por serem officiaes dignos e já experimentados na
luta de 23, que muito distinguiram-se, cumprindo
rigorosamen(rasuras)deveres de amor ao Rio Grande e
batendo-se salorosamente em (rasuras) cretta, fazendinha e no
memorável combate de Quatro Irmãos, que foi o golpe mortal
aos mazorqueiros da serra.”
147
Além da atuação político-partidária e econômica de Victor Dumoncel
Filho, parece ser claramente visível a influência que ele exercia sobre um grande
número
de pessoas na região. Prova disso são as numerosas cartas encontradas em seu arquivo
particular, em que os emissores agradecem ao coronel favores prestados, o que,
ressaltamos, quando de nossa pesquisa, a família fez questão de mostrar
veementemente.
As cartas que chegavam à residência da família continham pedidos ao
coronel desde os mais simples até os de maior expressão; eram pedidos para que
auxiliasse a famílias necessitadas financeiramente por conseqüência das revoltas da
146
DUMONCEL, João Osório. Informações concedidas a Isléia Rossler Streit em 5 jul. 2002, Santa
Bárbara do Sul. João Osório é filho do coronel Victor Dumoncel Filho.
147
Relatório do dia 31 de maio de 1925 do 18º Corpo Auxiliar da Brigada Militar. AVD/SBS
década de 20, ou para que interferisse junto ao governo estadual para retirar queixas-
crimes, providenciar soltura de prisões, etc.
Ao examinar as correspondências, constatamos,
148
que as pessoas se
dirigiam ao coronel tratando-o com deferência, utilizando pronomes de tratamento
como: “amo”, “senhor”, “estimado”. Esses termos e outras frases denotativas de
cordialidade e respeito aparecem tanto em cartas com uma escrita mais elaborada, o
que denota que seriam escritas por pessoas com um grau de escolaridade superior, como
em cartas, bilhetes e telegramas enviados ou entregues pessoalmente, escritos numa
linguagem mais coloquial. Entendemos que nesse tipo de tratamento ficam expressos a
influência e o respeito que o coronel tinha entre a população da região no período
analisado, logicamente em decorrência do poder político e econômico que possuía. Com
a carta que transcrevemos em seqüência podemos justificar nossas afirmações:
Palmeira, 23 de abril de 1928.
Inesquecível Compadre.
Saúdo-vos, em companhia da comadre e filhinhos.
Tem este o fim de ver si meu bom compadre pode prestar-nos
um favor, isto caso seja possível, emprestar-nos um pouco de
dinheiro, por que estamos de viagem e sem arame, por que
vendemos alguns trastes, mas o Sr. sabe que tem que se vender
tudo por menos da metade, assim é que não dá nem pra
despeza da viagem e nós temos alguns bichinhos à pagarmos
assim que for possível peço-vos emprestar-nos até que Deus
ajude João Manuel para que se empregue, e assim qie tivermos
lhe pagaremos muito agradecidos. João Manuel sabbado foi até
ahi para esses fim. Mas teve menos coragem do que eu. Eu
faço-me corajosa, por que si for possível, será muito bom pra
nós, e sinão paciência, o que fazermos, não é? ... Sem mais
peço-lhe abraçar a comadre por nós e aceitarem nossos
abraços.
A comadre muita amiga
Pecucha.
Desculpe meu bom compadre o arrojo de escrever-lhe esta
carta só para encomodar-lhe
149
.
Quanto à procedência das cartas, observamos que não há uma
regularidade, pois são originárias de várias cidades da região do Planalto, como
148
Cabe ressaltar que a documentação fora previamente separada e selecionada por Ana Aurora
Dumoncel Riguetto, seguindo o critério temporal: anterior ou próximo a 1930.
149
Carta enviada ao coronel Victor Dumoncel Filho no dia 23 de abril de 1928 pela sua comadre
Pecucha. AVD/SBS.
Colônia Neu-Württemberg (atual Panambi), Carazinho, Cruz Alta, Erechim, Passo
Fundo, Ibirubá, General Osório, Irahy, entre outras. Essas se enquadrariam nos vários
municípios de influência do coronel Victor Dumoncel Filho, conforme exposto por
Loiva Otero Félix.
150
Segue um trecho retirado de uma carta no qual se identificam os
itens referidos:
Presado amigo,
O meu bom amigo sabe já as circunstancias a que a fatalidade
me arrastou em minha defeza fui obrigado a matar. [...] desse
despacho vou recorrer para o Superior tribunal e para obter o
andamento rápido, venho pedir a sua proteção valiosa, junto ao
Dr. Flores. Aqui me acho abandonado pelo Prefeito Municipal
que alem de ter sido meu chefe foi testemunha occular do fato
[...]. Vejo-me por isto na contingencia de recorrer as amizades
velhas e o faço convencido que o bom amigo conhecendo-me
como me conhece está em optimas condições de proteger-me.
[...] Assim pedindo sua proteção valiosa, termino esta e desde
já agradecendo o interesse que tenho certeza tomará pelo velho
amigo de sempre e companheiro nas horas más da vida e de
luta.
151
Na carta transcrita, pede-se ao coronel Victor que interfira perante a
Justiça para a resolução rápida de um caso de homicídio, para o que ele deveria entrar
em contato com o poder estadual. Deduzimos, portanto, que muitas pessoas que lhe
eram próximas ou que estiveram em algum momento - em lutas, batalhas, decisões
política - em contato com o coronel, sabiam da dimensão de sua força/interferência
política, junto ao Poder Executivo estadual; também do prestígio político que ele
possuía em nível local. Tratava-se de um poder de influência decorrente da sua atuação
em várias batalhas de grande importância para o Planalto, vencidas pelo líder
republicano.
Em outras cartas encontradas também fica claro que os remetentes
tinham conhecimento do poder do coronel na região, embora não deixa transparecer o
150
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Op. cit., no anexo 8, a autora traz a
delimitação das cidades que em 1933 eram de influência do coronel Victor Dumoncel Filho e do coronel
Vazulmiro Dutra, rivais particulares pela disputa de poder de influência na região.
151
Carta remetida de Boa Vista do Erechim em 24 de agosto de 1931 por Manuel Pereira de Almeida.
AVD/SBS.
conhecimento sobre o valor político desse personagem em nível estadual. Vejamos,
exemplificativamente, um trecho desta carta:
Coronel Victor,
Saudações.
Venho, novamente, recorrer ao senhor. Mas, si sou assim tão
importuna é porque , deixe-me dizer, tem sido, sempre, de tal
bondade e condescendência para comigo, eu me animo a pedir-
lhe mais um grande favor.
É ele, coronel Victor, a não, me esquecer aqui, em General
Osório. Não me deixe “ vegetar” mais alguns meses nesta
colônia, sim? Não lhe é muito difícil conseguir minha
transferencia para uma das vagas do Colégio Elementar ou
para o Grupo de Cruz Alta? (...)
Mais uma vez, coronel Victor, rogo-lhe que não se esqueça de
mim. Em troca dar-lhe-ei toda a minha amizade sincera.
Grata pela grande alegria que, sei, o senhor me dará, extendo-
lhe minha mão de amiga e correligionária.
152
As cartas, cuidadosa e organizadamente guardadas, eram motivadas
pelas mais diversas razões, como para fazer pedidos, reclamações ou fornecer
informações. Muitas delas têm conteúdo político, como a que busca tranqüilizar o
coronel quanto à situação favorável de um município ou região em certo período
eleitoral; outras descrevem o entusiasmo dos correligionários e eleitores perante as
campanhas do Partido Republicano, como esta: “Com referência a política tenho a
satisfação de communicar-vos, que vamos de vento em popa. Nunca vi tanto
enthusiasmo aqui na colônia por parte do Partido Republicano, cada eleitor é um
propagandista.”
153
Na carta cujo trecho transcrevemos, que noticia sobre as expectativas
eleitorais numa colônia Neu-Württemberg - , podemos constatar o interesse do
coronel e, indiretamente, do Partido Republicano em controlar o eleitorado. Embora não
entremos em detalhes no que se refere à colônia citada, fica comprovado que os colonos
foram alvo de disputas eleitorais e que, provavelmente, nas maiores colônias Ijuí,
Sarandi - seriam utilizados vários meios característicos da estrutura de mando e
152
Carta remetida de General Osório, em 1.º de novembro de 1934, por Nerea. AVD/SBS.
153
Carta remetida da colônia Neu-Württemberg por Pedro Luiz da Silva, em 26 de maio de 1930.
AVD/SBS.
obediência do coronelismo para que fossem cooptados e se tornassem eleitores fiéis.
Quanto à colônia Saldanha Marinho, nosso objeto de estudo, cuja ocupação foi
promovida por um líder federalista, como teria se processado a questão eleitoral, de
mando e de obediência?
Em uma carta remetida de Porto Alegre ao coronel, transparece
novamente a preocupação em relação aos colonos, porém nesta temos o ingrediente da
compra de terras, no que ele teria interesse:
Lembro que nos meses de junho e julho, temos a safra da
banha e em conseqüência os colonos previnem-se de dinheiro
para a compra de novas terras e localizando-se para a nova
plantação. Como a estrada de ferro dessa nossa terra a Irahy,
pode ser construída com o produtcto da venda de colônias
dessa zona jolgo de meu dever não so lembrar-te como
colocar-me ao teu dispor para o que quiseres ou mandares.
[...]Com o inicio da estrada e uma ramificação de propaganda
que facilmente as faz nas colônias velhas aqui, estou certa que
muita terra a dinheiro se venderá.
154
Da carta podemos inferir algumas idéias, como a de que ocorria
interferência do coronel Victor Dumoncel Filho em negociações de terras com colonos
vindos das Colônias Velhas. Embora tenhamos dificuldades em identificar o tipo de
interesse que o moveria nisso, pelas circunstâncias analisadas, acreditamos que seriam
motivos ideológicos, políticos, eleitorais, pois o coronel estaria interessado em vender
terras, já que sempre acumulara esse tipo de bem imóvel. Outro trecho da carta
transcrita também demonstra que a prática das negociações entre o coronel e os colonos
seria um processo rotineiro, evidenciado pela utilização das frases: “lembro ao bom
amo, minha autoridade é nula, mas com o referendum teu, estou certo de attigir ao ponto
desejado”.
155
A correspondência cujo trecho destacamos, leva-nos a
questionamentos do tipo: o coronel Victor Dumoncel Filho estaria alinhado ao projeto
de modernização, de ordem e progresso implantado pelo PRR com base nos ideais
154
Carta remetida de Porto Alegre por José Carlos em 13 de abril de 1933. AVD/SBS
155
Idem.
positivistas, no item que primava pela formação de colônias de imigração no Planalto do
Rio Grande do Sul? Atuando nessa linha, utilizaria esses grupos para estabelecer as
relações coronelistas? Se esses questionamentos se revelarem afirmativos, a atuação
política do coronel Victor Dumoncel Filho amplia-se ainda mais, envolvendo toda a
trama da colonização, que foi muito intensa no Planalto do estado durante a República
Velha, mas ainda não foi explorada. Na colônia Saldanha Marinho fica visível cada vez
mais o aspecto de sua especificidade, tendo em vista o modo como se formou e,
sobretudo, o momento político de sua fundação.
Sebastião Peres, em sua dissertação de mestrado, trouxe para o foco
de discussão a relação entre colonos e coronéis na região de Santo Ângelo-RS,
analisando o processo de decadência e as crises internas das relações coronelistas,
retratadas através do coronel Bráulio de Oliveira em decorrência da emergência dos
colonos como sujeitos autônomos. Segundo o autor, “a existência de um projeto social,
político e econômico em relação ao estado do RS, de parte do PRR, é fundamental para
compreender o processo político rio-grandense durante a República Velha, elementos
que, no interior do estado, garantiam o continuísmo, necessário à concretização do
projeto”.
156
Esses elementos, segundo Peres, dizem respeito àqueles que formaram
as pequenas propriedades, “a massa de trabalhadores que compunham as pequenas
propriedades fizeram parte e, além disso, peça fundamental na legitimação e
continuidade do poder estadual, através da figura dos coronéis no mandonismo local”
157
.
Seguindo essa argumentação, referente à região de Santo Ângelo,
poderíamos, com base nas cartas mostradas em nosso estudo, que tratam
especificamente do coronel Victor Dumoncel Filho, concluir que, no extenso município
de Cruz Alta e incluímos aí o significativo distrito de Santa Bárbara do Sul - , a
realidade parece ter sido semelhante ou, pelo menos, em toda a área que o domínio do
coronel Victor conseguiu alcançar, o que significa dizer a colônia de Saldanha Marinho.
Eloy Euclésio De Bortoli fez um apanhado geral sobre as principais
colônias fundadas no final do século XIX na região do Alto Jacuí atuais municípios
156
PERES, Sebastião. Coronéis e imigrantes: das crises internas do poder coronelístico à emergência dos
colonos como sujeitos autônomos. Op. cit., p. 5.
157
PERES, Sebastião. Op. cit., p. 15.
de Selbach, Não-Me-Toque, Tapera, Carazinho, Boa Esperança (Colorado) -, e quais se
concentram especialmente imigrantes alemães
158
. Pelo trabalho descritivo realizado pelo
autor sobre a ocupação da região, podemos concluir que a maior parte dessas terras era
de propriedade de sesmeiros e foi vendida para companhias particulares de terras, as
quais, em primeiro lugar, buscaram lucrar com a venda dos lotes e, secundariamente,
aumentar o contingente populacional, levando, por conseqüência, a região a crescer
economicamente.
Constatamos também que a maioria dos municípios do Planalto aderiu
à colonização, com exceção do distrito de Santa Bárbara do Sul, do qual não
encontramos registro de que alguma companhia de terras tivesse negociado os imensos
campos daquele território. Poderíamos aqui questionar sobre os motivos para o fato e se
estariam ligados à atuação política do coronel Victor Dumoncel, pois, talvez, ele
temesse o crescimento de grupos de imigração enquanto opinião política/partidária. Ou,
ainda, em relação à colônia Saldanha Marinho, que fora formada por um líder
federalista, o coronel e, indiretamente, o PRR, já não teriam motivos suficientes para
vigiá-la?
Peres relata que, em Santo Ângelo, os colonos começaram a crescer
como organização social e econômica. Assim, os incentivos por parte do governo
estadual, e mesmo local, foram subtraídos, não dando destaque para essa nova facção
gaúcha,
159
originando um problema para a realidade de cooptação política que vigorava
no Planalto sulino.
A colônia Saldanha Marinho, que se caracterizou por um elemento
que a diferenciou das demais realidades coloniais, ou seja, o fato de ter sido fundada por
um líder federalista, que também possuía seus objetivos políticos/eleitorais bem
distintos, apresentava-se como um desafio constante para o coronel Victor Dumoncel
Filho. Em ofício expedido pela Secretaria de Obras Públicas remetido a Francisco d’
Ávila Silveira , diretor de Terras e Colonização, consta a seguinte informação:
158
DE BORTOLI, Euclésio Eloy. Boa Esperança: a história de Colorado. Passo Fundo: Pe. Berthier,
1999. p. 10
159
PERES, Sebastião. Coronéis e imigrantes: das crises internas do poder coronelístico à emergência dos
colonos como sujeitos autônomos. Op. cit., p. 232.
Consta-me por denúncia do senhor capitão Avelino José dos
Santos, auto delegado da Estação de Pinheiro Marcado, que o
proprietário da colônia Saldanha Marinho, situada ao sul d’
esta estação, na divisa com o município de Cruz Alta, Evaristo
Affonso de Castro tem comprado a mesma colônia terras do
domínio do Estado, consulto-vos sobre a coerência de fazer-se
uma verificação na mesma colônia.
160
Mesmo que o documento transcrito contenha uma data anterior à da
atuação oficial do coronel Victor Dumoncel Filho, percebemos que existe um
relacionamento deste com o capitão Avelino José dos Santos. Diante disso, observamos
alguns aspectos que se referem a questões sobre a colonização de Saldanha Marinho: a)
o capitão Avelino José dos Santos parece ser uma figura muito ligada ao coronel Victor
Dumoncel Filho; b) os cuidados tomados por este capitão em relação à colonização
destas terras eram realmente acentuados; c) a prática de colonização era usual naquele
momento e naquela região do Rio Grande do Sul. Perguntamos, então: quais seriam os
motivos de preocupação? E os fundadores da colônia Saldanha Marinho seriam
realmente alvo de observação por parte do diretor de Terras e Colonização?
Cabe dizer que a atuação política de Evaristo Affonso de Castro, como
foi afirmado no primeiro capítulo, justifica a preocupação observada no documento
transcrito; portanto, concluímos que realmente a presença de Evaristo Affonso de Castro
como proprietário foi motivo de preocupação para o coronel Victor Dumoncel Filho.
Não podemos esquecer do que representou a figura do capitão Avelino
José dos Santos na região, como braço direito do coronel Victor Dumoncel Filho. Em
uma correspondência daquele para este ficam claros os laços de lealdade, as ligações
partidárias que mantinham e que o capitão Avelino estava ligado às questões de terras
devolutas na região, seguindo os indicativos do coronel, ou seja, era ele um dos
responsáveis pelas negociações sobre terras devolutas que o governo vendia, como
demonstra este trecho da carta:
Illmo. Amo Coronel Victor Filho.
Santa Bárbara.
Saúdo-vos cordealmente.
Dezejando-lhe saúde e felicidade e a todos que vos são caros.
160
Ofício expedido da Secretaria de Obras Públicas em 1.º de outubro de 1903, por C. Silva da Silveira.
AHR-UPF.
Há muito que dezejava falar-lhe sobre deversos assumptos
mais encremado de uma forma a quazi dosi mezes me tem
impossível. Junto uma nota para o amo por ella o junto a ella
escrever ao Dr. Sinval Saldanha ver a quem julgar conveniente
pedindo para que me concedem ou me mandem entregar as
terras a que alludo na mesma nota de cujo obsequio muito vos
agradeço o empenho que fizera. [...].
161
Em seu depoimento, Eurydes Castro Júnior afirmou que seu avô
Evaristo Affonso de Castro - não teria conseguido demarcar e tomar posse de toda a
terra que havia adquirido para a fundação da Colônia Saldanha Marinho. O motivo para
tal, segundo o entrevistado, seriam as práticas políticas e as ideologias partidárias
defendidas por Evaristo Affonso de Castro, que se contrapunham às do PRR e do
coronel Victor Dumoncel Filho.
Finalizamos este capítulo afirmando as hipóteses traçadas no início,
quanto à atuação política de um dos principais líderes republicanos do Planalto do Rio
Grande do Sul (coronel Victor Dumoncel Filho), que se estendeu à colônia Saldanha
Marinho, utilizando os colonos para fins militares e partidários, como demonstraram os
depoimentos aqui trazidos. É importante destacar que o meio utilizado pelo PRR, por
intermédio dos coronéis borgistas, para se consolidar no poder do estado foi a coerção,
exercida sobre todos os grupos sociais da região em estudo, inclusive sobre os colonos
imigrantes da colônia Saldanha Marinho. Para essa afirmação, baseamo-nos também no
depoimento de Jerônima: “A gente tinha medo daqueles homens do coronel”.
Cabe ressaltar que, apesar de o auge do coronelismo ter acontecido há
mais de cinco décadas, a memória das pessoas que estiveram envolvidas nesse tipo de
relação está muito presente, tanto entre aquelas mais próximas ao coronel Victor, quanto
dos descendentes dos imigrantes, que preferem deixar informações de documentos
escritos falar em seu lugar a reviver aqueles tempos.
161
Carta remetida em 25 de dezembro de 1930, de Vista Alegre, por Avelino José dos Santos para o
coronel Victor Dumoncel Filho. AVD/SBS
CAPÍTULO 3
COLONOS IMIGRANTES E O CORONEL VICTOR DUMONCEL
FILHO: DOIS GRUPOS NUM MESMO ESPAÇO
Neste capítulo, tratamos das relações estabelecidas entre o coronel
Victor Dumoncel Filho e os colonos-imigrantes que povoaram a colônia Saldanha
Marinho. De antemão já sabemos que a força política exercida por essa figura foi
intensa na região do Planalto do Rio Grande do Sul, especialmente durante a República
Velha. Resta-nos verificar como reagiram a essa força os colonos da colônia Saldanha
Marinho que, a partir de 1899, começaram a ocupar o espaço de controle político do
coronel. Quais teriam sido os meios utilizados por ambos para conviver em um mesmo
espaço? A relação entre os dois grupos teria sido pacífica?
As relações entre colonos e o coronel são aqui observadas em duas
situações específicas: a) no período das revoltas, sobretudo na de 1923, quando, com
muita facilidade, o coronel conseguia formar grupos de combatentes
162
; ou
b)cotidianamente, como já é característico das relações coronelistas, na estrutura de
mando e obediência,
procurando identificar como os colonos participaram dessa estrutura coronelista, se
formaram grupos de resistências às práticas de mando implantadas pela estrutura
coronelista e se a fuga para o mato se constituía em estratégia de resistência dos
colonos às ordens do coronel.
Com o auxílio da história oral é possível perceber o modo como se
desenvolviam as relações entre o coronel Victor Dumoncel Filho e os colonos
imigrantes na colônia Saldanha Marinho. Pelo resgate das memórias de pessoas que
conviveram com os dois grupos, é possível conhecer o mundo das representações que
surge a partir do imaginário particular e coletivo, que se revela como múltiplo. A
multiplicidade do imaginário diz respeito tanto ao medo e ao pavor quanto a glórias e a
heroicizações dos elementos envolvidos na colônia Saldanha Marinho durante a
República Velha e, também, com relação ao coronel Victor Dumoncel Filho.
162
Relatório do dia 31 de maio de 1925 do 18º Corpo Auxiliar da Brigada Militar. AVD/SBS
Conduzir uma reflexão sobre as relações coronelistas seguindo o viés
de resgate de memórias e imaginários significa escutar relatos, depoimentos, causos,
conversas que parecem “contos”, mas que, para alguns, não foram de fadas; foram, sim,
fatos reais e, sobretudo, muito dolorosos. São manifestações percebidas nas conversas
de descendentes de imigrantes, de ex-empregados do coronel. Por outro lado, significa
também escutar as justificativas verbalizadas pela família do coronel, como de que
“papai era um homem muito bom, não negava nada a ninguém”.
163
Nessas duas faces
do discurso que se revela como real percebemos um imaginário que surge através da
memória como sendo um campo múltiplo.
Tratar das relações coronelistas significa, portanto, mesclar a reflexão
com testemunhos provenientes de vários grupos que participaram das relações sociais
estabelecidas no Rio Grande do Sul durante a República Velha. Entre os depoimentos,
neste caso específico e local, significa escutar os mais idosos da colônia Saldanha
Marinho e também ouvir pessoas que estiveram em contato direto com o personagem
coronel Victor Dumoncel Filho. Nesse processo, que a priori parece fácil e simples, está
a magia de construir história com base numa fonte riquíssima de informações: os
depoimentos.
A utilização de fontes orais permite o resgate de relatos de como era o
dia-a-dia na colônia, sendo de acesso fácil porque ainda há filhos de imigrantes
residindo no atual município de Saldanha Marinho e dispostos a colaborar nas
pesquisas. Teoricamente, já são muitos os estudos que consideram a fonte oral de
fundamental importância para a compreensão de história. Segundo Loiva Otero Félix :
Estamos querendo trazer aqui uma nova compreensão da
ciência histórica para a qual os documentos orais são, ao lado
de vários de outros tipos, também documentos , e, como tal
passíveis de “contar algo” que permita a elucidação. Nesse
sentido, memórias orais não são “causos” de livre criação
imaginativa mas, rememorações construídas numa relação
direta entre interlocutores: o narrador de suas memórias e o
ouvinte/pesquisador e, em, geral, a partir de uma proposta
temática estabelecida de comum acordo.
164
163
RIGUETTO, Ana Aurora. Entrevista citada.
164
FÉLIX, Loiva Otero. Política, memória e esquecimento. Op. cit., p. 17.
Este capítulo tem como suporte depoimentos de moradores do atual
município de Saldanha Marinho que presenciaram acontecimentos ligados às relações
coronelistas, os quais relatam como era a vida nos primeiros anos na colônia, tanto nos
aspectos políticos como do cotidiano. Também analisamos um depoimento de uma ex-
empregada da família Dumoncel, que pontuou e caracterizou com bastante propriedade
e clareza aspectos das relações coronelistas na região do Planalto gaúcho.
A entrevista com uma descendente dos primeiros imigrantes a chegar
à colônia, a senhora Emília Hermann Resler, mostrou-nos a realidade vivida por eles
nos primeiros anos, além de aspectos importantes da atuação do coronel Victor
Dumoncel Filho. O pai da senhora Emília, Cristóvão Hurbano Hermann, foi um dos
primeiros líderes comunitários, que ministrou aulas de catequese para as crianças das
redondezas de seu lote de terra em sua casa (Anexos 8 e 9). Aos poucos, ele e outros
colonos foram construindo a primeira igreja católica na parte urbana da colônia, assim
como um espaço para as festas paroquiais e a escola paroquial. Portanto, foi um dos
responsáveis pelos primeiros passos do associativismo na colônia.
Dona Emília era uma das filhas mais jovens de Hermann. Nascida em
13 de fevereiro de 1927, conviveu com seus pais até o casamento, no final dos anos
1940. Foi uma ouvinte de todas as peripécias vividas pelos seus pais e seus dez irmãos
nos anos iniciais da colônia, que lhe eram contadas com muita freqüência. Segundo ela,
“meu pai sempre nos contou sobre tudo, e meus irmãos que foram levados o Nicolau,
pelo coronel, também, quando, graças a Deus, voltou depois de dias, nos contou
tudo.”
165
O segundo entrevistado, o senhor Bruno Resler, nasceu em 11 de
maio de 1924 e instalou-se na colônia em 1939. Casado com dona Emília, seu
depoimento veio elucidar o depoimento desta e encorajou-a a dizer tudo o que ela
sabia, porque, pela convivência de mais de cinqüenta anos, conhecia o quanto ela tinha
para relatar. O fato de ele não ter vivido na colônia durante a atuação do coronel Victor
explica por que não se observou nele a presença do imaginário de medo que
caracterizou a fala de dona Emília. Contudo, o senhor Bruno também demonstrou uma
165
RESLER, Emília Hermann. Entrevista citada.
grande revolta com as atitudes do coronel e uma disposição de “enfrentar aqueles
homens”.
166
Um terceiro depoimento, proveniente de um membro de outro grupo
social (primeiros moradores da região), dos caboclos, que também esteve em contato
com o coronel Victor, foi o de dona “Jerônima”, pseudômino aqui utilizado para
identificar uma antiga empregada da família, que viveu na casa durante 14 anos. Filha
de uma família de caboclos que moravam no interior do município de Santa Bárbara do
Sul, em Linha Aparecida , ela nos relatou sobre o que escutava de seus pais quando
morava com eles no meio rural e também o que soubera através de seu marido, também
empregado da família, no tempo em que fora casada com ele.
Este documento oral foi construído com muita
167
dificuldade, em
razão do medo que a entrevistada demonstrou em falar sobre o assunto, justificando não
querer ser identificada porque “me dou bem com a família e não quero me incomodar
com eles”.
168
Pela exploração de memórias que revelam imaginários plurais, de
glórias e de medo, que se desenvolveram na colônia e se perpetuaram entre as famílias
de descendentes de imigrantes, é possível verificar a formação de um espaço de
associativismo e de cooperação entre as famílias de imigrantes e o estabelecimento de
uma rede de micropoderes em Saldanha Marinho.
169
Mas em que sentido podemos falar
aqui da formação de uma rede de micropoderes ? Um esclarecimento faz-se necessário.
Num primeiro momento, temos a presença de Evaristo Affonso de Castro, líder
federalista, no cenário colonial.
Evaristo Affonso de Castro, através de atitudes simples, mas de
fundamental importância para o andamento da colônia nos anos iniciais, como
organização de escolas comunitárias ou nas casas das famílias, de um espaço para
ministrar o catecismo, de encontros nas casas da vizinhança para discutir negócios, da
realização do culto dominical, dos velórios, dos empréstimos de ferramentas agrícolas,
das trocas de experiências agrícolas, dos mutirões para plantações, colheitas,
construções de novas moradias, das festas de casamentos, enfim, de qualquer encontro
166
RESLER, Bruno. Entrevista concedida a Isléia Rossler Streit em 15 nov. 2001, Saldanha Marinho.
167
JERÔNIMA. Entrevista concedida a Isléia Rossler Streit em 12 out. 2002, Santa Bárbara do Sul.
168
JERÔNIMA. Entrevista concedida a Isléia Rossler Streit em 12 out. 2002, Santa Bárbara do Sul.
169
FOUCAULT, Michael. A microfísica do poder. Op. cit., p. XIV
que levasse à formação de unidade, de grupo, aparecia, aos olhos do coronel como
possibilidade de construção de um poder coeso que poderia se manifestar devido à
presença do líder federalista Evaristo Affonso de Castro nos anos iniciais da colônia.
Os depoimentos expressam que a organização entre os colonos tinha
como fim apenas poderem sobreviver nos primeiros anos na colônia,
170
mas, para o
coronel, talvez isso não parecesse tão simples. A reação do coronel Victor Dumoncel
Filho em relação a essas formas associativas manifestou-se especialmente a partir de
1910, quando ele começou a atuar oficialmente na região, arregimentando, mesmo que à
força, os colonos nas tropas para as lutas armadas do período.
Cláudio Pereira Elmir, realizando um estudo baseado na
correspondência do coronel Victor Dumoncel Filho, tratando das relações coronelistas,
diz que, “num nível menos abrangente da ação política - analisadas em termos
geográficos - , mas que, [...] revelam a intensidade do exercício da autoridade pessoal da
parte do Coronel em relação a sua clientela: subordinados, dependentes, agregados,
etc.”
171
Para a análise do grau de autoridade pessoal do coronel exercida sobre
uma clientela, verificada inicialmente por Cláudio P. Elmir, elencamos acontecimentos
ocorridos na colônia que manifestam a presença do poder daquele personagem no
início da formação desta.
Diante das constatações feitas sobre a colonização de Saldanha
Marinho nos capítulos um e dois, demonstramos a característica de heterogeneidade
dessa ocupação em relação ao espaço geográfico em que foi instalada e de
especificidade dos proprietários, pelo fato de serem líderes federalistas. Assim,
reforçamos a discussão destacando dois tópicos que evidenciam a especificidade da
colônia no espaço em que foi criada:
a) o nome da colônia é de um líder maçom republicano de
Pernambuco, senador Joaquim Saldanha Marinho, que teve destacada
atuação tanto no Partido Republicano como na maçonaria. O nome da
colônia foi atribuído por Evaristo Affonso de Castro, que também era um
líder maçom na região;
170
RESLER, Emília Hermann. Entrevista citada.
171
ELMIR, Cláudio Pereira. Olhares sobre si e o outro: as várias faces do coronelismo. Cadernos de
Estudos, Porto Alegre: Cursos de Pós-Graduação em História/ UFRGS, n. 8, p. 24-49, dez./1993. p. 25
b) os nomes das principais ruas da parte urbana da colônia são dos
principais líderes federalistas do Rio Grande do Sul Silva Tavares,
Prestes Guimarães, Gumercindo Saraiva, General Portinho. Estes nomes
também foram atribuídos por Evaristo Affonso de Castro.
Exploramos esses aspectos na formação da colônia Saldanha Marinho
partindo da seguinte questão: como ocorre a construção do espaço colonial em meio a
uma realidade de coronelismo-castilhismo, diante de “rótulos” federalistas ?
A exposição teórica sobre a utilização de documentação oral, o uso de
memórias e a verificação da formação de imaginários expostos na parte inicial deste
capítulo sustentam a exposição daqui em diante. As quatro unidades em que se
subdivide este capítulo objetivam "costurar" os questionamentos levantados na parte
inicial, sem observar a cronologia dos fatos, mas, sim, os acontecimentos ocorridos na
colônia durante o período da sua formação, bem como as suas conseqüências.
3.1. No circular das carroças: chegam os imigrantes para ocupar a
colônia Saldanha Marinho
Os primeiros imigrantes que chegaram à colônia Saldanha Marinho
foram especialmente de origem alemã, membros das famílias Hermann, Limberger,
Neuwald, Barden, Birckan, Metz Dorf, Kuhn, entre outras,
172
que passaram a ocupar os
lotes adquiridos da empresa colonizadora Sociedade Norte Industrial Castro, Silva e
Cia.
173
Ao chegar às novas terras, além da “simples” limpeza da terra coberta
de mato, eles tinham de realizar a plantação, a colheita, a construção das casas, etc. Em
Saldanha Marinho, havia ainda algo mais difícil, que era criar um meio de vivência que
desse origem a uma comunidade. Foi necessário que os colonos construíssem esse
espaço conquistando-o em meio a outras forças presentes na região, que muito bem
172
RIO GRANDE DO SUL. Saldanha Marinho. Op. cit., 1988. p. 9.
173
Não podemos ignorar a presença de nacionais que já ocupavam as terras, porém não nos ateremos a
este fato para não fugir à temática.
caracterizaram o Planalto do Rio Grande do Sul na República Velha: as forças do
coronel.
Os documentos orais ressaltam como foram os primeiros tempos na
colônia. A senhora Emília Hermann Resler
174
é descendente de um dos primeiros
moradores da colônia, como já descrevemos, que veio de Santa Cruz do Sul, região que
fazia parte do extenso município de Rio Pardo. Além da bagagem de apetrechos úteis
para o dia-a-dia, ela conta que tinham esperança de encontrar um espaço promissor
para sua família nas novas terras do Planalto. Segundo dona Emília:
Meus pais se transferiram para a colônia Saldanha Marinho
mais ou menos nos anos de 1900, recém-casados, com
aproximadamente 20 anos. [...] se fixaram próximo às margens
do Rio Pinheirinho. Adquiriram a porção de terra que estava
recoberta de mato, sendo necessário abrir o mato para plantar
e produzir na terra. [...] A vida de meus pais e destes colonos
de Saldanha foi muito sofrida.
175
Com a contribuição de um segundo documento oral, do senhor Bruno
Resler,
176
temos a confirmação das dificuldades vividas nos primeiros anos de vida na
colônia:
A ferrovia era o único recurso para se chegar até um centro
comercial, Carazinho ou Passo Fundo, onde se fazia o registro
dos nascimentos e casamentos. Por isso o distrito de Pinheiro
Marcado desempenhava uma função fundamental para os
colonos, que se dirigiam até lá de carroças puxadas com bois.
Foi desta maneira que os colonos chegaram à colônia Saldanha
Marinho: com carroças e seus pertences com o trem. Levava-se
dias para se chegar até Carazinho.
·177
A questão da colonização no Rio Grande do Sul já foi exaustivamente
trabalhada pela historiografia, que caracterizou, sobretudo, os sofrimentos iniciais,
174
Dona Emília Hermann Resler nasceu em 14 de fevereiro de 1927 e reside atualmente no município de
Saldanha Marinho. Depoimento prestado à autora em 15 de nov. 2001 em Saldanha Marinho.
175
RESLER, Emília Hermann. Entrevista citada.
176
Bruno Resler é marido de Emília Hermann Resler e fixou-se na colônia por volta dos anos 1940 vindo
de Estrela; nasceu em 11 de maio de 1924.
177
RESLER, Bruno. Entrevista citada.
desgastes físicos, dificuldades de adaptação, conflitos com os moradores brasileiros que
ocupavam as terras nos arredores das colônias, etc., pelos quais passavam os colonos
desde que saíam da Alemanha ou da Itália até obterem os primeiros resultados na
colônia
178
.
A colônia Saldanha Marinho, por se situar no Planalto Médio do Rio
Grande do Sul, enquadra-se na realidade das que surgiram a partir da enxamagem
179
das
primeiras colônias, o que levou, por conseqüência, à ocupação de um novo espaço
geográfico, que se apresentava também como uma realidade política marcada por
muitos conflitos de grupos que estavam se firmando no poder.
A partir da delimitação da região do Planalto, abordada nos capítulos
anteriores, constatamos que as novas colônias surgiram em uma região que se tornou,
durante a República Velha, o suporte eleitoral e político do governo Júlio de Castilhos e
Borges de Medeiros, ou seja, do PRR.
O senhor Bruno Resler relatou-nos em entrevista que foram anos
muito difíceis, não só pelas dificuldades comuns que todos os imigrantes europeus
enfrentavam ao virem para o Brasil, mas pelas rivalidades políticas, pela atuação do
coronel Victor Dumoncel Filho e dos seus homens. Segundo nosso entrevistado:
Aquela época fora de muitas revoltas e os homens do coronel
vinham até a colônia procurar pessoas para levar com eles
formando tropas para as lutas. Nesta época, os homens se
escondiam no mato por várias semanas, ficando nas casas
apenas as mulheres e crianças, que passavam por necessidades,
não tendo como ir até a venda comprar sal e outros alimentos
básicos ou remédios. Bem como passavam por muito medo
sem ter a proteção dos homens e correndo o risco do ataque
dos cavaleiros armados do coronel, ou até de animais nativos
do mato.
180
178
DACANAL, José Hildebrando; GONZAGA, Sergius (Org.). RS: economia & política. Porto Alegre,
Mercado Aberto. 1979. DACANAL, José Hildebrando; GONZAGA, Sergius (Org.). RS: imigração e
Colonização. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1980. ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande
do Sul. I Porto Alegre: Globo. 1969 TEDESCO, João Carlos. Colonos, carreteiros e comerciantes: a
região do Alto Taquari no início do século XX. Porto Alegre: EST, 2000.
179
ROCHE, Jean. Colonização alemã no Rio Grande do Sul. Op. cit., 1969. p. 117. Por “enxamagem”
compreende-se o esgotamento das terras das primeiras colônias, devido ao aumento populacional destas,
necessitando-se, assim, de outras terras para os descendentes destes imigrantes.
180
Depoimento prestado à autora em 15 de nov. de 2001 em Saldanha Marinho por Bruno Resler.
Com o depoimento podemos responder a alguns questionamentos
levantados no início do texto. Desde os primeiros anos, parece ter se configurado na
colônia a presença do coronel, de modo que não teria havido um convívio pacífico entre
os dois grupos. Fica claro no depoimento do senhor Bruno Resler que uma das maneiras
de resistir às imposições do coronel e de seus homens, como a de participar de grupos de
milícias, era a fuga para o mato. Esta, apesar de ser uma estratégia de resistência, não era
a mais apropriada para os colonos naquele momento visto que o longo período que os
homens ficavam escondidos acarretava, além de prejuízos econômicos, um constante
medo e pavor entre as mulheres e crianças, que permaneciam nas casas, acentuando cada
vez mais o imaginário que se enraizou em volta dos “homens do coronel”.
O fato de os colonos se esconderem no mato, fugindo dos homens do
coronel, evidencia também que muitos dos que formaram as tropas de milícias não o
fizeram para ficar ao lado do coronel Victor Dumoncel Filho nem a favor do PRR, por
opção própria, ou por “amor ao Rio Grande”, mas eram forçados a tal. Mas por que
resistir ao coronel? Por que não fazer parte das relações clientelistas do coronelismo?
Levantamos dois motivos que justificam a resistência, através da fuga dos colonos para o
mato, para não lutar nas tropas do coronel:
a) os colonos estavam preocupados em trabalhar a terra,
que deveria ser paga e, portanto, era necessário fazer a plantação e a
colheita, ou seja, pouco se importavam com o que estava acontecendo
no cenário rio-grandense, bem como em nível regional. Constatamos
que procuravam suprir as necessidades materiais eles próprios, poucas
vezes recorrendo à autoridade municipal ou regional, tanto que a prática
do associativismo ou de simples mutirões e empréstimos é uma tradição
desde as primeiras colônias dos vales do Rio dos Sinos e Caí. O ato de
os colonos fugirem para o mato demonstra o desinteresse e a apatia
política com que se caracterizavam, negando-se a uma participação
imposta e violenta realizada pelas tropas do coronel Victor Dumoncel
Filho e seus homens;
b) a formação da colônia Saldanha Marinho, que fora
feita por um líder federalista, Evaristo Affonso de Castro, que, durante
os dez anos em que ali viveu de 1899 até 1910 - , formou um grupo
de oposição ao republicanismo.
Artur Blásio Rambo escreveu sobre o potencial político que existia nas
colônias:
Havia um motivo que atiçava o interesse de ambas as facções.
Exista nas colônias um considerável potencial humano, que, se
bem trabalhado, seria capaz de reforçar em muito a capacidade
bélica tanto dos republicanos como dos federalistas. Além de
uma reserva de combatentes, as colônias alemãs representavam
um considerável potencial político.
181
Sabemos que o PRR, através de Borges de Medeiros, para legitimar-se
e permanecer no poder, procurou agregar todos os grupos possíveis. Na colônia
Saldanha Marinho, esse trabalho deveria ser realizado pelo coronel Victor Dumoncel
Filho, que teria uma tarefa mais difícil do que em outras realidades do município, em
razão do ao caráter federalista da colônia imprimido pelo seu colonizador.
René Gertz fez estudo sobre a participação política dos teutos na
República Velha, chamando a atenção para a dificuldade de penetração das idéias
republicanas nas colônias. Afirma:
Castilhos cultivava temores em relação à população de origem
teuta no estado e que a maioria dos políticos influentes em sua
época e depois compartilhavam sua opinião sobre o perigo da
formação de um estado dentro do estado. O senador Gaspar
Silveira Martins, que durante o império se empenhara pelo
direito de voto dos não-católicos e com isto granjeara a
reputação de amigo dos teutos, (...), era um dos políticos mais
combatidos pelo regime castilhista.
182
181
RAMBO, Artur Blásio; FÉLIX, Loiva Otero (Org.). A Revolução Federalista e os teutos-brasileiros.
São Leopoldo: Unisinos. Porto Alegre: Editora UFRGS. 1995..
182
GERTZ, René. O fascismo no Sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto. 1987. p. 41
O autor cita o exemplo de Karl von Koseritz e de Friedrich Haensel, o
primeiro representante dos interesses teutos, que fazia parte da lista de adversários dos
novos donos do poder, e o segundo que foi assassinado por um castilhista.
183
Um outro fato de destaque presente numa entrevista foi relatado por
dona Emília sobre um enfrentamento ocorrido entre seu pai e as tropas do coronel
Victor Dumoncel Filho. Segundo a entrevistada:
Um dia chegaram as tropas do coronel, provavelmente na
Revolução de 1923, e o meu pai Cristóvão enfrentou as tropas,
ele não podia ir se esconder no mato, porque a minha mãe
estava grávida de oito meses, já quase ganhando o meu irmão
mais velho. Enfrentou alguns homens armados montados em
seus cavalos, ficando em frente da casa, no pátio, segurando o
rosário e rezando, estando atrás dele a minha mãe correndo
risco de vida com aquele barrigão. Foi um momento de tensão
onde discutiram e, por fim os homens acabaram desistindo de
levá-lo por causa da minha mãe. Ele enfrentou e por força de
Deus conseguiu escapar. Ele erguia o rosário na cara deles e
dizia: “Não me levem não posso abandonar minha mulher”.
184
O depoimento da senhora Emília demonstra que a resistência diante
das tropas do coronel fez-se com o enfrentamento pessoal por Cristóvão Hurbano
Hermann, que utilizou um elemento comum para os colonos e que simbolizava a união:
o rosário, sinal de fé.
Os dois depoimentos transcritos permitem-nos compreender a
resistência dos colonos em participar dos grupos de milícias formados pelo coronel
Victor Dumoncel Filho. Fica claro nas falas que ambos os grupos representados,
respectivamente, por Evaristo Affonso de Castro e Victor Dumoncel Filho - utilizavam
todos os meios para conquistar adeptos em prol das idéias que defendiam.
183
Op. cit., p. 41.
184
RESLER, Emília Hermann. Entrevista citada.
3.2. Evaristo Affonso de Castro: o “divisor de águas” e sua breve
presença na colônia
Após ter realizado um apanhado geral da vida particular e da atuação
política de Evaristo Affonso de Castro, temos clareza de que as idéias estavam ligadas
ao Partido Federalista (expostas no primeiro capítulo) e que possuía objetivos político-
partidários ao comprar terras e transformá-las em uma colônia.
Apesar de o colonizador ter permanecido na comunidade apenas
durante dez anos, deduzimos que, para que a colônia tomasse um caráter diferenciado
das demais na região, Evaristo teria tido uma posição política definida como contrária à
do coronel Victor Dumoncel Filho, servindo como um “divisor de águas” entre os
colonos imigrantes e as facetas do coronelismo borgista.
Ao verificarmos o próprio nome da colônia, defrontamo-nos com uma
contradição, visto que este foi atribuído por Evaristo Affonso de Castro. Mas qual seria a
justificativa para homenagear um líder republicano de Pernambuco?
A explicação estaria associada às ligações de Evaristo Affonso de
Castro com a maçonaria, da qual Joaquim Saldanha Marinho fora um líder de destaque
em nível nacional, sobretudo nos anos precedentes à proclamação da República.
Inclusive o primeiro manifesto republicano, com forte inspiração maçônica, de 3 de
dezembro de 1870, foi redigido por Joaquim Saldanha Marinho e Quintino Bocaiúva,
entre outros
185
.
Evaristo Affonso de Castro, além de sua atuação política, foi um
maçônico de destaque na região do Planalto. Nesse aspecto, seu neto, Omar Castro de
Castro, elaborou um memorando interno que circulou por algumas lojas maçônicas do
Rio Grande do Sul, ´pelo qual procurou resgatar a trajetória de vida de Evaristo Affonso
de Castro. Portanto, Evaristo Affonso de Castro e Joaquim Saldanha Marinho tinham em
comum serem maçons de destaque, sendo essa a principal justificativa para a colônia
Saldanha Marinho ter recebido o nome de um senador pernambucano e republicano.
185
“A luta pela República durou mais de cem anos.” Disponível em:
http://arls.pedranegra.vilabol.uol.com.br/repbras.htm Acesso em 25 jul. 2002.. p. 2
Justificamos, portanto, o destaque dado à discussão sobre a
nomenclatura da colônia, porque, ao mapear os nomes atribuídos aos municípios que
circundam a colônia Saldanha Marinho, e que também surgiram durante a República
Velha, percebemos que são designações neutras, sem cunho político, como Rincão da
Lagoa, São Bento, Boa Esperança, Tapera, etc., fato que não ocorre com a colônia
Saldanha Marinho. Da mesma forma, as primeiras ruas traçadas no mapa topográfico da
colônia já possuíam designação, e todas com nomes de líderes federalistas, já citados
neste trabalho, fato que reforça o envolvimento do colonizador com os ideais
federalistas, bem como a intenção que possuía em relação à colônia.
Omar Castro de Castro cita uma passagem no memorando maçônico
que evidencia a relação entre Evaristo Affonso de Castro e Gumercindo Saraiva:
A nova invasão do Rio Grande pelas forças federalistas agora
sob o comando militar de Gumercindo Saraiva encontrou nos
combates realizados na Batalha do serro do Ouro em São
Gabriel, em Inhanduhy e outros, sempre a presença de Evaristo
Affonso de Castro, agora guindado ao posto de Coronel.
186
Numa outra passagem do mesmo texto, encontramos demonstrações do
envolvimento de Evaristo com Saldanha da Gama : “Saldanha da Gama e Evaristo
Affonso de Castro se irmanaram na mesma causa e na mesma luta, por que eram
formados do mesmo caráter e identificados pelos mesmos ideais , sempre prontos a
fornecerem a sua vida em prol da Pátria e da Liberdade.”
187
A relação de Evaristo com os líderes do movimento federalista no Rio
Grande do Sul durante a República Velha ficou registrada na colônia Saldanha Marinho
através da nomenclatura das ruas, que, mesmo depois da morte do colonizador em
1910, não foi mudada. Assim, é compreensível o cerco que “os homens do coronel”
Victor Dumoncel Filho teriam realizado aos ocupantes desta colônia, que se formara sob
a influência de um ativo federalista. Esse aspecto enriquece a discussão sobre as
dificuldades que tiveram os colonos para conquistar um espaço onde já havia uma forte
força de controle, que era a de um coronel borgista.
186
Memorando realizado por Omar Castro de Castro no Grande Oriente de Porto Alegre. Op. cit., p. 31
187
Idem, p. 30.
Nas entrevistas com Emília Hermann Resler e Bruno Resler foi
relatado o caso de um agricultor que morava próximo ao lote de terra que Cristóvão
Hurbano Hermann adquirira. Segundo dona Emília:
Meus pais receberam o apoio de um senhor que não possuía
família na região e nenhum conhecido, vivia ali sozinho em
uma pequena casa, era um "solteirão”, já tinha uns 40 anos e se
chamava Otto Kliemann. Os laços de amizade se estabeleceram
[...], ele emprestava as ferramentas para o pai “abrir” o mato, as
primeiras sementes, etc. Um dia ele não apareceu mais, da
chaminé do fogão não saía mais fumaça. Então foram lá olhar,
ele já estava morto e o seu corpo em decomposição. Até hoje
não sei qual foi a causa da morte.
188
A princípio, a morte desse agricultor não teria chamado a atenção,
aparentando ser um fato comum. Porém, quando dona Emília relatou o acontecimento,
percebemos que seu comportamento mudou, demonstrando atitudes de insegurança e
medo. Deduzimos que ela, talvez, saiba muito mais sobre a morte de Otto Kliemann,
porém não o expressou. Na memória de dona Emília estão ainda presentes
acontecimentos que envolveram a morte do agricultor, mas um imaginário de medo e
pavor parece ter tomado espaço dela, razão pela qual ela mudou de assunto.
A grande preocupação de dona Emília em falar da morte de Otto
Kliemann explica-se com o que escreveu Omar Castro de Castro a respeito do fato. Em
uma homenagem que fez a seu tio-avô, Evaristo Affonso de Castro, Omar relata as
obras literárias escritas por este citando entre essas A História de um crime emocionante,
não localizada por nós, que relata justamente um crime acontecido na colônia Saldanha
Marinho, do qual fora vítima um colono de nome Otto Kliemann. Segundo Omar Castro
de Castro, “é inexplicável que o morto, após seis dias do crime ao ser colocado na frente
dos assassinos, seu sangue roncou e saiu pelos furos do tiro e da degola, fazendo com
que esses criminosos acabassem confessando”.
189
Como esclarecimento do assassinato, realizado por degola e arma de
fogo, mesmo sem identificação do responsável, é possível deduzir sobre quem seriam os
mandantes: em primeiro lugar, precisa-se considerar que a degola foi prática utilizada
188
RESLER, Emília Hermann. Entrevista citada.
189
Homenagem do Grande Oriente de Porto Alegre ao líder maçônico Evaristo Affonso de Castro,
realizada por Omar Castro de Castro.
na Revolução Federalista e na revolução de 1923 para a eliminação dos federalistas; em
segundo, que Otto Kliemann era o morador mais próximo dos colonos e que os ajudava
nos primeiros tempos de formação colonial. Então, deve ter-lhes passado informações
sobre as disputas políticas regionais, bem como sobre a influência que o coronel exercia
sobre as pessoas; ou talvez, tivesse contribuído para que eles se articulassem e se
fortificassem como grupo nas práticas associativistas. Ainda uma terceira hipótese que
pode ser conjecturada é a constatação do interesse de Evaristo Affonso de Castro no
caso, que mereceu, inclusive, um livro, ou seja, ele tinha interesse em registrar o fato e
em levá-lo ao conhecimento de um número maior de pessoas.
Com essas deduções, justifica-se a atitude da senhora Emília Hermann
Resler ao falar sobre o assunto, pois, ao fazê-lo, resgatava todo o imaginário de medo
que ainda persiste entre os descendentes de colonos imigrantes, reforçando um mundo
de representações baseadas no medo e no pavor “dos homens do coronel”.
Por meio da memória, da fonte oral, portanto, evidencia-se a existência
de um poder paralelo ao poder institucional no Planalto do Rio Grande do Sul durante a
República Velha: o coronelismo.
3.3. “Os homens estão chegando”: a presença do coronel Victor
Dumoncel Filho na colônia Saldanha Marinho
Quantas vezes os primeiros moradores da colônia Saldanha Marinho
escutaram esta frase? Seus descendentes não se cansam de repeti-la de tanto que a
ouviram. Também só eles têm a dimensão do que ela significava. Hoje, o que nos dizem
são suas representações, que, aliás, bastam para nos assustar repentinamente.
Entender o título que encabeça este tópico de estudo significa fazer a
leitura dos depoimentos prestados e descobrir que a presença federalista no pequeno
reduto que foi Saldanha Marinho não se fez por longo tempo, mas bastou para mostrar
que essas forças contrárias às do coronel foram realmente relevantes na sua área de
atuação.
Considerando que o domínio político do coronel Victor expandiu-se
para além dos limites municipais, observamos indicativos de sua presença também na
colônia Saldanha Marinho, mesmo que esta pertencesse ao município de Carazinho.
Entendemos que, com a presença de um novo grupo populacional na região os colonos
alemães - , a rede de controle e de influência política do coronel articulou-se para
anexar também esse grupo da maneira mais pacífica possível ao seu projeto. A
influência do coronel teria sido mais acentuada após a morte de Evaristo Affonso de
Castro, como foi argumentado anteriormente.
Os meios utilizados para alcançar esse objetivo possibilitaram a
formação de uma rede de relações de poder e de representações na região colonial de
Saldanha Marinho, que se reforçou com a prática de alguns rituais, bem como pela
presença de alguns atores comuns a esse cenário no período: os capangas ou os “homens
do coronel”.
A estrutura das casas, das fazendas, o seu aspecto de mistério, seus
espaços sombrios, muitos cômodos e esconderijos para guardar armas, munição, facas,
capas; o conhecimento que os “capangas” possuíam dos campos do Planalto, dos matos,
que serviam para a prática de crimes no meio das madrugadas, todos esses aspectos
levaram a que a figura do coronel se perpetuasse no imaginário das classes menos
esclarecidas, ou seja, a maioria da população sentia medo e pavor apenas com a
evocação dessas simbologias.
Em um depoimento marcado pela emoção, Jerônima, ex-empregada do
coronel Victor, revelou-nos os aspectos citados ao contar: “Lá na casa da fazenda... ; eu
tinha medo de dormir sozinha, a gente não perguntava nada sobre eles, a gente só
obedecia e fazia aquilo que eles mandavam”.
190
Não bastasse a expressão de medo
manifestada durante a fala, não podemos deixar de mencionar a forma como a
entrevistada se comportava durante a nossa conversa: falava num tom de voz muito
baixo, mal entreabria os lábios; para responder às perguntas, constantemente, olhava em
volta para ver se não havia alguém escutando-a, baixava a cabeça para falar e repetia
com freqüência: “Eu não deveria falar estas coisas, não deveria, isto ainda vai me
prejudicar”. Sobretudo, relembramos a sua veemente insistência para que nunca a
identificássemos, razão pela qual estamos nos valendo do pseudônimo “Jerônima”.
Essas atitudes da entrevistada parecem se justificar porque as
revelações feitas por ela foram deveras expressivas. No cenário da República Velha,
190
JERÔNIMA. Entrevista citada.
tumultuado e cercado pelas ameaças dos federalistas, o coronel Victor Dumoncel
arregimentava contingentes de homens para formar suas tropas para qualquer momento
em que houvesse necessidade. Em resposta a uma pergunta relacionada a esse tema,
Jerônima relatou-nos:
Ah, quando era necessário juntar pessoas para participar
daquelas batalhas, saíam os capangas percorrendo os campos e
matos atrás de caboclos para compor as tropas. E aí, quem
estava morando na região aqui tinha que ir querendo ou não.
Todos tinham que ir, deixar suas casas, mulher, filhos, terras.
Sei de muitos que não queriam ir e depois simplesmente
sumiam, também eles tiravam as terras e não queriam nem
saber. O coronel Victor era um homem muito enérgico, com ele
ninguém perdia o respeito, ninguém desobedecia, senão[...]
191
Os aspectos levantados pela entrevistada vêm reafirmar a idéia que
defendemos, de que de formou uma estrutura de poder na região do Planalto Médio do
Rio Grande do Sul durante a República Velha. Loiva Otero Félix, em estudo feito sobre
poder local versus poder estadual, tomando Foucault como embasamento teórico, diz:
A conceituação de poder proposta por Foucault, qual seja de
que o mesmo só pode ser entendido enquanto ‘relação entre
indivíduos (ou entre grupos) porque na medida em que falamos
de estruturas ou de mecanismos de poder estamos supondo o
fato de que certas pessoas exercem poder sobre outras.
Portanto, o termo poder designa relações entre pares.
192
As relações de poder que se desenvolveram entre os moradores da
região de influência do coronel Victor foram de subordinação ao seu comando, para
atender às suas aspirações militares e políticas. Concorda-se que o termo “poder”
designa relações entre pares, porém, em se tratando de relações coronelistas, esse diz
respeito a um grupo que pouco estava interessado no que acorria no cenário estadual,
191
JERÔNIMA. Entrevista citada.
192
FÉLIX, Loiva Otero; CLÉBER, Haike, R.; SCHMIDT, Benito B. Relações de poder local versus
poder estadual nas áreas de colonização alemã e italiana no RS na Primeira república. Relatório Final
de Pesquisa/CNPq. Porto Alegre . p. 24.
versus o grupo leal ao governo do estado, que precisava manter a estrutura política e
econômica vigente, em acordo com o contexto dos anos iniciais na República.
Nossa entrevistada Jerônima contou-nos que as pessoas nem
precisavam ser inimigas do coronel para serem perseguidas e mortas; bastava que o
contrariassem em qualquer de suas decisões: “O que ele dizia era lei, tinha que ser
cumprido” . O fato encaixa-se nas práticas que caracterizam o coronelismo, de modo
geral. Segundo Cláudio P. Elmir: “É a percepção dos agentes que dá forma ao ‘caráter’
do coronel e não a sua função no quadro administrativo de um governo. O
reconhecimento que consagra o poder simbólico reside na pessoa do Cel. Victor
Dumoncel Filho, genro do Cel Firmino Paula, filho do Cel. Victor Dumoncel, o Temido
e amado morador do sobrado, “Tutucha para os íntimos.”
193
Era comum que o coronel nomeasse pessoas de sua confiança para
“vigiar” os presos, que eram amarrados a árvores nos matagais das redondezas. Uma
dessas foi Santo Gazola, que sabia onde essas pessoas se localizavam no mato e levava-
lhes comida e água para se manterem por algum tempo, pois, se mudassem de idéia e
resolvessem colaborar com o coronel nos seus “afazeres” políticos, estariam em
condições de lutar, ou de vigiar acampamentos de inimigos; em caso contrário, muitas
vezes desapareciam misteriosamente.
Moradores das redondezas de matos distantes encontravam com
freqüência pessoas estranhas em suas imediações, fazendo fogo, fumando ou que lhes
pediam socorro, fato que também os amedrontava, pois, de certa maneira, sabiam do
que se tratava: eram prisioneiros do coronel, candidatos ao “sumiço”. A respeito,
Jerônima conta um episódio ocorrido quando ela morava às margens de um pequeno rio
no interior, onde ela e suas irmãs lavavam roupas. Certo dia, elas sentiram cheiro de
cigarro. Então,
nós falamos pro pai que tinha um cheiro de cigarro muito forte
lá perto, ele observou e também sentiu. Então não podemos
mais ir até lá, porque nós tínhamos muito méd. Nós mulheres
ficamos trancadas dentro de casa durante vários dias, com
muito medo que alguém com má intenção pudesse nos atacar,
vai saber quem era.
194
193
ELMIR, Cláudio P. Olhares sobre si e o outro: as várias faces do coronelismo. Op. cit., p. 31.
194
JERÔNIMA.Entrevista citada.
A imagem que os moradores da região de influência do coronel fazem
de si mesmos é de subordinação, concretizando-se num espaço ético-cultural plural
(caboclos e imigrantes), numa realidade de medo e de pouca contestação. O registro de
alguns fatos, especialmente os brutais assassinatos não ou pouco esclarecidos, leva-nos a
deduzir sobre representações de medo e pavor que extrapolam os limites de resistência
dos moradores a tais práticas, que, na época, eram comuns.
Seguidamente, segundo Jerônima, apareciam crianças, às vezes bebês,
na fazenda ou na casa do coronel Victor, que eram trazidas por seus capangas,
provavelmente filhos de homens e mulheres que haviam sido eliminados por eles.
Ilustrando essa realidade, Jerônima relatou o caso de um certo João Maria, que fora
trazido para a fazenda com apenas três anos de idade :
Pegaram o menino, porque eles não eram tão ruins assim de
deixar uma criança desamparada, a gente sabe que os pais eles
.... O João Maria cresceu ali na fazenda das Picaças,
participando de tudo o que acontecia. Aos poucos passou a ser
o braço direito do coronel, a fazer aquilo que fizeram com os
seus pais. Acho que ele não sabia de nada e se sabia fazer o
quê? Tinha que ficar bem quieto e obedecer, senão [....]”.
195
A formação das "leais tropas" que compunham os vários esquadrões
que “tão bem lutavam em prol da defesa do RS”,
196
segundo o que o próprio coronel
registrou num relatório do 18º Corpo Auxiliar da Brigada Militar, resultava de uma
verdadeira "caçada" a homens em meio às matas e nos campos do Planalto, inclusive da
colônia Saldanha Marinho. Por isso, os grupos que compunham suas tropas não eram
“de voluntários”
197
, mas de pessoas que ficavam "entre a faca e a espada", ou seja,
tinham de escolher entre ir para as batalhas e morrer nelas, ou negar-se a isso e perder as
terras, a mulher, os filhos e até a própria vida.
195
JERÔNIMA. Entrevista citada.
196
Relatório do 18º Corpo Auxiliar da Brigada Militar, documento já citado.
197
Expressão veemente usada neste relatório para demonstrar a maneira da formação das tropas
(geralmente forma-se da noite para o dia grupos de 150, 500 homens.)
A título de síntese, em relação ao domínio exercido pelo coronel
Victor no espaço em que atuava, destacamos dois aspectos, de certa forma paradoxais.
O primeiro diz respeito ao tratamento dado pelo coronel Victor àqueles
que rivalizaram com ele politicamente ou que desafiavam a sua autoridade. Para esses, a
morte era uma ameaça constante, o que ele fazia questão de divulgar. Assim é que as
pessoas ficavam sabendo "que fulano de tal tinha sumido,”
198
o que levava a que
ninguém ousasse manifestar-se contra sua autoridade. Jerônima conta: “Nossos pais
contavam histórias de pessoas que desobedeciam às ordens dele e que nunca mais
apareciam. Depois, nas rodas de conversas entre os empregados dele, contavam em
cochichos como alguns tinham morrido. O mais comum era matar as pessoas próximo
aos rios e depois jogar o corpo nas suas águas, ou senão cavar um buraco no meio do
mato e enterrar o corpo ali.
199
”.
O segundo aspecto observado é o tratamento dado pelo coronel Victor
aos componentes de suas tropas ou aos moradores da sua área de controle. Sobre isso é
ilustrativa a primeira frase de nossa entrevistada Jerônima: “O coronel era um homem
muito bom, ele era certo, se a gente o ajudava ele também ajudava em tudo o que a gente
precisasse”. Cláudio P. Elmir esclarece-nos que “o subordinado contrapõe a sua
deficiência à qualidade superlativa que distingue seu destinatário e que autoriza a este
último agir sem o questionamento do primeiro”.
200
Um simples favorecimento feito pelo coronel, o que muitas vezes não
lhe exigia grande esforço, dava-lhe o "direito" de controle permanente dos que haviam
ficado em dívida com ele. Um exemplo foi o caso de Maria, que trabalhou durante anos
na residência da família, vivendo com uma filha pequena num quarto no porão, em
péssimas condições. No momento em que ela questionou a forma como a família tratava
os empregados, teve de sair da casa.
Assim, muito mais do que laços de lealdade entre o coronel e aqueles
que estavam no seu espaço de dominação, desenvolveram-se relações de extrema
subordinação, de modo que a troca de favores entre as partes beneficiava a ambos;
198
Depoimento prestado à autora por Jerônima em 12 out. 2002 em Santa Bárbara do Sul.
199
Depoimento prestado à autora por Jerônima em 12 out. 2002 em Santa Bárbara do Sul.
200
ELMIR, Cláudio Pereira. Olhares sobre si e o outro: as várias faces do coronelismo. Op. cit, p. 34.
porém, o coronel não pedia, ordenava. “O fazer-se passivo pode ser entendido como uma
estratégia no sentido de garantir o poder desejado.”
201
Comparando as entrevistas de Emília Hermann Resler e Jerônima, a
primeira uma descendente de imigrantes e a segunda uma descendente dos primeiros
moradores da região, que ocuparam, respectivamente, espaços diferentes, com objetivos
específicos de cada grupo, verificamos aspectos como:
a) o medo de ambas de falar no “coronel Victor Dumoncel
Filho”, revelado nas atitudes de baixar o tom de voz, de olhar constantemente em
volta, demonstrando temor de serem ouvidas, de desconversar. Esses gestos nos
levam a concluir que temos um imaginário coletivo com os mesmos elementos
em ambos os grupos e que a colônia Saldanha Marinho não conheceu prática
diferente de outras regiões em relação à influência do coronel;
b) a resistência de Cristóvão Hurbano Hermann ao enfrentar,
com o rosário, os homens do coronel, evidenciando que a subordinação dos
imigrantes foi menor se comparada à dos grupos que já moravam na região, até
porque, economicamente, aqueles não dependiam do coronel.
Sobre a formação de imaginários coletivos diz Tedesco: “O grupo
social reconstrói as lembranças, tornando-as fenômenos sociais. [...] A relatividade da
memória será condizente com os quadros sociais e temporais que o indivíduo viverá em
sociedade, [...] que estão presentes em todas as fases da vida, algumas mais intensas
(família, religião; para muitos as classes), outras menos marcantes”
202
.
Valendo-nos das idéias do autor, podemos dizer que, mesmo estando
as entrevistadas inseridas em espaços e tempos diferentes, mantêm um imaginário
semelhante, o que comprova a amplitude da influência do poder do coronel sobre a
população que lhe era subordinada. O conjunto de relações de poder que ocorreu neste
espaço específico, onde, em alguns momentos, percebemos um choque de interesses
de um lado, do coronel e, do outro, dos imigrantes -, foi teorizado para outras realidades
espaço-temporais por Foucault e apropriado por Loiva Otero Félix quando esta trata das
relações de poder local nas áreas de colonização do Rio Grande do Sul:
201
ELMIR, Cláudio Pereira. Op. cit., p. 34
202
TEDESCO, Joao Carlos. (Org.) Usos de memória. Op. cit., 2002. p. 47.
O que Foucault propõe é colocar-se como objeto de análise
relações de poder e não um poder; relações estas que podem
apreender-se na diversidade de seu encadeamento. Sobre a
especificidade das relações de poder considera que o exercício
deste não é simplesmente uma relação entre ‘iguais’,
individuais ou coletivos mas trata-se de um modo de ação de
alguns sobre outros.
203
Assim, com base no que elencamos ao longo do estudo e utilizando a
contribuição da memória, das representações, dos não-ditos, verificamos que as
tentativas feitas pelos colonos imigrantes para montar uma estrutura de poder que lhes
assegurasse uma vida não submissa ao poder coronelista foram em vão. Realmente, a
colônia Saldanha Marinho, apesar de ter sido um espaço peculiar no que se refere a sua
formação, uma vez que teve, inicialmente, forte presença de um líder federalista
Evaristo Affonso de Castro -, não conseguiu se manter alheia às relações coronelista-
borgistas da República Velha.
Assim, quando caracterizamos coronéis e imigrantes em Saldanha
Marinho, identificamos elementos distintos convivendo em um mesmo espaço, mesmo
que não de maneira pacífica. Porém, não foi por disputas de poder dentro do espaço que
um dos dois grupos, mas, sim, o coronelismo deixou de existir nos moldes da República
Velha, por conta de mudanças estruturais na política estadual e nacional. Retomando a
questão inicial, foram duas as forças que ocuparam a colônia Saldanha Marinho? Não, o
poder do coronel conseguiu reprimir as tentativas de resistência dos colonos, do que é
prova a inexistência de relatos sobre a superioridade social, política ou militar dos
colonos na época da presença das relações coronelistas.
3.4. Os causos que nos contam. O coronel e o imaginário: construindo
representações
203
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., 1992. p. 25.
A historiografia, nas últimas décadas, volta-se para o estudo e a
compreensão de objetos ignorados pelas tendências estruturalistas até então dominantes
e abre novas possibilidades do conhecimento dentro das ciências sociais e humanas.
Nesse sentido, os estudos envolvendo o resgate de memórias tornam-se fundamentais,
pois, com base neles, é possível compreender os elementos do cotidiano, as percepções
de mundo e as representações mentais construídas sobre o espaço a ser referido.
A década de 1990 no Brasil foi marcada pelo aumento da utilização da
história oral como técnica e como metodologia acadêmica, acompanhando um
crescente processo de revalorização da memória.
204
Segundo Lucilia de Almeida Neves:
A memória pode ser identificada como um processo de
construção e reconstrução de lembranças nas condições do
tempo presente. Tal processo descortina uma vastidão de
possibilidades, que contribuem para que o ato de relembrar seja
caracterizado como espaço mental de representações. Dessa
forma, incluem-se nas potencialidades da memória o reascender
de utopias de um tempo anterior, a reconstrução da atmosfera
de um outro tempo no tempo presente, o relembrar de
convivências mútuas realizadas na dinâmica das histórias
individuais e coletivas, o reascender de emoções passadas e a
reafirmação de identidades construídas na dinâmica do viver.
205
Estudar as relações estabelecidas entre o coronel Victor Dumoncel
Filho e os colonos imigrantes na colônia Saldanha Marinho significa deter-se
atentamente no processo de construção e de reconstrução de lembranças. Rememorar os
fatos que trazem lembranças de medo, de ameaças, de degolas, de mortes, que circulam
associadas ao nome do coronel Victor, é um grande desafio para os descendentes da
colônia . Talvez isso jamais seja superado na memória e no imaginário daqueles que
escutaram as histórias ou que/vivenciaram situações de abuso de autoridade pelo
coronel.
O contexto das relações coronelistas, já identificado atualmente pela
historiografia, não é suficiente para elucidar um mundo de múltiplas representações
204
FÉLIX. Loiva Otero. Polítca, memória e esquecimento. Op. cit., p. 17.
205
NEVES, Lucilia de Almeida. A voz dos militantes: o ideal de solidariedade como fundamento da
identidade comunista. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 4, n. 1, 1998, p. 53
enraizadas entre os descendentes de colonos imigrantes de Saldanha Marinho. É certo
que eles, em sua maioria fugidos de um espaço de disputas políticas que envolveram a
Unificação Alemã, pouco conseguiam entender do espaço de lutas e conflitos que
caracterizava o Rio Grande do Sul, especialmente o Planalto Médio.
Rosane Aparecida Rubert, em seu mestrado em Antropologia, realizou
um estudo etnográfico de memórias com velhos moradores da região do Médio Alto
Uruguai no estado e ouviu relatos sobre a Revolução Federalista e de 1923
206
. Em um
dos depoimentos transcritos e que tem como título "Tempo de revoltas e processo
civilizador: a invasão dos bandos guerreiros, a morte enterrada x a morte cortante", fica
clara a importância do resgate de memórias, que justificam as representações hoje
percebidas sobre “estes tempos de revoltas”. Em um dos depoimentos coletados pela
autora lemos:
Eles chegaram, daí eles chegaram e nóis só tinha fogãozinho
anssim de corrente, pra ata a chalera com água. Aí chegaram
aqueles hôme assim, com aquelas daga. [...] eu digo: meu pai
foi pra venda. Mas mentira, meu pai tava num ovo de pedra na
sanga, escondido pra eles não matarem ele, né. [...] E aquela fila
tudo, com aquelas daga. Tudo aquelas coisa que eles iam finca
na gente; tudo de ouro, parece que era de ouro.
207
Mesmo que o depoimento diga respeito a uma outra região, os dados
nele contidos assemelharam-se aos obtidos neste estudo, sobre a colônia Saldanha
Marinho, evidenciando que a realidade em ambos era semelhante, pois os homens da
colônia fugiam e se escondiam no mato por longos períodos para escapar “dos homens
do coronel”. Estes, certamente, não tinham a pretensão de matar os imigrantes, mas, sim,
de utilizá-los como soldados para as tropas, o que não deixava de causar pânico entre os
colonos.
206
RUBERT, Rosane Aparecida. Construindo tempos, recompondo tradições: um estudo etnográfico de
memórias junto a velhos moradores de um contexto rural região do Médio Alto Uruguai (RS).
Dissertação (Mestrado em Antropologia)-UFRGS: Porto Alegre: 2000. p. 143.
207
RUBERT, Rosane Aparecida. Construindo tempos, recompondo tradições: um estudo etnográfico de
memórias junto a velhos moradores de um contexto rural região do Médio Alto Uruguai (RS). Op. cit.,
p. 143, depoimento prestado por Marília.
Com base num depoimento como o transcrito pela autora, justifica-se a
reação que tiveram a senhora Emília Hermann Resler e o senhor Bruno Resler quando
lhes foi perguntado sobre o coronel Victor Dumoncel Filho, bem como sobre a morte de
Otto Kliemann: em ambos os casos, busca-se esquecer as lembranças guardadas pela
memória. Sabemos que o campo do esquecimento é múltiplo e, quando realizamos as
entrevistas, detectamos indícios de que algumas coisas não devem ser lembradas. Loiva
Otero Félix contrapõe a categoria “esquecimento” à memória como representação: “O
sujeito, ao evocar/lembrar, não conta o que aconteceu, mas a sua reelaboração, a
representação do real na qual as vivências do presente interferem, em diferentes escalas,
no processo de reconstituição.”
208
A autora conceitua esquecimento como a “morte da
memória, como opção social e política de não-lembrar”.
209
No momento em que dona Emília Hermann Resler evocou talvez os
mais tensos vividos por ela demonstrou que a presença atual da família Dumoncel em
Santa Bárbara do Sul ainda significa medo. Por isso, baixava o tom voz e olhava
constantemente para os lados, com medo de que alguém pudesse ouvir o que ela estava
falando, vindo a prejudicar sua família, tanto que logo em seguida encerrou o assunto.
Mas é preciso lembrar Loiva Otero Félix quando diz:
Estudar memória é falar não apenas de vida e de perpetuação da
vida através da história; é falar, também, de seu reverso, do
esquecimento, dos silêncios, dos não-ditos e, ainda, de uma
forma intermediária, que é a permanência de “memórias
subterrâneas” entre o esquecimento e a memória social. E, no
campo das memórias subterrâneas, é falar também nas
memórias dos excluídos, daqueles que a fronteira do poder
lançou à marginalidade da história, a um outro tipo de
esquecimento ao lhes retirar o espaço oficial ou regular da
manifestação do direito à fala e ao reconhecimento da presença
social.
210
O fato de vários grupos sociais terem sido marginalizados pela não-
permissão da fala contribui para a formação, além das memórias subterrâneas, de um
imaginário que perpassa as gerações desses grupos, levando à perpetuação das múltiplas
208
FÉLIX, Loiva Otero. Política, memória e esquecimento. Op. cit., p. 24.
209
Op. cit., p. 24.
210
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 31.
representações ao longo dos tempos. Esse imaginário é carregado de símbolos e rituais,
como por exemplo, o medo e o respeito que as pessoas demonstram hoje em Santa
Bárbara do Sul ao passarem pelo antigo casarão onde viveu o coronel, demonstrando que
os não-ditos contribuem para a criação desses imaginários.
É comum escutar na região frases como esta: “O coronel ficava na
frente da casa, todos que passavam por ele cumprimentavam, mesmo aqueles que não
lhe conheciam, mas eram poucos os que não conheciam aquele homem”. Ou, ainda,
frases que demonstram a substituição do imaginário de medo por uma grande
curiosidade: “Eu queria entrar no casarão e ver o que tem lá dentro, se são armas, capas
pretas, espingardas ou facas”. "Aquela casa deve estar cheia de almas penadas”.
211
Cláudio P. Elmir descreveu as várias faces do coronelismo tomando
por base cartas enviadas e recebidas pelo coronel Victor Dumoncel Filho, nas quais
analisou aspectos do imaginário coletivo e particular daqueles que eram subordinados a
esse personagem. Segundo ele,
é também a percepção que o dependente do coronel faz de si
próprio um elemento que contribui para a constituição da sua
sujeição, ao menos no nível do discurso. [...] Isto significa
afirmar que o fato de o coronel pertencer a uma elite estancieira
concorre fortemente para que o dependente se perceba enquanto
a negação de seu protetor, despossuído das virtudes que
distinguem o coronel.
212
A sujeição referenciada na argumentação do autor, em relação aos
colonos de Saldanha Marinho, ocorreu através da resistência, pelo menos nos anos
iniciais do século XX, ou enquanto Evaristo Affonso de Castro esteve vivo e era uma
figura de forte influência entre os colonos. Ainda segundo Cláudio P. Elmir: “Assim, a
ordem social não se legitima apenas pela imposição de quem a domina nos diferentes
níveis político, econômico, social mas também pela aquiescência do silêncio dos que
não a contestam.”
213
211
Frases que circulam em Santa Bárbara do Sul e em Saldanha Marinho, pronunciadas com naturalidade
e para qualquer pessoa interessada no assunto que envolve o coronel.
212
ELMIR, Cláudio P. Olhares sobre si e o outro: as várias faces do coronelismo. Op. cit., p. 28-29.
213
ELMIR, Cláudio P. Op. cit., p. 29.
Esse silêncio é perceptível entre os descendentes dos colonos. Hoje o
universo da não-contestação faz com que o silêncio, que se transforma em esquecimento,
continue nos imaginários e nas representações do real. Por esse motivo, estudar as
relações coronelistas e, sobretudo, seus reflexos em um grupo que, assim como este,
estava conquistando seu espaço e definindo um círculo de poder significa trabalhar
diretamente com relações que se desencadearam num campo de poder. Este campo do
poder, que é o das relações coronelistas, conquistou seu espaço formando um mundo de
representações, de imaginários, e um espaço simbólico com dimensões que perpassam
gerações.
No trabalho de Cláudio P. Elmir, esse processo de construções
simbólicas fica claro nas correspondências analisadas: “O coronel estabelece não só
relações objetivas de poder, mas também relações de poder simbólico; estas, muito mais
fundadas no nível pessoal e imaginário dos próprios dependentes, num visível
deslocamento de ênfase do plano público para o universo privado.”
214
Os depoimentos ouvidos revelam um conhecimento sobre o perfil e a
atuação do coronel Victor Dumoncel Filho, embora não no sentido de cargos públicos
exercidos, ou de amizade mantida com políticos influentes, como correligionário e
cooptado com Borges de Medeiros e, no pós-1930, por Flores da Cunha. A figura que as
pessoas conheceram foi de um homem poderoso que possuía um bando de capangas, os
quais circulavam noite e dia pelas casas dos colonos; de um homem que matava sem dó
nem piedade qualquer um que contrariasse os seus projetos, que muitas vezes os colonos
não sabiam quais eram. Realmente, como os depoimentos apontam, “aqueles foram
tempos muito difíceis”
215
.
Em uma das entrevistas que fizemos, fica clara a ação intimidatória do
coronel quando Jerônima afirma que “simplesmente as pessoas sumiam e ninguém sabia
como, o que era feito com a pessoa. Não precisava nem ser inimigo de peso, bastava ser
uma pessoa um pouco diferente das outras ou fazer qualquer coisinha que fosse contra o
coronel, pronto esta estava condenada.”
216
Portanto, está sacramentada no imaginário
coletivo das gerações que estiveram em contato com as estruturas coronelistas a
utilização de rituais e práticas que acentuam a representação de medo. Dessa maneira, os
214
ELMIR, Cláudio P. Olhares sobre si e o outro: as várias faces do coronelismo. Op. cit, p. 29.
215
RESLER, Bruno. Entrevista citada.
216
Idem.
“causos que nos contam” são os responsáveis pela formação e permanência dos
imaginários que visualizamos atualmente na região do Planalto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer dos capítulos, argumentamos sobre as hipóteses
levantadas na parte introdutória e também no decorrer do desenvolvimento do estudo.
Cabe, agora, sintetizar as reflexões feitas. De um modo geral, verificamos a relação
existente entre os elementos coronelismo, companhia colonizadora e imigrantes na
colônia Saldanha Marinho, localizada no Planalto Médio gaúcho durante a República
Velha.
A partir da análise concluímos que a ocupação dessa colônia
apresentou um diferencial em relação a outras formadas no Planalto do Rio Grande do
Sul. Colônia composta pela segunda leva de imigração, presenciou a relação entre três
ingredientes, que lhe imprimiram um caráter específico. Suas particularidades
caracterizam os anos iniciais de sua formação com a presença de Evaristo Affonso de
Castro, a influência do coronel Victor Dumoncel Filho e a luta pelo poder na região e a
conquista do espaço feita pelos colonos. Mesmo que o coronel Victor Dumoncel Filho e
Evaristo Affonso de Castro não tenham sido contemporâneos, suas forças existiram.
Em relação ao período inicial da colônia, que se refere à presença da
empresa colonizadora Castro, Silva e Cia e de seus fundadores, Francisco Claro da Silva
e Evaristo Affonso de Castro, verifica-se que houve um processo burocrático de
formação de uma colônia particular, prática comum no início do século XX no Rio
Grande do Sul. Foram os trâmites legais que dizem respeito às providências de
divulgação dos lotes para a venda, a compra, a construção de madeireiras e exploração
das matas de pinhais, a instalação dos colonos, fornecendo-lhes ferramentas, sementes,
abrindo as primeiras picadas (estradas, vias de acesso), etc..
Foram, além disso, dez anos da presença de um líder federalista na
colônia, Evaristo Affonso de Castro, que a transformou em um espaço propício para a
expressão dos ideais que defendia, razão pela qual o atual município tem como
designação de ruas e avenidas nomes de alguns dos principais líderes federalistas do
estado. Dessa maneira, a colônia surgiu sob o beneplácito de Evaristo, aspecto que iria
dificultar a conquista do espaço pelos colonos imigrantes chegados a partir de 1899.
Não podemos esquecer que essa era uma região demarcada pelo
controle político dos coronéis borgistas, no caso, do coronel Victor Dumoncel Filho, de
Santa Bárbara do Sul, distrito de Cruz Alta, que fazia divisa com a colônia. Com isso,
temos a presença do coronelismo borgista num espaço de visível influência federalista.
Assim, a preocupação por parte desse coronel em se fazer presente na colônia era
visível, já que qualquer formação de grupo era percebida como uma ameaça à estrutura
coronelista que se consolidava naquele momento.
Entretanto, a (co)relação entre a companhia colonizadora e o coronel
não aconteceu. Apesar de ter se formado uma estrutura administrativa colonial que
demonstra o interesse de Evaristo em aglutinar um grupo oposicionista na colônia, a
prematura saída desta figura do cenário colonial (em 1910, quando de sua morte), e a
não-existência de seguidores de seus ideais levaram a que os colonos acabassem sob o
controle do coronel Victor Dumoncel Filho, fazendo parte das relações coronelistas da
República Velha.
Os imigrantes eram trabalhadores rurais que estavam preocupados em
construir um espaço de vida associativa para melhor superar as dificuldades na colônia,
pouco se preocupando com as questões políticas da região.
Dessa maneira, temos a presença do terceiro elemento, os colonos-
imigrantes que irão traçar alternativas para delimitar seu espaço. Dentre elas, os colonos
utilizaram, regularmente, como forma de resistência a fuga para o mato, lá
permanecendo durante meses, para não compor as tropas dos corpos da Brigada
Militar, ou, simplesmente, para não ter de juntar-se aos “homens do coronel”, pois, se
assim ocorresse, não sabiam quando voltariam para suas casas e para os seus. Nos anos
iniciais da colônia, essa resistência parece ter estado ligada a Evaristo Affonso de
Castro, porém após sua morte fica claro que era um meio de não fazer parte das tropas
de combate do coronel, porque os colonos estavam preocupados tão-só com seus
interesses particulares.
A colônia Saldanha Marinho formou-se em uma região de
fundamental importância para o governo estadual (Planalto Médio). Sem dúvida, foi um
contexto diferenciado, no qual se relacionaram elementos com múltiplos interesses: a)
dos federalistas, através de Evaristo Affonso de Castro, que estavam perdendo espaço
político na República; b) dos coronéis, grupo em ascensão, que lutava para legitimar-se
a si próprios no âmbito local e ao governo estadual no poder; c) e dos colonos
imigrantes, que aspiravam a um espaço para seu desenvolvimento econômico.
Por fim, o estudo sobre a colônia Saldanha Marinho revelou que
houve tentativas por parte dos federalistas de formação de espaços de resistência,
através de um processo normal e incentivado pelo governo estadual, que era o da
colonização. Porém, neste caso específico, ficou evidenciado que a força do
coronelismo borgista era realmente relevante na região, sobrepondo-se nesse espaço.
Os colonos conquistaram um espaço, porém subjugados às forças coronelistas, que
lutaram pelo poder incessantemente na região.
Assim, no processo de ocupação da colônia Saldanha Marinho, a
relação entre o coronelismo, a companhia colonizadora e os imigrantes deu origem à
formação de um imaginário complexo que manifesta medo, e também glórias: medo
oriundo da luta pelo poder desenvolvida pelo coronel; glórias, pela conquista de espaço
realizada pelos colonos.
FONTES DOCUMENTAIS
I - IMPRESSAS
1)APRGS
Testamento de Joaquim Roberto Martins e Anna Emília de Quadros. 12/02/1868. Autos
n.º 57, maço 2; estante: 117; ano: 1874; Município : Passo Fundo.
Atestado de Óbito de Evaristo Affonso de Castro, de 21 de setembro de 1910, em
anexo ao inventário do mesmo.
Inventário de Evaristo Affonso de Castro, município de Cruz Alta. Estante 62, Cartório
de Cruz Alta, n.º do processo 1.150, maço 34 , ano 1910.
Processo- Crime: Evaristo Affonso de Castro acusa Antonio Cardoso Nogueira.
Município de Cruz Alta. Estante 62, Tipo de Documento: executivas, cartório/Vara:
civil e crime, n.ªº do processo: 913-A, maço 28, ano 1888.
Escritura de Evaristo Affonso de Castro. Tipo de documento: Transmissões. Município:
Passo Fundo. Sala 5
A
, estante 15.
2)AHRGS/RS
Autos de Medições, n.º 629, de Anna Emília de Quadros e Firmino Pinto Martins;
Município de Passo Fundo; Área : 11.156.900m²; Sentença: 13/02/1875; Título:
05/01/1881; Lei: 1850.
3)AHR-UPF.
Mapa topográfico da Colônia Saldanha Marinho, cópia desenhada por Guilh Fricke , em
19 de julho de 1923 .
Ofício expedido da Secretaria de Obras Públicas. 1.º de outubro de 1903. por C. Silva
da Silveira.
4) MCSHJC-Porto Alegre
Jornais
A Federação, Porto Alegre, 21/02/1907.
A Federação, Porto Alegre, 20/02/1907.
Revistas
Aurora da Serra ano I, n. 7, dez. de 1897.
Aurora da Serra - ano I, n. 3 , ago. de 1907.
5) IHG/RS
Revista do Globo, n. 835 8 de dez. 1962. Série “ Revoluções gaúchas contadas por
seus combatentes” 1ª série “ O terrível homem de Santa Bárbara” p. 66.
CASTRO, Evaristo Affonso de. Notícia descritiva da região missioneira. Cruz Alta:
Tipografia do Comercial. 1887.
6) AVD/SBS
Relatório do dia 31 de maio de 1925 do 18º Corpo Auxiliar da Brigada Militar.
Certidão da Partilha dos bens de Victor Dumoncel, com data de 21 de março de 1888,
realizada pelo advogado João França, que encaminha o processo ao Juiz de Direito da
comarca de Cruz Alta.
Carta enviada ao coronel Victor Dumoncel Filho no dia 23 de abril de 1928, pela
comadre Pecucha.
Carta remetida de Boa Vista do Erechim, em 24 de agosto de 1931, por Manuel Pereira
de Almeida.
Carta remetida de General Osório, em 1.º de novembro de 1934, por Nerea.
Carta remetida da colônia Neu-Württemberg, por Pedro Luiz da Silva, em 26 de maio
de 1930.
Carta remetida de Porto Alegre por José Carlos, em 13 de abril de 1933.
7)AFC ERE e CA
Jornal a Voz da Serra, Erechim, RS, 2 de junho de 1999.
Certidão de casamento de Evaristo Affonso de Castro de Veridiana da Silva Prado.
Bispado de Santa Maria, livro VII, Igreja de Espírito Santo de Cruz Alta, folha 46, 19
janeiro de 1884.
CASTRO, Evaristo Affonso de. Gigante Missioneiro. 3. ed. Cruz Alta: Empreza Gráfica
Serrana. 1951.
Memorando realizado por Omar Castro de Castro, que consiste em uma homenagem
interna do Grande Oriente de Porto Alegre a Evaristo Affonso de Castro. Sem data.
II FONTES ORAIS
Entrevistas:
Em Santa Bárbara do Sul:
Ana Aurora Dumoncel Riguetto
João Osório Dumoncel
Lauro Prestes Filho
Em Saldanha Marinho:
Emília Hermann Resler
Bruno Resler
Em Erechim:
Jaci Castro Castilhos
Em Cruz Alta:
Eurydes Castro Júnior
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