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Os inventores do New Deal.
Estado e sindicato nos Estados Unidos dos anos 1930
Por Flávio Limoncic
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graudação em História Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do Grau de Doutor em História Social.
Orientador: Professor Doutor Francisco Carlos Teixeira da
Silva
Rio de Janeiro
Junho de 2003
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2
Os inventores do New Deal.
Estado e sindicato nos Estados Unidos dos anos 1930
Por Flávio Limoncic
Orientador: Professor Doutor Francisco Carlos Teixeira da Silva
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graudação em História Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do Grau de Doutor em História Social.
Aprovada por:
_______________________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva (Orientador)
______________________________________________
Prof. Dra. Ângela de Castro Gomes (UFF)
______________________________________________
Prof. Dra. Barbara Weinstein (Universidade de Maryland)
______________________________________________
Prof. Dr. Lincoln Penna (UFRJ)
_____________________________________________
Prof. Dra. Marieta de Moraes Ferreira (UFRJ)
Rio de Janeiro
Junho de 2003
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3
LIMONCIC, Flávio,1964-
Os inventores do New Deal. Estado e sindicato nos Estados Unidos dos anos 1930/
Flávio Limoncic. Rio de Janeiro: mimeo, 2003.
(Tese de Doutorado)
Inclui bibliografia
1. História 2. Movimento Operário 3. Estados Unidos 4. Brasil 5. New Deal
6. Era Vargas 7. Populismo 8. Corporativismo 9. Pluralismo
4
Resumo
O New Deal constitui o grande ausente do cenário internacional no qual a Era Vargas é
usualmente contextualizada. O presente trabalho tem por objetivo contribuir para a
superação de tal lacuna, evidenciando que nos anos 1930, nos quadros de crise da regulação
concorrencial do capitalismo, gestaram-se e consolidaram-se, tanto no Brasil quanto nos
Estados Unidos, novas idéias de Estado interventor e regulador do mercado de trabalho. A
rigor, desde o século XIX, o Estado americano realizou uma profunda intervenção sobre os
esforços associativos autônomos dos trabalhadores americanos, fosse com o objetivo de
desarticulá-los, mantendo a contratação individual do trabalho nos quadros da regulação
concorrencial, fosse com o objetivo de estimulá-los, incentivando a contratação coletiva do
trabalho já durante o New Deal - nos quadros da gestação da regulação fordista
keynesiana.
Com tal análise, busca-se evidenciar que o Estado americano teve peso fundamental na
configuração do movimento sindical americano, questionando portanto a visão que o
percebe como mero reagente dos inputs proporcionados por grupos de interesses privados e
autônomos. Conseqüentemente, questiona-se a validade explicativa do conceito de
corporativismo, conforme proposto pela ciência política, para se pensar as relações entre o
Estado brasileiro e o movimento sindical a partir da Era Vargas.
5
Abstract
If, in the XIXth century, the American state, through its courts, systematically disorganized
American workers’ organizations in order to avoid collective bargaining, during the New
Deal it changed its approach and stimulated workers organizations, and collective
barganing, as a means to overcome the Great Depression. Therefore, American state had a
fundamental role in shaping the American labor movement. The aim of this work is to
analyze the role of the state in this process, particularly during the New Deal, in order to
challenge the usual view that the American and the Brazilian experiences, in the 1930s,
were in the opposite extremes of the pluralist and the corporatist models of relationship
between the state and the labor movement.
6
SUMÁRIO
Lista de siglas ............................................................................................................... 12
Glossário ........................................................................................................................ 14
Apresentação ................................................................................................................. 16
Capítulo 1: A ação desarticulatória do Estado sobre o movimento sindical
americano: a contratação individual do trabalho
1.1. A nova história americana do trabalho .................................................... 26
1.2. O Estado americano no século XIX ........................................................ 41
1.3. O Poder Judiciário e a desarticulação do movimento operário ................ 50
1.4. O Movimento Progressista ....................................................................... 67
1.5. Herbert Croly, John Commons e a defesa
dos grupos de interesses ............................................................................. 78
Capítulo 2: Fordismo, contratação do trabalho e Grande Depressão
2.1. A Primeira Guerra e a questão operária .................................................... 87
2.2. O papel regulatório dos sindicatos ............................................................ 95
2.3. A indústria automotiva: o fordismo e a centralidade
da relação salarial ...................................................................................... 104
2.4. A Grande Depressão .................................................................................. 123
Capítulo 3: A NIRA e a contratação do trabalho na indústria automotiva
3.1. Quem governa as vidas de 80 mil trabalhadores? ..................................... 131
3.2. O New Deal e o mundo do trabalho: uma breve
discussão historiográfica ............................................................................. 136
3.3. O New Deal como pacto social .................................................................. 140
3.4. A primeira fase do New Deal: a NIRA ...................................................... 151
3.5. A NIRA e a indústria automotiva .............................................................. 161
Capítulo 4: O Estado organizando o movimento sindical: a NLRA e a contratação
coletiva do trabalho na indústria automotiva
4.1. A NLRA ..................................................................................................... 178
4.1.1. A determinação da unidade de negociação
e a regra da maioria ................................................................................ 185
4.2. A NLRB e a disputa entre a AFL e o CIO ................................................ 192
4.3. A NLRB e a indústria automotiva ............................................................. 205
4.4. O esvaziamento político da NLRB ........................................................... 224
4.5. Uma ordem contratualista de relações de trabalho .................................... 233
7
Capítulo 5: Os inventores do New Deal: Estado e sindicato nos Estados Unidos e no
Brasil
5.1. Estados Unidos: o papel do Estado ........................................................... 241
5.2. Brasil: o papel da sociedade ...................................................................... 247
5.3. Uma agenda de trabalho: a Era Vargas e a construção
de um novo modo de regulação do capitalismo brasileiro ........................ 258
Conclusão ......................................................................................................................... 264
Fontes ............................................................................................................................... 268
Bibliografia ...................................................................................................................... 278
8
Agradecimentos
No momento em que o Estado brasileiro está sendo reinventado, é importante
afirmar a importância dos institutos públicos de ensino superior e de fomento à pesquisa
para a produção do conhecimento no Brasil. Portanto, agradeço à Capes tanto pela bolsa de
doutorado como pela bolsa PDEE que me permitiu um período de pesquisas e estudos em
arquivos e bibliotecas americanos e na Universidade de Maryland, College Park, e ao
Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS-IFCS-UFRJ).
No âmbito do PPGHIS, agradeço em particular ao meu orientador, Professor
Francisco Carlos Teixeira da Silva, exemplo de dedicação à formação de novos
historiadores, e aos professores Manuel Salgado Guimarães Filho, Manuela Souza Silva,
Carlos Fico, Marieta de Moraes Ferreira e Anita Prestes. Os três primeiros, por seus cursos
de historiografia e metodologia que enriqueceram minha forma de compreender a história,
as duas últimas por terem participado da banca de qualificação do projeto com importantes
críticas e sugestões.
O Departamento de História da Universidade de Maryland veio a ser uma segunda
casa acadêmica. O Professor Daryle Williams, além de ter sido meu orientador, tornou-se,
ao lado de seu companheiro, James Rolstrom, um amigo próximo, tanto em Washington
quanto no Rio de Janeiro. Com os Professores Gary Gerstle e David Sicilia, entrei em
contato com a produção historiográfica sobre o fabuloso mundo dos trabalhadores
industriais americanos sem a qual este trabalho não teria sido possível.
9
Alguns professores de Maryland, se não tiveram relação direta com minha estada na
Universidade, acabaram por fazer parte de meu círculo de relações e gostaria de a eles
estender meus agradecimentos. O Professor Stephan Palmié e sua esposa, Doris, revelaram-
se vizinhos sempre dispostos a dividir as inúmeras aventuras gastronômicas que
Washington proporciona. Quando de suas visitas ao Rio, busquei retribuir-lhes à altura.
Leslie Rowland e Martha e Ira Berlin, também com passagens pelo Rio, estiveram sempre
por perto.
Os professores Robert Cottrol, da George Washington University, e Daniel Ernst, da
Georgetown University, foram extremamente gentis em me conceder seus tempos para
conversar sobre o movimento operário e o Estado norte-americanos. O Latin American and
Caribbean Studies (LACS) da Universidade de Michigan, em Ann Arbor, proporcionou-
me, por duas vezes, a oportunidade de discutir o presente trabalho com seus estudantes e
professores. Sueann Caulfield e Maria Elisabeth Martins, e Joshua Martins-Caufield,
amigos queridos em Michigan, no Rio de Janeiro e na Bahia, foram os meus anfitriões e
com os três compartilhei as perplexidades do 11 de setembro de 2001. Nas duas ocasiões
em que estive nos Encontros da Latin American Studies Association durante a escrita deste
trabalho, em 2000 em Miami e em 2001 em Washington, beneficiei-me da generosidade e
da argúcia da Professora Barbara Weinstein, que infelizmente só chegou à Universidade de
Maryland quando de lá eu já estava partindo.
Agradeço ainda aos bibliotecários e arquivistas das seguintes instituições: National
Archives and Records Administration, College Park, Maryland; McKeldin Library,
Universidade de Maryland, College Park; Franklin D. Roosevelt Library, Hyde Park, Nova
York; Biblioteca do Congresso, Washington, DC, e Walther Reuther Library, Detroit,
Michigan. No registro dos agradecimentos arquivístico-bibliotecários, uma ausência
10
carioca: a Livraria Artes&Letras, asfixiada pelas cadeias de mega-stores e pela difusão das
compras de livros via internet. Na Artes & Letras havia livros, poltronas e um livreiro.
Em Washington, Jonathan Shurberg e Rebecca Lord e seus filhos Ethan e Eli nos
proporcionaram uma das verdadeiras experiências americanas: domingos de neve assistindo
futebol. Os dois, assim como Amy e Robert Masciola, nos revelaram ainda outra instituição
americana: o brunch dominical, sempre saudado por Jon, em meio a bacons e ovos
estrelados, com um providencial “God bless America”! Larry e Linda Noel, assim como
Harvey Cohen, com seu amor pela música brasileira, foram companhias constantes. Ainda
em Washington, Sussu e Martin Rosenblatt nos deram o carinho familiar - e a presença
brasileira - que tornou nossa estada muito mais feliz. Belle Greenberg (em memória) e
Yedda e Daniel Strasser nos proporcionaram o mesmo calor em Nova York e Hyde Park.
Emílio Koury e Brodwyn Fischer nos apresentaram ao coração da Nova Inglaterra,
experiência imprescindível para quem deseja compreender os Estados Unidos. Os amigos
brasileiros de sempre, como sempre, estiveram presentes, vários deles acrescidos de seus
filhos: Paulinha, Bárbara, Marina, Laurinha, André, Gabriela, Muriel... Nomeá-los todos
seria incorrer no risco de cometer omissões involuntárias. Os colegas e amigos do Instituto
de Humanidades da Universidade Cândido Mendes sempre deram-me incentivo e estímulo.
Minha família particularmente meu pai, Moysés Limoncic, meus sogros, Piedade
e Túlio Grinberg, e meus tios Ruth Alaiz e Carlos Dorfman - deu-me apoio em vários
momentos. Meus sobrinhos Lucas e Maria Clara deram os toques necessários de alegria.
Durante a escrita desta tese, dois acontecimentos pessoais marcantes ocorreram. Em
fins de 2000, após anos de combate diário, minha mãe, Jenny Alaiz, faleceu. Em 2002, após
9 meses de ansiosa espera, Tatiana, minha filha, nasceu. Creio que ambos contribuíram
11
para que eu compreendesse um pouco melhor a passagem do tempo e o que ela significa em
termos de perdas e ganhos.
Como, mais uma vez, Keila Grinberg deu sentido a tudo, e Tatiana deu um novo
sentido a tudo, esta tese é dedicada a ambas.
12
LISTA DE SIGLAS
AAA: Agricultural Adjustment Act
AAISTW: Amalgamated Association of Iron, Steel, and Tin Workers
ACWA: Amalgamated Clothing Workers of America
AFL: American Federation of Labor
ALB: Automobile Labor Board
APL:American Protective League
ARU: American Railway Union
AWU: Automobile Workers Union
BLE: Brotherhood of Locomotive Engineers
BUW: Brotherhood of Utility Workers
CCC: Civilian Conservation Corps
CIO: Congress of Industrial Organizations
CPUSA: Comunist Party of the United States of America
CWA: Civil Works Administration
CWAWIU: Carriage, Wagon and Automobile Workers’ International Union
CWWIU: Carriage and Wagon Workers’ International Union
DWC: Dingmen’s Welfare Club
EAD: Employers’ Association of Detroit (EAD)
FAP: Federal Arts Project
FBA: Ford Brotherhood of America
FERA: Federal Emergency Relief Administration
FFLW: Federation of Flat Glass Workers
FLSA: Fair Labor Standards Act
FLU: Federal Labor Union
FMP: Federal Music Project
FTP: Federal Theatre Project
HUAC: Special House Committee for the Investigation of Un-American Activities
IAM: International Association of Machinists
IBBH: International Brotherhood of Blacksmiths and Helpers
IBEW: International Brotherhood of Electrical Workers
ICC: Interstate Commerce Commission
ILA: International Longshoremen’s Association
ILWU: International Longshoremen’s and Warehousemen’s Union
IWW: Industrial Workers of the World
MESA: Mechanics Educational Society of America
MPIU: Metal Polishers International Union
NAAPC: National Association for the Advancement of the People of Color
NACC: National Automobile Chamber of Commerce
NAM : National Association of Manufacturers
NIRA: National Industrial Recovery Act: National Industrial Recovery Act
NLB: National Labor Board
NLRA: National Labor Relations Act
NLRB: National Labor Relations Board
NRA: National Recovery Administration
NWLB: National War Labor Board
13
OIT: Organização Internacional do Trabalho
PMLD: Pattern Makers League of Detroit
PMLNA: Pattern Makers League of North America
SDE: Society of Designing Engineers
SSA: Social Security Act
TVA: Tennessee Valley Authority
UAAVW: United Automobile, Aircraft and Vehicle Workers of America
UAW: United Auto Workers
UAWA: United Auto Workers of America
UEW: United Electrical Workers
UII: Upholsters’ International Union
UMW: United Mine Workers
USCC: United States Chamber of Commerce
USCIR: United States Commission on Industrial Relations
14
Glossário
Common Law: sistema de leis desenvolvido por juízes e baseado na jurisprudência. Em
tese, a common law nasce a partir dos usos e costumes e contrasta com os sistemas de leis
civis da Europa e América Latina, baseados em códigos e derivados da tradição romana. A
common law também contrasta com a lei baseada em estatutos legais (ou lei positiva),
desenvolvida pelo Poder Legislativo.
Closed shop: como fruto de um contrato coletivo de trabalho, pela cláusula de closed shop
somente trabalhadores filiados ao sindicato contratante poderiam trabalhar na unidade de
negociação coberta pelo dito contrato. Novas contratações deveriam ser feitas por
intermédio do sindicato e só poderiam contemplar trabalhadores já a ele filiados.
Open shop: conjunto de práticas adotadas por corporações com o objetivo de impedir os
esforços associativos dos trabalhadores e manter ditas corporações livres da atuação do
movimento sindical. Várias de tais práticas, que iam da repressão e da espionagem até
políticas de bem-estar, passaram a ser consideradas unfair labor practices com a aprovação
do National Labor Relations Act, de 1935.
Sit-down strike: greve de ocupação, quando trabalhadores grevistas permanecem na planta
industrial, impedindo assim a troca de turnos e a ação do fura-greve.
Company union: sindicato controlado ou formado por uma empresa com o objetivo de
impedir os esforços associativos autônomos dos trabalhadores da mesma.
Unfair labor practice: conjunto de práticas patronais ilegais, de acordo com o National
Labor Relations Act (NLRA), de 1935, com o objetivo de impedir os esforços associativos
autônomos dos trabalhadores de uma planta ou empresa. Com o NLRA, o company union,
por exemplo, passava a ser uma unfair labor practice.
Labor injunction: uma injunction é uma ordem judicial que ordena que um indivíduo
realize um ato ou o proíbe de fazê-lo. A labor injunction, portanto, é uma injunction
aplicada a uma situação envolvendo algum conflito de trabalho.
Union shop: como fruto de um contrato coletivo de trabalho, pela cláusula de union shop
somente trabalhadores filiados ao sindicato contratante poderiam trabalhar na unidade de
negociação coberta pelo dito contrato. No entanto, ao contrário da cláusula de closed shop,
a empresa tinha liberdade de contratar novos trabalhadores, que não precisavam ser
membros do sindicato contratante no momento da contratação, embora devessem a ele
filiar-se após um período de experiência.
Check-off: prática de se descontar a contribuição sindical no ato do pagamento dos salários
como fruto de um contrato coletivo de trabalho.
Wildcat strike: movimento grevista realizado por trabalhadores no ponto de produção sem
a autorização da direção sindical.
15
Tenho vivido com homens de letras, que têm escrito a história sem se
envolverem com os assuntos, e com políticos, que sempre se preocupam com
a produção dos acontecimentos mas nunca pensam em descrevê-los. Sempre
notei que os primeiros vêem por toda a parte causas gerais, enquanto os
segundos, vivendo na desordem dos fatos cotidianos, imaginam facilmente
que tudo se deve aos acidentes particulares e que as pequenas forças que
incessantemente recaem em suas mãos são as mesmas que movem o mundo.
É de crer que uns e outros enganam-se.
De minha parte, detesto os sistemas absolutos, que tornam todos os
acontecimentos da história dependentes de grandes causas primeiras,
ligadas entre si por um encadeamento fatal, e que eliminam, por assim
dizer, os homens da história do gênero humano. Considero-os estreitos em
sua pretendida grandeza e falsos em seu ar de verdade matemática. Creio -
e que não se ofendam os escritores que têm inventado essas sublimes teorias
para alimentar sua vaidade e facilitar seu trabalho - que muitos fatos
históricos importantes só podem ser explicados por circunstâncias
acidentais e que muitos outros são inexplicáveis; e enfim que o acaso - ou
antes o entrelaçamento de causas secundárias, que assim chamamos por
não sabermos desenredá-las - tem um grande papel em tudo o que vemos no
teatro do mundo; mas creio firmemente que o acaso nada faz àquilo que, de
antemão, já não esteja preparado. Os fatos anteriores, a natureza das
instituições, a dinâmica dos espíritos e o estado dos costumes são os
materiais com os quais o acaso compõe os improvisos que nos assombram e
nos assustam.
Alexis de Tocqueville
16
Apresentação
Despeço-me esta noite com grande tristeza. Há algo, no entanto, que devo
sempre lembrar. Duas pessoas inventaram o New Deal: o Presidente do
Brasil e o Presidente dos Estados Unidos.
1
Com tais palavras, Franklin Delano Roosevelt, para além de exercitar sua política de
boa vizinhança,
buscava ser gentil com seu anfitrião brasileiro, o presidente Getúlio Vargas.
Afinal, a delicadeza no trato - ao lado de um transbordante bom humor e de uma sede
insaciável por fofocas de alcova - era uma das marcas de sua personalidade.
2
É mesmo
possível que, fosse tal discurso pronunciado após o 10 de novembro de 1937, Roosevelt
pensasse duas vezes antes de associar tão estreitamente sua administração à de seu colega
brasileiro, ainda que em 1936 o Brasil já não vivesse propriamente em um ambiente de
liberdades democráticas e que, mesmo depois do advento do Estado Novo, os Estados
Unidos tenham mantido relações amistosas com o regime brasileiro. Sumner Welles, sub-
secretário de Estado entre 1937 e 1943 e um dos artífices da política de boa-vizinhança,
chegaria mesmo a defender Vargas das acusações de filo-fascismo e filo-nazismo,
1
ROOSEVELT, Franklin D. Remarks made by the President, in reply to the address of the President of
Brazil, at the banquet given in his honor at the Brazilian Foreign Office. Rio de Janeiro, 27 de novembro de
1936. Franklin D. Roosevelt Library. Speech Files, Box 30, File 1021-A.
2
Cf. TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor. A americanização do Brasil na época da Segunda
Guerra. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. A hora dos coquetéis na Casa Branca era uma das favoritas de
Roosevelt. Ele mesmo preparava e servia as bebidas e contava histórias picantes. Em 10 de maio de 1940, ele
fez um discurso no Pan American Scientific Congress, em que afirmou: “Exatamente hoje (...), mais três
nações independentes foram cruelmente invadidas pela força das armas. Sou um pacifista, mas acredito que,
por esmagadora maioria, vocês e eu, a longo prazo se necessário, agiremos juntos para proteger e defender
com todos os meios disponíveis nossa ciência, nossa cultura, nossa liberdade americana e nossa civilização”.
De volta à Casa Branca, um preocupado Winston Churchill, que naquele mesmo dia havia se tornado
Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, aguardava-o ao telefone. Após a conversa, FDR foi ao encontro da atriz
Helen Douglas, então hóspede da Casa Branca, a quem havia pedido que o aguardasse. A atriz passara o dia
ansiosa, perguntando-se o que o Presidente poderia querer com ela num momento de incertezas como aquele.
Sua dúvida foi finalmente satisfeita tarde da noite: “OK Helen, quero que você me conte exatamente o que
aconteceu debaixo da mesa, no Ciro’s, entre Paulette Goddard e Anatole Litvak”. Cf. GOODWIN, Doris
Kearns. Tempos muito estranhos. Franklin e Eleanor Roosevelt: o front da Casa Branca na Segunda Guerra
Mundial. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001, p. 36.
17
afirmando que, pelo contrário, o regime varguista havia proporcionado grandes benefícios
ao povo brasileiro, advindo daí sua popularidade.
3
No entanto, para além de suas boas
maneiras e de considerações de política externa, Roosevelt ressaltava também o fato de
que, nos anos 1930, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, gestaram-se e
consolidaram-se novas idéias de Estado e economia, marcadas pela percepção da crise das
práticas e da visão de mundo do laissez-faire.
As palavras do presidente americano, no entanto, parecem ter caído no
esquecimento e o New Deal constitui o grande ausente do cenário internacional no qual a
Era Vargas é contextualizada pela literatura especializada. Tal fato talvez possa ser
atribuído à visão de que as rupturas operadas com o laissez-faire nos dois países tenham se
dado em contextos distintos, dados os graus diferenciados de generalização das relações de
assalariamento e de diferenciação de suas economias, assim como de desenvolvimento de
seus parques industriais. Neste sentido, o Estado Novo teria buscado superar os estreitos
limites de uma economia agro-exportadora através do incentivo à industrialização, ao passo
que o New Deal teria lidado, pelo contrário, com os desequilíbrios macro-econômicos de
uma economia urbano-industrial oligopolizada, que muitos viam como irremediavelmente
condenada à estagnação.
4
Por outro lado, e talvez sobretudo, a ausência do New Deal nas reflexões sobre a
Era Vargas também pode ser atribuída à visão de que esta teria sido caracterizada pelo
autoritarismo estatal e pelo seu corolário institucional corporativo, pela visão organicista e
hierárquica da organização social, guardando portanto pouca identidade com a experiência
3
Cf. WELLES, Benjamin Sumner. The time for decision. Nova York e Londres: Harper & Brother
Publishers, 1944, p. 223.
4
Cf. ABREU, Marcelo de Paiva. “Crise, crescimento e modernização autoritária: 1930-1945”. In ABREU,
Marcelo de Paiva (org). A ordem do progresso. Cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio
de Janeiro: Campus, 1992, p. 73-104; COLLINS, Robert. More. The politics of economic growth in postwar
18
liberal-democrática norte-americana, caracterizada pelos padrões pluralistas de
representação dos interesses, pelo contratualismo privado e pelo individualismo possessivo
como matriz de organização da sociedade.
5
Neste sentido, e ao contrário do que indicaria
Sumner Welles, em recente volume que se propõe a repensar o Estado Novo em particular,
a experiência varguista é contextualizada no quadro internacional dos fascismos europeus,
das doutrinas corporativistas, como a de Mihail Manoïlescu, e de outras experiências
autoritárias das primeiras décadas do século XX, como o regime modernizador da Turquia
de Kemal Ataturk.
6
Tal visão é sem dúvida marcada pelo fato de os próprios Estados Unidos do pós-
Segunda Guerra se percebessem como uma sociedade na qual o sistema político, dissociado
do reino dos interesses privados, apenas responderia às pressões de grupos de interesses
autônoma e privadamente organizados, com suas agendas desvinculadas do poder da
coerção estatal. Em contrapartida, a ciência política produzida a partir dos dos anos 1970,
também de origem norte-americana e que seria largamente incorporada à ciência política
produzida no Brasil, percebia, na experiência histórica brasileira, a marca do Estado como
definidor do bem comum que, organizaria, publicizando-o, o reino dos interesses privados.
Portanto, no Brasil, um Estado antecipatório e autoritário surgiria como o protagonista da
America. Nova York: Oxford University Press, 2000, p. 4 e seguintes.
5
Cf. CARDOSO, Adalberto Moreira. Sindicatos, trabalhadores e a coqueluche neoliberal. A Era Vargas
acabou? Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de.
“A Revolução de 30 e a questão sindical”. In A Revolução de 30: Seminário Internacional. Brasília: Editora
da UnB, 1983; RODRIGUES, Leôncio Martins. “Sindicalismo e classe operária”. In FAUSTO, Boris.
História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1986, vol. 10, p. 507-555; DINIZ, Eli. Crise,
reforma do Estado e governabilidade. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997;
ERICKSON, Kenneth. The Brazilian corporative state and working-class politics. California University
Press, 1977; STEPAN, Alfred. Estado, corporativismo e autoritarismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980;
VIANNA, Luís Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976; LOTHIAN,
Tamara. “The political consequences of labor law regimes: the contratualist and corporatist models
compared”. In Cardozo Law Review, Vol. 7, No. 4 (verão de 1986), p. 1002-1073.
19
dinâmica social, ao passo que, nos Estados Unidos, grupos de interesses privados
assumiriam tal protagonismo, cabando a um Estado social e politicamente neutro apenas
responder aos inputs de tais grupos. Pelas palavras de Roosevelt, no entanto, é lícito supor-
se que tal visão dicotômica entre as experiências americana e brasileira não dão conta da
complexidade das dinâmicas sociais dos dois países nos anos 1930.
7
Partindo da sugestão contida nas palavras do presidente norte-americano, o
presente trabalho tem por objetivo contribuir para o aprofundamento da compreensão da
Era Vargas, particularmente no que se refere à articulação entre o Estado e o movimento
sindical, a partir da análise da articulação entre o movimento sindical e o Estado
americanos durante o New Deal. Tal operação é, de certa forma, inspirada em Richard
Morse que, ao analisar o que chamava de Ibero-América, propunha-se a apresentar ao
público anglo-americano uma série de reflexões que o possibilitasse uma melhor
compreensão de sua própria formação cultural.
8
No entanto, ao contrário de Morse, que
percebia tradições profundamente diferenciadas nas heranças culturais anglo e ibero-
americanas, o presente estudo parte do pressuposto de que o New Deal não constituiu uma
experiência histórica antitética ao varguismo no que diz respeito às relações entre o Estado
e o movimento sindical.
6
Cf. PANDOLFI, Dulce. Apresentação. In PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 1999, p. 10; FAUSTO, Boris. “O Estado Novo no contexto internacional”. In
PANDOLFI, Dulce (org.). Idem, p. 17-20.
7
Cf. OFFE, Claus. “A atribuição de status público aos grupos de interesse”. In OFFE, Claus. Capitalismo
desorganizado. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994, p. 225 e 235; KLARE, Karl. “Judicial deradicalization
of the Wagner Act and the origins of modern legal consciousness, 1937-1941”. In Minnesota Law Review,
Vol. 62, No. 3 (Março de 1979), p. 310; SCHMITTER, Phillipe. “Still the century of corporatism?”. In PIKE,
Frederick e STITCH, Thomas (orgs.). The new corporatism. Social-political structures in the Iberian world.
Londres, Notre Dame: University of North D. Press, 1974, p. 93-96; DINIZ, Eli & BOSCHI, Renato. “O
corporativismo na construção do espaço público”. In BOSCHI, Renato (org.). Corporativismo e
desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: Iuperj/Rio Fundo Editora, 1991, p.
18.
8
Cf. MORSE, Richard. O espelho de Próspero. Cultura e idéias nas Américas. São Paulo: Cia. das Letras,
1988.
20
Tal proposta não significa dizer que os sistemas brasileiro e norte-americano de
relações de trabalho então montados possuíam identidades profundas entre si. Pelo
contrário, o contrato coletivo de trabalho, nos Estados Unidos, e o dissídio coletivo, no
Brasil, representam tradições distintas de fazer face ao conflito distributivo. Ainda assim, o
pressuposto aqui assumido baseia-se na percepção, de resto óbvia, de que os sistemas de
regulação do trabalho e de representação dos interesses devem ser pensados como resultado
de lutas sociais e políticas, portanto como construções históricas.
Roosevelt, um homem a quem certamente não faltava visão histórica, percebia que,
tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos dos anos 1930, apesar das distintas tradições
políticas dos dois países, a intervenção do Estado na organização dos interesses dos
trabalhadores teve importância fundamental, a partir de meados dos anos 1930, no desenho
das instituições destes. Em jogo, durante o New Deal, estava mais do que a estruturação,
pela via do Estado, de organizações de trabalhadores para que estas reunissem recursos
políticos no sentido de defender seus interesses privados através de contratos coletivos de
trabalho, mas a construção do que o Estado americano entendia ser o bem público,
fundamentalmente, a paz industrial, expressa em relações harmônicas entre capital e
trabalho, e a retomada do crescimento econômico. Conseqüentemente, durante o New Deal,
a organização do movimento sindical se fez a partir de uma lógica estatal que não estava
preocupada apenas em responder às demandas dos grupos de interesses dos trabalhadores,
como quer a tradição pluralista, mas com os resultados últimos de tais demandas. Roosevelt
percebia, também, que, embora as condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores
americanos permanecessem largamente baseadas na contratação privada, a intervenção
estatal sobre as relações entre patrões e empregados significou, em maior ou menor grau, a
normatização do conflito distributivo, não mais percebido como sendo passível de assumir
21
uma dinâmica livre de constrangimentos legais. Em ambos os países, aparelhos estatais, e
não mais apenas o mercado, passavam a ser os loci nos quais o conflito se expressava e era
administrado.
9
Por outras palavras, o New Deal assumiu um protagonismo para o Estado
americano na configuração dos interesses dos trabalhadores que, em boa medida, torna
compreensível a colocação do presidente americano ao seu colega brasileiro.
O instrumento fundamental da intervenção estatal no mundo dos trabalhadores
americanos, durante o New Deal, foi a National Labor Relations Board (NLRB), agência
administrativa federal criada por força do National Labor Relations Act (NLRA), de 1935.
A ação da NLRB constitui, justamente, o foco principal deste trabalho, que parte do
pressuposto de que a ação do Estado americano sobre as relações entre trabalhadores e
patrões foi central na passagem da contratação individual do trabalho para a contratação
coletiva, nos marcos da construção de um novo modo de regulação do capitalismo
americano.
Como o capítulo 1 procurará evidenciar, ao longo do século XIX e primeiras
décadas do século XX, o Estado americano, particularmente o Poder Judiciário, teve papel
de grande importância na desarticulação dos esforços associativos autônomos dos
trabalhadores e, por conseqüência, na manutenção de relações de trabalho e remuneração
individualmente contratadas. A ação do Poder Judiciário, no entanto, se dava em um quadro
de crescente insatisfação operária que levaria a grandes explosões de violência e à
emergência do Movimento Progressista, em princípios do século XX. Dois dos principais
intelectuais do Movimento, Herbert Croly e John Commons, faziam uma dura crítica à
economia política neoclássica e à visão de que a sociedade era formada por indivíduos,
9
cf. GROSS, James. The making of the National Labor Relations Board. A study in economics, politics and
the law. Albany: State University of New York Press, 1974, p. 2.
22
propondo ao contrário a visão de que ela era formada por grupos de interesses. Para ambos,
portanto, a contratação coletiva do trabalho surgia como elemento de pactuação de uma
sociedade formada por grupos, e não por indivíduos, e como essencial para a superação do
quadro de quebra da harmonia social então vivido. A diferi-los, o papel que o Estado
deveria assumir em suas relações com o movimento sindical: Commons percebia os
sindicatos como agentes dos interesses privados de seus membros, cabendo ao Estado
apenas o papel de assegurar o cumprimento dos contratos coletivos livremente acordados
entre patrões e empregados, ao passo que, para Croly, os sindicatos encerravam uma
dimensão do interesse comum, cabendo ao Estado um papel muito mais decisivo na
regulação das organizações de trabalhadores.
Se o Capítulo 1 mostra que na virada do século XIX para o XX a contratação
coletiva do trabalho era crescentemente colocada por reformadores sociais como um
elemento indispensável para a reconstrução da harmonia social da América, o Capítulo 2
mostra que, entre as primeiras décadas do século XX e o advento do New Deal, ela
permaneceu como um objetivo não realizado pelo movimento sindical e pelos reformadores
sociais, com um agravante: o advento do fordismo e da produção em massa. De fato, a
economia americana sofreria mudanças profundas nas primeiras décadas do século, quando
as indústrias de produtos de consumo durável, como automóveis, foram tornando-se cada
vez mais importantes. Tais indústrias vinham colocar o salário dos trabalhadores como
elemento central para a reprodução do sistema e no entanto, cada vez mais, a contratação
individual do trabalho fragilizava os salários operários, tornando-os incapazes de formar
demanda para automóveis, geladeiras, aspiradores de pó e outros itens de consumo então
criados. Tal visão, largamente baseada na teoria da regulação, evidencia que a crise de 1929
foi, essencialmente, uma crise de regulação, ocasião em que urgia construir novos
23
mecanismos institucionais que possibilitassem a contratação coletiva do trabalho, nos
quadros de construção de um novo modo de regulação do capitalismo americano.
A construção deste novo modo de regulação não se deu, evidentemente, sem
conflitos, como evidencia o Capítulo 3. O que se pode considerar a primeira fase do New
Deal, a experiência da National Industrial Recovery Act (NIRA), foi marcada pelas
tentativas de construção de um novo ambiente institucional que regeria a concorrência
entre as empresas americanas, retirando os salários dos trabalhadores das estratégias
competitivas destas, de modo a permitir ganhos salariais reais e o aumento do consumo
operário. No entanto, como evidenciaria a análise da atuação da NIRA no âmbito da
indústria automotiva, que então já se constituía como a mais importante indústria
americana, a NIRA revelou-se incapaz de harmonizar os interesses em cena, acabando por
ter sido declarada inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados Unidos.
A aprovação da NLRA, em 1935, levaria o New Deal ao seu segundo momento.
Com a NLRA, objeto do Capítulo 4, a normatividade da lei positiva passou a reger as
relações entre capital e trabalho, em lugar da common-law e da violência aberta, na
passagem da contratação individual do trabalho para a coletiva. A NLRA, no entanto,
encerrava conflitivamente elementos do pluralismo industrial, largamente herdados das
idéias de John Commons, e do realismo legal, que reunia elementos que podem ser
encontrados em Herbert Croly, duas correntes de pensamento de qual deveria ser a
participação do Estado na conformação do movimento sindical. Assim, ao mesmo tempo
em que afirmava o contratualismo privado como elemento fundamental das relações de
trabalho nos Estados Unidos, a NLRA atribuía à NLRB o poder, por exemplo, de
determinar a unidade de negociação em que o contrato coletivo seria estabelecido. Tal
poder teria um forte impacto sobre um movimento sindical que, naquele exato momento,
24
cindia-se entre a American Federation of Labor (AFL) e o Congress of Industrial
Organizations (CIO). A AFL defendia unidades de negociação baseadas em ofícios ou
profissões, ao passo que o CIO defendia unidades baseadas em setores industriais inteiros.
Cedo, portanto, a NLRB ver-se-ía diante de uma intensa disputa entre os dois segmentos do
movimento sindical, e sendo acusada, particularmente pela AFL, de redesenhar o mesmo
em favor do CIO. Ainda assim, foi graças à NLRA e à NLRB que os contratos coletivos de
trabalho tornaram-se regra no coração industrial dos Estados Unidos, levando assim à
formação de uma classe trabalhadora apta a tornar-se consumidora. Com o New Deal,
portanto, iniciou-se a tensa construção do pacto entre Estado, trabalho organizado e capital,
ou regulação fordista keynesiana do capitalismo que, no pós-guerra, fundamentaria o
peculiar Estado de Bem-Estar americano e o longo período de prosperidade que se
estenderia até fins dos anos 1960.
A regulação fordista keynesiana baseava-se em um pacto segundo o qual o Estado
assumia papéis keynesianos, de forma a tornar-se um demandador da indústria privada e
um fornecedor de salários indiretos, com o objetivo de universalizar o consumo; o capital
repassava ganhos de produtividade do trabalho aos salários (relação salarial fordista),
buscando assim assegurar a estabilidade do sistema e, por fim, os sindicatos aceitavam a
ordem capitalista, em troca de sua incorporação ao mundo do consumo
10
. Como diria Karl
Polanyi, se no século XIX as sociedades européias buscaram defender-se do mercado,
através da legislação social então criada, após o advento do fordismo o próprio capitalismo
10
cf. HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1994, p. 125.
25
buscou defender-se do mercado, politizando-o através de um pacto, ainda que não
institucionalizado nos moldes da social-democracia européia.
11
O Capítulo 5, por fim, buscará pensar a realidade institucional brasileira à luz das
reflexões feitas ao longo dos quatro capítulos anteriores. A partir de uma literatura já
produzida no Brasil, o capítulo buscará evidenciar que, se nos Estados Unidos o Estado
teve uma atuação fundamental na configuração do movimento sindical que o conceito de
pluralismo não consegue alcançar, no Brasil o próprio movimento sindical, ou segmentos
deste, teve um protagonismo nos anos 1930, expresso na idéia de pacto trabalhista
conforme proposto por Ângela de Castro Gomes, que tampouco o conceito de
corporativismo consegue incorporar.
12
11
cf. POLANYI, Karl. A grande transformação. Rio de Janeiro: Campus, 1980. Gosta Esping-Andersen
apresenta as diferenças entre o Estado de Bem-Estar norte-americano, que classifica como liberal, e Gary
Gerstle e Steven Fraser propõem que se conceitue o keynesianismo americano como comercial, mais
orientado a políticas fiscais. Cf. ESPING-ANDERSEN, Gosta. "As três economias políticas do welfare state"
in Lua Nova-Revista de Cultura e Política, no. 24. São Paulo: Marco Zero/Cedec, setembro de 1991, p. 85-
116; GERSTLE, Gary e FRASER, Steven. “Introduction”. In GERSTLE, Gary e FRASER, Steven (orgs.).
The rise and fall of the New Deal order, 1930-1980. Princeton: Princeton University Press, 1989, p. XIV.
12
Cf. GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Iuperj/Vértice, 1988.
26
Capítulo 1: A ação desarticulatória do Estado sobre o movimento sindical
americano: a contratação individual do trabalho
1.1. A nova história americana do trabalho
Quando, no ano de 1953, o historiador Daniel J. Boorstin foi convidado a prestar
depoimento diante do Comitê de Investigação de Atividades Anti-Americanas da Câmara
dos Deputados dos Estados Unidos (HUAC), revelou-se uma testemunha bastante
cooperativa: concordou com seus interrogadores a respeito da necessidade de se impedir
que professores comunistas ensinassem nas universidades, descreveu atividades realizadas
em sua curta militância no Partido Comunista Americano (CPUSA), entre 1938 e 1939, e,
perguntado a respeito de como, pessoalmente, expressava sua oposição ao comunismo,
respondeu:
Em primeiro lugar, através da participação nos serviços religiosos da
Fundação Hillel da Universidade de Chicago, pois penso que a religião é
um bastião contra o Comunismo. A segunda forma tem sido uma tentativa
de descobrir e explicar aos meus alunos, através de aulas e livros, as virtudes
únicas da democracia americana. Fiz isso em parte em meu livro sobre
Jefferson, duramente atacado pelo Daily Worker como uma defesa das
classes dominantes americanas, e em um livro a sair chamado The genius of
American politics.
13
Criado em 1938 com o objetivo de investigar atividades comunistas e fascistas nos
Estados Unidos, o HUAC acabaria, em função da articulação política de republicanos e
democratas sulistas, visando sobretudo a investigar, e se possível impedir, a implementação
de várias iniciativas legais e administrativas do New Deal.
14
Suas atividades foram
13
BOORSTIN, Daniel. Apud NOVICK, Peter. That noble dream. The “objectivity question” and the
American historical profession. Cambridge: Cambridge University Press, 1993, p. 328.
14
A bancada democrata dos estados do Sul no Legislativo da União empreendeu o que se convencionou
chamar de veto sulista às políticas de Franklin D. Roosevelt. Tal bancada, indentificada com a manutenção do
sistema Jim Crow de segregação racial, controlou o Partido Democrata entre 1896 e o início do New Deal.
Neste período, enquanto os democratas das demais regiões do país obtiveram em média 40% dos votos
27
parcialmente suspensas durante a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos e a
União Soviética tornaram-se aliados na luta contra o nazi-fascismo, para ser retomadas de
forma mais sistemática e politicamente consistente com o início da Guerra Fria. A partir de
meados dos anos 1940, o impacto das investigações do HUAC sobre o meio universitário
americano não foi desprezível. Inúmeros professores foram demitidos e outros tiveram suas
carreiras obstaculizadas por suas ligações, reais ou supostas, com o CPUSA.
15
O depoimento de Boorstin, no entanto, não se pautava por simples cautela ou mero
oportunismo, mas orientava-se de acordo com a própria perspectiva que então tornava-se
hegemônica nas universidades dos Estados Unidos: uma defesa do que se entendia serem os
valores americanos em contraposição ao chamado totalitarismo soviético.
16
No caso de
Boorstin, a adesão a tal perspectiva é ressaltada pelo fato de que ele próprio, como judeu,
era um recém-chegado ao mundo destes valores. Com tal defesa, o historiador buscava
explicitar o que julgava ser uma das principais virtudes americanas, o pluralismo cultural,
populares em eleições presidenciais e legislativas, o voto democrata popular no Sul nunca foi inferior a 86%.
Mesmo durante o governo Roosevelt, o Sul nunca controlou menos do que 40% da bancada democrata e
quando, em 1948, o Partido Democrata, pela primeira vez, comprometeu-se com a luta pelos direitos civis dos
negros, 35 democratas sulistas fundaram um novo partido, o Partido dos Direitos dos Estados, que ficaria
conhecido como Dixiecrat. Comprometido com a manutenção da segregação racial, os dixiecrats venceram as
primárias de 1948 em quatro estados: Alabama, Louisiana, Mississippi e Carolina do Sul. Cf.
KATZNELSON, Ira; GEIGER, Kim; KRYDER, Daniel. “Limiting liberalism: the southern veto in Congress,
1933-1950”. In Political Science Quarterly, Vol. 108, No. 2 (Verão de 1993), p. 284; FONER, Eric e
GARRATY, John (orgs.). The reader’s companion to American history. Boston: Houghton Mifflin Company,
1991, p. 289-290; GILMORE, Glenda Elizabeth. Gender and Jim Crow. Women and the politics of white
supremacy in North Carolina, 1896-1920. Chapel Hill e Londres: The University of North Carolina Press,
1996.
15
Para uma descrição das atividades do HUAC desde suas origens até a Guerra Fria, Cf. BELFRAGE, Cedric.
The American Inquisition, 1945-1960. A profile of the “McCarhty Era”. Nova York: Thunder’s Mouth Press,
1989.
16
Após o 11 de setembro de 2001, a Universidade americana tem sido novamente palco de polêmica acerca
de seu papel na sociedade dos Estados Unidos. Um grupo conservador denominado American Council of
Trustee and Alumni, que reúne representantes de 400 universidades, elaborou um documento intitulado
“Defendendo a civilização: como nossas universidades estão reprovando a América e o que pode ser feito a
respeito disto”. Em tal documento, os acadêmicos que expressam críticas à política externa americana são
condenados como anti-patriotas e, como antídoto, sugere-se que faculdades e universidades transmitam aos
alunos, e ao público em geral, uma visão positiva da história e da herança americanas. Cf. O Globo. Domingo,
09 de dezembro de 2001.
28
social e político do país, sua capacidade de incorporar democraticamente o Outro em um
ambiente destituído de conflitos irreconciliáveis.
17
Tal visão era certamente indissociável da velha tradição da percepção da
experiência histórica americana como excepcional. Como deixou claro em seu depoimento,
Boorstin não estava preocupado apenas em ressaltar as virtudes da democracia americana,
mas também em qualificá-las como únicas. Ainda no século XIX, Alexis de Tocqueville
chamava atenção, em seu clássico A democracia na América, para o caráter diferenciado da
sociedade americana face às européias, particularmente para o que chamava de visão da
igualdade de condições.
18
No início do século XX, Frederick Jackson Turner e Theodore
Roosevelt deram contribuições centrais à idéia do excepcionalismo americano em seus
escritos sobre a fronteira, o primeiro enfatizando o papel democratizante destas, o segundo,
seu papel na construção do caráter viril, individualista e conquistador do homem
americano.
19
A idéia de fronteira acabou por representar a abertura da economia e da
sociedade americanas, a capacidade única de expansão destas, livres das peias do
17
A inserção de acadêmicos judeus no sistema universitário americano do pós-Segunda Guerra não ocorreu
de forma tão tranqüila como Boorstin faz supor. Pelo contrário, ela se deu em meio a uma intensa pressão de
organizações judaicas que combatiam as práticas discriminatórias de admissão das grandes universidades
contra minorias étnicas e religiosas. Por outro lado, neste momento, as universidades começaram a competir
por fundos públicos federais para manterem-se competitivas nas áreas científicas e médicas e, neste sentido,
não poderiam ignorar as diretrizes federais contra tais práticas. Cf. GINSBERG, Benjamin. The fatal
embrace. Jews and the state. The politics of anti-semitism in the United States. Chicago e Londres: The
University of Chicago Press, 1998, p. 97 e seguintes.
18
Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Belo Horizonte e São Paulo: Editora Itatiaia e
Editora da USP, 1977. Em Tocqueville, o americanismo surge como algo ambíguo, ou seja, como intrínseco
à experiência dos Estados Unidos e como compartilhado com outras experiências nacionais, como o
desencanto com a atividade pública ocasionado pela privatização da vida. Cf. VIANNA, Luiz Werneck. A
revolução passiva. Iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro: Iuperj/Editora Revan, 1997, p. 90 e
seguintes. Por outro lado, e a partir de uma outra perspectiva, Gramsci também ressaltou a excpecionalidade
da experiência histórica norte-americana. Cf. GRAMSCI, Antônio. “Americanismo e Fordismo”. In
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 241 e
seguintes
19
Cf. SLOTKIN, Richard. Gunfighter nation. The myth of the frontier in the twentiegh-century America.
Nova York: Harper Perennial, 1993, p. 29 e seguintes e 63 e seguintes; OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Americanos.
Representações da identidade nacional no Brasil e nos Estados Unidos. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2000, p. 127 e seguintes.
29
feudalismo, da concentração fundiária e de classes sociais parasitárias e rentistas, ensejando
portanto o desenvolvimento da economia de mercado em um ambiente marcado pelos
ideais democráticos e individualistas.
Conseqüentemente, segundo a tradição do excepcionalismo, a classe trabalhadora
americana seria também fruto de uma experiência histórica única, em que as oportunidades
de ascensão social individual, as clivagens étnicas e a extensão relativamente prematura do
direito de voto teriam minado, ou tornado mesmo sem sentido, ações coletivas com vistas à
conquista de melhores condições de vida para os trabalhadores.
20
Mesmo aqueles
historiadores e reformadores sociais que, no início do século XX, defendiam a organização
autônoma dos trabalhadores com vistas à contratação coletiva do trabalho, afirmavam ser
os Estados Unidos, ao contrário da inerentemente conflituosa Europa, um país livre da luta
de classes.
Para o economista John Commons, fundador da história do trabalho nos Estados
Unidos, “... nós temos um movimento espiritual [o sindical] que não atacou a família, a
religião e a propriedade, como Karl Marx havia feito, mas organizou-se para conquistar
uma parcela maior dos lucros através da negociação, do acordo, das greves”.
21
Segundo
Commons, os trabalhadores americanos, ao contrário dos europeus, teriam formado suas
primeiras organizações ainda no mundo dos pequenos artesãos, portanto antes do advento
do sistema fabril, e não com vistas a combater a exploração capitalista, como na versão
marxista, mas para manter e proteger suas posições no mercado de trabalho. Por tal razão, a
organização de trabalhadores tipicamente americana seria a American Federation of Labor
(AFL), formada por sindicatos profissionais e cujo objetivo fundamental seria o de regular
20
Cf. FORBATH, William. Law and the shaping of the American labor movement. Cambridge e Londres:
Harvard University Press, 1991;Capítulo 1.
30
os mercados de trabalho de seus filiados. Ademais, tanto para Commons como para a
própria AFL, ao menos a partir dos primeiros anos do século XX, os conflitos entre patrões
e empregados, embora existentes, não seriam relativos aos fins últimos da sociedade, mas
apenas a salários, jornadas de trabalho e segurança no emprego, objetivos a serem atingidos
pela regulação dos mercados através de contratos coletivos de trabalho. Tal visão estava
intrinsecamente articulada a um dos elementos centrais da idéia excepcionalista, qual seja, a
percepção de que o progresso do país seria expresso pela ampliação, multiplicação e
elaboração das instituições fundadoras da República, e não em um processo histórico de
mudanças qualitativas.
22
Boorstin e a historiografia do Pós-Guerra não iriam, portanto, fundar uma tradição
intelectual propriamente nova nos Estados Unidos. No entanto, no pós-Segunda Guerra, a
idéia do excepcionalismo americano teria grande importância política, por estar na base da
chamada historiografia do consenso, segundo a qual a história americana teria sido marcada
por um consenso fundamental ao longo de toda a sua trajetória.
23
Tal historiografia
buscava legitimar, acadêmica e intelectualmente, o projeto societário americano tal qual
configurado nos anos 1950, baseado no tripé democracia liberal-economia de mercado-
consumo de massas, como se a sociedade americana do pós-Segunda Guerra houvesse
finalmente realizado a promessa das instituições fundadoras da República. O consenso do
pós-Guerra cumpria assim um poderoso papel unificador em uma sociedade que, apenas
alguns anos antes, encontrava-se dilacerada pela Grande Depressão e por agudos conflitos
21
COMMONS, John. Industrial goodwill. Nova York: McGraw-Hill, 1919, p. 194-195.
22
Cf. TOMLINS, Christopher. The state and the unions. Labor relations, law, and the organized labor
movement in America, 1880-1960. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, Capítulo 1; ROSS,
Dorothy. The origins of American social science. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, Cap. 2.
23
Cf. BENDER, Thomas. “Politics, intellect, and the American university, 1945-1995”. In BENDER,
Thomas e SCHORSKE, Carl (orgs). American academic culture in transformation. Princeton: Princeton
University Press, 1997, p. 32.
31
raciais e de classe. Claro está, portanto, que a historiografia do consenso relegou a segundo
plano campos inteiros da investigação histórica que, por sua própria natureza,
potencialmente evidenciavam tais conflitos, como os estudos sobre o movimento sindical.
24
Em sua comunicação ao 14
º
Encontro Anual da Associação de Pesquisa em Relações
Industriais, em 1961, George Brooks, da Universidade de Cornell, chegou a afirmar que,
devido ao amplo consenso social atingido em torno do sistema pluralista das relações de
trabalho no pós-guerra, a relevância do estudo da história do trabalho tornava-se
insignificante ou mesmo inexistente.
25
A década de 1960, no entanto, marcaria o momento em que a idéia de um grande
consenso americano começaria a revelar suas fraturas. A visão de uma América sem
conflitos deu lugar a um quadro em que um presidente, John Kennedy, o principal líder
negro, Martin Luther King, Jr., e um candidato à presidência da República, Robert
Kennedy, foram assassinados;
26
em que a luta dos negros pelos direitos civis, em que pese
seu sucesso do ponto de vista legislativo, degenerou em sangrentos conflitos raciais; em
que as tentativas de incorporar maiores parcelas da sociedade ao American way of life,
materializadas na Grande Sociedade de Lyndon Johnson, naufragaram nestes mesmos
conflitos raciais e na reação republicana conservadora;
27
em que as mulheres passaram a
questionar tanto o lugar doméstico como o papel sexual que lhes fora reservado no pós-
24
Cf. ZIEGER, Robert. “Labor and the state in modern America: the archival trial”. In The Journal of
American History, Vol. 75, n. 1 (Junho de 1988), p. 185; MAY, Lary. The big tomorrow. Hollywood and the
politics of the American way. Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 2000, p. 139-269.
25
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. xii.
26
Martin Luther King, Jr. foi assassinado em um momento em que seu discurso e sua ação politica voltavam-
se crescentemente para uma crítica ao sistema social e econômico americano, baseado, segundo ele, na
exploração, na competição e no individualismo. O que o líder dos direitos civis buscava então era organizar os
despossuídos inclusive os excluídos pelo movimento sindical em um único movimento por justiça social e
econômica. Cf. WILENTZ, Sean. “Against exceptionalism: class consciousness and the American labor
movement”. In International labor and working class history, No. 26, (Outono de 1984), p. 19.
27
Para uma análise da questão urbana e racial no pós Segunda Guerra, Cf. SUGRUE, Thomas. The origins of
the urban crisis. Race and inequality in postwar Detroit. Princeton: Princeton University Press, 1996.
32
Segunda Guerra; em que a Guerra do Vietnam expôs, pela primeira vez nas televisões do
país, as atrocidades praticadas por soldados americanos contra populações indefesas,
levando a manifestações de massa contra a participação americana no conflito asiático e à
própria lógica da Guerra Fria; em que a economia, que parecia fadada ao crescimento
ininterrupto, dava seus primeiros sinais de crise;
28
em que os valores do materialismo,
consumismo e conformismo foram duramente criticados pela juventude, em movimentos
como a Nova Esquerda e os hippies.
Foi neste cenário, em que alguns campi universitários transformaram-se em
verdadeiros campos de batalha, que, inspirada principalmente pelos historiadores ingleses
Christopher Hill, Eric Hobsbawm, Raymond Williams e E. P. Thompson, nasceria a
chamada nova história americana do trabalho, construindo uma visão do passado americano
marcada pela presença do conflito social, de partidos de base classista e de projetos sociais
reformistas ou abertamente anti-capitalistas.
29
Ao fazê-lo, contudo, tal historiografia tinha
consciência de que seu esforço intelectual não era destituído de compromisso com seu
objeto de estudo. Para Boorstin, os americanos, no pós-Guerra, mais do que concordar com
uma mesma ideologia, estariam unidos na rejeição mesma a quaisquer ideologias.
30
Já os
novos historiadores do trabalho, em grande parte, evidenciaram claramente seu
compromisso com seu objeto de estudo e alguns de seus mais importantes representantes,
como Joshua Freeman, Steve Fraser, Eric Foner, David Montgomery e William Forbath,
28
Cf. COLLINS, Robert. More. Op. Cit.
29
Cf. BRODY, David. “The old labor history and the new: in search of an American working-class”. In
Labor history, Vol. 20, n. 1 (Inverno de 1979), p. 115.
30
O chamado “fim as ideologias” era termo comum nos anos 1950, referido à exaustão do marxismo no
Ocidente e também presente em mudanças na orientação acadêmica dos estudos estudos históricos para
analíticos, do processual para o estrutural, da economia para a cultura. No dizer de Thomas Bender, assim
como a expressão “história consensual”, o “fim das ideologias” presumia que todas as grandes questões
estavam assentadas e o conflito político se daria dentro do consenso maior. Cf. BENDER, Thomas. Op. Cit.,
p. 32; NOVICK, Peter. Op. Cit., p. 333; DUBOFSKY, Melvyn. Hard work. The making of labor history.
33
não se furtaram a unir-se a líderes sindicais, economistas, feministas, ambientalistas e
outros intelectuais e militantes do movimento social com vistas a revitalizar a ação da AFL-
CIO.
31
Ao evidenciar seu compromisso com seu objeto de estudo, os novos historiadores do
trabalho percebem que, se inexiste produção do conhecimento sem uma visão de mundo
que a embase, a honestidade intelectual exige mesmo que tal visão de mundo se explicite.
32
A diferença entre o que passou a ser chamada de a velha e a nova história do
trabalho pode ser expressa nas duas figuras que as marcaram com a força de suas
personalidades e trajetórias de vida, o já referido John Commons e Herbert Gutman:
O primeiro, produto de uma pequena cidade de Indiana, de formação
presbiteriana, desde cedo adotou noções spencerianas e evolucionistas do
progresso social; o segundo, um judeu nova-yorquino filho de um partisan
bolchevique, reenfatizou as fontes da desigualdade e dos antagonismos de
classe na vida americana. O primeiro enfocou seu estudo nas instituições e,
ao fazê-lo, no trabalhador americano qualificado do sexo masculino
[portanto, na AFL]; o segundo buscou as bases informais e comunitárias do
conflito trabalhista e, ao fazê-lo, enfatizou sua pluralidade e o papel cultural
dos imigrantes. O primeiro, um dedicado reformista da Era Progressista,
aceitou a legitimidade das instiutições capitalistas na América; o segundo,
alinhando-se à onda de insurgência dos anos 1960, questionou não somente
a lógica imediata das estruturas capitalistas mas também o grau de consenso
popular historicamente a elas associado.
33
A nova história do trabalho reve laria que, se principalmente após 1955, o trabalho
organizado norte-americano tornou-se fato crescentemente conservador, quando a AFL e o
Congress of Industrial Organizations (CIO) uniram-se para formar a AFL-CIO - cujo
presidente, George Meany, chegou a afirmar que nunca havia participado de greves e
piquetes e que não via grandes diferenças entre seus pontos de vista e os da National
Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 2000, p. 19.
31
Cf. FRASER, Steven e FREEMAN, Joshua (org.). Audacious democracy. Labor, intellectuals, and the
social reconstruction of America. Boston e Nova York: Houghton Mifflin Company, 1997.
32
Cf. EAGLETON, Terry. Teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 15.
33
FINK, Leon. In search of the working class. Essays in American labor history and political culture. Urbana
e Chicago: University of Illinois Press, 1994, p. 3, 4.
34
Association of Manufacturers (NAM) -,
34
a historiografia do consenso havia projetado tal
conservadorismo para as origens mesmas de tal movimento sindical, através de uma
dimensão memorialística que buscava rememorar alguns fatos e atores sociais e esquecer
outros, de forma a legitimar o presente em questão.
35
Assim, por exemplo, tal qual a velha
história do trabalho, a historiografia do consenso enfatizou o papel da AFL, ressaltando seu
contratualismo e economicismo e sua rejeição a mudanças na ordem social e econômica
vigente, relegando a segundo plano importantes organizações operárias do século XIX,
como os Knights of Labor, jornadas sindicais extremamente violentas e movimentos
radicais do século XX, como o Industrial Workers of the World (IWW).
A nova história do
trabalho, pelo contrário, não só buscou centrar suas atenções no IWW e outras organizações
operárias e partidos políticos, como o Partido Socialista Americano, como questionou o
próprio conservadorismo intrínseco da AFL, a partir de estudos que revelaram as diversas
correntes políticas nela aninhadas em sua origem, várias de tradição socialista, e os seus
projetos de reforma social que, somente a partir de fins do século XIX, deram lugar a
posições social, política e economicamente conservadoras.
36
O IWW é particularmente representativo da mudança operada pela nova história do
trabalho na perspectiva das organizações de trabalhadores de inícios do século XX.
Percebido pela historiografia tradicional como um movimento anarco-sindicalista trazido
para a América nas primeiras décadas do século por imigrantes politicamente radicalizados,
34
Apud GEORGAKAS, Dan e SURKIN, Marvin. Detroit: I do mind dying. Cambridge: South End Press,
1998, p. 32.
35
Cf. NORRA, Pierre. Les lieux de mémoire, vol.1. Paris: Gallimard, 1984, p. XIX.
36
Cf. GERSTLE, Gary. “Ideas of the American labor movement, 1880-1950”. In COCLANIS, Peter e
BRUCHEY, Stuart (orgs). Ideas, ideologies and social movements: the United States experience since 1800.
University of South Carolina Press, 1999, p. 73; FORBATH, William. Op.Cit. SALVATORE, Nick. Eugene
Debs. Citizen and socialist. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1982; MONTGOMERY, David.
The fall of the house of labor. The workplace, the state, and American labor activism, 1865-1925. Cambridge:
35
portanto com algo a ela estrangeiro, o IWW surge na nova história do trabalho como um
fenômeno político-social essencialmente americano. Ao contrário dos movimentos
anarquistas europeus, seus membros já estavam em grande parte desabilitados pelo intenso
processo de modernização dos processos produtivos que se seguiu ao fim da Guerra de
Secessão e, embora propugnasse a ação direta no local de trabalho, a greve geral e a
rejeição à política institucionalizada como forma de derrubada do sistema de
assalariamento, o IWW teve sua origem articulada ao Partido Socialista Americano, que
defendia, justamente, a via eleitoral para a construção do socialismo. Ademais, os
militantes do IWW eram em sua grande maioria americanos de nascença, brancos e negros,
trabalhadores rurais e urbanos, muitos dos quais destituídos de família, que vagavam pelas
imensidões do país à busca de trabalho. Exatamente por nele verem um substituto para
instituições como a família, o templo, as agências de ajuda-mútua e de cultura, que os
imigrantes rapidamente construíram nos Estados Unidos no âmbito de suas comunidades,
os militantes americanos do IWW eram a ele mais fiéis do que os estrangeiros.
37
Os novos historiadores também buscaram repensar as práticas e as idéias dos
trabalhadores americanos sob novas luzes e uma tradição operária, distinta da européia mas
nem por isso menos socialmente transformadora, foi revelada. O PS e outras organizações
operárias freqüentemente substituíram palavras de ordem de inspiração marxista por
valores do republicanismo americano, percebidos como antitéticos ao capitalismo, não
constituindo coincidência o fato de a maior greve nos Estados Unidos até 1860 ter ocorrido
no dia do aniversário de George Washington, marcando a associação entre a luta dos
Cambridge University Press, 1987; DUBOFSKY, Melvyn. We shall be all. Nova York: Quadrangle Books,
1965.
37
Idem.
36
trabalhadores e a herança da Revolução.
38
No mesmo registro, os Knights of Labor, a
primeira central sindical norte-americana de massas do século XIX, afirmava, em sua
Constituição, que os Estados Unidos deveriam optar entre o sistema de trabalho assalariado
ou o sistema republicano de governo, propondo o fim da propriedade privada dos meios de
produção e sua substituição por cooperativas de produtores como meio de abolição do
sistema de assalariamento.
39
Conseqüentemente, o que era até então considerado evidência
de conservadorismo, a quase ausência de símbolos e tradições da esquerda européia e a
referência sistemática à Revolução Americana, ganhou novos contornos, como também
ganharam contornos os primeiros partidos operários, organizados ainda na década de 1820,
em Nova York e Filadélfia. Thomas Skid more, um dos principais organizadores de tais
partidos e crítico da idéia de que a livre competição entre os indivíduos resultaria em
benefícios para os trabalhadores, defendia que, enquanto a propriedade fosse desigualmente
distribuída, o governo deveria ser o responsável por garantir a todos, inclusive às mulheres
e aos negros, os instrumentos necessários para que vivenciassem efetivamente suas
liberdades e autonomias republicanas.
Ao longo do século XIX, vários foram os partidos operários organizados nos
Estados Unidos, localizando-se sobretudo nos níveis municipal e estadual, dado que, pela
interpretação da Constituição então vigente, a regulação das condições de trabalho estava
38
Cf. FINK, Leon. “Labor, liberty, and the law: trade unionism and the problem of the American
constitutional order”. In The Journal of American History, The Constitution and American life: a special
issue, Vol. 74, No. 3 (Dezembro de 1987), p. 907; Para alguns autores, como Sean Wilentz, o republicanismo
dos trabalhadores americanos do século XIX constituía uma forma de consciência de classe plenamente
amadurecida. Para Gerstle, no entanto, tal republicanismo resultava de um amálgama de várias tradições
políticas diferentes, algumas centradas na noção de classe, outras não. Assim, por exemplo, muitos indivíduos
expressaram sua oposição ao regime de assalariamento, em bases republicanas, buscando tornar-se pequenos
proprietários. O republicanismo dos trabalhadores engendrou portanto tanto estratégias coletivas e classistas
quanto estratégias individuais. Cf. GERSTLE, 1999, p. 75 e seguintes e WILENTZ, Sean. Op. Cit.
38
Cf. FINK, Leon. Op. Cit., 1987, p . 907.
39
Cf. GERSTLE, Gary. Op. cit., 1999, p. 75; FONER, Eric. “Intellectuals and labor. A brief history”. In
FRASER, Steve e FREEMAN, Joshua (orgs.). Op. Cit., p. 49.
37
fora da jurisdição federal.
40
No âmbito estadual, tais partidos demandavam a criação de
estudos estatísticos sobre condições de trabalho, restrições ao trabalho infantil, distribuição
gratuita de livros didáticos para alunos pobres, decretação da ilegalidade da importação de
trabalhadores fura-greves, jornada de trabalho de dez horas etc. Em alguns estados, tais
demandas tornaram-se vitoriosas e, ao fim do século XIX, o socialismo municipal era um
fenômeno importante nos Estados Unidos.
41
Em Milwaukee, o United Labor Party
transformou-se no Social Democratic Party e produziu três décadas consecutivas de
programas voltados para os trabalhadores: as escolas transformaram-se em centros
comunitários, serviços médicos e legais gratuitos foram oferecidos e mesmo concertos
sinfônicos tornaram-se parte da paisagem da cidade. Neste sentido, as demandas dos
trabalhadores não limitavam-se a leis regulatórias sobre o mercado de trabalho, mas
também em esforços para criar espaços urbanos com serviços e infra-estrutura que o
mercado livre de tais produtos e serviços não oferecia. Ainda assim, a maior parte das
demandas dos trabalhadores, mesmo onde partidos de trabalhadores estavam organizados,
não foram atendidas pelos Legislativos municipais e estaduais. Quando a Convenção
Constitucional de Nova York reuniu-se em 1894, derrotou propostas como merendas
escolares gratuitas, limites na jornada de trabalho de mulheres e crianças, uma corte arbitral
do trabalho etc.
42
Como resultado, Samuel Gompers, presidente da AFL, afirmaria: “É
ridículo imaginar que os assalariados podem ser escravos no local de trabalho e, ainda
assim, ganhar o controle [do governo] através de eleições. Nunca existiu simultaneidade
40
Cf. MONTGOMERY, David. Citizen worker. The experience of workers in the United States with
democracy and the free market during the nineteenth century. Cambridge: Cambridge University Press, 1995,
p. 148 e seguintes.
41
Para uma visão panorâmica sobre o socialismo americano, Cf. HOWE, Irving. Socialism and America. San
Diego, Nova York e Londres: Harcourt Brace Janovich, Publishers, 1985.
42
Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 152.
38
entre autocracia no chão-da-fábrica e democracia na vida pública”.
43
O PSA, que logo viria
a ser adversário da AFL, nasceu justamente da convicção de Eugene Debs e outros líderes
sindicais de que a luta sindical, realizada dentro das balizas do capitalismo, seria ineficaz,
tornando-se necessária portanto a conquista do Estado e a construção do socialismo.
44
Também o conceito de americanismo seria repensado pelos novos historiadores, que
o perceberam como passível de ser apropriado de diferentes formas por uma classe
trabalhadora em boa medida estrangeira ou americana de primeira geração e submetida a
um intenso processo de americanização por parte do Estado, reformadores sociais e
empresários. Desta forma, os trabalhadores americanos teriam retrabalhado a noção de
americanismo, transformando-o não em instrumento de submissão política e ideológica,
mas de identidade de classe e transformação social, inclusive no sentido de contribuir para
que os diferentes componentes étnicos da classe trabalhadora americana se percebessem
como uma única classe social.
45
Mesmo o IWW teve como um de seus principais
instrumentos de luta a defesa da livre expressão como garantida pela Primeira Emenda à
43
GOMPERS, Samuel. Apud Cf. MONTGOMERY, David. Op.Cit., 1995, p. 159.
44
Em seu programa de 1912, o Partido Socialista Americano afirmaria: “Declaramos [que as injustiças e
desigualdades sociais] são um produto do presente sistema, no qual a indústria serve aos objetivos da
ganância individual, ao invés do bem-estar social. Declaramos, ainda, que para remediar tais males não pode
haver alternativa exceto o Socialismo, no qual a indústria voltar-se-á para o bem comum e cada trabalhador
receberá o pleno valor social da riqueza que criar”. PARTIDO SOCIALISTA AMERICANO. “Socialist Party
Platform of 1912”. Apud COMMAGER, Henry Steele. Documents of American History since 1898. Nova
York: Appleton-Century-Crofts, 1963, p. 69, 70.
45
Cf. GERSTLE, Gary. Working-class Americanism. The politcs of labor in a textile city, 1914-1960.
Cambridge: Cambridge University Press, 1989. Em 1939, em meio a lutas faccionais no seio do United Auto
Workers, então o mais importante sindicato americano, um de seus militantes escreveria um poema intitulado
“O que é o sindicalismo americano?”. Em uma das estrofes, ele mesmo responderia: “O sindicalismo
americano, todos concordamos,/Pertence a qualquer trabalhador a você e a mim./Precisamos nos unir em
uma causa comum./De acordo com as leis, somos todos americanos./Temos várias nacionalidades, cores e
credos/Mas não nos curvaremos ao que Homer Martin quer [o líder sindical responsável pelo racha no
sindicato. V. capítulo 4]/Mas se estamos na América, um homem só não pode mandar”. JONES, E. Buck.
“What is American unionism?”. UNITED AUTO WORKERS. United Auto Worker. Detroit: Vol. III, No. 9,
4 de março de 1939, p. 4.
39
Constituição, percebida como uma liberdade essencialmente americana.
46
William
Haywood, o Big Bill Haywood, sua principal liderança, certa vez afirmou que o IWW
… desenvolveu, entre os mais baixos segmentos dos escravos assalariados
da América, como nunca antes, um senso de sua importância e de suas
capacidades. Assumindo o controle de suas responsabilidades e de seus
interesses, os desorganizados e desafortunados foram reunidos e conduziram
alguns dos mais expressivos movimentos grevistas, lutas pela livre
expressão e batalhas pelos direitos constitucionais.
47
Tais palavras evidenciam que a tradição operária americana, mesmo em sua versão
anarco-sindicalista, teve sempre presente a herança republicana da Revolução Americana, a
idéia de que, em fins do século XVIII, fundara-se algo politicamente novo, cujo legado não
deveria ser monopólio de grupos, classes, partidos ou da Suprema Corte, mas deveria ser
disputado na esfera pública e no campo da cultura política.
A nova história do trabalho, em suma, buscou realizar um esforço no sentido de
compreender o passado americano a partir de um novo olhar para o movimento operário,
inclusive descortinando dimensões da vida dos trabalhadores, como as referentes aos seus
modos de vida, hábitos, etnicidade, gênero e cultura, que estavam ausentes da historiografia
do consenso.
48
Como resultado, revelou-se uma classe trabalhadora ao menos tão disposta
quanto as européias a implementar ações coletivas para conquistar e manter direitos.
Se os novos historiadores do trabalho descortinaram um mundo de trabalhadores
muito mais rico, complexo e combativo do que queria a historiografia do consenso, coube
também a alguns deles, ao lado de historiadores do direito, ressaltar o papel central do
Estado americano, através da ação do Poder Judiciário, no processo que levaria à
46
Cf. RABBAN, David. Free speech in its forgotten years. Cambridge: Cambridge University Press, 1997,
Capítulo 2.
47
Apud DUBOFSKY, Melvyn. Hard work. The making of labor history. Urbana e Chicago: University of
Illinois Press, 2000, p. 74.
48
Cf. FINK, Leon. “American labor history”. In FONER, Eric (org.). The new American history.
40
desarticulação de diversas organizações operárias do século XIX e à guinada conservadora
da AFL.
49
De certa forma, o excepcional na experiência histórica dos Estados Unidos do
século XIX e primeiras décadas do século XX, face às européias, parece não ter sido a
natureza essencialmente conservadora do seu movimento operário, mas as instituições
estatais americanas, assim como a forma como interagiram o Estado e os sindicatos.
Philadelphia: Temple University Press, 1990, p. 233-250.
49
Cf. FORBATH, William. Op. Cit. HATTAM, Victoria. Labor visions and the state power: the origins of of
business unionsim in the United States. Princeton: Princeton University Press, 1993; ERNST, Daniel.
Lawyers against labor. From individual rights to corporate liberalism. Urbana e Chicago: University of
Illinois Press, 1995.
41
1.2. O Estado americano no século XIX
A uma primeira vista, o Estado americano do século XIX pode ser descrito como
um Estado como outro qualquer: manteve uma ordem legal em todo o território do país, fez
guerras, conquistou novos territórios, manteve relações diplomáticas com outros países,
incorporou novos estados à União e incentivou o desenvolvimento econômico. No entanto,
sob diversos aspectos, organizou-se de forma bastante peculiar.
50
A Revolução Americana representou uma revolta não apenas contra um poder
colonial específico, o britânico, mas também uma rejeição aos princípios organizacionais e
políticos deste poder. Ao contrário da independência do Brasil, por exemplo, em que o
processo de separação da metrópole colonial se deu por um membro da própria Corôa,
resultando na manutenção do regime monárquico e na internalização da metrópole,
51
a
república norte-americana nasceu fazendo a crítica da concentração e especialização das
instituições estatais e de sua capilaridade no seio da sociedade civil. Conseqüentemente,
durante a experiência confederada de 1777-1783, a soberania popular repousava não em um
poder centralizado, mas em 13 legislaturas estaduais, nas quais sistemas eleitorais
majoritários e eleições freqüentes deixavam os governos sob o controle recorrente dos
eleitores. O poder da União era praticamente inexistente, podendo atuar somente nos
problemas relativos à guerra, às relações exteriores, à defesa, à ratificação de tratados e à
50
A apresentação a seguir, salvo quando indicado em contrário, está baseada em SKOWRONEK, Stephen.
Building a new American state. The expansion of national administrative capacities, 1877-1920. Cambridge:
Cambridge University Press, 1997.
51
Cf. DIAS, Maria Odila Silva. “A interiorização da metrópole (1808-1853)”.In MOTA, Carlos Guilherme
(org). 1822. Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 160-184.
42
moeda.
52
Para seus críticos, tal sistema político encerrava um potencial desestabilizador de
grande intensidade.
Desta forma, o desafio dos constitucionalistas de 1787 era o de, rejeitando o modelo
centralizado dos Estados europeus, formular e legitimar uma organização estatal que
eliminasse os riscos da desintegração política e territorial inerente aos Artigos da
Confederação. Em carta enviada pelo encarregado francês de assuntos comerciais, Louis
Otto, ao ministro Conde Charles de Vergennes, o desafio enfrentado pelos
constitucionalistas está claramente formulado:
Desde há muito, se faz necessário injetar ao governo federal mais energia e
vigor, mas também é certo que a independência excessiva outorgada aos
cidadãos em relação aos estados, e aos estados com relação ao Congresso, é
demasiado cara aos indivíduos, que hesitam em dela despojar-se sem
grandes preocupações. O povo não ignora que a conseqüência lógica de um
maior poder outorgado ao governo seria o de uma arrecadação regular de
impostos, uma severa administração da justiça, direitos extraordinários sobre
as importações, execuções rigorosas contra os devedores e, por fim, uma
acentuada preponderância dos homens ricos e dos grandes proprietários.
53
Tal desafio revelou-se de complexa superação e a engenharia institucional
resultante deixaria uma ampla gama de questões sem repostas claras. Divididos entre
federalistas, defensores da maior centralização do poder no nível da União, e anti-
federalistas, preocupados em preservar o poder dos Estados, os constituintes acabaram por
produzir uma Constiutição que diluía o poder tanto horizontal quanto verticalmente.
54
No
nível da União, o poder foi dividido em três ramos distintos: um Legislativo bicameral, um
52
Cf. TOINET, Marie-France. El sistema politico de los Estados Unidos. México: Fondo de Cultura
Económica, 1994, p. 28.
53
OTTO, Louis. Apud TOINET, Marie-France. Op. Cit., p. 32.
54
Cf. MASON, Alpheus. “A herança política dos Estados Unidos. Revolução e governo livre. Um tributo
bicentenário”. In HARMON, M. Judd (org.). Ensaios sobre a Constituição dos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1978, p. 34. Para uma discussão breve mas esclarecedora dos Federalistas, cf.
LIMONGI, Fernando Papaterra. “’O Federalista’: remédios republicanos para males republicanos”. In
WEFFORT, Francisco (org.). Os clássicos da política. São Paulo: Editora Ática, p. 243-255.
43
Executivo e um Judiciário, trabalhando em um sistema de fiscalização mútua. Cada ramo
deveria representar o povo em sua totalidade, mas fazê-lo de forma distinta, por distintas
serem as formas de indicação de seus membros.
55
Assim, acreditava-se que as diferentes
representações filtrariam as distorções oriundas de uma forma exclusiva de representação.
Ademais, cada um destes poderes contrarrestaria o poder dos demais e mesmo dentro de
um mesmo Poder, o Legislativo, o Senado atuaria como um impedimento contra atos
legislativos da Câmara dos Deputados considerados impróprios, e vice-versa. É importante
lembrar que, embora a Independência tenha sido apresentada como uma reação aos abusos
do Rei Jorge III, justificando a construção da República, havia sido na realidade o
Parlamento britânico que legislara taxando os colonos, dando início às revoltas que
desembocariam na separação entre Metrópole e Colônia. Assim, os constituintes buscaram
criar um sistema em que nem o Poder Executivo nem o Legislativo poderiam centralizar o
poder. Por fim, tanto os atos do Legislativo quanto a ação do Executivo seriam passíveis de
revisão judicial, ainda que tal poder não esteja explicitamente colocado pela Constiutição.
56
Se cada Poder contrarrestava os demais, a força da soberania popular também
deveria ser limitada através de um sistema eleitoral que, principalmente no que concerne à
indicação do Presidente da República, visava sobretudo a filtrar a vontade popular através
de um colégio de grandes eleitores indicados pelos estados. Os diferentes estados poderiam
selecionar seus grandes eleitores de diversas formas: através da legislatura estadual reunida
em Congresso, pelo voto das duas casas legislativas estaduais, pelo voto de todos os
55
ESTADOS UNIDOS. Constitution of the United States. Article I, Section 2, 3, 4, 5; Article II, Section 1, 2.
56
Cf. HALL, Kermit. The magic mirror. Law in American history. Nova York, Oxford: Oxford University
Press, 1989, p. 60 e 73. No entanto, o Poder Judiciário é o mais refratário a ser contrarrestado pelos outros
poderes. Para o Juiz da Suprema Corte Harlan Fiske Stone, em uma opinião emitida em 1936, “Embora o
exercício inconstitucional do poder pelos ramos executivo e legislativo do Governo esteja sujeito à coibição
judicial, o único controle sobre nosso próprio exercício do poder é nosso próprio senso de autocoibição”.
Apud MASON, Alpheus. “A herança política dos Estados Unidos. Revolução e governo livre. Um tributo
44
eleitores do estado, pelos votos dos eleitores de cada circunscrição do estado, pela
legislatura estadual combinada com os eleitores, pela legislatura do estado com base em
uma lista proposta pelos eleitores e assim por diante.
57
Os constitucionalistas estavam
convencidos de que a democracia excessiva poderia colocar em risco os direitos de
propriedade e a estabilidade social.
58
Alexander Hamilton chegou mesmo a propor a
nomeação permanente de senadores e presidente, afirmando:
Todas as comunidades se dividem (...) entre uma elite e uma multidão. A
primeira é formada pelos ricos e a gente de berço, a segunda é formada pela
massa do povo. Se diz que a voz do povo é a voz de Deus mas, sem
embargo, ainda que esta máxima seja freqüentemente repetida, não
corresponde à verdade. O povo é turbulento e cambiante e raramente faz
julgamentos corretos. Em conseqüência, dê-se à primeira classe um lugar
claro e permanente no go verno; isto vai contrarrestar a insegurança da
segunda; e, como de fato, não há nenhuma vantagem na mudança, a segunda
manterá sempre um bom governo. Nada melhor do que um corpo imutável
para contrarrestar a imprudência da democracia. Suas disposições
turbulentas e sem freio exigem um contrapeso.
59
Por fim, o poder da União era contrarrestado pelo poder dos Estados, dado que a
Constituição vedava à União todas as atividades políticas, administrativas e regulatórias
que não fossem expressamente a ela designados. A rigor, o federalismo americano criou um
sistema em que duas autoridades, a da União e a dos estados, governavam o mesmo
território e o mesmo povo, sendo cada qual suprema em sua própria esfera e sem poder
algum na esfera da outra.
60
Em 1831, John Calhoun, um dos mais importantes defensores
do sistema de plantation escravista do Sul dos Estados Unidos, defendia o poder dos
estados nos seguintes termos:
bicentenário”. In HARMON, M. Judd. Op.Cit., p. 37.
57
Cf. TOINET, Marie-France. Op. Cit., p. 336.
58
Cf. HALL, Kermit. Op. Cit., p. 71.
59
HAMILTON, Alexander. Apud TOINET, Marie-France. Op. Cit., p. 34.
60
Cf. MASON, Alpheus. Op. Cit., p. 38.
45
O grande princípio diretivo [da Constituição] é que o governo geral emanou
do povo dos diversos Estados, formando comunidades políticas distintas e
agindo em sua capacidade separada e soberana, e não de todo o povo
reunido numa comunidade política agregada; que a Constituição dos Estados
Unidos, na verdade, é um acordo, do qual cada Estado é uma parte, com o
caráter já descrito; e que os diversos Estados, ou partes, têm o direito de
julgar-lhes as infrações e, no caso de um exercício deliberado, palpável e
perigoso de poder não delegado, têm o direito, em último recurso, de usar a
linguagem das resoluções de Virginia: “de intervir para deter o progresso do
mal, e manter, dentro dos respectivos limites, as autoridades, os direitos e as
liberdades que lhes pertencem”.
61
Mais de cem anos depois das palavras de Calhoun, a Associação dos Manufatores
de Nova Jersey, protestando contra as tentativas de regulação das relações de trabalho pelo
governo federal do New Deal, reproduziriam o mesmo tipo de discurso, defendendo a total
retirada do governo federal e de suas agências de cada fase de intervenção, regulação ou
controle das relações de trabalho na indústria, dado que tais campos estariam fora da
jurisdição federal.
62
A Constituição dos Estados Unidos conformava, portanto, um sistema político em
que os diferentes poderes da União e o sistema federativo buscavam criar um novo aparato
estatal de molde diferente do centralizado e burocratizado estado europeu. Ainda assim, os
instrumentos de separação do poder criados pela Constituição foram julgados insuficientes
para defender o indivíduo contra o arbítrio do Estado e, portanto, a obra constitucional só
foi efetivamente finalizada em 1791, com a criação das dez primeiras Emendas que viriam
constituir a Carta dos Direitos, que, dentre outros princípios, garantiam as liberdades de
religião, pensamento e imprensa.
63
61
CALHOUN, John. “Discurso sobre os direitos dos Estados, 26 de julho de 1831”. In SYRETT, Harold
(org.). Documentos históricos dos Estados Unidos. São Paulo: Cultrix, 1980, p. 152.
62
MANUFACTURERS' ASSOCIATION OF NEW JERSEY. Twentieth Annual Convention. Atlantic City,
New Jersey, May 8, 1935. FDR Library. PPF. 1820. Speech Material: Business vs. New Deal. The
Constitution, Cont. 9
63
Cf. STORING, Herbert. “A Constituição e a Carta de Direitos”. In HARMON, M. Judd. Op. Cit., 51-74.
46
Diante de um tal cenário institucional, logo surgiram propostas de se construir
aparatos e rotinas estatais que, se não se conformavam inteiramente à tradição
centralizadora estatal européia, ao menos conferissem alguma viabilidade operativa à nova
organização estatal. De fato, esta mostrava-se tão institucionalmente fragmentada e com
fronteiras jurisdicionais tão tênues, que temia-se, mais uma vez, pela sua dissolução,
principalmente pelo fato de que uma ampla gama de problemas e desafios não colocados
aos constituintes de Filadélfia, mas que logo se apresentariam, evidenciavam a ausência de
instrumentos claramente definidos, ou ao menos sugeridos, para sua superação. Assim, no
que diz respeito à regulação das relações de trabalho, o governo da União só poderia
estabelecer normas para categorias de trabalhadores livres cujas atividades se inserissem no
comércio entre diferentes Estados e do país com o exterior, mas não para aquelas cujas
atividades se limitassem ao comércio intra-estadual.
64
Cedo, no entanto, as regulações
estaduais mostrar-se-íam insuficientes para fazer face a uma economia crescentemente
nacional, ensejando conflitos entre os governos dos estados e o da União. Alexander
Hamilton foi o principal proponente da concentração do poder pelo governo da União e, no
âmbito deste, pelo Poder Executivo. No entanto, ao longo do século XIX, as únicas
instituições do governo federal com real penetração em todo o território nacional foram os
correios e as alfândegas. Mesmo o exército da União era bastante limitado, tendo sido em
boa medida desarticulado após a Reconstrução.
65
Mas, ao contrário do que temia Hamilton,
a União não se fragmentou, e isto em razão de duas instituições que mantiveram uma
coesão mínima do novo corpo político: os partidos políticos e o sistema judiciário.
64
A Seção 8 do Artigo 1 afirma: “O Congresso tem o poder para regular o comércio com nações estrangeiras
e entre os diversos estados, assim como com as tribos indígenas”. ESTADOS UNIDOS. Constitution of the
United States. Como será visto ao longo deste trabalho, este foi um dos princiapis desafios do New Deal.
65
Cf. SKOWRONEK, Stephen. Op.Cit.
47
Entre 1790 e 1840, os estados do norte já haviam extendido o direito de voto a todos
os homens brancos e, com o fim da Guerra Civil e a abolição da escravidão, os estados do
Sul, em função da Reconstrução, extenderam-no, ainda que temporariamente, aos negros.
66
Tal extensão era justificada pela retórica dos direitos iguais e da soberania popular, e se deu
neste período sobretudo porque os pequenos proprietários rurais conformavam a maior
parte dos novos eleitores. De fato, com exceção de Rhode Island, único estado onde o
número de trabalhadores assalariados na manufatura era superior ao da população rural
livre e onde a extensão do direito de voto só se deu na década de 1840, nos demais estados
o número de assalariados era extremamente reduzido. O estado de Maryland foi o primeiro
a, em 1801, emendar sua Constituição e abolir qualquer qualificação censitária para o voto.
Em 1840, cerca de 2,5 milhões de americanos votavam, ao passo que apenas cerca de 250
mil estavam formalmente alistados nas igrejas e, ao longo do século XIX, as manifestações
partidárias reuniam mais pessoas do que os serviços dominicais.
67
Entre o fim da Guerra de
Secessão e o início do século XX, em nenhuma eleição presidencial o comparecimento às
urnas foi inferior a 70% do eleitorado e, em 1876, chegou a quase 82%, para a partir de
então entrar em declínio.
68
A partir das primeiras décadas do século XIX, embora os Pais Fundadores da
República houvessem por diversas vezes advertido contra o perigo que as facções
representavam para esta, os partidos políticos estabeleceram rotinas para a mobilização de
tais votos em um sistema bipartidário que acabou por funcionar como um canal de ligação
entre os estados e o governo da União. Por outro lado, os partidos possibilitaram o
66
Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 3.
67
Idem, p. 15 e seguintes.
68
Cf. SCHLESINGER, Jr., Arthur. Os ciclos da história americana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1992, p. 289.
48
relacionamento entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, rotinizaram procedimentos
administrativos, estabeleceram relações de patronagem e de recrutamento de militantes. Por
volta de 1850, as máquinas partidárias haviam se tornado centrais para manter a coesão
política do país.
Enquanto os partidos políticos deram coerência operacional às instituições
governamentais, os tribunais determinaram o próprio significado da lei. Ao fim e ao cabo, a
Constituição e as prerrogativas governamentais acabaram resultando no que a Suprema
Corte dos Estados Unidos determinava que deveriam significar. Como árbitro final das
disputas institucionais e jurisdicionais, a Suprema Corte torneou as relações
intergovernamentais, legitimando formas de interação entre estados, entre o nível estadual e
o nacional e dentro do próprio nível nacional. Assim, enquanto os partidos eram menos
notórios por seus programas do que por sua unidade institucional, os tribunais tornaram-se
fundamentais pela sua definição substantiva da lei, herdada da tradição da common law, o
sistema de leis desenvolvido por juízes e baseada em precedentes, tornando legiferantes as
decisões judiciais. Juntos, os tribunais e os partidos formaram o coração do Estado
americano em seus primeiros tempos.
69
No entanto, após o fim da Guerra Civil, a economia americana começou a tornar-se
cada vez mais diferenciada e abrangendo mercados cada vez mais amplos, principalmente
a partir do papel integrativo das estradas-de-ferro. Foi neste momento que teve início a
tensão entre, de um lado, tal sistema político e, de outro, a necessidade cada vez mais
premente de regulações que coesionassem as regras e os procedimentos do sistema
econômico, visto que se o sistema de partidos e tribunais dava alguma consistência a um
sistema político fragmentado, revelava-se no entanto incapaz de superar tal fragmentação.
49
A Interstate Commerce Commission (ICC), de 1887, foi a primeira agência regulatória
independente em nível federal, com membros indicados pelo Presidente da República, com
vistas a regular as atividades das ferrovias, buscando assim superar a fragmentação do
conjunto de regulações estaduais para o setor.
70
Em decorrência da configuração do estado de “cortes e partidos” e da natureza do
federalismo americano, e ao contrário do que ocorreu na Europa, ao longo da segunda
metade do século XIX e primeiras do XX, as relações dos trabalhadores americanos com o
aparato estatal se deu sobretudo através do Poder Judiciário. Como resultado, a partir da
Guerra de Secessão, quando as relações de trabalho assalariado se generalizaram, as novas
relações entre patrões e empregados, baseadas no livre mercado, foram desenvolvidas
através da common law por tribunais, e não por legislativos eleitos.
71
A rigor,
particularmente nas duas últimas décadas do século, o destino do movimento sindical
americano moldou-se a partir de seus embates com os tribunais.
72
Portanto, ainda que de
forma diferenciada do ocorrido na Europa, onde estados crescentemente centralizados
foram ganhando cada vez mais recursos políticos e administrativos ao longo do século XIX,
o Estado americano, embora possuindo uma burocracia relativamente reduzida e poderes
relativamente limitados, não esteve em absoluto ausente da regulação da vida social e
econômica dos Estados Unidos. Pelo contrário, a partir da ação do Poder Judiciário, impôs
restrições efetivas à expressão política e às formas organizativas dos trabalhadores.
73
69
Cf. HALL, Kermit. Op. Cit.
70
Cf. SKOWRONEK, Stephen. Op. Cit.
71
Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 50.
72
Cf. DUBOFSKY, Melvyn. “The Federal Judiciary, free labor, and equal rights”. In SCHNEIROV, Richard;
STROMQUIST, Shelton e SALVATORE, Nick (orgs.). The Pullman strike and the crisis of the 1890s.
Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1999, p. 159.
73
Cf. MONTGOMERY, David. Op.Cit., 1995, p. 117.
50
1.3. O Poder Judiciário e a desarticulação do movimento operário
Ao criticar a AFL em sua convenção de fundação, em 1905, o IWW afirmava:
Os trabalhadores não são mais classificados por diferenças de ofício [em
razão da desabilitação profissional advinda de novos processos de trabalho],
mas os empregadores os classificam de acordo com as máquinas para as
quais são designados. Tais divisões, longe de representar diferenças em
ofício ou interesses entre os trabalhadores, são impostas pelos empregadores
para que os trabalhadores se voltem uns contra os outros, e para que toda a
resistência à tirania capitalista possa ser enfraquecida por distinções
artificiais.
74
Com tais palavras, o IWW vinha ressaltar a distinção entre o tipo de perfil sindical
que defendia, o industrial, no qual todos os trabalhadores de um mesmo ramo de produção
deveriam pertencer a um só sindicato, e o sindicalismo profissional predominante na AFL,
no qual as organizações operárias eram divididas por ofícios. Mas as diferenças entre o
IWW e a AFL iam além. O programa do primeiro afirmava que a classe trabalhadora e a
capitalista nada tinham em comum e que entre as duas deveria haver uma luta permanente,
até que os trabalhadores tomassem posse da terra e dos meios de produção e acabassem por
abolir o sistema de assalariamento. Por esta razão, diante do que considerava o
conservadorismo político e social da AFL, assim como seu diversionismo no seio do
movimento sindical, expresso na insistência em organizar os sindicatos por ofícios, Big Bill
Haywood afirmaria, não sem ironia: “Foi dito que esta convenção tem o objetivo de formar
uma organização rival à AFL. Isto é um erro. Nós estamos aqui para formar uma
organização operária”.
75
O sindicalismo industrial e o radicalismo político não eram criações do IWW. Pelo
contrário, ambos surgiram ainda no século XIX, em larga medida como resultado de dois
74
INTERNATIONAL WORKERS OF THE WORLD. Manifesto adotado em 2, 3 e 4 de janeiro de 1905.
Apud KORNBLUH, Joyce (org.). Rebel voices. An IWW anthology. Chicago: Charles Kerr Publishing Co.,
51
fenômenos interligados que se desenvolveram na economia e sociedade americanas no pós-
Guerra Civil: a introdução de novas técnicas de produção para um mercado em expansão, o
que acarretou a crescente desabilitação da força de trabalho e tornou menos eficazes as
organizações reunidas em torno de ofícios, e, já na década de 1890, a consolidação das
grandes corporações, que generalizaram as relações de assalariamento, empregando um
conjunto heterogêneo de trabalhadores.
76
Tais processos iriam contribuir para a constituição
de organizações de trabalhadores voltadas para negociações com empregadores
corporativos e o sindicato industrial, por abarcar conjuntos mais amplos de trabalhadores,
revelava-se o formato institucional mais adequado à nova realidade econômica e à nova
forma organizativa do empresariado. A primeira grande organização operária norte-
americana, a Knights of Labor, fundada em 1869, já possuía tal perfil, chegando a reunir
cerca de um milhão de membros na década de 1880. Foi graças às demandas dos
Cavalheiros do Trabalho que, ainda no século XIX, foram criadas as primeiras agências
estaduais para o estudo das condições de vida e trabalho dos operários e artesãos
americanos, destacando-se, em 1869, o primeiro Bureau of Labor, no estado de
Massachusetts.
77
Por outro lado, mesmo a AFL, fundada em 1886, possuía, em seu programa de
1894, uma agenda política radical, defendendo a propriedade pública de diversos setores
industriais e a regulação estatal do mercado de trabalho. Em 1891, seu presidente, Samuel
Gompers, afirmava:
1998, p. 8, 9.
75
INDUSTRIAL WORKERS OF THE WORLD. Proceedings, First IWW Convention, p. 153.
76
Cf. GALAMOBOS, Louis e PRATT, Joseph. The rise of the corporate commonwealth. US business and
public policy in the twentieth century. Nova York: Basic Books, Inc., 1988.
77
Cf. STEWART, Estelle (Bureau of Labor Statistics). “A quarter century of governmental labor activity”. In
Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 46, No. 2, Fevereiro de 1938, p.
299.
52
Educar nossa classe, prepará-la para as mudanças vindouras, estabelecer um
sistema industrial cooperativo no lugar do sistema de assalariamento,
emancipar os trabalhadores do jugo dos capitalistas, esses são os nossos
objetivos finais. Estamos nos aproximando de uma grande revolução que,
baseada na ação organizada, está destinada a assumir o controle das
indústrias e do governo da nação.
78
Em princípios do século XX, no entanto, a Knights of Labor já estava morta e a
AFL não mais defendia o fim do sistema de assalariamento, mas apenas melhores
condições de trabalho e salários mais elevados para seus membros, a serem alcançados
através de negociações coletivas entre sindicatos e empresas. Sua preocupação central então
era assegurar o controle sobre os mercados de trabalho em que seus sindicatos profissionais
atuavam, estabelecendo regras que estabilizassem as condições de trabalho e remuneração
de seus membros. A AFL, portanto, já não mais possuía fins políticos últimos, mas apenas
objetivos econômicos pontuais, e os interesses dos trabalhadores não mais surgiam como
articulados à cidadania republicana, mas apenas aos próprios trabalhadores enquanto tais.
79
A liberdade de contrato entre agentes privados com o objetivo de alcançar o “American
standard of living” tornara-se assim a palavra de ordem da AFL, uma espécie de “laissez
faire coletivo”, e a participação do Estado na regulação do mercado de trabalho era
rejeitada, como atesta o programa da central de 1923.
80
Mesmo quando a AFL defendia
medidas legislativas, como o Clayton Act, de 1914, fazia-o com o objetivo de limitar o
poder de ingerência estatal, nomeadamente do Poder Judiciário, nas relações entre
sindicatos e empresas.
81
Entre o republicanismo dos Knights of Labor e a agenda radical da
78
Apud TOMLINS, p. 56.
79
Cf. WOLFSON, Theresa e WEISS, Abraham. Industrial unionism in the American Labor Movement. Nova
York: The League for Industrial Democracy, 1937, p. 8; FINK, Leon. Op. Cit., 1987, p. 914.
80
Cf. FONER, Eric. The story of American freedom. Nova York e Londres: W.W. Norton & Co.,1998, p.
135; FINK, 1987, p. 916; MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1987, p. 7.
81
Cf. FORBATH, William. Op. cit., p. 13 e seguintes. Dentre outra medidas, o Clayton Act limitava o uso de
labor injunctions contra o movimento sindical, assim com previa o julgamento por um corpo de jurados de
53
AFL de fins do século XIX, e o contratualismo da AFL de princípios do século XX, o
movimento sindical norte-americano passou por um intenso processo de desarticulação por
parte do Poder Judiciário.
Já no século XIX, o papel do Poder Judiciário norte-americano havia chamado a
atenção de Tocqueville :
O que um estrangeiro com maior dificuldade compreende nos Estados
Unidos é a sua organização judiciária. Por assim dizer, não há ocorrência
política para a qual não ouça ele ser chamada a autoridade do juiz; e conclui,
à vista disso, naturalmente, que o juiz é, nos Estados Unidos, uma das
primeiras forças políticas. Depois, quando passa a examinar a constituição
dos tribunais, só descobre nela, a princípio, atribuições e hábitos judiciários.
Aos seus olhos, o magistrado nunca parece introduzir-se nos negócios
públicos a não ser por acaso; mas esse mesmo acaso repete-se todos os dias.
(...)
O juiz americano assemelha-se, pois, perfeitamente aos magistrados das
demais nações. É, entretanto, revestido de um imenso poder político.
82
E os juízes americanos exerceram seu poder político de forma larga. A interferência
do Poder Judicário na vida associativa dos trabalhadores americanos remonta a 1806,
quando, pela primeira vez, foi adotada a doutrina da conspiração por um tribunal federal,
indicando que a compreensão dos direitos republicanos que os trabalhadores esposavam era
bem distinta da esposada por aqueles oficialmente designados como os intérpretes da
Constituição.
83
Inspirada tanto pela common law como pelas Combination Acts britânicas,
réus acusados de desobediência a elas. Cf HALL, p. 245. A Seção 6 da Lei afirmava: “O trabalho humano não
é uma mercadoria ou artigo de comércio. Nada contido em leis anti-truste pode ser utilizado para proibir a
existência e operação de organizações de trabalhadores, agricultores ou horticultores, criadas com os
propósitos de ajuda-mútua, e não tendo capital ou sendo conduzidas por lucro, ou para proibir membros de
tais organizações de legalmente implementar os seus objetivos; nem devem tais organizações, ou seus
membros, ser vistos e tratados como combinações ou conspirações ilegais para restringir o comércio, sob as
leis anti-truste”. “The Clayton Anti-Trust Act. Oct. 15, 1914”. Apud COMMAGER, Henry Steele. Documents
of American History since 1898. Nova York: Appleton-Century-Crofts, 1963, p. 99, 100.
82
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Belo Horizonte e São Paulo: Editoria Itatiaia e
Edusp, 1977, p. 82.
83
Na base do sistema judiciário americano em nível federal estão 94 tribunais distritais, sendo que cada
estado possui ao menos um de tais tribunais. No nível intermediário, há 13 cortes de apelação, ou circuit
courts. Existe uma corte de apelação para cada região do país, totalizando 12, e uma corte de apelação para o
Federal Circuit, destinada a aliviar o trabalho das demais. Apenas cerca de 5% dos litígios federais julgados
54
aprovadas pelo Parlamento em1799 e 1800 e produzidas no clima de reação à Revolução
Francesa, que tornavam criminosas quaisquer ações coletivas de trabalhadores para
melhorar suas condições de vida, a doutrina americana definia a conspiração como um
acordo entre duas ou mais pessoas para perpetrar um ato ilegal. Embora pátria da
Revolução, a Assembléia Francesa também aprovaria, em 14 de junho de 1791, a Lei
Chapelier, que proibia qualquer associação de pessoas da mesma ocupação, mesmo que
para fins recreativos, baseando-se na idéia de que, no regime da liberdade, nenhum corpo
intermediário entre o estado e o indivíduo deveria ser reconhecido.
84
Nos Estados Unidos, no entanto, ao contrário do ocorrido na Inglaterra e na França,
foi o Poder Judicário, e não o Legislativo, que definiu, com exclusividade, o princípio da
conspiração. Aplicada às organizações de trabalhadores, ela afirmava que a negociação
coletiva do trabalho, em contraposição à individual, representava uma conspiração contra a
operação natural do mercado, por elevar artificialmente os salários e destruir a
competitividade econômica.
85
Ou, no dizer de um economista do período, “A sociedade é
uma vasta colméia de compradores e vendedores, e todo homem traz algo para o mercado e
leva algo consigo. Eu faço algo por você, você faz algo por mim, esta é a lei fundamental
da sociedade”.
86
Construiu-se então o que Daniel Ernst chamou de uma cultura legal
vitoriana, que glorificava o individualismo, a retitude pessoal e as práticas privadas no
interesse do bem-comum.
em primeira instância chegam às cortes de apelação. A ponta da pirâmide é a Suprema Corte. Cf. TOINET,
Marie-France. Op. Cit., p. 195 e seguintes.
84
Cf. RIMLINGER, Gaston. “Labor and the government: a comparative historical perspective”. In Journal of
Economic History, Vol. 37, No. 1 (Março de 1977), p. 211, 212.
85
Para uma discussão sobre o darwinismo social característico deste momento da história americana,
FONER, Eric. Op. Cit., 1988, 120 e seguintes.
86
Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 121.
55
A legitimidade da aplicação da common law sobre os esforços associativos dos
trabalhadores era questionada tanto por aqueles que a identificavam à tradição jurídica
britânica, portanto inaceitável para a República americana, quanto por aqueles que, como
Jeremy Bentham, defendiam a codificação das leis de modo a emancipar as relações de
trabalho de antigas tradições corporativas, permitindo assim o desenvolvimento das
relações mercantis do antigo princípio de que o direito privado devesse ser submetido ao
interesse público, um dos fundamentos da common law.
87
No entanto, conforme interpretada pelos juízes americanos, marcados por uma visão
de mundo em que o direito natural se assentava sobre o indivíduo e em que o costume não
tinha o peso da tradição inglesa, a common law tornou-se instrumento de desarticulação dos
esforços associativos dos trabalhadores. Em uma cultura legal em que interesses de grupo
ou coletivos não encontravam amparo na letra da lei, criou-se uma jurisprudência para as
relações de trabalho segundo a qual era negado aos trabalhadores o direito de dispor
ilimitadamente de sua força de trabalho através de greves ou boicotes, se tal disposição
infringisse os direitos de outros trabalhadores, prejud icasse a comunidade ou diluísse o
valor e o uso da propriedade privada.
88
O caso que deu origem à sentença de 1806, Philadelphia Cordwainers’ Case, girava
em torno da legalidade de uma associação de trabalhadores criada em 1794. Neste ano, em
meio a intensas discussões a respeito da codificação das leis, como defendia Bentham, ou a
manutenção da common law,
89
os jornaleiros do ofício de sapateiro da Filadélfia uniram-se
em uma Federal Society of Journeymen Cordwainers, com o objetivo de melhorar suas
87
Cf. MONTGOMERY, David. Citizen worker. The experience of workers in the United States with
democracy and the free market during the nineteenth century. Cambridge: Cambridge University Press, 1995,
p. 46, 47.
88
Cf. ERNST, Daniel. Op. Cit., 1995, p. 1 e seguintes.
89
Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 47.
56
condições de trabalho e padrão de vida, exigindo dos mestres do ofício que empregassem
apenas membros da associação. Em resposta, os mestres acabaram por persuadir as
autoridades municipais a julgar os jornaleiros por conspiração, sob a acusação de a Federal
Society ter constituído um “estado dentro do estado”, uma ameça às liberdades de todos,
por negar aos trabalhadores que dela não faziam parte o direito de vender seu trabalho
livremente.
Para os jornaleiros envolvidos na disputa, a liberdade e a independência prometidas
pela Revolução abarcavam a liberdade de estabelecer, coletivamente, as condições que lhes
permitissem a vivência efetiva da independência econômica e social republicana. Para seus
oponentes, assim como para os tribunais, liberdade e independênc ia republicanas
significavam a liberdade dos indivíduos de usarem suas propriedades, inclusive sua força
de trabalho, de forma produtiva, livres de constrangimentos oriundos de regulações
coletivas.
90
Segundo a opinião expressa pelo tribunal, “... uma combinação de trabalhadores
para aumentar seus salários pode ser considerada de duas maneiras: uma é a de beneficiar
seus membros, a outra a de causar prejuízos àqueles que dela não fazem parte. A lei
condena ambas”.
91
Tal visão do republicanismo acabaria por configurar-se como
plenamente dominante até 1842, período em que dezessete condenações por conspiração
foram realizadas contra organizações de trabalhadores.
92
Em 1842, a doutrina da conspiração começou a ser alterada no caso Commonwealth
v. Hunt, que girava em torno da capacidade de uma organização de trabalhadores impor sua
disciplina sobre cada um de seus membros individualmente. Jeremiah Horne fora multado
90
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 36; FINK, Leon. Op. Cit., 1987, p. 909; HALL, Kermit. Op. Cit.,
p. 112; GESTLE, Gary. Op. Cit., 1999, p. 74.
91
Apud JUSTICE, Betty. Unions, workers and the law. Washington, DC: The Bureau of National Affairs,
Inc., 1983, p. 9.
92
Cf. HALL, Kermit. Op. Cit, p. 113; RIMLINGER, Gaston. Op. Cit., p. 213.
57
pela associação da qual fazia parte por ter aceito trabalhar horas extras sem remuneração.
Quando seu empregador finalmente pagou as horas extras devidas, a multa foi retirada, mas
logo Horne foi novamente multado por outra infração. A associação decidiu então expulsá-
lo, deixando no entanto aberta a possibilidade de sua refiliação se ele se dispusesse a pagar
a multa correspondente e a assinar uma promessa de que iria, a partir de então, respeitar as
normas associativas. Diante de sua recusa, a associação exigiu de seu empregador que o
demitisse. Neste ponto, Horne dirigiu-se ao tribunal municipal de Boston, acusando a
associação de coação. O tribunal, baseado na doutrina da conspiração, deu-lhe ganho de
causa, e os sete membros da associação acusados de coação por Horne apelaram à Suprema
Corte de Massachusetts. O Juiz Lemuel Shaw, desta corte, reverteu a decisão do tribunal
municipal, afirmando que os melhores interesses da comunidade seriam resultado da
competição, e que as associações de trabalhadores eram um dos meios de estimular tal
competição. Portanto, ele estabelecia que as associações, em si, não eram ilegais, ainda que
seus atos pudessem sê-lo. As associações que visassem ao monopólio de seus ofícios
deveriam ser consideradas ilegais, por buscarem regular o mercado contra suas próprias leis
naturais, mas deveriam ser consideradas legais as que defendessem os interesses de seus
membros voluntariamente reunidos. Logo, os tribunais passaram a proteger a liberdade de
trabalhadores individuais contra o que consideravam uma coerção ilegal de associações de
trabalhadores que, em si, eram legais. Em Curran v. Galen, de 1897, a closed-shop, ou seja,
uma planta totalmente sindicalizada como resultado de um contrato coletivo de trabalho, foi
declarada ilegal, dado que o pertencimento ou não a um sindicato foi julgado como um
direito individual que não poderia ser imposto a um trabalhador para que ele obtivesse
emprego. Portanto, se as associações de trabalhadores não mais constituíam, por si sós,
conspirações contra o bem público, diversos tribunais continuaram a tratar suas atividades
58
como tais em razão do princípio da liberdade de contrato, baseando evidentemente tal
liberdade na percepção de que empregados e empregadores, do ponto de vista individual,
eram juridicamente iguais, portanto livres para celebrar acordos.
93
A partir de 1877, no entanto, em que pese diversos tribunais continuarem a
condenar associações de trabalhadores por conspiração, o principal instrumento utilizado
pelos tribunais com vistas a desarticular os esforços associativos dos trabalhadores
americanos seriam as labor injunctions, que chegaram a cerca de 10 mil até 1931. Com tais
injunctions, a lei criminal passava a dar lugar à lei civil como o principal método legal para
combater as organizações sindicais.
94
Legalmente, uma injunction é uma ordem emitida por um juiz para que qualquer
pessoa ou conjunto de pessoas sejam impedidos de fazer algo sem que um julgamento deva
ser realizado previamente. Desta forma, por exemplo, líderes sindicais que desobedecessem
a uma labor injunction emitida por um juíz para cessar um piquete, um boicote, ou outra
atividade qualquer, estavam sujeitos a punição sumária, inclusive prisão. A partir de 1885,
elas foram utilizadas em números crescentes, segundo o entendimento de que o direito ao
negócio, isto é, o direito do empresário ao acesso irrestrito à força de trabalho e às
mercadorias de que tinha necessidade para que seu negócio funcionasse, era inseparável do
direito à propriedade.
95
As labor injunctions foram responsáveis, em larga medida, pela desarticulação de
um dos mais importantes sindicatos industriais da década de 1890, o American Railway
93
Cf. HALL, Kermit. Op. Cit., p. 113 e 244; TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 43, 48, 49; COTTROL,
Robert. “Law, labor, and liberal ideology: explorations on the history of a two-edged sword”. In Tulane Law
Review, Vol. 67, No. 5, 1993, p. 1535.
94
Cf. RIMLINGER, Gaston. Op. Cit., p. 217; JUSTICE, Betty. Op. Cit., p. 9.
95
Se a injunction ordena a interrupção de alguma atividade, a writ of Mandamus ordena que uma decisão
legal seja transformada em ação. Cf. TOINET, Marie-France. Op. Cit., 1994, p. 225; HALL, Kermit. Op. Cit.,
p. 245; TOMLINS, Christopher. Op.Cit., p. 50 e seguintes.
59
Union (ARU), fundado em 1893. O setor ferroviário, por ser controlado por corporações,
por reunir trabalhadores de diferentes qualificações e por integrar diferentes estados da
União, seria um dos principais palcos de disputa entre os defensores de organizações
operárias reunidas em torno de profissões, como a Brotherhood of Locomotive Engineers
(BLE), voltadas para a defesa do mercado de trabalho de seus ofícios e para a assistência
social de seus membros, e os defensores de organizações industriais que englobassem
vários ofícios, como o ARU, condutor da greve da Pullman Car Company.
96
A greve da Pullman Car Company, de 1894, teve início quando George Pullman,
proprietário da empresa e inventor dos vagões-dormitório, decidiu, por conta de
dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa, demitir 1/3 de seus funcionários e cortar
em 30% os salários dos remanescentes, sem cortar proporcionalmente os aluguéis das casas
de sua vila operária, nas cercanias de Chicago. Contra a greve, várias labor injunctions
foram emitidas por diferentes juízes e, por desobediência a elas, inúmeras lideranças
operárias foram enviadas à prisão. A Corte Federal de Chicago chegou a emitir uma labor
injunction proibindo o ARU de enviar cartas, mensagens ou comunicados que orientassem,
incitassem, encorajassem ou instruíssem qualquer pessoa a interferir com os negócios da
Pullman, ou que persuadissem qualquer trabalhador ferroviário a não executar suas
tarefas.
97
Eugene Debs, principal líder do ARU e preso por desobediência a uma labor
injunction durante a greve, acabou por cumprir pena de 6 meses, após os quais fundaria o
Partido Socialista da América. Segundo ele, “… não foi o exército [nem] outro poder
qualquer, mas simplesmente os tribunais dos Estados Unidos, que acabaram com a
96
Cf. STROMQUIST, Shelton. Op. cit, p. 79.
97
Cf. RABBAN, David. Op. cit., p. 170.
60
greve”.
98
Após a derrota da greve da Pullman, os sindicatos profissionais ferroviários, como
a BLE, acabariam por se fortalecer, dado que as corporações operadoras das ferrovias
passaram a com eles negociar preferencialmente, de modo a evitar novas contestações,
politicamente mais radicais e organizacionalmente mais amplas, vocalizadas pelos
sindicatos industriais.
99
A partir da década de 1890, os tribunais passaram a decretar a ilegalidade das
organizações operárias também a partir da Lei Sherman Anti-Truste. A Lei afirmava que
qualquer contrato ou combinação na forma de truste, ou outra qualquer, que visasse a
restringir o comércio e as trocas entre os diferentes estados da União e entre esta e países
estrangeiros, passava a ser declarada ilegal. Em United States v. Workingmen’s
Amalgamated Council of New Orleans, de 1893, o Juiz Edward Billings, da Corte Distrital
Federal da Louisiana, foi o primeiro a usar uma labor injunction baseada na Lei Sherman,
vendo no sindicato exatamente uma conspiração para restringir o comércio inter-
estadual.
100
Desde cedo as organizações de trabalhadores fizeram a crítica ao papel dos tribunais
na desarticulação de seus esforços associativos. Ainda em 1806, John Milton Goodenow
afirmaria:
Como é absurdo, em um governo livre, deixar a um corpo de homens [o
tribunal], sábio como Salomão e honesto como Job, dizer o que deve ou não
constituir um crime, após os atos [em julgamento] terem sido cometidos; e
quão imprudente seria conceder o poder de declarar a lei àqueles
responsáveis pelo julgamento dos supostos ofensores [da lei].
101
98
DEBS, Eugene. Apud FORBATH, William. Op. cit., p. 76.
99
Cf. STROMQUIST, Shelton. Op. Cit., p. 98 e 99.
100
Cf. HALL, Kermit. Op. Cit., p. 245.
101
GOODENOW, John Milton. Apud Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 47.
61
Também a AFL faria críticas sistemáticas ao que considerava uma usurpação
indevida de poderes legiferantes pelos tribunais. Exatos cem anos depois das palavras de
Goodenow, Gompers afirmaria:
Eu devo respeitosamente advertir o poder legislativo para não sustentar estes
déspotas [juízes], imitadores da tirania do velho mundo [por utilizarem a
common law], em seus abusos de poder. (…) A classe trabalhadora, diante
do poder usurpado pelos juízes de fazer legislação especial [as labor
injunctions], já suportou bastante. Apontar homens para cargos vitalícios e
apoiá-los sem levar em conta a vontade popular é o princípio básico da
autocracia, retirado de outros sistemas e implantado no nosso. Deveria ser a
defesa zelosa de todos os homens honestos e patriotas desencorajar tais
abusos de poder e ninguém deveria, se valoriza a paz e a preservação dos
outros ramos do governo, apoiar, por palavra ou ato, estas discriminações
judiciais em favor de uma classe contra a outra.
102
No mesmo ano, em depoimento diante do Congresso Federal, o conselheiro da AFL
Thomas Spelling pedia que à Federação fosse deixado espaço institucional para o conflito e
a contratação coletiva do trabalho, sem a interferência dos tribunais. Segundo Spelling, as
labor injunctions, conforme determinadas pelos juízes, usurpavam poder do legislativo,
fazendo leis ex post facto e, desta forma, destruíam um dos lados das disputas trabalhistas,
os sindicatos.
103
Quando a Suprema Corte do Distrito de Columbia garantiu à Buck’s Stove
and Range Company uma labor injunction que proibia os líderes da AFL de encorajar, por
palavras ou escritos, um boicote aos produtos da companhia, e particularmente quando a
Suprema Corte dos Estados Unidos, em Loewe v. Lawlor, afirmou que os trabalhadores em
greve poderiam ser acusados de conspiração de acordo com a Lei Sherman, o Conselho
102
Apud TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 65.
103
Nem todas as Cortes aceitaram o uso crescente das labor injunctions. Em 1902, a Suprema Corte do
Missouri citaria a Constituição estadual para recusar a proibição de um boicote. Segundo a Corte, se aos
membros de um sindicato “não for permitido contar a história de seus problemas ou, se preferirem, seus
supostos problemas, através da palavra oral ou escrita, e buscar o apoio de outros para ajudá-los por meios
pacíficos de modo a solucionar tais problemas, o que resultará da liberdade de expressão da liberdade
pessoal”? Apud RABBAN, David. Op. cit., p. 172.
62
Executivo da AFL, reunido em 18 de março de 1908, condenou a privação dos
trabalhadores em seus direitos e liberdades de livre contratação.
104
Conseqüentemente, a
federação pedia emendas à Lei Sherman de modo a excluir organizações sindicais de sua
jurisdição, o que acabaria parcialmente acontecendo com o Clayton Act de 1914,
considerado por Samuel Gompers como a Magna Carta do movimento operário.
105
Desde pelo menos o caso Gompers v. Buck’s Range & Stove Co., Gompers basearia
a defesa da luta sindical na Primeira Emenda à Constituição, já que a labor injunction em
questão vedava-o, e à AFL, qualquer forma de publicização do fato de que a federação
sindical havia colocado a companhia em sua lista de empresas a serem boicotadas por seus
filiados.
106
Em outubro de 1908, às vésperas das eleições presidenciais, a AFL afirmaria
mais uma vez que o Poder Judiciário estava substituindo o governo da lei, expresso pelo
poder legiferante do Legislativo, pelo governo dos juízes.
107
Neste ano, coincidentemente, o
candidato vitorioso à Presidência da República seria ninguém menos do que o republicano
William Howard Taft, juiz federal que sempre defendera as labor injunctions contra as
organizações de trabalhadores. Em seu discurso de posse na presidência da República, Taft
afirmou:
104
É importante salientar que para o Movimento Progressista, assim como para os sindicalistas da AFL, a
Suprema Corte representava um obstáculo aparentemente intransponível à democratização das relações de
trabalho nos Estados Unidos, sendo a instituição da revisão judicial atacada como um mecanismo através do
qual os representantes dos Grandes Interesses impediam a reforma social. Cf. KLARE, Karl. Op. Cit., p.
272.
105
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 65; GOMPERS, Samuel. Seventy years of life and labor. An
autobiography. Ithaca: ILR Press, 1984, p. 186. O Act, em que pese ter sido considerado por Samuel
Gompers como a Magna Carta do movimento sindical, não chegou a trazer todos os impactos dele esperados,
dado o poder de interpretação que os juízes tinham na análise de cada caso. Em 1922, algo em torno de 300
labor injunctions foram emitidas em confltitos oriundos das estradas de ferro. As labor injunctions
perderiam poder com o Norris-La Guardia Act, de 1932. Cf. FINK, Leon. Op. Cit., 1987, p. 918 e 924; Cf.
HALL, Kermit. Op. Cit., p. 207 e 245; ESTADOS UNIDOS. CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS.
“Norris-LaGuardia Anti-Injunction Bill, March 20, 1932”. In COMMAGER, Henry Steele. Documents of
American History since 1898. Nova York: Appleton-Century-Crofts, 1963, p. 235-237.
106
Cf. RABBAN, David. Op. cit., p. 171.
107
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 65.
63
Uma questão relativa aos trabalhadores suscitou a mais acalorada discussão.
Ela dizia respeito ao poder dos tribunais federais em emitir injuctions em
disputas industriais. A respeito de tal questão, minhas convicções são fixas.
Retire-se dos tribunais o poder de emitir injunctions em disputas
trabalhistas, se fosse possível fazê-lo, e criar-se-ia uma classe privilegiada
entre os trabalhadores, poupando os foras-da-lei de um remédio necessário e
disponível a todos os homens para a proteção de seus negócios contra a
invasão ilegal.
108
Por ocasião da greve da Pullman, Taft afirmara que o movimento liderado por Debs
deveria ser dissolvido de qualquer maneira, mesmo que ao preço de sangue.
109
E o sangue,
de fato, rolou em abundância nos conflitos trabalhistas do período. Ao lado da ação
desarticuladora do Poder Judiciário, e freqüentemente por ordem deste, os trabalhadores
americanos sofreram sistemáticas violências físicas contra seus esforços organizativos.
Alguns dos mais importantes episódios de enfrentamento entre trabalhadores de diversas
orientações políticas e forças armadas, tanto privadas quanto estatais, ocorreram então,
sendo que tropas federais foram utilizadas na repressão a movimentos grevistas 18 vezes
entre 1870 e a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
110
Por sua relevância, alguns destes
episódios devem ser destacados.
A greve ferroviária de 1877 foi a primeira grande greve de massas da história
americana. Iniciada no estado de West Virginia, logo se espalharia por diversos ramais da
Baltimore and Ohio Railroad, englobando dez estados e interrompendo o tráfico entre
Saint Louis e a Costa Leste. A greve, em que pela primeira vez as labor injunctions foram
usadas, teve início em julho quando da imposição de um corte salarial de 10%, o segundo
em oito meses, seguido da tentativa da empresa de manter as operações ferroviárias com o
108
TAFT, William Howard. “Extract from Inaugural Adress of President Taft, March 4, 1909”. Apud
COMMAGER, Henry Steele. Documents of American History since 1898. Nova York: Appleton-Century-
Crofts, 1963, p. 53, 54.
109
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 65; FORBATH, William, Op. Cit., p. 75.
110
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR STATISTICS. “Use of federal troops in labor
disputes”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 53, No. 3, Setembro
64
auxílio de forças militares. Na primeira semana de agosto, quando de seu término, após
dura repressão por tropas federais, mais de cem pessoas, entre soldados, grevistas e simples
curiosos, haviam morrido.
O segundo episódio a ser destacado foi o célebre Massacre de Haymarket, em
Chicago, em maio de 1886, em que trabalhadores em luta pela jornada de trabalho de oito
horas acabaram em confronto com policiais, resultando em quatorze mortos de ambos os
lados. Desde princípios do século XIX a questão da jornada de trabalho ocupava lugar
central na agenda dos movimentos de trabalhadores e somente com o Fair Labor Standards
Act, de 1938, foi estabelecido um teto de quarenta horas semanais, ainda que flexível, para
a jornada de trabalhadores engajados em atividades relativas ao comércio interestadual.
111
O Massacre de Haymarket, que se deu em um contexto inserido nesta luta, acabou por criar
uma histeria anti-sindical em Chicago, resultando na execução de quatro líderes anarquistas
em 1887. Um quinto líder cometeu suicídio na cadeia, ao passo que mais dois cumpriram
penas de prisão perpétua. O Primeiro de Maio, dia em que iniciou-se o movimento pela
jornada de trabalho de 8 horas, acabaria por se tornar Dia do Trabalho em diversos
países.
112
A seguir, em 1892, ocorreria a greve da Homestead Works, em Pittsburgh, em que
trabalhadores filiados ao sindicato industrial Amalgamated Association of Iron, Steel, and
Tin Workers (AAISTW) entraram em conflito com agentes da Agência Pinkerton,
especializada na repressão a grevistas e em espionagem sindical, resultando em 16 mortes.
de 1941, p. 561; BRECHER, Jeremy. Strike! Cambridge: South End Press, 1997.
111
Cf. PETERSON, Florence (Bureau of Labor Statistics). “Review of strikes in the United States”. In
Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 46, No. 5, Maio de 1938, p. 1048;
ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Hours-of-labor
legislation in the United States”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office,
Vol. 51, No. 3, Setembro de 1940, p. 545.
112
Para uma análise do Primeiro de Maio na América Latina, Cf. BAO, Ricardo Melgar. El movimiento
65
O motivo da greve foi uma tentativa de lockout por parte da empresa com vistas a
desarticular o sindicato. A greve da Homestead esteve intimamente articulada ao processo
de fusão de pequenas empresas e consolidação corporativa na indústria do aço. No período
imediatamente posterior à Guerra Civil, o AAISTW estava firmemente estabelecido na
indústria mas, quando, por volta de 1890, as pequenas empresas que a formavam
começaram a fundir-se, formando grandes corporações, o sindicato passou a ser
sistematicamente rejeitado para fins de contratação coletiva do trabalho. O Comitê do
Congresso formado para investigar a utilização de detetives da Agência Pinkerton na
desarticulação do sindicato acabou por afirmar que as negociações entre o sindicato e a
empresa haviam sido abruptamente interrompidas em função da hostilidade da última para
com o primeiro. O relatório afirmava, ainda, que se a empresa houvesse abandonado sua
postura autocrática e negociado com o sindicato, um acordo teria sido alcançado e, a greve,
evitada.
113
Em 1894, ocorreria a grande greve da Pullman, que acabaria por ser duramente
reprimida por forças federais enviadas pelo presidente Grover Cleveland, resultando na
morte de 13 pessoas. As labor injunction emitidas contra o ARU por ocasião da greve da
Pullman tiveram grande impacto sobre Samuel Gompers, convencendo-o da inviabilidade
de estratégias sindicais baseadas em organizações industriais e politicamente radicais. Para
Gompers, tais estratégias fatalmente trariam como conseqüência a brutal repressão,
encorajada e legalmente sancionada pela Suprema Corte.
114
obrero latino-americano. Madri: Alianza Editorial, 1988, p. 195-210.
113
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. First annual report of the
National Labor Relations Board, for the fiscal year ended June 30, 1936. Washington: United States
Government Printing Office, 1936, p. 61.
114
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit, p. 61; FORBATH, William, Op. Cit., p. 78. Ainda assim, pelo
menos desde 1911, a AFL já admitia um amálgama entre sindicatos profissionais e industriais, em função das
alterações no mundo do trabalho e alguns sindicatos, como o United Mine Workers, buscavam organizar
66
Para além das labor injunctions, condenações por conspiração e a aplicação da Lei
Sherman, os tribunais mantinham suas interpretações anti-sindicais em um outro registro.
Percebidos como associações voluntárias, os sindicatos não possuíam, segundo as
interpretações da grande maioria dos juízes, personalidade legal e, conseqüentemente, o
direito de processar empregadores que não cumprissem os acordos com eles porventura
assumidos. Dito de outra forma, os acordos entre empregadores e sindicatos não tinham o
valor legal de contratos entre partes legalmente constituídas. O papel dos sindicatos, de
acordo com tais tribunais, deveria ser o de induzir os empregadores a respeitar o costume
vigente na indústria em que atuassem no que se refere a salários e condições de trabalho,
deixando que cada trabalhador individual determinasse, por si só, em que medida o seu
próprio contrato individual estaria de acordo com tais costumes.
115
Enquanto a ação dos tribunais, aliada à repressão, tanto pública quanto privada,
contribuíam para a desarticulação do sindicalismo industrial, nos moldes do ARU, e para a
construção da feição conservadora e anti-estatal da AFL, segmentos do Movimento
Progressista debatiam as formas mais eficazes de estabelecer a legitimidade dos sindicatos,
tanto a partir de uma crítica à cultura legal vitoriana quanto da economia política
neoclássica, ambas centradas no indivíduo como matriz de organização da sociedade.
116
todos os trabalhadores envolvidos nos trabalhos de minas e nos seus entornos. O UMW, no entanto, acabaria
por se afastar da AFL na década de 1930, sendo um dos principais sindicatos fundadores do CIO. É
importante frisar ainda que, enquanto o movimento sindical sofria “discriminações negativas” por parte do
Poder Judicário, o Poder Executivo estimulava a criação de grupos de interesse patronais, de modo a agilizar
o intercâmbio de informações e a intermediação de interesses destes. Assim, por exmpelo, o Departamento
(Ministério) do Comércio e a própria Casa Branca tiveram papéis importantes para a criação da United States
Chamber of Commerce, como forma de estimular o comércio exterior. Cf. WERKING, Richard Hume.
“Bureaucrats, businessmen, and foreign trade: the origins of the United States Chamber of Commerce”. In
Business History Review, Vol. LII, No. 3 (Outono de 1978), p. 321-341.
115
Cf. TOMLINS, Christopher. Op, Cit., p. 83-85.
116
Cf.`FORBATH, Willim. Op. Cit.
67
1.4. O Movimento Progressista
Cada classe ou segmento da nação está se tornando
consciente da oposição entre seus padrões e as atividades e
tendências de alguma outra classe menos desenvolvida. O Sul
tem o seu negro, a cidade tem suas favelas, o trabalho
organizado tem o seu fura-greve, o movimento pela
temperança tem o seu beberrão e o dono do saloon. Os
amigos das instituições americanas temem o imigrante
ignorante e os trabalhadores rejeitam os chineses. Todos
estão começando a fazer distinções entre aqueles com
qualificações para a cidadania daqueles de alguma classe ou
classes que desejaria constranger ou excluir da sociedade.
117
No dia 18 de agosto de 1894, Jane Addams quebrou sua rotina na Hull-House,
instituição social voltada à prestação de serviços sociais aos pobres de Chicago, para
participar de um esforço visando a dar um ponto final na greve que assolava a Pullman
Palace Car Company. Seus esforços somavam-se aos de vários membros da sociedade civil
de Chicago, reunidos em uma Federação Cívica, que buscavam encontrar meios para
superar o agudo conflito social que a cidade vivia.
Mais de 10 anos depois, o historiador
Federick Jackson Turner proporia que a Universidade substituísse administradores,
legisladores, juízes e demais funcionários públicos por comissários que, desinteressada e
inteligentemente, mediassem os conflitos entre a “classe capitalista” e o “proletariado”.
Já então o conflito distributivo assumia contornos tão intensos que o Estado
americano acabaria por nele se envolver de forma crescente, não mais percebendo no livre
jogo das forças de mercado mecanismos adequados para a distribuição da riqueza nacional.
Em 1913, seria criado o Departamento do Trabalho com o objetivo de “Estimular,
promover e desenvolver o bem estar dos trabalhadores assalariados dos Estados Unidos,
melhorar suas condições de trabalho, assim como suas oportunidades de um emprego
117
PATTEN, Simon. “The theory of social forces”. In AAAPSS, 7, Jan. 1896, p. 143. Apud ROSS, Dorothy.
68
lucrativo”.
118
Tal data seria considerada, pela própria burocracia estatal, como um marco
nas relações de trabalho nos Estados Unidos:
Descontado o elemento de arbitrariedade na fixação de datas a movimentos
sociais, 1913 aparece como um ponto de mutação no movimento para
assegurar, através de legislação e de agências púlbicas administrativas, o
reconhecimento dos direitos e necessidades dos trabalhadores americanos e
para dar passos definitivos, através de tais canais, no sentido do
melhoramento das condições de trabalho e das relações industriais.
119
Em 1915, o relatório da Comissão de Relações Industriais dos Estados Unidos
defenderia medidas para redistribuir a renda nacional, afirmando que a única esperança
para a solução do conflito social era a rápida extensão dos princípios da democracia para a
indústria. Finalmente, em 1918, a Mediation Commission do Labor Department, em seu
relatório para o Presidente Woodrow Wilson, afirmava não ser mais possível, nas condições
da moderna indústria, uma empresa lidar com cada empregado individualmente, tornando-
se indispensável alguma forma de contratação coletiva do trabalho.
120
Ao longo da Primeira
Guerra Mundial, o governo Wilson chegaria a criar uma National War Labor Board
(NWLB), agência com estrutura tripartite envolvendo representantes do empresariado, do
movimento sindical e do Estado, para dirimir os conflitos entre os dois primeiros e impedir
que greves e demais formas de luta operária obstaculizassem o esforço de guerra.
121
Op.Cit., p. 148.
118
ESTADOS UNIDOS. DEPARTAMENT OF LABOR. Twenty-Fourth Annual Report of the Secretary of
Labor, for the fiscal year ended June 30, 1936. Washington: Government Printing Office, 1936, p. 1.
119
STEWART, Estelle. Op. Cit., p. 297.
120
Idem, p. 310.
121
Cf. BROWN, Victoria. “Advocate for democracy: Jane Addams and the Pullman strike”. In SCHNEIROV,
Richard; STROMQUIST, Shelton e SALVATORE, Nick (orgs.). Op. Cit., p. 133; ESTADOS UNIDOS.
DEPARTMENT OF LABOR. Reports of the Department of Labor, 1913. Washington: Government Printing
Office, 1914, p. 7 e seguintes; HOFSTADTER, Richard. Antiintelectualismo nos Estados Unidos. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1967, p. 251, 252; McCARTIN, Joseph. Labor’s Great War. The struggle for industrial
democracy and the origins of modern American labor relations, 1912-1921. Chapell Hill e Londres: The
University of North Carolina Press, 1997, p. 12.
69
Claro está, portanto, que uma expressiva parcela dos trabalhadores americanos das
últimas décadas do século XIX e primeiras do XX não conseguia inserir-se no mundo do
trabalho árduo como caminho preferencial em direção à permanente ascenção social, um
dos pilares da cultura vitoriana. Dificilmente poderia ser diferente, dado que os Estados
Unidos passavam então por profundas transformações econômicas e sociais: o país não só
via consolidar-se a concentração do capital pelas grandes corporações, como a própria
sociedade redesenhava-se com a entrada massiva de imigrantes, em sua maioria do sul e do
leste europeus, católicos e judeus, que colaboravam para uma acelerada urbanização. Em
1900, 79% da população de dez cidades com mais de 100 mil habitantes era constituída por
estrangeiros e americanos de primeira geração e, entre 1900 e 1930, a população urbana
passou de 39,6% para 56,1% do total.
122
Tais transformações gerariam os fenômenos interligados e novos, para os padrões
do país, da generalização das relações de assalariamento e da pobreza urbana e branca, com
o conseqüente crescimento da insatisfação operária. Diante de um tal cenário, segmentos da
sociedade americana buscaram localizar as origens do conflito social e a eles dar reposta,
com o objetivo de reconstruir a perdida harmonia social da América. Surgia, assim, o
Movimento Progressista.
A natureza e as características do Movimento Progressista constituem temas
clássicos da historiografia norte-americana. Se, para Richard Hofstadter, ele teria sido um
movimento reativo e moralista, formado por membros da velha classe média como
jornalistas, ministros de igrejas e pequenos proprietários temerosos da perda de seu status
122
Cf. GALAMBOS, Louis e PRATT, Joseph. Op. Cit., 1988. Para os dados sobre imigração, Cf. ABRAMS,
Richard. “Reforma e incerteza”. In LEUCHTENBURG, William (org.). O século inacabado. A América
desde 1900. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976, p. 38. As 10 cidades são: Fall River, Massachusetts.;
Milwaukee, Wisconsin.; Chicago, Illinois.; Detroit, Michigan; Nova York, Nova York; Worcester,
Massachusetts.; Paterson, Nova Jersey; Cleveland, Ohio; Minneapolis, Minnesota.; São Francisco, California.
70
social diante do poder das grandes corporações e das corruptas máquinas políticas urbanas,
para Robert Wiebe e os autores ligados à linha organizacional o progressivismo teria como
base social, pelo contrário, a nova classe média oriunda do processo de industrialização,
que buscava implementar, na esfera pública, os métodos organizacionais oriundos do
mundo empresarial. Gabriel Kolko ilustra uma terceira corrente, que percebe o
progressivismo como uma estratégia das grandes corporações americanas que teriam
buscado, através das medidas regulatórias estatais, construir um ambiente institucional
adequado à expansão capitalista. Finalmente Robert Filene representa uma quarta corrente,
minoritária, que nega a própria existência do Movimento, pela ausência por ele evidenciada
de um programa consistente, de uma base social identificável e de uma agenda de reformas
coerente.
123
De fato, é complexa a natureza de um movimento capaz de propor e produzir
reformas aparentemente tão diferenciadas como a introdução de mecanismos de democracia
direta, como o referendo e o recall em alguns estados, e a progressiva perda dos direitos
civis e políticos dos negros no Sul e o aprofundamento da segregação racial, sancionada
pela lei e pelo costume nos estados sulistas e conhecida como Jim Crow.
124
Cada uma destas correntes apresenta problemas conceituais e empíricos
importantes. Assim, Hofstadter apresenta dificuldades em demonstrar como a antiga classe
média americana tornou-se capaz de, diante da perda relativa de seu status, reverter uma
Para os dados sobre urbanização, Cf. ESTADOS UNIDOS. US CENSUS BUREAU. Census, 1995.
123
Cf. HOFSTADTER, Richard. The age of reform. Nova York: Vintage Books, 1955; Wiebe, Robert. The
search for order, 1877-1920. Nova York: Hill and Wang, 1999 (a primeira edição é de 1967); KOLKO,
Gabriel. The triumph of conservatism: a re-interpretation of American history, 1900-1916. Chicago:
Quadrangle Books, 1963; FILENE, Peter. “An obituary for ‘The Progressive Movement’”. In American
Quartely, No. 22 (1970), p. 20-34.
124
Cf. McDONAGH, Eileen. “The ‘Welfare Rights State’ and the ‘Civil Rights State’: policy paradox and
state building in the Progressive Era”. In Studies in American Political Development, No. 7 (Outono de
1993), p. 225-274. Para uma visão geral do Jim Crow, e das principais respostas negras à questão da inserção
do negro na sociedade norte-americana, as de Booker T. Washington e W.E.B Du Bois, Cf. GOMES, Heloisa
Toller. “Introdução”. In DU BOIS, W.E.B. As almas da gente negra. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999,
p. 7-23.
71
situação social e politicamente desfavorável e hegemonizar um programa político que
buscava, justamente, restabelecer sua condição prévia. A corrente organizacional, por seu
lado, percebe o Estado como um agente político socialmente neutro, pairando absoluto
sobre os interesses privados e arbitrando as disputas destes, enquanto Kolko abraça uma
visão eminentemente instrumental do Estado, que o torna refém das estratégias traçadas
pela burguesia industrial. Filene, por último, contraria a visão dos atores e de grandes
movimentos sociais de inícios do século XX americano, que se percebiam e se auto-
nomeavam como militantes de um Movimento Progressista. Uma visão distinta do
Movimento percebe-o como resultado da ação de uma ampla gama de atores sociais -
reformadores de classe média, líderes empresariais, profissionais liberais, sindicalistas,
membros do clero e funcionários do Estado - que buscavam dar diferentes soluções ao
aguçamento do conflito social e a outros fenômenos relacionados à sensação de perda da
harmonia social causada pelo chamado industrialismo e pela chegada massiva de
imigrantes.
125
Portanto, o Progressivismo consistiu de uma ampla gama de respostas
construídas por diferentes atores sociais, em conflito e formando coalizões uns com os
outros, ao processo de diferenciação social e modernização capitalista vividas pelos Estados
Unidos nas primeiras décadas do século. Conseqüentemente, não havia uma, mas várias
agendas progressistas, e as diferentes reformas então implementadas surgiram como
resultado das coalizões que os diferentes atores conseguiram construir e das sucessivas
correlações de forças que tiveram que enfrentar.
A unificar as diversas agendas progressistas, a defesa da reconstrução da harmonia
social da América. Como fazê-lo, no entanto, era matéria de debate. Henry Ford,
125
A visão do progressivismo está baseada principalmente em LINK, Arthur e McCORMICK, Richard.
Progressivism. Arlington Heights: Harlan Davidson, Inc., 1983.
72
considerado na década de 1910 o exemplo de empresário progressista, rejeitava qualquer
participação do Estado no processo que levaria a tal objetivo. Para Ford, os “males da
indústria” deveriam ser resolvidos pela própria indústria - através de altos salários, uma
rígida moral sexual, uma vigorosa ética do trabalho - que deveria, ademais, contribuir para
a americanização de seus trabalhadores imigrantes.
126
Para Ford e outros reformadores sociais, a americanização de imigrantes católicos e
judeus, portanto supostamente destituídos das virtudes puritanas do trabalho árduo, era
percebida como central para a reconstrução da harmonia social. Os programas de
americanização, no entanto, tão comuns na Era Progressista, contaram com a ativa
participação do Estado e representaram, para os imigrantes, uma sistemática coerção sobre
seus valores e estilos de vida, inclusive no que se refere aos seus hábitos etílicos, como
atestou a Lei Seca.
127
Ao mesmo tempo, os cursos de cidadania, criados para fortalecer a
lealdade política dos imigrantes, tornaram-se elemento permanente dos currículos das
escolas públicas em todos os estados. Também a eugenia, da qual a própria Lei Sêca
constituía elemento, teve um papel fundamental para o Movimento Progressista. Com suas
propostas de reformas morais e higiênicas, a eugenia vinha fornecer vários elementos para a
agenda Progressista, ao mesmo tempo em que aparecia, aos olhos dos elementos mais
conservadores do Movimento, como uma ciência adequada à manutenção da pureza da raça
anglo-saxônica e da ordem social. Conseqüentemente, programas
eugênicos, como os
relativos à regulamentação da habitação e a moral operárias (a vida em cortiços era
associada, por exemplo, a doenças morais como a sífilis), foram parte fundamental do
126
Cf. MEYER III, Stephen. The Five Dollar Day. Labor, management and social control in the Ford Motor
Company, 1908-1921. Albany: State University of New York Press, 1981; VIANNA, Luiz Werneck. Op. Cit.,
1976, p. 71.
127
GERSTLE, Gary. Op. Cit., 1989, p. 3-4.
73
Movimento e das posturas municipais de inúmeras cidades americanas.
128
No entanto, para
uma expressiva parcela do Movimento Progressista, o Estado não deveria se ater à
regulação dos hábitos sexuais e etílicos dos imigrantes, mas deveria atingir a raiz mesma da
perda da harmonia social: o chamado industrialismo. Em outras palavras, e para o horror de
Ford, segmentos importantes de progressistas defendiam a regulação estatal da própria
economia.
A defesa da participação do Estado na promoção do crescimento e na regulação da
economia americana não começou, evidentemente, na Era Progressista. Desde Filadélfia, os
Federalistas defendiam abertamente a intervenção estatal como forma de criar as bases
materiais da República. Alexander Hamilton, quando Secretário do Tesouro nos anos 1790,
adotou um programa econômico que buscava favorecer os interesses comerciais e
manufatureiros e mesmo Thomas Jefferson, quando presidente, ordenou o planejamento da
National Road, a primeira intervenção estatal de larga escala para melhorar a infra-estrutura
do país. No entanto, até pelo menos a Guerra Civil, o governo nacional não assumiu um
papel regulatório extensivo.
129
Pelo contrário, ocorreu ao longo da primeira metade do
século XIX uma grande resistência a que o estado regulasse atividades econômicas. A
introdução do motor a vapor no transporte fluvial e nas ferrovias, por exemplo, causou
grande controvérsia neste sentido. Só entre 1850 e 1851 mais 760 pessoas perderam suas
vidas em explosões de barcos a vapor. Diante deste quadro, o Congresso viu-se na
necessidade regular a nova tecnologia, como estavam fazendo a Inglaterra e a França, onde
128
Cf. DIKÖTTER, Frank. “Race culture: recent perspectives on the history of eugenics”. In American
Historical Review. Vol. 103, n. 2 (Abril de 1998), p. 467-478. Os processos de americanização dos imigrantes
conheceria seu desfecho na “solução do problema imigrante” em 1924, quando a imigração para os Estados
Unidos foi fechada. Cf. HIGHAM, John. Strangers in the Land: patterns of American nativism, 1860-1925.
Nova York: Atheneum, 1965. Para uma apresentação dos princípios eugênicos, Cf. LIMONCIC, Flávio.
“Eugenia”. In SILVA, Francisco Carlos Teixeira da et alli (org.). Dicionário crítico do pensamento da
direita. Idéias, instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ, Mauad, 2000, p. 158-159.
74
o número de mortes já era muito menor. Finalmente, após longa discussão, em 1852 foi
aprovado o primeiro grande ato regulatório dos Estados Unidos, que balizava as operações
dos barcos a vapor, fixava normas para a construção de boilers e estabelecia agências para
inspecionar, licenciar e investigar as operações das embarcações, ocasionando uma queda
acentuada nos acidentes.
130
Com o advento do Movimento Progressista, o papel regulatório do Estado seria de
novo colocado na ordem do dia, ainda que inexistisse consenso a respeito de quais seriam
os instrumentos regulatórios capazes de restabelecer a perdida harmonia social. Nas
eleições presidenciais de 1912, duas candidaturas propuseram estratégias estatais distintas
para tal fim: a Nova Liberdade, de Wilson, do Partido Democrata, de matriz jeffersoniana,
defendia a quebra do poder dos conglomerados pelo Estado e a volta ao mundo dos
pequenos negócios, ao passo que o Novo Nacionalismo, de Theodore Roosevelt, do então
recém-formado Partido Progressista, de matriz hamiltoniana, defendia a existência dos
conglomerados por seus efeitos benéficos sobre a eficiência produtiva e a concorrência
intercapitalista, cabendo ao Estado o papel de regulá-los, impedindo a formação de
monopólios.
131
Vitorioso nas eleições, Wilson acabaria por fazer um governo mais
identificado ao Novo Nacionalismo do que à Nova Liberdade, principalmente durante a
129
Cf. HALL, Kermit. Op. Cit., p. 89, 93.
130
Idem, p. 93.
131
Em sua presidência, entre 1901 e 1909, Theodore Roosevelt patrocinou 45 ações contra empresas por
violação da Lei Sherman, ao passo que seus antecessores, em dez anos, não invocaram a lei mais do que 20
vezes. Cf. TOINET, Marie-France. Op.Cit., p. 141. Em sua mensagem ao Congresso, de 3 de dezembro de
1901, ele já reconheceria os enormes benefícios, mas também os perigos, trazidos pelos trustes e afirmaria:
“Há uma convicção generalizada, nas mentes dos americanos, que as grandes corporações conhecidas como
trustes são, em algumas de suas dimensões e tendências, perigosas para o bem-estar geral. Tal sentimento
baseia-se na sincera convicção que as fusões e a concentração [de capital] não devem ser proibidas, mas
supervisionadas e, dentro de certos limites, controladas. E, no meu modo dever, tal convicção é correta”.
ROOSEVELT, Theodore. “Extract from first annual message to Congress, Dec. 3, 1901”. Apud
COMMAGER, Henry Steele. Op.Cit., p. 21.
75
Primeira Guerra Mundial, quando diversas agências estatais, como a NWLB, foram criadas
para gerenciar a produção bélica e regular a economia.
132
Tais agências, que segundo a perspectiva dos intelectuais e reformadores sociais
progressistas hamiltonianos, deveriam expressar institucionalmente o ideal de bem público
neutro e gerenciador do universo dos interesses privados, tiveram um duplo impacto sobre a
esfera pública. Inúmeras agências regulatórias então criadas acabaram por ser controladas
pelos setores econômicos que deveriam, justamente, regular.
133
Em outras áreas, no entanto,
a esfera pública expandiu-se, como no que se refere à mediação do conflito distributivo,
principalmente durante a Grande Guerra, momento em que, pela primeira vez, o
movimento sindical teve reconhecida sua legitimidade como ator político coletivo.
134
Emergia, assim, uma nova burocracia técnica e um novo Estado administrativo, no
lugar do Estado de “cortes e partidos” do século XIX, em que o Poder Executivo assumiu
crescente importância na regulação da economia.
135
É importante notar, no entanto, que,
não tendo herdado burocracias nacionais ao estilo das monarquias européias, o executivo
federal norte-americano desenvolveu capacidades administrativas bastante limitadas até
pelo menos o New Deal, e mesmo então teve que contar com a oposição do Congresso, da
Suprema Corte e dos governos estaduais e locais.
136
Conseqüentemente, o principal
132
Cf. HAWLEY, Ellis. The Great War and the search for a modern order. Prospect Heights: Waveland
Press, 1997; JEFFERSON, Thomas. “Escritos políticos”. In WEFFORT, Francisco (org.). Federalistas. São
Paulo: Editora Abril, Coleção Os Pensadores, 1973, p. 7-46; HAMILTON, Alexander. “O Federalista”. In
WEFFORT, Francisco (org.). Op. cit., Capítulos 1, 11, 14.
133
Cf. PEGRAM, Thomas. Partisans and progressives: private interests and public policy in Illinois, 1870-
1922. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1992.
134
Cf. McCARTIN, Joseph. Op. Cit.
135
Cf. McCORMICK, Richard. “The discovery that business corrupts politics: a reappraisal of the origins of
Progressivism”. In The American Historical Review, Vol. 86, No. 2 (Abril de 1981), p. 247-274. Para Thomas
Pegram, no entanto, as máquinas políticas partidárias continuaram ativas naquele momento, não só como
intermediárias das reivindicações dos imigrantes no nível local, mas também através de grandes lideranças
que encarnariam o interesse público, como Theodore Roosevelt. PEGRAM, Thomas. Op. Cit.
136
Cf. SKOCPOL, Theda. “Political response to capitalist crisis: neo-marxist theories of the state and the case
of the New Deal”. In DUBOFSKY, Melvyn (org.). The New Deal. Conflicting interpretations and shifting
76
instrumento de regulação estatal da economia seriam agências administrativas que, por
delegação do Congresso, congregavam funções executivas, legislativas e judicais a serem
aplicadas no ramo econômico sobre o qual deveriam exercer suas atividades regulatórias.
137
Conseqüentemente, na década de 1920, a autoridade administrativa abarcava a regulação da
agricultura, a navegação, os investimentos, os transportes e várias outros segmentos
econômicos.
138
As mudanças relativas ao papel do Estado durante a Era Progressista acabariam por
refletir-se no caráter do liberalismo norte-americano. Diante da incapacidade do liberalismo
econômico em reproduzir uma sociedade liberal, ou seja, quando a livre empresa
transformou-se em conglomerado e monopólio e os indivíduos viram sua capacidade de
ação transformar-se em farsa diante do poder das grandes corporações, os liberais
americanos passaram a perceber no Estado o fiador da liberdade e da dignidade do
indivíduo. A partir de então, e pelo menos até a década de 1980, o liberalismo norte-
americano seria marcado pela constante defesa da regulação estatal na vida econômica e
social.
139
Por outro lado, o reconhecimento, durante o governo Wilson, da legitimidade do
movimento sindical e sua inserção no processo decisório durante a Guerra, vinha coroar um
processo iniciado desde fins do século XIX e princípios do XX e que se caracterizaria pela
emergência e a crescente legitimação política dos grupos de interesses, tanto dos
trabalhadores (ainda que não juridicamente legitimados) quanto patronais, que vinham
perspectives. Nova York e Londres: Garland Publishing, Inc., 1992, p. 75.
137
Cf. BENSEL, Richard Franklin. Yankee Leviathan. The origins of central state authority in America,
1859-1877. Cambridge: Cambridge University Press, 1995; HALL, Kermit. Op. Cit., p. 205; REIGEL,
Stanley e OWEN, P. John. Administrative law. The law of governemnt agencies. Ann Arbor: Ann Arbor
Science, 1982, Capítulo 1. Todas estas agências têm o poder de fazer leis administrativas e implementá-las.
138
Cf. SKOWRONEK, Stephen. Op. Cit.
77
formar, ao lado dos partidos políticos, novos canais de representação e intermediação dos
interesses junto ao Estado administrativo. O Movimento Progressista testemunharia, assim,
uma importante discussão teórica a respeito de qual deveria ser o papel de tais grupos na
nova comunidade política americana que se forjava, particularmente os grupos de interesses
dos trabalhadores.
139
Cf. GERSTLE, Gary. “The Protean character of American liberalism”. In The American Historical
Review, Vol. 99, No. 4 (Outubro de 1994).
78
1.5. Herbert Croly, John Commons e a defesa dos grupos de interesses
Herbert Croly foi um dos mais importantes intelectuais progressistas, tendo cunhado
o slogan Novo Nacionalismo, apropriado por Theodore Roosevelt e seu Partido
Progressista em 1912. Fundador, ao lado de Walter Lippman, da revista New Republic, seu
primeiro livro, The promise of American life, publicado em 1909, logo se tornaria a obra
central da corrente hamiltoniana do progressivismo.
140
Nele, Croly percebia as grandes
corporações como um dado irreversível, e mesmo desejável, da economia moderna,
cabendo ao Estado o papel de regulá-las.
O livro de Croly não trazia, contudo, uma
diagnóstico original da crise por que passava o país. Três anos antes, Henry Demarest
Lloyd havia publicado Man, the social creator, uma articulação de críticas ao
industrialismo, por ter este destruído a homogeneidade social supostamente característica
da América, e de louvação a este mesmo industrialismo, por ter criado as bases
institucionais e econômicas para a construção de uma nova ordem cooperativa e não-
competitiva, baseada na compreensão, na fraternidade e na superação das facções e dos
partidos políticos. O Estado progressista deveria, portanto, através de servidores
qualificados, e ouvindo o povo através de referendos e iniciativas populares, preservar os
aspectos positivos da nova economia industrial e superar os negativos, tendo como meta a
construção do bem comum.
141
140
Cf. CROLY, Herbert. The promise of American life. Boston: Northeaster University Press, 1989. Para uma
visão do pensamento de Croly, Cf. LIMONCIC, Flávio. “A promessa da vida americana: Herbert Croly, as
“discriminações construtivas” e a questão do Estado norte-americano”. In REIS FILHO, Daniel Aarão (org.).
Intelectuais, história e política (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: Editora Sette Letras, 2000, p. 75-97.
141
Esta identidade entre as idéias de Lloyd e Croly, assim como as inspirações comtistas, hegelianas e da
psicologia social americana de inícios do século XX no pensamento de Croly, são desenvolvidas
extensamente por NOBLE, David. “Herberty Croly and the American progressive thougtht”. In ROCHE, John
(org.). American political thougtht. Nova York, Evanston e Londres: Harper Torchbooks, 1967, p. 259-283.
79
A questão central de The promise of American life é, justamente, a construção de
um Estado progressista que, simultaneamente, extraísse as potencialidades positivas do
industrialismo e restituísse a harmonia social à América. Para tal, Croly rompia com o
liberalismo econômico e o individualismo vitorianos:
A realização da Promessa Americana era considerada inevitável [no século
XIX], dado que baseada em uma concepção que articulava auto-interesse e
uma natureza humana generosa. Por outro lado, se a realização de nossa
Promessa nacional não pode mais ser considerada inevitável, se deve ser
percebida como um propósito nacional consciente, ao invés de um destino
nacional inexorável, o desdobramento necessário é o de que a confiança
depositada no auto-interesse individual foi, em alguma medida, traído.
Nenhuma harmonia prévia pode então existir entre a satisfação livre e
abundante das necessidades privadas e o cumprimento de um resultado
social moralmente desejável. A Promessa da Vida Americana será realizada
não meramente por um máximo de liberdade econômica, mas por uma certa
medida de disciplina; não meramente pela satisfação abundante dos desejos
individuais, mas por uma boa medida de subordinação individual e auto-
renúncia. (…) A automática realização da Promessa nacional americana
deve ser abandonada justamente porque a tradicional confiança americana
na liberdade individual resultou em uma distribuição da riqueza moral e
socialmente indesejável.
142
Como desdobramento, Croly abraçava concepções hamiltonianas de Estado:
É preciso que haja uma regulação [estatal] eficiente; e deve ser uma
regulação que atinja o mal pela raiz, não apenas os sintomas. A atual
concentração de riqueza e poder financeiro nas mãos de poucos homens
irresponsáveis é o desdobramento inevitável do individualismo caótico de
nossa organização política e econômica, ao passo que é inimiga da
democracia, porque tende a introduzir abusos políticos e desigualdades
sociais no sistema. A conclusão a que se chega pode não ser consensual, mas
não deve ser abandonada. Ao tornar-se responsável pela subordinação do
indivíduo às demandas de um propósito nacional dominante e construtivo, o
estado americano vai, com efeito, fazer de si próprio o responsável por uma
distribuição da riqueza moral e socialmente desejável.
143
142
CROLY, Herbert. Op. cit., 1989, p. 22.
143
Idem, p. 23.
80
Tal visão a respeito da economia e sociedade americanas seria amplamente
confirmada pela Comissão de Relações Industriais do Congresso Americano, de 1915.
Segundo o Relatório Final da Comissão, o controle da indústria americana estava
concentrado em um número reduzido de financistas poderosos e, como raras exceções, cada
indústria básica era dominada por uma única grande corporação.
144
Para modificiar esta situação, Croly defendia uma ampla reestruturação do Estado e
uma redistribuição de poderes e atribuições entre este, as grandes corporações e o trabalho
organizado. A reestruturação do Estado se fazia necessária porque, tendo sido construído à
época da fundação da República, portanto em um momento em que o corpo político da
nação seria essencialmente harmônico e não conflitivo, sua estrutura se revelaria
inadequada para fazer face à nova situação na qual dois atores sociais com interesses
particularistas e egoístas, as grandes corporações e o trabalho organizado, colocavam em
risco a coesão social.
145
Tal reestruturação exigiria ainda uma crítica à idéia de igualdade de
direitos. Segundo Croly, tal igualdade obscureceria o fato de que a sociedade cria
permanentemente desigualdades, que deveriam ser corrigidas através do que chamava de
‘discriminações construtivas’, ou seja, o favorecimento a alguns grupos no interesse do bem
de todos, cabendo ao Estado o papel de agente e árbitro de tais discriminações.
No que se refere ao mundo empresarial, o Estado deveria discriminar decididamente
a favor das grandes corporações e, neste sentido, Croly defendia o fim da Lei Sherman
Anti-Truste, restringindo o combate às grandes empresas apenas quando estas se
144
UNITED STATES. US COMMISSION ON INDUSTRIAL RELATIONS. “Final Report of the
Commission on Industrial Relations, 1915”. Apud COMMAGER, Henry Steele. Documents of American
History since 1898. Nova York: Appleton-Century-Crofts, 1963, p 108.
145
Cf. CROLY, Herbert. Op.Cit., p. 131. A questão da escravidão e dos negros, embora surja em diversos
momentos na obra de Croly, não constituía para ele um problema central que colocasse em risco a harmonia
social. Croly discute ambas com um enfoque voltado principalmente para a política partidária do século XIX.
Sobre a questão racial em Croly, Cf. BLUM, John Morton. Liberty, Justice, Order. Essays on past politics.
81
transformassem em monopólios. Para Croly, as grandes corporações haviam introduzido
eficiência e racionalidade na economia americana, dado que haviam surgido, justamente,
para colocar limites à acirrada e caótica concorrência entre as diferentes empresas de um
mesmo setor. Às pequenas empresas, base da concepção econômica jeffersoniana, Croly
devotava desprezo: “O processo de organização industrial deveria ter liberdade para seguir
seu curso. Sempre que o pequeno competidor de uma grande corporação for incapaz de
manter sua cabeça fora d’água por seus próprios meios, deve-se deixar que se afogue”.
146
Se Croly defendia uma ‘discriminação construtiva’ ao grande capital, defendia-a
também para os sindicatos, que deveriam contribuir para a maximização da eficiência da
economia ao disciplinarizar as categorias que representassem. Tal discriminação deveria
atribuir-lhes reconhecimento legal, premiando os “bons” sindicatos, ou seja, os que agissem
de acordo com o interesse nacional, e reprimindo os “maus”, aqueles que insistissem em
agir segundo reivindicações classistas:
Os sindicatos de trabalhadores estão absolutamente corretos em acreditar
que todos os que não são a favor deles são contra, e que um Estado que fosse
“imparcial” estaria adotando um método hipócrita de impedir o trabalhador
de conseguir melhorar suas condições de vida. Os sindicatos merecem apoio
franco e leal: e até que eles o obtenham, permanecerão, como agora, meras
organizações de classe com o propósito de extrair, das autoridades políticas
e econômicas, o máximo de suas reivindicações particulares.
147
Com sua proposta de reconstrução nacional, Croly possuía um objetivo
essencialmente cultural, a construção de uma sociedade orgânica em que o individualismo e
Nova York, Londres: W.W. Norton & Company, 1993, p. 96.
146
CROLY, Herbert. Op. cit., 1989, p. 359.
147
Idem, p. 390.
82
o egoísmo seriam suplantados pela idéia de uma comunidade cooperativa e solidária, dentro
da qual cada indivíduo encontraria a sua função na construção do projeto nacional.
148
Em 1917, Croly escreveria:
Democracias, e sobretudo a democracia americana, têm quase que
selvagemente evitado o crescimento, dentro da nação, de instituições
corporativas [corporate bodies] cuja competição o governo temesse. Sua
filosofia política, herdada de Rousseau, tem sido uma contraditória
combinação de individualismo e indivisibilidade, que as persuadiu a
discriminar centros alternativos de lealdade. Seus líderes têm falhado em
compreender em que extensão uma organização nacional forte e coerente
deve ser o reflexo não apenas da independência de caráter dos cidadãos
individuais, mas também da genuína independência da parte daquelas
associações que representam suas atividades industriais e sociais
fundamentais. O reconhecimento legal destas associações constitui a melhor
garantia possível contra a arrogância e o abuso tanto do poder estatal quanto
do poder de qualquer associação profissional ou comercial. Na medida em
que a estas associações é premitido seu florescimento e sua plena
capacidade, elas necessitarão do Estado como uma agência
correspondentemente forte de coordenação; e por esta mesma razão o Estado
deveria buscar fortalecê-las quando estiverem fracas, e desta forma obter
uma fundação segura para a legitimidade de sua própria autoridade e para a
lealdade de seus cidadãos.
149
Croly expressava assim, mais uma vez, a legitimidade e mesmo necessidade da
constituição dos grupos de interesse, tais como os sindicatos, que mediassem as relações
entre o indivíduo atomizado tanto com o Estado quanto com o mercado, evidenciando
assim sua crítica à tradição legal vitoriana e ao sistema partidário americano. Se, de fato, o
“sistema de cortes e partidos” do século XIX estava dando lugar à construção de um estado
148
Ibidem, p. 452 e seguintes. Para uma discussão do caráter cultural do projeto de Croly, Cf. PELLS,
Richard. Radical visions and American dreams. Culture and social thought in the Depression years. Urbana e
Chicago: University of Illinois Press, 1998, p. 6 e seguintes. Para uma análise da tensão existente em The
promise of American life entre, de um lado, a idéia de uma elite dirigente e a crítica à igualdade de direitos e,
de outro, a questão democrática, Cf. STETTNER, Edward. Shaping modern liberalism. Herbert Croly and
progressive thought. Lawrence: University Press of Kansas, 1993, Capítulo 3. Embora seja sempre arriscado
aferir influências familiares sobre a obra dos pensadores, é interessante notar que o pai de Herbert Croly,
David Croly, dedicou sua vida intelectual à divulgação da obra de Auguste Comte nos Estados Unidos. Neste
sentido, a visão organicista da ordem social comtiana pode ter inspirado Croly em sua proposta de uma
reconstrução cultural da sociedade americana. Para uma análise do pensamento de Comte no quadro geral da
construção das ciências sociais nos Estados Unidos, ROSS, Dorothy. Op. Cit., 1992.
149
CROLY, Herbert. “The future of the state”. In The New Republic, Sept. 15, 1917, p. 182, 183.
83
administrativo em princípios do XX e se um dos fundamentos do Movimento Progressista
era a entrada de interesses privados na esfera pública através de agências administrativas,
tais interesses deveriam de alguma forma se organizar que não através de partidos políticos.
Assim, por exemplo, se os negros não mais conseguiam se fazer representar através de seus
votos, pois haviam perdido o direito a estes, passaram a se organizar em grupos de pressão,
fosse a partir de suas congregações religiosas, fosse a partir de organizações tais como
National Association for the Advancement of the People of Color (NAAPC).
A crítica à representação partidária era tema recorrente entre reformadores sociais
de princípios do século XX, que a percebiam não só como inerentemente corrupta mas
como inadequada para fazer face às novas condições sociais, políticas e econômicas do
país. John Commons chegaria mesmo a defender, em fins do século XIX, a representação
classista no Congresso americano como única forma de corrigir as distorções e
insuficiências da representação partidária tradicional. Segundo ele, dadas as novas
características da sociedade e da economia americanas, a representação dos novos
interesses não deveria ser deixada a cargo, exclusivamente, dos políticos, mas de
organizações patronais e de trabalhadores, cujos líderes poderiam chegar a acordos e fazê-
los cumprir.
150
Para Commons, ao contrário do que pensavam os economistas políticos
neoclássicos, a economia não seria um fenômeno individual, que encontraria seu equilíbrio
através dos mecanismos de mercado, mas coletivo, realizado por grupos de interesses,
portanto necessitando de mecanismos que ajustassem e conciliassem os diferentes
150
Cf. SCHATZ, Ronald. “From Commons to Dunlop: rethinking the field and theory of industrial relations”.
In LICHTENSTEIN, Nelson e HARRIS, Howell John. Industrial democracy in America. The ambigous
promise. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, p. 99-100; ROSS, Dorothy. Op. Cit., p. 202 e
seguintes.
84
interesses, tornando possível o seu funcionamento. Dentre tais mecanismos, as negociações
coletivas e os contratos coletivos de trabalho ocupavam lugar central. No entanto, para
Commons, as organizações de trabalhadores não deveriam sofrer qualquer tipo de
regulação estatal, posto que eram associações voluntárias e deveriam permanecer como
autonomamente organizadas. Ao Estado, deveria caber apenas o papel de supervisionar a
aplicação dos contratos coletivos de trabalho por elas celebrados. Commons era contrário
mesmo ao estabelecimento, por legislação, de salários e jornada de trabalho, percebendo
ambos como necessariamente frutos da contratação coletiva do trabalho. Era contrário,
também, a que o Estado obrigasse o patronato a reconhecer os sindicatos dado que, para
fazê-lo, teria que garantir o caráter democrático de cada um deles, imiscuindo-se
necessariamente em suas vidas internas.
151
Commons, cujas visões teriam muito em comum
com a dos pluralistas industriais dos anos 1920, possuía posições afins também às da AFL
de princípios do século XX. Para ambos, o bem-comum seria a expressão da soma da
satisfação dos interesses de grupos privados e, portanto, a comunidade política ideal seria
aquela formada por um número variável de instituições equivalentes, que estabeleceriam
acordos temporários ou permanentes umas com as outras.
152
Já Croly colocava-se dentre aqueles que, tal como os realistas legais mais tarde,
defendiam uma ativa participação do Estado na configuração e legitimação de tais grupos
de interesses. Nos anos 1920, Croly chegaria a flertar com o corporativismo fascista como
modelo de organização política capaz de superar o individualismo e o atomismo
característicos do liberalismo.
153
Mas não só ele. Mesmo o historidor Charles Beard
151
Cf. ERNST, Daniel. “Common laborers? Industrial pluralists, legal realists, and the law of industrial
disputes, 1915-1943. In Legal History Review, Vol. 11, No. 1 (Primavera de 1993), p. 59-100.
152
Cf. TOMLINS, Christopher. Op.Cit., p.77.
153
Cf. DIGGINS, John. Op. Cit., 1966, p. 487. No entanto, a base do apoio que o fascismo italiano recebeu
dos liberais americanos nos anos 1920 vinha de seu experimentalismo e pragmatismo. Em 1928, o
85
afirmava que o fascismo era um experimento que buscava reconciliar o individualismo e o
socialismo, a política e a tecnologia, e que seria um erro julgá-lo pelas declarações
extravagantes de seu líder, obscurecendo-se assim suas potencialidades e lições.
154
Como
os pluralistas industriais, os realistas legais negavam tanto o individualismo da economia
política neoclássica quanto a teoria social marxista, localizando, nos grupos de interesses, a
forma agregativa básica da sociedade. Tornava-se imperativo recompor um equilíbrio de
forças capaz de proporcionar harmonia social à América através da superação da anarquia
advinda do isolamento do indivíduo frente ao novo mundo das grandes corporações. No
entanto, ao contrário destes, os realistas legais percebiam legitimidade muito maior em
mecanismos de controle social sobre tais grupos, assim como uma regulação muito mais
estrita no campo das relações de trabalho do que os pluralistas industriais poderiam admitir,
dado que haveria um bem comum superior, definido pelo Estado, aos interesses privados
dos trabalhadores .
155
A legitimação dos grupos de interesses, nos anos 1950, já era um fenômeno tão
estabelecido nos Estados Unidos, que Alceu Amoroso Lima pôde escrever:
Fala-se muito no individualismo como traço típico do povo americano.
Minha experiência hoje não irá ao ponto de negar ali todo o individualismo.
Ao contrário. Mas a tendência global é precisamente a oposta. É uma
tendência ao grupalismo, para não falar logo em coletivismo, que seria
porventura exagerado. Mas é um fato que o americano é o homem do grupo,
congressista Milford Howard afirmava: “Vivemos na época do pragmatismo, não do dogmatismo do
realismo, mas de um realismo que também pode ser rico em idéias espirituais e quero que fique registrado
(…) minha fé em Benito Mussolini, o maior premier da Itália, e no Fascismo, a criança desta mente
maravilhosa, como a mais alta expressão de uma filosofia pragmática de governo, cuja fórmula invariável é:
‘Isto funciona?’”.
154
Cf. BEARD, Charles. “Making the fascist state”. In New Republic, LVII (23 de janeiro de 1929), p. 277-
78. Benito Mussolini, sempre que em contato com norte-americanos, dizia que os filósofos americanos
pragmáticos, dentre os quais John Dewey e William James, estiveram na base da construção de seu
pensamento. Cf. DIGGINS, John. Op.Cit., p. 489. Por outro lado, a propaganda política fascista afirmava,
com orgulho, que a intervenção estatal do New Deal na economia americana representava o triunfo de uma
política inventada pela Itália fascista no bastião do liberalismo antiquado. Cf. TANNENBAUM, Edward.
Sociedad y Cultura en la Itália (1922-1945). Madrid: Alianza Editorial, 1975.
155
Cf. ERNST, Daniel. Op. Cit., 1993, p. 73, 74.
86
como o inglês é o homem do clube. (…) Disse algumas vezes, por broma,
aos americanos que os Estados Unidos são um país eminentemente
soviético, uma espécie de comitelândia.
156
No entanto, o processo de legitimação de tais grupos, principalmente os dos
trabalhadores, não foi um movimento linear. No que se refere a estes, o pós-Grande Guerra
testemunharia um refluxo do movimento sindical diante da reação republicana às inovações
administrativas e regulatórias da Era Progressista.
156
LIMA, Alceu Amoroso. A realidade americana. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1954, p. 37.
87
Capítulo 2: Fordismo, contratação do trabalho e Grande Depressão
Estamos hoje mais perto do ideal da abolição da pobreza e o
medo do que jamais estivemos. E de novo repito que se
abandonarmos nosso sistema americano através da adoção
dos princípios destrutiv os que nossos oponentes propõem [o
Partido Democrata, defendendo maior regulação estatal da
economia], vamos ameaçara própria liberdade de nosso povo,
e vamos destruir a igualdade de oportunidades, para não falar
de nós mesmos e de nossos filhos.
157
2.1. A Primeira Guerra e a questão operária
Não só a Era Progressista trouxe mudanças importantes na forma como o Poder
Executivo encarava a questão operária, como a Grande Guerra trouxe a questão operária
para uma centralidade de que ela até então jamais gozara, dado que o intenso conflito social
então vivido tinha que ser minimizado de forma a não obstaculizar o esforço de guerra. A
NWLB funcionava como um tribunal do trabalho composto por representantes do interesse
público, indicados pelo Presidente Wilson, das corporações e de sindicalistas da AFL,
tendo representado para esta uma importante inflexão em sua relação com o Estado, com o
qual pela primeira vez aceitava relacionar-se de forma positiva. Dentre os princípios que a
NWLB delineou para administrar o conflito distributivo durante a Guerra, estavam o direito
de todos os trabalhadores de participar de sindicatos e negociar coletivamente com seus
empregadores e a ilegalidade de práticas anti-sindicais por parte destes. Tendo mediado
mais de mil greves até o fim da Guerra, e aplicado seus princípios com certa generosidade
para com o movimento sindical, a NWLB diminuiu consideravelmente o poder
discricionário do patronato e, sob seus auspícios, pelo menos um milhão de trabalhadores
157
HOOVER, Herbert. “Speech by Herbert Hoover, Nova York, October 22, 1928”. Apud COMMAGER,
Henry Steele. Op. Cit., p. 225.
88
americanos sindicalizaram-se.
158
A partir da experiência da NWLB, a AFL iria mesmo
sugerir o estabelecimento de agências públicas que agissem como fóruns de discussões e
contratação coletiva do trabalho, cabendo ao governo federal no entanto o papel de
coordenar tais agências, e não de intervir por lei ou decreto em suas operações ou na
determinação dos termos dos contratos.
159
De modo a articular o apoio de democratas e republicanos à nova agência, os dois
representantes do interesse público indicados pelo Presidente Wilson para co-presidir a
NWLB foram William Howard Taft - o juiz federal de Ohio defensor das labor injunctions
e, mais tarde, Presidente da República pelo Partido Republicano -, e Frank Walsh, o
responsável pelo Relatório da Comissão Federal de Relações Industriais dos Estados
Unidos (USCIR), de 1915, instituída pelo Congresso, que afirmava: “A liberdade política
só pode existir onde haja liberdade industrial; democracia política, apenas onde houver
democracia na indústria”.
160
Tais palavras do Relatório da USCIR, se já faziam parte do vocabulário político da
AFL, passaram a fazer parte também do vocabulário da NWLB e do próprio Governo
Wilson. Na verdade, a idéia de democracia industrial era extremamente polissêmica.
Enquanto que para o governo Wilson e a para a NWLB a democracia industrial significava
colocar um limite em práticas consideradas anti-democráticas das corporações americanas,
no momento em que tropas americanas lutavam nos campos de batalha europeus, para o
movimento operário ela se revelava um poderoso instrumento para atacar a autoridade do
patronato no local de trabalho. Utilizando-se do linguajar da propaganda de guerra do
158
Cf. McCartin, Joseph. “’An American feeling’: workers, managers, and the struggle over industrial
democracy in the World War I era”. In LICHTENSTEIN, Nelson e HARRIS, Howell John (orgs). Op. Cit.,
p. 71.
159
Cf. TOMLINS, Christopher. Op.Cit., p. 77.
160
Cf. McCARTIN, Joseph. Op. Cit., 1997, p. 12.
89
governo, a AFL afirmava que as corporações que se opunham à contratação coletiva do
trabalho estavam obstaculizando o esforço de guerra, revelando, elas próprias, suas
naturezas despóticas e autocráticas. Urgia portanto deskaizerisar a indústria americana,
retirando o ranço prussiano dos administradores corporativos. Desta forma, a AFL
percebia-se como um agente da democracia industrial, fazendo, da sindicalização, um ato
patriótico.
161
No entanto, a aproximação da AFL com o Governo Wilson representou um custo
elevado para outras organizações de trabalhadores, dado que ajudou a legitimar a repressão
governamental ao IWW e ao Partido Socialista, que sentiram então a pesada mão de ferro
do governo com particular intensidade. Com a aprovação, pelo Congresso, do Espionage
Act, de 1917, logo suplementado pelo Sedition Act, de 1918, todos os movimentos
considerados politicamente radicais, dentre os quais o IWW, foram sistematicamente
reprimidos pelo governo. Em 1918, 101 militantes do IWW foram levados a juri na Corte
Federal de Chicago, acusados de sabotagem e conspiração contra o esforço de guerra. Com
o fim do conflito mundial e o aumento do número de greves que se lhe seguiu durante o
Medo Vermelho, o IWW foi desarticulado e, em alguns estados, a simples filiação a ele
passaria a constituir crime.
162
O auge do Medo Vermelho ocorreu no ano de 1919, ocasião em que 4.160.348
homens, ou 20% da força de trabalho dos Estados Unidos, cruzaram seus braços em 3.630
greves.
163
A tais greves, e aos atentados contra empresários e funcionários públicos então
realizados, seguiu-se um violento movimento de repressão visando à deportação de
161
Cf. McCARTIN, Joseph. Op. Cit., 1996, p. 67-86.
162
Cf. DUBOFSKY, Melvyn. Op. cit., 2000, p. 66; LIMONCIC, Flávio. “O problema do conservadorismo
dos trabalhadores americanos e a nova história do trabalho”. In Cultura Vozes, Ano 95, No. 2, março-abril de
2001, p. 6-24.
163
Cf. Cf. ZIEGER, Robert. The CIO, 1935-1955. Londres e Chapel Hill: The University of North Carolina
90
trabalhadores estrangeiros tidos como radicais. O primeiro de uma série de ataques
governamentais organizados contra líderes operários, que ficaram conhecidos como Palmer
raids em razão de seu mentor, o advogado-geral da União A. Mitchel Palmer, foi desferido
em novembro de 1919, com a prisão de 250 membros da União dos Trabalhadores Russos.
Em dezembro, 249 trabalhadores, sobre os quais não pesava qualquer acusação formal,
foram deportados para a Rússia, inclusive a líder anarquista Emma Goldman. Em janeiro de
1920, em uma única noite, 4 mil trabalhadores supostamente comunistas foram presos em
33 cidades, a maioria sem mandado judicial, sendo-lhes negados direitos constitucionais
básicos: foram mantidos incomunicáveis, interrogados com violência e, em algumas
cidades, submetidos a tratamento público humilhante, algo que deixaria chocados mesmo
os conservadores, pela sua flagrante ilegalidade.
164
Ao todo, algo em torno de 600 pessoas
foram deportadas no período, que deixou como principais símbolos os anarquistas Sacco e
Vanzetti, presos em 1920 e executados em 1927.
165
O Partido Socialista não teria destino mais promissor. Em 9 de abril de 1917, o PS
adotou uma Resolução pela qual afirmava ser a declaração de guerra do governo americano
um crime contra o povo dos Estados Unidos.
166
Nas eleições deste ano, os socialistas
obtiveram êxitos importantes em grandes cidades e centros industriais: 22% dos votos em
Nova York, 34% em Chicago, 44% em Dayton, 34% em Toledo, 19% em Cleveland.
167
No
entanto, Eugene Debs, seu maior líder, acabou por ser condenado a cumprir sentença 20
Press, 1995, p. 9; PETERSON, Florence. Op. Cit., p. 1066.
164
Cf. WILSON, Edmund. Os anos 20. São Paulo: Cia das Letras, 1987, p. 55.
165
Para uma descrição pormenorizada das greves nos anos imediatamente posteriores ao fim da Grande
Guerra, Cf. BRECHER, Jeremy. Op. Cit., Capítulo 4. Para uma análise da repressão governamental, Cf.
PRESTON JR., William. Aliens and dissenters. Federal suppression of radicals, 1903-1933. Nova York:
Harper Torchbooks, 1966 e LEUCHTENBURG, William. The perils of prosperity, 1914-1932. Chicago e
Londres: The University of Chicago Press, 1993.
166
Cf. LEUCHTENBURG, William. Op. Cit., 1993, p. 42.
167
HOWE, Irving. Op. Cit., p. 41.
91
anos na prisão federal de Atlanta onde, com o número de prisioneiro 9653, concorreu à
presidência dos Estados Unidos em 1920, recebendo 900 mil votos. A partir de então,
porém, o PS conheceu um decréscimo acentuado em seu número de militantes. Se, neste
ano, ele possuía 118 mil membros, 10 anos depois o número de filiados cairia para 11
mil.
168
Para a AFL, a virtual eliminação do PS e do IWW, assim como a expulsão de
imigrantes tidos como radicais, era um passo necessário para a integração do movimento
operário e de imigrantes não-radicais a uma sociedade aberta e ordeira, baseada em
contratos coletivos de trabalho, que a central esperava emergisse da Guerra.
A nova abordagem estatal para a questão operária, em que articulavam-se a
aproximação com a AFL e a eliminação dos setores mais radicais do sindicalismo e do PS,
encerrava também uma importante dimensão cultural. Como visto, Croly e diversos de seus
colegas progressistas possuíam uma proposta de renovação cultural baseada na idéia de
uma sociedade organicamente estruturada em que o bem comum não mais resultaria, como
queriam os liberais clássicos e a tradição legal vitoriana, da busca da felicidade individual.
O próprio Presidente Wilson, em telegrama enviado ao Congreso americano de Versalhes,
no pós-Guerra, afirmaria:
A questão que se coloca diante de todas as outras, neste momento, é a
questão do trabalho, a de como os homens e as mulheres que labutam
diariamente no mundo podem melhorar progressivamente suas condições de
trabalho, tornarem-se mais felizes, e serem melhor servidas por suas
comunidades e pelas indústrias que seus trabalhos sustém e fazem
progredir.
169
168
Cf. LEUCHTENBURG, William. Op. Cit., 1993, p. 125.
169
Apud FRASER, Steve. “The labor question”. In FRASER, Steve e GERSTLE, Gary (orgs.). Op. Cit., p.
55.
92
O Tratado de Versalhes refletia tal visão de um novo capitalismo moral para o pós-
Guerra. Em sua Parte XIII, o Tratado criava a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), composta por quatro representantes de cada país-membro, dos quais 2 seriam
delegados dos governos e os outros dois, respectivamente, de patrões e operários, uma
composição que fazia lembrar a da NWLB. A OIT era justificada com os seguintes termos:
Considerando que existem condições de trabalho que implicam para grande
número de indivíduos miséria e privações, o que gera tal descontentamento
que a paz e a harmonia universais entram em perigo, e considerando que é
urgente melhorar essas condições: por exemplo, no que se refere à
regulamentação das horas de trabalho, à fixação duma hora máxima do dia
da semana de trabalho, o recrutamento de mão-de-obra, a luta contra a
paralização do trabalho, a garantia dum salário que assegure condições de
existência convenientes, a proteção dos trabalhadores contra as doenças
graves ou profissionais e os acidentes de trabalho, a proteção das crianças,
dos adolescentes e das mulheres, as pensões de velhice ou invalidez, a
defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, a
afirmação do princípio da liberdade sindical, a organização do ensino
profissional e técnico, e outras medidas análogas.
170
Tais considerações repetiam vários dos preceitos defendidos pela Encíclica Rerum
Novarum, como o direito ao repouso, ao salário mínimo, ao descanso, à dignidade do
trabalhador e de sua família, que não passaram despercebidas ao Papa Pio XI que, na
Encíclica Quadragesimo Anno, afirmava ser a Parte XIII de Versalhes quase que uma cópia
da encíclica de Leão XIII.
171
Dentro dos próprios Estados Unidos, tais Encíclicas papais
tiveram grande influência sobre trabalhadores imigrantes ou americanos de segunda
geração de origem irlandesa, italiana ou polonesa que, baseados na Doutrina Social da
Igreja, rejeitando portanto as concepções de busca do bem-estar e da felicidade em termos
puramente individuais, vinham crescentemente emprestar uma dimensão moral ao
170
POTÊNCIAS ALIADAS E ASSOCIADAS. Tratado de Paz. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo
Editores, 1919, p. 348, 349.
171
Cf. BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. A Santa Sé e a ordem social. Encíclicas Rerum Novarum,
93
capitalismo americano. Um dos principais líderes sindicais dos anos 1930 e 1940, Philip
Murray, presidente do Congress of Industrial Organizations (CIO), católico de origem
irlandesa, seria um constante defensor de Conselhos Industriais em cada grande indústria,
consistindo de representantes de trabalhadores e dos empresários, de forma assumidamente
inspirada pela Encíclica Quadragesimo Anno do Papa Pio XI, de 1933. Na verdade, ao
longo de todos os anos 1930 e 1940, Murray advogaria seguidos conselhos industriais
desenhados por clérigos católicos.
172
Em sua Convenção de 1941, o CIO pediria a
Roosevelt a criação de tais conselhos, cujos objetivos seriam “... o aumento da eficiência
das operações de cada indústria, encorajando a cooperação entre trabalhadores, empresas e
governo, desenvolvendo e promovendo a produção máxima de cada planta”.
173
No entanto, o cenário americano do pós-Guerra não se revelou propício para visões
morais do capitalismo, para a continuidade das reformas progressistas, para a legitimação
do movimento sindical e, conseqüentemente, para o aprofundamento das relações entre este
e o Estado americano. Nas eleições parlamentares de 1918, congressistas conservadores,
tanto republicanos quanto democratas, fizeram a maioria do Congresso, rejeitando qualquer
avanço institucional e organizativo do movimento operário, mesmo o do ligado à AFL. O
Medo Vermelho, ao lado da forte reação empresarial pela desregulamentação das relações
de trabalho, aliados ao temor do governo Wilson de que aumentos salariais obtidos em
negociações coletivas pudessem alimentar a espiral inflacionária, levaram a que o ambiente
político e institucional no qual o trabalho organizado ligado à AFL conheceu abrigo e
de Leão XIII, e Quadragesimo Anno, de Pio XI. Brasília: Câmara dos Deputados, 1981, p. 51.
172
Cf. SCHATZ, Ronald. “Philip Murray and the subordination of the industrial unions to the United States
government”. In DUBOFSKY, Melvyn e TINE, Warren Van. Labor leaders in America. Urbana e Chicago:
University of Illinois Press, 1987, p. 248.
173
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREU OF LABOR STATISTICS. “CIO
Convention, 1941”. In Labor Monthly Review. Washington: US Goverment Printing Office, Vol. 53, No. 6,
Dezembro de 1941, p. 1453.
94
estímulo fosse restringido e agências como a NWLB foram desmontadas.
174
A vitória
conservadora nas eleições de 1918 impediram a própria entrada dos Estados Unidos na
Liga das Nações, proposta pelo Presidente Wilson, e o embrião de um movimento de
reforma moral do capitalismo americano teve que esperar até a Grande Depressão para
tomar novo impulso.
175
Entre 1920 e 1921, a AFL perdeu portanto grande parte dos
recursos políticos que havia conquistado durante a Grande Guerra, assim como cerca de
30% de seus então 4 milhões de filiados.
176
174
MC CARTIN, Josehp. Op. Cit., 1996, p. 78, 79.
175
Cf. COHEN, Lizabeth. Making a New Deal. Industrial workers in Chicago, 1919-1939. Cambridge:
Cambridge University Press, 1990. A reforma moral da sociedade constitui, segundo alguns historiadores, o
ponto distintivo entre e Era Progressista e o New Deal. Para Alan Brinkley, ao contrário dos progressistas, o
New Deal tinha pouco interesse na reforma moral da sociedade, reservando pouca atenção para questões
como raça, etnicidade, família, gênero, comportamento pessoal, hábitos sexuais ou combate à corrupção.
Também Richard Hofstadter afirmaria que o New Deal marcou uma ruptura com a tradição reformista
americana, até então associada à reforma moral da sociedade, ao buscar pragmaticamente recolocar a
economia no caminho do crescimento. Gary Gerstle, no entanto, afirma que para milhões de americanos o
New Deal significou uma cruzada moral para restaurar a justiça, a democracia e a eqüidade na vida
econômica americana. A diferença entre progressistas e New Dealers estaria no fato de que os primeiros
reservaram sua paixão moral para a reforma individual, para a melhora do caráter das pessoas, através do
combate à prostituição, da americanização dos imigrantes, da higiene social, da eugenia e da Lei Seca, ao
passo que os segundos deram pouca atenção a tal agenda, concentrando-se na reforma econômica. Sua visão
moral encerrava idéias como segurança social, oportunidade e democracia industrial. Cf. BRINKLEY, Alan.
The end of reform. New Deal liberalism in recession and war. Nova York: Vintage Books, 1996, p. 9 e 10;
HOFSTADTER, Richard. Op. Cit., p. 302 e seguintes ; GERSTLE, Gary. Op.Cit., 1994, p. 1043, 1044.
176
Cf. SALVATORE, Nick. “Introduction”. In SALVATORE, Nick (org.). Seventy years of life and labor.
An autobiography. Samuel Gompers. Ithaca: IRL Press, New York State School of Industrial and Labor
Relations. Cornell University, 1984, p. XXXIX.
95
2.2. O papel regulatório dos sindicatos
Se a NWLB não chegou a constituir-se na ‘discriminação positiva’ ao movimento
sindical propugnada por Croly desde 1909, e tampouco a Era Progressista chegou a
construir o grande Estado e o grande trabalho por ele defendidos, seria incorreto afirmar
que, no pós-Guerra, o estatuto do trabalho organizado tenha permanecido o mesmo de antes
do conflito. A partir de então, a repressão, tanto a governamental quanto a patronal, não foi
a única resposta oferecida à insatisfação operária. Pelo contrário, um número crescente de
empresários de diferentes setores industriais começou a perceber que a simples repressão
não resultaria em consentimento operário, preocupando-se também em construir as bases
simbólicas deste através do que ficaria conhecido como welfare capitalism, a implantação,
pelas empresas, de programas de bem-estar, saúde, aposentadoria, esportes e outros
benefícios indiretos, assim como planos de representação de trabalhadores nos locais de
trabalho. Os planos de welfare capitalism da General Motors Corporation, por exemplo,
incluíam programas habitacionais, bonus, fundos de investimentos, compra de ações da
empresa, atividades educacionais e recreativas, o que não significa dizer que a empresa
tenha cessado com a busca da desarticulação sistemática dos esforços de associação
autônoma dos seus trabalhadores. Embora os programas de welfare capitalism tenham se
limitado a alguns setores industrais e, dentro destes, a algumas plantas, a idéia de
democracia industrial, plantada durante a Grande Guerra, deixaria sua marca nas relações
de trabalho a partir de então.
177
Mas, para além da idéia da construção do consentimento operário através de
programas de bem-estar, alguns círculos empresariais, ao lado de reformadores sociais e
177
Cf. FINE, Sidney. Sit-down. The General Motors Strike of 1936-1937. Ann Arbor: The University of
96
sindicalistas, passaram também a perceber os sindicatos como mecanismos de regulação da
concorrência entre as empresas, da maximização da eficiência produtiva e da
disciplinarização da força de trabalho.
O problema da concorrência destrutiva entre as empresas era central para vários
setores econômicos e o ambiente institucional no qual ela se dava era então bastante
rarefeito, mesmo com o avanço das agências administrativas federais da Era Progressista. O
processo de fusão de empresas e consolidação corporativa que vigorou na virada do século
XIX para o XX não teve êxito em controlar completamente a competição entre as empresas
de um mesmo setor, ainda que tenha limitado o número de concorrentes.
178
Havia então um
claro problema de ação coletiva: em um ambiente de forte concorrência e cálculos de curto
prazo por parte das empresas, que punham em risco a própria continuidade de seus
processos de expansão, os custos de uma cooperação setorial que minimizassem tal risco
deveriam ser compartilhados por todos os cooperantes, mas os benefícios maiores seriam
auferidos pelos não-cooperantes. Os setores de borracha e aço constituem um bom
exemplo. Como consumidores de matérias-primas, eles freqüentemente viam-se obrigados
a optar entre duas direções: lidar com um universo de pequenas firmas supridoras, tentando
dar uma forma minimamente integrada às suas compras, ou entrar no extremamente
competitivo mercado internacional; como fornecedores de insumos básicos, viam seus
recursos de barganha diminuídos diante de consumidores corporativos bem organizados,
como a indústria automotiva.
179
Neste cenário, as empresas dos setores produtores de
Michigan University Press, 1969, p. 25; Cf. McCARTIN, Joseph. Op. Cit., 1997, Capítulos 7 e 8.
178
Para uma discussão a respeito, Cf. GORDON, Colin. New Deals. Business, labor, and politics in America,
1920-1935. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, p. 17 e seguintes.
179
O setor automotivo era, nos anos 1930, o maior consumidor de aço e vários outros insumos, como
borracha, vidro plano, níquel etc. Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In
the Matter of Ford Motor Company and International Union, United Automobile Workers of America. Case
No. c-199. Decided December 22, 1937”. In Decisions and orders of the National Labor Relations Board,
97
insumos básicos, mas também de outros setores, lutavam ferozmente umas com as outras
para diminuir seus custos de produção e manterem-se competitivas, rebaixando os preços
de seus produtos.
180
Um dos principais elementos de concorrência entre as empresas era o relativo aos
custos da mão-de-obra e à jornada de trabalho, dado que leis que regulassem horas
máximas e salários mínimos eram praticamente inexistentes. Pela interpretação corrente da
Constituição, o governo federal só podia regular horas e salários de seus próprios
funcionários, além de trabalhadores envolvidos em atividades interestaduais. No âmbito dos
estados, as realidades eram múltiplas. Em 1913, apenas 13 estados possuíam limites de
horas, que variavam de 8 a 10 por dia, para trabalhadores envolvidos em atividades
perigosas, particularmente nas minas.
181
Ainda em 1933, no que se refere ao empregadores
privados, a legislação da California permitia uma jornada diária de 12 horas, a da Louisiana
de 10 a 12 horas, dependendo da categoria profissional, e a de Oregon até 14 horas para
trabalhadores de ferrovias, ainda que a jornada média semanal, em 1909, fosse de 51,7
horas, ou 8,6 horas/dia em uma semana de seis dias de trabalho.
182
Em 1933, apenas 16
estados possuíam leis de salários mínimos para mulheres e crianças e, em 1938, 23 estados
ainda não tinham nenhuma legislação sobre salário mínimo, 30 não possuíam limites legais
Vol. 4, Nov. 1, 1937-Feb. 1, 1938. Washington: United States Government Printing Office, 1938, p. 625.
180
Cf. GORDON. Colin. Op.Cit., p. 45 e seguintes.
181
Cf. GOLDBERG, Arthur. Growth of labor law in the United States. Washington: United States Deparment
of Labor. US Bureau of Labor Standards, 1962, p. 83.
182
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Legal
restrictions on hours of labor of men in the United States, as of January 1, 1933”. In Monthly Labor Review.
Washington: US Printing Office, Vol. 36, No. 1, Janeiro de 1933, p. 8; ESTADOS UNIDOS.
DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Wages, hours, and productivity of
industrial labor, 1909 to 1939”. In Monthly Labor Review. Washington: US Printing Office, Vol. 51, No. 3,
Setembro de 1940, p. 519.
98
a uma jornada diária superior a 8 horas, 18 possuíam jornadas semanais legais superiores a
48 horas e 8 não possuíam qualquer tipo de limite para a jornada de trabalho.
183
A definição de horas e salários era deixada a cargo, portanto, dos contratos de
trabalho, predominantemente individuais, e, por esta razão, alguns empresários começaram
a ver nos sindicatos um mecanismo capaz de equalizar tais variáveis através de contratos
coletivos de trabalho por todo um setor industrial.
184
Se temos uma situação na nossa indústria na qual uma unidade está pagando
salários de 86 ou 89 ou 90 centavos a hora, e outra unidade está pagando 45
ou 46 centavos a hora e estas unidades estão competindo entre si, (…)
alguma agência [empresarial] deve cuidar desta situação e construir
parâmetros salarais para esta indústria (…); e se nós admitirmos que somos
incapazes disto, então o trabalho organizado tem razão ao dizer ‘Nós temos
que tomar conta do caso e fazer o trabalho para vocês’.
185
Os sindicatos, ou ao menos alguns importantes líderes sindicais, por seu lado,
crescentemente revelavam-se dispostos a desempanhar tais papéis regulatórios. Durante a
Grande Guerra, a Taylor Society, que reunia simpatizantes e estudiosos de técnicas
científicas de organização da produção, sofreu uma profunda inflexão política. Até a morte
183
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Minimum
wage legislations in the United States”. In Monthly Labor Review. Washington: US Printing Office,Vol. 37,
No. 6, Dezembro de 1933, p. 1344; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. Twenty-Sixth Annual
Report of the Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1938. Washington: US Printing Office,
1938, p. 4.
184
Na década de 1930, a tentativa de acordos setoriais ou por área geográfica, que abarcasse todos os
trabalhadores de uma determinada indústria para, desta forma, elevar o poder de compra dos assalariados,
continuava a ser a estratégia central do movimento sindical. Em 1938, quase a totalidade dos mineiros de
carvão trabalhava sob contratos de closed-shop, assim como 90% dos trabalhadores das indústrias de
vestuário, construção civil e outras atividades. Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.
BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Closed shp and check-off in union agreements”. In Monthly Labor
Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 49, No. 4, Outubro de 1939, p. 830, 831.
185
Apud GORDON, Colin. Op. Cit., p. 93. Na década de 1930, muitos empresários chegariam mesmo a
defender os acordos sindicais com cláusulas de closed-shop, ou seja, de que somente trabalhadores
sindicalizados seriam empregados, como forma de estabilizar as relações de trabalho e cortar a competição
destrutiva entre as diferentes plantas e firmas de um mesmo setor industrial. Cf. ESTADOS UNIDOS.
DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Closed shop and check-off in union
agreements”. In Montly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 49, No. 4,
Outubro de 1939, p. 830.
99
de seu inspirador, em 1915, suas reflexões e propostas relativas às relações entre
trabalhadores e direção corporativa revelavam uma visão gerencial profundamente
autoritária. Com o conflito mundial e seu corolário de insatisfação operária, a criação da
NWLB e a luta em torno da democracia industrial, alguns de seus membros, como William
Leiserson, perceberam que os chamados métodos prussianos na indústria haviam chegado
ao fim, se se queria uma nova ordem democrática no país. Para eles, a autoridade patronal
deveria respousar no consentimento dos trabalhadores, dado que somente tal consentimento
produziria mais eficiência.
Tal visão, que filosoficamente não estava em desacordo com os programas de bem-
estar operário do welfare-capitalism, convergia para a postura de alguns importantes líderes
sindicais, como Sidney Hillman, mais tarde líder do CIO e um dos mais próximos
colaboradores de Roosevelt dentro do movimento sindical durante o New Deal. Como
presidente do Amalgamated Clothing Workers of America (ACWA), Hillman contribuiu
para a construção de novas formas de gestão do trabalho, que articulavam a gestão
científica da produção com mecanismos de controle dos trabalhadores sobre seu processo
de trabalho. Em colaboração com membros da Taylor Society, Hillman buscou introduzir o
império da lei no chão-da-fábrica, ou seja, uma ordem coletivamente contratada das
relações entre trabalhadores e gerência, assim como instaurar um padrão científico de
produção, formulado e acordado por todas as partes.
186
186
Cf. HILMANN, Sidney. “Statement of Sidney Hillman, President, Amalgamated Clothing Workers of
America, and Member of the Labor Advisory Board”. Hearings before the Committee on Education and
Labor of the United States Seventy-Third Congress. Thursday, March 15, 1934. Second Session on S. 2969.
A Bill to equalize the bargaining power of the employers and employees, to encourage the amicable sttlement
of disputes between employers and employees, to create a National Labor Board, and for other purposes. In
NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935.
Vol. 1. Washington: United States Government Printing Office, 1985, p. 153.
100
Ocorreu, portanto, um processo de afinidade de estratégias de reformadores sociais
e líderes empresariais e sindicais no sentido de transformar os sindicatos em elementos de
regulação da concorrência intercapitalista e de disciplinarização da força de trabalho, em
troca de maior autonomia no local de trabalho e salários mais altos. No novo mundo de
administração científica e rápidas mudanças tecnológicas voltadas para a produção para um
mercado de massas, a Taylor Society e setores do movimento sindical defendiam a
negociação coletiva entre patrões e empregados como forma de elevar o poder de compra
dos trabalhadores e, dessa forma, torná-los aptos a consumir. Neste sentido, membros da
Taylor Society chegaram mesmo a defender a criação de sindicatos nacionais, de forma a
regular a economia americana como um todo. Nos anos 1920, a Taylor Society
transformou-se em um foco de interesses de indústrias voltadas para o mercado urbano de
massas, como as lojas atacadistas Filenes e Macy’s, bancos de investimentos como o
Lehman Brohters e Goldman, Sachs, a indústria do lazer, a construção civil etc.
187
A visão da Taylor Society e de sindicalistas com Hillman, no entanto, não iria
prosperar nos anos 1920, a começar pelo fato de que a National Association of
Manufacturers (NAM), a principal associação industrial do entre-guerras, assumiu então
uma postura abertamente anti-sindical
188
e de que, apesar da crítica já realizada pelo
Movimento Progressista na década anterior à tradição legal vitoriana, os sindicatos
continuavam sob a ação desarticuladora do Poder Judiciário. O United Mine Workers
(UMW), o único grande sindicato industrial do período, recebeu na década de 1920
sentenças condenatórias em todo o repertório legal da tradição vitoriana.
187
FRASER, Steven. Op. Cit., 1989, p. 59 e seguintes.
188
cf. GORDON, Colin. Op. cit., p. 140 e seguintes.
101
Em 1921, o UMW foi condenado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em uma
ação de conspiração movida por operadores de minas do estado de West Virginia. No
mesmo ano, na corte distrital federal de Indianapolis, assim como em inúmeras cortes
estaduais de West Virginia, os proprietários de minas conseguiram labor injunctions que
proibiam os organizadores do UMW de aproximar-se das minas em que os trabalhadores
não eram sindicalizados ou mesmo fazer propaganda sindical junto a mineiros que não
pertenciam ao sindicato. No início dos anos 1920, juízes chegaram a declarar crime os
esforços associativos do UMW na maior parte do sudoeste de West Virginia e no leste do
Kentucky. Em Arkansas, os embates entre o UMW e a Coronado Company chegaram à
Suprema Corte dos Estados Unidos, que declarou serem as greves com o objetivo de
organizar trabalhadores em minas até então não-sindicalizadas uma interferência com o
comércio interestadual do carvão e, portanto, passíveis de serem suspensas sob os termos
da Lei Sherman. Em seus embates com os tribunais, o UMW gastava boa parte de seus
recursos que, de outro modo, seriam utilizados para fins de organização. Em 1920, o
sindicato gastou mais de US$ 150.000,00 em despesas legais e, no ano seguinte, a cifra
chegou a US$ 460.000,00. Apenas em um ano, ao longo de toda a década de 1920, o UMW
teve gastos legais inferiores a US$ 100.000,00.
189
No entanto, o problema da competição destrutiva entre as empresas, que deprimia
os salários, não passava desapercebido ao poder público. Herbert Hoover, primeiro como
Secretário de Comércio, depois como Presidente da República, buscou dar resposta a este
problema através do que chamou de Novo Individualismo, a construção de mecanismos
institucionais que visassem a frear a acirrada concorrência entre as grandes corporações,
189
Cf. DUBOFSKY, Melvyn e TINE, Warren van. John Lewis. A biography. Urbana e Chicago: University of
Illinois Press, 1986, p. 60, 61.
102
através de acordos que regulamentassem a jornada de trabalho, salários, níveis de produção
etc. No entanto, tais mecanismos deveriam ser construídos pelas próprias empresas através
de suas associações de classe, sem a interferência direta do Estado, que agiria apenas como
fomentador do processo. Assim, o estado administrativo montado na Era Progressista teria
um novo papel, de caráter associativo: o Estado deixava de regular a economia e passava a
ser estimular a cooperação entre os agentes privados.
190
Na década de 1920, várias de tais
associações chegaram a funcionar, como o Cotton Textile Institute e o Special Conference
Committee, mas acabariam por fracassar tanto pela incapacidade dos capitais individuais
em traçar e respeitar uma estratégia coletiva como pela ausência de mecanismos legais ou
políticos que os constrangessem a fazê-lo, além do receio que os empresários tinham em
incorrer em práticas consideradas ilegais pela Lei Sherman Anti-Truste.
191
No último ano do governo Hoover, 1932, alguns setores empresariais, como o da
borracha, e grandes empresas, como a General Electric, já demandavam algum tipo de
constrangimento legal para que os diversos setores industriais fossem compelidos a chegar
a acordos de competição. P. W. Litchfield, presidente da Goodyear Tire and Rubber Co.,
em discurso dirigido à Câmara de Comércio dos Estados Unidos, responsabilizou os
empresários por terem falhado em concertar ações coletivas e declarou que a contínua
queda dos níveis de emprego e do poder de compra dos assalariados estava levando os
Estados Unidos ao socialismo ou à anarquia. Para evitar ambos, defendia um mínimo de
intervenção estatal, e advertia: “Nós fracassamos em tomar os passos necessários
voluntariamente, portanto o elemento de força, a ação compulsória do governo, torna-se
190
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 92.
191
Cf. GORDON, Colin. Op. cit., Cap. 2; KIRSH, Benjamin e SHAPIRO, Harold. The National Industrial
Recovery Act. An analysis. Nova York: Central Book Company, 1933, p. 16, 17.
103
necessária”.
192
Gerard Swope, da General Electric, elaborou o que ficou conhecido como
“Swope Plan”, um plano de regulamentação dos diversos setores da economia através de
suas associações, sob a supervisão do governo, mas tal projeto foi desqualificado pelos
assessores do presidente como “… a mais gigantesca proposta de monopólio jamais feita na
história”.
193
A rigor, o empresariado americano estava despreparado para agir de forma
coletiva no início dos anos 1930 e, na maior parte das indústrias, a competição destrutiva
entre as diferentes empresas permaneceu como regra.
194
Incapazes de implementar ações coletivas, os grandes grupos empresariais
continuaram a implementar políticas de open-shop (repressão aos sindicatos) como
propostas pela NAM, particularmente no coração da nova economia americana, a indústria
automobilística.
192
Washington Star. Washington: 4 de maio de 1933.
193
COHEN, Wilbur. Apud GORDON, Colin. Op. Cit., p. 168.
194
SKOCPOL, Theda. Op. Cit., 1992, p. 65.
104
2.3. A indústria automotiva: o fordismo e a centralidade da relação salarial
Esses hotéis de concreto, afetados, de um estilo mourisco
insosso, artificialmente cobertos de hera, com telhados
vermelhos com ameias; esses bancos e prédios de correios
novinhos e impecáveis, que parecem existir exclusivamente
para as pessoas que só vêm à cidade para trabalhar e depois
voltam para os subúrbios; aquelas casas rosadas de tijolo,
com suas vidraças reluzentes, que acabam de ser colocadas
uma ao lado da outra, e outras ainda envoltas em andaimes e
argamassa, antes de receberem o leve invólucro de tijolos.
Anúncios de tinta, anúncios de sementes de grama, prédios
com longos telhados verdes que brotam de uma fileira de
vagas numa plataforma fina e ordenada, onde automóveis
esperam em festas do fim de semana, uma cidade composta
de prédios baixos e novos...
195
Os métodos fordistas de gestão da produção de automóveis, a estrutura vertical e
corporativa da indústria automotiva e o próprio automóvel, como produto de consumo de
massas, são possivelmente a melhor tradução das profundas mudanças pelas quais passou a
economia e a sociedade americanas nas primeiras décadas do século XX.
O primeiro automóvel americano foi produzido em 1893 e, seis anos depois, 30
empresas produziram cerca de 2.500 carros anualmente. Na ocasião, estampadores,
torneiros, pintores e outros trabalhadores artesanais dividiam os espaços de pequenas
fábricas e produziam um reduzido número de veículos para artistas, políticos e magnatas. O
novo produto, que se tornaria expressão da afirmação da mobilidade individual e sinônimo
de progresso tecnológico, logo atrairia novos investidores e, entre 1900, ano em que a
indústria automotiva sequer constava do censo industrial americano,
196
e 1908, 485
companhias entraram no negócio de fabricação de automóveis. No entanto, neste último
ano, em que o Modelo T de Ford foi produzido pela primeira vez, apenas 253 oficinas
195
WILSON, Edmund. Op. Cit., 1987, p. 229.
196
Cf. FINE, Sidney. The automobile under the Blue Eagle. Ann Arbor: The University of Michigan Press,
1963, p. 1.
105
continuavam ativas. Na década de 1910, já tornara-se evidente que o mundo das pequenas
oficinas montadoras de automóveis estava condenado pelo mesmo processo de inovações
técnicas e organizacionais e de concentração de capital que ocorreu em outros setores da
economia americana. Das 181 empresas que, em algum momento entre 1903 e 1906,
fabricavam carros, apenas 44 funcionavam em 1926.
197
O caso da General Motors merece atenção particular, por ter sido o mais vigoroso
processo de concentração industrial da história americana, resultando na maior corporação
do mundo. Ao contrário da Ford Motor Company, que permaneceu como uma empresa
familiar, a General Motors Corporation organizou-se corporativamente. A empresa fora
fundada por William Capo Durant em 1908, como resultado da visão de que uma empresa
que produzisse diversos modelos de automóveis seria mais bem sucedida do que aquelas
que produzissem apenas um, como a Ford Motor Company e seu Modelo T. No final de
1909, Durant já havia comprado mais de 20 empresas montadoras e fabricantes de auto-
peças. Em 1917, as diversas empresas que formavam a GM dissolveram-se como entidades
autônomas e tornaram-se divisões da General Motors Corporation que, em 1918, adquiriu a
Chevrolet Motor Company e a United Motors. Entre 1918 e 1920, a GM iniciou ainda a
montagem do que viria a ser a Frigidaire Division, formou a General Motors do Canadá e
adquiriu a Fisher Body Corporation, proprietária das então maiores e mais bem equipadas
fábricas de carroçarias do mundo. Em 1928, as vendas da GM somaram US$ 1,5 bilhão,
seu lucro líquido foi de US$ 330 milhões, e a empresa contava com 69 plantas em 35
cidades e 14 estados norte-americanos, produzindo Chevrolets, Pontiacs, Oldsmobiles,
Buicks e Cadillacs. Ao lado dos automóveis de passeio, a empresa produzia ainda veículos
comerciais, caminhões, trailers, autopeças e acessórios, refrigeradores, aquecedores,
197
Idem, p. 4.
106
aparelhos de ar-condicionado, eletrodomésticos, aviões, locomotivas e turbinas para
geração de energia, além de realizar investimentos em propriedades imobiliárias,
financeiras e seguradoras.
198
Tal processo de concentração do capital pelas grandes corporações ocorreu em
diversos setores da economia americana. Em 1931, 5 empresas controlavam 40% da
produção total de cimento e, em 1934, 3 empresas produziam 80% dos cigarros dos Estados
Unidos. Em 1935, 0,2% das corporações americanas possuíam ativos equivalentes a 50%
do total dos ativos de todas as corporações.
199
Neste processo de concentração de capital,
em 1929 a Ford, a GM e a Chrysler eram responsáveis por 80% da produção total de
automóveis nos Estados Unidos.
200
Neste ano, quase 500 mil trabalhadores estavam
ligados ao complexo automotivo, contra os pouco mais de 12 mil de 1904.
201
Nas décadas
de 1920 e 1930, entre 4% e 7% de todos os trabalhadores industriais americanos estavam
empregados na indústria automotiva.
202
As inovações organizacionais e tecnológicas no chão-da-fábrica da indústria
automotiva conheceram, na Ford Motor Company, seu impulso definitivo no início da
década de 1910. Resultado de um processo permanente de introdução de novas técnicas de
produção e gestão, que iniciou-se com o parcelamento e padronização e a rigorosa
separação entre concepção e execução das atividades, oriundos da concepção taylorista de
organização do trabalho, passando pela padronização das peças até chegar à linha de
198
Cf. FINE, Sidney. Op. Cit., 1969, p. 16 e seguintes.
199
Cf. MARTIN, Edwin (Bureau of Labor Statistics). “Basic problems of the national economy”. In Monthly
Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol 48, No. 1, Janeiro de 1939, p. 11, 13.
200
Cf. FLINK, James. The automobile age. Cambridge: MIT Press, 1993, p. 63 e seguintes.
201
Cf. FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, p. 1.
202
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Wage
structure of the motor-vehicle industry: Part I”. In Monthly Labor Review. Washington: US Goverment
Printing Office, Vol. 54, No. 2, Fevereiro de 1942, p. 282.
107
montagem, o fordismo vinha alavancar a Ford Motor Company como a mais importante
montadora americana da década.
A introdução da linha de montagem fordista representou uma aceleração do
processo de desabilitação da força de trabalho e um aumento espetacular da produtividade
dos trabalhadores da Ford. Em 1908, pouco antes do início da fabricação do Modelo T, o
ciclo de tarefas médio de um trabalhador da empresa, equivalente ao tempo trabalhado
antes que as mesmas operações se repetissem, era de 514 minutos, o que significa dizer que
cada trabalhador, individualmente, cumpria um longo ciclo de tarefas, que poderia ser, por
exemplo, a montagem completa da carroceria ou do motor. Neste ano, contudo, cada
trabalhador passou a executar apenas uma tarefa. Assim, em 1913, às vésperas da
introdução da linha de montagem, o ciclo médio de tarefas já havia caído para 2,3 minutos
e, na primavera do mesmo ano, quando a linha de montagem foi introduziada, caiu para
1,19 minuto.
203
No fundo, o que Ford buscava, ao lado das peças intercambiáveis, era o
operário intercambiável. Nas palavras do próprio Ford, o resultado de sua organização do
trabalho deveria ser a “… economia de pensamento e a redução ao mínimo dos movimentos
do operário, que, sendo possível, deve fazer sempre uma só coisa com um só
movimento”.
204
Henry Ford nunca deu-se por satisfeito com os resultados obtidos por suas
inovações e, mesmo na década de 1920, as contínuas modificações que introduzia no
processo de trabalho continuavam a desabilitar seus trabalhadores, com aumento no nível
203
Cf. WOMACK, James; JONES, Daniel; ROOS, Daniel. A máquina que mudou o mundo. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1992, p. 15 e seguintes.
204
Apud MORAES NETO, Benedito Rodrigues. Marx, Taylor, Ford: as forças produtivas em discussão. São
Paulo, Brasiliense, 1989, p. 48. Nunca é demais lembrar que, no cinema, a representação definitiva da
organização fordista da produção foi construída por Charles Chaplin em Tempos Modernos.
108
de estandardização e menor tempo de treinamento para as tarefas.
205
Em decorrência, se,
em 1902, a Renault francesa produziu 509 carros utilizando 500 trabalhadores e, em 1907,
a Austin inglesa produziu 147 unidades com 400 trabalhadores, em 1927, ano em que o
Modelo T foi retirado do mercado, mais de 15 milhões de unidades haviam sido produzidas
pela Ford.
206
Conseqüentemente, o preço unitário dos automóveis da Ford conheceram um
declínio expressivo. Em 1908, o modelo mais barato custava cerca de US$ 850,00, ao passo
que, em 1922, apesar da inflação ocorrida, custava US$ 298,00.
207
Por outro lado, quando, na primeira década do século XX, os princípios tayloristas
começaram a ser aplicados à montagem de veículos em fábricas cada vez maiores e por
trabalhadores imigrantes com pouca qualificação técnica que então chegavam em massa a
Detroit, coração da indústria automotiva americana, o absenteísmo e a rotatividade da mão-
de-obra alcançaram níveis que punham em risco o próprio crescimento da nova indústria.
Apesar das palavras dos apologistas dos métodos tayloristas de gestão do trabalho, que
negavam a monotonia do trabalho e os riscos para saúde física e mental dos trabalhadores
nas plantas da empresa, sempre claras, ventiladas e arejadas,
em 1913, ano da instalação de
sua primeira linha de montagem, a Ford teve que contratar mais de 52 mil trabalhadores
para manter uma força de trabalho de 13,6 mil homens, uma rotatividade que alcançava a
excepcional marca de 382%, tornando a competição entre as montadoras por mão-de-obra
um problema central.
208
205
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Effect of
technological changes upon occupations in the motor-vehicle industry”. In Labor Monthly Review.
Washington: US Government Printing Office, Vol. 34, No. 2, Fevereiro de 1932, p. 249.
206
Cf. FINK, James. Op. Cit., p. 40 e seguintes.
207
Cf. WILLIAMS, Faith (Bureau of Labor Statistics). “Changes in family expenditures in the post-war
period”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 47, No. 5, Novembro
de 1938, p. 967.
208
Cf. GRAVES, Ralph. The triumph of an idea. The story of Henry Ford. Nova York: Doubleday, Doran &
Company, Inc., 1934, p. 60; KLUG, Thomas. “Employer’s strategies in Detroit labor market, 1900-1921”. In
109
O absenteísmo não foi a única resposta dos trabalhadores automotivos aos métodos
gerenciais de Ford. A rigor, desde o nascimento da indústria de automóveis, seus
trabalhadores vinham tentando, ainda que sem grande sucesso, organizar-se em sindicatos.
Em 1891, era criado o Carriage and Wagon Workers’ International Union (CWWIU),
filiado à AFL, que já nasceria sob o signo das disputas entre concepções industriais e
profissionais de sindicalismo.
209
Quando o CWWIU requereu à AFL a inclusão da palavra
“automóvel” em seu nome, com o objetivo de congregar todos os trabalhadores
automotivos, sem distinções de qualificação profissional, acabou por entrar em conflitos
jurisdicionais com importantes sindicatos profissionais também filiados à AFL, como o
International Brotherhood of Blacksmiths and Helpers (IBBH) e o Upholsters’ International
Union (UII). Em 1913, o sindicato, já chamado Carriage, Wagon and Automobile Workers’
International Union (CWAWIU), foi novamente alvo da ação de sindicatos profissionais.
Na convenção anual da AFL de 1913, 9 de tais sindicatos apresentaram uma resolução, que
acabou por ser aprovada, para que o CWAWIU cessasse seus esforços organizativos entre
trabalhadores de suas jurisdições. No ano seguinte, os sindicatos profissionais, através do
Metal Trades Department da AFL, iniciaram um esforço organizativo que, apesar de
fracassado, não evitou que a AFL ordenasse que o CWAWIU retirasse a palavra
“automóvel” de seu nome. O conflito entre a AFL e o CWAWIU, que se recusou a
obedecer a ordem, iria durar até 1918, quando o sindicato foi expulso da central. A partir de
então, ele foi reorganizado com o nome de United Automobile, Aircraft and Vehicle
Workers of America (UAAVW), voltado inteiramente para os princípios do sindicalismo
LICHTENSTEIN, Nelson e MEYER, Stephen. On the line. Essays in the history of auto work. Urbana e
Chicago: University of Illinois Press, 1984, p. 54; CORIAT, Benjamin. L’atelier et le chronomètre. Paris:
Christian Bourgois Éditeur, 1994, p. 94, 95.
209
A apresentação a seguir está baseada em FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, p. 22 e seguintes.
110
industrial e à denúncia da AFL e dos sindicatos profissionais que, segundo ele, jogavam
categorias de trabalhadores umas contra as outras. Em 1920, o sindicato já possuía 45 mil
filiados, mas a oposição patronal, a recessão de 1920-1921 e uma greve fracassada em uma
planta da Fisher Body levaram-no a uma crise da qual não se recuperaria.
Henry Ford, por seu lado, buscou solucionar o crônico problema do suprimento e
disciplina da mão-de-obra que a empresa vivia a partir de uma estratégia que articulava
tanto a coerção contra os esforços associativos dos trabalhadores quanto a construção de
uma dimensão consensual com estes e, neste sentido, o fordismo representou mais do que
apenas uma nova forma de organização da produção. Como contrapartida ao trabalho
monótono e repetitivo da linha de montagem, Ford elevou o salário mínimo diário de seus
trabalhadores de US$ 2,34 para US$ 5,00, além de oferecer-lhes um extenso programa de
reforma social que visava americanizá-los, dado que sua força de trabalho era composta por
expressiva parcela de imigrantes. O Dia de 5 Dólares, assim, fazia parte de um esforço
amplo, característico da Era Progressista, de inculcar valores americanos em trabalhadores
supostamente deles destituídos. Sendo assim, os 5 dólares não eram oferecidos à totalidade
da mão-de-obra da empresa, mas apenas àqueles indivíduos julgados aptos para tal pelo
Departamento Sociológico da empresa, após um período de 6 meses de observação:
De modo a ter certeza de que os homens recebendo aumento não se
tornariam esbanjadores, o que é usual entre aqueles que se tornam
inesperadamente prósperos, Ford fundou o departamento de bem-estar da
empresa que, segundo ele, deveria ensinar aos seus homens como evitar
espertos que subtraíssem seus ganhos. O salário [de 5 dólares] deveria ser
percebido como um bônus, e aqueles destinatários de seus benefícios
deveriam provar serem dele merecedores.
210
210
GRAVES, Ralph. Op. Cit., p. 65.
111
O critério para o recebimento do salário mais elevado era, além da produtividade de
cada trabalhador, o seu grau de americanização: se formava família, freqüentava um
templo, distanciava-se das bebidas e do jogo e possuía hábitos de consumo condizentes
com seu rendimento.
211
Em seu testemunho diante da Comissão Federal de Relações
Industriais, em 22 de janeiro de 1915, Ford afirmava:
A empresa mantém uma equipe [o Departamento Sociológico] de 40
homens, bons juízes da natureza humana, que explicam as oportunidades,
ensinam os hábitos e costumes americanos, a língua inglesa, as obrigações
da cidadania, e aconselham e ajudam os empregados pouco sofisticados a
obter e manter condições sanitárias confortáveis e adequadas de vida, e que
também exercem a necessária vigilância para evitar, ao máximo, que a
fragilidade humana os faça cair em hábitos ou práticas que sejam contrárias
ao progresso na vida.
212
Entre tais práticas estava, evidentemente, a participação em sindicatos, que
traçavam estratégias coletivas de ação e, desta forma, desviavam o indivíduo das atividades
que poderiam proporcionar-lhe ascensão social através do trabalho árduo e individual. Ford
era um exímio frasista quando se tratava de criticar os sindicatos. Suas declarações,
conhecidas como Fordisms, incluíam: “Sindicatos são a pior coisa que existe na face da
terra, porque tiram a independência do homem”; “Nossos homens devem considerar se é
necessário pagar a alguém de fora [um sindicato] para ter o privilégio de trabalhar na Ford”,
ou “Nós sempre fizemos o melhor por nossos empregados do que alguém de fora [um
211
O combate ao álcool era um dos elementos centrais do processo de americanização de Henry Ford e do
Movimento Progressista, tendo longas raízes na história americana. Como um dos elementos da campanha
presidencial de Franklin D. Roosevelt era, justamente, o fim da Lei Sêca, Ford declarou que se a proibição do
consumo de bebida alcoólicas fosse suspensa ele nunca mais fabricaria um carro. Evidentemente ele não
cumpriu sua promessa. Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the First
Constitutional Convention of the Congress of Industrial Organizations, held in the City of Pittsburgh,
Pennsylvania. November 14 to November 18, 1938, Inclusive, p. 225.
212
FORD, Henry. The Ford plan. A human document. Report of the testimony of Henry Ford before the
Federal Commission on Industrial Relations, January 22, 1915. Nova York: John Anderson Co., 1915, p. 2.
112
sindicato] faria”.
213
O Departamento Sociológico, o Dia de 5 Dólares e estratégias similares
de welfare capitalism faziam parte, portanto, da estratégia empresarial, que Ford
compartilhava com todos os industriais de Detroit, de open-shop.
214
No entanto, para além de seus aspectos disciplinadores sobre a força de trabalho, o
Dia de 5 Dólares encerrava também um importante aspecto econômico, o repasse aos
salários dos ganhos de produtividade do trabalho obtidos com a linha de montagem (relação
salarial fordista). Em 1943, em publicação comemorando os 40 anos de sua empresa, Henry
Ford afirmaria:
Nosso país prospera ou não com a sorte do trabalhador assalariado. Os
gastos dos ricos, somente, não podem sustentar nenhuma indústria básica;
porque, em primeiro lugar, nós temos muito poucas pessoas que podem ser
chamadas de ricas; em segundo lugar, porque nem suas necessidades nem
seu poder de compra são suficientes para sustentar sequer uma indústria de
médio porte.
215
Ford tinha portanto plena clareza de que, se nos tempos heróicos da indústria
automotiva, pequenas oficinas produziam carros para um mercado extremamente reduzido,
nos tempos da produção em massa, proporcionada por sua linha de montagem, haveria que
se constituir um mercado também de massas, formado por trabalhadores. Como visto, em
pouco mais de uma década ele havia produzido 15 milhões de Modelos T, um número de
unidades que ia muito além da capacidade de consumo de um mercado formado por
213
Apud ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford
Motor... Decided December 22, 1937”, p 626 e seguintes.
214
Antônio Gramsci foi, possivelmente, o primeiro pensador a perceber que o fordismo não se resumia
simplesmente a uma nova forma de organização da produção, ao afirmar que a linha de montagem de Ford
estava indissoluvelmente articulada a um novo modo de viver, pensar e sentir a vida. Cf. GRAMSCI,
Antônio. Maquiavel, a política e o Estado Morderno. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1988, p.
396 e seguintes. Para uma análise do fordismo e do Dia de 5 Dólares no processo de quebra da resistência
operária e na disciplinarização da força de trabalho, Cf. MEYER, Stephen. Op. Cit. Para uma análise da
questão dos processos de trabalho taylorista e fordista como estratégias de dominação operária e dos salários
mais elevados e diferenciados como forma de quebra da solidariedade operária desde a concepção taylorista
da organização do trabalho, Cf. CORIAT, Benjamin. Op. Cit., p. 54 e seguintes e 90.
215
FORD, Henry. Ford Motor Company. Forty years, 1903-1943 . Detroit: Ford Motor Company, 1943, p. 29.
113
famílias e indivíduos de alta renda. O desafio era, pois, o de generalizar a relação salarial
fordista em um cenário em que a competição destrutiva era a marca das relações entre as
empresas em diversos setores industriais. Ford pôde aumentar o salário de seus
trabalhadores em 1913 porque virtualmente não tinha competidores no setor automotivo
que então se consolidava. No início da Primeira Guerra Mundia l, a Ford ainda controlava
cerca de metade do mercado americano de automóveis, o que não ocorria em outros
segmentos industriais, onde os salários permaneciam como variáveis de ajuste por
corresponderem, em média, de 30% a 50% dos custos totais da produção.
216
Assim, mesmo
na indústria automotiva, em que rapidamente os métodos fordistas se disseminaram, a
relação salarial fordista manteve-se insulada na própria Ford e, por pressão das demais
montadoras, a Employers’ Association of Detroit (EAD) funcionou como instrumento
exclusivo de contratação da Ford, de forma a impedir que os trabalhadores de outras
montadoras para ela migrassem e, desta forma, forçassem suas empresas de origem a
elevar os salários de seus próprios trabalhadores.
217
A EAD constituiu-se, desde sua
origem, em um bastião do open-shop em Detroit, tornando a cidade atraente para a
instalação de novas indústrias por sua mão-de-obra abundante, devido à imigração, e
desorganizada, devido à ação patronal.
218
O fordismo e seus corolários da produção e consumo de massas expressavam,
portanto, mudanças importantes na natureza da economia americana, particularmente a
crescente importância da relação salarial. Se, nas primeiras décadas do século XX, os
setores mais dinâmicos da economia eram os ligados a bens de capital e insumos básicos,
como o carvão e o aço, ou seja, se os compradores de tais insumos eram outras indústrias, a
216
Cf. GORDON, Colin. Op. Cit., p. 37.
217
Cf. KLUG, Thomas. Op. Cit., p. 52.
114
indústria automotiva assim como outras indústrias de consumo durável então criadas ou
em expansão, e mesmo a indústria do lazer - vinha colocar o consumidor individual, cuja
única renda era o salário, como elemento central do processo de reprodução do sistema. Em
seu estudo clássico sobre a pequena cidade americana de classe média, o casal Lynd
afirmaria:
A difusão de novas oportunidades urgentes para gastar dinheiro em todos os
setores da vida pode ser demonstrado através de novos utensílios e serviços
usados em Middletown [cidade paradigmática da nova sociedade de
consumo americana. O estudo foi feito em Muncie, Indiana] hoje, mas
pouco conhecidas até recentemente:
No lar: forno, água corrente e quente, esgotamento sanitário, aparelhos
elétricos englobando torradeiras até máquinas de lavar louça, telefone,
refrigeradores, vegetais e frutas frescos durante o ano todo, grande variedade
de roupas, roupas e roupas íntimas de seda, lavanderias comerciais, (...)
cosméticos, manicures e cabeleireiros.
No lazer: cinema (...), carros (gasolina, pneus, depreciação, viagens),
fonógrafo, rádio, brinquedos infantis mais elaborados, mais taxas de clubes
para mais membros da família, YMCA e YWCA, mais jantares dançantes,
(...), cigarros caros.
Na educação: ginásio e faculdade (envolvendo tempos mais longos em que
os pais sustentam os filhos), vários novos custos incidentais, como
competições esportivas escolares.
219
Para se ter uma idéia das mudanças nos hábitos de consumo nos lares americanos,
as despesas das famílias brancas nova-yorquinas, com salários anuais entre US$ 1.200,00 e
US$ 1.500,00, com alimentação, diminuíram de 43,5% do total para 40,3% entre 1917-
1919 e 1934-1935, ao passo que as despesas com habitação subiram de 19,8% do total para
29,2%, refletindo novos ítens de conforto doméstico.
220
Tal fato não escapava aos analistas
do Departamento do Trabalho, que afirmaram já em 1940:
218
Cf. CORIAT, Benjamin. Op. Cit., p. 94.
219
LYND, Robert e LYND, Helen. Middletown. A study in contemporary American culture. Nova York:
Harcourt, Brace & World, 1929, p. 81-82.
220
Cf. WILLIAMS, Faith. “Changes in family expanditures in the post-war period”. In Monthly Labor
Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 47, No. 5, Novembro de 1938, p. 971, 972.
115
Um dos mais importantes ganhos dos últimos 40 anos é o reconhecimento
das profundas mudanças do mercado americano. Em décadas passadas a
expansão da fronteira doméstica e a ocupação de áreas subdesenvolvidas do
globo foram acompanhadas por um crescimento quase ininterrupto de
oportunidades, tanto para os investimentos de excedentes de capital como
para o emprego lucrativo do trabalho. Novas condições tornaram impossível
a antiga dependência da expansão da economia nacional e mundial e mudou
a ênfase para o mercado interno de bens de consumo. Salários, antigamente
considerados como um custo de produção, passaram a ser vistos como renda
necessária para sustentar os mercados internos e manter ininterrupto o ciclo
de produção e consumo.
221
Paralelamente, cada vez os trabalhadores americanos dependiam mais de sua
inserção no processo produtivo para obter os bens necessários à sua própria reprodução e à
de suas famílias. Até o século XIX, a reprodução das condições de vida de um trabalhador
ainda se dava em boa medida em um circuito extra-mercantil. Em 1890, nas principais
regiões mineradoras americanas, em um universo de 2.500 famílias, metade possuía
ovelhas, galinheiros e pomares, e ao menos 30% não compravam nenhum outro legume
além de batatas durante o ano inteiro, situação que rapidamente se transformaria com a
expansão da agricultura mecanizada e voltada para o mercado que se consolidaria nas
primeiras décadas do século XX. O salário tornava-se, assim, crescentemente importante
para a formação da demanda de um amplo segmento industrial em expansão.
222
No entanto, se os salários tornavam-se crescentemente importantes para sustentar a
demanda da nova economia de consumo que então se consolidava, o Dia de 5 Dólares não
só não se generalizou para o conjunto da economia americana como nem na Ford Motor
Company ele teve vida longa. Tanto seu fundamento de busca de uma dimensão consensual
221
BOWDEN, Witt. “Wages, hours, and productivity of industrial labor, 1909 to 1939”. In Monthly Labor
Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 51, No. 3, Setembro de 1940, p. 520.
222
Em 1910 havia algo em torno de 10.000 tratores nas fazendas americanas. Em 1930, este número tinha
aumentado para 930.000 e, em 1936, já havia alcançado a marca de 1.265.000. Cf. “Productivity of farm
labor, 1909 to 1938”. In ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR
STATISTICS. Monthly Labor Review. Washington: Department of Labor, Vol. 49, No. 2, Agosto de 1939, p.
288; CORIAT, Benjamin. Op. Cit., p. 101 e seguintes.
116
entre empresa e trabalhadores como no que se refere à visão de Ford de transformar seus
trabalhadores em consumidores logo se revelariam insustentáveis.
223
Durante a Grande Guerra, o slogan da democracia industrial penetrou os recintos de
Highland Park e um crescente descontentamento operário se fez sentir, em grande parte
oriundo da aceleração do ritmo da linha de montagem, em razão da competição que a Ford
já vinha sofrendo de outras montadoras, como a GM e a Chrysler.
224
Se, em 1915, a
rotatividade do trabalho havia caído para 16%, contra os 382% de 1913, em 1918 ela já
atingia 51%, e uma nova militância, de perfil tanto profissional quanto industrial,
organizada através do incipiente Automobile Workers Union (AWU) se fazia sentir. Com a
entrada americana no conflito, em abril de 1917, a política da Ford para com seus
trabalhadores foi tornando-se cada vez mais dura e o Departamento Sociológico da Ford
logo transformou-se na Oitava Divisão Industrial da American Protective League (APL),
uma organização nacional, criada como uma força auxiliar semi-oficial do Departamento de
Justiça, com o objetivo de, no nível local, garantir a implementação da politica repressiva
do governo Wilson expressa no Espionage Act e no Sedition Act. De abril de 1917 à
primavera de 1919, a APL de Detroit funcionou dentro do Departamento Sociológico da
Ford, com uma rede de espiões e informantes que relatavam todas as atividades políticas e
sindicais dos trabalhadores da empresa, minando a capacidade organizativa destes. Em
breve, o Departamento Sociológico daria lugar ao Departamento de Serviços como gestor
de mão-de-obra da empresa. Tal Departamento era dirigido por Harry Bennet, um ex-
223
Em sua intervenção na Convenção fundadora do Congress of Industrial Organizations, o delegado do
United Auto Workers afirmaria que o Dia de 5 Dólares teria sido, desde sua criação, uma farsa, dado que a
jornada de trabalho era sempre superior às 8 horas divulgada. Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL
ORGANIZATIONS. Proceedings of the First Constitutional..., p. 222.
224
FLINK, James. Op. Cit., p. 123.
117
pugilista e notório gânsgter, temido até pelos executivos da companhia, a começar por
Edsel Ford, filho de Henry.
Por outro lado, a inflação da Grande Guerra e de seu momento posterior, aliada à
instabilidade no emprego, acabariam por fragilizar o poder de compra dos 5 Dólares,
eliminando a disparidade de salários entre a Ford e as demais montadoras. Em 1918, o
poder de compra dos 5 dólares estava reduzido ao equivalente a 2,14 dólares de 1914. Em
1925, os ganhos semanais dos trabalhadores da Ford já eram em média 4,21 dólares mais
baixos dos que os salários dos trabalhadores das outras montadoras e, em 1937, um
eletricista da montadora ganhava, em média, 6,40 dólares por dia, apenas 1,40 dólar a mais
do que os 5 dólares dos trabalhadores desqualficados de 1913.
225
Neste ano, a Ford Motor
Company já era a terceira montadora americana, correspondendo a 22% do total da venda
de carros no mercado interno do Estados Unidos.
226
Ainda assim, os salários/hora na indústria automotiva eram relativamente mais altos
do que em outros setores industriais, o que não significa dizer que eles resultassem
necessariamente em rendas anuais altas. Na década de 1920, a indústria automotiva
caracterizava-se por uma acentuada sazonalidade da produção, em boa medida em razão
das demoradas necessidades de ajuste nos equipamentos ocasionadas pela generalização
dos modelos anuais, e se constituía como um dos ramos industriais americanos com mais
alta instabilidade no emprego.
227
A cada outono, uma parcela expressiva dos trabalhadores
225
O trabalhador em questão chamava Sanford Darling, demitido em 1 de dezembro de 1937 em razão da
ofensiva da empresa contra o United Automobile Workers. Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR
RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company and International Union, UAW of A, Local
Union No. 249. Case No. C-1463. Decided May 21, 1941”. In ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR
RELATIONS BOARD. Decisions and orders of the Natinal Labor Relations Board. Volume 31. April 16 to
May 31, 1941. Washington: United States Government Printing Office, 1942, p. 1059.
226
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor
Company... Decided December 22, 1937”, p. 624.
227
Cf. Cf. FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, p. 4; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU
118
desqualificados era demitida para que os ferramenteiros preparassem a linha de montagem
para o modelo anual seguinte. Assim, mesmo no ano de 1925, em que a indústria
automotiva teve um desempenho relativamente bom, o tempo médio de emprego de um
trabalhador foi de 46 semanas. Nas seis semanas restantes do ano, ele permaneceu
desempregado e, portanto, sem qualquer rendimento.
228
O caso de Archie Kling constitui exemplo das oscilações do emprego na indústria
automotiva de então. Em 20 de novembro de 1922, Kling foi contratado pela planta da
Fisher Body em Cleveland, Ohio, para ser demitido em 8 de janeiro de 1924. Em 25 de
setembro do mesmo ano, ele foi recontratado, tendo sido demitido em 4 de novembro. Em
19 de janeiro do ano seguinte ele foi novamente contratado para ser demitido em 28 de
setembro de 1927, tendo sido mais uma vez recontratado em 1 de março e demitido a 29 de
agosto de 1928. Em 5 de dezembro, ele foi mais uma vez contratado e novamente demitido
em 2 de julho de 1929. Para trabalhadores como Kling, não havia portanto qualquer tipo de
estabilidade no emprego, direitos adquiridos por tempo de serviço (seniority rights) ou
garantia de recontratação. Em 1935, o Bureau of Labor Statistics afirmava que, na indústria
automotiva, as horas eram bem pagas mas as rendas anuais eram baixas, e a maior parte dos
trabalhadores não conseguia uma renda suplementar nos períodos de desemprego.
229
Em
1939, a General Motors, com vistas a superar tal insegurança salarial por parte de seus
trabalhadores, ao invés de garantir-lhes um salário anual, como eles demandavam,
OF LABOR STATISTICS. Monthly Labor Review. Washington: US Government Prininting Office, Vol. 28,
No. 2, Fevereiro de 1929, p. 21.
228
Cf. BOWDEN, Witt. Op. Cit., p. 510, 511.
229
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Report on
labor conditions in the automobile industry”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government
Printing Office, Vol. 40, No. 3, March 1935, p. 646.
119
ofereceu-lhes um sistema de empréstimos, a juro zero, para o período de ociosidade em
razão da sazonalidade da produção ou de depressões.
230
Conseqüentemente, se o Dia de 5 Dólares apontava a centralidade dos salários para
a reprodução da nova economia de produção para um mercado de massas, os trabalhadores
americanos, como um todo, tornaram-se, nos anos 1920, crescentemente incapazes de
consumir a quantidade sempre maior de bens e serviços que lhes era oferecida. Em outras
palavras, a produção de massa oriunda do fordismo demandava um novo padrão de
consumo, também de massa, mas a relação salarial dominante nos anos 1910 e 1920 não
era a fordista. Pelo contrário, por ser oriunda da contratação individual ou, quando coletiva,
realizada por sindicatos fragilizados e fragmentados, ou simplesmente determinada pelas
empresas dentro de suas estratégias competitivas com as demais empresas do mesmo setor,
ela permaneceu sistematicamente baixa.
O cruzamento da produção em massa com a manutenção da concorrência
intercapitalista em tornos dos salários e com a fragilidade do movimento sindical, teve
como resultado que, entre 1909 e 1939, os ganhos reais dos salários/hora que não medem,
como visto, o poder anual de compra dos trabalhadores -, tivessem um aumento de 110,5%,
ao passo que a produtividade média dos trabalhadores americanos cresceu 163,6%. Entre
1923 e 1929, tal diferença foi particularmente acentuada: os salários/hora cresceram 6,2%,
ao passo que a produtividade do trabalho industrial cresceu 31,9%.
231
Como resultado, em 1929, as 200 maiores corporações americanas controlavam
cerca de metade da produção industrial dos Estados Unidos, e as 0,1% famílias mais ricas
230
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “General
Motors wage-loan plan”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 48,
No. 1, Janeiro de 1939, p. 66.
231
Cf. BOWDEN, Witt. Op. Cit., p. 521.
120
possuíam uma renda agregada equivalente a das 42% mais pobres. Em números absolutos,
aproximadamente 24 mil famílias possuíam uma renda combinada equivalente a das 11,5
milhões mais pobres e 71% das famílias tinham uma renda anual de menos de US$
2.500,00, sendo que 6 milhões possuíam renda inferior a US$ 1.000,00 anuais. Em
decorrência, apenas 20% dos trabalhadores americanos possuíam telefones e os dos extratos
inferiores não possuíam água corrente, refrigeradores ou automóveis.
232
Diante de tal quadro de concentração da renda e de saturação de seus mercados, as
empresas começaram a criar novos estímulos para as vendas. A Chrevolet chegou a pagar a
seus concessionários para retirar carros usados de circulação.
233
A propaganda ocuparia
lugar de destaque dentre tais estratégias, dado que novas necessidades tinham que ser
criadas para justificar a aquisição de torradeiras, aspiradores de pó e, sobretudo automóveis.
Não por acaso os publicitários de então auto-denominavam-se “missionários da
modernidade” e, em 1929, foram gastos em publicidade nos Estados Unidos o equivalente
232
Cf. McELVAINE, Robert. The Great Depression. America, 1929-1941. Times Books, 1984, p. 37-39;
WAGNER, Robert. “Statement of Hon. Robert F. Wagner, United States Senator, New York. Hearings before
the Committee on Education and Labor of the United States Seventy-Third Congress. Thursday, March 29,
1934. Session on S. 2969. A Bill to equalize the bargaining power of the employers and employees, to
encourage the amicable sttlement of disputes between employers and employees, to create a National Labor
Board, and for other purposes. In ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD.
Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935. Vol. 1. Washington: United States Government
Printing Office, 1985, p. 1408; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. Twenty-Fifth Annual
Report of the Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1937. Washington: US Government
Printing Office, 1937, p. 5.
233
Cf. FINE, Sidney. Op. cit., 1963, p. 2. Enquanto não houver uma unidade do produto para cada
consumidor ou família, a questão da saturação do mercado está relacionada ao poder de compra de cada um
deles que queira consumir o referido produto. Para da um exemplo, o mercado brasileiro de automóveis
encontra-se saturado em que pese haver no Brasil apenas 1 veículo, incluindo automóveis, ônibus e
caminhões, para cada 9,4 habitantes. É portanto com o reduzido universo da classe média brasileira que a
indústria automotiva nacional deve escoar sua produção e foi reconhecendo estes limites que o movimento
sindical metalúrgico propôs um Programa de Renovação e Reciclagem da Frota Nacional de Veículos. Tal
programa existe em diversos países que já possuem mercados saturados, como a Itália, em que existe 1,7
habitante por veículo, o que cobre praticamente todas as famílias. Cf. LIMONCIC, Flávio. A insustentável
civilização do automóvel. A indústria automotiva brasileira em tempos de reestruturação produtiva. Rio de
Janeiro: FASE, 2001, p. 61 e seguintes.
121
ao investimento em todas as formas de educação.
234
A indústria automotiva partiria ainda
para outras estratégias de estímulo às vendas, como a concessão de crédito próprio e
mudanças estilísticas nos modelos.
235
O próprio Ford ver-se-ía na contingência de
abandonar seus escrúpulos puritanos e a aposentar, em 1927, o ascetismo de seus Modelos
T, rigorosamente iguais, variando apenas as cores e a cobertura, e aderir aos modelos
múltiplos e à obsolescência programada da General Motors.
236
Ainda assim, em 1927, 700
mil carros a menos foram registrados no mercado americano do que em 1926.
237
Outros
setores industriais voltados para o consumo de massas enfrentavam situações parecidas. Na
indústria de vestuário masculino, ao longo da década de 1920, os americanos maiores de 18
anos consumiam, em média, menos de uma nova muda de roupa por ano devido aos baixos
salários.
238
A idéia de Ford de fazer de seus funcionários consumidores de automóveis não
havia se realizado. No limiar da Grande Depressão, a indústria automotiva, origem da
produção em massa, estava sensível à necessidade de elevar o poder de compra dos
234
Cf. COBEN, Stanley. “Os primeiros anos da América moderna”. In LEUCHTENBURG, William (org.).
Op.Cit., p. 339; SANTOS, Rafael José dos. “Um percurso da mundialização: os norte-americanos e a
consolidação da publicidade no Brasil”. In Comunicação & Política. Rio de Janeiro: V. III, no. 2, maio/ago.
1996, p. 113 e seguintes.
235
Anos mais tarde, Franklin D. Roosevelt criticaria o financiamento das vendas de automóveis pelas
próprias montadoras: “Quando os representantes da indústria automobilística estiveram aqui eu lhes disse que
acreditava que o sistema de crédito por eles criado havia permitido a milhares de famílias comprar carros
quando elas não tinham o direito de fazê-lo em razão de suas rendas. O resultado do sistema de crédito de
1928, 1929 e 1930 foi o de saturar [ainda mais] o mercado. O slogan de Hoover de dois carros em cada
garagem era extremamente perigoso”. ROOSEVELT, Franklin D. Memo enviado à Secretaria do Trabalho,
15 de junho de 1934. Franklin D. Roosevelt Presidential Library. President’s Personal File. 1191 (X-Refs,
1944-45) 1211.
236
Cf. BEYNON, Huw. Trabalhando para Ford: trabalhadores e sindicalistas na indústria automobilística.
Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1995, p. 48.
237
Cf. GENERAL MOTORS CORPORATION. Twenty-eighth annual report. Year ended Dec. 31, 1936.
Detroit: 1936, p. 10.
238
Cf. HILLMAN, Sidney. “Statement of Sidney Hillman, President, Amalgamated Clothing Workers of
America, and Member of the Labor Advisory Board”. Hearings before the Committee on Education and
Labor of the United States Seventy-Third Congress. Thursday, March 15, 1934. Second Session on S. 2969.
A Bill to equalize the bargaining power of the employers and employees, to encourage the amicable sttlement
of disputes between employers and employees, to create a National Labor Board, and for other purposes. In
122
trabalhadores, mas não o dos seus próprios, mantendo a open-shop como sua política para
lidar com as organizações operárias.
239
ESTADOS UNIDOS NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National
Labor Relations Act, 1935. Vol. 1. Washington: United States Government Printing Office, 1985, p. 152.
239
Cf. GORDON, Colin. Op.Cit., p. 44, 45.
123
2.4. A Grande Depressão
Os anos 1920 pareciam ter sido, e de fato foram para parcelas importantes da
sociedade americana, uma época de esplendor, consumo, crescimento econômico e
abundância, a um tal ponto que, em dezembro de 1928, o presidente Calvin Coolidge
afirmava, diante do Congresso americano:
Nenhum presidente dos Estados Unidos já reunido até hoje para apreciar o
estado da União viu-se diante de uma perspectiva mais agradável do que a
que se apresenta no momento atual. No campo nacional, há tranqüilidade e
contentamento, e o recorde absoluto de anos de prosperidade. No campo
internacional, há paz, a boa vontade proveniente do entendimento
mútuo…
240
Pouco menos de um ano depois, no entanto, a quebra da Bolsa de Nova York
tornaria evidente que algo de profundamente errado estava acontecendo com a economia
americana. O preço das ações virtualmente entrou em colapso e “bilhões e bilhões de
dólares, ocasionando perdas gigantescas no mais desastroso dia da história da bolsa de
valores” evaporaram no ar.
241
O desemprego, que em 1929, afligia 3% da força de trabalho,
passou para 6,3% em 1930 e atingiu a marca de 30,5%, quase 12 milhões de trabalhadores,
em 1933, ano em que Franklin D. Roosevelt assumiu a presidência da República e lançou o
New Deal. Em 1940, 15% dos trabalhadores ainda continuavam desempregados, situação
que só se reverteria com a entrada do país na Segunda Guerra Mundial.
Mais de setenta anos após outubro de 1929, as causas da Grande Depressão
continuam sendo alvo de controvérsias, refletindo as distintas escolas do pensamento
econômico. As interpretações giram em torno de erros na gestão da política monetária pelo
240
Apud GALBRAIGHT, John Kenneth. 1920. O colapso da bolsa: anatomia de uma crise. Rio de Janeiro:
Editora Expressão e Cultura, 1972, p. 37.
124
Federal Reserve Board no pós-1929 que, ao reduzir o meio circulante, teriam acabado por
levar a uma contração geral da economia, assim como de inadequações da política de
comércio exterior que, ao elevar as alíquotas de importação, teriam levado a uma queda
generalizada do comércio internacional; da teoria dos ciclos econômicos de longa, média e
curta duração à fragilidade do padrão-ouro como mecanismo de regulação das moedas
nacionais e dos mercados internacionais; dos desequilíbrios econômico-financeiros entre os
diferentes países advindos do Tratado de Versalhes ou da relutância dos Estados Unidos em
assumir seu papel como potência hegemônica no lugar da Inglaterra após a Primeira Guerra
Mundial e, por fim, dos desequilíbrios da própria economia americana, expressos, por
exemplo, na super-produção de produtos agrícolas e na crescente concentração da renda, ao
mesmo tempo em que a produtividade do trabalho crescia de forma constante. As
interpretações se dividem, pois, entre aquelas que percebem as raízes da Depressão em um
complexo conjunto de fatores internacionais e as que as localizam em desequilíbrios
originários da economia americana, que depois teriam repercutido pelo mundo; entre as que
entendem que existiu um fator determinante para o desencadeamento do processo e as que
entendem que houve um amplo leque de desequilíbrios que o ensejaram; as que vêem em
1929 o momento inicial da crise e as que nele percebem apenas um de seus momentos,
embora de fundamental importância, por haver eliminado poupanças e quebrado a
confiança dos investidores.
242
Uma visão abrangente das razões da Grande Depressão deve levar em conta
elementos advindos das diferentes interpretações. Assim, por exemplo, os problemas
241
New York Times. Nova York, 30 de outubro de 1929, p. 1.
242
Cf. KINDLEBERGER, Charles. The world in Depression, 1929-1939. Berkeley, Los Angeles, Londres:
University of California Press, 1986; McELVAINE, Robert. The Great Depression. America, 1929-1941.
Times Books, 1984; EICHENGREEN, Barry. Golden fetters. The gold standard and the Great Depression,
1919-1939. Nova York, Oxford: Oxford University Press, 1992; BRUCHEY, Stuart. Enterprise. The dynamic
125
políticos e econômicos da Europa construída pelo Tratado de Versalhes levaram de fato a
Alemanha a uma situação de fragilidade e dependência de investimentos e empréstimos
norte-americanos, fragilizando-a e tornando-a vulnerável quando os Estados Unidos
repatriaram seus capitais após o aprofundamento da crise. Da mesma forma, países
exportadores de produtos agrícolas, como o Brasil, foram profundamente atingidos pela
queda do comércio internacional. No entanto, segundo a perspectiva aqui adotada, baseada
na teoria da regulação, a raiz da crise encontra-se nas contradições vividas na própria
economia americana e pode ser caracterizada como uma crise de regulação.
A teoria da regulação surgiu no início da década de 1970 como uma alternativa às
teorias econômicas neoclássica, keynesiana e marxista que, na visão de seus formuladores,
revelavam-se incapazes tanto de compreender quanto de formular políticas econômicas que
dessem conta da superação da crise então evidenciada.
243
Apesar da diversidade de suas
abordagens, tal teoria parte de um núcleo comum: a crise dos anos 1970 não se
caracterizava como uma recessão cíclica, ainda que mais longa e aprofundada, nem
tampouco devia sua origem ao encarecimento da matriz energética, com o primeiro choque
do petróleo de 1973, mas tinha como fundamento o esgotamento de um dado modo de
regulação do capitalismo, cujas origens, no caso americano, podem ser remontadas ao New
Deal, e que se consolidou no pós-Segunda Guerra Mundial. A teoria parte de dois conceitos
fundamentais, o de regime de acumulação e o de modo de regulação, definidos da seguinte
maneira:
economy of a free people. Cambridge, Londres: Harvard University Press, 1990.
243
Para uma interessante análise da interface das três crises de inícios dos anos 1970 crise econômica, crise
da política econômica e crise da teoria econômica -, Cf. MENDONÇA, Antônio. “A teoria da regulação e a
crise dos paradigmas na ciência econômica”. In MENDONÇA, Jorge Pessoa; NAKATANI, Paulo e
CARCANHOLO, Reinaldo Antônio (orgs.). Crise ou regulação? Ensaios sobre a teoria da regulação.
Vitória: Editora Fundação Ceciliano Abel de Almeida, Universidade Federal do Espírito Santo, 1994, p. 5-30.
126
O regime de acumulação descreve a estabilização a longo prazo da
destinação do produto entre o consumo e a acumulação, o que implica uma
correspondência entre a transformação das condições de produção e das
condições de reprodução do trabalho assalariado. Implica também em certas
modalidades de articulação entre o capitalismo e outros modos de produção,
em uma ‘formação econômica e social nacional’, entre o interior da
formação econômica e social considerada e aquilo que lhe é considerado
exterior etc. Matematicamente falando, um regime de acumulação é dado
por determinado esquema de reprodução. Se um regime de acumulação
existe, é porque seu esquema de reprodução é coerente: portanto, é possível
que nem todos os regimes de acumulação sejam viáveis. Ora, certamente
nada existe que obrigue o conjunto de capitais individuais a se enquadrarem
docilmente num esquema de reprodução coerente. É necessário, portanto,
que exista uma materialização do regime de acumulação, sob a forma de
normas, costumes, leis, mecanismos reguladores, que assegure, através da
rotina do comportamento dos agentes em luta uns com os outros (na luta
econômica entre capitalistas e assalariados, na concorrência entre capitais), a
unidade do processo, o respeito aproximativo do esquema de reprodução.
Este conjunto de regras interiorizadas e procedimentos sociais, que
incorpora o social nos comportamentos individuais (o habitus, conceito
desenvolvido por Bourdieu), é o que se chama de modo de regulação.
244
O conceito de modo de regulação é entendido, portanto, como o conjunto de leis,
mecanismos reguladores, costumes e normas que asseguram o respeito, por parte dos
agentes econômicos, à rotina necessária à reprodução de um dado regime de acumulação.
Portanto, para a adequada compreensão de um modo de regulação, é fundamental que se
leve em conta o conjunto das relações sociais e dos arranjos institucionais que estabilizam o
crescimento da economia e distribuem renda e consumo, dentro de um contexto histórico e
um lugar específicos, o que tem por conseqüência a necessidade de um pensar articulado
das dimensões da política, da economia e da cultura. É bom frisar este ponto: para a teoria
da regulação, a dimensão cultural é estruturante do modo de regulação, não constituindo-se
como reflexo ou necessidade do regime de acumulação.
245
244
Cf. LIPIETZ, Alain. Miragens e milagres: problemas da industrialização no Terceiro Mundo. São Paulo:
Nobel, 1988, p. 30.
245
Cf. HARVEY, David. Op. Cit., p. 188 e LIPIETZ, Alain. Op. Cit., p. 29, 30.
127
Segundo os autores regulacionistas, a história do capitalismo tem se caracterizado,
de um lado, pela busca incessante pela elevação da produtividade do trabalho e, de outro,
pela luta pela apropriação dos resultados desta elevação entre capital e trabalho.
246
Este
conflito encerra a necessidade, nem sempre reconhecida, de elevar a remuneração do
trabalho de forma a, tanto no plano simbólico quanto no das condições objetivas, garantir a
reprodução do sistema. Nos Estados Unidos, esta busca e este conflito encontraram seu
paroxismo a partir do desenvolvimento do regime de acumulação fordista.
Nas primeiras décadas do século XX, com o advendo do regime de acumulação
fordista, baseado na intensificação da acumulação elevação da composição orgânica do
capital, rápido crescimento da produtividade -, uma parcela expressiva da produção social
teria se destinado à acumulação de capital, levando a que a esfera do consumo
crescentemente não conseguisse realizar a demanda necessária para dar continuidade à
reprodução do sistema.
247
Tal incapacidade de formar demanda seria fruto, por sua vez, da
inadequação da chamada regulação concorrencial em fornecer as bases institucionais que
permitissem a reprodução do novo regime de acumulação, particularmente em razão da
fragilidade dos mecanismos regulatórios estatais e da fraca capacidade de intervenção dos
sindicatos na formação dos salários.
Enquanto que no século XIX e primeiras décadas do século XX os baixos salários
ocorriam em um quadro em que a produção em massa não estava plenamente desenvolvida
e em que os trabalhadores obtinham ao menos parcelas de sua subsistência no circuito
extra-mercantil, a insatisfação operária apenas sinalizava a permanente produção de
desigualdades do sistema capitalista. Quando, no entanto, o regime de assalariamento se
246
Cf. MALAGUTI, Manoel Luiz. “A teoria da regulação: dialogando com Karl Marx”. In MENDONÇA,
Jorge Pessoa; NAKATANI, Paulo e CARCANHOLO, Reinaldo (org.). Op. Cit., p. 31-96.
128
generalizou e a produção em massa se consolidou através da acumulação fordista, o quadro
institucional da regulação concorrencial baseada, entre outros pontos, na contratação
individual do trabalho e na restrição do papel do Estado à garantia do cumprimento dos
contratos e à segurança interna e externa - revelou-se incapaz de distribuir renda e riqueza
e, desta forma, formar um mercado de massas. Neste sentido, o empresariado americano,
embora tendo sido capaz de generalizar seu projeto de classe nos anos 1920 (sem dispensar,
contudo, altas doses de coerção sobre o trabalho organizado), foi incapaz de criar as bases
materiais do consentimento, tendo cabido ao Estado a construção das condições
institucionais para as mesmas.
248
A partir de 1929, o que estava em jogo, portanto era a construção de um novo modo
de regulação do capitalismo americano, ou seja, de novas estruturas institucionais, hábitos,
normas, costumes, leis, mecanismos reguladores, de forma a permitir que a relação salarial
fordista se generalizasse para um que conjunto amplo o suficiente da classe trabalhadora se
tornasse capaz de sustentar o novo regime de acumulação.
249
Tal diagnóstico geral, ainda
que construído sobre bases teóricas diferentes, possui afinidades com as análises de alguns
dos principais atores sociais contemporâneos dos acontecimentos. Ainda em 1931, William
Leiserson afirmava que, ao contrário do que queriam os analistas contemporâneos da
Depressão, as causas desta não deveriam ser procuradas na esfera da produção, mas na da
demanda. Para ele, a função primordial do governo deveria ser a de estabilizar a
distribuição da renda nacional, de forma a tornar os assalariados aptos a consumir.
250
Na
mesma linha, o senador democrata Robert Wagner afirmaria em 1934:
247
Idem, p. 69.
248
cf. PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo y socialdemocracia. Madri: Alianza Editorial, 1988.
249
Tal visão da crise de 1929 está largamente baseada em CORIAT, Benjamin. Op. Cit., cap. 6.
250
Cf. TOMLINS, Christopher. Op.Cit., p. 99.
129
Desde a virada do século este país tem sido prolífico na produção de bens. A
riqueza tem jorrado das fábricas, das minas e dos campos em uma
abundância inigualável. Se nossa organização social tivesse se mantido
passo a passo com nossa inventividade mecânica, o paradoxo da
coexistência do progresso com a pobreza teria desaparecido por completo.
Ao invés, ele aprofundou. Ninguém com um senso da realidade econômica
explicaria tal incongruência com uma simples fórmula. Mas estudiosos
pacientes e cuidadosos, trabalhando independentes uns dos outros, chegaram
quase todos à mesma conclusão: a de que a distribuição de renda entre as
massas do nosso povo secou na fonte, com conseqüências inevitáveis sobre
os negócios e sobre toda a estrutura econômica.
Trago para o primeiro plano o problema da coordenação entre produção e
salários porque nele recai o principal desafio econômico que se nos defronta.
Todos reconhecem isso, e todos admitem que de uma solução satisfatória
desse desafio depende o bem-estar de todos.
251
Em 1938, o Congress of Industrial Organizations faria um diagnóstico bastante
próximo:
O período presenciou o crescimento rápido dos lucros e das rendas dos
proprietários em relação aos salários. Isto se deveu, em boa parte, ao fato de
que o movimento sindical, até aquele momento, havia falhado em ajustar-se
aos fatos da indústria americana [início da produção em massa]. Por outro
lado, as políticas governamentais contribuíram para tal desajuste. O
resultado foi que fundos disponíveis para aumentar a capacidade produtiva
cresceram rapidamente, ao passo que a renda disponível para consumir os
produtos da economia cresceram muito devagar.
252
Um dos elementos centrais deste novo modo de regulação seria a contratação
coletiva da remuneração do trabalho através de organizações sindicais de modo a
possibilitar a generalização da relação salarial fordista, algo que, de certa forma, já
propunham Commons e Croly. Pode-se mesmo argumentar que o que Croly, em particular,
efetivamente propunha em seu The promise of American life, era justamente a construção
de um novo modo de regulação do capitalismo norte-americano, ou seja, a construção de
251
WAGNER, Robert. “N.R.A. Codes. Adress by Senator Wagner. Congressional Record, Senate March 5,
1934 (78 Con. Rec. 3678). In ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD.
Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935, Vol. 1. Washington: United States Government
Printing Office, 1985, p. 18.
130
novas estruturas institucionais, de novos hábitos, leis, comportamentos e visões de mundo
que permitissem a reprodução e ampliação da nova economia urbano-industrial.
253
As
instituições, as leis, a própria visão de mundo jeffersoniana, seriam incapazes, segundo
Croly, de dar conta de um mundo dominado por grandes corporações e onde os indivíduos
estivessem isolados e atomizados. Ao lado do grande capital, havia que constituir-se
também um grande Estado e um grande trabalho, atores coletivos que construíssem as bases
sociais, políticas, econômicas e culturais de um novo equilíbrio de forças, capaz de
redistribuir o poder político, a renda e a riqueza nacional.
Neste sentido, em uma economia crescentemente baseada na remuneração dos
trabalhadores para realizar a demanda de uma produção em massa, o trabalho organizado
deveria receber o tratamento oposto a que vinha recebendo até então do Estado norte-
americano, particularmente do Poder Judiciário. Em outras palavras, deveria receber
‘discriminações positivas’, de modo a tornar-se capaz de, através da contratação coletiva do
trabalho, generalizar a relação salarial fordista. Este, o desafio enfrentado pelo New Deal.
252
Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the First Constitutional... p. 52.
253
Cf. BOYER, Robert. Op. Cit. LIPIETZ, Alain. Op. Cit. HARVEY, David. Op. Cit..
131
Capítulo 3: A NIRA e a contratação do trabalho na indústria automotiva
3.1. Quem governa a vida de 80 mil trabalhadores?
As vidas de 80 mil trabalhadores e suas famílias devem ser
governadas pelas leis dos Estados Unidos da América ou
pelos éditos do Grão-Duque Henry Ford?
Esta é, fundamentalmente, a questão com a qual os agentes da
lei se deparam, como resultado da esplêndida ação da NLRB
no caso da Ford.
O relatório da NLRB descreve os esforços pacíficos do
United Auto Workers of America para organizar os
trabalhadores da Ford sob os direitos previstos pela Lei
Wagner e declarados constitucionais pela Suprema Corte.
No interesse do governo democrático, é conveniente que a
administração [Roosevelt] implemente a lei em Dearborn,
Michigan, e prove que, sob o império da lei, os trabalhadores
da Ford podem gozar de seus direitos naturais e que Mr.
Ford, como outro cidadão qualquer, deve ser
responsabilizado quando desrespeitá-la.
254
Dearborn, Michigan, 26 de maio de 1937. Walther Reuther, membro da Direção
Executiva Geral do United Auto Workers of America (UAW), e Richard Frankensteen,
diretor do Comitê de Organização da Ford e também membro da mesma Direção sindical,
encaminharam-se, junto com outros companheiros, para o Portão 4 da planta River Rouge
da Ford Motor Company. Acompanhando-os, o Reverendo Raymond P. Sanford, de
Chicago, designado pela Conferência para a Proteção dos Direitos Civis para observar a
panfletagem que o sindicato faria no local. O grupo chegou ao Portão às 13:45 h e
encaminhou-se para um viaduto localizado logo adiante, de forma a observar a distribuição
dos panfletos. Como a atividade havia sido amplamente divulgada, inclusive pela imprensa,
uma quantidade significativa de jornalistas estava presente. Dado o histórico de confronto
254
COMMITTEE OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. CIO News. Washington: Vol. 1, n. 4, Dec. 29,
132
entre o sindicato e a Ford Motor Company, uma atividade do UAW diante de River Rouge
certamente renderia, ao menos, boas fotos. Afinal, poucos meses antes, Ford havia
afirmado: “Os [trabalhadores] que entrarem em um sindicato ficarão como os perus [no Dia
de Ação de Graças]: seus pescoços serão atingidos”.
255
Naquele momento, embora já houvesse sido suplantada como a maior montadora
americana pela General Motors Corporation, a Ford Motor Company ainda representava
um colosso industrial. River Rouge era o coração da empresa, a maior planta industrial do
mundo, empregando mais de 80 mil homens, e a Ford possuía fábricas de auto-peças e
revendedores em quase todo o território americano, operava minas em diversos estados,
possuía subsidiárias no exterior e mesmo uma frota de navios. Até junho de 1936, ano em
que 22,44% dos carros emplacados nos Estados Unidos trouxeram a sua marca, a empresa
havia fabricado mais de 24 milhões de automóveis.
256
Para o UAW, a sindicalização dos trabalhadores da Ford Motor Company era de
importância estratégica, dado que Henry Ford era visto como um déspota empresarial, o
Mussolini de Detroit, sendo seu anti-semitismo e suas simpatias, correspondidas, por Adolf
Hitler, notórios.
257
Mesmo uma revista voltada para o mundo dos negócios, como Fortune,
1937, p. 2.
255
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor
Company... Decided May 21, 1941”, p. 1002.
256
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor
Company... Decided December 22, 1937”, p. 624 e seguintes. Para se ter uma idéia do que isto significa, os
Planos Automotivos Brasileiros, elaborados pelo Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) do
governo Juscelino Kubitschek, previam, nos primeiros quatro anos da nacionalização da indústria automotiva
no Brasil, a fabricação de 377.700 unidades, das quais 321.000 foram efetivamente fabricadas. Cf.
LIMONCIC, Flávio. Op. Cit..
257
Cf. RAUSHENBUSH, Carl. Fordism. Ford and the community. Nova York: League for industrial
democracy, 1937. Em 1938, Ford chegou a receber a Grande Cruz da Suprema Ordem da Águia Alemã, além
de Ter sido condenado a pagar US$ 375 mil dólares de indenização a um advogado judeu de Chicago por suas
colocações contra a presença de judeus nos Estados Unidos. Cf. FLINK, James. Op. Cit., p. 113; CONGRESS
OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the First Constitutional..., p. 222, 224.
133
afirmava que “… a organização do Sr. Ford evidencia ser gerida pelo medo”.
258
Mais do
que ninguém, Ford personificava a política de open shop: “Nós nunca vamos reconhecer o
UAW ou outro sindicato qualquer”.
259
A pedidos dos jornalistas, Reuther, Frankensteen e outros sindicalistas posaram
para fotografias, tendo a grande fábrica como cenário de fundo. Neste momento, foram
abordados por três homens que afirmavam ser o viaduto propriedade da empresa e que,
portanto, todos deveriam dele se retirar. Em tal momento, “O testemunho unânime indica
claramente que o grupo de sindicalistas rumou na direção da escada (...), sem fazer
qualquer tipo de objeção. No entanto, após apenas alguns passos, foram cercados e
atacados”.
260
A Batalha do Viaduto, como ficou conhecido o enfrentamento, foi marcada
por extrema violência por parte dos homens do Departamento de Serviços da Ford:
A história do ataque é quase que inacreditavelmente brutal. Reuther e
Frankensteen tiveram atenção especial e apanharam terrivelmente. Ambos
foram derrubados, socados e chutados em todas as partes de seus corpos.
Depois, foram suspensos no ar diversas vezes e jogados contra o concreto.
261
Em resposta, o UAW fez questão de lembrar a Ford Motor Company que River
Rouge ficava em Dearborn, Michigan, e não na Alemanha nazista.
262
Homer Martin,
presidente do sindicato, em carta aberta a Henry Ford, após associar o fordismo ao anti-
americanismo, ao gangsterismo, ao fascismo, ao feudalismo e à autocracia empresarial,
afirmava com tintas dramáticas:
258
Cf. FLINK, James. Op. Cit., p. 125.
259
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor
Company... Decided December 22, 1937”, p. 647.
260
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the matter of Ford Motor
Company... Decided December 22, 1937”, p. 627.
261
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the matter of Ford Motor
Company... Decided December 22, 1937”, p. 627.
262
Cf. UNITED AUTOMOBILE WORKERS OF AMERICA. United Auto Worker. Official publication.
Detroit: No. 16, Ano 1, 29 de maio de 1937, p. 4.
134
Enquanto os seus Camisas-Negras de Dearborn têm sido bem-sucedidos em
aterrorizar e espancar brutalmente os trabalhadores, também têm sido bem
sucedidos em manchar cada carro da Ford, por toda a América, com o
sangue vermelho que esparge das feridas destes.
263
No entanto, ao contrário do destino de tantos outros enfrentamentos igualmente ou
mais brutais entre milícias empresariais e sindicatos, a surra que Reuther, Frankensteen e
seus companheiros sofreram não resultaria apenas em protestos públicos, mas em uma
ação, impetrada pelo UAW, na National Labor Relations Board. Segundo o sindicato, a
Ford Motor Company havia praticado uma unfair labor practice (atividade empresarial
ilegal contra os esforços associativos autônomos dos trabalhadores), ação esta que resultou
em Ordens, emitidas pela agência, à empresa no sentido de que cessasse suas atividades
coercitivas e intimidatórias sobre os esforços organizativos do UAW ou de outra
organização sindical qualquer, assim como cessasse de dominar ou interferir na formação e
administração da Ford Brotherhood of America (FBA), que o UAW acusava de ser uma
organização sindical formada pela própria empresa com o objetivo de enfraquecê-lo.
264
Para a peculiar visão de Ford, a NLRB seria a materialização de uma política da
comunidade de Wall Street e do capital financeiro internacional com vistas a unificar os
salários e impedir que uma empresa benevolente, como a sua própria, pagasse salários mais
altos aos seus funcionários.
265
Conseqüentemente, mesmo após iniciado o processo, a
empresa continuaria a agir com violência contra qualquer tentativa de seus trabalhadores
em organizar-se em sindicatos, a um tal ponto que líderes sindicais chegaram a afirmar que
263
MARTIN, Homer. Carta aberta a Henry Ford. Detroit, 5 de junho de 1937. Reuther Library. UAW-GM
Collection. General Correspondence, 1938-1945.
264
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Regional Offices: Comments on
current labor situation. Confidential. Seventh Region, Detroit: Abril de 1937. NARA. Records 25. Records
relating to the Smith Committee Investigation. Records of the General Counsel. Reading file of the General
Counsel, 1939-1941. Records relating to the preparation of the Board's case, 1936-1941. Stack area 530.
Localizacao: Entry 23, 43,06,04.
265
Detroit Free Press. Detroit: 14 de abril de 1937.
135
destruir o fordismo na América seria a maior contribuição americana para a destruir os
Hitlers do mundo. Ford só aceitou as Ordens da NLRB quando estas foram confirmadas
pela Suprema Corte dos Estados Unidos, já em 1940, momento considerado pelo UAW-
CIO como a sua maior vitória.
266
A natureza do embate entre a Ford Motor Company e o UAW, através da NLRB,
seria captada com perspicácia pelas palavras do CIO News que servem como epígrafe para
este capítulo. Com a NLRA e sua agência, a NLRB, a luta sindical cessava de representar
um assunto eminentemente privado entre organizações de trabalhadores e corporações,
como queria o sindicalismo propugnado pela AFL desde fins do século XIX, para tornar-se
objeto de regulação estatal. Não por outra razão, William Madden, chairman da NLRB,
afirmaria diante do Subcomitê de Liberdades Civis do Congresso dos Estados Unidos:
Nos últimos anos a proteção ao direito de organização dos trabalhadores e de
negociação coletiva tornou-se uma questão pública. O reconhecimento
verbal de tais direitos transformou-se em uma obrigação assumida pelo
Governo. A NLRA é hoje o principal bastião de tais direitos.
267
De fato, com a NLRB, as relações de trabalho nos Estados Unidos ganharam pela
primeira vez uma positivação legal que, abertamente, defendia a contratação coletiva do
trabalho.
266
Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Daily proceedings of the Third Constitutional
Convention of the Congress of Industrial Organizations. Atlantic City, New Jersey: Nov. 18, 19, 20, 21, 22,
1940, p. 295; UNITED AUTO WORKERS. Official publication. Detroit: Vol. 5, No. 4, 15 de fevereiro de
1940, p. 1.
267
Cf. UNITED STATES. SENADO DOS ESTADOS UNIDOS. Opressive labor practices act. Hearings
before a Subcommittee of the Committee on Education and Labor of the United States Senate. Seventy-
Seventh Congress. May 25 and 26 and June 1, 2, 5, 6, 7 and 13, 1939. Washington: US Government Printing
Office, 1939, p. 61.
136
3.2. O New Deal e o mundo do trabalho: uma breve discussão historiográfica
O New Deal tem sido alvo de um intenso debate historiográfico. Para a tradição
liberal da historiografia norte-americana, o governo Roosevelt seria o ponto culminante de
um processo multi-secular de reformas políticas e sociais rumo a um sistema mais
democrático e pluralista de governo. Para William Leuchtenburg, herdeiros do Iluminismo,
FDR e os New Dealers “sentiam-se parte de um movimento humanístico mais amplo que
visava a tornar a vida do homem sobre a terra mais tolerável, um movimento que poderia
mesmo chegar a formar, algum dia, uma comunidade cooperativa”.
268
Se os historiadores liberais percebiam no New Deal um elemento democratizador da
sociedade e do estado norte-americanos, seus colegas mais jovens e mais céticos, da
geração da New Left dos anos 1960, teriam um olhar profundamente crítico sobre a
experiência rooseveltiana.
269
Para tais historiadores, em boa parte marcados pelo impacto
da crise da coalizão do New Deal e do liberalismo americano, expressos pelas dissidências
ocasionadas pela Guerra do Vietnam e pelos conflitos raciais de fins dos anos 1960, o New
Deal teria sido incapaz tanto de aliviar as conseqüências sociais da Grande Depressão como
de reverter o quadro de concentração de riqueza e poder característicos da sociedade norte-
americana. Pelo contrário, o governo Roosevelt teria criado um estado capitalista todo-
poderoso que limitava as liberdades dos cidadãos sem, em contrapartida, erradicar a
pobreza, a segregação racial e a desvalorização das mulheres. Em suma, o New Deal teria
268
LEUCHTENBURG, William. Franklin D. Roosevelt and the New Deal, 1932-1940. Nova York: Harper &
Row, 1963, p. 346. Cf. também SCHLESINGER JR., Arthur. The age of Roosevelt. Boston: Houghton,
Mifflin, 1960; GOLDMAN, Eric. Rendevouz with Destiny. Nova York: Vintage Books, 1956; McGREGOR,
James. Roosevelt: the Lion and the Fox. Nova York: Harcourt, Brace, 1956.
269
Do ponto de vista da produção historiográfica, a New Left dos anos 1960 foi marcada pela ênfase no
conflito e não no consenso americano, nos estudos dos “de baixo”, com destaque para os estudos marxistas
sobre a classe trabalhadora e sobre minorias raciais, a questão feminina e todos os que haviam sido, segundo
tais autores, deixados de fora da historiografia até então produzida e da própria história americana. Cf. ROSS,
Dorothy. “The New and Newer Histories. Social theory and historiography in an American key”. In
137
salvo o capitalismo de suas próprias contradições sem alterar as estruturas da sociedade
capitalista, permanentes produtoras e reprodutoras de desigualdades, ainda que novos
grupos sociais possam ter sido incorporados ao sistema político.
270
Thomas Ferguson,
produzindo já nos anos 1980, encampa de certa forma tal visão e afirma que as políticas do
New Deal, inclusive a NLRA, teriam sido resultado sobretudo das articulações de setores
empresariais ligados às indústrias capital-intensivas e de consumo de massas, empresas
multinacionais ligadas a bancos de investimentos e empresas varejistas voltadas para o
mercado de massas.
271
Tal visão evidentemente subestima o caráter conflitivo e os interesses que o próprio
Estado capitalista encerra, como aponta, em uma linha institucional, Theda Skocpol. Para a
autora, a visão de autores como Ferguson minimiza as tensões internas ao próprio estado
assim como as pressões que este sofre de outras classes sociais. Conseqüentemente,
segundo Skocpol, há que se buscar uma ênfase maior nas estruturas do próprio Estado e
dos partidos políticos americanos na resposta por eles dada à Grande Depressão.
272
Assim,
a NLRA, por exemplo, surge menos como uma resposta do Estado ao aumento da
militância sindical do que como instrumento de política econômica do Estado para superar
a Grande Depressão. Michael Goldfield, pelo contrário, critica a visão institucionalista de
Rethinking History, Vol. 1, No. 2 (1997), p. 133.
270
Cf. BERNSTEIN, Barton. “The New Deal: the Conservative achievements of liberal reform”. In
BERNSTEIN, Barton (org.). Towards a new past: dissenting essays in American history. Londres: Chatton
&Windus, 1970; RADOSH, Ronald. “The myth of the New Deal”. In RADOSH, Ronald e ROTHBARD,
Murray (orgs.). A new history of Leviathan: essays on the rise of the American corporate state. Nova York:
Dutton, 1972, p. 146-187.
271
Cf. FERGUSON, Thomas. “Industrial conflict and the coming of the New Deal: the triumph of
multinatinal liberalism in America”. In FRASER, Steve e GERSTLE, Gary (orgs.). Op. Cit., p. 3-31.
272
Cf. SKOCPOL, Theda. Op.Cit., 1992, p. 79.
138
Skocpol acerca da NLRA e afirma que a Lei foi realizada para conter a insurgência operária
dos anos 1930, de modo a desradicalizar a agenda dos trabalhadores.
273
Tal posição é de certa forma compartilhada por Karl Klare, para quem a NLRA,
conforme interpretada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, teria reafirmado os
princípios contratualistas das relações de trabalho e, portanto, a dominação capitalista. Para
Klare, em nenhum outro país o Poder Judiciário, mesmo durante o New Deal, teria tanto
poder quanto nos Estados Unidos para desenhar as relações de trabalho. Como
conseqüência da interpretação da NLRA pela Suprema Corte, mais e mais os sindicatos
foram vistos e tratados como garantidores da produtividade e implementadores da
disciplina operária, aumentando o fosso entre base e direções sindicais. Para ele, portanto,
as tentativas do New Deal de acabar com a opressão dos trabalhadores através de reformas
legais teriam acabado por fortalecer as bases institucionais da opressão, ainda que
melhorando as condições materiais dos trabalhadores organizados.
274
Uma outra abordagem, que guarda certa proximidade com as visões organizacionais
a respeito do Movimento Progressista, refere-se ao papel do Estado durante o New Deal
como agente disciplinarizador do mercado americano. Para Gordon Collin, a economia
americana seria marcada por um ambiente institucional fragmentado e pela alta
competitividade intercapitalista, cenário que teria levado as corporações a uma busca
constante por organizá-lo. Incapazes de fazê-lo por conta própria, como teria ficado
evidente durante o Novo Individualismo de Herbert Hoover, a Depressão teria
transformado tal necessidade em urgência. Assim, de maneira muitas vezes apressada e ad
273
Cf. SKOCPOL,Theda; FINEGOLD, Kenneth e GOLDFIELD, Michael. “Explaining New Deal labor
policy”. In The American Political Science Review, Vol. 84, No. 2 (Dezembro de 1990), p. 1297 -1315.
274
Cf. KLARE, Karl. Op. Cit., p. 337.
139
hoc, o New Deal teria politizado os padrões privados de organização empresarial, em um
processo iniciado com a NIRA, de 1933, e completado com a NLRA e a SSA, de 1935.
275
Gary Gerstle e Steven Fraser apresentam uma visão mais abrangente, e menos uni-
causal, da natureza do New Deal. É certo que o governo Roosevelt e os partidos políticos
tinham uma agenda, ou ao menos um diagnóstico, mais ou menos elaborada para fazer face
à Depressão, como quer Skocpol, assim como setores empresariais tinham a sua, como quer
Ferguson, ou ainda que o movimento sindical tenha tido forte influência sobre o desenho
das instituições então criadas, como aponta Goldfield, mas para os autores o New Deal
surge não como um conjunto sistematizado de idéias ou estratégias, como a
instrumentalização do Estado por uma classe ou como uma resposta necessária do Estado a
demandas de setores sociais, mas como resultado da luta política concreta que se travou nos
Estados Unidos na década de 1930. Assim, ele pode ser percebido como um conjunto de
idéias, de políticas públicas e de alianças políticas que se cristalizaram nos anos 1930 e
dominaram a cena política americana por quase meio século, tendo tido seu término
simbólico com a eleição do republicano Ronald Reagan à presidência da República, em
1980, quando novas idéias, políticas públicas e coalisões políticas se firmaram.
Conseqüentemente, a NLRA seria expressão de tal coalizão entre o Estado e setores do
movimento operário, como indica Fraser, fato já percebido pelo próprio UAW-CIO.
276
275
Cf. GORDON, Colin. Op. Cit., p. 2.
276
Cf. FRASER, Steven e GERSTLE, Gary. “Introduction”. In FRASER, Steve e GERSTLE, Gary (orgs.).
Op. Cit., p. IX; FRASER, Steven. Op. Cit., 1989, p. 71 e seguintes; UNITED AUTO WORKERS. Official
publication. Detroit: Vol. 2, n. 21, May 21, 1938, p. 4.
140
3.3. O New Deal como pacto social
Ainda que não encerrasse um projeto coerente de reformas políticas, econômicas e
sociais, as políticas implementadas por Franklin D. Roosevelt em resposta à Grande
Depressão lançaram os fundamentos do estado keynesiano e do poder sindical nos Estados
Unidos.
277
Analiticamente, o New Deal poder ser dividido em quatro dimensões: a relativa
a reformas econômicas e à regulação de setores da economia, a que se refere a medidas
emergenciais, a que diz respeito a transformações culturais, e, por último, a referente à nova
pactuação política entre o Estado e atores sociais até então largamente alijados da esfera
pública, formando a chamada coalizão do New Deal.
Em seus primeiros 100 dias, o New Deal implementou uma ampla gama de
reformas setoriais na economia americana que visavam, sobretudo, a criar as condições
para a formação de poupança interna e recuperar a rentabilidade dos investimentos. Dentre
outras, medidas foram implementadas para sanear o sistema financeiro com o Emergency
Banking Act, para regular a produção agrícola com o Agricultural Adjustment Act (AAA)
e para evitar a perda da hipoteca das casas próprias com o Home Owners’ Refinancing Act.
O AAA acabaria por se tornar uma das peças legislativas mais polêmicas do New
Deal. Desde fins do século XIX, um dos principais problemas da agricultura americana era
sua imensa capacidade produtiva face a um mercado de consumo limitado, ocasionando
preços baixos e, portanto, baixa remuneração para o setor. Tal cenário se agravaria com o
fim da dependência agrícola européia gerada pela Primeira Guerra Mundial, quando o
mercado interno americano viu-se diante de uma oferta de produtos muito superior à sua
capacidade de consumo. Assim, o objetivo fundamental da AAA era elevar a remuneração
do setor agrícola através da redução da produção. Dito de outra forma, os agricultores
141
passavam a ser subsidiados pelo Estado para não produzir e, desta forma, elevar os preços
de seus produtos. O AAA seria declarado inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados
Unidos em 1936, ocasião em que o Congresso aprovaria o Soil Conservation and Domestic
Allotment Act, que previa o pagamento aos agricultores para que estes melhorassem a
qualidade de seus solos. A rigor, a nova lei tinha o mesmo objetivo, qual seja, limitar a
produção para elevar o preço dos produtos agrícolas. Como o novo programa revelou-se de
alcance limitado, em 1938 seria aprovado o segundo Agricultural Adjusment Act, que
tornava permanentes os programas de conservação do solo, e o Departamento de
Agricultura passava a estabelecer cotas de produção, ao lado de outras medidas, para evitar
a super-produção.
278
Do ponto de vista emergencial, o New Deal criou uma grande rede de assistência
social materializada em agências e programas, como os Civilian Conservation Corps
(CCC), a Civil Works Administration (CWA) e a Federal Emergency Relief Administration
(FERA), com o objetivo de proporcionar emprego e renda a milhões de americanos
afetados pela Depressão.
O CCC, em particular, revelar-se-ia um dos mais populares programas do New
Deal. No início dos anos 1930, a erosão do solo nos Estados Unidos havia atingido
proporções preocupantes, evidenciadas pelas grandes tempestades de areia de Oklahoma e
outros estados. O CCC surgiu como forma tanto de reverter este quadro como de absorver
jovens desempregados de 18 a 25 anos. Em mais de 2.500 campos espalhados pelo país, o
CCC atuou na restauração de sítio s históricos, construção de instalações em parques
nacionais, preservação da vida selvagem, limpeza e restauração de reservatórios de água,
277
FRASER, Steve e GERSTLE,Gary (orgs.). Op. Cit.
278
Cf. ESTADOS UNIDOS. CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS. “The Agricultural Adjustment Act”.
142
combate a incêndios, programas de conservação do solo e reflorestamento. Em seus 9 anos
de existência, o CCC plantou mais de 2 bilhões de árvores, dos quais 200 milhões em solos
recuperados, e ensinou a mais de 35 mil jovens a ler e escrever e a mais de 3 milhões
alguma profissão. Cada voluntário permanecia 6 meses em um campo, podendo ficar até
dois anos, e recebia US$ 30,00 por mês, dos quais US$ 25,00 eram enviados diretamente às
suas famílias.
A criação destas agências causou uma intensa oposição de setores fiscalmente
conservadores, tanto republicanos quanto democratas, pois não só representou o início dos
gastos públicos, e de déficits públicos, como instrumento de geração emprego e renda,
como também uma importante mudança no papel do Estado no que se refere à execução de
programas de bem-estar, até então tradicionalmente deixados a cargo de instituições
filantrópicas privadas. Para alguns, o New Deal nada mais seria do que o nome americano
para o comunismo, e seu objetivo último era retirar dos que tinham para dar aos que não
tinham.
279
Em 1936, em sua plataforma presiencial, o Partido Republicana faria duras
críticas a tais políticas sociais, acusando o governo Roosevelt de desperdício de fundos
públicos e uso da máquina política para fins partidários e, principalmente, de destruir a
moral do povo americano, ao torná-lo dependente do governo federal.
280
Conseqüentemente, várias destas agências tiveram suas ações constrangidas e seus
orçamentos limitados, mas ainda assim contribuíram para aliviar as necessidades básicas
In COMMAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 242-246.
279
NEW YORK STATE ECONOMIC COUNCIL, INC. Economic Council Letter.Letter No. 30. Nova York:
4 de julho de 1935.
280
Cf. PARTIDO REPUBLICANO. “The Republican Platform of 1936”. In COMMAGER, Henry Steele.
Op. Cit., p. 352.
143
dos segmentos sociais mais atingidos pela crise, principalmente durante os meses de
inverno.
281
A ação do Estado na provisão social contribuiu para importantes transformações na
cultura política norte-americana. Em uma cultura fortemente marcada pela tradição da
liberdade negativa, da defesa do indivíduo contra a ação do Estado, nos moldes da tradição
legal vitoriana, o New Deal veio afirmar que os problemas então enfrentados pelos
americanos, ao contrário do que muitos deles próprios acreditavam, resultavam menos de
suas limitações individuais do que da ordem econômica e social vigente, cabendo portanto
ao Estado provê-los, ao menos em parte, de suas necessidades básicas. Em seu histórico
discurso de posse, em 4 de março de 1933, Franklin Roosevelt afirmaria:
Se interpreto corretamente o temperamento de nosso povo, compreendemos
agora, como nunca, nossa interdependência uns com os outros; que não
podemos apenas tomar, mas também doar; se queremos nosso progresso,
devemos nos mover como um exército treinado e leal, disposto ao sacrifício
em nome da disciplina comum, porque sem tal disciplina nenhum progresso
é possível, nenhuma liderança torna-se efetiva. Nós estamos, eu sei, prontos
e desejosos de submeter nossas vidas e propriedades a uma tal disciplina,
porque ela torna possível uma liderança cujo objetivo é o bem-comum.
282
Conseqüentemente, transformações profundas se operavam nas concepções de
Estado e nação, baseadas na idéia da precedência do todo sobre a parte e na
responsabilidade coletiva, representada pelo Estado, para com cada “homem esquecido”,
283
281
Para uma apresentação das principais políticas sociais do New Deal, assim como da oposição que
levantaram, Cf. SHERWOOD, Robert. Roosevelt e Hopkins. Uma história da Segunda Guerra Mundial. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: Universidade de Brasília; Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade, 1998,
Parte I.
282
ROOSEVELT, Franklin D. “First Inaugural Address. Washington, D.C., March 4, 1933”. In GRAFTON,
John (org.). Franklin Delano Roosevelt. Great speeches. Mineola, Nova York: Dover Publications, Inc., 1999,
p. 30 e 32. As palavras de Roosevelt, de 1933, expressam uma retórica inicial do New Deal, que se
prolongaria pela década de 1930, que denunciava os plutocratas e os “realistas econômicos” como os
causadores da Depressão.
283
O termo “homem esquecido” foi utilizado por Roosevelt em um discurso radiofônico em abril de 1932 e, a
partir de então, tornou-se elemento central para caracterizar a obrigação do Estado na provisão social. Cf.
144
cujas origens difusas podem remontar às idéias de um capitalismo moral e de uma
sociedade orgânica, cujas inspirações encontram-se tanto nas idéias da Era Progressita de
Herbert Croly quanto na Doutrina Social da Igreja Católica, trazida por trabalhadores
imigrantes. Mesmo a AFL, tradicional adversária da regulação estatal sobre as condições de
trabalho, mostrava-se mais aberta a esta, tendo William Green chegado a afirmar, em sua
mensagem do Dia do Trabalho de 1935, que o governo americano deveria assumir a
responsabilidade pelo bem-estar das massas, com total autoridade para aprovar legislação
de bem-estar e regular a indústria com fins sociais.
284
A nova força do Estado americano
como provedor social chegou mesmo a expressar-se em um verdadeiro culto à
personalidade de Roosevelt. Os retratos do presidente espalharam-se não só por repartições
públicas, seus ninhos originais, como por lares de famílias trabalhadoras e salões do
movimento sindical.
285
Mas não só o Estado americano ganhou uma nova dimensão nos corações e mentes
dos americanos. Em um espaço de tempo relativamente curto, atores coletivos, como os
sindicatos, até então estigmatizados como elementos anti-americanos, também ganharam
crescente legitimidade, tornando-se parceiros do Estado em diversas agências oficiais.
Como não poderia deixar de ser, o novo papel dos sindicatos foi duramente atacado pelos
setores conservadores e por indivíduos que reclamavam que a aliança entre o governo e o
movimento sindical colocava em risco a propriedade privada e os valores americanos.
286
ROOSEVELT, Franklin. “The ‘forgotten man’ radio speech”. In RAUCH, Basil (org.). The Roosevelt reader.
Selected speeches, messages, press conferences and letters of Franklin D. Roosevelt. Nova York, Toronto:
Rinehart & Co., Inc., 1957, p. 65.
284
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washigton: Vol. 25, n. 35, Aug. 31,
1935, p. 1.
285
MARTIN, Homer. Carta a Franklin D. Roosevelt de 4 de janeiro de 1938. . FDR Library. President’s
Personal File, 4802-4840.
286
Cf. SKINNER, H. D. Carta a Franklin D. Roosevelt, de 22 de janeiro de 1937. Franklin D. Roosevelt
Library. OF 407b. Labor Box 8; KISSINGER, HD. Carta a Franklin D. Roosevelt, de 24 de janeiro de 1937.
145
Em suma, a América como que se redescobria e, nessa redescoberta, percebia que sua
melhor face não eram os Du Pont e seus pares, até então idealizados como os realizadores
do sonho americano, mas indivíduos anônimos e atores coletivos, e que tais indivíduos e
atores deveriam buscar apoio e proteção no Estado.
287
Tais transformações expressaram-se também em uma profunda inovação estética e
temática na arte norte-americana, em boa parte financiada por agências estatais como a
Federal Arts Project (FAP), a Federal Music Project (FMP) e a Federal Theatre Project
(FTP). O muralismo de inspiração mexicana, o realismo social e as cenas coletivas,
expostas em repartições públicas de todo o país, particularmente os correios, passaram a
retratar o homem comum, os trabalhadores rurais, as lutas sindicais, os índios, os
hispânicos e os negros.
288
Por outro lado, o New Deal representou a incorporação política de segmentos da
sociedade americana que até então encontravam-se largamente marginalizados ou pouco
representados no sistema político. Tal incorporação, realizada sob a égide do Partido
Democrata, foi, contudo, desigual: o avanço das mulheres, por exemplo, deu-se sobretudo
na ocupação de cargos públicos e o dos negros restringiu-se basicamente ao plano
simbólico, ao passo que minorias étnicas, como os judeus, foram amplamente
incorporadadas e os trabalhadores agrícolas, principalmente os do Sul, receberam apenas
marginalmente os benefícios do New Deal. Pesquisando o Sul agrícola, James Agee e
Franklin D. Roosevelt Library. OF 407b. Labor Box 8. Ambas as cartas foram escritas durante as grandes
greves de ocupação da indústria automotiva.
287
Cf. COHEN, Lizabeth. Op. Cit., p. 252 e seguintes.
288
Cf. MATHEWS, Jane de Hart. "Arts and the people: the New Deal quest for a cultural democracy". In
Journal of American History, LXII (september, 1975); RUBY, Christine Nelson. "Art for the millions:
government art during the Depression". In Michigan History, LXVI (janeiro/fevereiro, 1982); MELOSH,
Barbara. Manhood and womanhood in New Deal public art and theatre. Washington e Londres: Smithsonian
Institution Press, 1991; BUSTARD, Bruce. A New Deal for the arts. Washington: National Archives and
Records Administration, 1997; ROSENZWEIG, Roy e MELOSH, Barbara. "Government and the arts: voices
146
Walker Evans, com suas anotações e fotografias, descortinaram um cenário de pobreza e
desamparo que o governo Roosevelt mal conseguiu atingir:
Woods and Ricketts não possuem lar ou terra, mas Woods tem sua mula e
Ricketts possui duas, e ambos possuem também implementos agrícolas,
trabalhando portanto sob uma forma um pouco diferente dos que nada têm.
Pagam ao proprietário da terra apenas um terço de seu algodão e um quarto
do milho. Da parte que lhes resta, contudo, pagam ao proprietário o preço de
dois terços do fertilizante do algodão e três quartos do fertilizante do milho,
mais juros. (...)
De cinco a seis meses por ano, dos quais três são os piores, com o pior
clima, o abrigo menos adequado, a comida mais escassa e rala, a pior saúde,
normalmente e inevitavelmente, não podem contar com nada exceto com a
esperança de receber alguma ajuda do proprietário da terra.
289
No que se refere às mulheres, o New Deal não avançou em uma agenda
propriamente ligada à igualdade entre os sexos e nenhuma política foi traçada para garantir
oportunidades econômicas ou salários equivalentes entre homens e mulheres, ainda que
Eleanor Roosevelt passasse a representar o novo papel da mulher na arena política. Ainda
assim, a primeira mulher a ocupar um cargo de primeiro escalão no governo federal foi
Frances Perkins, Secretária (Ministra) do Trabalho, que nele permaneceu durante todo o
mandato de Roosevelt, e mulheres foram feitas embaixadoras, administradoras de agências
e conselheiras políticas.
290
A incorporação dos negros foi ainda mais complexa e limitada e o Partido
Democrata aguardaria até as eleições presidenciais de 1948 para incluir em sua agenda o
fim das leis de segregação racial (que resultaria em um cisma partidário, com os
democratas sulistas segregacionistas formando um novo partido, o dos Dixiecrats). O New
Deal vivenciou, ao longo de toda a sua duração, a tensão entre o fortalecimento do poder da
from the New Deal Era". In The Journal of American History, vol. 77, n. 2 (set. 1990), p. 596-608.
289
AGEE, James e EVANS, Walker. Let us now praise famous men. Boston: Houghton Mifflin, 1941, p. 116.
290
Cf. GOODWIN, Doris Kearns. Op. Cit.
147
União e os chamados direitos dos estados, nos quais estavam alocadas as leis de segregação
racial. O governo Roosevelt atacou fortemente os direitos dos estados sobretudo no campo
da regulação econômica mas, em contrapartida, deixou aos estados espaço para manter suas
legislações segregacionistas.
291
É importante lembrar que a questão da segregação racial
não unificava sequer o movimento sindical, dado que mesmo os sindicatos filiados ao CIO
freqüentemente reproduziam em suas bases padrões segregacionistas de relação entre os
trabalhadores brancos e negros.
292
Em Cleveland, ainda que os negros tenham recebido uma
percentagem de investimentos federais em habitação maior do que a sua participação na
população da cidade, tais investimentos, em grande parte administrados por autoridades
locais, acabaram por reforçar os padrões de segregação racial nas moradias.
293
Em um tal
cenário, o New Deal limitou-se a não discriminar os negros em suas políticas de bem-estar,
a dessegregar o serviço público federal e a dar mostras de simpatia à causa de emancipação
dos negros. Lideranças negras como Mary McLeod Bethume, amiga pessoal de Eleanor
Roosevelt, passaram a freqüentar a Casa Branca e quando, em 1939, a soprano negra
Marian Anderson foi impedida de cantar em seu auditório pela associação Daughters of the
American Revolution, Eleanor Roosevelt não só desfiliou-se de tal associação como Harold
Ickes, Secretário (ministro) do Interior, com apoio da primeira-dama e do governo federal,
organizou, exclusivamente para ela, um recital nas escadarias do Lincoln Memorial,
prestigiado por dezenas milhares de pessoas.
294
Uma grande distância política e cultural
havia sido portanto percorrida entre este momento e o ano de 1915, quando o filme O
291
Cf. KATZNELSON, Ira; GEIGER, Kim; KRYDER, Daniel. Op. Cit., p. 283-306.
292
Tal foi o caso do United Automobile Workers of America, que chegava a ter salões de dança segregados
para seus militantes brancos e negros. Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Walter Reuther. The most dangerous
man in Detroit. Urbana e Chicago: Univesity of Illinois Press, 1995, p. 91.
293
Cf. WYE, Christopher. “The New Deal and the negro community: toward a broader conceptualization”. In
DUBOFSKY, Melvyn (org.). Op. Cit., p. 247-269.
294
Cf. GOODWIN, Doris Kearns. Op. Cit., p. 148.
148
nascimento de uma nação, que mostrava a ação purificadora da Klu Klux Klan em defesa
da supremacia branca, recebeu comentários elogiosos do então presidente democrata
Woodrow Wilson. A partir do New Deal, o voto negro migrou crescentemente do Partido
Republicano, até então visto como o partido de Lincoln, o Grande Emancipador, para o
Partido Democrata.
Através do Partido Democrata, os imigrantes europeus de primeira geração e seus
filhos também tornaram-se um importante elemento da coalizão do New Deal. O Partido
Democrata já vinha atraindo o voto dos imigrantes desde fins da década de 1920, quando
Al Smith, o primeiro católico a ser indicado para a presidência dos Estados Unidos, foi
derrotado pelo republicano Herbert Hoover nas eleições de 1928. Defendendo o fim da Lei
Sêca, um ponto caro aos imigrantes e seus filhos, Smith atraiu 66% dos votos dos
imigrantes do centro e do leste europeus em Chicago, contra 32% do partido em 1924. Já a
entrada dos judeus nos aparelhos de estado foi a tal ponto espetacular que o New Deal
passou a ser chamado pela oposição conservadora de Jew Deal e, o presidente, de Franklin
Rosenfeld. Judeus, como Henry Morgenthau Jr., chegaram a postos ministeriais, líderes
sindicais judeus, como Sidney Hillman e Rose Schneiderman, tornaram-se conselheiros
próximos ao presidente, e David Lilienthal foi indicado para presidir a Tennessee Valley
Authority (TVA). Roosevelt chegou mesmo a indicar para a Suprema Corte o professor e
jurista Felix Frankfurter, um cosmopolita judeu vienense que, na década de 1920, havia
defendido os anarquistas Sacco e Vanzetti, então considerados, por uma expressiva parcela
da sociedade americana, como os melhores exemplos da ação nociva de homens e
ideologias estrangeiras sobre o corpo da nação. Por outro lado, os judeus utilizaram-se
eficazmente do Partido Democrata como instrumento para garantir, do governo federal e de
governos de estaduais, proteção contra ataques e políticas anti-semitas e, desta forma,
149
tornaram-se um dos principais segmentos étnicos de apoio ao Partido.
295
Quase 20 anos
após o advento do New Deal, ele ainda era sentido como o momento em que o Estado
preocupou-se e cuidava de seus cidadãos, principalmente os mais pobres e humildes,
inclusive os judeus, como atesta a expressiva passagem de Marshall Berman:
Então, na primavera e no outono de 53, Moses [Robert
Moses, arquiteto dos arranha-céus e eixos rodoviários de
Nova York] principiou a se agigantar sobre minha existência
de uma nova maneira, com o anúncio de que estava a ponto
de fincar uma imensa via expressa (...) no coração de nosso
bairro. (...) Os judeus do Bronx estavam perplexos: era
possível que um judeu como nós quisesse de fato fazer uma
coisa dessas conosco? (...) E mesmo se ele tencionasse a fazê-
lo, tínhamos certeza de que tal não ocorreria aqui, não na
América. Ainda nos aquecíamos ao crepúsculo do New Deal:
o governo era o nosso governo e acabaria por nos proteger no
final.
296
Importantes segmentos empresariais também tornaram-se parte da coalizão do New
Deal e do próprio Partido Democrata, como as grandes empresas que utilizavam
tecnologias capital-intensivas, as de varejo voltadas para a comercialização de produtos
para o mercado interno e as dos setor financeiro, interessados todos na constituição de um
mercado de massas e na expansão do mercado internacional. Sem o apoio deste segmento
empresarial, que reunia expoentes como o grupo Rockfeller, a Standard Oil, a General
Eletric, a IBM e a Sears Roebuck, o New Deal dificilmente teria reunido recursos políticos
suficientes para fazer frente à oposição patronal representada, dentre outros, pela Liberty
League e a National Association of Manufacturers, assim como pela Constitutional
295
Cf. GINSBERG, Benjamin. The fatal embrace. Jews and the State. Chicago e Londres: The University of
Chicago Press, 1998, p. 97 e seguintes.
296
cf. BERMAN, Marshall Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987, p. 276, 277.
150
Educational League e outros grupos de pressão formados ao longo dos anos 1930 e 1940 e
que nele percebiam, assim como no CIO, a sovietização dos Estados Unidos.
297
Com o trabalho organizado, tema que será explorado a seguir, a coalização do New
Deal se deu sobretudo através do CIO em articulação com a NLRB, como indicado por
Fraser. O New Deal construiu, portanto, sob a liderança extremamente hábil de Roosevelt,
uma aliança multiclassista e, o que no caso dos Estados Unidos é central, multiétnica e
multirregional, o que explica muito de seus avanços e recuos no campo da regulação
econômica, como a defesa restrita da sindicalização aos trabalhadores industriais, e a
tímida, posto que basicamente simbólica, incorporação dos negros ao mundo da
concertação política. Tal aliança, em seus contornos gerais, permaneceria em vigor até a
década de 1960, quando a Guerra do Vietnam, a queda do nível de crescimento da
economia, o fracasso de várias das políticas da Grande Sociedade de Lyndon Johnson e os
conflitos raciais nas grandes cidades americanas levariam à sua crise.
298
297
Cf. KEMP, Joseph. Vote CIO and get a Soviet America. Nova York: Constitutional Educational League,
Inc., 1944.
298
Cf. GERSTLE, Gary e FRASER, Steven. Op. Cit.
151
3.4. A primeira fase do New Deal: a NIRA
A plataforma do candidato democrata Franklin D. Roosevelt às eleições
presidenciais de 1932 trazia uma dura denúncia das políticas econômicas republicanas da
década de 1920. Os republicanos eram acusados de isolacionismo econômico, de terem
estimulado os processos de fusão de empresas dando origem a monopólios, e de terem
irresponsavelmente manipulado a oferta de crédito, de forma a beneficiar o lucro privado às
expensas do bem comum.
299
Ao assumir a presidência da República, em 1933, Franklin D. Roosevelt possuía um
diagnóstico da crise bastante parecido com o de setores da sociedade que a percebiam como
resultado da baixa capacidade de consumo dos trabalhadores face à capacidade produtiva
da indústria e da agricultura:
Estamos diante de mais produtos agrícolas do que podemos consumir e com
excedentes que outras nações não têm condições de comprar, a não ser por
preços baixos demais. Vemos nossas fábricas com capacidade de produzir
mais bens do que podemos consumir, ao mesmo tempo em que nossa
capacidade de exportação está descendente. (…) O povo deste país foi
erroneamente encorajado a acreditar que poderia manter em crescimento
constante a produção de suas fazendas e fábricas e que algum mágico
encontraria meios de que este crescimento fosse consumido com razoável
lucro para o produtor.
300
Após o fracasso do Novo Individualismo de Hoover em articular códigos de
competição desenvolvidos e supervisionados pelas associações de cada setor empresarial,
várias propostas de como resolver tal dilema estavam colocadas: políticos progressistas, o
setor de construção civil e alguns interesses regionais defendiam um programa massivo de
obras públicas, de forma a proporcionar emprego e renda para os que haviam perdido seus
299
PARTIDO DEMOCRATA. “The Democratic Platform of 1932”. In COMMAGER, Henry Steele. Op.
Cit., p. 237.
300
Apud HUNT, John Gabriel (org.). The essential Franklin Delano Roosevelt. FDR’s greatest speeches,
152
postos de trabalho; empresas produtoras de bens de consumo e diversas associações de
classe defendiam programas como o Plano Swope, prevendo a elaboração de códigos de
competição supervisionados pelo Estado; banqueiros e indústrias de bens de capital
defendiam financiamentos para a retomada do crescimento ou garantias contra prejuízos, ao
lado de políticas monetárias e regulação bancária. Por fim, as indústrias intensivas em mão-
de-obra, a AFL e teóricos do sub-consumo defendiam planos que regulassem a competição
destrutiva entre as empresas e fortalecessem o poder de compra dos trabalhadores.
301
Mesmo no seio do governo Roosevelt não havia consenso acerca de como enfrentar
a Depressão, a não ser a idéia de que o governo tinha a missão de fazer face à situação,
como deixou claro o presidente: “Não sou favorável ao retorno da definição de liberdade a
partir da qual, por muitos anos, um povo livre foi submetido a serviço do capital”. Para ele,
pelo contrário, o liberalismo constituía, “em inglês claro, um conceito de dever e
responsabilidade do governo em relação à vida econômica”.
302
Diante de tal cenário, o
governo, em busca do apoio social o mais amplo possível, propôs um programa de
recuperação econômica estruturado em torno da National Industrial Recovery Act (NIRA),
de 16 de junho de 1933, que propunha a criação de códigos de competição nos diferentes
setores industriais supervisionados pelo Estado. De modo a reunir apoio para o novo
programa econômico, a NIRA buscava responder a demandas de diferentes segmentos da
sociedade. Os empresários que demandavam a auto-regulação obtiveram a suspensão da
Lei Sherman Anti-Truste e os que advogavam o planejamento estatal obtiveram a
participação do Estado na supervisão dos códigos de competição; a AFL, através da seção
7(a) da Lei, recebeu não só garantia do direito de livre organização dos trabalhadores e
fireside chats, messages and proclamations. Nova York: Gramercy Books, 1995, p. 52, 53.
301
Cf. GORDON, Colin. Op.Cit., p. 168.
153
contratação coletiva do trabalho, como também a de que os códigos de competição
determinariam salários mínimos e horas máximas; os que defendiam obras públicas como
forma de gerar empregos e assim contrarrestar a queda do ciclo econômico, receberam US$
3,3 bilhões para diferentes projetos.
No entanto, a idéia fundamental da lei era dar coerência
aos esforços anticompetitivos hooverianos dos anos 1920, fornecendo-lhes uma moldura
política e legal, com vistas a estabilizar cada setor industrial em um nível lucrativo para o
empresariado e proporcionar salários adequados para os trabalhadores.
303
A NIRA
afirmava, em seu preâmbulo, ser a política do Congresso restabelecer o bem-público
através da
... promoção da organização da indústria com o propósito de uma ação
cooperativa, indução e manutenção de uma ação unida entre os
trabalhadores e a gerência (management), sob adequada sanção e supervisão
governamental, eliminar práticas competitivas desleais, (...) o incremento do
consumo de produtos agrícolas e industriais através do aumento do poder de
compra dos salários, redução e alívio do desemprego, melhoria das
condições de trabalho...
304
Os códigos de competição, válidos por um período de dois anos, seriam elaborados
pelas próprias empresas em cada ramo industrial, de forma a cartelizar a economia,
colocando um freio na concorrência destrutiva entre as empresas e, conseqüentemente,
elevando a capacidade de consumo dos trabalhadores. A cooperação social constituía o
fundamento da Lei, sendo necessária, sobretudo porque a NIRA carecia de instrumentos
efetivos que obrigassem as empresas individuais a obedecer os códigos de seus setores. De
302
Cf. BRINKLEY, Alan. Op. Cit., p. 10.
303
Cf. GORDON, Colin. Op. cit.
304
ESTADOS UNIDOS. CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS. “The National Industrial Recovery Act”.
In COMMAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 272.
154
certa forma, a ausência de instrumentos coercitivos da NIRA aproximava-a do Novo
Individualismo de Hoover.
305
A apresentação do código setorial por cada indústria obedecia a uma rotina. Quando
uma entidade empresarial submetia o código de competição de seu setor ao Presidente da
República, que deveria sancioná-lo, as seguintes condições tinham que ser cumpridas: a
associação não poderia restringir a entrada de novos membros e ser realmente
representativa daquele setor industrial; o código elaborado não poderia promover o
monopólio ou práticas monopolísticas ou ainda eliminar e discriminar pequenas empresas;
os trabalhadores do setor deveriam ter o direito de se organizar e negociar coletivamente
através de representantes por eles próprios escolhidos, ficando livres da interferência,
restrição ou coerção dos empregadores ou de seus agentes na designação de tais
representantes; a nenhum empregado ou candidato a um posto de trabalho poderia ser
requerido, como condição para permanência ou obtenção do posto, entrar em um company
union, ou ser constrangido a entrar ou organizar um sindicato; os empregadores deveriam
seguir um código de horas máximas de trabalho, remuneração mínima e equalizar as
demais condições de trabalho.
A Lei representou uma mudança importante na forma como os setores público e
privado interagiam e, por tal motivo, foi percebida por setores liberais como a realização,
por eles há tanto acalentada, de um “planejamento ordenado da indústria, depois de uma era
de caóticas e descoordenadas rivalidades empresariais”.
306
Também o empresariado,
através da US Chamber of Commerce (USCC), de início apoiou o plano econômico e seu
presidente, Henry I. Harriman, chegou a prever uma rápida retomada do crescimento
305
Cf. GROSS, James. Op. Cit., p. 166; GORDON, Colin. Op. Cit., p. 187.
306
KIRSH, Benjamin e SHAPIRO, Harold. Op. Cit., p. 13.
155
econômico como conseqüência de sua implementação.
307
Para a AFL, a Seção 7(a) da Lei
representava um deslocamento importante do Poder Judiciário para os Poderes Legislativo
e Executivo como ramos do Governo com os quais o movimento sindical preferencialmente
se relacionaria. Com tal Seção, os esforços organizativos autônomos dos trabalhadores
passavam a ter amparo na letra de uma lei federal, encontrando-se assim a salvo do poder
desarticulatório dos tribunais, de resto já enfraquecido por outro estatuto legal, a Lei
Norris-LaGuardia, de 1932.
308
No entanto, a Seção 7(a) da NIRA logo se tornaria alvo de uma intensa polêmica
entre o movimento sindical, a NAM, que a ela se opunha vigorosamente, as grandes
corporações e os administradores da National Recovery Administration (NRA), agência
criada pela NIRA com o objetivo de estimular e administrar os códigos de competição dos
diferentes setores industriais. Tal Seção afirmava:
Cada código de competição, acordo, e licensa aprovada, prescrita ou emitida
[sob a NIRA] deve conter as seguintes condições: (1) que os empregados
devem ter o direito de organização e negociação coletiva através de
representantes de sua própria escolha, e devem ser livres de qualquer
interferência, restrição ou coerção por parte dos empregadores ou seus
agentes, na designação de tais representantes ou na auto-organização ou em
outras atividades concertadas para o propósito de negociações coletivas ou
ajuda mútua ou proteção; (2) que a nenhum empregado e a ninguém
procurando emprego deve ser exigido que entre para um company union ou
307
The Washington Star. Washington: 21 de maio de 1933.
308
A Lei Norris -LaGuardia limitava o alcance das labor injunctions e previa a contratação coletiva do
trabalho. Afirmava ela: “Dadas as condições prevalecentes na economia, desenvolvidas com o auxílio
governamental a proprietários de forma a que eles pudessem se organizar corporativamente ou de outras
formas de propriedade associada, o trabalhador individual desorganizado encontra-se normalmente indefeso
para exercer sua liberdade de contrato e proteger sua liberdade de trabalho e, desta forma, obter termos e
condições aceitáveis de emprego. Desta forma, ainda que a ele seja reservado o direito de declinar associar-se
com seus companheiros de trabalho, é necessário que ele tenha completa liberdade de associação, auto-
organização, e escolha de representantes para negociar os termos e condições de seu emprego, e que ele esteja
livre da interferência, constrangimento ou coerção por parte de seu empregador ou seus agentes na designação
de tais representantes, em sua auto-organização ou outras atividades quaisquer relacionadas à negociação
coletiva ou outra forma de ajuda mútua ou proteção”. Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR
RELATIONS BOARD. Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935, Vol. 1. Washington:
United States Government Printing Office, 1985, p. 1478.
156
que seja impedido de se juntar, organizar ou participar de uma organização
de trabalhadores de sua própria escolha, e (3) que os empregadores devem
obedecer a horas máximas de trabalho, salários mínimos e outras condições
de emprego, aprovadas ou prescritas pelo Presidente.
309
A Seção 7(a) havia sido apresentada nos debates legislativos que precederam a
aprovação da NIRA como elemento fundamental para a construção da justiça econômica e
da estabilidade política dos Estados Unidos. Partindo de um pressuposto que faria
relembrar as palavras de Theodore Roosevelt ou mesmo de Herbert Croly, o Senador
Robert Wagner afirmou:
O propósito das leis anti-truste era o de evitar a excessiva concentração da
riqueza e manter, intactas, as oportunidades sociais e econômicas dos
pequenos homens de negócios, dos trabalhadores e dos consumidores (...).
Desde o começo, o método não tinha a menor chance de ser bem-sucedido,
posto que não estava baseado em uma filosofia econômica do século XX,
nem de 1890 ou de 1875. Era, na verdade, uma aceitação, em sua totalidade,
das teorias abstratas de Adam Smith em seu A riqueza das nações, de 1776.
As leis anti-truste não contrarrestaram minimamente o constante
crescimento das unidades econômicas e a intensificação da concentração de
poder econômico nas mãos de um número relativamente reduzido de
empresas gigantescas. Tais empresas eram o resultado inevitável das
mudanças na ciência e na tecnologia. Especialização e serialização fizeram
dos Estados Unidos o país mais rico do mundo. Qualquer tentativa legal de
evitar tal processo seria como Canuto tentando controlar o mar.
O objetivo [da Seção 7(a) da NIRA] não é o de contrarrestar eficientemente,
mas de extrair os maiores benefícios [da nova economia]. No atual século,
mais do que dobramos a riqueza de nossa nação. Mesmo no auge de nossa
prosperidade, vários milhões de famílias viviam na pobreza. (...)
Ao passo que os lucros cresceram mais do que os salários, os ganhos em
excesso foram investidos em mais fábricas, produzindo um número cada vez
maior de bens. A massa dos consumidores não recebeu o suficiente em
salários para comprar tais bens, e assim nos encontramos em uma situação
que alguns chamam de “super-produção”. A Depressão tornou-se inevitável.
Sob a nova lei, cada código de competição deve reconhecer o direito dos
trabalhadores de negociar coletivamente. Todos os códigos devem conter
cláusulas de salários mínimos, horas máximas e outras condições de
309
ESTADOS UNIDOS. CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS. “The National Industrial Recovery Act”.
In COMMAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 273.
157
trabalho, que devem ser aprovadas pelo Presidente. Desta forma, produção e
consumo serão coordenados.
310
No entanto, o empresariado não estava disposto a aceitar impunemente a
sindicalização de seus trabalhadores, implementando a estratégia de formar company
unions como se fossem sindicatos independentes, como o FBA na Ford Motor Company,
contra o qual se bateria o UAW em 1935. O FBA fora fundado por um escritório de
advocacia responsávelpela formação de quatro outros company unions, que só aceitavam
membros que tivessem dado um voto de confiança à empresa em que trabalhavam e que se
posicionassem claramente contra a prática de greves. Em contrapartida, o FBA oferecia
tratamento médico e dentário, férias remuneradas e seguro contra acidentes, cobrando uma
taxa de apenas US$ 1 ao ano.
311
Os company unions só permitiam que empregados na
planta fossem os representantes dos trabalhadores nas negociações coletivas, o que excluía
os sindicatos da AFL, e quando alguns trabalhadores não aceitavam entrar no company
union e formavam o seu próprio sindicato, as companhias recusavam-se a com eles
negociar.
A Pittsburgh Plate Glass Co. chegou a orientar a constituição de um company union
da seguinte forma:
Para ter uma representação de trabalhadores, alguém deve começar a
organizá-la. Dado que ela não pode funcionar sem ter sido escolhida pelos
trabalhadores, é altamente benéfico que a sugestão de formá-la parta deles, e
que haja sugestões e aprovação deles a cada passo e para o procedimento
como um todo.
312
310
WAGNER, Robert. “Radio Address, Industrial Recovery and Public Works Act. NBC, 13 de junho de
1933”. Apud SILVERBERG, Louis. Op.Cit., p. 8.
311
Cf. RAUSHENBUSH, Carl. Op. Cit., p. 82.
312
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “Circular da Pittsburgh Plate
Glass Co. aos seus trabalhadores, apresentada como evidência por William Green. Statement of William
Green, President of the American Federation of Labor. Hearings before the Committee on Education and
Labor. United States Senate. Seventy-Third Congress, Second Session on S. 2926. Thursday, March 15,
1934”. In Legislative History of the National Labor Relations Act, Vol. 1. Washington: United States
158
Muitas Constituições de company unions eram absolutamente idênticas, dado que
feitas pelas mesmas firmas de consultoria de relações industriais. O company union da
Pittsburgh Plate Glass Co. não fugiu a tal regra, como sugere a carta do presidente da
empresa aos diferentes departamentos e gerentes:
A direção autorizou a instalação de um plano de representação nesta
companhia. O plano (que foi aprovado por um comitê dos empregados) é
praticamente idêntico aos que já foram usados, com sucesso, em outras
companhias. Como vocês sabem, nós já pensamos na adoção de tal plano
por um tempo e agora decidimos implementá-lo para estar em harmonia com
as provisões do Industrial Recovey Act. (…)
Anexado, está um conjunto de instruções, ao lado de outros documentos
necessários para conduzir as eleições. Por favor, leiam estas orientações
cuidadosamente, de forma a tornarem-se familiares com os detalhes.
313
Por fim, algumas empresas chegaram a mandar cartas para seus empregados
anunciando, diretamente, a implementação de planos de representação. Em 14 de junho de
1933, a Illinois Steel Co. mandaria uma carta, idêntica à enviada no dia seguinte para os
seus próprios funcionários pela American Steel & Wire Co., com os seguintes dizeres:
Temos prazer em anunciar que a Illinois Steel Co., aderindo aos princípios
estabelecidos pelo National Industrial Recovery Act, patrocinados pelo
Presidente dos Estados Unidos, e aprovados pelo Congresso, inaugurou um
plano de representação de empregados sob o qual os funcionários de vários
departamentos e operações terão voz em todos os problemas relativos às
relações industriais.
Um cópia do plano pode ser obtida no escritório central de sua planta ou
através do superintendente do seu departamento. Esperamos que você se
assegure de obter uma cópia do plano, leia-a atentamente e dê o seu apoio
sincero. Sugerimos que arranjos sejam feitos imediatamente para que este
plano seja efetivado, com a nomeação e efetivação de representantes, como
a lei determina.
Seu apoio sincero para este plano, assim como o de seus colegas, será
apreciado.
314
Government Printing Office, 1985, p. 116.
313
Idem, p. 116.
314
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “Circulares da Illinois Steel Co. e da
American Steel Co. aos seus trabalhadores, apresentada como evidência por William Green. Statement of
159
A AFL combateria firmemente tais estratégias empresariais, mas as empresas
afirmavam que nada na legislação proibia contratos individuais de trabalho e a formação de
company unions.
315
Diante do impasse criado, o governo resolveu formar uma National
Labor Board (NLB), composta por 3 representantes de trabalhadores, 3 de empregadores e
pelo Senador Robert Wagner, como representante imparcial do interesse público, para
dirimir as controvérsias surgidas em torno da aplicação da Seção 7(a).
316
A criação da NLB não levou à superação dos impasses entre a AFL e as empresas
em torno da Seção 7(a), razão pela qual o Presidente emitiu uma série de Ordens
Executivas, a partir de 16 de dezembro de 1933, com o objetivo de dar à NLB poderes para
dirimir todos os conflitos que ameaçassem a paz industrial nos Estados Unidos. Em 9 de
julho de 1934, diante da persistente ineficácia da agência, nasceria a National Labor
Relations Board, composta exclusivamente por membros indicados pelo Presidente. A
NLRB tinha o poder de investigar conflitos e organizar eleições sindicais para apontar o
representante dos trabalhadores para fins de negociações coletivas, de acordo com a
Resolução Pública No. 44, fazer audiências e investigações referentes a violações da Seção
7(a) e agir como uma agência de arbitragem voluntária. Como a Resolução Pública No. 44
havia permitido a criação de outras Labor Boards por indústrias, a NLRB também tinha o
poder de estudar as atividades destas e recomendar a criação de novas agências, como a
William Green, President of the American Federation of Labor. Hearings before the Committee on Education
and Labor. United States Senate. Seventy-Third Congress, Second Session on S. 2926. Thursday, March 15,
1934”. In Legislative History of the National Labor Relations Act, Vol. 1. Washington: United States
Government Printing Office, 1985, p. 117.
315
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 23, n. 41, Dec. 16,
1933; p. 1; Vol. 23, n. 17, April 28, 1934, p. 1.
316
As informações a seguir encontram-se em ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS
BOARD. First Annual Report of the National Labor Relations Board, for the fiscal year ended June 30, 1936.
Washington: United States Government Printing Office, 1936, p. 4-8.
160
Bituminous Coal Board e a Newspaper Industrial Board. Pela Resolução que a criou, a
NLRB deveria ser extinta em 16 de junho de 1935.
A rigor, no entanto, a NLRB tampouco tinha poder legal para fazer valer suas
decisões. Na verdade, se uma corporação se recusasse a obedecer suas recomendações, o
Attorney General dos Estados Unidos seria acionado, e o máximo que poderia acontecer
com o empregador seria ter o seu selo Blue Eagle removido. O selo Blue Eagle, aliás, era a
expressão da ineficácia da própria NIRA, pois havia sido criado como uma peça de
propaganda para ser exposto em locais públicos pelas empresas que tivessem estabelecido e
cumprissem seus códigos setoriais e agissem de acordo com o espírito cooperativo da
Lei.
317
A ineficácia da NLRB também foi atestada no caso das divergências ocorridas na
indústria automotiva a respeito da Seção 7(a), onde, por Ordem presidencial, foi criada a
Automobile Labor Board (ALB).
317
Cf. FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, p. 36.
161
3.5. A NIRA e a indústria automotiva
Em maio de 1937, quando da Batalha do Viaduto, o UAW era um sindicato novo. A
rigor, até 1935, praticamente inexistiam sindicatos fortes, organizados e atuantes na
indústria automotiva. Além da sistemática oposição patronal, outros fatores contribuíam
para tal quadro. Na década de 1920, durante a qual a indústria automotiva consolidou-se
como a grande indústria de bens de consumo durável americana, a oferta de empregos
havia sido relativamente ampla e a rotatividade da mão-de-obra era acentuada, o que
dificultava a criação de laços de solidariedade profundos entre os trabalhadores. Por outro
lado, a sazonalidade da produção ocasionava longos períodos de desemprego em que os
trabalhadores desligavam-se do sindicato, inclusive por que não tinham condições de arcar
com suas taxas. Já nos anos 1930, os altos índices de desemprego também inibiam a
construção de entidades sólidas de trabalhadores.
No entanto, não menos importante do que tais fatores era a resistência, por parte dos
sindicatos profissionais da AFL que atuavam no setor, como o International Association of
Machinists (IAM) e o Metal Polishers International Union (MPIU), em organizar os
trabalhadores desqualificados, que passaram a formar parcela expressiva dos empregados
das montadoras. Já em 1922, Ford estimava que 85% dos seus trabalhadores eram
desqualificados e que 43% precisavam de apenas 1 dia de treinamento para aprender suas
funções. Um estudo do United States Employment Service, de 1935, mostrava que 26,9%
dos trabalhadores automotivos não precisavam de nenhum treinamento para exercer suas
funções, e que apenas 9,8% precisavam de mais de um ano de treinamento. Em 1937,
162
estimava-se que cerca de 80% dos trabalhadores da Ford eram desqualificados ou semi-
qualificados.
318
Nos anos 1930, para além dos esforços já fracassados da AFL em organizar os
trabalhadores automotivos, novos grupos buscaram organizar-se para representá-los. Os
comunistas do AWU continuaram atuantes e, no dia 7 de março de 1932, organizaram a
histórica Marcha da Fome em Dearborn, que resultou em quatro mortes quando a polícia da
cidade e o Departamento de Serviços de Harry Bennet impediram sua progressão rumo à
Ford Motor Company. Neste mesmo ano, mais uma organização de trabalhadores
qualificados teve nascimento em Detroit, a Society of Designing Engineers (SDE), voltada
primordialmente para ferramenteiros, carroceiros e operadores de máquinas especiais e
motores. Ao mesmo tempo, a Dingmen’s Welfare Club (DWC) foi formada na Chrysler
Corporation, reunindo trabalhadores altamente qualificados e bem pagos, com vistas a
regular seu próprio mercado de trabalho. Em um tal cenário de fragmentação das
organizações de trabalhadores qualificados e de não-sindicalização dos desqualificados, as
primeiras greves ocorridas durante a Depressão foram movimentos espontâneos.
O advento do New Deal iria modificar o cenário do movimento sindical como um
todo, e o dos trabalhadores automotivos em particular. A partir da aprovação da NIRA, a
AFL iniciou um novo esforço associativo em diversas indústrias e, no mês de junho de
1933, resolveu direcionar seus esforços também para a indústria automotiva.
319
A estratégia
então adotada foi a mesma utilizada em outras indústrias, como a de alumínio, onde os
trabalhadores desqualificados constituíam um número expressivo: formar Federal Labor
318
Cf. FINE, Sidney. “The origins of the UAW, 1933-35”. In Journal of Economic History. Vol. 18, No. 3
(Setembro de 1958), p. 249-282; FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, p. 13; WOLFSON, Theresa e WEISS,
Abraham. Industrial Unionism in the American labor movement. Nova York: The League for Industrial
Democracy, 1937, p. 23.
319
As informações a seguir encontram-se em FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, a menos que dito em contrário.
163
Unions (FLUs) em cada planta, ou seja, sindicatos sem autonomia e sobre os quais a central
sindical exercia controle absoluto. Tais sindicatos podiam aceitar quaisquer trabalhadores
da planta em que atuassem, fossem qualificados ou não, desde que já não estivessem
filiados a um outro sindicato da AFL, possuindo assim um perfil industrial. No entanto, os
FLUs eram percebidos mais como um mecanismo de recrutamento do que de
representação, pois a idéia era a de que seus membros qualificados seriam depois
transferidos para os sindicatos que tivessem jurisdição sobre seus ofícios.
320
O IAM e o MPIU, dentre outros sindicatos profissionais, eram bastatnte cientes de
suas jurisdições. O IAM, em particular, opunha-se tenazmente à inclusão de todos os
trabalhadores de uma planta em um único sindicato e, em que pese ter sido um fracasso
organizativo, reclamava que os FLUs não deveriam servir como um ponto intermediário
entre ele e os trabalhadores e que os trabalhadores sob sua jurisdição deveriam ser
imediatamente transferidos para ele. A AFL via-se, assim, na difícil situação de, ao mesmo
tempo, respeitar as jurisdições de tais sindicatos profissionais e de estimular os FLUs
automotivos.
A AFL vivia ainda sob uma cultura e uma forma associacional desenvolvida ao
longo das primeiras décadas do século XX segundo a qual cada sindicato era visto como
uma entidade distinta e autônoma, com suas próprias capacidades administrativas e sua
jurisidição, procurando atingir seus próprios interesses. Neste cenário, o papel fundamental
da AFL era o de arbitrar as jurisdições dos sindicatos, tendo no entatno poucos recursos
para imiscuir-se nas vidas internas de cada um deles.
321
Portanto, os conflitos entre os FLUs
320
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Second Annual Report of the
NLRB. For the fiscal year ended June 30, 1937. Washington: US Government Printing Office, 1937. p. 119;
AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 23, n. 21, 29 de julho de
1933, p. 1.
321
CF. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 91.
164
e os sindicatos profissionais eram de difícil administração, resultando que os esforços da
AFL em organizar os trabalhadores automotivos desqualificados acabaram por caracterizar-
se por sua timidez, em que pese a central afirmar que a sindicalização era fundamental para
efetivar a política da NIRA.
322
Crescentemente, a AFL demandava o apoio do governo para
defender a sindicalização, através da implementação da Seção 7(a), mas ela própria não
implantava uma uma política organizativa agressiva entre os trabalhadores desqualificados,
por receio de entrar em choque com seus sindicatos profissionais.
Enquanto a AFL buscava organizar os trabalhadores automotivos com vistas à
participação nos códigos da NIRA, e em boa medida como expressão de seu fracasso em
consegui-lo, uma importante organização independente de trabalhadores automotivos
surgiu, a Mechanics Educational Society of America (MESA), que cedo entraria em
disputas jurisdicionais com sindicatos ligados à central, particularmente o IAM. O MESA
chegou a ter mais de 20 mil filiados em 1933, e, tendo voltado-se para a organização de
trabalhadores desqualificados, tornou-se também um competidor dos FLUs automotivos.
No meio tempo, o código automotivo da NIRA acabou por ser aprovado, refletindo o poder
das empresas do setor e a fragilidade das organizações de seus trabalhadores, embora
William Green afirmasse que os direitos dos trabalhadores estavam nele contemplados.
323
A indústria automotiva, como de resto diversas outras, elaborou seu código com
alguma resistência. Quando da aprovação da NIRA, o general Hugh Johnson, administrador
da NRA, instou dez grandes indústrias, dentre as quais a automotiva, a apresentar de
322
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Wasghinton: Vol. 23, n. 32, 14 de
outubro de 1933, p. 1.
323
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 23, n. 26, 2 de
setembro de 1933, p. 1.
165
imediato seus códigos, de modo a impulsio nar o cumprimento da Lei. No entanto, 6
semanas após a promulgação da mesma, apenas a indústria têxtil havia apresentado o seu.
A resistência da indústria automotiva em elaborar um código setorial se devia a
diferentes fatores. Por um lado, sua competição setorial já estava oligopolisticamente
consolidada e, neste sentido, não tinha uma natureza destruidora, o que diminuia o interesse
das Três Grandes em uma legislação que punha fim ao combate aos cartéis. Sobretudo, as
empresas automotivas buscavam evitar a Seção 7(a), mantendo sua histórica política de
open-shop e, com este intuito, chegaram mesmo a dar aumentos para seus funcionários, de
modo a evidenciar que poderiam participar do programa de recuperação econômica sem
que, com isto, tivessem que elaborar um código setorial. Por fim, devido às pressões
sofridas por parte do governo, o setor acabou por fazer o seu código que, no entanto,
obedeceu a uma série de peculiaridades. Dada a fragilidade dos sindicatos automotivos, ele
foi elaborado exclusivamente pela National Automobile Chamber of Commerce (NACC).
A NACC havia sido criada em 1913 para congregar as montadoras de automóveis que
então surgiam, distribuindo entre elas estatísticas sobre produção, vendas, uso de
automóveis, promovendo Salões do Automóvel, buscando concertar algumas ações
coletivas, como a introdução, a partir de 1931, de novos modelos nos períodos de 2 meses
antes dos salões, e realizando lobby pela construção de estradas e vias expressas.
324
Mais do que isto, a NACC tornou-se também a agência supervisora do código, em
que pese o fato de que tal atividade deveria ser exercida por uma entidade neutra, defensora
do interesse público, e não pelo órgão patronal do próprio setor. Com vigência até o o dia
31 de dezembro de 1933, regulando horas e salários apenas das montadoras, excluindo
assim as empresas de auto-peças, o código afirmava que a NIRA defendia os trabalhadores
166
contra qualquer agente “inescrupuloso”, o que, segundo seu entendimento, referia-se a
agitadores sindicais, não às indústrias. Conseqüentemente, afirmava que as empresas não
iriam aceitar interferência externa de sindicatos nas suas relações com os empregados.
Portanto, a política de open-shop e os contratos individuais de trabalho deveriam
permancer. Sobre esta particular visão da Seção 7(a) da NIRA, o General Hugh Johnson
mostrou-se receptivo. Para ele, o fundamento da NIRA era a recuperação econômica e não
a organização dos trabalhadores e, neste sentido, ele buscava parceria preferencial com as
corporações, não com os sindicatos.
A AFL, evidentemente, opunha-se radicalmente à interpretação da NACC e do
General Johnson a respeito da Seção 7(a). Para a central sindical, a Seção garantia,
expressamente, a negociação coletiva do trabalho, mas, dada a fraqueza do movimento
sindical automotivo para fazer face à situação, William Green requisitou auxílio federal
para ajudar a implementar um código que favorecesse os trabalhadores. Como o código
necessitava de sanção presidencial para ser aprovado, uma solução intermediária foi
buscada: a referência à open-shop seria dele retirada, sendo no entanto substituída por uma
cláusula que fazia referência ao mérito individual:
Sem, de modo algum, buscar qualificar ou modificar, através de outra
interpretação, os requerimentos da NIRA [no que se refere às negociações
coletivas], os empregadores da indústria automotiva podem exercer seus
direitos de selecionar, reter ou promover empregados a partir de seus méritos
individuais, sem relação alguma com seu pertencimento ou não a qualquer
organização [sindical].
325
Tal cláusula buscava, evidentemente, fragilizar a Seção 7(a) e, portanto, representou
uma derrota para o movimento sindical, que denunciou-o como uma violação ao espírito da
324
Cf. FINE, Sindey. Op. Cit., 1963, p. 10 e seguintes.
325
AUTOMOBILE MANUFACTURING INDUSTRY. “A sample charter: the code of fair competition for
the Automobile Manufacturing Industry, 1933”. In ROLLINS, Alfred. Depression, Recovery, and War.
167
lei. No entanto, William Green, sempre cônscio da fragilidade organizacional dos
trabalhadores automotivos, buscou, mais uma vez, apresentar o acordo como uma vitória,
ainda que parcial, da AFL.
326
Vencida a AFL, o grande problema para a sacramentalização do código residia na
Ford Motor Company. Henry Ford, como era de seu feitio, já havia se recusado, em 1913, a
associar-se à NACC e também recusou-se a submeter a administração de sua empresa a
uma instância coletiva e, princiaplmente, a aceitar a Seção 7(a), ainda que esta estivesse
mitigada pela cláusula do mérito. Como punição por tal rebeldia, a empresa não recebeu o
selo Blue Eagle e, após a assinatura presidencial da Ordem Executiva 6646, que exigia que,
para contratos governamentais, a empresa fornecedora deveria obedecer ao seu código
setorial, a Chevrolet praticamente monopolizou as vendas para o governo de carros
pequenos e caminhões.
Ficando a Ford Motor Company de fora do código de competição automotivo,
embora a empresa obedecssse informalmente aos seus ditames, as greves no setor
continuaram, visto que, em sua maioria, elas eram locais e desvinculadas de qualquer
organização sindical. Em 26 de setembro, teve início a greve da planta da Ford de Chester,
Pennsylvania, em que os trabalhadores demandavam uma jornada de 7 horas/dia, semana
de 5 dias e salário mínimo de 5 dólares/dia. Em resposta, a Ford fechou a planta por tempo
indeterminado. Os trabalhadores da planta resolveram então organizar um FLU-AFL e,
ansiosos por ajuda federal, levaram formalmente seu caso à NLB, em dezembro. De acordo
com o entendimento da NLB, no entanto, a empresa não havia cometido nenhuma
ilegalidade e os trabalhadores não deveriam ter iniciado uma greve sem antes esgotar todas
Documentary History of American Life, Vol. 7. Nova York: McGraw-Hill Book Company, 1966, p. 92.
168
as possibilidades de negociação. Decepcionados os trabalhadores, o FLU da planta acabou
por ser desfeito. Diante de tal cenário, os FLUs começaram a pedir emendas ao código
automotivo, com a inclusão da representação sindical na autoridade administrativa do
código, a NACC, o estabelecimento de uma agência de relações industriais e a remoção da
cláusula do mérito. Mas, em 18 de dezembro, o código foi renovado sem qualquer
alteração, com prazo de validade até 14 de setembro de 1934.
Em janeiro e fevereiro de 1934, vários dos FLUs automotivos mais importantes
começaram a demandar que a NLB organizasse eleições para determinar o representante
dos trabalhadores em suas plantas a partir da regra da maioria, ou seja, os representantes
eleitos pela maioria dos trabalhadores representariam todos os empregados passíveis de
participar da eleição. Historicamente, o princípio da maioria havia sido legitimado em
inúmeras ocasiões. Durante a I Guerra Mundial, embora os contratos de trabalho fossem
geralmente individuais, onde os sindicatos eram mais fortes os contratos estabelecidos
diziam respeito a todos os trabalhadores do ofício ou da planta, e a NWLB estabeleceu a
regra da maioria como um dos seus princípios.
327
Os empregadores, da mesma forma,
quando criavam um company-union ou um plano de representação, tratavam-nos como os
únicos agentes de negociação. Até novembro de 1933, quatro meses após o estabelecimento
da NIRA, o padrão continuava sendo este: ou os contratos eram individuais ou, quando
coletivos, com um só sindicato ou company-union no âmbito dos trabalhadores daquela
unidade de negociação.
326
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 23, n. 40, 9 de
dezembro de 1933, p. 1.
327
Cf.GARRISON, Lloyd. Statement before the House Committee Investigating the NLRB. February 2,
1940. Lloyd Garrison (Z-733). (dean of the University of Winsonsin Law School, first Chairman of the old
National Labor Relations Board (summer and fall of 1934). Records relating to the Smith Committee
Investigation. Franklin D. Roosevelt Libray. Records of the Assistant General Counsel. Records relating to
preparation of Board's case, 1939-1940. Entry: 31, 43,07,01. Box n. 2.
169
Seja como for, neste momento os empresários automotivos recusaram-se a aceitar a
regra da maioria, no que tiveram a concordância dos administradores da NRA. Para o
General Jonhson, a regra da maioria não impedia que uma minoria ou mesmo indíviduos
pudessem negociar diretamente com os patrões, dando início a um conflito entre a NRA e a
NLB. Por outro lado, os conflitos entre os trabalhadores automotivos e as montadoras
chegou a um ponto tal que a sua administração saiu do controle da NLB e foi transferido
diretamente para Washington, dado que a recuperação da indústria automotiva era
percebida como central para a superação da Depressão.
Em fevereiro de 1934, diante da crescente insatisfação dos trabalhadores
automotivos, da ofensiva das montadoras e das indefinições do governo federal, a AFL
decidiu dar uma demonstração de força contra os company unions. Em 6 de fevereiro, o
organizador sindical William Collins aconselhou a todos os FLUs exigir um aumento
salarial de 20%, a representação dos trabalhadores na autoridade supervisora do código
automotivo e a efetivação das decisões da NLB, sob ameaça de greve. As empresas
automotivas encontravam-se, então, em uma situação politicamente delicada, pois neste
momento já tramitava no Congresso a Lei Wagner, cujo objetivo era criar mecanismos
legais e institucionais para implementar, de fato, a Seção 7(a) da NIRA, eliminando assim
os company-unions. A estratégia de reação adotada pela NACC foi dupla: de um lado,
negar-se a negociar com os sindicatos e, de outro, iniciar uma grande campanha publicitária
contra a Lei Wagner, que consumiu US$ 185 mil entre 12 de março a 10 de abril. Segundo
a NACC, os trabalhadores automotivos simplesmente não queriam filiar-se aos FLUs-AFL,
que buscavam como alternativa uma sindicalização forçada através da Lei Wagner. Se esta
fosse aprovada, a filiação sindical, e não o mérito do trabalhador, seria a base da relação
empregatícia e todos os trabalhadores seriam escravos da AFL.
170
A tensão entre as montadoras e os FLUs chegou a um ponto tal que o próprio
presidente resolveu intervir. Diante da recusa das empresas em negociar diretamente com
representantes dos trabalhadores, mesmo sob os auspícios governamentais, o presidente e o
General Johnson serviram como intermediadores de um acordo que resultou na criação de
uma Automobile Labor Board (ALB), composta por um representante dos trabalhadores,
um da indústria e um neutro. Embora, mais uma vez, a AFL tenha apresentado a criação da
ALB como uma vitória, ela na realidade representou uma importante derrota para o
movimento sindical automotivo.
328
Ainda que os trabalhadores houvessem ganho direito à
representação na nova agência e as montadoras aceitassem não discriminar nenhum
trabalhador por atividades sindicais, a central sindical viu-se na contingência de abrir mão
da regra da maioria, com a criação de um sistema de representação proporcional. Por outro
lado, Roosevelt deixou claro que não via nenhum problema com a existência dos company
unions, desde que os trabalhadores não fossem obrigados a deles fazer parte. Mas o grande
perdedor do acordo que criava a ALB foi a própria NLB, que perdeu jurisdição sobre a
principal indústria americana. A partir do estabelecimento do acordo, as empresas
automotivas intensificaram sua campanha contra a aprovação da Lei Wagner,
propagandeada como desnecessária e perigosa.
A ALB, no entanto, teve vida curta. Seu membro neutro, indicado pelo presidente,
Leo Wolman, logo iria mostrar-se receptivo às colocações das montadoras, enquanto o
representante da AFL, Richard Byrd, iria dela distanciar-se e aproximar-se de alguns FLUs
críticos à timidez da central em relação à indústria automotiva. Como resultado da
afinidade das posições de Wolman e da NACC, as posições patronais prevaleceram em uma
328
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 24, n. 13, 31 de
março de 1934, p. 1.
171
proporção de 3 para 1 nas decisões da ALB. Porém, como a agência não possuía poderes
coercitivos para fazer valer suas decisões, só trabalhava a partir da formulação de
consensos entre as partes.
No plano público, a AFL buscou intensificar sua campanha para fortalecer a NRA,
lembrando que mais de 100 FLUs haviam sido estabelecidos graças à NIRA:
Agora, o trabalho organizado possui um tribunal para o qual pode recorrer,
caso seus direitos sejam negados, há um princípio de ordenamento dos
direitos dos trabalhadores e o desenvolvimento de um corpo de precedentes
a serem aplicados nas relações de trabalho. Estamos desenvolvendo um
corpo de princípios e precedentes comparável à common law no campo
legal. As velhas bases das relações entre patrão e empregado jamais serão
restauradas.
329
Em carta privada a Roosevelt, no entanto, William Green denunciava fortemente o
acordo automotivo e a ação da ALB:
Nossa concordância [com a proporcionalidade] foi de encontro às nossas
enraizadas políticas e representou uma deferência aos seus propósitos
que nos foi anunciado pelo senhor que a proporcionalidade era a única
fórmula que as empresas automotivas aceitariam para chegar a um acordo.
Por tal ato patriótico nós recebemos, ao invés de reconhecimento, apenas
críticas e problemas. O plano de representação proporcional revelou-se não
um instrumento de negociação coletiva, mas uma negação da negociação
coletiva, dado que constitui uma divisão e cisma do front necessário aos
trabalhadores. Este experimento estava destinado ao fracasso desde o
início.
330
A situação da AFL era, de fato, bastante delicada, pois era a fiadora de um acordo
percebido como um equívoco por boa parte dos trabalhadores automotivos e os FLUs
acabaram por perder filiados após a sua concretização. Os trabalhadores, e a própria AFL,
percebiam que a NRA havia permitido aos empresários organizar-se em seus códigos de
172
competição e, assim, formar cartéis, mas que a resistência patronal não havia permitido que
o pleno gozo dos direitos da Seção 7(a) se efetivasse.
331
Para os trabalhadores automotivos,
no entanto, era a própria AFL que mostrava incapacidade em criar um efetivo sindicato
automotivo. Em particular, dois FLUs, o de St. Louis da Chevrolet e o Fisher Body de
Bendix, ambos da GM, começaram a buscar articular alguma unidade entre os diversos
FLUs espalhados pela indústria.
Em 5 de dezembro de 1934, o FLU de St. Louis organizou um encontro em Detroit
com vistas a formar um National Committee de todos os trabalhadores automotivos. Para
William Green, os trabalhadores automotivos não tinham ainda condições de criar um
sindicato industrial autônomo, dado que os FLUs contavam, então, com apenas 18 mil
filiados. A rigor, o problema da AFL com a criação de um sindicato automotivo industrial
autônomo não era a fragilidade dos FLUs, mas a questão jurisdicional de seus sindicatos
profissionais atuantes na indústria automotiva, como o IAM, fundamentais para sua saúde
financeira.
Na convenção da central de 1934, em São Francisco, a questão da tensão entre
o sindicalismo industrial e o profissional foi colo cada com toda a intensidade. No que se
refere à indústria automotiva, os FLUs defendiam vigorosamente a criação de um grande
sindicato industrial que englobasse todos os trabalhadores da indústria, ao passo que os
sindicatos profissionais, como o IAM, defendiam vigorosamente suas jurisdições. E coube
a estes, aos sindicatos profissionais, a vitória política na convenção. Tornava-se cada vez
329
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 24, n. 26, 8 de
setembro de 1934, p. 1
330
GREEN, William. Carta a FDR. Washington, 11 de setembro de 1934. Franklin D. Roosevelt Library. OF
407b. Labor, Box 8.
331
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 24, n. 37, 15 de
setembro de 1934, p. 1.
173
mais evidente que um sindicalismo industrial jamais nasceria na indústria automotiva se os
esforços organizativos dos trabalhadores desqualificados se restringissem ao modelo e aos
constrangimentos institucionais da AFL. Ainda assim, em 26 de janeiro de 1935, uma
conferência com 39 representantes de 19 FLUs foi organizada em Detroit, exigindo que a
AFL anunciasse uma convenção constitucional para estabelecer um sindicato internacional
e industrial.
Com problemas internos de monta, como o representado pelas disputas entre os
FLUs e os sindicatos profissionais, só restou à AFL tornar-se mais crítica à atuação da
ALB, objeto de repúdio de todos os trabalhadores automotivos, denunciando fortemente a
representação proporcional. A central chegou a ameaçar retirar-se da agência quando, a 7
de dezembro de 1934, esta tornou pública sua decisão de realizar, em todas as plantas sob
sua jurisdição, eleições proporcionais para a designação dos representantes dos
trabalhadores. A rigor, não havia um único grupo sindical majoritário na indústria
automotiva e, como Leo Wolman colocou, o problema era de como representar os diversos
grupos minoritários. O plano proporcional da ALB aplicar-se-ia ao nível da planta, e cada
planta formava uma unidade de negociação. A AFL, o MESA e SDE decidiram boicotar as
eleições. Os dois últimos, porque avaliaram que não tinham filiados em número suficiente,
em nenhuma planta, para que tivessem uma representação adequada. A primeira, porque
não aceitava votar nas dependências patronais e por acusar a ALB de começar as eleições
por Detroit por saber que seus FLUs eram particularmente fracos no bastião do open-shop.
A AFL afirmava também que eleições só deveriam ocorrer por pedido dos trabalhadores, e
não por imposição de uma agência governamental, e que a regra da maioria deveria
prevalecer. Finalmente, em 8 de janeiro de 1935, a AFL comunicou sua decisão de
abandonar a ALB:
174
A política administrativa da Automobile Labor Board tem sido bastante
desapontadora para os trabalhadores filiados à AFL. Ela falhou em sua tarefa
de proteger os trabalhadores no exercício de seus direitos de organização e
negociação coletiva, conforme previstos na Seção 7(a) da NIRA. Os
trabalhadores organzados não têm confiança na ALB e não terão qualquer
relação com ela, como agora constituída. Tal ato não deve ser visto como
um repúdio do acordo: é um devido anúncio de retirada do acordo, que a
AFL e os trabalhdores automotivos tem o direito moral e legal de fazer.
332
Sem a oposição da AFL, entre 19 de dezembro de 1934 e 23 de abril de 1935, a
ALB organizou 125 eleições. A central sindical, por seu lado, passou a apoiar
publicamente, e com vigor redobrado, a aprovação da Lei Wagner, que, em sua Seção 9(a),
claramente explicitava o princípio da maioria.
O embate entre a AFL e a ALB perdeu
sentido no dia 27 de maio de 1935, quando a NIRA foi declarada inconstitucional pela
Suprema Corte dos Estados Unidos em um curioso caso envolvendo o comércio de
galinhas.
Em 13 de abril de 1934 fôra aprovado o Live Poultry Code, para regular a produção
de aves na área metropolitana de Nova York. A ALA Schechter Poultry Corporation e a
Schechter Live Poultry Market atuavam nos mercados atacadista e de abate no Brooklyn,
comprando aves vivas de vendedores de Nova York e, ocasionalmente, da Pensilvânia, e
seu público consumidor era formado por moradores e comerciantes do próprio Brooklyn. A
firma foi acusada de violar 18 provisões do Live Poultry Code, como as relativas a salários
mínimos e horas máximas e de vender galinhas inadequadas para o abate. O caso chegou à
Suprema Corte, onde os advogados da empresa argumentaram que os códigos de
competição da NIRA constituíam uma delegação inconstitucional de poderes legislativos
por parte do Congresso; que o código em questão visava a regular o comércio interestadual
332
AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 25, n. 4, 26 de janeiro
de 1935, p. 1.
175
de aves, ao passo que a empresa atuava apenas no estado de Nova York; que, finalmente, as
multas impostas à empresa constituíam uma violação ao devido processo judiciário,
conforme garantido pela Quinta Emenda. A Suprema Corte concordou com tais colocações
e, como resultado, a própria NIRA foi declarada inconstitucional.
333
A declaração de inconstitucionalidade da NIRA não levou a protestos
generalizados, embora William Green lamentasse a decisão e afirmasse que a luta pela
justiça social nos Estados Unidos havia sofrido uma importante derrota.
334
Na verdade, a
AFL já fazia críticas abertas a certas políticas da NRA, como as implementadas pela ALB,
e também a Câmara de Comércio dos Estados Unidos defendia abertamente o seu fim.
335
A
NIRA de fato revelara-se incapaz de implementar suas políticas por uma série de razões:
deveriam ser os sindicatos, em última instância, os agentes fiscalizadores do cumprimento
dos códigos em cada empresa, mas seus administradores revelaram-se pouco propícios a
defender uma implementação sistemática da Seção 7(a), ao passo que a própria estrutura da
AFL tornava-a incapaz de organizar setores industriais como o automotivo. Por outro lado,
a NLB, e posteriormente a NLRB, assim como as agências setoriais como mesmo a ALB,
não possuíam instrumentos legais para implementar suas decisões, baseando suas ações na
cooperação voluntária das partes em litígio. Não houve ocasião em que uma dessas
agências tivesse sido capaz de exigir que um empregador cumprisse suas decisões, se este
não estivesse disposto a colaborar, nem de organizar uma eleição se o empregador estivesse
333
ESTADOS UNIDOS. SUPREMA CORTE. “Schecther Poultry Corp. v. United States. 295 US 495”. In
COMMAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 278-283.
334
AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 25, n. 23, 8 de junho
de 1935, p. 1.
335
Cf. CHAMBER OF COMMERCE OF THE UNITED STATES OF AMERICA. Special Bulletin.
Referendum number sixty-eight. National Industrial Recovery Act, 10 de janeiro de 1935. FDR Library. PPF.
1820. Speech Material: Business vs. New Deal. The Constitution, Cont. 9.
176
disposto e buscar uma injunction de um tribunal para impedi-la.
336
No que se refere
especificamente à contratação do trabalho, portanto, a NIRA havia se revelado incapaz de
promover a contratação coletiva do trabalho nos diversos setores industriais e,
particularmente na indústria automotiva.
Para a AFL, no entanto, a decisão da Suprema Corte invalidando a NIRA reforçava
a convicção de que os trabalhadores não possuíam, por parte das instituições públicas e da
legislação, qualquer tipo de proteção. E a central sindical chegou mesmo a lançar um
desafio: “O grande problema com que se defronta o povo americano é o de expandir a
Constituição Federal, de modo a que ela inclua os milhões de homens e mulheres que
trabalham por salários”.
337
O apoio da AFL à Lei Wagner, em debate no Congresso,
significava, assim, mais uma tentativa da central de, senão emendar a Constituição, ao
menos criar um novo estatuto legal que incluísse os tais milhões de homens e mulheres sob
o manto protetor da lei.
A declaração de inconstitucionalidade da NIRA não fez cessar os conflitos internos
à própria AFL em torno da indústria automotiva e, em agosto de 1935, sob forte pressão
dos FLUs, a central finalmente autorizou a criação de um United Automobile Workers of
America (UAWA) que, no entanto, não poderia atuar sobre várias categorias de
trabalhadores automotivos jurisdicionados por sindicatos profissionais da AFL.
338
Conseqüentemente, já em 1936, o UAWA iria aderir à dissidência interna à AFL do
336
Cf. MADDEN, J. Warren. “Birth of the Board”. In SILVERBERG, Louis (org.). Op. Cit., p. 34.
337
AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washigton: Vol. 25, n. 27, 6 de julho de
1935, p. 1.
338
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Organized
labor movement, 1929 to 1937”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office,
Vol. 44, No. 1, Janeiro de 1937, p. 6.
177
Committee of Industrial Organizations,
339
defendendo abertamente a organização da
indústria automotiva em um único sindicato de base industrial.
340
A AFL jamais aceitou a defecção do UAW para o Committee, afirmando ter sido
ela a sua fundadora, inclusive tendo investido cerca de US$ 250 mil nos FLUs que lhe
deram origem. Depois que o Committee foi extinto e o Congress of Industrial
Organizations (CIO) foi criado, voltado à organização dos trabalhadores desqualificados
das indústrias de massas em sindicatos industriais, a AFL reagiu mais uma vez
violentamente, acusando a diretoria do UAW de não ter levado em conta as importantes
contribuições da AFL para a fundação do sindicato.
341
No momento em que o New Deal entrava em sua segunda fase, marcada pelo fim da
NIRA e a aprovação da Lei Wagner, o movimento sindical americano passava por um dos
maiores cismas de sua história, marcado pela criação do CIO, e tal cisma colocaria a Lei
Wagner no centro das disputas entre as duas centrais sindicais.
339
Cf. WALSH, Raymond. CIO. Industrial unionism in action. Nova York: W. W. Norton & Company, Inc.,
1937, p. 110.
340
UNITED AUTO WORKERS. Official publication. Detroit: Vol. I, No. 2, 7 de julho de 1936, p. 3.
341
AMERICAN FEDERATION OF LABOR. AFL vs. CIO. The Record. Washington, DC: American
Federation of Labor, 20 de novembro de 1939, p. 34, 35.
178
Capítulo 4: O Estado organizando o movimento sindical: a NLRA e a
contratação do trabalho na indústria automotiva
4.1. A NLRA
No dia 5 de julho de 1935, o presidente Roosevelt assinou a National Labor
Relations Act (NLRA), com o objetivo de “… diminuir as causas das disputas trabalhistas
que oneram ou obstruem os comércios interestadual e externo”. Por conta das
características do pacto federativo americano, NLRA não poderia se propôr a regular as
relações de trabalho propriamente ditas, mas apenas impedir que disputas entre
trabalhadores e direções corporativas levassem à interrupção do comércio entre os estados e
com o exterior e, conseqüentemente, obstaculizassem o processo de recuperação da
economia.
342
Neste sentido, a Lei não se aplicava especificamente a nenhuma categoria
profissional e, a princípio, sua jurisdição sobre trabalhadores industriais foi fortemente
questionada por organizações empresariais.
A Lei Wagner, como ficou conhecida em homenagem ao seu proponente, o senador
democrata Robert Wagner, buscava atacar o que era percebido como principal fragilidade
da NIRA: a inexistência de mecanismos legais que constrangessem o empresariado a
respeitar sua Seção 7(a). Assim, a Lei Wagner buscava garantir aos trabalhadores os
direitos básicos de auto-representação e contratação coletiva do trabalho criando uma nova
agência administrativa, a National Labor Relations Board (NLRB), com poderes quasi-
judiciais (suas decisões deveriam ser revistas pelas Cortes de Apelação e, em última
instância, pela Suprema Corte dos Estados Unidos), normativos (tinha o poder de definir o
que entendia como práticas ilegais dos empregadores), e executivos (aplicava seus estatutos
179
sobre as empresas), sendo constituída por três membros indicados pelo Presidente dos
Estados Unidos. A NLRB também reunía poderes investigativos e qualquer de seus
membros tinha autoridade para intimar e requerer o comparecimento de testemunhas.
343
Em sua Seção 8, A NLRA declarava ilegais a interferência, restrição ou coerção dos
empregados, por parte das empresas, em suas atividades de organização; o domínio ou
interferência na formação ou administração de qualquer organização operária, ou seja,
proibía o company union; o encorajamento ou desencorajamento ao pertencimento a
qualquer organização operária através da discriminação no que se refere à contratação,
período, termo ou condição de emprego; a demissão ou discriminação de qualquer
empregado em razão de queixas contra o empregador; e a recusa das empresas em negociar
com representantes dos trabalhadores.
A partir da indicação dos seus três membros pelo Presidente, em 24 de agosto de
1935, a NLRB organizou seu escritório em Washington e 21 escritórios regionais e em, 14
de setembro, de acordo com a autoridade recebida pela Seção 6 (a) da NLRA, divulgou
suas Regras e Regulamentos, de modo a criar procedimentos e rotinas de investigação e
decisão, como a que estabelecia apenas um empregado ou organização de trabalhadores
poderia pedir uma investigação a respeito de práticas trabalhistas ilegais, e nunca um
empregador (Art. III, Sec. 1). Segundo o entendimento da NLRB, os empregadores
poderiam pedir investigações para obstruir a organização dos trabalhadores, o que iria de
encontro ao espírito da lei.
342
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. First annual report of the
National Labor Relations Board..., p. 135.
343
Os elementos a seguir encontram-se em ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS
BOARD. First annual report of the National Labor Relations Board..., p. 10-28.
180
Em suma, o objetivo fundamental da Lei era o de fornecer instrumentos legais aos
sindicatos para que estes pudessem acumular recursos políticos e realizar a tarefa para eles
prevista, mas não alcançada, pela NIRA: estabilizar as relações de trabalho e elevar o poder
de compra dos trabalhadores através da contratação coletiva do trabalho, de modo a
permitir o crescimento sustentado da demanda e, conseqüentemente, da produção. A NLRA
buscava eliminar, portanto, e de forma definitiva, através da positivação da lei, a histórica
tendência dos tribunais de aplicar a common law para desarticular o movimento sindical,
344
tendo por isso sido apresentada pelo senador Wagner como a realização, há tanto
acalentada, da democracia na indústria americana:
A luta por uma voz na indústria através do processo de negociação coletiva
está no coração da luta pela manutenção da democracia econômica e social
na América. Se deixarmos os homens tornarem-se servis nas mãos de seus
mestres nas fábricas e então estará quebrada a resistência à ditadura política.
O fascismo começa na indústria, não no governo. As sementes do
comunismo são plantadas na indústria, não no governo. Mas se os homens
conhecerem a dignidade da liberdade e auto-expressão em suas vidas
cotidianas, nunca se curvarão à tirania.
345
Os sindicatos surgiam, aos olhos do legislador, como o único instrumento efetivo e
constitucional para regular jornadas de trabalho e salários e, desta forma, através da
contratação coletiva do trabalho, estabilizar a concorrência destrutiva entre diferentes
empresas de um mesmo setor e possibilitar a retomada do crescimento econômico. A
NLRA tornava assim o contrato coletivo de trabalho uma expressão do interesse público e,
neste sentido, publicizava os próprios sindicatos como agentes deste, que poderiam ser
344
Cf. KEYSERLING, Leon. “Why the Wagner Act?”. In SILVERBERG, Louis (org.). Op. Cit., p. 6.
345
WAGNER, Robert. “The ideal industrial state, as Wagner sees it”. In New York Times Magazine. Nova
York: 9 de maio de 1937, p. 23.
181
acionados para colaboração com o poder público sempre que necessário.
346
Afirmava o
senador Wagner:
A chave do programa de recuperação [econômica] é a organização e a
cooperação. Aos empregadores é permitido organizarem-se em associações
de forma a reunir informações e experiências e implementar estratégias
conjuntas diante dos problemas do industrialismo moderno. Se devidamente
direcionada, esta força reunida resultará no bem da Nação. Mas ela é
potencialmente danosa para os trabalhadores e consumidores se não for
contrabalançada pela organização correspondente dos empregados. Tal
igualdade é de central importância no mundo econômico de hoje. É
necessário garantir uma distribuição sábia da riqueza entre o empresariado
(management) e os trabalhadores, de forma a manter o poder de compra e
evitar depressões recorrentes.
(…)
O maior obstáculo às negociações coletivas [o único meio de se conseguir
tal distribuição da riqueza] são os sindicatos dominados pelos patrões, que
se multiplicaram com rapidez depois da aprovação da lei de recuperação
[NIRA].
(…)
Sob o sindicato dominado pelo patrão, o trabalhador, que não pode escolher
um representante externo para negociar por ele, está fragilizado por duas
razões. Em primeiro lugar, ele tem apenas uma idéia superficial do mercado
de trabalho, ou das condições econômicas gerais. Se proibido de contratar
um especialista em relações industriais, ele torna-se completamente incapaz
de aproveitar as oportunidades legítimas que se lhe oferecem. Ninguém
sugeriria que aos empregadores não fosse permitido contratar advogados,
financistas ou consultores. Em segundo lugar, apenas representantes que não
estão sujeitos ao empregador com quem irão negociar podem atuar
livremente de constrangimentos. O simples bom-senso afirma que um
homem não está livre quando deve negociar com aquele que controla seu
meio de vida [o salário].
347
A AFL saudou entusiasticamente a NLRA. Pareciam então findos os tempos em que
empresários como Ford, os Du Pont e tantos outros recorriam impunemente à espionagem,
346
Cf. GARRISON, Lloyd. Statement before the House Committee Investigating the NLRB. February 2,
1940. Lloyd Garrison (Z-733). (dean of the University of Winsonsin Law School, first Chairman of the old
National Labor Relations Board (summer and fall of 1934). Franklin D. Roosevelt Libray. Records of the
Assistant General Counsel. Records relating to preparation of Board's case, 1939-1940. Entry: 31, 43,07,01.
Box n. 2.
347
WAGNER, Robert. “Statement of Hon. Robert F. Wagner...”. In ESTADOS UNIDOS. NATIONAL
LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935. Vol. 1.
Washington: United States Government Printing Office, 1985, p. 15, 16.
182
a milícias privadas, a sindicatos organizados e controlados pelas próprias empresas, ou aos
tribunais, para impedir a livre organização dos trabalhadores. Em 28 de julho de 1935,
William Green, presidente da AFL, comparava a Lei Wagner à Carta Magna do movimento
sindical, assim como Samuel Gompers havia feito com relação ao Clayton Act de 1914, a
maior conquista legislativa da história do movimento de trabalhadores nos Estados
Unidos.
348
E, de fato, entre a promulgação da Lei e 1937, a AFL ganhou cerca de 1 milhão
de membros, contando com 3.271.726 filiados em agosto desse ano.
349
O entusiasmo da
AFL coadunava-se com o fato de que, a uma primeira vista, a Lei parecia consolidar a
perspectiva contratualista e pluralista das relações de trabalho, como ela própria defendia.
Seu objetivo expresso era o de promover a contratação coletiva do trabalho, objetivo aliás
confirmado em diversas ocasiões, não só pela NLRB como também pela Suprema Corte
dos Estados Unidos que, em uma série de ocasiões, estabeleceu que a NLRB não deveria
imiscuir-se no conteúdo dos contratos estabelecidos entre as partes, nem sequer os tornava
obrigatórios, limitando-se a garantir a eqüidade destas durante o processo de contratação.
350
A preocupação de garantir a eqüidade entre as partes contratantes estava inscrita na
letra da Lei, ao afirmar que “O desequilíbrio do poder de barganha entre empregados que
não possuem completa liberdade de associação ou de contrato, e empregadores que estão
organizados em corporações ou outras formas de propriedade e associação” constituía um
sério risco para a economia do País, sendo portanto declarada política dos Estados Unidos
“encorajar a prática e o processo de negociações coletivas”, assim como “proteger o
348
GREEN, William. In Weekly News Service. Washington: 28 de julho de 1935, p. 1.
349
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. Monthly
Labor Review. Washington: Vol. 45, No. 6, Dezembro de 1937, p. 1427.
350
NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “NLRB v. Fansteel Metallurgical Corp.”. In Court
decisions relating to the NLRA, Volume 4. June 1, 1943 to January 1, 1946. Washington: US Government
Printing Office, Junho de 1946, p. 331; KLARE, Karl. Op.Cit., p. 293.
183
exercício de livre organização e auto-associação dos trabalhadores, bem como a designação
dos representantes de livre escolha destes para o propósito de negociar os termos e as
condições de seu emprego, ajuda mútua ou proteção”.
351
Se o apoio da AFL à NLRA foi decidido, decidida também foi a oposição patronal.
James Emery, conselheiro-geral da NAM, afirmaria que os company unions haviam sido
aperfeiçoados ao longo do tempo, cumprindo assim sua missão de estabelecer relações de
trabalho harmônicas, e que seriam destruídos pela NLRA
e, mais importante, que o direito
de regular as relações de trabalho era constitucionalmente local, não federal, e portanto a
NLRA era inconstitucional. Emery defendia ainda o contrato individual do trabalho,
argumentando que ao trabalhador deveria ser resguardado o direito de contratar
individualmente suas condições de trabalho e remuneração. Henry Harriman, presidente da
USCC, afirmava também que a NLRA seria desastrosa, da mesma forma que Hal Smith,
representando a NACC, para quem a NLRA estava em contradição com o espírito da ALB,
resultado de um acordo entre os trabalhadores, as montadoras e o governo. As grandes
corporações automotivas também iriam se colocar frontalmente contrárias à NLRA,
afirmando ser a projetada NLRB incapaz de lidar com os problemas trabalhistas em todos
os Estados Unidos e instando o Presidente a não apoiá-la.
352
Cedo, no entanto, a AFL se encontraria em posição de aberto confronto com a
NLRB e chegaria mesmo a aliar-se à NAM para propor emendas legislativas à NLRA. Isto
porque a NLRA operava um corte importante na forma como o Estado relacionava-se com
o movimento sindical, questionando profundamente alguns dos pressupostos do pluralismo
351
ESTADOS UNIDOS. SENADO FEDERAL. “S. 1958”. In NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD.
Legislative history of the National Labor Relations Act, 1935, Volume I... p. 3270-3271.
352
Cf. UNITED STATES. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National
Labor Relations Act. Washington: US Government Printing Office, 1985, p. 415, 531 e 747; SLOAN, Alfred;
CHRYSLER, Walter; CHAPIN, Roy; NASH, C. Telegrama enviado a FDR, 6 de abril de 1934. Franklin D.
184
industrial tal qual defendidos pela AFL, principalmente o poder por ela atribuído à NLRB
de determinar a unidade de negociação.
Roosevelt Library. President’s Personal File. 1191 (X-Refs, 1944-45) 1211.
185
4.1.1. A determinação da unidade de negociação e a regra da maioria
A idéia de o Estado norte-americano estimular a contratação coletiva do trabalho
vinha, como visto, da Era Progressista. Sugerida pela Comissão de Relações Industriais de
1915, estimulada pela NWLB na Primeira Guerra ou facilitada pelo Norris-LaGuardia Act,
de 1932, ela no entanto nunca havia sido alvo de uma sistemática promoção estatal, como a
proposta pela NLRA. Até o advento da Lei, os sindicatos eram predominantemente
percebidos, segundo a tradição pluralista, como organizações privadas e, portanto, não
deveriam esperar nenhuma ação estatal em seu benefício. O objetivo da NLRA, pelo
contrário, era o de dar explícito apoio estatal à sindicalização dos trabalhadores com vistas
a superar o quadro econômico recessivo através da contratação coletiva do trabalho, mesmo
que ao custo de ferir o que até então era percebido, pelas próprias organizações sindicais,
como direitos por elas adquiridos. Daí, duas das mais importantes características da NLRA:
a reafirmação da regra da maioria e o poder por ela atribuído à NLRB de determinar a
unidade de negociação.
353
Em sua Seção 7, a lei afirmava que os empregados tinham direito de se organizar e
se fazer representar em negociações coletivas com representantes de sua própria escolha,
mas a Seção 9 (a) afirmava que tais representantes deveriam ser escolhidos pela maioria da
unidade em que negociavam e que seriam os representantes exclusivos de tal unidade. Mas
a escolha da unidade era atribuído à NLRB, de acordo com a Seção 9 (b) da Lei:
A Agência decidirá em cada caso, com o objetivo de assegurar aos
empregados o completo benefício de seu direito à livre organização e à
negociação coletiva, e para efetuar as políticas desta Lei, se a unidade
apropriada para os propósitos de negociação coletiva deve ser a unidade do
empregador, da profissão, da planta ou uma outra subdivisão qualquer.
354
353
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 112.
354
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. First annual report... , p. 18.
186
Sendo a política da Lei o estímulo à contratação coletiva do trabalho de modo a
realizar uma melhor distribuição da renda nacional, a definição da unidade de negociação
era um desafio central para a NLRB, como bem apresentou Francis Biddle, chairman da
NLRB anterior à NLRA:
A necessidade da NLRB de decidir a unidade de negociação e as eventuais
dificuldades em fazê-lo podem ser exemplificadas no caso de um
empregador ter duas fábricas produzindo o mesmo produto: cada fábrica
deve ser uma unidade ou as duas fábricas, em conjunto, devem constituir
uma unidade? Quando houver várias especializações diferentes em
umamesma planta, cada uma deve constituir uma unidade? Permitir que seja
atribuído ao empregador qual a unidade daria lugar a um número ilimitado
de abusos e minaria os objetivos da lei. Se aos próprios empregados fosse
atribuído tal direito, sem a devida consideração dos elementos que deveriam
constituir as unidades apropriadas, eles poderiam minar o significado prático
da regra da maioria; e, ao quebrar a unidade em pequenos grupos, poderiam
tornar impossível ao empregador gerenciar sua fábrica.
355
O problema da unidade de negociação não era novo no cenário sindical americano.
Em fins do século XIX, os embates entre, de um lado, os Knights of Labor e o ARU e, de
outro, a AFL, giravam em torno da defesa que os primeiros faziam das grandes unidades
plantas, empregadores, setores industriais -, e da feita pela segunda do fracionamento de
plantas em categorias de trabalhadores representados por seus respectivos sindicatos de
ofício, cada um possuindo jurisdição exclusiva sobre sua categoria profissional.
356
A partir
dos anos 1920, no entanto, em razão da taylorização e fordização da indústria americana,
mesmo a AFL já vinha tendo dificuldades crescentes em arbitrar as jurisdições de seus
355
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History..., p. 109.
356
Cf. SCHNEIROV, Richard, STROMQUIST, Shelton e SALVATORE, Nick (orgs.). Op. Cit. ESTADOS
UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. DIVISION OF ECONOMIC RESEARCH. Outline
of materials gathered for the bargaining unit study. Washington: 19 de janeiro de 1940. National Archives
and Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of
the Assistant General Counsel. Records of the Attorneys assisting General Counsel. Entry 38, 43, 07, 02. Box
3.
187
sindicatos profissionais, que começavam a perder as fronteiras seguras de que gozavam até
então. A central, portanto, aceitou a formação de alguns sindicatos industriais e a reunião
de sindicatos profissionais de um mesmo ramo em sindicatos industriais, como o
AAISTW.
357
A diferença é que, com a NLRA, caberia a uma agência administrativa
federal, e não à própria AFL, designar a unidade de negociação e, por decorrência, as
próprias jurisdições dos sindicatos, o que significa dizer que, para garantir a execução da
política da Lei, a NLRA preocupava-se com a própria formação das partes contratantes.
Tal inovação devia-se à percepção de que a designação da unidade de negociação, do
agente de negociação e a seleção dos representantes para fins de negociação coletiva, eram
partes inseparáveis do mesmo processo, que deveria justamente contribuir para o
fortalecimento do poder de negociação dos sindicatos.
358
Segundo Wallace Donham, da Harvard Business School, ouvido nos debates
legislativos para a aprovação da NLRA na qualidade de especialista em relações industriais,
o poder de determinar a unidade de negociação atribuído pela Lei à NLRB significava que
o Estado passava a controlar os sindicatos, suas jurisdições e eleições, colocando um fim no
sindicalismo como até então conhecido.
359
A posição de Donham era próxima da dos
pluralistas industirais como William Leiserson e da própria AFL, para os quais a NLRA
deveria apenas garantir o princípio da contratação coletiva do trabalho, sem preocupar-se
com a formação dos agentes contratantes. O senador Wagner, no entanto, possuía uma
357
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD.DIVISION OF ECONOMIC
RESEARCH. The changing concept of the Bargaining Unit and the Labor Conflict (An outline). Washington,
11 de janeiro de 1940. Walther Reuther Library. Coleção: UAW Research Department. Accesion No. 350.
UAW-GM Collection. General Correspondence, 1938-1945. Box 2.
358
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative history..., p. 640;
SAPOSS, David (Division of Economic Research. NLRB). Bargaining Unit, collective barganing agency,
selection of representantives in relations to majority rule (z-42). Washington: 12 de março de 1937, p. 1.
National Archives and Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee
Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Records relating to preparation of Board's case,
188
visão diferente. Os trabalhadores eram percebidos como uma massa de indivíduos que
constituíam a força de trabalho e o objetivo da NLRA era, justamente, o de transformar tal
massa em uma série de coletividades o mais apropriadas possível para a negociação e
contratação coletiva do trabalho. Conseqüentemente, era atribuída à NLRB o papel de
ajustar tal massa a tal objetivo e, neste sentido, os instrumentos adequados eram a
determinação por esta da unidade de negociação e a certificação do representante
majoritário em tal unidade.
360
A regra da maioria vinha complementar a determinação da unidade de negociação.
Durante a vigência da NIRA, como o caso da ALB ilustrou, os empregadores insistiam na
proporcionalidade das representações em uma determinada unidade. Não foi outro o sentido
do ataque de um dos principais grupos de pressão anti-New Deal em sua crítica à regra da
maioria. O National Lawyers Committee of the American Liberty League afirmou, em seu
arrazoado condenatório à NLRA:
A lei expressamente declara que os representantes escolhidos pela maioria
dos empregados de uma determinada unidade de negociação devem ser os
representantes exclusivos de todos os empregados desta unidade. (...) A
Board tem o poder de determinar quem são tais representantes, seja através
de uma eleição ou de um outro método qualquer escolhido pela Board. A
unidade de negociação, seja ela o empregador, a planta, o ofício ou outra
qualquer, também é determinada pela Board. Empregados individuais ou
grupos minoritário não têm direito de negociar com seus patroões os
salários, horas e condições de trabalho, apenas o direito de apresentar
“queixas” individuais. (...) É nossa crença que esta cláusula da lei [refere-se
à regra da maioria] constitui uma interferência com a liberdade individual
dos empregados, como garantida pela Quinta Emenda da Constituição dos
Estados Unidos, que afirma, em sua substância, que nenhuma pessoa, pode
ser privada de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo
legal. A liberdade sancionada pela Constituição inclui o direito de cada
homem ocupar-se e vender sua força de trabalho da forma como entender. A
1939-1940. Entry: 31, 43,07,01. Box 2.
359
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History..., p. 640.
360
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 124.
189
NLRA constiuti um severo constrangimento a esta liberdade em mais de
uma maneira. Trabalhadores altamente qualificados podem ter seus salários
fixados, em seu prejuízo, por acordos celebrados pelos representantes dos
trabalhadores mais numerosos, porém menos competentes. O direito do
trabalhador individual ou de um grupo de trabalhadores realizar sua própria
negociação é eliminado e o direito da minoria de formar suas próprias
associações para fins de negociação, ignorado. Finalmente, empregados que
se recusem a particiar da escolha dos representantes estão implicados nos
resultados de tal escolha, ainda que não tenham, nem implicitamente,
consentido na seleção de tais representantes.
361
A regra da maioria estava, no entanto, firmemente ancorada no princípio ge ral da
NLRA. A visão era a de que, quando um empregador buscava negociar com vários agentes
dentre de uma mesma unidade de negociação quando tal agente não fosse, claro, um
company union -, o resultado seria o de enfraquecer o poder de negociação na dada
unidade, por fracioná-lo, enquanto o empregador mantinha o poder unívoco do lado
empregatício. O direito de representação das minorias era, portanto, considerado
contraproducente e mesmo anti-democrático, pois a democracia, tanto no governo do país
quanto no da fábrica, pressupunha a subordinação da minoria à maioria. A regra da
maioria, ao lado da atribuição da NLRB da determinação da unidade de negociação, deu à
NLRB o poder de determinar a estrutura da representação sindical.
362
Em suma, a Lei Wagner, ao mesmo tempo que consagrava o contratualismo ao
afirmar que o Estado não deveria determinar o conteúdo dos contratos, reconhecia os
limites do pluralismo industrial, ao admitir que os grupos de interesses dos trabalhadores
não eram espontâneos, mas deveriam ser formados a partir da intervenção e da organização
361
NATIONAL LAWYERS COMMITTEE OF THE AMERICAN LIBERTY LEAGUE. Report on the
constitutionality of the NLRA. Pittsburgh: Smith Bros. Inc., Sept. 5, 1935, p. 3.
362
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 135.
190
do Estado. Assim, a NLRA colocava dentro do âmbito administrativo do estado grupos de
interesse que eram, até então, percebidos como privados.
363
Ao apoiar a promulgação da NLRA, a AFL tinha por objetivo apenas que o novo
estatuto legal legitimasse a estrutura sindical existente.
364
Mas a filosofia por trás da NLRA
era a de que o direito de organização e negociação coletiva era um direito civil individual
criado pelo própria NLRA, que tal direito individual não poderia ser vivenciado através de
instituições privadas e que, portanto, os sindicatos só poderiam ganhar reconhecimento
como representantes para fins de negociação coletiva se fossem assim designados por
grupos de trabalhadores identificados por uma agência administrativa federal. Para a
NLRB, os direitos dos trabalhadores previstos na NLRA eram ingredientes de políticas
públicas, criados por legislação e só poderiam ser vivenciados e implementados de acordo
com a legislação. As jurisdições profissionais como balizas de negociação coletiva, tal qual
definidas pela AFL, perdiam qualquer validade se não fossem confirmadas pela NLRB.
Antes da NLRA, os sindicatos podiam traçar suas estratégias para fazer face aos patrões e
aos tribunais; com o advento da Lei, eles passaram a ter que lidar com decisões de
“unidades apropriadas de negociação” que, até então, eram decididas em grande parte pela
própria AFL. Conseqüentemente, a principal preocupação dos sindicatos passou a ser a de
ganhar filiados em unidades não por eles escolhidas e que, freqüentemente, para eles não
faziam sentido. Por outro lado, as novas estratégias sindicais tinham que levar em conta
competições eleitorais com outras organizações sindicais, elemento também novo nas
363
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit, p. 147.
364
GREEN, William. “Statement of William Green, President of the American Federation of Labor. Hearings
before the Committee on Education and Labor of the United States Seventy-Third Congress. Thursday, March
15, 1934. Second Session on S. 2969. A Bill to equalize the bargaining power of the employers and
employees, to encourage the amicable sttlement of disputes between employers and employees, to create a
National Labor Board, and for other purposes. In ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS
BOARD. Legislative History..., p. 67.
191
relações de trabalho. Antes da NLRA, era perfeitamente legal que um sindicato negociasse
com o patrão por melhores condições de trabalho para seus membros sem levar em conta o
número de tais membros que realmente trabalhassem na planta. Sob a NLRA, os
empregadores não podiam negociar com um sindicato que não representasse a maioria dos
trabalhadores de uma determinada unidade de negociação determinada pela própria NLRA
e que fosse certificado por essa e, se o fizesse, poderia estar cometendo uma unfair labor
practice. A própria vida interna dos sindicatos também passava a ser regulada pela NLRA,
pois os sindicatos poderiam ter trabalhadores por eles disciplinarizados e tendo perdido o
emprego por uma cláusula de closed shop recontratados por uma Ordem da NLRB.
365
Os problemas da AFL com a NLRB não se tornariam evidentes até o momento em
que o movimento sindical americano cindiu-se mais uma vez entre entre os defendores do
sindicalismo profissional, a própria AFL, e os defensores do sindicalismo industrial, o
Congress of Industrial Organizations (CIO). Nesse momento, a questão da determinação da
unidade de negociação voltou a se colocar com intensidade, e a NLRB tornou-se o palco de
tal disputa.
365
Cf. HUTCHINGS, Paul (presidente do Office Employees International Union-AFL). “Effect on trade
union”. In SILVERBERG, Louis. Op. Cit., p. 73 -76.
192
4.2. A NLRB e a disputa entre a AFL e o CIO
Na Convenção da AFL de 1936, como já havia ocorrido nas anteriores, o debate
sobre como organizar os trabalhadores desqualificados das indústrias de massas em
sindicatos industriais foi um dos temas mais importantes:
Durante a existência da AFL e desde que vários sindicatos nacionais e
internacionais foram por ela registrados a partir de ofícios, as mudanças nos
métodos industriais foram tantas que as tarefas de milhões de trabalhadores
industriais são de natureza tal que não existiam em nenhum dos sindicatos
nacionais e internacionais. Isto explicita que a jurisdição sobre estas novas
classes de trabalho não poderia ter sido antecipada e atribuída a tais
sindicatos nacionais e internacionais, em um momento em que elas sequer
existiam. (…) Nós declaramos que o tempo chegou quando o bom senso
indica que as políticas organizacionais da AFL devem ser moldadas para
fazer face às necessidades presentes. Nas grandes indústrias de produção de
massa e naquelas em que os trabalhadores são engajados em trabalhos não
afeitos às linhas dos sindicatos por ofício, a organização industrial é a única
solução. O emprego contínuo, a segurança econômica e a habilidade para
proteger o trabalhador individual dependem da organização em linhas
industriais. (…). Para organizar os trabalhadores industriais de forma bem-
sucedida, deve haver uma clara declaração da AFL. Ela deve reconhecer o
direito de tais trabalhadores em organizar-se em sindicatos industriais e
registrá-los…
366
A situação de conflito entre sindicatos profissionais e as tentativas de organização
de sindicatos industriais nas indústrias de massa no seio da própria AFL já havia levado, a
10 de novembro de 1935, à criação do Committee for Industrial Organizations, dissidência
reunindo 10 sindicatos, como o UMW de John Lewis e o ACWA, de Sidney Hillman, que
propunham uma decidida ação em favor dos sindicatos industriais.
367
A organização do
Committee causou uma forte reação na direção da AFL que, desde o início, clamou por sua
366
AMERICAN FEDERATION OF LABOR. AFL vs. CIO. The Record. Washington, DC: American
Federation of Labor, 20 de novembro de 1939, p. 7.
367
Para o CIO, as negativas da AFL em organizar os trabalhadores das indústrias de massas constituía, de
fato, uma das principais razões para a formação do primeiro. Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL
ORGANIZATIONS. CIO News. Washington: Vol. 1, No. 33, 23 de julho de 1938, p.4.
193
extinção, por considerá-lo uma ameaça à democracia interna da central.
368
Em 1936,
iniciou-se o processo interno à AFL que levaria à suspensão de tais sindicatos, além de
outros que a ele se juntaram, como o UAW, originando a formação do Congress of
Industrial Organizations (CIO).
369
O CIO nascia da convicção de que as lutas jurisdicionais
da AFL estariam impedindo a organização dos trabalhadores desqualificados das indústrias
de massas.
370
Entre 14 e 18 de novembro de 1938 o CIO realizou sua primeira Convenção, na
cidade de Pittsburgh, Pensilvânia. John Lewis, o líder mineiro que viria tornar-se seu
primeiro presidente, afirmou então o que seria um dos marcos da diferença entre as duas
centrais: se, nos 57 anos anteriores, na época dos ofícios dos artesãos, a AFL havia prestado
grandes serviços aos trabalhadores americanos, na era da máquina seu tipo de organização
sindical mostrava-se inadequado, devendo ser substituído pela organização de trabalhadores
industriais.
371
No entanto, as diferenças entre o CIO e a AFL não se limitavam à questão do
perfil organizacional. A nova central nascia também com uma agenda política distinta da da
AFL, defendendo a ativa participação governamental na regulação da economia e os gastos
368
AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 26, n. 5, Feb. 1, 1936,
p.1; AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Serivce. Washington: Vol. 26, n. 29, July 18,
1936, p. 1.
369
AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 26, n. 48, Nov. 28,
1936, p. 1. Para uma análise detalhada do processo de formação do CIO,Cf. ZIEGER, Robert. Op.Cit., 1995.
370
Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANZATIONS. Proceedings of the First Constitutional
Convention of the Congress of Industrial Organizations... p. 36, 37. As demais informações estão contidas
no mesmo documento, nas páginas seguintes, salvo quando indicado em contrário. As diferenças entre os
perfis organizacionais da AFL e do CIO ficariam evidentes quando, em 1938, 50% das greves ocorridas nos
Estados Unidos foram organizadas por sindicatos ligados à AFL, mas que englobavam apenas 35% dos
trabalhadores envolvidos, ao passo que o CIO foi responsável por 40% das greves e por 55% dos
trabalhadores, devido à penetração deste nas indústrias de massa com grande número de filiados. Cf.
ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “:Industrial
disputes”. In Monthly Labor Review. Washignton: US Government Printinf Office, Vol.48, No. 5, Maio de
1939, p. 1123.
371
LEWIS, John. “Discurso proferido no Primeiro Congresso do CIO”. Proceedings of the First
Constitutional Convention of the Congress of Industrial Organizations..., p. 9.
194
públicos para a retomada do crescimento econômico. O CIO fazia uma vigorosa defesa das
agências administrativas federais e, evidentemente, da própria NLRB.
372
Fundamentalmente, o que unia os líderes e os teóricos sindicais do CIO ao New
Deal era a percepção de ambos de que a demanda agregada, em uma economia
oligopolilzada como a americana, e voltada para a produção em massa de produtos
duráveis, deveria ser garantida pela elevação do poder de compra da classe trabalhadora.
Dada a incapacidade empresarial em construir acordos privados que tornassem possível tal
elevação, atestada pelo não funcionamento do Novo Individualismo de Hoover e da NIRA,
ela deveria ser realizada pela regulação e planejamento estatais. Ambos tinham, assim, uma
visão macro-econômica keynesiana, na qual os sindicatos, fortalecidos e legitimados pelo
Estado, deveriam extrair, através da negociação coletiva, parcelas crescentes dos ganhos de
produtividade do trabalho tornados possíveis com o advento do paradigma tecnológico
fordista. A aliança entre o CIO e o New Deal era assim descrita, à época mesma dos
acontecimentos:
O New Deal e o CIO são, em suas essências, gêmeos político-econômicos. O
primeiro teve que vir antes para que o segundo pudesse obter seu direito à
existência; ambos surgiram do ventre de uma democracia capitalista infeliz e
desbalanceada.
O sindicalismo precisava do New Deal porque forças poderosas impediram, por
décadas, o seu pleno desenvolvimento. A terra livre e a escassez de trabalho
mantiveram vivas certas tradições antigas: ‘igualdade de oportunidades’; a
identificação do bem estar individual com o coletivo; a confiança nas capacidades
individuais para resolver o problema da má-distribuição da renda, causa dominante
dos ciclos econômicos. A AFL construiu uma irmandade bastante bem-sucedida
para os trabalhadores qualificados através da recusa em organizar os milhões de
trabalhadores desqualificados que adentraram o mercado de trabalho, vindos da
Europa e, mais tarde, das fazendas americanas. Por fim, os empresários
radicalmente anti-sindicatos escreveram e implementaram a lei através do Partido
Republicano.
372
Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the First Constitutional
Convention of the Congress of Industrial Organizations, p. 60.
195
Após a Primeira Grande Guerra, uma “Nova Era” marcou o triunfante clímax do
capitalismo do século XX. Mas, por trás do espetáculo, grandes mudanças estavam
em marcha. O avanço tecnológico, o declínio da natalidade, a concentração
econômica e financeira, e a ascensão da classe média assalariada estes
acontecimentos estavam marcando o nascimento de uma verdadeira era nova. Só
após o colapso do grande boom o país começou a reconhecer tal fato, ou a sentir a
incapacidade de nossa liderança política e econômica em perceber tais mudanças.
(...)
Como, portanto, o New Deal tornou-se o campeão do sindicalismo? A resposta
reside na natureza dos objetivos da administração Roosevelt para a sociedade
americana: um maior grau de democracia econômica e política, a mitigação dos
ciclos econômicos, e a segurança para os indivíduos. A legislação, por si só, não
poderia realizar tais objetivos. Embora o presidente não compreendesse isto em seu
primeiro mandato, e parece ainda não ter tirado todas as conclusões práticas, uma
relação madura e igualitária entre capital e trabalho forma o ângulo de sustentação
do arco que ele busca construir. Em outras palavras, o programa último do New
Deal não pode avançar sem sindicatos fortes e poderosos”.
373
Para a AFL e o CIO, portanto, o poder da NLRB de determinar a unidade de
negociação colocava-se em patamares distintos: para a AFL, ele significava uma
inteferência em direitos por ela percebidos como historicamente adquiridos, uma usurpação
de funções em que a NLRB tomava a si o encargo de arbitrar disputas entre organizações
de trabalhadores, ao passo que, para o CIO, significava a possibilidade de superação das
unidades de negociação delimitadas pelas jurisdições da AFL, com a conseqüente
consolidação de unidades industriais.
374
Para Edwin Smith, um dos três integrantes da
primeira NLRB indicados por Roosevelt, a questão da determinação da unidade de
negociação era a mais complexa com a qual a agência se deparava, dado que a própria
AFL, depois de mais de meio século de existência, ainda não havia sido capaz de resolver
definitivamente o problema de a qual sindicato cada trabalhador deveria pertencer.
375
373
WALSH, J. Raymond. CIO. Op. Cit., p. 251.
374
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 27, No.41, 9 de
outubro de 1937, p. 1.
375
Cf. SMITH, Edwin. Statement of Edwin Smith, Member, NLRB, before the Senate Committee on Education
and Labor in connection with proposed amendments to the NLRA (R-1761). National Archives and Records
Administration. RG 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant
196
Diante deste cenário, a NLRB ver-se-ia no meio de uma intensa disputa política e,
pouco a pouco, foi criando desagrados em ambas as centrais, mas principalmente na AFL,
embora em seu primeiro ano dificilmente possa ser identificado um padrão rígido de como
lidar com a questão da unidade de negociação. Em regra, a determinação da unidade de
negociação deveria levar em conta os seguintes critérios: a história das relações de trabalho
na indústria e, particularmente, entre um determinado patrão e seus empregados; a
comunidade de interesses entre empregados no que se refere a qualificações, obrigações,
salários, jornadas e outras condições de trabalho; a organização do negócio do patrão, de
um ponto de vista funcional, físico e geográfico); a forma como os esforços de auto-
organização dos trabalhadores havia tomado.
376
A decisão da NLRB em The Globe Machinery and Stamping Company, de agosto
de 1937, ilustra o gradual distanciamento entre a AFL e a NLRB. No caso, três sindicatos
filiados à AFL queriam dividir os trabalhadores de manutenção e produção da empresa em
3 unidades distintas, conforme suas respectivas jurisdições. O UAW-CIO disputava tais
trabalhadores com estes sindicatos e propunha que todos fossem reunidos em uma mesma
unidade. A NLRB entrou em uma situação de impasse, afirmando que os fatores que levava
em conta em suas decisões estavam, no caso, tão equilibrados, que se via incapacitada de
tomar uma decisão a respeito. Resolvendo dar peso maior à vontade dos próprios
trabalhadores, organizou 3 eleições separadas para saber, nestas 3 jursidições dos sindicatos
da AFL (o MPIU, o IAM e um FLU reunindo os trabalhadores desqualificados), se os
trabalhadores queriam ser representados pelos sindicatos da AFL ou pelo UAW. Em todos
os casos o UAW saiu vitorioso, tornando-se assim o representante exclusivo de todos os
General Counsel. Excerpts from speeches and articles, 1935-1939. Stack area: 530. Entry: 35, 43,07,02.
197
trabalhdores de produção e manutenção empregados pela companhia reunidos em uma
mesma unidade. Tal decisão foi apresentada, pela própria NLRB, como uma demonstração
de sua flexibilidade, de respeito à vontade dos trabalhadores envolvidos, mas foi percebido
pelo CIO como uma tentativa de apaziguar a AFL, ainda que o seu sindicato tenha saído
vitorioso. Para a AFL, no entanto, ela representou uma importante derrota, pois acabou por
representar o fim de suas linhas jurisdicionais tradicionais e o que julgava serem os seus
direitos adquiridos sobre os trabalhadores destas.
377
O caso Globe deu origem a uma primeira doutrina, ainda que provisória, da NLRB
para tratar com as questões de determinação da unidade de negociação. Doutrina, pois criou
jurisprudência e diversos outros casos foram resolvidos à luz de sua orientação; provisória,
porque não foi aplicada em um grande conjunto de casos.
No caso Allis-Chalmers, três meses depois, mais uma vez a Decisão da NLRB
pareceu favorável à AFL, dado que a agência parecia comprometer-se com eleições
separadas por profissões sempre que requisitada a fazê-lo pelos trabalhadores. Mas a
decisão não foi unânime, tendo o membro da NLRB Edwin Smith dissentido de seus dois
colegas. A disputa em questão dava-se, mais uma vez, entre o UAW-CIO, que pedia a
certificação como agente exclusivo de negociação de 10 mil trabalhadores ligados à
produção, e sindicatos profissionais jurisdicionados pela AFL, como o IAM. A decisão da
376
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. First annual report of the National
Labor Relations Board..., p. 113.
377
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of The Globe
Machine and Stamping Co. and Metal Polishers Union, Local No. 3;International Association of Machinists,
District No. 54; Federal Labor Union 18788, and United Automobile Workers of America”. In Decisions and
Orders of the National Labor Relations Board. Vol.3, July 1, 1937-November 1, 1937. Washington, DC:
United States Printing Office, 1938, p. 294-305; MADDEN, J. Warren. Memorando a FDR, de 14 de
fevereiro de 1938. FDR Library. OF, 15. Department of Labor, Box 2; ESTADOS UNIDOS. NATIONAL
LABOR RELATIONS BOARD. Third annual report of the NLRB. For the fiscal year ended June 30, 1938.
Washington: US Government Printing Office, 1939, p. 7; TOMLINS, Christopher. Op.Cit, p. 166;GROSS,
James. The reshaping of the NLRB. National labor policy in transition, 1937-1947. Albany: State University
of New York Press, 1981, p. 45.
198
NLRB de permitir eleições entre categorias profissionais, entendendo que o fator
determinante para a escolha da unidade deveria ser o desejo dos próprios trabalhadores,
levou à crítica e ao dissenso de Smith. Para ele, a NRLB havia abandonado sua função,
prevista em lei, de determinar a unidade de negociação de acordo com seus próprios
critérios, com a conseqüência de que um pequeno número de trabalhadores iria decidir o
que aconteceria em uma planta que empregava mais de 10 mil trabalhadores e que
constituía uma unidade industrial completa, com evidente desprezo pelo direito da maioria.
Para Smith, o objetivo da NLRA era o de estabelecer relações estáveis de trabalho, evitando
a balcanização das relações de trabalho em uma empresa, o que enfraqueceria o poder de
negociação dos sindicatos e, portanto, não levaria ao objetivo da NLRA. Sua posição a
respeito da questão era: sempre que houvesse um conflito entre um sindicato industrial e
um profissional, ela favorecia o industrial sem consultar os interesses dos trabalhadores
qualificados, a menos que, na disputa em questão, houvesse uma história prévia de
negociações coletivas por parte de um sindicato profissional.
378
Para William Green, a
posição de Edwin Smith no caso revelava-se francamente hostil à AFL, embora a decisão
desagradasse também ao UAW-CIO, dado que no final houve realmente a temida
balcanização, resultando em uma fragmentação da representação.
379
378
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Allis-Chalmers
Manufacturing Company and International Union, United Automobile Workers of Ameica, Local 248”. In
Decisions and Orders of the National Labor Relations Board. Vol.3, July 1, 1937-November 1, 1937.
Washington, DC: United States Printing Office, 1938, p. 159-178; SMITH, Edwin. Statement of Edwin Smith,
Member, NLRB, before the Senate Committee on Education and Labor in connection with proposed
amendments to the NLRA (R-1761). National Archives and Records Administration. Records relating to the
Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Excerpts from speeches and
articles, 1935-1939. Stack area: 530. Entry: 35, 43,07,02; SMITH, Edwin. Memorando para Nathan Witt, 11
de outubro de 1937. National Archives and Records Administration. RG 25, Smith Committee Subject Files,
Caixa 11; ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Report on the investigation of the National
Labor Relations Board. Intermediate Report of the Special Committee of the House of the Representatives.
Seventy-Sixth Congress. First Session. Appointed pursuant to H. Res. 258 to Investigate the National Labor
Relations Board. Washington: US Government Printing Office, 1940, p. 66.
379
Cf. GREEN, William. “Testimony of William Green, President, American Federation of Labor,
199
Embora, portanto, algumas decisões da NLRB parecessem favoráveis à AFL, em
outras a AFL acusava a NLRB de favorecer abertamente o CIO, como em Consolidated
Edison Company, de novembro de 1937, e em Shipowners’ Association of the Pacific
Coast, de junho de 1938.
O caso Consolidated Edison surgiu dos conflitos organizacionais entre a
International Brotherhood of Electrical Workers (IBEW-AFL) e o United Electrical
Workers (UEW-CIO), no início de 1937. Como várias outras empresas, a Consolidated
Edison havia respondido à aprovação da NIRA não através do respeito à organização
autônoma dos trabalhadores, mas com a criação de um company union para fazer frente ao
Brotherhood of Utility Employees (BUW), uma organização independente que então
buscava beneficiar-se da Seção 7(a) da Lei. Diante do fracasso da empreitada, o BUW, de
modo a potencializar seus recursos, fundiu-se a um sindicato da AFL, o IBEW, tornando-se
sua Seção B-752. Em março de 1937, a Seção B-752 deu início a uma nova campanha
organizatória entre os empregados da Consolidated Edison, momento em que decidiu
desligar-se do IBEW-AFL e transferir-se para o UEW-CIO. A empresa continou negando-
se a negociar com qualquer outra organização que não seu company union, o que levou o
UEW-CIO a entrar com uma petição na New York Regional Labor Board acusando a
empresa de unfair labor practice. No meio tempo, o IBEW-AFL começou a negociar com a
empresa, demandando reconhecimento e um contrato que cobrisse todos os funcionários da
empresa. Ameaçada por uma ação de unfair labor practice em razão de um company union,
a Consolidated Edison decidiu ser mais prudente negociar com um sindicato ligado à AFL
Washington, DC”. In ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Hearings before the Special
Committee to Investigate National Labor Relations Board. House of Representatives. Seventy-Sixth Congress,
Second Session, pursuant to H. Res. 258. Vol. 12, January 25-January 29, 1940., p. 2387; UNITED AUTO
WORKERS. Official Publication. Detroit: First year, No.44, 27 de novembro de 1937, p. 4.
200
do que com um ligado ao politicamente problemático CIO. Assim, entabulou negociações
com o IBEW-AFL, de modo a isolar o EUW-CIO. Em 23 de abril de 1937, seguindo a
orientação da empresa, seu company union resolveu filiar-se ao IBEW-AFL, seguindo-se
então a assinatura de contratos coletivos de trabalho entre a empresa e este sindicato,
cobrindo apenas os seus filiados. No fim de junho, 30 mil dos 38 mil trabalhdores da
empresa eram filiados ao IBEW-AFL, ao passo que virtualmente nenhum o era no
momento em que a companhia reconheceu o sindicato e com ele estabeleceu um contrato
de trabalho. A NLRB declarou tal contrato inválido, afirmando que ele havia sido celebrado
em um momento em que o IBEW-AFL não representava a maioria dos trabalhadores da
empresa. Em 14 de março de 1938, a Corte de Apelações do Segundo Circuito manteve a
decisão da NLRB e o caso foi parar na Suprema Corte, ocasião em que a AFL afirmou que
a NLRB estava impedindo o IBEW-AFL de fazer um contrato com um empregador, prática
comum de seus sindicatos desde sua fundação. O argumento central da AFL era o de que o
IBEW-AFL gozava de um direito, o de fazer contratos coletivos para seus membros, direito
este que deveria ser visto com independente de políticas públicas estabelecidas por uma lei,
e que não tinha nada a ver com o fato de este sindicato representar a maioria, a minoria ou
qualquer número de trabalhadores.
No entanto, pela Seção 8 da NLRA, a NLRB tinha
autoridade para tanto, modificando padrões tradicionais de contratação coletiva do trabalho.
Em suma, com a NLRA, a representação dos trabalhadores tornou-se uma questão de
política pública, e não mais algo a ser acordado entre duas partes privadas.
380
380
As empresas preferiam negociar com sindicatos lilgados à AFL do que aos ligados ao CIO em várias
regiões, fato esse observado pela NLRB. Cf. PATTERSON, G.L. Carta a Charles Fahy, General Counsel da
NLRB, de 2 de março de 1938. National Archives and Records Administration. RG 25. Records of the Legal
Division. Records relating tothe Legal Division, 1935-1939.Stack Area 530. Entry 6`36`47,1-2.Box No. 1.
General Counsel’s Reports on 8(5) cases. Assistant General Counsel Willis Reeds, 1935-1936; TOMLINS,
Christopher. Op.Cit., p. 175.
201
A doutrina da NLRB de que questões de representação não eram mais privadas, mas
que dependiam das deliberações da NLRB a respeito da regra da maioria e da unidade de
negociação, destacou-se em Shipowners’ Association of the Pacific Coast. Em fins de 1937,
o International Longshoremen’s and Warehousemen’s Union (ILWU), filiado ao CIO,
entrou com uma petição junto à NLRB para ser certificado como agente exclusivo, para
fins de contratação coletiva, de todos os estivadores e trabalhadores das docas da Costa do
Pacífico. Concorrendo com o ILWU-CIO, o International Longshoremen’s Association
(ILA), filiado à AFL, pedia a realização de eleições sindicais por porto, sendo o sindicato
vitorioso em cada eleição o agente exclusivo dos trabalhadores locais. Em 21 de junho de
1938, a NLRB determinou que toda a Costa do Pacífico deveria constituir uma única
unidade de negociação, e o ILWU-CIO, majoritário segundo este critério, deveria ser o
agente exclusivo de negociação em toda a unidade, incluindo os portos em que a
organização majoritária era o ILA-AFL. Este caso seria uma das peças-chave das
reclamações da AFL contra a NLRB.
381
Até 30 de setembro de 1938, de 49 casos decididos pela Agência nos quais o
principal ponto de discussão entre a AFL e o CIO era a unidade de negociação,
particularmente entre unidades de ofício e industriais, as reivindicações da AFL foram
atendidas em 24, enquanto as do CIO foram atendidas em apenas 21. Nos 4 demais casos
as reivindicações de ambos foram parcialmente atendidas. Ainda assim, e certamente este
era um elemento que desagradava a AFL, nas eleições sindicais em que ocorreram
confrontos diretos entre sindicatos ligados à AFL e sindicatos ligados ao CIO entre outubro
381
ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Hearings before the Special Committee to
Investigate National Labor Relations Board. House of Representatives. Seventy-Sixth Congress, Second
Session, pursuant to H. Res. 258. Vol. 12, January 25-January 29, 1940. “Testimony of William Green,
President, American Federation of Labor, Washington, DC”, p. 2398.
202
de 1935 e dezembro de 1937, o CIO ganhou em 76,9%, ao passo que as AFL em apenas
23,1%.
382
Tal tendência se manteria no ano de 1938, quando os sindicatos filiados ao CIO
venceram 67,8% das 816 eleições organizadas pela NLRB de que participaram, ao passo
que a AFL venceu em apenas 43,5% das 604 de que participou. O CIO neste ano, portanto,
disputou mais eleições, 86,4% do total, do que a AFL, que disputou 63,9% do total.
383
A partir de sua Convenção de 1937, a AFL iniciou um vigoroso ataque à NLRB,
acusando-a de agir sistematicamente em favor do CIO através de uma má interpretação da
cláusula de determinação da unidade de negociação, que negaria aos trabalhadores o direito
de selecionar os representantes de sua própria escolha. A central pedia emendas à Lei,
tornando obrigatório à NLRB garantir, a cada profissão, o direito de selecionar seus
representantes por voto majoritário, e o fim do poder da agência de extinguir contratos já
firmados, como no caso Consolidated Edison. Dito de outra forma, a AFL queria uma
NLRB que respeitasse os direitos percebidos como adquiridos por seus sindicatos, que não
buscasse alterar as práticas tradicionais destes e que tivesse como objetivo apenas o
combate aos company unions, mantida a antiga ordem privada de contratação coletiva do
trabalho. Conseqüentemente, acusava a NLRB de abandonar os princípios do pluralismo e
do contratualismo nas relações de trabalho, para tornar-se instrumento do New Deal na
arbitragem das disputas no seio do movimento sindical e, sobretudo, para redesenhar este
mesmo movimento em favor do CIO. Neste sentido, mais do que simplesmente equalizar o
poder de negociação entre patrões e empregados, como queria a teoria contratualista das
relações de trabalho e seus defensores da AFL, a NLRB estaria exercendo o poder, ainda
382
Cf. MARKS, Emily e BARTLETT (National Labor Relations Board). “Employee elections conductec by
National Labor Relations Board”. In Monthly Labor Review. Washington:US Government Printing Office,
Vol. 47, No. 1, Julho de 1938, p. 36.
383
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Third annual report of the
NLRB..., p. 50.
203
que indiretamente, de determinar quem seria o representante de determinado conjunto de
trabalhadores através da manipulação da escolha da unidade de negociação. O CIO e o
UAW-CIO, ainda que também protestassem contra certas determinações de unidade de
negociação da NLRB, colocavam-se contra quaisquer emendas à NLRA, afirmando que a
Lei constituía uma extensão da Bill of Rights e que qualquer tentativa de emendá-la iria
contra decência humana e os fundamentos da democracia.
384
E no entanto, em que pese a questão da unidade de negociação ser central nas
disputas entre a AFL e a NLRB, sugerindo que a AFL centrava sua atenção exclusivamente
em sindicatos profissionais, entre 1935 e 1939 ela havia pedido à NLRB duas vezes mais
certificações de sindicatos industriais do que profissionais, indicando as profundas tensões
por ela vividas.
385
De fato, a AFL via-se na contingência de preservar as jurisdições de seus
sindicatos profissionais, seu esteio político e financeiro, e daí suas reclamações a respeito
das determinações de unidades de negociação da NLRB, ao mesmo tempo em que
necessitava permitir a organização de sindicatos industriais, dadas as novas características
da indústria americana e a concorrência crescente do CIO. Em 1940, a AFL já possuiria
pelo menos 10 sindicatos industriais, com mais de 800 mil filiados, e 27 semi-industriais,
com mais de 600 mil filiados, em um universo total de cerca de 5 milhões de membros.
Mesmo alguns sindicatos profissionais, como o IAM, haviam aumentado ou buscavam
384
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 27, No. 51, 18 de
dezembro de 1937; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR
STATISTICS. “Convention of American Federation of Labor”. In Monthly Labor Review.Washington: US
Government Printing Office, Vol. 47, No. 5, Novembro de 1938, p. 1035; AMERICAN FEDERATION OF
LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 27, No. 51, 18 de dezembro de 1937, p. 5; AMERICAN
FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 27, No. 41, 9 de outubro de 1937, p. 1;
CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the Second Constitutional Congress of
the CIO... p. 31; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol 2. n. 4, 22 de janeiro de
1938, p. 4.
385
Cf. ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Hearings before the Special Committee to
Investigate National Labor Relations Board. House of Representatives. Seventy-Sixth Congress, Second
Session, pursuant to H. Res. 258. Vol. 3, Dec. 15 to Dec. 16, 1939. “Testimony of Edwin Smith, Member,
204
aumentar suas jurisdições, englobando outras qualificações profissionais, em processos que
envolveram profundas disputas jurisdicionais no seio da central.
386
Com a NLRA, no
entanto, ela havia perdido tanto a capacidade de preservar suas jurisdições tradicionais
quanto de manobrar autonomamente para garantir espaço nas novas indústrias de produção
de massa, como a automotiva.
National Labor Relations Board, Washington, DC”, p. 667.
386
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD, DIVISION OF ECONOMIC
RESEARCH. Outline of materials gathered for the bargajning study. Washington, DC: 19 de janeiro de
1940. NARA. Records 25.Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant
General Counsel. Rocords of the Attorney’s Assistant General Counsel.Entry 38,43,07,02. Caixa 3;
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. The changing concept of the Bargaining
Unit and the Labor Conflict (An outline). Washington DC, Jan. 11, 1940. Walther Reuther Library. Coleção:
UAW Research Department. Accesion No. 350. UAW-GM Collection. General Correspondence, 1938-1945,
Box 2.
205
4.3. A NLRB e a indústria automotiva
No momento em que o UAW filiou-se ao Committee for Industrial Organizations,
embrião do CIO, dos quase 500 mil trabalhadores da indústria, apenas 30 mil dele faziam
parte. Cerca de 70% de seus filiados encontravam-se fora de Michigan, o coração da
indústria automotiva, e Detroit continuava sendo a capital do open shop.
387
As montadoras,
para além da intimidação física, coerção, formação de company unions e outras práticas que
o NLRA iria considerar unfair labor practices, recorriam também a empresas de
espionagem para impedir a organização autônoma dos trabalhadores. A General Motors era
a principal cliente da Agência de Detetives Pinkerton, empregando 1.288 espiões entre
1933 e 1937. Entre janeiro de 1934 e julho de 1936, a GM gastou US$ 994 mil com espiões
e, em 1934, US$ 1.455 com gás lacrimejante. A Chrysler Corporation, por seu lado, era a
mais importante cliente da Corporations Auxiliary Company (CAC), tendo gasto US$
72.611,00 com seus serviços no ano de 1935. Mesmo as empresas menores, e várias de
autopeças, contratavam agentes da Pinkerton. Assim, a Fruehauf Trailer Company
contratou um espião da agência que tornou-se tesoureiro do UAW, fornecendo listagens de
membros ou simpatizantes do sindicato para a gerência da empresa.
388
A reeleição de Roosevelt, em 1936, trouxe no entanto novo alento para os
trabalhadores automotivos. O presidente havia dito em sua campanha, na busca do apoio
dos trabalhadores, que se ele próprio fosse um trabalhador industrial entraria em um
sindicato e sua vitória acachapante sobre o republicano Alfred Landon foi por muitos
387
Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, p. 56
388
Cf. ESTADOS UNIDOS. SENADO DOS ESTADOS UNIDOS. Senate Civil Liberties Committee (89562,
38, pt. 17, Exhibit 3799). NARA, RG 25. Records Relating to the Smith Committee Investigation. Records of
the General Counsel. Records Relating to Testimony on Amending the Wagner Act, 1934-1939. Stack Area
530. Entry:27, 43, 06, 07; WALSH, Raymond. Op. Cit., p. 108; SILVERBERG, Louis (Diretor de
Informações da NLRB). “Detroit: the battleground”. In SILVERBERG, Louis. The Wagner Act: after ten
years. Washington: The Bureau of National Affairs, Inc., 1945, p. 80. Várias empresas de outros setores
206
percebida como uma senha para a organização sindical.
389
Em fins de 1936 e princípios de
1937, o UAW fez sua entrada espetacular no cenário político americano ao realizar uma
greve de ocupação (sit-down strike) na General Motors, exigindo da empresa tornar-se o
agente exclusivo de seus trabalhadores para fins de contratação coletiva do trabalho.
Confinada a 18 plantas, a greve acabou por praticamente neutralizar outras 50 em 25
cidades, atingindo um conjunto de 126 mil trabalhadores.
390
A greve do UAW não tinha como alvo, portanto, apenas a GM, mas também
sindicatos da AFL que reclamavam jurisdição sobre determinados grupos de trabalhadores
qualificados.
391
Em decorrência, logo após o início da greve, 8 organizações de
trabalhadores ligadas à AFL, entre as quais o IAM e a IBEW, telegrafaram à GM
protestando contra qualquer acordo desta com o UAW, se este insistisse em negociar em
nome dos profissionais das categorias por elas jurisdicionadas pela AFL. No Dia do
Trabalho de 1937, em setembro, a AFL faria uma violenta acusação ao CIO, ao UAW e às
greves de dezembro de 1936/janeiro de 1937, acusando o CIO de infiltração comunista e de
ter introduzido o ódio, a inimizade e a amargura no seio do movimento operário, ao passo
que ela, AFL, portadora dos valores do americanismo, seria marcada pela irmandade, pela
fraternidade e reciprocidade. A AFL receava, sobretudo, que as sit-down strikes levassem a
uma reação conservadora e à aprovação de um legislação anti-greves.
392
industriais também utilizavam espiões.
389
Cf. UNITED AUTO WORKERS. fficial Publication. Detroit: Ano 1, No. 5, Novembro de 1936, p. 1, 2.
390
Cf. PETERSON, FLORENCE (Bureau of Labor Statistics). Op. Cit., p. 1062. A apresentação a seguir está
baseada em relatos governamentais da época. Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR
BUREAU OF LABOR STATISTICS. Washington: US Government Printing Office, Vol. 44, No. 3, Março
de 1937, p. 668 e seguintes.
391
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 27, n. 8, 20 de
fevereiro de 1937, p. 1.
392
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 38, 17 de
setembro de 1940, p.1. Quatro anos depois, no auge de seu confronto contra o CIO, a AFL abriria espaço em
seu semanário para uma empresa, a Atlanta Stove Works, narrar suas relações harmoniosas com um sindicato
a ela filiado depois de 50 anos de contratos renovados. A AFL, portanto, sugeria que ela poderia trazer
207
Se uma legislação anti-greves não foi aprovada em razão das sit-down strikes, as
greves de ocupação, uma das principais formas de ação sindical surgidas em 1937, foram
consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte dos Estados Unidos e os trabalhadores
eventualmente nela envolvidos perdiam a proteção que anteriormente gozavam sob a
NLRA.
393
No dia 12 de janeiro de 1937, diante da recusa da GM em negociar com o UAW,
ocorreram as primeiras violências entre os grevistas e a empresa, conhecidas como a
Batalha de Bulls Run, mas a ação do governador democrata de Michigan, Frank Murphy,
negando-se a enviar tropa estaduais para reprimir os trabalhadores, evitou que o
enfrentamento se desdobrasse em um conflito aberto. Em 11 de fevereiro, finalmente, a GM
reconheceu o UAW como agente de negociação apenas de seus filiados, deixando portanto
em aberto a questão dos trabalhadores não-sindicalizados e dos jurisdicionados em
sindicatos da AFL. Outras reivindicações do UAW foram parcialmente atendidas, como a
semana de 30 horas, dia de 6 horas e acréscimo por hora extra de uma vez e meia a hora
normal. Embora não houvesse conquistado sua principal reivindicação, a representação
exclusiva de todos os trabalhadores da GM, o UAW havia conseguido uma importante
vitória parcial.
394
Com um contrato conquistado junto à GM, o UAW voltou-se para a organização
dos trabalhadores da Chrysler Corporation. Em 8 de março, os trabalhadores ocuparam as
estabilidade para as relações de trabalho, ao passo que o CIO representava greves e agitação. Cf. AMERICAN
FEDERATION OF LABOR. Weekly News SeivIce. Washington: Vol. 27, n. 37, 11 de setembro de 1937, p.
1.
393
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “NLRB v. Fansteel Metallurgical
Corp.”. In Court decisions relating to the NLRA, Volume 4. June 1, 1943 to January 1, 1946. Washington:
US Government Printing Office, Junho de 1946, p. 1348; Cf. FINE, Sidney. Sit-down. The General Motors
stike of 1936-1937. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1989.
394
Cf. WALSH, Raymond. Op. Cit., p. 117, 120; UNITED AUTO WORKERS. Official publication. Detroit:
Ano I, No. 11, 20 de março de 1937, p. 2.
208
plantas da empresa, de onde só saíram no início de abril. Mais uma vez, o sindicato obteve
uma vitória parcial, tendo tornado-se o agente de negociação de seus próprios filiados, e
apenas destes. Ainda assim, a campanha da Chrysler revigorou o UAW e o CIO e, poucos
dias depois, um novo contrato similar foi assinado entre o UAW e outra montadora, a
independente Hudson Motor Car Co, após uma greve de 5 semanas.
395
Ao longo destas jornadas, a NLRB não teve atuação importante. Até aquele
momento os trabalhadores automotivos, insatisfeitos com a atuação da extinta ALB,
mostravam-se bastente céticos quanto à NLRA, principalmente por acharem que ela, assim
como a NIRA, acabaria por ser declarada inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados
Unidos. No primeiro ano de sua chegada a Detroit, cidade conhecida pela brutalidade de
suas relações de trabalho, apenas 17 casos de unfair labor practices deram entrada na
agência.
396
Nas greves da GM e da Chrysler, a NLRB não foi sequer invocada pelo UAW
para questionar as unfair labor practices das montadoras.
397
Foi no calor de suas vitórias parciais contra a GM e a Chrysler, acompanhadas pela
entrada de grande número de novos filiados, que o UAW voltaria suas energias para a
organização da Ford Motor Company, resultando na épica surra de Reuther e Frankensteen.
No entanto, neste momento, já com a constitucionalidade da NLRA garantida pela Suprema
Corte dos Estados Unidos, o UAW entrou com uma ação na NLRB de unfair labor practice
contra a empresa, colocando, em suas próprias palavras, a empresa contra a parede.
398
395
Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official publication. Detroit: Ano I, No. 11, 20 de março de 1937, p.1;
FLORENCE PETERSON (Bureau of Labor Statistics). Op. Cit., p. 1064.
396
Cf. SILVERBERG, Louis (Diretor de Informações da NLRB). “Detroit: the battleground”. In
SILVERBERG, Louis. Op. Cit., p. 80.
397
Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit:Ano 1, No. 10, 13 de março de 1937, p. 1.
398
Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Ano 1, No. 9, 25 de fevereiro de 1937, p.
3; UNITED AUTO WORKERS. Official publication. Detroit: Ano 1, No. 24, 10 de julho de 1937, p. 7.
209
O avanço organizacional do UAW-CIO, evidentemente, era visto com grande
preocupação pela AFL, dado que os trabalhadores de seus sindicatos profissionais estavam
expostos à propaganda de um sindicato que não respeitava qualquer linha jurisidicional.
399
Na convenção de 1937 do UAW, no entanto, a AFL vislumbrou uma oportunidade de
desacelerar o ímpeto organizativo do sindicato, pois este dividiu-se em duas facções. De
um lado, colocou-se a facção de Homer Martin, que realizava então uma violenta campanha
contra os elementos comunistas do UAW e, de outro, Walther Reuther, jovem e agressivo
líder dos trabalhadores da GM. Tais disputas internas pela direção do sindicato
fragilizaram sobremaneira seus esforços organizativos, permitindo que as montadoras
adiassem negociações até que houvesse uma definição da disputa.
400
No entanto, um
elemento a mais iria fragilizar o UAW a partir de meados de 1937: a chamada “recessão
Roosevelt” de 1937-1938. A produção de automóveis de 1938 caiu à metade da de 1937, a
GM demitiu 25% dos seus trabalhadores e o sindicato perdeu quase a metade de seus
membros pagantes. Em dezembro de 1937, já estimava-se em 200 mil o número de
demissões no estado de Michigan e, em tal cenário, o UAW reduziu drasticamente suas
manifestações de enfrentamento com as montadoras, concentrando suas atenções no alívio
imediato dos filiados desempregados.
401
399
Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. CIO News. Washington: Vol. 2, No. 13, 27 de
março de 1939, p. 4.
400
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Regional Offices: Comments on
current labor situation. Confidential. Seventh Region, Detroit, for Februrary 1939. In National Archvies and
Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the
General Counsel Reading file of the General Counsel, 1939-1941. Records relating to the preparation of the
Board's case, 1936-1941.Stack area 530 . Localizacao: Entry 23, 43,06,04 .
401
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Regional Offices: Comments on
current labor situation. Confidential. Seventh Region, Detroit: Dezembro de 1937. National Archives and
Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the
General Counsel. Reading file of the General Counsel, 1939-1941. Records relating to the preparation of the
Board's case, 1936-1941.Stack area 530. Localizacao: Entry 23, 43,06,04 .
210
As disputas internas do UAW teriam um desfecho surpreendente. Ao mesmo tempo
em que enfrentava seus adversários no âmbito do sindicato, acusando-os de comunistas e
agitadores, Homer Martin negociava com Harry Bennett, do Departamento de Serviços da
Ford, um acordo segundo o qual 100 mil trabalhadores da empresa seriam sindicalizados
por um company union, a Liberty Legion, sob o controle dele, Martin. Quando tais
manobras finalmente vieram a público, em janeiro de 1939, Martin renunciou ao seu cargo
de presidente do UAW e foi expulso do CIO. No entanto, ele não desfiliou-se ao sindicato e
organizou uma convenção em Detroit, ao passo que Reuther, R.J. Thomas e sindicalistas
ligados ao CIO organizaram outra convenção, em Cleveland, em março e abril de 1939.
402
Na convenção de maio, R.J. Thomas foi eleito presidente do UAW-CIO e, na de
abril, Homer Martin fundou um novo UAW, desta vez ligado à AFL.
403
O problema, no
entanto, é que o UAW-CIO afirmava ter expulsado Martin, ao passo que este afirmava ter
expulsado a facção por ele acusada de comunista. Tal situação abriu a oportunidade para as
montadoras recusarem-se a negociar tanto com o UAW-CIO quanto com o UAW-AFL, a
menos que ficasse esclarecido, através da NLRB, quem era o efetivo representante dos
trabalhadores e o fiador dos contratos estabelecidos em 1937, e que vinham sendo
precariamente renovados.
404
402
Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, p. 129; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication.
Detroit: Vol. 3, Sábado, 11 de fevereiro de 1939, p. 1.
403
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Report of the Executive Council of the AFL to the the Fifty-
ninth Annual Convention. Cincinnati, Ohio: 2 de outubro de 1939, p. 18. National Archives and Records
Administration. RG 25. Records Relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant
General Counsel. Records of the Attorneys Assisting General Counsel. Entry 38, 43, 07, 02. Box 4. Para uma
análise detalhada da dissidência do UAW, Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, capítulo 6.
404
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Chrysler
Corporation and United Automobile Workers of America, Local 371, Affiliated with CIO; In the Matter of
Chrysler Corporation and International Association of Machinists Die Sinkers Local 1222, Affiliated with the
AFL; In the Matter of Chrysler Corporation, a Corporation and International Union, United Automobile
Workers of America, Affiliated with CIO; In the Matter of Chrysler Corporation, a Corporation and Local 51,
International Union, United Automobile Workers of America (CIO affiliated), of which Local Leo LaMotte is
President; Cases Nos. R-1307, R-1308, R-1398, and R-1397, respectively. - Decided July 31, 1939”. In
211
O UAW-AFL e o UAW-CIO, assim como outras organizações de trabalhadores
automotivos independentes, como o MESA, ou filiados à AFL, como o IAM, iriam,
portanto, enfrentar-se em diversas eleições organizadas pela NLRB, que se tornaria assim o
grande palco de disputa entre a AFL e o CIO no âmbito da indústria automotiva.
Em março de 1939, o UAW-CIO entraria com um pedido na NLRB para realizar
eleições na Chrysler Corporation, as maiores até então pedidas por um sindicato. Tanto o
UAW-CIO quanto o UAW-AFL afirmavam ser os representantes dos trabalhadores da
empresa e responsáveis pelo contrato de abril de 1937, que buscavam renovar. No entanto,
a partir de janeiro de 1939, com a cisão do sindicato, a Chrysler passou a negar-se a
negociar, tanto com um quanto com outro, até que a questão a respeito de quem,
efetivamente, representava os seus trabalhadores, ficasse esclarecida. Por outro lado, o
IAM-AFL também reivindicava representação sobre um conjunto de trabalhadores
qualificados e, portanto, questionava as pretensões expansionistas do UAW-CIO.
405
As eleições da Chrysler representariam um momento de grande conflito entre o
UAW-CIO e o UAW-AFL em torno da questão da unidade de negociação e representação.
A AFL defendia tanto a manutenção da jurisdição do IAM-AFL quanto, no caso do
sindicalismo industrial do UAW-AFL, de que cada planta da empresa deveria ser uma
unidade separada, no que tinha a concordância da Chrysler. O UAW-CIO, por seu lado,
calculava ter a maioria dos votos do conjunto dos trabalhadores da Chrysler, embora
pudesse perder em algumas plantas isoladas, e assim defendia que todas fossem reunidas
em uma única unidade. A NLRB decidiu-se pela visão do UAW-AFL porque, por um lado,
Decisions and orders of the Natinal Labor Relations Board. Volume 13. June 1, 1939 - July 31, 1939.
Washington: United States Government Printing Office, 1939, p. 1309.
405
ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Chrysler
Corporation and United Automobile Workers of America... Decided July 31, 1939”, p. 1309-1310.
212
historicamente cada planta da empresa já havia se constituído como uma unidade separada
e, por outro, tudo indicava que o UAW-CIO teria maioria em algumas plantas e o UAW-
AFL em outras, tornando mais justa uma eleição em que cada um dos sindicatos fosse o
representante dos trabalhadores nas plantas em que fosse efetivamente o majoritário. Por
outro lado, a NLRB também determinou que o IAM teria jurisdição sobre os trabalhadores
sobre os quais a reivindicava, desde que estes demonstrassem o desejo de ser por ele
representados. Enquanto a AFL saudaria tal decisão, ela seria profundamente criticada pelo
UAW-CIO e pelo CIO
406
:
Por que a NLRB trabalha para frustrar a verdadeira negociação coletiva
nesta grande indústria? Os trabalhadores a querem, o demonstraram através
de seus votos, não querem acordos mixtos, não querem doze ou quinze ou
vinte acordos separados sob os auspícios de um sindicato com a mesma
corporação. Querem contratos coletivos nacionais.
Tais atos, perpetrados por aqueles que administram o NLRA, não indicam a
insensatez de sua decisão, a temeridade de sua posição? Se a NLRA foi
aprovado para promover a paz industrial, para promover os verdadeiros
princípios da negociação coletiva, e para permitir que os trabalhadores
gozem de seu direito de fazer parte do sindicato de sua escolha, por que a
NLRB interfere com o direito de uma negociação coletiva verdadeira, depois
de os trabalhadores terem demonstrado seu desejo de fazer parte de uma
negociação coletiva que abarque toda uma corporação? (…)
A AFL não está na indústria automotiva para promover a sindicalização;
está na indústria automotiva para promover a desorganização, a dissensão, o
descontentamento, para causar greves, criar confusão e fazer jorrar sangue
nas ruas de todas as comunidades nas quais as plantas automotivas estão
localizadas. Será então a posição da NLRB a de apoiar tais petições de
preconceito, de ódio, promovidas por elementos cujo único interesse é o de
quebrar a organização sindical?
407
406
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Chrysler
Corporation and United Automobile Workers of America... Decided July 31, 1939”, p. 1310 e seguintes;
AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 29, No. 31, 5 de agosto
de 1940; Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 2, No. 12, 19 de março de
1938, p. 1.
407
CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the Second Constitutional
Convention..., p. 227.
213
Ainda assim, o UAW-CIO decidiu envidar todos os esforços para vencer as eleições
nas plantas separadas, tornando claro, para a direção da Chrysler, que, sem greves ou outras
formas de enfrentamento, mas pela via eleitoral sancionada pelo Estado, que o sindicato
havia chegado para ficar. O UAW-AFL, por seu lado, mesmo tendo saído vitorioso em sua
proposta de dividir a eleição por plantas, voltaria suas críticas à NLRB, pois a acusava de,
deliberadamente ou por omissão, permitir que o CIO implementasse um reino de terror em
Detroit, tornando impossível eleições limpas e honestas. Para o UAW-CIO, as acusações do
UAW-AFL representavam a manifestação de desespero de um sindicato que antevia, de
forma sancionada pelo Estado, sua virtual eliminação da indú automotiva.
408
E as eleições na Chrysler, de fato, virtualmente eliminaram a AFL da empresa. Com
exceção do IAM-AFL, que venceu uma eleição para sua unidade de 83 pessoas (tendo
recebido 71 votos contra 12 do UAW-CIO) em uma das plantas em disputa, o UAW-CIO
derrotou o UAW-AFL em 11 das 13 plantas em que houve eleições, ao passo que o UAW-
AFL venceu em uma e em outra planta nenhum dos dois foi escolhido pela maioria dos
votos dos trabalhadores. Em algumas plantas, como Dodge Main Plant, a vitória do UAW-
CIO sobre o UAW-AFL foi acachapante: 17.654 votos contra 837. No total, o UAW-CIO
recebeu 40.072 votos, contra 4.392 recebidos pelo IAM-AFL e UAW-AFL juntos.
409
Após ter virtualmente eliminado o UAW-AFL da Chrysler, o UAW-CIO buscaria
tornar-se o representante exclusivo dos trabalhadores da General Motors em pelo menos 60
408
Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 3, No. 29, 16 de agosto de 1939, p. 2-
4; Cf. UNITED AUTO WORKERS-AFL. Press-release. 13 de setembro de 1939. National Archives and
Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the
General Counsel. Reading file of the General Counsel, 1939-1941. Records relating to the preparation of the
Board's case, 1936-1941. Stack area 530. Localizacao: Entry 23, 43,06,04. Box 8; UNITED AUTO
WORKERS. Official Publication. Detroit: vol. 3, no. 33, 20 de setembro de 1939, p. 1 e 4.
409
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. Monthly
Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 50, No. 5, May 1940, p. 1087; ESTADOS
214
de suas plantas. Isso não era tarefa fácil, visto que, em maio de 1939, o entusiasmo das sit-
down strikes de 1937 já havia arrefecido, a recessão de 1937-38 havia emagrecido o
número de filiados do sindicato e, por conseqüência, apenas 6% de todos os trabalhadores
da GM pagavam suas taxas ao UAW-CIO. Por outro lado, na GM, o UAW-AFL revelava-
se particularmente forte. Diante de tal cenário, e com receio de que a facção de Homer
Martin pudesse ameaçar suas pretensões de hegemonia na empresa, o UAW-CIO resolveu,
antes de pedir à NLRB a realização de eleições sindicais, potencializar seus recursos
políticos através de uma greve de trabalhadores qualificados sob seu controle. A estratégia
era atingir o coração do programa da GM para o modelo de 1940 através da paralisação de
trabalhadores responsáveis pelos ajustes nos equipamentos para a fabricação deste. Embora
os ganhos da greve tenham sido modestos, o UAW-CIO apresentou-os como o primeiro
contrato assinado entre um sindicato e uma montadora cobrindo toda a empresa desde
1937, e sentiu-se com recursos suficientes para enfrentar uma eleição na NLRB contra o
UAW-AFL.
410
No entanto, ao contrário do ocorrido quando da eleição na Chrysler, no caso da GM
o UAW-CIO aceitou, como queria o UAW-AFL, que cada planta representasse uma
unidade separada, decisão saudada como uma evidência da possível colaboração entre os
dois sindicatos rivais em nome do interesse público.
411
O objetivo do UAW-CIO, no
UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Chrysler Corporation and United
Automobile Workers of America... Decided July 31, 1939”, p. 737-748.
410
Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 3, No. 35, 4 de outubro de 1939, p. 1;
UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 3, n. 25, July 12, 1939, p. 1. Para uma
discussão a respeito da greve, Cf. BARNARD, John. “Rebirth of the UAW: the General Motors Tool and
Diemakers' strike of 1939”. In Labor History, Vol. 27, No. 2 (Primavera de 1986), p. 165-187;
LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, p. 132 e seguintes.
411
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of General Motors
Corporation and International Union, UAWA, affiliated with the AFL; In the Matter of General Motors
Corporation and Pattern Makers League of North America, affiliated with the AFL; In the Matter of General
Motors Corporation and International Union, United Automobile Workers of America, affiliated with the
CIO; In the Matter of General Motors Corporation and Local 1411, International Association of Machinists
215
entanto, não era o de salvaguardar o interesse público, mas minimizar os riscos de reunir
todas as plantas da corporação em uma só unidade sem a certeza da vitória. O UAW-AFL,
por seu lado, via-se na obrigação de respeitar as jurisdições de outros sindicatos da AFL
atuantes na empresa, como o IAM e o Pattern Makers League of North America (PMLNA),
o que facultava ao UAW-CIO apresentar-se como o real defensor do sindicalismo
industrial. Enquanto as disputas entre o UAW-CIO e o UAW-AFL persistiam, a GM, como
já havia feito a Chrysler, recusava-se a negociar com um ou com outro até que a questão
estivesse resolvida.
412
As eleições da NLRB na GM mobilizaram todos os recursos de ambos os UAWs e
amplos recursos do CIO e da AFL. Como resultado, entre 17 de abril e 15 de maio, apenas
nas plantas da GM em Michigan, o UAW-CIO conseguiu atrair 10 mil novos membros,
enquanto a AFL que o CIO queria construir sobre os trabalhadores da GM s uma ditadura
mascarada, sancionada pela NLRB.
413
O resultado das eleições, como já havia ocorrido na
Chrysler, representou uma grande vitória do UAW-CIO, que obteve 84.024 votos contra
25.911 da AFL, sendo saudada pelo CIO: “Os trabalhadores automotivos da América são,
definitiva e conclusivamente, CIO”.
414
A AFL, no entanto, não aceitaria facilmente a
(AFL); Cases Nos. R- to R-1731, inclusive” - Decided February 28, 1940. In Decisions and Orders of the
National Labor Relatoins Board, Vol. 20, February 1-29, 1940. Washington: US Government Printing
Office, 1940, p. 953-955; ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Press Release,
NLRB (R-2702), de March 4, 1940. National Archives and Records Administration. RG 25. Records Relating
to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Records ofthe Attorneys
Assisting General Counsel. Entry 38, 43, 07, 02. Box 11.
412
Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 4, No. 1, 10 de janeiro de 1940, p. 1.
413
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 15, 9 de
abril de 1940, p. 1; Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 4, No. 9, 6 de março
de 1940, p. 1; Cf. REUTHER, Walter. Carta de 19 de janeiro de 1940 aos membros do sindicato e a todos os
trabalhadores das plantas do GM filiados ao UAW-CIO. Walther Reuther Library. Coleção: UAW Research
Department. Accesion No. 350. UAW-GM Collection. General Correspondence, 1938-1945. Box. 1;
REUTHER, Walter. Carta de 15 de maio de 1940 aos membros do sindicato e a todos os trabalhadores das
plantas da GM filiados ao UAW-CIO. . Walther Reuther Library. Coleção: UAW Research Department.
Accesion No. 350. UAW-GM Collection. General Correspondence, 1938-1945. Box. 1; AMERICAN
FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 13, 26 de março de 1940, p. 1.
414
Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. CIO News. Washington: Vol. 3, No. 17, 22 de
216
derrota, ao afirmar em seu editorial: “Você não vai descobrir pela leitura dos jornais, mas o
fato é que o CIO sofreu uma derrota acachapante nas eleições da GM”.
415
A AFL
apresentava as vitórias do UAW-AFL e do IAM como uma demonstração dos trabalhadores
de seu apoio a ela. Ademais, afirmava que a GM insistiria, como aliás estava no seu direito,
em negociar em cada companhia separadamente, justamente o contrário do que desejava o
CIO. Mas suas previsões não se confirmariam. Por um lado, em eleições subseqüentes da
NLRB realizadas em plantas que não estavam envolvidas na primeira grande eleição, o
UAW-CIO foi conquistando vitória sobre vitória, totalizando o controle sobre a
representação exclusiva da GM em 75 plantas já em abril de 1941.
416
A vitória do UAW-CIO na primeira grande eleição da GM, embora não houvesse
eliminado totalmente a AFL da corporação, havia sido incontestável.
417
O IAM-AFL foi
certificado como representante de trabalhadores qualificados em 6 plantas, ao passo que o
UAW-AFL tornou-se o representante exclusivo dos trabalhadores de produção e
manutenção em 5 plantas. Já o UAW-CIO tornou-se o representante exclusivo de todos os
trabalhadores de produção e manutenção em 52 plantas, dentre as quais as mais importantes
da corporação, como a Buick Motor Division em Flint, a Chevrolet Motor Division em
Toledo, a Chevrolet Motor Division em Detroit e Flint, e a Fisher Body Division de Flint
(plantas 1 e 2).
418
O UAW-CIO comemorou entusiasticamente a vitória:
abril de 1940, p. 4.
415
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 17, 23 de
abril de 1940, p. 1.
416
Cf. Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 17, 23
de abril de 1940, p. 3; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 5, no. 7, 1 de abril de
1941, p. 2.
417
Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 4, No. 15, 24 de abril de 1940, p. 1.
418
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of General Motors
Corporation and International Union, UAWA... Decided February 28, 1940”, p. 159-178.
217
Quando nós, trabalhadores da indústria automotiva, olhamos para os últimos
3 anos, podemos sorrir deste tempos engraçados.
Lembram-se quando, em 1937, Alfred Sloan, então presidente da General
Motors, solenemente proclamou que a corporação NÃO neociaria com o
UAW?
HOJE os executivos da corporação encontram-se com o UAW-CIO como o
ÚNICO agente de negociação de 140 mil de seus empregados.
419
De fato, a vitória não era pequena, quando se pensa, como visto, que, em maio de
1939, apenas 6% dos trabalhadores da GM eram filiados e pagavam taxas ao UAW-CIO.
Tal eleição, aliás, viria a evidenciar as mudanças introduzidas pela NLRA no mundo
sindical americano. O método de realização de eleições sindicais para a designação do
representante exclusivo dos trabalhadores para fins de contratação coletiva inferia que os
trabalhadores da unidade em questão eram eleitores, e não necessariamente filiados ao
sindicato.
420
Tendo tornado-se o representante exclusivo da grande maioria dos trabalhadores da
Chrysler e da GM, o UAW-CIO voltou-se para a organização dos trabalhadores da Ford
Motor Company.
421
De modo a fazer face às pretensões do UAW-CIO e evitar os erros
cometidos pelo UAW-AFL, a AFL organizou dos FLUs nas plantas de River Rouge e
Lincoln. Segundo a própria AFL, 80 mil trabalhadores em ambas as plantas teriam sido por
ela organizados, não com o objetivo de destruir a Ford, como queria o UAW-CIO, mas com
o de com ela colaborar através do estabelecimento de contratos coletivos de trabalho que
levassem a uma relação harmoniosa e construtiva. Portanto, a AFL acreditava ser possível
419
Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detoit: Vol. 4, No. 16, 1 de maio de 1940, p. 4.
420
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of General Motors
Corporation... Decided February 28, 1940”, p. 159-178.
421
Cf. UNITED AUTO WORKERS.Official Publication. Detoit: Vol. 5, No. 1, 1 de janeiro de 1941, p. 1. As
informações a seguir, a menos que expresso em contrário, encontram-se em ESTADOS UNIDOS.
NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company, a Delaware
Corporation and International Union, UAW of A, affiliated with the CIO. Cases Nos. R-2425 and 2426.
Decided April 7, 1941”. In Decisions and orders of the Natinal Labor Relations Board. Volume 30. March 1,
1941 to April 15, 1941.. Washington: United States Government Printing Office, 1942, p. 985 e seguintes.
218
conquistar 90% dos votos dos trabalhadores de ambas as plantas.
422
Além do UAW-CIO e
destes dois FLUs-AFL, também a FBA e o Pattern Makers League of Detroit (PMLD), que
buscava representar um segmento de trabalhadores especializados, disputavam a
representação dos trabalhadores da Ford.
Como no caso das eleições da GM, o UAW-CIO, o FLU-AFL e a NLRB estavam
de acordo em que a representação deveria envolver todos os trabalhadores de produção e
manutenção da planta Lincoln. Já em River Rouge, houve desacordo: o UAW-CIO insistia
em que todos os trabalhadores de produção e manutenção deveriam estar incluídos na
mesma unidade, ao passo que os PMLD queria uma unidade separada, no que tinha a
concordância do FLU-AFL. Como resultado da situação, a NLRB ordenou que eleições
fossem realizadas em River Rouge para saber se os trabalhadores da produção e
manutenção queriam ser representados pelo UAW-CIO ou pelo FLU-AFL, ou por nenhum
dos dois, mas ordenou também que os trabalhasores sobre os quais o PMLD pedia
jurisdição realizassem uma eleição para determinar se queriam ser representados pelo
UAW-CIO, pelo PMLD ou por nenhum dos dois. Do resultado das eleições dependeria a
unidade ou unidades de negociação: se ambas as unidades escolhessem o UAW-CIO, então
elas se constituiriam em uma única unidade, se os trabalhadores especializados escolhessem
o PMLD, então seriam duas. Em Lincoln, seriam realizadas eleições envolvendo apenas o
UAW-CIO e o FLU-AFL. O FBA, embora tivesse apresentado cartões de filiação de 21 mil
trabalhadores em ambas as plantas, foi excluído das eleições, não apenas por ter sido
considerado um company union pela NLRB apesar de a Corte de Apelação do Sexto
Distrito Ter afirmado, em 9 de agosto de 1939, que era um sindicato genuíno mas por
422
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 31, No. 5, 5 de
fevereiro de 1941, p. 1; AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Serivce. Washington: Vol.
219
depois disso nunca ter feito reuniões, coletado taxas ou buscado arregimentar novos
membros.
Apesar de seu otimismo, mais uma vez a AFL foi duramente punida pelas urnas.
Em Lincoln, o UAW-CIO obteve 2.741 votos, contra 587 dados ao FLU-AFL; em River
Rouge, o UAW-CIO obteve 51.866, contra 20.346 do FLU-AFL. Nas eleições de River
Rouge entre o UAW-CIO e o PMLD, o primeiro recebeu 161 votos e o segundo 90. O
UAW-CIO tornava-se o agente exclusivo de negociação de todos os trabalhadores de River
Rouge e Lincoln.
423
Com tais vitórias na NLRB, o UAW-CIO virtualmente eliminou os sindicatos da
AFL como agentes contratantes relevantes na indústria automotiva. Conseqüentemente, a
partir de 1939, o UAW-CIO e as corporações automotivas realizaram contratos coletivos de
trabalho de grande importância para a história do movimento sindical americano. Em 1941,
a indústria automotiva estava praticamente toda coberta por acordos coletivos de trabalho,
algo inimaginável 4 anos antes, quando Detroit era o coração do open shop.
424
Na Chrysler Corporation, após o UAW-CIO ter sido certificado pela NLRB como
agente exclusivo para fins de contratação coletiva do trabalho em 11 das plantas da
31, No. 15, 15 de abril de 1941, p.1.
423
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor
Company, a Delaware Corporation, and International Union, UAW of A, affiliated with the CIO. Cases Nos.
R-2425 and R-2426.Supplemental Decisions and Certification of Representatives. June 21, 1941”. In
Decisions and orders of the National Labor Relations Board. Volume 32. May 22 to June 26, 1941.
Washington: United States Government Printing Office, 1942, p. 1001; ESTADOS UNIDOS. NATIONAL
LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company, a Delaware Corporation, and
International Union, UAW of A, affiliated with the CIO. Cases Nos. R-2425 and R-2426”. In Decisions and
orders of the Natinal Labor Relations Board. Volume 34. August 8 to August 26, 1941. Washington: United
States Government Printing Office, 1942, p. 436 e seguintes.
424
Cf. WALSH, Raymond. Op.Cit., p. 96.
220
empresa, a corporação aumentou os salários em 3 cents e concordou que as diferenças
salariais entre Detroit e as outras localidades fossem diminuídas para 1 cent.
425
Também o contrato coletivo do UAW-CIO com a GM previa a diminuição das
diferenças de remuneração dentro de cada planta e entre as diversas plantas da empresa.
426
Para Nelson Lichtenstein, ele representou um dos mais importantes passos na
reestruturação das relações de classe nos Estados Unidos. Fábricas de uma mesma empresa,
e empresas dentro de um mesmo setor industrial, cessariam de competir por salários e,
dentro das fábricas e empresas as diferenças salariais por ocupação começariam a diminuir,
reestruturando por completo o mundo dos trabalhadores industriais americanos.
427
O
sindicato iniciava a assumir, assim, o papel regulatório a ele previsto desde os anos 1920,
pela Taylor Society, e mesmo antes, por intelectuais e reformadores sociais como Herbert
Croly durante a Era Progressista.
Tal papel seria expresso com todo o vigor no contrato coletivo estabelecido entre o
UAW-CIO e a Ford Motor Company, considerado o melhor acordo da história realizado até
então. Assinado a 20 de junho de 1941, o contrato reconhecia o UAW-CIO como o agente
exclusivo, para fins de contratação coletiva do trabalho, “de todos os empregados da
companhia em todas as plantas de produção e montagem da companhia nos Estados Unidos
da América”, com exceção de superintendentes, capatazes, empregados de escritório e
cientistas. Mais do que isto, o contrato possuía uma cláusula de union shop, e portanto
passava a ser condição de emprego que todos os empregados, no presente e no futuro,
425
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. Monthly
Labor Review.Washington: US Government Printing Office, Vol. 50, No. 5, May 1940, p. 1087.
426
Cf. REUTHER, Walter. Carta os membros do sindicato e das plantas da GM filiados ao UAW-CIO. 18 de
junho de 1940. Walter Reuther Library. Coleção: UAW Research Department. Accesion No. 350. UAW-GM
Collection. General Correspondence, 1938-1945. Box 1.
427
Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, p. 140.
221
pertencessem ao sindicato durante a vigência do contrato.
428
O contrato também previa o
check-off, o desconto da contribuição sindical na folha de pagamento, desde que não
excedesse US$ 1,00/ano. A companhia aceitava ainda pagar salários, nas diferentes
classificações, tão altos quanto os das competidoras. O direito de contratar e manter a
ordem e a eficiência nas plantas eram percebidos como prerrogativas exclusivas da
gerência, assim como a demissão por justa causa, mas deviam ser submetidas a
procedimentos de queixa. O UAW reconhecia ainda o direito exclusivo da empresa em
determinar o número e a alocação das suas plantas, a introdução de novas máquinas e
ferramentas, a determinação dos produtos a serem manufaturados, os métodos a serem
utilizados no processo produtivo e o calendário da produção.
429
O sindicato comprometia-
se, ainda, a não fazer greves ao longo da duração do contrato, e a disciplinarizar seus
filiados de modo a impedir que fizessem greves não autorizadas (wildcat strikes). O UAW
428
Havia dois tipos de cláusulas contratuais prevendo a filiação de todos os trabalhadores de uma determinada
unidade de negociação no sindicato contratante, a union shop e a closed-shop. A diferença é que, na cláusula
de closed-shop, todo o novo trabalhador deve ser contratado através do sindicato ou já ser membro do
sindicato no momento da contratação, ao passo que na union shop o empregador tem pleno controle sobre a
contratação e o novo contratado nem precisa ser membro do sindicato. No entanto, o novo contratado deveria
tornar-se membro do sindicato, após um período de experiência. Se em tal período ele fosse demitido, a
empresa não deveria reportar-se ao sindicato. Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.
BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Types of union recognition in effect in january 1943”. In Monthly
Labor Review. Washington: US Bureau of Labor Statistics, Vol.56, No. 2, Fevereiro de 1943, p. p. 286. Em
1939, 3 dos 8 milhões de trabalhadores americanos sindicalizados trabalhavam sob contratos de closed-shop.
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Closed shop
and check-off in union agreements”. In Monthly Labor Review. Washington: Vol. 49, No. 4, Outubro de
1939., p. 834, 835.
429
A questão da alocação das plantas era de grande importância, dado que o Sul dos Estados Unidos era então
uma região fracamente sindicalizada e os salários eram mais baixos, e tornou-se parte das estratégias das
empresas alocar plantas nesta região. Em pesquisa realizada entre 1935 e 1937, constatou-se que, em 105
ramos industriais analisados, o salário/hora médio no Norte foi de 69,1 cents, ao passo que no Sul foi de 47,8
cents, refletindo a alta concentração das indústrias automotiva e siderúrgica na primeira e de algodão na
segunda. Mas no interior das mesmas indústrias havia diferenças importantes, refletindo a menor
sindicalização no Sul. Para 832.179 trabalhadores das mesmas indústrias, os do Sul ganhavam em média
18,6% a menos do que os do Norte, ao passo que o número de horas trabalhadas no Sul foi em média 1% do
que as do Norte. Cf. HINRICHS, A.F. e BEAL, Arthur. Monthly Labor Review. Washington: US Government
Printing Office, May 1940, Vol. 50, No. 5. HINRICHS, A.F. e BEAL, Arthur. “Geographical differences in
hours and wages, 1935 and 1937”, p. 1205. Em 1936, o United Auto Workers publicaria uma notícia com o
título de “Vá para o Sul em busca de trabalho barato”, reproduzindo, e denunciando, uma mensagem enviada
222
pedia também a abolição do Ford Service Department mas, diante da resistência da empresa
em aceitar tal cláusula, chegou-se a um meio termo: todos os funcionários do departamento
seriam claramente identificados por uniformes, de forma a distingui-los dos demais
trabalhadores. O contrato tinha a validade de um ano, sendo renovável anualmente, a não
ser que fosse rompido por uma das partes com pelo menos 30 dias de antecedência.
430
A sindicalização da indústria automotiva teria grande impacto sobre sua estrutura
salarial norte-americana. Sendo o UAW-CIO praticamente como único interlocutor sindical
da Ford Motor Company, da Chrysler Corporation e da General Motors Corporation, ele
buscou sistematicamente igualar as condições de trabalho nas Três Grandes e estas, por seu
lado, buscaram estabilizar suas relações de trabalho com seus empregados sem o receio de,
com isto, elevar seus custos em relação às demais concorrentes. Conseqüentemente, entre
junho de 1940 e novembro de 1941 o salário médio dos trabalhadores automotivos subiu
17%, aumentos estes concentrados principalmente na segunda metade de 1941 (graças ao
acordo com a Ford), beneficiando cerca de 300 mil trabalhadores. Os aumentos atingiram
de 80% a 90% dos trabalhadores automotivos e foram mais ou menos uniformes por todas
as categorias, sem ligação direta com sua qualificação. Em janeiro de 1944, cerca de 13.750
mil trabalhadores industriais americanos, ou 45% do total, e 90% dos trabalhadores
automotivos, trabalhavam sob contratos coletivos.
431
Um ano antes, o UAW-CIO havia
sido o primeiro sindicato atuante nos Estados Unidos a superar a marca de um milhão de
provavelmente pela Câmara de Comércio da Carolina do Sul para atrair empresas para o estado. Cf. UNITED
AUTO WORKERS. United Auto Worker. Official publication. Detroit: Vol. I, No. 2, 7 de julho de 1936, p. 8.
430
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS.
“Collective agreement with Ford Motor Co”. In Monthly Labor Review.Washington: US Government Printing
Office, Vol. 53, No. 2. Agosto de 1941., p. 383, 390.
431
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Wage
structure of the motor-vehicle industry. Part I”. In Monthly Labor Review.Washington: US Government
Printing Office, Vol. 54, No. 2., Fevereiro de 1942, p. 282-294; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF
LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Extent of collective bargaining and union status, January
223
filiados, em apenas 8 anos de existência, 67% dos quais em Detroit e arredores. Em tais
contratos coletivos, cerca de 2 milhões de trabalhadores em 1940, haviam conquistado o
direito a férias remuneradas, a grande maioria gozando de uma semana após um ano de
serviço.
432
1944”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 58, No. 4, Abril de
1944, p.697.
432
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS.
“Convention of Automobile Workers, CIO, 1943”. In Monthly Labor Review.Washington: US Printing
Office, Vol. 57,No.5, Novembro de 1943, p. 955; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.
BUREAU OF LABOR STATISTICS. Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office,
Vol.51, No.5, Novembro de 1940, p. 1071-1073.
224
4.4. O esvaziamento político da NLRB
A insatisfação da AFL com a atuação da NLRB iria traduzir-se na proposta de nove
emendas à NLRA: que cada profissão ou grupo de trabalhadores qualificados tivesse
sempre o direito de escolher sua própria unidade de negociação por maioria dos votos; que
a NLRB perdesse o poder de invalidar contratos; que todas as partes envolvidas em um
processo tivessem os mesmos direitos assegurados; que a intervenção de qualquer das
partes envolvidas em um processo fosse um direito e não algo a ser discricionariamente
decidido pela NLRB; uma melhor qualificação do pessoal da NLRB; que as eleições
sindicais fossem realizadas 30 dias após feito o pedido e, por fim, que todas as ações
fossem decididas em até 45 dias após findos os testemunhos. Para a AFL, a NLRB não só
não dava direito à existência de seus sindicatos profissionais, através de suas escolhas de
unidades de negociação amplas, como também dificultava a realização de eleições pedidas
por sindicatos a ela filiados. Dito de outra forma, a AFL queria garantir que a NLRA,
segundo seus próprios termos, assegurasse aos trabalhadores “o completo benefício de seu
direito à livre organização e negociação coletiva”,
mas que perdesse qualquer veleidade de
implementar a política da Lei. Para a AFL, em suma, a NLRA deveria legitimar a
organização sindical existente quando de sua promulgação, em 1935, e não buscar
redesenhar o movimento sindical.
433
As críticas da AFL à NLRB logo a aproximariam da NAM e da USCC, ferozes e
históricas adversárias da Lei Wagner e do New Deal.
434
Para a NAM, a NLRA baseava-se
em quatro premissas falsas: a de que todos os trabalhadores desejavam entrar em um
433
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 28, No. 42, 15 de
outubro de 1939, p.1; AMERTICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol.
225
sindicato, de que os conflitos entre patrões e empregados eram inevitáveis, de que os
empregadores eram sempre injustos com seus empregados e que era dever do Estado aliar-
se aos trabalhadores contra os patrões. Portanto, a NLRB não só carecia de um vício de
origem, a própria NLRA, que indevidamente imiscuía o Estado nas relações de trabalho,
como também havia perpetrado os seus próprios pecados, assumindo, em suas Regras e
Regulamentos, que apenas os empregadores eram responsáveis por unfair labor practices.
Para amortecer as críticas que vinha sofrendo, ainda em 1939 a NLRB mudou suas Regras
e Regulamentos para permitir que também empregadores tivessem o direito de peticionar a
agência para a certificação de representantes, de modo a evitar situações em que duas
organizações rivais disputassem seus trabalhadores sem no entanto pedir eleições.
Diante das críticas patronais e da AFL, uma coalizão de republicanos e democratas
sulistas, além de proporem emendas à NLRA, fizeram aprovar na Câmara dos Deputados a
criação de um Comitê Especial da Câmara dos Deputados para Investigar a NLRB, que
viria a ser conhecido como Smith Committee em razão de seu presidente, o deputado
Howard Smith.
Como não poderia deixar de ser, a questão da unidade de negociação foi uma das
mais discutidas pelo Committee. Em jogo, a disputa entre pluralistas industriais e legalistas
reais em torno do papel do Estado na regulação da vida sindical. Em seu depoimento diante
do Comitê, William Leiserson, defendendo sua tradicional visão pluralista, afirmou que
nada na Lei emprestava à NLRB autoridade para forçar minorias de trabalhadores a perder
suas liberdades básicas, caso suas unidades de negociação tradicionais fossem julgadas
inadequadas pela agência. Segundo Leiserson, a NLRB havia extrapolado sua autoridade
29, No. 2, 14 de janeiro de 1940, p. 1.
434
Cf. GROSS, James. Op.Cit., 1981, p. 42 e seguintes.
226
nos casos em que a regra da maioria havia sido aplicada em unidades industriais
consistindo de todos os trabalhadores de uma planta, em detrimento dos trabalhadores de
unidades profissionais. Para ele, o papel da NLRB deveria ser unicamente o de processar
disputas trabalhistas e não o de legislar ou dispensar justiça:
435
Não acredito que as disputas, no altamente complicado e especializado
campo das relações de trabalho, possam ser administradas de um ponto de
vista estritamente legalista. A administração [do NLRA] tem sido de certa
forma prejudicada pelas políticas legais que praticamente compelem
trabalhadores, sindicatos e patrões a entregar seus problemas trabalhistas a
advogados para poderem ter acesso à NLRB.
Eu prefiro considerar a NLRB como uma agência em que trabalhadores
tenham acesso para contar suas histórias com suas próprias palavras e na
qual os empregadores possam agir da mesma maneira informal. O NLRA já
provê a apelação judicial para assumir os problemas técnicos legais.
436
As críticas de Leiserson à NLRB também ficariam explícitas em cartas enviadas a
seu mentor John R. Commons, em setembro de 1939 e março de 1940. Para ele, o grande
problema da NLRB havia sido sua decisão de pensar-se e agir como um tribunal
administrativo que, no entanto, lidava com organizações eminentemente privadas. Assim,
por exemplo, os sindicatos, tal como as corporações, deveriam ter o direito de, através de
suas próprias regras, disciplinarizar os seus membros e de impor a estes as suas decisões, na
antiga tradição da AFL, que a NLRB queria romper:
437
A administração de agências públicas é satisfatória, no meu modo de ver,
quando a agência percebe que as regras práticas desenvolvidas pelas
associações voluntárias são razoáveis. Quando elas buscam impor novas
435
Cf. ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Report on the investigation of the National
Labor Relations Board. Intermediate Report of the Special Committee of the House of the Representatives.
Seventy-Sixth Congress. First Session. Appointed pursuant to H. Res. 258 to Investigate the National Labor
Relations Board. Washington: US Government Printing Office, 1940, p. 63.
436
LEISERSON, William. Colocações feitas em encontrono Economic Club de Detroit, em 8 de janeiro de
1940. NARA, RG 25, Smith Committee Box 11.
437
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 211.
227
regras a partir de suas próprias noções do que é razoável, então surgem os
problemas.
438
William Green não ficaria atrás de Leiserson em suas críticas à atuação da NLRB.
Diante do Comitê, comentando o caso do Pacific Longshoremen, afirmou que a NLRB
havia destruído os sindicatos portuários da AFL na Costa Oeste, obrigando os trabalhadores
a eles filiados a se transferirem para sindicatos rivais, filiados ao CIO, sob pena de perder
sua voz. Como conclusão, afirmou que a NLRB deveria perder o direito de determinar a
unidade de negociação, que deveria ficar a cargo única e exclusivamente dos próprios
trabalhadores.
439
Fazendo sua profissão de fé pluralista, a AFL afirmava: “O Congresso
deve estabelecer as regras do jogo que uma nova NLRB deve seguir. Aprendemos o erro de
confiar ampla autoridade discricionária a uma agência governamental quasi-judicial. A
conseqüência inevitável é o abuso de autoridade”.
440
A questão da autoridade da NLRB também foi tema do depoimento de Lloyd
Garrison diante do Comitê. Segundo Garrison, no coração das disputas em torno da NLRB
estava seu caráter de agência administrativa, que reunia poderes executivos, normativos e
quasi-judiciais. A NLRB atuava, portanto, como Investigador, Juiz, Juri e Promotor nos
processos de unfair labor practice e na determinação das unidades de negociação, o que a
tornava presa fácil de acusações de favorecimento a uma ou outra organização operária.
Com a divisão do movimento operário entre a AFL e o CIO, o poder discricionário da
NLRB acabou por ser ressaltado, sendo impossível a imparcialidade em uma tal disputa.
438
LEISERSON, William. Carta para John Commons. Março de 1940. Apud TOMLINS, Christopher. Op.
Cit., p. 212.
439
Cf. ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Report on the investigation of the National
Labor Relations Board. Intermediate Report of the Special Committee of the House of the Representatives.
Seventy-Sixth Congress. First Session. Appointed pursuant to H. Res. 258 to Investigate the National Labor
Relations Board. Washington: US Government Printing Office, 1940, p. 65, 66.
440
Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 2, 13 de
janeiro de 1940, p. 1.
228
Em sua opinião, em uma questão onde não havia consenso, precedentes e jurisprudência,
outras instâncias, que não uma agência administrativa, deveriam lidar com o conflito. Na
pior das hipóteses, quando uma organização do CIO disputasse com uma da AFL uma
representação de trabalhadores qualquer, não deveria haver eleições, nehuma organização
teria exlusividade da representação e o empregador ficaria livre para fazer acordos com
todos os envolvidos, desde que nenhum destes acordos envolvesse cláusulas de closed
shop. O status quo perma neceria intacto, até que as partes, por elas mesmas, chegassem a
um acordo ou modus vivendi.
441
Ao longo das sessões do Comitê, Edwin Smith, o membro da NLRB mais
claramente identificado às determinações de grandes unidades de negociação, chegou a ser
acusado por Joseph Padway, Conselheiro-Geral da AFL, de ter utilizado os recursos da
agência para fortalecer o CIO, ainda que várias de suas decisões tenham sido minoritárias
na agência.
442
No caso Allis-Chalmers, por exemplo, em que a NLRB ordenou a realização
de eleições entre categorias profissionais por desejo dos sindicatos ligados à AFL, como o
IAM, Smith dissentiu afirmando que a agência havia abandonado a função de determinar a
unidade de negociação de acordo com seus próprios critérios, e um pequeno número de
trabalhadores iria decidir os destinos de 10 mil trabalhadores de de uma unidade industrial
completa, com evidente desprezo pelo direito da maioria.
443
Smith faria ainda duras críticas
441
Cf. GARRISON, Lloyd. Statement before the House Committee Investigating the NLRB. February 2,
1940. Lloyd Garrison (Z-733). (dean of the University of Winsonsin Law School, first Chairman of the old
National Labor Relations Board (summer and fall of 1934). National Archives and Records Administration.
Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General
Counsel. Records relating to preparation of Board's case, 1939-1940. Entry: 31, 43,07,01. Box 2.
442
Cf. The Washington Daily News. Washington: 19 de abril de 1939.
443
Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Allis-Chalmers
Manufacturing Company and International Union, United Automobile Workers of America, Local 248. Case
No. R-215. - Decided November 20, 1937.” In Decisions and orders of the Natinal Labor Relations Board.
Volume 4. November 1, 1937 - February 1, 1938. Washington: United States Government Printing Office,
1938, p. 159; SMITH, Edwin. Statement of Edwin Smith, Member, NLRB, before the Senate Committee on
Education and Labor in connection with proposed amendments to the NLRA (R-1761). National Archives and
229
à AFL, atacando suas emendas à NLRA como destrutivas aos interesses dos trabalhadores
organizados e conformes aos interesses dos patrões.
444
Em seu Relatório Final, o Simth Committee faria um retrato demolidor da NLRB:
Edwin Smith surgia como simpático ao CPUSA e ao CIO e suas determinações de unidade
de negociação, contrárias à AFL, como derivadas de suas filiações políticas radicais. J.
Warren Madden, já então afastado da NLRB desde 27 de agosto de 1940, também era
mostrado como simpático às causas radicais e, de forma geral, a NLRB era associada ao
levante operário de 1937, às sit-down strikes e à infiltração comunista no seio do governo
americano.
445
A partir de 1939, no entanto, o impulso reformista do New Deal já começava a
perder seu vigor e as atenções de Roosevelt voltavam-se cada vez mais para o front externo
e para a guerra que se aproximava na Europa e, logo, nos próprios Estados Unidos. O “Mr.
New Deal” cada vez mais assumia a fisionomia do “Mr. Win the War” e, neste cenário,
agências como a NLRB, que monopolizavam as manchetes negativas dos jornais e
dividiam não só a opinião pública como o próprio movimento sindical, os partidos políticos
e as grandes corporações (cujo apoio seria fundamental para a conversão da economia
americana para a produção bélica) tornavam-se cada vez mais problemáticas.
446
A rigor,
desde 1938, com o país em meio a uma recessão e com uma eleição parlamentar
aproximando-se, Roosevelt já vinha sentindo que a ação da NLRB poderia causar
Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the
Assistant General Counsel. Excerpts from speeches and articles, 1935-1939. Stack area: 530. Entry: 35,
43,07,02.
444
Cf. The Washington Daily News. Wednesday, April 19, 1939.
445
Cf. ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Report of the Special Committee to Invesgate
the National Labor Relations Board. Submitted by Mr. Smith of Virginia. Washington: US Government
Printing Office, 1941, 30 de dezembro de 1940, p. 5-21.
446
Para uma monumental narrativa das mudanças na política interna norte-americana com a aproximação,
eclosão e entrada americana no conflito iniciado em 1939, Cf. SHERWOOD, Robert. Roosevelt e Hopkins.
230
problemas à sua coalizão e o The New York Times de 2 de junho já trazia notícias, oficiosas,
de que o presidente achava que algumas das decisões da agência teriam prejudicado
empresários.
447
A solução encontrada pelo presidente para esvaziar politicamente a NLRB não seria
a proposição ou apoio a emendas à NLRA, mas a substituição gradual de seus
problemáticos membros identificados ao realismo legal por novos membros identificados
ao pluralismo industrial. A primeira indicação de peso neste sentido foi a de William
Leiseron, em substituição a Donald Wakefield Smith, ainda em junho de 1939, nomeação
que seria profundamente criticada pelo CIO.
448
O desejo de Leiserson de transformar a
NLRB, de uma agência voltada para a organização do movimento sindical em nome da
construção de um suposto interesse público para uma agência voltada para a harmonia com
o seu meio existente, ou seja, de uma agência formuladora de regras públicas de conduta
dos sindicatos para uma agência respeitadora das regras privadas destes, logo tornou-se
clara. Em 21 de junho de 1939, ele enviou um memorando a J. Warren Madden a respeito
da unidade de negociação afirmando que a NLRB deveria evitar determinações de unidade
que alterassem relações previamente existentes.
449
Ele buscava assim evitar o que ocorrera
no caso Pittsburgh Plate Glass, de janeiro de 1939, em que a NLRB havia determinado uma
só unidade em 6 plantas de vidros planos da empresa, certificando o Federation of Flat
Glass Workers-CIO, apesar de a maioria dos trabalhadores de uma das maiores plantas
preferir manter-se como unidade separada, representada por um sindicato independente. O
Caso Pittsburgh chegaria à Suprema Corte dos Estados Unidos, que manteve a Decisão da
Uma história da Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: Ed. Universidade de
Brasília; Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade, 1998.
447
The New York Times. 3 de junho de 1938, p. 1.
448
Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Third Constitutional Convention..., p. 70.
449
LEISERSON, William. Memorando para William Madden. 21 de junho de 1939. National Archives and
231
NLRB por entender que a determinação da unidade de negociação deveria levar em conta a
melhor forma possível de se manter a paz industrial, para além da vontade, ainda que
importante, de um número determinado de trabalhadores.
450
Era justamente contra tal enfoque, sancionado por algumas decisões da Suprema
Corte dos Estados Unidos,
a respeito do papel e do lugar do sindicato na vida americana, ou
seja, a de que existiria um abstrato bem público superior ao direito individual e privado de
um determinado conjunto de trabalhadores, e que os sindicatos deveriam encarnar ou estar
submetidos a tal bem, que Leiserson e a tradição pluralista se batiam.
451
No caso da caso da
Chrysler Corporation, de julho de 1939, Leiserson conseguiu convencer Madden a juntar-se
a ele contra Edwin Smith, desmembrando a empresa em várias unidades de negociação,
levando ao protesto do UAW-CIO já referido.
452
Mas a reestruturação do pessoal da NLRB não se encerrou com a nomeação de
Leiserson. Harry Millis, em subsitutição a J. Warren Madden, e Gerard Reilly, em
substituição a Edwin Smith, foram indicados para a agência em novembro de 1940 e
outubro de 1941, respectivamente, coroando um processo de esvaziamento da NLRB como
agência marcada por práticas identificadas ao legalismo realista, indicando, pelo contrário,
o triunfo dos pluralistas industriais.
Para o CIO, as saídas de Edwin Smith e J.W. Madden da NLRB significaram uma
decisiva derrota. Para a AFL, pelo contrário, a não recondução de Madden, em 1940,
representou o início da limpeza dos elementos esquerdistas pró-CIO que atuavam na
Records Administration. Records 25. Smith Committee. Box 2.
450
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Court
Decisions of interest to labor”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol.
53, No. 6, Junho de 1941, p. 1449-1450.
451
Cf. KLARE, Karl. Op. Cit., p. 319.
452
Cf. THOMAS, R.J. “Carta à NLRB”. In UAW. Official publication. Detoit: Vol.3, No.28, 2 de agosto de
1939, p. 6.
232
NLRB. A partir de então, e crescentemente, a NLRB consistentemente aplicaria em suas
Ordens e Decisões a visão do pluralismo industrial nas relações de trabalho, levando assim
a um montante de críticas do CIO.
453
A NLRB de Reilly, Millis e Leiserson buscou,
portanto, acomodar as inovações da NLRA às práticas sindicais que prevaleciam antes de
sua promulgação, passo importante na consolidação da ideologia industrial pluralista e do
contratualismo no centro da lei trabalhista norte-americana, resultando no fato de que a
agência deixava de ser elemento central para a remodelagem das relações de trabalho nos
Estados Unidos.
454
453
Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Daily Proceedings of the Fourth Constitutional
Convention of the CIO. Detroit: 17, 18, 19, 20, 21, 22 de novembro de 1941, p. 81; AMERICAN
FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, n. 45, Nov. 7, 1940, p.1;
CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Daily Proceedings of the Fourth..., p. 338.
454
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit. p. 199; GROSS, James. Op. Cit., 1981, p. 267.
233
4.5. Uma ordem contratualista de relações de trabalho
A partir do momento em que a Suprema Corte dos Estados Unidos confirmou a
constitucionalidade da NLRA, em 1937, um dos objetivos da Lei parecia ter sido ao menos
parcialmente atingido: a paz industrial.
455
Deste momento em diante, aumentou
expressivamente o número de ações iniciadas por sindicatos na NLRB por unfair labor
practices e, concomitantemente, diminuiu o número de greves. Em 1936 e na primavera de
1937, houve mais greves do que ações iniciadas por sindicatos na NLRB. Em 1937, no
entanto, houve 221% a mais de casos sendo considerados pela NLRB do que o número de
greves, tendência que se manteve nos primeiros meses de 1938 e se prolongou por 1939. E
o número absoluto de greves também conheceu uma queda acentuada: 4.740 em 1937,
2.773 em 1938 (este ano, em parte, por conta da “recessão Roosevelt”) e apenas 2.283 em
1939, atestando que o movimento sindical crescentemente buscou resolver seus conflitos
com o patronato pela via da ação do Estado.
456
Em apenas 4 anos, o UAW-CIO, através de
eleições organizadas pela NLRB, foi capaz de realizar, praticamente sem sangue
(excluindo-se as feridas de Reuther e Frankensteen), e com um número relativamente
reduzido de greves, o que os trabalhadores automotivos não haviam conseguido em 40 anos
de luta: fazer-se reconhecer pelas montadoras como agente exclusivo dos trabalhadores
automotivos para fins de contratação coletiva do trabalho e efetivamente contratar
coletivamente salários e condições de trabalho.
455
Cf. GROSS, James. Op. Cit., 1974, p. 149 e seguintes.
456
Cf. ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Hearings before the Special Committee to
Investigate National Labor Relations Board. House of Representatives. Seventy-Sixth Congress, Second
Session, pursuant to H. Res. 258. Vol. 13, January 31-Febryary 1, 1940. “Testimony of Joseph Warren
Madden, Chairman, National Labor Relaitons Board, Washington, DC”, p. 2606.
234
O UAW-CIO não foi, evidentemente, o único sindicato a realizar contratos coletivos
de trabalho neste período. Pelo contrário, em 1942, o Departamento do Trabalho registrava
uma tendência ao aumento no número de contratos coletivos, tendo o seu Bureau of Labor
Statistics arquivado mais de 10 mil deles, espalhados por todas as indústrias. Em 1945, de
um total estimado de 29 milhões de trabalhadores americanos em ocupações em que os
sindicatos eram fortes e atuantes, cerca de 13.800 mil estavam cobertos por contratos
coletivos de trabalho, ou 48% do total. Nas indústrias de transformação, tal índice chegava
a 67% e, na indústria automotiva em particular, era ainda mais alto.
457
A uma primeira vista, portanto, tendo os sindicatos se potencializado através da
NRLB, agora esvaziada de seu enfoque realista legal, parecia consolidar-se uma visão
contratualista das relações de trabalho nos Estados Unidos, tal como historicamente
proposta pela AFL. Tal, no entanto, não era a exatamente a proposta do CIO, para quem a
contratação coletiva do trabalho era potencialmente incapaz de institucionalizar os ganhos
materiais dos trabalhadores. Em lugar desta, o CIO propunha a construção de um novo
pacto social, institucionalizado através de agências tripartites de concertação social tal
como já experimentadas nos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial, em que
representantes do Estado, do trabalho organizado e do empresariado acordassem políticas
de renda e produção.
458
Não só Philip Murray, o católico presidente do CIO seria um
defensor de tais agências, como a central, em sua Convenção de 1941, reafirmaria a defesa
457
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. Twenty-Ninth Annual Report of the Secretary of
Labor, for the fiscal year ended June 30, 1941. Washington: US Printing Office, 1942, p. 85; ESTADOS
UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Extent of collective
bargaining and union recognition in 1945”. In Monthly Labor Review. Washington: US Printing Office, Vol.
62, No. 4, Abril de 1946, p. 568.
458
Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. “From corporatism to collective bargaining: organized labor and the eclipse
of social democracy in the postwar era”. In FRASER, Steve e GERSTLE, Gary (orgs.). Op.Cit,p. 154 e
seguintes.
235
da criação de conselhos industriais que ensejassem o aumento da cooperação entre
trabalhadores, empresas e governo.
459
As exigências da conversão da economia americana durante a Segunda Guerra, em
que várias agências tripartites foram criadas, tais como a Office of Price Administration
(OPA), a War Production Board (WPB) e a War Labor Board (WLB), foram percebidas
pelo CIO como centrais para o redesenho da economia americana no pós-Guerra, as bases
de uma nova ordem corporativa que permitisse a construção de macro-acordos sociais para
a implantação de políticas econômicas keynesianas e a manutenção dos altos salários.
Já em
1944 o CIO deixava claro o seu projeto para o pós-Guerra:
O desastre pode vir por acidente, mas a prosperidade, no mundo moderno,
só pode advir do planejamento, que deve começar desde já. Os empresários
pedem o fim da intervenção do Estado, mas não provaram que deixaram
para trás suas crenças e práticas que causaram a Depressão dos anos 30. Sua
visão ainda é muito estreita para abarcar o bem-estar de todo o povo. Uma
agência federal, contando com representantes da agricultura, do trabalho
organizado e das corporações, deve ser criada rapidamente para realizar uma
transição ordeira para o consumo, o emprego e a produção plenos no pós-
Guerra.
Os planos do pós-Guerra devem estar baseados no claro reconhecimento da
responsabilidade do governo federal para a manutenção do pleno emprego,
produção e consumo.
460
Ainda em 1944, o CIO defenderia a criação de uma National Planning Board,
apontada pelo Presidente da República e com representantes de diversos setores da
459
Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREU OF LABOR STATISTICS. “CIO
Convention, 1941”. In Labor Monthly Review. Washington: US Goverment Printing Office, Vol. 53, No. 6,
Dezembro de 1941, p. 1453.
460
CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. POSTWAR PLANNING COMMITTEE.
DEPARTMENT OF RESEARCH & EDUCATION. As we win. Report No. 1. Washington: janeiro de 1944.
236
economia, assim como de conselhos tripartites em cada indústria, de modo a planejar a
economia americana do pós-Guerra, inclusive com uma política nacional de rendas.
461
No entanto, as necessidades da conversão industrial iriam fortalecer sobremaneira o
empresariado nas agências tripartites. Na WPB, o trabalho organizado não tinha
participação mais do que nominal e após a morte de Roosevelt, o fim da Guerra e a
ascensão ao poder de Harry Truman, o CIO encontraria dificuldades crescentes para
sustentar sua proposta de uma nova economia política norte-americana.
462
Neste cenário, a
Conferência Capital-Trabalho organizada pelo governo em 1945 para desenhar um macro-
acordo social para o pós-Guerra resultou inócua, tendo as divisões no próprio movimento
sindical contribuído para tal desfecho.
463
John Lewis, o líder mineiro que havia sido um dos
fundadores do CIO e que com este havia rompido em 1940, chegou a afirmar, esposando
uma visão próxima à da AFL, que o CIO defendia “... um estado corporativo, no qual as
atividades do povo são reguladas e constrangidas por um governo ditatorial. Nós nos
opomos a um estado corporativo”.
464
Em resposta a uma situação em que os ganhos materiais, simbólicos e institucionais
do New Deal apresentavam-se em perigo, setores do movimento sindical, liderados pelo
UAW-CIO, iniciaram uma onda de greves, em fins de 1945, na qual a palavra de ordem era
a necessidade de se manter elevado o nível salarial de forma a se evitar uma recessão
ocasionada pelo processo de reconversão da indústria para a produção civil.
461
Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. POLITICAL ACTION COMMITTEE. Jobs for
all after the war. Washington: 1944.
462
Para uma discussão a respeito do movimento sindical durante a Segunda Guerra Mundial, Cf.
LICHTENSTEIN, Nelson. Labor’s war at home. The CIO in World War II. Cambridge: Cambridge
University Press, 1991.
463
UNITED STATES DEPARTMENT OF LABOR. DIVISION OF LABOR STANDARDS. The President's
National Labor-Management Conference. November 5-30, 1945. Summary and Committee Reports.
Washington: United States Department of Labor, 1946.
464
LEWIS, John. Apud LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit, 1995, p. 226.
237
Fundamentalmente, o que o UAW-CIO buscava era elevar o nível salarial dos
trabalhadores da indústria automotiva sem repassar os custos desta elevação aos preços dos
automóveis. A negativa sistemática da GM em aceitar o que considerava uma intromissão
sindical em seu poder corporativo, a precificação de seus produtos e a delimitação de sua
margem de lucros, levou a greve do UAW a uma derrota histórica, colocando um ponto
final nas esperanças do CIO de reorganizar as relações de classe nos Estados Unidos
segundo moldes social-democratas.
465
As greves de 1945-1946 teriam como resultado ainda um clima político
extremamente desfavorável aos sindicatos. Em que pese a tentativa destes de dissociar
ganhos salariais de aumentos de preços aos consumidores, a luta sindical foi amplamente
apresentada à opinião pública como inflacionária e aos sindicatos recaiu a responsabilidade
pela inflação do pós-Guerra. Neste cenário, os republicanos e sua tradicional oposição ao
mundo do trabalho seriam os grandes vitoriosos nas eleições parlamentares de 1946, em
cuja legislatura seria aprovada a Lei Taft-Hartley, de 1947. Se a NLRA colocava limites
claros à conduta corporativa em suas relações com o movimento sindical, a Lei Taft-
Hartley, por seu lado, emendava-a, colocando limites claros à ação sindical. Dentre outros
elementos, a Lei Taft-Hartley bania o closed-shop entre trabalhadores sob jurisdição
federal, proibia greves no setor público, exigia um aviso prévio para a realização de greves
no setor privado, tornava ilegal greves e boicotes de solidariedade e instituía a figura do
unfair labor practices também para os sindicatos.
466
465
Cf. GENERAL MOTORS CORPORATION. General Motors reply to UAW-CIO Brief. Submitted in
support of Wage Demand for 52 hours pay for 40 hours work. Detroit: 1945, p. 1-44; LICHTENSTEIN,
Nelson. Op. Cit., 1989, p.133.
466
Cf. MOE, Terry. “Control and feedback in economic regulation: the case of the NLRB”. In The American
Political Science Review, Vol. 79, No. 4 (dezembro de 1985), p. 1096.
238
Se a conjuntura de 1945-1947 levou ao abandono, por parte do CIO, de quaisquer
projetos sindicais de molde social-democrata, as grandes corporações norte-americanas,
diante de sua nova posição de força, do enfraquecimento relativo dos sindicatos em função
da Lei Taft-Hartley, e do isolamento do mercado norte-americano em relação a uma
economia mundial devastada pela Segunda Guerra, buscaram construir um novo
acomodamento com estes que se traduzisse em consentimento operário no longo prazo. É
importante frisar, embora politicamente derrotado, o movimento sindical ainda acumulava
recursos políticos e econômicos suficientes para causar interrupções significativas no
processo de produção. A greve da GM de 1945-1946, por exemplo, havia durado mais de
100 dias e só no mês de fevereiro de 1946, 130 mil trabalhadores cruzaram os braços,
resultando em 21.500 mil dias perdidos de trabalho.
467
Gestava-se, assim, o que viria a ser
conhecido como os Tratados de Detroit.
Baseado em um novo consenso keynesiano, os acordos de Detroit entre o UAW-
CIO e a GM, a Ford e a Chrysler, previam aumentos salariais anuais mais um acréscimo de
2% relativo aos ganhos de produtividade do trabalho, ou seja, incorporavam a relação
salarial fordista. Por outro lado, as empresas também desenvolveram programas privados
de bem-estar, planos de aposentadoria e outros benefícios, construindo um sistema de
welfare privado. O UAW-CIO, por seu lado, comprometia-se a combater greves não-
autorizadas (wildcat strikes) e consentia no pleno poder das companhias em “dirigir” seus
negócios, abrindo mão, definitivamente, da democracia industrial, de discussões sobre
467
Cf. UNITED STATES. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Work
stopages in February 1946”. In Monthly Labor Review. Washington, DC: United States Government Printing
Office,Vol. 62, No. 4, April 1946, p. 609.
239
inovações tecnológicas e acerca da construção de uma nova economia política para o
capitalismo americano.
468
Neste cenário, a própria AFL e o CIO acabariam por fundir-se em 1955, com vistas
a potencializar as finanças e a capacidade organizativa do movimento sindical. A rigor,
após a expulsão dos comunistas do CIO, em 1949, e do abandono deste de projetos de
reforma social social-democratas, não havia mais divisões claras, tanto ideológicas quanto
organizacionais, entre as duas centrais sindicais. Mesmo Walther Reuther, já então
presidente do UAW e um dos mais aguerridos defensores de uma concepção social-
democrata de pacto social institucionalizado através de agências tripartites, diante da nova
situação colocada pelo clima do pós-Guerra, chegou a afirmar, em sua nova defesa das
negociações coletivas como instrumento central da luta sindical: “Eu prefiro negociar com
a General Motors do que com o governo. (...) A General Motors não tem exército”.
469
Uma
grande distância política havia sido percorrida pelo líder sindical desde 1937, ocasião em
que foi vítima das milícias privadas da Ford Motor Company e quando buscou, na proteção
estatal, condições para negociar com a empresa.
Para David Harvey, os Acordos de Detroit representam a consolidação da regulação
fordista keynesiana do capitalismo americano, resultado de uma nova pactuação entre
Estado, sindicatos e grandes empresas. Aos dois últimos, como visto, caberiam a
consolidação de uma nova relação salarial, de natureza fordista e de salários indiretos,
introduzindo a classe trabalhadora industrial americana no mundo do consumo, em troca
do consentimento operário. Ao Estado, caberia regular a dimensão do exército industrial de
reserva, através da seguridade social e outros mecanismos compensatórios, estabelecer um
468
Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, p. 322 e seguintes.
469
Idem, p. 261.
240
frágil arcabouço de regulação do trabalho e executar as políticas monetária e fiscal, e
realizar encomendas públicas, como ao complexo industrial-militar, e programas de obras
públicas. Dentre estes, foram de particular importância a Administração Federal de
Habitação e o Programa Rodoviário Federal que, juntos, iriam contribuir para o redesenho
da paisagem norte-americana, salpicando-a de subúrbios cortados por vias expressas,
rodovias e viadutos. O Programa Rodoviário Federal, acabou por se constituir no maior
programa de obras públicas da história, envolvendo mais de US$ 40 bilhões, materializando
o sonho defendido pela GM, desde a década de 1920, de rodar automóveis produzidos
privadamente, de preferência por ela própria, sobre estradas construídas com recursos
públicos.
470
Como havia proposto Croly no início do século, Estado, sindicatos e grandes
corporações pactuaram na construção de um novo equilíbrio de forças, capaz, nos termos
de David Harvey, construir um novo modo de regulação do capitalismo americano em que
uma nova relação salarial, construída a partir da contratação coletiva do trabalho, seria
instrumento de acesso ao consumo operário.
470
Cf. HARVEY, David. Op. Cit.; PIVEN, Frances Fox. “The new reserve army of labor”. In FRASER,
Steven e FREEMAN, Joshua (org.). Op. Cit., p. 106 e seguintes; FLINK, James. Op. Cit., p. 368; HALL,
Peter. Cidades do amanhã. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 346.
241
Capítulo 5. Os inventores do New Deal: Estado e sindicato nos Estados
Unidos e no Brasil
5.1. Estados Unidos: o papel do Estado
Em que medida a análise do papel do Estado no configuração do movimento
sindical norte-americano, particularmente durante o New Deal, contribui para um
aprofundamento da compreensão da Era Vargas no Brasil?
A Secretária do Trabalho Frances Perkins fornece algumas pistas. Em 1941, fazendo
uma reflexão a respeito do papel dos sindicatos na vida americana, e que atitudes o público
deles esperava, Perkins afirmou que a NLRA havia tornado os sindicatos uma instituição
americana que, como as demais instituições privadas investidas de um propósito público -
como as religiosas, a National Educational Association ou a American Bar Association -,
tinha o poder de determinar as políticas e a ética de seu campo de atuação. Sendo assim, os
sindicatos deveriam aceitar suas novas responsabilidades e levar em conta não apenas o
bem-estar de seus próprios membros, mas o de todo o povo. Com vistas a consolidar sua
legitimidade, os sindicatos deveriam respeitar algumas crenças esssencialmente americanas,
como a santidade dos contratos, incluindo “... a lealdade e boa fé dos seus membros, seu
senso de unidade em aceitar as decisões de seus líderes eleitos ou da maioria de seus
membros.
471
Embora a própria NLRB tenha anulado contratos assinados entre sindicatos e
corporações, como no caso Consolidated Edison, por considerar ilegítima uma das partes
contratantes, os contratos coletivos de trabalho tornaram-se, de fato, o centro das práticas
471
PERKINS, Frances. “Trade union responsibilities”. In ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF
LABOR. Twenty-Ninth Annual Report of the Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1941.
Washington: US Printing Office, 1942, p. 8.
242
sindicais americanas e o respeito a eles tornou-se preocupação constante das direções
sindicais. Entre janeiro de 1937, após ter assinado seu primeiro contrato com a GM, e junho
do mesmo ano, o UAW-CIO teve que enfrentar mais de 200 wildcat strikes na empresa. Em
1940, dada a persistência de tais movimentos, o sindicato chegaria a publicar uma
Resolução afirmando que penalizaria suas Seções que contrariassem contratos firmados,
realizando greves não-autorizadas.
472
Como parte contratante, o UAW-CIO assumia portanto, sua co-responsabilidade na
construção de relações de trabalho estáveis e harmônicas, como queriam o espírito e a
própria política da NLRA, principalmente quando tal contrato contivesse uma cláusula de
union shop, ocasião em que os trabalhadores comprometer-se-iam com os padrões de
produtividade propostos pela empresa.
473
Por tal razão, Stanley Gacek chega a afirmar que
o sistema americano de relações de trabalho fundado pela NLRA sequer pode ser
caracterizado como contratualista, pois, ao mesmo tempo em que busca afirmar princípios
liberais e voluntaristas, busca também acomodar a natureza privada do contrato coletivo de
trabalho ao interesse público. Já Thamara Lothian reconhece que, nos Estados Unidos, as
relações de trabalho seriam submetidas a uma extensa regulação, que começa pela própria
organização dos sindicatos, formados a partir de procedimentos e regras administradas pela
NLRB e emendadas pela Lei Taft-Hartley, de 1947. Mais ainda, segundo a autora, no pós-
1947, tais regras, por fragilizar os recursos políticos das organizações de trabalhadores face
472
Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. “Great expectations: the promise of industrial jurisprudence and its demise,
1930-1960”. In LICHTENSTEIN, Nelson e HARRIS, Howell. Industrial democracy in America. The
ambiguous promise. Nova York e CambridgeL: Cambridge University Press e Woodrow Wilson Center
Press, 1993,p. 113-141; WALSH, Raymond. Op. Cit., p. 134; ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR
RELATIONS BOARD. Regional Offices: Comments on current labor situation. Confidential. Seventh
Region, Detroit: Oct. 1938. National Archives and Records Administration. Records 25. Records relating to
the Smith Committee Investigation. Records of the General Counsel. Reading file of the General Counsel,
1939-1941. Records relating to the preparation of the Board's case, 1936-1941. Stack area 530. Localizacao:
243
aos empregadores, maculariam o princípio segundo o qual os grupos de interesses devem
desenvolver seus recursos políticos livres da coerção estatal. Ainda assim a ação estatal
sobre a formação dos grupos de interesses ligados ao movimento sindical é por ela
percebida como uma complementação do princípio contratualista: patrões e empregados
ajustariam, independentemente, suas relações e administrariam privadamente os seus
contratos, e o Estado, embora supervisione e estruture o quadro em que estes são
construídos, permaneceria, no essencial, à margem.
474
Por outro lado, e também com vistas a construir relações estáveis de trabalho, a
NLRA outorgou à NLRB a função de certificar o representante legítimo dos trabalhadores
para fins de contratação coletiva do trabalho, o que significa dizer que os sindicatos
perdiam capacidade de se organizar de acordo com suas próprias estratégias, passando a
estar sujeitos a procedimentos emanados do Estado. A organização de eleições sindicais,
por exemplo, representou uma profunda mudança nas práticas do movimento sindical
americano. Antes da promulgação da NLRA, as práticas sindicais da AFL na indústria
automotiva seguiam o tradicional padrão de outros setores industriais: os sindicatos por ela
jurisdicionados nas diferentes categorias de trabalhadores automotivos implementavam
campanhas de organização e, uma vez organizados, realizavam greves, boicotes ou outras
formas de luta para se fazerem reconhecer pelas companhias automotivas, objetivando a
contratação coletiva do trabalho para suas categorias. Tal seria, em princípio, a estratégia
do UAW, criado pela própria AFL, antes de sua defecção para o CIO. Com a organização
de eleições pela NLRB e a certificação do sindicato que houvesse recebido a maioria dos
Entry 23, 43,06,04; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 4, No. 3, 17 de janeiro
de 1940, p. 2.
473
Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 3, n. 36, October 11, 1939, p. 1.
474
Cf. GACEK, Stanley. “Revisiting the corporatist and contratualist models of labor law regimes: a review
of the Brazilian and American systems”. In Cardozo Law Review, Vol. 16, No. 1 (Agosto de 1994), p. 37 e
244
votos, no entanto, as estratégias de organização deram lugar a estratégias emintentemente
eleitorais, o que acabou por se traduzir em uma diminuição da importância dos militantes
nas bases sindicais e na crescente burocratização das direções sindicais.
475
Neste sentido, o
UAW-CIO tornou-se o representante exclusivo de centenas de milhares de trabalhadores
automotivos em poucos anos sem ter que preocupar-se com a efetiva organização destes, ou
ao menos não como os sindicatos da AFL da época pré-NLRA tinham que preocupar-se.
Se o respeito aos contratos, a submissão destes a um interesse público definido pelo
Estado e a interferência direta de uma agência administrativa federal nos procedimentos de
indicação do representante legítimo dos trabalhadores para fins de contratação coletiva do
trabalho, com fortes conseqüências para as próprias formas de organização e estratégia
sindicais e mesmo para o desenho do movimento sindical, como atestado pelo caso da
Costa do Pacífico, são características da NLRA e de sua agência administrativa, a
interferência do Estado americano sobre o movimento sindical não teve no estatuto legal de
1935 o seu formato definitivo. É, mais uma vez, Frances Perkins que aponta, ainda em
1941, o desdobramento que se daria em 1947:
Métodos excessivos de manifestações e piquetes, greves por disputas
jurisdicionais, boicotes e boicotes secundários de apoio a sindicatos em
greve, são vistas pelo público como excessivas, e contrárias ao interesse
público. Os bem informados sabem que tais práticas surgiram quando os
sindicatos eram praticamente organizações do underground, lutando por
suas existências. Se tais práticas eram, então, necessárias, não está em
discussão, mas o público acredita que hoje os sindicatos têm proteção legal
sob a National Labor Relations Act e portanto devem abandonar tais
práticas, que não são condizentes com a opinião pública. A criação de
comitês, agências e tribunais diante dos quais as queixas podem ser
efetivamente apresentadas modificaram qualquer necessidade de tais
práticas excessivas e o movimento operário deve rapidamente sugerir a
todos os seus membros que as abandonem.
476
seguintes; LOTHIAN, Tamara. Op. Cit., p. 1017.
475
Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 317 e seguintes.
476
PERKINS, Frances. “Trade union responsibilities”. In ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF
245
A respeito de tais manifestações excessivas, o público, ou melhor, o Estado
americano, através de seu Poder Legislativo, faria ver ao movimento sindical sua
inadequação através da Lei Taft-Hartley. A rigor, portanto, o Estado americano esteve
sempre presente, das formas as mais variadas, e através de todos os seus ramos de poder, na
desorganização, organização ou reorganização do movimento sindical americano, na
submissão deste a um interesse público definido pelo Estado e na formulação de suas
estratégias organizativas e de ação. Tais reflexões evidenciam que, se o grande consenso
americano do pós-Segunda Guerra percebia a sociedade americana como uma sociedade
pluralista, ou seja, essencialmente não-conflitiva e voltada para objetivos comuns, na
tradição de um John Commons, de um William Leiserson, de um Daniel Boorstin no
campo da historiografia ou, mesmo, de um Robert Dhal, tal consenso foi construído, ao
menos no que se refere aos trabalhadores, a partir de uma sistemática intervenção do Estado
sobre as organizações destes.
477
Resulta daí que o conceito de pluralismo, não como uma visão consensual da
sociedade americana, mas tal qual utilizado por Phillipe Schimtter e pela ciência política,
como um sistema de representação dos interesses contraposto ao sistema corporativo,
sustenta-se com dificuldades quando aplicado aos Estados Unidos. A rigor, se o sistema
político, na concepção pluralista, só deve responder às pressões dos grupos de interesses e
não se preocupar com a formação de tais grupos ou com a formulação de suas demandas,
ele não se aplica em absoluto ao caso norte-americano. Pelo contrário, o Estado americano
esteve sistematicamente longe de estar dissociado do reino dos interesses privados: ele não
LABOR. Twenty-Ninth Annual Report of the Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1941.
Washington: US Printing Office, 1942, p. 11.
477
Cf. DHAL, Robert. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 1997.
246
apenas respondia aos inputs deste, mas estava preocupado com a formação mesma de tais
inputs, principalmente no que se refere ao movimento sindical, fosse sob os
constrangimentos legais construídos pelo Poder Judiciário em fins do século XIX e
princípios do XX, fosse pelas regras administrativas criadas pela NLRA, fosse ainda pelas
limitações impostas pela Lei Taft-Hartley à ação sindical.
478
Pode-se mesmo afirmar que o
contratualismo do movimento sindical norte-americano foi, em larga medida, construído a
partir da intervenção do Estado sobre a vida associativa dos trabalhadores americanos.
Se a análise da atuação do Estado americano sobre o movimento sindical permite
um questionamento da utilização do conceito de pluralismo no que se refere ao sistema
norte-americano de relações de trabalho e às relações entre Estado e sindicato, o conceito
alternativo a este proposto por Schmitter, e largamente utilizado nas reflexões a respeito da
Era Vargas, o de corporativismo, também pode e deve ser repensado.
.
478
Cf. OFFE, Claus. “A atribuição de status público aos grupos de interesse”. In OFFE, Claus. Capitalismo
desorganizado. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.
247
5.2. Brasil: o papel da sociedade
Embora largamente utilizado por cientistas sociais e políticos, e mesmo
historiadores, o conceito de corporativismo raramente é claramente definido.
479
Tal fato, se
por si já constitui um elemento de imprecisão conceitual, é agravado pelo caráter
extremamente polissêmico que tal conceito adquiriu desde fins do século XIX, com a
Doutrina Social da Igreja, até os anos 1970, quando foi retomado pela ciência política de
origem norte-americana. É importante notar, neste sentido, que o texto fundamental de
Phillippe Schmitter, embora rejeitando uma natureza doutrinária, filosófica ou política ao
conceito de corporativismo e caracterizando-o como um sistema de representação de
interesses oposto ao de pluralismo, traz em seu título uma clara referência ao texto clássico
de Mihail Manoïlesco, sugerindo assim uma continuidade entre o corporativismo
doutrinário dos anos 1930 e o corporativismo da ciência política dos anos 1970.
Conseqüentemente, o conceito de corporativismo, como proposto a partir de Schmitter,
acabou por assumir um caráter quase normativo, associando arranjos corporativos a ordens
políticas estatocêntricas e, portanto, autoritárias, em contraposição a ordens políticas
democráticas e pluralistas.
480
Característica da retomada do conceito por Schmitter, a institucionalidade
corporativa surge como emanada do Estado e a sociedade civil aparece como tendo uma
capacidade meramente reativa à ação estatal, particularmente no que se refere ao
479
cf. OLIVEIRA, Francisco de. “Corporativismo: conceito ou emplastro? “. In Democracia Viva, vol. 1.
Rio de Janeiro: Editora Moderna/Ibase, 1998..
480
cf. MANOÏLESCO, Mihail. O século do corporativsmo. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1939;
IGREJA CATÓLICA. Encíclicas. São Paulo: Edições Loyola, 1985; SCHMITTER, Phillippe. Op. Cit., p. 85-
131. Para um exemplo de articulação entre corporativismo e autoritarismo da ciência política dos anos 1970,
Cf. MALLOY, James (org.). Authoritarianism and corporatism in Latin America. Pittsburgh: University of
Pittsburgh Press, 1979.
248
corporativismo estatal. Segundo esta perspectiva, o Estado brasileiro seria dotado de uma
capacidade tanto de se antecipar aos conflitos sociais quanto de organizar os já existentes a
partir de sua própria lógica imanente. A mística do Estado que outorga as leis sociais e
trabalhistas, criada pelo Estado Novo, é substituída assim pela visão do Estado demiurgo.
Nesta perspectiva, o trabalho de Boschi & Diniz é bastante ilustrativo. Em que pese os
autores admitirem, na experiência brasileira, um diálogo das gramáticas corporativa e
pluralista, afirmam que foi o corporativismo, emanado do Estado, o formato institucional
básico que, a partir dos anos 1930 até os dias de hoje, fundamentou as relações entre os
setores público e privado no processo de modernização capitalista do País:
... no caso do Brasil, o modelo corporativo não foi o resultado de uma
evolução espontânea, senão que foi introduzido a partir de uma política
deliberada do Estado com o objetivo de definir a forma de inserção dos
novos atores, desarticulando os esforços anteriores de construção de uma
ordem associativa [de inspiração pluralista], tanto no plano do empresariado,
quanto no plano do operariado
481
.
Esta ênfase no papel controlador das estruturas corporativas provoca a percepção do
fortalecimento do Estado como tendo por contraponto a fragilização dos sindicatos e da
burguesia industrial. Seguindo a mesma ordem de raciocínio, o estímulo à acumulação de
capital oriunda da organização sindical corporativa surge como articulado a perdas
materiais dos trabalhadores.
482
Ângela de Castro Gomes, no entanto, rompe com esta
perspectiva antecipatória e iluminista do Estado, e de fragilidade dos demais atores sociais,
ao propor a idéia de pacto trabalhista para pensar a institucionalidade criada a partir dos
anos 1930. O ponto central da argumentação da autora é o de que as relações entre o Estado
e o movimento sindical neste período, se compreenderam um componente coercitivo contra
481
BOSCHI e DINIZ. Op. cit., p. 17, 18.
482
Cf. VIANNA, Werneck, Luiz. Op. cit., 1976.
249
setores do sindicalismo brasileiro, compreenderam também um pacto com outros setores,
cujas origens podem ser remontadas à Primeira República.
483
Foi então que os sindicalistas
chamados amarelos, que já em 1925 eram a tendência sindical dominante, propugnaram a
intervenção do Estado sobre o mercado de trabalho e uma política de colaboração entre as
classes sociais.
Segundo esta argumentação, as relações Estado-movimento sindical no pós-1930
não teriam resultado em mera submissão ou perda de identidade deste, mas em uma troca
orientada pela articulação de ganhos materiais com ganhos simbólicos. Desta forma,
enquanto que, para Werneck Vianna, as estruturas corporativas tiveram fundamentalmente
uma função coercitiva sobre a classe operária, possibilitando a expansão da acumulação
privada e a consolidação da ordem burguesa, para Ângela de Castro Gomes este controle
não esgota as funções de tais estruturas. A autora percebe claramente que a acumulação
capitalista pode produzir, e freqüentemente o faz, as bases materiais e simbólicas do
consentimento
484
.
Por outro lado, Gomes percebe também que as instituições varguistas de
representação dos interesses dos trabalhadores não se constituíram como solução
organizacional de um regime autoritário que buscava desarticular os esforços associativos
autônomos da classe trabalhadora e reorganizá-los a partir de sua própria lógica imanente.
As instituições estatais de interação com a sociedade, inclusive no que se refere ao mundo
do trabalho, não são um produto do pensamento, portanto exclusivamente da razão
demiúrgica de um governante esclarecido, mas de uma multiplicidade de fatores, de uma
483
Aqui, não há como deixar de fazer referência à articulação entre, de um lado, a AFL e o Governo Wilson e,
de outro, a perseguição, pelo mesmo Governo Wilson, do IWW e da Partido Socialista Americano.
484
Cf. RODRIGUES, Leôncio Martins. Op. cit., p. 531; GOMES, Ângela de Castro. A invenção do
trabalhismo. Rio de Janeiro: IUPERJ/Vértice, 1988, p. 118 e seguintes, p. 195 e 288; PRZEWORSKI, Adam.
Capitalismo e socialdemocracia. Madri: Alianza Editorial, 1988.
250
ampla gama de interesses, correlações de força, projetos, opiniões e visões de mundo que se
defrontam, muitas vezes resultando em arranjos institucionais distintos dos inicialmente
pensados. Assim, para a autora, as instituições corporativas do Estado Novo foram
implementadas pelo regime em sua fase de liberalização, como instrumentos de
mobilização de apoio político.
485
Neste sentido, elas foram elementos de construção do
pacto trabalhista entre o Estado e a classe trabalhadora e, portanto, não constituíram-se
como elementos de simples coerção e desarticulação desta.
486
A criação da Justiça do Trabalho bem expressa tal ponto. Em recente estudo sobre o
tema, tal Justiça surge como a longa manus do Estado autoritário/corporativo, de inspiração
mussoliniana, sobre a administração do conflito distributivo. Segundo Arion Romita, a
matriz ideológica da Justiça do Trabalho seria o corporativismo fascista italiano, no qual o
Poder Executivo usurpa prerrogativas do Legislativo e passa a produzir, ele próprio, as
normas de regulação dos conflitos sociais:
-se, no art. 1o., parágrafo único, da Constituição vigente [1988], que todo
o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos. Isto
significa que o Brasil é uma democracia representativa, em que a edição de
normas compete exclusivamente aos represena ntes eleitos, àqueles únicos
que detêm legitimidade para legislar. Ocorre que juízes não são
representantes do povo. Juízes não são eleitos. Portanto, a edição de normas
por juízes padece, no mínimo, do vício de ilegitimidade por parte daqueles
que exercem este poder. (…) Mas o certo é que na organização do Estado
democrático de direito não tem cabimento exercício de poder normativo por
juízes, que não são representantes do povo, não são eleitos, não têm
legitimidade para legislar.
Justificava-se a existência desse poder normativo à época em que ele foi
instituído. Quando a Justiça do Trabalho foi criada, em 1939, e quando
começou a funcionar, em 1941, estávamos sob a vigência da Carta
485
Cf. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1988, p. 200; GOMES,
Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Iuperj/Vértice, 1988, p. 277.
486
Cf. VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
251
outorgada de 1937, que não reconhecia a separação de poderes e mais,
colocava todo o poder nas mãos do ditador.
487
No entanto, como bem lembra Ives Gandra Martins, a defesa por Oliveira Vianna
do poder normativo da Justiça do Trabalho, quando das discussões a respeito da
implementação desta, tinha por base não a Carta del Lavo ro de Mussolini, tampouco os
escritos teóricos do fascismo italiano, mas a doutrina anglo-americana de delegação de
poderes, em que o Poder Legislativo delega, ao Executivo, soberania para criar normas,
como o fez a NLRA em relação à NLRB. Também não constituiria exagero lembrar, aqui,
das acusações de usurpração de poderes levantadas pelo movimento sindical americano ao
Poder Judiciário, com suas práticas legiferantes sem a correspondente legitimidade do voto.
Ademais, a alocação da Justiça do Trabalho no Poder Executivo, e não como um ramo da
justiça comum, não estava prevista na Constituição de 1937, supostamente fascista no dizer
de Romita, mas no artigo 122 da Constituição de 1934, que propunha sua criação, inclusive
com representação classista.
488
Diferente também da visão de Romita parece ter sido a dos atores sociais no
momento mesmo da criação de tal tribunal, que o percebiam como elemento central do
pacto trabalhista a que se refere Gomes. De junho a outubro de 1936, antes portanto do
487
Cf. ROMITA, Arion. “Justiça do Trabalho: produto do Estado Novo”. IN PANDOLFI, Dulce (org.).
Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 103. Não se deve esquecer,
contudo, que em 1930 Winston Churchill achava que os dirigentes nacionais autoritários como Mussolini,
Kemal Ataturk e Pilsudsky poderiam ser uma nova e salutar alternativa aos sistemas parlamentaristas
debilitados, ineficientes e cada vez menos representativos de muitos países da Europa. Cf. LUKACS, John. O
duelo. Churchill x Hitler. Oitenta dias cruciais para a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2002, p. 55. Por outro lado, a Alemanha, a Austrália, Camarões, Costa do Marfim, Egito e Grã-
Bretanha são alguns países que possuem tribunais especiais do trabalho, não como ramos da justiça comum,
como é o caso da Argentina, Chile, Espanha ou Itália, ou como ramo do direito administrativo, como nos
Estados Unidos. Já a Austrália, México e Nova Zelândia são países em que os tribunais do trabalho têm poder
normativo. Cf. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. “Breve história da Justiça do Trabalho”. In
FERRARI, Irany et alli. História do trabalho, do direito do trabalho e da Justiça do Trabalho. São Paulo:
Ltr, 1988, p. 174.
488
Cf. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Op.Cit., p. 183 e seguintes; para a doutrina anglo-americana
de delegação de poderes, Cf. KISCHEL, Uwe. “Delegation of legislative power to agencies: a comparative
252
advento do Estado Novo, de forma articulada, mais de 40 sindicatos de trabalhadores da
Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Maranhão enviaram telegramas
ao Gabinete Civil da Presidência da República pedindo a imediata instalação da Justiça do
Trabalho com representação classista, tal como prevista pela Constituição de 1934.
489
O empresariado, no entanto, possuía uma visão distinta a respeito da Justiça do
Trabalho. Em telegrama enviado ao mesmo Gabinete Civil, uma semana após a decretação
do Estado Novo, a Associação Comercial de Porto Alegre afirmava que “… arbitramento
obrigatório conflitos trabalho sem qualquer restrição originará lutas classe que será bom
conselho evitar…”.
490
Ao menos para os empresários de Porto Alegre, a visão da Justiça do
Trabalho como elemento de conciliação de classes pela via do Estado, tão cara ao próprio
Vargas, parecia frustrar-se em razão justamente de um instrumento pensado como meio de
construí-la.
491
Os empresários paraibanos, no entanto, iam além em sua crítica ao novo
tribunal:
Classes conservadoras não comportam ônus previstos [pela criação da
Justiça do Trabalho] causando faltamente dispensa empregados. Conflito
interesses empregados e empregadores ferida lei oferta procura que alcança
trabalho. Medida ainda inoportuna situação anormal atravessam classes
atingidas quando outros decretos reconhecem essas dificuldades que mais se
agravarão. Custo vida aumentará paralelamente aumento salário atingindo
produtos não mais poderão competir mercados estrangeiros.
analysis of United States and German Law”. In Administrative Law Review, Vol. 46, No. 2 (Primavera de
1994), p. 213-256.
489
Cf. FEDERAÇÃO DAS CLASSES TRABALHADORAS DE PERNAMBUCO ET ALLI. Telegrama
enviado ao Gabinete Civil da Presidência da República, 1 de junho de 1936. Arquivo Nacional. Fundo:
Gabinete Civil da Presidência da República, Código 35, Instrumento de Busca SDE 925, Lata 9. Os demais
telegramas referidos encontram-se na mesma localização.
490
CÂMARA DE COMÉRCIO DE PORTO ALEGRE. Telegrama enviado ao Gabinete Civil da Presidência
da República, 18 de novembro de 1937. Arquivo Nacional. Fundo: Gabinete Civil da Presidência da
República, Código 35, Instrumento de Busca SDE 025, Lata 9.
491
VARGAS, Getúlio. “A reforma das leis vigentes e a elaboração de novos códigos. Discurso pronunciado
no Palácio do Catete, instalando a Comissão Legislativa, a 04 de maio de 1931”. In VARGAS, Getúlio. A
nova política do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, Vol. 1, p. 118.
253
Onerará governo criação novo órgão justiça elementos não especializados
causando vexames possibilidade mal interpretação lei.
492
Para além da tradicional crítica aos custos advindos da legislação trabalhista, os
empresários paraibanos exercitavam, com rara exemplaridade e franqueza, a tese da
perversidade, segundo a qual leis de proteção ao trabalho teriam, necessariamente, o efeito
contrário do previsto, ou seja, piorariam as condições de vida daqueles a quem buscavam
amparar.
493
Por fim, faziam ainda a crítica da representação classista, dado que, com ela, os
trabalhadores passavam a estar alocados em posições estratégicas do aparelho de Estado.
Tal ponto explicita que o edifício institucional do Estado Novo, ou ao menos uma
de suas principais agências, a Justiça do Trabalho, foi percebido de diferentes formas pelos
atores sociais no momento mesmo de sua construção. Mais do que isto, explicita também
que a Justiça do Trabalho assim como os diversos Conselhos Consultivos então criados -
pode ser pensada, no dizer mesmo de Werneck Vianna, como relativa ao protagonismo dos
atores, e não exclusivamente do Estado.
494
Se, por um lado, empresários buscavam
beneficiar-se da nova construção institucional do Estado por ela permitir a penetração de
seus interesses nos aparelhos estatais, o movimento sindical, ou parcelas deste, buscava
publicizar e judicializar o conflito distributivo, de modo a elevar seus recursos políticos
diante de um antagonista mais organizado e com maiores recursos políticos e econômicos.
Neste sentido, é importante salientar que a oposição patronal à Justiça do Trabalho se dava,
492
ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE JOÃO PESSOA. Telegrama enviado ao Gabinete Civil da Presidência
da República, 07 de novembro de 1939. Arquivo Nacional. Fundo: Gabinete Civil da Presidência da
República, Código 35, Instrumento de Busca SDE 025, Lata 9.
493
Cf. HIRSCHMANN, Albert. A retórica da instransigência. Perversidade, futilidade, ameaça. São Paulo:
Cia. das Letras, 1992, p. 30 e seguintes. Não por acaso, o empresariado norte-americano teria visão
semelhante de diversas das políticas sociais e trabalhistas do New Deal. Assim, por exemplo, uma das suas
afirmativas era a de que tais políticas iriam levar necessariamente a um aumento dos impostos e, por
decorrência, aumentariam a recessão. Cf. WANTZ, R. E. (Presidente da Illinois Manufacturers’ Association).
Carta a Daniel Roper (Departamento do Comércio), de 18 de setembro de 1934. Franklin D. Roosevelt
Library. PPF. 1820. Speech Materials: Business vs. New Deal. The Constitution, Cont. 9.
494
cf. VIANNA, Luiz Werneck. A revolução passiva. Iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro:
254
como sugerem os empresários paraibanos, em razão do fato de que ela se constituía como
uma arena de encontro institucionalizado entre dois atores que, até então, só se
encontravam e mediam forças no mercado, com inegável vantagem para o empresariado.
O ponto que se quer ressaltar é o de que, se as abordagens estatocêntricas baseadas
no conceito de corporativismo relevam a participação da sociedade civil na construção das
instituições do Estado Novo, a abordagem de Gomes permite uma visão distinta. Nestes
termos, a centralidade do Estado, no Brasil, pode ser atribuída aos processos de formação
do empresariado e do trabalho industrial e de construção institucional do Estado, à
pactuação social então realizada, que proporcionou, à burocracia estatal, centralidade na
mediação dos interesses sociais e na condução do processo econômico, ao empresariado,
acesso a instâncias decisórias do Estado e, ao trabalho industrial organizado, seu
reconhecimento como ator político legítimo, além de redes de proteção social e acesso à
Justiça do Trabalho. A centralidade assumida pelo Estado surge, portanto, como resultado
de um processo, e não como seu ponto de partida.
As visões que enfatizam o caráter pluralista das relações de trabalho nos Estados
Unidos e as visões do corporativismo no Brasil pecam, portanto, por enfatizar ora a
sociedade civil, ora o Estado, como protagonistas da dinâmica social. Se o conceito de
corporativismo não dá a devida ênfase aos agentes sociais individuais e coletivos, à visão,
valores e expectativas que tais agentes possam eventualmente ter de seus próprios recursos,
de seus horizontes de crescimento, de burocratização e diferenciação em relação a outros
agentes sociais, o de pluralismo, pelo contrário, enfatiza a agência dos atores sociais e
minimiza o ambiente institucional, econômico e político, ou seja, o conjunto de
IUPERJ/Revan, 1997, p. 18.
255
constrangimentos nos quais estes agem.
495
Ora, a análise feita da ação da NLRB, e a
discussão apresentada a respeito do Poder Judiciário e da Lei Taft-Hartley, antes e depois
da NLRA, evidenciam que o Estado americano teve um papel fundamental na construção
do sistema norte-americano de relações de trabalho e na própria configuração do
movimento sindical. Por outro lado, a idéia de pacto trabalhista, apresentada por Ângela de
Castro Gomes, sugere que, no caso brasileiro, a sociedade teve também um papel de
fundamental importância no processo de construção das instituições estatais de regulação
do trabalho e representação dos interesses. Em outras palavras, tanto no Brasil quanto nos
Estados Unidos, Estado e movimento sindical, ou ao menos setores deste, pactuaram.
Conseqüentemente, em ambos os casos, Estado e sindicatos foram protagonistas da
dinâmica social.
De certa forma, o conceito de corporativismo compartilha muitas das características
do conceito de populismo, no qual os princípios da centralidade antecipatória do Estado e
da manipulação, cooptação e controle estatal sobre a classe trabalhadora estão fortemente
presentes. Ângela de Castro Gomes, retomando suas reflexões realizadas em A invenção do
trabalhismo, rejeita definitivamente, em trabalho posterior, o conceito de populismo,
enfatizando a já referida idéia de pacto trabalhista, onde, apesar das evidentes
desigualdades relativas, o Estado não é todo-poderoso e nem classe operária é passiva.
496
No caso do conceito de corporativismo, a mesma objeção é passível de ser feita, dado que
495
Cf. OFFE, Claus. Op. Cit., p. 223-224. Maria Antonieta Leopoldi, em seu trabalho sobre associações
industriais, busca justamente resgatar, no plano do empresariado, as estratégias e visões deste, que não se
constituiriam como simplesmente derivadas da ação estatal, como sugere Schmitter. Cf. LEOPOLDI, Maria
Antonieta. Política e interesses. As associações industriais na industrialização brasileira. A política
econômica e o Estado. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
496
Cf. GOMES, Ângela de Castro. “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de
um conceito”. In Tempo. Niterói, Rio de Janeiro: UFF/Relume Dumará, Vol. 1, no. 2, dez. 1996; WEFFORT,
Francisco. O populismo nas politica brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980; IANNI, Otávio. O colapso
do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
256
ele também se baseia na idéia de centralidade do Estado a partir de sua capacidade de se
antecipar e organizar os conflitos, cooptando, manipulando ou reprimindo a classe
trabalhadora e, desta forma, desvinculando ou colocando em segundo plano a participação
da sociedade na construção dos arranjos institucionais de ordens estatocêntricas e
autoritárias.
Em seu trabalho sobre a historiografia norte-americana, Gerson Moura chamava a
atenção para a tendência desta, e também de outros ramos das ciências humanas nos
Estados Unidos, a dividir-se e autonomizar-se em diversas subáreas, acarretando o risco da
fragmentação do conhecimento histórico e a virtual impossibilidade de abordagens de
conjunto. Em tal tradição, a sociedade surgiria como um “mosaico” de peças separadas,
ininteligíveis em seu conjunto
497
. Parece inegável que a produção em ciência política norte-
americana, que em grande parte embasa a análise de vários cientistas sociais e
historiadores, brasileiros e brasilianistas, sobre a história recente do Brasil, incorre em uma
visão que privilegia sobremaneira a questão institucional, conferindo a esta, senão
autonomia, ao menos um peso determinante na configuração das relações Estado-
sociedade, perdendo de vista o conjunto da dinâmica social. Com isto não se quer,
evidentemente, desqualificar a importância das instituições, ma s recaracterizá-las como
constituídas pelos conflitos que acabam, posteriormente, por canalizar. Guillermo
O’Donnel parece de certa forma compartilhar com esta posição, ao afirmar que, no estudo
sobre o corporativismo, falta uma teorização adequada do próprio Estado. Glauco Arbix,
por seu lado, aprofunda esta crítica, ao afirmar que o instrumental desenvolvido nos últimos
20 anos pelos teóricos do corporativismo ajuda a compreender partes de um sistema
497
cf. MOURA, Gerson. História de uma história: rumos da historiografia norte-americana no século XX. São
Paulo: Scritta, 1996, p. 80.
257
político e econômico, mas não o sistema em si. O próprio Arbix, Bruno Reis e Fábio
Wanderley Reis vão além, ao vincular a possibilidade e, mesmo, a necessidade, de
estruturas corporativas para construção de uma ordem democrática no Brasil.
498
Uma conceituação alternativa para a institucionalidade criada na Era Vargas, que
escape da armadilha apontada por Gerson Moura e pense no Estado varguista em sua inteira
complexidade, escapando à conotação normativa do corporativismo, com certeza abriria
espaço para que o New Deal se incorporasse definitivamente às reflexões a respeito da Era
Vargas.
498
Cf. O’DONNELL, Guillermo. “Corporatism and the question of the state”. In MALLOY, James (org.).
Authoritarianism and corporatism in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1979, p. 47-
88; ARBIX, Glauco. Uma aposta no futuro: os primeiros anos da câmara setorial da indústria
automobilística. São Paulo: Scritta, 1996, p. 80; REIS, Bruno. “Corporativismo, pluralismo e conflito
distributivo no Brasil” in Dados, Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: vol. 38, no. 4, 1995, p. 417-458;
REIS, Fábio Wanderley. Op. cit.; ARBIX, Glauco, Op. cit.
258
5.3. Uma agenda de trabalho: a Era Vargas e a construção de um novo modo de
regulação do capitalismo brasileiro
Se a visão do Estado americano como ator do processo de construção das
instituições de representação dos interesses dos trabalhadores, ao ensejar uma crítica aos
conceitos de pluralismo e corporativismo, fornece caminhos para uma visão alternativa à
Era Vargas, a visão de que o New Deal constituiu o momento de gestação de um novo
modo de regulação do capitalismo americano fornece elementos para se pensar a Era
Vargas em sua inteireza.
Franklin Roosevelt e Getúlio Vargas não eram, evidentemente, os únicos líderes
políticos dos anos 1930 a realizar uma crítica ao laissez-faire. Para Eric Hobsbawm, a
conseqüência mais duradoura da crise dos anos 1930 foi o fato de ela ter jogado para o
ostracismo, por pelo menos meio século, os princípios do liberalismo econômico, tanto em
termos ideológicos quanto no que diz respeito a políticas econômicas, em praticamente
todo o mundo capitalista. Sem o colapso econômico do entre-guerras, figuras como Adolf
Hitler e Franklin Roosevelt, para não mencionar Getúlio Vargas, não teriam surgido para a
vida pública, ao menos não da forma como o fizeram.
499
Hitler, provavelmente, continuaria
sendo um agitador de extrema-direita, considerado histriônico por seus próprios
companheiros de cerveja; Vargas, possivelemente, não teria passado de um líder oligarca
dissidente e Roosevelt talvez passasse à história como uma versão mais amena e
bonachona de seu primo mais velho ou, na melhor das hipóteses, como o marido de uma
mulher extraordinária.
Foi de fato a partir da Depressão que os governos de todos os países capitalistas se
viram compelidos a considerar sistematicamente as questões sociais e do emprego. Não
259
que políticas sociais fossem desconhecidas até este momento. Em diversos países, desde
fins do século XIX, diferentes tipos de programas sociais vinham sendo postos em prática,
dirigidos, principalmente, a segmentos determinados da população, como os de idosos,
crianças, mulheres e incapacitados em geral
500
. Neste sentido, no mesmo processo de
mercadorização da sociedade descrito por Karl Polanyi ao longodo século XIX, a questão
social ganhou um novo patamar, potencialmente disruptivo, ensejando a construção de
novas redes de proteção social. Se, até então, a questão da pobreza era encarada como um
fenômeno natural ou divinamente ordenado e o alívio de suas aflições era visto a partir de
uma perspectiva essencialmente moral, com a Revolução Industrial ela tranformou-se em
um fenômeno social de grande alcance e de clara ameaça à ordem. A partir da segunda
metade do século XIX, portanto, a questão social já ocupava um lugar importante na
agenda política européia, sendo seu exemplo mais notório a legislação social da Alemanha
de Bismarck
501
. Tampouco a seguridade social ou o seguro-desemprego eram
desconhecidos no pré-1929, mas a cobertura destes era bastante reduzida, se comparada
àquela que iria ser construída no pós-II Guerra. Na Inglaterra, que mesmo antes da
Depressão possuía um sistema de seguridade social devido ao seu desemprego em massa já
nos anos 1920, menos de 60% da força de trabalho tinham algum tipo de cobertura; na
Alemanha, este número girava em torno de 40% e, nos demais países europeus, ia de zero a
cerca de 25%.
502
No entanto, a partir da década de 1930 e, principalmente, após a II Guerra Mundial,
a natureza e a amplitude das políticas públicas de caráter social iriam mudar radicalmente,
499
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
500
Cf. ARRETCHE, Marta T.S. “Emergência e desenvolvimento do welfare state: teorias explicativas”.
Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais, no. 39. Rio de Janeiro: 1o. semestre de 1995, p. 3.
501
Cf. POLANYI, Karl. Op. cit.
502
cf. HOBSBAWM, Eric. Op. cit., 1995, pp. 97, 98.
260
assim como a própria natureza da intervenção do Estado sobre o mercado de trabalho.
Se, como diria Polanyi, a história do século XIX foi marcada pelo embate entre a sociedade
e o mercado, a década de 1930 foi marcada pelo embate entre o próprio sistema capitalista
e o mercado, pois não se tratava mais de defender grupos focais, mas de reorganizar os
princípios fundamentais da produção capitalista, nos quadros da crise da regulação
concorrencial, a partir de um novo patamar de relações entre Estado, capital e trabalho.
503
O
que se colocava em cena, portanto, era a gênese de novos modos de regulação do
capitalismo em substituição à regulação concorrencial. Do ponto de vista das relações de
trabalho, tal processo implicava no abandono do laissez-faire na contratação do trabalho,
tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
504
No caso dos Estados Unidos, como o trabalho buscou evidenciar, o abandono do
laissez-faire na contratação do trabalho significou a intervenção do Estado na passagem da
contratação individual para a coletiva. Neste sentido, o New Deal contribuiu para a
superação da incapacidade das grandes corporações americanas, presas às suas visões e
preocupações contábeis de curto prazo, em traçar e obedecer a lógicas de longo prazo que,
tornando possível a elevação da remuneração dos trabalhadores, tornaria possível também a
elevação da demanda de uma economia com grande capacidade de inovação técnica e
organizacional, crescentemente oligopolizada e voltada para a produção em massa de
produtos padronizados.
505
Não sem alguma ironia, verifica-se aí que o empresariado
fordista americano, se foi capaz de generalizar sua visão de mundo à classe trabalhadora
503
cf. POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 1980, p.
139.
504
Cf. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. “Debate” in Cpdoc. A Revolução de 30: Seminário
Internacional. Brasília: Editora da UnB, 1983, p. 330.
505
Cf. GORDON, Colin. New Deals. Business, labor, and politics in America, 1920-1935. Cambridge:
Cambridge University Press, 1994, particularmente Capítulo 2, “Competition and collective action: business
conditions and business strategists”, p. 35-86.
261
mas não sem altas doses de coerção -, ou seja, se foi capaz de criar as bases simbólicas do
consentimento operário, foi claramente incapaz de criar as bases materiais de tal
consentimento.
506
As bases materiais da acumulação fordista, mesmo nos Estados Unidos,
só foram criadas com a regulação fordista keynesiana, ou seja, a partir da ação estatal.
No Brasil, evidentemente, o problema colocado pela crise do liberalismo
evidenciada em 1929 era bastante distinto do norte-americano, a começar pelo fato de que
a acumulação fordista sequer havia sido introduzida em sua indústria. Ainda assim, a
depressão econômica iniciada nos Estados Unidos se fez sentir de forma violenta sobre o
País, posto que a crise nas exportações de café deixava patente a fragilidade da economia
nacional e, por conseguinte, do próprio Estado brasileiro. Conseqüentemente, o Estado
brasileiro reage à crise, propondo um projeto industrializante, menos por seu iluminismo
imanente do que pela consciência de sua fragilidade e de que sua própria expansão depende
da dinâmica da acumulação privada.
507
Indicativo desta situação, ao lado de várias
iniciativas conhecidas, foi a criação, em 1942, em estreita colaboração com o empresariado,
do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), primeira organização do Sistema
S que visava, justamente, criar uma mão-de-obra destinada a uma indústria fordizada
508
.
Nas décadas de 1950 e 1960, o Senai viria a ter papel fundamental na “batalha pela mão-
de-obra” que caracterizou os primeiros anos da indústria automobilística no Brasil.
509
506
Cf. PREWORSKY.
507
Cf. OFFE, Claus e RONGE, Volker. “Teses sobre a fundamentação do conceito de Estado capitalista e
sobre a pesquisa política de orientação materialista”. In OFFE, Claus (org.). Problemas estruturais do Estado
capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 123 e seguintes.
508
cf. WEINSTEIN, Barbara. For social peace in Brazil: industrialists and the remaking of the working class
in São Paulo, 1920-1964. Chapel Hill e Londres: The University of North Carolina Press, 1996.
509
Cf. LIMONCIC, Flávio. A civilização do automóvel. A instalação da indústria automotiva no Brasil e a
via brasileira para uma improvável modernidade fordista,1956-1961. Dissertação de Mestrado defendida no
Programa de Pós-Graduação em História Social do IFCS-UFRJ. Rio de Janeiro: mimeo, 1997.
262
A Era Vargas viria representar, portanto, um importante ponto de inflexão nas
políticas públicas relativas à industrialização e ao papel do setor urbano-industrial na
economia e, neste cenário, cumpria reorganizar o conflito distributivo, até então marcado
pela informalidade, pela contratação privada do trabalho e pela ausência de regras legais,
generalizando relações formais de assalariamento.
510
É possível perceber, seguindo tal
linha de raciocínio, que, assim como o New Deal buscou organizar o conflito distributivo
americano com vistas a solucionar os desequilíbrios entre capacidade de produção e de
consumo causados pela fordização da indústria americana, e com tal objetivo operou uma
profunda intervenção sobre o movimento sindical americano, o Estado Novo buscou
organizar o conflito distributivo brasileiro com vistas a, justamente, implementar no Brasil
um projeto de desenvolvimento industrial que, desejavelmente, levaria à fordização da
indústria brasileira.
511
Mas tal organização do conflito distributivo pelo Estado tampouco
emanou dele próprio, de seu iluminismo imanente e de sua capacidade de se antecipar aos
conflitos sociais e subordiná-los a partir da lógica da acumulação, mas foi construída com a
participação de setores da classe trabalhadora, freqüentemente em detrimento de outros
setores (da mesma forma como, nos Estados Unidos, a NLRB viu-se no centro de uma
intensa disputa entre a AFL e o CIO, sendo acusada pela primeira de favorecimento ao
segundo). Por conseguinte, é possível perceber-se a Justiça do Trabalho como,
simultaneamente, instrumento de consolidação do pacto trabalhista e como instrumento de
organização do conflito distributivo.
510
cf. ABREU, Marcelo de Paiva. “Crise, crescimento e modernização autoritária: 1930-1945”. In ABREU,
Marcelo de Paiva (org.). A ordem do progresso. Cem anos de política econômica republicana, 1889-1989.
Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 73-104.
511
Cf. LINHARES, Maria Yedda e SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra prometida: uma história da
questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999, p. 107 e seguintes; LIMONCIC, Flávio.
Op. Cit., 1997.
263
A visão, enfim, de que o New Deal como a Era Vargas representam os momentos de
gestação de novos modos de regulação dos capitalismos brasileiro e norte-americano, em
que tanto os respectivos Estados quanto os movimentos sindicais assumem novos papéis e
passam a interagir de novas formas, abre uma agenda de trabalho que, ao que tudo indica, é
bastante fecunda para a compreensão das relações entre o Estado e o movimento sindical
brasileiro a partir dos anos 1930.
264
Conclusão
O exercício da história comparativa encerra inúmeros riscos para o pesquisador, que
pode, freqüentemente, incorrer em anacronismos e, mais grave, buscar a comparação entre
o estruturalmente diverso, em função de uma receita ou de “… um pequeno número de
elementos ou fatores que permitam ‘decifrar’ o conjunto do devir humano”.
512
Neste
sentido, como alerta Marc Bloch, a utilização do método comparativo requer duas
condições básicas: a existência de similitude entre os fatos observados e, ao mesmo tempo,
uma diferença entre os meios onde eles se produziram.
513
Para Bloch, a história comparada
proporciona um método que torna perceptíveis, em suas relações de semelhança e
dessemelhança, aspectos das sociedades em questão que eram dados como constituídos de
significado em si mesmos. Em outras palavras, ele permite a elucidação de recorrências e a
identificação de causas gerais para fenômenos até então percebidos como identificados à
dinâmica de apenas uma das formações sociais em foco.
Embora o presente trabalho não se constitua exatamente como um esforço de
história comparativa, tendo largamente centrado sua pesquisa empírica em apenas uma
formação social, a norte-americana, ele o fez com o propósito explícito e assumido de
contribuir para a compreensão da Era Vargas no Brasil. Neste sentido, buscou enfatizar
principalmente um ponto de afinidade entre as experiências da Era Vargas e do New Deal,
ambas inseridas na mesma crise global do liberalismo: o papel propositivo, afirmativo,
assumido pelos Estados brasileiro e norte-americano na constituição dos movimentos
sindicais de ambos os países, e no pacto realizado com setores destes, questionando assim a
512
CARDOSO, Ciro Flamarion & BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os métodos da história. Rio de Janeiro: Graal,
1983.
513
cf. BLOCH, Marc. “Pour une histoire comparée des societés européenes”. In Histoire et historiens. Paris:
265
operacionalidade do conceito de pluralismo nos Estados Unidos e, em decorrência, o de
corporativismo no Brasil. Em relação ao último, o trabalho buscou também ressaltar uma
produção historiográfica já realizada no Brasil que permite a crítica do conceito de
corporativismo por um outro viés, ao indicar o papel da sociedade brasileira,
particularmente dos sindicatos, na construção das instituições varguistas. Com isto não se
quis, evidentemente, afirmar que o corporativismo doutrinário não tenha sido um elemento
central na visão de mundo e nas próprias diretrizes de políticas públicas varguistas e de
construção institucional do Estado então realizada, ou ainda minimizar o caráter autoritário
da Era Vargas, particularmente durante o Estado Novo, mas que o conceito de
corporativismo, tal qual construído pela ciência política nos anos 1970, não apreende o
papel da sociedade na construção de tais instituições.
514
Por outro lado, o New Deal e a Era Vargas possuem amplos campos em que uma
história comparada, strictu sensu, revela-se mais do que oportuna, necessária. A própria
comparação sistemática das atuações da NLRB e da Justiça do Trabalho seria de grande
interesse, ao evidenciar suas diferenças, como a ênfase no contrato coletivo no caso da
primeira e no dissídio coletivo no caso da segunda, mas também suas afinidades: a criação
de jurisprudências para as relações entre patrões e empregados, a ênfase no enfoque
cooperativo e harmonioso das relações de trabalho, o simultâneo fortalecimento do papel
do Estado na regulação da vida associativa dos trabalhadores e a incorporação do trabalho
organizado no mundo da concertação política pela via da ação estatal.
Mas uma análise comparativa entre o New Deal e a Era Vargas faz-se necessária
também no campo da cultura política. A centralidade das figuras de Getúlio Vargas e
Armand Colin, 1995.
514
Cf. GOMES, Ângela de Castro. Op.Cit, 1988, p. 275 e seguintes.
266
Franklin D. Roosevelt no jogo político, o carisma e o paternalismo de ambos, assim como a
visão de Estado provedor que ambos ajudaram a definir, construir e consolidar, acabando
mesmo por personificar, podem ser alvo de uma ampla agenda de pesquisa que contribua,
no caso brasileiro, para repensar o papel da figura de Vargas, muito bem representado por
um expressivo soneto contemporâneo dos embates políticos de fins dos anos 1940 e
princípios dos anos 1950:
Fala o pai dos pobres
Trabalhadores do Brasil! Meus filhos!
Lembro-me bem de vós, nem poderia
Vos esquecer, que em vossa companhia
Breve estarei apesar dos empecilhos.
Sois vós, trabalhadores maltrapilhos,
Os detentores da soberania,
Vós, que, perseverando, haveis de um dia,
Pôr nossa pátria sobre novos trilhos.
Que a vossa grande fé não esmoreça;
O futuro pertence-vos; lutai
Sem medo algum, por tudo o que aconteça.
Firmes em nossos ideais tão nobres,
Sempre, em mim, vós tereis o mesmo pai,
E em vós eu terei sempre os mesmos pobres!
515
É certo que trabalhos têm sido realizados repensando as relações entre Vargas e os
“trabalhadores do Brasil”, mas não é menos certo que tais trabalhos se enriqueceriam
sobremaneira se fossem alimentados por uma reflexão a respeito das relações entre
Roosevelt e os “homens esquecidos” dos Estados Unidos.
516
Os arquivos americanos estão
515
COPPOLI, Lisindo. Política em versos. Sonetos humorísticos. São Paulo: Livraria Editora Antonio de
Carvalho, 1954, p. 16.
516
Cf. FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil. O imaginário popular. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1997.
267
repletos de material para uma tal pesquisa, como a carta que se segue e que, ao encerrar o
presente trabalho, convida à sua continuação:
Louisville, Georgia, 27 de novembro de 1933.
Prezado Senhor,
Perdi minha casa em um incêndio no domingo. Eu prezava duas cartas que o
senhor havia me enviou mais do que o senhor poderá jamais compreender.
Uma quando o senhor era governador de Nova York. A outra depois que o
senhor foi eleito Presidente. Eu era membro da Roosevelt for President
Business and Professional League. Sempre fui um democrata. O senhor é o
maior presidente que jamais esteve na Casa Branca. Eu me sentei no palco
do Fox Theater de Atlanta, Georgia, quando o senhor se dirigiu aos
estudantes da Aglethorpe University. O momento mais feliz da minha vida
foi quando o vi fazer o juramento presidencial. Diariamente agradeço a Deus
por tê-lo como presidente. O senhor tem sido bom para mim. Eu prezava as
duas cartas e o senhor por favor me enviaria sua assinatura? Quero guardá-la
a vida inteira e dá-la aos meus filhos como inspiração e uma lembrança
constante para eles de um homem nobre. Um homem que tem um coração
para seus compatriotas e que vive para os outros. Perfeito em pensamento,
puro no coração, sincero no propósito. Um homem perfeito.
Sinceramente,
John Lewis.
517
517
LEWIS, John. Carta a Franklin D. Roosevelt, 27 de novembro de 1933. FDR Library. PPF 1014-1037.
268
Fontes
1. Periódicos da imprensa
CIO News. Washington: Congress of Industrial Organizations. Vários números.
Detroit Free Press. Vários números.
New Republic. Vários números.
New York Times. Vários números.
New York Times Magazine. Nova York: 9 de maio de 1937.
Official Publication. Detroit: United Auto Workers. Vários números.
The Washington Daily News. Vários números.
The Washington Star. Vários números.
Weekly News Service. Washington: American Federation of Labor. Vários números.
2. Publicações, relatórios e documentos do Poder Executivo dos Estados Unidos
ESTADOS UNIDOS. DEPARTAMENT OF LABOR. Twenty-Fourth Annual Report of the
Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1936. Washington: Government
Printing Office, 1936.
ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR STATISTICS. BUREAU OF LABOR
STATISTICS Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office. Vários
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