passaram a perna, porque, na escritura tava dez, me deram a escritura de dez mas era
só nove. Eu vendi por dez também (...)
171
.
Nesse espaço embebido em tensões, num tempo em que as distâncias eram mais
alongadas e o trabalho redobrado, as dificuldades pareciam, às vezes, não ter fim. Dona
Leonilda relembra as experiências vivenciadas naqueles primeiros tempos:
(...) quando nós veio, a gente trouxe compra para passar aí uns meses. E nós
plantava rocinha nossa mesmo e trabalhava para os outros. Eu e minha menina é
que cuidava da roça, ela tinha onze anos. Nós ia limpando a roça, que já estava
derrubada, queimada, né? Então a gente ia arrumando para plantar e o velho ia
fazendo serviço por dia.(...) Sofremos, se eu te contar o que eu já comi, já bebi! Eu
comi sem gordura aqui no Mato Grosso, não tinha nada para vender para
ninguém, e não tinha ninguém para vender as coisas. Comi sem gordura, lavei
roupa sem sabão. (...) já fiz sabão de carne de bicho, sem soda, só de tiquada (...)
É menina, vou te falar, só a necessidade mesmo faz a gente fazer isso. (...) Nós
enjoou de comer comida sem gordura, carne de bicho só cozida. Aí eu inventei de
quebrar coco de babaçu para tirar gordura. Então eu pegava socava no pilão.
Meu velho fez um, (...), uma tora de aroeira assim, quadrada, até grande. Aí ele
afinou e deixou aquele travesseiro, tipo de um martelo. Era uns cinco quilos, dava
bastante sabe? Dois, três litros. Aí eu socava no pilão, colocava na panela. Aí
cozinhava aquele pouquinho que soltava aquele olhinho. Aí eu coava, jogava
aquela massa fora, e fazia arroz ali dentro. (...) Para fazer o sabão, a gente
pegava, queimava casca de angico, aquelas casconas assim. Nós fazia aquelas
fogueiras, aquelas fogueiras de São João, sabe? Colocava aquele tacho de baixo.
Aí fazia aquele monte de cinzas. Eu esperava esfriar e colocava dentro de um saco.
Mas isso era eu, não era meu marido não. Ele estava cuidando da vida dele,
trabalhando na roça, eu também trabalhava na roça, mas o dia em que eu tinha
que fazer as minhas coisas, aquele dia era meu, eu é que cuidava. Então, aí eu
enchia o saco de cinzas, fazia aquele buraco no meio, pegava a bacia, assim dois
palmos com o saco em cima. Aquilo ia pingando, daí eu pegava aquela água,
colocava no tacho com aquela carne, gordura, sebo, até virar sabão (...)
172
.
171
Entrevista com dona Preta.
172
Entrevista com dona Leonilda, ocorrida em sua residência em Mirassol D’ Oeste.