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UNIVERSIDADE FERDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA
A Matrona & o Padre:
Discursos, Práticas e Vivências das relações entre Catolicismo, Gênero e Família na
Capitania de Pernambuco.
Alberon de Lemos Gomes
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História, da Universidade Federal
de Pernambuco, como requisito parcial à obtenção
do grau de Mestre em História.
Orientador: Dr. Carlos Alberto Cunha Miranda.
Recife
2003
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2
Alberon de Lemos Gomes
A MATRONA E O PADRE:
Discursos, Práticas e Vivências das relações entre Catolicismo, Gênero e Família na
Capitania de Pernambuco.
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Carlos Alberto Cunha Miranda (Orientador)
Profa. Dra. Virgínia Maria Almoêdo de Assis (Examinadora Interna)
Profa. Dra. Edvânia Torres Aguiar Gomes (Examinadora Externa)
Recife
2003
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3
SIGLAS E ABREVIATURAS:
AHU Arquivo Histórico Ultramarino.
RIAHGR Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco.
LPEH/UFPE Laboratório de Pesquisa e Ensino de História da Universidade Federal de
Pernambuco.
OF Ordenações Filipinas.
CPAB Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
REB Revista Eclesiástica Brasileira.
4
Aos meus pais,
Manoel e Cici.
Ao meu tio,
Ivan Gomes.
(In Memoriam).
5
_________________________________________________________________________
“O que não confia de si, só fia da mulher o Demônio; como o intento do Demônio é fazer
na terra todo o mal que pode, por isto conserva as mulheres, porque elas são de todo o mal
o instrumento.”
Pe. Antônio da Silva, Recife, 1673.
“Tem compaixão de mim, ó padre, porque sou a mais desgraçada das creaturas, mostra-
me o caminho, por onde, sujeita às leis cristãs, possa viver e livrar a minha alma dos
tormentos”.
Colona anônima, 1584.
_________________________________________________________________________
6
ÍNDICE
Siglas & Abreviaturas...........................................................................................................03
Resumo..................................................................................................................................08
Advertências & Agradecimentos..........................................................................................09
PARTE I:
Telas & Fios: O Cenário.......................................................................................................16
Capítulo I:
O Fio da Urdidura: Uma Introdução....................................................................................17
Capítulo II:
O Mundo Tridentino e a América Portuguesa.....................................................................37
II. 1- A Reforma do Cristianismo Europeu e a formação da Mentalidade
Barroca;...........................................................................................................................37
II. 2- A Transmigração da Ideologia tridentina e barroca aos
Trópicos;.........................................................................................................................44
II. 3- A Nova Lusitânia no contexto do Mundo Tridentino e
Barroco............................................................................................................................53
Capítulo III:
A Construção de Modelos....................................................................................................59
III. 1- Da Natureza feminina;..........................................................................................59
III. 2- Da Educação;........................................................................................................65
III. 3- Da Redenção: Casamento e Maternidade.............................................................70
PARTE II:
O Bordado: Tramas & Personagens......................................................................................79
Capítulo IV:
A Reconstrução da Urdidura: Práticas e Vivências.............................................................80
IV. 1- O Mundo que se cria, o mundo que se percebe;...................................................80
IV. 2- As Matronas Pernambucanas: Casar, Procriar, Orar;...........................................90
IV. 2.1- O Casamento;....................................................................................................93
IV. 2.2- Imagens e Representações;................................................................................99
7
IV. 2.3- A (Ex)Posição da Figura Feminina.................................................................108
IV. 3- Dissidentes, mas Sobreviventes..........................................................................115
Considerações Finais: O Trabalho de Penélope..................................................................130
Fontes e Bibliografia...........................................................................................................133
Anexos.................................................................................................................................152
Lista de Ilustrações..............................................................................................................165
8
RESUMO
O presente estudo visa analisar a construção das relações sociais entre os sexos e a
composição da família da elite da Capitania de Pernambuco, tomando por base a
implantação do pensamento católico pós-Concílio de Trento e da mentalidade barroca no
Novo Mundo. Num universo de discursos, práticas e vivências; buscou-se aqui evidenciar
as relações entre catolicismo, Gênero e família no Pernambuco colonial.
Palavras-chave: Catolicismo Gênero Família Normatização Discurso Cotidiano.
ABSTRACT
This investigation deals with the construction of the social relations between the
sexes and the composition of the influential families from the Captaincy of Pernambuco,
through the implant of the catholic post Council of Trent thought and the baroque mentality
in the New World. In a universe of speeches and practices of the everyday life, this text
presents an analysis of the relationship among Catholicism, Gender and family in the
colonial Pernambuco.
Key Words: Catholicism Gender Family Regulations Speech Everyday Life.
9
ADVERTÊNCIAS & AGRADECIMENTOS.
“These rivers of suggestion are driving me away”.
Michael Stipe, “So. Central Rain”.
Escrever, de certa forma, é deixar-se guiar por um rio de sugestões, porém com
margem bem definidas. Os quatro capítulos que compõem esta dissertação traçam um
panorama das relações entre os sexos na Colônia em especial na Capitania de
Pernambuco através da análise da implementação do catolicismo tridentino e da
mentalidade barroca no mundo colonial.
Neles, todas as citações de fontes utilizadas manuscritas ou impressas
obedeceram as grafias originais dos documentos manuscritos e edições de livros
pesquisados. Assim agindo, acreditamos transpor o leitor ao universo pesquisado, sendo a
língua, ou a grafia dela, uma dessas pontes. Tendo em vista que os documentos, assim
como o próprio uso deles aqui feito, são passíveis de interpretações e utilidades múltiplas:
no campo da história, da lingüística, da literatura, da paleografia.
O extenso corte temporal da pesquisa, abarcando da segunda metade do século XVI
à primeira metade do século XIX a maioria dos documentos citados datam de 1549 a
1820 , justifica-se primeiro por estarmos tratando de um aspecto sócio-cultural de longa
duração: a construção das relações de gênero na sociedade colonial, com ênfase na atuação
das figuras femininas. A esse dado, soma-se a dispersão das informações sobre a temática,
diluídas em fontes variadas, esparsas e não-seriadas.
A não-existência de um corpus documental específico e delimitado nos obrigou a
errar por fontes díspares e numerosas que nos ofereceram pistas para a elaboração do
trabalho; mas que, também, nos obrigou a adotar um corte cronológico extremamente
extenso, mas necessário diante das fontes que se nos apresentaram. Bem avaliou Gilberto
Freyre na década de 30, afirmando que
10
creio que não há no Brasil um só diário escrito por mulher.
Nossas avós, tantas delas analfabetas, mesmo quando baronesas e
viscondessas, satisfaziam-se em contar os segredos ao padre confessor e à
mucama de estimação, e a sua tagarelice dissolveu-se quase toda nas
conversas com as pretas boceteiras, nas tardes de chuva ou nos meios-
dias quentes, morosos”.
1
De forma que, aqui utilizaremos mais fontes que diziam respeito às figuras
femininas principalmente os discursos eclesiásticos do que fontes produzidas por essas
matronas. Os padres serão a nossa principal via para alcançá-las.
Uma outra advertência importante a ser feita versa sobre a natureza do primeiro
capítulo. Podendo ser caracterizada por um capítulo introdutório, nesta primeira parte do
trabalho expomos não só a configuração metodológica do mesmo, como, também, situamos
historiográfica e teoricamente o nosso objeto de estudo. Tentando fugir de duas armadilhas
uma introdução que não fosse parte atuante dentro da obra ou um capítulo teórico
desarticulado dos objetivos da pesquisa , nossa intenção foi unir teoria, estruturação,
prática e resultados da pesquisa, de forma que nenhum elemento ficasse destoante ou
pairando como um elemento estranho no conjunto aqui apresentado.
A inspiração para esta escolha a de uma introdução um pouco mais longa e com
características de capítulo introdutório vem da obra de autores como o Jean Delumeau, a
Sheila de Castro Faria, a Mariza de Carvalho Soares e a Rita de Cássia Barbosa de Araújo,
que adotaram essa postura em algumas de suas obras mais importantes
2
.
1
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: Formação da Família Brasileira sob o Regime da Economia
Patriarcal. Rio de janeiro: Record, 1996. p. LXVI.
2
Vide DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente (1300-1800): Uma Cidade Sitiada. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989; FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: Fortuna e Família no
Cotidiano Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998; SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da Cor:
Identidade Étnica, Religiosidade e Escravidão no Rio de Janeiro, Século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000; e ARAÚJO, Rita de Cássia Barbosa de. Festas: Máscaras do Tempo: Entrudo, Mascarada e
Frevo no Carnaval do Recife. Recife: Secretaria de Cultura da Cidade do Recife, 1996.
11
Nossa dissertação constitui-se em quatro segmentos, distribuídos em duas partes.
Além de um capítulo introdutório, construímos mais três capítulos dispostos de forma a
melhor apresentar os resultados/questionamentos de nossa pesquisa. Esse capítulo
introdutório mais os dois capítulos que se seguem formam a primeira parte do estudo,
intitulada “Telas & Fios: O Cenário”.
O segundo capítulo consiste num exame da estruturação do mundo tridentino e a
ação/repercussão dessa ideologia na América portuguesa; analisando desde a sua gênese na
Europa, passando pela sua transmigração ao Novo Mundo através da ação de seus agentes e
da estruturação do corpus eclesiástico católico no Brasil Colonial e, em especial, na
capitania de Pernambuco.
No terceiro momento, aliando a ideologia católica pós-Trento com a tradição
judaico-cristã e o modo de pensar medieval, estudaremos a elaboração dos padrões
modelares de conduta da figura feminina no mundo familiar, através da produção literária
dos agentes do pensamento católico tridentino e barroco do Velho e do Novo Mundo e de
outros letrados de então, também imergidos nessa ideologia.
Por fim, na segunda parte do trabalho intitulada “O Bordado: Tramas &
Personagens”, buscaremos reconstruir a urdidura social tecida da interação entre os colonos
e colonas da Nova Lusitânia e os representantes da ideologia católica, através da
apresentação da estruturação da vida familiar e dos papéis de gênero no Pernambuco
colonial e da negociação/conflito entre esses atores sociais.
Todas essas determinações e decisões são da nossa inteira responsabilidade, assim
como os argumentos e conclusões apresentados neste trabalho. Porém, este não é um
trabalho de méritos exclusivamente individuais os defeitos sim, os são! e gostaríamos
aqui de agradecer aos colegas, familiares e instituições que o tornaram possível.
É difícil iniciar uma lista de agradecimentos principalmente quando isto envolve
pessoas muito queridas , mas o primeiro passo deve ser dado! Isso nos faz lembrar um
belíssimo poema de Orides Fontela (1940-1998), chamado Axiomas, e que nos diz
12
Sempre é melhor
saber
que não saber.
Sempre é melhor
sofrer
que não sofrer.
Sempre é melhor
desfazer
que tecer.
Sem mão
não acorda
a pedra
sem língua
não ascende
o canto
sem olho
não existe
o sol.
Podemos completar: sem um início, não saí a lista! Então aí vai!
Primeiramente, queremos expressar a imensa gratidão ao professor Dr. Carlos
Alberto Cunha Miranda, por ter aceitado o desafio de nos orientar e pela atenção, maestria
e confiança com que ele desenvolveu essa orientação; mesclando incentivos, autonomia e
compreensão nas doses certas.
13
À CAPES pelo financiamento da pesquisa.
Às professoras Dra. Virgínia Almoêdo de Assis, Dra. Fátima Guimarães e Dra.
Tanya Maria Pires Brandão pelos comentários e dicas mais do que valiosos e pela atenção
especial que sempre nos votaram.
À professora Dra. Sylvana Brandão pelos comentários profícuos que ajudaram na
gênese da pesquisa e ao professor Dr. Marc Jay Hoffnagel pelos comentários vantajosos
que ajudaram na execução e conclusão da pesquisa.
Assim como a todos os professores do Programa de Pós-Graduação em História e
do Departamento de História da UFPE.
À Luciane Costa Borba, pela atenção com que sempre tratou não só a nós, como a
todos os alunos do Programa de Pós-Graduação em História da UFPE, desburocratizando
tudo e facilitando nossas vidas.
À Carmem Lúcia de Carvalho dos Santos por sempre nos ajudar e pela confiança e
carinhos estampados no rosto sempre sorridente. Assim como a todos os demais
funcionários do Programa de Pós-Graduação em História da UFPE.
À amiga professora Kalina Vanderlei Silva, exemplo de profissionalismo e
dedicação, primeira incentivadora deste trabalho, a quem devoto um carinho e admiração
infindos.
Aos queridos amigos companheiros de estudo, irmãos no coração Gustavo
Acioli Lopes e Micheline Reinaux de Vasconcelos, por tudo que já vivemos e pelo que o
futuro nos guarda! Ao Gustavo também devo uma criteriosa e importante leitura dos
originais desse trabalho, com valiosíssimas críticas.
14
A tantos outros amigos, jovens historiadores que, sempre com comentários e dicas,
me ajudaram nesta empreitada: Maciel Carneiro, Vera Braga, Andréa Bandeira, Anna
Laura França, Kátia Marcelina.
Ao amigo, historiador e paleógrafo Douglas Batista de Moraes pela importantíssima
ajuda na transcrição dos documentos manuscritos e no suporte à minha prática docente
referente ao estágio curricular.
A todos os funcionários das instituições onde foi realizada a pesquisa: Sistema
integrado de Bibliotecas da UFPE, Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife,
Laboratório de Pesquisa e Ensino da História (LAPEH-UFPE), Biblioteca da Cúria
Metropolitana da Arquidiocese de Olinda e Recife, Arquivo Público Estadual de
Pernambuco (APEJE).
Aos queridos amigos que aturaram minhas dúvidas, ausências, preocupações; e que
sempre me apoiaram e, espero, continuarão a me apoiar/aturar: Emanuel Tavares, Glória
Braga, Carla Viviane, Andréa Trajano, Ernandi Júnior, Anderson, José Gomes, Edna,
Luanda Carla, Irmã Lúcia.
À Dra. Selme Vasconcelos, Dra. Tereza Rêgo e ao Dr. Arnaldo Assunção Filho, que
me deram todo o apoio para seguir vivendo e como diz aquela bela canção de Maria
Bethânia compreender a marcha, ir tocando em frente...”.
A Pedro, obrigado por tudo.
Ao meu querido amigo o irmão que Deus pôs na minha vida Nailton Galdino,
pelo apoio, pela paciência, pelos dias de alegrias e pelas tristezas que a vida nos
proporcionou e que, com certeza, ainda nos legará!
A todos os meus alunos.
15
Aos meus familiares em especial, meus pais Manoel e Cici; meus irmãos Perla e
Bruno; e minha prima Haiane , dádiva e orgulho maior que a vida me proporcionou, razão
pela qual acordar, ascender e existir; ativando o sorriso em meu rosto e os sonhos em meu
coração através do apoio e carinho constantes.
A todos, o meu muito obrigado! Sou-lhes profundamente grato.
16
PARTE I:
TELAS & FIOS:
O Cenário.
E disse Deus: Não é bom que o homem esteja só;
far-lhe-ei uma adjutora que lhe assista.
Gênesis, 2: 18.
17
CAPÍTULO I:
O FIO DA URDIDURA:
Uma Introdução.
“O Ecletismo é uma autofrustação, não porque
haja somente uma direção a percorrer com proveito,
mas porque há muitas: é necessário escolher.”
Clifford Geertz, A Interpretação das Culturas.
O que acontece é que escrever
é o ofício dos menos tranqüilos:
Escrever jamais é sabido;
o que se escreve tem caminhos;
escrever é sempre estrear-se
e já não serve o antigo ancinho.
Se o queremos forçar demais
ele nos corta o suprimento
de ar, de tudo, e até da coragem
para enfrentar o esforço intenso
de escrever, que entretanto lembra
o de dona bordando um lenço.
João Cabral de Melo Neto, “O Postigo”.
Corria o ano de 1813, nos idos de março a setembro, a região sul da Capitania régia
da Bahia de Todos os Santos, teve o quotidiano de seus habitantes modificado pela devassa
das inquirições ordinárias. Dos casos denunciados ao visitador, um dado chamou a atenção
do antropólogo Luiz Mott: entre os casos relatados num manuscrito intitulado “Devassa na
Freguesias da Comarca do Sul da Bahia no ano de 1813”, 60,5% se referiam a desvios na
vida familiar.
3
3
MOTT, Luiz. “Os Pecados da Família na Bahia de Todos os Santos (1813)”. In:
Escravidão,Homossexualidade e Demonologia. São Paulo: Ícone, 1988. p. 53.
18
Dentre os chamados desvios encontramos concubinatos, ausência de cônjuges,
bigamias, incestos, tratos ilícitos, adultérios, fogos chefiados por mulheres; mas, dada a
predominância desses casos, em que contexto se enquadraria aquela imagem de uma
família patriarcal e extensa difundida por nomes com Gilberto Freyre e Oliveira Vianna ?
4
Onde estaria aquela família caracterizada por Capistrano de Abreu como a fusão de “pai
soturno, mulher submissa, filhos aterrados”
5
?
Esse questionamento vem alimentando o recente interesse da nova geração de
historiadores que se vem debruçando sobre fontes inéditas e revisitando fontes conhecidas,
buscando compreender as estruturas familiares e o universo feminino das possessões
portuguesas na América e, também, do Brasil monárquico e republicano.
Firmando-se recentemente como objetos de pesquisa da historiografia brasileira
contemporânea, a mulher e a família, apresentam-se hoje como temas propícios para a
construção de uma nova visão sobre a sociedade colonial.
Aqui, nosso objetivo é estudar a normatização dos padrões ideais de composição
familiar e dos papéis de gênero na sociedade colonial pernambucana realizado e idealizado
pelos agentes coloniais do catolicismo tridentino no Novo Mundo.
Rastreando a ação desses agentes e a possível repercussão dos seus discursos no
meio social no qual eles agiam, buscamos demonstrar o papel do pensamento católico pós-
Concílio de Trento (1545-1563) na construção da mentalidade dos homens e mulheres que
habitavam o Pernambuco colonial, no que se refere às relações sociais entre os sexos, em
especial, no interior da vida familiar.
Essa rede de interação social entre os agentes do pensamento tridentino na Nova
Lusitânia e os(as) colonos(as) lá residentes, a urdidura desse tecido, será reconstruída a
4
Vide SAMARA, Eni. A Família Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986. pp. 10-16.
5
ABREU, J. Capistrano de. “Prefácio a Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil
Denunciações da Bahia (1591-1593)”.In: Ensaios e Estudos: Crítica e História. Volume 2. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira/INL, 1976.p. 211.
19
partir do confronto/diálogo entre dois pólos: a matrona e o padre. Ela enquanto alvo
específico dos discursos normativos, ele enquanto símbolo maior de divulgação desses
discursos no corpo social.
Assim sendo, nossa intenção é buscar evidenciar até que ponto a ideologia
normativa do catolicismo tridentino foi absorvida e/ou negada pela população da capitania
de Pernambuco, em seu quotidiano familiar, em sua composição familiar e na construção
dos espaços sociais de atuação dos sexos.
Os homens e mulheres que aportavam na Colônia Lusitana na América, como os
que acompanharam Duarte Coelho à Nova Lusitânia, eram fruto das mudanças de
imaginário e controvérsias culturais do Século XVI na Europa
6
,
além das condições sociais
e interesses econômicos do Reino de Portugal.
Na Europa Quinhentista um cenário novo se engendrava no campo das ideologias
7
religiosas, perturbando a herança católica medieval. Com o movimento reformista, iniciado
por Martin Lutero em 1517, e mediante a reação Católica, um palco de disputas,
afirmações, reafirmações e mutações no plano ideológico do cristianismo ocidental estava
armado e em ebulição
8
. Nesse contexto, as relações do processo que então se dava entre
Reforma Protestante e Contra-Reforma Católica não pode ser encarado como uma simples
relação de ofensiva e contra-ofensiva em defesa dos dogmas tidos por cada respectiva parte
em litígio. Pois, como bem afirmou Jean Delumeau,
da mesma forma que a Reforma Protestante foi muito mais que
um inventario de repulsas, de negações e de oposições, também a Reforma
4
SIQUEIRA, Sônia A . A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo: Ática, 1978. pp.17-60.
7
Aqui, adotamos o conceito de ideologia criado por Althusser e defendido por Georges Duby, o qual
consistindo no sistema, com rigor e lógica próprios, de representações que atuam numa determinada
sociedade, cabendo-lhe ainda uma existência própria e um papel histórico determinado. Vide DUBY,Georges.
“História Social e Ideologias das Sociedades”. In:LE GOFF,Jacques e NORA, Pierre. (Org) História: Novos
Problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. pp. 131-132.
8
Cf.MULLETT,Michael. A Contra Reforma e a Reforma Católica nos Princípios da Idade Moderna. Lisboa:
Gradiva,1986. pp.17-66;.e DELUMEAU, Jean. La Reforma.Barcelona: Labor, 1967; além de DELUMEAU,
Jean. El Catolicismo de Lutero a Voltaire.Barcelona: Labor, 1973.
20
Católica foi infinitamente mais vasta, mais rica e mais profunda que a
ação pela qual Roma combateu o protestantismo.”
9
Destarte, podemos falar de uma Reforma do Cristianismo Europeu Ocidental que,
tendo início no Século XVI e penetrando no tempo até o século XVIII
10
, influenciou a
mentalidade dos homens que habitavam a Europa neste período, que conquistaram o além-
mar e que difundiram-na no Novo Mundo.
Esse momento histórico pode ser caracterizado como a época de implementação da
mentalidade barroca na Europa, processo este que se iniciando no Século XVI, marcaria a
cultura Ocidental também se expandindo pelo Novo Mundo, principalmente nas possessões
Ibéricas. Para José Antonio Maravall, o Barroco é um conceito de época, uma mentalidade,
que mais do que um simples estilo artístico ou arquitetônico, marcou e delineou a política, a
economia e a sociedade do século XVII
11
.
Nesse espírito de ordem, as normas assumem um papel fundamental para o controle
social da massa populacional que se inseria nesse tumultuado contexto, de forma que “o
Século XVII é eminentemente normativo. Chega a dor a impressão de ser utilitarista”
12
.
Esse espírito normativo da Europa seiscentista, segundo o pensador francês Michel
Foucault, produziu um processo de disciplinamento da sociedade moderna. Um sistema
funcional de controle individual, em todas as instâncias, onde o indivíduo deveria ser
conhecido e caracterizado de forma a se exercer por sobre ele uma vigilância individual
constante. Esse mecanismo de controle social sofreu um processo de aperfeiçoamento no
Século XVIII, visando a vigilância constante e interiorizada da sociedade, através da
identificação do indivíduo com os modelos culturais de controle e vigilância. Neste
momento, os discursos deveriam ser interiorizados pelo indivíduo de forma que a auto-
vigilância favorecesse o sucesso do controle exercido por sobre este.
13
9
DELUMEAU, ean.La reforma. p. v
10
Cf. MULLETT,Michael.Op. Cit. pp.64-66.
11
MARAVALL, José Antonio. A Cultura do Barroco: Análise de uma Estrutura Histórica. São Paulo:
Edusp, 1997..p.49.
12
FRANÇA, Eduardo D’Oliveira. Portugal na Época da Restauração. São Paulo: HUCITEC, 1997.p.41.
13
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.p.165
21
Em meio a este cenário, uma importante instituição também se transmutava e
exercia suas influências no processo de transformação do mundo Ocidental nos primórdios
da Idade Moderna: O Estado Nacional. No caso específico do Estado Lusitano,
buscaremos, aqui, demonstrar a sua atuação partindo das relações deste com os seus
domínios na América.
A ocupação da América Portuguesa deu-se só a partir de 1530, com a
implementação das chamadas Capitanias Hereditárias, esse processo se deu no intuito de
garantir a posse da terra à Coroa Portuguesa, frente às pressões das nações européias
recém-centralizadas, como a Inglaterra, a França e a Holanda
14
. Neste sentido, o essencial
seria povoar o território, porem esse povoamento não deveria se dar de forma a constituir
pequenos núcleos auto-suficientes, mas sim, constituindo latifúndios produtores para o
mercado europeu.
15
Originário da Guerra de Reconquista do território da Península Ibérica aos árabes, o
Estado Luso se organizou precocemente, sendo o primeiro Estado centralizado da Europa,
tendo, segundo Raymundo Faoro
16
, em sua constituição elementos que o diferenciam da
composição geral dos demais Estados modernos da Europa; caracterizando-o como um
Estado patrimonial. Assim, nobres e burgueses, subjugados em suas relações de favores e
deveres com o rei único soberano, doador de capitanias e sesmarias e orientador da
máquina comercial portuguesa agiram no processo de ocupação do Brasil, seja como
capitães donatários, seja como comerciantes de pau-brasil ou açúcar.
Ligados a esse contexto, os homens e mulheres que povoaram a colônia portuguesa
na América tiveram os seus destinos, muitas vezes, decididos e orientados pela política
patrimonialista do Estado Lusitano. Destino marcado pela ação Estatal, pela mentalidade
14
Cf. FERLINI, Vera Lúcia do Amaral. Terra, Trabalho e Poder: O Mundo dos engenhos no Nordeste
Colonial. São Paulo: Brasiliense/CNPq, 1988.pp. 13-47.
15
Cf. PRADO Jr,Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense, 1987.p.32.
16
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. Rio de Janeiro:
Globo, 1998.
22
católica tridentina e pela cultura barroca. Eram como os sonhos e desejos limitados por
estas balizas que os lusitanos aportavam na Capitania de Pernambuco.
A mulher e a família, dentro do processo de colonização do Estado Português na
América, assumiram um importante papel não só no que diz respeito à manutenção da
moral tridentina nos trópicos, mas também, no que diz respeito às estratégias de ocupação
do Novo Mundo.
No decurso de ocupação da América Portuguesa, um dos problemas enfrentados
pela coroa lusitana foi a baixa taxa populacional do reino. Fato que se agravava se
considerarmos as outras possessões do Império Luso em terras da África e da Ásia.
17
Essa
escassez de material humano para a colonização tornava-se mais acentuada quando nos
remetemos à ação das mulheres brancas no processo de povoamento da Colônia. Diante
desse quadro, muito dos homens que aqui aportavam tiveram que compensar este
desequilíbrio demográfico através de ligações com as mulheres da terra, ligações estas
ilícitas aos olhos da moral católica, que teve de redobrar seus discursos por sobre esta
situação dita de promiscuidade, criando um mito dos pecados dos trópicos, lugar de
efervescência sexual
18
. Mito este, construído pelos Jesuítas, que foi absorvido livremente
até pouco tempo pela historiografia brasileira, como evidencia a seguinte afirmativa de
Gilberto Freyre:
“O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase
intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia
17
Sobre este aspecto vide BOXER,C.R. O Império Colonial Português. Porto: Ed.70, 1977. pp.24-25; assim
como BOXER, C. R. A Mulher na ExpansãoUltramarina Iberica(1415-1815); Alguns Factos, Idéias e
Personagens.Lisboa:Horizonte,1977. pp.14-15. Ainda sobre esse fato, nos afirma Capistrano de Abreu que, “
em 1527 a soma total dos fogos em todo o Reino andava por duzentas e oitenta mil quinhentos e vinte e oito;
dando a cada um destes um número de quatro indivíduos, a população do Reino seria naquele ano de um
milhão cento e vinte e dois mil cento e doze almas. Com esse pessoal exíguo, que não bastava para enche-lo,
ia Portugal povoar o mundo. Como consegui-lo sem atirar-se à mestiçagem?” In: ABREU, J. Capistrano de.
Capítulos de História Colonial(1500-1800). Rio de Janeiro: Livraria Briguet, 1969. p. 54.
18
Vide FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: Formação da Família brasileira sob o regime da
economia Patriarcal. Rio de Janeiro: Record, 1996.; PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: Ensaio sobre a tristeza
brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; e criticando esta visão, SOUZA, Laura de Mello e. “O
Padre e as Feiticeiras: Notas sobre a sexualidade no Brasil Colonial”. In: VAINFAS, Ronaldo.(org.) Historia
e Sexualidade no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986.pp. 9-18
23
nua, os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado,
senão atolavam o pé em carne”.
19
De qualquer modo, a presença de mulheres brancas se fazia urgente, seja para
viabilizar o processo de ocupação, seja para satisfazer a moral jesuítica.
20
Esse ambiente favoreceu o desenvolvimento de uma população miscigenada,
principalmente entre as classes menos abastadas, e a valorização das sinhás brancas,
responsáveis pela consolidação e perpetuação da ocupação do território através da sua prole
legítima, daí o surgimento do ideal da matrona esta concebida como a mulher respeitável
pela idade, estado e conduta exemplar, tornando-se mães de família e
reproduzindo/materializando os discursos ideais de comportamento para as mulheres. Ideal
produzido pela sociedade na qual estas estavam inseridas, no nosso caso, no conturbado
período da mentalidade barroca e das reformas do cristianismo ocidental. Exaltando as
mulheres da elite colonial em detrimento das mulheres pobres e mestiças, a quem coube o
estigma da prostituição e da promiscuidade.
As mulheres da elite colonial da zona do açúcar foram alvo do controle social
exercido através da produção de discursos ideais de comportamento, pela sociedade
européia, cuja mentalidade marcou a sociedade colonial. Porém, devemos ter em mente a
necessidade de adaptação desses discursos para a realidade da América.
Para a historiadora Mary del Priori, a estas mulheres cabia um papel:
o de “refletir a participação feminina na conquista ultramarina,
mas também a sua atividade na defesa do catolicismo contra a difusão da
Reforma Protestante. Mais ainda, havia que espelhar a presença feminina
19
FREYRE, Gilberto. Op. Cit. p. 93
20
Moral Jesuítica essa representando e difundindo “avant la lettre”, juntamente com o Santo Ofício da
Inquisição (que aportou em Pernambuco em 1593), a moral católica tridentina no Novo Mundo; moral esta
que só seria codificada na Europa nos séculos XVI-XVII e na América Portuguesa no XVIII com a
elaboração das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia em 1707. Sobre este aspecto vide
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados: Moral, Sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1997. pp. 13-14 além de SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e
religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. pp. 86-89.
24
na consolidação de um projeto demográfico que preenchesse os vazios da
terra recém-descoberta”
21
.
E um dos espaços mais atuantes dessas matronas deveria ser no âmbito restrito da
vida familiar.
Falar em vida familiar na Colônia, e mesmo na Europa dos Séculos XVI e XVIII,
decididamente, não é falar em privacidade ou em família nuclear, aquela tipicamente
burguesa de fins do Século XIX. Muitas vezes, a privacidade se encontrava fora do espaço
domiciliar e familiar.
22
Num estudo sobre o surgimento do sentimento de privacidade na
família francesa, Philippe Àries nos afirma que
“os progressos dos sentimentos da família seguem os progressos
da vida privada, da intimidade doméstica . O sentimento da família não se
desenvolve quando a casa está muito aberta para o exterior: ele exige um
mínimo de segredo. Por muito tempo, as condições de vida quotidiana não
permitiram esse entrincheiramento necessário da família, longe do mundo
externo.”
23
Se na Europa moderna temos essa realidade, pensemos então na condição da
Colônia onde essa falta de privacidade se agravava por condições diversas: distância da
metrópole, escravidão, constante expansão territorial, precariedade dos centros urbanos.
24
Essa situação pode ser comprovada pelo próprio conceito de família existente na
época colonial e que será aqui adotado. Conceito este que, longe do conceito de família
nuclear burguesa, englobava relações de parentesco através de laços consangüíneos , de
21
DEL PRIORE, Mary. Ao Sul do Corpo: Condição Feminina, Maternidade e Mentalidade no Brasil Colônia.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.p.24.
22
Cf.VAINFAS, Ronaldo. “Moralidade Brasílicas”. In: NOVAIS, Fernando (dir.). Historia da Vida Privada
no Brasil. Volume1: Cotidiano e vida Privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.pp.221-273.
23
ARIES, Phillipe. História Social da Família e das Crianças: Rio de Janeiro:TLC,1981.p.238.
24
Cf. ALGRANTI, Leila Mezan. “Famílias e Vida Domestica”. In: NOVAIS, Fernando(dir).Op.Cit. pp.83-
154.
25
coabitação e laços rituais, como o compadrio.
25
Criando um universo amplo de relações
sociais e interações diversas, o que, conseqüentemente, ampliava o estado de vigilância,
pois como dizia o polêmico poeta baiano que também viveu na Capitania de Pernambuco,
Gregório de Mattos, existia “em cada porta um freqüentador olheiro/que a vida do vizinho,
e da vizinha/pesquisa, executa, espreita e esquadrilha/ para levar à praça e ao terreiro”.
26
Diante desta realidade, o controle por sobre a figura feminina deveria ser redobrado
de forma que essa nunca ficasse exposta a olhos alheios, tendo em vista a movimentação
constante de escravos e pessoas estranhas no universo da vida doméstica, dado ao costume
e necessidade de se dar pouso aos viajantes. Todo o contato das mulheres com homens que
não pertencessem à família delas tinham de ser supervisionados pelo pai ou marido ou, até
mesmo, evitado se constituir ameaça direta à autoridade do chefe da família. Esses
cuidados tinham de ser redobrados na América Portuguesa, onde talvez mais do que na
Europa Moderna uma mínima privacidade familiar sucumbia sem forças de se firmar
diante de uma complexa rede de sociabilidade
27
, onde o cotidiano das famílias estava
exposto ao mundo externo, constantemente acessado e vigiado por estranhas retinas.
No que se refere à superintendência das eventuais aparições das mulheres da elite
em público, estes momentos tinham de ser estritamente inspecionados e às mulheres cabia a
obrigação de demonstrar sobriedade e discrição, de forma que a presença delas no mundo
extra-familiar não despertasse o interesse de estranhos.
Toda essa vigilância agiria com maior eficácia se as próprias mulheres a
interiorizasse. Para que essa interiorização ocorresse todo um sistema coercitivo e
normativo deveria ser constituído em torno dessas mulheres, acostumando-as desde cedo
com as limitações a qual estavam destinadas. E neste momento, a ideologia católica,
principalmente neste contexto das reformas do cristianismo Ocidental e da efervescência da
25
Cf.FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: Fortuna e Família no Cotidiano Colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998.pp.39-45.
26
Apud VAINFAS, Ronaldo. “Moralidades Brasílicas”. p.227.
27
Essas relações entre sociabilidade e vida familiar são estudadas, de uma forma mais ampla, por Philippe
Aries (Vide ARIES, Philippes.Op.Cit.) e, mais estritamente ligada ao mundo colonial da América Portuguesa,
por Le ila Mezan Algranti (Vide ALGRATI, Op.Cit.).
26
mentalidade barroca, teria um papel decisivo nesse complexo emaranhado de relações de
poderes e nessa espessa rede de controle social.
Por muito do estudo que pretendemos realizar dizer respeito às relações entre
homens e mulheres, especificamente no contexto histórico-social do Pernambuco colonial;
achamos pertinente e indispensável a utilização de uma categoria de análise social que vem
tomando espaço nos debates atuais acerca dos papéis/ações sociais entre os sexos: o
conceito de Gênero
28
.
É quase que lugar comum nas ciências humanas da atualidade o reconhecimento de
uma crise epistemológica. Velhos padrões herdados do século XIX sofreram, em mãos de
autores como Michel Foucault
29
e Hayden White
30
, um processo de desconstrução que
acabou por revelar o seu caráter excludente e limitado. No bojo dessa efervescência de
ruínas, a História, após o momento renovador da Escola dos Annales, fragmentou-se em
perspectivas diversas que foram, sem grandes pretensões, ocupando o vácuo deixado pela
crise dos padrões marxistas.
É neste delicado quadro que emergem os primeiros estudos sobre a História das
mulheres; a princípio, ligados aos movimentos feministas e, mais tarde, nas décadas finais
do século passado, junto ao universo acadêmico. Neste último momento, é de irrevogável
importância a contribuição dos estudos de gênero e a construção deste como um estatuto de
análise.
Para Enrique Gomáriz, a preocupação e discussão acerca dos estudos de Gênero,
apesar de só invadirem as universidades na década de 80 do século XX, podem ser
28
Sobre este aspecto, vide GUIMARÃES, Maria de Fátima. “Percurso no Pensamento e na Prática dos
Feminismos: Introdução à Abordagem de Gênero”. In: Gênero & História. Ano I, Número I, Setembro de
2002. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2002. pp.7-22.(Cadernos de História, 1).
29
Vide FOUCAULT,Michel.As Palavras e as Coisas: uma Arqueologia das Ciências Humanas.São Paulo:
Martins Fontes, s/d; em especial pp.447-502.
30
Vide WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a Crítica da Cultura. São Paulo: EdUSP,1994.;
assim como WHITE, Haydem. “Teoria Literária e Escrita da História”.In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
Vol. 7, n. 13, pp. 21-48.
27
detectados já no século XVIII
31
. Sofrendo influência do pensamento pós-moderno e pós
estruturalista em especial do pensador francês Michel Foucault
32
e do psicanalista Jacques
Lacan , além das modificações do movimento feminista
33
, as discussões atuais sobre os
estudos de Gênero giram em torno, basicamente, das tentativas de se construir um conceito
para esta nova categoria de análise sócio-cultural.
34
Neste contexto, um nome, a nosso ver, toma ares de imponência: Joan W. Scott,
socióloga norte-americana. Principalmente por em seus estudos, ela trabalhar a utilização
do conceito de Gênero na formulação de análises históricas.
35
Retomando a questão da crise dos paradigmas na contemporaneidade, vale ressaltar
que alguns autores, como a historiadora Maria Odila da Silva Dias, enxergam essa situação
como algo favorável à questão feminista, tendo em vista que, sob seus prismas,
mais cabe ao pensamento feminista destruir parâmetros herdados
do que construir marcos teóricos muito nítidos”, de forma que “destruir,
desmontar, criticar totalidades universais formam o caudal de opções
teóricas com que lidam as estudiosas feministas”.
36
Diferentemente de Silva Dias, Joan Scott vê nesse contexto uma abertura à
perspectiva de se construir um campo teórico específico, segundo ela
31
GOMÁRIZ, Enrique. “ Los Estudios de Género y sus Fuentes Épistemológicas: Periodización y
Perspectivas “. In: Fin de siglo: Género y Cambio Civilizatório. Ediciones de las Mujeres. Nº 17. Santiago,
Chile ( Iris internacional ) . Dezembro, 1992 pp. 86.98.
32
Da vasta obra foucaultiana, talvez, os títulos que mais tenham contribuído para a elaboração das discussões
sobre o conceito de gênero seja: Microfísica do Poder (16.º Ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001); e a História da
Sexualidade. Vol. 1: A vontade de saber. (14.º Ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001), Vol. 2: O uso dos Prazeres
(9.º Ed. Rio de Janeiro Graal, 2001), e Vol. 3: O cuidado de Si. (6.º Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999.).
33
Sobre esse aspecto, vide MIGUEL, Ana de. “Feminismos” In: AMORÓS, Celia (coord). 10 palabras clave
sobre la mujer. Pamplona: EDV, 1995. pp. 217-255. E sobre o caso brasileiro, vide TELES, Maria Amélia de
Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993; além de SAFFIOTI, Heleieth
Bongiovani. “Feminismos e seus Frutos no Brasil.” In: SADER, Emir. (Org.). Movimentos Sociais na
Transição Democrática.São Paulo: Cortez, 1987. pp.105-158.
34
Vide GOMARIZ, Enrique. Op. Cit. pp. 98-110.
35
SCOTT, Joan. Gênero: uma Categoria Útil para a Analise Histórica. Recife: S.O.S. corpo, 1996.
36
DIAS, Maria Odila da Silva. “Teoria e Método dos Estudos Feministas: Perspectiva Histórica e
Hermenêutica do Cotidiano”. In: COSTA, Albertina de Oliveira. e BRUSCHINI, Cristina. (Org.) Uma
Questão de Gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos/FCC, 1992 pp. 39-44.
28
no espaço aberto por esse debate, as feministas não só começam a
encontrar uma via teórica própria, como elas também encontram aliados
científicos e políticos. É nesse espaço que nós devemos articular o gênero
como uma categoria de análise.
37
Para Scott, a categoria Gênero compartimenta em si as relações sociais baseadas nas
diferenças percebidas e construídas entre os sexos, numa complexa e contínua construção /
desconstrução de relações de poder.
38
Indo mais além, também afirma existir quatro elementos constitutivos, numa relação
mútua e contínua, do conceito de gênero: a existência de símbolos múltiplos e
contraditórios de representações, geralmente apresentados de forma binária; conceitos
normativos que agem sobre estes símbolos e representações; um espaço sócio-político
amplo de atuação destes sistemas normativos e símbolos representativos; e uma identidade
subjetiva, de forma que aspectos psicológicos não se dissociam dos sociais, raciais/étnicos e
biológicos.
Diante desse quadro, cabe ao historiador buscar saber quais as relações que se
estabelecem entre esses quatros aspectos. Porém, a tarefa ainda não está finda. O conceito
desenvolvido por Joan Scott complementa-se numa outra afirmação, a de que
o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder.
Ou melhor, é um campo primeiro no seio do qual ou por meio do qual o
poder é articulado”, tornando-se assim um “meio de decodificar o sentido
e de compreender as relações complexas entre diversas formas de
interação humana.
39
Essa gama de articulações faz com que as relações entre História e gênero, ao
sublinhar e historicizar as inter-relações socialmente construídas entre os sexos, produzam
não uma História das mulheres seccionada e excluída do âmbito geral do devir histórico,
37
SCOTT. Op. Cit. p. 10
38
Idem pp. 98-110.
39
Idem p. 13
29
mas sim, uma nova maneira de se ver e conceber a História, partindo de aspectos
absolutamente relacionais.
Com este enfoque em mente, concordamos com Mary Del Priore quando esta
declara que
“a história das mulheres não é só delas, é também aquela da
família, da criança, do trabalho, da mídia, da literatura e de suas imagens
frente à sociedade. É a história do seu corpo, da sua sexualidade, da
violência que sofreram e que praticaram, da sua loucura, de seus amores e
dos seus sentimentos”.
40
Nessa abordagem, onde os estudos de Gênero nos norteará, acreditamos ser possível
flertar com a obra de Michel Foucault, seguindo alguns de seus preceitos, reafirmando as
palavras de Susan R. Bordo, quando essa imbuída dos conceitos da filosofia genealógica
foucaultiana nos afirma que
“para segui-los, temos primeiro que abandonar a idéia de que o
poder é algo possuído por um grupo e dirigido contra outros e pensar, em
vez disso, na rede de práticas, instituições e tecnologias que sustentam
posições de dominância e subordinação dentro de um âmbito
particular.”
41
Seguindo essa senda, acreditamos poder analisar as relações entre os sexos,
buscando principalmente contribuir para os estudos sobre condição feminina e a vida
familiar na sociedade do Pernambuco Colonial, através da atuação/adaptação do
pensamento católico tridentino e da cultura e imaginário barroco da Europa no Novo
Mundo. Acreditando, assim como Joan Scott, que
os ( as ) historiadores ( as ) devem, preferivelmente, examinar as
maneiras como as identidades de gênero são realmente construídas e
40
DEL PRIORE, Mary. (org.) Histórias das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p. 7.
41
BORDO, Susan R. “O Corpo e a Reprodução da Femininidade: Uma apropriação feminista de Foucault”
In: JAGGAR, Alison R. & BORDO, Susan R. (org.) Gênero, Corpo, Conhecimento. Rio de Janeiro:
Record/Rosa dos Tempos, 1997. p. 21.
30
relacionar seus achados com toda uma série de atividades, organização
sociais e representações culturais historicamente situadas.“
42
Partindo de uma perspectiva micro, as relações sociais entre homens e mulheres e a
edificação dos espaços de atuação de ambos no âmbito familiar e na sociedade com um
todo, nosso objetivo é buscar discutir, também um aspecto muito mais amplo: a
implementação da ideologia católica tridentina e da cultura barroca no mundo colonial,
essas endossadas pelas práticas do Estado Metropolitano Luso. Ao revisitar velhas fontes
sermões, autos inquisitoriais, genealogias, códigos de conduta moral, cartas jesuíticas,
correspondência administrativa, iconografia, relatos de cronistas atrás de novos objetos de
estudos - a família e a mulher nossa intenção é concorrer para a construção de uma nova
visão do Pernambuco colonial.
Deste modo, ao tratarmos da história da mulher, nos deparamos também com outros
objetos de estudo da moderna historiografia: o imaginário, a sexualidade, o desejo, o corpo,
os sonhos, a criança, as representações. Além de tantos outros aspectos já caros à produção
historiográfica, seja ela contemporânea ou não: as relações de poder, a religiosidade, as
relações sociais, a vida econômica.
Os historiadores franceses Georges Duby e Michelle Perrot, ao introduzir uma
importante publicação, na verdade um marco, sobre as mulheres e sua história no mundo
ocidental, afirmam que
“as mulheres foram, durante muito tempo, deixadas na
sombra da história. O desenvolvimento da antropologia e a ênfase dada à
família, a afirmação da história das mentalidades, mais atenta ao
quotidiano, ao privado e ao individual contribuíram para as fazer sair
dessa sombra.”
43
42
SCOTT. Op. Cit. p.12.
43
DUBY & PERROT (org) História das Mulheres no Ocidente. Vol. 3: do Renascimento a Idade Moderna.
Porto: Afrontamentos, s/d. p. 7.
31
Levando-se em consideração que a dita história das mentalidades só se firmou num
momento pós-Escola dos Annales (ou seja, posteriormente, cronologicamente falando, a
1940), podemos afirmar que, por sofrer influência dessa, a história das mulheres também é
uma área recente do conhecimento histórico, fruto de uma nova tradição historiográfica.
Continuando o raciocínio, os dois autores franceses chamam a atenção para o
movimento das próprias mulheres que também contribuiu para os questionamentos sobre a
história delas, o que favoreceu com que
“dentro e fora das universidades levaram a cabo
investigações para encontrarem os vestígios das suas antepassadas e,
sobretudo, para compreenderem as raízes da dominação que suportavam e
as relações entre os sexos através do espaço e do tempo.”
44
Nesse momento, juntamente com Duby e Perrot, podemos concordar novamente
com Joan Scott, quando esta afirma o caráter político presente nas discussões acerca do
passado das mulheres e das relações de gênero, relacionando esse novo interesse da
produção historiográfica com o movimento feminista. Segundo ela
“não há jeito de se evitar a política, as relações de poder, os
sistemas de convicções dos processos que os produzem; por esta razão, a
história das mulheres é um campo inevitavelmente político.”
45
Diante desse trabalho de conscientização política e descobertas históricas, podemos
citar vários ramos de ressonância no meio acadêmico mundial: além dos mesmos Georges
Duby, Michelle Perrot e Joan Scott, destacamos Natalie Zenon Davis
46
, Mario Pilosu
47
e
Judith C. Brown.
48
No campo da história da família, ora ressaltando aspectos sócio-afetivos,
ora preocupando-se com temas como produção e composição familiar, ilegitimidade,
44
Idem.
45
SCOTT, Joan. “História das Mulheres”. In: BURKE, Peter. (org.) A Escrita da História: Novas
Perspectivas. São Paulo: EdUnesp, 1992. p. 95.
46
Que participou da elaboração da História das mulheres no Ocidente.
47
PILOSU, Mario. A Mulher, A Luxúria e a Igreja na Idade Média. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.
48
BROWN, Judith C. Atos Impuros: A vida de uma freira lésbica na Itália da Renascença. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
32
processos de transmissão de heranças e legados ou taxas demográficas, podemos citar os
trabalhos de Peter Lasllet
49
, Muriel Nazzari
50
, além do já citado Philippe Ariés.
De forma similar, no Brasil os estudos históricos sobre a mulher e a família
desenvolveu-se dentro de um processo de interações, afirmando-se recentemente como
campos propícios para a prática da pesquisa histórica.
Os estudos sobre a história da Família no Brasil tomaram impulso a partir da década
de 1970
51
, quando aumentou o número de teses de pós-graduação acerca do tema,
principalmente ao eixo Rio - São Paulo.
52
No entanto, essa temática não é recente na nossa
produção historiográfica. Em 1933, Gilberto Freyre publicara “Casa Grande e Senzala”,
clássico das ciências sociais no Brasil, cujo sub-título “Formação da Família Brasileira sob
o regime da Economia Patriarcal”, evidencia a preocupação de Freyre em construir uma
visão sobre a família brasileira. Além de Gilberto Freyre, nós podemos citar outros
pioneiros como Oliveira Vianna, Capistrano de Abreu, Antônio Cândido de Mello e Souza
e outros.
53
O grande diferencial entre esses autores pioneiros e os pesquisadores
contemporâneos é o fato de que os primeiros teciam visões amplas e generalizantes sobre
um possível caráter único da família brasileira, presente em todo o território nacional;
enquanto que os recentes pesquisadores buscam estudar a estrutura e organização familiar,
visando evidenciar a diversidade de padrões familiares presentes no Brasil, com o apoio da
49
LASLLET, Peter. “Família e Domicílio como grupo de trabalho e grupo de parentesco: Comparações entre
áreas da Europa Ocidental”. In: MARCÍLIO, Maria Luiza (org.) População e Sociedade: Evolução das
Sociedades Pré-industriais. Petrópolis: Vozes, 1984. pp. 137-170.
50
NAZZARI, Muriel. O Desaparecimento do Dote: Mulheres, Famílias e mudança social em São Paulo,
Brasil, 1600-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
51
Vide MESQUITA, Eni. “A História da Família no Brasil.” Revista Brasileira de História. São Paulo. Vol.
9, n. 17, set 1988/fev 1999, pp. 7-35; assim como ALMEIDA, Ângela Mendes de. “Notas sobre a Família no
Brasil” In: ALMEIDA et alli. Pensando a família no Brasil: Da Colônia à Modernidade. Rio de Janeiro:
Espaço e Tempo/ Ed. da UFRRJ, 1987. pp. 53-66.
52
Ainda hoje, podemos perceber o predomínio desta região na atuação acadêmica desta área de pesquisa, com
um núcleo na Universidade Federal Fluminense, donde se sobressaem o nome de Sheila de Castro Faria; além
do já tradicional núcleo da USP, com nomes de representatividade como Maria Beatriz Nizza da Silva, Eni de
Mesquita Samara e Luciano Figueiredo.
53
Estes últimos dedicando em suas obras, geralmente de aspecto mais generalizantes, alguns comentários
sobre o tema; com exceção de Antônio Cândido de Mello e Souza que, nos anos 50, publicou na coletânea
Brazil Portrait of Half a Continent, editado por T. Lynn Smith, o artigo “The brazilian family.”
33
chamada Demografia Histórica, prendendo-se mais ao particular e especifico do que ao
geral.
Já os estudos sobre a condição feminina no Brasil, principalmente no contexto do
mundo colonial, são mais recentes, no que se refere a sua configuração como objeto
especifico da pesquisa histórica no Brasil. Mesmo em Portugal, como afirma a historiadora
lusitana Margarida Sobral Neto, a mulher, como objeto de estudo, só veio a ocupar espaço
na historiografia lusa contemporânea a partir de meados do século XX.
54
A História da Mulher no Brasil também tomou impulso nestas últimas décadas do
século passado, pegando o mote da crítica à obra de Gilberto Freyre, no caso, a
generalização e exagero do padrão de mulher submissa no total do extrato feminino da
Colônia. Muitos desses estudos dizem respeito à diversidade de padrões e condições
femininas presentes na América Colonial sob o poder do Império Lusitano.
Dente os principais historiadores que trabalham com essa temática, podemos citar
os nomes de Leila Mezan Algranti
55
, Renato Pinto Venâncio
56
, Emanuel Aráujo
57
, Júnia
Ferreira Furtado
58
e Lígia Belline
59
. No que diz respeito aos especialistas em História da
Família alguns nomes se fazem presentes: Sheila de Castro Faria
60
, Maria Beatriz Nizza da
54
Vide NETO, Margarida Sobral. “O Papel da Mulher na Sociedade Portuguesa Setecentista: Contributo para
o seu Estudo”.In: FURTADO, Júnia Ferreira. (org.) Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as Novas
Abordagens para uma História do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 26.
55
Autora de trabalhos sobre recolhimento e conventos no Sudeste Colonial (em especial Honradas e Devotas,
Mulheres da Colônia: Condição Feminina nos Conventos e Recolhimentos do Sudeste do Brasil, 1750-1822.
Rio de Janeiro: EdUnB/José Olympio, 1999) e do ensaio “Família e Vida Domestica” publicado no primeiro
volume de coleção História da Vida Privada no Brasil.
56
Autor de vários artigos sobre mulher, ilegitimidade e abandono de crianças no período colonial e no
Império.
57
ARAUJO, Emanuel. “A Arte da Sedução: Sexualidade Feminina na Colônia”. In: DEL PRIORI, Mary
(org.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.
58
FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o Contratador dos Diamantes: O Outro Lado do Mito. São
Paulo: Companhia das Letras,2003; “Chica da Silva: O Avesso do Mito”.In: BRUSCHINI, Cristina &
PINTO, Céli Regina (org.) Tempos e Lugares de Gênero. São Paulo: FCC/Ed. 34, 2001. pp. 15-25; e “Pérolas
Negras: Mulheres Livres de cor no Distrito Diamantino.” In: FURTADO. (org.) Op. Cit. pp. 81-121.
59
BELLINE, Lígia. A Coisa Obscura: Mulher, Sodomia e Inquisição no Brasil Colonial. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
60
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: Fortuna e Família no Cotidiano Colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
34
Silva
61
, Alzira Lobo de Arruda Campos
62
, Luciano Figueiredo
63
, Ângela Mendes de
Almeida
64
, Eliana Maria Rea Goldschmidt,
65
Tanya Maria Pires Brandão
66
, Fernando
Torres-Londoño
67
e Eliane Cristina Lopes
68
, dentre outros.
Sobre a temática da vida familiar e das condições femininas no século XIX, autoras
como Miriam Moreira Leite, Maria Odila da Silva Dias e Eni de Mesquita Samara
desemvolveram trabalhos que já são clássicos da moderna historiografia brasileira
69
. Aqui
ainda podemos citar o trabalho de Luzilá Gonçalves Ferreira.
70
Para o período republicano,
os trabalhos de Margareth Rago são de teor fundante.
71
Já sobre a família escrava objeto
recente nos estudos sobre a família no Brasil destacam-se os trabalhos de Richard
Graham, José Flávio Motta, Robert W. Slenes, Manolo Florentino e José Roberto Góes.
72
61
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. História da Família no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1998.; e SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil Colonial. São Paulo: Editora da
USP/T.A. Queiroz, 1984.
62
CAMPOS, Alzira Lobo de Arruda. Casamento e Família em São Paulo Colonial: Caminhos e
Descaminhos. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
63
FIGUEIREDO, Luciano. Barrocas Famílias: Vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo:
Hucitec, 1997.
64
ALMEIDA, Ângela Mendes de. O Gosto do Pecado: Casamento e Sexualidade nos Manuais de
Confessores dos Séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
65
GOLDSCHMIDT, Eliana Maria Rea. Convivendo com o Pecado na Sociedade Colonial Paulista (1719-
1822). São Paulo: Annablume, 1998.
66
BRANDÃO, Tanya Maria Pires. A Elite Colonial Piauiense: Família e Poder. Teresina: Fundação Cultural
Monsenhor Chaves, 1995.
67
TORRES -LONDOÑO, Fernando. A Outra Família: Concubinato, Igreja e Escândalo na Colônia. São
Paulo: Ed. Loyola, 1999.
68
LOPES, Eliane Cristina. O Revelar do Pecado: Os Filhos Ilegítimos na São Paulo do Século XVIII. São
Paulo: Annablume/FAPESP, 1998.
69
Vide LEITE, Miriam Moreira. A Condição Feminina no Rio de Janeiro do Século XIX: Antologia de
Textos de Viajantes Estrangeiros.São Paulo: Hucitec/INL,1984; DIAS, Maria Odila da Silva. Quotidiamo e
Poder em São Paulo no Século XIX. São Paulo: Brasiliense,1995; e SAMARA, Eni de Mesquita. As
Mulheres, o Poder e a Família: São Paulo, Século XIX.São Paulo: Marco Zero/SECSP, 1989.
70
FERREIRA, Luzilá Gonçalves. Et alli. Suaves Amazonas: Mulheres e Abolição da Escravatura no
Nordeste. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1999.
71
Vide RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: A Utopia da Cidade Disciplinar, Brasil, 1890-1930. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985; assim como _____. Prazeres da Noite: Prostituição e Códigos da Sexualidade
Feminina em São Paulo (1890-1930). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
72
Respectivamente: GRAHAM, Richard. “A ‘Família’ Escrava no Brasil Colonial”. In: Escravidão, Reforma
e Imperialismo. São Paulo: Perspectiva, 1979. pp. 41-57.;MOTTA, José Flávio. Corpos Escravos, Vontades
Livres: Posse de Cativos e Família Escrava em Bananal (1801-1829). São Paulo: FAPESP/Annablume, 1999.;
SLENES, Robert W. Na Senzala, Uma Flor: Esperanças e Recordações na Formação da Família Escrava,
Brasil Sudeste, Século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.; e FLORENTINO, Manolo. & GÓES, José
Roberto. A Paz das Senzalas: Famílias Escravas e Tráfico Atlântico, Rio de Janeiro, 1790-1850. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
35
Quando nos restringimos ao nosso objeto de estudo especifico a mulher e a vida
familiar na elite colonial brasileira uma obra toma ares de pioneirismo e ponto
referencial: Ao Sul do Corpo: Condição Feminina, Maternidades e Mentalidades no Brasil
Colonial
73
, tese de doutoramento da historiadora Mary Del Priori; estudo que traça um
panorama do controle por sobre a mulher da elite colonial, visando favorecer o
estabelecimento do sistema colonial no Brasil.
Sendo assim, este estudo visa, ao preencher lacunas na historiografia pernambucana
sobre o mundo colonial, contribuir para o desenvolvimento e aprimoramento das pesquisas
sobre a família e a mulher no Brasil; buscando assim, ao mesmo tempo, construir novas
visões acerca da sociedade colonial na Capitania Duartina, tendo em vista que estes
estudos, podemos afirmar, ainda inexistem dentro da produção historiográfica
pernambucana.
O corte espacial da pesquisa limitou-se à Capitania de Pernambuco, Ocorrendo
algumas comparações com outras áreas do Brasil Colonial; em especial à capitania da
Bahia, pelas semelhanças sócio-econômicas que as unem.
A sociedade do Pernambuco colonial açucareiro, onde se inseriam os homens e
mulheres objetos de nosso estudo, era extremamente estratificada tendo entre os grupos
sociais que a compõem: aristocratas, padres, degredados, lavradores, artificies e escravos
africanos
74
; além dos nativos e pobres livres sem ocupação específica porém, marcada
por uma divisão binária básica: senhores versus escravos.
Sobre esta relação entre dualismo e complexidade na sociedade da área produtora
de açúcar da América Colonial Lusitana, o brasilianista Stuart B. Schuwartz nos afirma que
esta
foi uma sociedade de múltiplas hierarquias de honra e apreço, de
várias categorias de mão-de-obra, de complexas divisões de cor e de
73
Publicado pela editora José Olympio (São Paulo, 1995).
74
ACIOLI, Vera Lúcia Costa. Jurisdição e Conflito: Aspectos da Administração Colonial, Pernambuco,
século XVII. Recife: EDUFPE, 1997. p.15.
36
diversas formas de mobilidade e mudança: contudo, foi também uma
sociedade com forte tendência a reduzir complexidades a dualismo de
contraste senhor/escravo, fidalgo/plebeu, católico/pagão e a conciliar
as múltiplas hierarquias entre si, de modo que a graduação, a classe, a
cor e a condição social de cada indivíduo tendessem a convergir .”
75
O espaço temporal da pesquisa se delimita no extenso hiato entre a Segunda metade
do século XVI e a primeira metade do XIX. Dessa forma, compreendemos o espaço,
segundo Michel Mullett, de duração das reformas do cristianismo ocidental na Idade
Moderna e, ao mesmo tempo, o auge da mentalidade barroca que, segundo Eduardo
D’Oliveira França e José Antonio Maravall, marcou, com o seu discurso de normatização e
controle social, o Século XVII
76
. Além do período de implementação, adaptação e vigência
mais acentuada dessa ideologia na América Portuguesa.
Para adentrar nessa sociedade, faremos uso, como linha condutora, da análise da
estruturação do mundo católico tridentino e da sociedade barroca, sua transmigração ao
Novo Mundo em especial à Nova Lusitânia assim como da construção de padrões
modelares de conduta elaborados pelos agentes desses pensamentos; além da repercussão
desses ditames no corpo social.
Nesse fio, acreditamos que poderemos tecer um painel das condições femininas,
fruto das inter-relações entre os sexos, no universo das relações familiares da população
colonial pernambucana, através da ação da Igreja Católica sobre este complexo tecido de
interações e controle social.
Dito isto, adentremos, portanto, neste universo.
75
SCHUWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: Escravos e Engenhos no Mundo Colonial. São Paulo:
companhia das Letras / CNPq, 1988.pp.209-210.
76
Vide MULLETT, Michael. Op.Cit. pp.64-66;FRANÇA, Eduardo D’Oliveira. Op.Cit. pp.29-45 e
MARAVALL, José Antonio. Op. Cit. pp. 41-247.
37
CAPÍTULO II:
O MUNDO TRIDENTINO E A AMÉRICA PORTUGUESA.
Esta terra Sñor me parece que [...]em tal maneira
he graciosa que querendoa aproveitar darsea neela tudo”.
Pero Vaz de Caminha,maio de 1500.
Uma coisa desejamos cá todos e pedimos muito
a Nosso Senhor, sem a qual se poderá fazer fruto do Brasil que desejamos.
E é que esta terra toda seja mui povoada de cristãos, que a tenham sujeita.
Porque a gente é tão indômita [...] e isenta em não reconhecer superior,
que será muito dificultoso ser firme o que se plantar, se não houver este remédio.
Pe. Joseph de Anchieta, S. J., março de1555.
II. 1. A REFORMA DO CRISTIANISMO EUROPEU E A FORMAÇÃO DA
MENTALIDADE BARROCA.
A Europa Ocidental sofreu, no período entre os séculos XVI e XVIII, uma reforma
no pensamento cristão com a cisão do cristianismo católico ocidental, a emergência dos
movimentos protestantes e a consolidação da chamada Contra-Reforma.
A emergência dos cultos reformados exigiu uma reação da até então hegemônica
Igreja Católica Apostólica e Romana; e o símbolo maior dessa reação conhecida como a
Contra-Reforma foi o Concílio de Trento, responsável pela reformulação e reafirmação
dos dogmas católicos frente à ameaça e contestação protestante. Juntamente com a
reestruturação do Tribunal do santo Ofício e com a formatação do Índex, o Concílio
Tridentino lançou as bases do pensamento católico no mundo ocidental moderno.
Durando de 1545 a 1563, porém não continuamente, o Concílio de Trento,
convocado pelo papa Paulo III, desenvolveu-se em três fases: uma indo de 1545 a 1547;
outra se estendendo de 1551 a 1552; e a derradeira concentrando-se entre 1562 e 1563,
quando foi encerado por Pio IV. Porém, sua aplicabilidade varou os séculos seguintes,
como afirma Michael Mullet,
o Concílio de Trento foi indispensável para a Contra-reforma
embora a maior parte das pessoas não conseguissem compreender as suas
38
extensas resoluções acerca da doutrina; mas sua legislação necessitava
de implementação, o que levou longo tempo, por vezes mais de um século,
nas diversas regiões da Europa católica”.
77
As mudanças não foram poucas, atingindo desde a formação do clero, à elevação do
Matrimônio à condição de sacramento, a criação do espaço doutrinal do confessionário, a
censura literária através do Índex, a criação de ordens religiosas como os jesuítas
responsáveis pela propagação do ideário católico tridentino, a reabilitação da Inquisição,
dentre vários outros aspectos.
Além da busca da doutrinação dos fiéis, transformando-os em defensores e
divulgadores dos preceitos católicos, assim como conhecedores dos postulados do
catecismo romano; ideal de fiel este expresso na seguinte máxima de santo Inácio de
Loiola: Trabalha como se tudo dependesse de ti; reza como se tudo dependesse de
Deus”.
78
Desse novo fiel exigir-se-á novas práticas de devoção, tanto de caráter coletivo
como individual. Deste modo, tornar-se-ão obrigatórios o comparecimento às missas
dominicais e de dias de festas; as orações individuais; a reza do terço, de ladainhas, dos
salmos; a atenção ao sermão; a prática da confissão e da comunhão, pelo menos anualmente
e , em especial, no período pascal; observância aos Sacramentos, com ênfase no batismo,
eucaristia, matrimônio e extrema-unção; além da participação em confrarias e
peregrinações.
79
Junto com a figura de um clero atuante, tornava-se necessário para a execução e
assimilação desses valo res no seio familiar dos fiéis a ação da figura feminina. Responsável
por repassar aos filhos as primeiras noções das práticas de devoções coletivas e de piedade
77
MULLET, Michael. A Contra-Reforma e a Reforma católica nos Princípios da Idade Moderna Européia.
Lisboa: Gradiva, 1985. p. 9.
78
Apud Idem. p. 20.
79
Vide LEBRUN, Fraçois. “As Reformas: Devoções Comunitárias e Piedade Pessoal”. In: ÀRIES , Philippe.
& DUDY, Georges. (Dir.) História da Vida Privada. Volume 3: da Renascença ao Século das Luzes. (Org. de
Roger CHARTIER). São Paulo: Companhia das Letras, 1991. pp. 71-111.
39
pessoal; seriam as mães as primeiras professoras de catecismo dos filhos, as responsáveis
pela lembrança da obrigação das missas dominicais, das confissões, as organizadoras das
ladainhas e terços, as incentivadoras das peregrinações. Assumindo este papel através da
intimidade dessas figuras femininas com os sacerdotes.
Para o sucesso dessas ações e mudanças algumas das inovações trazidas pelo
Concílio de Trento tornavam-se essenciais. Aqui nos limitaremos à análise de algumas
delas: a formação de um novo corpo clerical; a instituição do espaço do confessionário
como locus de propagação da ideologia tridentina e de controle social dos fiéis; e a ação da
Companhia de Jesus, exemplo de ordem religiosa pragmaticamente voltada para a
divulgação do catecismo romano pós-Trento, inclusive no Novo Mundo.
Com o Concílio Tridentino e a determinação da existência de seminários para a
formação clerical, a Igreja Católica buscava afastar seus pastores das influências da cultura
popular: cobrando rigorosamente o celibato por parte dos clérigos; exigindo austeridade e
dignidade na vida desses padres, tendo em vista sua condição de modelos aos seguidores da
religião católica; o compromisso de residência entre os fiéis, o que fortalecia o papel da
paróquia dentro das reformas tridentinas, através do disciplinamento, inspeção e limpeza
dos bispados; a obrigação de uma formação religiosa por parte do clero; além da tentativa
de melhoria das condições materiais de vida do baixo clero.
80
Tudo isto, buscando
diferenciar o máximo possível o sacerdote do leigo.
Nas palavras de Jean Delumeau,
para lutar contra a supertição era preciso um clero paroquial
mais alijado do universo mágico tradicional, mais distante da vida
cotidiana, mais aberto à religião do espírito do que havia sido comum até
então”.
81
80
Sobre estes aspectos vide DELUMEAU, Jean. El Catolicismo de Lutero a Voltaire. Barcelona: Editorial
Labor, 1973. pp. 221-232.
81
Idem. p. 221.
40
Já para Michael Mullett,
a reforma sistemática dos bispados, paróquia por paróquia,
implicando a inspeção dos padres, o estabelecimento de escolas e
seminários, a pregação e a administração dos sacramentos, constitui o
coração pulsante da Contra-reforma”.
82
Essa tipologia do novo sacerdote encontraria na instituição do confessionário uma
das pontes de ligação com o seu rebanho. A chamada “Caixa das Confissões” foi uma das
grades revoluções advindas do mundo católico tridentino; tornando-se uma segunda via aos
preceitos apregoados pelos clérigos no púlpito, os conselhos sussurrados no confessionário
foram, também, uma forte arma muito bem explorada pelos jesuítas no controle e
doutrinação dos fiéis.
Para Michel Foucault a confissão era “um procedimento perfeitamente codificado,
perfeitamente exigente, altamente institucionalizado, da revelação da sexualidade”.
83
E o
espaço específico para esse controle e normatização da intimidade dos crentes era o
confessionário:
como lugar aberto, anônimo, público, presente dentro da igreja,
aonde um fiel pode vir se apresentar e onde encontrará sempre à sua
disposição um padre que o ouvirá, ao lado do qual ele se vê
imediatamente situado, mas do qual, apesar disso, é separado por uma
cortininha ou uma pequena grade. Tudo isso é, de certo modo, a
cristalização material de todas essas regras que caracterizam ao mesmo
tempo a qualificação e o poder do confessor. O primeiro confessionário é
mencionado, parece, no ano de 1516. Antes do século XVI, não havia
confessionários”.
84
82
MULLETT, Michael. Op. Cit. p. 17.
83
FOUCAULT, Michel. Os Anormais: Curso no Collége de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes,
2001. p. 214.
84
Idem. p. 229.
41
É o mesmo Foucault quem nos informa também que
a Contra-Reforma se dedica, em todos os países católicos, a
acelerar o ritmo da confissão anual. Porque tenta impor regras
meticulosas de exame de si mesmo. Mas, sobretudo, porque atribui cada
vez mais importância, na penitência em detrimento, talvez, de alguns
outros pecados a todas as instituições da carne: pensamentos, desejos,
imaginações voluptuosas, deleites, movimentos simultâneos da alma e do
corpo, tudo isso deve entrar, agora, e em detalhes, no jogo da confissão e
da direção espiritual”.
85
Visto por este ângulo, o confessionário contribuiu também para a configuração
desse novo padrão de sacerdote que emergia do mundo católico pós-Trento. Para Michael
Mullett, esse novo modelo exigia para padre “um tipo de pessoa diferente, especificamente
treinado e preparado para desempenhar funções sacerdotais”.
86
Esse modelo encontraria
sua cristalização ideal na figura dos jesuítas, os sacerdotes-modelo do espírito da Contra-
Reforma.
Fundada por santo Inácio de Loiola em 1534 e reconhecida pelo papa Paulo III em
1540, a Companhia de Jesus ordem religiosa de caráter militarista, onde o voto de
obediência é de teor capital foi um dos baluartes não só do pensamento tridentino, como
também da mentalidade barroca que dominou a Europa moderna. Mas que também se
transmigrou ao Novo Mundo. É o historiador Frádédic Mauro quem nos afirma que
durante o século XVII, a Igreja Católica prosseguiu a reconquista
da Europa perdida em parte para benefício da Reforma. A esta difícil
reconquista se incrementou, como no século XVI, a conquista do mundo.
Conquista realizada pelos Agostinianos, as Ordens mendicantes e os
Jesuítas em todas as regiões onde haviam chegado os europeus”.
87
85
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. Volume 1: A Vontade de Saber. 14
a
. edição. Rio de
Janeiro: Graal, 2001.p. 23.
86
MULLETT, Michael. Op. Cit. p. 30.
87
MAURO, Frédéric. La Expansión Europea (1600-1870). Barcelona: Editorial Labor, 1975. p. 97.
42
Antes de adentrarmos no processo de transposição do mundo tridentino para o Novo
Mundo e, nele, a importância da ação da Companhia de Jesus vamos analisar outro fator
decisivo para a configuração da mentalidade européia e para a formação da sociedade no
Novo Mundo, em especial o mundo brasílico: o surgimento da mentalidade barroca.
Quando falamos em mentalidade barroca, extrapolamos aqui a visão do barroco
como um simples movimento artístico e arquitetônico que prevaleceu nos séculos XVII na
Europa e no XVIII no Novo Mundo. Concordando com o historiador espanhol José
Antonio Maravall, concebemos o barroco como um conceito de época, uma realidade única
oriunda da combinação de uma série de fatores da Europa do século XVII articulada
sobre um conjunto de aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais.
88
Realidade
histórica esta que não se limitou ao espaço europeu, pois como afirma o mesmo Maravall o
barroco foi
uma época definida na história de alguns países europeus, países
cuja situação histórica, em certo momento, independentemente das
diferenças, mantém estreita relação. Conseqüentemente, a cultura de uma
época barroca pode ser encontrada também, e com certeza o foi, em
países americanos sobre os quais repercutiram as condições culturais
européias desse tempo”.
89
Nesta perspectiva, a cultura barroca se caracterizaria por aspectos múltiplos: era
uma cultura dirigida, pragmática; tinha um teor de cultura massiva, com objetivos de
alcançar grandes públicos; era uma cultura eminentemente urbana e de aspectos
conservadores.
90
Por estes motivos, a mentalidade barroca foi amplamente absorvida e
reproduzida pela Igreja da Contra-Reforma.
Exemplos dessa simbiose podem ser encontrados na arte sacra barroca; nos manuais
de confessores escritos por padres; na normatização da vida dos fiéis; nos Exercícios
88
Vide MARAVALL, José Antonio. A Cultura do Barroco: Análise de uma Estrutura Histórica. São Paulo:
Edusp, 1997. p. 49.
89
Idem. p. 41.
90
Vide Idem. Em especial os capítulos 2 a 5, pp. 119-243.
43
Espirituais” de santo Inácio de Loiola e de santa Tereza D’Ávila; nos discursos, prédicas e
sermões dos padres da Companhia de Jesus. O auge desse pensamento se deu no século
XVII, mas não se limitou a ele; pois, como afirma Michael Mullett “durante quatrocentos
anos, a mentalidade da Contra-Reforma dominou a Europa católica. O Concílio de Trento
lançou o processo, o Concílio Vaticano II encerrou-o”.
91
Num estudo sobre o disciplinamento da sociedade moderna, o pensador francês
Michael Foucault identificou, durante o século XVII, um sistema de controle individual
funcional que, em todas as instâncias, funcionava através de duas formas complementares:
o da divisão binária e da marcação (louco não louco; perigoso
não perigoso; normal anormal); e o da determinação coercitiva, de
repartição diferencial (quem é ele; onde deve estar; como caracteriza-lo,
como conhece-lo; como exercer sobre ele, de maneira individual, uma
vigilância constante, etc.)”.
92
Esse mecanismo de controle social sofreu um processo de aperfeiçoamento no
século XVIII com o sistema panóptico de Bentham, que visto por um plano amplo no
caso, o panoptismo favoreceria a vigilância constante e interiorizada da sociedade, através
da identificação do indivíduo com os modelos culturais de controle e vigilância. Neste
momento, os discursos deveriam ser interiorizados pelo indivíduo de forma que a auto-
vigilância favorecesse o sucesso do controle exercido por sobre este.
É este ideário que o pensamento católico tridentino, em consonância com a cultura
barroca, vai tentar por em prática junto à população católica do Velho e do Novo Mundo.
Aqui teremos a construção dos binômios católico protestante, nobre plebeu, homem
mulher, clérigo fiel, Maria Eva, matrona promíscua. Visando a normatização da
sociedade e, em especial, as diferenças sociais entre os sexos.
91
MULLETT, Michael. Op. Cit. p. 66.
92
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 25
a
. edição. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 165.
44
Tidas por baluartes do pensamento católico da Contra-Reforma e como ícones da
cultura barroca, as nações ibéricas tiveram um papel importantíssimo na implementação
dessa mentalidade no Novo Mundo. É desse processo que passaremos a tratar agora,
tomando por base o exemplo da América Portuguesa.
II. 2. A TRANSMIGRAÇÃO DA IDEOLOGIA TRIDENTINA E BARROCA AOS
TRÓPICOS.
Em seu testamento, Isabel de Castela , soberana da Espanha, assim se expressou:
ao pedirmos ao papa Alexandre VI que nos concedesse a
propriedade de metade das ilhas e continentes do oceano, o nosso claro
propósito era utilizarmos todos os nossos esforços no sentido de induzir os
povos dessas novas terras a abraçar a nossa sagrada religião, de lhes
enviar padres, monges, prelados e outros homens letrados e tementes a
Deus que os eduquem nas verdades da fé e lhes dêem as maneiras e
costumes de vida cristã”.
93
Esse discurso era o que tomava a mente dos representantes da Igreja que
desembarcavam na “Terra Brasilis”. Mentes estas formadas pela tradição do pensamento
tridentino na sociedade lusitana.
As três principais ações da Contra-Reforma a Companhia de Jesus, o Tribunal do
Santo Ofício e o Índex foram implementadas no reino de Portugal prematuramente. O
estabelecimento da Inquisição data de 1536, quando o pedido do monarca luso foi aceito
por Roma; já os primeiros jesuítas adentraram em Portugal em 1540;
94
e a censura literária
na sociedade lusa data do segundo quartel do século XV, antecedendo o próprio Índex
tridentino.
95
93
Apud MULLETT, Michael. Op. Cit. p. 55.
94
Sobre estes aspectos, vide MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Lisboa: Editorial
Presença, 1995. p. 198.
95
Cf. SILVA, Silvia Cortez. “O Rol dos Livros Defesos: A Censura a serviço da Igreja e do Estado”. In:
CLIO: Revista de Pesquisa Histórica. No. 16. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1996. pp. 133-141.
45
Para o Novo Mundo, as determinações da coroa lusitana em relação aos cânones do
Concílio de Trento e sua aplicabilidade datam de 1564, quando é publicado um alvará com
a intenção de publicar e recomendar “a observância do sagrado Concílio Tridentino em
todos os domínios da monarchia portugueza
96
, onde lemos as seguintes determinações
régias:
considerando em a grande obrigaçam, que, como filho muito
obediente á Santa Sé Apostólica, tenho de guardar inteiramente as
determinações do dito Concílio, e dar todo favor e ajuda pêra se
conseguir o effecto, que nellas se pretende, como sempre costumaram
fazer os reys destes Reinos, meus antecessores. Hei por bem e mando a
todos as minhas justiças, que querendo os ditos Prelados, e juizes
Ecclesiasticos per seus propios ministros usar contra leigos da
juridisçam, que lhes dá nos ditos Decretos, e em quaesquer outros, o dito
Sagrado Concílio, não ponham á isso duvida, nem embargo algum, antes
lhes dem toda ajuda, e favor necessário”.
97
Levando-se em consideração os aspectos acima arrolados, concordamos com a
historiadora Tanya Maria Pires Brandão, quando esta afirma que no além-mar, foi naquele
momento que a Igreja se instrumentalizou para o exercício não obstante o Concílio de
Trento não tivesse por finalidade primeira a expansão do catolicismo da nova pastoral, ao
sagrar como primazia a conservação dos sacramentos e do direito canônico.
98
Na América Portuguesa, os inacianos foram os percussores da moral tridentina e de
teor barroco nos trópicos. Acompanhando o primeiro governador-geral, os jesuítas
aportaram no mundo brasílico em 1549 e junto, posteriormente, com outras ordens
religiosas cobriram as brechas deixadas pela fragilidade do clero secular, diante das
imposições advindas da instituição do padroado; assumindo o trabalho missionário com os
indígenas, a orientação moral dos colonos e a propagação dos ideários católicos no Novo
Mundo.
96
OF. Livro II, “Alvará de 12 de Setembro de 1564”. pp. 503-509.
97
Idem. p. 508.
98
Cf. BRANDÃO, Tanya Maria Pires. A Elite Colonial Piauiense: Família e Poder. p. 132.
46
Para o historiador lusitano A. H. de Oliveira Marques,
as ordens religiosas tiveram um papel extremamente relevante na
exploração e colonização do Brasil. Os indígenas mostravam-se
relativamente fáceis de converter, pelo menos em contraste com os povos
da África e da Ásia. Este facto fez do Brasil um espécie de terreno de
eleição para todos os missionários, apesar do clima, das dificuldades
oferecidas pela geografia e dos perigos que a ferocidade de muitas tribos
apresentava. Contudo, não havia região mais compensadora para o
trabalho dos missionários do que a América Portuguesa. A todos aqueles
que se preocupavam com a ‘salvação’ dos seus habitantes, o Brasil
pagava em conforto espiritual em riqueza material”.
99
Os membros da Companhia de Jesus foram, durante muito tempo, a coluna mestra
do catolicismo na colônia tendo em vista a fragilidade da organização eclesiástica na
sociedade colonial brasileira. O bispado de Salvador foi criado em 1554 e elevado à
categoria de Arquidiocese só em 1676, com a criação das dioceses do Rio de Janeiro,
Olinda e Maranhão. No início do século XVIII foram criadas mais cinco dioceses: Pará,
Mariana, São Paulo, Goiás e Cuiabá. Nesta mesma época, foi instituído o primeiro códice
eclesiástico da colônia. Adaptada aos cânones tridentinos, as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia redigidas em 1707, através de um sínodo comandado pelo arcebispo
D. Sebastião Monteiro da Vide.
A ação dos padres inacianos teve maior vulto frente à debilidade do clero secular.
Ligados à máquina administrativa da Metrópole, os párocos seculares, a maioria ligada ao
setor urbano, em muito fugia ao ideal de padre formulado pelo pensamento católico pós-
Trento. Dentro desse ideal
o padre deveria exercer o poder fiscalizador e disciplinador entre
os seus fiéis, usando a sua condição de autoridade, o que era condizente à
época. Para tal atitude contava com os recursos que iam desde a
acusação de alguém, no púlpito, como devasso e pecador ou a exposição
99
MARQUES, A. H. de Oliveira. Op. Cit. p. 414.
47
de seu nome na porta da igreja, até medidas que incluíam o uso da
violência. Este reforço colonial de um traço do Concílio de Trento fez do
pároco um instrumento de controle e da paróquia, um espaço de
disciplina. Os sacerdotes coloniais tinham o direito reconhecido de se
imiscuírem em muitos assuntos específicos e particulares, tanto na vida
doméstica dos casais, quanto na educação dos filhos, afim de intervir e
fiscalizar a ação dos pais”.
100
Porém esses padres, muitas vezes, ao invés de lutarem para salvar os degredados
filhos de Eva da Terra Brasilis, acabavam por cair em pecado, inclusive com seus próprios
rebanhos. Para Ida Lewcowicz, “o clero não permaneceu imune ao ambiente social que o
rodeava. A manutenção de vida casta foi um problema contínuo para os clérigos do mundo
colonial”.
101
Aspecto este que em pouco afetou a austeridade jesuítica.
Das crônicas inacianas percebemos a preocupação dos membros da Companhia em
não só converter fiéis os indígenas mas, também, em regular a vida dos colonos:
coibindo barreguice e concubinatos, aplicando o sacramento da confissão, evitando o
desregramento moral dos colonos.
Em carta de 1554 aos seus superiores na Europa, assim se expressava o padre José
de Anchieta:
Nosso Senhor, por sua infinita misericórdia plante em toda terra
sua santa fé, libertando-os do grande cativeiro em que está do demônio, o
que todos, caríssimos irmãos, devem pedir com muita instância a Nosso
Senhor cada dia em suas orações, nelas se recordando de nós”.
102
100
FRANÇA, Anna Laura Teixeira de. Santas Normas: O Comportamento do Clero Pernambucano sob a
vigilância das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia 1707. (Dissertação de Mestrado). Recife:
UFPE, 2002. p. 84.
101
LEWCOWICZ, Ida. “A Fragilidade do Celibato”. In: LIMA, Lana Lage da Gama. (Org.). Mulheres,
Adúlteros e Padres: História e Moral na Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1987. p. 58.
102
ANCHIETA, José de,Pe.,.Cartas: Correspondência Ativa e Passiva.São Paulo: Edições Loyola,1984. p.
58.
48
Fundando colégios, formado reduções e missões, fazendo peregrinações a lugares
esmos, bradando nos púlpitos ou sussurrando nos confessionários; os jesuítas agiam de
forma a implementar o ideário moral tridentino nos trópicos. É o mesmo Anchieta quem
nos relata um pouco dessas atividades:
nossa conversação com os próximos é a costumadas: ocupamos-
nos na doutrina das cousas da fé e mandamentos de Deus com as
mulheres dos cristãos, e seus escravos, nestes lugares em que dispargidos
sempre se colhe algum fruto pela bondade do Senhor, assim em aparta-los
de pecados, como em conhecimento de Deus nosso creador e Senhor, e
ajudando-os a bem morrer”.
103
O trabalho missionário com as mulheres revela a importância que estas assumiriam
no sucesso do projeto colonizador e na propagação dos cânones tridentinos à população.
Para Mary Del Priore
a América era uma mulher...Pelo menos assim ela aparece na
iconografía dentre os séculos XVI e XVIII; o ventre opulento, o longo
cabelo amarrado com conchas e plumas, as pernas musculosas, nus os
seios. A representação assim construída pelos europeus traduzia um
discurso que tentava se impor como concepção social sobre o Novo
Mundo: a América, como uma bela e perigosa mulher, tinha que ser
vencida e domesticada para ser melhor explorada”.
104
Sobre o trabalho dos inacianos junto às figuras femininas podemos colher alguns
depoimentos importantes. Numa carta escrita em 1549 da Bahia para o padre Simão
Rodrigues, que se encontrava em Lisboa, o padre Manuel da Nóbrega relata um caso onde,
segundo ele,
veio uma mulher que se confessou a mim, à qual avia muitos
annos que o demônio falava muito passinho à orelha cousas de sua
103
CARTAS, INFORMAÇÕES, FRAGMENTOS HISTÓRICOS E SERMÕES DO PADRE JOSEPH DE
ANCHIETA, S. J. (1554-1594). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933. p.177.
104
DEL PRIORE, Mary. “Imagens da Terra Fêmea: A América e suas Mulheres”. In: VAINFAS, Ronaldo.
(Org.). América em Tempo de Conquista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 149.
49
perdição, e o começo disto foi desejar ella, sendo moça e cazada, que
estes que andão pelo mundo e sabem muitas cousas pela arte mágica a
aconselhacem em certas cousas. Indo ela hum dia caminho, lhe apareceo
o demônio em figura de sacerdote peregrino e depois de muitas
adevinhações a acometeo pêra a enganar e perder, de maneira que depois
passou vio ela que era o demônio, e vio claramente que diante dos seus
olhos desapareceo. Este a acompanhou sempre e depois falando-lhe á
orelha e certificando-lhe que era já sua. Veio-se pôs aos meos pés dando-
me larga conta de tudo. Fi-la confessar geralmente e depois que
confessou o que lhe alembrou dilatei-lhe absorvição pera mais examinar
sua consciência. A absorvi, e com muitas lagrimas tomou o Senhor de
minhas mãos”.
105
Relato de uma situação similar nos é apresentado pelo padre José de Anchieta em
sua Breve narração das Coisas Relativas aos Colégios e Residências da Companhia nesta
Província Brasílica, no ano de 1584; aqui, o jesuíta nos relata que em
uma ocasião, certo padre, pregando em uma destas assembléias
de fiéis, veio a tratar do juízo de Deus e se referiu às penas futuras. Então
certa mulher abrazada em ódio de morte, se impressionou tanto com as
suas palavras, que mudou comportamento de vida, e dissolvida a
assembléia foi ter com um dos nossos Irmãos, e banhada em lágrimas,
com a voz embargada pelos soluços, prorompeu, afinal, nestas palavras:
tem compaixão de mim, ó padre, porque sou a mais desgraçada das
creaturas, mostra-me o caminho, por onde, sujeita às leis cristãs possa
viver e livrar minha alma dos tormentos’. E o padre benignamente a
acolheu, admoestando-a que se não esquecesse do aviso divino, e que
rendesse a Deus as devidas graças, por tamanho benefício. Assim,
imediatamente se reconciliou com o seu inimigo”.
106
105
CARTAS DO BRASIL E MAIS ESCRITOS DO P. MANUEL DA NÓBREGA. Coimbra: Universidade
de Coimbra, 1955. pp. 6-7.
106
CARTAS, INFORMAÇÕES, FRAGMENTOS HISTÓRICOS E SERMÕES DO PADRE JOSEPH DE
ANCHIETA, S. J. (1554-1594).p. 398. Grifo Nosso.
50
Os cuidados com as mulheres tinham de ser redobrados, primeiro pelos interesses
mais amplos já expostos e concernentes ao sucesso da implementação de uma sociedade
católica na América Portuguesa, mas, também, por ser a mulher dentro do imaginário
clássico, hebraico e cristão uma via fácil de escoamento dos males no mundo, vide as
figuras de Eva e Pandora.
107
Representativas desse pensamento são as seguintes afirmações
do padre Anchieta: “com as mulheres e escravos dos portugueses se faz muito fruto, e nisto
nos ocupamos principalmente, porque lhes é tão necessária a doutrina da fé”.
108
Matrona e padre se debatiam na gênese da sociedade colonial brasileira. A estima
que as mulheres recebiam dos agentes do catolicismo tridentino em terras tropicais revela a
gravidade da normatização das relações entre os sexos no seio dessa sociedade em ebulição.
Expõem como as relações de gênero podem nos conduzir a um outro olhar por sobre a
colonização da América Portuguesa e, dentro dela, da capitania de Pernambuco.
Neste sentido são elucidativas as opiniões da historiadora Maria Odila Leite da
Silva Dias de que
o processo colonizador a marcha do povoamento, desequilíbrio
dos sexos, a tendência de formar frentes pioneiras, onde faltavam
mulheres brancas, e de crescer, nas retaguardas e vilas de homens
ausentes, uma população majoritariamente feminina, às vezes mestiças, às
vezes brancas empobrecidas são conjunturas específicas da colônia, que
modificavam costumes e tradições ibéricas, dando coloração improvisada
e peculiar às relações sociais como um todo e, mais especificamente, às
relações entre homens e mulheres”.
109
Refletindo essas peculiaridades, as ações dos agentes do pensamento católico pós-
Trento se moldavam às especificidades da vida na colônia: escravidão, desequilíbrio
107
Deste aspecto trataremos de forma mais específica no próximo capítulo.
108
ANCHIETA, José de,Pe.,.Cartas: Correspondência Ativa e Passiva. p. 175.
109
DIAS, Maria Odila leite da Silva. Cotidiano e Poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense,
1995. p. 55. Aqui vale ressaltar que, apesar das divergências teóricas da autora em questão com a abordagem
de análise de Gênero fator evidenciado no capítulo I de nosso estudo , muitos dados apresentados por
Silva Dias neste livro citado convergem ao nosso ver, contraditoriamente, para uma análise de Gênero.
51
demográfico, distância da Metrópole, urbanização incipiente, fragilidade da estrutura
eclesiástica, constante movimentação espacial dos colonos. Essa necessidade de adaptação
ao universo brasílico se faz presente num outro referencial do ideário canônico tridentino
na América Portuguesa: o texto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
Datado de inícios dos setecentos, esse é o primeiro códice eclesiástico do Brasil e
tinha por objetivo, tomando por base as Constituições do Arcebispado de Lisboa (1537) e
as Constituições Extravagantes do Arcebispado de Lisboa (1565 e 1569), adaptar e
implementar de forma sistemática os cânones do Concílio de Trento no Novo Mundo.
Como afirma o arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide no texto introdutório do códice,
fazemos saber, que reconhecendo nós o quanto importão as Leis
Diocesanas para o bom governo do Arcebispado, direcção dos costumes,
extirpação dos vícios, e abusos, moderação dos crimes, e recta
administração, da justiça, depois de havermos tomado posse deste
Arcebispado em 22 de maio de 1702, e visitando pessoalmente todas as
parochias delle, e cuidando a grande obrigação, com que devemos
(quanto em nós for) procurar o aproveitamento espiritual, e temporal, e a
quietação de nossos subditos, fizemos diligencia pelas constituições. E
considerando Vós, que as ditas constituições de Lisboa se não podião em
muitas coisas accomodar a esta tão diversa região, resultando dahi
alguns abusos no culto Divino, administração da Justiça, vida, e costumes
de nossos subditos: e querendo satisfazer ao nosso Pastoral officio, e com
opportunos remédios evitar tão grandes dannos, fizemos, e ordenamos
novas Constituições”.
110
Além da ação da Companhia de Jesus e da elaboração das Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia, uma outra representação do ideário tridentino também aportou
em terras da colônia: o tribunal da Inquisição.
110
CPAB. p. XXI.
52
Diferentemente de sua ação nos domínios espanhóis na América onde
encontramos a instalação de três tribunais fixos em pontos diversos da América Hispânica:
Peru (1570), México (1571) e Cartagena (1610)
111
o, como bem caracterizou Gilberto
Freyre, “olho enorme e indagador
112
da Inquisição limitou seu foco de atenção por sobre a
sociedade colonial luso-brasileira em quatro visitações que se deram em três diferentes
séculos e capitanias: as primeiras, no século XVI, ocorreram na Bahia (1591-1593) e em
Pernambuco (1594-1595); no século XVII, novamente a capital do Governo-Geral é
visitada (1618); a quarta e última visitação, desta vez com um espaço temporal de diferença
bem dilatado, só ocorreu na segunda metade do século XVIII, no Pará (1763-1769).
Essa diferenciação nos planos de ação da Inquisição Ibérica, revigorada após o
Concílio Tridentino, na América pode ser elucidada pelos interesses econômicos dos reinos
ibéricos, isso se levarmos em questão os aspectos políticos e econômicos atrelados à ação
do Santo Ofício. Principalmente quando atentamos ao fato de que o período de fundação do
terceiro tribunal na América Hispânica e das três primeiras visitações na América
Portuguesa é o mesmo, coincidindo este, por sua vez, com a União Ibérica, junção das
coroas da Espanha e Portugal sob o comando dos Felipes da casa dos Habsburgo. A busca
de uma explicação torna-se ainda mais confusa quando constatamos a presença da
instituição do padroado, submetendo a ação da Igreja ao Estado em ambas as potências
ibéricas.
Mesmo assim, uma provável elucidação pode residir no interesse mercantil da corte
filipina na manutenção das jazidas minerais do espaço ao Ocidente de Tordesilhas e no
conseqüente desinteresse nas possessões ocupadas pelos lusitanos, mesmo com o
desenvolvimento da agro-manufatura açucareira que então ocorria no Nordeste dessa
região.
Contradições e diferenciações vistas, nos cabe aqui evidenciar que, no processo de
defesa do catolicismo frente ao avanço do movimento reformista protestante, além da
111
Cf. VAINFAS, Ronaldo. “A Teia do Inquisidor: Delação e moralidade na sociedade Colonial”. In:
VAINFAS, Ronaldo. (Org.). História e Sexualidade no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986. p. 42.
112
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. p. LXVI.
53
perseguição aos hereges, cismáticos e judeus, a proteção do casamento legítimo e o
combate à luxúria foram empossados como novas bandeiras de luta da Igreja Católica.
113
Nessa frente de luta, a Inquisição moderna, como instituição revigorada pelo espírito da
Contra-Reforma, se sobressairia no processo de manutenção e reafirmação dos dogmas
católicos.
Perceber a ação desses agentes do catolicismo tridentino e da mentalidade barroca
na Terra Brasilis é adentrar cada vez mais no espesso tecido social urdido do viver em
colônia, em especial no que concerne à construção dos papéis de gênero no âmago dessa
sociedade. Cabe-nos, agora, acompanhar como esse processo se deu em nosso espaço
histórico-geográfico específico: a capitania de Pernambuco.
II. 3. A NOVA LUSITÂNIA NO CONTEXTO DO MUNDO TRIDENTINO E
BARROCO.
Não é possível analisar, com as fontes que dispomos, a repercussão na capitania de
Pernambuco da edição das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Porém, no
intento de situar a Nova Lusitânia na totalidade do mundo tridentino e barroco, podemos
rastrear a ação de duas vertentes deste pensamento na capitania: O Tribunal do Santo Ofício
e a Companhia de Jesus.
Quando o deputado do Santo Ofício, capelão fidalgo Del rei e do seu desembargo, o
licenciado Heitor Furtado de Mendoça aportou nos arrecifes de São Miguel em 21 de
setembro de 1593 após passar cerca de três anos na capital do Governo Geral do Brasil ,
encontrou a Capitania Duartina num período de prosperidade econômica. A Nova Lusitânia
deixava o século XVI para ingressar no XVII como o maior produtor individual de açúcar,
ultrapassando a Ilha da Madeira, outra possessão da Coroa Portuguesa colonizada dentro do
sistema de “platation”.
114
113
Cf. VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados: Moral, Sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1997. pp. 19-48.
114
Cf. CARVALHO, Marcus J. M. de. “Capitania de Pernambuco”. In: SILVA, Maria Beatriz Nizz da.
(Org.). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1994. pp. 628-632.
54
Em Pernambuco, a Inquisição se instalou solenemente em Olinda, sede da
Capitania, em 24 de setembro de 1593, três dias após a chegada do Visitador, abrindo o
período de graça espaço, geralmente de um mês, onde os confitentes que se apresentavam
espontaneamente perante o inquisidor teriam suas penas perdoadas ou amortecidas para
as confissões dos moradores das freguesias de Igarassu, São Lourenço, Jaboatão, Cabo de
Santo Agostinho e Ipojuca, além de Olinda e seus arredores; expandindo depois sua ação
para Itamaracá a 8 de dezembro de 1594 e Paraíba em 8 de janeiro de 1595.
Tendo sido nomeado Visitador há poucos anos, desde 26 de março de 1591, Furtado
de Mendoça assistiu, em terras das capitanias da Bahia e de Pernambuco, a um desfile de
confitentes e delatores que, em seus depoimentos, revelaram dados sobre a vida social da
colônia lusa na América.
Alguns livros principalmente das Confissões e Ratificações encontram-se hoje
extraviados, mas o que sobrou destes depoimentos nos revela fragmentos valiosos que
dizem respeito às relações sociais, à vida familiar e sexual, à mentalidade e ao cotidiano
dos homens e mulheres que ocupavam o espaço colonial nordestino na virada do século
XVI ao XVII e que se encontravam no seio do processo de transmigração da ideologia
católica tridentina e barroca aos trópicos.
No que diz respeito ao universo restrito das culpas confessadas, podemos constatar
uma predominância dos crimes ligados à fé estes ocupando cerca de 85,71% das
confissões sob os que diziam respeito a desvios do padrão moral e sexual do catolicismo
pós-Trento. Porém, esses números não deixam de demonstrar o interesse do tribunal
inquisitorial inicialmente criados para perseguir os hereges
115
em punir os desviantes do
padrão das moralidades outorgadas por Roma.
115
Cf. NOVINSKY, Anita. A Inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1982. pp. 10-20.
55
QUADRO I
CULPAS CONFESSADAS Números
Blasfêmia 42
Sodomia 06
Bigamia 03
Judaísmo 04
Luteranismo 08
Total 63
Fonte: Dados extraídos das Confissões de Pernambuco (1594-1595).
Mais atuantes, na Nova Lusitânia, no controle e orientação dos fiéis do que o Santo
Ofício, os padres inacianos atuaram na capitania de forma intensa até a expulsão deles no
século XVIII.
Trabalhando nos púlpitos, como confessores, professores, nos recolhimentos e no
Colégio da Companhia em Pernambuco, os jesuítas buscavam disciplinar os colonos da
Capitania Duartina através da pregação. O padre Simão de Vasconcelos (1597-1671) assim
descreveu uma viagem do padre Manuel da Nóbrega à capitania em 1551:
era muita a corrupção da sensualidade, mui pouca a guarda das
leis eclesiásticas, e raro o uso dos sacramentos. Homens havia, que por
espaço de quinze, e vinte anos, nem confessavam, nem comungavam, nem
mais tratavam de missa, ou pregação, que os próprios gentios. A estes
males dava mais ousadia o escândalo de alguns sacerdotes seculares, que
devendo zelar estes vícios, chegavam a pregar com boca atrevida, não ser
cousa ilícita, nem proibida por lei alguma, sustentar cada qual dentro de
sua casa índias, ainda com mau uso; este era o estado da capitania no
temporal e o espiritual.(...)Pelos púlpitos, pelas praças, pelas ruas, em
práticas públicas, e particulares, tratava (o padre Manoel da Nóbrega) de
ensinar a todos a verdadeira, e sólida doutrina: e como tinham os homens
grande conceito de suas letras e virtude, ia fazendo o desejado fruto:
56
davam muitos de mão às mancebas; e geralmente acudiam à freqüência
necessária dos Sacramentos, ata ali tão pouco usada”.
116
Mesmo com o desregramento moral do clero secular, a população achava nos
jesuítas e nos padres contratados pelas irmandades e confrarias formas de manter suas
obrigações religiosas. Revelador deste aspecto é o depoimento do pastor holandês no
Recife do século XVII Vicente Joaquim Soler. Criticando o comportamento dos seus pares
batavos, o pastor assim relatou suas opiniões numa carta escrita em 1639:
os holandeses, por falta de ministros, dirigem-se aos sacerdotes
para batizar seus filhos e bendizer seus casamentos. Os papistas têm tanta
liberdade como em Roma e praticam suas supertições em cinco templos
na vila de Olinda; e nós até hoje não obtivemos mais que um, porque
custa alguma despesa”.
117
A ação dos papistas muito se deve à eficiência jesuítica; do Colégio da Companhia
na Capitania fundado sob as bênçãos Del Rei D. Sebastião em 1576, os padres atuavam
também junto às mulheres da Nova Lusitânia. Nos relata o padre Anchieta que
uma moça mui honrada, que por falta de dote perigava na honra
e estava já para se perder, acudiu um padre a isso e houve da
Misericórdia esmola, com que ficou casada honradamente”
118
; assim
como também, duas virgens, reduzidas à indulgência, retiradas à
companhia da mãe, foram colocadas em casa de honestas matronas,
eliminando-se o perigo para sua castidade. Com o dote liberalmente
concedido por certo fidalgo, a rogo de nossos padres, deu-se a outra
estado por meio do matrimônio”.
119
116
VASCONCELOS, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus. Petrópolis: Vozes/INL,1977.(2 vols.). pp.
230-232.
117
DEZESSETE CARTAS DE VICENTE JOAQUIM SOLER, PASTOR PROTESTANTE A SERVIÇO DA
COMPANHIA DAS ÍNDIAS OCIDENTAIS, E ESCRITAS NO RECIFE, BRASIL, ENTRE 1636 E 1643.
Rio de Janeiro: Editora Índex, 1999. (Coleção Brasil Holandês, Vol. III). P. 58.
118
ANCHIETA, José de,Pe.,.Cartas: Correspondência Ativa e Passiva. p.319.
119
Idem. p. 349.
57
Ainda com a interseção dos padres da Companhia baseados no Colégio, duas
mulheres, expostas ao perigo da desonra, puderam, por meio de uma coleta, contrair
matrimônio”.
120
Já em Igarassu, o padre Gabriel Malagrida, segundo Serafim Leite,
promoveu a construção de um recolhimento do Sagrado Coração
de Jesus para regeneração e preservação de raparigas. Ajudou-o o
virtuoso padre Miguel Rodrigues Sepúlveda, que ficar seu capelão, e um
senhora caridosa, Antônia Maria de Jesus. Este asilo de madalenas
arrependidas tinha âmbito regional. As que não podiam casar, por causa
de impedimentos ou delas próprias ou dos homens com que viviam, por
serem casados, abriram-se-lhes as portas desta casa, onde ficavam ao
abrigo da miséria e de recaídas”.
121
Nestes dotes e ajudas conferidas a essas mulheres em situação de risco, a Santa Casa
de Misericórdia tinha, também, um papel importante. Começando suas atividades na década
de 1560, a Santa Casa da Misericórdia de Pernambuco, situada em Olinda, foi uma
respeitável parceira dos jesuítas neste trabalho beneficente junto às moças órfãs, viúvas e
mulheres de vida desregradas.
Na opinião do brasilianista Russel-Wood
concedia-se dotes a moças a fim de permiti-lhes preservar sua
honra e contrair casamentos adequados. No Brasil colonial, era difícil até
mesmo às moças de pais respeitáveis casar-se, a menos que tivessem um
dote. Sem o auxílio da Misericórdia, havia um perigo real de que viessem
a cair numa vida de prostituição. Na concessão de dotes, a Misericórdia
contribuía, a nível privado, para uma política nacional”.
122
A atenção redobrada dos padres por sobre as figuras femininas, evidencia a
importância da atuação delas no processo de construção de uma sociedade temente a Deus e
120
Idem. p. 373.
121
Apud ASSIS, Virgínia Maria Almoêdo de. “Clero e Coroa na Capitania de Pernambuco”. In: CLIO:
Revista de Pesquisa Histórica. No. 16. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1996. p. 148.
122
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755.
Brasília: EdUnB, 1981. p. 133.
58
regrada conforme os cânones romanos tridentinos, a cultura barroca e as expectativas do
Estado metropolitano. Este mesmo zelo devotado às mulheres advinha, também, de uma
tradição misógina do pensamento ocidental que persistia em moldar padrões ideais de
mulheres imunes ao pretenso mal latente próprio a cada uma delas. É sobre esses modelos
que agora trataremos de versar.
59
CAPÍTULO III
A CONTRUÇÃO DE MODELOS.
A mulher que teme ao Senhor merece louvor”.
Provérbios,31:30.
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”.
Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo
“Mulher e fazenda são os dous laços do Demónio,
em que mais almas se prendem e se perdem”.
Pe. Antonio Vieira.
III. 1. DA NATUREZA FEMININA.
O pensamento católico tridentino, assim como a mentalidade barroca, - ambos
frutos da época moderna herdaram uma tradição misógina e androcêntrica que remontam
ao universo clássico, à moral judaica e ao pensamento medieval. Do mito grego de Pandora
às cartas de Paulo, das leis mosaicas à escolástica e Santo Agostinho, a figura feminina
sempre foi encarada como o recipiente de um mal latente pronto a explodir e expandir-se
no seio social.
Neste aspecto são elucidativas as palavras da teóloga alemã Uta Ranke-Heinemann
ao afirmar que Jesus foi um amigo das mulheres, o primeiro e praticamente o último
amigo que as mulheres tiveram na Igreja.
123
Sendo assim, ao estudarmos a construção do modelo ideal de mulher pela cultura
barroca ibérica e tridentina, analisaremos estas formações discursivas como parte de um
continuum, de uma mentalidade que cruzou séculos num caráter transversal.
123
RANKE-HEINEMANN, Uta. Eunucos pelo Reino de Deus: Mulheres, Sexualidade e a Igreja Católica. Rio
de Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, 1999, p.132.
60
A imagem de Eva, dentro desta perspectiva, sempre foi associada às figuras
femininas como uma nódoa, que comprovava uma natureza má e submissa das mulheres.
Para Simone de Beauvoir
Eva não foi criada ao mesmo tempo que o homem; não foi
fabricada com uma substância diferente, nem com o mesmo barro que
serviu para moldar Adão: ela foi retirada do flanco do primeiro macho.
Seu nascimento não foi autônomo; Deus não resolveu espontaneamente
cria-la com fim em si e para ser por ela adorado em paga: destinou-a ao
homem. Foi para salvar Adão da solidão que Ele lha deu, ela tem no
esposo sua origem e seu fim; ela á seu complemento no modo inessencial.
E assim ela surge como uma presa privilegiada. É a natureza elevada à
transparência da consciência, uma consciência naturalmente
submissa.
124
As palavras de Beauvoir nos fazem lembrar de um famoso ditame do apóstolo Paulo
quando este predica para que:
As mulheres estejam sujeitas aos seus maridos, como ao Senhor,
porque o homem é cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja e o
Salvador do corpo. Como a Igreja está sujeita a Cristo, estejam as
mulheres em tudo sujeitas aos seus maridos”.
125
Já o historiador Mario Pilosu nos indica que
o principal papel que a mulher (Eva) tem no Antigo Testamento é o de
instrumentum diaboli, um instrumento que causa a perdição do gênero
humano, resgatado depois pela descida do Salvador. O motif da tentação
da carne personificada por um representante do sexo feminino aparece
desde as primeiras páginas do Gêneses e constituirá o próprio núcleo da
religião mosaica, de maneira que o topos da mulher enquanto instrumento
124
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Volume 1: Fatos e Mitos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985. p. 181.
125
Efésios, 5:22-23.
61
diabólico será uma componente sempre presente na religião judaica e,
depois, na cristã”.
126
A submissão à figura masculina seria algo inerente e essencial à sobrevivência das
mulheres como boas cristãs, tendo em vista o mal interno que elas carregavam consigo,
advindo do pecado original e das atitudes de Eva. Nesta senda são extremamente
ilustrativas as seguintes afirmações de Tertuliano:
Mulher, és a porta do diabo. Persuadiste aquele que o diabo não
ousava atacar de frente. É por tua causa que o filho de Deus teve de
morrer; deverias andar sempre vestida de luto e de andrajos.
127
Outro dos padres percussores do pensamento cristão católico, São João Crisóstomo,
é ainda mais duro ao expor que “em meio a todos os animais selvagens não se encontra
nenhum mais nocivo do que a mulher”.
128
Neste mesmo fio, Santo Ambrósio sentenciava:
Adão foi induzido ao pecado por Eva e não Eva por Adão. É justo
que aquele que foi induzido ao pecado pela mulher seja recebido por ela
como soberano”.
129
Já no século XII, Jacques de Vitry decretava: “entre Deus e Adão, no paraíso, havia
apenas uma. Ela não teve descanso até que os houvesse dividido”.
130
Pouco depois, São
Tomás de Aquino em sua Summa Theologica, denegria a figura feminina frente a uma
suposta superioridade masculina ao afirmar que “o pai deve ser amado mais do que a mãe,
por ser ele o princípio ativo da geração, enquanto que ela é o passivo”.
131
126
PILOSU, Mario. A Mulher, a Luxúria e a Igreja na Idade Média. Lisboa: Editorial Estampa, 1995. p. 29.
127
Apud BEAUVOIR, Simone de. Op. Cit. p. 118.
128
Idem.
129
Apud TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1993. pp. 19-20.
130
Apud DUBY, Georges. Eva e os Padres: Damas do Século XII. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
p. 105.
131
Apud RANKE-HEINEMANN, Uta. Op. Cit. p.203.
62
Essa imagem da mulher enquanto ser frágil, imaturo, passivo e não digno de
confiança, persiste no tempo. No século XVII, na América Portuguesa, vemos o padre
Antônio Vieira predicar, utilizando por mote a passagem bíblica do sacrifício exigido por
Deus a Abraão, que
notou S. Basílio q. Abrahão teve sempre o caso em segredo; &
nem quando aparelhou, & partio ao sacrifício, deo conta, ou notícia delle
a Sara. E a razão foy ( diz o Sãto) porq. Ainda que Abrahão venerava, &
tinha grande conceyto da Fé, da devoção, & da piedade de Sara, cõderou
com tudo o gênio feminil, & temeo que como mulher, & mãe, não tivesse
valor para consetir no sacrifício: conheceo o animo, mas temeo o gênio.
Esta he também a razão da minha desconfiança: revernceyo, mas receyo.
Abrahão era o pae dos creentes, & Sara a mãe. O pae dos creentes teve
valor para fazer o sacrifício; a mãe dos creentes não”.
132
Um outro autor jesuíta, o padre Manuel Arceniaga em seu Método Prático de Hacer
Fructuosamente Confesión General de 1724, nos indica que
a mulher deve estar sujeita a seu marido, deve reverenciar-lhe,
querer-lhe e obsequiar-lhe, ...não deve fazer coisa alguma sem seu
conselho. Seu principal cuidado deve ser instruir e educar a seus filhos
cristãmente, cuidar com diligência das coisas de casa, não sair dela sem
necessidade e sem permissão de seu marido, cujo amor deve ser superior
a todos, depois de Deus”.
133
Já no Recife de 1673, o padre Antonio da Silva apregoava do seu púlpito que
é tão forçoso pelas traças da mulher o engano, que até o demônio
se vale delas para o que quer fazer; não é mais sábio para maquinar
intenções do que a mulher advertida para fingir indústrias; o que não
confia de si, só fia da mulher o demônio, tudo isto é verdade que no
paraíso sucedeu e ainda hoje no mundo se lamenta. (...)Como o intento do
132
VIEIRA, Antônio (Pe.). Sermões. (Reprodução Facsimilada da edição de 1679). Vol. 1. São Paulo: Editora
Anchieta Ltda., 1943. pp. 602-603.
133
Apud DEL PRIORE, Mary. Ao Sul do Corpo. p. 122.
63
demônio é fazer na terra todo o mal que pode, por isto conserva as
mulheres, porque elas são de todo o mal o instrumento”.
134
Para o frade agostiniano Casimiro Dias, que escreveu seu Parocho de Índios
Instruído em Manila a 1745,
a mulher é o mais monstruoso animal de toda a Criação, de mau
feitio e pior linguagem. Ter este animal em casa é o mesmo que procurar
complicações sob a forma de mexericos, tagarelice, bisbilhotice maliciosa e
controvérsia; porque, sempre que uma mulher está presente, parece
impossível haver paz e tranqüilidade. Não obstante, tudo isto se toleraria,
se não fosse o perigo da lascívia...
135
Diante destas falas, concordamos com Mario Pilosu quando este afirma que “a
igreja perpetua um modelo cultural que vê na mulher o perigo, a impureza e o agente de
um enfraquecimento da qualidade espiritual do homem
136
; e com Suely Creuza Cordeiro
de Almeida, que afiança que
é constituída em torno da figura feminina uma concepção de
imperfeição que se mescla com a noção de inveja. Inveja seu superior,
deseja comandar, ser igual a ele, por sua cobiça quer inverter a natureza.
Por esse desejo atenta contra a ordem do universo e acaba se
configurando no próprio mal”.
137
Épocas distintas, discursos compatíveis: a natureza feminina sempre encarada como
um mal pronto para expandir-se. Herdeira do pensamento clássico, hebraico e medieval, a
mentalidade tridentina e barroca relegava a essas mulheres papéis limitados no meio social.
Para o historiador francês Jean Delumeau, na Europa Ocidental do inicio da Idade Moderna
134
Idem. p. 114.
135
Apud BOXER, C. R. A Mulher na Expansão Ultramarina Ibérica (1415-1815): Alguns Factos, Idéias e
Personalidades. Lisboa: Livros Horizonte, 1977. p. 120.
136
PILOSU, Mario. Op. Cit. p. 176.
137
ALMEIDA, Suely Creuza Cordeiro de. “Adão no Feminino: ou as Idéias sobre seu Avesso”. In:
BRANDÃO, Sylvana. (Org.). História das Religiões no Brasil. Volume 2. Recife: Editora Universitária da
UFPE/CEHILA, 2002. p. 414.
64
a mulher foi então identificada como um perigoso agente
de Satã; e não apenas por homens de Igreja, mas igualmente por juízes
leigos. Esse diagnóstico tem uma longa história, mas foi formulado com
uma malevolência particular e sobretudo difundido como nunca
anteriormente, graças à imprensa por uma época em que no entanto a
arte, a literatura, a vida de corte e a teologia protestante pareciam levar
a uma certa promoção da mulher
138
; mas que “para a maioria dos
homens da Renascença, a mulher é no mínimo suspeita e no mais das
vezes perigosa. Deram-nos dela menos um retrato real do que uma
imagem mítica. A idéia de que a mulher não é nem melhor nem pior do
que o homem parece ter sido estranha aos dirigentes da cultura
escrita”.
139
Foco da vigilância da sociedade pelas instituições do mundo barroco e tridentino, as
mulheres principalmente as da elite da Colônia encontravam-se numa encruzilhada de
proporções panópticas. Segundo Emanuel Araújo,
das leis do Estado e da Igreja, com freqüência bastantes duras, à
vigilância bastante dura dos pais, irmãos, tios, tutores, e à coerção
informal, mas forte; de velhos costumes misóginos, tudo confluía para o
mesmo objetivo: abafar a sexualidade feminina que, ao rebentar as
amarras, ameaçava o equilíbrio doméstico, a segurança do grupo social e
a própria ordem das instituições civis e eclesiásticas”.
140
Para domar e adestrar estes corpos, o processo de formação educacional era de suma
importância; e é sobre ele que versaremos agora.
138
DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente, 1300-1800. p. 310.
139
Idem. p. 349.
140
ARAÚJO, Emanuel. “A Arte da Sedução: Sexualidade Feminina na Colônia”. In: DEL PRIORE, Mary.
(Org.). História das Mulheres no Brasil. p. 45.
65
III. 2. DA EDUCAÇÃO.
Na Europa moderna, no seio da cultura barroca, devido ao surgimento da dita vida
das Cortes, um novo lugar foi destinado à figura feminina das elites. Neste escalão superior
da sociedade européia a instrução foi um fator, cada vez mais, cobrado e exigido das moças
casadoiras. Segundo Jean Delumeau,
só no século XVII é que a instrução das raparigas fora de casa,
graças, em especial, às Ursulinas e às Visitandinas, foi um facto de real
importância social. Mas, no século XVI, havia mais mulheres cultas que
em nenhuma outra época anterior”.
141
Em Portugal, segundo a historiadora lusitana Maria Antónia Lopes, esse fenômeno
só viria a ocorrer na segunda metade do século XVIII; antes deste período, segundo a
autora, prevalecia na sociedade lusa um discurso normativo em torno da figura feminina
marcado pela claustromania e recusa da sociabilidade heterossexual.
142
Para Maria Antónia
Lopes, pelo menos até a segunda metade dos setecentos,
o discurso normativo cristão insistiu, relativamente à mulher, em
duas grandes exigências de comportamento: a proibição do convívio entre
homens e mulheres e a necessidade absoluta da clausura feminina para
possibilitar essa mesma segregação sexual prescrita”.
143
Na América Portuguesa, essas mudanças não se processariam antes da segunda
metade do século XIX. Em 1798, o bispo de Pernambuco D. José Joaquim da Cunha
Azeredo Coutinho, ao redigir os Estatutos do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória do
Lugar da Boa Vista de Pernambuco, proclamava que
aqueles que não conhecem o grande fluxo, que as mulheres têm
no bem, ou no mal das sociedades, parece que até nem querem que elas
141
DELUMEA U, Jean. A Civilização do Renascimento. Volume 2. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. p. 88.(2
vols.).
142
Vide LOPES, Maria Antónia. Mulheres, Espaço e Sociabilidade: A Transformação dos Papéis Femininos
em Portugal à luz de Fontes Literárias (Segunda Metade do Século XVIII). Lisboa: Livros Horizonte, 1989.
Em especial, o capítulo I: “O Discurso Normativo Preexistente”. pp. 17-65.
143
Idem. p. 17.
66
tenham alguma educação; mas isto é um engano, um erro, que traz o seu
princípio da ignorância. As mulheres, ainda que se não destinem para
fazer a guerra, nem para ocupar o ministério das coisas sagradas, não
têm contudo ocupações menos importantes ao público. Elas têm uma
casa para governar, marido que fazer feliz e filhos que educar na
virtude ”.
144
O ideal da matrona se cristalizava, o comportamento perfeito através de uma
educação que, voltada para o governo da casa, do marido e dos filhos, limitava-se à
apreensão de conhecimentos de leitura e escrita, além da necessidade de saber coser, contar
e bordar, como ilustra a gravura de Debret abaixo.
Matrona em afazeres domésticos (Gravura de Debret).
Um exemplo representativo dessa ideologia é uma das inúmeras histórias de
Gonçalo Fernandes Trancozo, cuja primeira publicação data da Lisboa de 1575, onde ele
nos apresenta o abecedário da matrona exemplar:
144
Apud SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura no Brasil Colônia. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 71. Grifo
nosso.
67
o A quer dizer que seja amiga da sua casa
e o B bem quista da vizinhança
e o C caridosa com os pobres
e o D devota da Virgem
e o E entendida em seu ofício
e o F firme na fé
e o G Guardadeira de sua fazenda
e o H humilde a seu marido
e o I inimiga de mexericos
e o L leal
e o M mansa
e o N nobre
e o O onesta
e o P prudente
e o Q quieta
e o R regrada
e o S sezuda
e o T trabalhadeira
e o V virtuosa
e o Z zelosa da honra
Quando tiver tudo isto anexo a si, que lhe fique próprio, creia que sabe mais letras
que todos os filósofos”.
145
Já para Francisco Manuel de Melo, autor do Carta de Guia dos Casados (1651), “a
mulher que mais sabe, não passa de saber arrumar húa arca de roupa branca” e que para
ela “o melhor livro é a almofada e o bastidor”.
146
Vistas pela classe letrada metropolitana e colonial como o “Imbecilitus sexus”, as
mulheres da colônia, assim como muitas do reino, só podiam desfrutar deste tipo de
145
Apud RIBEIRO, Arilda Inês Miranda. A Educação da Mulher no Brasil-Colônia. São Paulo: Arte &
Ciência, 1997. pp. 75-76.
146
Apud BOXER, C. R. A Mulher na Expansão Ultramarina Ibérica (1415-1815). p. 126.
68
formação educacional. Para tal, os espaços existentes eram os chamados recolhimentos.
Estes eram a alternativa às mulheres que gostariam de levar uma vida reclusa, numa
sociedade onde os conventos eram limitados e condenados pela coroa lusa, tendo em vista a
escassez de mulheres brancas e a importância destas no projeto de colonização. Esses
espaços também acabavam sendo utilizados como educandários das filhas da elite colonial.
O primeiro recolhimento que tivemos notícias na capitania de Pernambuco foi o de
Branca Dias, que funcionava como escola de trabalhos manuais para as moças da
açucarocracia olindense. Nos autos inquisitoriais algumas ex-alunas, ao denunciarem
Branca Dias e seus familiares por práticas judaizantes, acabaram por expor um pouco do
cotidiano desta instituição.
É o caso de Joanna Fernandes que aos três de novembro de 1593 relatava ao
inquisidor Heitor Furtado de Mendoça que
averá trinta e quatro ou trinta e cinco annos que indo ella
aprender a coser e a lavrar a casa de Branca Dias(...); cujas filhas Inês
Fernandes e Guiomar Fernandes que então solteiras insinavão a lavrar e
cozer em casa da ditta sua mãi Branca Dias, ella denunciante vio no ditto
tempo que na sua casa andou aprendendo que seria espaço de hum anno
que a ditta Branca Dias guardava os sabbados”.
147
Assim como também, Isabel Frasoa que disse, três dias depois perante o mesmo
tribunal, que
em casa della dicta Branca Dias esteve das portas a dentro tres
ou quatro meses pouco mais ou menos, aprendendo a coser e lavrar com
as suas filhas, as quais insinavão tambem a outras muitas moças de fóra a
coser e lavrar”.
148
147
Denunciações de Pernambuco (1593-1595). pp. 30-31.
148
Idem. p.44.
69
Há registros também de um recolhimento da devoção do Sagrado Coração de Jesus,
fundado pelo jesuíta Gabriel Malagrida em Igarassu, por volta do século XVII.
149
Em
1817, o cronista Tollenare nos informa que
não há conventos de freiras na Capitania de Pernambuco; mas
Olinda contém um recolhimento para o sexo feminino, no qual não fazem
votos. Estas senhoras recebem algumas pensionistas, às quais nada
podem ensinar porque elas mesmas nada sabem. Fazem um pequeno
comércio de doces e de obras de agulha. É lá que se costuma ir mandar
quando não se tem amigos na cidade, em casa de quem repousar”.
150
Para Arilda Inês Miranda Ribeiro,
não existindo um sistema formal de educação feminina na
colônia, esta apenas acontecia no interior dos conventos e recolhimentos.
Eram esses então, a única alternativa aceitável para as mulheres, além do
casamento pactuado pelo pai em função dos interesses econômicos. Sendo
os conventos e recolhimentos instituições religiosas, é conveniente
lembrar o papel da igreja como elemento mediador entre os interesses
dominantes da sociedade, que em grande parte eram também os seus e os
vários segmentos socialmente dominados”.
151
Sustentadas pelos pais, aquelas que ingressavam nos recolhimentos, penetravam
numa das câmaras do universo dos discursos da boa conduta moral e social; discursos estes
que lhes garantiam a condição de nobres senhoras se levados na prática à risca ,evitando
os danos da vida ociosa e libertina, pois como afirmava Azeredo Coutinho:
a ignorância de uma menina, criada na ociosidade, é causa de
que ela se enfade de si mesma, e não saiba em que se ocupe
inocentemente. Quando chegar a uma certa idade sem se aplicar das
coisas sólidas, ela não pode ter gosto nem estimação do que é bom: tudo o
149
Vide ASSIS, Virgínia Maria Almoêdo de. “ Clero e Coroa na Capitania de Pernambuco”. p. 148.
150
TOLLENARE, L. F. de. Notas dominicais. Recife: CEPE/Secretaria de Educação e Cultura do Estado de
Pernambuco, 1978. p.131.
151
RIBEIRO, Arilda Inês Miranda. A Educação da Mulher no Brasil-Colônia. p. 89.
70
que exige uma atenção continuada a fatiga: a inclinação aos
divertimentos, os costumes de estar ociosa, e o exemplo dos outros da
mesma idade, e de igual condição, tudo concorre para fazer temer uma
vida laboriosa e regular”.
152
Preparadas desde cedo para a vida conjugal, essas meninas encontrariam, para
muitos dos produtores dos discursos misóginos do universo barroco e tridentino, sua função
social apenas com a realização do matrimônio e da maternidade.
III. 3. DA REDENÇÃO: CASAMENTO E MATERNIDADE.
Num antigo ditado popular lusitano, uma filha questiona à sua genitora “Mãe o que
é casar?” E a mãe responde: “Filha, é fiar, parir e chorar”.
153
Mais do que praticidade e
objetividade, encontramos neste enxerto da sabedoria popular uma síntese do estatuto da
matrona; uma condensação, em poucas palavras, de tudo o que a moral barroca e o
pensamento católico tridentino exigia das figuras femininas.
De uma forma mais culta, em seu Manual de Confessores e Penitentes (1549), o frei
Rodrigo do Porto assim define o matrimônio:
o matrimônio é sacramento de sinais exteriores, pelos quais, e
pelo consentimento interior legítimo, por eles significado, um homem e
uma mulher se dão um ao outro senhorio sobre si para viverem juntos
154
Elevado à categoria de sacramento pelo Concílio de Trento, o matrimônio se
configurou como uma das formas de controle social dos fiéis, principalmente no que tange
ao domínio da luxúria. Sobre este aspecto, nos fala Ângela Mendes de Almeida que, para os
agentes do catolicismo pós-Trento
152
Apud SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura no Brasil Colônia. p. 69.
153
Apud CAMPOS, Alzira Lobo de Arruda. Casamentos e Família em São Paulo Colonial: Caminhos e
Descaminhos. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
154
Apud ALMEIDA, Ângela Mendes de. O Gosto do Pecado: Casamentos e Sexualidade nos Manuais de
Confessores dos Séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. p. 76.
71
o casamento é a ‘ordem’ e a luxúria a ‘desordem’, o outro lado
da vida, mergulhado no pecado, na concupiscência, na libertinagem e na
paixão conduzida pelos sentidos descontrolados, vizinha à loucura”.
155
O casamento, dentro da mentalidade católica medieval e tridentina, pode ser
percebido como o cruzamento do natural com o sobrenatural, do profano e carnal com o
sagrado, através da regulação, controle, oficialização e codificação da barreira entre o lícito
e o ilícito da sexualidade dos indivíduos.
156
Transformando o pecado da cópula, num ato de
glorificação da vida e dos preceitos religiosos, pela procriação.
Essa dualidade, por um longo tempo gerou conflitos; segundo Philippe Ariès,
durante muito tempo o casamento foi apenas um contrato. A
cerimônia não se realizava no interior da Igreja, e sim na entrada, diante
do pórtico. Qualquer que fosse o ponto de vista teológico, a maioria dos
padres devia partilhar da opinião da opinião do cura de Chaucer, para
quem o casamento era uma questão de último caso, uma concessão à
fraqueza da carne. Ele não livrava a sexualidade de sua impureza
essencial. Sem dúvida, essa reprovação não chegava à condenação da
família e do casamento; manifestava, porém, uma desconfiança com
relação a todo fruto da carne”.
157
Essa idéia do casamento como um dos males menores no que se referia a uma vida
luxuriosa, se origina no pensamento de S. Paulo. “Melius est nubere quam uri melhor é
casar-se que abrasar-se já dizia o apóstolo, percebendo o casamento como uma forma de
controle da sexualidade. Para o pensamento cristão, segundo Johannes Gründel, “a relação
155
Idem. p. 92.
156
Cf. DUBY, Georges. Idade Média, Idade dos Homens. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. pp. 11-
14.; e LIMA, Lana Lage da Gama. “A Boa Esposa e a Mulher Entendida”. In: LIMA, Lana Lage da Gama.
(Org.). Mulheres, Adúlteros e Padres: História e Moral na Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Dois Pontos,
1987. pp. 23-24.
157
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981. pp. 214-215. Sobre
o tema ver também LEBRUN, François. “Atitudes diante do Amor e do Casamento em Sociedades
Tradicionais”. In: MARCÍLIO, Maria Luiza. (Org.). População e Sociedade: Evolução das Sociedades Pré-
Industriais. São Paulo: Vozes, 1984. pp. 171-192.
72
matrimonial deveria ordenar-se diretamente à procriação (per se aptus ad generationem
prolis)”.
158
Um arrependido Santo Agostinho, em suas Confissões, assim reflete sobre o
matrimônio e a luxuria:
Quem poderia refrear a minha miséria a e fazer com que usasse
bem da formosura transitória de cada objeto? Quem me fixaria um limite
às suas delícias, de tal maneira que as ondas da minha idade se agitassem
de encontro à praia do matrimônio já que de outro modo não era
possível a tranqüilidade e encontrasse o fim natural da geração de
filhos, como prescreve a vossa lei, ó Senhor, que criais a descendência da
nossa raça mortal e podeis suavizar, com mão bondosa, os espinhos
desconhecidos no paraíso? A vossa onipotência está perto de nós, ainda
quando erramos longe de Vós”.
159
Para Johannes Gründel, o pensamento de Santo Agostinho caracteriza-se por um
pessimismo sexual “interpretando o pecado original como pecado sexual e avaliando a
vivência do prazer sexual como mal moral”.
160
O casamento, de certa forma, legitimava os intercursos sexuais, porém, com
restrições; tendo em vista que os defensores do casamento católico de forma mais
acentuada os que se inseriam no universo da Contra-Reforma odiavam a paixão, e
seguidores da moral escolástica, recomendavam moderação nos sentimentos e nas paixões
eróticas, somente legítimas se vinculados à procriação, honrosa para Deus, gloriosa para
o Estado”.
161
Seguindo essa ideologia, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia,
delegava que
158
GRÜNDEL, Johannes. “A Moral Sexual e Matrimonial no correr dos Tempos”. In: REB. Volume XXXI,
fasc. 123, 1971. p.583.
159
SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Abril Cultural, 1996. p. 64.
160
GRÜNDEL, Johannes. Op. Cit. p.584.
161
VAINFAS, Ronaldo. Trópicos dos Pecados.
73
foi o matrimônio ordenado principalmente para três fins, e são
três bens, que nelle se encerrão. O primeiro é o da propagação humana,
ordenado para o culto, e honra de Deos. O segundo é a fé, e lealdade que
os casados devem guardar mutuamente. O terceiro o da inseparabilidade
dos mesmos casados, significativa da união de Christo Senhor Nosso com
a Igreja Catholica. Além destes fins é também remédio da cuncupiscencia,
e assim S. Paulo o aconselha como tal aos que não podem ser
continentes”.
162
A ritualística da cerimônia também foi determinada pelo texto das Constituições,
segundo o qual, diante do padre primeiro a mulher e, em seguida, o homem seriam
proferidas as seguintes palavras:
Eu N. recebo a vós N. por meu Marido/mulher, como manda a
Santa Madre Igreja Romana”, em seguida, o pároco concluiria: “Ego vos
in Matrimonium conjugo, in nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti.
Amen.”
163
Para o historiador Eduardo Hoornaert,
os pastores do Concílio de Trento tinham observado o valor que a
paróquia representava para a pastoral quando aumentaram
consideravelmente a autoridade dela junto do povo, obrigando os noivos a
sair das suas residências e a encaminharem-se para a Igreja paroquial a
fim de pronunciar lá, na presença do vigário e de duas testemunhas, as
palavras do consentimento mútuo”.
164
Sacramentado pelo Concílio de Trento, o casamento também seria a arma da Igreja
contra a prática ilícita do concubinato, como atesta o capítulo VIII da Sessão XXIV do
texto d’O Sagrado Ecumênico e Geral Concílio Tridentino:
162
CPAB. Livro Primeiro, Tìtulo LXII, § 260.
163
CAPB. Livro Primeiro, Título LXVIII.
164
HOORNAERT, Eduardo. “A Indissolubilidade do Matrimônio na Reflexão Teológica após Trento”. In:
REB. Volume XXVIII, fasc. 1, março/1968. p. 101.
74
Pecado grave é qualquer solteiro tenha concubinas: mais
gravíssimo e de especial desprezo deste grande sacramento, viverem
também os casados neste estado de condenação, e atreverem-se às vezes a
-las, e sustenta-las na própria casa com suas mulheres”.
165
No mundo brasílico, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1707,
também condenavam o concubinato em defesa do agora sacro matrimônio, predicando e
advertindo que
e porque succede muitas vezes, que muitos para mais
licenciosamente viverem no vício da concupiscência, e amancebamento, e
escapar ao castigo, usão enganosamente do Sacramento do Matrimônio,
fingindo-se casados com mulheres, que trazem consigo, deixando elles
muitas vezes suas legítimas mulheres, e ellas seus legítimos maridos;
querendo Nós evitar, que os taes andem em estado de condemnação, e
nelle perseverem, mandamos a cada um dos parochos de nosso
Arcebispado, sob pena de serem castigados a nosso arbítrio, que vindo os
taes habitar a suas Freguezias, os notifiquem logo, e elhes mandem da
nossa parte, que dentro de um mez fação certo a Nós ou a nosso Provisor,
como são legitimamente casados, e em que terra; e passando-se o termo,
não mostrando como satisfizerão ao sobredito, mandamos aos parochos
os evitem da Igreja, e officios Divinos até satisfazerem, e nos avisem, ou a
nosso Provisor com brevidade, para se dispor o que for justiça”.
166
A normatização também alcançou os recônditos espaços da intimidade dos colonos,
é a historiadora Mary Del Priore quem nos informa que
depois do Concílio de Trento passava-se a exigir maior rigidez no
calendário dos fiéis quanto ao amor físico, com a proibição de muitos dos
165
Apud TORRES-LODOÑO, Fernando. A Outra Família: Concubinato, Igreja e Escândalo na Colônia. São
Paulo: Edições Loyola, 1999. p. 24.
166
CPAB. Livro Primeiro, Título LXX, § 300.
75
dias do ano para a cópula conjugal, em função de serem estes dias
dedicados a Santos da Igreja Católica”.
167
Dentro dessa visão, a figura feminina tinha um papel importante, tanto para o
controle ou para a explosão de um erotismo pecaminoso que o casamento deveria purgar.
Dentro da tradição misógina católica de heranças clássicas e hebraicas legitimada pela
sociedade barroca ibérica, o casamento seria como uma das formas adestramento do corpo
feminino, transformando as jovens nubentes em matronas zeladoras de seus maridos e
filhos.
168
Representativo dessa ideologia é o seguinte pensamento do letrado Nuno Marques
Pereira, que publicou o Compêndio Narrativo do Peregrino da América em 1728:
As mulheres casadas devem ser fortes, discretas e prudentes:
dentro em suas casas, zelosas, fora delas, recatadas; e em todas as
ocasiões, exemplares, e mais prezadas de sofrimentos e impertinentes
ciúmes, porque de palavras vão a porfias, de porfias a gestos, de gestos a
ameaças, de ameaças a pancadas e de pancadas a mortes”.
169
Um outro letrado da colônia, Feliciano Joaquim de Souza Nunes, autor dos
Discursos Políticos-Morais (1758), advertia da necessidade de prudência na hora da
escolha do cônjuge, afirmando que “não seja o amor, seja antes a razão quem nos dirija
neste negócio” e que
seja pois a mulher que se procura para esposa, formosa ou feia,
nobre ou mecânica, rica ou pobre; porém não deixe de ser virtuosa,
honesta, honrada e discreta.[...] Estas prendas pois devem ser os dotes,
com que se hão de procurar as esposas: estas devem ser as riquezas, sem
as quais não se deve o homem prudente sujeitar-se ao estado conjugal”.
170
167
DEL PRIORE, Mary. Festas e Utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 117.
168
Vide DEL PRIORE, Mary. Ao Sul do Corpo. pp. 124-154.
169
Apud VAINFAS, Ronaldo. “A Condenação do Adultério”. In: LIMA, Lana Lage da Gama. (Org.).Op. Cit.
p.49.
170
Apud LIMA, Lana Lage da Gama. “A Boa Esposa e a Mulher Entendida”.In: LIMA, Lana Lage da Gama.
(Org.). Op. Cit. pp. 22-23.
76
Quanto ao recato feminino, é o mesmo Feliciano Joaquim de Souza Nunes quem
nos diz num aforismo que bem sintetiza o modelo ideal de mulher imaginado pela
sociedade de então que “sua melhor fama é não ter fama, seu melhor nome, é não ter
nome”.
171
Educada desde jovem para desempenhar seu papel de matrona, a partir do seu
casamento, a mulher encontrava uma forma de purgar, segundo os discursos eclesiásticos, a
sua luxúria latente: a maternidade. Para Gilberto Freyre, as partes do corpo feminino o
rosto, os pés, as mãos na mentalidade colonial barroca, acabavam sendo simples
pretextos para a realidade tremenda do ventre gerador”.
172
Para Mary Del Priore,
o casamento como mecanismo de ordenamento social, e a família, como
palco para uma revolução silenciosa de comportamento, fechavam-se em
torno da mulher, impondo-lhe apenas e lentamente o papel de mãe
devotada e recolhida”.
173
Esta etapa do processo de adestramento do corpo feminino contribuía para garantir
o recolhimento das mulheres ao âmbito familiar. O papel de matrona que era exigido dessas
mulheres, de certa forma, acaba por lhes conferir algum poder dentro desse controle
misógino da sociedade barroca colonial, pois
elevando as mulheres mortais à excelsa natividade de Maria, a
maternidade envolvia-as em uma auréola. Dar à luz tornava-se uma
tarefa nobre, e mais do que isto, era decorrência do que via a Igreja como
o bom sexo, transmudado em virtude e fecundidade”.
174
Para o mendievalista Georges Duby, no pensamento católico do século XII foram
aparecendo saídas para a purgação dos pecados de Eva, no entanto
171
Idem. p. 29.
172
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento do
Urbano. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985. p. 103.
173
DEL PRIORE, Mary. Ao Sul do Corpo. p. 133.
174
DEL PRIORE, Mary. A Mulher na História do Brasil. São Paulo: Contexto, 1994. p. 51.
77
de todas, a mais atraente é Nossa Senhora. Em expansão desde a
época carolíngia, seu culto inundou a cristandade como uma torrente
desde o fim do século XI, desde que santo Anselmo viu na Mãe de Deus a
nova Eva, a anti-Eva. EVA, AVE: reviravolta”.
175
Nesta senda, com o nascimento do Messias pela Virgem, a humanidade viu-se
redimida nas palavras da anunciação do Arcanjo Gabriel:
Ave Maria, Ave, gratia plena!
Ave, dominus tecun!
Benedicta tu in mulieribus et
Benedictus fructus ventris tui Iesus! ”.
176
Com o modelo mariano, as mulheres teriam uma saída para a expurgação do
estigma maléfico herdado de Eva: a maternidade consagrada dentro do matrimônio. Era
dentro dessas balizas culturais que seriam traçados os destinos das mulheres do Reino e do
Além-mar. Para C. R. Boxer:
os pioneiros ibéricos transportaram para o ultramar a bagagem
mental que tinham acumulado na Península. A convicção da inferioridade
intelectual feminina era um item dessa bagagem e tinha a aprovação das
mais altas e respeitadas autoridades, incluindo teólogos proeminentes e
luminárias da Santa Madre Igreja” de forma que o culto da Virgem
sempre fora extremamente popular na Península Ibérica, pelo menos
desde o final do século XIV. Os descobridores, pioneiros e
conquistadores, portugueses e espanhóis, levaram este culto consigo para
o ultramar e plantaram-no firmemente em todas as regiões onde se
estabeleceram, por muito ou pouco tempo”.
177
Representativo desse culto mariano seria o seguinte trecho do testamento de D.
Anna Felícia de Madeiros escrito em 1814, onde ela clama pelo:
175
DUBY, Georges. Eva e os Padres. pp. 162-163.
176
Domínio Popular; e vide Novo Testamento, Lucas, 1: 26-38.
177
BOXER, C. R. A Mulher na Expansão Ultramarina Ibérica. p. 123 e 129.
78
o patrocínio da Soberana Rainha dos Anjos, Maria Santíssima
Senhora da Conceição e da Consolação para que interceda por mim e me
seja propícia e medianeira
178
A intervenção da Virgem era vista como fator de suma importância na luta pela
salvação feminina; luta esta que se enraizava no cotidiano das mulheres da Colônia.
Privadas de tantos direitos e liberdades, moldadas pelos discursos do mundo
tridentino e barroco, orientadas para serem castas e sóbrias mães e esposas, as matronas não
poderiam possuir uma sexualidade, algo que lhes afastaria do ideal mariano e lhes
aproximaria das tentações e pecados de Eva. Porém, as especificidades do viver em
colônias faziam com que, quando defrontados com a realidade no âmbito das práticas e
vivências esses discursos modelares muitas vezes caíssem por terra, ou não. É dessa
intricada urdidura que passaremos a tratar agora.
178
Apud FERREIRA, Luzilá Gonçalves. “Esse Real Impalpável: Mulheres, Inventários e Testamentos”. In:
RIAHGP.No. 60. Recife, março/2002. p. 106.
79
PARTE II:
O BORDADO:
Tramas & Personagens.
Abandonai toda a esperança, ó vós que entrais!
Dante Alighieri, A Divina Comédia, Canto III do “Inferno”.
80
CAPÍTULO IV
A RECONSTRUÇÃO DA URDIDURA:
Práticas e vivências.
Em nenhuma das capitanias das nossas colônias da América
excedem as senhoras da América hoje em recato e modéstia às mulheres de Pernambuco.”
Luís dos Santos Vilhena, século XVIII.
“Ô Rita, tu sai da janela
Deixa esse moço passar.
Quem não é rica e é bela
Não pode se descuidar.
Ô Rita, tu sai da janela.
Que as moças desse lugar
Nem se demora donzela,
Nem se destina a casar.”
Lenine, “A Lavadeira do Rio”, século XX.
IV.1. O MUNDO QUE SE CRIA, O MUNDO QUE SE PERCEBE.
Reconstruir o universo engendrado das relações entre os sexos, em especial no
âmbito familiar da elite colonial pernambucana, é, de certa forma, tecer nuances de um
tecido social formado do entrelaçamento das relações de gênero e das configurações da
família no mundo brasílico.
Tecido este urdido do viver cotidiano dos colonos(as), das prédicas normativas do
catolicismo tridentino, da mentalidade barroca, das determinações e objetivos do Estado
metropolitano luso, das especificidades do universo colonial. E reconstruído/percebido
pelos discursos/visões diversos da historiografia sobre o tema.
A nova produção historiográfica que retomou nas décadas finais do século XX as
discussões acerca da família no Brasil, vem, em seus estudos, contestando a visão freyriana
de uma família extensa e de caráter patriarcalista predominante no território da América
Portuguesa Colonial.
81
Embora esses estudos se direcionem, principalmente, ao espaço histórico-geográfico
do sudeste colonial, sua repercussão provocou uma revisão historiográfica de proporções
nacionais, revivendo o tradicional interesse dos estudos históricos e sociais no Brasil sobre
a família.
179
A vida familiar na América Portuguesa era marcada pela diversidade de padrões no
que diz se refere à composição familiar e às relações afetivas e de produção no interior das
unidades familiares; porém, influenciada pelo, como caracterizou Ronaldo Vainfas
180
,
patriarcalismo conjugal e misógino.
Aqui nos cabe distinguir os conceitos de família patriarcal e patriarcalismo, fato
ainda nebuloso no cerne da moderna produção historiográfica sobre a família no Brasil.
Quando falamos em família patriarcal ou patriarcalismo no Brasil, não há como não
nos remetemos à figura e à obra de Gilberto Freyre. Publicado na década de 30 do século
passado, Casa-Grande & Senzala: Formação da família Brasileira sob o Regime da
Economia Patriarcal foi um dos estudos pioneiros na tentativa de analisar a sociedade
patriarcal brasileira e a influência dessa ideologia na formação não só das unidades
familiares, como de um possível caráter nacional.
Alvo das principais críticas da nova geração de historiadores da família brasileira, a
obra freyriana, de certa forma, peca ao fazer uma confusão entre a família senhorial
nordestina e as demais composições familiares da Colônia,
181
porém, em nenhum
momento, Gilberto Freyre simplificou a composição familiar a um modelo único: o da
família patriarcal.
Segundo Freyre,
“devemo-nos recordar de que o familismo no Brasil compreendeu
não só o patriarcado dominante e formalmente ortodoxo do ponto de
179
Vide discussão e notas apresentadas na introdução deste estudo.
180
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. pp. 116-120.
181
Vide CORRÊIA, Mariza. “Repensando a Família Patriarcal Brasileira”. pp. 25.
82
vista católico-romano como outras formas de família: parapatriarcais,
semipatriarcais e mesmo antipatriarcais. [...] E do ponto de vista
sociológico, temos que reconhecer o fato de que desde os dias coloniais
vêm se mantendo no Brasil, e condicionando sua formação, formas de
organizações de famílias extrapatriarcais que o sociólogo não tem,
entretanto, o direito de confundir com a prostituição ou
promuiscuidade.”
182
Diante dessas palavras, citemos outras, as de uma das críticas da visão freyriana, a
antropóloga Mariza Corrêia:
“a família patriarcal pode ter existido, e seu papel ter sido
extremamente importante, apenas não existiu sozinha, nem comandou do
alto da varanda da Casa-Grande o processo total de formação da
sociedade brasileira”.
183
Se compararmos as duas visões citadas a de Freyre e a de Mariza Correia não
podemos perceber muitas divergências nos discursos. Destarte, o que diferencia de fato a
produção atual dos estudos sobre a família no Brasil do seu principal alvo de críticas, no
caso, a obra de Gilberto Freyre?
Parece-nos, ao comparar alguns resultados dessa nova produção historiográfica, que
a diferença está na acentuação por parte dos historiadores na ativa da diversidade dos
padrões familiares, em detrimento da hegemonia de uma família extensa, a família
patriarcal.
Nesse momento, voltamos a ressaltar a necessidade de se dissociar os conceitos de
família patriarcal e patriarcalismo. O primeiro consiste em uma das diversas formas de
estruturação apresentadas pelas unidades familiares no território da América portuguesa,
marcada pela subordinação da figura feminina, dos filhos e demais agregados à autoridade
182
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. p. 65.
183
CORRÊIA, Mariza. Op. Cit. p. 25.
83
do pater-familias, além de um caráter extenso no que se refere a sua composição. Já o
segundo conceito seria, na visão de Ronaldo Vainfas,
“o eixo fundamental das relações familiares na colônia uma
grande bandeira dos moralistas da época moderna, os mesmos, aliás, que
defenderam a excelência da família conjugal para os povos da
cristandade”. Sendo assim, “a maior ou menor concentração de
indivíduos, fosse em solares, fosse em casebres, em nada ofuscava o
patriarcalismo dominante, a menos que se pretenda que, pelo simples fato
de não habitarem a Casa-Grande, as assim chamadas famílias
alternativas viviam alheias ao poder e aos valores patriarcais o que
ninguém seria capaz de afirmar seguramente”.
184
Dessa forma, o patriarcalismo configuraria-se num instrumento de controle social
por sobre a família em território colonial, controle exercido pelo Estado e pela Igreja, estes
agindo mutuamente sob as determinações da instituição do padroado.
Esse controle se deu principalmente por sobre as ditas famílias alternativas, através
da ação da Inquisição, dos padres da Companhia de Jesus e das devassas e visitações
ordinárias que visavam punir os crimes/pecados de concubinato, amancebias, bigamias,
tratos ilícitos, dentre outros, que iam de encontro à família conjugal cristã glorificada pela
Igreja tridentina.
Encarada por este prisma, a família pode ser vista como uma das instâncias de
controle da população, visto que
“muito pouco na colônia se referia ao indivíduo como pessoa
isolada é pela e para a família que todos os aspectos da vida cotidiana,
pública ou privada se originam ou convergem. Podemos ir mais além e
afirmar que a família confere ao indivíduo estabilidade ou movimento,
influindo no status e na classificação social.”
185
184
Vainfas, Ronaldo. Trópico dos Pecados. pp. 118-119.
185
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento. p. 21.
84
Dentro dessas unidades familiares uma figura se sobressaia a figura feminina
ora pela submissão, ora pelo possível perigo que para muitos ela poderia acarretar não só à
moral cristã da Igreja da Contra-Reforma, como também ao processo de ocupação do
território e ao sucesso e manutenção da aventura colonizadora.
Tomando por referências a ideologia católica e a mentalidade barroca em torno da
figura feminina
186
, nos cabe agora buscar evidenciar a atuação dessas mulheres na
construção do mundo colonial, em especial ao espaço histórico-geográfico da capitania de
Pernambuco.
Uma constante se apresenta tanto nas crônicas coloniais como nas obras dos
historiadores que se debruçaram por sobre a vida familiar e os condicionamentos das
relações entre os sexos no mundo colonial, em especial na etapa inicial da colonização: a
escassez de mulheres brancas para o sucesso de uma empresa colonial nos moldes cristãos
tridentinos e barrocos.
187
Das crônicas inacianas tendo em vista que os jesuítas foram os cronistas que
melhor retrataram a sociedade colonial em ebulição nos primórdios do século XVI
podemos resgatar dados reveladores dessa realidade; como uma carta do padre Manuel da
Nóbrega, escrita em Porto Seguro em janeiro de 1550, onde o jesuíta afirma, dirigindo-se
ao monarca luso, que
“se El-Rei determina povoar mais esta terra, é necessário que
venham muitas mulheres órfãs e de toda a qualidade até meretrizes,
porque há aqui várias qualidades de homens; e os bons e os ricos casarão
com as órfãs; e deste modo se evitarão pecados e aumentará a população
no serviço de Deus”.
188
Aqui fica nítido o papel das mulheres brancas na cruzada colonizadora. Faltando
estas, perigam-se o reino terrestre e o reino de Deus: avultam-se desordens,
186
Fato trabalhado, respectivamente, nos capítulos 2 e 3 deste estudo.
187
Sobre esta questão vide SILVA, Maria Beatriz Nizza da. História da Família no Brasil Colonial.pp. 11-18.
188
CARTAS DO BRASIL E MAIS ESCRITOS DO P. MANUEL DA NÓBREGA. Coimbra: Universidade
de Coimbra, 1955. pp.79-80.
85
descontentamentos; elevam-se as ligações ilícitas com escravas e índias, amancebias,
concubinato.
No entanto, para a nossa realidade histórico-geográfica específica a Nova
Lusitânia percebemos uma realidade um tanto diversa. Diferentemente de outros capitães
donatários, Duarte Coelho logo tomou posse das suas terras, transferiu para a Capitania não
só a sua família, como outros casais de colonos para povoar seu quinhão. Essa política não
só foi um dos fatores responsáveis pelo sucesso da empresa colonial em Pernambuco, como
também favoreceu um certo equilíbrio demográfico entre os sexos na Capitania. Sobre este
aspecto nos afirma Stuart B. Schwartz que
“Pernambuco revelou-se a mais bem-sucedida de todas as
capitanias. O donatário, Duarte Coelho, instalou-se com a família e
dirigiu pessoalmente o povoamento e o desenvolvimento da colônia. As
relações com os nativos da região foram facilitadas por uma série de
uniões entre índias e colonos, entre os quais estava Jerônimo de
Albuquerque, cunhado do donatário. Tais laços pessoais mostraram-se
valiosíssimos mais tarde, quando os portugueses precisaram repelir a
resistência organizada dos indígenas.”
189
Essas relações interétnicas legais, além de facilitarem, como foi dito acima, a
consolidação da Capitania eram bem vistas aos olhos da Igreja tendo em vista que além
de cooptarem as índias à religião católica, favoreciam um equilíbrio demográfico entre os
sexos como atesta uma outra carta do padre Manuel da Nóbrega, esta escrita numa visita a
Nova Lusitânia em 1551, onde este clama que
“para as outras Capitanias mande V. A . molheres orfãas, porque
todas casarão. Nesta nam são necessárias por agora por averem muitas
filhas de homens brancos e de índias da terra, as quais todas agora
casarão com ha ajuda do Senhor.”
190
189
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos. p. 33.
190
CARTAS DO BRASIL E MAIS ESCRITOS DO P. MANUEL DA NÓBREGA. p. 102.
86
A assertiva do missionário Nóbrega indica quão profícua foi a política de
matrimônios mistos desenvolvida pelo Duarte Coelho. O mesmo texto nos dá sinais de um
provável equilíbrio demográfico entre os sexos na Capitania de Pernambuco, o que a
colocaria numa situação sui generis frente ao restante do território da América Portuguesa,
onde as descendentes legais da estirpe branca eram escassas.
Revelador, ainda, desse provável paridade numérica entre os sexos na Nova
Lusitânia seria o testemunho do jesuíta Fernão Cardim que, numa visita à capitania por
volta de 1584, nos diz que à sua comitiva se confessaram “muitos portuguezes e mulheres
fidalgas de dom, que não faltam nesta terra.”
191
Porém essa questão de um possível equilíbrio demográfico entre os sexos no
Pernambuco colonial é uma polêmica que, provavelmente só se resolverá com a elaboração
de estudos pautados na Demografia Histórica, tarefa esta um tanto quanto inviável,
metodologicamente falando atualmente, frente às fontes disponíveis.
Nesta senda, sem a pretensão de fazer nenhum estudo demográfico, mas apenas na
busca de evidenciar alguns números disponíveis, apresentaremos mais à guisa de
ascender um debate e provocar futuras pesquisas alguns dados perceptíveis em três
documentos específicos: os autos das confissões realizadas na visita inquisitorial à
Capitania de Pernambuco, em fins do século XVI e dois mapas populacionais da segunda
metade do século XVIII, um de 1782 e outro de 1788.
No que diz respeito ao material produzido pela inquisição na Nova Lusitânia, nos
debruçando por sobre o que nos restou das confissões realizadas visto que alguns livros
das confissões, assim como os das ratificações, encontram-se hoje extraviados podemos
perceber os seguintes números:
191
CARDIM, Fernão. Tratados da Terra e Gente do Brasil. Rio de Janeiro: J. Leite & Cia. , 1925. p. 330.
Grifo nosso.
87
SEXO DOS CONFITENTES
192
.
HOMENS 81%
MULHERES 19%
(Fonte: Dados extraídos das Confissões de Pernambuco,1594-1595)
Quando nos reportamos à divisão sexual dos confitentes, podemos perceber
claramente um desequilíbrio demográfico. Porém esses dados podem nos transmitir a
priori algumas imagens falsas. Se levarmos em questão o fato de que o controle coercitivo
e misógino sobre a figura feminina se fazia presente na Colônia e de que alguns cronistas
ressaltarem uma certa similitude numérica entre os sexos para a realidade específica da
capitania de Pernambuco, podemos especular que o baixo índice de mulheres que se
confessaram ante o inquisidor esteja ligado à própria condição de subalternas associadas a
essas mulheres na estrutura social da Colônia, onde prevaleciam as tradições misóginas da
cultura barroca ibérica e do catolicismo tridentino.
Dos mapas populacionais, fragmentos em si incompletos e esparsos, podemos
tomar algumas informações; porém cabe aqui ressaltar que esses números não passam de
amostragens que nos podem indicar algumas pistas, mas não números absolutos, tendo em
vista o fato destes não se tratarem de uma série, mas sim de registros raros e que, em sua
própria configuração sofreu com a dificuldade de se obter as informações necessárias à sua
feitura, como demonstra a fala do governador Martinho de Melo e Castro se reportando ao
rei em 1791 sobre o mapa populacional de 1788:
“a demora que tem havido na remessa deste mapa, que se manda
enviar de seis em seis mezes, não procede de culpa minha, por que logo
no principio do meu Governo expedi huma Carta de oficio ao bispo desta
Diocese para que com brevidade possível se me enviassem as Relaçoens
destribuidas pelas classes determinadas ; e só em agosto agora próximo
pretérito he que as ditas Relaçoens me forão entregues, dizendo-me o
192
Dados extraídos de CONFISSÔES DE PERNAMBUCO (1594-1595) In: PRIMEIRA VISITAÇÃO DO
SANTO OFÍCIO A PERNAMBUCO: Denunciações e confissões de Pernambuco (1593-1595). Recife:
FUNDARPE, 1984. Sobre as mulheres confitentes vide ANEXO I.
88
Bispo que as longitudes, e faltas que experimentara nos párocos erao
couzas de ter havido tão grande demora”.
193
Desses mapas, um de 1782 e outro de 1788, selecionamos dados referentes à
comarca da cidade de Olinda
194
, limitados às freguesias da Sé de Olinda, da Várzea, Vila
do Recife, Jaboatão, Cabo, Ipojuca, São Lourenço da Mata e Camaragibe
195
. Buscando
comparar o número de habitantes do sexo masculino e feminino nestas regiões, isolamos
esses homens e mulheres em três grupos. No GRUPO 1 classificamos os meninos com
idades até 15 anos e meninas com idades de até 14 anos; o GRUPO 2 consiste nos homens
com idade entre 15 e 60 anos e mulheres com idade entre 14 e 60 anos; e no GRUPO 3
convergem os homens e mulheres com mais de 60 anos.
DISTRIBUIÇÃO DOS SEXOS NO MAPA POPULACIONAL DE 1782
196
.
GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3
HOMENS 12.962
(51,64%)
20.715
(37,95%)
1.596
(20,44%)
MULHERS 12.137
(48,36%)
33.856
(62,05%)
6.212
(79,56%)
TOTAL 25.099
(100%)
54.571
(100%)
7.808
(100%)
(Fonte: A. H. U., PE, p.a., Caixa 73.)
Percebemos nos dados acima um desequilíbrio entre os sexos nos grupos 2 e 3 ,
com predominância do número de mulheres sobre os homens, fato possivelmente
193
A. H. U., PE, p. a., Caixa 88.
194
Na documentação ainda há dados sobre as comarcas da Paraíba, Rio Grande e Ceará.
195
Podem ser encontrados ainda na referida documentação dados sobre as freguesias deTracunhaem,
Povoação da Luz, Santo Antão da Mata, Moribeca, Serinhaém, Povoação de Una, São Bento de Porto Calvo,
Porto Calvo, Santa Luzia do Norte, Vila de Alagoas, São Miguel das Alagoas, Palmeira dos Índios, Vila da
Atalaia, Penedo, Santa Anna de Campo Largo, São Francisco do Rio Grande do Sul, Santa Maria dos Índios,
Porto da Folha, Cabrobó, Limoeiro, Nossa Senhora de Escada, São Miguel dos Barreiros, Porto Real, Águas
Belas, Vila de Simbres, Vila da Assumpção, Povoação de Mirim, Povoação de Poxi, Povoação de Tacaratú,
Bom Jardim, Bezerros, Garanhuns, Arcado, Maranguape, Igarassú, Itamaracá, Goiana, Tijucupapo, Tacuara,
Alhambra dos Índios e Povoação de Tambe.
196
A. H. U., PE, p.a., Caixa 73.
89
explicável pela omissão aos recenseadores por parte das famílias da presença de filhos
homens em casa, para se evitar os recrutamentos forçados; além da própria fuga e deserção
de homens jovens dos centros urbanos por causa desses mesmos recrutamentos, o que se
evidenciaria no gritante desequilíbrio presente no GRUPO 3, o dos membros mais velhos
da população. Outro fator explicativo, seria as conseqüências das baixas do contingente
masculino na Capitania provocadas pela Restauração Pernambucana, a Guerra contra o
Quilombo de Palmares e a Guerra dos Bárbaros no século XVII e pela Guerra dos
Mascates no início do século XVIII.
DISTRIBUIÇÃO DOS SEXOS NO MAPA POPULACIONAL DE 1788
197
.
GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3
HOMENS 13.547
(51,12%)
24.611
(49,40%)
2.271
(36,10%)
MULHERES 12.949
(48,88%)
25.199
(50,60%)
4.019
(63,90%)
TOTAL 26.496
(100%)
49.810
(100%)
6.290
(100%)
(Fonte: A. H. U., PE, p.a., Caixa 88.)
Nos dados presentes no mapa populacional de 1788 percebemos que continua,
como em 1782, um equilíbrio demográfico no GRUPO 1, porém esse equilíbrio agora se
estende ao GRUPO 2; permanecendo, no entanto, o desequilíbrio no terceiro grupo. Talvez
esse equilíbrio sexual entre o número da população de idade entre os 14/15 e 60 anos se
deva ao certo período de paz entre os conflitos militares dos séculos XVII e inícios do
XVIII e o início do ciclo das revoltas liberais do século XIX. Vale ressaltar que ainda
pesam sobre esses dados a incerteza quanto às etnias dos grupos recenseados, tendo em
vista que os únicos critérios de classificação utilizados foram o sexual e o etário.
De todo modo, desses números, assim como dos relatos dos cronistas anteriormente
citados, transparece a suposição de um possível equilíbrio demográfico entre os sexos na
197
A. H. U., PE, p. a., Caixa 88.
90
Capitania de Pernambuco. Fato esse que não podemos confirmar a não ser por meio de uma
pesquisa demográfica séria, o que, no momento, além de não ser o objetivo de nosso
trabalho, torna-se inviável frente às fontes hoje disponíveis para um estudo de tal
envergadura.
Se numericamente falando ainda não nos é possível reconstruir a presença das
mulheres no âmbito das relações sociais entre os sexos no Pernambuco Colonial, podemos
buscar, através de uma análise qualitativa das fontes disponíveis, reconstruir o tecido social
urdido das interações entre os sexos, visando evidenciar a figura das matronas da capitania
de Pernambuco.
IV.2. AS MATRONAS PERNAMBUCANAS: CASAR, PROCRIAR, ORAR.
Em fins do século XVII a viúva do capitão Cristóvão de Albuquerque e Mello,
morador da freguesia do Cabo, assim se expressava em seu testamento:
“Em nome da santíssima Trindade Padre Filho Espo. Santo trez
pessoas en hum só Deos verdado. Saibão qto este instrumento virem
como no anno do nascimto. De Nosso Senhor Jezus Christo de mil e seis
centos e noventa e nove aos dezaseis do mez de dezembro do ditto anno
neste engenho de Garapu freguezia de Santo Antonio do Cabo Eu D.
Brites de Albuquerque estando doente em cama en meo perfeito juizo
entendimento e temendo me da morte e desejando por minha alma no
caminho da salvação pr. não saber oque Ds. Nosso Snr. de mim quer
fazere quando será servido deme levar pa. si [...]Rogo a Gloriosa Virgem
Maria Nossa Senhora Madre de Deos eatodos os Santos da Corte
Selestial, parmte ao meo anjo da Guarda ao santo do meo nome Santa
Beatriz a Virgem dos Prazeres Santo Antonio São Sebastião São Franco.
Xer. São Francisco das Chagas São João Baptista e ao apostollo São
Matheus aqm. tenho devoção queirão por mim enterceder e rogar ameo
senhor Jezus Christo agora e quando minha alma deste corpo sahir pr. q.
como verdadra. christam protesto viver e morrer nesta fé catholica que
91
tenho e crê a Santa Madre Igreja de Roma e nesta fé espero de salvar
minha alma [...].”
198
O texto acima é um dos raros testamentos do Pernambuco colonial que nos
restaram; documento que se torna mais raro por expor as vontades de uma mulher: D.
Brites de Albuquerque não a esposa do primeiro donatário, mas uma homônima do século
XVII , uma matrona quase exemplar, mesmo com o discurso cristão e apologético
presente em seu testamento. O quase advem do fato de D. Brites não ter tido filhos. Não
que ela não fosse uma mulher respeitável e assim tida na sociedade; motivos não faltavam:
era casada legalmente, católica, branca. Porém não procriou...
199
Não deixava de ser uma
matrona, só não era, conceitualmente falando, uma matrona exemplar.
Assim sendo, o que seria uma matrona exemplar? Aquela que preenchesse três
estados: o religioso tinha de ser católica , o civil o casamento legal, nos moldes do
catolicismo tridentino, era imprescindível e o biológico tinha de procriar, gerar novas
almas à Igreja e novos súditos ao rei. Ou seja, tinha de ter uma vida que glorificasse o
Estado e a Igreja, atendendo aos interesses metropolitanos e eclesiásticos. Além de ter o
reconhecimento público dessas virtudes, o que estava intimamente ligado aos ideais de
honra e vida exemplar
200
: sendo devota à Igreja, ao marido e aos filhos; sendo reclusa, não
expondo sua figura em público; evitando pecados, fugindo da luxúria, da vaidade, do
adultério.
No seu dicionário, cuja primeira edição data de 1789, Antonio de Moraes Silva
define matrona como a “mulher mãi de famílias, grave, nobre e honesta”.
201
198
“TRASLADO DE HUMA VERBA DO TESTAMENTo. COM Q. FALECEO D. BRITES DE
ALBUQUERQUE MOLHER Q. FOI DO CAPPM. XVAN D EALBUQUERQUE E MELLO E FOI
SEPULTADA NA MATRIZ DO CABBO EM TREZE D EMARÇO DE 1713[...]” In: PIO, Fernando. (org.)
Cinco Documentos para a História dos engenhos de Pernambuco. Recife: Separata da Revista do Museu do
Açúcar No. 2, 1969. pp. 47-48.
199
Assim diz D. Brites: “sou casada com o capm. Xvam de Albuquerque de Mello doql. matrimônio não
tivemos filhos”. IDEM. p. 48.
200
Sobre este aspecto vide ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e Devotas, Mulheres da Colônia. pp. 109-
131.
201
SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Língua Portugueza.(1789). 4
a
. edição.(2 Tomos) Lisboa:
Imprensa Régia, 1831. Tomo II. p. 291.
92
A importância da procriação a existência de uma prole legítima que garantisse a
perpetuação do legado do Pater-familias torna-se evidente no exemplo que passamos a
citar, extraído da monumental Nobiliarchia Pernambucana (1748) de Antonio José
Victoriano Borges da Fonseca (1718-1786):
“Francisco Simões de Vasconcellos, veio de Angola, sua pátria,
rico, a viver em Pernambuco, onde casou duas vezes e ambas
nobremente: a primeira com D. Maria de Lacerda, filha de Francisco de
Barros Falcão, senhor dos engenhos de Mussumbu e Pedreiras em
Goyanna, e de sua mulher D. Marianna de Lacerda. E deste matrimônio
não houve sucessão. E a segunda vez casou Francisco Simões com D.
Maria de Mello, filha de Francisco de Barros Rego, capitão-mor de Santo
Antão, e de sua mulher D. Maria Camello de Mello. Deste segundo
matrimônio nasceram: Manuel Simões Calaço, Antonio de Mello,
Boaventura Simões de Mello, D. Paula Felippa de Mello, D. Sebastiana
Theresa de Mello, D. Maria de Barros, D. Anna Rita de Barros, D.
Catharina Theresa de Mello e D. Joanna, que morreu de poucos
annos.”
202
Provavelmente viúvo do primeiro casamento viúvo e sem prole Francisco
Simões de Vasconcellos encontrou na segunda esposa a matrona perfeita: oriunda de
família nobre e mãe profícua. Outro exemplo de uma matrona exemplar, também extraído
de Borges da Fonseca, é o de D. Leonor da Cunha Pereira que casou com Domingos
Gonçalves Freire
“que foi senhor do Engenho dos Morenos, que haviam sido de seu
pai, e tenente coronel do regimento de Cavallaria de Olinda e Recife, [...]
e deste matrimônio nasceram: João da Cunha Pereira, Domingos
Gonçalves Freire, Diogo Cavalcanti d’Albuquerque, D. Eugênia Freire
da Cunha, D. Cosma da Cunha Pereira e D. Marianna de Andrade.”
203
202
FONSECA, Antonio José Victoriano Borges da. Nobiliarchia Pernambucana. (2 Volumes) . Rio de
Janeiro: Biblioteca Nacional, 1935. Vol. 2. pp. 476-477.
203
IDEM. Vol. 1. pp. 314.
93
Neste caso, é interessante perceber que D. Leonor da Cunha Pereira, com sua prole
numerosa, coincidente e curiosamente, espelha um provável equilíbrio entre os sexos,
tendo um igual número de filhos e filhas.
Diante do aqui posto o que se configuraria num estatuto das matronas nos cabe
agora buscar analisar alguns aspectos dos condicionantes sociais que gravitavam entorno
das figuras femininas do Pernambuco colonial, estruturando e condicionando as relações
sociais entre os sexos na colônia: as imagens e representações construídas/percebidas sobre
as mulheres da elite colonial pernambucana; a questão da geografia social dos sexos, ligada
à questão da exposição/posição das figuras femininas no espaço urbano; e a problemática
do casamento, fator de suma importância na transformação das donzelas em nobres
matronas.
O Casamento.
Dentro da tradição misógina católica de heranças clássicas e hebraicas
legitimada pela sociedade barroca ibérica, o casamento seria como uma das formas de
adestramento do corpo feminino, transformando as jovens mancebas em matronas
zeladoras de seus maridos e filhos
204
.
A essas mulheres, quase sempre, não cabia nem o direito de escolha de seus
cônjuges, como confirma um episódio vivenciado e relatado pelo viajante Henry Koster,
em inícios do século XIX, numa viajem pelo Nordeste do Brasil. Prestemos atenção à
narrativa:
Quando residia no Jaguaribe, via habitualmente um rapaz de boa
compleição, natural da ilha de S. Miguel. Esse rapaz estava em minha
companhia numa ocasião em que o comandante do sertão se hospedara
em nossa casa. O comandante perguntou-lhe se sabia ler e escrever, e
ouvindo a resposta negativa, disse: ‘assim o senhor não serve’. E se
voltando para mim, concluiu: ‘fui incumbido por um amigo de levar
204
Cf. DEL PRIORE, Mary. Ao Sul do Corpo. pp. 124-154.
94
comigo para o Sertão um português moço, de bom aspecto e hábitos
regulares, sabendo ler e escrever, com propósito de casá-lo com sua
filha’.”
205
Esse curioso agenciamento matrimonial narrado por Koster nos expõe uma das
políticas de criação de vínculos de parentesco desenvolvida pela elite reinol ou mazomba
na Colônia: a exogamia, casamento onde o cônjuge era buscado fora das relações de
parentesco consangüíneo. Casar as jovens da família com mancebos vindos do Reino era a
tendência predominante na vida familiar da elite colonial
206
. Uma outra alternativa seria a
endogamia, onde os nubentes estavam ligados por laços familiares, o que tornava os
processos matrimoniais mais complicados. Vejamos um caso.
Em documento datado de 1782, o cura de Garanhuns, Manoel da Ascensão, nos
relata que aos vinte e cinco de novembro do dito ano,
corridos os banhos na capitania da pedra desta freguesia donde
são naturais e moradores os nubentes, dispensados de terceiro grau de
sangüinidade pelo Excelentíssimo e Reverendíssimo senhor Bispo D.
Tomaz da Encarnação Costa e Lima, Bispo de Pernambuco, cujos papéis
de dispensa ficam em meu poder sem se descobrir impedimento, pelas dez
horas do dia, de licença minha, se casaram solenemente na Fazenda de
Campo Limpo, desta freguesia, o capitão José Marques de Oliveira, com
Dona Ana Maria Cavalcanti; e logo lhes deu as bênçãos conforme os ritos
da Santa Madre Igreja”.
207
Para poderem consumar o matrimônio, como vimos, os nubentes tiveram de
conseguir uma dispensa eclesiástica pelo fato de terem laços consagüineos, constatação
provavelmente descoberta pelo processo de banho matrimonial. Através das ligações
205
KORTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. p. 379.
206
Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. O Nome e o Sangue: Uma Parábola Familiar no Pernambuco Colonial. Rio
de Janeiro: Topbooks,2000. p. 101.
207
In: CAVALCANTI, Orlando. Gente de Pernambuco. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1994. pp. 60-61.
95
endogâmicas, entre indivíduos de uma mesma família, garantia-se um casamento com
homem branco para as filhas da elite colonial.
Os processos de banhos matrimoniais eram prática comum na Colônia e no Reino.
Com o intuito de se evitar casos de bigamia e incestos, toda a vida dos futuros cônjuges
tinha de ser vasculhada. Encontrado-se algum laço de parentesco entre os nubentes, como
no caso acima citado, fazia-se necessário as dispensas por parte da Igreja, o que tornava os
matrimônios um processo oneroso; fato que, por sua vez, favorecia a prática do
concubinato e amancebias entre as classes pobres da sociedade colonial.
Inseridas no bojo desses jogos matrimoniais, as mulheres da elite colonial, muitas
vezes, viam-se no centro de ligações políticas, devido ao caráter da lei testamentária lusa
que garantia a divisão, em partes igualitárias, dos legados a todos os herdeiros de uma
família
208
. Fator este que, de certa forma, arriscava a permanência do poder econômico e
político das famílias da elite, principalmente diante da ameaça de fragmentação de suas
propriedades agrícolas.
Neste momento, visando minimizar estes impactos, os dotes transferidos para as
filhas almejavam garantir o poder dessas elites, através do favorecimento de alguns ramos
das famílias, de forma que, em muitos casos, era através das filhas casadas com dotes
vantajosos que se garantia a conservação dos legados familiares
209
. O que tornava o
casamento uma estratégia importante para a manutenção do poder dessa elite colonial. E,
novamente, a mulher era foco dessas discussões.
O matrimônio, glorificado enquanto sacramento pela ideologia posta em prática
pelo Concílio de Trento, marca o início da configuração de uma donzela exemplar numa
matrona exemplar, processo este que se solidifica com a maternidade. Casar as filhas, irmãs
e agregadas com pessoas honradas e nos moldes da igreja tridentina, tornou-se preocupação
constante no pensamento e ações dos homens da elite colonial e um sonho para os
208
Sobre este aspecto, vide FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento. pp. 236-265.
209
Sobre este aspecto, vide METCALF, Alida. “Família” In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. (Org.)
Dicionário da Colonização Portuguesa no Brasil. pp. 329-332.
96
pertencentes às classes menos favorecidas social e economicamente. Tomemos alguns
exemplos.
O padre Antônio Vieira foi uma das mais importantes figuras do século XVII na
América Portuguesa. Figura atuante na política, na catequese, na literatura; preocupou-se
com a questão da escravidão indígena, com os rumos do Império marítimo Lusitano, com a
questão dos judeus e cristão-novos, com os invasores holandeses, mas também com o
futuro de uma de suas irmãs, como revela uma carta escrita de Roma, em agosto de 1671, a
D. Rodrigo de Menezes abaixo transcrita:
“Uma irmã, que ainda tinha sem tomar estado, em que outras
vezes falei a Vossa Senhoria, está casada na Bahia com Jeronymo Sodré
Pereira, que servia a Sua Alteza com satisfação em Alentejo. Pretende o
posto de mestre de campo, que ali está vago, e segundo sou informado,
excede na qualidade a alguns de seus antecessores, e os iguala nos
procedimentos, posto que não na antiguidade dos serviços.”
210
Mesmo distante, neste momento em Roma, o padre Vieira preocupa-se com o
destino de sua irmã, usando de sua influência, cuidando que seu cunhado possa ingressar na
máquina administrativa do Império Luso. A preocupação com a figura feminina sob sua
proteção ocupa, de certa forma, espaços nas várias preocupações e ações do padre Antonio
Vieira.
Um outro exemplo, também do século XVII, dessa vez mais ordinário, é o do reinol
Cristóvão Alvarez, morador da Capitania de Pernambuco, que ao prestar vários serviços à
coroa durante as ofensivas contra os invasores flamengos, escrevia ao rei solicitando
sessenta mil reis de renda effetiva, para os poder logo nomear e repartir por duas filhas,
para quem elle pedio
211
; Do qual recebeu a seguinte resposta régia:
Hey por bem que o dito Christovão Alvarez torne para aquela
capitania, e sirva nella de Engenheiro na forma que outros o fizerão. E
que haja com o dito cargo o ordenado ou soldo que lhe toccar, e hão os
210
CARTAS SELECTAS DO PADRE ANTONIO VIEIRA. (Ord. E Corr. J. J. Roquete). Paris: Livraria
Portuguesa J. P. Aillaud, 1838. p. 12.
211
A.H. U. , Códice 92, fls. 279v-280.
97
mais engenheiros que me servem em minhas conquistas pellos que muito a
pessoa a cujo cargo estiver o governador de Pernambuco lhe de a posse
do dito cargo, e lho deixe, servir, e haver o dito ordenado, ou soldo como
dito he, sem duvida, na contradição alguma.”
212
Além do cargo, pelos serviços prestados na frente do Arraial do Parnamirim, o dito
Cristóvão Alvarez também conseguiu outros benefícios por parte do Rei, como demonstra
um alvará de 1656, onde o monarca afirma que
hey por bem de lhe fazer muito, além de outros que pelos mesmos
respeitos lhe fes, de promessa de dous officios da justiça, fazenda, ou
guerra, no Brasil, ou neste Reino, que caibão na qualidade das pessoas,
que cazarem com duas de suas filhas, para quem elle os pedio e para
minha lembrança, e sua guarda lhe mandey dar este alvará”.
213
Tempos depois, no cargo de Capitão Engenheiro da Capitania de Pernambuco, o
mesmo Christovão Alvarez faz uma petição ao rei onde afirma que
em satisfação de seus serviços, lhe fes Vossa Majestade mercê de
dous officios, para, quem cazasse comduas dessas filhas, como estavam
cazadas, huma com Simão Vandernes, e a outra com Bertholomeu de
Campos, pessoas beneméritas; e elle Christovão Alvarez estpa
actualmente servindo a Vossa Majestade nas fortificações das praças de
Pernambuco: pede a Vossa Majestade lhe faça mercê, para ser seu genro
Simão Vandernes do officio de feitor do Reyno de Angolla, por seis annos,
por Rodrigo Nunes Delcano, ter quase servido o tempo, por que foi
promovido: e para o dito Bertholomeu de Campos, da propriedade dos
officios de Escrivão das execuções da fazenda da Almotaçaria da
Capitania da Parahiba, que todos são de poucos rendimentos, e em terra
muy limitada”.
214
212
A.H. U. , Códice 116, f. 236v.
213
A.H. U. , Códice 116, f. 237.
214
A . H. U. , caixa 04.
98
Fazendo uso de seu prestígio junto à coroa, Christovão Alvarez garantia bons
casamentos para suas filhas e a inserção de seus genros na malha administrativa do Império
Lusitano. Mas ele não foi o único a recorrer à figura real para garantir o casamento de
familiares.
Graça semelhante recebeu Lopo Curado Garro, segundo o seguinte alvará de 1654:
hey por bem de fazer muito ao dito Lopo Curado Garro do officio
de escrivão da fazenda da capitania da Parahiba, para cazamento de
huma sua filha pello que mando ao prezidente do meu Conselho
Ultramarino, que a péssima (sic.) que com este lhe presentar istromento
para justificado, por que conste estar cazado, na forma do sagrado
Conçilio tridentino, com a filha do dito Lopo Curado, em quem elle
nomear o dito officio, e sendo aquela, e suficiente lhe faça passar carta
em forma delle, na qual se tresladarem este alvará, que se cumpram
instruída mercê”.
215
Até mesmo algumas mulheres também foram à luta, clamando ao rei por condições
para a realização de casamentos honrosos. É o caso de Christina de Lemos, filha do capitão
Francisco Velho de Lemos, agora órfã, que em petição de 1655 pede que
no feito ao serviço do dito seu pay, feitos por espaços de muitos
annos, lhe fez mercê para cazamento della Christina de Lemos, dos
officios de Patra-mor, e juiz dos calafates do porto de Pernambuco de que
hera proprietário, como constava do alvará de que offerecia a copia, e
por que he mulher nobre; e maior parte de sua idade gastou nesta
cidade, no recolhimento de Santo Antonio, e havendo de tomar estado,
com pessoa perita no exercício do dito officio, não poderá ser sua
qualidade, nem achasse facilmente, e por ordem de pessoas a cujo cargo
está, se olhe tem tratado cazamento com pessoa nobre, e de qualidade, e
não tem com que se poder dotar para haver efeito.Pede a Vossa
Magestade que tendo a toda consideração, e aos muitos serviços do dito
215
A . H. U., Códice 116, fls. 115v/116. Grifo nosso.
99
seu pay, relatados no dito alvará, e a perder e gastar no serviço toda sua
fazenda, até com effeito menor na continuação delle deixando-a sem
remédio para tomar estado como convinha a sua qualidade, lhe faça
mercê Vossa Magestade conceder licença para renunciar os ditos officios,
para dos procedimentos delles se poder dottar, e tomar estado”.
216
Tomar estado de casada era fator decisivo, junto com a maternidade, para a
constituição da imagem de uma matrona exemplar. É das facetas dessas imagens e
representações que versaremos agora.
Imagens e Representações.
Alvo de uma ampla rede de controle social, as mulheres da elite colonial sofreram
um processo de normatização peculiar que acabou por produzir imagens e padrões ideais de
comportamento ditados pela Igreja e pelo Estado, estes unidos pelos laços do padroado. É
da apresentação/análise de duas dessas imagens e representações concebidas a da colona-
mãe e a da colona-devota que trataremos aqui, porém restringindo o foco da análise à
elite colonial pernambucana.
Fazendo uso, basicamente, das representações
217
das matronas pernambucanas
pintadas por diversos cronistas, viajantes e demais letrados, nossa intenção é reconstruir as
imagens modelares projetadas pelos agentes colonizadores e pelos atores históricos
embebidos da ideologia de então sobre o que deveria ser a mulher ideal para o sucesso do
projeto colonizador.
No século XVIII, os ares soteropolitanos inspiraram o arguto cronista Luis dos
Santos Vilhena a afirmar que
216
A . H. U., caixa 04. Grifo nosso.
217
Sobre a questão da Representação na atual produção historiográfica vide DIEHL, Astor Antônio.
“História, Hermenêutica e Representação.”In: Cultura Historiográfica: Memória, Identidade e Representação.
Bauru:EDUSC, 2002. pp. 85-95.
“em nenhuma das Capitanias das nossas Colônias da América
excedem as senhoras hoje em recato e modéstia às mulheres de
Pernambuco que entre as das outras cidades passam por bisonhas, e
menos policiadas; o certo porém é que as outras não fazem melhor papel
de senhoras.[...]Bem entendido que falo de senhoras, porque, e não do
ordinário nome de mulheres, porque na classe média, e ínfima se acha o
mesmo que nas demais partes, sem que desmereçam.”
218
Contrariando outros cronistas, como Frei Manuel Calado, Gabriel Soares de
Souza
219
, Ambrósio Fernandes Brandão
220
e Cuthbert Pudsey, Vilhena nega os esteriótipos
das nobres mazombas luxuriosas e exibidas, como as habitantes da Olinda do século XVI,
uma, nas palavras do autor de O Valeroso Lucideno e Triunfo da Verdade,instância de
pecados” onde
“as mulheres andavam tão loucãs, e tão custosas, que não se
contentavam com os tafetás, chamalotes, veludos e outras sedas, senão
que arrojavam as finas telas e riscos brocados; e eram tantas as jóias com
que se adornavam, que pareciam chovidas em suas cabeças e gargantas
as pérolas, rubis, esmeraldas e diamantes.”
221
É o invasor calvinista Pudsey quem nos relata, ainda nos seiscentos, que
“neste lugar houve a afluência dos mais galantes homens e
mulheres, cada qual esforçando-se por ultrapassar os outros em orgulho e
grandeza, tanto quanto as mulheres, por sua parte, podiam fazer. Elas
não economizaram tesouro algum para enfeitar-se, para enfeitiçar o
coração de seus amantes com suas belezas, tendo à mão a ajuda de
perfumes odoríferos.[...] Tampouco saíam para a rua, mesmo que fosse
218
VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no Século XVIII. Salvador: Editora Itapuã, 1969. (3 Vols.). p.829.
219
Vide SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587.Recife: FUNDAJ/Massangana,
2000. p. 101.
220
No sexto diálogo, Brandônio chega a afirmar que “as mulheres se trajam muito bem e custosamente, e
quando vão fora caminham em ombros de escravos, metidas dentro em uma rede”. In: BRANDÃO,
Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil.Recife: FUNDAJ/Massangana, 1997. p.214.
221
CALADO, Frei Manoel.( 1584-1654).O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade(1648). Vol. 1. Recife:
FUNDARPE, 1985. p. 38.
pelo espaço de meia pedrada, sem serem carregadas entre dois escravos
numa rede de grande valor. E sobre ela, para guardá-la do sol, um pano
rico bordado engastado em pérolas.”
222
Nesta mesma perspectiva, nos aponta o seguinte relato de Fernão Cardim:
“as mulheres são muito senhoras, e não muito devotas, nem
frequentam as missas, pregações, confissões, etc.; os homens são tão
briosos [...]. São mui dados a festas. Casando uma moça honrada com um
viannez, que são os principaes da terra, os parentes e amigos se vestiram
uns de veludo carmesim, outros de verde, e outros de damasco e outras
sedas de várias cores, e os guiões e sellas dos cavallos eram das mesmas
sedas de que iam vestidos. [...] Enfim, em Pernambuco se acha mais
vaidade que em Lisboa”.
223
Partindo das observações de Vilhena de salomés e messalinas luxuriosas e
exibidas vemos as mulheres da elite colonial pernambucana transformadas em senhoras
exemplares a figurar nas crônicas coloniais. Parece-nos que na terceira centúria da
colonização da América Portuguesa, a tomar pela afirmativa do cronista baiano,
apresentava-se cristalizado o estatuto/imagem de matrona das mulheres da elite da
Capitania de Pernambuco. Já afirmamos que o conceito de matrona abarca as mulheres que
se enquadravam nos padrões ideais de comportamento para elas produzidos no decorrer dos
tempos, nas sociedades na qual se inseriam; padrões estes, geralmente, associados à
conduta exemplar, à idade e ao estado civil.No contexto colonial, esses padrões ideais de
comportamento estavam intimamente ligados à mentalidade barroca e à ideologia católica
tridentina que, por sua vez, vinha de encontro aos interesses metropolitanos; situação essa
ratificada pela união Estado/Igreja efetivada pela instituição do padroado.
Para a historiadora Mary Del Priore, esse panorama exigia das mulheres, em
especial às da elite, dois aspectos fundantes para o sucesso da aventura colonizadora: o
222
PUDSEY, Cuthbert. Diário de uma Estada no Brasil(1629-1640). Petrópolis: Index, 2000. pp.43-45.
223
CARDIM, Fernão. Op. Cit. pp. 334-335.
povoamento das áreas conquistadas, através da concepção de uma prole legítima e branca; e
a defesa dos preceitos católicos, ameaçados pela expansão do movimento reformista
224
.
Agindo, desse modo, para a glória de Deus e benefício da Igreja e para a bonança da
metrópole.
Sendo assim, temos duas imagens/representações básicas da mulher da elite colonial
em especial, do espaço histórico-geográfico da Capitania de Pernambuco a serem
apresentados/analisados: a colona-mãe e a colona-devota; juntos esses arquétipos
consubstanciaram a idéia da mulher perfeita para a sociedade que então se formava nos
trópicos. Dentro desses preceitos, do ventre da colona nasceria a Colônia; através de um
amplo projeto de controle social que então se descortinava sobre essas mulheres,
reafirmando a máxima de Simone de Beauvoir segundo a qual as mulheres da elite
pagariam a sua ociosidade se assim podemos classificar com a submissão
225
.
Da mulher da elite colonial exigia-se uma conduta exemplar, para que se tornassem
arquétipos modelares para as demais mulheres, sejam elas brancas pobres, pardas, mulatas,
ou até mesmo escravas. O Jesuíta Jorge Benci, em 1700, clamava às mulheres que, junto a
seus maridos, dessem “exemplos de cristãos” a seus escravos e escravas
226
.
Uma das formas das mulheres da elite assumirem o papel a elas destinado pela
empresa colonial era o ato de reproduzir; enquadrando-se nos padrões da colona-mãe, essas
mulheres contribuiriam para o sucesso do plano colonizador. Com a elevação do
matrimônio à categoria de sacramento pelo Concílio de Trento (1545-1563)
227
, a mulher
viu-se imbuída socialmente da imagem de esposa e mãe; elevando-se à figura da Virgem
224
Sobre este aspecto vide DEL PRIORE, Mary. Ao Sul do Corpo. pp. 23-32.
225
Vide Beauvoir, Simone de. O Segundo Sexo. Vol.1: Fatos e Mitos. Rio de Janeiro; Nova Fronteira, 1985.
p. 125.
226
Vide BENCI, Jorge. S.,J.Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos(1700).São Paulo:
Grijalbo, 1977, p.110.
227
Sobre este aspecto vide HOORNAERT, Eduardo.”A Indissolubilidade do Matrimônio na Reflexão
Teológica após Trento”. In: R E B. Volume XXVIII. Fasc. 1, março, Petrópolis: Vozes, 1968. pp. 99-109.
Maria, a colona casada e mãe via-se livre do estigma pejorativo que associava as figuras
femininas à imagem da Eva pecadora, responsável pelo pecado original
228
.
Assim sendo, nos ateremos aqui a análise e apresentação da figura de D. Brites de
Albuquerque
229
, ao nosso ver, símbolo-mor dessa condição de colona-mãe, na sociedade
colonial pernambucana.
Acompanhando o marido Donatário, D. Brites Mendes de Albuquerque aportou em
Pernambuco em 9 de março de 1535, chegou a governar a Capitania e foi mãe de dois
filhos homens; sendo um deles, Duarte Coelho de Albuquerque, mais tarde capitão
donatário, substituindo-a no governo da Capitania. Da prole de Duarte Coelho, nos fala o
poeta Bento Teixeira numa ode ufanista ao então donatário Jorge de Albuquerque Coelho,
no canto XXIX do épico Prosopopéia :
“Terá o varão Illustre, da consorte,
Dona Beatriz, preclara, e excellente,
Dous filhos, de valor, & dalta sorte,
Cada qual a seu Trono respondente.(...)”
230
São vários os cronistas que nos dão informações sobre D. Brites e seu marido, o
capitão donatário da Nova Lusitânia, Duarte Coelho Pereira
231
; porém é revelador do
prestígio do casal de donatários de Pernambuco a seguinte afirmativa do padre Manoel da
228
Sobre essa discussão sobre o estatuto feminino dentro do pensamento cristão católico, vide ALMEIDA,
Suely Creuza Cordeiro de. “Adão no Feminino: ou as idéias sobre o seu Avesso”. In: BRANDÃO, Sylvana.
(Org.). História das Religiões no Brasil. Volume 2. Recife: Ed. Universitária UFPE/CEHILA, 2002. pp. 391-
421; assim como DUBY, Georges. Eva e os Padres: Damas do Século XII. São Paulo: Companhia das Letras,
2001.
229
Para um histórico conciso de D. Brites, vide o verbete“Brites Mendes de Albuquerque” In:
SCHUMAHER, Schuma. & BRAZIL, Érico Vital.(Org.). Dicionário das Mulheres do Brasil:de 1500 até a
Atualidade, Biográfico e Ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. pp.121-123.
230
TEYXEYRA, Bento. Prosopopea, dirigida a Iorge Dalbuquerque Coelho, capitão, & Governador de
Pernambuco, das partes do Brasil, Nova Lusitânia, & c. (Edição conforme a edição de 1601, com Introdução,
notas e glossário pelo Prof. Fernando de Oliveira Mota; Prefácio de José Antônio Gonsalves de Mello.).
Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1969. p. 131.
231
Sobre este aspecto, vide VICENTE DO SALVADOR, Frei. História do Brasil(1500-1627).Belo
Horizonte: Itatiaia, 1982. pp. 119-120; Couto, Domingos Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de
Pernambuco.Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981. p. 19.; CASAL, Manuel Aires de. (
Pe.). Corografia Brasílica ou Relação Histórico-geográficado Reino do Brasil(1817). Belo Horizonte:
Itatiaia, 1976. p. 253.; dentre outros.
Nóbrega, proferida frente aos desvios morais por ele encontrados numa visita a
Pernambuco em 1551:“Duarte Coelho e sua mulher sam tam virtuosos, quanto hé ha fama
que, e certo creo que por elles nam castigou a justiça do Altíssimo tantos males até
agora”.
232
Quando da morte de D. Brites, assim se expressou o jesuíta José de Anchieta
num documento de 1584:
“Dona Brites de Albuquerque, governadora e quase mãe deste
povo, faleceu este ano. Visitou-a freqüentemente, durante a enfermidade o
padre Reitor e lhe deu assistência na hora da morte. Foi sempre
benfeitora da Companhia e, pouco antes de morrer, nos fez uma última
esmola de 250 cruzados. Por sua alma celebram-se solenes exéquias em
nossa igreja. E o reverendíssimo Bispo, que aqui se achava então
presente, lhe proferiu a oração fúnebre, com grande satisfação de todos e
apaziguamento dos moradores”.
233
Aqui está cristalizada a representação mais contundente do arquétipo de colona-
mãe, Anchieta não se acanha em apresentar D. Brites como mãe do povo de Pernambuco.
Mãe, devota e honrada, amalgamavam-se nela as qualidades exigidas a uma boa matrona
tropical. De forma que o exemplo da mesma D. Brites de Albuquerque nos serve para
adentrar numa outra representação constante na construção da imagem da mulher da elite
colonial, o esteriótipo da colona-devota.
A ideologia católica tridentina foi coadjutora no processo de construção/colonização
da América Portuguesa, dentro das especificidades e necessidades do Novo Mundo. Já
afirmamos anteriormente que, frente ao projeto colonizador e à união entre Estado e Igreja,
as mulheres deveriam desempenhar um papel crucial na manutenção/propagação da
ideologia católica, como as primeiras reprodutoras desse ideário no âmbito privado da
família.
232
CARTAS DO BRASIL E MAIS ESCRITOS DO P. MANUEL DA NÓBREGA. Coimbra: Universidade
de Coimbra, 1955. p. 99.
233
ANCHIETA, José de. (pe.). Cartas: Correspondência Ativa e Passiva. São Paulo: Ed. Loyola, 1984. p.
374. Grifo nosso.
Visto por este aspecto, a construção/exaltação da imagem da colona-devota pela
sociedade colonial e, no nosso caso específico, pelos letrados do Pernambuco Colonial
reforçaria o controle por sobre as mulheres da Colônia e ajudaria a propagar os preceitos e
prédicas do pensamento católico tridentino na América Portuguesa, região que sofria com
as debilidades do aparelho eclesiástico advindas principalmente pelas limitações impostas
pela instituição do padroado, gerando, como bem caracterizou o historiador Guilherme
Pereira das Neves, uma “cidade de Deus nas vísceras de um Leviatã”.
234
No que tange às colonas-devotas, na Capitania de Pernambuco essa representação
das mulheres da Colônia está intimamente ligada à reação aos invasores holandeses
calvinistas. Geralmente em tons ufanistas, essas mulheres foram pintadas pelos cronistas
como verdadeiras mártires da fé católica, exemplos de honra e devoção a serem seguidos. É
o que faz, num primeiro caso, o carmelita Domingos Loreto Couto no sétimo livro do seu
Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco, intitulado “Pernambuco Ilustrado pelo
Sexo Feminino”, louva as “pernambucanas que floresceram em virtude”, como as que, no
século XVII,
para conservarem aque la honestidade, recolhimento,
modéstia e recato tão vinculados às mulheres de Pernambuco,
entregaram muitas vezes as gargantas aos alfanges, os peitos aos punhais
dos holandeses;” ou outras que “se sujeitaram a um perpétuo degredo, e
algumas tiraram a si mesmas a vida, quando de outro modo não podiam
resistir às bárbaras violências.”
235
Nesta mesma perspectiva, nos aparece o já citado Frei Manoel Calado, autor d’O
Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade, obra datada de 1648, ao relatar acontecimentos
ocorridos durante a Restauração Pernambucana, nos conta ele, em tons barrocamente
dramáticos, que
“enquanto o governador João Fernandes Vieira se deteve com
nossa gente, publicaram os do Concelho Supremo do Recife um bando, e
234
NEVES, Guilherme Pereira das. E Receberá Mercê: A Mesa de Consciência e Ordens e o Clero Secular no
Brasil(1808-1828). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. p. 135.
235
COUTO, Domingos Loreto. Op. Cit. p. 463. Grifo nosso.
tirano edital, pelo qual mandaram que todas as mulheres dos moradores
que se haviam retirado com João Fernandes Vieira para os matos, fossem
dentro em cinco dias naturais próximos seguintes em busca de seus
maridos com seus filhos, e filhas, sob pena de morte, a fogo, e sangue, e
perdimento de seus bens, e que passado este termo de cinco dias se não
usaria de demência, nem piedade com aquelas que tendo seus maridos,
irmãos, ou filhos ausentes, se achassem em suas casas. Considere agora o
pio leitor o que fariam as pobres e miseráveis mulheres, vendo seus pais,
maridos, irmãos, e filhos ausentes, sem saberem as paragens aonde
estavam, vendo-se sós, e desamparadas, e no meio do rigor do inverno,
sem mantimento para se sustentar entre as silvas hórridas dos matos; e
vendo que a tirana espada do inimigo estava já ameaçando os seus
pescoços, e gargantas; umas se prostavam de joelhos, e com as mãos
levantadas ao céu, e os olhos arrasados em lágrimas, pediam a Deus
perdão e misericórdia, outras com rosários da Virgem Maria nas mãos,
os passavam uma, e muitas vezes, outras se abraçavam com os inocentes
filhinhos, e com soluços, e gemidos se despediam deles, outras caíam
desmaiadas em terra sem dar acordo de si, outras que nunca haviam
saído de suas casas, se não era no tempo da Quaresma, ou nos dias das
festas principais à igreja, e ainda então arrimadas em pajens, por não
caírem; vendo-se neste aperto, e estreitura arremetiam com o súbito
temor a entrar por entre os matos, e ali se punham a misericórdia de
Deus, e a proteção, e amparo à Virgem Maria, e aos Santos, de quem
eram mais devotas; porque de outra parte esperavam que lhe pudesse vir
socorro, nem remédio.”
236
Rugendas nos informa que
grande parte dos habitantes de Pernambuco recusou-se submeter-
se aos holandeses. Partiram com suas mulheres e crianças para o porto
vizinho de Porto Calvo; daí, escorraçados ainda pelos holandeses, foram
236
CALADO, Frei Manoel. Op. Cit. pp. 239-240.
para a Bahia. Muitos, com suas mulheres e crianças, morreram de fome e
moléstias, nas longas marchas através dos desertos e dos sertões.”
237
Uma outra representação da devoção das mulheres da Nova Lusitânia nos é dada
pelo viajante Henry Koster em sua estada no Recife do período colonial tardio. O cronista
anglo-saxão nos relata nas comemorações da Sexta-feira da Paixão, uma encenação da
Paixão de Cristo na Igreja do Sacramento onde os sermões proferidos e o espetáculo
encenado, dentro da tradição propagandista e rebuscada da mentalidade barroca, “provocou
violentas batidas nos peitos por todas as mulheres presentes”.
238
Outro exemplo da devoção das matronas pode ser encontrado no testamento de
Dona Josefa Maria de Souza, redigido em Olinda a 1816, onde a devota expressava sua
vontade
querendo encomendar a minha alma para o caminho da salvação,
como verdadeira Católica e nesta religião tenho vivido e protesto
morrer”.
239
Exaltando essas mulheres, divulgando a imagem da colona-devota, o discurso dos
cronistas, letrados e viajantes de então vinham casar com a ampla rede de controle social a
que estava subordinada a população feminina da Colônia. Presas aos arquétipos/funções de
mãe e devota, essas mulheres, ao assumirem essas representações, contribuíram para a
consolidação de uma sociedade patriarcal, escravista e católica nos territórios lusos na
América. Por este ângulo, a fusão dos esteriótipos da colona-mãe e da colona-devota
resultaria na imagem ideal da matrona, que viria de encontro aos interesses da Igreja e da
Metrópole. Aqui, concordamos com a historiadora Maria Odila da Silva Dias quando esta
afirma que
237
RUGENDAS, João Maurício. Viagem Pitoresca através do Brasil (1835). São Paulo: Martins/INL, 1976.
p. 128.
238
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil.Recife: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de
Pernambuco, 1978. p. 42.
239
Apud FERREIRA, Luzilá Gonçalves. “Esse Real Impalpável: Mulheres, Inventários e Testamentos”. p.
106.
“alguns esteriótipos e valores ideológicos relativos aos papéis
sociais femininos têm menos a ver com uma condição universal feminina
do que com tensões específicas das relações de poder numa dada
sociedade. É o caso da importância que assumem no projeto social de
colonização do Brasil os papéis sociais da mulher branca em geral e a
política oficial da Coroa Portuguesa para compensar a sua falta nas
frentes pioneiras de povoamento. No Brasil colonial, avultam entre os
valores gerados pelo sistema escravista de dominação a valorização da
mulher branca, como fulcro inicial do projeto de colonização. Em cada
uma das sucessivas frentes de povoamento, a começar do litoral no século
XVI e particularmente na época da mineração do ouro, originou-se todo
um complexo de práticas sociais e de providências administrativas
destinadas a reforçar os papéis de mulheres brancas como reprodutoras e
transmissoras da propriedade e dos símbolos de ascendência
colonizadora: cor, língua, religião.”
240
Portanto, ao resgatar os discursos dos cronistas, viajantes e letrados coloniais sobre
a imagem/representação da mulher da elite colonial em especial das matronas
pernambucanas nosso objetivo é evidenciar a participação destas na construção do mundo
colonial, universo este estritamente ligado ao pensamento católico tridentino e à
mentalidade barroca. Reproduzindo essas ideologias, as matronas pernambucanas figuram
nas obras dos autores citados como exemplos de virtudes, honra e religiosidade, moldando
padrões idéias de comportamento para o controle social do estrato feminino da população
da Colônia.
A (Ex)Posição da Figura Feminina.
A questão da exposição das mulheres, em especial as da elite, estava intimamente
ligada a uma outra: a questão do posicionamento dessas mesmas mulheres no interior da
sociedade colonial. Reconstruir essa geografia social é, de certa forma, adentrar mais um
pouco na urdidura social das relações entre os sexos na América Portuguesa colonial,
240
DIAS, Maria Odila da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no Século XIX. p. 101.
principalmente na capitania de Pernambuco. Essa questão também preocupou os agentes do
processo normativo que se construiu em torno da figura feminina nos trópicos. Em um de
seus inúmeros sermões, o padre Antônio Vieira predicava que
“Huã molher, que sae a ver mulheres, também sae a ser vista de
homens. E se no ver não há perigo, nem indecença, no ser vista, periga a
honra, periga a pessoa, periga a família, & periga talvez toda a
Republica, & não sò huã, senão muitas.”
241
Matrona em aparição pública (Gravura de Carlos Julião, século XVIII)
O famoso pregador barroco faz referência neste texto lapidar às costumeiras visitas,
em especial a comadres e à igreja, realizadas pelas mulheres da colônia; essas visitas não
fugiram a observação do britânico Koster, que nos relata o fato d’“as cadeirinhas, em que
as senhoras iam a igreja ou pagar visitas de suas relações, tinham forma mais elegante, e
os carregadores se vestiam mais ricamente.”
242
Essa exuberância denunciada por Henry
241
VIEIRA, Antônio (Pe.). Sermões. (Reprodução Fac-similada da Edição de 1679). Volume VI. São Paulo:
Editora Anchieta Ltda.,1943., p. 65.
242
KOSTER, Henry. Op. Cit.,p.203.
Koster pode ser evidenciada pela gravura anteriormente mostrada, de autoria de Carlos
Julião e datada dos setecentos, onde percebemos não só o fausto da matrona em sua cadeira
de arruar, mas também de todo o séquito que a acompanha.
Essas aparições em público deveriam ser muito bem supervisionadas ou até mesmo
evitadas, tendo em vista o grande número de escravos, forros livres e brancos pobres nas
ruas, muitos deles sem ocupação definida e tidos por pessoas perigosas. Talvez advenha
desse fato a seguinte observação do francês Tollenare que ao chegar ao bairro do Recife,
num passeio pelas ruas da vila por volta de 1816, notou que
“As lojas estão sortidas de mercadorias da Inglaterra e da Índia;
negras percorrem as ruas oferecendo à venda lenços e outras fazendas
que trazem em cestos sobre a cabeça: os seus pregões se misturam aos
cantos dos negros carregadores. Não se vê absolutamente mulheres
brancas na rua.”
243
Chegando depois a afirmar que não podia julgar das mulheres senão pelas
conversas com os seus maridos.
244
Situação um pouco distinta, mas não de um todo estanha, encontrou nesta mesma
época e no mesmo passeio cerca de dois anos antes, o já citado Henry Koster; segundo o
qual
“toda a cidade estava em movimento. As mulheres todas, da alta e
baixa sociedade, enchiam as ruas pelas tardes, a pé, contrariamente ao
uso local. Muitas estavam vestidas de sedas de várias cores e cobertas de
correntes de ouro e outras bugigangas, e em geral expunham tudo que de
mais fino tinham podido reunir.”
245
Essa raras aparições das mulheres da elite em público, quando ocorriam, tinham de
ser muito bem supervisionadas e controladas, quando não, evitadas. Sobre essa questão nos
243
TOLLENERE, L. F. de. Notas Dominicais. Recife: CEPE/Secretaria de Educação e Cultura do Estado de
Pernambuco, 1978., pp.20-21. Grifo nosso.
244
Idem.,pp.99-100.
245
KOSTER, Henry. Op. Cit., p. 41. Grifo nosso.
é revelador os ditames e conselhos apregoados pelo autor de um famoso manual de boa
conduta do século XVII, Francisco Manuel de Melo que em 1651 publicara o “Carta de
Guia dos Casados” onde aconselhava maridos e pais a, dentre outras recomendações,
limitar as saídas e as visitas da esposa ou filha, evitar mostrá-las aos amigos e corrigir-lhes
os hábitos indiscretos, o falar demasiado, os suspiros, a gesticulação e os risos em
público.
246
Esses ditames acabavam por limitar as aparições das mulheres em público, fator este
não característico apenas do Pernambuco colonial, mas sim de todo o mundo luso.
Revelador dessa condição é o relato do viajante sueco Johan Brelin que, em 1756, visitou a
cidade de Salvador, capital da Colônia, notando, entre outras coisas, que
“as damas, que aqui mais do que em outra parte de Portugal estão
submetidas ao severo jugo de homens ciumentos, raramente se vêem à
janela, mas nunca nas ruas, a não ser transportadas em cadeirinhas
fechadas. A nossa forçada estadia nesta cidade [ ... ] não nos permitiu ver
muitas representantes do belo sexo, ainda que possa assegurar que as
damas Portuguesas são aqui de inigualável beleza e encantos.”
247
Talvez fosse para guarda-las de curiosos viajantes como Brelin, que os pais e
maridos das mulheres da elite colonial agissem com tamanho zelo.Comum era ver as
figuras femininas encasteladas no andar mais alto dos sobrado, a salvo do burburinho
percebido no espaço externo, onde a presença de figuras masculinas diversas e, muitas
vezes desconhecidas, era marcante. Longe dessa movimentação, as figuras femininas eram
objetos raros de serem conferidos pelas ruas do Recife colonial, assim como em outras
cidades da Colônia, porém essa reclusão não era infinda.
246
Cf. VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados., p.126.
247
BRELIN, Johan. De Passagem pelo Brasil e Portugal em 1756. Lisboa: Casa Portuguesa, 1955., pp. 106-
107.
De um amontoado de marinheiros, pescadores e meretrizes, o Recife, após o período
holandês, viu-se transmutado numa das principais cidades da América
248
. Durante toda a
subordinação do Brasil a Portugal, podemos identificar vários espaços no universo urbano
do Recife onde as figuras femininas, em especial as da elite, podiam circular livremente;
noutros, a circulação dessas mulheres era proibida e vedada às figuras femininas de baixo
prestígio social, como prostitutas, negras escravas e forras e brancas pobres.
Um desses espaços era a Ponte da Boa Vista que, nos primórdios do oitocentos,
provocou alguns comentários de Tollenare como o que se segue: “Não vi ainda ali
senhoras da sociedade; dizem-me que aparecem algumas vezes em noites de luar”.
249
É o
mesmo cronista viajante quem nos informa era comum a utilização do espaço público da
Ponte para a prática do lenocínio, denunciando que
“os homens que desejam absolutamente ligações encontram-nas
muito facilmente com viúvas pouco abastadas, que fazem com eles
contratos para as suas filhas.”
250
De forma que nos parece que esse locus urbano específico a Ponte da Boa Vista,
pelo menos no período colonial tardio era um dos espaços restritos de circulação das
matronas pernambucanas, sendo mais visitado por mulheres estigmatizadas e de baixo
prestígio social, de forma que, por lá “vê-se raramente passar senhoras, mas, muitas
raparigas públicas de todas as cores.”
251
Um outro espaço do Recife colonial onde as mulheres da elite tinham a sua presença
negada era nos espetáculos teatrais, esses em si incipientes e amadores, a tomar pelo
seguinte relato de Tollenare em 1817:
248
Sobre este aspecto vide MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: Influência da
Ocupação Holandesa na Vida e na Cultura do Norte do Brasil. Recife: FUNDAJ/Massangana, 1987., pp. 35-
127.
249
TOLLENARE, L. F. de. Op. Cit., p.23.
250
Idem., p.202.
251
Ibdem.
Assisti às representações teatrais. Nada de mais lastimoso com
relação à sala, aos atores e às peças.
“As senhoras de boa sociedade não assistem a elas, e com razão,
porque ali se executam danças de uma lubricidade desenfreada. Contei
apenas seis ou sete mulatas ou mestiças nos camarotes.
“Um dos lados da segunda ordem de camarotes é exclusivamente
reservado às senhoras; os homens não são neles admitidos.
“Este lugar reservado só é ocupado por mulheres de vida alegre;
são pouco sedutoras e ridiculamente ataviadas.”
252
De acordo com os cronistas e viajantes citados e com as prédicas dos agentes
colonizadores tridentinos e barrocos, as únicas manifestações públicas onde a figura
feminina da elite colonial poderia ser vista eram nas cerimônias e festas religiosas, em
especial no interior das igrejas sob os atentos olhares de pais, irmãos, maridos, filhos e
párocos. A presença dessas mulheres foi detectada por Henry Koster numa visita a Igreja de
Santo Amaro durante as comemorações da Semana Santa. Segundo o ele, numa descrição
sócio-geográfica da igreja,
“a capela-principal é, invariavelmente, na extremidade oposta à
porta de entrada. Sai do corpo da igreja e é estreita. Essa parte,
destinada aos padres oficiantes, é separada da nave por uma balaustrada.
As mulheres ao entrar, sejam brancas ou de cor, ficam junto a essa grade,
sentando-se no chão, no grande espaço aberto no centro. Os homens se
portam de pé, em cada lado da nave, ou ficam perto da entrada, detrás
das mulheres que, seja qual for sua posição ou cor, devem ser as
primeiras acomodadas.”
253
Dois aspectos aqui merecem ser destacados; primeiro, o fato das festas e cerimônias
religiosas serem um espaço de integração social e sociabilidade
254
onde classes sociais e
252
Idem., p. 184.
253
KOSTER, Henry. Op. Cit. ,pp.41-42.
254
Sobre este aspecto vide DEL PRIORE, Mary. Festas e Utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense,
1994; e JANCSÒ, István. & KANTOR, Íris. (Org.) Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa. (2
Vols.). São Paulo: Hucitec/Edusp/Imprensa Oficial/FAPESP, 2001.
etnias distintas, muitas vezes, se amalgamavam. Fato que exigia um controle maior por
sobre as figuras femininas ditas de prestígio social. O segundo consiste na minuciosa
divisão dos espaços no interior da igreja refletindo aspectos das construções/divisões dos
papéis sociais de Gênero: as mulheres agachadas ao centro, posição que as colocava visível
e literalmente em subjugação masculina, cercadas por homens a lhes vigiar, tendo os olhos
dos padres a sua frente e dos leigos nas laterais e traseiras.
Recompor essas nuances da posição e exposição da figura feminina da elite no
espaço urbano, em especial do Recife colonial, nos permite reconstruir uma geografia dos
papéis sociais de Gênero na Capitania de Pernambuco. Porém, vale ressaltar que no espaço
rural a reclusão feminina era muito mais acentuada, limitando-se, na maioria das vezes, às
idas à capela, que muitas vezes se situava dentro da própria Casa-Grande. Privadas do
contato com estranhos e visitantes, essas matronas da área rural reforçavam a imagem de
reclusão das mulheres da Colônia; a respeito dessa reclusão necessária pregava o jesuíta
Antonil no século XVIII que
ter casa separada para os hóspedes é grande acerto porque
melhor se recebem e com menor estorvo da família e sem prejuízo do
recolhimento que hão de guardar as mulheres e as filhas e as moças de
serviço interior ocupadas no aparelho do jantar e da ceia.”
255
Sobre este mesmo aspecto, nos informa o visitante Tollenare em 1816 que
quando um senhor de engenho visita outro, as senhoras não
aparecem. Passei dois dias em casa de um delas, homem muito
prazenteiro e que me cumulava de amabilidades, e não vi a sua família no
salão nem à mesa”.
256
Este universo, devido à restrição de fontes, ainda fica em muito velado aos olhos e
interesses dos historiadores que se debruçam sobre a vida dessas matronas. No entanto,
mesmo com toda uma rede de controle social estruturada para vigiar a figura feminina,
255
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. (Reprodução Fac-
similar da edição Princeps de 1711). Recife: Editora Universitária, 1969. p. 31.
256
TOLLENARE, L. F. de. Op. Cit. P. 68.
muitas mulheres assim como homens fugiram às regras impostas pela sociedade
colonial barroca e pelo catolicismo tridentino nos trópicos; é desses dissidentes que
passaremos a tratar agora.
IV.3. DISSIDENTES, MAS SOBREVIVENTES.
Num estudo sobre a observância e conseqüentes desvios na imposição/aceitação dos
preceitos de conduta moral previstos nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia
pela sociedade paulista entre 1719 e 1822, a historiadora Eliana Maria Rea Goldschmidt
nos enumera, como delitos comuns praticados pelos colonos, o lenocínio, a bigamia, a
sedução, o estrupo e o concubinato
257
. Aqui, diante das fontes que dispomos, trabalharemos
algumas dessas práticas dissidentes da moral tridentina realizadas por homens e mulheres
da capitania de Pernambuco. Comecemos pelo lenocínio e a prostituição.
Ao analisarmos os dados referentes às mulheres da Colônia que se confessaram ao
inquisidor na visitação do Santo Ofício a Pernambuco entre 1593 e 1595, percebemos um
padrão predominante nas mulheres confitentes: mulher branca, natural da Colônia, cristã-
velha e casada
258
. Para se ter uma idéia desse fato vale citar que das mulheres que figuram
nos autos das confissões inquisitoriais, apenas uma encontrava-se solteira, esta se chamava
Mércia da Gama e tinha fama de ser “mulher pública
259
. Sobre a prostituição na noite da
Salvador colonial, nos informa Luis dos Santos Vilhena que
visto não ser permitido, mas tolerado, o haver mulheres públicas,
entre os povos cristãos; seria na Bahia um acertado rasgo de política, o
destinar-se em alguns subúrbios da cidade, onde há casas de menor
preço, e consideração, a morada para todas as que sem pejo se entregam,
como modo de vida, à depravação; e limpar de algum modo a cidade
desta praga tão contagiosa, visto que com os seus desonestos exemplos, e
palavras torpes proferidas sem pejo altamente, escandalizam os vizinhos,
que querem reger, e educar suas famílias, segundo as regras da moral
cristã; bem como se lhes devera vedar o transitarem pela cidade depois do
toque do sino de recolher, se bem que esta cerimônia ninguém sabe o para
257
GOLDSCHMIDT, Eliana Maria Rea. Convivendo com o Pecado. pp. 93-178.
258
Vide dados no ANEXO 2.
259
Confissões de Pernambuco (1594-1595). pp. 55. Vide dados em ANEXO 1.
que serve; assim como o toque de recolher para os militares, que é o
mesmo que fosse para sair, porque então o fazem até das guardas.”
260
No Recife colonial já afirmamos, ao analisar a geografia social da exposição da
figura feminina na sociedade colonial pernambucana, que na Ponte da Boa Vista eram
comuns, à noite, as práticas da prostituição e do lenocínio.
Um outro local onde a prostituição e o lenocínio deveriam ocorrer com freqüência
eram nas vendas e tabernas espalhadas pela cidade. Comentando sobre a realidade das
Minas Gerais nos conta o historiador Luciano Figueiredo que
nas vendas, muitas delas dirigidas por mulheres, diferentes
grupos sociais se reuniam para beber e se divertir; em seu interior
escondiam-se atividades escusas como contrabando de ouro e pedras,
abastecimento de quilombos e prostituição”
261
.
No caso do Recife colonial, há uma gravura de Rugendas chamada “Venda em
Recife” onde percebemos uma forte movimentação de diversas pessoas, oriundas de grupos
sociais distintos, no andar térreo da venda: percebe-se a presença de negras vendeiras,
homens brancos, um negro canoeiro a tomar pela vara em sua mão, situado a conversar
com uma negra vendeira no canto direito da gravura , além de uma estranha figura
feminina branca sentada às portas da venda numa possível situação de embriaguez. Vale
ressaltar também a presença, agora no andar superior, de duas mulheres brancas à janela,
numa situação de exposição ao mundo externo, o que, dentro dos valores de então, não
deixava de ser suspeito.
260
VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no Século XVIII. Salvador: Editora Itapoá, 1969. (3 vols.) p. 142.
261
FIGUEIREDO, Luciano. “Mulheres em Minas Gerais”. In: DEL PRIORE, Mary (Org.) História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto/Unesp, 2001. p. 153.
Venda em Recife (Gravura de Rugendas)
O britânico Henry Koster encontrou uma dessas mulheres ditas de vida fácil numa
situação bem incomum. Segundo o cronista, enquanto assistia a uma encenação da Paixão
de Cristo na Igreja do Sacramento no Recife, vira
um homem, de cabeleira curta e túnica verde, era S. João, e uma mulher,
de joelhos ao pé da cruz, era Madalena. Informaram-me que, para manter
o caráter, os costumes da mulher não eram muito puros”
262
.
Uma outra atividade dissidente dos valores da moral tridentina e barroca nos
trópicos era a prática do concubinato e da amancebia; estas, posturas que fugiam ao modelo
do sagrado casamento católico, eram vivenciadas até pelos próprios padres. Contrariando as
normas vigentes, essas relações muitas vezes acabavam por adquirir estabilidade e
respeitabilidade frente à sociedade. Ilustrativo deste aspecto é o seguinte comentário de
Koster:
262
KOSTER, Henry. Op. Cit. p. 42.
os brasileiros de alto nascimento e grandes propriedades não
gostam de casar com pessoas cujo sangue mestiço seja demasiado visível
e daí resultam circunstâncias curiosas. Um homem dessa classe apaixona-
se por uma mulher de cor, vivem juntos em sua própria casa e, dentro de
curto tempo, é visitada pelas senhoras casadas. Ela governa assuntos
domésticos, age e se considera como sua esposa, e freqüentemente nascem
vários filhos, e, quando ambos já não são jovens, casam-se.
Decorrentemente, essas pessoas são muito mais ligadas que nos
matrimônios entre elementos pertencentes a duas famílias de primeira
classe porque esses últimos casaram mais por conveniência do que por
afeição e, às vezes, só se viram pela primeira vez poucos dias antes da
cerimônia matrimonial. Ocorre também que a inclinação, necessidade ou
conveniência obrigue o homem a se separar da mulher com quem vivia.
Nesse caso, ele a dotará e ela casará com um homem de sua condição,
mais a julgando uma viúva do que pessoa de procedimento irregular. São
raros os casos de infidelidade nessas mulheres. Elas se prendem ao
homem com quem vivem, administrando-lhe a casa que moram com o
mesmo zelo que teriam possuindo os direitos de uma legítima autoridade.
É merecedora de todo acatamento do povo do país quando essa
fidelidade, tão provada de um lado, é reconhecida pela outra que,
comumente, a eleva a respeitável e justa condição de esposa. É preciso
reconhecer que o mérito moral deva ser aquilatado pela mentalidade da
região e não pelas nossas instituições”.
263
Tal qual o concubinato ou a amancebia, a bigamia era outro atentado ao sacramento
do matrimônio também praticado pelos colonos. Consistindo na repetição do matrimônio
por um dos cônjuges, a bigamia figura nos autos inquisitoriais; donde extraímos alguns
exemplos.
263
Idem. pp. 379-380.
Sobre a bigamia, as Ordenações Filipinas determinava que
todo homem, que sendo casado e recebido com huma mulher, e não
sendo o Matrimônio julgado por invalido per Juízo da Igreja, se com
outra casar, e se receber, morra por isso. [...] E esta mesma pena haja
toda a mulher que dous maridos receba e com elles casar pela sobredita
maneira, o que tudo haverá lugar, ora ambos os Matrimônios fossem
inválidos per Direito, ora hum delles. [...] E se o condenado à morte pelo
dito crime for menor de vinte e cinco annos, ou for fidaldo, e a segunda
mulher, com que casou, for de baixa condição, ou se o condenado, sendo-
lhe fugida a primeira mulher, casou com segunda, sem saber certo, que
era a primeira morta, ou em outros casos semelhantes, não se fará
execusão”.
264
Marcando as relações no contexto colonial, a rotatividade dos colonos favorecia a
prática da bigamia. Para Emanuel Araújo,
a intensa movimentação de colonos propiciava, com efeito,
facilidades para a prática da bigamia. Longe do cônjuge, bastava a
simples ‘notícia’, até de ‘ouvir falar’, ou mesmo a incerteza sobre sua
morte, quando a ausência e a falta de cartas se prolongavam em demasia,
para que se consumasse o delito”
265
.
Muitas dessas situações aparecem nos três casos de bigamia confessados na
visitação inquisitorial a Pernambuco por três colonos moradores na cidade Filipéia, situada
na Capitania anexa da Paraíba.
Aqui, iremos nos limitar aos dois primeiros casos que se interligam formando uma
complexa novela. Ao se confessar aos 10 de janeiro de 1595, Maria Simões disse ser
cristã velha, natural da cidade do Pôrto, de idade de quarenta anos, casada ora com
Antônio da Costa de Almeida, escrivão da fazenda del rei nesta Capitania”. Casamento
264
OF. Livro Quinto, Título XIX.
265
ARAÚJO, Emanuel. O Teatro dos Vícios: Transgressão e Transigência na Sociedade Urbana Colonial. Rio
de Janeiro: José Olympio/EdUnB, 1997. p. 243.
legítimo se, há vinte e três anos anteriormente, a confitente não tivesse se casado “em face
da Igreja, conforme o Sagrado Concílio Tridentino” em Lisboa com o soldado de África
Belchior Fernandes.
Prosseguindo em sua confissão, Maria Simões afirmou ter vivido Poe três anos com
seu primeiro e legítimo marido na freguesia de Boa Vista até que este fora lutar na África,
nas tropas de D. Sebastião, acabando como cativo em Fez. Segundo a confitente, seu
marido Belchior Fernandes “escreveu uma carta a ela em que dizia ficar doente. E nunca
mais depois desta carta teve nenhum recado dele”. Até que, cerca de dez anos depois,
ouvira de um soldado africano chamado João Ramos, vagas notícias da morte de Belchior
Fernandes, e, assim, ela “se amigou com o dito Antônio da Costa de Almeida e se jurou
com êle e começaram de coabitar
266
. Casando-se com este, após dispensa concedida com
a ajuda de uma falsa testemunha que comprovara a morte do soldado Belchior Fernandes.
A bígama veio para a Capitania da Paraíba acompanhando seu segundo marido, um
burocrata do reino, natural da Ilha da Madeira. Este, porém, três dias após a confissão de
Maria Simões se apresentou, pela segunda vez, ao inquisidor para reafirmar outro aspecto
dessa complexa situação. Antônio da Costa de Almeida confirmou o que dissera em sua
primeira confissão, cerca de dois meses antes, na vila de Olinda, quando afirmou ter sido
vítima quando se encontrara em viagem ao Reino de uma conspiração arquitetada por
um inimigo seu chamado Baltazar da Nóbrega, por litígios ligados ao seu ofício de escrivão
da fazenda real; segundo o confitente, ele acabou por acreditar numa falsa carta
supostamente escrita por um de seus filhos com Maria Simões, onde a morte desta era
anunciada. Diante dessa informação, Antônio da Costa de Almeida casara-se no Reino com
uma sua sobrinha chamada Felipa Barbosa, porém omitindo a sua pseudoviuvez,
declarando ser solteiro quando do ato matrimonial. Mais tarde, ao descobrir a farsa
arquitetada pelo tal Baltazar da Nóbrega, voltou à Capitania da Paraíba, todavia não
voltando a coabitar com Maria Simões
267
.
266
Confissões de Pernambuco (1594-1595). pp.126-128.
267
Idem. pp.58-63.
Diante desta folhetinesca desventura, a relação entre movimentação espacial e
bigamia se apresenta explicitamente. Envolvendo figuras sociais distintas um soldado, um
pequeno burocrata, damas lusitanas essa situação certamente pode ser parcialmente
elucidada pelo deslocamento constante dos envolvidos e pelos desencontros advindos desta
situação: um soldado lusitano prisioneiro em terras africanas; um burocrata natural da Ilha
da Madeira que desenvolvia suas atividades na América e vivia viajando constantemente ao
Reino; uma dama lusitana que buscava uma nova vida nos trópicos...
Prostituição, bigamia e concubinato estavam, no contexto colonial, intimamente
ligados a aspirações e necessidades socioeconômicas, mas também, de certa forma, à
vontade, por parte dos homens e mulheres da Colônia, de viverem livremente as suas
afetividades e sexualidades. Neste aspecto, no que tange à afetividade e sexualidade
femininas, nenhum desvio, em princípio
268
, era tão transgressor quanto a
homossexualidade.
Novamente, abordaremos cá a temática sob a luz das fontes inquisitoriais. Tomando
por base duas denuncias feitas contra as figura de Maria Lucena e das amantes Anna e
Maria Rodrigues
269
.
Contra Maria Lucena, fez denuncia ao inquisidor a cinco de novembro de 1593
Maria de Azevedo senhora de vinte e um anos, casada com um alcaide-mor afirmando
que
avera ora dez annos sendo ella inda solteira estando na ditta sua
fazendasob o poder de Clara Fernandes molher de seu avô Cristovão
Fernandez fóra de casa entrando ella denunciante por huã camara dentro
vio estar no chão detrás da porta deitada de costa huã negra brasilla
268
Dizemos em princípio porque a homossexualidade era uma forma das mulheres viverem a sua sexualidade
livremente, entre si, sem precisar da figura do macho varão. Porém, na prática, a repressão à sodomia
feminina não era tão rigorosa na Colônia, quanto era a contra a sodomia masculina. Essa certa ‘fragilidade’ no
sistema repressor dava-se pelo desconhecimento do corpo feminino, situação essa criada pela tradição
misógina do pensamento ocidental. Sobre este aspecto, vide BELLINE, Lígia. A Coisa Obscura; VAINFAS,
Ronaldo. Trópico dos Pecados: MOTT, Luis. O Lesbianismo no Brasil; além de dois artigos de Ronaldo
Vainfas citados na bibliografia.
269
DENUNCIAÇÔES E CONFISSÕES DE PERNAMBUCO(1593-1595). Primeira Visitação do Santo
Ofício às partes do Brasil.Recife: FUNDARPE, 1984.
chamada Vitória que ora he escrava della denunciante sua e sobre ella
deitada com as fraldas levantadas Maria de Lucena parenta da ditta
Clara Fernandes, mamaluca que já então era molher de ydade de alguns
trinta annos solteira que tinha filhos e usava mal de si a qual estava
sobre a dicta Vitória fazendo como se fora homem com molher o peccado
de sodomia, e logo como virão a ella denunciante se erguerão, e lhe
rogarão que se callasse e despois disto esteve ella denunciante alguns
annos no recolhimento de Maria da Rosa, e quando tornou pêra casa a
achou menos em casa a ditta Maria lucena e perguntando por elle a huã
sua irmaã chamada Beatriz de Lucena lhe respondeo que a lançarão de
casa por que fôraa achada fazendo o peccado nefando com outra brasilla
chamada Margayda ladina que óra he também escrava della
denunciante.
270
Já as amantes Anna e Maria Rodrigues foram denunciadas, cinco dias após o
depoimento de Maria de Azevedo, por Manoel Fernandes que relatou ao inquisidor Heitor
Furtado de Mendoça
Que ha hum anno pouco mais ou menos estando elle em sua casa
sentio em casa de Manoel Rey homem preto seu vezinho parede meãs,
andarem inquietas huã filha do ditto preto chamada Anna moça parda que
então seria de onze ou doze annos pouco mais ou menos solteira que ora
mora nesta villa na rua de Joam Eanes, e outra moça parenta della que já
então era casada chamada Maria Roiz filha de Caterina Fernandes a
Torta que lhe parece ser moradora na freguesia de Santo Amaro e por que
despois as sentio inquietas estando soos em casa as sentio aquietar as foi
espreitar per hum buraco da porta e vio estar a ditta Maria Roiz deitada
no sobrado de costas e sobre ella deitada de bruços Anna ambas com as
fraldas arregaçadas fazendo huã com outra como se forão homem com
molher e despois que elle isto vio deu rijo na porta e abrio então se
alevantou a ditta Anna e ficando inda deitada a ditta Maria Roiz, e
270
Denunciações de Pernambuco (1593-1595). pp. 37-38.
descuberta dixe estas pallavras, ó nossas vergonhas, porém não lhes vio
instromento nenhum penetrante, de que usassem, e do costume dixe
nada.
271
Viver a sua sexualidade, para as mulheres da colônia era, na maioria dos casos, fato
raro e que exigia a utilização de mil ardis. Representativo deste aspecto é um poema
satírico de Gregório de Mattos intitulado “A hum Letrado, que cazou com certa Mulher,
que não sendo donzella, deo hum ponto no vazo para o parecer”, o qual passamos a
reproduzir:
Este, que de Nize conto
ouçam, que é bem raro cazo,
pois dizem calça seo vazo
com ser tam grande, hum só ponto;
cazou com Fabio, que é tonto,
e eu folgo por minha vida,
porque é couza bem sabida,
que andavão com gram cuidado
o Moço por ella assado,
e ella por elle cozida.
Por dar alivio a seo peito
No mar de amor lhe convinha
A Fabio passar a Linha,
Porem nam passar o estreito;
Quas nam haverá conceito,
Que repare a Fabio amante,
Pois hoje à vela constante,
Quando em deleites arrulha,
O rumo segue da agulha,
Como astuto navegante.
271
Idem. p. 53.
Mais direito, do que hum fuzo
Fabio com manha selecta,
No vazo por Linha recta
Lhe encaixou o membro obtuso;
Mas de dizer nam me escuzo,
Que nisso tinha interesse,
Pois cazo estranho parece,
E he couza rara, que Fabio
Sendo astrologo tam sabio,
O virgo nam conhecesse.
Andou prudente, e alentado
Nesta empreza a que aspirava,
Pois de Nize o vazo estava
Com linhas fortificado;
Avançou-o denodado,
E da sorte, que refiro
Onde claramente infiro,
(nam cuide alguém, que isto he conto)
que a moça lhe pôz o ponto,
para elle fazer o tiro.
Em cazar com Nize bella
Nada Fabio se deshonra;
Que nisto de pontos de honra
Nimguem sabe mais do que ella;
E assim com gentil cautella,
Que ambos ganharam, suspeito
A vida com hum mesmo effeito
(sem que pareça tollice)
com os pontos de honra Nize,
Fabio com os de direito.
Se Fabio ociôzo alguma hora
De Nize, por ser sandeo,
As linhas tristes torceo,
Alegre as destorce agora;
Embainhe o membro embora
No vazo, pois nisso acerta,
Mas he bem, que estaja alerta,
Nam se fira nesta bulha;
Porque bainha de agulha,
He força, que esteja aberta.
Bem he, Liberal se ostente
Em cazar se Niza bella;
Pois dando-se a mais donzella,
Hoje hum recebe somente;
Ter-me ham por mal dizente,
Mas nam tenho culpa eu,
Que sou mui captivo seu;
A verdade aqui so conto,
Sem lhe accrescentar hum ponto
Do que ella no vazo deo.”
272
A cômica relação de Fabio e Nize, que o Boca do Inferno nos relata, mesmo de uma
forma surreal, apresenta alguns dos ardis utilizados pelas mulheres da América Portuguesa
que buscavam realizar seus anseios pessoais e de sobrevivência: casos amorosos, um bom
casamento, ascensão social, o afloramento da sexualidade.
272
UM CÓDICE SETECENTISTA INÉDITO DE GREGÓRIO DE MATTOS. (Org. de PERES, Fernando da
Rocha. & LA REGINA, Silvia.). Salvador: EDUFBA, 2000. (Coleção Nordestina; 12). pp. 74-76.
Apesar de muitos das posturas dissidentes do padrão estabelecido pelos ideais do
pensamento tridentinos e barrocos para as mulheres da colônia se referirem aos chamados
desregramentos morais e sexuais; muitas mulheres rompiam com o arquétipo da mãe
devota e honrosa cuja vida deveria gravitar entorno dos e para os maridos e filhos,
assumindo posturas de liderança ou destaque dentro da vida socioeconômica da colônia.
Vejamos alguns exemplos para a Capitania de Pernambuco.
Em seu testamento datado de 1699 D. Brites de Albuquerque senhora homônima
da donatária afirmava que
a fazenda q. possuímos he o seguinte: dois partidos de canas de
propriedade do engenho de Garapu dos quais meo marido o Capm. Xvam
de Albuquerque de Mello fez venda de hum ameo sobrinho o Sargto. Mor
Phelipe Pais Barreto pr. preço mto. Abaixo do seo valor na qual venda
não consinto e não asigney a escriptura quero que torne aficar na mesma
forma enn que sempre opossui.
273
Foi como “cabeça de cazal e tutora de seis filhos menores” que D. Edna Thereza da
Cunha, viúva, apresentou-se em requerimento ao ouvidor geral da Capitania anexa da
Paraíba em 1724.
274
Já D. Arelangela da Silveira escreveu ao Conselho Ultramarino, fazendo petição ao
rei informando, por volta de 1656, que no tempo da ocupação flamenga se refugiou com
sua família, valendose de alguns emprestimos pa. sustentar sua caza, cujo pagamento
ficou reservado pa. qdo. Se restaurase a dita capitania ” de forma que, logo após a
Restauração,
seus credores a querem executar assy pelas ditas dividas, como
tambem pelas que depois contrario, para haverde consertar hum engenho,
273
“TRASLADO DE HUMA VERBA DO TESTAMTo. COM Q. FALECEO D. BRITES DE
ALBUQUERQUE MOLHER Q. FOI DO CAPPM. XVAM D ALBUQUERQUE E MELLO E FOI
SEPULTADA NA MATRIZ DO CABBO EM TREZE D MARÇO DE 1713 SENDO TESTAMENTo. O
MESMO SEO MARIDO E FEZ SEO CODICILIO Q. TÃO BEM LANSOU A VERBA QUE PERTANCE
AESTA SANTA CAZA COMO TÃO BEM A RESPOSTA QUE DEO ESTA MEZA Plo. REVDO Do.
VIGARIO GAL. MANDAR COM VISTA PA. MILHOR CLAREZA LAVRAR TODO O TESTAMENTo.
FEZ SEM ESTA CAZA SER OUVIDA”. In: PIO, Fernando. (Org.). Cinco Documentos para a História dos
Engenhos de Pernambuco.pp. 48-49.
274
A . H. U. , Códice 257, fls. 16/17v.
que tem em Pernambuco, de que está de posse seu filho João do Rego,
com que de todo ficara impossibilitada, para lhes poder satisfazer o que
lhes deve e fabricar sua fazenda. Pede a V. Magestade , que tendo a tudo
respeito lhe faça mercê mandar passar provisão de espera destes annos,
para dentro delles poder aumentar sua fazenda e pagar suas dividas a
todos, seus credores, por que de outra maneira lhe não será possível
poder pagalos”.
275
Assim se expressou D. Anna Felícia de Albuquerque, moradora do Brejo da Madre
de Deus, em seu testamento datado de 1721:
Declaro que sou moradora na minha Engenhoca de Santa Rosa,
Freguesia de S. José do Brejo da Madre de Deus, em cuja Igreja Matriz
quero que seja sepultado meu corpo envolto em hábito de S. Francisco e
acompanhado do meu reverendo pároco e de todos os sacerdotes que se
acharem dentro da Freguesia ao tempo de meu falecimento, e recomendo
aos meus testamenteiros que o funeral do meu corpo nem cheire a vaidade
e nem falte à decência”.
276
Em situações críticas morte ou ausência do cônjuge, ruínas financeiras ou
conflitos familiares muitas mulheres acabavam por assumir o comando das propriedades,
famílias e finanças; mesmo contrariando costumes, aproveitando brechas nas legislações
misóginas como a lusitana que se instalou nos trópicos e que as consideravam Imbecilitus
sexus, igualando-as aos legalmente inferiores natos: crianças, incapacitados e doentes.
277
Sobre essas situações versava as Ordenações Filipinas que
morto o marido, a mulher fica em posse e cabeça de casal, se
como elle ao tempo de sua morte vivia, em casa teúda e manteúda, como
275
A . H. U. , Códice 46, folha 9v.
276
Apud FERREIRA, Luzilá Gonçalves. “Esse Real Impalpável: Mulheres, Inventários e Testamentos”. p.
108.
277
Sobre esta situação, agradeço comentários realizados pela profa. Dra. Virgínia Almoêdo de Assis, em
comunicação pessoal, chamando minha atenção para a ação destas mulheres.
marido e mulher: e de sua mão receberão os herdeiros do marido partilha
de todos os bens, que por morte do marido ficarem”.
278
Sobre este aspecto, a historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias nos informa que
a separação de esferas de atuação de homens e mulheres não
corresponderia apenas às normas e convenções herdadas de Portugal,
mas a uma realidade concreta de redistribuição de necessidades, com o
processo de povoamento; as tarefas específicas de cada sexo, nas
diferentes classes sociais do processo de colonização, não eram
complementares e sim alternativas: procedia-se à substituição e à
improvisação de atribuições de homens ausentes. As mulheres eram
forçadas a desempenhar, na sua ausência temporária ou definitiva, muitos
papéis ‘masculinos’, entre os quais, os que diziam respeito à
administração dos bens”.
279
Uma outra forma de se sobressair no seio de uma sociedade onde a figura feminina
deveria restringir-se quase que estritamente ao ambiente doméstico, seria esmerando-se na
formação educacional e destacando-se nos campos intelectual e da arte. Fato este quase que
inexistente entre as mulheres da colônia. Mesmo assim, Domingos Loreto Couto nos relata
de algumas matronas pernambucanas que se destacaram nesse campo. “Nas letras” nos
conta o carmelita
floreceo com grandes creditos D. Ritta Joanna de Souza, natural
da cidade de Olinda, e filha do doutor João Mendo Teixeira. Com a viveza
do seu subtil engenho penetrou mais que ninguém os segredos da
Filosofia natural, em que compoz diversos opúsculos. Teve grande lição
das histórias da França, e hespanha, e com tanta applicação, que ajudada
da sua admirável memória dava de todos os successos especifica e
individual noticia. Inclinou-se a pintura, e obrou nesta arte os maiores
278
OF. Livro IV, Título XCV.
279
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX. p. 56.
prodígios, que a fama publica dos mais insignes mestres, que a
professarão.
280
Nos apresenta ainda Loreto Couto às filhas do pintor Antonio Sepúlveda, também
naturais de Olinda, chamadas Thereza, Lucinda, Verônica e Luciana, que com o pai
aprenderam o oficio e
com poucas liçoens sahirão todas muy consumadas nesta arte;
riscam, debuxão, e pitão com perfeição, e singularidade tal, quanto
inculca, o singular apreço, que se faz de qualquer artifício seu.
281
A lista do frade não para nomeando, segundo ele, as “heroínas pernambucanas que
florecerão em letras”: D. Anna Francisca Xavier Lins, D. Thereza Lins, D. Maria de
Lacerda, D. Isabel de Barros, D. Antonia Cosma dos Santos e D. Laura Soares Gondim.
282
Eram formas diversas, e muitas vezes raras, de divergir do modelo misógino que o
projeto colonial, a ideologia católica tridentina e a mentalidade barroca tentava impor às
mulheres dentro da sociedade colonial brasileira. Juntando-se as práticas do concubinato,
da bigamia, da sodomia; essas atitudes revelam o caráter dissidente de muitos homens e
mulheres que buscavam a sobrevivência no mundo colonial.
Recompor o tecido social dessas interações é urdir um quadro onde discursos e
imagens, práticas e vivências se amalgamam demonstrando que a mentalidade tridentina e
barroca européia não foi transposta incólume aos trópicos; que adaptações, negações e, até
mesmo, absorções ocorreram e de forma conjunta.
Os ventos normativos e disciplinadores que o Atlântico trazia do Velho Mundo não
fizeram, ao adentrar em terras tropicais, curvarem-se todos os corpos...
280
COUTO, Domingos Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. pp. 521-522.
281
Idem. p. 522.
282
Para uma visão da produção literária feminina na colônia, vide RENOLDI-TOCALINO, Magda M.
“Vozes no Escuro: Notas sobre a Escritura da mulher Brasileira no período Colonial”. In: Revista Brasileira
de História. Vol. 12, No. 23/24. São Paulo: ANPUH/marco Zero/STC-CNPq-FINEP, set. 1991/ago.1992. pp.
167-179.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O TRABALHO DE PENÉLOPE.
“A História é um palácio do qual não descobrimos toda a extensão
e do qual não podemos ver todas as alas ao mesmo tempo;
assim não nos aborrecemos nunca nesse palácio em que estamos encerrados.
Um espírito absoluto, que conhecesse seu geometral
e que não tivesse nada mais para descobrir ou para descrever, se aborreceria nesse lugar.
Esse palácio é para nós, um verdadeiro labirinto;e a ciência dá-nos fórmulas bem construídas,
Que nos permitem encontrar saídas,mas que não nos fornecem a planta do prédio.”
Paul Veyne.
“Quis compreender, quebrando estéries normas,
A vida fenomênica das Formas,
Que iguais a fogos passageiros, luzem...
E apenas encontrou na idéia gasta,
O horror dessa mecânica nefasta,
A que todas as cousas se reduzem!”
Augusto dos Anjos, “Monólogo de uma Sombra”.
“Sempre é melhor
desfazer
que tecer”.
Orides Fontela, Axiomas”.
O que se pretendeu aqui foi tecer um quadro das interelações entre gênero, família e
catolicismo na capitania de Pernambuco. Num universo de discursos, práticas e vivências,
visamos rever o processo de colonização da América Portuguesa sob a ótica das relações
entre os sexos, com especial foco nas figuras femininas.
Numa abordagem com influências do pensamento foucaultiano e da abordagem de
Gênero em especial da obra da socióloga norte-americana Joan Scott ,buscamos situar a
ação das chamadas matronas no bojo do processo de formação do mundo brasílico:
contribuir através do seu papel de esposa submissa e mãe condolente para o sucesso da
empresa colonial do Estado patrimonialista luso na América; tudo sobre o controle e
vigilância exercido pela sociedade barroca e pela moral católica tridentina.
Muito do que aqui se tratou referia-se aos discursos eclesiásticos sobre o papel e
controle das mulheres da Colônia por parte dos homens do poder espiritual e temporal no
intuito de garantir a moral católica frente às investidas dos movimentos reformistas.
Nesse contexto, as figuras das matronas muitas vezes filtradas através das figuras
dos padres , principalmente em sua ação no âmbito familiar, nos conduziu por uma outra
forma de ver o processo de ocupação e consolidação da América portuguesa. Numa visão
mais do que feminina ou feminista, visamos tecer um estudo das relações de poder num
espaço restrito o universo das relações de gênero no seio da família da elite colonial da
Nova Lusitânia porém, ligado a um contexto mais abrangente: a consolidação do
pensamento católico tridentino e da mentalidade barroca na Europa e a
transmigração/absorção/adaptação desses valores no Novo Mundo.
Em tal empreitada buscamos urdir um tecido onde os discursos e as práticas se
amalgamavam, formando uma realidade, nem sempre, desejada pelos agentes das
ideologias em questão. Mas que nos permitiu recompor nuances da estruturação dos papéis
de gênero na sociedade colonial pernambucana.
Num primeiro momento buscamos apresentar o fio seguido para a feitura do
trabalho, versando sobre os estudos de Gênero e situando historiográfica e conceitualmente
o nosso objeto de estudo.
Em seguida, apresentamos o cenário de fermentação do pensamento católico pós-
Trento e da mentalidade barroca no Velho Mundo e o processo de implementação desses
ditames no mundo brasílico, em especial na capitania de Pernambuco.
No terceiro ato, analisamos a construção dos modelos ideais de comportamento da
figura feminina no seio da sociedade de então, emergidos numa tradição misógina e
androcêntrica do pensamento católico tridentino e barroco, com heranças clássicas,
hebraicas e medievais.
No quarto e último capítulo, buscamos recompor as práticas e vivências que
forjaram o universo das relações entre os sexos no Pernambuco colonial, evidenciando a
tentativa de se por em uso nos trópicos os ditames e modelos apresentados no capítulo
anterior, frente às especificidades do mundo colonial.
Neste ponto da tarefa mais do que apresentar conclusões fechadas para o estudo
acreditamos que nosso papel é dar instrumentos ao leitor para descoser o tecido aqui
urdido. Acreditamos que, assim como Penélope a coser e desfiar à espera de Ulisses, o
trabalho do historiador também é feito das ações constantes do construir e desconstruir.
Nesta senda, podemos apontar alguns muitos outros aspectos não aprofundados ou
não abordados aqui e que merecem a atenção do leitor e a feitura de novas pesquisas. Por
exemplo, qual a atuação dessas mulheres que se apresentavam como cabeça de casal frente
ao aparato legal metropolitano na Colônia? Como elas eram vistas no seio social e no
pensamento dos juristas, padres e demais letrados de então? O que as fontes disponíveis
podem nos dizer sobre o equilíbrio ou desequilíbrio demográfico entre os sexos no
Pernambuco colonial? Como era o cotidiano das mulheres que optavam por uma vida
reclusa em recolhimentos? E as mulheres brancas pobres, qual a situação e ação delas nesse
contexto estudado aqui? Quais os discursos, práticas e vivências acerca das mulheres
negras escravas ou forras e das índias da Nova Lusitânia?
Como diria Machado de Assis, “questão prenhe de questões”. O nosso trabalho, por
limitações cronológicas e metodológicas, finda aqui; porém, veredas para novas
empreitadas foram abertas! No mais, acreditamos que a única conclusão que podemos
chegar é esta: tecido urdido, tecido pronto; tecido no ponto, pronto para ser desfiado!
FONTES E BIBLIOGRAFIA.
I- FONTES MANUSCRITAS.
I.1. Arquivo Histórico Ultramarino (LPEH-UFPE)
- A. H. U.,PE, p. a., Caixa 61.
- A. H. U.,PE, p. a., Caixa 73.
- A. H.U.,PE, p.a ., Caixa 88.
- A. H. U. Códice 257, fl. 202v.
- A. H. U. Códice 92, fl. 269v.
- A. H. U. Códice 258, fl. 137v.
- A. H. U. Códice 16, fl. 216/216v.
- A. H. U. Códice 278, fl. 426v, Pernambuco, cx. 3, p. a.
- A. H. U. Códice 92, fl. 279/280v.
- A. H. U. Códice 116, fl. 237.
- A. H. U. Códice 46, fl. 9v.
- A. H. U. Códice 116, fl. 341v
- A. H. U., Pernambuco, caixa 4, p. a.
- A. H. U. Códice 116, fl. 236v.
- A. H. U. Códice 259, fl. 16v/17.
- A. H. U. Códice 41, fl. 53/53v.
- A. H. U. Códice 278, fl.426v.
- A. H. U. Códice 116, fl. 115v/116v.
- A. H. U. Códice 275, fl. 268v.
- A. H. U. Códice 116, fl. 236v.
- A. H. U. Códice 92, fl. 279/280v.
- A. H. U. Códice 116, fl. 237.
- A. H. U.,PE, p. a., Caixa 4.
- A. H. U. Códice 46, fl.9v.
II- FONTES IMPRESSAS.
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1969.
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Grijalbo,1977.
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pp. 553-568.
JOHNSON, H. B. “A Colonização Portuguesa no Brasil, 1500-1580”. In: BETHELL,
Leslie ( Org.) Op. Cit. pp. 241-281.
LACOMBE, Américo Jacobina. “A Igreja no Brasil Colonial”. In: HOLANDA, Sérgio
Buarque de. (Dir.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo I: A Época Colonial.
2
o
. Volume. 6
a
. edição. São Paulo: Difel, 1985. pp.51-75.
LEBRUN, François. “As Reformas: Devoções Comunitárias e Piedade Pessoal”. In:
ÀRIES, Philippe. & DUBY, Georges. ( Dir.). Op. Cit. pp. 71-112.
LEWCOWICZ, Ida. “A Fragilidade do Celibato”. In: LIMA, Lana Lage da Gama. (Org.).
Mulheres, Adúlteros e Padres: História e Moral na Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro:
Dois Pontos, 1987. pp. 53-68.
______. “As Mulheres Mineiras e o Casamento: Estratégias Individuais e Familiares nos
Séculos XVIII e XIX”. In: Revista História Unesp. São Paulo, Vol. 12, 1993, pp. 13-28.
LIMA, Lana Lage da Gama. “A Boa Esposa e a Mulher Entendida”. In: LIMA , Lana Lage
da Gama. ( Org.) Op. Cit. pp. 11-31.
______. “Aprisionando o Desejo: Confissão e Sexualidade”. In: VAINFAS, Ronaldo.
(Org.) História e Sexualidade no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986. pp.67-88.
MILLETT, Kate. “Uma Política Sexual”. In: LAMAS, Maria. et alli. Mulheres contra
Homens? Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1971. pp. 149-223.
MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. “A Consolidação da Dinastia de Bragança e o Apogeu
do Portugal Barroco: Centros de Poder e Trajetórias Sociais (1668-1750)”. In:
TENGARRINHA, José. (Org.). História de Portugal. 2
a
. edição. São Paulo:
EDUSC/Unesp/Instituto Camões, 2001. pp. 205-226.
MOTT, Luiz, “Os Pecados da Família na Bahia de Todos os Santos (1813)”. In:
Escravidão, Homossexualidade e Demonologia. São Paulo: Ícone, 1988. pp. 49-85.
MURARO, Rose Marie. “Mulher, Cultura e Igreja”. Revista Eclesiástica Brasileira.
Petrópolis: Vozes, 1989. Volume XLIX, fasc. 196. pp. 869-876.
NAZZARI, Muriel. “Dotes Paulistas: Composição e Transformações (1600 1870)”.
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NETO, Margarida Sobral. “O Papel da Mulher na Sociedade Portuguesa Setecentista:
Contributo ao seu Estudo”. In: FURTADO, Júnia Ferreira. (Org.) Op. Cit. pp. 25-44.
PALACIOS, Guillermo. ”Agricultura Camponesa e Plantations Escravistas no Nordeste
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Neves. Et alli. (Org.). Construções e Perspectivas em Gênero. São Leopoldo: Ed. Unisinos,
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Mulheres no Brasil. pp. 11-44.
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23/24, set1991/ago1992, pp. 167-179.
REVEL, Jacques. “Microanálise e Construção do Social”. In: REVEL, Jacques (Org.)
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SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. “Feminismos e seus Frutos no Brasil”. In: SADER,
Emir (Org.) Movimentos Sociais na Transição Democrática. São Paulo: Cortez, 1987. pp.
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SAMARA, Eni de Mesquita. “Tendências Atuais da História da Família no Brasil”. In:
ALMEIDA, Ângela Mendes. et alii. Op. Cit. pp. 25-3
______. “A História da Família no Brasil”. Revista Brasileira de História. São Paulo, Vol.
9, No.17, set1988/fev1989, pp. 7-35.
______. “Mistérios da ‘ Fragilidade Humana’: O Adultério Feminino no Brasil, Séculos
XVII e XIX”. Revista Brasileira de História. São Paulo, Vol. 15, No. 29, 1995, pp. 57-71.
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “A Imagem da Concubina no Brasil Colonial:
Ilegitimidade e Herança”. In: COSTA, Albertina de Oliveira. & BRUSCHINI, Cristina.
(Org.) Rebeldia e Submissão. pp. 17-59.
______. “Colonização Portuguesa no Brasil: A População Feminina e sua Sobrevivência
Econômica no Fim do Período Colonial”. Revista de Ciências Históricas. Porto:
Universidade Portucalense Infante D. Henrique, Vol. VI, 1991, pp. 257-269.
SILVA, Silvia Cortez. “O Rol dos Livros Defesos: A Censura a serviço da Igreja e do
Estado”. In: CLIO: Revista de Pesquisa Histórica. UFPE. No. 16, Recife: Editora
Universitária, 1996. pp. 133-141.
SOIHET, Rachel. “História das Mulheres”. In: CARDOSO. & VAINFAS. (Org.). Op. Cit.
pp. 275-296.
SOUZA, Laura de Mello e. “O Padre e as Feiticeiras: Notas sobre a Sexualidade no Brasil”.
In: VAINFAS, Ronaldo. ( Org.) História e Sexualidade no Brasil. pp. 9-18.
TORRES-LONDOÑO, Fernando. “Paróquia e Comunidade na Representação do Sagrado
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VAINFAS, Ronaldo. “A Teia das Intrigas: Delação e Moralidade na Sociedade Colonial”.
In: VAINFAS. (Org.). História e Sexualidade no Brasil. pp. 41-66.
______. “A Condenação do Adultério”. In: LIMA, Lana Lage da Gama. (Org.) Op. Cit. pp.
33-52.
______. “Moralidades Brasílicas”. In; NOVAIS, Fernando A. (Dir.) Op. Cit. pp. 221-273.
______. “Homoerotismo Feminino e o Santo Ofício”. In: DEL PRIORE, Mary (Org.) Op.
Cit. pp. 115-140.
______. “Sodomia, Mulheres e Inquisição: Notas sobre Sexualidade e Homossexualismo
Feminino no Brasil Colonial”. In: Anais do Museu Paulista. São Paulo, XXXV, 1986/87,
pp. 233-249.
VENÂNCIO, Renato Pinto. “Nos Limites da Sagrada Família: Ilegitimidade e Casamento
no Brasil Colonial”. In: VAINFAS, Rolnaldo. (Org.) História e Sexualidade no Brasil. pp.
107-123.
VOVELLE, Michel, “A História e a Longa Duração”. In: LE GOFF, Jacques. et. alii. A
Nova História. São Paulo: Martins Fontes, 1998. pp. 65-96.
WHITE, Hayden. “Teoria Literária e Escrita da História”. In: Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, Vol. 7, No. 13, pp. 21-48.
YANNOULAS, Silvia Cristina. “Iguais, mas não Idênticos”. Revista Estudos Feministas.
CIEC/ECO/UFRJ, Rio de Janeiro, Vol.2, No.3, 1994, pp. 7-16.
III.4. Obras Literárias.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba (1891). 12
a.
edição. São Paulo: Ática, 1993.
ALENCAR, José de. Senhora (1875). 32 ª edição. São Paulo: Ática, 1998.
______. O Guarani (1857). 18 ª edição. São Paulo: Ática, 1994.
______. Cinco Minutos (1856) / A Viuvinha (1857). 18 ª edição. São Paulo: 1994.
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias (1854). 2
a
. edição.
São Paulo: FTD, 1993.
CUNNINGHAM, Michael. As Horas (1998). São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
DANTE ALIGHIERI. A Divina Comédia (1321). São Paulo: Nova Cultural, 2003.
FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary (1857). São Paulo: Nova Cultural, 2003.
HOMERO. Odisséia. São Paulo: Nova Cultural, 2003.
MOLIÈRE. Escola de Mulheres. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
RIBEIRO, João Ubaldo. Viva o Povo Brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
TAUNAY, Visconde de. Inocência (1872). São Paulo: FTD, 1992.
QUEIROZ, Dinah Silveira de. A Muralha (1954). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1969.
WILDE, Oscar. Salo: Tragédia em um Ato (1893). In: As Obras-primas de Oscar Wilde.
3
a
. edição. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
WOOLF, Virginia. Mrs. Dolloway (1925). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
ANEXOS
ANEXO 1:
MULHERES NOMEADAS NAS “CONFISSÕES DE PERNAMBUCO”
(1594-1595)
De um total de 108 mulheres nomeadas, apenas 53 encontravam-se ou viveram na Colônia,
estas estão marcadas em negrito e são a base para os dados do anexo 2.
NOME
CRIM E/PECADO
IDADE
NATURALIDADE
COR
ESTADO
CIVIL
TRADIÇÃO
RELIGIOSA
CONDIÇÃO/PROFISSÃO
PROFISSÃO
DO
CÔNJUGE
Susana da
Costa
Branca Casada Lavrador
Felipa
Tavares
Branca Casada Cristã-nova Fazendeiro
Isabel
Cardosa
Branca Casada Juiz
Grácia
Fernandes
Defunta
Lusitana Casada Cristã-nova Licenciado
em leis
Beatriz Defunta
Negra Brasila Índia Concubina
Escrava Ferreiro
Isabel
Leça
Lusitana Parda Casada Fazendeiro
Guiomar
Carvalha
Lusitana Casada Cristã-velha Vaqueiro
Maria
Quaresma
Casada Cristã-velha Lavrador
Domingas
Gonçalves
Blasfêmia 38 Mazomba Mameluca
Casada Pescador
Margaida
Gonçalves
Defunta
Negra Brasila Índia Casada
Beatriz
Afonso
Defunta
Lusitana Casada Lavradora Lavrador
Lianor
Nunes
Casada Cristã-velha Lavrador
Isabel
Fernandes
Defunta
Lusitana Sarda Tratante
Violante
Fernandes
Branca Casada Cristã-velha Meirinho
Ana Viúva Bombardeiro
Nunes
Simoa
Lopes
Casada Cristã-velha Lavrador
Olaya
Gomes
Defunta
Napolitana Casada Lavradora Lavrador
Isabel
Gomes
Portuguesa Casada Cristã-velha Vaqueiro
Cecília
Pires
Defunta
Lusitana Casada Pedreiro
Maria
Jorge
Casada Cristã-velha Escrivão dos
Defuntos e
Ausentes
Briatiz
Martins
Blasfêmia 36 Castelhana Branca Casada Cristã-velha Carpinteiro
Maria Ana
de Morales
Defunta
Castelhana Branca Casada Lavradora Lavrador
Dona
Caterina
Casada Cristã-velha Lavrador
Luzia ou
Mércia
Defunta
Negra Brasila Índia Concubina
Caterina
Fernandes
Mazomba Mameluca
Viúva
Maria
Cabral
Defunta
Casada Cristã-velha
Caterina
de
Oliveira
Casada Cristã-velha “dos da
Governança
da terra”
Brizida
Mendes
Lusitana Branca Viúva Lavrador
Florença
Dias
Lusitana Branca Casada Provavelmente
Cristã-nova
Mercador
Lucrecia
Gomes
Lusitana Branca Concubina
Tecedeira Clérigo
Antônia
Luís
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Sapateiro
Isabel
Fernandes
Casada “dos da
Governança
da Ilha de S.
Miguel”
Mércia da
Gama
Solteira “Mulher Pública”
Ana Anes
Calheiros
Defunta
Lusitana Branca Casada Procurador
Margarida
Anes
Defunta
Casada Carreiro
Lianor
Gonçalves
Defunta
Casada Escrivão
Maria
Simões
Bigamia 40 Lusitana Branca Casada Cristã-velha Escrivão da
Fazenda Del
Rei
Felipa
Barbosa
Lusitana Branca Casada Escrivão da
fazenda Del
Rei
Luzia
Gonçalves
Lusitana Branca Viúva Cristã-velha Homem do
mar
Inácia
Ribeiro
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Mareante
Caterina
Defunta
Negra Brasila Índia Concubina
Forra Lavrador
Juliana
Gonçalves
Mazomba Mameluca
Casada Lavrador
Francisca
Fernandes
Mazomba Mameluca
Casada Lavrador
Lianor
Fernandes
Lusitana Branca Casada Mercador
Maria
André
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Pescador
Maria dos
Reis
Casada Cristã-velha Mercador
Ana Lopes
Lusitana Branca Viúva “dos da
Governança
de Lisboa”
Inês da
Serra
Lusitana Branca Casada Cristã-velha
Maria
Defunta
Negra da Terra Índia Concubina
Forra
Caterina
Nunes
Lusitana Branca Viúva Cristã-velha Tabelião
Domingas
Pires
Defunta
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Marinheiro
Maria
Jorge
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Marinheiro
Grácia
Gonçalves
Defunta
Lusitana Branca Casada Cristã-velha “Homem do
mar”
Madalena
Dias
Lusitana Branca Casada Cristã-velha “Homem do
mar”
Antônia
Rodrigues
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Mercador de
courama
Antônia
Francisca
Defunta
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Canastreiro
Francisca
da Cruz
Casada “Não se sabe” Lavrador de
canas
Bárbara
Fernandes
Blasfêmia 32 Mazomba Mulata Casada Cristã-velha Lavrador
Antônia Defunta
Mazomba Parda Casada Cristã-velha Pedreiro
Aires
Dona
Caterina
Defunta
Casada
Ana
Seixas
Sodomia
(Heterossexual)
27 Mazomba Mestiça Casada “Trabalhador
de enxada e
foice”
Lianor
Defunta
Negra Brasila Índia
Isabel
Fernandes
Defunta
Casada Cristã-velha
Beatriz
Mendes
Práticas judaizantes
60 Lusitana Viúva Cristã-nova
Isabel Vaz Defunta
Cristã-nova
Margarida
Fernandes
Defunta
Cristã-nova
Jerônima
Baracha
Blasfêmia 20 Mazomba Branca Casada Cristã-velha Ouvidor
Mércia
Baracha
Defunta
Casada Cristã-velha Pedreiro
Beatriz
Soares
Casada
Caterina
Lopes
Clara de
Souza
Africana Negra da
Guiné
Concubina
Escrava
Francisca
de Souza
Beatriz
Mendes
Defunta
Casada Cristã-nova Lavrador
Branca
Ramires
Práticas
Judaizantes
27 Mazomba Branca Casada Cristã-nova Lavrador
Beatriz Viúva Cristã-nova
1
59
Mendes
Maria
Álvares
Casada Cristã-nova Senhor de
engenho
Guiomar
Soeira
Práticas
Judaizantes
30 Mazomba Branca Casada Cristã-nova Juiz ordinário
Francisca
da Cruz
Casada “não se sabe” Lavrador de
canas
Maria
Francisca
Defunta
Casada Cristã-velha Pedreiro
mestre
Isabel
Nogueira
Casada Cristã-velha Pedreiro
Janebra
Fernandes
Lusitana Branca Casada Cristã-velha
Ana de
Oliveira
Casada Cristã-nova Pescador e
“lavrador de
seus
mantimentos”
Violante
Pacheca
Blasfêmia e
práticas
Judaizantes
44 Lusitana Branca Casada Cristã-nova
Antônia
de
Almeida
Branca Casada Cristã-nova
Isabel
Fernandes
Blasfêmia 40 Mazomba Mameluca
Casada Cristã-nova Lavrador
Cecília
Fernandes
Defunta
Mazomba Mameluca
Casada Cristã-nova “dos da
Governança
da Vila de
Conceição de
Itamaracá”
Caterina Defunta
Lusitana Branca Casada Cristã-velha “Mareante da
Simões Carreira das
Índias”
Ana
Gomes
Raposa
Lusitana Branca Casada Cristã-velha
Isabel
Martins
Branca Casada Cristã-velha Mercador
Caterina
Álvares
Defunta
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Lavradora Lavrador
Ana da
Costa
Mameluca
Casada Cristã-velha Carpinteiro
Breatriz
Álvares
Lusitana Branca Casada Cristã-nova Carpinteiro
Ana
Anrulha
Casada
Maria
Seron
Castelhana Branca Casada
Cecília
Fernandes
Blasfêmia 70 Lusitana Branca Casada Cristã-velha Oleiro
Ana Pires Defunta
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Lavradora Lavrador
Maria
Gabriel
Defunta
Lusitana Branca Casada
Maria de
Castro
Lusitana Branca Casada Cristã-velha “Tratante de
mercadoria”
Isabel de
Castro
Lusitana Branca Casada Cristã-velha
Isabel
Fernandes
Mazomba Mameluca
Casada Tabelião do
público e do
judicial
Senhorinha
Eanes
Defunta
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Lavradora Lavrador
Margaida
Branca de
Mendoça
Defunta
Casada Cristã-velha Escrivão de
câmara em
Ceuta
Ana
Martins
Defunta
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Lavradora Lavrador
Margaida
Álvares
Lusitana Branca Casada Cristã-velha Pedreiro
Breatriz
Pinta
Casada Cristã-velha
Margaida
Pires
Defunta
Branca Casada Cristã-velha Lavradora Lavrador
Maria
Monteira
Casada Cristã-velha Lavrador
Branca
Gonçalves
Defunta
Lusitana Branca Casada Cristã-nova Mercador
ANEXO 2:
DADOS EXTRAÍDOS DAS “CONFISSÕES DE PERNAMBUCO”
(1594-1595)
DADOS EXTRAÍDOS DAS CONFISSÕES DE PERNAMBUCO (1594-1595).
De um total de 108 mulheres nomeadas nos autos inquisitoriais, apenas 53 se
encontravam na Colônia. É com base nessas mulheres da Colônia que foram elaborados os
quadros 2, 3, 4 e 5 abaixo. Por elas não serem objeto direto de nosso estudo, não
trabalharemos aqui com as matronas da Metrópole, restringindo nossa análise às mulheres
que buscaram no além-mar novas perspectivas de vida e às donzelas e matronas mazombas,
ou seja, nascidas na Colônia.
1- Mulheres Citadas nos Autos Inquisitoriais.
48
48,5
49
49,5
50
50,5
51
Porcentagem
Que se
encontravam
no Reino
Que estavam
na Colônia
2- Cor das mulheres da Colônia citadas nas Confissões.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Distribuição
Brancas
Mestiças
Africanas
Índias
Sem
Informação
3- Origem das mulheres da Colônia citadas nas Confissões.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Distribuição
Reinóis
Mazombas
Negras da
Terra
Negras da
África
Sem
Informação
4- Tradição religiosa das mulheres da Colônia citadas nas Confissões.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Tradição
Religiosa
Cristã-Velha
Cristã-Nova
Sem
Informação
5- Estado Civil das mulheres da Colônia citadas nas Confissões.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Condição(Num
total de 53
mulheres)
Casadas
Solteiras
Viúvas
Ligações
Ilícitas
Sem
Informação
LISTA DAS ILUSTRAÇÕES
“Uma Senhora Brasileira em sua Casa” , de Debret.............................................................66
“Sem Título, Cor, Século XVIII”, de Carlos Julião............................................................109
“Venda em Recife”, de Rugendas.......................................................................................117
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