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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
Centro de Ciências Humanas CENTRO 1
Programa de Pós-Graduação em História
“Voluntários da Liberdade”: Militares Brasileiros nas Forças Armadas
Republicanas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) .
Jorge Christian Fernandez
São Leopoldo
2003/1
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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
Centro de Ciências Humanas CENTRO 1
Programa de Pós-Graduação em História
“Voluntários da Liberdade”: Militares Brasileiros nas Forças Armadas
Republicanas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) .
Jorge Christian Fernandez*
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre em
História, na Área de Estudos Históricos
Latino Americanos.
Orientador: Prof. Dr. Werner Altmann
São Leopoldo
2003/1
* Bacharel em História, UFRGS 1999/2
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AGRADECIMENTOS
A CAPES e ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos, Unisinos.
Ao Prof. Dr. Werner Altmann pela sua competente orientação e calma.
Aos professores do PPGH da Unisinos e do IFCH da UFRGS, todos
responsáveis por minha formação profissional.
A todos colegas da Unisinos e da UFRGS com os quais tive edificantes
discussões acadêmicas.
Aos funcionários do PPGH da Unisinos e do IFCH da UFRGS.
Aos funcionários do Arquivo Edgard Leuenroth AEL (Campinas), do
Arquivo do Estado de São Paulo AESP (São Paulo), do Arquivo Público do Estado
do Rio de Janeiro APERJ (Rio de Janeiro) e do Arquivo Histórico do Rio Grande
do Sul AHRGS (Porto Alegre).
Ao Enrique Serra Padrós, mestre e amigo com quem compartilho o interesse
pela Guerra Civil Espanhola. Salut!
Aos meus colegas e amigos Luiz Dario Teixeira Ribeiro, Daniel Milke,
Gérson W. Fraga e Claudira Cardoso pelas discussões e o auxílio com as diversas
fontes. Muito obrigado, mesmo.
Aos ex-combatentes coronel-aviador reformado Delcy Silveira e coronel-
artilheiro reformado Apolônio de Carvalho, sem dúvida, pessoas feitas de uma
têmpera especial.
Aos meus amigos Fávio Dragovic, Marcelo Niederauer, Jorge Heinzelmann,
Felipe Silva, Gerson Anversa e Carlos Goraieb pela troca de idéias, o apoio e a
paciência com este indivíduo.
A los señores Prof. Dr. Héctor Carricart, Rodolfo Beccaria, Carlos Artola y
Pablo Svartmann por el envio de material y las charlas. Muchas gracias
To Carl Geiser, historian and veteran of the XV Bde., to Prof. Dr Victor
Berch, and Prof. Jim Monaghan for their help in my research.
E, at least but not the last, a meus saudosos pais, a minha família “política” e
especialmente a companheira inseparável de todas as horas, Vanessa.
Este trabalho também é dela.
Como de praxe, os erros são de inteira responsabilidade do autor.
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS 06
LISTA DE TABELAS 08
LISTA DE FIGURAS 08
LISTA DE ANEXOS 08
ABSTRACT 10
RESUMO 11
INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO 1: “À ESPERA DA REVOLUÇÃO, VENTOS DE GUERRA”.
26
1.1 O Conturbado Contexto Mundial nos Anos 30: crise de 1929, nazi-
fascismo e antifascismo.
26
1.2 Brasil e Espanha nos Anos 30: ecos, diferenças e semelhanças.
33
1.3 A Delegação Brasileira: grupos, origem, formação e atividade político-
militar no Brasil.
75
CAPÍTULO 2:
“GUERRA, INTERVENÇÃO E SOLIDARIEDADE”.
120
2.1 O Início da Guerra Civil Espanhola.
120
2.2 A Internacionalização da Guerra Civil Espanhola: as intervenções
estrangeiras.
126
2.3 Voluntários Estrangeiros: das milícias populares ao Exército Popular
Republicano.
145
CAPÍTULO 3: “VIVAN LAS BRIGADAS INTERNACIONALES”.
164
3. 1 Os Combatentes Internacionais: de Madrid a Teruel (chegada do
primeiro contingente brasileiro).
164
3. 2 Os Combatentes Internacionais: de Teruel ao Ebro (chegada do
segundo contingente brasileiro).
203
3.3 A Desmobilização dos Internacionais e o Colapso da República
Espanhola.
230
CAPÍTULO 4: “NACIONALISMO E INTERNACIONALISMO”.
247
4.1 Os Combatentes Internacionais: nacionalismo antifascista sob a égide
do internacionalismo.
247
4.2 Identidades e Conflito Nacional nas Brigadas Internacionais.
261
4.3 Os Voluntários Brasileiros: política e ideologia.
287
4.4 O Pós Guerra Espanhol e o Destino dos Combatentes Internacionais.
311
CONCLUSÃO 325
ANEXOS 333
BIBLIOGRAFIA 382
LISTA DE ABREVIATURAS
AIB
Ação Integralista Brasileira
AIT
Associação Internacional dos Trabalhadores
ANL
Aliança Nacional Libertadora
BI
Brigadas Internacionais
BP
Bureau Político
CC
Comitê Central
CEDA
Confederación Española de Derechos Autonomos
CMPA
Colégio Militar de Porto Alegre
CMR
Comitê Militar Revolucionário
CNT
Confederación Nacional del Trabajo
COPA
Centro de Organización e Preparación de Artilleria
CPUSA
Communist Party of United States of America
CTU
Corpo di Truppo Volontarie
DEOPS
Delegacia Especial de Ordem Política e Social
EB
Exército Brasileiro
EMR
Escola Militar do Realengo
EPR
Ejército Popular Republicano
EUA
Estados Unidos da América
FAI
Frente Anarquista Ibérica
FARE
Fuerzas Aéreas de la República Española
FP
Frentes Populares
GCE
Guerra Civil Espanhola
IC
Internacional Comunista
JONS
Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalistas
JSU
Juventud Socialista Unificada
LdN
Liga das Nações
LSN
Lei de Segurança Nacional
MAOC
Milicias Antifascistas Obreras y Campesinas
NKVD
Narodny Kommiisari at Vnutrennikh Del
(Comissariado Popular para Assuntos Internos)
OGPU
Obyedinyonnoy Gosudarstvennoy Politicheskoy Upravlenie
(Diretorado Estatal Político Unificado)
PC(‘s)
Partido(s) Comunista(s)
PCB
Partido Comunista Brasileiro
PCE
Partido Comunista de España
PCF
Parti Communist Français
PCI
Partido Comunista Italiano
POUM
Partido Obrero de Unificación Marxista
PSOE
Partido Socialista Obrero Español
PSUC
Partido Socialista Unificado da Cataluña
SVI
Socorro Vermelho Internacional
TSN
Tribunal de Segurança Nacional
UGT
Unión General de los Trabajadores
UHP
Unión de Hermanos Proletários
UME
Unión Militar Española
UMRA
Unión Militar Republicana Antifascista
URSS
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
LISTA DE TABELAS
TABELA 1. Lista de civis brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil
que serviram na Espanha republicana.
80
TABELA 2. Relação dos militares brasileiros que combateram na Espanha.
98
TABELA 3. Número estimado de indivíduos que participaram das BI e do
EPR distribuídos por nacionalidade e região.
312
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: A ofensiva republicana no Ebro em julho de 1938.
221
Figura 2: A queda da Catalunha, dezembro de 1938 fevereiro 1939.
239
LISTA DE ANEXOS
Anexo A: Ficha de ingresso de José Homem Correa de Sá nas BI.
333
Anexo B: Carnê de filiação ao PCE de Dinarco Reis.
335
Anexo C: Carta de apresentação dos comunistas brasileiros enviada por
“Arnaldo”, secretário nacional do PCB ao CC do PCE.
337
Anexo D: Carta do CC do PCE ao dirigente do PCB Roberto Morena, aliás
“Cláudio Ballesteros Gonzalez”.
339
Anexo E:
Carta de “Maria” do SVI ao CC do PCE alertando sobre a
presença do “trotskista” Besouchet na Espanha.
341
Anexo F: Documentos destinados ao PCE e a Comissão de Qua dros das BI
acusando a presença de dois suspeitos de serem “trotskistas”,
Joske e Beinermann.
343
Anexo G: Ficha padrão de repatriamento dos membros das BI, emitida pelo
Comissariado de Guerra das BI.
345
Anexo H: Biografia de militante. Documento padrão emitido pelo PCE para
controle de seus quadros.
352
Anexo I: Parecer apresentação emitido por Carlos da Costa Leite para o
serviço de quadros do PCE.
357
Anexo J: Exemplos de vários pareceres político militares a respeito de
David Capistrano da Costa.
359
Anexo K: Parecer final do Comitê do PCE em nível de Brigada sobre o
voluntário internacional Ernesto Joske.
361
Anexo L: Relação de quadros brasileiros do PCE para utilização futura.
363
Anexo M: Salvo-conduto para a França e certificado de presença no campo
de prisioneiros de Saint Cyprién, de Delcy Silveira.
365
Anexo N: Apresentação e relação de nomes de brasileiros que fizeram parte
das BI ou do EPR aos encarregados da Delegacia Especial de
Segurança Política e Social no Brasil.
367
Anexo O: Fichas de qualificação e identificação policial de Homero Jobim
de Castro e Nemo Canabarro Lucas.
369
Anexo P: Ofício notificando a chegada de um grupo de exilados políticos
vindo do Uruguai em setembro de 1942.
371
Anexo Q: Fotografias de José Homem Correa de Sá e Enéas Jorge de
Andrade.
372
Anexo R: Fotografias de Eny e Delcy Silveira e José Gay da Cunha.
373
Anexo S: Fotografia de Milicianas anarquistas.
374
Anexo T: Imagens da chegada dos primeiros contigentes organizados de
voluntários internacionais.
375
Anexo U: Negrín e os principais comandantes militares do EPR na parada de
despedida às BI em Barcelona, 28 de novembro de 1938.
376
Anexo V: Os internacionais desfilam na parada militar feita em sua
homenagem como despedida, Barcelona, 28 de novembro de 1938.
377
Anexo W: Homenaje a las Brigadas Internacionales. Cartaz madrilenho de
1937.
378
Anexo X: Homenaje a las Brigadas Internacionales. Cartaz de Madrid,
também provavelmente de 1937, da mesma série.
379
Anexo Y: As BI vistas pelo inimigo, caricatura.
380
Anexo Z: Mapa mostrando o desenvolvimento da GCE.
381
ABSTRACT
This Master thesis main objective is to examine the trajectories of a group of
ex-Brazilian Armed Forces men who served within the International Brigades and
the Spanish Republic People’s Army during the Spanish Civil War of 1936-1939. The
group is fully inserted in the dynamical complex political background of the ’30 and
their history was pointed out both with radical political views and armed revolts. In
Brazil, they followed the path made by the Tenentes (a radical faction inside the
Brazilian Army since the early ’20) and especially one of their prominent leaders,
Captain Luiz Carlos Prestes, which tended to left and become later one of the chiefs
of the Brazilian Communist Party (PCB) and the National Liberation Alliance
(ANL), a popular front like movement sponsored by the Communist Party worldwide
to coordinate the antifascist struggle. In November 1935 the PCB and ANL launched
a general uprising to knock down the Getúlio Vargas dictatorship. Our group were
involved in such conspiracy although some of them doesn’t took active part in the
revolt. With the defeat of the uprising, the group was arrested along with thousands
of suspects. In prison, they reinforced their ideological commitment with
communism, melted it with nationalism and accompanied the events in Spain. After
prison, the PCB sent some of them to Spain. The others remained in Brazil and
unsuccessfully tried another conspiracy against Vargas. Therefore, they joined their
colleagues and engaged themselves fighting against what they consider ”the same
enemy in other lands”: the international fascism.
INDEX TERMS: Spanish Civil War, International Brigades, nationalism,
internationalism, antifascism, communism, militarism..
RESUMO
O objetivo principal desta Dissertação é examinar a trajetória de um grupo de
ex-militares do Exército Brasileiro que fizeram parte das Brigadas Internacionais e
do Exército Popular Republicano durante a Guerra Civil Espanhola de 1936-1939. O
grupo se insere no dinâmico e complexo quadro político dos anos 30, sendo sua
história duplamente marcada por posturas políticas radicais e levantes armados. No
Brasil, o grupo seguiu os caminhos traçados pelos “tenentes” e, principalmente, por
Luiz Carlos Prestes, um de seus líderes. Prestes se tornou uma figura proeminente no
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e na Aliança Nacional Libertadora (ANL), um
movimento de massas baseado nos moldes das frentes populares, as quais eram
incentivadas pelos comunistas, em vários países, para coordenar a luta antifascista
mundial. Em novembro de 1935, o PCB e a ANL lançaram uma insurreição com o
objetivo de derrubar a ditadura de Getúlio Vargas. O grupo esteve envolvido de
diversas formas no levante, embora somente alguns participaram ativamente da ação.
Com a derrota, o grupo foi preso em conjunto com outros milhares de suspeitos. No
cárcere, os ex-militares reforçaram a sua crença no comunismo em justaposição ao
nacionalismo que traziam dos quartéis. Paralelamente, eles acompanhavam os
acontecimentos da Espanha. Ao serem libertados, parte do grupo foi enviado para a
Espanha pelo PCB, enquanto os outros prosseguiram numa fracassada manobra
conspirativa contra Vargas. Posteriormente, o restante do grupo se juntou aos colegas
na luta contra o fascismo na Espanha. Para eles, o fascismo era o “mesmo inimigo,
só que em terras distantes”. Um inimigo internacional.
TERMOS DE INDEXAÇÃO: Guerra Civil Espanhola, Brigadas Internacionais,
nacionalismo, internacionalismo, antifascismo, comunismo, militarismo.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
26
CAPÍTULO 1: “À ESPERA DA REVOLUÇÃO, VENTOS DE GUERRA”.
1.1 O Conturbado Contexto Mundial nos Anos 30: crise de 1929, nazi-
fascismo e antifascismo.
Seria praticamente impossível abordarmos uma problemática como a que
propomos sem antes situarmos a Guerra Civil Espanhola (GCE) enquanto evento
gerador. O conflito espanhol deve ser entendido principalmente como reflexo da
complexa situação em que se encontrava não somente a Europa mas o mundo todo
na década de 30 do século XX. No entender do autor, uma correta introdução a este
assunto passa forçosamente por uma caracterização do palco mundial onde se
desenvolvia a ação, destacando não somente a crise político-institucional do
liberalismo e o embate das ideologias antagônicas, revolucionárias e contra-
revolucionárias naquele período, mas também assinalando estes fenômenos como
desdobramentos de uma problemática de fundo estrutural: a crise do sistema
capitalista. No entanto, não pretendemos hipervalorizar os fatores externos que
influíram na GCE, negando o seu caráter intrínseco, fruto de um longo processo de
desagregação interna do conjunto da sociedade espanhola e da complexidade da sua
formação histórica e social. Concordamos com Pierre Vilar quando diz:
Cualquier investigación, aún parcial, incluso monográfica, sobre un
cambio histórico real, será superficial si no se fundamenta en el exámen
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
27
sistemático de las estructuras sociales y de la lucha de clases en el
complejo interesado por este cambio
1
.
Acreditamos também que para termos uma idéia mais acurada do que
representou a luta na Espanha e dada a proporção do evento que superou amplamente
os seus limites geográficos para toda uma geração que se engajou direta ou
indiretamente nele, fosse apoiando a causa ou acompanhando de perto e assim
sentindo-se partícipe de forma ou outra no confronto, é interessante traçarmos um
panorama da situação mundial nos anos 30. Afinal, como escreveu Eric J.
Hobsbawm:
(...)não foi por acaso que a política interna desse país [Espanha]
notoriamente anômalo e auto-suficiente se tornou o símbolo de uma luta
global na década de 1930. Suscitou os principais problemas políticos da
época: de um lado, democracia e revolução social,...do outro um campo
singularmente rígido de contra-revolução ou reação(...)
2
Esta década permanece marcada até hoje como sendo uma “era negra” para a
história mundial. Acontecimentos como a crise de 1929, a ascensão do nazismo ao
poder, a consolidação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a
guerra espanhola, por exemplo foram, de um modo geral, decisivos dado a sua
abrangência, profundidade e grau de interação entre si. Todos são fenômenos que
possuem características muito específicas, podendo ser estudados em separado mas
sem perdermos de vista que, dadas as múltiplas implicações conjunturais e
1
VILAR, Pierre. “História e Historiografia de la Guerra Civil Española: algunas reflexiones
metodológicas”. In: BROUË, Pierre, FRASER, Ronald, VILAR, Pierre. Op. cit., p.75.
2
HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995, p.158.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
28
estruturais, também encontram-se fortemente imbricados e inter-dependentes no seu
desenvolvimento. Desta forma, podemos dizer que os eventos supracitados, além de
exporem a instabilidade do sistema capitalista e de sua frágil ordem burguesa, de
certo modo ameaçaram a sobrevivência do próprio sistema tal como era conhecido.
Outrossim, dadas as suas amplas consequências, assinalaram de antemão a grande
catástrofe por vir: a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A Grande Depressão de 1929 abalou fortemente os alicerces do sistema
capitalista mundial, evidenciando sua fragilidade estrutural e cujos desdobramentos e
efeitos residuais se fizeram sentir até o fim da década de 40. A quebra da Bolsa de
Valores de Nova Iorque e o conseqüente esfacelamento do sistema bancário norte-
americano levaram a um refluxo dos capitais norte-americanos na Europa e América
Latina, bem como à quebra das economias locais que se encontraram desprovidas de
recursos para financiamento, essenciais para a manutenção da máquina produtiva. A
desestruturação econômica levou à estagnação da produção industrial nas economias
centrais e, da produção agrícola nas economias de tipo periférico. Os países
primários exportadores, tanto da América Latina (como o Brasil) quanto da Europa
(como a Espanha) e dependentes quase exclusivamente da venda de seus produtos
manufaturados para a Europa industrializada ou os Estados Unidos da América
(EUA) foram atingidos em cheio pelo retraimento operado nos mercados dessas
potências industriais. A ausênc ia de uma demanda mínima para seus produtos
primários gerou uma crise de superprodução sem precedentes e suas economias
dependentes e voltadas “para fora” expuseram assim toda sua fragilidade e
incapacidade de resistir às flutuações do mercado. Ao estado de paralisação das
atividades produtivas em geral seguiu-se uma onda de desemprego em massa que
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
29
atingiu não somente os países periféricos, mas principalmente as economias centrais:
EUA, Grã-Bretanha, Alemanha e Japão.
Logo, a crise de 29 evidenciou clarame nte o esgotamento do modelo liberal
neoclássico não somente no plano econômico mas também no plano político e social.
Embora grande parte dos economistas e intelectuais conservadores ainda
acreditassem na capacidade auto reguladora do mercado (como no caso da
Inglaterra), era evidente para outros especialistas mais perspicazes, como John M.
Keynes, que saídas alternativas à crise internacional deveriam ser tomadas sem
demora.
Neste contexto, as propostas de intervencionismo estatal no plano econômico,
com uma política de geração de empregos (o New Deal de Roosevelt, por exemplo),
tornaram-se a tendência mais em voga para a superação da crise e para a salvação do
capitalismo, o qual parecia à beira do colapso final. Tanto na modalidade de
intervenção estatal com a preservação da democracia, como no caso americano,
quanto na vertente autoritária das experiências fascistas, cada país reagiu de forma
distinta aos efeitos da crise econômica. Esta reação indicava um empenho em
retomar o fluxo normal da economia, reduzindo também a dimensão do problema
social gerado pela diminuição das atividades produtivas, haja vista a grave crise
política ocasionada.
As pessoas demonstraram nas ruas e nas urnas que pretendiam mudanças
mais radicais e não estavam dispostas a dar suporte a governos incapazes de superar
ou ao menos contornar a Grande Depressão. Por exemplo, na Espanha a crise
favoreceu a queda do regime monárquico e no Brasil, a derrubada da oligarquia
cafeeira. Além disso, não podemos esquecer o espectro do comunismo que
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
30
assombrava as elites e as classes médias conservadoras, mas também seduzia uma
importante parte das massas empobrecidas através dos relatos das conquistas sociais
e econômicas obtidas pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a
qual, por não estar inserida na dinâmica do sistema capitalista, passou quase
incólume pela Grande Depressão
3
.
Na Alemanha a crise provocou efeitos desastrosos e profundos em todos os
sentidos. Numa economia frágil e já anteriormente depauperada pelas extorsivas
reparações de guerra, os efeitos da Grande Depressão sobre a população alemã
levaram a uma busca desesperada por saídas radicais. Neste terreno fértil grassou a
política nazista que, com seu discurso ultranacionalista, revanchista em relação ao
tratado de Versalhes e ferrenhamente anticomunista, foi conquistando inicialmente a
pequena burguesia, temerosa de um colapso econômico sem precedentes e assustada
também com a possibilidade de radicalização das classes subalternas que levassem o
país a uma revolução social.
O nazismo, além de parecer um elemento eficaz no controle social, também
parecia ser capaz de trazer para a Alemanha a grandeza imperial perdida no pós
guerra. Além disso, após ser depurado de sua ala esquerda subalterna (de Röhm e
Strasser
4
), conquistou para o capitalismo alemão uma posição de relevo
internacional, graças à implantação de uma economia intervencionista e dirigida para
a produção bélica, aliada a uma política externa agressiva. Segundo Hobsbawm, a
vitória dos nazistas na Alemanha (e dos militaristas no Japão) constituiu-se como a
3
Para uma análise mais ampla sobre a Crise de 29 e suas posteriores implicações, ver: HOBSBAWM,
Eric J. Op. cit., 1995, p. 100-101.
4
Sobre o curioso “esquerdismo” nazista, ver: TOLSTOY, Nikolai: A Noite das Longas Facas. Rio de
Janeiro: Renes, 1976.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
31
conseqüência política mais sinistra e de mais longo alcance da Grande Depressão.
Os portões para a Segunda Guerra Mundial foram abertos em 1931
5
.
A vitória dos nazistas na Alemanha (1933) inspirou, de um modo geral, as
forças conservadoras, antiliberais e anticomunistas do mundo todo. O sucesso
econômico atingido por Adolf Hitler nos primeiros tempos (graças à reativação da
indústria bélica) serviu de leitmotiv para massas desesperadas que apoiaram diversos
governos ultraconservadores e reacionários surgidos na Europa inspirados no
nazismo, mas que na realidade não poderiam ser catalogados como “fascistas”
propriamente ditos. Por outro lado, provocou também a reação opositora dos setores
democráticos, liberais e esquerdistas das mais variadas tendências, alarmados com a
rápida expansão do fenômeno nazi-fascista e dispostos a tentar contê-lo.
Portanto, é importante ressaltar que havia também uma atmosfera social
propícia para a formação de coligações amplas de oposição ao nazi-fascismo. Desta
forma, um pensamento “antifascista” fomentava a criação das chamadas Frentes
Populares (FP), coligações de partidos e organizações de variados espectros
políticos, cujo princípio aglutinador era a firme decisão de impedir que outros
regimes nazi-fascistas chegassem ao poder.
A primeira tentativa bem sucedida de uma frente ampla de resistência ao
fascismo foi colocada em prática na França já em fevereiro de 1934, face ao perigo
das agitações golpistas promovidas pelas ligas paramilitares de inspiração fascista e
que levaram à renúncia do gabinete Daladier (do Partido Radical Socialista)
6
. O
sucesso inicial da experiência francesa ao coadunar diversas forças oposicionistas
(socialistas, comunistas, radicais e republicanos) partindo do princípio do
5
HOBSBAWM, Eric J. Op. cit., 1995, p.105.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
32
antifascismo, serviu como modelo inspirador para a formação de outras FP’s. Nos
cabe destacar principalmente a ação dos comunistas franceses que, orientados em
parte pela Internacional Comunista (IC), abandonaram seu isolamento sectário e
excludente das outras correntes da esquerda como os trabalhistas e social-democratas
(estes últimos, erroneamente acusados por Stalin de serem “irmãos gêmeos” do
fascismo)
7
e passaram a apoiar uma ação em comum com outros partidos (inclusive
burgueses), no sentido de bloquear a ação avassaladora do nazismo aderindo desta
forma à causa da segurança coletiva.
Surgia assim, após o VII Congresso da IC em julho de 1935, uma proposta de
um programa “antifascista democrático” da IC que se diferenciava ideologicamente
tanto do antifascismo de origem “não comunista” quanto do “antifascismo primitivo”
da Internacional (baseado em frentes únicas proletárias) por sua virada “à direita” de
acordo com a ótica comunista, visto que pretendia uma ação tática conjunta que
incluía desde setores burgueses, considerados democráticos, até outros partidos
proletários
8
. Obviamente, este posicionamento da IC e que foi irradiado às
respectivas seções nacionais dos Partidos Comunistas (PC) correspondia mais a uma
necessidade de proteção da URSS frente a uma possível agressão nazista e de
manutenção (ou obtenção) da legalidade dos PC’s do que a uma autêntica proposta
de ação conjunta entre os diversos setores de oposição ao nazi-fascismo
9
.
No Brasil, em 30 de março de 1935 foi criada, no espírito das Frentes
Populares antifascistas, a Aliança Nacional Libertadora (ANL) com o apoio do
6
LEFRANC, Georges. “A França e o Frente Popular”. In: História do Século XX. São Paulo: Abril
Cultural, 1974, p. 1691.
7
KERNIG, C. D (org.). Marxismo y Democracia. Madrid: Rioduero,1975 p.44.
8
A tática das Frentes Populares antifascistas foi introduzida oficialmente pela IC a partir do Informe
Dimitrov. Utilizava como base a formação da Frente única dos trabalhadores para construir depois a
aliança com os setores progressistas da burguesia. Ver DIMITROV, Jorge. El Frente Único,Vigencia
Actual. México: Cartago, 1983, p. 100 e ss.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
33
Partido Comunista Brasileiro (PCB). Dada a peculiar situação brasileira, que será
examinada mais adiante, podemos dizer que ANL possuía um alcance social
abrangente, visto que propugnava a realização de um programa reformista de cunho
nacionalista e anti-imperialista. No entanto, após ser colocada na ilegalidade pelo
governo Vargas acabou por trilhar um precipitado caminho insurrecional que
culminou no desastre do levante de novembro de 1935.
Na Espanha também se forjou uma ampla FP antifascista que incluía desde
socialistas, republicanos burgueses, partidos regionalistas e, é claro, comunistas
10
.
Surgida como recurso eleitoral para poder enfrentar a coligação direitista “Frente
Nacional” nas eleições gerais em 16 de fevereiro de 1936, esta agrupação
suprapartidária, de caráter democrático e apoiada numa plataforma reformista, saiu
vitoriosa no plano eleitoral. Contudo, devido ao processo de radicalização da
situação social na Espanha, o governo da FP já nascera com os seus dias contados,
como veremos mais detalhadamente a seguir.
1.2 Brasil e Espanha nos Anos 30: ecos, diferenças e semelhanças.
Apesar das distâncias que separam ambos países, não somente geográficas,
mas também culturais, assim como as particulares diferenças observadas no processo
de formação histórico-social de cada um deles, podemos dizer que na década de 30
uma determinada conjunção específica de processos internos, sob a influência do
contexto externo, nos permite a possibilidade de estabelecer alguns paralelos
históricos entre eles.
9
KERNIG, C. D (org.). Marxismo y Democracia. Madrid:Rioduero,1975 p.51.
10
Utilizamos ao longo do texto o termo “comunistapara identificar pessoas e partidos ligados de
uma forma ou outra a III Internacional, a Internacional Comunista de Moscou.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
34
Um paralelo inicial pode ser traçado no âmbito dos novos arranjos entre os
grupos no poder e as alterações na política interna, resultantes do impacto da já
citada Crise de 1929 e que produziu dois eventos históricos essenciais para ambos
países: a Revolução de 30 no Brasil
11
e a proclamação da Segunda República na
Espanha. Num segundo momento outro paralelo pode ser desenhado a partir das
influências das idéias políticas forâneas, ou seja, as clivagens ideológicas presentes
no contexto mundial: fascismo versus comunismo, democracia versus totalitarismo e
seus desfechos históricos até o nosso ponto de inflexão que é a Guerra Civil
Espanhola. Sem esquecermos, é claro, que sobre estes processos pairam os efeitos da
crise mundial, cujos reflexos e inter-relações devem estar contemplados na análise
feita tanto para o Brasil quanto para a Espanha.
Para traçarmos de modo coerente estes paralelos necessitamos estabelecer
uma linha histórica retrospectiva que nos situe no contexto interno do Brasil e da
Espanha. Tendo em vista nosso objetivo e a organização deste subcapítulo, o recorte
temporal que delimita a presente retrospectiva, no caso da Espanha, vai desde os
anos 30 até o início da GCE em 17/18 de julho de 1936. A guerra propriamente dita,
que representa o nosso “palco”, será discutida gradualmente ao longo do Capítulo 2.
Já a retrospectiva da situação no Brasil vai desde 1930 até o golpe do Estado Novo
em 1937, visto que é após este que nossos “atores” se desvinculam das lutas políticas
locais e partem rumo a Espanha.
11
Uma discussão sobre o caráter da Revolução de 1930 parece-nos desnecessária, visto que fugiria
aos objetivos deste trabalho, além do mais o tema já foi extensivamente tratado pela historiografia
nacional. Se mantêm aqui o emprego do termo “Revolução” , visto que apesar de seu caráter dúbio,
ele foi consagrado pela historiografia nacional. Destacamos aqui o trabalho coletivo Revolução de
30:Seminário Internacional. Brasília: UNB, 1983, e em especial o texto de Aspácia Camargo: “A
revolução das elites, conflitos regionais e centralização política”, p.11 a 43.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
35
No jovem Brasil republicano a dinâmica conjuntura interna nas primeiras
décadas do século XX havia favorecido o surgimento de setores médios, fossem eles
ligados ao aparelho burocrático estatal (funcionalismo público civil e o setor militar)
ou ao setor de serviços e comércio, principalmente nas regiões urbanas, em lenta mas
constante expansão. O conjunto das camadas médias questionava seriamente o corpo
político da chamada República Velha: suas práticas arbitrárias, sua corrupção e sua
incapacidade para integrar as outras camadas sociais na vida política. No entanto, as
críticas mais contundentes eram feitas contra a vigência do modelo exportador, visto
que este tolhia qualquer projeto de desenvolvimento autônomo e autenticamente
nacional. Frente ao regionalismo das elites no poder, os setores médios buscavam
uma unidade nacional. Neste quadro, a crise advinda da Grande Depressão reafirmou
aos setores médios que tanto o modelo político quanto o econômico estavam
obsoletos e necessitavam reformas que levassem a um novo ordenamento da
sociedade.
Provavelmente, as classes subalternas foram as mais atingidas pelo impacto
direto da Crise de 1929, devido à onda de desemprego que invadiu o campo e que
levou, consequentemente, a um êxodo de populações empobrecidas em direção aos
centros urbanos, fator que certamente contribuiu para o agravamento do quadro
social. Por outra parte, as necessidades urgentes dos camponeses despossuídos de
terra e do nascente operariado industrial encontravam afinidades, já havia algum
tempo, nas idéias modernas trazidas por trabalhadores imigrantes europeus,
especialmente espanhóis e italianos. Logo, as classes subalternas urbanas
começariam também a questionar a ordem oligárquica vigente e as tradicionais
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
36
classes abastadas mas amparadas por ideologias libertárias como o anarquismo, o
socialismo e, posteriormente, o comunismo.
À oposição feita pelas camadas médias e inferiores somavam-se ainda as
críticas que os nascentes setores burgueses industriais (ansiosos por ampliar espaços)
faziam ao Estado oligárquico e sua forma de dominação. Cabe ainda mencionar o
papel das elites regionais periféricas que não integravam o “centro” do poder
político, encontrando-se consequentemente alijadas tanto das tomadas de decisões
quanto no reparto das benesses. Inseridos nesta dinâmica complexa é que se
desenvolvem os acontecimentos que levam ao movimento de 1930.
No entanto, deve ser destacada a presença de um grupo específico, com uma
identidade profissional acentuada, e que, mesmo dentro da máquina estatal,
questionava seriamente a forma com que as elites regiam o Brasil. Eram os
chamados “tenentes”. Eles se tornariam um dos principais e mais ativos grupos de
oposição às elites políticas. Os tenentes representavam uma significativa parcela dos
jovens oficiais das Forças Armadas que, desde 1922, questionavam de forma
contundente, ou seja manu militarii, os governos civis aos quais serviam.
Inicialmente, as suas críticas partiam de uma perspectiva ética-moralista e sua
oposição era unilateral e autônoma, ou seja, agiam enquanto militares e se
mantinham coesos em torno de sua condição militar evitando contatos com grupos
dissidentes civis. Nesta etapa, o movimento era puramente militarista
12
.
Mas a partir das marchas efetuadas em 1927 pelas colunas rebeldes chefiadas
por Miguel Costa e Luiz Carlos Prestes, o tenentismo começou a revelar uma face
12
Para uma discussão a respeito do tenentismo da primeira fase (1922-1926) é recomendada a leitura
de: DRUMMOND, José A. O Movimento Tenentista: A Intervenção Política dos Oficiais Jovens
1922-1935. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
37
mais politizada ao entrar em contato direto com a realidade da sociedade brasileira.
Nesta etapa ocorre uma primeira tentativa de aproximação entre os tenentes e os
comunistas, que buscavam captar as simpatias dos “rebeldes pequeno-burgueses”.
Contudo, a aproximação entre eles ocorreria mais tarde, em outro contexto.
Faltava clareza e definição nos objetivos políticos, além de unidade de ação ao grupo
tenentista (basta lembrarmos o debate a respeito dos rumos a serem tomados pela
“revolução brasileira” ocorrido em 1930, entre dois líderes dos tenentes: Luiz Carlos
Prestes e Juarez Távora). Podemos dizer também que os tenentes eram carentes de
uma orientação ideológica mais elaborada, tendo sua rebeldia sido cooptada e
instrumentalizada pela burguesia industrial e oligarquias dissidentes que tomaram as
rédeas do processo “revolucionário” em outubro de 1930
13
.
Assim, na “Revolução de 1930” vamos observar uma alteração no quadro do
poder. As classes dominantes, de um modo geral, permaneceram no comando, mas
não eram mais as mesmas: setores jovens e dinâmicos (industriais) das elites
periféricas ocuparam o Estado apoiadas pelos setores emergentes citados
anteriormente. Podemos dizer portanto, que houve um certo reordenamento do
quadro social, com o fortalecimento das classes médias urbanas por um lado, e o
enquadramento do operariado industrial e a decadência do campesinato por outro.
Deve-se destacar também a centralização e o fortalecimento do Estado “pós-
revolução de 30” que, ao perder sua antiga descentralização regionalista, acabou por
aumentar as cisões e atritos entre as diversas unidades da federação. Neste quadro,
podemos conferir um acirramento das contradições inerentes entre o centro e a
13
No item seguinte, será retomada em parte a questão do tenentismo, tendo em vista a influência
direta ou indireta, deste movimento sobre os atores principais deste trabalho.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
38
periferia do país, dados os deslocamentos dos eixos do poder político nacional, bem
representado pelas disputas de poder entre as diversas facções das elites regionais.
Neste sentido, a propalada “revolução” ocorreu para salvaguardar o status
quo das classes dominantes no plano nacional, efetuando uma renovação exatamente
para poder perpetuar a sua existência enquanto categoria social.
Ainda foi preciso passar por alguns percalços para atingir a homogeneidade
interna e a efetiva renovação geracional da elite, as quais eram almejadas pelo grupo
de Vargas no poder. Em 9 de julho de 1932, a elite paulista sublevou-se contra a
ordem getulista e a política arbitrária e attribiliária dos tenentes
14
, tendo como
pretexto a exigência de uma constituição. Na verdade, as “oligarquias carcomidas”
15
de São Paulo pretendiam voltar à sua posição hegemônica.
Finalmente, após uma insólita guerra civil que durou até outubro do mesmo
ano e dada a esmagadora supremacia bélica do governo federal, as elites paulistanas
tiveram de capitular. Posteriormente, chegariam a um consenso com o governo de
Vargas. As insatisfações provenientes da elite estavam aparentemente resolvidas
com o redesenhamento do pacto político e sedimentadas com a promulgacão da
Constituição em 1934, que colocava Getúlio Vargas em uma posição privilegiada.
Entretanto, o problema maior situava-se logo “abaixo” das classes
dominantes. As camadas inferiores que haviam permanecido praticamente à margem
dos acontecimentos de 1930 e 1932, e que haviam sido duramente atingidas pela
depressão econômica, começaram a ser lentamente cooptadas pelo regime de Vargas
14
BRUSSOLO, Armando. Tudo pelo Brasil. São Paulo: Editorial Paulista, 1932, p.20.
15
Termo frequentemente empregado na época pelos membros da Aliança Liberal para designar seus
oponentes políticos.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
39
com o enquadramento dos sindicatos pelo Ministério do Trabalho, o que apavorava
as diversas correntes do movimento operário independente (em especial os
comunistas) que viam seu alvo político principal à mercê da ditadura.
Por outro lado, os tenentes passavam por um período obscur o e de
desagregação definitiva: boa parte deles havia sido incorporado ao governo após um
processo de reabsorção das idéias “revolucionárias” e neutralizados enquanto grupo.
Um grupo menor havia apoiado a guerra paulista e se encontrava preso ou exilado.
Destes, alguns passariam a adotar posições de direita apoiando a criação da Ação
Integralista Brasileira (AIB), como se denominaria o partido de inspiração fascista
tupiniquim. Um último grupo passava a assumir uma posição ideológica à esquerda,
mais definida e dentro dos preceitos do marxismo, fruto de uma aproximação efetiva
com alguns socialistas e principalmente com os comunistas, a partir da aceitação de
Prestes pelo PCB
16
.
Alguns dos dirigentes do PCB buscavam uma aproximação com a figura
lendária do Cavaleiro da Esperança desde 1927, mas devido ao conflito entre as
visões sectárias de alguns dirigentes (da corrente obreirista, que não aceitavam
Prestes, dado sua origem pequeno-burguesa) e as diretrizes teóricas emanadas pela
IC, o partido somente aceitou a sua inscrição em 1934
17
. O prestígio nacional da
figura de Prestes, muito maior que o do PCB, na época um partido obscuro e
inexpressivo numericamente, trouxe para o PCB um expressivo volume de militares
16
Já em 1927, o comunista Octávio Brandão preconizava o momento em os rebeldes de Prestes se
uniriam a causa do proletariado. Ver: MORÃES, João Quartim de. A Esquerda Militar no Brasil: da
Coluna à Comuna. São Paulo: Siciliano, 1994, p. 34 e ss. J. O brasilianista W. F. Dulles, destaca o
início da influência do PCB no meio militar com a nomeação do ex-sargento Antônio Maciel Bomfim,
o “Miranda”, como secretário geral do partido em junho de 1934. DULLES, John W. F. Anarquistas
e Comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977, p.417-418.
17
Prestes intentava a filiação ao PCB desde 1930, sendo recusado e criticado pela direção do partido.
Foi aprofundar seus conhecimentos sobre marxismo na URSS, a convite da IC e lá ficou até março-
abril de 1935, quando retornou clandestino ao Brasil.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
40
(jovens tenentes e capitães, em geral) que foram posteriormente assumindo posições
chave dentro do partido. O ingresso dos militares, além de alterar a composição
interna do partido, significou um incipiente processo de “militarização” do mesmo:
um hálito de “tenentismo” tardio. Desta última geração de “tenentes” sairia a leva de
militares que acabou combatendo na Espanha, como veremos adiante.
Por outro lado, a formação da AIB e seu rápido crescimento entre a pequena
burguesia em âmbito nacional levou à organização e reação por parte das forças
políticas que se opunham à expansão do fascismo, identificado no discurso e prática
da AIB. A tolerância e a simpatia por parte de elementos do governo com o
integralismo, associado ao crescente autoritarismo manifestado nos meios
governamentais (apesar da Constituição de 1934), forneceu subsídios aos opositores
do regime, em especial os de esquerda, para associar ou identificar Getúlio Vargas
também como elemento “fascista”. Lembremos ainda que os integralistas surgiram
em um momento crítico quando o nazi-fascismo se consolidava como uma tendência
mundial em franco crescimento, principalmente após a tomada do poder por Adolf
Hitler na Alemanha, em 1933.
A ANL, com sua proposta de frente ampla antifascista, veio para galvanizar
todos os partidos ou agremiações que se opusessem ao fascismo, independente das
suas opções políticas ou mesmo de origens de classe. Não podemos esquecer que a
ANL foi fundada por seis membros civis e por seis membros militares, alguns deles
antigos “tenentes” os quais, significativamente, aclamaram como presidente de honra
o “general” Luiz Carlos Prestes (assim o chamavam seus seguidores).
Podemos observar que a efetiva participação do PCB na ANL também
possibilitou uma extensão da influência dos comunistas nas camadas intermediárias
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
41
da sociedade permitindo-lhes sair do ostracismo sectário em que se encontravam e
fazendo com que seu ideário político permeasse a malha social e atingisse um
público maior.
Finalmente, a constituição de uma “frente ampla democrática” na sociedade
civil (somada ao ingresso dos militares no PCB ou na ANL) abriu para os comunistas
um leque de posturas e reivindicações de cunho nacionalista e democrático sem
precedentes. Ou ainda, no dizer de Leôncio Martins Rodrigues, (...) com Prestes, a
partir da ANL, o PCB tornou-se mais “popular” e menos “operário”, enquanto as
preocupações com os problemas da “nação” predominaram sobre os da “classe”
18
.
Contudo, a mistura de “bolchevismo” com “tenentismo” não poderia ser mais
explosiva. Em vez de assumir uma postura mais ativa pela manutenção do estado
democrático de direito repelindo energicamente as medidas de cunho arbitrário, que
encaminhavam o governo Vargas a um claro sentido autoritário (por exemplo, a Lei
de Segurança Nacional (LSN), de abril de 1935), a ANL, ou mais precisamente o
núcleo prestista, lançou um contundente manifesto onde, em linhas gerais, evocava a
epopéia tenentista e revolucionária, adotava uma postura nacionalista, denunciava o
imperialismo, o fascismo e ainda, conclamando o povo à insurreição, encerrava com
as seguintes palavras de ordem: Abaixo o Fascismo! Abaixo o governo odioso de
Vargas! Por um Governo Popular Nacional Revolucionário! Todo o poder à Aliança
Nacional Libertadora!
19
Este manifesto deu a Vargas o pretexto desejado para enquadrar a ANL na
Lei de Segurança Nacional e torná-la ilegal via decreto. A organização, antes um
18
RODRIGUES, Leôncio M. “O PCB: os dirigentes e a organização” In: História Geral da
Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1981, p.371.
19
Citado em MORÃES, João Quartim de. Op. cit., p. 163.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
42
pólo de atração popular em pleno desenvolvimento, se esvaziou e o movimento
antifascista experimentou um refluxo considerável. Os elementos não comunistas e
“civis” da frente se dissolveram, porém se fortaleceram os vínculos da ANL com os
comunistas, e o PCB passou praticamente a dominar a organização. Prestes e a
cúpula do PCB fizeram uma particular leitura da realidade brasileira, superestimando
a atuação e influência da ANL nas camadas populares e considerando a situação do
momento como sendo “pré-revolucionária”. Deste modo, Prestes e o setor “militar”
do PCB e da ANL se lançaram a planejar uma aventura insurrecional com o
beneplácito apoio (inclusive material) da IC em Moscou, a qual, evidentemente mal
informada da situação brasileira, aceitou como verídicas as efusiantes informações
transmitidas do Brasil através dos comunistas nativos
20
.
Cabe destacar aqui que a “via insurrecional” seguida por Prestes e seus
companheiros não era incompatível de forma alguma com a política das Frentes
Populares, pois, no seu entender, face à impossibilidade da luta no plano legal, o
levante da ANL expressaria o ponto alto da luta antifascista e se revestiria de um
caráter preventivo antecipando-se à instauração de um governo fascista em gestação.
Portanto, o levante não seria para implantar uma “ditadura do proletariado” mas sim
para colocar no poder um “governo nacional popular revolucionário” dentro das teses
da frente ampla da IC.
Uma vez vitorioso e instalado, o “governo nacional libertador” de caráter
“democrático burguês” poderia evoluir, num futuro próximo, em direção a um
20
A esta altura Prestes já era membro do Comitê Central da IC, portanto estava atrelado a uma cadeia
de comando com sede em Moscou. As informações otimistas a respeito da situação brasileira dadas a
IC, foram transmitidas por dirigentes do PCB que se encontravam em Moscou para participar de um
congresso. Eram eles: Antonio Maciel Bomfim, Fernando de Lacerda e José Caetano Machado. Ver
RODRIGUES, Leôncio M. Op. cit., p. 375.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
43
“Governo da Ditadura Democrática dos Operários e Camponeses”
21
, projeções estas
bem típicas do etapismo staliniano.
Por outro lado, basta lembrar que as rebeliões militares eram um fato
corriqueiro desde a República Velha, o próprio governo getulista tinha se implantado
pela violência, assim o “assalto ao poder” por parte de setores das forças armadas
(apoiadas ou não por civis) era um dado objetivo da realidade nacional. Portanto,
consideramos que o levante de novembro de 1935 se insere muito mais na tradição
insurgente dos tenentes, mesmo que tardia e com um posicionamento ideológico
mais definido, do que numa “intentona” puramente comunista, teleguiada desde
Moscou, como pretendem alguns autores
22
. Entretanto, cabe destacar que o debate
historiográfico a respeito deste evento não está contido na principal premissa deste
trabalho. Para nós, a chamada “intentona comunista” indica um ponto de
radicalização e ruptura por parte de um setor dentro do Exército alinhado com
Prestes para derrubar Vargas.
Especulações à parte, de fato o projeto insurrecional fracassou rotundamente.
O levante de Natal (RN) eclodiu de forma espontânea e isolada em 23 de novembro,
mobilizando basicamente suboficiais e praças ameaçados de expulsão do Exército. A
justificativa apresentada pelo governo Vargas para depurar elementos esquerdistas ou
suspeitos era a necessidade de cortes orçamentários. Houveram adesões de civis,
membros de sindicatos e elementos afins com o PCB. A rebelião veio não da cúpula
do PCB ou da ANL, mas da própria insatisfação dos subalternos. O mesmo ocorreu
21
Os termos marcados com aspas duplas, são para ressaltar a terminologia específica utilizada pelos
comunistas então. Os termos estavam presentes tanto nos Anais do VII Congresso da IC, quanto no
discurso de G. Dimitrov, e o Manifesto de Prestes. Ver também DULLES, John W. F. O Comunismo
no Brasil: 1935-1945. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p 20.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
44
com a insurreição em Recife (PE) que se constituiu num reflexo do levante de Natal.
Nesta rebelião, assim como na primeira, observou-se uma incipiente participação
popular.
No Rio de Janeiro o quadro adquiriu um matiz diverso. Uma vez
consumados os levantes do Nordeste, restou a Prestes e seus acólitos apenas
acompanhar a insurreição que haviam insuflado, sem terem ainda data marcada. O
levante iniciado no Rio de Janeiro, na alvorada do dia 27 de novembro, além de
começar quando as rebeliões de Natal e Recife já estavam em seus estertores,
constituiu-se numa típica quartelada latino-americana, ainda que colorida com
nuances vermelhas. Duas guarnições militares se rebelaram no Rio: o 3
°
Regimento
de Infantaria na Praia Vermelha e a Escola de Aviação Militar no Campo dos
Afonsos. O levante já nascera sob o signo da derrota, visto que as tropas legalistas já
se encontravam de prontidão.
Na mesma tarde os rebeldes esgotados depuseram suas armas às tropas do
general Eurico Gaspar Dutra e, posteriormente, conduzidos à prisão. Ao contrário de
Natal, o levante carioca foi comandado pelos oficiais comunistas e aliancistas, sem
nenhuma participação civil. No resto do país tudo transcorreu tranquilamente. Mais
uma vez o povo assistiu a tudo passivamente…
Logo, a virada do ano de 1935 e o início de 1936 iniciaram como um período
de “caça aos comunistas” e a tudo que o governo considerasse próximo ou
simpatizante do comunismo. Neste sentido, as vítimas passaram a ser desde simples
operários e trabalhadores urbanos até professores, médicos e políticos proeminentes.
O fracasso das insurreições aliancistas significou o fortalecimento do regime de
22
Principalmente os brasilianistas, como John W. F. Dulles. No item seguinte retomaremos
parcialmente a discussão sobre o levante de 1935, onde examinaremos a atuação de nossos “atores” no
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
45
Vargas. Sem advertí-lo, Prestes e seus companheiros haviam dado a Getúlio a
justificativa que ele necessitava para legitimar uma onda repressiva que se estendeu
não somente aos envolvidos no levante mas, posteriormente, também aos opositores
“pacíficos”, de esquerda
23
ou não.
Assim, após a instauração de um estado de sítio quando ainda se garantiam
algumas liberdades individuais, Vargas declarou o estado de guerra em março
24
, o
primeiro episódio da “fascistização” do regime, firmemente decidido a eliminar
todos os seus opositores. Ou seja, depois da debâcle comunista viria o seu ajuste de
contas com as dissidências oligárquicas estaduais. Sem mais entraves políticos e
apoiado por uma camarilha militar de corte pró-fascista, Vargas poderia finalmente
consolidar seu poder pessoal rumo ao Estado Novo.
Conforme o panorama histórico apresentado acima, podemos dizer que a
“Revolução de 30” parecia trazer em seu bojo mudanças significativas no sentido de
uma sociedade mais ética, justa e democrática. No entanto, não houve nenhuma
ruptura estrutural, pois a “revolução” acabou gerando paradoxalmente um governo
que foi progressivamente se encaminhando num viés autoritário e antidemocrático.
Por outro lado, na Espanha , a queda do Monarca e a proclamação da
República também pareciam apontar no mesmo sentido das reformas sociais. No
entanto, a própria incapacidade dos governos encarregados de realizarem estas
episódio.
23
A repressão imediata ao levante incluiu a pequena dissidência trotskista que havia “rachado” com o
PCB. Apesar de haverem participado da ANL, os trotskistas não haviam apoiado o levante, por
considera-lo “pequeno burguês” e “não comunista”. A respeito, veja DULLES, John W. F. Op. cit.,
1985, p. 45-49.
24
Cabe lembrar que tanto o governo como os insurgentes, ainda acreditavam que outras revoltas,
seguidas de guerrilhas rurais poderiam ainda estourar no país, pelo menos até a prisão de Prestes em
março. Ver a respeito do assunto, DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p 33-35.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
46
tarefas acabou por acirrar as diferenças sociais, levando o país a uma explosiva e
insustentável polarização, como veremos a seguir.
A Espanha dos anos 30 não era mais que um sombrio espectro do seu
glorioso passado colonial. Era um país empobrecido com graves e profundos
problemas sociais, frutos de uma rígida estrutura política e econômica. A disparidade
regional no país contribuiu para gerar níveis desiguais de concentração de renda e
desenvolvimento. Assim como algumas regiões se encontraram em condições
adequadas para empreender um processo de industrialização moderno, como no País
Basco e na Catalunha por exemplo, a maioria das regiões mantiveram suas
características tipicamente agrárias, estando sujeitas a formas arcaicas de produção.
Em contrapartida, nas regiões onde não imperava a estrutura do latifúndio
desenvolveram-se uma média e uma pequena burguesia de origem comercial e
urbana, mas que se encontrava ,de um modo geral, à margem do processo político. A
partir destes setores “pequeno burgueses” surgiria a oposição de corte republicano e
liberal, responsável pela pressão que acelerou a queda do regime monárquico
25
.
Entretanto, a tendência centralizadora e hegemônica da capital, Madrid,
acirrava a disparidade regional. Assim, onde floresciam melhores condições
econômicas começaram a despontar sentimentos autonomistas que, por volta da
virada dos anos 20, já se configuravam em sólidas reivindicações de autonomia
regional frente ao Estado espanhol. Logo, o problema da unidade nacional era de
antiga data.
Até 1931, a Espanha permaneceu sob domínio monárquico. For temente
conservadora e retrógrada, a monarquia era basicamente apoiada pelas hostes do
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
47
Exército, da Igreja, cercada por uma aristocracia latifundiária, e da alta burguesia
industrial e financeira.
As Forças Armadas, que compreendiam Exército, Marinha e a Guarda Civil,
uma espécie de polícia, funcionavam como um dos principais sustentáculos do
regime monárquico. Possivelmente porque as atribuições e os valores militares, de
um modo geral, estiveram sempre presentes na formação da sociedade espanhola que
se forjou, mediante violentas disputas, ao longo dos séculos. Logo, a atividade
castrense manteve sempre uma destacada preponderância no meio social.
Além disso, os militares possuíam uma longa tradição no que se refere a
rebeliões e golpes (os chamados pronunciamientos) desafiando o poder do Estado em
prol de sua própria visão de “ordem”, mas visando sempre proteger os interesses de
classe dos grandes latifundiários e dos setores conservadores monarquistas, aos quais
estavam vinculados organicamente
26
. Não obstante, é importante lembrar que uma
pequena parte das Forças Armadas, geralmente aquela oriunda da classe média,
também cultivava simpatias republicanas, cujo matiz político extendia-se desde a
direita liberal até a esquerda moderada. Nota-se também que a partir dos anos 20
muitos militares começaram a perder a confiança no Rei e no sistema monárquico,
considerado como “o culpado” dos desatinos na crise militar no Marrocos e das
sucessivas e crescentes agitações internas no campo e na cidade.
Outro importante pilar de sustentação da realeza era a Igreja Católica, uma
instituição que possuía profunda influência nas estruturas políticas e econômicas,
25
Sobre a complexa relação entre os setores da elite e o surgimento dos setores médios, consultar a
obra de TEMIME, Emile, BRODEL, Albert, CHASTAGNARET, Gérard. História de la España
Contemporánea. Barcelona: Ariel, 1995, p. 190 à 193.
26
LLEIXÁ, Joaquim. Cien Años de Militarismo en España. Barcelona: Anagrama, 1986, p.60-71.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
48
atuando sistematicamente como um poderoso instrumento de controle social, ainda
mais tendo em conta o baixo nível de instrução da população, analfabeta em sua
grande maioria e em condições de sobrevivência extremamente precárias,
principalmente no campo, onde a Igreja possuía sólidas bases. Por último, mas não
menos importante, a aristocracia terratenente, dona de vastas extensões de terra
trabalhadas por um exército de camponeses sem terra.
Dado o caráter agrário, predominante na sociedade espanhola, assim como o
perfil agroexportador da sua economia e a permanência de uma mentalidade
medieval podemos imaginar o que significava naqueles tempos a posse e o controle
de grandes extensões de terra. A própria mística do “senhor feudal” ou do grande
proprietário perpassava as diversas classes sociais.
Neste sentido, devemos destacar também que a alta burguesia industrial e
financeira, embora geralmente não possuindo linhagem nobre e com um perfil
“moderno”, liberal e ligado à dinâmica capitalista, ainda cultivava os mesmos valores
aristocráticos e senhoriais, investindo também no latifúndio
27
. De um modo geral, o
conjunto da burguesia espanhola sempre se mostrou organicamente débil e foi
incapaz de gerar um efetivo antagonismo entre ambas as classes que viabilizasse um
projeto próprio de desenvolvimento capitalista. Durante o século XIX seis tentativas
diversas de realizarem uma revolução burguesa haviam fracassado na Espanha
28
. Ou
seja, assim como no Brasil, em plenos anos 30 do século XX, a Espanha ainda não
havia realizado sua revolução burguesa e, neste sentido, podemos explicar também a
falência dos liberalismos espanhol e latino-americanos em geral, visto que
correspondia mais a uma importação ideológica do que a uma forma de consciência
27
THOMAS, Hugh. La Guerra Civil Española. Barcelona: Grijalbo, 1996, vol.1, p.103.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
49
social que fosse fruto da própria formação social. Por isso mesmo o seu caráter
transitório e sua fraqueza estrutural, que permitiu sua derrocada já no momento da
GCE
29
. Esta incapacidade burguesa e liberal de “tomar as rédeas da história”
deslocou o foco do antagonismo das classes “para baixo”. Como havia escrito Pierre
Vilar:
En un país predominantemente agrícola, donde se acentúa la crisis
agrária, donde un sistema aristocrático desgastado se resquebraja en
medio de las catástrofes políticas y donde las clases medias tienen poco
peso social, no basta con algunos núcleos proletários superexplotados
por un capitalismo frequentemente extranjero, para que el movimiento
obrero tome valor decisivo de dirección?
30
Esta assertiva de Vilar baseou-se nas análises feitas por Lenin em 1923
quando, comparando a situação da Rússia em 1917 com a da Espanha, concluiu que
desta poderia sair uma segunda revolução socialista, visto que as condições lá
encontradas pareciam anunciar efetivamente a iminência de uma revolução social.
Esta visão quasi premonitória de Lenin sobre a “revolução espanhola” tornou-se tão
em voga na época que tanto aqueles que a desejavam quanto aqueles que a temiam
pareciam antever com certeza a sua chegada em cada momento social convulsivo. Ou
seja, a peculiar formação histórica da Espanha parecia colocar a chave do progresso
social nas mãos dos trabalhadores.
O movimento revolucionário espanhol contava com uma longa tradição de
resistência. No século XIX, a chegada de correntes políticas com pr opostas
libertárias e emancipadoras, tais como o socialismo e o ana rquismo, forneceram um
28
ABDALA, Miguel & D”ELIA, Germán. La Guerra Civil Española. Montevideo: FCU, 1990,
p.17.
29
ABDALA, Miguel & D”ELIA, Germán. Op. cit., p.35.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
50
corpo político-ideológico coerente para a organização das classes subalternas,
marcando um horizonte a ser atingido. Em particular, o anarquismo atingiu uma
preponderância inusitada como movimento de massas. Este sucesso foi atribuído às
mais variadas causas, desde a origem rural do proletariado espanhol até o fato de que
o arcabouço ideológico anarquista parecia combinar perfeitamente com o espírito
individualista do povo espanhol
31
.
Surgiram os primeiros sindicatos e associações organizadas de trabalhadores:
em 1882, a Unión General de los Trabajadores (UGT), socialista e, em 1910, a
Confederacíon Nacional del Trabajo (CNT), anarquista, que em 1931 já atingia mais
de meio milhão de filiados
32
. As antigas reivindicações mal ou não atendidas
passaram a ser secundadas por protestos e greves e, dado o crescente processo de
radicalização política, muitas vezes terminando em revoltas e atentados num
crescente alarmante para a ordem constituída. Portanto, desde o alvorecer do século
XX o caos social espalhava-se paulatinamente pelas diversas regiões da Espanha.
Em 1923, em meio a crise marroquina, as elites espanholas procuraram uma
saída autoritária para ordenar o complexo quadro interno. Fecharam-se as Cortes e
instaurou-se uma ditadura militar comandada pelo general Miguel Primo de Rivera,
sob beneplácito real. O objetivo deste governo era restaurar a ordem social mediante
uma política intervencionista do Estado, tanto na economia quanto na vida social do
país, baseado na mística de um “Estado forte”. Este atingiu temporariamente um
certo sucesso, utilizando medidas protecionistas na economia, exercendo controle
dos sindicatos (com apoio socialista, fator que cindiu o movimento operário) e
30
VILAR, Pierre. História de España. Barcelona: Crítica, 1978, p. 107.
31
Sobre a complexa questão do Anarquismo na Espanha, recomendamos a leitura de JOLL, James.
Anarquistas e Anarquismo. Lisboa: Dom Quixote, 1977, p.265 a 324.
32
Idem, p.290.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
51
efetuando uma forte repressão política. Estes aspectos peculiares pincelaram este
governo com um nítido verniz fascista, mas não podemos caracterizar este governo
de exceção como tipicamente “fascista”. Tratava -se em verdade de mais uma
ditadura militar, apenas modernizada com elementos inspirados no fascismo italiano,
então em voga. Todavia, a ditadura de Primo de Rivera e a do seu sucessor, o general
Berenguer, com um modelo de ditadura mais branda e “liberal” não foram suficientes
para salvar a dinastia dos Bourbon de sua débâcle.
Pressionado pela oposição e a sociedade em geral, que exigiam um governo
democraticamente eleito e de cunho republicano, conforme havia ficado
demonstrado pelos resultados das eleições municipais, o impopular rei Afonso XIII
(carente do apoio das elites que antes o sustentavam) decidiu abdicar de seu trono e
partir para a Inglaterra afim de “evitar um banho de sangue”. Com este gesto apenas
postergava um confronto inevitável
33
.
A República foi proclamada em junho de 1931 e, logo após a saída do Rei,
instalou-se no poder uma coalizão de burgueses republicanos, radicais e socialistas
moderados, inicialmente presidido por Niceto Alcalá -Zamora e depois por Manuel
Azaña. Ambos gabinetes se propuseram a introduzir uma série de reformas sociais, a
começar por um processo profundo de laicização do Estado, o que reacendeu a luta
anticlerical entre os liberais e catalisou o ódio dos setores conservadores e católicos
contra a república. A reforma educacional, de corte liberal, tendente à modernização
e valorização profissional do ensino, também provocou a ira religiosa. Por outro
lado, o projeto de reforma militar, visando redução e modernização dos efetivos do
33
JACKSON, Gabriel. A República Espanhola e a Guerra Civil 1931-1939. Lisboa: Europa-
América, s.d., p.44.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
52
exército adequando-o à realidade, também encontrou resistência por parte da
anquilosada camarilha militar que detestava Azaña que por sua vez, desprezava os
militares.
O regionalismo foi parcialmente contemplado pelo novo governo que
concedeu autonomia à estratégica região catalã, com direito a parlamento próprio e
passando o catalão a ser considerado (além do espanhol) uma língua oficial. Os
bascos ainda deveriam esperar mais um pouco. Mas o principal proble ma continuava
sendo a questão da posse da terra. Neste sentido, foi criado um organismo de
fomento da reforma agrária que, teoricamente, deveria reassentar camponeses sem-
terra em terras improdutivas expropriadas pelo governo, mediante indenização.
Contudo, os entraves da burocracia, a lentidão da própria máquina estatal e
inclusive a indiferença de alguns membros do governo, desinteressados em atingir o
cerne do problema, acabaram relegando a reforma agrária a um segundo plano,
causando evidente insatisfação nos meios populares.
Se, por um lado, o conjunto das reformas intentadas pelo primeiro governo
republicano demonstraram ser insuficientes para atender às necessidades prementes
das classes menos favorecidas, por outro foram suficientemente agressivas para
irritar as camadas dominantes, principalmente pelo lado do anticlericalismo
governamental. Em 1932, conspiradores monarquistas apoiados por alguns militares,
comandados pelo general José Sanjurjo, intentaram um golpe militar de signo
restaurador que acabou fracassando devido ao seu caráter limitado e ao vazamento de
informação sobre a conspiração. Refeita da derrota, a direita aprendeu a lição: as
condições não estavam ainda maduras para um assalto ao poder.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
53
Além da acirrada oposição da direita o governo burguês teve de enfrentar
problemas com o setor operário, que exigia mais ênfase nas reformas econômicas, e
com o campesinato, que clamava pela efetiva realização da reforma agrária, a qual a
essas alturas era considerada quase um mito. A impaciência dos camponeses chocou-
se frontalmente com a morosidade do Estado.
No início de 1933 houve um ressurgimento de distúrbios no campo, quando
os camponeses anarquistas incitaram a ocupação das terras e chegaram até a
ocupação temporária de alguns povoados, como ocorreu em Casas Viejas, na
Andaluzia. A repressão do governo foi desigual, brutal e repercutiu negativamente na
opinião pública de todo o país.
Isolado e abandonado por seus aliados socialistas, o governo burguês
reformista caiu presa da sua própria inflexibilidade e falta de ousadia. Não havia
enfrentado decididamente a direita nem conseguido superar o seu preconceito de
classe, visto que não procurou suporte nas camadas subalternas para o seu programa
de reformas.
Desmoralizado politicamente e sem poder contar com o apoio das massas,
cada vez mais atraídas para opções políticas mais radicais como o anarquismo ou o
comunismo, o governo reformista perdeu as eleições de 1933 para uma coalizão de
partidos de direita capitaneada pela Confederación Española de Derechas
Autónomas (CEDA), um partido católico. Neste contexto, as esquerdas divididas não
somente por questões programáticas mas também entre as que haviam ou não
apoiado o governo burguês, também saíram prejudicadas, visto que o momento
político favorecia as coalizões e não partidos isolados. Desta forma, a divisão entre
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
54
as esquerdas cobrava seu primeiro preço ao favorecer indiretamente a ascensão da
direita.
A coalizão conservadora, eleita principalmente pelos votos da classe média e
pelo novíssimo eleitorado feminino, tinha uma finalidade essencialmente
“restauradora” e um caráter regressivo em relação às reformas sociais. Em síntese,
passou a remover por via constitucional as conquistas sociais obtidas pelas classes
trabalhadoras durante o governo anterior. Não foi mera casualidade que este período
passou para a história denominado como o “Biênio Negro”.
Frente às medidas involutivas e reacionárias do governo da direita, parte da
esquerda reagiu partindo para um processo de radicalização da sua prática política,
mesmo que ainda dividida quanto a ação.
Os socialistas, embora reunidos em torno do Partido Socialista Obrero
Español (PSOE) e do poderoso sindicato UGT, encontravam-se divididos
internamente. Um grupo mais moderado buscava manter a aliança com a burguesia
democrática, mas o setor mais jovem do partido (por ironia liderados por um ex-
moderado, Largo Caballero)
34
passou a desafiar abertamente a legalidade burguesa,
conclamando a conquista do poder pela via revolucionária, e começou o treinamento
clandestino de seus filiados. Pretendiam também disputar espaços políticos com os
rivais anarquistas que cresciam na violência revolucionária, principalmente desde a
criação da ilegal Frente Anarquista Ibérica (FAI), uma autêntica força de choque
34
Francisco Largo Caballero, popular líder das juventudes socialistas. Curiosamente, “o Lenin
espanhol”, como era chamado por seus seguidores, era um sexagenário que durante a ditadura de
Primo de Rivera (1923-1930) havia sido a favor da colaboração do seu sindicato UGT com o governo,
em desafio a política oposicionista da CNT anarquista, que o acusava de “traidor” da classe operária.
Seu processo de radicalização se aceleraria a partir do levante asturiano em 1934.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
55
libertária forjada nos moldes de uma sociedade secreta, cujo decidido objetivo era
destruir a “ordem burguesa”.
Ainda no campo da esquerda, um pequeno e organizado partido criado nos
anos 20 permanecia isolado e hostil tanto aos anarquistas quanto aos socialistas. Era
o Partido Comunista da Espanha (PCE) que, seguindo a tendência revolucionária
local e as indicações de Moscou, montara também uma organização paramilitar
clandestina: as Milícias Antifascistas Obreras y Campesinas (MAOC). O rótulo
“antifascista” designava claramente o inimigo escolhido. Entretanto, seu caráter era
dúbio, pois na Espanha de 1933 haviam grupos que tanto se declaravam como
“fascistas” quanto grupos a quem os comunistas (presos no seu sectarismo)
identificavam também como sendo “fascistas”, ainda que não o fossem, como os
socialistas e principalmente os marxistas não stalinistas. Ainda num futuro próximo a
estrutura destas milícias revelaria sua vital importância, sendo consideradas como a
gênese de um novo exército em formação durante a guerra civil.
Para concluirmos nossas considerações acerca do complexo e
compartimentado bloco da esquerda cabe ainda mencionar uma agrupação marxista
dissidente do PCE , a qual, como a maioria dos comunistas espanhóis, era oriunda do
anarquismo: a Izquierda Comunista. Apesar de contar com poucos seguidores tinham
como líderes dois intelectuais muito ativos e críticos ferrenhos do stalinismo que o
haviam vivenciado na URSS: Andreu Nin e Julián Gorkin. Embora próximos
ideologicamente da linha trotskista, o grupo recebia severas críticas por parte de
Leon Trotsky, no entanto, para os marxistas ortodoxos a Izquierda Comunista
sempre foi considerada como um grupo “trotskista”. Posteriormente, se tornariam o
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
56
Partido Obrero de Unificación Marxista, mais conhecido pela sigla POUM, embora
sem perder a pejorativa classificação dada pelos comunistas da linha moscovita.
Contudo, a crescente radicalização da política e o abandono das práticas
pacíficas em detrimento da “ação direta”
35
não era monopólio exclusivo das
esquerdas. As direitas também se encaminhavam no mesmo sentido. Desde 1931 já
existiam as Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalistas (JONS). Estas eram fruto da
fusão de dois pequenos grupos radicais formados, basicamente, por estudantes de
classe média que cultivavam a violência como método para atingir seus objetivos
políticos, fazendo releituras locais de programas nazi-fascistas (ultranacionalismo)
evocando o retorno a um passado “imperial”, um Estado forte, corporativo,
centralizado e capaz de impor verticalmente a justiça social.
Por fim, a idéia de uma Espanha “unitária”, o que equivale dizer que se
opunham aos autonomistas. Seus inimigos acérrimos eram todos os marxistas, os
liberais, e ao final, ironicamente, eram contra os “estrangeirismos” visto que
consideravam que os grandes males da Espanha provinham da importação de
ideologias, obviamente se referindo apenas aos seus antagonistas. Minimizando e
ocultando a sua própria influência forânea, eles mesmos se consideravam
autenticamente “espanhóis”. Talvez um indicativo da estranha simpatia que tinham
pelos anarquistas, considerados também como uma manifestação tipicamente
espanhola. Em 1933, as JONS se fusionaram com outro grupo mais orgânico e
articulado, a Falange Española.
35
Entendemos por “ação direta” o uso de meios ilegais ou não institucionais para atingir um
determinado fim político. Ver ANDRADE, John. Acção Directa: diccionário de terrorismo e
activismo político. Lisboa: Hugin, 1999, p. 5.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
57
A Falange havia sido fundada pelo filho do ex-ditador Primo de Rivera, José
Antonio, um jovem advogado vinculado aos grupos dominantes, principalmente do
setor financeiro e dos monarquistas. Também possuía estreita vinculação com
Mussolini e os fascistas italianos, dos quais recebeu vultosas somas em troca de
relatórios sobre a economia espanhola
36
. Aos poucos, a Falange, com seus vastos
recursos materiais e com um arcabouço teórico mais coerente, que possibilitava
também um discurso mais elaborado e menos radical no sentido sindicalista (que
assustava a elite), na verdade foi absorvendo as toscas JONS e se transformando num
grupo coeso, organizado e com uma ampla estrutura paramilitar destinada a varrer a
“canalha marxista” e a “decadência liberal e democrática” dos burgueses.
Outro importante grupo da extrema-direita, mas não fascista, era formado
pelos monarquistas carlistas, unidos na Comunión Tradicionalista. O carlismo era na
verdade um ramo extremista dos monarquistas que igualmente pretendiam a
restauração da monarquia, embora de outra linhagem dinástica diferente daquela do
rei deposto, Alfonso XIII. Ultracatólicos, antiliberais e antimarxistas representavam
sem dúvida o setor mais reacionário da sociedade espanhola e pretendiam um
autêntico retorno da roda da história à vida medieval. Significativamente, se referiam
à sua luta como uma “cruzada”.
Desde 1931-32 os carlistas já conspiravam contra a república e pouco depois
dariam início a formação de sua milícia privada, os chamados requetés, treinados por
militares e armados com equipamento obtido da Itália mussoliniana .
Pelo exposto acima, podemos auferir que tanto a “revolução” quanto a
“contra-revolução” pareciam estar preparadas para a ação e prestes a espocar a
36
PADRÓS, Enrique S. “O Fascismo Espanhol e a Guerra Civil” In: História: Ensino e Pesquisa.
Porto Alegre: Mercado Aberto, ano 2, número 1, p.14.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
58
qualquer momento. A demissão do chefe do governo, Alejandro Lerroux, em abril de
1934, deixou um vácuo de poder que abriu caminho para a direita católica, a CEDA
que, inspirada no estilo do chanceler austríaco Engelbert Dolfuss, estava adquirindo
suaves matizes fascistas. Logo, os socialistas interpretaram o momento como um
sinal de que o fascismo se consolidaria de fato no poder e, ironicamente, pela vias
democrática institucional, tal como o fizera há pouco na Alemanha e na Áustria. O
atroz destino dos socialistas alemães e austríacos, massacrados pelo fascismo, era
uma realidade presente e muito recente para os colegas espanhóis.
Diante do que consideraram uma possibilidade concreta de ascensão fascista,
somada à crescente impopularidade do governo e a sua desilusão com as promessas
republicanas, os socialistas tomaram a iniciativa de romper com a legalidade
constitucional e intentaram desencadear uma insurreição em nível nacional.
Na capital, o levante foi facilmente sufocado pelas tropas do governo. Na
Catalunha, os autonomistas cansados pela morosidade do governo central em relação
à concessão do estatuto de autonomia catalã, aproveitaram a radicalização dos
dirigentes e das massas “de esquerda” e proclamaram a “República Catalã”. Mas esta
teve curta duração, pois o Exército não aderiu, abortando a fugaz intentona
separatista. O levante se consolidou somente na região mineira das Astúrias, graças a
uma efetiva união das esquerdas, como uma decisão tomada a partir das bases que
atropelaram os seus respectivos dirigentes, imersos em divagações teóricas.
Socialistas, comunistas e anarquistas superaram querelas políticas e se uniram numa
espontânea frente unida antifascista, a UHP, Unión de Hermanos Proletários
37
.
37
THOMAS, Hugh. Op. cit, p.160-163.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
59
Foi proclamada uma “República Socialista” em outubro de 1934, com sede
em Oviedo, e foram mobilizados para a luta mais de trinta mil trabalhadores os quais
montaram um soviet de soldados, operários e camponeses, a la russe nos moldes de
1917. Esta união suscitava espanto e admiração mesmo entre os próprios membros
do grupo. A análise, ou “visão profética” de Lenin parecia concretizar-se, afinal.
Não obstante, o governo não esperaria o alastramento das chamas
revolucionárias, chamando dois experientes generais para dirigir as operações de
guerra com a finalidade de suprimir a rebelião. Eles eram Manuel Goded e Francisco
Franco, ambos pouco simpáticos aos republicanos e esquerdistas em geral, além de
saudosos defensores da monarquia. Franco comandaria as unidades mercenárias da
Legião estrangeira espanhola, o Tércio de Extranjeros, e as cruéis tropas coloniais do
Marrocos, sem dúvida as duas mais preparadas tropas do Exército espanhol apoiadas
pela aviação.
Os rebeldes, frente ao poderoso e moderno Corpo de Exército formado para
destruir o movimento, pouco tinham a opor, além de alguns fuzis e dinamite e de sua
“vontade e fé revolucionárias”. Ainda mais que os levantes esperados em outras
províncias não eclodiram como havia sido previsto. O foco de Astúrias permaneceu
isolado do resto da Espanha.
O movimento revolucionário capitulou após alguns dias de intensos
combates. A seguir, as forças de ocupação dedicaram-se à tortura e aos assassinatos.
A brutalidade da repressão empregada contra o levante produziu mais de 1.500
mortos, três mil feridos e trinta mil presos políticos
38
. Estes dados repercutiram
assustadoramente não somente na Espanha, mas no mundo todo.
38
THOMAS, Hugh. Op. cit., p.167.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
60
A derrota do levante asturiano suscitou várias leituras possíveis de acordo
com o prisma político empregado. A esquerda, com a maioria de seus dirigentes
presos, idealizou a gesta revolucionária e tomou-a como um “ensaio geral”. A
repressão serviu para fortalecer a consciência dos revolucionários. As classes médias
mostravam-se cada vez mais atemorizadas e buscavam a proteção dos grupos e
partidos autoritários. A direita, ciente da pressão exercida pelas classes subalternas,
não somente pelo levante mas pelas greves, lock-outs, paralisações e tudo o que
considerava como “distúrbios da ordem”, não escondia seus anseios de acabar com a
democracia e instaurar um governo autoritário. Após o desastre de Astúrias notamos
um acelerado processo de fascistização no mosaico da extrema direita. Os grupos de
jovens católicos e monarquistas, por exemplo, passavam a adotar uma estética e
atitudes de cunho fascista.
Mas o efeito mais profundo e duradouro do episódio de Astúrias foi a ampla
fratura que ocasionou no seio da sociedade, extrapolando como nunca a polarização
política entre as mais variadas classes e setores da população. A essas alturas era
impossível manter uma neutralidade ou evitar assumir uma posição definida. E dado
o rancor existente entre ambos os espectros políticos e o ódio entre as classes,
também seria cada vez mais impossível chegar a uma conciliação capaz de reatar o
desfeito pacto social.
O ano de 1935 marcou uma desesperada (e fracassada) tentativa de
conciliação social por parte dos partidos de centro-direita, ainda no poder, tolerando
até uma reorganização parcial das forças da esquerda, graças à distensão do governo.
Esgotadas as possibilidades de mediação política e com a governabilidade abalada
devido às sucessivas manobras conspirativas de chefes militares com o líder da
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
61
direita católica, José Gil Robles, o presidente Niceto Alcalá-Zamora dissolveu as
Cortes (parlamento) e fixou uma data para nova eleição em 16 de fevereiro de 1936.
Começava imediatamente a campanha eleitoral e com ela a conformação de
dois grandes blocos ideologicamente antagônicos que dominariam a cena política
nacional: a Frente Nacional, representando a união das direitas e a Frente Popular,
pela esquerda. Na verdade, ambas coligações apresentavam complexos amálgamas
desiguais quanto à composição e de homogeneidade dúbia. Mantiveram-se afastadas
das frentes por divergências programáticas ou filosóficas a Falange e os anarquistas
da CNT-FAI. No entanto, cada grupo já havia instruído taticamente seus militantes
no tocante à postura a ser tomada no pleito eleitoral.
Longe de ser “revolucionária”, a plataforma da Frente Popular incluía a
retomada de uma série de medidas reformistas do primeiro governo republicano,
embora intensificada na ação estrutural. Tais como a ênfase na reforma agrária, a
efetiva implantação do ensino laico e as medidas protecionistas dirigidas às classes
trabalhadoras. Alguns termos do programa pontuavam reivindicações conjunturais
importantes, tais como a outorga definitiva dos estatutos autonômicos aos catalães e
bascos e, principalmente, a anistia geral aos presos em decorrência do malfadado
levante de 1934.
Cabe lembrar que a Frente Popular antifascista somente foi possível graças à
aproximação dos republicanos de Manuel Azaña com a fração socialista moderada de
Indalécio Prieto, os quais contaram com o vigoroso incentivo dos comunistas que,
seguindo as orientações da Komintern
39
, instavam todas “as forças democráticas e
progressistas” (exceto os “trotskistas”) a superarem suas diferenças e se aliarem em
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
62
prol da luta contra o fascismo. Ela teve o mérito de atingir um amplo espectro
político nunca antes visto, pois incluía desde os socialistas (das duas correntes:
moderados e revolucionários), o conjunto dos partidos da burguesia republicana, os
partidos regionalistas (bascos e catalães) e, por fim, os comunistas. Claro está que
um dos partido da esquerda não participava da FP, embora votasse nela, o POUM.
Vale ressaltar que a não abstenção dos anarquistas que apostaram na anistia proposta
pela FP foi o fator decisivo que pesou nos números dos votos obtidos pelas
esquerdas.
Após eleições relativamente pacíficas para um clima normalmente tenso, as
urnas confirmaram a estreita vitória da FP: 4.654.116 votos contra 4.503.505 da
Frente Nacional, e apenas 526.615 dos partidos de centro
40
.
Inconformados após sucessivas e infrutíferas recontagens de votos, os setores
da direita reiniciaram as ligações conspirativas, enquanto o novo governo,
empossado às pressas e pressionado por um eleitorado impaciente, deveria
implementar com urgência as reformas prometidas. Os presos políticos começaram a
ser libertos pelos companheiros mesmo antes da anistia ser promulgada. Muitas
terras começaram a ser ocupadas antes da reforma agrária, principalmente aquelas
que haviam sido abandonadas pelos seus donos devido a vitória da FP. Nas cidades,
atentados à bomba e incêndios contra jornais de direita e igrejas, o anticlericalismo
reacendia. O boicote dos empresários contra a política trabalhista do governo
39
Optamos por indicar Komintern no gênero feminino visto que se trata da abreviação do termo
original em alemão Die Kommunistische Internationale (A Internacional Comunista).
40
As cifras ainda hoje são objeto de discussão. Preferimos a apresentada em THOMAS, Hugh. Op.
cit., p.179.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
63
impulsionou os sindicatos a declararem greves que assolaram o país durante todo o
período, além da ocupação das fábricas
41
.
O clima, no campo e nas cidades, tornava-se cada vez mais instável e
suscetível à explosão da violência: simples discussões políticas em cafés e bares
terminavam em tiroteios, com mortos ou feridos. Bandos armados das milícias de
ambos os lados caçavam-se mutuamente, dando origem ao que se denominou de
“gangsterismo político”. A polarização ideológica atingia o auge do extremismo: os
partidos extremistas de direita como a Falange e de esquerda como a CNT-FAI e a
Juventud Socialista Unificada (JSU) transbordavam de jovens decididos a
empunharem armas pelas suas crenças.
É significativo desse período o esvaziamento dos partidos de centro,
principalmente nas suas alas jovens. A situação indicava sinais de “maus tempos”
que se avizinhavam. Pouco a pouco, a estrutura da FP se desintegrava devido aos
seus interesses desiguais, pois o governo pretendia a manutenção da legalidade
burguesa e as paulatinas reformas, enquanto a esquerda radical avançava em sentido
revolucionário. Essa fragilidade da FP propiciou que o mosaico das forças
reacionárias se tornasse um bloco monolítico cerrando as suas fileiras em torno de
um objetivo único: tomar o poder antes que a esquerda radical derrocasse o governo.
Apenas quatro meses após a eleição, em meados de julho de 1936, produziu-se uma
tentativa de golpe, cujo processo desembocaria, pouco depois, numa guerra civil
como conseqüência final.
Traçadas as respectivas trajetórias históricas do Brasil e da Espanha podemos
estabelecer os paralelos que nos permitem desenhar um vínculo ou aproximação
entre ambas as realidades, para assim podermos entender melhor o que levou um
41
PAZ, Abel. O Povo em Armas. Lisboa: Assírio &Alvim, 1974, p.227-228.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
64
punhado de brasileiros a empreender uma luta de vida ou morte em terras
longínquas. Ao examinarmos o plano das mudanças políticas internas, operadas tanto
na Espanha (a proclamação da Segunda República em 1931) quanto no Brasil (a
“Revolução de 30”), podemos concluir que, embora sejam fenômenos histórico-
sociais com características locais específicas e peculiares, ambos possuem no
entanto, um significado semelhante: um momento de inflexão que pode ser
considerado como um marco histórico.
Ambos movimentos apresentavam um caráter “renovador”, modernizante e
reformista, um rejuvenescimento da máquina política e estatal. Simbolizavam assim
a tentativa de superação de uma etapa, se não em uma dimensão vertical e profunda
ao ponto de abalar as estruturas sociais de cada país, ao menos o fizeram no plano da
superestrutura política, efetuando mudanças na composição orgânica do poder ao
deslocar para fora do cenário principal (ainda que temporariamente) as tradicionais
oligarquias agrárias, no caso brasileiro, ou o afastamento da Monarquia e parte de
seu suporte, a Igreja e a aristocracia latifundiária, no caso da Espanha. Ou seja, de
alguma forma ambos eventos históricos permitiram uma certa ascensão política de
setores da burguesia que antes se encontravam alijados do poder.
Mas é importante ressaltar que tanto no Brasil quanto na Espanha havia um
problema crônico em torno do fortalecimento do poder central em detrimento aos
poderes regionais. Nas regiões mais modernas e desenvolvidas economicamente,
onde a burguesia, ou uma elite “aburguesada”, atuavam efetivamente como “motor
propulsor” da dinâmica capitalista, desenvolveram-se forças centrífugas tendentes ao
autonomismo regional e, por vezes, ao separatismo, favorecendo assim uma
perspectiva de desagregação nacional em oposição à unidade nacional.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
65
No Brasil, temos o caso de São Paulo, “a locomotiva que puxa os outros vinte
vagões”, onde a burguesia imbricada à elite cafeicultora manifestava -se em
momentos críticos a favor do separatismo, tal como em 1932
42
.
Na Espanha, o problema era mais grave, pois além da questão econômica
havia uma dimensão superestrutural representada pela pluralidade da formação
étnico-cultural espanhola inserida no jogo: poder central versus poder regional. É o
caso dos catalães e bascos, por exemplo.
Entretanto, uma diferença marcava os dois casos em particular. Se a
“Revolução de 30” no Brasil significou a vitória de um projeto político centralizador
(com um corte inicialmente “progressista”, mas depois “progressivamente
autoritário”) buscando forjar na unidade nacional uma oposição ao autonomismo
desejado pelas elites locais “retrógradas”, na Espanha a proclamação da República
significou a possibilidade de uma reestruturação do Estado que permitisse o exercício
do autonomismo regional dentro dos limites do Estado federativo. A unidade
nacional espanhola, ao contrário da brasileira, deveria ser atingida respeitando a
diversidade, uma unidade integradora e pluralista
43
. Logo, podemos ver que o
“autonomismo” possuía um significado concreto diferente e de sinal invertido em
ambos países, assim como foram inversos os meios utilizados para atingir a unidade
nacional.
42
Sobre a visão separatista paulista em 1932, veja BORGES, Vavy P. Tenentismo e Revolução
Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 187 e ss.
43
ABDALA, Miguel & D”ELIA, Germán. Op. cit., p.42. No entanto, a vitória de Franco abortou os
autonomismos e implantou uma idéia unitária de Espanha baseada na tradicional hegemonia de
Castela, o que gerou um tensionamento que pode ser observado ainda nos dias de hoje, principalmente
no Pais Basco.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
66
Ainda podemos dizer que tanto a “Revolução de 30” quanto a proclamação da
República Espanhola sofreram também a marcada influência da Crise de 1929.
Todavia, é interessante que relativizemos a intensidade do impacto local deste evento
global em cada país ao relacioná-lo diretamente com a dinâmica interna
44
.
Todavia, é fato que a Crise de 1929 havia afetado rápida e profundamente as
bases de todas as economias exporta doras baseadas essencialmente em produtos do
setor primário. Devido à sua função na compartimentada dinâmica capitalista, tanto o
Brasil quanto a Espanha ocupavam lugares periféricos na economia mundial e se
enquadravam num perfil “dependente” dos mercados estrangeiros. Portanto, a
retração dos mercados externos significou simultaneamente um acirramento dos
problemas sociais preexistentes em ambos países e o conseqüente agravamento da
situação política interna, como vimos anteriormente.
Por fim, no plano das clivagens ideológicas, podemos perceber que ambos
países apresentavam, desde longa data, uma marcada influência das tendências
políticas presentes nos países centrais assim como a penetração de ideários
estrangeiros. Na década de 30 o processo de polarização político-ideológica, iniciada
a partir da vitória da revolução bolchevique em 1917, já se encontrava avançado em
ambos países.
Com o dramático colapso do liberalismo econômico e político em 1929
tivemos, em ambos países, reflexos locais da ascensão dos fascismos, surgidos como
um meio de conter a revolução social, exacerbando essa polarização ao radicalizar as
antinomias ideológicas entre a esquerda e a direita. Logo, tanto no Brasil quanto na
44
E. Hobsbawm em “ A Era dos Extremos”, página 108, parece sobrepor os efeitos da Grande Crise à
dinâmica interna, no tocante a queda da monarquia e a subsequente proclamação republicana
espanhola. Já autores hispanistas como Gabriel Jackson, destacam o caráter multifacético e destaca a
conjuntura interna do evento. Ver JACKSON, Gabriel. Op.cit.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
67
Espanha, a falência geral do tradicional sistema político democrático-liberal
favoreceu o crescimento dos grupos e partidos alinhados com propostas
revolucionárias à esquerda ou contra-revolucionárias à direita, movimentos de nítida
inspiração fascista ou simplesmente “anticomunistas”, em oposição a grupos
francamente comunistas e também aos componentes das frentes “antifascistas”. Em
síntese, em cada país se geraram movimentos análogos e sintonizados com os novos
rumos do contexto político e histórico mundial, mas profunda e irreconciliavelmente
antagônicos entre si.
Mesmo antes do início da guerra civil na Espanha que acabou por projetar a
luta de classes no plano internacional, nos parece clara a identificação da ANL com a
Frente Popular espanhola, já que representariam a mesma luta em outras terras.
Assim, na Espanha republicana pré-revolucionária ecoava o desastre da Insurreição
aliancista no Brasil e a penosa situação em que se encontravam os seus artífices.
Quando da prisão de Prestes, o Socorro Vermelho Internacional (SVI)
45
organizou
em várias cidades ao longo da Espanha, no final de março de 1936, várias
manifestações de solidariedade aos “camaradas brasileños” que contaram inclusive
com a presença do famoso dramaturgo e poeta Frederico Garcia Lorca e com a mãe
de Prestes, Dona Leocádia, que denunciou as atrocidades cometidas pela polícia
especial de Getúlio Vargas contra os presos políticos
46
.
É possível imaginarmos a repercussão destas denúncias numa Espanha que
recentemente havia passado por um acontecimento similar, a insurreição asturiana,
45
O Socorro Vermelho Internacional (SVI) era uma instituição montada paralelamente pela
Komintern para fornecer apoio material e financeiro aos revolucionários e suas famílias, quando em
situação de necessidade ou perigo. Mas não era simplesmente uma “sociedade filantrópica
comunista”, pois exercia tarefas de propaganda e proselitismo político. Era mais um braço atuante da
Komintern.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
68
em outubro de 1934. Esta mobilização a favor de Prestes e seus companheiros teve
como resultado direto um cabograma de protesto redigido por um grupo de
deputados espanhóis da FP e que foi enviado diretamente ao palácio do Catete. Em
27 de maio de 1936, o mesmo foi publicado na primeira página do jornal “Correio do
Povo” de Porto Alegre e em outros jornais do país, com a seguinte manchete:
Exigindo a liberdade de Prestes!
DEPUTADOS HESPANHOES DA FRENTE POPULAR
TELEGRAPHAM AO PRESIDENTE DA REPUBLICA
Rio, 26 (UP)Em composição destacada de sua primeira pagina, publica
hoje o “Correio da Manhã”
Por intermédio do Departamento Nacional de Propaganda, recebemos o
seguinte:
O Presidente da Republica recebeu o seguinte telegrama:
MADRID, 25 Deputados da Frente Popular Hespanhola, exigimos,
com grande energia, que o processo do capitão Prestes, chefe da
Alliança Nacional Libertadora, seja publico e possa elle escolher os
advogados que entender. Exigimos a sua liberdade e a de todos os presos
políticos. O telegrama é subscripto por sessenta deputados, figurando em
primeiro lugar o sr. Largo Caballero, chefe do Partido Communista (sic )
da Hespanha
47
.
O caráter ousado da reclamatória levou o redator do jornal a fazer um
comentário, no mínimo curioso, onde se dizia duvidar da veracidade do documento:
Publicamos o telegrama acima, por dever profissional. Não acreditamos,
porém, na sua authenticidade. Elle é tão absurdo, que não pode ser
46
GIBSON, Ian. O Assassinato de Garcia Lorca. São Paulo/Porto Alegre: 1988, p.35
47
Correio do Povo, 27/05/1936, p.1. Largo Caballero, como já dissemos, era o líder da ala jovem e
revolucionária dos socialistas.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
69
veridico e justamente não o pode ser pelos nomes que o subscrevem.
Estadistas que vêm tomando parte nos negocios politicos da Hespanha,
que não é um paiz inculto, seria o cumulo que commettessem semelhante
“gaffe”
48
.
Como era de se esperar, o recado teve efeito bombástico no Brasil e os
ardorosos defensores de Vargas no Congresso (ainda não fechado) prontamente
argüiram que o Brasil (e seu governo) havia se tornado alvo de objurgatórias por
parte dos mercenários de Moscou
49
. Os protestos contra os comunistas espanhóis,
ou melhor, contra a Espanha “bolchevizada” eram estampados nas primeiras páginas
dos jornais brasileiros indignados com:
A insolencia dos deputados hespanhóes
O PROTESTO DOS ESTUDANTES PAULISTAS
São Paulo, 1° (C.P.) Continua a opinião publica revoltada contra a
attitude dos deputados communistas hespanhoes.
O Syndicato dos Bancarios telegraphou ao presidente da Republica,
hypothecando-lhe solidariedade e chamando-o de “bravo Getúlio
Vargas”.
No “Centro Acadêmico XV de Agosto”, os estudantes de direito
realizaram agitada reunião, protestando, também vehementemente.
Em tudo isso, por outro lado, nota-se a repulsa, também, da própria
colonia hespanhola de São Paulo, contra a attitude insolente dos
patricios communistas
50
.
Notamos que pelo menos uma parte da comunidade espanhola radicada no
país prontamente enviou a Vargas um telegrama de “solidariedade”, expressando o
48
Correio do Povo, 27/05/1936, p.1.
49
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p 53.
50
Correio do Povo, 02/06/1936, p.1.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
70
seu pesar pela interferência nos assuntos internos do Brasil. Na verdade, buscava
com isto não somente alinhar-se com o regime, mas contrapor-se a seus compatriotas
comprometidos com a esquerda e que nos Centros Espanhóis faziam proselitismo a
favor da República na Espanha. No microcosmos da colônia espanhola no Brasil
reproduziam-se, em menor escala, mas com a mesma intensidade as contradições
políticas, sociais e culturais da Madre Pátria
51
. Com a deflagração do conflito alguns
cidadãos espanhóis residentes no Brasil, assim como alguns brasileiros de origem
espanhola, tentaram participar diretamente do confronto, cada um deles seguindo
suas particulares inclinações políticas. No entanto, poucos conseguiram chegar a
Espanha em guerra, como veremos adiante.
Em 19 de julho de 1936, Joaquim Soares D’Azevedo, um jornalista carioca
do matutino “Correio da Manhã”, vindo de Paris e de passagem pela Espanha,
encontrou-se pego de surpresa pelo levante anarquista na Catalunha organizado em
resposta à tentativa de golpe militar deflagrado no dia anterior. Segundo ele próprio
fez constar, era o único membro da imprensa brasileira na Espanha naquele momento
crucial. Seus relatos sobre os momentos iniciais do conflito, publicados no Brasil já
em outubro de 1936, são um raro testemunho de época e podem nos passar uma idéia
(embora um tanto preconceituosa e muito pessoal) da atmosfera existente na Espanha
de então e, especialmente, em relação aos acontecimentos recentes no Brasil. Ao
longo do texto são freqüentes as referências a Prestes ou ao levante no Brasil.
Quando chegava a Madrid, D’Azevedo foi surpreendido por (...) grupos de
mulheres em desalinho erguem os punhos fechados e gritam: de norte a sul, de léste
51
Sobre a perseguição policial aos republicanos espanhóis no Brasil durante o Estado Novo, ver
SOUZA, Ismara I. República Espanhola: um Modelo a ser Evitado. São Paulo: Arquivo do
Estado/Imprensa Oficial, 2001.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
71
a oéste, libertad de Prestes
52
. Curioso, perguntou a um “civil armado” o que isso
significava:
Não sabe? Prestes, a maior victima dos vaticanistas brasileiros. Mas
também chegará a vez do Brasil. Toda a Espanha tem vivido meses de
revolta com o attentado brasileiro aos operários, camponezes e
soldados, que o bravo Prestes tão bem encarnava. Ouvirá o senhor essa
canção em todas as províncias, em todos os “pueblos”, grito de protesto
da alma espanhola livre
53
.
Fervorosamente católico e anticomunista (mas crítico do nazismo, que
qualifica de bárbaro”) seu relato certamente contribuiu para manter o clima de
histeria anticomunista reinante no Brasil desde novembro de 1935 e que serviu para
justificar, perante a sociedade brasileira, os rumos tomados por Getúlio em direção à
ditadura estadonovista. Ao estabelecer um parâmetro entre a situação brasileira e o
conflito na Espanha expressou-se em um pessimismo apocalíptico, quase um sermão:
Seja como for, a Europa está attingindo a encruzilhada, e nós, no Brasil,
também haveremos de chegar a ella. Não há mais o que hesitar. Ou a
força com a ordem, ou a violencia como cáos. O liberalismo e a
democracia morreram em Versalhes. Só há que escolher, nesta Europa
estraçalhada e ensanguentada, entre o fascismo e o communismo. Eu sei
que não se oferecem ainda ao nosso paiz as pontas deste dilemma, mas
lá chegaremos, para bem ou mal da nossa terra e da nossa gente
54
.
Podemos concluir que, independentemente do seu posicionamento ideológico,
a opinião e a análise do autor exprimia uma visão corriqueira na época e que,
52
D’AZEVEDO, Soares, J. Espanha em Sangue. Rio de Janeiro: Cruzada da Boa Imprensa, 1936,
p.17.
53
D’AZEVEDO, Soares, J. Op. cit., p.17.
54
Idem. p.179-180.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
72
curiosamente, era compartilhada tanto pela direita quanto pela esquerda. Que era a
certeza de que não existia saída a não ser nos extremismos e que o mundo se
encaminhava irreparavelmente em direção a um ou outro. Significativo também é o
prefácio do livro escrito pelo Padre Huberto Rohden, diretor da conspícua editora
“Cruzada da Boa Imprensa”
55
. No seu discurso articula um nexo, uma “união
maldita” entre a Espanha e a URSS contra o Brasil e alerta contra os perigos do
bolchevismo, uma análise bastante empregada na imprensa brasileira naquele
contexto
56
. Os grifos são nossos:
Onde está o Prestes? Liberdade para Prestes! Estas palavras soavam,
todos os dias, aos ouvidos do nosso collega. O Brasil é alvo de ódio da
parte da Espanha sovietizada. Luiz Carlos Prestes encarnava a
esperança de Moscou na América do Sul. O polvo bolchevista estende
para além do Atlantico os tentáculos traiçoeiros, empolgando nos seus
amplexos mortíferos, milhares de espíritos incautos, que buscam a
salvação da sociedade entre a foice e o martello fatídico de Lenine
57
.
Enquanto isso, os setores progressistas no Brasil encontravam-se
amordaçados devido à forte repressão do estado de guerra. Assim, as vozes
favoráveis às transformações operadas na Espanha não atingiam o mainstream,
ficando limitadas aos jornais ilegais da esquerda como “A Classe Operária” ou “A
55
O próprio nome é sugestivo, já que o termo “cruzada” sugere um enfrentamento em defesa da fé
cristã. A direita espanhola se referia a GCE como sendo uma “cruzada” contra o ateísmo marxista. A
“Boa Imprensa” pontualiza o caráter maniqueista. Ou seja, havia no entender deles, uma “má
imprensa” que certamente estava personificada nos jornais da esquerda que infimamente circulavam
de modo ilegal no Brasil. Veja a respeito DULLES, John W. F. Op. cit., 1985.
56
A este respeito, deve ser consultado o artigo de Gisálio Cerqueira Filho e Gizlene Neder: “Ecos da
Segunda República e da GCE no Brasil” In: Tempo. Rio de Janeiro: Departamento de História UFF,
1999, vol.4, n.8, p. 89-109.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
73
Luta de Classes”, com pouca circulação e abrangência, e a excertos de intelectuais na
Revista Acadêmica, uma publicação literária onde figuras exponenciais como Mário
de Andrade, Rubem Braga, Érico Veríssimo e Cândido Portinari manifestavam as
únicas notas favoráveis a República Espanhola
58
. Porém, ainda que geralmente
ostentando uma visão negativa, e servindo para reforçar a ideologia repressiva de
Vargas, além de fomentar uma mentalidade anticomunista, as notícias referentes a
Espanha chegavam em profusão e ocupavam boa parte da imprensa.
Em síntese, o problema espanhol refletia como um espelho as contradições
históricas e sociais brasileiras, revestindo-se com um caráter simbó lico e
representativo de um momento de inflexão mundial e que permitiu uma
multiplicidade de análises e leituras possíveis, cujo espectro ideológico oscilava
radicalmente dentro da pluralidade das correntes de esquerda, chegando até aos
vários grupos na direita. Logo, o PCB e a ANL denunciavam a ação direta dos
“fascistas” na Espanha contra o Governo institucional, do mesmo modo que
atacavam as oligarquias locais, a quem buscavam identificar também com o
“fascismo”. Os setores médios que buscavam livrar-se do fardo das elites
“carcomidas” em geral mostravam-se simpáticos ao Governo republicano espanhol,
mas temiam, como ele, a ascendência dos grupos extremistas como os anarquistas e
comunistas. Outros, como os integralistas, afinavam-se com as idéias fascistas
presentes no falangismo espanhol. Pelo seu lado, as elites brasileiras assistiam
estupefatas o que consideravam o desvirtuamento da civilização cristã com avanço
do comunismo, desejando que as forças tradicionais restaurassem a antiga ordem da
“velha Espanha”.
57
DAZEVEDO, Soares, J. Op. cit., p.9.
58
CERQUEIRA, Gisálio. F. e NEDER, Gizlene. Op. cit., p. 107-108.
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74
Lembremo-nos que o medo de uma autêntica revolução vinda “de baixo” (as
nossas quase sempre vieram “de cima”) povoava o imaginário das nossas elites desde
as Guerras de Independência vizinhas, levando a saídas de cunho autoritário, tão
típicas no subcontinente latino-americano. Obviamente o Brasil não estava alheio às
tendências políticas em voga na Europa e, dado o peculiar contexto, ao que se
passava em especial na Espanha.
Desta forma delineavam-se os paralelos possíveis dentro de redes de
afinidades concretas e objetivas, encontravam-se identidades em comum, político-
ideológicas ou de classe. Era necessário tomar partido, por um ou outro lado, não
havia mais tempo para mediações nem consensos. No entanto, a questão principal
que transparecia para ambos os lados era que o que estava acontecendo na distante
Espanha poderia, a qualquer momento, acontecer por aqui.
1.3 A Delegação Brasileira: grupos, origem, formação e atividade político-
militar no Brasil.
O conjunto de voluntários brasileiros que combateram pela República
Espanhola podem ser divididos em dois. Havia um grupo de voluntários militares,
bastante definido e homogêneo enquanto grupo e objeto deste estudo. Havia também
um conjunto heterogêneo de indivíduos que participaram da GCE e que vamos
chamar de “grupo de voluntários civis” ou “grupo civil”. Aqui, o conceito de “grupo”
é utilizado somente como recurso instrumental para ressaltar a diferença com o grupo
militar, formado por ex-militares expulsos do Exército Brasileiro (EB) à raiz de suas
atividades políticas ligadas ao PCB ou a ANL. Os militares possuíam uma identidade
profissional muito particular conferida pela sua formação característica.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
75
A rigor, o “grupo civil” não deveria ser caracterizado como um grupo, pois
em princípio não tinha elementos que lhe conferissem uma unicidade de ação ou uma
identidade própria de grupo. Também não havia padrões típicos entre os seus
componentes que permitissem definí-los enquanto grupo. Mas, em linhas gerais,
podemos conferir uma identificação entre os indivíduos que compuseram o grupo e
que, via de regra, se aplica a quase todos os estrangeiros que lutaram pela República
na guerra da Espanha: o antifascismo. Por outro lado, o antifascismo não serviria
para diferenciar um ou outro grupo, visto que todos eram (teoricamente)
antifascistas.
Podemos, no entanto, destacar que no “grupo civil” havia um certo
predomínio de elementos de origem estrangeira. Muitos deles do origem hispânica, o
que já confere por si um outro enfoque sobre a questão da identidade nacional em
relação ao grupo dos militares, de origem brasileira. Obviamente a identificação e a
motivação de um descendente direto de espanhóis ou de um espanhol residente no
Brasil para com a causa republicana espanhola (ou mesmo a causa franquista, no
lado oposto) se processava em um outro nível, muito diferente da identificação
operada em um cidadão que não possuísse raízes culturais ou de origem com a
Espanha. Como afirmou Gino Gerold Baumann: Hispanoamérica tenia un grán
sentido de solidariedad com España. En los años treinta había una ola de
hispanismo, sobre todo por parte de la derecha, pero ello se reflejó, igualmente, en
la izquierda
59
.
No caso dos estrangeiros que não possuíam vínculos hispânicos, a
identificação com a causa espanhola republicana se processava mais no plano
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
76
político e ideológico do que no plano cultural ou de origem nacional. Isto se aplica
tanto aos brasileiros, quanto aos antifascistas italianos e judeus de várias
nacionalidades que haviam saído do Brasil. No caso dos judeus , o antifascismo era
reforçado em função da aliança entre os franquistas e os nazistas. No caso dos
italianos, devido à maciça presença mussoliniana na guerra.
Não obstante, na maioria dos casos observados, a aparição de um número de
civis brasileiros ou oriundos do Brasil na Guerra Civil Espanhola parece não haver
sido fruto de uma ação planejada por parte de uma entidade maior, como um partido
político, no caso o PCB, mas sim devido a uma série de fatos circunstanciais, como
veremos em alguns casos citados ao longo dos Capítulos 2 e 3.
Devemos ressaltar ainda que os indivíduos do grupo militar foram
convocados pelo partido para se apresentarem como voluntários para lutar na
Espanha, devido aos seus conhecimentos específicos. Porém, os elementos civis
tanto podiam ter partido espontaneamente e por conta própria para a Espanha, quanto
terem sido expulsos do Brasil devido a sua atuação política, como era o caso de
Ernesto Joske, Jorge Cetl, Victor García e alguns outros que veremos adiante.
Outros, simplesmente podiam já estar vivendo na Espanha ou em Portugal quando se
deu o início do conflito. Em seu livro, Baumann atenta ao problema da dupla
nacionalidade, que provocou muita confusão na hora de identificar corretamente a
procedência dos voluntários. Ele ressalta que:
Vários participantes de las Américas tenian todavia su nacionalidad
originaria, sea española u outra, aunque se identificaron com el nuevo
continente. Otros, una vez en España, se nacionalizaron rápidamente,
59
BAUMANN, Gino Gerold. Los Voluntários Latinoamericanos en la Guerra Civil Española.
San José: Guayacán, 1997, p. 24.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
77
algunos adquirieron la nacionalidad española por decreto. En el
Ejército popular había un reglamento sobre peticiones de
nacionalizaciones
60
.
Todavia, não podemos ser muito estritos na separação entre os grupos, pois
certos indivíduos que, a primeira vista, deveriam fazer parte do grupo de civis, na
verdade estavam mais próximos do grupo militar.
Um caso exemplar seria o de Eny Silveira, um estudante envolvido com
política estudantil. No entanto, havia sido aluno do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA), o que de certo modo o tornava “quase” um militar, pois o Colégio Militar
representava geralmente o primeiro passo no sentido de uma formação militar
profissional. Por outro lado, Eny estava muito próximo do irmão, o ex-cadete Delcy
Silveira, o qual apresentou-o ao grupo militar, tendo inclusive combatido junto com
ele na XII Brigada Internacional
61
.
Outro civil que esteve próximo ao grupo militar foi o jornalista espanhol
Ramón Prieto Bernié. Sua proximidade foi puramente circunstancial, pois como
membro do PCB, fez parte do aparelho de recrutamento montado pelos comunistas e
orientado pela Komintern para enviar voluntários para lutar na Espanha
62
. O seu
contato com o grupo militar se deu em Montevideo. O grupo militar o conhecia mais
como um quadro do PC do que como um combatente.
E por último, Roberto Morena, que, teoricamente, estava acima dos militares
e dos civis, pois ele pertencia a um outro grupo: o dos dirigentes. Morena, já era um
60
BAUMANN, Gino Gerold. Op. cit, p. 38.
61
SILVEIRA, Delcy. Entrevistas Delcy Silveira., 2001, p. 17. Eny Silveira, Biografia de Militante,
25/11/1938. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
62
Homero de Castro Jobim, Biografia de militante, 30/04/1938. Arquivo da IC, microfilme número
10. AEL. Ele se referiu a Bernié como responsável pelo recrutamento dos voluntários.
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78
dirigente conhecido e respeitado do PCB
63
. Alguns dos militares haviam estado com
ele na prisão.
Em síntese, temos poucas informações sobre o grupo civil, a maioria
fragmentadas e dispersas em diversas fontes documentais e algumas referências
bibliográficas esparsas. Basicamente, são apenas nomes em listas, a maioria sem
rosto ou sem história. Listas como as que constam na Delegacia Especial de Ordem
Política e Social (DEOPS), onde existe uma relação de nomes de supostos
combatentes brasileiros na Espanha. Ou como as listas dos arquivos da Komintern.
Neste arquivo, o mais completo a respeito do assunto, ainda constam além das listas
de nomes, pequenos pareceres sobre a atuação política de alguns indivíduos e até
mesmo algumas biografias redigidas pelos próprios militantes.
Através dos nomes e sobrenomes encontrados nessas listas podemos deduzir
que a maioria das pessoas era de origem espanhola. Ao cruzar as informações
coletadas conseguimos refazer parcialmente algumas trajetórias destes indivíduos na
Espanha, como a de Victor García y García e Rafael Igual García, a quem
mencionaremos no Capítulo 2. Optamos então por sistematizar e organizar todos
estes dados avulsos numa forma concisa, conforme a Tabela 1, onde constam os
nomes das pessoas, combatentes ou não, que partiram do Brasil e participaram de
uma forma ou outra do conflito espanhol. Constam também dados tais como
nacionalidade, filiação política, profissão, graduação militar entre outros.
63
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 59 e ss.
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80
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81
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82
O grupo composto pelos militares tinha características bem diversas do grupo
civil. Em primeiro lugar, os militares possuíam características mais homogêneas.
Obviamente todos eram brasileiros de nascença e sua condição de militares os
colocava em uma posição de destaque perante os outros elementos da sociedade. O
profissionalismo militar permitiu o surgimento de uma oficialidade jovem, formada
dentro de instituições de ensino próprias, onde além da transmissão dos valores
castrenses, se operava a formação técnica (prática e teórica) do militar e se
desenvolviam os conceitos de nacionalidade, tão caros ao elemento militar.
Sua origem social era variada: alguns provinham da classe média ou média-
baixa, onde as poucas chances de ascensão social passavam necessariamente ou pela
incorporação ao serviço público ou pelo ingresso nas forças armadas. Era o caso de
David Capistrano da Costa, Dinarco Reis, Nelson de Souza Alves, Enéas Jorge
Andrade e José Homem Correa de Sá
64
.
Outros membros seguiram a profissão militar como continuidade da trajetória
familiar. Era o caso de Carlos da Costa Leite e Apolônio de Carvalho. O professor
José Murilo de Carvalho já apontou, em trabalho anterior, que desde os tempos da
República Velha havia uma forte tendência ao recrutamento endógeno e proveniente
das classes médias para compor o quadro de oficiais do EB. No entanto, segundo ele,
isto não se aplicava ao estado do Rio Grande do Sul
65
.
De fato, parte dos indivíduos do grupo militar que foi combater na Espanha
provinha das classes mais abastadas e eram filhos de famílias tradicionais da
64
BATTIBUGLI, Thaís. A Militância Antifascista: comunistas brasileiros na Guerra Civil
Espanhola. Dissertação, USP-FFLCH, São Paulo: 2000, p. 24.
65
CARVALHO, José Murilo de. “As Forças Armadas na Primeira República: O Poder
Desestabilizador”. In: FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, Vol.2, T-3, 1990, p. 189.
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sociedade. Era o caso de Nemo Canabarro Lucas, Hermenegildo Assis Brasil, Delcy
Silveira, Homero de Castro Jobim e José Gay da Cunha. E todos eles eram oriundos
do Rio Grande do Sul. Como escreveu Leôncio Martins Rodrigues:
O Estado foi o principal empregador das famílias tradicionais
decadentes ou em processo de reconversão do mundo agrário para o
mundo urbano. Uma posição no aparelho burocrático constituiu uma
das principais formas - se não a única - de garantir status, influência e
poder para os membros das velhas famílias
66
.
Por outro lado, a elite gaúcha possuía uma longa tradição militar
exemplificada ao longo das guerras do século XIX e todo um histórico de lutas pelo
controle e marcação das fronteiras. Também não podemos esquecer que a maior
parte dos oficiais do Exército provinha das regiões periféricas, isto é, do Nordeste e
do Rio Grande do Sul.
Contudo, não podemos cair num mero reducionismo em considerar as forças
armadas como simples representantes de um ou outro grupo social. São organizações
extremamente complexas e compartimentadas que possuem características e
existência próprias. Como instituição total
67
, o exército molda todos os aspectos da
vida dos seus membros, define os seus espaços, marca o seu ritmo de vida e lhes
fornece padrões comportamentais novos e diferentes dos outros membros da
sociedade em geral. Da mesma forma, transmite códigos e valores éticos -morais
próprios.
66
RODRIGUES, Leôncio Martins. Op. cit., p 386.
67
O conceito é de Goffman, mas empregado por José Murilo de Carvalho CARVALHO, José Murilo
de. Op. cit., p. 183.
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No aspecto externo, os militares acentuam sua diferença com os “civis” com
o uso da farda, que ao mesmo tempo serve para identificar o seu “semelhante”. Em
geral, todos ou outros atributos da ritualística militar (marchas, medalhas, insígnias)
servem para o mesmo duplo propósito de marcar a diferença com o “outro” e realçar
a identidade do seu grupo. Ou seja, a instituição militar engloba todos os aspectos da
vida do indivíduo, que passa a acentuar sua identidade e o grau de relativa autonomia
com respeito ao “outro”, o resto da sociedade.
Por outra parte, a profissionalização do EB, a partir do final do século XIX, e
que era um reflexo tardio de uma tendência internacional, permitiu o acesso
democratizado ao corpo de oficiais, rompendo com a elitização antes existente no
meio militar e levando a um conjunto de motivações externas que carregavam um
caráter contestatório. A profissionalização também veio para minimizar um pouco a
maciça influência da filosofia positivista que transformava os militares em
“doutores” e “bacharéis”, ao invés de soldados. Em contraposição, o contato com
instituições militares estrangeiras (o envio de cadetes e oficiais para a Alemanha na
primeira década do século XX e a chegada da missão francesa no pós Primeira
Guerra Mundial), que foi decisivo no processo de reestruturação e modernização do
EB serviram também para transformá-lo internamente, tornando a instituição mais
centralizada e coesa em termos organizacionais
68
. Isso significou que, segundo José
Murilo de Carvalho, tanto a transformação interna como a transformação do papel
68
MERCADANTE, Paulo. Militares e Civis: A Ética e o Compromisso. Rio de Janeiro: Zahar,
1977, p. 195 e ss.
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85
do Exército apontavam para uma atuação mais conservadora deste, por implicar em
maior controle hierárquico e maior controle sobre a sociedade
69
.
Ou seja, o sentido que o Exército tomou era contrário ao movimento político
contestatório que estava se processando dentro do próprio Exército, o tenentismo. A
crescente participação política intervencionista dos tenentes não era desejada entre os
membros da cúpula das forças armadas que, mesmo assim, estava dividida entre
aqueles que pretendiam um Exército profissional “apolítico” e os outros que
pretendiam fazer do Exército um poder “moderador” capaz de controlar e suprimir os
tumultos da vida nacional. Esta corrente autoritária alcançou maior preponderância
dentro do comando militar.
O processo de politização dos militares brasileiros era relativamente recente.
A proclamação da Republica em 1889, desencadeou toda uma série de movimentos
políticos que contaram com ampla participação do setor militar. No entanto, a
participação política se restringia aos postos superiores na hierarquia militar. A partir
de 1922, com o episódio dos “18 do Forte” o foco de descontentamento das casernas
começou a despontar entre os jovens oficiais comissionados. Durante os anos 20
houve no Brasil diversas revoltas e movimentos militares onde o tenentismo marcou
a pauta, amparado pela elástica ideologia do “soldado-cidadão” que tanto podia
exigir para os militares pleno acesso a cidadania, quanto podia incentivar o
intervencionismo político baseado no poder das armas. Refletia também um certo
sentimento de marginalidade e inferioridade de segmentos do Exército com respeito,
principalmente, à elite política civil.
69
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p. 200.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
86
José Murilo de Carvalho atenta ao fato de que o conceito “soldado-cidadão”
foi empregado no Brasil com “sinal inverso”, ou seja, se destinava a promover a
abertura da sociedade ao Exército e não vice versa como na França
70
.
Pouco depois, a Coluna Prestes marcou uma tomada de maior consciência
social e política no tene ntismo e, como vimos no item anterior, foi o primeiro
momento em que houve uma aproximação com o elemento civil e, em especial, com
os comunistas e seu pensamento emancipador social.
Com sua “revolução”, o ano de 1930 marcou o ápice da movimentação
tenentista. Por outro lado, também demonstrou que o Exército estava cada vez mais
preocupado em manter sua coesão e hierarquia, visto que os “tenentes”
comprometiam a eficácia profissional e a integridade institucional do mesmo.
A partir da “Revolução de 1930”, os “tenentes” passariam por um processo de
radicalização ideológica que os levaria irremediavelmente a uma fragmentação do
movimento. A maioria se integrou nos quadros do novo governo, alguns se
inclinaram para a extrema direita, e os desencantados com o rumo do governo de
Vargas se encaminharam para a esquerda, aproximando-se do comunismo. Desta
“ala esquerda” (e tardia em alguns casos) dos “tenentes” veio o grupo de militares
rebeldes que lutou na Guerra da Espanha.
Como o nosso grupo de militares entrou em contato ou adquiriu a ideologia
comunista? Como já escreveu Leôncio Martins Rodrigues, o processo de
radicalização de uma parte da jovem oficialidade permitiu a penetração do PCB
dentro do Exército, ou do Exército dentro do PCB
71
.
70
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p. 234.
71
RODRIGUES, Leôncio Martins. Op. cit., p 386.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
87
Não podemos esquecer que a instituição militar estava em crise e enfrentava
problemas internos muito graves, não somente pela cisão representada pelo
tenentismo, mas também pelo problema do “engarrafamento”
72
do corpo de oficiais
provocado pelo excesso de oficiais jovens que viam tolhidas suas possibilidades de
promoção. Este problema foi agravado com a reincorporação dos velhos cadetes e
“tenentes” anistiados por suas atividades revoltosas, mas se devia em grande parte à
própria estrutura legal da corporação no que tangia as aposentadorias e as
promoções.
Por outro lado, o mesmo autor também destacou o fato de haver uma
proximidade que facilitou o contato e a identificação entre os jovens oficiais e os
membros do PCB:
Além do mesmo meio social e idade, também em termos regionais as
origens eram as mesmas, fornecendo o Nordeste, seguido do Rio Grande
do Sul, o maior contingente de militares para o oficialato.
Coincidentemente, tanto entre os oficiais do Exército como entre os
principais dirigentes comunistas, a proporção de paulistas e mineiros
(...) foi sempre insignificante
73
.
Mas havia outras questões a serem levadas em conta. Uma delas era que o
grupo em questão era principalmente composto por jovens que se formaram em um
ambiente militar impregnado pelas lutas tenentistas. Eram, em sua maioria, jovens
cadetes e oficiais saídos dos Colégios Militares e depois da Escola Militar do
Realengo onde direta ou indiretamente haviam tomado contato com a efervescência
política dos anos 20 e 30. Por outro lado, apesar do rigor militar, havia nas
72
O termo original é empregado por CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p. 207.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
88
instituições castrenses um certo clima “liberal” (induzido em parte pelo processo de
profissionalização e pelas reformas trazidas pela missão militar francesa) permeável
às diversas ideologias políticas em voga. O comunismo era uma delas.
Neste sentido também podemos dizer que houve uma identificação dos jovens
cadetes e aspirantes com os ícones do tenentismo, cujas epopéias eram amplamente
veiculadas. O historiador e militar Nelson Werneck Sodré, quando aluno do Colégio
Militar, acompanhou de perto a agitação tenentista. Em suas memórias, destacou a
enorme simpatia da Imprensa oposicionista e do povo em geral pelos rebeldes, sem
falar na admiração e prestígio que os alunos da instituição militar tinham pelo grande
líder dos tenentes, Luiz Carlos Prestes. Segundo ele, Prestes era o herói nacional por
excelência. Não é possível hoje avaliar quão difundida e profunda era sua fama
74
. E
não somente pela sua condição de rebelde mas também pela sua reputação de aluno
brilhante da Escola Militar, primeiro de sua turma
75
.
O então adolescente Delcy Silveira foi um destes jovens impressionados pela
figura do “Cavaleiro da Esperança”. Nascido e criado no Rio Grande do Sul, em
meio a um ambiente de lutas políticas constantes, o jovem Delcy (e provavelmente
també m seu irmão, Eny) teve contato muito cedo com a imagem de Luiz Carlos
Prestes. Seu pai, líder do Partido Libertador de Santa Vitória, era admirador de
Prestes. Segundo Delcy, os libertadores consideravam a Coluna Prestes como a
continuação do levante feito por eles: Em minha casa tinha um retrato de Prestes.
Creio que quem me levou para o movimento revolucionário, inegavelmente, foi o
73
RODRIGUES, Leôncio Martins. Op. cit., p 386
74
Nelson Werneck Sodré não pertenceu ao grupo que foi a Espanha, mas foi contemporâneo de todos
e colega de alguns como Apolônio de Carvalho, José Gay da Cunha e Alberto Roberto Bomílcar
Besouchet na Escola Militar do Realengo. SODRÉ, Nelson Werneck. Do Tenentismo ao Estado
Novo: Memórias de um Soldado. Rio de Janeiro: Vozes, 1986. p. 57.
75
Idem, p. 57. Luiz Carlos Prestes também havia sido aluno do Colégio Militar de Porto Alegre.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
89
Prestes, de quem, mais tarde, me tornei amigo e companheiro
76
. Como se vê, Prestes
era um duplo paradigma para os jovens cadetes.
Sobre a sua escola, o CMPA, no qual passou cinco anos antes de partir para a
Escola Militar do Realengo (EMR), uma espécie de faculdade militar, Delcy Silveira
nos fala o seguinte:
O Colégio Militar formava a pessoa, a disciplina e o regime militar
impunham o senso de responsabilidade, havendo grande camaradagem
entre os alunos, sendo que os maus colegas eram desprezados e
isolados.(...) O Colégio Militar, pela união e coleguismo entre seus
membros era uma espécie de “maçonaria”
77
.
Ou seja, no Colégio Militar iniciava-se a primeira etapa na formação do
caráter militar, um caráter único e distintivo em comparação aos civis e de uma
identidade muito marcada. O esprit de corps, portanto, iniciava-se no Colégio.
Apolônio de Carvalho foi um desses jovens que ingressou na carreira das
armas em 1930. No entanto, não passou pelos Colégios Militares, indo diretamente
da vida civil para a vida militar. Ele destacou a dificuldade enfrentada pelos cadetes
oriundos do meio civil (os “anechins”, pois vinham do Curso Anexo) para se adaptar
à vida na caserna, enquanto a imensa maioria dos 750 alunos do Realengo provinha
dos Colégios Militares de Fortaleza, Barbacena, Rio e Porto Alegre, e, após esses
cinco anos de disciplina severa, em certa medida já estava impregnada de índole
castrense
78
.
76
SILVEIRA, Delcy. 2001., p. 4.
77
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 6
78
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 33.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
90
No entanto, foi na Escola Militar do Realengo que os jovens cadetes tomaram
um contato mais direto e amplo com as idéias políticas que estavam em discussão
naquele tempo. Vivendo numa atmosfera técnica e “científica”, dado o paradigma do
profissionalismo militar, os estudos e as leituras complementares ocupavam boa
parte do dia dos cadetes. Seja pela influência dos mestres ou dos colegas, a questão é
que existia um ambiente propício para a discussão política e, consequentemente, para
a tomada de consciência política e social.
Apolônio de Carvalho se lembra muito bem dos volumes marxistas que
recebia dos companheiros da Escola [EMR], embora continuasse a preferir José
Ingenieros com seu El Hombre Mediocre ao, segundo ele maçante, ABC do
Comunismo de Bukharin
79
. Curiosamente, Delcy Silveira também se referiu ao
mesmo livro de Bukharin como sendo o primeiro livro marxista que lhe caiu nas
mãos, dentro da EMR
80
. Era uma literatura da moda, pelo visto.
Durante a primeira metade da década de 30 houve um surto de publicações
sobre marxismo e a vida na Rússia Soviética, alguns explorando seus sucessos
econômicos e sociais, outros nem tanto. As obras de diversos autores marxistas tais
como Lénin, Stálin, Plekánov, Bukharin, Trotsky, Rosa Luxemburg e outros, além de
Marx e Engels, foram editadas em português
81
.
Em seu depoimento, Delcy Silveira se relembra de um episódio no mínimo
revelador sobre a permissividade e circularidade política na EMR:
Em 1933-1934 o ambiente na Escola [EMR] era muito democrático. (...)
desembarcando em Santos (...) ao passar por uma livraria, vi na vitrine
“O Capital” de Marx. Entrei e comprei. Até hoje não consigo
79
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 41.
80
SILVEIRA, Delcy. 2001., p. 9.
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91
compreender o porquê da compra desse livro, pois para mim, nada
significava (...) Ao ingressar na Escola Militar, o cadete tinha que
apresentar um enxoval, estávamos “casando” com o Exército. Conferia
as peças do enxoval um capitão de artilharia (...) Ao retirar as peças de
roupa, o livro apareceu, o capitão o pegou e disse: O senhor é comunista
cadete? Fiquei sem saber o que dizer, mesmo não sabia o que dizer,
então contei a história da passagem por Santos. O capitão olhou-me e
disse: Cadete, o senhor aqui pode ser o que senhor quiser. Isto foi em
janeiro de 1933
82
.
No seu livro de memórias, Apolônio de Carvalho vai mais adiante, talvez até
com um pouco de exagero, pois afirma que boa parte dos cadetes com quem convivia
já eram comunistas, todos muito influenciados por professores dos colégios militares
que, além de comunistas, pregavam abertamente a revolução
83
.
Em contrapartida, os integralistas, inspirados no fascismo italiano e no
nazismo germânico, também fizeram a sua aparição na EMR. Curiosamente, apesar
do antagonismo que representavam para os aliancistas, antiintegralistas confessos,
havia um ponto de concordância entre ambos grupos: o nacionalismo, ou melhor o
patriotismo, pois para o militar a nação é sinônimo de pátria
84
. A palavra é de Delcy
Silveira, os grifos são nossos.
Naquela época apareceram na Escola os integralistas, fazendo
proselitismo, denunciando colegas, sendo apoiados pelo Comando
[militar]. Havia exceções integralistas decentes, nacionalistas, como eu
81
FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do Mito: Cultura e Imaginário Político dos Comunistas no
Brasil. Rio de Janeiro: EDUFF, 2002, p. 102.
82
SILVEIRA, Delcy. 2001., p. 9.
83
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 41.
84
IANNI, Octávio. A Idéia de Brasil Moderno. São Paulo: Brasiliense, 1992, p.165.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
92
e, com alguns deles eu mantinha diálogo, com os demais eu entrava em
choque
85
.
De qualquer forma, segundo Nelson Werneck Sodré, o anticomunismo,
posteriormente associado de forma tão característica ao meio militar brasileiro, não
se fazia presente naquele momento, pelo menos não ostensiva e virulentamente
86
,
apesar da presença crescente dos integralistas no meio militar. Segundo relembra
Delcy Silveira, os integralistas começaram a agir no final de 1934. Segundo ele,
naquela época os cadetes da Escola se dividiam em três grupos: a maioria
“apolítica”, os integralistas e os de esquerda
87
.
A ANL representou o ponto alto de aglutinação dos jovens militares de
esquerda. Cabe lembrar que do grupo dos militares que foram para a Espanha poucos
eram filiados ao PCB antes de novembro de 1935, mas todos haviam se filiado a
ANL. O leitmotiv apresentado pela maioria deles para justificar sua adesão a ANL
era o nacionalismo e o anti-imperialismo
88
.
Lembremos que a ANL se apresentava como sendo democrática, nacionalista,
patriótica, anti-imperialista e antifascista e que apresentava um caráter mais amplo e
heterogêneo se comparado ao, então inflexível e dogmático, PCB. Por outro lado a
ANL contava com a presença de figuras destacadas do movimento tenentista, além
de Prestes, como André Trifino Correa, Carlos da Costa Leite (o mais graduado do
grupo militar que partiu para a Espanha), Hercolino Cascardo, Agildo Barata, Silo
Meirelles e muitos outros, o que certamente serviu de atrativo e garantia para os
85
SILVEIRA, Delcy. 2001., p. 10.
86
SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 145.
87
SILVEIRA, Delcy. 2001., p. 11.
88
Idem, p.10. BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p. 29.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
93
militares mais novos, além de promover e aumentar sua repercussão política no
âmbito nacional. Segundo Leôncio Martins Rodrigues,
(...) a ANL significou a união política da intelligentsia de esquerda com
a oficialidade nacionalista. Nesta aliança, o PCB, através da
Internacional Comunista, ofereceu um sistema de interpretação da
realidade brasileira e de explicação do atraso econômico do país
bastante integrado e convincente para a jovem oficialidade
89
.
Efetivamente, para jovens oficiais formados em um ambiente cientificista e
racional, acostumados com teorias e cálculos, os métodos científicos e deterministas
do marxismo-leninismo pareciam perfeitamente compatíveis. O marxismo-leninismo
além de oferecer aos militares um arcabouço teórico novo, explicativo e científico,
repleto de leis e certezas como a inevitabilidade da “revolução”, também se
aproximava do ideal militar, pois o seu código de normas de conduta e os valores
éticos -morais era bastante parecido. O suficiente para estabelecer uma identificação
mútua entre os militares e comunistas. Ambos cultuavam a disciplina, a hierarquia e
deveriam ter plena confiança na direção do Partido ou no comando militar.
Uma fala do tenente Apolônio de Carvalho ao referir-se a sua relação com o
major Carlos da Costa Leite, seu comandante em Bagé, nos dá uma idéia desta dupla
relação vertical: Antes de tudo nossa amizade é muito diversa da que tínhamos
Moésia [Rolim] e eu, dois oficiais em pé de igualdade - além de vice-presidente da
ANL Costa Leite é meu comandante
90
.
89
RODRIGUES, Leôncio Martins. Op. cit., p 396
90
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 59.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
94
Por outro lado “revolução” era um conceito ao qual os tenentistas já estavam
de certa forma acostumados (embora não possuísse o mesmo sentido que para os
comunistas), mas que a partir daquele momento adquiria uma orientação política
mais definida e concreta. Com a ANL, segundo um dos veteranos da Espanha e
antigo “tenente” Dinarco Reis,
(...) o caráter da revolução brasileira formulada como democrático
burguesa (democrática na forma e burguesa no conteúdo), apresentava
como objeto principal libertar a nação da dependência do imperialismo
e, também, estabelecer um regime democrático burguês
91
.
Todavia, conforme vimos no Primeiro Capítulo, a ANL precipitou-se
provocando o governo Vargas que, de bom grado, baniu a organização do cenário
político brasileiro. Uma vez legalmente extinta, a ANL trilhou o caminho
insurrecional. A partir de julho de 1935, a ANL se resumiu praticamente ao seu setor
militar e ao núcleo militar comunista, que passaram a conspirar dentro dos quartéis
ao melhor estilo tenentista. O clima conspirativo das organizações também se tornou
uma semelhança entre os militares tenentistas e os militantes comunistas.
Do grupo militar que partiu para a Espanha, alguns participaram diretamente
do movimento insurrecional de novembro de 1935. Outros não, mas sabiam dos
preparativos para uma insurreição. Ou seja, que, de um modo geral, todos estiveram
envolvidos em maior ou menor grau.
Para sistematizar a trajetória dos indivíduos do grupo militar e facilitar o
acompanhamento pelo leitor, na Tabela 2 constam os principais dados biográficos a
91
REIS, Dinarco. A Luta de Classes no Brasil e o PCB. São Paulo: Novos Rumos, 1981, vol.1., p.
44-45.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
95
respeito dos integrantes do grupo, desde o início da participação político-militar no
Exército até a partida para a Espanha.
O fracasso do movimento levou quase todos os militares envolvidos com a
ANL ou o PCB para a cadeia, enquadrados na nova LSN, com exceção de uns
poucos que conseguiram escapar. Do nosso grupo, apenas Carlos da Costa Leite e
Alberto Roberto Bomílcar Besouchet.
No início, os militares acreditavam que a prisão seria temporária e em breve
seriam reincorporados às atividades da caserna: afinal, todos os envolvidos nos
levantes anteriores de 1922, 1924, 1930 e 1932 havia m sido posteriormente
anistiados.
Mas desta vez foi diferente. Os envolvidos foram presos sem qualquer tipo de
julgamento prévio e sem direito a habeas corpus, sendo julgados de forma sumária
pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN), um tribunal de exceção montado pelo
governo para conferir um caráter de legitimidade constitucional a repressão
92
.
O governo de Vargas e o comando militar mostraram singular intolerância ao
tratar com os rebeldes de 1935. As expulsões se contaram às centenas, não somente
entre praças e cabos, mas também entre sargentos e oficiais. Muitos ainda foram
condenados a penas elevadas, de sete, oito ou dez anos de reclusão.
92
BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p. 60-61.
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96
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97
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98
No dizer de José Augusto Drummond, era o fim da tolerância da cúpula
militar para com a iniciativa política autônoma da jovem oficialidade
93
.
Em outras palavras, o comando militar voltava a assumir o controle
hierárquico, perdido desde a década de 20, desejo longamente acalentado pelos
antigos oficiais legalistas que haviam dedicado boa parte de suas carreiras a
perseguir os “tenentes” rebeldes. Esses legalistas da década de 20 seriam os generais
do Estado Novo. A partir deste momento começou a grassar o anticomunismo oficial
nos quartéis, que serviu como um fator de unidade e superação das diferenças
hierárquicas ao fomentar a coesão ideológica a favor de Vargas na tropa.
Como disse Apolônio de Carvalho, já era outro o Exército, ou, antes, já não
era uno. Eram dois: o que agora marchava com o governo discriciónario de Getúlio,
e o que portava as bandeiras de liberdade e justiça para o povo
94
.
Haviam perdido a patente e a condição de militares para o governo e perante
a corporação, mas no foro íntimo eles continuavam sendo militares empenhados em
uma missão “redentora” da pátria, ainda certos de que as Forças Armadas (ou pelo
menos uma parte delas) tinham essa missão histórica por cumprir. Vejamos o que
escreveu em 1940, desde o campo de prisioneiros francês de Vernet, o ex-major
Costa Leite em carta a sua filha Yeda e referindo-se ao ocorrido em 1935:
(...) quando eu desapareci de casa para não ser preso (...) para
continuar a atividade devido a nossa palavra empenhada em bem do
Brasil (...) tive de assumir uma atitude enérgica, na polícia, para impedir
93
DRUMMOND, José Augusto. Op. cit., p. 269.
94
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 62.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
99
que os beleguins enxovalhassem a farda que eu vestia, desse Exército a
que o povo do Brasil tanto deve
95
.
Na prisão, se iniciou outra etapa na vida dos militares envolvidos com os
levantes de 1935. Apesar de haverem sido expulsos do Exército e assim reduzidos a
duplamente triste condição de civis e presos políticos, eles mantiveram, via de regra,
o seu espírito elevado.
Todavia, mesmo nas precárias condições encontradas na Casa de Detenção ou
de Correção do Rio de Janeiro, o grupo militar ainda mantinha a sua coesão e
esperança de que sua luta não fosse em vão. Orgulhosos, estavam ainda otimistas e
acreditando que sua ação vanguardista seria secundada por outros.
A segregação social do país se refletia na prisão: os ex-oficiais, sub-oficiais e
civis destacados da ANL (os intelectuais) estavam separados dos subalternos civis e
militares e estes, por sua vez, dos presos comuns. Dentro do cárcere, os ex-militares
se destacavam dos prisioneiros civis por suas peculiares características identitárias.
Como se ainda estivessem no quartel, os ex-militares acordavam ao toque de
alvorada, praticavam seus exercícios físicos e se instruíam na arte militar. Na prisão,
eles montaram e controlaram os “coletivos”, espécie de comitês internos,
encarregados de distribuir igualitariamente os alimentos e objetos de uso pessoal
doados pelos parentes dos presos e pelo SVI
96
.
Existiu também a chamada “Universidade Popular”. Dado o grande número
de intelectuais, médicos, militares e profissionais liberais presos se decidiu montar
95
Carta de Carlos da Costa Leite a filha Yeda, Camp au Vernet, 05/11/1940. Prontuário de Carlos da
Costa Leite n
0
7127, APERJ.
96
Em seu livro de memórias, Apolônio de Carvalho nos oferece um bom relato das atividades do
grupo militar na prisão. CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 62 a 71.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
100
uma espécie de escola, que começava pela alfabetização básica (para soldados e
operários) chegando até cursos específicos ministrados por professores universitários
e, é claro, muitos cursos teóricos de marxismo. Dentre os professores, algumas
figuras de renome nacional e internacional: O comunista argentino Rodolfo Ghioldi,
o escritor Dyonélio Machado, Fernando Mangabeira, Francisco Campos da Paz e
muitos outros.
No presídio, a maioria dos militares fortaleceu a sua crença no comunismo.
Segundo o historiador Jorge Ferreira, mesmo que os comunistas ostentassem uma
postura totalmente desvinculada com o mundo sagrado e religioso e que defendessem
uma doutrina laica materialista e secularizada, ainda estavam submetidos a mesma
lógica que rege os mitos e crenças religiosas
97
. O dogma político equivalia então ao
dogma religioso. Neste sentido, talvez os detratores da direita não estivessem tão
equivocados ao chamar os comunistas de “seguidores do credo vermelho”. Um dos
que fortaleceu esta crença quasi religiosa foi o cadete Delcy Silveira, filiado ao PCB
desde 1934, conforme sua ficha preenchida na Espanha:
Na Universidade Popular, na prisão, aprofundei meus conhecimentos da
teoria marxista. Isto me deu a certeza científica que o socialismo
substituirá o regime capitalista, desumano e explorador. Cheguei ao
comunismo através do estudo e de minha admiração por Prestes
98
.
Quem não era ainda comunista, provavelmente viria a sê-lo ao sair do
presídio, pois os comunistas não aceitavam filiações na cadeia. Como disse Apolônio
de Carvalho, a prisão, que nos deveria selar a derrota, será a primeira grande
97
FERREIRA, Jorge. Op. cit., p. 102.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
101
escola brasileira de formação política de esquerda
99
. De fato, ele foi um dos
primeiros a se filiar ao PCB após ser solto em 1937.
O clima do presídio era agitado, não havendo tempo para a ociosidade. Delcy
Silveira conta que as aulas começavam de manhã, indo até o meio dia. Às quatorze
horas reiniciavam os estudos, que se estendiam até as dezoito horas
100
. À noite, ainda
ouviam as transmissões da “PR ANL A voz da liberdade”, um programa de rádio
de uma hora de duração transmitido de uma das celas. De caráter tanto informativo
quanto recreativo, tratava igualmente das questões nacionais e internacionais, dos
problemas internos e externos ao cárcere, transmitia entrevistas, veiculava crônicas
revolucionárias, sambas, paródias e canções patrióticas. Ao final do programa
davam-se “vivas” a ANL e a Prestes, sucedidos por correspondentes “abaixo” ao
governo Vargas e ao fascismo
101
.
Ainda dentro da prisão, o grupo dos ex-militares começou a acompanhar com
atenção o desenrolar da Guerra Civil Espanhola. Como o relembra Delcy Silveira:
Na cadeia, nós tinhamos um mapa da Espanha, com as bandeirinhas pretas dos
fascistas e as vermelhas nossas e os militares interpretavam aqueles movimentos da
guerra. Mas eu, naquela época, nunca pensei que poderia ir para a Espanha
102
.
Contudo, segundo Dinarco Reis afirmou em entrevista, na época alguns
teriam acordado que aqueles que fossem libertados, se tivessem condições,
participariam da guerra para observar o seu desenvolvimento e dar a nossa
solidariedade a República
103
.
98
SILVEIRA, Delcy. Op. cit., p. 9.
99
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 63.
100
SILVEIRA, Delcy. Op. cit., p. 19.
101
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 65.
102
SILVEIRA, Delcy. Op. cit., p. 38.
103
Extraído de uma entrevista de Dinarco Reis cedida por Delcy Silveira a José CarlosSebe Bom
Meihy e citado em BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p. 96.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
102
Também dentro da prisão, os ex-militares tornados comunistas começaram a
perceber um “inimigo” que estava muito próximo a eles e que, segundo a visão do
dogma stalinista, era tão perigoso quanto o fascismo: o trotskismo. Apesar dos
trotskistas não haverem apoiado os levantes aliancistas, eles foram caçados
igualmente pelo governo. No cárcere, eles sofriam também com a discriminação e
perseguição por parte dos comunistas ortodoxos, em imensa maioria
104
.
Muitos dos chamados trotskistas haviam sido expulsos do PCB por
discordarem da tática insurrecional. Entre eles estavam Lídia, Marino e Augusto
Besouchet, os irmãos do tenente Alberto Besouchet, um dos revoltosos de Recife
que, mesmo ferido, conseguira escapar para o Rio de Janeiro. Depois, com a ajuda do
Partido, partiu para o Uruguai e daí para a Espanha. O tenente Besouchet seria o
primeiro militar brasileiro a chegar na Espanha ainda em 1936
105
.
Em junho de 1937, houve significativas mudanças. Levantou-se o regime de
exceção e se restabeleceram as garantias constitucionais para dar um clima
aparentemente democrático às eleições. Os presos sem julgamento (a grande maioria
dos envolvidos nos levantes de novembro de 1935) foram soltos por iniciativa do
novo ministro da Justiça, José Carlos Soares de Macedo, numa hábil manobra
jurídica e que ficou conhecida como a “macedada”
106
.
Provavelmente um pouco antes, o PCB recebeu a incumbência da Komintern
de fornecer quadros com experiência militar, de preferência, como contribuição para
a causa da Espanha republicana. Desde São Paulo, o encarregado do recrutamento, o
dirigente Roberto Morena selecionou os quadros do Partido ou da ANL dispostos a
104
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 45 e ss.
105
Idem, p. 47 e 175. Carta de “Castro” (Delegado do Bureau Político do PCB em Paris) ao camarada
“Jack” , 24/09/1937. Arquivo da IC, Microfilme número 10, AEL.
106
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 110 e ss.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
103
empreenderem a missão internacionalista. Por outra parte, numa reunião do Bureau
Político do PCB em agosto de 1937, Morena, representando a fração dos presos
políticos teria transmitido o desejo de alguns presos (como Dinarco Reis) de se
engajar na luta na Espanha. Significativamente, nessa mesma reunião o PCB
declarou seu apoio à luta contra a corja enfurecida dos trotskistas fascistas da
Espanha
107
. O grifo é nosso. Deve ser notada a ligação espúria e falsa que os
comunistas estabeleceram entre os trotskistas e os fascistas, colocando-os como
aliados em contra da causa do proletariado. O PCB, assim como todos os outros
PC’s, repetiam invariavelmente as consignas do stalinismo e tentavam reproduzir,
em menor escala, a caça aos dissidentes na URSS.
Assim, durante o segundo semestre de 1937, o Partido enviou apenas cinco
voluntários para a Espanha: Apolônio de Carvalho, Enéas Jorge de Andrade,
Joaquim Silveira dos Santos, David Capistrano da Costa e José Homem Correa de
108
.
Posteriormente, Morena sustentou que o Partido não conseguiu cumprir com
“seu” objetivo de formar um contingente de 100 voluntários devido as condições
arriscadas e a falta de recursos financeiros
109
. Em primeiro lugar, devemos colocar
que o objetivo não era unicamente “seu”, isto é , do PCB, mas sim uma cota pedida
pela Komintern a todos os partidos comunistas
110
.
Concordamos que as condições de funcionamento do Partido eram precárias e
que certamente os recursos monetários eram escassos, apesar de que a Komintern,
107
BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p. 97.
108
ALMEIDA, Paulo Roberto. “Brasileiros na Guerra Civil Espanhola: Combatentes na luta contra o
Fascismo”. In: Revista de Sociologia e Política. Curitiba: UFPr, Junho 1999, p. 49-51. Arquivos da
IC, Microfilme número 10, AEL.
109
ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 44.
110
Havia uma cota mínima exigida que variava de partido para partido. VIDAL, César. Las Brigadas
Internacionales. Madrid: Espasa, 1998, p. 63.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
104
via “Comitês de Ajuda a Espanha” ou o SVI, financiava parte da operação. Mas uma
pergunta paira no ar: porque tão poucos brasileiros chegaram até a Espanha,
considerando-se que havia tantos ex-militares de esquerda gravitando próximo ao
PCB? Somente no Rio de Janeiro a “macedada” havia soltado 308 presos políticos,
em grande parte militares
111
. O próprio chefe da polícia política de Vargas, Felinto
Muller (aliás ex “tenente” expulso da Coluna Prestes por roubo) reclamava ao seu
chefe que o ministro Macedo Soares havia libertado centenas de presos, a maioria
ex-militares, “perigosos” para a ordem
112
.
Uma hipótese é que, apesar de contar com tantos quadros militares
teoricamente disponíveis, provavelmente o Partido tenha colocado em segundo plano
a contribuição com a luta na Espanha. Em primeiro lugar, porque ainda tinha
esperanças de poder reverter o golpe recebido do governo Vargas. O Partido tinha,
em meados de 1937, duas linhas de atuação. Pela via democrática, o PCB pretendeu
reativar a tática da frente antifascista, procurando aproximar-se dos grupos
oposicionistas “burgueses” que apresentavam suas candidaturas para as eleições de
1938, apoiando finalmente a candidatura de José Américo de Almeida, ex-ministro
de Viação e Obras Públicas do governo Vargas
113
.
A outra via continuava sendo pelas armas. Suscitava-se ainda a possibilidade
da eclosão de um movimento armado contra a instalação de uma ditadura, preparada
por Vargas e a cúpula militar. Esta possibilidade era cogitada não somente pelo PCB
e a ANL, mas principalmente pelas lideranças regionais oposicionistas, em particular
no Rio Grande do Sul, onde o governador José Antônio Flores da Cunha se
distanciava cada vez mais de Getúlio Vargas. Obviamente, nem o PCB nem a ANL
111
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 110 e ss.
112
BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p. 102.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
105
tinham condições objetivas para iniciar um movimento armado. Mas Flores da
Cunha parecia ter.
Houve então uma curiosa aproximação entre Flores da Cunha e os militares
do PCB/ANL. Não podemos dizer que Flores da Cunha tivesse alguma proximidade
com a ANL ou algo parecido. Antes pelo contrário, pois o governador gaúcho era
violentamente anticomunista. Segundo o capitão Agildo Barata, comunista e
fundador da ANL no Rio Grande do Sul, Flores da Cunha era responsável por
eliminar fisicamente os seus adversários, em especial os comunistas e aliancistas. Em
1935, antes dos levantes de novembro, o próprio Barata teria sido vítima de dois
atentados cometidos por ordem do governador gaúcho
114
.
Para termos uma idéia mais apurada da postura política manifestada por
Flores da Cunha, optamos por transcrever uma declaração feita pelo próprio ao jornal
Estrella do Sul”, um jornal católico de Porto Alegre. Os grifos são nossos:
“O Gal. Flores da Cunha em face dos movimentos extremistas”
Tenho opinião conhecida sobre extremismo de direita e da esquerda. Sou
pela democracia, regime em que melhor se equilibram os conceitos de
liberdade e autoridade e dentro do qual pode se encontrar solução
adequada para a questão social. Ainda quando tenho lido nos jornais
ameaças integralistas de se apossar com violência do poder, não vejo
possibilidade que isso venha a acontecer. Muito mais grave é, porém, a
ação da Aliança Nacional Libertadora, que não consegue esconder
propósitos nitidamente subversivas. Dentro deste Estado todas as
tendências exóticas, por não encontrarem condições apropriadas, estão
destinadas ao mais fragoroso malogro. Quanto a mim, para ser sincero,
declaro que, se me visse forçado a optar por uma dessas correntes de
pensamento social e político, me inclinaria em favor do integralismo, por
113
Idem, Op. cit., p. 123-128.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
106
isso que ele prega e defende as culminantes idéias de Família, Pátria e
Religião
115
.
Declarar-se “democrata” era muito conveniente naquela circunstância. Na
verdade, Flores da Cunha parecia ser muito mais pragmático e oportunista do que
anticomunista. Os seus interesses pessoais e do seu núcleo estavam em primeiro
lugar e todos os meios eram possíveis para atingir seus objetivos imediatos. Logo, se
em 1935 Flores apoiara Vargas na luta contra o comunismo, em 1936-1937 pretendia
derrubá-lo, mesmo que tivesse que usar o apoio comunista.
Em 30 de janeiro de 1936, um informe enviado ao comando militar por um
agente S-2 (serviço secreto do Exército) já dava uma idéia do variado e contraditório
grupo que se reuniu em torno de Flores da Cunha: desde integralistas e
simpatizantes, passando pelos antigos oficiais revolucionários de 1930, além dos
generais Rabelo e Daltro Filho, o coronel Estillac Leal e o major Costa Leite, um
comunista
116
.
Pelo lado comunista, a explicação para a aliança com Flores da Cunha torna-
se mais complexa. Ideologicamente ela era inexplicável. A menos que se fizesse uma
interpretação muito distorcida da tática da frente ampla e popular antifascista, pois
como justificar a aliança com um “fascista” (como os comunistas consideravam
Flores até bem pouco tempo atrás) para combater outro (Vargas)?
Neste sentido, acreditamos que os comunistas e aliancistas atuaram da mesma
forma pragmática e oportunista que Flores da Cunha, todavia com outros objetivos.
Podemos dizer que os comunistas também agiram em prol de seus próprios interesses
114
BARATA, Agildo. Vida de um Revolucionário (memórias). São Paulo: Alfa-Omega, 1978, 2
ed., p. 238-248.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
107
e, circunstancialmente, apoiaram Flores da Cunha na esperança de retomarem um
espaço de ação política legal perdido com o fechamento da ANL.
O major Carlos da Costa Leite era uma peça chave nesta relação.
Revolucionário histórico desde 1922, homem de confiança de Luiz Carlos Prestes,
Costa Leite era um conspirador de longa data. Também era um dirigente do PCB e
membro da direção nacional da ANL. Foi indiciado como co-autor do movimento
insurrecional de novembro de 1935 e, desde então, estava foragido ocultando-se no
Uruguai
117
. Todavia, há indícios de que tenha circulado clandestinamente no
Brasil
118
.
Em carta redigida do exterior, Costa Leite incentivava a aproximação com
Flores da Cunha e outros políticos, nos seguintes termos:
Pelo acima exposto e por outros dectalhes da situação nacional que
vocês ahi conhecem melhor do que eu, entendo: a) que o inimigo n
°
1
hoje é Getúlio. b) que não vejo perspectivas imediatas de reiniciarmos a
lucta armada só com nossos elementos (...) c) que caminham para nossa
situação o Pedro Ernesto, que já caiu, o Lima Cavalcanti, o Juracy e o
Flores, últimos remanescentes do outubrismo. (...) d) nestas condições,
estou para mim convencido de que o Flores não ignora isto, de que não
se conformará em cahir como uma besta porque, afinal, esta vida não é
má... Porque a “democracia” no caso dos sagrados interesses
“americanos” exige um supremo sacrifício, e, finalmente, de que a estas
alturas estará, já confabulando, desejouso, por certo, de estabelecer um
modus vivendi conosco. (...) e) em conseqüência, devemos procurar esse
115
Jornal Estrella do Sul, 01/08/35, n
o
31, p.4.
116
Informe elaborado por “509”, 30/01/1936. Prontuário de Carlos da Costa Leite N°7127, APERJ.
117
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 58-60
118
Relatório anônimo, 21/05/1936. Prontuário de Carlos da Costa Leite N°7127, APERJ.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
108
contato o mais depressa possível, por intermédio da minoria do PRP, e
mesmo diretamente com o próprio Flores, com Juracy e Lima
Cavalcanti. Que devemos apoiar o movimento, ou pelo menos, não
perturbá-lo de nenhum modo. Mesmo que seja estylo 30, actualmente é
negócio
119
.
Como podemos observar, os comunistas e aliancistas se propunham a apoiar a
criação de uma “frente antigetulista”, inserida na dinâmica da frente ampla.
Internamente, esta tática oportunista suscitou um intenso debate entre os diretórios
regionais do PCB. Na verdade, tentavam explicar de modo plausível a guinada à
direita para a militâ ncia (e talvez a si próprios), dentro dos argumentos marxistas-
leninistas. Portanto, transformou-se o processo eleitoral brasileiro em um
desdobramento da “luta interiimperialista” internacional, onde identificou-se Getúlio
Vargas como sendo o representante do “imperialismo ítalo-germano-nipônico” e os
seus oposicionistas como agentes do “imperialismo britânico ou americano”, o que
servia para reforçar a idéia de que toda aliança com os opositores de Vargas
(galgados ao posto de “democratas” e “antifascista s”) não se desviava da linha do
antifascismo
120
.
De fato, os comunistas apoiaram as manobras conspiratórias do general
Flores da Cunha. Com esta finalidade se formou um Comitê Militar Revolucionário
(CMR) do PCB no Rio Grande do Sul, associado ao grupo de Flores da Cunha. Sua
função era ajudar a treinar os Corpos Provisórios, uma espécie de milícia que serviria
para enfrentar as tropas do governo central
121
. Participavam do CMR um número não
119
Carta de Carlos da Costa Leite (não especifica destinatário) 08/06?/ 1936. Prontuário de Carlos da
Costa Leite N°7127, APERJ.
120
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 118 e ss.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
109
determinado de ex-militares, a maioria egressos do cárcere graças a “macedada”
(junho 1937).
Vale destacar o fato de que, pouco depois, alguns deles foram finalmente
sentenciados pelo Tribunal de Segurança Nacional, passando a condição de
foragidos: Alcedo Batista Cavalcanti, Carlos da Costa Leite, Celso Tovar Bicudo de
Castro, Paulo Machado Carrion, Dinarco Reis, Hermenegildo Assis Brasil e Nemo
Canabarro Lucas. Alguns inclusive já estavam na Espanha, como David Capistrano
da Costa, Enéas Jorge de Andrade e Joaquim Silveira dos Santos
122
. O restante estava
circulando entre o Uruguai, a Argentina e o Rio Grande do Sul.
Principalmente Costa Leite, pois era também o articulador de uma espécie de
Internacional de la Democracia“ que buscava coordenar numa ação conjunta as
esquerdas brasileiras, uruguaias e argentinas para enfrentar a “Internacional da la
Reacción”. Em extensa carta ao Secretariado Nacional do PCB, emitida em junho de
1936, Costa Leite exortava os camaradas a que lhe enviassem artigos os quais ele se
encarregaria de publicar, informando que estava em relação com o jornal “Crítica”
(BS AS) [que] se comprometera a iniciar uma campanha contra o governo de
Vargas. Seu diretor, [Natálio] Botana, chegou informar disso o próprio Vargas.
Arrolava ainda mais dois semanários de opposições do grupo Battlista, “Avanzar” e
da esquerda nacionalista, além dos jornais “Justicia” do PC uruguaio, semanário
“Unidad” do SV [SVI], “Amnistia” do Comitê Pró-anistia de Presos Políticos e
Exilados da América de BS (sic ) [Buenos Aires], “Monde” também daqui
121
SILVA, Hélio. 1937: Todos os Golpes se Parecem. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970,
p. 363-364. SILVEIRA, Delcy, 2001, p. 27.
122
BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p. 103.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
110
[Montevideo]. Mandem, pois será publicado da melhor maneira possível
123
. Em
outro trecho da mesma carta, Costa Leite informa o deslocamento de “seus” homens
do Uruguai para o Brasil: há pouco tempo voltou daqui para o Rio Grande o Jorge
(ex alumno do C. Militar de Porto Alegre). Por estes dias o Milan. A seguir
regressarão os demais companheiros que aqui se encontram ainda
124
. No ponto
final da carta, Costa Leite confirmou a aliança com Flores da Cunha:
Por portador, fui informado ultimamente de que o Flores (...) esperando
a intervenção federal no estado, mandou buscar na prisão Dyonélio
Machado e com elle conferenciou dois dias, sobre a attitude da Alliança
[ANL] neste caso. Dyonélio disse-lhe que lhe daria todo o seu apoio em
troca, apenas da mais absoluta legalidade da ANL no estado, o que elle
[Flores] prometeu
125
.
A conspiração estava lançada. No Rio Grande do Sul, à frente do CMR, semi-
clandestino, estava o ex-capitão Trifino Correia, outro revolucionário histórico,
ligado a Prestes desde os tempos da Coluna. Em julho ou agosto de 1937, o ex-cadete
Delcy Silveira chegou a Porto Alegre, onde contatou o PCB e passou a integrar o
comitê que o colocou como encarregado do setor militar de base, isto é, de fazer os
contatos entre os subalternos nos quartéis do Exército afim de preparar uma ação
contra o governo Vargas. Embora contassem com a anuência de Flores e da Brigada
Militar (que lhe servia de exército particular), os conspiradores corriam o risco de
serem capturados por agentes federais, onde Flores da Cunha não poderia intervir.
123
Esta carta-relatório consta do inquérito contra José Lago Molares, ex-membro do Secretariado
Nacional do PCB capturado pela polícia do DF em julho de 1936. Junto com Molares foi preso
também Roberto Morena. Prontuário de Carlos da Costa Leite N°7127, APERJ. Ver também
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 59.
124
Carta-relatório de Carlos da Costa Leite ao Secretariado Nacional do PCB, 08?/06/1936, Pontos 4 e
7. Prontuário de Carlos da Costa Leite N°7127, APERJ.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
111
Foi o que ocorreu com o próprio Trifino Correia. Segundo nos conta Delcy
Silveira, ele teve de marcar um “encontro” entre Trifino e outro militar veterano da
Coluna Prestes. O que nem Delcy nem Trifino sabiam era que este capitão havia
passado para o lado do governo, denunciando Trifino, que foi preso, no “ponto”
marcado, por oficiais do Exército. Delcy Silveira assistiu a cena, embora sem poder
agir fisicamente para impedir a prisão. Porém agiu de outra forma:
Imediatamente comunicamos o fato ao Flores (...) e o Flores mandou um
grupo de oficiais da Brigada para ver a possibilidade de libertá -lo. Não
foi possível, pois este já se encontrava preso no 7° BC, uma unidade do
Exército
126
.
A prisão de Trifino Correia, ocorrida em 5 de outubro de 1937, representou
um sério golpe para o CMR. Além do mais, o governo central apertou o cerco sobre
Flores da Cunha, enviando o general Daltro Filho como executor do Estado-de-
Guerra no RS. Pouco tempo depois, Flores renunciava ao cargo de governador, e
abandonava o país, em direção ao Uruguai, levando consigo alguns correligionários.
A debandada de Flores consequentemente lançou o CMR na ilegalidade absoluta.
No CMR do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, além de Delcy Silveira,
faziam parte outros veteranos insurgentes de 1935, como Dinarco Reis, Mario de
Souza, Nelson de Souza Alves e Paulo Machado Carrion
127
. Mesmo depois da fuga
de Flores e da implantação do Estado Novo, em novembro de 1937, os ex-militares
125
Idem. Pontos 20 e 23. Prontuário de Carlos da Costa Leite N°7127, APERJ.
126
SILVEIRA, Delcy, 2001, p. 28.
127
SILVEIRA, Delcy, 2001, p. 29.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
112
comunistas continuaram as incumbências de organizar uma resistência arma da contra
o ditador Vargas.
Diante da impossibilidade concreta de luta, o partido recomendou a Delcy
Silveira e seus companheiros que se exilassem no exterior, pois estavam sendo
procurados pela polícia. Após algumas dificuldades, atravessaram o Rio Grande do
Sul em direção ao Uruguai, acompanhados por alguns homens da Brigada Militar,
adeptos de Flores
128
.
Em Montevideo, os exilados brasileiros se dividiam em grupos: o núcleo do
ex-governador Flores da Cunha e os comunistas/aliancistas. No Uruguai, o grupo dos
exilados comunistas (civis e militares) passou por necessidades financeiras, contando
com a ajuda monetária da família dos irmãos Silveira para sobreviver. Parece que o
PC uruguaio foi responsável pelo alojamento do grupo em uma pequena casa. Eram
então, sete pessoas: os tenentes Dinarco Reis, Dinarte Silveira e Nelson de Souza
Alves, os irmãos Delcy e Eny Silveira (civil), os irmãos Eurico (civil) e
Hermenegildo Assis Brasil e Bolívar Cunha (civil)
129
. Corria o mês de dezembro de
1937.
Pouco depois entraram em contato com o ex-major Carlos da Costa Leite,
com quem passaram a se encontrar num bar de Montevideo. Retomou-se então a
idéia de partir para a Espanha, embora ainda pairasse no ar uma possibilidade de luta
no Brasil. No Uruguai já se encontravam Nemo Canabarro Lucas (perto de
Livramento) e Homero de Castro Jobim. Também estava exilado em Montevideo o
128
Idem, p. 31-32.
129
Idem, p. 37-38.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
113
ex-tenente José Gay da Cunha, mas que não convivia muito com os companheiros
comunistas, pois era parente próximo de Flores da Cunha e gravitava neste círculo
130
.
Apesar das diferenças, existia um contato freqüente entre os dois grupos,
onde talvez Gay da Cunha servisse como elemento de ligação. Ou seja, o grupo do
general Flores da Cunha manteve uma linha aberta de comunicação com os
comunistas e vice-versa. Segundo um relatório do general Boanerges a Vargas, no
início de 1938, houve uma articulação entre Costa Leite e Flores da Cunha para
invadir a região de Santana do Livramento a partir do Uruguai
131
. Talvez uma das
razões para Nemo Canabarro Lucas esta r residindo tão próximo a fronteira, pois
segundo Paulo Roberto de Almeida, ele fez parte do Estado Maior do general Flores
da Cunha
132
. Cabe ressaltar também que Canabarro era aliancista e não se filiou ao
PCB. No livro de John W. F. Dulles consta que o embaixador do Brasil no Uruguai,
João Batista Luzardo, enviava relatórios a Vargas denunciando as atividades
subversivas dos ex-majores Alcedo Batista Cavalcanti e Carlos da Costa Leite e do
ex-tenente Nemo Canabarro, em associação com Flores da Cunha
133
. Entretanto, as
manobras conspiratórias entre ambos grupos oposicionistas não chegou a superar a
fase do planejamento.
Como estava em situação irregular no país, o grupo dos militares teve de
abandonar o Uruguai rapidamente. A polícia uruguaia, em cooperação com a polícia
política brasileira e a embaixada, estava apertando o cerco. O próprio Flores da
Cunha havia pedido asilo político na Argentina. Somado às perseguições, o fracasso
130
SILVEIRA, Delcy, 2001, p. 38-40.
131
BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p. 125-126.
132
ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 53.
133
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 178 e 314.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
114
das conspirações para derrubar Vargas. Nessa época, o Uruguai era governado pelo
conservador Gabriel Terra que, apesar de um manto de neutralidade, tanto mostrava-
se simpático ao fascismo italiano e ao falangismo espanhol quanto a Getúlio Vargas
e o Estado Novo
134
. Portanto, os mais procurados, Alcedo Batista Cavalcanti, Carlos
da Costa Leite, Nemo Canabarro e Paulo Machado Carrion partiram para a França no
início de 1938, com o objetivo de chegar até a Espanha.
O restante do grupo dos ex-militares partiu clandestinamente para a Argentina
em janeiro de 1938, fazendo um trajeto alternativo para atingir a Espanha. Como não
tinham documentos, a passagem para a Argentina deveria ser feita pelo rio, à noite e
em pequenos botes a motor. O ponto escolhido para a travessia era Colônia do
Sacramento, situada quase em frente a Buenos Aires.
No madrugada do dia 7 de janeiro de 1938, o bote utilizado por José Gay da
Cunha, Homero de Castro Jobim, Nelson de Souza Alves, Delcy e Eny Silveira
quebrou e eles foram surpreendidos em águas territoriais argentinas pela Prefectura
Naval Argentina, espécie de polícia marítima. Os argentinos pensavam que fossem
simples contrabandistas, mas os brasileiros prontamente se revelaram como ex-
militares pedindo asilo político
135
.
Mesmo sendo detidos, Delcy Silveira se lembra que o grupo foi bem tratado
pela polícia marítima argentina. Graças a um motorista de táxi (que os levou até um
quartel escoltado pela polícia), o grupo ganhou publicidade na imprensa argentina.
Como disse Delcy Silveira:
134
NAHÚM, Benjamín (org.). Colección História Uruguaya 1930-1958: Crisis Política y
Recuperación Económica. Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 1991, tomo 7, p. 31, 39-40.
135
SILVEIRA, Delcy, 2001, p. 39.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
115
Durante a viagem falamos com o motorista de taxi e demos nossos
nomes, nossos postos e pedimos para ele levar a história a um jornal.
Era a nossa maneira de romper com uma prisão ilegal. Aliás, todo
revolucionário quando é preso tem que procurar tornar pública a sua
prisão, pois ele pode sumir (...) logo que o jornal [Crítica] publicou a
notícia da nossa prisão, dois Senadores da República [argentina] vieram
nos visitar (...) O senador Bravo e o senador Palácios
136
.
Graças a ação dos senadores oposicionistas, o grupo conseguiu asilo
temporário, hospedando-se na capital argentina. Durante a estadia em Buenos Aires,
o grupo foi vigiado de perto pela polícia argentina a pedido da embaixada brasileira,
que pedia um relatório detalhado das atividades dos exilados. Houve inclusive um
agente policial brasileiro infiltrado no meio dos ex-militares, cujo relatório encontra-
se no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Entrementes, o grupo de
exilados organizava a sua viagem a Espanha.
Ainda no mês de janeiro, alguns membros do grupo militar tiveram um último
contato com os correligionários de Flores da Cunha. Um dos que tiveram esse
contato foi Delcy Silveira, que relatou o encontro da seguinte forma:
Em Buenos Aires fomos procurados pelo Sr. Antonio Flores da Cunha e
o Sr. Carlos Bozzano. Não sei porquê, pois também se encontrava lá o
Gay Cunha que era parente do Flores (...) estava em preparo um golpe
contra o governo do Getúlio. O chefe político desse movimento era
Otávio Mangabeira (...) o chefe militar era o coronel Euclides
Figueiredo (...) eles se prontificaram a pagar nossas despesas para que
136
SILVEIRA, Delcy, 2001, p. 40. O jornal Crítica era um jornal de oposição, progressista cujo
diretor Natálio Botana, além de apoiar os exilados brasileiros, era um defensor da Espanha
Republicana. Ver SCHWARSZTEIN, Dora. Op. cit. 126-129. Os senadores Alfredo Palácios e
Mario Bravo eram destacados jurisconsultos e políticos argentinos, de idéias progressistas. Ver
Diccionário Enciclopédico Ilustrado Sopena. Barcelona: Sopena, 1977, p. 670 e 3113.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
116
um de nós fosse ao Rio para conversar com o coronel Figueiredo e
receber instruções. Queriam nossa cooperação. Declarei a eles que não
tinha responsabilidade política para assumir compromisso, mas os poria
em contato com a pessoa que representava o movimento revolucionário
brasileiro na Argentina, o jornalista Pedro Mota Lima. Marcamos um
novo encontro (...) apresentei-os ao Pedro Mota Lima e retirei-me.
Nunca fiquei sabendo do resultado da conversa (...)
137
.
Em outras palavras, de alguma forma ainda não bem esclarecida, Flores da
Cunha tentou envolver os ex-militares comunistas com Euclides Figueiredo, um dos
mentores do putsch integralista, que ocorreu em abril 1938. Qual o teor das propostas
feitas a Pedro Mota Lima? Não sabemos a resposta. Uma hipótese provável é que
talvez a cúpula dos militares integralistas procurasse utilizar os comunistas em
alguma ação ilegal, da qual posteriormente lhes atribuiriam a culpabilidade,
transformando-os em meros “bodes expiatórios”. Enfim, culpar os comunistas por
atos que não haviam cometido era uma prática corriqueira da extrema direita, tanto
no Brasil (como o famoso “Plano Cohen”, do capitão Olympio Mourão), quanto no
exterior (como o incêndio do Reichstag, na Alemanha).
Entre fevereiro e março de 1938, o grupo dos ex-militares que estava na
Argentina foi deixando o país aos poucos, devido a constante vigilância policial.
Quando José Gay da Cunha e Hermenegildo de Assis Brasil “desapareceram”,
deixando ilegalmente a Argentina em direção a Espanha, Delcy Silveira e outros
foram presos e interrogados. Porém, a polícia argentina não tinha como manter
legalmente presos os exilados. Uma vez soltos, tiveram de atuar do modo mais sub-
reptício possível, despistando a vigilância policial. Dias mais tarde, em posse dos
137
SILVEIRA, Delcy, 2001, p. 43.
© A Espera da Revolução, Ventos de Guerra ©
117
passaportes fornecidos pela embaixada espanhola, Delcy e Eny Silveira, Dinarco
Reis e Nelson de Souza Alves embarcaram no navio polonês Polaski. O fizeram
separadamente, para não chamar a atenção
138
. Assim, puseram-se finalmente a
caminho da Espanha em guerra.
138
SILVEIRA, Delcy, 2001, p. 44-46.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
120
CAPÍTULO 2: “GUERRA, INTERVENÇÃO E SOLIDARIEDADE”.
2.1 O Início da Guerra Civil Espanhola
Em 1936, era muito improvável que alguém com algum acesso à informação
através de jornais diários ou revistas ilustradas de circulação semanal ou mensal,
dentro ou mesmo fora da Espanha, não pudesse prever, com uma certa facilidade,
que em breve uma grave convulsão iria sacudir a Península Ibérica. Especialmente
após o ocorrido nas Astúrias em 1934, visto o resultado das eleições de fevereiro de
1936, que deram a vitória à FP.
O enfrentamento, enquanto abstração, já vinha sendo preparado há muito
tempo, assim como uma longa gestação que podia ser percebida em função das
profundas reações que provocavam, em cada lado do espectro político, os rumos e
atitudes tomados pelo seu oponente. As causas, como já vimos anteriormente, eram
seculares e pertencentes à formação histórico-social. Faltava, no entanto, um
elemento detonante, a gota final que transbordaria o conteúdo do fervilhante
caldeirão político espanhol.
Durante os meses que antecederam julho de 1936 a Espanha tornara-se presa
de graves conflitos que atingiram quase todas suas regiões. Embora a agitação
violenta nas cidades fosse mais visível e de efeitos mais imediatos, no campo, as
massas camponesas já estavam radicalizadas e expropriando terras sem o aval do
governo republicano, enquanto muitos trabalhadores, incentivados pelas centrais
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
121
sindicais UGT e CNT, passavam a ocupar fábricas abandonadas pelos donos,
geralmente indivíduos da classe alta e de direita, em fuga disparada rumo a Biarritz,
Estoril ou Paris, em busca de proteção, conforto e segurança para seus capitais. O
“assalto à propriedade privada” parecia, para os elementos de direita, um inequívoco
sinal da “revolução comunista” em marcha, pois:
Para muitos hespanhoes constitue a principal preoccupação, aquella
famosa prophecia que figura no testamento de Lenine, de que a segunda
nação a onde se implantaria o sovietismo, seria a Hespanha. Será
verdadeira esta prophecia, eis a pergunta repetida ante as perspectivas
que offerece a situação política
1
.
Devem ser lembradas ainda as irresponsáveis declarações de Largo Caballero
que, preconizando a queda do governo da FP e exacerbando os ânimos da reação,
afirmou:
Cuando el Frente Popular se derrumbe, como se derrumbará sin duda, el
triunfo del proletariado será indiscutible. Entonces implantaremos la
dictadura del proletariado, no que no quiere decir la represión del
proletariado, sinó de las clases capitalistas y burguesas
2
.
Porém, destarte as crenças proféticas dos extremistas de direita e esquerda e
que apontavam para uma revolução anunciada (uns para o mal, outros para o bem), o
que ocorria na Espanha era a falência e a incapacidade de um governo burguês e
moderado em conter grupos extremistas (de ambos lados), cujas práticas políticas
1
Correio do Povo, 03/04/1936, p.2.
2
Discurso pronunciado em Cádiz, 24/05/1936. Citado em: THOMAS, Hugh. Op.cit., p.203.
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122
extrapolavam os marcos institucionais do Estado espanhol. No entanto, seriam
justamente os militares, encarregados da defesa do Estado e da manutenção da
ordem, que romperiam definitivamente com a ordem legalmente constituída
representada pelo governo republicano.
A Unión Militar Española (UME), espécie de sociedade secreta militar que
havia sido criada por um grupo de oficiais conservadores, havia conseguido superar
um ranço anti-civilista e estreitado os laços com monarquistas de Calvo Sotelo, Gil
Robles e a Falange. Garantiram desta forma uma certa base de apoio civil, ainda que
estreita, à sua manobra golpista, embora na realidade preferissem prescindir dela,
dada a desconfiança dos militares e as divisões existentes entre os setores da direita
“civil”: facções monarquistas, católicos e falangistas.
Os militares rebeldes
3
que planejaram o levante, o general Emílio Mola e seu
superior, José Sanjurjo, fracassado golpista em 1932, esperavam que o governo cairia
rapidamente, permitindo a instalação de um governo de facto. Dentre as primeiras
medidas que seriam tomadas estavam a prisão e supressão dos dirigentes sindicais,
políticos e quaisquer elementos contrários ao golpe e já se falava em “punições
exemplares”, um eufemismo para execuções
4
. No outro extremo, militares
republicanos criavam, em contraposição, a Unión Militar Republicana Antifascista
(UMRA), menor em importância numérica, mas que coadunava ativos elementos
3
A partir de agora, quando nos referirmos aos oponentes de direita da República Espanhola o faremos
mediante o título genérico de “rebeldes”, ou seus sinônimos aceitos pela historiografia: “sublevados”
ou “insurgentes”. Não usamos o termo “nacionalistas” (mais usual) em vista de que trataremos de
“nacionalistas de esquerda”, o que pode ocasionar confusão. A partir de abril de 1937, quando o
general Francisco Franco unificou o campo da direita, os rebeldes serão denominados “franquistas”.
4
MATTHEWS, Herbert L. Metade da Espanha Morreu. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1975, p. 81.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
123
socialistas, comunistas e frequentemente envolvidos no treinamento das suas
respectivas milícias partidárias
5
.
O golpe estava planejado para meados de julho de 1936, sem data definida.
Todavia, foram os acontecimentos do dia 12 de julho que precipitaram o levante.
Inicialmente, o assassinato do tenente Castillo, da Guardia de Asaltos
6
, popular
instrutor das milícias socialistas e membro da UMRA, por elementos falangistas.
Logo em seguida, a revanche que viria na forma da captura e execução do deputado
Calvo Sotelo, o conspirador líder monarquista, pelas mãos dos enraivecidos colegas
de Castillo. Acudiram aos seus respectivos funerais multidões de simpatizantes de
ambas personalidades e que acabaram entrando em conflito, restando um saldo de
vários mortos e feridos. Era o sinal, o pretexto que os militares buscavam para iniciar
o golpe contra a República.
A longa e cautelosamente planejada rebelião militar iniciou-se
antecipadamente na madrugada de 17 de julho de 1936, no território colonial do
Marrocos espanhol. Esta ousada manobra permitiu a rápida conquista do território,
assim, como já haviam ensejado nos planos, os militares rebeldes passaram a
executar todos os elementos leais ao governo. Este seria o modelo aplicado pelos
rebeldes em todas as regiões por eles dominadas. Quando a notícia do levante
começou a ser veiculada pelas rádios e jornais no continente, as organizações da
esquerda exigiram armas ao governo para poder resistir, caso a insurreição se
espalhasse pelo resto da Espanha. Mas o governo, acuado por ambos os lados, tentou
5
COLOMER, Comín E. El Comisariado Político en la Guerra Española 1936-1939. Madrid: San
Martín, 1973, p.30-31.
6
A Guardia de Asaltos era uma força policial auxiliar criada para proteger o governo da República em
1931, já que a tradicional Guardia Civil era suspeita de simpatias monarquistas, não sendo confiável
para a defesa da República.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
124
os meios constitucionais possíveis para pôr fim à rebelião: era evidente que o
governo burguês moderado temia mais o povo do que os militares rebeldes e achava,
erroneamente, que poderia comprar sua lealdade com cargos ministeriais.
No dia seguinte, em vários pontos da península, guarnições militares,
unidades policiais e grupos armados civis da direita tomaram a iniciativa e se
insurgiram contra a ordem constituída. A defesa da vilipendiada República sobrou
para um heterogêneo grupo de militares leais e diversas organizações populares que,
após a recusa do governo de Santiago Casáres Quiroga em armá-las, decidiram então
atuar por conta própria e, contando com a ajuda de militares da UMRA, obtiveram
armas para o combate contra as forças militares sublevadas. O levante deixou o
governo republicano sem a metade do seu Exército, a maioria da Guardia Civil, boa
parte da Marinha e Aeronáutica e até uma parte considerável da Guardia de Asaltos,
teoricamente criada para “defender a república”.
Assim, a República espanhola encontrava-se traída pelo seu próprio aparelho
coercitivo, o que vale dizer que já não tinha mais o “monopólio exclusivo da
violência”. Ou seja, o Estado espanhol entrava em colapso e seu poder fragmentava-
se graças à sublevação militar por um lado e o povo armado por outro.
Enquanto isso, os rebeldes, que esperavam tomar o controle do território
espanhol em poucas horas, tiveram os seus ímpetos detidos pela ferrenha defesa
popular que passou a assaltar os quartéis. Não obstante, já detinham em seu poder
quase um terço do total do território espanhol. A rebelião fora derrotada em quase
todas as grandes cidades (exceto Zaragoza e Sevilla) e na capital, Madrid, mas
triunfara em regiões onde predominava uma mentalidade que expressava valores
agrários tradicionais e onde as forças populares não estavam organizadas.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
125
Na Catalunha, o governo autônomo catalão mostrava-se tão inerte quanto o
de Madrid no tocante à assustadora possibilidade de armar a população. Logo, a
iniciativa da derrota do levante coube diretamente às forças populares apoiadas por
militares leais que abriram as portas dos quartéis ao povo. Porém, o movimento
popular iniciado em 19 de julho de 1936, com o objetivo de conter a sublevação
militar, comandado pela central sindical CNT e pela elite anarquista da FAI,
transbordou em seu conteúdo, evoluindo da simples “defesa da república” para a
promoção de uma autêntica revolução social libertária.
Por toda a Espanha republicana, a falência e dissolução do poder estatal nos
moldes tradicionais levou ao surgimento de poderes paralelos alternativos e
autônomos que alteraram o perfil da prática política anterior e, muitas vezes,
provocaram profundas modificações na estrutura social. Paradoxalmente, a contra-
revolução personificada no levante militar havia deflagrado finalmente a revolução.
Os militares sublevados, liderados agora pelo general Francisco Franco, após
a morte acidental de Sanjurjo (o primeiro na cadeia de comando), chegaram à rápida
conclusão de que não poderiam vencer por si próprios sem uma ajuda externa mais
expressiva. Possuíam quadros preparados, a nata da oficialidade jovem, mas
careciam de armas e equipamentos modernos, o que se agravava ainda pelo fato de
que as melhores tropas dos rebeldes, o Tércio e os mouros, encontravam-se na África
e não na península. Surgia um problema: como transportá-los sem navios ou aviões
suficientes
7
?
7
A maior parte dos navios da Marinha de Guerra estava sob controle do governo. Os oficiais rebeldes
haviam sido executados pelos marinheiros quando souberam que estes haviam aderido ao golpe. Os
rebeldes tinham a sua disposição apenas três anticuados aviões-escola Fokker FVII, que foram os
responsáveis pelo transporte das primeiras tropas mouras da Ãfrica para Sevilla.
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126
A República, por sua parte, chegou a uma conclusão semelhante: também não
tinha condições efetivas de derrotar os rebeldes com os meios disponíveis. Embora
mantivesse uma certa supremacia numérica nas armas e na quantidade de gente
disponível a pegar em armas, os republicanos careciam também de equipamentos
modernos, além disso não contavam com uma força militar organizada e capaz de
empreender uma resistência coordenada, tendo em vista a desintegração do Exército,
enquanto instituição vertical, e ao fato consumado de que era também incapaz de
exercer o controle sobre as diversas milícias políticas. Face a estas indagações,
ambas as partes passaram a procurar ajuda além das suas fronteiras, com a finalidade
de suprir suas crescentes necessidades financeiras e bélicas.
2.2 A Internacionalização da Guerra Civil Espanhola: as intervenções
estrangeiras.
O processo de internacionalização da Guerra Civil Espanhola, com suas
variadas formas, no que tange aos diversos tipos e graus de intervenções estrangeiras,
corresponde a um fenômeno peculiar, nunca antes visto em tal extensão, e somente
pode ser entendido se examinado à luz da complexa dinâmica histórica dos anos 30.
Dificilmente a guerra na Espanha teria superado suas fronteiras se não
houvesse o medo do comunismo e da revolução social, ou ainda sem o pânico
provocado pela crescente efervescência do nazi-fascismo no âmbito mundial. A
morte da democracia e das liberdades individuais, tais como eram conhecidas,
pareciam muito próximas então. Nesse contexto, tanto o “fascismo” quanto o
“comunismo”, ou qualquer conjunto de práticas e posturas de um grupo e que
pudesse ser identificado como tal pelo “outro” oposto, funcionavam como
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
127
catalizadores de idéias e paixões extremadas que ambas posições políticas
despertavam numa geração abalada por uma profunda crise econômica, e que
colocava em jogo questionamentos de índole moral e ideológica com uma intensa
repercussão no meio social.
Fernando Schwartz aborda muito bem a questão ao dizer:
(...) la generación de los años treinta es tensa y dolorosamente
consciente de los problemas de época. El año de 1936 la encuentra
cansada, llena de temor y premoniciones. Es normal que los hombres se
sintieran directamente afectados por lo que sucedía en España, por que
se dieron cuenta de que el resultado, un estereotipo de los conflictos
morales y ideológicos de los años treinta, les atañia muy de cerca
8
.
Contudo, o processo de internacionalização correu como uma via dupla, ou
seja: tanto os espanhóis abriram e expuseram ao mundo a tragédia do seu conflito,
quanto no mundo existia uma vontade incontestável, pelos mais variados interesses
(dos mais nobres aos mais espúrios), de se envolver na luta travada na Espanha.
Em verdade, cabe ressaltar que foram os próprios espanhóis (em ambos
lados) que solicitaram o apoio dos países e grupos com os quais tinham alguma
afinidade de interesses. Schwartz afirma que sem o apoio estrangeiro fornecido ao
lado republicano ou aos rebeldes, o golpe dos generais provavelmente haveria
esgotado suas energias em poucas semanas, com um outro resultado, mas sem chegar
a se converter em uma guerra civil de tais proporções
9
.
8
SCHWARTZ, Fernando. La Internacionalización de la Guerra Civil Española. Barcelona:
Planeta, 1999, p.45.
9
Idem, p. 44.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
128
Assim, foi divulgado pelo governo da República o primeiro pedido legítimo
de ajuda externa. Em 19 de julho de 1936, dois dias após o levante, o ministro José
Giral pedia oficialmente ao governo francês de León Blum que lhe fossem enviados
aviões de combate, peças de artilharia, armas de mão e farta munição, afim de poder
resistir ao ataque das forças militares insurgentes. A República Francesa, que possuía
também um governo de coalizão “frentepopulista”, comandado pelo socialista León
Blum e, em tese, análogo e simpático à causa democrática espanhola, concordou com
os envios solicitados.
No entanto, o recém empossado governo francês enfrentava sérios problemas
políticos internos e o Conselho de Ministros não apresentou uma resposta favorável à
petição de Blum na questão das armas para a república espanhola. Criava -se um
impasse dentro da cúpula do governo francês: alguns acreditavam que o apoio a
Espanha poderia significar arrastar a França para uma indesejada guerra contra a
Alemanha e a Itália. Ainda havia a pressão dos grupos de direita temendo que uma
vitória republicana significasse uma vitória do “comunismo”, assim como também
incentivaria a turbulenta esquerda francesa a tentar o mesmo.
Dadas as pressões exercidas neste sentido, o governo Blum foi forçado a
assumir uma postura oficial de neutralidade perante a questão espanhola. No entanto,
buscou-se uma saída de cunho semilegal (evocando uma cláusula secreta de um
tratado militar entre ambos países) que permitisse a ajuda aos republicanos sem
comprometer diretamente o governo de Paris. Blum e a esquerda francesa em geral
tinham plena consciência do perigo que significaria uma vitória dos militares
rebeldes espanhóis para a França, ou seja, o que representaria uma Espanha
possivelmente afinada com o “nazi-fascismo”.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
129
Assim, durante os primeiros meses da guerra, a França pode ainda enviar,
graças a ação de Pierre Cot (ministro da aviação francês), diversos tipos de aviões
para formar os esquadrões de caça e bombardeio da República. As remessas
francesas incluíram também armas de infantaria, peças de artilharia, munição diversa
e muitas bombas de aviação
10
. Cerca de uma centena de aparelhos dos mais variados
tipos e modelos passou pela fronteira francesa entre agosto e setembro de 1936
11
, por
vias semi-oficiais e de forma bastante discreta, para não despertar a atenção da
opinião pública francesa, desfavorável à ação do governo em sua maioria. Os
franceses se comprometeram ainda a enviar oficiais e especialistas militares
licenciados das forças armadas francesas para treinar a desfalcada aviação
governamental e todos seriam muito bem pagos pelo tesouro espanhol
12
. A única
ajuda espontânea aos republicanos viria por parte de um jovem e promissor escritor
francês ligado aos comunistas, chamado André Malraux, e de quem nos ocuparemos
mais adiante.
Simultaneamente, a Embaixada espanhola em Paris se converteu em um
grande escritório comercial onde entravam e saíam tanto representantes das maiores
casas fabricantes de armas da Europa ocidental quanto obscuros traficantes de armas,
todos ansiosos para assinar contratos de venda e repassar seus produtos, muitos de
qualidade duvidosa e a preços geralmente superfaturados, para os confusos
10
OFICINA INFORMATIVA ESPAÑOLA. Las Brigadas Internacionales: La Ayuda Extranjera
a los Rojos Españoles. Madrid: Aldus, 1948, p. 9 a 23.
11
Para um histórico detalhado das aeronaves utilizadas, recomendamos o livro de Juan Abellan
Garcia-Muñoz. Galeria de Aviones de la GCE 1936-1939. Madrid, Ministério de Defensa-IHCA,
1996.
12
OFICINA INFORMATIVA ESPAÑOLA. Op. cit., p. 2021. Apesar de ser um documento
produzido pelo governo franquista e com muitos exageros propagandísticos, boa parte dos seus dados
parecem corretos e foram corroborados posteriormente, sendo utilizados por pesquisadores renomados
como Gabriel Jackson, Fernando Schwartz e Jacques D. de Bayac.
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130
diplomatas espanhóis, catapultados pelo advento da guerra à bizarra condição de
“especialistas em assuntos militares”.
Deste modo, tal era o desespero e a desorganização do governo espanhol,
assim como a desconfiança com respeito aos militares de carreira, que a recém criada
Comissão Governamental para a Compra de Armas foi inicialmente composta por
políticos e diplomatas com pouco ou nenhum conhecimento sobre armamentos ou
questões de índole técnico-militar, e menos ainda a respeito de transações
comerciais, resultando em um terreno fértil para a ação de negociantes desonestos e
funcionários corruptos em geral, os quais enriqueceram com relativa facilidade às
custas do ouro da Espanha
13
.
Enquanto isso, os generais rebeldes passaram a contatar líderes alemães e
italianos, visando conseguir aviões de transporte, indispensáveis para o correto
desenrolar das operações militares. A aviação, que durante a Primeira Guerra
Mundial tivera pouco relevo do ponto de vista estratégico-militar, na guerra da
Espanha, demonstraria ser de vital importância, assinalando de antemão uma
doutrina -sentença militar que se repetiria ao longo de quase todas as guerras do
século XX, apontando o futuro vencedor entre os lados beligerantes como aquele que
detivesse o efetivo controle dos céus.
Como já dissemos anteriormente, vários grupos da direita já vinham há muito
contatando e negociando secretamente com a Alemanha ou a Itália, no sentido de
obter algum tipo de apoio para o seu coup de main. Portanto, o campo rebelde, ou
“nacionalista” como eles próprios se denominavam, contou desde cedo com forte
ajuda externa, tanto em equipamentos quanto em efetivos humanos.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
131
O apoio ítalo-germânico foi motivado por uma complexa série de fatores
singulares. Ambas potências declararam oficialmente o seu apoio devido a questões
de índole ideológica, a conhecida cantilena da “luta contra o comunismo”.
Entretanto, para a Alemanha, este discurso conteria no fundo um desejo de
promover, em torno desta luta, uma base para uma espécie de futura “parceria” entre
a Alemanha e Inglaterra, capaz de superar as diferenças políticas entre ambos
14
.
Logo, seriam principalmente razões de cunho estratégico e econômico que
impulsionariam a manobra intervencionista de ambas ditaduras, tais como o
cercamento da França e o controle do Mediterrâneo (para suprir mais uma vontade
“imperial” do expansionismo megalômano de Mussolini, que acabara de conquistar a
Etiópia, sem oposição da LdN) e de Gibraltar, para os italianos.
Para a Alemanha, um sério motivo seria a possibilidade de desestabilizar a
França e sua aliança com a URSS (o pacto militar de 1935) e com a Inglaterra, as
quais, segundo o que os militares rebeldes expuseram em Berlim, já estariam
apoiando o governo de Madrid. Basta lembrar que a França já havia recuado ao
avanço alemão sobre a zona desmilitarizada do Reno, violando o pacto de Versalhes.
Com isto, a instalação de um governo espanhol “fascista” (ou mesmo
simpatizante) “atravessado” no Mediterrâneo cortaria não somente a passagem do
estreito, mas evitaria a imaginada concretização de um eixo Paris-Madrid-Moscou,
que certamente poderia representar uma ameaça e elemento de contenção para a
política externa expansionista do Reich alemão.
13
SCHWARTZ, Fernando. Op.cit., p. 68 a 70.
14
Para uma análise detalhada da motivação à intervenção germânica, veja VIÑAS, Angel. Franco,
Hitler y el Estallido de la Guerra Civil. Madrid: Alianza, 2001, p. 368 a 397.
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132
Outro fator que, sem dúvida, motivara Hitler e Mussolini era o interesse pela
riqueza mineral do solo espanhol (principalmente em ferro), com a possibilidade de
exploração destas riquezas a um baixo custo, assim como a obtenção de vantagens
sobre a Inglaterra, detentora de privilégios comercias na Espanha e compradora da
maior parte do total da produção espanhola de ferro
15
. Portanto, após uma série de
contatos e negociações estabelecidas previamente, e a partir da consta tação de que os
rebeldes não tinham condições de vencerem por si, Hitler e Mussolini acordaram por
separado em lhes enviar, à crédito, os aviões e armas solicitados como apoio inicial,
o que foi essencial para alavancar o triunfo dos rebeldes na península, visto que estes
controlavam apenas os territórios de ultramar (Marrocos, ilhas Canárias e Baleares),
sem possuir uma base sólida no continente.
É interessante destacar que a presença casual e simultânea de alemães e
italianos ao lado dos rebeldes acabou por aproximar Hitler e Mussolini em torno de
interesses comuns, levando posteriormente os seus governos a assinarem
formalmente um pacto de cooperação na luta contra o comunismo, o pacto do Eixo.
Em 26 de julho de 1936, portanto apenas dez dias após o início do levante, os
aviões Junkers alemães transportavam para a Península Ibérica, partindo do
Marrocos, as temidas tropas coloniais do norte da África, os célebres mouros, e a
infantaria do Tércio de Extranjeros (a legião estrangeira espanhola), protagonizando
assim a primeira ponte aérea da história
16
. À este suporte, vindo da Alemanha, em
breve se somaria o apoio aéreo vindo da Itália.
15
THOMAS, Hugh. Op.cit., p.366.
16
RIES, Karl & RING, Hans. The Legion Condor. Atglen: Schiffer, s.d., p.13-15.
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133
Durante todo o conflito na Espanha, a Alemanha nazista enviou,
rotativamente, em torno de 16.000 especialistas militares (pilotos, artilheiros,
mecânicos, engenheiros e tanquistas), englobados em uma unidade militar
denominada Legião Condor, que foi integrada ao Exército rebelde, mais
precisamente no já citado Tércio de Extranjeros, porém dotada de plena
independência com relação ao comando espanhol: eles obedeciam diretamente a
Berlim
17
. É importante destacar que junto com esses especialistas vieram também
uma quantidade substancial de armamentos modernos, aviões de combate, carros
blindados, peças de artilharia, equipamentos e suprimentos bélicos de altíssima
qualidade, uma torrente que parecia inesgotável. Estima-se que os alemães
entregaram a Franco mais de 600 aviões e 200 carros de combate, além de um
substancial parque de artilharia
18
. Este “crédito ilimitado”, dado pela Alemanha, na
verdade comprometia o futuro da Espanha como nação independente, pois quase
todos os seus recursos naturais permaneceriam hipotecados pela Alemanha, carente
então de matérias primas e materiais estratégicos. O auxílio alemão estendeu-se ao
longo do conflito e em quantidades cada vez mais crescentes, a medida que as tropas
de Franco ganhavam terreno e disputavam o território da República, palmo a palmo.
A Itália de Mussolini, por sua vez, também enviou apoio militar (material e
humano) aos rebeldes e em quantidade bem maior do que os alemães. Os italianos
chegaram a enviar um Exército completo que atingiu, no seu auge, em torno de
50.000 combatentes integrados às forças rebeldes, como o Corpo di Truppo
Volontarie (CTV)
19
.
17
JACKSON, Gabriel. Entre la Reforma y la Revolución, 1931-1939. Barcelona: Crítica, 1980,
p.394.
18
JACKSON, Gabriel. Op. cit., 1980, p.395.
19
SCHWARTZ, Fernando. Op. cit., p.292; MATTHEWS, Herbert L. Op.cit., p. 145.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
134
No entanto, a ajuda italiana revelou-se de qualidade inferior quando
comparada à alemã, em diversos aspectos. Por um lado, apesar de ostentar o título
“voluntário”, o corpo italiano era na verdade, composto de recrutas prestando serviço
militar obrigatório, com pouca ou nenhuma disposição para lutar em uma terra
estranha por uma causa com a qual não se identificavam diretamente. Logo, o apelo
pela cruzada anticomunista feito por Mussolini não surtira o entusiástico fervor
desejado em suas tropas. Provavelmente, porque o fascismo italiano já se encontrava
desgastado politicamente e perdia, pouco a pouco, o seu brilho propagandístico, ao
contrário do nazismo alemão, que ainda era visto como algo novo e vigoroso. Assim,
em contraste com o Corpo italiano, a Legião Condor alemã possuía algumas
sensíveis vantagens.
Em primeiro lugar por ser formada por militares profissionais, de carreira,
que optaram por servir na Espanha. Também possuía um perfil ideológico definido e,
para os soldados do Terceiro Reich, a experiência de uma guerra real e politicamente
“justa” dentro de sua concepção política, lhes conferia, além de prestígio, melhores
soldos e melhores possibilidades de ascensão profissional dentro de uma força
armada altamente politizada como era a Luftwaffe, a recém criada força aérea de
Hitler.
Portanto, para estes ambiciosos militares alemães, a Espanha era uma
oportunidade ímpar de desenvolverem suas aptidões militares e forjarem uma ação
política concreta na luta contra os “vermelhos”. Quanto ao material bélico, o
equipamento italiano também era inferior ao alemão, que possuía um grau de
desenvolvimento tecnológico bem mais avançado. Como organização militar, o CTV
italiano apresentava diversos problemas estruturais que se tornaram evidentes a partir
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
135
das derrotas sofridas em Guadalajara, frente às politizadas e altamente motivadas
forças das Brigadas Internacionais (BI), em março de 1937.
Um detalhe interessante é que a maciça intervenção italiana costumava
desagradar até mesmo aos aliados espanhóis, que não consideravam os italianos
como bem-vindos
20
, e temiam algumas ambições territoriais sobre a Espanha,
manifestadas pelo Duce. Não obstante, o apoio aeronaval dado pela Itália, operando a
partir das ilhas Baleares (uma das ambições territoriais), foi essencial para garantir o
controle das rotas navais do Mediterrâneo para os rebeldes de Franco.
Enquanto isso, o medo de que a intensificação do conflito na Espanha
pudesse involucrar o restante da Europa levou a Inglaterra a propor uma barreira de
contenção para manter o problema espanhol limitado geograficamente ao sul dos
Pirineus. Em tese, uma política que advogava uma completa neutralidade em relação
tanto aos rebeldes quanto ao governo legítimo da Espanha, sendo apresentada a LdN
e sendo conhecida por Pacto de Não-Intervenção.
Como disse Fernando Schwartz, a idéia de uma não intervenção poderia ser
boa como um recurso político mas não era legal do ponto de vista do direito
internacional. Ou seja, que independentemente de se encontrar sob um estado de
guerra,
(...) el gobierno legítimo del país correspondiente sigue gozando de la
personalidad y del status normal que tiene en tiempos de paz(...).
Consuetudinariamente le há sido reconocido el derecho de adquirir
armas y material de guerra en los mercados privados de otros países
20
MATTHEWS, Herbert L. Op. cit., p. 148-149.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
136
com el fin de dominar la revuelta; este privilégio há sido denegado a
menudo a los rebeldes por las leyes internas de otros estados
21
.
Aparentemente, a posição britânica revestiu-se de um manto de neutralidade
diplomática, mas que, na realidade, escondia uma postura dúbia. Se, por um lado, a
Inglaterra mostrava-se temerosa frente a expansão do Eixo nazi-fascista e confiante
de que uma política de apaziguamento pudesse saciar as vontades expansionistas de
Mussolini e Hitler, por outro lado, desconfiava profundamente das tendências
esquerdistas radicais que gravitavam próximas ao governo republicano espanhol e
sua suposta ligação com Stalin.
Longe de parecer apenas uma postura prudente era realmente uma postura
coerente com os setores conservadores da nobreza e da alta burguesia britânica, que
possuíam uma forte ligação (até de parentesco) e interesses em comum com seus
sucedâneos na Espanha, e que logicamente apoiavam os sublevados.
Em agosto de 1936, as pressões exercidas por Anthony Eden sobre o colega
francês Léon Blum surtiram efeito com as advertências de que, se continuasse a
apoiar a República, a França poderia acabar isolada frente a Alemanha e a Itália.
Estes “sólidos” argumentos levaram a França, mesmo que a contragosto, a fazer par
com a Inglaterra no chamado “Pacto de Não Intervenção”. Foram convocados a
participar do pacto todos os envolvidos, supostamente ou não: Alemanha, Itália,
Portugal e URSS.
Após uma série de complicadas e extensas negociações diplomáticas, e de
exaustivas reuniões entre os diversos dignatários e representantes da LdN, o Pacto foi
21
Citação do jurista americano Norman Padelford em 1939. In: SCHWARTZ, Fernando. Op. cit., p.
123.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
137
aceito e assinado (a seu tempo, pois a adesão de um suscitava a do outro) por todos
os interessados em manter o “mundo” fora do conflito espanhol.
Esta hábil manobra política do Foreign Office revelou-se na prática como
uma política deliberada de obstrução a qualquer ajuda oferecida a República
espanhola, e que, em contrapartida, afetou muito pouco ou quase nada a vultosa
ajuda militar (ilegal, diga-se de passagem) da Alemanha, da Itália e, em menor
escala, de Portugal, recebida pelos rebeldes espanhóis. Estas nações, atuando
hipocritamente, violavam de modo constante o compromisso assumido no Pacto,
burlando as patrulhas do Comitê de Não Intervenção, criado para fiscalizar as
determinações e a manutenção do Pacto. Nesse sentido, são significativas as palavras
do historiador inglês Gabriel Jackson:
Todas las decisiones técnicas adoptadas por la Sociedad de las Naciones
(Liga das Nações) y todas las declaraciones del Comité de No-
Intervención, obedecian a los mismos fines, a saber, despojar a la
República de sus derechos como gobierno legítimo y disimular la ayuda
prestada a los nacionales
22
.
Portanto, após 15 de agosto de 1936, cessaram as remessas de armamentos
franceses para a República e, inclusive, se fecharam as fronteiras com a Espanha,
com o pretexto de evitar a passagem de material bélico, pois havia se criado um
autêntico “cordão de isolamento” em volta da República. Isto não se deveu somente
à pressão britânica, mas também à claudicação do gover no Blum frente a direita
22
JACKSON, Gabriel. Op. cit., 1980, p.27.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
138
francesa, o qual se recusava a aceitar que a França fornecesse qualquer ajuda a um
governo espanhol supostamente dominado por “vermelhos”.
A elite francesa pôde utilizar todo o seu poder político e econômico no
sentido de bloquear o apoio do governo francês aos republicanos espanhóis, o que
era, do ponto de vista do direito internacional, perfeitamente factível e legal. Em
síntese, as potências européias ditas democráticas, França e Grã-Bretanha, pouco
contribuíram para auxiliar o combalido governo espanhol a debelar a rebelião militar.
Na realidade, através da “Não-Intervenção” contribuíram muito para o seu
trágico desfecho, e é provável que, embora inadvertidamente, o seu apaziguamento
tenha pavimentado o caminho de Hitler e Mussolini em direção à outra guerra
mundial.
Na América a situação também não parecia ser muito favorável a República
espanhola. Os Estados Unidos, fiéis à sua postura isolacionista, declararam-se
oficialmente neutros frente ao caso espanhol, convocando inicialmente um curioso
embargo “moral” afim de coibir as exportações de material bélico para ambos os
lados. Mas o embargo legal de fato somente viria um pouco mais tarde, em janeiro de
1937, após o governo americano descobrir que o México, mediante artifícios legais,
comprava aviões dos EUA e os repassava para a Espanha
23
. Ao mesmo tempo,
instaram todos os seus súditos a não se intrometerem nos assuntos estrangeiros,
23
CARROLL, Peter. The Odyssey of the Abraham Lincoln Brigade: Americans in the Spanish
Civil War. California: Stanford University Press, 1995, p. 62.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
139
chegando mesmo a proibir os cidadãos norte-americanos de viajarem para a
Espanha
24
.
Devemos acrescentar que a pseudo neutralidade norte-americana bloqueou
qualquer ajuda legal ao governo republicano, negando-se por diversas vezes a vender
armas, forçando posteriormente os republicanos espanhóis a uma dependência quase
exclusiva do material bélico da URSS. Mas, contraditoriamente, brechas na
legislação norte-americana permitiram que os rebeldes de Franco se abastecessem de
combustível e veículos, à crédito livre, dos EUA
25
.
Somente o México e a URSS manifestaram simpatia com a causa da
República. A posição mexicana condenou, desde o início, a intervenção nazi-fascista
e prestou apoio irrestrito ao governo espanhol. O general revolucionário Lázaro
Cárdenas, que se identificava profundamente com a postura política do governo
republicano, assumiu abertamente que venderia armas a Espanha, e foi o único a
condenar a hipocrisia do Pacto e a farsa da Política da Não Intervenção, retirando o
México do comitê organizador da LdN.
O governo de Lázaro Cárdenas também foi o único governo da América
Latina que manifestou total simpatia à causa republicana. Identificava -se plenamente
com o pensamento burguês progressista do presidente espanhol Manuel Azaña e dos
republicanos em geral. Em discurso proferido em 19 de janeiro de 1937, Cárdenas
reforçou sua posição inicial:
24
EBY, Cecil. Voluntarios Norteamericanos en la Guerra Civil Española. Barcelona: Acervo,
1974, p. 22-23
25
A Standart Oil, a Vacuum Oil Company e a Texas Oil Company foram as principais fornecedoras de
combustível dos rebeldes. Ver MATTHEWS, Herbert L. Op. cit., p. 185. As fábricas Ford, General
Motors e Studebaker forneceram mais de 12.000 veículos aos nacionalistas. SCHWARTZ, Fernando.
Op. cit., p. 164.
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140
El gobierno de México continuará proporcionando armas y municiones
de fabricación nacional. México no variará la linea de conducta que
adoptó desde que el gobierno presidido por don Manuel Azaña ha
solicitado material de guerra para su defensa
26
.
Sem se tolher ao discurso, Cárdenas fez o que lhe foi possível para enviar as
armas essenciais a República. Em setembro de 1936, chegava a Espanha o primeiro
lote de 20.000 fuzis e dois milhões de cartuchos provenientes do próprio arsenal
mexicano
27
. Para que a Espanha republicana pudesse esquivar do embargo de armas
decretado pelo governo Roosevelt, o México acordou em servir como fachada legal
para os representantes comerciais da República Espanhola, no tocante a necessária
compra de aviões dos EUA. No entanto, toda a operação era clandestina, o que
poderia acarretar sérias sanções diplomáticas contra o governo mexicano.
As classes trabalhadoras mexicanas se mobilizaram para ajudar os irmãos
espanhóis. Trabalhando em horas extras, tanto petroleiros quanto açucareiros
praticamente duplicaram sua produção, enviando toneladas destes produtos tão
essenciais para suprir a escassez provocada pela destruição da base econômica da
República. Até mesmo os ferroviários contribuíram transportando, gratuitamente, as
mercadorias doadas para a Espanha para os portos mexicanos
28
.
26
BENITEZ, Fernando. Lázaro Cárdenas y la Revolución Mexicana. III. El Cardenismo. Mexico
DF: Fondo de Cultura Económica, 1995, p.176. Segundo Dolores Ibarruri, no México, a solidariedade
com a Espanha republicana se tornou “política estatal”. IBARRURI, Dolores. Guerra y Revolución
en España 1936-1939. Moscú: Progreso, 1966.
27
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 424. Eram os famosos fuzis chamados de “Mexicanskis”. Estas armas
tinham uma história no mínimo curiosa: eram de desenho russo, mas fabricadas nos EUA. Haviam
sido vendidas ao Exército russo em 1914 e, após a Revolução russa, vendidos aos mexicanos.
Equipariam, posteriormente as Brigadas Internacionais. BRADLEY, Kenneth. The International
Brigades in Spain 1936-1939. London: Osprey Publishing, 1994, p.17.
28
ALTMANN, Werner. México e Cuba: Revolução, Nacionalismo, Política Externa. São
Leopoldo: Editora UNISINOS, 2001, p.20-21.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
141
Quanto ao suporte soviético, podemos dizer que a URSS o fez tardiamente e
sob pressões da Komintern, dos PC’s estrangeiros, e do próprio povo soviético
29
.
Mesmo assim, a ajuda oficial soviética foi tímida e conspícua, pois não pretendia
manifestar um apoio direto para não provocar a Alemanha, ou causar pânico nos
meios democráticos ocidentais, pois poderiam ver uma política de “subversão
moscovita” nesta manobra, tão em voga naqueles tempos. Além do mais, a URSS
havia assinado o Pacto de não Intervenção, significando que deveria respeitar a
neutralidade, ou pelo menos que deveriam ser mantidas as aparências, tal como o
faziam os seus rivais alemães e italianos.
Contudo, a duplicidade da política externa soviética daquele período era
equivalente à praticada pelos nazistas. Ainda hoje, a historiografia não tem uma
posição clara a respeito do que definitivamente motivou os soviéticos a assistirem a
Espanha republicana, pois ainda não se encontram acessíveis os arquivos
presidenciais da URSS, que poderiam lançar uma luz sobre esta questão
30
. Acredita-
se que houve uma multiplicidade de questões justapostas e combinadas. Para alguns
autores, Stálin apoiou a República não tanto por uma questão ideológica, mas sim
respondendo às necessidades estratégicas de sobrevivência da URSS, ao ver que seus
maiores inimigos apoiavam descaradamente as tropas de Franco.
Naquele momento, necessitava uma aproximação com as democracias
ocidentais afim de construir uma frente ampla unificada contra a ameaça nazista
31
.
Sendo assim, provavelmente não lhe interessava provocar uma revolução soviética
29
A solidariedade do povo da URSS para com a República foi (ao contrário da ajuda oficial soviética)
espontânea, generosa e quase imediata. Os sindicatos russos arrecadaram, já em agosto de 1936, mais
de 12 milhões de rublos e 36 milhões de francos em alimentos e dinheiro para seus camaradas
espanhóis. SCHWARTZ, Fernando. Op. cit., p. 107.
30
Veja-se a recente pesquisa de RADOSH, Ronald (org). Spain Betrayed: The Soviet Union in the
Spanish Civil War. New Haven&London: Yale Univ. Press, 2001, p.18.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
142
na Espanha, pelo menos não naquele momento, e além do mais, os elementos
verdadeiramente revolucionários na Espanha eram seus críticos mais ferrenhos.
Portanto, Stálin apenas teria ajudado a manter e reforçar a legitimidade burguesa do
governo republicano, e neste sentido se deram os seus esforços.
Outras questões que poderiam ter motivado o apoio soviético seriam para
desviar a atenção dos militantes comunistas sobre os famosos expurgos já em
andamento, e também utilizar a ajuda fornecida a Espanha como pretexto para exigir
uma maior produtividade dos trabalhadores da URSS, e assim continuar com o ritmo
acelerado exigido pelas diretrizes do pla no quinqüenal de 1933
32
.
Também há indicativos de que, após muitas considerações e discussões com
membros destacados da IC e do Politburo, o chefe do governo soviético decidiu
enviar os armamentos essenciais de que tanto precisavam os republicanos,
principa lmente, visto que o seu prestígio poderia ficar abalado perante o povo
soviético e o movimento comunista internacional caso a URSS (campeã do
socialismo) não ajudasse os proletários espanhóis.
Não obstante, a ajuda da URSS não foi de modo algum desinteressada, pois,
conforme algumas pesquisas recentes, Stalin haveria decidido finalmente pelo apoio
a República quando chegou à conclusão de que cobraria pela sua ajuda através das
reservas em ouro do Banco da Espanha
33
. Efetivamente, em setembro de 1936, o
governo espanhol decidiu enviar o ouro para um local mais seguro, pois temia que as
31
É a hipótese de BAYAC, Jacques Delperrie de. Las Brigadas Internacionales. Madrid: Jucar,
1980, p. 68-70.
32
SCHWARTZ, Fernando. Op. cit., p. 258-259.
33
VIDAL, César. Op. cit., p. 52.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
143
reservas de ouro pudessem cair nas mãos dos rebeldes ou mesmo serem roubadas
pelos anarquistas
34
.
Face a vacilante postura das potências ocidentais frente a República
espanhola, os ministros Largo Caballero e Juan Negrín decidiram enviar as reservas
de ouro da Espanha diretamente para a URSS. Com isso se pagariam os armamentos
e equipamentos russos ou de outra procedência, comprados pelos russos no mercado
de armas internacional para abastecer as forças armadas da República. Os valores
seriam debitados do saldo total, desta forma, quando os primeiros aparelhos
soviéticos (blindados e aviões) desembarcavam na Espanha, mais da metade do ouro
do Banco da Espanha (mais de 500 milhões de dólares) já se encontrava sendo
embarcado em Cartagena, caminho a Moscou
35
.
A ajuda militar soviética somente chegou a Espanha em outubro de 1936,
quando os rebeldes já se encontravam às portas de Madrid, e foi decisiva naquele
momento crucial. Constava basicamente de aviões de caça e bombardeio, artilharia
moderna (praticamente desconhecida na Espanha), carros de combate e diversos
tipos de veículos de transporte, além de combustível e farta quantidade de munição e
explosivos. Quanto ao material humano, a URSS enviou equipes de técnicos e
especialistas militares (em torno de 2.000 homens) para treinar os republicanos no
manejo dos modernos equipamentos
36
.
No entanto, a URSS foi o único país a manter um fluxo de armamentos
relativamente constante para tentar suprir as necessidades prementes das forças da
34
O líder anarquista Buenaventura Durruti realmente tinha um plano para roubar o Banco da Espanha.
THOMAS, Hugh. Op cit., p. 484.
35
Idem, p. 483 a 485.
36
THOMAS, Hugh. Op cit., p. 475 e 480.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
144
República
37
. A ajuda soviética foi essencial, contudo bastante problemática, devido
a uma série de inconvenientes causados pela própria circunstância da relação entre os
dois países. As exigências de subordinação dos comandantes espanhóis aos enviados
soviéticos incomodavam a muitos republicanos, embora o que mais causava
descontentamento ao governo de Madrid era a dependência, quase exclusiva, da
URSS como único fornecedor de armamentos, o que dava poder de barganha aos
russos nas decisões finais no campo de batalha, além disto, os espanhóis pagavam
preços muito elevados pelo equipamento soviético, se comparados aos equivalentes
no mercado internacional, e ainda estavam sujeitos ao câmbio totalmente
desfavorável a eles, o que contribuiu para enriquecer as arcas do tesouro soviético
38
.
Mas, apesar dos polpudos lucros obtidos com a venda dos armamentos, Stálin
nunca demonstrou muito entusiasmo com a causa republicana e, como dissemos
anteriormente, sua ajuda sempre foi condicionada aos interesses da nação soviética.
Para a URSS, a Espanha representava apenas um peão no jogo de poder
internacional, plausível de ser sacrificado a qualquer momento, como de fato o foi
em meados de 1938, quando o Kremlin retirou seus homens da Espanha para que a
diplomacia soviética passasse a negociar diretamente um pacto de não agressão com
a Alemanha de Hitler.
Contudo, além destas “intervenções” e “não-intervenções” de diversos países,
ditadas quase sempre por cínicos interesses políticos, militares ou econômicos, houve
um tipo de intervenção não oficial, autenticamente voluntário, altruísta e
37
MATTHEWS, Herbert L. Op. cit., p.160-164.
38
Sobre as vendas de armas russas para o governo republicano, ver o recente trabalho de HOWSON,
Gerald. Arms for Spain: The Untold Story of the Spanish Civil War. London: John Albemarle,
1998.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
145
profundamente motivado por questões ideológicas. Talvez seja este o lado mais
fascinante do processo de internacionalização da guerra espanhola. Estamos nos
referindo à afluência maciça e espontânea de milhares de indivíduos e cidadãos de
todas partes do mundo, que agindo independentemente e, muitas vezes, a contragosto
de seus governos, sensibilizavam-se com a frágil situação da Espanha republicana e
identificavam-se com o sofrimento do seu povo.
Influenciados por um amplo leque de idéias políticas progressistas sentiam-se
compelidos a fazerem algo para defender os conceitos de liberdade e democracia que
consideravam ameaçados pelo nazi-fascismo. Neste contexto, plasmado por intensa
clivagem ideológica, apareceram os pr imeiros voluntários estrangeiros dispostos a
lutar pela Espanha republicana.
2.3 Voluntários Estrangeiros: das milícias populares ao Exército Popular
Republicano.
No período imediatamente anterior ao levante de julho de 1936 já existiam
diversas milícias paramilitares, semi-clandestinas ou mesmo ilegais (como as da
FAI), pertencentes a organizações operárias e partidos de esquerda e que recebiam
algum tipo de treinamento militar, com vistas a poderem resistir a um
pronunciamiento ou golpe vindo da direita, ou mesmo servir de “vanguarda” no
desencadear de um processo revolucionário.
O golpe militar serviu de impulso para a ação revolucionária e acabou por
projetar as milícias no cotidiano da República dividida. Prontamente, as figuras
heróicas e romantizadas do miliciano e da miliciana foram exaltadas, tornando-se
símbolos da luta travada na Espanha. Com seus macacões azuis de trabalho, cobertos
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
146
de munição, com fuzis ao ombro e adornados com os emblemas das organizações
proletárias, representavam concretamente o conceito de “povo em armas”, tão caro às
organizações revolucionárias, parecendo uma reedição modernizada daqueles sans
culottes e communards das gestas revolucionárias do passado
39
.
O esfacelamento do poder do Estado, provocado pelo golpe, e a deserção en
masse de boa parte de seus funcionários, levou a criação de poderes paralelos locais,
coordenados por comitês revolucionários ou comitês de milícias, encarregados de
zelar pela “ordem revolucionária”. Estes comitês, atuando por iniciativa própria,
dedicaram-se à supressão de elementos rebeldes ligados ao levante, muitas vezes
exagerando em suas atribuições e cometendo excessos.
Hugh Thomas, em seu monumental trabalho, considerou que La España
republicana, igual que la España de la Guerra de Independencia o del final de la
primera República, mas que un solo Estado parecía constituir un conglomerado de
repúblicas
40
.
Portanto, tendo-se em conta a fragmentação do poder estatal, pode se dizer
que as milícias exerceram, em determinado momento, quase todas as funções
pertinentes ao Estado: controle dos portos, das fronteiras, das municipalidades, e
fundamentalmente, funções policiais autônomas, em que cada milícia chegou mesmo
a montar sua estrutura investigativa, repressiva e seu subsequente aparato legal,
sendo simultaneamente polícia, tribunal, juiz, carcereiros e executores de sentenças
de morte
41
.
39
Ver Anexo S.
40
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 295.
41
BELLOTEN, Burnett. La Revolución Española,las Izquierdas y la Lucha por el Poder. Mexico
DF: JUS, 1962, p.38-39.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
147
Basta lembrarmos a formação das brigadas de investigação, que se
autodenominavam “chekas”, inspiradas na revolução russa. Estas “chekas”
perpetraram perseguições políticas durante toda a guerra e, uma vez restaurada a
ordem burguesa, acabariam por ser incorporadas à estrutura da nova polícia
42
.
Também foram os milicianos que suportaram o peso das primeiras batalhas
contra os rebeldes durante meses e conseguiram desbaratar a contrarrevolução dos
generais, antes que ela pudesse assumir o controle nas principais cidades, como já foi
abordado. Claro está que sua capacidade combativa deixava muito a desejar. A
maioria dos homens e mulheres que fizeram parte das milícias desconheciam por
completo a arte militar, mas compensavam a falta de equipamento e treinamento com
muito entusiasmo e ímpeto revolucionário.
Mas isto não bastava para ganhar uma guerra contra um inimigo superior
como as forças regulares dos rebeldes. As milícias se sobressaíram no que estava ao
seu alcance prático, ou seja, na luta urbana que conheciam de antemão. Porém, não
possuíam condições de enfrentar um exército regular em uma guerra convencional.
Nos primeiros momentos, muitas das unidades milicianas, além de exercerem
uma função coercitiva sobre os indivíduos suspeitos e de “defesa da República”,
também passaram a levar adiante um projeto revolucionário particular, até porque
muitas delas abominavam a república burguesa e pretendiam empreender a “sua”
revolução social, como era o caso dos anarquistas da CNT-FAI e dos comunistas
anti-estalinistas do POUM, na Catalunha e em Lérida, respectivamente.
O nível de organização das inúmeras milícias espalhadas por todo o território
republicano era o mais variado possível, mas em geral seguia estas linhas básicas:
42
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 302-303.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
148
Dez homens formavam um grupo que tinha à cabeça um delegado
escolhido livremente. Dez desses grupos formavam uma “centúria”, cujo
responsável era escolhido da mesma maneira; cinco centúrias formavam
um “agrupamento” que também tinha um delegado. Os delegados das
centúrias e o delegado do agrupamento constituiam o comitê de
agrupamento. Os delegados de agrupamento, juntamente com o
delegado geral da coluna, formavam o comitê de guerra da coluna
43
.
Certamente algumas das unidades milicianas se assemelhavam mais a
bandoleiros armados do que a organizações políticas, agindo por conta própria, não
obedecendo a uma cadeia de comando unificado e, muitas vezes, cometendo uma
série de tropelias que de “revolucionário” nada tinham: eram atos puramente
criminosos, como assassinatos, queima de igrejas, saques e roubos indiscriminados.
Era o “lado negro da revolução”, ao qual de referia com pesar a anarquista Frederica
Montseny, e que foi amplamente explorado (e também exagerado) pela grande
imprensa internacional, freqüentemente simpática aos rebeldes, e com o objetivo de
denegrir a imagem da República Espanhola retirando-lhe cada vez mais a
possibilidade de angariar apoio internacional. Vejamos um exemplo destes fatos
dramáticos, registrado no relato do jornalista brasileiro Soares D’Azevedo:
A desordem começa manifestar-se em Madrid, onde o governo perde
cada vez mais a sua autoridade em favor dos anarchistas e dos
communistas. (...) Soldados embriagados deitam-se em gobelins,
quebram estátuas antigas, fazem exercicio de tiro ao alvo em quadros de
Murillo. Os colégios das religiosas foram tomados e as religiosas presas
ou fuziladas
44
.
43
Extraído de PAZ, Abel. Op. cit., p. 34.
44
D’AZEVEDO, Soares, J. Op. cit., p. 29.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
149
Como podemos observar, a narrativa do jornalista brasileiro expõe o seu
próprio ódio e preconceito de classe ao descrever a ação da “turba” revolucionária.
Mas muito pior é a descrição escatológica das cenas que diz ter observado no ex-
rebelde Cuartel de la Montaña, após a sua conquista pelas milícias populares de
Madrid:
As onze da manhã rende-se o quartel da Montaña. Todos os officiaes
são impiedosamente passados pelas armas. (...) Pelas paredes
esburacadas [vêem-se] manchas de sangue, restos de vísceras, postas de
carne grudadas pelo sangue. Cadáveres pelos cantos, às pilhas, olhos
desmesuradamente abertos, feridos que gemem, imprecações que se
vomitam. (...) Estão com a palavra os communistas, os anarchistas, os
syndicalistas, a cainçalha da FAI
45
.
O que Soares D’Azevedo “esquecera” de comentar é que os rebeldes haviam
hasteado primeiro a bandeira branca e em seguida, quando os milicianos se
aproximavam para receber a rendição, os ocupantes do quartel abriram fogo à
traição, matando muitos homens e enfurecendo a massa, que revidou com total
violência
46
.
Evidentemente que muitos excessos foram cometidos de ambos lados e que
nada pode justificar a barbárie dos crimes cometidos. Mas não podemos esquecer
que, se no lado republicano isso ocorria devido a ausência de controle da autoridade
estatal, que deplorava profundamente essas matanças e atropelos efetuados por ação
de grupos isolados, no lado ocupado pelos rebeldes, ocorriam atrocidades
sistemáticas contra a população, por ordem direta do governo da junta militar
45
Idem, Op. cit., p. 25.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
150
instaurada por Franco, que utilizou o terror como meio de legitimação do seu poder
arbitrário. O general Mola, um dos artífices de Franco, declarou claramente que es
necesario propagar una atmosfera de terror, tenemos que crear una impresión de
dominación (...) cualquier que sea abierta o secretamente defensor del Frente
Popular deve ser fusilado
47
.
Desta forma, a repressão iniciada pelos rebeldes no território ocupado por
eles atingiu uma proporção inimaginável: somente em Badajoz, em 14 de agosto de
1936, os rebeldes fuzilaram mais de 2.200 pessoas em doze horas de ocupação
48
.
Mas, de modo geral, a maioria das milícias populares prestou uma grande
ajuda ao evitar o colapso completo do governo da República, ainda que, às vezes sem
querer. Contudo, o governo burguês tinha plena consciência de que para poder voltar
a ordem institucional e recobrar sua autoridade enquanto poder legítimo deveria
reduzir e controlar o “ardor revolucionário” das milícias.
Enfim, enquadrá-las enquanto organizações segmentadas e submetê-las ao
poder central, em lento e penoso processo de reconstrução da sua estrutura original
de Estado. Por paradoxal que isso possa parecer, para atingir esse objetivo, os
burgueses republicanos encontrariam ao seu lado, como aliados, a quem sempre
haviam temido, os comunistas.
De fato, em Madrid, desde fins de julho de 1936, o Partido Comunista
Espanhol passou a apresentar o seu exército partidário privado, que foi designado 5°
Regimento de milícias populares. Estavam agrupadas nesta unidade a elite das
“Juventudes Socialistas Unificadas”, a ala esquerda dos socialistas, e as “Milícias
46
Ver THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 270.
47
Citado por THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 286.
48
AMILIBIA, Miguel de. La Guerra Civil Española. Buenos Aires: Centro Editor De América
Latina, 1971, p. 47-48.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
151
Antifascistas Obreras y Campesinas”, unificadas. Nela já constavam alguns
voluntários comunistas estrangeiros que se encontravam na Espanha, e uns poucos
revolucionários profissionais enviados pela Komintern, como o agente italiano
Vittorio Vidali.
O 5° Regimento parecia ser a antítese das outras milícias populares, pois era
incrivelmente disciplinado, treinado, bem equipado e militarizado ao extremo. Seus
membros eram uniformizados, marchavam ao compasso da ordem unida, saudavam-
se militarmente e mantinham uma hierarquia militar, o que vale dizer que pareciam,
de fato, um exército regular. Deve ser ressaltado que uma porção significativa de
seus membros eram, além de comunistas ou simpatizantes, oriundos do antigo
Exército espanhol, onde haviam formado células e comitês “anti-militaristas”, cujo
objetivo principal consistia em minar a estrutura de classes do Exército tradicional e
levar a ideologia comunista para dentro dos quartéis.
Boa parte de seus comandantes também eram militares profissionais, em geral
filiados a UMRA antes da guerra. Logo, podemos dizer que o perfil militarista do 5°
Regimento não foi inventado aleatoriamente e, por outro lado, que a rígida disciplina
militar, ou de tipo militar, não era algo alheio aos comunistas.
No “Manual do Soldado Vermelho”, editado por León Trotsky em 1924, o
ponto 25 rezava o seguinte: Sin disciplina no hay organización, no hay economía, no
hay acción coordinada, no hay victória, no hay Estado. En el arte militar la
disciplina es lo más necesario y lo más importante...
49
49
Os trechos retirados deste livro estão em COLOMER, Eduardo C. El Comisariado Político en la
Guerra Española 1936-1939. Madrid: San Martín, 1973, p. 17-18.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
152
A organização da milícia comunista seguia o formato do Exército Vermelho
criado por Trotsky (embora Moscou preferisse esquecer a paternidade), com seu
complexo sistema de “comissários políticos” que foi usado como modelo para o
novo Ejército Popular Republicano (EPR) e que seria usado, igualmente, para as
futuras BI.
A criação do EPR era uma das principais metas do governo visto que
pretendia, desta maneira, acabar com as indesejáveis milícias partidárias e sindicais,
e sua rede de poderes paralelos, que constituíam um empecilho para a centralização
do poder e do comando unificado, essenciais para vencer a guerra contra o fascismo.
As milícias deveriam ser dissolvidas e integradas no novo Exército, que
surgiria a partir das colunas organizadas pelo Ministério de la Guerra: também eram
milícias, porém comandadas por oficiais leais ao governo e de caráter
suprapartidário. A formação de um Exército da República era o objetivo expresso
dos comunistas, de alguns socialistas, e dos republicanos burgueses.
Obviamente, outras milícias não pretendiam perder seu status de “cidadãos
armados”, principalmente as comandadas pelos anarquistas e pelo POUM, pois
consideravam que deviam fazer a guerra concomitantemente com a revolução social.
Ambas organizações temiam que o governo, com o apoio comunista, retomasse o
controle do aparato de Estado, visto que isto significaria, a curto ou médio prazo, a
morte da revolução e um retorno ao status quo original. E eles não estavam de todo
errados, como será visto mais adiante.
Foi também nas milícias que encontramos a face sincera e altruísta da
ingerência estrangeira. Fora do âmbito hipócrita das relações diplomáticas e da farsa
promovida pela LdN, pessoas simples, agindo independentemente de seus governos,
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
153
se sentiram identificadas com a causa da Espanha republicana. Muitas delas,
influenciadas por crenças progressistas e pela crescente atmosfera de radicalização
vivida na época, se sentiram compelidas a fazer algo mais contundente do que levar
cartazes em comícios, fazer greves e participar de agitações
50
.
Algumas pessoas acudiram em defesa dos ideais de liberdade e democracia
que acreditavam ver em perigo na Espanha, outras, motivadas pelo espírito
revolucionário, entretanto em todas aparecia fundamentalmente a vontade de derrotar
o fascismo, pois sustentavam a tese de que libertar a Espanha significava abrir as
portas para a liberdade de seus respectivos países
51
. Assim, acudiram à luta
anarquistas, comunistas ortodoxos e heterodoxos, socialistas e republicanos, quase
todos vindos da Europa (devido a proximidade), e cujo nexo medular se encontrava
na unanimidade da escolha do inimigo em comum: o nazi-fascismo.
Para estes homens e mulheres o inimigo era o mesmo, podendo apenas variar
a forma e o local onde ele se manifestava. Desde o advento da República, diversos
estrangeiros, principalmente refugiados políticos, encontraram um lugar na nova
Espanha democrática. Eram alemães fugidos do nazismo, italianos antifascistas,
húngaros, judeus, búlgaros, cubanos e muitos outros cidadãos que sofriam
perseguição política ou ideológica em seus países de origem.
Muitos destes refugiados colocaram-se a favor da República desde as
primeiras horas da insurreição, passando a se integrar em alguma das muitas colunas
50
A maioria dos voluntários já possuía um engajamento político e havia participado intensamente de
atividades políticas das mais diversas. Basta lembrarmos que se estava em plena depressão pós 1930
onde se vivia um clima de insegurança e inquietude, levando cada vez mais pessoas física e
psicologicamente afetadas a questionarem o sistema capitalista, e a aferrar-se a opções ideológicas que
apontassem para saídas diferenciadas, opostas à dinâmica do sistema. Principalmente o comunismo.
51
Oggi in Spagna, domani in Italia” era, por exemplo, o lema dos voluntários italianos. Ver:
VIDAL, César. Op.cit., p. 60.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
154
milicianas que espoucavam no verão de 1936
52
. Vale lembrar que nem todos vieram
somente para defender uma república burguesa, muitos vieram para participar de
uma verdadeira revolução social em andamento, a qual acreditavam poder espalhar
pelo mundo todo.
Em 19 julho de 1936, em Barcelona, ocorreriam as “Olimpíadas dos
Trabalhadores”, organizadas pela Komintern como contraponto aos jogos olímpicos
oficiais que estavam sendo realizados em Berlim e que haviam sido
instrumentalizados como perfeita propaganda para o regime de Hitler. A rebelião
militar estourou simultaneamente com a olimpíada popular e, com o cancelamento
dos jogos, diversos indivíduos que compunham as delegações esportivas, ou invés
de retornarem aos seus países preferiram marchar direto para os diversos fronts
abertos desde o início da revolta militar
53
.
Portanto, em Barcelona, a revolução surgida como resposta ao golpe faccioso,
contou com diversos estrangeiros em suas milícias, que começaram a ser mais
seriamente organizadas no final de julho de 1936, com a ocupação dos antigos
quartéis do Exército e que passavam a abrigar as novas colunas milicianas.
Por exemplo, o “Partido Socialista Unificado de Cataluña” (PSUC), ligado a
Moscou, ocupou o quartel do Parque que foi rebatizado de “Carlos Marx”, a CNT e a
FAI ficaram com os melhores quartéis, também rebatizados com nomes de ídolos
proletários, porém ao gosto dos anarquistas: Bakunin, Spartacus, Salvochea. O
POUM ocupou a caserna “Lenin”
54
.
52
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p.39.
53
É possível que esta olimpíada popular servisse também, para dissimular a chegada de um número
substancial de homens de confiança da Komintern, “revolucionários profissionais” no jargão da IC,
político-militarmente treinados para organizar as milícias populares socialistas e comunistas frente ao
perigo de uma sublevação direitista, o que era há muito um acontecimento extremamente previsível.
54
PAZ, Abel. Op. cit., p.29.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
155
Nestas instalações, as milícias receberam e treinaram os voluntários
estrangeiros que afluíam lentamente, em grupos ou isoladamente. Os voluntários
eram principalmente trabalhadores, estudantes e intelectuais das mais variadas
nuances políticas de esquerda mundial, mas também muitos sem filiação político-
partidária.
Mas nem sempre as definições ideológicas eram tão claras e óbvias como
poderia aparentar, e boa parte dos recém chegados desconhecia a delicada situação
política da Espanha republicana e a divisão que já se operava no cerne da Frente
Popular. Logo, não é de estranhar que muitos integrassem à primeira coluna
miliciana que encontrassem ao chegar. Entretanto, depois de travado um contato
mais direto e passando a entender melhor o complicado mosaico político espanhol,
com suas lutas internas (algumas eram reflexo da complexa situação internacional,
enquanto outras questões eram muito “espanholas” para serem compreendidas pelos
forasteiros), sentiam-se politicamente desconfortáveis e partiam, então, em busca de
outro grupo mais próximo de sua filosofia ou crença política original.
Isso explicaria uma certa circularidade inicial entre alguns voluntários que
trocaram a coluna do POUM pelas colunas da CNT ou do PCE, e vice versa. Muitos
dos estrangeiros que se alistariam futuramente nas BI haviam passado antes pelas
milícias libertárias da CNT ou do POUM, o que poderia significar posteriormente
uma mácula nas suas fichas militares, uma vez que os comunistas, cada vez mais
rivais do POUM e da CNT, haviam assumido praticamente o controle do novo
Exército.
Pouco a pouco, chegavam novos voluntários do exterior, alguns até com
experiência militar: eram ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial. Começaram a
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
156
ser agrupados em torno dos partidos e organizações irmãs ou afins das organizações
espanholas. Os anarquistas em torno da Associação Internacional dos Trabalhadores,
a AIT, fizeram o possível para catalisar o apoio a sua filiada, a CNT-FAI.
Uma miríade de partidos e pequenos grupos dissidentes de socialistas
revolucionários, próximos ou não da IV Internacional, fundada por Trotsky,
procuraram apoiar o POUM, incentivando alguns de seus membros a partirem rumo
a Espanha
55
.
Mas o principal fluxo de voluntários viria posteriormente dos partidos
comunistas ligados a III Internacional. Surgia a necessidade de encaixá-los dentro
das milícias, uma estrutura dinâmica que era constantemente alterada devido às
necessidades do conflito. Dada a quantidade de voluntários estrangeiros houve uma
preocupação logística, não somente pelo lado dos comunistas, PCE e PSUC, mas
também pelo POUM, de agrupar os combatentes forâneos obedecendo a uma lógica
que privilegiava grupos nacionais ou lingüísticos.
Os nomes escolhidos para as unidades estrangeiras evocavam eventos ou
heróis revolucionários da classe trabalhadora de cada nação representada. Assim, os
comunistas ingleses agruparam-se na “Tom Mann Centuria”, os refugiados alemães
na “Thaelmann Centuria ”, os italianos na “Giustizia e Liberta” e na “Gastone Sozzi”,
e os comunistas húngaros no “Grupo Rakosi”. Um considerável grupo de franceses e
alguns belgas reuniam-se em torno da coluna “Comuna de Paris”, e os poloneses,
búlgaros e iugoslavos no Grupo Jaroslav Dombrowski”. Posteriormente, outros
eslavos formariam a “Compañia Ludwig Warmynski” e o “Grupo Wroblewski
56
.
55
Sobre os estrangeiros no POUM, veja o artigo de DURGAN, Andy. International Volunteers in
the POUM Militias. [online] http://www.fundanin.org (06/10/2002).
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157
O pesquisador Paulo Roberto de Almeida, em seu trabalho pioneiro sobre a
participação brasileira na GCE, fez referência a alguns estrangeiros que teriam
partido do Brasil, em 1936, e se dirigido para a Espanha, participando das milícias.
Um deles era Líbero Battistelli, antifascista italiano exilado no Brasil. Com a
repressão iniciada pelo governo Vargas, Battistelli partiu espontaneamente para a
Espanha onde participou da criação de uma das primeiras milícias estrangeiras, a
Giustizia e Libertá. Morreu nos combates de Huesca em junho de 1937, quando já
estava integrado as BI
57
.
Outro italiano que saiu do Brasil foi Francesco Leone. Leone tinha dupla
nacionalidade. Em setembro de 1936 participou da formação da Centúria Gastone
Sozzi, do PSUC, em Barcelona. Ferido, deslocou-se para França onde permaneceu
até o fim da guerra
58
.
Existia neste ínterim, um número indeterminado de latino-americanos
residindo na Espanha, sendo que uma parte destes aderiu a República chegando a
integrar as milícias. Assim, houveram numerosas unidades milicianas cujos nomes
também evocavam líderes populares ou revolucionários do novo continente, tais
como “Emílio Zapata”, “Pancho Villa”, “Augusto César Sandino” e “Antonio
Guiteras”.
O pesquisador suiço Gino Baumann referiu-se à organização de uma unidade
miliciana (provavelmente do PSUC) composta por latino-americanos em Barcelona,
e que levou o nome de “Centúria Julio Mella - Carlos Prestes
59
. Não se tem certeza
56
CIERVA , Ricardo de la. Brigadas Internacionales 1936-1996. Madrid: Fénix, 1997, p.60-62, e
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p.5.
57
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 174. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 55
58
Idem, p. 175. Idem, p. 53.
59
BAUMANN, Gino Gerold. Op. cit., p. 34.
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158
se esta unidade chegou efetivamente a ser formada ou combater. Mas o simples fato
de ter seu nome escolhido junto com o do cubano Mella
60
, para nomear uma unidade
miliciana, é certamente um indicativo do grande prestígio de Prestes na Espanha, ou
pelo menos entre os comunistas espanhóis e latino-americanos. Ainda mais se
considerarmos que a grande maioria dos combatentes brasileiros somente chegou a
Espanha depois da metade de 1937, quando as milícias já pertenciam ao passado.
A única referência a um cidadão brasileiro nas milícias catalãs ou aragonesas
está no livro de Gay da Cunha. Seria um tal de “Manolo”, que antes da guerra havia
trabalhado três anos na Companhia Telefônica de Barcelona. Teria lutado junto com
sua mulher nas milícias que assediaram Huesca, participando, posteriormente, do
desembarco em Mallorca
61
. Dificilmente, portanto, poderia existir um lobby
brasileiro” que pressionasse para a escolha do nome de Prestes.
É importante destacar que uma considerável parte destas centúrias e colunas
milicianas compostas por estrangeiros (mormente as de filiação comunista) seriam
posteriormente aproveitadas como base para a formação das BI.
Baseado em pesquisa recente, o historiador César Vidal calculou que haveria
por volta de um milhar de estrangeiros combatendo nas milícias, até setembro de
1936
62
. Considerando-se o volume de gente alistada nas unidades populares, em
60
Mella, assassinado em 1929, era considerado um mártir para os comunistas cubanos e
considerando-se que residiam na Espanha de 1936 numerosos exilados do país caribenho, parece
natural a homenagem ao líder caído na luta. Os cubanos aportaram o maior número de combatentes
entre os latino-americanos. Ver BAUMANN, Gino Gerold. Op. cit., p. 182 a 190.
61
CUNHA, José Gay da. Um Brasileiro na Guerra Civil Espanhola. São Paulo: Alfa-Omega, 1986,
2ed, p. 59.
62
VIDAL, César. Op. cit., p. 60. Luigi Longo, comissário geral das BI falava em mais de 150.000
milicianos por toda a Espanha. LONGO, Luigi. Las Brigadas Internacionales en España. Mexico
DF: Era, 1977, p. 33.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
159
torno de 40.000 em Madrid e mais uns 20.000 na Catalunha
63
, podemos afirmar que
o grupo estrangeiro nas milícias, do ponto de vista estritamente militar, não foi um
fator decisivo numérico nem qualitativo, visto que poucos dos seus integrantes
tinham de fato experiência militar anterior. O seu valor principal media -se mais em
termos de moral psicológica dos combatentes: o apoio externo, por ínfimo que fosse,
significava aos espanhóis do lado republicano que eles não estavam tão sós perante
um inimigo superior em termos bélicos, e que possuía também claras ramificações
externas.
Paralelamente com as milícias, outros grupos de estrangeiros iriam combater
pela República. André Malraux, conhecido escritor francês, autor de “La Condition
Humaine e, portanto, muito próximo do Parti Communiste Français (PCF),
organizava, em Toulouse, a Escuadrilla España”, uma espécie de grupo
internacional aéreo que reuniu diversos pilotos, mecânicos e especialistas
aeronáuticos, para manejar os novíssimos aparelhos comprados da França, em vista
da carência de pilotos espanhóis. A maioria do grupo de Malraux era composta por
aventureiros, alguns veteranos de “Grande Guerra” e soldados da fortuna muito bem
pagos, mas certamente também havia entre eles alguns idealistas, além do próprio
Malraux.
Quanto a origem nacional podemos dizer que eram franceses e belgas em
grande parte. Mais tarde, a força aérea republicana formou outro esquadrão de
voluntários, a “Escuadrilla Internacional”, numa tentativa de criar uma autêntica
unidade voluntária, ou seja, motivados mais pela ideologia do que pelo soldo. A
unidade contou com pilotos vindos dos EUA, da Alemanha, da França, da Inglaterra,
63
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 351.
© Guerra, Intervenção e Solidariedade ©
160
da Itália e de outras nacionalidades, incluindo a URSS, que enviava seus primeiros
instrutores.
Ambas unidades aéreas não estavam ligadas às milícias e nem fizeram parte
das BI
64
. Estavam integradas sim ao “Ministério del Aire y Marina”, um dos poucos
organismos estatais que havia sobrevivido mais ou menos intacto à rebelião. Havia,
no entanto, conexões possíveis entre as unidades de terra e as unidades aéreas: caso
se apresentassem voluntários que fossem aviadores ou especialistas aeronáuticos
estes seriam encaminhados para os esquadrões internacionais.
Pelo menos assim funcionou no início do conflito, visto que Malraux
pretendia trocar seus mercenários beberrões por autênticos voluntários idealistas.
Com o decorrer do conflito, a chegada dos pilotos soviéticos com seus modernos
aviões foi restringindo a possibilidade dos pilotos estrangeiros, chegando alguns
pilotos a terem de combater em outras funções para as quais tinham pouca ou
nenhuma preparação. Isto ocorreu com quase todos os voluntários brasileiros,
oriundos da então “Aviação Militar do Exército Brasileiro”
65
. Mais adiante,
examinaremos o caso do mal aproveitamento dos combatentes brasileiros.
A guerra prosseguia, novas frentes se abriam e indivíduos de diversas
nacionalidades combatiam em todas elas, seja na invasão de Mallorca, na defesa de
Aragón, nas lutas pela fronteira em Irún, ou nas patrulhas de Madrid. Em todas estas
frentes vamos observar a presença de estrangeiros, embora de forma ainda pouco
organizada e dispersos na massa miliciana. Entretanto, a partir de outubro de 1936,
os rebeldes apertaram o cerco à capital, deixando claro qual era seu principal
objetivo. Com a finalidade de conter o assalto, diversas milícias republicanas
64
CIERVA, Ricardo de la. Op.cit., p.131.
65
Apenas um brasileiro combateu na Força Aérea Republicana, Enéas Jorge Andrade.
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161
começaram, então, ser deslocadas de outras frentes para defender Madrid. Entre elas
encontravam-se diversos grupos de internacionalistas. Estava claro que as
contingências da guerra levaram finalmente à transformação das milícias em
Exército. A rapidez e presteza dos avanços inimigos, principalmente sobre a capital,
impulsionou e acelerou o processo.
O processo de militarização das milícias iniciou no final de setembro de 1936
quando o novo governo do socialista Largo Caballero decretou a formação do EPR
que substituiria formalmente as milícias. Como já dissemos anteriormente, a
formação de um novo Exército era um desejo acalentado por muitos (burgueses,
comunistas e alguns socialistas) desde a dissolução do Exército tradicional, após o
golpe de 18 de julho, mas para outros (anarquistas e poumistas) um indício de que o
establishment se recuperava e atacava a revolução ao tomar as armas que o povo
havia conquistado.
Assim, em 15 de outubro de 1936, foram criadas as primeiras seis brigadas
mistas, que eram, teoricamente, compostas por três batalhões de milícias e um
batalhão do antigo Exército regular, com seu estado maior. Eram, em princípio,
unidades auto-suficientes, pois contariam com diversas Armas e serviços na sua
composição. Ou seja, infantaria, artilharia, cavalaria, engenharia e blindados, além de
serviços sanitários, de transmissões e de transportes
66
. Obviamente, as condições
precárias em que se realizaram as transformações e o próprio andamento do conflito
impediram que as unidades pudessem se tornar realmente auto-suficientes.
66
CARDONÁ, Ricardo. R. & PAZOS, Carlos. F. Uniformes y Pertrechos: Ejército Popular
Republicano 1936-1939. Madrid: Almena, 1997.
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162
Outra importante modificação com relação às milícias, e que foi introduzida
plenamente na estrutura do EPR, era o comissariado político. Os incentivadores e
fomentadores desta instituição eram os comunistas que já a haviam colocado em
prática no seu 5° Regimento, com sucesso. Suas tarefas, tal como constavam no
decreto de criação, eram as seguintes:
Se crea un Comisariado general de Guerra, cuya principal misión
consistirá en ejercer un control de índole político-social sobre los
soldados, milicianos y demás fuerzas armadas al servicio de la
República y lograr una coordinación entre los mandos militares y las
masas combatientes, encaminadas al mejor aprovechamiento de la
eficacia de las citadas fuerzas
67
.
Em outras palavras, significava preservar a fé política dos milicianos
convertidos em soldados frente à dissolução das suas unidades partidárias, controlar
a lealdade dos antigos oficiais de carreira para com o EPR e a República, e manter
acesa a chama do ódio contra o inimigo. Seriam responsáveis também pelo controle
político e ideológico dos combatentes. Os comunistas adquiririam, com o passar do
tempo, uma certa preponderância nesta organização, embora ela fosse teoricamente
supra partidária.
O enquadramento geral das milícias não poderia excluir os seus membros
estrangeiros. Em meados de outubro, os voluntários estrangeiros que se encontravam
nas milícias e em unidades do EPR começaram a ser reagrupados na cidade de
Albacete. Estavam sendo efetivamente organizadas as BI.
67
Trecho da ordem de Largo Caballero para a criação do comissariado, 15 de outubro de 1936. Citado
em COLOMER, Eduardo C. Op. cit., p. 44
© Vivan las Brigadas Internacionales ©
164
CAPÍTULO 3: “VIVAN LAS BRIGADAS INTERNACIONALES”.
3. 1 Os Combatentes Internacionais: de Madrid a Teruel (chegada do
primeiro contingente brasileiro).
A quem se deveu a idéia, ou melhor, a decisão de criar as BI ainda hoje é
objeto de intenso debate historiográfico dada a falta de documentos mais concisos e
que possam estruturar as diversas hipóteses existentes.
Para alguns historiadores, como Delperrie de Bayac, autor de consagrado
trabalho sobre as BI surgido no final da década de 60, a idéia de orga nizar um corpo
militar composto unicamente por estrangeiros surgiu em agosto de 1936, no comitê
central do PCE, entusiasmado com a atuação e a experiência acumulada pelos
voluntários estrangeiros alistados no 5° Regimento
1
.
Outros autores, como Fernando Schwartz e Santiago Álvarez, situam a
origem das BI a partir de uma reunião realizada em 26 de julho de 1936 em Praga,
entre membros da Komintern e da Profintern
2
. Já o professor Hugh Thomas credita a
idéia ao comunista francês Maurice Thorez (secretário geral do PCF), embora sem
muita certeza, situando o fato vagamente no mês de setembro de 1936
3
.
1
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 70.
2
SCHWARTZ, Fernando. Op. cit., p. 207 e ÁLVAREZ, Santiago. História Política y militar de las
Brigadas Internacionales. Madrid: Compañia Literária, 1996, p. 60-61. Profintern era a
Internacional Sindical Comunista.
3
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 487-488.
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165
Por sua vez, Kenneth Bradley afirma que membros do comitê executivo da
Komintern reuniram-se em meados de setembro de 1936 na sede da Narodny
Kommiisari at Vnutrennikh Del (NKVD)
4
, a prisão Lublianka em Moscou, para
discutir a formação de uma unidade estrangeira para auxiliar a República. Mas
credita simultaneamente a idéia à vários líderes comunistas: Thorez, Tom
Wintringham do PC inglês, o embaixador russo na Espanha Marcel Rosenberg, o
lider da IC George Dimitrov e Palmiro Togliatti do PC italiano, membro do CC do
PCE
5
.
No entanto, efetivamente parece que a decisão final não caberia aos
funcionários da IC, mas sim diretamente a Stalin, conforme afirma César Vidal em
sua vasta e recente obra sobre as BI
6
. Por estar ancorada em documentação antes
inacessível, a sua versão pode ser a hipótese mais correta.
Uma vez inciado o processo de criação, uma delegação da Komintern
composta por Luigi Longo, Pierre Rebiére e Stepan Wizniewski foi enviada até a
Espanha para apoiar o PCE e discutir a idéia com o governo republicano. Houve uma
fria recepção e algumas (talvez muitas) reticências por parte dos republicanos
burgueses e de setores moderados dos socialistas espanhóis, que estavam no
comando, e que temiam o rápido crescimento do até então pequeno PCE dentro do
aparelho governamental, da mesma forma que este crescia dentro do novo Exército e
das organizações militarizadas em geral.
Mas, forçado pela situação crítica da guerra (Madrid estava em perigo e
prestes a cair nas mãos de Franco) e pelas pressões exercidas pelos comunistas, o
4
Literalmente, Comissariado Popular para Assuntos Internos, uma espécie de polícia política.
5
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p. 6.
6
VIDAL, César. Op. cit., p. 52.
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166
governo republicano aceitou e a Komintern começou, assim, a instalar uma rede de
recrutamento de voluntários para fazer parte das BI a partir da França, utilizando
como base a sede do PCF, na Rue Lafayette, 128, em Paris. As BI foram autorizadas
e aceitas oficialmente pelo governo da República em 22 de outubro de 1936. Eram a
concretização, no plano militar, da tática política e eleitoral da Frente Popular
Antifascista.
A criação das BI provocou diversas reações no setor governamental. Se, por
um lado, a República precisava de um exército regular e treinado que substituísse os
insurretos “Tércio de Extranjeros” e o “Ejército Peninsular”, por outro lado, se
temia que as BI e o 5
°
Regimento se tornassem um exército “particular” comunista,
transformando a Espanha em um satélite moscovita.
Este temor não era privilégio só de republicanos burgueses ou socialistas
moderados intranquilos com a possibilidade de perderem o poder. À esquerda do
caleidoscópio político, os poumistas e os anarquistas, em especial, desconfiavam da
presença dos estrangeiros trazidos pela Komintern, da mesma maneira que
desconfiavam dos assessores soviéticos que, ao reforçar o poder e prestígio dos
comunistas espanhóis e proteger as instituições republicanas, colocavariam um sério
entrave à possibilidade de uma revolução libertária vitoriosa
7
. Outros setores do
governo, como o então primeiro ministro Largo Caballero, mais pragmático e
ocupado demais com o inimigo batendo às portas do seu palácio para poder verificar
as reais intenções da Komintern, acabaram aceitando as BI quase que como um fato
consumado
8
.
7
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 497.
8
O decreto de criação das BI, datado de 22 de outubro oficializava, portanto, unidades militares
estrangeiras que já haviam sido constituídas dez dias antes. Ver a respeito VIDAL, César. Op. cit., p.
67-68.
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167
Oficialmente, as Brigadas passariam a ser consideradas uma espécie de
“le gião estrangeira antifascista”, posição que os voluntários internacionais nunca
aceitariam. Os chamados “internacionais”
9
detestaram o fato de serem comparados
com uma unidade de mercenários considerada como o “refúgio da escória da
humanidade”. Afinal de contas, eles lutavam por seus ideais e não por um soldo. É
preciso lembrar que existia um forte sentimento moralista e ético em toda a esquerda
durante os anos 30 que reforçava estes aspectos. Além disso, ser membro das BI
dava um enorme status entre a classe trabalhadora e o esprit de corps da unidade de
elite foi incentivado pela propaganda da Komintern. Ou seja, fazer parte das BI era
pertencer a “flor e nata” do proletariado internacional.
Para o PCE e o 5° Regimento comunista, a estas alturas praticame nte
dissolvido dentro do EPR, a criação das BI foi de vital importância, pois representou
um fortalecimento do partido e dos comunistas na Espanha, na época um pequeno
partido com pouca expressão. Nas palavras de Delperrie de Bayac, o PCE faria das
BI sua “Guarda Pretoriana”
10
.
Para Stalin, a criação das BI poderia reforçar a posição dos comunistas na
Espanha e, temendo que o PCE tentasse utilizar as BI para fins próprios sem sua
autorização (um golpe de estado, por exemplo), fez questão de que as Brigadas
fossem pelo menos nominalmente subordinadas ao governo espanhol e integrantes
do EPR. Embora fosse inegável o seu elevado grau de autonomia perante o EPR,
pelo menos até fins de 1937.
9
Utilizaremos o termo “internacionais” para designarmos os membros das BI ou os estrangeiros que
serviam no EPR. Era o termo que eles mesmos utilizavam na época.
10
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 73.
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168
A URSS, que pretendia uma aproximação com as potências ocidentais frente
a ameaça alemã, estava ciente de que um governo dominado totalmente pelos
comunistas na Espanha poderia provocar um efeito contraproducente à sua política
de aproximação. Neste sentido, a ajuda prestada pela URSS na forma das BI deveria
ser ocultada, assim como o todo o papel exercido pela Komintern no recrutamento
dos voluntários. O movimento de voluntários para a Espanha deveria continuar
parecendo algo completamente espontâneo e não organizado por uma instituição
sediada em Moscou
11
. De qualquer modo, as BI foram para a URSS um grande
sucesso de propaganda e prestígio internacional não só no movimento comunista,
mas nos meios democráticos em geral. Com o consentimento de Stálin, a Komintern
começou a enviar a Espanha os primeiros 500 a 600 voluntários.
Todos estrangeiros que residiam temporariamente na URSS, velhos militantes
comunistas, proscritos em seus países de origem. Dava -se preferência aos que
tivessem experiência militar prévia
12
. Com esta manobra, o líder soviético livrou-se
não só de testemunhas contrárias a seus expurgos em franco desenvolvimento, mas
também de elementos potencialmente perigosos, quanto a sua postura ideológica e
que não fossem totalmente subservientes a seus desígnios. Era o início do período
dos grandes expurgos que depuraram o partido bolchevique de elementos
considerados “desagregadores e antirevolucionários” pela corrente stalinista
instaurada no poder. Muitos dos líderes militares e políticos enviados pela Komintern
a Espanha seriam posteriormente trazidos de volta para a URSS, julgados e
condenados, ou então, misteriosamente “desaparecidos em combate” na própria
11
VIDAL, César. Op. cit., p. 63-64.
12
MESCHERIAKOV, Mikhail. “Las Brigadas Internacionales en España”. In: La España del Siglo
XX. Moscú: Academia de Ciencias de la URSS, 1983, p. 57.
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169
Espanha, como o alemão Hans Beimler e o italiano Guido Picelli, mortos pela
NKVD por criticar Stalin ou os rumos tomados pela URSS
13
, mas apresentados
posteriormente como heróis das massas proletárias. Mortos eram inofensivos e sua
imagem popular, principalmente entre seus conterrâneos, poderia ser facilmente
instrumentalizada e construída para fins propagandísticos.
Ainda em outubro, deu-se início ao recrutamento em massa de voluntários
para as BI. Nos primeiros dias ainda não existiam as condições materiais desejadas
pela IC para selecionar todos os voluntários que se apresentavam. Pouco depois,
iniciou-se um processo duplo de filtragem dos candidatos a combatentes. Para ser
aceito, o candidato deveria passar (em tese) por um breve exame médico realizado
pelo centro recrutador no país de origem, na França, ou então ao chegar a Espanha.
Isso evitaria que elementos inaptos fisicamente ou desequilibrados mentais se
ingressassem nas BI, o que nem sempre pôde ser evitado.
No entanto, a filtragem mais importante era a político-ideológica. Mesmo que
tecnicamente pluralista e aberta a todos os espectros políticos incluídos na Frente
Popular, o controle político era rigoroso e foi crescendo ao longo do conflito,
tornando-se cada vez mais sofisticado e elaborado. Sempre existia o perigo da
infiltração de espiões nazistas ou fascistas, agentes policiais estrangeiros e elementos
provocadores, ou seja, “trotskistas”. O medo da infiltração inimiga está evidente no
relato de Luigi Longo, primeiro comissário geral das BI:
Es indispensable para la seguridad de los voluntarios y la eficacia de
nuestro trabajo, tomar las medidas necesarias de vigilancia y control.
(...) Estamos ciertos de que entre los miles de generosos, honestos y
13
Tanto o livro de CIERVA, Ricardo de la. Op. cit., p.159 quanto o de PAZ, Abel. Op cit., p. 210-
211, trazem informação sobre as mortes de Beimler e Picelli.
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entusiastas voluntarios que llegan a Albacete de todas partes del mundo,
los servícios secretos y de espionaje de Hitler, Mussolini y Franco
habrán enviado el mayor número posible de agentes, para realizar
espionaje en nuestras filas, para sembrar la cizaña y la desmoralización
entre los voluntarios(...)
14
.
Certamente não se tratava de um medo infundado. Houve, de fato, alguns
espiões e agentes infiltrados nas BI, e não somente das potências fascistas, mas
também das polícias da França, da Inglaterra e de outros países. Mas a paranóia da
espionagem e da sabotagem era muito maior que a realidade e, na verdade, justificou
muito mais a repressão aos dissidentes políticos do stalinismo do que atingiu agentes
inimigos e a espionagem policial
15
. Qualquer voluntário que emitisse uma opinião
contrária à posição oficial comunista podia ser simplesmente enquadrado como
espião ou traidor, com conseqüências nefastas. No Capítulo 4 trataremos a respeito
do controle exercido sobre os voluntários brasileiros.
Era necessário que os candidatos apresentassem referências e credenciais,
mesmo se comunistas, ou apadrinhamento por parte de responsáveis políticos ou
sindicais, caso não fossem comunistas, para poder ingressar nas unidades
internacionais
16
.
Preferiam-se homens com alguma prática militar, mas no início quase todos
eram aceitos: havia uma certa urgência para formar as BI e havia cotas mínimas de
recrutamento que os partidos comunistas deveriam cumprir, mas que nem sempre
tinham condições objetivas de fazê -lo. Era o caso, por exemplo, do PCB que
14
LONGO, Luigi. Op.cit., p. 54.
15
Acertadamente, Bayac afirma que dado o peculiar contexto da guerra, a paranóia da espionagem
estava presente em todos os âmbitos das forças republicanas, não somente nas BI ou no EPR.
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 157-161.
16
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 82.
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171
encontrando-se ilegal e completamente desarticulado no Brasil teria, em tese, de
fornecer uma cota de 100 voluntários para a causa republicana
17
. Quanto à orientação
política dos seus candidatos, o discurso oficial rezava que “qualquer uma desde que
antifascista”. Na verdade, tentava-se minimizar, pelo menos externamente, a nítida
orientação comunista das BI já que poderia afetar a desejada anuência dos setores
burgueses e moderados da FP. Como já dissemos, as BI deveriam parecer ser a
materialização concreta da FP antifascista. Portanto, toda a gama de partidos e
organizações políticas consideradas progressistas e aliadas da FP deveriam estar nela
representados, ainda que na prática não ocorresse conforme o planejado.
Mas de onde vinham e o que faziam estes voluntários? Eram homens (e
muito poucas mulheres) vindos principalmente de países europeus, americanos, e até
uns poucos africanos e asiáticos. Calcula-se que vieram de 54 países, embora o
cálculo ainda possa ter uma boa margem de erro: muitas nações ainda faziam parte
do império colonial francês ou britânico. Portanto, cipriotas, palestinos e egípcios
podem estar incluídos como “britânicos”
18
.
De um modo geral, podemos dizer que os homens que sinceramente se
apresentaram como voluntários para lutar na Espanha o fizeram baseados em um
ideal que colocaram temporariamente acima das suas próprias diferenças partidárias,
religiosas ou até mesmo de classe social: o antifascismo. Ao defender a República
Espanhola eles realmente acreditavam que estavam a defender suas casas, seus países
e toda a humanidade contra o obscurantismo e a barbárie representada pelo fascismo.
17
Ver ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 44, e DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 176.
18
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 13.
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172
Mas também é realidade que a grande maioria de voluntários veio dos
próprios partidos comunistas e seus sindicatos. A participação de liberais, socialistas
ou mesmo antifascistas sem partido foi pequena.
Quanto à composição social dos membros das Brigadas podemos dizer que
eram essencialmente proletários oriundos dos grandes conglomerados urbanos e
industriais. Uma boa parte deste “exército de operários” da Komintern encontrava-se
desempregada, sofrendo ainda com os efeitos tardios da pavorosa crise de 1929, e a
guerra na Espanha oferecia-lhes de certa forma, uma oportunidade.
Havia também entre eles muitos estudantes (secundaristas e universitários),
uma característica bastante comum entre os britânicos, canadenses e estadunidenses.
Havia ainda alguns militares, principalmente entre os europeus (veteranos da
Primeira Guerra Mundial) e também militares profissionais vindos dos países latino-
americanos, como os cubanos, os mexicanos e o pequeno contingente brasileiro. Não
podemos esquecer a presença de uns quantos profissionais liberais, basicamente
médicos que formariam posteriormente o corpo sanitário das BI, bem como alguns
elementos de origem camponesa. E, finalmente, o que seria chamado de “a escória da
terra”: aventureiros, mercenários, alguns criminosos proscritos
19
e desertores de
outros exércitos: franceses, devido à proximidade com a fronteira e italianos do CTV
de Mussolini que se encontravam em terra espanhola.
Além da central de recrutamento em Paris, existiam ainda outros centros de
recrutamento e foram, principalmente, as sedes dos partidos comunistas locais.
19
O documento publicado em 1948 pela Oficina de Información Española trata despectivamente os
homens das BI como se fossem quase todos provenientes ou do submundo do crime parisiense ou dos
ghettos da Europa central, numa clara referência preconceituosa e racista a origem judaica de muitos
integrantes das BI. Ver OFICINA INFORMATIVA ESPAÑOLA. Op. cit., p. 83.
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173
Porém, em lugares onde os comunistas haviam sido banidos ou encontravam-se
ilegais, o recrutamento era realizado de modo clandestino. Assim, sob inocentes
fachadas de bares, lojas e restaurantes ocultou-se uma eficiente organização
subterrânea que se encarregou de captar voluntários e enviá-los para a França, de
onde foram repassados para a Espanha
20
.
Quase tudo deveria ser realizado de forma semiclandestina, visto que a
França compactuava com a política de não intervenção. Se fossem pegos pela
Gendarmerie ou pela polícia francesa, os candidatos a voluntários seriam presos ou
repatriados, o que para alguns, como italianos e alemães, poderia significar o fim.
Por outro lado, existem vários relatos do início da guerra demonstrando que diversas
autoridades francesas, simpáticas com a Republica, fizeram “vistas grossas” ao
trânsito de voluntários pela fronteira
21
.
De qualquer modo, a passagem pela França em direção a Espanha sempre foi
realizada de maneira cautelosa, para evitar levantar suspeitas e problemas com o
governo francês. A travessia da fronteira era inicialmente realizada por um trem que
partia de Perpignan. Com o passar do tempo, e dados os vaivéns da política externa
francesa, a travessia tornou-se extremamente perigosa e freqüentemente foi realizada
à pé através dos Pirineus, como o fizeram alguns brasileiros.
Também criaram-se por incentivo da Komintern diversos “Comitês de Ajuda
ao Povo Espanhol” integrados à estrutura dos PC’s e que se encarregaram de enviar
mantimentos, víveres e roupas para a Espanha. Muitos destes comitês também
financiaram a viagem aos voluntários internacionais. O comitê sediado em New
20
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p. 8.
21
Relato do voluntário belga Nick Gillain em OFICINA INFORMATIVA ESPAÑOLA. Op. cit., p.
63-64.
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174
York do Communist Party of United States of America (CPUSA), por exemplo,
pagou a passagem de alguns dos voluntários brasileiros
22
.
A cidade de Albacete, que já possuia uma base do 5° Regimento, foi
escolhida para ser a base das BI. Desta forma, somaram-se aos voluntários que já
estavam na Espanha (previamente agrupados na cidade), os recém chegados da
URSS e os primeiros contingentes vindos da França. O escolhido para comandar as
BI foi André Marty, veterano líder comunista e homem de confiança da Komintern.
Foi exaltado como herói pela Komintern, onde era conhecido como “o amotinado do
Mar Negro”
23
. No entanto, foi odiado por boa parte dos seus subalternos e da tropa,
que se referia a ele como “o açougueiro de Albacete”, conforme testemunham
diversos relatos e memórias de ex-combatentes
24
, e também não foi perdoado pela
maioria dos historiadores ou escritores especializados na Guerra Civil Espanhola que
simplesmente o qualificaram como um doente mental.
25
De imediato, começou a se formar um comitê militar encarregado de
reorganizar os voluntários de acordo com seus grupos nacionais e dividí-los em
unidades correspondentes. Criou-se também um comitê de organização para cuidar
dos suprimentos, alojamentos e outros serviços essenciais às BI: estava sendo criado
um Exército.
22
Literalmente, Partido Comunista dos Estados Unidos da América (CPUSA). Conforme eles mesmos
escreveram nas suas “Biografias de militante”, no item sobre os meios utilizados para chegar a
Espanha. A referência consta na ficha de Delcy Silveira, Homero de Castro Jobim e Eny Silveira,
embora seu irmão Delcy tenha dito em depoimentos que Eny pagou a própria passagem com recursos
obtidos de familiares. Ver :”Biografias de militantes”, Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
23
Durante a intervenção estrangeira na Guerra Civil russa em 1919, Marty era um suboficial da
Marinha francesa e liderou um motim à bordo para evitar o ataque contra os bolcheviques.
24
O livro do professor Eby contém inúmeros relatos sobre as atitudes despóticas de Marty. Ver EBY,
Cecil. Op. cit.
25
Autores tão dispares quanto Hugh Thomas, Cecil Eby, Herbert Matthews, Bayac e recentemente
César Vidal se referem igualmente a Marty em termos pouco elogiosos.
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175
A primeira unidade criada foi a 9° Brigada Móvel que foi reorganizada em
novembro de 1936, por decisão de Largo Caballero, como a XI Brigada Mixta
Internacional. Foram agrupados nesta brigada homens de diversos grupos nacionais
subdivididos em batalhões que obedeciam mais a uma lógica lingúistica do que a
uma identidade nacional propriamente dita. O caráter “misto” da Brigada não se
referia à composição nacional, mas sim à composição das especialidades militares
dentro da Brigada, como já foi explicado anteriormente.
Calculava-se em torno de um a dois meses o tempo necessário para a
formação de cada unidade, porém as prementes necessidades reduziram este prazo ao
extremo: duas ou três semanas apenas. Um tempo exíguo, ainda mais se levarmos em
conta que a maioria dos voluntários sequer tinha passado pelo serviço militar
obrigatório de seus respectivos países. Com a aproximação dos rebeldes a Madrid, a
XI BI, a primeira unidade internacional da Komintern, conhecida também por
“Thaelmann” devido à presença de um elevado número de alemães em sua
composição, foi enviada às pressas para a frente de batalha. No Anexo Z, podemos
acompanhar nos mapas o desenvolvimento das frentes ao longo da guerra.
Ainda no início de novembro, com a chegada de um novo contingente de
voluntários cuja maioria era de italianos, foi formada a XII BI, a chamada
“Garibaldi”, e rapidamente enviada para a frente de Madri. Em dezembro, foram
organizadas a XIII BI, que também seria conhecida por “Dombrowski”, composta
principalmente por cidadãos vindos de países da Europa oriental, e a XIV BI, “La
Marsellaise”, de composição franco-belga, todas elas prontamente deslocadas para o
combate, apesar de que seus efetivos ainda não haviam completado o treinamento
básico. Em fevereiro de 1937, formou-se ainda uma XV BI, com os primeiros
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176
contingentes vindos da América do Norte e da Inglaterra e muitos latino-americanos.
Os combates de Madri atingiram seriamente a XIII BI que perdeu boa parte de seus
efetivos, cujos remanescentes foram reagrupados na 150° BI, e posteriormente criada
uma outra, a 129° BI
26
.
O elevado número de baixas exigia sempre constantes reorganizações entre as
unidades, alterando sua composição, o que levava a improvisações feitas no campo
de batalha e ocasionando a transferência de batalhões de uma brigada para a outra.
Alguns outros estrangeiros ainda estavam agrupados em unidades espanholas, como
a 86
°
Brigada Mista, que possuía um heterogêneo batalhão composto por
americanos, ingleses, e irlandeses
27
.
Também funcionavam na base em Albacete, unidades de apoio logístico
essenciais para a manutenção das BI, tais como: serviço sanitário, oficinas para
efetuar reparos em armas e viaturas, intendência, correios e escolas de treinamento
especializado.
Foram preparados também hospitais e centros de repouso para acolher os
feridos e os soldados em licença. Também foram de importância vital os diversos
jornais editados em vários idiomas, destinados a cada unidade e que reforçavam o
espírito e a moral dos combatentes. Existia toda uma máquina de propaganda a
serviço da Komintern que procurava exaltar e explorar a imagem do voluntário
internacional como um defensor da democracia e da liberdade. Esta propaganda
destinava-se principalmente a atingir os chamados meios democráticos internacionais
26
MESCHERIAKOV, Mikhail. Op. cit., p. 59-60.
27
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p. 9.
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e cooptá-los para a luta antifascista. Nos Anexos W e X observamos exemplos de
cartazes de propaganda exaltando a imagem das BI.
O serviço sanitário das Brigadas foi, sem dúvida, o melhor do exército
republicano. Foi organizado a partir dos diversos comitês de ajuda a Espanha
Republicana no exterior. Estes comitês continuaram responsáveis pela sua
manutenção operacional, tanto do pessoal sanitário qua nto pelo equipamento médico,
passando pelas ambulâncias e seus motoristas. O comitê mais ativo foi a “Oficina de
Ajuda Médica à Democracia Espanhola” criada pelo famoso cirugião novaiorquino
Edward Barsky. Este médico era extremamente influente na comunidade judaica dos
EUA que, a seu pedido, financiou grande parte das unidades sanitárias para a
Espanha. Barsky dirigiu o primeiro destacamento médico das BI, chegando a
Espanha em outubro de 1936 com um grande grupo de voluntários dos EUA.
Posteriormente, foi nomeado chefe geral dos hospitais pertencentes às Brigadas, em
1938, durante a retirada do Ebro
28
.
Em meados de outubro de 1936 já havia aproximadamente 4.000 voluntários
internacionais que começaram a ser deslocados para acampamentos nos arredores de
Albacete. A sua instrução militar ainda não estava completa e continuava sendo
realizada em ritmo acelerado, tendo-se em vista a urgência do momento: os rebeldes
estavam mais perto da capital. Para o final do mês, os novos recrutas receberiam suas
armas e equipamentos. Itens das mais variadas origens possíveis obtidos das mais
diversas fontes: antigos uniformes do Exército espanhol; capacetes espanhóis,
franceses, tchecos e russos; alguns equipamentos do Exército francês; jaquetas e
28
ACADEMIA DE CIENCIAS DE LA URSS. La solidariedad de los pueblos con la República
Española 1936-1939. Moscú: Progreso, 1974, p. 141.
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coletes de trincheira ingleses, assim como armas antigas provenientes de estoques de
vários países (EUA, Canadá, França, Suíça, Alemanha, México, Japão, etc.).
Mais tarde, com a chegada do material russo, seriam equipados de forma
padronizada de acordo com os moldes soviéticos. O comissário geral das BI, Luigi
Longo, se referia aos primeiros armamentos e equipamentos obtidos para equipar os
voluntários internacionais como peças de coleção dignas de figurar em acervo de
museu
29
.
Enquanto isso, na capital cercada desde o início da guerra, as perspectivas
futuras não pareciam ser muito positivas. O ânimo da resistência de alguns parecia
esmorecer, principalmente o dos membros do governo republicano. Ainda em
outubro, o presidente Azaña havia abandonado a capital em busca de um lugar mais
seguro e escolhera Barcelona como a nova sede presidencial. Em 6 de novembro foi
acompanhado por Largo Caballero e todo o ministério que se retiraram para
Valencia. Antes de partir, o primeiro ministro havia incumbido ao idoso general José
Miaja Menant a defesa de Madrid.
Prontamente, Miaja convocou militares leais, chefes milicianos e líderes
sindicalistas com o propósito de arquitetar um plano de defesa viável contando com
os parcos recursos que tinha ao seu alcance. Mesmo assim especula -se que conseguiu
reunir uma força de aproximadamente 50.000 combatentes, embora nem todos
tivessem armas. Todos os esforços deveriam ser unidos em torno da defesa da
cidade: se Madrid caísse, seria como legitimar o poder dos rebeldes e facilitar o seu
reconhecimento por outras potências estrangeiras, além da Itália e da Alemanha que
já haviam reconhecido Franco como novo chefe do Estado espanhol. O lema de
29
LONGO, Luigi. Op. cit., p. 59.
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Verdun foi reeditado à la espanhola: No pasarán! Madrid será la tumba del
fascismo
30
!
A máquina de propaganda republicana verteu todos seus esforços no sentido
de infundir ânimo aos combatentes e fazer-lhes ver que a única saída era barrar o
inimigo. Fora disso, não haveria chances de sobrevivência possível, pois Franco
havia dito que se preciso fosse, arrasaria a cidade para “salvá-la do comunismo”. De
fato, Madrid começou a sofrer com os intensos bombardeios aéreos perpetrados pela
aviação alemã e italiana, os quais se provocaram intenso pânico por um lado, por
outro despertaram ou acirraram o ódio antifascista na população madrilenha,
fortalecendo a sua vontade de resistir ao avanço inimigo.
Dois dias depois, diversos jornais do mundo (alguns com indisfarçável
contentamento) já noticiavam antecipadamente a tomada da cidade pelos rebeldes,
inclusive no Brasil. O Correio do Povo de Porto Alegre preparava os seus leitores
para a vitória de Franco ainda no dia 7 de novembro de 1936:
Só resta aos defensores de Madrid uma única linha fortificada.
DAS POSIÇÕES QUE MANTINHAM NOS ARREDORES DE MADRID,
OS NACIONALISTAS LANÇARAM, HONTEM, NOVO E FULMINANTE
ATAQUE
Após duros combates as forças do general Varela conquistaram
Campamento de Retamar, Cerro de Los Angeles e Villaverde, todos
ligados aos subúrbios da capital Estas conquistas significam que
Madrid já está virtualmente tomada, pois a lucta só poderá, de agora em
deante, desenvolver-se dentro da cidade
31
.
30
IBARRURI, Dolores. Op.cit., p. 161 e ss.
31
Correio do Povo, 07/11/1936, p. 1-2.
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180
E no dia 8, uma espetacular manchete declarava o seguinte:
LUCTA-SE EM PLENO CENTRO DE MADRID
Ás 16 horas de hontem, as forças nacionalistas entraram na capital
hespanhola
32
.
A realidade porém era outra. As forças rebeldes, comandadas pelo general
Varela, haviam sido repelidas em função de que o comando republicano ficara
sabendo com antecedência dos planos do inimigo, podendo assim fortalecer suas
posições deficientes
33
.
Neste momento crítico ocorreu o batismo de fogo dos primeiros 1.900
voluntários da XI Brigada Internacional. Tão logo desembarcaram na capital
marcharam pela Gran Via onde foram ovacionados pelo público que acreditava
erroneamente estar vendo o próprio Exército soviético: Vivan los rusos!, gritavam os
extenuados madrilenhos
34
. Seu aspecto marcial e sua disciplina contrastavam com a
displicência natural das unidades milicianas remanescentes e que ainda não haviam
sido integradas ao EPR. A visão dos voluntários estrangeiros infundiu ânimo à
população e aos defensores da cidade.
Quase simultaneamente à chegada dos internacionais apareceu, também em
Madrid, a famosa coluna anarquista liderada por Buenaventura Durruti, vinda da
Catalunha como contribuição catalã ao esforço de guerra madrilenho
35
. No entanto, a
32
Correio do Povo, 08/11/1936, p. 2.
33
Os republicanos encontraram uma cópia dos planos rebeldes no bolso de um cadáver de um oficial
italiano. Apesar de um pouco inverossímil, o fato é confirmado pela historiografia. VIDAL, César.
Op. cit., p. 80, THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 523.
34
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 526.
35
PAZ, Abel. Op. cit., p. 127 e ss.
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181
morte de Durruti em Madrid, simbolizou também a decadência do movimento
anarquista espanhol.
Pouco depois dos desfiles, os internacionais foram enviados apressadamente
ao combate. Por serem unidades de choque, as Brigadas foram encarregadas de
defender os setores mais críticos por onde as tropas rebeldes podiam romper as
desgastadas linhas defensivas republicanas. A essa altura, as forças inimigas haviam
atravessado o rio Manzanares e ameaçavam os arredores de Madrid, onde se
encontrava a moderna Cidade Universitária. Os batalhões “Dombrowski” e “Comuna
de Paris” foram os encarregados de ocupar e defender os prédios universitários, e
assim o fizeram, frequentemente atrás de prosaicas barricadas feitas com livros
36
. O
batalhão “Edgar André” atacou a Ponte dos Franceses, que atravessava o
Manzanares. Enquanto o batalhão “Garibaldi” permanecia em Albacete para
organizar o núcleo da XII BI.
Os combates em Madrid foram extremamente sangrentos para ambos os lados
beligerantes. A XI BI perdeu quase 40% de seus efetivos de combate. A XII BI,
ainda incompleta em seus efetivos e seu treinamento, partiu para Madrid em meados
de novembro, tendo travado ferozes combates em Cerro de los Angeles e La
Marañosa, onde permaneceram para fortalecer o perímetro da capital frente aos
ataques dos rebeldes. Após três semanas de batalha, e verificar que não conseguiam
avançar como planejado, as tropas inimigas começam a desistir da tomada da capital.
O comandante dos rebeldes, o general Franco, decidiu que não era o momento
adequado. Assim, os rebeldes mudaram seus planos e decidiram assediar a cidade
36
LONGO, Luigi. Op. cit., p. 72-74.
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182
através do cerco às vias de suprimentos da capital, ou seja, as diversas estradas de
ligação com as cidades do interior, principalmente as capitais provinciais.
O povo espanhol, não somente de Madrid mas também de outras regiões que
vieram em auxílio, alistado nas indefectíveis milícias partidárias e sindicais, mais o
incipiente EPR, e as Brigadas Internacionais salvaram a cidade e evitaram o colapso
imediato da República. Não podemos esquecer os indispensáveis armamentos que
recém haviam chegado da URSS. Contudo, podemos dizer que as BI tiveram um
papel relevante na defesa. Talvez nem tanto no sentido militar, mas principalmente
como força política e moral. Os internacionais fizeram ver aos espanhóis, que não
estavam sós na luta contra um inimigo poderoso apoiado por potências belicosas. A
aparição das BI num momento oportuno, associado ao eficiente trabalho
propagandístico dos comunistas para conferir -lhes uma aura de heroísmo indômito,
fez das Brigadas uma lenda.
Entre os estrangeiros que defenderam Madrid, devemos destacar ainda a
presença dos discretos conselheiros soviéticos que trabalharam em conjunto (embora
não muito harmonioso) com os militares republicanos. Não podemos esquecer
também a presença de uma coluna de anarquistas estrangeiros que vieram com
Durruti
37
. E ao que tudo indica, parece que tivemos pelo menos um brasileiro
participando na histórica defesa de Madrid: o jovem vidraceiro Rafael Igual Garcia,
descendente de espanhóis, nascido em Tabacuã, São Paulo. Teria combatido em
37
PAZ, Abel. Op. cit., p. 128.
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183
Madrid incorporado a uma coluna anarquista, a “Nosotros”. Vivia desde pequeno na
Espanha
38
.
Com a derrota momentânea dos insurgentes frente a Madrid o governo
republicano se fortaleceu e passou à ofensiva. A cidade de Teruel era um ponto
rebelde encravado em pleno território republicano. O objetivo era cercar a cidade e
cortar suas ligações com o território em mãos do inimigo. Em inícios de dezembro de
1936, uma nova Brigada Internacional, a XIII, foi encarregada desta tarefa. A XIII BI
era composta principalmente por balcânicos, poloneses e tchecos, mas um de seus
batalhões conhecido por “Tchapaiew” possuía membros de 21 nações entre as quais
um único brasileiro, cujo nome infelizmente se desconhece
39
.
Segundo o veterano comissário das BI, Luigi Longo, o assalto a Teruel teve
extrema importância visto que mostrou a capacidade ofensiva do novo EPR e das BI,
desmoralizando os rebeldes, além de aliviar a pressão sobre os arredores de Madrid,
obrigando Franco a deslocar a sua legião estrangeira, o Tercio e os mouros, para
defender Teruel. Os efetivos da XIII BI combateram valorosamente, mas devido à
superioridade numérica do inimigo foram obrigados a retirar-se em meados de
janeiro de 1937
40
.
38
Assim consta na Ficha bibliografica individual de Rafael Igual Garcia, datada de 19/12/1938.
Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL. No entanto, há um ponto obscuro: sabe-se que Nosotros
era o jornal portavoz da milícia Columna de Hierro. A partir daí , podemos pensar em duas hipóteses:
ou o Nosotros tinha uma unidade dentro da Columna de Hierro, o que não seria impossível, ou então
quem preencheu a ficha tenha cometido um equívoco, trocando os nomes. Outro ponto interessante
nesta ficha é que deixa entender que Igual Garcia fora filiado a CNT, mas o nome da central
anarquista estava riscado e ao seu lado foi escrito a mão Sin carnet”. Dado o processo de
bolchevização do EPR, cabe supor que Igual Garcia, como muitos outros em similares condições,
pretendia minimizar o seu comprometimento anterior com os anarquistas para mostrar-se mais
simpático aos comunistas: questões de sobrevivência. Um parecer do PCE, emitido em 20/10/1938 o
colocava como um indivíduo “Muy poco sério, conducta regular”. Outro parecer, emitido por Costa
Leite, responsável pelos brasileiros na Espanha, dizia que Igual garcia era apenas “antifascista, sin
conocimientos políticos y no instruído”. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
39
O tal brasileiro teria sido incorporado em abril de 1937, segundo consta em BAUMANN, Gino G.
Op.cit., p. 70. Referência semelhante consta em VIDAL, César. Op. cit., p. 95.
40
LONGO, Luigi. Op. cit., p. 123 e ss.
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184
No entanto, segundo outro autor, a guarnição inimiga era inferior em número
aos atacantes, que além da XIII BI contavam com uma unidade miliciana da CNT. O
atrito produzido entre os voluntários internacionais e os anarquistas, somado à
desmoralização e às deserções na tropa, sem falar na péssima atuação da força aérea
“privada” de Malraux , é que teriam contribuído para o fracasso geral das operações.
Teruel voltaria a ser novamente palco de conflitos, como veremos um pouco mais
adiante
41
.
Também em dezembro de 1936 foi criada a XIV BI. Na sua composição
constavam principalmente voluntários franceses e belgas. Os seus quatro batalhões,
ainda despreparados, foram imediatamente enviados para deter o avanço inimigo em
Lopera, onde devido a deficiências no comando e total desconhecimento do terreno
foram quase dizimados
42
.
Durante o mês de janeiro de 1937 as quatro BI realizaram esforços para
repelir os ataques dos rebeldes em vários pontos estratégicos. Isto ocorreu
primeiramente na estrada Madrid-La Coruña que foi defendida pela XI Brigada,
sofrendo perdas de tal magnitude que teve de ser retirada para ser reorganizada. As
cidades de Málaga e Almeria foram atacadas pelas tropas do general rebelde Queipo
de Llano e um enorme contingente de fascistas italianos recém desembarcados.
A cidade de Málaga, por estar isolada geográficamente, foi defendida apenas
pelos milicianos da CNT-FAI, unidades da UGT e policiais da Guardia de Asalto.
Contudo, a cidade caiu nas mãos rebeldes com relativa facilidade, apesar dos
violentos combates travados. A falta de coesão, organização e disciplina das milícias
41
VIDAL, César. Op. cit., p. 97.
42
Um oficial frances, Gaston Delasalle foi fuzilado como responsável pelo desastre. Na verdade,
parece que Delasalle era um desafeto político de André Marty, chefe das BI, tendo-se tornado um
bode expiatório. CIERVA, Ricardo de la, Op. cit., p. 207-208.
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defensoras cobrou seu altíssimo preço. Por sua vez, Almeria conseguiu receber
unidades da XIII Brigada que se encarregaram de organizar efetivamente a defesa,
mesmo com a chegada do rigoroso inverno. Embora conseguissem manter o controle
da região, foram insuficientes para conter o poderoso avanço dos rebeldes pela
província da Andaluzia.
Ainda no inverno de 1937, operando sob severas condições climáticas, a XIV
Brigada francófona conseguiu frear os ataques do inimigo na Sierra de Guadarrama,
salvando novamente Madrid do cerco. Após esta derrota, os rebeldes passaram à
ofensiva no setor sudeste, mais precisamente no Vale de Jarama. As batalhas em
torno ao Jarama foram as mais difíceis da guerra da Espanha. O objetivo principal
das tropas de Franco era privar a capital de sua linha vital de suprimentos, a estrada
Madrid-Valencia. Se a estrada caísse em mãos dos rebeldes, Madrid cairia também.
Para realizar o plano de ataque, os rebeldes contavam com cinco regimentos sob o
comando do general Varela. Uma força mista de legionários do Tércio e mouros,
apoiados pelos eficientes alemães da Legião Condor, encarregados da artilharia e do
vital suporte aéreo.
Para enfrentar os atacantes estavam presentes três Brigadas Internacionais : a
XII, a XIV e a recém formada XV, composta de norte-americanos, ingleses e sul-
americanos. Em meados de fevereiro de 1937 se somaria ao combate a XI Brigada
que estava se recompondo das perdas anteriores e recebendo novas levas de
voluntários recém chegados a Espanha. Entre eles, um recruta brasileiro de origem
francês, André Mançon, alistado no batalhão “Comuna de Paris”. Posteriormente,
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186
esse batalhão foi remanejado para a XIV BI, onde Mançon foi promovido a
sargento
43
.
Ferozes combates foram travados ao longo da estrada Madrid-Valencia e por
toda a região durante cinco meses. A novíssima XV BI quase foi dizimada, tendo
sido presa fácil, devido ao seu despreparo militar e comando ineficiente que
provocou enormes baixas nos batalhões americanos e ingleses. Na realidade, os
internacionais somaram-se às Brigadas do famoso comandante popular Enrique
Líster e outras unidades regulares do EPR que representavam a maior parte da tropa.
O inimigo avançou efetivamente algumas milhas, mas a estrada Madrid-Valencia
continuou sob controle republicano, sendo a via principal de abastecimento da capital
durante vários meses, quase até o fim da guerra. As baixas republicanas e das BI
somadas totalizaram aproximadamente 10.000 homens
44
.
Desde os primeiros meses de 1937 começava a ser incorporado nas BI um
elevado número de recrutas espanhóis, parte incorporada por motivo de convocação
ao serviço militar e parte devido à absorção das antigas milícias pelo EPR. O
processo de militarização das milícias, iniciado em setembro de 1936, encontrava-se
bastante adiantado. Diversas milícias já haviam sido dissolvidas, a começar pelas
comunistas que haviam se tornado a espinha vertebral do novo Exército popular.
Outras, como algumas dos anarquistas, já haviam sido enquadradas no esquema
militarista do EPR, apesar de tentarem manter um caráter mais informal e uma certa
coesão ideológica entre seus membros. Alguns ex-milicianos não-comunistas, após
serem considerados “aceitáveis” ideologicamente foram enviados também para
43
André Mançon: Ficha de combatente, Comissariado de Guerra das BI, outubro 1938?. Arquivo da
IC, microfilme número 10, AEL.
44
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p. 24.
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187
suprir vagas nas Brigadas Internacionais. Luigi Longo, comissário e posteriormente
inspetor geral das BI, temia a ação dos elementos “desagragadores” dentro dos
internacionais, provenientes principalmente das milícias anarquistas da CNT-FAI,
que pretendiam continuar operando independentemente do governo e do comando
central do EPR
45
.
No entanto, é preciso destacar que o movimento anarquista espanhol
encontrava -se já dividido entre os que eram favoráveis a uma forma atenuada de
militarização e aqueles cujos preceitos ideológicos negavam completamente qualquer
forma de controle estatal. É por isso que dentre os primeiros, diversos membros
oriundos das milícias cenetistas acabaram sendo incorporados às BI ou ao EPR e
adequando-se à estrutura disciplinar do Exército popular. Sem falar que a rigorosa
luta ao redor de Madrid e o exemplo dado pelas BI demonstrou aos anarquistas que
era preciso mais que simples entusiasmo e ardor revolucionário para se vencer uma
guerra. Neste ponto, o sistema de organização militarizado das BI parecia ser bem
mais eficiente que o tipo de luta desenvolvido pelas milícias
46
.
Enquanto isso, as antigas milícias do POUM na Catalunha, que já haviam
sido dissolvidas uma vez e aceitado ser enquadradas no EPR como a “29
°
Divisão”,
viram pouco tempo depois a sua unidade ser completa e definitivamente
desarticulada e muitos dos seus líderes presos (alguns até executados), acusados
injustamente de estar envolvidos em uma conspiração colaboracionista com Franco e
seus comparsas nazi-fascistas. Eram os resultados dos enfrentamentos entre a CNT-
FAI e o POUM por um lado, contra o governo e os comunistas do outro, ocorridos
em maio de 1937 quando Barcelona havia se tornado palco de um dos momentos
45
LONGO, Luigi. Op. cit., p. 173.
46
BELLOTEN, Burnett. Op. cit., p. 253 e ss.
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mais dramáticos da guerra espanhola. Já que não poderiam eliminar a poderosa
influência anarquista em combate frontal, os líderes do PCE e do PSUC decidiram
pela eliminação de um inimigo menor. Denunciaram assim o “desviacionismo
fascista do POUM”, sua ligação com Trotsky e mais uma súmula de falsidades, com
vistas a exterminar qualquer possibilidade realmente revolucionária dentro da
Espanha. Deste modo, importavam-se para a Espanha os expurgos de Moscou.
O lider do POUM, Andreu Nin foi preso sem julgamento prévio sob a
acusação de alta traição, sendo torturado e morto pela Brigada Especial da polícia
republicana com a devida supervisão de agentes do NKVD na prisão em Alcalá de
Henares, uma autêntica “base soviética” na Espanha Republicana, segundo palavras
de Thomas
47
.
Aos militantes dos batalhões do POUM não restava muito a fazer. Ou
voltavam desiludidos para casa, onde se arriscariam a ser apontados como traidores e
talvez acabar presos ou expurgados, ou então aceitavam ser alistados em outra
unidade do EPR, politicamente depurada. Francisco de Cabo Vives, veterano do
POUM, nos esclarece em seu depoimento esse complexo dilema:
De vuelta a casa, me encontraba ante una situación difícil de resolver.
(...) Estaba indeciso. Un dia al levantarme, le dije a mi compañera: -He
tomado una decisión pero es como tirar una moneda al aire. (...)
Prefiero morir en el frente que asesinado clandestinamente en la
retaguardia. Iré a la caja de reclutamiento para alistarme como simple
soldado. Puede que pase, com un poco de suerte, desapercibido-
48
.
47
Segundo THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 517. Trataremos mais adiante sobre a delicada questão do
POUM e o assassinato de Andreu Nin, que contou com a ativa participação de um agente brasileiro a
serviço do NKVD: “Jusik”.
48
VIVES, Francisco de Cabo Un Poumista en las Brigadas Internacionales. [online]
http://www.fundanin.org/cabi.htm (18/10/2001), p. 2.
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189
Foi também provavelmente o caso do brasileiro Morgado Acacia Monteiro,
residente em Santos (SP) e chegado a Espanha em 26 de dezembro de 1936. Na sua
ficha dos arquivos da IC consta que estava incorporado a 150 Brigada, uma das
primeiras unidades compostas por internacionais e espanhóis, após abandonar uma
unidade “trotskista”
49
.
Um caso similar pode haver ocorrido com Alberto Roberto Bomílcar
Besouchet, o primeiro militar brasileiro a chegar na Espanha em 1936 enviado pelo
PCB. Presume-se que Besouchet tenha abandonado a linha ortodoxa e simpatizado
com o POUM, chegando a combater em suas fileiras. A trajetória de Besouchet na
Espanha é ainda hoje obscura, mas se sabe que foi morto em circunstâncias ainda não
elucidadas
50
.
O trabalho de coesão política dentro das BI tornou-se cada vez mais
complexo a medida que os novos recrutas ingressavam na tropa, exigindo dos
comissários políticos uma intensa instrução ideológica: primeiro, por causa da
presença de “desviacionismos poumista e cenetista”, segundo, porque enfrentavam
se sérios problemas de deserção e, apesar da intensa propaganda comunista para o
recrutamento de voluntários, o fluxo de estrangeiros em direção a Espanha estava
decrescendo violentamente. Por último, a maioria dos novos recrutas espanhóis
integrados nas BI ou no EPR não possuía mais o perfil do combatente politizado do
inicio da guerra. As notícias que se publicavam acerca da Espanha não eram as
melhores, principalmente quando os jornais noticiavam freqüentemente depoimentos
de desertores das BI, do tipo deste que reproduzimos abaixo:
49
Ficha de Monteiro, Morgado Acacia. Sem data. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
50
O caso de Besouchet, por sua complexidade é tratado no item 4.3.
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190
Communistas francezes voltam desiludidos da Hespanha:
PARIS, 22 (A.B.) “Le Jour” publica informações de quatro
communistas francezes, recentemente chegados da Hespanha,
encontram-se tão decepcionados como os que anteriormente
regressaram dali. Ratificam as noticias de que se verificam em Madrid
verdadeira caçadas humanas, chefiadas por elementos russos, os quaes
querem a todo custo extinguir os inimigos e os suspeitos, seja de que
modo for. Os milicianos sobre os quaes recahe qualquer suspeita
marcham para a frente guarnecidos por soldados soviéticos, armados de
pistolas automaticas com a ordem de atirar no momento em que os
milicianos não queiram avançar.
Os russos, não se subordinam aos elementos francezes, que são mais
intelligentes e capazes, tanto na arte da guerra como em tudo. Os
voluntarios francezes dizem que a comida fornecida aos soldados na
frente de combate é pessima e que na rectaguarda a ração não dá para
matar a fome. Os voluntarios, que agora regressaram, affirmam que
foram enganados ao serem recrutados, pois só receberam 25 francos ao
serem alistados. Dizem que agora farão todo o possível para desenganar
seus compatriotas que desejarem luctar pela Hespanha Vermelha
51
.
Ainda no início de 1937 o governo republicano iniciou um processo
simultâneo de planificação e organização das forças produtivas e das forças
combatentes no sentido de centralizar as ações ainda bastante dispersas. O governo
perseguia obstinadamente seu objetivo de retornar à institucionalidade perdida e
controlar o aparelho do Estado. O PCE jogou um importante papel nestas diretrizes
devido a sua crescente inserção no governo e penetração nas camadas médias que
viam no PCE a salvação contra o radicalismo da extrema esquerda. Cada vez mais os
51
Correio do Povo, 23/01/1937, p.3.
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comunistas alcançavam poder e prestígio não só no alto comando republicano, mas
também no seio do oficialato e na tropa.
A partir de março de 1937, os rebeldes tentaram cercar Madrid pelo nordeste,
nas regiões próximas a Guadalajara, Trijueque e Brihuega. A operação começou logo
após os ataques a Jarama completando, assim, o cerco a capital, a obsessão de
Franco. Com este fim, os rebeldes reuniram um poderoso Exército de 50.000 homens
sob o comando do general italiano Roatta, dos quais 35.000 deles pertenciam as
unidades italianas do corpo legionário voluntário enviadas por Mussolini
52
.
Após efêmeros sucessos iniciais, os fascistas avançaram e encontraram diante
de si as melhores tropas do EPR que o general republicano Miaja conseguiu agrupar
a tempo: a XI divisão de Líster, a divisão anarquista do ex-pedreiro Cipriano Mera e
as infatigáveis XI e XII BI, além de uma unidade de blindados comandada por
soviéticos. A derrota vergonhosa dos fascistas, com suas deserções em massa e
debandadas, foi um grande golpe para o ego de Mussolini
53
.
Para os italianos da XII BI, os aguerridos garibaldini, a vitória de
Guadalajara representou uma vingança sobre o fascismo, há muito tempo esperada.
Devido a suas peculiares características, este confronto apresentou-se como uma
pequena guerra civil italiana dentro da guerra civil na Espanha
54
. Do lado
52
LONGO, Luigi. Op. cit., p. 202-206. Ver também a descrição do combate em VIDAL, César. Op.
cit., p. 138 a 148.
53
A derrota em Guadalajara custou também aos italianos a perda da sua imagem. E originou uma
lenda que se tornou amplamente difundida, seja pelos republicanos, ou seja pelos seus próprios
aliados: a da famosa “covardia” italiana. Segundo Diaz-Plaja os comentários e piadas mais maliciosas
vinham não do inimigo republicano, mas sim dos aliados franquistas e alemães. Veja VIDAL, César.
Op. cit., p. 149 e DIAZ-PLAJA, Fernando. La Vida Cotidiana em la España de la Guerra Civil.
Madrid: EDAF, 1994.
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republicano, os autofalantes do Serviço de Propaganda comandados por italianos
antifascistas, lançavam os seguintes apelos aos conterrâneos fascistas, para que
desertassem: Italianos, soldados y camisas negras, regresad a vuestras casas! Pasad
a las filas republicanas, venid com los garibaldinos: seréis acogidos como
hermanos
55
!
Politicamente, a vitória militar obtida em Guadalajara representou para a
República a vitória do mando centralizado e do Exército popular, além de
desmascarar frente ao mundo a presença ofensiva de tropas estrangeiras
intervencionistas atuando pelo lado rebelde. Psicologicamente, a vitória republicana
elevou a moral das tropas e das massas populares, fortalecendo a união do povo em
torno do governo e mostrando aos antifascistas do mundo inteiro que o fascismo era
susceptível de ser derrotado.
Após esta última derrota, Franco passou a ouvir mais seus assessores alemães
que insistiam em abrir outra frente em um ponto não tão protegido. Assim,
temporariamente abandonou a sua idéia de cercar Madrid, permanecendo esta frente
virtualmente inalterado até março de 1939. Franco passou então a concentrar seus
ataques no norte do país. Dirigindo seus esforços para Euskadi (Pais Basco), os
rebeldes conseguiram conquistar com sucesso Bilbao e Santander já em junho de
1937. A verdade é que a região basca havia sido desconsiderada pelo governo
54
A singular guerra civil ideológica que se travou na Espanha permitiu que diversos grupos nacionais
tentassem dirimir as suas disputas políticas e ideológicas internas no estrangeiro. Pois não somente os
comunistas e antifascistas estrangeiros vieram a Espanha. Algumas centenas de fascistas e
anticomunistas de vários países se alistaram voluntariamente para lutar pela Espanha de Franco,
também imbuídos por seus “ideais”: a luta contra o comunismo, “a defesa da cristandade” ou a “luta
pela civilização ocidental contra a barbárie oriental”. Desse modo, pequenos grupos de franceses,
russos, irlandeses, romenos, argentinos e até brasileiros serviram nas fileiras da legião estrangeira de
Franco, o Tércio, algumas vezes até mesmo enfrentando-se contra os seus conterrâneos politicamente
antagônicos nas BI. Ver MESA, José Luis de. Los Otros Internacionales. Madrid: Barbarroja, 1998.
55
LONGO, Luigi. Op. cit., p. 229.
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republicano. Por um lado, por estar extremamente preocupado com a defesa em torno
da capital e a preparação da ofensiva de Brunete, mas também havia nos meios
governamentais um certo desprezo pelo acentuado regionalismo independentista
basco.
Assim, a defesa de Euskadi teve de ser realizada por diversas milícias
independentes e pelo Euskogudarostea, o Exército autônomo basco que o governo
republicano chamava de “Exército do Norte”. Apesar de bem preparados para a luta
no solo, os bascos tiveram de enfrentar o peso da poderosa Legião Condor alemã que
passou a dominar incontestavelmente os céus do Norte. A falta quase que absoluta de
meios aéreos custou aos bascos a destruição de suas prósperas cidades e conduziu-os
à derrota final nos campos de batalha.
A aviação provava sua superioridade por cima das outras armas e o domínio
do espaço aéreo antecipava aquilo que seria vital na próxima guerra mundial. Foi
também em Euskadi onde a Luftwaffe ensaiou seus primeiros passos na “arte” da
destruição sistemática das cidades: Guernica, Bilbao, Durango e muitas outras
cidades convertidas em alvos atestam os fatos
56
.
Os esforços para enviar unidades do EPR e as BI para a região fracassaram
rotundamente. A conquista do país basco significou para Franco controlar a região
mais rica e desenvolvida da Espanha, o que decididamente aumentou seu prestígio e
suas garantias no plano internacional. Ao garantir as estratégicas reservas minerais
da região para os seus aliados alemães, Franco aumentou o seu crédito, facilitando
que estes aumentassem o volume do auxílio militar.
56
A Luftwaffe era a força aérea alemã. Sobre a guerra no Norte, e em especial sobre a guerra aérea, é
recomendável a leitura de TALÓN, Vicente. Un Episódio de la Guerra en el Aire: España, 1936-
1937. Madrid: Defensa 1997.
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No início de julho de 1937 o Estado Maior republicano coordenou uma
gigantesca ofensiva contra Brunete para aliviar as pressões a leste de Madrid, mas
também para desviar a atenção dos franquistas das Astúrias. Todas as cinco unidades
internacionais foram unidas ao corpo principal do EPR para a operação. Totalizavam
14.720 combatentes, 6.000 dos quais estrangeiros. O total do contingente republicano
era impressionante: 105.000 soldados apoiados por 250 peças de artilharia, 130
blindados e 140 aviões
57
.
Os franquistas, que tinham sua força principal concentrada na região do
Norte, foram pegos de surpresa e sofreram uma série inicial de reveses, passando
diversas cidades e vilarejos para o controle republicano. Porém, a falta de
experiência dos novos comandantes republicanos em explorar estes sucessos iniciais
permitiu ao inimigo, mais preparado militarmente e melhor organizado, uma rápida
reorganização e o subsequente contra-ataque, apesar de estar em inferioridade
numérica.
As BI suportaram o peso inicial da contra ofensiva fazendo jus a seu status de
tropa de choque. As perdas, no entanto, foram elevadas. Batalhões inteiros das BI
desapareceram no fragor dos combates. No final de julho de 1937, a frente
estabilizou-se e ambos os lados reclamaram para si a vitória, embora militarmente o
resultado fosse mais favorável aos franquistas.
A partir de agosto de 1937 a parcialmente tranqüila frente de Aragón estava
se agitando. Assim, a República decidiu lançar uma nova ofensiva com o objetivo de
libertar o país basco e fortalecer a região Norte do país. O alvo principal foi
Zaragoza, cidade que permanecera desde o inicio da guerra em mãos rebeldes. O
57
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 250-251.
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195
EPR realizou a 24 de agosto oito ataques simultâneos na região, com suporte aéreo e
de artilharia. A XII e a XV BI estavam entre as forças atacantes.
Por esta data, as BI já contavam com 50% ou mais de soldados espanhóis em
sua formação. O apoio dos soviéticos à República alcançava por sua vez o auge em
quantidade de material bélico e pessoal, mas em breve diminuiria consideravelmente.
As XIV, XIII e XI BI somaram-se ao ataque posteriormente como reforços. Porém a
XV e a XII foram as mais empregadas e consequentemente as mais atingidas.
O contra-ataque inimigo, bem organizado e provisto de novos equipamentos
recém chegados da Itália e Alemanha, foi um grande sucesso. A situação começava a
desmoronar para a República. A perda das Astúrias, tradicional bastião operário,
significou um golpe irreparável em todos os sentidos, ainda mais quando somado a
dimensão da tragédia basca.
Até a queda do Norte nas mãos dos franquistas combateu, como comissário
político da 199 Brigada do Exército do Norte, um membro do PC brasileiro (de
origem espanhola) Victor Garcia y Garcia. Líder sindical ativo em Santos (SP) ele
havia sido expulso do Brasil em 1933 sendo repatriado para a Espanha. Chegara até a
participar do levante asturiano em 1934 e era chefe de milícias já em julho de 1936
58
.
No final de outubro de 1937 os soldados franquistas já ocupavam
completamente o enclave republicano do Norte, fechando uma considerável porção
da fronteira com a França, por onde tinham passado há pouco, os abatidos
remanescentes das tropas republicanas
59
.
58
Biografia de Victor Garcia y Garcia. 24/01/1938. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL. Ver
também SOUZA, Ismara Izepe de. Op. cit., p. 157.
59
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 272.
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196
Em setembro de 1937 a República formalizou, via decreto, a situação das BI
com relação ao Exército. A partir deste momento estariam oficialmente integradas no
EPR, dele fazendo parte como uma unidade espanhola comum. Os internacionais
passaram a ter os mesmos direitos e deveres dos soldados espanhóis, embora ainda
permanecessem sendo considerados uma “legião estrangeira antifascista” perante o
governo. A infeliz comparação que os setores não-comunistas faziam entre as
Brigadas e o antigo Tércio de Extranjeros, continuava sendo motivo de desagrado
entre os membros das BI que não se sentiam reconhecidos em seus esforços na luta
antifascista.
Os moderados no poder pretendiam despolitizar o Exército retirando-lhe a
totalizante influência comunista. Pretendiam que a República permanecesse
burguesa, principalmente aos olhos das democracias ocidentais. Curiosamente, os
comunistas pretendiam a mesma coisa mas por outro motivo: facilitar a aproximação
da URSS com o ocidente. Os anarquistas, por sua parte, também pretendiam diminuir
o poder dos comunistas, mas porque estes tinham abortado a “revolução libertária”.
Para a maioria dos internacionais, no entanto, era inadmissível não ser reconhecidos
enquanto autênticos “revolucionários”, apesar de que eles soubessem que não
estavam na Espanha para fazer a revolução socialista
60
.
Após as terríveis batalhas travadas pelo controle das Astúrias, as BI e o EPR
necessitaram de uma recomposição. Substituições de material bélico e,
principalmente, o material humano. Cada vez menos estrangeiros chegavam para
defender a causa republicana e as baixas eram substituídas por conscritos espanhóis
cada vez mais jovens. Um relatório do coronel soviético Karol Sverchevski (general
60
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 274.
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197
“Walter” na Espanha) enviado a Moscou em janeiro 1938 alertava para o detalhe que
as BI possuíam (em novembro-dezembro de 1937) uma composição média de 60 a
80% de elementos nativos em detrimento do desejado elemento internacional
61
.
Entretanto, entre os estrangeiros que ainda chegavam a Espanha encontrava-
se um pequeno contingente de militares brasileiros enviado pelo PCB. Era uma parte
daqueles militares envolvidos direta ou indiretamente com a insurreição de
novembro de 1935 e que ao sair da prisão em junho de 1937 foram convidados pelo
PCB a se apresentarem como voluntários para servir à causa republicana.
Assim, em 24 de setembro de 1937, chegava a Valencia o ex-tenente
artilheiro Apolônio de Carvalho, após uma longa viagem empreendida desde a Bahia
e passando pela França. Carvalho foi prontamente incorporado ao EPR, adjunto ao 1°
Grupo de Artilharia Leve, 2° Bateria de 77mm., uma unidade puramente espanhola
na qual, devido a falta de oficiais competentes, exerceu funções de comando
superiores ao seu posto de tenente. Ainda foi promovido, atingindo o grau de capitão
do EPR. Combateu inicialmente no front de Badajoz e em várias outras frentes na
província de Extremadura, na região Centro-Sul. Posteriormente, participou também
dos furiosos combates em torno a Teruel, de dezembro de 1937 até fevereiro de
1938
62
.
Curiosamente também combatiam na frente de Badajoz, e na artilharia, dois
civis, estrangeiros que haviam vivido no Brasil e que haviam chegado a Espanha um
pouco antes, em maio de 1937, por outros caminhos: Ernesto Joske, alemão de
origem judaica e Jorge Cetl, de origem tcheca. Mas, ao contrário de Carvalho que
61
Notes on the Situation in the International Units in Spain. Report by Col. Com. Sverchevski,
14/01/1938. In: RADOSH, Ronald (org). Op. cit., p. 450-451.
62
Carta de Apolônio de Carvalho ao serviço de quadros do PCE, sem data. Arquivo da IC, microfilme
número 10, AEL. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 51.
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serviu no EPR, ambos estavam servindo em unidades de artilharia pesada integradas
às BI e compostas principalmente por europeus orientais
63
. Joske e Cetl haviam sido
expulsos do Brasil por suas “atividades comunistas”.
Joske era contador de profissão, membro do SVI e da ANL, e estava sendo
deportado para a Alemanha nazista quando foi ajudado a fugir do navio que o levava,
atingindo a Espanha através da França. Por sua vez, Cetl era desenhista e membro do
PCB e da ANL. O alemão Joske desenvolveu primeiramente tarefas administrativas
em Albacete, na base das BI. Trabalhou no departamento de censura militar e no
serviço de efetivos. Posteriormente, foi enviado a servir no 2° e no 4° grupo de
artilharia, onde encontrou Cetl, que desempenhava o cargo de comissário político de
bateria. Antes, Cetl havia servido como topógrafo de bateria
64
. Outro estrangeiro
expulso do Brasil por ser ativista da ANL era o jovem judeu romeno Wolf Reutberg,
colega de Jorge Cetl na Light and Power Company de São Paulo. Segundo Almeida,
Reutberg combateu também nas BI, mas não cita qual
65
.
Como eles, muitos judeus combateram pela República Espanhola. A aliança
de Franco com Hitler foi um fator fundamental para esta tomada de decisão. Os
judeus identificavam claramente a causa republicana com a “sua” luta contra o
nazismo. Não se sabe se outros judeus saíram do Brasil para lutar na Espanha, mas é
certo que havia um considerável número de judeus estrangeiros servindo junto com
as forças republicanas espanholas.
63
VIDAL, César. Op. cit., p. 517-518.
64
Ficha de Ernesto Joske, Comissariado de guerra das BI. Sem data. Ficha de Jorge Cetl,
Comissariado de guerra das BI. Sem data. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL. DULLES,
John W. F. Op. cit., 1985, p. 174 e ss.
65
ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 56. DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 38 e 174.
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199
Dentre os primeiros militares a deixar o Brasil com destino a Espanha,
também estava Joaquim Silveira dos Santos, ex-tenente de Infantaria. Foi alistado na
47° Brigada do Exército popular como tenente, em meados de 1937. Participou, logo
na sua chegada, da ofensiva republicana sobre Aragón, onde foi ferido duas vezes
nos combates em torno a Teruel. Após a sua convalescência em um hospital militar,
foi dado de baixa do EPR e transferido para Alicante, onde trabalhou com o dirigente
do PCB Roberto Morena no Comitê Provincial do PCE nessa cidade, dedicado a
tarefas burocráticas
66
.
Outro militar chegado ainda em 1937 era o ex-cabo da Aviação Militar
brasileira Enéas Jorge Andrade. Foi o único dos brasileiros oriundos da aviação que
conseguiu um lugar condizente com a sua especialidade: era aviador-metralhador.
Andrade se apresentou ao serviço de quadros das BI em Figueras no dia 12 de
setembro de 1937. Em função da sua especialidade, conseguiu ser enviado para as
FARE (Fuerzas Aéreas de la República Española) para uma base de adestramento
em Los Alcaceres, próximo a Cartagena, na costa mediterrânea. Pouco depois foi
enviado a uma base em Villafomés, Castellón de la Plana, sede do Grupo 30 de
Bombardeio equipada com bombardeiros soviéticos “SB-2”,”R-Z” e “R-5”
67
. Obteve
o posto de sargento-metralhador e depois foi promovido a tenente. Em 20 de março
de 1938 ainda se encontrava na mesma região valenciana. Deve ter participado dos
66
Carta de Claudio Ballesteros Gonzales (Roberto Morena) ao CC do PCE. 20/03/1938. Arquivo da
IC, microfilme número 10, AEL. Parecer sobre Joaquim Silveira dos Santos. Arquivo da IC,
microfilme número 10, AEL. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 51. DULLES, John W. F. Op.
cit., 1985, p. 178.
67
O autor tentou, sem sucesso, contato com a ADAR (Asociación de Aviadores de la República) em
Gijón, Espanha, para obter informações mais precisas sobre Andrade. As cartas não foram
respondidas. No entanto, como possuímos o registro da base em que Andrade operou podemos
deduzir com base em literatura especializada que tipo de aeronaves havia naquela região e contra
quem se enfrentaram. Ver RIES,Karl & RING, Hans. Op. cit., p. 128 e ss. GARCIA-MUÑOZ, Juan
Abellán. Op. cit., p. 64.
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200
violentos combates aéreos desenvolvidos em torno da região, sob ataque maciço da
Legião Condor alemã. Desapareceu sob os céus de Zaragoza em meados de 1938,
provavelmente vitimado pelos caças do Jagdgruppe 88 baseados em Sanjurjo, uma
autêntica base aérea da Alemanha nazista na Espanha de Franco
68
.
Um outro militar da aviação e colega de Andrade era o ex-aluno sargento José
Homem Correa de Sá. Ele havia chegado a Espanha junto com Andrade e David
Capistrano da Costa. Os três pertenciam a Aviação Militar Brasileira e haviam sido
expulsos por haverem participado ativamente da “Intentona Comunista” no Rio de
Janeiro, na Escola de Aviação Militar. Correa de Sá não teve a mesma “sorte” de
Andrade, pois não conseguiu ser alistado nas FARE. Permaneceu durante um breve
período de tempo em Los Alcaceres ministrando instrução sobre tiro aéreo e, embora
afirmasse dominar várias especialidades tais como levantamento topográfico,
observação, bombardeio e reconhecimento foi enviado para a XII BI como soldado
de infantaria onde serviu como instrutor, mas sem muito entusiasmo
69
.
Seu colega, David Capistrano da Costa, era mecânico de aviação na Aviação
Militar brasileira. Na Espanha, também não conseguiu colocação na sua função.
Teve de alistar-se nas BI, sendo incorporado na XII Brigada em Quintanar de la
República junto com Correa de Sá. Inicialmente permaneceu na retaguarda no
batalhão de instrução da 1° Companhia, mas depois passou a uma unidade de linha,
na qual comandou uma Companhia de metralhadoras no 4° Batalhão da XII BI
70
.
68
Carta de Claudio Ballesteros Gonzales (Roberto Morena) ao CC do PCE. 20/03/1938. Arquivo da
IC, microfilme número 10, AEL. Sobre o Jagdgruppe 88 e os combates sobre Zaragoza ver RIES,
Karl & RING, Hans. Op. cit., p. 142. CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 178-179.
69
Biografia de militante de Jose H. Correa de Sá, 24/10/1938. 1° Carta de Jose H. Correa de Sá a
camarada “Carmen” do departamento de quadros do PCE, 17/02/1938. Arquivo da IC, microfilme
número 10, AEL. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 51. Ver Anexo A e Q.
70
David Capistrano da Costa. Ficha de combatente, Comissariado de Guerra das BI, 31 de outubro
1938. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 51.
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201
Como responsável político pelos voluntários brasileiros foi enviado em
outubro de 1937, o dirigente do Comitê Central (CC) do PCB Roberto Morena, que
havia sido encarregado pelo partido de organizar e enviar os primeiros voluntários do
Brasil para a Espanha. O PCB tinha uma cota de vagas a preencher: 100 voluntários.
A cota, como já dissemos, era uma “sugestão” da Komintern. Morena funcionou
como também como elo entre o PCB e o PCE. Como todos os revolucionários
profissionais que atuavam na Espanha, Roberto Morena atendia por um pseudónimo:
Claudio Ballesteros Gonzalez ou Vicente da Silva, como constava em sua
“credencial”.
Sua missão era organizar um grupo coeso e eficaz evitando que os brasileiros
se dispersassem ou fossem mal utilizados. Deveria, além disso, seguir os seus passos
de perto. Inicialmente e por um breve período de tempo desempenhou a função de
comissário político na XII BI. Pouco depois, Morena foi encaminhado para
desempenhar tarefas administrativas junto ao Comitê Provincial de PCE em Alicante
apesar de ter se oferecido para continuar a servir como comissário político na frente
de batalha
71
.
Ao mesmo tempo, um dos brasileiros não chegaria sequer a ser incorporado
às forças republicanas: o tenente-aviador Carlos Brunswick França. Era um
renomado piloto de caça no Brasil, veterano da Revolução de 1930 e da insurreição
de 1935, além de experiente instrutor de vôo. Não obstante, França não foi aceito
como piloto e, ao contrário dos seus colegas de arma Correa de Sá e Capistrano da
Costa, que aceitaram combater como infantes, ele recusou-se a lutar em outra arma
71
Carta de Claudio Ballesteros Gonzales (Roberto Morena) ao CC do PCE. 20/03/1938. Arquivo da
IC, microfilme número 10, AEL. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 52. DULLES, John W. F.
Op. cit., 1985, p. 178.
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202
que não fosse a aviação. Por isso, acabou sendo devolvido a Paris, provavelmente
ainda em setembro de 1937
72
.
Em dezembro de 1937 as Brigadas Internacionais foram novamente
convocadas para entrar em ação. Mais uma vez no setor de Teruel, onde o governo
planejava uma nova ofensiva para terminar com este enclave inimigo que ameaçava
a integridade do território republicano. Porém, por questões políticas, as BI não
foram usadas inicialmente nesta ofensiva. O novo gabinete de Juan Negrín, que
substituira Largo Caballero em maio de 1937, já estava discutindo uma possível
retirada dos voluntários estrangeiros com o Comitê de Não Intervenção da LdN.
Portanto, os ataques às posições fortificadas dos franquistas foram realizados
por unidades espanholas do EPR comandadas pelo general Hernandez Sarabia.
Inicialmente o cerco a Teruel foi um sucesso, e logo a cidade foi ocupada pelos
republicanos. Mas não durante muito tempo, pois o inimigo recebeu reforços dos
seus aliados nazi-fascistas, invertendo sua posição desfavorável e passando
prontamente ao assedio da região. Sem apoio logístico ou apoio aéreo suficiente os
republicanos começaram a retroceder das suas linhas defensivas. Novamente,
recorreu-se aos requisitados internacionais. Desta vez a XII e a XV BI, que foram
encarregadas de efetuar ações dispersivas para deter o avanço franquista. No ano
novo de 1938 a XIV BI se somaria as outras na frente de batalha, e em fevereiro
chegaram os homens da XII BI, os “garibaldini”. Duros combates foram travados na
região gelada, com temperaturas de até 20° negativos.
Os defensores republicanos, tanto internacionais quanto espanhóis, bateram-
se com valentia mas de modo descoordenado e sem um comando adequado por parte
72
Carta de apresentação de Carlos Brunswick França ao serviço de quadros do PCE, escrita por
“Castro” do BP do PCB em Paris, O4/09/1937. DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 177.
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203
de seus oficiais, boa parte deles inexperientes. Logo, seus esforços não foram
capazes de conter o profissionalismo militar e a superioridade tecnológica do
inimigo. As batalhas na frente de Teruel também significaram o batismo de fogo de
parte do pequeno contingente militar brasileiro.
As tropas de Franco não somente reocuparam a cidade de Teruel, como
continuaram o avanço em pleno território da República forçando o EPR a uma
retirada extremamente custosa: mais de 10.000 mortos e incalculáveis e
irrecuperáveis equipamentos e armas perdidas
73
.
3. 2 Os Combatentes Internacionais: de Teruel ao Ebro (chegada do segundo
contingente brasileiro).
Com a derrota da ofensiva de Teruel a República começou sua inexorável
marcha em direção ao fim. O golpe recebido pelo EPR fora violento. Suas tropas
estavam desmoralizadas e mal equipadas, restavam-lhe poucos tanques, carros
blindados e transportes. A artilharia era insuficiente para conter as tropas inimigas.
As Forças Aéreas, por sua vez, estavam com sua capacidade operacional bastante
comprometida, com um alto número de perdas embora as fábricas Hispano-Suiza
estivessem funcionando a ritmo acelerado na produção de aviões. Aproveitando a
concentração de forças em Aragón os franquistas decidiram lançar uma ofensiva para
dividir o território republicano em duas metades. A concentração de forças
franquistas foi simplesmente fabulosa: mais de 200.000 homens, 700 peças de
artilharia, 200 carros de combate e 600 aviões de todos os tipos. A República poderia
73
ELSTOB, Peter. A Legião Condor e a Guerra da Espanha. Rio de Janeiro: Renes, 1978, p. 145.
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204
contar com 100.000 homens ao seu dispor na região, 300 peças de artilharia, 10
carros de combate e apenas 100 aviões
74
.
Três Brigadas Internacionais encontravam-se próximas à região dos ataques
quando os fascistas lançaram sua ofensiva em 9 de março de 1938. A XI BI, a XIII e
a XV foram enviadas a Belchite para deter o avanço dos franquistas. Após intensos
combates os internacionais começaram a ceder perante forças inimigas, com uma
superioridade esmagadora. Não obstante, as BI foram das poucas unidades do EPR
que, apesar das circunstâncias, mantiveram a moral elevada mesmo sofrendo
algumas deserções e debandadas, ocorridas principalmente na XIV BI
75
.
Repetidos erros de coordenação e comunicação no setor republicano
causaram situações confusas que resultaram na morte ou captura de diversos
internacionais. As Brigadas Internacionais e as Divisões de Líster suportaram o
ataque incessante do inimigo durante todo o mês de março. Em abril, sobraram nas
cinco BI apenas 3.500 homens, no mês anterior somavam mais de 11.000
76
. O EPR
atravessou o Ebro em retirada e as Brigadas garantiram-lhe a cobertura. Em meados
de abril de 1938 as tropas franquistas chegaram a Vinaroz, uma praia na costa do
Mediterrâneo. O que significava que o território da República havia sido cortado em
duas partes. As comunicações com a Catalunha passaram a ser feitas somente por via
aérea ou marítima, tornando-se de qualquer forma uma operação complexa e
altamente arriscada pois as travessias deveriam ser realizadas através do território
inimigo.
74
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 282.
75
Idem, p. 287-288.
76
Idem, p. 291.
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205
De um modo geral, o sentimento presente em boa parte dos combatentes
republicanos era de desânimo. As disputas e divergências internas no campo
republicano continuavam a acirrar-se. O ministro de Defesa Indalécio Prieto decidira
demitir do governo, após fracassar em suas tentativas de obter uma paz negociada
com Franco, que pretendia uma rendição incondicional. Sua demissão foi bem
recebida por alguns setores: o moderado Prieto estava sendo acusado de derrotista (e
de fato parecia ser) há muito tempo e representava um incômodo entrave para os
comunistas e sua política. O chefe de governo Juan Negrin assumiu também o
controle do ministério da Defesa acreditando até o fim na salvação da República,
caso esta conseguisse resistir até que um conflito de proporções mundiais pudesse
envolver a Espanha
77
.
Seu governo foi, então, marcado pela forte influência e presença dos
comunistas, o que de fato desagradou aos republicanos, socialistas moderados
(liderados por Prieto) e aos divididos anarquistas. Na verdade, Negrin não era
comunista, antes pelo contrário, mas soubera ver neles a organização e o espírito de
luta que julgava essenciais para vencer o inimigo
78
. É importante destacar que a
maciça presença do PCE no governo de Negrín não agradava muito aos soviéticos,
que chegaram em determinado momento até a propor que os comunistas espanhóis
abandonassem os ministérios, gerando uma crise entre os próprios comunistas. Para
os soviéticos, uma Espanha com a aparência de “sovietizada” era contraproducente à
própria URSS que se empenhava ainda em forjar uma “grande aliança antifascista”
com a Inglaterra e França.
77
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 872 e ss.
78
MATTHEWS, Herbert. Op. cit., p. 236-237
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206
Por outro lado, a opinião pública mundial chocava-se com os excessos
cometidos pelas tropas franquistas e os criminosos bombardeios da aviação alemã e
italiana sobre as cidades republicanas. As pressões sobre a França e sobre o novo
governo de Eduard Daladier levaram a uma abertura temporária das fronteiras para
permitir a passagem de grande quantidade de armamento para a República. Em abril
e maio de 1938 passaram mais de 25.000 toneladas de material bélico da França para
a Catalunha
79
. Um considerável reforço tendo em vista o deplorável estado das forças
republicanas. Por outro lado, os últimos assessores soviéticos, especialistas e pilotos
deixavam o país. Stálin considerava a causa republicana perdida, sem contar que a
República Espanhola tinha a esta altura um peso insignificante para a diplomacia
soviética.
No lado inimigo, Franco também necessitava recompor suas forças com
tropas descansadas e novos equipamentos estrangeiros, pois o seu Exército apesar de
vitorioso estava esgotado e em péssimas condições com muitos equipamentos
perdidos ou avariados. No entanto, Hitler não estava muito disposto a seguir
enviando o armamento vital para Franco sem obter resultados políticos e econômicos
mais concretos. Não agradava aos alemães o modo de Franco conduzir a guerra.
Iniciou-se, assim, uma breve crise no lado franquista, o que possibilitou que os
republicanos ganhassem um tempo precioso para poder efetuar uma reorganização de
suas forças.
Neste intermezzo, quando as frentes permaneceram estabilizadas, foi
chegando aos poucos o último grupo do contingente de brasileiros enviado pelo PCB
a Espanha. Todos partiram de Montevideo ou Buenos Aires, onde se encontravam
exilados, em direção a França. Para burlar o controle francês em nome da política de
79
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 884.
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207
não intervenção da LdN, que por vezes bloqueava a passagem de voluntários para a
Espanha, os brasileiros utilizaram de um artifício que já era comum entre os
voluntários internacionais que não tinham passaporte legal do país de origem para
viajar a Espanha: eles obtinham passaportes espanhóis emitidos com outros nomes.
As próprias representações diplomáticas da República espa nhola forneciam estes
documentos
80
. O ex-combatente Delcy Silveira foi um dos que usou o supracitado
artifício e nos explicou o procedimento:
Embarcamos para e Espanha com passaportes fornecidos pela
Embaixada republicana de Buenos Aires. Os passaportes eram
verdadeiros, nós é que éramos “falsos”: tínhamos um nome, uma família
um local de nascimento na Espanha. No passaporte, eu era galego, pois
o galego é muito semelhante ao português
81
.
Também devido as famosas oscilações da política externa francesa, a
passagem pela fronteira nem sempre era uma tarefa fácil. Alguns dos voluntários
tiveram de percorrer caminhos tortuosos para driblar as patrulhas da Gendarmerie.
Um deles, o ex-tenente-aviador José Gay da Cunha relatou em seu livro as peripécias
enfrentadas por ele, o ex-cabo Hermenegildo Assis Brasil e o ex-major Carlos da
Costa Leite, para atravessar a fronteira:
Saímos imediatamente de Cerbere (...) Depois de uma hora de marcha,
Garcez nos explicou que íamos atravessar a zona mais perigosa.
80
Mas muitos outros voluntários, principalmente aqueles vindos de países democráticos entraram na
Espanha com seus passaportes verdadeiros. Estes foram-lhes confiscados “temporariamente” pelas
autoridades das BI. Os passaportes mais “interessantes” (ingleses, canadenses, norte-americanos)
eram repassados ao serviço secreto soviético que os utilizou posteriormente para dotar seus espiões de
identidade dupla. O próprio assassino de Trotsky, Ramón Mercader, utilizou um passaporte de um ex-
combatente internacional para entrar no México.
81
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 45.
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Começamos a subir a montanha.(...) o frio era bastante intenso. (...)
Marchamos assim, em silêncio durante quase duas horas. Atravessamos
alguns precipícios de arrepiar os cabelos
82
.
Alguns dias mais tarde a fronteira foi aberta novamente. Outros voluntários
tiveram a sorte de atravessá-la facilmente de trem, como relata o ex-cadete da
aviação Delcy Silveira: Já era noitinha quando o trem vindo da França chegou a
estação de Portbou. Fomos recebidos por um oficial carabineiro que chamou um
soldado e disse: “Leva estes voluntários para o hotel”
83
.
Em 20 de março de 1938, Morena (elemento de ligação do PCB com o PCE)
informava em carta ao Comitê Central (CC) do PCE que já se encontrava em Paris
um grupo de militares brasileiros dispostos a lutar pela República. Sem poupar
elogios na apresentação, Morena iniciava a missiva ressaltando o fato de que todos
eles haviam sido (...) figuras sobresalientes en la insurrección de noviembre de
1935, passando logo em seguida a listá-los:
Son ellos: Mayor de artillería Carlos Costa Leite (sic ); Mayor profesor
del Estado Mayor del ejército brasileño, Alcedo Cavalcanti; Primer
teniente de caballería Sildio Porto Dias; Capitán Nemo Canabarro
Lucas; de infantería (sic ), y Pablo Machado Carrión, Primer Teniente de
Ingeniería. Todos ellos son figuras conocidas en el movimiento
revolucionario del Brasil, figuras queridas en el ejército y miembros
destacados de la Alianza Nacional Libertadora y del Partido Comunista
del Brasil
84
.
82
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 44.
83
SILVEIRA, Delcy. 1996.
84
Carta de Claudio Ballesteros Gonzales (Roberto Morena) ao CC do PCE. 20/03/1938. Arquivo da
IC, microfilme número 10, AEL.
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No entanto, alguns integrantes deste grupo sequer chegaram a abandonar
Paris. O ex-major Cavalcanti e os ex-tenentes Porto Dias e Carrión decidiram não
atravessar a fronteira, assim como o também ex-tenente Celso Tovar Bicudo de
Castro que já se encontrava na França há algum tempo. O argumento apresentado por
eles era de que a República estava perdida com a divisão do seu território e não teria
mais condições militares de enfrentar os franquistas. Hoje, podemos dizer que sua
análise era bastante “realista”. Mas naquele momento foi considerada apenas como
sendo “pessimista”, configurando uma decisão um pouco precipitada, pois a
República ainda poderia não somente resistir como também efetuar uma ofensiva,
como aquela realizada no Ebro. A posição derrotista destes militares foi muito
criticada pelos seus colegas que, apesar das considerações estratégicas de Cavalcanti,
que o respeitavam como professor, decidiram cumprir a missão que lhes havia sido
confiada
85
.
Portanto, durante o mês de abril de 1938 desembarcaram na Espanha oito
militares brasileiros e dois civis. Com este grupo estavam representadas praticamente
todas as Armas do EB no pequeno contingente de voluntários. Da Artilharia vinha o
mais graduado e o mais velho (44 anos) dos voluntários brasileiros, o ex-major
Carlos da Costa Leite. Os cavalarianos estavam representados pelo ex-tenente Nemo
Canabarro Lucas e o ex-cadete Homero de Castro Jobim. Mas era da Aviação que
provinha a maior parte dos voluntários: entre os recém chegados estavam os ex-
tenentes-aviadores Dinarco Reis e José Gay da Cunha, o ex-cadete Delcy Silveira e o
ex-cabo Hermenegildo Assis Brasil. Fora do núcleo do Exército estava Nelson de
Souza Alves, ex-tenente da Brigada Militar do Espírito Santo.
85
SILVEIRA, Delcy. 1996. DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 177.
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210
A este grupo deve-se ainda somar a presença do civil Eny Silveira (irmão de
Delcy), um ex-aluno do CMPA (RS) e Ramón Prieto Bernié, jornalista de
nacionalidade espanhola. Ele era um quadro civil do PCB e responsável pelo
recrutamento de voluntários em Montevideo, onde teria conseguido os tais
passaportes espanhóis junto a embaixada republicana, segundo a pe squisadora Thaís
Battibugli
86
. Consta também na “Biografia de Militante do PCE” de Homero de
Castro Jobim que Prieto Bernié era responsable del aparato que me reclutó,
actualmente en la misma brigada
87
.
As informações sobre Prieto Bernié são confusas e esparsas: alguns o situam
inicialmente como comissário político da 100
°
Brigada do EPR, outros o apontam
como integrado a XII BI desde a sua chegada. Sabese que quase no fim da guerra
comandou na XII BI uma companhia de metralhadoras
88
.
Na base de recrutamento das BI em Figueras, os irmãos Silveira, Reis, Souza
Alves e Jobim de Castro foram convidados a fazer parte da XII BI pelo seu
comandante Randolfo Pacciardi, segundo Delcy Silveira
89
. No entanto, nesta época o
italiano Pacciardi já não comandava a XII BI. Mesmo assim, continuava atuando em
Figueras como uma espécie de representante da frente antifascista italiana, que
englobava o Partido Comunista Italiano (PCI), o Partido Socialista, e o seu partido, o
Republicano
90
. É importante destacar que a XII BI foi a única das Brigadas na qual
os comunistas não detinham o predomínio político.
86
BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p. 127.
87
Homero de Castro Jobim. Biografia de militante. 30/04/1938. Arquivo da IC, microfilme número
10. AEL.
88
BAUMANN, Gino Gerold. Op. cit., p. 53. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 55.
89
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 51.
90
VIDAL, César. Op. cit., p. 377 e 494.
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211
À semelhança dos brasileiros, Pacciardi era um ex-militar profissional no seu
país (veterano da 1° Grande Guerra) e talvez daí viesse a simpatia para com os
brasileiros. Ele se referiu a outros brasileiros já integrados na XII BI (certamente
referia-se a Capistrano e Correa de Sá) e disse que precisava de militares experientes.
Pacciardi era um antifascista convicto, mas não era comunista, o que era positivo
para a propaganda republicana, visto que auxiliava a desfazer a imagem de que as BI
eram comandadas exclusivamente por comunistas.
De início, Delcy Silveira e Dinarco Reis não aceitaram o convite. Eram
aviadores e pretendiam lutar nas FARE, assim Pacciardi prometeu-lhes que veria o
que poderia ser feito a seu respeito quando fosse a Barcelona. Após alguns dias, ele
retornou e disse que tinha ordem de repatriá-los para a França. Pasmos, manifestaram
sua decepção:
“Que negócio é esse?” Aí eu [Delcy Silveira] olhei para o Dinarco e
disse: “Olha, nós viemos aqui lutar contra o fascismo. O fascismo está
ali, nós queremos uma arma e vamos lutar, nós vamos para a Brigada
Garibaldi”. E fomos
91
.
Ou seja, foram rejeitados pela FARE, tal como o haviam sido anteriormente
França, Capistrano e Correa de Sá. Mas, ao contrário de França, decidiram ficar e
lutar pela causa republicana. As justificativas dadas a eles foram que, por ordens
ministeriais, não se aceitavam mais aviadores estrangeiros e que a República tinha
poucos aviões e muitos pilotos
92
. Finalmente, Dinarco Reis, Delcy e Eny Silveira,
Nelson de Souza Alves e Homero de Castro Jobim foram todos integrados a XII BI.
91
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 51-52.
92
Idem, 1996, p. 36. DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 177.
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212
O ex-2° tenente José Gay da Cunha também era piloto e igualmente teve suas
“asas cortadas”. No entanto aceitou o desafio de combater no solo, pois serviu na
24
°
Divisão da Agrupação Norte do Exército da Catalunha, 143
°
Brigada Mista e
569° Batalhão, como tenente da infantaria, operando na região montanhosa dos
Pirineus no vale do rio Noguera-Pallares
93
. Em seu livro, aliás o único registro quase
contemporâneo (publicado em 1946) da participação de brasileiros na guerra
espanhola, consta que ele, Hermenegildo Assis Brasil e Carlos da Costa Leite
apresentaram-se primeiramente ao comando das BI em Figueras, de onde foram
enviados diretamente a Barcelona para alistar-se no EPR. Segundo Gay da Cunha, a
justificativa apresentada foi a seguinte:
Bem, em virtude da retirada de Aragão, sofremos muitas baixas e
perdemos grande número de oficiais. O Negociado de Estrangeiros do
ministério de Defesa Nacional pediu às Brigadas Internacionais todos os
oficiais que saibam falar o espanhol
94
.
De fato, Gay da Cunha, Assis Brasil, Costa Leite e Canabarro Lucas
assumiram diretamente postos de comando no EPR. Há uma breve menção no livro
de Gay da Cunha que indica que ele também deve haver requerido o ingresso nas
FARE. Quando ele se despedia do recém nomeado major Costa Leite que embarcava
rumo a sua base, este último disse-lhe: Escrevam imediatamente. Vou ver se tu podes
ir para a aviação
95
. Mas não foi concedido a Gay da Cunha o ingresso na aviação.
93
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 73 e ss. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 53-54.
94
Idem, p. 56.
95
Idem, p. 61.
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213
Dois conterrâneos do Rio Grande do Sul e amigos de infância se
reencontraram na Espanha: Nemo Canabarro Lucas e Hermenegildo Assis Brasil. O
ex-1° tenente Nemo Canabarro Lucas
96
, apesar de seus 29 anos, era um veterano
combatente: havia combatido com os constitucionalistas de São Paulo em 1932,
depois exilou-se no Paraguai participando da Guerra do Chaco de 1932 a 1934, onde
chegou a comandar o Regimento de cavalaria “Rivarola”. Como a maioria dos outros
brasileiros, também estivera envolvido na insurreição de 1935
97
. Na Espanha, foi
enviado para servir na 34° Divisão de Infantaria da Agrupação Norte do Exército da
Catalunha, no Estado Maior da 218
°
Brigada Mista, sendo promovido a capitão logo
em seguida. Operou na mesma área que Gay da Cunha e Assis Brasil, a região em
torno do rio Noguera-Pallares, no norte da Catalunha, próximo aos Pirineus
98
. Um
detalhe importante: Nemo Canabarro Lucas era o único que não se havia filiado ao
PCB. Veremos mais adiante a importância deste fato.
Por sua vez, o ex-cabo do EB Hermenegildo Assis Brasil surpreendeu-se
quando lhe deram o posto de tenente no EPR e o enviaram para a 31° Divisão, já que
ele havia preenchido corretamente sua ficha de alistamento ao chegar na Espanha.
Numa ficha posterior escrita pelo próprio Assis Brasil, no item referente a vida
militar prévia a sua ida para a Espanha, ainda constava que ele havia servido como
cabo e feito o curso de sargento
99
. Preocupado, perguntou a Gay da Cunha: - Como é
96
Embora às vezes apareça citado como “capitão” em alguns documentos da IC, preferimos optar pelo
posto de “1° tenente”, pois é o que consta nos documentos do Exército Brasileiro e da polícia, no
momento das suas duas prisões em 1935 após a “Intentona”, e na volta da Espanha em 1939. Ver
Prontuário de Nemo Canabarro Lucas N° 5293, AESP. Mas é provável que por idade e tempo de
serviço estivesse mesmo a ponto de ser promovido a capitão no EB.1
97
Prontuário de Nemo Canabarro Lucas N° 2492, APERJ. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 43.
98
Idem, op. cit., p. 53.
99
Biografia de militante. Hermenegildo Assis Brasil 06/12/1938. Arquivo da IC, microfilme número
10, AEL.
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214
que eu vou sair dessa enrascada? Quem foi que disse que eu era oficial? A resposta,
implícita, se encontra no trecho seguinte: Costa ficou silencioso. Mas eu o
tranquilizei dizendo: - Não te preocupes, porque iremos servir juntos e eu te
ajudarei
100
.
De fato, em documentos redigidos por Costa Leite na Espanha consta que este
apresentou Assis Brasil perante as autoridades militares espanholas como sendo um
oficial e não um subalterno
101
. Provavelmente porque politicamente fosse mais
interessante elevar o grau militar da delegação brasileira e destacar a presença de
oficiais. Assim, o tenente Assis Brasil participou de violentos combates na região de
Piedras de Aolo, nos Pirineus, bem próximo aos seus companheiros Canabarro Lucas
e Gay da Cunha
102
.
O responsável político e militar, e também pela seleção dos membros do
grupo brasileiro, era o veterano ex-major Carlos da Costa Leite. Na dupla cadeia
hierárquica (militar e do partido comunista) da delegação brasileira ele estava no
topo. Revolucionário e “tenente” histórico, Costa Leite havia sido condenado pelo
TSN aqui no Brasil como sendo co-autor do movimento insurrecional de novembro
de 1935
103
. Chegou a Espanha em 4 de abril de 1938 para servir no Exército
Republicano, onde conservou o seu posto de major, adjunto ao Centro de
Organización y Preparación de Artilleria N° 2 (COPA-2), em Figueras, como
instrutor. Pouco depois foi enviado à frente do Ebro para comandar uma unidade de
artilharia em suporte da ofensiva republicana
104
. No entanto, parece-nos que com
100
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 56.
101
Listagem dos voluntários redigida por Carlos da Costa Leite, 16/04/1938. Arquivo da IC,
microfilme número 10, AEL.
102
ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 54.
103
Conforme Prontuário de Carlos da Costa Leite N° 5290, AESP.
104
ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 54.
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215
base na documentação examinada, a principal atividade de Costa Leite não era a
militar, mas sim a política , como veremos no próximo capítulo.
Outro importante quadro político e militar do PCB que chegou a Espanha era
Dinarco Reis. Este, muito respeitado, tinha a tarefa de organizar o envio dos
voluntários selecionados por Costa Leite
105
. Posteriormente, tornou-se o responsável
político imediato por cinco combatentes (perante Costa Leite e o PCB): os irmãos
Silveira, Jobim de Castro, Souza Alves e Prieto Bernié, de acordo com um informe
dado ao PCE por Costa Leite
106
.
Parece também que José Gay da Cunha foi responsável por um grupo. Em
carta ao encarregado do serviço de quadros estrangeiros do PCE, queixava -se de não
receber notícias dos outros brasileiros na frente de batalha e afirmava ser responsável
perante o PCB por cinco camaradas brasileiros, de quem deveria dar conta de suas
ações quando do regresso da missão na Espanha. O fato intrigante é que não citava
os seus nomes
107
.
Enquanto isso a guerra prosseguia seu andamento e parecia estar em seus
momentos finais. De um modo geral, os ventos sopravam em contra da República,
embora pudesse ainda ocorrer uma reviravolta, como considerou na época o cronista
Professor Christovão Paledski em sua coluna “O Momento Mundial”, publicada no
jornal Correio do Povo de Porto Alegre em 26 de junho de 1938:
A guerra está nos seus ultimos lances. Ou vencerá, em breve, o gal.
Franco ou produzir-se-á uma reviravolta, vencendo Barcelona. A
victoria dos governistas é ainda perfeitamente possivel. O povo
105
BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p.127.
106
Informe de Costa Leite, 24/07/1938. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.Ver anexos.
107
Carta de José Gay da Cunha a seção de quadros estrangeiros do PCE. 13/08/1938. Arquivo da IC,
microfilme número 10, AEL.
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hespanhol lucta heroicamente. Se os direitos de belligerancia não forem
burlados, isto é: se aquella parte do povo hespanhol que sustenta a
plataforma de Miguel Azaña e de Juan Negrin, receber de facto o
armamento que sempre lhe faltou o gal. Franco poderá vêr-se mal
108
.
De fato, contando com a chegada dos últimos reforços materiais da URSS e a
concentração das forças militares ao longo do rio Ebro, o governo republicano
decidiu lançar uma nova e desesperada ofensiva com o objetivo principal de reunir as
duas metades do seu território e desviar o inimigo que perigosamente se aproximava
de Valencia. A ofensiva em si tinha um caráter quasi suicida, visto que nesta
manobra a República arriscaria o melhor de suas tropas e de seu material. Era uma
jogada decisiva, pois se vitoriosos ou derrotados, o caráter da batalha seria definitivo.
O chefe do Estado Maior, general Vicente Rojo, eficiente militar de carreira que
havia permanecido fiel a República em 1936, foi o artífice desta grandiosa operação.
O comandante encarregado de executar o plano foi o coronel Juan Modesto
no comando de 80.000
a 100.000 homens divididos em três Corpos de Exército, além
de aproximadamente 100 peças de artilharia, alguns blindados médios e quatro
companhias de carros blindados. O suporte aéreo estava garantido: em torno de 120
aeroplanos sendo boa parte deles os novíssimos Grumman “Delfin” e os I-16
“Moscas” e “Supermoscas”
109
.
Naquele período a Aviação já era comandada pelo aristocrático general
Ignácio Hidalgo de Cisneros, recém convertido ao comunismo, como o general
Vicente Lluch Rojo e a maioria dos militares de carreira que viam no PCE um futuro
108
Correio do Povo, 26/06/1938, p. 2.
109
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p. 46. RIES, Karl & RING, Hans. Op. cit., p. 178 e ss.
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promissor e segurança. Admiravam também a férrea disciplina, a tenacidade , e a
determinação dos comunistas na luta.
Em meados de junho de 1938, o Estado Maior do EPR iniciou os preparativos
táticos e técnicos para dar início a ofensiva. Ainda havia diversos problemas a serem
resolvidos, como por exemplo, a falta de pontes com capacidade de carga suficiente
para suportar o peso dos caminhões e veículos blindados. Tiveram de ser
improvisadas pontes de pontões e passarelas para deslocar as tropas, algumas até
submersas para evitar sua identificação pela aviação inimiga. Contudo, a preparação
da ofensiva pelos republicanos não passou despercebida aos inimigos. Diversos
oficiais advertiram o comando franquista que havia grande movimentação do lado
republicano e o próprio comandante Juan Yagüe insistiu para que fossem tomadas
providências, pois de um modo indudable el enemigo persiste cada vez más en su
intención de forzar el Ebro
110
. Mas Franco, embriagado com as conquistas de
Aragón, fez pouco caso das reclamatórias de seus subordinados e, além do mais,
achava que um rio caudaloso como o Ebro era praticamente intransponível.
Em meados de julho de 1938 as primeiras tropas governistas começaram a
travessia do rio Ebro, ocupando a margem direita do mesmo. Na primeira linha
somente unidades espanholas, pois no início do mês o governo Negrín já havia
aprovado o plano geral de retirada dos combatentes estrangeiros da Espanha proposto
pela Inglaterra na LdN
111
. Afinal de contas, a ofensiva do Ebro também intencionava
reforçar a posição internacional dos republicanos com forças nacionaes no
momento em que uma nota é enviada para Londres a respeito da retirada dos
110
Yagüe apud VIDAL, César. Op. cit., p. 289.
111
Correio do Povo, 10/07/1938, p. 2.
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218
voluntarios [estrangeiros], conforme matéria publicada na época no Correio do
Povo
112
.
Mas logo na segunda leva de atacantes já estavam presentes os voluntários
internacionais das Brigadas. A primeira a atravessar foi a XIV, dos franceses. A XI, a
XV, e a XIII se uniram mais tarde ao combate. A XII, onde se concentravam os
combatentes brasileiros, foi deslocada posteriormente para a região do Ebro. Na XII
BI, desde o final de abril de 1938, Dinarco Reis, Delcy e Eny Silveira, Nelson de
Souza Alves e Homero de Castro Jobim passaram por um curto período de instrução
para familiarizar-se com o armamento russo
113
. Posteriormente, durante algum
tempo, eles desempenharam funções de instrutores militares treinando jovens
recrutas espanhóis no manejo das armas, equipamentos e ensinando técnicas de
combate. Todos eles estiveram primeiramente integrados no 2° Batalhão de Instrução
da XII BI em Besalú, próximo a Olot, na Catalunha sob o comando do italiano Carlo
Penchienati, diretor responsável pelos campos de instrução das BI em Olot e
Quintanar de la República, onde serviam Correa de Sá e David Capistrano. Pouco
depois, ambos foram deslocados para a frente de guerra
114
. Em junho do mesmo ano,
Delcy Silveira e seus companheiros em Besalú também foram deslocados para as
unidades na linha de frente onde tomaram parte na ofensiva
115
.
112
Correio do Povo, 27/07/1938,. p.2.
113
Naquele tempo o equipamento soviético era o padrão no EPR, tendo-se em vista que os
republicanos dependiam quase exclusivamente da URSS como fornecedor de armas. No entanto, os
agentes da Komintern a serviço do Governo espanhol conseguiram diversas vezes comprar
armamentos de outras procedências: Tchecoslováquia, Polônia, Canadá e outros países.
114
Delcy Silveira, Ficha de combatente, Comissariado de Guerra das BI, 12 de novembro 1938. Delcy
Silveira, Biografia de militante, 07/04/1938. Eny Silveira, Biografia de militante, 25/11/1938. Homero
de Castro Jobim, Biografia de militante, 30/04/1938. Nelson de Souza Alves, Biografia de militante,
29/04/1938. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 51 e
ss. VIDAL, César. Op. cit., p. 500. SILVEIRA, Delcy. 2001.
115
ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 51 e ss. SILVEIRA, Delcy. 2001.
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Por outro lado, o franco-brasileiro André Mançon também estava no Ebro,
bem próximo a Gandesa. Era sargento e servia na XIV BI “a Marselhesa”, adjunto ao
1° Batalhão da 1° Companhia, o Commune de Paris
116
. Mançon não pertencia ao
grupo dos militares brasileiros e talvez sequer falasse o português. A sua unidade foi
praticamente dizimada em setembro de 1938 nos combates em torno a serra
Caballs
117
.
No organograma do EPR a XII e a XIV Brigada pertenciam a 45° Divisão,
que por sua vez estava adscrita ao V Corpo de Exército, chefiado pelo coronel
Enrique Líster. Em julho de 1938 a XII BI era comandada pelo italiano Martino
Martini, ex-comissário político, que tinha como seu superior o tenente-coronel
alemão Hans Kahle, comandante da 45° Divisão. A área de operações onde estava
envolvida a XII BI era situada ao sul da província de Tarragona (Catalunha) indo
desde Corbera até a região de Tortosa, uma frente de aproximadamente 50 Km de
extensão numa região serrana, repleta de elevações e depressões do terreno
118
. Neste
território, fazendo parte da ofensiva, encontravam-se os combatentes brasileiros da
XII BI. O ex-combatente Delcy Silveira conta-nos em detalhes aqueles momentos
cruciais da guerra:
Depois da passagem do Ebro, a ofensiva republicana fez um bolsão
enorme dentro do território fascista, aí nós também fomos lançados na
batalha. Aí era guerra dura mesmo, combate em cima de combate, corpo
à corpo
119
.
116
André Mançon, Ficha de combatente, Comissariado de Guerra das BI, outubro 1938?. Arquivo da
IC, microfilme número 10, AEL.
117
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 370.
118
Idem, p. 298. IBARRURI, Dolores. Op. cit, p. 116 e ss.
119
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 56.
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O “bolsão” ao qual se refere Delcy Silveira, utilizando o jargão militar, era a
extensa faixa de terreno ocupada pelo V Corpo de Exército republicano, fruto do
sucesso inicial das operações. Uma cabeza de puente
120
com uma frente de 40 a 45
Km de extensão e que chegava a atingir em alguns pontos de até 25 Km de
profundidade, no caso da região onde participou a XII BI. O avanço inicial de todo o
Exército do Ebro atingiu uma superfície de aproximadamente 850 Km quadrados
121
.
Na Figura 1 podemos observar as manobras ofensivas republicanas ao longo do rio
Ebro.
Os republicanos haviam conseguido seu primeiro objetivo: desviar a atenção
do inimigo sobre Valencia, cuja queda parecia iminente, forçando-o a retirar suas
tropas e deslocá-las para a região do Ebro. Os republicanos estavam com a moral
elevada. Até no plano internacional, pois parecia que a República conseguia ressurgir
de suas cinzas diante de condições completamente adversas mostrando que ainda
tinha capacidade de resistência frente a um inimigo numérica e tecnologicamente
superior.
120
Posición que se emplea para proteger el paso de los ríos, y por extensión, el desembarco en una
costa. Ver Diccionário Enclopédico Ilustrado Sopena: Barcelona, 1977, vol. 1, p. 716.
121
IBARRURI, Dolores.op. cit., vol. 4, p. 124.
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No entanto, em breve a correlação de forças se inverteu, passando os
republicanos a uma postura defensiva em relação aos franquistas. Utilizando-se de
uma criativa metáfora, o veterano Delcy Silveira explanou de forma clara o que era a
ofensiva e as razões que levaram ao seu fracasso:
Para quem não é militar, vou dar um exemplo esclarecendo o que é uma
ofensiva. Existe um lago no qual você atira uma pedra formando uma
onda, para que essa onda continue é necessário atirar outras pedras.
Quando não tivermos mais pedras (tropas frescas) para atirar a onda
cessa, isto significa que a ofensiva foi contida pelo inimigo ou pelo
cansaço
122
.
De fato, as forças armadas republicanas não tinham condições materiais de
manter a sua capacidade ofensiva. Faltavam armamentos, equipamentos e,
principalmente, “tropas frescas”, ou seja, soldados novos vindos da retaguarda, bem
treinados, equipados e descansados, prontos para continuar o avanço substituindo
aquelas unidades desgastadas que estavam na linha de frente. Para os republicanos, a
tarefa era concentrar os seus esforços na construção de fortificações e posições
defensivas para manter o terreno arduamente conquistado. Com muita dificuldade,
dada a dureza do terreno, abriu-se uma linha de trincheiras e de defesa escalonada
nos morros. Outro brasileiro veterano do Ebro, o então tenente José Gay da Cunha,
combatendo próximo a Corbera em uma unidade de metralhadoras na 46° Divisão
(também incluída no V Corpo de Exército) descreveu, em seu livro, as duras
condições enfrentadas pelos defensores:
122
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 64.
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O grande problema do local era a falta de água. O Ebro estava a menos
de uma quilómetro na nossa retaguarda, mas a aviação inimiga
patrulhava constantemente o céu e todo o transporte era atacado
sistemáticamente.(...) tinha se deliberado que cada homem receberia
uma caneca de água para o dia todo. Ali ninguém lavava a cara ou os
dentes e de banho nem era bom falar.(...) Ali no Ebro ninguém vivia a
flor da terra. Todos tinham os seus refúgios e dificilmente se via algum
soldado que não estivesse de serviço, andando por aquelas paragens
123
.
O inimigo, após um breve espaço de tempo para refazer-se das perdas
sofridas nos primeiros momentos do avanço republicano, passou ao contra-ataque,
empregando grande quantidade de tropas e armamento sofisticado, principalmente
aviões modernos de fabricação alemã, como os Messerschmitt Bf-109 e os Junkers
Ju-87 Stuka, ou italiana, como os Breda e os Savoia-Marchetti. Nomes que se
tornaram corriqueiros e famosos durante a Segunda Guerra Mundial
124
.
Os ataques da aviação alemã e italiana à serviço de Franco eram quase
impunes devido tanto a imperícia quanto a inferioridade numérica da aviação
republicana e provocavam pânico nas tropas republicanas, num prenúncio do que
sofreriam as tropas francesas e polonesas apenas alguns meses depois. As ordens do
comando republic ano, no entanto, eram severas: quem perdesse um palmo de terreno
deveria recuperá-lo sob pena de ser fuzilado. Soldados e oficiais que abandonavam
os seus postos eram executados e os sargentos receberam ordens de executar os
oficiais que não dispusessem de ordens de retirada por escrito do alto comando
125
.
123
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 188.
124
Sobre a aviação empregada na campanha do Ebro, ver SHORES, Christopher. Las Fuerzas Aeréas
en la Guerra Civil Española. Madrid: San Martín, 1979, p. 38-42, e GARCIA-MUÑOZ, Juan
Abellán. Op. cit. p. 30, 64, 92, 94.
125
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 310, e THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 905.
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Para ilustrar a tensão e o medo provocados pelos ataques aéreos às tropas de
terra recorremos a um fato protagonizado por Delcy Silveira, ocorrido quando o seu
pelotão se viu sob um ataque aéreo onde um de seus comandados ameaçou desertar,
podendo iniciar uma debandada com sua atitude:
Um avião inimigo passou sobre as trincheiras, metralhando-as. Um
jovem soldado espanhol, de meu pelotão, aterrorizado com o
metralhamento aéreo, abandonou a posição, fugindo em direção ao
abrigo subterrâneo existente no fundo da trincheira e que servia para
abrigar-nos quando o bombardeio de artilharia e aviação era arrasador,
mas antes dele chegar lá eu o detive de arma engatilhada apontada para
sua cabeça, gritei: “Pá ra, senão te mato!”. Parou, voltou para a
trincheira e continuou combatendo.(...)...eu jamais poderia, como chefe,
[permitir] que seu ato de covardia estabelecesse o pânico entre meus
soldados e companheiros. Foi algo horrível para mim
126
.
Assim, em 1° de agosto de 1938, o Exército franquista, antecedido por uma
barragem de fogo artilheiro e incursões aéreas de bombardeio, atacou as linhas
republicanas no setor Norte. Após diversas tentativas consecutivas os franquistas
conseguiram desalojar as defesas republicanas. Segundo Hugh Thomas a grande
concentração de unidades de artilharia e o maciço emprego de suporte aéreo em um
determinado ponto do front e numa área reduzida servia para acabar com qualquer
possibilidade de resistência dos defensores. Esta era uma tática freqüentemente
empregada por Franco, com a qual muitos dos seus generais não concordavam, pois
desguarnecia outros pontos. Era uma releitura de uma velha fórmula: “a artilharia
conquista o terreno, a infantaria o ocupa”
127
.
126
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 2-3.
127
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 905.
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No dia 10 de agosto iniciou-se uma segunda ofensiva franquista que atingiu
exatamente a área onde estavam os brasileiros da XII BI, em torno das Serras Caballs
e Pandols e as colinas de Corbera. As batalhas travadas em torno destas colinas e nas
trincheiras ao longo da região do Ebro foram das mais terríveis da GCE. Os
combates sob o sol escaldante do verão mediterrâneo duravam dias seguidos e a
situação das tropas de ambos os lados era lastimável. Os homens e equipamentos se
esgotavam rapidamente. Mas os republicanos continuavam em desvantagem: a
relação média de forças terrestres era de quatro atacantes para um defensor
128
.
Além disso, as unidades estavam reduzidas numericamente e os reforços
eram quase inexistentes. Jovens espanhóis de 16 anos que pertenciam as classes que
deveriam ser mobilizadas somente em 1940 já estavam sendo mobilizados. Apesar
de todas essas desvantagens a consigna era “resistir” e as posições ocupadas deviam
ser mantidas a qualquer custo.
De um modo geral, os combatentes brasileiros inseridos neste duro conte xto
de “vida ou morte” se destacaram nas suas ações militares, onde alguns pagaram com
sangue pelo seu arrojo. Na Ficha de Combatente de David Capistrano, da XII BI/ 4°
Batalhão/ 1°Companhia de Metralhadoras, consta que foi elogiado publicamente em
24 de setembro de 1938 pelo comissário político do Batalhão Blás (Biaggio)
Bonsano pelos esforços realizados por ele e alguns colegas para manter uma destas
posições durante o pior momento da ofensiva franquista, em setembro de 1938.
Capistrano da Costa escreveu em seu relatório:
La mayoria de la fuerza habia abandonado las posiciones, yo y otros
camaradas nos quedamos en la misma, eramos 13 hombres, resistimos
128
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 311.
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hora y media, despues por falta de recursos fuimos obligados a nos
retirar (sic)
129
.
Por sua ação em combate, Capistrano da Costa foi posteriormente promovido
a sargento, função que já desempenhava “acidentalmente”. Antes, havia também
desempenhado, mas por pouco tempo, o cargo “acidental” de comissário de
Companhia
130
.
Entretanto, no meio da luta, as posições e trincheiras trocavam
frequentemente de mão, ora com os franquistas, ora com os republicanos. Devido à
inferioridade de condições das tropas republicanas as tentativas de recaptura (golpes
de mão) das posições perdidas eram feitas à noite, para minimizar o efeito do assédio
da artilharia e da aviação inimiga. No vívido relato de Delcy Silveira aqueles
momentos de intensa tensão e medo, ocorridos há mais de sessenta anos atrás, são
descritos com tal realismo e riqueza de detalhes que parecem ha ver ocorrido apenas
há algum tempo atrás. É como se aquela experiência tão intensa e sofrida daqueles
tempos de guerra tivesse se cristalizado para sempre em sua memória:
Chegou um momento em que os fascistas conseguiram deter a ofensiva
republicana, aí estabilizou a frente. Eu tomei parte ofensiva e depois da
guerra de trincheira. Agora, nesta guerra de trincheira, havia muita
ação, por exemplo, ataques às posições fascistas: num deles eu fui
ferido. (...) as posições não eram continuadas, entre uma posição nossa e
a outra posição existia às vezes uma área completamente sem tropas, por
129
David Capistrano da Costa. Ficha de combatente, Comissariado de Guerra das BI, 31 de outubro
1938. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
130
Se dizia então “acidental” a aquele militar de posto inferior que cobria um vácuo deixado pela
perda do efetivo que ocupava originalmente o cargo. Por exemplo, na falta de um sargento ou tenente
um cabo ou soldado podia cumprir a função deste sem, no entanto, ser promovido de fato. Muitos dos
brasileiros ocuparam cargos “acidentais” e alguns chegaram a ser confirmados nestas funções e
promovidos. Vejam-se exemplos nos pareceres e fichas que constam nos Anexos G e J.
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exemplo, aqui tem um morrinho e aqui tem outro morrinho, e aqui tem
uma baixada e nesta baixada não tinha tropas. Então a gente de noite
lançava as patrulhas noturnas, coisa horrível, a gente não levava
documento, só levava a arma e nada que podia fazer barulho, eram
cinco, seis homens. A gente caminhava um pouco, era um mergulho na
escuridão, era o ouvido, a gente caminhava um pouco, ouvia, caminhava
outro pouco, ouvia. Eu fiz umas quatro ou cinco dessas missões, para
mim foi a pior coisa de toda a guerra, os combates, o corpo à corpo,
nada disso foi tão ruim. Essas patrulhas, era um mergulho na escuridão.
Agora, eu nunca encontrei patrulhas inimigas, também as lançavam, mas
teve companheiros, patrulhas que encontraram, dizem que o encontro
era uma coisa... Assim de repente, se encontravam os dois grupos, era
um tiroteio, coisa rápida, aquele desgarrado, era gente para tudo que
era lado, quem caía morto ficava. E as vezes o sujeito, como aconteceu
na nossa posição, de um fascista sair errado na nossa trincheira, assim
como devia gente nossa bater nas trincheiras deles
131
.
Dos voluntários brasileiros que participaram das duras batalhas pelo controle
da passagem do Ebro, a maioria sofreu algum tipo de ferimento. Delcy Silveira, em
seu depoimento, conta que foi ferido duas vezes, permaneceu hospitalizado mais de
dois meses e teve de passar por três hospitais diferentes: Igualada, Mataró y Moyá.
No entanto, na sua Ficha de Combatente, Delcy Silveira apontou apenas um
ferimento ocorrido em 6 de setembro de 1938
132
. O seu irmão Eny escapou por
pouco da morte quando um fragmento de schrapnell seccionou o seu capacete de
131
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 56.
132
Idem, 2001, p. 4-5. Delcy Silveira, Ficha de Combatente, Comissariado de Guerra das BI, 12 de
novembro 1938.
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aço, sem no entanto causar-lhe ferimento algum. Mas, pouco depois, também foi
ferido, quando Delcy o encontrou no mesmo hospital
133
.
Conforme o reporte dado pelo comissário de Brigada ,“Nicoletto ou
Nicoletti”, da XII BI, o espanhol Ramón Prieto Bernié, dirigente do PCB foi: Ferito
tre volte, negle ultimo combattimento. Il miglior comissario del Bataglione. Un
quadro del P [Partido]. La sua condutta [ilegível]...esemplare
134
.
Em 29 de setembro de 1938 José Gay da Cunha recebeu a ordem de
desmobilização pela retirada dos estrangeiros. No entanto, como a sua Brigada estava
desfalcada de oficiais o seu comandante pediu-lhe que ficasse por mais um dia e
liderasse uma tropa em uma arriscada manobra pelas encostas da serra à noite:
deveria deslocar uma Companhia de metralhadoras até uma posição defensiva em
perigo. No entanto, quando estava chegando ao seu destino a Companhia comandada
pelo tenente José Gay da Cunha foi detectada pelo inimigo e atingida por um pesado
ataque de morteiros. A sua Companhia foi quase dizimada e Gay da Cunha sofreu
sérios ferimentos nas pernas devido aos estilhaços de morteiro
135
.
Quando enviado para o hospital de Moyá, Gay da Cunha encontrou Nelson de
Souza Alves também ferido por estilhaços de morteiro e acometido de uma febre que
o atingia há mais de quarenta dias. Delcy Silveira estava também convalescendo no
mesmo hospital
136
.
133
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 4-5. Eny Silveira, Biografia de Militante, 25/11/1938. Schrapnell é
uma expressão militar de origem alemã, utilizada universalmente para designar estilhaços de bombas,
granadas ou outros artefatos explosivos de fragmentação.
134
“Ferido três vezes nos últimos combates. O melhor comissário do Batalhão. Um quadro do
P(partido). Sua conduta (ilegível)...exemplar”. Parecer sobre Ramón Prieto Bernié, 10/10/1938.
Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
135
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 195 e ss.
136
Idem, p. 202-203. Nelson de Souza Alves, Ficha de Combatente. Arquivo da IC, microfilme
número 10, AEL.
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Homero de Castro Jobim, segundo Paulo Roberto de Almeida, era tenente
comissionado desde o final de Abril de 1938. Porém, de acordo com sua Biografia de
Militante datada de 30 de abril de 1938, não constam promoções além disto havia
chegado a Espanha menos de uma semana, no dia 24, para ser mais exato.
Posteriormente , chegou a comandar uma Companhia e foi ferido diversas vezes
durante os combates do Ebro. Permaneceu mais de dois meses hospitalizado no
hospital barcelonense de Mataró, com sérios ferimentos no pulmão causado pela
explosão de uma granada de artilharia que atingiu sua posição. Posteriormente foi
promovido a tenente
137
.
José Homem Correa de Sá, Dinarco Reis, Carlos da Costa Leite, David
Capistrano da Costa e Nemo Canabarro Lucas não foram feridos ou não tiveram
relatadas ocorrências de feridas de importância. Alguns, como Carlos da Costa Leite
(então comandante de um agrupamento de artilharia no Ebro) e Canabarro Lucas
(ainda no Estado Maior) encontravam-se em posições de comando mais seguras e
geralmente fora da “linha de fogo”, ou seja, onde a probabilidade de ser atingido pelo
inimigo era substancialmente menor, apesar do risco permanente. Por outro lado,
Correa de Sá, Reis e Capistrano da Costa tiveram muita sorte, pois se encontravam
na linha de frente e provavelmente estiveram a maior parte do tempo sob intenso
fogo inimigo.
Contudo, a missão de combate dos brasileiros e dos outros internacionais à
serviço da Espanha republicana cessaria em breve. Ainda na segunda quinzena de
setembro de 1938 os franquistas romperam diversos pontos nas linhas de defesa
137
Homero de Castro Jobim, Biografia de militante, 30/04/1938. Parecer sobre Homero de Castro
Jobim, 15/01/39. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p.
54.
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230
republicanas. Porém, não conseguiram avançar facilmente como haviam planejado e
assim o fracasso da ofensiva republicana no Ebro não necessariamente se constituiu
numa vitória franquista, pois a frente se estabilizou e até um certo pessimismo
passou a tomar conta de Franco e seus aliados. Os próprios alemães chegaram a
suspender novas remessas de armas
138
. Nesse intervalo, o Estado Maior republicano
passou a reorganizar as suas forças para efetuar um contra-ataque. Paralelamente as
BI foram retiradas da frente e, na retaguarda, os elementos estrangeiros começaram a
ser desarmados e substituídos por tropas espanholas.
3.3 A Desmobilização dos Internacionais e o Colapso da República
Espanhola.
O governo republicano já negociava há alguns meses com a LdN a saída dos
estrangeiros que combatiam no conflito. No dia 22 de setembro de 1938 emitiu uma
ordem de desmobilização de todos os voluntários estrangeiros a serviço da
República. Ao negociar a saída dos internacionais, o primeiro ministro Negrín
pretendia demonstrar boa vontade em um possível entendimento com os franquistas,
com a finalidade de obter uma paz negociada. Há algum tempo Negrín manifestava
interesse em um armistício e, atuando sem o habitual respaldo dos comunistas, no dia
9 de setembro encontrou-se com um representante do III Reich em Zurich, na Suíça,
para facilitar o contato com o general Franco, mas sem muito sucesso
139
.
Mesmo com o fracasso das sucessivas tentativas de paz e a crise de Munich
como pano de fundo (que deixaram o problema espanhol em um segundo plano), os
republicanos começaram efetivamente a desmobilizar todos os estrangeiros,
138
VIDAL, César. Op. cit., p. 309 e ss.
139
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 911.
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231
incluindo até mesmo aqueles nacionalizados espanhóis a partir de 16 de julho de
1936, data do início do conflito. Com este gesto o governo republicano também
pretendia que os franquistas retirassem os “seus” internacionais: os italianos, os
mouros, e o Tércio, mas principalmente os aviadores e técnicos alemães que tanto
pesavam na balança à favor de Franco. Provavelmente, os republicanos, em seus
anseios democráticos, esperassem que a França e a Inglaterra exortassem os
franquistas de algum modo a imitar o exemplo republicano. O que de fato não
ocorreu. Apenas alguns dias mais tarde, em 28 de setembro de 1938, as ilusões de
Negrín e outros republicanos com respeito a Inglaterra e a França se dissiparam
rapidamente após a entrega da Tchecoslováquia aos nazistas. Indiretamente, a vitória
de Adolf Hitler sinalizou também a retomada do sucesso de Franco: a ajuda material
alemã voltou a fluir
140
.
O governo Negrín fez a proposta da retirada das BI diretamente à LdN, a qual
aceitou e enviou um comitê de supervisão composto por quinze militares de vários
países, presidida pelo general finlandês Jalander, para verificar a retirada dos
estrangeiros do campo republicano. Para dar continuidade à farsa da “não
intervenção”, Mussolini retirou somente 10.000 soldados italianos, boa parte deles
feridos ou doentes, o que não afetava de forma alguma a capacidade bélica de
Franco. Restavam ainda do lado franquista 50.000 italianos, 10.000 alemães e 10.000
portugueses, além dos marroquinos e os homens do Tércio
141
. Em compensação, os
estrangeiros do lado republicano contabilizavam apenas 12.673 soldados, conforme a
140
VIDAL, César. Op. cit., p. 315.
141
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 314.
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232
contagem realizada pelos militares estrangeiros e supervisores da LdN
142
. Um comitê
para a retirada dos voluntários foi criado, paralelamente , pelo governo republicano
para atuar em conjunto com a comissão de controle internacional da LdN, que se
encarregou de verificar a partida dos estrangeiros da Espanha.
Via de regra, a decepção se abateu sobre os voluntários estrangeiros. Muitos
deles, cansados pela ação, estavam satisfeitos em serem retirados e poder voltar para
casa, embora outros se recusavam a partir, em parte por não ter para onde ir, sendo
obrigados a fazê-lo. Alguns que obtiveram cidadania espanhola conseguiram burlar o
comitê de controle e permaneceram na Espanha.
Em outubro de 1938, após a desmobilização, os voluntários foram agrupados
em cidades e campos de repouso na retaguarda para um merecido descanso,
agrupados , em geral, por blocos nacionais. Outros ainda estavam internados nos
hospitais, como era o caso de Gay da Cunha, os irmãos Silveira e Souza Alves.
Recepções e festejos de confraternização foram organizados pelo governo para
homenagear estes corajosos e aguerridos combatentes. José Gay da Cunha relatou
que uma festa de confraternização entre os combatentes sul-americanos foi
organizada por um argentino, comissário do serviço médico, em Barcelona
143
. Em
meio a alegria da dança e da música, os jovens “veteranos” puderam esquecer um
pouco os avatares da guerra.
Em 28 de outubro de 1938
144
teve lugar em Barcelona o apoteótico desfile de
despedida das Brigadas Internacionais. Na Avenida 14 de Julho (hoje a Diagonal),
142
Ver IBARRURI, Dolores. Op. cit., p. 180, v.4. VIDAL, César. Op. cit., p. 311, fala em 12.208.
Esta cifra corresponde a os números dados pelo governo Negrín à Comissão da LdN. Hugh Thomas,
Delperrie de Bayac e outros dão como correta a cifra de 12.673 voluntários.
143
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 201.
144
VIDAL, César. Op. cit., p. 311. BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 315. IBARRURI,
Dolores. Op. cit., p. 183, v.4. CIERVA, Ricardo de la. Op. cit., p. 395.
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enfeitada com flores e bandeiras, mais de 250.000 pessoas deram um emocionado
adeus àqueles estranhos que haviam vindo de quase todos os lugares do mundo para
lutar pela causa republicana. Precedidos por destacamentos do Exército, da Marinha
e da Força Aérea Republicana as delegações internacionais, compostas por
voluntários de mais de 50 nações, desfilaram uniformizadas, porém desarmadas,
representando os seus respectivos países e levando suas bandeiras. Entre eles, a
delegação brasileira
145
. No dia seguinte os jornais da época , inclusive os brasileiros ,
noticiaram o grandioso evento:
A brigada internacional despede-se da Hespanha governista.
Desarmados, os voluntarios desfilaram, hontem, em Barcelona, perante
os srs. Azaña e Negrin
BARCELONA, 28 (Por R. Okin, correspondente da Associated Press)
O governo deu a despedida official á sua brigada internacional, com
uma parada que foi provavelmente a mais importante desde que
começou a guerra. Os membros da brigada, marchando sem armas, mas
com suas bandeiras, foram passados em revista pelas ruas cobertas de
flores, perante o presidente Azaña, o primeiro ministro Negrín, ministros
do gabinete e chefes do exército. Desfilaram durante uma hora, sob
constantes applausos. Emquanto isto, esquadrilhas de aviões cortavam
os ares, prestando-lhes homenagens.
A parada começou com a chegada de Negrin e Azaña, no mesmo carro,
entre acclamações. A seguir, desfilaram unidades da marinha, com o
punho fechado. Quando passavam deante da tribuna official seu
commandante gritou: “Viva a Republica”, ao que as tropas
145
Existem contradições nas versões apresentadas nos depoimentos dos veteranos e na historiografia
sobre o tema. Thaís Battibugli afirma que Delcy Silveira confirmou sua presença no desfile e que
Nelson de Souza Alves relatou que “os internacionais estavam de armas na mão” na cerimônia. Por
sua vez, Paulo R. Almeida destaca o fato que Delcy Silveira não estava no desfile devido a sua
hospitalização. Ambos autores datam o desfile em 15 de novembro, ambos equivocadamente. Em
entrevista a este autor em 1997, Delcy Silveira confirmou que não esteve presente no desfile.
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responderam, emquanto olhavam para a direita. As ruas estavam
repletas de povo, emquanto os brigadianos desfilavam com suas
bandeiras. Em primeiro logar vinham os italianos da divisão Garibaldi,
com lenços vermelhos no pescoço. Seguiram-se os soldados polonezes,
levando dísticos, com os dizeres: “Nunca cessaremos de combater o
fascismo”. A seguir vieram os allemães, norte -americanos, canadenses,
belgas e francezes. A multidão ovacionou a todos igualmente.
Na tribuna official, Dolores Ibarruri, “La Pasionaria”, foi presenteado
(sic) com flores. Estavam tambem presentes os membros da commissão
da Liga das Nações que se encontram aqui para observar a retirada dos
voluntarios estrangeiros. Unidades hespanholas também tomaram parte
na parada, que incluía corpos de aviação, cyclistas e motocyclistas
146
.
Na época chamou a atenção dos participantes e dos observadores a grande
quantidade de aviões republicanos que manobraram sobre Barcelona durante o
desfile e que tanto faziam falta na frente de batalha. Mas eles não estavam ali
unicamente para seguir um protocolo do desfile militar, na verdade eles fizeram a
proteção aérea do desfile, pois Barcelona era constante alvo de maciços ataques
aéreos da aviação do Duce, concentrada nas ilhas Baleares. Um ataque surpresa
durante o desfile não só significaria uma desmoralização da República, mas também
se configuraria uma autêntica tragédia.
Pouco depois, os voluntários brasileiros, juntamente com outros latino-
americanos, norte -americanos e ingleses da XV Brigada, começaram a ser reunidos
na localidade de Ripoll, próximo a Barcelona. Delcy Silveira se lembra daqueles
tempos onde , mesmo em guerra, as pessoas ainda tratavam de viver o cotidiano
dentro de uma certa normalidade:
146
Correio do Povo, 29/10/1938, p. 2. No Anexo U e V temos imagens do evento.
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Lá tinha uma fábrica [a indústria automotriz Hispano-Suiza, convertida a
produção bélica], faziam umas festinhas no teatro e dançavam aquelas
danças espanholas. Confraternizamos com a população civil,
conhecemos muitas jovens espanholas
147
.
Em Ripoll, província de Gerona, parte da delegação militar brasileira passou a
conviver em conjunto novamente, como não o fazia desde o cárcere no Brasil.
Estavam novamente reunidos Delcy e Eny Silveira, José Gay da Cunha, Nelson de
Souza Alves, Dinarco Reis, Jorge Cetl, David Capistrano da Costa, Homero de
Castro Jobim e José Correa de Sá
148
.
O major Carlos da Costa Leite ainda estava no campo de desmobilização de
Cardedeu, na província de Barcelona, atuando como responsável do PC no campo
juntamente com o tenente argentino José Beloqui
149
. Em Cardedeu, eram
desmobilizados os estrangeiros que não pertenceram às Brigadas Internacionais, em
geral por serem de origem hispânica e cuja maioria era de latino-americanos ou
espanhóis que residiam no estrangeiro
150
. Provavelmente ali foi o primeiro contato de
Costa Leite com outros brasileiros de origem espanhola ou espanhóis radicados no
Brasil. Por Cardedeu passou Nemo Canabarro Lucas
151
e provavelmente também
Hermenegildo Assis Brasil.
Enquanto isso, Apolônio de Carvalho e Joaquim Silveira dos Santos haviam
sido retirados da região central e estavam a caminho da Catalunha, chegando a
147
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 8.
148
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 204.
149
Parecer sobre Carlos da Costa Leite escrit o por “Edo”, 01/11/1939. Arquivo da IC, microfilme
número 10, AEL. BAUMANN, Gino Gerold. Op. cit., p. 42.
150
Idem, p. 53.
151
Sobre Nemo Canabarro Lucas, ver a sua Ficha de Controle emitida por Costa Leirte para o PCE,
20/11/1938. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
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Barcelona às vésperas do natal e em plena ofensiva franquista
152
. O dirigente
Roberto Morena ainda permaneceu em Alicante.
Para onde iriam os voluntários? O governo francês permitiu a passagem dos
voluntários cujos países os aceitassem de volta como os canadenses, ingleses,
holandeses e americanos. Mas não aceitou os refugiados políticos alemães, italianos
ou outros que não tivessem um endereço fixo na França. Os próprios franceses
somente foram aceitos após a anistia concedida em 31 de dezembro de 1938
153
. Em
torno de 6.000 internacionais não tinham para onde voltar, pois eram oriundos de
países com governos de direita: alemães, italianos, húngaros, iugoslavos, argentinos,
e brasileiros.
Por esta data (dezembro 1938 a janeiro 1939) parece que houve um
oferecimento do governo mexicano, representado na figura do presidente Cárdenas,
para que os voluntários considerados “apátridas” pudessem se estabelecer no
México. Alguns dados são contraditórios, pois segundo Delc y Silveira, o governo
mexicano enviou dois navios à França para buscar os voluntários
154
, enquanto José
Gay da Cunha escreveu a respeito de cinco navios fretados pelo governo espanhol à
disposição dos voluntários que aceitassem o asilo mexicano
155
. Um Comitê de Ex-
combatientes de la España Republicana de los Voluntários Americanos Latinos que
van a México, conforme consta em um documento nos arquivos da Komintern
atualmente em Campinas, chegou a ser criado (ao menos no papel) pelos ex-
combatentes para cuidar das questões referentes ao repatriamento. Seu presidente era
152
CARVALHO, Apolônio de. Vale a Pena Sonhar. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 115.
153
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 315-316.
154
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 8.
155
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 205-206.
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237
Dinarco Reis, secundado por Gay da Cunha
156
. Ainda segundo Delcy Silveira o
comitê teria três ou quatro representantes para atuar junto ao governo mexicano,
escolhidos pelo comandante das BI, André Marty
157
. O que de fato se sabe é que as
gestões fracassaram devido ao veto, do governo francês, à passagem dos
internacionais pelo seu território.
Enquanto isso a guerra continuava e Franco iniciou, no final de dezembro de
1938, uma poderosa ofensiva na Catalunha, prosseguindo com seus céleres avanços
sobre o território republicano. Franco havia recebido farto material de guerra de seus
aliados e conseguiu concentrar na região cerca de 350.000 homens fortemente
armados e contando com um suporte aéreo e de artilharia nunca antes visto. Em
oposição, os republicanos contavam apenas com 90.000 homens mal equipados, as
vezes até desarmados, e principalmente desmoralizados.
O comando das BI ofereceu ao governo republicano os internacionais que
ainda estavam em solo espanhol para voltar ao combate. Alguns ex-combatentes
mais inflamados mantinham a esperança de voltar à frente de batalha, oferecendo-se
às autoridades republicanas. Após algumas discussões e às pressas foram
reorganizadas, em 23 de janeiro de 1939, as Brigadas Internacionais XI, XIII, XV e
129° com o intuito de retardar a queda da Catalunha. A situação era desesperadora,
pois as novas unidades eram sombras das antigas BI: mal vestidas, mal equipadas e
com poucas armas.
Enquanto isso, o governo republicano transferiu-se para a cidade de Figueras,
a menos de 20Km da fronteira francesa. A cidade de Barcelona, a segunda em
156
Documento 24: “Comitê de Ex-combatientes de la España Republicana de los Voluntários
Americanos Latinos que van a México”, 09/01/1939. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
157
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 8.
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importância no país, semideserta, caiu em poder dos franquistas em 27 de janeiro de
1939. A população que não havia deixado a cidade, desgastada pela longa guerra e
exausta das lutas internas entre comunistas, poumistas e anarquistas, ofereceu pouca
resistência ao invasor. A notícia da queda de Barcelona repercutiu negativamente nas
tropas que ainda ofereciam resistência. Somente os comunistas ainda incentivavam
continuar a luta. Muitos soldados desertaram em direção a França, em vista de que
tudo parecia irremediavelmente perdido. Na Figura 2 observamos o vertiginoso
processo de queda da Catalunha.
Enquanto isso, os brasileiros que estavam em Ripoll foram trasferidos para
Cassá de la Selva nos primeiros dias de fevereiro de 1939. Estes foram integrados a
outros latino-americanos na nova XV BI (a antiga brigada anglófona), agora
comandada pelo cubano Jorge Agostino e o capitão José Gay da Cunha como chefe
de Estado Maior
158
. Com muita dificuldade, Gay da Cunha conseguiu armar uma
Companhia selecionada a partir dos 684 homens com os quais contava a Brigada.
A companhia era composta por três Pelotões, todos comandados por tenentes
brasileiros: Assis Brasil, Capistrano da Costa e Souza Alves
159
.
Diante da desorganização da frente e sob o medo de uma debandada geral, o
comando da XV BI decidiu retirar as tropas para a retaguarda por conta própria, sem
esperar pelas ordens do comando das BI. Chegaram até o povoado litorâneo
denominado San Pedro Pescador, onde os esperava André Marty, comandante
supremo das BI. Marty, enfurecido, destituiu o comandante cubano Agostino e
nomeou Gay da Cunha como novo (e último) comandante da XV BI
160
.
158
VIDAL, César. Op. cit., p. 389.
159
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 212. SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 11.
160
Idem, p. 216. Idem, 2001, p. 9-11. VIDAL, César. Op. cit. p. 321.
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Numa última reunião com Marty, José Homem Correa de Sá criticou os
comandantes e comissários políticos pelo abandono das suas obrigações e [que] não
cuidavam em nada que a vida dos soldados se mantivesse num nível político
adequado
161
.
Na seqüência, outros combatentes brasileiros fizeram reclamações
semelhantes ao comandante Marty que, segundo Gay da Cunha, os elogiou pela
sinceridade
162
. Em outros tempos, seria bem provável que Marty, no mínimo, os
prendesse. Mas não havia tempo para isso.
A XV BI, sob o comando dos brasileiros, partiu rapidamente em direção a La
Junquera, norte da Catalunha. Do outro lado se via a cidade francesa de Le Perthus.
Junto aos homens da XV BI estavam os combalidos remanescentes das outras
Brigadas Internacionais, todos protegendo a retirada dos milhares de refugiados civis
republicanos em direção a França. Neste grupo de brasileiros não estavam presentes
nem o major Costa Leite nem Apolônio de Carvalho e Joaquim Silveira dos Santos.
Os dois últimos provavelmente atravessaram a fronteira em outro dia. Segundo um
parecer emitido por um quadro da Komintern apelidado de “Edo”, Costa Leite estava
trabalhando na organizando da evacuação da Catalunha para o PC. Havia tencionado
voltar ao front e incentivou os seus camaradas a fazer o mesmo
163
. Mas Costa Leite
era um quadro suficientemente importante para não ser desperdiçado no front.
O êxodo dos republicanos foi um dos momentos mais dramáticos da guerra
da Espanha. Mais de 500.000 pessoas se apinhavam nas estradas que levavam à
fronteira e que estavam abarrotadas de automóveis, caminhões, ônibus, veículos
161
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 220.
162
Idem, p. 220-221.
163
Parecer sobre Carlos da Costa Leite escrito por “Edo”, 01/11/1939. Arquivo da IC, microfilme
número 10, AEL.
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militares, carroças puxadas por animais, motocicletas, bicicletas e muitas pessoas a
pé. Todos carregavam os poucos pertences que podiam: os últimos pedaços das suas
vidas. Pessoas de todas as origens e idades: todos eram presas do mesmo pânico.
Hugh Thomas alerta para o fato de que muitos provavelmente não tinham
porquê fugir, mas o medo era contagioso e, além do mais, na Catalunha se
encontravam refugiados de outras regiões da Espanha que já estavam em mãos
franquistas e conheciam a sanha do inimigo
164
. O governo francês não pretendia
permitir a entrada dos refugiados espanhóis. Aos poucos, multidões começaram a se
agrupar em torno da fronteira, sob as piores condições, pois faltavam agasalhos,
remédios e comida em pleno inverno europeu. O ex-combatente Delcy Silveira viveu
intensamente o impasse criado pelos obstáculos colocados pelo governo da França na
questão dos refugiados. O seu relato, sessenta anos depois, ainda contém a
indignação pela posição assumida pela França contra a República espanhola:
Na fronteira francesa encontrava-se uma multidão de espanhóis,
mulheres, crianças, velhos, impedidos de entrar na França pelo governo
desse país. Os brigadistas desmobilizados concentravam-se próximos a
esta fronteira. O V Exército recuava, combatendo pressionado por forças
muito superiores, tendo à sua retaguarda a fonteira da França. (...)
Negrín informou ao governo francês que o V Exército (...) não se
renderia e que seria empurrado para dentro da França. O governo
francês percebendo que a guerra atingiria seu território, dada a
encarniçada e heróica resistência oferecida pelos espanhóis, resolveu
permitir o ingresso em seu território dos espanhóis, civis e militares do V
Exército que vinham recuando e combatendo, jamais se renderam
165
.
164
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 941.
165
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 69.
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De fato, desde 27 de janeiro de 1938 os primeiros grupos de militares feridos
e civis receberam permissão para atravessar a fronteira. No dia 9 de fevereiro a
delegação brasileira na XV BI saudou pela última vez os seus chefes: o Premier Juan
Negrín, os coronéis Juan Modesto e Enrique Líster, e o comandante André Marty,
entre outros
166
. No lado francês eles depuseram suas armas. Para eles a guerra havia
terminado. No dia seguinte, os franquistas hastearam a antiga bandeira monarquista
em Portbou, fechando a fronteira francesa. A Catalunha pertencia a Franco.
Para os que haviam conseguido atravessar a fronteira começou uma nova e
difícil etapa: o exílio. Assim que os últimos soldados e civis saídos da Catalunha
entraram na França, iniciou-se a longa e penosa marcha dos refugiados através dos
Pirineus em direção aos campos onde seriam recolhidos, escoltados por um forte
esquema de segurança. Os civis foram logo separados dos militares e os combatentes
estrangeiros separados dos militares espanhóis. Delcy Silveira foi um dos que
participou da marcha:
Durante a marcha passamos próximos a aldeias francesas, onde
mulheres e crianças francesas nos ofereciam pão, frutas, leite, mas eram
impedidas pelos Policiais Militares. Foi uma marcha de muitas horas
sem descanso, sofrendo fome e sede, que somente soldados treinados
poderiam resistir
167
.
Se Silveira e seus colegas, jovens soldados acostumados com os rigores das
batalhas, sofreram com a árdua marcha através do território francês podemos
166
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 69. CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 221-222.
167
Idem, p. 70.
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imaginar o que devem haver passado os milhares de civis, homens, mulheres e
crianças totalmente despreparados para enfrentar os rigores de tal epopéia.
Os voluntários estrangeiros foram internados em campos de concentração no
sul da França, onde as condições de vida eram péssimas. Ao relento, sob o sol, ou
sob a neve e a chuva, sofrendo assim toda a fúria da natureza. Quando iniciou a
Segunda Guerra Mundial, o Exército francês pressionou os combatentes
internacionais para que estes ingressassem na Legião Estrangeira, visto que
precisavam de soldados experimentados para lutar contra a Alemanha. Mesmo
oferecendo equivalência de postos militares, a oferta teve parca aceitação entre os
internacionais. Sendo comunistas convictos, a maioria dos internacionais não
aceitaram fazer parte da Legião Estrangeira, que consideravam despectivamente
como sendo uma força de repressão colonial:
Ora, homens vindos de 53 países, voluntários para lutar pela liberdade e
a democracia, junto ao povo espanhol, jamais ingressariam numa força
que tinha como finalidade sufocar os anseios de libertação dos argelinos
e marroquinos, que lutavam contra a dominação francesa
168
.
Esse foi o argumento apresentado por Delcy Silveira. Outros voluntários de
outros países certamente apresentaram argumentos muito semelhantes. Os militares
franceses lamentaram a posição dos internacionais, pois sabiam que a França
necessitaria, em breve, de bons soldados como os antigos combatentes da Espanha
republicana. No entanto, tendo-se em vista a atuação da França ao longo da guerra na
168
SILVEIRA, Delcy, op. cit., p. 71.
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Espanha seria muita ingenuidade dos militares franceses pensar que os exilados
republicanos cooperariam abertamente e de bom grado para a defesa da França.
Alguns países acolheram os refugiados. Podemos dizer que o México
ofereceu-se abertamente para os refugiados, sem fazer distinção. A URSS abriu suas
portas para alguns comunistas (mas não para todos), a Inglaterra recebeu as
“personalidades”. A França, com relutância, aceitou alguns republicanos e, a
contragosto, teve de ficar com os que não puderam se repatriar pois não tinham para
onde ir
169
. Muitos voluntários ainda permaneciam presos nos campos de refugiados
quando da invasão da França pelos alemães em junho de 1940.
Após a queda da Catalunha, a debâcle republicana se tornou iminente.
Somente restavam ao governo republicano algumas cidades costeiras e menos de um
terço do território espanhol. O Exército contava com 500.000 soldados mas em
péssimas condições físicas e morais, além de escassos armamentos e munição
170
.
Madrid, a outrora capital invencível, foi palco de uma nova divisão no campo
republicano e caiu em meio de lutas internas, envolta em uma disputa entre os
partidários comunistas de Negrín e os aliados anarquistas e socialistas do coronel
Segismundo Casado, um militar que havia se rebelado contra o predomínio dos
comunistas no governo republicano. Os rebeldes casadistas pretendiam assinar um
armistício em separado com o general Franco após a derrubada dos comunistas do
poder.
169
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 318. Sobre a tragédia do exílio republicano, recomenda-
se a leitura da obra de Dora Schwarztein, em especial o seu primeiro capítulo. SCHWARZSTEIN,
Dora. Op. cit.
170
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 956.
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As Brigadas Internacionais haviam deixado de existir mas ainda permaneciam
em solo espanhol alguns comunistas estrangeiros, que no dizer de César Vidal, não
eram tão importantes para que a Komintern se preocupasse em preservá-los para uma
luta futura
171
. Não parece muito correta esta afirmação, do contrário não teriam
retornado a Espanha , depois da queda da Catalunha, diversos líderes comunistas de
relevo como Palmiro Togliatti, Dolores Ibarruri e Jesús Hernández ou os militares
Enrique Líster, e Juan Modesto
172
. A delegação brasileira havia partido, mas um
homem permaneceu até os últimos momentos da República, era o dirigente
comunista Roberto Morena.
No início de março de 1939 o Dr. Negrín, uma vez deposto e abandonado por
seus antigos colegas do governo, resolveu partir para o exílio com seus poucos
aliados, os líderes comunistas espanhóis e estrangeiros. O novo governo do coronel
Casado intentou negociar uma rendição incondicional com Franco. Mas Franco não
pretendia negociar: exigia a rendição incondicional da República, sem garantias de
vida ou anistia. No entanto, concedeu um prazo a Casado e aos seus seguidores para
que abandonassem o país. Mas para todos os outros, simples e anônimos
combatentes e funcionários da República que estavam no território republicano,
somente restava a fuga por seus próprios meios. Não havia mais resistência de
qualquer espécie e as unidades militares republicanas se desintegraram
espontaneamente.
No porto de Alicante, na madrugada do dia 29 de março, os últimos
voluntários estrangeiros disputaram com refugiados espanhóis um espaço no navio
inglês Stanbrook, enviado pela II Internacional Socialista: entre eles, o brasileiro
171
VIDAL, César. Op. cit., p. 322-323.
172
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 970.
© Vivan las Brigadas Internacionales ©
246
Roberto Morena
173
. Poucas horas depois as tropas italianas do general Gambara
ocuparam a cidade e iniciaram os fuzilamentos daqueles que haviam ficado para trás.
A República finalmente se entregou em 31 de março de 1939. No primeiro
dia de abril, a Junta Militar franquista anunciou pela rádio que Cautivo y desarmado
el Ejército rojo, las tropas Nacionales ocupan los últimos objetivos militares. La
guerra há terminado
174
. A Segunda República Espanhola havia deixado de existir.
173
VIDAL, César. Op. cit., p. 323. ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 60.
174
Vários. Giral: Una História de Sangre. Madrid: Ediciones Combate, 1940, p.59.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
247
CAPÍTULO 4: “NACIONALISMO E INTERNACIONALISMO”
4.1 Os Combatentes Internacionais: nacionalismo antifascista sob a égide do
internacionalismo.
Nosso objetivo, neste capítulo, não é de esmiuçar a “questão nacional” em si,
mas sim examinar como se manifestou o sentimento nacional nos voluntários
estrangeiros que lutaram pela República Espanhola, partindo-se do princípio que o
fizeram em nome de uma luta “internacionalista” mas que, segundo o seu próprio
discurso, representava uma continuidade da luta “nacional” de cada grupo em
questão. Entretanto, para compreendermos melhor de que forma o nacionalismo se
combinou com a luta antifascista e o internacionalismo é importante traçar um
esboço das origens do sentimento nacionalista entre os diferentes povos que
compuseram as Brigadas Internacionais.
A questão do nacionalismo quase sempre se apresentou para a esquerda
marxista como uma postura problemática ou, no mínimo, polêmica. Para Benedict
Anderson, o nacionalismo tem se revelado uma verdadeira “anomalia” incômoda
para a teoria marxista já desde o Manifesto Comunista, onde Karl Marx atribuiu uma
distinção “nacional” a burguesia, sendo esta uma classe “mundial”. Para ele, este
seria o motivo original que tem levado esta questão a permanecer em segundo plano,
inclusive sendo mais evitada do que analisada. De qualquer forma, o fenômeno do
nacionalismo em si, apesar de sua visível influência no mundo moderno e
© Nacionalismo e Internacionalismo©
248
contemporâneo continua sendo um objeto difícil de definir e consequentemente de
analisar
1
.
Em sentido semelhante trabalhou Carlos Pereyra, ao afirmar que ainda se está
muito distante de um marco epistemológico capaz de aprehender las formas que el
momento nacional gravita en el proceso de construcción de la hegemonía obrera
2
.
Considerou também que a dimensão nacional foi subestimada, de um modo geral,
por boa parte dos teóricos marxistas, devido a uma visão estreita baseada em
concepções simplistas e adotada em função de uma ideologia puramente classista.
Citando Boronov, Pereyra observou que os ideólogos classistas ignoraram
interesses nacionais que eram importantes para a classe operária e obscureceram a
consciência nacional, o que prejudicaria os próprios interesses da classe operária. Por
outra parte, ele destacou que as dificuldades iniciais dos marxistas em reconhecer a
amplitude da dimensão nacional estaria vinculada ao fato da idéia de nação haver
surgido durante a modernidade como fruto do pensamento burguês.
Na realidade, desde o seu surgimento (por volta de 1830) o nacionalismo, ou
melhor, o princípio de nacionalidade, esteve intimamente ligado aos fenômenos de
cunho radical e liberal, descendentes diretos da agitação jacobina dos tempos da
Revolução Francesa que, ao integrar Estado, povo soberano e território, resultara em
um novo conceito de nacionalidade entendido como a expressão política de um
determinado povo em um território definido e limitado por fronteiras
3
.
Contudo, essa definição de nacionalismo tornou-se mutável ao ser apropriada
por novos atores sociais. A partir de 1870, com a criação de duas grandes nações na
1
ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional. São Paulo: Àtica, 1989, p. 11-12.
2
PEREYRA, Carlos. El Sujeto de la História. Mexico DF: Alianza, 1988, p. 179.
3
HOBSBAWM, Eric J. Op. cit., 1990, p. 31-33.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
249
Europa (Itália e Alemanha) e mais uma série de pequenos países nos Balcãs, o mapa
político europeu sofreu significativas mudanças. Todavia, as decisivas alterações no
quadro político europeu viriam especialmente após a Grande Crise de 1873, que
demonstrava o esgotamento do modelo econômico de livre mercado capitaneado pela
Inglaterra e que alteraria a relação de forças econômicas presentes até então
4
. Com o
crescimento e aceleração da produção industrial, o capitalismo aumentou seus níveis
de concentração de renda e produção, o que impulsionou efetivamente o surgimento
e desenvolvimento de cartéis e monopólios. A dinâmica do sistema econômico
capitalista atingiu uma fase mais sofisticada de exploração, o imperialismo.
Esta nova ordenação econômica levou os países europeus a acirrar a disputa
por mercados, fossem eles internos ou externos (colônias). Logo, cada país
concorrente passava a ser visto como um perigo potencial à nação. O “estrangeiro”
tornava-se algo ameaçador à integridade nacional. Neste sentido, a política externa
dos Estados europeus tornou-se cada vez mais agressiva, colocando em risco o
equilíbrio mundial.
Assim, o nacionalismo europeu do final de século XIX, revestiu-se de um
caráter xenófobo e passou a vincular-se a ideais reacionários, anti-liberais e adotando
uma postura de incentivo ao expansionismo das nações imperialistas. Esta tendência
direitista do nacionalismo encontrou resposta num sentimento geral de
descontentamento presente nas populações das camadas médias e inferiores que
sofriam o peso inflexivo da crise do liberalismo fin de siécle. Por outra parte, este
novo enfoque do nacionalismo, dentro de um viés reacionário, assinalava
veementemente o que considerava ser os “culpados” pelas dificuldades enfrentadas
4
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Impérios. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, 3 ed., p. 31-33.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
250
por cada nação, leiam-se judeus, capitalistas, republicanos ou socialistas, todos
considerados “estrangeiros” ou “internacionais”. Plasmados de preconceitos, os
nacionalistas de direita apontavam na figura do “estrangeiro” a responsabilidade pelo
descalabro geral da sociedade nacional
5
.
O discurso ideológico nacionalista teve assim reflexos mais efetivos na
camada pequeno-burguesa. Isto ocorreu devido à sua capacidade de criação de uma
identidade coletiva, geralmente através do estabelecimento de uma língua oficial que
possibilitava, por exemplo, uma ascensão social dentro do aparelho de Estado,
fazendo-as sentir-se partícipes de “algo maior”, dessa “comunidade imaginada” que
é, considerada por alguns cientistas, a nação
6
.
No entanto, os ecos do nacionalismo chauvinista
7
também foram ouvidos nas
classes populares das grandes nações européias, onde o apelo xenófobo e às vezes
racista, combinou-se estranhamente com uma poderosa força mobilizadora que se
encontrava presente na gênese do “nacionalismo revolucionário” jacobino: o
sentimento de cidadania; a relação cidadãoEstado-território
8
. Do cidadão que
defende a causa “justa” do seu Estado contra a “barbárie do outro” pela defesa da
“sua civilização”, ou quaisquer outros motivos justificados pela classe dirigente do
seu Estado
9
.
5
HOBSBAWM, Eric J. Op. cit., 1992, p. 31-33.
6
O conceito, empregado por Hobsbawm, é de autoria de Benedict Anderson. Significa que a nação é
uma entidade política imaginada e, como tal, implicitamente limitada e soberana. Para ele a nação
também é imaginada como uma comunidade ligada por laços de fraternidade profunda e horizontal.
Ver ANDERSON, Benedict. Op. cit., p. 14-16.
7
O “Diccionário Enciclopédico Ilustrado Sopena” define Chovinismo: Nombre que se le da al
patriotismo exagerado, irreflexivo y ridículo, cuando no falso. Ver Diccionário Enciclopédico
Ilustrado Sopena. Barcelona: Sopena, 1977, p. 1291.
8
HOBSBAWM, Eric J. Op. cit., 1990, p. 110.
9
Idem, 1990, p. 111-112.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
251
Com este sentimento subjetivo, mas arraigado, de pertencimento a uma
comunidade determinada, a um éthos, é que as massas trabalhadoras de 1914
(convertidas em soldados de exércitos nacionais) partiram para os fronts carregando
altivos suas próprias bandeiras nacionais em direção a seu destino trágico nos
campos de Yprés, Verdun ou Cambrai, onde o espectro da morte os aguardava
pacientemente, em meio a espessas nuvens de enxofre e gases tóxicos.
No entanto, a “questão nacional” para as organizações de esquerda
continuava a ser um sério ponto de debate. Na II Internacional Socialista de 1889
provocou-se uma divisão que deu origem a dois grupos diferenciados. Por um lado,
os chamados “revisionistas” ou “reformistas” e por outro os “revolucionários”. O
cisma ocorreu por divergências de ordem tática e estratégica, com respeito à luta
contra as forças do capital. Os primeiros advogavam a favor de reformas dentro da
estrutura capitalista, sem alterá-la. O segundo grupo assumia uma postura de ruptura
total com o capitalismo, pretendendo a sua completa eliminação como sistema
econômico e político. Assim, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, reformistas e
revolucionários debatiam ardentemente em torno à participação, ou não, da classe
trabalhadora em uma guerra de proporções mundiais.
Finalmente, os revisionistas abdicaram da luta de classes e do
“internacionalismo” proletário e assumiram, separadamente, uma postura belicista a
favor das burguesias “nacionais” dos seus respectivos países. Conforme afirmou
Alberto Plá: Los socialistas alemanes son más alemanes que socialistas, o por lo
menos lo son sus direcciones revisionistas, y lo mismo sucede con los demás
partidos
10
.
10
PLÁ, Alberto. “Del Manifiesto Comunista a la Revolución Rusa”. In: História del Movimiento
Obrero. Buenos Aires: CEDAL, 1991, n
0
16. p. 32.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
252
Neste sentido, para grande parte dos socialistas, a Primeira Guerra Mundial
revestiu-se oportunamente de um caráter “nacional proletário”
11
, anti-conservador e
modernizador democrático. Enfim, impregnados pelo “jacobinismo” ao que
Hobsbawm faz frequente menção. Este fenômeno pôde ser observado tanto nas
grandes potências ocidentais, como França, Grã Bretanha e Alemanha, como nas
instáveis Áustria-Hungria e Rússia, e a indecisa Itália, que demorou vários meses
para entrar no conflito.
A crítica a esta postura corresponderia a pequenos grupos de intelectuais
revolucionários, minoritários, na então social-democracia européia. Eram os que
mantiveram a concepção da luta de classes e do “internacionalismo” proletário. Entre
eles, uma liderança: Vladimir Illych Ulianov, aliás Lenin. Para a ala esquerda da
social-democracia a guerra possuía um caráter inter-imperialista e as classes
trabalhadoras deveriam voltar suas armas para os verdadeiros inimigos, ou seja, as
classes dominantes de cada nação em guerra
12
. Em suma, o inimigo não era externo.
Refutava-se o chauvinismo nacionalista de modo exemplar, o que determinava para
alguns setores da esquerda, a incompatibilidade entre nacionalismo e revolução
social. Durante um bom tempo essa seria uma postura “oficial” do comunismo, pelo
menos até meados dos anos 30, quando o nacionalismo “esquerdista” voltaria a ser
reabilitado, como veremos adiante.
Após três anos de guerra na Europa, o nacionalismo, tanto genuinamente
popular, como o incitado pelos chauvinistas e pelo Estado, saiu bastante
enfraquecido. A confiança popular nos governos europeus beligerantes decaiu
11
VIGEZZI, Brunello. “A Itália entra na Guerra”. In: História do Século XX. São Paulo: Abril, 1973,
p. 540.
12
KREMER, Ilya Semyonovich. “O Comintern” . In: História do Século XX. São Paulo: Abril,
1973, p. 995.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
253
gradualmente, ainda mais a partir de 1917, quando a agitação revolucionária na
Rússia começou a influenciar outros povos no sentido de uma autêntica revolução
social que possuísse um caráter tipicamente “internacionalista”. Esta era a esperança
dos grupos revolucionários em volta de Lenin, León Trotsky, Karl Liebknecht e Rosa
Luxemburgo. A corrente “internacionalista” dos revolucionários bolcheviques
aumentou e foi se espalhando na esquerda européia em geral.
Os socialistas-reformistas, agora rotulados de “social-chauvinistas”, caíram
em descrédito no movimento operário. As revoltas e agitações na Europa pareciam
indicar que a revolução “internacional” era iminente. O próprio Lenin inclinou-se
neste sentido, conforme registrado em vários documentos de sua autoria
13
.
A fé no espírito revolucionário e uma leitura particular dos acontecimentos
mundiais naquele momento, insuflou um otimismo exacerbado nos
internacionalistas. Em 1919, cônscios de uma vitória proletária, criaram sob
auspícios de Moscou uma nova internacional, chamada de “III Internacional” ou de
“Internacional Comunista”. Sua finalidade era a de unificar e controlar as recém
criadas seções nacionais dos partidos comunistas sob sua égide e promover a
revolução em escala mundial sob sua direção
14
. Parecia ser a derradeira pá de terra
sobre o cadáver do nacionalismo de esquerda.
No entanto, novas condições históricas inter-relacionadas se encarregariam de
mudar este perfil inicial da IC. Citemos algumas: as derrotas dos movimentos
revolucionários na Europa durante os anos 20, a divisão ideológica, e a disputa de
poder entre os bolcheviques na URSS, que levou Josef Stalin e os partidários da
13
LENIN, Vladimir I. U. Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo. São Paulo: Global, 1987, 4
ed., p. 14.
14
KREMER, Ilya Semyonovich. Op. cit., p. 1000.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
254
“revolução num só pais” ao governo, além da ascensão do nazi-fascismo, que
retomava a xenofobia e o nacionalismo chauvinista como base de seus pressupostos
teóricos. Como pano de fundo, o quadro geral da crise mundial do capitalismo em
1929, com seus variados reflexos na sociedade, como já vimos no primeiro capítulo.
Os somatórios destes fatores alteraram as rígidas e dogmáticas concepções da
IC e da URSS, levando ao abandono progressivo da postura esquerdista
“revolucionária e internacionalista” e considerando uma possível reconciliação com
um nacionalismo de viés esquerdista antes repudiado. Embora Stálin considerasse
que a luta nacional era uma luta essencialmente “burguesa”, era o momento das
classes subalternas tomarem as bandeiras da burguesia em proveito próprio, tendo os
comunistas, em todos os países, passado a advogar oportunamente em favor da causa
nacional.
Com a ascensão de Hitler ao poder em 1933 completaram-se as condições
necessárias para o ressurgimento efetivo de um nacionalismo de cunho esquerdista.
O acirramento da luta ideológica levou à necessidade de opôr ao nazi-fascismo,
dotado de um forte componente nacionalista-chauvinista, um antifascismo que
tivesse princípios nacionalistas bem definidos
15
.
É interessante notarmos que o nazi-fascismo, apesar dos seus discursos e
chavões ultranacionalistas, possuía também um caráter internacionalista” (mas
dotado de um forte eurocentrismo) ao alinhar diversas frações das direitas
“nacionais”, antes dispersas, em torno da luta anticomunista. Isso se tornaria patente
durante a Segunda Guerra Mundial, quando milhões de cidadãos europeus e de
outros povos (principalmente das colônias anglo-francesas) apoiaram a Alemanha
15
HOBSBAWM, Eric J. Op. cit., 1990, p. 174.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
255
nazista ativamente, não tanto por assumir uma posição política próxima ao nazismo,
mas acreditando que uma vitória do III Reich poderia levar à concretização de suas
aspirações nacionais
16
.
Por outro lado, o desenvolvimento de um patriotismo antifascista em cada
nação levou, paradoxalmente, também a um reforço do internacionalismo, já que as
lutas desenvolvidas no plano nacional formavam partes constitutivas de uma luta
antifascista em escala mundial. A luta antifascista revestiu-se, portanto, de um duplo
conteúdo: transformador social e emancipador nacional
17
. Movimento transformador
da sociedade pela escolha da esquerda como opção político-ideológica e de
libertação nacional, pois considerava-se que as nações estavam submetidas às forças
“internacionais” do capitalismo e da direita, da qual o fascismo era a vertente
máxima. Para as nações dependentes e periféricas como as da América Latina, por
exemplo, a luta antifascista ainda adquiria simultaneamente um caráter
antiimperialista pela identificação do fascismo como uma manifestação do
imperialismo
18
.
Nestas regiões periféricas as populações que ainda não haviam obtido os seus
direitos à autodeterminação ou que se encontravam em uma posição subordinada a
alguma potência estrangeira, o nacionalismo, além da questão lingüística (como
elemento aglutinador da identidade) passou a contar com outros elementos de suporte
e apoio ideológico, tais como a religião ou um movimento político de caráter
libertador-social. Elementos que em combinação com o nacionalismo seriam capazes
de fortalecê-lo consideravelmente e mobilizar as nascentes camadas médias e as
16
JURADO, Carlos C. Resistance Warfare 1940-1945. London: Osprey Publishing, 1985, p. 7.
17
HOBSBAWM, Eric J. Op. cit., 1990, p. 176.
18
Era o caso brasileiro. Ver MORAES, João Quartim de. Op. cit., 162-163.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
256
massas populares locais. Ocorreu então uma verdadeira amálgama entre luta de
classes e sentimento nacional, já que as classes dominantes locais apresentam-se
como aliadas das forças imperialistas.
Para os marxistas, a grande burguesia dos países dependentes apresentava -se
como um elemento “anti-nacional”, devido a sua inserção no sistema de relações
sociais. Sem falar nos vínculos, tanto econômicos quanto ideológicos, com as
burguesias dos centros capitalistas e a adoção dos modelos e soluções políticas
européias ou norte-americanas. Neste sentido, a luta nacional adquiriu um autêntico
caráter popular, onde a maioria dos movimentos operários dos países periféricos e
dependentes tiveram de inserir a “questão nacional” dentro do seu projeto político na
luta por atingir os seus objetivos de classe
19
.
Devemos destacar que os marxistas ortodoxos consideravam que na América
Latina ainda não havia acontecido a “revolução burguesa” (ou então ela havia
fracassado, ou mesmo estava incompleta) e isto implicava no fato de que a nação,
enquanto processo histórico, ainda estava também em fase construtiva. Ou seja,
evidenciando o quanto ainda permaneciam presos aos paradigmas e aos modelos
eurocentristas, os comunistas consideravam que o Estado e seus agentes não haviam
integrado devidamente o povo e forjado cidadãos e nações, como ocorrera na Europa
dos séculos XVIII e XIX.
Desta forma, via-se a “burguesia” latino-americana como incapaz de cumprir
sua tarefa histórica (realizar a revolução burguesa), por que ocupava uma posição
subalterna em relação ao imperialismo, caberia à vanguarda do proletariado o
cumprimento da tarefa em seu lugar.
19
PEREYRA, Carlos. Op. cit., p. 182.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
257
Logo, também se tornou missão dos comunistas realizar os objetivos
“nacionais” como um elemento indispensável para a consecução da etapa
“democrático-burguesa” da revolução. Uma vez concluída esta etapa, se avançaria no
sentido de propiciar e estabelecer condições objetivas e subjetivas que
possibilitassem uma futura e inexorável revolução socialista. Somente uma revolução
social propiciaria a criação de uma nação autêntica, onde a maioria da população se
sentisse finalmente integrada à sociedade e identificada com o seu Estado nacional.
Enfim, concluíu-se que somente com a união das forças progressistas e
nacionais de cada país é que se poderia enfrentar e derrotar uma direita
internacionalmente articulada. Mas o desenvolvimento dessa luta continuava sendo
uma estratégia planetária, ou seja “internacional” e seu objetivo, a prazo indefinido,
continuava sendo a revolução socialista mundial. Com este objetivo a IC no seu VII
Congresso em 1935, confirmou a nova linha tática das Frentes Populares
Antifascistas.
Lembremos que a tática frentepopulista consistia em incluir amplos setores e
grupos sociais sob a bandeira da luta antifascista e antiimperialista (nos países
dependentes) mas construída a partir da base proporcionada pela construção prévia
de uma frente única dos trabalhadores, sob direção do “partido do proletariado”, o
PC
20
. Ao mesmo tempo, as Frentes Populares serviram principalmente para
fortalecer e expandir o movimento comunista em vários países onde este apresentava
pouca ou nenhuma projeção, como no Brasil ou no restante da América Latina
21
.
O caráter “internacional” do fascismo revelou-se claramente para a esquerda
quando do envolvimento direto da Itália fascista e da Alemanha nazista apoiando os
20
DIMITROV, Jorge. Op. cit., p. 129 e ss.
21
ALBA, Victor. História del Frente Popular. Mexico: Libromex, 1959, p.147.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
258
sublevados espanhóis em julho de 1936. A partir desse momento, tornou-se explícito
que a guerra civil que se desenrolava na Espanha transbordava a sua dimensão
nacional. Não era apenas uma guerra civil, pois passou a ser considerada uma
invasão “estrangeira”, resultado de uma intervenção nazi-fascista “internacional”.
Deter esta invasão e tudo o que ela representava como o racismo, a barbárie, e a
reação era o dever de todo antifascista, seja qual fosse sua origem nacional. A causa
principal era, portanto, a luta antifascista, que por um mero acidente histórico
travava-se às portas de Madrid
22
.
No entanto, o que conferia a dimensão internacional era que essa luta poderia
travar-se, em breve, em qualquer cidade do planeta: Londres, Paris, Rio de Janeiro ou
Buenos Aires. Independente de existirem condições reais ou não que permitissem a
vitória de algum grupo ou partido parafascista, o que de fato ocorria era que estes
grupos pipocavam de forma alarmante em vários países do mundo.
Portanto, o apelo antifascista encontrou eco e mobilizou milhares de pessoas
que, se não tinham condições materiais ou conjunturais de combater o “mesmo
inimigo” em seus próprios países, tinham uma chance de fazê-lo na Espanha. Parece-
nos exemplar a seguinte citação. Um voluntário negro estadunidense disse a respeito
da motivação para lutar na Espanha: Yo queria ir a Etiopía y luchar contra Mussolini
(...) Esto no és Etiopía, pero como si lo fuera
23
. Neste caso em particular, sua
motivação em combater o fascismo tanto estava ligada à questão ideológica quanto a
da identidade étnica do voluntário.
Ou então este parecer emitido pelo Comitê Central do PC da Alemanha, então
proscrito:
22
HOBSBAWM, Eric J. Op. cit., 1990, p. 175.
23
EBY, Cecil. Op. cit., p. 21.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
259
(...) la solidariedad y la lucha de los alemanes enemigo de Hitler por la
libertad de España no era solo una manifestación de internacionalismo
proletário, sinó un deber nacional de cada patriota alemán, pues
unicamente defendiendo a la República Española se podría salvar al
pueblo alemán del peligro de una nueva guerra mundial
24
.
O mesmo transparece no relato do voluntário brasileiro Delcy Silveira:
Em Montevideu, o grupo de militares [brasileiros exilados] reunido
decidiu dar uma ajuda para os espanhóis na luta contra o fascismo. O
mesmo fascismo que fundamentava o integralismo, e que estava tão
próximo de Getúlio [Vargas], seria nosso inimigo na Espanha (...) era
nossa obrigação contribuir para a causa espanhola
25
.
Ou seja, mesmo que a luta antifascista dos voluntários das BI tivesse
essencialmente um apelo de solidariedade internacional, não deixou de ter uma
característica original básica do apelo patriótico de uma identidade nacional prévia,
que os comunistas souberam explorar coerentemente. Uma identidade que adquiriu
um duplo caráter, nacional e internacional, e que realizou uma complexa síntese
entre o patriotismo, o internacionalismo, e um ideal de transformação estrutural da
sociedade.
Para Hannah Arendt, o fenômeno das BI assustou a Europa. Não somente
pelo preconceito contra quem sai de “seu” país para lutar por “outro” que era (e
provavelmente continua sendo) muito forte. Ademais, ela destaca que, a simples
vista, poderia parecer que aqueles homens estavam se desapegando das suas
24
TEUBNER, H. “Alemania” In: ACADEMIA DE CIENCIAS DE LA URSS La Solidariedad de
los Pueblos com la República Española 1936-1939. Moscú: Progreso, 1974, p. 35.
25
SILVEIRA, Delcy. 1995, p. 27.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
260
nacionalidades originais e adotando uma outra comunidade nacional. Entretanto,
como ela mesmo disse:
Este não era absolutamente o caso. As pessoas sem Estado haviam
demonstrado surpreendente teimosia em reter a sua nacionalidade.(...) A
Brigada Internacional dividia-se em batalhões nacionais, nos quais os
alemães pensavam estar lutando contra Hitler e os italianos contra
Mussolini, da mesma forma que, apenas alguns anos depois, na
Resistência, os refugiados espanhóis julgavam estar lutando contra
Franco, quando ajudavam os franceses contra o governo colaborador de
Vichy
26
.
O que deve ser destacado aqui é que mesmo que italianos e alemães
houvessem perdido seu direito à cidadania, sendo rejeitados pelos seus governos e
não reconhecidos como cidadãos pelos seus Estados, eles continuavam a teimar em
manter a sua nacionalidade, o que indica claramente que o sentimento nacional
estava acima do Estado e de meras fronteiras territoriais, além de associar-se
genuinamente a movimentos de libertação social.
Assim como Hobsbawm procurou nos demonstrar ao longo da sua obra sobre
os nacionalismos, a identidade nacional não necessita divorciar-se de outras formas
identitárias, tais como identidade de classe, religiosa ou mesmo opção política. Muito
pelo contrário. A construção de uma identidade nacional consiste também em uma
complexa justaposição de outras identidades que se agregam e se sobrepõem, mas
mantendo cada uma suas características essenciais.
Portanto, não nos estranham as palavras e a postura do ex-combatente Delcy
Silveira ao falar do PCB, do nacionalismo e do internacionalismo:
26
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 316.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
261
Qual o partido mais brasileiro que o país já teve? Foi o Partido
Comunista Brasileiro. Além de ser nacional de ponta a ponta, é um
partido que defende os interesses do Brasil. É um partido: não resta
dúvida que é internacionalista
27
.
Quando lhe perguntamos em que sentido era “internacionalista”, Silveira
respondeu: Olha, ninguém é mais patriota do que eu, sou nacionalista até a raiz dos
cabelos, sempre fui e isso não impede que seja internacionalista. (...) De apoiar
aqueles governos que são governos do povo
28
.
4.2 Identidades e Conflito Nacional nas Brigadas Internacionais
Como já foi dito anteriormente, as BI foram engendradas pela ação de Stalin
e da Komintern a partir dos princípios emanados pelo dito antifascismo democrático
e se constituíram numa legitimação prática das teses frente-populistas de Jorge
Dimitrov apresentadas no VII Congresso da IC. Com a finalidade de legitimar esta
aliança entre burgueses e comunistas, proposta pela linha da Frente Popular
(considerada uma “ideologia de transição”
29
) e sacramentada pela criação das BI
como unidade político-militar frente-populista, houve a necessidade de desenvolver
uma identidade própria que representasse o amplo significado das BI e onde os
27
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 4.
28
Idem, 2001, p. 4.
29
O antifascismo democrático se apresentou como um denominador comum das diversas tendências
independentes da resistência européia. Era uma ideologia de transição no sentido de que possibilitava
uma passagem ulterior para a revolução proletária, tendo-se em vista que a realização da Frente
Popular somente seria possível utilizando-se como base anterior a política da Frente Única dos
trabalhadores. Ver KERNIG, C. D. Op. cit., p. 49 e ss.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
262
principais aspectos e princípios ideológicos constitutivos da teoria da Frente Popular
estivessem corretamente simbolizados.
Com esta finalidade foram utilizados vários elementos simbólicos que já
estavam presentes no imaginário social das massas populares, além de outros que
tiveram de ser criados ou adequados para encaixar-se dentro do perfil identitário das
BI, idealizado pelos “inventores” do antifascismo democrático, o movimento
comunista internacional.
No entanto, a implantação desta nova identidade nacional-antifascista nas BI
pretendia também, em seu discurso, a eliminação de resquícios e antagonismos
herdados de ideologias burguesas e chauvinistas pela direita
30
, ou do
“desviacionismo trotskista” e do “comunismo libertário” dos anarquistas pela
esquerda
31
. Na prática, observamos que certas contradições teimavam em persistir,
apesar dos esforços realizados pelo comando das BI para eliminá-las, ou no mínimo
matizá-las.
O nacionalismo de tipo chauvinista era uma das marcas “pequeno-burguesas”
que os organizadores das BI temiam e pretendiam apagar das mentes e dos corações
dos voluntários internacionais, pois opunha-se frontalmente aos ideais de igualdade e
fraternidade entre as nações que constavam como princípios basilares do
internacionalismo proletário marxista incluído na tática do antifascismo. Contudo,
parece que certas posturas antagônicas ao discurso antifascista encontravam-se
presentes nas mentalidades de alguns membros, ou até mesmo grupos dentro das
BI
32
.
30
EBY, Cecil. Op. cit., p. 53.
31
LONGO, Luigi. Op. cit., p. 58, 140-43, 259-160.
32
EBY, Cecil. Op. cit., p. 53-55.
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263
Na historiografia sobre as BI existem alguns relatos que indicam que houve
uma persistência de um patriotismo exacerbado em certos grupos nacionais, o que as
vezes levou a tensões entre as diversas nacionalidades representadas nas BI, mas de
modo algum podemos afirmar que isto fosse um comportamento predominante.
Contudo, simplesmente negá-la ou negligenciá -la em prol de uma visão idealizada
das BI, como o fez a historiografia oficial soviética ou os historiadores ortodoxos
militantes
33
, seria como mascarar os fatos.
Uma vez que a maioria dos membros das BI era de filiação comunista
ortodoxa, provavelmente estes ainda considerassem o nacionalismo e suas
manifestações em geral, como uma “excrescência pequeno burguesa” que deveria ser
subordinada ao internacionalismo proletário e a lealdade com a URSS, o único
Estado ao qual o proletariado deveria ser devotado.
Como disse Eric Hobsbawm, diferentes vínculos [de identidade] não
representariam exigências incompatíveis. Ou seja, que um soldado das BI poderia
simultaneamente ser um comunista, um operário, um antifascista, e um nacionalista.
Porém, podiam surgir incompatibilidades entre essas identidades que levassem a um
conflito. Neste sentido, os militantes [mais] comprometidos politicamente eram mais
sensíveis a tais imcompatibilidades
34
, o que já implicaria em uma hierarquização e
ordenamento das identidades.
Basta lembrarmos que imperava sobretudo a visão stalinista sobre o
nacionalismo. Portanto, tanto o nacionalismo como a democracia burguesa, somente
eram aceitos ou tolerados pela militância mais ortodoxa, devido as contingências da
33
Cito apenas alguns autores que constam na bibliografia: Mikhail Mescheriakov, Santiago Álvarez e
Dolores Ibarruri.
34
HOBSBAWM, Op. cit., 1990, p. 146.
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264
tática frente-populista antifascista, ou antiimperialista, em se tratando dos países
periféricos.
A ordenação das várias identidades constitutivas das Brigadas Internacionais
aparecia no seu solene juramento de lealdade. Os grifos são nossos:
1)Soy un voluntário de las Brigadas Internacionales porque admiro
profundamente el valor y el heroismo del pueblo español en lucha contra
el fascismo internacional.
2)Porque mis enemigos de siempre son los mismos que los del pueblo
español.
3)Porque se que si el fascismo vence en España, mañana vencerá en mi
país y mi hogar será devastado.
4)Porque soy un trabajador, un obrero, un campesino que prefiere morir
de pie a vivir de rodillas.
5)Estoy aqui porque soy un voluntário y daré, si es preciso, hasta la
última gota de mi sangre por salvar la libertad de España, la libertad del
mundo
35
.
Neste juramento repleto de justificativas ideológicas, torna -se clara a
dimensão da luta internacional contra o fascismo já no primeiro parágrafo. A seguir,
onde se lê mis enemigos de siempre son los mismos que los del pueblo español
podemos evidenciar uma marca do discurso da classe trabalhadora, mesmo que
pareça um tanto dúbia ou elástica: os enemigos de siempre poderiam ser tanto a alta
burguesia dos países desenvolvidos, quanto as elites dos países “coloniais e
semicoloniais” da periferia global. No quarto item, reforça-se somente a identidade
de classe operária, pois não inclui a “pequena burguesia” no texto, que embora
35
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 71. Nos Anexos W e X podemos observar símbolos
frentepopulistas nos cartazes de homenagem aos combatentes das BI.
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265
teoricamente alinhada com a política antifascista, teve de fato pouca participação
ativa dentro da estrutura militar das BI.
Já o terceiro item do juramento revela explicitamente o caráter nacionalista,
mesmo que subordinado, contido nos princípios básicos das Brigadas Internacionais.
No último item, aparece marcada a condição voluntária dos combatentes
internacionais
36
e sua dedicação pela causa da liberdade. Neste sentido, a maioria dos
combatentes internacionais, independente de serem comunistas ou não, se sentiam
realmente como “libertadores”
37
. Não eram soldados comuns, eram soldados -
políticos, idealistas, que lutavam por uma causa que contava com múltiplas faces.
Em livro recente e polêmico, o historiador americano Ronald Radosh
destacou a presença de conflitos entre alguns grupos nacionais representados nas BI
causado por certo preconceito nacional pre-existente
38
. Por exemplo, se num
momento crítico da batalha, um grupo de franceses desertasse, os alemães que
combatiam a seu lado poderiam argüir que a sua covardia estava ligada a sua origem
“nacional”.
Com o avanço da guerra e as sucessivas derrotas republicanas, o contingente
internacional dentro das BI foi diminuindo em relação ao número de recrutas
espanhóis. Aqui também se manifestaram casos isolados de preconceito nacional
contra os espanhóis. Ao que tudo indica, o índice de deserção entre os recrutas
nativos era elevado em comparação aos internacionais. Entretanto, a debandada e as
deserções eram causadas pela desmotivação política na luta antifascista, o que muitos
36
Era importante destacar o voluntariado dos combatentes, pois circularam na época acusações falsas
a respeito de que os comunistas engajavam pessoas à força nas BI. O que ocorria era que os
voluntários alistavam-se sem assinar um contrato onde constasse o tempo de serviço, o que ocasionou
diversos problemas, desde rebeliões até deserção. Ver THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 492.
37
CARROLL, Peter. Op. cit., p. 3. O autor referiu-se particularmente aos americanos mas o idealismo
era uma característica compartilhada por quase todos os voluntários internacionais.
38
RADOSH, Ronald. (org.) Op. cit., p. 432-433 e 448-449.
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266
internacionais viram erroneamente como pura covardia “nacional”. Assim,
transferiam-se os deslizes de indivíduos isolados, tornando-os um defeito de origem
“nacional”.
Obviamente, aqui a questão das deserções não era de fundo nacional mas sim
ideológico. A rigor, os combatentes estrangeiros, altamente politizados, não
poderiam ser comparados com recrutas mobilizados obrigatoriamente para uma
guerra com a qual não necessariamente poderiam estar identificados do mesmo
modo.
Outro detalhe importante, que deve ser levado em conta, era a origem política
dos novos soldados que poderiam ser incorporados às BI aleatoriamente, pois afinal,
desde meados de 1937, as Brigadas faziam oficialmente parte do Exército Popular.
Havia muitos recrutas vindos de núcleos anarquistas ou poumistas e que discordavam
da orientação comunista do Exército Popular e das BI, ou ainda da forma que os
comunistas conduziam a guerra.
Cabe ressaltar ainda que, entre os espanhóis, o fato de servir em um dos lados
não necessariamente significou uma escolha política. Podia-se estar no EPR ou no
franquista devido a uma mera contingência geográfica, o que explicaria também
parte das deserções, debandadas ou a baixa moral de combate. Sem falar no
oportunismo: a medida que a situação piorava para um ou outro dos lados
beligerantes, muitos soldados e oficiais se bandeavam para o lado em vantagem.
Em alguns casos, o caráter nacional parecia, por vezes, sobrepor-se ao
antifascismo. Parece ser o caso dos irlandeses, por exemplo. Boa parte de seus
membros combatera nas fileiras do Irish Republican Army (IRA) e estes mantinham
uma certa hostilidade frente aos seus colegas ingleses, com quem haviam se
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267
enfrentado há apenas alguns anos atrás. A este respeito a celeuma ocorreu na medida
em que os irlandeses haviam sido colocados no mesmo Batalhão que os ingleses, os
quais pareciam demonstrar ares de superioridade. Ocorria então uma certa
intolerância por parte de ambos grupos o que causou desentendimentos e alguns
distúrbios da ordem. Freqüentemente, os irlandeses procuravam juntar-se com os
americanos, pois muitos destes tinham origem irlandesa
39
.
Hobsbawm cita um caso de extrapolação do nacionalismo irlandês. O do
capitão Frank Ryan, um respeitado veterano líder do IRA, que comandara um
batalhão britânico nas BI e que foi capturado pelas forças franquistas tendo
desaparecido em 1938. Após o início da Segunda Guerra Mundial, Ryan apareceu
em Berlim tentando barganhar o apoio do IRA para a Alemanha
40
. Desta vez, parece
que a ideologia do antifascismo não conseguiu superar efetivamente o espírito do
nacionalismo. Todavia, o ideal antifascista geralmente passava por cima dessas
contradições entre grupos nacionais.
Um caso interessante foi o julgamento (secreto e ilegal) do capitão inglês
George Nathan, efetuado também por um grupo de irlandeses das BI. Nathan, judeu,
ex-militar do Exército inglês, servira na Irlanda e era suspeito de ser membro de um
grupo especial encarregado de exterminar patriotas irlandeses durante a guerra civil
na Irlanda, os Black and Tans. Na época da sua adesão às BI, Nathan justificou-se,
argüindo que apenas cumprira ordens, mas que, com o passar do tempo, havia
mudado seus princípios. Apesar da insistência de alguns radicais irlandeses em
39
EBY, Cecil. Op. cit., p. 53-54.
40
HOBSBAWM, Eric J. Op. cit., 1990, p. 177.
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268
executá-lo, ele foi absolvido
41
. A condição de Nathan como combatente antifascista
prevalecera sobre sua antiga condição de repressor do nacionalismo irlandês?
Acreditamos que em parte sim, mas também porque entre a maioria dos
membros das BI criou-se uma outra identidade que, neste caso, reforçava a
identidade antifascista. Uma identidade própria dos soldados, oriunda da reputação
que um soldado adquire em combate junto com os outros combatentes. Essa
reputação típica do militar, que coaduna todo um complexo código de normas,
comportamentos, valores e atributos marciais que servem para sinalizar a diferença
entre o militar e o civil. E essa diferença somente pode ser marcada e legitimada em
caso de guerra. Ou seja, como transparece na fala de John Keegan, com o intuito de
destacar que para eles próprios os soldados não são como os outros homens
42
.
Esta alteridade é ainda mais marcada se levarmos em conta que os
internacionais eram, em sua maioria, comunistas e sendo assim também se sentiam
superiores, pois tinham a missão suprema de elevar a humanidade a um estágio
social mais avançado
43
. Nestes termos, a guerra na Espanha se apresentava como
uma luta apocalíptica entre o bem e o mal, na qual os voluntários das BI
representavam a vanguarda da história. Essa alta motivação dada pela consciência
política, aliada ao comprometimento com a causa e um ódio mortal ao inimigo,
contribuiu muito para a formação do esprit de corps das BI enquanto unidade de elite
político militar
44
.
41
WYDEN, Peter. La Guerra Apasionada. Madrid: Alcor, 1996, p. 246-247.
42
KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.16.
43
CARROLL, Peter. Op. cit., p. 108-109.
44
Idem, Op. cit., p. 117-121
© Nacionalismo e Internacionalismo©
269
No caso específico de um oficial como Nathan, destaca-se o respeito e o
reconhecimento como “líder” que recebeu de seus subalternos, algo que não podia
ser adquirido simplesmente pela patente e pelas insígnias indicativas da hierarquia
superior, mas que devia ser “conquistado”. O inglês Nathan, como soldado, ganhou
na luta o respeito dos seus comandados e, consequentemente, uma chance de
reabilitação política.
Em seu depoimento, o voluntário brasileiro Delcy Silveira, que
desempenhou funções de comando na linha de frente, esclareceu melhor os
significados dessa complexa teia de relação entre os soldados e o seu comandante,
principalmente nos momentos mais críticos da batalha:
No combate, eu tinha poder de vida e morte sobre eles [a tropa](...)como
soldado que sempre fui e sou. Como comandante sempre fui exigente,
mas justo, mantendo uma grande camaradagem com os meus
comandados e companheiros. Os soldados tem que saber que seu
comandante é capaz de cumprir uma ordem por ele dada. No combate, o
galão vale pouco, mas a confiança que se inspira nos comandados por
sua atitude frente ao inimigo conta muito. (...) Infeliz o comandante que
demonstra que está acovardado perante os seus soldados ...
45
.
Exigência, justiça, coragem, camaradagem, disciplina, confiança e atitude.
Todos estes valores e atributos éticos e morais do soldado estão presentes na fala do
ex-combatente Silveira, exemplificando aquela identidade militar tão peculiar, que
chamamos de esprit de corps e que entendemos também como significando
45
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 3.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
270
(...) a integração e solidariedade oriundas do “encantamento afetivo”
que nasce do poder admirar a si mesmo em seus pares e do sentimento
de solidariedade que repousa sobre a comunidade de esquemas de
percepção, de apreciação, de pensamento e de ação
46
.
Esse “sentimento de solidariedade” entre os combatentes exacerbava-se na
tênue precariedade da vida na linha de frente e inclusive conseguiu superar, em
alguns casos, as diferenças ideológicas entre as esquerdas que grassavam na
retaguarda e fragmentavam internamente o campo republicano:
En el frente, la solidariedad no es una palabra hueca, retórica. Los
envios que se recibían de amigos y familiares se repartían hasta dónde
alcanzaban. En primera línea, desaparecen las discrepancias políticas.
El enemigo común, el fascismo, es el único punto de mira
47
.
As palavras acima não pertencem a um soldado qualquer das BI, mas sim a
um “ex-poumista” que preferiu continuar a luta contra o fascismo, mesmo correndo o
risco de ser descoberto e suprimido pela máquina repressiva stalinista.
Uma outra questão que atingiu seriamente a estrutura das Brigadas era o
problema com a manutenção da disciplina militar. A instituição de uma cadeia
hierárquica vertical mais rígida que a partidária provocou profundos ressentimentos
entre homens que possuíam uma visão mais democrática e que idealizavam um
“exército popular” diferente daquele apresentado na realidade.
O que acontecia na verdade, era que muitos desses voluntários, jovens
militantes oriundos da vida civil, haviam se formado dentro de um clima
46
CASTRO, Celso. Os Militares e a República: Um Estudo sobre Cultura e Ação Política. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995, p. 38.
47
VIVES, Francisco de Cabo. Op. cit, p. 3.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
271
contestatório, acostumados ao debate e a decisão coletiva e custavam a aceitar
cegamente ordens sem questionar o porquê das mesmas
48
. Por outro lado, haviam
elaborado uma visão singular plasmada de estereótipos e romantizada da luta
revolucionária. Segundo Delperrie de Bayac, con la cabeza llena de imágenes de
novelas izquierdistas por entregas
49
.
Este problema certamente não atingiu os voluntários brasileiros. Como em
sua maioria eram ex-militares profissionais, eles já estavam acostumados com a
rotina disciplinar e o respeito à “cadeia de comando”, onde a manutenção da
hierarquia é essencial ao funcionamento da instituição militar. Além disso, os
voluntários brasileiros eram comunistas devotados, e como tal, aceitaram em
princípio a disciplina e a hierarquia imposta pelo partido. Cabe ressaltar que a
verticalidade hierárquica e o sentido de disciplina foram dois importantes fatores de
identificação que serviram para aproximar militares profissionais de vários países
com os comunistas (além da propaganda pelo nacionalismo a partir de 1935).
Simultaneamente, muitos outros voluntários internacionais, principalmente os
não comunistas, chocaram-se ao ver o monolitismo político e a rigidez dogmática do
alto comando e dos quadros das BI.
O dirigente comunista italiano Luigi Longo era um dos encarregados de
enfrentar os problemas decorrentes de indisciplina, que foram sendo resolvidos a
muito custo. Assim, tanto os soldados podiam recusar-se a receber as ordens, quanto
certos oficiais inexperientes que se negaram a exercer plenamente o seu comando.
Logo, o comissariado geral manifestou a necessidade de impor uma rigidez
disciplinar implacável.
48
CARROLL, Peter. Op. cit., p. 112-113.
49
BAYAC. Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 86.
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272
Nas próprias palavras de Luigi Longo, comissário-geral das BI em 1937: (...)
solamente una formación militar bien organizada y disciplinada puede derrotar al
enemigo, y que es necesario fundir en un bloque homogéneo, indisoluble, los
temperamentos, los interesses particulares y nacionales
50
.
Frente a urgência da luta não havia muito espaço para veleidades pessoais ou
grupais em meio a tal contexto. Interessante notar que, na fala de Longo, os
“interesses nacionais”, elemento constitutivo da identidade antifascista, foram
rebaixados e colocados praticamente no mesmo patamar que os “interesses
particulares”. É bem provável que o dirigente comunista italiano Luigi Longo, no
exercício de seu poder, tenha enfrentado alguns problemas com relação ao
sentimento nacional dos voluntários. Ao longo do seu livro, escrito depois da guerra,
ele descreveu a sua preocupação na época em evitar, ou minimizar, o surgimento de
diferenças “nacionais” ou políticas, imprimindo um caráter de organicidade e coesão
às Brigadas. Todavia, preservou o silêncio no tocante as medidas utilizadas de fato
para suprimir estas manifestações de cunho político ou nacional.
Em realidade, os elementos rebeldes ou insubordinados teriam de submeter-se
obrigatoriamente à disciplina das BI, se não fosse pela palavra e o cansativo trabalho
ideológico dos comissários políticos, seria em último recurso, pela repressão direta
51
.
Mas, se os “interesses nacionais” eram considerados por alguns dirigentes das
BI como um fator “menor” em relação a luta antifascista, porque eles teimavam em
aparecer? Talvez, em função do seu dogmatismo político os dirigentes das BI não
soubessem como responder a essa pergunta. Quiçá não a entenderiam. Mas
certamente sentiam que era necessário agir com cautela para evitar maiores
50
LONGO, Luigi. Op. cit., p. 60-61.
51
MATTHEWS, Herbert. Op. cit., p. 209-210.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
273
desentendimentos entre as diversas nacionalidades que integravam as BI. Se por um
lado deveriam tolerar ou aceitar certas manifestações de índole nacional dentro dos
limites do espírito frente-populista, por outro deveriam impedir que estes indicativos
de nacionalidade ultrapassassem de longe o antifascismo e o internacionalismo, aos
quais deveriam estar sujeitos.
Neste sentido, são reveladoras as palavras do comissário geral das BI no texto
seguinte, e que mostram como foi complexa a construção das BI devido a pluralidade
político-ideológica e nacional, além do temor que as divergências nacionais
pudessem quebrar a unidade orgânica das Brigadas:
Para cortar cualquier motivo de sospecha o desacuerdo político se
proibe en las formaciones militares de los voluntários internacionales el
uso de cualquier insignia o distintivo de partido, de sindicato, o de
cualquier outra organización partidaria. La bandera española es nuestra
bandera oficial, por cuya victória combatimos. Por el momento se tolera
el uso de la bandera roja sin inscripciones o símbolos de partido
como símbolo de la solidariedad internacional. Como distintivo
particular de los voluntários y de los cuerpos internacionales se adopta
la estrella de tres picos, símbolo del frente popular en todos los países
52
.
Mas há ainda outras preocupações expressas no texto: a de minimizar a
presença comunista nas BI e realçar a lealdade com a Espanha. Pois deveriam
convencer os republicanos espanhóis não comunistas de que os voluntários
internacionais estavam comprometidos com a luta “nacional” dos espanhóis contra a
intervenção “estrangeira” do fascismo e não atendendo aos interesses particulares da
URSS.
52
LONGO, Luigi. Op. cit., p. 58.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
274
Claro está que independentemente das ordens expressas pelo comando das BI,
as diversas unidades ainda encontravam alternativas ou criavam brechas afim de
expressar suas nacionalidades. Desde o início da GCE e antes mesmo da criação das
BI, os voluntários estrangeiros agrupados nas diversas milícias sentiram a
necessidade de mostrar-se enquanto estrangeiros, afirmando suas identidades
nacionais de várias formas, porém destacando primeiramente a índole da luta
antifascista, à qual estavam “internacionalmente” ligados.
As mais básicas demonstrações de identidade nacional foram, apesar de
oficialmente “proibidas”, a colocação de um rótulo indicativo de nacionalidade nas
bande iras e estandartes das milícias nas quais estavam concentrados os grupos
nacionais. Outro indicativo de nacionalidade presente era o nome escolhido pela
milícia que homenageava, geralmente, algum personagem revolucionário ilustre do
país em questão, vivo ou morto. O nome podia também evocar alguma data ou
acontecimento ligado à tradição revolucionária do país.
Por exemplo, a milícia inglesa levava o nome de “Tom Mann”, que não era o
famoso escritor antifascista alemão Thomas Mann, mas sim um homônimo seu, um
modesto sindicalista inglês do século XIX
53
. Cabe destacar que estas manifestações
não eram regras, mas apenas tendências.
Com a formação das BI, esta tendência de marcar a identidade nacional
continuou. O agrupamento dos voluntários em nível de Brigada, por parte do
comando das BI, seguia uma ordem lingüística principalmente por questões
referentes ao bom funcionamento da organização militar. Afinal de contas, havia
mais de 54 nacionalidades representadas nas BI e aproximadamente 20 línguas
53
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p. 62.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
275
diferentes sendo faladas no conjunto. Nem todas as nacionalidades poderiam ter sua
representação única: isto era um privilégio dos grupos nacionais mais numerosos.
O grupo dos militares brasileiros, por exemplo, era constituído por um
punhado de homens que encontrava-se disperso dentro da XII BI, de maioria italiana.
Outros brasileiros, como já vimos anteriormente, estavam integrados a unidades
comuns do EPR. Apesar do pedido realizado ao CC do PCE, por Roberto Morena ,
para agrupar e coordenar a atuação da delegação brasileira
54
isto não ocorreu,
provavelmente em função do reduzido número de voluntários e consequentemente
pouco poder político.
Os grupos nacionais menores podiam agrupar-se melhor nas subdivisões das
unidades maiores. Ou seja, cada Brigada compunha-se de vários batalhões cujo
número variou de acordo com o período da guerra e com o fluxo de voluntários. Por
sua vez, cada batalhão era composto, geralmente, por quatro companhias,
subdivididas frequentemente, em dois pelotões. Uma Brigada poderia ter várias
nacionalidades representadas, mas o grupo mais numeroso lhe conferia o caráter
nacional. Por exemplo, na XIV Brigada franco-belga conhecida também por La
Marsellaise, havia um batalhão significativamente denominado Nueve Naciones e
outro inteiramente espanhol, denominado Domingo Germinal
55
.
Portanto, a medida em que se reduziam as unidades, identificaremos com
maior facilidade os grupos nacionais, ou seja, por exemplo: Batalhão búlgaro
Dimitrov, ou Batalhão francês Commune de Paris. As unidades menores, como
companhias e pelotões, possuíam maior autonomia para escolher seus próprios
nomes, representando uma escolha mais democrática e legítima dos heróis da classe
54
Carta de Roberto Morena ao CC do PCE, 20/03/1938. Arquivo da IC, Microfilme número 10, AEL.
55
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p. 8.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
276
trabalhadora. Por exemplo, os irlandeses, que se encontravam forçosamente inseridos
dentro da XV BI, de maioria britânica, formaram a “James Connolly section”,
homenageando o mártir da causa nacional irlandesa, morto em 1916 pelos ingleses.
Como toda organização militar, as BI necessitaram de uma série de atributos
marciais que lhe conferissem um caráter tipicamente militar. Normalmente, estes
aspectos militares obedecem a uma tradição militar prévia, inventada ou não. Como
as BI foram uma criação sem precedentes e com boa parte de seus membros oriunda
da vida civil foi necessário desenvolver rapidamente uma série de características
militares típicas de um exército comum: saudação regulamentar, marchas, bandeiras,
uniformes e insígnias.
No entanto, estes aspectos deveriam diferenciar as BI de um exército
“burguês” e marcar seu caráter popular e antifascista acima de tudo. Como já
dissemos anteriormente, as BI possuíam uma complexo agregado de múltiplas
identidades que deveria contemplar em primeiro lugar a luta antifascista, mas
simultaneamente, respeitar e permitir o sentimento nacional de cada grupo
participante, mesmo que fosse de um modo bastante limitado ou subjetivo.
Logo, a conhecida continência militar universal viu-se substituída por uma
adaptação militarizada da saudação frente -populista com o punho fechado, símbolo
originário dos comunistas alemães em oposição à mão espalmada dos nazi-fascistas,
conhecido por “saudação romana”
56
. A saudação do punho fechado seria
posteriormente adotada por todo o EPR, como podemos observar nas fotos dos
Anexos T e U.
56
CARDONÁ, Ricardo. R. & PAZOS, Carlos. F. Ejército Popular Republicano 1936-1939.
Uniformes y Pertrechos. Madrid: Almena, 1997, p. 33.
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As insígnias militares, fator essencial na identificação da hierarquia e das
especializações dos militares, também refletiu nitidamente o caráter antifascista. O
símbolo principal das BI foi a estrela de três pontas, que identificava a união da
Frente Popular
57
. A crescente influência soviética na organização do Exército da
República refletiu-se também no seu aspecto externo. No mesmo decreto de criação
do EPR, em outubro de 1936, foram estabelecidas normas a respeito dos novos
uniformes e insígnias em substituição àquelas do antigo Exército e pela eliminação
do caráter partidário das milícias que usavam um sistema de identificação próprio.
Nestes novos regulamentos a inspiração comunista soviética não podia ser
desprezada, e insinuava-se na adoção da estrela vermelha de cinco pontas, cujo uso
obrigatório se estendeu a todo o EPR
58
.
Para termos uma idéia da força de um símbolo quando inserido num
determinado contexto, podemos citar o ocorrido durante a rebelião comandada pelo
coronel Segismundo Casado (apoiado por anarquistas e socialistas) contra o governo
Negrín e os comunistas no final da guerra. Uma das primeiras ordens de Casado ao
seus camaradas rebelados foi a de arrancar todas as estrelas vermelhas dos uniformes
do EPR
59
.
No entanto, o caráter “civil” de boa parte dos voluntários internacionais,
refratário à organização militar em geral, e a dificuldade de manter a uniformização
em um país em guerra fez com que inicialmente os internacionais utilizassem uma
estranha combinação de trajes civis com uniformes das mais variadas origens, visto
que alguns chegaram de seus países, já portando um uniforme próprio.
57
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p. 51.
58
CARDONÁ, Ricardo. R. & PAZOS, Carlos. F. Op. cit., p. 36-37.
59
THOMAS, Hugh. Op. cit., p. 970.
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Foi o caso dos primeiros voluntários norte -americanos que, antes de partir de
New York, passaram em lojas de suprimentos militares usados e chegaram na
Espanha desfilando com impecáveis uniformes do Exército yankee, seguindo a
bandeira nacional dos EUA, a bandeira vermelha indicativa do batalhão e cantando
The Star Spangled Banner e a Internacional
60
. A mesmo tempo, muitos norte -
americanos identificaram a Guerra Civil Espanhola com a própria Guerra Civil
Norte -americana.
De acordo com Peter Carroll, estes apelos patrióticos denotavam uma certa
dose de ingenuidade e ignorância. Porém, dado o isolacionismo proposto por
Roosevelt, chamar a atenção dos norte -americanos para os assuntos internacionais
demandavam o uso destes paralelos nacionais
61
.
Por outro lado, o emblema revolucionário mais presente nas Brigadas foi a
bandeira vermelha, cuja origem remontava às revoltas camponesas da era medieval.
Num passado recente esta se fazia presente nos garibaldinos, passando pela Comuna
de Paris e chegando à Revolução Soviética. Quando da criação da URSS, adotou-se a
bandeira vermelha como “insígnia nacional”, representando a união das repúblicas
socialistas soviéticas e abolindo-se os antigos símbolos “nacionais” da Rússia
czarista. Somavam-se ainda a foice e o martelo, que sobrepostos indicavam a união e
a identificação mútua com a causa do proletariado e da massa camponesa.
Portanto, a adoção inicial da cor vermelha nas bandeiras militares dos
batalhões e companhias das BI pareceu uma escolha óbvia. Além do mais, conforme
Hobsbawm, tanto dentro como fora do movimento comunista, a combinação da cor
60
EBY, Cecil. Op. cit., p. 22.
61
CARROLL, Peter. Op. cit., p. 73.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
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vermelha com as bandeiras nacionais era genuinamente popular
62
. Sobre a bandeira
vermelha sobrepunham-se geralmente os dizeres que indicavam a origem nacional, o
nome e número daquela unidade e algum elemento indicativo antifascista ou
comunista, mesmo que proibidos.
Houveram, no entanto, algumas exceções à regra. As companhias norte-
americanas freqüentemente utilizaram a cor azul de fundo e os irlandeses, a verde,
também cores “nacionais” de ambos países. Nada de estranho, pois o próprio PC dos
EUA considerava o comunismo como o americanismo do século XX
63
e entre os
irlandeses das BI havia um importante número de nacionalistas militantes do IRA
que ocupavam posição de destaque hierárquico, como o já citado Frank Ryan
64
.
Com a integração oficial das BI no Exército Popular, tentou-se unificar as
bandeiras de acordo com os padrões estabelecidos pelas normas do EPR, acabando
com as irregularidades. Em lugar das cores vermelhas, as cores da República
Espanhola, acrescidas apenas do nome da unidade. Significativo de um tempo em
que o Exército Republicano tentava minimizar a influência comunista nas BI mas
também, provavelmente, porque o número de voluntários estrangeiros nas BI tivesse
decaído sensivelmente desde fins de 1937. Evidenciou-se, portanto, um processo de
incipiente “hispanização” das BI.
Outro importante fator de identificação simbólica antifascista e nacional
foram hinos e marchas, fossem eles “revolucionários” ou “nacionais”. Muitos destes
hinos possuíam este duplo caráter, nacional e revolucionário. Era o caso da
62
HOBSBAWM, Eric J. Op. cit., 1990, p. 174.
63
Idem, 1990, p. 174
64
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p. 32.
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280
Marselhesa, pois além de ser o primeiro e o mais famoso hino revolucionário da
idade contemporânea, escrito em 1792 por Rouget de Lisle, também é o hino
nacional francês.
Suas vibrantes estrofes possuíam o forte apelo revolucionário do antigo
nacionalismo jacobinista. Seus acordes marciais imprimiam na Marselhesa um efeito
emocional profundo. Vejamos um relato a respeito, no depoimento de Delcy Silveira:
O ambiente era pesado. A nossa direita, encontráva-se uma unidade francesa. Em
determinado momento um clarim tocou A Marselhesa; foi algo indescritível e
emocionante, levantando o moral dos combatentes
65
.
A vívida descrição daquele momento de emoção não foi proveniente de um
francês, mas sim de um brasileiro, igualmente tocado por aquele ícone duplamente
simbólico, nacional-patriótico e internacional-revolucionário, que sintetizado na
Marselhesa parecia adequado e representativo da mística do movimento antifascista.
Outro hino dos tempos da Revolução Francesa era o Hymne a la Victoire,
escrito em 1794. No livro de canções das BI, editado em 1938, as letras de ambos
hinos aparecem juntamente com uma ilustração de Robespierre e uma frase de Graco
Babeuf, que exaltava o jacobinismo como sinônimo de democracia
66
.
Contudo, o hino mais propagado era obviamente “A Internacional”. Este
hino, escrito por Eugéne Pottier em 1871 e musicado por P. Degeyter, encontrava-se
ancorado na tradição mais próxima da luta do proletariado e das classes subjugadas
na Europa: datava da época da Comuna de Paris. Sua adoção como hino da URSS,
em tempos de Lenin, legitimava seu perfil de “hino condutor das massas populares”
65
SILVEIRA, Delcy. 1995, p. 44.
66
Comisariado General de las Brigadas Internacionales. Canciones de las Brigadas Internacionales.
(Originalmente editado por Ernst Busch, Barcelona, 1938. ) Buenos Aires: Adunar, 1971, p. 67.
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281
e símbolo da luta de classes internacional. Cada grupo nacional, o cantava em sua
língua nativa, geralmente acompanhado ou melhor, seguido, pelos seus próprios
hinos nacionais
67
. No livro de canções das BI, “A Internacional” aparecia traduzida
em treze idiomas: francês, espanhol, alemão, italiano, dinamarquês, sueco, holandês,
inglês (versões inglesa e norte-americana), hebraico, tcheco, servo-croata, polonês e
russo
68
.
Além disso, alguns grupos nacionais compuseram hinos para as suas unidades
dentro das BI. Esses hinos não poderiam carecer do mesmo caráter identitário
antifascista e nacional, como o hino dos combatentes norte-americanos:
We march, Americans,
To defend our working class,
To uphold democracy,
And mow the fascists down like grass,
We’re marching to victory.
Our hearts are set, our fists are clenched
A cause like ours can’t help but win,
The fascists steel will bend like tin
We give our word, they shall not pass.
No Pasarán!
We give our word, they shall not pass!
69
Ou mesmo o hino dos voluntários mexicanos, composto por Plá e Beltrán,
significativamente intitulado “México en España”:
67
EBY, Cecil. Op. cit., p. 40.
68
Comisariado General de las Brigadas Internacionales. Op.cit, 1971, p. 136 e ss.
69
“Adiante, norte-americanos, para defender nossa classe operária, em suporte da democracia, e podar
os fascistas como grama. Marcharemos para a vitória, nossos corações estão preparados, nossos
punhos fechados, a nossa causa deve triunfar, o aço fascista se dobrará como lata, prometemos que
não vão passar! Não vão passar! Prometemos que não vão passar!”. Estrofe do hino oficial do
“Batalhão Abraham Lincoln”, in: EBY Cecil. Op. cit., p. 41-42.
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282
Dejamos las tierras del verde maiz
del Valle del Anahuác vinimos aqui.
A ganar com la sangre una vida sin par
que forje la aurora de la Humanidad.
No importa en la lucha caer.
La muerte no puede vencer.
Ya España camina al futuro
70
.
Outro hino com estrofes carregadas de apelos nacionalistas e antifascistas
(por parte de italianos e espanhóis) era a canção da XII Brigada Internacional, de
maioria italiana. Seus combatentes, os chamados “garibaldinos”, antifascistas de
primeira ordem e considerados apátridas devido a sua condição de refugiados sem
cidadania deviam vislumbrar nas heróicas estrofes da canção o retorno à terra pátria
livre do fascio. Optamos por transcrever os trechos mais significativos:
(...) Garibaldinos en pie y adelante
Por la victória del pueblo español
(...) Oh, Garibaldi, tu nombre resuena
como la base de nuestra redención
Hijos de acero del pueblo italiano;
hombres que saben cumplir su deber,
vuestra conducta señaló el camino
a nuestro pueblo que sabrá vencer.
Tras los mares en la esclava Itália,
vuestros hermanos que el fascio aplastó
saben que vuestra victória en España
será la aurora de su liberación
71
.
70
Comisariado General de las Brigadas Internacionales. Op.cit, 1971, p. 130.
71
Idem, p. 82. Interessante destacar que a XII BI era a única das Brigadas onde os comunistas não
tinham maior preponderância.
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283
Podemos referir ainda um outro fator de identificação entre os grupos
formadores das Brigadas. Eram as denominações ou títulos adquiridos pelas unidades
nacionais nas BI. Como já dissemos anteriormente, cada unidade ou grupo, procurou
identificar-se com uma denominação que simbolizasse o comprometimento com a
luta antifascista e nacional-revolucionária.
Como John Keegan escreveu ao tratar de uma outra unidade político-militar
de elite
72
, a criação de títulos e nomes das formações militares também eram
elementos importantes na construção de um esprit de corps da unidade militar. Ao
evocar uma origem no passado com a qual se identificassem, buscavam legitimar-se
como os novos herdeiros de uma longa tradição.
Às vezes, a escolha do nome da unidade devia tornar-se uma tarefa
complicada pois a utilização de um ídolo, ou ícone com o perfil almejado, dependia
diretamente das condições históricas e da tradição de resistência das classes
populares em cada país. Logo, podemos dizer que, em geral, especificidades
nacionais concretas direcionaram a escolha de um elemento simbólico que melhor
pudesse representar o conjunto complexo de identidades presentes no antifascismo.
Contudo, nem todos os grupos nacionais podiam contar com uma história
nacional revolucionária tão rica e farta como a francesa, que remontava à re volução
de 1789 e passava pela Comuna de Paris em 1871. Processos históricos significativos
cuja abrangência ultrapassava a dimensão nacional francesa e européia, e que
serviram de inspiração para a maioria dos revolucionários “clássicos”, como Marx,
72
Keegan trabalhou com as Waffen SS, o braço político militar multinacional das temidas SS alemãs.
As Waffen SS seriam uma espécie de “negativo” das BI: sua causa era o anticomunismo. KEEGAN,
John. The Waffen SS. New York: Ballantine, 1970, p. 135.
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284
Engels ou Bakunin. Considerava-se, no methier revolucionário, a Revolução
Francesa como uma precursora de todas as revoluções.
Portanto, não faltavam aos franceses (de longe o maior grupo dentro das BI)
heróis e mitos revolucionários “nacionais” de amplitude “internacional” suficientes
para batizar seus Batalhões e Companhias: Batallion Comunne de Paris, Batallion
Vaillant-Coutouriére, Batallion Henri Barbusse, XIV BI La Marsellaise, Batallion
Pierre Brachet e outros
73
.
O mesmo podemos dizer dos ingleses, cuja longa história de luta de classes,
remontava aos primórdios da Revolução Industrial. A escolha dos seus “heróis
nacionais” caía naturalmente sobre os organizadores do sindicalismo e líderes do
trabalhismo inglês do século XIX e XX
74
.
Havia, no entanto, certos casos em que a identidade antifascista ou nacional-
democrática teve de ser construída, ou melhor inventada, sem uma base concreta
mais plausível. Nem tanto por falta de personagens históricos “fundadores”, mas é
que certos personagens, autenticamente revolucionários, não se adequavam à
orientação ideológica presente na URSS dos tempos stalinianos, o que se refletia,
portanto, no posicionamento ideológico dos PC’s, na Komintern, e nas BI. A criação
deste imaginário político obedecia estritamente aos propósitos de legitimação do
programa político e ideológico do antifascismo.
Um fator a ser destacado é que alguns dos nomes escolhidos para ser os
ídolos nacionais da classe trabalhadora e do antifascismo se encontravam mortos, o
que facilitava a retomada e a recuperação total, parcial ou distorcida da sua imagem.
73
BRADLEY, Kenneth. Op. cit., p. 8 e 31.
74
Idem, p. 60-61.
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285
Era o caso de Hans Beimler, genuíno e popular dirigente comunista alemão que foi
assassinado por ordens de Moscou. Sua imagem de “mártir” da causa antifascista foi
amplamente explorada pela máquina de propaganda da Komintern e pelo comando
das BI
75
, sendo construída com base na admiração e popularidade que tinha entre
seus companheiros de batalha.
Entretanto, parece estranho vermos o resgate da imagem do líder anarquista
Buenaventura Durruti no livro de canções das Brigadas, publicado em 1938, sendo
que Durruti era um ferrenho oponente dos comunistas e que estes não tinham apreço
pelos anarquistas em geral. A inclusão do hino anarquista e da imagem de Durruti na
galeria de heróis das BI
76
, certamente não se dirigia aos voluntários estrangeiros
(onde haviam muito poucos anarquistas), mas sim à massa de soldados espanhóis
vindos das milícias (muitos deles anarquistas) responsáveis por cobrir os vazios das
unidades internacionais, como vimos no Capítulo 3.
Ou seja, que a imagem podia ser construída ou modificada de acordo com os
parâmetros estabelecidos pela Komintern, freqüentemente afim de agradar às
variadas correntes políticas presentes na Frente Popular Antifascista.
Parece-nos também o caso dos comunistas norte-americanos, que a fim de
tornar o comunismo mais aceitável frente à conservadora sociedade americana e
legitimá-lo como uma manifestação autêntica do “espírito democrático” dos Estados
Unidos, recorreram não à imagem de conhecidos líderes proletários como Nicola
75
VIDAL, César. Op. cit., p. 89-90.
76
No prólogo do livro diz o seguinte: Este fué el cancionero, y no outro. Aqui la música, la letra y los
personajes que ellos, los brigadistas, quisieron poner dentro de sus páginas. Em síntese, a frase
legitima, em linhas gerais, estes elementos como constitutivos da identidade dos internacionais.
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286
Sacco e Bartolomeo Vanzetti ou Eugene Debs
77
, mas sim a dois mitos de origem do
“americanismo”: os presidentes George Washington e Abraham Lincoln,
considerados founding fathers da nação norte -americana
78
.
Caso similar é dos comunistas italianos, que resgataram a imagem de
Giuseppe Garibaldi, um dos fundadores da nação italiana e do Risorgimento, figura
histórica que até a Primeira Guerra Mundial era exaltado quase que unicamente pela
direita chauvinista
79
.
Em contrapartida, muitos dos nomes escolhidos para nomear unidades das BI
pertenciam a dirigentes e lideranças que estavam vivos e até mesmo presentes dentro
das BI, tais como André Marty, o Comandante geral das BI e Georgii Dimitrov,
presidente da Komintern, provavelmente sendo utilizados como modelos exemplares
nos quais os militantes deveriam se espelhar e pautar sua conduta
80
, dentro do
espírito de culto a personalidade típico do stalinismo.
Em contrapartida a estas tentativas e “fabricações” de heróis e modelos ideais
cabe-nos destacar a postura ética de um líder que soube impedir com sutileza a
cooptação da sua imagem. Sabese que em determinado momento da Guerra Civil
Espanhola se propôs a escolha do nome do presidente mexicano Lázaro Cárdenas
como homenageado para nomear um Batalhão do Exército republicano ou talvez das
BI. Ao ser consultado sobre a questão, Cárdenas respondeu da seguinte forma:
77
Acreditamos que havia bons motivos para “esquecer” estes líderes: Sacco e Vanzetti eram
imigrantes italianos que haviam sido executados nos EUA. Mas eram anarquistas. Eugene Debs era
um socialista histórico ligado a II Internacional. Os anarquistas resgataram a imagem de Sacco e
Vanzetti ao intitular uma coluna miliciana som seus nomes. Por outro lado, os socialistas norte-
americanos fundaram uma “Coluna Eugene Debs”, que no entanto nunca sequer chegou a Espanha.
Posteriormente, alguns de seus membros ingressaram na XV BI “Abraham Lincoln” de maioria
comunista. Ver CARROLL, Peter. Op. Cit.
78
EBY, Cecil. Op. cit., p. 26.
79
VIGEZZI, Brunello. Op. cit., p. 537 e ss.
80
FERREIRA, Jorge. Op. cit., p. 77 e ss.
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287
Agradezco profundamente el honor que se me ofrece, pero rogaria
atentamente al comandante de la división me permitiera declinar su
ofrecimiento, pués considero que no puede emitirse juicio sobre
hombres que aún se encuentran en le ejercício de sus responsabilidades
públicas sino hasta que su obra haya sido terminada y juzgada por la
história
81
.
Neste sentido, André Marty foi julgado, não somente pela história, mas sim
pelos próprios comunistas ortodoxos franceses, que o expulsaram do PCF em 1952.
O antigo “herói do Mar Negro” converteu-se numa vítima do próprio sistema
repressivo stalinista que havia ajudado a implantar com tanto zelo, em nome da causa
revolucionária. Nos livros publicados pelos autores comunistas da época, o Batalhão
que levou seu nome aparecia apenas como “Batalhão Franco-Belga”. E como disse
César Vidal, mais uma vez se reinventava o passado para criar um novo futuro
82
.
4.3 Os Voluntários Brasileiros: política e ideologia.
Praticamente desde a sua criação, as Brigadas Internacionais estiveram
sujeitas a um estrito controle político, ideológico e moral, sendo seus integrantes
examinados quase constantemente por um complexo e ramificado aparato policial-
repressivo sob controle do PCE e da Komintern. Sabemos, inclusive, que na Espanha
atuou ativamente um braço da NKVD e da Obyedinyonnoy Gosudarstvennoy
Politicheskoy Upravlenie (OGPU)
83
soviética. Enquanto os voluntários
internacionais davam o seu sangue pela causa antifascista na frente de batalha, na
retaguarda, os agentes da Komintern cuidavam de aniquilar dissidentes ou supostos
81
BAUMANN, Gino G. Op. cit., p. 150.
82
VIDAL, César. Op. cit., p. 340.
83
Literalmente, Diretorado Estatal Político Unificado.
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dissidentes de Stalin, todos convertidos em “auxiliares” ou “espiões” à serviço do
fascismo internacional.
Originalmente, a instalação de um sistema de controle para verificar a
idoneidade dos voluntários que afluíam a Espanha era uma questão primordial de
segurança, para evitar ou conter a infiltração de agentes policiais de vários países
ocidentais (interessados em saber como funcionava por dentro a máquina comunista),
de agentes provocadores ou sabotadores a serviço de Franco e de espiões alemães ou
italianos. À medida que a influência soviética foi crescendo na Espanha, foi também
mudando o foco dos mecanismos de controle, que passaram a agir em função das
premissas soviéticas
84
.
Desde o primeiro momento em que o indivíduo se apresentava como
voluntário para lutar na Espanha, ele começava a ser investigado em várias
instâncias. Em primeiro lugar, o PC local investigava, dentro das suas possibilidades,
a origem do candidato: origem social da família, filiação política, atuação sindical e
comprometimento com a causa. A aprovação vinha na forma de um parecer que
apresentava o candidato ao centro recrutador.
No caso dos brasileiros não era muito diferente, embora o “pequeno” PCB
não dispusesse das mesmas condições que os “grandes” PC’s (como o PCF) para
poder efetuar um controle de seus militantes. Mesmo assim, o esquema de vigilância
interna do PCB funcionava mesmo durante a prisão (para minimizar o perigo da
infiltração policial
85
), por onde haviam passado quase todos os futuros voluntários
84
VIDAL, César. Op. cit., p. 359 e ss.
85
Disse Delcy Silveira: De vez em quando, a polícia colocava um espião no nosso meio.(...) Tínhamos
um serviço de segurança bastante eficiente dentro do presídio, então passávamos a observar e
conversar com o dito preso que ninguém conhecia, pedíamos informações para os companheiros fora
do presídio. SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 20.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
289
(assim como parte dos quadros e dirigentes) que foram encaminhados a Espanha.
Podemos dizer que, exceto raras exceções, a maioria dos voluntários já era
“conhecida” e foi considerada como apta para atuar na Espanha em nome do partido.
Vejamos um exemplo destes pareceres (cartas de apresentações) na carta
enviada por “Castro” (que atuou como delegado do PCB na França) a algum dos
organismos de controle dos voluntários estrangeiros na Espanha apresentando David
Capistrano da Costa:
É membro do PCB (SBIC)
86
desde 1934. Sempre na atividade.
Participou ativamente e com firmeza da insurreição de novembro 1935
na Escola de Aviação Militar no Rio de Janeiro. Preso, portou-se com
muita firmeza durante os 20 meses de prisão, participando das lutas e
dos protestos, participou dos cursos políticos e técnico militar realizados
na cadeia. Origem pequeno burguesa, camponeses pobres. Terminou o
curso de mecânico com exame p/ sargento. Praça em 1932, promovido
a cabo.
Foi mobilizado por nosso Partido para ajudar o heróico povo
hespanhol a defender a democracia e expulsar os invasores fascistas e
assimilar a experiência dessa luta de que nosso Partido precisa armar-
se.
Tanto no caso de conquistarmos a anistia como no de ser
desencadeada a guerra civil no Brasil pelos fascistas, nosso Partido
pedirá a devolução desse camarada de forma que não seja prejudicado o
trabalho que estiver fazendo ahí.
Saudações comunistas.
Castro
Delegado do PCB (SBIC)
Paris, 11/09/37.
87
86
SBIC: Seção Brasileira da Internacional Comunista
87
Carta de apresentação de David Capistrano da Costa, por “Castro”, 11/09/1937. Arquivo da IC,
microfilme número 10, AEL.
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290
O delegado do PCB “Castro”
88
escreveu várias cartas como esta e,
excetuando-se os dados pessoais de cada voluntário, o resto do conteúdo da carta (as
partes por nós sublinhadas) era praticamente igual. Logo, podemos evidenciar que
havia um padrão nas informações que deviam ser enviadas. Destacamos também a
ênfase dada a origem social do voluntário (no original, está sublinado “camponeses
pobres” e “mecânico”) e a repetição de certos termos que indicavam características
morais do comunista em questão: “firmeza”, “atividade” ou “ativamente” e
“participou” ou “participando”.
No segundo parágrafo, evidenciamos que a mobilização efetuada pelo PCB
em prol da luta na Espanha não foi feita somente em nome das diretivas e das
palavras de ordem da Komintern, pois também era preciso assimilar a experiência
dessa luta de que nosso Partido precisa armar-se. Nesse sentido, parece que o PCB,
atendendo em primeiro lugar aos seus interesses políticos “nacionais”, concedeu em
empréstimo alguns de seus quadros ou militântes para o PCE, mas com a ressalva de
que tanto no caso de conquistarmos a anistia como no de ser desencadeada a guerra
civil no Brasil pelos fascistas, nosso Partido pedirá a devolução desse camarada(...).
É importante ressaltar que a carta data de 11 de setembro de 1937 e que
Capistrano da Costa fazia parte do primeiro pequeno contingente de militares-
militantes que foi enviado a Espanha pelo PCB. O grupo principal, comandado pelo
ex-major Carlos da Costa Leite somente partiu para a Espanha algus meses depois de
88
Segundo Apolônio de Carvalho, o ex-tenente Celso Tovar Bicudo de Castro servia de cicerone dos
primeiros voluntários brasileiros em Paris. Concordamos com Thaís Battibugli: provavelmente ele era
mesmo o tal “Castro”, apesar da obviedade do seu nom de guerre.
© Nacionalismo e Internacionalismo©
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esgotadas as possibilidades de uma ação armada por parte dos opositores ao regime
de Getúlio Vargas, como já vimos no Capítulo 1.
Também observamos que a relação entre a “matriz” (Komintern) e a “filial”
(PCB), apesar de ser vertical e centralizada, nem sempre era de plena subserviência
desta com relação a aquela e nem mesmo muito harmoniosa. Pareciam existir
contradições e interesses “nacionais” imediatos em jogo que posporia m o
chamamento à luta “internacional” a um segundo momento. Temos indícios de que
esse comportamento ocorreu também com outros partidos comunistas, como o
CPUSA, que rejeitou o voluntariado de alguns de seus quadros justificando que eles
eram mais valiosos no “home front” do que na Espanha
89
. Veremos mais adiante
outros documentos que revelam a complexidade da relação entre o PCB, o PCE e a
Internacional Comunista.
Ao chegar na França, sede-base do recrutamento das BI, o voluntário já devia
apresentar em Paris as credenciais que atestassem sua idoneidade para poder
continuar a viagem para a Espanha. Ali geralmente era entrevistado por um agente a
serviço da NKVD ou da OGPU e seu currículo também era analisado. Com a
aprovação final, o voluntário recebia as instruções e os meios necessários para a
viagem até a Espanha. Vejamos o relato de José Gay da Cunha quando da sua
chegada a Paris:
Depois de instalarmo-nos, consulto a caderneta de endereços e procuro
um dos que me haviam dado em Montevideu, “Casa dos Sindicatos, Rue
Mathurin Moreau, 8”(sic )(...) Entramos na Casa dos Sindicatos. Em uma
sala, nos atende Carmen, uma muchacha espanhola que trabalha nos
89
Em português seria “frente interna”. CARROLL, Peter. Op. cit, p. 38.
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serviços de ajuda a Espanha Republicana. Depois de explicarmos que
somos dois brasileiros que vamos a Espanha (...) somos surpreendidos
com a notícia de que “o senhor Jack não está mais em Paris” Era
justamente para esse senhor que eu levava uma cartinha de
recomendação
90
.
Efetivamente, a “Casa dos Sindicatos, avenue Mathurin Moreau, 8”em Paris
era o escritório central de recrutamento das BI. Significativamente, funcionavam no
mesmo local a Maison de Moscou da Delegação Francesa para o Direito de Asilo e
o Comitê de Defesa do Povo Espanhol. A IC havia concentrado todos os seus
serviços em Paris
91
.
“Carmen”, a muchacha espanhola a quem se refere Gay da Cunha era um
quadro do PCE responsável por direcionar os voluntários estrangeiros
92
. O senhor
“Jack”, a quem Gay da Cunha tinha de se reportar em Paris, deveria ser Arnold Reid
ou Reisky, um experiente quadro do CPUSA que já havia trabalhado no México e em
Cuba.
Durante um tempo Reid esteve trabalhando em Paris na organização e envio
dos voluntários das BI, além de servir como elemento de ligação com a IC, mas na
data em que Gay da Cunha chegou a Paris “Jack” já estava lutando com a XV BI na
Espanha
93
. Tanto “Jack” quanto “Carmem” ocupavam cargos importantes no
esquema da IC e tiveram relação direta ou indireta com os brasileiros, como veremos
mais adiante.
90
CUNHA, José Gay da. Op. cit., p. 27-28.
91
VIDAL, César. Op. cit., p. 61 e 482.
92
Battibugli afirma que ela era uma comunista alemã, mas não cita a fonte. Ver BATTIBUGLI,
Thaís. Op. cit., p. 146.
93
Arnold Reid morreu em combate em julho de 1938, na ofensiva do Ebro. CARROLL, Peter. Op.
cit., p. 198-192. Ver também VIDAL, César. Op. cit., p. 344.
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O general Schmuel Ginzburg mais conhecido por “Walter Krivitski” foi,
antes de se exilar nos EUA, chefe do Serviço Secreto Militar da URSS e serviu na
Espanha. As primeiras informações que se tiveram no Ocidente sobre o
funcionamento do sistema repressivo soviético se devem a ele
94
. Segundo
“Krivitski”, havia pontos de controle em várias cidades (“antenas”), onde militantes
comunistas ou simpatizantes, atuando em organizações tais como o SVI ou os
Comitês de Ajuda a Espanha Republicana, enviaram informações e relatórios sobre
os voluntários internacionais para os organismos de controle competentes, tais como
o Serviço de Controle de Quadros do PCE e o Comissariado Geral das BI.
A rede de informação, vigilância e espionagem montada em torno das BI era
vasta e complexa, além de burocratizada ao extremo como atestam os diversos tipos
de pareceres, fichas, questionários, biografias e relatórios que encontramos sobre os
voluntários brasileiros nos Arquivos da IC cujos exemplos podemos observar nos
Anexos.
As relações entre as organizações comunistas eram bastante complicadas,
além de serem assimétricas. Ou seja, havia partidos “maiores” como o PCF ou o PCI
e partidos “menores” como o CPUSA e o PCB, sendo que o PCB ainda recebia
suporte financeiro do CPUSA
95
. O primeiro contingente de brasileiros chegado na
Espanha em setembro-outubro de 1937, não foi considerado suficientemente
94
Durante muito tempo, o relato de “Krivitski” foi rejeitado pelos acadêmicos, pois se suspeitava da
sua objetividade ou veracidade. Com a abertura dos Arquivos de Moscou se confirmaram muitos dos
procedimentos e hipóteses apontadas por ele e que antes não tinham comprovação documentada.
Consequentemente, houve uma redescoberta por parte dos acadêmicos deste e outros autores
considerados malditos, não só outros desertores soviéticos, mas muitos trotskistas e poumistas. Ver
VIDAL, César. Op. cit., p.357-358 também BROUÉ, Pierre. Staline et la Révolution: Le Cas
Espagnol. Paris: Fayard, 1993, p. 82, 92, 93, 106, 125, 294 e RADOSH, Ronald (org.) Op. cit., p. 20,
88, 173.
95
A informação esta no livro de WAACK, William. Camaradas. São Paulo: Companhia das Letras,
1993, p. 333. Lembremos que nas próprias fichas dos voluntários brasileiros consta que a passagem
para a Espanha foi paga pelo CPUSA ou alguma de suas organizações satélite.
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confiável do ponto de vista político pelo PCE. Parece que as cartas enviadas pelo
delegado do PCB (“Castro”) em Paris ao PCE não foram suficientes para comprovar
a idoneidade dos comunistas brasileiros. O PCE queria um aval político mais
concreto.
Mesmo com a chegada do dirigente Roberto Morena como “enviado
especial” do PCB em novembro e a carta enviada do Brasil por “Arnaldo” (na
verdade Lauro Reginaldo da Rocha
96
), então Secretário Nacional do PCB ao CC do
PCE, em janeiro de 1938
97
, a situação política dos brasileiros não mudou muito.
O próprio Morena, aliás “Claudio Ballesteros Gonzalez” ou “Vicente da
Silva” foi enviado a um comitê provincial do PCE onde, isolado dos demais
brasileiros, foi acompanhado de perto e avaliado pelos seu camaradas espanhóis,
conforme ele mesmo escreveu numa longa carta ao CC do PCE:
Cumpliendo com vuestras órdenes, me encuentro trabajando en el
Comité. Provincial de Partido Comunista en Alicante. De mis trabajos,
pude (sic ) hablar el buró y algunos compañeros del Comité Central que
han venido aqui, tales como M. Fernández Valdés, que há convivido com
nosotros vários dias
98
.
Na mesma carta ainda, Morena apresentava a carta recebida de “Arnaldo”, do
CC do PCB, como uma outra credencial que avalizaria sua posição em conjunto com
o bom trabalho que estava fazendo em Alicante:
96
Também era conhecido por “Bangu”. Ver DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 36 e ss.
97
Carta de “Arnaldo”, Secretário Nacional do PCB ao CC do PCE., 14/01/1938. Arquivo da IC,
microfilme número 10, AEL. Ver Anexo C.
98
Carta de “Claudio Ballesteros Gonzalez” ( Roberto Morena) ao CC do PCE, 20/03/1938. Arquivo
da IC, microfilme número 10, AEL.
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295
Adjunto os envió (sic) una carta del Comité Central del P.C. del Brasil al
C.C. del P. C. Español, que desearia que fuera publicada en “Frente
Rojo”. Vosotros debéis tener en cuenta lo que he expuesto
anteriormente, pués pienso que ahora, mejor que cuando me conocisteis
en Barcelona, sabréis valuar mi ofrecimiento pues tengo el aval del
Comité Provincial del Partido Comunista de Alicante, al cual he
enseñado esta carta.
É interessante destacar que a carta de “Arnaldo”, além de apresentar e creditar
Morena como “enviado especial” do PCB, provavelmente tinha outro objetivo:
justificar perante os comunistas espanhóis (e talvez para a Komintern) a pequena
participação brasileira, atribuindo exclusivamente a causa ao golpe “fascista” de 10
de novembro de 1937
99
.
Morena ainda comentou em sua carta, on passant, o mau aproveitamento de
David Capistrano da Costa e José Homem Correa de Sá, que sendo da Aviação
estavam subaproveitados na Infantaria. Manifestou também o desejo de ver os
camaradas brasileiros e poder discutir com o CC do PCE un auxilio más eficaz y mas
metódico que tenemos hasta ahora e também, con el fin de ponernos de acuerdo
sobre la aportación del Brasil al movimiento Español
100
. Ou seja, apesar de relegado
a um segundo plano, Morena reafirmou sua boa vontade e obediência aos ditames do
partido espanhol.
Neste sentido deve ter sido a desconfiança do PCE em relação a idoneidade
política dos brasileiros a principal razão para que os militares brasileiros não fossem
99
Carta de “Arnaldo”, Secretário Nacional do PCB ao CC do PCE., 14/01/1938. Arquivo da IC,
microfilme número 10, AEL.
100
Na mesma carta, Morena informou que uma segunda delegação brasileira se achava a caminho da
Espanha. Carta de “Claudio Ballesteros Gonzalez” ( Roberto Morena) ao CC do PCE, 20/03/1938.
Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
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296
colocados em posições condizentes com as suas especialidades. Por outro lado,
enquanto não fosse conhecido o histórico dos militantes brasileiros, estes também
não poderiam ser admitidos no PCE, o que bloqueava sua atuação política. Havia
ainda outro instrumento de controle do PCE: eram as chamadas Biografias de
Militantes, de preenchimento obrigatório para todos os internacionais que desejassem
entrar no PCE. As informações dadas na ficha deviam ser corroboradas e checadas
com outros comunistas para serem validadas
101
.
A desconfiança dos comunistas espanhóis para com os comunistas brasileiros
não diminuiu nem mesmo com a chegada do ex-major Carlos da Costa Leite e o
segundo grupo de voluntários. Diferentemente dos seus subordinados, ele não era
somente um voluntário destinado a empunhar um fuzil em combate na Espanha.
Havia sido enviado pelo PCB como dirigente com tarefas políticas para cumprir em
benefício do partido. Ou seja, Costa Leite, além de atuar militarmente, também
procurou desempenhar na Espanha atividade política ligada ao Brasil.
Em 19 de abril de 1938, Costa Leite solicitou ao PCE que publicasse uma
matéria escrita por ele dando publicidade a la llegada de la Delegación (de) militares
antifascistas brasileños, su recepción por parte del Gobierno y su incorporación
voluntária al Ejército popular republicano (...)
102
.Os motivos alegados por ele para
que a matéria fosse publicada parecem bastante elucidativos. O primeiro motivo era
fazer valer sua autoridade enquanto dirigente da ANL, apresentando suas credenciais
de membro da direção nacional da ANL e representante desta no Uruguai e
Argentina, além de colaborador na preparação de uma conferência democrática
101
Ver exemplos de Biografias de Militantes em anexo. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
102
Carta de Costa Leite ao Serviço de Quadros do PCE., 19/04/1938. Arquivo da IC, microfilme
número 10, AEL.
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297
continental nestes países, onde se discutiria como deter o fascismo na América e a
ajuda a Espanha republicana.
Como segundo motivo ressalta que a notícia da chegada de uma delegação
brasileira teria uma repercussão positiva no Brasil, tendo-se em vista que os
membros da delegação eram figuras conhecidas e queridas nos círculos políticos e
militares brasileiros.
O terceiro motivo seria denunciar como “provocação” a atitude dos três
militares que desistiram, no último momento, de lutar na Espanha e evitar que eles
fizessem na América do Sul uma campanha contra a causa republicana. Segundo ele,
deveria destacar-se que a delegação foi bem acolhida na Espanha e seus membros
eram os “verdadeiros representantes” do povo brasileiro. Isto deveria ser veiculado
principalmente no Brasil e no Prata, para marcar uma posição política contrária à
política oficial brasileira, argentina e uruguaia (todas simpáticas a Franco) frente à
questão espanhola.
Por último, assinalava que a ditadura “fascista” de Vargas não conseguira
ainda se consolidar e, pressionada interna e externamente, assinalava com propostas
demagógicas tais como direito de asilo ou anistia aos presos políticos.
Neste sentido, Costa Leite acreditava que a noticia da recepção positiva à
delegação brasileira na Espanha serviria para pressionar Vargas ainda mais, no
sentido de uma anistia a presos e asilados antifascistas. Segundo ele, “nossa” (do
PCB) principal reivindicação para possibilitar a construção de um gran frente
nacional brasileño y quizas continental contra la penetración fascista y por la
independencia nacional de los países americanos. Considerava que se essa frente se
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298
concretizasse no Brasil isso representaria não somente uma ajuda a Espanha, mas no
conjunto da luta contra o fascismo mundial
103
.
Podemos considerar que a estratégia de luta política de Costa Leite (enquanto
militar e político) se pautava, no mínimo, em três dimensões seguindo uma ordem de
prioridades: em primeiro lugar no âmbito nacional, visto que estava preocupado
concretamente com a luta imediata frente a ditadura estadonovista de Vargas, mesmo
estando na Espanha. Em segundo lugar a luta na Espanha que, a rigor do discurso
antifascista, representava a mesma luta contra o mesmo inimigo, embora em outras
latitudes. Assim, o popular lema dos antifascistas italianos “oggi in Spagna, domani
in Italia” poderia ser adaptado ao gosto brasileiro: hoje na Espanha, amanhã no
Brasil.
Por último, Costa Leite contemplava efetivamente uma dimensão global da
luta contra o fascismo. Neste sentido, o fascismo, representava um inimigo
internacional que perpassava as fronteiras nacionais, ameaçando a integridade dos
países. Logo, a luta no Brasil e na Espanha representava importantes etapas nacionais
de uma luta internacional ainda abstrata, posto que não havia sido ainda travada.
Não sabemos se o PCE deu publicidade à carta de Costa Leite. Entretanto,
podemos observar que a sua inserção no aparato comunista na Espanha não ocorreu
de forma imediata, mas sim através de um longo processo burocrático, conforme
atestado pelas correspondências trocadas entre os dirigentes do PCE e da IC a
respeito de Costa Leite.
Em julho de 1938, Costa Leite foi apresentado pelo CC do PCE ao camarada
“Edo”. Na carta esclarecia-se que Costa Leite não havia trazido documentação mas
103
Carta de Costa Leite ao Serviço de quadros (?) do PCE. 19/04/1938. Arquivo da IC, microfilme
número 10, AEL.
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299
destacava que parece que alguien con autoridad le envió aqui a España. Quiere
plantearos unos asuntos y aclarar su situación
104
. Entretanto “Edo” (o comunista
italiano Eduardo D’Onofrio) que era o adjunto do Comissário geral das BI, Luigi
Longo
105
, não se convenceu facilmente. Em agosto, o responsável pelo recrutamento
das BI, o polonês Bot (aliás “Max”) pediu a outro “camarada” (“Olaso”,
provavelmente do CC do PCE) que interferisse junto a “Edo” para regularizar a
situação de Costa Leite
106
.
De fato, no dia seguinte, Roberto Morena recebeu uma carta enviada pelo CC
do PCE que parecia esclarecer a situação do contingente brasileiro (os grifos são
nossos):
Hace solamente algunos dias y en la ocasión de una visita que nos hizo
el camarada DA COSTA LEITE CARLOS, hemos podido obtener
algunas indicaciones sérias, respecto a los camaradas brasileños
encontrandose aqui en España y por consiguiente sobre ti también.
Las dificultades que hemos siempre encontrado en lo que trata de los
camaradas brasileños, son debidas, al hecho de que hasta ahora nadie
há podido darnos informes y garantias políticas sérias que nos
permitieran ser tranquilos del todo respecto a su cualidad de miembros
del Partido.
Ahora hemos encontrado a um camarada de confianza el cual os conoce
y nos há dado informes sobre vuestra actividad pasada. Debemos de
104
Carta do CC do PCE a “Edo”, 22/07/1938. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
105
“Edo” era homem de confiança da IC e na Espanha exerceu várias funções ligado ao comissariado
político das BI. VIDAL, César. Op. cit., p. 491, 495.
106
Carta de “Max” a “Olaso”, 16/08/1938. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL. Sobre “Max”
ver VIDAL, César. Op. cit., p. 481-482.
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300
informaros que hasta ahora el Partido Comunista Brasileño no nos há
escrito nunca para darnos un aval político respecto a vosotros
107
.
É interessante destacarmos que tanto os informes do delegado do PCB em
Paris, quanto a presença do dirigente Roberto Morena na Espanha não serviram para
avalizar o perfil político dos voluntários brasileiros. Aliás, a própria carta enviada
pelo Secretario Nacional do PCB, “Arnaldo”, sequer foi considerada pois hasta
ahora el Partido Co munista Brasileño no nos há escrito nunca para darnos un aval
político respecto a vosotros. Quanto a posibilidade de repatriar os brasileiros, o PCE
colocava a questão nos seguintes termos: o PCB deveria se dirigir ao CC do PCE.
Considerando-se que entre os dirigentes do PCE estavam personalidades da IC, como
o italiano Palmiro Togliatti e o ítalo-argentino Vittório Codovilla, podemos
considerar que dirigir-se ao CC do PCE era quase como tratar com a Komintern.
Mas, se para o CC do PCE a situação dos brasileiros estava esclarecida, ainda
demorou um tempo para que “Edo” se convencesse da idoneidade política dos
mesmos, conforme atesta em carta enviada ao responsável pelo recrutamento das BI,
“Max”. Apesar destes problemas iniciais, Carlos da Costa Leite conseguiu
finalmente obter a confiança de “Edo” e outros dirigentes de relevo, pois quando da
desmobilização dos voluntários estrangeiros, Costa Leite se tornaria o responsável do
PCE no campo de desmobilização de Cardedeu. Mais tarde, ao ser internado nos
campos de refugiados na França, ele seria nomeado responsável pela direção
político-militar do PC dentro do campo
108
.
107
Carta do CC do PCE para “Claudio Ballesteros Gonzalez” (Roberto Morena), 17/08/1938.
Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL. Ver Anexo D.
108
Parecer sobre Carlos da Costa Leite, escrito por “Edo”, 01/11/1939. Arquivo da IC, microfilme
número 10, AEL.
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301
Em Cardedeu, Costa Leite realizou intenso trabalho político. Ele emitiu
pareceres sobre quase todos os brasileiros que se encontravam servindo na Espanha.
Esses pareceres pouco diziam sobre a atividade militar do indivíduo, mas
informavam a respeito da conduta moral e política dos voluntários. Ou seja, se antes
a Komintern virtualmente desconhecia os camaradas brasileiros, Costa Leite se
encarregou de sistematizar as informações sobre estes, desqualificando alguns ou
avalizando outros que poderiam ser úteis numa luta futura no Brasil.
Por outro lado, enquanto militar, o comandante Costa Leite já tinha prática de
escrever dossiês sobre seus subalternos no Brasil
109
. Vejamos alguns exemplos dos
pareceres escritos por Costa Leite na Espanha, os grifos constam no original:
1) Nemo Canabarro Lucas. (ten
te
infant
a
) antifascista (Brasil) No
comunista. Estuvo preso 19 meses por el movimiento de noviembre 1935
en el Brasil. Inteligente. Tiene cultura técnica militar. Vanidoso.
Mentalidad pequeño burguesa, desconoce el marxismo. Muy trabajador.
Si lo ganamos - una buena adquisición. Si lo perdemos del todo - un
elemento peligroso
110
.
2) Pinto de Carvalho, Apolô nio. Brasileño, capitán. Posiblemente el
mejor de los militares brasileños en España. (Información dada por el
mayor Costa Leite en conversación)15/1/39 A.M. Elliott
111
.
3)Manuel Coelho de Souza. No conviene entregar el Carnet, no es un
tipo sério ni muy adicto al Partido. Vivió en Portugal. Informe por Da
Costa Leite
112
.
109
Todos os comandantes do Exército Brasileiro deviam escrever obrigatoriamente “juízos” sobre os
seus oficiais subordinados. Ver SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p.131-132.
110
Listagem de voluntários redigida por Carlos da Costa Leite, 16/04/1938. Arquivo da IC,
microfilme número 10, AEL. Ver Anexo I.
111
Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
112
Idem.
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302
Costa Leite foi muito severo com alguns dos voluntários. Sobre José Homem
Correa de Sá ele escreveu: Miembro del Partido. Quizá el peor de los brasileños
comunistas desde el punto de vista del Partido. Falta de interés en el trabajo
político. Se desmoralizó un poco. (...) No muy firme políticamente.
Cabe lembrar que Correa de Sá foi um dos primeiros voluntários brasileiros
oriundos da Aviação Militar no Brasil. Além de não conseguir seus objetivos
declarados, ayudar tecnicamente al pueblo español e ingresar en la aviación
republicana, conforme ele escreveu em sua Biografia de Militante do PCE
113
, ele foi
incorporado como soldado raso de infantaria, sendo um ex-aspirante a oficial
especializado. Correa de Sá foi certamente vitimado pela desconfiança geral que
pairou sobre os brasileiros por não possuírem o aval político. Inconformado, ele
protestou veementemente perante o Serviço de Quadros do PCE, em carta dirigida
(escrita em um “portunhol” terrível) a “Carmen”:
Estoy aqui en Albacete no se el destino que me van a dar, pero seja qual
fuer (sic ) yo no me quedo satisfecto (sic ). La única cosa que quiero
ahora es mi baja de las Brigadas e isto ya te pido insistentemente para
que yo no venga a cometer un ato de desespero, porque desesperado yo
ya estoy a mucho tiempo. Antes de nada, quiero mi baja de las Brigadas,
despues sino huber (sic) posibilidad de yo entrar para la aviación quiero
mi repatriamiento. Mas una vez te pido que me solicite a las autoridades
militares a quien esteja isso afecto, para que yo no tenga que reproducir
atos humillantes
114
.
113
Biografia de militante de Jose H. Correa de Sá, 24/10/1938. Arquivo da IC, microfilme número 10,
AEL.
114
1° Carta de Jose H. Correa de Sá a camarada ‘Carmen’ do departamento de quadros do PCE,
17/02/1938. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
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303
Correa de Sá enviou ainda uma segunda carta de protesto. Não foi atendido
em suas reivindicações e passou a guerra como soldado raso. Por fim, ainda recebeu
o parecer de Costa Leite para desqualificá-lo perante os colegas e o partido. A
camarada “Carmen” também pagou por sua atuação. Segundo José Gay da Cunha ela
foi afastada do cargo (...) porque ficou constatado que o seu trabalho sectário foi a
causa de um péssimo aproveitamento dos quatro latino-americanos
115
. O partido não
permitia muitas críticas nem deslizes morais. Muito menos deslizes políticos.
Os brasileiros que serviram na XII BI também tiveram sua atuação política e
militar examinada pelos seus respectivos comissários políticos de Batalhão. Os
pareceres (em italiano) eram ratificados em última instância pelo responsável ao
nível de Brigada, que assinava sob o pseudônimo de “Nicoletto” ou “Nicoletti”,
como consta na ficha de José Homem Correa de Sá. Provavelmente, ele fosse o
dirigente comunista italiano Giuseppe di Vittorio, que também foi um dos primeiros
organizadores das BI
116
. No Anexo J temos alguns exemplos de pareceres político-
militares.
A respeito da perseguição política, sabemos que pelo menos três voluntários
vindos do Brasil foram acusados de trotskistas e sofreram o peso da política
repressiva dos stalinistas. O primeiro deles foi o extenente Alberto Roberto
Bomílcar Besouchet.
O caso Besouchet é exemplar para mostrar como atuava a complexa rede de
informações que sustentava o aparato repressivo dos PC’s e da IC. Em 24 de janeiro
115
CUNHA, José Gay da. Op. cit, p. 173-174.
116
Biografia de militante de Jose H. Correa de Sá, 24/10/1938. Arquivo da IC, microfilme número 10,
AEL. Sobre Nicoletti, ver VIDAL, César. Op. cit., p. 479-485.
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304
de 1937, uma correspondência confidencial enviada ao Departamento de Quadros do
CC do PCE reproduzia um informe chegado desde o Brasil:
El teniente Alberto Besouchet se encuentra actualmente en España.
Después de su salida del Brasil se ha descubierto que Besouchet se ha
pasado al trotzkismo (sic). El ha dejado una prueba que es una
verdadera provocación contra la revolución de liberación nacional y
contra el gobierno español. Si es posible encontrarlo hay que detenerlo y
también urge notificar todos los camaradas a fin de que no le permitan
usar el nombre del Partido Comunista del Brasil
117
.
Recomendando ainda que fosse enviada uma cópia para o Comissariado
Político das BI, assinava o informe “Maria”, do SVI. É bem provável que “Maria”
fosse a ex-artista vanguardista italiana Tina Modotti, companheira de Vittorio Vidali
(“Carlos Contreras”), homem da OGPU e que circulava na Espanha trabalhando
simultaneamente para vários organismos comunistas, como o 5° Regimento do PCE
e o SVI, comandando ainda uma seção especial contra o trotskismo dentro das BI
118
.
Por sua vez, Modotti também operou no serviço de contra-espionagem das BI
sob as ordens de Pauline Marty, a esposa do chefe supremo das BI, André Marty
119
.
Besouchet tornou-se um homem marcado.
Precisamente oito meses depois, o delegado do PCB, “Castro”, escreveu a
“Jack” em 24/09/1937, em resposta a uma requisição prévia (“Jack” era do setor de
117
Informe confidencial de “Maria” ao CC do PCE, 24/01/1937. Arquivo da IC, microfilme número
10, AEL. Ver Anexo E.
118
A bibliografia sobre a GCE está repleta de menções a atuação de Vidali. Escolhemos uma
referência mais recente e concisa BROUÉ, Pierre. Op. cit., p. 31, 111, 115 e 121.
119
Para Broué, Modotti também era agente da OGPU. Ver BROUÉ, Pierre. Op. cit., p. 115 e 342.
VIDAL, César. Op. cit., p. 495, 501, 503. Existem dezenas de home pages na Internet a respeito dos
trabalhos fotográficos de Tina Modotti. No entanto, poucas delas fazem menção a tarefa
desempenhada por Modotti na Espanha.
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305
recrutamento das BI), reafirmando a denúncia sobre a tendência “esquerdista” de
Besouchet. Na carta-dossiê, “Castro” dava pistas sobre a suposta movimentação de
Besouchet e informava detalhes sobre os contatos que este mantinha em Paris: com a
cantora Elsie Houston, ex-mulher do poeta francês Benjamin Péret (que havia ido a
Espanha) e cunhada de Mário Pedrosa, líder trotskista brasileiro.
A carta finalizava expressando que medidas deveriam ser tomadas para
controlar as atividades de Besouchet e, se nada mais “sério” (Besouchet ha via escrito
um artigo que o PCB recusou em publicar, mas a dissidência de esquerda não) fosse
encontrado contra ele, que os camaradas espanhóis o levassem a cortar relações com
“o outro lado da barricada”
120
. “Castro” ainda sugeria como ideal que Besouchet
denunciasse o “trotskismo” e os seus irmãos, que eram dissidentes do PCB
121
, em um
artigo (para ser publicado no Brasil). A carta de “Castro” sugere, portanto, que os
comunistas já haviam localizado Besouchet e tinham meios de agir sobre ele.
Na verdade, as informações sobre a trajetória de Besouchet na Espanha ainda
permanecem desconexas e fragmentadas. Algumas fontes dizem que serviu no staff
do general Miaja, em Madrid, e que morreu em combate em 1938. Outros indicam
que Besouchet teria se alistado nas BI onde, uma vez descoberto, teria sido
executado por ordem de André Marty. Por último, também se afirma que Besouchet
partiu do Brasil levando uma carta de recomendação de Mário Pedrosa apresentando-
o a Andreu Nin, o chefe do POUM
122
.
Costa Leite foi categórico em um parecer posterior: Tuvo relaciones com
trotzkistas (sic). Murió en los acontecimientos de Mayo [a sublevação anarco-
120
Na carta literalmente, the other side of the barricade.
121
Carta-dossiê de “Castro” para “Jack”, 24/09/1937. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
122
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Op. cit., p. 49 e DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 175-176,
313.
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poumista em 1937]. Contraditoriamente, em 05/07/1938 Besouchet ainda constava
fichado como “trotskista” na capa da pasta n°20949, o que nos leva a crer que ele
pudesse estar vivo naquela data
123
.
O que se sabe é que Besouchet morreu por causa de suas ligações com
“trotskistas”. Não foi a única vítima estrangeira dos stalinistas na Espanha:
numerosos estrangeiros e espanhóis foram presos ilegalmente, torturados e mortos
sob a acusação de “trotskismo”, “espionagem” ou “traição”
124
.
Em 1938, o deputado inglês John Mac Govern do Independent Labour Party
(esquerda trabalhista), foi a Espanha chefiando a Comissão Internacional de Partidos
Socialistas Revolucionários para investigar as denúncias de abusos cometidos contra
os revolucionários do POUM e da CNT-FAI. Denunciou em um texto o que a
comissão constatou in loco: mais de três mil presos e inúmeros mortos e
desaparecidos
125
. Besouchet poderia estar entre eles.
Outros dois voluntários vindos do Brasil foram perseguidos sob a mesma
acusação de “trotskismo”: Ernest Joske e um tal de Beinermann. Sobre Beinermann,
não temos muitas informações, a não ser um pequeno informe acusatório vindo do
PC francês para o PCE, onde ele e Joske são acusados de serem “trotskistas ativos”:
Nous vous prions de faire le necessaire pour aider tous les camerades
brésiliens sauf Beinermann et Joske au sujet desquels on doit faire
quelques réserves étant autrefois des trotskistes actifs, et quioque ils
aient reconnu leurs fautes ils désirent malgré tout se rendre au Mexique,
123
Parecer sobre Besouchet dado por Carlos da Costa Leite, 15/01/1939. Arquivo da IC, microfilme
número 10, AEL. Infelizmente, a tal pasta não existe nos arquivos da IC que estão em Campinas.
124
Recomenda-se ver o trabalho de Pierre Broué, especialmente o Capítulo IX. BROUÉ, Pierre. Op.
cit., p. 163 a 175.
125
MAC GOVERN, John. El Terror Comunista en España. Originalmente publicado em La
Révolution Prolétarienne Paris, n°263, 25/01/1938. Extraído de:
http://www.geocities.com/CapitolHill/9444/ilp.htm [online] 18/11/2001.
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ce qui démontre qui'ils n'ont pas renoncé a leur position. Or, nous
venons de recevoir une lettre de Joske suivant laquelle il se trouve en
Espagne
126
.
É bem possível que a mensagem viesse originalmente do PCB, e o PCF
apenas a retransmitisse ao PCE. Ao analisarmos a ficha político-militar de Joske nas
BI parece que este desempenhou satisfatoriamente as suas missões nas BI e aceitou
plenamente a linha da Frente Popular proposta pelo PC, renunciando a sua posição
“esquerdista”. No item em que se perguntava capciosamente se o soldado aprovava e
considerava buena y justa a política da Frente Popular, Joske respondeu secamente o
esperado: Si.(...)Porque unió todas las fuerzas de todas las capas democráticas,
tanto burgueses como proletários, en la lucha contra el enemigo común, el
fascismo
127
.
Porém , quando lhe perguntaram sobre as BI enquanto organização política e
militar ele respondeu:
Com la idea de la creacion de B.I. se ha dado a las masas antifascistas
del mundo intero (sic ) una nueva arma que puede ser de grande
provecho para el futuro. En España hube (sic) en las B.I. bastante
sectarismo que impedió (sic) el desenvolvimiento de una buena politica
de Frente Popular. Administrativamente eran malas provocando muchos
desfalques y demoralisando muchos camaradas por falta de un control
126
Rogamos fazer o necessário para ajudar a todos os camaradas brasileiros salvo Beiermann e Joske
por causa deles terem feito pouca reserva de terem sido antigamante ativos troskistas, e ainda que
tenham reconhecido seus erros, desejam, apesar de tudo, ir ao México, o que demonstra que não
abandonaram sua posição. Acabamos de receber uma carta de Joske segundo a qual ele se encontra na
Espanha". Carta do PCF ao PCE, 06/08/1937. Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL. Ver
Anexo F.
127
Comisariado de Guerra de las BI: Ficha de Ernesto Joske, s.d., Arquivo da IC, microfilme número
10, AEL
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eficiente. Militarmente eran en la primera fase de guerra unidades de
choque, que levantaron mucho el espiritu de combate de los camaradas
españoles
128
.
Numa instância menor, o Comitê do PCE da BI considerou Joske como um
elemento de “boa” conduta e até como “simpatizante do partido comunista”,
conforme figura no Anexo K. Cabe ressaltar que um dos membros do referido comitê
era o seu ex-colega de trabalho e militância na ANL no Brasil, o tcheco Jorge Cetl.
Talvez este parecer positivo a respeito de Joske se tratasse em parte da boa vontade
de Cetl para com um velho camarada. Mesmo assim, parece haver prevalecido a
visão anterior vinda de instâncias superiores. O espírito crítico de Joske
provavelmente não seria perdoado pelo partido.
Quando da retirada e internamento dos voluntários estrangeiros na França,
Joske declarou que pretendia ir para qualquer lugar da América Latina
129
, pois como
alemão de origem judaica, o repatriamento para a Alemanha significava a morte.
Nesse meio tempo, segundo afirma César Vidal, a Internacional emitiu ordens para
que os partidos comunistas não prestassem auxílio para o repatriamento ou asilo
àqueles elementos não alinhados com as diretrizes do partido
130
. Parte da trajetória de
Joske, tal como a de Besouchet, permanece enevoada.
De acordo com Apolônio de Carvalho (que conviveu com Joske nos campos
franceses de Argelés sur Mer e Gurs), já em ple na Guerra Mundial, ele teria sido
arrancado das prisões francesas e entregue diretamente nas mãos dos nazistas
131
. As
128
Comisariado de Guerra de las BI: Ficha de Ernesto Joske, s.d., Arquivo da IC, microfilme número
10, AEL.
129
Assim consta na sua Ficha. Ver Comisariado de Guerra de las BI: Ficha de Ernesto Joske, s.d.,
Arquivo da IC, microfilme número 10, AEL.
130
VIDAL, César. Op. cit., p. 328.
131
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 168.
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autoridades francesas de Vichy, de fato entregaram milhares de refugiados
considerados “apátridas” (e não reclamados por ninguém) para as autoridades
nazistas, que os encaminharam para os campos da morte de Mauthausen,
Buchenwald e outros
132
.
Para finalizar, parece que um brasileiro teve intensa participação na repressão
aos dissidentes de esquerda na Espanha. Seu nome de guerra era “Jusik”, seu nome
verdadeiro seria José Escoi ou Escoy, mas também não se pode afirmar com certeza,
pois poderia ser outro pseudônimo. Provavelmente não teve contato algum com os
voluntários brasileiros que combatiam nas frentes de batalha na Espanha e vice versa.
A descoberta deste personagem é recente e ele é, possivelmente, desconhecido aqui
no Brasil.
Em 1987, foi fundada na Espanha por um grupo de veteranos do POUM, a
Fundación Andreu Nin , cujo objetivo primário era o resgate da memória do partido.
Em 1989, conforme um de seus fundadores, Wilebaldo Solano, a Fundación Andreu
Nin decidiu finalmente,
(...)dirigirse a todos los partidos y organizaciones de izquierda, así como
a los intelectuales progresistas, para (...) obtener del gobierno de
Gorbachov la apertura de una investigación sobre la tragedia de Nin y el
acceso a los archivos soviéticos. En la URSS había comenzado el
período de las grandes rehabilitaciones de los compañeros de Lenin
asesinados por Stalin y en la propia prensa comenzaba a hablarse de la
represión estalinista en España durante la guerra civil [contra militantes
de la izquierda]
133
.
132
SCHWARZSTEIN, Dora. Op. cit., p. 4
133
SOLANO, Wilebaldo. La Larga Marcha por la Verdad Sobre Andreu Nin. [online]
http://www.fundanin.org/boletin/htm. Diciembre 2002.
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310
No início dos anos noventa, uma delegação da Fundación Andreu Nin
compareceu a embaixada da URSS em Madrid e apresentou uma petição assinada
por mais de trezentos intelectuais, militantes de diversas tendências políticas e líderes
sindicais onde pedia ao governo soviético o esclarecimento da morte de Andreu Nin.
Depois de uma longa negociação, o governo soviético (em fase de
desmoronamento) permitiu finalmente o acesso aos arquivos secretos da IC assim
como ao arquivo da NKVD, especialmente no setor correspondente ao general
Aleksander Orlov, um dos principáis artífices da repressão stalinista na Espanha dos
anos 30.
Com base no material levantado nestes arquivos, os pesquisadores María
Dolors Genovés y Llibert Ferri realizaram um documentário para a TV estatal catalã
“TV3”, terminado e exibido (somente na Catalunha e na França
134
) em 1992,
intitulado: Operació Nikolai. O documentário lançou uma luz sobre as obscuras
circunstâncias que envolviam a morte de Andreu Nin, tornando disponíveis
documentos antes proibidos. Pierre Broué teve acesso a estes documentos. Segundo
eles, Nin foi torturado e assassinado por um grupo de cinco homens da NKVD numa
mansão em Alcalá de Henares, de propriedade do aristocrático comandante da
Aviação Republicana, Ignácio Hidalgo de Cisneros.
O comandante da Operação “Nikolai” (“Nikolai” era obviamente Nin) era o
general Orlov, também conhecido por “Xvied”. Seus ajudantes eram “Pedro” (o
húngaro Erno Gerö) e um técnico da NKVD, intérprete de Orlov, o brasileiro “Jusik”
ou José Escoy
135
. Segundo consta nos documentos, “Jusik” havia elaborado
134
Por mais incrível que isto possa parecer, não existe ainda versão em espanhol deste filme.
135
BROUÉ, Pierre. Op. cit., p. 182-183.
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311
previamente um documento onde comprometia Nin com os franquistas para justificar
a ação repressiva contra o POUM
136
.
Também foi atribuída a “Jusik” a responsabilidade pela ocultação do cadáver
de Nin: N. De Alcalá de Henares en dirección a Perales de Tajuña, a medio camino,
a unos cien metros de la carretera, en el campo. Bom. Xvied, Juzik, dos españoles
137
.
Além dos dados que aqui apresentamos, até o momento nada mais
encontramos a respeito de “Jusik”
138
. Ao contrário dos outros voluntários brasileiros
que arriscaram suas vidas em prol de um ideal, “Jusik” é um personagem inglório,
obscuro, do tipo que se preferia esquecer. Mas, por outro lado, ele é representativo
do clima conspirativo, policialesco e repressor, fruto do dogmatismo que dominou o
movimento comunista internacional nos anos 30 sob o jugo de Stálin. E a sua história
nebulosa e ao mesmo tempo instigante, ainda está por ser escrita.
4.4 O Pós Guerra Espanhol e o Destino dos Combatentes Internacionais
Ainda é impossível definir o número exato de voluntários estrangeiros que
fizeram parte das BI ou do EPR na Espanha. Hoje, o número estimado mais aceito
está em torno de 35.000 homens, uma média entre um valor máximo e mínimo
aceitáveis, conforme colocamos na Tabela 3. Por outro lado, também se calcula que
nunca houveram mais de 15.000 voluntários estrangeiros em ação na Espanha ao
mesmo tempo. Quanto a origem nacional dos voluntários presume-se que eram
provenientes de cinquenta e quatro países.
136
GENOVÉS, Maria Dolors. Operación Nikolai o el asesinato de Andreu Nin. [online]
http://www.fundanin.org/boletin/htm. Septiembre 2002.
137
Idem.
138
Estabelecemos recentemente um contato com a Fundación Andreu Nin e o historiador Andy
Durgan, com a finalidade de obter informações a respeito de Alberto Besouchet e José Escoy, além de
outros brasileiros que por ventura possam haver passado pelo POUM ou mesmo havê-lo combatido.
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312
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313
Aproximadamente 10.000 destes homens encontraram a morte na Espanha
139
.
Muitos deles voltaram feridos ou inutilizados para o resto de suas vidas. Depois da
guerra da Espanha, aproximadamente 500 voluntários estrangeiros encontravam-se
prisioneiros nos campos de concentração de Franco. Entre eles três brasileiros (ou
oriundos do Brasil), no campo de Miranda de Ebro: Manuel Albacete Jeminez,
Andrés Jesus Sanchez e José Supedra
140
. Alguns dos prisioneiros morreram por maus
tratos, mas a maioria foi expulsa ou repatriada durante os anos 40.
De outra parte, a grande maioria, ou seja, alguns milhares de combatentes
internacionais permaneceram nos de campos concentração em Argelés sur Mer,
Gurs, Le Vernet, Barcarés, Le Boulou, Agde, Bram, Arlés sur Tech, Prats de Mollo,
Collioure e Saint Cyprién
141
. De fato, no campo de Gurs foram concentrados aqueles
refugiados sem chances de repatriamento, entre eles muitos judeus alemães,
antifascistas italianos e parte do pequeno contingente brasileiro, inicialmente
concentrado em Argelés sur Mer.
Em março de 1939, o grupo dos militares brasileiros havia decidido que
aqueles que não tivessem inquérito no Brasil tentassem regressar. Assim o fizeram
cinco dos voluntários, auxiliados pelo antigo encarregado de negócios da Embaixada
brasileira na Espanha republicana, Carlos da Silveira Martins Ramos. Os repatriados
foram: os irmãos Delcy e Eny Silveira, Homero de Castro Jobim, Nemo Canabarro
Lucas e Nelson de Souza Alves
142
. Ao chegar, estavam sendo esperados por um
“comitê de recepção”: a polícia política de Vargas
143
.
139
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 386.
140
A informação nos foi enviada pelo historiador e ex-comissario político da XV BI Carl Geiser, via
e-mail. Segundo Geiser, o documento original (escrito a mão e contrabandeado para fora do campo na
época) está no International Brigade Memorial Archive - The Marx Memorial Library em Londres
141
SCHWARZSTEIN, Dora. Op. cit., p. 5, 11 e ss.
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314
Da Europa foi enviada uma lista com alguns dos nomes dos cidadãos
brasileiros que haviam combatido na Espanha e que estavam reclusos na França.
Portanto, a polícia brasileira estava vigiando os portos desde meados de março de
1939, ciente de que os brasileiros pudessem tentar o regresso ao país
144
.
Em 23 de agosto de 1939, Stalin assinou um pacto de não agressão com a
Alemanha de Hitler. O pacto surtiu efeitos imediatos entre os internacionais presos
na França. O abandono da tática antifascista, que para a URSS era apenas um
estratagema político, levou a rupturas e dissenções entre aqueles que haviam lutado
até a morte em nome do antifascismo. Muitos comunistas, ex-combatentes da
Espanha, abandonaram a linha do partido, geralmente tendendo à esquerda.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os veteranos dissidentes tentaram
inclusive montar uma contra organização paralela à associação dos veteranos da
Brigada Abraham Lincoln, simultaneamente de caráter antifascista e
anticomunista
145
. No entanto, provavelmente a grande maioria dos veteranos
continuou ainda fiel à linha de Moscou.
Sobre sua própria postura na época, Apolônio de Carvalho afirmou: estou
ainda (...) entre os que aceitam as razões-chave da opção soviética: a defesa,
temporária, das fronteiras do primeiro e então único Estado socialista. Ele
sintetizou também o porquê da postura de seus companheiros brasileiros: Comunistas
dos anos 30, estamos impregnados dos conceitos da História do PC(b) da URSS (...)
142
ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 61.
143
SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 1. Prontuário n°5314 de Delcy Silveira, AESP. Prontuário n°5293 de
Nemo Canabarro Lucas, AESP.
144
Esta lista foi anexada aos prontuários dos brasileros nos arquivos do DEOPS de SP e DESPS do
RJ. Em muitos casos, é o único documento que consta no prontuário, o que indica que para ser
fichado bastava haver feito parte das Brigadas Internacionais a serviço da Hespanha republicana.
Ver Anexo N.
145
CARROLL, Peter. Op. cit., p. 228-230.
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315
uma apologia do partido e do país dos sovietes
146
. De um modo geral poderíamos
estender as justificativas dadas por Carvalho para a maioria dos voluntários
internacionais.
Em 1° de setembro de 1939, apenas seis meses após a derrota da República
Espanhola, teve início a Segunda Guerra Mundial. Os exércitos de Hitler e Stalin
partilharam e ocuparam a Polônia, e os alemães, com as costas cobertas, lançaram-se
à ofensiva contra as democracias ocidentais.
O PC da França, dividido e confuso, decidiu apoiar o pacto nazi-soviético e
manter a fidelidade a URSS, o que o levou a ser tornado ilegal pelo governo francês.
A ilegalidade dos comunistas foi sentida pelos internos de Gurs e outros campos, que
deixaram de receber o apoio material das organizações paralelas ao PCF, também
tornadas ilegais, o que piorou consideravelmente a situação dos prisioneiros
147
.
Já vimos anteriormente que o governo francês havia recorrido aos veteranos
internacionais, apelando para que se somassem à defesa armada da França, sem
muito resultado. Em parte, devido a aceitação das recomendações de Moscou aos
líderes comunistas na França, pois era necessário que se evitasse a participação dos
ex-combatentes da Espanha em legiões militares francesas ou britânicas, já que a
guerra não era mais “antifascista” e sim “interimperialista”
148
. Do ponto de vista dos
comunistas, porque ajudar as democracias ocidentais se estas haviam dado às costas
a URSS anteriormente?
Entretanto, alguns ex-combatentes da Espanha haviam-se incorporado às
Companhias de Trabalho paramilitares que preparavam as linhas de fortificações,
146
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 134. O texto era a cartilha básica de formação política dos
militantes do PC em todos os países. Ver FERREIRA, Jorge. Op. cit, p. 161.
147
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 135 e 137.
148
VIDAL, César. Op. cit., p. 328-329.
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316
entre eles alguns brasileiros, como Dinarco Reis, David Capistrano da Costa,
Hermenegildo de Assis Brasil e Joaquim Silveira dos Santos. Eles serviram na 152°
Compagnie de Travailleurs no norte da França
149
. Derrotado o Exército francês
foram desmobilizados também. O ex-tenente Apolônio de Carvalho, perambulando
por Marselha, encontrou alguns deles depois. Com a invasão da França, alguns dos
ex-combatentes da Espanha decidiram aproveitar o caos reinante e fugir. Carvalho
foi um deles
150
.
Por outro lado, Carvalho, em contato com o consulado brasileiro de Marselha
(onde tinha amizades), conseguiu a libertação de vários internacionais presos em
Gurs, entre eles o seu antigo comandante Carlos da Costa Leite. Graças à intervenção
de Apolônio de Carvalho perante o consulado brasileiro, Dinarco Reis, David
Capistrano da Costa, Carlos da Costa Leite e Joaquim Silveira dos Santos puderam
embarcar, em momentos diferentes, para a América. Contudo, o próprio Carvalho
preferiu ficar na França a ter de enfrentar as prisões brasileiras
151
.
Hermenegildo de Assis Brasil não retornou ao lar, pois faleceu de septicemia
em Paris. José Homem Correa de Sá e José Gay da Cunha também conseguiram
abandonar a França e partiram em direção a Buenos Aires, um antigo reduto dos
exilados políticos brasileiros
152
.
A invasão da URSS pela Alemanha em 22 de junho de 1941, apesar do
desastre inicial para os soviéticos, também significou uma espécie de alívio moral
para os comunistas, pois encerrou um interregno político anômalo e ideologicamente
desconfortável. A partir daquele momento a luta contra o Eixo significaria, para boa
149
The Volunteer of Liberty, February 1941, vol.III, n°1, p. 3.
150
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 137.
151
Idem, p. 143.
152
ALMEIDA, Paulo Roberto. Op. cit., p. 61-62.
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317
parte dos internacionais, a continuação em outros territórios da velha luta antifascista
da guerra da Espanha
153
.
Na França, os organismos da resistência clandestina contaram com
numerosos veteranos da guerra da Espanha nas suas fileiras, destacando-se em atos
de sabotagem e guerrilha contra os alemães. Um deles foi Apolônio de Carvalho, que
se converteu em chefe do maquis, atuando na região sudoeste. Integrado às Forças
Francesas do Interior participou da libertação de Toulouse em agosto de 1944
154
.
Alguns dos veteranos se juntaram ao general De Gaulle, nas forças da França
Livre, após o desembarque na Normandia. Além do mais, republicanos espanhóis
refugiados na França e veteranos das BI de vários países, formaram parte do I Corpo
de Exército Francês Livre, ironicamente nas unidades da Legião Estrangeira
Francesa em 1944
155
.
Na Europa Oriental, diversos veteranos das BI participaram ativamente entre
os partisans. Muitos guerrilheiros iugoslavos eram veteranos da Espanha, a começar
pelo croata Josip Broz, aliás “Tito” que, a serviço da Komintern, trabalhou na
organização política das BI em Paris
156
.
Os italianos, após a queda de Mussolini em setembro de 1943, iniciaram uma
violenta guerra de resistência contra os fascistas remanescentes na República de Saló
e os alemães que ocupavam boa parte do território italiano. Entre seus membros mais
destacados e combativos, diversos veteranos das BI, como o antigo comissário geral
das Brigadas, Luigi Longo
157
.
153
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 387-390.
154
Sobre a atuação de Apolônio de Carvalho na Resistência Francesa, recomenda-se a leitura da sua
autobiografia. CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 144 a 167.
155
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit, p. 326-328.
156
CIERVA, Ricardo de la. Op. cit., p. 56-57.
157
VIDAL, César. Op. cit., p. 335.
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318
Veteranos ingleses e americanos ingressaram em suas respectivas forças
armadas para enfrentar as forças do Eixo. Entre os norte-americanos, os antigos
organizadores das unidades guerrilheiras que combatiam atrás das linhas franquistas
passaram sua experiência tática para o Office for Special Service, que curiosamente
serviria como corpo embrionário da futura CIA
158
.
Porém, houveram alguns casos (raros, ao que consta) de ex-combatentes das
BI que passaram para o lado contrário, lutando pelas forças do Eixo durante a
Segunda Guerra Mundial. Poderia ser o reflexo de uma desilusão com o comunismo
a partir das experiências na Espanha e reforçado após o pacto Hitler-Stalin
159
. Mas
também poderia ser que o ideal antifascista tivesse sido superado pelo apelo
nacionalista radical, como provavelmente ocorreu no caso já citado de Frank Ryan.
Ou seriam apenas simples traidores da causa? De qualquer modo, ainda continuam
sendo questões de difícil e variada interpretação.
Com a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados em 1942, os veteranos
brasileiros exilados na Argentina ou no Uruguai julgaram que o momento seria
propício para voltar ao país. Mal ou não informados da repressão que Vargas ainda
empreendia contra os comunistas no Brasil
160
, talvez acreditaram que Vargas estaria
disposto a aceitá-los como “aliados”. A manobra dos antigos combatentes
antifascistas, coincidia também com a postura adotada pela URSS no plano
internacional em relação à sua participação no campo aliado.
158
Recomenda-se a leitura de CARROLL, Peter. Op. cit., p. 254 e ss.
159
BAYAC, Jacques Delperrie de. Op. cit., p. 330-331.
160
Sobre a repressão aos comunistas no início dos anos 40, ver DULLES, John W. F. Op. cit., 1985,
p. 200 a 222.
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319
Assim, em abril de 1942, em Buenos Aires, membros exilados do PCB e da
Internacional Comunista se reuniram e traçaram a linha da “União Nacional em torno
de Vargas para a defesa do Brasil”. Entre eles, Costa Leite
161
.
Em entrevista ao jornal La Razón de Montevideo, Carlos da Costa Leite fez
uma defesa das intituições nacionais e da posição assumida pelo governo Vargas
frente ao nazismo. Costa Leite confirmou a recente aceitação pelos comunistas do
governo Vargas e sua nova linha política “antifascista”:
Es una posición justa y patriótica, de plena conformidad com los
imperativos de la defensa nacional y continental. Por eso mismo, ya
hemos declarado várias veces que estaríamos dispuestos a ocupar el
puesto que nos fuera asignado en la defensa de la pátria (...) por la unión
nacional en defensa del Brasil y para que el nazifascismo sea
exterminado definitivamente en 1942, estaríamos dispuestos a qualquier
sacrifício
162
.
Por último, ressaltou que para haver uma autêntica “união nacional” o
governo deveria libertar os antifascistas ainda presos no Brasil. Nas suas declarações
sobre o Exército brasileiro, Costa Leite reafirmou a sua antiga identidade e orgulho
militar:
Tengo por el Ejército brasileño, en cuyas filas formé mi espíritu de
ciudadano y patriota, un grán afecto y profunda admiración. Por lo
demás, nuestras fuerzas armadas tienen un brillante pasado y una
magnífica tradición democrática, que constituyen la mayor garantía de
161
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 229-230.
162
La Razón, Montevideo, 08/06/1942. In: Prontuario n° 7127 Carlos da Costa Leite, APERJ.
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320
la unión nacional brasileña y de la defensa de la pátria y del
continente
163
.
Independente do grau de adesão ao comunismo, o nacionalismo continuava
impregnando a base da formação dos ex-militares veteranos da Espanha. Nemo
Canabarro Lucas que era antifascista e não comunista (como ressaltou com
desconfiança Costa Leite nos pareceres para a IC) declarou a um jornal os motivos
que o levaram a empreender tantas lutas:
Tenho participado de revoluções no Brasil e guerras estrangeiras, como
as do Chaco e a Hespanha, levado pela compreensão e pelos sentimentos
que me fizeram pela primeira vez tomar armas ao lado da nação em
1930. Estive na Hespanha combatendo pela independência do povo
hespanhol, com o mesmo espírito que de 1932 a 1934 estive no Chaco,
lutando pela independência do Paraguai, ameaçado de desaparecer
como nação. E não me arrependo
164
.
Possivelmente, ele pretendia demonstrar que não era necessário ser comunista
para lutar pela causa da Espanha Republicana. Entretanto, talvez Canabarro também
fizesse estas declarações para evitar perseguições e a indesejável e perigosa pecha de
“comunista”, altamente discriminatória naqueles tempos. Afinal de contas, havia sido
detido e fichado pela polícia em março de 1939, quando da sua chegada ao Brasil,
conforme consta no Anexo O. Mas não podemos desprezar o fato de que ele
163
La Razón, Montevideo, 08/06/1942. In: Prontuário n° 7127 Carlos da Costa Leite, APERJ.
164
A Nota, 21/04/1939. Prontuário n°2492 de Nemo Canabarro Lucas, APERJ. Em seu “Auto de
Qualificação” da Polícia Civil do RJ, Canabarro Lucas declarou: que resolveu aperfeiçõar
conhecimentos militares na Espanha (...) uma guerra civil que se tornara uma guerra de
independencia nacional do povo espanhol, dada a presença de tropas estrangeiras (...).
© Nacionalismo e Internacionalismo©
321
realmente não havia se filiado ao PC (nem no Brasil, nem na Espanha) e que os
próprios comunistas não o consideravam sequer “simpatizante”, apenas antifascista.
No seu último parecer sobre Canabarro Lucas enviado a Komintern, Costa
Leite afirmou que ele era um antifascista honrado, pero bastante oportunista y
vanidoso. Probablemente há venido a España más por vanidad que por outra cosa.
Tipo intelectual. Ahora habla de ir a China. Políticamente no instruído
165
. Ou seja,
Canabarro ainda se aproximava muito do que os comunistas denominaram
despectivamente de “aventureiro”.
Quase todos os ex-militares brasileiros voluntários na Espanha tentaram lutar
pelo Brasil na Segunda Guerra Mundial, mas nenhum o conseguiu. Eram homens
politicamente marcados. Delcy Silveira e Homero de Castro Jobim se apresentaram
no QG do III Exército em Porto Alegre, sem sucesso
166
.
O grupo de Costa Leite, no Uruguai, concretizou o seu oferecimento ao
governo brasileiro em setembro de 1942. Numa carta enviada do Uruguai, o grupo
expressou o seu desejo de reconciliação política com o governo e de regressar ao
Brasil, além de integrar-se nas forças armadas para recomeçar o interrompido
combate contra o nazi-fascismo
167
. Na fronteira, a recepção do grupo pelo governo
não poderia ser pior: todos foram presos, afim de cumprir os mandados judiciais
pendentes desde os idos de 1935
168
. A anistia somente lhes chegaria em abril de
1945.
165
Parecer de Carlos da Costa Leite sobre Nemo Canabarro Lucas, 15/01/1939. Arquivo da IC,
microfilme número 10, AEL.
166
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 235.
167
Carta ao Povo e ao Governo do Brasil, desde Rivera, Uruguai, 09/09/1942. Prontuário n° 7127
Carlos da Costa Leite, APERJ.
168
DULLES, John W. F. Op. cit., 1985, p. 235-236.
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Depois da Segunda Guerra Mundial, nem todos os ex-combatentes brasileiros
continuaram a seguir a linha do partido. O PCB enfrentou fortes dissidências e
fraturas durante e depois da guerra mundial, estando inclusive a ponto de ser
dissolvido, tal como a IC em 1943 e o CPUSA em 1944.
Em momentos diferentes, Costa Leite, Correa de Sá, Delcy Silveira, Apolônio
de Carvalho e outros abandonaram o PCB. Alguns o fizeram por motivos de índole
pessoal, mas a maioria o fez devido ao sectarismo dominante no partido, a
intolerância de alguns dirigentes e, principalmente, pela falta de democracia
interna
169
. No entanto, não renunciaram a sua postura de esquerda, ao seu
nacionalismo militante, aos seus anseios democráticos e de justiça social.
Com a anistia concedida em 1945, dois deles recuperaram a patente e a
condição de militar: Carlos da Costa Leite em 1951 e Nemo Canabarro Lucas em
1950
170
. Os outros veteranos somente conseguiram a sua reincorporação à reserva
das Forças Armadas em 1988, com a anistia geral obtida com a promulgação da
Carta Constituinte.
Depois do golpe militar de março de 1964, houve uma nova onda repressiva
aos veteranos da Espanha por parte das ditaduras militares instauradas a partir do
golpe. Alguns desses ex-combatentes estiveram ativos na militância política da
esquerda naque le período.
Apolônio de Carvalho esteve diretamente envolvido com a luta armada. Foi
membro fundador e secretário geral do Partido Comunista Brasileiro Revolucionario,
uma das tantas dissidências que fragmentaram a esquerda brasileira envolvida em
169
BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p. 190. SILVEIRA, Delcy. 2001, p. 8.
170
Prontuário n°2492 de Nemo Canabarro Lucas, APERJ. Prontuário n° 7127 Carlos da Costa Leite,
APERJ.
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uma desesperada luta de guerrilhas contra a ditadura dos generais. Preso e torturado,
foi enviado junto com outros presos políticos para a Argélia, em troca da vida de um
diplomata sequestrado pela guerrilha
171
.
David Capistrano da Costa, membro do Comitê Central do PCB, foi detido ao
entrar no Brasil vindo da Tchecoslováquia e se encontra oficialmente na lista de
“desaparecidos” por ação dos grupos de repressão militar no Brasil
172
.
Correa de Sá foi preso duas vezes durante a ditadura. Dinarco Reis e Roberto
Morena, tiveram de se exilar para escapar da repressão e talvez da morte. José Gay
da Cunha foi preso em 1975, acusado de estar reorganizando o PCB em Porto
Alegre. Depois, protagonizou um estranho episódio transmitido pela televisão onde
aparecia fazendo propaga nda a favor do regime militar e renegando o PCB
173
. Eram
os custos elevados da militância política.
Quase todos os veteranos da Espanha continuaram, de uma forma ou outra, a
luta pelas suas crenças políticas. Boa parte dos voluntários latino-americanos que
voltaram aos seus países de origem continuaram na luta contra o que acreditavam ser
o “fascismo” local. Alguns veteranos cubanos, por exemplo, fizeram parte do
movimento que derrubou o ditador Fulgêncio Batista, em 1959. Muitos deles foram
destacados líderes do Movimento 26 de julho, como o general Alberto Bayo, que
treinou os homens de Fidel Castro quando da sua estrada no México. Outros, no
entanto, tomaram um rumo contrário, como os do grupo Joven Cuba, liberal e anti-
marxista
174
.
171
CARVALHO, Apolônio de. Op. cit., p. 200 e ss.
172
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo: Ática, 1987, p. 233.
173
BATTIBUGLI, Thaís. Op. cit., p. 201-202.
174
BAUMANN, Gino G. Op. cit., p. 189-190.
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Após a Segunda Guerra Mundial muitos voluntários do leste europeu
atingiram cargos governamentais nas chamadas Repúblicas Democráticas ou
estavam presentes como generais ou comandantes nas Forças Armadas do Pacto de
Varsóvia: Erno Gerö e Mathias Rakosi na Hungria, Walter Ulbricht e Wilhelm
Zaisser na Alemanha Oriental e, na Iugoslávia, o Marechal Josip Broz (Tito). Mas
também muitos foram vítimas dos últimos expurgos e denúncias de Stalin, não
somente entre os soviéticos, mas muitos europeus orientais, entre eles o próprio Tito.
As dissenções no bloco soviético se mantinham, mas aquelas antigas acusações de
“trotskismo” dos anos 30 se modernizaram nos anos 50: foram denominadas então de
“titoismo”
175
.
No lado ocidental e principalmente nos EUA sofreram fortes perseguições
políticas durante o período da Guerra Fria. Os veteranos americanos das BI foram
classificados como “anti-fascistas prematuros” pela Comissão de Controle de
Atividades Subversivas do Congresso dos EUA. Nem a condição de “heróis de
guerra” condecorados pelas Forças Armadas dos EUA durante a Segunda Guerra
Mundial de alguns dos veteranos os salvou da perseguição macartista
176
.
Utilizando um reducionismo extremo, o governo dos EUA considerava que
ser veterano das Brigadas era um sinônimo de “comunista” e ser comunista nos EUA
em plena Guerra Fria era sinônimo de alta traição
177
. Tal como muitos camaradas
estrangeiros, alguns norte-americanos (comunistas ou não) sofreram vários anos no
cárcere e outros tiveram de partir para o exílio.
175
VIDAL, César. Op. cit, p. 336 e ss.
176
CARROLL, Peter. Op. cit., p. 285 e ss.
177
EBY, Cecil. Op. cit., p. 423-425.
382
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Apolônio de Carvalho n
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Carlos da Costa Leite n
0
5290.
Delcy Silveira n
0
5314.
Ernesto Joake (Yoske) n
0
5306.
Hermenegildo Assis Brasil n
0
5321.
Homero de Castro Jobim n
0
5326.
Joaquim Silveira dos Santos n
0
5300.
Jorge Cetl n
0
5305
José Correa de Sá n
0
5320.
José Gay da Cunha n
0
5324.
392
Nelson de Souza Alves n
0
5315.
Nemo Canabarro Lucas n
0
5293.
Roberto Morena n
0
1696.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro APERJ (Rio de Janeiro)
Prontuários da Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS) Distrito
Federal
Apolônio de Carvalho n
0
2687.
Alberto Roberto Bomílcar Besouchet n
0
1753.
Carlos da Costa Leite n
0
7127.
Celso Tovar Bicudo de Castro n
0
2911.
José Gay da Cunha n
0
4006.
Nemo Canabarro Lucas n
0
2492.
Roberto Morena n
0
15892.
Fundo pastas “Comunismo” : pasta n
0
20.
Fundo “Panfletos DESPS”: 429, 683, 929.
Arquivo Edgard Leuenroth AEL (Campinas)
Coleção Arquivos da Internacional Comunista.
Rolo 10 (microfilme): “Características de los Comunistas Brasileños”.
Inclui 90 documentos.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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