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DANIEL LUCIANO GEVEHR
FANÁTICOS, VIOLENTOS E FEROZES
LIDERADOS POR JACOBINA ENDIABRADA:
AS REPRESENTAÇÕES ANTI-MUCKER EM “O FERRABRAZ” (1949-1960)
Dissertação de Mestrado
Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS
Centro de Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em História
Orientadora: Dra. Eloísa Helena Capovilla da Luz Ramos
São Leopoldo
2003
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, fonte de inspiração da vida.
Agradeço à CAPES pela bolsa de estudos, que tornou possível a realização
deste sonho.
Agradeço à Professora Doutora Eloísa Helena Capovilla da Luz Ramos pela
orientação deste trabalho e, principalmente, pelos laços de amizade e pela
cumplicidade que construímos juntos. Obrigado, acima de tudo, pelo exemplo de
alegria e ânimo que me inspiraram durante a realização da dissertação.
Agradeço à Professora Doutora Paula Caleffi pelo incentivo a “vir fazer o
mestrado” e pelos quatro anos de convivência no Programa Especial de
Treinamento PET/UNISINOS. Meu muito obrigado pela motivação.
Agradeço, de forma carinhosa, à Professora Doutora Eliane Cristina
Deckmann Fleck pelo dom na arte de ensinar e por toda sua dedicação.
Agradeço, de forma especial, a Cláudio Becker por tudo. Também pela
cumplicidade, ânimo e por compartilhar dos mesmos sonhos que eu.
Agradeço à Denise Salete Nath, primeiramente como minha amiga e quase
irmã e, também, pela sua dedicação como Diretora do Museu Municipal de
Sapiranga, onde pesquisei parte das fontes deste trabalho.
Agradeço, em especial, aos meus amigos Adriana, Cláudia, Elizete,
Marilaine e Patryk, que me acompanharam durante esta etapa, que não foi apenas
de crescimento intelectual, mas também de descoberta e libertação. Obrigado
por fazerem parte da minha vida.
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A memória, onde cresce a história, que por
sua vez a alimenta, procura salvar o passado para
servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar
de forma a que a memória coletiva sirva para a
libertação e não para a servidão dos homens.
Jacques Le Goff
4
RESUMO
Este estudo tem como objetivo investigar as formas de representação
anti-mucker na imprensa sapiranguense, no período compreendido entre 1949 e
1960. Através da análise dos artigos publicados no Jornal O Ferrabraz, buscamos
refletir sobre os objetivos e o contexto no qual se produziu este discurso, que
denominamos de anti-mucker. Os artigos escritos por Leopoldo Sefrin,
personagem de destaque no cenário social de Sapiranga, retrataram o movimento
mucker cerca de oitenta anos após o conflito, deixando claro o propósito de
denegrir a imagem dos mucker perante a sociedade local. Desta forma,
analisamos como estas representações anti-mucker relacionam-se com o
ambiente vivido pela comunidade sapiranguense em meados do século XX e
questionamos acerca do impacto que estas imagens produziram no imaginário
social da comunidade.
5
ABSTRATC
The aim of this study is to investigate the anti-mucker representation
forms in the sapiranguense press in the period between 1949 and 1960. Through
the analyses of the articles published in “O Ferrabraz” newspaper, we want to
reflect on the objectives and the context in which this discourse, which we call
anti-mucker, was produced. The articles written by Leopoldo Sefrin, an
important character in the social scenery in Sapiranga, depicted the mucker
movement about eighty years after the conflict, revealing the purpose of
blackening the image of the muckers before the local society. So, we analyze
how these anti-mucker representations relate to the enviroment lived by the
society of Sapiranga around the twentieth century and we question about the
impact these images have produced in the social imaginary of the community.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 08
1 AS REPRESENTAÇÕES DO MOVIMENTO MUCKER: UMA ANÁLISE
CRÍTICA DAS DIFERENTES PERCEPÇÕES
...............................................................................................................................................
15
1.1 Francisco de Leonardo Truda ............................................................................. 19
1.2 Ferdinand Schröder ............................................................................................. 20
1.3 Aurélio Porto .......................................................................................................... 22
1.4 Theodor Amstad e Arno Philipp ........................................................................ 23
1.5 Ambrósio Schupp .................................................................................................. 25
1.6 Leopoldo Petry ....................................................................................................... 29
1.7 Moacyr Domingues ................................................................................................ 32
1.8 Janaína Amado ...................................................................................................... 36
1.9 João Guilherme Biehl ........................................................................................... 39
1.10 Maria Amélia Schmidt Dickie ........................................................................... 42
1.11 Algumas Considerações Importantes ............................................................. 46
2 A TRAJETÓRIA LOCAL: UM BREVE HISTÓRICO DE SAPIRANGA (1903-
1965) ...................................................................................................................................
48
3 A SENSIBILIDADE DESPERTADA: O DISCURSO ANTI-MUCKER NA
IMPRENSA SAPIRANGUENSE ...................................................................................
68
3.1 A Trajetória da Imprensa Gaúcha e o Jornal O Ferrabraz ...................... 72
3.2 O Perfil do Jornal O Ferrabraz ....................................................................... 78
3.3 Dr. Leopoldo Sefrin: homem de prestígio social e divulgador das idéias
anti-mucker .......................................................................................................................
88
7
3.4 A Formação Intelectual de Leopoldo Sefrin: sua coleção particular de
livros ...................................................................................................................................
91
4 COM A PALAVRA, O DR. LEOPOLDO SEFRIN: ANALISANDO AS
REPRESENTAÇÕES ANTI-MUCKER NA IMPRENSA ...........................................
97
4.1 Analisando as Representações Anti-mucker na Imprensa Local .............. 105
4.2 As Simbologias Através da Imagem: o mucker João Clement como
exemplo de barbárie .......................................................................................................
135
4.3 O Poder do Convencimento: a construção do imaginário social
sapiranguense ...................................................................................................................
139
CONCLUSÃO .................................................................................................................... 145
FONTES PRIMÁRIAS ................................................................................................... 148
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 150
ANEXOS ........................................................................................................................... 157
8
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem por objetivo investigar as formas de
representação do movimento mucker e seus principais personagens, através da
imprensa sapiranguense, no período de 1949 a 1960. Durante este período,
encontramos um significativo conjunto de artigos que retrataram os mucker,
fazendo com que a comunidade recordasse do episódio, a partir da opinião
exposta pelo jornal. Portanto, justificamos este recorte temporal em função de
encontrarmos, ao longo de doze anos, um discurso abertamente contrá rio aos
mucker. Assim, nossa análise se preocupa em compreender como a imprensa local,
através do Jornal
O Ferrabraz,
produziu representações que acabaram
reforçando o imaginário social da época.
Nossa preocupação central está em compreender a construção do
imaginário social anti-mucker em Sapiranga e suas relações com as
representações veiculadas pela imprensa, uma vez que foi neste município que o
movimento mucker ocorreu. Desta forma, acreditamos ser de fundamental
importância e relevância histórica investigar como esta comunidade retratou os
mucker cerca de oitenta anos depois do acontecimento.
9
Acreditamos ser extremamente importante justificar a escolha deste
tema como proposta de estudo. Para tanto, é necessário que se faça um relato
pessoal. Desde minha infância em Sapiranga, ouvia falar nos mucker e,
constantemente, visitava o Morro Ferrabraz e as imediações do local onde
ocorreu o conflito. Contavam-me a história de uma mulher chamada Jacobina, que
enganava as pessoas através de falsas palavras e espalhou a desordem e o medo
entre todos. Lembro, ainda, que fiquei impressionado quando vi pela primeira vez
a estátua construída em homenagem ao Coronel Genuíno Sampaio e a cruz
colocada no local da morte de Jacobina Mentz Maurer. Foi a partir daquele
momento que percebi que precisava bisbilhotar nos meandros desta história. Foi
quando adulto que resolvi investir de fato neste propósito, de investigar como a
comunidade, da qual faço parte, representou o movimento mucker ao longo das
gerações.
Investigando esta história, deparei-me com os jornais esquecidos em uma
prateleira do Museu Municipal de Sapiranga. Estes jornais traziam consigo alguns
artigos que logo me chamaram a atenção, uma vez que falavam do assunto que
muito me inquietava, os mucker. Observei que, na verdade, tratava-se de vários
artigos, de autoria de Leopoldo Sefrin, personagem de destaque na sociedade
sapiranguense. Com este material em mãos, foram surgindo inúmeros
questionamentos e possibilidades de pesquisa, que hoje se traduzem nesta
dissertação.
Nesse sentido, destacamos que nossa intenção está centrada no
entendimento da construção do imaginário social sapiranguense, cerca de oitenta
anos após o desfecho do conflito. Buscamos, através da análise deste material
impresso, refletir sobre o interesse e a importância deste discurso anti-mucker
se fazer presente na sociedade local vários anos após o conflito ocorrido no final
do século XIX, mais precisamente entre os anos de 1868 e 1874, na Antiga
Colônia Alemã de São Leopoldo, atual município de Sapiranga-RS.
O conflito inicia quando João Jorge Maurer e sua esposa Jacobina Mentz
Maurer são acusados de praticar curandeirismo e proferir cultos em sua casa,
onde Jacobina lia e interpretava a Bíblia em alemão para os colonos que chegavam
até o local. Estes estariam, supostamente, formando uma seita de caráter
messiânico, liderada por Jacobina e talvez cerca de 250 colonos da região, uma
vez que não temos números precisos do total de participantes do grupo.
Uma série de acontecimentos aguça, progressivamente, os ânimos de
ambos os lados. Além disso, problemas relacionados com as dificuldades
econômicas encontradas pelos colonos, a falta de orientação religiosa por parte
das Igrejas Católica e Evangélica, as dificuldades em buscar assistência médica,
por falta de recursos financeiros e as divergências em delimitar as propriedades
aumentam as discussões na área colonial alemã.
Tanto os mucker (termo utilizado pelos colonos para se referir ao grupo
liderado por Jacobina Maurer, que significa santarrão ou beato, o que dava uma
conotação depreciativa ao grupo do Ferrabraz) quanto os demais colonos da
região trocavam acusações de saques, roubos e assassinatos. Os mucker foram
interpretados pela sociedade como desordeiros e fanáticos que, liderados por
uma falsa profetiza e por uma falso curandeiro, espalharam o terror e a desunião
entre as famílias. O movimento resulta na morte do Coronel Genuíno Sampaio
(comandante das tropas oficiais que vieram a Sapiranga em combate contra os
mucker), herói da Guerra do Paraguai, que tomba em 21 de julho de 1874 em
nome da ordem e do progresso. Finalmente, em 02 de agosto de 1874, acaba o
conflito, com a morte da suposta líder Jacobina Maurer e mais 16 mucker que
estavam vivendo escondidos nas matas do Morro Ferrabraz.
A construção da imagem dos mucker como fanáticos e obstinados, em
busca de um falso ideal, levou a comunidade sapiranguense a carregar em sua
memória esta representação dos mucker. Cerca de oitenta anos depois, com a
fundação do Jornal O Ferrabraz , os moradores de Sapiranga revivem estes
mesmos acontecimentos, agora narrados por Leopoldo Sefrin. Considerado
homem de boa conduta moral e prestígio social, Leopoldo Sefrin escreveu
diversos artigos nos quais contava para seus leitores a sua própria interpretação
dos fatos.
Neste contexto, a imprensa sapiranguense, através de Leopoldo Sefrin,
trouxe novamente à tona o passado mucker, que agora era materializado nos
artigos veiculados pelo jornal local. Questionamos qual seria a intenção de Sefrin
ao repetir esta história? Em nosso entendimento, as representações criadas pelo
autor para informar a população acerca da história da comunidade reforçaram o
imaginário social e sublinharam o caráter depreciativo que se tinha dos mucker.
Nosso estudo busca compreender, através da investigação da trajetória
percorrida por Sapiranga e pela imprensa local, como se construíram estas
representações, que aqui chamaremos de anti-mucker, pelo fato de se mostrarem
explicitamente contrárias aos mucker.
Estruturamos nosso estudo a partir do entendimento de que as
representações e a construção do imaginário social estão diretamente ligadas ao
contexto no qual se fazem presentes determinadas idéias. Desta forma, em
nosso primeiro capítulo, realizaremos uma revisão bibliográfica das obras
publicadas ao longo de praticamente um século, ou seja, desde a obra de
Ambrósio Schupp até a mais recente, de autoria de Maria Amélia Schmidt Dickie.
Desta maneira, selecionamos as obras de maior importância e repercussão entre
o público leitor, uma vez que foram estas publicações que influenciaram de forma
significativa o imaginário social.
No segundo capítulo, procuraremos realizar uma síntese concisa da
trajetória histórica percorrida por Sapiranga, desde o final do conflito mucker,
em 1874, até a década de 1960. Analisando Sapiranga desde sua recuperação
econômica pós-mucker, passando pela inauguração da Estação Férrea, que
interligou a localidade com o centro da Colônia, que era São Leopoldo, até o
desenvolvimento da atividade industrial, percebemos uma constante preocupação
por parte de seus moradores em mostrar para todos a superação dos problemas
ocasionados pelos mucker. Destacamos este aspecto em virtude de percebermos,
neste período, uma constante preocupação, por parte da sociedade local, em
mostrar-se em oposição ao passado mucker, que era entendido como exemplo de
barbárie.
Ao contrário, a sociedade que se estruturava a partir do desfecho do
conflito tentava se fazer representar pelo lema da ordem e do progresso
(lembramos que os mucker eram interpretados como a desordem e o regresso da
região, o que é reforçado em 1931 com a inauguração da estátua em homenagem
ao Coronel Genuíno Sampaio, que traz o agradecimento da comunidade para
aquele que tombou em nome da ordem e do progresso). A partir deste
entendimento contextual, acreditamos que poderemos articular as
representações veiculadas na imprensa local com a própria realidade e o perfil da
comunidade sapiranguense.
Neste estudo, analisaremos como a preocupação da comunidade em superar
o atraso provocado pelo conflito mucker estava presente. Neste raciocínio,
percebemos uma valorização do progresso alcançado pela localidade nas décadas
de 1950 e 1960, que se mostrava pelo desenvolvimento das atividades econômicas
e da vida social. Buscamos, portanto, discutir a idéia de progresso presente na
comunidade, que naquele momento significava desenvolvimento econômico.
A partir de diversos autores, procuraremos fundamentar teoricamente
nossa análise, com o propósito de estabelecer as relações entre a imprensa como
um conjunto de representações sociais, construídas no período compreendido
entre 1949 e 1960 por Leopoldo Sefrin e o meio social no qual se produziram
estas representações. O objetivo de analisar Sefrin em relação à construção das
representações anti-mucker, por sua vez, devem ser entendidos dentro de um
campo de produção específico, onde se criou e reproduziu imagens e
representações anti- mucker, que influenciaram e até, de certa maneira,
moldaram o imaginário social sapiranguense.
Buscando aproximar as idéias de representação e campo de produção
(contexto), analisaremos as relações existentes entre a imprensa escrita e seu
público leitor. Assim, buscamos entender como as representações criadas por
Sefrin no Jornal O Ferrabraz foram interpretadas pela comunidade local. Neste
processo, o jornal apresentava -se como um veículo oficial de notícias de
interesse coletivo da população.
No terceiro capítulo, procuraremos discutir estas questões, investigando
de forma mais aprofundada a trajetória da imprensa no Rio Grande do Sul e como
o Jornal O FERRABRAZ se insere nesta trajetória. Discutiremos, ainda, o perfil
deste jornal que, através de suas publicações, demonstrava uma grande
preocupação em se colocar como o meio oficial de informações da comunidade.
Também procuraremos realizar um estudo mais detalhado da biografia de
Leopoldo Sefrin para que, a partir deste entendimento contextual, possamos
analisar propriamente seus artigos publicados na imprensa local. Discutiremos,
ainda, qual o significado de moral e conservadorismo presentes naquela
sociedade.
No quarto capítulo, passaremos à análise dos artigos publicados por
Leopoldo Sefrin no Jornal O Ferrabraz, investigando as formas de
representação criadas pelo autor para denegrir a imagem dos mucker perante a
sociedade sapiranguense. Nossa análise está centrada, principalmente, nas
narrativas de Sefrin e as adjetivações que o mesmo empregou em seus artigos.
Nesse raciocínio, procuramos discutir sobre os impactos e reflexos que esta
opinião, tornada pública pelo jornal, provocaram entre a população local. A partir
deste entendimento, queremos mostrar como o discurso veiculado por Sefrin
fazia parte do amplo processo de construção do imaginário social pós-mucker.
1 AS REPRESENTAÇÕES DO MOVIMENTO MUCKER: UMA ANÁLISE
CRÍTICA
DAS DIFERENTES PERCEPÇÕES
Nesta primeira parte do trabalho, pretendemos realizar um levantamento
das principais obras publicadas sobre os mucker, bem como os trabalhos
acadêmicos sobre o tema, desenvolvidos até o momento. Desta forma,
analisaremos obras tanto de cunho geral sobre a imigração alemã no Rio Grande
do Sul e que ao longo da obra fazem referência ao movimento mucker, quanto
obras específicas, cujos autores dedicaram seu estudo a retratar de forma
específica a história dos mucker. Deixamos claro o objetivo de nossa análise, que
não foi de recontar a história descrita por cada autor em seu trabalho, mas de
buscar compreender as diferentes formas de interpretação do conflito por estes
autores naquele determinado momento em que sua obra foi elaborada.
Percebemos que desde o início do século XX, quando a obra de Ambrósio
Schupp é publicada até o estudo mais recente de Maria Amélia Schmidt Dickie,
as concepções acerca dos mucker transformaram-se consideravelmente, não
apenas na maneira como os mucker foram retratados, mas também os novos
questionamentos que foram sendo lançados à medida que cada estudo instigava
novas perguntas e indicava novas fontes a serem trabalhadas.
A partir desta constatação, pretendemos analisar a forma como foram
imaginadas e criadas, em épocas diferentes, representações acerca do episódio
mucker, episódio este que marcou uma página importante na história da
colonização alemã no Brasil e também de toda a conjuntura latino-americana de
imigração européia.
Desta forma, selecionamos aquelas obras que fazem alguma referência ao
episódio. Num primeiro momento, trataremos de obras de cunho geral sobre
imigração, que ao desenvolver a história da imigração alemã acabam fazendo
referência ao episódio do Ferrabraz
1
e, num segundo momento, passamos a
analisar obras específicas que tratam da questão mucker. Pensamos ser de
fundamental importância incluir em nossa análise estas obras específicas sobre a
história do conflito por dois motivos principais. O primeiro é o fato de que não
encontramos uma diversidade considerável de obras sobre imigração que tratem
do episódio, e o segundo fato é que estas obras podem ser citadas como
suscitadoras de novos estudos que vieram com o intuito de elucidar algumas
questões ainda não discutidas por seus autores anteriores.
Assim, pensamos que ao realizarmos este estudo, utilizando obras tanto de
cunho geral (sobre a história da imigração) quanto específico (que trata
especificamente do conflito mucker), poderemos ter uma visão e um
entendimento mais amplo a respeito das diferentes formas de representações
dos mucker na produção historiográfica brasileira.
1
O movimento mucker ocorreu nas imediações do Morro Ferrabraz. Por este motivo é,
constantemente, chamado de episódio do Ferrabraz, em referência ao local onde ocorreu.
Com o objetivo de sistematizar de forma clara e objetiva a parte inicial de
nosso estudo, organizaremos nossa análise por autores estudados, uma vez que os
diferentes autores irão apresentar distintas opiniões a respeito do tema.
Portanto, procuraremos entender as diferentes obras analisadas dentro de
seu contexto próprio, uma vez que devemos levar em consideração que a forma de
interpretação da questão da imigração alemã no Rio Grande do Sul se dá, de
acordo com os propósitos de cada autor, seguindo sua própria orientação teórica,
suas afinidades com o tema, suas próprias experiências vividas. Enfim, devemos
considerar o texto produzido pelo historiador, dentro de seu contexto, ou seja, o
mundo que cerca o sujeito que constrói seu próprio discurso.
Desta forma, pensamos que o fundamental na análise do texto é a própria
textualidade, esta como sendo a relação existente entre o texto e sua
exterioridade, ou seja, o discurso presente nestes textos não está
hermeticamente fechado, ao contrário, está situado em um contexto real,
externo, com sua ideologia, com sua realidade social, política e econômica. Em
especial, sobre a imigração alemã, devemos levar em consideração a ligação étnica
que muitos historiadores têm ao escreverem sobre o próprio grupo do qual fazem
parte, que, ora de forma mais visível ora menos visível, acabam influenciando o
sujeito construtor do discurso.
Chamamos a atenção para a questão da relação do sujeito com o seu objeto
de análise, uma vez que no momento que este sujeito, ou melhor, o historiador
pertence ao mesmo grupo étnico do qual está tratando, este, pelo menos nas
obras analisadas, deixará, em alguns momentos, explícita a sua relação mais
íntima com o tema, recorrendo muitas vezes até ao ufanismo. Isto explica, em
parte, o fato da maioria das obras sobre a imigração alemã no Rio Grande do Sul,
editadas no início do século XX, retratarem o conflito mucker de forma
depreciativa, numa tentativa talvez de identificar os envolvidos no conflito como
não tendo correspondência à imagem de boa índole criada para o imigrante
alemão.
Desta forma, pensamos que a construção de sentidos e juízos de valores
encontrados nas obras que tratam do conflito mucker expressa uma ideologia, um
pensamento individual que, ao se tornar público na obra, tem a intenção de
transformar-se em pensamento coletivo.
Dentro desta perspectiva, podemos perceber que os autores que tratam
da questão da imigração alemã no Rio Grande do Sul e aqueles que tratam
especificamente do conflito mucker acabam por construir uma imagem
depreciativa sobre os mucker, fato que deixa de ser recorrente apenas com os
estudos de Leopoldo Petry, que inaugura uma nova geração de estudiosos do
assunto e que tem a pretensão de lançar novos questionamentos e um olhar mais
crítico sobre esta história.
Entendemos, também, ser de fundamental importância analisar a relação
existente entre a construção do discurso (neste caso as obras selecionadas) e o
seu contexto (a época e o sujeito em questão). Deixamos clara esta percepção
que esteve presente em nossa análise, embora não tenhamos realizado o histórico
de cada autor estudado, sendo que isso ultrapassaria os objetivos do presente
trabalho.
Conforme já afirmamos na introdução do capítulo, nossa preocupação aqui
está centrada em compreender as formas como cada autor interpreta e cria uma
determinada representação dos mucker. Assim, realizadas estas considerações,
passamos a análise destas obras.
1.1 FRANCISCO DE LEONARDO TRUDA
A colonisação allemã no Rio Grande do Sul
2
, de Leonardo Truda, é, sem
dúvida, uma importante fonte de informações a respeito da história da imigração
alemã no Rio Grande do Sul. Para nós, interessa investigar nesta obra,
especificamente, a forma como o autor entende o conflito mucker e, para tanto,
utilizaremos uma passagem da obra:
Um drama sangrento e brutal. A tragédia sombria dos Muckers
abalou, entretant o, profundamente o município de São Leopoldo e
perturbou a paz de seus habitantes. Esse, porém, não deve ser
considerado episodio de luta religiosa, mas como o que realmente foi:
obra de fanatismo e de ignorância. Para o desfecho trágico que os
acontecimentos tiveram concorreram à incúria e à imprevidência dos
governantes. (TRUDA, 1930, p.84)
A partir do trecho citado, percebemos claramente a idéia que perpassa o
pensamento do autor. Ao referir-se ao conflito como resultado do fanatismo e da
ignorância, Truda destaca a falta de orientação e esclarecimento dos colonos,
especialmente em relação aos assuntos religiosos. É, portanto, neste ambiente
que o carpinteiro que se fizera médico (João Jorge Maurer) e a arvorada
profetiza (Jacobina Maurer) se aproveitam da suposta inocência e desamparo dos
colonos para introduzirem suas idéias e práticas de cura e religião para aqueles
que se encontravam no desamparo.
2
TRUDA, Francisco de Leonardo. A colonisação allemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Typographia do Centro, 1930.
Encontramos, na sua obra, um breve resumo sobre o conflito, no qual se
evidenciam as acusações contra os mucker, que são entendidos pelo autor como
os causadores das mortes e atrocidades diversas ocorridas no período de 1872 a
1874. Além disso, faz referência aos acontecimentos ocorridos após o desfecho
do conflito, como os episódios da Terra dos Bastos, no Vale do Taquari e no
Pirajá, na colônia de Nova Petrópolis, como cita o próprio autor:
Afinal, em 1897, vinte e três annos após a tragédia do Ferrabraz,
mais de cem colonos do Pirajá prepararam uma emboscada e nella
abateram três dos mais graduados dos muckers que ali viviam. A esse
massacre, outro se seguiu, na Terra dos Bastos em que foram eliminados
cinco muckers, por um grupo de mais de duzentos colonos que áquella
seita atribuíam o assassinato de uma mulher pouco antes verificada.
(TRUDA, 1930, p.86)
Estes acontecimentos, acima citados, demonstram que o conflito mucker
não acabou de fato em 1874, mas teve seus desdobramentos em outras
localidades para as quais as famílias mucker haviam se transferido. Assim, com o
medo constante dos novos vizinhos, de que poderiam reorganizar-se em torno da
suposta seita, são exterminados pelas mãos dos próprios colonos, que entendiam-
se como a própria justiça.
1.2 FERDINAND SCHRÖDER
Na obra A Imigração Alemã para o Sul do Brasil até o ano de 1859
3
,
Schröder faz uma breve referência ao conflito mucker. Percebemos, na sua
breve passagem, que tem o objetivo de incutir no leitor a idéia de que os mucker
foram um grupo de fanáticos liderados por uma mulher que, sem instrução
religiosa, ousou exercer o papel de líder religiosa numa comunidade de colonos
3
SCHRÖDER, Ferdinand. A Imigração Alemã para o Sul do Brasil até o ano de 1859. Tradução de
Martin N. Dreher. (No prelo).
alemães, que estavam vivendo desamparados pelas igrejas oficiais. O autor tenta
traçar um perfil da personagem Jacobina, demonstrando suas características de
doente e, inclusive, a suposta denominação de Jacobina como Cristo. Para melhor
compreender o pensamento do autor, podemos acompanhar suas palavras:
A mulher de um colono, Jacobine Maurer, originária de uma família
Mentz, era pessoa doente, tendo procurado, inicialmente, cura junto ao
Dr. Hillebrandt, em São Leopoldo. Lendo obra sobre o sonambulismo teve
a convicção de ser vidente. Nessa condição curou doenças. Mais tarde,
realizaram-se reuniões religiosas em sua casa, em cujo centro estava a
interpretação da Escritura por Jacobine. A profetiza encontrou adeptos
e logo declarou ser uma “Christussin” (Crista). Previu o fim do mundo e a
perseguição por parte dos adversários. A fim de poderem se proteger
frente a ela, anexaram grande construção de pedra à casa dos Maurer.
Neste castelo Mucker tiveram vida em comunidade. Foram feitas
expedições de vingança contra os inimigos, as casas foram incendiadas,
as pessoas foram fuziladas. Foi então que, com o concurso dos colonos
alemães, soldados brasileiros tomaram de assalto o “castelo” após luta
encarniçada. (SCHRÖDER, 1931, p.97)
Analisando o trecho citado acima, acreditamos que se torna mais claro
compreender a intenção do autor, que, inserido em seu tempo, ou seja, o ano de
1931, acaba por reproduzir o pensamento da sua época. Uma vez que temos que
lembrar que a única obra de circulação sobre o tema era o livro do Padre
Ambrósio Schupp, estando assim o seu pensamento de acordo com aquele que
encontramos na obra de Schupp, sobre a qual falaremos mais tarde.
Os termos utilizados para se referir aos mucker nos impressionam, por
exemplo, a idéia de que os mucker viveriam em um castelo no Ferrabraz, criando
uma imagem para o leitor de que se tratava de uma espécie de fortaleza
preparada contra os inimigos. Também encontramos referência a Jacobina, que é
denominada aqui de Crista, ou seja, cria-se um rótulo nesta personagem, que tem
exatamente o propósito de construir uma imagem negativa e até sobrenatural
com o objetivo de denegrir a sua conduta e a sua moral.
1.3 AURÉLIO PORTO
Em sua obra O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul
4
, Aurélio Porto
dedica-se à análise do conflito mucker em seu segundo capítulo, denominado
Política e Religião”. Ao fazer referência ao conflito mucker, Porto identifica o
mesmo como resultado do isolamento e do desamparo em que viviam os colonos
alemães no final do século XIX. Para o autor, o ambiente de desamparo religioso
foi o fator preponderante na eclosão do conflito, que, segundo ele, derivou do
aparecimento de Jacobina Maurer com suas pregações religiosas e, também, pela
prática do curandeirismo realizada por seu marido João Jorge Maurer que,
devido ao fato de encontrar nesta função um trabalho mais fácil e menos árduo
que as lidas do campo, acabou por se autodenominar médico.
A análise de Porto é baseada na idéia de que os mucker seriam, na verdade,
um grupo de revoltosos que, liderados por uma falsa profetiza e por um
curandeiro, espalharam a desunião e a morte pela colônia. Além disso, o autor
busca o respaldo das suas afirmações na obra do Padre Ambrósio Schupp, como
podemos acompanhar:
Foi nêsse ambiente, propício à formação de seitas religiosas que teve
origem o fanatismo dos Muckers. Existe, sobre o assunto, no Arquivo
Nacional, desenvolvida documentação, na qual, salvo um ou outro
pormenor de somenos importância, pouco existe que não tenha sido
aproveitado pelo p. Ambrósio Schupp em seu trabalho consciencioso e
completo. (PORTO, 1996, p.188)
Conforme podemos ver acima, Porto concorda com as afirmações
realizadas por Schupp em sua obra (sobre a qual iremos tratar especificamente
4
PORTO, Aurélio. O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro,
1996.(Lembramos que a primeira edição da obra é de 1934)
ao longo deste trabalho), buscando reafirmar a tese de que os mucker foram os
únicos culpados dos acontecimentos que envolvem a história do conflito.
A atuação de Jacobina como líder do grupo e principal culpada do conflito
é, também, evidenciada na obra, uma vez que se faz referência especial a esta,
destacando-se o seu papel de “embusteira religiosa”:
Em torno de Jacobina, já então, santificada aos olhos dos ignorantes
colonos, que multiplicavam a fama de que se ia cercando, foi-se
organizando uma seita religiosa, com práticas devocionais, algumas de um
grotesco irresistível, e outras profundamente imorais. Lia-se a Bíblia, que
Jacobina interpretava a seu modo, pontilhando de cousas (sic) estranhas.
(PORTO, 1996, p.189)
De acordo com os trechos mencionados acima, podemos ter uma noção mais
clara do posicionamento do autor em relação aos mucker. A posição assumida pelo
autor de retratar a história a partir da obra de Schupp deixa clara a idéia de
retratá-la de forma depreciativa, ou seja, para ele os mucker foram, de fato, um
grupo de colonos alemães que, se encontrando no acaso, ou melhor, no abandono
espiritual, acabaram por se deixar iludir pelas falsas palavras sagradas de uma
falsa profetiza e pelas promessas de curas de seu marido. Desta forma, conclui
seu pensamento afirmando que a atuação das forças oficiais foi necessária, uma
vez que vieram para trazer de volta a paz e o sossego da colônia, que havia sido
abalada por um grupo de revoltosos.
1.4 THEODOR AMSTAD E ARNO PHILIPP
Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul
5
traz um rico histórico da
imigração alemã no Rio Grande do Sul. Em nosso estudo, interessa entender a
forma como esta obra retratou o episódio dos mucker e, para tanto, nos
dedicamos a analisar de forma mais aprofundada esta questão na referida obra.
Para tanto, iniciamos nos valendo das palavras do próprio autor:
Pelo termo ”Mucker” costuma-se designar uma determinada forma de
fanatismo religioso que se distingue dos outros pelo isolamento e pela
separação nítida e, não raro, desanda em violência contra aqueles que
pensam de modo diferente. (AMSTAD; PHILIPP, 1999, p.163)
De acordo com a afirmação acima, notamos que a forma como os mucker
são interpretados na obra é também bastante depreciativa, aspecto já percebido
nas demais obras analisadas por nós neste estudo. Soma-se a isto o intuito dos
autores de destacarem a atuação de alguns personagens do conflito, como é o
caso de Johann Georg Klein, o cunhado de Jacobina, que seria o suposto mentor
intelectual da “seita” (o termo seita é empregado na obra para referir-se aos
mucker). Segundo a obra, Klein era um sujeito de caráter traiçoeiro, malquisto
pela maioria das pessoas da região, motivo pelo qual teve que abandonar a função
de pregador protestante. Klein teria participação ativa nas encenações realizadas
no Ferrabraz, que tinham por objetivo enganar os colonos que participavam dos
cultos fervorosos ministrados por Jacobina.
O caráter belicoso dos mucker é, também, evidenciado na narrativa, uma
vez que, segundo afirmam, os moradores da colônia estavam temendo as atitudes
tomadas pelos mucker e que poderiam vir a acabar com o sossego dos pacatos
colonos. Quanto a este aspecto afirmam:
5
VERBAND DEUTSCHER VEREIN (ed.) Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul. 1824-
1924. Tradução de Arthur Blasio Rambo. São Leopoldo: Unisinos, 1999. (A primeira edição da obra
é de 1924).
Os moradores das redondezas, preocupados com as ameaças da
Jacobina e de seus seguidores, mandaram uma petição ao governo,
procurando auxílio e proteção contra a perigosa vizinhança no Ferrabraz.
(AMSTAD; PHIPIPP, 1999, p.165)
Ao que tudo indica, a personagem Jacobina Maurer parece ser o foco
principal da análise sobre os mucker na obra. Afirmamos isso em virtude desta
ser, segundo os autores, considerada a grande culpada das tragédias que se
seguiram ao longo dos anos de conflito. Além disso, encontramos termos bastante
hostis sendo empregados para fazer referência à Jacobina, como “a mulher
sedenta de sangue”, o que nos leva a acreditar na intenção da obra em querer
imprimir uma imagem deturpada e negativa da personagem.
Mais uma vez, encontramos referência à “força civilizadora do Estado”,
que se contrapõe à imagem dos mucker. Enquanto as forças oficiais, lideradas
pelo Coronel Genuíno Olympio de Sampaio, são representadas como a ordem e o
progresso, o contrário refere-se aos mucker, que são representados como a
desordem e o regresso. Para tanto, recorre-se a diversos acontecimentos que
envolveram inimigos dos mucker, sendo que sempre ocorria algum incêndio ou
morte com seus inimigos, eram diretamente considerados de autoria dos mucker,
o que nunca se procurou provar de fato, já que o grupo era em menor número e
tinha as autoridades locais contra si.
1.5 AMBRÓSIO SCHUPP
Sendo a primeira obra que se propõe a analisar especificamente o conflito
dos mucker, Os Mucker
6
, do Padre Ambrósio Schupp, encontra-se como a
6
SCHUPP, Ambrósio. Os Muckers. 3.ed. Porto Alegre: Selbach, s/d.
primeira fonte bibliográfica a ser estudada por quem pretende estudar o
movimento mucker. Devemos, todavia, fazer algumas considerações importantes
sobre este estudo que, conforme veremos, é atualmente, alvo de inúmeras
críticas.
Estas críticas devem-se ao fato de Schupp ter-se baseado unicamente nos
relatos de pessoas envolvidas no conflito, nas autoridades locais da época dos
acontecimentos e nos julgamentos realizados posteriormente ao desfecho. Desta
forma, Schupp constrói a sua visão dos fatos. Porém, ao estabelecer a sua
própria versão, comete alguns equívocos, como o fato de levar em consideração
apenas os depoimentos fornecidos por aqueles que se encontravam na condição de
inimigos dos mucker, não pensando em ouvir também o outro lado, ou seja, aqueles
que se viram combatidos, os próprios mucker. Para termos uma idéia mais precisa
disto que afirmamos até aqui, acompanhemos as palavras finais da sua obra,
quando os informantes utilizados por Schupp, dizem-se portadores da verdade,
dos reais acontecimentos envolvendo os mucker:
Nós abaixo assinados, moradores no Sapiranga, acompanhamos o
desenvolvimento da seita dos Muckers do Ferrabrás, desde o seu comêço
até o fim, e confirmamos que tudo quanto o Rev. Padre Ambrósio Schupp
narra em seu livro sob o título Os Mucker é conforme a verdade em
todos os pormenores.
Sapiranga, 22 de janeiro de 1904.
Seguem-se 19 assinaturas reconhecidas pelo escrivão distrital.
(SCHUPP, s/d, p.317)
Schupp, ao narrar os acontecimentos, utiliza-se, portanto, das revelações
feitas pelos moradores da região e das autoridades, que contaram a sua visão dos
fatos que, como temos conhecimento, é, sem dúvida alguma, uma tentativa de
identificar os mucker como reais fanáticos e destruidores dos bons costumes.
Os motivos apresentados pelo autor para explicar o desenvolvimento da
seita referem-se, principalmente, à questão religiosa. Estando a população da
colônia desamparada espiritualmente, Jacobina Mentz e João Jorge Maurer
aproveitam-se desta situação para tirarem seus próprios benefícios, visto que
Jacobina era tida como problemática, sendo atormentada por freqüentes crises e
devaneios, enquanto Maurer era conhecido como preguiçoso e descontente com o
trabalho braçal na roça.
Todos estes aspectos são levantados por Schupp como motivos para o
aparecimento da “seita do Ferrabraz” que, na verdade, representaria o
desregramento da vida em comunidade, o afastamento da Igreja, das festas da
comunidade, a retirada das crianças da escola, o não aparecimento nas vendas,
enfim, o início da formação de um grupo fechado para si, cortando-se relações
com os demais, que não pertenciam ao grupo. Nas palavras de Schupp, estas
idéias evidenciam-se em alguns comportamentos:
Aquela gente simples da colônia, sem nenhuma, ou quase nenhuma
instrução, e, portanto, incapaz de discernir a verdadeira da falsa
interpretação, ali se quedava muda, pasmada, embebida, em respeitoso
silêncio, suspenso de bôca daquela mulher. Quanto mais extravagantes
eram as interpretações de Jacobina, e quanto menos as entendiam, mais
alevantado era o conceito que formavam da sua sabedoria, chegando a
acreditar que era inspirada por um espírito superior. (SCHUPP, s/d, p.43)
Em sua narrativa, encontramos vários momentos em que ele próprio coloca-
se ao lado dos combatentes da “seita”. Nesse sentido, “nosso delegado” é um
termo empregado inúmeras vezes para referir-se à atuação das autoridades em
meio ao conflito, o que demonstra a clara posição do autor que, ao longo de sua
narrativa, objetiva mostrar ao leitor as perversidades praticadas pelos mucker,
ao mesmo tempo em que constrói a imagem do bom colono, pacífico e vítima das
atrocidades cometidas pelos “fanáticos do Ferrabraz”.
A devassidão, a falta de ordem e a destruição dos bons costumes é
apresentada por Schupp como conseqüência da falta de esclarecimento e da
atuação de pessoas de mau caráter, como Jacobina e João Jorge. Assim,
caracteriza Schupp, a realidade em que se encontravam os mucker:
Com efeito, as coisas lá no Ferrabrás tinham chegado ao extremo: ali
imperava a mais infrene devassidão, e a pena recuava-se a reproduzir
aqui o que a população da colônia contava dos Muckers. Para êstes, não
havia vínculo algum sagrado, e até as relações entre pais e filhos estavam
entregues ao sabor e capricho das paixões. (SCHUPP, s/d, p.155)
Ao enfatizar a realidade vivida pelos sectários mucker, Schupp destaca o
papel desempenhado por Jacobina, entendida como o centro da “seita” e,
portanto, como fonte dos excessos praticados dentro do grupo:
O que é certo é que Jacobina lograra, de um modo cabal, o seu
intento: dia a dia, os seus adeptos iam perdendo, cada vez mais, todo
sentimento de pudor, prestando-se, com uma submissão cega,
incondicional, fanática, à execução de suas ordens. (SCHUPP, s/d, p.155)
Os adjetivos utilizados para denominar os mucker são bastante variados,
mas todos eles possuem algo em comum, que é o caráter depreciativo,
difamatório e hostil. Entre os termos empregados, destacam-se alguns como:
monstros sanguinários, fanáticos, seguidores de falsas crenças, canibais e cruéis
como tigres. Estas referências depreciativas explicariam, em parte, a absorção
do fato pelos leitores que, em razão dessas, não poderiam ter uma visão mais
lúcida dos acontecimentos, uma vez que fica explícito o propósito, por parte de
Schupp, de construir uma imagem negativa dos mucker.
Desta forma, ao retratar os mucker como os únicos culpados pelo conflito,
Schupp glorifica a atuação do exército e, em especial, a atuação do Coronel
Genuíno Olímpio de Sampaio e do Major Dr. Francisco Clementino de Santiago
Dantas. Com o extermínio dos mucker, seus sobreviventes são julgados e, anos
mais tarde, os colonos da região acabam por assassinar alguns dos últimos
sobreviventes. Neste sentido, Schupp parece consentir com o desfecho do
conflito, dando legitimidade àqueles que fizeram justiça com as próprias mãos, ou
melhor, acabaram de uma vez por todas com o potencial “perigo” que
representavam estes sobreviventes mucker, que permaneciam inseridos na
sociedade das regiões vizinhas.
1.6 LEOPOLDO PETRY
Levando em consideração as idéias defendidas por Ambrósio Schupp,
analisadas anteriormente, passamos a estudar o posicionamento de Leopoldo
Petry
7
acerca dos mucker que, conforme veremos, contrapõe-se, inúmeras vezes,
às idéias de Schupp.
Conforme Petry, o ambiente vivido pelos colonos alemães na Colônia de São
Leopoldo, na segunda metade do século XIX, deve ser entendido como o motivo
que levou a formação do grupo do Ferrabraz, crente nas curas realizadas por
Maurer e nas palavras santas de Jacobina. De acordo com este autor, houve
estes condicionantes:
Esses quatro fatôres (religiosidade, falta de instrução, espírito
observador de um lado, obstinação em seguir novos rumos, por outro lado,
e amor à justiça) se reunem na evolução do caso dos adeptos de Jacobina
Maurer: a religiosidade os impeliu a freqüentar as pregações da pseudo-
profetisa, sua pouca instrução fêz com que não lhes fôsse possível
distinguir entre o que existia de bom ou de mau, na doutrina ministrada;
aparecendo as críticas e os deboches dos adversários conservadores...
(PETRY, 1966, p.25 [grifo nosso])
7
Utilizamos para a análise, a obra de PETRY, em sua 2ª edição, cuja referência bibliográfica é:
PETRY, Leopoldo. O Episódio do Ferrabraz: os mucker. 2.ed. São Leopoldo: Rotermund, 1966. (A
primeira edição da sua obra ocorreu em 1957).
A formação do grupo do Ferrabraz deu-se, de acordo com Petry, como
conseqüência do desamparo em que viviam estes colonos que, carentes de uma
orientação religiosa adequada, encontraram nas palavras acolhedoras de Jacobina
um conforto e uma esperança de que dias melhores deviam se seguir. Esta
descrição possibilita-nos realizar uma análise mais completa deste ambiente,
buscando entender as dificuldades enfrentadas pelos colonos, que, além do
desamparo religioso, precisavam lutar pela sobrevivência em meio a um ambiente
que se mostra bastante hostil, tendo-se em vista o isolamento vivido pela colônia
neste momento em que se desenvolve a seita, não apresentando grandes
possibilidades de ascensão social ou mesmo de melhora de condições básicas de
vida.
Entre os fatores mais relevantes, levantados por Petry, como causadores
do conflito, soma-se o papel desempenhado pelas autoridades policiais, que, do
seu ponto de vista, foram os maiores responsáveis pelo acirramento dos ânimos
entre os colonos. Estas autoridades atuaram como defensores dos colonos não-
mucker, “fechando os olhos” para as atrocidades cometidas contra os mucker.
Assim, os mucker, encontrando-se totalmente desamparados e acuados por todos
os lados, não tiveram outra solução senão fazer a justiça com suas próprias mãos,
defendendo-se dos ataques constantes que sofriam de seus adversários. Estes,
segundo Petry, não conseguiram e nem pelo menos tentaram entender sua forma
distinta de viver. Ainda segundo este autor, a arbitrariedade das autoridades
pode ser explicada por Petry:
A quase inacreditável falta de escrúpulos que se patenteia na
informação do delegado de polícia de São Leopoldo, prestada ao
Ministério da Justiça, no requerimento em que os sectários do Ferrabraz
expunham suas queixas, negando cinicamente fatos públicos e notórios,
como a prisão do casal Maurer, e, posteriormente, a de mais de trinta de
seus asseclas, bem como outros incidentes relatados no mencionado
documento, induzem-nos a admitir que a citada autoridade policial
também seja o autor de outros fatos delituosos, geralmente atribuídos
aos “mucker”. (PETRY, 1966, p.69)
Na passagem acima encontramos um outro aspecto levantado por Petry.
Trata-se da acusação feita às autoridades, uma vez que, segundo o autor, muitos
dos delitos atribuídos aos mucker eram, na verdade, de autoria das autoridades
policiais locais, que mandavam alguns colonos atear fogo e cometerem
assassinatos para, depois, poderem usá -los como provas contra os mucker. Estas
acusações levam-nos a repensar quem seriam os verdadeiros assassinos e
incendiários. O autor levanta, inclusive, a possibilidade de não terem sido os
mucker os verdadeiros autores das “barbaridades” cometidas na região. E
levanta, ainda, a possibilidade de os mucker terem sido as vítimas deste conflito,
uma vez que foram as autoridades as únicas que nada sofreram.
Uma leitura mais atenta da obra de Petry torna evidente o claro objetivo
de “inocentar” os mucker. Este autor deixa clara sua opinião, recorrendo,
inclusive, a acusações pesadas, como destacamos anteriormente. Seu
posicionamento pode ser melhor entendido se tomarmos como exemplo sua
afirmação de que:
Tôda vez que me ocupo com o estudo da história dos “mucker”, sinto
profunda compaixão por essas pobres vítimas da ignorância e da boa
, bem como da revoltante injustiça de seus inimigos e não posso deixar
de admirar a coragem dêsses modestos colonos, os quais, no encontro
final, não se entregaram, lutando até a última gôta de sangue pelas suas
convicções. (PETRY, 1966, p.108 [grifo nosso])
Desta forma, a obra de Petry tornou-se o primeiro estudo que teve como
objetivo claro levantar algumas questões referentes à atuação ineficaz e
corrupta das autoridades, bem como mostrar um outro viés desta história. No
final de sua obra, são apresentados anexos, contendo importantes informações
sobre o conflito. O principal deles refere-se ao depoimento de João Jorge Klein,
que enfatiza a atuação de Jacobina e João Jorge Maurer, responsabilizando-os
pelos excessos cometidos pela “seita”. Porém, devemos lembrar que Klein é
apontado como o mentor intelectual da seita e, portanto, poderia estar tentando
defender-se das acusações sofridas, ao responsabilizar sua cunhada e seu
concunhado por tais excessos, exaurindo-se de qualquer responsabilidade. Fica-
nos tal possibilidade, uma vez que não possuímos novas informações a respeito da
atuação de Klein dentro da suposta “seita” dos mucker.
1.7 MOACYR DOMINGUES
Passamos a analisar agora a obra de Moacyr Domingues, intitulada A Nova
Face dos Muckers
8
, publicada no ano de 1977. Esta apresenta ricas informações,
conseguidas através de pesquisa documental e também através da relação que
faz com as obras de Ambrósio Schupp e Leopoldo Petry.
Ao longo do seu trabalho, Domingues descreve-nos a trajetória dos
acontecimentos que envolvem os mucker, baseando-se, principalmente, nos
documentos encontrados em arquivos, entre os quais vários ainda inéditos na
época. Cabe-nos, aqui, observar que este estudo baseia-se quase que
exclusivamente nos documentos oficiais. Devemos, ainda, recordar o ambiente em
que se desenrolou todo o conflito, repleto de animosidades entre ambas as partes
e, acima de tudo, regido por um forte sentimento de moralidade, imposto pela
Igreja, que exercia seu papel de formadora de opinião pública e que interferia
constantemente nas ações policiais. Assim, os documentos oficiais apresentam
apenas a visão das autoridades da época e não a voz dos mucker.
Por outro lado, encontramos, em sua obra, ricas informações sobre os
personagens envolvidos na história. E, para tanto, Domingues faz uso da
genealogia, buscando, através desta, entender as verdadeiras origens da chamada
“seita” dos mucker que, segundo algumas fontes, estariam na própria família de
Jacobina
9
, explicando assim o porquê de tanto “fanatismo religioso”, que acabou
por envolver toda sua família e várias outras. Domingues também apresenta em
seu estudo os depoimentos de João Jorge Klein, cunhado de Jacobina, figura
misteriosa, acusada de ser o mentor da seita. É com base nestes depoimentos que
o autor desenvolve grande parte de sua narrativa sobre os acontecimentos.
Domingues destaca o fato de que a situação de Jacobina Mentz e seu
marido, João Jorge Maurer, era de completo isolamento no Ferrabraz, o que os
teria levado a buscar uma saída para seus problemas de ordem econômica, social,
política e religiosa. É a partir deste momento que Jacobina, dizendo-se inspirada
por meios divinos, começa sua interpretação bíblica, que, somada às atividades de
curandeirismo de seu marido, torna-se alvo de comentários e arbitrariedades das
autoridades e mesmo de parte da população, insatisfeita com o que acontecia no
Ferrabraz. Um aspecto importante que nos chama a atenção na obra é a
afirmação de Domingues quanto à posição da Igreja em relação à seita:
A verdade é simples e não será demais repeti-la: nem Jacobina nem
seu marido, nem seus mais ardorosos companheiros desejavam entrar em
luta com pastores, padres, vizinhos. Queriam evitar o confronto:
retraíam-se, evitavam o revide às provocações. Embora pareça um
paradoxo, o próprio rompimento pode ser interpretado como uma
derradeira tentativa neste sentido: desligando-se das igrejas, quem sabe
seriam deixados em paz? (DOMINGUES, 1977, p.136 [grifo nosso])
8
DOMINGUES, Moacir. A Nova Face dos Muckers. São Leopoldo: Rotermund, 1977.
9
Segundo Domingues, a origem do fanatismo religioso, estaria na própria família Mentz. Esta
teria inclusive emigrado da Alemanha para o Brasil, por envolvimento em questões de fanatismo
religioso.
Fica evidente a posição de Domingues ao acusar os clérigos das Igrejas,
tanto católica como evangélica. Segundo ele, eram os padres e os pastores os
principais culpados pelos acontecimentos que levariam ao confronto entre mucker
e anti -mucker, pois estes exerciam importante papel na colônia e eram, sem
dúvida alguma, obedecidos pela maioria da população. Devemos lembrar, ainda,
que esta posição adotada pela Igreja em relação aos mucker, na verdade, é uma
resposta à ameaça que este grupo representava para a unidade cristã na região.
Caso não fossem combatidos, as duas Igrejas, tanto católica quanto evangélica,
teriam seu rebanho de fiéis desunidos e voltados à seita mucker.
Ao analisar os ”Apontamentos”, escritos por Miguel Noé, com base nas
memórias de seu pai João Daniel Noé e em suas próprias recordações, Domingues
afirma que os mucker foram, em grande parte, vítimas das intrigas e das
rivalidades entre os próprios colonos. Estes foram influenciados pela Igreja que,
além de pregar contra o “muckerismo”, exigia que fossem tomadas atitudes pelas
autoridades, em especial, pela polícia local.
Conforme as palavras de Domingues, na análise dos Apontamentos,
percebemos claramente a posição adotada pela Igreja em relação aos mucker e
como esta agia, pregando de forma ofensiva contra seus sectários:
Outro tanto narra Noé em seus “Apontamentos”, com esta diferença:
por trás dos bastidores agiam os clérigos católicos e evangélicos, a
instigar o povo e as próprias autoridades contra os muckers.
(DOMINGUES, 1977, p.186)
Os roubos, os assassinatos, as desavenças entre vizinhos, as separações
entre casais, as brigas e a desunião entre pais e filhos, todos estes problemas
ocorridos na região, eram percebidos como decorrência da pregação dos mucker,
como relata Domingues. Segundo este, a autoria dos crimes era sempre apontada
em direção aos mucker e, mesmo antes de qualquer investigação policial, já lhes
era atribuída a fama de “ardilosos inimigos”.
Assim, prosseguiram os acontecimentos até o ano de 1874, quando seria
colocado um fim a esta história de desentendimentos cada vez mais intensos e
constantes. É exatamente neste momento que Domingues destaca a atuação do
Coronel Genuíno Olímpio de Sampaio que, em conjunto com os soldados do 12º
Batalhão de Infantaria, uma ala do 3º Batalhão da mesma arma, uma bateria de
artilharia, um corpo de Cavalaria da Guarda Nacional e “um sem-número de
paisanos armados”, teve a missão de combater o grupo de “revoltosos” instalados
no Ferrabraz e seria esta sua última batalha, devido à sua morte, ocorrida no dia
20 de julho de 1874, provocada por um tiro, que atingira sua perna no combate do
dia 19 de julho do mesmo ano. Domingues afirma, ainda, que é necessária muita
isenção e muita seriedade na difícil tarefa de analisarmos o movimento. Assim
relata:
Descender de um mucker não é título de glória, mas também não é
razão para alguém se envergonhar; outro tanto se aplica àqueles que
provêm de seus adversários: uns e outros, em maior ou menor grau, foram
vítimas de um fenômeno coletivo avassalador, que lhes obliterou o senso
das medidas e da justiça. Decorrido mais de um século, não mais se
justifica que as atuais gerações continuem a alimentar ressentimentos ou
a ser anatematizadas em conseqüência de pecados dos avós!
(DOMINGUES, 1977, p.380)
Desta forma, esta obra encontra-se como um marco referencial para os
estudiosos da questão mucker, apresentando um texto rico em informações,
indispensáveis para a compreensão do movimento como um todo, antes mesmo de
qualquer outra análise mais aprofundada. Assim, a discussão em torno do
imaginário acerca dos mucker, trazida por Domingues, evidencia as contradições
e as dificuldades do estudo do movimento, seja de seu ponto de vista religioso,
social, econômico ou mesmo político. E chama -nos atenção, mais uma vez, as suas
palavras finais, quando trata da visão, do imaginário mucker na atualidade,
afirmando que se faz necessário muito discernimento e seriedade ao analisarmos
o significado de mucker, na atualidade.
1.8 JANAÍNA AMADO
Seguindo uma análise distinta das demais apresentadas até aqui, passamos
ao estudo que Janaína Amado realizou sobre os mucker, em sua tese de
doutorado
10
. Nela, Amado defende a tese de que os mucker foram, antes de tudo,
o resultado das transformações econômicas vivenciadas na região de São
Leopoldo, a partir de 1845, e que romperam de forma definitiva com a estrutura
ali existente. Seguindo sua linha de raciocínio, a autora afirma que antes desta
data, os imigrantes alemães viviam em harmonia, pois estavam organizados de
forma que todos apresentavam as mesmas condições de vida. Isto representa
dizer que os colonos alemães, antes das transformações econômicas que estavam
para acontecer, constituíam uma sociedade sem ricos ou pobres, uma vez que
todos haviam chegado ao Brasil nas mesmas condições sócio-econômicas.
Torna-se claro o objetivo de Amado em comprovar que foi a partir do
desenvolvimento econômico de São Leopoldo, analisado entre 1845 e 1874, com
sua maior ligação com Porto Alegre, que levou à estratificação social, criando um
abismo entre colonos ricos e colonos pobres. O primeiro grupo era formado por
proprietários de grandes áreas de terra, comerciantes e proprietários de
estabelecimentos artesanais, enquanto que o segundo era constituído por
10
AMADO, Janaína. Conflito Social no Brasil: a revolta dos “Mucker”. São Paulo: Símbolo, 1978.
(Originalmente apresentado como tese de doutoramento na Universidade de São Paulo, 1976).
pequenos proprietários e pequenos artesãos. Devemos, assim, lembrar que a
sociedade constituída anteriormente não se apresentava dividida em duas
classes, o que no entender da autora levou os colonos empobrecidos à formação
de um sentimento de inferioridade e descontentamento em relação aos demais,
enriquecidos com o passar dos anos e o desenvolvimento de São Leopoldo, que não
se apresentava mais como uma simples colônia de imigrantes.
Conforme os dados apresentados, que mostram o progressivo aumento das
exportações de São Leopoldo, percebemos que em 1870 alcançou-se mais de 80%
de crescimento em comparação a 1842. Além disso, percebe-se uma maior
diversificação das atividades desenvolvidas em São Leopoldo, como a construção
de atafonas, engenhos de cana e aguardente, engenhos de cepo para tamancos,
fábricas de lavrantes lombilhos, moinhos de moer grãos, alfaiatarias, fábricas de
charuto e louças, entre várias outras atividades que diversificaram
consideravelmente a economia da localidade. Tudo isso demonstra a progressiva
importância de São Leopoldo para a economia do Rio Grande do Sul, que se torna
agora não apenas um consumidor de produtos feitos fora do local, mas também
um fornecedor de novos produtos.
Como conseqüência de todas estas transformações, estes colonos reagem:
Empobrecidos e inteiramente à mercê dos poderosos, afastados da
cidade e do resto do mundo, desprezados por parentes e amigos agora
ricos, cercados em suas manifestações e criações mais espontâneas;
marginalizados dos benefícios da nova ordem vigente em São Leopoldo, os
colonos se apegaram tanto e tão fortemente a sua religião rústica como
meio de preservar o que lhe restava de seu: ”com a minha religião eu sou
forte“, escreveu em 1864 um velho colono. Era o último meio de resistir
a uma mudança geral que os transformara, de homens livres e iguais
que conseguiram se tornar na colônia, em ocupantes do último degrau
da sociedade de São Leopoldo. (AMADO, 1978, p.103 [grifo nosso])
Percebemos, na tese de Amado, a tentativa de explicar a revolta dos
mucker, iniciada segundo ela em 1868 e terminada em 1874, através de uma
abordagem que privilegia o aspecto econômico. Seguindo sua análise, a autora
descreve o desenrolar da história dos mucker, que seria, na verdade, o resultado
de uma tentativa de negar, não aceitar as mudanças pelas quais São Leopoldo
estava passando neste momento. O grupo formado por colonos alemães que
circulavam a volta de Jacobina e João Jorge seria um bloco de resistência, cujo
ponto de convergência era a religião, comandada pelo casal Maurer, sendo que
Jacobina dizia -se inspirada para pregar as palavras divinas, através da
interpretação pessoal da Bíblia.
Esta nova religião era, também, o resultado do despreparo dos pastores-
colonos e padres-colonos que, em virtude da inexistência de clérigos formados e,
ainda, somado ao desleixo das Igrejas (tanto católicas quanto protestantes) por
parte de seus superiores, fizeram com que estes colonos, encontrando-se
desamparados, criassem sua nova religião e muito mais que isso, um grupo no qual
todos esqueciam de suas diferenças em nome da fé.
Desta forma, as causas do conflito encontram-se claramente no plano
econômico, caracterizando-o a partir da cisão ocorrida na sociedade local,
motivada pelas várias transformações pelas quais São Leopoldo passava nesta
época. Isto, segundo a autora, teria ocasionado a formação de dois grupos,
ligados por uma relação vertical, ou seja, a relação que se estabelecia entre os
exploradores (os colonos agora ricos) e os explorados (os colonos agora pobres).
De acordo com César Camargo (1990, p.26), o trabalho publicado por
Janaína Amado é, certamente, um dos mais qualificados sobre o único movimento
messiânico brasileiro, ocorrido num ambiente protestante. Assim, destacamos a
relevância da análise desta tese que teve papel fundamental para os
historiadores que viriam a estudar o movimento posteriormente. Janaína Amado
foi, portanto, a primeira historiadora a realizar um estudo sobre o tema na
perspectiva acadêmica, inaugurando uma nova etapa de estudos que buscassem
analisar os mucker de forma mais crítica e imparcial.
1.9 JOÃO GUILHERME BIEHL
João Guilherme Biehl, em sua dissertação de mestrado Jammerthal, O Vale
da Lamentação
11
,
coloca-nos importantes aspectos a serem observados no que diz
respeito aos trabalhos já realizados sobre o tema mucker. Em seu estudo, o
autor reafirma aquilo que tratamos anteriormente, quando mencionamos que foi
apenas em 1957 que o primeiro trabalho mais esclarecido sobre o tema foi
escrito, por Leopoldo Petry, em seu livro intitulado O Episódio do Ferrabraz
12
,
pois segundo Biehl:
Até a publicação, em 1957, do livro de Leopoldo Petry, O Episódio do
Ferrabraz, ninguém dera ”razão” aos Mucker, mas sim aos seus
oponentes, ou seja, aos que denominaram aqueles colonos de “Mucker” e
conseguiram escrever a história dos jornais e da institucionalização do
germanismo local. (BIEHL, 1991, p.38)
O autor afirma, ainda, que Leopoldo Petry não foi simplesmente aquele que
elaborou a primeira análise mais racionalizada, mas também foi aquele que teve a
coragem de ousar, em seu tempo, fazer tal tipo de análise que contrariava tudo
aquilo que existia escrito ou preservado pela tradição oral sobre a questão
mucker. Assim, acompanhamos suas palavras:
11
BIEHL, João Guilherme. Jammerthal, o Vale da Lamentação: crítica à construção do
Messianismo Mucker. Santa Maria, 1991. Dissertação de Mestrado em Filosofia, UFSM.
Este livro abre, assim, a possibilidade de um discurso que é simpático
ao movimento (no caso de Petry) e que chega mesmo a lhe dar razão (no
sentido de racionalizá-lo, de lhe conferir razão o que faz Janaína
Amado). (BIEHL, 1991, p.38)
Vale observarmos, ainda, as considerações de João Guilherme Biehl, nas
quais avalia a construção da imagem dos mucker e sua representação como
selvagens, fanáticos e fanfarrões. Segundo o autor, já na época do conflito
existiam panfletos e notícias transmitidas oralmente que objetivavam
exatamente desmoralizar o grupo instalado no Ferrabraz, divulgando notícias de
brigas, bebedeiras, cultos fervorosos e, portanto, bastante perigosos, arriscando
a integridade e a segurança dos demais colonos que habitavam as redondezas e
que não faziam parte do grupo mucker.
Chamamos a atenção para a importância que exerciam estas notícias na
colônia de São Leopoldo neste final de século XIX. Uma vez espalhadas estas
informações que, freqüentemente, não correspondiam aos fatos, criava-se um
clima de instabilidade e pânico entre a população que, na sua maioria, sem grande
grau de instrução, deixava-se envolver e acreditava fielmente nas notícias. Como
o próprio Biehl afirma:
As narrativas contra os mucker chegam a ser panfletárias.
Especialmente as mais próximas ao evento deixam escancarada a
estratégia dos detentores dos dogmas, conceitos e ideologias. Precisavam
à força, à palavra escrita, instaurar-se como sendo a verdade. (BIEHL,
1991, p.38)
A partir dos relatos analisados por Biehl, percebemos claramente o
interesse em deixar evidenciado o caráter obscuro e fanático do grupo, o qual é
freqüentemente ligado a cultos messiânicos. Com isso, podemos observar que são
12
PETRY, Leopoldo. O Episódio do Ferrabraz. 1.ed. São Leopoldo: Rotermund, 1957.
estas informações que acabam servindo de base para a formação da opinião
pública sobre o movimento. Estas representações acabam por consolidar na
mente de cada um uma imagem negativa sobre os integrantes do grupo e preserva
na memória de seus descendentes a lição que foi dada aos mucker, a do
extermínio realizado pela força civilizadora do Estado.
Desempenharam papel importante neste contexto os escritos de Karl Von
Koseritz que, como jornalista do Deutsche Zeitung, propagava idéias
completamente contrárias aos mucker. Para termos uma noção de suas idéias,
destacamos um trecho de um de seus textos, noticiado em jornal no dia 01 de
agosto de 1874 (lembramos que um dia depois, em 02 de agosto de 1874,
Jacobina e seus companheiros seriam assassinados em seu esconderijo nas
proximidades da sua casa):
(...) este bando deve ser caçado como cachorros e mortos no fogo e
na espada, para que não reste nenhum rastro deles... nenhuma compaixão
com estes canibais... Se a pena de morte não existe, não há nenhum
parágrafo sobre deportação? (D. Z. 01 ago. 1874, In: BIEHL, 1991, p.44)
Fica bastante visível o posicionamento de Koseritz em relação aos mucker.
Considerado homem culto, de boa formação para sua época, suas idéias eram lidas
por um certo número de pessoas, pois devemos lembrar que neste período o
número de analfabetos era bastante considerável. Neste sentido, seus escritos
eram, mesmo que com um número reduzido de leitores, formadores de opinião e,
portanto, aceitos pela grande maioria. Koseritz, portanto, via no grupo mucker
uma ameaça ao desenvolvimento e à segurança da colônia, visto que estes eram
tidos por fanáticos e perigosos.
A identificação que Koseritz faz dos mucker é relacionada com o não
civilizado, o não esclarecido, o selvagem, com uma natureza repleta de demônios,
algo obscuro, que nada tem a ver com os bons costumes, com a boa sociedade e
com a religião cristã, fazendo uso destas explicações para afirmar que seu
extermínio era uma verdadeira obrigação. Faz, inclusive, referência à deportação
como sendo uma solução drástica, mas necessária, que serviria de exemplo a todo
grupo e também a seus simpatizantes, como é relatado a seguir:
(...) a questão é deportá-los para a terra onde ainda há comedores de
gente... Mas ainda devemos ser humanos para com os Mucker: na
deportação lhes daríamos armas e munição... Os Mucker teriam, então, a
oportunidade de saciar seu desejo de morte na medida em que matassem
alguns canibais, e os comedores de gente teriam o prazer de terem
Mucker para o café da manhã; assim ajudar-se-ia aos Mucker e aos
canibais. (KOSERITZ apud BIEHL, 1991, p.82)
Assim, reafirmamos, com estas palavras, aquilo que já mencionamos
anteriormente. Na verdade, a idéia que se construiu acerca dos mucker,
disseminada na colônia de São Leopoldo, nada mais é que o resultado do trabalho
incansável de autoridades locais e de pessoas que se denominavam mais
instruídas, que tinham por finalidade denegrir o grupo do Ferrabraz.
1.10 MARIA AMÉLIA SCHMIDT DICKIE
Outro trabalho de grande relevância historiográfica é a tese de doutorado
intitulada Afetos e Circunstâncias Um Estudo Sobre os Mucker e Seu Tempo
13
,
de Maria A. S. Dickie, na qual, a partir de uma longa análise da documentação, que
se constitui, principalmente, de Autos do Inquérito, Registros de Terras,
Correspondências e Relatórios Provinciais, levanta novas questões pertinentes
aos supostos motivos que levaram à declaração do conflito, que se insere numa
13
DICKIE, Maria Amélia Schmidt. Afetos e Circunstâncias. Um Estudo Sobre os Mucker e Seu
Tempo. São Paulo, 1996. Tese de Doutorado em Antropologia Social. USP.
região típica de colonização alemã. Fato este que se coloca como uma grande
pergunta para a autora.
Desta forma, os objetivos da autora são de procurar entender “os porquês”
e as origens do conflito, caracterizado por ela como movimento sócio-religioso,
inserido numa região de colonização alemã. Caracterizando-se, portanto, como
uma área de identidade homogênea, isto é, composta de habitantes formados de
uma mesma etnia e provenientes da mesma “pátria-mãe”, a Alemanha.
Tendo esta questão como problema, Dickie nos revela as diferentes formas
de detração dos mucker por parte dos colonos da Colônia de São Leopoldo. Assim,
estes colonos alemães têm um alvo a atingir, que é descaracterizar o grupo
mucker como sendo de descendência germânica, alegando que o verdadeiro
alemão era pacífico, ordeiro e trabalhador, cumpridor das leis e de suas
obrigações. Qualidades estas que não podiam ser referidas a nenhum mucker,
pois eram os representantes da discórdia entre as famílias, os causadores de
intrigas, das mortes e assassinatos ocorridos naquela época. Portanto, os mucker,
na visão dos colonos, deveriam ser combatidos e repreendidos, tanto por eles
mesmos quanto pela força da lei, representada esta pela polícia e pelo exército.
Atuação relevante exerceu a Igreja, como representante da boa fé, da
moral e da união entre os colonos alemã es. Tanto os padres como os pastores
eram a fonte da verdade e somente a estes competia proferirem palavras
sagradas e a própria interpretação da Bíblia. São exatamente as leituras e
interpretações da Bíblia realizadas por Jacobina que conferem à “seita” seu
caráter mais ardiloso. Segundo os colonos (instruídos pela Igreja), como poderia
uma mulher, sem instrução e semi-analfabeta ter a capacidade de interpretar as
escrituras sagradas, papel este destinado apenas aos clérigos e religiosos. Além
disso, o surgimento de uma nova religião poderia provocar a erosão das duas
Igrejas, tanto Católica quanto Evangélica, o que acarretaria no fracasso de suas
missões religiosas na região de colonização alemã no Rio Grande do Sul.
Na análise de Dickie, a construção da imagem dos mucker como fanáticos
-se em função destes não serem portadores da cultura alemã trazida pelos
imigrantes. Com isso, tudo aquilo que era identificado como ligado aos mucker,
era sinônimo de desclassificação e falta de erudição. A autora encontra, no
Deutsche Zeitung, notícias escritas por Koseritz que confirmam as afirmações
acima e que tornam pública a condição dos mucker como “não alemães”. Segundo a
autora:
A desqualificação tinha duas matrizes que reiteraram a retórica de
Koseritz: por um lado, a racionalista/evolucionista, pela qual Mucker é
sinônimo de “natureza não civilizada”, “selvageria”, “falta de
esclarecimento” e “embuste religioso”; por outro, a matriz étnica, através
da qual efetuou a exclusão pública dos Mucker, ao equiparar as atividades
de Maurer às de um “índio velho” e às da feitiçaria africana, chamando-o
de “negro branco”. Maurer era portanto um não alemão. (DICKIE, 1996,
p.317)
Tendo em vista tais afirmações, fica claro o objetivo de tornar público que
os honestos e muito dignos alemães nada tinham a ver com a “seita”, e que,
portanto, desconheciam os motivos pelos quais estes haviam se “fechado” e
organizado um grupo sobre o qual pouco se sabia, mas que tornava seus
seguidores “cegos” e tolos perante os demais elementos da sociedade colonial. Em
relação a este aspecto, observa Dickie:
Os Mucker personificavam um inimigo muito poderoso, na retórica da
cidadania étnica por que definiram uma gramática de existência
alicerçada sobre valores que Koseritz não podia reconhecer como
pertencendo à comunidade étnica. Os Mucker eram a antítese da idéia
que fazia dos colonos como elementos realizadores do futuro que ele
almejava para aquela comunidade, o futuro de realizadores da cidadania
brasileira reservado à “civilizada e religiosa raça alemã”. (DICKIE, 1996,
p.322/323)
A antítese mencionada pela autora mostra-nos, de forma mais evidente, o
sentimento de não pertencimento à mesma etnia daqueles colonos assentados no
Ferrabraz. Estes representam, acima de tudo, um perigo ao desenvolvimento da
região colonial alemã, uma ameaça tanto para sua segurança, quanto para a
integridade religiosa. Os alemães civilizados (os colonos anti-mucker)
representam, assim, o seu oposto, pois estes, no discurso de Koseritz, serão os
responsáveis pela prosperidade econômica, social, política e religiosa da colônia,
transformando-se em condutores da cidadania brasileira.
O mesmo acontecia por parte dos mucker em relação aos seus inimigos, os
colonos. Analisando o discurso mucker, através de seus depoimentos nos
inquéritos policiais, Dickie chega à conclusão de que havia um sentimento de auto-
defesa por parte do grupo localizado no Ferrabraz. Isto se torna claro no
momento em que estes não mais confiam nas autoridades locais, indo buscar
ajuda fora da região, inclusive no Rio de Janeiro, quando se dirigem ao Imperador
D. Pedro II. Porém, ao não obterem resposta aos seus pedidos de ajuda e
surpreendidos com a notícia de sua possível deportação, concluem que não há
outra saída para eles, a não ser responder aos ataques sofridos. É neste momento
que começam a se intensificar as notícias de ataques às casas de colonos, de
assassinatos e emboscadas, promovidos pelos mucker, que podem ser entendidas
como reações às ofensas sofridas e às humilhações públicas.
Várias outras questões são levantadas pela autora. Entre elas, merece
destaque a forma como foram encaminhados os inquéritos e julgamentos, que
mais parecem a legitimação de sua condenação. Isto pode ser verificado se
analisarmos as próprias testemunhas arroladas, que foram constituídas, em sua
maioria, de pessoas em busca de vingança, pois ou eram parentes de “vítimas” ou
estavam envolvidas no caso de uma forma ou de outra. Estes aspectos evidenciam
as precariedades da justiça e as injustiças praticadas pela mesma.
Dickie coloca-nos ainda um outro ponto fundamental no que diz respeito à
metodologia empregada para se estudar um movimento messiânico/milenarista,
como o dos mucker. Ocorre, segundo ela, um grande problema neste sentido,
quando observamos e analisa mos tal movimento sob a ótica do “civilizado”, sendo
este sempre o sujeito. Conseqüentemente, iremos colocar o objeto sob a
perspectiva de quem o analisa, ou seja, o próprio sujeito, que interpreta o
movimento em questão, do seu próprio ponto de vista, aferindo qualidades
distintas e criando, com isso, a imagem do “não civilizado”. É, portanto, neste
contexto que devemos entender a representação criada sobre os mucker, que se
confronta com esta questão citada acima, ou seja, o mucker era encarado e
interpretado como o “diferente” e, desta forma, denegrido perante a sociedade.
1.11 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES
Realizada a análise das obras que retrataram o conflito mucker ao longo de
quase um século, podemos fazer algumas considerações importantes.
Primeiramente, acreditamos que é visível a presença de diferentes opiniões e
interpretações entre os autores analisados, ou seja, de acordo com o tempo em
que se situa a obra, temos uma determinada visão dos fatos. Observamos que as
obras situadas no início do século XX retratam os mucker ainda de forma
negativa, apresentando termos e adjetivos nada gloriosos, na tentativa de formar
e moldar o pensamento de seus leitores, para que estes tivessem uma
determinada visão dos fatos narrados na obra.
É apenas a partir de 1957, com a publicação da obra de Leopoldo Petry, que
percebemos uma mudança de pensamento, por se tratar da primeira obra que tem
por objetivo lançar um novo olhar sobre esta história, levantando novos
problemas e buscando elucidar alguns acontec imentos ocorridos no desenrolar do
conflito. Outras depois a seguiram, conforme já destacamos.
Justifica-se, desta forma, a importância do estudo de cunho
historiográfico sobre o conflito mucker, realizado no primeiro capítulo desta
dissertação. Tal conflito, conforme já referimos, teve diferentes opiniões e
formas de interpretação e, como conseqüência, repercutiu de forma distinta
entre seus leitores, dependendo do tempo da publicação.
Um dos aspectos interessantes desse estudo é exatamente analisar que
papéis desempenharam estas obras na formação e criação de uma determinada
imagem dos mucker na memória das pessoas, em especial no início do século XX,
quando existiam ainda apenas os trabalhos que davam uma única interpretação
dos fatos - a de que os mucker eram os únicos culpados dos acontecimentos. Ao
mesmo tempo, devemos pensar quais transformações trouxeram a publicação da
obra de Leopoldo Petry na construção do imaginário coletivo, uma vez que a partir
de então se tem, pela primeira vez, uma nova versão pública dos fatos. É,
portanto, a partir deste momento que se inicia um movimento de reação às
afirmações realizadas até então, que representavam os mucker apenas como os
vilões da história, sendo apontados como os únicos culpados, dando início a uma
nova geração de estudiosos sobre esta temática.
2 A TRAJETÓRIA LOCAL:
UM BREVE HISTÓRICO DE SAPIRANGA (1903-1965)
De acordo com os objetivos apontados na introdução desta dissertação,
buscamos analisar as formas de representação do conflito mucker em Sapiranga,
no final da década de 1940 e também nas décadas de 1950 e 1960.
Para que possamos realmente ter uma maior compreensão destas idéias,
faz-se necessário realizarmos um estudo que busque caracterizar a sociedade
sapiranguense, nesse período, em seus diversos aspectos, como o econômico,
político, social e, também, a vida cultural de sua população.
Após 1874, com o desfecho do conflito mucker, muitos colonos venderam
suas terras e migraram para regiões vizinhas, como Três Coroas, Igrejinha e
Gramado, entre outras localidades. Muitos outros aqui permaneceram. Abaladas
com os acontecimentos, as pessoas retraíram-se e dedicaram-se ao trabalho, na
tentativa de esquecer o passado. Como exemplo da tentativa de esquecimento
14
,
14
Para Jacques le Goff, a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar
identidade, seja ela individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais das
pessoas e da própria sociedade. Nesse sentido, a memória não é apenas conquista, mas também
um instrumento de poder. Existe sim uma luta pela dominação da recordação e da tradição,
estabelecendo aquilo que deve ser lembrado e aquilo que deve ser esquecido.
percebemos a mudança do nome Fazenda Padre Eterno, logo após o desfecho do
conflito em 1874, que designava a localidade. Sendo que esta passou a designar
uma pequena região do planalto, atrás do Morro Ferrabraz
15
.
Com isso, o lugar passa a ter diversas denominações, como Fazenda Leão
(Leonerhof), Linha Ferrabraz, Linha do Verão, Linha da Bica, Terras do
Sapiranga, Picada Hartz e Porto Palmeira. Percebemos, assim, que a população
tentava apagar da memória coletiva
16
o passado mucker, que era interpretado
como algo que denegria a imagem que deveria representar o bom colono
descendente de alemães. Acreditavam que através do trabalho duro poderiam
recuperar a dignidade e os anos de atraso provocados pelo conflito.
Com as transformações na política nacional a partir de 1889, ano da
Proclamação da República, instalou-se um governo autoritário, com inspiração no
positivismo de Augusto Comte, matriz que orientava os passos do governo. O
propósito daquele governo era incentivar o desenvolvimento econômico de forma
global para o Rio Grande do Sul, privilegiando a dinamização do setor industrial e
o desenvolvimento urbano, que deveria se contrapor ao Estado
predominantemente voltado para o setor agropecuário e caracterizado pela
maioria da população vivendo na zona rural. É este programa de governo que
iremos primeiramente acompanhar ao longo dos 40 anos da “República Velha”
(1889-1930), no qual serão bastante visíveis as preocupações com a urbanização e
a modernização dos espaços até então considerados atrasados, especialmente do
15
A localidade de Padre Eterno atualmente abrange uma pequena parte das terras do município
de Sapiranga, sendo que a maior parte pertence ao município de Morro Reuter. Nos dias atuais, a
localidade está desmembrada em Padre Eterno, Padre Eterno Alto e Padre Eterno Baixo. Para
estas localidades migraram muitos dos colonos envolvidos no conflito de 1874 e que eram adeptos
dos mucker.
ponto de vista econômico. Depois, olharemos a cidade em seu caminho para o
desenvolvimento econômico até a década de 1960.
Nesta perspectiva, começamos analisando o desenvolvimento econômico
que se verificou no então 5º Distrito de São Leopoldo
17
, onde percebemos que
desde o final do século XIX e início do século XX a agricultura era a atividade
predominante, destacando-se de forma especial o cultivo da mandioca. Para
termos uma noção deste desenvolvimento, observamos que na década de 1920
existiam no local 121 atafonas que produziam farinha de mandioca, vendida
especialmente para São Paulo e Rio de Janeiro. Era o período de auge da
agricultura sapiranguense, que começava a dar sinais de regressão a partir da
década de 1940, em função principalmente do desenvolvimento da indústria
calçadista, que prosperava desde 1930, provocando cada vez mais a saída das
pessoas do campo para a cidade, contribuindo, assim, para o declínio da produção
agrícola.
Um aspecto importante que deve ser lembrado neste contexto é o fato de
que o prefeito de São Leopoldo, no período de 1902 a 1916, foi Guilherme Gaelzer
Neto. Acredita-se que ele tenha nascido em Sapiranga e que seus pais tivessem
sido Henrique Guilherme Gaelzer e Maria Sehn Gaelzer, adeptos dos mucker.
Naquele ano de 1874, ele teria apenas seis meses de vida, sendo salvo do campo
de batalha contra os mucker. Sobre sua infância nada se sabe. No período em que
administrou o município de São Leopoldo, realizou várias benfeitorias, como a
16
Devemos lembrar que, neste caso, a noção de memória coletiva não deve ser entendida como
totalizante, ou seja, devemos perceber que nem todos os indivíduos da sociedade lembram dos
fatos da mesma maneira, sendo portadores, também, de memórias individuais.
17
Devemos lembrar que Sapiranga fora o 5º Distrito de São Leopoldo desde 28 de março de
1890 até o dia 15 de dezembro de 1954, quando o então governador do Estado, Ernesto Dornelles,
sancionou a lei que criava o município de Sapiranga. A posse do primeiro prefeito e vice-prefeito
construção de uma ponte que vai ao Rio dos Sinos e outras pontes e estradas na
região, o que fez com que conquistasse a simpatia de seus moradores,
favorecendo consideravelmente a localidade de Sapiranga, onde recebeu o
apelido de “Pequeno Kaiser”, em função da sua semelhança física com o imperador
alemão Guilherme II. Como afirma Lúcio Fleck, era este o sapiranguense ilustre
que muita gente desconhecia. Quem diria que o menino nascido no Passo da Cruz,
às margens do Rio dos Sinos, salvo das chamas lá no Mucker-Eck (canto dos
Mucker) percorresse uma trajetória tão gloriosa e brilhante em sua vida. (FLECK,
1994)
De acordo com Lúcio Fleck (1994), o progresso verificado no setor
primário logo abriu caminho para o desenvolvimento de outras atividades que
diversificaram de forma bastante expressiva a economia local, tornando-a cada
vez mais dinâmica e integrada a São Leopoldo e Porto Alegre. Neste sentido, o
sapateiro empreendedor teve espaço para progredir cada vez mais, atendendo
aos pedidos não apenas do local, mas também de outras regiões que compravam
seu produto. Um destes empreendedores foi Jakob Biehl, um alemão que chegou
ao Brasil em 1866, estabelecendo-se como ferreiro em Sapiranga. Logo
transformou sua ferraria numa pequena indústria metalúrgica que, em 1920,
empregava cerca de quinze funcionários, sendo então a principal indústria local.
Foi chamado de “pai da indústria” de Sapiranga, que nesta data possuía uma
população de 2856 habitantes.
A chegada da luz elétrica nos anos 20 transformou a vida da localidade,
mudando os hábitos de seus moradores e incentivando ainda mais a produção
industrial, que continuou progredindo no então 5º Distrito. Em 1922, Adolfo
realizou-se em 28 de fevereiro de 1955, data em que se comemora a emancipação política do
município.
Kautzmann ampliou sua oficina, empregando mais funcionários e inaugurando
oficialmente a primeira fábrica de calçados de Sapiranga. Neste momento, as
atividades que mais se destacavam eram as 121 atafonas, as 22 casas comerciais
e os 14 estabelecimentos de preparo e comércio de couros e seus derivados, que
fabricavam também tamancos, sapatos e botas (FLECK, 1994).
Observamos que ao mesmo tempo em que a indústria se afirmava na
economia, a agricultura dava sinais de regressão. Os colonos que antes se
ocupavam apenas com as lidas do campo, agora abandonavam o campo e se
estabeleciam na zona urbana, passando a trabalhar, principalmente, nas fábricas
de calçados. Isso se observa especialmente a partir da década de 1930, período
em que o calçado começa a se desenvolver consideravelmente.
Em função do progresso econômico experimentado pelo local, desde o início
do século, fazia-se necessário integrar de forma mais eficaz a localidade de
Sapiranga e a cidade de São Leopoldo, às margens do Rio dos Sinos, então sede
do município. Com esta finalidade, é inaugurado, em 15 de agosto de 1903, mais
um trecho da estrada de ferro, unindo, desta vez, Novo Hamburgo a Taquara,
com uma extensão de 43 quilômetros. Estava, portanto, interligada a economia da
região com Porto Alegre.
A partir dessa data, com a inauguração da “Estação Sapyranga”, era
possível transportar os produtos até a sede do município, aumentando
consideravelmente a produção, pois o escoamento tornava-se muito mais ágil,
rápida e barata. É, portanto, o trem, um grande fator responsável pelo progresso
da localidade, representando uma nova etapa de desenvolvimento na história de
Sapiranga, que deveria agora se mostrar em oposição ao passado mucker,
interpretado por boa parte da população como uma mancha do passado. Com isso,
a idéia de progresso atrelada à chegada do trem e presente no imaginário social
da época foi, certamente, o resultado dos interesses da elite local em imprimir na
população a idéia de que o trem era uma nova era e, conseqüentemente, a
superação dos acontecimentos negativos do passado. Ou seja, entendendo o
passado negativo como sinônimo de mucker, podemos compreender a própria
mudança do nome da localidade neste momento e a própria tentativa de esquecer
o passado mucker por grande parte da população.
Em 1959, o governo do Estado transferiu toda a rede ferroviária para a
responsabilidade do governo federal e este acabou desativando toda a rede que
ligava as povoações do Vale do Rio dos Sinos, em fins de 1963. Para termos uma
noção mais concreta do desenvolvimento de Sapiranga nas primeiras décadas do
século XX, citamos um artigo do jornal CORREIO DE SÃO LEOPOLDO, do dia 20
de janeiro de 1940, intitulado “SAPYRANGA”:
SAPYRANGA
Lá, no coração de São Leopoldo, projeta-se um grande distrito. É a
força do braço agrícola. É a força da pecuária, da indústria e do comércio
leopoldense que crescem, que progridem no coração de São Leopoldo.
Dos seus 10 distritos, São Leopoldo não envergonha-se de nenhum
deles.
São 10 carros seguros, puchados (sic) pela locomotiva sadia de uma
administração grandíloqua.
São 10 estrelas luzidias que foram uma constelação vibrante de força
e energia.
(...)
Sapyranga é o 5º Distrito de São Leopoldo. É um dos distritos que
mais tem feito pela valorização da comuna leopoldense.
(...)
Cortada por inúmeros afluentes do Rio dos Sinos, Sapyranga é um
pedaço de terra brasileira sobejamente fértil. A sua agricultura é das
mais variadas. E ao lado desta, a indústria que se multiplica, dia a dia,
prometendo cada vez mais o progresso calcado pelo braço dinâmico de
seu povo.
Ligada à sede do município pela estrada de ferro (VFRGS) que por sua
vez vai até Porto Alegre, e por estradas de rodagem, Sapyranga vai
tomando vulto para demonstrar a sua pujança entre todos os distritos
co-irmãos.
Servida pela luz e força municipal, cujo desdobramento e utilização
são, cada vez mais, apreciáveis, esse distrito avança pari passu com seu
município que é um dos maiores do Rio Grande. (CORREIO DE SÃO
LEOPOLDO, 20 jan. 1940, n.382, Capa [grifos nossos])
Através do artigo publicado no jornal O CORREIO DE SÃO LEOPOLDO,
percebemos a situação em que se encontrava Sapiranga por volta de 1940,
destacando-se sua posição privilegiada entre os demais distritos do município de
São Leopoldo, além do seu grande potencial econômico representado
especialmente pelo progresso da indústria.
Além disso, a conformação do mapa urbano da localidade estava em franca
transformação, desde a inauguração da Estação do Trem, que favoreceu a
urbanização da localidade, fazendo da Estação o ponto de encontro das
atividades econômicas e sociais. Desta forma, conforme Denise Nath (2001),
essas características da vida de Sapiranga surgiram progressivamente de 1903
às décadas de 1920 e 1930, período em que consideramos haver uma aceleração
no processo de urbanização. Para dar mais clareza a esta idéia, apresentamos o
mapa urbano do início do século XX em anexo.
São Leopoldo admirava-se com todo o progresso vivenciado pela localidade,
fator que explica o Ato Municipal de São Leopoldo nº 154, de 28 de março de
1890, que criava o 5º Distrito de Sapiranga. Já em 02 de maio do mesmo ano,
Sapiranga é elevada à categoria de Freguesia, o que demonstrava que Sapiranga
estava num contínuo processo de desenvolvimento econômico, o que muito
agradava a São Leopoldo. Anos mais tarde, em 1938, Sapiranga seria elevada a
condição de Vila, através do Decreto Municipal nº 7109 de 31 de março de 1938.
Estas mudanças de categoria promovidas pelo município comprovam aquilo
que já havíamos apontado anteriormente. Ou seja, Sapiranga diversificava
progressivamente suas atividades econômicas, uma vez que na década de 1940
tínhamos não apenas a produção de calçados, mas também se fabricavam móveis,
massas, sabão, farinha de mandioca, carimbos, artigos de metalurgia, aguardente,
vinho e roupas. Para termos uma noção mais exata da diversidade na produção
local, citamos os 148 estabelecimentos industriais, os 76 estabelecimentos
comerciais, 40 prestadoras de serviços industriais e 52 prestadoras de serviços
comerciais, totalizando 316 firmas. Em relação aos dados educacionais, citamos
as 5 escolas primárias estaduais, das quais 3 eram rurais, as 15 escolas primárias
municipais, as 5 escolas primárias particulares (vinculadas às Igrejas) e 1 escola
de corte e costura mantida pelo SESI.
Em relação à produção agrícola, neste mesmo tempo, Sapiranga e Araricá
(distrito que será anexado à Sapiranga com a emancipação) juntas produziam 250
toneladas de batata inglesa, 370 toneladas de batata doce, 4500 toneladas de
cana-de-açúcar, 600 toneladas de feijão, 1300 toneladas de mandioca, 1300
toneladas de milho e 10000 sacos de arroz de 60 quilos, números bastante
consideráveis para o período em questão.
Neste contexto de intensas transformações, considerando a produção
agro-industrial apontada, e inspirados pela idéia do progresso
18
que orientava
seus habitantes, logo surgiram as idéias de emancipação política para Sapiranga.
Conta-se que num certo dia dos anos 40, Bertholdo José Seibel e Alfredo Sperb,
conversando sobre os problemas da Vila e sobre a falta de investimentos por
parte de São Leopoldo, resolveram fazer um abaixo-assinado, num papel de
18
Neste estudo, o conceito de progresso é utilizado para fazer referência ao desenvolvimento
econômico e social alcançado por Sapiranga. Destacamos que este conceito é freqüentemente
empregado no jornal local para descrever o desenvolvimento alcançado na sua economia e em sua
organização social. Portanto, quando fizermos menção ao progresso da localidade, estamos nos
embrulhar pão, no qual pediam a emancipação de Sapiranga. Tal gesto teve adesão
de um número espantoso de pessoas, o que os levou a pensar mais e levar a idéia
adiante, realizando um pedido oficial ao governo do Estado, o que foi recusado.
A prosperidade continuava visível na Vila. Na década de 1950, foram
realizadas várias melhorias nas condições de vida da população, como a
inauguração do hospital, em 1950, e as atividades das escolas católica e luterana,
em 1952 (lembramos que a escola evangélica existia desde 1850). Já as artes e os
esportes se destacaram através dos grupos de teatro, corais, ginastas,
remadores times de ping-pong, de futebol, de bolão, Centro Cívico, bandas e
orquestras, escola de música e jornal. Além disso, não podemos deixar de lembrar
das Assembléias Churrasqueiras
19
, nas quais começaram a surgir idéias sobre a
emancipação novamente.
A década de 1950 iria, portanto, acompanhar as idéias de emancipação com
toda força, sendo que no dia 26 de dezembro de 1952 foi realizado o primeiro
comício defendendo os ideais de autonomia política, aberto por José Lopes
Nogueira, presidente da Comissão de Emancipação. Era necessário, neste
momento, convencer a população sobre o assunto, mostrando a ela os benefícios
que a autonomia política traria para a comunidade local.
Assim, abriu-se, oficialmente, uma campanha pró-emancipação, utilizando-
se, inclusive, do jornal local
O FERRABRAZ
para publicar seus ideais, trazendo as
referindo ao desenvolvimento econômico e social, no sentido de expressar o avanço, a civilidade
alcançada pela comunidade.
19
As Assembléias Churrasqueiras ocorriam no chamado “Matinho dos Dresch”, próximo à Curva
do “S”. Neste local se promoviam churrascos, onde se encontravam várias pessoas da Vila para se
divertirem, ao mesmo tempo em que começaram as primeiras conversas informais sobre a
emancipação política de Sapiranga. A partir destes encontros, é que se organizaram as primeiras
comissões pró-emancipação. As Assembléias Churrasqueiras, além de serem espaços de
sociabilidade tornavam-se também espaços políticos por excelência, onde, junto com o
divertimento e o lazer, se decidi a sobre a vida do distrito.
informações e as justificativas para a emancipação da Vila. Durante o período de
campanha, vários panfletos foram distribuídos entre a população, na tentativa de
convencer os eleitores a votar a favor da separação com São Leopoldo.
Encontramos alguns destes folhetos
20
, que trazem dizeres de forte significado,
ao mesmo tempo em que convocam toda a população a dizer sim no dia do
plebiscito. Desta forma, apresentamos alguns trechos importantes que revelam o
conteúdo de exaltação cívica dos cidadãos locais e de apelação, no sentido de que
a emancipação representava o progresso ao contrário de que a atual situação
somente poderia trazer o regresso e a falta de perspectiva. Em um folheto
intitulado “PROCLAMAÇÃO” estava impresso um pequeno texto, que trazia
consigo o seguinte conteúdo:
Não permitas que mais tarde tenhas remorsos quando teus filhos te
acusarem por não terem querido, por comodismo dar o teu voto que lhes
garantia o direito de governar-se a si mesmos e dirigir os seus próprios
destinos.
Lembra-te que, como distrito fomos abandonados e esquecidos, mas
como município ergueremos a fronte e marcharemos avante, pois ninguém
se entrega sem lutar e ninguém se abandona nem se esquece de si mesmo.
Venha votar com tua esposa e teus filhos para que em futuro próximo
possas com orgulho e satisfação exclamar vitorioso. Eu e minha família
ajudamos a criar este município, dando-lhe o nosso voto.
(PROCLAMAÇÃO, 28 nov., 1953)
20
No Museu Municipal de Sapiranga, encontramos um rico material sobre a campanha pró-
emancipação, doado por Leopoldo Luiz Sefrin (filho de Leopoldo Sefrin). Lembremos que Leopoldo
Sefrin teve participação atuante neste processo, sendo, inclusive, eleito vereador para a primeira
Câmara Municipal. Também tivemos acesso à documentação referente ao processo legal referente
à emancipação de Sapiranga, possibilitando assim uma maior compreensão da realidade sócio-
econômica da localidade no momento da emancipação política. Vale, ainda, destacar que estes
folhetos de propaganda analisados neste trabalho estavam guardados juntamente com outros
documentos doados por Leopoldo Luiz Sefrin ao Museu Municipal de Sapiranga, devendo,
portanto, existirem outros folhetos da mesma espécie que, infelizmente, não tivemos acesso,
Em um outro folheto, que convidava a população para um comício da
comissão pró-emancipação, encontramos, no final do mesmo, a frase que
convocava a população a votar a favor da emancipação:
SAPIRANGUENSES! Lembra-te que a luta é pela emancipação de tua
terra, estar com a emancipação é estar com Sapiranga, ser contra
emancipação é ser contra Sapiranga. (CONVITE, 24 mar. 1953 [grifo
nosso])
Dando prosseguimento à campanha de emancipação política, realizou-se, no
dia 20 de dezembro de 1953, o grande plebiscito para saber qual era a opinião
dos habitantes da Vila. O resultado foi que 1381 eleitores votaram a favor e
apenas 96 eleitores votaram contra a emancipação. Assim, encaminhou-se a
documentação necessária para a emancipação à Comissão de Divisão Territorial
do Estado. Com sua aprovação, a lei estadual nº 2529 de 15 de dezembro de 1954
criava o município de Sapiranga e determinava sua instalação para o dia 28 de
fevereiro de 1955. Ficava estabelecido, ainda, que as eleições seriam realizadas
em 20 de fevereiro de 1955 e que o mandato do prefeito e do vice-prefeito
encerraria em 31 de dezembro de 1959. Também se definiu que o primeiro
mandato da Câmara dos Vereadores se encerraria em 31 de dezembro de 1955,
sendo formada por sete vereadores que teriam a função de organizar a legislação
do município recém criado.
Como prefeito foi eleito Edwin Kuwer, através da coligação do PSD, PL,
UDN, PRP, PSP e dissidentes do PTB. O vice-prefeito eleito foi Waldemar Carlos
Jaeger do PRP. Entre os vereadores eleitos, destacamos o nome de Leopoldo
Sefrin (PSD), que havia exercido o cargo de assessor jurídico da Comissão de
Emancipação e personagem de destaque na vida pública local, sobre quem iremos
falar de forma mais detalhada no terceiro capítulo de nosso trabalho. Tomando
posse de seus cargos, precisaram enfrentar os primeiros problemas como a falta
de verbas, a falta de uma sede para a prefeitura, funcionários e até mesmo
móveis para trabalhar, o que foi solucionado com a ajuda de grande parte da
população, através de doações e empréstimos em dinheiro.
No dia 28 de fevereiro de 1955, o sonho da emancipação se realizou para
os moradores de Sapiranga. A caminhada para a posse do Prefeito e Vice foi
festiva, eleitos pela comunidade e por ela conduzidos ao governo
21
. O sorriso
estampado nos rostos dos que trabalharam fazendo campanhas, conchavos,
encaminhamentos de documentação e comprovação de dados foi marcante. Na
memória de alguns ainda se encontram imagens de momentos em que iam para a
campanha de jipe e sofriam com atoleiros, tentando convencer moradores a se
unirem para formam o novo município. Em alguns lugares foram recebidos a tiros,
palavrões ou então ovacionados. (FERNANDES MAGALHÃES, 2000)
Agora, com o município emancipado, fazia-se necessário trabalhar para
continuar com o progresso vivenciado antes da emancipação. Neste sentido, a
década de 1960 se caracterizou por uma cidade com ares de cidade pequena,
onde, praticamente todas as pessoas se conheciam. Nas casas de seus moradores
uma planta tomava destaque, era a roseira que coloria os jardins da cidade, tanto
nas praças, canteiros das calçadas ou nos jardins particulares. Deste gosto pelas
roseiras nasceu a “Cidade das Rosas”, como é conhecida Sapiranga até nossos
dias.
21
No dia 28 de fevereiro de 1955, logo ao amanhecer, a população dirigiu-se até a casa do
prefeito eleito, Edwin Kuwer, para assim conduzi-lo até o local da posse do cargo. Realizou-se uma
caminhada pelas principais ruas do novo município para representar, simbolicamente, a entrega do
cargo ao prefeito, o que se faz através das mãos da própria população que o conduz. Poderíamos
pensar este ato de acordo com as idéias apresentadas por Pierre Bourdieu, quando analisa a
questão do sujeito que detém o poder através do reconhecimento do grupo, o qual lhe institui um
direito próprio, através do recebimento do cetro do poder.
Em 1960, o jornalista Moniz Pacheco sugeriu a denominação de Cidade das
Rosas, em um artigo publicado no jornal local O FERRABRAZ. Em 1964, o diretor
do Serviço Estadual de Turismo, Osvaldo Goidanich, fez a mesma sugestão de
Pacheco. Com isso, abriu-se a Festa das Rosas, que visava mostrar não apenas a
sua flor preferida, mas também a sua produção industrial cada vez mais
incrementada, demonstrando as condições favoráveis que se apresentavam
naquele momento na cidade, que nos anos 70 contava com cerca de 20 mil
habitantes.
Através deste breve histórico do desenvolvimento da Colônia que se
transformou em município em 1955, podemos notar que alguns fatores presentes
nesta trajetória precisam ser mais bem analisados. Acreditamos que uma das
idéias presentes no imaginário social coletivo de seus habitantes era a lembrança
do passado mucker, que se fazia sentir na forma como as pessoas agiam, tomavam
posicionamentos frente a algumas situações, como a luta pela emancipação, a
conduta social, os hábitos diários.
Nossa pretensão não é de fazer a história do cotidiano local nem de nos
determos em superficialidades, mas se faz necessário lançar estes
questionamentos, uma vez que a forma de interagir socialmente deste grupo
deixa transparecer as idéias que orientavam esta comunidade. Sapiranga
valorizava e exaltava o lema da ordem e do progresso, talvez na tentativa de
fazer oposição ao seu passado mucker, que é representado pelo grupo e,
principalmente, pela elite local como um passado de (des)ordem e regresso, em
virtude dos acontecimentos que abalaram a vida social e, principalmente, as
atividades econômicas dos colonos da antiga Fazenda Padre Eterno.
As características citadas anteriormente podem ser compreendidas se
observarmos as formas de sociabilidade desta comunidade, assim como a conduta
religiosa praticada pelos indivíduos que compareciam semanalmente aos cultos ou
missas. Nas festas e bailes da comunidade fazia-se necessário comparecer, uma
vez que tanto as festas da igreja quanto das sociedades de canto eram um espaço
propício de distinção e diferenciação social e econômica, especialmente
verificada com a ascensão da produção de calçados e da metalúrgica. Não menos
importante era a escola, identificada como um espaço de formação e
enquadramento nos modelos pré-estabelecidos pelo grupo, no qual as crianças
deveriam aprender, além dos conteúdos programáticos, as normas sociais e os
modelos de comportamento, de acordo com sua orientação religiosa e posição
sócio-econômica (devemos lembrar que as escolas evangélica, católica e luterana
tinham grande atuação no meio educacional e social da cidade).
Além disso, podemos afirmar que a comunidade sapiranguense,
compreendida no espaço temporal analisado por nós, caracterizava -se por
padrões rígidos e bastante moralistas. Conforme já referenciamos
anteriormente, a elite
22
era quem comandava e ditava os padrões de conduta para
todo o grupo, sendo a responsável por estabelecer aquilo que “se podia fazer” e
aquilo que “não se podia fazer”. Era ela quem dava uma conotação de sociedade
ajustada aos valores da família íntegra e unida, seguidora dos ensinamentos
cristãos e respeitadora das leis nacionais. Neste sentido, não se esqueciam as
tradições herdadas da descendência alemã, pelo contrário, ao mesmo tempo em
22
Entendemos por elite aquela parcela da população sapiranguense que detinha um capital
econômico considerável ou desempenhava um papel importante no espaço cultural local. Como
exemplos deste grupo, podemos citar os proprietários das empresas, os comerciantes ou até
mesmo aquelas pessoas muito ligadas à Igreja ou aos eventos festivos da comunidade. Neste
sentido, chamamos de elite local aquele grupo que, ou detém um capital econômico ou um capital
simbólico, que acaba estabelecendo e tentando impor os seus padrões morais e a sua conduta para
os demais segmentos soci ais.
que se consideravam portadores e representantes da cultura alemã, se colocavam
como bons cidadãos brasileiros, que amavam sua pátria e seguiam suas leis. Estas
tradições podem ser percebidas através da comemoração do Kerb da cidade, das
festas promovidas pelo Clube 19 de Julho, nas quais existiam códigos de conduta
moral através dos quais homens e mulheres deveriam portar-se de determinadas
formas que não desrespeitassem os rígidos padrões estabelecidos. Também
pertencem a estas tradições os bailes de Kerb, o culto em alemão celebrado na
Igreja Evangélica e até mesmo o ensino da língua alemã na escola evangélica.
Um outro aspecto interessante das tradições da cidade de Sapiranga é o
nome dado pela população ao atual bairro Centenário, que no início do século XX
foi denominado de “África” pela população de descendência alemã. Com o
propósito de nomear o local como sendo ocupado por pessoas de etnia distinta da
maioria da população, em especial por aqueles que constituíam a elite local. Assim
o bairro África caracterizava-se pela existência de pessoas negras,
descendentes de escravos que ali se estabeleceram. Percebemos, neste ato de
nomear, uma carga de preconceito bastante visível, com sentido depreciativo para
aquele contexto, uma vez que a maioria da população (de origem alemã) buscou um
instrumento de diferenciação em relação àquele pequeno grupo (de origem
africana) que de certa forma não poderia representar a sociedade sapiranguense,
que deveria se fazer representar pela cultura herdada dos alemães. Neste
sentido entendemos a formulação do “nós” identitário sonhado, que corresponde
ao mundo dos cidadãos, do espaço urbano normatizado e da vida regrada, que se
constitui necessariamente numa dimensão relacional: a cidade da ordem existe
por “causa” e “contra” a alteridade denunciada. (PESAVENTO, 1999)
Com isso, percebemos os valores presentes naquela sociedade do início do
século XX, na qual pertencer ao grupo descendente de alemães ou até mesmo ser
branco era posição de superioridade em relação àqueles que tinham o seu espaço
de sociabilidade definida. Assim, os negros deveriam ter o seu espaço na
“África”, enquanto que a vida política, social e também o progresso econômico se
desenvolvia no meio do cenário urbano, os arredores da Estação do Trem.
Entendemos, portanto, que ao criar e nomear espaços e lugares na cidade de
Sapiranga, estava -se, ao mesmo tempo, criando juízos de valores, julgamentos e
preconceitos que, por sua vez, condenavam determinadas práticas sociais e
atores que não correspondiam aos anseios e valores do grupo dominante local.
É necessário destacar o fato de que, na maior parte das vezes, as palavras
utilizadas para nomear e fazer referência a um certo espaço ou grupo, que é
veiculado por jornais, crônicas ou até mesmo memórias individuais ou coletivas
são endossadas pelos documentos oficiais, após o uso recorrente pelos seus
moradores. Desta forma, a oficialização do nome bairro “África” foi apenas a
representação concreta de uma prática social que se fazia presente naquele
grupo. A topologia simbólica dos lugares estigmatizados da cidade associa, assim,
a pobreza ao perigo e à contravenção, estabelecendo, ainda, a correlação entre a
cor dos indivíduos, a sua condição social e o seu comportamento desviante.
(PESAVENTO, 1999)
Para dar um maior significado as afirmações acima, observamos o perfil da
sociedade sapiranguense, demonstrada através de seu jornal local,
O
FERRABRAZ (sobre o qual trataremos com maiores detalhes no terceiro
capítulo). A partir da investigação realizada nas propagandas e anúncios
publicados no jornal, bem como alguns artigos de autoria de pessoas da
comunidade, impressos no jornal, buscamos caracterizar, de uma forma
simplificada, é claro, a postura e o pensamento coletivo em relação à vida social
na comunidade.
Neste sentido, encontramos várias páginas do jornal que expressam o
conservadorismo e a rigidez, na tentativa de preservar a boa moral e os bons
costumes estabelecidos como padrões de postura aos quais todos deveriam
seguir, na medida em que quisessem ser aceitos pela comunidade. Assim temos:
CAFÉ BAR IMPERIAL, de Walter B. Klein. Ambiente distinto,
recomendado as distintas famílias de Sapiranga e aos visitantes
desta vila. Bomboniere, cigarraria, frios, bebidas geladas e sorvetes. (O
FERRABRAZ, 31 jul. 1951, n.21, Capa [grifo nosso])
A distinta freguesia e aos nossos amigos desejamos um Feliz Natal e
um próspero Ano Novo.
Walter Muller e Cia.
Sapiranga, natal de 1954 “. (grifo nosso). (O FERRABRAZ, dez. 1954.
n.62. Capa)
Churrascaria ”AO MATIAS” de Edwino Mattes.
O melhor e tradicional churrasco a moda da casa, galeto, além do
prato especial, todas as sextas-feiras. Ambiente seleto e agradável. (O
FERRABRAZ, 30 set. 1965, n.240, p.5 [grifo nosso])
Além da perspectiva conservadora, que selecionava determinados espaços
de convivência para poucas pessoas, observamos que o jornal também
desempenhava sua função de demonstrar o caráter político sério e honesto de
sua população, o que se evidencia nos seguintes trechos selecionados, nos quais
observamos inclusive o exagero em exaltar o caráter de seus habitantes, fazendo
com que os leitores acreditassem se tratar de uma comunidade totalmente
igualitária e sem problemas de qualquer espécie:
AS ELEIÇÕES DE SAPIRANGA
Num ambiente de verdadeiro civismo e de alta educação política
realizaram-se neste município as eleições para o Executivo e Legislativo
Municipais.
(...)
Conquanto fosse renhida a disputa, não se verificaram excessos de
espécie alguma, não houve a imprensa atacante, não se verificou
discurseira impudica, ninguém ouviu alto-falantes usar termos (sic)
perversos, deturpadores da verdade, dichotes difamatórios. Não!
Nada disso.
Foi, portanto, uma campanha cívica, dirigida com altruísmo, para
elucidar o povo, para apresentar candidatos... (O FERRABRAZ, 1 dez.
1959, n.126, Capa [grifos nossos])
Já no artigo escrito por Ítalo de Oliveira (morador de Sapiranga),
percebemos que a sociedade descrita não era a mesma descrita acima:
UM HOMEM EM FOCO
Em minhas crônicas tenho sempre revelado o lado promissor de cada
homem na minha cidade, e tenho convicção daquilo que escrevo e digo, não
faço de minha crônica uma bajulação como venho sendo atacado dentro
de Sapiranga, mais para quem o silêncio é minha resposta, tomadas as
vezes em que eu escrever estes espaços dentro de O FE RRABRAZ, será
para encontrar virtudes e não achar defeitos, porque todo homem que
tiver virtudes e nos a enaltecermos, mais virtudes esses elogiado(sic)
terá, mais (sic) se nós achar-nos defeitos ele (sic) ficará tocado e sentirá
algo na carne que nós sentimos também,então ganharemos um inimigo e
não corrigiremos aquele defeito.
Mais para gôverno (sic) ainda daqueles que falam, eu não consigo
achar defeitos em ninguém dentro de Sapiranga, mais (sic) garanto se
deichares o anonimato e escreveres para mim aí sim está o defeito
número um de Sapiranga atacar de tocais, vilesa (sic) baixesa (sic), e
falta de hombridade.
Eis em (sic) homem em foco de hoje, não sei que é nunca vi mais
gordo, e acredito, não gosta de mim e sente talvés (sic) ainda não ter
saído (sic) nessa coluna. (O FERRABRAZ, 30 set. 1965, n.240, p.3 [grifos
nossos])
Desta forma, podemos verificar o perfil dos habitantes de Sapiranga, em
especial seus posicionamentos políticos e a forma como se colocavam frente aos
acontecimentos da vida pública. Uma outra face deste perfil que estamos
trabalhando em relação à população de Sapiranga mostra como se preocupavam
em mencionar, repetidamente, grandes personagens da história e suas façanhas,
destacando o exemplo de sua moral “indiscutível”
23
. Neste contexto, a seguinte
passagem exemplifica esta idéia:
DUQUE DE CAXIAS
... despretensioso, homem de raros dotes de espírito, pacificado,
valoroso soldado do Paraguai. (O FERRABRAZ, 31 ago. 1950, n.10, Capa)
São estes alguns elementos importantes que nos permitem caracterizar,
mesmo que de forma abrangente, a sociedade sapiranguense desde o início do
século XX até meados da década de 1960. Esta contextualização se faz
necessária, uma vez que é através do seu entendimento que se torna possível uma
análise mais aprofundada da construção do imaginário social pós-mucker, bem
como suas formas de interpretação e representação, que têm por finalidade
imprimir na memória coletiva uma determinada visão dos fatos ocorridos no final
do século XIX.
Estas reflexões nos levam a pensar nas formas de relações de poder que
se estabeleciam nesta comunidade, marcadamente classificatória, que distribuía
diferentes papéis sociais aos seus atores. Percebemos que havia um grupo,
formado por moradores do centro da cidade, que se destacava por suas
atividades comerciais e industriais bem como significativa atuação na vida
religiosa da comunidade, que se auto-atribuiu o direito de exercer este poder de
liderança dentro da comunidade sapiranguense, subordinando a população ao seu
discurso (entendemos por discurso, neste contexto, a visão de mundo e a
concepção de vida em sociedade estabelecida por este grupo, que denominamos
de elite local). Este discurso era orientado pelo lema da ordem e do progresso,
23
Quando utilizamos o conceito de moral, estamos fazendo referência ao conjunto de regras
de conduta consideradas como válidas e representativas de bons costumes. Assim, a “boa moral”
seguida pelos habitantes de Sapiranga, se fazia representar pela conduta exemplar assumida pela
que, por sua vez, era representado pela ascensão do setor calçadista, o que fica
mais evidente a partir da década de 1950. A este grupo de poder econômico e
prestígio social deve-se grande parte da formulação dos padrões e normas de
convívio social de Sapiranga.
É importante, ainda, destacar a idéia de que, na tentativa de exaltar as
virtudes da população sapiranguense e a glorificação de personagens da nossa
história, como no exemplo citado de Duque de Caxias (nome da Escola Evangélica
da cidade), a elite que possuía um espaço privilegiado de comunicação no jornal
podia, desta forma, expressar seus pensamentos que tinham a pretensão de se
tornarem coletivos. Neste sentido, buscava-se demonstrar, através destes
pensamentos, que a população deste período nada tinha de herança mucker, ou
seja, o passado havia ensinado que os mesmos erros não deveriam ser cometidos
novamente e, assim, buscava-se a harmonia e o cultivo das ações atribuídas ao
bom cidadão, mesmo que isso ocorresse apenas em nível das representações.
maioria, que determinava o respeito às pessoas, a valorização da vida em comunidade, a
observância aos padrões religiosos e a valorização da vida em família.
3 A SENSIBILIDADE DESPERTADA:
O DISCURSO ANTI-MUCKER NA IMPRENSA SAPIRANGUENSE
Nosso objetivo, neste capítulo, está centrado no entendimento do
contexto no qual se encontra o discurso denominado por nós de anti-mucker
24
,
veiculado na imprensa sapiranguense entre os anos de 1949 e 1960, como
instrumento importante na construção do imaginário social pós-mucker.
24
Denominamos o discurso veiculado pelo Jornal O Ferrabraz de anti-mucker pelo fato do
mesmo se posicionar explicitamente contrário aos mucker. Também utilizamos este conceito pra
dar melhor fluência ao texto, dando um entendimento claro das posições assumidas por cada
personagem analisado neste trabalho.
Da mesma forma, empregamos o termo “sensibilidade despertada” no título deste capítulo para
questionar como as idéias, publicadas por Leopoldo Sefrin, na imprensa local, contribuíram para a
construção de um imaginário contrário aos mucker, idealizado com base nas idéias de Sefrin.
Assim, o termo sensibilidade nos leva a pensar como as idéias publicadas por Sefrin agiam no
inconsciente coletivo da população, que acabava formando uma determinada opinião sobre os
mucker, condicionada ao discurso desse autor.
Através dos artigos publicados no jornal O Ferrabraz, buscamos
interpretar e analisar historicamente o contexto em que este discurso, de
autoria de Leopoldo Sefrin, se produziu. Da mesma forma, buscamos entender
quais foram os objetivos destes artigos, que foram tornados públicos através da
sua veiculação no jornal. Destacamos que o período mais intenso das publicações
foi o início da década de 1950. Todavia, resolvemos analisar o perfil do jornal até
o início da década de 1960, em função do mesmo ainda fazer referências, mesmo
que indiretas, ao passado mucker. Isto poderá ser melhor compreendido se
observarmos, primeiramente, o perfil das notícias apresentadas no jornal até
meados da década de 1960.
Iniciamos nossa análise orientada pela idéia formulada por Pierre Bourdieu
(1998) de que não existe discurso considerado em si mesmo e por si mesmo, e que
seu sentido se revela somente quando relacionado com as condições sociais em
que é produzido. Ou seja, quando procuramos identificar o campo de produção de
um discurso, não devemos esquecer do seu mercado de recepção, ou melhor, do
seu público leitor.
Transpondo esta idéia para o jornal que analisamos, buscamos, num
primeiro momento, caracterizar o campo de produção no qual o discurso oficial do
jornal se fazia presente, uma vez que acreditamos ser de fundamental
importância situar estes artigos no seu tempo, no seu próprio contexto político,
social, econômico e cultural. Da mesma forma apontamos para o fato de que nossa
intenção é analisar as representações construídas acerca dos mucker no período
proposto e não simplesmente analisar o discurso de forma isolada, desvinculado
de seu campo de produção. Na perspectiva de investigar a construção destas
representações e suas relações com o imaginário social, buscamos o conceito
formulado por Baczko, para quem:
Os imaginários sociais constituem outros tantos pontos de referência
no vasto sistema simbólico que qualquer coletividade produz e através da
qual, como disse Mauss, ela se percepciona, divide e elabora seus
objetivos. É assim que, através dos seus imaginários sociais, uma
coletividade designa sua identidade; elabora uma certa representação de
si; estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais; exprime e
expõe crenças comuns; constrói uma espécie de código de bom
comportamento. (BACZKO, s/d, p.309-310)
Partindo da noção de imaginário, elaborada por Baczko, entendemos que as
representações construídas num amplo processo de significados são, antes de
tudo, a tradução mental de um sentimento que até então estava presente em
nível das idéias. As representações anti-mucker, veiculadas no Jornal O
Ferrabraz expressam, portanto, as idéias do seu autor, que elaborou uma
determinada opinião, sustentada pelo seu próprio entendimento dos fatos, mas
que certamente contou com a interferência do meio social no qual Sefrin se
inseria. O entendimento unilateral sobre a questão mucker não era apenas de
Sefrin, mas compartilhado com grande parte da população sapiranguense.
José Murilo de Carvalho, por seu turno, nos mostra como o imaginário
social se constitui e faz surtir efeito no meio social:
O imaginário social é constituído e se expressa por ideologias e
utopias, sem dúvida, mas também e é o que mais me interessa por
símbolos, alegorias, rituais, mitos. Símbolos e mitos podem, por seu
caráter difuso, por sua leitura menos codificada, tornar-se elementos
poderosos de projeção de interesses, aspirações e medos coletivos. Na
medida em que tenham êxito em atingir o imaginário, podem plasmar
visões de mundo e modelar condutas. (CARVALHO, 1998, p.10)
De acordo com o pensamento de Carvalho, observamos que a criação de
simbologias tem exatamente o objetivo de formar pensamentos, de moldar o
imaginário coletivo. Neste estudo, buscamos entender, também, as conseqüências
que o movimento mucker provocou na sociedade sapiranguense. Para tanto,
analisaremos as formas de representação anti-mucker no imaginário social,
especialmente as formas de construção de uma representação negativa em
relação a tudo o que se refere aos mucker, veiculado de forma impressa, ou seja,
através do jornal local O Ferrabraz. Assim, apontamos para o fato de que à
imprensa cabia moldar o pensamento de seus leitores, colocando-se como
divulgadora de idéias e representante oficial da comunidade.
Salientamos, ainda, a importância de um estudo mais aprofundado deste
material impresso, que nos proporcionará um campo riquíssimo de investigação
para a compreensão do imaginário anti-mucker na sociedade sapiranguense, bem
como as suas formas de representação, reforçadas e relembradas a partir do
pensamento de um indivíduo de destaque em meio à sociedade local, como foi
Leopoldo Sefrin. Nesse sentido, devemos lembrar da importância exercida pela
memória - neste caso as memórias de Sefrin que, sendo estruturadas pela
linguagem, de certa forma são a tradução material das idéias coletivamente
assumidas e das experiências partilhadas com outros indivíduos da sociedade
sapiranguense. Para compreender este pensamento, num primeiro momento,
queremos apresentar a trajetória histórica do Jornal
O Ferrabraz,
bem como
uma síntese biográfica do personagem analisado, Leopoldo Sefrin, para, num
segundo momento, buscar a compreensão se seus escritos anti-mucker.
Autor dos artigos publicados no jornal, Sefrin foi um dos responsáveis pela
construção do imaginário social anti-mucker, no momento em que aguçava a
sensibilidade coletiva da população sapiranguense, fazendo-a pensar e introjetar
suas idéias e imagens acerca dos mucker, com a intenção de denegri-los
publicamente, tal qual havia acontecido no passado. Partindo deste contexto,
queremos realizar a análise do discurso impresso de Sefrin, bem como realizar
algumas reflexões a respeito destas representações veiculadas através do jornal,
que no momento de sua publicação e distribuição, tinham a intenção de moldar e
interferir diretamente no imaginário social coletivo de toda a comunidade. Cerca
de oitenta anos após o conflito, reviviam-se os acontecimentos, agora narrados
unilateralmente por um personagem de destaque na sociedade local, estando o
mesmo pretensamente apto a construir sua fala oficialmente para o grupo.
Ao longo do texto, procuramos desenvolver as idéias que fizeram parte
desta teia de relações sociais que envolveram a construção deste discurso anti-
mucker, já que seu autor desempenhava um papel importante na comunidade local.
Ou seja, no momento em que se descrevia uma determinada versão dos fatos da
história local, esta remetia seus habitantes a pensarem sobre suas próprias
raízes, num exercício de resgate da própria memória coletiva.
3.1 A TRAJETÓRIA DA IMPRENSA GAÚCHA E O JORNAL O
FERRABRAZ
Inicialmente, faz-se necessário realizar algumas considerações acerca da
trajetória percorrida pela imprensa no Rio Grande do Sul para que, então,
possamos contextualizar o jornal O Ferrabraz.
De acordo com Francisco Rüdiger (1993), foi a partir do desenvolvimento
da sociedade burguesa no cenário mundial, inserida nas transformações e na
expansão do Capitalismo Comercial, que a imprensa ganhou papel de destaque,
uma vez que governo e autoridades perceberam aí um meio de controlar a opinião
pública e de exercer o poder. Somando-se aos avanços tecnológicos alcançados e
o aumento progressivo de um público leitor, a imprensa viu-se estimulada,
fazendo florescer aos poucos uma rede de empresas voltadas à impressão de
pequenos folhetins e jornais.
No Rio Grande do Sul, o surgimento da imprensa esteve ligado aos
acontecimentos políticos que levariam, mais tarde, à Revolução Farroupilha. Por
volta de 1820, a economia pastoril entrou em declínio, levando a uma crescente
insatisfação por parte dos estancieiros e charqueadores em relação ao governo
central do Rio de Janeiro. Neste contexto de descontentamento com a política
imperial é que surgiu o primeiro jornal, em 1827, conhecido como Diário de Porto
Alegre. Este jornal contou, inclusive, com o patrocínio do Presidente da Província,
Salvador José Maciel, que, contando com o apoio da sociedade gaúcha, obteve
grande repercussão em meio à sociedade sulina.
Para termos uma noção do desenvolvimento da imprensa gaúcha a partir do
lançamento do primeiro jornal, devemos lembrar que nos oito anos que se
seguiram foram lançados trinta e dois outros jornais, entre os quais destacamos
O Constitucional Rio-Grandense, Sentinela da Liberdade, O Noticiador, o
Recompilador Liberal e o Mercantil do Rio Grande. O perfil destes jornais era
abertamente político, exercendo a função de formar e moldar o pensamento de
seus leitores no que se referia a questões públicas, ideológicas e polêmicas em
relação a adversários políticos. Rüdiger afirma que, neste sentido, podemos
considerar que a imprensa foi, sem dúvida, o bastidor da Revolução Farroupilha.
Além disso, a imprensa gaúcha representou um importante espaço para
verdadeiros duelos partidários, especialmente em períodos de campanhas
eleitorais. Estes eram, portanto, espaços de propaganda e comunicação de
caráter político. Assim, formavam-se blocos de jornais, orientados pela mesma
opinião.
Esta realidade, vivida até então, transformou-se radicalmente com o
Estado Novo, que ocasionou o fechamento oficial dos partidos e obrigou o
fechamento de vários jornais como A Federação, O Estado do Rio Grande, O
Libertador, O Diário Liberal e o Echo do Sul. Os jornais sobreviventes viram-se
obrigados a se adaptarem à nova realidade do país, direcionando suas publicações
para artigos noticiosos, de caráter informativo, inaugurando uma nova etapa no
jornalismo brasileiro
25
.
A partir de 1930, o Brasil experimentava uma nova fase de
desenvolvimento econômico, com destaque para o setor industrial. Este
desenvolvimento possibilitou uma propagação maior de empresas jornalísticas,
aumentando o número de leitores e permitindo o desenvolvimento da publicidade,
através do crescente número de anúncios e propagandas de estabelecimentos
comerciais e negócios em geral. Da mesma forma, observamos que neste contexto
de mudanças houve um aumento de pequenos jornais no interior do Estado, que
vinham ao encontro dos anseios de seus moradores. É em meio a esta realidade
que encontramos o surgimento do jornal sapiranguense O Ferrabraz.
Fazendo referência ao Morro Ferrabraz, conhecido por todos os
moradores da região do Vale dos Sinos, o jornal O Ferrabraz fazia sua
homenagem a um dos lugares mais bonitos e conhecidos do atual município de
Sapiranga e, também, onde ao seu pé travou-se a batalha dos mucker contra as
forças oficiais, em 1874. Assim, o nome dado ao jornal apresenta uma simbologia
interessante, se observarmos sua relação com o espaço geográfico e com a
história herdada do final do século XIX, que remonta ao tempo dos mucker.
O jornal lembrava a todos os seus leitores, diariamente, a sua relação mais
íntima com a localidade de Sapiranga, ou seja, a equipe do jornal O Ferrabraz era
composta por pessoas da própria comunidade, sendo impresso ali mesmo, levando
e representando os interesses e o pensamento da própria comunidade local. O
jornal se colocava como o meio oficial de notícias e divulgava os acontecimentos
25
Embora o Correio do Povo já tivesse realizado esta modificação em 1895, quando foi
fundado, estabelecendo um novo padrão para o jornalismo no Rio Grande do Sul.
importantes, apresentando periodicamente as pessoas de destaque na vida social
local. Tinha, ainda, a intenção, mesmo que às vezes velada, de ditar os valores
morais que deveriam ser seguidos pelos seus leitores, o que se evidenciava pelos
recursos de linguagem utilizados e a forma como eram apresentados os artigos e
propagandas ao longo de suas páginas. Desta forma, o texto impresso era a
materialização das idéias que se faziam presentes na sociedade que, através de
seu jornal, tinha a pretensão de tornar público o pensamento de seus habitantes.
Podemos apontar duas fases distintas na trajetória percorrida pelo jornal
O Ferrabraz. A primeira fase, e sobre a qual mais nos interessa saber, começa
com sua fundação, em 1º de dezembro de 1949, sob a direção de Guilherme José
Powolny, nascido na Alemanha, no ano de 1904. Powolny veio para o Brasil com
apenas quatro anos de idade, vivendo grande parte de sua juventude em Porto
Alegre, onde seu pai possuía uma tipografia. Tipógrafo de profissão, Powolny foi
diretor e proprietário da Gráfica Sapiranga Ltda. e também diretor do jornal O
Ferrabraz. Porém, o fato de ser estrangeiro, obrigou-o, por motivos legais, a
colocar oficialmente outra pessoa como proprietário oficial de seu jornal. Esta
pessoa foi Leopoldo Luiz Sefrin
26
que, na verdade, servia apenas como fachada
para seu verdadeiro dono, Guilherme José Powolny. Este contou também com a
participação de Bertoldo S. Nordhausen, exercendo a função de gerente do
jornal e ainda de Tito Lima, como gráfico.
Durante dez anos, Powolny, Nordhausen e Tito Lima foram os responsáveis
pela edição mensal do jornal, que contava ainda com a colaboração de pessoas do
26
Chamamos a atenção para o fato de que Leopoldo Luiz Sefrin, que emprestou seu nome para
o jornal é filho de Leopoldo Sefrin, autor dos artigos publicados sobre os mucker, analisados
nesta dissertação. Destacamos este aspecto para evitar possíveis equívocos, em razão de pai e
filho terem nomes semelhantes. Da mesma forma, quando fizermos referência no texto apenas
para Sefrin, estamos referendando o pai (autor dos artigos).
local e tinha como filosofia publicar as notícias de interesse coletivo da
população de São Leopoldo”
27
. A tiragem por edição girava em torno de 1500 a
2000 exemplares. Se a edição tivesse algum tema especial ou data comemorativa,
eram impressos sempre 2000 exemplares. Quanto à distribuição, a maioria dos
exemplares já tinha destino certo, uma vez que a maioria do público leitor era
assinante do jornal, recebendo-o em sua casa. O número de páginas era variável,
sendo que inicialmente somavam cerca de seis páginas, enquanto que as edições
especiais como a de Natal contavam com cerca de trinta páginas.
Não temos informações sobre o número de leitores do jornal, mas, sabendo
que o número de exemplares girava em torno de 1500, podemos fazer algumas
aproximações
28
. Acreditamos que, possivelmente, o número de leitores não
ultrapassava 5000 pessoas, uma vez que a maioria dos exemplares era vendida
por assinaturas e de circulação local para uma população que totalizava 12574
habitantes
29
. Levantamos esta hipótese a partir do grande número de
analfabetos e de pessoas que só falavam alemão e que, conseqüentemente, não
podiam ler o jornal (embora as notícias acabassem chegando até elas através de
um familiar que lia as notícias ou mesmo através de conversas com parentes ou
27
Devemos lembrar que o jornal se identifica como pertencente ao município de São Leopoldo
até fevereiro de 1955, uma vez que a partir desta data Sapiranga se emancipa de São Leopoldo. A
frase apresentada como filosofia do jornal aparece em destaque na capa do mesmo, logo abaixo
do logotipo com o nome do jornal.
28
É interessante observar que o número de eleitores em 1953, na localidade de Sapiranga,
alcançava um total de 1534 (se somarmos Campo Vicente (106) e Picada Hartz (136), totalizamos
1776 eleitores). Levando em consideração o fato de que naquela época eram eleitores apenas
quem sabia ler e escrever, concluímos que a população alfabetizada em língua portuguesa e que
tinha idade para votar aproximava-se do número de exemplares impressos pelo Jornal O
Ferrabraz.
29
O número de habitantes é apresentado por Lúcio Fleck (1994, p.115) e baseia-se nas
informações das Agências de Estatística de São Leopoldo e de Taquara. Os números consideram
os habitantes de Sapiranga, Araricá, Picada Hartz e Campo Vicente em 1953. Estas áreas foram
anexadas a Sapiranga com a emancipação legalizada em 15 de dezembro de 1954.
vizinhos). Portanto, as idéias divulgadas pela imprensa local atingiam a grande
maioria da população, mesmo os analfabetos.
A segunda fase do jornal corresponde ao período em que Olival Monteiro
assumiu sua direção. Este recebeu gratuitamente, em 1961, a empresa do filho de
Guilherme Powolny, em função da morte de seu pai e pela falta de condições de
manter o mesmo. A partir deste momento, o jornal passou a ser quinzenal e não
mais mensal como na primeira fase. Porém, o jornal foi editado somente até o ano
de 1969, ano em que teve suas edições encerradas por motivo de censura, sendo
reaberto apenas em 1975.
De acordo com a leitura realizada por Peters (1982), o jornal seguia uma
linha editorial claramente moralista e conservadora
30
. A partir disso, Peters
coloca que podemos atribuir tais características também aos seus leitores e,
conseqüentemente, à sociedade que compunha Sapiranga neste período. Formada,
basicamente, por descendentes de imigrantes alemães, a comunidade de
Sapiranga deste momento caracterizava-se por seus rígidos padrões morais que
incluíam a observância de boa conduta e severidade com relação a tudo aquilo que
ocasionasse mudanças nestes padrões pré-estabelecidos.
Ao mesmo tempo, a cidade que começava a se estruturar a partir dos anos
50, vivia a perspectiva da modernidade, ligada ao movimento emancipatório,
concretizado em 55 e observado na melhoria das ruas e avenidas, ampliação do
30
Empregamos os conceitos de moralista e conservadora para demonstrar como a sociedade
sapiranguense apresentava naquele período um perfil bastante rígido em termos de regras de
convivência e sociabilidade. O conservadorismo se apresenta no momento em que observamos que
a comunidade ainda valorizava os hábitos e costumes herdados da tradição alemã, como as festas
religiosas, a convivência nas igrejas e o código de bons costumes construído pelo grupo. Também
não devemos esquecer que este é um período de pós-guerra (Segunda Guerra Mundial), no qual os
comércio e desenvolvimento da economia, com destaque para o setor calçadista.
Lembremos, ainda, que o núcleo urbano desenvolveu-se consideravelmente,
expandindo-se e tendo como centro a Estação do Trem, que exercia papel
importante como meio de transporte entre Sapiranga e São Leopoldo e também
como ponto de chegada de novas notícias, demonstrando que Sapiranga já
possuía, naquele momento, uma ligação maior com São Leopoldo e até mesmo com
Porto Alegre. Observamos que a cidade da década de 50 não era mais aquela que
vivia no isolamento, como no final do século XIX e cujas conseqüências foram
desastrosas.
Relacionando a situação local vivida naquele momento com as
transformações ocorridas no Brasil, Mary Junqueira (2001) nos lembra que, na
década de 1940, o cenário brasileiro foi marcado pela marcha para o oeste, por
Getúlio Vargas e pelo debate sobre a transferência da capital do país para
Brasília na região central do Brasil. Já na década de 1950, o debate girava em
torno da implementação das megarrodovias Belém-Brasília e a Transamazônica,
implementadas na década de 1960, que procuravam diminuir as distâncias e o
isolamento de determinadas regiões. Esta preocupação de integração com o
centro econômico do Estado também estava presente na sociedade
sapiranguense.
3.2 O PERFIL DO JORNAL O FERRABRAZ
Analisando o ambiente vivido em âmbito nacional e aquele vivido pelos
sapiranguenses na década de 50, verificamos que, embora o local fosse a fração
do que acontecia em nível nacional, ainda havia na mentalidade local sapiranguense
descendentes de alemães tentaram mostrar sua maior ligação com a nação brasileira. Assim, o
caráter moralista também se revela no respeito da comunidade em relação à pátria brasileira.
um grande sentimento de pertencimento à cultura germânica (demonstrando
ainda uma forte resistência às transformações sofridas pelo país daquela época),
desprezando-se aquilo que era tido como cultura dos “brasileiros”, ou seja, dos
não descendentes de alemães. Podemos citar alguns exemplos (que tornam nossa
exposição mais clara) como a construção de um monumento em homenagem aos
primeiros imigrantes alemães chegados à região, exaltando suas façanhas; a
celebração anual do Kerb, data festiva que remete à data de inauguração da
igreja na cidade, que é celebrada até os dias atuais, além da preservação da
língua alemã, falada diariamente entre seus habitantes e ensinada na escola
evangélica, como uma forma de preservação das origens e também como meio de
distinção dos demais habitantes, que não possuíam a mesma descendência alemã.
É neste contexto que se inseria o jornal O Ferrabraz que, na prática,
reproduzia o pensamento da época, através dos textos jornalísticos,
demonstrando, de um lado, o conservadorismo e de outro a identidade local, mas
ao mesmo tempo pregava o civismo e o respeito à pátria brasileira, aspecto que
podemos apontar como conseqüência do período da nacionalização vivido durante
o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) e como conseqüência da Segunda
Guerra Mundial e derrota da Alemanha. Convivia-se com a preservação da cultura
germânica ao mesmo tempo em que se respeitava a pátria brasileira. Convivia-se
com o progresso ao mesmo tempo em que se preservavam valores morais antigos.
Antigo e moderno eram ali partes de uma mesma face.
Exemplo do que falamos pode ser acompanhado por alguns trechos do
jornal. Neles, fica clara uma posição conservadora e moralista, expressa no
respeito à pátria brasileira:
O busto de ex-presidente Getúlio Vargas que será inaugurado numa
das praças de nossa cidade, apesar de pronto, conforme temos
informações concretas, AINDA NÃO FOI PROCEDIDA às solenidades
que nós todos esperávamos. (O FERRABRAZ, p.1, n.169, 15/11/1962
[grifo nosso])
Num outro jornal, observamos a exaltação das características morais e a
valorização dos atos heróicos realizados pela humanidade, que remete o leitor ao
tempo dos gregos antigos:
Os gregos antigos, para receber os seus heróis ou seus dirigentes
máximos, abriam largas brechas nas muralhas de suas cidades, afim de
que a recepção tomasse um aspecto excepcional e significativo, onde
reuniam seu povo para retribuírem sua gratidão e homenagem os
habitantes desta cidade SAPIRANGA por intermédio de “O
Ferrabraz” também abre seus corações, afeitos ao sossêgo peculiar de
seu povo, para receber festivamente as autoridades e ilustres homens,
portadores de altas culturas cívicas como os heróis gregos... (O
FERRABRAZ, p.7, n.234, 12/03/1965 [grifo nosso])
Encontramos, ainda, um artigo que faz referência ao papel assumido pelo
jornal, como representante da verdade e como instrumento de divulgação de
idéias políticas, em favor do esclarecimento e da democracia. Ao mesmo tempo, o
artigo revela a convicção do jornal de estar em perfeita sintonia de idéias com o
seu público leitor:
Não acreditamos que se consiga conceito e crédito junto à opinião
pública, se não noticiarmos escrevendo, sempre a verdade.
Agora completada com grau máximo dez, com a realização por nós da
levada a efeito com a maior lisura e honestidade, à PRÉVIA ELEITORAL
em nossa cidade.
Temos uma doutrina perfeitamente delineada e diretrizes de ação
sempre perfeitamente definidas, determinando com acerto, nosso ponto
de vista para a implantação do império da VERDADE em nossos
escritos.
E como nos é confortador verificar a sintonia de nossos
pensamentos com o nosso povo. (O FERRABRAZ, p.1, n.167, 15/10/1962
[grifos nossos])
Em outro trecho do jornal, observamos a forma como a vida política de
Sapiranga era retratada pelo jornal:
Num ambiente de verdadeiro civismo e de alta educação política
realizaram-se neste município as eleições para o Executivo e Legislativo
Municipais.
Conquanto fosse renhida a disputa, não se verificaram excessos de
espécie alguma, não houve a imprensa atacante, não se verificou
discurseira impudica, ninguém ouviu alto-falantes usar termos perversos,
deturpadores da verdade, dichotes difamatórios. Não! Nada disso.
Foi, portanto, uma campanha cívica, dirigida com altruísmo, para
elucidar o povo, para apresentar candidatos. (O FERRABRAZ. p.1, n.126,
01/12/1959 [grifos nossos])
31
Da mesma forma, são evidenciadas outras características da população,
como a prosperidade econômica alcançada pela comunidade, conforme podemos
observar neste agradecimento do prefeito municipal Helmuth A. Graebin,
intitulado 25 de Julho Dia do Colono:
Pela passagem do Dia do Colono e em comemoração ao do Imigrante é
com satisfação e reconhecimento que o Governo do Município Saúda os
intrépidos agricultores de nossa Comuna, agradecendo-lhes pela
perseverança na continuidade das atividades de seus ancestrais. Aos
anônimos e leais colaboradores de nosso progresso, as homenagens e os
votos de futuras e mais compensadoras colheitas. (O FERRABRAZ, Capa,
n.134, 01/08/1960)
Percebemos a convicção de seu segundo diretor e proprietário, Olival
Monteiro (autor que assina o artigo acima), de que o Jornal publicava apenas as
verdades e os artigos de interesse da população sapiranguense, representando o
mesmo, o espelho dos pensamentos e convicções de seus leitores. Ou seja, nessa
perspectiva, o jornal nada mais era do que a própria materialização dos ideais e
anseios da população.
31
Percebemos, no discurso do jornal, a preocupação do mesmo em destacar o seu papel de
veiculo de informação, ou seja, a imprensa se colocava como representante da verdade e do
civismo, que tinham como objetivo a elucidação da população acerca das questões políticas.
Valendo-se, portanto, do respaldo de seus leitores, o jornal afirmava-se
como o meio oficial de divulgação de notícias da cidade, representando o
pensamento de seus cidadãos. Percebemos, também, a crítica aos acontecimentos
cívicos da cidade, presente em seus artigos, quando estes não ocorriam de acordo
com a opinião do editor. O mesmo aproveitava-se destes momentos para
manifestar sua indignação com relação a estes fatos.
Na perspectiva de que o jornal evidenciava as transformações e o
progresso alcançado pelos moradores, apresentamos um artigo publicado em 1960
que, de forma resumida, expunha todas as qualidades que o município
apresentava, destacando-se o convívio social pacífico, a preocupação com o
trabalho e o acolhimento de seus moradores àqueles que ali quisessem se
estabelecer. Ao mesmo tempo, está presente no texto a preocupação em exaltar
o desenvolvimento da nação brasileira. Tal postura nos leva a constatação de que
os sapiranguenses se mostravam brasileiros, ao mesmo tempo em que formavam,
ainda, uma comunidade na maioria de descendência germânica. Assim,
acompanhemos o artigo:
SAPIRANGA, O QUE É E ONDE FICA?
Quem conheceu Sapiranga, há cinqüenta anos, e sem ter voltado,
agora aqui aportasse, extasiaria ante o seu progresso, ante sua pujança.
Hoje Sapiranga tem todos os foros de pequena cidade industrial.
Pelas ruas não perambulam desocupados. Não se pede esmolas aos
visitantes, nem aos locais. Todos trabalham em ocupações honestas.
Na instrução, na música, no atletismo, no teatro, na indústria, no
comércio, no convívio social, nas comunidades, no esporte, nos clubes de
serviço, em toda parte em suma, muita atividade, muito trabalho, muita
coisa nova.
Cidade risonha, com canteiros floridos, ruas arborizadas, boas
construções, bem cuidadas, Sapiranga está sempre de braços abertos
para receber todos aqueles que, animados de bons sentimentos, dotados
de capacidade para o trabalho, querem aqui levantar a tenda de serviço,
querem aqui trabalhar por um Brasil maior, por um Brasil mais unido, por
um Brasil respeitado. (O FERRABRAZ, p.15, n.129, 01/03/1960)
São evidenciadas, ainda, neste artigo, as noções de trabalho, progresso e
ordem e, principalmente, que Sapiranga era uma cidade amistosa, que recebia a
todos para trabalhar e não para desordens ou com comportamento inadequado.
Ou seja, a noção de trabalho é aqui destacada como exemplo para todos que
buscam alcançar seus objetivos. Além disso, os mucker são utilizados, mesmo que
de forma indireta, no artigo para exemplificar a desordem e o comportamento
desregrado. Através da descrição das qualidades apresentadas pela cidade em
1960, percebemos uma grande preocupação com a manutenção da ordem pública e
do desenvolvimento econômico que, somados aos cuidados com o embelezamento
da cidade, constituem um verdadeiro teatro das representações, no qual os
atores são os próprios moradores de Sapiranga.
Em relação à questão religiosa, encontramos um artigo na mesma edição
citada acima, no qual se faziam severas críticas aos mucker, que são entendidos
pela Comunidade Evangélica Luterana São Mateus de Sapiranga (IELB) como um
erro do passado. Esta afirmativa fica evidente se acompanharmos as palavras de
seu autor, o Pastor João Carlos Winterle, que exerceu suas funções em Sapiranga
até o ano de 1963
32
:
Na segunda metade do século passado, há cerca de 86 anos,
desenrolaram-se na Antiga Fazenda Leão, hoje Sapiranga,
acontecimentos deploráveis sob todos os pontos de vista. Homens
fanatizados espalharam por toda a parte da Colônia o terror, o incêndio,
a morte e desolação, escrevendo na história desta localidade uma página
negra que não favorece a honra e a glória se sua população.
32
João Carlos Winterle é pai de Walter Winterle, atual presidente da Igreja Evangélica
Luterana no Brasil (IELB).
Hoje Sapiranga é uma próspera cidade industrial, graças a
conjugação harmoniosa de dois fatores: a atividade incansável de sua
laboriosa população e o dinamismo de seu governo municipal.
Segundo a sua confissão religiosa, pertence a grande maioria da
população à Igreja Evangélica e a Igreja Católica Romana. Ao que consta,
é muito reduzido o número de passos que não pertencem, ao mesmo
exteriormente a uma igreja, se bem que muitos não são praticantes de
sua religião. (O FERRABRAZ, p.16, n.129, 01/03/1960).
Percebemos, acima, uma forte vinculação com o passado mucker. Parece
clara a intenção dos autores dos artigos (que em alguns casos não mostram o
nome de seus respectivos autores) em fazer comparações entre a realidade do
momento e a realidade percebida na época dos mucker, que é analisada com
caráter bastante depreciativo. Nesse sentido, levantamos a questão de que, na
prática, estes artigos deveriam servir de esclarecimento para os leitores, que
deveriam perceber os erros cometidos pelos mucker e toda a desgraça
ocasionada pelos mesmos, enquanto que deveriam orgulhar-se da comunidade que
compunham nos anos 50 e 60. Isto é, os dois artigos de O Ferrabraz trazem
claramente a construção do novo perfil que se quer para a cidade e o
contraponto, aquilo que não se tolera. Aí o exemplo é dos mucker.
Nesse sentido, Baczko (1984) afirma que as representações da realidade
social, inventadas e elaboradas com materiais tomados de capital simbólico, têm a
função de influenciar as mentalidades e os comportamentos coletivos, nas mais
variadas funções que exercem na vida social da comunidade. Portanto, a
dominação do campo das representações requer que a sociedade, neste caso a
comunidade de Sapiranga, reconheça o jornal como órgão competente para falar
em nome da coletividade, encontrando respaldo especialmente entre seus
leitores, que acabam absorvendo as idéias publicadas pelo jornal, mesmo que
parcialmente. Assim, o jornal alcançou seu objetivo, que era de interferir na
formação das idéias e na opinião pública, especialmente em relação a uma visão
depreciativa dos mucker como possibilidade de construção de uma nova realidade.
Devemos lembrar da idéia defendida por Peter Burke (1994) de que o
jornal não é simplesmente um somatório de páginas agrupadas inocentemente. Um
jornal é, acima de tudo, um símbolo de seus proprietários e colunistas, estando
todos estes elementos inseridos num determinado campo de produção. Nessa
perspectiva de análise, podemos citar a frase de Mircea Eliade, para quem “as
imagens, os símbolos e os mitos não são criações irresponsáveis da psique; elas
respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas
modalidades do ser”.
(ELIADE, 1996, p.8-9)
Queremos dizer, com isso, que o jornal O Ferrabraz representava os
interesses e as aspirações de um determinado grupo social, detentor de um certo
poder simbólico, como a equipe do jornal, o Pastor, o Prefeito e proprietários de
casas de comércio e de indústrias, que encontravam espaço para escrever e
tornarem públicas suas opiniões. Chamamos este grupo de elite local.
Concordamos com Baczko (1984) quando afirma que a eficácia das palavras
não é nenhuma ferramenta neutra. Ela projeta sua sombra sobre o passado que,
em nosso caso, é o passado mucker. O discurso materializado, nos vários artigos,
representa esta necessidade de afirmar o presente em oposição ao passado.
Mostrou-se, com isso, que o presente vivido naquele instante era a superação dos
erros do passado, o que se tornou evidente nas palavras utilizadas nos artigos
citados anteriormente.
Neste raciocínio, Cláudio Pereira Elmir (1995) analisa a trajetória
percorrida por Robert Darnton, através da sua história como ex-jornalista do
jornal The Times, em Londres, e atual historiador, preocupado com o jornal como
fonte de pesquisa histórica, nos mostra como os artigos publicados em jornais
têm a preocupação em causar um certo impacto nos leitores, chamando a atenção.
Segundo Elmir, Darnton nos revela que ele mesmo não deixava de inventar frases
de diálogos, fazendo com que parecessem verdadeiras, passando a idéia de
realidade para o leitor. Esta realidade demonstrada por Darnton nos permite
analisar como o jornal está diretamente ligado com o mercado consumidor, que é
o próprio leitor. Desta maneira, suas notícias procuram chamar a atenção deste
público leitor, através da publicação de notícias de forte impacto, que não
necessariamente precisam ter total veracidade.
Nesse contexto, percebemos que Leopoldo Sefrin exercia um grande papel
como formador da opinião pública, na perspectiva formulada por Roger Chartier,
para quem o indivíduo exerce grande importância na construção da coletividade.
Da mesma forma, devemos analisar o jornal como defensor de uma proposta, de
um certo pensamento que, neste caso, estava diretamente ligado à noção de
progresso como desenvolvimento econômico da localidade de Sapiranga. O jornal
O Ferrabraz colocava-se para a comunidade local como um espaço de
fermentação de idéias (sobre a campanha da emancipação, por exemplo) e de
afetividade, através do qual se convocava a comunidade a participar dos eventos
cívicos e das festas comunitárias. Através desta aceitação do jornal como veículo
oficial dos interesses coletivos é que a população o concebe como apto para
exercer o papel de noticiador e esclarecedor.
Entendemos, também, que o jornal O Ferrabraz é um signo, através do qual
percebemos o perfil seguido pela sociedade sapiranguense, ou seja, ele é, acima
de tudo, um espelho para a sociedade na qual está inserido, demonstrando seus
anseios e suas aspirações coletivas. Da mesma forma, não devemos esquecer que
o olhar que estamos lançando sobre o jornal O Ferrabraz é uma análise crítica
externa e distante do contexto no qual as idéias publicadas se faziam presentes
e surtiam efeito. Portanto, não podemos nos colocar como leitores modelos do
jornal, mas sim como alguém que realiza uma leitura empírica de um jornal que
teve outros leitores no período em que circulava.
Desta maneira, enfatizamos que a análise realizada por nós sobre este
material é uma leitura, um visão dos fatos, podendo, certamente num outro
momento, ocorrerem outras possíveis análises, orientadas por outros objetivos.
Enfatizamos, ainda, que nossa análise é uma leitura possível dos fatos, mas não a
única. Não pretendemos, com isso, colocar-nos como os representantes de uma
verdade construída a partir de nossa interpretação, mas trazermos nossa
contribuição para uma análise crítica do material que permeia nossa investigação.
É, conseqüentemente, no contexto político e ideológico de meados do
século XX que encontramos e lemos os artigos referentes ao movimento mucker.
Estes também eram utilizados como instrumento de crítica, neste caso, com
referências ao passado da cidade, sendo associado, por isso, ao período de sua
história obscura. O editor afirmava que a cidade devia orgulhar-se de seus
habitantes atuais, representantes dos bons costumes e seguidores do civismo.
Neste sentido, a idéia apresentada nos parece tentar fazer referência ao fato
de que os seus leitores deveriam tomar como lição os erros cometidos pelos
mucker, no final do século XIX.
Estes aspectos desenvolvidos até o momento poderão ser melhor
compreendidos quando analisarmos os artigos sobre os muck er, de autoria de
Leopoldo Sefrin. Todavia, devemos buscar mais informações sobre quem foi este
personagem, autor dos artigos, para assim relacionarmos a produção e o teor
destes textos com o contexto no qual os mesmos se encontravam.
3.3 DR. LEOPOLDO SEFRIN: HOMEM DE PRESTÍGIO SOCIAL E
DIVULGADOR DAS IDÉIAS ANTI-MUCKER
Leopoldo Sefrin nasceu em 19 de abril de 1919, em São Leopoldo. Iniciou
sua carreira como professor primário municipal, no município de São Leopoldo.
Exerceu o cargo de Secretário Geral e, neste período, aproveitava suas horas de
folga do trabalho para freqüentar a faculdade de Direito em Porto Alegre,
concluindo seus estudos em 1936. Logo após sua formatura, foi nomeado juiz de
direito em São Francisco de Paula, na serra gaúcha. Era considerado um homem
de conduta conservadora e moralista, bastante atuante na comunidade católica
local. Sefrin faleceu em 21 de abril de 1987, em Sapiranga. Para que tenhamos
uma melhor compreensão da trajetória percorrida por Sefrin, citamos uma
entrevista concedida por seu filho, que se chama Leopoldo Luiz Sefrin, publicada
no livro A História de Sapiranga:
Nós morávamos em São Leopoldo. Meu pai foi nomeado para exercer
a magistratura em São Francisco de Paula. Como lá não havia escola de 2º
grau, dois filhos permaneceram em São Leopoldo. O restante da família
foi morar na serra.
Como havia falecido o escrivão distrital de Sapiranga, então 5º
distrito de São Leopoldo, meu pai dirigiu-se ao Palácio do Governo em
Porto Alegre e apresentou ao Sr. Interventor Gal. Ernesto Dorneles sua
renúncia à magistratura e pediu o cartório de Sapiranga. Concedida a
solicitação, voltamos a São Leopoldo e de lá transferimo-nos para
Sapiranga em outubro de 1941.
Decorridos mais de 46 anos, nossa família continua aqui residindo
com a mãe e mais cinco irmãos. Sentimo-nos alegres e orgulhosos de
pertencermos a esta cidade que tão bem nos acolheu desde 1941.
Sapiranga era então uma vila pequenina, mas muito acolhedora.
Lembro-me que havia pouquíssimos automóveis. Nossa família era
constituída pelos pais e seis irmãos. Em 1945 chegara mais um herdeiro.
(...)
Entre tantas coisas belas de nossa cidade surgiu o jornal
“Ferrabraz”, idéia do Sr. Guilherme José Powolny que era proprietário
de uma gráfica. Este senhor autorizou seus funcionários a imprimir o
jornal em sua gráfica. A renda era distribuída entre os mesmos. A edição
era mensal e circulou por muitos anos.
Haveria ainda muita coisa bonita e alegre para contar do que
ocorreu nos primeiros anos de nossa vida nesta bela e encantadora
Sapiranga. Mas em outra oportunidade relatá-la-ei. Leopoldo Luiz
Sefrin. (In: FLECK, 1994, p.135/136/137 [Grifos nossos])
A partir das palavras mencionadas por seu filho, percebemos a forma como
Sefrin (o pai) encontrou rápida aceitação em meio à sociedade sapiranguense, que
prontamente o recebeu de braços abertos, tendo em vista que era alguém de
respaldo social, uma vez que era o responsável pelo cartório local. O pensamento
e a conduta seguidos por Sefrin permitem realizar uma leitura dos seus artigos,
que apontam para sua intenção de denegrir a imagem dos mucker, oitenta anos
após o desfecho do conflito, encontrando-se consonância com o seu pensamento e
as idéias publicadas pelo Padre Ambrósio Schupp em seu livro “Os Muckers”
33
.
Ao que tudo indica, esta era a obra em que Sefrin baseava -se para
escrever seus artigos, além, é claro, de valer-se dos testemunhos de
sobreviventes do conflito, que contavam a sua própria versão dos
33
No período em que Leopoldo Sefrin escrevia seus artigos para o jornal, a única obra
específica existente sobre o tema era o livro de Ambrósio Schupp, pois Leopoldo Petry lançaria
seu livro apenas em 1957. Conforme já analisamos no primeiro capítulo da dissertação, a obra de
Schupp narrava os fatos denegrindo completamente os mucker, não apontando nenhuma discussão
sobre os possíveis motivos que levaram ao conflito, sendo a personagem Jacobina a mais atacada
pelo autor em sua obra. Neste sentido, não nos surpreende o fato de Leopoldo Sefrin retratar os
mucker da mesma forma, uma vez que o livro em questão era a fonte dos dados publicados nos
artigos de Sefrin no jornal. Destacamos, ainda, o fato de que o único livro sobre os mucker,
encontrado na biblioteca pessoal de Sefrin, foi o livro do de Ambrósio Schupp.
acontecimentos
34
. Vale destacar o fato de que Sefrin exercia um importante
papel na vida pública da comunidade local, sendo considerado um cidadão
exemplar e de respaldo frente à coletividade.
Partindo do entendimento de que o efeito da titulação
35
exercia uma
grande importância no meio social, podemos pensar como este aspecto influenciou
a posição de destaque assumida por Sefrin. Formado em Direito, Sefrin recebeu,
portanto, a denominação de Doutor. Para a comunidade sapiranguense, este era
um aspecto de grande relevância, levando-se em consideração que a maioria das
pessoas não possuía formação escolar nos anos 40 e 50, como já destacamos em
outro capítulo. Assim, as palavras dirigidas por Sefrin eram legitimadas pela sua
titulação, que lhe concedia o direito de falar em nome da comunidade, uma vez
que era entendido como a pessoa própria para exercer tal direito, representando
a cultura legítima do grupo do qual fazia parte.
Através do artigo publicado no jornal do dia 1º de abril de 1960, intitulado
41 Anos de Vida Pública Completou Dr. Leopoldo Sefrin
36
, que noticiava o seu
aniversário, podemos ter uma idéia da forma como Sefrin era tratado pela
comunidade e, em especial, pela própria equipe que compunha O Ferrabraz:
O Ferrabraz alegra-se com este grande amigo, que tanto tem
colaborado conosco. Funcionário a 41 anos, jornalista, católico fervoroso,
deve sentir-se engalanado pela felicidade que cerca seu honrado lar.
Sabemos perfeitamente que este pequeno noticiário vai ferir sua
modéstia, mas é nosso dever marcar em nossas colunas este
acontecimento que tanto nos alegra.
34
Deve-se lembrar que estes eram sobreviventes do lado aposto ao dos mucker.
35
Este conceito foi empregado de acordo com a noção de “efeito da titulação”, apresentada na
obra La Distinción. Criterio y bases sociales del gusto,de Pierre Bourdieu.
36
O FERRABRAZ, abr. 1960, n.130, p.5.
Parabéns ao Dr. Leopoldo Sefrin, pela data de 19 de março. Parabéns
a seus familiares, que podem contar com um exemplo de homem público
desta envergadura. E neste final, elevamos nossas preces ao Todo
Poderoso, para que Ele em sua infinita bondade, continue assegurando em
nosso meio esta figura tão digna, tão honrada, tão amiga e tão
caridosa. (O FERRABRAZ, abr. 1960, n.130, p.5 [grifos nossos])
3.4 A FORMAÇÃO INTELECTUAL DE LEOPOLDO SEFRIN: SUA
COLEÇÃO PARTICULAR DE LIVROS
Podemos realizar uma análise bastante interessante lançando um olhar
sobre a biblioteca particular de Leopoldo Sefrin, que foi doada pela família após
sua morte e, atualmente, encontra-se no Museu Municipal de Sapiranga. Nos
preocupamos em realizar um levantamento das obras existentes para nos
familiarizarmos com quais bibliografias Sefrin mantinha contato e,
conseqüentemente, fazia parte da sua própria formação intelectual. Uma vez
tomado conhecimento do tipo de obras que Sefrin lia constantemente e que
faziam parte da sua própria bagagem cultural, fica mais fácil tentarmos entender
a concepção de Sefrin acerca dos mucker.
A partir do levantamento realizado das obras da sua coleção particular,
encontramos a seguinte relação, dividida por assuntos e devidamente catalogada
no Museu Municipal de Sapiranga: 25 livros religiosos, entre eles Contos Cristãos,
A Divindade de Jesus, Doutrina Cristã, Programa de Ação Catholica, Por que a
Igreja Condenou o Espiritismo e Comunismo Atheu. Além destes, encontramos 20
livros de filosofia e psicologia, entre os quais está Conhece-te pela Psicanálise.
Outros 24 livros diversos em língua alemã, 17 livros de medicina e 38 livros de
português e gramática.
Encontramos uma grande diversidade de livros de literatura, totalizando
94 obras, entre as quais destacamos Dom Quixote, Os Lusíadas, O Guarani,
Civilização Contra Barbárie, Vítimas da Calumnia, e o Morro dos Ventos Uivantes.
Sefrin possuía 58 livros sobre teatro, sendo que destes vários eram em francês,
além de outros 6 livros sobre generalidades, também em francês. Soma-se à sua
coleção 9 livros de matemática e 65 obras sobre História e Geografia, entre as
quais encontramos Revistas do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Sul (IHGRS), Compêndio de História do Brasil, algumas obras sobre a Guerra do
Paraguai e a Campanha da Cisplatina. Ainda, vale destacar que entre todas estas
obras, encontramos o livro Os Muckers, de Ambrósio Schupp, sendo que esta era
a única literatura a respeito dos mucker existente na sua biblioteca.
Dentre a coleção de livros adquiridos por Leopoldo Sefrin ao longo de sua
vida, encontramos um recorte bastante interessante. Este recorte, intitulado
Tipos da seita dos Muckers, apresenta desenhos de cinco personagens, que, de
acordo com o texto impresso, seriam de alguns dos chef es do movimento
religioso mucker. Não conseguimos identificar a origem deste material, uma vez
que se tratava de apenas um recorte, não constando sequer a fonte (que pelas
características nos levam a acreditar que fazia parte de algum jornal) nem
mesmo a data de publicação. Acreditamos, no entanto, que estes desenhos devem
ter sido publicados em algum jornal ou folheto de meados do século XX
37
.
37
O leitor pode observar que o recorte apresenta algumas palavras ao lado de fora do quadro,
que possivelmente devem fazer parte de uma página de algum jornal. Por este motivo, não
recortamos estes fragmentos para a colagem no texto deste trabalho, para que o leitor pudesse
visualizá-lo.
Embora não possamos identificar a origem deste material, podemos pensar
como estes desenhos contribuíram para a formação e a compreensão de Sefrin
acerca da história do movimento mucker. No momento em que colocava cinco
pessoas identificadas como “chefes” do grupo, este material tinha, mesmo que de
forma implícita, a intenção de representar o movimento de forma negativa.
Mostrando os “culpados” da tragédia, seu autor estava julgando os fatos e
personagens, de acordo com sua opinião pessoal. Nesse sentido, entendemos que
Leopoldo Sefrin acabou aceitando as idéias veiculadas neste recorte,
reproduzindo, em seus artigos no jornal O Ferrabraz, a mesma versão dos fatos,
destacando a atuação de uma personagem apresentada no recorte, que foi Maria
Sehn.
Os cinco personagens apresentados representavam parte do grupo
dirigente dos mucker, que estavam ao lado de Jacobina Maurer, considerada pela
maioria como a líder dos mucker. Recebem notoriedade neste pequeno recorte
Mme. Barth, que ao que tudo indica era Susana Barth, esposa de Nicolau Barth,
personagem que aparece logo abaixo da gravura de sua esposa. Sobre ela, temos
poucas informações, mas temos notícia que foi madrinha de Elwire, filha do
Pastor Otto Recke e que seu filho Frederico Barth foi padrinho da filha do
futuro subdelegado de Campo Bom, Cristiano Spindler, Maria Emília, em 1867.
Curioso é o fato de exatamente Cristiano Spindler tornar-se um dos
maiores inimigos dos mucker, posteriormente, ao mesmo tempo em que revela
como a família Barth mantinha boas relações com diversas famílias da região.
Sobre Nicolau Barth, sabemos que o mesmo morreu no Ferrabraz, aos 57 anos de
idade, lutando pela defesa dos seus ideais, ao lado da esposa e de seus filhos.
Barth era considerado um homem de destaque na comunidade local, tendo
exercido, inclusive, a função de membro da diretoria da Igreja Evangélica de
Campo Bom, no ano de 1852.
A imagem central do recorte era Carolina Schneider, identificada como
“Viúva Schneider”. Carolina era irmã por parte materna de Augusto Wilborn, que
fora preso e processado como mucker, além de ser conhecido como o Apóstolo
Mateus, nomeado por Jacobina. Carolina foi casada com Felipe Schneider que,
assim como Barth, exerceu funções na diretoria da Igreja daquela localidade nos
anos de 1851 e 1852. Felipe faleceu em 1870, em Campo Bom. Quanto à Carolina,
sabemos que foi madrinha do filho mais velho do Pastor Otto Recke. Em 1872 (já
durante os episódios que envolviam os mucker), juntamente com Cristiano
Spindler (subdelegado), foi madrinha de Carolina Eleonor, filha do Capitão
Dreyer, concunhado de Spindler.
Os dois últimos personagens mostrados são Maria Sehn e Jacob Mentz.
Sobre ela sabemos que foi esposa de João Sehn, considerado homem de posses
na época. Maria era de religião protestante, mas casada com um católico.
Moravam na localidade conhecida como Passo da Cruz e tinham oito filhos. Maria
foi apontada como a responsável pelo rompimento de sua família com as igrejas,
levando-os aos cultos ministrados por Jacobina, no Ferrabraz. Sobre o irmão de
Jacobina, Jacob Mentz, sabemos que nasceu em maio de 1838, casando-se com
Dorotéia Haubert, de Picada Café, em fevereiro de 1869. Era considerado
membro integrante do grupo liderado por sua irmã Jacobina Mentz Maurer.
Estes eram, segundo a posição do artigo, alguns dos líderes do movimento,
que neste momento são representados como responsáveis pelas conseqüências
desastrosas alcançadas pelas práticas desorientadas de um grupo sem muita
orientação. Ao mesmo tempo, ao colocar no título a palavra “tipos”, percebemos a
intenção de demonstrar, através de imagens, o perfil de cada um dos
personagens, para que cada leitor pudesse tirar suas próprias conclusões,
obviamente influenciadas pelo pequeno texto informativo impresso juntamente
com as imagens. Acrescentamos a este aspecto o fato de que o próprio termo
“tipos” nos leva a pensar na desconstrução dos mucker, entendidos neste
contexto como culpados. Assim, podemos observar como as representações
veiculadas neste pequeno recorte encontraram um espaço de reprodução deste
mesmo pensamento nos artigos de Sefrin, no jornal O Ferrabraz.
De acordo com a definição apresentada por Peter Burke, retirada de um
dicionário do século XVII, na Europa, no qual a representação é “imagem que nos
traz de volta à idéia e à memória os objetos ausentes”. (BURKE, 1994, p.20)
Percebemos como o universo imagético da população sapiranguense foi
influenciado pelas representações veiculadas pelo jornal. Num contexto no qual
se faziam presentes os ideais de progresso, desenvolvimento econômico e a
observância aos costumes herdados pela germanidade, o discurso anti-muck er
respondia aos anseios de boa parte da população que projetava o modelo de
sociedade perfeita, diretamente em oposição ao mundo mucker, interpretado
como desregramento e violência.
Em todo este contexto, Leopoldo Sefrin encontrou um espaço propício para
divulgar seus pensamentos anti-mucker, que, por sua vez, encontraram espaço na
comunidade, que lia seus artigos e os considerava legítimos, traduzindo a verdade
dos fatos ocorridos no final do século XIX. Suas representações individuais
tinham como finalidade causar impacto em seus leitores, uma vez que seu
discurso era endossado por outros artigos já mencionados que se somavam ao
discurso anti-mucker. Ao mesmo tempo, não devemos esquecer o fato de que
possivelmente as representações publicadas por Sefrin não eram simplesmente
criação de sua própria tradução mental, mas também reflexo do pensamento de
boa parte da população local, que concordava com as idéias defendidas pelo autor
dos artigos. Devido ao fato do mesmo ser o autor dos artigos anti-mucker, Sefrin
se tornou um sujeito coletivo, uma vez que expressava o cruzamento das suas
idéias com as intenções de ponto de vista alheios.
100
4 COM A PALAVRA, O DR.LEOPOLDO SEFRIN: ANALISANDO AS
REPRESENTAÇÕES ANTI-MUCKER NA IMPRENSA
Anteriormente, buscamos caracterizar o perfil e a trajetória percorrida
pelo jornal O Ferrabraz, bem como a biografia de Leopoldo Sefrin. Na última
etapa de nosso estudo, pretendemos analisar os artigos publicados por Leopoldo
Sefrin na imprensa, interpretando o discurso anti-mucker como produto de um
contexto (campo de produção). Entendemos que, dentro desta perspectiva, tanto
o discurso (entendemos aqui o discurso como as representações criadas para
denegrir a imagem dos mucker perante a sociedade) como o contexto local
relacionam-se, levando à construção de uma representação dos mucker na
imprensa que se fazia necessária para reverenciar a cidadania do bom
sapiranguense, contrapondo-se à má índole dos mucker.
Consideramos pertinente destacar alguns aspectos fundamentais para a
compreensão das representações acerca dos mucker na imprensa sapiranguense,
no período selecionado. Primeiramente, devemos perguntar quais foram os
motivos que levaram o jornal a adotar estas posições a respeito dos mucker,
cerca de oitenta anos após o desfecho do conflito e o extermínio da maioria de
seus membros pelas forças oficiais. Depois, buscamos refletir sobre os objetivos
presentes no momento em que se procurou denegrir sua imagem, ao mesmo tempo
101
em que se construía a imagem do bom colono, que era pacífico e trabalhador. Tal
colono se contrapunha à idéia construída para os mucker, que eram exatamente o
contrário, isto é, interpretados como desordeiros, bagunceiros e formadores de
uma comunidade fechada.
Também analisaremos os argumentos utilizados para criar determinadas
imagens dos mucker, uma vez que o sujeito (neste caso Sefrin), que é quem
escreve, afirma em seu discurso, as suas próprias concepções, enfim, a sua forma
de compreensão dos fatos, representando estas concepções a partir de uma
leitura individual, que pretendia se tornar coletiva (que neste caso era a
representação de uma versão única acerca do movimento mucker).
Os trechos transcritos no capítulo anterior, para demonstrar o caráter ao
mesmo tempo cívico e moralista do jornal, nos dão a compreensão da linha
editorial seguida pelo Ferrabraz. Revelam, ainda, o propósito da publicação de
artigos sobre os mucker e, ao mesmo tempo, de artigos que exaltavam a
cidadania, o cumprimento das leis, a convivência em sociedade e as boas relações
entre os sapiranguenses, valendo-se, inclusive, de recursos de linguagem bastante
rebuscados, uma vez que se tratava de um jornal de circulação na cidade.
Entendemos que este era um recurso utilizado para evidenciar dois
“mundos distintos”, o bárbaro e o civilizado. O primeiro, obviamente era o mundo
mucker, caracterizado pelo desregramento, pela violência e pelo afastamento do
convívio social. O segundo era o ambiente que se vivia naquele momento, ou seja, a
realidade na qual se inseria o próprio jornal e seus leitores, representados como
sinônimo de civilização e observância de bons hábitos. Esta noção de civilização
estava intimamente ligada à construção de um novo ideal, que ressaltava as
atitudes de seus novos habitantes e, ao mesmo tempo, utilizava as memórias da
102
história dos mucker para que esta servisse de exemplo, de lição aos jovens
cidadãos, para que não cometessem os mesmos “erros” do passado, seguindo
falsas idéias e acreditando em falsos líderes.
Entre os jornais editados no período de 1949 a 1960, encontramos
exemplares que trazem artigos referentes aos mucker. É exatamente sobre
estes artigos publicados na imprensa local que iremos tratar neste capítulo. O
jornal, seguindo uma ideologia que definimos como moralista e conservadora,
retratava os colonos envolvidos no movimento mucker de forma bastante
categórica e definitiva, não deixando, em nenhum momento, espaço para a
reflexão do próprio leitor.
As colocações realizadas apontam para o objetivo de imprimir nestes
leitores a idéia de que realmente os mucker não passaram de fanáticos, selvagens
e violentos. No nosso entendimento, as representações veiculadas pelo jornal não
tinham a pretensão de levar o leitor a uma reflexão crítica, pelo contrário,
procuravam causar grande impacto na sua mentalidade, procurando, também,
imprimir suas representações como únicas e verdadeiras.
A forma como eram redigidos os artigos deixava evidente a posição de
quem escrevia, não permitindo que o leitor elaborasse seus próprios
questionamentos (lembremos que o texto sempre aparece na 1ª pessoa do plural,
ou seja, Sefrin falava em nome da coletividade). A estrutura do texto revela-nos,
ainda, que o objetivo da notícia era, sem dúvida, aniquilar qualquer resquício de
compaixão para com os mucker, descrevendo acontecimentos que envolviam
famílias de colonos, que, segundo a versão do jornal, foram exterminadas pelos
mucker. Porém, o que mais nos chama a atenção é o fato de que o jornal não
levantou, em nenhum momento, questionamentos a respeito das causas que teriam
103
levado estes colonos a agirem da forma como agiram (neste sentido não
encontramos nenhuma descrição destes fatos, a não ser o fanatismo de Jacobina
e as práticas de João Jorge Maurer).
Dizendo de outra forma, percebemos que o autor dos artigos não tinha
como objetivo central a elucidação da população ou até mesmo provocar uma
análise mais crítica da história. As descrições dos colonos atacados pelos mucker
eram, evidentemente, criadas para reproduzir a idéia de bons cidadãos (leia-se
imigrantes alemães de conduta moral inquestionável, segundo o autor),
cumpridores de suas obrigações e, sobretudo, inocentes e pacatos, que não
faziam nenhum mal a ninguém.
Em contrapartida, os mucker receberam as mais diversas denominações,
entre as quais encontramos a utilização de diversos adjetivos como violentos,
fanáticos, obstinados e ferozes, deixando claro o propósito de construir, de
uma vez por todas, uma memória negativa em relação aos mucker, entre a
população sapiranguense, que evidenciasse as atrocidades praticadas pela suposta
“seita” do Ferrabraz. Os mucker foram várias vezes representados na imprensa,
destacando-se suas atuações como seguidores de falsas ideologias, integrantes
de um bando
38
que espalhava a morte e a destruição entre as famílias da região.
Da mesma forma, observamos a intenção do autor de criar uma nova
identidade para a comunidade, fundamentada na memória coletiva, mas que agora
estivesse voltada para o futuro promissor da economia local, ou seja, o progresso
da indústria calçadista local e o crescente desenvolvimento urbano.
38
Termo empregado por Leopoldo Sefrin para expressar o caráter negativo dos mucker.
104
A partir da criação de uma representação dos mucker, ligada à violência e
à obscuridade, torna-se inteligível o objetivo, e mais, a ideologia presente naquele
momento, não somente por parte de quem escreve os textos para o jornal, mas
também a mentalidade e o imaginário de toda uma população que, reproduzindo as
idéias do veículo oficial de informação da cidade, o jornal O Ferrabraz, acabava
assimilando e reproduzindo (mesmo que talvez em parte e não de forma crítica)
esta mesma representação criada. Conseqüentemente, a população, dentro de
suas próprias limitações intelectuais (levando-se em consideração a formação
escolar da população), não formula novas questões sobre o tema visto como
revelador de um passado pouco glorioso, aceitando, sem questionar, o que o jornal
registrava e colocava como verdade.
Levando em consideração estas características do ambiente vivido naquele
momento e toda a caminhada percorrida pela comunidade (apresentadas no
segundo capítulo), acreditamos que o papel de Leopoldo Sefrin, autor dos artigos
com as idéias anti-mucker, estava inserido em um contexto no qual:
O poder do criador nada mais é que a capacidade de mobilizar a
energia simbólica produzida pelo conjunto dos agentes comprometidos
com o funcionamento do campo: jornalistas objetivamente encarregados
de valorizar as operações de valorização dos criadores (com toda a
parafernália de jornais e revistas que torna possível sua ação);
intermediários e clientes, antecipadamente, convertidos; por fim, outros
criadores que, na e pela própria concorrência, afirmam o valor das
implicações da concorrência. (BOURDIEU, 2002, p.162/163)
A partir desta noção, observamos que Sefrin tentava impor o seu
pensamento aos leitores. Sefrin exercia o papel de uma espécie de “jornalista e
historiador” (no momento em que se colocava como autor de artigos sobre a
história dos mucker para o jornal local), mesmo que sem preparação e formação
específica para tanto. Exercia, ainda, o papel daquele que fala em nome “de” e
105
“para” alguém. Retomamos aquilo que Bourdieu denomina de detentor do cetro do
poder (1998), que representa o indivíduo que detém um certo poder simbólico,
que, por sua vez, é legitimado e consagrado pelo grupo. Assim, Sefrin era
entendido como a pessoa apta a exercer tal função e, portanto, reconhecido pelo
grupo local, que era a comunidade sapiranguense.
Neste contexto, não bastava que a população entendesse o discurso
proferido pelo autor, mas se fazia necessário que sua fala se tornasse
reconhecida pelos seus leitores. Sua fala precisava se tornar autorizada pela
comunidade através do reconhecimento de seu prestígio social e na perspectiva
de que o mundo social é também representação, ou seja, de que ser percebido
pelo grupo é, também, mostrar-se alguém distinto dos demais.
Leopoldo Sefrin estabelecia uma regra em seu discurso, que tinha a
intenção de manter uma ordem, baseada na sua própria interpretação dos fatos,
levando-nos a pensar que o mesmo tinha a pretensão de dominar o pensamento
coletivo, através de uma verdadeira prática da dominação
39
. Nesse sentido, a
eficácia simbólica do discurso de Sefrin reside exatamente na competência
lingüística demonstrada em seus artigos, bem como na autoridade reconhecida
39
Para Pierre Bourdieu “o efeito de legitimação da ordem estabelecida não incumbe somente,
conforme se vê, aos mecanismos tradicionalmente considerados como pertencentes à ordem da
ideologia, como o direito. O sistema de produção dos bens simbólicos ou o sistema de produção
dos produtores desempenham, também isto é, pela lógica mesma de seu funcionamento
funções ideológicas pelo fato de que se mantêm escondidos os mecanismos pelos quais eles
contribuem para a reprodução da ordem social e para a permanência das relações de dominação”.
(2002, p.199/200).
Também de acordo com este pensamento Roger Chartier afirma que dentre as estratégias
utilizadas pelos dominantes para impor suas idéias “algumas são explícitas e se fundamentam no
discurso (em prefácios, prólogos,comentários e notas), e outras são implícitas, transformando o
texto num mecanismo que deve, necessariamente, impor uma compreensão considerada legítima”.
(1995, p.215)
106
pela comunidade em relação ao locutor do discurso. Sobre esta questão, Bourdieu
defende que:
Em meio à luta para a imposição da visão legítima, na qual a própria
ciência se encontra inevitavelmente engajada, os agentes detêm um
poder proporcional a seu capital simbólico, ou seja, ao reconhecimento
que recebem de um grupo: a autoridade que funda a eficácia
performativa do discurso é um percipi, um ser conhecido e reconhecido,
que permite impor um percipere, ou melhor, de se impor como se
estivesse impondo oficialmente, perante todos e em nome de todos, o
consenso sobre o sentido do mundo social que funda o senso comum.
(BOURDIEU, 1998, p.82)
Embora partamos da noção de que o discurso veiculado na imprensa
sapiranguense exercia grande influência na formação da opinião pública, em
especial na construção do imaginário social anti-mucker, devemos levantar a
possibilidade de que nem sempre o discurso impresso alcançava efetivamente os
resultados esperados por seus locutores. Consideramos o discurso anti-mucker,
principalmente como um disc urso oficial, construído por Leopoldo Sefrin e
respaldado pela equipe que compunha o jornal, bem como de parte da sociedade
local para denegrir a imagem dos mucker perante a sociedade (assim a imprensa
tentava forjar uma nova identidade para Sapiranga, a partir da negação do mundo
mucker). Ou seja, não era um pensamento totalizante.
Vários aspectos nos levam a acreditar que várias pessoas não concordavam
com o pensamento anti-mucker, disseminado por Sefrin, uma vez que nem todos
tinham a mesma opinião e interprestação tanto da história quanto do
posicionamento assumido por Sefrin. Além disso, devemos questionar como se
posicionavam as famílias que possuíam parentesco com ex-mucker. Roger Chartier
aponta algumas questões que nos levam a esta reflexão. Para ele:
107
Não obstante a experiência mostra que ler não significa apenas
submissão ao mecanismo textual. Seja lá o que for, ler é uma prática
criativa que inventa significados e conteúdos singulares, não redutíveis às
intenções dos autores dos textos ou dos produtores dos livros. Ler é uma
resposta, um trabalho, ou como diz Michel de Certeau, um ato de caçar
em propriedade alheia. (CHARTIER, 1995, p.214)
Neste sentido, Chartier nos traz grandes contribuições para a análise dos
textos que, em nosso caso, é a imprensa. Chartier nos coloca a questão de que se
tomarmos o texto como um produto pronto e acabado, estaremos anulando toda a
noção de recepção deste texto. Ou seja, o discurso deve ser analisado na sua
relação entre produtor e receptor, entendendo que um mesmo texto (discurso)
pode ser apropriado das mais variadas maneiras e entendido a partir das próprias
vivências e expectativas do leitor em questão. Assim, a leitura é entendida como
uma apropriação do texto, pelo fato de criar uma mediação entre o conhecimento
do indivíduo e a compreensão do texto.
Completando este pensamento, parece-nos que o conceito de “bricolagem”,
formulado por Michel de Certeau (2000), define bem a negociação que se
efetivava entre o discurso do jornal e a forma como os leitores recebiam as
informações contidas no discurso. Queremos, a partir desta noção de bricolagem,
apontar que o discurso de Sefrin nem sempre era aceito pacificamente e
entendido como a verdade única. Este era interpretado, muitas vezes, de formas
diferenciadas, resultando na construção do imaginário coletivo, que não
necessariamente era único, ou seja, construído de forma homogênea pelo jornal.
Acreditamos que com estas perguntas não estamos nos contradizendo, mas
sim questionando até que ponto as representações de Sefrin alcançam sua
eficácia total. Neste caso, destacamos que o discurso proferido por Sefrin na
108
imprensa era também a opinião de parte da comunidade, mas possivelmente não
de toda a comunidade.
Desta forma, entendemos que o ato de ler os artigos publicados por Sefrin
não se anulava no próprio texto, da mesma forma como os significados contidos
neste texto não poderiam ser simplesmente impostos pelo seu autor. Ainda de
acordo com Chartier, “a aceitação de mensagens e modelos sempre opera através
de ajustes, combinações ou resistências”. (1995, p.234) Neste sentido,
entendemos que a prática da leitura dos artigos de Sefrin funcionava como um
complexo jogo de interesses, aspirações e compreensões pessoais, que nem
sempre correspondiam, totalmente, aos objetivos colocados pelo seu autor.
Orientamos nossa análise da construção do imaginário social anti-mucker a
partir do entendimento de uma dialética da recepção ou, dizendo de outra forma,
na relação entre o discurso oficial (as representações criadas por Sefrin) e na
forma como este era recebido/aceito (ou não) pelos leitores.
4.1 ANALISANDO AS REPRESENTAÇÕES ANTI-MUCKER NA
IMPRENSA LOCAL
A partir desta perspectiva, de analisar historicamente o discurso
publicado no jornal na sua relação entre as representações inscritas através do
texto e do seu contexto, passamos a investigar os artigos que tratavam
especificamente sobre os mucker, de autoria de Leopoldo Sefrin.
Optamos por apresentar em forma de citação os aspectos mais relevantes
considerados na análise, sendo que o leitor poderá encontrar os artigos na
íntegra nos anexos, ao final do trabalho.
109
Na primeira edição impressa do jornal, editada em 1º de dezembro de
1949
40
, encontramos o artigo estampado na capa do jornal, que anuncia, através
de palavras de forte significado, qual seria o pensamento que iria orientar as
publicações do jornal, que nesta data comemorava sua primeira edição. Este
artigo era assinado pela redação, representando o pensamento da equipe que
compunha o jornal local. É evidente a preocupação por parte de seus responsáveis
em relacionar a importância deste novo veículo de informações para a comunidade
com o passado vivido por Sapiranga. Isto pode ser facilmente compreendido se
analisarmos as idéias publicadas, que comprovam, de forma explícita, o
posicionamento anti-mucker, que orientava o jornal:
Prende-se a sua história um fato desairoso, uma lacuna, uma mancha
mesmo, que entristeceu os contemporâneos de então e ainda abala o
coração dos que, remanescentes daquela época, narram fatos que
presenciaram, ou dos que, por tradição, tem conhecimento das
atrocidades praticadas por uns visionários, cujo ideal era a creação de
uma espécie de governo ditatorial, cujos adeptos, uma vez iniciados nas
suas teorias, não mais podiam se afastar, sob pena de serem mortos e,
infelizmente, muitos foram os que, por não pactuarem com aquelas
nefandas praticas, viram suas vidas cortadas de uma hora para outra.
Referimo-nos aos Muckers, que tanto deram que fazer ao Governo e
em conseqüência de sua extinção, enlutaram tantos lares de boas
famílias.
Dando ao nosso jornal o nome de “O Ferrabraz”, foi porque nos
inspiramos das duas premissas acima lançadas, a da posição do morro que
leva este nome e a da existência, nele, de uma ideologia, falsa, embora,
para os Muckers, norteadora de uma iniciativa, a qual, fora
orientada por outro prisma, teria, possivelmente contribuído para o
nosso progresso. (O FERRABRAZ, 1 dez. 1949, n.1, p.1 [grifos nossos])
De acordo com as idéias publicadas pela redação do jornal, podemos
observar que as mesmas tinham a pretensão de se tornar coletivas, no momento
de sua distribuição na comunidade, contribuindo para a utilização de palavras de
40
O FERRABRAZ, dez. 1949, n.1.
110
grande impacto entre os leitores, ficando evidentes a carga depreciativa em
relação a tudo que lembrasse os mucker.
A história dos mucker é utilizada neste contexto para enobrecer a função
do jornal local, que se dispõe a publicar matérias de interesse de todos,
reafirmando a sua posição em nome da coletividade, e não em nome de interesses
pessoais ou de pequenos grupos, conforme a própria redação destaca em seu
artigo. Por outro lado, ao mesmo tempo em que relembram do passado mucker,
que é chamado por eles de página negra da História do município e do Estado,
admitem que eles (a equipe editorial), enquanto responsáveis pelo jornal, também
poderão cometer erros, sendo incompreendidos pela comunidade, mas destacam
que sempre que isso ocorrer, prontamente estarão abertos a resolver os
problemas. Assim, de certa forma, a própria redação do jornal dá a entender que
os mucker foram incompreendidos pela sociedade, o que também poderia
acontecer com eles, naquele momento.
O jornal apresentava, desde sua primeira edição, um perfil bastante
moralista e conservador. Isto fica explicitado no momento em que se dispõe a
classificar as matérias que poderiam ou não ser impressas:
Assim, feita a nossa apresentação, declaramos que damos guarida em
nossas colunas a tudo quanto seja bom, ficando desde já prohibida a
entrada, para esta folha, atravez de seu noticioso ou texto, tudo que
seja mau, pernicioso ou deletério. (O FERRABRAZ. 1 dez. 1949, n.1, p.1)
O que num jornal pode ser classificado como bom ou mau (deletério)? Qual
o limite entre uma e outra notícia?
41
Este conservadorismo, de cunho ideológico,
41
Segundo o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, a palavra bom pode significar digno de
crédito, seguro, garantido, favorável, benévolo, bondoso. Já a palavra mau pode significar
prejuízo, moléstia, nefasto, funesto, incapaz, de má índole.
111
encontrava respaldo em uma pequena coluna, impressa na 5ª página do jornal em
sua 1ª edição, onde encontramos as seguintes frases:
Tu sabes que...
... Com a publicação do primeiro número do O Ferrabraz foi
lançada a pedra cultural da nossa Sapiranga, guarde-o como lembrança.
... Deves ler todas as vezes esta coluninha porque muitas coisas
úteis aprenderás.
... Não entro hoje no tema da mesma, para observar se ela não passou
despercebida. (O FERRABRAZ. 1 dez. 1949, n.1, p.5 [grifo nosso])
As palavras publicadas acima deixam claro o objetivo do jornal de se
tornar o veículo oficial da verdade e dos interesses comuns, ao mesmo tempo em
que se colocava como instrumento de informação e formação cultural da
comunidade. Assim, podemos observar que o jornal se colocava como um veículo
de informação e de educação, no qual, através de suas publicações, objetivava
educar e formar os cidadãos sapiranguenses. Vale lembrar que o jornal local era
praticamente a única fonte de informação, exercendo neste contexto seu papel
educativo.
Na 2ª edição, publicada no dia 25 de dezembro de 1949
42
, portanto no dia
de Natal, trazia estampada em sua capa o artigo Fatos que a História não
Relatou
43
. O propósito deste artigo era expor aos leitores a preocupação que a
redação tinha em trazer novos fatos, que pudessem contribuir para o
esclarecimento da população acerca dos mucker. Neste artigo, fica bastante
evidente o posicionamento tomado pela redação do jornal. Os mucker eram
retratados como fanáticos, organizados em uma “comuna” e liderados por
42
Chamamos a atenção para a data de publicação desta matéria, que coincide com o dia de
Natal. Levantamos a hipótese da mesma ser proposital, tentando aproveitar-se da sensibilidade
do leitor que estaria mais despertada em virtude desta data comemorativa e já que o episódio, em
última instância, destruiu famílias da região.
43
O FERRABRAZ, dez. 1949, n.2, Capa.
112
Jacobina, que parecia se tornar alvo de críticas. No entanto, o destaque dado no
texto era para os possíveis tesouros escondidos no Ferrabraz, deixados pelos
mucker.
A fonte das informações sobre o possível tesouro foi o Sr. Carlos Kauer,
que conheceu Jacobina. Ao que tudo indica, a intenção central do artigo era de
mostrar como a população ainda se impressionava com a história, ao mesmo tempo
em que tentava chamar a atenção para o fato de que a história de um tesouro não
passava de imaginação criada pela população. Era mais uma imagem negativa dos
mucker que chegava à população.
Esta preocupação, demonstrada desde o início da trajetória do jornal, de
denegrir a imagem dos mucker publicamente, faz-nos concluir que a imprensa
servia, também, como um veículo de representações anti-mucker. Era, portanto,
um espaço de exaltação das virtudes atuais de sua população e de lembrança do
passado mucker. É neste espaço que Leopoldo Sefrin escrevia seus artigos
pessoais, que eram publicados sempre na capa do jornal, demonstrando a
importância que estas idéias exerciam na comunidade local, cerca de oitenta anos
após o conflito.
No artigo Um Pouco de Humor na Tragédia
44
, publicado no dia 31 de janeiro
de 1950, assinado pela redação do jornal, mas escrito por Leopoldo Sefrin,
buscou-se destacar a importância que o jornal exercia na comunidade, em função
de se propor a publicar matérias sobre os mucker. Nesse sentido, a redação
legitimava sua função de representante dos interesses dos sapiranguenses, uma
vez que dizia receber o apoio dos leitores através de cartas e telegramas para
realizar esta tarefa.
113
Primeiramente, o artigo fez referência às armas que, segundo o autor,
pertenciam aos mucker e que, anos depois, foram descobertas, revelando aí o
caráter belicoso do grupo, que escondia armas para atacar seus inimigos. Logo
após, foram narrados alguns episódios ocorridos durante o conflito, como o fato
acontecido quando Jacobina foi levada até São Leopoldo e se tentou apedrejá-la.
Segundo as palavras de seus inimigos, se ela fosse realmente enviada de Deus,
nada deveria acontecer, pois o mesmo deveria protegê-la.
A obra de Ambrósio Schupp também foi citada, sendo qualificada por
Sefrin como uma grande obra de cunho histórico e escrita com muito cuidado
pelo seu autor (lembremos que até aquele momento esta era a única obra
específica publicada sobre o assunto). O artigo deixava ainda uma mensagem de
que o movimento mucker deveria servir de exemplo para os jovens e as futuras
gerações, para que os mesmos erros do passado não fossem cometidos
novamente. Desta forma, as palavras conclusivas do artigo eram as seguintes:
Mas como neste mundo tudo passa, passou também a tragédia do
Ferrabraz, e a sua triste história, escrita com muito cuidado pelo
Rvmo. Padre Ambrósio Schupp, agora está sendo comentada, estudada
e ampliada pelos últimos que conviveram com aqueles que, abusando da
bondade do Governo, das autoridades e do mesmo povo, traçaram uma
página de triste memória, mas, deram aos jovens de hoje a maior lição
de tenacidade, de compenetração de um dever, de coragem para
lutar a tal ponto que fizeram surgir, das bases de sua fortaleza o
jornal que lhes pediu o nome “O Ferrabraz”. (O FERRABRAZ, 31 jan.
1950, n.3, p.3 [grifo nosso])
Ou seja, o jornal era um “novo produto” saído do episódio, mas com
características adversas isto é, como um lutador ao contrário um lutador por
uma boa causa a de esclarecer os acontecimentos, por se colocar como o
detentor da verdade.
44
O FERRABRAZ, jan, 1950, n.3, Capa e p.3.
114
A inauguração do monumento em homenagem ao Coronel Genuíno Sampaio é
o tema apresentado no artigo publicado em 31 de março de 1950
45
. Trazendo
como título O Monumento ao Gal. Genuíno Sampaio no Morro Ferrabraz, o artigo
apresenta alguns dados sobre a construção e inauguração do monumento. De
acordo com o autor, o monumento representa uma importante homenagem para
todos aqueles que tiveram suas vidas atingidas pelos atos “errados” praticados
pelos mucker, que são chamados, pelo autor, de fanáticos. Além disso, Sefrin faz
uma relação entre o monumento e o livro escrito pelo Padre Ambrósio Schupp
que, em sua opinião, representam duas formas de perpetuar a história e
homenagear aqueles que tombaram contra os mucker, em especial o próprio
Coronel Genuíno Sampaio.
O autor emprega palavras de forte significado quando se refere à atitude
tomada por Reinaldo Scherer, que foi o construtor do monumento. Segundo as
palavras do artigo, esta foi a atitude tomada por:
Um filho do feliz casal Scherer, honrados lavradores, desde cedo
começou a mostrar pendores pela pintura e escultura. Desenhou e depois
também pintou com bastante perfeição, retratos de diversas
personalidades da época e por fim, dedicou-se à escultura, e ideou um
monumento ao Gel. Genuíno Sampaio, que com raro tino militar dirigiu
os últimos combates à fortaleza de Jacobina, derrotando-os
completamente, mas, depois de uma brilhante vitória, encontrou sua
morte, longe do arraial da pugna, num acampamento, quando já se achava
a caminho de regressar. (O FERRABRAZ, 31 mar. 1950, n.5, Capa [grifos
nossos])
É destacado pelo autor o ato solene que marcou a inauguração do
monumento, que contou com a presença de diversas autoridades, demonstrando a
relevância desta homenagem praticada por um colono da própria localidade. Da
45
O FERRABRAZ, 31 mar. 1950, n.5, Capa e p.2.
115
mesma forma, observamos a forma como este jovem é retratado. Reinaldo
Scherer é caracterizado como alguém de pouco estudo, que não tinha grandes
conhecimentos de história e de arte, mas que, mesmo assim, tomou tal atitude, o
que demonstrava, segundo o autor, seu caráter louvável e digno de ser lembrado.
Outro aspecto destacado pelo artigo é o de que o monumento foi
construído em cima dos restos da casa do casal Maurer, contando, inclusive, com
ornamentos que referendavam o episódio, como a pintura da fortaleza dos
mucker em chamas e balas de canhão. A obra erguida por este colono
representava, assim, a superação dos erros do passado. Os restos de materiais
da casa de Jacobina serviam para dar suporte à estatua de Genuíno Sampaio, que
foi construída pela comunidade como o herói que trouxe a paz novamente ao
grupo. O artigo encerra dizendo que o local onde se encontra o monumento é
freqüentemente visitado pelas pessoas que sabem valorizar esta humilde
demonstração de agradecimento de um “filho da roça” que teve a feliz idéia de
construir tal obra.
Encontramos, no artigo publicado em 30 de junho de 1950
46
, uma
entrevista realizada com o Sr. Guilherme Schneiders, considerado um dos
grandes testemunhos dos episódios que envolvem os mucker. O artigo iniciava
chamando a atenção do leitor que estas narrativas deixam todos estarrecidos
47
,
tal era a perversidade dos atos praticados pelos mucker, deixando seu narrador
bastante consternado em relembrar destes acontecimentos.
46
O FERRABRAZ, 30 jun. 1950, n.8, Capa.
47
Na análise deste artigo torna-se mais clara a utilização da idéia de “sensibilidade
despertada”, empregada no título deste capítulo. Os artigos de Leopoldo Sefrin, ao que tudo
indica, tinham exatamente a intenção de sensibilizar seu público leitor, através de narrativas de
forte impacto, que causassem emoção em seus leitores. Nesse sentido, Sefrin aproveitava-se
desta sensibi lidade despertada para legitimar seu discurso, alcançando seu objetivo de imprimir
um sentimento anti-mucker entre os seus leitores.
116
No artigo intitulado Revivendo um Episódio Impressionante, o Sr.
Schneiders fazia referência ao amor livre como uma das práticas comuns entre
os “sectários da seita”. Relata, ainda, que constantemente os mucker voltavam-se
contra aqueles que tentavam desligar-se do grupo ou mesmo atacavam o grupo
verbalmente. Assim, sucederam-se vários incêndios às casas destes anti-mucker,
além de vários assassinatos, inclusive de crianças, mostrando que os mucker não
possuíam nenhuma compaixão com aqueles que não os seguissem.
O entrevistado afirmou, ainda, que as famílias atacadas, como a família do
velho João Sehn, de Felipe Sehn, de Matias Tome, de Jacob Kraemer e a família
Benkenstein eram inimigas dos mucker, motivo pelo qual sofriam ameaças. É
possível concluir que estes supostos ataques dos mucker eram, talvez, uma forma
de os mesmos defenderem-se dos constantes ataques e ameaças que recebiam
destas famílias. Em relação a isto, cabe destacar que foram comuns os relatos de
que os mucker foram, constantemente, motivo de deboche e risadas, além de
terem seu gado sacrificado e seus filhos ridicularizados nas escolas.
No artigo publicado em 31 de julho de 1950
48
e denominado A vida em
Sobressaltos, constatamos a narrativa de vários atos que supostamente teriam
sido de autoria dos mucker. Várias famílias e pessoas importantes como o
celibatário João Wolffenbuettel e seu melhor amigo, o professor Weis, tiveram
suas vidas abaladas pelos mucker, que espalharam, segundo o autor, a desordem
pela região. Segundo Sefrin, era muito difícil a vida em comum naquele tempo,
uma vez que existiam dois grupos distintos:
48
O FERRABRAZ, jul. 1950, n.9, Capa.
117
(...) os dos mucker e dos adversários. Quem pertencia a uma facção,
era constantemente vigiado pela outra. Se bem que entre os anti-mucker,
não houvesse propriamente delações, houve também os que, por medo por
antipatia, ou por necessidade, descobriam os segredos, as maquinações e
as más intenções daqueles homens maus. (O FERRABRAZ, 31 jul. 1950,
n.9, Capa)
No trecho acima, percebemos que o autor constrói a imagem dos dois
grupos. Os mucker são representados como maus e desordeiros, enquanto que os
demais colonos são retratados como vítimas das perseguições injustas cometidas
pelos mucker em nome de seu fanatismo religioso.
Dando prosseguimento à publicação de entrevistas, o jornal publicou, em
30 de setembro de 1950, o artigo intitulado A Malograda Família Kassel
49
, família
que participava das reuniões na casa de Jacobina, mas que, não se sabe
exatamente porque, deixou de freqüentar o Ferrabraz, recebendo supostamente
ameaças por parte dos mucker. A entrevistada, desta vez, foi Doralina Idalina
Becker Kuhsler, que tinha remotos laços de parentesco com a família Kassel. Na
narrativa, são descritos os motivos pelos quais o casal resolve deixar os mucker,
sendo que ficava evidente a idéia de denegrir a imagem dos mesmos, colocando-
os como os responsáveis pelo assassinato da esposa e dos filhos de Martin Kassel.
Parece-nos bastante lógico o compromisso da entrevistada em defender
seu parente ao mesmo tempo em que acusa os mucker, entendidos neste contexto
como os causadores da desgraça em sua família. Da mesma forma, a entrevistada
apenas reproduzia aquilo que ouviu falar e que seus familiares possivelmente
transmitiram pela tradição oral ao longo de sua vida, desde criança. Sefrin, no
intuito de sensibilizar os leitores, usava palavras como:
49
O FERRABRAZ, set. 1950, n.11, Capa e p.2.
118
Os cadáveres da infeliz família foram inhumados no Cemitério de
Lomba Grande, onde, uma lápide comemora o triste evento, dando
testemunho mudo mas eloqüente, de uma das maiores atrocidades
praticadas, numa família distinta, honesta e laboriosa, pelo simples fato
de seu chefe não querer co-partilhar com as teorias ideológicas de um
grupo de fanáticos. (O FERRABRAZ, set. 1950, n.11, p.2)
Cenas inimagináveis foram relatadas em 31 de outubro de 1950, sob o
título A Guerra dos Mucker
50
. Lamentando a morte do entrevistado Guilherme
Schneiders, Sefrin, em nome da redação do jornal, propõe-se a relatar alguns
fatos considerados grotescos ocorridos durante o conflito mucker. Destacaram-
se os resultados nefastos para a localidade e a atuação de um colono local, Sr.
Karst, que desempenhou importante papel no combate aos mucker em função de
conhecer bem a geografia da região, episódio que resultou na morte de 14
pessoas. Quanto à Jacobina, citou-se o fato desta ter assassinado seu próprio
filho quando já estava refugiada nas matas do Ferrabraz. A este respeito, Sefrin
escrevia:
Jacobina, refugiada num covil, vendo-se perdida, matou um seu filho
que trazia ao colo, sepultando-o no próprio local.
Para os locais o prejuízo foi de catorze pessoas as quais foram
sepultadas todos na mesma cova e tão apressada foi o sepultamento
daqueles cadáveres que um deles ficou com uma mão fora da terra. Antes
que os homens pudessem chegar, depois no local, já os cães haviam
chegado ao local e procuravam consumir com os restos da batalha,
inclusive sobras humanas.
Foi sem dúvida uma das cenas mais dantescas só comparável com
aquela que anos mais tarde se verificou em Canudos, com o célebre
Antonio Conselheiro, que segundo refere a História, sepultado ainda teve
a cabeça decepada por um soldado. (O FERRABRAZ, out. 1950, n.12,
Capa)
Consideramos este trecho apresentado acima um dos pontos mais
significativos do discurso elaborado por Sefrin, uma vez que revela sua intenção
50
O FERRABRAZ, out. 1950. n. 12. Capa.
119
de tocar a sensibilidade coletiva dos habitantes de Sapiranga, através da
lembrança de detalhes sórdidos, relatados pelos sobreviventes da época. Assim,
a eficácia do discurso atingia seus objetivos, contribuindo no processo de
construção do imaginário anti-mucker, o que se torna claro através das
representações atribuídas aos mucker e da imagem construída em torno de sua
líder Jacobina Mentz Maurer.
Na edição publicada em 31 de janeiro de 1951, o jornal encerra a série de
entrevistas que vinha realizando com o Sr. Schneiders. No artigo Jacobina,
Profetisa
51
, o autor realiza algumas considerações pessoais sobre as tragédias
ocorridas, sendo os mucker citados como os responsáveis. Parece-nos que sua
intenção principal estava centrada em denegrir a imagem de algumas pessoas que
faziam parte do grupo mucker, em especial Maria Sehn, João Jorge Klein (citado
como pastor Klein) e a própria Jacobina. Como exemplo do teor de sua narrativa,
citamos um trecho de seu discurso:
Vamos chegando no fim da entrevista que nos foi concedida pelo Sr.
Guilherme Schneiders.
Lamentamos este fato, porque o que ele nos contou foi realmente
muito interessante e de grande valor para a História.
São fatos e cenas, desenroladas num cenário todo nosso. São
acontecimentos verídicos, presenciados, na sua maioria pelo
entrevistado,e, não fora a geltilesa e a lucides de espírito daquele ilustre
varão e teriam cahido no esquecimento, como acontece com tanta coisa
digna de nota.
(...)
... fez ele questão de reprisar aquela passagem hilariante da
alfinetada dada em Jacobina, quando ela, presa, fingira ter cahido em
estase. Essa alfinetada foi dada pela Sra. Panitz, que queria certificar-se
do estado de Jacobina, mas esta, não se fez de rogada e entre uma
emprecação, disse “serás frita na tua própria banha (a senhora Panitz era
51
O FERRABRAZ, jan. 1951, n.15, Capa.
120
corpulenta) e não terás perdão, porque Deus assim me ordenou e
mandou”.
(...)
Entre as muitas profecias pronunciadas solenemente, com enfase, e,
com visos de santidade, por Jacobina nenhuma se realisou, nem so menos
esta de morrer, a Senhora Panitz, antes dela, profetisa. (O FERRABRAZ,
31 jan. 1951, n.15, Capa)
Um dos artigos mais significativos encontra -se na edição de 30 de junho
de 1951
52
e traz como título Uma denúncia e um que curava. Leopoldo Sefrin, em
seu artigo, ocupa-se em retratar a trajetória percorrida por Jacob Biehl, que
possuía uma oficina mecânica onde se consertavam armas e máquinas, no local
chamado Kremer-Eck (nas proximidades do Ferrabraz). Segundo o entrevistado,
o Senhor Ernesto Walter Biehl, neto do personagem em questão, seu avô
consertou diversas armas que pertenciam aos mucker, tendo inclusive comunicado
o fato às autoridades, que acabaram não dando importância para o caso.
Em sua análise, Sefrin tenta demonstrar como os mucker possuíam em suas
mãos um grande número de armamentos, o que prova o seu caráter belicoso e
hostil. Porém, um dado novo nos é apresentado neste artigo. O autor afirma a
existência de pessoas que não compartilham da opinião de que os mucker eram
fanáticos e perigosos. Revela a existência de pessoas que acreditavam que se os
mucker tivessem alcançado seus objetivos, a realidade da comunidade em meados
do século XX seria melhor. Da mesma forma, percebemos um tom bastante
irônico em suas palavras quando escreve que:
Existem, por aí, ainda algumas pessoas que se lembram daqueles
tempos difíceis, e se a maioria reprova a ação daqueles homens maus que
se filiaram aos Muckers, pelos horrores praticados, também há um ou
outro que entende teram (sic) os adeptos de Jacobina praticado atos de
grande valor para a sociedade; acham que os ideaies (sic) abraçados por
aqueles que derramaram a destruição, o morticínio, o luto e a miséria, não
52
O FERRABRAZ, jun. 1951, n.20, Capa.
121
fizeram mal algum, porque os outros, podiam ter aderido aos princípios e
se teria evitado o crime; entendem que se os Muckers tivessem vencido o
seu plano, hoje se estaria em melhores condições... (O FERRABRAZ, 30
jun. 1951, n.20, Capa)
Ou seja, Sefrin reconhece que nem todos concordam com a sua opinião,
embora desconsidere tal pensamento e, mais ainda, afirma de forma categórica
que os mucker de fato espalharam a destruição e o luto, que tanto atrasou o
desenvolvimento da região. Consideramos este artigo um dos mais importantes,
uma vez que é apenas neste que verificamos qualquer referência à existência de
opiniões contrárias à sua. Em nenhum outro momento encontramos tal afirmativa.
Todavia, Sefrin, tendo consciência de que o seu pensamento não era homogêneo,
compartilhado por toda população, acaba reafirmando a sua opinião em relação
aos fatos e continua divulgando seu posicionamento anti-mucker por vários anos
na imprensa.
No artigo No Ferrabraz se pratica a Religião
53
, publicado no dia 31 de
julho de 1951, encontramos notícias a respeito dos cultos ministrados por
Jacobina em sua casa no Ferrabraz. Percebemos o tom irônico das palavras que,
em última análise, buscam ridicularizar os cultos religiosos dos mucker. Sefrin
utilizou-se, para tanto, de algumas descrições cuja veracidade é bastante
suspeita, uma vez que foram extraídas de fontes questionáveis, ou seja, dos
depoentes contrários aos mucker. Quanto a este aspecto, chamamos a atenção
novamente, uma vez que as fontes consultadas por Sefrin foram sempre aquelas
opostas aos mucker, não apresentando nenhuma vez qualquer entrevistado ou
fato que viesse a dar uma outra versão dos acontecimentos. Neste sentido,
perguntamos por que, em nenhum momento, Sefrin procurou ouvir sobreviventes
53
O FERRABRAZ, jul. 1951, n.21, Capa.
122
que pertenciam a famílias mucker. Questionamos se Sefrin já não tinha uma idéia
formada sobre os mucker e, para ele, a verdade estava do lado que escolhera.
Todavia, acompanhemos os fatos narrados pelo autor. Certo dia, Jacobina,
encontrando-se em seu quarto, viu, através de uma fresta, a aproximação de dois
cavaleiros. Nervosa e alterada, Jacobina saiu de seu quarto e dirigiu-se até a
sala, onde se encontravam seus adeptos que esperavam pelo início do culto. Esta
teria olhado para todos e avisado que, em seguida, chegariam mais dois cavaleiros
amigos. No momento em que os dois chegam, causam espanto entre os presentes,
contribuindo ainda mais para a crença de seus poderes inexplicáveis, entre eles o
de prever os acontecimentos.
Encontramos referência à prática do ósculo
54
como uma das leis impostas
por Jacobina ao grupo, sendo que este deveria ser praticado no início e no final
dos cultos, por todos os fiéis, em sinal de idolatria à sua própria pessoa. Em
síntese, este artigo tratava das características do culto liderado por Jacobina,
que seguia, segundo o autor, falsas ideologias e visava enganar seus adeptos,
retirando-os da vida em comunidade. Este aspecto parece-nos o mais perigoso
dos atos praticados pela líder dos mucker, porque aos trazê-los para uma nova
realidade religiosa, ela destruía os lares e as famílias e, conseqüentemente, a
vida em grupo.
Devoção no Ferrabraz
55
é o artigo publicado no dia 30 de novembro de
1951. Neste artigo, Sefrin narra os acontecimentos do dia 10 de maio de 1872,
data em que se comemorou a Festa do Divino Paraclito. Segundo o autor, nesta
54
Segundo o Dicionário Aurélio, ósculo significa beijo ou beijo de paz e amizade. (FERREIRA,
1988, p. 470).
55
O FERRABRAZ, nov. 1951, n.25, Capa.
123
data festiva, as pessoas se dirigiram às igrejas para momentos de reflexão e
oração. Neste dia, os adeptos de Jacobina dirigiram-se ao Ferrabraz, onde se
recolheram em devoção e oração. Neste dia, segundo o autor, aconteceram fatos
curiosos, que tinham a intenção de enganar os colonos que compareciam aos
cultos ministrados por Jacobina. Como exemplo, é citado o desaparecimento de
Jacobina, que teria elevado-se até os céus. De acordo com Sefrin, estes rituais
teriam a função de enganar e aguçar a religiosidade dos fiéis em torno de
Jacobina.
A crítica realizada pelo autor centra-se em demonstrar a ignorância dos
colonos que se deixavam enganar pela esperteza de Jacobina e seus aliados, como
o próprio autor escreve:
O certo, porém, é que Jacobina sabia medir os acontecimentos e
sabia preparar de tal forma as coisas, que mesmo os mais sabidos, se
deixavam a scismar (sic), se aquilo era possível ou se eram coisas
sobrenaturais. (O FERRABRAZ, nov. 1951, n.25, Capa)
Desta forma, Sefrin evidencia o caráter fanático do grupo que, segundo
sua opinião, tinha o objetivo de enganar as pessoas, aproveitando-se de sua
inocência e, acima de tudo, destaca que mesmo os mais esclarecidos ficavam em
dúvida se os fatos ocorridos no Ferrabraz eram verdadeiros ou teatralizados
para enganar os adeptos e visitantes.
O artigo do dia 31 de janeiro de 1952
56
destinava-se a falar com mais
detalhes de João Jorge Maurer, marido de Jacobina Maurer. O Curandeiro
descrevia a trajetória percorrida por Maurer até ficar conhecido como o “doutor
maravilhoso” da região. As palavras utilizadas são, sem dúvida, bastante pesadas
56
O FERRABRAZ, jan. 1952, n.27, Capa.
124
e irônicas nas referências às atividades desenvolvidas por Maurer, ao lado de sua
esposa Jacobina. João Jorge Maurer é descrito como um homem bem apessoado,
porém, de inteligência curta e analfabeto, o que o impossibilitara de estudar e
instruir-se um pouco mais. Sefrin define Maurer como um curandeiro hábil na
arte de enganar as pessoas e que não gostava do trabalho pesado, motivo pelo
qual havia se dedicado a criar ungüentos com plantas medicinais para a cura das
mais variadas doenças, o que nem sempre conseguia.
Desta forma, o prestígio alcançado pelo curandeiro era fruto da ignorância
das pessoas da região que, não possuindo condições econômicas para procurarem
um médico, acabavam por se dirigir a Maurer, que era a única saída que lhes
restava. Além disso, destacava o fato de que as pessoas que procuravam Maurer
criavam, em torno de sua pessoa e de seus “atos de curandeirismo”, uma fé que
crescia a cada dia. Tal era seu prestígio entre a população que Sefrin o definia
como “Super-homem do Ferrabraz”
57
. Maurer é, portanto, representado como
alguém que vivia às custas da ignorância da população e que não gostava do
trabalho braçal, condição básica para ser respeitado como homem trabalhador
perante aquela sociedade.
O clima de conflito instalado na Colônia é demonstrado através da
narrativa construída por Sefrin, no artigo de fevereiro de 1952
58
. Trazendo
como título
Em apuros os Muckers,
o artigo caracteriza as rivalidades travadas
entre os dois grupos oponentes, os mucker e os colonos anti-mucker.
57
O super-homem do Ferrabraz” é a expressão utilizada por Sefrin para referir-se a João
Jorge Maurer neste artigo.
58
O FERRABRAZ, fev. 1952, n.28, Capa.
125
Sefrin caracteriza a forma como os colonos anti-mucker organizaram-se
em várias famílias, que se uniram para combater e se protegerem dos ataques
dos mucker. Evidenciando o clima tenso e nervoso instalado pelos mucker na
região, o autor coloca os mucker como os atacantes, que semearam o medo e a
morte entre as famílias que se viram obrigadas a pegarem em armas para se
protegerem. Ao mesmo tempo, percebemos a forma como os mucker e sua
suposta líder são representados no artigo, que afirma que:
A tenacidade com que Jacobina e seu bando tentava ocupar
militarmente toda região, vendo a ferro e fogo prosseguir o seu macabro
plano foi uma idéia tresloucada do que um plano de boa combinação e bem
calculado. (O FERRABRAZ, fev. 1952, n.28, Capa)
Da mesma maneira que os mucker são citados como os culpados das
agressões, os colonos anti-mucker sã o citados como os responsáveis pelo
apaziguamento da região. Sefrin destaca que foi graças ao espírito pacífico dos
colonos que se pôde voltar a um clima de paz, mesmo depois de gravemente
ofendidos e poderosamente atacados em seus brios. Dois lados são construídos
nesta história, de um lado os mucker são representados como perigosos e
revoltados, que portavam uma índole agressiva e obstinada. Do outro lado,
estavam os seus inimigos, que são os colonos, aqui representados como os
portadores da razão, ou seja, os responsáveis por trazerem de volta o clima de
tranqüilidade à Colônia, que se viu abalada pelos ataques promovidos pelos
mucker.
Em abril de 1952
59
, os mucker são novamente retratados pelo artigo A
construção da Fortaleza e Mortes Trágicas. Nesta edição, a atenção está voltava
para os assassinatos cometidos pelos mucker a dois personagens de destaque na
59
O FERRABRAZ, abr. 1952, n.30, Capa.
126
região. São eles Jacob da Venda, que era comerciante, e Pedro Hirt, sogro do
sub-delegado Cristiano Spindler. Segundo a versão apresentada, os mucker
teriam sido os responsáveis pelas mortes. O primeiro teria sido por razão de ser
um grande propagandista contra os mucker e o segundo teria cometido suicídio,
embora também provocado pelos mucker.
Ao mesmo tempo em que tenta imprimir a idéia de que os mucker eram
assassinos, Sefrin escreve sobre a construção da “fortaleza do Ferrabraz”, onde
se celebravam os cultos de Jacobina e as atividades de cura de João Jorge
Maurer. Segundo sua narrativa, o império dos Maurer alargava-se a cada dia,
preocupando cada vez mais a população que não compartilhava daquelas “nefastas
práticas” impostas aos colonos da região. Outro aspecto interessante é a
afirmação de que o poder alcançado pelo grupo se dava “a ferro e fogo”, ou seja,
segundo o artigo, os mucker conseguiam alcançar seus objetivos através do
emprego da força física ou, dito de outra forma, através da violência.
Ao mesmo tempo escreve sobre a investigação realizada pelo sub-delegado
na casa do casal Maurer, onde teriam sido encontradas vinte armas de fogo. Em
conseqüência desta descoberta, os colonos que se encontravam no local foram
obrigados a assinar um Termo de Bem-viver, o que não teria sido respeitado por
eles, uma vez que constantemente descumpriam as leis. Segundo o artigo, os
mucker já haviam assinado vários termos, que também não foram respeitados,
voltando a se reunirem logo após a assinatura do documento.
Os mucker não respeitavam nem mesmo parentes e amigos. Esta é a notícia
publicada no mês de maio de 1952
60
, trazendo na capa o artigo Violenta ação dos
Mucker.
127
Em artigos anteriores já foi mencionado que na sua sanha de
destruição os Muckers, não conheciam nem respeitavam parentes ou
amigos. Quem não pactuasse com êles era seu enimigo.
Para êles o não pertencer ao bando ou o que era pior, retirar-se dêle
é um crime que só podia ser perdoado com a morte do indivíduo. E
precisamente esta foi a pena que teve que sofrer uma família residente
em Campo Bom. (O FERRABRAZ, maio. 1952, n.31, Capa)
Este artigo retrata um dos assassinatos atribuídos aos Mucker. Desta vez,
refere-se ao assassinato de dois parentes de Jacobina, Jacob Mauerer e
Guilherme Mauerer (está é a escrita do sobrenome apresentada no artigo),
mortos por tiros em uma emboscada sofrida numa noite fria de inverno, quando
várias famílias da região estavam reunidas na casa do tio de Jacobina, João
Jorge Mauerer, já temendo ataques por se negarem a entrar para a “seita” do
Ferrabraz. A autoria deste ataque é mais uma vez atribuída aos mucker,
considerados os verdadeiros culpados de todas as atrocidades cometidas. Porém,
devemos questionar se de fato o grupo atacaria a casa de parentes seus e
dispararia tiros contra seus familiares ou existiria outro motivo que fazia
despertar o medo destas famílias em relação aos seus parentes mucker. Não
seriam talvez os contrários aos mucker espalhando o terror pela região para
depois usá -los como motivo para atacar os mucker. Ficamos com simples
suposições.
Rememorando fatos quasi (sic) esquecidos da guerra dos muckers
61
,
publicado em agosto de 1952, revive a época do nascimento do então
entrevistado Jorge Carlos Julio Wingert. O entrevistado narra a época de seu
nascimento como sendo de grandes conflitos entre os colonos. Segundo suas
informações, uma certa noite chegou à casa de seus pais a esposa do Sr. Pedro
Serrano, avisando-os de que um ataque mucker estava próximo e que todos
60
O FERRABRAZ, maio. 1952, n.31, Capa.
61
O FERRABRAZ, ago. 1952, n.34, Capa.
128
deveriam retirar-se de suas casas. Por isso, todos se reuniram na casa da família
Kremer para melhor se protegerem contra os possíveis ataques dos mucker.
Porém, uma pessoa da família ficou no paiol e pôde ver a chegada dos fanáticos,
que, não encontrando ninguém em casa, vêem seus planos de atear fogo
frustrado.
Wingert afirma que seu pai era primo de Jacobina, a líder da “seita”, e que
nem eles, moderados e pacatos colonos, deixava em paz, demonstrando, assim, a
sua própria opinião sobre os fatos.
Devemos lembrar que o entrevistado era descendente direto de uma das
vítimas, que havia sido ameaçada pelos mucker. Além do mais, o próprio
informante nasceu em meio ao conflito, sendo assim, seu depoimento não poderia
ser diferente, uma vez que o Sr. Wingert acabou reproduzindo aquilo que, na sua
infância e adolescência, lhe transmitiram como sendo a versão oficial dos fatos. É
esta versão que ele, talvez inocentemente, reproduziu na sua narrativa, usada
pelo jornal para reforçar o imaginário da população. Isto fica mais claro ao
acompanharmos as palavras do autor, que dizia:
Levou-nos, então, o Sr, Wingert, a pequena distância de sua casa, e
nos mostrou um tronco de árvore que fora cortado ao tempo dos
Muckers, e cujo cepo servia de guia dos esconderijos daqueles
tenebrosos tempos. Pouco além do referido cepo que se conserva ainda
em perfeito estado de conservação, apesar de ter sido cortada a árvore
a mais de 70 anos, mostrou-nos o nosso cicerone o lugar onde seu pai
escondera seu armário, dentro do qual guardava muita coisa de valor e
que, depois de coberto com uma espécie de encerração, era camuflado
com ramagens, afim de não ser tão facilmente percebido pelos
incendiários”. (O FERRABRAZ, ago. 1952, n.34, Capa)
129
No artigo publicado com o título Muckers e Impios
62
, de setembro de
1952, fica evidente o propósito de destacar o papel assumido por Jacobina na
suposta “seita”. Em seu discurso, Sefrin afirma que Jacobina era a mandante de
todas as atrocidades cometidas por aqueles que haviam escolhido participar de
suas reuniões, nas quais se pregava, principalmente, a discórdia entre os
habitantes da região. Em contrapartida a esta situação, encontram-se os
pacíficos colonos que se recusam a aceitar as palavras de Jacobina, que iam
contra a moral e os bons costumes pregados pelos colonos que são caracterizados
pela sua conduta pacífica e ordeira. Portanto, os colonos anti-mucker, no discurso
jornalístico, são entendidos como vítimas de todas as ações da “seita” e que, por
dirigirem palavras ofensivas aos seus adversários mucker, eram cedo ou tarde,
vítimas das vinganças promovidas pelos mucker. Ao mesmo tempo, Jacobina era
considerada a responsável pela destruição das famílias, uma vez que espalhou a
discórdia e a intriga na região.
Da mesma forma, encontramos neste artigo elementos que poderiam
isentar os mucker, na medida em que estes eram constantemente insultados
pelos demais colonos. Ao mesmo tempo, no entanto, afirma-se que estes mesmos
colonos que os insultavam eram vítimas das atrocidades cometidas pelo grupo.
Ora, como estes colonos podem, ao mesmo tempo, ser pacíficos e atacar os
mucker, mesmo que verbalmente. Encontramos aqui um fato controverso, que nos
leva a questionar a clareza das idéias em relação ao acontecimento, por parte de
quem escreve o artigo. Estas controvérsias não são questionadas em nenhum
momento por Sefrin.
Para dar maior significado às suas representações, Sefrin enfatizava que:
62
O FERRABRAZ, set. 1952, n.35, Capa.
130
As manobras de Jacobina vinham açulando o descontentamento entre
a população, outrora tão pacífica, ordeira e trabalhadora.
Como era natural, os de um lado, vigiavam os do outro lado, e de tal
modo que a desconfiança chegou ao auge...(...)
Os Muckers, constantemente eram motivo de graçejos, devido ao
ridículo de suas ações; os que se deixavam imbuir por eles, viam-se
apupados; mordazes dichotes eram proferidos contra os visitantes do
Ferrabraz, mas, isso tudo de nada valia, porque, os tenazes Muckers,
quando não podiam defender-se de uma forma diferente, davam de
ombros, sem porém se esquecerem do que haviam dito seus adversários.
E podiam contar com certeza com um revide, mais ou menos feroz.
Quando porém se percebeu que a profetiza visava, realmente
disturbar o socego e a paz da colônia, quando se pressentiu a verdadeira
finalidade daqueles que pontificavam nos altos do Ferrabraz; quando se
conheceu que uma das finalidades precípuas de Jacobina e seus súditos,
era a destruição da família, o rumo dos acontecimentos enveredou por
outro lado. (O FERRABRAZ, set. 1952, n.35, Capa)
A Família Sehn
63
é o título do artigo da edição de outubro de 1952. Desta
vez, o recorte escolhido por Sefrin foi a família Sehn, considerada abastada,
moravam na localidade de Passo da Cruz, sendo proprietária de uma grande
propriedade de terras às margens do Rio dos Sinos e de uma barca que fazia a
travessia de um lado para o outro do rio (lembramos que, naquela época, não
existia nenhuma ponte que fazia a travessia do rio). Além disso, a família era
proprietária de um grande lanchão que transportava mercadorias e madeiras
entre a Colônia e a capital do Estado. De acordo com este artigo, João e Maria
Sehn eram considerados pessoas de boa índole, bons cidadãos, trabalhadores e
cumpridores de suas obrigações, além de serem pais de oito filhos, de iguais
características.
Porém, esta realidade começou a mudar no momento em que João e Maria
começaram a simpatizar com as idéias defendidas por Jacobina. Na tentativa de
63
O FERRABRAZ, out. 1952, n.36, Capa.
131
alertá-los em relação aos perigos que estavam correndo, Felipe Sehn, irmão de
João Sehn, vê sua ida à casa de seu irmão totalmente frustrada, uma vez que
estes se mostraram hostis e irredutíveis, alegando não verem mal algum naquilo
que se praticava no Ferrabraz. Percebemos nas palavras do autor o propósito de
associar a ruína e a desgraça desta família ao fato de estes terem se ligado à
“seita” de Jacobina. Além disso, coloca a responsabilidade desta conversão ao
“muckerismo”, nas mãos de Maria Sehn, dando ao leitor a idéia de que a mesma,
devido ao fato de não ser católica, desviou-se mais facilmente da boa religião
64
.
Maria Sehn é caracterizada como uma mulher ignorante, que não possuía
condições nem mesmo de discutir com seu cunhado sobre a religião e a
interpretação que se fazia da Bíblia, levando o leitor, mais uma vez, a pensar que
a ignorância e a falta de esclarecimento eram as causas que levaram as pessoas
da colônia a se reunirem em torno das “palavras santas” de Jacobina. Outro
aspecto relevante parece ser o fato da mesma ser mulher, demonstrando um
certo tom irônico em suas palavras. A este respeito, afirmava o autor:
Óbvio é que a mulher, não poude (sic) discutir por muito tempo, pois,
ela além de pouca cultura, não tinha nenhuma convicção do que dizia, e
assim, foi perdendo terreno a olhos vistos, e, como todos os vencidos,
que não tendo mais argumentos, recorrem à ma-educação (sic), mandou
que seu cunhado se safasse dali e nunca mais ali puzesse os pés.
Dona Maria, furiosa abandonou a sala e Felipe, vendo que seu irmão
fazia gosto em vê-lo pelas costas, resolutamente levantando-se disse se
assim estava a causa, não mais viria ali, pois, já não estava quem falara.
Vendo que não podia fazer nada em favor daqueles a quem julgava
laborarem em erro, apertou a mãos de todos, montou a cavalo, para nunca
mais ali voltar. (O FERRABRAZ, out. 1952, n.36, Capa)
64
Lembramos o fato de que Leopoldo Sefrin era de religião católica, da mesma forma como o
Padre Ambrósio Schupp, autor que influenciou Sefrin diretamente em suas análises. Nesse
sentido, a culpa da entrada da família para o grupo dos mucker é colocada sobre Maria Sehn, que
132
Combate Infrutífero
65
é título dado ao artigo publicado na edição de julho
de 1953. Analisando as palavras contidas neste texto, percebemos, de imediato,
que seu principal objetivo era destacar a atuação dos colonos entendidos como
honestos, pacíficos e do lado da lei, ou seja, os anti-mucker.
Para termos uma maior compreensão da visão dos fatos narrados por
Sefrin, acompanhemos alguns trechos selecionados do artigo, que demonstram o
tom irônico presente nas representações construídas pelo autor:
Como é de domínio geral, foi a Guerra dos Mucker, uma campanha
inglória, baseada em falsas ideologias, e animada por sórdidos propósitos.
Sabe-se, através de obras que tratam do assunto, como também
pela tradição oral, que ali no Ferrabraz se praticavam as mais exóticas
cenas, mescladas de devoção e de corrupção.
O povo que então ainda se mantinha fiel aos princípios da Moral, e
era a maioria, não podiam ver de bons olhos o que se passava no píncaro
da montanha. (O FERRABRAZ, jul. 1953, n.45, Capa. [grifo nosso])
Coloca-se, agora, como ponto máximo, a desordem causada pelos mucker,
que, na opinião de Sefrin, era entendida como a negação de todos os valores
praticados pelos colonos, que se distinguiam em todos os sentidos da minoria que
eram os mucker. Além disso, devemos atentar para o fato de que Sefrin afirmava
que todos (neste sentido se referia à comunidade sapiranguense de sua época)
sabiam que os mucker não passavam de um grupo de fanáticos, perpassando a
idéia de senso comum, ou melhor, de que todos tinham a mesma opinião. Desta
forma, Sefrin estava querendo imprimir a idéia de que todos tinham uma única
interpretação do conflito, que obviamente coincidia com a sua própria opinião.
era protestante. Assim, parece-nos que Sefrin estava tentando inocentar os católicos, livrando-os
de qualquer responsabilidade.
65
O FERRABRAZ, jul. 1953, n.45, Capa.
133
O autor chamava a atenção do leitor para o fato de que os colonos
mucker eram, dentre o total da população, a pequena minoria. Sendo assim,
aqueles que diziam crer em “falsas ideologias”, pregadas pela líder Jacobina,
compunham um pequeno grupo que convivia num ambiente desregrado,
encontrando-se em meio a uma população ordeira, que preservava os bons
costumes. Portanto, em nosso entendimento, Sefrin deixava subentendido que os
mucker eram a exceção, enquanto que os colonos pacatos eram a regra.
Destacava-se, ainda, neste mesmo artigo, a atuação do Coronel Genuíno
Sampaio que, segundo o autor, veio com o intuito de colocar ordem e preservar a
vida dos bons cidadãos que se encontravam, naquele momento, em perigo. O papel
do herói foi evidenciado como fator preponderante na resolução e no
enfrentamento dos problemas sem controle provocados pelo grupo revoltado no
Ferrabraz. Nesse contexto, Genuíno Sampaio e os colonos anti-mucker
representavam a ordem colocada frente à desordem estabelecida pela minoria
mucker.
Também encontramos referência à situação vivida pelos colonos após o
deflagrar do conflito. Sefrin remete o leitor a refletir sobre as conseqüências
drásticas e nefastas que trouxeram este conflito para a população, que se
encontrava desamparada, com a quase paralisação das atividades comerciais em
toda Província, com a falta de trabalho, de comunicação entre as localidades.
Somava -se a tudo isso uma completa insegurança e desconfiança entre seus
habitantes. Nesse sentido, a iniciativa tomada pelo sub-delegado de Dois Irmãos,
Daniel Kollin, é retratada como um ato de bravura. Este, percebendo que o
conflito não chegava ao fim, nem mesmo com a atuação das forças militares,
tomou a iniciativa de recrutar colonos que se dispusessem a formar uma frente
ofensiva para combater, juntamente com as forças oficiais, os colonos rebelados
134
no Ferrabraz. Porém, essa iniciativa não teve os resultados esperados, sendo que
muitos colonos morreram vitimados por tiros em combate.
A teimosia dos mucker é destacada no artigo publicado em maio de 1954
66
e denomina-se Teimosia Desenfreada. A narrativa se inicia descrevendo a
construção da “fortaleza” dos mucker, que contava com a ajuda de todos os
adeptos e que:
Textos da Bíblia eram referidos no intuito de mais acelerar a
construção. (O FERRABRAZ, maio. 1954, n.55, Capa)
Assim, uma mistura de religiosidade, fanatismo e busca de poder são
unidas em busca de um ideal, que, segundo o autor, era a formação de um novo
grupo na região. Os mucker, liderados por Jacobina e João Jorge Maurer, seriam
fruto da ignorância e da obstinação de uma mulher que buscava poder máximo.
Neste contexto, João Jorge Maurer é retratado como alguém de pouca firmeza
que, manipulado por sua esposa Jacobina, acaba realizando suas vontades.
Portanto, Jacobina é representada como a responsável pelos excessos e pelo
desrespeito às ordens da Polícia, que já havia ordenado o fim das reuniões no
Ferrabraz. Nesta proposta de denegrir a imagem dos mucker perante a
sociedade sapiranguense, Sefrin chega a afirmar que:
(...) de nada valeram belas palavras, promessas reforçadas, ameaças
positivas, visitas inesperadas de autoridades. A construção do prédio
continuava, a gentalha de Jacobina sempre mais aferrada às suas
doutrinas e a morte e a desgraça a campearam infrenes, por aquelas
plagas, tão férteis sim, mas, tão perseguidas. Entretanto, o sangue de
bons cidadãos como que fertilizou o solo desta terra. (O FERRABRAZ,
maio. 1954, n.55, Capa. [grifos nossos])
No trecho apresentado acima, verificamos que Sefrin utilizou palavras de
forte impacto e de grande significação. Ao chamar os mucker de “gentalha de
135
Jacobina”, o autor estava tentando, de forma explícita, sujar a imagem do grupo
perante a sociedade sapiranguense. Da mesma forma, Sefrin afirmava que os
erros do passado haviam provocado o derramamento de sangue de pessoas
inocentes, que acabou fertilizando a terra. O autor, neste momento, estava
escrevendo de forma simbólica, afirmando que os erros do passado haviam
mostrado o caminho do desenvolvimento e trazido a paz novamente à região.
A idéia defendida por Sefrin de que os colonos de Sapiranga eram apenas
vítimas dos ataques dos mucker encontrava um espaço de destaque no artigo A
Filmagem do Episódio dos “Muckers”
67
, possibilitando-nos analisar o seu conteúdo
bastante ideológico. Conforme o título do artigo, o autor ocupava-se em escrever
sobre os preparativos para a filmagem do filme que iria mostrar à população a
história de uma das mais tristes páginas do Rio Grande do Sul. Ao escrever a
respeito da história, caracterizou os colonos simplesmente como vítimas dos
ataques Mucker, sendo estes considerados como inocentes que viviam de forma
pacífica e que, inesperadamente, viram-se atacados e hostilizados por não
compactuarem com as idéias pregadas por Jacobina Maurer, líder do grupo.
Para tal finalidade, foram utilizadas por Sefrin as informações de uma
testemunha cujo nome foi preservado, levando-nos a questionar sua validade, pois
devemos lembrar que, como nosso autor seguia uma linha de análise bastante
conservadora, baseando-se comumente em Ambrósio Schupp para escrever seus
textos, este devia também utilizar testemunhas que, provavelmente, deviam ser
contrários dos mucker, ou seja, que eram sobreviventes ou descendentes de
pessoas que eram rivais dos mucker.
66
O FERRABRAZ, maio. 1954, n.55, Capa.
67
O FERRABRAZ, 18 maio. 1956, n.82, Capa.
136
Jacobina Maurer era o alvo das críticas nesta edição, que afirmava,
inclusive, que Jacobina era “endiabrada”
68
, referindo-se às ordens dadas por esta
durante a luta entre o exército e os mucker. Sobre esta questão, o autor
afirmava:
Os mensageiros iam e vinham do campo da luta e do reduto de
Jacobina com incrível rapidez e seguimento e, quando levaram à
endiabrada Jacobina a notícia de que o tiroteio, por falta de cartuchos
afrouxara, Jacobina mais os incitou a combater, porque, dizia ela,
referindo textos sagrados, os sitiantes não ganhariam a parada. (O
FERRABRAZ, 18 maio 1956, n.82, Capa. [grifos nossos])
Neste artigo, Jacobina era entendida como a líder dos mucker, que
animava seus adeptos a lutar por “falsos ideais”, uma vez que Jacobina estaria
buscando apenas seu próprio benefício, através de seu próprio “endeusamento”.
Era considerada, portanto, a causadora de todos os problemas e tragédias
ocorridas na região do Padre Eterno, que, entendendo-se como iluminada por
Deus e portadora de qualidades para a interpretação das escrituras sagradas,
cometeu os maiores erros, afirmando-se representante de uma falsa fé,
desregrada do convívio na comunidade evangélica (de onde, na verdade, não saiu
por vontade própria, mas foi desligada pelo próprio Pastor Boeber, um dos
principais propagandistas contra os mucker). A idéia de que Jacobina foi a maior
responsável pelo conflito pode ser observada a partir das palavras conclusivas de
Sefrin, que revelam sua intenção de sensibilizar os leitores:
A testemunha que nos referiu esse fato, entre muitos outros,
chorava de emoção ao referir estes casos, tanto mais que um dos que
tombaram fora amigo de sua família e deixava na orfandade diversos
68
Chamamos a atenção para o termo empregado por Sefrin neste artigo. Ao representar
Jacobina Maurer como endiabrada devemos questionar quais os objetivos presentes na mente de
seu autor. Não estaria Sefrin levando o leitor a pensar que Jacobina tinha laços com forças
demoníacas, que contrariavam obviamente a conduta cristã da comunidade.
137
filhos, e na viuvez uma senhora moça, mas de pouca saúde, e que se viu a
braços com as maiores dificuldades na educação de seus filhos.
E tudo por que? Somente por mal orientada por uma vidente que
não passava de uma falsa profetisa, que outra coisa não visava senão
o seu endeusamento. (O FERRABRAZ, 18 maio 1956, n.82, Capa [grifos
nossos])
Na análise do último artigo, encontramos uma homenagem da equipe
editorial aos 4 anos de emancipação política do município. Mudam os Tempos
69
faz uma retrospectiva da trajetória percorrida pela localidade desde o tempo
dos mucker, como podemos acompanhar:
Há cerca de oitenta anos, Sapiranga era teatro de uma sangrenta
luta fratricida.
Uns fanáticos, obsecados por uma falsa ideologia, arvoraram-se em
semi-deuses e espalharam por toda a colônia o terror, a morte, o
incêndio, a ruína e a desolação.
Julgavam, por certo, êles, estarem fazendo uma boa obra, mas,
travestidos com peles de ovelha, derramavam em torno de si, o pânico, a
desgraça.
Não julgavam aqueles homens que, derrubando matas, cultivando
as terras e abrindo picadas, estavam preparando o berço de futuro
risonho, aos pósteros, estirpadas, naturalmente as teorias falsas e
erradas que estavam adotando.
Correram os anos. Passaram os homens de então, dando lugar a
uma geração nova, possuída de uma nova vitalidade, de uma outra
orientação, de uma vontade firme de vencer, não pelas armas, nem
pela idéia fixa, num ideal fictício, mas, orientada pela bússola do
trabalho, pelo iman do progresso e pelo farol do bem estar.
Passaram quarenta lustros. Mudaram-se o ambiente e o homem.
E, hoje, onde então se levantavam barreiras para os incolas se
protegerem contra a ação das forças armadas, onde se faziam barricadas
a favor dos erros dos homens, onde se derrubavam árvores para impedir
a passagem da Legalidade, estão levantadas as chaminés das fábricas,
estão as couraças e os escudos contra o analfabetismo; estão abertas as
amplas estradas do progresso e, em vez dos mastros de espias, erguem-
69
O FERRABRAZ, fev. 1959, n.117, Capa e p.16.
138
se os campanários de igrejas a atestarem que o sapiranguense evoluiu
em todos os sentidos. (O FERRABRAZ, 28 fev. 1959, n.117, Capa [grifos
nossos])
A partir da idéia expressa acima, fica evidente o propósito do jornal em
resgatar o passado vivido por Sapiranga no final do século XIX. Enquanto
afirmava que os mucker representavam a desordem e o regresso, através das
atrocidades praticadas, aproveitava -se para comparar a situação do momento
vivido. Destacaram-se as dificuldades enfrentadas, mas que resultaram no
sucesso e no progresso vivenciado pelos habitantes de Sapiranga.
Portanto, o passado mucker foi utilizado como exemplo de comparação
para demonstrar a evolução nos diversos setores, tanto social, econômico,
político e também religioso, com a atuação das igrejas. Assim, este resgate pode
ser compreendido como um alerta para a comunidade, levando-os a pensar até
onde os desvios dos padrões podem levar.
4.2 AS SIMBOLOGIAS ATRAVÉS DA IMAGEM: O MUCKER JOÃO
CLEMENT COMO EXEMPLO DE BARBÁRIE
Não era apenas através de textos escritos que o jornal tornava público seu
posicionamento anti-mucker. Na edição de 1º de março de 1960, foi impressa uma
fotografia de um dos integrantes do movimento mucker. A fotografia publicada
foi de João Clement
70
, que, segundo afirmava a frase que vinha logo abaixo da
imagem, foi cedida gentilmente por alguém desconhecido, que não teve seu nome
mencionado. Um aspecto que nos chamou a atenção foi o fato de, ao ser citado,
este personagem teve escrito antes de seu nome a palavra “Mucker”,
139
demonstrando a intenção de identificar o mesmo ao grupo do qual fazia parte.
Com esta atitude, construía-se a identidade do personagem, que se distinguia dos
demais moradores, pelo fato de pertencer a uma minoria discriminada e não
aceita pela sociedade daquela época, que eram os mucker.
O ato de publicar esta imagem não se deu de forma inocente e, muito
menos, inconsciente. Esta representação tinha um propósito claro e certo, o de
moldar as percepções dos espectadores, que, neste caso, eram os leitores do
jornal. Reforçamos esta idéia, uma vez que acreditamos que a criação de símbolos
70
O FERRABRAZ, 01 mar. 1960, n.129, p.5. Sobre João Clement não conseguimos informações.
Acreditamos que, embora fosse um adepto do movimento mucker, não tinha uma participação
muito significativa, uma vez que não encontramos nenhuma referência sobre sua atuação.
140
não ocorre de forma arbitrária e gratuita, ou seja, não acontece em nenhum vazio
social. Pelo contrário, as simbologias (leia-se as representações anti-mucker) são
reelaboradas no contexto cultural em que estão inseridas. Atentamos, ainda, para
o fato de que o sucesso ou não de determinados símbolos está diretamente
relacionado àquilo que Lilia Schwarcz (1999) chama de “comunidade de sentidos”.
De acordo com a autora, o emprego das simbologias se dá conforme a recepção e
aceitação dos símbolos em questão. Neste sentido, a imagem do mucker foi
utilizada para demonstrar o passado da comunidade, ao mesmo tempo em que
tentava imprimir a idéia de superação, projetando o futuro próspero a partir do
passado.
Naquela realidade, a imprensa local exercia um importante papel na
construção identitária da comunidade, uma vez que exaltava as conquistas de
seus moradores e lembrava a todo o momento que Sapiranga era constituída de
pessoas que haviam aprendido com os erros do passado. Poderíamos pensar que
havia um outro objetivo implícito não apenas na imagem apresentada, mas ao
longo de todos os artigos anti-mucker, pois verificamos que o objetivo era o de
reafirmar o grau de civilidade da sociedade de meados do século XX, em oposição
ao estado de barbárie vivenciado na época dos mucker.
Este exemplo, leva-nos a pensar como as imagens oficiais eram
administradas pela equipe do jornal, que decidia aquilo que poderia ou não ser
publicado. Parece evidente que o jornal exercia uma função de “filtro”, decidindo
aquilo que podia ser observado e lido pela comunidade, seguindo os seus próprios
padrões morais e ideológicos. Além disso, poderíamos questionar por que o jornal
nunca publicou qualquer outra imagem dos mucker, que não apenas a de João
Clement, retratado com expressões hostis e pouco amistosas. Da mesma forma,
por que não foram apresentadas imagens de oponentes dos mucker. Seriam estas
141
imagens pouco gloriosas para os colonos considerados pacatos e amistosos?
Infelizmente, ficamos com questionamentos sem respostas, mas com algumas
aproximações possíveis.
A fotografia acima permite-nos analisar, ainda, o impacto que esta imagem
provocou no olhar de seus leitores. A forma como foi apresentado o personagem
deixa evidente o objetivo de denegrir a índole dos mucker, representado através
de uma imagem como alguém de cabelos longos e mal cuidados, de barba,
encobrindo parte de sua face, vestindo roupas largas e escuras próprias para
guerrear. Além disso, João Clement foi apresentado montado em seu cavalo,
juntamente com uma grande espada que segurava com suas próprias mãos,
demonstrando o seu caráter suspeito e belicoso.
Realizando a leitura desta imagem, que entendemos como mais uma forma
de representação anti-mucker, observamos que estava implícito o propósito de
identificar o personagem como alguém incivilizado, em oposição às
características físicas atribuídas às pessoas civilizadas e de boa índole.
De acordo com Cardoso e Mauad (1997), a fotografia pode ser entendida
como uma experiência vivida, uma doce lembrança do passado, memória de uma
trajetória de vida, flagrantes ou mensagens codificadas em signos. Esta última
noção de fotografia parece-nos bastante apropriada em relação ao nosso objeto
de estudo, uma vez que demonstra os interesses presentes por parte do grupo
que a veicula na imprensa local. Nesse sentido, a mensagem fotográfica está
diretamente ligada ao controle dos meios técnicos de produção cultural que, de
acordo com os autores citados, até a década de 1950 era privilégio quase
exclusivo de setores da classe dominante. A equipe do jornal O Ferrabraz
dispunha, naquele momento, da possibilidade de expor suas idéias e ideologias
142
através do jornal, que exercia seu papel de controle na produção cultural e
informativa daquela sociedade de meados do século XX. Passados mais de 80
anos, a imagem de João Clement era a perpetuação do imaginário anti-mucker,
construído ao longo de todos aqueles anos.
A partir dos signos presentes na imagem, que revelam uma determinada
expressão para o personagem, bem como através das suas atitudes, gestos e
expressões, podemos pensar como estas representações influenciaram na
construção do imaginário social da população, em especial do público leitor do
jornal, que via todas aquelas percepções de Sefrin materializadas em seus
artigos, agora reforçadas pela fotografia de João Clement, que permitia, então, a
visualização de todas as características e atitudes atribuídas por Sefrin aos
mucker. Neste contexto, a imagem comprovava e dava respaldo ao discurso de
Sefrin, agindo como um importante meio de reestruturação dos quadros de
representação social e também dos códigos de comportamento dos diferentes
grupos sociais (mucker e anti-mucker) em contextos e temporalidades distintas.
4.3 O PODER DO CONVENCIMENTO: A CONSTRUÇÃO DO
IMAGINÁRIO SOCIAL SAPIRANGUENSE
Devemos, ainda, realizar algumas considerações sobre os artigos de
Sefrin. Em sua maioria, os artigos eram construídos a partir de textos curtos e a
linguagem empregada por Sefrin não era muito popular, demonstrando parte de
sua erudição, o que parece não estar muito de acordo com o seu público, que era a
comunidade local (devemos levar em consideração o grau de instrução da maioria
da população neste contexto). De leitura atraente, seus artigos sempre traziam
novas abordagens e acontecimentos para o esclarecimento da população acerca
da história dos mucker (esta era, pelo menos, a intenção do autor, que acreditava
143
estar narrando fielmente a história). Seus artigos mostravam os mucker como
bandidos, assassinos, desordeiros, bagunceiros e liderados por uma falsa
profetiza que era Jacobina Maurer, aliada ao seu marido João Jorge Maurer e
seu cunhado João Jorge Klein, apontado como o mentor intelectual do grupo.
Os artigos publicados sobre os mucker tinham o propósito de educar e
ensinar. Através das narrativas, Sefrin “ensinava história” para o seu público
leitor, que acabava sendo influenciado pela versão dos fatos contada per Sefrin.
Em suas narrativas, os colonos da região foram representados como pacíficos e
trabalhadores, que tiveram suas vidas abaladas pelos atos descontrolados dos
mucker.
Fica, portanto, bastante evidente a pretensão do autor em inocentar e
destacar a atuação dos colonos anti-mucker, ao mesmo tempo em que denegria a
imagem dos mucker, sendo ambas o produto das representações criadas por
Leopoldo Sefrin, na tentativa de interferir no imaginário de seus leitores.
Relembrava, através das memórias individuais dos seus entrevistados, os
detalhes do conflito, encerrado há mais de oitenta anos, mas que ainda fervilhava
em suas memórias. Da mesma forma, entendemos que as representações criadas
por Leopoldo Sefrin eram a reprodução de um pensamento transmitido desde o
final do século XIX pelas gerações que o precederam. Sefrin era, assim, o porta-
voz das memórias individuais de seus entrevistados e de parte da população, que
dividiam a mesma opinião. Sefrin era, naquele momento, quem tornava público
este pensamento e quem tentava imprimir uma determinada visão dos
acontecimentos, procurando educar a população de acordo com a sua própria
perspectiva de análise.
144
Destacamos a importância da análise proposta por Tânia Navarro Swain
(1994), de que o imaginário ocupa uma parte considerável das pressões sociais,
revitalizando, ressemantizando conteúdos e imagens, despertando emoções
coletivas no processo enunciativo das formações discursivas impressas no jornal.
Nesse sentido, o discurso de Sefrin serviu de instrumento de propaganda anti-
mucker, contribuindo decisivamente na construção do imaginário social coletivo
de Sapiranga.
Poderíamos questionar como a identidade sapiranguense se construiu
baseada no exemplo mucker, entendido como erro do passado. Esta identidade
local deveria mostrar-se exatamente em oposição ao passado mucker. Seguindo
esta linha de pensamento, poderíamos pensar a construção desta identidade local
como resultado de uma relação de força entre as representações impostas por
aqueles que detêm o poder de classificar e de nomear, definindo os mucker como
o passado pouco glorioso da comunidade. Nesse sentido, seria a aceitação ou
resistência destas representações, por parte da comunidade, que determinaria a
construção de sua própria identidade. Por outro lado, Chartier (1991) destaca que
uma outra forma de análise considera o recorte social objetivado como a
tradução do crédito conferido à representação que cada grupo dá de si mesmo e,
conseqüentemente, a sua capacidade de fazer reconhecer sua existência a partir
de uma demonstração de unidade. Em outras palavras, seria esta identidade local,
baseada na negação ao mundo mucker, uma vontade da comunidade que apenas
visualiza no discurso proferido por Sefrin seus próprios anseios e aspirações.
Assim, observamos que esta oposição entre o passado mucker e a
preocupação com a idéia de ordem e progresso vivenciada em meados do século
XX pela população nos revelam exatamente a construção desta identidade local.
Vinculada com ideais de trabalho, observância às leis e uma forte tradição étnica,
145
esta comunidade tentava mostrar para todos que os erros do passado já estavam
superados.
Notamos, a partir da análise dos textos publicados por Sefrin, o
posicionamento assumido por este, que tinha a intenção de moldar o pensamento
da comunidade, imprimindo a sua própria versão e interpretação dos
acontecimentos. Levando estes atenuantes em consideração, não nos causa
surpresa que a população construísse uma opinião tão depreciativa acerca dos
mucker, que são entendidos, pela maioria, como o passado obscuro de Sapiranga.
Isso nos leva a pensar como seus artigos encontraram ressonância na sociedade
local, apontando para o fato de que boa parte dos leitores apreciava seus textos,
tendo seu imaginário influenciado de acordo com as representações criadas por
Sefrin.
Todavia, não devemos esquecer que este era um pensamento que tinha a
pretensão de se tornar totalizante, o que possivelmente não ocorreu, uma vez que
aqueles que não concordavam com o pensamento de Leopoldo Sefrin acabavam se
calando, em função do mesmo representar a “elite intelectual” da comunidade.
Infelizmente, não encontramos no jornal posicionamentos contrários ao de
Sefrin, o que vem a reforçar nossa hipótese
71
. Porém, reforçamos a idéia de que
o pensamento defendido por Sefrin encontrava adeptos especialmente entre as
camadas mais abastadas da sociedade, com especial destaque àqueles de
descendência alemã, que tiveram suas famílias envolvidas direta ou indiretamente
com o conflito.
71
A este respeito, lembremos que o jornal se colocava desde seu início como um espaço
destinado aos assuntos considerados pela equipe editorial como próprios para publicação,
excluindo-se qualquer outro tipo de pensamento considerado impróprio (auto-censura). Assim, o
jornal definia aquilo que podia ou não ser publicado, portando um certo poder simbólico no
146
Desta forma, as representações criadas por Sefrin na imprensa atingiram
seu objetivo. Através do veículo oficial de notícias da comunidade, este
personagem tornou público seu pensamento, que era legitimado pela sua própria
posição social e prestígio de homem público, o que pôde ser comprovado ao longo
da análise tanto de sua própria biografia quanto pelo espaço destinado aos seus
artigos, que sempre apareciam na capa do jornal, demonstrando sua importância e
função na formação da opinião pública da comunidade.
Neste sentido, entendemos que Leopoldo Sefrin produziu representações
e práticas de acordo com seus interesses e o contexto no qual estava inserido,
assumindo a posição de articulador entre as idéias da população e seus próprios
interesses. A partir da manipulação da linguagem, foi capaz de construir
símbolos, de tornar presente o mundo mucker que estava espacial, temporal e
socialmente ausente do “aqui e agora”. Em outras palavras, notamos que Sefrin,
através da criação das representações anti-mucker, veiculadas na imprensa, foi
capaz de revitalizar o passado da comunidade, demonstrando o grande poder que
a linguagem exerce no cotidiano da sociedade.
Da mesma forma, Sefrin se inseria no contexto maior que era a imprensa
local, que publicava os artigos anti -mucker como forma de conquistar e atrair um
público de leitores cada vez maior. Afinal, o jornal precisava recorrer a
instrumentos de
marketing
para levar seus negócios adiante. Nesse sentido,
consideramos que Leopoldo Sefrin construía suas narrativas com o propósito de
também conquistar os leitores. Ao mesmo tempo, o número limitado de
exemplares vendidos revela que o jornal dependia dos seus patrocinadores,
estando, assim, atrelado aos interesses daqueles que garantiam a saúde
momento em que escolhe as pessoas aptas a escreverem para o jornal, bem como o teor das
notícias publicadas.
147
financeira da empresa. Dizendo de outra maneira, observamos que as
representações anti-mucker são, acima de tudo, o resultado das complexas
relações de poder estabelecidas no cotidiano local de Sapiranga, ou seja,
diretamente ligadas aos interesses das camadas mais abastadas, que
interferiram de forma decisiva na formação do imaginário social.
Concluímos, ainda, que o discurso de Sefrin construiu verdadeiros edifícios
de representações simbólicas que se materializaram sobre a realidade da vida
cotidiana sapiranguense, como presenças de um outro mundo, que naquele
contexto era o movimento mucker, trazido novamente à tona pelas
representações na imprensa local.
148
149
CONCLUSÃO
Refletir historicamente sobre a questão mucker e seus desdobramentos,
certamente, não é tarefa fácil. Ao longo da análise proposta neste estudo,
buscamos investigar como o movimento mucker foi interpretado e pensado por
diversos estudiosos da questão. Percebemos, em suas obras, uma diversidade de
questionamentos e indagações. Porém, uma obra, em especial, repercutiu de
forma surpreendente e influenciou de forma categórica o imaginário social da
coletividade até meados do século XX. Esta obra foi o livro Os Muckers,
publicado pelo Padre Ambrósio Schupp, que acabou se transformando em uma
obra bastante conhecida pela população mais antiga da região do Vale do Rio dos
Sinos e, especialmente, os moradores de Sapiranga, onde ocorreu o episódio.
Observamos, ao longo de nossa pesquisa, a forte influência exercida pelos
escritos de Schupp na criação das representações anti-mucker na imprensa
sapiranguense, em meados do século XX. Estas idéias anti-mucker foram trazidas
à tona através dos artigos publicados por Leopoldo Sefrin no jornal O Ferrabraz,
que se caracterizou, também, como um veículo de representações anti-mucker,
que aguçava os sentimentos da população e, novamente, revivia os acontecimentos
do final do século XIX nas narrativas de Sefrin.
150
Não queremos dizer, com nossa análise, que Sefrin deve ser
responsabilizado pela construção do imaginário social pós-mucker de forma tão
depreciativa. Acreditamos que as narrativas do autor estão, em primeiro lugar,
inseridas no amplo processo de construção do imaginário social pós-mucker em
Sapiranga. Afirmamos isto em virtude de que as representações veiculadas pela
imprensa local não tinham um fim em si mesma, ou seja, elas apenas refletiam as
idéias de boa parte da comunidade, que já apresentava outras formas de
representação e materialização deste imaginário contrário aos mucker. Para
termos uma compreensão mais clara de tal afirmação, devemos lembrar que a
comunidade de Sapiranga apresenta vários símbolos diretamente ligados ao
passado mucker, como a estátua construída em homenagem ao Coronel Genuíno
Sampaio, a cruz colocada no local da morte de Jacobina Maurer, a denominação
do Instituto Estadual Coronel Genuíno Sampaio, a denominação do Centro de
Tradições Gaúchas de Pedro Serrano (que, na verdade, é Pedro Schmidt,
considerado o maior aliado de Genuíno na batalha contra os mucker). Enfim,
Sapiranga, atualmente, carrega consigo a presença do passado mucker em
diversos espaços, que tornam presentes as memórias do passado, agora
traduzidas em lugares de memória.
Portanto, o discurso construído por Leopoldo Sefrin deve ser entendido
como produto do meio social, no qual ainda se fazia necessário relembrar do
passado, na medida em que também servia de instrumento de distinção de dois
tempos. O primeiro era o passado mucker, representado como bárbaro e
incivilizado, e o segundo era o momento em que se vivia (as décadas de 1950 e
1960), que se contrapunha ao passado, representando, assim, a ordem, o
progresso e a civilidade. O autor dos artigos era, neste contexto, porta-voz das
idéias de um determinado grupo, que detinha o poder econômico e social na
comunidade local, que sentia também a necessidade de mostrar e representar a
151
superação dos acontecimentos que envolviam os mucker. Sefrin foi, em nosso
entendimento, produto dos sentimentos e idéias anti-mucker presentes na
sociedade sapiranguense, mas foi também reprodutor destas idéias, que
acabaram sendo legitimadas e impostas como verdade para o público leitor do
jornal e, conseqüentemente, de praticamente toda sociedade local.
Finalmente, acreditamos que a identidade sapiranguense está, sem dúvida,
assentada sobre este passado mucker, numa relação dialética entre passado e
presente, no qual o passado mucker nunca caiu em esquecimento, ao contrário,
serviu de instrumento de diferenciação de duas realidades distintas. Podemos
observar que a questão envolvendo os colonos do Ferrabraz sempre se fez
presente nas memórias individuais e que acabaram traduzidas nas
representações construídas pelo grupo, que expressava, através de símbolos,
monumentos e instituições o seu posicionamento anti-mucker. Deste amplo
conjunto de significações que constituem o imaginário social pós-mucker, a
imprensa local certamente representa apenas uma parte, que mais uma vez
procurou denegri-los publicamente. Leopoldo Sefrin, certamente, foi um
componente de fundamental importância neste processo de construção do
imaginário social pós-mucker no mesmo lugar onde ocorreu o episódio.
152
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