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A MÁQUINA, TRAÇÃO DO PROGRESSO
MEMÓRIAS DA FERROVIA NO OESTE DE MINAS:
ENTRE O SERTÃO E A CIVILIZAÇÃO
1880 - 1930
PABLO LUIZ DE OLIVEIRA LIMA
______________________________________________________
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História da
Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
História.
Linha de pesquisa: História Social da
Cultura.
Maio, 2003
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Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de História
Programa de Pós-Graduação
Dissertação defendida e aprovada pela banca examinadora
constituída pelos professores:
Professora Dra. Maria Eliza Linhares Borges (UFMG)
Orientadora
Professor Dr. Carlos Magno Guimarães (UFMG)
Professor Dr. Douglas Cole Libby (UFMG)
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A meus avós,
Waldemar e Divina Lima,
Pedro e Cacilda Oliveira
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ÍNDICE
RESUMO/ABSTRACT...................................................................................................6
AGRADECIMENTOS....................................................................................................7
INTRODUÇÃO..............................................................................................................10
CAPÍTULO I Entre o atraso e o progresso: memórias de viajantes, políticos e
empreendedores ferroviários no Império.......................................26
I.1. Olhares estrangeiros: Auguste Saint-Hilaire e James Wells.........................28
I.2. Olhares brasileiros: José Almeida Leite Moraes, Mauá e
Christiano Ottoni...........................................................................................42
CAPÍTULO II A ferrovia em pauta na memória oficial mineira, da Província
ao Estado............................................................................................65
II.1. Desenvolvimento ferroviário e integração nacional....................................74
II.2. A Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas EFOM ..........................79
II.3. A Companhia Estrada de Ferro Goiás EFG ...........................................106
CAPÍTULO III Ecos da locomotiva: representações culturais do trabalho
ferroviário.....................................................................................119
III.1. O lugar dos trabalhadores nas memórias da EFOM e EFG......................122
III.2. O trabalho noticiado, fotografado e rememorado.....................................129
CONSIDERAÇÕES FINAIS - Patrimônio histórico e memória ferroviária em
Minas: abandono e preservação.................................................181
5
5
QUADROS ESTATÍSTICOS.....................................................................................189
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................190
Relatórios dos presidentes da Província e Estado de Minas Gerais...................195
Imprensa oeste-mineira......................................................................................197
ICONOGRAFIA..........................................................................................................199
6
6
RESUMO
O objetivo desta dissertação de História social da cultura é abordar o lugar da
ferrovia na memória e História da região oeste-mineira. Analisa-se o processo de
transformação do sertão em espaços da civilização ocidental, entre 1880 e 1930, em
obras de viajantes, políticos e empreendedores. Questiona-se a formação do diagnóstico
do atraso, justificativa para o progresso. No discurso político oficial dos gerentes da
Província e Estado de Minas, busca-se compreender as relações entre a ferrovia e a
construção da nacão moderna articulada ao desenvolvimento regional. A análise
focaliza os processos de planejamento e funcionamento das companhias de estrada de
ferro Oeste de Minas (EFOM) e Goiás (EFG). Através de representações na imprensa
regional oeste-mineira, em fotografias e depoimentos orais, busca-se compreender o
lugar do trabalho nas memórias construídas por estas empresas e seus funcionários.
ABSTRACT
This Social-cultural History dissertation aims to approach the railway’s place
west Minas Gerais’ memory and History. It analysis the transformation process of
frontier-lands (sertão) into western civilization spaces, between 1880 and 1930, in
travellers, politicians and entrepreneurs’ literature. The diagnosis of brazillian
backwardness, justifying progress, is questioned. In the official political speech of
Minas Gerais province and state administrators, relations between the railway and
modern nation building, linked with regional development, are discussed. The study
focuses on the planning and working processes of the West Minas Gerais (EFOM) and
Goiás (EFG) railroads. Through representations found in west Minas Gerais regional
press, photographic images and oral interviews, the place of labor in the memories made
both by the companies and the wokers is analysed.
7
7
AGRADECIMENTOS
Esta dissertação é produto de uma investigação realizada através do curso de
mestrado em História Social da Cultura, na Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Agradeço aos professores, funcionários e estudantes que dão vida à
universidade, assim como à sociedade brasileira que, com a riqueza produzida pelo seu
trabalho, sustenta o Estado e o ensino público. A bolsa que durante dezesseis meses
recebi da CAPES é parte significativa deste investimento social a mim confiado.
O que tornou este trabalho possível foi o acesso a fontes preservadas em uma
série de locais de pesquisa que merecem reconhecimento. Na UFMG, as bibliotecas da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH), da Faculdade de Ciências
Econômicas (FACE), e do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional
(CEDEPLAR). Outros equipamentos de pesquisa em Belo Horizonte foram
fundamentais, como o Arquivo Público Mineiro (APM), a Hemeroteca Pública e a
Biblioteca Pública Luís de Bessa.
Aos funcionários da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), agradeço pelo acesso às
bibliotecas da empresa em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, especialmente a Sérgio
Morais, coordenador do Grupo de Trabalho Sobre Bens Históricos da RFFSA, antigo
PRESERFE (Programa de Preservação do Patrimônio Histórico Ferroviário). Em São
João del Rei, sou grato aos funcionários do Museu da Estrada de Ferro Oeste de Minas,
monumento à memória ferroviária em Minas, atualmente administrado pela Ferrovia
Centro-Atlântica (FCA). Foi também crucial a pesquisa no Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB), Biblioteca Nacional e Arquivo Nacional.
A orientação da professora e amiga Maria Eliza Linhares Borges, foi
fundamental na travessia das dificuldades do processo de pesquisa. Ao alertar-me para
8
8
possíveis caminhos a serem tomados, auxiliou-me a fazer escolhas, cortes, seleções, e a
construir um objeto de estudo. Todavia, o produto final do processo e seus desacertos
são de minha inteira responsabilidade.
A Sra. Maria de Jesus Fontelas e o Sr. Alcino Sidney de Sousa merecem um
agradecimento especial. Ambos foram funcionários da Estrada de Ferro Oeste de Minas
durante as décadas de 1920 e 1930. A análise de seus depoimentos permite aprofundar a
compreensão sobre a memória dos próprios sujeitos históricos acerca do trabalho.
Agradeço a muitos amigos pelo apoio, em especial aos conterrâneos Marcus e
Eduardo Caetano Domingos, Luceli Maria de Jesus e Wagner Cardoso, a Julião Villas e
Roni Domingos, que auxiliaram no trabalho com as imagens, a meus camaradas do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e aos colegas da FAFICH e militantes do
movimento estudantil que lutam em defesa da educação pública. Todos contribuíram de
diversas formas para a realização deste trabalho.
Um agradecimendo de coração faço a Beatriz de Almeida Matos, companheira e
antropóloga que acompanhou diversas etapas do trabalho de campo pelos trilhos de
Minas. Suas idéias estão espalhadas no texto.
A Luiz e Andrea Lima, meus pais e maiores mestres, e a Diego e Raisa, que
sempre me apoiaram: obrigado por tudo. Esta dissertação é dedicada a meus avós
Waldemar e Divina Lima, Pedro e Cacilda Oliveira.
A presença do trem sempre esteve em nossas vidas.
9
9
A burguesia, através de sua exploração do mercado
mundial, deu um caráter cosmopolita para a produção e o
consumo em todos os países. (...) Em lugar das antigas
vontades, satisfeitas pela produção do país, encontramos
novas vontades, exigindo para satisfazê-las produtos de
terras e climas distantes. No lugar da antiga reclusão e
auto-suficiência local e nacional, temos conexões em
todas as direções, uma interdependência universal das
nações.
A burguesia, pelo aperfeiçoamento rápido de todos os
instrumentos de produção, pelos meios de comunicação
imensamente facilitados, arrasta todas as nações, até a
mais barbárica, para a civilização. (...) Compele-as a
introduzir o que chama de civilização no seu meio, ou
seja, a tornarem-se burguesas. Resumindo, cria um mundo
à sua imagem.
Karl Marx e Friedrich Engels,
O Manifesto do Partido Comunista, 1848
1
Acontecimentos surpreendentemente similares, mas
que se produzem num meio histórico diferente, conduzem
a resultados totalmente diferentes. Se estudarmos à parte
cada uma destas evoluções e a compararmos, é fácil
encontrar a chave da compreensão deste fenômeno; nunca
será possível atingir essa compreensão se se usar o passe-
partout de uma teoria histórico-filosófica cuja grande
virtude fosse estar acima da história.
Karl Marx, 1877
2
1
ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. O Manifesto Comunista. Tradução Maria Lucia Como. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1996, p.14-15.
2
Trecho de uma carta escrita por Karl Marx em 1877, citada em: LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas:
Editora Unicamp, 1990, p.96.
10
10
INTRODUÇÃO
O objetivo desta dissertação é demonstrar os resultados de uma investigação
acerca de questões despertadas pela análise da memória e História da ferrovia no oeste
de Minas Gerais. Foram escolhidas duas companhias ferroviárias construídas nessa
região entre 1881 e 1930 para estudo de caso: a Estrada de Ferro Oeste de Minas
(EFOM) e a Estrada de Ferro Goiás (EFG). Seus trilhos formaram um eixo de
integração ferroviária entre Angra dos Reis, RJ, e Patrocínio, MG, com diversas
ramificações pelo oeste mineiro. Esse canal de comunicação e transporte de
mercadorias, pessoas e hábitos culturais, foi fundamental para a integração da parte
ocidental de Minas à economia nacional e ao mercado mundial.
Ao longo destas estradas, antigas localidades do período colonial foram
conectadas. Ao mesmo tempo, novas cidades surgiram em torno de estações. No
entanto, as ferrovias do Oeste de Minas ainda são muito pouco estudadas. O impacto
econômico, social e político da implantação deste meio de transporte, assim como as
transformações culturais acarretadas, merecem uma análise aprofundada. O trem de
ferro atravessou os sertões ocidentais das gerais deixando rastros da força de seu motor,
ecos de seu barulho e uma longa sombra que acompanha sua História.
Esta é uma análise da memória ferroviária, construída por diferentes autores e
materializada em fontes escritas, fotográficas, cartográficas e em depoimentos orais
gravados e transcritos. As questões fundamentais levantadas por esta pesquisa foram as
seguintes: em que medida a concepção evolucionista do século XIX, baseada no par
atraso / progresso, presente em obras de memória, teria contribuído para a
disseminação da idéia de que o desenvolvimento dos meios de transporte terrestres no
Brasil seria necessário à sua modernização? Qual teria sido o papel da ferrovia no
11
11
discurso oficial e nas políticas de integração territorial do Estado nacional? E qual o
lugar destinado ao trabalho e aos trabalhadores nas representações culturais sobre a
construção e funcionamento das ferrovias estudadas? Estas questões levaram à
formulação de hipóteses defendidas ao longo dos três capítulos. A análise parte de uma
perspectiva ampla, englobando as relações engendradas pela mundialização econômica
e cultural desencadeada pela Revolução Industrial ao longo do século XIX. Percebe-se
que, nesse contexo, a ferrovia ocupou um lugar de destaque nos projetos de construção
de uma nação moderna no Brasil.
No Capítulo I, aborda-se obras de memória produzidas por brasileiros e
estrangeiros membros das elites letradas, que voltaram seus olhares sobre a realidade do
país com o fim de compreendê-la e informar sociedades futuras. Trata-se dos registros
de cinco indivíduos envolvidos com o processo de modernização cultural do Brasil: o
francês Auguste Saint-Hilaire, o inglês James Wells e os brasileiros José Almeida Leite
Moraes, Irineu Evangelista de Souza (Visconde de Mauá), e Christiano Benedicto
Ottoni. Seus relatos revelam sinais das condições de transporte antes do trem, assim
como a ótica de empreendedores da ferrovia e suas expectativas para o futuro. Suas
impressões acerca das condições estruturais da época permitem conhecer sobretudo a
maneira com que eles próprios imaginaram o progresso. São documentos fundamentais
para a História ferroviária. Todos compartilhavam do diagnóstico da situação atrasada
da sociedade brasileira e concordavam que a construção de uma nação civilizada
exigiria o fortalecimento do Estado através da integração ferroviária do território. As
memórias destes suheitos contribuíram para a divulgação tanto da idéia do atraso,
quanto do progresso brasileiro no imaginário social.
O transporte ferroviário nasceu na mesma década que o Império do Brasil e logo
despertou o interesse do Estado em sua tarefa de construir a nação. Esta inovação
12
12
técnica seria um meio de integrar o vasto território, fortalecer o poder central e a união
imperial, divulgar códigos civilizados da Corte pelos sertões mais remotos, consolidar
rotas de comunicação e comércio, estabelecer elos mais dinâmicos entre o interior e o
litoral, além de fortalecer o controle estatal sobre um país de dimensões continentais. A
partir de meados do século XIX
3
, as questões do desenvolvimento sócio-econômico e da
modernização cultural tornaram-se temas principais das agendas políticas, nacionais e
regionais. Importar tecnologia, queimando etapas nesse processo, parecia ser o motor do
progresso.
No Capítulo II, analisa-se o discurso político oficial dos gestores dos Estados
brasileiro e mineiro em relatórios anuais dos presidentes da província, onde encontram-
se documentadas discussões técnicas, econômicas e políticas sobre a ferrovia. Dois
mapas também são trabalhados e analisados, permitindo visualizar o traçado das linhas
da EFOM e EFG. O objetivo é verificar, através da análise dos casos da EFOM e EFG,
até que ponto esta visão da ferrovia como um instrumento e requisito para retirar o
Brasil de sua condição de país atrasado teria sido assimilada pelos poderes locais. Nos
discursos de Estado, encontram-se evidências das políticas ferroviárias relacionadas ao
desenvolvimento regional, analisadas de maneira cronológica. É possível constatar
debates em torno de diferentes concepções sobre o papel da ferrovia na modernização
tecno-industrial, assim como mudanças de objetivos dos diferentes governantes e
oscilações no conteúdo das representações oficiais.
A EFOM, empresa privada de sociedade anônima, foi inaugurada em 1881, entre
a estação de Sítio, nos trilhos da Estrada de Ferro Dom Pedro II, próxima a Barbacena, e
a cidade de São João del Rei, com o objetivo de ligar o oeste da província mineira ao
litoral. Em 1899, esta empresa faliu, foi liquidada, leiloada e adquirida pelo governo
3
Portanto muito antes do surto industrial do período de 1920 a 1940 e da política desenvolvimentista da década de
1950.
13
13
federal. Passou a ser uma das maiores empresas estatais do país. Em 1907, foi
inaugurada a EFG, empresa também privada, partindo de Formiga, MG, ponto final da
EFOM, em direção ao estado goiano. Em 1918, seus trilhos alcançaram Patrocínio, MG.
Com a crise provocada pela Primeira Guerra Mundial, esta empresa também faliu. Em
1920, foi liquidada e comprada pela EFOM, que tornou-se, assim, a maior companhia
ferroviária de Minas Gerais.
A formação destas, assim como das primeiras companhias ferroviárias do Brasil,
foi acompanhada pela produção de diferentes narrativas de memória ferroviária. No
Capítulo III, a proposta é analisar representações do trabalho, através de produções
midiáticas locais, fotografias e depoimentos de ex-funcionários da EFOM. A realização
do processo modernizador liderado pela elite, para transformar o sertão em civilização,
dependia fundamentalmente da ação de trabalhadores formados durante e através deste
mesmo processo: os ferroviários. Enquanto entidade de valor social, o trabalho foi
apropriado pelas memórias da elite, ao lado da máquina, como tração do progresso.
Porém, suas condições concretas e a realidade dos trabalhadores foram excluídas das
representações analisadas nos dois primeiros capítulos.
Assim, pergunta-se o que seria possível conhecer sobre os atores que
construíram esta História com seu esforço e suor. Analisa-se fontes que carregam
diferentes representações das condições de trabalho, buscando a percepção histórica dos
próprios sujeitos e o lugar do trabalho ferroviário na memória das companhias EFOM e
EFG. Este tipo de transporte acarretou a formação de uma categoria de trabalho que
esteve na raiz da difusão da cultura industrial no Brasil. De acordo com Lidia Possas, a
ferrovia, durante o período analisado, com a exatidão de seus horários, seu ritmo
repetitivo diário sobre os mesmos trajetos, sua progressividade linear e sua expansão
14
14
incessante, “concretizou o sentido do trabalho, confirmou as normas disciplinares e
reforçou a própria imagem da sociedade industrializada.”
4
Durante meio século, milhares de trabalhadores realizaram a ligação ferroviária
entre o litoral e o Oeste de Minas
5
. Sua História é muito pouco pesquisada. O presente
estudo foi elaborado com o acesso a diferentes lugares de memória do trabalho
ferroviário na sociedade mineira, questionando, por um lado, as estratégias de
consagração e imortalização de certas versões e interpretações e, por outro, os silêncios
e esquecimentos nas fontes. Assim, realiza-se um movimento entre a macro e a micro-
História, permitindo o surgimento das várias faces de um mesmo processo.
Representações sobre o trabalho ferroviário, produzidas pelas companhias, pelas
comunidades por elas conectadas e pelos próprios trabalhadores, analisadas de um ponto
de vista histórico, permitem a elaboração de várias hipóteses sobre o cotidiano do
trabalho ferroviário.
A ferrovia aparece na historiografia brasileira sob perspectivas diversas, de
maneira fragmentada, sem constituir área de grande acúmulo de pesquisas. Ao longo
das últimas décadas, tem havido um movimento de trabalhos isolados principalmente
de memória histórica em direção a pesquisas acadêmicas, baseadas em diferentes
metodologias
6
. Na década de 1980, este tema recebeu maior atenção por parte de
historiadores, sendo objeto de pesquisas em várias instituições universitárias do país,
4
POSSAS, Lidia. Mulheres Trens e Trilhos Modernidade no Sertão Paulista. Bauru: Edusc, 2001, p.59.
5
Os dados sobre o número de funcionários da EFOM, entre 1908 e 1920, encontram ao final desta dissertação, no
Quadro Comparativo do Efetivo de Pessoal da EFOM , p.189.
6
O livro Um Trem Corre para o Oeste estudo sobre a Noroeste e seu papel no sistema de viação nacional, de
Fernando de Azevedo, publicado em 1950 sobre a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que percorreu os estados de
São Paulo e Mato Grosso do Sul, é um dos trabalhos pioneiros da historiografia ferroviária acadêmica. Esta obra
marca uma guinada para a pesquisa empirica, rompendo com as tradicionais obras de memória comemorativa.
Mas, apesar de acompanhar o movimento das ciências sociais no país, trata-se de uma investida individual no
âmbito da historiografia ferroviária.
15
15
resultando em trabalhos que alcançaram maior destaque dentro da historiografia
nacional
7
.
Nesta dissertação, busca-se captar os diversos ecos da locomotiva nas fontes.
Um eco é um reflexo deformado, uma ilusão de permanência criada por uma vibração
sonora emitida no passado. Esse fenômeno, por mais fugaz e etéreo que possa parecer,
exige condições materiais. Os documentos são como suportes concretos nos quais
ressoam impactos de processos históricos. O papel do historiador é analisar esses ecos,
tentando compreender o que podem informar. Foram selecionados documentos que
tratam diretamente da temática ferroviária, não apenas enquanto tecnologia, mas,
principalmente, sobre seus aspectos sociais, políticos e econômicos. A memória das
discussões e projetos, das expectativas em torno da criação das companhias EFOM e
EFG, e das realizações concretas do trabalho ferroviário, constituem os objetos centrais
desta análise. Trata-se de uma tentativa possível no sentido de construir conhecimento
histórico através de diferentes fontes.
Documentos podem ser considerados monumentos. Homens de elite, que
participaram da construção das primeiras vias férreas no Brasil, preocupados com a
maneira pela qual as próximas gerações conheceriam suas realizações, confeccionaram
testemunhos em forma explícita de memória, com um olho no presente e outro no
futuro. Para Jacques Le Goff, o documento-monumento resulta do esforço das
sociedades históricas para impor às gerações futuras voluntária ou involuntariamente
determinada imagem de si próprias. Em suas próprias palavras: “No limite, não existe
um documento-verdade. Todo documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o
7
Entre as principais obras da década de 1980, estão: Filha Branca de Mãe Preta: a Companhia da Estrada de Ferro
D.Pedro II, 1855-1865, de Almir Chaiban El-Kareh, publicada em 1982; Ferrovia e Ferroviários uma
contribuição para a análise do poder disciplinar na empresa, de Liliana Petrilli Segnini, tambem de 1982; e Trem
Fantasma a modernidade na selva, de Francisco Foot Hardman, de 1988. Recentemente, o livro Mulheres, Trens
e Trilhos Modernidade no Sertão Paulista, de Lidia Possas, publicado em 2001, baseado em depoimentos orais
de ex-ferroviárias, aborda a memória de mulheres inseridas em um universo de trabalho industrial.
16
16
papel de ingênuo”
8
. Portanto, faz-se necessário demolir montagens de memória,
desestruturar essas construções e analisar as condições de produção dos documentos-
monumentos. A tentativa aqui proposta é de decodificar a memória e suas relações com
a História.
A História, compreendida como campo de investigação cientificamente
orientado das sociedades no tempo, tem passado por transformações significativas
relacionadas a seus objetos, abordagens e problemas. Desde o início do século XX,
discussões sobre o conceito de fonte histórica têm ampliado o universo de materiais
utilizáveis pelo historiador, ultrapassando o domínio dos documentos escritos. Assim, a
pesquisa histórica tem tornado-se mais complexa e aberta à interdisciplinaridade. Este
processo de ampliação do campo de trabalho do historiador, no entanto, não implica no
abandono das fontes tradicionais. Pelo contrário, antigos documentos, muitas vezes já
explorados, basicamente pertencentes ao registro da escrita, podem ser relidos e re-
analisados por historiadores através de novas abordagens.
Com a crítica da noção de fato histórico e o reconhecimento de realidades
históricas negligenciadas pela tradição positivista, surge uma História das
representações. Neste estudo, analisa-se o imaginário ferroviário em suportes gráficos,
iconográficos e fônicos. De acordo com Jacques Le Goff, muitos estudos sobre a
representações de memória acabam incorrendo em dois erros analíticos: subordinar a
História das representações à História das coisas “materiais” ou, ao contrário,
privilegiar a História das representações sobre a História das coisas “materiais”.
Le
Goff defende que não há oposição entre a “infra-estrutura” e a “superestrutura”. Para
este historiador, toda História é social, constituída por imbricações e inter-relações entre
ações e representações
9
. No mesmo sentido, Edward Thompson defende que não há
8
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990, p.548.
9
LE GOFF, J. Idem, p.12
17
17
determinação entre o campo da experiência e o âmbito da consciência
10
. Essas
dimensões do real articulam-se entre si de maneiras assimétricas.
O conceito de representação está ligado à relação semiolingüistica entre
símbolos (significado) e coisas representadas (significante). Representações são
exprimidas pelo imaginário, que tem sua existência afirmada por símbolos e se expressa
através da evocação de imagens. O imaginário social é a rede comum de representações
em que significantes e significados são criados e reconhecidos por grupos sociais. Sua
função é orientar e transformar práticas, valores e hábitos. Assim, representações
relacionam-se a ações. Para Cornelius Castoriadis, “O simbólico comporta, quase
sempre, um componente racional-real: o que representa o real ou o que é indispensável
para o pensar ou para o agir.”
11
Há uma complexa relação entre os conceitos de História e memória. Ambas
fundamentam-se no passado, mas o tempo da memória “atravessa a história e a
alimenta”
12
. De acordo com Maurice Halbwachs, ao contrário da História, a memória
não faz uma ruptura entre o passado e o presente, pois conserva do passado “aquilo que
ainda está vivo ou capaz de viver na consciência do grupo que a mantém.”
13
A
memória possui várias formas, simbólicas e materiais, que evidenciam a relação entre
vivência e interpretação, possibilitando a formação de laços de identidade cultural. Para
Halbwachs, a História começa onde a memória acaba, e isso se dá quando a memória
não mais encontra suporte em um grupo social. A memória é sempre vivida através da
noção de pertencimento grupal físico e afetivo.
10
THOMPSON, Edward P. The Making of the English Working Class. Middlesex: Penguin Books, 1974, p.10-15.
11
CAPELLATO, M; DUTRA, E. “Representação Política. O Reconhecimento de um Conceito na Historiografia
Brasileira.” p. 233.
12
LE GOFF, J. Idem, p.12.
13
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Edições Vértice, 1990, p.81.
18
18
A História, que fragmenta o tempo, não é memória porque se fundamenta na
descontinuidade entre quem a produz e os grupos nela narrados. A memória é um
processo vivido, enquanto a História é “registro, distanciamento, problematização,
crítica, reflexão.”
14
A memória é inconsciente de si mesma, enquanto a História é auto-
consciente. Para Le Goff, a memória coletiva é “(...) essencialmente mítica, deformada,
anacrônica, mas constitui o vivido desta relação nunca acabada entre o presente e o
passado.”
15
Pierre Nora compreende a História tanto como o vivido dos homens (História-
objeto) quanto as narrações e interpretações sobre este vivido (História-conhecimento).
Para abordar a memória histórica, Nora cunhou o conceito de “lugar de memória”, que
se relaciona à questão da identidade, existência coletiva que se expressa por um
sentimento de referência grupal
16
. Para ele, a memória é o que fica do passado no vivido
dos grupos sociais, ou o que os grupos fazem do passado
17
.
Para Marcos Silva, a distinção entre memória e História não é simples. Este
historiador defende que a historiografia muitas vezes apresenta uma falsa oposição, e
não uma diferença entre ambas. A memória não seria apenas uma matéria-prima da
História
18
. Além da oposição feita por Nora, entre memória (absoluta) e História
(relativa), Silva sugere que seria possível perceber no âmbito do “(...) reconstruído e
relativo alguns horizontes do vivido e certa pretensão do absoluto, que (...) tendem a
apagar o lugar social da produção (...)”
19
histórica. Este conceito é salientado por
Michel de Certeau, para quem os métodos de pesquisa e organização de documentos e
14
D’ALÉSSIO, Márcia. “Memória: leituras de M. Halbwachs e P. Nora”. In: Memória, História, Historiografia
Dossiê ensino de história Revista Brasileira de História 25/26. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, set. 1992 a ago.
1993, p.101.
15
LE GOFF, J. Idem, p.29.
16
D’ALÉSSIO, M. Idem, p.101
17
LE GOFF, J. Idem, p.472.
18
SILVA, Marcos. História o prazer em ensino e pesquisa. São Paulo: Brasiliense, 1995. p.69.
19
SILVA, M. Idem, p.70. Grifo de PLOL.
19
19
questões “uma topografia de interesses” se instaura em função do lugar de
produção, sócio-econômico, político e cultural ocupado pelo historiador
20
.
Para Paul Ricoeur, a História é uma narração que pode, necessariamente, ser
contada de outra forma. Um trabalho de História é aquele que não consente nem no
discurso absoluto, nem na singularidade absoluta. Em suas palavras: “(...) A história é
essencialmente ‘equívoca’ (...) o método histórico só pode ser um método inexato
(...)”
21
Mas, Le Goff defende não ser possível diluir completamente as fronteiras entre
memória e História. A memória, assim como o próprio passado, não é História, mas seu
objeto e, “simultaneamente, um nível elementar de elaboração histórica”
22
. Apesar de
abordagens distintas, tanto Le Goff quanto Silva afirmam que o historiador deve ter o
cuidado de não reproduzir versões destinadas a enaltecer os marcos históricos
estabelecidos pelos dominantes ao lidar com a memória
23
.
Dominantes, não necessariamente vencedores. As inovações técnicas do século
XIX permitiram a difusão da crença na expansão linear, contínua e irreversível do
progresso industrial. No entanto, ao se analisar construções de memória de personagens
como o Visconde de Mauá e Christiano Ottoni, e contrastá-las com as realizações
concretas do desenvolvimento ferroviário no Brasil, percebe-se que, eles não venceram.
Suas memórias contém advertências que apontam para muitos fracassos. Por outro lado,
mesmo que o transporte ferroviário não tenha tido, no Brasil, o desenvolvimento
esperado por estes empreendedores e entusiastas, seus interesses, desejos e projetos
foram eternizados em forma de memória. Perderam no plano das realizações, mas
ganharam no campo das representações, pois suas versões ainda permanecem e podem
20
CERTEAU, Michel de. A Escrita da Hitória. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.66-7.
21
LE GOFF, J. Idem, p.21.
22
LE GOFF, J. Idem, p.49.
23
SILVA, M. Idem, p.73.
20
20
ser reativadas. Estas memórias evidenciam a luta de forças sociais pelo poder, como
lembra Le Goff:
“Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das
grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e
dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história
são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva.”
24
Estes processos de manipulação se manifestam não apenas na memória mas em
todo processo de construção do conhecimento histórico. O trabalho do historiador é
analisar documentos com base em conceitos e paradigmas teóricos claros que permitam
selecionar processos, questionar fontes, elaborar hipóteses, tomando o cuidado de não
cair em conclusões absolutas ou simplistas. A presente análise trabalha com a memória
enquanto evidência de diferentes formas de representação da ferrovia no Oeste de
Minas.
A ferrovia, espetáculo-síntese do capitalismo industrial, atravessou a região
estudada prometendo a transformação do sertão em civilização. Em certa medida,
hábitos e idéias foram influenciadas pela introjeção de um novo ritmo marcado pela
ligação mais dinâmica entre locais anteriormente isolados. No entanto, ao se pesquisar a
História da ferrovia no Brasil, conclui-se que as intenções de seus ideólogos e
planejadores foram bem maiores que suas realizações. O paradoxo que o trem de ferro
incorporou em sua passagem pela História brasileira é a dupla face, inicialmente de
agente da modernização e, hoje, símbolo de um tempo passado. O contraste entre a
noção da inevitabilidade do progresso, difundida no período estudado, e a percepção das
limitadas realizações de empreendimentos ferroviários iniciados na mesma época,
compõe um problema trazido à tona neste trabalho.
As companhias estudadas EFOM e EFG foram criadas com o objetivo de
contribuir ao desenvolvimento sócio-econômico e cultural de uma região identificada
21
21
pelos seus ideólogos e projetistas como sertão. Em 1902, Euclides da Cunha, que foi
também engenheiro militar ferroviário, lançou sua obra prima, Os Sertões. Antes de
presenciar a Guerra de Canudos, Euclides acreditava na positividade da modernização
cultural, incorporada pela República como sua principal missão. Mas, após o
testemunho da realidade sertaneja, este autor identificou no sertão o cerne da
nacionalidade brasileira. Para Euclides, o sertão era a fronteira entre a barbárie e a
civilização, espaço mestiço entre lugares. Analisando o extermínio da comunidade
liderada por Antônio Conselheiro, Euclides concluiu que a civilização, transplantada da
Europa para o litoral brasileiro, inevitavelmente alcançaria o interior, destruindo a
cultura sertaneja tradicional:
“A civilização avançará nos sertões impelida por essa implacável ‘força
motriz da História’ que Gumplowicz, maior do que Hobbes, lobrigou, num lance
genial, no esmagamento inevitável das raças fracas pelas raças fortes.(...)
Estamos condenados à civilização.
Ou progredimos, ou desaparecemos.
A afirmação é segura.”
25
O termo sertão, recorrente nos documentos analisados nesta dissertação, não
deve ser compreendido somente como um espaço geograficamente determinado, apesar
de profunda ligação com o meio. O sertão é um ambiente cultural tipicamente brasileiro.
Os autores da época utilizavam a palavra sertão para designar regiões do interior onde
habitariam sociedades mestiças, cultuando valores europeus, como o cristianismo e a
língua portuguesa, hibridados com elementos das culturas indígenas e africanas. É, antes
de tudo, um espaço incivilizado.
Recentemente, Sérgio Ricardo da Mata desenvolveu uma rica análise sobre o
conceito de sertão na memória e História mineira. Para ele, o sertão é um “espaço
polissêmico em que as noções de fronteira, esconderijo e deserto se confundem”. Este
24
LE GOFF, J. Idem, p.426.
25
CUNHA, Euclides. Os Sertões: Campanha de Canudos. 1902, p.7 e 52.
22
22
autor também defende que o sertão não é apenas uma categoria utilizada para definir
regiões pouco povoadas do interior, apesar de ser um dos primeiros termos de percepção
geográfica dos antigos mineiros
26
. Para Mata, o sertão é um “espaço fluido”, uma
categoria relativa. Sua localização pode variar tanto de acordo com as concepções
espaciais de um grupo social, quanto “historicamente, em função das transformações
impostas à paisagem.”
27
A influência do ideal de modernização do sertão sobre sociedades tradicionais,
no caso específico das ferrovias, ultrapassou o universo econômico, político e social,
alcançando o âmbito da transformação cultural. A ferrovia promoveu uma re-
significação das terras brasileiras. O sertão se transformou em palco da civilização.
Estações inauguraram povoados e lhes deram nomes. Portanto, este objeto de análise é
mais que um estudo de caso que se encerra nas regiões percorridas pela EFOM e EFG.
As especificidades da História desta região não a coloca distante de questões que
perpassaram a modernização de outras partes do mundo, onde a ferrovia estabeleceu
padrões técnicos e paisagens comuns.
Toda História liga-se às necessidades e situações presentes nas quais
acontecimentos passados têm ressonância
28
. O problema que levou a esta pesquisa
encontra-se no momento presente: como formou-se o sistema de transportes ferroviário
brasileiro? A precariedade do transporte rodoviário, quase absoluto, é uma constatação
da ineficácia do modelo adotado em curso. Em muitos países desenvolvidos e em
desenvolvimento, a ferrovia, articulada a outros meios de transporte, tem papel
fundamental na vida das pessoas, enquanto no Brasil, para a maioria da população, trem
26
MATA, Sérgio R. Catolicismo poopular, espaço e proto-urbanização em Minas Gerais, Brasil. Séculos XVIII e
XIX. Colônia: Universidade de Colônia, Alemanha, 2002, p. 162-3.
27
MATA, S.R. Idem, p.164.
28
LE GOFF, J. Idem, p.24.
23
23
de ferro é coisa do passado. Portanto, é necessário indagar o que teria levado à
ineficácia das realizações ferroviárias iniciadas no século XIX.
Hoje, a ferrovia para grande parte da população brasileira com mais de trinta
anos, é algo pertencente ao universo da memória. Para aqueles mais jovens, nascidos na
década de setenta em diante, faz parte de algo não vivido: memória de memória. Mesmo
assim, ela parece ainda ocupar um lugar de ícone de uma outra era no imaginário social
brasileiro, a era de realizações do progresso tecnológico no final do século XIX e início
do XX, a era do trem. E ocupa um lugar especial no imaginário mineiro, talvez por
Minas possuir ainda hoje a maior malha ferroviária do país (pois é uma das maiores
regiões mineradoras e siderúrgicas do planeta, assim como entreposto logístico entre o
litoral e os estados interioranos), e porque o transporte ferroviário, de fato, integrou
muitos dos principais centro urbanos regionais mineiros durante o período estudado,
dinamizando a comunicação por suas longas distâncias e proporcionando certas
condições de crescimento sócio-econômico.
Em 1835 foi aberta a primeira concessão para uma estrada entre a Corte e as
províncias da Bahia, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Mas, a primeira ferrovia foi
inaugurada somente em 1854, produto da aliança tecnológica entre ciência e capital.
Entre este ano e 1889, 9.500km de linhas foram construídas por vinte companhias
ferroviárias em todo o país
29
. Após a mudança do regime, a malha nacional triplicou sua
extensão até 1930
30
. Este ano marcou o fim da primeira grande fase da História
ferroviária brasileira, na qual esta análise se insere. Este período foi caracterizado pela
ausência de planejamento estatal que de fato coordenasse a implantação de um sistema
29
DAVID, Eduardo G. 127 Anos de Ferrovia. Juiz de Fora: Associação de Engenheiros da E.F. Central do Brasil,
1985, p. 13. SCHOPPA, René F. A Ferrovia é Viável!. Rio de Janeiro: JMB Editores, 1985, p. 27. Entre 1854 e
1870, 700km de trilhos foram assentados no Brasil; em 1890, o país já possuia 9.600km.
30
SCHOPPA, René F. A Ferrovia é Viavel! Rio de Janeiro: JMB editores, 1985. p.27. Em 1900, a malha nacional
era de 15.000km; chegando a 30.000km em 1925.
24
24
nacional de transportes, apesar da unânime ideologia do progresso que atravessou o
Império e a República
31
.
A ferrovia prometia, por um lado, o desenvolvimento da economia capitalista no
Brasil, e por outro, a integração política nacional. Ambos processos influenciariam
mudanças em hábitos culturais. As noções de tempo, distância e duração seriam
profundamente transformadas. Além disso, o trem de ferro tornou-se um ícone
emblemático no imaginário do espetáculo da civilização burguesa. Nesse sentido, cabe
questionar o que teria levado à adoção da ferrovia como meio de desenvolver o país,
como formou-se a própria noção do atraso sócio-econômico e cultural, justificativa para
o desenvolvimento, e quais foram os sujeitos desse processo? A História dos
empreendimentos no setor de transporte sobre trilhos no Brasil foi marcada pela
articulação entre homens de Estado, capitalistas, técnicos e trabalhadores.
É fundamental analisar a memória da ferrovia no Brasil, acima de tudo, para que
as intenções, projetos e realizações das gerações que nos antecederam não sejam
esquecidas. Essa é sua função social. Como estabeleceu Heródoto, o objetivo da
memória histórica é “prevenir que os traços dos eventos humanos sejam apagados pelo
tempo”
32
. A História que aqui se produz busca analisar exatamente como estes traços
foram preservados ou apagados pela ação do homem no tempo. É preciso conhecer
como foram planejadas e construídas nossas ferrovias, ter noção do esforço coletivo,
público e privado, nelas empreendido e do impacto que tiveram na realidade do país.
31
Durante o governo Vargas, muitas companhias ferroviárias foram estatizadas e incorporadas em redes regionais.
Em 1931, a malha mineira passou a compor a Rede Mineira de Viação. Em 1952, no segundo governo Vargas,
foram iniciados os estudos para a formação de uma rede nacional. Em 1957, o governo Kubitschek criou a Rede
Ferroviária Federal (RFFSA), que passou a controlar quase todas as ferrovias do país. O ano seguinte, 1958,
marcou o auge das malha nacional: 38.000km. Durante a ditadura militar, o transporte ferroviário foi negligenciado
em detrimento de uma política de transporte rodoviário. Em 1983, o país possuía apenas 29.000km, o mesmo que
em 1920. Em 1996, o governo Cardoso desetatizou a malha nacional. Atualmente, dezoito consórcios privados
detém concessão de uso dos cerca de 28.000km úteis.
32
HERODOTUS. The Histories. Oxford: Oxford University Press, 1998, p.3. Tradução do grego para o inglês por
Robin Waterfield, e para o português pelo autor.
25
25
Assim, pode-se investigar como o trem de ferro, em sua passagem pelo Brasil,
atravessou a fronteira entre o essencial e o efêmero.
26
26
CAPÍTULO I Entre o atraso e o progresso: memórias de viajantes, políticos
e empreendedores ferroviários no Império
A difusão do transporte ferroviário pelo mundo motivou a imaginação e ação
de sujeitos que elaboraram narrativas em defesa do desenvolvimento sócio-econômico
brasileiro. Nestes textos de memória, a ferrovia seria o instrumento capaz de possibilitar
o rompimento com a situação de atraso cultural através da transformação do país em
nação civilizada. Viajantes estrangeiros, homens públicos e empreendedores capitalistas
deixaram suas impressões sobre o lugar que este novo meio de transporte poderia vir a
ter no processo de desenvolvimento sócio-econômico e progresso cultural por eles
almejado para o Brasil. A análise de suas obras de memória, considerando o contexto
histórico em que foram confeccionadas, revela argumentos em favor da modernização
do país que vão desde propostas de políticas de expansão do controle efetivo do Estado
pelo território até a defesa da necessidade de mudanças nos hábitos das populações
sertanejas. Estas obras contribuíram para a formação de uma necessidade cultural pela
modernização capitalista, através da industrialização de um país predominantemente
agrário, em que a ferrovia seria um instrumento extremamente útil.
Os autores analisados ocuparam lugares sociais distintos. Auguste Saint-Hilaire
e James Wells foram viajantes estrangeiros que percorreram longas extensões do
território brasileiro, registraram suas impressões e publicaram-nas em seus países de
origem. São ricas obras sobre como eles viram as terras tropicais do Brasil. Em seus
percursos, percorreram o sertão que mais tarde seria atravessado pelos trilhos das
companhias EFOM e EFG. O mesmo fez o político paulista José Almeida Leite Moraes,
que também publicou seu diário de viagem após retornar a São Paulo. Os relatos destes
memorialistas-viajantes permitem uma reconstrução, mesmo que fragmentada, de
aspectos da realidade cultural brasileira testemunhada a partir de olhares guiados por
27
27
paradigmas diferentes. São textos etnográficos, produzidos durante o período de
constituição da antropologia cultural. O Brasil e os brasileiros são, com suas diferenças
culturais, os objetos de descrição e análise de suas obras. Porém, estes autores denotam
uma visão de mundo etnocêntrica, baseada em valores da cultura européia ocidental.
O Visconde de Mauá e Christiano Ottoni, por outro lado, não eram viajantes.
Suas memórias são de outro tipo. Empreendedores e políticos, diretamente ligados à
construção e funcionamento das primeiras ferrovias brasileiras, seus textos contém
interpretações sobre os momentos iniciais da História ferroviária no país, suas condições
e as perspectivas para o futuro. Mauá construiu a primeira ferrovia em solo brasileiro, e
participou ativamente da fundação de outras quatro companhias ferroviárias. Entre elas,
a Estrada de Ferro Dom Pedro II (EFPII), empresa dirigida por Christiano Ottoni
durante seus primeiros dez anos de funcionamento. Suas memórias merecem novas
leituras.
Nestas obras, encontra-se uma tensão latente entre o sertão e a civilização. A
necessidade de transformação de regiões atrasadas em palcos da formação de uma
nação moderna constitui seu tema principal. Para alcançar este objetivo, os autores
apontaram que seria essencial formular, através do Estado, um planejamento estratégico
das vias férreas. A ordem aparece como pré-requisito para o progresso. A ferrovia teria
a função de emblema do ideal de modernização do sertão. Os produtores destas
memórias deixaram marcas de uma sociedade em vias de transformação, de um tempo
em que as expectativas apontavam para a difusão inquestionável do progresso material
da cultura industrial. Os principais sujeitos das narrativas são os grandes homens e seus
construtos: as máquinas.
28
28
I.1. Olhares estrangeiros: Auguste Saint-Hilaire e James Wells
“No sertão as autoridades não podem exercer nenhuma vigilância, as leis
perdem a sua força, e muita gente para aí acorre de outras partes da província,
seja para escapar à perseguição da Justiça, seja simplesmente para usufruir
uma liberdade ilimitada.”
Auguste Saint-Hilaire, 1847
33
Auguste Saint-Hilaire esteve pelo Brasil no início do século XIX. Em 1816 e
1817, este naturalista francês liderou uma expedição em busca da nascente do Rio São
Francisco, situada no alto da Serra da Canastra, região oeste de Minas Gerais.
Confeccionou um rico relato etnográfico sobre sua viagem, registrando impressões de
um país visto como composto por uma sociedade multi-racial, estratificada, controlado
por uma elite branca e fundamentado no trabalho escravo. Notou um forte contraste
entre a cultura luso-brasileira do litoral e os hábitos das populações do sertão, região
sem leis, onde prevaleceria uma “liberdade ilimitada”. Apontou vários problemas infra-
estruturais do país, defendendo a necessidade do desenvolvimento sócio-econômico em
moldes capitalistas.
Partindo do Rio de Janeiro a cavalo, acompanhado por dois auxiliares e um guia,
Saint-Hilaire viajou na época em que as primeiras experiências com a locomotiva eram
feitas na Europa. Em Porto da Estrela
34
, sua caravana pegou a estrada para a capitania
de Minas Gerais. Em sua narrativa encontra-se explícita a questão do atraso brasileiro.
Um de seus sintomas era a falta de hospedagens públicas ao longo das estradas. Os
viajantes seriam sempre obrigados a solicitar pouso em fazendas pelo caminho,
depender da hospitalidade dos moradores, ou montar acampamento, muitas vezes a céu
aberto. Comparou a estrada brasileira com as européias, registrando que, apesar de ser
33
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem às Nascentes do Rio São Francisco. São Paulo: Edusp-Itatiaia, 1975, p.77.
34
Local onde seria inaugurada a primeira ferrovia do Brasil, por Mauá, em 1854.
29
29
um caminho muito freqüentado, “o viajante francês, alemão ou inglês” não encontraria
nela hospedarias equivalentes às mais modestas de seus países
35
.
Sua comitiva viajava normalmente do amanhecer até o fim da tarde. As
dificuldades eram imensas e os meios, os mais arcaicos, justificando a necessidade da
modernização
36
. As travessias dos maiores rios, cenas da luta de homens em balsas,
tentando fazer animais cruzar correntezas a nado, foram objetos de detalhadas
descrições. Entrando em Minas Gerais, a caravana seguiu por terra, sempre com muitos
obstáculos. Saint-Hilaire descreveu o caminho como quase intransitável. Em alguns
pontos, não passaria de uma trilha estreita aberta sobre rochas escorregadias, dispostas
quase a pique, onde se caminhava à beira de fundos precipícios. Em suas palavras, a
estrada para Minas: “Foi um dos piores caminhos que já passei em todas as minhas
viagens”
37
.
A narrativa de Saint-Hilaire é permeada por cenas das condições infra-
estruturais que testemunhou no Brasil. O transporte de gêneros impressionava pela
precariedade. Durante o caminho, cruzaram com tropas de burros carregando queijos
para a corte, um dos principais produtos mineiros voltados para o mercado interno. O
transporte era feito em cestos (jacás) de bambu trançado. De acordo com seu relato, um
burro carregaria dois cestos, contendo cada cerca de cinqüenta queijos. Ou seja, seriam
necessários dez burros para o transporte de 1000 queijos.
Devido às dificuldades do transporte por terra, o principal meio de comunicações
internas era fluvial, através dos vários rios navegáveis e imensa costa litorânea. Desde o
35
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.23.
36
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.33. Sobre o ponto de travessia do Rio Paraíba, Saint-Hilaire registrou que: “À hora
em que cheguei, as margens (...) estavam cheias de bois. Alguns já se achavam na margem direita enquanto os
tocadores se ocupavam em fazer atravessar o resto. Negros armados com longas varas e soltando gritos terríveis
forçavam os animais a entrar no rio. Mal se viam na água, porém, eles tentavam voltar à mesma margem, apesar
dos golpes que os tocadores faziam chover sobre eles e das canoas que usavam para barrar-lhes a passagem. Ao
invés de se dirigirem para a outra margem, os bois se desnorteavam dentro do rio, atropelando-se uns aos outros,
e foi com enorme dificuldade que afinal passaram todos para o outro lado. (...) Ali não há balsas, e os viajantes se
servem de canoas conduzidas por dois negros”.
37
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.25.
30
30
início da colonização, rios como o São Francisco, Tietê, Amazonas, Maranhão e Doce,
permitiram a colonização do interior profundo da América do Sul e o estabelecimento
de povoados que garantiram a própria extensão territorial brasileira. O sistema de
transporte fluvial já era notado por Saint-Hilaire como promissor para o progresso do
país. Mas, ele mesmo sugeriu que, devido à falta de política de desenvolvimento e
planejamento, as potencialidades do sistema hidroviário pereceriam frente à falta de
utilização por parte da população. Assim, ele não vislumbrou a modernização a curto
prazo no país. Em suas palavras:
“(...) não podemos deixar de nos espantar com as imensas vantagens qua a
navegação fluvial poderia oferecer aos brasileiros. Somos quase levados a crer
que o criador da Natureza, ao estabelecer tantos meios de comunicação entre as
diversas partes desse imenso império, quis indicar a seus habitantes que eles se
deviam manter unidos. (...) Infelizmente, muitos anos ainda vão escoar-se antes
que os brasileiros possam tirar tão bons proveitos da Natureza e que os colonos
das vizinhanças de S. João [del Rei], em particular, contem com outros meios de
comunicação além dos seus burros, atualmente os únicos navios nos seus
desertos.”
38
A caravana passou pela Fazenda do Sítio, próxima a Barbacena, local que seria
palco do início das obras da EFOM, na década de 1880. No caminho entre Sítio e São
João del Rei, que anos depois seria atravessado por trilhos e coberto pelo barulho dos
trens, Saint-Hilaire sentiu o clima cultural do sertão. Não encontrou ninguém no trecho
de uma região dominada pela natureza, onde não havia mais populações indigenas e
nem ainda uma presença colonial efetiva. “Em toda a parte só se via uma imensa e
monótona solidão”
39
.
Em São João del Rei, oásis de civilização, a caravana recompôs-se para seguir
viagem. Desta cidade em diante, a região tornava-se cada vez menos povoada
40
. A
travessia do Rio Grande teria sido feita em um ponto onde o mesmo contava com pouca
38
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.50.
39
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.59.
31
31
largura, através de uma ponte de madeira muito mal conservada, como a maioria na
província, sem parapeito, o que a tornava muito perigosa para os animais de carga
41
. As
terras montanhosas entre São João del Rei e a Serra da Canastra foram representadas
como a parte mais deserta da província de Minas Gerais
42
.
A presença de elementos civilizados seria cada vez menor ao passo que se
deslocavam sertão adentro. Em cada cidade, Saint-Hilaire notava mudanças nos hábitos
da população. Oliveira foi descrita como um “rancho imundo”, onde o viajante se viu
“misturado com tropeiros de todas as cores”. Constituiu matéria de estranhamento a
aparente confusão observada por Saint-Hilaire. A mistura de pessoas de diferentes
cores, a desorganização dos “sacos de algodão amontoados em todos os cantos e
congalhas empilhadas umas sobre as outras” foram interpretados como sinais de um
atraso cultural
43
. Em Formiga, cidade que quase um século depois seria o ponto inicial
da EFG, observou o comércio entre os gêneros do litoral e os produtos do sertão. O
caminho entre São João del Rei, Formiga e Araxá, levaria um mês e meio para ser
completado, em carros-de-bois
44
. Do Rio de Janeiro a Goiás, com tropa de burros
carregando mercadorias, seriam necessários cinco meses de viagem
45
. Formiga era
considerada a “entrada do sertão”, entreposto entre esta região e o litoral em uma
época de transportes lentos e inseguros. Segundo Saint-Hilaire, na época de sua viagem,
seis negociantes dominavam o comércio em Formiga, mantendo contato direto com o
Rio de Janeiro, vendendo sal e ferro no interior e recebendo em troca outras
mercadorias, como algodão, couros, peles e gado
46
.
40
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.84.
41
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.60.
42
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.12.
43
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.85.
44
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.106.
45
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.136.
46
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.91.
32
32
Um problema constante ao longo das viagens pelo Brasil oitocentista apontado
por Saint-Hilaire foi a falta de mapas ou outros instrumentos de direcionamento para
facilitar a mobilidade pelo território. Isso levava à necessidade imponderável da
contratação de um guia que conhecesse o caminho. Em cada pouso, Saint-Hilaire
contratava um homem da região para direcionar a caravana. Sem um guia, seria
impossível seguir viagem.
As terras à esquerda do Rio São Francisco foram representadas como mais
atrasadas, já que se achavam muito afastadas “(...) do que se pode considerar como os
centros civilizados da Província de Minas.”
47
Aos olhos de um civilizado, os hábitos da
população de Araxá seriam grosseiros e desdenhosos. Tanto que não seria possível
saber de sua condição social, que não se manifestaria em suas maneiras. Em suas
palavras, sobre os araxaenses: “Contarão esses homens realmente com poucos recursos,
ou serão ricos com aparência e hábitos de pobres?”
48
.
Goiás, mais distante do mar, teria ainda menos influência da civilização. Neste
momento, as unidades políticas que compunham o Brasil viviam isoladas entre si, cada
uma com seu pequeno exército e limitado tesouro. As precárias comunicações internas
conduziam o país a um estado de desintegração. As conseqüências deste isolamento
seriam graves, na ótica de Saint-Hilaire, com influências mais que sócio-econômicas:
culturais. Para este viajante francês, a população de Goiás, esparsa e rarefeita, estaria
vivendo em condições subumanas e, definitivamente, fora do alcance da civilização.
Uma solução vislumbrada para o problema desta situação de atraso e retrocesso cultural
seria o envio a Goiás de “alguns sacerdotes estrangeiros a fim de que seu povo seja
recuperado e retorne à sua digna condição de seres humanos.”
49
Para Saint-Hilaire, só
47
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.118.
48
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.126.
49
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.189.
33
33
assim o povo goiano teria a oportunidade de reerguer-se, de adquirir virtudes e de
ocupar o seu lugar na sociedade civilizada.
A defesa do trabalho capitalista, da moral cristã e do progresso tecno-industrial
como instrumentos para levar a civilização aos sertões, é emblemática no discurso de
Saint-Hilaire. O Brasil deixaria de ser um imenso território mal governado por uma
pequena elite política litorânea, seguindo os mesmos passos que a Europa ocidental:
difundindo o conhecimento e a valorização do trabalho entre cidadãos livres. Mas,
Saint-Hilaire acreditava que a superação do atraso brasileiro, seria um processo lento e
de longo prazo. Seria fundamental iniciá-lo pela difusão da instrução pública à
população e a formação do valor do trabalho.
Porém, o próprio Saint-Hilaire problematizou esta crença na civilização do
sertão. Em sua perspectiva, o fato das necessidades das populações sertanejas serem
satisfeitas pela produção local, o isolamento geográfico destas sociedades e o calor do
clima seriam convites à ociosidade e à apatia:
“E por que iriam eles trabalhar, quando suas necessidades, ainda que
mínimas, podiam ser satisfeitas. Nessas regiões o isolamento liquida com a
emulação, e o calor do clima convida à ociosidade. A inteligência deixa de
funcionar, a cabeça não raciocina mais, e todos mergulham na mais lamentável
apatia.
50
O ambiente do sertão, com elementos como a natureza rica, sem exigir trabalhos
intensos, e o clima tropical, propício à vida, contribuiria para a configuração de uma
sociedade atrofiada. O etnocentrismo europeu e a falta de uma visão relativa do outro
demonstram o estágio do próprio conhecimento ocidental, anterior à formação da
antropologia. No fim das contas, para Saint-Hilaire, a única solução apresentada ao
Brasil seria o transplante da cultura européia, através da imigração de sua população a
este novo país. Europeus trariam a cultura civilizada e o progresso às terras brasileiras.
50
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.118.
34
34
Saint Hilaire, viajando antes da difusão da ferrovia, já esperava que o
desenvolvimento tecnológico e industrial pudesse resultar na formulação de
instrumentos de comunicação mais dinâmicos. Estes teriam o papel de difundir o
progresso por regiões consideradas atrasadas, transformando espaços sertanejos em
cenários da civilização:
“Quando uma população mais numerosa se disseminar por essa região
hoje tão deserta, e quando, com a ajuda de comunicações mais fáceis, o
progresso chegar até ali, suas terras poderão deixar de tornar florescentes.”
51
* * *
Meio século depois, o inglês James Wells, também confeccionou um relato
etnográfico em sua viagem pelo interior do país, intitulado Navegando e Viajando Três
Mil Milhas Através do Brasil do Rio de Janeiro ao Maranhão. Passando por Minas,
Wells percorreu o caminho entre Barbacena (próxima a Sítio, futuro ponto inicial da
EFOM), Ouro Preto e Pirapora. Este viajante registrou suas experiências e impressões
sobre a realidade brasileira. Em sua visão, o Brasil seria um país fértil e rico em
recursos naturais, mas habitado por uma população com pouca vocação para atividades
industriais. Em uma passagem de sua narrativa, publicada em 1886, Wells deixou
impressa sua descrença com o progresso da sociedade brasileira, mesmo com a
introdução do transporte ferroviário. Em suas palavras, em Minas:
“(...) existem espalhados em meio aos morros e montanhas, muitos vales e
depressões de solo muito bom, suficiente para fornecer uma produção
abundante, mesmo com o número atual de habitantes, caso eles fossem apenas
razoavelmente industriosos, mas temo que mesmo a presença da ferrovia em seu
meio não logrará exortá-los a uma atividade mais vigorosa.”
52
51
SAINT-HILAIRE, A. Idem, p.124.
52
WELLS, James. Navegando e Viajando Três Mil Milhas Através do Brasil do Rio de Janeiro ao Maranhão. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e culturais, 1995. vol. 2. p.263.
35
35
Apesar dos portos brasileiros terem sido abertos ao comércio mundial em 1808,
Wells registrou que na década de 1880 o Império do Brasil era um “vasto país (que só
perde em área para o Império Russo)”, mas, ao mesmo tempo, uma terra da qual
menos se sabe, em geral, do que da África”
53
. Sua obra tinha o objetivo de suprir a
lacuna no conhecimento europeu sobre o Brasil. Junto com descrições da sociedade
observada, estão marcadas idéias e concepções sobre a realidade do país. Em seu ponto
de vista, o problema do atraso brasileiro não seria relacionado ao desenvolvimento
tecnológico, mas sim à própria cultura de sua população.
Em janeiro de 1873, Wells chegou ao Rio de Janeiro para se juntar a uma equipe
de engenheiros organizada pela Companhia de Construção de Obras Públicas de
Londres. O objetivo seria fechar um contrato com o governo brasileiro para a execução
de um levantamento geográfico do vale do Rio Paraopeba e do Rio São Francisco, até a
cachoeira de Pirapora. A intenção seria avaliar as condições e potencialidades de
exploração desta região, para o prolongamento da EFPII até o São Francisco. Este havia
sido aberto aos navios mercantes estrangeiros apenas cinco anos antes, em 1868. Além
disso, Wells seria contratado para fazer um diagnóstico sobre a região entre o Rio São
Francisco e o Rio Tocantins, projetando a ligação ferroviária entre eles, no intuito de
estabelecer uma “grande linha de comunicação interna” entre o Rio de Janeiro e o Vale
do Amazonas.
Estas obras não foram realizadas. Wells tornou-se, então, apenas um viajante,
relatando suas aventuras pelo interior do país, sempre com um olhar guiado pelos
valores da civilização capitalista. Seu texto demonstra o interesse em expandir a
ferrovia pelo Brasil através de investimentos britânicos, garantindo vantagens
permanentes advindas da dependência de tecnologia e do crescimento comercial. Além
53
WELLS, James. Idem, p.37.
36
36
disso, a ferrovia abriria vastas áreas ao comércio entre o Brasil e a Europa, encorajando
inclusive a imigração européia. Em sua época, só a Inglaterra contava com cerca de um
milhão de indigentes e miseráveis, emigrantes em potencial
54
.
Chegando ao Rio de Janeiro, teve o primeiro contato com a capital de um
Império de contrastes. Ainda a bordo, ao entrar na Baía da Guanabara, Wells se deparou
com um “(...) cenário (...) magnífico em forma e rico em cor, um verdadeiro sonho de
um país de maravilhas (...)”
55
. No entanto, ao chegar à cidade, sentiu-se atordoado por
tantas “imagens, sons e odores estranhos”. Percebeu que a população seria composta
por cavalheiros brasileiros de cartola, fraques pretos, e colarinhos brancos” ao lado
de negras-minas de “ombros largos, robustos e nus, brilhando como ébano polido”
56
.
Na Rua do Ouvidor, viu “lojas elegantes de todos os ramos”, e um intenso tráfego de
bondes, disputado por uma “multidão apressada”
57
.
Wells impressionou-se com alguns pontos turísticos cariocas, como o Jardim
Botânico e o Corcovado. Sobre a Estrada de Ferro do Corcovado, registrou que em seu
trecho, “Os aclives são extremamente íngremes, e a velocidade é apenas de uma
caminhada; a linha serpenteia em torno de morros precipitosos (...)”
58
. Esta via,
projetada por engenheiros brasileiros e financiada com capital também nacional, foi a
primeira no Brasil a aliar o transporte ferroviário ao turismo
59
. Em um relato repleto de
cenas do cotidiano, composições imagéticas e suposições interessantes de observador
54
WELLS, James. Idem, p.24. Wells relata que conheceu um inglês, proprietário de uma colônia de trabalhadores
inglêses em São Paulo. Na estação de Barra do Piraí, “Despeço-me neste local de um companheiro de viagem, um
inglês; seu nome me escapa, infelizmente, pois gostria de mais tarde confirmar suas afirmações. Ele contou-me
que possuia uma propriedade no ramal paulista da Ferrovia D. Pedro II onde estabelecera uma colônia de
trabalhadores rurais inglêses; ele os trouxera do próprio bolso, dera a cada um casa, terra e 3.000 pés de café, e
os sustentara até que lhes fosse possível trabalhar no cultivo do café. A produção total é levada por ele ao
mercado, e o retorno líquido é dividido igualmente entre ele e os homens. Ele afirmou que estes estavam
prósperos, contentes e felizes; certamente, no que diz respeito ao clima e ao solo, eles têm tudo que se possa
desejar, e o sistema deveria funcionar bem se realizado honestamente.” p.65.
55
WELLS, James. Idem, p.39.
56
WELLS, James. Idem, p. 42-43.
57
WELLS, James. Idem, p. 49-50.
58
WELLS, James. Idem, p. 49.
59
Na obra The Railway Age, de Arnold Perkin, 1976, há um capítulo sobre a relação entre ferrovia e turismo.
37
37
estrangeiro, Wells discorreu sobre a Corte e suas contradições. Para ele, as belezas do
Rio, quando descobertas por povos civilizados, certamente atrairiam turistas. Isso seria
“apenas uma questão de tempo”
60
.
No dia 14 de fevereiro, Wells partiu da Corte, na EFPII, rumo ao interior. Na
estação ferroviária D. Pedro II, presenciou o choque de culturas realizado
cotidianamente na vida brasileira. Em sua narrativa, a raça brasileira seria constituída
por uma miscelânea de variedades de descendentes de europeus, africanos e indígena,
distribuídos em estamentos sociais distintos. Na estação ferroviária, Wells observou o
comportamento dos brasileiros em um ambiente ocidental.
Na estação, uma miscelânea das variedades que compõem a raça
brasileira lotava a plataforma, uma mistura de descendentes de brancos, índios
e negros. Havia algumas pessoas gradas (lideranças políticas, quase sempre
proprietários de grandes fazendas),(...) elegantes homens brancos com ar de
cavalheiros, em geral, cada um acompanhado de um criado negro de libré,
vistoso em suas cores,(...) fazendeiros ricos,(...) falando alto e recendendo a
alho e tabaco. (...) comerciantes de aparêncioa biliosa, amanuenses pálidos,
portugueses gordos e uma multidão indistinta de matutos mulatos ou negros,
homens altos, rijos, capazes de suportar (quando se dispõem a tanto) grandes e
prolongadas fadigas.(...) O sexo feminino estava representado pelas senhoras
da classe alta, freqüentemente belas e sempre bem vestidas; (...) e por fim, mas
de maneira nenhuma em último plano, as negras-mina, livres e independentes,
abrindo caminho para suas formas volumosas na multidão com os cotovelos,
com tão pouca cerimônia quanto um carregador de carvão o faria na turba
londrina(...)”
61
O cenário ferroviário era semelhante em muitos países, marca da expansão da
imagem da sociedade capitalista. Este viajante visualizou a maneira pela qual a
sociedade brasileira se organizava sócio-economicamente, com suas características
étnicas, raciais e de gênero. A referência seria a sociedade britânica, modelo da cultura
industrial. A comparação entre Brasil e Inglaterra é percebida na citação, onde as
negras-minas, “livres e independentes”, são equiparadas a carregadores de carvão na
“turba londrina”.
60
WELLS, James. Idem, p. 49.
38
38
Café com pães-de-ló eram servidos em barracas na plataforma, acompanhados
de aguardente de cana, entre nuvens de fumaça dos trens e cigarros. Pouco antes da
partida, haveria uma algazarra de gritos, abraços e lágrimas, junto ao soar dos sinos e
apitos da locomotiva. Guardas e chefes-de-estação, em seus pomposos uniformes azuis,
apressariam os mais lentos. E finalmente o trem de vagões serpenteava para fora da
estação. Os carros seriam construídos em estilo americano, bonitos, bem feitos e
frescos; os assentos largos e confortáveis na forma, com fundo e encosto de palhinha.
Wells registrou ter sido apossado por um sentimento de exultação ao tomar consciência
de que finalmente estava a caminho de realizar o sonho tão ansiado de sua juventude:
uma longa temporada viajando pela região agreste dos trópicos. (...)”
62
A viagem de trem, até onde possível, foi confortável. Pela EFPII, ao longo do
Rio Paraíba, Wells notou que o vale pertencia aos poucos brasileiros abastados, barões e
viscondes. Estes exerceram tanta influência sobre a ferrovia que ela teve de cruzar o rio
cinco vezes entre Piraí e Porto Novo do Cunha, “(...) sobre pontes longas e caras, para
servir aos interesses de um barão daqui, um visconde dali.”
63
Neste momento, a última
estação da EFPII era Entre Rios. Deste ponto em diante, sua comitiva transportou-se
pela estrada de rodagem União e Indústria, em uma carruagem. Os pitorescos prédios
das estações da companhia rodoviária, em estilo gótico suiço, chamaram a atenção de
Wells, por contrastarem “vivamente com as costumeiras construções do interior.” Para
ele, a viagem, até então, seria “um esplêndido passeio por uma estrada magnífica”
64
.
De Juiz de Fora, ponto final da União e Indústria, em diante, as condições dos
transportes se alteraram bastante. Wells contratou o guia Antônio, e quatro mulas para
seguirem pelas pequenas estradas do interior. Seguiram viagem, após dizerem “adeus
61
WELLS, James. Idem, p.62-63.
62
WELLS, James. Idem, p. 63.
63
WELLS, James. Idem, p. 65.
64
WELLS, James. Idem, p. 67.
39
39
aos confortos da civilização”
65
. A estrada, em péssimas condições, seria a via principal
para o norte, com um tráfego intenso. No caminho, teriam encontrado gigantescos
carros-de-bois de construção primitiva “(...) mergulhando e navegando nesses atoleiros
como um navio no mar, rebocados pela força bruta de quatro a doze juntas de bois
(...)”, com seus condutores gritando e correndo ao lado, tentando direcioná-los.
Também cruzaram com muitas tropas de gado de Goiás, animais de enormes chifres e
aspecto feroz, porém fadigados e amansados pela longa jornada
66
.
Barbacena foi vista como outro oásis da civilização. Wells continuou viagem em
direção ao norte, percorrendo uma grande região, considerada estagnada e decadente,
contendo uma população espalhada, dispondo de pouca comunicação com os centros
comerciais, “(...) de modo que a massa das pessoas simplesmente vegeta como as
árvores que as cercam (...)”
67
. Sua narrativa oscila entre preconceitos como a
atribuição da falta de produção de excedente à indolência natural dos brasileiros e
visões históricas mais precisas.
Em um capítulo de sua obra, dedicado exclusivamente às ferrovias do Brasil,
Wells abordou a situação das sete companhias nacionais e dez inglesas instaladas no
país. Seu relato não mencionou a EFOM, apesar de ter sido publicado em 1884, após a
inauguração desta empresa. Em outro capítulo, intitulado “O Passado, O Presente e O
Futuro do Brasil”, Wells teceu uma análise geral sobre a modernização do país. O
processo mais importante que evidenciou foi a transferência, ocorrida desde a
decadência da mineração, dos centros produtores do interior para o litoral
68
.
O sertão foi caracterizado por sua inatividade e improdutividade. Seria habitado
por uma população sem ambição ou esperança de mudança, consumindo toda a própria
65
WELLS, James. Idem, p. 69.
66
WELLS, James. Idem, p. 72.
67
WELLS, James. Idem, p. 34.
68
WELLS, James. Idem. Vol. 2, p. 276.
40
40
produção e também a riqueza acumulada pelos antepassados. Em seu ponto de vista,
esta situação não seria ultrapassada apenas pela introdução da ferrovia, “pois, de que
adiantam ferrovias e comunicações para pessoas como essas, a menos que elas sejam
reerguidas pelo exemplo de imigrantes diligentes e esforçados.”
69
O futuro do Brasil,
para Wells, assim como para Saint-Hilaire, dependeria da imigração européia e
conseqüente transplante da cultura civilizada para a América, como estaria ocorrendo
nos EUA e Argentina.
Dois pontos foram salientados sobre o futuro político e econômico do país.
Primeiro, o fato do Imperador não ter herdeiro masculino imediato ao trono, o que
representaria “(...) um grande bicho-papão para os temerosos, e temem-se sérias
rupturas na solidez do império quando da muito indesejável sucessão ao atual
regente.” E, segundo, o fato do Brasil estar situado na América do Sul, motivo da
depreciação do valor de seus títulos para muitos investidores em potencial, sem
conhecimentos satisfatórios de geografia. Segundo Wells, para a maior parte do público
britânico, o Brasil era visto como uma daquelas repúblicas “(...) em algum lugar da
América do Sul, propensas a revoluções, terremotos e febre amarela, e todo esse tipo de
coisa, (...) [com] um imperador que acorda nas horas mais absurdas da manhã, e os
brasileiros são espanhóis”
70
.
Em seu relato, Wells mostra que teria se impressionado com as realizações do
capital, da ciência e do trabalho nas ferrovias, companhias de navegação a vapor, trilhos
de bondes, telefones, telégrafos, empresas comerciais e industriais, além da instituição
de sociedades científicas e artísticas no Brasil. Mesmo que a economia brasileira, desde
o fim da Guerra do Paraguai, não tivesse apresentado saldos positivos em sua balança
comercial, o país contava com um bom crédito internacional e possuía vastos recursos
69
WELLS, James. Idem, Vol. 2, p. 277.
70
WELLS, James. Idem, Vol. 2, p.285-6.
41
41
naturais. Para Wells, brasileiros e estrangeiros estariam fazendo o Brasil ocupar “o
lugar que ele deveria entre as grandes nações da terra”
71
.
No olhar destes estrangeiros, está explícito o incentivo a ações civilizatórias e
modernizadoras no Brasil. A visão de Saint-Hilaire e Wells é marcada por um
etnocentrismo europeu, caracterizado pela crença na superioridade cultural de suas
próprias sociedades. O Brasil foi pintado como um país que deveria caminhar para o
desenvolvimento sócio-econômico capitalista. Esta perspectiva foi defendida também
por muitos pensadores brasileiros da segunda metade do século XIX, e se difundiu até o
final da Primeira República.
71
WELLS, James. Idem, p. 28.
42
42
I.2. Olhares brasileiros: José Almeida Leite Moraes, Mauá e Christiano Ottoni
“E ali, nas encostas dos montes e nas próprias ruas, temos pedras para
construir uma cidade de Londres; temos a cal como não há melhor; a pedra-
sabão, a marmórea, madeira de lei; enfim, o material está à disposição do
trabalho e da industria.”
José Almeida Leite Moraes, 1883
72
No fim do século XIX, outro homem civilizado, desta vez um paulista, percorreu
o sertão oeste mineiro. Joaquim Almeida Leite Moraes produziu um relato sobre a sua
jornada por terra de São Paulo a Goiás, publicado em 1883 com o título de
Apontamentos de Viagem. Advogado, político, republicano e membro da elite imperial,
Leite Moraes foi também um entusiasta do progresso e da ferrovia. Deputado provincial
em São Paulo, por três mandatos, pelo Partido Liberal, e presidente da Câmara
Municipal de Araraquara, no período da expansão do café pelo oeste paulista, ele
chegou a elaborar um plano de ligação ferroviária entre São João do Rio Claro e
Araraquara. O projeto, no entanto, foi reprovado pela Assembléia Provincial de São
Paulo, em 1878.
Em 1880, estava em pauta a reforma eleitoral do Império. O gabinete liberal,
dirigido pelo conselheiro José Antônio Saraiva, nomeou Leite Moraes para a
presidência da província de Goiás
73
. Sua missão seria executar a reforma eleitoral nesta
província, da qual havia sido, na imprensa, um ferrenho defensor. Ele havia defendido
que a nova reforma eleitoral fosse implementada em todas as províncias. Assim,
recebera a função de implementá-la em Goiás, onde os processos eleitorais eram muitas
vezes fraudados.
72
MORAES, J.A. Apontamentos de Viagem (de São Paulo à capital de Goiás, desta à do Pará, pelos rios Araguaia e
Tocantins, e do Pará à Corte. Considerações administrativas e políticas). [1883] São Paulo: Cia. das Letras, 1995,
p.115.
73
MORAES. Idem, p.22.
43
43
Moraes deixou São Paulo no dia 27 de dezembro de 1880, “(...) no expresso da
Ingleza (...)”, a São Paulo Railway, empresa de capital e direção britânica
74
. Em
Campinas, sua comitiva baldeou para a Companhia Mogiana de Estradas e Ferro
(CMEF), dirigida por brasileiros, com capital dos grandes cafeicultores paulistas. No
momento da mudança de trens, Moraes teria percebido que algumas caixas de sua
bagagem haviam sido quebradas na viagem. Ciente que companhia não se
responsabilizava pelos danos, Moraes lamentou “(...) o progresso da estrada de ferro...
pelos danos causados pela negligência e imprudência de seus empregados(...)”
75
.
Mesmo assim, a comitiva teve de seguir em frente. Em cada estação, algum
representante da elite local estaria aguardando para saudá-lo e conversar sobre política e
o assunto mais discutido na época: o prolongamento da CMEF. A última estação desta
ferrovia naquele momento era Casa Branca. Deste ponto final dos trilhos do progresso,
tiveram de seguir a cavalo pelas estradas que levavam ao sertão.
A descrição do cenário passa, então, a ser semelhante às de Saint-Hilaire e
Wells. As estradas, devido às chuvas, pareciam rios de lama. O transporte de
mercadorias como café, fumo, queijo, manteiga, milho, feijão e toucinho, seria feito em
carros-de-bois. Segundo Leite Moraes, ao longo do caminho, encontraram diariamente
dezenas de carros de Minas e Goiás, puxados por até dez juntas de animais. Eram
constantes as perdas de carga, acarretadas pelas péssimas condições da estrada
76
. Já não
se encontravam em domínios da civilização. O trem ficara para trás e, adiante, o mundo
arcaico do sertão. O transporte era de uma dificuldade impressionante. Ao longo do
caminho encontraram muitas vezes com “(...) carros atolados na lama até o eixo, e
então os carreiros emendam as boiadas de dois carros para arrastá-los.”
77
74
MORAES. Idem, p.40.
75
MORAES. Idem, p.43.
76
MORAES. Idem, p.48.
77
MORAES. Idem, p.48; 50.
44
44
As condições de transporte da época foram, no entanto, representadas por Leite
Moraes como problemas solucionáveis através do avanço da ferrovia pelo interior do
país. Mas, situações repetidas desde o início do período colonial, ainda indicariam o
atraso brasileiro. No dia 10 de janeiro, chegaram à margem do Rio Grande, que tinha
cerca de 200 metros de largura. Não havia ponte. Sua travessia, enfrentando fortes
correntezas, seria feita, necessariamente, por canoas ou em uma única e velha balsa.
Cenas como esta, provavelmente constituíam o cotidiano dos trabalhadores relacionados
ao transporte, comércio e abastecimento de mercadorias pelo interior do país. Às
margens do Rio Grande, encontraram outros viajantes, tropeiros e carreiros amontoados,
esperando cada um sua vez de atravessar o rio, na balsa ou na canoa. Do lado oposto, no
porto fronteiro, via-se também que havia muitas pessoas solicitando embarcações para a
travessia do rio
78
. No momento em que chegaram ao porto, havia mais de 10 mil
alqueires de sal nos armazéns esperando para serem transportados.
Esta representação, fruto de um olhar brasileiro civilizado, revela a surpresa de
um homem de Estado ao conhecer aspectos menos nobres da realidade material
enfrentada por sua população. As memórias etnográficas de Leite Moraes permitem
uma certa aproximação com a realidade dos transportes antes do trem. Mas sua ótica
desvenda mais sobre si mesmo, seus valores, suas expectativas, sustos e decepções, do
que sobre o mundo concreto a sua volta.
Segundo ele, após instalarem-se na balsa, esta teria se despregado do barranco e
saído ao largo. Foi preciso que subissem barranqueando, cerca de meia légua, para que
depois, atravessando o rio em um movimento circular, alcançassem o porto da outra
margem. Os maiores perigos residiam na correnteza do rio e em sua profundidade. Em
suas palavras:
78
MORAES. Idem, p.60.
45
45
“Saindo ao largo, compreendi que estávamos sobre uma sepultura
flutuante. A balsa desconjuntava-se; as suas tábuas estragadíssimas; as canoas
podres e fazendo água... (...)
Subimos muito, e, afinal, a balsa caiu no centro do rio e rodava à mercê
da correnteza, não obedecendo aos esforços do piloto e remeiros. Parecia-me
que ela às vezes submergia pouco a pouco. Os camaradas lutavam com uma
força superior à de seus braços; as canoas faziam água e a balsa sempre
rodava!
Passamos a fronteira do porto, e continuamos a descer avançando
pouco a pouco para a barranca oposta, até que, enfim, chegamos, tocando-a
talvez umas quatrocentas braças abaixo do porto!
Estávamos salvos! (...)
Após um trabalho insano de meia hora, chegamos, graças a Deus, ao
porto.
(...) aquele túmulo flutuante é propriedade da província de Minas, e,
porque o passageiro o toma como um caminho em linha reta para a eternidade,
paga aí um imposto de trânsito.”
79
Os tropeiros, carreiros e barqueiros, assim como qualquer pessoa que usasse a
balsa, seriam obrigados a ajudar em sua condução pela arriscada travessia. Moraes,
entusiasta do progresso, viu toda a realidade a sua volta como uma lastimável prova de
atraso. Relatou que, ao longo de toda a viagem, teria encontrado apenas uma residência,
em Morrinhos, na província de Goiás, onde identificara a presença da civilização
80
. Para
ele, seria necessário gerar crescimento econômico no país, desenvolvendo seu potencial
produtivo através da queima de etapas possibilitada pela atração de tecnologia e capital
estrangeiros. Segundo Leite Moraes, “Só a estrada de ferro pode levar o braço, capital
e máquina para esse fim.”
81
Sua comitiva alcançou Vila Boa de Goiás, capital da província, no dia 1
o
. de
fevereiro de 1881, um mês após deixar São Paulo. Ao final do relato, a viagem foi
descrita como uma aventura tragicômica
82
. Devido às dificuldades enfrentadas e a
79
MORAES. Idem, p.60-62.
80
MORAES. Idem, p.85. Em suas palavras: “Dir-se-ia que a vida, o trabalho, o progresso, a felicidade, tudo
concentra-se apenas na casa onde estamos hospedados”.
81
MORAES. Idem, p.96.
82
MORAES. Idem, p.130. “(...) depois de 150 léguas medidas a trote largo de uma besta; de rios cheios com barcas
túmulos flutuantes; pontes caídas; tremedais sem termo, lagos podres, lamas, caldeirões, chuva torrencial, sol
africano, pousos em barracas; em ranchos abertos junto dos porcos, no meio dos ratos, e quase asfixiados pelas
baratas!...”
46
46
problemas de saúde que o impediam de cavalgar, Leite Moraes decidiu adotar outro
trajeto em seu retorno a São Paulo, por via fluvial, através do Rio Maranhão, até o
litoral norte, descendo pelo Oceano Atlântico até o porto de Santos. Assim, evitaram-se
os percalços do transporte terrestre. Mas, apesar dos problemas, Leite Moraes concluiu
seu relato informando ter conseguido implementar com sucesso a reforma eleitoral em
Goiás. De volta do sertão, escreveu que o futuro de Goiás dependeria da iniciativa
estatal, através de empreendimentos como a construção de ferrovias que ligassem esta
província ao litoral. O trabalho e a máquina seriam os motores do progresso no
imaginário deste político e viajante do final do Império. Sua esperança era que o Estado
fosse capaz de coordenar um processo de desenvolvimento, implantando ferrovias em
Goiás e transformando esta decadente província em uma terra de prosperidade:
“(...) no dia em que assim pronunciar-se o povo goiano pela iniciativa e
pelo trabalho e houver um governo que o auxilie, fornecendo-lhe os braços e
transporte fácil e barato; quando a locomotiva dobrar a serra Dourada e cair
no vale do rio Vermelho; quando uma via férrea ligar o baixo Tocantins ao alto
Araguaia, salvando as suas famosas cachoeiras, então a capital de Goiás não
será a terra do que já foi, senão a mais rica e próspera cidade do futuro, o
empório comercial de muitas províncias, cujos interesses ali se cruzarão na
passagem para Mato Grosso, Pará, Maranhão, Bahia, Minas e São Paulo.
Caminhemos à conquista desse futuro.”
83
* * *
Irineu Evangelista de Souza foi o empreendedor ferroviário pioneiro no Brasil.
Inaugurou, aos 30 de abril de 1854, a Imperial Companhia de Navegação a Vapor e
Estrada de Ferro de Petrópolis, a primeira via férrea do país, com cerca de 16km de
extensão. Em função disso, o Imperador concedeu-lhe o título de Barão de Mauá, e
homenageou sua esposa, Maria Joaquina, batizando de Baroneza a primeira locomotiva
a funcionar no país, construída dois anos antes na Inglaterra.
83
MORAES. Idem, p.131.
47
47
Hoje, Mauá é considerado o patrono do Ministério dos Transportes e a Baroneza
continua sendo a única locomotiva tombada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e
Histórico Nacional - IPHAN. A memória elaborada por Mauá sobre seus
empreendimentos é cultuada, principalmente pelo Estado, como mito de origem da
industrialização no Brasil. É fundamental analisá-la enquanto produto construído
historicamente, de acordo com os interesses e desejos de seu autor. Os mecanismo de
construção da memória e as estratégias de sua consagração, merecem interpretações de
seus significados para uma compreensão da lógica de produção de versões e
representações históricas.
FIGURA 1: BARONEZA, 1854
Figura 1 A Baroneza, primeira locomotiva a funcionar no Brasil em 1854
Em sua Exposição aos Credores, de 1878, defendeu a introdução e difusão de
ferrovias no Brasil, devido à sua extensão geográfica. Assim, os recursos naturais
seriam transportados para centros industriais onde contribuiriam para o
desenvolvimento econômico nacional. O Brasil teria o potencial para tornar-se o país
mais avançado do mundo. A ferrovia seria um empreendimento de extrema importância,
48
48
meio de civilizar o país, de difundir o valor e os instrumentos de trabalho pela
população espalhada nos sertões, integrando-a à economia nacional, e convertendo em
riqueza o que até então não teria valor algum. Em suas palavras:
“Ninguem desconhece que o Imperio do Brazil patenteia aos olhos de
todo o homem pensador que contempla no Mappa-Mundi a extenção de seu
territorio e respectiva posição topographica, a necesidade indeclinavel de vias
de communicação aperfeiçoadas para que os thesouros que elle esconde em
seus sertões venhão auxiliar o desenvolvimento dos grandes recursos que
encerra essa zona privilegiada, contribuindo assim para que a nacionalidade
espalhada sobre essa superficie, alcance, porventura em um futuro não mui
distante, a posição que lhe compete no congresso das nações, isto é, o primeiro
lugar.
Com effeito, será pouca cousa fazer penetrar um caminho de ferro nos
mais afastados confins do nosso territorio, conquistar ao deserto dezenas de
milhares de leguas quadradas, levar-lhes a população, os meios de trabalhar,
habilitar enfim os habitantes de tão remotas paragens a produzir e a consumir,
concorrendo dessa fórma com o seu contigente para a prosperidade e grandeza
da pátria?
Será pouca cousa arrancar, por assim dizer, as ricas producções que
encerram as entranhas dessa região afastada e conduzi-las por um rápido
trajecto de 50 horas a um porto de mar, convertendo em riqueza o que não tem
hoje valor algum apreciável?”
84
Mauá, que obteve o título de Visconde em 1874, não havia nascido nobre.
Iniciou suas atividades empresariais como sócio de uma importadora do inglês Richard
Carruther, no Rio de Janeiro. A relação com este capitalista abriu as portas dos bancos
ingleses a Mauá, com os quais intermediou muitos empréstimos estatais. Em 1845, à
frente de um ousado empreendimento, Mauá construiu os estaleiros da Companhia
Ponta de Areia, em Niterói, inaugurando a indústria naval brasileira. Em 11 anos, o
estabelecimento fabricou 72 navios, a vapor e a vela. Destruído por um incêndio em
1857 e reconstruído três anos depois, a empresa foi arruinada por uma lei de 1860,
isentando de direitos a entrada de navios construídos no exterior.
No setor bancário, Mauá também desempenhou papel pioneiro. Em 1851,
organizou o Banco do Brasil e, no ano seguinte, fundou a casa bancária Mauá, Mac
49
49
Gregor & Cia., com agência em Londres. A ele se deve, ainda, o primeiro desses
estabelecimentos fundado no Uruguai: o Banco Mauá Y Cia., em 1857, com autorização
para emitir papel-moeda. Este, posteriormente foi aberto também na Argentina. Jules
Verne, no romance Da Terra à Lua, escrito em 1873, citou o Banco Mauá Y Cia. como
uma das principais casas bancárias da América do Sul, com capacidade para financiar o
empreendimento de uma viagem espacial
85
.
Em 1853, Mauá conseguiu a concessão, por parte da província do Rio de
Janeiro, de privilégio exclusivo para a “construção, uso e goso de uma estrada de
ferro” da Praia da Estrela até Petrópolis, durante dez anos
86
. Em um artigo da Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de 1954, comemorando o centenário da
primeira ferrovia do Brasil, Cláudio Ganns construiu uma memória saudosista
revelando aspectos relevantes dos rituais envolvendo o início dos trabalhos deste
empreendimento. Segundo Ganns, após a cerimônia religiosa da benção, D. Pedro II,
segurando simbolicamente uma pá de prata, com ela por três vezes escavou a terra e a
lançou num carrinho expressamente feito para esse fim. Depois o Imperador passou a pá
aos ministros do Império, da Guerra, e da Marinha. “Cheio que foi o carrinho, S.
Majestade se dignou de conduzi-lo até a alguma distância e depois o entregou ao Sr.
Presidente da Companhia que o despejou.”
87
Mauá, buscando dar um significado de destaque a este evento na memória
histórica do país, doou o carrinho de jacarandá e a pá de prata ao Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro - IHGB, como consta na ata de sua reunião, de 29 de setembro de
84
MAUÁ, Visconde de. Exposição do Visconde de Mauá aos Credores de Mauá & C e ao Publico. Rio de
Janeiro.:Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve & C, 1878, p.78.
85
Site do Ministério dos Transportes.
86
POMBO, J.F.R. História do Brazil. Rio de Janeiro. 1900. p.440
87
GANNS, Cláudo. “Vicissitudes da Primeira Estrada de Ferro Brasileira”. In: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Jan/mar, 1954, pp.226-387. p.231.
50
50
1854. O IHGB foi fundado por D. Pedro II para ser a Casa da Memória Nacional.
Segundo Ganns, uma inscrição no carrinho eternizava:
“O primeiro corte da Estrada de ferro de Petropolis por S.M.I. o Senhor
D. Pedro II, no dia 29 de agôsto de 1952. Empresário e Presidente da
Companhia: Irineo Evangelista de Souza. Encarregado da fatura da Estrada de
ferro: o engenheiro civil William Bragge.”
88
Trata-se de uma estratégia de consagração da imagem do Império e do
entusiasmo relacionado ao progresso, um mecanismo de eternização histórica. A partir
de meados do século XIX, a ideologia do progresso teria arregimentado seus apóstolos
entre políticos do Império (e depois, da República), a começar pelo próprio imperador
D. Pedro II. Ele personificava a unidade e a tradição do Estado nacional brasileiro,
vinculando sua imagem também à introdução da modernidade nos trópicos
89
.
Na inauguração da primeira ferrovia brasileira, Mauá proferiu um discurso
dirigido ao imperador, um documento-monumento que evidencia o papel político,
econômico e social da modernização infra-estrutural representada pelo transporte
ferroviário. Nele, um plano ferroviário para o Brasil foi esboçado. Mauá, construindo a
memória de seu empreendimento, fez referência ao início das obras, declarando ao casal
imperial:
“Vinte mezes sãs apenas contados desde que Vossas Magestades honrárão com
suas augustas presenças o primeiro acampamento dos operarios da companhia;
coube-me então a distincta honra de depositar nas mãos de Vossa Magestade
um humilde instrumento de trabalho, do qual Vossa Magestade se não
desdenhou de fazer uzo, como para mostrar aos seus subditos que o trabalho,
esta fonte perenne de prosperidade publica, era não só digno de sua alta
protecção, porém mesmo de tão extraordinária honra!”
90
No teatro que pretendia encenar o progresso civilizador do Brasil, o imperador
figurou como operário, com picareta em punho, honrando e protegendo a entidade do
88
GANNS, C. Idem, p.240.
89
ABREU, Regina. A Fabricação do Imortal. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.15.
51
51
trabalho. O Estado, representado pelo monarca civilizado e esclarecido, seria o
propulsor da modernização. Ao encenar uma atividade de trabalho, D.Pedro II construiu
um ato que, no âmbito da memória, remete a uma alegoria de intenso simbolismo. É
interessante notar que a locomotiva Baroneza, máquina incrivelmente moderna e
deslumbrante para a época, teve de ser abençoada antes de iniciar a primeira viagem
ferroviária em solo brasileiro, como que para espantar os maus espíritos. Não se trata de
anacronismo, e sim de uma evidência da complexidade cultural daquele momento no
Brasil e da permanência de tradições religiosas populares na modernidade imperial.
O trem de ferro assumiu, no século XIX, o papel de ícone do progresso. No
discurso inaugural de Mauá, a implantação do transporte ferroviário no Brasil marcaria
o início de uma nova etapa no processo de civilização, desenvolvimento econômico e
consolidação de um Estado nacional moderno:
“Hoje dignão-se Vossas Magestades de vir ver correr a locomotiva
veloz, cujo sibylo agudo echoará na mata do Brazil prosperidade e civilisação, e
marcará sem dúvida uma nova éra no paiz.”
91
A imagem que Mauá buscou eternizar foi a de uma elite ocidentalizada, em
sintonia com as inovações tecnológicas européias, tentando dar alguns passos iniciais no
processo de industrialização. Adotar o projeto ferroviário como instrumento de
modernização, pelo menos em nível de discurso, teria sido a opção de parcelas da elite
política e empresarial do Império. O trem seria visto por esta elite como um instrumento
de construção da nação, necessário à plena concretização de planos de integração
territorial
92
. A expectativa de Mauá era que sua ferrovia ganharia o apoio do Estado e
ajudaria a cumprir a meta de ligar a Corte às províncias principais, através de um
90
MAUÁ,V. Idem, p.23.
91
MAUÁ, V. Idem, p.24.
92
ABREU, Regina. Idem. p.103. Para Regina Abreu: “Os trens significavam o poder do maquinismo, o domínio do
homem sobre as forças da natureza. Sinalizavam, também, a integração das populações dispersas no território
nacional.”
52
52
sistema coordenado de transporte fluvial e terrestre, transformando-a no centro
econômico de um país moderno, no pólo civilizador da nação. Em suas palavras:
“Esta estrada, Senhor, não deve parar, e se puder contar com a proteção de
Vossa Magestade, seguramente não parará mais senão quando tiver assentado
a mais espaçosa de suas estações na margem esquerda do Rio das Velhas! Alli
se agglomerará, para ser transportada ao grande mercado da côrte, a enorme
massa de produção com que devem concorrer para a riqueza publica os
terrenos banhados por essa immensa arteria fluvial, o rio de S. Francisco e seus
innumeros tributarios. É então, Senhor, que a magestosa bahia, cujas aguas
beijam com respeito as praias da capital do Império, verá surgir no seu vasto e
abrigado ancoradouro navios sem conta. É então, Senhor, que o Rio de Janeiro
será um centro de commercio, industria, riqueza, civilisação e força, que nada
tenha que invejar a ponto algum do mundo!”
93
Integrar o litoral com o sertão em um sistema de transportes centrado na Corte,
entreposto entre o Brasil e o mundo, seria o início de um processo de desenvolvimento
nacional. A ferrovia significaria a vitória do novo sobre o velho. Para Mauá, a
inauguração de sua primeira estrada de ferro marcou o rompimento “com o passado em
materia de viação, e apontou-nos o caminho do progresso”
94
. O atraso brasileiro,
diagnosticado por Mauá, foi considerado uma vantagem em relação aos países que
tiveram de passar por todo o longo processo de desenvolvimento da insdústria. O Brasil
poderia simplesmente copiar a tecnologia estrangeira, queimando etapas no processo de
industrialização:
“Se por um lado é lamentavel que tão pequena extensão de vias ferreas se tenha
até agora construído no Brazil, por outro não deixa de ser uma vantagem digna
de ponderação o proveito que é hoje possivel tirar do nosso atraso a semelhante
respeito.”
95
Porém, as realizações no caso da estrada de ferro de Mauá, como ficou sendo
popularmente conhecida, foram bem mais modestas que as intenções. A estrada teve
uma maior função política do que sócio-econômica. Foi uma propaganda ideológica do
progresso, construída pela iniciativa privada de um indivíduo e voltada para o usufruto
93
MAUÁ, V. Idem. p.24.
94
MAUÁ, V. Idem, p.83.
53
53
da elite imperial. Em poucos anos o Estado abriria outras concessões para a criação de
companhias de estradas de ferro, as primeiras sociedades anônimas do país. O
empreendimento de Mauá acabou sendo prejudicado pela concorrência com a EFPII,
inaugurada em 1858. Nas palavras do próprio Mauá, em sua obra auto-bibliográfica
intitulada Exposição aos Credores de Mauá & C e ao Publico, de 1878:
“(...) ninguém dirá que só nesta empreza eu não paguei bem caro a minha teima
em ver apparecer no Brazil o grande melhoramento! Os resultados que colhi da
realização da primeira estrada de ferro do Brazil não forão lá muito para
cobiçar!”
96
Nesta obra elucidativa da memória histórica construída para justificar e explicar
o processo de desenvolvimento econômico capitalista no país, Mauá também criticou a
falta de conhecimento sobre o país e a dependência de técnicas e técnicos de outras
nações. A contratação de engenheiros estrangeiros acarretaria sérios problemas à
implantação de ferrovias. Estes, desconhecendo o terreno, em alguns casos construíam
seus projetos com base
“(...) mais no que estava escripto nos livros que tratão de construcções
de estradas de ferro, e em algum galope que derão no terreno sobre que tiverão
de leventar plantas da via ferrea a construir, do que na apreciação bem
averiguada das difficuldades a vencer (...)”.
97
Ao morrer, em outubro de 1889, o corpo de Mauá teria sido transportado de
Petrópolis até a Corte em sua própria estrada de ferro
98
. Mauá, em tom de frustração,
buscou consagrar-se como único responsável pela realização de diversas obras infra-
estruturais em suas memórias, como um teimoso que teria pago caro pela insistência em
modernizar o país, vítima de circunstâncias desfavoráveis e da disputa com o poder
público. Apesar disso, o discurso de inauguração da primeira ferrovia brasileira
95
MAUÁ, V. Idem, p.12.
96
MAUÁ, V. Idem. p.30.
97
MAUÁ, V. Idem. p.40.
98
GANNS, C. Idem, p.234.
54
54
engendrou elementos que estariam presentes em muitas obras ferroviárias ao longo da
segunda metade do século XIX e durante o início do século XX: a necessidade de um
plano de viação nacional, a noção da ferrovia como pré-requisito para o
desenvolvimento econômico e superação do atraso nacional, a necessidade da
disseminação do “espírito de associação” e o trabalho enquanto atividade central no
processo de modernização. Os principais temas envolvendo estas narrativas acerca do
novo meio de transporte seriam a civilização, o crescimento econômico, a
industrialização, a integração territorial, a soberania nacional e as relações externas. O
progresso técnico seria o eixo de articulação entre estas esferas no âmbito das
representações.
O legado deixado por Mauá vai além de suas realizações enquanto empresário.
Sua memória acerca de suas ações e do impacto delas sobre a sociedade e a política do
país deve ser considerada para que seja possível compreender como, desde sua chegada
no Brasil, a ferrovia foi adotada enquanto motor do desenvolvimento sócio-econômico
industrial. Seu fracasso, no campo das realizações, não foi suficiente para ofuscar o
sucesso no âmbito das representações de memória. Apesar de não ter conseguido
influenciar a sociedade em sua volta, da maneira que pretendia, Mauá foi um vencedor
na medida em que suas intenções continuaram ecoando ao longo de toda a História
ferroviária no país.
* * *
O futuro das ferrovias brasileiras foi um tema central na obra do mineiro
Christiano Ottoni, o último memorialista analisado neste capítulo. Nascido em 1811, na
Vila do Príncipe, atual cidade do Serro, era irmão mais novo de Teophilo Ottoni. Aos
doze anos, ingressou-se na Imperial Academia da Marinha, graduando-se oficial em
55
55
1830. Três anos depois, iniciou o curso de engenharia no Rio de Janeiro, graduando-se
em 1837. Foi preso pelas forças imperiais durante a Revolução Liberal de 1842
99
.
Anistiado,
tornou-se catedrático de matemática na mesma Academia da Marinha, até
1855, ano em que ingressou-se na prática ferroviária. Em 1862, falando ao senado
imperial, Christiano Ottoni defendeu uma política ferroviária de longo prazo para o
Brasil:
“É preciso atender ao presente e muito mais ao futuro; é preciso, pois,
que perguntemos a nós mesmos qual deva ser a fim de certo tempo, por
exemplo, no meado do século seguinte, (...) o estado das vias de communicação
no Brasil. Eu penso que se o Brasil não aspirar uma rêde de estradas de ferro,
em combinação com os seus rios navegáveis, deverá resignar-se a representar
no Mapa Mundi um lugar quase desocupado.”
100
No campo teórico, Ottoni havia se tornado um dos mais renomados engenheiros
mecânicos do país. Em 1844, publicara a obra Teoria das Maquinas de Vapor, e em
1846, a tradução de As Maquinas de Vapor, de Dionisio Lendner. Com a discussão em
torno da construção de uma ferrovia do Rio de Janeiro para o interior, a partir de 1850,
Ottoni buscou se aprofundar no assunto
101
. Em 1853, escreveu uma série de artigos na
imprensa carioca criticando o contrato entre o governo imperial e o empreiteiro inglês
Price, para a realização da EFPII. Com suas intervenções, demonstrando elevado grau
de conhecimento ferroviário, Ottoni foi indicado para a direção da EFPII pelo próprio
Imperador.
O objetivo desta companhia era construir uma ferrovia estratégica ao
desenvolvimento nacional, dando ânimo à difusão da civilização pelo país. Quando seu
primeiro trecho, de 48km, foi inaugurado, no dia 29 de março de 1858, Ottoni fez um
99
GOMES, L. Memória de Ruas. Museu Abilio Barreto. BH. 1992. p152.
100
VALLADÃO, A. “Cristiano Otoni eo Progresso Ferroviário do Brasil” In: Revista IHGB, vol 238 jan/mar
pp.399-429, p.427
101
VALLADÃO, A. Idem. p.418-419.
56
56
discurso emblemático sobre o papel da ferrovia, defendendo a necessidade do
planejamento do sistema de comunicações subordinado a um plano geral:
“Seja estudada e traçada nos mapas a rêde dos caminhos de ferro do Brasil,
ligando os principais centros e adaptada para extender-se ao Paraguái e à
Guiana Francêsa. Subordinem-se todos os projétos ao plano geral. Para que as
fôrças sociais não se fatiguem, sem que do seu dispêndio colha a sociedade a
máxima vantagem. Para que o princípio civilizado circule sem interrupção por
todo o corpo político, como o sangue pelas nossas artérias. Se bem compreendo,
Senhor, o pensamento que acabo de enunciar, a Estrada de Ferro Dom Pedro II
será para o futuro um dos troncos principais da gigantesca ramificação.”
102
Para ele, mesmo que não fosse possível traçar com exatidão a rede de estradas
naquele momento, devido ao desconhecimento dos terrenos e à falta de mapas
confiáveis, seria possível, ao menos, determinar pontos obrigatórios da futura malha
ferroviária, conectando os vales dos grandes rios
103
. Ottoni defendia uma coordenação
entre a unidade da rede e sua descentralização em um sistema de viação. Os trilhos de
ferro, ligando diversas províncias, seriam “laços de uma união, que não pesa nem
oprime”. Em sua opinião, a ferrovia seria um meio de conciliar a unidade e integridade
do Império com a autonomia administrativa reivindicada pelas províncias
104
.
Um sistema, ao qual se filiassem todas as concessões garantidas pelo governo
teria o objetivo de integrar o Império, com uma ferrovia partindo da Corte para a Bahia,
Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso. Esta estrada teria uma função estratégica
concernente à soberania nacional, podendo tornar mais rápido o movimento de tropas
pelo território. O telégrafo, aliado a ela, seria importante para que as comunicações se
modernizassem, permitindo à Corte irradiar seu padrão cultural entre as províncias.
Ottoni chamava de “rede de vias de comunicação a vapor” o seu projeto de sistema
integrado entre o transporte ferroviário e fluvial a vapor, articulado ao transporte
rodoviário movido por tração animal. Em suas palavras:
102
OTTONI, Christiano. O Futuro das Estradas de Ferro no Brasil. Rio de Janeiro: Typ. Imperial, p. 6.
103
OTTONI, C. Idem, p.37.
57
57
“Não repetirei o que todos sentem, que dêste fato dependem a industria
e a riqueza do paíz; erguendo-me, porém, a idéias mais altas, a unidade do
Império e as franquias provinciais, êstes dois pensamentos aparentemente
diversos, encontrarão na rapidez das comunicações o principio fundador que
deve congraçá-los, e fazendo-os convergir igualmente para o bem da
comunidade. Aproximem-se os centros; possa correr o irmão em defesa do
irmão, reduzindo os meses às horas, e zombando os canhões inimigos que por
ventura atroem os mares; chegue a palavra de V.M.I. [Vossa Magestade
Imperial] em poucos minutos às extremidades do Império: ouça V.M.I. com
rapidez elétrica a voz de seus súditos; e a paz e a concórdia reinarão porque
somente serão dependentes da ilustração do govêrno de V.M.I.”
105
Na memória ferroviária construída por Ottoni, a dimensão do futuro tem função
central. Em 1859, enquanto diretor da maior companhia ferroviária do país, publicou a
obra O Futuro das Estradas de Ferro no Brasil. Este foi, ao mesmo tempo, um relatório
dos trabalhos da EFPII e um dos primeiros trabalhos sobre política ferroviária
publicados no país. O objetivo desta obra, compreendida pelo próprio autor enquanto
uma memória para gerações futuras, seria criticar o desprezo pelas ferrovias no Império,
não seu aspecto técnico, em que o Brasil contava com poucas habilitações, mas suas
implicações econômicas e políticas, questões que mereceriam mais atenção por parte
dos estadistas, e que influenciariam o futuro nacional
106
.
Em sua obra, a relação passado-presente-futuro é fundamental. O passado seria o
momento de origem, e justificativa, da situação de atraso brasileiro. O presente, o
momento em que escreveu, contaria com condições reais para desencadear um processo
de desenvolvimento. E o futuro seria o estágio que se almejava, de plena civilização
moderna. "Eu não construo estrada para o Brasil de hoje, mas para o Brasil do
futuro”
107
. Para Jaques Le Goff, o passado é fruto de uma construção reinterpretativa
constante da qual o futuro é um elemento integrante e significativo: “À relação
104
OTTONI, C. Idem. p.39
105
VALLADÃO, A. Idem, p.422.
106
OTTONI, C. Idem, p.34.
107
COSTA, Paulo. Memória Histórica da Estrada de Ferro central do Brasil, 1908. p. 32.
58
58
essencial presente-passado devemos pois acrescentar o horizonte do futuro”
108
. Ottoni
escreveu esta obra preocupado com o presente e com os olhos no futuro, especulando
sobre o desenvolvimento do país. Os termos memória, lembrança, pensamento e visão
se confundem em sua narrativa, referindo-se tanto ao passado quanto ao futuro
109
.
Outra característica de seu discurso seria o apoio às iniciativas modernizadoras
por parte do Estado nacional brasileiro em construção. Isso se reflete em sua opinião
acerca da participação do Estado na direção de empresas ferroviárias. Para Ottoni, o
poder público deveria ser o proprietário das principais linhas de comunicação interna. A
indústria dos transportes, em sua opinião, teria relações tão imediatas com quase todos
os fenômenos da vida social, que a “(...) dominação perpétua de uma das grandes
artérias por qualquer interesse privado pode em muitos casos até prejudicar o exercício
da soberania.”
110
Um problema abordado por Ottoni, ligado ao tema do atraso nacional,
relacionava-se a questões de tecnologia, técnica e trabalho. Ottoni indicou a falta de
mapas confiáveis e de conhecimento geográfico sobre o território brasileiro. As
características topográficas, em sua maioria desconhecidas, dificultariam a correta
projeção das estradas. A necessidade de importar tecnologia ferroviária (ou seja, o
conhecimento teórico sobre a técnica), apontada também por Mauá, implicava na
contratação de profissionais estrangeiros. Estes diretores de muitas das primeiras
ferrovias no Império foram representados como ameaças aos interesses nacionais e à
construção funcional de ferrovias no Brasil. Em um país com pouco domínio sobre a
tecnologia ferroviária, muitos abusos poderiam ser cometidos. Um exemplo
proporcionado por Ottoni, em 1859, visava ilustrá-lo:
108
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Idem, p.24-25.
109
OTTONI, C. Idem, p.64. “Se sou visionário, permita Deus que, para consolação de minha velhice, não se destrua
a visão.” E, mais adiante: “Não creio que haja utopia nestas lembranças: se assim porém o julgarem, replicarei
que expôr sinceramente o que penso é dar ao meu país uma prova de que desejo serví-lo.”
59
59
“Suponhamos uma montanha cujo centro de granito tenha de ser
transposto com um tunel de uma milha de extensão, o qual custaria, segundo os
preços da nossa adjudicação, cerca de 1.200 contos; imagine-se, contornando a
montanha um traço de duas milhas, cavado o leito na encosta em argila, com
taludes asperos, alguns paredões e longos boeiros: uma tal obra, ainda com
acessórios pesados, poderia custar 300 contos ou menos por milha; orcêmo-la
em 400. Se o empreiteiro tiver a liberdade de escolha, construirá duas milhas
por 800 contos, e desprezará o tunel dos 1.200; lucrando só nesta milha um
milhão de cruzados.
E, pregar-nos-á um longo sermão contra os túneis como alguns que se
tem improvisado no Rio de Janeiro.
Verdade seja que a milha de túnel em granito quase nada despenderia
com a conservaçãoe reparos, e com as duas milhas se gastarão anualmente
bons contos de réis; e também é certo que a milha de acréscimo (supondo o
mesmo declive) aumentará perpètuamente, onerando o país; e que o estrago do
material crescerá na razão da distância. Mas que importa tudo isto ao
empreiteiro, que vem construir uma estrada de ferro e volta para sua terra, com
alguns milhões na algibeira?”
111
Assim, Ottoni buscou demonstrar que, além do desconhecimento das condições
e dos terrenos a atravessar, qualquer mudança de traçado poderia significar prejuízos
para os investidores e, ao mesmo tempo, render grandes somas aos engenheiros. Para
ele, apesar de não negar a necessidade da importação de tecnologia, queimando etapas
no processo de desenvolvimento, os projetos feitos por estrangeiros não inspirariam
confiança. Seriam quase sempre o resultado de um ligeiro conhecimento de terreno
112
.
Portanto, Ottoni criticou a política imperial com relação aos empreiteiros estrangeiros.
Estes contrairiam obrigações em um país considerado na Europa como atrasado. Assim,
seriam levados a exagerar os custos devido à suposta instabilidade política e econômica
brasileira. Em suas palavras, o controle de ferrovias por estrangeiros prejudicaria a
soberania e o desenvolvimento nacional:
“(...) tendo de ser postos na balança os interêsses do futuro da pátria, o que de
justo se pode esperar de uma Directoria Inglêsa, residente em Londres, e quase
indiferente à nossa prosperidade? (...) as verdadeiras necessidades de nosso
comércio, o melhor meio de conciliar o bem do país com o lucro da Companhia,
110
OTTONI, C. Idem, p.108.
111
OTTONI, Cristiano. Idem. p.79.
112
OTTONI, Cristiano. Idem. p.72.
60
60
não podem ser bem apreciados por estranhos a 2.000 légoas de de
distância.”
113
Ottoni, assim como Mauá, criticou a formação de companhias totalmente
estrangeiras e a prática do contrato em globo, ou seja, de toda a empreitada por um
montante estabelecido de antemão, que, inevitavelmente, seria alterado e na maioria das
vezes superfaturado. O contrato em globo possibilitava abusos e arbitrariedades por
parte da companhias. O contrato por empreitada, por seções, poderia ser controlado com
mais eficácia.
Ottoni, em tom nacionalista, elaborou uma representação mais próxima aos
trabalhadores ferroviários de alto escalão. Para ele, as diretorias das ferrovias no Brasil
deveriam ser compostas por brasileiros, sem restrição por motivos de incapacidade.
Uma visão que buscava afirmar a soberania nacional no setor de serviços à produção
agro-exportadora:
“É para mim verdade bem demonstrada que a direção das estradas de
ferro no Brasil deve ser Brasileira; e não serve de estôrvo a escassez de pessoal
com habilitações especiais. A Diretoria de uma estrada ou um canal não precisa
ser composta de Engenheiros; chame a ela de onde melhor entender os seus
auxiliares técnicos; pague-lhes bons ordenados, que convidem a Engenheiros
maiores de tôda exceção pela sua honestidade e perícia; outorgue-lhes a
confiança que devem merecer, e tudo irá bem.”
114
Salientando o impacto político e social que as ferrovias teriam e o
desconhecimento das reais necessidades da população, Ottoni acreditava que deveriam
ser feitos estudos e pesquisas junto à sociedade, acerca de seus interesses, algo nunca
antes praticado no setor das obras públicas brasileiras
115
. Mas, isso dependeria da ação
concreta de lideranças políticas e financeiras. Ottoni elaborou uma memória negativa do
processo de políticas e ações no campo ferroviário até década de 1850. Para ele, estas
113
OTTONI, Cristiano. Idem. p.76-81.
114
OTTONI, Cristiano. Idem. p.82-83.
115
OTTONI, Christiano. Idem. p.125: “O traço, considerado menos pela sua face técnica, do que pela face política e
econômica, é sujeito a regras que não podem sem prejuizo ser preteridas. (...) o que primeiro cumpre é determinar
quais os interesses da sociedade que de preferência devem ser consultados.”
61
61
lideranças deveriam compreender a dimensão da questão ferroviária, encará-la de
acordo com o interesse nacional, com os olhos no futuro. “Para êstes objetos desejo
chamar a atenção dos homens ilustrados e dos poderes do estado.”
116
Em sua Autobiografia, escrita em maio de 1870, mas publicada apenas em 1908
por seu filho, Julio Benedito Ottoni, Christiano narrou como, durante sua direção na
EFPII, muitos parlamentares mostraram resistência às suas idéias modernizadoras,
ousadas e inéditas. Quando propôs a construção de um túnel pela Serra da Mantiqueira,
muitos taxaram-no de visionário. O Marquês de Olinda, por exemplo, dizia que Ottoni
estava louco: “Onde é que se viu máquina trepar morro feito cabrito!” Outro
parlamentar, Bernardo de Vasconcelos, defendia que a Corte tinha para abastecê-la a
estrada de rodagem União e Indústria e, com relação à ferrovia, no dia em que ficasse
pronta essa estrada de ferro, “ou melhor, de ouro”, um único trem transportaria, em um
só dia, toda a produção regional, e ficaria o resto do mês sem ter o que fazer. O Marquês
do Paraná dizia aos vassourenses: “Caísse do ceu prontinha a estrada que vocês
desejam, e a renda não chegaria para conservá-la e custeá-la”.
117
Não trata-se apenas de uma mentalidade pouco afeita ao progresso, e sim de
questionamentos sobre a viabilidade econômica de empreendimentos ferroviários no
Brasil. Muitos políticos duvidavam da compatibilidade entre um instrumento tão
moderno e uma sociedade cuja economia não tinha ainda um ritmo industrial. Havia um
temor de que o custo do investimento se transformasse em prejuízo, por falta de
produtos para transportar e pela necessidade de manutenção permanente das estradas.
Este temor era ainda maior devido à necessidade da participação financeira do Estado,
através de subvenções e empréstimos.
116
OTTONI, C. Idem, p.35.
117
OTTONI, Pio. Prefácio. In: OTTONI, Christiano. O Futuro das Estradas de Ferro no Brasil. 3
a
. edição 1958. Rio
de Janeiro: Secretaria de Obras, p.10-11
62
62
Mas, para Ottoni, a ferrovia seria o instrumento de superação do atraso
brasileiro. Não proporcionaria pouco ao país: “De um lado a unidade, a grandeza, e a
segurança do Império; de outro a agricultura, a venda de terras, o trabalho livre, a
colonisação”
118
. Ottoni, antes da Guerra do Paraguai, já acreditava que a ferrovia
articulada com um sistema de transportes poderia ser útil à manutenção da soberania e
integridade nacionais
119
. Defendia que, para a implantação de uma rede nacional de
transportes, seria preciso iniciar a comunicação do rio da Prata ao Amazonas, por barcos
e ferrovias a vapor, ligando o sul ao norte do país, podendo estender-se do Atlântico ao
Pacífico. Essa seria “a rêde brasileira que meus netos hão de ver, se nós e nossos filhos
tivermos juízo”
120
.
No entanto, Christiano Ottoni, assim como Mauá, não viu seus planos se
concretizarem. A ferrovia não transformou completamente o Império em uma nação
civilizada. Seu impacto foi mais significativo enquanto representação do progresso. As
memórias de Ottoni e Mauá vão do otimismo ao pessimismo, com discursos
memorialísticos que dão sinais de uma tragicomédia ferroviária. O mesmo Estado que
abrira o campo das estradas de ferro à concorrência, levando a ferrovia de Mauá à
falência, teria sido obrigado, em 1865, a aceitar a responsabilidade de administrar a
EFPII, para evitar sua completa ruína. Em seu último discurso enquanto diretor desta
empresa, aos 27 de julho de 1865, Ottoni lamentou:
“É a última vez, Srs. Acionistas, que tenho a satisfação de dirigir-vos a
palavra desta cadeira; tolerai a vaidade com que acrescento, desta cadeira em
que só eu me sentei.
Srs. Acionistas, de todas as estradas de ferro decretadas com o
propósito de um dia se incorporarem numa rêde geral de comunicações férreas,
fluviais e terrestres, a única a que coube a sorte de ser inaugurada e em sua
118
OTTONI, C. Idem, p.53.
119
OTTONI, C. Idem, p.50. “(...) tal sistema de comunicações interiores seria o meio de vedar que o Mato Grosso se
desnacionalize (...)”.
120
OTTONI, C. Idem, p.38-39.
63
63
maior parte construida por associação nacional, é a Estrada de Ferro de D.
Pedro II. (...)
E entretanto, senhores, devemos deplorar o desfalecimento do espírito
de associação, que entre nós tentou erguer-se, e devemos empregar nossos
esforços para um dia restaurá-lo. Se o Govêrno é absoluto, disse um célebre
parlamentar francês, faça tudo por si, teme e deve temer o espírito de emprêsa;
se é constitucional e principalmente se é novo e tem de amoldar à nascente
doutrina os costumes e o espírito político do país, anime e desenvolva as
indústrias e a associação; só por elas poderá viver e tornar-se poderoso”.
121
Assim, o que estava sendo debatido em torno da ferrovia era o próprio sistema
político que, segundo Ottoni, agia de maneira dúbia, sem critérios claros sobre a forma
de autoridade que exercia. Ele defendia a livre empresa, o ‘espírito de associação’,
principalmente no caso de um país jovem como o Brasil. Mas, se o governo optasse por
decisões absolutas, deveria então temer o ‘espírito de associação’, e fazer tudo por si.
Tendo sido expostas e analisadas, as narrativas de memória selecionadas
compõem uma harmonia sobre a maioria dos seus temas. Existe uma diferença essencial
entre relatos produzidos por estrangeiros e obras de brasileiros. Nos textos de viajantes
europeus, existe uma descrença na capacidade da população sertaneja vir a civilizar-se,
mesmo com a ferrovia. Só a imigração de populações civilizadas e o capital externo
salvariam o país. Ao contrário, os memorialistas brasileiros acreditavam no
desenvolvimento nacional através da modernização da infra-estrutura de transportes.
Ottoni defendia inclusive a não participação de estrangeiros e de capital externo em
companhias ferroviárias.
Mas, a questão de fundo é a mesma em ambas categorias da memória abordada.
O Brasil era um país atrasado, em relação ao centro do sistema capitalista. Dada essa
condição histórica e cultural, seria possível e necessário realizar ações no sentido de
desenvolver sociedades de regiões isoladas no interior do sertões. A integração do oeste
de Minas ao litoral através da ferrovia seria um mecanismo de propulsão do progresso.
121
OTTONI, C. Idem. p.16-17.
64
64
Seu motor, a importação de tecnologia. Seus sujeitos, membros da elite, cidadãos do
mundo civilizado, letrados e esclarecidos, visionários que apostavam na indústria como
solução para os problemas brasileiros.
65
65
CAPÍTULO II A ferrovia em pauta na memória oficial mineira, da Província
ao Estado
Fonte inexgotavel de engrandecimento, de progresso e de riquezas, as estradas
de ferro causaram verdadeira revolução no mundo inteiro, e á ellas devem seus
melhores e mais caros interesses a vida intellectual, administrativa e industrial,
a Europa, as Americas, a Africa, a Azia e a Oceania. Economia e presteza,
conquista do tempo e das distâncias, multiplicação das forças humanas,
predominância do espirito sobre a matéria, eis a civilização e, sem caminhos de
ferro, não teria por certo o homem conseguido o gráo de perfeição que attingio.
Luiz Augusto de Oliveira, 1878
122
Os autores da memória oficial representaram a ferrovia enquanto instrumento de
expansão do progresso capitalista pelo interior do Brasil. A máquina e o trabalho eram
entendidos como elementos capazes de impulsionar um crescimento econômico
substantivo e permitir ao país romper com a situação cultural herdada da colônia. Mas,
estas construções imaginárias entusiásticas da locomotiva conduzindo a civilização ao
sertão contrastam com a História das realizações ferroviárias no país. A falta de
planejamento estratégico nacional ou regional e a dependência de tecnologia estrangeira
foram problemas que, apesar de serem apontados nas fontes estudadas, impediram um
desenvolvimento substantivo do transporte ferroviário no Brasil.
Neste capítulo, analisa-se a formação da Estrada de Ferro Oeste de Minas
(EFOM), de sua criação em 1881 até seu auge na década de 1930, e da Estrada de Ferro
Goiás (EFG), fundada em 1905 e incorporada à EFOM em 1920. O objetivo é
estabelecer um nexo entre os casos concretos destas duas companhias e as políticas para
o transporte ferroviário ao longo do período estudado.
A discussão parlamentar influenciou decisivamente a implantação das ferrovias
brasileiras. O discurso político oficial, produzido pelos poderes executivo e legislativo,
constitui rica fonte para a análise do imaginário de sujeitos diretamente ligados à gestão
66
66
dos transportes públicos
123
. O Estado brasileiro, através de concessões e subvenções
públicas, incentivou e controlou a formação de empresas ferroviárias. Estas foram as
primeiras sociedades anônimas de acionistas no país. Mensagens e relatórios dos
presidentes da provincia, e depois, estado de Minas Gerais, assim como leis e decretos
ferroviários, são lugares de memória abordados neste capítulo. Nestas fontes, diferentes
representações, oscilando entre louvores e críticas, refletem a discussão sobre a
viabilidade econômica da ferrovia e seu lugar em projetos de modernização.
No século XIX, o Brasil já era um país visto, por muitos sujeitos políticos, em
busca do desenvolvimento sócio-econômico e do progresso cultural. O Estado imperial
manteve a unidade política herdada da colônia, mas encontrava dificuldades para
controlar efetivamente o território. A população, dispersa e fragmentada, era dominada
por uma pequena elite de grandes proprietários rurais e comerciantes, cuja riqueza se
produzia pela exploração do trabalho escravo e livre. Os transportes, precários e lentos,
eram muito semelhantes aos dos séculos anteriores: sobre a terra, picadas abertas no
mato e estradas para cavaleiros, carroças e carros-de-bois; sobre a água, inúmeros rios
navegáveis do interior e o mar costeiro conduziam diversas embarcações. Portanto, é
possível afirmar que não havia, em meados do século XIX, um mercado interno
realmente integrado no Brasil.
No cenário internacional, com a Revolução Industrial, o sistema capitalista
passou por profundas transformações. Desde o fim do século XVIII, experiências
relacionadas ao transporte de minérios, realizadas na Inglaterra, França, Prussia, e EUA,
aperfeiçoaram a tecnologia da máquina à vapor, adaptando-a ao transporte sobre
122
OLIVEIRA, Luiz Augusto. Caminhos de Ferro no Brazil, Estudos Práticos e Econômicos. Rio de Janeiro: Typ. da
Reforma, 1878, p.3-4.
123
Estas fontes são consideradas oficiais por terem sido armazenadas pelo próprio Estado, em arquivos e bibliotecas
públicas, como o Arquivo Público Mineiro, o Instututo Histórico e Geográfico Brasileiro, A Biblioteca Nacional.
As mensagens dos presidentes mineiros foi acessada através da internet, pelo site da Universidade de Chicago
(wwwcrl.uchicago.edu/info/brazil).
67
67
trilhos
124
. O baixo nível de atrito entre as rodas, e a superfície regular à qual
encaixavam, permitia à máquina produzir uma força capaz de movimentar seu próprio
peso. Surgia assim o fenômeno da locomoção. Em 1825, a empresa Robert Stephenson
& Co. construiu a máquina de tração Locomotion para a primeira ferrovia de
passageiros do mundo, a Stockton-Darlington Railroad, na Inglaterra
125
.
Figura 2 . Locomotion
Figura 2 A Locomotion, em 1825
Na nova ordem mundial, baseada nas relações entre Estados nacionais, o Brasil
figurava como país atrasado, uma vez que carecia dos requisitos técnicos, científicos,
infra-estruturais e econômicos necessários à patente de nação civilizada
126
. O parâmetro
do desenvolvimento era a Europa ocidental, centro do mundo industrial. Esta questão
tornou-se aguda na segunda metade do século XIX, gerando uma tensão entre a
realidade sócio-econômica brasileira, seus diversos obstáculos ao desenvolvimento, e as
promessas apresentadas pela ferrovia. O atraso, termo utilizado com freqüencia nos
textos analisados, é um conceito histórico relativo, que pressupõe uma linearidade
124
O transporte de carros sobre trilhos era comum em minas européias desde a antigüidade.
125
RFFSA-PRESERVE. Centro de Preservação da História Ferroviária do Rio de Janeiro Engenho de Dentro,
1983. Rio de Janeiro: Ministério dos Transportes, 1983, p.15.
126
COSTA, Emilia. Da Senzala á Colônia. São Paulo: Vozes, 1966, p.160. A historiadora Emilia Viotti da Costa
proporciona evidência de que o termo atraso, relacionado aos meios de transporte, encontrava-se presente na
sociedade imperial. Em sua obra Da Senzala á Colônia, está reproduzida uma carta de um fazendeiro novecentista,
reclamando que: “Por toda a parte (...) a queixa era a mesma: a economia regredia ou estacionava e a causa deste
atraso era o estado miserável em que se encontravam as estradas (...)”.
68
68
cronológica, dividida em estágios evolutivos de desenvolvimento com referência nas
nações industrializadas, consideradas avançadas
127
.
Desde a independência, o mito do progresso a crença na universalização do
desenvolvimento econômico como praticado pelos países que lideraram a Revolução
Industrial encontra-se no imaginário brasileiro, alimentando ações concretas
128
. Um de
seus desdobramentos seria a possibilidade de países atrasados tornarem-se avançados.
Por um lado, este processo demandaria um esforço interno, através de uma acumulação
de capital e um impulso da ciência aplicada à tecnologia. Por outro, na medida em que a
economia do centro do sistema capitalista, em meados do século XIX, tornava-se cada
vez mais dependente de recursos não renováveis de países atrasados, a inserção destes
no mercado mundial garantiria um retorno de capital e tecnologia.
Alguns historiadores, de diferentes tradições teóricas, como Almir El-Kareh e
Stephen Ambrose, caracterizam o processo de expansão deste meio de transporte como
uma “revolução ferroviária”
129
, contribuindo decisivamente para a consolidação do
sistema econômico mundial, através da radical transformação nos meios de circulação
de pessoas, mercadorias e informações. A ferrovia tornou-se a mercadoria-vedete da
expansão capitalista e da integração entre mercados, simbolizando a concretização dos
avanços da ciência aliada ao capital. Uma parcela da elite burocrática e empresarial do
Império não apenas assimilou e introjetou o conceito de atraso, como também passou a
acreditar que a ferrovia seria um instrumento de superacão e solução de problemas
internos como, por exemplo, a própria instabilidade político-administrativa. Muitos
planos e projetos foram teorizados por ideólogos do progresso, alguns iniciados.
127
GERSCHENKRON, Alexander. El Atraso Economico en su Perspectiva Historica. Barcelona: Ariel, 1968, p.50.
128
FURTADO, Celso. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p.8.
129
EL-KAREH, Almir. Filha Branca de Mãe Preta a Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II, 1855-1865.
Petrópolis: Vozes, 1982, p.14-15.
69
69
Porém, no caso brasileiro, não é possível identificar, ao longo do período
estudado, evidências de planejamento estratégico efetivo, apenas apontamentos à sua
necessidade. Não houve políticas programáticas de gestão da modernização que se
baseassem em diagnósticos geográficos e sócio-econômicos, elaboração de metas e
prazos, avaliações de resultados e ações corretivas. Importar capital e tecnologia,
cortando caminho ou queimando etapas em um processo de modernização e
industrialização conservadora, de cima para baixo, foi a saída articulada para solucionar
o problema do atraso.
Durante a Regência, o progressista Diogo Feijó, foi eleito para o cargo de
regente em nome do imperador infante. Neste momento, o problema da unidade
territorial ocupava o centro da política regencial. Em 1835, explodiram duas grandes
revoltas contra a Corte motivadas por questões de autonomia provincial: a Cabanagem,
no Pará, e a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul
130
. Neste contexto de crise, a
ferrovia foi vista pela elite burocrática e política do Império como instrumento de
consolidação do poder do Estado. Copiar e adaptar experiências de países
industrializados às condições brasileiras, iniciando práticas inovadoras, como a
concentração de capital em empreendimentos associados, seria uma forma de dar início
a um processo de desenvolvimento sócio-econômico. Em 1835, dez anos depois da
inauguração da primeira ferrovia do mundo, o governo regencial abriu a primeira
concessão ferroviária brasileira. Um decreto assinado pelos regentes Diogo Feijó e
Antonio de Abreu, autorizou o governo imperial a:
“(...) conceder a uma ou mais companhias, que fizerem uma estrada de
ferro da Capital do Rio de Janeiro para as de Minas Geraes, Rio Grande do Sul
e Bahia, carta de privilegio exclusivo por espaço de 40 annos para o uso de
carros para transporte de gêneros e de passageiros.”
131
130
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2001, p.86.
131
LIMA, Vasco. A Rêde Sul Mineira de Viação. São Paulo: Copag, 1934, p.12. Decreto no. 101, de 31 de outubro.
70
70
Evidencia-se o interesse do governo na integração territorial, vislumbrada
através de um sistema de viação férrea centralizado na Corte. O tipo de tração a ser
utilizada na estrada, animal ou mecânica, não foi especificado. Tampouco mencionou-se
a categoria do trabalho que seria empregado, escravo ou livre. Alguns políticos do
período estudado, como Antônio Chaves, apontaram para a incompatibilidade entre a
ferrovia e o trabalho escravo. Entretanto, nas fontes pesquisadas percebe-se um enorme
silêncio sobre o trabalho em si, além de muitas evidências de que o trabalho escravo
teria sido, de fato, a mão de obra principal na construção das primeiras linhas.
As cidades contempladas pela ferrovia seriam designadas pelo governo. Caso a
via passasse por estradas de rodagem em uso, a companhia seria obrigada a construir
“(...) outras em tudo eguaes ás que existem, sem poder por isso exigir taxa alguma”
132
.
Interessa à análise notar que São Paulo, antes da expansão cafeeira, não foi apresentado
como alvo prioritário deste que pode ser considerado o primeiro esboço de plano
ferroviário brasileiro elaborado pela Corte
133
. Mas, em 1836, a Assembléia Legislativa
da Província de São Paulo aprovou uma concessão ferroviária a Frederico Fomm para
construir uma estrada entre Santos e o interior. No entanto, apesar dessas concessões,
duas décadas se passaram até que a primeira ferrovia brasileira fosse inaugurada, em
1854.
Na segunda metade do século XIX, apesar da construçao de ferrovias ter sido
iniciada, os transportes ainda lembravam os tempos de Saint-Hilaire. Em 1871, por
exemplo, foi instalada a Fábrica do Cedro, de produção têxtil, na região da Zona da
Mata. O transporte do maquinário importado dos EUA para esta indústria chegou ao
porto do Rio de Janeiro em um veleiro, seguiu pela ferrovia até Entre Rios e foi
transportado em diligências e carroções até Juiz de Fora. Daí em diante, foram
132
LIMA, V. Idem, p.12
71
71
necessários cerca de 200 carros-de-bois para o transporte de 250 toneladas de bens de
produção. Segundo o depoimento de Nelson Mascarenhas,
“Estranha caravana era aquela! Ao passo lento dos bois puxando os
carros, que iam cantando sob o sol e a poeira dos caminhos estreitos, seguiam
as máquinas encaixotadas rumo ao sertão”
134
.
No Brasil, o discurso pautado na lógica do par atraso-progresso foi marcado
pela seguinte ambiguidade: para criar condições necessárias ao desenvolvimento
econômico nacional, seria preciso importar tecnologia e maquinário, estabelecendo
vínculos de dependência. Dessa maneira, o crescimento do mercado interno estaria
condicionado ao grau de sua sua integração à economia mundial. Nesta integração, o
Brasil tinha o papel de exportador de matéria-prima agrícola e mineral. Para os
defensores da necessidade de mudar este papel, seria fundamental trazer indústria e
tecnologia de fora.
Em 1850, várias ações governamentais influenciaram profundamente a História
brasileira. A Lei de Terras limitou o acesso da população à propriedade fundiária. A Lei
Eusébio de Queirós proibiu o tráfico de escravos, pressionando a formação de mão-de-
obra livre. O primeiro Código Comercial estabeleceu as bases das transações
financeiras, inclusive a formação das companhias de sociedade anônima
135
. Estas
medidas políticas contribuíram para a formação de condições que possibilitaram a
implantação de ferrovias. Até este ano, apenas uma companhia ferroviária havia
formado-se no país, encabeçada por Thomas Cochrane. Este capitalista inglês solicitou,
em 1838, uma concessão do governo imperial para construir uma ferrovia entre a Corte
e São Paulo, aprovada em 1840. Porém, Cochrane não conseguiu levantar o capital
133
Apesar do fato de uma estrada do Rio de Janeiro para o Rio Grande do Sul ter, necessariamente, de passar por São
Paulo, não há ênfase com relação a esta província na referida lei.
134
HARDMAN, Francisco Foot; LEONARDI, Idem. p.34.
135
FAUSTO, B. Idem, p.108.
72
72
mínimo necessário para a execução da obra, o que levou à anulação da concessão em
1850
136
.
Em 1852, o Estado imperial abriu concessão para a construção de uma ferrovia
entre a Corte, Minas Gerais e São Paulo
137
. Minas continuava fazendo parte prioritária
dos planos de integração ferroviária, acompanhada agora pela província paulista, e não
pela Bahia e Rio Grande do Sul. Esta lei trouxe duas inovações fundamentais com
relação à política ferroviária. Primeiro, a garantia de pagamento de juros pelo Estado às
companhias, tática para atrair capital. O governo garantiria juros de até 5% ao ano,
sobre o capital empregado, acautelando-se de ficar livre para “(...) contractar o modo e
tempo do pagamento deste juro”
138
. Outra cláusula da lei estava relacionada com o
trabalho a ser usado na construção da ferrovia: a proibição do trabalho escravo,
estabelecendo o ferroviário como uma das primeiras categorias de trabalhores livresno
país:
“A companhia se obrigará a não possuir escravos, a não empregar no
serviço de construcção e custeio do caminho senão pessôas livres que, sendo
nacionaes, poderão gozar de isenção do recrutamento, bem como da dispensa
do serviço activo da Guarda Nacional e sendo estrangeiras participarão de
todas as vantagens que por Lei forem concedidas aos colonos uteis e
industriosos”.
139
Com esta restrição, influenciada pela Lei Eusébio de Queirós, o Estado buscou
criar condições para a formação de um mercado de mão-de-obra livre. Proibir o trabalho
escravo significa que não havia incompatibilidade entre esta forma de trabalho e
empreendimentos capitalistas. Ou seja, sem a proibição, certamente os escravos fariam
parte da força de trabalho. Mas a medida representa uma nova política, refletindo a
pressão de países industrializados, pricipalmente o Reino Unido, sobre o Estado
136
EL-KAREH, A. Idem, p.12
137
QUEIROGA, P. Contratos de Estradas de Ferro. Ouro Preto, 1882, p.85. Lei 641, de 26 de junho de 1852.
138
QUEIROGA, P. Idem, p.85.
73
73
brasileiro. Porém, na prática, esta restrição não foi fielmente respeitada. O trabalho
escravo foi, de fato, utilizado na maior parte da construção da Estrada de Ferro D.Pedro
II (EFPII), entre 1855 e 1865
140
. Além disso, os incentivos, como a dispensa do serviço
militar, atrairiam trabalhadores rurais assim como os próprios escravos fugidos
141
.
A concessão de 1852 permitiu a formação de companhias ferroviárias em todo o
país, desde que projetadas e aprovadas pelo governo, através do poder legislativo
142
.
Com a política de concessões estatais para a construção e gerenciamento de ferrovias,
formaram-se as maiores empresas capitalistas do Brasil. Ao longo do século XIX, a
maior delas foi a EFPII, renomeada Estrada de Ferro Central do Brasil após a
proclamação da República. Para El-Kareh, esta foi uma “empresa capitalista
subordinada aos interesses escravistas”
143
.
Desde a década de 1850, encontra-se na memória oficial um debate sobre o
papel das ferrovias na vida nacional, a importação de tecnologia e métodos de
organização do trabalho necessários a estes empreendimentos. Na maioria dos
documentos analisados, a malha ferroviária brasileira é apresentada como um conjunto
de redes constituídas sem planejamento geral. O Estado, apesar de sempre ter sido
presente, controlando e justificando empréstimos externos, não conseguiu efetivar o
estabelecimento de um plano geral. Para o presente estudo, é importante compreender
como este processo ocorreu em Minas Gerais.
139
QUEIROGA, P. Idem, p.86. Nota-se que no decreto de 1835 a questão do sistema de trabalho não fora sequer
mencionada.
140
EL-KAREH, A. Idem, p.72.
141
REIS, Liana. “Fugas de Escravos e Formação do Mercado de Trabalho Livre na Província Mineira, 1850-1888”.
In: Revista Brasileira de Estudos Políticos. p.213.
142
QUEIROGA, P. Idem, p.88. O artigo 3
o
estabelecia que:“Si apparecerem companhias que se proponham a
construir caminhos de ferro em quaesquer outros pontos do Imperio, poderá o Governo egualmente contractar
com ellas (...) Neste caso, porém, serão os respectivos contractos submettidos á approvação do Corpo Legislativo,
afim de resolver sobre a conveniência das linhas projectadas, a oportunidade das empresas e a responsabilidade
do Thesouro”.
143
EL-KAREH. Idem, p.9.
74
74
II.1. Desenvolvimento ferroviário e integração nacional
O debate sobre o lugar da ferrovia no processo de desenvolvimento regional teve
início na Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais (ALPMG) em 1853. Em
uma seção ordinária, o então presidente provincial, Luiz Barboza, dirijiu-se aos
deputados julgando dar-lhes “uma notícia agradável”: duas estradas de ferro seriam
construídas entre o Rio de Janeiro e Minas. Em seu discurso, elabora-se uma
representação positiva de um instrumento de construção, integração e desenvolvimento
nacional, conjugando interesses do Estado e das elites econômicas:
“Resta que pela nossa parte preparemos as cousas para que a nossa
Província comece a tirar quanto antes o maior proveito possivel destas
emprezas, para o que devemos applicar nossa attenção e recursos (...) ás linhas
de ferro cuja construcção necessariamente se hade verificar, uma vez que todos
os interesses a reclamão, e a epoca o permitte.”
144
Porém, a ferrovia desapareceu das mensagens dos presidentes provinciais por
dezesseis anos, até 1869. Esta lacuna pode ser sinal da ausência de projetos de
modernização, hipótese que problematiza a idéia de um compromisso real do governo
provincial com o desenvolvimento ferroviário. Alguns historiadores, como Peter
Blasenheim, defendem que “todos os mineiros” acreditavam na capacidade da ferrovia
em estimular “o crescimento econômico em toda a província integrando as regiões e
estimulando as exportações.”
145
Como será visto, esta é uma generalização refutada
pela análise das fontes. A presente dissertação busca mostrar que muitos mineiros,
inclusive presidentes da província, não compartilhavam esta crença. Ao contrário, a
política de transportes em Minas foi variável, ora favorecendo, ora desestimulando a
construção de ferrovias. E, principalmente, mesmo que houvesse uma crença coletiva
144
BARBOZA, Luiz. Relatorio que á Assembléa Provincial da provincia de Minas Geraes apresentou na sessão
ordinaria de 1853 o doutor Luiz Antonio Barboza, presidente da mesma provincia. Ouro Preto: Typ. do Bom
Senso, 1853. p.18.
145
BLASENHEIM, Peter. “As Ferrovias de Minas Gerais no século dezenove”. In: Locus Revista de História. Juiz
de Fora. Vol 2. p.83.
75
75
nas benesses da ferrovia, isso não teria sido suficiente para a articulação de um plano
geral coordenando a implantação de uma malha eficaz.
Na década de 1850, Christiano Ottoni defendeu a construção de ferrovias em
Minas como meio de solucionar o problema do atraso regional em relação às províncias
litorâneas que possuíam ligações diretas com o resto do mundo através do mar. Para ele,
Minas deveria ser alvo prioritário dos projetos ferroviários, pois até então, nenhuma
estrada de ferro havia sido levada à sua “população, atrasada e acanhada pelo seu
isolamento no interior
146
.
Em 1869, o presidente provincial, José Maria de Sá e Benavides, dirigiu-se com
entusiasmo à ALPMG, anunciando a chegada da ferrovia na província, com a
inauguração das estações de Santa Fé e Chiador, na EFPII, próximas à cidade de Mar de
Espanha:
“A estrada de ferro percorre já o sólo mineiro. Eis um grande
acontecimento precursor de uma grande revolução economica e social.
É de esperar da sabedoria dos poderes do estado que a estrada procure
a melhor zona de producçãa da provincia, e é de esperar de vossa sabedoria
que concentreis a maior parte de seos recursos na abertura das precisas
estradas, que se entronquem com a de ferro e na navegação dos rios que se
prendão a ella, porque então derramareis torrentes de prosperidade sobre este
uberrimo sólo, que só pede vias de communicação para que a riqueza publica
cresça e se augmente a civilisação espantosamente”.
147
A ferrovia foi glorificada como o elo entre o sertão e a civilização, chave para a
solução do atraso mineiro. Benavides defendeu o Estado como regulador e financiador,
acrescentando que o telégrafo também levaria ao “progresso em todas as relações da
146
OTTONI, C. Idem, p.42. “Em primeiro lugar ocorre que a Província de Minas Geraes não possui uma légua de
trilhos de ferro; e que ela não merece menos, com ser Província interior, do que a Bahia, S.Paulo e Pernambuco.
Minas, a sexta parte do Império em população e representação; Minas que paga certamente a têrça parte da
renda arrecadada da Alfandega da Côrte; Minas cuja estatística judiciária é uma das que indicam maior
moralidade; Minas crescendo em população homogênea devida aos nascimentos, não à imigração estrangeira;
Minas possuindo todos os climas, a maior salubridade, inacessível à febre amarela; Minas, a Província em que
mais domina o espírito público, a sinceridade das crenças políticas e religiosas; Minas finalmente, cujos filhos
tanto se disinguem pelo amor ao trabalho, e espirito empreendedor; para uma tal população, atrasada e acanhada
pelo seu isolamento no interior, nem está ainda decretada uma estrada de ferro, pois a de D.Pedro II apenas toca
a sua raia.”
76
76
vida individual e publica”
148
. No mesmo ano, um plano de viação geral para o Império
foi elaborado pelo engenheiro militar Eduardo Jorge de Moraes, no qual predominaria
uma rede de transporte fluvial pelos grandes rios do interior, articulada a ferrovias entre
a Corte e o Rio São Francisco, e entre Salvador e Juazeiro
149
.
Em abril de 1872, o governo imperial solicitou cópias de todas as leis e projetos
relativos a ferrovias em Minas, no intuito de conhecer as potencialidades da construção
de diversas estradas, “visto que deve estar tudo debaixo de um plano e systema.”
150
A
ferrovia passou a ser entendida como motor do desenvolvimento da economia agro-
exportadora. O Oeste de Minas, centrado na produção de gêneros básicos para o
abastecimento do mercado interno, era o principal produtor de gado da província. Antes
da ferrovia, o abastecimento de carne aos centros urbanos era prejudicado pelo sistema
de tropas, acarretando muitas perdas de carga. A ferrovia também remediaria este
problema, transportando os rebanhos com segurança e rapidez.
Com o fim da Guerra do Paraguai, a elite brasileira continuou a buscar o
desenvolvimento através de projetos modernizadores. Após o longo conflito, a paz
parecia soprar ventos do progresso no Império. O historiador do século XIX, Francisco
da Rocha Pombo, descreveu a conjuntura do pós-guerra como um período em que todas
as classes, ressentidas pelos anos de sacrifícios, uniram-se em um esforço de
reconstrução do país. “E fizemol-o com toda energia e coragem, como si a funcção que
nos coube no conflicto externo nos tivesse retemperado as forças para o trabalho.”
151
147
BENAVIDES, José. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de Minas-Geraes na sessão
ordinaria de 1869 pelo presidente da mesma provincia, dr. José Maria Corrêa de Sá e Benavides. Rio de Janeiro:
Typ. universal de Laemmert, 1870, p.23.
148
BENAVIDES, J. Idem, p.23.
149
MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. Planos de Viação Evolução Histórica (1808-1973). Rio de Janeiro:
Conselho Nacional de Transportes, 1973, p.41.
150
PORTELLA, Machado. Relatorio de 1872. p.94-97.
151
POMBO, Joaquim Francisco da Rocha. História do Brazil. 1900, p. 438.
77
77
O desenvolvimento dos transportes constituia-se uma das principais
necessidades infra-estruturais naquele momento. Era preciso integrar o país. Mas, para
Rocha Pombo, “(...) não foi isto infelizmente que se fez (...) e por isso mesmo temos
ainda ahi o nosso interior pela maior parte segregado do mundo, na amplitude fechada
dos sertões.”
152
Mesmo assim, ele representou o Brasil Império como um pioneiro no
campo ferroviário. Apesar de Cuba, México, Chile e Peru terem construído ferrovias
antes do Brasil, este historiador republicano confeccionou uma memória de consagração
das realizações imperiais. Rocha Pombo, contrastando as expectativas de meados do
século XIX com as realizações do pós-guerra, constatou uma grande distância entre
ambas. Mas, mesmo criticando a desordenada malha ferroviária implantada no país,
reconheceu que ela significava o maior símbolo do progresso brasileiro
153
:
“De meados do seculo [XIX] em diante, é o caminho de ferro que vem
ser aqui, como em todo o mundo, o propulsor maravilhoso da vida em todas as
suas manifestações. O Brazil, entre os paizes sul-americanos, foi o que primeiro
cogitou de aproveitar-se da viação rapida, cujos prodigios alvoraçaram já os
Estados Unidos e os mais cultos paizes da Europa.”
154
Em 1881, o diretor geral de obras públicas da província mineira, Modestino
Augusto de Assis Martins, percebeu que no Brasil, como na França, as ferrovias eram
sujeitas à tutela do Estado através de regulamentos e auxílios financeiros. Assim, seria
indispensável fazer aqui o mesmo que naquele país: um plano geral, ao qual deveriam
ficar subordinadas as concessões, “para que não se choquem e se arruinem, causando
desillusão aos que pedem, descredito ao Governo e a todos consideraveis prejuizos”
155
.
Sobre a essência, contornos e orientação política desse plano, Martins defendeu que:
“Separar tudo é um erro, porque elementos esparsos não geram a força
indispensavel para a grandeza nacional. Concentrar tudo também é um erro,
porque fica tolhida a iniciativa individual, sem a qual é sempre lenta a evolução
152
POMBO, J. Idem, p. 439.
153
POMBO, J. Idem, p. 439.
154
POMBO, J. Idem, p. 441-442.
155
QUEIROGA, P. Idem, p.3.
78
78
perfeita da sociedade. Somente, pois, da harmonia dessas duas forças,
centripeta e centrifuga, que no mundo moral se traduzem por sympathia e
egoismo, nascerão a ordem e progresso sociaes”.
156
Este plano imperial, cujos objetivos eram a ordem e o progresso, envolveria a
questão da autonomia empresarial frente à influência estatal, e uma disputa de poder
entre a Corte e as províncias. Para Martins, o sistema ferroviário mineiro deveria ligar
os municípios à Corte e aos os portos das províncias vizinhas. A idéia da transformação
do sertão em civilização seria o fundamento ideológico deste projeto.
No século XIX, as teorias da evolução das espécies e seleção natural
contribuíram à formação de um imaginário pautado na idéia da superioridade racial dos
europeus. Martins, utilizando argumentos racistas para justificar a penetração da
ferrovia por regiões habitadas por nativos, representou-os como elementos incultos,
impedindo a expansão do progresso capitalista sobre terras excelentes à exploração.
Este etnocentrismo racista da cultura brasileira ocidentalizada foi mostrado por Martins,
sobre as futuras E.F. Jequitinhonha e E.F. Vitória-Diamantina:
“Pode ser que ella não renda 4% no presente, porquanto actualmente
está infestado o valle de indigenas, que com suas correrias impossibilitam o
homem civilisado de alli habitar; mas, logo que a locomotiva os afugente e que
uma colonisação intelligente e activa và entregar-se á cultura da zona, aquella
estrada será muito rendosa, porque é incontestável a uberdade do solo.”
157
Essa estrada não dará grandes resultados no presente, mas o seu futuro
é certo, porquanto vai abrir uma nova fonte de riqueza publica (...) entregando
ao nacional ou estrangeiro, para ser trabalhada com os instrumentos da
civilisação, grande parte da fertilissima zona do Rio Doce, até hoje inculta, por
terem os actuaes habitantes como principal instrumento o arco e a flecha.”
158
Martins continuou seu plano, postulando que a EFOM seria uma linha de
centralização, ou seja, convergindo na Corte. Linhas descentralizadoras ligariam regiões
156
QUEIROGA, P. Idem, p.5.
157
MARTINS, Modestino Augusto de Assis. “Plano da Viação Ferrea da provincia de Minas Geraes” In.
QUEIROGA, Idem. p.24.
158
QUEIROGA, Idem. p.27. O tema das lutas entre a ferrovia e os indígenas é tratado de maneira interessante no
artigo “O Mito da ferocidade Indígena. Os Caingangue e a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil”, de Nimion
Pinheiro, encontrado na revista História, São Paulo, 12: 155-162, 1993.
79
79
mineiras a outros portos, nas províncias de São Paulo, Espírito Santo e Bahia. Em seu
plano de viação para o Império, sintetizou o futuro sistema de viação brasileiro, no qual
o transporte ferroviário, articulado ao fluvial, tornaria possível a integração das
principais províncias entre si e com a Corte. É interessante notar o imaginário e as
ousadas intenções deste membro da elite política:
“A estrada D. Pedro II, navegação do S. Francisco e linhas do Joazeiro
e Recife a S. Francisco ligarão Côrte, Minas, Bahia e Pernambuco;
Com a linha da Victoria, Serro, Diamantina, Guaicuhy e navegação do
Araguaya ficam ligadas Pará, Minas e Espirito Santo;
Com a linha de Pitanguy á Bagagem, prolongada por Goyaz e Matto
Grosso em direcção á Cuiabá e Guaporé, com um ramal para Goyaz, ficam
ligadas Amazonas, pelo Madeira, Matto Grosso, Goyaz, Minas e Côrte;
Com a linha do Sapucahy, prolongada até o rio S. Francisco, fica ligada
a provincia de S. Paulo com as outras ja citadas.
-se, pois, que com esse systema communicar-se-hão directamente pelo
interior as capitaes do Amazonas, Pará, Pernambuco, Bahia, Matto Grosso,
Goyaz, Minas, Espirito Santo, S. Paulo, e todas ellas com a Côrte.”
159
Como se vê, as memórias de homens ligados ao poder público durante o Império
(Barboza, Benavides, Moraes e Martins), evidenciam a preocupação com o
planejamento eficaz da política ferroviária, Todavia, seus alertas sobre os perigos da
desorganização do transporte ferroviário não lograram efeito. O governo imperial não
conseguiu articular e por em prática um projeto de integração ferroviária nacional,
sequer regional. Mas este fato não anula as tentativas neste sentido, como a constituição
da EFOM e EFG.
II.2. A Companhia de Estrada de Ferro Oeste de Minas EFOM
Na década de 1870, um grupo de bacharéis mineiros elaborou um projeto
ferroviário para o Oeste de Minas. Com ele, iniciou-se o processo de formação da
primeira sociedade anônima da província. Em fevereiro de 1872, dois engenheiros de
159
MARTINS, Idem. p.33.
80
80
São João del Rei, Harmillo Candido da Costa Alves e Eduardo Limoeiro, solicitaram
uma concessão ao governo provincial para a construção de uma estrada de ferro “de
bitola estreita” entre o ponto em que a EFPII deixa o vale do Rio das Mortes e a cidade
de Lavras
160
. A concessão, com duração de 20 anos, foi autorizada e aberta à
concorrência. Ficou estabelecida uma garantia de pagamento, por parte do governo, de
“juros até 7%” sobre o capital empregado no empreendimento, ou uma subvenção
quilométrica
161
. Neste último caso, a linha construída passaria, em 50 anos, a pertencer
ao governo provincial, “em perfeito estado de conservação, independente de qualquer
indemnisação á companhia”
162
.
Em 1873, o bacharel José Rezende Teixeira e o engenheiro civil Luiz Augusto
de Oliveira ganharam esta concessão, com validade de 50 anos, para o estabelecimento
de uma ferrovia de bitola estreita e linha de telégrafo, entre a EFPII e um ponto
navegável do Rio Grande
163
. Os concessionários optaram pela subvenção
quilométrica
164
. Assim, a grandeza do auxílio estatal seria diretamente proporcional à
extensão da estrada. Mas, em 1876, uma lei assinada pelo presidente mineiro, João
Floriano Godoy, limitou a concessão ao trecho entre a EFPII e a cidade de São João del
Rei, condicionando a escolha da forma de subvenção juros anuais ou subvenção
quilométrica à prévia instalação da linha
165
. O governo guardou ainda o direito de
contrair empréstimos e desapropriar a companhia em qualquer momento, após 20 anos
de construção. As razões destas alterações explicam e fundamentam uma concepção de
160
PORTELLA, Machado. Relatório de 1892. p.94. Em 1872, o presidente provincial, Machado Portella, foi o
primeiro chefe do executivo a discorrer sobre esta ferrovia à Assembléia Legislativa da Província de Minas Gerais.
161
VAZ, Mucio Jansen. A Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descriptivo, 1880 1922. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1922, p.5. O capital deveria ser inferior a Rs 4.000:000$000 (quatro mil contos de
réis). A subvenção quilométrica seria de Rs 9:000$000 (nove contos de réis). Lei mineira n.1.914, de 19/7/1872.
162
QUEIROGA, P. Idem, p.169.
163
VAZ, M. Idem, p.5. Lei 1.982, de 11/11/1873. A bitola é a distância entre os trilhos. A bitola estreita tratada no
texto é de 76cm.
164
QUEIROGA, P. Idem, p.403.
165
O capital máximo foi fixado em Rs 2.400:000$000.
81
81
ferrovia diretamente ligada ao estímulo de regiões que já possuíam algum potencial
econômico. Godoy professava visão contrária à ferrovia pelo Oeste de Minas, receando
sua construção por uma região de pouca produção, fora do círculo cafeeiro:
“Muitas são as pretensões para a organização de emprezas, que,
partindo de São João d’El Rey, vão a Lavras e de lá formem a navegação do R.
Grande, desde a fóz do Ribeirão Vermelho até a cachoeira da Bocaina. No
Brasil onde os capitaes são escassos, é preciso muita cautela em concessões
desta ordem; e na Provincia de Minas, que agora começa a ver os primeiros
clarões das emprezas ferro-viarias, é indispensável toda prudencia para não
afugentar os capitaes em emprezas improductivas”.
166
A idéia de Godoy era que a ferrovia integrasse centros urbanos com regiões de
povoamento mais numeroso e maior potencial produtivo, com condições sócio-
econômicas favoráveis à configuração de uma demanda por transporte mais rápido. A
abertura de algumas regiões à ocupação e colonização seria um sub-produto da
construção de ferrovias e não seu objetivo principal. Esta malha férrea seria articulada
ao transporte fluvial e marítimo, comuns no Brasil.
Com este intuito, o presidente da província mineira, Godoy, propôs a concessão
de uma ferrovia ligando as cidade de São João del Rei, Tamanduá (atual Itapecerica),
Santo Antônio do Monte, Formiga e Pium-i, seguindo o vale do Rio Grande
167
, que, no
entanto, não foi realizada. Todavia, defendeu o caráter estratégico da ferrovia para a
soberania do Império, propondo o prolongamento da estrada até Mato Grosso,
empreendimento guiado por motivos políticos e ideológicos pautados na idéia de nação.
A invasão do território nacional por parte do Paraguai, na mesma década de 1870, seria
fruto também da fragilidade das extensíssimas fronteiras do Império. Para Godoy, a
ferrovia pelo Oeste de Minas seria de “pujante futuro”, contribuindo para
166
GODOY, Joaquim. RELATORIO 1873 - 15 Jan. 1873.
167
Como pode ser visto no mapa da Figura 4, a ferrovia passou mais ao norte, buscando o vale do Rio Misericórdia.
82
82
“(...) o desenvolvimento desta Provincia garantindo ao mesmo tempo o
Brasil da invazão dos estados vizinhos com o seu prolongamento futuro em
demanda das Províncias de Goyaz e Matto Grosso”
168
.
A concepção da ferrovia como instrumento de modernização de regiões
relativamente desenvolvidas sócio-economicamente, servindo uma sociedade de caráter
colonial, agrário e escravista, foi também defendida pelo presidente João Capistrano
Bandeira de Mello, em 1877. Segundo ele, o principal ponto da elaboração de projetos
de ferrovias seria a distribuição das estradas. De que servirão estradas magnificas, si
ligassem lugares sem interesse para o comércio?”
169
Não bastaria que elas
simplesmente existissem. Seria necessário que elas fossem construídas onde o
interesse as reclama”. As melhores e mais multiplicadas deveriam ser feitas nos lugares
onde a industria fosse mais desenvolvida, e as relações econômicas mais ativas.
Em 1878, a companhia EFOM, primeira sociedade anônima mineira, instalou-se.
Sua diretoria foi eleita em assembléia, pelos acionistas, que indicaram o Dr. Aureliano
Martins de Carvalho Mourão para sua presidência. Este, “(...) reconhecendo a
desvantagem do emprego unico das ações emittidas, dada a má condição das praças
commerciaes do Império (...)”, propôs aos acionistas a opção pela subvenção
quilométrica, que foi aprovada
170
. Neste mesmo ano, os concessionários formaram uma
comissão para iniciar os trabalhos de organização da EFOM
171
. Esta se constituiu
mediante a reunião de capital nacional empregado na construção de sua infra-estrutura e
importação de equipamentos necessários à sua implantação.
Nas décadas finais do século XIX, havia alguns engenheiros brasileiros
especializados no conhecimento teórico sobre a técnica ferroviária, a despeito de uma
168
GODOY, Idem, 1873.
169
MELLO, João. Falla que á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes por occasião da installação dos
trabalhos da segunda sessão da vigesima primeira legislatura, dirigio o illm. e exm. sr. conselheiro João Capistrano
Bandeira de Mello, presidente da mesma provincia, em 17 de agosto de 1877. Ouro Preto: Typ. de J.F. de Paula
Castro, 1877, p.88.
170
VAZ, M. Idem, p.6. A subvenção seria de Rs 9:000$000 por quilômetro.
83
83
provável pequena experiência prática. Este é o caso de um dos concessionários e
elaboradores do projeto original da EFOM, o engenheiro civil Luiz Augusto de Oliveira.
Seu livro, Caminhos de Ferro no Brazil Estudos Práticos e Economicos, de 1878, foi
uma das primeiras obras teóricas sobre o tema no país, um compêndio de engenharia
civil ferroviária.
Mas, o Brasil não possuia meios de produção necessários à construção do
aparato ferroviário. Este teria de ser importado. Para Oliveira, o trabalho ferroviário
seria composto por três elementos: 1) a potencia, o capital; 2) os “orgãos de
transmissão”, a infra-estrutura material; 3) e a “ferramenta, o instrumento mecanico”, a
locomotiva. Para ele, o sucesso de uma ferrovia dependeria da organização do capital,
facilitada por garantias de subvenções estatais; economia nas despesas; estudo do
terreno; realização de terraplanagens e construção de obras de arte; e, finalmente, do
material rodante, locomotivas, vagões e trilhos.
172
No caso da EFOM, o capital foi levantado através da emissão de 6.000 ações,
totalizando de Rs 1.200:000$000. Seria garantida a subvenção provincial de 9:000$000
por quilômetro. Esta companhia foi, portanto, criada exclusivamente com capital
nacional. Para Oliveira:
“Convém aqui fazer bem saliente que, em relação, mais concorrerão os
menos abastados, tomando uma acção, do que os favorecidos da fortuna,
subscrevendo alguns cincoenta e cem. Há muitas assignaturas de uma a cinco
acções, facto que muito caracterisa a esperança que n’ella deposita a classe
menos rica da cidade de S. João d’El-Rei e de seus arredores.”
173
A empresa foi autorizada a iniciar suas atividades com a aprovação de seu
estatuto pelo governo imperial, em julho de 1878
174
. Foi a primeira companhia
171
VAZ, M. Idem, p.5. Lei 2.398, 5/11/1877.
172
OLIVEIRA, L. Idem, p. 16.
173
OLIVEIRA, L. Idem, p.32.
174
SANT’ANNA. Relatório de 1879. p.179. O decreto imperial 6.977, de 20/7/1878, assinado pelo Ministro da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, João Lins de Sinimbú, e pelo imperador, aprovou o estatuto da EFOM.
84
84
ferroviária sediada em Minas Gerais, em São João del Rei. Os trabalhos de exploração e
organização do projeto foram feitos por uma equipe de cinco engenheiros e vinte
operários
175
.
Figura 3 Ação da EFOM
Figura 3 Ação da EFOM de Rs 200$000 sobre capital de Rs 1.200:000$000
De acordo com Murilo Jansen Vaz, primeiro historiador da EFOM, os estudos
determinaram a estação de Sítio, na EFPII, como seu ponto inicial “(...) sob a base da
bitola provisoria maxima de um metro, (...). Attendendo, entretanto, ás condições da
zona e razões de ordem econômica, ficou deliberada, em definitivo, a bitola de
0m,76.”
176
Em 1879, a EFOM fez um acordo com o presidente da EFPII, Francisco
Pereira Passos, para “(...) harmonizar os interesses das duas estradas.”
177
Para o
primeiro trecho, entre Sítio e Barroso, de 49km, a EFOM contratou o empreiteiro
175
OLIVEIRA, L. Idem, p. 38. O engenheiro-chefe recebeu Rs 800$000, pelo trabalho, os ajudantes, Rs 600$000, os
condutores, Rs 240$000, e os trabalhadores, Rs 1:200$000, Rs 60$000 cada.
176
VAZ, M. Idem, p.6.
85
85
Miguel Archanjo da Silva e outros, sob fiscalização direta do engenheiro Paulo Freitas
de Sá. Os trabalhos tiveram início em junho de 1879. Quinze meses depois, foi
inaugurado o tráfego entre as estações de Sítio e Barroso, assim como o posto
telegráfico de Ilhéos
178
. A companhia contava então com duas locomotivas tipo
Montezuma, da americana Baldwin Locomotive Works, e com carros da EFPII
179
.
Em janeiro de 1881, os trilhos alcançaram São João del Rei. A estação desta
cidade foi construída por armações metálicas, aos moldes de pavilhões ferroviários
europeus da época. Aos 28 de agosto, uma pomposa solenidade marcou a inauguração
oficial da EFOM. Estiveram presentes o casal imperial e outras autoridades, além de
muitos “dos nossos mais eminentes engenheiros”. A data foi estabelecida pelo próprio
imperador. Entre as figuras de destaque, encontrava-se o conselheiro Buarque de
Macedo, Ministro da Agricultura. Porém, na noite das comemorações, ocorreu um
acontecimento trágico. O Ministro Macedo, que já encontrava-se enfermo, faleceu. São
João del Rei, que estava em festa, revestiu-se em luto
180
.
No início de seu funcionamento, a EFOM contava com as estações de Sítio,
Barroso, Tiradentes e São João del Rei, e os postos telegráficos de Ilhéos e Capão
Redondo. O material rodante foi comprado da empresa belga Thyle Chateau, de
propriedade dos Srs. Ceramin. Foram importadas mais de quatro mil toneladas de
aparato ferroviário. Eram quatro locomotivas, quatro carros de passageiros de 1
a
. classe
(com capacidade para 16 pessoas, cada), quatro de 2
a
. classe (para 24 a 30 pessoas), dois
carros de bagagem, quinze vagões de carga fechados, dez abertos, dois vagões para
animais, um guindaste e um carro de luxo. Os trilhos importados eram 90% de ferro e
10% de aço.
177
VAZ, M. Idem, p.6-7.
178
Este trecho custou Rs 330:888$876, ou Rs 6:752$816 por quilômetro.
179
VAZ, M. Idem, p.7. A inauguração da primeira seção se deu em 30/9/1880.
180
VAZ, M. Idem, p.8.
86
86
Figura 4 Mapa da EFOM, 1881
O mapa acima é uma montagem sobre a Planta da E. de F. Oeste de Minas, de
1903. Representa os caminhos de ferro e os veios fluviais, sinal que estes dois seriam os
principais meios de transporte no momento. A articulação entre a configuração
hidrográfica do território e a ferrovia fica evidente na análise da cartografia. Todo o
primeiro trecho da EFOM, de aproximadamente 100km, seguia o vale do Rio das
Mortes, entre Barbacena e São João del Rei.
No Brasil, foram comprados 145.000 dormentes. A obra custou Rs
2.071:697$159, Rs 561:066$841 a menos que o total do capital conseguido. Cada
quilômetro custou, em média, Rs 21:850$000
181
. Em seu primeiro ano de
funcionamento, foram transportados 10.430 passageiros e 84 toneladas de mercadorias.
A receita superou as despesas com o tráfego da empresa, gerando um saldo positivo de
Rs 33:366$880, porém, inferior ao custo de dois quilômetros
182
.
181
LISBOA, Joaquim. Apontamentos sobre a Estrada de Ferro d’Oeste de Minas. Rio de Janeiro: Typographia de
Soares e Niemeyer, 1881, p. 7-11.
87
87
Figura 5 Primeira locomotiva da EFOM, 1881
Esta foi a primeira experiência com bitola estreita do país
183
, o que deveria
marcar uma “revolução” no transporte ferroviário brasileiro:
“A attenção que S.S.M.M. prestaram á estrada do Oeste como principio
de uma fecunda revolução na viação ferrea do Imperio, pela adopção da bitola
reduzida, e, tambem, o unanime parecer dos technicos e competentes,
produziram o benefico resultado de destruir as falsas prevenções contra esta
estrada, e até houve completo reviramento de opinião, triumphando afinal a
verdade.”
184
O irmão mais velho de Christiano Ottoni, Teophilo Ottoni, empresário, político
liberal e empreendedor pioneiro da ferrovia no Brasil, analisou a questão da bitola
utilizada pela EFOM. A bitola estreita seria conveniente para trechos de menor
distância, com a vantagem de facilitar o traçado, reduzir o preço quilométrico e o custo
de manutenção
185
. Ao caracterizar a EFOM como estrada de curta extensão, Teophilo
Ottoni evidenciou um conflito entre duas vertentes distintas sobre o papel da ferrovia na
modernização de Minas: 1) a ferrovia conectando centros urbanos já existentes; 2) a
ferrovia como instrumento para colonizar áreas despovoadas. A escolha da bitola teria
182
VAZ, M. Idem, p.35.
183
Hoje, a única ferrovia de bitola estreita em funcionamento no mundo é o trecho da EFOM, de 12km, entre São
João del Rei e Tiradentes, utilizado para passeios turísticos.
184
VAZ, M. Idem, p.8.
88
88
controvérsias, mas fez da EFOM a ferrovia com o menor custo de construção no Brasil,
até então
186
, cerca de metade do valor de uma via da mesma distância, com bitola de
1,00m. Teophilo Ottoni considerou a bitola estreita propícia para regiões recentemente
abertas à expansão da indústria.
A experiência brasileira com a bitola estreita interessou a ferroviários de outros
países. Em julho de 1881, o engenheiro americano William Milnor Roberts visitou a
EFOM, acompanhado pelo Sr. Paist, representante da Baldwin Locomotive Works, dos
EUA, fornecedora das locomotivas. Viajaram por 50km na estrada recém-construída,
durante duas horas, a uma velocidade média de 30km/h. Na ocasião, o diretor da
empresa, Sr. Joaquim Lisboa, não estava presente. Por isso, William Roberts deixou
uma carta, na qual registrou suas impressões sobre a EFOM, mostrando-se
impressionado com o desempenho da via:
“A linha, como eu esperava encontrar, possui curvas fortes que, de fato,
são o meio de economizar o custo da construção, por se encaixar aos contornos
do país. Eu fiquei particularmente surpreso pela facilidade e total ausência de
inclinação lateral, com que a locomotiva e os carros passavam pelas curvas dos
trilhos. Está bastante claro para mim que esta linha de bitola estreita é um
sucesso completo enquanto trabalho de engenharia”.
187
185
OTTONI, Teophilo. Falla que o exm. sr. dr. Theophilo Ottoni dirigio á Assembléa Provincial de Minas Geraes, ao
installar-se a 1.a sessão da 24.a legislatura em o 1.o de agosto de 1882. Ouro Preto, Typ. de Carlos Andrade, 1882,
p.48.
186
VAZ, M. Idem, p.9.
187
LISBOA, J. Idem, p.20. Transcreve-se aqui partes significativas da carta de William Roberts a Joaquim Lisboa:
Barroso, july 3, 1881:
Understanding that you are expected here in a few days, I desire to leave this note for you, stating briefly
my impressions of your 30 inch gauge railway, now in operation from Sitio to Barroso, and soon to be opened to S.
João d’El Rei, 100 kilometers from Sitio.
We were accompanied by my friend Professor Derby and Sr. Washington d’Aguiar attached to our
comission, and also by Mr. Paist, an American recently arrived from the Baldwin Locomotive Works, who desired
to see the working of the locomotive on this 30 inch gauge track. He is very much pleased with its performance.
We rode most of the way on the engine, some in front and some in the cab, and I had an excellent
opportunity of seeing the road, its location and construction and also to note the behavior of the locomotive and
train.
We travelled at the rate of 30 kilometers per hour, making the 49 kilometers including stops, in less than
two hours. The line as I expected to find, abounds with strong curves, which, in fact are the chief means of
economising the cost of the construction, by fitting it to the contours of the country. I was particularly struck with
the ease and entire absence of side-jolting with which the engine and cars transversed the track around these
curves. (...)
I is quite clear to me, that this narrow-gauge track (2 ft 6) as an engeneering work, is a complete success.
I am now more firmly than ever convinced that the introduction of narrow gauge railways no wider than 30
inches the gauge of your Oeste de Minas line, will in many parts of Brazil, prove to be the most advantageous for
89
89
A questão da bitola é mais que meramente técnica. O transporte ferroviário é
sistêmico, depende da coordenação entre aparelhos, dos trilhos até a chaminé da
locomotiva. O tamanho da bitola seria determinante para toda a dimensão da ferrovia
construída, o número de passageiros e a quantidade de carga que conseguiria
transportar. Cabe lembrar que era a própria Baldwin que vendia todo o material rodante
para a EFOM. Portanto, é possível que certa pressão por parte desta empresa norte-
americana pode ter influenciado a adoção da bitola estreita. Sua justificava seria o fato
de se tratar de uma região pouco povoada, com produção e comércio relativamente
modestos de mercadorias para o mercado mundial
188
.
Figura 6 Trem em movimento sobre trilhos de bitola estreita da EFOM
the people and the government, as feeders for main-track railways; and also as local lines running to ports on the
coast. (...).
I sincerely hope that the result upon this line will exceed your antecipations. (...)
Your friend and obedient servant, W. Milnor Roberts.
188
VAZ, M. Idem, p.35. O movimento de cargas, no primeiro ano, mostra que a mercadoria mais transportada, em
direção a Sítio e à EFPII, foi cal, acompanhado por cereais, toucinho e queijos. No sentido inverso, a região
recebeu principalmente sal, proveniente do litoral. Importação: Sal: 5.317.180 gk e diversos: 1.497.249kg. Total:
6.814.429kg. Exportação: Cal: 946.448kg; Cereaes: 232.894kg; Toucinho: 306.081kg; Queijos: 228.331kg, e
diversos: 588.537kg. Total: 2.302.291kg. VAZ, M. Idem. p.10.
90
90
Como foi dito anteriormente, a EFOM foi criada para contribuir ao
desenvolvimento sócio-econômico de uma região identificada nos textos da época como
sertão. A intenção era, através da melhoria do transporte terrestre, estimular o
crescimento da produção e do comércio locais, através de um fluxo migratório para o
Oeste de Minas, levando a um crescimento populacional e, consequentemente, um
aumento da demanda pela ferrovia. Com o tempo, a bitola deveria ser alargada para
suportar uma carga cada vez maior. Outro argumento para a adoção da bitola estreita era
que ela se adequaria melhor à uma região de relevo acidentado, permitindo curvas com
raios menores. Este, entretanto, parece não se confirmar pois a EFPII, que atravessava a
Serra do Mar, tinha a bitola de 1,00m, assim como a própria EFOM passaria a ter a
partir de 1890.
A diferença entre as bitolas acarretou problemas relacionados à
incompatibilidade entre locomotivas e vias de bitolas diferentes. De qualquer forma, a
EFOM foi um empreendimento pioneiro, um teste da bitola estreita. Segundo o relatório
da empresa, de 1892, se tais estradas econômicas não servissem para desenvolver os
“desertos” interiores do Brasil, promovendo a sua colonização e “cultura”, muito
menos serviriam estradas de qualquer outra bitola, custando o dobro por quilômetro.
189
Após 1881, a direção da EFOM tomou quatro medidas estratégicas voltadas ao
desenvolvimento regional: 1) prolongou as linhas no ramal de Ribeirão Vermelho; 2)
adquiriu a concesssão para a construção da ferrovia entre São João del Rei e Oliveira; 3)
facilitou o transporte de imigrantes para a região; 4) reduziu o preço dos serviços,
visando estimular o crescimento da demanda pelo serviço de transporte. A empreiteira
Castro, Rocha & Cia, de Joaquim Leite de Castro, e do português Antonio Francisco da
Rocha, foi contratada para a construção de 221km de prolongamento, 172km entre São
189
VAZ, M. Idem, p.10.
91
91
João del Rei e Oliveira, e 49km no ramal de Ribeirão Vermelho. A empreiteira também
foi encarregada de fazer um projeto de navegação do Rio Grande
190
, inaugurado no
mesmo ano. Os gastos destes trabalhos foram pagos com a contração de um empréstimo
de Rs 4.400:000$000 em debentures, a juros de 7% ao ano, pela EFOM com o Banco
do Commercio. Além disto, em 1882, a companhia, em acordo com o governo mineiro,
passou a arrecadar o imposto sobre exportações e taxas de itinerário de 10% sobre o
valor das passagens, cabendo-lhe pelo serviço o direito a 4% sobre o total de
arrecadações
191
.
Em 1883, o presidente da província de Minas Gerais, Antônio Chaves, mostrou
confiança no desenvolvimento ferroviário mineiro, mesmo reconhecendo a falta de um
planejamento efetivo e a descoordenação da política de concessões. Segundo ele, as
ferrovias, estendendo-se pelo território da província quase que sucessivamente, sem
plano geral previamente adotado, “(...) constituem, todavia, o inicio de uma rêde
racional e bem delineada.”
192
O então presidente da província acreditava que seria um
erro construir ferrovias apenas entre centros populosos e regiões já cultivadas. Este
modelo poderia servir para a Europa, onde o território seria menor e explorado há
milênios. Em Minas, havia muitas regiões onde a natureza seria inexplorada e a
população rarefeita. A locomotiva, além de fomentar a indústria, proporcionaria o
aumento da produção agrícola e criaria condições para a configuração de uma “corrente
de emigrantes” que encontraria “nos caminhos de ferro o alvo por onde naturalmente
(...) precipitar-se”
193
. Chaves, assim como Teophilo Ottoni, tinha uma visão da ferrovia
190
VAZ, M. Idem, p.12.
191
VAZ, M. Idem. p.20.
192
CHAVES, Antônio. Falla que o exm. sr. dr. Antonio Gonçalves Chaves dirigio á Assembléa Legislativa Provincial
de Minas Geraes na 2.a sessão da 24.a legislatura em 2 de agosto de 1883. Ouro Preto, Tipographia do Liberal
Mineiro, 1883. p.74. Ainda “Certamente o progresso entre nós ha sido lento em outras manifestações da
actividade industrial, mas o mesmo não se verifica com a poderosa industria dos transportes, começada apenas ha
nove annos, quando alguns paizes da Europa já tinhão a sua rêde quasi completa, e não poucas províncias do
imperio ja havião iniciado as suas”.
193
CHAVES, A. Idem, p.74.
92
92
como meio para a sociedade brasileira ocupar e colonizar regiões fora do controle do
Estado, e não apenas dinamizar o transporte entre áreas já integradas por sistemas
fluviais e terrestres.
Porém, no ano seguinte, Chaves passou a defender uma visão oposta, elaborando
uma memória negativa para a ferrovia. Ignorando até mesmo a entrada da EFPII na
província, em 1869, ele chegou a afirmar que apenas em 1874 a ferrovia teria chegado
em Minas, “(...) e já nessa época S. Paulo nos antecipava um decennio na construcção
de seus caminhos de ferro.”
194
Em seu argumento, pautado no atraso mineiro, criticou
as subvenções estatais indiscriminadas feitas pela província. Para ele, nos EUA o capital
seria superabundante, o que permitiria ao Estado investir em ferrovias. Mas, no Brasil,
com a necessidade de importar capital e com a população,
“(...) pouco habituada ao trabalho e atrofiada em seu desenvolvimento
industrial por processos rotineiros e emprego de instrumentos rudimentares,
tendo por principal agente productor o braço escravo, não nos é licito esperar
esses brilhantes resultados dos caminhos de ferro (...)”
195
Negando os progressos no setor ferroviário em Minas, Chaves criticou o fato de
nenhuma estrada de ferro de importância ter sido implantada sem o auxílio dos cofres
públicos. Como a província não havia recebido retorno econômico destes gastos, ele
propôs uma pausa nos incentivos estatais
196
. Com uma postura cautelosa, defendendo
que a política de desenvolvimento se limitasse e se submetesse ao equilíbrio
orçamentário, evitando o aumento da dívida provincial, Chaves sujeriu a revogação de
todas as concessões ainda não contratadas e a redução dos juros garantidos às
194
CHAVES, A. Falla que o exm. sr. dr. Antonio Gonçalves Chaves dirigio á Assemblea Legislativa Provincial de
Minas Geraes na 1.a sessão da 25.a legislatura em 1.o de agosto de 1884. Ouro Preto, Typ. do Liberal Mineiro,
1884. p.98
195
CHAVES, A. Idem, p.98.
196
CHAVES, A. Idem, p.98. “Nenhuma estrada de ferro importante entre nós tem-se construido sem o auxilio dos
cofres provinciaes e assignalando os beneficios que a viação ferrea tem produzido, não posso, entretanto, deixar
de reconhecer que elles não são tão amplos que nos animem a novos emprehendimentos que virão avultar a
importante somma de capitaes garantidos pela provincia”.
93
93
companhias
197
. Sobre a EFOM, fez um breve e ríspido comentário: “Não é lisongeiro o
estado de finanças da Companhia”
198
, apesar de apresentar dados que indicavam que
seu saldo positivo teria aumentado mais de 100% em 1883, chegando a 76:666$273.
A visão negativa com relação à ferrovia se concretizou em ação política no
governo seguinte. Em 1885, foram, de fato, revogadas todas as garantias de concessão
ferroviária sem contrato na província de Minas Gerais
199
. O presidente mineiro
Machado Portella, em 1886, ainda justificou esta decisão, apontando a falta de “um
plano geral”, mantendo a concepção negativa da ferrovia
200
.
Mas, em julho de 1887, o presidente mineiro Carlos Figueiredo, apresentou
outra política de transportes. Em tom otimista, considerou a ferrovia um “grande
elemento de progresso”, e estabeleceu, em sua memória, o ano de 1871 como o início
da política ferroviária mineira:
“Ha 16 annos que a provincia se preocupa com o desenvolvimento de sua
viação ferrea (...) certa de que todos os seus esforços serão compensados em
futuro proximo. Não se tem conseguido pouco em tão curto prazo; os trilhos se
estendem hoje por 879,k150, e o sibilo da locomotiva já anima regiões
fertelicissimas”.
201
No fim do Império, pouco antes que a República fosse proclamada, Figueiredo
afirmou que o governo estaria incentivando a extensão dos trilhos da EFOM até o porto
de Ribeirão Vermelho, no Rio Grande. A EFOM, que até então apresentara “acanhado
movimento” teria um futuro auspicioso. Seu prolongamento até Ribeirão Vermelho e
197
CHAVES, A. Idem, p.98. “A execução das empresas até agora subvencionadas (felizmente na maior parte não
contratadas), traria inevitavelmente assombroso acrescimo de nossa divida consolidada e o correspondente
augmento das despezas ordinarias nos orçamentos para pagamentos dos juros dos emprestimos (...)”.
198
CHAVES, A. Idem. p.99.
199
BRITTO, José. Falla que o exm. sr. desembargador José Antonio Alves de Brito dirigio á Assembléa Legislativa
Provincial de Minas Geraes na 2.a sessão da 25.a legislatura em o 1.o de agosto de 1885. Ouro Preto, Typ. do
Liberal Mineiro, 1885.
200
PORTELLA, Machado. Relatório de 1886. p.123. “Sem que houvesse precedido um plano geral para a viação
ferrea na provincia, foram feitas por diversas leis concessões de privilégio de estrada de ferro, com garantia de
juros ou subvenções kilometricas, em numero crescido, algumas inexequiveis, outras que, a serem executadas se
prejudicariam reciprocamente.”
94
94
Oliveira, e a navegação do Rio Grande, levaria a um aumento do tráfego e da receita,
compensando os gastos com esta estrada
202
.
Durante a ascenção do regime republicano, em 1889, o país possuia cerca de 640
estabelecimentos industriais, empregando aproximadamente 54.000 trabalhadores
203
. A
questão do atraso brasileiro mantinha-se pesente na política do novo governo, sujerida
no lema positivista da nova bandeira nacional, Ordem e Progresso
204
. Apesar da
instabilidade política dos primeiros anos republicanos, os projetos de modernização e
integração nacional ganharam força. É interessante notar as rupturas e as permanências,
pelo menos no âmbito do discurso, na passagem do Império à República. A idéia do
progresso, enquanto ordem do dia para o Estado, atravessou os dois regimes. Mas a
mudança da forma predominante de trabalho de escravo à assalariado marcou uma
diferença fundamental.
No final de 1889, o governo mineiro, ainda chamado de provincial, concedeu à
EFOM o privilégio de explorar a navegação do Rio Grande até a confluência com o Rio
Sapucaí, por dez anos
205
, e outra concessão para construir uma ferrovia, de bitola de
1,00m, entre Barra Mansa, RJ, Ribeirão Vermelho, MG, Catalão, GO, até um ponto
navegável do Rio Maranhão
206
.
Em 1890, a EFOM tinha uma extensão de aproximadamente 600km, divididos
em uma linha, em sentido leste-oeste, entre Sítio e Ribeirão Vermelho, que
201
FIGUEIREDO, Carlos. Falla que o exm. sr. dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo dirigio á Assembléa
Provincial de Minas Geraes na segunda sessão da vigesima sexta legislatura em 5 de julho de 1887. Ouro Preto,
Typ. de J.F. de Paula Castro, 1887.
202
FIGUEIREDO, C. Idem, p.84.
203
HARDMAN, F.;LEONARDI, V. Idem, p.41.
204
Na obra de Auguste Comte, estes dois elementos pilares da sociedade positiva eram acompanhados pelo amor. Seu
esquema ideológico era composto pela relação entre o “amor por princípio, a ordem por base e o progresso por
fim”. Mas, a República descartou, em seu lema, o amor. A Ordem representaria a idéia da manutenção das relações
sociais, do status quo e da estrutura econômica em uma transição política pacífica. O Progesso justificaria a
abolição da escravidão, a política de desenvolvimento e a valorização de avanços técnicos e científicos. Neste
contexto, o instrumento mais atraente para a realização de uma nova nação, baseada no princípio do progresso,
agora explícito e oficial, continuaria sendo a ferrovia.
205
Decreto n
o
.9.811, de 1889.
95
95
acompanhava o Rio das Mortes até sua confluência com o Rio Grande, e um ramal em
sentido sul-norte, entre Aureliano Mourão, no município de Bom Sucesso, e a cidade de
Figura 7 Mapa da EFOM em 1890
Figura 7 Mapa da EFOM em 1890
206
SENNA, Nelson. Anuario Histórico-Chorographico de Minas Geraes. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1909,
p.468. Decreto no. 862, de 10 de outubro.
96
96
Divinópolis. A companhia cresceu 500km em menos de dez anos. Porém, a expansão
dos trilhos acarretou problemas para a saúde financeira da EFOM. Para o pagamento
dos trabalhos de prolongamento, foram contraídos empréstimos junto ao Brasilianische
Bank für Deutschland, de 22.450.000 marcos, a 5% ao ano, e outro de 3.700.000 libras
esterlinas, com os banqueiros Rotschild, de Londres, equivalente a Rs
34.188:000$000
207
.
Em 1894, mais um empréstimo foi feito, desta vez com o estado do Rio de
Janeiro, de Rs 30:000$000. As obras foram encarecidas devido às dificuldades
apresentadas pelo terreno acidentado e pela transposição da Serra do Mar, exigindo a
construção de 9 túneis e 17 pontes
208
. Em 1893, Minas Gerais contava com 2.450km de
estradas de ferro, 70% de concessão estadual e 30% federal. Além da malha em uso,
800km já estavam sendo construídos, 1.763km haviam sido aprovados, e 6.693km de
futuras linhas seriam estudadas. Assim, a previsão naquele momento era que Minas teria
uma malha de 11.707km. Esta previsão foi feita antes de Belo Horizonte ser construída,
quando o estado contava com menos de 3 milhões de habitantes. Em vinte anos, entre
1870 e 1890, 2.500km foram implantados na província
209
.
Com a República, inaugurou-se a política do encilhamento, através da qual o
governo federal passou a emitir papel moeda em grande quantidade, com o objetivo de
incentivar o crédito financeiro e possibilitar o pagamento do crescente trabalho
assalariado. A Constituição de 1891 deu aos estados maior liberdade econômica. O
governo federal manteve a arrecadação de impostos sobre as importações, mas perdeu o
monopólio da arrecadação sobre as exportações para os estados, que ganharam também
o poder de contrair empréstimos externos.
207
VAZ, M. Idem, p. 15.
208
O orçamento deste trecho foi de Rs 11.350:503$473 ou Rs 107:485$828, por quilômetro.
209
Neste ritmo, em 1950, o estado teria cerca de 12.500km. Hoje, mais de um século depois, Minas possui 5.059km
de estradas de ferro em funcionamento, de acordo com o Ministério dos Transportes.
97
97
Na mensagem anual de 1894, Affonso Penna, em meio a uma crise econômica
que assolava toda a República, se declarou “(...) em regra, contrario à intervenção do
Estado em negocios industriaes (...)”
210
. Esta cautela em relação a gastos estatais com
subsídios e incentivos à modernização era justificada pela crise, que seria também o
motivo da má qualidade dos serviços ferroviários prestados em Minas. Segundo Penna,
as companhias não teriam condições de contornar a crise geral. Apesar de não prometer
esforços por parte do Estado para o desenvolvimento ferroviário, Penna compartilhava
da crença nas potencialidades da ferrovia para o crescimento econômico e progresso de
Minas
211
.
No ano seguinte, Bias Fortes admitiu que sem o auxílio estatal não teria sido
possível construir ferrovias no país. O progresso custaria grandes sacrifícios aos cofres
públicos, investimentos que ainda não haviam dado o retorno esperado. Para ele,
ninguém poderia contestar que, não fosse a intervenção direta do Estado, fornecendo do
tesouro público os recursos que o crédito desfalecido das empresas não poderia obter, a
realização destes “importantissimos e fecundos melhoramentos materiaes” teria sido
paralisada
212
.
Com esta análise, Bias Fortes propôs que o estado de Minas não abrisse mais
nenhuma concessão ferroviária. Para ele, seria necessário esperar que as já existentes
dessem algum retorno aos cofres públicos, que tanto haviam sido dilapidados com elas.
Autorizar mais concessões ferroviárias poderia ser desastroso, na medida em que
demandaria gastos estatais sem gerar uma receita correspondente. Parece que, neste
momento, já era possível perceber que o progresso prometido pelo desenvolvimento
ferroviário não seria automático. A política de modernização e superação do atraso
210
PENNA, Affonso. Mensagem de 1894. 21-4-1894. p. 24.
211
PENNA, A. Idem. 1894. p.27. “O mal é real, mas cumpre convir que a impossibilidade em que se vêem as
companhias de levantar recursos para augmento de seu mterial rodante e melhoramento das linhas, torna-lhes
difficil fazer o serviço em boas condições de regularidade”.
98
98
mineiro, deveria continuar, mas antes seria preciso que o Estado obtivesse ganhos
concretos
213
.
No entanto, Bias Fortes, no ano seguinte, adotando postura oposta, negligenciou
os problemas de gastos estatais e a ameaça de parar absolutamente a política de
desenvolvimento ferroviário. Em sua mensagem de 1898, disse breve e simplesmente
que, no ano anterior, teria “(...) continuado felizmente regular o trabalho de
construcção de vias ferreas no Estado”.
214
Em 1894, a EFOM transportou 129.312
passageiros e 41.891 toneladas de mercadorias e encomendas
215
. Em 1899, o
movimento de passageiros diminuiu para 53.381, enquanto o de mercadorias e
encomendas subiu para 366.288 toneladas
216
. O artigo de maior importação era o sal
(cerca de 7.000 ton) e o de maior exportação, o café
217
.
Em 1899, a companhia, com um superávit insignificante desde 1894, e déficit
desde 1898, entrou em falência. Em 1900, o presidente mineiro Francisco Bueno
Brandão anunciou, em meio à uma crise econômica nacional, a liquidação da EFOM,
devido a sete fatores: 1) a “não observação dos principios da sciencia economica”, nas
palavras de Augusto Cesar de Pinna; 2) os gastos elevados; 3) a contração de
empréstimos a juros altos; 4) o baixo movimento comercial da região; 5) o baixo
rendimento do empreendimento; 6) a falta de auxílio oficial; 7) e a ausência de madeira
para dormentes ao longo da linha
218
.
212
FORTES, Chrispim. Mensagem de 1897. 15-6-1897. p.10-11.
213
FORTES, C. Idem. 1897. p.12. Assim, ao patriotismo dos legisladores e do governo impôe-se a necessidade
suprema, ineluctavel, de restringir ao seu volume actual a corrente official dos melhoramentos materiaes; de
parar de modo absoluto, no caminho dos emprehendimentos desta especie; pelo que, a meu vêr, a concessão de
novas estradas de ferro ou de novos favores, que importam onus addicionaes para o thesouro, seria, no presente
momento, ou antes de conseguido aquelle desideratum, uma medida imprudente, perigosa e impatriotica.”
214
FORTES, Chrispim. Mensagem de 1898. 15-6-1898. p.19.
215
VAZ, M. Idem, p.35-6..236% de passageiros e 49.870% de mercadorias e encomendas a mais em 12 anos, desde
1882.
216
VAZ, M. Idem, p.35-6. 41% de passageiros a menos e 874% de mercadorias e encomendas a mais em 5 anos,
desde 1894.
217
VAZ, M. Idem, p.36.
218
VAZ, M. Idem, p.28.
99
99
No entanto, anda em 1901, o autor da liquidação da EFOM, presidente mineiro
Silviano Brandão, continuava a produzir memórias ufanistas, em que a ferrovia traria a
valorização fundiária e o crescimento da produção agrícola
219
. Porém, a situação de
crise econômica em que se encontrava a República obrigou o processo de
desenvolvimento ferroviário, que parecia ter alcançado seu auge em 1895, a se estagnar
em 1900. Devido à dificuldade de levantar capital, os trabalhos nas ferrovias do estado
foram paralisados
220
. Durante a transferência da EFOM para a administração estatal, ela
contava com 939,5km de extensão, 208km de navegação fluvial, 51 estações, 2
rotundas, 46 locomotivas e 378 vagões, divididos em 8 trechos:
1) Sítio - Paraopeba, 602km
2) Aureliano Mourão - Ribeirão Vermelho: 48km
3) Gomes Faria - Itapecerica: 34km
4) Ramal de Pitangui: 4,5km
5) Barra Mansa - Falcão: 41km
6) Paulo Freitas - Bugios: 167km
7) Barra Mansa - Rio Claro: 43km
8) Navegação fluvial no Rio Grande:208km
221
Com a liquidação da EFOM, o Banco da República e o Banco do Commercio
foram nomeados síndicos provisórios do seu patrimônio. Mas, em três mêses, estes
bancos “desistiram” e foram substituídos pelo Brasilianische Bank für Deutschland,
representado pelo Sr. Carl Heins, e pelo Governo Federal, na pessoa do Dr. Carlos
Borges Monteiro
222
. O leilão da EFOM ocorreu aos 13 de junho de 1903, no Rio de
Janeiro. Foi um leilão estatizador: o Governo federal comprou a companhia por Rs
15.600:000$000
223
.
219
BRANDÃO, Francisco. Mensagem de 1901, 15-6-1902, p.5.
220
BRANDÃO, Francisco. Idem. 1901, p.22
221
VAZ, M. Idem, p.34. Eram 34 estações nas linhas de 0,76m, 13 na linha de 1,00m, e4 no R. Grande. As rotundas
situam-se em Ribeirão vermelho e São Joao del Rei.
222
VAZ, M. Idem, p.31.
223
VAZ, M. Idem, p.72. Seu acervo foi dividido em 3 lotes: 1) trechos de 0,76m, com 37 locomotivas, 278 carros e 5
vapores, por Rs 7.000:000$000; 2) trechos de 1,00m de Barra Mansa a Falcão, e de Paulo Freitas a Bugios, com 7
locomotivas e 88 carros, por Rs 8.000:000$000; e 3) trecho de 1,00m de Barra Mansa a Rio Claro: 2 locomotivas,
12 carros, por Rs 600:000$000.
100
100
Neste momento, duas eram as maiores dificuldades da empresa: 1) sua grande
extensão, servindo “uma zona rica porem relativamente despovoada”; 2) e a diferença
de bitola entre seus trechos, tendo “os pontos em trafego, da secção servida pela bitola
de um metro, grandemente distanciados dos pontos inicial e terminal”
224
. A fraca
economia regional era prejudicada pelo problema das diferentes bitolas. As mercadorias
tinham de ser baldeadas dos trechos de 0,76m para os de 1,00m, e vice-versa, o que
gerava muitas despesas, além do atraso no tráfego.
O engenheiro Augusto Cesar de Pinna foi nomeado o primeiro diretor da nova
administração estatal. Ele registrou suas memórias acerca do processo de liquidação em
seu primeiro relatorio, defendendo que o motivo da falência da empresa teria sido a
obtenção indiscriminada de empréstimos “até no estrangeiro”, para tentar custear suas
despesas. Com a baixa renda da estrada, os juros dos empréstimos causaram “grande
desequilibrio”. Mas, para Pinna, esta situação poderia ter sido evitada, se houvesse
“um pouco de competencia e abnegação” por parte dos antigos gerentes da empresa
225
.
Pinna ampliou o transporte de gado das invernadas do Oeste de Minas às feiras
da Zona da Mata e cidades litorâneas sem, no entanto, contratar mais empregados.
Acreditava que (...) o augmento do trafego acarreta o augmento da renda”
226
. Sua
administração optou por cortar gastos. A primeira medida neste sentido foi a redução
dos salários dos operários. Mas, estes já achavam-se há quase três anos sem receber. Em
função disso, organizaram uma greve. Segundo Murilo Vaz, o governo estadual
comprometeu-se a pagar os salários atrasados, mas não se sabe o que ocorreu. Nas
palavras de Pinna, a ameaça de greve teria continuado por algum tempo, sempre
influenciada pela ação de “estranhos á Estrada (...) aos quaes uma tal anarchia traria
224
VAZ, M. Idem, p.38.
225
PINNA, Augusto. Estrada de F. Oeste de Minas - Relatorio apresentado a S. Ex. o Sr. Ministro da Viação pelo
Superintendente Augusto Cezar Pinna, engenheiro civil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1903, p.4- 5.
226
PINNA, A. Idem, p.14.
101
101
proveitos”. Segundo ele, aos poucos este perigo cessou, as dividas encontradas e feitas
no início da nova administração foram pagas, milhares de dormentes substituídos e
alguns quilômetros de trilhos reformados
227
.
Em 1902, Joaquim Costa Lima, em sua única mensagem presidencial, construiu
uma argumentação interessante sobre a penetração da ferrovia no Oeste de Minas, pelo
fato de se destacar em relação a seu conteúdo ideológico. Estabelecendo uma relação
entre o trabalho, a máquina, a natureza e o desenvolvimento, as searas de Minas seriam:
“(...) imensas e, infelizmente, ainda bem poucos os operários. O
approveitamento de todas estas riquezas depende da machina, que só a via-
férrea pode transportar, e é este melhoramento primordial para aquella porção
do territorio mineiro. Tenho plena convicção de que, uma vez servidas por vias
férreas, será tal o desenvolvimento destas zonas que o sacrifício feito pelo
Estado sera farta e sobejamente compensado.”
228
Continuando seu argumento, Lima adicionou os elementos da raça e do meio
em sua análise sobre o progresso no Brasil. Em um momento em que as teorias da
superioridade racial se concretizavam em medidas como a política de imigração, Lima,
talvez já sentindo as ilusões da esperança que o imigrante europeu traria consigo o valor
do trabalho e auxiliaria o desenvolvimento do país, colocou o meio, e não a raça, como
fator principal para o condicionamento da cultura. Sua memória compreende uma das
poucas representações em que o trabalhador nacional e o estrangeiro reagiriam da
mesma maneira se colocados sob as mesmas condições. É uma visão que destoa do que
convencionalmente se atribui ao imaginário da virada do século no Brasil. Para Lima, a
inteligência do brasileiro, e não a preguiça, seria o motivo que levaria populações
sertanejas a produzir apenas o essencial, sem excedente:
“Bem falsa é a idéa dos que, vendo o pouco que produz o trabalhador
nacional, apregoam a superioridade do extrangeiro.
Vivendo em fertilissimas terras, regadas de rios dos mais piscosos, sem
meios de transporte para os fructos de seus labores, para trocar o que lhe sobra
227
PINNA, A. Idem, p.6-7.
228
LIMA, Joaquim. Mensagem de 1902. p.28-29.
102
102
pelo que lhe falta, limita-se, naturalmente, o nacional a produzir apenas o que
lhe é necessario, pois seria pouco intelligente produzir para perder.
Colloque-se nas mesmas condições o melhor agricultor europeu e os
resultados serão sensivelmente os mesmos.
Si os collonos europeus, nascidos em paizes onde a escassez de terras
traz accesa, dia e noite, a lucta pela vida, só prosperam nas vizinhanças das
ferrovias, como poderá progredir o nacional, dellas separado por incalculaveis
distancias, em terras que, obedecendo ao mais elementar dos esforços, lhe
proporciona o que lhe é indispensável?”
229
Em 1903, o presidente Francisco Salles descreveu a EFOM como uma estrada
de grande futuro, atravessando uma zona fertilíssima, cujo rápido desenvolvimento
dependeria muito das tarifas que fossem adotadas
230
. Para que estas fossem baixas, era
necessário haver muitos produtos e passageiros a transportar. Assim, a política
ferroviária deveria ser acompanhada da colonização de áreas a margem dos trilhos
231
.
O mapa de 1903, denominado Planta da E. de F. Oeste e Minas, representa as
linhas da EFOM em tráfego, em construção, em estudos além das estradas de ferro
Paracatú, Minas-Rio e Central do Brasil. As linhas em vermelho representam a EFOM,
que neste momento já contava com cerca de 1.100km de extensão. Este mapa mostra
linhas em estudo a partir de Bugios, MG, que não correspondem à estrada de fato
construída na década seguinte. Bambuí, Patrocínio e Araxá aparecem fora dos trilhos,
sendo que a ferrovia, na realidade, passou por estas cidades.
Como pode ser observado, este mapa tem uma sintaxe própria. No mapa acima,
há uma relação intensa entre o visível e o invisível. Não são representadas as fronteiras
dos estados, nem sequer indicados seus nomes. Também estão ausentes de sua
linguagem as divisões entre municípios, estradas de rodagem e rotas de correios,
elementos comuns em mapas da época. Mapas podem ser compreendidos como textos
229
LIMA, J. Idem. p. 30.
230
SALLES, Francisco. Mensagem de 1903. 15-6-1903. p.39
231
SALLES, F. Idem. 1903. p.40. “Logo que permittirem as condições financeiras do Estado, será necessario
promover medidas tendentes a desenvolver culturas nas zonas marginaes das estradas de ferro”.
103
103
que propõem uma hermenêutica, ou seja, um modo de conhecer, “que ordena e atribui
sentido ao espaço sócio-cultural.”
Figura 8 Mapa da EFOM em 1903
104
104
Na cartografia, o mundo é miniaturizado e transformado “em cenários que
narram histórias do constante processo de intervenção humana na natureza”
232
. Os
mapas ferroviários buscam difundir uma lógica do arranjo espacial ligado aos interesses
do capitalismo e da civilização burguesa. No mapa de 1903, as linhas da EFOM ganham
destaque na cor vermelha, em contraste com o preto da EFCB e dos rios. As cidades
alcançadas pela estrada também têm seus nomes em vermelho, cor viva, contrastando
com o preto daquelas fora do alcance de seus trilhos. Este mapa busca transmitir a idéia
da ligação entre o litoral e o sertão e da ferrovia transformando antigos locais em
espaços modernizados.
Em 1904, o diretor da EFOM, engenheiro Antonio Lassance Cunha, analisou as
potencialidades da companhia. Para ele, a rica região oeste-mineira não havia ainda sido
trabalhada eficientemente. Com o fim da escravidão, os proprietários rurais teriam
preferido investir em apólices da dívida pública do que na agricultura, levando à crise
econômica da região. Cunha defendeu que as causas desta crise seriam: 1) a falta de
“conhecimento por propaganda intelligente” dos recursos naturais e das
potencialidades da região; 2) “a grande propriedade territorial e difficuldade de
subdividil-a pelos preços exaggerados exigidos pelos seos proprietarios”; 3) a falta de
ligações mais eficazes entre a EFOM e os centros produtores do país; 4) a sobrecarga de
impostos sobre a produção agrícola; 5) e, ao contrário de Lima, “a indolencia natural do
brasileiro, motivada essencialmente pela facilidade com que, sem trabalho, adquire o
necessario e ás vezes o superfluo para bastar ás necessidades da vida”. Para solucionar
estes problemas, Cunha propôs investimentos em propaganda, a elaboração de uma
232
BORGES, Maria Elisa L. “A Hermenêutica Cartográfica em uma Sociedade Miscigenada”. In: PAIVA, E.
ANASTASIA, C. (Orgs.) O Trabalho Mestiço Maneiras de Pensar e Formas de Viver Séculos XVI a XIX. PPGH-
UFMG. São Paulo: Annablume, 2002, p.105.
105
105
política de imigração, o facilitamento das desapropriações e uma redução de impostos
agrícolas
233
.
Apesar desta crise, a EFOM conseguiu pagar suas despesas com sua própria
receita. A propaganda proposta por Cunha iniciou-se já no ano seguinte, no relatório do
próximo diretor, Jorge Benedicto Ottoni. Para este, “(...) em nenhuma região do Brasil
se encontram condições mais favoráveis á agricultura do que na servida pela
estrada”
234
, onde já se produzia café, fumo, milho, porcos, galinhas, gado, leite,
manteiga, queijos, além da extração de minerais, como manganês e cal. Algumas
industrias produziam tecido, charque, beneficiavam arroz e café, laticínios, grãos e
aguardente. Jorge Ottoni destacou também o grande potencial hidráulico da região
235
.
Em 1905, a EFOM chegou a Formiga. Seu prolongamento até Goiás era dado
como certo, tanto é que foram iniciados os trabalhos de terraplanagem e preparação de
30km de leito até Arcos, onde a estrada continuaria em direção a Sacramento. No ano
seguinte, foi aprovada a organização da Rede de Viação Sul-Oeste de Minas, composta
por uma fusão entre a EFOM, a E.F. Sapucaí e a E.F. Muzambinho, com o objetivo de
construir uma ferrovia entre Formiga e Catalão, com um ramal para a Uberaba, que já
era servido pela Companhia Mogiana de Estradas de Ferro (CMEF). No entanto, esta
rede não chegou a se concretizar
236
.
Um prolongamento importante realizado na primeira década do século XX, foi
entre Divinópolis e a nova capital, Belo Horizonte. Este trecho, construído pela
Empresa Emilio Schnoor, foi inaugurado em 1911, com uma ramificação para Pará de
Minas e outra para Contagem. Em Divinópolis foi estabelecida a nova oficina da
233
VAZ, M. Idem, p.118-119.
234
VAZ, M. Idem, p.122.
235
VAZ, M. Idem, p.122-123.
236
Decreto n. 6.201, de 6/11/1906.
106
106
EFOM, um abrigo de carros e uma Vila Operária para os trabalhadores da empresa,
inauguradas em 1915
237
.
Neste mesmo ano, com a ligação entre Carrancas e Cedro (Passa Vinte),
completando o trecho entre Lavras e Barra Mansa, o problema das bitolas foi
solucionado. A próxima prioridade foi ligar Bugios a Goiás, visando o transporte de
toda a produção deste estado para o litoral, até então feito pela Companhia Mogiana de
Estrada de Ferro, entre Araguari e São Paulo. Além deste objetivo, havia outro, de
natureza estratégica: “permitir à autoridade militar, na dolorosa emergencia de uma
guerra, cobrir rapidamente e deffender com eficácia a fronteira de Matto Grosso.”
238
Em 1917, deu-se a ligação entre Divinópolis e Garças de Minas, na EFG. Neste
momento, Murilo Vaz identificou um conflito entre os engenheiros da EFOM. O
engenheiro Ernesto Antonio Lassance Cunha era contra os gastos com a construção da
ferrovia por regiões pouco desenvolvidas. Ao contrário, o engenheiro José Martins
Guimarães Filho defendia que, com a ferrovia, regiões de pouca expressão sócio-
econômica tenderiam a se desenvolver
239
. O que estava por trás deste debate era a
questão da viabilidade econômica de empreendimentos incertos, como a construção da
ferrovia no estado de Goiás.
II.3. A Companhia de Estrada de Ferro Goiás EFG
O primeiro plano de integração ferroviária entre Goiás e o litoral data de 1851,
quando o conselheiro imperial Francisco de Paula Cândido solicitou a abertura de
concessão para a construção de uma estrada do Rio de Janeiro, passando por esta
província, até Cuiabá
240
. Mas, durante o Império, esta estrada não se viabilizou.
237
VAZ, M. Idem, p.50.
238
VAZ, M. Idem, p.40.
239
VAZ, M. Idem, p.50.
240
SENNA, Idem, 1909, p.474.
107
107
Somente na República, em 1892, formou-se a Estrada de Ferro Alto Tocantins (EFAT),
de concessão federal
241
. Seu traçado foi estabelecido, em 1894, entre Araguari (ponto
final da CMEF), Catalão, Goiás e Palmas, com um ramal para o Rio Tocantins
242
. O
projeto ficou parado por doze anos, provavelmente pela baixa demanda comercial por
transportes entre Goiás e o litoral.
Em 1906, a EFAT teve seu nome alterado para Companhia de Estrada de Ferro
Goiás (EFG), mantendo o mesmo traçado, sobre o qual teria o privilégio de exploração
exclusiva por 90 anos
243
. Em contrapartida, a empresa seria obrigada a transportar
imigrantes e insumos agrícolas gratuitamente. Seu primeiro presidente foi Dr. Franklin
Sampaio, que contraiu para a companhia um empréstimo de 100 milhões de francos, a
juros de 5% ao ano, “na Europa”, para a construção da estrada
244
.
No ano seguinte, o ponto inicial da EFG foi alterado para Formiga, MG, estação
final da EFOM. Desta cidade, a EFG seguiria até Cuiabá, com ramais para o Rio
Araguaia, Rio Tocantins e a cidade de Uberaba. Esta transferência do ponto inicial foi
fundamental para a compreensão da História da EFG. A construção de uma ferrovia
para Goiás teria de ser intermediada por uma das estradas já existentes entre o litoral e o
interior. A companhia escolhida transportaria os materiais e equipamentos para a EFG, e
estaria futuramente transportando também toda a carga e todos os passageiros que
fossem para Goiás. Tal empresa teria um aumento significativo em sua receita.
A transferência do ponto inicial para Formiga foi um bônus para a EFOM. Isto
ocorreu durante a presidência do mineiro Afonso Penna, o que talvez explique o
241
Decreto federal nº.1.127, de 8/11/1892.
242
Decreto federal nº.1.127, 8/11/1892. Decreto federal nº.5.349, 8/10/1894.
243
Decreto federal nº.1.949, 28/3/1906.
244
SENNA, Nelson. Anuario de Minas Geraes - 1906. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, p.159. O capital investido
pela empresa era de 10.000:000$ em 100.000 ações, sobre o qual o governo federal garantia a concessão de juros
anuais de 6%, ouro. No mesmo ano, o governo federal aprovou a organização da Rede de Viação Férrea Sul-Oeste
de Minas, através da fusão entre a E.F. Oeste de Minas, a E.F. Sapucaí e a E.F. Muzambinho, com o decreto
n
o
.6.201, de 6 de novembro.
108
108
favorecimento à companhia mineira em detrimento da paulista CMEF
245
. O motivo
explicitado por Penna, em discurso ao Congresso Nacional no mesmo ano, foi o fato da
EFOM pertencer ao governo federal, enquanto a CMEF era privada. Seu discurso
político pautou-se na necessidade de construir a nação brasileira através de uma política
de integração nacional ferroviária e fluvial, e de povoamento pela imigração
246
.
A EFOM ainda foi indenizada pela realização dos estudos no trecho de 30km
entre Formiga e Arcos. Recebeu, da EFG, duas locomotivas tipo Consolidation, da
Baldwin Locomotive Works, 15 vagões e 1.100 toneladas de trilhos de aço
247
. Em 1907,
iniciaram os trabalhos de construção da EFG, entre Formiga e Porto Real, à margem
direita do Rio São Francisco, sob a responsabilidade do empreiteiro Antônio Francisco
da Rocha, o mesmo da EFOM na década anterior. Em 1908, o primeiro trecho, de
31,6km, entre Formiga e Arcos, foi solenemente inaugurado com a presença do
Secretário do Interior mineiro, Manoel Britto. Segundo Nelson de Senna, o primeiro
“comboyo inaugural da ferro-via Goyana, puchado pela locomotiva Mariano
Procopio” entrou na estação de Arcos no dia 21 de abril
248
.
Em 12 de outubro de 1909, foi inaugurada uma "ponte metallica", com um só
vão de 86m, fornecida pelas usinas Dyle & Bacalan, sobre o Rio São Francisco, após a
245
Decreto federal n. 6.438, de 27/3/1907.
246
SENNA, N. Anuário de Minas Geraes - 1909. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1909. p. 469-470. “Conforme a
vossa autorização, depois de maduramenre considerado o assumpto, resolvi modificar os traçados das estradas de
Araguary a Goyaz e de Baurú a Cuyabá, tendo sobretudo em vista ligar effectivamente ao littoral as grandes
bacias do Araguaya e do Paraguay. Quanto á primeira, aliás outro motivo sobrelevou-se, qual o de valorisar a
estrada de ferro Oeste de Minas, proprio federal, permittindo ao mesmo passo, a communicação directa de Goyaz
com o Rio de Janeiro, sem quebra de bitola, segundo é pensamento do Governo realisar; e o povoamento da zona
que passou a servir, mui fertil e apropriada á colonisação estrangeira, serviço ao qual se obrigou a companhia
concessionária.Em ambos os casos melhoraram-se as condições technicas. (...) Á modificação do traçado não
importa que fique a cidade de Cuyabá desprovida de viação ferrea, pois, de futuro, será servida por um ramal
desta, e pelo prolongamento da Estrada de Ferro de Goyaz.”
247
VAZ, M. Idem, p.42.
248
SENNA, N. Idem, 1909, p.474. Neste momento existiam dois trajetos possíveis a partir de Bambuí. O primeiro
continuaria até a Guarda dos Ferreiros, atualmente no município de São Gotardo, Pouso Alegre, Carmo do
Paranaíba, Lagoa Formosa, Patos de Minas, Onça, Carrapato, Retiro, Batalha, chegando ao porto mineiro de
Soledade, no Rio São Marcos, atual município de Paracatú. O segundo projeto passava bem mais ao sul. De
Bambuí os trilhos continuariam, passando pela Garganta de Santa Cruz e pela Gartanta da Palestina, atualmente no
município de Campos Altos, seguindo para São Pedro de Alcantara (Ibiá), Patrocínio, Dourado Quará,
atravessando o Rio Paranaíba e alcançando Catalão. Este projeto prevaleceu até Patrocínio, de acordo com o
decrecto no. 1.562, de 30 de setembro de 1909.
109
109
estação de Porto Real, batizada de ponte Paula Candido, em homenagem ao conselheiro
e ideólogo da EFG, falecido em 1864. A partir de 1910, a empreitada ficou a cargo de
Emilio Schnoor, também vindo da EFOM. Em 1911 a EFG contava com cerca de 800
operários "(...) no avançamento da linha, galgando a serra dos Medeiros (...)", 28km
depois de Bambuí
249
.
Figura 9 Ponte Paula Cândido, sobre o Rio São Francisco
Nesse ano, a empresa Cantanhede & Comp., empreiteira da construção do ramal
de Uberaba a Ibiá,que ligaria a EFG à CMEF, iniciou os serviços da nova linha, a partir
das proximidades de Uberaba. Esta realização reduziria o tempo de viagem entre Belo
Horizonte e Uberaba de quatro dias para 36 horas
250
. A região atravessada pela EFG
teria um “de clima salubérrimo”, bannhada por muitos rios de água cristalina. A
temperatura seria moderada, entre 0
o
C no inverno, e 30
o
C no verão. De acordo com
Senna, a EFG:
“(...) atravessa terrenos fertilisimos e grandes florestas virgens, onde se
encontram as especies mais variadas de madeiras para construcções e onde
devem ser estabelecidos nucleos coloniaes. Além dessas riquezas naturaes,
existem numerosas minas de diamantes, ouro, prata, cobre e outros mineraes de
249
SENNA, N. Anuário de Minas Gerais – 1911. Belo horizonte: Imprensa Oficial, 1911, p.185.
250
SENNA, N. Idem, 1911, p.187.
110
110
menor valor, sem contar o Kaolim e o crystal branco e de côres, que existem alli
em abundancia.”
251
Em 1912, o trecho de apenas 24km da "collossal serra do Urubu", entre Bambuí
e a Estação de Urubu (Campos Altos), foi inaugurado após um ano de trabalho. Um dos
motivos da demora neste trecho foi a construção do único túnel da EFG
252
. Dois anos
depois, o governo federal deu ao farmacêutico João Pacheco de Araujo uma concessão
para a construção de uma ferrovia, de bitola de 1,00m, entre a Estação de Urubu e o
povoado de Chumbo, no município de Patos de Minas. No entanto, esta estrada nunca
foi construída
253
.
Em 1914, a eclosão da Grande Guerra seria desastrosa à construção de ferrovias
no Brasil. A EFG teve seus trabalhos paralisados tanto pela impossibilidade de importar
material, quanto pela falta de pagamento dos salários atrasados dos operários. Enquanto
os trabalhos da EFG encontrava-se paralisados, o presidente do estado de Minas, Delfim
Ribeiro, em 1917, defendeu que a ferrovia poderia ter conseqüencias sócio-culturais
importantíssimas para a construção de uma nação moderna e desenvonvida, muito além
das implicações econômicas:
“No Brasil, assim como em todos os paizes novos, o problema das
estradas e dos caminhos é relevante e fundamental. Da multiplicação das
estradas e dos caminhos surgirão soluções para diversos outros problemas em
fóco. A educação e a instrucção da mocidade, a producção, a exportação, o
povoamento do sólo e o movimento economico geral, tornam grandes impulsos,
si é bem intensificada a viação geral e facilitada a communicação entre os
povos.”
254
Os trabalhos foram retomados em ritmo moroso e a EFG foi construída até
Patrocínio, cuja estação foi inaugurada aos 12 de outubro de 1918. Mas, neste ano,
Ribeiro teve de afirmar que “Este serviço (...) fundamental e relevante; está vivamente
251
SENNA, N. Idem, 1909, p.471.
252
SENNA, N. Anuário de Minas Gerais, 1918. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1918, p.456.
253
BRANDÃO, Julio. Mensagem de 1914. 15-6-1914, p.87. Decreto 3.900, de 29/4/1914.
254
RIBEIRO, Delfim. Mensagem de 1917. p.76.
111
111
embaraçado pela guerra européa”
255
. A Primeira Guerra Mundial foi fatal para a EFG,
que acabou falindo, incapaz de pagar seus funcionários, e foi liquidada.
O presidente de Minas, Arthur Bernardes, em 1919, defendeu a ferrovia como
propulsora do progresso, evidenciando um problema regional: a questão do Triângulo
Mineiro. Esta região delimitada pelos rios São Francisco, Paranaíba e Grande, foi
transferida de Goiás para Minas por D. João VI, em 1816. Em 1874, as elites
triangulinas chegaram a tentar incorporar a região a São Paulo. E em 1906 foi fundado o
Partido Separatista do Triângulo, com sedes em Uberaba e Araguari. No início do
século XX, o Triângulo Mineiro continuava isolado de Minas e com uma forte tradição
separatista. Para Bernardes:
“O nosso povo, com uma percepção instinctiva das cousas realmente praticas,
enceia pela locomotiva com a fé inabalavel de que esse melhoramento
acarretará todos os demais. (...) ninguem duvidará das grandes vantagens da
ligação direta do opulento Triangulo Mineiro com o centro de Minas e com esta
Capital, de que se acha actualmente afastado por quatro dias de longa e penosa
viagem.”
256
Em 1920, o governo federal adquiriu a extinta EFG. Sua malha, entre Formiga e
o “ponto mais conveniente”, incluindo seus funcionários, foi incorporada à EFOM
257
.
Assim, 365km de estrada, até Patrocínio, passaram a ser administrados por esta
estatal
258
. Neste encampamento, a estrada encontrava-se “(...) em quasi completo estado
de ruina, paralysado quasi o trafego (...)”. Foi necessário o “(...) cuidado da
administração actual, que já collocou [o trecho] em condições de ser trafegado, com a
restauração da linha em grande parte”
259
. Com isso, a EFOM tornou-se a maior
companhia ferroviária em Minas, com 1.806km de extensão.
255
RIBEIRO, Delfim. Mensagem de 1918. p.72.
256
BERNARDES, Arthur. MENSAGEM 1919, 15/6/1919, p. 102.
257
BERNARDES, Arthur. MENSAGEM 1920, 15/6/1920, p.104.
258
Decreto federal n. 13.963, de 6/1/1920.
259
VAZ, M. Idem, p.60.
112
112
Em 1921, Bernardes anunciou a compra, por parte do governo mineiro, de
materiais da antiga EFG, abandonados em Ibiá, para a construção do ramal entre esta
cidade e Uberaba. Nesta compra, segundo Bernardes, “(...) não teve o Governo
Estadoal outro intuito senão o de acautelar interesses da União e do Triângulo Mineiro
(...)”
260
. Em seu discurso, o Triângulo apareceu abandonado por parte de Minas, apesar
de não haver menção à questão separatista. Bernardes construiu uma memória em que
sua gestão estaria priorizando o problema dos transportes. Para ele, o maior beneficio ao
Estado seria o prolongamento das redes de sua viação ferrea e fluvial, completadas por
meio de estradas de rodagem. Esta seria a solução dos problemas mineiros. Pos isso,
Bernardes se apresentou como um homem público preocupado com a questão
ferroviária. Para garantir ao estado de Minas Gerais o elemento indispesável ao
desenvolvimento sócio-econômico as ferrovias , Bernardes teria articulado a compra,
por parte da EFOM, empresa de propriedade do governo federal, do trecho e dos
materiais da EFG, “tomando, enfim, todas as providencias ao meu alcance para o
desenvolvimento das nossas vias ferreas.”
261
Em 1922, a EFOM era a terceira maior companhia ferroviária do país, menor
apenas que a Estrada de Ferro Leopoldina e a Estrada de Ferro Central do Brasil
262
.
Contava com 120 estações, 28 paradas, 10 abrigos para carros, duas rotundas e seis
oficinas, entre elas as de Divinópolis e Ribeirão Vermelho. Múcio Jansen Vaz,
secretário interino da EFOM, foi seu primeiro historiador. Publicou a obra Estrada de
Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descritivo, em 1922, apontando muitos
dados sobre o cotidiano dos trabalhos de construção e manutenção da ferrovia.
260
BERNARDES, Arthur. MENSAGEM 1921, 15/6/1921, p. 13.
261
BERNARDES, A. Idem, 1921. p.93.
262
VAZ, M. Idem, p.59. A EFOM possuia, em 1922, 1.982km de trilhos, 114km destes no estado do Rio de Janeiro, e
208km de navegação fluvial; a E.F, Leopoldina, 2.945km; e a EFCB, 2.438km.
113
113
Vaz apresentou uma crença otimista no progresso. A EFOM planejava construir
sete ramais, totalizando 548km. Entre estes, estaria o trecho de Patrocínio a Catalão,
“(...) decisivo para a colonisação e desenvolvimento do interior do paiz”, e o ramal
para Uberaba, ligando Belo Horizonte ao oeste de Minas, principalmente à cidade de
Araxá, no Triângulo, cujas águas mineirais eram consideradas “melhores que as de
Carlsbad”, na Alemanha
263
. Neste momento, a ferrovia mantinha um lugar de destaque
nos projetos de modernização do país, mas em outro tom. E as dificuldades financeiras
regionais levavam empresas a formar redes ferroviárias, buscando equilibrar
companhias grandes e pequenas.
O mapa da figura 10 faz parte da obra de Vaz. Mostra a EFOM no final do
período estudado. É um corte do Mappa das Linhas da EFOM, de 1922. No Mesmo
ano, Jesus Palhano, escreveu um capítulo sobre o desenvolvimento ferroviário brasileiro
no Dicionário Histórico, Geographico e Ethnographico do Brasil, elaborando um
balanço entre as intenções e as realizações no caso da ferrovia para Goiás, evidenciando
o fracasso deste projeto
264
. No entanto, ele negou a idéia do atraso brasileiro,
defendendo que a modernização técno-industrial era universalizante, acarretando a
formação de elementos semelhantes em todas as nações. Para Palhano, o Brasil faria
263
VAZ, M. Idem, p.109-110.
264
PALHANO, Jesus. Dicionário Histórico, Geographico e Ethnographico do Brasil Commemorativo do Primeiro
Centenario da Independencia. 1922. p.730. Em suas palavras, de acordo com os projetos do período imperial:
“Goiaz teria, além das communicações ferro-viárias acima assignaladas para os portos do Rio e Santos,
duas vias mixtas, ferro-fluviaes, que cortariam o Estado de Sul a Norte, dando-lhe uma sahida pelo Porto de
Belém do Pará e servindo egualmente ao estado de Matto-Grosso pela navegação do Rio das Mortes e Araguaia.
Hoje, decorridos 30 annos, é curioso examinar a parte deste vasto plano que logrou execução.
Os trilhos da Estrada de Ferro Mogiana penetraram em terras do Triangulo Mineiro e foram continuadas
pelos da Estrada de Ferro Goiás, que servem á Cidade de Catalão e estancaram provisoriamente, por outro lado,
á margem do Rio Corumbá, affluente do Parabahiba,no Sul do Estado de Goiaz. Nem mais um palmo de estrada
de ferro conta este vasto Estado. (...) O prolongamento da Estrada de Ferro Oeste de Minas até entroncar na
Estrada de Ferro Central do Brasil, em Barra Mansa, se acha inaugurado, mas os outros dois não estão
concluidos, chegando a linha de Perdões e Formigas até Patrocínio e tendo sido suspensa a construcção do seu
prolongamento, assim como a do ramal de Araxá, que parte de S. Pedro de Alcantara, com destino a Uberaba.
Não teve inicio a Estrada de Goiaz a Cuiabá e nem a de Catalão a Palmas, que deveria passar na região
assignalada na Constituição Federal para séde da futura Capital da Republica, nas proximidades da cidade
goiana de Formosa”.
114
114
parte da vanguarda da humanidade, como um novo galho do velho tronco europeu. Em
suas palavras:
Figura 10 Mapa efom 1922
Figura 10 Mapa da EFOM, 1922, com o trecho incorporado da EFG em azul
115
115
“Não ha industria brasileira, como não ha sciencia franceza, nem arte
alleman; o que ha na realidade é arte, é sciencia, é industria occidental. A
marcha da vanguarda da humanidade tem sido comum, nas suas linhas geraes a
todos os povos que constituem a grande republica occidental (...) Não é, pois, de
extranhar que todas as novas conquistas industriaes da velha Europa se
reflictam desde logo no Brasil e nos outros paizes cisatlanticos”.
265
Neste processo de modernização conduzido pelo Estado, destacava-se o
problema da desigualdade sócio-econômica regional. A industrialização do Brasil, país
historicamente heterogêneo, levou à competição entre regiões diferentes pelos
instrumentos de desenvolvimento. Otávio Dulci, apontando as questões do desequilibrio
regional e desenvolvimento desigual, analisou o processo de modernização em Minas
Gerais
266
. Para ele, a História da industrialização brasileira foi plural em experiências
regionais, irredutíveis à um esquema centro-periferia. Minas não seria centro nem
periferia de um sistema nacional, mas um caso paradigmático próprio, caracterizado
como uma experiência de “modernização recuperadora por iniciativa interna”
267
. Este
autor tipifica Minas, durante o período estudado, como um mosáico composto por zonas
diferenciadas, com uma população espalhada sobre vasto território, sem portos
marítimos e carente de vias de comunicação e transporte. Além disto, não havia um
centro urbano que polarizasse este conjunto
268
.
Raul Soares de Moura, em 1923, defendeu que a política ferroviária deveria ser
uma prioridade do Estado. A questão do Triângulo, excluído da vida política e
econômica mineira, seria prioridade na agenda governamental. Moura via na ferrovia o
instrumento para unir este mosaico:
Cada dia mais me convenço de que estender trilhos por toda a
superficie de Minas deve ser nosso escopo, noso empenho, nossa preoccupação
de todas as horas. Assim, para breviar a conclusão da linha de S. Pedro de
265
PALHANO, J. Idem, p.730.
266
DULCI, Otavio. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais . Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999,
p.17.
267
DULCI, O. Idem, p.32-34.
268
DULCI, O. Idem, p.39.
116
116
Alcantara a Araxá, que integrará a importante zona do Triangulo Mineiro ao
resto do Estado, facilitando as relações commerciaes e administrativas da
Captial com aquella região até agora segregada da comunhão mineira pela
falta de ligação ferro-viaria (...)
269
Moura registrou ter criado todas as facilidades ao governo federal, colocando à
sua disposição, imediatamente, o acervo da antiga EFG, arrematado pelo Estado,
composto por trilhos, pontes metálicas e outros materiais de grande valor pela
dificuldade de importação no momento. E, em 1924, o mesmo dizia, em tom otimista,
que Minas atravessava uma fase de grande atividade em matéria de construção de
ferrovias. Algumas ligações de grande importância estariam sendo construídas, como a
de Ibiá a Uberaba, ligando o Triangulo Mineiro com o resto do estado
270
. Fernando
Mello Viana, em 1925, também elaborou uma memória representando seus esforços
para a construção da ligação com o Triângulo, enaltecendo o papel da iniciativa privada
nas realizações ferroviárias. Para este, a década de 1920 seriam o período mais ativo do
desenvolvimento ferroviário até então no Brasil
271
.
Para concluir esta análise sobre o lugar da EFOM na política de integração
mineira e superação do atraso sócio-econômico, é interessante evocar o discurso do Dr.
Hildebrando Pontes, pronunciado em 1926, durante a cerimônia de inauguração do
ramal entre Ibiá e Uberaba, ligando o Triângulo Mineiro a Belo Horizonte. Em uma
cerimônia na Estação de Araxá, Pontes construiu uma memória para o longo processo
que levou a ferrovia a esta cidade:
“Neste momento histórico da nossa vida social em que se verifica a
terminação do mais extraordinario feito de progresso a que nós, povo
civilizado, podiamos ambicionar no Triangulo, justo é que lembremos os factos
269
MOURA, Raul. Mensagem de 1923. 14-6-1923. p.154-156.
270
MOURA, Raul. Mensagem de 1924. 14-7-1924. p.153-154.
271
VIANNA, Fernando. Mensagem de 1925. 14-7-1925. p.286. “É animador o movimento de construcção de
estradas de ferro no Estado, não só em relação ás existentes, que procuram prolongar as suas linhas, mas também
ás empresas novas, fundadas com capitaes particulares, estimulados pelo governo (...) A Oeste de Minas prosegue
com actividade nos trabalhos de ligação de Ibiá a Uberaba, passando por Araxá, pela qual, em pouco, o
Triangulo Mineiro ficará em contacto directo com as outras zonas”.
117
117
que, no desenrolar de muitas dezenas de annos, se passaram com referencia a
esta estrada de ferro (...)”
272
O ramal de Ibiá a Uberaba, passando por Araxá, com 273km, seria para Pontes a
“realização do sonho dourado de um povo”, “a conquista de um ideal”,”integrando-
nos portanto a Minas”. Com a chegada da CMEF em Uberaba no fim do século XIX,
esta cidade ficou a quatro dias de viagem de Belo Horizonte por trem. Assim, o
Triângulo era obrigado a manter muito mais relações econômicas com São Paulo e
Goiás do que com a região central de Minas, relativamente mais distante.
Para Pontes, “Diante do vulto que ia tomando a idéa separatista, os governos da
União e do Estado de Minas começaram a interessar-se pela sorte deste tão rico tracto
da terra mineira abandonado”
273
. Com a ligação ferroviária levada a cabo pela EFOM,
companhia mineira, os separatistas, segundo Pontes, consideram-se satisfeitos,
integrando-se pacificamente a Minas:
“Hoje, que esta estrada de ferro é uma realidade no Triangulo,
integrando-nos a Minas, fazendo-nos grandes, engrandecendo o Brasil, eu, que
mais que nenhum outro brasileiro quero o Triangulo (...) sinto-me muitissimo
contente,(...) e os separatistas deram-se por satisfeitos, ensarrilhando as
armas”.
274
Assim, é possível concluir que as políticas ferroviárias em Minas Gerais
mudaram de acordo com os interesses dos grupos que ocupavam o Estado. As
mensagens aqui analisadas constituem ações políticas que marcaram e justificaram
posicionamentos diferenciados. Buscou-se evidenciar a dialética dos processos de
modernização. No século XIX e início do século XX, o desenvolvimento se fundava em
uma lógica evolucionista, articulando fatores internos e externos. As províncias, depois
estados, teriam uma margem de ação definida pela própria dinâmica econômica. Não
272
PONTES, Hildebrando. Discurso inaugural da Estação de Araxá. Tipografia do Minas-Brasil. 1926. p.3
273
PONTES, Idem. p.6.
274
PONTES, Idem. p.8.
118
118
existem pré-requisitos determinados para a industrialização, mas certas condições
fundamentais são observadas na História: um Estado consolidado, empreendedores e
trabalhadores. Em Minas, o Estado e setores da economia agro-exportadora, financiados
por bancos nacionais e europeus, criaram um capital industrial voltado para a
reestruturação econômica, da qual a ferrovia fazia parte.
Assim, fica evidente o papel destinado ao trem de ferro no enfrentamento dos
problemas relacionados ao desenvolvimento regional e nacional. A EFOM estabeleceu
uma ligação entre o Oeste de Minas e a economia nacional que carregou implicações
culturais profundas. Novos hábitos e novas temporalidades foram criadas,
transformando as noções de distância e duração. No entanto, é possível afirmar que,
apesar da concepção da ferrovia como instrumento modernizador fazer parte do
imaginário social no Império e República, nem o Estado, nem os setores agro-
exportadores conseguiram planejar e encabeçar um processo real de desenvolvimento
econômico capitalista nacional auto-sustentado e auto-suficiente, durante o período
estudado.
119
119
CAPÍTULO III Ecos da locomotiva: representações culturais do trabalho
ferroviário
Fazemos votos para que a estrada de ferro de Goyaz não retarde sua
marcha e os echos da locomotiva, quebrando o silêncio daquellas vastas
campinas, farão com que tudo prospere naquelle pedaço de torrão mineiro.
Nelson de Senna, 1909
275
Em sua obra, Consequências Sociais do Avanço Tecnológico, de 1878, Karl
Marx estabeleceu uma distinção entre trabalho vivo e trabalho materializado, operários
e máquinas. Para ele, a formação do sistema capitalista teria engendrado a articulação
entre conhecimento científico e técnicas de trabalho sociais, resultando na tecnologia
moderna e na divisão social do trabalho industrial. No Capital, Marx definiu máquinas
como mecanismos que movimentam, por força motriz autônoma ou exterior, conjuntos
de ferramentas no desenvolvimento de operações coordenadas, anteriormente feitas por
ferramentas separadas. O maquinário é o sistema de cooperação entre várias máquinas.
Sua invenção, raíz da Revolução Industrial, transformou as condições gerais do
processo social de produção. Forças mortas, mas mecanicamente animadas,
ultrapassaram quantitativamente e qualitativamente a capacidade humana convencional
de produção e circulação de mercadorias.
Com a automação e locomoção, o operário estaria, simultaneamente,
controlando a máquina e subordinado ao seu ritmo. Para Marx, a relação homem-
máquina no processo de industrialização seria caracterizada pela alienação do trabalho,
decorrência do fato da grande maioria dos operários não conhecerem o próprio
funcionamento das máquinas por eles operadas. Em sistemas mecanizados, os
trabalhadores, dispersos e submetidos ao processo de conjunto do maquinário, estariam
propensos, segundo Marx, a tornarem-se, eles mesmos, mercadorias criadoras de
275
SENNA, N. Anuario de Minas Gerais . Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1909, p.283.
120
120
riqueza a serviço do sistema capitalista. Este seria o caso, a menos que a ação dos
trabalhadores não fosse “determinada pela necessidade do capital”, e sim pelas suas
próprias necessidades, enquanto classe consciente de si. Para Marx:
“A Ciência manifesta-se portanto nas máquinas, e aparece como estranha e
exterior ao operário. O trabalho vivo encontra-se subordinado ao trabalho
materializado, que age de modo autônomo. Nessa altura, o operário é supérfluo,
a menos que a sua ação não seja determinada pela necessidade do capital”.
276
Marx abriu o campo para a construção da História da classe trabalhadora em
sociedades marcadas pelo sistema capitalista. Historiadores, como Eric Hobsbawm,
defendem que a análise desta área do conhecimento não se reduz ao nível sócio-
econômico. Os trabalhadores estão inseridos em relações políticas, ideológicas e
culturais. Alguns de seus aspectos podem ser quantificáveis, outros não
277
. Edward P.
Thompson postula que a formação da classe trabalhadora não é um simples processo
linear e evolutivo, com começo, meio e fim. Tampouco teria surgido de forma completa
e acabada em um dado momento. Para E.P. Thompson, esta classe estaria presente em
sua própria formação
278
.
Esses historiadores não compreendem o termo classe enquanto categoria
posicionada dentro de uma estrutura modelar. Para eles, uma classe surge na História
quando pessoas agrupadas, devido a experiências comuns, sentem e articulam a
identidade de seus interesses entre si, e contra interesses diferentes de outros grupos. No
entanto, E.P. Thompson aponta uma distinção entre experiência e consciência de classe.
A primeira liga-se ao lugar que determinado grupo social ocupa no processo econômico,
enquanto a segunda relaciona-se às formas como estas experiências são apropriadas pela
276
MARX, Karl. Consequências Sociais do Avanço Tecnológico. Coleção Ciências Sociais - Série Materialismo
Histórico - Volume 1. Edições Populares: São Paulo, 1980, p.41.
277
HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho Novos Estudos sobre História Operária. Paz e Terra. p.28.
278
THOMPSON, E.P. The Making of the English Working Class. Penguin Books: Harmondsworth, 1974. p. 9-12.
“The working class didn’t rise like the sun at a given point. It was present at its own making”
121
121
cultura, compondo o imaginário socialmente construído
279
. Para esse historiador, a
consciência de classe não é determinada espontaneamente pela experiência de classe.
Este é o caso da memória ferroviária, que não se relaciona diretamente com a realidade
vivida pelos sujeitos da História, mas é produto de complexos processos construtivos.
Em 1958, com as comemorações do centenário da Estrada de Ferro Central do
Brasil, antiga D.Pedro II, a própria empresa publicou uma obra memorialística, escrita
por Paulo Costa. É um trabalho de meados do século XX, mas que guarda muitas
semelhanças com as obras de memória analisadas nos capítulos anteriores. Mas, apesar
de Costa não ter tido a intenção de representar o trabalho ferroviário, que aparece de
maneira marginal na obra, uma passagem alerta para o grande silêncio nas fontes sobre
a realidade dos construtores das ferrovias mineiras:
“Quem quer que transite agora pelas localidades mineiras e o faça no
confôrto de um comboio magnífico, podendo deliciar-se tranqüilamente com a
paisagem ou ler regaladamente os seus livros, mal pode calcular o que houve de
abnegado no esforço dos operários ou engenheiros obrigados a investir contra
florestas e pantanais, arquejando nos dias de canícula ou encharcando-se nos
aguaceiros, desejosos de deixar, não um esboço de estrada de ferro, mas um
trabalho definitivo sob muitos aspectos da construção. (...)
Haja ou não protestos por parte dos que são ou se julgam defendidos
por direito inviolável, quase em caráter feudal, uns ‘camaradas’, de foice em
punho, vão derrubando árvores, e outros, armados de alviões, investem contra
os rochedos.”
280
No entanto, os trabalhadores foram idealizados como, por um lado, homens que
colocaram conscientemente seus esforços na realização de um trabalho de importante
impacto social e, por outro, agentes da modernização cultural, “‘camaradas’, de foice
em punho” combatendo resquícios do “caráter feudal” na sociedade brasileira. Esta
representação dos ferroviários como heróis racionais do progresso ofusca de tal forma
279
THOMPSON, E.P. Idem, p. 9-12. “Se pararmos a história em um dado ponto, então não há classes, mas apenas
uma multidão de indivíduos com uma multiplicidade de experiências. Mas, se observarmos estes homens durante
umperíodo adequado de mudança social, observamos padrões em suas relacões, suas idéias, e suas instituições.
Classe é definida por homens enquanto vivem sua própria história e, no fim, esta é sua única definição.” p.11.
280
COSTA, Paulo A. M. Introdução à Memória Histórica da Estrada de Ferro Central do Brasil Comemorativa do seu
centenário – 1858 – 29 de março 1958. Rio de Janeiro: IBGE, 1958, p. 43 e 44.
122
122
os vestígios deixados por eles mesmos, que se torna tão distante da realidade concreta
quanto o silêncio nas memórias da elite e do Estado. Neste capítulo, o objetivo é lançar
luz sobre sinais dos trabalhadores, buscando analisar algumas de suas formas no
imaginário acerca da EFOM e EFG.
III.1. O lugar dos trabalhadores nas memórias da EFOM e EFG
Os produtores da memória ferroviária centraram suas narrativas na defesa das
transformações prometidas pelo desenvolvimento industrial. Nesse sentido, legaram um
plano secundário ao trabalho, que aparece naturalizado como uma extensão da
tecnologia. Suas condições sociais concretas e a realidade dos trabalhadores são
assuntos silenciados. No entanto, apesar deste vazio em muitos documentos, é possível
construir uma aproximação com a memória dos trabalhadores, acessando representações
culturais do trabalho ferroviário, pouco abordadas por historiadores enquanto fontes. O
conjunto documental selecionado para este capítulo é composto por obras da imprensa
regional oeste-mineira e registros fotográficos contemporâneos ao período estudado,
assim como depoimentos de antigos funcionários da EFOM. Outros documentos que
informam sobre o trabalho, como regimentos internos da empresa, também são
evocados. O objetivo é analisar as montagens, seleções e lacunas propositais nas
narrativas ferroviárias, no intuito de compreender conflitos nas memórias do trabalho.
A memória conserva frações do passado, orienta comportamentos, cria e
alimenta noções comuns que, uma vez assimiladas, atribuem sentido às ações sociais.
Os silêncios nas fontes são também produtos de um processo de construção seletiva da
memória. Analisados, estes podem auxiliar na compreensão da História ferroviária
como uma complexa relação entre representantes do capital e do trabalho. Analisa-se a
produção midiática de camadas letradas de cidades situadas do trajeto das companhias
123
123
estudadas, assim como periódicos de cidades que, apesar de não terem sido fisicamente
ligadas pela ferrovia, foram afetadas pelas suas promessas, como Patos de Minas.
Nestes artigos de imprensa, encontra-se evidência do impacto cultural da ferrovia em
comunidades tradicionais através de representações das transformações acarretadas nos
meios de circulação de pessoas e mercadorias.
Uma análise sobre periódicos de pequena circulação regional especificamente,
O Resistente, Minas-Jornal, A Tribuna, A Pátria Mineira, e O Reporter de São João del
Rei; O Trabalho, de Patos de Minas; Cidade do Patrocínio, de Patrocínio; e
Reformador, de Divinópolis permite o levantamento de questões sobre aspectos do
cotidiano dos trabalhadores, das condições de trabalho, dos conflitos sociais e das
transformações culturais engendradas pelo trem. Estas fontes figuram como oásis de
informação em um silencioso deserto de vestígios. Não se trata, porém, de uma
imprensa operária. Como será observado, o discurso da pequena imprensa não tinha o
objetivo de despertar a consciência de classe entre os proletários. São artigos que
expõem a visão de membros de comunidades afetadas pela ferrovia e um imaginário
social sobre o trabalho.
No entanto, estes artigos não configuram contrapontos à memória oficial, com a
qual muitos guardam códigos comuns. São caracterizados por sinais de um imaginário
social marcado pela noção linear da evolução histórica e pelo diagnóstico do atraso,
justificativa para a defesa do desenvolvimento capitalista. Isso revela um movimento na
mesma direção da memória oficial, mas em sentido contrário: o sertão em busca da
civilização. Ou seja, na análise dos artigos, percebe-se que membros das comunidades
sertanejas também eram agentes ativos no processo de transfomação tecno-industrial de
suas regiões. Assim, estas fontes, de caráter mais localizado, ecoam a influência de
construções ideológicas globais. São demonstrações de que a visão dos memorialistas
124
124
era construída a partir de noções devidamente assentadas no senso comum. O que
legitima a memória coletiva é o fato dela ser compartilhada por grupos sociais.
Há uma fundamental diferença entre a memória do trabalho construída pelos
ideólogos das companhias analisadas e aquela compartilhada pelos próprios
trabalhadores sobre suas experiências. Muitas situações trazidas à tona por esta pesquisa
pertencem, nas palavras de José Sérgio Leite Lopes, à História desconhecida das lutas
sociais,“(...) porque não dispõe de instrumentos de registro nem canais de divulgação.
O registro de tais momentos pertence à memória de velhos operários.”
281
Portanto,
trabalha-se com a metodologia de História oral, que possibilita a construção de
documentos escritos a partir do registro de relatos falados, contribuindo para uma
recuperação possível dos modos como os trabalhadores viviam, agiam e pensavam.
Busca-se conhecer tanto o nível da experiência quanto como representaram conflitos e
relações de camaradagem
282
.
Henry Rousso defende que toda memória é coletivamente construída, mas não
existe uma única memória coletiva
283
. A memória pessoal é uma reconstrução psíquica
e intelectual que acarreta representações seletivas do passado, por parte do indivíduo
inserido em contextos históricos e sociais. Assim, seu estudo permite um trânsito entre,
por um lado, representações coletivizadas, e, por outro, apropriações individuais e
atribuições particulares de sentido. De acordo com Alessandro Portelli, representações e
realidade não existem em esferas isoladas
284
. Representações são concebíveis dentro da
realidade. Esta, por sua vez, é reconhecida e organizada de acordo com representações
de diversas formas.
281
LOPES, José.S.L. O Vapor do Diabo. p.4.
282
Este termo, camaradagem, é utilizado pelo Sr. Alcino Sidney em seu depoimento.
283
ROUSSO, Henry. “A memória não é mais o que era”. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta. Op. cit.
pgs.94-95. “Se o caráter coletivo de toda memória individual nos parece evidente, o mesmo não se pode dizer da
idéia de que existe uma ‘memória coletiva’, isto é, uma presença e portanto uma representação do passado que
sejam compartilhadas nos mesmos termos por toda uma coletividade.”
125
125
A História oral possibilita mais do que apenas ilustrar evidencias em fontes
escritas ou visuais. A oralidade é um elemento fundamental da vida humana que não se
subordina à lógica do universo escrito. A memória falada merece ser analisada em
relação a processos históricos estudados quando se faz possível encontrar indivíduos
que os viveram. Assim, surgem novos documento qualitativos da visão e versão de
sujeitos históricos vivos. A História oral, para Hobsbawm, pode ampliar a perspectiva
do historiador
285
. Paul Thompson defende que ela possibilita novas versões sobre a
História a partir das palavras de quem a vivenciou. Para este teórico, esta metodologia
apresenta um desafio: tornar mitos dinâmicos, abarcando as complexidades do
conflito
286
.
Algumas questões, no entanto devem ser apontadas em relação a esta
metodologia de pesquisa. A primeira delas é o fato da entrevista oral, registrada
fonograficamente, passar por um processo de transcrição, que a transforma
essencialmente
287
. A oralidade é dinâmica, contendo sutilezas que não aparecem nos
textos, envolvendo também uma linguagem corporal e facial
288
. O tom de voz, a
pronúncia, as pausas, os silêncios, o ritmo da fala, são aspectos cruciais de um
depoimento, mas perdidos com a transcrição. Outro aspecto fundamental é o momento
da entrevista, com seu caráter proposital e voluntário. Mesmo que o historiador
estabeleça a quem entrevistar, cada entrevistado é um agente ativo e, acima de tudo,
284
PORTELLI, Alessandro. “O massacre de Civitella Val di Chana (Toscana, 29 de junho de 1994): mito e política,
luto e senso comum”. In: In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta. Op. cit. pg. 111.
285
HOBSBAWM, E. Idem. p.21.
286
THOMPSON, Paul. A Voz do Passado. 1978. p.43.
287
Seria perfeitamente possível incluir nesta dissertação, em anexo, uma fita cassete com os trechos citados no texto.
Porém, não é viável, dadas condições infra-estruturais.
288
Também seria possível filmar, além de gravar, os depoimentos colhidos.
126
126
vivo
289
. Disso deriva uma grande diversidade de depoimentos, às vezes muito difícil de
ser trabalhada, ou sequer encaixada em uma cronologia linear.
O critério de seleção das testemunhas foi estabelecido com base no período
estudado. Assim, foram encontrados dois ex-funcionários da EFOM que vivenciaram as
décadas de 1920 e 1930 na ferrovia: Sra. Maria de Jesus Fontelas, ex-escriturária que,
segundo ela mesma, teria sido a primeira mulher a trabalhar na companhia; e Sr. Alcino
Sidney de Souza, ex-agente e chefe de estação. Seus depoimentos, que englobam
experiências subjetivas, mais que proporcionar respostas claras a dúvidas peculiarescas,
ajudam o pesquisador a construir questões diferentes, aprofundar problemas e
complexificar a compreensão histórica.
Esta análise se completa com a utilização de documentos fotográficos abordados
ao longo do capítulo. A fotografia, produto da tecnologia industrial do século XIX, foi
desde seu início um instrumento para a exibição do avanços da civilização, registrando
o novo, representando a transformação. De acordo com Annateresa Fabris, fotografias
podem ser entendidas como imagens de múltiplos significados, agentes de conformação
da realidade em processos de montagem e seleção, onde o mundo se revela semelhante
e diferente ao mesmo tempo
290
. Ao constituir um “duplo da realidade”, a fotografia
permite a fuga, a seleção, a auto-satisfação, a abstração do tempo e do espaço, o
reordenamento dos elementos da realidade. Eliminam-se relações entre coisas
justapostas em um mosaico do real, provocando equivalências ilusórias.
A ferrovia criou paisagens, sinais, efeitos, sons, odores semelhantes em diversos
pontos do globo. Nas fotografias sobre ferrovias, o Brasil passou a se assemelhar à
Europa em cenas congeladas do cosmopolitismo e do processo de modernização técno-
industrial. Operário e patrão aparecem juntos, harmoniosamente, no mesmo plano. Para
289
VOLDMAN, Daniéle. “Definições e usos”. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta. Usos e Abusos da
História Oral. Edusp: 1996, pg. 39.
127
127
Fabris, “(...) a fotografia é a invenção ‘mais burguesa’ ideada pela burguesia em sua
tentativa de construir um mundo à própria imagem e semelhança.”
291
Nas fotografias selecionadas, é possível perceber como a ferrovia estabeleceu
conexões entre cultura material e simbólica. Estações, escritórios, armazéns, casas de
funcionários, oficinas e trilhos constituíram lugares de trocas de comportamentos e
valores. A função de muitas fotografias foi mostrar os avanços da tecnologia capitalista,
exibindo a ferrovia enquanto agente transformador da natureza, registrando a construção
de uma paisagem industrial no sertão e a formação de uma sociedade modernizada.
Além disso, os registros fotográficos do trabalho ferroviário seriam úteis aos patrões,
enquanto formas de emulação dos trabalhadores.
Fontes fotográficas permitem um real avanço nas análises sobre a memória,
principalmente em relação à sua preservação ao longo do tempo. Segundo Jaques Le
Goff, a imagem fotográfica “revoluciona a memória: multiplica-a e democratiza-a, dá-
lhe uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas (...)”
292
.No entanto, cabe
lembrar que a fotografia permite uma visão do passado montada pelo fotógrafo. Porém,
nesta análise, mesmo na coleção elaborada pela companhia EFOM, publicada na obra
de Mucio Jansen Vaz, em 1922, os fotógrafos permanecem desconhecidos.
Assim, formula-se aqui um painel sobre o trabalho ferroviário nas companhias
EFOM e EFG. Não é possível obter informações sobre trabalhadores indivíduais além
dos depoimentos de ex-funcionários vivos. Não foram encontrados documentos escritos
por eles mesmos. Apesar disso, seu retrato coletivo pode ser delineado a partir de
representações de seu comportamento social, que sugerem hipóteses sobre quem eram,
como trabalhavam e quais lutas enfrentavam. É preciso questionar como estas
290
FABRIS, Annateresa. Usos e Funções da Fotografia no século XIX. P?
291
FABRIS, A. Idem, p.56.
292
LE GOFF, J. Idem, p.466.
128
128
representações foram criadas. O discurso imagético da imprensa, assim como as
fotografias, são interpretações do real que revelam sinais e códigos comuns a uma
cultura ferroviária. Nas palavras de Francisco Foot Hardman, “A História do trabalho
vivo que se petrificou nessas colossais obras de engenharia ainda está por ser
escrita”
293
. Acessando três tipos de fontes escritas, orais e visuais pretende-se
contribuir à historiografia ferroviária, retirando os trabalhadores do “túmulo escuro do
passado”
294
.
III.2. O trabalho noticiado, fotografado e rememorado
Figura 11 O Arauto de Minas, de São João del Rei, 18/11/1877
293
HARDMAN, Francisco F. O Trem Fantasma: a modernidade na selva. São Paulo: Edusp, 1988, p.127.
294
BARBOSA, Waldemar de Almeida. “O Centenario da Estrada de Ferro”. In: Voz do Oeste. Dores do Indaiá.
23/11/1930. n.115/ano3. p.1-2.
129
129
Desde seus primeiros dias, a EFOM foi registrada fotograficamente e noticiada
em periódicos locais. Antes mesmo do início das obras, o empreendimento foi
divulgado no “Arauto de Minas”, órgão da imprensa de São João del Rei, em novembro
de 1877. Um artigo-anúncio, assinado por “Um accionista” defendeu que a ferrovia
conduziria a civilização e o progresso, elevando São João del Rei à vanguarda das
cidades mineiras. O autor buscava sensibilizar os leitores para o fato de que tal
empreendimento exigiria um esforço coletivo marcado pela “Constância, trabalho,
patriotismo e união!”. A estrada de ferro seria, até então, um sonho de membros da
comunidade, mas estaria prestes a realizar-se. Para ela deveriam voltar-se todas as
forças sociais possíveis. Em 1880, foram iniciados os trabalhos de construção de seu
primeiro trecho, entre a Estação de Sítio (na E.F.D.Pedro II, próxima a Barbacena) e
São João del Rei. A estação desta cidade foi construída através de concorrência pública.
Os engenheiros diretores da EFOM projetaram as plantas das edificações do complexo
da estação e abriram a execução da obra a propostas de empreiteiros:
Figura 12 O Arauto de Minas, São João del Rei, 09/10/1880
130
130
Na figura 13, reproduz-se uma imagem fotográfica da Estação de Sítio e das
obras iniciais da EFOM, em 1881. Esta fotografia faz parte da “Colleção de 44 Vistas
Photographicas da Estrada de Ferro D. Pedro II”, republicada no Pequeno Histórico
da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), de 1996, elaborado pelo antigo Setor de
Preservação do Patrimônio Histórico Ferroviário da RFFSA.
O fotógrafo, provavelmente posicionado no alto de um morro, ao lado dos
trilhos, enquadrou em primeiro plano uma torre de caixa-d’água e uma locomotiva,
marcada pela inscrição do número “2”. Pela forma da chaminé, esta locomtiva era
movida à lenha, que aparece amontoada em sua carroceria. Em sua frente, no segundo
plano, figuras humanas fazem pose para o fotógrafo. Um homem, todo de branco, com
um boné, se equilibra sobre um pau à pique, com as mãos na cintura. Um pouco atrás,
oito homens, todos de chapéu, paralisam suas atividades de trabalho para aparecerem no
quadro. Um deles, destaca-se pela roupa toda branca, chapéu, e a pose de comando.
Talvez fosse um dos chefes. Ao fundo, o prédio da estação, em estilo neo-germânico,
com doze pessoas em sua plataforma, todas aparentemente enfileiradas para a foto. Do
lado esquerdo dos trilhos, sobre os quais estão dois vagões abertos, três homens
encontram-se sobre uma plataforma menor. Atrás da estação, sobre uma colina, três
casas, provavelmente de funcionários da companhia. Toda a imagem revela um
ambiente em transformação, um sertão proto-civilizado.
A administração de uma companhia ferroviária, como de qualquer empresa
industrial capitalista, pode ser compreendida como uma relação de dominação.
Organizar é estabelecer formas de poder. A organização burocrática das ferrovias era
fundamental para a reprodução do sistema de trabalho em toda rede. As relações de
trabalho eram marcadas por uma rígida hierarquia entre os funcionários.
131
131
Figura 13 Estação de Sítio, ponto inicial da EFOM, 1881
Em uma estação, o agente comandava as atividades do chefe da estação e dos
maquinistas. Estes, por sua vez, eram os superiores dos foguistas, guarda-chaves e
guarda-freios. A burocracia separava os trabalhadores em grupos, com uma grande
132
132
divisão entre trabalhos manuais e intelectuais. Esta hierarquia aparece em diversas
imagens fotográficas. Em 1882, foi inaugurada a navegação fluvial do Rio Grande,
concedida à EFOM pelo governo provincial. A cerimônia foi marcada pela fotografia:
Figura 14 Inauguração da navegação fluvial no Rio Grande, 1882
133
133
A imagem foi feita por um sujeito desconhecido, mas mostra, com nitidez, o
quadro que ele selecionou e a maneira como organizou os elementos para sua
composição. Posicionado na margem do rio, provavelmente no porto de Ribeirão
Vermelho, ponto inicial da navegação fluvial, o fotógrafo registrou pessoas a bordo de
uma embarcação. A chaminé, à esquerda, revela a tração a vapor. Neste mesmo lado,
posicionam-se 31 homens, 27 em uniformes militares, com armas em punho. Eram
soldados de algum destacamento do exército. No lado direito, 7 mulheres e uma garota,
em fila. Acima delas, sobre a cabine, três homens fardados junto de dois senhores de
chapéu, com gravatas, provavelmente diretores do empreendimento, três garotas e um
homem negro, também de chapéu, mas sem gravata. No alto da caixa de máquinas, um
menino, de chapéu coco, com roupa de algodão. Todas as pessoas estão calçadas, quase
todos os homens de chapéu. Olhavam, estáticos, para a câmera, alguns em poses
jocosas, como os três soldados sentados no convés. No centro do barco, uma bandeira
do império tremula, apontando a promessa do desenvolvimento do Estado. A presença
do contingente militar pode estar relacionada com a questão do controle e manutenção
da ordem ao longo do rio, possibilitada pela navegação a vapor. A rígida distinção entre
homens e mulheres é sinal dos valores sociais. Mas todos aparecem na foto. O lugar dos
empreendedores, com traços de típicos burgueses do século XIX, no alto da cabine,
denota o status envolvido na empresa.
Outra composição imagética da EFOM mostra a hierarquia na companhia. Uma
fotomontagem de 1897, reproduzida na figura 15, também apresenta a hierarquia da
empresa. Com o título de “Direcção e Administração da E. F. O. de Minas”, o painel é
uma colagem de fotografias e temas ferroviários desenhados em papelão. Quinze
retratos ovais apresentam os membros da direção da companhia, todos na mesma pose,
cada um com seu exuberante bigode, e a face levemente voltada para a direita. No
134
134
centro, a maior fotografia é o retrato do diretor da EFOM, o português Antonio
Francisco da Rocha. Sua figura é circundada pelas dos outros membros da direção, em
escala menor, com inscrições de seus nomes e funções: inspetor geral, chefe da linha,
chefe do tráfego, chefe da locomoção, chefe das turmas, chefe das oficinas, almoxarife,
tesoureiro e pagador. No alto, à esquerda, aparece uma plataforma de estação, com
quatro trilhos, sem dormentes. À direita, uma locomotiva passa sobre um pontilhão,
deixando uma nuvem de fumaça. Linhas e traços formam mosaicos que preenchem os
espaços entre fotografias e desenhos.
Uma única imagem retangular, na parte inferior da montagem, representa o
trabalho em uma oficina, provavelmente de São João del Rei. Contrastando com a
individualidade e soberba das figuras da direção, a fotografia da oficina é uma imagem
pouco nítida, mas que revela sinais de um ambiente diferente das descrições escritas.
Não é possível perceber ordem ou método. Ao contrário, nota-se certa desordem no
interior da fábrica, com caixas e outros objetos aparentemente amontoadas em um
ambiente confuso. É possível visualizar duas figuras humanas. Um trabalhador, na parte
centro-esquerda da fotografia, parece ocupado com uma serra ou plaina de madeira,
com seu lado esquerdo voltado ao fotógrafo e olhar fixado em sua atividade de trabalho.
O outro, na parte centro-direita, ao fundo, parece observar o trabalho, como um fiscal,
inspetor ou diretor da empresa. Usa calça branca e um paletó escuro, traço de uma
posição social mais elevada. Estes dois personagens, com suas frentes voltadas para
direções opostas, mostrados em oposição entre si, compõem, em um silêncio
harmônico, o ambiente do trabalho.
Esta representação da direção, mostrada com detalhes, e do trabalho,
apresentado de maneira distante e pouco clara, revela contradições além das intenções.
Quando a fotografia foi tirada, provavelmente a administração científica ainda não havia
135
135
sido incorporada pela prática da indústria ferroviária pois, apesar da preocupação em
descrever o local de trabalho como espaço organizado racionalmente nos textos, a
imagem demonstra uma realidade diferente. A montagem tenta harmonizar a liderança
empresarial com a atividade do trabalho, mas a distância entre as formas de
representação, e o desequilíbrio do espaço destinado a estes ramos diferentes, denota o
objetivo de silenciar o cotidiano dos trabalhadores.
Figura 15 Direção Administrativa da EFOM, 1897
136
136
Francisco Foot Hardman aponta para o risco da “ilusão especular” criada pela
imagem fotográfica. Fotografias dos empreendimentos modernizadores no sertão
revelam, à posteriori, a “fugacidade do humano”. São ruínas da civilização técnica que
podem ser analisadas como crônicas do efêmero. A imagem fotográfica,
“Frágil e fragmentária por definição, converte-se, pois, nos
deslocamentos da memória que desencadeia, em instrumento mágico do registro
lacônico que revela quase nada, esconde quase tudo, mas sugere, por aquele
momento passageiro aparentemente ali estacionado, gestos expressivos, vozes
inteligíveis, paisagens e fisionomias revolvidas, numa palavra, experiências
dignas de serem reescritas e transmitidas.”
295
Fotografias são negativos da História, utilizadas desde o início na ilustração de
publicações impressas. Nas imagens analisadas, o trabalhador não pode ser identificado,
ou reconhecido. Portanto, cabe buscar o que a imprensa das localidades narrou, por
escrito, sobre a realidade dos ferroviários. O trabalho ferroviário foi um dos temas mais
constantes nos periódicos de cidades no trajeto das companhias EFOM e EFG, ao longo
do período estudado. Representações sobre o ambiente de trabalho mostravam o
processo de desenvolvimento aos leitores. Em 1898, o periódico O Resistente, “Orgam
do Commercio, da Industria e da Lavoura, e neutro em Política”, de São João del Rei,
iniciou a publicação de uma série de reportagens sobre a situação da EFOM, incluindo
trechos de relatórios da companhia dirigidos ao Ministério da Viação. Sua linguagem
rica em imagens, transmite representações sobre as condições do trabalho ferroviário.
Com o título de “EFOM”, um artigo de 23 de junho, expunha aos leitores do
Oeste de Minas que as oficinas de Ribeirão Vermelho e São João del Rei seriam “(...)
extremamente espaçosas, (...) bem construidas e elegantes, (...) montadas com todos os
apparelhos necessarios aos trabalhos correspondentes.”
296
Estes locais de trabalho
295
HARDMAN, Francisco F. “Os Negativos da História: A Ferrovia-Fantasma e o Fotógrafo-Cronista.” In: Revista
do Departamento de História No. 11 Anais do Seminário Fronteiras na História. FAFICH-UFMG, julho de 1992,
p.46.
296
O Resistente. São João del Rei. “EFOM”. 23/6/1898. p.1.
137
137
foram representados como espaços assépticos, com uma arquitetura apropriada ao
exercício de funções específicas, lugares concebidos pela e para a modernização
industrial. Mas, os redatores deste periódico construíram uma narrativa destinada às
camadas letradas de São João del Rei, propiciando poucas informações efetivas sobre o
trabalho. O elemento humano é idealizado em harmonia social, sem sinais de conflito,
dentro das oficinas: “Em todas ellas é notavel e causa a mais agradavel impressão o
capricho e o esforço empregado por uma habil e competente direcção, secundada pelos
operários (...)”.Algumas máquinas seriam completamente montadas “por operarios
nacionaes, (...) prestando tão bons serviços quanto as importadas”
297
.
No artigo da mesma série sobre a EFOM, publicado na edição da semana
seguinte, as quarenta “boas casas para empregados” construídas em São João del Rei
ganharam destaque especial
298
. Este discurso do fim do século XIX enfatizava a
construção da nação, defendendo a habilidade dos “operarios nacionaes” e sua
capacidade para exercer trabalhos complexos, como a construção de máquinas
industriais, principalmente locomotivas, tão eficientes quanto as importadas.
Mas, quem seriam estes trabalhadores? De acordo com O Resistente, a
composição social dos operários caracterizaria-se pela predominância de jovens de
várias idades. A docilidade de uma mão de obra infantil foi sugerida, nas entrelinhas,
como motivo da harmonia na oficina. Este operariado de crianças foi representado em
um plano secundário, atrás da direção da companhia, que seria caprichosa, esforçada,
hábil e competente. Os jovens trabalhadores foram retratados como seres cuja única
utilidade derivaria do fato de estarem empregados pela companhia. Na oficina reinariam
“ordem e methodo (...), a que se vêm applicados proveitosamente meninos de diversas
297
VAZ, M. Idem, p.115.
298
O Resistente. São João del Rei “E.F.Oeste de Minas”. 30/6/1898. p1.
138
138
edades, retirados assim da ociosidade e vagabundagem das ruas.”
299
Este imaginário
que enxerga o trabalho como virtude pelo esforço atravessou todo o primeiro grande
período de industrialização, desde a década de 1850, alcançando formas extremamente
politizadas e ideologicamente moldadas na década de 1930.
Figura 16 Oficina e rotunda de Ribeirão Vermelho, 1922
Esta imagem ecoou na obra do historiador Mucio Jansen Vaz, no início da
década de 1920. Vaz descreveu a oficina de Ribeirão Vermelho como a principal no
trecho da bitola estreita, de 0,76cm, movida a vapor. Contava com “(...) excellentes
299
O Resistente. São João del Rei “EFOM”. 23/6/1898. p.1.
139
139
machinas-ferramentas e bôa rotunda para depósito e limpeza de locomotivas (...)”
300
.
Na obra de Vaz, encontam-se muitas imagens fotográficas. A montagem na figura 16
representa a oficina de Ribeirão Vermelho.
A imagem superior focaliza um maquinário no interior da oficina. Alguns vultos
parecem se situar entre as ferragens, metais de várias formas, denotando a importância
da máquina, ou melhor, do registro de sua existência. A imagem inferior, tirada do alto
de um morro que ainda permanece no local, enquadra a rotunda de Ribeirão Vermelho
a maior da América Latina ao lado dos galpões das oficinas e da estação. Uma
composição de vagões serpenteia entre as edificações. Ao fundo, as montanhas oeste
mineiras. As imagens compõem uma montagem assimétrica, cortada em ângulos retos e
curvas. Ao redor, temas que nada lembram o processo de industrialização margaridas
e linhas retas que se transformam em fitas. No canto superior direito, um sol ilumina a
montagem, que revela um ambiente sendo diversificado.
Figura 17 Interior da oficina de Formiga, 1922
300
VAZ, M. Idem, p.78.
140
140
Na imagem fotográfica da figura 17, o fotógrafo de Vaz enquadrou o interior da
oficina de Formiga. Operários entre as máquinas retrataram o ambiente de trabalho.
Estariam cientes do fotógrafo? Não se sabe, pois não olharam para a câmera. A atenção
Figura 18 Oficinas de Divinópolis, 1922
141
141
destes homens parece voltada a seus objetos de trabalho. O jogo entre luz e sombra
estabelece relações que ocultam ou revelam partes da imagem. O teto escuro contrasta
com o chão claro. Vê-se a presença da eletricidade, sinal de avanço tecnológico:
As oficinas de Divinópolis, construídas em 1915, eram consideradas as melhores
da companhia. Na figura 18, aparece a montagem feita por Vaz em sua obra de 1922.
Três imagens fotográficas de diferentes áreas do interior das oficina. A superior, mostra
rodas de aço e uma grande máquina em primeiro plano. Ao fundo, um amontoado de
homens e peças de metal, iluminadas pela luz que entra de fora por aberturas na
edificação. A imagem central, menos nítida, focalizou uma parte da oficina, ao lado
esquerdo, e a imagem inferior, aspecto do lado direito do prédio. Máquinas metálicas
dominam os cenários, com pequenas figuras humanas afogadas em seu meio.
Segundo Murilo Vaz, a oficina de Divinópolis seria uma das mais bem montadas
da América do Sul. Sua energia era gerada em sua própria usina hidroelétrica, com três
turbinas. Com a eletrificação, a oficina passou a dispor de aparelhos automáticos.
Contava com cinco grandes galpões, separados por um “carretão” elétrico. Este
rebocava as locomotivas para as “vallas de reparação”, onde pontes rolantes e
guinchos automáticos, com capacidade para até cinqüenta toneladas, compunham o
cenário, em que operários executavam reformas e chegavam a montar locomotivas a
partir de peças de trens avariados. Pelos galpões distribuiam-se oficinas de limadores,
torneiros, ferreiros, caldeireiros, além das instalações de plaina e de fundição de ferro e
bronze. Estas dependências possuíam instalação de água potável, ar comprimido e óleo
combustível. Uma Vila Operária (figura 19), para abrigar os trabalhadores de “tão
importante departamento da Estrada” completava o complexo ferroviário de
142
142
Divinópolis
301
. Nota-se a ausência do elemento hmano. As casas, aparentemente novas,
cintilam em meio a uma paisagem rural que se transforma em cenário da modernização:
Figura 19 Escola e Vila Operária em Divinópolis.
Na figura 20, outra imagem fotográfica, Vaz, mostra o interior da oficina de
Lavras. Este galpão aberto seria utilizado para a construção e reforma de locomotivas e
vagões, como o carro do correio da fotografia. Está sobre uma superfície móvel, que o
transportaria de fora para dentro da oficina. Não aparecem figuras humanas nesta
imagem com sua simetria geométrica, exibindo o vagão e, atrás dele, um galpão que
parece continuar ad infinitum.
A EFOM, assim como qualquer ferrovia do período estudado, ganhava vida a
partir de uma comunidade de atores dividida em dois grupos fundamentais: os
organizadores do trabalho e os trabalhadores. O primeiro, era composto pelos dirigentes
da empresa e técnicos especializados. O segundo, numericamente maior, comportava os
301
VAZ, M. Idem, p. 62; 111-112.
143
143
trabalhadores assalariados e, até 1888, escravos. Neste universo do trabalho ferroviário,
há uma distinção básica entre o mundo da estação e o mundo do tráfego. Na estação, os
funcionários letrados, escriturários, telegrafistas e despachantes, seriam controlados
pelo agente da estação. Ao longo dos trilhos, turmas de trabalhadores braçais cuidariam
da manutenção e construção da infra-estrutura, sob orientações do mestre de linha.
Figura 20 Oficina de Lavras, 1922
Esta hierarquia do trabalho sofria a resistência dos próprios trabalhadores,
através uma dinâmica de lutas sociais. Diferentes formas de resistência, por sua vez,
desencadeariam reações da administração da empresa. Para Liliana Segnini, à medida
que os operários adquiriam um grau maior de conscientização com relação a seu papel
no processo de produção, as formas de organização do trabalho e de conseqüente
controle da mão de obra eram modificadas
302
. O período estudado é caracterizado pela
passagem da situação de “dominação sem disfarces”, incluido o trabalho escravo, ao
processo de constituição de relações paternalistas. A criação do Instituto de Auxílios
Mútuos dos Funcionários da EFOM, por exemplo, que em princípio parece ser um
302
SEGNINI, L. Ferrovia e Ferroviárioas: uma análise do poder discipliar na epresa., p.17
144
144
privilégio doado aos trabalhadores, constitu-se em mecanismo de controle do
movimento operário. O mesmo ocorreu com a construção de vilas operárias, como a de
Divinópolis, que reduziram a dependêcia do capital em relação ao trabalho.
Evidencia-se uma oposição entre as representações d’O Resistente, marcadas
pela ordem e tranqüilidade dentro da fábrica, e as fotografias que revelam a aparência
ofuscada dos trabalhadores. Mas, neste mesmo periódico, as imagens harmônicas
apresentadas no mês de junho de 1898, dariam lugar, em breve, a notícias de um
conflito na companhia: a greve dos funcionários de outubro no mesmo ano. O periódico
mostrou uma visão alinhada com os interesses patronais, onde os trabalhadores foram
representados como elementos hostis, legitimando o uso da força polícial.
Segundo O Resistente, o presidente da EFOM, Antônio Francisco da Rocha, ao
saber da greve, teria comunicado a 1
a
. Circunscrição de Polícia de São João del Rei,
pois cerca de cem empregados da empresa achavam-se aglomerados em frente ao
escritório da companhia, “em atitude hostil” a sua pessoa
303
. O delegado, um inspetor e
doze praças de polícia teriam ido ao local. De acordo com este periódico, a polícia agiu
de modo pacífico, indagando (...) os empregados sobre o motivo que os levava a
desacatar o presidente da companhia (...).”
304
Os trabalhadores justificaram o
movimento alegando um atraso no pagamento de seus salários que já alcançava dois
anos! O delegado, pedindo aos trabalhadores que mantivessem a calma, buscou
esclarecimentos com a direção da companhia. Ao questionar o presidente Antonio
Rocha, a polícia foi informada que, pelo fato da companhia não ter recebido o subsídio
prometido pelo governo, simplesmente não seria possível pagar os empregados. O
303
O Resistente. São João del Rei “Greve”. 6/10/1898. p.1.
304
O Resistente. São João del Rei “Greve”. 6/10/1898. p.1.
145
145
delegado teria então ordenado a dispersão dos grevistas “(...) no que incontinenti foi
attendido.”
305
Subjaz a esta matéria jornalística que a reivindicação dos trabalhadores se
defrontava, nesse momento, com a ausência de possibilidade de negociação direta com a
empresa ou com o Estado. A relação dos grevistas era com a polícia, com a qual não
havia muito espaço para o diálogo. Não há menção nesta reportagem à organização
política dos operários, considerados ameaças à ordem, ao contrário da cena descrita no
mesmo jornal quatro meses antes. Apenas aparecem sinais de sua consciência de
exploração, aliada à tentativa de ação direta. O artigo sobre a greve de 1898 termina
tornando públicas as ações tomadas pelas autoridades concernentes ao movimento dos
trabalhadores: “Para garantir a companhia, mandou o Sr. delegado reforçar as
patrulhas d’aquella rua.”
306
Esta é uma evidência de que, se por um lado, a construção
das ferrovias era uma questão política, por outro, o movimento operário era, de fato,
tratado e representado como uma questão de polícia.
Uma década depois, o periódico semanal, O Trabalho, de Patos de Minas, estilo
tablóide, com oito páginas, manuscrito e mimeografado, também publicou uma série de
artigos sobre a ferrovia. Havia, neste momento, um debate nesta cidade sobre o traçado
da EFG. Patos de Minas disputava com Patrocínio o lugar de entreposto ferroviário
entre Minas e Goiás. No periódico, está impressa a ansiedade e a expectativa de setores
da sociedade patense que esperavam a chegada dos trilhos
307
.
Ao lado deste debate, o jornal também noticiou os problemas e conflitos no
cotidiano do trabalho na EFG. Em agosto de 1908, O Trabalho, em um artigo intitulado
“E. de Ferro Goyaz”, registrou informações “entristecedoras” que constantemente
305
O Resistente. São João del Rei “Greve”. 6/10/1898. p.1.
306
O Resistente. São João del Rei “Greve”. 6/10/1898. p.1.
307
Com o início da construção da EFG, partindo de Formiga, a cidade de Patos de Minas figurou em alguns projetos.
O trajeto adotado e de fato construído, no entanto, passou mais ao sul, chegando em Patrocínio, em 1918.
146
146
chegavam à redação sobre o quadro desolador em que encontravam-se os trabalhadores
da EFG. Estes estariam sendo submetidos a péssimas condições de trabalho. O
Trabalho, cujo próprio nome sugere uma identificação com os trabalhadores, confirma
esta hipótese ao descrever a situação na “ponta dos trilhos”. Nos trechos em construção
da EFG, “(...) o seu empreiteiro tem abusado tanto dos pobres trabalhadores que se
torna necessário uma intervenção energica da Companhia e do governo por intermedio
do seu fiscal.”
308
Este empreiteiro era o mesmo Antonio Francisco da Rocha que, dez
anos antes, entrara em conflito com os trabalhadores da EFOM, em São João del Rei.
Após coordenar os trabalhos da EFOM, Rocha foi contratado como empreiteiro para a
construção da EFG, entre Formiga e o Rio São Francisco
309
.
O Trabalho representou os operários como “(...) pobres obreiros do progresso,
que mourejam de sol a sol, num serviço penoso para ganhar um misero ordenado”.O
periódico construiu, em sua narrativa, um cenário de exploração no qual os operários
estariam submetidos a um salário considerado deficiente. Além disso, o empreiteiro
Antonio Rocha seria um administrador de caráter autoritário. Os operários deste
empreendimento móvel, ficavam inteiramente dependentes da companhia para sua
própria sobrevivência. Neste periódico, Antonio Rocha obrigava seus empregados, “(...)
por meios torpes e infames a se sortirem em um armazem de sua propriedade por
preços tão fabulosos que chega a irritar a honestidade dos aventureiros.”
310
Trata-se do que pode ser denominado sistema de barracão, comum em áreas
rurais. O pagamento, supostamente diário, feito aos trabalhadores, não seria suficiente
sequer para a obtenção de produtos de subsistência no único armazém disponível, o da
empresa. Assim, eles seriam obrigados a contrair dívidas, também diárias, com a
308
O Trabalho. Patos de Minas “E de Ferro Goyaz” 9/8/1908. n.61/ano3. Patos de Minas. p.1.
309
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. “Notas sobre os trabalhos da Companhia Estrada de F. Goyaz”. 16/9/1911.
n.93/ano2.p.1.
147
147
compra de comida, bebida e outros produtos básicos. Desta maneira, um laço de
dependência necessária estabelecia-se entre os operários e o armazém. O pagamento
diário (jornal), segundo este periódico, seria de Rs 2$000 por trabalhador braçal,
enquanto o quilo de toucinho seria vendido no armazém por Rs 35$000 e o quilo de
feijão por Rs 20$000. Estes dois gêneros, que constituíam, ao lado da farinha, a base
alimentar dos operários, eram superfaturados em até 150% por Antonio Rocha. Com o
decorrer do tempo e aumento das dívidas dos trabalhadores, estes seriam levados a uma
situação de semi-escravidão, em que seus salários seriam totalmente gastos no barracão.
Segundo O Trabalho, os trabalhadores já teriam reclamado à direção da EFG sobre os
abusos, mas não se sabe quais providências teriam sido tomadas.
Este periódico não pode ser considerado um órgão da imprensa operária, mas
seus redatores se manifestaram claramente contra o que chamaram de abusos e até de
extorsão por parte do empreiteiro. O dilema no qual os empregados de Antonio Rocha
se encontravam era o seguinte: “(...) ou comprar no seu barracão ou não receber o
salario.”
311
Patos de Minas, onde era publicado O Trabalho, não foi contemplada pela
EFG, cuja direção decidiu construir a estrada passando por Patrocínio, em direção a
Goiás. De qualquer forma, o debate no jornal patense mostra como a ferrovia teria
influenciado o imaginário social mesmo de comunidades fora do alcance dos trilhos.
Em Patrocínio, um outro periódico retratou as condições de trabalho na ferrovia
que integraria o Oeste de Minas às grandes cidades e principais portos do País. No
Cidade do Patricínio, um artigo de setembro de 1911 expôs os problemas que
dificultariam a execução das obras. Estes seriam principalmente relacionados às
condições naturais, como chuvas e enchentes; ao arriscado transporte de materiais sobre
310
O Trabalho. Patos de Minas. “E de Ferro Goyaz” 9/8/1908. n.61/ano3. p.1.
311
O Trabalho. Patos de Minas. “E de Ferro Goyaz” 9/8/1908. n.61/ano3. p.1.
148
148
os rios pelo cableway (um conjunto de dois cabos de aço, com até 90m de extensão,
colocados cerca de 14m acima do nível da água dos rios); à falta de pedras e areia nas
margens dos rios e de oleiros que soubessem fazer tijolos; à necessidade de sempre se
construir uma ponte provisória antes da permanente; e ao lento transporte de materiais
até as margens dos rios, feito em carros-de-bois.
Este periódico registrou as atividades de terraplanagem como movimentos de
terras incríveis. Em outro artigo, de maio de 1913, informou-se que, para garantir a
alimentação dos trabalhadores, uma das primeiras coisas a serem feitas no local
escolhido para montar o abarracamento, ou acampamento das turmas, seria um “(...)
grande forno para o fabrico de pães”
312
. Esta realidade dos modos provisórios de
habitação enfrentada pelos operários do trem pode ser vista em uma fotografia de Vaz,
de um rancho próximo a Angra dos Reis, na figura 21. Três homens a cavalo,
provavelmente diretores ou empreiteiros das obras, pousam no centro do primeiro
plano. Um deles, mais adiante, com roupas brancas e chapéu parece ser o mais
importante. Em segundo plano, ao redor deles, algumas casas de madeira, cobertas de
sapé e, no centro, um grupo de pessoas, menos distintas, de pé sobre uma elevação:
Figura 21 Um rancho ferroviário próximo a Angra dos Reis, 1922
312
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. “Estrada de Ferro Goyaz”. 24/5/1913. n158/ano4. p.2.
149
149
As condições de trabalho foram representadas nas fotografias de forma dispersa.
Em coleções, como a obra de Mucio Vaz, entre muitas fotos de pontes, casas de
funcionários, locomotivas, estações, túneis, produtos prontos do processo de
modernização infra-estrutural, poucas imagens revelam o trabalho enquanto ocorria.
Uma delas, reproduzida na figura 22, mostra uma cena impressionante. Com picaretas
em punho, quinze operários, distribuídos em três grupos, atacam uma encosta rochosa
da Pedra Branca. Cada grupo sobre plataformas suspensas, suspensa por cordas e
firmadas com estacas de madeira, investiam contra a rocha. Aos poucos,
desmanchavam, à mão, um obstáculo natural, abrindo caminho para a máquina. Em
baixo, olhando para a câmera, um homem não está trabalhando. Seria um inspetor ou
empreiteiro? Não se sabe. Esta imagem mostra o trabalho em ação, uma esforço penoso
na luta entre cultura e natureza.
Figura 22 Corte na Pedra Branca
150
150
A provisoriedade do processo de trabalho não deixou de ocupar os quadros
fotografados, apesar de ser mais ocultada do que revelada. Na obra de Vaz, uma
montagem das pontes provisórias no trecho da EFG encampado pela EFOM, mostra um
cenário assustador. Uma foto maior retangular focaliza uma ponte a cerca de 10 metros
de altura, evidentemente precária, irregular, sustentada por troncos de madeira que não
inspiram segurança. Esta imagem é invadida por outra, menor, de uma pequena ponte,
apoiada em apenas uma peça de madeira. A montagem é decorada, novamente, com
temas burlescos, flores e ornamentos ecléticos, destoando da rudeza da infra-estrutura:
Figura 23 Pontes provisórias, 1922
Estas imagens expõem cenários e personagens em tranformação. São imagens da
modernidade em curso, que acompanham os “avanços e percalços no campo das obras
ferroviárias”
313
. De acordo com Francisco Foot Hardman, as fotografias de ferrovias
313
HARDMAN, F.F. Idem, p.48.
151
151
são “(...)signos de tempo novo e veloz, mas, também, indícios da própria melancolia e
fugacidade que cerca os aparelhos e maquinismos da civilização técnica.”
314
.
Um dos principais problemas de empreendimentos industrializados no Brasil
relacionava-se ao trabalho especializado. O técnicos, em sua maioria engenheiros
estrangeiros, seriam como que apêndices do capital externo e da tecnologia que entrava
no país. Mas, se por um lado, neste período anterior à existência de escolas técnicas, as
ferrovias eram dirigidas majoritariamente por engenheiros, por outro, formavam muitos
técnicos através da prática. De acordo com Liliana Segnini, as ferrovias foram escolas
na formação de hábitos de trabalho capitalista
315
.
Dificuldades de ordem técnica estariam presentes nos trabalhos de construção de
obras de arte, viadutos, pontes, pontilhões, túneis, etc. Na imagem da figura 24,
encontrada no Pequeno Histórico, de 1996, observa-se uma equipe de trabalhadores
investidos da tarefa de construção de uma ponte. O local e a data não são identificadas.
A legenda diz apenas que trata-se da fotografia da construção de uma ponte na EFOM,
“tirada depois da baixa das águas”
316
. Vinte e um homens sobre uma ponte posam para
o fotógrafo. Estão misturados, chefes e empregados. Os chapéus também diferem,
alguns são tipicamente rurais, enquanto outros são quepes ferroviários, chapéus de
funcionários industriais. Este operariado visivelmente constituído por homens mestiços,
negros e brancos, parecem ser controlados por um homem, aparentemente mais velho,
todo de branco, o único de gravata. Posiciona-se separado dos operários, na parte
centro-esquerda da imagem.
Obras como estas mobilizavam a curiosidade da população das regiões por onde
passava a ferrovia. Neste processo, eram formadas relações sociais entre operários e
314
HARDMAN, F.F. Idem, p.49.
315
SEGNINI, L. Idem, p.15.
316
RFFSA. Pequeno Histórico da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM). Rio de Janeiro: RFFSA, 1996, p.19.
152
152
comunidades locais que poderiam resultar na contratação de novos empregados. Este foi
o caso do português Manuel da Costa Fontelas. Sua filha, que também tornaria-se
ferroviária, Sra. Maria Fontelas, foi entrevistada pelo autor desta dissertação em duas
ocasiões diferentes, em agosto de 1999 e novembro de 2001. Segundo ela, seu pai,
Manuel, imigrou para o Brasil em 1907. Em seu país deixou a esposa, Joaquina Pires
Dias, e a filha, Maria, com apenas oito meses de idade
317
. Neste momento, no início do
século XX, o Brasil recebia muitos imigrantes portugueses, que encontravam trabalho
no processo de industrialização de sua ex-colônia.
Figura 24 Construção de ponte na EFOM, sem data
317
Maria de Jesus Fontelas nasceu aos 11 de fevereiro de 1907, em uma aldeia próxima a Vila Real de Trás os
Montes, no norte de Portugal. Reside atualmente em Caxambu, MG.
153
153
Manuel veio para o Brasil, trazendo algum dinheiro conseguido, como
empréstimo, de parentes. Estabeleceu-se em São João del Rei, montando uma fábrica de
banha em sociedade com o brasileiro João Costa. Exportavam banha para o Rio de
Janeiro e até para a França. No entanto, os negócios não estavam indo bem, o que teria
levado Manuel a buscar conhecer outras atividades que, naquele momento, exigiriam
pessoas com certo grau de instrução. As empresas ferroviárias contratavam muitos
imigrantes, já familiarizados com este tipo de transporte e com seu trabalho.
As obras da EFOM estavam em pleno andamento. Manuel não era graduado,
mas tinha muita afinidade com a ferrovia e a engenharia civil. Uma ponte seria
construída entre as estações de João Pinheiro e Conceição da Barra. O chefe da equipe
de construção de pontes era também português, Sr. Gonçalves. Manuel foi até o local,
observar a obra e, conversando com Sr. Gonçalves, foi informado que a ponte viera com
defeito e que, assim, não conseguiriam montá-la. A ponte teria vindo errada e deveria
ser devolvida aos fabricantes inglêses. Mas, Manuel teria se surpreendido: “O que?
Inglês mandar ponte errada? Isto não é muito bom de se acreditar.”
No meio da discussão, Manuel pediu para ver o projeto da ponte. Sr. Gonçalves,
certo de que a ponte estava com defeito, deixou Manuel analisar o croqui. E, à luz de
candeeiro, Manuel concluiu que a ponte não tinha nenhum defeito. O problema estava
na falta de compreensão do projeto. Tratava-se de uma ponte elevada, sem pilares, uma
armação que se sustentaria apenas nos barrancos das margens do rio. Manuel explicou o
funcionamento da nova ponte à equipe construtora. Com esse auxílio prestado à EFOM,
o Sr. Gonçalves, que estava já pensando em encostar (aposentar-se), convidou Manuel
para substituí-lo na chefia da equipe de construção de pontes. Segundo Sra. Maria, ao
encostar, Sr. Gonçalves receberia uma pensão igual ao salário, fornecida pelo Instituto
154
154
de Auxílios Mútuos dos Funcionários da EFOM. Dessa forma, Manuel entrou para a
EFOM e passou a conviver com a realidade do trabalho ferroviário.
A formação da força de trabalho foi um problema também abordado pela
imprensa. A EFG atravessava uma região onde nada parecido jamais havia sido
realizado. Poucos habitantes locais estariam qualificados a trabalhar nas obras. Muitos
receavam acompanhar as companhias sertão adentro. A distância entre centros urbanos
ou fazendas, onde se encontravam pessoas aptas aos trabalhos das estradas de ferro,
contribuiria para que esta mão de obra habilitada deixasse de procurar trabalho na
ferrovia, devido às despesas excessivas de viagem até a ponta dos trihos
318
. Em algumas
edições deste periódico, durante os anos de 1911 e 1912, foi publicado um anúncio da
EFG, uma propaganda de emprego, solicitando trabalhadores para a construção da
ferrovia entre Ibiá e Araxá:
E. F. GOYAZ
No ramal da E.F. Goyaz de Araxá a S. Pedro precisa-se de trabalhadores
Paga-se bem e todo o pagamento é feito no fim de cada mez.
Actualmente existem em serviço 500 homens e necessita a Empreza de elevar
esse numero a mais de mil homens
ESCRIPTORIO - - ARAXÁ
E. de Minas
319
Este anúncio evidencia, de forma clara, como a companhia teria elaborado
estratégias de atração e formação de uma força de trabalho. Destaca-se a atraente
promessa de bom pagamento, “feito no fim de cada mez”
320
, o que, no entanto, não foi
realizado durante muito tempo. O objetivo do anúncio seria recrutar mão de obra local,
318
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. “Notas sobre os trabalhos da Companhia Estrada de F.Goyaz”. 23/9/1911.
n.94/ano2. p.2
319
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. 21/12/1912. n.158/ano 4. p.2.
320
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. “E.F. Goyaz”. 12/10/1912. n.149/ano3; 21/12/1912. n.158/ano4. p.2.(foto!);
28/12/1912. n.159/ano2
155
155
mesmo que inexperiente em trabalhos industriais. A atividade a ser exercida não é
especificada no anúncio, sinal de que não seria necessário ao candidato ter qualificação
no ramo ferroviário. Provavelmente, muitos habitantes locais seriam contratados para
trabalhos braçais e serviços mais pesados. Passariam a ser considerados trabalhadores
de soca. O trabalho seria aprendido e o trabalhador formado pela prática. A ferrovia
oferecia promessas de remuneração interessantes a uma população que não estaria
habituada a ser empregada por grandes empresas. Mas, esta promessa de salário mensal,
veiculada em vários números do Cidade do Patrocínio, foi, de certa forma, uma
propaganda enganosa. Em breve, a EFG atrasaria por mais de um ano o pagamento de
seus funcionários e entraria em falência.
Em 1914, com a deflagração da Grande Guerra na Europa, configurou-se uma
crise econômica mundial. Esta crise foi ainda mais aguda em relação à exportação
européia de máquinas e peças necessária à construção ferroviária em países não-
industrializados, como o Brasil. O periódico patrocinense, Cidade do Patrocínio, em
julho deste ano informou que, apesar da guerra, os trabalhos da EFG continuavam a ser
realizados sem interrupção. A ponta dos trilhos estaria a apenas 60km de Patrocínio
321
.
Este jornal, menos identificado com a classe trabalhadora, indicou que, mesmo com a
crise, o número de operários na obra estaria aumentando e o trabalho estaria sendo
executado em “boa ordem” e “celeridade”.
322
Mas, em pouco tempo o mesmo periódico mudou o tom, de otimista a
apreensivo, noticiando que os trabalhadores estariam sem receber salários há nove
mêses. A obra continuava em andamento graças à dedicação e ao sacrifício dos
operários. O próprio jornal lançou a pergunta: “A quem attribuir a causa de tamanha
321
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. “E.F. Goyaz – excursão á ponta dos trilhos”. 18/7/1914. n.234/ano5. p.1.
322
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. “E.F. Goyaz – excursão á ponta dos trilhos”. 18/7/1914. n.234/ano5. p.1.
156
156
injustiça?”
323
E elaborou uma problematização sobre esta situação. Emílio Schnoor,
empreiteiro geral da EFG estaria na raíz do problema, por não ter feito o pagamento aos
operários. Porém, Schnoor defendia-se alegando não ter recebido os recursos do
governo para efetuar o pagamento dos salários atrasados. Para tentar solucionar a
questão, o sub-empreiteiro da obra, Francisco Peres Figueroa, teria ido ao Rio de
Janeiro, tentar levantar estes recursos. Na interpretação do Cidade do Patrocínio,
tratava-se de uma “incomprehensivel balburdia”, no meio da qual, os operários
estariam evidentemente passando pelas mais duras necessidades.
Esta situação “afflictiva” demandaria uma solução emergencial, segundo o
periódico que, mesmo não sendo um órgão de imprensa operária, caracteriza como uma
“injustiça clamorosa” a situação dos operários. A comunidade de Patrocínio,
certamente estaria ansiosa em receber a EFG, e por isso não pouparia críticas à lentidão
da obra, cujas causas poderiam ser as más condições do trabalho. Assim, fazia-se
necessário defender o trabalhador, agente crucial para a construção da ferrovia. Nas
páginas deste periódico: “(...) O dinheiro do trabalhador, do operario, é um dinheiro
sagrado; é um crime imperdoavel protelar-se-lhes os pagamentos”.
324
Trabalhar tanto tempo assim sem receber salário seria possível através do
sistema de barracão. No mês seguinte, em meio a esta crise, após dez meses de atraso
no pagamento dos operários, a companhia teria decidido tomar alguma atitude. Uma
grande comissão foi formada, composta por diretores da EFG e da EFOM, além de
representantes da comunidade. Esta comissão fez uma viagem de reconhecimento das
323
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. “E.F. Goyaz”. 26/7/1914. n.234/ano5. p.1.
324
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. “E.F. Goyaz”. 26/7/1914. n.234/ano5. p.1.
157
157
obras
325
. Novamente, não se conhecem as medidas tomadas. Sabe-se, porém, que a
situação se agravaria ainda mais.
Na edição de três semanas depois, o Cidade do Patrocínio, em tom de aflição e
temor de que o projeto de integração de Patrocínio na malha ferroviária nacional fosse
ameaçado pela crise, levou aos seus leitores a perspectiva de um quadro desolador, em
que operários trabalhariam sem receber há quase um ano. Por isso, reinaria entre eles
um grande desânimo, (...) estando os operarios em via de abandonarem os trabalhos
da construcção”. Este periódico revelou sua preocupação venal, deixando escapar o
que, de fato, seria preocupante: “Considerando sobretudo, que a estrada de ferro vem
servir uma cidade que se acha em franco progresso, com elevada população, seria
desastroso o seu não prosseguimento agora.”
326
Por isso, apontar os problemas,
difundir as questões envolvidas com a construção da obra, entre elas as condições de
trabalho, seriam meios de pressionar a companhia a concluir a empreitada.
Durante o período da Grande Guerra, os trabalhos da EFG continuaram, mas
muito lentamente. Cerca de 50km, entre a Estação de Serra do Salitre e Patrocínio,
levaram quatro anos para serem construídos, enquanto os primeiros 250km da EFG
foram concluídos em cinco anos. A ligação com Patrocínio foi inaugurada em outubro
de 1918, e Goiás só foi alcançada, por este trecho, na década de 1940. Ainda não é
possível conhecer os desdobramentos do drama dos operários. Mas, de fato, a EFG, cuja
principal razão de ser, motivo de seu próprio nome, seria a condução dos trilhos do
325
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. “E.F. Goyaz”. 2/8/1914. n.236/ano5. p.1. Representaram a EFG o Dr. Getulio
Silva, chefe de tráfego; Dr. Brindley Hicks, chefe de locomoção; Dr. Cyriaco Amaral, engenheiro-chefe; Dr.
Alfredo de Oliveira Graça, engenheiro-fiscal; Dr. Felipe Godinho Caldeira, engenheiro de construção; Dr. Catella,
engenheiro da Empresa Schnoor; Sr. Francisco Barbosa de Oliveira, o Chichi, farmacêutico da EFG; e o Sr,
Maximino Alves, administrador geral da construção da ferrovia. Representando a EFOM foram o Dr. Augusto
Pestana, diretor da companhia; Dr. Candido Mariano, chefe do trafego; Dr. André Verissimo, engenheiro-cefe da
seção; Dr. Rebouças Sobrinho, engenheiro -cefe da construção; Dr. Henrique Savoia e Dr. Paulo da Costa Azevedo,
engenheiros-empreiteiros das obras; Dr. José Berredo, engenheiro-chefe da companhia; e Sr. Durval Lacerda,
desenhista do trafego. É interessante notar que além do Sr. Adolpho Pieruccetti, proprietário do Hotel Meridional
de Patrocínio, e do Pe. Nicolau Catalan, redator do Cidade do Patrocínio. A comissão contou também com a
presença do Sr. José Picchi, mordomo da embaixada dos Estados Unidos da América, no Rio de Janeiro.
158
158
progresso ao estado de Goiás, faliu. Foi leiloada e adquirida pelo Governo Federal,
estacionando-se em Patrocínio
327
. Em 1920, a EFOM adquiriu o trecho de Formiga a
Patrocínio, construída pela breve EFG.
No final da década de 1910, o transporte ferroviário no Oeste de Minas foi
marcado por este encampamento e pela greve dos trabalhadores da EFOM. Em julho de
1919, o periódico Minas-Jornal, de São João del Rei, deu notícias sobre o
“alastramento da greve pela Oeste de Minas”. Em Ribeirão Vermelho, Divinópolis e
Barra Mansa, os operários estariam mobilizados pacificamente e paralisados, com o
objetivo de receber um aumento em seus salários. De acordo com este periódico, os
trabalhadores da EFOM estariam recebendo os mais baixos ordenados ferroviários do
país. Reivindicavam, assim, um aumento de 50%.
Mais uma vez, da mesma forma que no caso da Greve de 1898, a diretoria da
companhia, assim que soube do “levante” da força de trabalho, tratou de solicitar que a
polícia cumprisse o seu papel de mantenedora da ordem e protetora da propriedade.
Uma força do 51
o
. Batalhão de Caçadores teria sido convocada para guardar a estação e
as oficinas de São João del Rei. Mas, os operários, comprometendo-se a não danificar as
máquinas, teriam conseguido a retirada da força policial em uma negociação direta
extraordinária com a companhia
328
. De acordo com este periódico, os operários
conquistaram a equiparação de seus salários aos da E.F. Central do Brasil
Nestes artigos é possível perceber o universo de relações entre as comunidades
locais e as companhias ferroviárias. O periódico Reformador, de Divinópolis, retratou a
Greve de 1919 como um movimento romântico, apoiado por setores das esferas
dominantes locais. Um artigo intitulado “Écos da Greve”, publicado em outubro de
326
Cidade do Patrocinio. Patrocínio. “E.F. Goyaz – appello aos nossos representantes”. 22/8/1914. n.239/ano5. p.1.
159
159
1919, discorreu sobre o “belissimo movimento grevista de 24 de junho”. Os
trabalhadores em greve, abatidos pela falta de alimentos e outros recursos básicos à
continuidade do movimento, pareciam estar fadados ao fracasso. Neste contexto, alguns
comerciantes, industrialistas e fazendeiros locais, teriam oferecido auxílio aos grevistas.
O fazendeiro Elpidio Costa chegou a manter “(...) os grévistas aquartelados em S. João,
durante algum tempo, á sua custa exclusiva.”
329
Esta ajuda não seria fortuita, muito
menos uma adesão do fazendeiro à causa do movimento operário. Seu interesse residia
na implantação da ferrovia, que seria construída pelos trabalhadores. Estes deveriam ter
condições para fazê-lo. Assim, o apoio às suas reivindicações seria uma forma de
defender que a obra não fosse interrompida por culpa do conflito entre a empresa e seus
empregados.
Com o encampamento da EFG, a EFOM incorporou, em sua força de trabalho,
os empregados da extinta companhia. Mas, de acordo com o periódico A Tribuna, de
São João del Rei, alguns ex-funcionários da EFG estariam pleiteando junto ao governo
federal, “(...) por meio de fortes empenhos de politiqueiros habeis (...)”
330
, a inclusão
em cargos elevados da EFOM. Este jornal são-joanense, seria direcionado a leitores
desta cidade e região, distantes mais de 500km das linhas incorporadas. Entre seus
leitores estariam os funcionários da EFOM. A Tribuna, fazendo jus ao nome, julgou que
seria odioso, além de uma demonstração de “pessimo tino administrativo”, se o governo
federal aceitasse as pretensões de ex-funcionários de “(...) uma companhia que tão má
conta deu de sua actividade”, em detrimento dos servidores da EFOM. O periódico
instigou seus leitores ao afirmar que tal erro só seria cometido se “(...) deste paiz
328
Minas-Jornal. São João del Rei. “Greve da oeste”. 25/7/1919. n.115/ano2. p.1.
329
Reformador. São João del Rei. “Écos da Gréve”5/10/1919. n.26/ano1. p.1.
330
A Tribuna. São João del Rei. “E.F. Oeste de Minas e Goyaz” 14/3/1920. n.298/ano6. p.1.
160
160
tenham de todo desapparecido o senso comum, a razão e a justiça.”
331
Artigos como
este evidenciam como o mundo do trabalho seria composto por lutas e conflitos de toda
espécie: entre patrões e empregados, empregados e empregados, patrões e patrões.
Também dão sinais do cotidiano das condições de trabalho nestas empresas ferroviárias,
com o personagem ou sujeito coletivo dos trabalhadores.
Um assunto estampado nas páginas de alguns dos periódicos analisados merece
alguma atenção nesta análise: os acidentes ferroviários. Mais que simples acidentes de
trabalho, que se dariam dentro da atmosfera fabril, os acidentes aqui tratados ocorreram
sobre os trilhos, durante viagens de trens carregando passageiros e mercadorias. Em tom
jornalístico, soando a reportagem policial, periódicos anunciaram mortes e descreveram
a agonia das testemunhas durante descarrilamentos, colisões e outros acidentes. O
periódico são-joanense, A Patria Mineira, “orgam da idéa republicana”, publicou em
1890 uma reportagem intitulada “Descarrilhamento e Mortes”. O acidente em questão
ocorrera entre as estações de João Gomes e Dias Tavares. O periódico elaborou uma
representação dos momentos do acidente, que cabe ser reproduzida:
“O trem aproximava-se de uma passagem de nível quando uma boiada tentou
atravessar a linha; o machinista apitou seguidamente, mas foi impossivel
impedir o avanço da boiada. Vendo o perigo, o machinista deu duas vezes
contra-vapor, apertou os freios Westinghouse, mas debalde a machina atirou-se
sobre a boiada, esmagando, partindo, despedaçando 26 bois, e nesse mesmo
momento, descarrilhando, atirou o foguista pelos ares e virou-se sobre o
machinista, enterrando-se uma alavanca no ventre do misero e esmagando-lhe
parte do corpo sobre o seu enorme peso”.
332
Ao que tudo indica, não houve mortes entre os passageiros. Mesmo assim eles
teriam sentido de forma traumática o choque do acidente, temendo uma explosão na
locomotiva. Percebendo o medo das pessoas a sua volta, o maquinista ainda teria
331
A Tribuna. São João del Rei. “E.F. Oeste de Minas e Goyaz” 14/3/1920. n.298/ano6. p.1.
332
A Patria Mineira. São João del Rei. “Descarrilhamento e Mortes”. 5/6/1890. n.3/ano1. p1
161
161
conseguido pronunciar suas últimas palavras, imbuído do dever de manter a segurança
dos passageiros. Segundo o jornal, este trabalhador representado como um mártir
heróico, teria exclamado a todos: “Não tenha receio, eu abri as valvulas do vapor”
evitando, assim, uma explosão. Apesar dos freios não terem respondido, o artigo mostra
uma crença na máquina, infalível, desde que propriamente operada pelo homem.
Figura 25 Acidente com composição próximo a Campos Altos, década de 1950
Estes acidentes seriam investigados pela polícia, como mostra um artigo do
periódico O Reporter, também de São João del Rei, de 1908. Em sua narrativa, o
proceso judicial teria sido concluído com a absolvição, por parte do Juiz de direito da
Comarca, dos acusados como culpados pelo acidente de junho: Carlos Hollerbach, chefe
162
162
do trafego da EFOM; Antônio Carneiro, agente da estação; e Azildo Nogueira,
telegrafista.
333
Esse artigo revela que, em casos de acidentes, responsabilizavam-se os
funcionários com maior autoridade. Neste caso, o chefe geral da locomoção da empresa,
o agente da estação mais próxima ao acidente e o telegrafista, responsáveis pela
circulação de informações. Mas, como não havia uma legislação sobre acidentes
ferroviários, os acusados foram absolvidos. Poucos anos depois, em 1912, foi aprovada
a primeira lei estabelecendo a responsabilidade civil de empresas ferroviárias sobre
acidentes de trabalho.
A qualidade dos serviços seria fortemente prejudicada pelos acidentes. Assim, as
comunidades locais se organizariam, exigindo atitudes das diretorias da empresa. Em
um artigo do Cidade do Patrocínio, de 1918, a EFG foi congratulada sobre a
substituição do superintendente Victoriano Borges de Mello pelo Sr. Sartori. De acordo
com este periódico, antes desta substituição, uma viagem entre Formiga e Catiara se
daria por trechos de linha desnivelada, expondo os passageiros a grandes perigos. Em
um só dia teriam ocorrido 22 descarrilamentos entre estas estações
334
. O novo
superintendente, no início de seu mandato, estaria conseguindo fazer com que os trens
chegassem no horário e que o telégrafo funcionasse. Por isso, foi elogiado em duas
edições. O Sr. Sartori teria organizado 30 turmas de trabalhadores de conservação dos
trilhos, entre Formiga e Catiara, num total de 180 homens. Destes, 77 seriam do Rio de
Janeiro, 60 dos que estavam parados e o restante, 43, seria composto por pessoal antigo
e arrendado dos serviços da estrada. Os trabalhadores ferroviários foram representados
de maneira coletiva, e o superintendente, de maneira individual, como homem enérgico,
de boa vontade e conduta menos autoritária.
333
O Reporter. São João del Rei. S/T. 11/8/1908. p.6.
334
Cidade do Patrocinio. Patrocínio “E.F. Goyaz”. 19/1/1918. n.354/ano9. p.1.
163
163
Um importante problema da malha ferroviária da EFOM, trabalhada no Capítulo
II, era a diferença entre as bitolas. Alguns trechos, os mais antigos, possuíam bitola de
0,76m, enquanto grande parte da ferrovia tinha bitola de 1,00m. Cada bitola exigia um
material rodante locomotivas e vagões adequado a seu tamanho. Trechos com três
trilhos possibilitavam o livre trânsito entre material rodante de bitolas diferentes. Dois
trilhos em bitola de 1,00m, com um terceiro trilho interno, configurando uma bitola de
0,76m, compunham trechos de bitola mista. Em Ribeirão Vermelho, por exemplo, havia
o entroncamento de bitolas diferentes em um trecho misto. Composições vindas de um
trecho de 0,76m ou 1,00m entravam no trecho de bitola mista, sem problemas. Mas,
quando composições vinham do trecho misto, era preciso acionar uma chave, alternando
os trilhos para a bitola certa. Este oficio era responsabilidade do guarda-chaves. No
entanto, muitas vêzes, este trabalhador confundia o tamanho da bitola de uma
composição enquanto ela se aproximava, já que a medida era feita a olho nu. Caso o
guarda-chaves acionasse a chave errada, um acidente poderia ser provocado, com a
composição saindo dos trilhos. Este tipo de acidente é chamado descarrilamento.
No início da década de 1920, o ferroviário prático Manuel Fontelas, que era
dado a questões de engenharia, convivendo com este problema, “(...) foi, pensou,
estudou e inventou, foi o inventor das chaves mistas.” A chave mista evitaria acidentes,
pois não exigiria uma mudança na troca de bitolas. A notícia da invenção teria
percorrido o meio ferroviário. A E.F. Noroeste do Brasil, entre São Paulo e Mato
Grosso, que também tinha o problema da bitola, enviara uma carta a Manuel,
convidado-o a ir para aquela companhia, com o salário a combinar. O engenheiro
residente em Lavras, Dr. Berredo entrou em contato com Manuel, solicitando um croqui
da chave-mista e questionando como poderia ser feita. Manuel afirmou que, se a EFOM
164
164
autorizasse o deslocamento de alguns operários para esta tarefa, ele mesmo poderia
coordenar a construção das chaves mistas nas oficinas da própria EFOM.
Ele foi a Belo Horizonte, no escritório central da EFOM, atendendo a uma
solicitação do presidente desta companhia, o Dr. Pedro Magalhães. Manuel mostrou a
carta recebida da Noroeste ao Dr. Pedro que, após ler a oferta de emprego, ponderou
que Manuel não deixasse a EFOM. Advertindo que, quando as companhias tivessem o
segredo da chave-mista, Manuel não seria tão requisitado, Dr. Pedro ainda propôs a
Manuel patentear a chave mista, uma vez que estava dando ótimos resultados. Mas,
segundo Sra. Maria Fontelas, Manuel respondera: “Dr. Berredo, eu inventei estas
chaves para não estar estas máquinas sempre a cair, de resto não me interessa, não
quero patentear nada não.” Então, para atrair o interesse de Manuel em permanecer na
EFOM, Dr. Pedro o ofereceu o posto de mestre de linha em uma estação recém
encampada da falida EFG: Urubu, que, com o encampamento, passou a ser chamada
Estação de Campos Altos, no município de Araxá. Manuel teria uma casa e todas as
regalias de um mestre de linha. Poderia, assim, trazer sua família de Portugal.
Em 1924, Manuel aceitou a oferta da EFOM, e foi para Campos Altos, que
passou a integrar o novo município de Ibiá. Logo trouxe sua esposa e filha, agora com
dezoito anos, sem nunca ter visto o pai. Sra. Maria viria apenas visitá-lo, e retornaria a
Portugal em oito meses, onde pretendia estudar advocacia. Mas, acabou ficando o resto
de sua vida no Brasil. Chegou em abril de 1924. A casa do mestre de linha ficou pronta
no mês seguinte.
Ela impressionou-se com a beleza natural da região. Para uma moça européia, o
interior de um país tropical guardava cenas de exuberância nunca antes vistas. Segundo
Sra. Maria, quando ela chegou em Campos Altos, ficou deslumbrada, não com o
povoado em si,
165
165
“que não tinha nada, mas com o horizonte visual. Que cousa
maravilhosa, meu Deus, aquele horizonte visual! E eu pensei sempre que
haveria de haver uma cidade ali.”
Campos Altos, neste momento, não passava de um povoado em torno da
estação, com cerca de uma dúzia de casas, alguns armazens, e a ranchação, onde
ficavam as cafuas. Estas eram casas feitas com dormentes inutilizados pela companhia,
colocados à pique e cobertos por placas de zinco. Nelas, moravam os trabalhadores
braçais da ferrovia, quase todos negros: pedreiros, serventes, trabalhadores de soca, etc.
Em seu depoimento, Sra. Maria registrou um acontecimento interessante guardado pela
sua memória, que lança luz sobre a cultura dos trabalhadores. Como moravam em
cafuas, é possível que foram para a região trabalhando na ferrovia e estabeleceram-se
como trabalhadores fixos em Campos Altos. Em sua entrevista, Sra. Maria revelou que
estes negros mantinham tradições afro-brasileiras, como o congado.
Sra. Maria, que atraia a curiosidade de todos por ser estrangeira, seria vista como
uma figura ilustre no povoado. Certo dia, seu pai a teria dito que os empregados da
estrada queriam fazer uma manifestação em sua homenagem. Mas, advertiu: eles eram
todos pretos. Maria respondera que nunca havia sido racista, e foi para a varanda de sua
casa ver do que se tratava.
“E eles vieram todos, vestidos à caráter, moçambicanos.(...) fizeram um círculo
lá em frente da casa, dentro da estrada mesmo... e, vestidos à caráter, com
aquelas coisas todas, aquelas pulseiras, nas pernas, todas de contas vermelhas,
contas azuis, de contas e todos cheios de colares. E o Josino, com um cajado
todo cheio de fitas e coisas. Então eles cantavam e ele com aquele cajado
comandava o canto. Muito ritmado, muito bonito. Os versos propriamente eu
não podia, quer dizer... Mas o estribilho, porque foi muito comprido eu peguei:
‘Menina casa comigo que tenho muito que te dar, no mato há muita fruta e no
campo há gravatá.’ Ah, eu peguei aquilo, eu até escrevi para Portugal. Achei
assim de uma poesia extraordinária.”
Esta passagem revela aspectos do universo cultural dos trabalhadores, ritos,
festas e cerimônias nas quais operários, ex-escravos, tornavam-se líderes, chefes de
166
166
guarda de congos. Percebe-se um sincretismo entre atividades semi-industriais e
práticas tradicionais de cultura popular. Em outra passagem, Sra. Maria falou da cura
recebida da ação de um pedreiro habitante das cafuas, o benzedor João Anastácio. Disse
que seu ceticismo em relação às práticas não-ocidentais de medicina cessaram após uma
experiência diferente, a partir da prática do benzedor, que dera resultado positivo.
Em seu depoimento, Sra. Maria apontou questões relacionadas à saúde dos
trabalhadores. Segundo ela, havia uma enorme quantidade de insetos barbeiros na
ranchação e em vários trechos da estrada. Seu pai reclamara com o engenheiro residente
em Formiga: “É um crime, eles têm aquela doença porque vivem em cafuas. Tinha de
se fazer umas casas próprias de tijolo e tudo...” Ainda durante a residência de Dr. Paulo
Fernandes, a ranchação em Campos Altos teria sido desocupada, com a construção de
casas de tijolos, em uma tentativa de melhorar as condições de higiene. Este dado pode
ser cruzado com evidência na obra de Mucio Vaz, sobre a mesma década. Para Vaz, a
EFOM atravessava muitos trechos insalubres, assolados pelo impaludismo, ou malária,
principalmente no verão, fazendo várias vítimas entre os trabalhadores.
No início de 1920, uma epidemia de malária assolou a força de trabalho. O Dr.
Samuel Libiano, Diretor de Higiene do Estado de Minas Gerais, registrou a situação da
EFOM após uma excursão de 15 dias feita à região por um médico da Diretoria de
Higiene, acompanhado por médicos da EFOM. A malária foi encontrada “em alta
proporção” por toda a linha, exceto no trecho com maior altitude, de Campos Altos
para cima, incorporado da EFG. Mas, se não fossem tomada medidas de “prophylaxia
inadiaveis e intelligentes”, a epidemia difundiria-se por toda a estrada, devido à “(...)
pratica de transferir empregados, em plena doença, das zonas paludicas para logares
167
167
ainda indemnes.” Em um só dia, 3 cadaveres teriam sido encontrados no ramal de
Paraopeba pelos médicos, “(...) afóra individuos em quasi agonia”
335
.
As principais doenças entre os trabalhadores eram malária, opilação, verminoses,
sífilis e úlceras tropicais. Os inúmeros pedidos de licença por parte de operários
acarretavam “despesas inuteis e cada vez maiores” à EFOM. A causa da epidemia
identificada pelos médicos, seria a péssima condição sanitária dos trabalhadores. Mas,
devido à falta de recursos, nada parece ter sido feito
336
. Vaz acreditava que o sertão
oeste mineiro deveria ser higienizado, transformando-se em espaço civilizado. O
desenvolvimento sócio-econômico pressupunha a implantação de meios científicos de
controle sanitário. Assim, seria possível combater as doenças encontradas na natureza,
que tanto prejudicavam a sociedade brasileira
337
.
A civilização, em sua marcha sertão adentro, seria acompanhada pela
disseminação de hábitos de higiene. A natureza deveria ser positivamente trabalhada
pelo homem, no sentido de proporcionar a correção da insalubridade através da
introdução de uma flora propícia ao melhoramento do clima. Para sanear a região das
doenças, um diretor da EFOM, Jorge Ottoni, já havia proposto o plantio de girassol e
eucalipto, em larga escala, para “desinfectar o ar e restabelecer assim a
salubridade”
338
.
Deslocada de um universo cosmopolita e vivendo em pleno sertão, Sra. Maria,
que era letrada algo raro na região, principalmente entre as mulheres foi incorporada
335
VAZ, M. Idem, p.124.
336
VAZ, M. Idem, p. 125.
337
VAZ, M. Idem, p. 126. “Saneado o nosso sertão, (...) deixará o Brasil de ser um immenso hospital (...),e a
indolencia do camponez não existirá, porque, na época presente, com o exemplo que nos vem de outras nações, o
impulso natural, inevitavel, da população do interior, que conta com recursos da natureza, não existentes em
qualquer outra parte do mundo, será, egualmente, para o movimento proprio dos povos que procuram melhorar
sempre, e cada vez mais, suas condições de vida”
338
OTTONI, Jorge. Estrada de Ferro Oeste de Minas Relatorio do Anno de 1905 apresentado ao Exmo. Sñr. Dr.
Lauro Severiano Müller D.D. Ministro da Industria, Viação e Obras Publicas pelo Director Engenheiro Jorge
Benedicto Ottoni. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1906, p.15. “O meio de combater as infecções dessas
localidades é tão simples; seria de facilima execução; bastaria que o Governo fizesse distribuir sementes. Dos
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ao rol de funcionários do escritório da estação, com a função de escriturária,
subordinada diretamente ao mestre de linha, seu pai. O detalhe mais importante foi
revelado por ela, em seu próprio depoimento:
“A estrada de ferro não tinha nenhuma mulher, de jeito nenhum. Não tinha
nenhuma mulher. Então, o Dr. Paulo de Moura Fernandes, que era engenheiro
residente, residia em Formiga... mas quando ele ia em Campos Altos, onde é
que ele ficava? Ficava em nossa casa! Era o jeito! Tornou-se muito amigo, quer
dizer, ele já era muito amigo do meu pai. Mas, tornou-se... era chefe, mas era
muito amigo. E ele gostava muito de arte. Eu tinha trazido um livro de Históra
da arte, em papel couché, maravilhoso, francês. Ele ficou apaixonado por ele. E
eu vi que ele ficou apaixonado por ele. Falou para mim: ‘Será que eu posso
levar comigo, na volta eu trago, quando voltar...’ Digo: ‘Fica para si.’ E dei-lhe
um livro de História da arte muito bom. E eu falei com ele: ‘Então eu estou aqui
Dr. Paulo, eu quero ganhar dinheiro! Então eu estudo, estudo, e agora eu não
vou pra lá outra vez e fico assim... como é que vai fazer?’(...) Aí não havia
mulheres na coisa. Aí o Dr. Paulo virou, falou assim: ‘Dona Maria, como é que
é seu nome mesmo, todo?’. Digo: ‘Sou Maria de Jesus Fontelas’. ‘Ah, seu
Fontelas, põe o nome de Mário’. Mário, Mário de Jesus Fontelas. Passei a ser
Mário. Durante os ano eu fui, assinei com o nome de Mário, Mário de Jesus
Fontelas...”
O engenheiro residente em Formiga, responsável por um longo trecho de trilhos,
tornara-se amigo da familia Fontelas. Ganhou de presente um artigo de luxo, e ficou
certamente agradecido. Além disso, sabia da capacidade de Sra Maria e de sua utilidade
potencial à companhia. Ao ouvir as reclamações dela, Dr. Paulo Fernandes elaborou
uma tática para burlar as normas internas da companhia, que proibíam o emprego de
mulheres. Estabeleceu um acordo informal, talvez até até ilegal, com Sra. Maria: ser
registrada na documentação da EFOM com um nome masculino Mário e, assim,
incorporar-se aos funcionários da companhia. Questionada se havia figurado entre as
primeiras mulheres da EFOM, Sra. Maria afirmou, categoricamente:
“Fui a primeira! Porque senão tinha, tinha outra mulher que não tinha nome.
Fui a primeira, da Oeste de Minas. Eu era Maria de Jesus Fontelas, puseram lá
Mário... Até foi o Dr. Paulo, Paulo de Moura Fernandes: Maria, ponha Mário
de Jesus Fontelas”.
lados das linhas os mesmos operarios farão as plantações, dando o exemplo.É o meio unico de sanarem-se os
grandes sertões ferteis, porem, deshabitados e desaproveitados.”
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Sra. Maria discorreu sobre diferentes temas do trabalho ferroviário, de uma
forma não-linear, característica da linguagem oral, dando saltos, criando silêncios,
estabelecendo relações entre representações da realidade. Segundo ela, o pagamento aos
funcionários seria feito mensalmente através do sistema do trem pagador: uma
composição especial, carregada de dinheiro e com o tesoureiro da companhia, que
percorria a estrada, efetuando o pagamento em cada estação. Apontou também o
Instituto de Auxílios Mútuos dos Funcionários da EFOM, sediado em Belo Horizonte.
A participação neste instituto seria facultativa. Seus membros teriam acesso a armazéns
exclusivos, com produtos a preços menores, pois sobre eles não recairiam despesas de
transporte, fornecido gratuitamente pela companhia. Além deste instituto, não havia
outras organizações da classe trabalhadora. Segundo Sra. Maria, “(...) quando se falou
em sindicatos, já se falou logo em comunismo. Ô, foi uma trapalhada.”
Em seu depoimento, surgiu também a figura do português Antônio Rocha. A
atribuição a este homem de um comportamento autoritário, encontra sintonia com
representações escritas analisadas anteriormente. Sra. Maria demonstrou a
personalidade de Antonio Rocha com um exemplo. Quando a EFOM enfrentava a
subida da Serra de Candeias, entre Campo Belo e Candeias, os engenheiros disseram ao
empreiteiro Rocha que a obra não seria possível: “Aquilo é como quem está subindo
para o céu”. Sua resposta foi como que um desafio aos deuses: “Pois então, peçam
licença a São Pedro, entrem com a estrada por lá, porque é por lá que ela vai, sim,”
Segundo o relato de Sra. Maria, Antonio Rocha teria sido um dos elaboradores do
traçado da EFOM. Sua intenção seria construir uma ferrovia entre o Oeste de Minas e a
Bolívia.
Além de ter sido primeira mulher a trabalhar na EFOM, Sra. Maria foi também a
primeira professora de ensino público em Campos Altos. Um acordo entre o
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proprietário da fazenda local, Dr. Luiz de Souza Coelho, e o presidente da província
mineira, Fernando Mello Vianna, permitiu a implantação de uma escola reunindo todas
as crianças do povoado, de diversas idades. Sra. Maria guarda ainda um grande valor
em relação à educação. Em suas palavras:
“Um país, ele não é grande pelo seu território. Ele não é grande pela riqueza
do seu território. Ele é grande pelos homens que ele tem. Pelos homens e
mulheres que tem. E para se ser isto tem de haver instrução e educação. (...)
Pelo seguinte, veja bem. Se você investe... em estradas de ferro e em isto e mais
aquilo e mais aquilo outro, em fábricas de cimento, em fábricas disto e fábricas
daquilo e daquilo outro, você até pode estar a gastar dinheiro, que no momento
parece ser, mas que amanhã tudo isto é obsoleto. (...) A instrução não
acaba”.
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Em 1930, sua família e ela deixaram Campos Altos. Continuou algum tempo na
companhia, em Ribeirão Vermelho, mas em breve entraria para o ramo comercial.
Apesar dos mais de setenta anos distante de Campos Altos, e mais de cinqüênta anos
fora das atividades ferroviárias, Sra. Maria Fontelas, mantém uma memória viva da vida
nos trilhos: “Eu me sinto de Campos Altos, me sinto ferroviária até hoje. (risos) Se eu
passo num trilho eu tenho de ver tudo, analisar os trechos todos.” Assim, a memória
estabelecida por uma comunidade de sentidos permanece mesmo após a dissolução do
grupo social que a criou.
Outro ex-funcionário, Sr. Alcino Sidney de Sousa, que trabalhou na EFOM
durante a década de 1930, foi entrevistado pelo autor em fevereiro de 2002. Aos
dezenove anos, ele inscreveu-se em um concurso de admissão de funcionários realizado
pela EFOM. Aprovado, foi conduzido ao cargo de conferente na Estação de Formiga. O
ofício do conferente consistia, em suas palavras, em:
“Atender o público, fazer despacho e dar licensa aos trens. Era o trabalho, era
esse.(...) Atender, despacho e receber dinheiro do povo. Cobrava os fretes.(...)
339
Sra. Maria Fontelas continuou em seu depoimento: “(...) Mas, ainda outra coisa. Se você é educado, se você é
instruído, você gasta muito menos de saúde, porque você sabe como se deve comportar para ter saúde. Então você
vai gastar muitíssimo menos de saúde. Se você é bem educado, se você é bem instruído, você sabe que a minha
liberdade vai até onde chega a sua, mas não passa da sua. Então você evita conflitos. Então a justiça não precisa
ter tantos gastos.”
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Você tinha que dar informação ao público. Saber fazer um cálculo (...) E a
responsabilidade! E outra: se errasse, você pagava”.
De acordo com o manual Instrucções para os Serviços do Trafego, publicado
pela EFOM, em 1921, o serviço de tráfego seria composto pelas atividades exercidas
em escritórios, estações, transportes, telégrafo, cronometria, iluminação e depósitos. O
conferente, diretamente subordinado ao agente da estação, além das atribuições
lembradas pelo Sr. Alcino, seria responsável pela vigilância dos armazens de
mercadorias, registro do movimento de carros em boletins e deveria zelar pela
“regularidade e boa ordem dos serviços”.
340
.
Seu depoimento contém memórias e impressões ricas sobre o cotidiano do
trabalho e as relações que se desenvolviam no interior da companhia. Confirma a
afirmação de Sra. Maria Fontelas, de que a EFOM não admitia mulheres. Essa restição,
no entanto, não foi encontrada nas Instrucções, de 1921. Mas, seu depoimento permite
evidências que nunca aparecem em documentos oficiais. Um exemplo é a figura do
“padrinho”, ou seja, algum funcionário da companhia com cujo auxílio poderia contar
em relação aos trâmites da seleção de funcionários. Segundo Sr. Alcino, ele teria
passado no concurso graças à ação de um “padrinho”, o Dr. José Lúcio: “Se tivesse
reclamações, ele é quem me protegia, sabe? Tudo que eu queria, falava com o José
Lúcio, acabou.”
Nas Instrucções, as limitações à admissão seriam idade mínima de dezoito anos,
máxima de quarenta e a inexistência de “qualquer defeito physico.”
341
O candidato a
serviço de trafego deveria apresentar à companhia sua certidão de idade, atestados de
conduta, vacina, sanidade e caderneta de reservista do exército. O exame de admissão
consistia em “leitura, calligraphia, composição, analyses logica e grammatical,
340
ESTRADA DE FERRO OESTE DE MINAS. Instrucções para os Serviços do Trafego. Primeira Edição. S.A.
Litho-typographia Flminense: Rio de Janeiro, 1921, p.38.
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arithmetica (operações fundamentaes, fracções ordinarias e decimaes), noções de
chorographia e historia patria.”
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Esta exigência era equivalente aos currículos do
ensino formal da época e impressiona pela amplitude dos conhecimentos exigidos para
um trabalho em serviço de transporte. Isso é evidência que o trabalho ferroviário era
algo especial, como uma missão civilizadora, que exigiria, em seus postos mais distintos
(não-braçais) funcionários de comportamento adequado.
O primeiro local onde o Sr. Alcino trabalhou como agente foi na Estação de
Belo Horizonte, na época do primeiro calçamento do Rio Arrudas, na década de 1930.
Em seu relato, discorreu sobre a realidade ferroviária brasileira, apontando que, apesar
das modificaçõe tecnológicas, não houve ainda o que ele chama de uma “transformação
total” do sistema ferroviário nacional. A única grande mudança consiste na
mecanização de muitos processos de trabalho. Muitas atividades que em sua época de
ferroviário eram feitas à mão, passaram a ser realizadas por máquinas. Isso acarretou a
diminuição da força de trabalho com a dispensa de trabalhadores. Obras que exigiam o
esforço de muitos homens, cortes e movimentos de terra feitos com imensas
dificuldades, com pás e picaretas, deram lugar a colossos de aço que são operadas por
um ou dois operários.
Na memória de Sr. Alcino, os trabalhadores seriam livres, ou seja, soltos à
própria sorte. A alimentação, por exemplo, ficava a cargo de cada um. Não havia
refeitório da companhia. Os empregados normalmente pagavam pensão em alguma casa
de família perto do local de trabalho. Ou então, no caso de trabalhadores braçais, com
menores salários, comia-se da forma que fosse possível: “Cozinhava lá numa
panelinha, lá. Cozinhava um feijão, um arroz e comia aquilo, ali... e metia a faca.”
341
EFOM, Idem. p.5.
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EFOM, Idem. p.6.
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As transferências eram constantes no trabalho na EFOM. Sr. Alcino conta que,
por muito tempo, trabalhou como substituto de funcionários em férias, cobrindo suas
atividades em várias estações. Sua opinião sobre esta mobilidade no emprego é relativa:
“(...) tinha lugar que a gente tava muito satisfeito, saía com pesar, né? Isso é natural.
Tinha lugar que a gente achava bom quando saía.” Esta mobilidade no trabalho indica
a necessidade de uma dedicação integral à companhia.
Neste trabalho, sempre em movimento, Sr. Alcino conheceu muitas localidades
em Minas. Sua memória sobre as estações onde trabalhou guardam impressões pessoais
daquilo considerado mais significante. Em Ribeirão Vermelho havia a oficina de
máquinas e o entroncamento entre bitolas diferentes. Em Lavras, a oficina de carros. Em
Divinópolis econtrava-se a maior oficina da EFOM, onde até mesmo locomotivas eram
construídas. Garças era estação de entroncamento, onde o mesmo trem mudava de
ramal, sem mudar a bitola. Sítio era a estação de baldeação com a Estrada de Ferro
Central do Brasil, onde mercadorias e passageiros tinham trocar de trem. Eram
necessários cerca de quatro vagões de carga da EFOM para encher um da Central, cuja
bitola era de 1,40m. Trabalhou também em Patrocínio, pólo exportador de laticínios,
principalmente queijo e manteiga. Segundo ele, quando chegou nesta estação, encontrou
os armazens lotados de produtos a despachar. Em suas palavras, enalteceu a memória de
orgulho pelo trabalho realizado:
“Eu cheguei lá com os armazéns cheio, a primeira coisa que eu falei: ‘Amanhã
eu boto isso tudo em dia.’ Peguei, tirei um vagão do trem, fui lá e carreguei
tudo de uma vez só. Lotei o vagão. E fui fazendo ali, e nunca mais deixei
acumular. Ah, eu saí de lá, ninguém queria que deixassem eu sair, sabe?”
Sr. Alcino discorreu sobre aspectos do cotidiano que não aparecem em fontes
oficiais, articuladas às relações sociais travadas em torno do trabalho ferroviário.
Questionado acerca de movimentos reivindicatórios e da organização política dos
trabalhadores, disse que certa vez fizeram uma greve, que levou a um aumento salarial
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de 40 centavos. Isso, em sua opinião, seria sinal de ineficácia do movimento. Mas, Sr.
Alcino, enquanto agente e chefe de estação, se posicionava como “anti-grevista”.
Ficava à disposição dos diretores. E revelou que inclusive recebera a função de espionar
a greve, para a direção da empresa. O movimento é lembrado por Sr. Alcino como a
“revolução”. Reside aqui uma associação entre o controle de greves no governo Vargas
e a ideologia anti-comunista, difundida pelo mundo do trabalho em ambientes
industriais. Sr. Alcino é testemunha ativa de táticas patronais de controle do movimento
operário. Infiltrado entre os grevistas, teria o papel de impedir o alastramento do
movimento e informar a direção das intenções dos trabalhadores:
“Eles me mandaram pra estação de Ermida de Campos, perto de Divinópolis.
Porque Divinópolis era o foco da revolução, né? Eles me puseram ali para
controlar o movimento. O movimento era em Ermida, e depois em poucos dias
eles resolveram a revolução. Ah, revolução que fala... era uma paralização em
sinal de protesto, era uma coisa assim.”
Apesar desta situação de informante, imposta pela sua posição na hierarquia da
empresa, Sr. Alcino guarda uma memória saudosista sobre a relação entre os
trabalhadores. Os companheiros são representados de maneira pitoresca, como
animados, brincalhões e farristas: “Antigamente era só maus elemento mesmo, viu?
(risos) E tinha que acompanhar. Brigava, saía. Ibiá era uma coisa medonha, sabe?”
Dos patrões, da mesma forma, sempre foi bem tratado, mesmo em algumas situações
conflituosas.
Certa vez, Sr. Alcino teria cometido um equívoco de cálculo e cobrado a menos
por um despacho. Informado do engano, o usuário não concordou em pagar a diferença,
que foi deduzida do salário de Sr. Alcino. Algum tempo depois, o mesmo cliente foi
receber outra mercadoria, um automóvel. Reconhecendo-o, Sr. Alcino decidiu receber o
débito atrasado:
“(...) o automóvel chegou, eu peguei a folha e olhei, falei: ‘Epa, é hoje!’ Aí, ele
chegou pra tirar, eu falei: ‘Não, o senhor tem que pagar aqui um débito antigo.’
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Ele falou: ‘Mas eu não pago isso.’ Eu falei: ‘Paga, uai! Se não pagar, não sai.’
(risos) Ele falou: ‘Sai, uai.’ Ele saiu e foi no escritório. Foi no escritório,
chegou lá e falou com o chefe.”
O chefe, provavelmente membro da direção da EFOM, ouvindo o cliente,
argumentou que o funcionário estava apenas fazendo o seu dever, de cobrar um débito
antigo, mas, neste caso extraordinário, autorizaria a retirada da mercadoria. Em seguida
telefonou ao agente, Sr. Alcino, que teria respondido: “Não, aqui só sai com o
pagamento.” O diretor insistiu, alegando ser o chefe. Mas, Sr. Alcino, irredutível: “O
senhor é o chefe, então anula. Ficando nulo eu solto agora.” Caso o débito fosse
anulado, Sr. Alcino não seria prejudicado, mas a companhia seria desfalcada. O diretor
teria optado por não interferir, e o usuário teria sido obrigado a pagar pela retirada do
veículo. Vitória de um funcionário alinhado com o setor patronal.
O relacionamento entre os funcionários é caracterizado por Sr. Alcino, em
alguns casos, como relações de "(...) camaradagem muito grande e os empregados
muito unidos.” Enquanto agente da Estação de Belo Horizonte, onde era responsável
pelo serviço de tráfego, mantinha cumplicidade com outros empregados, atendendo
solicitações de trabalhadores, como dispensas por motivos de saúde ou de família. Por
isso foi questionado pelo diretor da EFOM:
Sr. Alcino, o senhor faz essas coisas, o senhor não tem medo, não?
Eu falei:
Medo de que, doutor?
Uai, o senhor autorizou o fulano a ficar 8 dias fora...
Não, eu não tenho medo, não.
Então o senhor faz isso, faz isso?”.
Eu falei:
Faço. Qual é a reclamação que já houve aqui até hoje?”
Sr. Alcino diz que fazia “tudo quanto é arbitrariedade”. O trabalho, de qualquer
forma, não deixava de ser feito, dado inferido da alegada ausência de reclamações. O
inspetor o chamou à atenção, contribuindo para acelerar sua saída da EFOM. Em 1941,
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deixou a ferrovia para trabalhar com comércio, na Casa Irmãos Carvalho Ltda, uma
loja de atacado de cerais, na avenida Santos Dumont, em Belo Horizonte. A decisão de
sair da ferrovia foi do próprio Sr. Alcino. Questionado se ainda mantinha contato com
algum ex-companheiro da ferrovia, disse que:
“Não, hoje não. Acabou tudo. Os companheiros, quase todos já morreram. Você
pergunta por um: ‘Ah, não, já faleceu’. Hoje é... Daquele meu tempo não tem
mais nada”.(...) Acabou. Hoje o caminhão tomou conta. (...) Agora, eu acho
esquisito é o jeito que eles estão fazendo, acabando com tudo.”
Esta constatação confirma o caráter grupal da memória, que requer um
sentimento de pertencimento afetivo decorrente de uma convivência duradoura. Pode-se
afirmar que os indivíduos desaparecem, mas a possibilidade de reconstrução da
memória permanece, pois ela tem o grupo como suporte. Os depoimentos, registrados
pelo autor, são extensos e complexos. A relação ativa, estabelecida entre historiador e
testemunha, desempenha papel fundamental na construção da fonte oral. Não há como
avaliar o equilibrio entre objetividade e subjetividade nesses casos. O depoimento oral
deve ser encarado como um repertório de informações que merece um enfoque
qualitativo. Assim, busca-se alcançar o nível da apropriação e atribuição de significados
do indivíduo, respostas a estímulos, em forma de perguntas, feitos pelo historiador. O
objetivo é tentar enxergar com os olhos dos atores históricos.
Através da fotografia, os olhos dos leitores do presente podem ver,
objetivamente, cenas congeladas que mostram momentos e montagens enquadradas. O
motivo da fotografia, sua função, muitas vezes é definida a priori. A exibição da
máquina e do produto acabado do trabalho, os sinais do progresso, são temas que
marcam a memória fotográfica da ferrovia.
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Figura 26 Locomotivas na rotunda de São João del Rei, 1912
Doze locomotivas em pose para o fotógrafo, três funcionando, soltando tufos de
fumaça. O barulho pode ser imaginado. No centro, o girador da rotunda, instrumento
através do qual, pela força manual, cada locomotiva era colocada em seu lugar. Esta
imagem é mais que um registro informativo. É uma obra de arte, fruto de um processo
de criação. Não se conhece o fotógrafo, que se posicionou na entrada da rotunda,
centralizando o quadro em uma locomotiva. Esta reunião de máquinas, com suas
caldeiras acesas para o fotógrafo, foi realizada para o registro. É uma cena criada para a
memória. Doze locomotivas, dispostas como em um relógio, marcam o tempo do trem.
Locomotivas saindo de túneis e subindo serras, como nas figuras 27 e 28,
representam os resultados dos processos de trabalho e a realização de transformações
concretas na paisagem do sertão. Com elas, encerra-se este capítulo, cujo propósito foi
analisar a memória do trabalho encontrada em fontes diversas. Conclui-se que, com
exceção de alguns artigos e fotografias, e dos depoimentos orais, os operários, suas lutas
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e suas experiências, foram ocultados e, consequentemente, esquecidos ao longo de todo
o período estudado pelos produtores das memórias analisadas.
Figura 27 Locomotiva subindo a Serra do Urubu, 1922
Figura 28 Trem saindo de túnel, 1922
A memória ferroviária brasileira encontra-se em diversos lugares. Em um poema
de 1931, intitulado Segunda Classe, Raul Bopp enxerga o trabalho na opacidade e
obscuridão que as fontes analisadas o representam:
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“Trem Trem trem pela noite adentro
furando a serra
Gente amontoada nos bancos
cochilando roncando
entre malas e trouxas de roupa
Um cego humilde
Corre os beiços numa gaitinha de boca
Acordes se misturam com choros de criança
Tlec Tlec-lec
A locomotiva chia chia chia
Vencendo rampas
Um apito comprido
anuncia qualquer coisa que vai chegar
Estaçãozinha
Entra um passageiro enfiado num poncho
Vultos sonâmbulos
descarregam tambores do vagão de carga
e metem nele cestas inchadas de frutas
As luzes verdes das lanternas se respondem
O trem vai partir
Apita:
Uúu
343
Com esta análise de diferentes sistemas de representação, torna-se possível ligar
diferentes níveis de expressões de comportamentos tão fundamentais e,
simultaneamente, pouco discutidos na memória de uma sociedade. Hoje, estas
representações encontram-se dispersas, desconectas, aparentemente sem vínculos com a
realidade, como obras de fantasia. Apesar desta fugacidade da memória, a produção de
idéias, de representações, está de início profundamente entrelaçada na atividade material
e no intercâmbio material dos homens, linguagem da vida efetiva. Aliás, é através da
matéria que até a mais etérea ilusão pode ser percebida. São esses “vultos sonâmbulos”,
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BOPP, Raul. “Segunda Classe”. In: Seleta em Prosa e Verso. Brasília: Livraria José Olympio, 1975, p.11. Grifo
de PLOL.
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com cujo trabalho a ferrovia foi feita no Brasil, os atores que esta pesquisa buscou
conhecer com mais clareza.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS - Patrimônio histórico e memória ferroviária em
Minas: abandono e preservação
“(...) os documentos não aparecem aqui ou ali, pelo efeito de um qualquer
imperscrutável desígnio dos deuses. A sua presença ou a sua ausência nos
fundos dos arquivos, numa biblioteca (...) dependem de causas humanas que
não escapam de forma alguma à análise, e os problemas postos pela sua
transmissão, longe de serem apenas exercícios de técnicos, tocam, eles próprios,
no mais íntimo da vida do passado, pois o que assim se encontra posto em jogo
é nada menos do que a passagem da recordação através das gerações.”
Marc Bloch, 1941
344
O levantamento de fontes para esta dissertação foi realizado através de um
trabalho de pesquisa de campo nas cidades mineiras de Belo Horizonte, São João del
Rei, Lavras, Ribeirão Vermelho, e no Rio de Janeiro
345
. Foram encontrados documentos
com representações da memória das companhias EFOM e EFG e evidências da História
da ferrovia no oeste de Minas. Neste processo, ao longo de dois anos, foi possível ter
contato com a presente realidade do patrimônio histórico ferroviário nestas cidades.
Conclui-se que a documentação contendo a História e a memória da ferrovia, tanto
estadual quanto nacional, encontra-se dispersa em locais diversos, como arquivos,
bibliotecas, depósitos e centenas de estações, ativas e inativas, espalhadas por milhares
de quilômetros de trilhos monumentos arquitetônicos e arqueológicos. O estado de
conservação deste patrimônio histórico ferroviário varia entre casos de abandono e
alguns exemplos de preservação.
Em Belo Horizonte, existe um relevante acervo arquitetônico e documental da
EFOM, principalmene na Praça da Estação e Rua Sapucaí. O imponente edifício da
RFFSA, na Rua Sapucaí, companhia que encontra-se em estado de liquidação, abriga
também uma biblioteca e um museu ferroviário. O museu está fechado, seu acervo
344
LE GOFF, J. Idem, p.44.
345
O trabalho de campo em Minas Gerais foi realizado com a participação da antropóloga Beatriz de Almeida Matos.
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inacessível. A biblioteca ainda pode ser visitada, mas sua variada coleção de obras está
abandonada, coberta de poeira e desorganizada. Ela foi completamente vasculhada pelo
autor, de onde foi possível extrair documentos raros. Do lado de fora do prédio, uma
locomotiva e um vagão da direção da EFOM restaurados, constituem monumentos da
era do trem.
Em Ribeirão Vermelho, centro-sul de Minas Gerais, encontra-se a maior rotunda
da América Latina, completamente abandonada e degradada. Suas telhas, importadas da
França, seus postes de ferro e as armações de suas portas e janelas são saqueadas
freqüentemente. Os prédios das antigas oficinas também encontram-se em péssimo
estado de conservação, exigindo atenção urgente.
Figura 29 Estação e Rotunda de Ribeirão Vermelho, 2001
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Figura 30 Antigas Oficinas de Ribeirão Vermelho, 2001
Figura 31 Interior da Rotunda de Ribeirão Vermelho, 2001
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Ribeirão Vermelho é uma cidade que nasceu com a companhia EFOM. O
município conta atualmente com pouco mais de 3.000 habitantes. Sua comunidade é
composta po um grande número de ex-ferroviários, seus familiares e descendentes. A
cidade guarda marcas da presença do trem em vários lugares. Trilhos são convertidos
em cercas, bueiros e postes de iluminação. A prefeitura da cidade é ornamentada com
uma âncora, símbolo aparentemente estranho à realidade sertaneja. Mas, Ribeirão
Vermelho era também um porto fluvial, ligando a EFOM ao Rio Grande, até Capetinga,
no Triângulo Mineiro.
Esta comunidade pode ser estudada por antropólogos e historiadores como o
palco de um tempo perdido. A situação de abandono de seu patrimônio arquitetônico
não apaga a memória, apesar de dar ao lugar um caráter sombrio, fantasmagórico.
Ribeirão Vermelho merece um projeto de revitalização física e valorização da memória
ferroviária de seus habitantes
A situação do complexo ferroviário de São João del Rei é diferente, o que
evidencia a possibilidade de ações preventivas e políticas de conservação. Entre São
João del Rei e Tiradentes, existe o único trecho de bitola estreita (76cm) em
funcionamento do país. A viagem é um passeio turístico administrado pela Ferrovia
Centro-Atlântica. Um museu também faz parte do complexo, com um acervo rico em
documentos escritos e visuais. A disposição dos elementos no interior do museu reflete
em grande medida a memória legada pelos ideólogos e diretores da empresa,
reproduzindo seus valores. Uma rotunda, restaurada em 1983, após encontrar-se em pior
estado que a de Ribeirão Vermelho, está atualmente em bom estado de conservação. É
parte do museu, abrigando 17 locomotivas do século XIX que ainda funcionam, alguns
vagões e uma locomotiva partida ao meio, possibolitando ao visitante compreender seu
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funcionamento. A maioria teve seu combustível convertido para o óleo diesel, em lugar
da madeira.
Figura 32 Estação de São João del Rei, 2001
Figura 33 Rotunda de São João del Rei, 2001
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Figura 34 Locomotiva partida ao meio, exposta no interior da rotunda
de São João del Rei, 2001
Figura 35 Interior da rotunda de São João del Rei, 2001
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Figura 36 Interior de oficina no Museu Ferroviário de São João del Rei, 2001
A situação de lugares fundamentais da memória da EFOM Belo Horizonte,
Ribeirão Vermelho e São João del Rei é extremamente contrastante, exigindo ações
diversificadas. A falta de uma efetiva política de preservação e organização do
patrimônio histórico ferroviário compreendendo bens móveis e imóveis torna
qualquer investigação sobre a história da ferrovia extremamente dificultada.
Por um lado, este dissertação se encerra abrindo a perspectiva para a necessidade
de um projeto de levantamento da situação do patrimônio arquitetônico ferroviário em
Minas Gerais, através do registro de imagens e depoimentos ao longo dos mais de 3.000
quilômetros de trilhos desativados no estado. A construção de um guia que oriente o
pesquisador a encontrar fontes para a História ferroviária nos diversos arquivos,
bibliotecas e museus, seria de relevância para a formulação de futuras pesquisas. Além
disso, é possível realizar uma investigação de arqueologia histórica e antropológica, que
capture em comunidades onde a memória ferroviária é ainda marcante como Ribeirão
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Vermelho as formas que vestígios são apropriados culturalmente em uma sociedade
marcada pelo trabalho ferroviário.
Por outro, após analisar a memória de empreendimentos ferroviários entre 1880
e 1930 no oeste de Minas, suas promessas e efetivações, as transformações sociais
acarretadas, conclui-se ser fundamental realizar um diagnóstico das condições do
transporte ferroviário atualmente no estado e no país para que se avalie a viabilidade
e as potencialidades, os custos econômicos e benefícios sociais, da revitalização e
construção de ferrovias.
Um ano antes da inauguração da EFOM, o gênio da literatura brasileira,
Machado de Assis, publicou as Memórias Póstumas de Brás Cubas. Nesta obra, Assis
ironizou um personagem provavelmente comum na época, um visionário do
desenvolvimento da viação férrea. Em um breve comentário, lembrança de seu leito de
morte, Cubas resumiu o caráter de um homem que foi a única companhia em seus
últimos dias:
“O estranho levantou-se e saiu. Era um sujeito que me visitava todos os
dias para falar do câmbio, da colonização e da necessidade de desenvolver a
viação férrea; nada mais interessante para um moribundo. Saiu;”
346
346
ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: W.M. Jackson Inc. Editores, 1959, p.25.
189
189
QUADROS ESTATÍSTICOS
A obra de Mucio Jansen Vaz, Estrada de Ferro Oeste de Minas, Trabalho
histórico-descritivo, organizado pelo Secretario interino da Estrada MUCIO JANSEN
VAZ, por determinação do Director, Engenheiro CAETANO LOPES JUNIOR
(Commemoração do 1
o
. Centenario da Independencia da Patria), publicada em 1922,
foi encontrada na Biblioteca Pública Luís de Bessa, em Belo Horizonte. Este livro
contém um capítulo denominado Quadros Estatísticos, contendo muitas fotografias,
mapas, gráficos e uma listagem cronológica do crescimento das linhas da EFOM,
informando a distância entre as estações, suas altitudes e datas de inauguração. Parte
destes Quadros são reproduzidos aseguir.
190
190
BIBLIOGRAFIA
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ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: W.M. Jackson Inc.
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BENAVIDES, José. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de
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dr. José Maria Corrêa de Sá e Benavides. Rio de Janeiro: Typ. universal de
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BRANDÃO, Julio. Mensagem de 1914. 15-6-1914.
BRITTO, José. Falla que o exm. sr. desembargador José Antonio Alves de Brito dirigio
á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes na 2.a sessão da 25.a
legislatura em o 1.o de agosto de 1885. Ouro Preto, Typ. do Liberal Mineiro,
196
196
1885.
CHAVES, Antônio. Falla que o exm. sr. dr. Antonio Gonçalves Chaves dirigio á
Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes na 2.a sessão da 24.a
legislatura em 2 de agosto de 1883. Ouro Preto, Tipographia do Liberal
Mineiro, 1883.
CHAVES, A. Falla que o exm. sr. dr. Antonio Gonçalves Chaves dirigio á Assemblea
Legislativa Provincial de Minas Geraes na 1.a sessão da 25.a legislatura em 1.o
de agosto de 1884. Ouro Preto, Typ. do Liberal Mineiro, 1884.
FIGUEIREDO, Carlos. Falla que o exm. sr. dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo
dirigio á Assembléa Provincial de Minas Geraes na segunda sessão da vigesima
sexta legislatura em 5 de julho de 1887. Ouro Preto, Typ. de J.F. de Paula
Castro, 1887.
FORTES, Chrispim Jacques Bias. Mensagem de 1897. 15-6-1897.
FORTES, Chrispim Jacque Bias. Mensagem de 1898. 15-6-1898.
GODOY, Joaquim. RELATORIO 1873 - 15 Jan. 1873.
LIMA, Joaquim. Mensagem de 1902.
MELLO, João. Falla que á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes por
occasião da installação dos trabalhos da segunda sessão da vigesima primeira
legislatura, dirigio o illm. e exm. sr. conselheiro João Capistrano Bandeira de
Mello, presidente da mesma provincia, em 17 de agosto de 1877. Ouro Preto:
Typ. de J.F. de Paula Castro, 1877.
MOURA, Raul. Mensagem de 1923. 14-6-1923.
MOURA, Raul. Mensagem de 1924. 14-7-1924.
OTTONI, Teophilo. Falla que o exm. sr. dr. Theophilo Ottoni dirigio á Assembléa
197
197
Provincial de Minas Geraes, ao installar-se a 1.a sessão da 24.a legislatura em o
1.o de agosto de 1882. Ouro Preto, Typ. de Carlos Andrade, 1882.
PENNA, Affonso. Mensagem de 1893.
PENNA, Affonso. Mensagem de 1894. 21-4-1894.
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F.Goyaz”. 23/9/1911. n.94/ano2.
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A Tribuna. São João del Rei. “E.F. Oeste de Minas e Goyaz” 14/3/1920. n.298/ano6.
199
199
ICONOGRAFIA
Figura 1 “Baroneza – 1854”. In: DAVID, Eduardo G. 127 Anos de Ferrovia. Juiz
de Fora: Associação de Engenheiros da E.F. Central do Brasil, 1985,
p.9.
Figura 2 - “A Locomotion, inventada por George Stephenson.” In.: MINISTÉRIO
DOS TRANSPORTES RFFSA. Museu Ferroviário de S. João Del Rey. 1
o
.
Centenário da estrada de Ferro Oeste de Minas. 1881 1981. Rio de Janeiro:
RFFSA, 1981, p. 14.
Figura 3 “Ação da Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas, no valor de
200 mil réis.” In.: GONÇALVES, Telma. Pequeno Histórico da Estrada de
Ferro Oeste de Minas (EFOM). Rio de Janeiro: RFFSA, 1996, p. 13.
Figura 4 - Mapa da Estrada de Ferro Oeste de Minas em 1881. Montagem sobre a
“Planta da E.F. Oeste de Minas Linhas Existentes Em 1903”, In: VAZ,
Mucio J. Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descrtivo,
1922. DOMINGOS, Roni; LIMA, Pablo, 2003.
Figura 5 “A locomotiva no. 1 da oeste de Minas é uma ‘Baldwin’4-4-0,
fabricada em 1880 nos Estados Unidos.” In.: MINISTÉRIO DOS
TRANSPORTES RFFSA. Museu Ferroviário de S. João Del Rey. 1
o
.
Centenário da estrada de Ferro Oeste de Minas. 1881 1981. Rio de Janeiro:
RFFSA, 1981, p. 18.
Figura 6 Trem em movimento sobre trilhos de bitola estreita, entre São João del
Rei e Tiradentes em 2001. Fotografia de Pablo Lima.
Figura 7 Mapa da Estrada de Ferro Oeste de Minas em 1890. Montagem sobre a
“Planta da E.F. Oeste de Minas Linhas Existentes Em 1903”, In: VAZ,
200
200
Mucio J. Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descrtivo,
1922. DOMINGOS, Roni; LIMA, Pablo, 2003.
Figura 8 “Planta da E. de F. Oeste de Minas Linhas Existentes Em 1903”.
“Traçado de Bonjardim”. In.: VAZ, Mucio J. Estrada de Ferro Oeste de
Minas Trabalho Histórico-Descrtivo, 1922.
Figura 9 Ponte sobre o rio são Francisco (Formiga a Patrocinio). In: VAZ,
Mucio J. Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descrtivo,
1922, p.85.
Figura 10 “Estrada de Ferro Oeste de Minas Mappa das Linhas organizado na
secção technica da 4
a
. divisão. 21-12-1922”. In: VAZ, Mucio J. Estrada de
Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descrtivo, 1922.
Figura 11 “Estrada de Ferro de Oéste”. In: O Arauto de Minas, São João del Rei,
18/11/1877.
Figura 12 “A C.E. de Ferro do Oéste de Minas”. In: O Arauto de Minas, São João
del Rei, 09/10/1880.
Figura 13 “Estação de Sítio Ponto Inicial da EFOM e entroncamento com a
Estrada de ferro D. Pedro II”. In: GONÇALVES, Telma. Pequeno
Histórico da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM). Rio de Janeiro:
RFFSA, 1996, p.14.
Figura 14 “Festa inaugural da navegação fluvial no Rio Grande, em 18 de
dezembro de 1880.” In: GONÇALVES, Telma. Pequeno Histórico da
Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM). Rio de Janeiro: RFFSA, 1996,
p.16.
Figura 15 “Componentes da Diretoria da EFOM em 1897. Fotografias e
papelão.” In: GONÇALVES, Telma. Pequeno Histórico da Estrada de Ferro
201
201
Oeste de Minas (EFOM). Rio de Janeiro: RFFSA, 1996, p.18.
Figura 16 “Interior das officinas e rotunda (Ribeirão Vermelho)”. In: VAZ,
Mucio J. Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descrtivo,
1922, p. 117.
Figura 17 “Officinas de ‘Formiga’”. In: VAZ, Mucio J. Estrada de Ferro Oeste de
Minas Trabalho Histórico-Descrtivo, 1922, p.107.
Figura 18 “Officinas de Divinopolis”. In: VAZ, Mucio J. Estrada de Ferro Oeste de
Minas Trabalho Histórico-Descrtivo, 1922, p.115.
Figura 19 “Escola e villa operaria em Divinópolis” In: VAZ, Mucio J. Estrada de
Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descrtivo, 1922, p.96.
Figura 20 “Carro correio e chefe de trem, construido nas officinas de Lavras”.
In: VAZ, Mucio J. Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico
-Descrtivo, 1922, p. 116.
Figura 21 “Um rancho (construcção de Angra dos Reis)”. In: VAZ, Mucio J.
Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descrtivo, 1922,
p.103.
Figura 22 “Passagem da linha ferrea pela Pedra Branca (Angra dos Reis).”
In: VAZ, Mucio J. Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico
-Descrtivo, 1922, p. 105.
Figura 23 “Pontes provisorias do trecho da Goyaz, sendo a 1
a
. de 15m,00 de
altura”. In: VAZ, Mucio J. Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho
Histórico-Descrtivo, 1922, p.84.
Figura 24 “Construção de uma ponte da EFOM ‘Photographia tirada depois da
baixa das águas’”. In: GONÇALVES, Telma. Pequeno Histórico da
Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM). Rio de Janeiro: RFFSA, 1996,
202
202
p.19
Figura 25 Acidente ferroviário próximo a Campos Altos, década de 1950, acervo
de Pablo Lima
Figura 26 – “Vista interna da Rotunda de São João del Rey em janeiro de 1912.”
In: GONÇALVES, Telma. Pequeno Histórico da Estrada de Ferro Oeste de
Minas (EFOM). Rio de Janeiro: RFFSA, 1996, p.22.
Figura 27 “Desenvolvimento da Serra do Urubú” In: VAZ, Mucio J. Estrada de
Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descrtivo, 1922, p.86.
Figura 28 “Tunel proximo á Estação de Augusto Pestana.” In: VAZ, Mucio J.
Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico-Descrtivo, 1922, p.
76.
Figura 29 Complexo ferroviário em Ribeirão Vermelho (rotunda e estação) em
2001. Fotografia de Pablo Lima.
Figura 30 Antiga oficina de Ribeirão Vermelho em 2001. Fotografia da Pablo Lima.
Figura 31 Interior da rotunda de Ribeirão Vermelho em 2001. Fotografia da Pablo
Lima.
Figura 32 Estação de São João del Rei em 2001. Fotografia de Pablo Lima.
Figura 33 Rotunda de São João del Rei em 2001. Fotografia da Pablo Lima.
Figura 34 Locomotiva partida ao meio, exposta na rotunda de São João del Rei
em 2001. Fotografia da Pablo Lima.
Figura 35 Interior da rotunda de São João del Rei em 2001. Fotografia da Pablo
Lima.
Figura 36 Oficina no museu de São João del Rei em 2001. Fotografia da Pablo
Lima.
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