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Ana Paula Mendonça de Resende
A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS TRABALHADORES A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS TRABALHADORES
FABRIS EM SÃO JOÃO DELFABRIS EM SÃO JOÃO DEL--REI:REI:
O caso da Companhia Industrial São Joanense.
1891/1935.
BELO HORIZONTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FAFICH MESTRADO EM HISTÓRIA
JUNHO DE 2003
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Ana Paula Mendonça de Resende
A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS TRABALHADORES A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS TRABALHADORES
FABRIS EM SÃO JOÃO DELFABRIS EM SÃO JOÃO DEL--REI:REI:
O caso da Companhia Industrial São Joanense.
1891/1935.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em História/UFMG para
obtenção do título de Mestre em História.
Aluna: Ana Paula Mendonça de Resende.
Orientadora: Maria Eliza Linhares Borges.
Linha de Pesquisa: História Social da Cultura e do
Trabalho.
BELO HORIZONTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FAFICH MESTRADO EM HISTÓRIA
JUNHO DE 2003
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Ana Paula Mendonça de Resende
A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS TRABALHADORES A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS TRABALHADORES
FABRIS EM SÃO JOÃO DELFABRIS EM SÃO JOÃO DEL--REI:REI:
O caso da Companhia Industrial São Joanense.
1891/1935.
Professora Dra. Betânia Gonçalves Figueiredo Fafich/UFMG
Professora Dra. Júnia Ferreira Furtado Fafich/UFMG
Professora Dra. Maria Eliza Linhares Borges (Orientadora)
BELO HORIZONTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FAFICH MESTRADO EM HISTÓRIA
JUNHO DE 2003
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Resumo:
A presente Dissertação de Mestrado discute a organização social dos operários
da Companhia Industrial São Joanense, na cidade de São João del-Rei, no período
compreendido entre os anos 1891 a 1935. Com o objetivo de ligá-la às experiências
verificadas em outros estabelecimentos fabris já examinados por diversos pesquisadores
em estudos sobre o tema, a Companhia Industrial São Joanense foi analisada enquanto
um lugar da produção. Inicialmente, como empreendimento econômico com raiz na
vida urbana, abordou-se de que maneira, a cidade se articulava e se apresentava na
época da fundação da fábrica, uma vez que contava com novos elementos, entre eles, a
Ferrovia Oeste de Minas e a chegada de imigrantes italianos. Daí, o contexto de uma
sociedade que contava ainda com a mão-de-obra negra, na época recém-saída da
experiência escravista. Em seguida, através da documentação selecionada para a análise,
tais como documentos existentes no acervo da fábrica (registros operários, livros
administrativos), mapas, fotografias, entrevistas e notícias de jornais de época, buscou-
se avaliar alguns aspectos da experiência de trabalho de classe operária são-joanense,
bem como os trabalhos feminino, masculino e o infantil. Com essa análise, discutiu-se a
solidariedade interna às relações de trabalho, principalmente no que se toca às relações
de gênero. As referências às etapas do processo de formação técnica do trabalhador
puderam ser ampliadas quando articuladas a questões como a experiência de moradia
operária e a incorporação da Legislação Trabalhista no cotidiano de trabalho desses
operários.
Abstract:
This mastery dissertation discusses the social organization of the Companhia
Industrial São Joanense workers, in São João del-Rei, from 1891 to 1935. With the
objective of linking to experiences seen in other manufacture establishment already
analyzed by researchers in essays about theme, the Companhia Industrial São Joanense
was analyzed as a place of production. First, as an economic enterprise with great
importance in the toarn life, there was the approach of how was the toarn when the
factory was founded, because it started to count with, new elements as the Ferrovia
Oeste de Minas and the Italian immigrants arrivial. So, the context of a society with
used the negro labour cost, in the epoch newleft of the slavery. Then, through selected
documentation for the analysis, as documents from the factor patrimony (works register,
administrative books), maps, photographs, intervierars and news from the time, was
made a search to evaluate some aspects of the middle class works experiences from São
João del-Rei, as the female, male and child work. With this analysis had been discussed
the intern fellowship of work relationships, mainly in the genre relationship. References
to stage of the as the workers habitation experiences and the work legislation in the
workers work routine.
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Sumário:
ÍNDICE DE TABELAS E GRÁFICOS..........................................................................06
INTRODUÇÃO...............................................................................................................10
I. SÃO JOÃO DEL-REI E A COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE:
RELAÇÕES ENTRE A CIDADE E A CRIAÇÃO DA FÁBRICA...................20
1.1. O perfil urbano de São João del-Rei.............................................................20
1.2. Os impactos da ferrovia e dos imigrantes na vida da cidade........................25
1.4. A constituição da Companhia Industrial São Joanense................................34
II. A ESTRUTURA OCUPACIONAL, A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E A
PERMANÊNCIA NA COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE.........48
2.1. A organização do processo produtivo e a hierarquia de trabalho na
fábrica...........................................................................................................49
2.2. A organização do trabalho na São Joanense 1891 a 1935.........................61
2.3. A permanência no trabalho fabril.................................................................70
III. SÃO JOÃO DEL-REI, A FÀBRICA E A MORADIA
OPERÁRIA.........................................................................................................83
3.1. A cidade vista como um “mercado de trabalho”..........................................85
3.2. São João del-Rei e o Bairro da Fábrica.........................................................93
5
3.3. As residências operárias pertencentes à Companhia Industrial São
Joanense........................................................................................................98
3.4. A moradia e a família..................................................................................103
IV. LEMBRANÇAS DO LABOR OPERÁRIO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
SOBRE O TEMPO DE TRABALHO NA COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO
JOANENSE.......................................................................................................106
4.1. A inserção das leis trabalhistas na fábrica: visões e versões de uma mesma
realidade......................................................................................................107
4.2. A vivência de uma “Cultura Fabril”...........................................................120
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................133
ANEXOS.......................................................................................................................137
FONTES PRIMÁRIAS.................................................................................................142
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................143
6
Índice de Tabelas e Gráficos
TABELAS
TABELA I CATEGORIAS OCUPACIONAIS DAS SEÇÕES DA COMPANHIA
INDUSTRIAL SÃO JOANENSE...................................................................................35
TABELA II PROPORÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DAS OCUPAÇÕES POR SEXO
.........................................................................................................................................39
TABELA III NÚMERO DE OPERÁRIOS ARROLADOS EM UM ANO, DE
ACORDO COM O SEXO...............................................................................................46
TABELA IV NATURALIDADE DOS OPERÁRIOS................................................73
TABELA V LOCALIZAÇÃO DOS TERRENOS DEVOLUTOS CEDIDOS A
ITALIANOS....................................................................................................................76
TABELA VI RUAS COM MAIOR CONCENTRAÇÃO DE OPERÁRIOS..............78
TABELA VII RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE OPERÁRIOS....................84
GRÁFICOS
GRÁFICO I NÚMERO DE OPERÁRIOS DE ACORDO COM O SEXO.................53
GRÁFICO II IDADE DOS OPERÁRIOS NO PERÍODO DE ADMISSÃO AO
TRABALHO NA FÁBRICA.........................................................................................54
GRÁFICO III OBSERVAÇÕES SOBRE OS OPERÁRIOS.......................................57
GRÁFICO IV PERMANÊNCIA AO TRABALHO NA FÁBRICA. .........................59
7
Agradecimentos
Para o desenvolvimento de qualquer trabalho (mesmo quando ele se torna
tão solitário como a elaboração e a escrita de uma Dissertação de Mestrado) muitas
pessoas atingem tamanha importância que sem elas praticamente considera-se que o
trabalho nem poderia ser sido realmente finalizado. O primeiro agradecimento é
destinado a minha orientadora Maria Eliza Linhares Borges, que ministrou, de maneira
profissional, competente e paciente um grande apoio para o desenvolvimento do
trabalho que passou por diversos obstáculos.
Em Belo Horizonte, o meu agradecimento especial à Aline Caldeira e à
Lidiane, que me acolheram no período em que precisei residir na capital. Na UFMG,
agradeço às sugestões e críticas dos professores Eduardo França Paiva e Júnia Ferreira
Furtado apresentadas quando constituíram a banca para o Exame de Qualificação, assim
como à professora Betânia Gonçalves Figueiredo que aceitou, junto com Júnia Ferreira
Furtado, a compor a Banca de Defesa. Aos colegas de curso, Jeaneth, Francisco e
Vanda, o obrigado pelo companheirismo que cresceu com a convivência.
Agradeço a ajuda material fornecida pela CAPES que foi essencial para a
realização dessa pesquisa. À Aline Resende, o reconhecimento da importante
colaboração no manejo das fontes; à Fabiana e à Juliana pela contribuição no momento
dos acertos finais.
Na Companhia Industrial São Joanense, agradeço a dedicação e o
desempenho em me ajudar, encarnada na figura do Sr. Napoleão, o mais antigo
funcionário atuante da fábrica, conhecedor de muitos “casos” ali vivenciados. Ainda, ao
8
José Carlos Dias, diretor da Companhia, por seu interesse, solicitude e presteza em
disponibilizar a documentação existente.
Um agradecimento especial a José Antônio, Maria Ângela, Maria, Bruno,
Sérgio e principalmente ao José, pessoas que, cada uma ao seu modo, souberam
conviver e suportar esse período, seja através da paciência da convivência ou através da
aceitação da ausência. A vocês eu dedico essa Dissertação de Mestrado.
9
Era a minha vida! Eu entrei para a fábrica tão novo e trabalhei tantos
anos que até hoje sonho com a fábrica, eu sonho que estou trabalhando.
Quase todas as noites eu sonho que estou trabalhando, que estou naquela
luta!
(Sr. Chiquinho, ex-mestre de fiação)
10
Introdução
Dona Raimunda Delasávia Jianoni foi admitida na fábrica em 1928, quando
tinha apenas nove anos. Antes de começar a trabalhar, seus pais e irmãos moravam em
Pitangui, quando seu pai, que era carpinteiro, teve que sair da cidade onde residia com a
família e ir para a Serra da Saudade trabalhar. Ele morreu enquanto trabalhava, ainda
jovem, deixando os filhos muito pequenos. A partir desse acontecimento, Dona
Raimunda e todos os seus oito irmãos tiveram que trabalhar para ajudar a mãe que não
tinha condições de sustentá-los.
Viúva e com as crianças para cuidar, a mãe de Dona Raimunda escreve para
um de seus filhos que morava em São João del-Rei, para que ele encontrasse uma
maneira de buscá-los em Pitangui. Uma parte da família, já residia naquela cidade, de
acordo com a seguinte afirmação: (...) onde nós fomos morar com a “nona”, na Rua
Cristóvão Colombo. Pelo relato, dois irmãos mais velhos da operária moravam em São
João del-Rei e já trabalhavam na Companhia Industrial São Joanense e, diante das
circunstâncias, foram os responsáveis pelo pedido de admissão para o restante da
família.
Quando iniciou o seu trabalho na fábrica, a pouca idade de Dona Raimunda
refletia no difícil desempenho do trabalho, fato que já era esperado pelo próprio gerente
da Companhia, o Sr. Antônio Otonni: Essa menina não vai agüentar. Ela é muito
pequena, muito nova. O lugar dela é no Passador.
1
Assim, Dona Raimunda principia
1
Passadeiras: máquinas de passar e alisar fios e tecidos.
11
seu trabalho na fábrica desempenhando uma ocupação auxiliar na única seção que sua
idade permitia, qual seja, no Passador.
A menina sentava em um banquinho do lado de dentro da máquina,
enquanto uma operária mais velha a passadeira sentava do lado de fora. Sua função
seria puxar fio por fio e passá-los para a passadeira, que os enfiaria na agulha. Numa
seqüência rápida, a menina deveria ser muito esperta para dar conta do trabalho a ela
confiado.
O trabalho no Passador exigia muita concentração e entrosamento com as
operárias que participavam da mesma atividade. Por isso mesmo, Dona Raimunda não
consegue se esquecer de duas de suas colegas que eram mais velhas. Segundo a ex-
tecelã, quando não conseguia entregar a linha rapidamente para as companheiras, estas a
beliscavam ou mesmo enfiavam a agulha em seus braços, deixando-a toda machucada.
Mesmo assim, a operária tentava empregar os momentos de folga com o intuito de
aproveitar a sua infância, perdida em meio a tanto trabalho e responsabilidade:
Ô meu Deus, com nove anos o que você quer? Fazer umas artes. Eu saía da
fábrica e ia para a casa. Fazia um lanche e ia brincar de pique na rua da
Matriz e não tinha canseira.
E assim foi do Passador para a Leosona, até completar a idade necessária
para que pudesse, enfim, trabalhar na Tecelagem. Na fábrica passou sua vida, casou-se e
criou os seus doze filhos. Aliás, durante o tempo em que seles eram pequenos, além de
ir até em casa para almoçar, tinha também o direto de ir e ficar cerca de meia hora na
parte da manhã, e meia hora na parte da tarde, para que pudesse amamentar suas
crianças. Os laços de solidariedade eram evidenciados nessas situações: Minhas colegas
12
eram muito boas. É tanto que às vezes eu vinha em casa para amamentar o neném, e a
colega tocava meus teares para mim, relembra.
O trabalho na fábrica representou quase quarenta anos na vida de Dona
Raimunda. Essa mulher, como tantas outras, foi uma das operárias de São João del-Rei
que segundo o Registro de Empregados da Companhia Industrial São Joanense, datado
de 1935, foi admitida na fábrica em 03/10/1928, sendo dispensada em 31/07/1965,
somente após conseguir sua aposentadoria.
2
O relato das experiências de trabalho de Dona Raimunda, nos remete a
questões que podem ser identificadas no estudo da organização social dos trabalhadores
fabris, assim como a alguns aspectos da experiência de trabalho da classe operária no
período compreendido entre fins do século XIX e início do século XX. Exatamente
nesse mesmo período são inaugurados vários estabelecimentos fabris, que se
localizavam tanto em Minas Gerais quanto em outras regiões brasileiras.
Nesse contexto é que se destaca a Companhia Industrial São Joanense,
inaugurada em 1891, e que serviu de objeto de análise para o trabalho que aqui se
desenvolve. A pesquisa visou cobrir o período compreendido entre os anos 1891 a 1935.
O recorte justifica-se por ser 1891 o ano de fundação da fábrica e 1935 um ano
representativo no que diz respeito a um período em que se visualiza a aplicação da
legislação trabalhista nas próprias fábricas.
Considera-se que muitas são as lacunas existentes no estudo daqueles que
foram os atores sociais de uma época que compreende o fim da escravidão até a
incorporação das leis trabalhistas do período getulista. Muitas vezes, a importância
desses trabalhadores enquanto uma problemática foi apresentada apenas quando
2
REGISTRO DE OPERÁRIOS, 1935. Ficha número 128. De acordo com o registro, a idade de admissão
de Dona Raimunda é de 11 anos, e não 09, conforme relatado. Confirma-se o local de nascimento, a
cidade de Pitangui .
13
apontam sua participação em movimentos políticos, ou quando se fazem representar por
um sindicato.
A partir do exame da experiência de industrialização identificada na
Companhia Industrial São Joanense é que se buscou discutir as relações estabelecidas
entre o trabalho e o trabalhador. Para tanto, Dona Raimunda, a ex-tecelã cujo relato
serviu de abertura para a introdução desse trabalho, aponta várias questões que
permitem compreender a sociedade analisada. Entre elas, a utilização da mão-de-obra
feminina e infantil, experiência essa sentida na pele por essa operária, que se evidencia
no momento em que se pode identificar a vivência de laços de solidariedade interna às
relações de trabalho, principalmente no que toca às relações de gênero.
Em seu relato, identificam-se etapas do processo de formação técnica do
trabalhador, principalmente quando a operária menciona sua passagem por diversas
repartições e seções, assinalando um aprendizado da profissão, que se dava no ambiente
fechado da própria fábrica.
Evidencia-se a experiência da imigração, uma vez que a operária é neta de
italianos, e provavelmente, um de seus pais também era imigrante, e a verificação da
existência de uma migração interna de mão-de-obra, prática comum nesse período para
conseguir trabalhadores em cidades vizinhas, principalmente quando a localização da
fábrica não permitia uma oferta de mão-de-obra suficiente. Essa foi uma prática comum
entre as indústrias têxteis da época.
Outras questões não referidas no depoimento de Dona Raimunda foram
discutidas na dissertação. Dentre elas, o uso da mão-de-obra negra, recém saída da
experiência escravista, o emprego da mão-de-obra masculina, assim como a história da
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Companhia enquanto um lugar da produção e como um empreendimento econômico
com raiz na vida da cidade .
Ao depararmo-nos com esse conjunto de questões e a ele dirigirmos nossas
indagações, podemos verificar que a História é um conhecimento que nos fala tanto da
dimensão particular, local, quanto de seus vínculos com outras realidades. A
importância de um estudo desta natureza, reside no fato de que não se pode analisar a
experiência da Companhia Industrial São Joanense como se fosse um caso isolado, mas
integrá-la a outras experiências contemporâneas sobre o processo de industrialização e
sobre a formação da classe operária no Brasil e fora dele.
As memórias de Dona Raimunda, apesar de pontuar questões próprias da
Companhia Industrial São Joanense, servem para ligar esta Companhia a outras
existentes em Minas Gerais, em outros estados do país e até mesmo em outros países.
Pesquisas clássicas desenvolvidas por E. Thompson, Eric J. Hobsbawm e Michelle
Perrot salientam algumas dessas experiências de operários em outros países e
contribuem, dessa maneira, para ampliar o tratamento do tema no que diz respeito à
metodologia utilizada e diante de novas fontes disponíveis.
No Brasil, é notável a contribuição de trabalhos desenvolvidos em outras
áreas de pesquisa, sobretudo das Ciências Sociais. Trabalhos estes influenciados pelas
teorias como as de Pierre Bourdieu e Michael Focault. Como um dos representantes
dessa realidade, destaca-se o estudo de José Sérgio Leite Lopes que, pela abordagem da
documentação utilizada, trouxe grande contribuição à análise que se desenvolveu nessa
pesquisa.
O autor analisa a formação da classe operária fabril em uma indústria têxtil
de Pernambuco a Companhia de Tecidos Paulista que é destacada por ser um
15
modelo de “Fábrica com Vila Operária. Para tal, utilizou fontes orais combinadas a
documentos da fábrica. Da massa documental utilizada, extraiu dados relativos tanto ao
cotidiano da produção quanto a representações que os trabalhadores construíram sobre o
trabalho, as relações intraclasse e de dominação.
Fazer referência à indústria têxtil mineira é, sem dúvida, fazer referência ás
fábricas do Centro e Norte do estado de Minas Gerais, pertencentes à família
Mascarenhas, que foi o objeto da análise para Domingos Giroletti. Interessou-lhe
analisar o processo de transformação do trabalhador autóctone em operário industrial,
tendo como agência de sua formação a fábrica de tecidos. Privilegiou as últimas décadas
do século XIX, mais precisamente os anos de 1870 a 1900, que segundo o autor, era
considerado como um período de escassez de mão-de-obra especializada.
Procurou, em sua obra, entender qual foi a estratégia e quais foram os
procedimentos utilizados pelos empresários para imprimirem nos trabalhadores um
triplo sentido: técnico, disciplinar e ideológico. Na análise desenvolvida, foi abordada a
questão da disciplina na fábrica e também a extensão do poder dos industriais.
Domingos Giroletti, demonstra que os industriais, ao controlarem o trabalho
fabril, acabam por forjar o perfil de um trabalhador diferente, num processo que
ultrapassa os limites da fábrica. Assim, a moradia dos trabalhadores, que pertencia aos
proprietários da indústria, acabava sendo um objeto dessa racionalidade industrial,
juntamente com a própria fábrica.
Esses estudos contribuem para a percepção de que não se pode deixar de
lado a idéia de que o trabalho desempenhado pelos operários apresentava-se como uma
atividade que envolvia um conjunto de significados os quais estavam presentes em
16
todas as esferas da vida desses trabalhadores, dentro e fora da fábrica. Por isso, deve-se
considerar que muitos são os seus desdobramentos.
A estrutura da dissertação busca trabalhar as evidências encontradas,
partindo-se do exame mais geral da cidade de São João del-Rei no momento da criação
da fábrica, até o período de formação da propriedade fabril, objeto de análise do
Capítulo I. A identificação da estrutura ocupacional dos operários, assim como as
estratégias de disciplina e a análise da permanência no trabalho foram questões
discutidas no Capítulo II. O Capítulo III busca estabelecer uma comparação entre o
modelo “Fábrica com Vila Operária”, analisado por José Sérgio Leite Lopes (1989) e
por Domingos Giroletti (1991) com a experiência de moradia operária estabelecida na
Companhia Industrial São Joanense. E, no Capítulo IV, buscou-se analisar o “tempo de
trabalho”, tendo como ponto de partida a introdução da Legislação Trabalhista e as
reflexões de ex-operários sobre a importância desse fato.
Para compreender a organização dos trabalhadores fabris, foram
consideradas as referências empíricas sobre a fábrica e os operários, coletadas no acervo
da Companhia Industrial São Joanense, que foi a primeira fábrica de tecidos criada em
São João del-Rei.
O trabalho desenvolvido contou com a pesquisa em fontes diversas,
selecionadas para o objetivo proposto. A documentação relativa à Companhia Industrial
São Joanense pode ser classificada em dois tipos: um, que tem como prioridade a
constituição e o posterior funcionamento da fábrica, e outro, que trata especificamente
dos seus operários. Ambos foram produzidos, no entanto, pela própria administração da
fábrica.
3
3
Entre esses documentos foram utilizados estatutos, registros de aquisição de imóveis e concessão de
terrenos, Livros de ponto, Fichas de admissão (1927-1932 e 1934), Registros de Operários (1935) e
17
A documentação que faz referência aos operários foi fundamental para o
desenvolvimento da pesquisa e pode ser analisada em momentos distintos. A primeira
documentação examinada está num Livro de Ponto, que abrange o período
compreendido entre 1897 a 1900. Desse registro, pode-se retirar dados como o nome do
operário, o mês, o ano e ainda o total de dias trabalhados. Também, o salário e a
observância de anotações que dizem respeito ao rendimento do trabalho desempenhado
por esse operário.
4
Nesse acervo, existem Fichas de Admissão, que foram organizadas em dois
momentos: de 1927 a 1932 e em 1934. Nelas, podem ser observadas informações como
o nome, data de admissão e nascimento, cidade em que nasceu, nome dos pais, estado
civil, ocupação habitual, salário, endereço, férias e observações sobre os operários. Com
as mesmas características, apresenta-se o Registro de Empregados. Essa fonte foi
organizada no século XX, mais precisamente em 1935, em decorrência das leis sociais e
trabalhistas.
5
Tanto nas Fichas de Admissão, quanto nos Registros de Empregados, existe
referência aos endereços dos trabalhadores, com raras indicações dos números das
casas. Com essas informações, foi possível analisar os deslocamentos efetuados pelos
trabalhadores entre o local de moradia e o de trabalho. Para auxiliar o trabalho de
entrevistas com ex-operários. Alguns documentos registram e confirmam a propriedade de algumas
residências pertencentes à fábrica, tais como contratos de construção e relatório de despesas para
reformas. Ao analisar essas fontes, não se pode deixar de destacar a preocupação da administração em
cuidar de um acervo próprio, que pertence atualmente ao Patrimônio Histórico da Companhia Industrial
São Joanense. Ele foi criado em 1991, ano em que foram realizadas as comemorações do centenário da
fundação da fábrica.
4
Essa fonte cobre os dias trabalhados entre o mês de maio de 1978 até abril de 1900. Nesse intervalo de
tempo, não existe referência aos meses de setembro de 1898 e maio/junho/julho de 1899, todos perdidos
pela má conservação da fonte.
5
As fichas de 1935, ou seja, o Registro de Empregados, informam o nome, a filiação, a nacionalidade,
data e lugar de nascimento, categoria ocupação habitual, salário. Forma de pagamento, data do registro,
da dispensa e da admissão. Informa ainda as férias, o endereço, se sofreu algum acidente de trabalho e as
observações sobre o operário.
18
identificação das residências dentro da cidade, a Prefeitura Municipal de São João del-
Rei disponibilizou um mapa, datado de 1915.
6
Um outro corpo rico em fontes faz parte do Acervo da Companhia Industrial
São Joanense. Na época das comemorações do centenário da fábrica, em 1991, foram
concedidas à Moema Grazziotin Gonçalves (contratada pela fábrica para desempenhar
essa função) diversas entrevistas com ex-operários. Como a utilização desses relatos foi
autorizada pela administração da fábrica, foram selecionados cinco relatos em que os
entrevistados são operários que trabalharam no período coberto pela pesquisa. Esses
relatos abordam o tempo de emprego, a relação entre os colegas de trabalho e a
administração, as mudanças de ocupações durante o tempo de serviço, a família, a
introdução das leis trabalhistas, enfim, dão vida a algumas fichas de operários
consultadas, auxiliando a compreensão do cotidiano desses trabalhadores.
7
Claro que apenas a documentação disponível no Acervo da Companhia
Industrial São Joanense não sustentaria a análise proposta, tornando-se necessário
ampliar esse universo documental. Para tanto, foram coletadas informações na
6
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DEL-REI. Mappa Topográphico de São João d’El Rei,
1915. O Museu Regional da cidade IPHAN, disponibilizou a pesquisa não publicada de Roberto
Maldos, intitulada “Formação Urbana da Cidade de São João Del Rei. Esse trabalho foi um importante
instrumento, uma vez que indica os nomes das ruas existentes desde o início do século XIX, como
também algumas alterações nos nomes de alguns logradouros.
7
As questões geradoras das entrevistas buscavam resgatar a função desempenhada pelo operário e a
descrição dessa função no interior da fábrica. Dentro do processo de produção, interessou saber como era
o funcionamento da seção em que o operário trabalhava, que eram os utensílios de seu trabalho (artesanal,
nacional ou importado), qual era a matéria-prima utilizada e se gostava da função que exercia. Perguntas
sobre a fachada, a importância da ferrovia e transformações tecnológicas também fizeram parte das
entrevistas. Entre os entrevistados, o Sr. Francisco S’antana de Oliveira (Contramestre de Fiação, que
entrou na fábrica com 12 anos, tendo permanecido 47 anos); o Sr. Antônio Tirado Lopes (Contador,
entrou com 16 anos e trabalhou 49); a Sra. Raimunda Delasávia Jianoni (Tecelã, entrou com 11 anos e
trabalhou 37); o Sr. José Francisco de Souza (Sala de Pano, entrou com 20 anos e trabalhou 50) e o Sr.
Alberto Agostini (Carpinteiro, entrou com 23 anos e trabalhou 36). Infelizmente, não se pôde conhecê-los
pessoalmente pois muitos deles já se encontram falecidos. As entrevistas se encontram em fitas cassetes,
armazenadas no Acervo da Companhia Industrial São Joanense.
19
Biblioteca Municipal Baptista Caetano, através da consulta em jornais da época, do
recorte temporal estabelecido na pesquisa.
8
A cidade de São João del-Rei, tão relevante para a província de Minas
Gerais no passado, já foi objeto de estudo de muitos pesquisadores. Por isso mesmo,
para compreender esse espaço dinâmico do século XIX e as condições oferecidas por
essa cidade para que a instalação de uma fábrica fosse possível, buscou-se, na leitura de
trabalhos já desenvolvidos por estes pesquisadores, as principais transformações
ocorridas neste período.
9
8
Entre os jornais consultados, destaca-se A Pátria Mineira, cujo redator chefe era um acionista da
fábrica. Interessante salientar que a cidade de São João del-Rei foi a segunda localidade mineira que teve
imprensa periódica. In: VIEGAS, Augusto. Notícias de São João del-Rei.Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1942. p.74.
9
Entre os trabalhos que serviram de referência para a análise da cidade de São João del-Rei, pode-se
elencar: AGOSTINI, Alzenira da Silva. O impacto da ferrovia na São João Del Rei oitocentista. São João
Del Rei: FUNREI, 1996 (Monografia de final de curso da Pós-Graduação em História de Minas do século
XIX).; CAMPOS, Maria Augusta do Amaral. A Marcha da Civilização: as Vilas Oitocentistas de São
João del-Rei e São José do Rio das Mortes 1810-1844. Belo Horizonte: UFMG, 1998 (Dissertação de
Mestrado).; GIAROLA, Regina Célia Gonçalves. O imigrante italiano em São João del-Rei (1888-1930).
São João del-Rei: FUNREI, 1996 (Monografia de final de curso da Pós-Graduação em História de Minas
do século XIX); GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro.”As flutuações dos preços e as fazendas
escravistas de São João del-Rei no século XIX”. São João del-Rei, 2000; MARTINS, Ângela Magalhães.
“Século XIX: Estrutura ocupacional de São João del-Rei e Campanha” Anais do V Seminário sobre
economia mineira. Diamantina: CEDEPLAR, 1990; PINHEIRO, Maria Margarete Rodrigues. A
transição para o trabalho livre em são João del-Rei: aspectos econômicos, políticos e ideológicos. São
João del-Rei: FUNREI, 1996. (Monografia de final de curso da Pós-Graduação em História de Minas do
século XIX). Cabe ressaltar a importância do Curso de Pós-Graduação em História de Minas Gerais no
século XIX, da UFSJ. Os trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores dessa instituição foram de grande
importância para conhecermos um pouco do passado da cidade. As pesquisas apresentam-se ricas em
análises empíricas, tais como os jornais locais, a documentação do acervo do IPHAN e ainda, das fontes
administrativas da cidade de São João del-Rei.
20
CAPÍTULO I
São João del-Rei e a Companhia Industrial São Joanense:
relações entre a cidade e a criação da fábrica
1.1 O perfil urbano de São João del-Rei nos anos oitocentos
Nas Minas Gerais do século XIX, é incontestável a importância de São João
del-Rei, sede da Comarca do Rio das Mortes, em meio a diversos outros núcleos
urbanos também importantes para a província. Em fins da década de 1830, essa Vila
contava com seis distritos: Carrancas, Nossa Senhora da Piedade do Rio Grande, São
Francisco do Onça, São Miguel do Cajuru, Madre de Deus de Minas e Bom Jardim,
além do território da Vila.
10
Tornou-se cidade em 1838. Na primeira metade do século XIX, manteve
uma participação direta no comércio com a Corte e, ainda, funcionou como sede do
centro das exportações mineiras na região do Rio das Mortes, drenando a maior parte
das exportações de subsistência para o Rio de Janeiro. Nesse período, o comércio foi o
seu ponto forte, e as atividades a ele relacionadas podiam representar muito mais que
10
MARTINS, Ângela Magalhães. “Século XIX: Estrutura Ocupacional de São João del-Rei e
Campanha”. Anais do V Seminário Sobre Economia Mineira. Diamantina: CEDEPLAR, 1990. p. 37. A
elevação do arraial de São João em Vila se deu em 08 de dezembro de 1713. “O Arraial, dito de Nossa
Senhora do Pilar do Rio das Mortes, também conhecido como Arraial Novo, teve seu inicio com a
descoberta das jazidas auríferas, onde hoje é conhecido como Alto das Mercês, por volta de 1704
(MALDOS, 1997, p. 4)”.
21
um espaço de luta pela sobrevivência. Constituíam, na realidade, o centro da vida social
dos moradores de São João del-Rei.
As vendas e as casas de negócio de São João del-Rei continuaram a ser, no
século XIX assim como nos setecentos, o espaço procurado não apenas para a aquisição
de produtos necessários para a sobrevivência, mas também para lazer. Como um
entreposto comercial, a vila centralizava o fluxo das mercadorias de diferentes regiões.
Privilegiada por diferentes canais de escoamento, tais como a Estrada do Comércio, a
Estrada da Polícia e o Caminho Novo, responsabilizava-se pela redistribuição dos
produtos trazidos do Rio de Janeiro.
11
A Vila mantinha uma posição facilitada, uma vez que se situava,
“(...) em soberbo vale da Bacia do Rio das Mortes, por onde os acidentes do
terreno, desde as margens do Rio Grande até a Mantiqueira nas proximidades
da Borda, como assinalaram natural estrada entre grande parte de São Paulo e
vasta região do Sudoeste de Minas até o Rio de Janeiro, alcançando o
‘caminho novo’”.
12
Os viajantes que passaram por São João del-Rei ficavam vislumbrados
com o aspecto dinâmico do local. As características dessa “cidade comercial” tinham
sido destacadas por Spix e Martius que, ao visitá-la, não puderam deixar de enfatizar a
presença das “lojas fornecidas de todos os artigos de luxo e do comércio europeu”.
13
Tratava-se, portanto, de uma localidade caracterizada pela intensa comercialização.
Contava com muitas casas de diversos gêneros do país e também de secos e molhados
de grande importância.
11
RESENDE, Edna Maria. Os Homens Livres Urbanos e a construção da norma jurídica - São João del-
Rei, 1840-1860. São João del-Rei/FUNREI, 1996 (Monografia de final de curso da pós-graduação Lato
Sensu em História de Minas do Século XIX). p. 13. LENHARO, Alcir. As tropas da Moderação - O
abastecimento da Corte na formação do Brasil (1808-1842). São Paulo: Símbolo, 1987.
12
VIEGAS, Augusto. Noticias de São João del-Rei. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1942.
13
SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil. 1817-1820. Belo Horizonte Itatiaia, 1981. V.1
22
Conforme Augusto Viegas,
“(...) trinta carros de bois e outros tantos de burros, em média (...) pousavam
diariamente no Tijuco, no Largo Tamandaré, na Prainha e ao longo da Praia
(...), fazendo seu comércio em casas atacadistas de primeira ordem”.
14
Aliás, a existência e utilização desses carros de bois configurando-se como
presença marcante na cidade em todo o século XIX representava, na época, o dinâmico
trânsito de mercadorias:
“Os que chegavam a tão próspero lugar eram surpreendidos pela ostensiva
sonoridade causada pelo movimento dos carros, que funcionavam,
propositalmente, sem qualquer lubrificação”.
15
Na sociedade são-joanense é difícil separar e definir o que seria o urbano e o
que seria o rural, uma vez que essas definições se perdem na realidade analisada, em
que se verifica a existência de uma migração intensa e também o fato de que o tecido
urbano se alastra em direção ao campo, preservando, quando muito “ilhas de
ruralidade”.
16
O “tradicional” muitas vezes se articula com o “moderno”, e a cidade se
desenvolve de uma maneira desigual.
17
Essa parece ser a conjuntura vivenciada durante
o crescimento da Vila, que conviveu com essas características durante todo o século
XIX. No início dos oitocentos, quando sua condição ainda era de Vila, São João del-Rei
apresentava uma malha urbana definida e era considerada uma das principais vilas da
14
VIEGAS, 1942. p.110.
15
HORTA, Regina. “Os sinos, os carros de bois e a locomotiva em São João del-Rei notas sobre a vida
cotidiana em fins do século XIX”. Varia Historia, n. 17, mar/97, p.75.
16
AMARAL, Rita de Cássia. Povo de Santo, Povo de Festa Estudo antropológico sobre o estilo de vida
dos adeptos do candomblé paulista. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de
Antropologia da Universidade de São Paulo, 1992.
17
AMARAL, Rita de Cássia. 1992. p. 31-35.
23
província mineira. O aspecto dinâmico dos seus arruamentos é destacado a partir de
permanentes interferências da administração camarista, que aos poucos ia
transformando seus traçados. Apesar do constante interesse do poder na organização do
espaço urbano, este acabou seguindo rumos próprios, contando com as vontades e
necessidades dos próprios moradores.
18
A primeira metade do século XIX caracterizou-se por uma época em que
vigoravam obras como o conserto de ruas, pontes, criação de novos chafarizes e
edificações públicas. A Câmara Municipal era a condutora das obras, mas contava com
o apoio de empréstimos e donativos de particulares. Mesmo assim, considerava-se que a
Vila estava mal aparelhada para abarcar a dinâmica atividade comercial que a
caracterizou nesse período.
19
Quando se pensa no apoio da população à construção de
obras públicas, sintomaticamente pondera-se que a arrecadação do município poderia
ser insuficiente e que o dinamismo de seu comércio poderia ser bem menor do que se
pensava, uma vez que essa iniciativa de capitais particulares acabava por indicar que a
Câmara não possuía recursos suficientes.
Na parte central da Vila, residiam pessoas em caráter definitivo, ou seja, que
tinham residências próprias, que moravam com a família e possuíam uma atividade
profissional definida, além de participarem da vida social e política da comunidade. Já
nas áreas mais afastadas desse eixo central, moravam as pessoas que se fixavam
provisoriamente e que exerciam atividades temporárias. Entre elas, atividades
18
CAMPOS, Maria Augusta do Amaral. A Marcha da Civilização as Vilas Oitocentistas de São João
del-Rei e São José do Rio das Mortes 1840-1844. Belo Horizonte UFMG, 1998. (Dissertação de
Mestrado). p. 94
19
CAMPOS, 1998 p. 100-103 e 117.
24
artesanais, como alfaiates, funileiros, caldeireiros, torneleiros, charuteiros, seleiros,
sapateiros, mineiros, chapeleiros, relojoeiros, ourives, peões, jornaleiros, soldados.
20
A dinâmica atividade comercial atribuída a São João del-Rei pode ser
verificada, também, pela expressiva posse de escravos, mão-de-obra essa que era vista
como importante peça para o funcionamento das fazendas escravistas de alimentos da
região. Na soma dos valores declarados em inventários post-mortem dos moradores da
cidade e o número relevante desses trabalhadores, também aparece como indicador da
prosperidade regional.
21
Graça Filho observa que, no decorrer da segunda metade do século XIX,
pode-se identificar uma crise econômica na década de 1860, mas que não representou
uma decadência generalizada. E que os relatos locais apontam para uma decadência do
centro da cidade em 1886, ressentindo-se da falta de numerário. Já em 1888, sete meses
após a abolição da escravidão, o jornal “A Verdade Política” ressalta que muitos ex-
escravos se mantêm no trabalho da lavoura contratados por seus antigos senhores.
O que se notou foi uma pequena diminuição no serviço, mas que ativou o
movimento migratório suprindo pelo número de operários a quantidade de
produção”.
22
De acordo com o autor, os últimos anos do século XIX foram de grande
expectativa para as atividades econômicas do município. O capital acumulado pelo
20
CAMPOS, 1998. p. 93. Sobre as atividades artesanais citadas, ver RESENDE, 1996. p. 10
21
Sobre a economia oitocentista de São João del-Rei e da Região do Rio das Mortes no século XIX,
pode-se destacar o estudo de GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. “As flutuações dos preços e as
fazendas escravistas de São João del-Rei no século XIX”. São João Del-Rei, 2000. Este artigo condensa
partes de sua Tese de Doutorado A Princesa do Oeste Elite Mercantil e Economia de Subsistência em
São João Del Rei (1830-1888). Rio de Janeiro: UFRJ, 1998. Ao descartar a tese da decadência econômica
nessa região, a prosperidade regional é apresentada na análise das conjunturas e flutuações econômicas
vivenciadas nesse espaço.
22
GRAÇA FILHO, 2000.
25
comércio são-joanense nesse período possibilitou o surto de investimentos vivenciado
pela cidade na época do Encilhamento (1890-1891).
23
“(...) fatores importantes incidiram no fluxo dos preços, como a melhoria nos
transportes, o que permitiu a manutenção do nível dos preços dos produtos
importados sempre abaixo dos produtos locais, visível desde 1870. Mas este
momento se caracterizou pela perda da vitalidade da economia sanjoanense.”
Os produtos importados que já faziam parte do cotidiano da sociedade são-
joanense começam a custar menos que os produtos locais. O comércio local começa a
atravessar uma fase delicada caracterizada pela facilidade de importação de produtos,
que cresce juntamente com o progresso vivenciado na cidade nos transportes.
24
A melhoria nos transportes deveu-se, em grande parte, à inauguração da
Estrada de Ferro Oeste de Minas, iniciada em fins de 1878. Em 28 de agosto de 1881,
fora concluída a estação da cidade com o trecho que vai de Sítio a São João. Foi no
último quartel do século XIX, quando os trilhos de estradas de ferro se estendiam em
outras direções dentro de Minas Gerais, que o anseio de progresso agitou mais
fortemente a cidade.
25
1.2 Os impactos da ferrovia e dos imigrantes na vida da cidade
23
GRAÇA FILHO, 2000. p. 25. Considera-se aqui, de acordo com a definição de OLIVEIRA, que
Encilhamento é o nome dado ao período de intensa especulação na Bolsa de Valores, que começou na
cidade do Rio de Janeiro nos últimos dias do Império, se estendeu a outros estados e começou a perder
fôlego na primeira metade de 1891”. In: OLIVEIRA, Maria Teresa Ribeiro de. “Encilhamento:
controvérsia e efeitos sobre a indústria têxtil mineira”. Anais do VIII Seminário Sobre Economia Mineira.
Diamantina: CEDEPLAR, 1995. p. 379.
24
Para Graça Filho, a situação econômica da sociedade colonial mineira, especialmente São João del-Rei,
era favorável na primeira metade do século XIX. A decadência econômica só veio a parir do início do
século XX..
25
VIEGAS, 1942, p. 118.
26
Devido a importância de São João del-Rei como entreposto comercial, fez-
se necessário o estabelecimento da ligação entre os centros de produção e consumo.
Esse empreendimento envolveu esforços e capitais oficiais e privados como garantias
públicas e a formação de uma sociedade anônima. Dessa forma, a implantação da
estrada de ferro foi promovida com o apoio de importantes casas comerciais,
fazendeiros e subscrições abertas à população.
26
A chegada dos trilhos da via férrea em São João del-Rei também modificou
os tipos de mercadorias que eram remetidas à cidade. Famílias que já haviam se
enriquecido no período em que a cidade era importante “Praça Comercial”, poderiam
agora, com a inauguração da ferrovia, contarem com a disponibilidade de produtos
necessários aos novos hábitos de consumo.
“Há um desejo de refinamento cultural, intelectual, de hábitos, de costumes,
que fariam desse centro urbano um local diferenciado do espaço rural, em
que as pessoas podiam ter posses, mas não civilização”.
27
A idéia de progresso foi absorvida pela sociedade são-joanense, levada a
participar economicamente da construção da estrada, por meio da compra de ações. À
essa elite interessava o investimento, uma vez que seria ela uma das grandes favorecidas
pelas vantagens oferecidas pela estrada.
28
Da necessidade do crescimento do comércio, da agricultura, bem como do
escoamento de produtos, surge a idéia da implantação e criação da estrada de ferro em
São João del-Rei. Com a intenção de solucionar os entraves da economia regional, seu
26
AGOSTINI, Alzenira da Silva. O impacto da ferrovia na São João del-Rei oitocentista. São João del-
Rei: FUNREI, 1996 (Monografia de final de curso da Pós-graduação Lato Sensu em História de Minas do
Século XIX).P. 7.
27
HORTA, Regina, 1997. p. 77.
28
AGOSTINI, 1996, p.16.
27
impacto sobre uma região caracterizada pelas tropas de burros foi evidente, apesar da
verificação da ampla utilização dos carros de bois ainda em fins do século XIX.
29
A implantação da ferrovia surge como algo transformador, principalmente
em uma cidade onde “o antigo e o novo se amalgamavam harmoniosamente em
discursos que ressaltavam o progresso material e cultural da cidade, reforçando uma
valorização dos signos de civilização”.
30
Com a ferrovia, tudo chegava mais rápido e muitas mudanças se operavam
como: a valorização das terras próximas, o escoamento ágil da produção, o dinamismo
no comércio, o surgimento de roupas próprias para a viagem nos guarda-roupas e a
facilidade de transportes e de transportar-se. Também houve a chegada de numerosos
operários na região, gerando um aumento demográfico pelo menos temporário, que
acaba modificando o comportamento social e cultural no seio das famílias locais.
De acordo com o jornal O Arauto de Minas, depois da chegada da
ferrovia, a população tornou-se mais íntima das máquinas de costura, das sociedades
lotéricas, dos torradores de café, dos aparelhos de gás, dos dicionários da língua
portuguesa, das drogas para curar doenças venéreas, das lojas de relojoarias, das
bijuterias e das fotografias.
31
Intensificou-se como um grande empório comercial que exigia uma nova
infra-estrutura com escritórios de advocacia, restaurantes, colégios, companhias de
seguro, mobiliários, cirurgiões-dentistas, oficinas de alfaiatarias e, principalmente,
profissionais liberais.
32
29
AGOSTINI, 1996, p.7.
30
HORTA, 1997.p.74.
31
Jornal O Arauto de Minas, 05/03/1881.
32
AGOSTINI, 1996, p. 12.
28
A partir de 1888, novos personagens os italianos entraram em cena na
cidade, apesar de nela se estabelecerem por um curto período inicial e logo depois
retornarem à urbe são-joanense. Vieram de Bologna e Ferrara 61(sessenta e uma)
famílias, num total de 172(cento e setenta e duas) pessoas, que seriam fixadas nas
vizinhanças da cidade. Em 1888, foram iniciados os trabalhos para a construção de
casas para acomodá-los. Devido à reduzida obtenção de recursos, foram adotadas
soluções improvisadas para o alojamento dessa mão-de-obra. Decidiu-se pela
construção de galpões e uma instalação no Largo do Carmo, logo denominada
Hospedaria de Imigrantes.
33
Na hospedaria trabalhavam dois cozinheiros italianos e,
entre as refeições que eram servidas, os imigrantes tinham o café da manhã às oito
horas, o almoço às onze horas e o jantar às dezessete horas.
34
As inúmeras justificativas apresentadas pelos próprios colonos sobre os
problemas ocorridos na Hospedaria de Imigrantes, as reclamações quanto à situação do
núcleo colonial que demorava a estar disponível a essas famílias italianas e as
reportagens sobre mendicância de estrangeiros indicam que a realidade enfrentada pelos
imigrantes quando chegaram ao Brasil foi extremamente penosa.
Apesar desses problemas iniciais, a Colônia de São João del-Rei merece
destaque por sua importância e seu pioneirismo, sendo uma das maiores colônias de
origem italiana que existiu em Minas Gerais. Alguns imigrantes foram contratados por
fazendeiros locais e os demais partiram para as terras destinadas ao Núcleo Colonial de
São João del-Rei, que se dividiam em pequenas colônias, logo batizadas de “José
Theodoro”, “Recondendo”, “Giarola”, “Bengo”, “Felizardo”. Quando chegavam nessas
33
GIAROLA, Regina Célia Gonçalves. O Imigrante Italiano em São João Del Rei (1888-1930). São João
Del Rei: FUNREI, 1996. (Monografia de final de curso da pós-graduação Lato Sensu em Historia de
Minas do século XIX). p. 12
34
OLIVEIRA, Jorge Silva de. A imigração italiana e a família Carazza em São João del-Rei. Governador
Valadares: Gráfica Valadares, 2000.p.65.
29
colônias, os imigrantes recebiam um lote de terra. Durante cerca de um ano e meio,
esses estrangeiros recebiam alimentos, instrumentos agrícolas e acomodações
improvisadas até que construíssem suas casas.
35
“Até que suas terras se tornassem produtivas e a partir daí
pudessem cuidar do seu próprio sustento, os colonos maiores de 12 anos
tinham direito à seguinte ração diária”:
450 gramas de carne verde;
40 gramas de toucinho;
2 decilitros de arroz;
5 decilitros de fubá; 35 gramas de café;
80 gramas de açúcar branco;
200 gramas de pão.
Para as crianças entre 3 e 12 anos era fornecida meia ração
diária. Para menores de 2 anos era fornecido leite.
As refeições eram servidas nos seguintes horários:
6 às 6:30 horas = café da manhã = café, açúcar e pão.
9:30 horas = almoço = carne, arroz, feijão e polenta.
4:30 horas = jantar = carne, arroz, feijão e polenta.
Drogas e medicamentos eram adquiridos pelo Governo,
através de concorrência pública e distribuídos pela enfermaria do núcleo”.
36
Esperava-se que, com a doação dos lotes, os italianos pudessem suprir as
demandas da agricultura local. As terras compradas para esse fim situavam-se à margem
do Rio das Mortes e foram descritas pelas autoridades da época como próprias para o
cultivo da pequena lavoura, vinha, trigo, fumo e cereais. Ambicionava-se que essa
produção se destinasse ao consumo do município e localidades próximas.
Na realidade, a participação dos italianos nas atividades agrícolas ficou
muito aquém das expectativas das autoridades são-joanenses. Era comum entre os
35
GIAROLA, 1996. p.14
36
OLIVEIRA, 2000. p.64.
30
italianos a prática de outras atividades paralelas, como fabricação de tijolos e telhas,
venda de lenha, cal, carvão, garimpo e o beneficiamento de produtos como moinhos de
fubá. Tudo leva a crer que um dos fatores da dispersão desses colonos foi sua não
vocação agrícola. Tanto que muitos passaram a se dedicar a ofícios que provavelmente
já exerciam na Itália. Em 1889, o diretor do Núcleo Colonial de São João del-Rei
afirmou para a Gazeta Mineira que se retiraram do núcleo 75 italianos,
aproximadamente 20 famílias, alguns dos quais não eram agricultores e tampouco
pretendiam arar o solo. Diziam-se artistas e “não podiam tirar proveito da lavoura”.
37
Esse fenômeno acaba por não atingir apenas a colônia de São João del-Rei.
Em São Paulo, o historiador Sérgio Buarque de Holanda observa a inadequação dos
imigrantes europeus aos projetos de imigração brasileira que aprovou a vinda de
estrangeiros com o objetivo de suprir a demanda de trabalho inicial. No entanto, as
constantes fugas de imigrantes para as áreas urbanas, bem como o prévio conhecimento
que os mesmos tinham de ofícios urbanos como barbeiros, sapateiros, moleiros,
alfaiates, entre outros, indicam que os mesmos eram indivíduos que já viviam em áreas
urbanas em seus países de origem.
38
No caso específico de São João del-Rei, as soluções para os problemas
foram buscadas em conjunto. Formaram, em 25/10/1891, a Sociedade Italiana do Mútuo
Socorro Fligi del Lavoro (Filhos do Trabalho). A sede foi construída nas cercanias da
fábrica de tecidos São Joanense. A Fligi del Lavoro, era uma sociedade benemérita, sem
fins lucrativos, e destinava-se a prestar assistência aos italianos radicados na cidade. Os
recursos eram obtidos através do pagamento de mensalidades dos associados e com a
37
OLIVEIRA, 2000. p.67.
38
GIAROLA, 1996. p. 32. Sobre a experiência nas colônias de parceria em São Paulo, ver MOURA,
Denise. Sergio Buarque de Holanda e seus mundos desvelados.p.05.
31
realização de encontros sociais tais como leilões, corridas, campeonatos de tiro ao alvo
e bailes.
39
A história da presença italiana se entrelaça com a de outros elementos que
também compunham a sociedade são-joanense do mesmo período. O retrato das
transformações ocorridas no decorrer do século XIX, em São João del-Rei aponta para
um espaço que contava com inúmeros elementos novos que facilitariam a mão-de-obra
necessária à montagem de um estabelecimento fabril. Além do espaço, o momento
também era adequado, uma vez que contava com uma grande quantidade de mão-de-
obra disponível desde o início do século. De acordo com Libby,
“(...) acreditamos que, com relação à Província de Minas, se acrescentaria
mais um fator de estímulo à indústria fabril, ou seja, a relativa
disponibilidade de mão-de-obra livre”.
40
Em Minas Gerais, os homens livres constituíram uma parcela significativa
da sociedade. Acreditava-se que esse contingente de homens livres e pobres que
residiam em São João del-Rei poderia tornar-se, mais tarde, na provável mão-de-obra
aliciável ao trabalho na fábrica.
O fim do regime escravista no Brasil liberou um outro contingente de
trabalhadores. Assim, a grande quantidade de livres, pobres e forros, aliados àqueles que
obtiveram sua liberdade com a abolição e, ainda, o número significativo de imigrantes
italianos vivendo na urbe tornaram-se um motivo de preocupação para a população são-
joanense que não hesitou em publicar um texto num jornal republicano da época, em
1890, dizendo:
39
OLIVEIRA, 2000. p. 56.
40
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no
século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.p.226
32
“Trabalho obrigatório
A intendência desta cidade com o muito louvável empenho de
providenciar a respeito, acaba de se dirigir ao Dr. Chefe de polícia,
consultando quaes (sic) os meios que podem ser empregados para coagir ao
trabalho aos indivíduos desocupados.
Esses meios constam dos antigos códigos, criminal e de
processo, e consistem nas advertências que devem fazer os inspetores de
quarteirão, nos termos de bem viver a que são sujeitos os vadios, perante as
autoridades policiaes (sic), e na imposição das penas comminadas nos casos
de infração dos mencionados termos.
Seria conveniente simplificar e tornar mais expedito o processo
para a imposição de taes (sic) termos, de maneira, porém que não fiquem
expostos ao arbítrio de autoridades injustas ou caprichosas aos direitos
individuais.
Outros meios que, além desses, podem ser empregados são os
indirectos.
Consistem nos conselhos e esforços dos bons cidadãos, na
repressão da mendicidade, no estabelecimento de fábricas em que todos
possam obter um emprego relativo às suas forças e propensões, na
liberdade e folga que devem encontrar a sociedade aqueles que ganham pelo
trabalho.
Um lei obrigatória é sonho de muita gente.
Essa lei, porém sempre existiu - É A LEI DA NECESSIDADE.
Quando não existe a necessidade, desenganem-se, nem a
própria lei do captiveiro (sic) é capaz de vencer a natural indolência de muita
gente”.
41
A cidade crescia, e com isso a população local precisaria determinar em que
instâncias e espaços encontrariam a sua “identidade” perdida em meio a tantas
inovações. O número de pessoas sem ocupação estava descaracterizando a cidade, e a
população encontrou um meio de denunciar e oferecer alternativas de providências. As
autoridades precisavam tomar uma atitude, mas a sugestão da criação de fábricas como
41
Jornal A Pátria Mineira. São João Del Rei, 03/04/1890, n.47, p. 3. Grifos meus.
33
um meio eficaz para um total aliciamento dessa mão-de-obra que estava sobrando nas
ruas de São João del-Rei, incitava investimentos de particulares.
A criação da fábrica e seu posterior funcionamento merecem relevância no
momento em que se compreende que seu desenvolvimento foi responsável pelo
crescimento de uma área periférica em São João del-Rei que vai, com o passar dos anos,
adquirindo importância principalmente no que se refere ao desenvolvimento industrial
do local.
Assim, como a Companhia Industrial São Joanense, outros
estabelecimentos fabris iam ganhando espaço na cidade. Os jornais apontavam, nas
primeiras décadas do século XX, para um mercado competitivo que investia em
propaganda e que atendeu aos novos apelos da população. Fábricas de cigarros,
laticínios, gelo, fogos de artifício, manilhas, massas alimentícias e cervejarias
disputavam nesses jornais o lugar de destaque para que o público pudesse ser atingido.
42
E esse dinamismo não se passava apenas pelos estabelecimentos fabris. A
sociedade são-joanense contava ainda com um grande número de hotéis que além de
oferecerem quartos, serviam almoços diariamente. Contava ainda com tipografias,
ateliês de fotografias, além de seus moradores poderem comprar na própria cidade,
bilhetes da Loteria da Capital Federal. Nesses mesmos jornais, vários eram os anúncios
de casas comerciais com sede no Rio de Janeiro indicando a possibilidade de trânsito de
são-joanenses na capital federal.
A vida social porém, não era menos repleta de eventos. Os jornais
indicavam os horários dos trens, que já possibilitavam aos moradores da cidade viagens
mais rápidas. Quando alguém importante da cidade viajava, esse fato logo era publicado
42
Os jornais consultados foram: A Opinião (1908/1909/1911/1912); Reforma (1913); São João Del Rei
(1899).
34
em colunas como Hóspedes e Viajantes, que anunciavam também a chegada de
visitantes ilustres.
O programa cultural mais divulgado era, sem dúvida, o Teatro. Além de
peças teatrais muito esperadas, grupos de teatro como “Oeste de Minas”, “Afonso de
Oliveira”, “Ismênia dos Santos” e “Soares de Medeiros” alegravam as noites são-
joanenses no Teatro Municipal. Não só peças teatrais, como também exibições de fitas
cinematográficas, apresentadas tanto no “Teatro Municipal” quanto no “Cinema
Avenida”. Sobre os eventos ocorridos no Teatro Municipal, local que exibia essas fitas
às quintas-feiras e ainda em dois horários aos domingos, foram várias as reclamações de
balbúrdia no recinto, onde o público reclamava também da ausência de autoridades
policiais no estabelecimento.
43
Na cidade, também eram oferecidos vários tipos de tratamentos contra
doenças que traziam mal-estar e que muitas vezes levavam à morte. O depoimento de
pessoas que diziam ter sido curadas era uma estratégia amplamente utilizada para atrair
consumidores. Nos anúncios dos jornais, cresceu o número de médicos, operadores,
parteiros (o homem aqui representando uma ocupação que até então era basicamente
desempenhada por mulheres), cirurgiões-dentistas e serviços de Raio X.
E, entre as transformações ocorridas em São João del-Rei em finais do
século XIX, como a chegada dos imigrantes e a Ferrovia; a fundação da Companhia
Industrial São Joanense destaca-se em meio a esse impulso modernizador vivenciado
pela cidade e por seus moradores.
1.3 A constituição da Companhia Industrial São Joanense
43
Jornal A Opinião . 05/05/1909.
35
A construção da Companhia Industrial São Joanense apresentou-se com
características parecidas com as de outras fábricas do território de Minas Gerais. O caso
mineiro aparece no contexto de industrialização como um exemplo da “descentralização
da atividade industrial”, com um caráter de dispersão espacial em que predominavam:
“Pequenos estabelecimentos fabris, o que levaria Minas Gerais a possuir o
maior número de empresas, em relação ao resto do país, no caso de alguns
ramos como o têxtil”.
44
É interessante destacar que não existe um consenso entre os historiadores
econômicos sobre o que deve ser considerado como data de fundação de uma fábrica. A
dúvida reside se foi no dia em que decidiram a sua construção, ou aquele em que os
recursos necessários passaram a estar disponíveis, ou ainda, a data em que a fábrica
começou a operar. No caso de Minas Gerais do século XIX, o período entre a decisão de
construir uma fábrica e o início de operação desta, variava de dois a cinco anos.
45
De acordo com o Livro Diário da Companhia Industrial São Joanense, tem-
se a referência ao pagamento da compra dos terrenos, conforme escritura de 25 de
fevereiro de 1891, em notas do tabelião Caetano Moreras. E assim se deu a constituição
da Companhia Industrial São Joanense, na Chácara da Olaria, que pertencia a Antônio
Euzébio da Paixão.
46
O local é um ponto interessante a ser analisado, uma vez que a
própria denominação da antiga chácara Chácara da Olaria indica que ali já se
desempenhava, anteriormente, uma atividade fabril.
Hardman e Leonardi, apoiando-se em Boris Fausto, afirmam que os
estabelecimentos fabris mineiros desse período podem ser representados por dois
44
HARDMAN & LEONARDI, 1982. p.127-128.
45
OLIVEIRA, 1995. p. 178.
46
LIVRO DIARIO - N
o
1, p. 02. Acervo da Companhia Industrial São Joanense.
36
padrões de arquitetura: como a Britânica Manchesteriana, com a fachada de tijolinhos,
ou a colonial brasileira, com fachada similar a de uma casa-grande de fazenda de café
ou açúcar na qual a fábrica São Joanense pode ser melhor inserida.
47
A fotografia que se segue retrata a fábrica em sua arquitetura original. O que
se percebe, num primeiro momento, é que a fábrica se encontra inserida em um terreno
amplo, com muita área verde. A fotografia tenta demonstrar que a fábrica não se tratava
de um edifício comum diante de sua grandiosidade. E o momento em que foi realizada a
fotografia provavelmente, foi minuciosamente escolhido. Nenhum trabalhador se
encontrava fora do edifício da fábrica. O grande número de janelas é que, na verdade,
serviam de contato e ao mesmo tempo de separação entre o “mundo do trabalho” e o
“lado de fora”.
Com os dizeres “Fiação” e “Tecelagem”, á sua frente pode-se ver o esboço
de uma rua sem calçamento, com uma árvore plantada justamente à frente dos portões
principais.
O terreno em que foi construída possuía um lugar estratégico na cidade de
São João del-Rei. Primeiramente, considerando-se a facilidade de escoamento da futura
produção e também da chegada da matéria-prima, uma vez que contava com o pleno
funcionamento da Estrada de Ferro Oeste de Minas, razão pela qual fora criado um
desvio em direção à fábrica, que era utilizado para fazer chegar ao seu interior a
matéria-prima e lenha para a caldeira.
48
47
HARDMAN & LEONARDI, 1982, p.133-134.
48
DIAS, José Carlos. “Companhia Industrial São Joanense”. Revista do IHG São João Del Rei. São
João Del Rei: IHG São João Del Rei. V. 9, 2000.p. 52,
37
Fachada da Companhia Industrial São Joanense. Esse é o registro fotográfico mais antigo da
fábrica, que foi doado por um ex-operário.
(FONTE: Acervo da Companhia Industrial São Joanense. Fotografias avulsas. [s.d])
A referência ao trem que entrava na fábrica por um desvio criado para tal é
observada em alguns relatos de ex-operários. A maioria desses trabalhadores, pelo fato
de terem sido admitidos quando ainda eram crianças, conseguiam estabelecer apenas
algumas observações sobre informações que haviam sido repetidas pelos mais velhos
durante os anos de trabalho na fábrica. O Sr. Chiquinho, quando perguntado pela função
do trenzinho, narra a travessia:
O trenzinho, ele descia lá perto do bezerrão, às vezes com 7 ou 8 feixes de
lenha, para depois subir e trazer lenha para a caldeira. Então ele tomava
velocidade e entrava ali onde é o Cipriano, subia ali afora. Alguns
maquinistas tinham medo e tremiam quando subiam ali, porque se saísse do
trilho, tinha um acidente. Tinha também o carregamento do algodão, a
descarga feita no pátio. Então era um tempo que era tudo mais difícil.
38
Trazer lenhas e algodão (isso foi pouco lembrado), o carregar e o
descarregar do trem faziam parte de atividades cotidianas dos operários da fábrica,
como afirma o Sr. José Francisco de Souza:
O trenzinho trabalhou no desvio. Ele entrava lá dentro da fábrica para
descarregar lenha. Algodão eu não tenho lembrança de ter descarregado lá
não, mas lenha, eu digo, porque eu ajudei a descarregar muita lenha.
Cabe ressaltar, que a construção de fábricas em uma fazenda era prática
usual em Minas Gerais e resultava da necessidade de construí-la perto de quedas d’água,
mas que não correspondeu à realidade analisada. A Companhia Industrial São Joanense
foi construída em uma área afastada do centro da cidade, correspondendo a um local
estratégico dentro da urbe.
Sobre a Companhia Industrial São Joanense tem-se poucas informações,
traduzidas apenas em seus estatutos que foram reproduzidos no Minas Gerais, do dia 25
de fevereiro de 1891, e impressos pela Tipografia Gazeta Mineira apenas em 1893 e
uma breve referência em Viegas.
49
Pouco se sabe sobre a formação dessa fábrica.
50
Constituída de acordo com as leis especiais das sociedades anônimas e
com sede na cidade de São João del-Rei, em Minas Gerais, a Companhia Industrial São
Joanense foi formada por 71 sócios.
51
Entre seus fins primordiais, fundar, custear e
explorar uma fábrica de tecidos de algodão, podendo no futuro, fabricar outros materiais
têxteis, caso estes conviessem. Previa também a possibilidade de seus sócios tomarem a
iniciativa para edificar residências para seus empregados, se houvesse vantagem para a
49
VIEGAS, 1942.
50
OLIVEIRA, 1995. As referências existentes sobre a Companhia Industrial São Joanense são
encontradas nas páginas 377,379 e 390.
51
ESTATUTOS DA COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE. Tipografia da Gazeta Mineira,
1893.
39
Companhia. Enfim, a sociedade anônima poderia adquirir, por compra, terrenos,
propriedades, máquinas e materiais, tudo para o crescimento do investimento inicial da
fábrica.
Ao longo do tempo, a Companhia realmente ampliou o seu território. Em
22/10/1891, comprou de Samuel Rodrigues da Rocha e de Presciliana Maria da
Conceição:
“(...) um terreno situado no logar (sic) denominado = Fonte do Canal = onde
existe um alicerce de pedras, cujo terreno louvemos por concessão feita pela
extincta (sic) Câmara Municipal desta Cidade, como consta da certidão em
nosso poder, e divide-se pelo lado da frente com o alinhamento da nova
estrada que vem da rua das Forras; pelo fundo com a estrada velha que do
Canal segue para o Chicum baz (sic), e pelo lado de cima com um muro de
pedras do terreno que foi dos herdeiros do fallecido (sic) Comendador
Antônio José Dias Bastos e hoje pertencente a Fábrica de Tecidos São
Joanense (...).”
52
No dia 30 de outubro do mesmo ano, o presidente da Companhia,
Antônio Xavier de Almeida, fez o requerimento de concessão de um terreno que se
achava entre a fábrica e a Chácara do Dr. Júlio César de Queiroz Guimarães para a
construção de casas ou dependências da fábrica. A companhia conseguiu a concessão
desde que ficasse (...) o impetrante obrigado a pagar o aforamento da lei e a edificar
dentro de anno (sic) e dia, sob pena de, não a fazendo, cobrir ipso facto em
commiso”(sic).
53
Em 1896, foram feitas duas novas negociações. A primeira, de
27/02/1896, que fazia o seguinte pedido:
52
Escritura de Compra e Venda de Samuel Rodrigues da Rocha e Presciliana Maria da Conceição.
22/10/1891. Acervo da Companhia Industrial São Joanense.
53
Acervo da Companhia Industrial São Joanense.
40
“Da Directoria (sic) da Companhia Industrial São Joanense, de que é
presidente o doutor Antônio Xavier de Almeida, pedindo para fechar um
caminho que existe nos fundos da fábrica de tecidos, obrigando-se a
Companhia a abrir uma rua espaçosa na frente do edifício que ella está
construindo em terrenos de sua propriedade.”
54
A outra negociação dizia respeito a um contrato de arrendamento de um
terreno da Companhia pelo Sr. Alexandre Barreto do Amaral, “situado à margem
segunda da Estrada de Ferro Oeste de Minas”. Foram três as condições para firmar o
contrato:
1
a
O arrendamento é por quatro annos (sic), sendo dous (sic)
annos (sic) sem indenização e os outros dous (sic) a cincoenta mil réis por
anno (sic).
2
a
A Companhia poderá fazer tapumes nos fundos das
propriedades em que moram os seus operários, bem como edificar outras
casas e (...) nos mesmos terrenos.
3
a
O Senhor Alexandre Barreto do Amaral obriga-se a cercar os
terrenos com arame farpado e estacas de candeia, e collocar (sic) uma boa
porteira, entregando tudo isto em perfeito estado, no fim do prazo do
arrendamento, sem direito a indennização (sic) alguma.
55
Essas ampliações dos terrenos acabavam por fortalecer a sociedade,
demonstrando que seus acionistas acreditavam no sucesso do empreendimento. Tanto
que o tempo previsto para a duração da sociedade que constituiria a Companhia seria de
quarenta anos, prazo esse que poderia ser prorrogado ou mesmo a sociedade dissolver-
se, desde que qualquer uma dessas iniciativas fosse deliberada pela assembléia geral dos
acionistas, assim como casos previstos por lei.
54
Idem Ibidem.
55
Idem Ibidem.
41
O capital da Companhia foi de 200:000$000, dividido em 1.000 ações de
duzentos mil réis cada uma, total que poderia ser aumentado quando a assembléia
julgasse conveniente. Os acionistas deveriam realizar o pagamento em prestações. A
cada cinco ações, o acionista teria direito a um voto na mesa da assembléia geral, mas
ninguém poderia ter mais de quarenta votos.
A fábrica mineira não era apenas um empreendimento familiar, mas de
um grupo de pessoas que vivia no local onde a fábrica seria construída.
Conseqüentemente, os recursos advinham das atividades econômicas da própria
região.
56
Os nomes dos sócios, na parte final dos estatutos, sugerem essa realidade.
Apesar da existência de parentes irmãos, pais e filhos , são identificados sobrenomes
diversos, demonstrando poucas relações de parentesco. Havia também representantes do
comércio que utilizavam nas ações, os nomes das suas casas comerciais.
57
Entre as 32 (trinta e duas) fábricas instaladas em Minas Gerais no
período que corresponde aos anos de 1872
58
a 1900, a Companhia Industrial São
Joanense aparece com 100 (cem) teares. Apenas 11 (onze) dessas fábricas tinham
capital superior ao dela e somente 6 tinham o número de teares correspondente ou
maior.
59
56
OLIVEIRA, 1995. p. 180.
57
Nomes de casas comerciais como: M. Ancelmo & Companhia; Castro, Rocha & Companhia; Banco
Popular de Minas; Manoel Rodrigues Trindade & Companhia; Maria Porcina Filha & Irmã.
ESTATUTOS DA COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE.
58
A Fábrica de Tecidos Machadense não foi incluída neste arrolamento. Organizada em 1871 e
inaugurada em 1875, esta fábrica foi destacada por COSTA pelo pioneirismo da iniciativa no que se
refere à localização, tecnologia e organização jurídica. A autora acaba por reivindicar o ato pioneiro na
constituição da primeira sociedade anônima (funcionando assim de 1871 a 1876) para empreendimentos
de porte. Também um local onde surgiu a primeira fábrica de tecidos a vapor. As fontes utilizadas são
jornais e compêndios da época, além dos documentos dos administradores da fábrica e depoimentos.
Observa, dessa forma que, apesar da iniciativa privada, a fábrica contou com ajuda do governo. Assim,
com pouco dinheiro e apoio político, conseguiu-se importar equipamento moderno e constituir uma
sociedade anônima. In: COSTA, Maria Lúcia Prado. A Fábrica de Tecidos de Machado 1871-1917.
Belo Horizonte: Mazza Edições, 1989.
59
VAZ, Álysson Mascarenhas. A Indústria Têxtil em Minas Gerais: o papel da Família Mascarenhas.
1872/1972. Belo Horizonte, 1976. (mimeo).O autor aponta um capital de 300:000$000 para a São
42
Entre seus acionistas, temos o destaque para dois padres: o padre João
Batista de Castro e o padre João Batista do Sacramento. Levando em consideração a
ação preponderante da Igreja Católica no interior mineiro, a presença e participação do
vigário local visavam, provavelmente, a dar maior respeitabilidade ao
empreendimento.
60
Pode-se também interpretar a presença constante dos padres que
geralmente assumiam não só o controle religioso nas cidades, como também assumiam
papéis na vida política e social dos pequenos municípios.
Pelos estatutos, fica claro que toda convocação da assembléia seria feita por
anúncios publicados pela imprensa, com o prazo de 45 dias de antecedência, conforme
constatamos num jornal:
Companhia Industrial São Joanense
Achando-se subscripto (sic) todo o capital desta companhia,
são convidados os srs acionistas a realisarem (sic) a primeira prestação de
30% ou 60$000 por ação, até o dia 15 de Janeiro próximo futuro.
As entradas se farão nesta cidade, no Banco Popular de Minas
e no Rio de Janeiro na agência do mesmo Banco à rua de S. Pedro n. 54.
O incorporador.
DR ANTÔNIO DA COSTA RODRIGUES.
61
À diretoria da fábrica, com a duração de mandato de quatro anos, eram
atribuídos a administração dos negócios, as operações de crédito, as atitudes referentes
aos empregados e, ainda, o tratamento com os poderes públicos. Essa diretoria deveria
escolher o presidente, o secretário e o gerente, assim como qual dos três exerceria as
funções de tesoureiro. Não poderiam exercer conjuntamente o cargo de diretor: pai e
Joanense, número que não corresponde com a informação dada pelos seus Estatutos, que seria de
200:000$000.
60
OLIVEIRA, 1995, p. 181.
61
Jornal A Pátria Mineira. São João Del Rei, 25/12/1890. n
o
85. p. 3. Esta informação é repetida em
1
o
/01/1891, n
o
86.
43
filho, sogro e genro, irmãos e sócios da mesma firma. O conselho fiscal era composto
de três membros efetivos e três suplentes e exerceria um mandato gratuito.
A compra de máquinas a vapor, tecelagem e de acessórios foi feita em junho
de 1891 e, em novembro do mesmo ano, foi efetuado o primeiro pagamento ao tecelão
inglês George Edward Tates. Ele foi contratado para montar e instruir sobre o
funcionamento das máquinas, à razão de uma Libra Esterlina por dia.
62
A presença do
tecelão inglês e o manejo dessas máquinas importadas são lembrados por seus ex-
operários. Segundo o Sr. Alberto Agostini:
Era tudo importada [sic] e me davam as máquinas para fazer conserto e
modelo. A tecelagem veio da Inglaterra, mas já veio velha. Eu até reformei
muito tear que veio de lá, que tinha uma peça comprida que faz assim para
tecer o pano. Então tinha também um inglês chamado Jorge, por sinal bem
velho, e na fiação tinha máquinas de 1907, 1911, 1913 (ex-Carpinteiro).
A compra de máquinas foi efetuada pela fábrica ao negociar com Bernardo
Mascarenhas, investidor pioneiro da indústria têxtil em Minas Gerais. Considerado o
grande colaborador no processo de construção da fábrica, era o empreiteiro, pessoa de
reconhecida experiência em instalação de projetos. A contratação de especialistas era
importante, pois orientavam a construção dos edifícios, a compra do maquinário e, em
muitos casos, o tipo de tecido de algodão a ser fabricado que mais se ajustava aos
mercados locais.
63
No “Livro Diário da Companhia Industrial São Joanense”, tem-se a
referência ao pagamento da compra dos maquinismos para a tecelagem, constando de
40 (quarenta) teares, motor e transmissão para 60 (sessenta) ditos. Ainda a compra dos
62
As informações aqui descritas fazem parte do panfleto comemorativo do centenário da companhia:
TECENDO A HISTÓRIA DA COMPANHIA TÊXTIL SÃO JOANENSE: 1891/1991. São João del-Rei,
1991.A pesquisa foi elaborada por Moema Grazzition Gonçalves.
63
DIAS, 2000. p. 55.
44
mesmos completos para a preparação, planta do edifício e mais, pelo preço da fábrica e
pela remuneração de seu trabalho.
64
Mascarenhas que era proprietário de importantes fábricas em Minas Gerais,
era também um ilustre conhecedor do maquinário industrial. Ao instalar uma fábrica de
tecidos na fazenda onde nascera, seguiu para os Estados Unidos, onde permaneceu um
ano e meio e adquiriu 18 (dezoito) teares da firma Linger Hood & Cia. Com essa
maquinaria, deu início à história da indústria têxtil em Minas Gerais.
65
Bernardo Mascarenhas se tornou logo depois, membro do conselho de
administração.
66
Aliás, a família Mascarenhas parecia estar presente em outros setores
da Companhia Industrial São Joanense: o nome de Dario Diniz Mascarenhas aparece no
conselho fiscal. Era casado com Maria, então neta de Bernardo Mascarenhas.
67
Essa
Dinastia de Tecelões”, representada por suas sucessivas gerações no setor têxtil, parece
extrapolar os domínios e limites das propriedades da própria família.
68
Giroletti,
69
ao
partir do estudo das fábricas pertencentes à Família Mascarenhas, considera que existia
uma generalização da estratégia empresarial adotada e também semelhanças das
características físicas do parque industrial mineiro.
Com a fábrica organizada no setor administrativo, inicia-se a organização do
processo produtivo. A primeira aquisição de matéria-prima para a futura produção em
64
LIVRO DIÁRIO nº 01, p. 02. In: Acervo da Companhia Industrial São Joanense.
65
ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA. Volume 9. São Paulo, Rio de Janeiro, 1976. P. 66-B.
66
DIAS, 2000. p. 55.
67
MASCARENHAS, Décio Magalhães(coord.). Genealogia da Família Mascarenhas. 1824-1989. Belo
Horizonte: Gráfica Formato, 1990. Edição Particular. p. 39.
68
A denominação “Dinastia dos Tecelões’ é dada por Paulo Tamm em: __, Uma Dinastia de Tecelões. 2
a
Ed., Belo Horizonte, 1960”.
69
GIROLETTI, 1991. p.7-22.
45
junho de 1891, foi fardos de fios de algodão, “tintos e crus”, que foram importados da
Inglaterra.
70
De acordo com o relato do Sr. Chiquinho,
Naquele tempo tinha os plantadores de algodão aqui nessa Minas Gerais.
Assim que plantavam colhiam sacos e colhia com os caroços, traziam e
vendiam para a fábrica e a fábrica tinha o descaroçador. E também para o
nosso consumo, ele comprava desses roceiros aqui dessas beiradas, colhia
10 quilos de algodão, aí a fábrica comprava, ia juntando e descaroçava.
(ex-Contramestre de Fiação)
O algodão era encaminhado para o descaroçador, no qual sofria a separação
das grossas impurezas como o caroço. As cascas e os caroços eram utilizados na
caldeira. O produto, propriamente dito, seguia para a lavagem e tingimento e, em
seguida, colocavam-no ao sol para a secagem. Após essa etapa, começava o processo de
fiação. O resultado seria o fio cru ou colorido.
71
A primeira produção de tecidos da Companhia foi constatada em dezembro
de 1892, como também a primeira venda desses tecidos. O escoamento da produção na
indústria nessa época, era feito através do transporte ferroviário. A mercadoria era
entregue para o balanceiro e ficava sob responsabilidade da estação.
72
O século XX apresentou-se para a Companhia Industrial São Joanense como
um período cheio de mudanças. Em 1908, a companhia já passava por transformações
positivas em seus investimentos. Em 25 de abril de 1909, foi convocada pelo Jornal “A
Opinião”, uma Assembléia para tratar do aumento do capital e da reforma dos Estatutos.
Nesta reunião, que aconteceu dia 07 de maio do referido ano ficou deliberado que
70
TECENDO A HISTÓRIA DA COMPANHIA TÊXTIL SÃO JOANENSE: 1891/1991. São João del-
Rei, 1991.
71
Idem Ibidem.
72
Idem Ibidem.
46
fossem aumentados mais quarenta teares que seriam destinados a um crescimento na
produção, assim como a possibilidade do aumento do edifício da fábrica para comportar
mais máquinas e trabalhadores.
73
Em primeiro lugar, entre essas mudanças, destacam-se as alterações no
quadro acionário que transformaram a “forma de poder” instituída na Companhia. A
fábrica que fora instalada em 1891, pelo Dr. Antônio da Costa Rodrigues e outros 70
acionistas, passou por algumas modificações:
“A ‘Companhia Industrial São Joanense’, que passando, em 1906, a outra
emprêsa (sic) e à direção de José do Nascimento Teixeira e Afonso Dale e em
1919, a ‘Fábrica de Tecidos Esperança’, hoje ‘Cia Têxtil São Joanense’”..
A maior autonomia produtiva na fábrica foi conquistada com o fim da
importação da matéria-prima, uma vez que no começo do século XX houve a ampliação
das instalações fabris. Dessa forma, um dos elementos de mudanças foi a criação de
novos setores. Entre eles, a Fiação e a Tinturaria, além da ampliação da área já existente
na Tecelagem. Ainda, no final da década de 1920, fora instalado o setor de Fundição.
Criava-se, entretanto, uma nova etapa do funcionamento da Companhia,
consolidando-se não só como um ambiente inserido na produção. Na verdade, o que
ocorreu foi uma extensão de novos setores que abriam na fábrica um leque maior de
ocupações em seu interior, diversificando o seu operariado diante das novas categorias
ocupacionais necessárias ao seu funcionamento. Considera-se, pois, que essa ampliação
foi o principal fator de mudanças no corpo operário.
A Companhia Industrial São Joanense se desenvolveu em meio a essas
transformações. O indivíduo que ali fosse trabalhar encontraria um ambiente novo, com
73
Jornal A Opinião. Propriedade de Euclides Machado e C. 25/04/1908 e 07/05/1908.
47
novas relações de trabalho agora fabris, condizentes ao ritmo acelerado dos novos
tempos. Quem era o operário da Companhia? Quais seriam as relações estabelecidas
entre patrões e operários? Onde residiam esses trabalhadores? Como esses operários
representam o tempo de trabalho? Enfim, de que maneira a experiência analisada em
São João del-Rei se aproxima ou se afasta de outras realidades já estudadas em outras
pesquisas? Estas, tornam-se questões desenvolvidas nos capítulos que se seguem.
48
CAPÍTULO II
A estrutura ocupacional, a disciplina industrial e a permanência
na Companhia Industrial São Joanense.
“A sociedade industrial implica ordem e racionalidade, ou pelo menos uma
nova ordem, uma nova racionalidade”, escreve Perrot (2001) em sua análise sobre os
operários franceses. A instauração e o funcionamento de uma fábrica, demanda, por um
lado, a introdução de uma nova racionalidade do trabalho com a criação de novas regras
do jogo e novas disciplinas. Por outro, requer o emprego de tecnologias e de novos
hábitos e/ou modos de gerenciar os negócios.
74
O aprendizado da racionalidade
industrial acontecia, muitas vezes, no desenrolar do próprio processo produtivo.
Para pensar em uma sociedade industrial é necessária a percepção de como
se dão as modificações nas noções de tempo e a introdução de uma nova forma de viver.
Com a implantação de uma indústria, novos hábitos de trabalho se formam e cria-se
uma nova disciplina do tempo tanto na divisão do trabalho, quanto na vigilância do
mesmo.
Era precisamente nas indústrias nas fábricas têxteis e nas oficinas mecânicas
que a nova disciplina do tempo se impunha mais rigorosamente, uma vez que, para o
patrão, o controle sobre as horas e a respectiva produção se apresentava como uma
necessidade. As próprias máquinas significaram sempre a disciplina nos trabalhos. O
rigor com que as máquinas deveriam ser manipuladas acabava por deixar pouco tempo
74
PERROT,.2001. p. 53,
49
para qualquer “desvio do olhar” do empregado. Mas para que o simples acender dos
motores a vapor, todas as segundas-feiras, às seis horas da manhã, pudesse significar
uma estratégia de disciplina inserida no hábito da industrialização regular e contínua,
muita resistência por parte dos operários precisou ser vencida.
75
2.1 A organização do processo produtivo e a hierarquia de
trabalho na Companhia Industrial São Joanense
Uma das formas de manutenção da ordem e da racionalidade no sistema
fabril diz respeito à organização do processo produtivo. Para se compreender como este
se apresentava em uma fábrica têxtil, deve-se identificar as seções responsáveis tanto
pela produção quanto pela manutenção das ferramentas de trabalho. Fiação, Tecelagem,
Urdume, Tinturaria e Preparação são as seções necessárias para o funcionamento da
produção em uma fábrica do porte da São Joanense. Essa fábrica contava, na década de
1930, com a ampliação de suas seções que além da Tecelagem e da Preparação, já
existentes, ainda foram criados novos setores tais como: a Fiação e a Tinturaria.
76
A Fiação compreendia desde o descaroçamento do algodão até a confecção
do fio. Esse processo pode ser dividido em duas etapas, quais sejam: a preparação para a
fiação e o processo de fiação propriamente dito. No primeiro momento, na preparação
para a fiação, os trabalhadores adultos eram a mão-de-obra preponderante. Aqui, exigia-
se qualificação, uma vez que o operário deveria saber como lidar com as máquinas. Já
na segunda etapa, ou seja, no processo de fiação, utilizava-se amplamente o trabalho de
menores e de um pequeno número de operárias adultas.
75
THOMPSON, 1979. p. 278.
76
A descrição de como eram, em geral, essas seções, pode ser encontrada em GIROLETTI (1991), em
seu estudo sobre a organização do processo produtivo nas fábricas do Norte e Centro de Minas Gerais.
50
Logo após, os fios produzidos passavam pelo Urdume. Nessa seção, tinha a
preparação para a Tecelagem, onde acontecia o processo de recepção do fio que veio da
Fiação até a entrega dos rolos de Urdidos, sendo, dessa forma, o local onde os fios eram
organizados para serem usados diretamente nos teares. Dessa seção, os rolos passam
para a Tecelagem, onde ocorria a recepção dos rolos urdidos até a entrega de panos para
a preparação organizada na Sala de Pano, em que as mulheres eram a maioria da mão-
de-obra. Os homens, pelo menos um em cada seção, desempenhavam funções técnicas,
de chefia ou de auxiliares. Da atuação dessa seção dependia a qualidade e a quantidade
dos panos produzidos.
Somente em algumas fábricas de Minas Gerais existia a seção de Tinturaria,
que era intermediária entre a Fiação e o Urdume. Considerada uma unidade de
acabamento era desempenhada apenas por trabalhadores do sexo masculino. E, por fim,
a seção de Preparação, na qual ocorria a recepção dos panos dos teares até a entrega
destes e onde se fazia o controle de qualidade do produto. De acordo com o Sr. Tirado
(ex-contramestre de fiação), é nessa seção que funcionava o serviço da Sala de Pano,
que recebia toda a produção. Também funcionava a Seção de Acabamento, onde ocorria
a expedição de mercadorias e de onde saíam para a venda.
A Fundição era uma seção peculiar na fábrica. Nela trabalhavam operários
do sexo masculino. Na Companhia Industrial São Joanense, essa seção ampliava seu
foco de atuação e fazia serviços para particulares. Mesmo assim, essa abertura não foi
capaz de garantir o seu funcionamento. Segundo o Sr. Agostini (ex-carpinteiro), ela
deixou de funcionar por falta de serviço, pois se tratava de um investimento alto,
principalmente em se tratando da quantidade de lenha necessária, pois, “para acender
(a caldeira) tem que pôr bastante fogo. Para pouca coisa dá prejuízo”, afirma o ex-
51
carpinteiro da fábrica. O número reduzido de serviços acabou por determinar a extinção
desse setor.
Para que as seções existentes na fábrica fossem melhor analisadas, foram
separadas e nelas agrupadas as ocupações existentes em cada uma delas. A relação que
se segue na Tabela I apresenta tanto aquelas necessárias aos serviços internos quanto
também aos externos como: Ferraria, Carpintaria, Obras, Escritório, Limpeza, Portaria e
Oficina.
77
Observam-se, do mesmo modo, as ocupações existentes nas seções em que se
dividia a fábrica:
TABELA I
CATEGORIAS OCUPACIONAIS DAS SEÇÕES DA COMPANHIA
INDUSTRIAL SÃO JOANENSE
1927-1932/1934/1935
SEÇÃO ATIVIDADES EM
1927-1932
ATIVIDADES EM
1934
ATIVIDADES EM
1935
FIAÇÃO Batedores
Bobina
Contramestre de Fiação
Engomador de fios
Fiação
Carretéis
Meadas
Meadas e Carretéis
Meadeiras
Retorcedeira
Bobinadeiras
Bobina
Fiação
Retorcedeira
Massaroqueira
Espulas
Contramestre de Fiação
Engomador de fios
Fiação
Retorcedeira
Ajudante de engomador
Retorcedeira
Secagem do Algodão
77
Dos serviços externos identificados na CISJ, três foram analisados por GIROLETTI (1991) em
Fábrica, Convento e Disciplina, quais sejam, a Ferraria, a Carpintaria e a Portaria.
52
Ajudante de engomador
Massaroqueira
Espulas
Encarregado de Espulas
URDUME Urdideira
Dobação
Dobação Urdideira
Encarregado de Dobação
Dobação
Dobação carregava
espúlios
TECELAGEM Ajudante de Tecelagem
Contramestre de
Tecelagem
Mestre de Tecelagem
Tear de Cobertor
Teares
Tecelagem do Algodão
Tecelã/Tecelão
Tecelagem
Ajudante de Tecelagem
Tecelã/Tecelão
Tecelagem
Mestre de Tecelagem
Contramestre de
Tecelagem
Ajudante de
Contramestre
Ajudante de Tecelagem
Tecelão/Tecelã
TINTURARIA Tinturaria Tinturaria
Encarregado d
e
Tinturaria
Tinturaria
PREPARAÇÃO Acabamento
Deburação de cobertores
Preparador de pano
Remessa
Remeteção
Sala de Pano
Remessa
Sala de pano
Ajudante do engomador
Encarregado da Sala de
Pano
Acabamento de
Cobertores
Deburaçào de
Cobertores
Engomador de Pano
Sala de Pano
53
Remessa
PORTARIA Rondante Rondante Rondante
FERRARIA Ferreiro - Ferreiro
CARPINTARIA Carpinteiro
Carapina
Auxiliar de Carapina
- Carpinteiro
Ajudante de Carpinteiro
OFICINA Cordas (auto)
Cordas
Combustível
Eletricista
Mecânico
Oficina
- Mecânico
LIMPEZA Limpeza Geral
Limpeza de Fachada
Limpeza
- Limpeza Geral
Limpeza e Lenha
Limpeza de Privadas
ESCRITÓRIO Mestre Geral
Contramestre Geral
Almoxarife
Escritório
Auxiliar de escritório
Guarda Livros
Almoxarife
Contador
Mestre Geral
Almoxarife
Contador
FUNDIÇÃO Caldeira
Fundição
Pavieiro
- Foguista
OBRAS Pedreiro Pedreiro
Servente de Pedreiro
Pedreiro
Servente de Pedreiro
FONTE: Acervo da Companhia Industrial São Joanense, Fichas de Admissão 1927-
1932; 1934 e Registro de Operários, 1935.
54
A colocação de operários em seções separadas acaba por indicar a primeira
forma utilizada pelos industriais para estabelecer uma racionalidade fabril em seus
estabelecimentos. Além de melhor organizar o processo produtivo, os operários
poderiam ser inspecionados mais facilmente em áreas já estabelecidas da produção,
facilitando a manutenção da disciplina.
Através das informações fornecidas pelos itens profissão ou categorias
ocupacionais, encontrados nos registros de operários, observa-se que duas questões
podem ser salientadas sobre a atividade que esses operários desempenhavam: uma
referente às diferenças entre as denominações dadas a elas nos três períodos
identificados nos registros (1927-32, 1934 e 1935) e outra sobre a existência de um
grande número de operários trabalhando em oficinas anexas e que não faziam parte do
processo fabril propriamente dito.
No período compreendido entre os anos de 1927 a 1932, têm-se as
descrições de 55 (cinqüenta e cinco) categorias ocupacionais diferentes, sendo que
apenas em duas fichas não constam as atividades desempenhadas pelos trabalhadores.
78
Em 1934, o número de descrições diminui, totalizando 21 (vinte e uma) ocupações;
porém, torna-se necessário destacar que o número reduzido de operários, assim como o
de ocupações encontradas nesse registro, é reduzido justamente por representar apenas
uma amostra de fichas diante do fato de muitas não se encontrarem mais na fábrica. Nas
fichas de 1935, ocorre um pequeno acréscimo encontrando-se 37 (trinta e sete)
ocupações. O que modifica, na verdade, é que nesses três períodos em que são
elaborados esses registros, a tendência é citar mais a denominação geral da seção a que
o operário pertence, não especificando, muitas vezes, a atividade por ele desempenhada.
78
Ver Tabela II.
TABELA II
PROPORÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DAS OCUPAÇÕES POR SEXO – 1927-1932; 1934 E 1935
FIAÇÃO
TECELAGEM
PRODUÇÃO* OUTROS**
PERÍODO
1927/32 1934 1935 1927/32 1934 1935 1927/32 1934 1935 1927/32 1934 1935
MULHERES 102 69
%
76 51
%
42 36
%
123 90
%
44 69
%
95 86
%
29 54
%
33 69
%
56 71
%
05 16
%
0 0
%
02 11
%
HOMENS 46 31
%
72 49
%
73 63
%
13 10
%
08 31
%
15 14
%
25 46
%
15 31
%
23 29
%
26 84
%
1
100
%
16 89
%
TOTAL 148 100
%
148
100
%
115
100
%
136 100
%
52
100
%
110
100
%
54 100
%
48
100
%
79 100
%
31 100
%
1
100
%
18 100
%
FONTE: Acervo da Companhia Industrial São Joanense, Fichas de Admissão 1927-1932 e 1934 e Registro de Operários, 1935.
*Consideram-se aqui as atividades que fazem parte das outras seções em que se dividiu a fábrica, quais sejam, o Urdume, a Tinturaria, a
Fundição e a Preparação. Também foram arroladas as atividades de chefia de cada seção.
**Consideram-se aqui as atividades que fazem parte dos serviços externos à fábrica, tais como a Oficina, a Carpintaria, a Ferraria, o Escritório,
a Limpeza e a seção de Obras.
Observação: Para o período 1927-32, duas fichas encontram-se sem informações. Para os registros de 1935, além das onze desaparecidas, quatro
estão sem a descrição da ocupação.
56
Diante das informações obtidas pela Tabela II, pode-se constatar que existe uma
divisão relativamente rígida entre as ocupações masculinas e femininas. Apesar das
mulheres serem quantitativamente superiores, suas possibilidades de mobilidade espacial
eram menores que as dos homens.
Por outro lado, o crescimento verificado nos três momentos analisados sobre o
número de operários do sexo masculino, em comparação com o universo feminino, é
explicado justamente pela incorporação de novas seções a partir do século XX. Essas
seções, tais como a Tinturaria e a Fiação, além de ampliarem o rol de serviços externos,
foram as grandes responsáveis pela diminuição da diferença do número de operários entre
os sexos, já que grande parte dos serviços eram desempenhados apenas por homens.
Comparando-se os dados obtidos no período compreendido entre os anos de
1927/1932, 1934 e 1935, constata-se que o número de atividades que eram ocupadas tanto
por homens quanto por mulheres é pequeno. Na verdade, existe diante do variado rol de
ocupações existentes, um número muito maior de atividades que eram desempenhadas
apenas por um ou outro representante dos gêneros. Dentro do processo produtivo, somente
as seções de Fiação e Tecelagem continham um número relevante de operários de ambos os
sexos.
Na maioria dos casos, os homens ocupavam as atividades de chefia. Algumas
exceções, no entanto, destacam-se. Em apenas um caso, a atividade de Encarregada era
desempenhada por uma mulher. Por outro lado, a Limpeza, apesar de ser exercida por
representantes dos dois sexos, aos homens cabia geralmente o recolhimento de lenha do
pátio, enquanto as mulheres ficavam com a limpeza do interior da fábrica.
57
Os serviços externos ao processo produtivo, tais como a Carpintaria, a Ferraria,
a Portaria e a Oficina eram geralmente desempenhados pelos homens. No Escritório, por
exemplo, apenas uma mulher aparecia como auxiliar.
Ao longo da coleta de dados, observa-se que essa documentação sofre
interferências no preenchimento dos dados. Na data da elaboração da ficha, ela é
preenchida e, com o passar do tempo, os dados relativos à atividade e ao salário são em
alguns casos, riscados e substituídos por outros. Esse fato sugere que os operários
constantemente mudavam de ocupação, evidenciando a possibilidade de mobilidade na
hierarquia do trabalho. Isso pode ser verificado em alguns relatos de ex-operários da
fábrica:
É, eu varria escritório, depois eu fui para a Fiação. Lá na Fiação
eu fui subindo (Sr. Chiquinho).
Como eu já disse, eu entrei como encarregado da Sala de Pano e
ajudante de escritório. Agora, na continuação, eu fui guarda livros durante muito
tempo e também fui gerente (Sr. Tirado).
Mas então eu trabalhei ali [no passador] até eu criar mais idade,
depois eu fui para Leosona. Trabalhei ali bastante tempo e depois fui para a
Tecelagem (Dona Raimunda).
Só no meu currículo, quando eu entrei, fui para a Sala de Pano,
expedição, cheguei a ser contramestre. Depois, eu fui trabalhar na Fiação.
Depois, saí da Fiação e fui tomar conta dos motores. (...) Depois, saí dos
Motores, fui para o Almoxarifado, trabalhei muitos anos. Depois, quando o Sr.
Pedro Paulo veio prá cá, ele criou um departamento e eu fui ser encarregado de
compras, onde fiquei até sair da fábrica (Sr. José Francisco).
58
Eu entrei como carpinteiro. (...) É, serviço geral, fazia modelo de
peças de máquinas, quando desgastava, quebrava. Trabalhei na fábrica inteira,
desde o telhado, fazer pavilhão novo (Sr. Alberto Agostini).
Era transportador de espula, linha, por exemplo, da fiação para a
bobinadeira e retornava com as espulas vazias para a fiação. O primeiro serviço.
Depois daquilo ali, passei a tarde fazendo malote. (...) Depois, o Sr. Chiquinho
disse: “você vai ficar aqui na Fiação”. Lá, também, no princípio, eu não tinha
setor, onde faltava gente eu estava. Depois então, eu iniciei como amarrador de
cordas, porque naquele tempo as máquinas eram de veneta. Às vezes você nem
lembra como era aquilo, você tinha que amarrar as cordas. (...) Depois, eu
passei para arreador. Arreador era só para arrear a máquina, tomar conta.
Depois, passei para lubrificador. Depois de lubrificador, passei então a tomar
conta do departamento pessoal da fiação, só do filatório (Sr. Antônio Palharini).
Esses relatos abrem um leque diversificado sobre o universo da produção na
Companhia Industrial São Joanense. A mobilidade espacial na fábrica, além de representar
o dinamismo na produção, possibilita a diversificação do aprendizado e do saber dos
operários. Saber esse, que era aprendido no próprio espaço de produção. Esses relatos
indicam que, naquele período, o aprendizado industrial se fazia no local de trabalho
sinalizando a ausência de escolas técnicas. A fábrica é a própria escola. Es sas são
características do momento inicial da industrialização no Brasil. Quanto mais um operário
transitava por diferentes seções, mais ele tinha uma visão do funcionamento da fábrica, de
suas mudanças e complexidades, dos problemas enfrentados em cada seção.
A possibilidade de mobilidade no interior da fábrica era também imposta pela
idade do operário. O caso de Dona Raimunda, relatado na introdução desse trabalho e nos
relatos acima, ilustra a realidade que deve ter sido vivenciada por muitos operários da
fábrica: a admissão quando ainda eram crianças. A idade é que, muitas vezes, estipulava a
59
seção e a ocupação que o operário desempenharia no interior na fábrica. De acordo com
essa ex-tecelã,
Eu não alcançava as máquinas. (...) Eu tive que trabalhar no
passador. (...) E eu fui para o passador porque lá trabalhava sentada. (...) Não
existe passador assim agora. (...) Na época, eu vou te falar, punha um rolo atrás,
vira o rolo assim, passava por cima no pente, a gente ficava sentada do lado de
dentro e a passadeira pro lado de fora. Aí passava fio por fio, no lisso, sabe, a
gente tirava o fio assim e dava a passadeira. Ela tinha uma agulha, enfiava num
buraquinho, assim enfiava a agulha e ela ia pegando o fio puxando, fio por fio.
(...) Aí, sabe, depois passava no pente, a gente tinha que segurar a linha, segurar
bem a linha lá na frente e ia tirando o fio assim, ia passando no pente. (...) É
tudo com muito sacrifício. Antigamente sentava num banquinho pro lado de
dentro e a passadeira pro lado de fora e a gente tinha que tirar fio por fio e dava
pra ela. Ela enfiava a agulha, mas era rápido mesmo. A gente tinha que ser
esperta, dar o fio para ela puxar e lá a gente segurava e ela ia puxando e
passando fio por fio no pente. Hoje é remetiva, antigamente era passador.
A adaptação ao trabalho infantil na fábrica surgiu para os menores como uma
necessidade no momento em que o seu salário serviria para complementar a renda familiar.
A descrição da atividade que Dona Raimunda desempenhou quando tinha ainda nove anos
apresenta-se como uma lembrança dolorosa de uma época em que a criança trocava seu
tempo de brincar por um tempo de responsabilidade, obediência, disciplina e atenção.
O tempo de trabalho na fábrica abria as portas para que essa mobilidade
espacial ocorresse também pela confiança conquistada pelos anos de dedicação à
Companhia Industrial São Joanense. E esse foi o caso do Sr. Tirado que chegou a ser
gerente da fábrica. Assim, o bom desempenho no trabalho aliado à obediência e à
adaptação à disciplina imposta em cada seção, seria capaz de abrir caminhos para uma
60
“promoção” de cargo. Para se manter no trabalho, o operário deveria, muitas vezes,
conjugar o saber e a lealdade.
Para que a ordem do trabalho industrial se efetivasse de fato na fábrica, além da
divisão em seções, fazia-se necessária a presença de algumas pessoas responsáveis pelos
cargos de chefia. Entre os que geralmente definiam a hierarquia entre os trabalhadores e
acompanhavam a organização racional da produção fabril, pode-se destacar quatro cargos
Mestre, Contramestre, Encarregado e Ajudante. A organização material da produção
determinava as funções que o operário deveria realizar e que seriam definidas por seção e
tipo de máquina.
O Mestre podia ser considerado o “chefe”, ou seja, o técnico responsável por
toda uma seção específica. Ou, ainda, podia desempenhar a função de Mestre Geral,
responsabilizando-se por todo o setor produtivo da fábrica. O Contramestre tinha a
condição de superior hierárquico, uma vez que sua posição decorria de sua competência
profissional, pelo conhecimento mais completo do métier. Sua função se aliava tanto ao
conhecimento das tarefas de fabricação do produto quanto ao funcionamento da máquina,
cuja manutenção estaria a seu encargo. Ele estava no ápice do sistema da hierarquia
operária, quer do ponto de vista do conhecimento do métier, quer do ponto de vista da
autoridade e do salário. Os Encarregados eram os responsáveis por etapas parciais do
processo geral das seções ou da coordenação dos serviços auxiliares.
79
Enfim, destacava-se também a presença do Ajudante, uma categoria
intermediária usada apenas nas seções em que predominavam tarefas que exigiam uma
certa habilidade técnica. Este se diferenciava do profissional aqui considerado como o
79
PEREIRA, Vera Maria Cândido. O coração da fábrica: estudo de caso entre operários têxteis. Rio de
Janeiro: Campus, 1979. p. 71 e 76.
61
operário a quem o ajudante auxiliava porque ainda não dominava os conhecimentos
específicos da função desempenhada. Seu aprendizado se dava na prática. Não era
qualificado pela empresa hierarquicamente e a níveis salariais como o profissional, mas
exatamente como aprendiz ou ajudante.
80
O exame sobre como se efetuava a divisão e a organização da produção no
interior das fábricas têxteis, aliado à descrição das atividades de chefia que seriam
responsáveis por manter a hierarquia do trabalho e a ordem no interior da fábrica, serve de
suporte para que se possa compreender como se efetuou o processo de disciplinarização na
Companhia Industrial São Joanense, e também para se perceber as possibilidades de análise
que o exemplo dessa fábrica pode trazer à compreensão da organização do trabalho fabril
do período estudado.
2.2 A organização e a disciplina do trabalho na Companhia Industrial São
Joanense no século XIX
Segundo Stein (1979), pode-se considerar que a análise das primeiras fábricas
de tecidos de algodão estaria incompleta sem uma referência a como os contemporâneos
julgavam a capacidade de adaptação dos trabalhadores às ocupações industriais. Com raras
e marcantes exceções, continua o autor, os primeiros cinqüenta anos da indústria têxtil
deram motivos para que fosse louvada a capacidade de adaptação da força de trabalho ao
emprego industrial.
81
80
PEREIRA, 1979. p. 71.
81
STEIN, 1979. p. 72.
62
Com uma outra perspectiva, Giroletti (1991) admite que a adaptação ao
trabalho fabril não foi tão fácil assim. No processo de formação dos trabalhadores, os
estímulos com gratificações ou punições, que resultavam em cobranças de multas, davam a
idéia de que, além da competência no desempenho profissional, deveria ser inculcado nos
trabalhadores o zelo pelo patrimônio da fábrica e também que deveriam resguardar a
sociedade fabril, conservando e respeitando os equipamentos e a propriedade criada pelos
industriais.
A fábrica, juntamente com outras “agências”, seria a responsável por inculcar
essa nova disciplina, qual seja, a industrial.
82
A busca de respostas sobre esses aspectos partiu de uma lacuna nos estudos
sobre São João del-Rei em fins do século XIX, no que toca à organização do trabalho na
cidade, principalmente quando este adquire mais uma vertente que coincidentemente se dá
com o fim do trabalho escravo e com a criação das primeiras fábricas.
O Sr. Tirado, um antigo contador da fábrica e que nela trabalhou durante 49
anos de sua vida, afirma que “quando a fábrica foi fundada, vieram técnicos da Inglaterra.
Foram eles que instalaram a fábrica, fiação e tudo mais. Ela começou com a fiação apenas e
não havia eletricidade.”
83
A ausência da energia elétrica em São João del-Rei começou a ser sanada
apenas em 1900 quando “o patriótico arrôjo de Antônio Gonçalves Coelho, aproveitando a
Cachoeira do Carandaí, dotou a cidade de uma instalação elétrica com o potencial de 1.030
KW”. Até então, “a povoação, que em 1900 se iluminava ainda a querosene, teve longas
noites de extenso passado alumiadas à luz frouxa dos candeeiros de azeite”.
84
82
GIROLETTI, 1991. p.59 -133.
83
Relato do Sr. Antônio Tirado Lopes, Contador da Companhia Industrial São Joanense.
84
VIEGAS, 1942. pp. 98-99.
63
Na verdade, a Fiação não foi a primeira seção instalada na fábrica. Nos
primórdios de seu funcionamento, a Companhia Industrial São Joanense contava com a
existência de uma única seção, da Tecelagem. Para o funcionamento da fábrica, a primeira
aquisição de matéria-prima para a produção, feita em junho de 1906, foram fardos de
algodão “tintos e crus”, que foram importados da Inglaterra, assim como as máquinas a
vapor, tecelagem e os acessórios necessários. A primeira produção ocorreu dezoito meses
depois.
85
A procura de indícios que pudessem demonstrar como se efetuava a relação de
trabalho existente nesse momento inicial acabou por resultar no encontro de apenas um
Livro de Ponto, que cobre os anos de 1897 a 1900, com poucas descrições que puderam
apenas incitar especulações.
Foram arrolados os nomes de 100 (cem) operários, trabalhando nos quatro anos
em que essa documentação cobre, e a descrição de cada nome que permite a determinação
do gênero. Dessa forma, constatou-se que, desse total, 21% se constituía de homens,
enquanto a grande maioria, 79%, era composta por mulheres. O número de operários que
trabalhavam em cada ano sofre variações durante o período analisado por essa
documentação, conforme se pode observar na Tabela III:
TABELA III
NÚMERO DE OPERÁRIOS ARROLADOS EM UM ANO, DE
ACORDO COM O SEXO 1897-1900
ANO 1897 1898* 1899** 1900***
MULHERES 37 86% 39 85% 50 86,2% 52 80%
85
TECENDO A HISTÓRIA DA COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE 1891/1991. São João
del-Rei, 1991.
64
HOMENS 06 14% 07 15% 08 13,8% 13 20%
TOTAL 43 100% 46 100% 58 100% 65 100%
FONTE: Acervo da Companhia Industrial São Joanense. Folha de Ponto, 1897-1900.
*Não existe referência sobre o mês de setembro.
**Não existem referências sobre os meses de maio, junho e julho.
***Somente referências sobre os meses de janeiro, fevereiro e março.
Observa-se que, em alguns anos, o número de operários do sexo masculino
sofre um pequeno acréscimo, mas a presença de mulheres na fábrica continua a ser
relevante. A predominância do trabalho feminino nas indústrias têxteis, que por várias
vezes foi destacada pelos pesquisadores, incita a observação de um universo que se
apresentava peculiar.
Pelas informações fornecidas pela documentação relativa aos anos de 1897 a
1900, o número de meses que puderam ser analisados totaliza 29 (vinte e nove). Diante da
análise dos dados referentes à freqüência ao trabalho, observa-se que o tempo médio
trabalhado por esses operários era de 11,7 meses. Esse número pode indicar, por um lado,
uma certa adequação ao trabalho fabril, uma vez que representa uma permanência releva nte
no espaço da fábrica. Por outro lado, esse fato não serve para caracterizar esse tempo de
serviço homogêneo a todos, uma vez que existe uma grande disparidade entre o número de
meses trabalhados por esses operários.
O mesmo acontece com a soma dos dias trabalhados em um mês. Os dados
apontam para uma certa regularidade do trabalho fabril. Nos anos cobertos pela
documentação, a média é de cerca de 20 (vinte) dias trabalhados. Mas, na verdade, o que se
verifica é que o número desses dias trabalhados vai aumentando no decorrer dos anos
65
quando se analisa cada mês e, também, que alguns operários eram mais assíduos que
outros.
Um dado que chama a atenção é a constatação de 113 (cento e treze)
ocorrências que demonstram um total de 0 (zero) dia trabalhado em um mês. Esses casos
ocorriam tanto para um mesmo operário quanto para os outros em tempos alternados.
Desses 100 (cem) operários, 5 (cinco) foram arrolados na Folha de Ponto como não indo
trabalhar um dia sequer.
Constata-se 42 (quarenta e dois) operários para os quais não foram
observadas “faltas” que totalizavam um mês e, em seus registros, pode-se encontrar
algumas singularidades. Em 37 (trinta e sete) desses casos, os operários não chegavam a
seis meses de serviço. Dos 5 (cinco) restantes, a presença de 3 (três) homens permite
suscitar que estes poderiam ser operários que estavam ocupados em atividades externas ao
processo produtivo. Dois deles, como os operários Carlos Raposo e Bernardino Cordeiro,
trabalharam todo o período coberto pela Folha de Ponto.
O Sr. Bernardino, apontado na memória social do grupo como o “primeiro
funcionário cadastrado da Companhia Industrial São Joanense”, é lembrado por seus
colegas e identificado pela documentação como tal. Nesses relatos, é indicada a referência
de que a função que ele desempenhava dentro da fábrica era a de porteiro. Nas entrevistas
coletadas com os ex-operários da Companhia Industrial São Joanense, e também nas Fichas
de Admissão e nos Registros de Operários, existe a referência do Sr. Bernardino Cordeiro
como o operário mais antigo.
A observação de um número considerável de operários que ficava sem
trabalhar alguns meses em seu período de serviço, aponta para uma série de questões. Com
o correspondente a 43% dessa mão-de-obra, essas faltas ocorriam com operários que, no
66
geral, estavam trabalhando há um bom tempo na fábrica. Nos 13 casos que correspondem a
um período curto de trabalho (até seis meses), verifica-se que ocorrem, principalmente, no
início ou no fim do período trabalhado. Assim, especula-se que esses dados podem indicar
que o trabalhador não se adaptou ao trabalho fabril. Por outro lado, pode também indicar
que a desistência do trabalho pode não ter sido justificada e, por isso mesmo, o nome do
operário ainda constar na Folha de Ponto, como se a fábrica estivesse à espera do retorno
desse operário.
Em 8 (oito) casos, o primeiro mês corresponde a essa ausência de dias
trabalhados. Essa constatação pode indicar que talvez seja o período em que esses operários
iniciavam suas atividades como aprendizes. Ao mesmo tempo, a observância de outros
indícios aponta para uma outra questão. Em 5 (cinco) desses casos, o mês indicado como o
do início do trabalho é “julho de 1898”, mês esse que para qualquer dos operários arrolados
não existe dados sobre os dias trabalhados. Nesse período, têm-se 31 (trinta e um) operários
trabalhando na Companhia, exceto o Sr. Carlos Raposo e o Sr. Bernardino Cordeiro, para
todos os outros também não existem dados sobre os dias trabalhados.
Algumas especulações podem ser elaboradas diante desse fato. A primeira delas
pode indicar um período de carência de matéria-prima. Como a Companhia dependia da
importação de fios para produzir, é bem provável que a falta de materiais obrigasse à
parada da produção e, dessa forma, a dispensa dos trabalhadores por um certo período.
Tanto que, em alguns dias, os operários saíam da fábrica sem completar seu dia de trabalho.
São utilizados, na maioria dos totais, complementos como ¼, ½ , ¾ , sugerindo os dias em
que os operários não trabalhavam o tempo inteiro. Essa maneira de contar o tempo
trabalhado foi utilizada durante muito tempo. De acordo com o Sr. Chiquinho,
67
Hoje marca horas trabalhadas pelo cartão de ponto, 8, 10 horas
etc. naquele tempo, era um quadrinho, você trabalhou ¼ do dia, era um
risquinho no livro, que era o Sr. Tirado que marcava. Trabalhou meio-dia,
puxava uma perninha, ficava igual um L. Trabalhava ¾ do dia, levantava a
perninha. Trabalhou o dia todo, fechava. Depois veio, se trabalhasse mais ¼ do
dia, dava um risquinho no meio (ex-Contramestre de Fiação).
Em alguns casos, muitos desses operários passavam um período de dois, três ou
até seis meses sem comparecer ao trabalho e, logo depois, retornavam. Para esse fato, pode-
se especular casos como doenças tanto do próprio operário quanto também de algum
membro da família, servindo de justificativa para algumas dessas faltas.
Todos esses indícios apontam, por um lado, para uma elevada rotatividade de
mão-de-obra. Por outro, pode-se especular que talvez na fábrica poderia ter faltado matéria-
prima para produzir nos períodos sem comparecimento ao trabalho. No entanto, as
limitações dessa documentação permitem apenas a observação de que se trata de um
período de adaptação, tanto à organização da produção quanto também à organização do
trabalho aqui inserido na introdução da disciplina do trabalho.
Em Minas Gerais, na primeira metade do século XIX, o período de adaptação
ao serviço contínuo fabril pode ser também verificado. Nesse período, era comum o
trabalhador de origem rural deixar de ir ao trabalho em tempo de plantio e de colheita. O
contexto agrícola geral também deve ser enfatizado no momento em que se observa que os
trabalhadores rurais das protoindústrias não abandonavam por completo a agricultura ou a
criação. Com o desenrolar do século, junto com o escasseamento e notável encarecimento
da mão-de-obra cativa, processava-se uma proletarização parcial de determinadas parcelas
do campesinato. Para o autor:
68
protoindustrialização pode ser definida como a produção em grande escala de
bens industriais destinados a mercados distantes, baseada em mão-de-obra barata
e camponesa.”
86
A análise da assiduidade ao trabalho e como este era organizado no século XIX
nos parece ainda obscura para esses primeiros anos de funcionamento da Companhia
Industrial São Joanense. Falta-nos, para uma análise mais elaborada, a denominação das
categorias ocupacionais desses trabalhadores. Apesar dessa limitação, algumas observações
feitas nesse registro podem suscitar especulações.
A Tecelagem, pelo que pode ser observado, englobava nesse primeiro
momento, algumas ocupações que depois fariam parte da Fiação e do Urdume. O grande
número da palavra Meadas”, por exemplo, faz crer que a maioria dos trabalhadores
arrolados na folha estava envolvida diretamente no processo produtivo. Aliadas também às
descrições como “Linhas de Algodão”, “Urdideira”, “Thear”, “Canelas” e “Pano”, essas
informações ganham sentido no momento em que se constata que todas essas informações
foram atribuídas às mulheres, exceto um “Thear”, identificado para um homem.
As descrições Lenha” e Caneleira” aparecem relacionadas tanto com o
trabalho feminino quanto com o masculino, enquanto Meadeira” é uma atividade
estritamente feminina. Em um caso, a operária é designada pela palavra “Aprendiz”, assim
como em outro a designação é Nova”. Nesses dois exemplos, justificou-se que “Nada
fora produzido por essas operárias no mês indicado.
A ordem e a disciplina impostas nesse universo produtivo podem também ser
mais bem analisadas nessa documentação. Os outros dados encontrados nesses itens
indicaram a severidade a que estavam submetidos esses trabalhadores. Palavras como
86
LIBBY, Douglas Cole. “Historiografia e a formação social escravista mineira”. In: Revista Acervo. Rio De
Janeiro: Arquivo Nacional. V.3, n. 1, p. 7-20. jan.jun., 1988.
69
Multa” e “Desconta (...) dias” são utilizadas com freqüência, abrangendo tanto homens
quanto mulheres. As multas vêm acompanhadas, em algumas vezes, pelas descrições do
motivo: “uma peça de máquina quebrada”, “paga 800 g de fio”, “desconto por cortar
urdume”, “pano com defeito”, “multa-thear”, “um vidro” e “fio na latrina”.
Essas justificativas acabam por nos mostrar que os operários tinham
descontados em seus salários todos os desvios contra a ordem do processo produtivo da
fábrica, tanto no processo da produção quanto na falta de zelo pelo patrimônio da fábrica.
Por outro lado, a palavra “Gratificação” aparece apenas duas vezes relacionada a um
mesmo trabalhador.
Os dados encontrados na documentação se aproximam mais de uma experiência
do trabalho de “disciplinarização” dos trabalhadores por parte dos industriais mineiros no
século XIX, já analisado na obra de Giroletti (1991). Esse período é caracterizado por uma
escassez de mão-de-obra especializada e por um amplo controle dos empresários sobre os
meios necessários à vida dos trabalhadores. Cabia a esses industriais fazerem uma obra
civilizadora, na qual deveriam emp regar trabalhadores e transformá -los em operários
industriais.
87
O esforço dos industriais para realizarem esse trabalho de “disciplinarização”
pode ser observado na análise do controle, por eles exercido, das atividades desempenhadas
por seus trabalhadores. Apesar das limitações do Livro de Ponto, pode-se concordar que a
fábrica seria a matriz de novas relações sociais e de novos valores, que tentava a todo custo
produzir, além de mercadorias, um tipo especial de indivíduo que deveria ser dócil e útil.
Isso indica a existência de relações paternalistas nesse período inicial do trabalho na
fábrica.
87
GIROLETTI, 1991.
70
Mas essa docilidade não caracterizaria, na verdade, a aceitação à disciplina
fabril. A verificação de uma não permanência ao trabalho na fábrica, tanto por faltas
constantes quanto por desistência do emprego, pode indicar uma maneira de esses
trabalhadores resistirem à disciplina imposta.
Nas Fichas de Operários e nos Registros de Empregados existe um espaço
reservado à fotografia do trabalhador. Muitas dessas fotografias não se encontram mais no
acervo da fábrica, pois foram retiradas do documento, provavelmente pelos descendentes
do próprio operário. Mas, ao analisar as que existem, observa-se que grande é o número de
operários com traços característicos de descendentes africanos. Essa constatação, apesar de
representar uma imagem dos anos 1920 e 1930, podem indicar que o trabalho na
Companhia Industrial São Joanense seria um dos recursos dos ex-escravos para se
recolocarem no mundo do trabalho. O ranço da escravidão pode ser um caminho a ser
analisado. A possibilidade de escolha garantia aos trabalhadores a liberdade de escolher ou
não o trabalho, relação intrínseca à aceitação da disciplina imposta.
2.3 A permanência no trabalho fabril
Imaginar que São João del-Rei teria as condições necessárias para o
estabelecimento de uma fábrica, aponta para além da obtenção dos recursos disponíveis
para os investimentos dos acionistas no empreendimento, também para a oferta de mão-de-
obra disponível. Quando se começa a analisar os primeiros trinta anos do século XX,
consegue-se obter um número maior de indícios sobre a composição desses trabalhadores.
A relação estabelecida entre operários e o desempenho de suas funções dentro da unidade
fabril será o pólo norteador desta análise. Para tal, foram conjugados os dados coletados nas
71
fichas dos operários com os discursos dos industriais sobre o trabalho fabril também
encontrados nesses registros.
Foi selecionada, para a análise proposta, o conjunto de registros de operários do
acervo da fábrica: tanto fichas de admissão, quanto o Registro de Empregados. Esse tipo de
documentação já foi utilizado por outros pesquisadores, como é o caso de José Sérgio Leite
Lopes (1988), quando pesquisou a fábrica de tecidos Paulista, em Pernambuco. Com uma
pesquisa de outra natureza, o autor conseguiu selecionar uma pequena amostra desses
registros e, ao compará-los com os relatos obtidos através de entrevistas com ex-operários,
conseguiu estabelecer algumas características vivenciadas pelos trabalhadores, que serão
essenciais para a análise que ora pretendemos desenvolver.
A Companhia Industrial São Joanense elaborou fichas de admissão a partir de
1927, que visavam a cadastrar os operários que já estavam trabalhando antes da confecção
desses documentos, assim como aqueles que viriam a ser admitidos até o ano de 1932. Para
esse período, encontram-se 371 fichas. Em 1934, essas fichas são complementadas, mas
encontra-se apenas uma parte desses registros no acervo da fábrica, totalizando 249.
Em 1935, um outro tipo de registro foi criado pela fábrica intitulado “Registro
de Empregados”. De um total de 578 registros que extrapolam o ano de 1935, consideram-
se 337 que correspondem ao número de operários que trabalhavam na fábrica até
01/10/1935, data da elaboração do documento. São fichas numeradas, das quais 11 (onze)
não se encontram no acervo da fábrica.
Nas fábricas têxteis, era utilizada freqüentemente, a mão-de-obra infantil e
feminina. De acordo com o Gráfico I, observa-se que a comparação entre o universo
masculino e o feminino demonstra que esse último era predominante nos três momentos
analisados.
72
GRÁFICO I
NÚMERO DE OPERÁRIOS DE ACORDO COM O SEXO:
1927-1932/1934/1935
FONTE: Acervo da Companhia Industrial São Joanense Fichas de Admissão, 1927-
1932; 1934 e Registros de Operários de 1935.
Com o passar dos anos, a diferença entre a proporção de homens e a de
mulheres vai diminuindo. Na verdade, a partir do momento em que novas seções são
criadas e por serem, em sua maioria, ocupadas por operários do sexo masculino, acabam
por se tornar o principal motivo da diminuição do número de mulheres em relação aos
homens.
0
50
100
150
200
250
300
1927-1932 1934 1935
Homens
Mulheres
73
Outra constatação nos remete à saída de mulheres no período de casamento,
indicando que, em grande parte, estas só estavam no serviço da fábrica por um salário
complementar, quando ainda eram muito jovens. Mas o principal motivo é a criação dos
novos setores na fábrica, tais como a Fiação, a Fundição e a Tinturaria, que acabaram por
aliciar um número maior de operários do sexo masculino.
Nos dados extraídos das fichas de admissão, que correspondem aos anos de
1927 a 1932, podem-se observar alguns desses aspectos se comparados com os registros de
1934 e 1935, como mostra o Gráfico II:
GRÁFICO II
IDADE DOS OPERÁRIOS NA ADMISSÃO À FÁBRICA:
FONTE: Acervo da Companhia Industrial São Joanense, Fichas de Admissão 1927-1932 e
Registro de Operários, 1935.
0
20
40
60
80
100
120
140
160
1927/1932 1934 1935
0-14
15-20
21-30
31-40
41-50
51-...
S/R
74
Em primeiro lugar, existe uma diferença evidente entre os três momentos
analisados. De 1927 a 1932, o que se pode destacar é que poucos eram aqueles que
entravam na fábrica com uma idade mais avançada, e muitos eram aqueles com idade até os
20 anos. A admissão de menores era predominante. Em 1934, apesar do número reduzido
de registros, nota-se a presença relevante daqueles que tinham a idade entre 15 e 20 anos.
É importante lembrar que a Lei de Menores já obrigava a retirada dessa mão-de-obra. Já no
ano de 1935, percebe-se que a admissão de menores decai ao mesmo tempo em que os
operários começam a permanecer um período maior na fábrica.
Esses trabalhadores eram em sua maioria solteiros, seguidos pelos casados e,
por fim, pelos viúvos, identificados tanto nos registros de 1927-1932 quanto nos de 1934. A
lógica dessa análise refere-se à idade com que a maioria desses trabalhadores entravam para
a fábrica, ou seja, esses operários iniciavam desde muito novos para os seus trabalhos.
Muitos não haviam completado sequer os dez anos de idade quando começaram no serviço,
conforme se observou no Gráfico II e na fotografia que se segue.
A fotografia foi tirada no dia 1º de maio de 1912 e, por si só, já pode ser
considerada um dos eventos da programação das festividades do Dia do Trabalhador.
Assim como as fotografias 3X4 dos registros de operários e fichas de admissão, o retrato
comemorativo em festas era uma das poucas chances de serem fotografados. Por isso
mesmo, nos dois casos, observa-se toda uma preparação para a hora da fotografia. Chapéus,
vestidos, ternos, gravatas, brincos e colares são colocados para esse dia de festa. A limpeza,
a ordem e a disciplina parecem compor a fotografia que dá a imagem de uma escola.
75
Fotografia comemorativa do Dia do Trabalho.
(FONTE: Acervo da Companhia Industrial São Joanense. Fotografias avulsas.1º de Maio
de 1912.)
Observa-se também que era grande o número de crianças que trabalhavam na
fábrica, realidade presente em outras do mesmo período. Muitas crianças, apesar de se
encontrarem bem vestidas, aparecem sem os sapatos. Ao fundo, verifica-se a presença de
muitas meninas e adolescentes. Essa fotografia acaba por indicar que nos anos iniciais do
século XX, grande parte dos trabalhadores não havia ainda chegado à idade adulta.
Outro indicador da predominância dos solteiros é constatado no item
Observações, quando um número significativo de mulheres deixa o traba lho da fábrica para
se casar. Uma carta “pedido-de-demissão” encontrada entre os Registros de Empregados
acaba por evidenciar a situação da operária com relação ao casamento:
76
Exm. Sr. Gerente, e auxiliares;
Venho por meio destas singelas linhas, expressar
todos os meus agradecimentos, ao despedir-me deste bom
emprego, onde passei longos 12 anos ganhando o pão, deixo pois
com pezar (sic), mas cumpro o meu dever de esposa em seguir os
passos do meu esposo que partiu em busca de melhor futuro para
a família, e se algum dia talvez, se cair em má situação, embora
não tendo mais direito, no meu tempo de serviço, conto ainda
com a bôa (sic) vontade do Sr. de abrigar-me de novo neste
estabelecimento abençoado.
Meus agradecimentos e despedida.
Elza Teixeira Ferrarezi.
88
Nesse caso, a operária pode não ter saído do trabalho quando se casou, ou
mesmo poderia ser casada na época de sua admissão. Em seu discurso, ela evidencia a
possibilidade de um futuro melhor a partir do emprego do marido. Dessa maneira, essa
carta, datada de 05/03/1945, sugere que o salário dessa mulher era apenas complementar.
Quando se trata do tempo de serviço dos operários geralmente ficavam na
fábrica, prevalece um número bem reduzido de anos. De acordo com o Gráfico III, pode-se
concluir que para a maior parte desses trabalhadores, entre os anos 1927 a 1932, não existe
referência para o tempo de serviço, indicando que esses continuavam trabalhando na
fábrica até a elaboração dos registros de 1935. Já para as fichas de 1935, poucas são as que
o constam as datas de dispensa. Isso se deve ao fato de que o Registro de Empregados foi
elaborado pouco tempo depois, explicando a falta de informações nas fichas de admissão.
GRÁFICO III
88
Carta datada de 05/03/1945, anexada à ficha de Elza Teixeira.
77
OBSERVAÇÕES SOBRE OS OPERÁRIOS
FONTE: Acervo da Companhia Industrial São Joanense, Fichas de Admissão 1927-1932 e
Registro de Operários, 1935.
O Gráfico III indica as categorias geralmente utilizadas para justificar as saídas
de seus operários. Mas esse quadro não é estático, considerando-se que cada item
mencionado sofre variações no discurso dos industriais. Em várias fichas há informações
que mostram readmissões, demissões, reclamações e/ou elogios por parte da administração
da fábrica ao referir-se ao trabalho desempenhado por esses operários.
No primeiro período analisado, de 1927-1932, informações como: “bom(a)” e
“ótimo(a)”, “honesto e trabalhador”, “cumpridor dos deveres”, “boa conduta”, “cumpriu
o seu dever”, “bom comportamento”, “desempenhou a contento as suas atribuições”,
faziam parte do discurso patronal quando queriam elogiar um operário. Esses elogios
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
1927-
1932
1934 1935
S/I
Saìdas
Abandono
Demissões
Falecimentos
Suspensão
Doenças
Aposentadoria
78
aconteciam principalmente quando especificavam suas saídas como sendo de “Livre
Vontade”, ou quando eram justificadas pelo operário.
Por outro lado, quando a intenção era de deixar registrado algum desvio do
operário, eram comuns expressões do tipo: “péssimo serviço”, “mau funcionário”,
“inconstante”, “insubordinado”, “insubmisso às ordens”, “não deve ser readmitido”,
“não sujeita às normas do serviço”. Identificou-se essas denominações, obviamente,
quando eram despedidos, ou quando saíam sem dar uma justificativa à administração.
Nesse primeiro momento, 1927-1932, e em menor escala em 1934, é grande o
número de saídas seguido, poucas vezes, por readmissões. Como se observou
anteriormente, era comum que a operária saísse do trabalho na época do casamento. Mas
ocorrem casos em que essa saída era justificada pelo estudo, descanso, viagem ou mudança
da cidade. Muitas vezes, era também destacado o prazo previsto por lei para a saída do
emprego, mas com pouco vigor em relação ao número de ocorrências da desistência do
trabalho.
A desobediência ao mestre ou ao encarregado da seção, muitas vezes, resultava
na demissão do operário ou na saída espontânea do mesmo. Em 1927-1932, foram quatro as
demissões nesse caso, sendo que em uma delas o operário “retirou-se com maneiras
bruscas por ser observado pelo encarregado”. Em 1934, o número sobe para 14
(quatorze), constando em algumas fichas, justificativas curiosas, já que foram despedidos
“(...) por entrar em luta corporal com seu companheiro(...)”; “(...) por vadiagem e má
criação (...)”; “por faltar com a moralidade (...)”, entre outros.
Quando se analisa a trajetória profissional desses operários, informada no item
“Observações” dessas fichas de admissão, constata-se que existe uma separação nítida entre
79
operários aptos e inaptos ao serviço da fábrica. Várias são as designações existentes para os
diversos motivos das saídas dos operários da fábrica.
O Gráfico III ainda indica num primeiro olhar, que os operários mais velhos
começavam a ceder seus lugares aos mais novos, diante do número registrado de
aposentadorias, doenças e falecimentos. Quando aposentados, muitos ainda continuavam a
trabalhar na fábrica. Ainda considera-se como aposentados aqueles que, por ficarem mais
de seis anos afastados do trabalho, eram retirados do ponto pelo IAPI. A utilização do
trabalho dos velhos e das crianças é verificada por Lopes (1988) quando destaca o período
da abundância de empregos no início do século XX. Os mais idosos acabavam por se tornar
alvo de brincadeiras dos mais novos.
É interessante pontuar que os elogios e as reprovações justificadas pela
administração quando faziam referências ao operário, praticamente desaparecem das
informações fornecidas pelo Registro de Empregados. O que na realidade se tem é uma
“explosão” de readmissões, um número restrito de demissões e uma única suspensão na
qual o operário, após cumpri-la, volta ao seu trabalho. Foi encontrada uma única ocorrência
em que uma mulher justifica sua saída para se casar e outra que sai para seguir a vida
religiosa, mas essa última volta, e logo é readmitida pela fábrica.
No caso da suspensão, o operário era o “engomador de fios”. De acordo com o
registro do operário, apesar de ter saído apenas em 1961 da fábrica, na qual trabalhou desde
os quatorze anos, pois havia entrado em 1918, e, em 1942, aprontou uma espécie de
“traição” para a São Joanense. Alegando doença, faltou ao serviço e foi pessoalmente à
concorrente “Fiação e Tecelagem Matosinhos S/A” fabricar o maciol, produto que o
funcionário sabia o segredo e que deveria guardar. Sua punição foi decretada em 30 dias de
suspensão cumprida pelo operário, que logo após voltou ao serviço.
80
O que impressiona é que o número de saídas e readmissões é grande e, muitas
vezes, um mesmo operário chegava a sair até três vezes da fábrica. Outros, depois da
readmissão, aposentavam, abandonavam, tornavam a sair ou mesmo faleciam no tempo em
que estavam trabalhando.
Quando se observa a mesma informação no item Observações obtida pelo
Registro de Operários de 1935, é considerável o número de “idas e vindas” ao trabalho na
fábrica.
GRÁFICO IV
PERMANÊNCIA NO TRABALHO FABRIL
FONTE: Acervo da Companhia Industrial São Joanense, Fichas de Admissão 1927-1932 e
Registro de Operários, 1935.
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
1927-1932 1935
até 1 ano e 11
meses
2 a 5
6 a 10
11 a 20
21 a 30
31 a 50
50- ...
81
Observando o Gráfico IV, pode-se concluir que muitos não chegavam a dez
anos de serviço na fábrica, e que o número de operários que ficava menos de um ano era
bastante significativo.
É interessante observar que os curtos períodos de trabalho não indicavam,
necessariamente, que os operários desempenhassem um trabalho ruim. Pelo contrário, essas
saídas, quando justificadas, eram seguidas por elogios por parte dos patrões.
A quantidade de operários para os quais não se têm informações é muito
restrita, uma vez que estão sendo considerados também nesse item aqueles em que existia
apenas a informação sobre o número da carteira de reservista dos operários, as alterações de
nomes (geralmente de mulheres), ou a data do registro da chegada ao Brasil, quando esses
eram imigrantes.
O discurso dos patrões nas justificativas dadas no item Observações muda
quando comparamos as Fichas de Admissão com o Registro de Operários. Nas primeiras,
procurou-se apontar para a eficácia do trabalhador através de sua conduta e obediência. Já
nos Registros de Operários, o que se têm é um número reduzido de justificativas e uma
grande quantidade de readmissões ao trabalho na fábrica.
O grande número de saídas e readmissões, verificados nos Registros de
Empregados de 1935, também foi objeto de análise no estudo de José Sérgio Leite Lopes
(1988), em seu estudo sobre a fábrica de Tecidos Paulista. O autor também observa a
elevada rotatividade de mão-de-obra e destaca que muitos trabalhadores tinham um tempo
de serviço muito pequeno, de poucos meses, contrapondo-se com outros de tempo de
serviço elevado. Para Lopes, esse “tempo de abundância de trabalho” propicia a
possibilidade constante da readmissão e, com isso, a reação individual às arbitrariedades
82
dos chefes imediatos, propiciando também um clima de trabalho em que os operários
conseguem recriar, atenuando a hostilidade de suas condições de trabalho.
89
De qualquer forma, as informações fornecidas por esses registros demonstram
que a adaptação ao trabalho na fábrica não foi nada fácil, e que o papel desempenhado
pelos industriais no sentido de “disciplinar” essa mão-de-obra, identificado por Giroletti em
fins do século XIX, nas fábricas por ele estudadas, e detectados na experiência da São
Joanense no mesmo período, estava ainda evidente na década de 1920.
Se, por um lado, a insubordinação às regras do trabalho fabril ocasionava
demissão ou mesmo suspensão, por outro, a saída espontânea da fábrica indicava uma certa
resistência à disciplina imposta. Pode-se considerar que, muitas vezes, a readmissão do
trabalhador sinalizava a ausência de um exército industrial de reserva. Essas atitudes, são
uma “Microfísica da Resistência”, invertendo a expressão criada por Foucault da
“Microfísica do Poder” e se referem às mesmas pequenas ações e detalhes cotidianos, do
ponto de vista inverso, ou seja, da ação dos operários.
90
A análise sobre a disciplina industrial tem sua história entrelaçada à
convivência entre adultos e crianças, mulheres e homens. O uso do trabalho infantil
amplamente utilizado em fins do século XIX e início do século XX, seria uma forma eficaz
de inculcar essa disciplina desde muito cedo, numa relação em que, na fábrica, a criança
deveria obediência tanto aos pais quanto ao patrão. Além disso, a separação relativamente
rígida entre as ocupações femininas e as masculinas indicou uma realidade na qual as
categorias de gênero desempenhavam funções e tinham lugares diferentes dentro de um
mesmo espaço de trabalho.
89
LOPES, 1988. p.71.
90
LOPES, 1988. p. 81.
83
CAPÍTULO III
São João del-Rei, a fábrica e a moradia operária
Em 1891, quando os acionistas da Companhia Industrial São Joanense se
reuniram para elaborar os estatutos que iriam regulamentar o funcionamento da futura
fábrica, um tópico fez-se necessário na pauta da discussão: a construção de moradias
que seriam destinadas aos operários. De acordo com o documento, entre os fins da
criação da fábrica, caberia edificar, caso houvesse vantagem para a Companhia, casas
próprias para alugar aos empregados da época.
1
A construção de moradias para os operários do século XIX no Brasil era
prática comum principalmente em fábricas que eram construídas distantes das cidades,
como as têxteis de Bernardo Mascarenhas, estudadas por Domingos Giroletti (1991).
Apesar do edifício da Companhia Industrial São Joanense não ter sido construído
afastado do centro comercial de São João del-Rei, existiu uma preocupação de seus
industriais em planejar o alojamento da mão-de-obra aliciada para o trabalho na fábrica.
Desde o final do século XIX, o operariado urbano-industrial habitou pobres
e pequenas moradias, muitas vezes coletivas, nos vários núcleos e centros urbanos
brasileiros. E estas foram consideradas pelos estudiosos, habitações insuficientes e
1
COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE. Estatutos da Companhia Industrial São Joanense.
Capítulo I, Artigo terceiro, parágrafo segundo. São João del Rei, Tipografia da Gazeta Mineira, 1893. p.
03.
inadequadas, pois eram caras para os baixos salários recebidos pelos operários, e quase
sempre apresentavam um baixo padrão habitacional.
2
Alguns industriais das grandes cidades, como Francesco Matarazzo, da
Fiação e Tecelagem Mariângela (São Paulo), construíram vilas operárias junto às suas
fábricas, mas cobravam aluguéis elevados. Nas grandes cidades, eram raras as indústrias
que construíam moradias vantajosas para o operariado empregado, como o conhecido
Jorge Street. Vilas operárias, que apresentavam condições adequadas e aluguel
relativamente barato, eram freqüentes no interior dos estados, em núcleos distantes,
onde era preciso fixar a mão-de-obra.
3
As observações coletadas nos registros referentes aos endereços das
residências dos operários têxteis da cidade de São João del-Rei evidenciam que estes
moravam, em sua maioria, em ruas que se localizavam nas proximidades do edifício da
fábrica. Somente algumas vezes, são mencionadas nesta documentação as ruas
tradicionais, que em muitos momentos serviram de referência para retratar o dinamismo
comercial, que tanto caracterizou o centro de São João del-Rei em tempos anteriores.
Entretanto, essa colocação não exclui a presença de operários que trabalhavam na
fábrica e que residiam no centro da cidade.
4
No caso da Companhia Industrial São Joanense, a organização do
operariado através da moradia se deu de forma peculiar: a fábrica chegou a construir
2
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo de. Indústria, Trabalho e Cotidiano: Brasil, 1880 a 1930. São Paulo:
Atual, 1991. (História em Documentos) p. 47-48.
3
Idem Ibidem, p. 51.
4
Locais como a Rua Direita, da Cachaça, do Tejuco, das Mônicas, do Rosário, da Prainha, do Carmo, de
São Francisco, da Ponte e seus respectivos “becos”, são retratados como locais dinâmicos de vendas na
Vila de São João del Rei do século XIX. Em fins do século XIX podem ser contabilizadas 28 ruas, entre
elas: Direita, S. Roque, Municipal, Commércio, S. Francisco, Prata, Rosário, Praia Formosa, Santo
Antônio, Independência, Bonfim, Voluntários, Paysandú, Alegria, Cruz, S. Miguel, Senhora da Graça,
Santa Thereza, Lage, Flores, Carmo, Nova, Misericórdia, Collégio, Prainha, Cajangá, Barro e Forras. In:
MALDOS, Roberto. Formação Urbana de São João del Rei. São João del Rei: IPHAN, 1997.
(mímeo).Esse dado, de 1887, foi baseado nos estudos do Sr. Aureliano Mourão, publicado no jornal “O
Arauto de Minas”. São João del-Rei, 31 de março de 1887, Anno I, N
o
4.
algumas residências para serem alugadas aos operários, mas a grande maioria desses
trabalhadores residia ao redor do edifício da fábrica, em propriedades que não
pertenciam a ela. Assim, a constatação da existência de casas pertencentes à São
Joanense não indica, necessariamente, que para os seus operários foi construída uma
“Vila Operária”.
Muitas são as relações que podem ser estabelecidas para discutir o interesse
dos industriais na construção de moradias para operários e o interesse desses próprios
trabalhadores em se estabelecer perto do local de trabalho. Muitas são as perguntas que
se formulam: como esses moradores conseguiram o espaço para residir? Em cada uma
dessas residências moravam muitos operários da fábrica? O trabalho na fábrica absorvia
muitos membros de uma mesma família? Como se dava o deslocamento desses
operários até o local de trabalho? E, afinal, como eram as moradias dos operários são-
joanenses em princípios do século XX?
Analisando como se processou a iniciativa da fábrica na construção de
residências para os operários e ampliando essas evidências para as formas de
organização das moradias existentes, é que se pôde vislumbrar o núcleo familiar, o lugar
de origem do trabalhador e de sua família e, ainda, os deslocamentos entre o local em
que essas casas se estabeleceram e o lugar de trabalho.
3.1 A cidade como um mercado de trabalho
A posição estratégica da cidade de São João del-Rei, situada como ponto de
convergência com os principais centros produtores e receptores de produtos, fez com
que a cidade, após a febre inicial de exploração do ouro, se desenvolvesse de forma
constante e sem grandes sobressaltos. Em finais do século XIX, São João del-Rei
vivenciou um impulso comercial com a presença de muitas fábricas, de têxteis à
ladrilhos, cervejarias e laticínios, produtos de couro e pequenas metalurgias, entre
outros. Tanto que os jornais são-joanenses do início do século XX estão repletos de
anúncios sobre as novas indústrias e seus produtos. Esse fato serve de referência para
que a cidade, nos dias de hoje, seja intitulada por seus habitantes como “a cidade do já
teve”.
5
A cidade de São João del-Rei, que era um importante pólo comercial da
antiga região compreendida pela Comarca do Rio das Mortes, da qual era sede,
adquiriu, em princípios do século XX, características especiais como um local que
servia de referência para as condições de trabalho existentes na região; em que se
localizava.
6
Ao concentrar certas atividades econômicas, a cidade acabava por criar uma
base de serviços necessários à circulação e à distribuição de mercadorias, como de
capital, abastecendo e oferecendo produtos e serviços a todas as pequenas cidades
existem ao seu redor. A dependência econômica e social dessas pequenas cidades
acabou por individualizar São João del-Rei como um mercado de trabalho indispensável
para a região. Segundo Hardman e Leonardi:
“No caso do Brasil, podemos visualizar esse processo apenas depois de 1930,
mas, anteriormente, a capitalização das relações econômicas tendia a
influenciar cada vez mais os rumos da industrialização.”
7
5
MALDOS, Roberto. Formação Urbana de São João del Rei. São João del Rei: IPHAN, 1997. (mímeo).
Entre os jornais, destaca-se A Opinião (Propriedade de Euclides Machado). Exemplares avulsos dos anos
de 1908; 1909; 1911 e 1912, existentes na Biblioteca Municipal Baptista Caetano / São João del-Rei.
6
Hobsbawn empreende uma análise na qual caracteriza Londres por essa mesma dualidade característica,
sendo considerado um mercado de trabalho distinto do restante do país. HOBSBAWM, Eric. J. Mundos
do Trabalho: novos estudos sobre História Operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. 3. ed.p. 193.
7
HARDMAN & LEONARDI, 1982, p. 101.
Em 1915, um mapa de São João del-Rei oferecia informações interessantes
sobre qual era a composição da cidade, em princípios do século XX. Inicialmente, na
legenda do mapa são destacados os principais edifícios que serviam de referência para
quem viria a consultá-lo. São trinta indicações, sendo que oito delas são referentes a
Igrejas (Bonfim, São Francisco; Rosário, Matriz, Carmo, Mercês, São Gonçalo e
Matosinhos) e quatro são de cemitérios (Público, Carmo, São Francisco e Mercês).
Prestando serviços municipais, aos moradores da cidade eram oferecidos
a Casa de Câmara e Cadeia, o Asilo de São Francisco, a Santa Casa de Misericórdia, o
Quartel Federal, a Escola Normal, a Estação da Estrada de Ferro Oeste de Minas, o
Recolhimento de Órfãos, o Mercado Municipal, a Enfermaria Militar, o Teatro
Municipal, o Colégio Nossa Senhora das Dores, o Matadouro, a Caixa D’água, o
Chafariz Público e uma Estação Distribuidora.
Entre as companhias industriais, São João del-Rei contava com uma
Companhia Agrícola, uma Fábrica de Cervejas, uma Fábrica de Sabão e uma Fábrica de
Tecidos, que no caso, era a Companhia Industrial São Joanense. Infelizmente, apesar de
todas essas indicações estarem numeradas na legenda, no mapa propriamente dito, elas
são citadas em apenas alguns locais, limitando a visualização da localização desses
prédios. Melhor visualizados são os nomes e a localização das ruas da cidade, como se
procurou demonstrar com a versão que se segue do mapa original.
8
8
A cópia do mapa foi elaborada por Welber L. Santos, em outubro de 2002.
Na Folha 1, o que mais se destaca é a presença da Ferrovia Oeste de Minas, em
um local que dispõe de poucas ruas nomeadas. São doze indicações de nomes de
logradouros: a Rua das Forras; Rua Capitão Villarino; Rua do Recreio; Rua Coronel
Tamarindo; Rua Antônio Rocha; Avenida Carneiro Felippe; Rua do Padre Faustino; Rua
Comendador Magalhães; Rua das Mangueiras; Rua de Dra. Leonarda; Rua do Matola e
uma única praça, a Barão de Ibituruna. Trata-se, na verdade, de um espaço novo na cidade,
que passou na primeira metade do século XX por um processo de ocupação. Vários nomes
de logradouros foram dedicados a homens ligados à ferrovia.
“Bairro Chagas Doria, em homenagem a Francisco Manuel Chagas Doria, um
competente engenheiro diretor da E.F. Oeste de Minas, Rua Antônio Rocha, em
homenagem ao Sr. Antônio Francisco da Rocha, português de nascimento que
foi, durante anos, diretor da Companhia E.F.O.M, Avenida Leite de Castro, em
homenagem ao Dr. Joaquim Domingos Leite de Castro, também diretor da
Companhia E.F.O.M, entre outras”.
9
Na Folha 2, pode-se visualizar o lado mais dinâmico e antigo da cidade. Nela,
encontramos três Praças (Bonfim, Rosário e Mercês), três Largos (São Francisco,
Tamandaré e Câmara), além de trinta e uma ruas. São elas: Rua de São José, Rua do
General Osório, Rua de Santo Antônio, Rua do Córrego, Ruas das Flores, Rua do Campo,
Rua da Prata, Rua da Lage, Rua do Progresso, Rua da Intendência (em duas localidades),
Rua dos Pinheiros, Rua Municipal, Rua de São Francisco, Rua da Misericórdia, Rua
Hermílio Alves, a continuação da Avenida Carneiro Felippe, a Rua do Comércio, Rua do
Tiradentes, Rua Direita, Rua da Romeira, Rua do Carmo, Rua do Jogo de Bola, Rua de S.
9
AGOSTINI, 1996, p.12.
Elias, Rua do Salto, Rua Riachuelo, Rua de D. Thereza, Rua do Resende Costa, Rua do
Vigário Amâncio, Rua da Cruz, Travessa do Cotovelo e a Rua de S. Roque.
O ritmo comercial vivenciado por São João del-Rei nas primeiras décadas do
século XX é caracterizado por pequenas fábricas ocupando áreas centrais, mas que, com o
passar dos anos, outras preferiram se afastar para áreas com melhores condições de
instalação, ou mesmo decidir sua instalação nesses locais, como foi o caso da Companhia
Industrial São Joanense, localizada na Avenida Leite de Castro.
10
Para compreender a criação de novas ruas em áreas afastadas como
característica do aspecto dinâmico de São João del-Rei, é necessário que a cidade seja
considerada como um mercado de trabalho, capaz de absorver um número elevado de
trabalhadores migrantes das cidades vizinhas. Os registros operários da fábrica, ao
indicarem a naturalidade dos operários, demonstram que, apesar de muitos deles serem são-
joanenses, grande era o número de referências ao local de origem desses trabalhadores
como sendo de cidades próximas ou mesmo de ex-distritos da própria São João del-Rei.
Esse fato evidencia que o aliciamento da mão-de-obra para a fábrica escapa ao local. É o
que se pode observar no mapa de São João del-Rei que se segue. Nele pode-se observar
algumas referências a distritos e a cidades vizinhas que davam à cidade a importância
enquanto um mercado de trabalho.
FONTE: Viegas, Augusto. Notícias de São João del-Rei. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1942. p. 121-B.
10
MALDOS, 1997, p. 42.
De acordo com as indicações do mapa, grande era o número de cidades que
forneciam trabalhadores na época. Praticamente, pode-se fechar um círculo em volta da
cidade de São João del-Rei. Ainda cabe lembrar que, nesse período, São João del-Rei
contava com alguns de seus antigos distritos que eram também importantes fornecedores
de mão-de-obra. Além desses distritos, diferentes denominações podem representar a
mesma localidade como por exemplo: Águas Santas/Porto Real = Tiradentes; Colônia/São
Francisco Xavier/Rio das Mortes/Chagas Doria/São Francisco do Onça = São João del-
Rei.
11
Nos três momentos analisados na documentação 1927-32, 1934 e 1935 , o
número de nascidos na cidade de São João del-Rei supera ou equivale àqueles nascidos em
outros locais.
12
Nascidos em Minas Gerais, ou em outros estados brasileiros, os operários
tinham ainda representações estrangeiras, como: portugueses, italianos e um polonês.
Interessante apontar, que é encontrado um grande número de filhos de italianos que haviam
nascido em colônias de imigrantes, já estabelecidas na cidade. Essa realidade pode ser
apontada da seguinte maneira:
TABELA IV
NATURALIDADE DOS OPERÁRIOS
(Principais cidades fornecedoras de mão-de-obra para a fábrica)
11
Como foi esboçado no capítulo I, os nomes dos distritos eram: Carrancas, Nossa Senhora da Piedade do Rio
Grande, São Francisco do Onça, São Miguel do Cajuru, Madre de Deus e Bom Jardim.
12
A equivalência existente nos registros de 1935 perde o valor no momento em que se constata que muitos
nasceram em distritos de São João del-Rei, e, por isso mesmo, pertencentes ao município.
Nome da cidade
1927/1932
1934
1935*
São João del-Rei 187 131 163
Tiradentes 12 11 15
Resende Costa 09 11 10
Santa Rita 08 - -
São Francisco Xavier 12 02 06
Conceição da Barra 05 02 07
Colônias de imigrantes 07 05 08
Outros (MG) 87 67 101
Outros estados 08 08 07
Estrangeiros 07 02 07
Desaparecidas - - 11
Sem informação 01 - 02
Total
371 239 337
*Lembrando-se que em 1935, das 337 fichas, 11 estão desaparecidas.
(FONTE: Registros de Operários Acervo da Companhia Industrial São Joanense)
Diante da Tabela IV, pode-se observar que o maior número de operários
nasceu na própria cidade de São João del-Rei, ou então em cidades muito próximas, como é
o caso de Tiradentes, Santa Rita (atualmente chamada de Ritápolis) e Resende Costa.
Apesar da presença de nascidos em outros estados ou países, o que se constata é que a
maior parte da mão-de-obra havia sido recrutada no próprio território de Minas Gerais. E
pela disposição das cidades fornecedoras de mão-de-obra observada no mapa anterior,
observa-se que São João del-Rei realmente apresentava-se como um mercado de trabalho e
um local de referência para a região do Rio das Mortes.
3.2 São João del-Rei e o bairro da fábrica.
Em um dos registros de operários consultados, e que faz referência ao ano de
1934, foi encontrada a descrição do endereço da residência do trabalhador indicando:
“Bairro da Fábrica”. Essa designação destaca-se no momento em que se observa que ao
redor da fábrica começa a aparecer um número representativo de ruas que formam o que
atualmente se chama “Bairro das Fábricas”. A fundação da Companhia neste local
apresenta-nos como fundamental para a criação desse novo espaço de São João del-Rei,
uma vez que foi a primeira fábrica criada na cidade e optou por sua localização afastada do
centro.
Para a ocupação desse novo território que circunda a fábrica de tecidos,
destaca-se a importância dos imigrantes italianos. Em finais do século XIX, é grande o
número desses trabalhadores que deixaram o campo, em rejeição ao trabalho oferecido no
período de criação das colônias italianas na cidade, para se estabelecerem na urbe são-
joanense. Muitos destes italianos pedem à Câmara Municipal a concessão de terrenos
devolutos que se localizavam nas proximidades da Companhia Industrial São Joanense. A
“não-vocação agrícola” atribuída a esses colonos como justificativa para sua dispersão,
deve ser melhor entendida no contexto de um crescente desenvolvimento urbano
vivenciado na época por São João del-Rei.
Nesse período, várias são as denúncias de jornais locais de que muitos desses
imigrantes acabavam esmolando pela cidade, conforme foi denunciado em um jornal local:
“Continuavam pela cidade esmolando, diversos imigrantes. Chamamos para este
fato a atenção de quem é de direito. Para virem aumentar o já crescido número de
esmolantes aqui existentes, não era preciso que o estado mandasse buscá-los a
suas terras.”
13
13
Jornal A Verdade Política , 07/02/1889. Artigo- “Imigrantes Pedintes”.
Esse argumento de que os operários reivindicavam menos o direito à moradia
do que o direito à cidade é cogitado por Michelle Perrot em sua análise sobre a França do
mesmo século. Desde que estivessem vivendo na cidade, os trabalhadores acabavam
aceitando quaisquer condições habitacionais.
14
A inserção do imigrante italiano na urbe são-joanense pode ser justificada por
vários motivos: a reclamação da falta de qualidade dos lotes que foram recebidos nos
núcleos coloniais aliada à ausência de vocação agrícola, da falta de escolas e do próprio
desinteresse do governo. A venda de frutas, verduras e bordados, por exemplo, aparece
como a primeira atividade comercial que os colocou em contato com a população são-
joanense.
Os pedidos de terrenos devolutos em São João del-Rei para a construção de
casas começam a ser freqüentes a partir de 1889, mas vão se intensificar logo após essa
data, principalmente para aqueles lotes que se localizavam nas proximidades da fábrica de
tecidos. Para esse fim, são totalizados 29 pedidos. As Ruas Paulo Freitas, Cristóvão
Colombo e cercanias da fábrica eram predominantes nos pedidos. Tanto que, pelo número
de italianos que nela residiam, a Rua Cristóvão Colombo ficou conhecida como a “Rua dos
Italianos”.
TABELA V
LOCALIZAÇÃO DOS TERRENOS DEVOLUTOS CEDIDOS A ITALIANOS
(1889-1899)
14
PERROT, Michelle. “Os operários, a moradia e a cidade no século XIX”. In: Os Excluídos da História:
operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. 3
.
ed. p. 101/102. Sobre os imigrantes
italianos em São João del-Rei, ver: GIAROLA, Regina Célia Gonçalves. O imigrante italiano em São João
del-Rei (1888-1930). São João del-Rei: FUNREI, 1996. (Monografia de final de curso da Pós-Graduação Lato
Sensu em História de Minas do Século XIX).
LOCAL Construção de
casas e moinho
Casas comerciais
e manufatureiras
Matozinhos 1 1
Cercanias da Fábrica São Joanense 4 -
Paulo Freitas 12 7
Água Limpa 2 -
Cristóvão Colombo 10 3
Córrego da Fazenda Carandahy 1 -
Colônia do Marçal - 1
Praça Tamandaré - 3
Rua do Carmo - 1
Sutil - 1
Antônio Rocha - 1
Moreira Cesare - 6
Matolla - 1
Duque de Caxias - 1
Hermílio Alves - 1
Rua do Comércio - 1
Marechal Bittencourt - 2
General Osório - 2
Estação do Rio das Mortes - 1
Junto à porta do Teatro - 1
Não especificado - 5
Total 30 39
FONTE: Requerimentos da Câmara Municipal. Arquivo da Biblioteca Municipal de São
João del-Rei. Apud. GIAROLA, Regina Célia Gonçalves. O imigrante italiano em São João del-Rei
(1888-1930). São João del Rei: FUNREI, 1996. (Monografia de final de curso da Pós-Graduação Lato
Sensu em História de Minas do Século XIX).
Apesar de esses pedidos serem do período compreendido entre os anos de 1889
a 1899, as Ruas Paulo Freitas e Cristóvão Colombo, que eram responsáveis pelo maior
número de pedidos, não estão arroladas nos endereços do Mapa de São João del-Rei datado
de 1915 e analisado anteriormente. A Rua Paulo Freitas, por exemplo, já tinha essa
denominação desde 1893, quando no final do século XIX, algumas leis e resoluções
ampliaram as determinações e orientações que eram ditadas pela Câmara Municipal, no que
se refere às intervenções urbanas.
15
De qualquer maneira, o que se pode observar é que esse era realmente um
espaço novo dentro da cidade, que passava por um processo de crescimento, uma vez que o
século XX traria o prolongamento de ruas que já existiam, ou a abertura de outras. Algumas
delas detinham o maior número de operários, constatando que, apesar de não existir
verdadeiramente uma “vila operária”, a maior parte dos trabalhadores da Companhia
Industrial São Joanense residiam em locais próximos à fábrica, como se observa na Tabela
VI:
TABELA VI
RUAS COM MAIOR CONCENTRAÇÃO DE OPERÁRIOS
Nome da rua 1927-32 1934 1935
Avenida Leite de Castro 50 42 60
Rua do Albergue 25 30 47
Rua Cristóvão Colombo 40 28 29
Rua 24 de fevereiro 20 04 13
Rua 12 de outubro 12 02 13
Chagas Doria 11 06 13
Matosinhos 12 10 -
Sem informação 55 01 11
FONTE: Registro de Operários Acervo da Companhia Industrial São Joanense.
15
MALDOS, 1997. p. 35.
Apesar de não poderem ser visualizadas no mapa, essas ruas podem ser
identificadas na Folha 1. Seguindo a Rua Antônio Rocha (número 06), segue-se descendo a
linha da Ferrovia Oeste de Minas. Todas as ruas arroladas na Tabela VI se localizam nesse
espaço salientado no mapa. A Companhia Industrial São Joanense, contando com a
presença massiva de italianos e seus descendentes, acaba por dar mais dinamismo a uma
área entremeada à colônia italiana e ao centro comercial da cidade de São João del-Rei.
3.4 As residências operárias pertencentes à Companhia Industrial
São Joanense
Diversos documentos analisados apontam para a iniciativa da fábrica na
construção de moradias para seus operários no período inicial de seu funcionamento. Em
1891, o presidente da fábrica em exercício, Antônio Xavier de Almeida, fez um
requerimento junto à Prefeitura Municipal pedindo a concessão de um terreno próximo ao
edifício da Companhia, alegando a construção de casas para operários ou dependências.
Como o terreno era devoluto, a Intendência Municipal concordou, obrigando apenas a
administração da fábrica a pagar o aforamento da lei e terminar a construção da obra no
prazo de um ano.
16
Outros dois documentos reafirmam o interesse da fábrica em ampliar os seus
terrenos e, inserido nesse empreendimento, a necessidade de melhor organizar a questão da
moradia de seus operários. Novamente, em 1891, a diretoria da São Joanense requer junto à
Intendência Municipal o fechamento de um caminho existente nos fundos da fábrica de
16
COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE. Documentos avulsos. São João del-Rei, 30 de outubro de
1891.
tecidos. Para conseguir que esse caminho fosse fechado, a Companhia se comprometeu a
abrir uma rua espaçosa à frente do edifício que ainda estava em construção. Esse pedido foi
deferido em 1896. A imposição da construção dessa rua espaçosa que a fábrica deveria
abrir se transformou na atual Avenida Leite de Castro, hoje uma das principais avenidas de
São João del-Rei.
17
Ainda em 1896, ao fazer um arrendamento de terrenos, fica clara a
existência de casas para operários na propriedade da fábrica, uma vez que uma das
condições desse arrendamento previa que a Companhia poderia “(...) fazer tapumes nos
fundos das propriedades em que moram seus operários, bem como edificar outras casas (...)
nos mesmos terrenos”.
18
O termo “operário” utilizado nessa documentação permite uma dupla
interpretação, uma vez que pode significar tanto aquele trabalhador responsável pela
produção de fios e tecidos, quanto também aqueles trabalhadores que eram responsáveis
pela construção e ampliação do edifício da fábrica. No Livro Diário da Companhia
Industrial São Joanense, na seção de pagamento de despesas, existe a referência ao
pagamento do ordenado de operários, sendo estes considerados trabalhadores da construção
civil.
De qualquer forma, alguns ex-operários fazem referência à existência dessas
moradias que eram propriedades da fábrica. De acordo com o Sr. Tirado, à fábrica pertencia
todo o terreno da Chácara da Olaria, comprada para a construção do edifício e algumas
casas para os seus operários. Quando foi admitido no serviço, em 1917, elas já existiam,
17
COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE. Documentos avulsos. São João del-Rei, 27 de fevereiro
de 1896.
18
COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE. Documentos avulsos. São João del-Rei, 1
o
de março de
1896.
mas algumas que se localizavam na Rua Frei Cândido, foram construídas no período em
que já estava trabalhando.
Apesar dessa constatação, não foram encontrados indícios que descrevam
como eram essas moradias em fins do século XIX e no início do XX. Algumas evidências
só aparecem a partir de 1930. Em junho desse mesmo ano, foram efetuadas melhoras em
algumas das casas que eram propriedades da fábrica, como a reforma da casa de número 24
da Avenida Leite de Castro e também a colocação de vidraças nas casas de número 28 a 46,
situadas na mesma avenida.
19
Uma descrição minuciosa de como era planejada a construção dessas moradias
pôde ser observada em um documento datado de 1
o
de agosto de 1935, quando a
Companhia Industrial São Joanense assinou um contrato de empreitada com o construtor
Floriano Hugo Bassi, para que fossem construídas seis casas na Travessa Cristóvão
Colombo, que fazia limites com o edifício da fábrica de tecidos.
20
Essas residências seriam conjugadas, mas em cada uma delas existiria uma
área reservada nos fundos. Os alicerces deveriam proporcionar segurança, e as casas
deveriam ser construídas com pedras de boa qualidade, e com assentos de cal e areia. As
paredes, de alvenaria e tijolos, seriam compostas de engradamento de madeira de lei, por
serem classificadas entre as melhores, assim como os assoalhos. As esquadrias externas
deveriam ser de cedro ou de jequitibá, e as internas, de outra madeira de boa qualidade. As
telhas seriam francesas e os forros de pinho do Paraná. A pintura das portas, janelas e forros
seriam a óleo e a das paredes a cal de diversas cores.
19
COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE. “Despesas de construção do barracão para o algodão e
para a reforma da casa de n
o
24”. Documentos avulsos. São João del-Rei, 30 de junho de 1930.
20
COMPANHIA INDUSTRIAL SÃO JOANENSE. Documentos avulsos. São João del-Rei, 1
o
de agosto de
1935.
As casas deveriam conter um “W. Closet de qualidade superior”, uma pia de
cozinha e um tanque, tudo com torneiras de metal. Também deveriam ser colocados calhas
e condutores para o escoamento das águas da chuva, assim como deveria ser feita a
impermeabilização das cozinhas, banheiros e das latrinas com cimento.
Cada casa teria um fogão de tijolos e chapa. Dois deles teriam de ter
serpentina para água quente, pois somente duas casas teriam a instalação de um banheiro
esmaltado. Nelas, além de uma caixa usual para água fria, teriam também mais uma para
banho quente.
Por fim, deveriam construir muros dividindo as casas, assim como passeios
em rosa em todas elas. Todas as portas e janelas deveriam ter bons fechos e também uma
caixa de gordura, além de encanamentos de água e esgoto independentes para cada uma
delas.
A descrição das casas efetuadas nesse contrato indica um elemento
importante: existia uma diferenciação entre as casas, indicadas, no caso, pelo que seria
oferecido em cada banheiro. E essa constatação nos remete à seguinte pergunta: para que
tipo de operário foram destinadas essas moradias?
Percebe-se que a descrição dessas casas pouco condiz com a representação
que geralmente associa-se à moradia operária do início do século XX. As condições de vida
nos “cortiços”, tão evidenciadas nos jornais da época, e que já serviram de inspiração para a
literatura; e até recentemente para novelas, prevalecem em nossa memória como sendo a
representação da “vida privada” desses operários. No entanto, a partir da descrição da
moradia acima efetuada, nos perguntamos: como morava o operário que trabalhava para a
Companhia Industrial São Joanense?
O conforto das casas pode ser verificado em uma outra documentação que
também faz referência a essas moradias para operários. A partir de 1970, a Companhia
Industrial São Joanense inicia um processo de vendas, somente para as antigas residências
dos operários da fábrica. Essas casas poderiam ser adquiridas pelos operários que nela
residiam por um preço especial, com um abatimento de 30% do seu valor real.
No processo de venda, existe a descrição de quantos e quais eram os cômodos
das casas vendidas, e o que se observa é que não se tratavam de casas pequenas. Pelo
contrário, o número de cômodos ou equivalia, ou era maior que quatro. Com dois, três ou
quatro quartos, algumas chegavam a ter duas salas, acrescidas sempre de uma cozinha e de
uma instalação sanitária.
Mesmo assim, verifica-se, conforme os dados analisados nos registros, que o
número de operários que morava em residências da fábrica era bastante restrito. Dessa
forma, a presença direta dos industriais no oferecimento de moradias para os operários não
se enquadra nos estudos desenvolvidos sobre o padrão “Fábrica com Vila Operária”, tais
como os de Domingos Giroletti e José Sérgio Leite Lopes. Os estudos destes autores
demonstram que os industriais, ao controlarem o trabalho fabril, acabam por forjar o perfil
de um trabalhador diferente, num processo que ultrapassa os limites da fábrica. Dessa
forma, a moradia dos trabalhadores, que pertencia aos proprietários da indústria, acabava
sendo um objeto de racionalidade industrial, juntamente com a própria fábrica.
21
Os operários, ao residirem em casas pertencentes à Companhia, estariam
sujeitos a uma maior possibilidade de controle social e ideológico exercidos pelos seus
patrões, uma vez que dessa forma a fábrica se transformava no centro nervoso de toda a
21
GIROLETTI (1991) & LOPES (1988). Giroletti analisou as fábricas pertencentes à família Mascarenhas,
no Norte de Minas Gerais e Lopes pesquisou a Companhia de Tecidos Paulista, em Pernambuco.
vida local. A vida operária nessas propriedades acabava sendo um prolongamento da rígida
disciplina imposta no regime de trabalho.
22
A idéia de trocar a liberdade pelo conforto,
tanto no espaço de trabalho quanto na moradia, parece ser um motivo de temor para os
operários. Residir na propriedade do patrão pode permitir o conforto, mas pode custar caro:
tanto levando em consideração o valor do aluguel quanto à limitação da liberdade.
23
A descrição dessas moradias não homogeneíza o universo residencial desses
operários e não indica, dessa forma, que o mínimo de conforto verificado através das
descrições dos cômodos dessas residências fazia parte da vida de todos os trabalhadores da
Companhia Industrial São Joanense. A fábrica tem sua mão-de-obra disponível na própria
cidade, o que alterava significativamente as relações patrão/empregado, fugindo do padrão
estudado por José Sérgio Leite Lopes e Domingos Giroletti (1991) de fábrica com Vila
Operária.
3.4 A moradia e a família
Para compreender a composição familiar dos operários da Companhia
Industrial São Joanense, seus relacionamentos e vínculos de solidariedade, torna-se
necessário conhecer a estrutura das famílias e dos domicílios. De acordo com Ida
Lewkowicz (1998), família e domicílio são duas ordens de fenômenos que às vezes
coincidem e outras não, ora ligados à residência, ora ligados a parentesco, mas todos
ligados às solidariedades que suscitavam tanto em relação à moradia, quanto aos laços
consangüíneos. Dessa forma, o conceito de família pode ser aplicado a um domicílio, ou a
22
HARDMAN & LEONARDI, 1982, p. 154.
23
PERROT, p. 102.
uma parte dele, a um conjunto de domicílios e ainda a uma noção mais ampla, abrangendo
indivíduos de gerações diferentes unidos por laços biológicos.
24
Foi utilizado, de acordo com a autora, o termo família para grupo co-residente,
uma vez que domicílio é um conceito difícil de ser dissociado da família. Na maior parte
dos registros de operários da fábrica consta o endereço, mas poucos indicam o número das
casas. Quando este é declarado, conseguiu-se analisá-lo de acordo com o conceito acima.
Quando não, buscou-se nos sobrenomes e na filiação os possíveis indicativos de parentesco.
A relações encontradas podem ser assim estabelecidas:
TABELA VII
RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE OS OPERÁRIOS
RELAÇÕES DE PARENTESCO NÚMERO DE OCORRÊNCIAS
Casos encontrados 1927-1932 1934 1935
2 com parentesco paterno - - 2
2 irmãos 27 13 23
2 irmãos + 1 sem parentesco 2 1 2
2 irmãos + 2 sem parentesco 1 - -
2 irmãos e a mãe - - 1
2 operários sem laços de parentesco 2 4 7
3 irmãos 5 4 6
3 irmãos + 1 sem parentesco 1 1 -
3 irmãos + 1 sobrinho - - 1
3 irmãos e a mãe 1 - -
3 irmãos e o pai - - 1
3 operários sem laços de parentesco 1 1 1
4 irmãos 3 - 1
4 irmãos + 1 sem parentesco - - 1
24
LEWKOWITCZ, Ida, “Espaço urbano, Família e Domicílio (Mariana no início do século XIX)”. In: Termo
de Mariana: história e documentação. Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 1998. p. 93.
5 irmãos - 1 3
5 operários sem laços de parentesco - - 1
Mãe e filha - 1 2
Pai e filho - - 2
TOTAL DE OPERÁRIOS 106 26 139
FONTE: Registro de Operários Acervo da Companhia Industrial São Joanense.
No período compreendido entre os anos de 1927-1932, a porcentagem de
operários que mantinha alguma relação de parentesco é de 28,5%. Corresponde a um
número reduzido, mas que pode ser relevante no momento em que se constata que para
cerca de 17% não foram registradas as referências residenciais.
Em 1934, a identificação de laços de parentesco diminui, apesar do número
relevante da quantidade de “dois irmãos” morando na mesma casa. Em 1935, dos 336
(trezentos e trinta e seis) operários arrolados nos registros, 139 (cento e trinta e nove)
mantinham algum tipo de relação (para onze não constam informações sobre os endereços).
Mais de 41% dos operários, entre irmãos, primos, pais e filhos, tios e sobrinhos, passavam
o dia relacionando-se tanto no espaço público quanto no privado. Outros, porém, sendo
apenas conhecidos, eram pessoas que não tinham nenhum vínculo sangüíneo, mas
moravam no mesmo local e tinham em comum somente o fato de terem nascido em cidades
próximas a São João del-Rei.
Em casos em que foram localizados dois operários sem laços de parentesco
em uma mesma residência, acreditou-se poder ser um indicativo de que esses dois membros
fossem casados, uma vez que no documento não se encontra a possível referência sobre
quem era o cônjuge do operário.
Diante dos dados extraídos nesses registros, pode-se afirmar que o trabalho na
fábrica era predominantemente constituído por um trabalho de família. A prevalência dos
casos de “dois irmãos” ou de “três irmãos” no trabalho acaba por indicar que a necessidade
de sobrevivência faz com que vários membros de uma mesma família sejam aliciados ao
trabalho na fábrica.
As famílias que trabalhavam e que dependiam do trabalho na fábrica eram
pessoas que geralmente moravam em residências bem próximas aos terrenos do edifício da
indústria, em sua minoria pertencentes à Companhia Industrial São Joanense. A cidade de
São João del-Rei acabou por “acolher” toda essa mão-de-obra e garantir uma certa
independência dos operários com relação ao controle da disciplina fora dos portões da
fábrica.
CAPÍTULO IV
Lembranças do labor operário: algumas considerações sobre
o tempo de trabalho na Companhia Industrial São Joanense
A historiografia procurou, durante muito tempo, investigar as práticas e as
resistências operárias frente ao trabalho na fábrica. Na maioria das vezes, o interesse
dos pesquisadores foi o de compreender as diversas maneiras de resistência utilizadas
pelos operários no período de trabalho. No entanto, pouco se sabe sobre aqueles que
trabalharam décadas e conviveram com a aceitação da racionalidade fabril. No
momento em que se pensa o “porquê” das resistências, interessa igualmente
compreender o “porquê” da aceitação das regras do jogo.
Para a elaboração dessa análise, foram fundamentais alguns relatos de ex-
operários da Companhia Industrial São Joanense que nela já estavam trabalhando desde
1930. Dessa forma, esses trabalhadores vivenciaram as transformações ocorridas com a
incorporação da nova legislação trabalhista. Os operários entrevistados apresentavam-se
como um grupo peculiar de análise, uma vez que não fizeram parte daquele painel de
rotatividade de mão-de-obra, identificado anteriormente na análise sobre fábrica, no
recorte temporal coberto pela pesquisa (1891/1935). Por terem trabalhado durante
muitos anos, e devido a esse fato, esses ex-operários conseguiram conquistar suas
aposentadorias e, em seus relatos, acabaram por fazer referências importantes sobre o
tempo de trabalho na Companhia Industrial São Joanense.
1
3.1 A inserção das leis trabalhistas na fábrica: visões e versões de
uma realidade.
Pensar a organização da estrutura legislativa que iria regulamentar a vida do
operariado brasileiro do início do século XX é, sem dúvida, fazer referência à “Era
Vargas”. A importância desse momento para a vida sócio-política do Brasil reside no
fato de ter se iniciado, nesta época, a transformação de uma sociedade rural
caracterizada por uma produção agrária, para a sociedade urbano-industrial, trazendo
novos elementos de mudanças e deslocando a força de trabalho para as cidades.
No período em que se estabeleceu o “Governo Provisório” (1930-1934), a
inovação veio com a criação de novos ministérios, entre eles a do Ministério do
Trabalho e a criação das primeiras leis trabalhistas. De modo geral, o operariado fabril e
urbano não tinha direito ao descanso semanal remunerado, às férias, ou à licença
remunerada para tratamento de saúde e, principalmente, à aposentadoria.
O Ministério do Trabalho foi uma das mais importantes inovações para que
ocorresse a consolidação do Estado estabelecido em 1930, justamente por representar
uma das principais vias de legitimação da “nova ordem”. A legitimação do Estado fez-
se através de uma estrutura sindical atrelada a uma legislação trabalhista apresentada
como doação, apesar de ter sido fruto das lutas e conquistas operárias.
2
1
Em alguns casos, esses relatos extrapolam o período selecionado para o recorte temporal proposto na
pesquisa. Mesmo assim, estes casos não foram descartados para a análise das conseqüências da
introdução da legislação trabalhista, como também para a análise da “Cultura Fabril”.
2
TOTA, Antônio Pedro. O Estado Novo, São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 12.
Pode-se considerar que até 1920, “uma verdadeira ordem privada dos
interesses particulares da burguesia industrial determinava o regime interno de trabalho
fabril”. As poucas disposições legais e jurídicas sequer chegaram a serem cumpridas
pelos empresários, tais como as leis sanitárias de 1911 e 1917 e a lei federal que
regulamentava o trabalho infantil, assim como a questão da previdência social,
principalmente no que toca aos acidentes e doenças provenientes do trabalho.
3
Porém, algumas leis sociais começaram a ser elaboradas e aplicadas
pontualmente a partir da década de 1920. Como exemplo, a Lei sobre Acidentes de
Trabalho (1923), a Lei Elói Chaves sobre Aposentadorias e Pensões (1923) e a Lei de
Férias (1926).
Como praticamente não existiu legislação social até a década de 1930, o
que imperava nos estabelecimentos fabris eram os regulamentos internos elaborados
pelos industriais para controlar o trabalho e resolver possíveis questões e conflitos
existentes nas relações entre operários e patrões.
4
A Constituição de 1934 trouxe muitas mudanças que influenciaram a
história desse operariado: a garantia do voto secreto e feminino que aconteceria pela
primeira vez no Brasil; o ensino primário que passava a ser obrigatório e gratuito; a
autonomia dos sindicatos, mesmo que prevista apenas em lei; a representação
profissional e a restrição à imigração. No Governo Constitucional (1934-1937), foram
instalados a Justiça do Trabalho e os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPB,
IAPC, IAPI). Veio a crise de 1929 que se estendeu pelos anos 30, aumentando o
desemprego, reduzindo os salários e fazendo com que o proletariado e as camadas
médias urbanas se agitassem em manifestações e greves.
3
HARDMAN & LEONARDI, pp. 138-139, 1982.
4
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo de. Indústria, Trabalho e Cotidiano: Brasil, 1880 a 1930. São Paulo:
Atual, 1991. (História em Documentos) p.14. Para o caso da Companhia Industrial São Joanense, não foi
possível encontrar nenhum desses regulamentos que geralmente eram utilizados antes das Leis
Trabalhistas.
O Estado Novo (1937-1945) se caracterizou pelo impulso à
industrialização através da criação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), da
Fábrica Nacional de Motores, da Cia Vale do Rio Doce, da Comissão do Planejamento
Econômico, do Departamento Nacional de Produção Mineral, da Comissão do Plano
Siderúrgico, da Comissão de Combustíveis e Lubrificantes, do Conselho Nacional do
Petróleo, Águas e Engenharia Elétrica.
Por fim, a sociedade vivenciou a intensificação da Legislação Trabalhista
e Social, com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho a CLT , de leis
de proteção à família, maternidade e infância, da organização do sistema sindical, da
reforma do ensino e da criação de Caixas de Aposentadoria e Pensões. Os direitos
fundamentais do trabalho, tais como o descanso dominical, a regulamentação da jornada
de trabalho, também do menor e da mulher, as férias, as caixas de seguro, os sindicatos
e lei a de acidentes de trabalho passam a ser fiscalizados, mas a legislação sobre esses
itens antecede a 1930.
5
O mito da doação passou a ser, dessa forma, um dos principais instrumentos
de cooptação do operariado brasileiro, principalmente depois da instauração do Estado
Novo. As leis trabalhistas, que começaram a ser implantadas nesse período, tinham por
objetivo controlar o passado combativo dos operários, muitas vezes calcado na herança
anarco-sindicalista, e, ainda, reprimir o movimento sindical. As massas tornavam-se
mais vulneráveis, na medida em que aumentava o contingente de trabalhadores
migrantes sem nenhuma tradição de luta sindical.
6
Esse mito da “doação” e, conseqüentemente, do estado benefector está
presente em todos os textos dos discursos de Getúlio Vargas, em qualquer alusão às leis
5
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.p. 33.
6
TOTA, 1991. p. 12.
trabalhistas. A ênfase é sempre dada comparando a situação do trabalhador antes de
1930 a que se apresentava melhor após o movimento revolucionário que o colocou no
poder.
Todas essas transformações, que serviram para caracterizar o cenário
político da época tinham, evidentemente, conseqüências diretas na vida dos operários de
todo o país. E a maneira como essas mudanças foram absorvidas pelos trabalhadores da
fábrica é um aspecto interessante a ser vislumbrado. Se por um lado, através do registro
de operários, pode ser observado a que tempo essas leis foram sendo incorporadas, por
outro, as entrevistas com alguns desses ex-operários são capazes de indicar em que
sentido essas mudanças foram responsáveis por transformações concretas em suas
vidas. Sem dúvida, a legislação trabalhista é um marco na vida dos trabalhadores e,
mais do que isso, na vida cotidiana de cada um deles e as entrevistas que foram
concedidas por esses ex-operários permitem efetuar uma comparação entre o “antes e o
depois” dessa legislação trabalhista da Era Vargas.
No caso da Companhia Industrial São Joanense, como também na maioria
das outras fábricas do mesmo período, existia uma distância considerável entre o que foi
o tempo de criação das leis e o momento em que elas foram realmente executadas. A
Lei de Acidentes de Trabalho, promulgada em 1923, aparece na documentação da
fábrica de uma forma bastante intrigante, conforme será delineado mais adiante.
Entre as ocupações ou membros de uma seção que tiveram em seus registros
um número maior de ocorrências de acidentes de trabalho, destacam-se a Tecelagem
(9), a Fiação, a Sala de pano e Mecânico (3), o Carpinteiro, o Foguista, a Dobação, o
Ajudante de Contramestre de Tecelagem, a Tinturaria e o Ajudante de Tecelagem (1).
7
7
Os números entre parênteses indicam o número de ocorrências para uma mesma ocupação.
Em alguns casos, um mesmo operário acabava sendo vítima de mais de um
acidente de trabalho, conforme aconteceu com o mecânico Arthur Delvechio, que se
machucou em 23/03/1957, 19/10/1959 e novamente em 12/08/1960. Outros tiveram a
mesma desventura: o tecelão Francisco Rodrigues, que se acidentou em 11/05/1956 e
em 18/01/1957; na Fiação, Carmélio do Espírito Santo, acidentado em 03/09/1959 e
03/08/1960; na Sala de Pano, João Tibúrcio de Freitas, em 25/01/1958 e 30/07/1959;
ainda, a tecelã Maria da Aparecida, em 30/05/1959 e 04-03/1960.
Apesar das mulheres totalizarem o maior número de mão-de-obra na
fábrica, quando se tratava da ocorrência de acidentes de trabalho, esses aconteciam mais
com trabalhadores do sexo masculino. Foram apenas oito casos para as mulheres,
enquanto existem dezesseis registros contabilizados, exatamente o dobro de ocorrências,
para os trabalhadores do sexo masculino.
Essa constatação estabelece, na verdade, uma relação direta com a divisão
estabelecida no interior da fábrica entre as atividades desempenhadas apenas por
homens e entre aquelas que eram desempenhadas somente por mulheres. Certas
ocupações deixavam os trabalhadores mais vulneráveis à possibilidade de um acidente,
como é o caso do Carpinteiro, do Foguista, do Tintureiro e do Mecânico. A Tecelagem,
por exemplo, era um local que também oferecia perigo: há registro de onze casos de
acidentes que aconteceram com trabalhadores dessa seção. Uma das ocorrências mais
comuns era a quebra das lançadeiras, onde muitas vezes o operário vitimado chegava a
ficar mutilado ou, em alguns casos, poderia até vir a morrer.
8
Segundo Dona Raimunda, no período em que estava trabalhando perto dos
teares de cobertores, uma lançadeira grande, de bico de ferro, voou e acertou sua
cabeça, deixando-a até tonta. Por serem grandes e pesados, esses teares para cobertores
8
PEREIRA, 1979. p. 88.
eram manipulados somente pelos homens. De acordo com o Sr. Antônio Palharini, para
que uma máquina fosse entregue a um operário, ele era treinado cerca de três a quatro
meses antes de assumir a função.
Além de treinamento para o operário que iria manusear a máquina, alguns
cuidados deveriam ser tomados pelos outros operários que trabalhavam perto dessas
máquinas: as meninas que usavam os cabelos compridos, por exemplo, tinham que
amarrá-los. Conta-se que certa vez, ocorreu um acidente onde a moça encostou-se à
máquina e os eixos de torção puxaram os seus cabelos. Para tirá-la dali, os cabelos
tiveram que ser cortados, e os operários que presenciaram o acidente tiveram ainda que
levá-la para a Santa Casa para dar alguns pontos no couro cabeludo, que chegou a ferir-
se.
Outros acidentes, porém, tiveram conseqüências mais graves, como relata o
Sr. Antônio Palharini:
O acidente grave foi daquela morte do rapaz nas cardas
9
, porque antes
tinha as correias lá em cima. Eu não sei o que foi, pegou ele [sic] pela perna
e levou ele [sic] para cima e na polia passava a tesoura: aquilo saiu pedaço
para todo lado. Foi morte instantânea.
Um outro acidente grave também aconteceu nessa mesma carda. Na época,
relata o Sr. Antônio Palharini, era ordem da direção fazer amolação da carda toda
semana e, em uma dessas vezes, o rapaz que era responsável por essa tarefa se
desequilibrou e caiu. Na queda, pegou num cilindro e, como conseqüência, teve seu
braço dilacerado. E como os institutos de aposentadorias não estavam em
funcionamento, todos os meses, esse mesmo operário que ficara mutilado pelo acidente
9
Cardas: máquinas que desembaraçam, destrincham e limpam fibras têxteis.
ocorrido no trabalho, recolhia na fábrica uma ajuda em dinheiro, onde cada
companheiro oferecia uma quantia para que, dessa forma, ele pudesse garantir sua
sobrevivência. Esse caso isolado acaba por demonstrar que a fábrica, nesse período, não
tinha nenhum compromisso com qualquer incidente que ocorresse com seus operários
no período de trabalho.
Sobre o que chamou a atenção na análise sobre a incorporação da legislação
referente aos acidentes de trabalho, foi a constatação de que, das vinte e quatro
referências a acidentes encontradas nos registros de operários, acrescidas de cinco
afastamentos pelo IAPI, nenhuma delas ocorreu antes do ano de 1957. Essas
informações aparecem na documentação como se no período que antecede o ano de
1957, ninguém tivesse sofrido qualquer ferimento mais grave, ou mesmo que
necessitasse de uma atenção especial. E os acidentes acima, relembrados pelo Sr.
Palharini, que ocorreram no período em que já vigorava a Lei de Acidentes de Trabalho,
por que não foram registrados? O mesmo acontece com a Lei de Férias, de 1926: o que
se constata é que os operários da fábrica só começaram a usufruir o direito de tirar férias
anuais a partir do ano de 1933.
10
Essas transformações advindas da criação e consolidação das novas leis do
trabalho não passaram despercebidas pelos operários da Companhia Industrial São
Joanense. A referência a essas mudanças se faz, na maioria dos relatos, em casos
específicos, tais como a estipulação das oito horas diárias de trabalho e a Lei de
Aposentadorias e Pensões.
De acordo com o Sr. Chiquinho, quando iniciou o seu trabalho na
Companhia Industrial São Joanense, em 1921, tinha que ficar na fábrica cerca de nove
10
Esses dados foram extraídos do “Registro de Empregados” - Arquivo da Companhia Industrial São
Joanense, 1935.
horas ou nove horas e meia para ganhar o dia. Depois, com a entrada de “outros
governos”, as leis foram modificadas, e só assim passaram o trabalho diário para oito
horas.
O Sr. Alberto Agostini, lembra mais claramente desse processo:
O meu horário era de seis e meia às três. Quando eu entrei, não tinha oito
horas. O Arthur Bernardes queria o horário dele, era de oito horas, mas não
chegou a executar. Agora, depois, o Getúlio é quem executou, em 1931.
Colocou férias e oito horas de trabalho.
O sacrifício de passar o dia todo no trabalho também é relembrado por Dona
Raimunda: a ex-tecelã iniciava o seu trabalho às cinco horas com o intuito de
acrescentar um pouco mais em seu salário ao final do mês. E trabalhava até as quatro e
meia, ou até as seis, conforme o aperto. Tudo porque não eram oito horas de trabalho,
afirma.
Depois é que veio essa lei. Antigamente não tinha horário de trabalho.
Tinha pessoas que ficavam até as cinco e meia, seis horas e a gente ganhava
um pouquinho mais que o salário.
Além de trabalhar durante todo o dia, os operários eram muitas vezes
obrigados a fazer horas extras. Dona Raimunda relata essa realidade:
Ah, antigamente não tinha muita lei. A gente tinha que andar num cortado
feio! Depois vieram essas leis, melhorou muito. Antigamente nada disso
tinha. Ele [o gerente] obrigava a ficar o tempo inteiro e tinha que ficar lá,
porque se a gente não ficasse lá, fazendo hora extra, às vezes fazia até
obrigada. Ele [o gerente] pegava a produção da gente e marcava para as
outras colegas que ficavam lá.
Essa imagem, do gerente usando de meios coercitivos para um aumento de
produção, é citada nesse único relato. A representação da figura sempre constante desse
gerente vigilante e que oferecia vantagens para quem obedecesse às ordens e normas
estipuladas é rapidamente abafada pelo saudosismo dos ex-operários em todas os
relatos analisados, resultado direto da época e do momento em que estas entrevistas
foram concedidas. É importante lembrar que essas entrevistas fazem parte do Acervo
da Companhia Industrial São Joanense e que foram concedidas para as comemorações
do centenário da fábrica, em 1991. Assim, essas lembranças tendem a um certo
saudosismo por parte desses ex-operários com relação ao tempo de trabalho, uma vez
que são representantes diretos de um período em que poucos conseguiram se adaptar a
forma de trabalho imposta.
Os relatos apontam também para uma outra transformação que as leis
proporcionavam aos trabalhadores, mas que, segundo os entrevistados, na São Joanense
já não trazia nenhuma novidade: a aposentadoria de empregados que chegavam à
velhice. A iniciativa da fábrica em aposentar alguns de seus operários aparece no
período anterior à criação dos Institutos de Aposentadoria. Essa constatação demonstra
que existia um total desconhecimento por parte desses trabalhadores sobre alguns
direitos que já existiam no papel, como é o caso da Lei Elói Chaves de Aposentadorias
e Pensões, existente desde 1923.
A aposentadoria é abordada pelos operários com uma simbologia
específica: apresenta-se para esses trabalhadores como o prêmio maior, o troféu
conquistado pelos anos de labuta e de dedicação ao trabalho. Trabalhei demais, afirma
Dona Raimunda, ao fazer referência ao número de horas trabalhadas por dia e pelos
anos a fio dedicados ao trabalho. Se valeu a pena? Valeu, porque hoje eu sou
aposentada, responde.
Essa lembrança faz com que os operários vangloriem essa iniciativa e
apontem o critério justo e exemplar que no passado pairava nas relações
empregado/patrão da Companhia Industrial São Joanense: As leis hoje vieram
beneficiar, mas naquele tempo nós nunca precisamos da lei: era só andar direito e ser
correto que tinha o lugar seguro, afirma o Sr Chiquinho.
A afirmação anterior de Dona Raimunda assinala a importância da criação
da Lei de Aposentadorias e Pensões, uma vez que a partir dela é que finalmente se pôde
conseguir, após anos de trabalho, aposentar-se. Já para o Sr. Chiquinho, a aposentadoria
era certa, independentemente ou não da iniciativa governamental em aplicá-la. Esse
operário acreditava que a fábrica se comprometeria com o seu futuro enquanto
trabalhador, quando atingisse a velhice. Para exemplificar essa realidade, ele continua:
Havia poucas leis que nos protegiam, mas eu posso garantir o seguinte:
naquele tempo que não havia Instituto e Lei de Aposentadoria, a fábrica já
tinha empregados aposentados. Dona Joaquina era faxineira e ela ficou
velha, cansada e a fábrica aposentou-a por conta da própria fábrica. Ela
ficou em casa e recebia o salário. Também tinha o Sr. Bernardino Cordeiro,
porteiro, morreu com 98 anos. Ele também aposentou, ficava em casa e a
fábrica todo mês mandava o dinheiro dele. Então, naquele tempo não havia
leis, mas não despedia ninguém.
Para Dona Raimunda, os anos de sofrimento ao trabalho seriam
recompensados somente ao final, quando a operária realmente saísse do emprego. Para
o Sr. Chiquinho, no entanto, o passado é identificado como bom para o trabalhador e
este sairia do trabalho, simplesmente quando realmente não tivesse mais condições de
desempenhá-lo.
A demissão, muitas vezes responsável pela alta rotatividade que foi
anteriormente verificada na análise dos registros operários aparece, por sua vez, no
discurso dos trabalhadores como sendo uma ordem natural, onde quem não se adequou
ao trabalho foi o operário.
De acordo com o Sr. Alberto Agostini:
O operário, quando não era coisa boa, era mandado embora. Não tinha lei,
eles mandavam passar lá no escritório pegar suas contas. Era só isso
naquele tempo.
Para os operários mais antigos, uma situação era clara: as regras já estavam
estabelecidas, assim, restava ao operário apenas cumpri-las. O próprio Sr. Chiquinho faz
uma auto-avaliação para justificar essa realidade:
Despedia só quando era mau elemento. A prova é o seguinte: se eu entrei
com 10 anos e meio, trabalhei 47 anos e meio, será que era tão bom assim?
Devia ter tido minhas falhas, mas havia tolerância. Então eu sempre digo:
eu nunca precisei das leis para me garantir. Minha necessidade, minha
garantia, era que eu tinha que trabalhar.
A flexibilidade na imposição da disciplina na fábrica é destacada pelo ex-
operário, que deixa subentendido que antes de ser despedido, o operário tinha várias
oportunidades. Por outro lado, outros relatos apontam para a necessidade de se manter
no emprego. Como o pai já trabalhava na fábrica, o Sr Nilton foi obrigado a segui-lo
para o trabalho e assim ajudá-lo nas despesas da casa. Não tinha outro lugar para
trabalhar, declara. A mesma necessidade de manutenção do emprego fez com que
Dona Raimunda, apesar de ter trabalhado muitos anos na fábrica, estabelecesse uma
avaliação sobre como encarava o serviço: Ah, eu não gostava muito não, mas a gente
trabalhava porque precisava. Mas a gente ia vivendo e ia tocando.
Os relatos dos ex-operários que foram utilizados para a análise
representam apenas um segmento desse corpo operário, ou seja, aqueles que se
“adaptaram” ao trabalho e ali passaram muitos anos de suas vidas. O único caso que se
distancia de um certo saudosismo é o de Dona Raimunda. Provavelmente, por ter
sofrido na pele experiências mais dolorosas como o trabalho infantil, a conjugação entre
a gravidez e a criação de filhos no período de trabalho. Essa ex-tecelã consegue, em
suas memórias, estabelecer uma certa distância em relação ao passado. Sua amargura só
é abafada pela menção à aposentadoria, que se apresenta como o grande consolo depois
desses anos de faina diária.
Em sua maioria, esses trabalhadores parecem agradecidos ao trabalho, onde
o resultado de seu esforço é representado no presente pelo alcance da aposentadoria,
resultado de um empenho que lhes tomou quase a vida inteira. Esses operários vêem na
fábrica, a benfeitora, que lhes deu essa oportunidade. Interessante é que essa sensação
de agradecimento é salientada por estes trabalhadores que chegaram a se empenhar na
defesa da Companhia, caso houvesse qualquer ensejo dos colegas em parar a produção
como protesto, ou mesmo de reivindicar melhores condições de salário:
Naquele tempo não tinha lei de trabalho, não tinha nada. De modo que o
seu valor você conseguia adquirir ele pelo seu trabalho. Então foi isso o que
aconteceu comigo. Eu procurava demonstrar e procurei sempre. Falei com
vários companheiros de trabalho. Você sabe como é, minha filha
11
, muitos te
puxam para frente e outros puxam para trás.
E muitos falavam:
__ Mas a fábrica não é minha!
Eu falei:
__ Se ela parar, nós não paramos de trabalhar?
Era a resposta que eu dava.
__ Ah! Mas eles estão ganhando muito dinheiro!
__ Isso é como diz, problema deles. Se eles ganham, não está
nos dando nada. Então, se eles não ganhassem, então o que acontecia? Era
pior ainda. Eles ganhando, sempre davam alguma coisa pra gente.
Alguns desses primeiros movimentos de organizações de operários,
podem ser identificados em São João del-Rei, sendo organizados de uma maneira bem
conciliatória entre empregados e patrões. Em julho de 1913, a associação operária da
cidade realizou no Teatro Municipal uma conferência com um famoso operário de Juiz
de Fora, chamado Sr. Waldomiro Padilho. Em seu discurso, o conferencista repele a
violência nas manifestações e propugna pela solução conciliatória entre o capitalista e o
trabalhador. Caso esse acordo não desse resultado, a greve pacífica poderia ser utilizada
como um recurso extremo.
12
No caso citado pelo Sr. Chiquinho, as relações de afetuosidade são capazes
de afastar até mesmo as possibilidades de uma greve pacífica. O ex-operário deixa bem
claro em sua fala, que o lucro recebido pela fábrica é que garante aos patrões a “dar”
alguma coisa aos operários. A idéia de doação destacada no discurso de Getúlio Vargas
ao se referir à criação das leis trabalhistas, acaba sendo identificada também no discurso
do próprio trabalhador que não consegue compreender o seu papel de vendedor da força
de trabalho.
11
Referindo-se à entrevistadora Moema Grazzation, representante da Companhia Industrial São Joanense
no processo de elaboração das entrevistas com esses ex-operários em 1991.
12
Jornal A Reforma, 20 de Julho de 1913.
A reflexão elaborada pelo Sr. Chiquinho deve também ser entendida no
momento em que ele aponta para um passado em que não faltava trabalho para as
pessoas da cidade. Essa imagem da abundância do trabalho, ou de uma época de fartura
de emprego, pressupõe, segundo José Sérgio Leite Lopes, “a visão do dom patronal do
oferecimento de trabalho, num contexto de comparação com o desemprego e a escassez
de trabalho do tempo presente”. Todas as limitações impostas nos dias de hoje diante do
“desemprego” faz com que esses trabalhadores identifiquem o passado como uma época
em que só não trabalhava quem não queria.
13
3.2 A vivência de uma “Cultura Fabril”
A “cultura operária” é uma temática amplamente pesquisada pelos
seguidores de E. P. Thompson. Para esse autor, as classes trabalhadoras são os sujeitos
de sua própria história, e por isso mesmo, observa-se em sua obra a ênfase dada à
questão da experiência de classe e do fazer de uma cultura de classe. Assim, a classe
operária atua no seu processo de constituição ao lutar contra as imposições autoritárias
dos patrões e ao propor suas novas formas de vida, podendo assim definir seu modo
cultural e construir suas entidades de resistência política.
14
Em uma dessas vertentes, a “cultura operária” é apontada quando se
identifica o cotidiano dos trabalhadores, apresentado através da recomposição do espaço
da fábrica e do regime de trabalho a que o operário estava submetido. Ao considerar que
muitos dos aspectos culturais da classe operária não estão separados dos aspectos
políticos, as relações sociais na indústria acabam por existir apenas através da luta de
13
LOPES, 1988. p. 68.
14
THOMPSON, E. P. A formação da Classe Operária Inglesa. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
classes. Dessa forma, a classe operária em formação, que tinha as ruas da cidade como o
espaço privilegiado da atividade política, vivenciou como atividades político-culturais;
o teatro, a imprensa operária, a literatura libertária, as festas e as escolas livres.
15
Uma outra vertente que segue a teoria sustentada por E. P. Thompson, mas
que se apóia nos estudos elaborados por Pierre Bourdieu, amplia esse universo ao
enfatizar a interiorização da dominação e a resistência à dominação, além dos aspectos
simbólicos por ela assumida. Assim, as redes de relações que se estabelecem com esse
convívio, caracterizaram o fenômeno denominado por José Sérgio Leite Lopes como
sendo a “Cultura Fabril”, considerada uma “sub parte de uma ‘cultura operária’”. Esse
conceito irá nortear a análise sobre a experiência de trabalho na Companhia Industrial
São Joanense.
16
“A essa ‘cultura fabril’ não faltam meios próprios, construídos, de
comunicação entre companheiros de trabalho, como o dicionário que
atravessa o ruído da fábrica; nem o tratamento por vezes amistoso, por vezes
conflitivo dos trabalhadores em si, procurando dar sentido a uma
convivência por força da cooperação capitalista imposta pela administração
fabril, e que se expressa pela brincadeira, pela gozação e pelos pressupostos
tensos implícitos nas relações jocosas. (...) como se a ‘cultura fabril’ dos
operários fosse umasegunda natureza da própria fábrica”.
17
A identificação dessa “Cultura Fabril” expressa nos relatos de alguns dos
ex-operários da Companhia, se caracteriza pelo choque entre as várias gerações, as
“gerações alternadas” que compõem a mão-de-obra.
18
No interior da fábrica, a
“onipresença do trabalho” irá permitir um ambiente peculiar, onde velhos e crianças
muitas vezes dividem funções com adultos. Ainda, a convivência entre mulheres e
15
HARDMAN & LEONARDI, 1982, pp. 252-253.
16
LOPES 1988, p. 83.
17
LOPES, 1988, p. 84.
18
LOPES, 1988, p. 84.
homens que, mesmo não trabalhando na mesma seção, em diversas situações se
esbarraram nos momentos de entrada ou saída do trabalho na fábrica, ou nas festas
organizadas pela própria Companhia. Em outras circunstâncias, estes podem se tornar
vizinhos por se estabelecerem, através de suas residências, perto do local de trabalho,
conforme foi verificado no capítulo anterior.
Nessas relações, as crianças tornam-se protagonistas das relações
estabelecidas na Companhia Industrial São Joanense, uma vez que representavam uma
parte significativa da mão-de-obra responsável pela produção. O trabalho de menores
foi utilizado amplamente nas fábricas do país inteiro, pelo menos até a fiscalização mais
rígida após a Consolidação das Leis do Trabalho. E a Companhia Industrial São
Joanense contou com um contingente considerável dessa mão-de-obra que não havia
atingido ainda os quatorze anos de idade. A vivência da infância trabalhando na
produção fez com que as brincadeiras infantis fizessem parte do cotidiano da fábrica.
Como uma válvula de escape, essas brincadeiras tornavam mais suportável o
procedimento de trabalho, num processo onde as crianças tinham que se adequar à
disciplina, além de ficarem “enclausuradas” em um ambiente fechado, cumprindo uma
meta de produção estipulada pela direção.
19
Em certas situações, essas crianças não disfarçavam o medo que sentiam ao
lembrarem das histórias contadas pelos operários mais velhos, histórias essas que
povoavam a imaginação de meninos e meninas. Na Companhia Industrial São Joanense,
em certo momento, fora criado um turno de trabalho aos sábados, onde os operários
entravam para trabalhar às seis da tarde e só saiam da fábrica à meia-noite. Como
19
“Apesar das semelhanças formais, a fábrica não é a prisão. Aliás, todo o seu problema foi o de
conseguir de pessoas livres uma presença regular e exatidão!” In: PERROT, 2001, p.54.
ficavam com medo de ir para suas casas, muitos desses meninos acabavam dormindo na
própria sede da companhia, ao lado da caldeira.
Era quentinho, nós puávamos [sic] com a linhagem e dormíamos ali. Era
tudo mato, mas tinha um caminho que passava, saía num portão grande que
ia à fábrica e diziam que certa hora da noite aparecia uma mulher toda
vestida de branco e nós tínhamos um medo tremendo, devido a nossa idade.
As relações de trabalho na fábrica perpassavam algumas situações de
conflito, geradas na própria convivência entre essas “gerações alternadas”. O embate
vivenciado entre a infância e a idade adulta resulta em várias histórias de brincadeiras
infantis. Essas histórias são relembradas pelos próprios atores da época, como conta o
Sr Antônio Palharini:
Um dia eu brinquei com a Pituca. Eu peguei um gafanhoto e coloquei dentro
da roupa dela. Ela arrancou a roupa todinha, ficou só de calcinha e sutiã.
Eu tive muita sorte, nunca fui suspenso um dia.
O Sr. Palharini sabia que existia um limite, que seria atingido se acaso
tivesse sido suspenso em algum momento de sua vida de trabalhador. Mas o relato
aponta para uma situação interessante: na São Joanense, as mulheres mais velhas
acabavam por se tornar o alvo das brincadeiras das crianças. Na Companhia de Tecidos
Paulista, analisada por José Sérgio Leite Lopes, é recorrente em vários relatos a fixação
dos “velhos” como objetos de brincadeiras.
20
E na tecelagem, às vezes tinha aquela briga por linha. As mulheres pegavam
o avental e enchiam de linha, deixavam as outras sem linha. Eu vinha por
20
LOPES, 1988, p. 85.
trás e soltava a cordinha e caía tudo. As brincadeiras eram assim. Às vezes
a tecelã estava quase dormindo no tear, eu vinha, pá na tábua, ela
assustava. Elas diziam: olha aí que vem o capeta!
Esses operários menores, apesar de viverem rodeados por essas
“companheiras” de trabalho sedentas por terminarem o dia de serviço, apresentavam-se
como uma ameaça constante para a eficiência do desempenho das tarefas dessas
operárias adultas. Esse embate acabava por resultar situações às vezes conflituosas, tal
como relatou Dona Raimunda, na introdução desse trabalho, quando suas companheiras
mais velhas começaram a machucá-la por causa de sua falta de agilidade no serviço.
Baseando-se no caso narrado pelo Sr. Palharini, para essas mulheres já
adultas, que geralmente ganhavam por hora ou por produção, o medo da falta de
material para trabalhar tornava a chegada do fio uma verdadeira disputa. Por isso
mesmo, ser esperta no momento da chegada da linha era importante, uma vez que com
mais material disponível, as tecelãs poderiam terminar mais cedo as suas metas de
trabalho, ou mesmo, produzirem mais naquele mesmo dia.
Por outro lado, o relato do Sr. Palharini indica um outro momento
proporcionado a quem conseguia um pouco de sossego, seja pelo fato do Contramestre
não estar presente na seção naquele momento, ou porque a operária não teria
conseguido conter o cansaço e o cochilava na hora do trabalho. A presença “infernal”
daquele ambiente que conjugava o barulho das máquinas, a concorrência das colegas de
trabalho e mais as travessuras das crianças, fazia com que o apelido dado àquele
menino, “o capeta”, indicasse como os adultos enxergavam esses trabalhadores que não
havia ainda completado os quatorze anos. Esses meninos representariam, na verdade,
um atraso no trabalho dos adultos, sendo capazes de “atazanar” a tranqüilidade e a
ordem durante o período de trabalho.
Na época, era criança, era amarrador de cordas. Então tinha uma tal de
Teresa e ela tinha um tamanquinho. Num luxo danado, só vinha até na
fábrica. Então, um dia me deu na idéia de amarrar o tamanco dela bem
amarrado no pé da máquina. Aí, quando deram 6 horas, quando desligava
tudo para ir embora, estava amarrado. Ela ficou brava, chamou um,
chamou outro e chamou o gerente. Foi uma confusão. Mas ninguém viu a
brincadeira. Parou por aí, mas a mulher xingou uma semana.
Como ninguém havia presenciado a sua travessura, o operário conseguiu se
safar de mais essa enrascada. Mas este se tornou um momento perigoso, uma vez que a
operária chamou o gerente, impondo o limite que o menino não deveria mais extrapolar.
Caso alguém descobrisse, esse operário seria suspenso.
A situação de desespero da operária em querer sair da fábrica junto com os
outros companheiros destaca a importância das saídas da fábrica e dos lazeres como os
grandes momentos da vida operária, principalmente quando se analisa o trabalhador
italiano, conforme já foi identificado por Michelle Perrot (2001):
“Como os operários enfrentam uma auto-imagem onde a sujeira e o
desalinho marcam sua inferioridade, a dignidade operária passa pelo ‘bom
aspecto’, a bella figura dos italianos”.
21
A característica da indumentária operária foi muitas vezes indicada pela sua
limitação, contando apenas com o necessário. É comum identificar o vestuário operário
como “trapos, andrajos” e uma “ausência muito grande de calçados ou chinelos”. A
modéstia e a pobreza é o que na verdade caracteriza as roupas de operários e operárias
21
PERROT, 2001. p. 104.
do final do século XIX e princípio do século XX.
22
A única referência encontrada nos
relatos dos ex-operários da Companhia Industrial São Joanense diz respeito à tradição
italiana dos “tamanquinhos”.
Na época o povo usava os tamanquinhos. Então quando as operárias
desciam para trabalhar, no passeio elas tinham um batido com os pés com
aqueles tamanquinhos no passeio, que dava uma bateria: TA, LÁ, TÁ, LÁ.
Os homens usavam também, mas nós colocávamos uma sola para durar
mais, aí não faziam barulho, só os das mocinhas.
Esta convivência com os italianos, cujos costumes já haviam sido
disseminados na cidade, caracteriza uma relação interessante na fábrica. Como já foi
visto anteriormente, uma parte considerável de operários era de filhos daqueles
imigrantes que desembarcaram em São João del-Rei em fins do século XIX. De fato, a
introdução dos costumes italianos na cidade já pode ser identificada, como já bem
consolidados, nas primeiras décadas do século XX.
As relações conflituosas entre os operários não se restringem aos adultos e
crianças. Muitas vezes, elas alcançam dimensões maiores envolvendo toda a
administração da Companhia. O Sr. Chiquinho, por exemplo, acabou sendo prejudicado
em uma dessas “armações”, no ano de 1944.
Eu estava fazendo um serviço na fábrica de Divinópolis e eles queriam
formar uma nova diretoria para o Sindicato. Quando eu fui indicado para
tesoureiro, eles tiveram medo. Eles falaram uma coisa que era ofensiva à
minha pessoa e eu estava fora. Eu não estava na fábrica para me defender.
Foi uma operária seduzida por um chefe. Falaram para ela falar aquilo e
ela falou e não sabia da responsabilidade. Quando eu cheguei foi uma
confusão. Lá em casa me contaram e eu peguei esse atestado da fábrica e fui
na justiça. Aí ela teve que fazer o seguinte: ela teve que desmentir pelo
22
DE DECCA, 1991. p. 56.
jornal, naquele tempo era o Correio e o Diário do Comércio e ainda me
elogiar.
Quando a colega de serviço faz o comentário ofensivo e que poderia
prejudicar a imagem de honestidade do Sr. Chiquinho, este logo tratou de acionar todos
os meios possíveis para livrar-se da situação embaraçosa. O atestado, tirado na própria
fábrica, continha os seguintes dizeres:
Da Companhia Têxtil São Joanense, atestamos o Sr.
Francisco de Santana de Oliveira, nosso mestre de fiação, é pessoa de nossa
confiança, cumpridor de seus deveres e criterioso na manutenção da ordem
da seção que lhe está confiada, não havendo coisa nenhuma do nosso
conhecimento que o desabone.
Por ser a explicação da verdade e por dossiê pedido,
passamo-lo com prazer o presente atestado.
Sr. Antônio de Carvalho Sobrinho.
Outra relação pode ser também identificada nesse relato: o poder
exercido pelo chefe de seção sobre suas operárias. Apesar de no relato não ficar
explícito as garantias que a operária receberia ao sujar a imagem do Sr. Chiquinho, a
própria menção da palavra “seduzida” indica a utilização da vantagem desse chefe sobre
a operária.
As relações na fábrica não se limitavam apenas aos conflitos, seja entre
operário/operário, ou patrão/operário. Os momentos de lazer na Companhia
configuravam-se como um importante período de confraternização entre patrões e
empregados. As referências às festas organizadas pela fábrica dão ênfase,
principalmente, à comemoração do 1
o
de Maio o Dia do Trabalhador.
Naquele tempo havia também o 1
o
de maio, bandas, músicas e foguetórios
pela madrugada. Fogos para comemorar o dia do operário, reuniam todos
em frente da fábrica. Depois veio o Sr. Copa [gerente} que achou melhor
dar um lanche mais ou menos ali pelas nove horas no dia do operário e
trazia o “Jasmo” para tocar e dançava. Ele mesmo tirava as operárias para
dançar. Aquela confraternização de operários e diretores era também muito
boa.
23
Em 1909, a “Festa do Trabalho” foi destaque no Jornal A Opinião que
permite vislumbrar como era preparada essa comemoração no início do século XX. A
festa operária, que contou com a presença de bandas de música, foi organizada com uma
passeata que saiu do Teatro Municipal, localizado no centro da cidade, e foi até à Fligi
Del Lavoro, a associação de italianos, cuja sede era vizinha das dependências da
Companhia Industrial São Joanense. Lá chegando, foram proferidos discursos por
representantes da São Joanense e da Estação Ferroviária Oeste de Minas.
24
A
apropriação “de símbolos e festejos tradicionais da classe operária, como o 1º de Maio,
espécie de data magna do regime”, no dizer de Luiz Werneck Vianna, foi de grande
relevância para o sistema instituído pelo governo de Getúlio Vargas.
25
Nessas comemorações eram servidos os famosos chocolates com bolachas e
a música acontecia durante toda a festa. A presença do gerente da fábrica e sua
iniciativa de chamar as operárias para dançar apresentavam-se para os operários como
um momento real de confraternização, onde toda a hierarquia existente se desfaz por um
momento. Além da convivência dentro do edifício da fábrica no período de trabalho, ou
pelas relações de vizinhança, uma grande parte dos operários acabava dividindo as
23
Entrevista com o Sr. Chiquinho.
24
Jornal A Opinião, dia 05/05/1909
25
VIANNA, Luiz Werneck., 1978.
mesmas atividades no período de folga. O lazer dos operários muitas vezes se
confundia com o próprio espaço de trabalho.
Apesar de a festa mais comentada ser o 1º de Maio, muitos dos ex-operários
entrevistados não deixaram de relembrar os jogos de futebol, que aconteciam nos finais
de semana, ou mesmo daqueles jogos que contavam com a presença de equipes que não
eram da São Joanense, para competir em datas comemorativas, como o próprio 1º de
Maio.
Diante dos resultados, a semana de trabalho acontecia com vários insultos,
diante da vitória ou derrota de equipes, num clima de competitividade que extrapolava o
período dos jogos. Assim como o dia do jogo era esperado e comentado, as
conseqüências do resultado eram igualmente estendidas para os dias de trabalho que se
seguiam.
A existência de um campo de futebol ao lado do edifício da fábrica sinaliza
a importância desse convívio entre os operários, que misturavam trabalho e lazer.
Observa-se na fotografia, que entre os torcedores que estavam assistindo ao jogo,
destaca-se um grande número de mulheres.
Jogo de Futebol no campo pertencente à Companhia Industrial São Joanense.
(FONTE: Acervo da Companhia Industrial São Joanense. Fotografias Avulsas. [s.d])
Os cultos religiosos eram da mesma maneira importantes e faziam parte das
comemorações anuais desses operários:
Quando iniciou a festa do 1
o
de maio, isso foi o início. Depois, então, foi
incentivado o seguinte: a parte religiosa, a paróquia naquele tempo
mandava o padre, a gente fazia umas três reuniões, então o padre
confessava a gente. Todas as fábricas tinham o São José [a imagem]. Então
juntavam as fábricas, a São João, a Brasil, a Dom Bosco e iam tudo para a
Igreja.
26
É relevante abordar que a imagem de São José é geralmente relacionada
com características patriarcais dos antigos engenhos, simbolizando o bom marido e o
senhor de engenho, aquele que estabelece a ordem familiar e a quem todos deveriam
26
Entrevista com o Sr. Antônio Palharini.
respeitar e obedecer.
27
A partir dessa relação, pode-se observar que os relatos desses ex-
operários indicam uma questão pouco estudada pela historiografia, mas que já foi
salientada por Michelle Perrot (1991): como os operários viam seus patrões? Para a
autora, essa é uma questão fundamental para se compreender a própria ação operária,
uma vez que “toda ação se inscreve num mundo de representação; não existe
consciência de classe sem visão do mundo ou cultura sem elaboração de uma
simbologia”.
28
Na fala dos operários, pode ser identificada uma representação do patronato.
Entende-se que apesar do patrão passar a ser representado pelo gerente, pois o
verdadeiro proprietário poucas vezes ia visitar a fábrica, uma vez que a São Joanense foi
comprada no início do século XX por uma Companhia do Rio de Janeiro. Nesses
relatos, o que predomina é uma relação paternal, sendo o paternalismo um dos sistemas
mais importantes de relações sociais de trabalho. O patrão é visto como o pai que
proporciona trabalho a seus filhos, protege-os e associa-os à história de sua família.
Essa representação, do “patrão como pai”, foi identificada por Michelle Perrot na
realidade pesquisada pela historiadora em seu estudo sobre a França, mas que em finais
do século XIX já apresentava sinais de esgotamento.
29
Na verdade, se o patrão era visto como aquele que garantia a sobrevivência
do operário e de toda a sua família, a fábrica fazia, às vezes, o papel de mãe: Eu
considero a São Joanense a minha segunda mãe, porque eu fui criado lá, afirma o Sr.
Chiquinho, ao fazer um retrospecto de sua vida e a importância do tempo de trabalho
nesses anos relembrados. A fábrica apresenta-se tão importante para os ex-operários,
que acaba povoando ainda a imaginação daqueles que lá deixaram anos preciosos de sua
27
IEPHA/MG. Iconografia da Virgem Maria. Belo Horizonte, 1982.
28
PERROT, 2001. p. 81.
29
PERROT, 2001. p. 82/83.
vida, conforme salienta o Sr. Chiquinho: Quase todos os dias, sonho que estou
trabalhando, que estou naquela luta. Mas isso é porque eu trabalhei muitos anos e não
tive infância.
Os relatos de ex-operários utilizados na análise se apresentam como um
importante recurso para reativar a memória do tempo de trabalho na Companhia
Industrial São Joanense. Esse tipo de registro alcança uma memória pessoal que é
também uma memória social, familiar e grupal, uma vez que utiliza-se das lembranças
dos idosos. Eles já atravessaram um determinado tipo de sociedade e, por isso mesmo, é
possível verificar em suas lembranças uma história social bem desenvolvida.
30
Porém, é importante destacar que “situações vividas só se transformam em
memória se aquele que se lembra sentir-se afetivamente ligado ao grupo ao qual
pertenceu”. Para a construção de um passado conjunto, e conseqüentemente construir
memória, é preciso que haja uma certa duração na convivência.
31
E essa foi a realidade
verificada nos relatos analisados nesse capítulo: as entrevistas aconteceram com o
objetivo de comemorar o centenário da São Joanense, colocando esses trabalhadores
como os grandes “heróis” do passado, inseparáveis do papel de destaque da própria
fábrica.
30
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança dos velhos. São Paulo: TAQ, s/d.p. 22.
31
D’ALÉSSIO, Márcia Mandor. “Memória: leituras de M. Halbwachs e P. Nora”. In: Revista Brasileira
de História. V.13, nº 25/26São Paulo: Marco Zero, set.92/ago.93.p. 98/99.
Considerações Finais
O trabalho desenvolvido nessa Dissertação de Mestrado buscou, a partir da
análise de um estudo de caso, cujo título é a Organização Social dos Trabalhadores
Fabris em São João del-Rei : o caso da Companhia Industrial São Joanense
(1891/1935), compreender como ali se estabeleceram as relações de trabalho fabris.
O fim do século XIX e o início do século XX aparecem com um período
rico e ainda coberto de lacunas para ser trabalhado pela historiografia, principalmente se
a temática envolver as relações de trabalho. E, São João del-Rei, apresentou-se como
um importante espaço, justamente por se tratar de uma localidade que vivenciou durante
toda a época mineradora, uma posição de destaque diante de sua importância enquanto
Praça Comercial.
Esse recorte temporal ainda pode ser destacado pelo fato de vários
elementos coexistirem e serem responsáveis por um novo período da história brasileira:
configurava-se numa sociedade pós-escravidão e que contava também com a presença
de vários imigrantes italianos que chegaram à cidade de São João del-Rei em fins do
século XIX, com o objetivo de suprir a escassez da mão-de-obra escrava.
Apesar do contingente desses trabalhadores ser destinado à produção rural,
o que se verificou foi que São João del-Rei, diante de seu dinamismo urbano,
32
proporcionava aos consumidores e aos trabalhadores uma “tempestade” de novidades
importadas, graças à facilidade de transporte de mercadorias vivenciada desde a
implantação da Ferrovia Oeste de Minas. A cidade passa a ser um lugar privilegiado
32
Diferentemente de econômico, pois estudos recentes demonstram que os anos iniciais
dos novecentos foi caracterizado por uma crise (GRAÇA FILHO, 2000).
nessas relações econômicas, sociais, políticas e culturais, ambicionada por todos aqueles
que queriam viver num ritmo de vida mais frenético.
A Companhia Industrial São Joanense surge nesse entremeio justamente por
ser uma fábrica constituída num período de grande especulação financeira, com capital
retirado dentro da própria cidade, e que se espelhava em experiências de
empreendimentos que conseguiram vigorar em Minas Gerais no mesmo período, como
foram as fábricas têxteis de Bernardo Mascarenhas. No entanto, o que se observa é que
a experiência vivenciada pela Companhia Industrial São Joanense foi bem diferente
daquela que foi a sua inspiradora.
Primeiramente, por se tratar de empreendimentos cujos edifícios eram em
locais com características bastante heterogêneas. As fábricas da Família Mascarenhas
foram estabelecidas em fazendas, em pontos que se distanciavam de pequenos centros
urbanos. No caso da São Joanense, a Chácara da Olaria, que foi adquirida para a
construção da fábrica, tinha um local estratégico, uma vez que ficava entre o centro da
cidade de São João del-Rei e a Colônia dos Italianos.
Assim, a Companhia terá uma característica diferente de muitas outras de
seu período, onde não se pode analisá-la dentro do padrão “Fábrica com Vila Operária”,
modelos que nortearam trabalhos como os de José Sérgio Leite Lopes e Domingos
Giroletti. Para Giroletti, a fixação do trabalhador no ambiente de trabalho através da
moradia acabava sendo uma forma de disciplina e extensão do poder patronal sobre os
trabalhadores. Para Lopes, a própria moradia operária seria um dos meios de fazer com
que se evitasse um grande problema enfrentado no período, que era a rotatividade de
mão-de-obra, num período considerado pelo autor conhecido pela “abundância de
trabalho”.
A São Joanense apresenta-se com uma certa peculiaridade: apesar de
algumas das residências operárias serem suas propriedades. A maior parte de seus
operários residia em moradias particulares, espalhadas pelas ruas da cidade. Mas o
interessante é que, apesar de estarem espalhados pela cidade, um grande número desses
operários vai se estabelecer nas proximidades da fábrica, constituindo um bairro
característico, mas sem o investimento direto da Companhia Industrial São Joanense.
Esse fato contou com a colaboração de vários imigrantes italianos, que viviam pedindo
à Câmara Municipal de São João del-Rei a concessão de terrenos devolutos para se
estabelecerem em ofícios urbanos e por ser o local onde funcionava a sede da Filgi del
Lavoro, prestando assistência a esses imigrantes que residiam na cidade.
Mesmo sem ter que alojar seus operários, pois uma maioria era são-
joanense, a Companhia acabou tendo na composição de sua mão-de-obra um número
bem representativo de migrantes, vindos das diversas cidades circunvizinhas à antiga
sede da Comarca do Rio das Mortes. A própria cidade acabava por instalar essa mão-de-
obra, que saía de seus pequenos núcleos para tentarem uma vida melhor na cidade e no
trabalho fabril.
De qualquer forma, o que se observa é que o trabalho na fábrica, foi, para a
maioria dos trabalhadores, temporário. A rotatividade de mão-de-obra surpreende. Os
operários ficavam pouco tempo desempenhando suas atividades na fábrica e logo
pediam demissão. Essa realidade foi identificada por Lopes, em Pernambuco, justificada
pelo fato desses trabalhadores encontrarem outro emprego facilmente em qualquer outro
estabelecimento fabril, ou mesmo voltar para a fábrica de onde teria desistido do
emprego. Na São Joanense é recorrente casos de operários que chegavam a sair e voltar
ao trabalho diversas vezes. Vários elementos como o casamento, a mudança de cidade e
afastamentos por motivos de doença servem para caracterizar as mais comuns
justificativas de saídas desses operários.
Por outro lado, essa rotatividade de mão-de-obra deve também ser analisada
diante do foco de uma não adaptação ao regime fabril, ou mesmo uma não aceitação das
regras de “disciplinarização” imposta pelos industriais, que foi objeto de análise de
Giroletti. O que se observa é que o número de operários despedidos por não se
encaixarem às exigências da São Joanense é muito grande. Nos três momentos
analisados 1927-1932; 1934 e 1935 o que se observa é que os operários despedidos
vão diminuindo em proporção, assim como o teor das justificativas dadas pelos
industriais em cada caso vai perdendo um pouco da “aspereza”.
De qualquer forma, o perfil desses operários já caracteriza a adaptação
que não seria nada fácil. Esses operários eram, em sua maioria, crianças e mulheres, que
desempenhavam atividades onde se observa uma divisão relativamente rígida entre as
ocupações desempenhadas pelos homens e pelas mulheres. Aqueles poucos que ficaram
realmente a “vida inteira” realizando o seu trabalho na fábrica puderam ser parcialmente
analisados. Através deles é que se pode perceber que a Legislação Trabalhista
incorporada no período analisado na pesquisa existia como garantia somente quando o
assunto era a redução do trabalho para oito horas diárias e, principalmente, quando o
benefício era o alcance da aposentadoria. O ponto culminante em sua carreira quando
chegasse a velhice. Com a aposentadoria garantida e a noção de missão cumprida, esses
operários conseguiam rememorar fatos e casos interessantes que circundavam as
relações estabelecidas dentro de uma “Cultura Fabril”, onde todos os elementos que
conviviam , seja na cidade, no bairro ou no próprio ambiente da fábrica estabeleciam-se
numa vivência caracteristicamente operária.
Descrição das ocupações da Companhia Industrial São Joanense
1. Acabamento de cobertores: Pessoa responsável por fazer os últimos reparos nos
cobertores.
2. Ajudante de carpinteiro: Aprendiz ou auxiliar do artífice que trabalha em madeira
para obra grossa.
3. Ajudante de contramestre de tecelagem: Aprendiz ou auxiliar do chefe
responsável pelo conserto e manutenção das máquinas da Tecelagem.
4. Ajudante de tecelagem: Aprendiz ou auxiliar do operário responsável pela seção
da Tecelagem.
5. Ajudante de engomador: Aprendiz ou auxiliar do operário responsável por colocar
os fios ou o pano em goma e alisar depois em ferro quente.
6. Almoxarife: Administrador do depósito de materiais pertencentes às repartições da
fábrica.
7. Auxiliar de Carapina: Ajudante do Artífice que trabalha em madeira para obra
grossa.
8. Auxiliar de Escritório: Ajudante do operário responsável por cuidar do local onde
se trata negócios da fábrica.
9. Batedores: Local onde o algodão é batido para ser descaroçado.
10. Bobinas: Local onde o operário vai trabalhar com o pequeno cilindro de madeira
em que se enrola o fio.
11. Caldeira: Operário que trabalha com o grande vaso metálico para aquecer a água e
fazer vapor.
12. Carapina: Artífice que trabalha em madeira para obra grossa.
13. Carpinteiro: Artífice que trabalha em madeira para obra grossa.
14. Carretéis: Local onde o operário vai trabalhar com o pequeno cilindro de madeira
em que se enrola o fio.
15. Combustível: Local onde o operário é responsável pela queima da lenha para as
caldeiras de vapor.
16. Contador: Trabalhador responsável por verificar as contas; aquele que refere;
funcionário encarregado de contar as custas e salários judiciais.
17. Contramestre: Chefe responsável pelo conserto e manutenção das máquinas da
fábrica.
18. Contramestre de fiação: Chefe responsável pelo conserto e manutenção das
máquinas da Fiação.
19. Contramestre de tecelagem: Chefe responsável pelo conserto e manutenção das
máquinas da Tecelagem.
20. Corda auto: Local na fábrica onde pessoas que trabalham na eficácia dos fios que
imprimem movimentos a certos maquinismos da fábrica.
21. Cordas: Pessoas que trabalham na eficácia dos fios que imprimem movimentos a
certos maquinismos da fábrica.
22. Deburação de cobertores: Local da fábrica onde trabalha a pessoa responsável por
uma das etapas de acabamento do cobertor.
23. Dobação: Local da fábrica onde se enrola o fio em novelos.
24. Dobação carregava espúlios: Operário responsável por carregar os fios do local
de Dobação.
25. Eletricista: Pessoa responsável pela instalação de aparelhos elétricos ou a outras
aplicações da eletricidade.
26. Encarregada de dobação: Operário que auxilia o local da fábrica onde se enrola o
fio em novelos.
27. Encarregada de espulas: Operário que auxilia o local da fábrica onde se organiza o
fio.
28. Encarregada de sala de pano: Operário que auxilia o local da fábrica onde são
remetidos os tecidos prontos.
29. Encarregada de tinturaria: Operário que auxilia o local da fábrica onde se tingem
os panos.
30. Engomador de fios: Operário responsável por colocar os fios em goma e alisar
depois em ferro quente.
31. Engomador de pano: Operário responsável por colocar o pano em goma e alisar
depois em ferro quente.
32. Escritório: Local onde trabalha o operário responsável por cuidar do local onde se
trata dos negócios da fábrica.
33. Espulas: Pessoa responsável pelos fios.
34. Ferreiro: Operário responsável pelos serviços em ferro da fábrica.
35. Fiação: Ação, efeito ou modo de fiar; seção da fábrica ou lugar onde se fia.
36. Foguista: Aquele que se encarrega das fornalhas, nas máquinas à vapor.
37. Fundição: Local onde o operário irá fundir metais.
38. Guarda-livros: Pessoa que faz a escrituração completa da fábrica. O guarda-livros é
hoje o contador.
39. Limpeza: Aquele que cuida do asseio e organização da fábrica.
40. Limpeza de fachadas: Aquele que cuida do asseio e preservação da fachada do
edifício da fábrica.
41. Limpeza de privadas: Aquele que cuida do asseio das instalações sanitárias.
42. Limpeza e lenha: Aquele que cuida do asseio e da coleta e organização da lenha.
43. Limpeza geral: Aquele que cuida do asseio e organização geral da fábrica.
44. Massaroqueira: Pessoa que trabalha em máquina utilizada na fiação.
45. Meadas: Operários que trabalham com a porção de fios dobados.
46. Meadas e carretéis: Operários que trabalham com a porção de fios dobados e
também com o pequeno cilindro de madeira em que se enrola o fio.
47. Meadeiras: Operários que trabalham com as máquinas de fazer meadas ou
dobadouras.
48. Mecânico: Funcionário responsável pelos serviços que se referem à Mecânica;
49. Mestre de tecelagem: Operário responsável pela seção da tecelagem.
50. Mestre geral: Operário responsável por todas as seções da fábrica.
51. Oficina: Operário que trabalha no lugar onde se guardam os utensílios de uma
indústria.
52. Pavieiro: Pessoa responsável pela mecha em que acende a substância inflamável
para a iluminação.
53. Pedreiro: Operário que trabalha em obras de pedra e cal.
54. Preparador de pano: Pessoa responsável por cuidar do envio do pano para a
venda.
55. Remessa: Local da fábrica responsável por enviar o tecido produzido.
56. Remeteção: Local da fábrica responsável por enviar o tecido produzido.
57. Retorcedeira: Operário responsável por torcer o fio várias vezes.
58. Rondante: Funcionário responsável por vigiar a fábrica.
59. Sala de pano: Local da Fábrica onde são remetidos os tecidos prontos.
60. Secagem do algodão: Atividade desempenhada por um operário responsável por
espalhar o algodão no chão para secar ao sol e observar enquanto este secava,
recolhendo-o para que não fosse molhado pela chuva.
61. Servente de pedreiro: Operário que auxilia e serve àquele que trabalha em obras de
pedra e cal.
62. Teares: Pessoa que trabalha na máquina de tecer.
63. Teares de cobertor: Pessoa que trabalha na máquina de tecer cobertores.
64. Tecelão/tecelã: Operário que trabalha em teares; o que tece em pano.
65. Tecelagem: Seção da fábrica onde são tecidos os panos.
66. Tecelagem do algodão: Local da fábrica onde são tecidos os fios de algodão.
67. Tinturaria: Seção da fábrica que tinge panos; ofício de tintureiro.
68. Urdideira: Operário responsável por dispor ou arranjar os fios da teia para se fazer
o tecido.
Fontes e Referências Bibliográficas
1. Fontes Primárias
1.1 Patrimônio Histórico da Companhia Têxtil São Joanense
Estatutos da Companhia Industrial São Joanense. Tipographia da Gazeta
Mineira, 1893.
Livro Diário da Companhia Industrial São Joanense.
Registro de Empregados:
- Fichas de operários de 1
o
de outubro de 1935.
- Folha de Ponto referente aos meses Maio de 1897 à Março de 1900.
- Fichas de Admissão ao serviço (1927-1932 e 1934).
Contrato de Arrendamento feito pela Companhia. 1
o
de março de 1896.
Concessão de terrenos para abertura de Rua. 27 de fevereiro de 1896.
Concessão de terrenos para construção de casas ou dependências da fábrica.
30 de outubro de 1891.
Escritura de compra e venda de terrenos. 22 de outubro de 1891.
Registros de venda das residências da Companhia Industrial São Joanense oara
proprietários, 1970.
1.1.1 Entrevistas com ex-operários:
Sr. Francisco S’antana de Oliveira.
Sr. Nilton Izolani.
Sr. Antônio Tirado Lopes.
Sra. Raimunda Delasávia Jianoni.
Sr. José Francisco de Sousa.
Sr. Alberto Agostini.
Sr. Antônio Palharini.
1.2 Biblioteca Municipal Baptista de Almeida Caetano
Jornal A Pátria Mineira “Orgam da idea republicana”. 14-4-1889 a 08-2-
1894.
Jornal A Verdade Política.
Jornal O Arauto de Minas.
Jornal A Opinião - “Propriedade de Euclides Machado e C”.
1908/1909/1911/1912.
Jornal Reforma. 06-07-1913 a 20-07-1913.
Jornal São João del-Rei Órgão oficial da Câmara. 23-12-1889.
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