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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO EM HISTÓRIA
CAPÍTULOS DE UMA HISTÓRIA DO
MOVIMENTO ESTUDANTIL NA UFBA (1964-1969)
Antonio Mauricio Freitas Brito
SALVADOR BAHIA
MARÇO 2003
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO EM HISTÓRIA
CAPÍTULOS DE UMA HISTÓRIA DO
MOVIMENTO ESTUDANTIL NA UFBA (1964-1969)
Antonio Mauricio Freitas Brito
Dissertação apresentada para obtenção do grau
de Mestre em História Social na Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal da Bahia, sob a orientação do Prof. Dr.
Muniz Ferreira.
SALVADOR -BAHIA
MARÇO 2003
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CAPÍTULOS DE UMA HISTÓRIA DO
MOVIMENTO ESTUDANTIL NA UFBA (1964-1969)
Antonio Mauricio Freitas Brito
Dissertação aprovada pela Banca Examinadora
Prof. Dr. Muniz Ferreira (Orientador) Dep. História UFBA ...............................................
Profa. Dra. Maria Victória Espiñeira Dep. Ciência Política UFBA .....................................
Prof. Dr. Jorge Almeida Dep. Ciência Política UFBA .........................................................
SALVADOR BAHIA
MARÇO 2003
4
Muitos que viveram este período estão vivos. Houve
mudanças de caminhos, tropeços, desapontamentos, frustrações.
Alguns perderam a ´paciência histórica´. Já outros continuam
resistindo em novas trincheiras. Entretanto, houve também aqueles
que nem tiveram estas oportunidades. A eles, dedicamos este
trabalho.
5
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é fruto de gestos individuais e coletivos. Esta ajuda se deu de diversas
formas: leitura do projeto antes da seleção ao mestrado; indicação bibliográfica;
empréstimo de livros; envios de dissertações e teses; sugestões; críticas. Além destas
iniciativas, houve outras também: um abraço, um beijo, um sorriso, algumas palavras e
vários tipos de ‘vibrações positivas’. Seria impossível traduzir em palavras. A todos, meu
profundo carinho.
À Marina, da Biblioteca de FFCH por ter sempre o bom astral e a disposição para
fazer as buscas necessárias ao empréstimo de livros. Aos funcionários da Biblioteca
Central, especialmente dos turnos matutino e vespertino, pela generosidade e
profissionalismo. À Sra. Terezinha, responsável pelo setor de documentação da Reitoria da
UFBA, e Eduardo, a minha gratidão por terem propiciado condições para o fácil acesso às
Atas do Conselho Universitário. Aos funcionários do Arquivo Edgard Leureonth (AEL),
situado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pela rapidez e gentileza no
atendimento às minhas solicitações. À Léo, da xerox em frente a Biblioteca Central, pelas
histórias contadas com muito humor e paciência durante o trabalho.
Aos membros da Banca, Prof. Dr. Jorge Almeida e Profa. Dra. Maria Victória,
agradeço pela leitura crítica e sugestões - ainda que nem todas as questões levantadas
puderam ter sido reformuladas. De todo modo, foram aspectos importantes para trabalhos
futuros.
Aos que concederam-me entrevistas, espero ter conseguido absorver parte da
riqueza da experiência e, através da escrita, contribuir minimamente para que gerações mais
recentes conheçam um pouco daqueles anos de chumbo e utopia.
À CAPES por ter financiado parte da pesquisa.
Ao meu orientador, Muniz Ferreira. Espontaneamente, ele me convidou a publicar
uma resenha que fiz nos tempos de graduando e, desse modo, contribuiu para que eu
pesquisasse o tema, sempre estimulando a minha “independência intelectual”. Por outro
lado, pela dedicação e rigor na leitura das versões iniciais deste trabalho.
6
A Hilton e Iacy por anos de companheirismo, solidariedade, respeito e admiração. A
imortal lilica, eternamente grato por suas cento e tantas palavras de sabedoria e estímulo. A
Franklin Oliveira, Welton, Sandro Santa Bárbara pela ajuda durante a seleção. Roseli teve a
paciência para fotocopiar e enviar-me duas dissertações. Maristela conseguiu um
importante livro. A Fabrício Tuta pelas dicas de gênio. Luís Flávio e sua retórica me
encantaram diversas vezes. Sandro e Fabiano proporcionaram risadas felizes e crescimento
acadêmico. Sandrinha e Andréa, colegas de ‘linha de pesquisa’, compartilharam
bibliografia e idéias. Aos colegas do mestrado, pelo bom astral e simplicidade durante a
convivência. Carla Patrícia e Bruxa Jovem procuraram livros. Amante da ciência, Jair
Batista me fez pensar. Mônica Oliveira pelas caronas e bom humor durante a estada em
Campinas. Iamara e Toni passaram energia positiva num momento difícil da pesquisa.
Carlos Alberto Patrocínio ´Procópio´ pela ajuda solidária, paciente e generosa na fase final
da dissertação.
Com solos de violão, gargalhadas e pressa de viver, Bira Seixas é figura
inesquecível. Marcos Cabeça e suas loucas histórias me fizeram relaxar.
Ao meu pai Brito, Magui, Néa, Amanda e Marquinhos. Eles sempre foram um
´porto-seguro´. Zal teve paciência com o meu caos organizativo durante a escrita da
dissertação.
A Dani. Com muito amor. Pelo riso largo, coração acolhedor e afetuoso, fico com a
impressão raulseixista que “a gente ainda nem começou”.
À minha mãe, desde algum tempo ausente mas sempre presente, que orbita outros
mundos e que nunca me deixa só. Meu anjo da guarda, ela me dá força para compreender a
frase do Halbwachs: “Nunca estamos sós”.
7
RESUMO
Amparada em fontes documentais como atas do Conselho Universitário, imprensa,
processos judiciais e relatos orais, a presente pesquisa busca investigar aspectos da história
do movimento estudantil (ME) na Universidade Federal da Bahia (UFBA), de 1964 a 1969.
Analisa a recepção ao golpe de 64 na universidade - especificamente no Conselho
Universitário argumentando que segmentos com expressão institucional interna à UFBA
estabeleceram com o regime militar uma relação baseada no colaboracionismo. São
identificados elementos da repressão ao ME no imediato pós-64, bem como da
reorganização das entidades estudantis, possibilitando ao ME presença na cena pública com
ritmo local influenciado pela dinâmica nacional. Em fins de 1968, a edição do AI-5
cristalizou o endurecimento do regime. A cassação do direito à matrícula de alguns
estudantes, em 1969, representou um atentado à autonomia universitária, sem vozes sociais
à altura para uma contraposição a esta medida. Este novo contexto fragilizou a resistência
estudantil, esvaziando a representatividade do ME.
Palavras-chave: Movimento Estudantil - Universidade - Autoritarismo - Ditadura Militar -
Intelectuais - Juventude
8
ABSTRACT
The present research is concerned with the history of the student´s political movement in
the Federal University of Bahia (UFBA) from 1964 to 1969. Sources used include records
of the university council meetings, newspapers, legal proceedings and interviews. It
analyses the way in which the establishment of the Brazilian military dictatorship was
received at the university, arguing that groups in this institution have colaborated with the
military government. It explores aspects of the repression to the student´s movement
immediately after the coup, and the reorganization of the student´s unions that made it
possible for them to have a local action influenced by the national dynamics. By the end of
1968, the institucional Act No. 5 (AI-5) fully expressed the hardening of the political
system. Students involved in the political scene were not allowed to enroll, and this
represented the loss of the university´s autonomy. In the new circunstances, the student´s
resistence became weak, as it happened with its representativity.
Key Words: Student´s political movement University Brazilian Military Dictatorship
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................10
CAPÍTULO I O Golpe de 64, a universidade e o movimento estudantil .........................24
Um esboço do panorama geral .............................................................................................24
Rápidas notas sobre o contexto baiano ................................................................................29
O ME na UFBA ...................................................................................................................32
O Conselho Universitário e o golpe .....................................................................................35
A Moção aprovada pelo Conselho Universitário .................................................................39
O Conselho Universitário e os estudantes ...........................................................................42
Tentativas de disciplinarização do ME ................................................................................47
O Conselho Universitário e a homenagem ao Presidente Castelo Branco............................50
A fiscalização externa à Universidade .................................................................................51
A formatura do Presidente do DCE: os problemas da documentação e indagações para um
balanço da atuação estudantil ...............................................................................................52
CAPÍTULO II - O ME na UFBA após o golpe de 64 ..........................................................55
Flashes de violência .............................................................................................................55
O Governo Castelo Branco ..................................................................................................56
A Lei Suplicy Lacerda .........................................................................................................57
O ME da UFBA e a Lei Suplicy ..........................................................................................59
Aliança entre secundaristas e universitários ........................................................................65
Anuidades em pauta .............................................................................................................69
Lei Orgânica e Reforma Universitária .................................................................................78
CAPÍTULO III Da luta dos excedentes ao “AI-5 dentro da Universidade” .....................85
A luta dos excedentes ...........................................................................................................86
A morte de Edson Luís e a reação do ME na UFBA ...........................................................89
A Greve Estudantil da UFBA ..............................................................................................91
A Polícia invade as Faculdades ............................................................................................99
A ‘ação’ no escritório do MEC-USAID .............................................................................102
A luta reivindicatória ..........................................................................................................104
Agosto: em poucos dias, intensos confrontos ....................................................................106
Os conflitos na Faculdade de Direito .................................................................................110
10
O 30
º
Congresso da UNE: preparação e desdobramentos ...................................................111
O cancelamento de matrículas: “O AI-5 dentro da universidade” .....................................116
A Moção de Doutor Honoris Causa ao Presidente Costa e Silva ......................................120
CONCLUSÃO....................................................................................................................122
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................125
11
INTRODUÇÃO
Tal qual o título sugere, a presente dissertação tem como objetivo principal investigar
aspectos da história do movimento estudantil (ME) na Universidade Federal da Bahia
(UFBA), no período compreendido entre 1964 e 1969.
Cabe sublinhar que por ME referimo-nos à diversidade de lutas e ações realizadas
por estudantes buscando defender reivindicações, idéias, propostas etc. Delimitamos a
investigação à atuação estudantil universitária expressa através dos Diretórios Acadêmicos
(DAs)/Diretório Central dos Estudantes (DCE)/ União Estadual dos Estudantes da Bahia
(UEB) /União Nacional dos Estudantes (UNE)
1
.
O desejo para viabilizar este projeto deveu-se a duas dimensões centrais. A primeira
deve ser entendida à luz da minha participação no ME. Após quatro anos engajado no ME,
percebi o quanto muito dos meus colegas incluindo os ativistas estudantis
desconheciam a atuação do ME durante estes anos de autoritarismo. No máximo, havia
uma visão carregada de mitologia ressaltando o “heroísmo” e a “generosidade” dos
estudantes naquele período.
A segunda dimensão se explica pela relevância do tema. Embora seja lugar-comum
no meio acadêmico reflexões acerca do importante papel de resistência desempenhado pelo
ME brasileiro durante a ditadura militar, poucos pesquisadores estudaram esta temática.
Esta carência acadêmica nos sugere várias possibilidades explicativas. A entrada em cena
de ‘novos personagens’ na década de 70 pode ter ofuscado a importância dos movimentos
estudantis como objeto de investigação
2
. Por outro lado, observando a produção
historiográfica sobre o período ditatorial brasileiro, notamos uma forte preocupação com a
análise da trajetória das organizações de esquerda que aderiram à luta armada (Capelato,
1995). Isto talvez seja reflexo acadêmico de uma necessidade de ‘acerto de contas’ da
esquerda com o seu passado. Por último, a derrota das visões que, na prática, consideravam
os estudantes como vanguarda da luta revolucionária pode ter estimulado um ceticismo
político-intelectual em relação à importância da compreensão das motivações estudantis.
1
Embora seja um erro imaginar que todas as manifestações estudantis eram organizadas com base nestas
estruturas, elas concentraram a principal energia dos ativistas do ME. Desse modo, segundo um autor
“qualquer novo movimento de idéias que quisesse trazer sua mensagem para o seio do movimento estudantil
tinha que se engajar nas estruturas”. (Albuquerque, 1977b, 123).
2
A respeito ver Sader (1991).
12
Tentativas de explicações à parte, constatávamos a inexistência de ampla
bibliografia especializada no tema. Além disto, na leitura da maioria dos trabalhos
produzidos, percebíamos uma tendência à nacionalização de ações e lutas do ME tomando
como referência fundamental o eixo Rio/São Paulo. Como exceção à regra, as pesquisas
desenvolvidas noutros estados mostravam especificidades que deveriam ser discutidas,
contribuindo para uma interpretação menos simplificada sobre o ME. Em sintonia com
estas formulações - e para reforçar mais ainda a importância da pesquisa -, havia indícios de
ter existido um forte ME em Salvador, durante este período.
Ao mesmo tempo em que tínhamos conhecimento de fragmentos deste passado,
percebíamos a importância de investigar especificamente o ME na UFBA. Primeira
universidade instalada na Bahia Universidade da Bahia, até 1965 -, a UFBA contribuiu
para o surgimento de novas faculdades e universidades no estado (Boaventura, 1999). Foi
pioneira na reestruturação interna em 1968, sintonizada com as mudanças propostas pelo
governo para o ensino superior. Teve também personalidades políticas destacadas no
cenário nacional e local, a exemplo de Edgard Santos - Reitor durante 15 anos, membro do
Conselho Federal de Educação em 1962 e Miguel Calmon Reitor e ex-Ministro da
Fazenda.
Há ainda mais uma outra razão para esta delimitação espacial. Na literatura sobre o
tema, percebíamos um quase silêncio em relação ao imediato pós-golpe de 64 na
universidade. Considerando que o regime militar teve apoio de setores civis, refletíamos
acerca da necessidade de perceber a ‘recepção’ ao golpe na UFBA. Conforme
demonstraremos posteriormente, as fontes mostram a relevância desta questão.
Por último, não podíamos esquecer a seguinte ressalva. Por ser composto de jovens
transitórios na universidade, ou por não compreenderem a importância da documentação
escrita/iconográfica, o ME não tem sistematizado sua memória histórica. O resultado é que,
como a situação transitória leva à renovação constante dos ativistas, não há preocupação
contínua do ME com o intuito de guardar documentos, periodizar suas lutas, avaliá-las e
transmitir seus ensinamentos a outras gerações. No caso do período abarcado pela pesquisa,
há uma especificidade que agrava o problema. Trata-se da apreensão feita pela repressão à
documentação elaborada pelo ME e/ou a sua destruição pelos ativistas e familiares com
vistas a minimizar a existência de provas de militância. Neste sentido, este trabalho visa
13
também suprir esta lacuna e contribuir para a construção e preservação de uma memória do
ME.
Em relação ao recorte temporal, antes de mais nada este interregno refere-se a uma
fase da ditadura onde foi possível algum tipo de oposição política aberta e, nalguns
momentos, com alguma representatividade social. Os seus marcos foram definidos porque
buscamos analisar quais os impactos do imediato pós-golpe no ME. Neste sentido, tornou-
se inevitável desenvolver reflexões sobre a posição adotada por membros do Conselho
Universitário. Por outro lado, a delimitação desta pesquisa até 1969 foi resultado de uma
problematização com os estudos que, tendo como base o ME carioca e paulista, analisam
1968 como ápice do fluxo e início do refluxo no ME sem investigação empírica em outros
estados.
No mais, fica o registro de que este trabalho visa estimular o desenvolvimento de
novas pesquisas sobre o tema. Provavelmente, com o passar dos anos e a minimização dos
riscos de uma ‘história do presente’, novos pesquisadores se interessarão por esta temática.
Duas questões bastam para concluir estas linhas. A primeira é que compreendemos
ser importante o estímulo à criação de um arquivo sobre a ‘Memória da UFBA’. A
inexistência dessa documentação sistematizada trouxe algumas lacunas para este trabalho, a
exemplo da inexistência de um ‘retrato social’ da universidade. Em segundo lugar, urge que
os Arquivos da Repressão na Bahia sejam disponibilizados ao público. Eles são
fundamentais para a democratização da memória social em relação ao período; por outro
lado, permitirão fluir um sem número de pesquisas sobre estes anos sombrios, mas que têm
um legado importante para os dias atuais.
Quanto à organização da dissertação, ela foi dividida em três capítulos. O primeiro
buscou apresentar um panorama geral da ‘recepção’ do golpe na UFBA, centrando-se na
análise da documentação produzida pelo Conselho Universitário.
O capítulo II teve como objetivo central mostrar a reorganização do ME pós-golpe,
sublinhando a existência de um setor de orientação pró-golpe na direção das entidades de
representação interna à universidade DCE e DAs.
O último capítulo investiga os acontecimentos no ano de 68. Analisamos a presença
do ME na cena pública e sua progressiva radicalização interna e externa. Por último,
14
voltamos o nosso foco à UFBA explicitando os impactos do ‘golpe dentro do golpe’ no ME
local e a ruptura ocorrida a partir de 1969.
Antes de prosseguir tecendo comentários sobre a bibliografia produzida a respeito
do tema, interessa um breve parênteses. Por diversas razões, os estudantes secundaristas
não têm tido a devida atenção por parte dos pesquisadores do ME. No nosso estudo
específico, ressaltamos que investigamos o ME na UFBA desenvolvendo reflexões acerca
da relação entre regime militar e universidade. Ainda assim, tentamos estar atentos a
‘pontos de contato’ entre a ação universitária e secundarista, conforme ver-se-à ao longo
de algumas passagens. Contudo, isto apenas demonstra a necessidade de pesquisa
específica sobre a atuação secundarista, inclusive com reflexões de caráter sociológico
sobre a natureza do comportamento deste setor e suas peculiaridades.
Revisão Bibliográfica
O estudo de Foracchi se constitui num clássico sobre o tema (Foracchi, 1965).
Lançado em 1961, foi a primeira análise sociológica que buscou desvendar possíveis
motivações da participação política estudantil. Tomando como referência uma pesquisa
desenvolvida entre os estudantes paulistas, a autora discute variáveis que condicionam a
ação estudantil. São analisados aspectos como o trabalho, a socialização, a carreira
profissional, a dependência da família, a condição juvenil, a perspectiva de emancipação
econômica e a relação ambivalente e contraditória do estudante com sua classe social. Estas
categorias sugerem algumas interpretações da ação estudantil. Contudo, a autora considerou
os estudantes enquanto membros da pequena-burguesia. No caso da presente dissertação,
não tivemos dados empíricos para sustentar tal assertiva.
Perspectiva diversa foi fomentada por Artur Poerner, ao escrever o clássico O Poder
Jovem (Poerner, 1979). O autor buscou encontrar desde os tempos do Brasil-Colônia até o
início dos anos de chumbo exemplos que justificassem uma generosidade sui generis no
jovem estudante em abraçar projetos ao lado do povo brasileiro. A documentação
trabalhada pelo autor constituiu uma rica coleta de periódicos estudantis, leis, propostas
educacionais, jornais e moções legislativas garantindo uma riqueza factual que contribui
para uma periodização do ME brasileiro e que nos foi bastante útil.
15
Embora seja precioso em detalhes, o texto mostra que o autor carece de uma
metodologia que investigue e analise as motivações da participação estudantil de forma
menos emocionada, evolucionista, mitológica e assentada na idéia do jovem como um
revolucionário. Seu principal mérito reside em ser a primeira tentativa de síntese sobre a
história do ME brasileiro.
Depois de 1968, durante mais de uma década, houve pouca produção científico-
acadêmica sobre ME
3
. Talvez isto seja um reflexo “do controle e da repressão ao trabalho
intelectual” implementada pelo regime militar brasileiro (Falcon, 1997).
Em um outro contexto, de retomada das lutas estudantis sob a “abertura lenta e
gradual do regime”, e buscando contribuir para romper um profundo desconhecimento dos
jovens em relação ao regime militar, Sanfelice examina a produção política/teórica da
UNE, a resistência desencadeada pela entidade à ditadura e as diversas tentativas do regime
militar em disciplinar o ME (Sanfelice, 1986). Ao frisar que não se pode transferir a
ideologia da UNE ao ME que se configurou em cada estabelecimento universitário, o autor
nos sugere a importância de investigar o ME nos estados e nas universidades.
Buscando superar os mitos sobre o ME enquanto um movimento naturalmente
oposicionista, Martins Filho, em Movimento Estudantil e Ditadura Militar no Brasil, estuda
as vinculações do ME com a classe de origem, inserindo-o numa conjuntura historicamente
determinada e relacionando-o com as orientações de sua direção política (Martins Filho,
1987). Desta forma, o livro é um marco nos estudos sobre o tema ao inovar na análise
metodológica a partir destes pressupostos.
Utilizando alguns jornais do eixo Rio/São Paulo, o autor constrói um rico
levantamento de mobilizações organizadas num quadro pormenorizado com as respectivas
motivações, as estimativas de público e a região em que se desenvolveu. Com base na
observação do quadro, constata-se a presença de diversas mobilizações realizadas por
estudantes universitários da Bahia. Isto contribuiu para sustentarmos a nossa suposição -
antes da pesquisa com as fontes primárias - acerca do importante papel do ME baiano na
década de 60.
Contribuindo para a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) se constituir
num rico centro de estudos a respeito do ME, Cavalari escreve dissertação de mestrado
16
sobre o tema (Cavalari, 1987). Analisando por que o ME foi perseguido e qual seu real
poder de questionar a ordem estabelecida, a autora estuda as possibilidades e barreiras do
movimento problematizando se a sua ação contribuiu ou não para a transformação social.
As fontes primárias utilizadas se reduzem a periódicos estudantis (SP), jornais e revistas e
colocam limites na medida em que o trabalho centra preocupações no ME paulista ao
mesmo tempo em que aponta conclusões para o ME brasileiro.
Ao discorrer sobre os mecanismos repressivos utilizados pelo regime militar, a
autora afirma que foram criadas comissões especiais de inquérito em empresas estatais,
universidades e outras instituições vinculadas ao governo. Esta questão foi uma pista
importante para ser investigada na presente pesquisa.
No plano teórico, Cavalari afirma a “ambigüidade de classe” enquanto o principal
limite para a pequena burguesia formular um projeto revolucionário. Como o ME foi um
movimento da pequena-burguesia, ele não teria chegado a ameaçar a ordem estabelecida,
segundo a autora. Esta conclusão termina fragilizando a pesquisa ao compreender o ME
determinado inexoravelmente pela sua composição classista.
Durante as comemorações dos 20 anos de 68, Reis Filho apresenta contribuição
para os estudos sobre o ME no Brasil (Reis Filho, 1988). Coletando depoimentos de alguns
diretores da União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Estadual dos Estudantes
(UEE), o autor apresenta cronologia nacional do ME associada ao panorama internacional.
Uma das principais contribuições do livro é desmistificar a relação entre o ME brasileiro e
o francês, sobretudo no contexto de 1968. Assim, Wladimir Palmeira, um importante líder
estudantil nesta época e depoente do livro, mostra, por exemplo, que a UNE não se
relacionava com o ME na França e que, enquanto participante do movimento, nunca leu
Marcuse, considerado o principal teórico que influenciou lideranças importantes do maio
francês. Esta observação rompe com a noção de 68 como uma rebelião mundial da
juventude dirigida pelos franceses e sem especificidades locais. Por outro lado, não
podemos desconsiderar que a influência do ME francês no Brasil pode ter se dado de
maneira indireta, sobretudo via imprensa.
Diferente de uma perspectiva comparativa entre o ME nacional e o internacional,
Justina da Silva lança Estudantes e Política (Silva, 1989). Tendo como principal mérito ser
3
Conhecemos apenas a Revista publicada pela UNE. Trata-se de uma sistematização geral das lutas
17
o primeiro estudo fora do eixo Rio/São Paulo, o livro contém uma análise do ME norte rio-
grandense no período entre 1960/1969 - derrocada do populismo e consolidação da
ditadura.
Silva alarga o estudo do ME formulando novos problemas. Com isto, descobre, por
exemplo, inquéritos realizados pelo Conselho Universitário (CONSUNI) da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) visando julgar ativistas estudantis. Mostra como a
UFRN se antecipou à Lei 4464 ao reprimir o funcionamento do DCE. Por último, afirma
que o CONSUNI apoiou o golpe militar. Fonte de inspiração, este livro nos influenciou a
investigar o papel do Conselho em controlar, reprimir e/ou disciplinar o ME no nível da
UFBA.
Em 1995, Fávero publica um Ensaio intitulado A UNE em tempos de autoritarismo
(Fávero, 1995). Focaliza sua análise na UNE e nos projetos em disputa de reforma
universitária. Analisa o golpe, o autoritarismo pós-64 e a radicalização das relações entre o
ME e o regime militar. Mostra os enfrentamentos entre ambos notadamente em relação à
Lei Suplicy e aos Acordos entre o Ministério da Educação e Cultura e a United States
Agency for International Development (MEC-USAID)
4
. A principal contribuição do
trabalho consiste na avaliação sobre a reforma universitária tomando por base as resoluções
dos Seminários sobre o tema promovidos pela UNE, no início da década de 60. Vale o
lembrete que a autora reproduziu estes textos na íntegra, nos Anexos, contribuindo para que
outros estudiosos e curiosos possam se debruçar sobre os mesmos.
Também centrando na perspectiva do estudo sobre o ME e as mudanças no ensino
superior na década de 60, e ampliando o enfoque ao mostrar as propostas dos empresários,
Sandra Pelegrini (1998) estuda a plataforma educacional elaborada pela UNE
confrontando-a com o discurso ideológico do empresariado paulista, que se organizou no
âmbito do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)
5
.
Num clima de reflexões sobre o significado de 68 por ocasião das comemorações
dos seus “30 anos de existência”, Martins Filho organiza coletânea com diversos
pesquisadores fazendo o balanço sobre o assunto (Martins Filho, 1998). Quatro textos
desenvolvidas pela entidade entre 64 e 79. Romagnoli (1979).
4
Segundo Martins Filho (1987), os acordos MEC-USAID inseriam-se numa longa tradição de colaboração
técnica entre o Brasil e os Estados Unidos. Eles foram vistos pelo ME como uma infiltração imperialista no
ensino e foram objetos de denúncia feita pelas entidades estudantis. Adiante retomaremos esta questão.
5
A respeito ver Dreifuss (1981). Especialmente a parte “A ação no meio estudantil e cultural” (pp 282-290).
18
discutem o ME no Paraná, Goiânia, Alagoas e Minas Gerais. Os artigos mostram riqueza,
pluralidade e complexidade das relações entre regime militar, governos estaduais e ME. Ao
mesmo tempo, sugerem o papel das reitorias em implementar políticas específicas
sintonizadas com a lógica governista. Estes textos tiveram contribuição significativa para a
presente pesquisa, notadamente na formulação de problemas.
Já em 1999, um pesquisador escreveu um trabalho sobre o ME baiano no período
entre 1964/1980. Preocupado em estudar o ME fora do eixo Rio - São Paulo, Benevides
toma a Bahia como cenário e os estudantes como jovens de uma geração que fez história
(Benevides, 1999). O autor investiga se o ME, com o intuito de driblar a repressão exercida
através dos sucessivos governos militares, desenvolveu formas alternativas àquelas
permitidas pelos meios institucionais. Além disto, utilizando jornais e entrevistas,
problematiza se estas ações resultaram na produção de uma cultura política que o
aproximasse dos novos movimentos sociais emergentes na década de 70
6
. Este trabalho
teve contribuição relevante ao presente estudo por se tratar do ME baiano.
***
Com base na leitura da bibliografia, percebe-se a existência de uma inovação na
abordagem sobre o tema com o uso de novas fontes, diferentes delimitações espaciais e
temporais e referenciais teóricos distintos. Porém, há uma convergência entre os autores no
que diz respeito a identificar uma série de medidas de contenção, controle político-
ideológico e repressão à universidade. Neste sentido, por exemplo, citam-se algumas
medidas legais e as invasões da Universidade de Brasília pelas tropas do exército.
Estes são apenas alguns exemplos da repressão ocorrida de “fora para dentro” na
universidade que poderiam nos sugerir interpretar a universidade como uma “vítima” do
regime militar. Todavia, os estudos fora do eixo Rio/São Paulo sugerem a existência de
6
Com base na imprensa, o autor realiza uma periodização do ME na Bahia. Assim, de 1964 a 1968 o
movimento teria apresentado uma fase de efervescência; no período de 1969-1974 uma fase de obscuridade;
completando o ciclo com a renascença de 1975-1979. O pressuposto parece ser o do ME na cena pública e
coberto pela imprensa. Cabe uma problematização pois não necessariamente a falta de notícias em jornais
implica ausência do ME na cena pública nem tampouco em espaços micro (Faculdades, escolas, salas de
aula). Prosseguindo na periodização com base no pressuposto afirmado, o autor analisa que, depois do golpe,
a reorganização do ME só se deu em 1966, a partir da repressão cultural no Colégio Central. Com isto, sugere
que não houve nenhuma outra iniciativa de resistência do ME baiano ao golpe e à implantação da ditadura
militar a partir de 64 no Brasil. Mais adiante, discutiremos esta interpretação.
19
reitores e funcionários colaborando com a política autoritária, embora isto não seja dito
com todas as letras. É interessante dizer que, como veremos posteriormente, esta
preocupação esteve presente durante a pesquisa, seja na recepção ao golpe, seja na atitude
do Conselho Universitário ao posterior ‘golpe dentro do golpe’.
Antes de apresentar os capítulos dessa história, é importante alguns comentários
sobre as fontes utilizadas. De modo geral, utilizamos fontes diversas, fazendo uma
comparação entre ambas e incorporando a sugestão de que “nunca confiar numa única fonte
é um dos mandamentos da profissão de historiador” (Becker, 2001, p 30).
As Fontes
a) As Atas do Conselho Universitário da UFBA
A leitura das Atas do Conselho Universitário da UFBA foi de suma importância
para a pesquisa. Por ser uma documentação oficial da universidade, permitiu-nos ter alguns
dados sobre a instituição. Além disto, como se verá, possibilitou-nos conhecer diversas
falas e resoluções aprovadas por esse Conselho e que foram largamente utilizadas no corpo
do trabalho.
O Conselho Universitário era um locus de elaboração da política geral para a
universidade. Faziam parte dessa instância - com poder de voz e voto -, o Reitor, Diretores
de Faculdades e dois representantes estudantis. Como qualquer espaço de poder
institucional, este fórum esteve marcado por disputas políticas, ora abertas, ora veladas.
Deste modo, procuramos desvendar mensagens cifradas que ‘ecoavam’ nos discursos.
Sendo a Ata o resultado de determinada ‘correlação de forças’, ela expressa esta maioria.
Logo, foi necessário estarmos atentos a esta questão para problematizar certos
posicionamentos dos diversos atores e ler a documentação nas entrelinhas.
Um outro aspecto a ser considerado é que a Ata é a redação de falas e/ou propostas
tal qual foi assimilada pela maioria e/ou escrita pelo secretário, antes de ser aprovada pela
reunião posterior a cada sessão. Não sabemos se ela passava pelo crivo do Reitor antes de
ser lida aos membros do Conselho Universitário. Ou seja, sob certo aspecto, a Ata é uma
transcriação da fala dos presentes pelo secretário/redator duma determinada reunião.
20
Se acrescentarmos a isto a existência de apenas dois representantes estudantis no
Conselho Universitário e, por outro lado, constatarmos a priori uma relação de poder
desigual pela posição social de cada um dos atores na hierarquia universitária o estudante
em condição transitória e o professor membro ‘nato’ -, é provável que a Ata não contemple
a complexidade do posicionamento estudantil. Esta suposição fica bastante razoável ao
analisarmos os discursos atribuídos a estudantes, e os episódios ocorridos.
Há ainda um aspecto que não podemos desconsiderar. No período em estudo, a
universidade vivia um contexto de repressão, vigilância e controle-político. Como veremos,
a correlação de forças a favor ou contra o regime variou com o tempo. De todo modo, como
uma diretriz geral para analisar a documentação, é possível que houvesse algum tipo de
auto-censura durante as reuniões, notadamente das pessoas que tinham críticas à ordem
vigente. E mais do que isso. No caso específico da representação estudantil, nalguns
momentos, conseguimos identificar alguma censura, seja através da omissão de falas
7
, seja
da crítica direta a certos posicionamentos, conforme verificaremos posteriormente.
Por último, é interessante dizer que a Ata é um documento que registra as
deliberações sobre determinados temas discutidos. Paralelo a cada Ata, havia as Notas
Taquigráficas. Seria um resumo de idéias explicitadas pelos presentes à reunião
enfatizando mais uma vez - tal qual foi redigida pelo secretário. A depender do período e da
questão levantada, elas foram mais ou menos utilizadas durante a redação que se segue.
b) Os Jornais
Trabalhamos com o Jornal da Bahia e o ATarde. A consulta aos jornais permitiu
rastrear diversos acontecimentos ocorridos durante o período estudado. Além disto, mais do
que descrições, tivemos acesso aos discursos jornalísticos sobre o ME. É sabido que não há
cobertura jornalística neutra. Os jornais são resultado de opções político-ideológicas de
determinadas forças sociais. Assim, como foi observado, destacam-se “além de sua função
informativa, como órgãos modeladores da opinião pública” (Capelato Apud Silva, 2001, p
7
Por outro lado, é importante ressaltar que as Atas eram aprovadas na sessão subsequente à reunião do
Conselho, após sua leitura. Isto implica que, pelo menos formalmente, era uma oportunidade para que
qualquer membro do Conselho pudesse propor emendas de inclusão ou de exclusão conforme seus
posicionamentos, propostas e falas na reunião passada. Não sabemos se o mesmo procedimento ocorria em
relação às Notas Taquigráficas.
21
33). Nalguns casos, as interpretações jornalísticas sobre a atuação estudantil aparecem sob
uma manchete, um editorial ou através de charges. Contudo, não tivemos como objetivo
central analisar o teor do discurso jornalístico sobre o regime militar em geral e/ou o
protesto estudantil.
A escolha dos dois jornais deveu-se ao fato de incorporarem na sua pauta diária
notícias sobre o ME. Além disto, representavam posicionamentos diferentes em relação ao
regime militar: um mais afinado (ATarde); o outro mais crítico (Jornal da Bahia).
Desnecessário dizer que estas linhas editoriais tiveram decorrências para as coberturas das
ações estudantis.
Contudo, não devemos fazer um transplante automá tico das posições gerais dos
jornais em relação ao regime para a cobertura jornalística referente ao ME
8
. Para ser mais
claro: se, por um lado, o Jornal da Bahia tem uma posição mais favorável às ações
estudantis, por outro lado, o ATarde editou uma coluna diária chamada de Ronda
Universitária na qual é descrito cotidianamente os ‘agitos’ estudantis com teor
predominantemente informativo. Esta coluna foi bastante utilizada para arrolar fatos
relevantes e perceber os ‘bastidores’ do ME.
c) As Entrevistas
As fontes orais foram importantes para o conhecimento do período. Realizamos 17
entrevistas com ex-estudantes. Para a seleção, utilizamos os critérios de diversidade política
e disponibilidade em conceder a entrevista. Pelas dificuldades iniciais em marcar a
entrevista, enfatizamos o nosso respeito ao anonimato para tentar quebrar algumas
resistências. Embora isto não ficasse explícito durante a pesquisa para todos as pessoas,
optamos por manter este procedimento.
Em termos de conteúdo, as entrevistas versavam sobre as ações desenvolvidas pelo
ME, a participação do entrevistado, sua trajetória, as relações entre ME e esquerda etc. Se
por um lado, elas contribuíram para ‘regular’ outras fontes, estas falas revelaram diversos
problemas. Os principais estão associados à questão da memória.
8
Inclusive porque em alguns momentos, o ME angariou amplo apoio da cobertura jornalística.
22
Este é um debate complexo nas ciências humanas. Pollack apontou algumas
características da memória. Em primeiro lugar, ela é seletiva; nem tudo fica gravado nem
registrado. Além disto, ela adquire flutuações em função do presente, ou seja, a memória é
construída socialmente, sofre mudanças, negociações e transformações.. Em terceiro lugar,
as memórias são disputadas - às vezes no nível subterrâneo, buscando o momento certo
para emergir na cena pública e se traduzir em reivindicações, bandeiras e lutas. É o que
Jelin também chamou de “conjunturas de ativação da memória” (Jelin, 2001). Por fim, a
memória é fundamental para a construção de identidade individual e coletiva. É neste
sentido que Pollack formula o conceito de ‘enquadramento da memória’. Ou seja, os
indivíduos têm que relembrar do passado observando certas regras de controle para garantir
a coesão social do grupo ao qual pertencem (Pollack, 1989; Pollack, 1992; Portelli, 2001).
Obviamente, estas reflexões trouxeram várias decorrências na análise das falas dos ex-
ativistas.
***
Adotamos a sugestão de Portelli de considerar estas entrevistas como multiplicidade
de memórias fragmentadas e internamente divididas
9
, todas, de uma forma ou de outra,
ideológica e culturalmente mediadas.
Qualificar memórias como divididas não tem contradição com tratá-las como
enquadradas. Em vários testemunhos apareceram leituras míticas buscando a auto-exaltação
individual e coletiva, o mito da geração do AI-5. Entretanto, pela dimensão social do
presente na reconstrução do passado, por estes colaboradores assumirem diferentes funções
sociais no aqui e agora, houve contradições e diferentes leituras. Aqui interessa uma
ressalva. Infelizmente, devido a tropeços na operacionalização da pesquisa, não tivemos o
9
O conceito de memória dividida é formulado para dizer que um único evento pode comportar memórias
radicalmente diferentes. Enquanto uns comemoram, outros criticam. No artigo sobre o Massacre de Civitella,
Portelli faz referência a este conceito, com base em Giovanni Contini, para mostrar uma memória ‘oficial’
que “comemora o massacre como um episódio da Resistência e compara as vítimas a mártires da liberdade; e,
por outro lado, uma memória criada e preservada pelos sobreviventes, viúvas e filhos, focada quase
exclusivamente no seu luto, nas perdas pessoais e coletivas. Essa memória não só nega qualquer ligação com
a Resistência, como também culpa seus membros de causarem, com um ataque irresponsável, a retaliação
alemã” (Portelli, 2001, p 105). Jelin (2001) formula de maneira quase idêntica ao afirmar que, sendo a
memória um espaço de disputa política, seria impossível haver uma memória unificada sobre eventos
históricos.
23
tempo necessário para analisar e utilizar as entrevistas em toda sua potencialidade. Desse
modo, reconhecemos esta lacuna a ser preenchida em trabalho futuro.
Ainda assim, a montagem deste breve quadro teórico visa explicitar que não
partilhamos de teses ingênuas em relação à utilização das entrevistas (Thompson, 1992).
Isto implica dizer que elas merecem críticas em dois caminhos sob interação constante,
adotando a sugestão de Portelli: as fontes orais como fatos e representações. Para este autor,
só considerando-os juntos é que podemos distingui-los. As representações se utilizam dos
fatos e alegam que são fatos; os fatos são conhecidos e organizados de acordo com as
representações. Conclui que “talvez essa interação seja o campo específico da história oral,
que é contabilizada como história com fatos reconstruídos, mas também aprende, em sua
prática de trabalho de campo dialógico e na confrontação crítica com a alteridade dos
narradores, a entender representações” (Portelli, 2001, p111).
d) Os Processos Jurídicos
Utilizamos algumas referências ao ME na UFBA registradas nos Processos
Jurídicos Brasil Nunca Mais (BNM) instalados para apurar o envolvimento de estudantes
baianos em atividades políticas consideradas ‘subversivas’ pelos militares. Consultados no
Arquivo Edgard Leureonth (AEL), situado na Universidade Estadual de Campinas, estes
processos foram organizados em operação clandestina dirigida por pessoas ligadas à Igreja
e advogados de presos políticos (Weschler, 1990).
Optamos por pesquisar estes processos como ‘arquivos do ME’, já que houve alguns
‘anexos’ utilizados pela justiça militar para fundamentar denúncias, enquadrar ações com
base na Lei de Segurança Nacional, etc. Silva frisou bem que “com o intuito de negar, a
polícia reproduziu os conceitos revolucionários” (Silva, 2001, p 42). Noutras palavras: há
algum material produzido pelo próprio ME nestes processos. Por outro lado, analisamos
esta documentação como ‘arquivo da repressão’.
Os processos consultados foram BNM 394, BNM 49 e o BNM 71. O processo
BNM 394 foi aberto em 1964 para apurar atividades ‘subversivas’ na área do ensino na
Bahia, o que incluiu denúncia contra estudantes universitários que participavam do Centro
Popular de Cultura (CPC) da UNE, bem como informações sobre processo contra o
24
Presidente do DCE antes do golpe, o oficial da Polícia Militar Pedro Castro. Trata-se de
uma documentação que contém 10 Volumes e 2404 páginas.
Observamos também o processo BNM 49 - diz respeito à prisão de um jovem
trabalhador ocorrida em 1968 durante um ato político no Escritório do MEC-USAID em
Salvador. Por fim, o BNM 71 foi aberto em 1968 para indiciar os estudantes presos no 30
º
Congresso da UNE e denunciava outros estudantes engajados no movimento estudantil. O
processo contém 1099 páginas.
Ademais, uma última ressalva. Devido a limites financeiros que prejudicaram a
execução do plano de trabalho, pesquisamos esta documentação jurídica já no contexto de
escrever a dissertação, por conta do respeito ao prazo estabelecido (02 anos) para finalizar a
pesquisa. Deste modo, sublinhamos que há uma riqueza e imensas possibilidades que esta
documentação levanta e que não conseguimos explorar. Isto implica dizer que é uma fonte
e um tema em aberto para futuras pesquisas.
25
CAPÍTULO I O Golpe de 64, a universidade e o movimento estudantil
Um esboço do panorama geral
Diferentemente de outras participações pontuais das Forças Armadas na sociedade
brasileira, em 1964 tem início o regime militar no Brasil (Fernandes, 1997). Longe de ser
um ‘assalto ao palácio do governo’ conduzido por um restrito grupo de militares, este
movimento político teve a capacidade de obter bases favoráveis pelo menos nos
momentos preparatórios à deflagração - em segmentos da sociedade brasileira.
No período anterior ao golpe, houve mobilizações de apoio oriundas de setores das
classes médias e da burguesia, marcha de mulheres, Igreja Católica (Dreifuss, 1981; Toledo
1997a; Simões, 1985). Estas iniciativas se contrapunham à ascensão das lutas sociais pelas
reformas de base durante o Governo João Goulart.
Apresentada pelos militares como ‘Revolução de 64’
10
, esta articulação e suas
origens podem ser encontradas, pelo menos, em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros
(Soares, 1994). Para a oficialidade, Goulart era esquerdista e possuía vinculações com o
comunismo internacional. Segundo o General Meira Matos
A posse de João Goulart foi muito contestada no Exército: havia uma reação muito grande. Eu tenho
a impressão de que a posse do João Goulart aconteceu por acidente, porque, se dependesse das forças
armadas[...] ele não tomaria posse[...]. Havia a convicção de que João Goulart era um elemento que
viria para o governo prestar serviço ao comunismo internacional. Em face disto, o Exército...não era
favorável à posse de João Goulart. [Entretanto], os três ministros militares fizeram uma declaração
um pouco ambígua. Em face dessa declaração ambígua, o Congresso não deu o passo à frente que
deveria dar, que se esperava que desse, no sentido de impedi-lo, e foram criados uns vazios no
quadro político. Nesses claros, nesses vazios, entrou o Leonel Brizola, governador do Rio Grande do
Sul. E o comandante do III Exército, no Rio Grande do Sul [...] cedeu àquela agressividade de
Leonel Brizola, e abriu uma brecha nas forças militares, que eles souberam aproveitar politicamente
muito bem. Então, os chefes militares, que tentaram impedir a posse, aceitaram uma situação
intermediária: que ele tomaria posse, mas com uma limitação de poderes, que foi o tal
10
Segundo Ridenti (1993), esta denominação atribuída pelos militares está em sintonia com o que o autor
chama de ‘proximidade imaginativa da revolução’, fenômeno presente no imaginário social da década de 60.
Desta forma, teria sido uma forma do regime buscar legitimidade social.
26
parlamentarismo caolho que saiu naquela hora. É como eu vejo [os] acontecimentos dessa época
(Apud op.cit., p34).
O trecho acima citado é revelador de uma questão presente no eixo discursivo dos
militares para o golpe de 64 (Toledo, 1994a). Pensamento dominante entre setores militares
desde a revolta comunista de 35, o anticomunismo era um dos aspectos centrais da
Doutrina de Segurança Nacional (DSN) que marcou a atuação dos militares, constituiu-se
enquanto ideologia e se reproduziu enquanto discurso influenciando a imprensa e setores
civis da sociedade brasileira
11
(Rizzo de Oliveira, 1976). Cabe abrir um breve parênteses.
Não é nossa intenção fazer uma análise global do golpe militar. Isto já foi feito de maneira
bastante competente por alguns autores (Dreifuss, 1981; Moreira Alves, 1984; Toledo,
1997a). Para os objetivos do presente estudo, faremos referências gerais ao golpe na
medida em que nos ajudem a entender seus impactos e reações na Universidade Federal da
Bahia
12
, bem como as decorrências para o movimento estudantil.
Voltando ao discurso dos militares, uma outra dimensão presente no pensamento da
DSN será a interpretação da “entrada das massas” no cenário político vista como elemento
perturbador da ordem
13
(Rizzo de Oliveira, 1976). É neste sentido que as mobilizações a
favor das reformas de base passaram a ser interpretadas como ‘desordens’ visando a
instalação de uma ‘república sindicalista’ no Brasil. Além disto, um último aspecto não
menos importante: estas ações coletivas iriam ser desqualificadas e analisadas como fruto
da “infiltração” de comunistas e subversivos (D’Araújo, 1994a).
De certo modo, seriam estas idéias que em alguma medida se transformariam em
força material com as mobilizações pré-golpistas ocorridas em praticamente todas as
capitais brasileiras
14
. Contudo, é importante sublinhar que a criação de um clima político
favorável ao golpe foi propiciado também através de uma organização civil que remonta
11
A respeito, ver também Alves (1984) e Comblin (1977).
12
Em 1964, a instituição chamava-se Universidade da Bahia. Em 1965, a autarquia é federalizada e passa a
ser chamada de Universidade Federal da Bahia, com base na Lei n. 4759, de 20 de agosto de 1965. Cf. ATA
CONSUNI. 06/10/1965.
13
A ênfase no discurso dos militares deve-se a uma compreensão de que, não obstante a participação de civis
na articulação golpista, acreditamos que os militares foram os principais atores que ‘deram as cartas’ no
regime militar instaurado a partir de então. Para saber mais sobre a análise do discurso militar, ver Fiorin
(1988) e Indursky (1997).
14
Além do eixo Rio-São Paulo, há estudos mostrando esta questão. Ver, por exemplo, Starling (1986) e
Santos (1999).
27
desde, pelo menos, 1961: o Instituto de Políticas e Estudos Sociais (IPES)
15
. Criado por um
grupo de empresários, o IPES teve como principais objetivos “impedir a solidariedade da
classe operária; conter a sindicalização dos trabalhadores rurais e a mobilização dos
camponeses; apoiar as facções de direita dentro da Igreja Católica; dividir o movimento
estudantil; bloquear as forças nacional-reformistas no Congresso e nas Forças Armadas;
mobilizar a alta oficialidade militar e as ‘classes médias’ para a desestabilização do regime
‘populista’” (Toledo, 1997a, p 85).
Com base no minucioso estudo de Dreifuss (1981), pode-se concluir que o IPES
cumpriu sua missão. Além de contribuir para a criação de um clima político-ideológico a
favor dos golpistas, colaborou para a realização de diversas manifestações pré-golpe bem
como atuou em diversos setores da sociedade.
No caso específico do segmento estudantil, a ação do setor já foi objeto de alguns
estudos. Dreifuss mostrou que o IPES buscava realizar uma campanha de contenção e
desagregação dirigida especialmente contra a UNE. Financiava chapas para disputar as
eleições estudantis, patrocinava viagens de estudantes aos Estados Unidos, infiltrava
pessoas no meio militante.
Além destas iniciativas, o IPES estimulava publicações contra a esquerda estudantil
e a UNE. Um exemplo ilustrativo foi ‘UNE Instrumento de Subversão’. Produzido em
1963, o livro foi uma tentativa de deslegitimar a UNE perante a opinião pública.
Outra prática do IPES foi divulgar panfletos carregados de imagens anti-comunistas
e associá-las à UNE, sempre com conotação negativa. Sandra Pelegrini analisou este
material iconográfico. Em um deles, a luta promovida pela UNE a favor da reforma
universitária ganhava significações de violência, luta armada, derramamento de sangue
(Pelegrini, 1997).
Por fim, o IPES produziu diversos filmes. Em geral projetados antes de películas
comerciais em cinemas mas também em Faculdades e com roteiros intinerantes, estas obras
15
Segundo Assis (2001, p. 13), “O Instituto de Pesquisa de Estudos Sociais (IPES) tomou como sigla o nome
da árvore originária das matas da Bahia e do Espírito Santo, primeiro, porque, sem acento, Ipes resultava em
um fonema sem imponência ou sonoridade. Segundo, por ser a árvore símbolo do País, o que caía como luva
de exacerbado espírito nacionalista do grupo fundador da instituição, criada com o propósito de desestabilizar
o governo João Goulart, o qual acusavam de estar prestes a implantar o comunismo no Brasil. Outra razão,
essa carregada de simbologismo, por ser o ipê uma árvore resistente e que para florir perde as folhas. Na
teoria, era o que pretendiam: derrubar o poder para fazer florir uma ‘nova’ sociedade à imagem e semelhança
dos seus idealizadores. Burguesa e, acima de tudo, voltada para a defesa do capital”.
28
possuíam alto teor anti-comunista e visavam, no caso estudantil, relacionar a ação dos
estudantes sendo resultante da infiltração da esquerda que desviava-os do seu propósito
central, qual seja, estudar e não ‘fazer política’ (Pelegrini, 1998; Assis, 2001). Um destes
filmes traz um título bastante revelador: ‘Deixem o estudante estudar’.
Ainda contextualizando o nosso objeto de estudo, importa salientar que a vitória do
movimento político-militar pegou a esquerda sem capacidade de resistência e/ou
desprevenida
16
. A título ilustrativo, segundo Gorender, o Secretário Geral do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), Luiz Carlos Prestes, declarou que não acreditava em
condições favoráveis a um golpe mas, se este ocorresse, “os golpistas teriam as cabeças
cortadas” (Gorender, 1987, 64).
Em termos de estruturas com funcionamento partidário, além do PCB, havia
também a Ação Popular (AP), a Política Operária (POLOP), o Partido Socialista Brasileiro
(PSB), o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e o Partido Operário Revolucionário-
Trotskista (POR-T)
17
(Ridenti, 1993). Já em nível de movimentos sociais, existiam as Ligas
Camponesas que congregavam a luta dos camponeses principalmente por reforma agrária;
o movimento sindical; o ME que, através da UNE e entidades regionais e locais, organizava
a luta estudantil pela reforma educacional; além disto, havia setores nacionalistas entre os
militares. Com o golpe, houve violenta repressão sobre esses grupos.
No caso do ME, a sede da União Nacional dos Estudantes foi invadida, saqueada e
incendiada (Poerner, 1979; Sanfelice, 1986). Segundo Altino Dantas
O golpe militar de 1. de abril de 1964 voltava toda a sua ferocidade à classe operária, muito mais
pelo que ela poderia avançar do que de fato pelo que avançou até aquele momento. Os estudantes
foram atingidos pelo crime que muito nos honra de ter procurado se colocar ao lado dos
trabalhadores. Ou pelo menos por pensarem os golpistas que isso ocorria.
16
Utilizamos o termo esquerda em sentido amplo para caracterizar “forças políticas críticas da ordem
capitalista estabelecida, identificadas com as lutas dos trabalhadores pela transformação social” (Ridenti,
2000, p 17).
17
A respeito das origens, convergências e divergências entre estas organizações, consultar Gorender (1987),
Reis Filho (1990) e Ridenti (1993). Análises de organizações específicas podem ser encontradas em Ridenti
(2002) e AEL (2001). É interessante notar que, depois do golpe, a esquerda irá se debruçar sobre “dois temas:
o caminho a seguir e as razões do fracasso” (Velasco e Cruz, 1994, p 44). Isso provocará uma intensa
fragmentação e o surgimento de diversas dissidências no PCB, predominantemente oriundas do meio
estudantil.
29
A sede da UNE, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi incendiada por bandos repressores
insuflados pelos golpistas. Bandos que sempre embalaram o desejo de destruir a UNE, uma vez que
por eleições ou outro processo democrático foram sempre repudiados pela imensa maioria dos
estudantes” (Santos, 1980, p 32)
Além destas iniciativas imediatas, houve a aplicação do Ato Institucional n. I (AI-I),
a decretação da ‘operação limpeza’- codinome dado pelos militares à tentativa de ativar as
forças repressivas e controlar áreas sociais - e a deflagração dos chamados Inquéritos
Policiais Militares (IPMs).
Destinados a varrer a subversão principalmente de estatais, empresas públicas,
universidades etc., os IPMs foram institucionalizados em 27 de abril de 1964 pelo Governo
Castelo Branco
18
. Tinham como foco central sindicalistas, militares, camponeses,
estudantes, comunistas e todos aqueles que envolveram-se tanto na luta pelas reformas de
base quanto em iniciativas políticas e/ou culturais que tinham trabalhadores e camponeses
como ‘receptores’ - seja na ação, seja apenas na intenção.
A título ilustrativo, podemos citar a instalação de IPMs para ‘enquadrar como
subversivos’ pessoas que foram tidas pela repressão como organizadoras do Centro Popular
de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). Organismo vinculado à UNE
embora com autonomia relativa , o CPC foi a síntese de um movimento cultural que
reuniu jovens artistas, líderes estudantis e outras pessoas que buscavam elaborar uma
‘cultura popular’, se contrapondo às expressões artísticas de vanguarda vigentes até então
19
(Berlinck, 1984). Desenvolveu atividades no campo do teatro, cinema, música e literatura.
Seu principal propósito era popularizar uma arte engajada, denunciando o capitalismo e
conscientizando o povo de que os problemas materiais decorriam da estrutura social
dominada pela burguesia.
Em 1962, o CPC e a direção da UNE organizaram a UNE-Volante caravana que
percorreu diversas universidades desenvolvendo atividades em prol da luta pela reforma
18
Pela ótica golpista, devemos entender por subversão quaisquer atos individuais ou coletivos que estejam
associados à defesa das Reformas de Base; tentativa de ‘conscientização das massas populares’; participação
em movimentos de caráter coletivo envolvendo trabalhadores, militares e camponeses; e, por último,
participação em organizações de esquerda.
19
Segundo Heloísa Holanda, o experimentalismo de vanguarda e as propostas de arte popular revolucionária
expressas pelo CPC criaram “uma forte tensão que alimenta e percorre tanto a produção cultural do período
quanto a das tendências mais recentes” (Holanda, 1980, p 37). Para saber mais sobre o CPC, ver também
Barcellos (1994) e Ridenti (2000).
30
universitária, como a greve a favor de 1/3 da representação discente nos órgãos dirigentes
das universidades. Neste meio tempo, o CPC estruturou-se em diversos estados. Contudo, o
golpe de 64 fechou os CPCs e instalou diversos IPMs para apurar suas atividades,
consideradas subversivas.
***
Nas linhas acima, tivemos como objetivo central apresentar um quadro sintético do
período. Ressaltamos mais uma vez que sua importância maior consiste em contribuir para
contextualizarmos o nosso objeto de estudo. Por outro lado, é necessário estar atentos para
especificidades regionais que marcam um país como o Brasil. Há diversos estudos
mostrando a importância de, sem perder a dimensão macro, buscar desenvolver análises dos
impactos do golpe de 64 no nível dos estados, bem como em municípios distantes das
capitais (Starling, 1986; Santos, 1999). Em sintonia com estas preocupações, faz-se
importante apresentar algumas considerações a respeito da Bahia.
Rápidas notas sobre o contexto baiano
Na Bahia, o golpe pegou desprevenido o Governo de Lomanto Júnior. Embora imerso
num clima de incerteza, acreditava-se que o governador seria deposto na medida em que
mantinha boas relações com João Goulart e não era bem visto pelos conspiradores. A alta
oficialidade da VI Região Militar também parecia indecisa sobre qual posição deveria ser
assumida. As informações eram imprecisas (Gomes, 2001). Neste clima, o governo tomou
então uma iniciativa política publicando o seguinte Manifesto:
O governador do estado, ao tomar conhecimento das graves ocorrências no Sul do país, reuniu-se,
para o estudo da situação, com os comandantes militares. Acha-se o Governo em condições de
garantir, com a cooperação das Forças Armadas, a paz e a ordem no território da Bahia.
Na disposição de contribuir para a manutenção, a todo custo, do regime democrático, o governo
baiano está certo de contar, para este objetivo, com o decidido apoio da população do estado.
Concitando o povo a conservar-se tranquilo e confiante, seguro está de que os baianos mais uma vez
darão ao Brasil, neste momento crucial, o testemunho da moderação e do patriotismo que tem
caracterizado sua participação na vida nacional.
31
A Bahia lança neste instante um veemente apelo à Nação para que, sensível aos seus sentimentos
cristãos, não permita a destruição de sua paz interna, repelindo a ameaça de guerra civil, que ora se
esboça. O governo da Bahia, coerente com os seus pronunciamentos anteriores, manifesta-se,
firmemente, pela defesa da legalidade democrática, com a preservação dos poderes constituídos,
repudiando, por isso mesmo, qualquer tipo de ditadura
20
.
Além de ser um texto com alto valor histórico - e que mereceria uma análise à parte,
entre outros, em função das ´representações´ acerca do povo baiano -, para os objetivos da
pesquisa em curso importa dizer que este é um documento genérico a favor da legalidade
mas sem citar o nome de João Goulart (op. cit., 2001). No final das contas, por razões ainda
não suficientemente pesquisadas, Lomanto Júnior permaneceu no cargo.
O desfecho político do executivo estadual representou um “banho de água fria” nas
expectativas da esquerda baiana. Em função das boas relações entre Goulart e Lomanto,
esperava-se uma ação de resistência regional comandada pelo Chefe do Executivo estadual
acrescida de Francisco Pinto (Prefeito de Feira de Santana), Pedral Sampaio (Prefeito de
Vitória da Conquista) e Virgildásio Sena (Prefeito de Salvador)
21
. Os dois primeiros
estavam desarticulados. Já o último, foi deposto oficialmente no dia 18 de abril pela
Câmara Municipal de Salvador embora desde os primeiros dias pós-golpe tropas
motorizadas tenham organizado um cerco à sede da prefeitura numa “ação ostensiva e
espetacular” (Op. cit., p 52). Para fechar o quadro ‘institucional’, cabe o registro de que
alguns vereadores e deputados tiveram seus mandatos cassados.
Mas a ação golpista não se restringiu apenas a lideranças institucionais. Setores da
imprensa baiana também sofreram represálias. Lembrando de um repórter que estava de
plantão no Jornal da Bahia na madrugada do dia 1
º
, Gomes conta que
ele [o repórter] testemunhara a invasão da redação e das oficinas por um grupo de 12 militares
armados de fuzis e metralhadoras, sob o comando de um capitão do Exército conhecido por seu
fanatismo anticomunista. Na frente do prédio [...] três viaturas da Polícia Especial do Exército e
dezenas de soldados armados bloqueavam a entrada (Op. cit., 2001, p 33).
20
ATarde. 01/04/1964. Apud Gomes (2001).
21
Esta expectativa sobre as possibilidades da resistência foi confirmada numa entrevista, conforme
mostraremos adiante.
32
Segundo o autor, a linha editorial do jornal era favorável a Jango mas, por ordem do
Coronel, várias notícias tiveram que ser vetadas, ficando o jornal com “imensos claros, que
denunciavam a ação da censura” (Op. cit., p 34).
A posição da imprensa nacional em relação ao golpe é algo controverso. Não se
pode generalizar reações. Há ampla bibliografia sobre o tema. Em âmbito local, antes do
golpe, aos poucos, o Jornal ATarde assumiu posição claramente anti-comunista,
reproduzindo o discurso contra a ‘subversão’ em curso. Nos dias seguintes, aplaudiu a ação
das Forças Armadas no “glorioso 1
º
de abril”
22
.
Este jornal terá importante papel em conclamar a adesão de diversos setores da
sociedade aos golpistas. Aparecem várias notícias estimulando a realização de Marchas em
defesa de ‘Deus, Família e da Tradição’. Estes atos públicos aconteceram em diversas
estados, tanto na capital quanto no interior. No caso baiano, o seguinte trecho ilustra a linha
da cobertura jornalística: “Milhares de pessoas compareceram à passeata cívica,
demonstrando fé no movimento revolucionário que exterminou o comunismo de nossa
pátria”
23
.
Ao mesmo tempo em que os golpistas buscavam mobilizar setores sociais para
ganhar legitimidade política e apoio ao ideário do movimento, a repressão estendeu seus
tentáculos aos setores sindicais. O caso mais emblemático é o do Sindicato dos Petroleiros
(SINDIPETRO). Este sindicato teve sua sede invadida, depredada, incendiada e sua
diretoria presa, destituída e subordinada a uma interventoria policial (Oliveira Jr., 1996).
Organizou-se um IPM para investigar dezenas de trabalhadores tidos como ‘subversivos’
24
.
A título de reflexão, ressalte-se que esta devassa no SINDIPETRO pode ter sido justificada
perante a opinião pública sobretudo porque, nos meses anteriores ao golpe, emergiu nas
páginas da imprensa uma forte propaganda ‘denunciando a infiltração subversiva’ na
Petrobrás.
Além destes setores considerados subversivos, um outro vai merecer atenção
especial: os estudantes. É o que tentaremos mostrar nas linhas que se seguem.
22
ATarde. 04/04/1964.
23
ATarde. 19/05/1964.
24
O IPM está à disposição para consulta no Arquivo Edgar Leureonth (AEL), na Universidade Estadual de
Campinas. Processo BNM 393.
33
O ME na UFBA
Tão logo soube-se a respeito do golpe, alguns estudantes buscaram esconder-se.
Pressentiam que os tentáculos da repressão iriam avançar até eles. Segundo um dos
entrevistados: “As informações eram controversas mas sentíamos que a barra ia pegar pra
gente”.
A invasão de unidades da universidade ficou registrada na memória de muitos
estudantes. Uma das nossas entrevistadas diz que “invadiram a Politécnica. Apreenderam
tudo inclusive um livro capa vermelha chamado de ‘A Resistência das Massas’. Na
realidade um livro de construção civil”.
Anedotas sobre a ação da repressão aparecem em diversos relatos. Talvez não sem
razão. É fato que o aparato repressivo da ditadura incluindo o serviço de inteligência -
estava apenas se montando. Somente anos depois viria a ser aperfeiçoado, a ponto de existir
uma ‘comunidade de informações’ para combater a ‘subversão’, incluindo agentes
especializados em algumas organizações (D’Araújo, 1994b; Fico, 2001a).
Contudo, voltando para a ação da repressão nos dias posteriores ao golpe, no caso
em questão, a referida entrevistada, embora falasse com grande desenvoltura, ao ser
perguntada sobre maiores detalhes do ocorrido, afirmou não ter participado diretamente
deste episódio. Através do cruzamento de diversas fontes, incluindo a pesquisa do livro
citado - e que não apareceu em nenhum registro bibliográfico -, este trecho pode ser
exemplo de um relato influenciado por uma memória herdada, na acepção polackiana
(Polack, 1989).
Ainda assim, outras falas nos sugerem o terreno social para entender o relato acima
citado. Buscando compreender a trajetória da juventude brasileira, de 1950 até o final da
década de 90, Angelina Nascimento desenvolveu algumas entrevistas. Ao lembrar do golpe,
duas ex-estudantes baianas disseram que
o dia 1. de abril de 64 nos pegou desprevenidas. Naquela manhã, sem ainda saber de nada, havíamos
marcado uma reunião na Faculdade de Filosofia por conta do Método Paulo Freire no qual estávamos
engajadas, e qual não foi nossa surpresa ao encontrarmos as portas fechadas. Uma colega conseguiu
o sei como enfiar catorze pessoas num DKW e fomos até a Faculdade de Medicina no Terreiro,
onde estava acontecendo uma assembléia (Nascimento, 1999, p 140).
34
[...] a assembléia da Faculdade de Medicina da UFBA, na manhã do golpe foi desbaratada pela
polícia. Ainda vejo com nitidez um professor pulando a altíssima janela do anfiteatro Brito e
correndo ladeira abaixo rumo ao Pelourinho. Espantei-me da agilidade daquele senhor, depois vim a
saber que ele fugira no mesmo dia da cidade e foi se exilar no Chile (Op. Cit., p 140).
Adiante, a própria Angelina Nascimento dá seu testemunho. Segundo ela:
Nos avisaram que a polícia ia baixar no DA., então formamos um grupo para chegar antes e retirar
tudo. As portas estavam trancadas, mas conseguimos arrombar uma janela e entrar, nos arranhando
todos. Mas valeu a pena. Quando os soldados chegaram, já havíamos fugido. Não sei se eles
perceberam as marcas deixadas pelos cartazes nas paredes...A mesma sorte não teve a biblioteca.
Eles fizeram uma fogueira com os livros. Dizem que até uma gramática da língua portuguesa foi
queimada porque tinha a capa vermelha! (Apud Op. cit., p 141)
A adoção da fogueira para queima de livros tidos como subversivos aparece em
outros relatos. Um dos entrevistados afirmou que prática semelhante teria ocorrido no
Colégio da Polícia Militar se constituindo numa imagem inesquecível daqueles anos.
Segundo ele, “foram queimados diversos livros. Houve uma espécie de ritual de queima de
livros. O livro adquiria uma simbologia importante tanto que organizamos posteriormente o
clube do livro espécie de embrião do grêmio estudantil”.
Como depreende-se da análise dos relatos, o golpe pegou o ME universitário de
surpresa. O principal esboço de reação foi realizar assembléias nas faculdades para avaliar
o que poderia e deveria ser feito. Em contrapartida, a orientação do Reitor Albérico Fraga
foi de esvaziar e fechar as faculdades. Mas esta medida não foi implementada sem
resistência. Um dos entrevistados disse que “na Faculdade de Direito, chegamos a realizar
uma Assembléia com muitos estudantes[...] incluindo a participação do Professor Auto de
Castro
25
. Porém, a certa altura, estávamos cercados pela polícia e tivemos que nos
dispersar”.
25
Cabe sublinhar que a participação do Professor Auto de Castro no referido seria usada posteriormente
enquanto tentativa de indiciá-lo no IPM. Processo BNM 394.
35
Já na Faculdade de Odontologia, segundo o Diretor Arnaldo da Silveira, um dos
estudantes “dirigiu-se a tôdas as aulas e fez uma preleção pedindo que apoiassem o Sr.
Presidente da República, que êsse era o dever dos estudantes”
26
.
Um relato nos informa que as notícias eram contraditórias confirmando ter havido
certa expectativa de resistência regional. Segundo o entrevistado
Houve uma tentativa de resistência armada em Cruz das Almas. Os estudantes se mobilizaram,
reuniram armas de fogo e coquetel molotov. Pensamos em assaltar o tiro de guerra e começar uma
resistência, mas tudo isso era em função de existir resistência em Feira de Santana onde Pinto
(Francisco Pinto) era prefeito e em Vitória da Conquista onde Pedral era prefeito, mas como não
houve resistência então nós nos desmobilizamos e aí cada um procurou se esconder.
Com pouca articulação, as tentativas formuladas de resistência ao golpe por parte do
ME não passaram de expectativas ou ações de setores militantes, sem maior repercussão
social ou força política. A título de hipótese, a baixa representatividade dessas iniciativas
pode significar a inexistência de um movimento estudantil representativo neste período. De
todo modo, ela é sintoma de um fenômeno nacional, qual seja, a falta de recusa ativa de
resistência dos estudantes ao golpe militar. Segundo um pesquisador:
Existem indícios suficientes para afirmar que a massa dos estudantes foi tomada por uma certa
paralisia no momento do golpe [...].
Com isto não se está dizendo que a massa dos estudantes apoiou o golpe de 64 mas que não existe
evidência de recusa de massa do movimento estudantil ao golpe. Ao contrário, existem alguns sinais
de que a massa dos estudantes, o estudante comum, se deixou levar pelo discurso anticomunista e por
todo aquele quadro que se criou para justificar o golpe militar (Martins Filho, 1997, p 80).
Sem capacidade para organizar uma reação com força social, alguns estudantes
perceberam que o melhor caminho era destruir arquivos pessoais comprometedores e
buscar refúgio na residência do universitário. Segundo José: “[...] corri para casa para
queimar tudo o que tinha. E depois decidi me refugiar na residência do Universitário, pois
achava que ali estaria mais protegido. Doce ilusão! A polícia invadiu o dormitório de
madrugada e levou todo mundo preso, entre eles, eu” (Apud Nascimento, 1999, p 141).
26
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964.
36
Conforme as palavras já expressas, este refúgio não foi nenhum ‘porto seguro’. A
residência do universitário seria um dos principais territórios vistos pela repressão como
foco de subversivos. No dia 2 de abril, ela foi invadida. Todos os estudantes foram presos.
Mesmo aqueles que não eram engajados no cotidiano do ME. Até funcionário universitário
que estava em trajes ‘civis’ foi parar atrás das grades. Dá pra imaginar a ‘ira’ da repressão!
No total, segundo o Reitor, foram presos 45 estudantes e 2 funcionários
27
.
O Conselho Universitário e o golpe
Queria pedir aos professores, aos diretores, sobretudo
que tivessem uma espécie de vigilância redobrada, no
sentido de abster atritos, debates, enfim, agitação no
seio das unidades da universidade.
(Reitor Albérico Fraga)
Quero declarar que não tenho nenhum desejo de passar a
mão na cabeça daqueles agitadores.
(Diretor Arnaldo Silveira)
A reunião do Conselho Universitário ocorrida no dia 09/04/1964, a primeira depois
do golpe, é bastante sugestiva para pensarmos a ‘recepção’ ao golpe na cúpula dirigente da
universidade Diretores de Faculdades e Reitor. O registro desta reunião e talvez sua
principal mensagem esteja resumida na Ata. Contudo, para os objetivos deste texto, as
Notas Taquigráficas - anexadas à Ata - representam um mapeamento da situação da
universidade nos momentos iniciais pós-golpe.
Há algumas observações que contribuem para a percepção do clima político em
algumas unidades de ensino bem como da postura de alguns professores diretores de
unidades. Segundo o diretor da Faculdade de Odontologia, Prof. Arnaldo da Silveira:
Logo que tive notícia da eclosão do movimento, chamei o presidente do Diretório Acadêmico, por
sinal um moço de boas maneiras, mas intransigente do ponto de vista dele. Ele tentara fazer uma
reunião dos senhores alunos, no que teria sido obstado por mim que não permitiria, naquele
27
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964.
37
momento, nenhuma assembléia e ele, não tendo obtido essa licença, dirigiu-se a todas as aulas que
funcionavam e fez uma preleção dizendo que apoiassem o Sr. Presidente da República, que esse era
o dever dos estudantes enfim, aquela pregação que nós já conhecemos. Depois eu reuni os estudantes
pedindo que deixassem a faculdade porque esta era a determinação da Universidade. Ainda assim ele
aproveitou e fez um discurso vermelho. Preferi tolerar para que a Faculdade fosse pacificamente
escoada. As coisas continuaram nessa situação.
28
Até aqui apenas uma confirmação do que já foi dito, ou seja, a orientação dada pela
Reitoria aos Diretores para fechar as Faculdades. Por outro lado, percebe-se um tipo de
reação pontual de ativistas do ME. Todavia, há um outro aspecto que merece o registro. Em
geral, sabe-se que a pouca documentação sobre o ME neste período deve-se principalmente
à apreensão da documentação pela repressão. Diversos relatos afirmam isto. Até hoje,
supõe-se que os arquivos da UNE estejam na Marinha (Martins Filho, 1987). Contudo, sem
desconsiderar esta ação de membros do aparelho repressivo policial, parece que as coisas
foram mais complexas. Segundo o mesmo diretor, prosseguindo sua fala:
Preferi, então, dar, imediatamente, uma busca no Diretório e apreender todo o seu arquivo. Encontrei
revistas, instruções mimeografadas do que deviam seguir os estudantes, o procedimento que deviam ter
[...] que deviam incentivar o aumento de matrícula, o aumento do restaurante e bolsas, principalmente
bolsas porque esse sistema de agitação calaria muito mais profundamente no sentimento de todos porque
se tratava de uma coisa que o estudante devia ter direito. Independente disto, deveriam incentivar os
excessos [...]. Colocamos todos esses documentos no arquivo da nossa faculdade e lacramos.
29
Além das interpretações do referido Diretor Arnaldo da Silveira acerca da publicação
estudantil, esta fala é emblema de um tipo de reação favorável ao golpe de 64 na
universidade. Representa a incorporação do papel de polícia política por parte do diretor.
Mostra um engajamento no combate à ´subversão´, talvez espontaneamente por convicção,
influenciado pela orientação da reitoria ou um pouco dos dois casos. Em caráter inicial, é
importante dizer que parte desta documentação foi utilizada pela Justiça Militar para
fundamentar os processos jurídicos contra os estudantes, no caso em questão contra o
referido Presidente do Diretório Acadêmico
30
.
28
ATA DO CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964.
29
ATA DO CONSUNI. 09/04/1964.
30
BNM 394.
38
A incorporação do papel de polícia por setores universitários está em sintonia com a
noção da presença de infiltração comunista na universidade. Isto propicia uma devassa que
atinge não somente estudantes mas também professores e funcionários, como se depreende
da leitura da Ata. Observemos este trecho atribuído ao Reitor Albérico Fraga:
As Forças Armadas que assumiram o comando da situação até que a situação se regularize, do ponto
de vista constitucional e legal, o funcionamento dos poderes [...] Estão no propósito, propósito que
foi manifestado reiteradamente pelo Sr. Comandante da região, de não permitirem a permanência de
comunistas notórios, fichados, conhecidos, em postos de direção...inclusive, é claro, no setor
universitário [...]
Pratiquei, e o fiz com a abundância do coração, o primeiro ato arbitrário como Reitor da
universidade, que foi a demissão pura e simples do famoso comunista Isidório Batista de Oliveira,
que todos os diretores conhecem porque passou de faculdade em faculdade e os senhores me pediam
por tudo que tirassem esse indivíduo de suas faculdades [...]. Mandei-o para o lugar próprio, para o
DCE onde ele ficou a articular como manivela do professor Nelson Pires todas as misérias contra a
universidade [...]
O professor Nelson Pires, comunista, agitador contumaz, serviu-se desse negro analfabeto, que não
sabe assinar o nome direito, para espalhar varrinas, inclusive na imprensa [...]
Esse preto está preso. Preferi não organizar um processo contra ele porque isto era dar muita
importância a quem não merece. Fiz sua demissão pura e simples [...]
Vocês todos me conhecem e sabem do meu feitio. Não gosto de perseguir ninguém. Nunca pratiquei
um Ato, conscientemente, para prejudicar ninguém. Agora, esse tal de Isidório eu faço questão que
fique registrado em Ata que pratiquei de coração alegre porque se trata de um negro moleque ousado
e que merece ser castigado.
31
Fora as declarações fortemente marcadas por preconceito racial, o silêncio dos
presentes à reunião pelo que a Ata sugere e a auto-imagem construída pelo Reitor
Albérico Fraga sobre si e a respeito da sua ação, há alguns fragmentos que podem ser
ilustrativos de um fenômeno coletivo. Referimo-nos a um sentimento presente na época de
que a intervenção dos militares seria passageira. É possível que o Reitor estivesse mais
próximo das posições políticas dos setores para os quais a ‘revolução’ deveria durar o
suficiente para remanejar as instituições e lideranças políticas, afastando os riscos de uma
31
ATA CONSUNI. 09/04/1964.
39
‘república sindicalista’ e garantindo o crescimento econômico (Rizzo de Oliveira, 1976, p
61).
Um outro aspecto nos chama atenção: o tom da fala atribuída ao Reitor nos sugere
um contato íntimo entre ele e o Comandante da 6
ª
Região Militar. Em diversos trechos
desta Ata bem como de reuniões posteriores, há referências sobre comunicações entre
Reitoria/Ministério da Educação/Comando 6
ª
Região Militar: ofício da 6
ª
Região Militar
sobre atividades de professores
32
, circular do Ministério da Educação sobre a necessidade
de se instalar inquéritos na universidade para apurar atividades subversivas
33
, telegrama do
Ministro da Educação conforme abaixo discriminado:
Em aditamento aviso 705 de 22 próximo passado, recomendo V. Magnificência entre entendimento
Comando Militar Região, solicitando-lhe indicação de um servidor militar fim acompanhar processos
humanos artigo 7 Ato Institucional assessorando Comissão designada V. Magnificência nos têrmos
Portaria 259 de 20 de abril. Certeza contar com sua colaboração subscrevo-me cordialmente. Flávio
Lacerda Ministério da Educação
34
.
É importante ressaltar que o Artigo 7 do Ato Institucional “suspendia por seis meses
as garantias constitucionais e legais de vitaliciedade e estabilidade. Desse modo o estado,
mediante “investigação sumária” e no período estabelecido pelo artigo, podia demitir,
dispensar, pôr em disponibilidade, aposentar, transferir para a reserva ou reformar
burocratas civis ou pessoal militar” (Moreira Alves, 1984, p 55)
Infelizmente, não pesquisamos as correspondências entre Reitoria/ Governo
Federal/Estadual/6
ª
Região Militar. Sequer sabemos se esta documentação existe. Seria
fonte inestimável para analisarmos de modo mais profundo o tom desta relação, como se
deu a evolução e os seus bastidores.
Órfãos destas fontes, resta-nos levantar questões sobre a relação
universidade/repressão. Parece que poucos professores foram investigados. Mais
precisamente, encontramos na leitura desta Ata referências a 5 professores. Porém, é lícito
supor que, para alguns, não faltou vontade de ir às últimas consequências no ‘saneamento’
da universidade. Para ilustrar a possibilidade deste caminho explicativo, fiquemos com um
32
ATA CONSUNI. 06/05/1964.
33
ATA CONSUNI. 06/05/1964.
34
ATA CONSUNI. 20/05/1964.
40
dos trechos supostamente de determinado Diretor de Faculdade, ao referir-se à questão dos
Ofícios do Governo solicitando colaboração da universidade no combate à subversão: “O
que é necessário é que as Faculdades apresentem os nomes daqueles que nos deram dor de
cabeça. Devemos, pois, tomar uma iniciativa enérgica para que isto não se venha a
repetir”.
35
A Moção aprovada pelo Conselho Universitário
Nos parágrafos anteriores, objetivamos contribuir para perceber o clima político de
‘cerco’ à universidade por parte do Ministério da Educação/6
ª
Região Militar. Por outro
lado, a partir de trechos das Notas Taquigráficas, mapeamos trechos de falas atribuídas a
determinados Diretores por serem demonstrativos de ações coletivas e que encontram
amparo na bibliografia sobre o período. Mas não se esgota aqui a riqueza desta
documentação. Ainda sobre a primeira reunião pós-golpe, cabe sublinhar que foi aprovada
a seguinte moção:
O Conselho Universitário da Universidade da Bahia reunido pela primeira vez após a vitória da
democracia contra o comunismo, expressa o seu regozijo patriótico e congratula-se com as gloriosas
Forças Armadas pela nobre e serena atitude que assumiram na preservação dos legítimos anseios do
povo brasileiro. Nesta oportunidade dirige uma calorosa saudação aos comandantes militares que
atuam em nosso estado significando-lhes o seu apoio à orientação salutar de garantir a ordem
democrática e defender as nossas instituições políticas. Salvador, 09 de abril de 1964’. Reitor
Albérico Fraga, Adriano Pondé, Arnaldo Silveira, F. Magalhães Neto, Maria Ivete Oliveira, Carlos
Geraldo, Antonio Queiroz Muniz, Lafayete Pondé, João Mendonça, João Rescala, Luciano Aguiar,
Ismael de Barros, José Calasans, Carlos F. de Simas, Dirce F. de Araújo, Hermani Sávio Sobral,
Nilmar Rocha, Pedro M. Tavares Filho, Theonilo Amorim, José V. Torres Homem, Ivo Braga, Alceu
Hiltner e Benjamim Sales
36
.
Por tudo que já dissemos, certamente diversos diretores assinaram esta moção por
concordância plena com seu conteúdo. O mesmo provavelmente ocorreu com Albérico
Fraga Professor da Faculdade de Direito e Reitor entre 1961 e 1964. Ligado à UDN,
35
ATA CONSUNI. 06/05/1964.
36
ATA CONSUNI. 09/04/1964.
41
segundo um dos entrevistados, o Reitor era uma pessoa politicamente conservadora
37
. Num
outro ângulo, a observação da terminologia presente nas Atas do Conselho Universitário e
atribuída ao Reitor mostra, no mínimo, que ele reproduziu intenso discurso anti-comunista
além de preconceito racial. Contudo, poderíamos estender o posicionamento do Reitor e
de alguns diretores a todos os outros membros do conselho universitário? Problematizemos.
Na primeira vez que tivemos acesso a esta documentação, pensamos: todos os
conselheiros apoiaram o golpe. A documentação nos seduz para esta explicação porque a
Ata contém apenas esta Moção, assinada por todos os Diretores. No entanto, ao ler as Notas
Taquigráficas desta e de outras reuniões, pensamos: não seria fácil e simplificadora demais
esta explicação?
Há um trecho da fala do Reitor que é bastante instigante. Ele comenta que alguns
professores da Politécnica teriam-no procurado para fazer uma manifestação de apoio ao
Comandante da 6
ª
Região Militar. Esta idéia recebeu a sua negativa pois, segundo ele, a
universidade não era um partido político nem tampouco uma Câmara de Vereadores
38
.
Todavia,
[...] para que sejam evitadas outras interpretações, depois de muito pensar e refletir, redigi um
documento [a moção de apoio ao golpe] que nós divulgaremos e comunicaremos às autoridades
militares. Quero ler o documento para que o mesmo conste de Ata.
39
Quero comunicar ao conselho que vou mandar divulgar na imprensa e no rádio essa moção que
votamos aqui e a transmitirei por ofício ao Sr. Comandante da 6. Região Militar, ao Comandante da
Base Naval e ao Comandante da Base Aérea.
40
37
Por outro lado, talvez Albérico Fraga fosse competente enquanto professor e/ou tivesse “flexibilizado” mais
suas crenças, haja vista que, na ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS 13/02/1968, o então Presidente
do Centro Acadêmico Rui Barbosa (CARB), estudante Rosalindo Souza, teria afirmado que “tendo sido aluno
do Professor Albérico Fraga, no ano passado, quero dizer que foi um merecedor da admiração de todos os
alunos da Faculdade de Direito”. Nesta mesma reunião, o Professor Adriano Pondé disse que “o Professor
Albérico empenhou seus melhores esforços no sentido de servir com dedicação aos interesses da universidade
enquanto se estava atravessando uma fase das mais difíceis da vida nacional”. Por último, o Professor Carlos
Geraldo afirmou que “fui Diretor da FAMED [Faculdade de Medicina] e Albérico era um homem bom, de um
coração incomensurável, o que ditava a prudência de suas atitudes. Sempre com segurança, nunca acusando
ninguém, amenizando os momentos espinhosos para todos os que labutavam na universidade”. Essas citações
indicam a complexidade em construir um perfil do Reitor.
38
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964.
39
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964.
40
ATA CONSUNI NOTAS TAQUIGRÁFICAS.09/04/1964. Registre-se que a expressão ‘votamos’ parece
ter o sentido de ser fruto de uma resolução coletiva discutida. Não houve contagem de votos Talvez um
descuido do Reitor - ou do secretário que redigiu o texto - sem maior importância. O fato é que no corpo da
42
Ainda nesta reunião, houve avaliações de que seria mais delicado que a Comissão
levasse pessoalmente essa Moção. Mostrando-se muito bem informado sobre a agenda dos
militares, o Reitor discordou pois o Comandante da 6
ª
Região estaria ausente e, no caso da
Base Aérea, teria havido mudanças no Comando. Isto reforça nossa hipótese de uma
ligação mais íntima entre o reitor e os militares. Foi sugerido que, tão logo o Comandante
da 6
ª
Região retornasse, uma comissão do Conselho lhe faria uma visita.
Na Ata do dia 06/05/1964 há referências a uma carta de Clemente Mariani
solicitando a publicização da Ata para “mostrar que a universidade não apoiou a baderna
que se instalara no país e que sanou desde o 1. de abril”
41
. Já na Ata do dia 13/05/1964
aparece comentário sobre um ofício do Comandante da Base Aérea de Salvador
agradecendo a colaboração do Conselho Universitário ao “movimento revolucionário”
42
.
Com isto, como fica evidenciado pelos ofícios, é possível imaginar que o principal
propósito externo da primeira reunião pós-golpe foi aprovar a moção em apoio ao
movimento político-militar para sua imediata divulgação, explicitando que a instituição
‘tomou partido’ favorável à ação golpista.
Um aspecto bastante relevante deve-se ao fato de que no imediato pós-golpe, a
Universidade de Brasília (UnB) foi invadida por tropas da Polícia Militar. Segundo Cunha:
O então reitor da UnB, Anísio Teixeira, e o vice-reitor, Almir de Castro foram destituídos de seus
cargos, assim como todo o Conselho Diretor da Fundação da Universidade de Brasília, por decreto
presidencial. As tropas tinham em seu poder uma lista de professores que deveriam ser presos, com o
arquiteto Oscar Niemeyer em primeiro lugar. Uns foram levados para interrogatório preliminar no
teatro Nacional. Outros foram levados para um quartel, despidos, humilhados e longamente
interrogados, permanecendo detidos por tempo variado, de alguns dias a alguns meses. Estudantes
também foram presos, principalmente os que tinham participação mais ativa nos diretórios
acadêmicos (Cunha, 1988, p 41).
Ata e na sessão seguinte responsável pela aprovação da Ata da reunião anterior não há nenhuma menção
de registro de correção. Neste sentido, não tomamos ao pé da letra a expressão, ou seja, a Moção não foi
submetida a votos. Ela foi aprovada por consenso embora possa ter havido um silêncio crítico por parte de
alguns diretores mas que é impossível de ser mensurado na Ata.
41
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 06/05/1964
42
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 13/05/1964
43
Para o autor, a Universidade de Brasília (UnB) é um exemplo ilustrativo de como
alguns professores e administradores universitários foram depostos dos cargos por serem
considerados ‘comunistas’, terem ‘idéias exóticas’ ou ‘alienígenas’ (op. cit., p 39). Aqui
aproveitamos para explicitar o nosso argumento. Na nossa opinião, a UnB foi uma
referência de que tempos sombrios poderiam vir às universidades. Daí, no limite, melhor
mandar recados aos militares mostrando que seus dirigentes máximos apoiavam-no do que
sofrer uma intervenção. Um trecho da Ata reforça o nosso argumento. Ao comentar a fala
do Ministro da Educação num almoço oferecido por Reitores, segundo o Reitor Albérico
Fraga, o Ministro disse que “nós queremos é assegurar a autonomia da universidade. Não
quero que os militares vão entrar [entrem] para a universidade adentro para fazer as
investigações. Vocês é que devem fazer”.
43
Na nossa opinião, o teor da afirmação pode criar e, ao mesmo tempo, expressar um
sentimento coletivo. Por um lado, a manutenção de cargos, empregos e integridade física;
por outro lado, ‘preservar’ a instituição de uma intervenção militar. Noutras palavras,
independente da concordância com o conteúdo político da resolução em apoio ao golpe, o
pragmatismo político parece ter impregnado os membros do conselho universitário
44
.
O Conselho Universitário e os estudantes
Na primeira reunião do Conselho Universitário após o golpe militar, não houve
participação dos representantes estudantis. Segundo o Reitor, eles foram convocados para a
reunião mas não viriam por estarem ‘arredios’. Mais adiante ele afirmou: “não sei se estão
detidos. Se fosse Chefe de Polícia eles não estariam soltos porque são dois agitadores
perigosos.”
45
Como já foi dito em linhas anteriores, a Residência do Universitário foi considerada um
reduto e refúgio de subversivos e invadida pela polícia. Todos os presentes foram presos.
Segundo o Reitor, depois de algum tempo, 25 estudantes que tinham sido detidos junto com
2 funcionários foram soltos. Quanto aos outros, garantia ter informação segura de que
43
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 06/05/1964. No mais, registre-se que a intervenção na UnB
foi feita com o aval do Ministro (Cunha, 1988, p 39).
44
Este tema será recorrente na documentação e mais adiante voltaremos a explorar esta questão.
45
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964
44
estavam sendo bem tratados. Sobre o seu papel enquanto professor e dirigente máximo da
universidade, o reitor diz que
tenho a consciência de que estou, tanto quanto possível, atuando no sentido de atenuar as dificuldades
[...] tenho pedido, insistentemente, que os estudantes sejam bem tratados porque a mocidade é sempre
assim, irrefletida e nós devemos agir como pais. Foi isto exatamente o que disse na minha aula. O
professor universitário deve, no momento, agir como verdadeiro pai para atrair essa mocidade aos bons
caminhos.
46
Como podemos observar, o trecho é marcado por imagens da ‘mocidade ingênua’
sob responsabilidade do ‘paternalismo dos professores’. É interessante como este discurso
está presente na fala dos militares durante longo período. Ao analisar a relação do regime
militar com os estudantes, Costa e Silva diz que “cabe a nós, do governo, que já estamos
mais experimentados, mais vividos e mais maduros, compreender muitas irreverências dos
jovens e encaminhá-los com paciência, com dignidade principalmente, para o bom
caminho” (Apud Rizzo de Oliveira, 1976, p 110).
É importante pensarmos como este discurso da ingenuidade será posteriormente
(re)adaptado para o dos ‘inocentes úteis’
47
. Ou seja, mantém-se a idéia da mocidade
ingênua ao contato com o ‘elemento comunista’ este enquanto um ser estranho ao meio,
mas com capacidade de infiltrar-se entre os estudantes, aproveitando-se da generosidade e
utilizando a juventude para fins que destoavam do bom caminho
48
.
No mais, a Ata da reunião nos sugere reflexões sobre a repressão ao ME na
universidade. Há um quadro geral com falas de diretores de algumas unidades e um resumo
feito pelo Reitor sobre a situação geral da universidade. Por enquanto, fiquemos com mais
um trecho atribuído a Albérico Fraga:
Temos conseguido essas modificações nos diretórios tranqüilamente em assembléias presididas pelos
diretores, de modo que está se processando a substituição daqueles que realmente se tornaram
indignos da condição de líderes estudantis. Documentos fartos foram encontrados na [União dos
46
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964
47
Esta classificação será trabalhada numa espécie de tipologia dos subversivos (Brehpohl de Magalhães,
1997). Neste sentido, aparecerá em diversos processos judiciais envolvendo estudantes.
48
Esta idéia está bastante presente em Carvalho (1977) e em diversos discursos de militares (D´Araújo,
1994b).
45
Estudantes da Bahia] U.E.B.[...]. Dando, ontem, a minha primeira aula, depois desses
acontecimentos, tive oportunidade de fazer um apelo aos meus alunos no sentido de que fossem
evitados atritos, de que fossem evitados choques. Aproveitei a oportunidade para dizer que, como
professor estava envergonhado por haver apurado que havia, na nossa comunidade, estudantes que
pela sua indignidade de conduta merecem ser expulsos da universidade porque esses recebiam
dinheiro de Moscou e de Pequim para fazerem a baderna dentro da universidade. Acredito que esses
devem ser castigados devidamente, devem ser expulsos .
49
Este trecho é revelador da lógica que presidiu a relação da reitoria com as entidades
estudantis da universidade
50
. Ou seja, há implicitamente o reconhecimento da legitimidade
do ME desde que submetido à legalidade e excluído da influência ‘perigosa’ dos
comunistas. Este discurso encontra identidade com aquele proferido por militares, seja na
época, seja em testemunhos colhidos posteriormente (Araújo, 1994b). A infinidade de
termos utilizados para (des)qualificar a representação estudantil basta para visualizar esta
semelhança.
Mais adiante, ao referir-se à necessidade das investigações internas, o Reitor diz “ou
nós tomamos na mão essas soluções ou então vamos voltar àquela outra situação
verdadeiramente humilhante em que viveu a autoridade do país, porque havia uma total
subversão da ordem hierárquica não só no setor universitário como até no setor militar”
51
.
Ainda discorrendo sobre os órgãos de representação estudantil, o Reitor afirma que
na presidência dos DAs estavam os ‘chefes comunistas’, “perigosos” e “atuantes”
52
. Em
seguida, diversos conselheiros radiografam a situação dos estudantes engajados no ME nas
faculdades quanto à presença ou não de ‘elementos comunistas’. Em termos de
perspectivas, o pensamento dominante parece ser o do Reitor. Segundo ele, deveria haver
uma renovação das diretorias dos DAs efetuada conjuntamente entre Diretores de
Faculdades e estudantes. Ao se contrapor a uma proposta de destituição de todas as
diretorias dos órgãos estudantis pelo conselho universitário, o Reitor mostra habilidade
política, defende o seu método argumentando que seria mais democrático (sic!) e faz
49
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964
50
Esta lógica difere da relação da Reitoria com as entidades estudantis regional e nacional, a saber, a União
dos Estudantes da Bahia (UEB) e a União Nacional dos Estudantes (UNE). Para o governo, estas entidades
deveriam ser extintas. A respeito, ver Martins Filho (1987, p 85).
51
ATA DO CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964. Note-se que a expressão ‘subversão da
ordem hierárquica’ é também bastante utilizada por militares, inclusive foi um dos argumentos para o golpe.
52
ATA DO CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964
46
aflorar sua face ambígua: “Não queria que o Conselho adotasse uma medida que me parece
um tanto coercitiva. Sou, por temperamento, um homem liberal, de modo que não gosto
que se suponha que me estou aproveitando da situação para fazer pressões”
53
.
Pela complexidade da situação, há um outro fragmento que merece ser citado.
Segundo o Conselheiro Carlos Geraldo, diretor da Faculdade de Medicina
Na segunda feira fui procurado por um grupo de estudantes que me declarava o desejo de convocar
uma assembléia geral e me levaram a seguinte proclamação:
(Lê) “Os alunos da Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia...
Tiraram seis cópias dessa proclamação e anexaram a relação dos nomes dos alunos de cada série.
Distribuíram por assinatura. No momento em que eles tiveram maioria absoluta de assinaturas
convocaram a assembléia que se fez ontem. De modo que quando a assembléia foi convocada já
estavam vagos os cargos porque todos aqueles que assinaram estavam de acordo com a proclamação.
Convocada a assembléia foram ratificados os termos e feita a eleição para provimento dos cargos
considerados vagos. Tudo correu sem incidentes e depois eu os empossei, de acordo com o que havia
acertado com o Magnífico Reitor. Entreguei a essa nova diretoria o diretório.
De modo que a situação por lá se resolveu simplesmente, de uma forma que me parece muito justa,
muito legal porque ao assinarem os alunos tomaram conhecimento da proclamação. A proclamação é
muito incisiva. Eles sabiam o que estavam assinando, estavam assinando um aplauso às Forças
Armadas. Eles tomaram cerca de quatrocentas assinaturas em menos de um dia. Ontem foi feita a
eleição e a posse às 15:30 horas já estava efetuada.
54
No que diz respeito ao DCE, o Conselho Universitário aprovou a destituição dos
dois representantes estudantis sendo que um já estava preso por um incidente ocorrido antes
do golpe e o outro estava foragido
55
. Esta resolução foi tomada após o golpe militar e meses
53
ATA DO CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964
54
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964. Como não há o conteúdo do texto, não
devemos necessariamente ratificar a interpretação do Diretor de que o abaixo -assinado era um aplauso às
Forças Armadas.
55
Além de Pedro Castro, os outros dois representantes eram Luiz Tenório (titular) e Paulo Duarte Filho
(suplente). No dia 13 de março, houve uma assembléia universitária de abertura do ano letivo marcada por
protestos estudantis contra a participação de Clemente Mariani na atividade. Cf ATA CONSUNI 05/03/1964,
a UNE teria enviado ofício à Reitoria solicitando a não presença de Clemente Mariani. O fato é que alguns
estudantes teriam levado faixas e interrompido a solenidade. Isto determinou a prisão do Presidente do DCE,
Pedro Castro, titular do Conselho Universitário, acusado de ser o responsável pelo “ato de indisciplina”.
Posteriormente, foi feito um IPM para apurar a questão. Segundo o ATarde de 03/03/1964, “a assembléia
universitária convocada para a noite de ontem [...] foi tumultuada, de modo lamentável, por agitadores
infiltrados no seio da massa estudantil a pretexto de protestarem contra a visita do Governador do Estado da
Guanabara (que não se achava presente ao Ato), os agentes de irritação ideológica promoveram a interrupção
da solenidade”. Note-se a sintonia do discurso do jornal antes do golpe - com os militares golpistas. Já na
47
seguintes quando uma nova diretoria do DCE seria eleita, enviando representantes
estudantis para o Conselho Universitário. É bastante provável que, no mínimo, membros
desta diretoria estivessem afinados com o regime militar. Esta assertiva pode ser
fundamentada considerando que, no Inquérito Policial desenvolvido pela Justiça Militar
para apurar a ‘subversão’ na universidade e processar alguns estudantes, a acusação contou
com o testemunho do novo Presidente do DCE, o acadêmico Naomar Alcântara
56
.
Por fim, para completar o quadro geral do clima no ME após o golpe, há um outro
trecho bastante sugestivo:
Hoje recebi a visita de um rapaz de nossa Faculdade, Presidente interino do Diretório, rapaz sério,
discreto, direito, contra quem não havia nada, mas ele estava a onda de boatos é grande, nessas
oportunidades - ele estava assombrado pelo fato de ser o Presidente em exercício[ não cita o nome nem o
curso]. Na minha aula eu disse aos meus alunos que ao fazere m essa reforma eu lembrava que o vice-
presidente em exercício do Diretório era um rapaz de boas qualidades, que age com muito equilíbrio, que
funcionou na Congregação de maneira correta, de modo que não se tem nada a dizer contra ele. Sabendo
disso ele veio me procurar para agradecer ao mesmo tempo que me perguntava se ele não estava correndo
o risco de ser preso. Eu disse que não e se por acaso ele viesse a sofrer qualquer constrangimento que me
mandasse comunicar porque eu iria reclamar a sua liberdade de vez que ele não tinha razão de ser preso.
57
Este trecho pode ser ilustrativo do medo que aflorou em quem participava do ME,
mesmo que não tivesse ligações orgânicas com grupos de esquerda. Além disto, para
ressaltar mais uma vez o nosso argumento neste tópico, mostra que o leit-motiv da
intervenção nos Diretórios era “depurá-los” da influência dos comunistas. Tudo isto, diga-
se de passagem, bastante sintonizado com os propósitos da ‘operação limpeza’ e da noção
de ‘sanear a universidade da infiltração subversiva’. No nível mais imediato, a Reitoria
junto com os Diretores de unidades operaram uma política que dá resultados positivos
para seus propósitos. No geral, excluíam os comunistas e/ou pessoas vistas como “de
ATA CONSUNI 23/03/1964 há o registro que Pedro Castro era tenente e tinha consentimento da Polícia
Militar para exercício de suas atividades políticas. Pode parecer estranho mas, antes do golpe, um oficial
militar foi presidente do DCE, sugerindo-nos o grau de engajamento de militares na vida política. Não
pudemos entrevistar esta pessoa devido a limites materiais, já que o ex-presidente possui moradia fixa no Rio
de Janeiro.
56
Processo BNM - 394, pp 191-192. Não pudemos entrevistar este ex-estudante dado que - segundo um
entrevistado - já falecera em episódio conhecido da vida política baiana, quando houve a queda do helicóptero
ocupado, dentre outros, pelo candidato a governador pelo Partido Democrático Social (PDS), Clériston
Andrade.
48
esquerda” das direções mas não dissolviam as entidades estudantis por completo. Isto
permitia a manutenção de uma certa legalidade ao ME.
Além de uma série de ações que mostram um cerco externo à universidade, há um
nível de vigilância interno. Ainda referindo-se ao dia do golpe, de acordo com o Diretor
Arnaldo da Silveira:
Logo que tivemos notícia da eclosão do movimento, fui imediatamente, com surpresa minha,
procurado por um aluno com o qual nunca havia tido maiores contatos. Esse aluno, apresentando-se
na qualidade de Tenente do Exército, ignorado naturalmente por toda a Faculdade, me apresentava
uma lista de mais ou menos vinte estudantes e dois professores [...] dizendo-me que o Chefe do
Estado Maior havia autorizado a que ele entrasse imediatamente em contato comigo, mas que
aqueles alunos deveriam ter, imediatamente, proibida a sua entrada na Faculdade até que eu me
entendesse com o Chefe do Estado Maior. Daqui da Reitoria fui ao Estado Maior onde li uma lista e
o Chefe do Estado Maior dizia que iam ser presos aqueles alunos porque eram tidos e havidos como
comunistas. Não tinha outra providência a tomar, a não ser voltar à Faculdade. Voltei à Faculdade e
proibi a entrada desses alunos[...] Pedi que não comparecessem mais à Faculdade até que
providências outras fossem tomadas.
58
Este rela to não deve ser desconsiderado. Neste período, ainda que não possamos
quantificar, é certo que havia muitos estudantes que eram militares. Na fase pós-golpe,
muitos aparecerão como ‘os olhos e ouvidos’ da Polícia nas Faculdades. Isto fica atestado
com base na análise do IPM, onde alguns desses alunos foram testemunhas de acusação dos
indiciados
59
.
Tentativas de disciplinarização do ME
Conforme já foi dito, a linha política adotada pela Reitoria é de enquadrar as entidades
estudantis às exigências governistas e depurá-las da influência dos comunistas. É neste
sentido que uma nova diretoria do DCE foi eleita pelo Conselho dos DAs
60
. Estes
57
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964
58
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964.
59
BNM 394.
60
A nova diretoria do DCE é formada por: Presidente (Naomar S. de Alcântara); 1. Vice (Sérgio Ramos); 2.
Vice (Severino Cortizo Bouzas); Sec. Geral (Benedito Romualdo); 1. Sec. (Sérgio Almeida); 2. Sec. (Murilo
Henriques); 1. Tes. (Maria Antonia Andrade); 2. Tes. (Maria Oliveira; Bibliotecária (Lina Rebouças de
49
representantes realizam audiência com o Reitor para oficializar o resultado do processo
eleitoral. Esta nova diretoria será acolhida pelo Conselho Universitário com um voto de
boas vindas e de expectativas de relação futura com base no “espírito universitário”
61
.
Há ainda o ‘empastelamento’ da gráfica dos estudantes de economia possivelmente por
receio de publicação de panfletos contra o regime
62
. Pela análise da documentação,
podemos supor que estas medidas tiveram êxito. Contudo, um terreno ganhará contornos de
resistência por parte dos estudantes e, logo nos dias posteriores ao golpe, será alvo de
iniciativas para sua disciplinarização: a solenidade das formaturas.
A Ata do dia 11/05 é bastante instigante:
Tivemos esboçada uma crise que eu consideraria gravíssima não fossem as demarches que o
professor Carlos Geraldo realizou, em bons termos. Doutorandos de medicina, que se formam este
ano, escolheram professores notoriamente comunistas, docentes livres e professores que estão
envolvidos nas malhas dos inquéritos militares, para figurarem no quadro de formatura [...] Eu
recebia a visita do Coronel Avelar que me vinha comunicar também, isto, que tinha notícia de que os
estudantes, doutorandos de medicina, haviam escolhido esses professores comunistas [...] para
figurarem no seu quadro de formatura e que a área militar considerava isto um acinte e podia me
adiantar que eles não levariam a termo o seu ‘desideratum’ e por certo não ocorreria essa formatura,
inclusive, se fosse necessário, com a detenção da turma toda.
O Coronel Humberto Melo [...] sentou-se ao meu lado e também me falou a respeito, dizendo que
tanto ele como o General Mendes Pereira e outros oficiais estavam conspirando o fato como um
acinte ao Exército que havia mandado, oficialmente, comunicar à Faculdade de Medicina que não só
o Prof. Nelson Pires era comunista como também que ele, pelas suas atividades não tinha nem
condições morais para exercer a profissão de médico, então ele não podia admitir que os doutorandos
tomassem tal atitude. Disse mais que se por acaso a universidade não tomasse as medidas
disciplinares convenientes, o Exército tomaria a seu modo. Então tranquilizei o Cel Humberto.
63
Esta intervenção (in)direta do Exército nos chama atenção. Em primeiro lugar, a
solenidade de formatura era um evento público e comportava um ‘ritual’ com pessoas e
papéis sociais definidos (o orador da turma, o paraninfo, professor homenageado etc) mas
inesperados. Sendo mais claro: havia o risco do paraninfo da turma discursar contra o novo
Castro); 2. Rep. (Aurélio Assis Filho); Suplente (Luiz Allan Silva). Os representantes no Conselho
Universitário passam a ser Naomar Soares de Alcântara e Aurélio Assis Filho. Cf ATA 02/06/1964.
61
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964
62
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964
50
regime, o mesmo acontecendo com outros membros que detivessem o poder da palavra.
Indo mais além do fato em si, interessa-nos a sua fundamentação. Ou seja, neste caso, os
comunistas são considerados seres tão imorais que não têm condições éticas de serem
paraninfos, quanto mais exercer a profissão de médico. Noutras palavras, como pode um
médico, cuja função social é salvar vidas, ser comunista - tido como aquele que destrói a
vida?
64
Analisar o discurso anti-comunista neste período daria pesquisas bastante férteis...
Obviamente, este exemplo também evidencia o significado simbólico de tal ato para
os militares. Para os estudantes, da mesma forma. É um exemplo da disputa política em
torno de rituais (Kertzer, 2001). Com o passar do tempo, a solenidade de formatura
constituir-se-á num espaço de resistência ao regime militar
65
. É o principal momento de
publicização de um contra-discurso no imediato pós- golpe de 64.
Esta iniciativa tinha um claro sentido de intimidação dos alunos. Neste caso específico,
os militares foram vitoriosos. Contudo, no dia 30 de novembro, decorridos sete meses
depois do acontecido, já tendo à frente o Reitor Miguel Calmon, haveria um registro onde
ressurgia a polêmica:
A seguir o Magnífico Reitor tratou do problema relativo ao excesso na linguagem por parte dos oradores
nas solenidades de formaturas, achando que os diretores que presidirem às sessões deverão cassar a
palavra dos oradores que se tornarem inconvenientes, suspendendo, imediatamente as solenidades e que
todos os diretores deverão agir de maneira idêntica. Finalmente S. Magnificência fez um apelo ao
Presidente do Diretório Central dos Estudantes para que houvesse comedimento nas orações de
formatura, ficando assim, restabelecida a tradição das solenidades de formaturas. O Conselheiro Naomar
de Alcântara (pres. DCE) disse que aceitava as sugestões do Magnífico Reitor e que, pessoalmente,
conversará com todos os oradores.
66
Aqui, fica evidente o cerco às formaturas e o papel de controle social por parte do
Reitor, provavelmente pressionado ou receoso das autoridades militares. Quanto à
colaboração estudantil, a fala do presidente do DCE não passaria de demonstração pública
de boa vontade com a Reitoria. Na reunião seguinte, o representante discente anunciaria a
63
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 09/04/1964.
64
Adiante retomaremos esta questão.
65
Esta afirmação é feita com base nas entrevistas e nas entrelinhas das Atas. Contudo, não conseguimos
entrevistar nenhum ex-orador de turma.
66
ATA. CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 30/11/1964
51
sua despedida do Conselho Universitário, acrescida do convite aos presentes para a
solenidade de formatura de sua turma claro, sem orador!
Voltando à tentativa de controle por parte da Reitoria, aos poucos emergia uma
outra estratégia para esvaziar o significado político da solenidade. Na reunião seguinte, a
Ata retém uma proposta de viabilizar-se uma formatura única para os cursos, o que pode ser
visto enquanto uma tentativa de centralizar a organização do evento, impedindo eventuais
problemas.
67
Esta foi a última vez que esta questão apareceu nas Atas.
O Conselho Universitário e a homenagem ao Presidente Castelo Branco
Reunido no dia 10/07, o Conselho Universitário aprovou proposta de concessão do
título de Doutor ‘Honoris Causa’ ao Presidente da República Marechal Castelo Branco
68
. A
moção foi aprovada por unanimidade conforme o registro da Ata tendo como
preâmbulo uma justificativa realçando as qualidades do Marechal, seus méritos e cursos.
Diferentemente da primeira reunião pós-golpe - onde o conteúdo da moção e as
questões discutidas nas Notas Taquigráficas mostraram uma sintonia com os golpistas -,
nesta resolução não há menção direta de louvor ao regime militar. Uma leitura possível
pode centrar-se na linha política estabelecida pelo novo Reitor Miguel Calmon no trato com
os militares
69
. Ou seja, uma relação baseada no ‘pragmatismo crítico’. Para usar uma
expressão literária, algo como ‘esperar por melhores tempos’. Outra abordagem explicativa
67
ATA. CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 22/12/1964.
68
Não pensemos que esta iniciativa foi algo específico da UFBA. Em 1941, a USP propôs entregar o título de
Doutor Honoris Causa a Getúlio Vargas (Carneiro, 1999, p 36). Desse modo, é possível que outras
universidades tenham concedido titulações para Chefes de Estado e Ministros. A UFRN, por exemplo,
concedeu o título de Doutor Honoris Causa a Flavio Suplicy Lacerda ex-Ministro de Educação (Silva, 1989,
p 135).
69
O Reitor foi eleito com base na Lista Tríplice aprovada pelo Conselho Universitário e submetida ao crivo
do Presidente, escolhendo um dos três nomes. Depois de três seções, em 02/06/1964, o Conselho
Universitário aprovou a seguinte composição: 1. Prof. Miguel Calmon Du Pin e Almeida; 2. Prof. Carlos
Geraldo; 3. Adriano Pondé. Em 1 de julho, assumiu a Reitoria (Calasans, 1991). Professor da Escola
Politécnica, o Reitor Miguel Calmon foi o primeiro presidente do Conselho de Reitores das Universidades
Brasileiras. Em sua gestão, buscou desenvolver a ‘Reforma’ da universidade. Buscou estabelecer um clima de
diálogo com o ME, embora censurando posicionamentos mais críticos, conforme mostraremos
posteriormente. De todo modo, quando faleceu, o DCE “tomou várias providências, inclusive convocando
todos os universitários baianos, através de imprensa falada e escrita. Comunicou, ainda que nesta madrugada,
quando do passamento do Magnífico Reitor, os estudantes baianos, que estavam reunidos em assembléia geral
[...] aprovaram, por unanimidade, um voto de pesar”, cf ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS.
07/05/1967.
52
para as declarações presentes nas Atas de reuniões anteriores - mais afinadas com os
golpistas - é que talvez constitua um erro de análise pensar as iniciativas disciplinares e de
combate à ‘subversão’ com alinhamento automático e apoio acrítico ao regime.
De todo modo, ao contrário da ausência na primeira reunião, nesta há presença da
representação estudantil. Não aparece nenhum registro na Ata sobre a fala estudantil na
reunião. Seria mais um exemp lo de uma posição desta representação estudantil pró-regime?
O título ao Marechal Castelo Branco foi entregue num sábado. Não há referências
na Ata nem tampouco na imprensa. Sabe-se apenas acerca da exigência de ‘becas’ na
solenidade bem como do interesse mostrado pelo Presidente em ter contato com professores
e estudantes. A ata indica que haveria um encontro entre os membros do Conselho
Universitário, os representantes de DAs e o Presidente da República. Dado os limites de
fontes, nos resta fazer algumas perguntas: por que a entrega de um título tão importante foi
realizado num dia sem aulas na universidade, e feito em cerimônia discreta aos olhos da
opinião pública? Seria um receio da Reitoria em ter surpresas desagradáveis às vistas do
Presidente, a exe mplo de protestos? Ou seria apenas uma escolha sem maiores
preocupações, advinda em conformidade com a agenda do presidente, enquadrada num
sábado e em sintonia com a cultura da época?...
A fiscalização externa à Universidade
Na reunião do Conselho Universitário, realizada em 27/08/1964, parece ter surgido
um possível foco de tensão entre a UFBA e os militares. Não sabemos ao certo o que teria
ocorrido. Mas, aparece na Ata que “o Magnífico Reitor Miguel Calmon deu conhecimento
ao Conselho dos entendimentos mantidos com o Tenente Coronel Abelardo sobre a
fiscalização dos pagamentos de fornecimentos à universidade”.
70
Teria havido suspeitas de militares em relação à aplicação de verbas na
universidade? Esta pergunta tem um sentido haja vista que o combate à corrupção em
instituições públicas constituía também um dos eixos do discurso dos golpistas embora
não tivessem ido às últimas consequências. Além disto, este trecho é importante por conter
um outro aspecto significativo. Segundo o Reitor Miguel Calmon
70
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 27/08/64
53
Acho que o momento é delicado e um ato nosso, digamos assim, de pseudo-independência poderia
causar um transtorno, sobre a vida da universidade, com conseqüências imprevisíveis [...].
Não nos constrange a fiscalização de quem quer que seja, sobretudo quando ela é decorrente de um
Ato revolucionário que nós sabemos ainda estar em vigor
Sinto que há votos de reação e quero apenas voltar a insistir na minha exposição inicial. Estamos
vivendo ainda uma fase revolucionária de modo que ainda não podemos esperar que a vida civil se
restabeleça com a tranquilidade e a normalidade desejada.
71
Acreditamos que, como já foi dito anteriormente, estas passagens são sugestivas da
existência, entre membros do Conselho Universitário, de um ‘espírito de preservação’ da
universidade. Com a instituição imersa num clima político de medo, controle e vigilância,
interna e externa, a alternativa encontrada foi ‘esperar por um novo dia’. Para certos setores
que tinham uma visão crítica do regime militar à época, não havia condições de uma
posição de independência da universidade. Este pode ser considerado o principal aspecto da
análise do Reitor e discretamente passado como ‘recado’ a pessoas descontentes com o
regime militar, presentes à reunião.
A formatura do Presidente do DCE: os problemas da documentação e indagações
para um balanço da atuação estudantil
Em 04 de dezembro, o estudante Naomar Alcântara - presidente do DCE - anunciou o
seu afastamento do Conselho Universitário e convidou todos os membros para a solenidade
de formatura. Algumas passagens merecem ser destacadas:
Quero declarar que se em algumas vêzes tive que me exaltar um pouco, neste conselho, isto se deveu
sobretudo ao amor da causa a que eu me dediquei e ao desejo profundo de não trair a representação
que me foi confiada.
Creio que, dentro dos limites humanos, cumpri com meu dever e saio daqui satisfeito certo de que
ganhei a amizade de todos os Senhores conselheiros. Saio daqui como amigo de todos os ilustres
conselheiros.
72
71
ATA DO CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 14/10/1966.
72
ATA DO CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 04/12/1964.
54
Optamos em concluir este capítulo com este trecho para levantar problemas
peculiares ao uso destas Atas como fonte histórica. Indo direto ao assunto. Durante este
período, tomando por base esta documentação, a atuação da representação estudantil passa
desapercebida. Quase não aparece registros de suas falas. Tampouco reivindicações. E
lembremos que foram discutidos diversos temas polêmicos. Entretanto, no discurso de
Naomar aparece um cordial ‘pedido de desculpas’ por possíveis excessos.
Pode-se perguntar quais exaltações houve nestas reuniões por parte do representante
estudantil pois, dos registros feitos em Ata, conclui-se que o silêncio é o gesto mais
marcante da atuação estudantil. Haveria a possibilidade de uma ‘triagem’ na Ata? Ou seja,
falas ‘exaltadas’ que criticassem o regime não serem transcritas? Haveria algum tipo de
‘censura’?
73
Claro está que poderíamos especular também a existência de um silêncio
crítico. Porém, é pertinente imaginar este mecanismo enquanto a principal estratégia da
representação estudantil neste período? Seria esta representação expressão no seio
estudantil de uma orientação política reivindicatória, mas marcada por profundo anti-
comunismo? Seria a Ata incapaz de registrar a complexidade e ambiguidade que marcaram
a atuação desse representante estudantil? Achamos esta última interrogação a possibilidade
mais plausível...Senão, como interpretar que:
O Conselheiro Naomar fez referência à importância do Conselho Universitário atentar para os problemas
dos funcionários do restaurante universitário que prestam maior soma de serviços aos universitários e não
são tratados pelo regime do funcionalismo público; às reivindicações dos alunos da Faculdade de
Filosofia e Farmácia.
74
Ou seja, por que aparecem ‘reivindicações’ da representação estudantil apenas na Ata
da última reunião? São perguntas que merecem outras pesquisas. A título conclusivo deste
capítulo, fiquemos com a forma pela qual o redator da Ata registrou as palavras do Reitor:
73
Enquanto eixo de crítica para essa série documental, a hipótese se sustenta haja vista que, cf ATA
CONSUNI 14/10/1966, Saul Quadros representante estudantil teceu uma crítica à política educacional do
governo e, em seguida o Reitor Miguel Calmon teria dito: "Peço ao nobre Conselheiro resguardar-se nas
palavras porque não poderia consentir que fosse feito, dentro de um Conselho cuja autoridade tem que ser
devidamente respeitada para garantir e preservar a autonomia universitária, não poderia consentir em ver
V.Exa. proferir palavras desabridas contra a atuação do governo. Aqui não é o campo próprio para essas
manifestações”.
74
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 04/12/1964
55
Usando da palavra o Magnífico Reitor disse que, realmente, o Presidente do DCE conseguiu restabelecer
dentro da universidade a dignidade do estudante dentro do Conselho Universitário que, através dele, pôde
manter cordial diálogo com todos os estudantes e criar um novo clima de entendimento entre estudantes e
professores, o que esperava servisse de exemplo para futuros representantes do corpo discente neste
conselho.
75
75
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 04/12/1964.
56
CAPÍTULO II - O ME na UFBA após o golpe de 64
Como esboçamos no capítulo anterior, o movimento político-militar de 64 prometeu
livrar o país da corrupção e dos comunistas que alegadamente queriam criar uma república
sindicalista. Afirmava também que iria restaurar a ordem democrática. Por outro lado,
vimos que uma das primeiras iniciativas do novo regime foi a promulgação do Ato
Institucional n. 1 e a ‘operação limpeza’. Não custa nada lembrar que mencionamos estes
aspectos com o intuito de inserir o imediato pós-golpe na UFBA em sintonia com as
coordenadas históricas da época. Pois bem. Este capítulo pretende apontar alguns passos da
(re)organização do ME, incluindo as lutas desenvolvidas do período posterior ao golpe até
o ano de 1967. Para tanto, é importante um breve panorama do contexto geral.
Flashes de violência
Nas semanas seguintes à deposição de Goulart, “prenderam-se pouco mais de 5 mil
pessoas” (Gaspari, 2002, p 130). Como frisou uma autora, “a busca da segurança interna
pela eliminação do ‘inimigo interno’ entrou em conflito com os objetivos declarados de
restabelecimento da legalidade e fortalecimento das instituições democráticas” (Alves,
1984, p 52). Os expurgos e a repressão aos ‘inimigos do regime’ levaram a uma
institucionalização do Estado de Segurança Nacional, começando pela promulgação do Ato
Institucional No. 1 (AI-1).
76
Muitas das medidas do AI-1 tinham como objetivo reforçar o poder Executivo e
limitar os poderes do Congresso: cancelou as imunidades parlamentares, autorizou o
‘Comando Supremo da Revolução’ a cassar mandatos e suspender direitos políticos, pôs
fim temporário à estabilidade e vitaliciedade no serviço público, estabeleceu a eleição de
um novo presidente através de votação indireta no Congresso Nacional. Segundo Alves, “o
Ato Institucional surpreendeu os que haviam apoiado a intervenção dos militares na crença
de que sua intenção era restaurar a democracia. A reação da imprensa foi quase
unanimemente negativa” (Alves, 1984, p 54).
76
Uma descrição e análise deste processo pode ser vista em Alves (1984), especialmente o Capítulo II, ‘As
Bases do Estado de Segurança Nacional”. Para um outro panorama sobre a violência desencadeada no
imediato pós-64 incluindo denúncias de tortura, ver Gaspari (2002a), especialmente pp 129-151.
57
O Ato criou também as bases legais para os Inquéritos Policiais Militares, com a
função de apurar ‘atividades subversivas’. Muitas pessoas foram denunciadas nos IPMs
(Brasil Nunca Mais, 1985). Desencadeou-se perseguições aos opositores do regime,
submetidos a prisões e torturas. Contudo, parte da imprensa ainda manteve-se relativamente
livre. Graças a isto, depois de uma série de denúncias veiculadas pelo Correio da Manhã,
sobre o uso da tortura política, o Chefe da Casa Militar General Ernesto Geisel foi
designado para apurar as denúncias, notadamente na Região Nordeste. A investigação foi
arquivada por ‘insuficiência de provas’ (Gaspari, 2002).
Atores importantes na luta pelas reformas de base, os estudantes foram visados pela
repressão. A sede da UNE foi invadida e queimada. Dissolvida, a entidade passou a ser
considerada ilegal (Santos, 1980). As universidades também foram palco da ação
repressiva, com invasões na UnB, intervenção na Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e inquéritos na Universidade Estadual de São Paulo (USP) e Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (Cunha, 1989).
Intensa repressão abateu-se sobre os trabalhadores, através da prisão de diretores e
intervenção em sindicatos e entidades urbanas e rurais, notadamente as Ligas Camponesas.
Parlamentares foram cassados. Os expurgos atingiram também juízes, militares e
funcionários públicos.
O Governo Castelo Branco
Em 15 de abril de 1964, o General Humberto de Alencar Castelo Branco foi eleito
presidente, tendo o mandato até janeiro de 1966. Castelo e muitos dos seus ministros
faziam parte de um grupo com ligações com a Escola Superior de Guerra. No plano
político, este grupo castelista tinha como objetivo implantar uma democracia restrita.
Perspectiva diferente existia em outros setores militares: a chamada linha-dura. Eles
defendiam a implantação de um regime autoritário com controle militar mais intenso
77
.
Estas divergências seriam uma constante levando a várias crises políticas na
ditadura militar
78
. A força de cada grupo variou conforme o tempo. No início do regime, o
grupo castelista teria ganho a queda de braço. Desse modo, o AI-1 não alterara o calendário
77
Para conhecer mais as diferenças entre os dois grupos, ver D’Araújo (1994).
58
eleitoral para executivos estaduais. Um ano depois, em outubro de 1965, houve a eleição
para governadores e a oposição triunfou em estados importantes, como Guanabara e
Minas
79
. Este resultado eleitoral deixou os setores da linha-dura alarmados.
Para atender à pressão destes setores, o presidente baixou o AI-2, em 17 de outubro
de 1965. Entre outras medidas, o AI-2 deu mais poderes a Castelo. O governo passou a
legislar sobre assuntos relevantes em matéria de ‘segurança nacional’. Além disto, o AI-2
extinguiu os partidos políticos existentes. Já em fevereiro de 1966, o AI-3 estabeleceria a
eleição indireta também para os governadores
80
.
Em 1967, o Congresso aprovou uma nova constituição para o país. Como disse um
estudioso, “incorporou a legislação que ampliara os poderes conferidos ao Executivo,
especialmente em matéria de segurança nacional, mas não manteve os dispositivos
excepcionais que permitiriam novas cassações de mandatos, perda de direitos etc.” (Fausto,
2002, p 475).
Na disputa pela sucessão presidencial, o grupo castelista foi derrotado pela linha
dura. Foram eleitos o General Artur da Costa e Silva e para vice-presidente, o Ministro
Pedro Aleixo. Na escolha do ministério, Costa e Silva praticamente alijou o grupo de
Castelo do governo. Para a opinião pública, o novo presidente chegou a acenar com a
possibilidade de dialogar com setores da oposição.
Feito este panorama geral, interessa-nos analisar algumas decorrências para o ME,
não esquecendo que durante estes anos o governo buscou dar atenção especial aos
estudantes, seja através de legislação autoritária visando atacar sua organização autônoma,
seja através de mudanças no ensino superior. Vejamos.
A Lei Suplicy Lacerda
Passado o período inicial do golpe de 64, diversos setores que apoiaram o
‘movimento’ acreditando numa ‘intervenção passageira’ dos militares, começam a se dar
conta de que ajudaram à instalação de uma ditadura. Bastante elucidativo neste sentido é a
78
A respeito ver Martins Filho (1993).
79
Este resultado eleitoral traria consequências para o ME. Uma delas é que, segundo Martins Filho (1987),
em 1966 haveria uma tendência à repressão mais intensa nestes Estados, onde os governadores não teriam
controle sobre o aparato repressivo.
80
Isso faria com que algumas entidades estudantis organizassem campanhas pelo Voto Nulo.
59
trajetória do estudante Jean Marc Van Der Weid
81
. Após se dispor até a pegar em armas
para defender a deposição do Governo Goulart, tempos depois ele já estaria na oposição ao
regime militar e, anos mais tarde, viria a ser o Presidente da UNE, num dos períodos mais
difíceis da história da entidade, em termos de embates com a repressão política.
Aparentemente individual, esta trajetória pode ser ilustrativa de um fenômeno social que
atingiu alguns setores, incluindo os estudantes o foco central desta pesquisa. Tentemos
compreender este processo.
A lógica que presidiu a relação Estado/ME foi de ‘depurar’ as entidades da
‘influência subversiva’ e, ao mesmo tempo, fechar a UNE. Para tanto, o regime utilizou
IPMs e criou legislação específica para as entidades estudantis. Em 9 de novembro de 1964,
o governo encaminhou ao Congresso Nacional a Lei n 4464
82
. Apelidada pelos estudantes
de Lei Suplicy Lacerda ou Lei da Mordaça, esta medida extinguia a UNE e as Uniões
Estaduais de Estudantes (UEEs) e, em seu lugar, criava o Diretório Nacional dos
Estudantes (DNE) e Diretório Estadual dos Estudantes (DEE). A Lei impunha o voto
obrigatório dos estudantes nas eleições das entidades além do DNE e DEE, os Diretórios
Acadêmicos (DAs) e Diretório Central dos Estudantes (DCEs) -, dava poderes ao
Ministério da Educação ou Conselho Federal de Educação para convocar suas reuniões e
proibia manifestações de greve ou propaganda político-partidária. Em síntese, buscava
acabar com a autonomia das entidades estudantis. (Poerner, 1979).
Contudo, a Lei Suplicy despertou reações contrárias, inclusive de setores que
tinham apoiado o golpe militar (Martins Filho, 1987). Na realidade, havia grupos que eram
críticos à presença dos ‘comunistas’ à frente das entidades, mas defendiam o direito à livre
organização estudantil.
É desse modo que, como o ME atravessava uma fase de dispersão por conta da
repressão aos dirigentes, prisões, exílios, interventorias em entidades etc., paradoxalmente,
a Lei Suplicy ajudou à sua reaglutinação, em torno da palavra de ordem ‘Em defesa da
UNE’. Neste quadro, o ano de 1965 é movimentado principalmente por Campanhas Contra
a Lei Suplicy. Além da articulação de um Plebiscito Nacional, a UNE realizou o seu 27
º
Congresso, em São Paulo. Aprovou-se a criação de Diretórios Acadêmicos Livres por
81
Ver o depoimento concedido a Marcelo Ridenti, à disposição no AEL.
82
Na época o Ministro da Educação era Suplicy Lacerda. Daí a medida ter sido apelidada de Lei Suplicy
Lacerda. A íntegra da Lei pode ser vista em Sanfelice (1986), pp 204-207.
60
fora da Lei e o boicote às eleições oficiais (Poerner, 1979). Assim sendo, torna-se útil
discutir qual o impacto dessas resoluções no ME da UFBA.
O ME da UFBA e a Lei Suplicy
No capítulo anterior, demonstramos que houve a instalação de um IPM para apurar
a ‘subversão’ estudantil na UFBA. Alguns ativistas fugiram; outros foram presos e
denunciados pela Justiça Militar. Independente das distintas trajetórias, não seria arriscado
afirmar que os principais ativistas do ME antes do golpe, por várias razões, deixam de
participar ativamente do ME após o golpe.
Há ainda um outro aspecto importante. Ainda que no imediato pós-golpe tenham
existido DCE e DAs constituídos, é possível sugerir que estas diretorias foram compostas
por estudantes mais afinados com o golpe de 64. Mesmo que possa ter havido alguns
estudantes mais críticos, não se deve esquecer o clima de medo e a repressão que se abateu
sobre o ME, além de uma correlação de forças interna à universidade desfavorável. Deste
modo, defendemos a idéia de que o golpe de 64 trouxe para o ME ufbiano uma
descontinuidade em termos de lutas, bandeiras e atores. E mais: colocou o ME num
profundo refluxo que demoraria a ser superado. Em resumo: a existência das entidades
DAs e DCE -, não implicou numa articulação imediata e retomada do ME, ainda que
possivelmente tenha existido disposição reivindicatória nalguns segmentos
83
.
É neste cenário que, acompanhando a dinâmica de reorganização do ME nacional,
os DAs da UFBA, Universidade Católica e das Escolas Independentes realizaram o
Congresso Extraordinário da União dos Estudantes da Bahia (UEB). Em termos de
participação, a expectativa era reunir 25 DAs sendo 14 da Universidade da Bahia, 5 da
Universidade Católica e 6 das Escolas Independentes
84
. O eixo central das resoluções do
83
Esta possibilidade de lutas reivindicatórias é bastante razoável não só no imediato pós-64 como em todo o
período coberto por esta pesquisa. A documentação - principalmente a imprensa - sinaliza algumas destas
reivindicações. Contudo, geralmente são apenas noticiadas superficialmente, o que nos sugere terem sido
lutas efêmeras e pontuais. Considerando: a) que não há Atas de reuniões do DCE nem tampouco dos DAs; b)
que não conseguimos entrevistar estudantes de todos os cursos; c) que este trabalho seria impossível nos
limites de uma dissertação de mestrado, pela quantidade de pessoas a serem localizadas e entrevistadas;
fizemos a opção presente na maioria dos estudos sobre o ME no período autoritário de selecionar os fatos
comuns à maioria dos estudantes, salvo raro quando houve lutas específicas com implicações gerais de
natureza política, conforme demostraremos posteriormente. De todo modo, é uma lacuna que carece de estudo
específico.
84
Jornal da Bahia. 12/08/1965.
61
Congresso foi o apoio à UNE e a luta contra a Lei Suplicy. Elaborou-se um Manifesto onde
a reorganização da UNE é vista como um direito constitucional. Houve a eleição de uma
diretoria provisória para a UEB.
A posição da UNE era bem explícita. Segundo uma circular publicada no Jornal da
Bahia e atribuída a dirigentes da entidade: “O comparecimento à farsa eleitoral ditada pelo
Sr. Suplicy representa o passo fatal depois do qual a consequência lógica e inevitável será,
para o movimento estudantil, a legalização da mordaça”
85
.
Diferentemente da tática deliberada no Congresso da UNE - sintetizada na circular
acima reproduzida -, aprovou-se a participação dos estudantes nas eleições dos DAs
enquadrados na Lei. Contudo, esta posição não era acrítica. Ao contrário, parece que a
orientação das lideranças foi de reorganizar o ME por dentro dos DAs legalizados. Em
algumas unidades, como a Faculdade de Filosofia, decidiu-se em assembléia geral enviar
um manifesto ao Presidente Castelo Branco criticando a legislação
86
. Na eleição, houve
uma única chapa intitulada ‘Resistência democrática’ - obteve 139 votos sendo que 530
estudantes anularam a cédula.
Considerando a ‘vitória’ do voto nulo no pleito eleitoral, podemos afirmar que o
ME não estava unificado no que diz respeito à tática de enfrentamento da Lei. A leitura de
ATarde nos leva a pensar que a posição do DCE era de seguir a orientação da UNE.
Contudo, parece ter havido resistência por parte de estudantes receosos de punições
lembrar que a participação era obrigatória o que levou a uma mudança de posição
87
.
Ainda no caso do DA de Filosofia, como a chapa foi eleita por minoria de votos,
houve questionamento quanto à legitimidade política do processo eleitoral, o que parece ter
sido determinante para a renúncia do Presidente
88
. No final das contas, o DA Filosofia não
foi legalizado. Porém, dada a representatividade conquistada com o tempo, segundo um dos
nossos entrevistados, chegou a ter diálogos constantes com a Reitoria
89
.
85
Jornal da Bahia. 14/08/1965.
86
Jornal da Bahia. 19/08/1965.
87
ATarde. 16/08/1965.
88
ATarde. 23/08/1965.
89
Segundo as entrevistas realizadas, a Faculdade de Filosofia congregava treze cursos num mesmo campus e
constituir-se-ia num importante território de mobilização, com base social ativa no ME. Além dela, outros
cursos/Faculdades importantes seriam Medicina, Direito, Economia, Arquitetura e a Escola Politécnica.
Quanto ao número de matriculados na universidade, é interessante dizer que, enquanto em 1964 havia 4114
alunos, em 1968 este número vai subir para 7.160. Cf UFBA. Relatório Anual, 1968. Em termos de
convivência, o principal espaço comum de aglutinação seria a Residência Estudantil, onde localizava-se o
62
Nas eleições para os outros DAs, segundo o ATarde, havia 3 posições
diferenciadas
90
. Além do boicote, existia uma segunda, que era votar em branco; uma
terceira era acatar sem nenhuma restrição a Lei. Contudo, o jornal não registrou a quarta e
predominante: participar, votar e eleger chapas de oposição à Lei Suplicy. Depois de
assembléias realizadas em diversas unidades, a maioria dos universitários optou por
participar criticamente do pleito eleitoral.
A Lei Suplicy era apresentada pelo Ministro da Educação enquanto favorável aos
estudantes. O discurso ameaçava aquele que não comparecesse ao pleito, ficando impedido
de prestar exames acadêmicos. No plano da representação coletiva, a falta do DA
significaria ausência de assento no DCE bem como impossibilidade de recebimento de
verbas oficiais e outros auxílios do governo
91
.
A situação descrita de divergências no ME ilustra os dilemas nacionais em relação
ao enfrentamento da proposta governista. Como já foi dito, a própria UNE tinha como
resolução boicotar as eleições. Somente no ano posterior, a entidade modificaria a
deliberação (Santos, 1980). No caso baiano, não seria arriscado dizer que a resolução
aprovada sugere um quadro da correlação de forças no interior do ME em termos de
influência das correntes políticas. No mínimo, podemos dizer que a Ação Popular uma
das defensoras do boicote às eleições não teve papel determinante na tomada da
resolução. De modo complementar, pode-se inferir a predominância do PCB defendia a
participação nas eleições oficiais , e setores de esquerda mais independentes em relação
às correntes políticas organizadas.
Abrindo um breve parênteses, é importante dizer que, enquanto se buscava
disciplinar o ME, continuava aberto o espaço para formas organizativas aparentemente
menos políticas, aos olhos do governo. É assim que se vê a realização de diversos
Encontros Nacionais de Área e Semanas de Curso. Exemplos neste sentido não nos
faltariam: Embaixada de Estudantes de Arquitetura da Universidade da Bahia para a ‘VII
Restaurante Universitário. Segundo a ATA CONSUNI 13/02/1968, eram servidas duas refeições para 1500
alunos. Este dado pode ser sugestivo da concentração estudantil que ocorria na Residência. Soma-se a isto a
efervescência política e cultural da Residência e o seu papel para o ME, seja em termos de mobilização, seja
em termos de ativistas engajados no ME e na esquerda. A propósito, é interessante uma pesquisa específica
sobre as origens sociais dos militantes do ME. Notamos que muitos dos estudantes mais engajados no ME
não eram oriundos de Salvador.
90
ATarde. 17/08/1965
91
ATarde. 10/08/1965.
63
Bienal’, em São Paulo
92
; III Semana de Geologia; Semana de Arquitetura etc. O papel
destes encontros para a organização do ME no pós-golpe é algo pouco pesquisado na
bibliografia sobre o ME
93
.
Retomando as polêmicas de enfrentamento da Lei Suplicy, cabe frisar que, no caso
da UFBA, a eleição oficial foi casada com o Plebiscito de natureza informal,
provavelmente - para os estudantes votarem se concordavam ou não com a Lei. Como já foi
observado, no plano nacional a Lei Suplicy teve foco inicial de resistência justamente de
setores que tinham apoiado o golpe e estavam à frente das entidades (Poerner, 1979;
Martins Filho, 1987). Em segundo lugar, não se deve esquecer que já se passara mais de um
ano do golpe de 64 e os militares não saíam de cena mostrando que, por trás do discurso de
garantia da ordem democrática, a prática sinalizava contornos de ditadura.
Neste sentido, a eleição deve ter sido marcada pelo debate nacional sobre a
atmosfera política que reinava no país. Se esse raciocínio for correto, a crítica à Lei Suplicy
canalizou a insatisfação de diversos setores com a ditadura e contribuiu para reorganizar o
ME local, voltando a sua direção política a ser de esquerda. Em alguns casos, onde houve
mais de uma chapa, é lícito supor que uma das chapas representasse a ‘situação’, ou seja,
defendia diretorias que foram instaladas pelo processo de intervenção, pós-golpe de 64.
Este parece ser o caso da Escola de Biblioteconomia - onde uma diretora do DCE
encabeçava uma das chapas e da Faculdade de Medicina. Nos dois primeiros casos, as
chapas de oposição foram vitoriosas.
Já em Odontologia, Farmácia, Enfermagem e Arquitetura houve chapa única. Em
todas estas, foram eleitos candidatos críticos à Lei Suplicy. No caso de Arquitetura, o
presidente eleito seria o futuro dirigente da UEB, no ano de 68. A existência predominante
de chapa única nas eleições sugere que os estudantes que assumiram o papel de
interventores não montaram chapas, seja porque não tinham representatividade no meio
estudantil; pelo fato de terem mudado de posição; ou por ter construído acordos na
construção das chapas; ou ainda em razão de estarem afastados do ME, por quaisquer
razões.
92
ATarde. 29/09/1965.
93
Em relação aos Encontros de curso e seu papel para a organização do ME na década de 70, ver Pelliciotta
(1997).
64
Ademais, segundo o Jornal da Bahia, em algumas unidades já haviam sido eleitos
DAs nos moldes previstos pela Lei
94
. Este parece inclusive ser o caso da Politécnica e do
DCE, haja vista que neste período estas entidades já tinham diretorias eleitas
95
.
No que diz respeito ao DCE, este assunto foi objeto de pauta em algumas reuniões
no Conselho Universitário. Alguns DAs elaboraram um estatuto, apreciado e votado pelo
Conselho Universitário. Por sua vez, esta instância também aprovou mudanças no
Regimento da Universidade para se adequar à legislação sobre a representação estudantil.
Vejamos:
Ao conselho universitário compete: s) escolher seu representante para acompanhar a eleição do DCE;
t) decidir sobre o acompanhamento, por um outro aluno, da representação estudantil quando se tratar
de assunto de interesse de um determinado curso ou seção; u) aprovar o regimento do DCE; v)
fiscalizar o DCE quanto ao cumprimento das disposições da Lei que disciplina os órgãos de
representação dos estudantes de ensino superior (lei 4464/64) e apurar as responsabilidades do reitor
por atos, omissão ou tolerância que permitirem ou favorecerem o não cumprimento de tais
disposições; x) deliberar no prazo de 30 dias sobre as representações feitas pelo DCE; e em grau de
recurso, obedecidos os mesmos prazos do parágrafo único do Artigo 16 da Lei 4.464/64, quando a
matéria de representação for relativa ao previsto no parágrafo 2 do artigo 73 da LDB; z) apreciar a
prestação de contas do DCE, ao término de cada gestão, com aplicação da providência do parágrafo 3
do artigo 12 da Lei n. 4464/64, quando for o caso. Artigo 38 São atribuições do Conselho de
Curadores: n) Deliberar sobre o recolhimento e destinação das contribuições aos estudantes ou de
quaisquer auxílios para o DCE, encaminhando os processos de prestação de contas acompanhados de
parecer; Art. 92 parágrafo 2 As atribuições do Diretório serão fixadas no seu regimento
previamente aprovado pela congregação, obedecidas as disposições da legislação específica; Art. 95
Ao DCE cabe: b) promover a aproximação e solidariedade entre os corpos discente, docente e
administrativo dos estabelecimentos de ensino superior; e) promover reuniões de caráter cultural nas
quais se exercitem os estudantes em discussões de termos doutrinários ou de trabalhos de observação
e de experiência social, sendo-lhe vedada sob as penas da lei, qualquer ação, manifestação ou
propaganda de caráter político-partidário, bem como, incitar, promover ou apoiar ausências coletivas
aos trabalhos escolares; h) manter serviços de assistência aos estudantes carentes de recursos; i)
94
Jornal da Bahia. 14/08/1965.
95
ATarde. 30/05/1965. Segundo a matéria, a chapa teria sido eleita em 24 de maio tendo como componentes
Juscelino Barreto dos Santos (presidente), Ivan Benedito Fonseca Ferreira, Valdemar da Rocha Santos,
Fernando Jorge Sarmento, Délcio Gama, Maria Lígia Alves de Souza, Robson da Silva Dória, Raimundo de
Melo Souza, Ovídio Batista Valadão Neto
65
realizar intercâmbio e colaboração com entidades congêneres; j) lutar pelo aprimoramento das
instituições democráticas
96
.
Estas passagens merecem dois comentários. Em primeiro lugar, mesmo o DCE
tendo sido eleito com base na legislação, sua diretoria tinha uma posição crítica. Ou seja,
apesar da divergência sobre a melhor tática a ser aplicada, havia unidade do ME no
combate à Lei Suplicy. Em sintonia com a dinâmica nacional, esta foi a principal energia
desencadeada em termos de reorganização do ME entre o pós 64 e o final de 1965. Os
efeitos foram positivos. Segundo um dos entrevistados:
Alguns DAs se enquadraram. Se alinharam ao DCE. Outros que não se legalizaram, se alinharam
com a UEB. Tínhamos diretórios legais e ilegais. Havia resistência porque tínhamos que aceitar
diversas exigências. Mas não forçamos a barra. Os DAs ilegais não podiam dialogar com a Reitoria.
Mas se mantiveram na luta
O segundo aspecto a ser destacado é o seguinte: não se deve pensar que os itens de
disciplinarização do DCE - presentes no regimento da universidade - foram aplicados ipsis
literis. Fiquemos apenas com um exemplo que comprova essa assertiva.
Já discorremos sobre a idéia de que a Universidade Brasília (UnB) poderia ter sido
vista como um exemplo ‘pedagógico’ de ação direta do governo violentando a autonomia
universitária. Passada a temporada de invasão no clima do golpe, houve um processo de
intervenção na universidade. O Reitor teria demitido 16 professores catedráticos; como
reação e solidariedade, outros 199 pediram demissão coletiva em solidariedade. A
universidade foi fechada (Cunha, 1989).
Para mostrar solidariedade ao corpo discente da UnB que protestava contra o
fechamento da instituição, os estudantes da UFBA realizaram uma assembléia geral na
Residência Universitária, precedida de reuniões em algumas unidades de ensino - o que nos
indica uma preocupação do ME em construir as mobilizações a partir das Faculdades.
Segundo a imprensa, a proposta aprovada foi a deflagração de uma greve de 48 horas.
96
ATA CONSUNI. 19/04/1965.
66
Desnecessário dizer que esta forma de luta - greve - feria o item e, presente no regimento da
universidade
97
.
Aliança entre secundaristas e universitários
Em 1966, a partir do Colégio Central, emergiu uma crise que repercutiria no ME da
UFBA. O conflito teve início com a proibição efetuada pela Direção do Colégio em relação
à encenação da peça ‘Aventuras e Desventuras de um Estudante’, escrita por Carlos Sarno
aluno do colégio. A proibição vinculava-se à idéia de que a montagem teatral era uma
ação provocada por “profissionais da bolchevização”, tendo em seu conteúdo mensagens de
ridicularização do Colégio e seu professorado. Estes “profissionais” seriam um grupo
minoritário e à parte da imensa maioria dos estudantes. Esta foi a linha discursiva adotada
pelo Diretor da Escola
98
. O tempo se encarregaria de mostrar o equívoco desta
interpretação...
A direção da escola nomeou Comissão de Inquérito. Suspendeu alguns membros do
grupo. Fez contatos amplos e até a Secretaria de Segurança Pública buscou intermediar a
situação, ‘aconselhando’ os estudantes a voltarem atrás das suas intenções.
A iniciativa da peça partiu de um grupo estudantil ligado ao PCB
99
. A peça teria
sido ensaiada no Mosteiro de São Bento
100
. Os estudantes entraram em greve contra a
proibição da peça e a suspensão de sete colegas.
Em 03/06/1966, o editorial do ATarde diagnosticou que “os inimigos do regime não
estão de braços cruzados”. Que se aproveitavam da falta de diálogo entre o Governo e os
estudantes para insuflá-los, transformando-os em “testas de ferro”. A matéria concluía que
“o mal deve ser debelado a tempo e pela raiz”. Leia-se: descobrir quem estava por trás das
manifestações e excluí-los do convívio com os outros colegas. Quanto a estes, deveriam
97
Lembrando, “ promover reuniões de caráter cultural nas quais se exercitem os estudantes em discussões de
termos doutrinários ou de trabalhos de observação e de experiência social, sendo-lhe vedada sob as penas da
lei, qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, bem como, incitar, promover
ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”. Grifo nosso.
98
Cf. ATarde. 02/06/1966.
99
Eram membros de uma Dissidência Estudantil do PCB. Sem entrar no mérito do conteúdo da proposta, este
exemplo mostra a importância dada por este agrupamento à construção do trabalho cultural, seja para disputa
política na sociedade, seja com fins de fortalecimento da organização no ME, incluindo o recrutamento de
estudantes para suas fileiras.
100
O Mosteiro constituir-se à num importante território de resistência do ME durante estes anos.
67
partir para um diálogo fraterno “com os seus mestres, com as elites culturais e com o
próprio governo”
101
. Embora parta de uma premissa equivocada a idéia de que um
pequeno grupo agitava e manipulava a maioria dos estudantes -, o jornal parece antever o
barril de pólvora prestes a explodir com o prolongamento da crise...
Mostrando a existência de pontos de confluência entre secundaristas e
universitários, houve a tentativa de encenação da peça na Residência do Universitário. A
escolha do local pode sugerir que as lideranças do ME nutriam uma expectativa de que o
espaço da universidade era inviolável pelas forças repressivas. Independente do local,
podem ter havido diversas motivações para o Ato, umas entrelaçadas às outras
102
: a) o
potencial daquele episódio enquanto fator de reaglutinação do ME contra a ditadura; b) a
curiosidade em assistir a peça, somado à aventura e ao desafio às autoridades; c) indignação
com a repressão e defesa da liberdade de expressão.
Aos olhos do governo, a possibilidade da peça ser encenada parece ter sido vista
como uma tentativa dos estudantes desmoralizá-lo. O resultado foi que a repressão agiu:
utilizou seis carros da Rádio Patrulha, dois caminhões repletos de soldados e invadiu o
local. Jovens foram espancados. O clima foi tão tenso que, segundo um jornal, a certa
altura, o vice-governador passava por acaso pelo local e tentou mediar a situação, sendo
desrespeitado por alguns policiais
103
.
Além de possivelmente ter gerado conflitos entre esferas internas ao governo, esta
ação policial causou indignação em alguns intelectuais. Em texto enviado ao Jornal da
Bahia, Jorge Amado expressou “solidariedade aos estudantes vítimas da violência policial
quando exerciam uma atividade cultural e meu protesto indignado contra a ação da Polícia
trazendo à Bahia o clima de terrorismo cultural que reina no País, envergonhando nossas
tradições de civilização”
104
.
A situação iria radicalizar-se. Um dia depois, os estudantes realizaram um outro Ato
em frente à Reitoria da universidade protestando contra a proibição da peça e os últimos
incidentes com a Polícia. O trânsito ficou lento nas ruas próximas ao evento. Neste ínterim,
o Ministro das Relações Exteriores, Juraci Magalhães, estava num carro, ‘preso’ no
101
ATarde. 03/06/1966
102
Neste caso, Ato refere-se à tentativa de encenação da peça na Residência Estudantil.
103
ATarde. 04/06/1966
104
Jornal da Bahia. 05-06/06/1966
68
engarrafamento. Alguém mais atento deve ter visto a cena. A notícia espalhou-se e alguns
estudantes começaram a vaiar o Ministro. Dotado de um temperamento bastante reativo,
segundo um participante à época, o Ministro saiu do carro e, junto com o Coronel Mansur -
seu segurança -, trocou insultos com os estudantes. Mostrou-lhes o gestual de uma banana,
conforme um dos entrevistados
105
. No meio da confusão, ‘choveu pedras’ sendo que uma
destas atingiu em cheio o rosto do Coronel Mansur, que foi levado ao Pronto-socorro.
Enquanto isso, os estudantes se dispersaram antevendo o tamanho do problema em
que haviam se metido e reaglutinaram-se na Residência do Universitário. Horas depois,
chegaram vários agentes do DOPS, Polícia Civil e Exército para fazer diversos
interrogatórios. Segundo um entrevistado,
este ato nos valeu 6 inquéritos policiais-militares. Na qualidade de presidente do DCE, por pouco não
me responsabilizaram pois, à época, estava num Congresso fora do Brasil e tive que provar esta
situação. Fui submetido a vários interrogatórios. Eles queriam saber os responsáveis. Negava que não
conhecia ninguém.
Dias depois, o governo emitiu nota pública:
O Governo do Estado, através da Secretaria da Segurança Pública, tendo em vista os acontecimentos
últimos, verificados no meio estudantil, com possibilidades de novas crises e perturbação da ordem,
torna público estarem terminantemente proibidas manifestações de rua, passeatas, agrupamentos em
frente a estabelecimentos de ensino ou próprios da Universidade e Colégios e Ginásios estaduais,
vendo-se na contingência de usar de medidas enérgicas na hipótese de transgressão a essas
determinações.
106
A repressão cultural à peça provoca protestos de diversos setores. Em 07/06/1966,
intelectuais baianos divulgaram um Manifesto a favor da encenação da peça:
Os intelectuais, artistas e jornalistas, abaixo-assinados, manifestam integral e irrestrita solidariedade
aos estudantes do Colégio estadual da Bahia, em busca de liberdade cultural para o funcionamento
normal e isento de censuras dos grupos artísticos daquele estabelecimento. A liberdade de expressão,
e só ela, oferece os meios pedagógicos que possibilitam o desenvolvimento da faculdade criadora e
105
Segundo o entrevistado, esta cena ganhou registro fotográfico publicado num jornal do Rio de Janeiro.
106
ATarde. 06/06/1966
69
os meios legítimos de despertar as consciências e a inteligência. Uma arte censurada, sob que
pretexto fôr, além de violentar um preceito constitucional, é uma das formas características de
terrorismo cultural, contrário às normas democráticas.
Esperamos que as autoridades educacionais encontrem uma solução para o problema, atendendo às
justas reivindicações culturais dos estudantes da Bahia.
107
Já a Reitoria da universidade, em sessão extraordinária do Conselho Universitário,
divulgou a seguinte Moção:
O CONSELHO UNIVERSITÁRIO, sob a presidência do MAGNÍFICO REITOR MIGUEL
CALMON, reunido em sessão extraordinária, lamenta os acontecimentos recém-verificados e se
empenha em que sejam sempre salvaguardados pela necessária compreensão os superiores interesses
da comunidade.
Cidade do Salvador,
4 de junho de 1966 .
108
O fato repercutiu também na Assembléia Legislativa. Houve uma moção de
solidariedade e desagravo ao Chanceler. Ao encaminhar a matéria, um deputado disse que
“é bem verdade que entre os manifestantes, havia muitos jovens sem nenhum
comprometimento com a mazorca anterior a 64, mas é que nos instantes de agitação os
profissionais da desordem sabem se infiltrar entre os que manifestam sinceramente os seus
sentimentos”
109
. Aqui reproduz-se mais uma vez o discurso de que os protestos eram ‘coisa
de subversivos’...
Salvo este último exemplo, amplos setores da sociedade baiana expressaram
indignação com a repressão ao ME. Esta atmosfera política contagiou mais ainda os
estudantes. Não foi à toa que eles realizaram assembléia universitária e declaram greve de
48 horas “em solidariedade aos secundaristas e em protesto à agressão sofrida quando
consentiram a encenação da peça no restaurante universitário”
110
.
Mas, afinal de contas, teria esta peça algum ‘teor subversivo’? Parece-nos que não.
Talvez seja um exemplo bastante emblemático da ‘paranóia da subversão’ que tomou conta
107
Jornal da Bahia. 07/06/1966.
108
Jornal da Bahia. 05-6/06/1966.
109
Jornal da Bahia. 08/06/1966
110
ATarde. 08/06/1966.
70
das autoridades estaduais. Essa reação está sintonizada com a ‘lógica da suspeição’
presente nos membros da polícia, onde qualquer iniciativa que conflitasse com a ordem
vinda das autoridades era vista como ‘coisa de subversivos’ que poderiam ‘enfeitiçar’
outros setores (APERJ, 1996).
Quanto ao seu efeito, é o primeiro exemplo daquilo que podemos chamar de
‘dialética repressão-resistência’
111
. Ou seja, a atitude da direção em não permitir a
encenação da peça, aguçou os ânimos dos secundaristas; construiu-se, então, uma aliança
com os universitários; estimulou a solidariedade de intelectuais a favor da liberdade de
expressão; sensibilizou professores e dirigentes universitários; ampliou a base de apoio à
mobilização entre os estudantes e contribuiu para a reaglutinação do ME em Salvador, em
termos de ação de rua. Até então, não identificamos nenhum registro na imprensa
noticiando manifestação pública na Bahia contra o regime militar. Em contrapartida, a
repressão à peça foi o primeiro ato organizado da repressão contra o ME após o golpe
militar (Castro de Araújo, 1998).
No mais, a invasão da residência estudantil constituiu-se em um atentado à
autonomia universitária. Por um lado, a nota de desagravo aprovada pelo Conselho
Universitário praticamente silenciou em relação ao ME. Por outro lado, a Reitoria não
emitiu nenhum comentário oficial acerca da invasão do Restaurante e, portanto, da violação
do espaço universitário por policiais.
Anuidades em pauta
Um outro foco de tensão impulsionaria diversas mobilizações. O governo ventilou
instituir a cobrança de anuidades nas universidades. Houve reação estudantil em diversos
estados. Este foi o principal marco da reorganização do ME na cena pública, em nível
nacional (Martins Filho, 1987). No Rio e São Paulo, os estudantes foram às ruas, sendo
duramente reprimidos. Além disto, o DOPS paulista prendeu 178 estudantes que tentavam
realizar o Congresso da União Estadual dos Estudantes/SP, na Faculdade de Engenharia
Industrial.
111
Contudo, para o estudo que estamos fazendo, esta formulação não deve ser vista de modo linear e
automática. Em determinado momento, a repressão praticamente anulou a resistência, conforme
demostraremos posteriormente.
71
Talvez como prenúncio dos protestos que viriam a ocorrer depois deste episódio, o
Editorial do Jornal da Bahia comentou o fato. O argumento central foi criticar a
interpretação distorcida por parte do governo acerca do protesto universitário, qual seja, a
noção segundo a qual estas ações seriam resultado de ‘infiltração de comunistas e
subversivos’. Concluiu-se que era fundamental a disposição do governo para o diálogo e o
entendimento
112
.
Antevendo o clima político de efervescência, o Ministro da Educação emitiu
circular para as universidades chamando atenção para o papel dos Diretores e Reitoria na
manutenção da ordem, enquanto pré-requisito para a garantia da ‘autonomia universitária’
leia-se ‘a não intervenção direta dos militares na instituição’. Vale a pena reproduzi-la:
Tendo em vista a atual inquietação estudantil, lembro a vossa magnificência que, de acordo com a
legislação vigente, cabe às Universidades e Diretores de Unidades a manutenção da ordem escolar.
Recomendo, assim, suas providências no sentido de chamar a atenção dos Diretores para a
necessidade de manter a regularidade dos trabalhos escolares, impondo-se uma atuação junto aos
estudantes, persuadindo-os a permanecer em aulas, assegurando a normalidade da vida estudantil.
Lembro ser ilegal qualquer movimento de greve por parte dos estudantes e esclareço que o artigo 17
da Lei n. 4464, de novembro de 1964, prescreve incorrerem os Diretores de escolas ou Reitor de
Universidade em falta grave se por atos, omissão ou tolerância permitirem ou favorecem [favoreçam]
o não cumprimento da referida Lei. O Governo confia na ação de Vossa Magnificência no sentido de
ser respeitada a legislação vigente e a salvaguarda da autonomia universitária
113
.
Não devemos tomar ao pé da letra a assunção pelas Reitorias da orientação emanada
pelo governo. No caso da UFBA, parece que o Conselho Universitário foi heterogêneo
fazendo-nos pensar que o ME construía algumas alianças. Não sabemos ao certo se era
intencional e planejada; mas havia uma política de manter diálogo com o Reitor e, pelo
menos, evitar conflito aberto com os Diretores de Unidades.
Três exemplos mostram o resultado e força dessa assertiva. O primeiro diz respeito
ao Congresso da UEB - ocorrido na Residência do Universitário. A sua realização num
território da universidade mostra, no mínimo, que não havia tanto controle e vigilância por
parte da Reitoria. Este evento deliberou idéias e proposições que ganhariam força material
112
Jornal da Bahia. 09/09/1966.
113
Jornal da Bahia. 17/09/1966.
72
dias depois. Aprovou-se deflagrar uma Greve de 48 horas contra a cobrança de
mensalidades e em protesto à violência policial cometida contra estudantes do Sul do país.
No dia em que esta proposta foi votada, a Polícia agrediu um estudante que se
encontrava em frente à Residência do Universitário. Parece que havia um grupo reunido e
a Polícia foi dispersá-lo. Enquanto hipótese, este exemplo pode ser sugestivo do clima de
vigilância policial em relação à possibilidade de realização do Congresso e suas
implicações ‘subversivas’. Por outro lado, pode ser demonstrativo da ineficácia da ação
policial repressiva de natureza preventiva
114
, haja vista que o Congresso já teria sido
encerrado.
O episódio da agressão constituiu-se no segundo exemplo que caracteriza o
Conselho Universitário como heterogêneo no plano político. Na reunião do Conselho, Saul
Quadros, presidente do DCE, fez o seguinte registro:
Houve uma prisão de estudante, antecipada de espancamento. Telefonamos ao Prof. Thales e S. Exa.,
prontamente levando o nosso pedido até o Secretário da Secretaria de Segurança Pública,
providenciou de imediato a soltura do rapaz que não tinha nada a ver com o movimento estudantil.
Em nome do DCE, o Prof. Thales de Azevedo lá esteve conversando com o Secretário Rui Pessoa e
o rapaz foi imediatamente liberado, antes mesmo das providências que foram tomadas pelo
Magnífico Reitor Miguel Calmon
115
.
Num outro sentido, esta mesma Ata apresenta um exemplo diverso, em termos de
relação dos estudantes com os diretores de unidade. O Conselheiro Magalhães Neto
reclamou que “elementos [...] procuraram o meu carro, esvaziaram os pneus, furaram um
deles, sujaram todo o carro dando-me uma despesa posterior [...]. E sobre a carroceria do
meu carro havia inscrições a tinta de “Abaixo a ditadura”, “Fora os Gorilas” e coisas
semelhantes”.
116
O último exemplo versa sobre uma reunião ocorrida na Escola Politécnica entre o
Diretor e os alunos calouros. Organizada pelo Diretor com o propósito de deslegitimar o
Diretório perante os novos estudantes, esta reunião foi alvo de críticas por parte do
representante estudantil. Para expressar sua indignação, ele fez questão de solicitar o
114
A respeito ver Brepohl de Magalhães (1997).
115
ATA CONSUNI. 30/09/1966.
116
ATA CONSUNI. 30/09/1966.
73
registro em Ata do seu ‘voto de pesar’ pela atitude do referido diretor. Na reunião seguinte,
a pedidos de outros diretores, ele retirou o protesto embora tenha registrado a crítica.
Voltando ao Congresso Estudantil, seguindo orientação da UNE de registrar o 22 de
setembro como o Dia Nacional Contra a Ditadura, uma resolução importante foi aprovar a
realização de uma passeata. Diante da publicização da resolução, a Secretaria de Segurança
Pública não ficou passiva:
A Secretaria de Segurança Pública tendo em vista a divulgação da notícia da realização amanhã, dia
22, de uma passeata sem permissão legal, cumpre o dever de tornar público que não permitirá a
referida passeata. A Secretaria de Segurança Pública faz um apelo às famílias baianas e, sobretudo,
aos estudantes, que tão bem se têm conduzido com disciplina e alto espírito de compreensão, para
que não se deixem envolver em manifestações que visam, exclusivamente, perturbar a tranquilidade
e a ordem pública
117
.
Como se observa pelo teor da nota, a Secretaria de Segurança tratava o problema
como questão de polícia ordem pública. Apelava para as famílias não permitirem a ida
dos seus filhos. Todavia, não iria surtir maiores efeitos esta nota. Talvez tenha amedrontado
alguns estudantes; estimulado conflitos familiares; ou aguçado ânimos estudantis com a
possibilidade de um confronto. Do ponto de vista da polícia, quem sabe seu principal
objetivo não teria sido antecipar um argumento perante a opinião pública para justificar a
violência contra os estudantes?
Interrogações à parte, no dia anterior à passeata, o clima soteropolitano era de
apreensão. Enquanto a SSP estava em prontidão informando colocar 1000 homens contra a
passeata e a Polícia tomava providências anunciando - sem nenhuma reserva - infiltrar
investigadores no meio da concentração, os estudantes se reuniam na Faculdade de
Filosofia da UFBA. Repleta de cartazes com dizeres alusivos ao Governo, esta seria a sede
do ‘Comando Geral da Greve’. Estas mensagens seriam consideradas ofensivas por
policiais. Sobre esta questão, há um registro a ser feito, menos pela relevância do fato em si
e mais para apontar um outro exemplo que mostra distintas linhas de cobertura jornalística
em relação a certos acontecimentos. Ilustremos:
117
ATarde. 21/09/1966.
74
[Depois de colocar cartazes de protesto na Faculdade] Ao fim da tarde, apareceu uma viatura da
Rádio Patrulha, que retirou todos os cartazes, gerando-se um pequeno conflito com os estudantes,
logo serenado. Quando os policiais se foram, os universitários confeccionaram novos cartazes,
pregando-os no muro externo da Faculdade de Filosofia.
118
Ainda ontem a polícia esteve no prédio da Faculdade de Filosofia e pediu aos estudantes que
retirassem da fachada da escola uns cartazes com dizeres políticos. Os universitários acataram a
ponderação dos policiais e resolveram colocar os cartazes no interior do prédio.
119
Independente do grau de ‘generosidade’ da imprensa em relação à ação policial na
Faculdade de Filosofia, cabe frisar que no outro dia as coisas iriam se radicalizar. A
passeata dos estudantes foi duramente reprimida. Conforme anunciado, a polícia teria
infiltrado diversos investigadores entre os estudantes, ao mesmo tempo em que garantiu
intenso cerco aos manifestantes. A tentativa do ME em driblar a polícia não deu certo. O
Capitão Etienne, famoso pela dureza no combate ao ME, mais uma vez comandou a
operação.
Os confrontos teriam começado após a realização de um Comício-relâmpago
concentração de estudantes e ‘agitação’, seguida de rápidas falas e palavras de ordem e
dispersão, para evitar a vinda da repressão. Segundo a imprensa, cerca de 20 estudantes
foram presos, três ficaram feridos por cassetetes e um a bala
120
.
Durante os enfrentamentos, houve reação estudantil com pedradas. Em situação de
combate desproporcional, muitos estudantes buscaram refúgio no Mosteiro de São Bento.
Mostrando um pouco do endurecimento do regime e da intolerância em relação ao ME, os
policiais dispararam tiros contra a Igreja.
A repressão policial e a ação no Mosteiro causariam indignação em diversos setores.
O Prior D. Jerônimo fez inferências junto às autoridades solicitando providências. O Reitor
Miguel Calmon, o Diretor da Faculdade de Medicina, Prof. Jorge Novis, e um representante
do governador foram algumas das autoridades que prestaram solidariedade a D. Jerônimo.
118
Jornal da Bahia. 22/09/1966.
119
ATarde. 22/09/1966.
120
Jornal da Bahia. 23/09/1966
75
Um casal da alta sociedade baiana teria expresso sua revolta nas páginas do Jornal
da Bahia
121
. Também o episódio mereceu críticas de alguns Vereadores. Além disto, um
dos estudantes feridos era do Recife e estava participando do VI Congresso de Arquitetos
que aprovou a seguinte Moção:
Nós, estudantes de Arquitetura do país, participando nesta capital do VI CONGRESSO
BRASILEIRO DE ARQUITETOS, manifestamos a Sua Excia., Senhor Governador do Estado da
Bahia, nossa estranheza com os fatos hoje ocorridos, onde se evidenciou mais um aspecto da
repressão existente no país às manifestações da opinião e pensamento.
Como Delegação Cultural que somos, preocupados com a solução dos graves problemas nacionais e
abertos a um debate sério com as autoridades, não concordamos com nenhuma tipo de discriminação
de qualquer diálogo e que contra os argumentos da razão seja usada a solução simplista e negativa da
força bruta
122
.
Ultrapassando o âmbito estudantil, estes fatos causaram indignação também em
professores da universidade que, até aquele momento, estavam em silêncio público.
Vejamos:
Os professores da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia, infra-assinados,
preocupados, como não podiam deixar de estar, com a situação reinante nos meios estudantis, julgam
de seu dever dirigir uma palavra de compreensão e de advertência a essa juventude, por cujo destino
têm uma grande parcela de responsabilidade.
Palavra de compreensão de referência às suas elevadas preocupações, aspirações e objetivos.
Palavra de advertência, para que não permitam o desvirtuamento das suas atividades por pessoas e
para finalidades contrárias aos seus nobres ideais e sentimentos.
Como professores universitários têm perfeita consciência da gravidade do momento nacional, e estão
dispostos a contribuir no quanto estiver ao seu alcance para a superação da crise com a recondução
do País aos seus legítimos destinos históricos, em concordância com a sua tradição democrática.
Declaramos e, por isso mesmo, identificados com as aspirações nacionais das quais a mocidade
estudantil é das mais fiéis expressões, e ao mesmo tempo, confiamos na normalização da vida
brasileira, conclamando as forças vivas da nacionalidade a unirem os seus esforços nesta luta.
Esperam, por último, possam suas atividades voltar a se desenvolver num clima de tranquilidade
indispensável ao pleno rendimento da vida universitária.
Salvador, 26 de setembro de 1966.
121
Jornal da Bahia. 23/09/1966.
122
Jornal da Bahia. 23/09/1966.
76
Renato Mesquita, Nelson Rossi, Suzana Aline Marcelino da Silva, Istvan Jancsó, Jacyra Mota,
Leopoldo Roberto M. de Carvalho, Nadja Andrade, Vera Lúcia Rollemberg, Carlota da Silveira
Ferreira, Perseu Abramo, Judith Freitas, Maria Angélica de Mattos, João Mendonça, Álvaro Ramos,
Maria da Conceição Paronhos Brandão, Vera Nívea Bittencourt Andrade, Eveline Correia
Gonçalves, Thalles de Azevedo, Luís de Moura Bastos, Maria Luígia Magnavita Galeffi, Josephina
Barleta, Aurélio Laborda, Nilton Vasco da Gama, Mariaugusta Rosa Rocha, Raul da Costa e Sá, José
Calasans, João Antenor de Carvalho Silva, Júlia Conceição Fonseca Santos, Florisvaldo Matos, “com
protestos contra os espancamentos de que foram vítimas estudantes em praça pública”, Celeste Ainda
Galeão, Antonieta Carvalho, Maria ª Brandão, Milton Caires de Brito, Adroaldo Machado, Álvaro
Andrade de Menezes, Auto de Castro “sem palavras de advertância”, Maria Luíza Medeiros
Guimarães, Mercedes Cunha de Mendonça, Vivaldo Costa Lima.
123
.
Compreendendo que aquele Manifesto rompia o silêncio de algum tempo, os
estudantes reunidos em Assembléia Geral na Faculdade de Filosofia aprovaram uma Moção
de Aplauso à atitude dos professores. O seu conteúdo expressa bem o significado daquele
gesto simbólico dos docentes: “A Assembléia Geral dos Universitários da Bahia, reunida na
Faculdade de Filosofia Federal, no dia 27/09/1966, vem neste momento apresentar uma
moção de aplausos à atitude desassombrada dos Professores desta Faculdade pelo
Manifesto lançado em solidariedade à nossa luta”
124
.
Houve ainda um outro texto que foi divulgado. Desta vez, oriundo de Professores da
Escola de Administração:
Os professores abaixo-assinados, da Escola de Administração da Universidade da Bahia, julgam de
seu dever aduzir sua voz a dos que já se manifestaram sobre a situação reinante nos meios estudantis.
Bem compreendem os professores, os altos ideais e os nobres objetivos que têm animado os
estudantes brasileiros. Lamentam e rejeitam as violências que têm sido cometidas na repressão às
manifestações e reivindicações de estudantes universitários e secundários. E, embora cientes da
delicada situação que o Brasil ora atravessa, não podem deixar de manifestar sua disposição de
cooperar com a mocidade estudantil na busca de soluções que permitam superar a atual crise e
recolocar o país na sua trajetória histórica para ao desenvolvimento através de caminhos
democráticos.
Por isso tudo declaram-se os professores, abaixo-assinados, identificados com as preocupações e as
aspirações brasileiras que os estudantes têm procurado expressar.
123
Jornal da Bahia. 27/09/1966.
124
Jornal da Bahia. 28/09/1966.
77
Ivan Maia Fachinetti, Jorge Hage Sobrinho, José Dantas Meireles, Fabrício Soares, Perseu Abramo,
Rômulo Galvão, Margarida Costa Batista, Manoel Joaquim Barros Sobrinho, Fernando Freitas,
Arlindo Brasil Senna, Benedito Brito e Vital da Silva Duarte
125
.
Uma nota foi publicizada. Neste caso, os signatários eram nomes de expressões
artística:
Escritores, artistas, intelectuais sem outros compromissos que os da afirmação e defesa dos direitos
humanos queremos exprimir, acima de quaisquer diferenças de idéias, nossa mais firme e irrestrita
solidariedade aos estudantes baianos que, no exercício pacífico da manifestação de seu pensamento,
foram brutalmente agredidos e feridos pela polícia.
Walter da Silveira crítico, Jorge Amado escritor, Floriano Teixeira pintor, jenner Augusto
pintor, Lênio Braga pintor, Mrabeau Sampaio escultor, Genaro de Carvalho tapeceiro, Haroldo
Cardoso diretor teatral, Martha Overbeck atriz, Jairo Roberto Bamberg ator, Paula Martins
atriz, José Raimundo ator, Maria Manuela, atriz, Ariovaldo Matos jornalista, Carlos Libório
jornalista, Maria Adélia M. de Araújo atriz, Orlando Sena jornalista, Adelmo Oliveira poeta,
Alberto Luís Viana ator, Joselito de Abreu jornalista, J. C. Teixeira Gomes jornalista, Newton
Sobral jornalista, Alberto Silva jornalista, Florisvaldo Matos poeta, Hellington Rangel
jornalista, Marcos Santa Rita escritor, Lázaro Guimarães jornalista, Hélio Mendes jornalista, J.
Lopes da Cunha jornalista, Solon Barreto jornalista, José Luiz Penna ator, Rosa Costa atriz,
Roberto Santara ator, Luiz C. Laborda ator, Yumara Rodrigues atriz, João Augusto diretor
teatral, Othon Bastos ator, Mário Gusmão ator, Fernando Rocha jornalista, Regina Ribas
jornalista, Antonio José (Tom Zé) músico, Soane Ninck atriz, Almir Fonseca Filho poeta.
126
No clima do fato político criado, algumas lideranças estudantis aproveitariam a
oportunidade também para desgastar a imagem do Capitão Etiene. Dias depois do
acontecido, em audiência com o Secretário de Segurança Pública - Bel. Rui Pessoa - teriam
sugerido um exame de sanidade mental para o Oficial. Segundo o Jornal da Bahia, um dos
estudantes se prontificou a “ficar o resto da vida numa solitária, se não ficasse comprovado
ser o policial um psicopata”
127
. Talvez isto tenha sido mera chacota. Mas pode-se pensar
125
Jornal da Bahia. 29/09/1966.
126
Jornal da Bahia. 28/09/1966.
127
Jornal da Bahia. 25-6/09/1966.
78
que por trás da declaração, tivesse imbuída uma intencionalidade política para buscar
‘isolar’ o Oficial da SSP, estimulando divisões internas na polícia
128
.
Estas declarações devem ser exploradas. Elas mostram as diversas frentes e formas
de luta de atuação do ME. Por um lado, as ‘lideranças’ dialogavam com a secretaria de
Segurança Pública, manifestando suas críticas em relação à atuação da polícia militar,
particularmente à ordem de comando do oficial. Por outro lado, reconhecendo a
responsabilidade maior nas mãos do Secretário, enviaram um “memorial à Ordem dos
Advogados denunciando o Bel. Rui Pessoa por ter transgredido, segundo alegam, com
agravantes, várias leis constitucionais e artigos do Código Civil, ao comandar a ação
policial que dissolveu a passeata estudantil”
129
. Sob outro ponto de vista, o mesmo ME
usava de meios legais ao mesmo tempo em que não se subordinava a algumas destas leis,
numa combinação de ação legal e ilegal. O exemplo mais latente refere-se como já foi
sublinhado à tática utilizada em relação à Lei Suplicy.
Após o desgaste político da ação policial em nível de opinião pública, e em sintonia
com a proposta feita pela UNE de fim da greve, os estudantes ratificaram a sugestão, depois
de galgar terreno social neste embate. Podem ter perdido no confronto direto. Contudo,
politicamente, ampliaram a sua rede de aliados na intelectualidade e, principalmente, junto
a professores da universidade.
Concordamos com a interpretação segundo a qual este período marca um ‘ciclo de
protesto universitário’ (Martins Filho, 1987). Ou seja, ocorrem mobilizações em cidades
como Belo Horizonte, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Salvador.
Seu aspecto central é a luta anti-repressiva, demonstrando o efeito aglutinador da
solidariedade contra a violência policial cometida contra os estudantes. Obviamente, tudo
isto enquanto aspectos da mobilização contra a ditadura.
128
Uma outra indagação pode ser feita: não seria ingenuidade responsabilizar um Oficial pela repressão? Por
que não tecer uma crítica ao Governador?
129
Jornal da Bahia. 25-6/09/1966.
79
Lei Orgânica e Reforma Universitária
No início da década de 60, a UNE realizou dois Seminários envolvendo estudantes
de todo o Brasil para debater a situação do ensino superior
130
. Nestes eventos, os
universitários delinearam uma crítica à universidade brasileira, considerada arcaica e
elitista e, dentre outros, aprovaram a luta pelo fim da cátedra vitalícia, mais verbas para a
instituição, democratização do acesso à universidade daí a luta por mais vagas e uma
campanha reivindicando aumentar a participação dos estudantes nas esferas decisórias da
mesma (Fávero, 1995). Um dos desdobramentos verificados foi a deflagração da greve
nacional almejando 1/3 de participação discente nos órgãos dirigentes da universidade.
Mesmo sendo derrotado na sua reivindicação imediata, o ME constituiu-se no principal
protagonista da Reforma Universitária - bandeira nunca dissociada da luta pelas reformas
de base.
Depois do golpe de 64, por conta da repressão nacional que se abateu sobre os
estudantes, e da entrada em cena de novos atores políticos - os militares -, pode se afirmar
que o ME foi para a defensiva política (Silva, 1989), perdeu a iniciativa e colocou outras
questões na sua agenda a defesa da UNE, a luta pela preservação da sua autonomia e
contra a repressão.
Deste modo, com o golpe de 64 “a pressão pela Reforma Universitária acaba sendo
assumida pela própria Instituição (Universidade) e pelo Governo, alterando o conteúdo
proposto pelos estudantes no seu movimento” (Martins, 1976, p 119). É desse modo que,
focalizando o caso da Universidade baiana, em reunião do Conselho Universitário ocorrida
em setembro de 1965, o Reitor Miguel Calmon
[...] deu conhecimento à Casa da visita feita à universidade pelo Professor Rudolf Atcon,
personalidade que se dedica ao estudo do planejamento universitário e que tem cooperado muito com
a CAPES e outras universidades sul-americanas. Informo que o mencionado Professor estabeleceu
debate aqui com várias comissões organizadas pela Reitoria e teve ocasião de expôr as suas idéias.
Que, de referência à parte administrativa, se verificou que faltava uma coordenação, tendo o
Professor Atcon sugerido a contratação de uma firma especializada ou pessoa especializada em
130
A íntegra das resoluções da UNE pode ser vista em Fávero (1995), na seção Anexos.
80
organização administrativa que pudesse dar o toque final que a universidade está a reclamar. O
conselho aprovou a sugestão do Magnífico Reitor
131
.
O Professor Rudolf Atcon era um técnico estadunidense da Agency for International
Development (AID) e da United States Agency for International Development (USAID).
Ambas as instituições eram instrumentos de “infiltração imperialista” (Silva, 1989, p 137).
Antes de sua estada pelo Brasil, o professor Atcon já tinha escrito o relatório “The Latin
American University”, posteriormente adotado como manual para a atuação da USAID na
América Latina. Chegando ao Brasil, ele visitou várias universidades e elaborou o
documento “Rumo à reformulação estrutural da universidade brasileira”. Publicado em
1966, o documento ficou conhecido como Relatório Atcon e apontava diretrizes para o
ensino superior. No que diz respeito à USAID, era uma agência diplomática para tratar de
assuntos educacionais. Vários acordos foram fechados entre o MEC e a USAID
132
. A partir
de 1967, além de denunciar a “infiltração imperialista” presente nos Acordos, os estudantes
criticariam a tentativa de transformar as universidades em fundações, instituindo a cobrança
de anuidades.
Entretanto, ainda em 1966, como se depreende da observação do Reitor Miguel
Calmon, parece que o “técnico” Atcon encantou alguns membros da universidade
plantando algumas sementes para a reestruturação da instituição... Meses depois, este tema
ganharia outras observações do Magnífico Reitor:
[...] que era seu desejo trazer ao conselho o projeto referente à Reforma da universidade para que
pudesse, então, encaminhar ao BID o pensamento da universidade da Bahia a respeito daquilo que
pretende ser a sua política de reformulação. [...] Que, contudo, a comissão encarregada de estudar a
131
ATA CONSUNI. 29/09/1965.
132
Segundo Martins Filho (1987, p 130), “os acordos MEC-USAID inseriam-se numa longa tradição de
‘colaboração técnica’ entre o Brasil e os Estados Unidos da América, que remonta ao pós-45. Até 1956, no
entanto, os convênios assinados se restringiram ao fornecimento de assessoria e equipamentos no setor do
ensino técnico. No Governo Kubitschek, a influência americana ampliou-se a projetos no ensino elementar.
Na década de sessenta, após a vitória da Revolução Cubana, o Departamento de Estado dos EUA mostrou
renovado interesse em implementar acordos mais abrangentes. Entretanto, a crise do Governo Goulart fez
com que, mesmo assinados, esses convênios permanecessem letra morta. Com o golpe de 64, a situação
alterou-se significativamente e logo se retomaram os entendimentos com a USAID. A série de acordos
assinados entre 1964 e 1966 é que passou a ser conhecida como os Acordos MEC-USAID”.
81
matéria ainda não chegou a uma conclusão definitiva, uma vez que o conselheiro Thales de Azevedo
apresentou um interessante trabalho que terá de ser discutido pelos seus componentes
133
.
[...] fomos informados que haveria possibilidade de recebermos assistência técnica para o
planejamento e organização da universidade no campo administrativo, de organização e de estrutura
do campus, por parte da USAID. Em face dessa possibilidade manifestamos interesse e virá dos
Estados Unidos uma missão composta de membros de universidades, missão essa que resolveu tomar
a si o encargo desse problema, de dar à universidade uma cooperação no sentido da organização
administrativa
134
.
[...] para mim, as universidades federais só terão condições de funcionamento no dia em que se
constituírem em fundação. Aí, então, terão liberdade, inclusive de obter recursos de outras fontes
135
.
[...] a primeira coisa a ser feita é o estatuto. A idéia do governo é realizar a matrícula por
disciplina[..]. Ventila-se também o vestibular único. Chamando a atenção para boatos surgidos
através do ‘Correio da Manhã’ de que a reforma seria feita por professores americanos, o Reitor
afirmou que a autonomia universitária vai ser respeitada. Disse que houve receio do governo que as
pequenas universidades do nordeste fizessem coisas absurdas; que ao invés de procurar racionalizar o
ensino superior possam contribuir para fornecer títulos gratuitos
136
.
Para evitar nutrir expectativas que não possam ser respondidas, deixemos claro que
este estudo não pretendeu analisar a reforma universitária empreendida na UFBA. Pela
complexidade da questão, este seria um tema para uma pesquisa específica
137
. Para os
objetivos da presente dissertação, interessa ressaltar que durante os debates travados no
Conselho Universitário o silêncio estudantil é o tom predominante. Esta ausência de falas
da representação discente nas Atas pode representar algo que ‘realmente aconteceu’, ou
significar um mais um exemplo do limite das Atas enquanto registro documental dos
posicionamentos dos estudantes.
133
ATA CONSUNI. 27/06/1966.
134
ATA CONSUNI. 26/08/1966.
135
ATA CONSUNI. 14/10/1966.
136
ATA CONSUNI. 02/12/1966.
137
Seria necessário recuperar a elaboração produzida pelo ME nacional a partir de 1961, observar seu impacto
local discutindo, por exemplo, a greve de 1/3 (nacional) e a greve deflagrada por estudantes da Universidade
da Bahia contra o Reitor Edgar Santos. Além disto, perceber os graus de recepção destas idéias no seio dos
professores e dos diferentes Reitores. Tudo isto comparando com as propostas desenvolvidas pelo MEC em
sintonia com os diversos acordos com agências estadunidenses. Por fim, seria interessante acompanhar as
mudanças na UFBA até pelo menos 1971, quando se cria o ciclo básico.
82
Talvez tentando superar o vazio de formulação, entender o projeto do governo e
voltar a tomar iniciativa política, o DCE em parceria com a representação estudantil de
Sergipe abriu o ano de 1967 realizando nos dias 3, 4 e 5 de maio o Seminário de Reforma
Universitária (SERU).
No seminário foram aprovadas diversas moções: prestando solidariedade aos povos
que lutam pela sua liberdade; solidarizando-se com o júri contra crimes de guerra, sob a
presidência do filósofo Bertrand Russel; assim como um voto de solidariedade com os
cinco líderes sindicais portuários que foram presos; e uma moção especial de luto pela
morte do Reitor Miguel Calmon
138
. Além disto, foi criada a Secretaria Nacional da UNE,
contando com sedes em Salvador e Recife
139
.
O regimento interno do SERU previa quatro comissões: Reforma Universitária e a
Realidade Brasileira; Problemas Estudantis e Política Educacional do Governo, sendo que
esta última se subdividia em outras duas comissões: Reforma Universitária e Infiltração
imperialista no ensino brasileiro. E uma última comissão, encarregada de estudar a
‘Reforma da Universidade da Bahia’. O evento aconteceu na Faculdade de Medicina
Federal e foi organizado pela UEB/DCE, através de Grupos de Trabalho.
Em relação às resoluções do Seminário, foram instituídas as comissões para
estudarem diversos problemas. Segundo o Jornal ATarde, transcrevendo entrevista do
presidente da UEB:
Inicialmente, os estudantes da Universidade Baiana compreendem que sendo a Universidade um
órgão de supra-estrutura, sua inserção nas instituições sociais se desenvolve no mecanismo de
sustentação do “status-quo” vigente e forma junto a todas as organizações ideologicamente
representadas nas classes dominantes. Em face disso, concluem que a restruturação da Universidade,
verdadeiramente democrata, livre, progressista e comprometida com a humanização da técnica, e
propagação de uma cultura expressiva da formação histórica da nação, somente se realizará com a
transformação radical da sociedade. Por outro lado, proclamam a necessidade da transformação da
Universidade, visando colocá-la a serviço da superação do sub-desenvolvimento, e integrada no
esforço desenvolvido em busca da transformação radical da sociedade, defendendo, portanto, a
Reforma Universitária como fator dinâmico para desenvolvimento do Brasil”. Além disto,
‘caracterizam o acordo MEC-USAID, bem como o Relatório Atcon, no sentido de transformar a
Universidade Colonial brasileira em uma Universidade capaz de fornecer os quadros técnicos e
138
O Reitor Miguel Calmon faleceu em 04/05/1967. O próximo Reitor seria Roberto Santos.
83
ideológicos que o imperialismo reclama, e se capacita a absorver. A finalidade da reforma da
Universidade Federal da Bahia, favorecida e ratificada pelos representantes do MEC-USAID, é de
engredar [???] o sistema universitário sua estrutura e mecanismo, sua filosofia educacional e sua
metodologia pedagógica na orientação tecnicista que o Imperialismo desenvolve na América
Latina
140
.
Em agosto do ano corrente, o que poderia parecer uma mera crítica ideológica à
“infiltração imperialista”, ganhou força social a partir do ensino secundário: a luta pela
manutenção da gratuidade no ensino público. Emergiram intensos protestos estudantis
contra a regulamentação da Lei Orgânica na Assembléia Legislativa pelo Governo Luís
Viana. Havia receio do ME que o Governo, com base no Artigo 36 do parágrafo 9,
transformasse as escolas públicas em fundações instituindo a cobrança de mensalidades. Os
secundaristas compreendiam que se isto fosse posto em prática significaria o fim do
ingresso do aluno de baixa renda na escola pública.
Os protestos começaram com uma greve geral nas principais escolas. Rapidamente,
ganharam as ruas como principal território de contestação e mobilização da opinião
pública. Além dos estudantes, pais de alunos e crianças também se juntaram ao movimento.
As mobilizações ocorriam nos três turnos e em diversos territórios da cidade.
Para esclarecer a população e os próprios estudantes do que estava em jogo, foram
distribuídos panfletos. Num destes, havia os seguinte dizeres:
Pode falar em falta de recurso um governo que dá metade de seus orçamentos a fins militares? Pode
falar em falta de recursos uma ditadura que só aplica leis ao ensino? Educação não é negócio. Somos
contra essa lei e a tudo que ela representa. O que é público é do povo. Hoje, a luta é grátis, pagará
caro o estudante que permitir a venda de nosso ensino (Apud Benevides, 1999, p 74).
As entidades estudantis buscaram unificar bandeiras nesta mobilização. No caso dos
universitários, além da solidariedade emprestada à luta, houve a tentativa também de
colocar em xeque o Acordo MEC-USAID. Para eles, a Lei Orgânica era a versão baiana
deste acordo para o ensino médio (Castro de Araújo, 1998). Além disto, como ficou
demonstrado, já estava em curso uma mudança no ensino superior em sintonia com esta
139
ATarde. 08/05/1967.
140
ATarde. 12/05/1967.
84
concepção. Assim, eles também viviam intensamente estas mobilizações, ainda que a
maioria participante das passeatas fosse composta de secundaristas.
Durante os embates, as lideranças tentavam politizar a luta, inclusive, para desgastar
a ditadura. Esta é a linha predominante no panfleto acima citado. Em contrapartida, o
governo Luís Viana entrou em campo. Por um lado, fazendo pronunciamentos de que não
havia intenção de cobrar mensalidades no ensino público. Por outro lado, utilizando o uso
da força repressiva
141
.
Deste modo, em algumas passeatas, houve enfrentamentos. A polícia usava jatos de
água e bombas de gás lacrimogêneo. Os estudantes reagiam com pedras, piquetes. Numa
destas passeatas, o ponto de concentração escolhido foi a Reitoria da Universidade Federal.
Em algum momento, os policiais do Corpo de Bombeiros chegaram a lançar bombas. Neste
momento, estava se realizando uma reunião do Conselho Universitário. Este tema ficou
registrado na Ata do Conselho Universitário. A Reitoria determinou orientação de fechar as
Faculdades. À tarde, reunido o Conselho, o Reitor Miguel Calmon “[...] agradeceu a
colaboração que recebeu de todos os Srs. Conselheiros, ressaltando a cooperação dos
acadêmicos Carlos Alberto e Walter Baptista [...] propôs em seguida [...] que, em razão da
agitação na classe estudantil, fossem suspensas as aulas e fechados os prédios da
universidade”.
142
Já o representante estudantil foi mais longe. De acordo com as Notas Taquigráficas:
Magnífico Reitor, Srs Conselheiros, a representação estudantil gostaria de fazer aqui, em público, um
protesto pelos incidentes ocorridos na manhã de hoje, particularmente na Reitoria, protesto contra a
atitude de Forças Armadas e quando falo em Forças Armadas estou incluindo forças armadas no
plano estadual como no plano federal e, por incrível que pareça, os soldados do fogo da prefeitura
municipal [bombeiros].
Os estudantes secundários e, posteriormente, os universitários, preocupados muito particularmente
com aquilo que lhe diz mais de perto, com o problema da reforma universitária e o problema da
legislação sobre o pagamento das anuidades nos cursos secundários, promoveu alguns dias atrás,
como hoje pela manhã, protestos democráticos, como todos os senhores conselheiros que estavam
aqui presentes, na Reitoria, para o Conselho Universitário, presenciaram, alguns discursos e palmas e
141
Contudo, talvez pela grande quantidade de participantes incluindo a presença de estudantes na faixa etária
entre 10 e 14 anos de idade, a repressão policial não foi o tom predominante da reação governista dado que
geraria profunda indignação em amplos setores sociais.
142
ATA CONSUNI. 24/08/1967.
85
a polícia, posteriormente, o corpo de bombeiros, provocaram incidentes de proporções imensas,
incluindo todos os membros do conselho, inclusive presentes à Reitoria.
Gostaria que constasse de Ata os nossos protestos, como também constasse de Ata um voto de
solidariedade aos estudantes secundários, como também o nosso elogio pela maneira como se
comportou o dirigente maior da universidade e todo o seu corpo docente, em defesa da autonomia
universitária
143
.
Parece que nesta ocasião, a Polícia tentou invadir a Reitoria. Um dos entrevistados
comentou que em determinada situação a polícia foi impedida de entrar na Reitoria pelo
Diretor Arnaldo da Silveira. Segundo ele, o Reitor Miguel Calmon portava uma perna
mecânica e não tinha tanta mobilidade de modo que, quando se soube do atrito entre
estudantes e policiais, o referido diretor desceu e, diante das ameaças de policiais invadirem
a reitoria, afirmou que policial só entraria ali se prestasse vestibular. Pela descrição feita
durante a entrevista e os fragmentos apontados pela Ata, parecia-nos plausível esta
interpretação. Contudo, neste período, o Reitor Miguel Calmon já houvera falecido.
É interessante que o Professor Arnaldo da Silveira é o ‘mesmo’ Diretor que, no
imediato pós-golpe, teve participação ativa na cassação da antiga diretoria do DA de
Odontologia, conforme frisamos no capítulo I. É apenas um exemplo - com alguma ficção,
é bem verdade - que mostraria como a experiência social é dinâmica e por vezes carregada
de ambiguidade. Por outro lado, evidencia os problemas invocados pelo uso da memória
mostrando-nos como os relatos de entrevistas devem ser criticados e cotejados com outros
tipos de documentos.
De todo modo, após uma semana de mobilizações diárias, nos três turnos, o
Governo Luiz Viana fez um pronunciamento público na TV garantindo a gratuidade no
ensino - mantida através de um Decreto-Lei que dias depois seria votado na Assembléia
Legislativa.
Assim, o ME baiano se fortaleceu ganhando a adesão de diversos estudantes,
aumentando sua simpatia junto à opinião pública incluindo professores e pôde comemorar
sua primeira vitória sobre o regime militar na Bahia (Castro de Araújo, 1998). No mais,
amplificou a relação entre secundaristas e universitários com um ponto em comum, qual
seja, a luta pela gratuidade no ensino.
143
ATA CONSUNI. NOTAS TAQUIGRÁFICAS. 24/08/1967.
86
CAPÍTULO III Da luta dos excedentes ao “AI-5 dentro da Universidade”
No início do ano letivo de 1968, levando uma carroça puxada pelos calouros,
estudantes de Economia interromperam o tráfego no centro de Salvador. Queriam dar
visibilidade ao trote. Atividade presente na cultura universitária, o trote é uma forma dos
alunos antigos veteranos acolherem a chegada daqueles recém aprovados no vestibular
os chamados calouros. Para estes, seria um ‘ritual de passagem’. Pintados de roxo,
marcaram sua presença nas ruas. Contudo, com o trânsito lento, alguns motoristas não
tiveram o senso de humor ou paciência para assistir àquele ritual. Um carro investiu contra
o grupo atropelando quatro pessoas e ferindo duas. Depois do acontecido, os estudantes
voltaram em silêncio para a Faculdade prometendo mover um processo contra o motorista,
cujo carro teve a placa anotada
144
.
Independente do desfecho desta situação específica, interessa-nos salientar que,
além de comemorar a entrada de novos colegas no curso, os jovens queriam protestar. O
conteúdo das críticas pode ser percebido pelos dizeres de um dos cartazes: ‘Quem nasce no
Vietnã Vietnamita. Quem morre americano’
145
. Em termos introdutórios para os
objetivos deste capítulo, este exemplo é bastante sugestivo do repertório de influxos e
motivações do ME em 1968. Tomando o cuidado em evitar generalizar esta influência para
o conjunto dos estudantes, ela é sugestiva de um clima de politização marcado por uma
conjuntura internacional de ‘rebelião juvenil’ que contagiou muitos jovens.
No caso da UFBA, o DCE e a UEB chegariam a lançar uma ‘Apostila’ com um
histórico da Guerra do Vietnã e sua importância política, concluindo que “a nossa
solidariedade a este heróico povo comprova o nosso repúdio aos intervencionistas e
exploradores, que são os mesmos aqui e lá”
146
. Diversos diretórios realizariam cursos e
debates enfocando a questão. Um dos nossos entrevistados afirmou que, certa vez, um
colega buscou hastear a Bandeira pró-Vietnã na Faculdade de Filosofia. No plano nacional,
estudantes cariocas foram processados pela Justiça Militar por terem pichado frases
alusivas à guerra: “Viva Vietcong”; “Vietcong aponta o caminho”
147
. Já na Universidade de
144
Jornal da Bahia. 13/03/1968
145
Jornal da Bahia. 13/03/1968.
146
Contribuição ao debate sobre o Vietnam. UEB/DCE. S/d.
147
A respeito, ver Processo BNM 633, à disposição no AEL.
87
Brasília, houve algumas assembléias com a bandeira do Vietnã ‘decorando’ a mesa,
simbolizando a resistência anti-imperialista
148
.
Não precisamos de mais exemplos para enfatizar, sem meias palavras: em alguma
medida, a resistência vietnamita constituiu-se numa referência para os estudantes mais
engajados no cotidiano do ME, sobretudo em 1968. Embora a Guerra remontasse aos anos
40 e os conflitos tenham raízes históricas na longa duração, a intervenção dos EUA atingiu
seu ponto máximo em 1968, despertando reações em diversas partes do mundo a favor de
um pequeno povo que resistia à maior potência mundial.
O fato dessa resistência ganhar mais visibilidade em 1968 não é à toa. Exemplo de
uma ‘rebelião juvenil’ de dimensão internacional com particularidades locais, o ano de
1968 tem sido objeto de inúmeros estudos (Garcia,1999; Reis Filho, 1998; Scherer, 1999).
Diversas manifestações estudantis ocorreram em diferentes países. Para os objetivos desta
pesquisa, não nos interessa fazer ampla discussão sobre o tema. Basta ressaltar que “1968
foi um ano de paixões desenfreadas em todo o mundo. Seria difícil inventariar as
influências. Mas é possível ressaltar certas linhas de força. Em torno delas, se formavam
mitos e utopias” (Reis Filho, 1998, p. 32).
Quando necessário, faremos as devidas referências à conjuntura internacional e seus
impactos no ME local. Agora passemos a inventariar as principais lutas desenvolvidas pelo
ME universitário.
A luta dos excedentes
Logo no início do ano, vem à tona a mobilização dos excedentes. Classificados no
vestibular mas em posição aquém do número de vagas oficialmente declaradas ou abaixo
da média necessária, estes estudantes chamados de excedentes vão buscar desenvolver
formas de pressão para garantir sua vaga na universidade.
É interessante frisar que houve lutas de excedentes em diversas universidades. As
formas de luta variaram de lugar para lugar (Saldanha de Oliveira, 1998). No Rio Grande
do Norte, por exemplo, houve acampamento em praça pública, abaixo-assinado, pressão
junto a parlamentares do estado (Silva, 1989).
148
Ver Processo BNM 623, à disposição no AEL.
88
No caso da UFBA, esta preocupação esteve presente para as diretorias das
entidades. O DCE/UEB lançaram um Caderno dos Excedentes
149
. Além disso, houve
tentativa de organizar a luta, reunindo os DAs e preparando um levantamento de vagas
existentes nas unidades, em comparação com as verbas recebidas pelas faculdades.
Parece que este encaminhamento não contemplou o tempo e a dinâmica real da luta
em curso, haja visto que, um dia depois da reunião entre as entidades estudantis, os
excedentes de arquitetura - através do DA - começaram um acampamento em frente à
Reitoria. Aliás, esta iniciativa seria alvo de críticas por parte de diretores do DCE/UEB, na
maior parte ligados ao PCB
150
. Uma das hipóteses explicativas para as divergências serem
acentuadas pode referir-se ao fato do presidente do DA ser integrante da Ação Popular
corrente política adversária do PCB
151
.
Ainda que possa ter existido disputa pela direção política da mobilização, havia um
nível de organização dos estudantes de arquitetura em estágio adiantado. O DA já tinha
conquistado o apoio dos professores, da Congregação e o Diretor da Faculdade teria viajado
à Guanabara com o intuito de solicitar verbas suplementares ao MEC para efetivar a
matrícula dos excedentes.
Embalados ao som do violão e portando faixas com os dizeres “se o país precisa de
arquitetos, por que somos excedentes?”, os estudantes nutriam esperança de que dessa
viagem resultasse a ampliação de vagas. Por outro lado, a realização do acampamento na
porta da Reitoria parece ter tido o objetivo de pressionar o Reitor a assumir a liderança
institucional da luta. Depois de 7 dias acampados, manifestaram alegria quando lhes
anunciaram que seriam matriculados. Levantaram o acampamento prometendo voltar, caso
a promessa não fosse cumprida
152
.
Longe de ser um problema restrito à Arquitetura, esta questão gerou lutas em
diversos cursos. Apesar das iniciativas organizativas já apontadas pelo DCE/UEB, não
houve muita unificação entre os cursos. A fragmentação reproduzia-se porque esta
149
Caderno de Excedentes. UEB/DCE. Gestão 67/68.
150
Segundo as críticas, o acampamento seria uma ação isolada sem esperar os encaminhamentos aprovados
pelo conjunto das entidades.
151
Trata-se de Fernando Passos presidente do DA Arquitetura. Cf entrevistas, era militante de Ação
Popular.
152
Jornal da Bahia. 14/03/1968.
89
reivindicação encontraria desfecho nas Congregações de cada curso ou Faculdade ainda
que na maior parte dos casos dependessem de verbas federais.
Quanto às formas de luta, em geral, privilegiou-se soluções negociadas com as
diversas Congregações. Esta tática deu certo na maioria dos cursos/Faculdades onde
identificamos registros desta mobilização, quais sejam, Odontologia, Ciências Econômicas,
Farmácia, Direito, Faculdade de Filosofia, Medicina e Arquitetura. Em relação ao silêncio
quanto aos outros cursos, há duas idéias complementares. É possível ter ocorrido
excedentes, embora sem visibilidade política e pública. Uma segunda é lembrar que não
existia excedentes em todas as Faculdades. É razoável admitir a existência de cursos que
tinham baixa concorrência e/ou sobravam vagas por faltarem candidatos
153
.
Ainda discorrendo sobre o acerto da tática, parece que houve uma síntese de
vontades entre estudantes, professores e Diretores. Além disso, seguindo orientação geral
de aumento do número de vagas no ensino superior oriunda do Governo Costa e Silva, o
MEC prometeu verbas suplementares para atender à demanda. Para comemoração dos
estudantes, na maior parte dos casos, os excedentes foram matriculados
154
. É interessante
enunciar que isto constituiu-se num paradoxo: ao mesmo tempo em que o Governo
prometia aumentar as vagas no ensino superior, cortava verbas para as universidades. Como
demonstraremos adiante, as consequências desse problema apenas emergiam...
Embora sem sucesso na unificação da luta e por vezes com disputas internas, houve
um esforço conjunto das entidades (DA, DCE e UEB) pela matrícula dos excedentes,
sobretudo nas negociações envolvendo congregações de Faculdades, Diretorias e Reitoria.
O elo que parece ter havido entre estes estudantes dos cursos foi desempenhado pelo
DCE/UEB. É bem provável que as lideranças do ME tenham formulado a respeito da
importância da luta, seja no sentido de democratizar mais o acesso à universidade, seja para
fortalecer o ME estreitando laços com os novos alunos, aproveitando este ímpeto para o
engajamento
155
. É neste sentido que se discutiu também a ‘Semana do Calouro’ - prevista
para ter início em 1
º
de maio - e a passeata geral contra a política educacional do governo.
153
Um exemplo nesta direção diz respeito ao curso de Ciências que teria sido recém criado mas não contou
com nenhum candidato para a seleção.
154
A única informação que relativiza essa interpretação diz respeito a uma greve de estudantes de Geologia
protestando contra a não matrícula de alguns excedentes no curso.
155
Isto fica claro no trecho presente no Caderno da UEB/DCE, no qual as lutas dos excedentes “ servem como
meio de educação e de preparação àqueles que serão os futuros universitários e substitutos das atuais
90
A morte de Edson Luís e a reação do ME na UFBA
Contudo, os planos teriam que ser mudados por um acontecimento inesperado. Em
28 de março, estudantes cariocas protestavam contra o fechamento do Restaurante
Calabouço
156
. Houve escaramuças com a chegada de policiais. Tiros foram disparados. Um
deles alvejou um jovem. Caiu morto na calçada. Os estudantes resolveram não liberar o
corpo para as autoridades. Temiam que a Polícia desaparecesse com o cadáver. Levaram
para a Assembléia Legislativa (Ribeiro do Valle, 1999).
A resposta ao brutal assassinato viria dias depois. E em escala nacional. Houve
comoção na opinião pública. Passeatas de protesto em diversas cidades. Amplo apoio da
população, seja participando diretamente das caminhadas, seja jogando papel picado dos
edifícios. E mais conflitos entre estudantes e policiais.
Estes ventos de indignação com a repressão policial também sopram na UFBA. Em
30/03, o DCE e a UEB deflagraram greve geral de protesto contra o assassinato do
estudante. Programaram uma concentração na Praça Castro Alves e uma passeata com
bandeira de luto pelas ruas da cidade.
O governador Luís Viana se congratulou com o pesar pela morte do jovem ao
mesmo tempo em que fez pronunciamento pela TV pedindo aos estudantes para não irem às
ruas ‘perturbar a vida da cidade’. Ao contrário de outros estados, aqui não existiria
repressão policial. O governo tentaria esvaziar o protesto fechando as escolas públicas.
Enquanto isso, o clima ficou tenso em diversas Faculdades
157
. Houve reuniões e, ao
meio-dia, alunos de farmácia, odontologia, economia e direito dirigiram-se em passeata
silenciosa ao Restaurante Universitário. Contando com a participação do vice-presidente da
UNE, os estudantes realizaram uma assembléia onde decidiram manter a greve. Deliberou-
se marcar outro fórum de discussão na Faculdade de Medicina.
lideranças”. Por outro lado, é possível ter havido o ingresso de ‘calouros’ já dispostos a algum engajamento
no ME, sobretudo porque muitos desses estudantes eram oriundos do Colégio Central escola onde existia
um forte ME -, e do Colégio Aplicação uma espécie de ‘laboratório’ de ensino para os estudantes
universitários das áreas de licenciatura -, cf. ATA CONSUNI 23/02/1965. Por alguns anos, este colégio
funcionou na Faculdade de Filosofia, importante território de contestação política, conforme já foi visto. Para
comprovar essa assertiva, ver a entrevista de Sérgio Passarinho, presidente da UEB em 1968, editada em Reis
Filho (1998).
156
O Calabouço era um restaurante que servia refeições para estudantes pobres no Rio de Janeiro.
157
Talvez por isso, dias depois, as aulas na UFBA seriam suspensas por orientação da Reitoria.
91
Aprovou-se uma Missa de 7
º
dia pela memória de Edson Luís. Celebrada no
Mosteiro de São Bento e com as palavras religiosas proferidas pelo Abade D. Timóteo, a
Missa contou com quase 1.500 presentes, entre estudantes, artistas, intelectuais e outros
setores sociais
158
. Esta composição por si só denota que o ME atraiu outros setores para a
mobilização.
No outro dia, realizaram um Comício no centro da cidade. Fizeram farta
distribuição e panfletos e manifestos à população sobre as razões do protesto. Organizaram
Comícios-Relâmpago em pontos de ônibus. Alguns chegaram a entrar nos veículos e
proferir discursos buscando angariar o apoio da população. Até pichação foi feita pelas ruas
do centro. A passeata continha cartazes com vários dizeres, entre os quais: “Abaixo a
violência”, “Abaixo o arrocho”, “Queremos escola e comida para o povo”
159
. Estas formas
de comunicação e o conteúdo das mensagens revelam uma tentativa do ME buscar
sensibilizar a população para a luta contra a ditadura.
Antes da passeata, os estudantes aprovaram em assembléia geral batizar o viaduto
do Canela com o nome de Edson Luís e também colocar uma placa no Restaurante
Universitário, em homenagem ao estudante assassinado. Isto nos sugere a preocupação do
ME com a construção e preservação de uma memória de lutas.
Encerrando a semana de protesto, em assembléia no Restaurante Universitário,
decidiram voltar às aulas após suspender oficialmente a greve geral. Como parte de uma
estratégia de acumular força e aprofundar o debate em torno da política educacional do
governo, os primeiros dias de aula foram destinados a organizar a ‘Semana do Calouro’.
Quanto ao balanço dos protestos, em sintonia com o que ocorria em outros estados,
a mobilização ganhou altos níveis de apoio de setores sociais. Chegou-se a falar de que foi
a principal vitória do ME junto a opinião pública (Ribeiro do Valle, 1999). Artistas de
teatro, por exemplo, reverteram para os estudantes a renda da peça ‘Uma Obra do
Governo’, em cartaz no Vila Velha. Intelectuais publicaram manifesto criticando a
violência policial e solidarizando-se com os estudantes. Houve uma passeata que foi
considerada uma das maiores realizadas pelo ME. O mesmo teria ocorrido em outras
cidades, como o Rio de Janeiro (Dirceu & Palmeira, 1998).
158
Jornal da Bahia. 04/04/1968.
92
A Greve Estudantil da UFBA
Se em escala nacional, a morte de Edson Luís teve papel fundamental para colocar
em voga a luta anti-ditatorial, logo em seguida ocorreria uma mudança: o central da pauta
do ME seria a política educacional do governo. Em sintonia com esta agenda nacional, no
âmbito específico do ME da UFBA, um dos principais acontecimentos foi o processo de
mobilização desencadeado com a Greve contra o corte de verbas.
Este problema era antigo. Ao observar as Atas do Conselho Universitário,
percebemos que, desde 1965, havia queixas em relação ao orçamento. Em 65, houve uma
redução de 20%
160
; em 66, baixou 33%
161
; em 67, foi dito que não estaria em condições
satisfatórias
162
. Já em março de 1968, anunciou-se o corte de verbas e suas consequências
para o funcionamento da universidade
163
. Nesta época, mais da metade do orçamento já era
destinado ao pagamento de pessoal e a parte de custeio seria a principal atingida. Para
piorar a situação, mesmo com o corte, as verbas não tinham sido liberadas. Não custa
lembrar que os problemas devem ter se agravado sobretudo com a matrícula dos
excedentes.
Inicialmente, os estudantes foram às ruas protestar contra o corte de verbas para a
universidade. Através de campanha com comícios relâmpagos e panfletagens,
conclamavam o povo a participar da mobilização. O ME teria como estratégia buscar outros
setores sociais como aliados e aproveitar espaços de denúncia da crise universitária. Deste
modo, confirmaram presença junto à bancada oposicionista do MDB para participar do 1
º
de maio. A idéia era realizar uma concentração/Ato público somado com passeata em praça
pública ou manifestação em espaço fechado
164
.
Contudo, a mobilização central se dá no nível interno, a partir de cada unidade. A
programação da Semana do Calouro anteriormente suspensa por conta da morte de Edson
Luís - é repensada e colocada em prática. O eixo temático do evento versava sobre a
política educacional e econômico-financeira do governo
165
.
159
Jornal da Bahia. 05/04/1968.
160
ATA CONSUNI. 23/02/1965.
161
ATA CONSUNI. 26/08/1966
162
ATA CONSUNI. 02/12/1966.
163
Jornal da Bahia. 17-18/03/1968.
164
Jornal da Bahia. 26/04/1968
165
Jornal da Bahia. 14-15/04/1968
93
O objetivo da Semana do Calouro era esclarecer o estudante recém ingresso na
universidade sobre a situação da instituição, o papel do ME e as perspectivas profissionais
das áreas específicas. Além disso, esta atividade era compreendida pelo DCE como uma
forma de estimular a participação dos calouros.
Já no início de maio, houve uma passeata para protestar contra o corte de verbas e o
arrocho salarial. Cerca de mil estudantes participaram da mobilização. Pelas lentes da
imprensa, o objetivo central foi desgastar o governo, haja vista os gritos de que “povo
organizado derruba a ditadura”. A polícia não reprimiu a manifestação. Em termos de
decorrência, circulou a informação de que muitos acharam a mobilização marcada pela
frieza, sem empolgação
166
.
Talvez percebendo que naquele momento haveria pouca disposição da maioria dos
universitários para a luta, o ME seguiu a orientação nacional da UNE de ‘volta às escolas’
(Martins Filho, 1987). Decidiu fazer discussões em todas as escolas através de palestras,
seminários e constituição de Grupos de Trabalho por Faculdade para um Dossiê/Relatório
sobre cada unidade.
Uma outra atividade vai somar mais ainda neste sentido: o ME realizou o Seminário
de Política Educacional do Governo. Na pauta, a preocupação em “estudar, analisar e
debater os problemas que afligem a Universidade no Brasil, e principalmente definir e
sistematizar uma linha de ação prática para as lutas que teremos de travar contra a política
educacional do Governo”
167
. Diga-se de passagem, a greve já estava sendo preparada:
A deflagração da greve está sendo adiada porque, segundo as lideranças estudantis, nem todos os
universitários estão mobilizados, embora a crise da universidade já se tenha alastrado para quase
todas as unidades, em consequências dos cortes de verbas imposto pelo governo
168
.
166
ATarde. 04/05/1968. Dias depois, tentando entender o porquê dessa frieza, o jornal publicou na Coluna
Ronda Universitária um trecho supostamente atribuído a determinado dirigente estudantil. Segundo ele “ na
última repressão violenta que houve, por exemplo, em 1966, quando a Igreja de São Bento foi metralhada, a
tensão foi muito grande mas o movimento estudantil ganhou mais união e saiu fortalecido. Hoje, não
conseguimos mais nada. A gente passa gritando o nosso protesto. O homem, na rua, abaixa o jornal, olha e
depois volta calmamente para a sua leitura. Conclusão: nossas passeatas ficaram tão festivas, que até parecem
desfile”. No nosso entendimento, esta explicação assentava-se numa perspectiva evolucionista, como se os
conflitos marcados pela violência necessariamente levassem a uma curva ascendente do ME, bem como
atraísse a simpatia de outros setores. Os últimos meses de 1968 comprovariam a fragilidade dessa
interpretação, conforme demonstraremos posteriormente.
167
UEB/DCE. I SEPEG. Seminário de Política Educacional do Governo.
94
Embora a avaliação acima descrita prime pela preocupação com a mobilização,
como foi frisado, os reflexos do corte de verbas já se faziam sentir em todas unidades,
somados a reivindicações específicas. Ainda que o DCE/UEB tenham programado
iniciativas para organizar a tomada de deliberação coletiva, neste período, estudantes de
dois cursos entraram em greve: geologia e nutrição. Enquanto os primeiros reivindicavam a
regulamentação da profissão de geólogo, os acadêmicos de nutrição lutavam por um prédio
para desenvolver suas atividades de ensino-aprendizagem.
As entidades estudantis marcaram assembléia geral para o dia 11/06 com vistas a
aprovar uma resolução coletiva. Contudo, nem todos os cursos esperaram esta reunião para
tomar posição. Noutras palavras, a entrada na greve se daria em ritmos distintos, como um
misto dos impactos dos problemas materiais nas unidades e das respostas específicas
vislumbradas pelos estudantes, associadas a sua disposição para a mobilização.
É deste modo que os acadêmicos de odontologia, medicina e enfermagem entravam
em greve antes da assembléia geral
169
. Enquanto isto, outras Faculdades aderiam à
mobilização. No dia da Assembléia Geral, oficializou-se a greve dos estudantes da UFBA
reivindicando a liberação das verbas para a universidade. Segundo um panfleto destinado
“ao povo e aos trabalhadores da Bahia”, os estudantes
[...] estão[...] em greve contra o corte de verbas destinadas à educação feito pela ditadura reacionária
entreguista à qual continua a impor ao povo brasileiro o caminho da fome, da miséria e da opressão.
O que atualmente ocorre na Universidade o corte de verbas tem como único objetivo a
transformação do ensino gratuito em ensino pago, que tornará o mesmo mais distante dos
trabalhadores.
170
Em termos de formas de luta, houve uma novidade que foi a greve de ocupação
171
.
Neste sentido, diversas Comissões foram constituídas: alojamento, alimentação, segurança,
imprensa etc. Por fim, deliberou-se a necessidade de elaborar relatórios a partir dos
168
Jornal da Bahia. 05/06/1968.
169
Enquanto os alunos de odontologia deliberam no dia 06/06, posteriormente, em 07/06, medicina e
enfermagem aprovam greve.
170
ANEXO BNM 8160.
171
Embora já houvesse registros na imprensa de uma greve nestes moldes em São Paulo, é possível supor que
esta idéia estivesse em alguma medida inspirada no ME francês que, neste mesmo período, lançava mão deste
instrumento de mobilização. De todo modo, independente de influxos externos, a ocupação das Faculdades
casava-se bem com o objetivo de uma greve que não esvaziasse completamente as unidades.
95
problemas específicos, o que implica dizer que as pautas eram diversificadas. Vale a pena
dar um panorama geral a esse respeito, tomando por base a cobertura da imprensa.
Os estudantes de medicina ocuparam as duas escolas e ameaçaram paralisar os
Hospitais Edgard Santos, Martagão Gesteira, Tsyla Balbino, Climério de Oliveira, Manoel
Vitorino, Juliano Moreira, 4
º
Centro de Saúde e Clínica Tsiológica, por considerarem o
atendimento problemático nestas unidades
172
.
Já em enfermagem, a mudança no currículo e a transformação do regimento interno
foram razões importantes para a deflagração da mobilização. Os de odontologia divulgaram
manifesto aos universitários, secundaristas e ao povo. Nele, há uma crítica ao governo “que
tenta, através do corte de verbas, desmoralizar o ensino gratuito no Brasil no sentido de
justificar a implantação de fundações particulares estrangeiras que financiarão a
Universidade brasileira, colocando o ensino na perspectiva dos seus interesses
173
. Além
disso, optaram por elaborar um relatório sobre as péssimas condições de funcionamento da
escola.
Segundo os estudantes de farmácia, a Faculdade teria sido atingida com o corte de
58% das verbas. Criticavam ainda a não conclusão das obras do novo prédio bem como o
laboratório de análises clínicas, a um passo de fechar seu atendimento ao público carente.
Os estudantes de Dança também se mobilizaram. Além de um prédio para o curso,
solicitavam material didático como barras nas salas de aula. Na Escola de Belas Artes, os
alunos se posicionaram a respeito da crise universitária lançando manifesto sobre os
problemas do curso, ressaltando as incoerências existentes entre o regimento interno da
escola e sua realidade. Queriam a reformulação do método de ensino, atualização da
biblioteca e regulamentação da profissão de artista plástico. Em direito, o DA reivindicava
o funcionamento da biblioteca no turno noturno, melhoria das condições de higiene nos
sanitários, bebedouro, conserto do elevador etc.
Poderíamos detalhar as reivindicações por curso. Contudo, certamente a leitura
tornar-se-ia cansativa. Este breve panorama desenvolvido já cumpre atentar para duas
questões a respeito da greve. A primeira é uma vazão de agendas reivindicatórias,
transcendendo a luta por mais verbas. Este aspecto é importante porque denota um acerto
do DCE na estratégia de mobilização estudantil com base no particular. Segundo o
172
Jornal da Bahia. 08/06/1968.
96
presidente da entidade, “quando a luta se desenvolve neste nível, se consegue muito maior
participação e também faz com que os estudantes mobilizados em torno de suas questões
próprias, de seus problemas imediatos venham entender a verdadeira causa do caos
universitário, passando a ver a universidade inserida num sistema econômico e numa
estrutura social, que de fato são os determinantes da situação em que nos encontramos”
174
.
Dizia ainda que os pontos básicos eram: 1) contra o corte de verbas; 2) Ampliação de fato
das vagas na universidade, dotando-a de estrutura de funcionamento; 3) Pela elevação do
nível de ensino; 4) Pela melhoria das condições materiais da universidade; 5) Por mais
verbas para a universidade.
Ao enfatizar uma pauta marcada por especificidades, os estudantes iriam atingir um
outro objetivo: conquistar o apoio dos professores para a greve. É neste sentido que muitos
docentes comprometer-se-iam em não realizar exames neste período nem anotar o assunto
como dado. Em algumas unidades, teriam presença ativa junto ao corpo discente debatendo
os problemas dos cursos. Além disso, declarariam apoio aos estudantes através de
Manifestos públicos, como o abaixo reproduzido:
Os abaixo-assinados, professores da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia, vem
demonstrar, nos termos de seus colegas da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA, a sua
desaprovação à política educacional que, aumentando vagas nos cursos universitários e encorajando
matrículas de excedentes como medida indispensável ao desenvolvimento, simultaneamente corta as
verbas das Universidades reduzindo-as à indigência. Tal demonstração de incoerência e falta de
racionalidade se evidencia, ainda, numa reforma universitária que, se apresenta um avanço na sua
estrutura orgânica, esquece os estímulos à atividade do docente, de quem muito exige e a quem
pouco se oferece, para realização das tarefas de pesquisa e ensino, tão importantes para a
comunidade. Na qualidade de mestres, compreendem as inquietações da juventude como reflexo das
incoerências acima denunciadas o [no] espírito das massas estudantis. Os signatários, ao tempo em
que, assim, interpretam o atual movimento estudantil, exprimem seu desejo de urgente
equacionamento realístico e coerente, dos problemas universitários, pelo mesmo movimento
levantados, problemas cujas soluções não deverão estar nunca desvinculados dos interesses do país e
do seu povo.
173
Jornal da Bahia. 08/06/1968.
174
Jornal da Bahia. 06/06/1968. Contradizendo esse potencial reivindicatório, em15/06/68 ATarde noticiaria
que alguns diretores de entidades estudantis nutriam a expectativa de que seria uma greve rápida, apenas para
exigir verbas para a universidade. Há algumas hipóteses a serem consideradas: 1. A imprensa cometeu um
97
Os professores da Faculdade de Filosofia da UFBa julgam ainda oportuno enfatizar o seu repúdio à
solução ‘FUNDAÇÃO”, por considerarem essa solução contrária aos interesses da universidade
brasileira.
Salvador, 14 de junho de 1968.
Joaquim Batista Neves, Antônio Pinthon Pinto, Thales de Azevedo, José Calasans Brandão da Silva,
Tobias Neto, Istvan Jancso, Zahidé Machado Neto, Romélio Aquino, Ruy Simões, Waldir Freitas
Oliveira, Nilton Vasco da Gama, João Ubaldo Ribeiro, Perseu Abramo, Hermano Augusto Machado,
Manoel Carlos Mendonça, Mercedes Cunha de Mendonça, Fernando Rocha Klaas Woortmann,
Nadja Andrade, Suzana Marcelino Cardoso, Fernando Rêgo, Consuelo Pondé de Sena, Jacyra Mota,
Carlota Ferreira, Florisvaldo Mattos, Adroaldo Medrado, Thereza Leal Gonçalves Pedreira, Vera
Lúcia Britto Gomes, Célia Marques Telles, Adely Penna Costa, Alzira Oliveira, Vera Rollemberg,
Hetty Loretti Rossi, Iracema º Nascimento, Sônia Maria Alves Neves
175
.
Ainda como mais um demonstrativo de que os estudantes não estavam isolados
nesta luta, vejamos outro Manifesto desta vez assinado por escritores, intelectuais e
artistas:
Escritores, artistas e intelectuais que procuramos sentir e refletir os sentimentos e as aspirações de
nosso País, queremos expressar nossa mais total solidariedade aos estudantes e professores
universitários que ora se empenham por uma política educacional fiel à realidade brasileira.
Os interesses da Cultura nos levam à compreensão de que os problemas do ensino são também
nossos problemas.
Não podemos admitir que numa nação em desenvolvimento, carente de todas as técnicas, se limite o
acesso às escolas superiores, criando-se a angustiosa e interminável fila dos excedentes, à espera de
vagas.
Ainda menos admitimos que as universidades, tão poucas às necessidades nacionais, tenham suas
verbas cortadas, na mais odiosa forma de limitar o ensino, e portanto a divulgação do saber.
Entendemos, por fim, que a exigência dos estudantes e professores por uma autêntica reforma
universitária representa um reclamo de toda a cultura, vale dizer do próprio futuro de nossa Pátria.
176
Entretanto, neste período, não houve apenas atos de solidariedade ao ME. Exemplo
que conforma essa assertiva diz respeito a uma bomba que foi jogada de madrugada na
erro de cobertura; 2. Não havia unidade no ME a respeito da duração da greve; 3. As próprias lideranças não
acreditavam no potencial reivindicatório; 4. Ocorreu de fato um erro de avaliação.
175
ATarde.15/06/1968. A iniciativa do Manifesto partiu dos professores da Faculdade de Ciências
Econômicas. Foi subscrito também por docentes das Faculdades de Direito e Arquitetura.
176
ATarde. 15/06/1968.
98
Reitoria da UFBA. A autoria desse ato é desconhecida. Sabe-se apenas que partiu de
pessoas mascaradas que fugiram em seguida. Horas depois, provavelmente o mesmo grupo
teria invadido a Escola de Nutrição arrancando cartazes e faixas alusivas à greve mas
teriam sido afugentados por membros da Comissão de Segurança que pernoitavam no
estabelecimento
177
.
O exemplo citado indica o papel da Comissão de Segurança. Sua atribuição era não
permitir a entrada de ‘estranhos’ com o objetivo de promover vandalismo e descaracterizar
as lutas. Essa possibilidade era razoável sobretudo através da ação policial que buscava
infiltrar membros dos seus efetivos seja para fins de espionagem, seja para promover atos
inconsequentes
178
.
Além desta Comissão, outras tinham papel importante. A de imprensa destacava-se
por preocupação constante em dialogar com amplas parcelas da sociedade. Os principais
meios eram panfletos distribuídos em bairros, pontos de ônibus, jogos de futebol, ônibus.
Usava-se também o Jornal-Mural meio de comunicação bastante utilizado desde tempos
anteriores pelo ME. Em termos de sonorização, lançava-se mão de alto-falante colocado na
frente das Faculdades onde estudantes revezavam-se na tarefa de esclarecer a população
sobre as razões da luta. Além da preocupação com o público externo à universidade, não
seria arriscado afirmar que provavelmente esse seria um meio de informar estudantes que
acompanhavam a greve pela imprensa, ou participavam apenas esporadicamente das
atividades.
Essa política de comunicação articulava-se com a financeira. Buscando constituir
um Fundo de Greve para eventuais despesas, o ME organizava os ‘pedágios’. Eram grupos
de estudantes solicitando aos pedestres e, sobretudo aos motoristas, ajuda material para a
greve. Obviamente, para conseguir a contribuição financeira, havia a necessidade de
explicar as razões da mobilização. Isto significa que era uma atividade conjunta de
finanças, divulgação e diálogo buscando conquistar a solidariedade da população. Uma
outra forma de arrecadação também era a contribuição dos professores. Por último, a
177
ATarde. 14/06/1968.
178
Segundo Wladimir Palmeira, houve infiltração de agentes do DOPS na comissão de segurança carioca
(Dirceu & Palmeira, 1998, p 131). Este depoimento reforça, em alguma medida, a entrevista de militares
acerca da eficácia dessa estratégia. O Tenente-Coronel Adyr Fiúza de Castro chegou a afirmar que mais da
metade da Comissão de Segurança na Passeata dos Cem Mil era constituída de Sargentos do Exército
(D’Araújo, 1994b, p 40).
99
Comissão de Alimentação estava em sintonia com as outras, construindo campanhas de
arrecadação de alimentos também organizadas junto à população.
Em termos de ações políticas, uma das primeiras atividades da greve foi a Feira de
Protesto. Distribuiu-se panfletos, organizou-se mini-comícios para a divulgação da
mobilização e arrecadação de fundos para a greve. Havia barracas decoradas com cartazes
bem como organizou-se uma pesquisa na qual perguntava-se à população qual o significado
do Acordo MEC-USAID. Estes fatos nos mostram a preocupação do ME em diversificar as
formas de luta buscando sensibilizar amplos setores sociais.
O movimento grevista entrava na segunda semana quando houve boatos sobre a
liberação de parte das verbas. Em nota oficial à imprensa, a UEB denunciou uma visão
falsificada da problemática educacional do Brasil, que viria se agravando assustadoramente
desde o movimento de 64. Assim é que, nos anos anteriores a 1964, a porcentagem
destinada à educação no orçamento atingia em média 12% enquanto nos últimos anos foi
sendo reduzida sistematicamente e, em 1968, chegou ao mínimo de 4,6%. Enquanto isso,
segundo a entidade, a Segurança Nacional figurava em primeiro lugar no quadro
orçamentário absorvendo 40% dos recursos federais e a saúde 2,5%. Para completar a
compreensão do caos financeiro, frisavam que a Universidade da Bahia só teria recebido
naquele período parte da verba correspondente ao segundo semestre de 1967, enquanto
60% continuavam retidos
179
.
Interessante notar que a força do movimento grevista influenciou também
estudantes de outras instituições. Deste modo, alunos da Escola Baiana de Medicina e da
Universidade Católica também deflagraram greve de ocupação. A reivindicação básica era
contra a cobrança abusiva de anuidades e a favor do ensino de qualidade.
Os ventos da greve chegaram aos secundaristas. Com reivindicações específicas, a
exemplo da crítica ao vestibular único segundo as entidades, dificultaria mais ainda o
ingresso das camadas populares na Universidade -, o ME secundarista dava passos na
mobilização que poderia desembocar numa greve no setor. Os estudantes do Colégio
Severino Vieira foram os primeiros do ensino médio a decretarem o movimento grevista
nos mesmos moldes dos universitários.
179
Jornal da Bahia. 18/06/1968
100
Importante a ressalva de que esta mobilização estudantil contra o corte de verbas da
universidade não estava restrita à UFBA. No Rio de Janeiro, estudantes da UFRJ
deflagraram uma greve por tempo determinado criticando as restrições orçamentárias
(Martins Filho, 1987).
A Polícia invade as Faculdades
Depois de alguns dias ocupando as Faculdades, em 15/06 os universitários foram
surpreendidos de madrugada com a invasão de tropas da polícia militar, corpo de
bombeiros e de agentes do DOPS que, armados e levando cachorros amestrados, prenderam
todos os estudantes envolvidos. Parece que os policiais teriam arrombado os portões de
entrada e ordenado os estudantes em fila indiana: moças na frente e rapazes atrás. Todos
foram conduzidos à polícia onde prestaram declarações e deixaram suas impressões
digitais.
De acordo com a imprensa, a Faculdade de Ciências Econômicas foi o primeiro alvo
da polícia que chegou ali por volta de 1:30h, não encontrando nenhuma reação por parte
dos estudantes. Segundo a imprensa, os policiais se dividiam: uns vigiavam os estudantes,
enquanto outros rastreavam a sede do diretório acadêmico onde retiraram diversos
manifestos distribuídos e arrancaram os cartazes colocados nas dependências da escola.
A Escola de Administração foi a segunda a sofrer a ação da polícia. Os estudantes
foram presos e levados à Secretaria de Segurança Pública. Dando continuidade à ação
policial, houve a invasão da Faculdade de Filosofia às 2:30h. Informados através de um
esquema de comunicação desenvolvido entre os DAs, os estudantes já sabiam da iminente
intervenção e fecharam o portão de entrada, concentrando-se em um só recinto. A polícia
teria arrombado o portão e prendido cerca de 20 universitários. Depois de passarem no
Colégio Severino Vieira onde não havia estudantes, os policiais dirigiram-se à Faculdade
de Medicina Universidade Católica - onde os estudantes teriam salientado que a greve
não estava vinculada aos problemas das unidades da Federal, mas que fora deflagrada para
a solução de problemas específicos daquela instituição.
A Faculdade de Medicina UFBA foi a última a ser invadida e a mais agredida.
Segundo o jornal, “tropas da polícia utilizando uma escada do corpo de bombeiros,
101
penetraram pela porta da frente, quebrando ainda duas janelas laterais com coronhadas de
rifle”. O DA elaborou um relatório onde constava que a polícia “consumou o mais
lamentável ato de vandalismo, pilhagem e estupidez que a Faculdade foi alvo durante seus
160 anos de autonomia”
180
. Segundo os estudantes, entre os danos causados pela polícia,
encontravam-se: arrombamento e destruição parcial do gabinete do Diretor e das salas de
congregação, da Secretaria, do Conselho Departamental e do DA, destruição da porta do
salão nobre, das máquinas de escrever, telefones, estantes e material literário,
desaparecimento de gêneros alimentícios destinados aos estudantes que se encontravam na
Faculdade.
Contudo, mesmo a ação policial de desocupação das Faculdades não foi suficiente
para acabar com a greve. Um dia após o incidente, os alunos voltaram para as Faculdades
afixando cartazes para denunciar a invasão. Paralelo a isto, professores de diversas
unidades universitárias reuniram-se na Reitoria para analisar os acontecimentos da
madrugada, deixando claro:
a) seu inconformismo em face do desrespeito à autonomia universitária e à autoridade de seus
dirigentes; b) sua solidariedade às providências adotadas pelos órgãos diretivos da universidade e c)
sua disposição de dar continuidade ao diálogo com o corpo discente, buscando uma solução em
comum para os graves problemas que afligem a universidade brasileira
181
.
O Reitor Roberto Santos manifestou-se contra a invasão das Faculdades pela
Polícia, alegando que a Universidade tinha o seu regime disciplinar e que os problemas
universitários eram exclusivamente afetados por esse sistema. Em seguida, recebeu uma
comissão de 15 líderes estudantis. O Reitor teria trabalhado desde a madrugada do dia
anterior para a soltura dos estudantes presos junto à Secretaria de Segurança Pública - o que
conseguiu. Já o Governador Luís Viana manteve contatos com o Governo Federal para
reforçar a pressão pela liberação das verbas. Do ponto de vista público, a direção da
universidade se posicionou:
As autoridades universitárias, reunidas para exame da situação em que se encontra a Universidade
Federal da Bahia e preocupadas com o seu desdobramento, dirigem aos estudantes veemente apelo
180
Jornal da Bahia.16/06/1968
102
para que retomem suas atividades, a fim de que o diálogo entre professores e alunos em torno dos
problemas universitários continue no exclusivo âmbito em que se deve manter, recomendar-lhes
vigilância para que se não desvirtuem sua motivação e sentido originários
182
.
Os estudantes continuaram firmes na luta. Em 26/06/1968, em assembléia realizada
na Faculdade de Filosofia, decidiram manter a ocupação das Faculdades, o funcionamento
das comissões de esclarecimento popular, bem como comícios-relâmpago em diversos
bairros de Salvador.
Muitos estudantes compareceram à assembléia. Segundo a imprensa, o presidente
da UEB salientou o “apoio dos pais, dos professores e de parcela considerável da
população”. Para ele, a interferência do governo estadual junto ao governo federal para a
liberação da verbas “já é fruto da nossa luta e nos dá a justa medida do crescente
isolamento do governo, que perde até o apoio dos seus representantes mais diretos”
183
.
Enquanto resultado da mobilização, quase dois bilhões de cruzeiros foram liberados
pelo Governo para a UFBA. Ainda assim os universitários confirmaram passeata contra a
política educacional do governo prevista para contar com a participação de professores,
intelectuais, artistas, jornalistas e clero. Intensificaram a campanha de esclarecimento
popular com distribuição de notas públicas, comícios-relâmpagos nos terminais de ônibus e
nos diversos bairros.
A ordem do dia lida nas assembléias sugeria que os estudantes enviassem as
reivindicações ao DCE, com cópia aos diretores que as encaminhariam ao Reitor. Além
disto, orientava que os estudantes discutissem a validade da ocupação das escolas nas salas
de aula, distribuíssem questionários à população e continuassem buscando o
comprometimento dos professores com o movimento. Em termos de perspectivas,
propunham que a greve continuasse - mesmo com a liberação das verbas - caso outras
universidades brasileiras entrassem em greve
184
.
181
Jornal da Bahia. 22/06/1968
182
ATarde. 22/06/1968.
183
Jornal da Bahia. 26/06/1968.
184
É importante dizer que a redução de verbas foi um problema de ordem nacional. Segundo Fernandes
(1979, p 53) “as universidades federais receberam cortes que reduziram seus orçamentos em 37%”. Isto gerou
mobilizações sendo que na UFRJ houve greve por t empo determinado (Martins Filho, 1987). Neste sentido, é
possível que os estudantes baianos tivessem alguma expectativa de uma greve nacional contra o corte de
verbas.
103
Dias depois, os estudantes voltaram às ruas com o apoio de jornalistas e intelectuais.
Saindo de três roteiros diferentes, protestaram contra a repressão policial, a política
educacional do governo e o arrocho salarial. Jornalistas aderiram ao movimento. A lei de
imprensa também foi alvo de críticas. Intelectuais baianos também estiveram presentes na
passeata com a faixa ‘Jovens poetas da Bahia com os estudantes’. O governador teria
determinado à polícia que não intervisse até porque declarava que as reivindicações eram
justas. Anunciava que o governo autorizava a passeata. É licito supor que esta suposta
‘autorização’ refletia uma avaliação política de que uma ação repressiva ao movimento
causaria ao governo profundo desgaste na opinião pública. Depois de ocuparem as ruas, os
estudantes decidiram manter a greve e enviar um Memorial ao Reitor contendo as
reivindicações específicas.
Enq uanto isso, os professores universitários se mobilizavam para a criação da
Associação da categoria: “Neste momento de crise, devemos estar unidos em torno de
órgão independente que possa congregar os corpos docentes de todos os níveis e de todas as
categorias”, explicaram os professores Istvan Jancsó e Renato Mesquita, à frente do grupo
da Faculdade de Filosofia que tomou a iniciativa
185
. Marcaram uma assembléia para o dia
04/07/1968. Desnecessário dizer que o ME deve ter influenciado muitos dos professores na
perspectiva de uma organização sindical.
A ‘ação’ no escritório do MEC-USAID
Como já foi dito, a greve tinha pautas específicas e gerais. Dentre elas, estava a
crítica aos Acordos MEC-USAID. Numa das passeatas, depois de percorrerem as ruas do
centro e realizarem um Comício no Campo Grande, um grupo de manifestantes teria tido a
iniciativa de ocupar o escritório da MEC-USAID que funcionava próximo à Reitoria. Os
dirigentes da UEB e DCE tinham posição divergente. Segundo um dos entrevistados:
“Éramos contrários. Nossa posição era demonstrar que aquela ação era resultado de uma
facção. Concluímos a passeata no Campo Grande”.
Parece que a disposição do outro grupo de estudantes era a de incendiar o local,
simbolizando a revolta dos estudantes face ao Acordo. O fato é que houve uma ocupação
185
Jornal da Bahia. 29/06/1968.
104
do escritório, quebra-quebra e incêndio de parte das instalações. No final do ato, Hermínio
Vieira, um jovem sapateiro sequer era estudante foi preso e autuado para ser processado
pela justiça militar
186
.
No outro dia, as manchetes da imprensa noticiavam o ato como uma coisa isolada e
impensada de uma minoria. Dias depois, o governo emitiria comunicado oficial afirmando
que “não mais serão permitidas passeatas ou concentrações de qualquer natureza”
187
. Longe
de ser uma mera formalidade, esta declaração adquiriu sentido prático nas próximas ações
de rua desenvolvidas pelo ME, conforme demonstraremos adiante. Já as entidades
estudantis lançaram nota oficial com o seguinte teor:
Os universitários baianos, tendo em vista os acontecimentos ocorridos anteontem, após a realização
de sua vitoriosa manifestação pública, vêm de público esclarecer o seguinte:
1. Os incidentes ocorridos após o encerramento da passeata são fruto da ação impensada de uma
minoria, que propondo a ida, naquele instante, à sede da reitoria, além de contrariar a decisão da
última assembléia geral universitária, restringiu ao âmbito estudantil uma manifestação que era
de todo o povo, e abriu caminho para as provocações inconsequentes que se verificaram a seguir.
Estes fatos, em nenhum momento coincidem com as reais aspirações dos estudantes e do povo
presentes à manifestação. Advertimos o povo baiano contra qualquer tentativa de descaracterizar
o movimento estudantil, a partir de fatos veementemente desautorizados pelas autênticas
lideranças, e que não correspondem à vontade da maioria esmagadora dos participantes das
manifestações.
2. Ficou mais uma vez demonstrada a seriedade e a justeza com que vêm manifestando os
estudantes baianos na luta em defesa de suas reivindicações e contra a política educacional do
Governo, tendo a passeata transcorrido num clima de perfeita ordem, desde a concentração
inicial na Praça da Sé, até o seu encerramento no Campo Grande. Vale ressaltar que a afluência
em massa das várias camadas da população, ao lado de refletir o descontentamento generalizado
do povo face a política do Governo, nos anima a continuar perseguindo novos objetivos,
pacificamente, enquanto necessário, e sempre energicamente.
3. Entendemos que a unidade entre os diversos setores da população, conseguida a partir da luta
dos estudantes, é o fato fundamental, que demonstra um recuo dos atuais Governantes, em
âmbito nacional. Ao mesmo tempo, interpretamos esta unidade como arma decisiva na busca de
uma solução para questões presentemente levantadas pelos estudantes, e que são de interesse de
todo o povo. Neste sentido, reafirmamos nossa disposição de prosseguir como o movimento,
cumprindo as últimas decisões da assembléia geral universitária, ao tempo em que,
186
BNM 49.
105
conclamamos o povo baiano a permanecer firme e coeso ao nosso lado não se deixando envolver
por manobras que porventura tentem descaracterizar nosso movimento
188
.
Este episódio denota as divergências que existiam no interior do ME, sobretudo
entre as correntes políticas. Mas, certamente, o debate sobre este episódio não ficou restrito
às lideranças das entidades e/ou das correntes políticas. Exemplo que confirma essa
reflexão diz respeito a uma resolução tirada numa assembléia dos alunos de Física e
Matemática:
Assim é que, junto às chamas da bandeira dos Estados Unidos, uma pequena parcela que quebrou e
queimou o MEC-USAID, foram esgotados toda a revolta e potencial da luta de massa,
transformando-os automaticamente numa auto-satisfação primitiva e deplorável. Também fica
registrada a tentativa de levar uma passeata, que não era somente estudantil, para a frente da Reitoria
Isto é oportunismo! Conscientemente ou inconscientemente se tentou utilizar trabalhadores
mobilizados em torno da luta contra o ‘arrocho salarial’ e a ‘ditadura’ para a obtenção pura e simples
das reivindicações estudantis
189
.
A luta reivindicatória
Coincidência ou não, depois do episódio acima discutido, o ME da UFBA vai
priorizar a pauta reivindicatória específica. Os relatórios construídos por unidades iriam ser
sistematizados num documento único. Desse modo, os estudantes organizaram um
Memorial. Decidiram marcar uma data para entregá-lo ao Reitor.
Em 10/07/1968, após uma assembléia realizada na Escola de Teatro, cerca de 1500
estudantes foram ao encontro do Reitor
190
. Entregaram-lhe o Memorial. Deram um prazo de
10 dias para a Reitoria se posicionar em relação ao conteúdo das reivindicações. Em termos
de política educacional, inquiriram o Reitor sobre seu posicionamento em relação à
transformação da UFBA em Fundação. A proposta foi negada de maneira veemente pelo
dirigente máximo da universidade, o Professor Roberto Santos. No mais, aprovaram a
187
ATarde. 08/071968.
188
ATarde. 06/07/1968.
189
ATarde. 18/07/1968. Não encontramos documentação com argumentos a favor da iniciativa. Nas
entrevistas, isto também não aparece.
190
ATarde. 10/07/1968.
106
criação de uma Comissão Mista entre Professores e Estudantes para apreciar as
reivindicações. Isto tinha uma lógica, notadamente porque havia reivindicações que
dependiam de verbas do governo federal; outras poderiam ser negociadas com o Reitor; por
último, existia aquelas que poderiam ser resolvidas no âmbito de cada Faculdade.
É possível imaginar a existência de um desgaste. Afinal, os estudantes
ultrapassavam a marca dos 30 dias em greve. Mesmo a ocupação, já era mantida em
esquema de rodízio. Além disso, não esquecer que, quanto mais tempo em greve, mais as
férias ficariam comprometidas. Sem falar nos formandos. Talvez devido a essas razões,
somadas a avaliações políticas sobre a ineficácia daquela forma de luta, em 25/07 surgira o
debate para finalizar a greve. A proposta foi rejeitada. Mas o principal aspecto a ser
enfatizado é a tentativa imprimida pelo ME de deslocar o eixo da greve para a questão da
Reforma da UFBA. Na nossa opinião, não seria arriscado imaginar esta mudança do eixo
da greve como uma auto-crítica do ME. Afinal, já se passara mais de um mês em greve e
houve pouco debate em relação à Reforma Universitária - em curso adiantado na UFBA.
Provavelmente em busca de subsídios e de aliados políticos, os estudantes
aprovaram a criação de um Fórum de Debates sobre a Reforma da UFBA. A idéia foi
incorporar professores do Conselho Universitário, membros da Comissão Mista e todos
aqueles que estivessem interessados no tema. Seria realizado no dia 29/07.
Embora tivesse alegado inicialmente que problemas de agenda o impossibilitariam
de se fazer presente no debate, parece que havia também uma resistência do Reitor em
discutir o tema com os estudantes. Estes alegavam o pouco esclarecimento e divulgação
sobre a reforma em curso; sobre o conteúdo, diziam que era inspirada em ‘orientação
imperialista’. Por sua vez, o Reitor argumentava que a reforma tinha se inspirado no projeto
da Universidade de Brasília e que inexistia clima para fazer o debate com os estudantes.
Neste cenário, o dia 30/07 foi programado para assembléias nas unidades. Os alunos
de medicina realizaram assembléia e aprovaram a volta às aulas. Embora só tenhamos esse
registro, é possível pensá-lo como um demonstrativo de uma vontade coletiva, senão da
maioria, pelo menos daqueles menos engajados ou já descrentes dos resultados da greve.
Na assembléia geral do dia posterior, o ME aprova a volta às aulas no dia 05/08.
Marca-se a segunda sessão do Fórum de Debates e conclui-se a reunião com a avaliação de
que o retorno às aulas era uma tática para informar e mobilizar mais os alunos. Além disto,
107
mostrando uma diversificação das bandeiras de luta, os estudantes aprovaram a realização
de um protesto contra o aumento das tarifas de ônibus
191
.
Agosto: em poucos dias, intensos confrontos
A volta às aulas foi marcada por uma indignação do ME com a prisão do líder
estudantil Wladimir Palmeira
192
. Explodiram protestos em algumas cidades. No caso
baiano, os estudantes aprovaram fazer uma passeata para criticar a prisão, bem como,
protestar contra o aumento do preço da passagem em transportes coletivos e denunciar a
política educacional do governo.
Em 06/08, o que seria uma passeata estudantil transformou-se em conflitos
generalizados entre policiais e estudantes. Talvez aplicando a resolução expressa no
comunicado oficial anteriormente emitido
193
, atendendo à pressão da ‘linha dura’ no
interior do governo, ou sem controle efetivo sobre a esfera repressiva estatal, a atuação da
repressão governista foi marcada pela violência
194
. Houve um trabalho de equipe entre
Polícia Civil, Polícia Federal, Polícia Militar, DOPS e Guarda Civil. Isto denota uma
cooperação entre o aparato repressivo, possivelmente enquanto embrião local de um
fenômeno em curso nacionalmente (D’Araújo, 1994b).
O resultado foi dezenas de feridos, prisões de estudantes e jornalistas, tiros para o
alto, bala perdida atingindo a Assembléia Legislativa e uma bala acertada em Júlio Pavese,
aluno do curso de Ciências Sociais. Embora quase instântaneo no plano cronológico, o
maio baiano
195
teria início em agosto com essa passeata.
Talvez pela surpresa com tamanha repressão, a principal reação dos estudantes
durante os conflitos tinha sido a dispersão e reaglutinação na Reitoria e no Restaurante
191
No dia 02/08, ocorreu uma concentração de estudantes em frente à Prefeitura Municipal. Seu objetivo era
protestar contra o aumento das tarifas de ônibus. Contudo, esta manifestação não contou com a unanimidade
do ME. Pelo menos alguns diretores da UEB teriam se recusado a participar do ato, cf. ATarde. 03/08/1968.
192
Wladimir Palmeira era considerado o mais importante líder estudantil do ME carioca.
193
Lembrar do teor da nota emitida pelo Governo após a ‘ação no escritório do MEC-USAID’.
194
Esta atuação diferiu da Polícia carioca, onde utilizou-se a repressão preventiva fazendo prisões em massa
antes da passeata.
195
Alusão indireta ao maio de 68 na França, onde a tônica violenta marcou os conflitos generalizados entre
estudantes e policiais. Interessante notar que, neste mesmo período, na Universidade do México vivia-se uma
greve estudantil radicalizada e violentamente reprimida com a invasão da Universidade. Dias depois, o Reitor
sairia liderando uma mega-passeata contra a repressão e a quebra da autonomia universitária (Martins Filho,
1996).
108
Universitário. Muitos acompanharam com apreensão o estado de saúde do estudante
baleado. Cerca de 100 estudantes fizeram um plantão na Clínica. Professores de Medicina
teriam ido prestar assistência. Houve ação coletiva de doação de sangue para o estudante.
Até a equipe de médicos residentes do Hospital das Clínicas teria se colocado de prontidão
para eventuais ajudas. Em resumo: a violência da polícia reforçou laços de solidariedade
ao ME. Contudo, as reações do ME não teriam apenas como ingrediente o repúdio à
violência. No imediato pós-passeata, houve indignação, raiva e ira. Esses sentimentos
podem ser comprovados com base em um exemplo simbólico. Vamos a ele.
Ainda na noite deste mesmo dia, um grupo de estudantes estaria reunido em frente
ao restaurante universitário quando notaram um aparente desconhecido, de fisionomia
familiar. Alguém com a memória fotográfica mais apurada percebeu que aquela aparência
era mais próxima do que se pensava. O grupo tomou a iniciativa de chamar estudantes com
tradição de participação nas Comissões de Segurança das passeatas. Eis que o desconhecido
fora abordado. Tomaram-lhes os documentos e constataram que, conforme suspeitas,
tratava-se de um agente do DOPS que supostamente cumpria função de espionagem
196
.
Vendaram-lhes os olhos e levaram-no à Assembléia estudantil que, a esta altura, já se
desenrolava na Reitoria.
Segundo um dos entrevistados, a entrada na Reitoria foi um espetáculo. Imaginemos
a cena: numa assembléia com ânimos à flor da pele, estudantes trazendo como ‘refém’ um
policial amarrado, passivo e inofensivo. Certamente as propostas mais diversas devem ter
surgido sobre o que fazer com aquele policial. No final das contas, o deboche prevaleceu
como tática para desmoralizá-lo. Segundo um entrevistado:
Ele estava com a namorada no ponto de ônibus em frente da residência universitária, olhando os
estudantes e dando informação. Articulamos e prendemos o cara [que] foi levado para uma
assembléia enorme que estava tendo na reitoria [...] com um pano na cabeça. Quando ele chegou foi
um impacto violento, todo mundo ficou assombrado [...]. Debateu-se na assembléia o que fazer com
ele, decidiu levar para a Escola de Veterinária. Naquele tempo ainda não existia o PAF. Tudo ali era
uma mata geral, então ele ficou lá a noite toda naquela mata e quando foi uma certa hora da
madrugada [...] deixou ele [de cueca] na pista de Ondina lá na praia.
109
Os estudantes perceberam que a resposta central à repressão era política,
denunciando as arbitrariedades policiais e, mais uma vez, ocupando as ruas no dia 08/08.
Nessa passeata, eles saíram de três pontos diferentes. Seu destino era a Praça Municipal -
local que concentrava, além da Assembléia Legislativa, a Câmara de Vereadores, Prefeitura
Municipal e a sede do Governo Estadual. A polícia não deixou. Tiros e bombas de gás
lacrimogêneo foram lançados. Houve espancamento indiscriminado. Populares que se
encontravam no centro realizando compras teriam sido agredidos. A polícia teria infiltrado
agentes no meio dos estudantes para efetuar provocações
197
. Um Professor Catedrático da
Escola de Belas Artes - Riolan Coutinho - que passava por perto foi espancado e jogado em
um caminhão com dezenas de mulheres e menores de idade
198
. Alguns estudantes buscaram
refúgio no Mosteiro de São Bento. Ao contrário de outras vezes, nesta oportunidade os
policiais não respeitaram a Igreja nem tampouco atenderam aos apelos de D. Timóteo
Anastácio. Invadiram o templo, espancaram e prenderam alguns estudantes
199
. Sete pessoas
foram feridas a bala
200
. Estes dados mostram o quanto o regime havia endurecido
desrespeitando leis e instituições (Benevides, 1999).
O dia seguinte foi marcado por articulação política e expectativa com a outra
passeata prometida pelos estudantes. A invasão do Mosteiro seria alvo de críticas. Sob a
presidência de D. Timóteo Anastácio, estudantes, intelectuais, professores e artistas
reuniram-se na Escola de Teatro para um Ato político de protesto. Parlamentares do MDB
teriam se solidarizado com D. Timóteo. Enquanto isso, nas Faculdades, o clima era de
tensão. A Escola de Administração teria sido invadida pela Polícia e espalharam-se boatos
de que outras unidades estariam na mira. Havia desconfiança sobre qualquer pessoa
diferente, tida como agente policial.
Em relação ao centro da cidade, a imprensa noticiou incidentes entre populares e
policiais. Em alguma medida, depreende-se da leitura dos jornais, a existência de algum
clima de ‘desordem’ e de repulsa à polícia. Esta análise se reforça na medida em que
encontramos outras reportagens enfatizando que o comércio estaria sofrendo grande
196
Tratava-se do investigador Edson Ferreira de Souza. Segundo ele, os estudantes o teriam agredido.
ATarde. 08/08/1968.
197
ATarde 09/08/1968.
198
Jornal da Bahia. 09/08/1968.
199
Segundo o jornal, os policiais teriam submetido os estudantes a um ‘corredor-polonês’. Até duas
professoras que davam aulas no curso primário do Ginásio São Bento teriam sido presas.
110
prejuízo, bancos com expedientes encerrados, clientes desmarcando consultas, pontos
facultativos em repartições públicas etc
201
.
Com base nas notícias veiculadas, percebe-se a existência de um clima de tensão
muito grande. A polícia montou um forte esquema de repressão ostensiva, em meio a
boatos de uma nova mobilização. As tropas foram às ruas fortemente armadas. O centro
fechou o comércio. Houve invasão policial nas Faculdades de Administração e Ciências
Econômicas. Atentos, os estudantes não foram às ruas declarando que suspenderam a
passeata prevista “para evitar o massacre”
202
.
Em 15/08, houve passeata. Os estudantes concentraram-se na Praça Castro Alves
fazendo comícios-relâmpagos e alguns grupos seguiram até a Baixa de Quintas. Os
discursos tematizavam a repressão policial, a política educacional do governo e o aumento
dos transportes. Sobre este último assunto, determinado grupo chegou a quebrar dois
ônibus. Um jornalista foi agredido pela polícia e 7 estudantes foram presos
203
.
Ademais, não houve nenhum incidente e os estudantes universitários parecem ter
organizado um recuo
204
. O endurecimento da repressão na Bahia não era algo isolado da
situação nacional. Muitos já avaliavam o fortalecimento do setor da ‘linha dura’ no seio do
governo. Diante disto, tornava-se fundamental debater a situação do país, a realidade local e
os desafios do ME. Para tanto, os estudantes debruçar-se-iam centralmente na preparação
local para o 30
º
Congresso da União Nacional dos Estudantes. Desnecessário dizer que
estes confrontos refletir-se-iam em propostas de enfrentamento. Reagindo à conjuntura, o
ME radicalizava também seu discurso e métodos de ação.
Como um demonstrativo dessa radicalização, antes de analisar o 30
º
CONUNE, é
importante que apontemos rápidas notas sobre um acontecimento na Faculdade de Direito.
200
Jornal da Bahia. 09/08/1968.
201
ATarde. 13/08/1968. Alegava-se também que o ‘dia do papai’ teria apresentado queda de vendas em 40%.
202
Jornal da Bahia. 14/08/1968.
203
Jornal da Bahia. 16/08/1968.
204
Esta avaliação fundamenta-se no fato de que os secundaristas teriam tido disposição para organizar outra
manifestação no Centro, o que ocorreu em 20/08/1968. Os universitários não se dispuseram a participar do
ato.
111
Os conflitos na Faculdade de Direito
No calor dos confrontos de rua entre estudantes e policiais, cabe destacar um
episódio. Após reconhecer três membros da polícia que eram estudantes e tinham
participado diretamente da repressão ao ME na condição de policiais, os acadêmicos de
direito se mobilizam pela expulsão daqueles tenentes-estudantes.
O clima de hostilidades ficou tão radicalizado que houve uma determinação por
parte do Diretor - Professor Orlando Gomes - no sentido de fechar a Faculdade de Direito.
Houve ocupação pelos alunos; desocupação com base em mandato de reintegração de
posse, solicitado pelo Diretor; reabertura da Faculdade; fechamento novamente. O
acadêmico João Almeida, representante estudantil no Conselho Universitário, criticou este
episódio numa das reuniões. Na ata aparece o seguinte o registro:
Ainda outra questão que gostaria de levantar aqui se prende aos alunos da Faculdade de Direito da
UFBA. Essa Faculdade se encontra fechada por algum tempo, ou por muito tempo, com o prejuízo
de 600 e tantos alunos que lá fazem o seu curso [...] São quase 600 alunos prejudicados por causa de
3 outros alunos [...]. O clima na universidade, esse ano, foi de perfeito entendimento entre professor
e estudantes, naturalmente com certas divergências
205
.
O Reitor respondeu da seguinte forma: “A 1
ª
parte será registrada em Ata e qua lquer
conselheiro pode usar a palavra. A 2
ª
o processo encontra-se ‘sob júdice’. O CARB
encaminhará ao Poder Judiciário via Mandado de Segurança”
206
.
Esta mobilização deixou a Faculdade fechada por quase um semestre. A
Congregação da Faculdade criou uma comissão para investigar esta questão. Diversos
alunos foram convocados para depor. Professores e funcionários também tiveram voz ativa.
No final das contas, depois de algum tempo, os três estudantes permaneceram matriculados
na faculdade.
Independente do desfecho, este acontecimento ilustra um clima de radicalização no
ME, num contexto de endurecimento do regime. Esta atmosfera ‘anti-policial’ contagiou
205
ATA CONSUNI. 31/10/1968
206
ATA CONSUNI. 31/10/1968.
112
diversas outras unidades. Segundo um dos entrevistados, ocorreu movimento em menor
escala na Faculdade de Filosofia:
Em determinado momento, descobriu-se que havia colegas que eram policiais. Alguns estudantes
vieram me procurar para denunciar aquilo propondo organizar assembléias para expulsá-los da
Faculdade. Não concordei com aquilo. Achava que não era por que o estudante era policial que
teríamos que expulsá-lo. Um destes oficiais veio me procurar e coloquei a minha posição. Por ironia
da história, anos depois, este policial deu um testemunho a meu favor no processo movido pela
Justiça militar. Acho que foi determinante para a minha absolvição.
O 30
º
Congresso da UNE: preparação e desdobramentos
O segundo semestre de 68 é tido por muitos como o início do refluxo do ME no
âmbito nacional (Reis Filho, 1998; Saldanha de Oliveira, 1994). Neste período, no plano
nacional diminuíram as manifestações de rua e o ME viveu polêmico debate sobre os
desafios da UNE. A preparação do Congresso foi dividida em 4 fases:
1. Assembléias e discussões nas escolas e eleições em assembléias, inclusive nas escolas onde existiam
diretórios representativos. Em determinados casos era combinada a eleição de um delegado por centro
acadêmico com outros em Assembléia Geral; 2. Congressos Regionais que eram feitos por Estados ou
por conjunto de estados. Nesta fase reuniam-se os delegados eleitos nas escolas na proporção de um
delegado para cada 50 delegados, aí seriam discutidas as questões políticas nacionais e a situação do
Movimento estudantil a nível nacional, ao mesmo tempo que eram discutidos os problemas relativos à
região; [...] 3. Na terceira fase se daria o Congresso Nacional, com a participação de 1 delegado para cada
500 estudantes. Com isto teriam delegados eleitos após uma ampla discussão na base e com
conhecimento de todas as propostas políticas que existiam no ME. Este Congresso tiraria uma carta
política e elegeria a diretoria; 4. A quarta fase seria a consolidação da nova diretoria, que se daria através
da divulgação e discussão ampla da carta política a nível de base e da apresentação da nova diretoria, por
parte da antiga nas diversas regiões (Santos, 1980, pp 72-73).
No plano político-organizativo, emergiu o dilema entre fazer um Congresso aberto
ou clandestino. Esta polêmica nacional se deu principalmente no seio das correntes
113
políticas que predominavam na direção da entidade
207
, quais sejam, a Ação Popular (AP),
as Dissidências Estudantis do PCB e a Política Operária (POLOP). A maioria optou pela
segunda alternativa. A UEE-SP ficou responsável de organizar o evento.
Em termos de UFBA, como já foi dito, a partir do final de agosto o ME voltou sua
energia para a participação no Congresso. Os diversos DAs elegeram seus
representantes/delegados, tanto para o CONUNE quanto para o Congresso Regional. O
processo eleitoral combinou a realização de assembléias por curso, votação em urna e
indicação/aprovação por séries
208
. Foram ao CONUNE, entre delegados e observadores, 39
estudantes da UFBA e 15 estudantes de outras universidades
209
.
No que diz respeito ao Congresso da UEB, ocorreu polêmica acerca da sua
instalação enquanto evento aberto ou clandestino. Este dilema era resultado das polêmicas
nacionais sobre o Congresso da UNE. Havia divergências entre as diversas bancadas dos
estados presentes ao fórum, a saber, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba e Bahia
(Saldanha de Oliveira, 1994).
O desfecho do impasse foi favorável a um Congresso legal. Segundo Sérgio
Passarinho à época presidente da UEB:
Fizemos o Congresso em locais públicos, em salas de faculdades, os estudantes receberam tickets,
impressos. Conseguimos até da reitoria o reconhecimento destes tickets como autorização de
ingresso nos restaurantes e residências universitários. Alojamos e alimentamos todos os estudantes
que vieram para este evento preparatório (Reis Filho, 1998, p 182).
207
Note-se que no caso da UFBA, as organizações políticas mais atuantes eram o PCB, a AP, o PCdoB e a
POLOP. Além disto, havia a chamada esquerda independente que fazia alianças pontuais com uma ou outra
corrente política. É interessante registrar que o PCdoB estaria mais fortalecido em 1968, sobretudo a partir do
trabalho político na Faculdade de Direito, onde tinha um grupo de militantes incluindo o Presidente do
CARB, Rosalindo Souza. Contudo, dado o limite das fontes, não sabemos mais aprofundadamente como a
configuração entre as tendências manifestou-se, seja em termos de influência política na delegação baiana ao
Congresso, seja no ME como um todo.
208
Ver BNM 71.
209
DEOPS/SP. Relatório Operação Ibiúna XXX Congresso da Extinta UNE. 12/10/1968. São Paulo.
Documentação disponível no AEL. Interessante notar que, dos estudantes da UFBA, mais da metade nasceu
em cidades diferentes de Salvador. Isto reforça a nossa idéia acerca da importância de pesquisas sobre a
origem social dos militantes.
114
Cumprida a fase 2, restaria instalar o 30
º
Congresso da UNE. Os delegados teriam
viajado de ônibus; alguns sozinhos e outros acompanhados. Todos tinham senhas diversas,
dadas por um desconhecido com sotaque sulista que passou pela universidade
210
.
Apesar desses cuidados, o evento foi desbaratado. Mostrando como o aparelho
repressivo se organizava nacionalmente e implementava suas táticas de repressão
preventiva com base na contra-informação, a Polícia já sabia do evento 10 dias antes
211
. Na
madrugada do dia 12 de outubro, tiros foram dados para cima. Os estudantes acordaram
assustados. Estavam cercados. Era a ‘queda de Ibiúna’. Presos, foram levados ao Presídio
Tiradentes (Santos, 1980).
A notícia gerou diversas manifestações em alguns estados. A Bahia foi um deles.
No dia 15 de outubro, houve protestos pelo centro da cidade. Ocorreram atritos entre
polícia e estudantes. Uns dando tiros; outros pedradas. Novamente, o centro virou uma
‘praça de guerra’.
No dia seguinte, o Jornal ATarde publica um Editorial na primeira página intitulado
“Acabem com isto”. A linha política da matéria é desconhecer aquela manifestação
estudantil enquanto expressiva do conjunto dos estudantes. Segundo o jornal, seria fruto de
um pequeno número de agitadores violentos. Relembra que houve apoio da sociedade à luta
estudantil por melhores condições de ensino e que o governo teria tomado iniciativas para
resolver o problema. Nada teria adiantado porque o que aquela ‘minoria de jovens’ queria
era a mudança do regime mas o povo brasileiro não queria escravizar-se, como teria
acontecido na Tchecoslováquia
212
. Dizia ainda que
Ao que tudo indica, entretanto, o que é preciso já não é apontar as causas, mas sim os lugares de
onde provêm a inspiração desses movimentos e os seus agentes, que devem ser quanto antes
identificados e afastados de junto da juventude, a que procuram envenenar por todas as maneiras, por
considerá-la a melhor linha de frente para seus desígnios demolidores. [...]
Mas, que o governo com isto procure acabar sem apelo às armas de guerra. Usar armas de fogo, que
ferem e matam, contra jovens em erro político não é só uma temeridade: é uma burrice. É atender aos
210
Isto fica explícito nos depoimentos prestados pelos estudantes. BNM 71. pp 290-437.
211
A respeito ver DEOPS/SP. Relatório Operação Ibiúna. XXX Congresso da Extinta UNE. 12/10/1968.
212
Em 1968 ocorreu a Primavera de Praga, quando tropas soviéticas invadiram a Tchecoslováquia.
115
desígnios dos manipuladores da desordem, ávidos de sangue, com que possam sensibilizar a opinião
pública, particularmente as massas trabalhadoras
213
.
Este trecho mostra o jornal assumindo a função de um órgão modelador da opinião
pública. É um artigo que busca associar a imagem do ME enquanto fruto da ação de
subversivos
214
. Para os objetivos do texto, a menção à reportagem justifica-se por ser uma
opinião que contribuía para a criação de um ambiente político de isolamento social do
protesto universitário.
Ainda assim, os estudantes continuaram com os protestos. Devido ao pequeno
número de participantes, com os principais dirigentes presos e em função da repressão
ostensiva, os comícios-relâmpagos foram a principal forma de luta. Eles foram realizados
por diversos grupos, de locais diferentes para tentar driblar a ação da polícia. Mais uma vez,
os conflitos deram o tom. Carros oficiais foram virados, depredados, pichações foram feitas
e os estudantes revidavam aos tiros da polícia com pedradas. No final do ato, cerca de
setenta estudantes foram presos.
215
No dia 19/10, os delegados e observadores baianos presentes ao 30
º
Congresso da
UNE chegaram a Salvador, escoltados por agentes policiais. Foram direto para a Vila
Militar, no bairro do Bonfim. Ficariam presos e incomunicáveis por alguns dias. Aos
poucos, seus depoimentos seriam tomados.
Antes da liberação de todos os detidos, ainda seria organizada outra manifestação
estudantil pela soltura dos presos. Ao invés do centro, os estudantes escolheram o bairro do
213
ATarde. 16/10/1968.
214
Em rápidas notas, Gilberto Velho já sugeriu que sistemas de acusação podem desempenhar funções de
delimitar fronteiras, manipular poder e organizar emoções. O autor discute que “a categoria subversivo [...]
serve, fundamentalmente, para estigmatizar as pessoas de esquerda. A categoria esquerda já pode ser
altamente estigmatizadora, dependendo do contexto. Mas subversivo em qualquer contexto ameaça a ordem
estabelecida, tem conotações de grande periculosidade e violência [...]. Ele é perigoso porque é uma ameaça
política à ordem vigente, deve ser identificado e controlado. Embora subversivo seja uma categoria de
acusação eminentemente política, contamina outros domínios. Muitas vezes vem acompanhado de criminoso,
ateu, traiçoeiro etc., com fortes implicações morais. A lógica do discurso acusatório faz com que se passe de
uma denúncia política para uma acusação mais globalizadora em que a própria humanidade dos acusados é
posta em questão. [...] Existe também a idéia de que sua mente é corrompida por agentes externos às
fronteiras de sua sociedade, tornando-se massa de manobra de interesses “de fora”. Ele traz coisas “de fora”,
contamina a sua sociedade com o exógeno, desarruma uma ordem natural, com idéias e comportamentos
deslocados e disruptivos [...] Por conseguinte, temos um verdadeiro complexo de demonologia em que fica
caracterizado um comportamento perigoso, maligno, anormal, doente. [...] ele [o subversivo] é visto como
possuído por ideologias estranhas, enfeitiçado por seres desumanos por sua iniquidade e vileza. [...] tem tanto
possibilidades de contaminar como de enfeitiçar” (Velho, 1999, pp 59-60).
215
ATarde. 17/10/1968.
116
Comércio. Mais uma vez, ocorreram conflitos com os policiais. Houve feridos e prisões.
Uma senhora observava os acontecimentos pela janela do edifício e foi alvejada com uma
bala. Repórteres da imprensa foram ameaçados. Segundo o ATarde, o Banco do Estado da
Bahia teria sido cercado por policiais que teriam alegado que um deles feriu-se quando
jogaram um cinzeiro do prédio
216
. Esta foi a última ação de rua dos universitários baianos
no ano de 1968.
Talvez como resultado das manifestações, todos os estudantes presos foram
liberados da prisão. Seus depoimentos seriam anexados a um Processo movido pela Justiça
Militar para apurar as ações do ME.
Na primeira reunião do Conselho Universitário após o evento, a repressão ao
Congresso e algumas de suas repercussões internas à UFBA não passaram desapercebidas
por João Almeida, representante estudantil:
Magnífico Reitor, Senhores Conselheiros, em meados do mês de outubro, o Governo do Estado de
São Paulo, usando o esquema repressivo e policial do seu estado, desbaratou uma reunião de
estudantes na qual seriam discutidos os problemas da classe estudantil e da nossa universidade, onde
seriam traçadas as diretrizes para ver de que forma os estudantes encaminhariam uma solução para
esses problemas. Não me surpreende essa atitude do governo porque na verdade, desde 1964 os
direitos do povo brasileiro foram cerceados. Vale, porém ressaltar aqui agora que isso se refletiu
entre os professores da nossa universidade. Alguns manifestaram a sua solidariedade e outros o seu
apoio à repressão aos estudantes e a esses quero deixar aqui o nosso repúdio e protesto
217
.
A última frase pode ser sugestiva de que, mesmo na universidade, havia
manifestações contrárias às ações do ME naquela conjuntura
218
. Tentando entender os
acontecimentos recentes e com todas suas lideranças soltas, os universitários decidiram
suspender as manifestações públicas e concentrar atenção para o Congresso da UEB. O
evento chegou a acontecer e elegeu Filemon Matos - militante do PCB - para Presidente da
216
ATarde. 23/10/1968.
217
ATA CONSUNI. 31/10/1968.
218
Com isto não se quer dizer que antes teria havido unanimidade. A resposta do Conselho Universitário ao
golpe demonstra isso. Mesmo entre os estudantes, havia aqueles que não concordavam com as ações do ME.
Uma pequena parte buscava atuar junto a entidades como a Tradição, Família e Propriedade mas não tinha
muita simpatia. Um dos entrevistados falou que certa vez membros desse grupo foram expulsos à força de
uma sala na Faculdade de Filosofia. Voltando ao fio condutor da análise, queremos dizer que a declaração de
repúdio do Representante estudantil sugere que, com a radicalização entre ME e governo, houve mudanças na
117
entidade
219
(Santos, 2001, p 70). Contudo, este processo já aconteceria no refluxo do ME
local/nacional e com a vitória da ‘linha dura’ no governo.
O desbaratamento do 30
º
Congresso da UNE já é um demonstrativo da intolerância
da repressão com a oposição
220
. Em seguida à queda de Ibiúna, houve o AI-5 que
praticamente fechou as possibilidades de alguma resistência legal e aberta ao regime. O Ato
Institucional suspendeu o direito ao habeas-corpus, instituiu a censura. Segundo um
estudioso, “com o AI-5, o Brasil ingressou em um período de trevas” (Velasco e Cruz,
1994 ). Após o Congresso de Ibiúna, diversos estudantes passaram a ser denunciados em
processos jurídicos. Nalguns casos, foram imediatamente presos enquanto o inquérito
tramitava.
Para fechar mais o cerco ao ME, em fevereiro de 69, o Governo criou o Decreto
477. Este Decreto previa a expulsão de professores que se envolvessem em manifestações
de caráter político-partidário. Quanto aos estudantes, seriam impedidos de se matricular por
até 3 anos numa Faculdade. Este decreto fecharia mais ainda as possibilidades de ação
institucional no ME. Além disto, seria aplicado de modo retroativo e ilegal na universidade,
ao cassar o direito de matrícula de diversos estudantes.
O cancelamento de matrículas: “O AI-5 dentro da universidade”
221
O ME ainda tentou reverter o cancelamento das matrículas. Reunidos em
assembléia, os estudantes de direito foram informados que o prédio estava cercado pela
Polícia Federal. Vejamos o relato de um entrevistado:
conjuntura com setores se contrapondo ao ME. Este exemplo também demonstra a pertinência de se ter
cuidados na interpretação da dialética repressão-resistência, abordada anteriormente.
219
Interessante enfatizar um tema importante mas que, devido aos limites de fontes, foi tocado
transversalmente pela pesquisa: a relação entre esquerda e ME. Por exemplo, como a analisar a
predominância do PCB à frente das entidades locais DCE/UEB, enquanto no plano nacional praticamente
havia desaparecido? Uma hipótese: teria sido um efeito da política do governo estadual na repressão ao ME e
suas consequências em termos de criação de confrontos abertos. Dito de outra forma: teria o Governo Luís
Viana, ao não usar constantemente a repressão direta, dado brechas para uma atuação do ME local menos
radicalizada, se comparado ao desenvolvido em outras capitais? Seria este um argumento importante para
explicar a predominância do PCB nas direções das entidades? Desnecessário dizer que as dissertações em
desenvolvimento de Sandra Silva e Andréa dos Santos ambas no Mestrado em História UFBA -
contribuirão em muito para preencher as lacunas historiográficas sobre a esquerda baiana.
220
Uma das consequências da queda de Ibiúna foi a obtenção de um conhecimento mais aprofundado dos
órgãos repressivos sobre as lideranças do ME e seu fichamento. Posteriormente, seria um ‘banco de dados’
para a repressão à esquerda armada (Dirceu & Palmeira, 1998).
118
Houve uma espécie de AI-5 dentro da Universidade, foram afastados cerca de trinta e tantos a
quarenta estudantes, doze dos quais eram da Faculdade de Direito. Alguns haviam acabado de se
formar quando veio a cassação, é o caso de Pedro Milton, por exemplo, mas outros foram pegos, eu
por exemplo, iria cursar o último ano quando veio a cassação e fui afastado da Faculdade de
Direito
222
.
As aulas estavam recomeçando [...] a Faculdade de Direito tinha entrado naquela greve logo depois
do AI-5 e ficou paralisada o resto do ano todo, na reabertura em março, foi no primeiro dia de aula
[15/03/1969]. Estávamos numa assembléia tentando rearticular a Faculdade para continuar com o
movimento de reação do AI-5 e contra a presença de policiais dentro da escola [...] aí houve a
invasão da Faculdade de Direito comandada por Luís Arthur que era o diretor da polícia Federal e
nos fomos cercados, algumas pessoas conseguiram escapar. Rosalindo, por exemplo. Isto marca a
saída de Rosalindo para o Rio de Janeiro e posteriormente para a guerrilha do Araguaia
223
Continua afirmando:
O próprio comportamento da justiça merece uma maior investigação. Nós saímos da prisão e
entramos com uma ação de reintegração da Faculdade. O primeiro problema foi exatamente achar
um advogado, nós corremos a Bahia inteira, mesmo aqueles advogados mais progressistas. Era um
momento de muito temor depois do AI-5, realmente foi o momento de grande pavor na vida do país e
da Universidade. Só uma pessoa aceitou: Eugênio Lira.
Perguntado sobre quem teria determinado a cassação, ele respondeu
A procedência disso, como vieram as cassações? De onde elas partiram? A origem delas? Deve ter
vindo de algum lugar, alguns acham que veio da própria reitoria mesmo, alguns devem ter dito que
veio de fora, que o próprio sistema militar mandou, o que eu não acredito pois tinha a relação de
nomes.
Havia uma cumplicidade aberta e clara na Faculdade de Direito, o cara aceitou (o diretor),
determinou a cassação, acolheu o ato e diante a reação da gente [se misturar com os calouros nas
221
Frase proferida por um entrevistado.
222
Cabe o registro de que alguns desses alunos foram reintegrados na UFBA. Outros, só conseguiram
matricular-se na Universidade Católica de Salvador.
223
Rosalindo Souza era ativista do ME e ex-presidente do CARB. Militante do PCdoB, teria tido importante
papel na construção de uma influência política desta agremiação junto ao ME local. Foi deslocado pelo
partido para integrar o destacamento na preparação da Guerrilha do Araguaia, onde foi assassinado por tropas
119
salas de aula] ele foi com o chefe da polícia federal para dentro da sala de aula para prisão da gente
[...] em outros lugares onde houve cassação houve no mínimo cumplicidade dos diretores e
permissão para que ela pudesse se realizar.
Já em relação ao impacto do Decreto 477 para o clima político na época, outro
entrevistado disse que “o Decreto 477 abateu a capacidade do ME e criou um clima de
terror na universidade. Muita gente foi presa. Outros caíram na clandestinidade. Eu mesmo
fiquei um mês sem ir em casa. [...] Na universidade, foi horrível. Passou-se a ter medo do
colega, de infiltração. Um quadro amedrontador”.
Ainda sobre a cassação do direito de matrícula e seu impacto no plano subjetivo,
observemos as afirmações de um outro entrevistado:
Fui enquadrado em 1969 e voltei para concluir o curso de ciências Sociais em 1972. O clima da
Universidade era completamente diferente; era de desalento e tristeza. De um lado o medo- uma
coisa paranóica- as pessoas assustadas, atemorizadas. A reforma universitária já havia sido
implantada, você não tinha mais a sua turma de convivência [...] a vontade era de largar e não voltar
mais porque foi muito difícil. Você tinha vivido até 68 dentro da Universidade, voltar depois era uma
coisa desalentadora.
Foi um corte do ponto de vista psicológico muito grande, é como se tivesse tirado o chão porque a
política também tinha o sentido de sustentação emocional e psicológica [...] de repente você fica sem
ela, sem a possibilidade de continuar estudando e com sérias restrições de trabalho.
O grande impacto foi a retirada da política estudantil da minha vida [...] como se tivessem me tirado
algo essencial na vida. Reaprender a viver de outra forma acarretou muito sofrimento. Um período
ruim! muito ruim! Pior que o período de prisão, repressão, perseguição. Pior que todas as violências
que eu sofri durante o tempo que militei foi o impedimento a partir de 1969, eu só vim me
restabelecer disso quando passei a militar no MDB.
Desnecessário dizer que este contexto trouxe profundas implicações para o
funcionamento das entidades. Segundo outro entrevistado:
O DCE passou a ser semi-clandestino. Imagine uma entidade estudantil semi-clandestina !??? Antes
tinha sede, funcionário etc. Depois, não tem mais sede. Paralelo às prisões, fugas e clandestinidade, o
PCdoB começa a deslocar os quadros para o Araguaia. O ME baiano perdeu vários quadros.
do Exército. A respeito da trajetória deste militante e outros ativistas do PCdoB na Bahia, ver SANTOS
(2001).
120
Ainda de acordo com este dirigente, o DCE conseguiu manter a representação no
Conselho Universitário e participava das reuniões do Conselho Social de Vida Universitária
instância que acompanhava as políticas de assistência estudantil, a exemplo do
Restaurante Universitário.
No caso do Conselho Universitário, essa afirmação pode ser comprovada. Tanto que
o cancelamento de matrículas ficou registrado na Ata. Usando da palavra, Sérgio Gabrielli,
representante dos estudantes, teceu considerações sobre o episódio:
Senhores Conselheiros, os estudantes estão perplexos diante do fato que aqui repercutiu no próprio
conselho. Os dois representantes dos estudantes foram impedidos de se matricularem. Os dois
representantes dos estudantes, os antigos representantes não puderam se matricular na universidade.
O corpo discente não sabe os motivos, as origens, não tem conhecimento do porquê desse
impedimento. O corpo discente não tem conhecimento de quanto tempo durará esse impedimento de
matrícula. O corpo discente não sabe a posição que o Conselho Universitário e o Magnífico Reitor,
toma, tomou e tomará em relação a esse impedimento de matrícula. Nós, atuais representantes do
corpo discente, no Conselho Universitário, queríamos ouvir, especialmente do Magnífico Reitor, um
pronunciamento nos explicando e colocando qual é a posição dele no caso, e que é que significa,
realmente, esse impedimento de matrícula dos estudantes
224
.
Segundo o Reitor:
O assunto tem sido ventilado em várias oportunidades e ocasiões e o pronunciamento é claro. Nós
estamos diante de uma situação de fato, perante a qual os que se julgarem por ele prejudicados,
poderão adotar os recursos de ordem judicial que lhes parecerem mais convenientes. Era esse o
pronunciamento que tem a Reitoria a fazer, no momento, sobre o assunto
225
O cancelamento das matrículas foi de fato e não de direito. Não havia base legal
para a aplicação retroativa do Decreto. Foi talvez o principal atentado à autonomia
universitária. Contudo, no clima do AI-5, não houve resistência institucional da
Universidade. A fala do Reitor Roberto Santos é clara. Tampouco houve posicionamento
224
ATA CONSUNI. 20/03/1969.
225
ATA CONSUNI. 20/03/1969.
121
público da intelectualidade. Recém-criada, a APUB tem vida efêmera e é fechada em
1969
226
. Provavelmente, a coação e intimidação deram o tom.
No que tange à participação no CSVU, segundo um entrevistado “toda vez que tinha
reunião a Polícia Federal cercava. Teve reunião que eu saí pela janela. Tinha que ir de
paletó e gravata. E sair pelo telhado”.
A Moção de Doutor Honoris Causa ao Presidente Costa e Silva
Por outro lado, enquanto o cancelamento de matrículas foi implementado sem
nenhuma voz pública dissonante da direção da UFBA, meses depois, o Reitor Roberto
Santos propôs uma Moção de Título Doutor Honoris Causa ao General Costa e Silva,
aprovada por unanimidade:
Ao aproximar-se a oportunidade de inauguração dos edifícios onde se instalarão, respectivamente, os
Institutos de Geociências, de Matemática e o de Ciências da Saúde, assim como o lançamento da
pedra fundamental do conjunto de 3 (três) outros prédios, destinados ao Instituto de Física, de
Química e de Biologia, e tendo em vista que todos esses atos deverão se realizar enquanto o Governo
Federal estiver funcionando nesta cidade, em outubro próximo, venho propor ao Colendo Conselho
Universitário que seja concedido o título de Doutor Honoris Causa a Sua Excelência, o Senhor
Presidente da República, Marechal Arthur da Costa e Silva. Cumpre ainda acentuar, que durante o
Governo de Sua Excelência não apenas se erigiram os prédios mencionados, como ainda estão sendo
providos os Institutos de Ciências Básicas do material necessário ao cumprimento do vasto programa
de aperfeiçoamento do ensino e de intensificação da pesquisa que a universidade vem empreendendo
nos setores em apreço. Ao tempo em que se amplia o espaço físico e enriquece o equipamento
necessário à Universidade para o desempenho das suas funções, também se verifica a concretização
dos princípios que nortearam a profunda revisão da estrutura das Universidades oficiais brasileiras,
de modo a melhor adaptá-las a uma sociedade em ritmo acelerado de mudança. São os dados
biográficos de Sua Excelência o Marechal Costa e Silva, suficientemente conhecidos dos Senhores
Conselheiros para tornar supérflua a sua leitura na íntegra, nesta oportunidade. Resta-me, pois,
franquear a palavra para o debate da proposta que ora submeto à apreciação do plenário deste
conselho
227
.
226
APUB-SINDICAL. Boletim Edição Especial 25 anos de luta. 2 1994.
227
ATA CONSUNI. 13/08/1969
122
No final das contas, a moção foi aprovada. O seu conteúdo expressa, no mínimo,
uma outra face da política educacional do regime militar em relação à universidade: a
ampliação da estrutura física, o aumento de matrículas, a institucionalização da pesquisa.
Ao lado do terror e da repressão, possivelmente estas iniciativas tenham tido capacidade de
ganhar aliados na universidade, silenciar os descontentes, explicar a ‘recepção’ do
Conselho Universitário ao Decreto 477 e o aplauso ao Presidente Costa e Silva. Cabe frisar
que nesta e em outras 13 reuniões do ano de 1969, o Conselho reuniu-se sem a presença da
representação estudantil.
***
Contudo, este período já representa uma outra fase da própria resistência à ditadura
militar. O ME praticamente desapareceu da cena pública (Santos, 1980). No plano
específico da universidade, consolidou-se a Reforma Universitária. Mudou-se a
representação estudantil e criou-se diretórios por curso. Concentrou-se a formatura. Houve
o desmembramento de algumas Faculdades em Institutos. Ao mesmo tempo, consolidou-se
a indústria cultural que traria decorrências para os movimentos juvenis, notadamente o ME
(Sousa, 1999).
Além disto, este período é emblemático dos dilemas da esquerda em relação à
estratégia revolucionária para o Brasil (Gorender, 1987; Reis Filho, 1990). Aqueles que não
foram presos, caíram na clandestinidade. Alguns partiram para o enfrentamento armado.
Outros conseguiram repensar as formas de luta sem necessariamente partir para a luta
armada. Este parece ser o caso específico de muitos setores da esquerda baiana
228
.
123
CONCLUSÃO
Este trabalho procurou demonstrar que, no imediato pós-golpe de 64, o discurso
contra a “subversão” encontrou terreno social na universidade. No caso dos estudantes, não
houve resistência ativa com representatividade ao golpe. Com a ‘operação limpeza’ no ME,
setores afinados com os golpistas assumiram a direção de muitas entidades estudantis.
Porém, parte deles se desencantou com o regime ou não conseguiu responder às
contradições do governo que se instalara com o discurso democrático mas, aos poucos, foi
mostrando sua face ditatorial.
A inexistência de reação ao golpe sugere - enquanto hipótese - a falta de um ME
forte e com base social ativa antes de 64. Com a prisão e cassação dos ativistas, é possível
afirmar que o Golpe de 64 representou, no âmbito específico do ME na UFBA, uma
descontinuidade em termos de ativismo político. O pós 64 é marcado por uma atmosfera de
medo e de incerteza.
No âmbito dos professores e dirigentes da universidade, alguns foram seduzidos
pelo ideário golpista. Segmentos com expressão institucional interna à UFBA
estabeleceram com o regime militar uma relação baseada no colaboracionismo. Outros
tinham posição crítica mas preferiram ‘esperar tempos melhores’. Houve ainda aqueles que,
nos momentos iniciais, tenderam a apoiar o regime sem que isto significasse alinhamento
automático. Com a evolução do regime militar e seu endurecimento, alguns setores passam
a desenvolver críticas mais abertas. É tanto que, no clima dos intensos conflitos de 68, a
APUB foi criada - embora com vida curta devido ao AI-5.
Ainda sobre a recepção da cúpula do Conselho Universitário ao pós-64 e sua relação
específica com o ME, a defesa da legalidade deu o tom deste relacionamento. Foi neste
sentido que as entidades estudantis DCE e DAs não foram fechadas ad eternum. Isto
possibilitou a manutenção de uma legalidade estudantil que, sob circunstâncias gerais de
repressão político-cultural e de problemas materiais na Universidade, foi importante para
reorganizar um ME de oposição ao governo, com sua direção política orientada por
posições de esquerda. Importante registrar o papel desempenhado pelas entidades gerais -
UEB e UNE na construção do ME, em circunstâncias semi-legais.
228
A respeito, ver a dissertação de mestrado em curso sobre a resistência da esquerda armada baiana (1968-
124
Claro ficou demonstrado que a presença do ME na cena pública influenciou parte
dos professores na resistência ao regime militar. Contudo, este processo foi lento, gradual e
não linear. Talvez seja por isto que o ME não tenha conseguido conquistar aliados com
capacidade de analisar os rumos da reforma universitária em curso. Enquanto no ano de 68,
o ME pautou a crítica aos Acordos MEC-USAID, neste mesmo ano a UFBA conclui a
reforma universitária. Diga-se de passagem, o início deste processo remonta a, pelo menos,
o ano de 1965.
É lícito supor que uma das consequências da descontinuidade em termos de
ativismo político ocorrida no ME foi a ‘emergência’ de uma nova geração de ativistas que
não conseguiu formular uma crítica mais radical à Reforma e/ou desenvolver de modo mais
aprofundado o seu projeto de universidade. Obviamente, este limite deve ser
contextualizado considerando que o golpe de 64 colocou uma nova agenda política para o
ME. Exemplo neste sentido é que a greve estudantil em 68 teve como pauta central verbas
para a UFBA e não modelo de universidade. Embora as questões não necessariamente
andem separadas, conclui-se que elas não estiveram juntas, pelo menos com a força social
necessária. Por outro lado, podemos considerar que a principal vitória obtida pelo ME nos
planos local e nacional foi ter impedido a implementação do ensino pago na universidade
pública considerado um dos principais problemas dos Acordos MEC-USAID.
Embora influenciado pela dinâmica nacional imprimida pela União Nacional dos
Estudantes, o ME da UFBA teve um ritmo próprio. Em alguns momentos, acompanhou a
agenda nacional. Noutros, predominou um tom marcado por conflitos e respostas a
problemas ‘locais’. Ademais, por vezes a vigência de uma dialética repressão-resistência
mostrou sua força explicativa.
Não obstante esta interpretação, é razoável pensar que, em determinado momento, a
repressão abafou a capacidade do ME expressar uma resistência através dos moldes
anteriores luta ‘aberta e de massas’. A violência do segundo semestre do ano de 1968 e o
endurecimento nacional do regime consolidado com o AI-5 completaram o quadro de medo
e cerceamento do direito à palavra.
Para tanto, a cassação do direito à matrícula de alguns estudantes da UFBA, em
1969, representou um atentado à autonomia universitária, sem vozes sociais à altura para
1974), de autoria de Sandra Barbosa da Silva, desenvolvida no mestrado em História entre 2001 e 2003.
125
uma contraposição a esta medida. A reação da universidade foi marcada pela subserviência.
Além disso, este contexto amedrontou mais ainda os descontentes, inibindo a reorganização
do movimento. Por outro, representou uma quebra de laços subjetivos de enorme
repercussão para a vida de muitos estudantes. Exílio, fugas, clandestinidade, processos,
prisão. Desnecessário dizer que este processo de intensa repressão esvaziou a
representatividade do ME e consolidou um afastamento entre os setores militantes e o
‘estudante comum’ aquele que não era cotidianamente engajado no ME e/ou em
organizações de esquerda.
Ainda assim, a vitória da repressão não significou o fim da resistência estudantil
mas sim a sua readequação às novas formas de sociabilidade em curso à época e com
impacto na universidade, notadamente após a consolidação da Reforma Universitária; às
novas formas de sensibilidade coletiva; à consolidação de uma indústria cultural. Porém,
isto já é capítulo de uma outra história...
126
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