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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A IMPLANTAÇÃO E A EXPANSÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS EM
BOA VISTA NA DÉCADA DE QUARENTA
Inês Rogélia Dantas Macedo
2004
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A IMPLANTAÇÃO E A EXPANSÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS EM
BOA VISTA NA DÉCADA DE QUARENTA
Inês Rogélia Dantas Macedo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social do Mestrado
Interinstitucional UFRJ/UFRR, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de
Mestre em História Social.
Orientadora: Prof. Drª Marieta de Moraes Ferreira
Rio de Janeiro
2004
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A IMPLANTAÇÃO E A EXPANSÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS EM
BOA VISTA NA DÉCADA DE QUARENTA
Inês Rogélia Dantas Macedo
Orientadora: Profª Drª Marieta de Moraes Ferreira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do
Mestrado Interinstitucional UFRJ/UFRR, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em História Social.
Aprovada por:
_____________________________________________________
Presidente, Profª Drª
_____________________________________________________
Profª. Drª.
_____________________________________________________
Profª. Drª.
Rio de Janeiro
2004
iv
Macedo, Inês Rogélia Dantas.
A implantação e a expansão das escolas publicas em
Boa Vista na década de quarenta/ Inês Rogélia Dantas Macedo.
Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2004.
(nº folhas pré-textuais: 10 f., n.º textuais: 106 f.: il.; 31cm)
Orientadora: Marieta de Moraes Ferreira
Dissertação (mestrado) UFRJ/ IFCS/ Pós-Graduação em
História Social do Mestrado Interinstitucional UFRJ/UFRR, 2004.
Referências Bibliográficas: f. 82-87.
I. Ferreira, Marieta de Moraes. II. Universidade Fed
eral do
Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa
de Pós-
Graduação em História Social do Mestrado
Interinstitucional UFRJ/UFRR. III. Título.
v
Yolanda e Ana Paula
O amor que eu tenho pela
educação, não é maior do que o que eu
tenho por vocês. Eu sou um elo que nos
une amada mãe e querida filha,
professoras que me inspiraram neste
trabalho.
vi
AGRADECIMENTOS
A Deus, por estar viva e ter me dado a oportunidade de realizar este trabalho.
Ao meu Pai, meu mestre.
À minha Mãe Yolanda, professora do “Grupo Escolar Pedro Rocha”.
Aos meus filhos João Paulo e Ana Paula, pela certeza de amá-los.
Ao Nelson Ramayana Rodrigues Lopes, grande incentivador de meus estudos.
À orientadora Marieta, pela segurança e boa vontade de orientar este trabalho.
Aos colegas do Departamento de História da Universidade Federal de Roraima.
Aos professores do Mestrado.
Aos colegas do Mestrado.
Aos alunos do curso de História da Universidade Federal de Roraima.
Aos funcionários da Fundação Getúlio Vargas.
Aos funcionários da Biblioteca Nacional.
Aos funcionários do Museu Integrado de Roraima.
A D. Jacobede, primeira diretora do “Grupo Escolar Lobo D´Almada”.
Ao professor João Chrysóstomo de Oliveira (in memorian).
Ao professor Fábio de Carvalho, pelas observações oportunas.
Ao professor Lourival Neto.
À professora Cátia Wankler.
Ao colega Rozendo, pela colaboração amiga.
RESUMO
A IMPLANTAÇÃO E A EXPANSÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS EM BOA VISTA
NA DÉCADA DE QUARENTA
Inês Rogélia Dantas Macedo
Orientadora: Profª. Drª. Marieta de Moraes Ferreira
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
História Social do Mestrado Interinstitucional UFRJ/UFRR, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos à obtenção do
título de Mestre em História Social.
O presente trabalho tem por objetivo analisar a implantação e a expansão das escolas
públicas em Boa Vista na década de quarenta. Pretendemos realizar uma análise das bases
políticas para a criação do Território Federal do Rio Branco, em 13 de setembro de 1943.
Nessa perspectiva, falaremos sobre os atos políticos que legitimaram a criação de projetos
para o extremo norte do Brasil, tendo por enfoque as medidas necessárias à criação das
políticas formadoras da administração local e a instalação das instituições públicas de ensino.
Tendo em vista que neste decênio o país vivenciou momentos políticos distintos - o Estado
Novo de 1937 a 1945 no governo de Getúlio Vargas e a abertura política de 1945 a 1951 no
governo de Eurico Gaspar Dutra -, procuraremos observar que a implantação e a expansão da
rede escolar no Rio Branco dependeu das resoluções estatais que viabilizaram a elaboração de
uma política de instalação e de funções próprias, para que no território prevalecesse, de fato, o
projeto político de nacionalidade e garantia dos seus objetivos.
Palavras-Chave: educação, escolas públicas, Território Federal do Rio Branco.
Rio de Janeiro
2004
viii
ABSTRACT
THE IMPLANTATION OF THE PUBLIC SCHOOLS IN BOA VISTA IN THE
DECADE OF FORTY
Inês Rogélia Dantas Macedo
Orientadora: Profª. Dra Marieta de Moraes Ferreira
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
História Social do Mestrado Interinstitucional UFRJ/UFRR, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos à obtenção do
título de Mestre em História Social.
The present work has for objective to analyze the implantation and the expansion of
the public schools in Boa Vista in the decade of forty. The delimitation of the defined path
proposes a study of the political bases for the creation of the Federal Territory of Rio Branco,
on september 13, 1943. In that perspective, we will talk about the political actions that
legitimated the creation of projects for the north end of Brazil, tends for focus the necessary
measures to the creation of the politics formadoras of the local administration and the
installation of the public institutions of teaching. Tends in view that in this decade, the
country lived different political moments - the New State from 1937 to 1945 in the
government of Getúlio Vargas and the political opening from 1945 to 1951 in the government
of Eurico Gaspar Dutra -, we will try to observe that the installation and the expansion of the
school net in Rio Branco, depended on the state resolutions that made possible the elaboration
of an installation politics and of own functions, so that in the territory it prevailed the political
project of the government's nationality and the warranty of their objectives in fact.
Key-Words: educação, escolas públicas, Território Federal do Rio Branco.
Rio de Janeiro
2004
ix
SUMÁRIO
Pág.
Introdução ............................................................................................................................11
1. O Estado Novo e o Território Federal do Rio Branco .....................................................18
1.1. A região do Rio Branco ................................................................................................21
1.2. A criação do Território Federal do Rio Branco e seus fundamentos político-
administrativos.....................................................................................................................23
1.3. Situação econômica do Território Federal do Rio Branco ...........................................26
1.4. O governo de Ene Garcez dos Reis ..............................................................................29
1.5. Boa Vista: um espaço regional urbano educativo.........................................................33
2. As Políticas Educacionais do Estado Novo .....................................................................41
2.1. A situação da educação escolar formal no Estado Novo ..............................................41
2.2. As Escolas Públicas de Boa Vista na década de 40......................................................49
2.3. Educadores em Boa Vista.............................................................................................56
2.3.1. Perfil do Professor João Chrysóstomo de Oliveira....................................................56
2.3.2. A Trajetória da Professora Jacobede Cavalcante de Oliveira................................. ..61
3. Uma Nova Ordem Política............................................................................................ ..67
3.1. A Redemocratização no Brasil e a Nova Política Educacional................................. ..67
3.2. O Novo Governo e a Educação no Território Federal do Rio Branco....................... ..70
Conclusão ......................................................................................................................... ..79
Bibliografia ....................................................................................................................... ..82
Anexos .............................................................................................................................. ..88
x
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Produção do município de Boa Vista no ano de 1942............................................28
Tabela 2 Dados da população em 1º de setembro de 1940....................................................36
Tabela 3 Produção no Território, por município e domicílio em 1940 .................................36
Tabela 4 Demografia dos municípios do Território Federal de Roraima em 1940 ...............37
Tabela 5 Comércio de Boa Vista nos anos de 1945 a 1950...................................................39
Tabela 6 Composição do corpo docente do Território Federal do Rio Branco nos
anos 40 ......................................................................................................................................54
Tabela 7 Analfabetismo na década de 40 e 50 no Brasil.......................................................69
Tabela 8 Escolas do Território Federal do Rio Branco em 1947 ..........................................74
Tabela 9 Quantidade de alunos matriculados nas escolas do Território Federal
do Rio Branco no ano de 1948 .................................................................................................74
Tabela 10 Quantidade de alunos das escolas do Território Federal do Rio Branco
que compareceram aos exames finais no ano de 1948 .............................................................75
Tabela 11 Quantidade de alunos aprovados nas escolas do Território Federal do Rio
Branco no ano de 1948 .............................................................................................................75
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a implantação e a expansão das escolas
públicas em Boa Vista na década de quarenta. Pretendemos realizar uma análise das bases
políticas para a criação do Território Federal do Rio Branco, em 13 de setembro de 1943.
Nessa perspectiva, falaremos sobre os atos políticos que legitimaram a criação de projetos
para o extremo norte do Brasil, tendo por enfoque as medidas necessárias à criação das
políticas formadoras da administração local e a instalação das instituições públicas de ensino.
Tendo em vista que neste decênio o país vivenciou momentos políticos distintos - o Estado
Novo de 1937 a 1945 no governo de Getúlio Vargas e a abertura política de 1945 a 1951 no
governo de Eurico Gaspar Dutra -, procuraremos observar que a implantação e a expansão da
rede escolar no Rio Branco dependeu das resoluções estatais que viabilizaram a elaboração de
uma política de instalação e de funções próprias, para que no território prevalecesse, de fato, o
projeto político de nacionalidade e a garantia dos seus objetivos.
Procuramos valorizar a contribuição da escola para a formação da sociedade, pois,
segundo nosso entendimento, esta instituição foi - e continua sendo - um instrumento
poderoso de civilidade, haja vista que fortaleceu a nacionalidade. A adoção desse ponto de
vista ocorre para termos consciência de que a instituição escolar é o espaço oficial que põe em
prática os ideais da Nação.
A instituição escolar pública pode ser abordada a partir dos projetos políticos que,
embora elaborados por intelectuais, são quase sempre produto de múltiplas discussões. A
instituição escolar é o espaço privilegiado para ocorrência das atividades humanas de
produção do conhecimento ordenado e planejado. É ela a principal responsável pela
renovação de métodos de geração e de transmissão de conhecimentos. O aparelho escolar
possibilita a prática educativa de toda a estrutura do tecido social e consegue, por isso,
promover a continuidade do trabalho humano, ao mesmo tempo que auxilia o indivíduo a
conhecer os valores dos diversos grupos que compõem a sociedade.
Em razão disso, corroboramos a concepção de Freire, sobre a necessidade de se criar:
12
Uma educação que possibilite ao homem, meios para a discussão corajosa de sua
problemática, de sua inserção nesta problemática, que o advirta dos perigos de seu
tempo para que, consciente deles, ganhe força e valor para lutar, em lugar de ser
arrastado à perdição de seu próprio “eu”, submetido às prescrições alheias.
(FREIRE, 1974 apud. CRITELLI, 1981, p. 41).
Depreende-se daí que a educação é constituída por um conjunto de práticas
intrinsecamente relacionadas aos modos de vida dos grupos sociais. Trata-se de uma atividade
que consegue criar, recriar, ensinar e aprender a pensar sobre o homem como um ser político.
Ela legitima o processo de construção de idéias, elaborando campos específicos do
conhecimento, que auxiliam na construção de toda estrutura da sociedade. Por meio dela,
sobretudo, o homem transfere, de uma geração para outra, suas experiências e ações,
contribuindo, assim, com a geração e a transmissão dos valores, das idéias e dos processos
produtivos, no meio no qual está inserido. Como se vê, a educação interfere e auxilia na
sobrevivência e evolução do indivíduo.
Parece-nos proveitoso fazer uma análise do papel desempenhado pela educação e da
relação que ela possui com a realidade local, visando a esclarecer as circunstâncias em que se
deu a criação e a expansão do ensino nacional e local. Todas estas questões exprimem
relações de ordem política e econômica, provocadas por desequilíbrios constantes entre os
produtos de bens culturais acabados e as necessidades de qualificação de recursos humanos.
A institucionalização da escola manifesta a realidade educacional de um país, uma vez
que organiza categorias didáticas a princípio imprescindíveis para a construção de uma
História da Educação. Para tanto, utilizando-se de currículos e de programas, bem como a sua
estrutura e seu funcionamento, dentre outros instrumentos. Todos os componentes podem ser
desdobrados, periodizados e interpretados historicamente, revelados pela prática educacional,
formalizados pela atividade real e concreta, abalizada e expressa mediante ações que se
manifestam de acordo com normas jurídicas e dispositivos legais, elaboradas pelo poder
político-burocrático do Estado.
É de fundamental importância, pois, ressaltar o papel que o Estado exerce sobre a
educação, porque isto permite a apreensão de uma compreensão ideológica que está vinculada
13
à prática educacional, implementada pela política e desenvolvida de acordo com as diretrizes
legais que presidem à organização e ao funcionamento institucional do processo educativo.
As idéias, planos, legislações, medidas administrativas, ações práticas, bem como os
instrumentos e procedimentos da política educacional cristalizam a ideologia do Estado.
Contudo, é inegável que a educação é o elemento que possibilita a existência da força social
condutora do potencial transformador. É este potencial que possibilita o desempenho do papel
de defesa eficaz dos interesses sociais no tempo presente.
Em face do exposto sobre nosso objeto de estudo, entendemos ser necessário fazer
uma breve discussão sobre a História do Tempo Presente enquanto inovador método de
abordagem histórica. Ganhando mais espaço nos meios acadêmicos, tendo por base o estudo
dos mais diversos temas, a História do Presente e do Imediato manifesta-se através de extensa
produção editorial, jornalística e por uma difusão que ultrapassa os meios exclusivamente
universitários. O papel do historiador se vê, assim, cada vez mais valorizado. Nesse contexto
é que a modernização e o aceleramento das novas tecnologias dos meios de comunicação
revolucionaram o procedimento editorial e contribuíram, por extensão, para que o historiador
pudesse aprofundar a prática da sua disciplina, que incorporou, desse modo, a história do
cotidiano.
O homem ficou, desde então, constantemente a par dos acontecimentos, em grande
parte pela expansão dos meios radiofônicos, meio de comunicação amplamente utilizado na
década de quarenta. Essas novas tecnologias influíram sobre o processo das comunicações e
afetaram o cenário econômico mundial, alterando algumas regras das relações sócio-
econômicas do cenário globalizado.
O estudo do político e o retorno à história política tiveram um papel fundamental para
os estudos do campo. O presente e o imediato não podem nem devem limitar-se à história
renovada do político, mesmo que esta possa exercer ações de um agente dinamizador. A
mutabilidade da história não pode se limitar a qualquer obra sobre o político e a história, haja
vista que cada um desses campos não pode trazer senão respostas parciais. Seria necessário
considerar, pois, que o aspecto político é determinante apenas daquilo que faz parte de sua
esfera própria.
14
A reentrada em cena das preocupações com a investigação do aspecto político na
análise histórica, desempenhou um movimento importante para a história, em particular, e
para o meio científico e intelectual, de modo geral. Poder-se-ia dizer que a preocupação do
historiador com a história do seu tempo, evoluiu em favor da própria história. Assim, apesar
deste aspecto não constituir uma questão completamente nova, marcou indubitavelmente uma
ruptura com as gerações precedentes de historiadores. Na concepção de Jacques Le Goff, o
retorno do político “não é a mesma política, nem a mesma história política, nem a mesma
abordagem, nem inteiramente o mesmo objeto. É uma história renovada” (in Rémond, 1999,
p. 58).
Antes da História do Tempo Presente voltar o seu foco para a história política do
presente, o tratamento tradicional dispensado a esse objeto era insuficiente, em razão da forte
limitação do enfoque. Com a entrada em cena daquela, os procedimentos passaram a se apoiar
num mais amplo espectro de fontes, além da narrativa, tais como o discurso das grandes
massas e da opinião pública, que antes não eram sequer considerados pela história.
Essa renovação contribuiu muito para a historicidade da história política que, na sua
essência, é de difícil análise, haja vista que investiga objetos bastante heterogêneos, como as
formas, os métodos e os objetivos da história. Esse expediente permitiu à disciplina tornar
ostensiva a sua função social, senão também explorar os seus próprios limites, por meio de
uma reflexão mais geral sobre a história e sobre o historiador, agora inserido no seu próprio
tempo.
Segundo uma concepção cristalizada da história, a análise histórica deve ser isenta,
tanto quanto possível, das interferências ideológicas e da subjetividade, sob pena e risco de
não apreender verdadeiramente o seu objeto. A História do Presente não busca tão somente
louvar sua própria capacidade explicativa, sem defender uma nova maneira de história. Antes,
e pelo contrário, trata-se de um método que se preocupa em observar e pôr a vida em dúvida,
para melhor conhecer seu funcionamento e assegurar a validade das suas explicações.
Em virtude de utilizarmos neste trabalho entrevistas, partimos de um conjunto de
métodos e técnicas que incorporam os depoimentos orais como fonte, através de experiências
que foram básicas no período em que foi institucionalizada a política de implantação e
expansão das escolas públicas no Território Federal do Rio Branco. A utilização destes relatos
15
orais é de extrema relevância para o nosso estudo, pois eles são um legado cujo registro visa a
proteger, do esquecimento, a memória do passado recente, que não foi escrito e oficialmente
registrado na história. São tomadas como exemplo a experiência e a vivência partilhada pelos
atores que presenciaram aquele momento. O uso do gravador e os procedimentos
recomendados para a realização do trabalho, propiciou-nos o registro da experiência de vida
de alguns personagens para fins de enquadramento na história social e política, tanto no que
tange aos aspectos pessoais e profissionais, quanto no tocante às instituições escolares em Boa
Vista na década de 1940.
Por fim, apresentemos um pouco mais detalhadamente a estrutura de nosso trabalho.
No primeiro capítulo, intitulado “O Estado Novo e o Território Federal do Rio Branco”,
discutimos o regime político instituído no Brasil de 1937 a 1945, período contemporâneo à
criação do Território Federal do Rio Branco, em 13 de setembro de 1943, pelo presidente
Getúlio Vargas.
Nesta seção, voltaremos a atenção para o projeto nacional promovido pelo estado
brasileiro por ser este um aspecto decisivo da formação sócio-política da região, o qual tem
determinado, inclusive e principalmente, o modelo educacional a ser implantado. Para
empreendermos esta análise, nos apoiamos em autores como Maria Celina D’Araújo, Álvaro
Vieira Pinto, Carlos Rodrigues Brandão, Dulce Mára Critelli, Clarice Nunes, Rubem Alves,
Joaquim Gondim e Teixeira Guerra, que investigaram a questão em profundidade.
Traçado esse panorama, nos voltaremos para as particularidades regionais.
Discutiremos o processo de criação do Território Federal do Rio Branco, seus fundamentos
político-administrativos, sua situação econômica e a gestão do primeiro governador do
Território, além da expansão do espaço urbano de Boa Vista na década de 1940.
A História Regional é tema que sempre interessa aos historiadores e naturalmente
impõe um desafio, que se cristaliza na tentativa de analisar algumas questões particulares a
partir de ângulos vários: o teórico, o documental, o historiográfico, o político, o econômico, o
social, o ideológico, etc.
Alguns trabalhos apresentam-se interessantes por diversos aspectos, sobretudo para a
obtenção de conhecimentos freqüentemente não totalmente desvelados sobre a aparente
16
soberania do país. Talvez sejam estas especificidades que traduzam melhor as preocupações
da história regional.
Na medida em que os trabalhos acadêmicos se multiplicaram, o conceito de região
passa por transformações significativas, pois o determinismo regional revelou-se incapaz de
apreender a historicidade da região, com todas as suas especificidades existentes.
Possivelmente a historiografia regional consegue ser capaz de propor teorias que ao serem
confrontadas com a realidade concreta, muitas vezes se revelam incompletas ou inadequadas.
A historiografia regional torna-se, assim, responsável por todo o tipo de abordagem, inclusive
a da riqueza dos aspectos da convivência humana, que variam de lugar para lugar, de época
para época, sem excluir e nem se opor a outros enfoques. Tratando-se, pois, de uma espécie
de ponto de referência que permite detectar as continuidades e descontinuidades em relação
ao todo, faz sentido fazer comparações com outras unidades à procura de semelhanças e
diferenças. Por esta perspectiva, a região passa a ser priorizada como categoria espacial
específica e singularizada numa totalidade.
Levando em consideração que nosso trabalho concentrar-se-á nas décadas de 1930 e
1940, procuraremos, no segundo capítulo, dar um sentido “Às Políticas Educacionais do
Estado Novo” por meio de uma investigação histórica nacional nestes dois decênios e traçar
um panorama geral da situação. Para tanto, endossamos os pontos de vista de autores como
Libânia Nacif Xavier, Leôncio Basbaum, Otaíza Romanelli, Maria Luisa Santos Ribeiro,
Helena Bomeny, Bárbara Freitag, Paulo Ghiraldelli Jr e Aimberê Freitas, por exemplo.
Uma vez estas informações sistematizadas, faremos um histórico sobre o processo de
implantação das escolas públicas em Boa Vista na década de 1940, concentrando-nos no
estudo do Grupo Escolar Lobo D’Almada, com a finalidade tanto de acompanhar o
desenvolvimento dos planos traçados pela política administrativa local, quanto de fazer o
levantamento das ações e os esforços que visavam suplantar as dificuldades da época para
criar a estrutura mínima necessária ao funcionamento das escolas. Também acompanharemos
o esforço intelectual de alguns educadores que idealizaram projetos que supostamente
poderiam dar um novo sentido à política educacional do Território. Sobre esses temas,
obtivemos ajuda de autores e estudiosos como Janaína Amado, Roberto Lobato Corrêa,
Nilson Cortez Crocia de Barros, Araújo Cavalcanti, João Chrysóstomo de Oliveira, Berta
Becker.
17
Feitas essas considerações, no terceiro capítulo investigaremos a nova ordem política
estabelecida no Brasil no governo de Eurico Gaspar Dutra (1945-1951), período de
redemocratização do país. No Território Federal do Rio Branco, a rede escolar de ensino foi
adequada às exigências do Estado em que a qualificação dos docentes tornou-se um aspecto
decisivo à valorização do ensino regional. Utilizamos como referência os trabalhos de Libânia
Nacif Xavier e os relatórios do terceiro governador do Território do Rio Branco, capitão
Clóvis Nova da Costa.
Sobre as fontes de apoio da investigação, salientamos que, mais que o de contar e
analisar a “História da Educação no Território Federal do Rio Branco”, o objetivo desse
estudo é antes o de desvendar algumas questões relevantes no processo de implantação e
expansão das escolas públicas de Boa Vista. Para tanto, analisaremos o projeto político do
estado nacional brasileiro, posto em prática à época, e os fatores constitutivos inerentes à
instalação do ensino público e gratuito. Não temos, tampouco, a pretensão de esgotar o
assunto, mas temos a esperança de que nosso estudo sirva de motivação para outros
pesquisadores que porventura se interessem pelo tema.
1. O ESTADO NOVO E O TERRITÓRIO FEDERAL DO RIO BRANCO
O Estado Novo foi o regime político estabelecido no Brasil por Getúlio Vargas, no
período de 1937 a 1945, instituído por um golpe de estado ocorrido no dia 10 de novembro de
1937. O novo regime foi construído pelo princípio de que o Estado deveria ter qualidades
superiores às do indivíduo e às da sociedade. Essa crença ideológica concebia que os homens,
formadores da boa sociedade, deviam protegê-la das desigualdades geradas pelo mundo
capitalista.
Maria Celina D’Araújo corrobora essa idéia admitindo que:
Estas rígidas crenças ideológicas deram ao mundo novas concepções sobre o que
deveria ser o “homem novo”, o papel do Estado e da boa sociedade. A I Guerra
mundial (1914-18) mostrava a fragilidade da ordem internacional, e a revolução
soviética de 1917 criava um novo ordenamento político, que aparecia como um
golpe de misericórdia na sociedade liberal em crise. (D’ARAÚJO, 2000, p. 7).
Como se depreende, o Estado Novo propiciou a criação de um momento político
inovador, caracterizado pela ampliação das atividades estatais e de seus quadros técnicos, que
passaram a ter crescente importância nas decisões político-administrativas, nas quais a
questão do Estado se tornou central.
Vargas demonstrou uma surpreendente habilidade política, desenvolvendo sua
capacidade de ator para distinguir Estado e Nação, Governo e Sociedade, numa dinâmica que
consistia, simultaneamente, em fundi-los na figura do líder.
A esse respeito, D’Araújo afirma que:
O Estado Novo no Brasil foi a expressão clara desses pressupostos, através das
várias comemorações cívicas que inventou e cultivou e também através do “culto” à
personalidade do chefe, Getúlio Vargas. Aqui, na ausência de um partido, Getúlio
era o chefe político que simbolizava o poder do Estado e a nacionalidade. Era o
chefe de Estado e da Nação. (D’ ARAÚJO, 2000, p. 13).
19
Essa forma de nacionalismo demonstrou claramente simpatia pelos regimes
autoritários, com graus e nuanças particulares. Como nota D’Araújo:
Na prática, os regimes baseados nesses pressupostos foram e são ditaduras, pois, ao
apregoarem o fim do conflito político como caminho para a paz e o
desenvolvimento, usam o poder do Estado para suprimir outras formas de poder.
Calam o conflito silenciando a pluralidade social e negam a política para usarem de
maneira discricionária. Estes governos acabam sendo autoritários, isto é impõem-se
pela força e pelo politicalismo, ou como sistemas totalitários caso em que, além de
autoritários, assentam-se numa ampla política mobilizatória, através de um partido
único ou de forças paramilitares. (D’ ARAÚJO, 2000, p. 14).
Como se percebe, a citação consubstancia magnificamente o clima ideológico do
Estado Novo, que se aproximava de uma das grandes doutrinas autoritárias do mundo: o nazi-
facismo. Uma questão marcante foi a descoberta de um suposto plano comunista - o Plano
Cohen, na realidade um falso plano redigido por um oficial integralista do Exército, o capitão
Olímpio Mourão Filho -, alardeado como “a ameaça do judaico-comunismo internacional”.
Nesse aspecto, o anti-comunismo juntou-se ao anti-semitismo, em uma radicalização
ideológica que se revestiu na defesa do Estado forte e da Nação frente aos inimigos externos.
Eis uma poderosa estratégia estatal para suprimir as outras formas de poder e para garantir a
segurança nacional às Forças Armadas.
Foi nesse clima de expansão do Estado nas áreas do extremo norte, que se forjou uma
estratégia de segurança das fronteiras nacionais. Como se vê, não foi à toa que o plano de
nacionalidade do Estado Novo apontou para o extremo norte o seu poder, criando
oficialmente, por meio dos territórios federais, unidades federativas que estavam diretamente
ligadas ao poder central e à sua política administrativa.
Citando Temmer, Freitas justifica a forte presença militar nos territórios, enquanto
estratégia dos Estado Novo, nos seguintes termos:
[...] ao lembrar que a Constituição de 1937 deu à União o poder de criar os
territórios federais no interesse da defesa nacional, esclarece, o que era entendido
por defesa nacional. Por defesa Nacional, era possível entender a adoção de medidas
cujo objetivo seria o de preservar o país de ameaças de toda ordem; salvaguardar
riquezas contra a ação dispersiva das populações rurais; realizar atos objetivos
20
militares, enfim, tudo que, subjetivamente, a União pudesse entender como relevante
à preservação da unidade nacional. (FREITAS, 1991, p. 44).
A criação, em 1943, da Força Expedicionária Brasileira (FEB), formalizou a
institucionalização do poder das forças armadas, para as quais os territórios eram uma
estratégia geográfica de reforço da expressão da nova política. O desmembramento de vastas
áreas em territórios menores efetivou a divisão das novas células administrativas.
A promoção da defesa nacional deu elementos necessários à ordem e à segurança do
país. Os conflitos mundiais fizeram com que o nacionalismo brasileiro ganhasse um novo
tom. Assim, a defesa dos interesses nacionais contribuiu para que o país obtivesse uma
parcela de ganhos significativos, acrescidos pela ambição de construir uma nação soberana e
respeitada, que pudesse se relacionar em pé de igualdade com seus pares continentais.
Apesar da forte presença militar, a ausência de especificidade na política destinada aos
territórios federais e a instabilidade da economia do país dificultaram o suprimento das
necessidades básicas e imediatas no Rio Branco. A criação do Território não foi, pois,
acompanhada de um planejamento oficial do Estado.
Tratando da questão, Freitas afirma:
A liberação dos recursos era feita pelo sistema dos Duodécimos, onde as verbas
destinadas aos territórios eram divididas, globalmente, em doze parcelas, incluindo-
se aí, as despesas de custeio (pagamento pessoal, inclusive) que eram liberadas com
atrasos de até seis meses, o que levava descrédito ao governo, desespero aos
fornecedores e funcionários públicos. (FREITAS, 1991, p. 48).
Outro aspecto da questão digno de ser levado em conta é que a decretação do conflito
mundial, em 1939, afetou o curso do aparelhamento da defesa nacional. A prioridade, neste
momento, era a aquisição de instrumentos bélicos, ficando relegado para segundo plano, a
necessária instalação do território e a implementação das funções burocráticas e dos órgãos
públicos locais.
Feitas essas observações, trataremos, nas próximas seções, da região do Rio Branco,
da criação do Território Federal e sua situação econômica.
21
1.1. A região do Rio Branco
1
No século XVII, a faixa que se estendia para além da porção portuguesa do Tratado de
Tordesilhas, chamada genericamente de “sertões”, despertou grande interesse dos
portugueses, que, através de iniciativas oficiais e/ou privadas, travaram acirradas disputas
com outros pretendentes destacando-se os espanhóis sobre estas áreas então remotas
localizadas no coração da América do Sul.
Na Amazônia, os rios foram importantes acessos ao processo de descoberta e
povoamento, sendo a expedição de Pedro Teixeira, de 1639, uma das primeiras e mais
importantes fontes de conhecimento sobre a região. Através dela, os portugueses tomaram
posse do Amazonas, onde foi instituída a capitania de São José do Rio Negro.
Com vistas à defesa e à manutenção do direito de posse junto aos outros pretendentes,
foram instalados, no decorrer do século XVII, postos de vigilância e missões religiosas em
toda a Amazônia. A região, dotada de vegetação exuberante e densa, era historicamente
povoada por inúmeros grupos indígenas. Não fugindo à regra do restante do Brasil, a Coroa
portuguesa, junto às ordens religiosas européias, passou a incentivar o aldeamento dos índios
em missões ou reduções, objetivando a “pacificação” e a formação das chamadas “fronteiras
vivas”, iniciando um movimento irreversível de contato interétnico. O processo de contato
ensejou também uma das primeiras atividades econômicas regionais, a caça e o apresamento
de indígenas através das “tropas de resgate”, cujas conseqüências mais marcantes foram o
aliciamento dos indígenas como mão-de-obra e a redução e/ou dizimação individual ou
grupal. Rapidamente, os portugueses se envolveram no lucrativo negócio, bem como os
holandeses, espanhóis e ingleses.
Todavia, as ações para efetivar a ocupação e consolidar a posse da Amazônia só se
iniciaram no século seguinte. Os tratados firmados entre Portugal e Espanha, na segunda
metade do século XVIII, reconheciam como lusitanas as terras amazônicas, o que não debelou
os conflitos com os espanhóis nem a necessidade de medidas mais efetivas no sentido de
__________________
1
Esta seção está baseada, sobretudo, na tese de doutorado de Carla Monteiro de SOUZA. História, Memória e
Migração: processos de territorialização e estratégias de inserção entre migrantes gaúchos radicados em
Roraima. PUC-RS, 2004.
22
efetivar a posse e a ocupação do local. A região do Rio Branco era a frente mais ao norte da
penetração portuguesa a mais afastada e mais suscetível às investidas estrangeiras -, o que
impunha a necessidade de guarnecê-la e de incorporá-la através do povoamento. A primeira
ação metropolitana nesse sentido foi a construção do Forte de São Joaquim, em 1775,
instalado na área nordeste, no rio Tacutu, o qual forma o rio Branco, juntamente com o
Uiraricoera.
Ainda no século XVIII, o governo português instalou na área nordeste onde ocorrem
campos naturais três fazendas estatais (1787). As Fazendas Reais de São Marcos, de São
Bento e de São José localizavam-se a partir do ponto de formação do Rio Branco na direção
norte e deveriam oferecer gado vivo às áreas do rio negro e do Amazonas. Com isso, a Coroa
esperava promover a ocupação, estimulando a permanência do elemento branco, além de
empreender a “civilização” de uma boa quantidade de índios.
Até meados do século XIX, as Fazendas Nacionais e seus rebanhos permaneceram sob
a administração do Forte de São Joaquim, tanto por ser o único núcleo estável da região, mas
também pelas várias revoltas e conflitos com os indígenas, o que fez com que a pecuária, ao
menos no seu início, não fosse uma atividade inteiramente civil.
A decadência das Fazendas como empreendimento oficial determinou que, em 1841, a
São José fosse unida a São Marcos. Em paralelo, as iniciativas no sentido da privatização da
pecuária na região se iniciavam: em 1830, foi fundada a fazenda Boa Vista, às margens do rio
Branco, e, na década de 1840, foi formada uma fazenda próxima à localidade de Caracaraí.
Com o encaminhamento por meios diplomáticos, a partir de 1842, da longa disputa de
limites com a Inglaterra, várias medidas progressivamente desmilitarizaram a região. Foi
estabelecida, em 1858, a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo, com sede junto à Fazenda
Boa Vista, visando aumentar o controle administrativo, assim como facilitar o processo de
concessão de títulos de terra, cujo objetivo final era atrair e fixar população.
Em 9 de julho de 1890, por força do Decreto estadual n° 49, assinado pelo governador
do Amazonas Augusto Ximeno de Ville Roy, foi criado um município na localidade,
erigindo-se a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo em vila, com a denominação de Vila de
23
Boa Vista do Rio Branco, e território desmembrado da então Vila de Moura
2
. Em agosto de
1926, Boa Vista ascendeu da categoria de sede da vila de Boa Vista do Rio Branco à categoria
de cidade.
1.2. A criação do Território Federal do Rio Branco e seus fundamentos político-administrativos
O Território Federal do Rio Branco foi criado oficialmente em 13 de setembro de
1943, no governo do presidente Getúlio Vargas, pelo Decreto-Lei n.º 5.812, sendo, portanto,
desmembrado do Estado do Amazonas
3
. Em 13 de dezembro de 1962, passou a chamar-se
Território Federal de Roraima, e em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da nova
Constituição do país, foi elevado à condição de Estado, subdividido em 15 municípios.
As ações de afirmação da nacionalidade, na década de 40, voltaram-se para as áreas
limítrofes das regiões fronteiriças. As fronteiras dos territórios criados foram delineadas
fisicamente e, posteriormente, publicadas no Boletim do Conselho Técnico, de 31 de maio de
1944. Os limites do Território Federal do Rio Branco ficaram definidos da seguinte forma: o
noroeste e nordeste, pelos limites com a República da Venezuela e a Guiana Inglesa; a sudeste
e sul, pelo Rio Anauá, até sua foz no rio Branco, e por este a sua confluência com o rio Negro;
a sudoeste, subindo pelo rio Negro, da foz do Rio Marari, subindo as cabeceiras na serra de
Taparipecó.
Com a instalação dos territórios, finalmente foram formalizadas as estratégias de
delimitação e defesa do espaço geográfico brasileiro. Daí fica claro o quanto isso transformou
o espaço, mas também os limites de atuação do poder central. A leitura do Boletim do
Conselho Técnico corrobora essa idéia:
Situados como se vê, na zona limítrofe, são todos eles constituídos por algumas das
mais ricas regiões do nosso país, tendo saída fácil através dos rios navegáveis ou
mesmo pela zona marítima, como o Amapá. A opinião pública e a imprensa
__________________
2
IBGE. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro, 1957, vol. XIV, p. 45.
3
ibid., p.45. “Por força do Decreto-Lei Federal n.º 5.812, de 13 de setembro de 1943, retificado pelo de n.°
5.839, de 21 do mesmo mês e ano, criou-se o Território Federal do Rio Branco, para o qual foi transferido o
24
brasileira foram unânimes em aclamar esta resolução presidencial, “de que resultará
uma ampliação do Brasil, embora não tenha conhecido o território”. Com efeito, a
ampliação de ordem econômica e social, incorporando-se ao Estado, em realidade,
zonas fronteiriças de grande extensão que, afastadas em demasia do governo e
controle das unidades a que pertenciam, com o agravante de fatores outros diversos,
não podiam alcançar o desenvolvimento que as condições locais reclamavam
urgentemente. Acresce que essa realização presidencial vinha sendo insistentemente
preconizada por quantos se dedicam ao exame dos problemas que dizem respeito à
defesa nacional. (Conselho Federal de Comércio Exterior/Boletim do Conselho
Técnico. 1944, p.14).
Na década de quarenta, acreditava-se que se estava construindo uma nova noção para
o espaço geográfico brasileiro, definido agora a partir das áreas estratégicas, ou seja, das
fronteiras físicas, ainda bastante desconhecidas à época. O Território Federal do Rio Branco
tornou-se, assim, uma unidade da federação e, nestas condições, sofreu o processo de
integração promovido pelo governo central, que buscava criar novas condições, novos ideais
políticos, bem como conciliar a ação direta do Estado para com a sociedade. Estas novas
condições exigiram esforços para que pudesse ser implementado um aparelho administrativo
próprio, garantindo, no que fosse possível, uma autonomia política.
Desse modo, a existência de uma máquina burocrática era a condição sine qua non
para que o Território do Rio Branco selasse sua inclusão definitiva na nação brasileira. E foi
assim que os atos políticos da década de quarenta tiveram a força de legitimar novas unidades
políticas e estabelecer uma concepção inovadora da unidade territorial nação.
A criação dos territórios culminou em ações governamentais que visavam claramente
a conferir uniformidade política ao território brasileiro e a fortalecer as bases da
nacionalidade. Em razão disso, a instalação administrativa no Território Federal do Rio
Branco caracterizou-se como um momento marcado por forte sentimento nacionalista. Deste
modo, o separatismo político propiciou o afloramento de uma identidade nacional, ainda que
forjada de cima para baixo pela política nacional.
É quase sempre visível, nos documentos produzidos na década de quarenta, o
delineamento da natureza social de identidade, resultante desse processo de abrasileiramento
município de Boa Vista, acrescido de parte do município de Moura, no Estado do Amazonas. Em cumprimento
25
por que passou o contingente local. Isso implica dizer que as decisões políticas influenciaram
a criação de um novo espaço físico, sem eliminar, contudo, as particularidades locais. Assim,
mudanças foram sendo operadas e, paulatinamente, foram sendo alterados o ritmo de vida, as
funções sociais, os anseios e os desejos da população, bem como as práticas sociais, formando
um conjunto de novas relações.
Do ponto de vista administrativo, foram criados os seguintes órgãos da administração
do Território Federal do Rio Branco, conforme se depreende do Decreto-Lei n. 7.775, de 24
de julho de 1945
4
:
I Governador;
II - Secretaria Geral;
III - Divisão de Saúde (DS);
IV - Divisão de Assistência à Maternidade e à Infância (DAMI);
V - Divisão de Educação (DE);
VI- Divisão de Produção, Terras e Colonização (DPTC);
VII - Divisão de Obras (DO);
VIII - Divisão de Segurança e Guarda (DSG);
IX - Serviço de Administração Geral (SAG);
X - Serviço de Geografia e Estatística (SGE).
Esse organograma foi responsável, nos anos da implantação do Território do Rio
Branco, por uma forte instabilidade política, decorrente das disputas de poder existente entre o
governador, o secretário-geral e o vice-governador. Cabia ao secretário-geral prestar auxílio
direto ao governador, bem como coordenar e controlar as atividades administrativas da esfera
municipal, sobretudo quanto à execução orçamentária, e, ainda, opinar nos assuntos de
natureza jurídica e promover e divulgar os atos oficiais do território. Respondendo
interinamente pelo governo do Território, muitas vezes por longos períodos, haja vista que o
governador se ausentava por até seis meses, o secretário-geral gerou instabilidade
ao mesmo Decretolei supracitado, a cidade de Boa Vista foi elevada à categoria de Capital do novo Território.”
4
MEDEIROS, 1949, p. 165. In: “Decreto-Lei n. 7.775 de 24 de julho de 1945, art 1º “são órgãos da
administração do Território Federal do Rio Branco. A Criação das Divisões Administrativas,” entre elas a
Divisão de Educação.
26
administrativa por não dar continuidade aos projetos e ações que vinham sendo
desenvolvidas.
Passemos, agora, à análise do cenário econômico do Rio Branco na década de 40.
1.3. Situação econômica do Território Federal do Rio Branco
Recoberto pelas mais variadas espécies vegetais, tais como a castanha, a borracha, a
balata, madeiras diversas e plantas tóxicas, medicinais e oleaginosas, a zona do Rio Branco é
composta por campos nativos, contínuos e limpos, bastante apropriados à criação: há tatus,
veados, lontras, onças, maracajás, queixadas, tartarugas, pirarucus e peixes variados, bem
como jacarés, dentre outras espécies
5
. A caça e a pesca foram exploradas pela maior parte da
população, constituindo esta uma importante fonte de alimentação para a sociedade.
O Território do Rio Branco é dotado de muitas riquezas minerais e precisamente em
Boa Vista, por exemplo, há fertilidade de ouro, platina e pedras preciosas, até então
inexploradas. Na região do Rio Branco e do Uraricoera, afluente, além das águas sulfurosas,
são encontrados rutilo, muscovita e diatomito. Também são encontrados cristal de rocha,
esmeril, mica e sal-gema. No vale do Parimé, já foi assinalada a presença de ouro e de
diamantes. A serra de Pacaraima também apresenta riquezas minerais, pois nela existem sal-
gema, quartzo branco e azul e sílex vermelho e branco. A bauxita existe na Cordilheira
Parima
6
.
A zona do Rio Branco é a que mais se presta à agricultura. As terras são abundantes e,
em muitos trechos, refertilizadas pelas enchentes, o que dispensa o trabalho de derrubadas e
queimadas. O milho, o feijão, o arroz e a mandioca são cultivados e germinam
satisfatoriamente, bem como o fumo, a horticultura e a fruticultura (repolho, laranjas, figos e
uvas), por outro lado, quando cultivados, merecem especiais cuidados dos agricultores.
__________________
5
Estudo sobre a população dos novos territórios federais. Fundação Getúlio Vargas/CPDOC. Rio de Janeiro:
IBGE, Serviço Nacional de Recenseamento Gabinete Técnico, 1944, G V. r.8, f 0694.
6
IBGE, Enciclopédia dos municípios brasileiros. 1957, p. 388.
27
A área dos campos naturais apropriados à criação de gado-vacum, cavalar e lanígero é
superior a 35.000 km², vão além do curso do Mucajaí, ao sul, contornando os vales do
Mucajaí e do Parimé e extendendo-se até a Guiana Britânica. Há uma densidade de 15.000
cabeças de gado por légua quadrada.
Os campos são cobertos por grande variedade de gramíneas e cortados por igarapés
(pequenos rios). Um tapete contínuo de verdura constitui os pastos, que podem ser
considerados “secos”, quando em terrenos imunes às águas das enchentes, e “úmidos”,
quando localizados nas zonas de depressão. Esses são temporariamente alagados e se
conservam frescos, mesmo durante o verão.
Foi nesses vastos campos que os portugueses estabeleceram, no século XVIII, as
primeiras feitorias de criação, transformadas mais tarde nas fazendas nacionais acima
elencadas. Não obstante os processos rotineiros empregados na indústria de criação, que não
tinha preocupação com a seleção das espécies nem com o melhoramentos da pastagem,
constituiu essa atividade a melhor fonte de renda da região em 1941, que atingia o montante
de Cr$ 1.948.600,00. Como se percebe por esses números, a zona do Rio Branco é quase
essencialmente pastoril. De todo o território, era Boa Vista o espaço que abrigara o maior
rebanho em 1941: 120.000 bovinos, 12.000 equinos e 2.000 suínos
7
.
Em 1941, a produção de ouro atingiu a 50 quilos e a de diamantes a 6.000 quilates, em
Boa Vista, segundo Guerra. Os produtos que mais pesam nesse setor são, por ordem de
importância: a batata, a borracha, o sarnambi, a castanha, a massaranduba, o cumaru, como se
pode ver pelo seguinte quadro:
28
Tabela 1 Produção do Município de Boa Vista no ano de 1941
Produtos Quilos Valor em Cruzeiros
Borracha Fina 828kg Cr$ 7.970,33
Sarnambi 114kg Cr$ 594.51
Batata 42.846Kg Cr$ 502.361,23
Massaranduba 5.391Kg Cr$ 32.346,00
Cumaru 2.106Kg Cr$ 7.250,96
Fonte: GUERRA, Teixeira. Estudo Geográfico do Território do Rio Branco. Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, p.213, 1957. Esses são dados referentes apenas ao município de Boa Vista, no ano de 1941.
O couro e as peles de animais silvestres, tais como veado, queixada, capivara,
maracajá e ariranha, atingiam valores superiores a Cr$ 118.000,00 em 1941. A pesca,
industrialmente explorada, consistia considerável fonte de riqueza. Os peixes, depois de
salgados ou conservados, eram exportados através dos cursos d’água. As principais espécies
exploradas são: o pirarucu, que se se transforma em “mantas”, e a tartaruga, de que se extrai
manteiga para condimento. No baixo rio Branco e em seus afluentes, a indústria da pesca era
praticada em grande escala. Destacavam-se, então, os produtos localmente transformados: o
fumo em corda, a rapadura e a farinha de mandioca, com uma produção de 90.000 e 70.000
quilos, respectivamente.
A estrada Manaus-Boa Vista, iniciada a partir da capital amazonense, foi um projeto
do século XIX, criado para facilitar as comunicações, como bem registra Gondim:
É bem verdade que, em 1893 em virtude do contato firmado com o governo do
Estado, João Baptista Gonçalves Bastos iniciou os trabalhos de exploração de uma
estrada de Manáos a Bôa Vista do Rio Branco, mas, por fallecimento do
contractante, os serviços ficaram interrompidos, resultando disso a recisão do
contrato. O governo abriu concorrencia, sendo acceita uma proposta de Sebastião
Diniz, que, no mesmo anno, reencetou os trabalhos, com uma comissão technica,
concluindo a exploração de muitos kilometros, sem poder, todavia, proseguir na sua
obra, em virtude dos obstáculos que surgiram posteriormente. (GONDIM, 1922, p.
16).
7
GUERRA, 1952, p. 164.
29
Na década de 1940, a estrada ainda permanecia sem a conclusão, objeto de calorosos
discursos políticos, pois estes eram tidos como uma necessidade imperiosa para que se ligasse
a capital do território com Manaus, com o objetivo de intensificar o comércio já existente
entre esses dois portos.
A principal artéria fluvial que corta o território, o rio Branco, destaca dentre os seus
principais afluentes os rios Catrimani, Uraricoera, Cotingo, Tacutu e o Maú. Apesar de serem
de encosta, os rios que banham o território, na maioria, são navegáveis em grandes extensões.
O rio Branco é a principal via de comunicação da região, sendo navegável por lanchas e
batelões até Boa Vista. O problema do transporte constituía uma das maiores angústias, na
região, quando na vasante se tornava difícil a navegação, em virtude de numerosas
corredeiras.
Feitas essas considerações, trataremos de apresentar as principais ações políticas do
governo recém-instalado do Território Federal do Rio Branco.
1.4. O governo de Ene Garcez dos Reis
Nos primeiros anos do Território Federal do Rio Branco - 1943 a 1964 -, o modelo
administrativo estabelecido oficialmente permitia que os governadores fossem nomeados pelo
presidente da República e indicados por políticos. O senador Vitorino Freire, do Partido
Social Democrático (PSD) do Maranhão, foi o responsável pelas indicações durante parte dos
anos 40 e 50. Depois dele, a influência foi exercida pelo único deputado federal que o
Território elegia para a Câmara Federal. Diante das divergências políticas entre o “político” e
o governador, esse era, quase sempre, exonerado e um outro indicado para o posto. Os
governadores nomeados eram, em sua maioria, estranhos à região e com poucas experiências
administrativas.
O primeiro governador nomeado do Território Federal do Rio Branco foi o capitão
Ene Garcez dos Reis, em abril de 1944. Ene Garcez dos Reis era filho e neto de generais do
exército brasileiro, do Império e da República. Nasceu no Rio de Janeiro em 1914 e casou-se
com D. Dulce, que o acompanhou quando veio residir no recém-implantado Território Federal
30
do Rio Branco. Antes, porém, tinha servido em Cárceres, no Mato Grosso, como tenente
voluntário, e, em 1940, em Porto Velho, na Companhia das Fronteiras, onde permaneceu por
dois anos e conheceu Getúlio Vargas. Em depoimento, Ene Garcez relata.
Em Porto Velho, em 1940, quando conheci o presidente Vargas, dediquei-me mais
ainda a estudar os problemas da região. Quando terminou meu tempo de 2 anos eu
escolhi para servir no Batalhão de Guardas Presidencial no Palácio do Catete. Esse
Batalhão de Guardas também dava serviço no palácio da Guanabara, residência
oficial do Presidente. E como oficial em Petrópolis, o oficial do dia almoçava e
jantava com o presidente. O presidente Vargas, ao me ver, reconheceu-me,
perguntou pela minha esposa que o tinha acompanhado à visita à viúva do capitão
morto em Porto Velho. O Presidente de hábito, passava 3 meses por ano em
Petrópolis, onde também o Batalhão de Guardas prestava serviços. Ao acaso fui
designado, certo dia, para prestar serviço. (GARCEZ, in: FREITAS, 1993, p. 33).
Nesta ocasião, a região amazônica foi discutida entre ambos e o presidente
demonstrou estar fortemente inclinado a criar os territórios federais:
Ele só permaneceu 4 dias em Porto Velho e eu fiquei 2 anos. Mas Getúlio Vargas
voltou a se interessar pelo assunto. Sempre por ocasião das refeições,
conversávamos muito sobre o tema e ele já estava inclinado a criar os Territórios
Federais. (GARCEZ, in: FREITAS, 1993, p. 33).
No verão de 1941, foram discutidas, em Petrópolis, as bases de criação dos territórios.
Primeiramente pensou-se em criar bases militares, que mais tarde poderiam ser promovidas a
territórios federais, ficando, portanto, sob a responsabilidade do governo estadonovista. O
capitão Ene Garcez trata das questões do militarismo no Rio Branco nos seguintes termos:
Pessoalmente, continuava servindo no Batalhão de Guardas Presidencial, e com a
promoção de seu Ajudante de Ordens, o presidente me convidou para este lugar.
Quando eu era Ajudante de Ordens, foram criados os Territórios Federais. O coronel
Janary Nunes foi designado governador do Amapá, o Major Aloísio Ferreira para o
Guaporé, e o capitão João Nascimento Garcez, meu primo, foi nomeado para
Iguaçu, e ficou vago o Território do Rio Branco. Sempre que eu conversava com o
presidente, ele tocava no assunto. Precisava nomear alguém para o Rio Branco. Até
que em abril de 1944, eu me ofereci para ser governador do Rio Branco. Ele não me
convidou, eu é que de tanto ouvir o presidente falar no assunto comigo, resolvi
31
apresentar-me para ser governador e fui nomeado no dia 19 de abril, dia do
aniversário do presidente. (GARCEZ, in: FREITAS. 1993, p. 34).
A nomeação do primeiro governador teve de levar em conta alguns requisitos, tais
como a sua experiência nas regiões fronteiriças e o apoio militar necessário, que a figura do
capitão Ene Garcez dos Reis garantia, além da sua experiência pessoal. A relação pessoal
entre o presidente Vargas e o capitão também foi fator decisivo para a escolha. Em entrevista
concedida a Aimberê Freitas, o capitão Ene Garcez afirma:
O Dr. Getúlio Vargas ficou 15 anos consecutivos no poder, de 1937 até 1945, e, na
medida em que o tempo passava, ele ia tomando conhecimento dos problemas
brasileiros. Com o advento da II Grande Guerra Mundial - 1939 a 1945 -, veio a
campanha da borracha e o Dr. Getúlio sentiu que a Amazônia estava um tanto
desprotegida, relegada a segundo plano, dentro do conjunto, do Brasil Continental.
Ele não tinha receio de uma ação armada para internacionalização da Amazônia. Ele
achava, sim, que as nossas fronteiras estavam esquecidas e desprotegidas. Ele, então,
criou, no exército, para marcar a presença do Brasil em determinados pontos,
companhias e pelotões de fronteira, que tinham o objetivo de, naqueles pontos onde
já começava a haver fixação de populações, ajudar o homem a ter melhores
condições de segurança e até de conforto. Criou, assim, colônias militares em
Tabatinga, Porto Velho, Boa Vista (primeiro pelotão de fronteiras), Macapá,
Cáceres, Foz do Iguaçu, etc. Eram localidades que, pelas suas populações aí
existentes, marcavam a presença do Brasil. Assim surgiram nessas localidades, o
início de um desenvolvimento quase lógico, pela existência dessas unidades
militares. Isso, evidentemente, não era novidade. Historicamente isso já havia
acontecido em Dourados, Mato Grosso. (GARCEZ, in: FREITAS, 1993, p. 32).
Veio para Boa Vista num avião americano, no dia 20 de junho de 1944, trazendo
consigo uma pequena comitiva composta de seis pessoas. Ene Garcez relata:
A viagem do Rio de Janeiro para Boa Vista foi feita de avião até Belém, e, de Belém
para Manaus, fomos em um barco da Marinha de Guerra, uma corveta. De Manaus
para Boa Vista, fomos num avião anfíbio americano. Não havia linha comercial de
avião. Aliás, no primeiro vôo comercial da Cruzeiro do Sul entre Manaus/Boa
Vista/Manaus, em 1946, eu fui e não voltei mais. (GARCEZ, in: FREITAS, 1993, p.
35).
32
O governador foi morar na prelazia do Rio Branco, residência dos religiosos, onde
instalou o “Palácio dos Despachos”. Aí foram contratados os primeiros funcionários. Trazia
consigo Cr$ 200.000,00 e a incumbência de criar um pólo de civilização.
Quando chegou ao território, preferiu observar o local, com o objetivo de identificar as
principais necessidades. Uma de suas primeiras realizações foi a instalação de uma emissora
de rádio, na fronteira com a Guiana. Para essa finalidade, trouxe na sua comitiva um técnico
do exército, responsável pela montagem.
O “Plano de Recuperação e Desenvolvimento do Vale do Rio Branco” é o documento
que contém as diretrizes de implantação administrativa do Território. O governador registrou
no plano qüinqüenal o reconhecimento de que seria necessária uma organização ampla da
administração local, tal como fica patente nesse trecho:
O contato direto com as realidades, vendo e sentindo a complexidade de problemas
básicos, permitiu-me a visão global do triste panorama de desorganização.
Abandono e indisciplina, a despeito das indiscutíveis possibilidades de civilização
ao meio: os habitantes, vítimas do analfabetismo, das doenças tropicais e de falta de
assistência dos poderes públicos, aglomeraram-se em núcleos ribeirinhos recém-
saídos do primitivismo dos povoados de que se originaram, sob o influxo da
indústria extrativa; a produção incipiente e completamente entregue aos métodos de
exploração rotineira e empírica; a administração local, completamente incapaz de
atender às mínimas necessidades de poder do Estado, tanto assim que a faixa de
fronteiras se constituía em via livre do contrabando de minérios e sonegação de
impostos. Era preciso construir e organizar tudo, desde a sede do governo até os
próprios núcleos de população municipal, grupando-se os problemas em setores
através dos quais fosse possível:
a) Engenharia e obras;
b) Educação e cultura;
c) Saúde e saneamento;
d) Organização e fomento da produção;
e) Terras, colonização e transporte. (CAVALCANTI, 1945, p. 17-18).
Neste relatório, o autor descreve, com detalhes, alguns aspectos da realidade local e
avalia que o relatório apresentado ao governo central representou um grande passo no sentido
da recuperação e do desenvolvimento do vale do Rio Branco.
33
Sobre o assunto, Ene Garcez registrou:
O Sr. Presidente Getúlio Vargas, criador dos novos Territórios, explicou, há pouco,
os verdadeiros fins de tais entidades de administração direta da União, dentro da
própria ordem dos problemas fundamentais do país: colonizar, sanear e educar. É
este o sentido de “interesses da defesa nacional”, em que o legislador de 37 se
inspirou para definir a fonte do poder de desmembrar Estados e criar os Territórios
Federais. (GARCEZ, in: CAVALCANTI. 1945, p. 19)
Seguindo as orientações do plano qüinqüenal, foi iniciada a construção das estradas
(Boa Vista-Caracaraí), implantado o programa de merenda escolar, melhorada a infra-
estrutura do hospital, iniciadas as obras de saneamento e de prevenção contra a malária, bem
como as instalações das primeiras colônias agrícolas. Uma questão permanecia fora do
contexto: a questão indígena, que era tratada como se fosse cordial e pacífica. Com relação à
Igreja, ele também afirma que mantinha “um relacionamento cordial”.
Em decorrência da deposição de Getúlio Vargas em outubro de 1945, Ene Garcez dos
Reis deixou o governo em janeiro do ano seguinte.
1.5. Boa Vista: um espaço regional urbano educativo.
Investigamos a cidade de Boa Vista com um espaço urbano criado e legitimado
através da implementação oficial de suas funções burocráticas e administrativas, com o
objetivo último de integrar essa parte do Brasil ao projeto de nacionalidade do Estado Novo.
Nosso interesse também deriva do fato de ser ela o espaço onde reside parte de uma
população organizada, em um complexo conjunto, que irá manter relações de interesses com
as outras regiões do país. O espaço urbano e o crescimento demográfico são, deste modo, e
segundo nossa concepção, os dois fatores responsáveis pela demanda educacional nos anos
40.
34
Com a implantação do território, Boa Vista foi projetada pelo engenheiro civil carioca
Darcy Aleixo Derenusson, que obedeceu a um plano geral do governo do capitão Ene Garcez
do Reis
8
. Sobre Boa Vista, na década de quarenta, Guerra afirma:
A cidade de Boa Vista, cujo traçado obedece a um plano organizado em 1945, está
no momento apresentando um aspecto desolador no que tange ao urbanismo, pois
nada menos de três cidades, em rigor, estão se prejudicando mutuamente: a cidade
velha do tempo do município; a parte nova construída a título de emergência, casas
desordenadas sem alinhamento e sem estética, de que resulta uma verdadeira torre
de Babel. (GUERRA, 1957, p. 140).
A ocupação do núcleo urbano de Boa Vista, caracterizou-se por um processo de
formação de novas estruturas urbanas que foi se estabelecendo, paulatinamente, em contraste
com as áreas rurais. Conforme depõe Nilson Crocia Barros, “Boa Vista se expandia
rapidamente, o abastecimento de água já não era suficiente, casas surgiram desordenadamente
e em 1953 criou-se a primeira feira livre”. (BARROS, 1995, p. 63).
O Estado criou mecanismos que levaram ao que se pode chamar de segregação
residencial, através do planejamento moderno e racional, que contribuiu substancialmente
para que a distribuição espacial da cidade viesse a ser desigual. A economia condicionou, em
grande parte, os estilos e a base da ocupação regional. Por outro lado, a ação do Estado
reorganizou o espaço, incorporando-o a uma constante renovação urbana, diferenciando a
infra-estrutura do conteúdo social e econômico de determinadas áreas da cidade, contribuindo,
assim, para que a desigualdade sócio-espacial não desaparecesse.
À época, a cidade era dividida em cinco bairros: Porto da Olaria, Rói-Couro, Caxangá,
Centro e Ipase. No Porto da Olaria havia uma olaria mecânica, da qual apenas existe o
barracão grande em funcionamento. É o bairro mais antigo de Boa Vista, e como outrora,
continua a se desenvolver sem que as casas obedeçam a um arruamento organizado. Neste
bairro, algumas casas foram construídas sobre estacas, para evitar a “alagação” provocada
pelo rio Branco. É necessário acentuar que as casas palafíticas são raras em Boa Vista,
existindo apenas neste bairro.
__________________
8
GARCEZ, in: FREITAS, 1993, p. 63. “Contratei o urbanista Darcy Aleixo Derenusson para planejar a cidade
de Boa Vista. A planta da cidade de Boa Vista foi feita por este engenheiro e a inspiração para aquele traçado eu
fui buscar no traçado de Belo Horizonte. Inspirei-me em Belo Horizonte e mandei que ele traçasse uma cidade
parecida. Ele fez os levantamentos topográficos no local e os desenhos no Rio de Janeiro.[...]”.
35
O Rói-Couro foi um bairro que surgiu com a construção de umas barracas, nos anos de
1944 a 1946. Também está localizado na margem direita do rio e nele se concentraram as
olarias da cidade. No bairro Rói-Couro havia um grande predomínio de casas de taipa
cobertas de palha de buriti. Todavia, apareceram construções de alvenaria dotadas de certo
conforto.
Caxangá era um bairro residencial localizado junto ao igarapé do mesmo nome, a
noroeste do centro. O Centro era o bairro onde estavam localizadas as casas de comércio,
sendo naturalmente o mais importante para a vida da cidade. Não se encontravam, no entanto,
grandes firmas comerciais, apenas comércio a varejo. O abastecimento das firmas comerciais
de Boa Vista era feito por estabelecimentos de Manaus e de Belém, sendo alguns produtos
recebidos do Rio de Janeiro.
Os censos realizados em 1940 e 1950 levantaram dados seguros sobre a população de
Boa Vista e dos distritos. O registro destes dados é, para a época, uma inovação na história
brasileira. Isso nos faz acreditar que o Estado, para se firmar, tinha consciência de que deveria
ter o controle efetivo das regiões mais remotas do país. Para Schwartzman:
O recenseamento de 1940 é geralmente considerado um dos mais bem sucedidos na
história do país, uma lacuna pretendida pelo Estado Novo, usando os meios de
controle e interferência dos setores da vida nacional. A criação de órgãos nacionais
de estatística, o IBGE, foi um caminho encontrado. (SHWARTZMAN, 1982, p. 7).
Como fica patente, o controle estatal definiu detalhada e minuciosamente a área dos
territórios criados no extremo norte e registrou dados sobre a população do Rio Branco. Sobre
o assunto, é digno de ser reproduzido parte de um documento da Fundação Getúlio Vargas:
No que diz respeito aos distritos divididos pela nova fronteira, foi discriminada a
população das partes cedidas ao Território e das partes restantes mediante o exame
coordenado das cadernetas dos agentes recenseadores e dos mapas topográficos.
Aplicou-se uma pequena redução aos dados da população definitiva. Em virtude da
cuidadosa compilação das cadernetas, que especificam bem a situação dos
domicílios recenseados, foi possível determinar com precisão a localização de todos
os domicílios, dentro ou fora do território. (Fundação Getúlio Vargas, Arquivo GV.
CPDOC. r.8 f. 0692).
36
O resultado foi apresentado sob a forma de uma tabela, que apresentava dados
consistentes sobre a população do Território do Rio Branco. Datada de 1º de setembro de
1940, a tabela está organizada como segue:
Tabela 2 - Dados da população em 1º de setembro de 1940
Municípios Antigos Homens Mulheres Total Municípios Atuais
Boa Vista 5.509 5.000 10.509 Boa Vista
Moura (parte) 971 650 1.621 Catrimani
Total 6.480 5.650 12.130 Total
Fonte: IBGE, Serviço Nacional de Recenseamento-Gabinete, FGV, CPDOC, GV, r 8,f 0692.
Outra planilha discrimina a população do Território segundo a situação domiciliar:
Tabela 3 População do Território, por município e domicílio em 1940
Situação
Municípios Antigos
Urbana Suburbana Rural Total
Municípios Atuais
Boa Vista 1.159 239 9.111 10.509 Boa vista
Moura (parte) - - 1.621 1.621 Catrimani
Total 1.159 239 10.732 12.130 Total
Fonte: IBGE, Serviço Nacional de Recenseamento-Gabinete Técnico, FGV, CPDOC, GV, r 8, f 0692.
A população do território era, na sua maioria, rural. Conforme a divisão
administrativa, a quota de população rural é de 88,48%, a urbana de 9,55% e a suburbana de
1,97%. Boa Vista ainda era um pequeno vilarejo, contando com 1.159 habitantes urbanos e
239 suburbanos
9
.
A superfície total indicada para o Território era de 252.365 Km². Relacionando a
superfície aos dados populacionais, obteve-se uma densidade de apenas 0,048 habitante por
Km², bastante inferior, portanto, à de 9%, que era a média da União. Após a nova divisão
territorial, foi apresentado, por Guerra, um novo quadro indicativo:
__________________
9
Interessante era a situação da população, ainda segundo Guerra, no período em que antecede a criação do
território: o antigo município de Moura tinha 133 habitantes no Território e 1.147 no estado do Amazonas. Os
números do distrito de Carvoeiro eram o seguinte: 805 habitavam no Território e 256 no estado do Amazonas. O
37
Tabela 4 Demografia dos municípios do Território do Rio Branco - 1940
Municípios atuais Superfície em Km² População hab Densidade hab/Km²
Boa Vista 170.581 10.509 0,062
Catrimani 81.784 1.621 0,020
Total 252.365 12.130 0,048
Fonte: IBGE, Serviço Nacional de Recenseamento-Gabinete Técnico, FGV, CPDOC, GV, r 8, f 0693.
Supondo que a taxa anual de crescimento da população no território do Rio Branco
fosse a mesma que foi adotada para as estimativas feitas para o conjunto da União, Giorgio
Mortara, consultor técnico do Estado, pôde calcular em cerca de 13.000 habitantes, a
população do Território, em 31 de dezembro de 1943
10
.
Concomitantemente ao levantamento de dados sobre a região, a reorganização
acelerada da política brasileira, nos anos 40, permitiu a ocupação rápida e sistemática da
região norte
11
. Nesse novo contexto, as novas feições nacionais e internacionais das nossas
fronteiras, fizeram com que cada região se tornasse co-responsável pela soberania nacional.
A Amazônia assumiu uma posição chave diante das prioridades econômicas e
geopolíticas. Assim, tanto no plano interno quanto no externo, foi promovida uma política
ocupacional que gerou migrações constantes, que alteraram a paisagem urbana, como observa
Becker:
Uma fronteira urbana é a base logística para o projeto de rápida ocupação da região,
acompanhando e mesmo antecipando à expansão de várias frentes. Trata-se de uma
feição original da fronteira contemporânea. A urbanização não é aí uma
conseqüência da expansão agrícola: a fronteira já nasce urbana, tem um ritmo de
urbanização mais rápido que o resto do Brasil. E esta feição está intimamente
associada à migração. (BECKER, 44, p. 1989).
distrito da ilha de Catrimani tinha 683 habitantes. Ao todo, são 1.621 habitantes no Território e 1.403 nas demais
áreas.
10
O relatório é datado de 15 de junho de 1944.
11
COSTA, 1948, p. 253. Seção de obras raras da Biblioteca Nacional “ É magnífica, portanto, a posição
geopolítica do Território Federal do Rio Branco, que o predispõe adequadamente povoado, a erigir-se em um dos
principais centros de interesse da comunidade dos povos amazônicos”.
38
A política do Estado viabilizou, subsidiou e simbolizou uma dimensão ideológica,
utilizando-se de uma poderosa estratégia de ocupação, programada por meio de um rigoroso
controle técnico-político e pela superposição dos Territórios Federais aos demais Estados
12
. É
evidente que, para que tal situação política se concretizasse, fez-se necessário que as funções
burocráticas e administrativas fossem sediadas em Boa Vista.
Em virtude do Estado ter promovido uma política de ocupação, se estabeleceu o
incentivo às migrações constantes e planejadas. A ocupação da área urbana de Boa Vista se
tornou um processo dotado de objetivos econômicos e sociais ou políticos e militares, nas
regiões estratégicas. O povoamento foi, então, uma política administrativa do governo central,
com fins de controlar e marcar a presença nas áreas fronteiriças, bem como solucionar
conflitos sociais oriundos de outros centros. Assim sendo, os migrantes contribuíram
significativamente para a transformação acelerada do espaço urbano na capital do território
13
.
Foi na capital do Território que se realizaram os mais variados tipos de funções, ou
seja, atividades tais como a produção e comercialização de mercadorias e outros modos de
prestação de serviços, bem como formas e funções simbólicas. Tais formas foram social,
econômica e politicamente produzidas, como bem notou Barros:
Certamente que a criação do Território foi responsável, ao lado da mineração que
usava Boa Vista como base de apoio, pelo crescimento populacional e ultra-
centralização funcional nesta cidade, ao longo das décadas de 1940 e 1950, e que se
acentuará nas seguintes. (BARROS, 1995, p. 61-62).
__________________
12
Ibid. p., 256. “Para isso, todavia, é mister a elaboração e execução de um plano de colonização sistemática,
com o apoio do Governo Central, objetivando o aumento da densidade demográfica da grande área, onde apenas
existem, segundo as cifras estatísticas, cerca de 15.000 habitantes”.
39
O comércio de Boa Vista pode ser expresso quantitativamente através da seguinte tabela:
Tabela 5 Comércio de Boa Vista nos anos de 1945 a 1950
1945 Cr$ 38.160,00
1946 Cr$ 12.423,00
1947 Cr$ 9.595,00
1948 Cr$ 13.920,00
1949 Cr$ 18.836
1950 Cr$ 25.846
Dados referentes aos três últimos trimestres.
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil, in: GUERRA, 1957, p. 143.
Muitas das fazendas do Território se abasteciam diretamente na cidade de Manaus,
cidade com qual as relações comerciais eram intensas. Boa Vista não funciona como centro
comercial para o alto rio Branco e para a região montanhosa como poderá parecer à primeira
vista, em virtude das transações diretas, feitas por várias fazendas locais, com Manaus.
De modo geral, a cidade possuía, desde então, ruas bem traçadas, sobretudo na parte
central, apesar de em alguns bairros não haver um plano de urbanismo. Nenhuma rua da
cidade possuía calçamento; apesar da existência de meio-fio e calçadas, o leito das ruas era de
terra batida.
Na década de quarenta, Boa Vista tinha abastecimento precário de água potável, haja
vista que o crescimento foi tão desenfreado que o poço fornecedor não era mais suficiente
para suprir a demanda. Assim, “o problema de falta d’água” obrigou que fossem construídos
poços individuais. Esta providência foi adotada não apenas por particulares, mas também em
certos prédios da administração federal. Em 1955, o governo local buscou resolver o
problema construindo mais uma fonte abastecedora: o poço do Rói-Couro. O SESP, com a
verba de valorização econômica da Amazônia, realizou estudos para o problema para o
qüinqüênio seguinte.
13
SOUZA, 2004.
40
A cidade possuía iluminação pública produzida por grupos de motores geradores
diesel-elétricos. Encontra-se, da época, um interessante estudo para aproveitamento de uma
queda d’água (cachoeira de paredão), que se acha distante cerca de 80 Km de Boa Vista, para
produção de energia elétrica. Conforme depõe Gondim: “[...] a inexistencia de iluminação na
villa é uma coisa desoladora, não menos lamentável é a falta de um edifício para a reclusão de
criminosos.” (GONDIM, 1922, p. 14). Com a criação do Território, o consumo de eletricidade
sofreu um grande aumento na cidade de Boa Vista, passando de 43.059 kWh, em 1947, para
77.998 kWh, em 1950.
A circulação interna na cidade de Boa Vista era feita a pé ou em carros de aluguel,
cujo número era relativamente grande. Não havia, ainda, veículos coletivos. No tocante às
comunicações, cumpre registrar que já existia uma incipiente rede telefônica. Quanto aos
serviços dos correios e telégrafos, eram insuficientes, dada as condições de isolamento da
cidade e da Amazônia.
O abastecimento de gêneros alimentícios era bastante deficitário, chegando mesmo a
faltarem os produtos de primeira necessidade. Isso ocorria por causa da existência de
cachoeiras entre Manaus e Boa Vista que, durante o verão, dificultavam o transporte. Este
seria, portanto, um problema permanente na história do Território Federal do Rio Branco.
2. AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO ESTADO NOVO
2.1. A situação da educação escolar formal no Estado Novo
O principal instrumento utilizado pelo Estado Novo para desenvolver seus planos de
modernização do país foi o aparelho da escola formal. A educação escolar formal ocupou um
lugar de destaque no aparelho ideológico do estado, com fins de exaltar a necessidade de
reestruturar a nação e de aprofundar o sentimento de afirmação da nacionalidade. O Estado
Novo conferiu à educação o papel de força propulsora do seu projeto ideológico.
A década de 30 foi marcada pelas lutas em favor da implantação da escola pública,
laica e gratuita, e pela responsabilização estatal para com esse princípio. A pressão advinda
dessas forças políticas do cenário nacional teve como efeito a criação do Ministério da
Educação e Saúde Pública, em 1931.
A efervescência ideológica brasileira foi substancialmente rica e diversa de projetos
educacionais neste período. Todo projeto embutia uma proposta de política educacional para o
país. Isso comprova que a educação tornou-se um instrumento decisivo e distinto para a
construção da nacionalidade, questão essa que encontraria no Estado Novo um momento
decisivo.
É possível identificar algumas concepções diferentes sobre a educação brasileira. Os
liberais, por exemplo, acreditavam na construção de um plano educacional com bases numa
Pedagogia Nova. Um outro grupo, os católicos, se opunha tenazmente aos liberais, chegando
a organizar uma Liga Eleitoral Católica (LEC)
14
que serviu como elemento de pressão para
fazer valer os seus interesses. Aproximaram-se também da Ação Integralista Brasileira (AIB),
entidade surgida nos anos trinta, identificada com o nazi-fascismo europeu.
______________
14
XAVIER, 1999, p. 43. “A liga fez dos princípios propostos no referido documento o seu programa de ação,
além de recomendar a eleição apenas dos candidatos que apoiassem as suas reivindicações. Tal ação resultaria na
incorporação das principais reivindicações católicas à Constituição de 1934, assim como o reconhecimento
constitucional do princípio da colaboração recíproca entre Igreja e Estado.”
42
O Estado brasileiro procurou assumir uma posição aparentemente neutra em relação
aos movimentos que estavam surgindo. O Ministério de Educação e Saúde Pública, quando
dirigido por Francisco Campos, em 1931, possuía trânsito livre entre liberais e católicos.
Segundo Ghiraldelli Jr., “[...] dizendo querer aproveitar a contribuição de ambos os grupos,
acabou por colocar em execução uma política educacional própria, mas também distante de
princípios efetivamente democráticos.” (1994, p. 40).
É evidente que existiam forças sociais representadas por camadas populares. Estas
camadas, por sua vez, eram contrárias à aproximação brasileira com os estados totalitários,
durante os conflitos mundiais. Contavam essas forças com o apoio da Aliança Nacional
Libertadora (ANL) para conseguirem recuperar parte dos projetos elaborados pelo
Movimento Operário dos anos vinte. Esses projetos seriam a fundamentação do debate
pedagógico deste grupo. Os aliancistas desejavam um governo democrático, popular e com
tendências socialistas.
O Governo Vargas atuou no campo da educação conforme os mesmos parâmetros
empregados para a política trabalhista. O esforço do Governo era para ter o controle das
tendências do pensamento educacional, como bem nota Paulo Ghiraldelli Jr.:
[...] o ano de 1931 foi palco da IV Conferência Nacional de Educação, organizada
para uma discussão geral ‘As Grandes Diretrizes da Educação Popular’. Vargas
havia acabado de criar o Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), cujo
titular da pasta, Francisco Campos, compareceu à Conferência. Aliás, diga-se de
passagem, o próprio Vargas esteve presente no evento, onde confessou aos
educadores que o ‘governo revolucionário’ não tinha uma proposta educacional, e
que esperava-se dos intelectuais ali presentes a elaboração do sentido pedagógico da
Revolução. (GHIRALDELLI, 1994, p. 41).
Faz-se necessário observar a presença de simpáticos ao socialismo entre os liberais,
além de outras tendências políticas, que defendiam uma escola democrática, capaz de reverter
os males e as desigualdades sociais provocadas pelo capitalismo. É óbvio de que a
radicalização entre católicos e liberais se refletiu de forma mais nítida na oposição
43
manifestada pelos educadores brasileiros com relação à Escola Pública. O governo adotou
habilmente uma estratégia ambígua para definir as linhas gerais da Educação. Vargas
exorcizou as tentativas e mecanismos das lutas sociais, integrando-as à política trabalhista e
amortecendo a “questão social”, na intenção de conter os avanços contrários à política do
Estado.
Em 1932, foi publicado um documento fundador para o ensino público brasileiro: O
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
15
. Cabe salientar desde já que os 26 intelectuais
que assinaram o manifesto não constituíam um grupo homogêneo no que diz respeito às
posições ideológicas, sendo, portanto, a adesão ao manifesto uma aliança em torno dos
princípios da modernização da educação, verdadeiro compromisso firmado com a sociedade
brasileira
16
.
O documento condensava as propostas de implementação do sistema público de
ensino brasileiro. Para eles, a universalização da educação era requisito básico na formação da
cidadania e, além disso, devia ser atrelada à nova ordem política estabelecida. Consoante a
proposta, o novo sistema de ensino deveria adequar-se às demandas colocadas pelo avanço
tecnológico e pelo crescimento urbano. Na verdade, os signatários estavam preocupados em
reformular a situação política dos pactos oligárquicos e do conseqüente clientelismo dele
advindo, que marcaram a vida da política brasileira da República Velha. Os agentes
educacionais buscavam neutralizar, por meio de um plano nacional de educação, o poder
local, que inviabilizava os projetos de uma sociedade moderna.
Os educadores viam na proposta um meio de superar os altos índices de analfabetismo
existente no país, que juntamente com as graves questões na área da saúde pública, constituía
um dos mais visíveis símbolos do atraso brasileiro frente às nações mais prósperas. A
valorização da educação tornou a escolaridade um requisito fundamental para a aquisição da
______________
15
Sobre o contexto histórico da trajetória da publicação do Manifesto dos Pioneiros em 1932, ver: XAVIER.
Para além do campo educacional: um estudo sobre o manifesto dos pioneiros da educação nova (1932).
Dissertação de Mestrado, PUC-RJ, 1993.
16
Eis uma lista dos pioneiros: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Afrânio Peixoto,
Paschoal Lemme, Roquete Pinto, Cecília Meireles, Hermes Lima, Nóberga da Cunha, Edgar Susseckind de
Mendonça, Armanda Álvaro Alberto, Venâncio Filho, C. Delgado de Carvalho Frota Pessoa, Raul Briquet,
Sampaio Dória, Noemy Silveira, Atílio Vivacqua, Júlio de Mesquita Filho, Mario Cassanata, Almeida Júnior,
J.P. Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Paulo Maranhão, Garcia de Rezende e Raul Gomes.
44
cidadania. Intelectuais oriundos de diversas correntes pedagógicas concorreram para esse
projeto de reconstrução nacional. A esse respeito, comenta Xavier:
A ênfase no projeto nacional-desenvolvimentista justifica-se em função dessa
ideologia ter representado um momento de confluência entre o projeto do Estado
Nacional e as ambições dos educadores e intelectuais reunidos em torno do projeto
de democratização da educação brasileira. (XAVIER, 1999, p. 38).
Os reformadores valeram-se de muitos expedientes para tornarem públicas suas idéias.
Em encontros informais, em diferentes espaços sociais, nas universidades etc., essa geração
de intelectuais alimentou o sonho de transformar a sociedade brasileira por meio da educação.
A definição da educação como uma questão política nacional, defendida pelo Manifesto, foi
uma das pilastras para o processo de reorganização do Estado brasileiro. E isso se deu através
de um conjunto de medidas governamentais que valorizaram os setores públicos e
incentivaram as reformas educacionais nos anos 1930.
No campo educativo, a concepção era a de que o tema prioritário a ser trabalhado era o
da cultura brasileira, nos moldes expressos pelas diferentes vertentes do movimento
modernista, fortemente marcado pela presença de elementos como o ufanismo e a história
mítica, mas também pelo culto às autoridades e a veneração às instituições, e ainda pela
afirmação de padrão para a língua portuguesa.
Uma curiosidade é digna de ser mencionada. Bomeny observa que:
O Ministério da Educação deveria criar e executar um programa de desapropriação
progressiva das escolas estrangeiras, nomeando diretores brasileiros até a
substituição completa dos professores estrangeiros por nacionais selecionados. Essa
foi, sem dúvida, uma sugestão cumprida à risca pelo interventor Cordeiro de Farias
no Rio Grande do Sul. (BOMENY, 2000, p. 160)
Havia tanto o temor de invasão estrangeira no Brasil quanto à necessidade de se fazer
uma reformulação na estrutura do ensino primário e de se oficializar as escolas primárias, bem
como de conferir uma feição nacional às escolas brasileiras e, ainda, de se fazer um
investimento agressivo para sustar os núcleos de colonização alienígenas. O problema dos
estrangeiros no Brasil emergiu como uma questão fulcral para aqueles ideólogos nacionalistas
45
que pensavam em construir um Estado Novo que garantisse as diferenças e a existência
simultânea das culturas. Estas deveriam, entretanto, passar por um processo de seleção, que
deveria incentivar as de raízes nacionalistas e destruir as de origem estrangeira, a fim de
construir uma cidadania genuinamente nacional.
Segundo Xavier,
“Ao sintetizar as linhas gerais da política educacional do Estado Novo, Schwartzman
(1984, p. 141-142) destaca a ênfase na consolidação da nacionalidade. Esta deveria ser a
culminação de toda a ação pedagógica do Ministério, em nome da qual promoveu-se um
vigoroso esforço de nacionalização levado a efeito por meio de três frentes principais: 1) a
imposição de um conteúdo nacional ao ensino consubstanciando na introdução do ensino
religioso nas escolas posteriormente acrescidas das vertentes da história mitificada dos heróis
e das instituições nacionais e o culto as autoridades; 2) a padronização do ensino com o
estabelecimento de uma universidade-padrão (a universidade do Brasil), de uma escola
modelo secundária (o Colégio Pedro II), a imposição de currículos mínimos obrigatórios para
todos os cursos e de livros didáticos padronizados, a dinamização de sistemas federais de
controle e fiscalização, entre outras medidas; 3) a erradicação das minorias étnicas,
lingüísticas e culturais que se haviam constituído no Brasil nas últimas décadas,
determinando-se o fechamento de centenas de escolas pertencentes a núcleos estrangeiros e
colônias de imigrantes, situadas, em sua maioria, na região sul do país” (XAVIER apud.
SCHWARTZMAN, 1999, p. 50-51).
Concomitantemente, algumas decisões de natureza política começaram a ser tomadas
nos centros urbanos. O país necessitava de reformas urgentes e profundas e, nesse contexto,
foi concebido o processo de nacionalização da escola brasileira, que se preocupava também
em dar “a cada nacionalidade aqui aportada e aos próprios habitantes primitivos do país, as
condições de manter e desenvolver sua própria identidade étnica e cultural”. (BOMENY,
2000, p. 90).
Estas noções pautavam a atuação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
(INEP), órgão do Ministério da Educação e Saúde Pública. Na gestão de Lourenço Filho, no
final da década de 30, os subsídios para a nacionalização do ensino foram oficialmente
incluídos nas pautas das discussões e também nas resoluções políticas que definiram os rumos
da educação brasileira da época.
46
A educação na década de trinta passou, assim, por profundas mudanças, feitas em
consonância com as novas necessidades do país e a consciência dos educadores da
necessidade de adequar a escola ao desenvolvimento industrial, bem como romper com a
tradição separatista que tinha um modelo para as elites e outro para as camadas populares.
A década de 40 reflete a grande crise mundial, acarretada pela Segunda Guerra, com
os preços do café, ainda sustentáculo da economia brasileira, caindo no mercado
internacional. Além disto, uma forte decadência atinge as áreas rurais, cuja população,
desmotivada com o trabalho no campo, se deslocou cada vez mais rápido para as cidades,
desencadeando “inchaços urbanos” que atemorizaram o país. A hipertrofia do processo de
urbanização não era sustentável e, talvez por isso, tenha ultrapassado a década de trinta, e as
posteriores, sem uma perspectiva concreta de solução.
Nos anos quarenta, o Estado assumia claramente a função de disseminar uma prática
atuante na vida da sociedade, manifestada a partir do desenvolvimento de forças produtivas e
dos valores culturais. É significativo observar que o crescente interesse de Vargas em
promover a industrialização do país estende-se, também, ao campo educacional.
A ordem social construída pelo Estado reflete as diferentes idéias que compõem o
conjunto de normas instituídas pelo aparelho ideológico do Estado. Estas normas determinam,
em última instância, como são pensadas, criadas e postas em prática as bases da Educação. No
caso em pauta, elas foram adaptadas a uma necessidade externa ao indivíduo: enfatizando-se a
formação para o trabalho. Esta educação reproduz a força de trabalho para o mercado e não
está isenta de dogmatismos, sem preparar o indivíduo para uma sociedade em mudança. Sobre
a questão, afirma Bárbara Freitag: “[...] O Estado, a partir da sociedade política, toma conta
progressiva do sistema educacional, transformando-o gradualmente de instituição outrora
privada da Igreja em um perfeito “aparelho ideológico do Estado.” (FREITAG, 1986, p. 52).
A política educacional não se limitou à implantação de uma legislação, mas, e acima
de tudo, o sistema educacional foi transformado num instrumento de formação técnico-
operária com a finalidade de atender às necessidades da indústria. O estímulo ao setor
industrial surgiu como solução para as tensões existentes. Faz-se necessário, portanto, saber
para onde a sociedade brasileira voltou a sua atenção. Com certeza, poder-se-ia afirmar que a
forma mais significativa dos conflitos ligados ao subdesenvolvimento residiu no
47
reconhecimento de sermos uma economia agro-exportadora e importadora de manufaturas.
Isso representou um entrave ao desenvolvimento industrial: o atraso da economia brasileira
em relação à economia externa. Conforme informa Freitag,
De fato, elas criam as condições para assegurar maior produtividade do setor
industrial. Em outras palavras, criam a possibilidade de extrair parcela maior de
mais-valia dos trabalhadores mais bem treinados. As condições para essa exploração
são criadas e financiadas pelo Estado. (FREITAG, 1986, p. 54).
Os setores ligados à indústria conseguiram organizar a economia e centraram suas
políticas no nacionalismo-desenvolvimentista, a fim de substituir as importações. As idéias
sobre a educação foram determinadas por essa nova ordem industrial. A escola teve de se
adequar às novas circunstâncias e transformações de uma sociedade até então basicamente
agrária. Discutiu-se o restabelecimento do sentido educacional humano, ameaçado pelas
exigências econômicas e políticas advindas da industrialização e do projeto de nacionalização.
Estas novas exigências pressionavam a política educacional para o aprendizado industrial,
parecendo ter a sua orientação espelhada em outras sociedades capitalistas.
Os projetos educacionais, segundo Ribeiro, continham as “[...] diretrizes de uma
política escolar inspirada em novos ideais pedagógicos e sociais e planejada para uma
civilização urbana industrial.” (AZEVEDO, apud RIBEIRO, 1986, p. 110-111). Como se
percebe, a educação escolar formal esteve voltada, nesse período, para um modelo
marcadamente tecnológico, adequado às pretensões da ideologia estadonovista que vigorava
então.
Nos anos quarenta, iniciou-se a reforma do curso primário e, em 1942, o governo
passou a influenciar decisivamente as questões do ensino primário no Brasil.
Cumpria-lhe, por um lado, forçar o aumento das dotações estaduais e municipais
destinadas ao ensino primário; e por outro lado, encaminhar aos estados o auxílio
financeiro federal para incremento do ensino primário. (SCHWARTZMAN, 1982,
p. 360).
48
O convênio nacional do ensino primário, assinado em 16 de novembro de 1942, no
Rio de Janeiro, responsabilizava estados e municípios a elevarem, gradativamente, as suas
dotações orçamentárias para a educação, até atingir um limite satisfatório. Percebe-se que o
investimento financeiro destinado ao ensino primário em muito influenciou a reforma.
Em 1943, os gastos com o ensino primário, realizados pelo Distrito Federal e pelos
municípios, eram de 380 milhões de cruzeiros; em 1944, esses gastos aumentaram para mais
de 480 milhões de cruzeiros. Assim, no primeiro ano de aplicação do sistema convencional, as
despesas com a educação primária, no âmbito estadual e municipal, acusaram um aumento de
cerca de 100 milhões de cruzeiros.
O Fundo Nacional de Ensino Primário foi criado pelo Decreto-Lei n.
o
4.958, de 14 de
novembro de 1942. Apenas em 1944, entretanto, foram destinados os primeiros recursos
efetivos do Fundo Nacional de Ensino Primário, os quais foram fixados pelo Decreto-Lei n.
o
6.785, de 11 de agosto de 1944, que criou um adicional de cinco por cento sobre as taxas do
imposto sobre bebidas
17
.
Com essa medida, o orçamento do Ministério da Educação e Saúde, para o exercício
de 1945, consignou a dotação de Cr$ 15.500,00
18
, o que possibilitou a concessão de auxílios
monetários federais para o ensino primário de cada uma das unidades federais. O Decreto n.
o
19.513, de 24 de agosto de 1945, estabeleceu que a distribuição desses recursos deveria ser
feita mediante a aplicação de critérios objetivos e justos.
Feitas essas considerações, trataremos, agora, de como isso refletiu nos longínquos
campos lavrados do norte.
______________
17
SCHWARTZMAN, org, 1982, p. 361.
18
Ibid, 1982, p. 361.
49
2.2. As escolas públicas em Boa Vista na década de 1940
O desenvolvimento da política administrativa no Território Federal do Rio Branco
criou a Divisão de Educação, cuja incumbência primeira era de discutir e formalizar as bases
político-educacionais da escola. O primeiro plano geral de organização do ensino público,
embora datado de 1945, somente foi apresentado ao governador no dia 15 de janeiro de 1946,
através de relatórios elaborados pelo chefe da Divisão, professor João Chrysóstomo de
Oliveira. Segundo ele, em dez meses de trabalho “[...] se não atingiram a meta aspirada, pelo
menos alcançaram muitos objetivos que podem servir de postos para uma marcha mais
decisiva do ensino no ano de 46”. (OLIVEIRA, 1986, p. 11).
A implantação dessas escolas, em seus primeiros momentos, exigiu a vinda de uma
equipe pedagógica do Amazonas e de outros estados, para organizar a educação no Território
Federal do Rio Branco. Tal iniciativa era imprescindível ao projeto pedagógico das
instituições, para fins de elaboração de currículos e programas.
A equipe que elaborou o Plano Geral de Organização do Ensino Público no Território
Federal do Rio Branco começou a se reunir no dia 22 de fevereiro de 1945, numa pequena
sala do palácio do governo. Contava com dois funcionários, um auxiliar de escritório e um
mensageiro, em ritmo de trabalho exaustivo. Quando o plano foi apresentado ao governo, a
primeira providência adotada foi, obviamente, a contratação da mão-de-obra para as escolas.
A primeira escola oficialmente implantada na rede pública de ensino do Território
Federal do Rio Branco foi a escola mista Professor Diomedes Souto Maior, criada pelo
Decreto n.º 11, de 20 de junho de 1945, assinado pelo governador Ene Garcez dos Reis
19
. O
documento justifica a escolha do nome da escola, enaltecendo a figura do professor
Diomedes, considerando-o “cumpridor rigoroso dos seus deveres, representando uma força
decisiva para o progresso da região onde ele atua, sendo, por estas justas razões, merecedor de
todas as considerações e homenagens”(Decreto-Lei n.º 11).
______________
19
Documentos da Secretaria de Educação Cultura e Desporto, em Boa Vista, Roraima.
50
No Território Federal do Rio Branco, o projeto de nacionalidade brasileira identificou
no exemplo da construção do sistema educacional, um lugar reservado pela demonstração da
trajetória dos agentes intelectuais no Rio Branco, de modo que a atuação no campo político
educativo institucional foi formalizada pela instauração de uma cultura capaz de contribuir
com a unidade nacional.
Por meio do Decreto n.º 16, de 1º de julho de 1945, o mesmo Ene Garcez criou o
Grupo Escolar Lobo D’Almada.
No governo do capitão Clóvis Nova da Costa, conforme o Decreto nº 089, de 1 de
abril de 1949, foi criado o curso normal Regional Monteiro Lobato, tendo por base o mesmo
artigo da lei que amparava a criação das escolas que já existiam. No governo de Miguel
Ximenes de Melo, conforme o Decreto n.º 96, de 12 de agosto de 1949, foi criado o Grupo
Escolar Oswaldo Cruz.
Elucidativo do modo em que se deu a criação da rede pública de educação do
Território é o caso do Grupo Escolar Lobo D’Almada. Suas primeiras instalações foram as de
uma casa residencial, alugada por um ano, cujas dependências foram adaptadas. O
proprietário entregou as chaves do estabelecimento no dia 15 de abril de 1946 e, logo depois,
iniciaram-se as matrículas no pavilhão lateral. A solenidade de instalação ocorreu no dia 19 de
abril, com a presença do governador, de oficiais e do povo em geral. O corpo docente da
escola era composto por três professores. A relação era de 129 discentes para cada docente, os
quais foram distribuídos em cinco salas para uma ampla varanda com pátio térreo, que
separava um pavilhão, com duas salas de 7,00x 5,00 metros.
Tratando das políticas públicas de educação implantadas por Gustavo Capanema, no
governo Vargas, Clarice Nunes depõe sobre a criação da instituição do “Grupo Escolar” e do
sistema de ensino:
O grupo escolar encarnou essa condensação de ideais. Era um prédio especialmente
construído para atender a finalidades pedagógicas que previam classes homogêneas
de aprendizagem, o ensino seriado, a divisão das disciplinas escolares e das tarefas
docentes, uma única direção, o uso de métodos didáticos apoiados nas investigações
da psicologia e da sociologia da educação, bem como de equipamentos escolares
importados, além de professores formados numa Escola Normal que passara a
51
incorporar uma escola primária de aplicação, na qual os futuros professores
observavam e auxiliavam os docentes experientes, pondo em prática muito do que
haviam aprendido sobre os métodos renovados de educação. (NUNES, 2001, p.
104).
O interesse das políticas públicas para as escolas situadas no espaço urbano, suas
funções políticas e a simbologia que estas puderam assumir, são assunto de interessante
comentário de Clarice Nunes:
Foi no espaço urbano que as escolas deixaram gradualmente de representar uma
extensão do campo familiar, privado e religioso, passando a integrar uma rede
escolar desenhada pelas equipes técnicas dos governos municipais e estaduais. Essa
mudança exigiu uma intervenção nos aspectos materiais e simbólicos da escola.
Afinal, pretendia-se construir uma mentalidade moderna. Apesar da peculiaridade
dos centros urbanos onde se efetuaram as reformas de instrução pública, pode-se
afirmar que a política de intervenção operada na escola visava alterar o habitus
pedagógico, combinando a renovação da formação docente com uma séria tentativa
de reformar os costumes das famílias. Detrás das modificações produzidas na
organização escolar, o que estava em jogo era uma reforma do espírito público.
(NUNES, 2001, p. 105).
Outro aspecto relevante encontrado nos documentos oficiais dos anos quarenta sobre
Boa Vista foi o funcionamento de duas Escolas Noturnas, destinadas aos sexos masculino e
feminino, separadamente, que funcionaram sob a regência de dois coadjuvantes de ensino. O
funcionamento de uma escola no interior é um outro dado a destacar. Essa escola estava
localizada na Serra do Murupu, no lugar chamado Baixa Verde, com cerca de 46 alunos, sob a
responsabilidade de um leigo que já havia adquirido experiência em Boa Vista.
O ensino particular já era praticado no Curso Primário São José, localizado na capital,
sob a responsabilidade da prelazia de São Bento, que era administrado pelas Irmãs
Beneditinas e contava com 145 alunos no ano letivo de 1946. As instalações apresentavam
condições razoáveis. Segundo o Secretário “O prédio do referido estabelecimento apresenta as
melhores condições pedagógicas em face das restritas possibilidades locais, apesar de constar
apenas de dois grandes salões, destinados às aulas”. (OLIVEIRA, 1986, p. 13).
52
Os docentes, contratados para lecionar nas escolas públicas, vieram de Manaus,
compondo uma equipe de cinco professores que foram lotados na capital e no interior: dois
ficaram na capital e três no interior. Os professores lotados no interior passaram por um
período de estágio preparatório, informando-se das normas e preparando-se para
desenvolverem sua prática pedagógica em conformidade com as condições locais. Juntamente
com esses professores, veio um inspetor de ensino que, por falta de transporte, teve que
exercer as suas atividades na capital.
O material escolar foi adquirido em Manaus, sendo entregue após dois longos meses
ter sido solicitado. De acordo com os relatórios, foram entregues 500 boletins de freqüência
diária, 2000 boletins mensais de Ensino Fundamental Comum, 1000 boletins mensais de
ensino supletivo, 2950 fichas de matrícula, 3000 certificados de exame e nove mapas. Faltava
grande parte do material, em face dos estoques daquela praça não estarem preparados para tal
demanda. Isso comprometeu o aparelhamento didático-pedagógico da escola. Já o mobiliário
foi encomendado no Rio de Janeiro e, por dificuldades de transporte, só chegou no final do
ano letivo. No entanto, algumas carteiras antigas foram restauradas e utilizadas.
A expansão do aparelho escolar é notável em 1945, a ponto da Divisão de Ensino
propor ao governo a ampliação das unidades escolares na capital e no interior. Através dos
Decretos n.
os
11, 12, 16 e 17, foram criadas em Boa Vista: 7 Escolas Mistas Agrupadas, 1
Escola Isolada Mista, 1 Escola Noturna Feminina e 3 Escolas Noturnas Masculinas. No
interior foram criadas 9 Escolas Isoladas Mistas.
As sete escolas mistas foram integradas ao Grupo Escolar Lobo D’Almada. As
noturnas foram unificadas no mesmo estabelecimento. As escolas admitiam rapazes e moças
que trabalhavam durante o dia. A Escola Isolada Mista recebeu o nome de Professor
Diomedes Souto Maior. Dessas 21 escolas, quatro deixaram de funcionar por falta de
profissionais ou de sede apropriada: três do interior e uma da capital, cuja edificação não foi
concluída no prazo previsto.
As principais comemorações cívicas do calendário escolar eram o aniversário da
administração do território (20 de junho); o Dia do Soldado (25 de agosto); a Semana da
Pátria (de 1º a 7 de setembro); o Dia da Árvore (21 de setembro); a Semana da Criança (de 10
a 17 de outubro), e o encerramento do ano letivo (8 de dezembro).
53
É importante ressaltar a criação da função de orientação de ensino, que prestava
assistência aos docentes, com a intenção de obter um melhor aproveitamento no rendimento
escolar e de despertar o entusiasmo e o interesse dos educandos pela aprendizagem, mas
também de coordenar os eventos na escola, fazendo cumprir o calendário cívico.
Por outro lado, podemos observar a iniciativa de particulares, como declara o Chefe de
Divisão, Professor João Chrysóstomo de Oliveira:
No decorrer do ano letivo, não foi possível a construção dos prédios escolares
necessários ao funcionamento de todas as escolas, pelas razões amplamente expostas
anteriormente, de carência de material e operárias. Com todos os óbices
encontrados, foram, entretanto, construídos três próprios para sede escolares, sendo
uma de iniciativa particular e dois por providências do Governo. (OLIVEIRA, 1986,
p. 20).
As edificações realizadas pelo governo para as escolas da capital eram de tijolo, com
um salão de 8,40x70 (sic), bem arejado e com boa iluminação; possuía ainda três
compartimentos, com instalações para morada do professor e dispunha de 5 aparelhos
sanitários com reservatórios para abastecimento de água. O primeiro reservatório foi
construído no Bairro Caxangá para servir à Escola Professor Diomedes Souto Maior.
No Taiano, a construção era tosca, de taipa, sem reboco, coberta de palha, piso de chão
batido. Construída em regime de ajuri (mutirão) pelos moradores daquela vila, a casa era a
sede da Escola Pedro Teixeira. As demais escolas funcionavam em casas particulares, cujas
salas foram cedidas gratuitamente. A Divisão de Ensino solicitou do governo a construção das
escolas no menor tempo possível, haja vista as precárias condições das instalações.
A Escola Pública em Boa Vista, nos anos 40, atendeu a uma clientela de 228 alunos.
As aulas eram diárias e começavam às 7h15 minutos, com canções patrióticas e desfile dos
educandos, que demonstravam interesse e compareciam com assiduidade. Só houve queda na
freqüência nos meses em que um surto palúdico e gripal acometeu a população local. Não
poderia deixar de ser positiva a avaliação do secretário:
54
Com todos os empecilhos enfrentados, de falta de material, espaço e mobiliário,
pode-se considerar incontestavelmente animador o resultado dos trabalhos do Grupo
Escolar “Lobo D’Almada” que já deu um grande passo na nobre campanha de
formação da nova mentalidade do povo, campo vastíssimo e obra grandiosa que
muito esforço e muitas energias estão a exigir dos responsáveis pela educação, neste
rincão pátrio. (OLIVEIRA, 1986, p. 21).
No segundo semestre começou também o ensino religioso católico romano, por
solicitação do vigário geral, D. Fiedelis Weimar que, aos sábados, das 9h30 às 10h00,
orientava os estudos religiosos, sob uma atmosfera de respeito e franca liberdade ao culto
alheio.
O corpo docente do Departamento de Ensino era composto por 19 profissionais,
conforme enumera a lista que segue:
Tabela 6 Composição do corpo docente do Território Federal do Rio Branco nos
anos 40.
Grupo Escolar “Lobo D’Almada”
1 - Jacobede Cavalcante de Oliveira Diretora
2 - Mary Juca dos Santos Oficial de Adm.
3 - Branca Aguiar de Souza Cruz 1º. ano “A”
4 - Lúcia Bezerra de Menezes 1º. ano “A”
5 - Heloisa Fonseca Doria 1º. ano ‘B”
6 – Maria da Conceição Gonçalves de Matos 1º. ano “C”
7 - Isnal Barbosa de Andrade 2º. ano
8 – Clélia Bezerra de Menezes 3º. Ano
9 - Lindalva da Silva Liberato 4º. e 5º. Anos
10 - Francisca Luniére da Cosa Adida (para auxiliar).
Escolas Noturnas
1 - Augusto Aguiar O.S.B. responsável 2º. e 3º. anos masculino.
2 - Ilza Antoni Veloso 1º. ano e “C” masculino
3 - Creuza Marques da Silva Mouco 1º. ano “A” masculino
4 – Olívia Achão da Silva 1º. “A”, “B” e “C”, 2º. e 3º. anos feminino.
55
Escolas do Interior
1 - Mariza Frazão Colares Escola “Tavares Bastos”
2 - Conceição da Costa Silva Escola “Matias de Albuquerque”
3 - Leonor Teixeira de Carvalho Escola “Alberto Torres”
4 - Waldemarina Normando Martins Escola “Pedro Teixeira”
5 – Maria de Nazaré Neves Escola “Diogo Feijó”
Fonte: Relatórios do Professor João Chrysóstomo ao governador Ene Garcez dos Reis, 1986, p.24-25.
O chefe da Divisão de Ensino reconhecia que muitos contribuíram com o processo de
implantação da escola pública no Território Federal do Rio Branco, mas aponta algum
preconceito na admissão ao quadro docente:
Além destes elementos, houve um que, sendo leigo, não foi admitido, dado ter
passado da idade, prestando serviços, como coadjuvante, responsável pela Escola
“Fernão Dias”, localizada na Serra de Murupu. Trata-se do Sr. Rogaciano de
Oliveira Franco. Elemento de muito boa vontade e esforço, o professor Rogaciano
produziu o que pôde de conformidade com a sua capacidade. (OLIVEIRA, 1986, p.
25).
Aos educandos era distribuída a merenda escolar, sob o financiamento e a orientação
da Comissão Territorial da Legião Brasileira de Assistência, que, através de sua presidente,
Dulce Aleixo dos Reis, servia diariamente um copo de leite com pão, ou um pão com doce, ou
com banana ou castanha etc. A merenda era recebida com grande entusiasmo pelos educandos
e, em certos casos, servia para otimizar a freqüência. No segundo semestre, devido à ausência
da presidente, foi suspenso o fornecimento, ocasião em que a diretoria apelou ao governo para
manter o benefício, no que foi imediatamente atendida, sendo restabelecida a distribuição do
pão. Na visão do professor Chrysóstomo:
É um benefício de incalculável alcance, que deve continuar a ser mantido não só no
Grupo, mas na escola do bairro do Caxangá e dos demais recantos do Território,
para bem da coletividade estudantil e incremento dos trabalhos educacionais.
(OLIVEIRA, 1986, p. 27).
A Divisão de Ensino fez várias sugestões para melhorar o ensino no Território Federal
do Rio Branco: a) a construção, em caráter provisório, de casas de madeira para a sede das
56
escolas do interior, b) a desapropriação dos terrenos para a construção das sedes escolares; c)
a instituição da carteira escolar, a fim de identificar o aluno e comprovar a sua freqüência na
Escola; d) a obrigatoriedade dos comandantes de embarcações aportarem nas localidades onde
existiam escolas para estreitar as comunicações entre o interior e a capital e amenizar o
isolamento dos professores; e) a criação das Caixas Escolares em todas as escolas subsidiadas
pelo governo e pelo município; e) a criação do cargo de orientadora do ensino para prestar
assistência técnica aos professores; f) a aquisição de um piano para o Grupo Escolar da
capital, além de rádios com baterias e filtros esterilizadores para as escolas do interior. Foram
sugeridas ainda: g) a instituição do ensino com orientação pré-vocacional e trabalhos manuais
intensivos, com o objetivo de valorizar as atividades em prol do desenvolvimento da terra; h)
a criação do Grupo Escolar noturno com o curso supletivo de cinco anos; i) a instalação de um
parque infantil completo para recreação dos alunos e prática de educação física; j) a criação de
uma pequena escola profissional; e l) manutenção de uma biblioteca didática e recreativa em
todas as sedes escolares.
A garantia destas condições mínimas representou para as escolas de Boa Vista um
projeto de construção do espaço público escolar, assegurando a presença do Estado. Afinal,
tratava-se de um trabalho pioneiro, realizado nas condições modeladas pela política do Estado
Novo. Daí para a criação e posterior sustentação de modelos pedagógicos foi uma questão de
“amadurecimento”, como se todo o processo fosse uma longa gestação, para o qual
contribuíram muitos, dos quais tratamos na seção que segue, dedicada aos educadores em Boa
Vista.
2.3. - Educadores em Boa Vista
2.3.1. - Perfil do professor João Chrysóstomo de Oliveira
João Chrysóstomo de Oliveira nasceu em Tefé, no Amazonas, no dia 8 de junho de
1914. Professor normalista com nível superior, graduou-se bacharel em direito pela Faculdade
do Amazonas. Em Manaus, foi professor de Português da rede pública. Dedicado ao estudo da
língua portuguesa, publicou o livro A crase é fácil.
57
Chegou ao Rio Branco em abril de 1945, por indicação de Álvaro Maia, interventor no
Amazonas no momento da criação do território, incumbido de implantar a Divisão de Ensino,
conforme o plano administrativo do Território. Para concretizar o plano de trabalho, contou
com uma equipe de professores, na qual destacava-se sua esposa, Jacobede Cavalcante de
Oliveira, que foi designada para a direção do Grupo Escolar Lobo D’Almada.
O professor João Chrysóstomo permaneceu à frente da Divisão de Ensino até abril de
1946 - já no governo do tenente coronel Felix Valois de Araújo -, regressando então a
Manaus. Seu retorno teve relação com a conjuntura de mudanças que o país atravessava -
provocadas pela deposição de Vargas e a posterior eleição do general Eurico Gaspar Dutra
para a presidência da República - e que atingia diretamente Rio Branco, uma vez o território
estava diretamente vinculado à União. Posteriormente, na década de 1960, ele ocuparia o
cargo de secretário de Educação e Cultura do Amazonas, quando o presidente da República
era o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967). Foi ainda membro da
Academia Amazonense de Letras e da Academia de Língua Portuguesa Evangélica do Brasil.
A implantação do programa educacional em Boa Vista teve em João Chrysóstomo,
uma peça-chave. Seu projeto pedagógico e as suas atividades em geral foram descritos por ele
em discursos que constituem fontes valiosas para os pesquisadores de hoje
20
.
No discurso “Palestra inaugural, proferida na ocasião de uma quinzena pedagógica
realizada no Rio Branco”, João Chrysóstomo privilegia a linguagem como uma manifestação
exteriorizada pelo ser humano destinado à educação. Para ele, a linguagem não se revela
apenas pelo pensamento, vindo a ser também uma prática pedagógica da instituição escolar.
Sintonizado com a sua época, ele utilizou-se de uma moderna metodologia adotada
pela pedagogia, que permite a escola o uso da psicologia da aprendizagem infantil em suas
diversas fases. A valorização da linguagem é constituída em uma prática para a vida do
cidadão e um fator de formação da personalidade que caracteriza os grupos sociais e
escolares. O reconhecimento dos fundamentos éticos na formação da linguagem escolar são
princípios básicos que, para a ação educativa, interam-se ao meio e a possíveis mudanças e
______________
20
Nos anexos encontra-se a íntegra dos três discursos que serão analisados em seguida.
58
benefícios coletivos e sem que se possa retirar o indivíduo de sua realidade local,
aproximando-se do potencial do educando.
Para João Chrysóstomo, esse passo representa uma grande vitória do mestre em sua
ação, a incorporação da linguagem escolar pela criança, pois sua tendência natural de
comunicar suas impressões, leva-a à criação de novas situações, “alavanca primordial de todo
processo educativo”. O orador conclui em seu discurso que a linguagem é um tempo em
movimento, a expressão de um conjunto de símbolos, um meio de comunicação, um tesouro
espiritual das civilizações, de ampla valorização.
No segundo discurso, intitulado “Pelo livro e pela escola, aproximando o povo”, ele
valoriza o livro por ocasião da inauguração de uma biblioteca. Comparando o livro ao
alimento intelectual de uma sociedade, em processo de avanço para a modernidade, João
Chrysóstomo reconhece a limitação do acervo bibliográfico da biblioteca em inauguração,
mas destaca a possibilidade de sua ampliação, elemento importante para a expansão da
formação intelectual no Território Federal do Rio Branco. Esta formação, segundo o
professor, é totalmente voltada aos princípios patrióticos, firmando-se nos seguintes termos:
“Tudo pela biblioteca do Rio Branco, irradiando cultura para a grandeza da terra, projeção de
um Brasil sobrepujante e augusto”. A preservação do civismo é totalmente transmitida pelos
livros.
No terceiro discurso, intitulado “A comunicação, a força das vitórias”, refere-se à
inauguração de uma estação de radiofonia numa escola do interior. A principal mensagem do
seu discurso é a possibilidade da ruptura com o isolamento intelectual trazida pelo rádio,
capaz de proporcionar conforto e de ser motivo de alegria para os professores residentes no
interior. Essa iniciativa, segundo ele, atestaria a preocupação do governo de estender as
informações para além das salas de aula, atingindo assim os recantos mais longínquos do Rio
Branco. João Chrysóstomo manda a seguinte mensagem para os professores:
Lembrai-vos de que não sois professores somente durante as aulas, mas em todas as
situações de nossa vida [...]. Sois agora o traço de ligação entre o povo desse lugar e
o Governo do Território”.
59
João Chrysóstomo concluiu a sua fala privilegiando a construção do patriotismo
escolar mediante a projeção do futuro:
Professoras: quando penetrardes em vossa escola de taipa construída pelo povo e
que o governo irá mandar melhorar, lembrai-vos sempre de que estais preparando
arquitetos construtores de um prédio suntuoso para um futuro Grupo Escolar, centro
de irradiação de um Taiano progressista, trabalhando pelo engrandecimento do Rio
Branco na imperecível grandeza de um Brasil faustoso.
No seu plano de trabalho, João Chrysóstomo de Oliveira nos deixou registros sobre a
organização do ensino, a instalação do grupo Escolar Lobo D’Almada, as escolas noturnas, o
funcionamento das escolas no interior, o ensino particular, os professores, o material escolar,
o regulamento geral do ensino, sobre sua primeira visita ao interior, as novas professoras e
como foram distribuídas as caixas escolares, a criação de escolas, a assistência técnica ao
professorado, a inspeção do ensino, a chefia do ensino primário, a direção do grupo escolar, as
comemorações cívicas, o primeiro aniversário da administração do território, o dia do
soldado, a semana da pátria, o dia da árvore, a semana da criança e o encerramento do ano
letivo.
A inspeção do ensino foi realizada pelo professor Aureomar Braz da Silva Lima, que
visitou assiduamente os dois estabelecimentos de ensino da capital no ano de 1945. O objetivo
dessas visitas era oferecer instruções necessárias das normas de regulamentação do ensino aos
professores. Este trabalho foi realizado em conjunto com a orientadora de ensino, a professora
Mary Juca dos Santos. Alem da inspeção do ensino na capital, o professor Aureomar realizou
três viagens pelo interior, segundo os documentos oficiais, com o objetivo de levar o conforto
de suas palavras e nortear as atividades escolares.
Nas comemorações cívicas no ano de 1945, a Divisão procurou integrar os docentes e
discentes à formação cívica, através de comemorações, conforme as datas do calendário,
exigindo ativa participação escolar. A título de exemplo, notificamos os eventos realizados
pelo Grupo Escolar Lobo D`Almada. O primeiro evento foi o primeiro aniversário da
administração do Território, em 20 de junho de 1945. Neste dia, foram assinados vários
decretos, criando escolas em diversas localidades, inclusive a escola “Professor Diomedes
60
Souto Maior”, cuja pedra fundamental foi lançada festivamente com a participação dos alunos
do bairro Caxangá.
Nos festejos do Dia do Soldado, em 25 de agosto de 1945, foi apresentada a vida de
duque de Caxias e, em seguida, um programa educativo recreativo sobre o tema. O Grupo
Escolar Lobo D`Almada participou intensamente da Semana da Pátria de 1945, em regime de
comemoração externa escolar. Para este evento, foi inaugurado um serviço de alto-falante
pelo governador Ene Garcez dos Reis.
Dos eventos mais notáveis, destacou-se a “Parada da Juventude”, compondo-se de um
imponente espetáculo, no qual desfilaram 400 crianças, além de clubes esportivos e da Guarda
Territorial. No dia 7, foi realizada uma sessão cívica no Grupo e neste evento patriótico,
destacou-se a alocação da Orientadora de Ensino. O dia da Árvore foi realizado no dia 21 de
setembro de 1945. Este evento foi realizado com a intenção de despertar na criança o amor
pela árvore, que recebeu o nome de D. Dulce Aleixo Reis, quando foi plantada. A semana da
criança foi comemorada do dia 10 a 17 de outubro de 1945. Esta semana contou com várias
comemorações, inclusive com a realização de um piquenique dirigido pela Legião Brasileira
de Assistência e a Divisão de Ensino. Havendo uma programação intensa e participativa da
escola, um dos eventos mais destacados foi a apresentação de uma comédia de autoria da
Orientadora Educacional. O último evento do calendário cívico escolar foi o encerramento do
ano letivo, realizado por ocasião da entrega dos certificados aos discentes.
Ainda na gestão de João Chrysóstomo, foram implantados o ensino religioso e a
merenda escolar, feito um balanço da situação do quadro dos funcionários públicos da
Divisão, inauguradas uma biblioteca e uma estação de radiofonia, e elaborados hinos
escolares.
Em seus discursos, o professor João Chrysóstomo exaltava o fortalecimento dos
símbolos construtores da nação, que se confundia com a construção de um espírito público no
governo de Getúlio Vargas. Os hinos em louvor ao desbravador luso “Lobo D’Almada” e ao
pioneiro “Professor Diomedes Souto Maior”, expressam a determinação do pioneirismo do
bravo lusitano, o exemplo do colonizador forte e militar.
61
A presença militar, que assegurou a posse e a conquista da região, garantindo a
formação da nacionalidade, a presença do Estado, tornando-o capaz de governar o norte e a
representação do passado do Rio Branco, podendo ser evocado com freqüência. Os temas dos
seus discursos atribuíam uma rede de significados patrióticos à instituição escolar, que foram
sociabilizados nas escolas e além delas.
O Hino a Lobo D’Almada, entoado cotidianamente no Grupo Escolar, pode ser
concebido como uma espécie de fórmula ritual da retórica nacionalista. A respeito desse
instrumento didático-musical, bem nota Andrade, em seu trabalho sobre o Colégio Pedro II:
[...] “a linguagem dos sons faz a evocação da lembrança que traz a sensação da
assimilação plena do sentido da realidade vivida através da música.”
A partir do momento em que a lembrança existe, a execução do hino como em geral
de toda música que possui significado sentimental, comunica emoção e expande a
memória, num sentimento de liberdade de poder criador. Sendo assim, o hino se
constitui numa das práticas e representações mais importantes da memória coletiva
do colégio. A sensibilidade auditiva preserva na memória individual e coletiva os
compassos melódicos que reproduzem em conjunto o compromisso com o passado e
o futuro da instituição. (ANDRADE, 1999, p. 108)
No caso em estudo, o hino
21
é, pois, um canto de louvor ao herói do Rio Branco, aqui
tomado como um elemento emblemático da construção da identidade social do passado.
Trata-se de uma tendência da ideologia nacionalista que consiste em cultuar a imortalidade
dos pioneiros.
2.4.2. A trajetória da professora Jacobede Cavalcante de Oliveira.
Outra figura de destaque no programa educacional do Rio Branco foi a professora
Jacobede Cavalcante de Oliveira. Dona Jacobede nasceu em Natal em 1924, estabelecendo-se
em Manaus. Posteriormente foi para Rio Branco, aos 21 anos de idade.
______________
21
As letras dos hinos à Lobo D’ Almada e ao Professor Diomedes Souto Maior encontram-se nos anexos do
trabalho. Infelizmente, as partituras não foram localizadas.
62
Analisando-se o depoimento da professora Jacobede
22
, verificamos, a princípio, as
suas preocupações com os graves problemas sociais da época. Relatando sua chegada a Boa
Vista, a professora afirma ter passado por certo constrangimento: o desaparecimento do
dinheiro que ela e o marido levavam consigo, referentes a atividades voltadas para o garimpo,
a compra de diamantes. A religião de ambos foi o comprovante básico de sua integridade para
a função.
A ida para o Território, oficialmente representou uma decisão política do interventor
Álvaro Maia. Quando o convívio de D. Jacobede com a instituição escolar se formalizou, ela
tomou contato com outros aspectos da comunidade, o que em muito contribuiu para sua
adaptação.
Segundo os documentos oficiais, a direção do Grupo Escolar Lobo D`Almada:
teve por muitos meses sem um elemento efetivo para tomar as suas rédeas, razão pela
qual foi tomada a deliberação de se colocar a profa. Jacobede Cavalcante de Oliveira
para responder pelo expediente até que um dos elementos convidados em Manaus,
se decidisse a vir assumir a incumbência. No entanto, depois de muitas negociações
que consumiram mais de três meses, nenhuma das professoras propostas pôde
aceitar a missão, em razão do que esta Divisão foi levada a indicar a professora que
já respondia pelo expediente e cuja designação foi feita no mês de julho
(OLIVEIRA, 1986, p. 19).
A convivência profissional foi paulatinamente intensificada, tendo como centro a
prática profissional, balizada pela política educacional vigente. Sua atuação escolar exigiu
esforços em projetos que foram influenciados pela convivência entre alunos e professores e
pela sociedade em geral, o que foi auxiliando, em sua adaptação, fazendo com que ela se
sentisse parte de uma coletividade.
A afetividade para com os alunos é um aspecto que nos chama atenção. Este
comportamento afetivo auxiliou na constituição do sistema de representações sociais e acabou
______________
22
Para recuperar a sua atuação, realizamos uma longa entrevista com ela, cuja transcrição encontra-se nos
anexos.
63
por fazê-la refletir sobre si mesma, como educadora, como mãe, bem como sobre sua atuação
como professora do grupo escolar.
Podemos observar na entrevista que em sua memória a atuação como educadora
tornou-se hegemônica e foi aplicada à imagem da mulher-professora, no sentido de ela ser
educada, instruída e, ainda, enfatizada pela sua formação moral, de esposa e de mãe,
voltando-se para a concepção dos seus princípios e para a formação dos futuros cidadãos do
Território.
A formação cívica escolar foi uma preocupação básica da educação na década. No que
se refere ao comportamento dos alunos, a escola exigia a adequação aos padrões do Estado, ao
promover a idéia de construção da nacionalidade e ao se propor a formar os cidadãos para a
nação. D. Jacobede admite que:
Na época do Estado Novo, o Brasil era muito disciplinado. Eu não conheço a região
sul, mas para nós era uma bênção, nós éramos muito bem recebidos, o governo
acatava as nossas sugestões. Eu como uma simples diretora era recebida pelo
governador como autoridade e tudo que eu precisava era atendida, como uma vez
nos festejos de 7 de setembro, solicitei, através de ofício ao comandante de guarda
territorial, apoio para treinar os alunos para o desfile, o que foi feito com muita boa
vontade. Era cantado o Hino Nacional, o sentimento de patriotismo era bem
desenvolvido nas crianças , apesar de estarmos muito longe dos grandes centros.”
(Entrevista concedida em 1
º
de abril de 2002).
Quanto aos aspectos políticos, podemos destacar no reconhecimento das fontes orais e
sua utilização, na forma de depoimento, a possibilidade de acrescentar à história da educação,
o entendimento do sentimento nacional. Os relatos da atuação da prática profissional da
referida diretora preenchem algumas lacunas que foram deixadas pelas fontes escritas, como a
relação que se estabeleceu entre a escola e a cidade e na relação entre professor e aluno.
Também ajuda a compor um quadro mais amplo, uma vez que a professora lembra de
particularidades como a estrutura arquitetônica da cidade, quando revelou ter admiração pelo
secretário geral Paulo Soter da Silveira, colaborador do projeto urbano de Boa Vista, uma
obra adequada aos padrões nacionais.
64
Podemos depreender que a decisão de ser diretora do grupo escolar transformou-se,
para ela, numa questão decisiva, frente à adaptação ao novo. Na medida em que o espaço
urbano se configurava em suas novas feições, a relação da escola com a sociedade,
apresentou-se como um fator fundamental para o desenvolvimento social.
A professora também demonstra preocupação com a disciplina dos alunos, com a
formação para a nacionalidade. Este último aspecto, conforme foi sendo moldado, foi-se
adequando às pretensões do governo, que era a de coibir qualquer sentimento que não
estivesse voltado para os interesses do país.
Quando trata da questão da nacionalidade, D`Araújo reconhece que “a nacionalização
da educação implicará profundo controle de todos os currículos, de todas as atividades de
todas as escolas nos recantos mais remotos do país”. (D’ARAÚJO, 2000, p.37-38).
Foi nessa atmosfera que o Hino Nacional e o Hino Escolar ganharam o status de ritual
do patrimônio cultural da instituição escolar, verdadeira espécie de símbolo glorioso da
veneração do passado e da exaltação do desbravador lusitano Lobo D’Almada.
A composição do hino é da autoria do professor João Chrysóstomo, então chefe de
Divisão de Ensino. Era obrigatoriamente cantado antes do início das aulas ou das solenidades,
com ardor, para evocar o passado. Essa constituiu uma das práticas mais significativas na
memória coletiva da instituição escolar: a construção da identidade escolar.
O modelo pedagógico adotado nas escolas de Boa Vista na década de 1940 permitiu
implantar uma proposta de alcance nacional e que tinha sido anunciada como sendo
inovadora. Este modelo pautava-se pelo princípio da “racionalidade administrativa”,
caracterizado, sobretudo, pelo compromisso com a construção da nacionalidade.
D. Jacobede admite que ao ocupar o cargo de diretora do grupo escolar, não tinha
grande experiência profissional e que aceitou o desafio porque havia tomado a decisão de
firmar um compromisso com a instituição escolar. Acreditava que, ao dirigir a escola, poderia
fazer dela um espaço de atuação política, tendo em vista que a ação da institucionalidade
escolar não se limitava ao seu espaço próprio, possuindo uma ampla abrangência social.
65
As experiências de vida sobre a década de 1940, no Rio Branco, servindo aos estudos
da memória, põem a questão num patamar coletivo, que ajuda a montar a história das
instituições públicas locais, uma vez que propicia que a força de diferentes pontos que se
cruzam e formam uma imagem mais nítida de como se processou a construção da história da
educação do Território Federal do Rio Branco.
A instabilidade no exercício da diretoria admitida por D. Jacobede não constitui uma
questão isolada, visto que está de acordo com a política educacional da década por nós
estudada. Mesmo com o retorno à cidade de origem, Manaus, a sua memória ficou vinculada
à seletividade constante operada em suas experiências de vida. A respeito, a professora aponta
a questão religiosa como fator determinante para o seu retorno, a queda do Estado Novo.
Transcrevemos o seguinte relato:
“Houve a queda do regime Vargas. Então o governador que foi nomeado para o
Território não quis que meu esposo ficasse com a educação. Isso por solicitação do
Arcebispo de Belém que havia mandado alguém verificar se estava sendo lecionada
aula de religião, isso porque meu marido era presbítero da Igreja Presbiteriana e eles
não queriam que a educação ficasse em mãos de protestantes. Então o governador
chamou meu esposo e disse-lhe que podia escolher qualquer divisão, menos a de
educação. Ele disse que só sabia ser um educador e agradeceu. Então retornou a
Manaus, tendo havido uma manifestação muito grande em favor do professor João .
Eu já havia retornado a Manaus, no dia 14 de abril de 1946.[...] Meu marido
retornou no dia 21 de maio.” (ENTREVISTA, 1
o
de abril de 2002)
O lema integralista desenvolvido por Plínio Salgado, “Deus, Pátria e Família”, exerceu
influências no catolicismo, favorecendo uma intensa proximidade com o Estado. Observamos,
por outro lado, que os ideais religiosos do protestantismo não se coadunaram com o lema
integralista. As questões propostas pelo Estado
23
alimentavam os ideais católicos, ao mesmo
______________
23
XAVIER, 1999, p. 43.“ Art 153 A Constituição de 1934 determinou a incorporação do ensino religioso nas
escolas da rede pública, de caráter facultativo, de acordo com a opção da família do aluno, e constituindo
matéria regular nos horários escolares do ensino primário, secundário e normal”.
66
tempo que propiciavam a identificação da nacionalidade, apoiada em forte militarismo. Neste
sentido, Helena Bomeny afirma:
As pressões da igreja foram intensas em todo período de 1930-45. A gestão de
Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde (1934-45) teve que dialogar
e negociar com as lideranças católicas ao longo de todo o período de atuação
ministerial. A intervenção não se restringiu a um determinado ramo do ensino, mas a
todo o projeto, afetando, inclusive, a reforma universitária, a nomeação dos
dirigentes de secretarias de educação etc. (BOMENY, 2001, p. 49).
Como fica patente, a política centralizadora do Estado influenciou constantemente a
escolha dos ocupantes dos cargos administrativos do território, o que contribuiu para a
instabilidade política local e facilitou a prática de intervenção social. D. Jacobede sentiu a
necessidade de retornar e rememorar o passado, reconsiderar os eventos de que participou,
reorganizar o seu mundo próprio, o seu esforço e o do seu grupo, o seu trabalho, a emoção
vivida em sua trajetória. A memória permaneceu como algo que marcou a sua vida, tanto nos
aspectos pessoais, quanto nos aspectos profissionais.
Resta analisarmos com acuidade essas lembranças, que podem tanto ajudar a elucidar
os eventos, as ações e os fatos relacionados ao passado da educação do Território do Rio
Branco. É, pois, do exercício da memória, que conseguimos desvelar pontos obscuros da
nossa história não oficialmente registrada e que, de outro modo, não seria jamais conhecido.
3. UMA NOVA ORDEM POLÍTICA
3.1. A redemocratização do Brasil e a nova política educacional
O governo do general Eurico Gaspar Dutra, que se estendeu de janeiro de 1946 a
janeiro de 1951, deu ênfase à expansão do ensino, tendo promovido um grande número de
campanhas de combate ao analfabetismo na cidade e no campo. Outra preocupação central foi
com o investimento na formação dos professores, principalmente os que atuavam no meio
rural, que apresentava os índices de analfabetismo mais elevados do país.
As inovações surgidas nos meios de comunicação, na indústria e nos centros urbanos
brasileiros conferiram um novo sentido às perspectivas educacionais no país, dado que
possibilitou um maior acesso das classes populares à rede de educação formal. A educação
passava a ser, então, um direito de todos.
E nesse movimento foi que o pós-guerra e a derrocada do Estado Novo influíram nos
novos debates educacionais, cujo objetivo principal era o de democratizar o ensino público
como um direito de todos. A redemocratização iniciada em 1945 e concretizada com a
promulgação da nova Carta Constitucional em setembro do ano seguinte assegurou os direitos
e as garantias individuais. Foi exigido que o Estado se responsabilizasse pela garantia da
educação como um direito de igualdade. A reformulação da legislação relativa ao ensino,
prevista pelos dispositivos constitucionais de 1946, colocou em pauta algumas discussões, tais
como a competência dos poderes públicos na aplicação dos recursos destinados à educação
24
.
Em 1948, o Ministério da Educação, chefiado por Clemente Mariani, apresentou ao
Congresso Nacional o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que levaria
mais de dez anos para ser sancionado. Bomeny sintetiza o espírito desta lei, no trecho abaixo:
________________
24
XAVIER, 1999, p. 79. “Buscando conciliar as novas demandas sociais, as pressões de caráter político e os
imperativos de ordem econômica, as políticas educacionais implementadas durante o período em estudo
mobilizaram estratégias diferenciadas para cada nível de ensino. Assim, para solucionar a questão do
analfabetismo foram propostas campanhas de erradicação, enquanto que, para o ensino primário, optou-se por
ampliar a oferta de vagas”.
68
Os princípios democratizantes da educação presentes na Carta de 1946 inspiraram
no então ministro da Educação, Clemente Mariani, o estudo e a proposta de um
projeto geral da educação nacional feito por uma comissão de educadores
constituída para esse fim. O resultado final foi a lei 4.024, votada em dezembro de
1961, que tinha entrado para discussão no Congresso em 1948. [...] A discussão da
democratização do ensino teria que passar em revista todo desenho de sistema
educativo modelado na era Vargas. Uma vez mais expuseram ao conflito os
pioneiros da educação, com a defesa do ensino público, gratuito e laico, e
representantes do setor privado. (BOMENY, 2001, p. 54).
O efeito do pós-guerra legitimou a demanda por benefícios educacionais, destinados a
segmentos mais amplos da população. O sentido pragmático conferido à educação como
qualificação de mão-de-obra foi-se ampliando e assumindo uma dimensão política mais
abrangente. Na verdade foi assumindo um caráter mais popular, no sentido de que os
benefícios públicos ficaram garantidos por um Estado comprometido com o bem estar social.
Os cursos profissionalizantes, em certa medida, foram criados para corresponder a
essa nova demanda social e econômica de qualificação da mão-de-obra para o trabalho. Com
essa perspectiva, também as entidades empresariais passaram a investir na formação e no
treinamento de trabalhadores para as atividades fabris. Porém, o que mais se destacou no
campo da educação nesse momento e nos anos que se seguiram foi a atuação daqueles que
viam na educação um caminho de conquistas promissoras, no que concerne à participação
político-social, para as camadas sociais menos favorecidas
25
.
Para Xavier, “o crescimento urbano se transformou e o padrão das reivindicações da
classe média mudaram de sentido, passando a definir de uma maneira mais direta a relação de
seu status com a necessidade educativa.” (XAVIER, 1999, p.73). A competição do mercado
passou a exigir conhecimentos técnicos e uma melhor qualificação. Esse quadro de mudanças
gerou a expectativa de que a demanda educacional conseguiria atender às expectativas de
ascensão social das camadas médias, que paulatinamente galgavam níveis mais altos de
remuneração, prestígio e poder.
________________
25
Ibid, 1999, p. 79. “Era necessário, ainda, adequar o ensino secundário e superior para responder às demandas
de ascensão social por meio da obtenção de títulos escolares e, também, para formar quadros aptos a compor a
máquina tecnoburocrática e alimentar as estruturas ocupacionais que estavam sendo geradas pela expansão
industrial.”
69
Somente nos anos 1950, o problema da educação se definiria mais claramente, no
sentido de que haveria o reconhecimento das reivindicações sociais por educação pelas elites
políticas. Estenderiam-se, nesse momento, as pautas da integração da instituição escolar à
sociedade como um todo, e, mais uma vez, as diretrizes educacionais seriam conjugadas aos
interesses do desenvolvimento econômico do país.
Entretanto, o consenso sobre a problemática educacional brasileira se fez em torno da
definição da escola institucional e sobre qual seria o projeto educativo mais adequado ao
desenvolvimento nacional. Na tentativa de conciliar diferentes demandas sociais e pressões de
variada ordem política, além dos imperativos de ordem econômica, a política educacional
oficial do novo regime instalado em 1946 foi implementada a toque de caixa e mobilizando
estratégias diferenciadas para cada nível de ensino.
26
Algumas reformas foram iniciadas e uma das questões vitais foi o problema do
analfabetismo. Foram feitas, então, inúmeras campanhas para erradicação dessa chaga social.
Por outro viés, o ensino primário apresentava uma forte demanda, dado o alto índice de
população escolar. Necessitava-se, pois, realizar uma forte ampliação da oferta. Segundo
Ribeiro: “a alfabetização propiciou um ataque a tal problema, mas não de forma tão agressiva
e constante a ponto de que ele fosse resolvido, mesmo que a médio prazo.” (RIBEIRO, 1987,
p. 122).
Ribeiro apresenta alguns dados específicos de análise sobre o analfabetismo nas
décadas de 19940 e 1950, discriminando o número de analfabetos. Percebe-se claramente o
esforço do Estado em combater o analfabetismo e diminuir o percentual de iletrados.
Tabela 7 Analfabetismo na década de 40 e 50 no Brasil
Década
Especificação
1940 1950
Não sabem ler e escrever 13.269.381 15.815.903
% analfabetos 56,0 50,5
Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Anuário Estatístico do Brasil, ano XXIV, 1963, p. 27 e 28; Casemiro
dos Reis Filho, A Revolução Brasileira e o Ensino, 1974
a: 2, in: RIBEIRO, 1987, p. 122.
________________
26
Ibid, 1999, p. 78 .“Não foi por acaso que durante o período 1946 - 1958 foram construídos um total de 15.000
unidades escolares com recursos da União (provenientes do Fundo Nacional do Ensino Primário/FNDP)”.
70
3.2. O governo Dutra e a educação no Território Federal do Rio Branco
Entre a deposição de Vargas (outubro de 1945) e o final da década de 1940, o
Território de Rio Branco teve dois governadores: o tenente-coronel Félix Valois de Araújo
(janeiro de 1946 a maio de 1948) e o capitão Clóvis Nova da Costa (maio de 1948 a junho de
1949). Esses períodos foram marcados por intensos conflitos políticos, causados, sobretudo,
pelo senador maranhense Vitorino Freire, responsável pela indicação de nomes para o cargo
de governador.
A política educacional instituída pela Divisão de Educação teve por objetivo central
modernizar os métodos de ensino e difundir, grosso modo e como fosse possível, a instrução
no Território. Para tanto, foi realizado um levantamento estatístico da população em idade
escolar, cujo objetivo era identificar a demanda real pela escolaridade.
No ano de 1946, funcionaram, além do Grupo Escolar Lobo D’Almada, as Escolas
Supletivas Noturnas, as Escolas Reunidas Professor Diomedes Souto Maior, mantidas pelo
governo do Território, e o curso particular “São José”, na capital. Funcionavam, no interior,
duas escolas reunidas e quatro isoladas, sob os auspícios da administração territorial. Esse
total de estabelecimentos de ensino primário foi aumentando gradativamente. O ano de 1947
representou um momento de grande expansão das escolas públicas no Rio Branco, tendo sido
criados dez novos estabelecimentos, todos no interior. Os relatórios oficiais desse ano
registram a construção de prédios escolares no Taiano, no Murupu, no Anzol e em Belém, e o
início das obras dos prédios em Lagoa de São João, Conceição do Maú, Vila Pereira, Passarão
e Aparecida. Isso foi possível devido ao auxílio do INEP
27
.
Outra medida que merece menção é o fato do governo do Território ter enviado à
capital federal, em 1947, duas professoras normalistas, para que fizessem um curso de
aperfeiçoamento, sob a orientação do INEP
28
. Como se observa por essas ações, a educação
________________
27
XAVIER, 1999, p. 78. “A partir de 1946, a multiplicação de prédios escolares manteve a predominância das
unidades escolares rurais, embora o número de salas fosse maior na zona urbana, onde eram construídos grupos
escolares ao invés de escolas isoladas.”
28
LOURO, 1998, p. 471. “Os discursos sobre a educação e o ensino, sobre os sujeitos que deveriam reger o
processo educativo ou sofrê-lo, ou seja, sobre mestres e mestras e estudantes, transformavam-se, alimentavam-se
de novas teorias, incorporavam novos interesses, refletiam e constituíam novas relações de poder. As mulheres
professoras teriam de fazer-se agora, de modos diferentes, incorporando em suas subjetividades e em suas
71
escolar do Território usufruía dos avanços na construção de estabelecimentos de ensino, mas
também se aproximava dos modernos métodos pedagógicos, voltados para o ensino primário.
Comparando-se essa situação com os resultados obtidos no final da década anterior, pode-se
claramente concluir que alguns benefícios proporcionados pelas políticas públicas, em dez
anos, para o Rio Branco, obtiveram resultados e condições semelhantes às das demais regiões
brasileiras.
O governo deu início às campanhas de combate ao analfabetismo, que, de acordo com
os resultados divulgados, contribuíram para um sensível decréscimo no índice de iletrados.
Paralelamente a esses investimentos federais via INEP, no Grupo Escolar Lobo D’Almada
funcionava, com regularidade, a Caixa Escolar, que angariava auxílios e contribuições. Essa
iniciativa fez com que, em 1947, a receita atingisse à cifra de Cr$ 13.500,00, contra a despesa
de apenas Cr$ 6.000,00. O material didático foi adquirido com a receita da Caixa Escolar,
permitindo a sua distribuição gratuita aos alunos pobres de todos os estabelecimentos de
ensino do Território
29
.
A caixa escolar, que havia suspendido as atividades por um curto período, foi
reorganizada e voltou a funcionar. Por intermédio desse mecanismo de captação de recursos,
o governo também pôde distribuir a merenda escolar aos estudantes de Boa Vista durante todo
o ano letivo, empreitada que contou com o auxílio da Legião Brasileira de Assistência. Havia
a pretensão de estender este benefício, em 1949, a todos os educandos do Território.
Apesar dessas iniciativas terem significado inegáveis avanços, a situação educacional
ainda era extremamente precária no Rio Branco. O número de matrículas era reduzido e a
freqüência dos alunos muito baixa.
A Divisão de Saúde, através do Serviço de Assistência Social, prestou serviços,
médicos aos escolares do interior e forneceu às professoras a medicação necessária,
especialmente vitaminas, soros, vermífugos, tônicos etc. Além de assistência médica, foi
ofertada, ainda, assistência dentária gratuita, a todos os alunos.
práticas as mudanças sociais. Assim, as professoras e “normalistas” foram se constituindo “educadoras”, depois
“profissionais do ensino”, para alguns “tias”, para outros, “trabalhadoras da educação”.
29
COSTA, 1948, p. 61.
72
Vale a pena mencionar que, por essa época, a escola pública começou a romper com
os domínios em que tradicionalmente atuava, os domínios da linguagem oral e escrita, e
passou a incorporar e a trabalhar com outros tipos de linguagem, como é o caso do cinema
30
.
O recurso ao cinema como elemento de aperfeiçoamento pedagógico já tinha sido destacado
anteriormente pelo ministro Gustavo Capanema:
[...] entre os mais úteis fatores de instrução de que dispõe o Estado moderno,
inscreve-se o cinema. Elemento de cultura influindo diretamente sobre o raciocínio e
a imaginação, ele apura as qualidades da observação, aumenta os cabedais
científicos e divulga o conhecimento das coisas, sem exigir o esforço e as reservas
de erudição que o livro requer e os mestres, nas suas aulas, reclamam. A técnica do
cinema corresponde aos imperativos da vida contemporânea. Ao revés das gerações
de ontem, obrigadas a consumir largo tempo no exame demorado e minucioso dos
textos, as de hoje, e principalmente as de amanhã, entrarão em contato com os
acontecimentos da história e acompanharão o resultado das pesquisas através das
representações da tela sonora. [...] O cinema será, assim, o livro de imagens
luminosas em que as nossas populações praieiras e rurais aprenderão a amar o
Brasil, acrescendo a confiança dos destinos da Pátria. Para a massa dos analfabetos,
será a disciplina pedagógica mais perfeita, mais fácil e impressiva. Para os letrados,
para os responsáveis pela nossa administração, será essa uma admirável escola de
aprendizagem.” (Arquivo Gustavo Capanema. GCg, 1935.00.00/2.FGV/ CPDOC).
Premonitoriamente, na década de 1940, o cinema viria a se tornar um poderoso
recurso didático visual, tornando-se um dos maiores divulgadores da instrução pública escolar
e também o responsável, uma vez mais, pela difusão da cultura e pela afirmação da
nacionalidade. Nas palavras de Schwartzman:
Em 10 de março de 1936, o Ministério da Educação e Saúde lançou as bases do
Instituto Nacional de Cinema Educativo, que viria a ser oficialmente criado pela Lei
n° 378, de 13 de janeiro do ano seguinte. “Era iniciativa arrojada para o meio, onde
a própria cinematografia comercial não havia alcançado, como ainda não alcançou,
grau elevado de maturação. Foi dada ao novo órgão a atribuição de promover e
orientar a utilização da cinematografia, especialmente como processo auxiliar de
ensino e ainda como meio de educação em geral. Pode dizer-se que começou do
nada. Hoje dispõe de um grande edifício construído especialmente para conter os
________________
30
XAVIER, 1999, p. 134. “A ênfase nos recursos audiovisuais refletia o impacto das novas tecnologias também
no campo da educação, introduzindo não só novos recursos didático-pedagógicos como também, abrindo espaço
73
seus laboratórios e serviços técnicos, juntamente com os de radiodifusão educativa.
A construção e a aparelhagem desse edifício mereceram cuidados especiais. O
Instituto Nacional de Cinema Educativo não perdeu tempo em organizar-se, e logo
se pôs a editar filmes escolares (substandard), filmes populares (standard) e
diafilmes. Tornou-se um prestimoso colaborador dos nossos estabelecimentos de
ensino, fornecendo-lhes material para sessões cinematográficas, estudo e recreação.
Preparou filmes de longa-metragem, em que figuras, paisagens e fatos da tradição
nacional foram focalizados com boa técnica do cinema. (SCHWARTZMAN. org.
1982, p. 376).
A política nacionalista definida no Ministério da Educação e Saúde Pública legitimou
um exemplo a ser imitado pelas regiões brasileiras. Assim, ao promover a integração do
passado ao presente e ao universalizá-lo em todo o território nacional, essas figuras e fatos
heróicos perderam muito das peculiaridades e dos elementos fortemente regionalizantes.
Aspirava-se, com isso, substituir o regional pelo universal. O relatório de 1949 do governador
Clóvis Nova da Costa revela a importância então conferida ao cinema nas práticas educativas:
Foi também inaugurado, no ano em apreço, um cine-teatro escolar, construído em
um dos pavilhões, já existentes, do grupo escolar da capital. A inauguração do cine-
teatro escolar foi efetivada no mês de dezembro, tendo nele sido realizada a festa de
encerramento do ano letivo, com brilhantismo que deixou um marco na história
educacional do Rio Branco (COSTA. 1949:118).
Apesar de se reconhecer as grandes dificuldades existentes para se avançar no
processo educativo no Território, foi possível proceder à instalação das escolas em áreas
remotas do interior. Assim, com exceção da escola isolada situada à margem do rio Tacutu,
que não teve número suficiente de alunos matriculados, as demais funcionaram regularmente.
Segue um quadro demonstrativo das escolas que funcionaram naquele ano, no
Território. Eram, ao todo, 16 escolas:
para incorporação de novas linguagens e de diferentes formas de expressão e de apreensão dos conteúdos
curriculares”.
74
Tabela 8 Escolas do Território do Rio Branco em 1947
Na capital: 4
Grupo Escolar 1
Escolas Reunidas 2
Escola Particular 1
No interior: 12
Escolas Isoladas 11
Escola particular 1
Total 16
Fonte: Relatórios do Capitão Clóvis Nova da Costa, 1949, p. 116.
As duas escolas particulares acima mencionadas receberam orientação e fiscalização
direta do governo, por intermédio da Divisão de Educação. A escola da capital, Curso
Primário São José, pertencia à ordem das Irmãs Beneditinas. Esse estabelecimento recebia
uma subvenção orçamentária concedida anualmente pelo governo do Território, e, além disso,
contava em seus quadros com duas professoras da rede pública, pagas, portanto, pelo governo
do Rio Branco, que lecionavam nas classes mais adiantadas. Funcionavam também à época,
três cursos de alfabetização para adolescentes e adultos, mantidos com recursos do
Departamento Nacional de Educação. As tabelas abaixo trazem dados relativos ao número de
alunos matriculados no território, ao comparecimento dos estudantes nos exames finais e
aqueles que foram aprovados.
Tabela 9 Número de alunos matriculados nas escolas do Território Federal do Rio Branco
no ano de 1948
Alunos matriculados em 1948
Capital Interior Total
Escolas Públicas 572 378 950
Escolas Particulares 128 28 152
Total 696 406 1.102
Fonte: Relatórios do Governador Capitão Clóvis Nova da Costa, 1949, p.117.
75
Tabela 10 Número de alunos das escolas do Território Federal do Rio Branco que
compareceram aos exames finais no ano de 1948
Alunos apresentados aos exames finais
Capital Interior Total
Escolas Públicas 424 255 679
Escolas Particulares 79 22 101
Total 503 277 780
Fonte: Relatórios do Governador Capitão Clóvis Nova da Costa, 194, p.117.
Tabela 11 Número de alunos aprovados nas escolas do Território Federal do Rio Branco no
ano de 1948
Alunos aprovados
Capital Interior Total
Escolas públicas 321 215 536
Escolas particulares 55 20 75
Total 376 235 611
Fonte: Relatórios do Governador Capitão Clóvis Nova da Costa, 1949, p.117.
Esses dados, e mais aqueles relativos aos prédios escolares inaugurados e os
indicadores do aproveitamento escolar, comprovam a expansão da rede escolar de ensino
público no Território Federal do Rio Branco.
A solução para os problemas da educação e da cultura, no âmbito do Rio Branco, não
se limitou apenas à alfabetização, visto que visava, sobretudo, a incentivar o apego à terra.
Transformou-se, pois, em um elemento de forte enraizamento na cultura. Também estava
voltada para a agricultura e a pecuária. De acordo com o governador Clóvis Nova da Costa,
“o Território do Rio Branco precisa, cada vez mais, de cidadãos afeitos aos rudes e nobres
labores do campo. Há que aprimorar e expandir as suas culturas agrícolas incipientes tais
como fumo, algodão, cereais, bem como multiplicar e melhorar os seus rebanhos.” (COSTA,
1949, p. 118)
A criação de um patrimônio público e seu estabelecimento em caráter definitivo criou
as bases para uma economia mais equilibrada e chamou a atenção para a responsabilidade do
governo territorial, que podia investir mais na educação e na cultura. As condições de então
propiciaram o funcionamento regular de 16 unidades escolares, conforme os relatórios.
76
Porém, atingido esse patamar, o momento reclamava a criação de uma escola voltada
para o ensino técnico-profissionalizante, adaptando às necessidades peculiares da região: a
formação de trabalhadores rurais
31
. O objetivo de tal procedimento era tornar os alunos
conscientes da importância do seu papel como sujeito da comunidade local, conferindo-lhes
um grau de pertencimento. A cooperação do governo federal, através de seus órgãos técnicos,
possibilitou a concretização desse programa.
Acreditava-se que, sob a ação pioneira de escolas regionais, orientadas para a
formação de mão-de-obra profissionalizante, os egressos, devidamente instruídos, poderiam
vir a ser os propulsores de uma preciosa fonte de abastecimento de alguns produtos, como
carnes, couros, cereais e madeiras para a região. O investimento do governo federal, nesse
sentido, poderia propiciar resultados favoráveis para o êxito e valorização da Amazônia.
Foi-se elevando sensivelmente a qualificação e quantificação dos funcionários da
educação, em conseqüência de terem realizado cursos no Rio de Janeiro, então capital do país.
Auxiliados pelas bolsas concedidas pelo INEP e pelo Conservatório Nacional de Canto
Orfeônico
32
, seis servidores públicos fizeram cursos fora do território: Juvenal Alves dos
Santos, Dirson Felix Costa, Jucyneide Fernandes de Carvalho, Clélia Bezerra de Menezes,
Elizabeth Bastos Campelo e Astréa Marinho. Os cursos realizados foram os de Inspeção,
Medidas Educacionais, Organização e Administração de Serviços de Educação e Canto
Orfeônico. De volta ao Território e ao desempenho de suas atividades, puseram em prática os
ensinamentos adquiridos nos currículos escolares, nas disciplinas Música e Educação Física
33
.
________________
31
CUNHA, 1981, p. 140-141.”A lei Orgânica de 1946 (Decreto-lei nº 9.613), assinada no mês de agosto,
procurou dar uma feição mais moderna ao ensino agrícola elevando seu “status”.
32
SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 110. “Um decreto-lei de novembro de 1942 (n° 4.993) cria
o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, subordinado diretamente ao Departamento Nacional de
Educação, mas para funcionar junto à Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil. Seu objetivo era
formar candidatos ao magistério do canto orfeônico de nível primário e secundário. Além disto, deveria
promover pesquisas “visando à restauração ou revivescência das obras de música patriótica que hajam sido no
passado expressões legítimas da arte brasileira e bem assim o recolhimento das formas puras e expressivas de
cantos populares no país, no passado e no presente”; e mais especificamente, promover “a gravação em discos do
canto orfeônico do Hino Nacional, do Hino da Independência, do Hino da Proclamação da República, do Hino à
Bandeira Nacional e bem assim das músicas patrióticas e populares que devam ser cantadas nos
estabelecimentos de ensino do país”.
33
SCHWARTZMAN, org, 1982, p 371 “Com relação à educação física, tornou-a obrigatória no ensino primário,
normal e secundário, e insistiu, para a formação dos seus professores, a Escola Nacional de Educação Física, que
entrou a funcionar em 1939. A iniciativa teve desde logo grande repercussão, determinando a instituição, em
vários pontos do país, de estabelecimentos congêneres.”
77
O relatório do governador Clóvis Nova da Costa exprime bem a valorização de uma
concepção estética permeando a educação pública. A autonomia adquirida pelo Estado
possibilitou que vários projetos culturais fossem desenvolvidos, dentre eles um voltado para a
socialização da juventude e para o culto ao corpo. Com isso, as escolas buscavam mostrar, por
meio da prática da educação física e do fortalecimento dos costumes cívicos, que estavam
empenhadas com a construção de uma nova identidade nacional. Neste sentido, os jovens
foram alvo das campanhas educativas, que associavam ao civismo a preocupação de imunizá-
los contra as influências externas. Nos relatórios, o governador demonstrou ter clara
consciência dessa prática:
Na educação dos homens de amanhã, não esquecendo o governo de os preparar
também fisicamente. A construção de um Parque Infantil, um campo de basquetebol
e voleibol, um campo de tênis e um campo de futebol, nos quais obedecendo à
orientação de dois professores de educação física, realizando-se as aulas e
competições. (COSTA, 1949, p. 119).
Como se observa, há uma preocupação em organizar a participação cívica da
juventude. Os jovens começaram, então, a se organizar socialmente. Dentre as organizações
criadas, a que mais se destacou foi a Organização da Juventude Brasileira. Segundo
D’Araújo:
Apesar de não haver oficialmente uma organização paramilitar de jovens, eles foram
presença uniformizada constante nas várias manifestações cívicas que a máquina de
propaganda do Estado Novo inventou (entre elas o Dia da Raça, o Dia da Pátria, o
Dia da Juventude, a Semana da Independência, o Dia do Trabalho e outros). Essas
manifestações em que se exibiam retratos de Getúlio Vargas e que ocorriam
normalmente em campos de futebol, transformaramse em momentos míticos e
quase religiosos de louvação ao país e ao seu “chefe”. (D’ARAÚJO, 2000, p. 36).
Isso prova que, no final da década de 1940, o governo Dutra ainda não conseguira se
desvencilhar dos princípios educativos estabelecidos durante o Estado Novo. Podemos
observar, pois, que não houve descontinuidade ou mudança brusca no projeto de
nacionalização do ensino. Grosso modo, essa continuidade das ações escolares se manteve por
meio de um profundo controle de todos os currículos, de todas as atividades e de todas as
escolas, mesmo nos recantos mais remotos do país.
78
A nacionalização escolar monitorizada pelo Estado representou, assim, um mecanismo
de controle das tendências exógenas que pudessem ir contra as diretrizes nacionalizantes da
educação brasileira. Todas essas preocupações, apesar de não serem novas, encontraram um
campo fértil na conjuntura política, e se concretizavam nas aulas de reforço e de Educação
Física. O propósito último era o de direcionar os jovens brasileiros para “o aprimoramento da
estética do homem nacional.”
Por tudo isso, fica patente que, malgrado estar muito distante dos centros de decisão, o
Território Federal do Rio Branco buscava acompanhar as tendências educacionais postas em
prática nas demais regiões do país.
79
CONCLUSÃO
O estudo do passado recente implica estabelecer uma continuidade das experiências
sociais e políticas da coletividade. Deste modo é que a instalação da rede de educação pública
em Boa Vista teve o apoio das medidas que criaram oficialmente o Território do Rio Branco
em 1943, durante o Estado Novo, para depois evoluir e se firmar definitivamente num
momento de abertura política, já no governo de Eurico Gaspar Dutra. Dessa forma, não
podemos senão considerar que as políticas públicas que propiciaram a formação da
administração do Rio Branco marcaram indelevelmente a história do Território.
É importante considerarmos, pois, a atuação da política nacional sobre o poder local,
uma vez que a política educacional do Território esteve voltada para a fixação da identidade
nacional. Tratava-se, certamente, de um modelo compatível com as aspirações de cunho
nacionalistas. Buscava-se, em última instância, organizar a sociedade e conferir-lhe identidade
por meio da ação pedagógico-educativa.
Assim, se considerarmos que a instalação oficial da escola pública no Território, na
década de 1940, se deu em comum acordo com o poder local, preservando-o, podemos
concluir que esta aliança de interesses auxiliou a definir o papel político social do Estado
Novo, bem como da abertura política, ocorrida pós-1945. Essa estratégia permitiu a
manutenção da política hegemônica do Estado e a contenção das demandas sociais. Foi
assegurada, deste modo, a supremacia da cultura letrada e o investimento em instrumentos
simbólicos da cultura formal, organizadas pelo poder.
O desenvolvimento da política administrativa no Território Federal do Rio Branco
criou as condições para a institucionalização da Divisão de Educação, ocasião em que, por seu
turno, as bases da política educacional passaram a ser formalizadas. Assim, do ponto de vista
administrativo, podemos considerar a década de 1940 como um momento histórico inaugural
para o Território.
Como também vimos, ao projeto educacional cunhado pela política local e cristalizado
pelos atos governamentais, foram agregados o civismo e a preocupação com o fortalecimento
da nacionalização do ensino. O suposto aprimoramento do que é ser brasileiro e da
80
imunização contra as influências estrangeiras tornaram-se, pois, aspectos básicos para as
escolas públicas.
Este passado recente ficou ancorado a um conjunto de pontos de referência
legitimados pelo Estado, que em muito influenciou a história posterior da educação de Boa
Vista. Trata-se, poder-se-ia dizer, de um passado transformado
34
.
Resta-nos a esperança de que o trabalho que vimos desenvolvendo possibilite a
compreensão sobre os esforços de alguns pesquisadores e educadores, com formação
acadêmica ou não, que ajudaram a construir o passado recente de Boa Vista, e que em muito
podem nos auxiliar.
O Território Federal do Rio Branco, localizado numa área distante, se tomarmos por
referência a região Sudeste, foi uma área em que se implantou um plano pedagógico que
visava a superar as principais dificuldades existentes no campo educacional nos anos 1940. O
reconhecimento de todas as tentativas, realizadas ou não, muito contribuíram para uma maior
aproximação desta realidade, como provam documentos analisados, tanto no plano nacional,
quanto na cidade de Boa Vista.
As escolas públicas institucionalizadas, em Boa Vista, nos anos quarenta, são, pois, de
grande relevância para o processo de construção da cidadania. Afinal, foi através da atuação
da escola que se intensificaram as mudanças da realidade local.
Esperamos que, com a análise dos aspectos incluídos neste trabalho, estejamos
sugerindo um caminho para que outros pesquisadores possam prosseguir estabelecendo as
ligações da História e possam, assim, oferecer a possibilidade de reconstrução do passado.
Ao realizarmos a pesquisa, fomos, aos poucos, percebendo o quanto a estruturação das
escolas públicas de Boa Vista na década de quarenta foi peculiar. Não podemos fingir que não
estamos numa região bastante “diferente” de nosso país, diferença essa marcada, sobretudo,
________________
34
Discutindo a questão, Hobsbawm considera: “[...] o passado como uma ferramenta analítica mais útil para
lidar com a mudança constante, mas em uma nova forma. Ele se converte na descoberta da história como um
processo de mudança direcional de desenvolvimento ou evolução. A mudança se torna, portanto, sua própria
legitimação, mas com isso ela se ancora em um “sentido do passado” transformado.” (HOBSBAWM, 2000, p.
30).
81
pela distância que nos separa dos outros centros urbanos brasileiros e pela grande dificuldade
de acesso existente na época em questão. Além disto, contávamos (e ainda contamos) com
uma diversidade étnica e cultural única em termos de Brasil: são pessoas de praticamente
todos os pontos do país que convergem para uma região geograficamente extrema,
completamente fronteiriça e praticamente desconhecida.
Porém, esta convivência de culturas se deu de forma razoavelmente pacífica, pois de
certa forma, todos foram respeitados e preservados. Ainda hoje, Boa Vista, particularmente, e
Roraima como um todo, convive com a diversidade em todos os níveis. Tudo isso,
convivendo paralela e entrelaçadamente, forma um rico painel cultural.
Considerando esse horizonte, somos da opinião de que a formação e o
desenvolvimento das escolas formais de Boa Vista souberam respeitar a diversidade,
transformando-a em um elemento positivo e enriquecedor. Com isso não estamos querendo
dizer ingenuamente que não ocorreram conflitos, sobretudo interétnicos. Mas acreditamos
que, à sua maneira, cada povo soube se impor e soube lutar pela preservação de seus valores e
de sua cultura.
Todo convívio entre raças e crenças diferenciadas tende a gerar tensões, e aqui não foi
diferente. Mas concebemos que todos acabaram provando que “ser diferente” não implica,
obrigatoriamente, superioridade ou inferioridade, mas sim saber desfrutar dessa diferença. Se
assim é, creio que desfrutamos de uma situação marcada pela diversidade e pelo
reconhecimento mútuo de que o outro é importante para que cada um se compreenda melhor.
82
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88
ANEXOS
ANEXO 1
Governadores do Território Federal do Rio Branco das décadas de quarenta à sessenta.
Governadores do Território Federal do Rio Branco, na década de quarenta
naturalidade e tempo de permanência no cargo.
1.
Capitão Ene Garcez dos Reis, carioca, escolhido por Getúlio Vargas. Governou um ano
e nove meses. Secretário Geral: Paulo Soter da Silv
eira; respondeu 9 meses pelo governo.
20.07.1944 – 01.1946.
2.
Tenente Coronel Félix Valois de Araujo: maranhense, indicado pelo Senador Vitorino
Freire, governou 2 anos e quatro meses: 01.1946 – 05.1948.
3. Capitão Clóvis Nova da Costa: maranhense, ex-comanda
nte da polícia militar do
Maranhão, indicado pelo Senador Vitorino Freire, governou 1 ano e 1 mês. 05.1948
06.1949
Governadores do Território Federal do Rio Branco, na década de cinquenta
naturalidade e tempo de permanência no cargo.
1. Dr. Miguel Ximenes
de Melo: maranhense, primeiro civil a governar o território,
indicado pelo Senador Vitorino Freire, governou 1 ano e 10 meses. 07.1949 – 05.1951.
2.
Professor Jerocildo Gueiros: pernambucano, indicado pelo deputado Félix Valois de
Araújo, governou 9 meses. 05.1951 – 01.1952.
3.
Coronel Belarmino Galvão: gaúcho, indicado pelo Presidente da República, governou
6 meses. 01.1952 – 07.1952.
4.
Aquilino da Mota Duarte: roraimense, indicado pelo Deputado Félix Valois de Araújo,
governou 1 ano. 07.1952 – 07.1953
5. Dr. Jos
é Luiz Araújo Neto: roraimense, indicado por acordo político local, governou
um ano e sete meses.
40
6.
Tenente Coronel Auris Coelho e Silva: maranhense, indicado pelo Senador Vitorino
Freire, governou 6 meses. 01.1955 – 07.1955.
7. General Médico Ademar Soares
da Rocha: piauiense, indicado pelo Senador Vitorino
Freire, governou 5 meses. 07.1955 - 11.1955
________________
40
Nesse período o Dr. Salvador Pinto Filho foi nomeado governador interino durante os meses de setembro e
outubro de 1954, para presidir as eleições daquele ano, uma vez que o governador era sobrinho do Dr. Valério
Magalhães, um dos concorrentes ao cargo de deputado federal. 07.1953 01.1955 Fonte: FREITAS.
89
8.
Capitão José Maria Barbosa, maranhense: indicado por seu sogro, Deputado Federal
Félix Valois de Araújo, governou 3 anos e três meses. 11.1955 – 01.1959.
Governadores do Território Federal do Rio Branco, na década de sessenta
naturalidade e tempo de permanência no cargo.
1. Hélio Magalhães de Araújo: amazonense, criado em Boa Vista e irmão do ex-
Governador José Luiz de Araújo Neto; indicado por acordo político l
ocal, governou 2
anos e meses. 01.1959 – 04.1961.
2.
Djacir Cavalcante de Arruda: paraibano, indicado pelo Ministro das Minas e Energia,
governou 5meses.
3.
General Clóvis Nova da Costa: maranhense, indicado pelo Deputado Federal Gilberto
Mestrinho, governou pela segunda vez por um ano e 5 meses.
4.
Dr. Francisco de Assis Albuquerque Peixoto: amazonense, indicado pelo Deputado
Federal Gilberto Mestrinho, governou 1 ano e 6 meses.
Fonte: FREITAS, 1998, p. 76.
90
ANEXO 2
Hino a Lobo D’Almada
Fonte: Oliveira, p. 51, 1986.
Autor: João Chrysóstomo de Oliveira
Desbravador viril, lusitano,
Caráter firme, bravo e tenaz!
Teu vulto altivo de homem espartano
É belo exemplo dum forte e audaz!...
Tu não temeste! contra inimigos
Foste marchando, foste vencendo!
Explorador dos mais antigos,
Pelo Rio Branco foste correndo.
Heróico Lobo D’Almada!
Desbravador tenaz!
Doaste a nossa Pátria amada
Solo rico e mui feraz!...
Foste um estadista de grande porte
E brigadeiro dos mais ousados!
Tu governaste o extremo norte
Da nossa Pátria de antepassados.
Regiões longínquas colonizando,
Ias consagrando, ias pertinaz
Teu nome eternizando!...
Feito em que sempre reviverás.
Abril-1946.
91
ANEXO 3
Hino a Souto Maior
56
Fonte: Oliveira, p.52, 1986.
Autor: João Chrysóstomo de Oliveira.
Nobre mestre do Rio Branco,
Tua obra é inesquecível, sim!
Ficará perenizada
Em nosso batalhar sem fim!
Bradar, bradar: Sempre avante!
Estudar com empenho constante!
Tua obra continuar!
Teu exemplo admirar!
Para que Souto Maior,
Teu ideal tão belo e tão franco
Triunfe no grande explendor
Do nosso grandioso Rio Branco!
________________
56
Documento dos arquivos do Museu Integrado de Roraima, tombamento 99.10.28. ‘Quem foi o Prof. Diomedes
Souto Maior’. “Nordestino como muitos que aqui chegaram, Diomedes Pinto Souto Maior tem suas raízes de
origem portuguesa por parte do seu avô. Nasceu em Campina Grande, na Paraíba, no dia 03 de maio de 1879.
Iniciou seus estudos na Escola Militar de (Realengo-RJ), mas, por problemas políticos da época (o Presidente do
Brasil era Prudente de Moraes e o país encontrava-se tumultuado por distorções políticas, tratando-se de
combates entre forças do antigo governo monárquico com as da nova República), ele foi destacado para Belém-
Pa, sendo afastado logo depois. Desta forma seguiu para Manaus-AM. Em Manaus, casou com Bernadina
Rodrigues Pará e prestou concurso para o cargo de professor, sendo aprovado e nomeado para Boa Vista em
1905.[...]. Exerceu o magistério por mais de quatro décadas, preparando várias gerações. Nesse tempo era
comum o pagamento atrasar por dois ou mais anos. Isso não atrapalhava o seu desempenho como professor.
Continuava a lecionar e para manter a família, atendia alunos particulares, que lhe complementava a renda
familiar.[...]. O Governo do Rio de Janeiro pediu ao governo de Roraima o nome de um vulto que houvesse se
destacado na educação, e foi indicado o nome do Prof. Diomedes. Em homenagem aos méritos desse educador,
foi criada , no Estado da Guanabara, (hoje Rio de Janeiro), uma escola pública com o nome do Prof. Diomedes.
No período de 20 de junho a 1º de julho, no Governo de Ene Garcez dos Reis, foram criadas na capital, escolas
mistas agrupadas, mistas isoladas, noturnas femininas e masculinas, e o nome do Prof. Diomedes Souto Maior,
foi dado a uma das escolas isoladas mistas criadas no antigo Território do Rio Branco. O primeiro prédio que
serviu de sede para a escola, ficava localizada no subúrbio do Caxangá, hoje centro da cidade, tinha um salão
com capacidade para 80 alunos e confortáveis dependências para moradia do Prof. Com pequena família
Passando a Unidade Integrada, foi reformado e hoje, como escola, funciona nos três turnos e conta com seis salas
de aula, diretoria, supervisão, secretaria, sala de professores, biblioteca, copa, cantina e área de recreação. Pelo
decreto de 20 de junho de 1945, a atual Escola foi inaugurada, homenageando o Prof. Diomedes. Em abril de
1946, o Major Dorval M. Coelho assinou o Hino Souto Maior, letra do Prof. João Chrysóstomo de Oliveira. O
Professor Diomedes faleceu em 06 de julho de 1947, vítima de um ataque fulminante de ‘Angina Pectoris’.[...]”.
92
Ó bom mestre Diomedes
Que lutaste sempre forte e altivo!
Pelo teu labor no ensino,
Ficarás entre nós vivo.
(Abril-1946).
93
ANEXO 4
DISCURSOS DO PROFESSOR JOÃO CHRYSÓSTOMO
Palestra inaugural na quinzena pedagógica realizada no território do Rio Branco.
Fonte: OLIVEIRA, p. 35-39, 1986. “Relatório Geral da Divisão de Educação do Território
Federal do Rio Branco, relativo ao ano de 1945, apresentado a 15/01/46 ao Sr. Governador.”
“A linguagem é um mundo indescritível, no percorrer do qual se descobrem novos
mundos. É um mundo indescritível por que está ligado com a alma e alma não se descreve:
manifesta-se através do pensamento e de uma gama belíssima de sensibilidade exteriorizada
pela linguagem. Para ressaltar a importância da linguagem, basta dizer que ela está ligada com
a alma da criança, campo de uma vastidão extraordinária, em que a mestra primária deve atuar
com a perícia de um semeador zeloso, a avançar cautelosamente por exuberante terreno, com
a preocupação de não torná-lo seco e duro com as passadas da preocupação e da aspereza.
Parece verdadeiro absurdo e incoerente propósito falar-se da importância da
linguagem no lar na escola ou em todas as atividades da vida, fato patente e trivial a toda e
qualquer mente por mais retardada que seja. É um truísmo aberrante e aberrantemente
fastidioso.
Mas, entre saber que uma coisa é importante e saber aproveitar a importância dessa
coisa vai uma distância imensa. Assim, entre dizer que a linguagem é importante e o saber
aproveitar a sua importância, sobretudo na fase de formação há um longo caminho a
percorrer. É justamente este caminho que eu vou tentar palmilhar senão tatear. Se o professor
primário se prender somente ao frio princípio gramatical de que a linguagem é uma simples
“expressão do pensamento por meio de palavras”, sem alcançar o seu valor psicológico e
educacional, será um eterno fracassado em sua carreira um repetidor de chapas e um
escravizado a fórmulas áridas a criar pobres escravos do mecanismo lingüístico. O professor
que se escraviza a esse princípio retrógrado julga que a criança é um paciente que deve
receber sem qualquer reação as fórmulas corretas do falar e escrever. E quantos pais e mestras
não incidem nesse grave erro! Quantos mentores do lar e da escola não conduzem a
criancinha pelas emaranhadas veredas dos preceitosinhos do linguajar pelo bom tom, pelas
94
regrinhas intoleráveis e pelas emendas desconcertantes, que cortam a espontaneidade do petiz
e fazem-no perder o devido amor pela linguagem materna!
Todos os pais e mestres devem sentir e fazer sentir que a linguagem longe de ser uma
disciplina enfadonha é um meio natural de que a própria criança pode lançar mão para a
conquista dos anseios de sua personalidade em formação; é um amplo caminho aberto que a
imaginação sonhadora da criança deve percorrer com o maior prazer, descobrindo tudo quanto
a sua aguçada curiosidade perquire e investiga insaciavelmente. Este é o princípio do trabalho
criador, que a moderna pedagogia introduziu no ensino da linguagem, principio que deu
vitalização a esse estudo, de modo que a linguagem ficou senão considerada como uma parte
da educação do homem, cujo principal instrumento é o próprio aluno e não como um ensino
propriamente dito. O processo de vitalização do estudo da linguagem, deixa em plano inferior
as regrinhas abstratas e os modelos imutáveis para dar real e justo valor à situação que leva o
educando a exprimir-se com espontaneidade e com possível correção. A linguagem, portanto,
deixa de ser uma fria disciplina para se constituir um fator vivo, um meio dinâmico de
preparação para a vida. Neste caso, a mestra primária deve ter um fato psicológico de tal jaez
que crie ambiente e circunstâncias favoráveis de modo que a criança viva as suas expressões
em todo o ardor de sua necessidade de externar o seu pensamento em belo e constante
alvorecer.
A linguagem segundo os modernos e abalizados psicopedagogistas, entre eles Stern,
tem dois fatores primordiais; o meio ambiente e a natural tendência da criança de externar o
seu sentir. Em torno destes dois fatores é que a mestra deve orientar as suas atividades
educacionais. A mestra, conseqüentemente, queira ou não queira, deve ter um pouco de
psicologia e sociologia prática. Deve libertar-se do preceito errôneo de que só é professora
quando dentro de classe. Baseada nesse erro grave de muitos mestres primários é que está
sendo criada e fomentada uma erronia mais grave e absurda; a de nivelara missão do mestre a
qualquer função burocrática, a qualquer função de rotina, a qualquer trabalho mental de
carteira administrativa. Por este nivelamento não são responsáveis somente os
administradores, mas, sobretudo, o mau professor primário que não cumpre consagradamente
a sua missão. A continuar neste pandemônio funcional, a persistir nesta promiscuidade de
tarefas, a permanecer nesta irresponsabilidade magisterial, inútil será estarmos dizendo que a
linguagem é de grande importância na escola, baldados serão todos os nossos esforços
dispendidos a apontar o caminho para desenvolvimento ideal e perfeito da linguagem inócuos
95
serão os brados de alerta pela educação da criança, através da linguagem como fator decisivo
do mestre no formar a personalidade do educando: vamos então ao carnaval da obra
educativa, vamos entrega a classe ao barbeiro e a tesoura ao mestre, vamos ao cúmulo
decepcionante da anarquia dos calões, dos dichotes e das gírias, em franco desrespeito à
personalidade do educando e dos supremos ideais educacionais. A mestra primária deve ser
mestra por personalidade, por ideal e vocação. Sem estes apanágios, ela não poderá
compreender a importância da linguagem como meio de educação e sim a colocará em plano
igual ou inferior ao das demais disciplinas e será uma fracassada em sua missão. Meio
ambiente e a tendência natural da criança de comunicar as suas impressões eis os dois meios
auríferos da linguagem que o mestre primário deve sempre tomar em muita consideração em
qualquer momento de sua tarefa educativa, que nunca tem solução de continuidade, como
muitos julgam.
O meio ambiente é na realidade um fator poderoso da linguagem e tão poderoso que a
obra do mestre primário poderá ser completamente anulada por sua influência, se o mesmo
não souber conduzir sua força, às vezes prejudicial e degenerante, por uma senda sadia e
construtiva. Este é um trabalho de suma importância que só o “tacto feliz” referido por
William James no verdadeiro mestre poderá realizar, porque é mais uma obra de
evangelização do que de luta, visto como contra o meio não se deve abrir luta. Já tive ocasião
de ferir esse assunto quando relatei no I.N.E.P os trabalhos da Comissão investigadora do
vocabulário infantil, trabalho instituído por aquela Entidade, tratando de um fato bem
característico que atesta a grande influência do meio na linguagem infantil. Assim foi
explanado o fato no relatório da Comissão sob minha presidência.
“A semântica infantil é inegavelmente o reflexo da vida da criança no lar. Assim veio
comprovar a investigação que em boa hora o I.N.E.P. está realizando. Haja vista o seguinte:
Perguntou-se a uma criança - isso em dois estabelecimentos de arrabalde - o significado da
palavra ABANDONADO, e esta, na sua linguagem pitoresca, responde: “é quando o pai da
gente deixa a mulher”...
Podemos concluir daí que as primeiras páginas da linguagem da criança são atitudes e
as palavras dos pais e das pessoas mais velhas do lar. E se muitos pais assim
compreendessem, fariam melhores discípulos da língua materna, conduzindo-as a
manusearem páginas de boa linguagem a serviço dos são princípios da educação.
96
Vede, caros professores, quão árdua é a vossa tarefa em salvaguardar o excelente meio
de educação que é a linguagem dos desvios prejudiciais e degenerantes para vosso tão nobre
afanoso mister. Se tiverdes de ser professor em meios rústicos, deveis permanecer sempre de
atalaia para conduzir os vossos educandos, não o arrancando e os desajustando do meio, mas
preparando-os para modificar o ambiente em benefício coletivo. Assim quando atuardes na
roça não tenhais a pretensão de aplicar processos de modo a criar u´a mentalidade urbanista
na população, fazendo-a desprezar o seu meio em prejuízo de uma coletividade tão útil.
Aproveitai os interesses locais para refiná-los ao ponto de melhoramento completo não só do
ambiente mas do homem a ele radicado por mais forte desejo de se aperfeiçoar para perfeição
de tudo que o cerca.
Parece um sonho irrealizável o que aqui prescrevo e tanto mais quanto o mestre que
assim pensar for desfibrado e derrotista, ou melhor, não for mestre verdadeiramente. Mas para
quantos têm vocação em ser professor, e supremo objetivo se poderá alcançar embora custe o
sacrifício de muitos combates. É a linguagem é um dos fatores preponderantes da vitória do
mestre em sua ação educativa.
Na primeira fase da evolução do interesse infantil, Claparede aponta quatro períodos
que não devem ser desconhecidos pelo bom mestre primário.
1°) Período dos interesses perceptíveis (1° ano de vida).
2°)Período dos interesses glóssicos ou da linguagem (2° a 3° ano).
3°) Período dos interesses gerais: despertar do pensamento, idade perguntadora (3° a 7° anos).
4°)Período dos interesses gerais e objetivos (7° a 12 anos).
No período dos interesses glóssicos, a criança ativa-se notavelmente na aquisição da
linguagem, armazenando palavras com as quais tem o prazer de brincar repetindo-as
continuadamente como se tivesse encontrado algo de extraordinário no seu som. Chega a criar
uma linguagem toda característica, que constitui o deleite de seus genitores e pessoas de seu
convívio. No período dos interesses gerais, a criança vive na atmosfera da supercuriosidade,
metralhando a pais e mestres com perguntas de toda a natureza e até irrespondíveis, as quais
no entanto não devem ficar sem resposta. O porque e como das coisas- eis sua preocupação.
Aí está a razão de tantas perguntas infindáveis que não devem contrariar por serem fáceis de
satisfazer.
97
“Durante o período dos interesses especiais, a criança começa a fixar alvos
determinados e preferência por determinados gêneros de ocupação, tomando predileção por
coleções de toda espécie e sentindo imenso prazer pela história”.
Aí se encontram os preciosos elementos do segundo fator da linguagem: a natural
tendência da criança de comunicar suas impressões. E aí também se acham os maravilhosos
meios de que o mestre deve lançar mão, não perdendo o valioso ensejo de criar novas
situações com projetos, conversações, historietas, excursões, trabalhos manuais, centros de
interesse que dêem maior incremento ao desenvolvimento da linguagem, alavanca primordial
de todo processo educativo.
Prezados professores:
“Em resumo, a linguagem é ao mesmo tempo um movimento de expressão, um
conjunto de símbolos, um meio de comunicação com os nossos semelhantes e UM
TESOURO ESPIRITUAL que caracteriza toda civilização. Essa imensa variedade de aspectos
explica as dificuldades que a educação da linguagem apresenta”- disse Aguayo.
Lembrai-vos sempre que a linguagem é um “TESOURO ESPIRITUAL” e procurai
explorar esse maravilhoso tesouro com a consagração apostolar para que possais fazer dos
vossos educandos milionários da graça de Deus e da força construtora de um mundo melhor
para vossa felicidade de todo o gênero humano!”
98
ANEXO 5
Pelo livro e pela escola aproximando o povo
Inaugurando uma biblioteca no Território do Rio Branco.
Fonte: OLIVEIRA, p. 43-44, 1986.
“Entregar uma biblioteca ao povo representa proporcionar-lhe o alimento intelectual,
de que ele não pode prescindir, tanto quanto do alimento material; representa estender-lhe o
pão do intelecto, não como uma esmola, mas como um direito reconhecido de integrar-se em
todos os conhecimentos que se liguem ao adiantamento, ao progresso, ao avanço da região no
roteiro da civilização; significa abrir-lhe os olhos para analisar os próprios atos
governamentais, dando-lhe o ensejo de externar a sua apreciação leal, a sua crítica sensata
com propósitos construtivos de cooperação; expressa, enfim, dar-lhe um novo sopro de vida,
de entusiasmo, de interesse para uma existência mais útil de estreita ligação com os
problemas dos ideais e dos anseios da terra!
O Governo do Território Federal do Rio Branco, por intermédio de seu intérprete,
menos representativo, tem a maior satisfação de, ao inaugurar hoje esta modesta biblioteca,
entregá-la ao povo e franqueá-la a todos quantos estão sedentos estudo e de luz irradiada dos
respeitáveis mestres mudos, haurindo os seus ensinamentos em proveito próprio e no da
coletividade. A biblioteca que ora o governo entrega ao povo está ainda em início, é modesta,
mas as suas possibilidades de expansão são grandes e promissoras, porque as duas grandes
forças nesta hora de inauguração estão se conjugando, estão mutuamente apertando as mãos,
duas grandes forças estão se coligando na nobre batalha do livro: o Governo, preparando
carinhosamente esta casa dotada com umas centenas de livros, e entregando-a ao povo,
recebendo-a com gratidão e com o anseio patriótico de concorrer para a sua ampliação e
multiplicação em milhares de volumes; o Governo, entregando o livro ao público e abrindo-o
a todos com o patriótico brado de alerta: “Pensai na educação, brasileiros do Rio Branco”; o
povo, recebendo-o com regozijo, prometendo conservá-lo zelosamente e seguir a advertência
com verdadeiro civismo, paginando os volumes com o maior cuidado; o Governo, abrindo
uma escola, que recebe todos a qualquer hora, sem distinção de sexo, idade, cor ou raça; o
povo, afluindo para esta escola, procurando manusear os compêndios com interesse e
voltando o seu pensamento para o progresso desta grande escola, e trazendo sempre a sua
99
contribuição de um modesto volume, até ver as estantes multiplicadas e ricamente abastecidas
de boas obras.
Povo do Rio Branco! Recebei a biblioteca que o governo vos oferece e atentai bem
para os princípios patrióticos de que, conservando-a zelosamente como vossa e concorrendo
nobremente para a sua ampliação, estareis dando forças invencíveis ao Governo para, dentro
de curto espaço de tempo, doar-vos um suntuoso prédio repleto das obras, as mais preciosas.
Antes, portanto de abrirdes qualquer livro nestas prateleiras, abri a cartilha do vosso civismo e
assumi o compromisso com o Governo, que tudo vos quer dar, de que vos constituireis, fortes
colunas daquele suntuoso palácio divisado pelo olhar do civismo de quantos desejam o vosso
conforto e o progresso da terra, por que vem lutando o governo infatigavelmente.
Abri estas portas, lendo a vossa cartilha cívica e fazendo um voto sincero, ardente e
patriótico: Tudo pela biblioteca do Território do Rio Branco, irradiando cultura para grandeza
da terra, projeção de um Brasil sobrepujante e augusto.”
100
ANEXO 6
A comunicação, a força das vitórias
Inaugurando uma estação de radiofonia em uma escola do interior do Território do Rio
Branco.
Fonte: OLIVEIRA, p. 47-48, 1986.
“Nenhuma alegria se pode comparar à alegria nascida da feliz oportunidade de
proporcionar alegria e conforto ao semelhante atirado à situação de descrença, desânimo e
isolamento. É a alegria criadora, a alegria das alegrias que o Rei dos Pensadores exaltou na
frase lapidar: “Mais bem aventura coisa é dar do que receber”. Estais professoras do Taiano,
com esta feliz oportunidade na mão: multiplicar a alegria dos moradores dessa região, alegria
natural e justa, advindo do apoio e dos benefícios que o governo, de acordo com as suas
possibilidades em desenvolvimento lhes vem prestando com o mais invulgar dos interesses e
com o mais cativante carinho. Ontem uma professora; hoje duas obreiras do ensino; ontem
uma sala de aula- hoje sede provisória mercê do esforço dos moradores apoiados pelo
Governo; ontem uma espera aflitiva de mensageiro para dar e receber notícias; hoje uma
estação portátil de radiofonia para uma rápida comunicação. É a marcha lenta de um esforço
titânico em rumo da vitória pelo bem-estar da coletividade riobranquense. Hoje, com a
inauguração da pequena linha de radiofonia, ligando Taiano a Boa Vista, é justo que toda
população dessa região esteja possuída da mais intensa alegria baseada na certeza de que há
um governo que escuta e procura resolver os seus problemas. Cresce, portanto, com este
melhoramento, a responsabilidade das professoras que se devem constituir verdadeiros
atalaias das aspirações do povo, que devem estar sempre em harmonia e na razão direta das
possibilidades do Governo. Esta alegria de hoje, professoras da escola “PEDRO TEIXEIRA”,
compete a vós multiplicá-la com a vossa dedicação apostolar a tudo quanto se prende aos
interesses da escola e dos habitantes. Lembrai-vos de que não sois professores somente
durante as aulas, mas em todas as situações de vossa vida, no meio que vos cerca e em todas
as pulsações de vossa vida da população que vos observa e em vós confia para o norteio por
caminhos mais suaves da existência. Sois agora o traço de ligação entre o povo desse lugar e o
Governo do Território. Quando o governo necessitar de informações seguras sobre os
problemas regionais, recorrerá a vós e quando o povo necessitar de socorro governamental
também a vós recorrerá.
101
Meditais e pensai na vossa responsabilidade, não através do desânimo derrotista dos
vencidos, mas do entusiasmo otimista dos que desejam vencer. Congregai o esforço de todos
pelo bem-estar da escola e da coletividade taianense. Elementos patrióticos e decididos, como
Epitácio Lucena, a quem a Divisão de Educação reitera seus agradecimentos pela valiosa e
inestimável cooperação, hão de vos encorajar e auxiliar na batalha.
Professoras:
Quando penetrardes em vossa escola de taipa construída pelo povo e que o governo irá
mandar melhorar, lembrai-vos sempre de que estais preparando arquitetos construtores de um
prédio suntuoso para um futuro Grupo Escolar, centro de irradiação de um Taiano
progressista, trabalhando pelo engrandecimento do Rio Branco na imperecível grandeza de
um Brasil faustoso.”
102
ANEXO 7
Transcrição da entrevista realizada por Inês Rogélia Dantas Macedo, à Professora
Jacobede Cavalcante de Oliveira, na cidade de Manaus, no dia 1° de abril do ano de
2002.
A decisão política da sua vinda para o Território Federal do Rio Branco
-“Meu esposo era Superintendente do Ensino em Manaus e foi convidado pelo
governador Álvaro Maia para organizar o ensino e o desempenho da Escola em Boa
Vista.”
A cidade de Boa Vista por ocasião da sua chegada
-“Tinha o porto, a rua principal onde era sediada a Prelazia, que foi cedida para
sediar a sede do Governo e das divisões de educação e outras repartições. Tinha a
Av. Jaime Brasil, onde tivemos a primeira escola que foi a Escola “Lobo
D’Almada”, tinha também uma praça chamada de “São Sebastião” salvo engano
com uma capela. Fomos residir numa outra rua onde tinha casas de palha, de taipa e
alvenaria.”
Adaptação no Território
-“A princípio foi muito difícil. Nós levávamos um dinheiro de um amigo nosso em
nossa mala e esse dinheiro foi roubado durante a viagem pela estrada que liga a
cidade porto de Caracaraí à cidade de Boa Vista. O próprio vigia foi quem retirou o
dinheiro. Aliás parte do dinheiro, cerca de trinta mil cruzeiros que pertenciam a
Cícero Barbosa Monteiro, destinado à compra de diamante. A polícia chegou a
acusar meu esposo de haver tirado o dinheiro e o dono do dinheiro retrucou dizendo
que o professor era um homem de Deus e que jamais iria adotar uma atitude como
aquela, mesmo porque ele é meu amigo. Após às investigações policiais na cidade
de Caracaraí, o ladrão foi encontrado e já havia gasto a importância de dois mil
cruzeiros. Todo esse contratempo contribuiu para que a saúde de meu marido,
Professor João Chrisóstomo de Oliveira, ficasse debilitada e eu grávida de dois
meses, perdí o nenêm. No mês de abril meu marido conseguiu alugar uma casa e
comecei a trabalhar fazendo a matrícula dos alunos enquanto meu marido procurava
recrutar uma diretora, função que eu recém formada no magistério, achava-me com
pouco conhecimento para desempenhá-la. Como não houve ninguém que quisesse
103
assumir a função, passei a ser a primeira Diretora do Colégio “Lôbo D’Almada”,
onde comecei a amar as crianças, passando a escola a ser o meu lazer, com
dedicação total. As aulas eram no turno matutino e no vespertino era dedicado à
prática de esportes, sendo o vôlei adotado pelos alunos da 5ª série. Foi um ano e dois
meses de experiência gloriosa.”
Implantação do “Grupo Escolar Lobo D’Almada.
-“Conforme já lhe disse, começamos a fazer as matrículas durante o mês de março e
as aulas começaram em abril com mais de duzentos alunos do primeiro “A”,
primeiro “A” adiantado, primeiro “B”, primeiro “C”, segunda até a quinta séries.
Havia a prática de esportes e eram cantados hinos durante os intervalos. As crianças
marchavam e entravam cantando o hino da Escola “Lobo D’Almada”. Eram muito
disciplinados.
Convívio sócio escolar dos docentes.
-“Excelente, nós éramos muito amigas graças a Deus. Havia muito tolerância, o
ponto não era cortado pelos poucos minutos que às vezes chegavam atrasadas. Umas
freqüentavam as casas das outras. Faziam-se piqueniques na praias do rio Cauamé,
festinhas cívicas, teatro, jogávamos vôlei, etc. Tínhamos uma amiga, a Miss Loyd,
que chegava a levar seu piano para animar as festinhas que as crianças gostavam em
demasia.”
Disciplina escolar.
-“A educação. Contamos com a colaboração da professora Meire Jucá dos Santos,
orientadora pedagógica cujo marido era um militar do exército, muito colaborou
com a sua experiência no campo da pedagogia e prática de ensino. Em três meses as
crianças estavam lendo e escrevendo. Encenava uma festinha de aniversário, para
homenagear os aniversariantes. Aplicou o teste ABC nos professores. Havia um
garoto de uma família importante da cidade, a família Brasil, que se destacava pela
sua inteligência, perspicácia e educação. O convívio era como o de uma família.”
O Território Federal do Rio Branco e o Estado Novo.
“Na época do Estado Novo o Brasil era muito disciplinado. Eu não conheço a região
sul, mas para nós era uma benção, nós éramos muito bem recebidos, o governo
acatava as nossas sugestões. Eu, como uma simples diretora era recebida pelo
104
governador como autoridade e tudo que eu precisava era atendida, como uma vez
nos festejos de 7 de Setembro, solicitei, através de ofício ao Comandante da Guarda
Territorial, apoio para treinar os alunos para o desfile, o que foi feito com muita boa
vontade. Era cantando o Hino Nacional, o sentimento de patriotismo era bem
desenvolvido nas crianças, apesar de estarmos muito longe dos grandes centros.”
O presidente da República.
-“Essa informação eu não posso lhe dar, pois o encontro que eu tinha era com os
pais dos alunos e nós não tratávamos desses assuntos, mas eu creio que todos tinham
muito respeito por Getúlio. Eu sei por causa de Manaus, que aqui em Manaus nós
tínhamos muito respeito, é claro que em política tem uns contra outros a favor. Eu
nunca ouvi falar nada contra ele.”
O Ministério da Educação e Saúde.
-“Bem, na educação era o meu esposo que era o Diretor da Divisão de Educação. O
inspetor estava sempre lá fazendo visita de inspeção. Meu esposo deixava tudo isso
a critério da professora Meire, porque ela era uma pessoa muito capaz, com curso no
INEP, no Rio de Janeiro, durante um ano, e era uma orientadora muito capaz.”
A saúde pública no Território Federal do Rio Branco.
-“Não lembro sobre vacinação, mesmo porque as crianças eram muito saudáveis.
Nós tínhamos a merenda escolar, que era servida por mim numa medida
padronizada.”
A implantação da escola Professor Diomedes Souto Maior.
-“Diomedes era um professor de escola isolada. Muito bom professor, muito capaz,
muito querido, tanto que foi escolhido o nome dele como patrono da Escola
Diomedes Souto Maior. Nós fomos morar nas dependências da Escola, onde havia
uma casa de apoio para professor, face á dificuldade de encontrar casa para alugar.
Lá, a primeira diretora junto com a professora Branca Souza Cruz, que era
professora do primeiro ano.”
105
O governador e o ensino público.
-“Ele dava ampla autoridade ao Diretor de Educação. O Diretor chegou a fundar
escola na fronteira com a Guiana Inglesa, numa localidade chamada de Aparecida,
outra na localidade chamada Taiano. Havia muitas escolas no interior. Havia uma
professora que não era formada, chamada de Waldemarina Normando, mas que era
muito competente.”
Política educacional no Território, no governo de Ene Garcez dos Reis.
“Não estou capaz de lhe informar sobre isso. Só que solicitaram ao governo do
Amazonas e o governador indicou o meu esposo, professor João Chrisóstomo de
Oliveira, um verdadeiro educador, não por ser meu esposo e sim pela sua
competência.”
O Governo Federal e a ocupação das fronteiras.
“Foi desmembrado do Estado do Amazonas o Território de Roraima e o Território
de Guaporé, se eu não estou enganada, por causa do limite da densidade
demográfica, era uma pessoa para vários quilômetros e havia necessidade de povoar
essa área que ficava ao lado da Guiana e da Venezuela.”
A urbanização em Boa Vista.
-A cidade que hoje existe já estava toda planejada. Quando o Capitão Paulo Sóter
da Silveira deixou o governo, deixou também a planta urbana, prevendo o
crescimento da cidade.”
Expansão das escolas públicas.
-“Dado a necessidade de tantas crianças. As escolas isoladas eram poucas. Tinha
uma professora de musica, cujo nome não lembro. A professora Isnau Barbosa de
Andrade, que também tinha uma escola isolada as quais eram custeadas pelo
Governo do Amazonas. Eram escolas pouco desenvolvidas embora com professores
capazes. O professor Diomedes Souto Maior devia ter uma escola um pouco maior.”
106
Comparação da rede escolar de Boa Vista com outros centros.
-“As professoras formadas pelo Instituto de Educação do Amazonas passavam o ano
estagiando dentro de Escolas, privilégio que os professores de Boa Vista não
dispunham.”
O retorno para Manaus.
“Houve a queda do regime de Vargas. Então o governador que foi nomeado para o
Território, não quis que meu esposo ficasse com a educação. Isso por solicitação do
Arcebispo de Belém que havia mandado alguém verificar se estava sendo lecionada
aula de religião, isso porque meu marido era presbítero da Igreja Presbiteriana e eles
não queriam que a educação ficasse em mãos de protestantes. Então o Governador
chamou o meu esposo e disse-lhe que podia escolher qualquer Divisão menos a
educação, e ele disse que só sabia ser um educador e agradeceu. Então retornou a
Manaus, tendo havido uma manifestação muito grande a favor do Professor João. Eu
já havia retornado a Manaus no dia 14 de abril de 1946. No dia 13 despedi-me de
cada aluno pelas costas, de carteira em carteira pois não tinha coragem de olhar no
rosto de cada criança (lágrimas). Não havia aeroporto na cidade e o avião pousava e
decolava de frente à Escola. A professora Branca sabia que eu estava dentro da
aeronave e levou todas as crianças para fora para a despedida. Eu, em prantos, olhei
aquelas crianças, e minha vontade de ficar era imensa, para dar continuidade àquela
obra que iniciei. Meu marido retornou no dia 21 de maio. Retornamos a Boa Vista
no ano de 1976, a convite de um ex-aluno, então Prefeito de Boa Vista, Júlio
Magalhães Martins, onde assisti ao desfile da Escola e fomos homenageados pelo
Secretário de Educação Professor Aldo Gomes.”
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