Download PDF
ads:
PONTIF
´
ICIA UNIVERSIDADE CAT
´
OLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CI
ˆ
ENCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE P
´
OS-GRADUA¸C
˜
AO EM HIST
´
ORIA
Aspectos de organicidade entre formas
discursivas de oposi¸ao veiculadas na
revista Veja nos anos 80
Caren Santos da Silveira
Porto Alegre, agosto de 2003
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIF
´
ICIA UNIVERSIDADE CAT
´
OLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CI
ˆ
ENCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE P
´
OS-GRADUA¸C
˜
AO EM HIST
´
ORIA
Aspectos de organicidade entre formas
discursivas de oposi¸ao veiculadas na
revista Veja nos anos 80
Caren Santos da Silveira
Disserta¸ao apresentada como requisito
parcial e ´ultimo para a obten¸ao do
grau de Mestre em Hist´oria das Socie-
dades Ib´ericas e Americanas, sob orien-
ta¸ao do Professor Doutor Helder Gor-
dim da Silveira.
Porto Alegre, agosto de 2003
ads:
Dedico este trabalho a meus pais,
Dinarte e Sidolar, que, mesmo
distantes na materialidade,
estar˜ao sempre presentes em minha vida,
em minha mente, em meu corao
e em todas as oes por mim praticadas.
Este trabalho ´e dedicado igualmente
a meu marido, Marner,
sem o qual este projeto ao teria
se concretizado, e o sol ao teria
voltado a nascer ap´os um longo
per´ıodo de tempestades.
Agradecimentos
Ao CNPq, pela Bolsa que propiciou as condi¸oes materiais para o
desenvolvimento deste trabalho.
Aos professores do Programa de os-gradua¸ao em Hist´oria desta
Universidade, pela promo¸ao de um espa¸co plural de discuss˜ao que possibilita
o crescimento intelectual de todos os que dele participam.
`
A Carla, pela paciˆencia, competˆencia e amabilidade com que trata
a todos, inclusive aqueles que, como eu, muito a perturbam. Estendo esses
agradecimentos tamb´em a Adriana, Alice e Dona Nerci.
Agrade¸co igualmente aos professores: Maria Cristina dos Santos,
“Tita”, pelas dicas ´uteis, o acesso `as discuss˜oes no campo do discurso, e tam-
b´em pelo trato carinhoso e as brincadeiras de corredor, que fazem as dificulda-
des do cotidiano acadˆemico parecerem mais amenas. Sandra M. L. Brancato,
que forneceu os primeiros passos para um trabalho relacionado aos meios de
comunica¸ao de massa, e tamb´em proporcionou-me a oportunidade de ser ori-
entada pelo professor Helder V. G. da Silveira. Dorivaldo Poletto, pela dispo-
nibiliza¸ao de materiais, a conversa agrad´avel nos intervalos, e as discuss˜oes
intermin´aveis sobre teoria e pol´ıtica.
Agrade¸co tamem aos professores da Universidade Federal de Santa
Maria, Lu´ıs Carlos Bonotto Rodrigues e Maria Medianeira Padoin, que apoi-
aram a id´eia, aqui concretizada, desde quando ela ao passava de um projeto
ainda um tanto indefinido.
Agrade¸co de forma especial `aquele que nada pretendeu me ensinar,
a nenhuma norma preconcebida tentou me reduzir, e que sempre respeitou
minhas opini˜oes e muito me possibilitou descobrir. Falo do Professor Helder
V. G. da Silveira, que orientou este trabalho com extrema competˆencia, co-
ragem e aximo respeito `as poss´ıveis diferen¸cas de perspectivas. E que, para
al´em da fun¸ao institucional, soube compreender as limita¸oes impostas ao
desenvolvimento deste trabalho.
Agrade¸co, tamb´em, a amigos muito especiais que tamb´em ao par-
t´ıcipes desta conquista. Alexandre Stephanou, pela troca de id´eias, mas so-
bretudo pela partilha de experiˆencias. Bruna “Nelves”, pela aten¸ao, as men-
sagens de otimismo, o zelo e a sua amizade. Elementos que, como ela, ao
bastante sint´eticos, mas que podem se traduzir em mensagens infinitas. Car-
los Armani, ao somente a aten¸ao, o desprendimento e as constantes ofertas
de ajuda, mas sobretudo o respeito e a sensibilidade como se dirige `as ques-
oes da alma, e pelas longas conversas que aliviam o esp´ırito. Geraldo Canali,
pela disponibilidade de materiais, mas sobretudo pelos momentos agrad´aveis
e pelas oportunidades de conhecimento por ele proporcionadas. Heliane M
¨
ul-
ler, pelo empr´estimo de materiais e pelas conversas “s´erias”, mas sobretudo
pela aten¸ao pessoal e os momentos agrad´aveis e descontra´ıdos. Hugo Arend,
pela solidariedade em um momento dif´ıcil, aquele abra¸co na hora certa. Jairo,
pela solidariedade e companheirismo. Um homem de poucas palavras, mas de
muitos exemplos. Marcelo Mantovani, pela aten¸ao e o carinho de um her´oi
da vida real, que mesmo com tantas atribula¸oes, sempre encontra uma ma-
neira de lembrar de um amigo e contemplar uma coisa simples, fazendo a vida
parecer mais acil de ser vivida. arcio Biavaschi, pelo carinho e aten¸ao,
a paciˆencia e as horas de conv´ıvio agrad´aveis. Um amigo que faz com que
nunca nos sintamos os. V´era Barroso, pelo carinho e pelo exemplo de quem
nunca perde a coragem, o entusiasmo, o bom humor, nem abre ao de suas
convic¸oes, mesmo nas condi¸oes mais duras da vida ou da profiss˜ao.
Agrade¸co em especial, tamb´em, aos meus sogros, elio e Maria, que
sempre me deram apoio nos momentos dif´ıceis, e muito carinho em todas as
ocasi˜oes.
`
A “Fofa”, Nurilema, que depois de um longo per´ıodo, voltou a fazer
parte mais intensamente de meu cotidiano, o que me deixa muito feliz.
Reporto-me, novamente, a meu marido, Marner, pois independente-
mente de quantas vezes o fizer, ser´a pouco. Agrade¸co ao somente a dedica¸ao
e a competˆencia, sem as quais este trabalho ao teria se concretizado, mas a
todos os momentos em que estivemos e estaremos juntos, crescendo e lutando,
para uma realiza¸ao m´utua.
Refiro-me novamente a meus pais, que me ensinaram, entre tantas
coisas, a ter coragem e a compreender que todo fim ´e um novo come¸co . . .
“N˜ao ´e a hist´oria que usa o homem
para realizar os seus fins;
ao contr´ario . . . ela nada mais ´e
do que a atividade do homem
que persegue seus fins”
Karl Marx
´
E preciso sonhar mas
com a condi¸ao de crer em nosso sonho,
de observar com aten¸ao a vida real,
de confrontar a observa¸ao com nosso sonho,
de realizar escrupulosamente nossas fantasias.
Sonhos, acredite neles”
Lenin
Resumo
Este trabalho consiste em uma interpreta¸ao acerca de imagens dis-
cursivas constitu´ıdas na revista Veja na d´ecada de 80, que se estabeleceram
em oposi¸ao aos governos do per´ıodo de transi¸ao democr´atica no Brasil, aqui
compreendido entre 1979 e 1988. Para proceder esta an´alise, partimos de uma
perspectiva fundada no marxismo de inspira¸ao gramsciana a fim de destacar
a intera¸ao entre diferentes aspectos que, unidos por um sentido discursivo,
estabeleceriam a dire¸ao de um consenso. Nos reportamos para isso `a rela¸ao
entre os aspectos pol´ıticos e econˆomicos desse processo segundo as constru-
¸oes discursivas selecionadas de Veja. Na seq
¨
uˆencia analisamos esses discursos
onde aspectos pol´ıticos apareciam em rela¸ao a elementos de ordem social e
cultural. Por fim, referimo-nos a constru¸oes discursivas onde interpretamos o
estabelecimento de uma rela¸ao no plano discursivo entre a id´eia de redefini¸ao
pol´ıtica no pa´ıs com elementos do contexto internacional.
Abstract
This work consists in an interpretation of discursive images build in
the Veja magazine at the 80’s, which were established in opposition to the go-
vernments of the democratic transition p eriod in Brasil, delimited here between
1979 and 1988. To proceed this analysis, we started from a gramscian-inspired
marxist perspective, in order to remark the interaction between different as-
pects that, linked by a discursive sense, would establish the direction for a
consensus. For that, we reported to the relationship between political and
economic aspects of this process, according to selected discursive constructs
from Veja. Next, we analized these constructs where political aspects appea-
red related to elements of social and cultural order. In the end, we reported to
discursive constructs where we interpreted the estabilishment of a relationship
in the discursive field between the idea of political redefinition in the country
with elements of the international context.
Sum´ario
Introdu¸ao p. 13
1 Cap´ıtulo te´orico p. 17
I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 17
II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 19
III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 21
IV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 28
V . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 34
VI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 36
VII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 40
VIII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 43
IX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 45
2 Cap´ıtulo de contexto p. 49
2.1 Caracteriza¸ao geral do per´ıodo . . . . . . . . . . . . . . . . p. 49
2.2 Breve hist´orico das oposi¸oes no Brasil . . . . . . . . . . . . p. 54
2.3 Uma prop osta de an´alise contextual . . . . . . . . . . . . . . p. 64
3 A rela¸ao de interdependˆencia entre economia e organiza-
¸ao pol´ıtica no Brasil na d´ecada de 80 do s´eculo XX p. 75
3.1 A dissonˆancia entre a pol´ıtica econˆomica e o livre desenvolvi-
mento da economia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 76
3.2 Centraliza¸ao pol´ıtica no Brasil: um pre¸co alto para o pa´ıs e
um algoz `a sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 86
3.3 Governar para o mercado: a alternativa democr´atica . . . . p. 97
4 Cultura, pol´ıtica e sociedade no Brasil dos anos 80 do s´e-
culo XX: um paralelo necess´ario p. 105
4.1 A vanguarda dos exclu´ıdos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 105
4.2 Ideologia, eu ao quero uma pra viver . . . . . . . . . . . . . p. 116
4.3 Vis˜oes de exerc´ıcio p ol´ıtico na sociedade brasileira . . . . . . p. 125
5 Vis˜oes acerca do contexto internacional dos anos 80 do
s´eculo XX e sua rela¸ao com as redefini¸oes pol´ıticas no
Brasil p. 139
5.1 Argentina: um exemplo de democracia a ser seguido? . . . . p. 140
5.2 China: rumo `a abertura capitalista . . . . . . . . . . . . . . p. 146
5.3 URSS: uma liberaliza¸ao lenta, segura e gradual . . . . . . . p. 150
5.4 Imagens discursivas de uma transforma¸ao no ˆambito das id´eiasp. 154
Considera¸oes finais p. 163
Referˆencias p. 168
Referˆencias p. 178
Anexo p. 191
Anexo A Um breve hist´orico de Veja . . . . . . . . . . . . . . . p. 191
Anexo B Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 193
Anexo C Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 194
Anexo D Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 195
Anexo E Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 196
13
Introdu¸ao
O objetivo central do presente trabalho ´e propor uma an´alise acerca
de imagens discursivas constitu´ıdas na revista Veja na d´ecada de 80 do eculo
XX, estabelecidas no plano discursivo como formas de oposi¸ao aos governos
brasileiros nesse per´ıodo de transi¸ao democr´atica.
Em n´ıvel internacional, este foi um per´ıodo de redefini¸ao em termos
pol´ıticos, econˆomicos, sociais e culturais. Nesse processo, um dos elementos
de maior amplitude foi a redefini¸ao ocorrida no sistema capitalista em n´ı-
vel global, na dire¸ao de um capitalismo de mercado ou concorrencial. Um
fenˆomeno que ao se restringiu `a esfera da economia, mas que se configurou
igualmente como uma mudan¸ca ´etica e moral na sociedade, estabelecendo-se
assim tamb´em como uma redefini¸ao no ˆambito das concep¸oes de mundo.
Nesse momento no Brasil, tamb´em ocorria um per´ıodo de redefini-
¸oes na sociedade. Um per´ıodo que delimitamos neste estudo, de 1979, quando
foi revogado o Estado de exce¸ao no pa´ıs, at´e 1988, quando foi promulgada a
nova Constitui¸ao por meio da qual restabeleceu-se legalmente, no pa´ıs, o Es-
tado de direito.
Nesse contexto, destacamos o longo p er´ıodo de transi¸ao `a democra-
14
cia, onde “se foi extinguindo a ditadura militar, redefinindo-se, transformando-
se, transitando para uma democracia sob formas h´ıbridas, mudando de pele
como um camale˜ao muda de cores, numa lenta metamorfose”.
1
O que confi-
gurou um processo que compreendemos a partir da hip´otese interpretativa de
revolu¸ao passiva, como ser´a abordado na seq
¨
uˆencia deste trabalho.
No processo de abertura democr´atica no Brasil, os meios de comu-
nica¸ao de massa foram de grande importˆancia na medida em que, em muitos
deles eram constitu´ıdas imagens de oposi¸ao ao governo ditatorial. E ao de
forma exclusiva ao governo propriamente dito, mas sobretudo em rela¸ao aos
desdobramentos sociais de oes governamentais.
Nesse sentido, os meios de comunica¸ao de massa onde eram veicu-
ladas express˜oes de oposi¸ao ao governo eram um espa¸co de organiza¸ao formal
de elementos da demanda social que at´e enao estariam dispersos na sociedade,
mas que a se mostrariam contr´arios `as pr´aticas autorit´arias do governo.
Nessa perspectiva, reportamo-nos `a revista Veja como um impor-
tante meio de comunica¸ao de massa onde pudemos observar constru¸oes dis-
cursivas onde se expressava a dissonˆancia que estaria ocorrendo entre governo
e sociedade.
Nossa escolha recai esp ecificamente sobre Veja na medida em que
ela atuava como uma das revistas de informa¸ao de maior express˜ao no pa´ıs.
1
REIS Filho, Daniel Aar˜ao. Ditadura militar, esquerdas e sociedade no Brasil. Gramsci
e o Brasil. Dispon´ıvel em <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv148.htm>.
15
Al´em disso tratava-se de uma revista de circula¸ao nacional, onde eram abor-
dados assuntos gerais, perpassados nessa ´epoca por cr´ıticas `a estrutura gover-
namental do pa´ıs.
Em rela¸ao `a estrutura¸ao formal do presente trabalho, destacamos
inicialmente nossa op¸ao por um cap´ıtulo te´orico fundado essencialmente na
perspectiva gramsciana e com base em vis˜oes contemporˆaneas acerca desta
tradi¸ao. No referido cap´ıtulo abordaremos, portanto, um conjunto de cate-
gorias criadas por Gramsci, assim como um contingente de conceitos por ele
ressignificados, os quais constitu´ıram o arcabou¸co te´orico-metodol´ogico desta
an´alise.
No segundo cap´ıtulo deste trabalho operamos uma an´alise em rela-
¸ao ao contexto hist´orico do per´ıodo aqui tomado como delimita¸ao temporal.
Nesse sentido tecemos considera¸oes acerca da conjuntura interna da ´epoca,
onde recuamos em rela¸ao `as duas ecadas que antecederam o corte temporal
aqui referido. Tal manobra foi efetuada com o intuito de diferenciar os setores
de oposi¸ao do per´ıodo de transi¸ao democr´atica, daqueles que atuaram nesse
campo nas d´ecadas de 60 e 70.
Ainda nesse cap´ıtulo, estabelecemos em linhas gerais um panorama
da redefini¸ao do capitalismo que ocorrera nas d´ecadas de 70 e 80 em n´ıvel
mundial. E, em rela¸ao a este aspecto, tra¸camos um paralelo entre a situa¸ao
internacional e o processo de transi¸ao vivido no Brasil nessa ´epoca. Um
paralelo que desenvolvemos com base na hip´otese interpretativa de revolu¸ao
passiva.
16
No terceiro cap´ıtulo deste trabalho destacamos constru¸oes discur-
sivas veiculadas na revista Veja, onde era constitu´ıda a id´eia de dissonˆancia
entre economia e pol´ıtica no pa´ıs.
No quarto cap´ıtulo destacamos as constru¸oes discursivas observa-
das em Veja, estab elecidas em torno da id´eia de incompatibilidade entre a
demanda social e cultural da ´epoca com as pr´aticas advindas do governo, que
seriam estabelecidas de forma autorit´aria sobre estes setores.
No quinto cap´ıtulo nos referimos a imagens discursivas presentes
em Veja, onde as redefini¸oes ocorridas em n´ıvel mundial que se estabeleceriam
no rumo de uma liberaliza¸ao, eram referidas positivamente na revista. Em
rela¸ao a esse aspecto tomamos como referˆencia discursos estabelecidos em
Veja em referˆencia a situa¸oes concretas, bem como em rela¸ao a imagens
constitu´ıdas na revista acerca de transforma¸oes que estariam ent˜ao ocorrendo
no ˆambito de sistemas de organiza¸ao e produ¸ao de conhecimento.
17
1 Cap´ıtulo te´orico
I
Ao definir as bases te´oricas e metodol´ogicas aqui adotadas par-
timos essencialmente do pensamento de Antonio Gramsci, a partir do qual
destacamos a rela¸ao entre economia, ideologia, poder, pol´ıtica e cultura como
elemento fundamental para uma an´alise do campo pol´ıtico. Para isso nos apoi-
amos em conceitos e categorias
1
de an´alise gramscianos, bem como em algumas
interpreta¸oes e discuss˜oes a esse respeito.
Destacamos inicialmente as palavras de Joseph A. Buttigieg:
“as generaliza¸oes ou os conceitos ao est˜ao nunca completos
ou acabados; est˜ao sempre numa rela¸ao fluida, crescente-
mente complexa diante de outras generaliza¸oes ou concei-
tos. Eles visam sempre a combina¸oes sint´eticas diferen-
1
A diferencia¸ao que estabelecemos sob as denomina¸oes de “conceito” e “categoria” foi
elaborada a partir da compreens˜ao de que os conceitos gramscianos correspondem a uma
ressignifica¸ao elaborada p or Gramsci acerca de conceitos a existentes, como hegemonia,
sociedade civil, entre outros. Enquanto que, por categorias gramscianas designamos os
elementos de an´alise criados por Gramsci, como intelectuais orgˆanicos, material ideol´ogico,
etc.
18
tes, sem nunca se fixarem numa s´ıntese definitiva; e reque-
rem sempre um retorno aos elementos particulares, aos frag-
mentos, que conservam sua especificidade hist´orica mesmo
quando induzem a novos conceitos mais complexos, referidos
uns aos outros numa rede de rela¸oes cada vez mais densa,
extensa e mut´avel.”
2
Na perspectiva do autor, portanto, pretende-se aqui destacar a im-
portˆancia da rela¸ao entre o geral e o espec´ıfico na perspectiva gramsciana que
se traduz no car´ater de historicidade dos conceitos.
Reiteramos a posi¸ao de que o pensamento gramsciano se constitui
em uma concep¸ao epistemol´ogica singular no interior da tradi¸ao materialista
a partir da intera¸ao entre teoria e m´etodo. Nessa perspectiva refere Giovanni
Semeraro: “os fatos particulares e a vis˜ao de conjunto se entrelcam cont´ınua e
dialeticamente, permitindo a circula¸ao do emp´ırico ao universal e vice-versa,
sem nunca fechar o c´ırculo ou chegar a uma conclus˜ao definitiva”.
3
Assim,
procuramos esclarecer que os conceitos e as categorias aqui desenvolvidos se
estabeleceram com rela¸ao `a tem´atica deste estudo e `a sua ´area de concentra-
¸ao.
2
BUTTIGIEG, Joseph A. O etodo de gramsci. Educao em foco, Juiz de Fora, v. 5,
n. 2, p. 3–32, set. 2000 fev. 2001.
3
SEMERARO, Giovanni. Anota¸oes para uma teoria do conhecimento em Gramsci.
Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv181.htm>.
19
II
A tem´atica deste estudo se insere no ˆambito da hist´oria pol´ıtica.
Nesse sentido, consideramos relevante tecer algumas considera¸oes sobre a ten-
dˆencia de hist´oria pol´ıtica aqui trabalhada e a sua rela¸ao com o pensamento
gramsciano.
Uma an´alise centrada nos pressupostos epistemol´ogicos gramscia-
nos pressup˜oe um rompimento com a concep¸ao de hist´oria pol´ıtica tradicional.
No entanto, converge com elementos que constituem a perspectiva ampliada
denominada nova hist´oria pol´ıtica, entre os quais destacamos o poder, a pol´ı-
tica, a cultura e a ideologia.
A rela¸ao entre pol´ıtica e poder sempre esteve presente na hist´oria
pol´ıtica desde suas formas mais tradicionais, criando assim, uma esp´ecie de
correspondˆencia entre estes elementos, de modo a “abordar apenas a ‘pol´ıtica’
como se fosse esta a ´unica forma/lugar do poder”.
4
Dentro dessa perspectiva o poder era concebido “como algo inerente
a certos indiv´ıduos e institui¸oes”,
5
mas essa forma de entendimento acerca do
poder evoluiu no ˆambito da nova hist´oria pol´ıtica. A partir dessa perspectiva
tal elemento come¸cou a ser compreendido “[. . . ] como um tipo de ‘rela¸ao so-
4
FALCON, Francisco. Hist´oria e poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; e VAINFAS,
Ronaldo. Dom´ınios da Hist´oria. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 62. Sobre esse tema ver
tamem JULLIARD, Jacques. A p ol´ıtica. In:LE GOFF, J.; e NORA, P. (Orgs.). Hist´oria:
novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 180.
5
Idem, ibidem.
20
cial’ concebida eventualmente como de natureza plural ‘os poderes’,”
6
a que
se passou a reconhecer mais efetivamente nos estudos pertencentes `a esfera da
hist´oria pol´ıtica a imp ortˆancia das manifesta¸oes pol´ıticas e ideol´ogicas num
campo de maior amplitude, ao estando restrito, portanto, `as manifesta¸oes
estritamente institucionais, mas ampliando suas an´alises na dire¸ao da diver-
sidade de elementos que comp˜oem a cena pol´ıtica, como aqueles de natureza
cultural.
Assim, a rela¸ao entre poder e pol´ıtica ampliou-se no sentido de
admitir efetivamente ao campo de an´alise da hist´oria pol´ıtica novos elementos,
entre os quais a cultura e a ideologia.
Ampliou-se assim, o leque de possibilidades tem´aticas e de fontes
consideradas como alidas no campo da hist´oria pol´ıtica. Desse modo, os
fenˆomenos da pol´ıtica puderam ser analisados de uma forma mais dinˆamica e
multilateral, estabelecendo uma nova inteligibilidade acerca desses fenˆomenos.
Dessa forma, observamos uma n´ıtida aproxima¸ao entre a pers-
pectiva da nova hist´oria pol´ıtica e a concep¸ao gramsciana acerca da esfera
pol´ıtica, pois, a partir de ambas o fenˆomeno pol´ıtico ´e compreendido enquanto
a culminˆancia de um processo que se estrutura a partir de rela¸oes de poder
estabelecidas de arias formas e em arias frentes.
6
Idem, ibidem.
21
III
Come¸camos a tecer nossa rede de conceitos e categorias gramscianos
a partir do conceito de bloco hist´orico. ao se trata de uma estrutura¸ao
hier´arquica onde um conceito ou categoria se sobreponha aos demais. Apenas
optamos por destacar como ponto fundamental um conceito a partir do qual
entendemos melhor esclarecer nossa compreens˜ao acerca da tem´atica deste
estudo.
A fim de designar bloco hist´orico, partimos da interpreta¸ao que
compreende sua forma¸ao a partir da existˆencia do v´ınculo orgˆanico que une
infra e sup erestrutura. Como escreve Giovanni Semeraro:
“na dinˆamica da sociedade, de fato, interagem ‘for¸cas materi-
ais’ e movimentos ´etico-pol´ıticos que formam um insepar´avel
‘bloco hist´orico’. Entre estrutura e superestrutura, portanto,
deve haver uma rela¸ao de ‘necess´aria reciprocidade’, onde
´e poss´ıvel ‘socializar a pol´ıtica e a economia’.”
7
Nesse sentido, compreendemos que a rela¸ao referida no trecho
acima destacado, enquanto intera¸ao entre as “for¸cas materiais” e os “movi-
mentos ´etico-pol´ıticos”, pode ser traduzida como a rela¸ao entre os elementos
de natureza estrutural e superestrutural que constitui o v´ınculo orgˆanico a par-
tir do qual se estabelece um determinado bloco hist´orico, no qual, a partir do
marxismo de inspira¸ao gramsciana, as rela¸oes materiais e sociais de produ¸ao
7
SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a sociedade civil: cultura e educa¸ao para a demo-
cracia. 2. ed. Petr´opolis, RJ: Vozes, 1999. p. 152.
22
atuam no sentido de “definir o campo de ao, os horizontes entre os quais os
sujeitos ao delimitados, sem, no entanto, impedir sua liberdade de iniciativa,
suas responsabilidades efetivas e sua verdadeira autonomia.”
8
Trata-se nessa perspectiva, de definir a existˆencia de um espa¸co
9
sobre o qual os sujeitos agem objetiva e subjetivamente. Essa id´eia se es-
tabelece no mesmo sentido da interpreta¸ao de outros analistas gramscianos,
como Michel Debrun, que defende que as for¸cas produtivas ao correspondem
`a “causa” das superestruturas mas p odem ser compreendidas como “o ‘motivo
a partir do qual estas ao elaboradas”.
10
Seria essa, segundo Michel Debrun, a
“proposta de Gramsci” para uma supera¸ao da “aparente contradi¸ao entre o
car´ater ao determinante da infra-estrutura e seu car´ater infra-estrutural”.
11
Hugues Portelli tamb´em manifesta uma posi¸ao semelhante. Ob-
servamos efetivamente tal posicionamento quando o autor reconhece a rela¸ao
entre estrutura e superestrutura como uma rela¸ao dial´etica e orgˆanica entre
dois momentos
12
de igual importˆancia mas de naturezas distintas. Rela¸ao
que caracteriza o momento estrutural como a “base” sobre a qual se “engen-
dra” a superestrutura, o que ao pressup˜oe que o momento superestrutural
8
Idem, ibidem. Ver PORTELLI, Hugues. Gramsci e o bloco hist´orico. Tradu¸ao de
Angelina Peralva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
9
Constru´ıdo tamb´em pelos sujeitos a partir de uma rela¸ao dial´etica de intera¸ao entre
elementos materiais e imateriais num momento anterior do processo hist´orico em quest˜ao.
10
DEBRUN, Michel Maurice. Gramsci: filosofia, pol´ıtica e Bom Senso. Campinas, SP:
Editora da Unicamp; Centro de ogica, Epistemologia e Hist´oria da Ciˆencia, 2001. p. 106.
11
Idem, ibidem.
12
Terminologia utilizada para designar instˆancias distintas que comp˜oem o bloco hist´orico.
Neste caso, os aspectos superestruturais ao referidos como momento superestrutural e os
asp ectos da infra-estrutura como momento estrutural. Para um melhor esclarecimento acerca
desta terminologia, ver PORTELLI, Hughes. Op. cit.
23
seja imediatamente gerado pelo estrutural. a que, segundo Hughes Portelli,
este “pode, inclusive, limitar a evolu¸ao da estrutura”.
13
Como procuramos destacar, a interpreta¸ao que priorizamos acerca
da reciprocidade entre os momentos de um determinado bloco hist´orico ao
obedece a crit´erios r´ıgidos de determina¸ao, mas se estabelece com base nos
limites inerentes `a natureza das diferentes instˆancias que comp˜oem essa rela¸ao.
Atentando, assim, para a importˆancia e relativa autonomia das elabora¸oes de
car´ater superestrutural, mas sem esquecer os aspectos da materialidade que
comp˜oem o seu campo de ao.
14
Nesse sentido refere Leandro Konder:
“para a consciˆencia, o reconhecimento dos limites que seu
movimento, na constru¸ao do conhecimento, ao consegue
ultrapassar ´e um movimento important´ıssimo, decisivo. A
consciˆencia que atinge esse ponto sabe que, ao atingi-lo, che-
gou a um patamar que poder´a lhe permitir futuramente ir
al´em da fronteira. A percep¸ao dos limites ´e um pressu-
posto da capacidade de aspirar no plano ideal a um
avan¸co tendencialmente limitado. Mas a ultrapassagem das
fronteiras ao se a efetivamente no plano ideal: o movi-
mento da consciˆencia, em ´ultima an´alise, depende do movi-
mento concreto, material, dos seres conscientes. O mundo,
na sua espessa materialidade, em sua inesgotabilidade, em
sua irredutibilidade ao saber, imp˜oe barreiras ao processo
do conhecimento.”
15
Esta id´eia vai ao encontro da acep¸ao de Giovanni Semeraro:
13
Idem, ibidem.
14
Sobre a situa¸ao contemporˆanea dos aspectos fundantes desta discuss˜ao cl´assica ver tam-
b´em: WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovao do materialismo
hist´orico. Tradu¸ao de Paulo Cezar Castanheira. ao Paulo: Boitemp o Editorial, 2003.; e
M
´
ESZ
´
AROS, Istv´an. Para al´em do capital: rumo a uma teoria da transi¸ao. Tradu¸ao de
Paulo Cezar Castanheira e ergio Lessa. ao Paulo: Boitempo Editorial, 2002.
15
KONDER, Leandro. Os sofrimentos do homem burguˆes. ao Paulo: Editora SENAC
ao Paulo, 2000. (Livre pensar; 2). p. 100.
24
“a verdadeira compreens˜ao de sua [Gramsci] vis˜ao orgˆanica
e antideterminista deve ser encontrada no ‘conceito de bloco
hist´orico’, que ´e unidade dinˆamica e dial´etica de estrutura
e superestrutura, ‘na qual a prioridade gen´etica cabe `a es-
trutura, mas o primado axiol´ogico pertence `a superestru-
tura’.”
16
Assim, reiteramos que a rela¸ao entre infra e superestrutura sob
a vis˜ao gramsciana aqui desenvolvida, op˜oe-se efetivamente `aquelas que se
ap´oiam em determina¸oes de cunho mecanicista. Tanto `aquelas de natureza
fatalista, em que a segunda ´e vista de forma passiva com rela¸ao `a primeira, en-
quanto uma decorrˆencia natural e imediata desta, como `as que, simplesmente,
invertem a ordem dos fatores imputando `a rela¸ao entre infra e superestrutura
um car´ater voluntarista.
17
Portanto, a perspectiva aqui trabalhada prima pelo reconhecimento
da diferencia¸ao e necess´aria rela¸ao de car´ater rec´ıproco entre os momentos
que constituem o bloco hist´orico. Reconhecendo, portanto, a existˆencia de uma
base material, mas, ao mesmo tempo, destacando a possibilidade de modific´a-
la a partir de oes de natureza ´etico-pol´ıtica, as quais se estabelecem a partir
do reconhecimento da existˆencia das primeiras, gerando assim uma rela¸ao de
intera¸ao entre elas.
Al´em das considera¸oes tecidas a respeito desse v´ınculo orgˆanico,
destacamos tamb´em outros dois de mesma relevˆancia `a compreens˜ao gramsci-
ana que procuramos desenvolver no presente trabalho.
16
SEMERARO, Giovanni. Op. cit., p. 225.
17
Estas considera¸oes ao alidas para os campos de an´alise onde ao considerados estes
elementos.
25
At´e agora nos reportamos `a rela¸ao que constitui o chamado v´ınculo
orgˆanico enquanto uma intera¸ao entre diferentes e interdependentes instˆan-
cias, mas a um outro elemento que o analista que se coloca numa perspectiva
convergente com o pensamento gramsciano ao deve negligenciar. Trata-se
do papel desempenhado pelo sujeito na constru¸ao, manuten¸ao ou reordena-
mento dos elementos de um determinado bloco hist´orico e a sua posi¸ao ativa
na rela¸ao que se traduz no v´ınculo orgˆanico.
O papel do sujeito ser´a retomado no decorrer deste cap´ıtulo. Por-
tanto, o que se faz necess´ario neste momento ´e somente referi-lo como o agente
respons´avel pelo movimento dial´etico que constitui o bloco hist´orico, a que ´e
a partir de sua ao e pensamento que se efetivam muitas das modifica¸oes,
tanto no ˆambito da estrutura como da superestrutura.
Assim, a partir de nossa perspectiva de an´alise, ao ´e vi´avel atribuir
o papel de sujeito ativo no processo social e hist´orico `as id´eias ou `a estrutura,
as quais se constituem, segundo nossa perspectiva te´orica, em elementos de
elabora¸ao humana que se manifestam de forma material e imaterial.
Compreendemos, portanto, que a efetivao da intera¸ao dial´etica
entre os momentos infra e superestrutural depende da ao do sujeito e do
estabelecimento das media¸oes por ele constru´ıdas. Na perspectiva grams-
ciana aqui desenvolvida, os momentos do bloco hist´orico e as media¸oes a
eles relativas ao elementos criados pelo ser social que a partir da perspectiva
aqui delineada, as oes desses sujeitos, desde o processo de constru¸ao e di-
fus˜ao das formas de media¸ao at´e seus atos pol´ıticos, ao ao determinadas
mecanicamente. Pois como infere Leandro Konder quando em referˆencia `a
26
perspectiva gramsciana, “o sujeito humano existe intervindo no mundo, sendo
constitu´ıdo pelo movimento da hist´oria e, simultaneamente, constituindo esse
movimento”.
18
Al´em dos dois elementos referidos como fundamentais `a concep-
¸ao gramsciana que buscamos desenvolver, destacamos um terceiro: a histo-
ricidade. Assim como o v´ınculo orgˆanico e o papel do sujeito, o car´ater de
historicidade ocupa um lugar de fundamental importˆancia na epistemologia
gramsciana, e assim tamb´em na an´alise que desenvolvemos acerca da tem´atica
deste estudo.
Como a mencionamos anteriormente, na sua constru¸ao te´orica
Gramsci ressignificou conceitos e construiu novas categorias de an´alise. Obvi-
amente, o autor de tais elementos ´e oriundo de um espa¸co f´ısico e temporal es-
pec´ıfico. Para al´em disso, Gramsci direcionou a sua produ¸ao em fun¸ao desse
tempo e espa¸co, a partir do qual teceu suas concep¸oes te´oricas. Nesse sentido,
fica claro para o analista contemporˆaneo que o arcabou¸co te´orico gramsciano
foi constru´ıdo no sentido de estabelecer uma compreens˜ao acerca de um pro-
cesso hist´orico espec´ıfico.
Nessa perspectiva refere Leandro Konder:
“[. . . ] Gramsci ao abandonava, em momento algum, sua
convic¸ao de que as representa¸oes, as id´eias, as formas da
sensibilidade, os preconceitos, as supersti¸oes, mas tamem
18
KONDER, Leandro. A quest˜ao da ideologia. ao Paulo: Companhia das Letras, 2002.
p. 109.
27
os sistemas filos´oficos e as teorias cient´ıficas precisavam sem-
pre ser pensados historicamente [. . . ]”
19
Leandro Konder atenta tamb´em para que em uma perspectiva grams-
ciana,
“as representa¸oes ao se deixam reduzir `as condi¸oes em
que se encontravam seus criadores no momento em que as
criaram. E tamem ao devem ser consideradas imut´aveis
na forma que assumiram na cabe¸ca das pessoas que as ado-
taram.”
20
Sob essa perspectiva destacamos a ideologia
21
enquanto id´eia-for¸ca
na poss´ıvel constru¸ao, manuten¸ao ou reestrutura¸ao de um determinado
bloco hist´orico, como veremos mais adiante, em um processo de revolu¸ao
passiva. E nesse contexto o papel dos sujeitos como agentes desse processo
enquanto produtores, difusores ou interlocutores das formas ideol´ogicas.
22
19
Idem, ibidem.
20
Idem, ibidem.
21
A ideologia ´e compreendida neste estudo essencialmente a partir de suas formas mate-
riais, no caso as fontes aqui analisadas.
22
Embora reconhe¸camos a existˆencia de todas essas variantes em rela¸ao ao papel da
ideologia e dos sujeitos, enfatizamos o processo referente `a reestrutura¸ao do bloco hist´o-
rico vigente. O que ´e destacado neste estudo a partir da hip´otese interpretativa de revo-
lu¸ao passiva, que compreende em linhas gerais um processo de reordenamento entre os
elementos do bloco hist´orico a partir de iniciativas tomadas pelo alto ou, em outras pa-
lavras, a partir das oes de uma elite pol´ıtica. Configurando, assim, um processo que
p ode ser compreendido tamb´em como uma manifesta¸ao de transformismo, em que as
elites pol´ıticas atuam como agentes deste processo, redirecionando seus interesses e for-
mas de ao, capitalizando e ao mesmo tempo adaptando-se `as transforma¸oes ocorridas
no bloco hist´orico a partir de um processo de revolu¸ao passiva. Sobre isso ver FLO-
RENZANO, Modesto. A revolu¸ao passiva. Gramsci e o Brasil, 2002. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv211.htm>.; SIMIONATTO, Ivete. O social e o
p ol´ıtico no pensamento de Gramsci. In: AGGIO, Alberto. Gramsci: a vitalidade de um
p ensamento. ao Paulo: Funda¸ao Editora da UNESP, 1998.; e VIANNA, Luiz Werneck.
Caminhos e descaminhos da revolu¸ao passiva `a brasileira. Idem, ibidem.
28
IV
Utilizamos aqui o conceito de ideologia a partir da acep¸ao de
Gramsci que a define de um modo geral como“uma concep¸ao de mundo que se
manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econˆomica, em todas
as manifesta¸oes da vida individual e coletiva”. Destacamos em nosso estudo o
papel das ideologias em sentido orgˆanico, nas palavras de Gramsci as ideologias
“historicamente necess´arias” ou “necess´arias a uma certa estrutura”.
23
A ressignifica¸ao gramsciana do conceito de ideologia ao opera no
sentido de construir uma defini¸ao ´unica acerca do termo. Pois como aponta
Giovanni Semeraro no “l´exico pol´ıtico de Gramsci, o conceito de ideologia ao
´e un´ıvoco”,
24
a que a sua significa¸ao ´e historicamente determinada. Nesse
sentido as ideologias orgˆanicas podem agir enquanto legitimadoras mediatas
da estrutura e/ou como modificadoras ativas desta.
Portanto, em Gramsci mesmo que se reconhe¸ca que a ideologia no
sentido orgˆanico mantenha necessariamente uma rela¸ao com a estrutura, a
natureza, as formas dessa rela¸ao e o papel nela exercido pela ideologia ´e
determinado pela historicidade e pelos agentes desse processo.
Assim, Gramsci reconhece a rela¸ao entre estrutura e ideologia
como condi¸ao sine qua non para a existˆencia da segunda no sentido orgˆa-
23
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: L&PM, 1981.
p. 228.
24
SEMERARO, Giovanni. O etodo de Gramsci. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv144.htm>.
29
nico. E ainda reconhece que as ideologias orgˆanicas ‘organizam’ as massas
humanas, formam o terreno no qual os homens se movimentam, adquirem cons-
ciˆencia de sua posi¸ao, lutam, etc . . .
25
Em se tratando de ideologia no sentido
orgˆanico, essa organiza¸ao que possibilita a tomada de consciˆencia do homem
pode suscitar oes tanto convergentes como divergentes com o movimento da
estrutura orgˆanica ao bloco dominante.
Nesse sentido, a ideologia se estabelece enquanto uma id´eia-for¸ca,
com a mesma capacidade de uma for¸ca material, capaz de agir ativamente por
interm´edio da ao das for¸cas humanas sobre os demais elementos do bloco
hist´orico, inclusive sobre a estrutura,
26
podendo assim a ideologia ser elaborada
pelas for¸cas humanas tanto no sentido de legitima¸ao como de oposi¸ao ao
movimento dessa estrutura.
Nesse sentido, condicionando a validade das ideologias orgˆanicas `a
ao das for¸cas humanas e `a sua capacidade de elabora¸ao, a acep¸ao grams-
ciana rompe com a id´eia de reflexo imediato, pois a partir dessa perspectiva,
mesmo que em determinadas condi¸oes sociais e hist´oricas a ideologia desem-
penhe o papel de legitimadora das tendˆencias da estrutura, isto se dar´a de
forma mediada pelas elabora¸oes criadas pelos agentes do processo analisado.
Se o papel desempenhado pela ideologia num determinado contexto
25
COUTINHO, Carlos Nelson. Op. cit., p. 229.
26
Fazemos referˆencia como estrutura orgˆanica ao bloco dominante a estrutura material
p eculiar ao bloco hist´orico em funcionamento, mas como abordamos o conceito de ideologia
relativo a um per´ıodo de transi¸ao nos reportamos tamb´em `a estrutura do bloco hist´orico
reestruturado em oposi¸ao `aquele em vigˆencia.
30
for de oposi¸ao `as tendˆencias estruturais no sentido de suscitar oes pol´ıticas
que possam modific´a-la, tamb´em ser´a a partir da elabora¸ao humana.
27
Nesse
sentido, o pensamento gramsciano se op˜oe `as interpreta¸oes que cristalizam
a ideologia como apenas uma id´eia, uma mera manifesta¸ao superestrutural
que se encerra no campo das id´eias, mas busca explor´a-la sobretudo a partir
da sua materialidade, que compreende desde as suas formas materializadas
no aspecto f´ısico, como jornais, livros, obras de arte, etc, at´e aquelas que se
materializam no sentido de expressar concep¸oes de mundo a partir das oes
pol´ıticas, sociais e culturais dos sujeitos na esfera social em que est˜ao inseridos.
´
E o caso de algumas manifesta¸oes no campo da pol´ıtica, da moral, da ´etica,
entre outros.
Por isso em Gramsci a ideologia ´e concebida como “um fato his-
orico”, e ao como um simples “reflexo” da estrutura ou como pura “ilus˜ao”
voluntarista, pois ´e elaborada, difundida e reelaborada por, e para, sujeitos
pertencentes a forma¸oes sociais e hist´oricas espec´ıficas. Dessa forma a acep-
¸ao gramsciana de ideologia se estabelece a partir de uma perspectiva dial´etica
onde permanece a objetividade da base material e ao ´e negada a capacidade
de elabora¸ao humana.
Uma concep¸ao dial´etica que, como destaca Giovanni Semeraro,
ao pode ser banalizada como “movimento ‘bipolar’ que converge para tirar
27
A rela¸ao necess´aria entre a ideologia e as tendˆencias da estrutura ´e valida segundo a
p erspectiva gramsciana com rela¸ao `as ideologias orgˆanicas. Forma sob a qual ´e trabalhado
o termo neste estudo, embora reconhe¸camos a existˆencia de ideologias que ao manem uma
necess´aria rela¸ao com a estrutura.
31
uma edia conciliadora de pontos positivos e negativos”,
28
mas a que ser
interpretada como uma elabora¸ao que refuta as interpreta¸oes que atribuem
ao sujeito um car´ater passivo diante das estruturas, bem como `aquelas de
cunho voluntarista que compreendem a dimens˜ao subjetiva meramente como
uma elab ora¸ao constru´ıda e aplicada somente no ˆambito das id´eias.
Ainda, a forma dial´etica como ´e compreendida a ideologia na con-
cep¸ao gramsciana ao implica que os pap´eis de legitimador e modificador que
ela pode assumir sejam antagˆonicos, mas eles tamb´em podem ser orgˆanicos
entre si. Isso ser´a determinado pelo tipo de forma¸ao social e hist´orica a que
o conceito for relacionado.
No caso deste estudo que compreende um per´ıodo de transi¸ao, a
ideologia ´e abordada enquanto uma for¸ca legitimadora e modificadora, pois
com rela¸ao `a forma¸ao social e hist´orica aqui analisada estas fun¸oes ao
simultˆaneas e complementares, a que as formas ideol´ogicas que constituem o
corpus documental de nossa an´alise se estabelecem enquanto elementos de opo-
si¸ao `a estrutura¸ao pol´ıtica do bloco hist´orico vigente. Mas, simultaneamente,
ao convergentes aos aspectos econˆomicos e culturais que tendiam a reorientar
os elementos desse bloco hist´orico em um processo de revolu¸ao passiva.
29
Portanto, nesse caso, a ideologia age simultaneamente como legiti-
28
SEMERARO, Giovanni. Anota¸oes para uma teoria do conhecimento em Gramsci. Op.
cit. Sobre esse tema ver tamb´em KOSIK, Karel. Dial´etica do concreto. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1976.
29
O que ao significa que todas as manifesta¸oes da ideologia possam ser circunscritas a
esse circuito.
32
madora e como modificadora com rela¸ao a elementos diferentes. Pois nesse
sentido a ideologia age em ´ultima an´alise “como uma for¸ca amalgamadora e
constitutiva de subjetividades pol´ıticas”,
30
a que, tanto no sentido legitimador
como modificador, ela se estabelece enquanto v´ınculo orgˆanico entre as instˆan-
cias que comp˜oem a realidade social `a qual ela se refere e, nesse contexto, as
manifesta¸oes relativas ao campo da pol´ıtica assumem um papel de destaque.
Assim, a ideologia em Gramsci torna-se uma id´eia-for¸ca capaz in-
clusive de agir sobre os movimentos da estrutura. Essa id´eia ´e refor¸cada pela
cr´ıtica que Gramsci faz `as interpreta¸oes que conferem `a ideologia um sen-
tido passivo e/ou pejorativo. Segundo a cr´ıtica de Gramsci, a partir de tais
interpreta¸oes:
“1. identifica-se a ideologia como distinta da estrutura e se
afirma que ao ao as ideologias que modificam a estrutura,
mas vice-versa; 2. afirma-se que uma certa solu¸ao pol´ıtica
´e ‘ideol´ogica’, ou seja, ´e insuficiente para mudar a estrutura;
e, na medida em que se acredita poder mud´a-la, afirma-se
que ela ´e in´util, est´upida, etc; 3. passa-se a afirmar que toda
ideologia ´e ‘pura’ aparˆencia, in´util, est´upida, etc.”
31
Assim, em oposi¸ao ao primeiro item, Gramsci reitera a rela¸ao ne-
cess´aria entre estrutura e ideologia, ao mesmo tempo em que destaca o car´ater
ativo da segunda sobre a primeira, refutando assim as interpreta¸oes de cunho
naturalista que abordam a ideologia exclusivamente como uma forma passiva
derivada da estrutura.
30
MORAES, enis de. Notas sobre o imagin´ario social e hegemonia cultural. Gramsci e
o Brasil. Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv44.htm>.
31
COUTINHO, Carlos Nelson. Op. cit., p. 228–229.
33
Com rela¸ao ao segundo aspecto, ´e clara a oposi¸ao de Gramsci `as
an´alises que negam que as solu¸oes pol´ıticas ou ideol´ogicas ao ao suficien-
tes para operar modifica¸oes estruturais. Por fim, em cr´ıtica `as acep¸oes que
compreendem a ideologia enquanto “pura” aparˆencia, as palavras de Gramsci
nos remetem `a id´eia de que a ideologia ao deve ser interpretada enquanto um
“ato puro” , compreendido enquanto “puro pensamento, esquema gnosiol´ogico
abstrato que ‘cria’ idealisticamente as coisas e os fatos”,
32
mas sim como um
“ato impuro”, no sentido de uma “atividade concreta, hist´orica, fundada em
rela¸oes abertas, dinˆamicas, dial´eticas do homem com a natureza, da vontade
humana com as estruturas econˆomicas, dos projetos pol´ıticos com as cristaliza-
¸oes culturais”,
33
como ´e o caso da forma de ideologia representada por nosso
objeto.
Portanto, a acep¸ao gramsciana que remete `a validade das ideolo-
gias, destaca sobretudo o seu car´ater ativo e de relativa autonomia com rela¸ao
ao desenvolvimento ou ao das tendˆencias observadas no ˆambito da estrutura.
O que ao pressup˜oe a sua personifica¸ao enquanto o agente desse processo,
pois manifesta a posi¸ao de que as ideologias tˆem um poder ativo no seio do
bloco hist´orico, mas tamb´em reconhece que elas ao agem por si e em si. Mas
elas ao criadas, sistematizadas, decodificadas, mediadas e postas em pr´atica
por um conjunto de atores sociais. Assim destacamos na seq
¨
uˆencia o papel dos
intelectuais com rela¸ao `a ideologia.
32
SEMERARO, Giovanni. Anota¸oes para uma teoria do conhecimento em Gramsci. Op.
cit.
33
Idem,ibidem.
34
V
ao desenvolvemos efetivamente o car´ater de recep¸ao, ou os modos
de apropria¸ao das formas ideol´ogicas exploradas em nosso estudo. O que ao
significa que, com rela¸ao ao objeto aqui abordado, o papel do sujeito ao seja
de alguma forma referido, pois em nossa concep¸ao ele ao ´e restrito `aquele que
interage com a ideologia a partir de suas formas de difus˜ao a materializadas,
mas ´e tamem aquele que a organiza no interior do bloco hist´orico, que a
cria e difunde em suas diversas formas. Nesse sentido, destacamos o papel dos
intelectuais enquanto o grupo que cria, sistematiza e difunde uma determinada
concep¸ao de mundo. Ou, como define Jos´e Lu´ıs Bendicho Beired:
“enquanto categoria social de ‘conservao’ e de ‘transforma-
¸ao’ da ordem vigente. Para Gramsci, o intelectual ´e uma
figura que tanto pode agir para a transforma¸ao da socie-
dade quanto para a sua reprodu¸ao.”
34
Gramsci atribuiu um alto grau de importˆancia ao papel dos inte-
lectuais no seio do bloco hist´orico, tendo em vista que eles exercem o v´ınculo
orgˆanico que une infra e superestrutura, desempenhando portanto o papel de
mediadores, ou construtores das media¸oes entre as referidas instˆancias, invi-
abilizando assim uma compreens˜ao mecˆanica e imediata entre infra e superes-
trutura.
´
E nesse sentido que destacamos em nosso estudo essa categoria:
34
BEIRED, Jos´e Lu´ıs Bendicho. A fun¸ao social dos intelectuais. In: AGGIO, Alberto.
Op. cit., p. 122.
35
quanto ao papel que os intelectuais exercem no interior do bloco hist´orico.
Uma fun¸ao que est´a intimamente ligada `a representa¸ao de determinados
interesses, hegemˆonicos ou ao, mas que ao mesmo tempo goza de relativa
autonomia. Pois como destaca Gramsci: “a rela¸ao entre os intelectuais e o
mundo da produ¸ao ao ´e imediata, [. . . ] e sim ‘mediata’ em graus diversos, por
interm´edio de toda a trama social, do complexo das superestruturas”.
35
Pois
mesmo que represente os interesses de uma determinada classe “o intelectual
ao ´e o agente passivo da classe que representa”.
36
A rela¸ao entre media¸ao e relativa autonomia dos intelectuais tam-
b´em se reporta ao car´ater dominante que estes podem assumir na articula¸ao
interna do bloco hist´orico. Nesse sentido Hughes Portelli afirma que “[. . . ] cer-
tas iniciativas desses intelectuais podem ao corresponder momentaneamente
`a evolu¸ao geral da estrutura ocio-econˆomica do bloco hist´orico”.
37
E destaca
ainda a possibilidade de ruptura dos intelectuais com a estrutura. Onde “[. . . ]
o corte entre intelectuais e estrutura pode ao ser momenaneo: a evolu¸ao da
estrutura pode, inclusive, ser retardada, ou at´e detida, por uma evolu¸ao mais
lenta dos intelectuais [. . . ]”.
38
O papel dos intelectuais mant´em fundamental liga¸ao com o con-
ceito gramsciano de hegemonia que utilizamos em nossa an´alise, pois a fun¸ao
de media¸ao por eles desempenhada, quando em sentido orgˆanico, se estabelece
na dire¸ao de uma constru¸ao hegemˆonica.
35
PORTELLI, Hughes. Op. cit., p. 111
36
Idem, ibidem.
37
Idem, ibidem.
38
Idem, ibidem.
36
VI
Utilizamos neste estudo a acep¸ao gramsciana de hegemonia, que
confere ao termo o significado em ´ultima an´alise de “dire¸ao intelectual e mo-
ral”,
39
a partir da qual grande parte das for¸cas humanas se manifesta social,
cultural e politicamente, onde os seus atos pol´ıticos representam a culminˆancia
dessa constru¸ao hegemˆonica, mas ao a sua ´unica manifesta¸ao. Pois como
destaca Luciano Gruppi: “a hegemonia, portanto, ao ´e apenas pol´ıtica, mas
´e tamb´em um fato cultural, moral, de concep¸ao de mundo”.
40
Em rela¸ao `a forma¸ao social e hist´orica analisada, compreendemos
uma forma hegemˆonica constru´ıda predominantemente pelo consenso enquanto
manifesta¸ao ativa constru´ıda“livremente”
41
pelos homens a partir de seus inte-
resses, particulares e/ou coletivos, e de sua interpreta¸ao frente `as elabora¸oes
sociais, pol´ıticas, econˆomicas e culturais que expressam uma determinada vis˜ao
de mundo.
Nesse sentido, conforme a maneira como as for¸cas humanas intera-
gem com os est´ımulos hegemˆonicos de uma determinada vis˜ao de mundo, esta
pode vir a se tornar dominante ou hegemˆonica.
42
Dessa forma, o consenso ao
39
GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. Tradu¸ao de Carlos Nelson
Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Edi¸oes Graal, 1980. Sobre hegemonia cultural ver
MORAES, enis de. Notas sobre o imagin´ario social e hegemonia cultural. Op. cit.
40
Op. cit.
41
Este termo ´e aplicado aqui em rela¸ao `a dicotomia consenso/coer¸ao. Onde a primeira
manifesta uma forma de hegemonia que ´e constru´ıda “de baixo para cima” atrav´es da s´ıntese
entre o que ´e posto e o que ´e elaborado pelos sujeitos em cima desses elementos. E a segunda
´e institucionalizada “de cima para baixo” e consolidada a partir da for¸ca.
42
Quando uma vis˜ao de mundo vem a se tornar hegemˆonica, ao quer dizer que ela tenha se
37
pode ser reduzido a uma maneira passiva de aceita¸ao de uma determinada
vis˜ao de mundo, a que se estabelece de forma ativa pelo sujeito.
Vale destacar ainda que os elementos que estimulam a constru¸ao
do consenso e da hegemonia ao em grande parte eficazes porque se constituem
a partir do que se encontra disperso no senso comum, ou seja, de elementos
de vontade e de necessidade dos sujeitos que interagem com essas elabora-
¸oes. Estabelecendo-se assim como um processo efetivado pelos agentes do que
Gramsci convencionou chamar de “bom senso” com base nos elementos disper-
sos no “senso comum”.
43
Assim, as constru¸oes que se estabelecem enquanto
elementos constitutivos de um aparato hegemˆonico se manifestam empirica-
mente a partir de formas de cultura material com forte repercuss˜ao simb´olica
na sociedade. Inclusive no que se refere `as atitudes tomadas no campo pol´ıtico
no ˆambito da sociedade civil.
Nesse sentido, destacamos em nosso estudo os meios de comunica-
¸ao de massa, analisados aqui, em rela¸ao a um p er´ıodo de redefini¸ao hegemˆo-
tornado homogˆenea ou mesmo ´unica. Pois como infere Giovanni Semeraro ´e “nas diferen¸cas
e nos conflitos que estes [os sujeitos sociais] chegam a construir um consenso ativo e uma
hegemonia, cuja estabilidade depende constantemente da avalia¸ao e da aprovao cont´ınua
da sociedade”. SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a sociedade civil. Op. cit.
43
Com rela¸ao `a acep¸ao gramsciana de “senso comum” vale destacar as palavras de Lean-
dro Konder que atenta para que: “pesa sobre os uma tradi¸ao negativa, que se fortaleceu
muito ao longo dos eculos XVII e XVIII, segundo a qual o ‘senso comum’ ´e deposit´ario de
tesouros de sabedoria. Gramsci admitia que o ‘senso comum’ possu´ıa um caro¸co de ‘bom
senso’, a partir do qual poderia desenvolver o esp´ırito cr´ıtico. Advertia, contudo, para o risco
de uma superestima¸ao do ‘senso comum’, cujos horizontes, afinal, ao muito limitados. O
‘senso comum’ ´e, em si mesmo, difuso e incoerente”. KONDER, Leandro. A quest˜ao da
ideologia. Op. cit. Destacamos ainda que ´e em rela¸ao a essa id´eia que abordamos em nossa
an´alise o sentido da express˜ao “bom senso” enquanto a forma sistematizada e reelaborada
dos elementos dispersos no que caracterizamos anteriormente como “senso comum”. Note-se
que este processo ´e efetivado em ´ultima an´alise pela categoria dos intelectuais.
38
nica, enquanto “lugares de produ¸ao de estrat´egias que objetivam reformular o
processo social”.
44
Vale destacar nesse sentido que, a partir de uma concep¸ao
gramsciana, os meios de comunica¸ao de massa e as formas simolicas que eles
veiculam ao se estabelecem enquanto os agentes do processo de constru¸ao
hegemˆonicas, mas ao o ve´ıculo e a forma como ele se apresenta.
Portanto, compreendemos a hip´otese de que os meios de comuni-
ca¸ao se estabelecem no processo de constru¸ao e consolida¸ao hegemˆonica
como lugares de produ¸ao e ve´ıculos de difus˜ao das constru¸oes simolicas que
estimulam
45
a elabora¸ao das for¸cas humanas em uma determinada dire¸ao.
Contrariando, portanto, as interpreta¸oes que se referem ao papel desses ele-
mentos enquanto forjadores, formadores, ou simplesmente manipuladores de
uma opini˜ao p´ublica.
A hegemonia traduz-se portanto como o direcionamento da ideolo-
gia dominante,
46
organizada a enquanto uma concep¸ao de mundo e ao mais
dilu´ıda nas instˆancias que comp˜oem o blo co hist´orico. E ´e enquanto dire¸ao que
a hegemonia, desenvolvida no seio da sociedade civil, se diferencia do dom´ınio
exercido pela sociedade pol´ıtica. Estabelecendo-se consensualmente enquanto
elemento pertencente ao ˆambito da sociedade civil e difundida a partir de or-
ganismos privados e volunarios,
47
como ´e o caso da revista Veja, objeto do
44
MORAES, enis de. Op. cit.
45
Utilizamos esta express˜ao na mesma dire¸ao do termo “motivo” como ´e interpretado por
Michel Debrun, o qual a foi abordado neste cap´ıtulo, que ao pressup˜oe uma necess´aria
correspondˆencia entre est´ımulo e ao.
46
Ou a se tornar dominante, que ao representa necessariamente o grupo dirigente quando
relativa a um momento de choque ou de crise de hegemonia, como ´e o caso do per´ıodo de
transi¸ao referente `a tem´atica deste estudo.
47
Estes elementos tamb´em podem ser referidos como “aparelhos privados de hegemonia”,
39
presente estudo.
Portanto, enquanto uma nova concep¸ao de mundo, a hegemonia
orienta oes pol´ıticas fundamentais no processo de desarticula¸ao e redefini¸ao
de um determinado bloco hist´orico, das quais se reconhece a possibilidade de
repercuss˜ao inclusive no plano das estruturas. Nesse sentido vale lembrar que o
tipo de forma¸ao hegemˆonica, bem como o grau de efic´acia das oes pol´ıticas a
partir delas orientadas, ao relativos `a forma¸ao hist´orica concreta da sociedade
a ser analisada, podendo ser detectadas a partir do estudo de forma¸oes sociais
e hist´oricas espec´ıficas.
A hegemonia possui, portanto, dois aspectos historicamente deter-
minados: o tipo de forma¸ao e o grau de efic´acia das oes pol´ıticas a partir
dela orientadas. Nesse sentido ´e importante destacar que nosso estudo se de-
senvolve com ˆenfase no primeiro, onde ´e explorada a rela¸ao entre um ve´ıculo de
comunica¸ao de massa e a poss´ıvel constru¸ao de hegemonia em uma forma¸ao
social e hist´orica espec´ıfica. Estabelecemos esta an´alise em rela¸ao `as fontes
que constituem o corpus documental deste trabalho, as quais ao produzidas e
difundidas no ˆambito dos meios de comunica¸ao de massa.
Nesse sentido, destacamos a partir das palavras de Dˆenis de Moraes
a rela¸ao entre os meios de comunica¸ao de massa e a perspectiva gramsciana
frente ao processo de constru¸ao de hegemonia:
que correspondem a ve´ıculos transmissores de formas ideol´ogicas que ao manem v´ınculo
direto com o Estado.
40
“a not´avel contribui¸ao de Gramsci sobre o embate pela he-
gemonia no seio da sociedade civil– a partir da sua teoria
marxista ampliada do Estado permite-nos meditar sobre o
desempenho dos meios de comunica¸ao. Devemos analis´a-los
ao apenas como suportes ideol´ogicos dos sistemas hegemˆo-
nicos de pensamento, mas tamb´em como lugares de pro-
du¸ao de estrat´egias que objetivam reformular o pro cesso
social.”
48
E o que ´e fundamental:
“os aparatos medi´aticos ao operam ‘full time’ para masca-
rar fatos ou distorcˆe-los. Seria menosprezar a percep¸ao da
audiˆencia e desconhecer as exigˆencias da febril concorrˆencia
no mercado da comunica¸ao.
´
E evidente que nem tudo o que
se divulga est´a contaminado pelas injun¸oes de uma malha
ideol´ogica r´ıgida a ponto de fraudar a vida afinal complexa
e diversificada.”
49
Ainda assim, os meios de comunica¸ao de massa ao elementos es-
senciais no processo que Gramsci denominou “guerra de posi¸ao”.
50
VII
Os ve´ıculos de comunica¸ao de massa ao tamb´em compreendidos
em termos gramscianos a partir da categoria de material ideol´ogico que, no sen-
tido gramsciano, ´e “a organiza¸ao material destinada a manter, a defender e a
48
Idem, ibidem.
49
Idem, ibidem.
50
Como guerra de posi¸ao compreende-se o processo de luta pela hegemonia no seio do
bloco hist´orico, que se a por meio de um embate entre estrat´egias de persuas˜ao ao consenso.
Sobre isso ver COUTINHO, Carlos Nelson. Op. cit. p. 201; GRUPPI, Luciano. Op. cit.; e
PORTELLI, Hughes. Op. cit.
41
desenvolver a ‘frente’ te´orica ou ideol´ogica”.
51
Ou como define Hughes Portelli
ao “meios de difus˜ao da ideologia”.
52
Estes que compreendemos simultane-
amente como formas materiais assumidas pela ideologia que se estabelecem,
como a destacamos atraes das palavras de Dˆenis de Moraes, como “lugares de
produ¸ao de estrat´egias que objetivam reformular o processo social”.
53
Assim,
os materiais produzidos na esfera dos meios de comunica¸ao de massa pos-
suem, em sua maioria, um teor ideol´ogico, o qual, quando no sentido orgˆanico,
caracteriza o seu papel no processo de constru¸ao hegemˆonica.
Nesse sentido, Gramsci destaca a imprensa enquanto “a parte mais
not´avel e dinˆamica dessa organiza¸ao”,
54
por sua destacada influˆencia no pro-
cesso de constru¸ao de hegemonia atrav´es de seu papel na constru¸ao do con-
senso no ˆambito das sociedades contemporˆaneas. Destacamos, portanto, que,
a constru¸ao do consenso que legitima uma determinada concep¸ao de mundo
ao ocorre mecanicamente.
Nesse sentido destacamos o material ideol´ogico enquanto um est´ı-
mulo objetivo que permite ao sujeito construir elabora¸oes subjetivas acerca da
concep¸ao de mundo a que a constru¸ao simolica se remete. E que essas ela-
bora¸oes ao norteadas p or um princ´ıpio de relativa autonomia, a que podem
desencadear oes no sentido proposto pelo est´ımulo, numa dire¸ao oposta ou
simplesmente dissonante dele, pois, segundo a posi¸ao que procuramos explici-
tar, ao a uma correspondˆencia de necess´aria e imediata determina¸ao nessa
51
COUTINHO, Carlos Nelson. Op. cit. p. 198
52
Op. cit.
53
MORAES, enis de. Notas sobre o imagin´ario social e hegemonia cultural. Op. cit.
54
COUTINHO, Carlos Nelson. Op. cit.
42
rela¸ao, a que ela ´e efetivada a partir das oes do elemento humano.
Destacamos ainda que o papel do material ideol´ogico referente `as
fontes e ao recorte social e hist´orico aqui analisados, ao se estabelece en-
quanto representa¸oes imediatas dos interesses do grupo dirigente sociedade
pol´ıtica.
55
Assim, o material ideol´ogico se estabelece enquanto elemento funda-
mental no processo de redefini¸ao do bloco hist´orico e de conquista hegemˆonica,
como catalisador das oes capazes de consolidar e legitimar no plano pol´ıtico
o estabelecimento de uma nova ordem compreendida para al´em das fronteiras
da estrutura. Essa redefini¸ao pode ser observada tamem no que diz respeito
`a constru¸ao de uma nova ´etica que se efetiva enquanto uma nova concep¸ao
de mundo.
Portanto, com rela¸ao `a forma¸ao social e hist´orica aqui analisada,
destacamos que ´e `a fra¸ao dominante que cabe o desenvolvimento da hegemonia
e que esta fra¸ao ao corresponde necessariamente ao grupo dirigente, pois se
trata de um contexto onde uma concep¸ao hegemˆonica em ascens˜ao entra em
choque com a ordem vigente a fim de tomar a dire¸ao intelectual, moral e
pol´ıtica, reestruturando assim o bloco hist´orico.
Destacamos, portanto, que a convergˆencia de sentidos que identifi-
camos entre grande parte do material ideol´ogico analisado e a nova ordem em
desenvolvimento ao configura uma situa¸ao em que esse material represente
totalmente, ou de forma imediata, os interesses das fra¸oes dominantes no ˆam-
55
Nesse sentido, observamos inclusive que, nas fontes analisadas, a uma constru¸ao de
sentido orgˆanica ao desenvolvimento da estrutura e dissonante do grupo dirigente.
43
bito da estrutura ou que esses interesses estejam presentes em toda e qualquer
constru¸ao simolica a ele referente.
Portanto, nesse processo de consolida¸ao hegemˆonica em socieda-
des ocidentais modernas, os materiais ideol´ogicos produzidos e veiculados no
ˆambito dos meios de comunica¸ao de massa desempenham um papel funda-
mental no sentido da constru¸ao do consenso em torno de uma determinada
concep¸ao de mundo.
´
E a partir desta vis˜ao que compreendemos a revista Veja no con-
texto dos anos 80 no Brasil. E justificamos nossa escolha sobre este objeto
espec´ıfico na medida em que a revista era constitu´ıda por assuntos diversos,
aumentando dessa forma o seu poder de alcance na persuas˜ao ao consenso.
Nossa escolha tamb´em se justifica no fato de Veja ser uma revista semanal de
circula¸ao nacional, que contava com uma boa aceita¸ao no pa´ıs.
56
VIII
O conceito gramsciano de catarse ´e de grande importˆancia em nosso
estudo, pois ´e com base nele que se estabelecem os posicionamentos que de-
fendemos com rela¸ao `a importˆancia dos v´ınculos orgˆanicos entre os elementos
que comp˜oem o bloco hist´orico, bem como `a quest˜ao da media¸ao, ao papel dos
sujeitos e `a natureza dial´etica que buscamos destacar nos conceitos e categorias
56
Para informa¸oes gerais sobre a revista ver anexo A.
44
que constituem nosso eixo te´orico.
O conceito de catarse ´e definido por Gramsci como
“a passagem do momento puramente econˆomico (ou ego´ıs-
ta-passional) ao momento ´etico-pol´ıtico, isto ´e, `a elabora¸ao
superior da estrutura em superestrutura na consciˆencia dos
homens. Isso significa tamem a passagem do ‘objetivo’ ao
‘subjetivo’, ou da ‘necessidade’ `a ‘liberdade’.”
57
Catarse, no sentido gramsciano, consiste, portanto, em um processo
de elabora¸ao do sujeito frente a um determinado est´ımulo, a partir do qual o
sujeito interage e ao simplesmente se apropria dele no sentido de constitu´ı-lo
como “meio de liberdade, em instrumento para criar uma nova forma ´etico-
pol´ıtica, em origem de novas iniciativas”.
58
Destacamos ainda a catarse como processo individual e coletivo,
uma caracter´ıstica aparentemente paradoxal mas em essˆencia orgˆanica. A ca-
tarse representa, portanto, a elabora¸ao daquilo que ´e dado como impulso em
uma cren¸ca, a qual vem a ser uma manifesta¸ao da ideologia enquanto for¸ca
material ou id´eia-for¸ca. Esse processo se efetiva no terreno da sociedade civil,
onde o homem toma consciˆencia e age politicamente.
57
Idem, ibidem. p. 183. Em Gramsci nem toda forma de tomada de consciˆencia ´e con-
siderada catarse, pois a partir do pensamento gramsciano a dois momentos de tomada de
consciˆencia. O primeiro se refere `a “tomada de consciˆencia negativa, fase econˆomica em que o
grupo toma consciˆencia da sua homogeneidade e interesses pr´oprios exclusivamente no plano
das estruturas econˆomicas, sem questionar o sistema hegemˆonico estabelecido”. PORTELLI,
Hughes. Op. cit. p. 62. Conforme Gramsci, este primeiro momento leva ao segundo, o qual
´e entendido como o “momento da catarse referido como a tomada de consciˆencia positiva
onde se identifica o aspecto ´etico-pol´ıtico”. COUTINHO, Carlos Nelson. Op. cit.
58
Idem, ibidem. p. 183.
45
IX
O conceito de sociedade civil em Gramsci corresponde a um ele-
mento fundamental em nossa an´alise, pois ´e nos seus dom´ınios que se desen-
volve o processo referente `a nossa tem´atica.
Nesse sentido compreendemos a sociedade civil enquanto o lugar de
produ¸ao e de transmiss˜ao da ideologia e dos impulsos hegemˆonicos a partir
dela pro duzidos. Nesse sentido, destacamos a acep¸ao de Gramsci:
“pode-se [. . . ] fixar dois grandes planos superestruturais, o
que se pode chamar da Sociedade Civil, ou seja, do conjunto
de organismos vulgarmente denominados privados, e o da
sociedade pol´ıtica ou Estado, que correspondem `a fun¸ao de
hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a socie-
dade, e ao do dom´ınio direto ou de comando que se expressa
no Estado ou no Governo jur´ıdico.”
59
A partir da sua concep¸ao de Estado ampliado, Gramsci confere
especial destaque ao plano da sociedade civil, pois ´e o lugar onde se decide a
hegemonia, onde se confrontam diversos projetos de sociedade, at´e prevalecer
um que estabele¸ca a dire¸ao geral na economia, na pol´ıtica e na cultura”.
60
´
E a partir da importˆancia conferida `a sociedade civil na perspec-
tiva gramsciana que se estabelece a desmistifica¸ao do Estado compreendido
essencialmente enquanto sociedade pol´ıtica. Tamb´em ´e a partir da importˆan-
cia atribu´ıda `a sociedade civil que os estudos relacionados aos fenˆomenos da
59
Idem, ibidem.
60
SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a sociedade civil. Op. cit. p. 76.
46
pol´ıtica transcendem o ˆambito da organiza¸ao estatal referente `a sociedade po-
l´ıtica, permitindo que, dessa forma, tais fenˆomenos possam ser interpretados
a partir da diversidade de elementos que os constituem, os quais, em grande
parte, se desenvolvem no ˆambito da sociedade civil a partir dos aparelhos pri-
vados de hegemonia. Isso ocorre por exemplo, com rela¸ao `as manifesta¸oes
culturais que ao ao diretamente geridas pela sociedade pol´ıtica, como ´e o
caso do presente estudo.
A partir dessa perspectiva gramsciana, o Estado ´e constitu´ıdo a
partir da rela¸ao entre sociedade civil e sociedade pol´ıtica. Nesse sentido a di-
cotomia gramsciana entre Estado e sociedade civil ao se estabelece de maneira
paradoxal, mas orgˆanica, pois essa rela¸ao serve para estabelecer o reconheci-
mento de elementos de naturezas distintas que atrav´es de uma rela¸ao orgˆanica
constituem o Estado.
Assim, a partir da distin¸ao explicativa entre sociedade civil e soci-
edade pol´ıtica ´e poss´ıvel diferenciar a fra¸ao que tem a fun¸ao representativa
direta do grupo dominante sociedade p ol´ıtica –, da fra¸ao que exerce a hege-
monia de forma mediada pela estrutura ideol´ogica.
´
E o que, numa perspectiva
gramsciana, chama-se “hegemonia revestida de coer¸ao”.
61
Um dos pontos fundamentais em nossa an´alise do conceito de Es-
tado em Gramsci ´e a possibilidade anal´ıtica de um desmembramento entre as
partes que constituem o Estado em um per´ıodo de transi¸ao. Apontando assim
61
Idem, ibidem. Tamb´em PORTELLI, Hughes. Op. cit.
47
para a possibilidade de a sociedade civil se sobrepor ao extrato da sociedade
pol´ıtica que representa o grupo politicamente dominante, criando um novo tipo
de organiza¸ao estatal. E nesse sentido atentar para a organiza¸ao pol´ıtica e
ideol´ogica que catalisa esse processo.
Assim sendo, estab elecemos nossa an´alise dando ˆenfase `a rela¸ao
entre os elementos que constituem o Estado no sentido gramsciano em detri-
mento de uma explora¸ao mais efetiva de cada uma destas partes.
Portanto, a partir da compreens˜ao de que o Estado em Gramsci
´e constitu´ıdo pela rela¸ao entre sociedade civil e sociedade pol´ıtica, reitera-
mos suas duas possibilidades de an´alise. A primeira ´e referente a um sistema
social est´avel onde convergem os interesses entre sociedade civil e sociedade
pol´ıtica mas diferem as suas formas de ao, as quais neste caso se estabele-
cem de forma orgˆanica. Nesse sentido destacamos a afirma¸ao de Portelli de
que “n˜ao existe sistema social em que o consentimento seja a base exclusiva
da hegemonia, nem Estado em que um mesmo grupo possa, somente por meio
da co er¸ao, continuar a manter de forma dur´avel a sua domina¸ao”.
62
Essas
palavras remetem `a acep¸ao gramsciana de hegemonia revestida de coer¸ao,
que serve para identificar uma forma¸ao social est´avel, onde a hegemonia ´e
exercida na sociedade civil a partir do consentimento e a coer¸ao ´e executada
pela sociedade p ol´ıtica a partir da sua estrutura pol´ıtica e legal.
A segunda perspectiva de an´alise que o conceito de Estado em
62
PORTELLI, Hughes. Op. cit. p. 35
48
Gramsci possibilita ´e a da desagrega¸ao entre so ciedade civil e sociedade po-
l´ıtica onde a hegemonia ou contra-hegemonia da segunda se sobrep˜oe `a
primeira criando um novo grupo dominante no n´ıvel da sociedade pol´ıtica,
gerando-se assim um novo tipo de Estado.
49
2 Cap´ıtulo de contexto
2.1 Caracteriza¸ao geral do per´ıodo
A tem´atica deste trabalho reporta-se ao per´ıodo de transi¸ao demo-
cr´atica, que ocorreu no Brasil entre as ecadas de 70 e 80 do eculo XX. Em
rela¸ao a esse per´ıodo, o corte temporal que priorizamos como fundamental no
contexto da transi¸ao vai de 1979 a 1988.
1
Os crit´erios adotados para a constru¸ao desta delimita¸ao em por
base as medidas pol´ıtico-institucionais, como a revoga¸ao do Estado de exce-
¸ao, a aprovao da Anistia e a revoga¸ao dos Atos Institucionais, ocorrida
em 1979, e a promulga¸ao da Nova Constitui¸ao em 1988, que restabeleceu de
forma legal no pa´ıs o Estado de direito.
Al´em disso, consideramos ao estabelecer o referido corte temporal,
1
Para an´alises gerais sobre o per´ıodo ver BANDEIRA, Moniz. Brasil Estados Unidos:
a rivalidade emergente. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira, 1989.; FAUSTO, Boris.
Hist´oria do Brasil. ao Paulo: EDUSP, 1995.; SANTOS, Theotonio dos. Democracia e
socialismo no capitalismo dependente. Petr´opolis: Vozes, 1991.; e CHOMSKY, Noam. Novas
e velhas ordens mundiais. ao Paulo: Scritta, 1996.
50
como de fundamental importˆancia o momento em que, nas rea¸oes de oposi¸ao
ao governo, ode-se observar efetivamente uma elevao do ˆambito econˆomico-
corporativo
2
ao plano pol´ıtico-ideol´ogico organizado. Configurando um pro-
cesso onde o grupo liberal de oposi¸ao, que preconizava reformas no sentido
da democracia pol´ıtica, e o segmento ligado `as propostas de democratiza¸ao
social unificaram suas oes em torno da “estrat´egia da ‘derrota’ ,
3
utilizada
em oposi¸ao ao regime autorit´ario.
Assim, nesse per´ıodo, que vai aproximadamente de 1979 a 1988, o
processo de oposi¸ao ao regime se estabeleceu como uma reforma caracterizada
2
DI GIOVANNI, Biagio. Vocabul´ario de Conceitos Gramscianos. Gramsci e o Bra-
sil. Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv52.htm>: “o conceito de
econˆomico-corporativo tem, em Gramsci, uma posi¸ao estrat´egica. Ele aparece em arios
p ontos dos ‘Cadernos’ pra representar e descrever situa¸oes bastante diferentes entre si”.
Nesse sentido destacamos que a interpreta¸ao aqui desenvolvida com rela¸ao ao referido
termo se estabelece no sentido de caracteriza¸ao dos movimentos de oposi¸ao contra o regime
militar no Brasil que se efetivaram no sentido de suprir um conjunto de necessidades ligadas
`a sobrevivˆencia material sem que houvesse uma desenvolvida organiza¸ao intelectual e uma
ampla elevao no que Gramsci chamou de “n´ıvel da consciˆencia” no sentido da elabora¸ao
de uma agenda de reivindica¸oes no campo da pol´ıtica e da ´etica. E tamb´em relacionamos
esta express˜ao aos movimentos de oposi¸ao que mesmo imbu´ıdos de um car´ater pol´ıtico e
ideol´ogico definidos contaram com uma base de sustenta¸ao ligada predominantemente ao
momento econˆomico-corporativo.
3
A “estrat´egia da derrota” ´e um termo utilizado por Daniel Aar˜ao Reis Filho no mesmo
sentido em que Luiz Werneck Vianna usa o termo “eros˜ao”, consistindo dessa forma em de-
signa¸oes que se estabelecem no sentido de caracterizar o processo de transi¸ao democr´atica
no Brasil, onde a oposi¸ao liberal, representada efetivamente pela oposi¸ao consentida, que
tinha como fundamento a democratiza¸ao pol´ıtica, uniu-se ao segmento oposicionista repre-
sentado predominantemente p ela oposi¸ao oriunda do movimento sindical do ABC paulista,
que reivindicava a democratiza¸ao social. Essa coaliz˜ao compunha um bloco de for¸cas que
trabalhava em prol da democratiza¸ao do pa´ıs, e que para o seu desenvolvimento contou
com uma conjuntura favor´avel no ˆambito interno, na medida em que o pro cesso de transi¸ao
demo cr´atica se deu sob a ´egide do governo; e no n´ıvel internacional onde a fase que o ca-
pitalismo atravessava naquele momento era extremamente prop´ıcia para o desenvolvimento
de pol´ıticas democr´aticas descentralizadoras. Ainda, a “estrat´egia da derrota” apresentou-se
em oposi¸ao `a “estrat´egia da derrubada” preconizada pelos grupos ligados `a esquerda revo-
lucion´aria. REIS Filho, Daniel Aar˜ao. Ditadura militar, esquerdas e sociedade no Brasil.
Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv148.htm>.;
e VIANNA, Luiz Werneck. A esquerda e os quinze anos da transi¸ao. Gramsci e o Brasil,
2000. Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv120.htm>.
51
por um amplo processo de transforma¸ao, e teve como base de sustenta¸ao
interna a coaliz˜ao de for¸cas entre os grupos que defendiam a democracia pol´ıtica
e aqueles que se punham na perspectiva da democracia social,
4
organizados
de forma a minimizar suas contradoes em prol de um objetivo maior: a
redemocratiza¸ao do pa´ıs.
Tamb´em vale lembrar que nesse momento as modifica¸oes o cor-
ridas no cen´ario internacional favoreceram essa conjuntura. Dessa forma,
estabeleceu-se um processo que teve como uma de suas caracter´ısticas mais
marcantes o fato de ser dirigido pelo alto, sendo, em ´ultima an´alise, gerido
pela sociedade p ol´ıtica tanto no ˆambito da oposi¸ao quanto do governo.
Um elemento que se faz necess´ario destacar ´e que essa gest˜ao pelo
alto ao encerrou no ˆambito da so ciedade pol´ıtica o cen´ario da luta, tampouco
restringiu a esse ˆambito os atores sociais que protagonizaram, enquanto classe,
categoria ou indiv´ıduos, esse processo.
5
Igualmente na sociedade civil ocorreu uma ampla batalha de natu-
reza ´etica, moral e cultural, que se deu por meio da decodifica¸ao, em arias
formas discursivas, de uma concep¸ao de mundo, ao o de natureza pol´ıtica e
econˆomica mas sobretudo intelectual e moral, que sustentou no plano ideol´o-
4
No plano da sociedade pol´ıtica, estes segmentos representavam a oposi¸ao consentida,
inicialmente caracterizada pelo PMDB, e mais tarde estendida `a coaliz˜ao PMDB e PT.
5
Sobre isso ver SIMIONATTO, Ivete. O social e o pol´ıtico no pensamento de gramsci.
In: AGGIO, Alberto. Gramsci: a vitalidade de um pensamento. ao Paulo: Funda¸ao
Editora da UNESP, 1998. p. 49., onde a autora aborda a peculiaridade deste processo,
onde, ao mesmo tempo em que as transforma¸oes ocorriam no ˆambito da sociedade pol´ıtica,
esse aspecto tamb´em era mesclado com a constru¸ao de um consenso ativo no ˆambito da
sociedade civil.
52
gico as rela¸oes intr´ınsecas que mantiveram e caracterizaram a ogica peculiar
ao est´agio vivido pelo capitalismo nos anos 70 e 80 do s´eculo XX.
Assim, essa batalha ocorrida na esfera da cultura difundiu-se atra-
v´es de aparelhos privados de hegemonia no sentido de estabelecer uma dire¸ao
hegemˆonica de modo a consolidar“al´em da unidade econˆomica e pol´ıtica, a uni-
dade intelectual e moral, mediante um plano [. . . ] ‘universal’, criando, assim,
a hegemonia de um grupo social fundamental sobre os grupos subordinados”,
6
por meio da constru¸ao de um consenso ativo; um processo que no cen´ario
brasileiro da transi¸ao democr´atica ocorreu no plano ideol´ogico, como observa
Ivete Simionatto, ancorado em pressupostos gen´ericos “de natureza transclas-
sista”
7
tendo como id´eia fundamental uma concep¸ao de demo cracia em sentido
amplo que representava, em ´ultima an´alise, o contraponto da ditadura e um
sinˆonimo de progresso.
E assim, a partir do car´ater identificado aqui como transclassista,
observa-se a agrega¸ao da concep¸ao de revolu¸ao passiva como “hip´otese inter-
pretativa”, como sugere Alberto Aggio
8
, ao conceito de transformismo, como
sustentam Ivete Simionatto
9
e Luiz Werneck Vianna.
10
Essa agrega¸ao de con-
ceitos permite que se compreenda que as transforma¸oes institucionais relativas
a esse processo ao operadas por agentes ligados diretamente `a sociedade po-
6
Idem, ibidem.
7
Idem, ibidem.
8
AGGIO, Alberto. A revolu¸ao passiva como hip´otese interpretativa da hist´oria pol´ıtica
latino-americana. In: (Org.). Gramsci: a vitalidade de um pensamento. ao Paulo:
Funda¸ao Editora da UNESP, 1998.
9
Op. cit. p. 48
10
VIANNA, Luiz Werneck. Caminhos e descaminhos da revolu¸ao passiva `a brasileira.
In: AGGIO, Alberto. Op. cit.
53
l´ıtica, enquanto o amplo contingente da sociedade civil representa a base de
sustenta¸ao das oes dessa elite pol´ıtica, atrav´es de estrat´egias de persuas˜ao
que estabelecem a dire¸ao desse consenso, como as que identificamos na revista
Veja na d´ecada de 80.
Esse fenˆomeno ´e observado no caso brasileiro, onde a dire¸ao do
processo de democratiza¸ao se estabeleceu de forma transclassista,
“obstaculizando a possibilidade de elas [as demais camadas
de classe] elaborarem uma vis˜ao de mundo de corte antica-
pitalista e [dessa forma] articular alian¸cas estrat´egicas em
defesa de seus interesses”.
11
Nesse sentido, compreendemos que o processo de abertura demo-
cr´atica no Brasil se deu por meio de uma guerra de posi¸ao num contexto
onde “as lutas deixam de ser imediatas e diretas e os conflitos se deslocam do
campo das contradi¸oes n´ıtidas e expl´ıcitas para o campo das manobras abeis
e sutis”.
12
Assim, estabeleceremos a seguir um breve hist´orico das oposi¸oes
que se desenvolveram ao longo do regime militar, a fim de delinear o perfil
destes setores onde se desenvolviam perspectivas de oposi¸ao ao governo na
mesma dire¸ao daquelas que observamos nos discursos veiculados em Veja nos
anos 80.
11
SIMIONATTO, Ivete. Op. cit. p. 50
12
KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da pr´axis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
54
2.2 Breve hist´orico das oposi¸oes no Brasil
Compreendemos a ditadura militar implantada no Brasil em 1964,
em ´ultima an´alise, como a culminˆancia pol´ıtica de um processo de oposi¸ao
`as for¸cas reformistas em n´ıvel nacional representadas, no plano pol´ıtico, pelas
reformas propostas pelo governo Jo˜ao Goulart e, no plano internacional, consti-
tu´ıdas pelo fortalecimento da onda independentista e “comunizante”
13
ocorrida
em pa´ıses de inser¸ao perif´erica no circuito capitalista como o Brasil.
14
Nesse contexto, as propostas nacionalistas do governo Jo˜ao Goulart
se contrapunham, tanto aos interesses locais dos grupos at´e enao dominantes
no cen´ario interno, como aos interesses externos a que estes estavam ligados.
Nesse sentido a ditadura contou com amplos setores da sociedade para a sua
implanta¸ao, o que no dizer de Daniel Aar˜ao Reis Filho se estabeleceu como
uma “frente social”
15
na qual
“aliavam-se as elites tradicionais, grupos empresariais ‘mo-
dernizantes’, grande parte das classes edias e at´e mesmo
setores populares, toda uma constela¸ao de profiss˜oes e ati-
vidades beneficiadas pelo dinamismo da economia brasilei-
ra”.
16
13
REIS Filho, Daniel Aar˜ao. Ditadura militar, esquerdas e sociedade no Brasil. Gramsci
e o Brasil. Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv148.htm>.
14
Com rela¸ao ao contexto econˆomico mundial o Brasil estava inserido como uma economia
p erif´erica no bloco capitalista que se expressava politicamente atrav´es da hegemonia exercida
p elos Estados Unidos em consonˆancia com os interesses econˆomicos e as iniciativas ´eticas e
p ol´ıticas preconizadas pelas elites locais. Conferir, por exemplo, BANDEIRA, Moniz. Op.
cit.; FAUSTO, Boris. Op. cit.; SANTOS, Theotonio dos. Op. cit.
15
REIS Filho, Daniel Aar˜ao. Op. cit.
16
Idem, ibidem.
55
Todavia, al´em dos interesses econˆomicos de cunho modernizante,
a referida “frente social” que apoiou a implanta¸ao da ditadura no Brasil se
desenvolveu amplamente embasada no car´ater ideol´ogico,
17
pois, como destaca
Daniel Aar˜ao Reis Filho, “o processo todo fora consumado, ao em nome de
uma revolu¸ao, mas em nome dos valores da civiliza¸ao crist˜a e da democra-
cia”.
18
Apesar de ancorada em ao ampla base social, a ditadura ao tar-
dou em chocar-se com rea¸oes oposicionistas nestes mesmos setores, sobretudo
no que se referia `as iniciativas ditatoriais do governo, como a promulga¸ao
dos Atos Institucionais e as oes repressivas da censura. Apesar de a pol´ı-
tica econˆomica priorizar os investimentos estrangeiros, de modo a desfavorecer
tanto os grupos nacionais ligados diretamente ao circuito da produ¸ao como a
um amplo contingente de trabalhadores que tiveram o poder de compra de seus
sal´arios reduzidos, nos primeiros anos do regime, aproximadamente at´e o in´ıcio
dos anos 70.
19
As rea¸oes nesse sentido permaneceram latentes, cedendo es-
pa¸co `as manifesta¸oes contr´arias ao regime ligadas ao plano pol´ıtico-ideol´ogico,
acirradas, em 1968, ap´os a implanta¸ao da censura pr´evia.
Nesse momento, a insatisfa¸ao perante o governo apresentava-se so-
bretudo em oposi¸ao ao seu car´ater autorit´ario atrav´es de manifesta¸oes onde
eram enfatizados elementos pol´ıticos, culturais e ideol´ogicos. Mesmo que a
desigualdade social crescesse em grandes propor¸oes e que os trabalhadores es-
17
Um componente que tamb´em se apresentou como de fundamental importˆancia no pro-
cesso de sa´ıda do regime autorit´ario.
18
Idem, ibidem.
19
SANTOS, Theotonio dos. Op. cit.
56
tivessem sendo pressionados pela pol´ıtica econˆomica do governo,
20
este ainda
era um movimento em processo de fermenta¸ao. Em contrapartida a essa
situa¸ao, a grande rea¸ao veio por parte de uma elite intelectual, que se con-
trapunha de forma organizada `as medidas autorit´arias do governo no plano
pol´ıtico,
21
entre as quais se destacam os Atos Institucionais, as cassa¸oes e a
censura. Elementos intimamente relacionados ao car´ater ´etico e moral do re-
gime, mas que na pr´atica representaram fatores de desgaste do governo diante
de estratos da sociedade civil como aqueles que protagonizaram os movimentos
de oposi¸ao ocorridos na d´ecada de 60.
22
Neste caso, destacamos o grupo composto essencialmente por es-
tudantes, na maioria universit´arios, e intelectuais que exerceram, na esfera
p´ublica, as primeiras cr´ıticas contra o regime autorit´ario. Cr´ıticas manifestas
no campo da pol´ıtica atrav´es do movimento estudantil e da ao de seus repre-
sentantes, mas sobretudo no ˆambito da cultura onde “no teatro, na m´usica de
protesto, nas artes pl´asticas, tamb´em ecoavam as perplexidades e as amarguras
de amplos setores sociais”.
23
20
Ver PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil (1930–1983).
17. ed. ao Paulo: Brasiliense, 1994.; MANTEGA, Guido. A economia pol´ıtica brasileira.
ao Paulo/Petr´opolis: Polis/Vozes, 1984.; SANTOS, Theotonio dos. Op. cit.
21
Vale lembrar que grande parte desse grupo intelectual era oriunda ou mantinha v´ınculos
com estratos da burguesia nacional.
22
Note-se que as referidas decis˜oes institucionais tomadas no plano pol´ıtico denotam o ca-
ater conservador do governo militar brasileiro, enquanto que a pol´ıtica econˆomica refere-se
ao car´ater modernizador deste, consolidando o que se convencionou chamar de pro cesso de
moderniza¸ao conservadora, fenˆomeno que tamb´em encontra express˜ao no binˆomio “segu-
ran¸ca e desenvolvimento”.
23
REIS Filho, Daniel Aar˜ao. Op. cit. Sobre este tema ver tamb´em RIDENTI, Marcelo.
Em busca do povo brasileiro: artistas da revolu¸ao do CPC `a era da TV. Rio de Janeiro:
Record, 2000.
57
Entretanto, o que caracterizou efetivamente esse movimento de opo-
si¸ao ao regime como de natureza predominantemente pol´ıtica, cultural e ide-
ol´ogica, e ao como um setor ligado ao conflito distributivo, ao as suas “duas
grandes limita¸oes”.
24
A primeira ´e referida por Daniel Aar˜ao Reis Filho como
de “ordem social”,
25
e a segunda ´e abordada pelo autor sob “o ponto de vista do
conte´udo”.
26
Nesse sentido, o car´ater definido como “de ordem social” ´e refe-
rente a pouca, ou nenhuma, participa¸ao significativa dos trabalhadores nessa
frente de oposi¸ao ao regime, caracterizada nesse sentido pelo fato de que “os
trabalhadores urbanos e rurais ao tinham vez nem voz, naquelas cr´ıticas”
27
Quanto `as limita¸oes do “ponto de vista do conte´udo”, o autor se
remete ao ˆambito pol´ıtico-ideol´ogico, pois se refere `a concep¸ao de que foi
a partir dessa frente de oposi¸ao que formou-se a “autodenominada esquerda
‘revolucion´aria’ ,
28
um segmento da oposi¸ao de esquerda que defendia a estra-
t´egia da derrubada da ditadura pela via revolucion´aria. O que, como observa
Daniel Aar˜ao:
“nestas constru¸oes, distantes da dinˆamica da sociedade, era
imposs´ıvel perceber que, no emaranhado contradit´orio das
pol´ıticas da ditadura, tomava corpo um processo de ‘moder-
niza¸ao conservadora’.”
29
A pol´ıtica econˆomica do governo Castelo Branco, que apresentava
24
Idem, ibidem.
25
Ibidem.
26
Ibidem.
27
Idem, ibidem. Nesse sentido justificamos a utiliza¸ao do termo elite cultural (ou inte-
lectual).
28
Idem, ibidem.
29
Ibidem.
58
um car´ater fortemente centralizador
30
da esfera econˆomica e que apoiado no
seu ethos autorit´ario erigia pol´ıticas econˆomicas de car´ater internacionalista, as
quais privilegiavam o grande capital internacional em detrimento de uma parte
da burguesia nacional que ao conseguiu estabelecer pol´ıticas de associa¸ao a
esse capital, e que aos poucos foi transformando-se em oposi¸ao ao regime.
A p ol´ıtica econˆomica posta em pr´atica nesse momento era de cunho
internacionalista-liberal, sendo que
“o seu ‘internacionalismo’ rompia com o ‘nacional-estatismo’
e defendia o alinhamento com os EUA, num projeto de inte-
gra¸ao do Brasil no chamado mundo ocidental e de abertura
do pa´ıs aos fluxos do capital internacional.”
31
Entretanto, tal pol´ıtica ao se desenvolveu na pr´atica como o es-
perado, a que o seu car´ater essencialmente liberal entrou em choque com “as
tradi¸oes controladoras e intervencionistas do Estado brasileiro”
32
que, sob esse
aspecto, sustentava uma economia baseada em incentivos estatais, uma pr´a-
tica quebrada a partir dos pressup ostos do internacionalismo-liberal, posto em
30
Diferentemente das pol´ıticas de cunho nacional-estatista onde o governo centralizava a
economia em suas aos com o objetivo de criar pol´ıticas de desenvolvimento da economia
nacional, a centraliza¸ao de cunho internacionalista-liberal era efetivada no sentido de as-
segurar a remessa de lucros do pa´ıs, acirrando ainda mais o car´ater de dependˆencia com
rela¸ao ao capital internacional, efetivando assim uma pol´ıtica econˆomica quase que para-
doxal, p ois enquanto mantinha as rela¸oes econˆomicas no n´ıvel internacional de acordo com
as exigˆencias externas, no ˆambito interno controlava a economia de modo a retrair o cresci-
mento nacional em detrimento da expans˜ao do mercado internacional. Trabalhava portanto
sob uma forma pol´ıtica autorit´aria que privilegiava o capital especulativo internacional em
detrimento do capital produtivo nacional. Sobre isso ver SANTOS, Theotonio dos. Op.cit.;
FAUTH, Luiz Fernando. O ajuste estrutural no Brasil nos anos 90 : uma abordagem regula-
cionista. Monografia (Conclus˜ao de curso) Faculdade de Ciˆencias Pol´ıticas e Econˆomicas,
Pontif´ıcia Universidade Cat´olica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1998.
31
REIS Filho, Daniel Aar˜ao. Op. cit.
32
Idem, ibidem.
59
pr´atica no per´ıodo do governo Castelo Branco. Onde eram criadas, enao,
condi¸oes de lucro para os investidores externos enquanto a produ¸ao interna,
at´e ent˜ao subsidiada em grande parte pelas pol´ıticas econˆomicas do Estado,
perdia seus privil´egios. Com isso o governo ia gradativamente perdendo uma
parte importante da sua base de sustenta¸ao.
Nesse sentido “o cr´edito, escasso, provocava quebras no com´ercio e
na ind´ustria, ensejando cr´ıticas de comerciantes e industriais, que mobilizavam
suas poderosas organiza¸oes, pressionando o governo”.
33
Ainda nesse contexto,
o poder de compra dos sal´arios dos trabalhadores encontrava-se em um processo
de constante defasagem, conforme referido anteriormente, fazendo com que o
clima de insatisfa¸ao com o governo fosse crescendo tamb´em nesse n´ıvel.
a no contexto dos primeiros anos da d´ecada de 70, a oposi¸ao
ao regime ganhou for¸ca tamb´em no sentido econˆomico-corporativo, tendo a´ı
seu elemento de destaque no ˆambito das rea¸oes p´ublicas ao regime.
34
Nesse
momento, nem o lan¸camento das campanhas publicit´arias do governo que su-
pervalorizavam seus ˆexitos em arias ´areas que iam desde a vit´oria da sele¸ao
brasileira na copa de 70 at´e o amplo desenvolvimento do setor produtivo na
´area agr´ıcola e industrial –, era capaz de minimizar o conflito distributivo que
enao se estabelecia.
Destacamos, portanto, que al´em das rea¸oes de cunho pol´ıtico e ide-
33
Idem, ibidem.
34
Ver SANTOS, Theotonio. Op. cit.
60
ol´ogico, como os focos de guerrilha urbana e rural,
35
tamb´em eclodiram nesse
momento oes de oposi¸ao ao governo com um car´ater predominantemente
econˆomico-corporativo. Movimentos isolados, nascidos mais da necessidade
do que da vontade entendida como iniciativa pol´ıtica organizada de seus
protagonistas e que, de um modo geral, se restringiam a contemplar as suas
necessidades mais asicas e imediatas de sobrevivˆencia. Foi por exemplo o caso
dos saques o corridos em cidades do nordeste.
36
Todavia, os movimentos que caracterizamos como econˆomico-cor-
porativos tamb´em tiveram express˜ao nos embates onde “os camponeses enfren-
tavam policiais e militares para garantir suas terras [e] os usu´arios das linhas
de trens urbanos as destru´ıam diante das manifesta¸oes graves de descaso ad-
ministrativo”
37
ou nas reivindica¸oes de grupos de trabalhadores que tinham
35
Note-se que embora dotadas de uma ampla conota¸ao pol´ıtica e ideol´ogica os epis´odios
de guerrilha urbana em sua ampla maioria ocorreram tamb´em no sentido de sanar necessida-
des imediatas, como ´e o caso dos assaltos a bancos, que representavam nessa conjuntura um
meio atrav´es do qual muitas organiza¸oes guerrilheiras podiam manter-se materialmente.
Tamb´em os seq
¨
uestros de figuras importantes da pol´ıtica, que eram importantes elemen-
tos de tro ca de presos pol´ıticos e da garantia de direitos civis dos elementos de oposi¸ao.
Nesse sentido as oes armadas o corridas nesse p er´ıodo, al´em do car´ater pol´ıtico e ideol´o-
gico, manifestaram atrav´es de suas formas de ao um forte tra¸co econˆomico-corporativo.
Assim como os focos rurais, a exemplo da Guerrilha do Araguaia, que teve uma ampla co-
nota¸ao pol´ıtica e ideol´ogica mas encontrou a sua principal base de sustenta¸ao no plano
econˆomico-corporativo, pois os agentes desse movimento ao foram somente os l´ıderes, aque-
les que colocaram em pr´atica o movimento, mas sobretudo o contingente populacional que
os apoiou. Estes faziam parte dos amplos setores da popula¸ao rural praticamente esque-
cidos pelas pol´ıticas sociais do governo, e que no contexto da guerrilha encontraram mais
do que uma ideologia, uma maneira de sobreviver na medida em que os l´ıderes combatentes
guerrilheiros em grande parte profissionais liberais, m´edicos e professores desenvolveram
algumas melhorias no local nos setores de sa´ude e educa¸ao, ao contr´ario do governo. Ver
AMAZONAS, Jo˜ao; ANTERO, Luiz Carlos; SILVA, Eumano. Uma epop´eia pela liberdade:
Guerrilha do Araguaia 30 anos. ao Paulo: Anita Garibaldi, 2002. Ainda sobre o hist´orico
das oposi¸oes no Brasil, ver GORENDER, Jacob. Combate nas trevas: a esquerda brasileira.
Das ilus˜oes perdidas `a luta armada. ao Paulo: Editora Atica, 1987.
36
Ver SANTOS, Theotonio dos. Op. cit.
37
SANTOS, Theotonio dos. Op. cit., p. 197
61
sua agenda voltada exclusivamente para a quest˜ao salarial e trabalhista de um
modo geral. Tamb´em no caso dos estudantes que inicialmente se mobiliza-
ram em oposi¸ao ao governo por ao poderem custear seus estudos. Enquanto
essas manifesta¸oes se expandiam, o governo investia nas campanhas de pro-
paganda oficial atrav´es dos meios de comunica¸ao, por meio de campanhas
representadas por lemas como “Brasil Grande” ou “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
38
Ainda eram exploradas nessas campanhas as iniciativas tomadas
pelo governo para fortalecer a economia do pa´ıs, que nesse momento, atraes
das medidas tomadas com base na alian¸ca entre o Estado e setores nacionais
e estrangeiros, retornava gradativamente ao nacional-estatismo.
39
Portanto, nesse momento, as rea¸oes contr´arias `as pol´ıticas do go-
verno se estab eleceram mais efetivamente entre os setores que ao eram privi-
legiados pelas pol´ıticas governamentais como
“os pequenos posseiros e propriet´arios de terra, que perde-
ram sua pouca terra, os trabalhadores sem qualifica¸ao [. . . ],
que ficavam `a margem, constituindo vastos contingentes,
mal-chamados de exclu´ıdos, p orque eram leg´ıtimo produto
do sistema e, como tal, estavam nele incluid´ıssimos, embora,
cada vez mais, aparecessem como descart´aveis.
40
Nesse momento ainda havia no Brasil um consider´avel setor das
camadas edias que se beneficiavam pelas pol´ıticas do governo, fosse pelo
sistema de cr´edito amplo e facilitado, pela admiss˜ao em cargos p´ublicos ou por
38
Ver FAUSTO, Boris. Op. cit.; e BANDEIRA, Moniz. Op. cit.
39
Ver PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Op. cit.; e MANTEGA, Guido. Op. cit.
40
REIS Filho, Daniel Aar˜ao. Op. cit.
62
fazer parte de um grupo de oper´arios especializados empregados em grandes
empresas de capital internacional que contavam com a maior faixa salarial da
categoria. Estes setores caracterizavam um segmento que, no in´ıcio da d´ecada
de 70, ainda ao engrossavam as fileiras de oposi¸ao ao regime.
A partir da segunda metade da d´ecada de 70, por´em, a onda opo-
sicionista come¸cou a crescer em um sentido mais amplo, pois ao mais se es-
tabelecia predominantemente no ˆambito econˆomico-corporativo, tampouco se
restringia `as rupturas moleculares
41
ligadas `a democracia pol´ıtica. Nesse mo-
mento, os movimentos de oposi¸ao ao regime passaram a um est´agio de elevao
´etico-p ol´ıtica onde, segundo Luiz Werneck Vianna“os temas da democracia po-
l´ıtica [. . . ], sobretudo a partir de meados dos anos 70, foram crescentemente
vinculados aos da agenda da democratiza¸ao social”, caracterizando no cen´ario
interno uma oposi¸ao que optou por agir pela estrat´egia da derrota ou
“de uma pol´ıtica de eros˜ao e ao de enfrentamento direto
das bases de legitima¸ao do poder autorit´ario, combinando-
se a efic´acia nas disputas eleitorais enao heterodoxamente
convertidas em ‘formas superiores de luta’ com a defesa
dos interesses do sindicalismo e da explicita¸ao de uma nova
pauta de direitos a serem conquistados pelos setores subal-
ternos.”
42
Entretanto, as formas pelas quais a oposi¸ao se estruturou desde
meados dos anos 70 at´e a queda formal do regime autorit´ario atrav´es da Cons-
titui¸ao de 1988 ao foram elaboradas e praticadas exclusivamente a partir de
41
Por esse termo ao designadas oes ocorridas de forma isolada em rela¸ao ao governo,
as quais ao faziam parte de uma ogica processual de oposi¸ao.
42
VIANNA, Luiz Werneck. Caminhos e descaminhos da revolu¸ao passiva `a brasileira.
In: AGGIO, Alberto. Op. cit. p. 199.
63
fatores internos, a que os impactos da crise do capitalismo
43
desencadeada em
n´ıvel mundial a partir de 1973, com o primeiro choque do petr´oleo, operou em
n´ıvel internacional uma ampla mudan¸ca que se estendeu desde as formas de
organiza¸ao da produ¸ao dentro do sistema capitalista em escala mundial, at´e
o estabelecimento de uma nova ordem social passando por amplas modifica-
¸oes pol´ıticas e culturais. O que, nesse sentido, se constituiu em um momento
de reestrutura¸ao do capitalismo em n´ıvel mundial, configurando um processo
que em ´ultima an´alise pode ser entendido como de “reestrutura¸ao econˆomica”,
mas que ao se restringiu `a economia, pois em sociedades modernas democr´a-
ticas, ou na eminˆencia de e-lo, ocorre a necessidade de uma ampla base de
sustenta¸ao social e pol´ıtica por meio do consentimento que corresp onde `a cri-
ao das condi¸oes para a supera¸ao da crise econˆomica, operando dessa forma
no sentido ao o de “reestruturar a economia” ou as formas pol´ıticas mas de
“reestruturar a sociedade” como um todo no sentido de “criar as estruturas
socioeconˆomicas da ‘nova forma hist´orica’ .
44
43
Nesse sentido destacamos que ao nos referirmos a capitalismo ou sistema capitalista ao
estamos nos remetendo exclusivamente ao seu componente econˆomico mas o abordamos em
um sentido amplo em rela¸ao `as suas formas de atua¸ao tanto no sentido da organiza¸ao
da produ¸ao, como da pol´ıtica, da cultura e da esfera social de uma maneira geral. Nesse
sentido conferimos em nossa an´alise uma aten¸ao destacada ao seu aspecto ideol´ogico, onde
destacamos as id´eias fundamentais que no seu conjunto compuseram a dire¸ao hegemˆonica
p eculiar do capitalismo em fins do eculo XX. Assim, de acordo com Edmundo Fernandes
Dias “A economia ´e, portanto, o solo em que se realiza o conjunto das rela¸oes, o ‘locus’
onde elas ao poss´ıveis”. DIAS, Edmundo Fernandes. Gramsci em Turim: a constru¸ao do
conceito de hegemonia. ao Paulo: Xam˜a, 2000. p. 113.
44
M
´
ESZ
´
AROS, Istv´an. Para al´em do capital: rumo a uma teoria da transi¸ao. Tradu¸ao
de Paulo Cezar Castanheira e ergio Lessa. ao Paulo: Boitempo Editorial, 2002. p 1076.
64
2.3 Uma proposta de an´alise contextual
Portanto, no plano internacional, esse processo de reestrutura¸ao
come¸cou a ser sentido a partir dos primeiros anos da ecada de 70, quando
o capitalismo em n´ıvel mundial estava em processo de transforma¸ao. Nesse
contexto os Estados Unidos enfraqueceram substancialmente o seu poder de
orienta¸ao hegemˆonica no sentido em que atuava a partir do os-guerra.
Nesse sentido observou-se uma diminui¸ao do apoio norte-ameri-
cano ao Estado militar brasileiro, que culminou com erias reorienta¸oes da
rela¸ao bilateral em que o Brasil ocupava o lugar de pa´ıs perif´erico.
Como observa Theotonio dos Santos, nesse contexto
“percebia-se que a recupera¸ao da Europa e do Jap˜ao como
poderes econˆomicos internacionais diminu´ıa a possibilidade
de os Estados Unidos atuarem isoladamente como ´unico po-
der mundial.”
45
Assim, operou-se uma ampla modifica¸ao no ˆambito das rela¸oes
internacionais brasileiras que at´e enao tinham na rela¸ao com os Estados Uni-
dos um elemento fundamental de sustenta¸ao do regime autorit´ario. Dessa
forma, o reordenamento de for¸cas em n´ıvel mundial, representado pela orga-
niza¸ao trilateral entre Estados Unidos, Europa e Jap˜ao, se estabeleceu como
uma nova dire¸ao hegemˆonica que entrava em choque com as formas de organi-
za¸ao do bloco hist´orico brasileiro sob o dom´ınio interno da ditadura, criando
45
SANTOS, Theotonio dos. Op. cit.
65
assim um clima externo favor´avel `a sua redefini¸ao. Nesse momento a se ob-
servava no plano internacional a falˆencia gradativa do “Estado-Na¸ao de tipo
tradicional”
46
, como no caso brasileiro, que possibilitava a pr´atica das pol´ı-
ticas econˆomicas de corte fordista-keynesiano tamb´em em franco processo de
decadˆencia no contexto mundial desde meados dos anos 70.
Concomitante a essa redefini¸ao do capitalismo em n´ıvel mundial, a
partir do governo edici os padr˜oes do internacionalismo-lib eral, que sustenta-
ram a rela¸ao bilateral entre Brasil e Estados Unidos desde o governo Castelo
Branco, foram gradativamente perdendo espa¸co para uma esp´ecie de retorno
a certos padr˜oes da pol´ıtica nacional-estatista. Nesse sentido, como observa
Theotˆonio dos Santos
“o governo edici vai ser marcado profundamente pelo qua-
dro de uma ditadura militar que ganha um certo grau de
autonomia e que come¸ca a definir uma linha pol´ıtica pr´opria
atrav´es do milagre econˆomico”.
47
Assim, al´em de a ditadura representar, em rela¸ao aos padr˜oes da
nova ordem capitalista em processo de desenvolvimento em n´ıvel global, um
fator de dissonˆancia, ela tamb´em era vista a partir da possibilidade de se
desenvolver atrav´es de um nacionalismo de direita como uma potˆencia regional.
Essa id´eia encontrou sustenta¸ao nas considera¸oes lan¸cadas por
46
Sobre este tema ver Castels, BECK, Ulrich. O que ´e globaliza¸ao ? Equ´ıvocos do globa-
lismo. Respostas `a globaliza¸ao. ao Paulo: Paz e Terra, 1999.; CHOMSKY, Noam. Novas
e velhas ordens mundiais. ao Paulo: Scritta, 1996.; HALLIDAY, Fred. Repensando as
rela¸oes internacionais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999.; FAUTH, Luiz Fernando.
Op. cit., SANTOS, Theotonio dos. Op. cit. p. 211
47
SANTOS, Theotonio dos. Op. cit. p. 215.
66
Huntington de que a organiza¸ao efetivada no ˆambito da sociedade pol´ıtica por
uma elite militar no Brasil ao corresp ondia mais a um elemento de moderni-
za¸ao necess´ario ao desenvolvimento mas ocorria no sentido do “refor¸camento
dos Estados Nacionais e particularmente da interven¸ao estatal nos pa´ıses do
terceiro mundo”, como express˜ao da “onda estatizante que vinha se desenvol-
vendo ao somente na regi˜ao latino-americana, mas tamb´em em outras partes
do mundo”
48
nos anos 70.
Dessa forma, criavam-se as condi¸oes internas e externas para o
estabelecimento de uma oposi¸ao `as “pretens˜oes hegemˆonicas da elite militar”
brasileira.
49
ao somente pela referida hip´otese do surgimento de uma potˆen-
cia regional, mas sobretudo porque um pa´ıs orientado a partir de pressupostos
nacional-estatistas, ou mesmo nos moldes do internacionalismo-liberal como
ocorrido nos primeiros anos da ditadura militar no Brasil, segundo essa vis˜ao
ao apresentava as condi¸oes necess´arias para o desenvolvimento de um capita-
lismo que vinha se consolidando de forma globalizada desde a segunda metade
dos anos 70. Portanto, era mais necess´ario, segundo tal ´otica, que houvesse
uma organiza¸ao estatal capaz de criar as condi¸oes necess´arias `a implanta¸ao
das empresas multinacionais, a que, a partir desse momento, estas estavam
sendo substitu´ıdas pelos empreendimentos de natureza transnacional.
50
48
SANTOS, Theotonio dos. Op. cit. p 218.
49
Ver tamb´em VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes. A pol´ıtica externa do regime militar
brasileiro: multilateraliza¸ao, desenvolvimento e constru¸ao de uma potˆencia edia, 1964–
1985. Porto Alegre: Editora da Universidade, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
1998. p. 197–270; AYERBE, Lu´ıs Fernando. Estados Unidos e Am´erica Latina: a constru¸ao
da hegemonia. ao Paulo: UNESP, 2002.; BANDEIRA, Moniz. Op. cit.
50
SANTOS, Theotonio dos. Op. cit.
67
Assim, os pressupostos da nova ordem, gestada desde os anos 70
em fun¸ao da redefini¸ao do capitalismo em n´ıvel mundial, expressaram-se
efetivamente nos discursos e nas pr´aticas de oposi¸ao no contexto da transi-
¸ao democr´atica brasileira, na medida em que tais pressupostos deram uma
dimens˜ao universalizante ao discurso contra o Estado autorit´ario.
51
Um fenˆo-
meno que ode ser observado tanto no ˆambito da sociedade pol´ıtica, quanto
no cen´ario da sociedade civil, atrav´es das formas pol´ıticas e culturais, cujo pa-
pel ideol´ogico, no sentido da constru¸ao de um novo consenso, estaremos aqui
destacando.
No cen´ario interno no final dos anos 70, o governo ditatorial man-
tinha-se prioritariamente pela via da coer¸ao, a que as suas bases de susten-
ta¸ao pelo consenso encontravam-se amplamente esgotadas, como referimos
anteriormente. Por um lado, em virtude do fracasso da pol´ıtica econˆomica do
governo e, por outro, pela manuten¸ao e exacerba¸ao do car´ater repressivo do
Estado. Nesse contexto, portanto, os movimentos de oposi¸ao passavam gra-
dativamente da fase das rupturas moleculares para uma forma organizada de
oposi¸ao. E, na sociedade civil, ia-se desenvolvendo de maneira cada vez mais
efetiva“uma atmosfera de descontentamento: ao somente entre os derrotados,
mas mesmo em setores da grande frente que havia apoiado o golpe”.
52
a desde o in´ıcio dos anos 70 se acirrava a crise de legitimidade que
o governo vinha enfrentando. ao o no campo da oposi¸ao pol´ıtica, pois o
51
Sobre isso ver MARINI, Ruy Mauro. Am´erica Latina, dependˆencia e integrao. ao
Paulo: Editora Brasil Urgente, 1992.
52
REIS Filho, Daniel Aar˜ao. Op. cit.
68
descontentamento e as rea¸oes contr´arias ao governo eram observados tamb´em
no ˆambito da sociedade civil, tanto nos movimentos organizados quanto na
verifica¸ao de um descontentamento difuso observado em amplas parcelas da
popula¸ao. Nesse sentido, as rea¸oes ao governo, que at´e aquele momento eram
predominantemente centradas no rep´udio ao seu car´ater autorit´ario, tamem
puderam ser fortemente observadas no que se refere aos problemas da ´area
social oriundos do conflito distributivo gerado pelas pol´ıticas econˆomicas go-
vernamentais.
Puderam-se observar, portanto, as manifesta¸oes de um amplo con-
tingente da popula¸ao brasileira que vivia num contexto de crise so cial, pois
al´em da constante queda no valor real dos sal´arios, eram crescentes os proble-
mas sociais como o analfabetismo, a fome, a mortalidade infantil e a mis´eria.
53
Em rela¸ao a essa situa¸ao, o desgaste do governo tamb´em se observou a partir
das manifesta¸oes populares, que reivindicavam melhores condi¸oes materiais
de sobrevivˆencia.
Nesse contexto, a pol´ıtica de Direitos Humanos da administra¸ao
Jimmy Carter nos Estados Unidos foi um componente fundamental no “ca-
minho ideol´ogico”
54
percorrido desde os anos 70 e durante os 80 em prol
da democratiza¸ao da Am´erica Latina
55
e do Brasil. A partir desta pol´ıtica
53
Sobre esta tem´atica ver SANTOS, Theotonio dos. Op. cit.; PEREIRA, Luiz Carlos
Bresser. Op cit. cap. 8–9; KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a hist´oria de uma crise. ao
Paulo: Brasil Debates, 1982.
54
SANTOS, Theotonio dos. Op. cit.
55
Ver MARINI, Ruy Mauro. Op. cit., AYERBE, Lu´ıs Fernando. Op. cit., IANNI,
Oct´avio. Imperialismo na Am´erica Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira,
1988.
69
manifestava-se um movimento de oposi¸ao `as formas estatais centralizadoras
sob a argumenta¸ao de que os governos que desenvolviam esse tipo de pol´ıtica,
estavam de alguma forma ligados “a regimes que desrespeitavam as liberda-
des humanas”.
56
Essa pol´ıtica estabelecia desde o cen´ario internacional uma
base de legitima¸ao aos discursos de oposi¸ao nos quais tendia-se a associar as
formas estatais centralizadas ao desrespeito das liberdades humanas.
57
Nesse sentido, compreendemos, conforme a referido, o per´ıodo de
transi¸ao democr´atica brasileira como um processo inserido nesse contexto de
crise do capitalismo em n´ıvel mundial, caracterizando, assim, uma forma h´ı-
brida peculiar `as especificidades internas do pa´ıs e `a sua interface com a de-
manda oriunda do contexto internacional que, com base nos estudos de Alberto
Aggio
58
e Luiz Werneck Vianna, caracterizamos como mais uma etapa do pro-
cesso de revolu¸ao passiva no Brasil.
59
´
E necess´ario tamb´em destacar que, de acordo com a perspectiva
te´orica anunciada no cap´ıtulo anterior, compreendemos o pro cesso de aber-
56
SANTOS, Theotonio dos. Op. cit.
57
Sobre isso ver SANTOS, Theotonio dos. Op. cit., e VIZENTINI, Paulo Gilberto Fa-
gundes. Op. cit., p 213–233.
58
Op. cit.
59
Pois como escreve Vianna: “a transi¸ao pol´ıtica do autoritarismo `a democracia reabre,
em condi¸oes novas, a agenda da revolu¸ao passiva: em primeiro lugar, porque as elites
p ol´ıticas do territorialismo foram afastadas do controle do Estado, tendo sido sucedidas
p or uma coaliz˜ao de for¸cas cada vez mais orientada por valores de mercado e pelo projeto
de ‘normaliza¸ao’ da ordem burguesa no pa´ıs, o que implicaria, al´em de uma ruptura com
o passado ‘o fim da era Vargas’ –, a subordina¸ao de to das as dimens˜oes do social a
uma racionalidade derivada das exigˆencias de moderniza¸ao capitalista, em segundo, porque
o seu ‘fermento’ ao est´a mais no liberalismo, nem na quest˜ao social, como no momento
da incorpora¸ao dos trabalhadores ao mundo dos direitos sociais sob a ao tuteladora e
organizadora do Estado. O ‘fermento’ agora ´e a democracia, tal como se manifesta no
processo de massifica¸ao da cidadania, ora em curso”. VIANNA, Luiz Werneck. Op. cit.
70
tura democr´atica como um momento de reordenamento entre os elementos
que compuseram a espec´ıfica forma¸ao social e hist´orica que sistematizamos
sob o conceito gramsciano de bloco hist´orico.
Um reordenamento que focamos sob o que Alberto Aggio chamou de
“hip´otese interpretativa” da“revolu¸ao passiva”,
60
a que a partir deste conceito
nossa interpreta¸ao acerca do per´ıodo referente a este trabalho ao se encerra
61
no desenvolvimento econˆomico interno ou na an´alise das for¸cas progressistas
em n´ıvel local, mas se estabelece efetivamente enquanto uma compreens˜ao
acerca do nexo que existe entre esses elementos e o contexto internacional,
conferindo especial destaque ao aspecto ideol´ogico peculiar a essa nova fase do
capitalismo.
Assim, ´e a esta rela¸ao entre as especificidades internas e a situa¸ao
internacional que Gramsci chamou de “impulso renovador”
62
nos processos de
revolu¸ao passiva. Uma rela¸ao em que, no dizer de Gramsci, o desenvolvi-
mento internacional“manda `a periferia suas correntes ideol´ogicas”,
63
e que num
contexto de revolu¸ao passiva isso ocorre “quando o impulso do progresso ao
60
Nesse sentido vale lembrar que ao se trata de uma mera aplica¸ao conceitual mas
como define Aggio: “por meio desta referˆencia gramsciana, pode-se inferir que a revolu¸ao
passiva, compreendida como um ‘crit´erio de interpreta¸ao’, possibilita pensar processos bas-
tante variados de constru¸ao estatal e moderniza¸ao capitalista, implicando a sua verifica¸ao
p ela an´alise hist´orica. E que nesse sentido pode-se afirmar que, de um ponto de vista te´o-
rico, da epistemologia gramsciana da ‘revolu¸ao sem revolu¸ao’, tende a individualizar um
procedimento metodol´ogico circular, isto ´e, ‘de um fenˆomeno definido como um paradigma
interpretativo mais geral que, por sua vez, deve ser verificado concretamente `a luz de es-
p ec´ıficas exemplifica¸oes hist´oricas’ . Procedendo assim como observa o autor em “uma
tentativa de ‘tradu¸ao’ conceitual’ . AGGIO, Alberto. Op. cit.
61
Segundo Aggio, o conceito gramsciano de “revolu¸ao passiva” pode ser tomado enquanto
“hip´otese interpretativa da hist´oria pol´ıtica latino-americana”. Idem, ibidem.
62
Idem, ibidem.
63
Idem, ibidem.
71
se encontra intimamente vinculado a um vasto desenvolvimento econˆomico
local”.
64
Como ocorreu no caso brasileiro, onde a partir do governo Geisel,
iniciado em 1974, observou-se a retomada de pol´ıticas econˆomicas de cunho
nacional-estatista, as quais se estabeleceram em dire¸ao contr´aria aos rumos
que o capitalismo tomava em n´ıvel mundial.
Com rela¸ao `a afirma¸ao de que em n´ıvel internacional o centro
“manda `a periferia suas correntes ideol´ogicas”, entendemos ser necess´ario tecer
algumas considera¸oes. Nesse sentido, destacamos que as referidas “correntes
ideol´ogicas” ao ao apropriadas de forma acr´ıtica nos pa´ıses capitalistas peri-
f´ericos, mas as formas sob as quais essa ideologia dominante se manifesta nos
mesmos ´e espec´ıfica `a forma¸ao social e hist´orica a qual ela se refere.
Observamos, portanto, que nesse contexto a conjuntura interna bra-
sileira representou um ambiente prop´ıcio ao o para o desenvolvimento de ini-
ciativas nos campos pol´ıtico e econˆomico de forma convergente com a situa¸ao
internacional, mas era tamb´em um campo f´ertil para as id´eias que emergiam
nesse momento da conjuntura internacional. Nesse sentido a perspectiva refor-
mista da “estrat´egia da ‘derrota’ , assumida pela frente de oposi¸ao ao regime,
foi essencial para o desenvolvimento desse ide´ario, na medida em que preconi-
zava ao inv´es de uma ruptura efetiva com o regime autorit´ario, uma reforma.
Uma reforma mais centrada em se contrapor ao car´ater autorit´ario do governo
do que em modificar efetivamente o n´ıvel das estruturas, a que o novo sistema
pol´ıtico representou uma forma de inser¸ao do Brasil no circuito capitalista
64
Idem, ibidem.
72
mundial mais adequada ao seu est´agio de desenvolvimento, ap´os a eclos˜ao da
crise em 1973.
Portanto, nesse momento o pa´ıs continuava sob um regime pol´ı-
tico que ao mais atendia `a demanda da organiza¸ao do capitalismo em n´ı-
vel mundial, na medida em que vinha apresentando um gradativo retorno aos
pressupostos do nacional-estatismo, e que no ˆambito interno apresentava sinais
irrevers´ıveis de desgaste em amplos setores sociais. Dessa forma esse momento
de revolu¸ao passiva se estruturou a partir de um vi´es de transformismo, pois
como infere Luiz Werneck Vianna
´e ineg´avel que a transi¸ao significasse admitir uma solu¸ao
de transformismo, uma vez que, por defini¸ao, ao impor-
tava negar uma via de ruptura como condi¸ao para a insti-
tucionaliza¸ao da democracia no pa´ıs”.
65
A segunda considera¸ao se estabelece no sentido de atentar para a
necess´aria rela¸ao, em termos anal´ıticos, dos nexos existentes entre as rela¸oes
internas do bloco hist´orico, ou forma¸ao so cial e hist´orica, a ser analisado sob a
hip´otese interpretativa de revolu¸ao passiva, e o contexto internacional ao qual
este pertence. Mesmo que haja uma efetiva combina¸ao de for¸cas progressistas
no ˆambito interno, estas o se desenvolver˜ao de modo a estabelecerem-se como
protagonistas no processo de consolida¸ao de uma revolu¸ao passiva mediante
“uma situa¸ao internacional favor´avel a sua expans˜ao e vit´oria”.
66
65
VIANNA, Luiz Werneck. A esquerda e os quinze anos da transi¸ao. Gramsci e o Brasil,
2000. Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv120.htm>.
66
VIANNA, Luiz Werneck. Caminhos e descaminhos da revolu¸ao passiva `a brasileira.
Op. cit.
73
E por fim, uma terceira considera¸ao com rela¸ao `a transmiss˜ao
das correntes ideol´ogicas do centro `a periferia, onde destacamos a fundamental
importˆancia dos intelectuais enquanto categoria que possibilita essa transmis-
ao e dos meios de comunica¸ao de massa como as organiza¸oes materiais que
veiculam tais correntes ideol´ogicas. Como observa Jos´e Aric´o:
“[. . . ] ent˜ao, o grupo portador das novas id´eias ao ´e o grupo
econˆomico, mas a camada de intelectuais, e a concep¸ao de
Estado da qual faz propaganda muda de aspecto: este `e con-
cebido como uma coisa em si, como um absoluto racional”.
67
Observamos, portanto, a importˆancia dos meios de comunica¸ao de
massa enquanto ve´ıculos que possibilitam a difus˜ao material das id´eias oriun-
das de um contexto hist´orico espec´ıfico. Nesse sentido, destacamos a Revista
Veja como um importante ve´ıculo de difus˜ao no Brasil dos pressupostos ´eticos,
pol´ıticos, econˆomicos, sociais e culturais da nova ordem que irrompeu no cen´a-
rio mundial desde meados dos anos 70, e que veio a consolidar-se efetivamente
nos anos 90 a partir das pol´ıticas ligadas aos pressupostos da globaliza¸ao.
Nesse contexto, referimo-nos `a Revista Veja como uma das bases
materiais de constru¸ao de um consenso ativo, portanto de uma hegemonia,
68
como refere Ivete Simionatto, em torno da id´eia universal de democratiza¸ao
que, mais que a implanta¸ao de um novo modelo pol´ıtico e econˆomico, se
estabeleceu no sentido de uma “reforma intelectual e moral”.
67
ARIC
´
O, Jos´e. Por que Gramsci na Am´erica Latina ? Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel
em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv66.htm>.
68
Ver tamb´em MORAES, Dˆenis de. Notas sobre o imagin´ario social e hegemonia cultural.
Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv44.htm>.,
e BACZKO, Bronislaw. Imagina¸ao social. In: Enciclop´edia Einaudi. Lisboa: Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, Editora Portuguesa, 1985.
74
Nesse sentido compreendemos a Revista Veja como um ´org˜ao de
difus˜ao do que Ivete Simionatto denominou de uma “cultura de crise”
69
de
natureza “transclassista”, oriunda da crise do capitalismo em n´ıvel mundial.
Compreendemos, portanto, o processo de revolu¸ao passiva como
hip´otese interpretativa do per´ıodo de transi¸ao democr´atica brasileira ocorrido
entre as d´ecadas de 70 e 80. Um processo caracterizado pela coaliz˜ao entre
os setores ligados essencialmente `a democracia pol´ıtica que compreendiam
efetivamente o car´ater transformista do processo e aqueles fortemente iden-
tificados `a democratiza¸ao social, onde os primeiros compreendiam os grupos
ligados `a oposi¸ao consentida e os ´ultimos ao novo sindicalismo. Portanto, foi
a partir dessa coaliz˜ao que se desenvolveu, no plano pol´ıtico, o bloco de for¸ca
que, por um processo de “eros˜ao” ou “derrota”, contribuiu para a queda do
regime autorit´ario.
69
Op. cit. p. 49
75
3 A rela¸ao de
interdependˆencia entre
economia e organiza¸ao
pol´ıtica no Brasil na
d´ecada de 80 do s´eculo XX
As id´eias de liberaliza¸ao na economia e de descentraliza¸ao pol´ı-
tica foram desenvolvidas, nos discursos de oposi¸ao ao governo no contexto
da ecada de 80, como observamos em rela¸ao `a revista Veja, de forma in-
terdependente. Observamos isso na medida em que os ap elos em prol de um
redirecionamento pol´ıtico se estabeleceram de forma orgˆanica a um conjunto
de redefini¸oes, entre os quais est˜ao os de natureza econˆomica, estabelecendo,
dessa forma, um eixo comum presente na linha editorial da revista Veja
1
na
d´ecada de 80, que nos permite caracteriz´a-la como um “aparelho privado de he-
gemonia”,
2
dotado de uma autonomia relativa em rela¸ao `a organiza¸ao estatal
1
A fim de referir, em linhas gerais, a linha editorial da revista, destacamos em anexo
alguns editoriais onde esse aspecto pode ser delineado. Ver Anexo B a E.
2
SIMIONATTO, Ivete. O social e o pol´ıtico no pensamento de gramsci. In: AGGIO,
Alberto. Gramsci: a vitalidade de um pensamento. ao Paulo: Funda¸ao Editora da
UNESP, 1998.
76
e que mantinha v´ınculos estreitos com a perspectiva da nova ordem mundial.
Essa perspectiva apareceu organizada de forma a estabelecer no
plano discursivo uma necessidade de moderniza¸ao no pa´ıs, que com rela¸ao
`a esfera econˆomica e em rela¸ao `a sociedade pol´ıtica foi alicer¸cada na id´eia de
liberaliza¸ao da economia e de descentraliza¸ao pol´ıtica. Esse foi o jogo de
id´eias que permaneceu constante nas edi¸oes da revista nos anos 80. E ele foi
desenvolvido, em grande parte, a partir da veicula¸ao direta e indiretamente
de opini˜oes oriundas de diversos setores de oposi¸ao ao governo. E observamos
essas referˆencias, tanto em rela¸ao a diferentes programas de oposi¸ao, quanto a
atores ligados a diferentes fun¸oes sociais: empres´arios, economistas, pol´ıticos,
advogados, etc . . .
Destacamos, portanto, que os apelos em prol de um redireciona-
mento pol´ıtico no pa´ıs, de acordo com a an´alise de express˜oes discursivas vei-
culadas atrav´es da revista Veja ao longo da d´ecada de 80, se estabeleceu em
rela¸ao `a esfera econˆomica relacionada a trˆes id´eias asicas: a dissonˆancia en-
tre a pol´ıtica econˆomica e o livre desenvolvimento da economia, as cr´ıticas
direcionadas `a centraliza¸ao pol´ıtica e a alternativa democr´atica para a sa´ıda
da crise.
3.1 A dissonˆancia entre a pol´ıtica econˆomica
e o livre desenvolvimento da economia
Um aspecto que foi alvo das cr´ıticas de oposi¸ao ao governo atrav´es
da revista Veja foi a pol´ıtica econˆomica intervencionista que, salvo as diferen¸cas
77
peculiares `as administra¸oes do general Figueiredo e de Jos´e Sarney, manteve
suas caracter´ısticas essenciais.
Nesse sentido, o governo era acusado, por meio das express˜oes dis-
cursivas veiculadas atrav´es da revista Veja, de impedir o aquecimento e o livre
desenvolvimento da economia atrav´es de oes tomadas pela via pol´ıtica nesse
ˆambito. Em rela¸ao a esse aspecto vejamos:
“esta semana, em Bras´ılia, o superusineiro Orlando Ometto,
o maior plantador individual de cana do mundo, joga a car-
tada decisiva sobre o Projeto Bodoquena um investimento
de 10 bilh˜oes de cruzeiros que conta com a participa¸ao dos
grupos Votorantim, Atlˆantica-Boa Vista e Dedini em en-
contros com os ministros Danilo Venturini e Jo˜ao Leit˜ao de
Abreu. Pressionado por vetos ao projeto que partiram do
Instituto de Mato Grosso do Sul e da Secretaria Especial
de Meio Ambiente, o projeto Bodoquena que deveria res-
ponder por 2,3% da produ¸ao total do Pro´alcool vive mo-
mentos de agonia. Depois de enquadrado pelo Minist´erio
da Ind´ustria e do Com´ercio, o projeto deveria receber um
financiamento de 70% dos investimentos para fazer frente `as
obras pioneiras de infra-estrutura, como irriga¸ao e p ontes.
Isso, no entanto, foi cancelado. O governo, segundo os em-
preendedores, decidiu reduzir seu financiamento, o que para
Bodoquena, representou um golpe decisivo. [. . . ] Por tudo
isso, em pelo menos um dos minist´erios mais importantes,
na semana passada, dava-se como letra morta aquele que
seria o maior projeto de ´alcool do planeta.”
3
Essa posi¸ao, de que a pol´ıtica econˆomica exercida pelo governo
estaria interferindo no direito de produ¸ao do empresariado, prejudicando as-
sim a economia e ferindo os direitos individuais do cidad˜ao, foi manifestada
na revista tamb´em atrav´es da veicula¸ao da opini˜ao atribu´ıda ao economista
3
O IMPASSE do ´alcool. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 677, p. 85, 26 ago.
1981. Mat´eria ao assinada.
78
Roberto Campos: “o empres´ario ´e livre para produzir o que quiser e escolher a
melhor tecnologia. Ele sabe melhor que o tecnocrata o que o mercado exige.”
4
Destacamos ainda nessa dire¸ao, a forma como aparece na revista a
opini˜ao de Myriam Lee, que, como empres´aria lesada pela pol´ıtica do governo,
se colocou em oposi¸ao a ele atrav´es da revista: “hoje vai a minha empresa.
Mas isso ´e o o come¸co. Do jeito que as coisas ao, a empresa nacional, que ´e
um animal quase extinto, vai-se acabar.”
5
A partir destes destaques, observamos que na revista constitu´ıa-
se uma imagem onde os empres´arios nacionais
6
apareciam como estando em
dissonˆancia
7
com as oes do governo no ˆambito da economia. Uma perspectiva
que tamb´em apareceu em rela¸ao ao caso da abrica de molas Sueden, cujo caso
espec´ıfico foi explorado atrav´es da revista como uma situa¸ao pr´atica de um
suposto confronto de interesses entre os empres´arios e a pol´ıtica econˆomica do
governo. Nesse sentido veja-se:
“o governo mudou, e a Ford voltou a se defender contra o
‘grup o setorial’, o que por outro caminho. Entrou na Su-
dene com um projeto para produzir molas em sua abrica de
Jaboat˜ao, Pernambuco uma velha unidade mantida pela
empresa apesar do fracasso que foi sua tentativa de utiliz´a-
la na montagem de jipes. O projeto foi aprovado. Entre os
fornecedores, a Sueden era a mais vulner´avel: 40% de sua
4
CAMPOS, Roberto. Podemos perder o bonde. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 835,
p. 6, 5 set. 1984. Por S´ılvio Ferraz.
5
EM MEIO `a tempestade. Veja ao Paulo, n. 671, p. 94, 15 jul. 1981. Mat´eria ao
assinada. Reportagem de capa.
6
Em rela¸ao ao empresariado nacional que trabalhava de forma associada com o capital
internacional.
7
Sobre isso ver VIEIRA, Jorge Hil´ario Gouvˆea. A salvao ´e o mercado. Veja Ponto
de Vista, ao Paulo, n. 670, p. 122, 8 jul. 1981.
79
produ¸ao ao vendidos para a Ford. [. . . ] a Ford fez exa-
tamente o que lhe pedem em Bras´ılia: cortar custos para
poder segurar o pre¸co dos carros.”
8
Note-se que, na passagem destacada, o governo ´e apontado como
agente respons´avel pela derrocada da abrica Sueden, embora tenha sido a em-
presa Ford que tenha interrompido o contrato com a sua fornecedora. Assim
sendo, a pol´ıtica do governo era responsabilizada novamente p e la empresa na-
cional ser prejudicada. E nesse sentido as duas empresas eram apontadas na
revista como vitimadas pela pol´ıtica econˆomica estatal.
Seguindo nessa linha, atentamos para o fato de que as posi¸oes que
se contrapunham `as oes do governo na economia em rela¸ao `as empresas
nacionais, ao eram defendidas somente pelo empresariado. Tamb´em consistiu
em um ponto de vista sustentado por expoentes ligados a outros setores de
oposi¸ao. Ainda em rela¸ao ao caso Sueden aparece na revista a manifesta¸ao
atribu´ıda a Sandra Cavalcanti
9
“[. . . ] olhem o o que aconteceu com a abrica de molas
Sueden, de Myriam Lee: vocˆe incomoda um burocratazinho,
[que] com uma penadazinha, toma aquilo que voe tem.”
10
A p ol´ıtica econˆomica do governo tamb´em foi criticada pelos defen-
sores das multinacionais no Brasil, tanto aqueles que defendiam a sua sobre-
vivˆencia no pa´ıs, como os que se colocavam em defesa da sobrevivˆencia das
8
EM MEIO `a tempestade. Op. cit., p. 94.
9
Que naquele momento era a “preferida pelo eleitor de Rio”, conforme consta na revista.
10
CAVALCANTI, Sandra. A pol´ıtica atrapalha. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 671,
p. 3, 15 jul.1981. Por Marcos a Corrˆea. Note-se que aqui o caso ao foi referido somente
como o efeito de uma pol´ıtica econˆomica como a forma como foi referido anteriormente –,
mas foi tamb´em relacionado a uma atitude autorit´aria do governo na esfera econˆomica.
80
empresas nacionais que operavam com elas de forma associada. Em rela¸ao a
esse aspecto, a proposta em torno da Pol´ıtica de Inform´atica, na forma como
fora encaminhada pelo governo ao Congresso, teria sido amplamente criticada.
Destacamos a esse respeito a opini˜ao atribu´ıda ao economista e
enao Senador Roberto Campos, veiculada na revista Veja,
11
em rela¸ao `a
pol´ıtica do governo para o setor da inform´atica no Brasil:
“os prejudicados ao todos os usu´arios, que compram produ-
tos com menor sofistica¸ao tecnol´ogica por pre¸cos trˆes a dez
vezes superiores aos cobrados por um similar no mercado in-
ternacional. Al´em deles a os empres´arios cassados pela SEI,
que ao tiveram o direito de produzir, as pequenas e m´edias
empresas fornecedoras de comp onentes, que perderam clien-
tes potenciais, e as exporta¸oes brasileiras, que deixam de
aproveitar o grande mercado mundial. Esse mercado poderia
ser ampliado por empresas mistas e multinacionais.”
12
Com base nos supostos argumentos de oposi¸ao `a Lei de Inform´atica
como proposta pelo governo, foi referida uma crise tamb´em em outros setores
tecnol´ogicos ligados a essa quest˜ao:
“fechando o circuito, um numeroso lote de empresas estran-
geiras resolveu parar seus investimentos nas subsidi´arias que
mant´em no Brasil, `a espera do que acontece.
´
E o caso da
Olivetti, a Siemens, a Philips nenhuma delas americana,
mostrando que o choque Brasil-Estados Unidos a causa efei-
tos sem fronteiras que nada em a ver com os dois pa´ıses. A
11
Nessa ´epoca o economista era tamem Senador e estava ligado politicamente `a corrente
de Paulo Maluf que tamb´em correspondia a um matiz da oposi¸ao `a pol´ıtica econˆomica do
governo.
12
CAMPOS, Roberto. Op. cit., p. 3. Note-se que no trecho destacado ao ao apontados
como poss´ıveis prejudicados pela Pol´ıtica de Inform´atica do governo somente os setores
empresariais, mas tamb´em “todos os usu´arios” dos bens e servi¸cos a ela relacionados.
81
General Motors ainda ao teve resposta da SEI para fabri-
car no Brasil os componentes digitais do seu novo carro, o
Kadett um investimento de 500 milh˜oes de olares.”
13
E segue:
“a SEI exige que a GM e a uma companhia nacional a tec-
nologia desses componentes, presente que a empresa ameri-
cana ao concorda em dar. [. . . ] ao ´e por menos que o
contencioso do Brasil com seus principais parceiros comerci-
ais ao cessa de crescer. a muito mais neste contencioso,
que quanto mais evolui mais faz aumentar a perplexidade
em torno de uma pol´ıtica que surgiu para gerar tecnologia
nacional e, at´e agora, o que mais fez foi colocar para fora
investimentos, empregos, produtos e boas rela¸oes diplom´a-
ticas em troca de uma ainda vaga promessa de um caminho
pr´oprio na ´area de inform´atica. Pode ser que mais pra frente,
ao se fazer o balan¸co dessa pol´ıtica, surja algum lucro para
o pa´ıs. Por enquanto, contudo, o resultado ainda ao saiu
do vermelho.”
14
Em rela¸ao aos destaques em torno da Quest˜ao da Inforatica,
como exemplo da suposta posi¸ao do governo em torno das multinacionais, e,
com isso, do desenvolvimento de uma economia mista de mercado, fica clara a
posi¸ao manifestada atrav´es da revista de que a pol´ıtica econˆomica do governo
estaria impedindo o livre desenvolvimento da economia no pa´ıs em fun¸ao da
demanda do mercado, atrav´es de uma pol´ıtica de cunho intervencionista. Mas
esse aspecto ao foi explorado somente em rela¸ao `a Quest˜ao da Inform´atica,
13
CONFUS
˜
AO eletrˆonica. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 932, p. 103, 16
jul. 1986. Mat´eria ao assinada.
14
Ibidem. Em rela¸ao `a Quest˜ao da Inform´atica como veiculada atraes da revista Veja,
ver tamb´em TREMOR em Bras´ılia. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 889, p.
112–114, 18 set. 1985. Mat´eria ao assinada., e PENNA, Jo˜ao Camilo. A inform´atica ser´a
nossa? Veja Ponto de Vista, ao Paulo, n. 828, p. 162, 18 jul. 1984, e como texto
relacionado FEIGENBAUM, Edward Albert. O po der da informa¸ao. Veja Entrevista,
ao Paulo, n. 891, p. 3–6, 2 out. 1985. Por Roberto Garcia.
82
a que a constru¸ao da id´eia de dirigismo econˆomico atrav´es de um intervenci-
onismo estatal ode ser observada tamb´em em outros momentos, como:
“muito pouco de imp ortante se faz no Brasil sem que es-
teja presente a ao ou a sombra do Estado. A sociedade
como um todo se acostumou a essa tutela. A cada crise
no sistema produtivo, empres´arios voltam olhares s´uplices
para o governo. A cada problema que enfrenta, a popula¸ao
espera resignadamente que o poder p´ublico se lembre dela.
O Estado ´e chamado a regulamentar, coordenar, controlar,
uniformizar e tabelar produtos, servi¸cos e atividades que
deveriam ser regulados pelo mercado ou pelas negocia¸oes
entre as partes interessadas. O resultado ao poderia ser
outro: a pretexto de proteger a sociedade, o Estado acaba
por submetˆe-la a uma camisa-de-for¸ca.”
15
Tamb´em nesse sentido, ganharam express˜ao atrav´es da revista opi-
ni˜oes atribu´ıdas a executivos representantes de multinacionais no Brasil, como
a do diretor de assuntos externos da IBM, Murilo Loureiro: “a reserva de mer-
cado ´e uma lei discriminat´oria em rela¸ao ao capital estrangeiro, que elimina
a concorrˆencia.”
16
Nesse sentido, tamb´em nos reportamos `a opini˜ao atribu´ıda ao pre-
sidente da Nestl´e no Brasil, Alexandre Mahler, que, segundo consta na revista,
“pinta um quadro mais austico”
17
atrav´es de sua compara¸ao: “se Fran¸cois
Mitterand fosse presidente do Brasil ao teria dificuldade para a aplica¸ao de
seu programa de estatiza¸ao.”
18
15
CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. A gula do deus-Estado. Veja Ponto de vista,
ao Paulo, n. 897, p. 146, 13 nov. 1985.
16
EM MEIO `a tempestade. Op. cit, p. 97.
17
Ibidem, p. 98
18
Ibidem, p. 98.
83
Aparece tamb´em na revista a opini˜ao atribu´ıda ao diretor-superin-
tendente da Rhodia no Brasil Jean Avril: “essa situa¸ao nos deixa apreensivos.
Se estamos no Brasil participando de seu desenvolvimento, temos que ser tra-
tados como as empresas brasileiras.”
19
Ainda nesse sentido, destacamos a posi¸ao que aparece na revista
juntamente com a opini˜ao atribu´ıda ao presidente da General Motors no Brasil:
‘chegamos ao fundo do po¸co’, constata [. . . ] o presidente da General Motors
no Brasil, Joseph Sanchez, da ponte de comando do setor que est´a sendo
machucado mais a fundo pelo rigor da pol´ıtica econˆomica.”
20
Destacamos tamb´em em rela¸ao a esse aspecto a referˆencia `a opi-
ni˜ao atribu´ıda ao diretor comercial da Saab-Scania veiculada na revista: ‘re-
conhecemos a necessidade de certos rem´edios para conter a infla¸ao’, diz ele.
‘Mas quando a gente ao e sa´ıda a curto prazo, vem a pergunta: at´e quando
podemos suportar?’
21
Sob essa perspectiva de oposi¸ao `as pol´ıticas econˆomicas do go-
verno ´e constru´ıda na revista a id´eia de que empres´arios nacionais e estran-
geiros ao representavam setores antagˆonicos entre si, mas que ambos supos-
19
Ibidem, p. 98.
20
A F
´
URIA do desemprego. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 676, p. 85, 19
ago. 1981. Mat´eria ao assinada.
21
Ibidem. Os destaques retirados da mat´eria intitulada“A f´uria do desemprego”, veiculada
na edi¸ao de 19 ago. 1981, apareceram na estrutura discursiva em rela¸ao `a quest˜ao do
desemprego onde foi constitu´ıda a id´eia de que, mesmo que o empresariado tentasse resistir
ao processo de demiss˜oes em curso no pa´ıs, eles seriam obrigados a isso em face da pol´ıtica
econˆomica praticada pelo governo naquele momento. Uma situa¸ao que foi relacionada na
mat´eria com a quest˜ao do desemprego no pa´ıs, e esta em ´ultima an´alise como conseq
¨
uˆencia
da pol´ıtica governamental em rela¸ao `a economia.
84
tamente se contrapunham `as oes do governo na esfera da economia. Nesse
sentido observamos, no ˆambito das express˜oes discursivas veiculadas atrav´es
da revista Veja, a composi¸ao de uma frente de oposi¸ao em rela¸ao `a po-
l´ıtica econˆomica do governo, representando, em ´ultima an´alise, os interesses
de grupos econˆomicos, nacionais e estrangeiros, que buscariam desenvolver-se
atrav´es de um sistema misto de capitais associados entre empresas nacionais e
estrangeiras. Uma posi¸ao abordada no plano discursivo como se contrapondo
`as oes governamentais de cunho estatizante que, na d´ecada de 80, ainda se-
riam praticadas atrav´es da pol´ıtica econˆomica do governo brasileiro, segundo
aparece nas cr´ıticas atribu´ıdas na revista a esse setor de oposi¸ao.
Essa perspectiva ode ser percebida, portanto, a partir da opini˜ao
atribu´ıda a empres´arios e economistas brasileiros que teriam em comum a
defesa ao desenvolvimento econˆomico do pa´ıs a partir de um sistema misto
de capitais associados. Em rela¸ao a esse aspecto, destacamos a veicula¸ao
de uma pesquisa de opini˜ao originalmente publicada na revista Exame e que
posteriormente foi veiculada atrav´es da revista Veja:
“dos 632 empres´arios que responderam `a pesquisa semestral
da revista Exame, 432 (68,4%) qualificaram o governo do
general Figueiredo como ‘ruim e p´essimo’, 158 (25%) como
‘regular’ e apenas 39 (6,1%) disseram que foi ‘excelente e
bom’, sem contar trˆes entrevistados que preferiram votar
em branco.”
22
Consta ainda na revista que a pesquisa seria o indicador da expres-
ao da desaprovao dos empres´arios `a pol´ıtica econˆomica do governo Figuei-
22
TODOS na pior. Veja Pesquisa, ao Paulo, n. 801, p. 88, 11 jan. 1984. Mat´eria ao
assinada.
85
redo. Nesse sentido, constituiu-se na revista uma suposta posi¸ao geral do
empresariado brasileiro, em rela¸ao ao governo: “[. . . ] os empres´arios desapro-
vam esmagadoramente os ministros da ´area econˆomica [. . . ]”
23
A veicula¸ao da referida pesquisa na revista foi mais uma das for-
mas como apareceu a id´eia de consenso entre o setor empresarial no Brasil em
torno da suposta desaprovao em rela¸ao ao governo, mas a id´eia em torno
do estab elecimento de uma frente de oposi¸ao em rela¸ao `a pol´ıtica econˆomica
praticada pelo governo ao apareceu na revista Veja como sendo constitu´ıda
exclusivamente por empres´arios nacionais e representantes das empresas es-
trangeiras do pa´ıs. Essa frente foi relacionada na revista tamb´em como sendo
composta p or empres´arios e trabalhadores. Nesse sentido, veja-se:
“alguns empres´arios come¸cam a acreditar que as exigˆencias
dos trabalhadores em sua raz˜ao de ser, apesar do espec-
tro da infla¸ao agitado diariamente por Bras´ılia. Wolfgang
Sauer, presidente da Volkswagen do Brasil, agita o mesmo
fantasma, mas aponta outra dire¸ao. ‘Com essa infla¸ao que
est´a a´ı, os ao temos moral para negar a trimestralidade
aos nossos empregados’, afirma o empres´ario. Adhemar de
Barros Filho, candidato a prefeito de ao Paulo pelo PDT e
dono da abrica de chocolates Lacta, a concedeu os reajustes
trimestrais a seus empregados, em ao Paulo. E o senador
Albano Franco, presidente da Confedera¸ao Nacional da In-
d´ustria, disp˜oe-se a sentar `a mesa com os assalariados para
conversar at´e mesmo a respeito desse tema ´arduo. ‘Os tra-
balhadores tˆem muito pouco a ceder’, afirma ele. Por sua
vez, exige: ‘Os empres´arios est˜ao dispostos ao sacrif´ıcio se
o governo trabalhar pela redu¸ao da taxa de juros e reduzir
sua interven¸ao na economia’.”
24
23
Ibidem.
24
O PA
´
IS em oo cego. Veja Brasil, ao Paulo, n. 892, p. 41, 9 out. 1985. Mat´eria
ao assinada. Sobre interven¸ao estatal na economia ver tamb´em CASTRO, Paulo Rabello
de. A verdade est´a oculta. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 896, p. 3-6, 6 nov. 1985. Por
86
A posi¸ao em que empregados e empregadores aparecem na revista
do mesmo lado, e em antagonismo ao governo, pode tamb´em ser ilustrada com
base no texto: “trabalhadores e empregadores ter˜ao suas contribui¸oes elevadas
para que o governo possa tapar o rombo da Previdˆencia Social”.
25
A partir dessa posi¸ao sustentada na revista, onde o governo era
colocado como sendo o inimigo comum de patr˜oes e empregados, a quest˜ao
pol´ıtica ia sendo sobreposta ao tradicional antagonismo de classes. E tamb´em,
na medida em que os supostos interesses das empresas nacionais e estrangeiras
eram igualmente colocados como um grande bloco econˆomico de oposi¸ao ao
governo, ia sendo delineada a acep¸ao acerca de uma frente social de oposi¸ao
ao governo. Ou, como consta na revista, de um “pacto social”.
26
3.2 Centraliza¸ao pol´ıtica no Brasil: um pre¸co
alto para o pa´ıs e um algoz `a sociedade
Observamos, na revista Veja, cr´ıticas igualmente no sentido de rela-
cionar a organiza¸ao no campo pol´ıtico com as oes do governo na economia.
De acordo com a argumenta¸ao ali veiculada, a estrutura pol´ıtica centraliza-
dora seria o elemento que possibilitaria a tomada de medidas de cunho arbi-
tr´ario do governo em rela¸ao `a economia.
Anonio Machado de Barros.
25
UMA BATALHA p erdida. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 675, p. 92, 12
ago. 1981. Mat´eria ao assinada.
26
O PA
´
IS em oo cego. Op. cit. Em rela¸ao a “pacto social” ver tamem SURUAGY,
Divaldo. Os riscos da ruptura. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 842, p. 5–8, 24 out. 1984.
Por Augusto Nunes., e CASTRO, Paulo Rabello de. Op. cit.
87
Nesse sentido, destacamos as cr´ıticas estabelecidas em torno da
id´eia de excessiva centraliza¸ao do Estado no n´ıvel pol´ıtico e o suposto esta-
belecimento da rela¸ao entre esse aspecto e a retra¸ao do desenvolvimento da
economia brasileira na dire¸ao do movimento da economia em n´ıvel global.
Uma delas ´e referente `a forma como aparece na revista a posi¸ao
atribu´ıda ao enao ex-ministro da Desburocratiza¸ao e da Previdˆencia Social,
H´elio Beltr˜ao:
“participamos de uma estranha organiza¸ao social, procla-
madamente liberal e privatista, em que, sob o amparo do
centralismo, o Estado aumentou desmesuradamente sua di-
mens˜ao e interferˆencia na atividade econˆomica e social, redu-
zindo-se de forma inadmiss´ıvel o espa¸co reservado `a atua¸ao
das pessoas, das empresas e dos entes sociais intermedi´a-
rios.”
27
E foi posta em destaque na revista a frase conclusiva de Beltr˜ao:
“descentralizar o poder ´e ao importante quanto reivindicar diretas a”.
28
A partir da referida frase e do fragmento anteriormente destacado,
observa-se com clareza a suposta cr´ıtica em rela¸ao `a forma de organiza¸ao
pol´ıtica que, sob essa perspectiva, estaria se desenvolvendo como um entrave
ao desenvolvimento econˆomico. E, nesse sentido, observamos a constitui¸ao
de diversas estrat´egias discursivas que apontam para a id´eia de que uma mu-
dan¸ca nas rela¸oes entre o governo e os empres´arios estaria vinculada a um
reordenamento pol´ıtico no pa´ıs.
27
BELTR
˜
AO, elio. O Brasil todo na fila. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n.
821, p. 122, 30 maio 1984.
28
Idem, ibidem.
88
A referˆencia `a id´eia de centralismo pol´ıtico como elemento nocivo `a
esfera da economia tamb´em ode ser observada na revista em outros momen-
tos, como na opini˜ao atribu´ıda ao economista Belmiro Valverde Jobim Castor,
enao ex-secret´ario do Planejamento do Paran´a:
“nada ´e mais intrigante para um brasileiro que vai aos Es-
tados unidos pela primeira vez do que constatar que frente
a frente, na mesma esquina, coexistem dois, trˆes postos de
servi¸cos em que o pre¸co da mesma gasolina ´e diferente. [. . . ]
Acostumado ao monop´olio das telecomunica¸oes, o mesmo
viajante dificilmente entenderia como podem duas compa-
nhias telefˆonicas operar dentro de uma mesma ´area urbana
e assim mesmo representar um alt´ıssimo padr˜ao de quali-
dade.”
29
Segue Castor:
“[. . . ] ao quero fazer a apologia do american way of life.
Quero, isto sim, fazer a apologia da diversidade. Mostrar
que uma sociedade, e particularmente seu sistema produtivo,
pode dispensar tanta ‘articula¸ao’, ‘coordena¸ao’, tanto con-
trole por parte de seu governo e ser muito eficiente, talvez
por isto mesmo. o domaremos a gula do nosso deus-Estado
e o obrigaremos a emagrecer quando, politicamente, assu-
mirmos uma nova postura em rela¸ao a ele e resolvermos
deixar que a sociedade procure solu¸ao para seus problemas
sem recorrer ao rega¸co da tecnoburocracia estatal. E, como
conseq
¨
uˆencia, levarmos essa tecnoburocracia a respeitar os
limites de atua¸ao autˆonoma dos cidad˜aos comuns.”
30
Note-se como na express˜ao discursiva em destaque, est˜ao presentes
elementos que se repetem em outros discursos veiculados na revista Veja em
torno da id´eia de liberaliza¸ao econˆomica e descentraliza¸ao pol´ıtica. Como
29
CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. Op. cit.
30
Idem, ibidem.
89
a quest˜ao da diversidade, da livre concorrˆencia, e dos supostos benef´ıcios que
estes elementos trariam `a economia e `a sociedade.
Destacamos, ainda, outra p osi¸ao de cr´ıtica onde se constr´oi a id´eia
de que existiria uma rela¸ao estreita entre a pol´ıtica econˆomica do governo e
uma pr´atica pol´ıtica centralizadora: “num discurso em que exibiu mais uma
vez sua capacidade para criar neologismos, Campos afirmou que o pa´ıs voltou
a um ‘neogoulartismo’ e acusou a equipe do governo de copiar ormulas do
ex-ministro Delfim Netto”.
31
A partir da posi¸ao destacada, observamos mais um elemento do
tra¸cado, atrav´es da revista, de um paralelo entre a necessidade de redefini¸ao
pol´ıtica no pa´ıs como condi¸ao para o desenvolvimento do progresso econˆomico
a partir dos pressupostos asicos da economia de mercado ou concorrencial.
Nesse sentido, a organiza¸ao estatal brasileira aparecia em variadas
estrat´egias de constru¸ao discursiva atrav´es da revista como uma forma de
organiza¸ao ineficiente, pois, al´em de frear o desenvolvimento econˆomico de
acordo com o movimento global da economia, esse modelo de organiza¸ao
pol´ıtica tamb´em era referido na revista como ineficaz no que dizia respeito
aos aspectos voltados ao plano interno da economia.
Referente a esse aspecto, a alta da infla¸ao no pa´ıs foi um elemento
atrav´es do qual a administra¸ao estatal foi criticada no plano discursivo. Nesse
31
O PA
´
IS em oo cego. Op. cit., p. 41.
90
Tabela 1: Os pre¸cos nas nuvens
JAN/84 DEZ/84 VARIA¸C
˜
AO
VOLKSWAGEN 1.300 3.245.602 12.016.576 270%
TELEFONE (impulso) 22 81 268%
ARROZ (kg) 360 1.260 250%
´
ALCOOL (l) 262 890 240%
A¸C
´
UCAR (kg) 298 1.000 235%
CAFEZINHO 120 400 233%
ORTN 7.013 22.110 215%
G
´
AS (buj˜ao) 3.200 10.000 212%
GASOLINA (l) 445 1.370 207%
´
OLEO DE SOJA (lata) 880 2.650 201%
LEITE (especial) 200 590 195%
CIGARRO (Hollywood) 410 1.200 192%
SAL
´
ARIO M
´
INIMO 57.120 166.560 191%
P
˜
AO (francˆes) 35 100 185%
CARNE (alcatra kg) 2.470 6.930 180%
OVOS (d´uzia) 685 1.750 155%
ELETRICIDADE (kw/h) 71 168 136%
REFRIGERANTE 150 300 100%
FEIJ
˜
AO (carioquinha kg) 1.000 1.750 75%
sentido destacamos a tabela veiculada em agina inteira em edi¸ao especial da
revista.
Atrav´es da tabela 1, onde eram referidos dados sobre um aumento
dos pre¸cos no ano de 1984, em rela¸ao a produtos asicos de consumo, foi
detectada uma taxa inflacion´aria m´edia de 220 pontos percentuais ao ano.
Esse panorama configuraria um cen´ario de crise que foi atribu´ıdo na revista,
como at´e aqui destacado, `a pol´ıtica econˆomica do governo.
Ainda em rela¸ao aos indicadores econˆomicos, constituiu-se discur-
sivamente a id´eia de um descontentamento em rela¸ao `a pol´ıtica econˆomica do
governo. A ineficiˆencia da estrutura estatal assim representada, foi criticada
91
tamb´em por meio de um paralelo entre as pol´ıticas econˆomicas desse per´ıodo
com a administra¸ao Castelo Branco. Em rela¸ao a esse aspecto, destacamos:
“apesar de tudo o governo Castelo Branco ode exibir no fim
do ano n´umeros positivos: a infla¸ao caiu de quase 92% para
menos de 35%, o saldo da balan¸ca comercial praticamente
dobrou e as reservas internacionais brasileiras se robustece-
ram.”
32
E tamem: “o governo Castelo Branco combateu a infla¸ao com
oposi¸ao e sem a figura do decreto-lei.”
33
Observamos, portanto, que na revista tamb´em era constitu´ıda a
id´eia de que a pol´ıtica econˆomica do governo Castelo Branco teria sido mais
eficiente que a dos governos da d´ecada de 80. E que, no plano econˆomico, ela
teria se estruturado a partir de pressupostos liberais, ou do internacionalismo-
liberal, supostamente uma forma eficiente no campo das pol´ıticas econˆomicas.
Entretanto, os aspectos criticados como sendo oriundos de uma
pol´ıtica econˆomica supostamente ineficaz ao eram limitados ao campo das
32
A F
´
URIA do desemprego. Op. cit., p. 88. Sobre infla¸ao ver tamb´em CASTRO, Paulo
Rab ello de. Op. cit.
33
SIMONSEN, ario Henrique. As lembran¸cas de 1965. Veja Ponto de vista, ao
Paulo, n. 726, p. 162, 4 ago. 1982. Em rela¸ao a esse aspecto ver tamb´em CAMPOS,
Rob erto. Op. cit. e UMA VIDA na Hist´oria. Veja Especial, ao Paulo, n. 931, p. 50-56,
9 jul 1986. Em rela¸ao a isso destacamos: na introdu¸ao da entrevista, Roberto Campos
foi apresentado, entre outras titula¸oes, como ex-ministro do governo Castelo Branco, o
que aparece no decorrer da entrevista de forma relacionada com a postura sustentada pelo
economista de modo a opor-se `a pol´ıtica econˆomica vigente na ´epoca. A mesma ogica
discursiva foi aplicada `a mat´eria sobre a vida e obra de Eugˆenio Gudin, onde ele ´e apresentado
ao o como relacionado `a equipe econˆomica do general Castelo Branco, mas tamb´em como
precursor da corrente de estudos econˆomicos praticada no Brasil por economistas, entre eles
p ol´ıticos e empres´arios, como Roberto Campos, ario Henrique Simonsen, Oct´avio Gouvˆea
de Bulh˜oes, entre outros.
92
an´alises econˆomicas e pol´ıticas. A crise que se estabeleceu nesse contexto foi
abordada na revista tamb´em em rela¸ao a seus custos sociais.
Nesse contexto, destacamos o desemprego como uma quest˜ao su-
postamente decorrente da pol´ıtica econˆomica que, para combater a infla¸ao,
impunha pol´ıticas recessivas que teriam sido sentidas no contexto social atrav´es
de mazelas como esta.
Assim foram explorados, nas formas discursivas que analisamos,
elementos abordados como decorrentes da onda de desemprego vivida no pa´ıs
e que estariam ligados ao cotidiano do trabalhador. Nesse sentido, foram
referidos casos particulares de trabalhadores que perderam seus empregos e
que, consideradas as devidas diferen¸cas, poderiam ser compreendidos como
exemplos que retratariam uma boa parte da sociedade brasileira na ecada de
80. Nesse caso observe-se:
“Ricardo
´
Evora, administrador de empresas, 35 anos, dois
filhos, foi at´e maio o exemplo do empregado bem-sucedido
[. . . ]. Hoje ´e outro entre milhares que lˆeem os an´uncios
de emprego como a coisa mais interessante que aparece nos
jornais. ‘J´a mandei meu curr´ıculo para mais de cinq
¨
uenta
empresas e at´e agora nada’, diz ele. Enquanto isso,
´
Evora
adotou um r´ıgido esquema de conten¸ao. ‘O carro o sai da
garagem para viagens imprescind´ıveis’, diz. ‘Cada centavo
poupado ´e valioso’.”
34
E tamb´em:
34
A F
´
URIA do desemprego. Op. cit, p. 87.
93
“Carlos Donizetti de Oliveira, 25 anos, ex-montador na Bras-
temp que por perder seu emprego teve de ‘desmontar a casa e
adiar seu casamento’ [. . . ]. Para sobreviver, ele est´a valendo-
se de um curso de eletrˆonica que completou no ano passado:
conserta adios e televis˜oes dos vizinhos e colegas. ‘Como
isso ao basta para o meu sustento, continuo a insistir na
busca de um emprego. Mas ao ´e acil’.”
35
Tamb´em foi explorada nesse contexto a situa¸ao que estaria sendo
vivida nesse momento por trabalhadores com mais idade e com maior tempo
de servi¸co:
“Severino Leobino, 52 anos, foi um dos demitidos da Mer-
cedes, depois de catorze anos de servi¸co. Torneiro mecˆanico
[. . . ], Severino sabe que tem pela frente uma longa tempo-
rada de desemprego. Casado, com quatro filhos, ele desa-
bafa: ‘Tenho amigos que est˜ao desempregados a seis, oito
meses, e ao conseguem nada’.”
36
Ainda foram explorados, atrav´es da revista, exemplos mais gerais
da situa¸ao dos trabalhadores no pa´ıs, sobretudo nos centros urbanos onde era
elevada a concentra¸ao de grandes empresas, como ao Bernardo do Campo,
considerada como “a capital do desemprego”
37
no pa´ıs.
Com rela¸ao `a quest˜ao do subemprego foi referido o caso:
“o metal´urgico ario ergio Sestari, 24 anos, demitido a
trˆes meses da General Motors, agora vende empadas, quib es
35
Ibidem, p. 87–88. Note-se a partir dos casos destacados a id´eia de que o desemprego
era referido como uma amea¸ca indistinta. E que assim sendo, tanto um executivo como um
op er´ario estariam `a mercˆe dessa amea¸ca.
36
Ibidem, p. 88
37
A TERRA do medo. Veja Cidades, ao Paulo, n. 677, p. 51, 26 ago. 1981. Mat´eria
ao assinada.
94
Tabela 2: Os desempregados total de pessoas nas regi˜oes metropolitanas
RIO DE JANEIRO 311.200
S
˜
AO PAULO 321.000
BELO HORIZONTE 81.500
PORTO ALEGRE 49.400
SALVADOR 56.900
RECIFE 61.700
e doces no port˜ao da Volkswagen e ao foi ele o ´unico
a solucionar dessa forma a abrupta perda do sal´ario: neste
mˆes, dobrou o n´umero de vendedores ambulantes em trˆansito
pelas ruas de ao Bernardo.”
38
Uma situa¸ao que, como foi trabalhada na revista, ao seria extra-
ordin´aria, mas abrangeria um grande n´umero de cidad˜aos de todas as camadas
sociais:
“centenas de desempregados limitam-se a formar rodinhas
de conversa nas portas dos antigos locais de trabalho ou na
pra¸ca Lauro Gomes. Outros, enfim, recorrem ao servi¸co de
promo¸ao social da Prefeitura, sem muita chance de ˆexito.”
39
Para se ter uma id´eia mais clara a respeito de como se constituiu
na revista a imagem dessa situa¸ao, destacamos a tabela 2
40
referente ao ano
de 1981:
Tamb´em foram relacionados na revista os principais problemas de
sa´ude aos quais os trabalhadores desempregados supostamente tornavam-se
38
Ibidem.
39
Ibidem.
40
A F
´
URIA do desemprego. Op. cit., p. 85.
95
mais vulner´aveis, entre os quais estavam os de ordem emocional e ps´ıquica:
“Rubens Menezes Cardoso, um oper´ario cearense que, deses-
perado com a demiss˜ao amea¸cou jogar-se do 17
o
andar do
pr´edio da Prefeitura. Ou a hist´oria de um metal´urgico de-
sempregado que, ao receber a conta de as, entrou em crise
de agita¸ao psicomotora e destruiu todos os oveis de sua
casa.”
41
Tamb´em foi constatado em rela¸ao aos problemas de sa´ude relaci-
onados a essa “epidemia”,
42
“um aumento de 30% a 40% nos casos de hiper-
tens˜ao, alcoolismo e neuroses provocadas por ansiedade”.
43
Nesse contexto,
de acordo com as informa¸oes contidas na revista, “entre os pacientes do am-
bulat´orio, cresceu a taxa de mulheres de 40 a 50 anos preocupadas de modo
obsessivo com a p ossibilidade de seus maridos perderem o emprego”.
44
A escalada da violˆencia urbana tamb´em foi tema abordado nessa
dire¸ao na revista. Em rela¸ao a esse aspecto, foi publicado um desabafo
atribu´ıdo ao prefeito de ao Bernardo, Tito Costa, do PMDB: “se ao houve
aumento na taxa de criminalidade, ´e porque os oper´arios demitidos receberam
arios sal´arios de indeniza¸ao. [. . . ] Quando esse dinheiro acabar, veremos”.
45
A situa¸ao da violˆencia era constantemente explorada na revista
associada `a quest˜ao do desemprego:
41
A TERRA do medo. Op. cit., p. 51
42
Termo utilizado em referˆencia ao desemprego, na reportagem referida.
43
Ibidem.
44
Ibidem.
45
Ibidem.
96
“aos gritos de ‘queremos trabalhar’ e ‘vamos invadir’, cerca
de 500 oper´arios ocuparam, no princ´ıpio da tarde, o atio da
abrica. Exigiam sua readmiss˜ao. ‘O neg´ocio ´e quebrar tudo.
Conversa ao resolve nada’, trovejou um enfurecido oper´a-
rio. No tumulto, foram quebrados alguns vidros da porta
do pr´edio central. A violˆencia acabaria ao prosperando.
‘Quebrando ao vamos conseguir nada’, lembrava o antigo
presidente do Sindicato dos Metal´urgicos de ao Bernardo,
Lu´ıs In´acio da Silva, o ‘Lula’.”
46
A tem´atica da violˆencia urbana tamb´em aparece na revista em re-
la¸ao `a sup osta situa¸ao dos transportes no pa´ıs: “o governo se preocupa com
a ao de agitadores na ´area dos transportes urbanos, cuja inefic´acia ´e trans-
parente em todo o pa´ıs”.
47
Em rela¸ao a essa situa¸ao, a violˆencia ao seria apenas decorrente
da a administra¸ao em rela¸ao ao setor dos transportes no pa´ıs. Segundo
aparece na revista, essa situa¸ao foi relacionada tamb´em `as condi¸oes de vida
da popula¸ao, que teriam piorado assustadoramente em fun¸ao da infla¸ao.
Segundo consta na revista, essa situa¸ao teria sido reconhecida at´e mesmo
pelo ministro dos Transportes:
‘o problema ´e a infla¸ao’, acha o ministro dos Transportes,
Eliseu Resende. ‘Como os custos operacionais se elevam,
´e natural que as tarifas tamb´em subam. Se houvesse uma
46
UM DIA amargo na Mercedes. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 676,
p. 87, 19 ago. 1981. Mat´eria ao assinada. Al´em da situa¸ao de violˆencia, aparece na
revista novamente a id´eia de que as demiss˜oes estariam ocorrendo por causa da recess˜ao que
estaria vivendo o pa´ıs, e que os empres´arios ao seriam os respons´aveis por essa situa¸ao.
Nesse sentido, aparece na revista a opini˜ao atribu´ıda ao vice-presidente da Mercedes, Werner
Lechner: “Depois, se o mercado ao reagir, vamos tomar outras medidas, tentando evitar
novas demiss˜oes”.
47
AMEA¸CAS em trˆansito. Veja Brasil, ao Paulo, n. 678, p. 20, 2 set. 1981. Mat´eria
ao assinada.
97
rela¸ao constante entre a tarifa e os sal´arios, ao estar´ıa-
mos produzindo nenhum problema so cial porque o custo do
transp orte continuaria sendo uma componente fixa do sal´a-
rio do trabalhador. Mas ao ´e o que acontece’.”
48
Assim, atraes da revista, foi representada uma situa¸ao de caos
social no pa´ıs, onde ao haveria possibilidade de serem supridas nem mesmo
as necessidades elementares do cidad˜ao. Esse problema, tal como aparece nas
constru¸oes discursivas da revista, atingiria uma grande parcela da sociedade,
sendo ab ordado, nessa perspectiva, em ´ultima an´alise como decorrente do sis-
tema de organiza¸ao pol´ıtico-administrativa do pa´ıs.
3.3 Governar para o mercado: a alternativa
democr´atica
ode-se perceber na revista Veja, a constru¸ao de um sentido dis-
cursivo na dire¸ao de uma suposta solu¸ao para a crise social no pa´ıs, atrav´es de
uma reordena¸ao pol´ıtica. Nesse sentido, vozes de oposi¸ao ao regime ecoavam
atrav´es da revista, esp ecialmente aquelas ligadas ao setor de centro-esquerda.
49
Nesse sentido, foi apontada como sa´ıda uma alternativa rumo `a
democracia. E, atraes da revista, foram sendo delineados parˆametros de uma
democracia supostamente ideal para tirar o pa´ıs da crise.
48
Ibidem, p. 21-22.
49
Observamos que, para criticar o governo, arios matizes de oposi¸ao ganharam voz atra-
v´es da revista Veja. Mas, para apontar uma solu¸ao pol´ıtica, os setores que ganharam maior
ˆenfase atraes da revista foram aqueles ligados `a frente de centro-esquerda, que congregava
setores da democracia pol´ıtica e da democratiza¸ao social.
98
Em rela¸ao a essa id´eia, destacamos dois posicionamentos que foram
veiculados atraes da revista. Um deles, anterior `as elei¸oes para governadores
de 1982 e para presidente em 1985, e o outro antecedendo a elabora¸ao da
Constitui¸ao de 1988.
Nesse sentido, foi destacada na revista a posi¸ao atribu´ıda `a econo-
mista Maria da Concei¸ao Tavares sob a forma de frase em destaque na coluna
“a esperan¸ca do povo ´e uma alian¸ca entre o centro e a esquerda para se mudar
o regime”.
50
Note-se que a partir das express˜oes destacadas ´e n´ıtida a id´eia
de que se necessitaria de novos rumos pol´ıticos, e que o car´ater pol´ıtico desses
novos rumos estariam claramente definidos.
E segue:
“o refor¸camento da frente pela conquista dos governos dos
Estados por lideran¸cas ao carism´aticas, mas serenas e efe-
tivamente ‘centradas’, ´e ao apenas a esperan¸ca para aqui e
agora, mas tamb´em para construir neste pa´ıs uma democra-
cia verdadeira pelo di´alogo e pela negocia¸ao, pelo exerc´ıcio
competente do poder descentralizado. A frente ´e mais que
manobra defensiva. Traz em si o germe da arquitetura do
futuro, dif´ıcil mas poss´ıvel, transformadora e afirmativa.”
51
50
TAVARES, Maria da Concei¸ao. Uma arquitetura do futuro. Veja Ponto de vista, ao
Paulo, n. 721, p. 154, 30 jun. 1982. A autora do texto foi apresentada na edi¸ao da coluna
da seguinte forma: “Maria da Concei¸ao Tavares ´e economista, professora universit´aria e
suplente do Diret´orio Nacional do PMDB”.
51
Ibidem. Destacamos, ainda, que no referido texto os aspectos positivos da oposi¸ao de
centro-esquerda foram estruturados no sentido oposto aos elementos destacados em rela¸ao
a outros segmentos abordados negativamente, como: “e a uma novidade hist´orica: o popu-
lismo francamente de direita, com a vit´oria de ex-governador Paulo Maluf e do malufismo
em ao Paulo. [. . . ] essas lideran¸cas despontam `a direita, tanto no malufismo triunfante
como na vis˜ao maternal-autorit´aria do ‘Vamos arrumar a casa’ de dona Sandra Cavalcanti,
no Rio de Janeiro, ou de anio Quadros, em ao Paulo”.
99
Em rela¸ao a esse aspecto, tamb´em foi veiculado na revista o posi-
cionamento atribu´ıdo a Roberto Aguiar
52
sob a frase em destaque na coluna,
“a pr´oxima Constitui¸ao deve limitar o poder das For¸cas Armadas na vida
pol´ıtica do pa´ıs”. Constitu´ıa-se, assim, um apelo em prol da id´eia de que se
estabelecesse uma vanguarda civil no ˆambito dos trˆes Poderes. Nesse sentido:
´e preciso civilizar o ordenamento jur´ıdico para possibilitar a
emergˆencia de uma ordem democr´atica. Para pensarmos em
For¸cas Armadas no regime democr´atico, inicialmente deve-
mos limpar a compreens˜ao constitucional da vis˜ao de segu-
ran¸ca que leva a conceitos h´ıbridos e justificadores de golpis-
mos, como ‘democracia respons´avel’, ‘liberdade sem liberti-
nagem’, e ‘desenvolvimento com seguran¸ca’. Esses concei-
tos que nortearam a elabora¸ao e o entendimento do atual
texto constitucional o fizeram cercear a democracia, cas-
trar a liberdade, fechar as institui¸oes e caotizar a economia
brasileira. [. . . ] Para pensar a demo cracia, ´e necess´ario res-
gatar um pressuposto esquecido: o povo ´e civil, e todas as
institui¸oes devem estar sob a ´egide dos poderes civis. [. . . ]
As For¸cas Armadas, desse modo, ao est˜ao subordinadas `a
Constitui¸ao. Elas defendem uma ordem para al´em da lei,
elas se tornam o ´arbitro da Constitui¸ao, conforme ainda
estamos vivendo.”
53
A posi¸ao destacada caracterizaria, portanto, uma manifesta¸ao su-
postamente contr´aria `as interven¸oes militares no ˆambito institucional, e um
apelo para que, na Constitui¸ao que estaria por vir, este fosse um ponto bem
esclarecido. Al´em disso, observamos o destaque para a id´eia de que a conso-
lida¸ao de um regime democr´atico no pa´ıs passaria pela desmilitariza¸ao da
estrutura estatal.
52
AGUIAR, Roberto. O p oder civil dispensa tutela. Veja Ponto de vista, ao Paulo,
n. 932, p. 154, 16 jul. 1986. O autor foi apresentado na revista como “doutor em Filosofia,
advogado e professor visitante da Universidade do Par´a”.
53
Ibidem.
100
Uma outra forma como a democracia supostamente almejada no
ˆambito dos setores de oposi¸ao apareceu na revista Veja, foi atrav´es do modo
como foi abordada a candidatura de Tancredo Neves. Nessa abordagem, a can-
didatura de Tancredo Neves apareceu como sendo aceita tamb´em por amplos
setores da p ol´ıtica no pa´ıs.
Nesse sentido destacamos: “o l´ıder do PT na amara dos Deputa-
dos critica a dire¸ao do partido [de ao participa¸ao] e reafirma que votar´a em
Tancredo Neves no Col´egio Eleitoral”. Conforme aparece na revista, seria esta
a argumenta¸ao do Deputado: “votarei. E creio que a dire¸ao do PT com-
preender´a minha posi¸ao. Estou convencido de que ao participar do Col´egio
significa ajudar a manter o status quo e abrir caminho para a instala¸ao do
fascismo no Brasil”.
54
Com base nesta argumenta¸ao, Tancredo Neves ´e destacado como a
alternativa da mudan¸ca e do anti-governismo, mais do que propriamente como
o candidato ideal. Essa posi¸ao ´e semelhante `a que ´e constru´ıda em torno do
apoio a Tancredo Neves, e atribu´ıda ao enao governador de Alagoas, Divaldo
Suruagy:
“uma eventual vit´oria do deputado Paulo Maluf, candidato
do PDS, traria ruptura do pacto social. [. . . ] A candidatura
de Maluf, ao conta com respaldo popular. Admiro a te-
nacidade e a obstina¸ao de Maluf, e nada tenho contra sua
pessoa. Ele at´e poder´a ser um bom candidato daqui a qua-
tro anos, mas ao agora. ao ´e o candidato indicado para
54
SOARES, Airton. Lula tem de ouvir o povo. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 841, p.
6, 17 out. 1984. Por Henrique Jos´e Alves.
101
uma fase de transi¸ao, como ao seriam, por exemplo, o go-
vernador Leonel Brizola ou o deputado Ulysses Guimar˜aes.
Nenhum deles conseguiria obter a concilia¸ao nacional.”
55
Com base nessa argumenta¸ao, observamos que, assim como em
rela¸ao ao destaque anterior, a candidatura de Tancredo Neves tamb´em teria
sido vista como uma alternativa menos inadequada. E tamb´em foi apontado,
aqui, o car´ater conciliador do candidato, um forte elemento na forma¸ao de
consenso nessa ´epoca. Pode-se dizer que, segundo posi¸ao que aparece na
revista, o apoio a Tancredo Neves significaria mais um ao a Paulo Maluf.
Um pouco mais austica em rela¸ao `a pessoa do enao candidato
Paulo Maluf foi a posi¸ao atribu´ıda ao ex-governador da Bahia Anonio Carlos
Magalh˜aes, como consta na revista em destaque: “Maluf ´e uma aberra¸ao” ,
“Maluf tem a repulsa da sociedade” e “malufar no Col´egio ´e mais dif´ıcil”.
56
Tamb´em como frase destacada na revista aparece: “Tancredo representa a
unidade nacional”. A partir da veicula¸ao destas posi¸oes, ´e refor¸cada a cons-
tru¸ao da id´eia de que o apoio a Tancredo Neves seria mais que uma escolha,
uma necessidade.
O car´ater de concilia¸ao e imposi¸ao pol´ıtica, que a candidatura e a
pessoa de Tancredo Neves representariam, tamb´em aparece na revista atrav´es
da passagem: “antes mesmo de deixar o governo de Minas, Tancredo consolida
o acordo com a Frente Liberal e ´e saudado como forte candidato `a Presidˆen-
55
SURUAGY, Divaldo. Os riscos da ruptura. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 842, p.
5, 24 out. 1984. Por Augusto Nunes.
56
MAGALH
˜
AES, Antˆonio Carlos. Tancredo a. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 833,
p. 3–4, 22 ago. 1984. Por Elio Gaspari.
102
cia”. E na mesma mat´eria em destaque: “Tancredo e Aureliano: obst´aculo
superado”.
57
Como observamos em rela¸ao aos fragmentos destacados, mais uma
vez foi referido na revista o car´ater conciliador de Tancredo Neves, aparecendo
tamb´em uma referˆencia `a suposta aceita¸ao popular do candidato, que teria
sido “saudado como forte candidato `a Presidˆencia”. Essa id´eia tamb´em aparece
no t´ıtulo da mat´eria: “A campanha nas ruas”.
58
A id´eia de que o car´ater conci-
liador do candidato supostamente mais aceito entre as oposi¸oes foi destacado
na revista na ep´ıgrafe: “Tancredo atrai o peda¸co do PDS que repele Maluf, a
a vice a Sarney e come¸ca a formar uma grande alian¸ca para o governo de uni˜ao
nacional.”
59
Al´em do car´ater conciliador atribu´ıdo ao candidato, o que ´e insis-
tentemente trabalhado na revista, observamos novamente o anti-malufismo que
a candidatura de Tancredo Neves tamb´em representaria, segundo as estrat´egias
discursivas que, como vimos, foram constru´ıdas na revista Veja.
Em rela¸ao ao setor militar, Tancredo Neves tamb´em apareceu na
revista como sendo um grande negociador. Veja-se: “Tancredo vˆe Pires, dis-
sipa o fantasma do revanchismo e os generais tiram o Ex´ercito da sucess˜ao e
57
A CAMPANHA nas ruas. Veja Brasil, ao Paulo, n. 830, p. 20, 1 ago. 1984. Mat´eria
ao assinada. Em rela¸ao aos fragmentos destacados, atentamos para o refor¸co da id´eia
de que ao mais haveriam obst´aculos pol´ıticos para Tancredo Nevees ser o candidato da
op osi¸ao.
58
Ibidem.
59
O PDS quer um PMDB. Veja Brasil, ao Paulo, n. 831, p. 20, 8 ago. 1984. Mat´eria
ao assinada.
103
Newton Cruz do Comando do Planalto”.
60
E tamb´em: “Tancredo telefona e
consegue ser recebido por Geisel, que ao o ap´oia mas est´a atento `a legalidade
constitucional”.
61
A partir dos fragmentos destacados, pudemos observar na
revista a id´eia de negocia¸ao e concilia¸ao, tamb´em atrav´es da ˆenfase ao trˆan-
sito que Tancredo Neves teria, segundo aparece na revista, mesmo nos setores
militares.
62
Em rela¸ao `as an´alises operadas neste cap´ıtulo, destacamos a cons-
tru¸ao da id´eia de interdependˆencia entre pol´ıtica e economia nos discursos
veiculados na revista Veja na d´ecada de 80, onde a redefini¸ao pol´ıtica era
representada como uma necessidade orgˆanica `a inser¸ao do Brasil no circuito
do capitalismo de mercado peculiar aos anos 80.
Al´em disso, como aparece na revista, esse processo de transi¸ao
a uma forma pol´ıtica mais adequada ao movimento da economia em n´ıvel
mundial, teria sido dirigido essencialmente “pelo alto” no n´ıvel da sociedade
pol´ıtica atrav´es da via representativa.
60
A VOZ das estrelas. Veja Brasil, ao Paulo, n. 847, p. 20, 28 nov. 1984. Mat´eria
ao assinada.
61
SEM INTERMEDI
´
ARIOS. Veja Brasil, ao Paulo, n. 835, p. 20, 5 set. 1984.
Mat´eria ao assinada.
62
Note-se que a partir das datas em que os textos destacados foram veiculados atrav´es
da revista Veja observamos que, apesar das diferen¸cas, tanto o governo Figueiredo como a
administra¸ao Sarney, foram criticadas atrav´es da revista como sendo representa¸oes de uma
estrutura pol´ıtica que limitaria o livre desenvolvimento da economia de mercado no Brasil. E
que, nesse contexto, at´e 1985 a argumenta¸ao em torno de um consenso ativo foi estabelecida
em grande parte em torno da alternativa representada pela candidatura de Tancredo Neves.
E, ap´os 1985, foram criticadas as reminiscˆencias de uma estrutura estatal que, segundo o
que aparece na revista, limitaria o livre desenvolvimento da economia brasileira de acordo
com os parˆametros adotados em n´ıvel mundial ap´os a segunda metade da d´ecada de 70.
104
A partir desses dois aspectos, destacamos que foi delineado na re-
vista Veja, atraes das constru¸oes referentes aos elementos pol´ıticos e econˆo-
micos do processo de transi¸ao democr´atica brasileira, um processo de “revo-
lu¸ao passiva” no Brasil. Configurando, dessa forma, uma redefini¸ao pol´ıtica
onde as formas de propriedade teriam permanecido inalteradas e a dire¸ao do
processo teria ficado nas aos das elites pol´ıticas.
105
4 Cultura, pol´ıtica e
sociedade no Brasil dos
anos 80 do s´eculo XX: um
paralelo necess´ario
4.1 A vanguarda dos exclu´ıdos
A id´eia de uma necess´aria redefini¸ao pol´ıtica no pa´ıs nos anos
80 ao apareceu na revista Veja somente em rela¸ao a aspectos pol´ıticos e
econˆomicos. Essa id´eia foi tamb´em explorada na raiz de constru¸oes discursivas
referentes a aspectos so ciais e culturais.
Por essa via, foi constitu´ıda discursivamente na revista a id´eia de
que haveriam pr´aticas de autoritarismo que impunham um excessivo dirigismo
sobre o contexto cultural. Pr´aticas estas oriundas tanto da estrutura governa-
mental como de setores da oposi¸ao que atuavam na sociedade civil.
Nesse sentido, destacamos express˜oes discursivas onde identificamos
a id´eia de que a estrutura pol´ıtica governamental estaria impedindo o livre
desenvolvimento cultural no pa´ıs.
106
Nessa dire¸ao, foi publicada na revista uma entrevista com Joaquim
Guedes,
1
apresentado, na edi¸ao, como “um dos nomes mais respeitados da
arquitetura brasileira” e tamb´em referido como “uma voz dissonante que fala
alto o que pensa”.
2
O eixo central da referida entrevista era a cr´ıtica em rela¸ao `a si-
tua¸ao do arquiteto Oscar Niemeyer, que teria se tornado, segundo consta na
revista em rela¸ao `a suposta posi¸ao do entrevistado, o “arquiteto oficial do
pa´ıs”.
3
Em rela¸ao a esse aspecto destacamos:
“como ningu´em critica a obra de Niemeyer, sua arquitetura
est´a se tornando um modelo ´unico, oficial e autorit´ario. [. . . ]
Ningu´em avalia com seriedade a qualidade dos trabalhos de
Niemeyer, pois existe o medo de estar mexendo num monstro
sagrado. [. . . ] Trata-se de um fenˆomeno tipicamente brasi-
leiro. ao conhe¸co nenhum pa´ıs, no momento, que tenha
um arquiteto oficial.”
4
E continua, em rela¸ao ao projeto da cidade de Bras´ılia: “nenhuma
cidade pode ser feita por um homem o. Por defini¸ao, uma cidade ´e pluralista
e multiforme, e deve atender objetivos variados e complexos.”
5
A partir dos fragmentos destacados observamos que, embora o alvo
1
GUEDES, Joaquim. Chega de oficialismo. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 918, p.
5–8, 9 abr. 1986. Por Wilson Coutinho.
2
Frases em destaque na revista.
3
Idem, ibidem.
4
Idem, ibidem.
5
Idem, ibidem.
107
mais vis´ıvel das cr´ıticas de Guedes tenha sido a atua¸ao quase exclusiva do
arquiteto Oscar Niemeyer nos projetos p´ublicos, a tamb´em, mesmo que de
forma menos evidente, uma alus˜ao `a estrutura que permitiria que essa situa¸ao
ocorresse. Uma estrutura estatal considerada excludente, como fica claro no
texto, que ao permitiria o livre acesso `a carreira p´ublica a todos os cidad˜aos.
Nesse sentido, a estrutura estatal brasileira era referida como sendo
um entrave ao livre acesso de cidad˜aos que quisessem se incorporar ao servi¸co
p´ublico de seu pa´ıs. E tamb´em ao desenvolvimento da diversidade em ´areas
culturais, como no caso referido, em rela¸ao `a arquitetura. Dessa forma, ficava
subentendida a necessidade de um reordenamento no pa´ıs que alterasse esse
estado de coisas.
A constru¸ao da id´eia de dissonˆancia entre a forma de organiza¸ao
pol´ıtica e as aspira¸oes advindas de setores ligados `a cultura no pa´ıs tamb´em
aparece, na revista, em rela¸ao ao caso de censura federal que teria ocorrido
sobre a Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1986. Destacamos:
“h´a pouco mais de um mˆes, quando um grupo de alunos
tentou convencˆe-lo a exibir o filme Je Vou Salue Marie, de
Jean-Luc Godard, proibido em todo o pa´ıs por um veto do
presidente Jos´e Sarney, o reitor Hor´acio Cintra de Magalh˜aes
Macedo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao
gostou da id´eia. ‘Achei que ia dar confus˜ao’, explica. No
entanto, a partir do instante em que uma assembl´eia de 1.200
alunos decidiu exibir a obra, Macedo rendeu-se `a vontade da
maioria.”
6
6
MACEDO, Hor´acio. Em busca da autonomia. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 919,
p. 5–8, 16 abr. 1986. Por Jo
´
’elle Rouchou.
108
Em referˆencia `a situa¸ao de Hor´acio Macedo como “interpelado ju-
dicialmente”,
7
aparece na revista a inferˆencia atribu´ıda ao entrevistado: “minha
situa¸ao continua indefinida. Existe uma proposta de se arquivar o inqu´erito,
mas a pol´ıcia manifesta forte resistˆencia a essa ormula.”
8
Nos fragmentos destacados, observamos, novamente, a representa-
¸ao da estrutura estatal como elemento limitador da liberdade no ˆambito da
cultura no pa´ıs, tanto no que diz respeito `a figura do “veto do Presidente Jos´e
Sarney”,
9
quanto `a responsabiliza¸ao formal do reitor pela desobediˆencia a ele.
No texto, essas pr´aticas arbitr´arias ao colocadas em oposi¸ao a uma pr´atica
democr´atica, apresentada na representa¸ao discursiva atrav´es da referˆencia `a
assembl´eia onde teria sido decidida a exibi¸ao do filme.
Assim, em pleno ano de 1986, ainda eram constitu´ıdas atrav´es da
revista representa¸oes discursivas que destacavam as atitudes arbitr´arias por
parte do governo em rela¸ao ao contexto cultural no pa´ıs. A partir da´ı, ob-
servamos que as referˆencias a atitudes estatais autorit´arias ao foram restritas
em Veja `a primeira metade dos anos 80, ao contexto pr´e-eleitoral de 1982 e
1985, mas perduraram ao longo da d´ecada.
10
A esse respeito, destacamos tamb´em o suposto caso de censura `a
novela Roque Santeiro, no ano de 1985. Refere o texto de Veja:
7
Idem, ibidem.
8
Idem, ibidem.
9
Idem, ibidem.
10
Sobre isso ver cap´ıtulo anterior.
109
“v´arios cap´ıtulos da novela Roque Santeiro [. . . ] sofreram
cortes da Censura Federal em Bras´ılia. Fundamentados na
tese de que ao devem ser mostradas cenas de infidelidade
conjugal expl´ıcita, os cortes mutilaram momentos mais ca-
lorosos [. . . ]. Segundo o teatr´ologo Dias Gomes, autor de
Roque Santeiro, a ao da Censura mostra que ‘a Nova Re-
p´ublica ´e uma velha que fez pl´astica’.”
11
Em rela¸ao a esse caso, observamos sendo denunciado na revista
mais um epis´odio de censura na Nova Rep´ublica.
Foi referido na mesma edi¸ao da revista:
“o boletim interno do Centro de Informa¸oes do Ex´ercito
(CIEx) que circulou em setembro arrolou cinco jornalistas
considerados inimigos das For¸cas Armadas. Na avalia¸ao do
CIEx, ‘hostilizaram’ sistematicamente militares em seus ar-
tigos os jornalistas Carlos Chagas, S´ılvia Caetano, Evandro
Paranagu´a os trˆes de O Estado de S. Paulo –, Mino Carta
(revista Senhor) e Ricardo Noblat (Jornal do Brasil).”
12
Ainda, em rela¸ao aos motivos da acusa¸ao, continua:
“o texto da nota ao define o que entende por hostilizar
nem cita fatos concretos. Da sua leitura, conclui-se com
seguran¸ca apenas que o CIEx, que em 1977 hostilizava o
presidente Ernesto Geisel e em 1984 perseguia os candidatos
`a sucess˜ao presidencial pelo PMDB, exibindo em reuni˜oes
de militares fotografias do senador Jos´e Sarney em compa-
nhia de comunistas, agora hostiliza jornais como de abito,
com afirma¸oes pelas quis nenhum oficial se responsabiliza
publicamente.”
13
11
DIAS, Etevaldo; TEIXEIRA, elio. Radar. Veja Brasil, ao Paulo, n. 894, p. 47,
23 out. 1985.
12
Idem, ibidem.
13
Idem, ibidem.
110
Em rela¸ao ao caso destacado, observamos novamente referida na
revista uma atitude arbitr´aria supostamente advinda da estrutura estatal e
direcionada ao setor cultural do pa´ıs. Uma atitude, como consta na mat´eria,
sem a justifica¸ao em “fatos concretos” e que pela qual “nenhum oficial se res-
ponsabiliza publicamente”. Uma argumenta¸ao que remete o leitor da revista
a uma identifica¸ao das pr´aticas referidas na revista com aquelas dos anos de
maior recrudescimento do regime.
A constru¸ao da id´eia de dissonˆancia entre pr´aticas autorit´arias e
demanda social, aparece tamem na entrevista
14
onde consta em destaque “o
diretor da Divis˜ao de Censura diz que a sociedade ´e mais liberal do que as
normas criadas para vigiar filmes, livros e pcas no pa´ıs”. Nesse sentido, des-
tacamos a posi¸ao atribu´ıda ao entrevistado: “a evolu¸ao social e dos costumes
´e mais dinˆamica que a da estrutura legal, que ´e arcaica a ponto de proibir O
´
Ultimo Tango. E, finalizando a entrevista, refere: “sou um democrata liberal,
civil e civilista”.
A partir dos trechos destacados, observamos constitu´ıdo o discurso
segundo o qual as formas de atua¸ao da estrutura estatal estariam atrasadas
em rela¸ao `a cultura e `a demanda social. E quando esse discurso ´e atribu´ıdo
ao diretor de um ´org˜ao de censura, essa posi¸ao fica ainda mais contundente.
Constitu´ıa-se, enao, a id´eia de que, at´e mesmo no interior da estrutura estatal,
as oes de natureza arbitr´aria estariam perdendo apoio. Ainda em rela¸ao
aos fragmentos destacados, observamos a id´eia de oposi¸ao entre os termos
14
FAGUNDES, Coriolano. A censura est´a errada. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 903,
p. 3–6, 25 dez. 1985. Por Claudio Kuck.
111
“estrutura legal arcaica”, atribu´ıda ao governo, e “democrata, liberal, civil e
civilista” como sinal de progresso.
15
Entretanto, a id´eia de autoritarismo e as pr´aticas de dirigismo no
ˆambito da cultura ao foram relacionadas na revista exclusivamente ao go-
verno. Nesse sentido, destacamos cr´ıticas veiculadas em Veja em torno de
outros segmentos que, de acordo com essa perspectiva, tamem exerceriam
um poder “intolerante e castrador”
16
sobre a cultura no pa´ıs.
Esses segmentos poderiam ser identificados, genericamente, como
fazendo parte dos setores de oposi¸ao que ao tiveram na revista Veja, nos
anos 80, um ve´ıculo de express˜ao.
17
Mais especificamente, eram aqueles consi-
derados reminiscˆencias das esquerdas radicais no pa´ıs, que ainda resistiam em
alguns setores. E que, no ˆambito da cultura, eram identificados genericamente
como artistas e intelectuais engajados, ou ainda como“patrulhas ideol´ogicas”,
18
no campo da produ¸ao do conhecimento.
Nesse sentido destacamos, como exemplo desse denominado “patru-
lhamento ideol´ogico”, a entrevista que tinha como eixo central o fato da obra
de Gilberto Freyre ao ter tido, segundo essa perspectiva, a devida express˜ao
15
Sobre censura ver tamb´em DIAS, Etevaldo; PEREIRA Filho, Merval. Radar. Veja
Brasil, ao Paulo, n. 872, p. 35, 22 maio 1985., SOUZA, Okky de. Postura radical. Veja
M´usica, ao Paulo, n. 951, p. 146, 26 nov. 1986., MACEDO, Hor´acio. Op. cit.
16
SEVCENKO, Nicolau. As pris˜oes do intelectual. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 803,
p. 5–8, 25 jan. 1984. Por Guilherme Cunha Pinto.
17
Em face desta afirma¸ao ao estamos dizendo que ao tenha havido alguma manifesta¸ao
desses setores atrav´es da revista, mas que, no conjunto, essas express˜oes foram infinitamente
menores e menos valorizadas que as de outros segmentos de oposi¸ao ao governo.
18
Idem, ibidem.
112
no meio acadˆemico brasileiro.
Apresentado na revista como “o maior soci´ologo brasileiro”, e com
uma obra reconhecida internacionalmente, o que lhe conferia o t´ıtulo de “dou-
tor pela Universidade de Columbia”,
19
Gilberto Freyre apareceu na entrevista
como sendo mais uma v´ıtima dos segmentos que atuariam de forma autorit´aria
em rela¸ao ao setor cultural.
20
Esse enfoque aparece a na apresenta¸ao da entrevista:
“no final do ano, em meio a discretas comemora¸oes pelo
cinq
¨
uenten´ario da lan¸camento de Casa Grande & Senzala,
ele [Freyre] parecia um tanto agastado com o silˆencio que
afirma pesar sobre sua obra nas principais universidades bra-
sileiras.”
21
Em rela¸ao a esse aspecto, referimo-nos `a frase atribu´ıda ao en-
trevistado que aparece em destaque na edi¸ao: “minha obra ´e ignorada pela
Universidade”. Segue:
“a patrulha ´e coisa muito s´eria e organizada de forma admi-
avel, porque, na verdade ela ao ataca; silencia. No caso
da minha obra, a grande especialidade do patrulheirismo ´e
o silˆencio.”
22
19
FREYRE, Gilberto. O anarquista construtivo. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 800,
p. 5–7, 4 jan. 1984. Por Mauro Bastos.
20
O que nos permite interpretar que esses setores, segundo a imagem constitu´ıda na revista,
atuariam no ˆambito da cultura em sentido oposto ao estatal, mas que as suas formas de
atua¸ao, sobretudo as de cunho autorit´ario, seriam semelhantes.
21
Idem, ibidem.
22
Idem, ibidem.
113
E, em rela¸ao a onde estaria essa patrulha, aparece na revista a
inferˆencia atribu´ıda ao entrevistado:
“devo destacar que ao est˜ao em nenhum ´org˜ao de imprensa.
Um reduto muito forte dessa ecnica de omiss˜ao pelo silˆen-
cio ´e a Faculdade de Ciˆencias Sociais da Universidade de
ao Paulo. Ali a um grupo muito prestigioso, liderado pelo
professor Florestan Fernandes. Nesse c´ırculo figura o pro-
fessor e atual senador Fernando Henrique Cardoso, que tem
apre¸co por mim e eu por ele mas ´e sufocado pelos outros.
A partir de um determinado momento, Florestan Fernandes
se tornou um profundo fan´atico do que ele considera mar-
xismo.”
23
A partir da forma como aparece na revista, pudemos observar, mais
uma vez, o tom de cr´ıtica a pr´aticas consideradas autorit´arias. o que, no caso
destacado, elas apareceram relacionadas a um outro segmento que ao o repre-
sentado pela estrutura estatal. Nessa dire¸ao, observamos uma constru¸ao de
sentido em torno da id´eia de que, tanto os setores representados pelo governo
como aqueles da oposi¸ao mais radical, estariam limitando o livre desenvolvi-
mento da cultura no pa´ıs.
Essa id´eia ode ser observada na medida em que “um dos maiores
nomes da arquitetura no Brasil”
24
teria reclamado, segundo a revista, livre
acesso `a estrutura estatal e “o maior soci´ologo brasileiro”
25
teria dito, atraes
de Veja, que sua obra teria sido alvo de retalia¸oes no circuito acadˆemico.
Assim, eram referidos na revista dois tipos de pr´aticas de autoritarismo no
ˆambito da cultura: um ligado ao governo e outro a setores de oposi¸ao.
23
Idem, ibidem.
24
GUEDES, Joaquim. Op. cit.
25
FREYRE, Gilberto. Op. cit.
114
Essa id´eia aparece tamb´em em Veja, na entrevista com o historiador
Nicolau Sevcenko, de resto intitulada“As pris˜oes do intelectual”, onde na edi¸ao
aparece em destaque a frase: “Sevcenko: Uma gera¸ao sob duas ditaduras”.
26
Em rela¸ao `a ultima frase destacada, ´e atribu´ıda ao entrevistado a
referˆencia:
“a experiˆencia de minha gera¸ao foi viver ao uma, mas duas
ditaduras uma que se organizava atraes da repress˜ao e
outra que se articulava como uma proposta unit´aria de re-
sistˆencia, que ao deixava outros caminhos para aqueles que
estavam chegando que ao fosse a ades˜ao. Fora disso vocˆe
estaria marginalizado.”
27
Atrav´es da referˆencia, observamos mais uma vez, na revista, a cons-
tru¸ao da id´eia segundo a qual as pr´aticas autorit´arias no campo cultural apa-
recem advindas tanto do regime quanto de uma certa oposi¸ao a este. Quanto
`a id´eia de dirigismo em rela¸ao aos sistemas de produ¸ao de conhecimento,
destacamos:
“[. . . ] os intelectuais se colocam como condutores de massa,
em pa´ıses com caracter´ısticas de atraso econˆomico e espa¸co
cultural limitado como o nosso. [. . . ] A postura salvacio-
nista dos intelectuais ´e algo t´ıpico dos pa´ıses com alto ´ındice
de analfabetismo veja a gera¸ao da intelligentsia russa, a
loucura mission´aria de Dostoi´evsky, Tolstoi, Tchecov ou a
gera¸ao portuguesa de ca de Queiroz, Antero Quental, ou
ainda a espanhola de Unamuno. Evidentemente isso ao ´e
culpa dos intelectuais, mas da pr´opria estrutura das socie-
dades [. . . ].”
28
26
SEVCENKO, Nicolau. Op. cit.
27
Idem, ibidem.
28
Idem, ibidem.
115
Note-se que a partir da´ı a quest˜ao cultural ´e referida de mo do inter-
dependente com a forma de organiza¸ao da sociedade na qual se desenvolveria.
Essa quest˜ao foi abordada em outra entrevista
29
, em termos espe-
c´ıficos `a situa¸ao do Brasil nos anos 80. Teria referido o entrevistado, Gilberto
Freyre, em rela¸ao `a organiza¸ao estatal:
“sou um defensor do anarquismo construtivo. Em termos
ideais sou contra qualquer excesso governamental. Creio que
os governos devam ser reduzidos ao m´ınimo. Bertrand Rus-
sell, o grande anarquista inglˆes, dizia o admitir a presen¸ca
a presen¸ca do governo na regula¸ao do tr´afego . . .
30
A partir da passagem referida, observamos a clara alus˜ao a um
sistema de Estado m´ınimo como ideal em rela¸ao a um ordenamento pol´ıtico.
Em referˆencia ao caso brasileiro observamos:
“temos um tipo de centraliza¸ao que o se compara ao to-
talitarismo sovi´etico. Domina no pa´ıs um estatismo abso-
luto, principalmente econˆomico. [. . . ] A presen¸ca do Estado
´e sempre indesej´avel, porque invariavelmente p erdemos um
pouco de liberdade.”
31
Note-se que, a partir do trecho destacado, uma organiza¸ao esta-
tal centralizada constitui-se discursivamente como diametralmente oposta ao
exerc´ıcio da liberdade.
E, em rela¸ao ao liberalismo:
29
FREYRE, Gilberto. Op. cit.
30
Idem, ibidem.
31
Idem, ibidem.
116
“a palavra liberal tem um sentido simp´atico. Quando a ouvi-
mos, alguma coisa em os reage favoravelmente. Mas acre-
dito que a liberdade econˆomica deve ser ampla. A presen¸ca
excessiva do Estado provoca conseq
¨
uˆencias como as regis-
tradas na Su´ecia . . .
32
Observamos, portanto, o estabelecimento, no ˆambito do discurso re-
ferido, de uma rela¸ao de oposi¸ao entre Estado m´ınimo e liberdade econˆomica,
de um lado, e o autoritarismo, manifestado aqui como sendo patrulhamento
ideol´ogico, juntamente com a no¸ao de estrutura estatal centralizada, de outro.
Assim atentamos para que, nos discursos destacados, tanto as for-
mas de autoritarismo estatal como as express˜oes de dirigismo oriundas de certo
tipo de oposi¸ao, foram abordadas como nocivas ao desenvolvimento pleno da
liberdade e da cultura, e assim ao mais se estabeleceriam em consonˆancia com
as demandas da sociedade.
4.2 Ideologia, eu ao quero uma pra viver
A referˆencia na revista a pr´aticas autorit´arias no contexto cultural
tamb´em apareceu de outras formas. Nesse sentido, destacamos a id´eia cons-
titu´ıda nos textos analisados de que, mesmo que setores autorit´arios ainda
agissem no contexto ocio-cultural, estas oes a ao estariam mais em con-
sonˆancia com o est´agio de desenvolvimento da sociedade, com os seus valores
e as suas pr´aticas sociais.
32
Idem, ibidem.
117
Exemplificando esse fenˆomeno ocio-cultural, aparecia na revista
Veja “a juventude da beleza, [. . . ]disposta a ser bela e saud´avel sem querer
salvar o mundo”.
33
Uma nova gera¸ao, segundo aparece na revista, “menos
reprimida, menos perseguida e decididamente dispensada do papel de ‘gera¸ao
do futuro’ , e segue o texto “essa multid˜ao de jovens ao procura ´ıdolos nem
her´ois. Cultivam acima de tudo a si pr´oprios. Tratam do corpo, descomplicam
as cabcas e refletem, em rela¸ao `as gera¸oes precedentes, um pa´ıs mudado”.
34
Tratava-se da gera¸ao dos “patins, sucos, cabelos curtos, alimenta-
¸ao natural, m´usica, dan¸ca”
35
e tamem a gera¸ao do rock, “o reflexo sonoro
dos anos 80”.
36
Destacando o suposto perfil dos jovens dos anos 80, observamos
a constru¸ao de uma imagem discursiva onde ´e referida uma mudan¸ca nos
padr˜oes de comportamento da sociedade brasileira que, segundo essa vis˜ao,
teria se distanciado cada vez mais da rebeldia pol´ıtica ou do ao alinhamento
geral e irrestrito, supostamente t´ıpicos das gera¸oes anteriores. Tamb´em era
uma gera¸ao que ao caberia mais nos velhos padr˜oes culturais socialmente
exercidos nas d´ecadas anteriores. Assim, na revista ia sendo trabalhado o
suposto desenvolvimento desses novos padr˜oes ocio-culturais.
Essa transforma¸ao apareceu na revista tamb´em em rela¸ao ao su-
33
A JUVENTUDE da beleza. Veja Especial, ao Paulo, n. 635, p. 60–66, 5 nov. 1980.
Mat´eria ao assinada.
34
Ibidem.
35
Ibidem.
36
UMA BATUCADA de rock. Veja M´usica, ao Paulo, n. 852, p. 36–42, 2 jan. 1985.
Mat´eria ao assinada.
118
cesso do rock no pa´ıs atrav´es de temas musicais como In´util, uma caricatura
em tra¸cos fortes do Brasil da Velha Rep´ublica, onde cantavam A gente ao
sabemos escolher presidente / [. . . ] A gente pede grana e ao consegue pa-
gar / A gente somos in´util
37
Tamb´em: Eu me amo, um divertido rock em
que o autor se confessa apaixonado pelo pr´oprio ego”.
38
E ainda: Rebeldes
sem causa, em que o personagem se queixa de ao poder viver a rebeldia da
juventude porque seus pais ao compreensivos e liberais”.
39
Veja-se que, nas referˆencias musicais, ao reiterados os elementos
que aparecem nos fragmentos anteriores, caracterizando os novos padr˜oes de
comportamento social e cultural da juventude nos anos 80 no pa´ıs.
40
Na revista
tamb´em constitui-se discursivamente a id´eia de que esses novos padr˜oes de
sociabilidade representariam a diversidade. Em rela¸ao a isso destacamos a
entrevista com o usico Herbert Vianna
41
:
“vejo grupos que em um sucesso verdadeiro com caracte-
r´ısticas muito diferentes. Eles ao precisam ser semelhantes
para o p´ublico gostar deles. Acho que os somos diferen-
tes do Kid Abelha, que ´e superdiferente do Bar˜ao Vermelho,
que ´e muito diferente do Lob˜ao e os Ronaldos, que por sua
vez ao tem nada a ver com o Ultraje a Rigor. Os grupos
que pegam os estere´otipos prontos ao apenas aqueles que as
gravadoras tentam empurrar, que precisam lan¸car um com-
pacto de trˆes em trˆes meses para se manter, mas ningu´em
37
SOUZA, Okky de. Brigada paulista. Veja M´usica, ao Paulo, n. 880, p. 111, 17 jul.
1985.
38
Idem, ibidem.
39
Idem, ibidem.
40
E que mais uma vez, assim como no trecho destacado da entrevista a Gilberto Freyre,
aparece o termo liberal em conota¸ao positiva.
41
VIANNA, Herbert. O sucesso atr´as das lentes. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 858,
p. 3–6, 13 fev. 1985. Por Roni Lima.
119
vai se interessar p or eles ao vivo.”
42
Observamos, portanto, que no trecho destacado a id´eia de diver-
sidade aparece relacionada `a suposta aceita¸ao pelo p´ublico de grupos com
caracter´ısticas diferentes. E que, em rela¸ao aos grupos que teriam se desen-
volvido a partir de um estere´otip o, a aceita¸ao do p´ublico ao seria positiva.
Mostrando, assim, que setores da sociedade a ao aceitariam mais as expres-
oes culturais que desenvolviam a sua produ¸ao a partir de padr˜oes pr´e-fixados.
A id´eia de ruptura em rela¸ao `as vanguardas a conhecidas ´e um
elemento presente tamb´em na mat´eria “Meio caminho: Boa usica e poucas
id´eias em Areias Escaldantes,
43
onde nos chamou aten¸ao a hist´oria do filme
como aparece na revista:
“na prov´ıncia de Kali, ´e costume assassinar os inimigos com
um tiro na testa. Os terroristas apreciam, ainda explodir
carros pilotados por orientais, fumar maconha, repartir o
dinheiro roubado com fregueses e funcion´arios da agˆencia
banc´aria que assaltam e, nas horas vagas, discutem inflama-
dos quem vai limpar o ch˜ao do banheiro.”
44
E continua sendo caracterizada na revista a fict´ıcia prov´ıncia onde
a hist´oria se passaria:
“a pol´ıcia de elite que os persegue, fantasiada de malhas
azuis com fitas vermelhas, fracassa com insistˆencia, enquanto
42
Idem, ibidem.
43
BUCCI, Eugˆenio. Meio caminho. Veja Cinema, ao Paulo, n. 893, p. 139, 16 out.
1985.
44
Idem, ibidem.
120
seus comandantes M´ınimo Jonas, edio Moura e aximo
Silvestre esmeram-se em proferir tolices do tipo ‘M´ınimo,
vocˆe ´e o rei da m´edia’. Entre desengon¸cados homens da lei e
guerrilheiros indolentes, a prov´ıncia de Kali pulsa sobretudo
ao ritmo do rock.”
45
A partir dos fragmentos destacados, observamos dois estere´otipos,
um de uma oposi¸ao inconseq
¨
uente e desastrada, e outro de um aparato repres-
sivo incompetente e que beirava as raias da comicidade: “[. . . ] guerrilheiros em
eterno combate contra a ordem vigente [. . . ] eles se aventuram numa guerra
que os conduz a lugar nenhum, como tudo em Kali”.
46
Observamos na rela¸ao enfatizada que o suposto impasse entre es-
ses segmentos estereotipados, que podem ser relacionados, por exemplo, aos
setores armados da esquerda e `a estrutura estatal militar brasileira, aparece
como algo inerte e at´e omico.
Em ´ultima an´alise, podemos dizer que ´e constitu´ıdo um destaque em
Veja para a id´eia de que a, no filme, uma atira sobre um tipo de rela¸ao entre
segmentos pol´ıticos antagˆonicos. E que essa situa¸ao apresenta caracter´ısticas,
segundo a cr´ıtica em Veja, que nos permite relacion´a-la com o tradicional
impasse entre a estrutura estatal militar no Brasil e as esquerdas armadas.
47
Um novo tipo de humor tamb´em aparecia na revista como sendo
produto cultural da transforma¸ao em processo na sociedade brasileira. O tom
45
Idem, ibidem.
46
Idem, ibidem.
47
Sobre esquerdas armadas ver tamem: SARNEY arma seu jogo. Veja Brasil, ao
Paulo, n. 882, p. 20–25, 31 jul. 1985. Mat´eria ao assinada.
121
sat´ırico para designar setores mais ortodoxos da esquerda tamb´em apareceu
na revista em rela¸ao a um quadro do programa TV Pirata. Tratava-se do
Seriado: As presidi´arias, sobre o qual ´e referido na revista: “no quadro ela [a
atriz Cristina Pereira] faz o papel de Olga, uma militante comunista. Para cri´a-
la, Cristina ao poupou imagina¸ao, usou uma boina preta ao melhor estilo
Che Guevara e se inspirou no jeito de uma amiga que conheceu em 1968”.
48
Note-se que, assim como a esquerda considerada mais orto doxa era
criticada a partir de suas supostas oes,
49
ela tamb´em era referida de forma
sat´ırica e como se a fizesse parte de um passado a superado pelas condi¸oes
do presente.
Por meio da revista o TV Pirata aparece como exemplo de um
“humor sem freios”.
50
E que, sendo assim, era direcionado a “tudo o que lhes
passa[va] diante dos olhos”.
51
Segundo aparece na revista, at´e o presidente
Sarney foi satirizado no programa.
O programa TV Pirata era referido na revista tamb´em como mais
uma forma de express˜ao cultural que se diferenciaria dos antigos padr˜oes: “o
o, o Chico e o Agildo Ribeiro usam sempre a mesma ormula com pequenas
varia¸oes, o TV Pirata ´e formado por dez atores que ao ao apenas humoristas
48
RISADA escancarada. Veja Especial, ao Paulo, n. 1036, p. 72–79, 27 jul. 1988.
Mat´eria ao assinada.
49
Como nas entrevistas de Nicolau Sevcenko e Gilberto Freyre referidas nas aginas 114
e 111.
50
Ibidem.
51
Ibidem.
122
e que tˆem uma proposta nova”.
52
Note-se que a partir do fragmento destacado, ´e constitu´ıdo o sentido
de que o novo, constru´ıdo de forma plural, viria para se sobrepor ao velho, ent˜ao
supostamente estabelecido de maneira r´ıgida e un´ıvoca. E fica claro na revista
que essa novidade estaria sendo bem aceita pelo p´ublico, pois, de acordo com
essa perspectiva, o programa contaria com uma edia de “42 pontos no Ibope
no Rio de Janeiro e em ao Paulo”.
53
Outro exemplo de que a sociedade estaria mudando ode ser ob-
servado na revista atraes da referˆencia `a moda e aos costumes estabelecidos
em torno da sensualidade do corpo feminino. Em rela¸ao a esse aspecto, ob-
servamos na revista arias referˆencias, tais como em rela¸ao ao personagem de
Regina Duarte em Roque Santeiro: “a vi´uva Porcina (interpretada por Regina
Duarte) ´e cafona e se veste mal, mas esbanja sensualidade”.
54
E como frase em
destaque na edi¸ao consta “Regina Duarte: a vi´uva sensual”.
55
Ainda nessa
dire¸ao, destacamos a frase relacionada a uma novidade da segunda vers˜ao
da novela: “a sensualidade de Regina Duarte no papel de Porcina ´e uma das
poucas novidades da novela”.
56
A partir dos destaques referidos, observamos esse tema sendo abor-
dado como uma inovao, a que era considerado como sendo novidade em
52
Ibidem.
53
Ibidem.referir
54
O RETORNO do mito. Veja Televis˜ao, ao Paulo, n. 880, p. 108–109, 17 jul. 1985.
Mat´eria ao assinada.
55
Ibidem.
56
Ibidem.
123
rela¸ao `a primeira vers˜ao da novela. Mas tamb´em destacamos a insistˆencia
em torno dele na revista, a que aparece trˆes vezes na mesma reportagem e na
mesma agina. Essa ˆenfase tamb´em pode ser observada em outros momentos,
como em rela¸ao `a suposta atua¸ao de Monique Evans no carnaval e nas praias
cariocas: “provocante ela transpira sensualidade e atrai gracejos”.
57
E ainda:
“para divertir os 4.000 foli˜oes que se apinhavam no sal˜ao
da Sociedade Gin´astica Porto Alegre, Monique de tanga
e bustiˆe met´alicos lan¸cava olhares maliciosos do camarote
do prefeito Alceu Collares, fingia ajeitar a roupa para criar
situa¸oes sensuais e mandava beijinhos para os as mais exal-
tados.”
58
A id´eia de sensualidade tamb´em aparecia inserida em outras te-
aticas na revista, como a moda. A exemplo disso observamos as frases em
destaque na mat´eria referente `a moda-ver˜ao em 85: “Cal¸cas justas real¸cando
formas”,
59
“Mini-saia: figurino ousado”,
60
e tamb´em:
“assim, est˜ao igualmente em alta as cal¸cas e saias justas,
que sempre real¸cam as formas da mulher, e os corpetes e
camisas de cavas acentuadas. ‘As miniblusas e mini-saias,
que deixam `a mostra as pernas, os ombros e a barriga, cabem
tamb´em nesse figurino ousado’.”
61
E tamem “a moda nos pr´oximos meses vem repleta de acess´orios
que prometem mais feminilidade `as mulheres da cabca aos p´es. [. . . ] Os
57
COM PIQUE de passista. Veja Especial, ao Paulo, n. 920, p. 40–47, 12 fev. 1986.
Mat´eria ao assinada.
58
Ibidem.
59
PRIMAVERA no corpo. Veja Moda, ao Paulo, n. 884, p. 61–62, 21 ago. 1985.
Mat´eria ao assinada.
60
Ibidem.
61
Ibidem.
124
cabelos est˜ao mais cheios, mais livres, e poder˜ao crescer `a vontade”.
62
Em rela¸ao aos fragmentos destacados, observamos que a ousadia
e a sensualidade na moda simbolizavam as mudan¸cas supostamente ocorridas
na sociedade brasileira na dire¸ao de uma liberaliza¸ao nos costumes, e ao
como suposta forma de protesto ou dissonˆancia, mas como uma nova moda.
63
Ainda nesse sentido, destacamos a reportagem“Um sopro sensual”
64
que trazia como frases em destaque “cinturas bem marcadas”, “saias acima
do joelho”, “corpetes mais justos”, “volta o tomara-que-caia”. Uma cole¸ao
que, segundo aparece na revista, traria “ventos de renovao” e o “furor do
sensualismo”.
A partir dos elementos destacados era constru´ıda na revista a id´eia
de que a sociedade estaria passando por um momento de liberaliza¸ao nos
costumes. Mas qual seria o lugar da pol´ıtica nessa transforma¸ao?
65
62
Ibidem.
63
Sobre isso ver BRASIL no peito. Veja Moda, ao Paulo, n. 919, p. 84, 16 abr. 1986.
Mat´eria ao assinda.
64
UM SOPRO sensual. Veja Moda, ao Paulo, n. 895, p. 77, 30 out. 1985. Mat´eria
ao assinada.
65
A pol´ıtica, no presente cap´ıtulo, ´e compreendida como um aspecto do comportamento
social e das express˜oes culturais da ´epoca.
125
4.3 Vis˜oes de exerc´ıcio pol´ıtico na sociedade
brasileira
Segundo o que analisamos em rela¸ao `a revista Veja, a resposta a
essa quest˜ao ao seria un´ıvoca, observando-se trˆes enfoques. O primeiro era
referente `a militˆancia pol´ıtica como uma forma de cerceamento das liberdades
individuais, o segundo era aquele em que a pol´ıtica aparecia apenas como mais
uma formalidade a ser cumprida e o terceiro era estabelecido em torno de uma
forma de exercer a pol´ıtica muito peculiar.
Em rela¸ao `a express˜ao na revista da id´eia de que a militˆancia
pol´ıtico-partid´aria seria uma forma de restri¸ao da liberdade individual, des-
tacamos a mat´eria a respeito do livro Olga escrito pelo jornalista Fernando
Moraes
66
. Desta mat´eria, destacamos um trecho referente `a personagem cen-
tral do livro:
“[. . . ] como toda militante comunista disciplinada, Olga di-
ficilmente fazia confidˆencias, desprezava a vida pessoal e os
sentimentos e passou mais da metade dos seus 34 anos na
clandestinidade e em pris˜oes. O pr´oprio Prestes, conta Fer-
nando, prefere falar de sua mulher como ativista e o men-
cionava detalhes do cotidiano quando insistentemente per-
guntado.”
67
Atrav´es da passagem destacada, observamos que, em rela¸ao ao
exemplo de Olga, o exerc´ıcio da militˆancia pol´ıtica era referido como algo
66
COSTA, Miriam Paglia. Estrela clandestina. Veja Livros, ao Paulo, n. 893, p.
125–126, 16 out. 1985.
67
Idem, ibidem.
126
incompat´ıvel com o livre desenvolvimento da personalidade e da esfera da vida
pessoal dos indiv´ıduos. E, nesse sentido:
“sobre o pano de fundo de militantes comunistas sendo tortu-
rados e mortos, ganha corpo, finalmente, a incr´ıvel sucess˜ao
de erros que foi a revolta comunista de 1935 com militan-
tes falando demais, an´alises delirantes da situa¸ao pol´ıtica
do Brasil e uma ingenuidade que ao ´e ris´ıvel apenas porque
causou tantos sofrimentos. No final, juntando a aventura
comunista com a biografia, o leitor chegar´a a uma triste con-
clus˜ao a de que, dona de uma rara combina¸ao de coragem
pessoal e fervor ideol´ogico, Olga Ben´ario Prestes jogou sua
vida e se deixou destruir por uma causa perdida.”
68
A partir do trecho referido, observamos novamente a forma¸ao dis-
cursiva da id´eia de incompatibilidade entre vida p essoal autˆonoma e militˆancia
pol´ıtica. Uma perspectiva que tamb´em ode ser observada na referida entre-
vista `a agina 111, de Gilberto Freyre
69
onde aparece considera¸ao atribu´ıda
ao entrevistado sobre o socialismo sueco: “o pa´ıs est´a pronto, o jovem sabe
o que vai ser, quanto vai ganhar, quando se aposentar´a. Entendo que o ser
humano precisa da aventura, do risco. ao pode ter a sua frente um futuro
inteiramente programado”.
70
Note-se que nos dois casos referidos, o exerc´ıcio da militˆancia pol´ı-
tica foi relacionado `aqueles setores oposicionistas de esquerda que ao faziam
parte dos segmentos de oposi¸ao que ganharam voz atrav´es da revista nos anos
80. Observamos, portanto, que foi em rela¸ao a este segmento pol´ıtico que o
68
Idem, ibidem.
69
Op. Cit.
70
Idem, ibidem.
127
exerc´ıcio da militˆancia era abordado como“um poder intolerante e castrador”.
71
a a participa¸ao pol´ıtica como mais uma formalidade a ser cum-
prida, ode ser observada na revista em rela¸ao a abordagens sobre o suposto
comportamento dos jovens nos anos 80. Em rela¸ao a esse aspecto, destacamos
o caso ilustrado na reportagem sobre a mete´orica carreira de Fernanda Torres
que, em 1986, com apenas 20 anos, a era considerada, segundo aparece na
mat´eria, uma grande atriz no meio cultural brasileiro.
Em rela¸ao a isso, atrav´es da revista eram elogiados a versatilidade
e o afinco de Fernanda em rela¸ao ao trabalho e tamb´em eram destacados
aspectos da vida pessoal e familiar da atriz. O que mais chama a aten¸ao,
entretanto, na reportagem em rela¸ao ao assunto que anunciamos, ´e a alus˜ao
`a conduta pol´ıtica de jovens atrizes que, como ela, despontavam como novos
talentos da cultura brasileira.
Nesse sentido, ´e conferido destaque `a posi¸ao de Fernanda Torres e
sua colega D´ebora Bloch em rela¸ao `a pol´ıtica:
“a inquieta¸ao das duas ao as leva `a defesa de grandes cau-
sas, como a pol´ıtica ou a defesa da cultura nacional. Nas ´ul-
timas elei¸oes por exemplo, Fernanda decidiu votar em Mar-
celo Cerqueira, o candidato apoiado pelo Partido Comunista
Brasileiro, p orque um amigo lhe disse que a possibilidade de
votar no PCB ´e a mesma de ver o Cometa Halley: o ocorre
a cada 76 anos. ‘Como resistir a um argumento ao engra-
¸cado?’ Pergunta a atriz. No momento ela est´a simpatizando
com o Partido Verde, mas ainda ao decidiu se votar´a nele.
‘N˜ao tenho aprendizado pol´ıtico, o acho que os verdes ao
71
SEVCENKO, Nicolau. Op. cit.
128
mais pr´aticos, pois querem melhorar a vida dos bairros e
resolver os problemas mais pr´oximos das pessoas’.”
72
Podemos observar que, no trecho destacado, a no¸ao de exerc´ıcio
pol´ıtico ´e remetida ao ato de votar e que isso ao ´e interpretado como uma
atitude de maior amplitude ou relevˆancia. Por´em, sob essa perspectiva, a
pol´ıtica seria relegada a um plano secund´ario na escala de prioridades na vida
de jovens talentos da cultura brasileira, como as atrizes mencionadas no texto.
E, ainda, os poss´ıveis benef´ıcios oriundos da ao dos representantes eleitos
estariam ligados a um contexto mais imediato e particular, como a melhoria
nos bairros. Essa postura, segundo aparece na revista, ao seria restrita ao
meio art´ıstico, mas faria parte dos novos padr˜oes de sociabilidade dos anos 80.
Em rela¸ao a esse aspecto, ´e referido na revista que os jovens dos
anos 80 seriam “contra os etodos pol´ıticos triconvencionais”.
73
Essa gera¸ao,
como consta em Veja, veria a p ol´ıtica da seguinte forma:
“acho pol´ıtica um saco, um bando de gente que o se inte-
ressa por altas mordomias. Garanto que estou numa melhor
paquerando as gatinhas. [. . . ] Esse neg´ocio de pol´ıtica ao
me interessa porque ao me afeta. No momento em que che-
gar um cara e proibir o surfe, proibir de ventar, a´ı eu vou
me interessar.”
74
Segue a mesma mat´eria afirmando que este seria “mais um motivo
para a inconteste admira¸ao por Rita Lee. ‘Nunca me preocupei com pol´ıtica’,
72
ATRIZ em quatro tempos. Veja Especial, ao Paulo, n. 919, p. 70–76, 16 abr. 1986.
Mat´eria ao assinada.
73
A JUVENTUDE da beleza, op. cit.
74
Ibidem.
129
diz Rita, ‘porque os pol´ıticos em sempre aquela imagem: terno cinza, um
barrig˜ao horroroso, uma cara horrenda, uns dentes pavorosos’.”
75
Observamos, portanto, que essa postura em rela¸ao `a participa¸ao
pol´ıtica, foi mostrada na revista como sendo um novo tipo de comportamento
social e cultural no pa´ıs. Mas os sinais dessa suposta mudan¸ca tamb´em foram
abordados na revista em referˆencia aos espa¸cos onde, nas ecadas de 60 e 70,
era grande a efervescˆencia pol´ıtica. Nesse sentido destacamos o texto sugesti-
vamente intitulado “Jovens trocam pol´ıtica por bom humor”,
76
onde consta:
“a pol´ıtica mudou nas universidades e nas escolas secund´a-
rias. Os jovens estudantes trocam as palavras de ordem
de cunho pol´ıtico por reivindica¸oes de melhoria de ensino.
Substitu´ıram os discursos doutrin´arios pelo bom humor. At´e
a Uni˜ao Nacional dos Estudantes (UNE), ´org˜ao aximo dos
universit´arios na ecada de 60, est´a desprestigiada.”
77
E continua: ‘o jovem a ao abandona seus interesses pessoais para
dedicar-se `a defesa da classe oper´aria ou da revolu¸ao’, constata [nas aginas
de veja] o fil´osofo e estudioso da vida universit´aria Jos´e Arthur Giannotti”.
78
Torna-se claro, portanto, a constitui¸ao da imagem de uma socie-
dade onde o interesse pela pol´ıtica seria escasso e que, quando ele ocorre, ao
ultrapassaria as fronteiras do individualismo, constituindo, assim, uma gera-
75
Ibidem.
76
SEM FREUD nem enin. Veja Especial, ao Paulo, n. 884, p. 70–77, 21 ago. 1985.
Mat´eria ao assinada.
77
Ibidem.
78
Ibidem. Sobre a pol´ıtica na Universidade, ver tamem GIANOTTI, Jos´e Arthur. Contra
a demagogia. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 884, p. 3–6, 21 ago. 1985. Por ario ergio
Conti.
130
¸ao despreocupada com a pol´ıtica e o interessada em aproveitar a vida. Uma
gera¸ao “sem Freud nem Lˆenin”.
79
Em rela¸ao a uma suposta forma contemporˆanea positiva de
participar politicamente, observamos que na revista se constitui a represen-
ta¸ao de uma cultura democr´atica que supostamente estaria se efetivando no
contexto da ´epoca. A exemplo disso destacamos as express˜oes culturais que
antecederam as elei¸oes presidenciais de 1985.
Na revista foram destacadas as oes pol´ıtico-culturais de persona-
lidades do meio art´ıstico que simbolizariam esse novo comportamento.
´
E o
caso constitu´ıdo em Veja da atua¸ao de Faf´a de Bel´em e Osmar Santos,
80
a
primeira emocionando e o segundo empolgando o pa´ıs em torno da campanha
das Diretas a.
Nesse contexto, o show de Faf´a de Bel´em Aprendizes da esperan¸ca
foi apresentado, atrav´es da Revista Veja, como express˜ao cultural que supos-
tamente conteria uma vis´ıvel conota¸ao pol´ıtica, mas que, ainda assim, se
diferenciaria das express˜oes art´ısticas peculiares aos anos 60 e 70, pois, como
´e enfatizado no texto: “o show ´e bom por um pequeno detalhe: ao contr´ario,
por exemplo, do lend´ario show Opini˜ao, de 1964/65, atacado pela direita, ou
das can¸oes de Dom e Ravel, dos anos 70, malhadas pela esquerda, Aprendi-
79
Ibidem.
80
Tamb´em foi referida na Revista Veja, em rela¸ao a esse aspecto, embora com menor
ˆenfase, a ades˜ao de outros artistas ao movimento das Diretas a como Fernanda Montenegro,
Chico Buarque de Holanda, Milton Nascimento, Maitˆe Proen¸ca, Raul Cortez. CAPRICHA,
garoto. Veja Especial, ao Paulo, n. 810, p. 23–25, 14 mar. 1984. Mat´eria ao assinada.
131
zes da esperan¸ca pode ser aplaudido por qualquer brasileiro”.
81
Note-se que
a posi¸ao assumida atrav´es da revista ´e de cr´ıtica tanto `a atua¸ao da direita
como da esquerda no contexto dos anos 60 e 70. Ainda, em rela¸ao ao frag-
mento destacado, note-se a id´eia de que o show de Faf´a de Bel´em representaria
uma proposta cultural acess´ıvel a qualquer brasileiro. Um elemento que pode
ser remetido ao sentido universalista e transclassista peculiar `a proposta de
liberaliza¸ao contida na revista Veja nos anos 80.
Quanto a Osmar Santos, este era apresentado atrav´es da Revista
Veja como “o pr´oprio s´ımbolo das diretas”.
82
O narrador esportivo que, at´e
1984, supostamente o empolgava o p´ublico atrav´es de suas animadas locu¸oes
esportivas, segundo o que aparece na Revista Veja,“transformou-se tamb´em em
fenˆomeno pol´ıtico”.
83
Defendendo o slogan “Eu quero votar pra presidente”,
84
Osmar Santos era retratado, atrav´es das lentes de Veja, como sendo a figura
capaz de emp olgar amplos contingentes de popula¸ao em todo o pa´ıs.
Nesse sentido, foram destacadas as viagens do narrador esportivo
pelo Brasil, o qual foi referido atrav´es da mat´eria como o grande protagonista
em eventos pr´o-diretas, como observamos na sess˜ao “Especial” da edi¸ao de
14 de mar¸co de 1984. Nessa reportagem, foi destacada a presen¸ca do locutor
em eventos como “o carnaval das diretas”, em Salvador, o grande com´ıcio de
ao Paulo, onde eram enfatizados na revista o seu “bom humor, anima¸ao e
81
SALLES, Luzia. Sensual e c´ıvica. Veja Show, ao Paulo, n. 889, p. 129, 18 set.
1985.
82
CAPRICHA, garoto. Op. cit.
83
Ibidem.
84
Ibidem.
132
dom´ınio da multid˜ao”, e a grande passeata, ocorrida no Rio de Janeiro, referida
na revista como “ensaio geral para o com´ıcio”.
85
Imediatamente na seq
¨
uˆencia da mat´eria intitulada “Capricha Ga-
roto”, consta, na mesma edi¸ao da Revista Veja, uma referˆencia `a suposta
efic´acia da campanha das Diretas a, que “j´a levou `a rua 500.000 pessoas”.
86
Nesse contexto, foi constitu´ıda a id´eia de ades˜ao indistinta dos brasileiros `a
proposta da campanha, um fator constatado, atrav´es da revista, pela suposta
participa¸ao popular massiva em eventos pol´ıticos, como com´ıcios e passeatas
em todo o pa´ıs quando
“10.000 pernambucanos, em alegre cortejo, cruzaram o cen-
tro de Recife, dan¸cando frevo, para ouvir, na Pra¸ca da In-
dependˆencia, o discurso da deputada federal Bete Mendes,
do PT paulista. Na noite anterior, o Rio de Janeiro promo-
vera, com uma passeata de 40.000 pessoas, o ensaio geral do
com´ıcio marcado para o dia 21, e, em Bel´em, 60.000 mani-
festantes produziram uma das maiores concentra¸oes a que
a cidade a assistiu. Na quarta-feira, o territ´orio do Amap´a
integrava-se ao circuito da campanha, quando 10.000 pes-
soas quase 10% da popula¸ao de Macap´a se juntaram na
capital para ouvir os l´ıderes da oposi¸ao.”
87
Essas constata¸oes da revista em torno da suposta efic´acia da gran-
de campanha em torno das elei¸oes diretas, demonstravam uma das formas de
manifesta¸ao da cultura democr´atica que estaria em estabelecimento no pa´ıs
naquele momento.
88
85
Ibidem.
86
MEIO milh˜ao. Veja Especial, ao Paulo, n. 810, p. 25, 14 mar. 1984. Mat´eria ao
assinada.
87
Ibidem.
88
Tamb´em nessa reportagem foi enfatizado o papel do apresentador Osmar Santos em
133
Observamos, portanto, que as referˆencias que apareciam na revista
em rela¸ao ao reordenamento pol´ıtico que estaria ocorrendo no pa´ıs, e que
tamb´em apresentariam elementos da cultura democr´atica supostamente em
desenvolvimento, tamem eram remetidas diretamente aos fenˆomenos ocorri-
dos no ˆambito da sociedade pol´ıtica.
Nesse sentido, diferenciava-se no plano discursivo participa¸ao po-
l´ıtica de militˆancia pol´ıtico-partid´aria, pois a primeira era referida positiva-
mente como uma forma de liberta¸ao dos velhos padr˜oes da sociedade pr´e-
democr´atica, constituindo-se, dessa forma, mais uma pr´atica social do que
uma pr´atica pol´ıtica.
Nessa perspectiva, destacamos a coluna “Ponto de Vista” intitulada
“A democracia funciona”.
89
Nesse caso, era explorada a nova forma de funcio-
namento do clube de futebol paulista Corinthians, onde a partir das mudan¸cas
operadas, teria sido ampliada a participa¸ao dos jogadores nas decis˜oes em
torno da organiza¸ao do time, dentro e fora de campo.
Em rela¸ao a esse caso, eram enfatizados o respeito a variadas opi-
ni˜oes e o direito de manifesta¸ao de diferentes posicionamentos. Uma pers-
rela¸ao ao “Placar da Direta”, colocado na Pra¸ca da S´e em ao Paulo, que consistia como foi
definido atrav´es da revista em “um painel de 348 metros quadrados, no qual ser˜ao mostrados,
`a maneira dos volantes da Loteria Esportiva, os nomes de todos os 548 congressistas e suas
p osi¸oes diante da quest˜ao. Indicados com um X na coluna da esquerda ficar˜ao os que
ao favor´aveis `a direta, na do meio ser˜ao apontados os indecisos e na coluna da direita os
indiretistas”. Nesse contexto ´e destacada a posi¸ao do locutor Osmar Santos como quem
punha a p´ublico as altera¸oes em rela¸ao `as posi¸oes dos parlamentares.
89
OLIVEIRA, ocrates Vieira de. A democracia funciona. Veja Ponto de Vista, ao
Paulo, n. 758, p. 130, 16 mar. 1983.
134
pectiva que ´e refor¸cada a partir do destaque `as palavras de ocrates Vieira de
Oliveira, na ´epoca jogador do Corinthians e da Sele¸ao Brasileira: “l´a no Co-
rinthians o povo chegou ao poder”.
90
E, refor¸cando o aspecto participativo da
suposta mudan¸ca ocorrida no time, ´e tamb´em enfatizada a id´eia da importˆan-
cia do individual em rela¸ao ao coletivo: “o jogador ´e que faz o time [. . . ] mas
a maioria jamais teve a oportunidade de se pronunciar”.
91
Estes elementos ao
remetidos, no plano discursivo, a uma estrutura de organiza¸ao a considerada
anacrˆonica, pois como ´e dito na coluna: “[. . . ] na estrutura arcaica do futebol
brasileiro, o jogador sempre foi relegado ao silˆencio deve ouvir e obedecer
sem dar opini˜ao a respeito daquilo que indiscutivelmente conhece”.
92
Essa situa¸ao pode ser associada a uma cr´ıtica `a organiza¸ao pol´ı-
tica brasileira da ´epoca, mesmo que num contexto de abertura, supostamente
ainda ao democr´atica. Essa associa¸ao pode ser respaldada ao o pelo ca-
ater pedag´ogico de tentar demonstrar em uma situa¸ao pr´atica como seriam
prof´ıcuas as oes de cunho democr´atico, mas sobretudo na medida em que,
no texto, ao referidos como part´ıcipes das mudan¸cas dessa ordem operadas
no Corinthians personalidades ligadas `a oposi¸ao pol´ıtica ao governo. Nesse
sentido: “Wladimir e Casagrande ao filiados ao Partido dos Trabalhadores e
militam politicamente com a aprovao do clube [. . . ] e e Maria elegeu-se
vereador pelo PMDB”.
93
Assim, essas mudan¸cas referidas como tendo ocorrido no Corinthi-
90
Idem, ibidem.
91
Idem, ibidem.
92
Idem, ibidem.
93
Idem, ibidem.
135
ans representaram exemplos de aplica¸oes de pr´aticas democr´aticas num deter-
minado contexto. Pr´aticas que, segundo a opini˜ao destacada no texto, teriam
sido amplamente positivas ao funcionamento do time e p oderiam, dessa forma,
ser estendidas `a situa¸ao pol´ıtica do pa´ıs.
Observamos este aspecto na medida em que a postura generica-
mente definida como democr´atica era apresentada como sinal dos tempos,
como demanda social no sentido de um porvir exemplificado a partir de uma
experiˆencia espec´ıfica, mas que poderia ser interpretada como manifesta¸ao do
quadro geral da sociedade brasileira naquele momento.
Al´em dessa id´eia `a qual o texto pode ser relacionado, a a referˆencia
`a possibilidade de que essa posi¸ao poderia se estabelecer como vanguarda em
rela¸ao a aspectos novos em termos de funcionamento de outros times ou,
segundo nossa interpreta¸ao, tamb´em a outras formas de sociedade, como uma
fam´ılia, uma escola, ou mesmo o pa´ıs. Nesse sentido:
“enfim, a muita coisa para conquistar. No Corinthians, as
coisas est˜ao mudando e pretendemos que os outros clubes
observem com aten¸ao o que estamos fazendo e vejam se a
experiˆencia lhes pode servir. Aqui deu certo. Se as tenta-
tivas semelhantes funcionarem bem em outros times, todos
o ter˜ao a ganhar.”
94
Tamb´em no que diz respeito `as mudan¸cas que, sob essa perspectiva,
estariam em curso na sociedade brasileira nos anos 80, destacamos a entrevista
com o cineasta Leon Hirszman em rela¸ao ao filme “Eles ao Usam Black-
94
Idem, ibidem.
136
Tie”.
95
Nesse contexto, a id´eia `a qual nos referimos ode ser observada em
rela¸ao ao destaque, conferido na entrevista, `a adapta¸ao da hist´oria original
de 1957 `a conjuntura vivida no pa´ıs no per´ıodo de abertura pol´ıtica, onde foram
enfatizadas as mudan¸cas ocorridas no ˆambito da oposi¸ao ao regime militar no
Brasil em rela¸ao ao desenvolvimento de uma nova demanda relativamente ao
processo de desenvolvimento da sociedade.
Nesse sentido, ´e tomado como exemplo o caso do personagem “Ot´a-
vio”, onde eram apresentadas dissonˆancias em rela¸ao `as formas de atua¸ao
pol´ıtica entre a primeira e a segunda vers˜ao do filme. Em rela¸ao a esse as-
pecto, ´e destacada id´eia de que “ele [Ot´avio] ao ´e mais o mesmo militante de
antes”.
96
Mas na nova vers˜ao o personagem Ot´avio passa de um “stalinista”
para um oposicionista que “agora ´e mais um ativista sindical. ao ´e propria-
mente um l´ıder de partido. Ele de certa forma a passou por aquilo que viveu
o outro Ot´avio”.
97
Sob essa perspectiva, ´e evidente a interpreta¸ao de uma mudan¸ca
no car´ater da oposi¸ao no Brasil, caracterizando, dessa forma, a necessidade
de uma mudan¸ca de dom´ınio, no setor oposicionista, de uma perspectiva mais
ligada aos preceitos cient´ıficos e doutrin´arios do comunismo real para uma
outra, supostamente mais de acordo com a demanda do pa´ıs naquele momento,
a qual foi representada naquele discurso pelo setor da democratiza¸ao social
ligado ao sindicalismo.
95
HIRSZMAN, Leon. Eu investi na emo¸ao. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 681, p.
5–8, 23 set. 1981. Por Dirceu Brisola.
96
Idem, ibidem.
97
Idem, ibidem.
137
Ainda em rela¸ao `a reportagem sobre o filme de Leon Hirszman,
refor¸cando a id´eia da necess´aria mudan¸ca no ˆambito dos setores de oposi¸ao
ao governo, nos referimos tamb´em ao destaque dado `a cria¸ao de um novo
personagem, que representaria a ant´ıtese do que seria uma postura ideal nos
quadros da oposi¸ao dos anos 80.
Esse personagem era “Santini”, caracterizado na entrevista como
“um ultra-esquerdista”.
98
´
E o chamado “porralouca”, que nessa forma¸ao de
sentido, seria uma reminiscˆencia da esquerda representada como ultrapassada
e que, segundo essa perspectiva, ao poderia ser visto como o representante de
uma alternativa vi´avel e conseq
¨
uente para o pa´ıs.
99
Em rela¸ao `a ˆenfase `as mudan¸cas operadas nos personagens da pri-
meira para a segunda vers˜ao do filme, fica evidente, portanto, o destaque a um
dos segmentos que naquele momento comporiam o maior setor de oposi¸ao no
pa´ıs: o setor sindical, representante da persp ectiva de democratiza¸ao social.
Essa proposta ´e observada inclusive em rela¸ao ao destaque `as modifica¸oes de
outro personagem, a “Maria”, que, segundo consta na entrevista, “na vers˜ao
original era uma costureirinha de oficina. Agora ´e oper´aria mesmo”.
100
Observamos, portanto, que na ecada de 80 foi constitu´ıda discur-
sivamente na revista Veja a id´eia de que a organiza¸ao pol´ıtica no pa´ıs estaria
aqu´em do desenvolvimento social e cultural brasileiro. E, em face disso, foram
98
Idem, ibidem.
99
Em cr´ıtica `a oposi¸ao ligada a uma postura considerada mais doutrin´aria no setor da
esquerda, ver tamb´em COSTA, Miriam Paglia. Op. cit.
100
Idem, ibidem.
138
veiculadas na revista forma¸oes discursivas unidas pelo sentido de expor `a so-
ciedade a necessidade de transforma¸oes no ˆambito pol´ıtico-institucional. E,
no sentido de sinalizar a dire¸ao dessa mudan¸ca, foram constitu´ıdos discursos
em prol de um novo tipo de organiza¸ao pol´ıtica que se estabeleceria na mesma
dire¸ao das mudan¸cas sociais e culturais supostamente a em processo no pa´ıs.
139
5 Vis˜oes acerca do contexto
internacional dos anos 80
do s´eculo XX e sua rela¸ao
com as redefini¸oes
pol´ıticas no Brasil
As interpreta¸oes que se constitu´ıram em Veja referentes ao con-
texto internacional igualmente compuseram a base argumentativa para a cons-
titui¸ao de um sentido discursivo no qual se punha a necessidade de um reor-
denamento pol´ıtico no Brasil, que se fizesse no mesmo sentido das renovoes
supostamente verificadas naquele contexto.
Observamos, portanto, que a argumenta¸ao nesse sentido se esta-
beleceu na revista em rela¸ao `as mudan¸cas ocorridas em n´ıvel mundial. E
observamos que isso foi posto em Veja de duas maneiras. A primeira, no sen-
tido de mostrar as transforma¸oes relativas a pr´aticas pol´ıticas, econˆomicas e
sociais rumo `a liberaliza¸ao que estaria ocorrendo no mundo. E a segunda, em
rela¸ao `a liberaliza¸ao no campo das id´eias, como um fenˆomeno global.
Em rela¸ao ao primeiro aspecto, destacamos referˆencias observadas
140
na revista em alus˜ao `as transforma¸oes que teriam ocorrido em pa´ıses como
Argentina, China e URSS no contexto dos anos 80, nas quais se destaca o
processo de abertura econˆomica desses pa´ıses, ligado ao seu reordenamento
pol´ıtico e transforma¸oes sociais.
5.1 Argentina: um exemplo de democracia a
ser seguido?
A liberaliza¸ao ocorrida na Argentina, politicamente representada
pela elei¸ao do presidente Ra´ul Alfons´ın, foi um fenˆomeno que repercutiu no
Brasil atrav´es da revista Veja. Em rela¸ao a esse aspecto, o novo governo civil
argentino foi abordado na revista como o principal fator para que o pa´ıs supos-
tamente se distanciasse do contexto de crise vivido sob a ´egide dos governos
militares.
Nesse sentido, destacamos, primeiramente, uma mat´eria referente `a
situa¸ao da economia argentina no momento anterior `a reorganiza¸ao pol´ıtica
e econˆomica do pa´ıs. Veja-se:
“depois de 74 dias de combate pela posse das ilhas Malvinas
e da derrota frente `a Inglaterra, os militares que governa-
ram a Argentina desde a queda da Isabelita Per´on em 1976,
voltam a se preparar para uma guerra. [. . . ] O que se tenta
evitar agora ´e o colapso total da Argentina, que se afunda
cada vez mais numa prolongada recess˜ao, com infla¸ao ga-
lopante, desemprego em massa e falta de caixa exaurida
pela guerra para saldar os compromissos de uma d´ıvida
141
externa estimada em mais de 37 bilh˜oes de olares.”
1
E continua a mat´eria, agora sendo explorada a posi¸ao atribu´ıda
ao Ministro da Economia da Argentina sobre a suposta crise: “a situa¸ao ´e
muito grave. A economia argentina encontra-se num estado de destrui¸ao sem
precedentes, que p ode realmente ser qualificado de emergˆencia nacional.”
2
Em rela¸ao ao reconhecimento diante da situa¸ao de crise que es-
taria sendo vivida na Argentina, consta o comenario: “suas palavras foram
duras, embora passem ao largo das responsabilidades espec´ıficas que os mili-
tares tˆem pelo desastre”.
3
A partir dos fragmentos destacados, observamos que em rela¸ao `a
situa¸ao de crise que estaria ocorrendo na Argentina, foram referidos elementos
que tamb´em foram ressaltados na revista em rela¸ao `a crise econˆomica que
estaria o correndo tamb´em no Brasil.
4
Note-se que a “prolongada recess˜ao”, a “infla¸ao galopante”, o “de-
semprego em massa”, a “falta de caixa” no pa´ıs, e as altas taxas da “d´ıvida
externa”; foram elementos referidos `as “responsabilidades espec´ıficas que os
militares tˆem pelo desastre”.
5
Nesse sentido, observamos a rela¸ao estabelecida no plano discur-
1
UM TOQUE de alarme. Veja Internacional, ao Paulo, n. 723, p. 96, 14 jul. 1982.
Mat´eria ao assinada.
2
Ibidem.
3
Ibidem.
4
Ver cap´ıtulo 3 deste trabalho.
5
Ibidem.
142
sivo entre o tipo de organiza¸ao representada politicamente pela militariza¸ao
estatal e a crise econˆomica. Uma abordagem feita tamb´em em rela¸ao ao caso
brasileiro, como mostramos no cap´ıtulo 3 deste trabalho.
Em paralelo `a reportagem referida anteriormente, destacamos ou-
tra constru¸ao de sentido observada na revista Veja em rela¸ao `a economia
argentina nos anos 80. Trata-se da mat´eria referente `a queda de infla¸ao que
teria ocorrido no pa´ıs ap´os a posse do presidente civil Ra´ul Alfons´ın:
“os ecnicos do Minist´erio da Economia da Argentina esta-
vam satisfeitos na semana passada um estado de esp´ırito
bem raro em Buenos Aires, nos ´ultimos tempos, durante os
quais a palavra ‘economia’ passou a ser sinˆonimo de not´ıcia
ruim. Os t´ecnicos haviam refeito seus alculos sobre a infla-
¸ao de julho e puderam verificar que a vit´oria alcan¸cada pelo
governo do presidente Ra´ul Alfons´ın era mais esp etacular do
que se imaginara.”
6
A partir do destaque acima referido, observamos uma rela¸ao entre
o processo de supera¸ao da crise que estaria ocorrendo na economia argentina
e a reordena¸ao pol´ıtica que teria ocorrido no pa´ıs, estabelecendo assim, uma
constru¸ao de sentido, onde a supera¸ao de um governo militar ditatorial por
um civil de cunho democr´atico, estaria diretamente vinculada `a supera¸ao de
uma crise econˆomica.
Dessa forma, observamos que as referˆencias veiculadas atrav´es de
Veja, em rela¸ao a esse tema, se estabeleceram de modo a propor, atrav´es do
6
PASSOS, Jos´e Meirelles. Fantasma decepado. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo,
n. 882, p. 100, 31 jul. 1985.
143
exemplo do que ocorrera na Argentina, uma dire¸ao para a sa´ıda da crise no
Brasil. Uma sa´ıda que, como sustentamos ao longo deste trabalho, segundo
os discursos veiculados em Veja, passaria necessariamente por uma redefini¸ao
pol´ıtica de car´ater liberalizante e democr´atico.
7
Em outro paralelo entre a abertura democr´atica argentina e a bra-
sileira constru´ıdo na revista Veja, foram destacadas as especificidades de cada
processo, ressaltando assim as suas diferen¸cas. A constru¸ao dessa id´eia ´e
expressa atrav´es da frase: “Brasil e Argentina ao `a abertura por homens e
caminhos diferentes.”
8
Embora haja na mat´eria esse enfoque, destacamos um outro ponto.
Trata-se da conclus˜ao estabelecida em torno desses dois processos que, embora
supostamente distintos, foram unidos no sentido discursivo por um elemento
comum:
“no fundo, todas as compara¸oes entre o passado e o pre-
sente da Argentina e do Brasil permitem uma ´unica con-
clus˜ao. A ditadura, com toda sua aparˆencia de solu¸ao, ´e
um problema, enquanto que a democracia, com sua aparente
complica¸ao, ´e a ´unica forma eficaz a que recorrem as soci-
edades e, nelas, muitas vezes a contragosto, os militares
para a solu¸ao dos problemas das ditaduras.”
9
Note-se que, no fragmento destacado, a id´eia de oposi¸ao entre
7
Na referida mat´eria a tamb´em em destaque uma referˆencia direta `as melhoras no custo
de vida da popula¸ao Argentina a partir da implantao da pol´ıtica econˆomica do novo
governo. Nesse sentido nos reportamos `a frase em destaque na edi¸ao: “Quitanda em Buenos
Aires: pre¸cos est´aveis e fixados na nova moeda, austral”.
8
PARALELOS in´uteis. Veja Internacional, ao Paulo, n. 800, p. 28, 4 jan. 1984.
Mat´eria ao assinada.
9
Ibidem.
144
ditadura e democracia, supostamente comum a ambos os processos hist´ori-
cos, minimiza as especificidades referidas ao longo da mat´eria. Observamos,
portanto, a constitui¸ao de uma id´eia gen´erica de democracia, cujo conte´udo
essencial corresponderia `a ant´ıtese da ditadura.
Ainda em rela¸ao ao paralelo estabelecido na revista entre os pro-
cessos de abertura no Brasil e na Argentina:
“para a maior parte da oposi¸ao brasileira, a elei¸ao do pre-
sidente Ra´ul Alfons´ın e a maioria de suas providˆencias em
menos de um es de governo na Argentina ao um exemplo
a seguir. Para o governo brasileiro, um fantasma a evitar.”
10
Reiteramos, portanto, que a partir do paralelo estabelecido na re-
vista seja de forma direta ou indireta entre os processos de abertura brasi-
leiro e argentino, estava se delineando em Veja a dire¸ao de uma proposta de
redefini¸ao pol´ıtica para o Brasil.
Nesse sentido, foram igualmente exploradas tem´aticas relacionadas
com as pr´aticas da ditadura argentina. Em rela¸ao a essa id´eia destacamos: “o
presidente Ra´ul Alfons´ın usa a for¸ca das urnas para escavar e punir os crimes
da ditadura militar que marcou a Argentina.”
11
Identifica-se aqui, mais uma vez, a constru¸ao do sentido dicotˆomico
entre ditadura e democracia, assim como a identifica¸ao da primeira com ati-
tudes criminosas, e a segunda sendo relacionada a um governo eleito, e por isso
10
Ibidem, p. 29.
11
PASSOS, Jos´e Meirelles. A demoli¸ao do regime. Veja Internacional, ao Paulo, n.
800, p. 22, 4 jan. 1984.
145
representante da sociedade, e que estaria ainda disposto a justi¸car os crimes
cometidos contra ela.
Dessa forma, op ondo ditadura a democracia, e identificando de-
mocracia com os interesses da sociedade, tamem estava-se estabelecendo no
discurso uma gen´erica correspondˆencia entre a demanda social e a forma de-
mocr´atica de organiza¸ao pol´ıtica, estabelecendo, assim, o sentido de que um
governo eleito segundo as regras da democracia formal representaria os inte-
resses da sociedade.
Essa posi¸ao foi representada na revista fundamentalmente atrav´es
da constru¸ao da id´eia de que, atrav´es de uma pol´ıtica democr´atica, o presi-
dente Ra´ul Alfons´ın promoveria na Argentina uma “exuma¸ao da ditadura”,
12
trabalhando, assim, em prol de uma reivindica¸ao posta como muito forte na
sociedade argentina, a da expia¸ao dos crimes da ditadura sobre os presos
pol´ıticos.
13
Tomamos esse exemplo no intuito de reiterar a id´eia de que o sentido
de democracia constru´ıdo na revista teria servido para associar o termo a uma
forma da sociedade ver atendidas as suas reivindica¸oes atrav´es de um governo
que supostamente representasse os seus interesses.
12
Ibidem.
13
Sobre esse tema ver tamem LAS LOCAS tinham raz˜ao. Veja Internacional, ao
Paulo, n. 902, p. 52–53, 18 dez. 1985. Mat´eria ao assinada.; PASSOS, Jos´e Meirelles. A
ditadura p or dentro. Veja Internacional, ao Paulo, n. 872, p. 36–43, 22 maio 1985.;
PAZ sem adjetivo. Veja Internacional, ao Paulo, n. 811, p. 59, 21 mar. 1984. Mat´eria
ao assinada; e A NOITE dos generais. Veja Internacional, ao Paulo, n. 902, p. 54–59,
18 dez. 1985. Mat´eria ao assinada.
146
5.2 China: rumo `a abertura capitalista
Independentemente das bases doutrin´arias dos governos autorit´a-
rios e centralizadores, este tipo de organiza¸ao estatal era referido em Veja nos
anos 80 era associada `a id´eia geral de sociedade submetidas ao atraso.
Nesse sentido, destacamos em Veja express˜oes discursivas relacio-
nadas ao processo de abertura chinesa. Em rela¸ao a esse aspecto, observa-
mos a presen¸ca de elementos relacionados aos supostos benef´ıcios da abertura
econˆomica e do arejamento pol´ıtico para a popula¸ao em geral. Veja-se nessa
dire¸ao:
“o restaurante Sabor Delicioso, na cidade de Chengtu, ´e um
pequeno para´ıso capitalista encravado em plena Rua Estrela
Vermelha. Seu propriet´ario, Wu Shiyuan, tomou empres-
tado o equivalente a 150 olares para abri-lo. Agora ele paga
75 olares mensais ao seu cozinheiro, 15 para os empregados
rec´em-admitidos e no fim do es reserva 100 olares para
reinvestimentos.”
14
E continua:
“h´a dez anos esse pequeno sucesso de Wu seria absoluta-
mente impens´avel na China. Wu seria imediatamente classi-
ficado como um capitalista infiltrado e dificilmente escaparia
de ser preso ou ‘reeducado’. Mas hoje ´e o pragmatismo de
Deng Xiaoping, e ao o fervor revolucion´ario de Mao-Ts´e-
Tung, que governa a China.”
15
14
TOLEDO, Roberto Pompeu de. A marca do espa¸co. Veja Especial, ao Paulo, n.
881, p. 62, 24 jul. 1985.
15
Idem, ibidem.
147
A partir desse retrato da moderniza¸ao chinesa, segundo a lente
de Veja, observamos a referˆencia `a abertura econˆomica representada como um
sinal de progresso, melhoria de vida e liberdade de produ¸ao. Elementos que,
segundo essa perspectiva, teriam melhorado as condi¸oes de indiv´ıduos que
viviam nesse contexto social.
Entretanto, entre as transforma¸oes econˆomicas e as mudan¸cas so-
ciais existe a for¸ca da iniciativa pol´ıtica. Essa id´eia aparece na revista a nos
fragmentos destacados referentes ao “pragmatismo de Deng Xiaoping” e ao
“fervor revolucion´ario de Mao-Ts´e-Tung”. A´ı ao referidas duas formas de or-
ganiza¸ao p ol´ıtica, ficando clara a posi¸ao manifestada na revista de que uma
delas seria, em ´ultima an´alise, a respons´avel pelo desenvolvimento de novos
padr˜oes de rela¸ao entre economia e sociedade na China.
Observamos, portanto, que a referida forma¸ao discursiva nos per-
mite estabelecer uma rela¸ao entre essa abordagem e o sentido discursivo iden-
tificado na revista em torno da necess´aria redefini¸ao pol´ıtica no Brasil rumo
a uma liberaliza¸ao.
Ainda em rela¸ao a esse aspecto, destacamos a mat´eria que trata
da reformula¸ao da upula do governo chinˆes, onde ´e constru´ıda a id´eia de que
para preservar o novo rumo conferido ao pa´ıs, seria necess´ario manter soprando
na mesma dire¸ao os ventos da pol´ıtica. A respeito disso:
“mas, paralelamente `a portentosa tarefa de abrir a China aos
contatos com o mundo e modernizar sua economia, Deng, de
81 anos, tem se preocupado em garantir que a sua sucess˜ao
se fa¸ca de maneira ordenada que a onica reformista ao
148
seja abandonada por uma nova gera¸ao de governantes.”
16
Note-se, a partir do trecho destacado, a constru¸ao da id´eia de
que se houvesse mudan¸cas de rumo na pol´ıtica, o processo de liberaliza¸ao
poderia ser abandonado. Esse aspecto refor¸ca portanto a estrat´egia discursiva
onde ´e conferida `a forma de organiza¸ao pol´ıtica uma importˆancia fundamental
no desenvolvimento econˆomico e so cial. Uma rela¸ao que, como procuramos
mostrar, permaneceu constante na revista Veja no decorrer dos anos 80 e que
ao foi desenvolvida no plano discursivo exclusivamente em rela¸ao ao caso
brasileiro.
Ainda em rela¸ao `a mat´eria referente `a sucess˜ao de Deng Xiaoping,
destacamos:
“Deng, contudo, teve o cuidado de ao alienar completa-
mente a velha gera¸ao, mantendo figuras que est˜ao longe de
se identificar completamente com os ventos de liberaliza¸ao,
como ´e o caso do presidente Li Xianian, 76 anos.”
17
Note-se que, embora longe de a organiza¸ao pol´ıtica chinesa repre-
sentar uma forma de democracia, elementos como liberaliza¸ao e tolerˆancia
pol´ıtica foram colocados lado a lado na estrutura discursiva, representando as-
sim, que “os ventos de liberaliza¸ao” trariam consigo uma gradativa queda da
centraliza¸ao e do autoritarismo que estariam levando o pa´ıs ao imobilismo e
ao atraso. Veja-se:
16
ADEUS `a velha guarda. Veja Internacional, ao Paulo, n. 890, p. 60, 25 set. 1985.
Mat´eria ao assinada.
17
Ibidem.
149
“est´a a´ı a ilustra¸ao viva de um dos primeiros talvez o
principal objetivos das reformas de Deng Xiaoping: colocar
a China para rodar. Fazˆe-la funcionar. [. . . ] Sacudi-la do
sono burocr´atico que, ao bastassem 4000 anos de regime
feudal, o socialismo estatizante, policial e paternalista o fez
aprofundar e institucionalizar.”
18
A liberaliza¸ao chinesa foi tamb´em abordada em rela¸ao `as melho-
rias nos n´ıveis de vida da popula¸ao que teriam ocorrido ap´os a implanta¸ao
destas pr´aticas:
“o aumento na produ¸ao acabou por derrubar sucessivamen-
te cart˜oes de racionamento como o que existia para o arroz
e, mais recentemente, o que existia para a compra de roupas
e tecidos e fazia com que o se pudesse comprar 6 metros
de algod˜ao ao ano, por pessoa. A essa carta de alforria, do
ponto de vista dos consumidores, corresponde outro milagre,
do ponto de vista dos produtores eles come¸cam a ficar mais
ricos.”
19
E continua:
“tamb´em desapareceu a arrogante pretens˜ao estatal em o
permitir-se ao camponˆes a propriedade particular de um n´u-
mero muito pequeno de bens. Um porco, dez galinhas, dez
patos ao mais que isso, contadinho, ´e o que se permitia a
cada fam´ılia camponesa possuir, nos tempos da Revolu¸ao
Cultural.”
20
Em oposi¸ao a essa situa¸ao, ao referidos casos como estes, em
destaque:
18
TOLEDO, Roberto Pompeu de. A roda do tempo. Veja Especial, ao Paulo, n. 881,
p. 54, 24 jul. 1985.
19
TOLEDO, Roberto Pompeu de. A marca do espa¸co. Op. cit.
20
Ibidem.
150
“Li Suxian, camponesa dos arredores de Pequim: ‘Dinheiro
para reformar a casa e comprar eletrodom´esticos’; Huang
Peinin, camponˆes dos arredores de Cant˜ao: ‘Com a cria¸ao
de gansos e frangos, a renda disparou’; Ye Fengmei, dona de
butique em Shenzehen: ‘A caminho do enriquecimento, em
sociedade com os irm˜aos’; Gu Kemin, subgerente de restau-
rante em Shenzhen.”
21
Em rela¸ao ao fragmento destacado, perceb emos na revista exem-
plos de b enef´ıcios sociais gerados pelo progresso econˆomico na sociedade chi-
nesa. Mas observamos tamb´em, a presen¸ca na revista de ´ındices econˆomicos
gerais em rela¸ao `as finan¸cas do pa´ıs. Como o destacado: “nos ´ultimos seis
anos, contra a corrente de uma tendˆencia mundial `a recess˜ao ou ao crescimento
modesto, a China cresceu a taxas de 8% ao ano.”
22
Contrastando essas informa¸oes com aquelas acerca do crescimento
econˆomico brasileiro nessa mesma ´epoca, segundo consta em Veja,
23
observa-
mos novamente a forma¸ao de sentido em torno das sa´ıdas liberalizantes da
crise, e a ˆenfase `a sua dimens˜ao pol´ıtica.
5.3 URSS: uma liberaliza¸ao lenta, segura e
gradual
O processo de abertura, ocorrido na extinta URSS, tamb´em foi
abordado na revista como sendo mais uma mudan¸ca positiva verificada no
21
Ibidem.
22
Idem. O despertar da china. Veja Especial, ao Paulo, n. 881, p. 45, 24 jul. 1985.
23
Sobre isso ver cap´ıtulo 3 deste trabalho.
151
mundo na dire¸ao de uma liberaliza¸ao. A chamada “revolu¸ao Gorbachev”
24
consistiria, segundo a revista, em duas pol´ıticas:
“o melhor dele est´a embalado na palavra Glasnost transpa-
rˆencia, em russo –, movimento pelo qual a imprensa ganhou
uma certa descompress˜ao, obras art´ısticas antes proibidas
foram divulgadas e os pr´oprios l´ıderes passaram a abordar
problemas antes inabord´aveis. Quanto `a outra palavrinha
agica do vocabul´ario-base do novo l´ıder peristroika, ou
reestrutura¸ao, otulo que resume seu desejo de revolucionar
as rela¸oes econˆomicas do pa´ıs –, por enquanto ela continua
basicamente uma promessa para o futuro.”
25
Embora essas mudan¸cas fossem referidas na revista como apenas
uma pequena express˜ao de abertura do regime sovi´etico, elas eram postas como
mudan¸cas importantes para a sociedade sovi´etica: “a peristroika que se sente
aqui e ali ao ainda andorinhas isoladas para fazer o ver˜ao sonhado pela nova
lideran¸ca sovi´etica.”
26
E ainda, mesmo que fosse constru´ıda a id´eia de que esse processo
ao seria uma forma ideal de abertura, ele ainda era referido positivamente:
“hoje na Uni˜ao Sovi´etica existem olos isolados onde a peris-
troika a faz sentir seus efeitos.
´
E o caso da cl´ınica oftalmo-
ogica do doutor Svyatoslav Fyodorov, edico que primeiro
no mundo concebeu um m´etodo cir´urgico para curar a mi-
opia. ‘Durante muitos anos o governo nos tratou como cri-
an¸cas’, disse o doutor Fyodorov a Veja. [. . . ] Hoje a cl´ınica
´e autogerida e autofinanciada, e entre os m´edicos que nela
24
Idem. A revolu¸ao de Gorbachev. Veja Especial, ao Paulo, n. 884, p. 46, 29 jul.
1987.
25
Idem, ibidem. p. 48
26
Idem. A medalha e o sorriso. Veja Especial, ao Paulo, n. 884, p. 65, 29 jul. 1987.
152
trabalham a sal´arios pagos segundo os eritos e a produ-
tividade.”
27
Observamos, portanto, que nas express˜oes discursivas veiculadas
em Veja, os aspectos de cunho liberalizante da abertura da URSS foram abor-
dados como sendo medidas que beneficiariam a sociedade. E que estes supostos
benef´ıcios iriam para al´em da esfera da economia, a que, segundo essa perspec-
tiva, as mudan¸cas ocorridas no sentido de uma liberaliza¸ao, tamb´em trariam
benef´ıcios no ˆambito da cultura:
“o te´orico de cinema Igor Lissakovsky, secret´ario da Uni˜ao
dos Cineastas, afirma que a mudan¸ca de rumos do ano pas-
sado foi decisiva. ‘Agora, quem est´a `a frente da Uni˜ao dos
Cineastas ao as pessoas que fazem o rosto do cinema so-
vi´etico’, diz ele. A primeira providˆencia da nova diretoria
foi criar uma comiss˜ao para levantar os filmes que dormiam
nas gavetas. Sessenta foram identificados, dos quais treze a
foram exibidos. Quanto `a atual produ¸ao, Lissakovsky ga-
rante que ela ao sofre constrangimentos. ‘Nos ´ultimos dois
anos, ao houve um o filme, nem pca de teatro, proibido’,
diz.”
28
Note-se, portanto, que a partir da veicula¸ao de posicionamentos
como estes, ia-se constituindo na revista a id´eia de que se operava uma rede-
fini¸ao em n´ıvel mundial, pela via pol´ıtica, em sociedades que na ´epoca ainda
estariam sob a ´egide de governos autorit´arios.
Ainda nesse sentido, foi destacada na revista como sendo uma evo-
lu¸ao positiva ocorrida em n´ıvel mundial, a suposta aproxima¸ao entre os l´ıde-
27
Idem, ibidem. p. 64.
28
Idem. A palavra e o gesto. Veja Esp ecial, ao Paulo, n. 884, p. 57, 29 jul. 1987.
153
res sovi´etico e norte-americano. Uma situa¸ao que foi referida na revista em
rela¸ao aos casos de libera¸ao de presos pol´ıticos:
“tanto as negocia¸oes pelos canais oficiais quanto as ten-
tativas paralelas [de libera¸ao de presos pol´ıticos] ficaram
prejudicadas nos ´ultimos dois anos com o congelamento pro-
gressivo das rela¸oes entre as duas superpotˆencias [EUA e
URSS]. [. . . ] Com a ascens˜ao de Gorbachev `a c´upula do
Kremlin esta situa¸ao come¸cou a alterar-se e Moscou pas-
sou a emitir cautelosos gestos de ‘boa vontade’.”
29
E continua:
“pouco antes da conferˆencia de c´upula de Genebra, a URSS
concedeu a Yelena Bonner, mulher do f´ısico Andrei Sakha-
rov, o mais famoso dos dissidentes, o visto de sa´ıda que
ele pleiteava para tratamento de sa´ude no Ocidente. Desde
enao, p elo menos meia d´uzia de fam´ılias formadas por ci-
dad˜aos americanos casados com sovi´eticas a ode se reen-
contrar. [. . . ] parece assim mais um sinal vis´ıvel do in´ıcio
de degelo nas rela¸oes entre as duas superpotˆencias.”
30
Nos fragmentos destacados observamos, portanto, mais um aspecto
do sentido discursivo constru´ıdo em Veja acerca dos supostos benef´ıcios gera-
dos pelo processo de liberaliza¸ao ocorrido na extinta URSS. Assim, atrav´es
das passagens aqui referidas, procuramos destacar mais um exemplo de libe-
raliza¸ao abordado positivamente em Veja.
29
PERTO da liberdade. Veja Internacional, ao Paulo, n. 920, p. 25, 12 fev. 1986.
Mat´eria ao assinada.
30
Ibidem.
154
5.4 Imagens discursivas de uma transforma-
¸ao no ˆambito das id´eias
A valoriza¸ao positiva em torno das redefini¸oes pol´ıticas e econˆomi-
cas ocorridas no mundo nos anos 80, expressou-se igualmente atrav´es de cons-
tru¸oes discursivas estabelecidas em torno das mudan¸cas ocorridas no campo
das id´eias.
Assim, num mundo onde os agentes de ditaduras pagavam por seus
crimes, como na Argentina, economias estatais abriam suas portas para o mer-
cado, como na China, e a ao de ferro do Estado pesava menos sobre a so-
ciedade, como na URSS, tamb´em mudavam as id´eias. E com elas tamb´em as
cren¸cas e o direcionamento dos sistemas de pensamento que atrav´es de suas
lentes reconstru´ıam o mundo.
Esses elementos apareceram atrav´es da explora¸ao do ponto de vista
atribu´ıdo a expoentes do pensamento na ´epoca a respeito de pr´aticas pol´ıticas
e sociais ocorridas no mundo.
Na revista Veja, as perspectivas da democratiza¸ao e da liberaliza-
¸ao eram tratadas em rela¸ao ao Brasil como as alternativas da esperan¸ca de
realiza¸ao das demandas mais urgentes da sociedade. Por´em, em certa medida,
esse sentido discursivo foi calcado em argumentos ligados `a suposta desilus˜ao,
no meio intelectual, com os modelos pol´ıticos e econˆomicos existentes. E as-
sim, foi constru´ıda a id´eia de que operava-se em n´ıvel internacional tanto uma
mudan¸ca no ˆambito das pr´aticas pol´ıticas, quanto em rela¸ao `as concep¸oes
te´oricas a partir das quais se constitu´ıam os sistemas de pensamento e produ-
155
¸ao de conhecimento.
Veja-se:
“durante quarenta anos, o mundo aprendeu a conviver com
um personagem que parecia eterno: o intelectual de es-
querda. ao ativas quanto brilhantes, personalidades como
Jean-Paul Sartre, Louis Aragon e Louis Althusser, por exem-
plo, funcionaram como guias da inteligˆencia humana por
quase meio s´eculo. Agora, quase quatro anos depois da
morte de Sartre, seguida pela de Aragon, e quando Althusser
completa seu quarto ano num asilo psiqui´atrico, onde foi in-
ternado ap´os estrangular a mulher, esse personagem saiu de
cena seja por falta de roteiro, de plat´eia, ou de ambos.”
31
E continua:
“a primeira constata¸ao ´e o silˆencio. Mesmo na Fran¸ca, sua
principal usina hist´orica, o pensamento de esquerda ao pro-
duz obras de peso a pelo menos duas ecadas e sua bi-
blioteca de novos autores ´e magra, tanto para os pequenos
debates do varejo como para as grandes id´eias do atacado.”
32
Note-se que os fragmentos destacados constituem express˜oes dis-
cursivas sobre as quais foi edificada a id´eia de que, de um modo geral, o pensa-
mento de esquerda estaria enfrentando um processo de franca decadˆencia em
n´ıvel mundial.
Em rela¸ao `a constru¸ao dessa id´eia no plano discursivo, identifica-
mos o aspecto de suposta liberaliza¸ao dos intelectuais de esquerda que teriam
se desiludido com os pressupostos antes por eles defendidos:
31
LEITE, Paulo Moreira. Sem ilus˜oes `a esquerda. Veja Id´eias, ao Paulo, n. 801,
p. 76, 11 jan. 1984.
32
Idem, ibidem.
156
“a encarna¸ao viva desse fenˆomeno na Fran¸ca ´e talvez Yves
Montand, o mais popular cantor e ator do pa´ıs, a ecadas
considerado o menestrel oficial da esquerda e o ator engajado
por excelˆencia. a tempos Montand vem criticando com
crescente vigor a hipocrisia das ditaduras de esquerda, e se
mostra cada vez mais desiludido com o car´ater repressivo
dos regimes socialistas.”
33
Outro caso modelar em rela¸ao a esse aspecto ´e:
“Andr´e Glucksman, um ex-mao´ısta e criador do movimento
dos ‘novos fil´osofos’ o grupo que a partir de 1976 pas-
sou a fazer uma profunda cr´ıtica do marxismo –, [. . . ] um
competente disc´ıpulo do pensador Raymond Aron, de quem
assumiu um olido liberalismo.”
34
A partir dessas express˜oes discursivas, observamos a constru¸ao da
id´eia de suposta liberaliza¸ao da esquerda ligada ao marxismo. E assim, ia
sendo delineada uma suposta evolu¸ao dos intelectuais de esquerda que atua-
vam no contexto internacional, rumo a uma perspectiva liberal. Segundo tal
id´eia constitu´ıda na revista, estes estariam livres dos dirigismos. Assim, esse
liberalismo aparecia no sentido de liberdade de produ¸ao intelectual:
“[. . . ] de fato, os regimes socialistas a ao passavam de
ditaduras repressivas. No caminho dessa ruptura [entre es-
querda e intelectuais], os intelectuais a conseguiram uma
vit´oria essencial, redescobriram a tolerˆancia, velha arma li-
beral e afiado instrumento para abolir o patrulhismo. A
esquerda consegue patrulhar os intelectuais quando, acima
dela e de ambos, existe uma patrulha muito mais poderosa
uma ditadura de direita.”
35
33
Idem, ibidem.
34
Idem, ibidem.
35
Idem, ibidem. Note-se a esse respeito, a semelhan¸ca em rela¸ao `as express˜oes discursivas
que aparecem na revista nas referˆencias `as entrevistas de Gilberto Freyre, p. 111, e Nicolau
Sevcenko, p. 114, quando em cr´ıtica ao dirigismo cultural de esquerda.
157
Mais uma vez se observa a constru¸ao de sentido onde ´e elaborado
um paralelo entre formas autorit´arias de direita e de esquerda em oposi¸ao `a
perspectiva que, segundo essa id´eia, irrompia no meio intelectual da ´epoca.
Dessa forma, a liberaliza¸ao no campo da produ¸ao de conhecimento era mais
um aspecto da constru¸ao de sentido eram identificadas as supostas mudan¸cas
nessa dire¸ao que estariam ocorrendo em n´ıvel mundial.
Essa mesma perspectiva tamb´em pode ser referida atrav´es do des-
taque:
“lan¸cada primeiro na forma de livro, a biografia de Arthur
London ficou conhecida, em todo o mundo, depois do filme
a confiss˜ao, [. . . ]. Militante do Partido Comunista da Che-
cosloaquia desde os 14 anos, ele logo se tornaria um dos
dirigentes regionais da Juventude Comunista para chegar,
mais tarde, ao p osto de vice-ministro das Rela¸oes Exterio-
res, ao cabo de uma trajet´oria exemplar. Na guerra civil da
Espanha, combateu engajado nas Brigadas Internacionais,
que apoiavam a luta dos republicanos contra o franquismo.
Durante a II Guerra Mundial, depois de ter participado da
Resistˆencia Francesa ao nazismo, London foi preso e levedo
para o campo de concentra¸ao de Mauthausen, de onde o
sairia no final do conflito.”
36
E segue:
“aos 69 anos, em Paris, Arthur London hoje pro cura exami-
nar outro pesadelo moderno: os expurgos promovidos sob a
inspira¸ao de Moscou no Partido Comunista da Checosloa-
quia, de que ele seria uma das principais v´ıtimas. Acusado
de ser um ‘sabotador trotskista’ e de ‘seguir ordens de ini-
migos da Uni˜ao Sovi´etica’, ele foi preso em 1951 e torturado
36
LONDON, Arthur. O valor da d´uvida. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 828, p. 5–8,
18 jul. 1984. Por Paulo Moreira Leite.
158
pelos servi¸cos secretos de seu pr´oprio pa´ıs, quando a vice-
ministro. Reabilitado somente depois da morte de St´alin,
London, mesmo exilado em Paris, manteve a condi¸ao de
militante do Partido Comunista checo at´e 1968, quando, na
repress˜ao `a chamada Primavera de Praga, acab ou expulso da
organiza¸ao junto com outros 500.000 membros. Hoje ele se
mostra desiludido tanto com o modelo socialista sovi´etico
quanto com o de qualquer outra parte do mundo.”
37
Note-se que, na revista, foi constru´ıda a imagem de um indiv´ıduo
que teria lutado contra express˜oes ditatoriais de direita, mas que tamem te-
ria sido alvo das express˜oes mais duras dos regimes autorit´arios de esquerda.
Dessa forma, ´e constru´ıda a imagem discursiva de que, tanto nos dom´ınios da
direita, como na seara de um tipo de esquerda, estariam sendo aplicadas pr´ati-
cas contr´arias `a liberdade individual. Assim, eram constru´ıdas representa¸oes
discursivas tamb´em em rela¸ao `as mudan¸cas ocorridas em n´ıvel mundial no
campo da esquerda e em rela¸ao `a posi¸ao dos indiv´ıduos ligados a essa pers-
pectiva. Nesse contexto, ia sendo constru´ıda na revista a id´eia de que “a falta
de liberdade continua[va] sendo o mais grave problema mundial.”
38
Atentamos tamb´em nesse sentido, para a discuss˜ao em torno dos
direitos humanos, que voltou `a cena nas aginas de Veja na ecada de 80.
Nesse sentido, era constru´ıda a id´eia de que a sociedade mundial ao mais
toleraria as pr´aticas de violˆencia contra o ser humano, sobretudo quando estas
fossem oriundas de organiza¸oes estatais de cunho autorit´ario.
A manifesta¸ao dessa id´eia em Veja, apareceu como sendo uma
37
Idem, ibidem.
38
Idem, ibidem.
159
reivindica¸ao de diferentes setores da comunidade internacional. Observamos
isso na medida em que Arthur London, ex-militante do Partido Comunista da
Checosloaquia, ´e referido como “patrono de um comitˆe que leva seu nome, [e
que] ele hoje se dedica `a defesa dos direitos humanos”.
39
Ainda em rela¸ao `a quest˜ao dos direitos humanos, destacamos a
associa¸ao que o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter teria feito desse
tema com as experiˆencias por ele vividas em rela¸ao a pa´ıses como Brasil,
Argentina e a extinta Uni˜ao Sovetica. Veja-se: “a rea¸ao mais negativa foi
a dos l´ıderes sovi´eticos, principalmente Leonid Brejnev e o chanceler Andrei
Gromyko. Mas at´e eles fizeram concess˜oes importantes.”
40
E, em rela¸ao `a
Argentina:
“tivemos altera¸oes erias com os l´ıderes militares daquele
pa´ıs. Mandei muitas delega¸oes de alto n´ıvel para a e me
reuni com o presidente Jorge Videla para convencˆe-lo a parar
com os desaparecimentos.”
41
Com rela¸ao ao Brasil:
“estou certo de que o que mais exasperou as autoridades bra-
sileiras foi o relat´orio sobre os direitos humanos que o pre-
sidente americano precisa, por lei, apresentar ao Congresso,
a respeito da situa¸ao dos direitos humanos nos pa´ıses com
os quais temos rela¸oes.”
42
39
Idem, ibidem.
40
CARTER, Jimmy. Eu faria tudo de novo. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 839, p.
5–8, 3 out. 1984. Por Roberto Garcia.
41
Idem, ibidem.
42
Idem, ibidem.
160
Note-se que perspectivas diferentes ao unidas, em fun¸ao de um
ponto comum, neste caso a referˆencia `a quest˜ao dos direitos humanos. Esta
quest˜ao, de acordo com o que aparece na revista, a partir destas diferentes
perspectivas, foi igualmente relacionada ao tema da liberdade. Uma tem´atica
abordada positivamente na revista, e que ao apareceu de forma restrita a
uma ou outra forma de orienta¸ao doutrin´aria. Mas as express˜oes discursivas
vinculadas a esse aspecto foram abordadas como sendo uma aspira¸ao comum
a diferentes setores que atrav´es da revista se opunham `as formas autorit´arias
de exerc´ıcio da p ol´ıtica.
Em rela¸ao a esse aspecto, destacamos duas perspectivas sobre as
quais o tema da lib eraliza¸ao aparece em Veja. Nesse sentido, referimo-nos `as
palavras atribu´ıdas ao ex-militante comunista Arthur London:
“o problema da liberdade ´e a quest˜ao essencial, tanto nos
pa´ıses do chamado socialismo real quanto em diversas regi˜oes
da Am´erica Central e do Sul. Pinochet ´e um assassino da
liberdade, que continuar´a no poder enquanto os chilenos ao
se livrarem dele.”
43
E igualmente atentamos para as formula¸oes atribu´ıdas ao ex-pre-
sidente norte americano Jimmy Carter:
“achei que era muito importante voltar a guiar a pol´ıtica
externa dos Estados Unidos por alguns dos maiores valores
da sociedade americana, que ao o respeito aos direitos dos
cidad˜aos, a igualdade de oportunidades e a liberdade.”
44
43
LONDON, Arthur. Op. cit., p. 6
44
CARTER, Jimmy. Op. cit., p. 6
161
A partir das passagens observamos que, de acordo com a imagem
constru´ıda em Veja, a quest˜ao da liberdade em face a governos autorit´arios
seria uma tem´atica abordada em diferentes setores da pol´ıtica e da sociedade
no mundo. E dessa forma, esse tema corresponderia a um novo rumo suposta-
mente verificado em n´ıvel mundial.
Essa perspectiva pode ser notada tamb´em atrav´es das palavras re-
feridas como sendo da escritora Mary McCarthy:
“mais grave era o projeto que Nixon tinha para estabelecer
o controle total sobre a popula¸ao americana. A id´eia era
simplesmente terrificante: todas as pessoas em vista inte-
lectuais, artistas, professores deveriam ser controladas.”
45
Note-se, portanto, que essa id´eia ao era constru´ıda na revista ape-
nas como sendo uma cr´ıtica advinda de diferentes setores pol´ıticos e sociais.
Mas ela era tamb´em referida como sendo uma cr´ıtica direcionada a indistintos
governos autorit´arios. Assim, mais do que a conota¸ao doutrin´aria peculiar a
esses sistemas relacionados, o ponto fundamental de cr´ıtica eram as express˜oes
de autoritarismo supostamente identificadas nestes sistemas pol´ıticos.
Assim, ia sendo constitu´ıda na revista a imagem de um contexto
internacional ao Brasil onde, no plano pol´ıtico, a sociedade demandaria no-
vas formas de organiza¸ao, e, no ˆambito dos sistemas de pensamento, essa
redefini¸ao seria supostamente expressa atrav´es da id´eia de “morte das velhas
45
McCARTHY, Mary. O brilho da franqueza. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 718, p.
8, 9 jun. 1982. Por Marco Antˆonio de Resende.
162
teorias”.
46
Ao destacar este aspecto, reportamo-nos `a id´eia da importˆancia
das correntes ideol´ogicas que, segundo a perspectiva gramsciana, serviriam de
impulso renovador em um processo de revolu¸ao passiva.
46
SARDENBERG, Izalco; SIRKIS, Alfredo. Um ajuste `a realidade. Veja Id´eias, ao
Paulo, n. 728, p. 151, 18 ago. 1982.
163
Consideroes finais
Procuramos analisar neste trabalho a reconstru¸ao operada na re-
vista Veja em torno do processo de transi¸ao democr´atica no Brasil na ecada
de 80 do s´eculo XX. Nesse sentido, conferimos ˆenfase ao sentido discursivo co-
mum que interligava de forma orgˆanica elementos de naturezas distintas, como
aspectos ligados `a esfera da economia, da cultura e elementos do contexto
internacional.
De acordo com a perspectiva te´orica aqui adotada, procuramos pri-
orizar a rela¸ao entre as diferentes instˆancias em rela¸ao `as quais foi constitu´ıdo
na revista o sentido discursivo apontado neste trabalho. Destacando nesse sen-
tido, a rela¸ao de organicidade que permitiu que diferentes elementos fossem
analisados como interdependentes na constru¸ao de um sentido comum, a par-
tir do qual ia-se delineando a imagem de uma sociedade que estaria progressi-
vamente tornando-se dissonante em rela¸ao `as formas pol´ıtico-administrativas
sob as quais era gerida.
Trabalhamos os aspectos dessa dissonˆancia em trˆes n´ıveis. O pri-
meiro deles sendo referente `a id´eia de incompatibilidade entre as demandas
observadas no campo da economia e a forma de organiza¸ao pol´ıtica sob a
qual o pa´ıs era gerido. Nesse sentido, procuramos destacar que, atrav´es dos
164
discursos analisados ia-se constituindo um apelo em prol da liberaliza¸ao das
formas de organiza¸ao da pol´ıtica estatal que, nessa perspectiva, represen-
tariam entraves para um desenvolvimento da economia no pa´ıs a partir dos
parˆametros do capitalismo de mercado ou concorrencial, enao a observado
em n´ıvel mundial.
Para isso destacamos forma¸oes discursivas onde, em sua ampla
maioria, eram veiculadas na revista opini˜oes atribu´ıdas a indiv´ıduos ligados
ao circuito da produ¸ao, `a esfera pol´ıtico-institucional e aos grupos que cons-
titu´ıam sistemas de pensamento, que organizavam no campo das id´eias e da
ciˆencia, an´alises acerca do contexto social. Constituindo assim, uma forma
de organiza¸ao discursiva onde as id´eias sustentadas na revista ganhariam um
maior respaldo diante da sociedade.
Como segundo aspecto da id´eia de dissonˆancia entre organiza¸ao
pol´ıtica e demanda social, destacamos as constru¸oes discursivas onde a soci-
edade brasileira era referida como estando em um processo de transforma¸ao
rumo a uma liberaliza¸ao no ˆambito dos costumes, da sociedade e das expres-
oes culturais ligadas a ela.
Nesse sentido destacamos constru¸oes discursivas referentes `as mu-
dan¸cas de comportamento que estariam ocorrendo na sociedade brasileira nos
anos 80. Assim, nos reportamos igualmente a modifica¸oes que estariam ocor-
rendo no ˆambito da cultura no pa´ıs. Estas express˜oes constitu´ıam no plano
discursivo a id´eia de que o desenvolvimento da sociedade estaria sendo superior
ao da organiza¸ao pol´ıtico-administrativa no pa´ıs. E, diante disso, era cons-
titu´ıda tamb´em em rela¸ao a esse aspecto, a id´eia de necess´aria redefini¸ao
165
pol´ıtica no pa´ıs rumo a uma liberaliza¸ao.
O terceiro aspecto a partir do qual era constru´ıda em Veja essa
id´eia, foi o da rela¸ao constitu´ıda no plano discursivo entre situa¸oes que es-
tariam ocorrendo no plano internacional e o panorama pol´ıtico do Brasil na
´epoca.
Em rela¸ao a este aspecto nos reportamos num primeiro momento
a express˜oes discursivas que apareciam na revista no sentido de valorizar posi-
tivamente processos de liberaliza¸ao que estariam ocorrendo em n´ıvel mundial,
no ˆambito de forma¸oes sociais e hist´oricas que teriam caracter´ısticas, no plano
das formas de organiza¸ao pol´ıtico-administrativas, semelhantes ao Brasil. E,
de acordo com a p erspectiva onde essas mudan¸cas foram referidas positiva-
mente, observamos mais uma forma de constru¸ao discursiva remetida `a id´eia
de necess´aria liberaliza¸ao no pa´ıs.
Destacamos, p ortanto, que estes elementos representaram no plano
discursivo, diferentes formas de decodifica¸ao em torno da id´eia de necess´aria
liberaliza¸ao do pa´ıs. Enfatizamos, assim, que a argumenta¸ao em torno dessa
id´eia apareceu na revista Veja de forma direcionada a diferentes estratos da so-
ciedade da ´epoca, mas unidas de forma orgˆanica na dire¸ao de uma constru¸ao
de sentido.
´
E valido destacar ainda que, com base no arcabou¸co te´orico deste
trabalho, as constru¸oes discursivas aqui analisadas, constitu´ıram importantes
elementos na guerra de posi¸ao operada na sociedade civil, no sentido de ope-
rar uma constru¸ao hegemˆonica, a qual viria a consolidar-se tanto no ˆambito
166
da sociedade pol´ıtica, quanto em rela¸ao aos seus aspectos culturais e sociais
desenvolvidos no ˆambito da sociedade civil no sentido de uma liberaliza¸ao.
Al´em disso, procuramos destacar, a partir da id´eia de organici-
dade, que an´alises baseadas em modifica¸oes ocorridas em termos pol´ıticos
e/ou econˆomicos, ao precisam restringir-se aos aspectos institucionais ou `as
rela¸oes de produ¸ao em sentido estrito, pois de acordo com nossa concep¸ao,
um sistema de produ¸ao ou um sistema de organiza¸ao pol´ıtica tamb´em se
constitui enquanto uma concep¸ao de mundo. O que engloba outros aspec-
tos al´em daqueles estritamente pol´ıticos ou econˆomicos, como os elementos
culturais, ´eticos e morais que constituem uma determinada vis˜ao de mundo.
Outro elemento do pensamento gramsciano que procuramos referir
em nossa an´alise foi a historicidade. Desenvolvemos este aspecto sobretudo em
rela¸ao ao tipo de democracia e liberaliza¸ao desenvolvido discursivamente em
Veja em oposi¸ao ao governo e em consonˆancia com as aspira¸oes de segmentos
do contexto social e hist´orico aqui referido. Assim, buscamos desenvolver em
nossa an´alise a id´eia de que a significa¸ao desses conceitos ocorreu de forma
relativa aos setores sociais aos quais a sua constru¸ao seria direcionada, mesmo
que ainda fossem mantidas caracter´ısticas comuns que nos permitem identific´a-
los tamb´em em rela¸ao ao seu sentido gen´erico. Desse modo, estabelecemos
nossa an´alise com base em pressupostos fundamentais do pensamento grams-
ciano, de modo a ao simplesmente aplicar os elementos anal´ıticos criados
dentro dessa perspectiva, mas sim tentando desenvolver uma an´alise hist´orica
com base nesses pressupostos, com o cuidado de ao reduzir esta an´alise a uma
pretensa explica¸ao de cunho mecanicista.
167
Com este trabalho procuramos contribuir com mais uma interpre-
ta¸ao acerca de um per´ıodo que ainda suscita muitas an´alises. E para finalizar
destacamos uma reflex˜ao de Gramsci:
“ao fazer pesquisa [. . . ] ao se deve ‘for¸car os textos’ para
dobr´a-los a teses preconcebidas (Q 838), mas ter sempre
‘cautelas filol´ogicas’, admitir a ‘possibilidade do erro’, re-
conhecer a honestidade intelectual e o ponto de vista dos
outros, a provisoriedade dos resultados obtidos e a falibili-
dade das pr´oprias certezas, sem com isso descaracterizar as
pr´oprias convic¸oes de fundo.(Q 1404-6)”
1
1
GRAMSCI, Antonio. Apud SEMERARO, Giovanni. Anota¸oes para uma
teoria do conhecimento em Gramsci. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv181.htm>.
168
Referˆencias
AGGIO, Alberto (Org.). Gramsci: a vitalidade de um pensamento. ao
Paulo: Funda¸ao Editora da UNESP, 1998. 204 p. (Prismas).
AGGIO, Alberto. A revolu¸ao passiva como hip´otese interpretativa da
hist´oria pol´ıtica latino-americana. In: . Gramsci: a vitalidade de um
pensamento. ao Paulo: Funda¸ao Editora da UNESP, 1998.
AMAZONAS, Jo˜ao; ANTERO, Luiz Carlos; SILVA, Eumano. Uma epop´eia
pela liberdade: Guerrilha do Araguaia 30 anos. ao Paulo: Anita Garibaldi,
2002. 64 p., 21 cm.
ANTUNES, Ricardo. Neoliberalismo, trabalho e sindicatos: reestrutura¸ao
produtiva no brasil e na inglaterra. ao Paulo: Boitempo, 1997.
AQUINO, Maria Aparecida de. Cultura, imprensa e Estado autorit´ario
(1968–1978): o exerc´ıcio cotidiano da domina¸ao e da resistˆencia. Bauru:
EDUSC, 1999. 270 p., 23 cm.
ARIC
´
O, Jos´e. Por que Gramsci na Am´erica Latina ? Gramsci e o Brasil.
Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv66.htm>.
AYERBE, Lu´ıs Fernando. Estados Unidos e Am´erica Latina: a constru¸ao da
hegemonia. ao Paulo: UNESP, 2002. 299 p.
BADALONI, Nicola. Liberdade individual e homem coletivo em gramsci. In:
. Pol´ıtica e hist´oria em Gramsci. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira,
1978.
BANDEIRA, Moniz. Brasil Estados Unidos: a rivalidade emergente. Rio de
Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira, 1989. 328 p.
BECK, Ulrich. O que ´e globaliza¸ao ?: Equ´ıvocos do globalismo. Respostas `a
globaliza¸ao. ao Paulo: Paz e Terra, 1999. 282 p.
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da
pol´ıtica. Tradu¸ao de Marco Aur´elio Nogueira. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987. 173 p. (Cole¸ao Pensamento Cr´ıtico; v. 69).
169
. Ensaios sobre Gramsci e a sociedade civil. Tradu¸ao de Marco Aur´elio
Nogueira e Carlos Nelson Coutinho. ao Paulo: Paz e Terra, 1999. 137 p.
. Igualdade e liberdade. Tradu¸ao de Carlos Nelson Coutinho. 4. ed. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2000. 96 p.
. A teoria das formas de governo. Tradu¸ao de S´ergio Bath. 10. ed.
Bras´ılia: Editora Universidade de Bras´ılia, 2001. 183 p.
BRAND
˜
AO, Gildo Mar¸cal. Um estudo do pensamento
pol´ıtico brasileiro. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv95.htm>.
. A vitalidade de Antonio Gramsci. Gramsci e o Brasil, 1998. Dispon´ıvel
em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv56.htm>.
BRUM, Argemiro Lu´ıs. A economia internacional na entrada do s´eculo XXI :
transforma¸oes irrevers´ıveis. Iju´ı: Ed. Uniju´ı, 2001. 304 p. (Cole¸ao Ciˆencias
Sociais).
BUEY, Francisco Fernandez. Lengua, lenguage e pol´ı-
tica em Gramsci. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv147.htm>.
BUONICORE, Augusto C´esar. Ideologia e intelectuais na obra de
Antonio Gramsci (parte 1). Vermelho, maio 2003. Dispon´ıvel em:
<http://www.vermelho.org.br/diario/2003/0501/buonicore 0501.asp>.
. Ideologia e intelectuais na obra de Antonio
Gramsci (parte 2). Vermelho, maio 2003. Dispon´ıvel em:
<http://www.vermelho.org.br/diario/2003/0508/buonicore 0508.asp>.
BUTTIGIEG, Joseph A. O etodo de gramsci. Educao em foco, Juiz de
Fora, v. 5, n. 2, p. 3–32, set. 2000 fev. 2001.
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Dom´ınios da
hist´oria: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 197. 508 p.
CARRION, Raul M. K.; VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes (Orgs.). A
crise do capitalismo globalizado na virada do milˆenio. Porto Alegre: Editora
da Universidade, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000. 327 p.
CASTRO, Celso; D’ARA
´
UJO, Maria Celina. Dossiˆe Geisel. Rio de Janeiro:
Editora Funda¸ao Get´ulio Vargas, 2002. 251 p.
CASTRO, Henrique Carlos de Oliveira de. Cultura pol´ıtica, de-
mocracia e hegemonia: uma tentativa de explica¸ao do comporta-
mento pol´ıtico ao-democr´atico. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv67.htm>.
170
CHACON, Vamireh. Hist´oria dos partidos brasileiros: discurso e pr´axis dos
seus programas. 3. ed. Bras´ılia: Editora Universidade de Bras´ılia, 1998. 811 p.
CHAGAS, Carlos. A guerra das estrelas (1964–1984): os bastidores das
elei¸oes presidenciais. 4. ed. Porto Alegre: L PM, 1985.
CHAU
´
I, Marilena de Souza. O que ´e ideologia ? 2. ed. ao Paulo: Brasiliense,
2001. 118 p. (Cole¸ao Primeiros Passos; 13).
CHOMSKY, Noam. Novas e velhas ordens mundiais. ao Paulo: Scritta,
1996. 375 p.
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci e a sociedade civil. Gramsci e o Brasil.
Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv93.htm>.
. Os enigmas da modernidade, segundo Oct´avio Ianni. Gramsci e o
Brasil. Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv107.htm>.
. Gramsci. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: L PM Editores, 1981.
232 p., 21 cm.
. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento pol´ıtico. Nova edi¸ao
ampliada. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira, 1999. 320 p.
DAB
`
ENE, Olivier. Am´erica latina no s´eculo XX. Tradu¸ao de Maria Izabel
Mallmann. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. 328 p.
D’ARA
´
UJO, Maria Celina. Transi¸ao democr´atica e for¸cas armadas na
am´erica latina. Antropol´ıtica, Niter´oi (RJ), n. 12-13, p. 7–28, 1
./2
sem 2002.
. Capital social. Rio de Janeiro: Jorge-Zahar Editora, 2003. 65 p. (Passo
a Passo; v. 25).
D’ARA
´
UJO, Maria Celina; CASTRO, Celso. Ernesto Geisel. Rio de Janeiro:
Editora Funda¸ao Get´ulio Vargas, 1997. 494 p.
. Democracia e For¸cas Armadas no Cone Sul. Rio de Janeiro: Editora
Funda¸ao Get´ulio Vargas, 2000. 336 p.
D’ARA
´
UJO, Maria Celina; CASTRO, Celso; CHEIBUB, Zairo Borges. O
Brasil e as for¸cas armadas na percep¸ao dos o ficiais da Marinha. Rio de
Janeiro: CPDOC, 2002. 44 p.
D’ARA
´
UJO, Maria Celina; SOARES, Gl´aucio Ary Dillon; CASTRO, Celso.
Os anos de chumbo: a mem´oria militar sobre a repress˜ao. Rio de Janeiro:
Relume-Dumar´a, 1994. 326 p.
. Vis˜oes do golpe: a mem´oria militar sobre 1964. Rio de Janeiro:
Relume-Dumar´a, 1994. 256 p.
171
DEBRUN, Michel Maurice. Gramsci: filosofia, pol´ıtica e Bom Senso.
Campinas, SP: Editora da Unicamp; Centro de ogica, Epistemologia e
Hist´oria da Ciˆencia, 2001. 290 p.
DIAS, Edmundo Fernandes. Gramsci em Turim: a constru¸ao do conceito de
hegemonia. ao Paulo: Xam˜a, 2000. 287 p.
DOCKHORN, Gilvan Veiga. Quando a ordem ´e seguran¸ca e o progresso
´e desenvolvimento (1964–1974). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. 295 p.
(Hist´oria; 46).
DREIFUSS, Ren´e. 1964 : a conquista do Estado. 5. ed. Petr´opolis: Vozes,
1987.
EVANGELISTA, Jo˜ao E. Crise do marxismo e irracionalismo os-moderno.
ao Paulo: Cortez, 1992.
FALCON, Francisco. Hist´oria e poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion.;
VAINFAS, Ronaldo. Dom´ınios da hist´oria. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
FAUSTO, Boris. Hist´oria do Brasil. ao Paulo: EDUSP, 1995.
FAUTH, Luiz Fernando. O ajuste estrutural no Brasil nos anos 90 : uma
abordagem regulacionista. 233 f. Monografia (Conclus˜ao de curso)
Faculdade de Ciˆencias Pol´ıticas e Econˆomicas, Pontif´ıcia Universidade
Cat´olica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1998.
FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001. 269 p.
FINELLI, Roberto. As contradi¸oes da subjetividade: america-
nismo e fordismo em Gramsci. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv192.htm>.
FLORENZANO, Modesto. A revolu¸ao passiva. Gramsci e o Brasil, 2002.
Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv211.htm>.
FRIGOTTO, Gaudˆencio; CIAVATTA, Maria (Orgs.). Teoria e educao no
labirinto do capital. Petr´opolis: Vozes, 2001. 188 p.
GASPARI, Elio; HOLLANDA, Helo´ısa Buarque de; VENTURA, Zuenir.
Cultura em trˆansito: da repress˜ao `a abertura. Rio de Janeiro: Aeroplano
Editora, 2000. 336 p., 16 x 23 cm.
GRAMSCI, Antonio. Concep¸ao dial´etica da hist´oria. Rio de Janeiro:
Civiliza¸ao Brasileira, 1966.
. Cadernos do arcere: volume 1. Introdu¸ao ao estudo da filosofia.
A filosofia de Benedetto Croce. Edi¸ao e tradu¸ao, Carlos Nelson Coutinho;
co-edi¸ao, Luiz S´ergio Henriques e Marco Aur´elio Nogueira. 2. ed. Rio de
Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira, 2001.
172
. Cadernos do arcere: volume 2. Os intelectuais. O princ´ıpio educativo.
Jornalismo. Edi¸ao e tradu¸ao, Carlos Nelson Coutinho; co-edi¸ao, Luiz
S´ergio Henriques e Marco Aur´elio Nogueira. 2. ed. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao
Brasileira, 2001.
. Cadernos do arcere: volume 3. Maquiavel. Notas sobre o Estado e a
pol´ıtica. Edi¸ao e tradu¸ao, Carlos Nelson Coutinho; co-edi¸ao, Luiz ergio
Henriques e Marco Aur´elio Nogueira. 2. ed. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao
Brasileira, 2001.
. Cadernos do arcere: volume 4. Temas de cultura. ao cat´olica.
Americanismo e fordismo. Edi¸ao e tradu¸ao, Carlos Nelson Coutinho;
co-edi¸ao, Luiz S´ergio Henriques e Marco Aur´elio Nogueira. 2. ed. Rio de
Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira, 2001.
. Cadernos do arcere: volume 5. Il Risorgimento italiano. Para uma
hist´oria das classes subalternas. Edi¸ao e tradu¸ao, Carlos Nelson Coutinho;
co-edi¸ao, Luiz S´ergio Henriques e Marco Aur´elio Nogueira. 2. ed. Rio de
Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira, 2001.
. Cadernos do arcere: volume 6. Literatura. Folclore. Gram´atica.
Edi¸ao e tradu¸ao, Carlos Nelson Coutinho; co-edi¸ao, Luiz S´ergio Henriques
e Marco Aur´elio Nogueira. 2. ed. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira, 2001.
GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. Tradu¸ao de Carlos
Nelson Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Edi¸oes Graal, 1980. 143 p.
GUARESCHI, Pedrinho A. Comunicao e poder : a presen¸ca e o papel dos
meios de comunica¸ao de massa estrangeiros na Am´erica Latina. 13. ed.
Petr´opolis: Vozes, 2001. 88 p.
HALLIDAY, Fred. Repensando as rela¸oes internacionais. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 1999. 308 p.
IANNI, Oct´avio. Dial´etica e capitalismo: ensaio sobre o pensamento de Marx.
2. ed. Petr´opolis: Vozes, 1985.
. Imperialismo na Aerica Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao
Brasileira, 1988. 224 p., 21 cm.
. Teorias da globaliza¸ao. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira, 1995.
. A sociedade global. 6. ed. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira, 1998.
192 p.
. A era do globalismo. 4. ed. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao Brasileira,
1999. 256 p.
173
IGLESIAS, Francisco. Trajet´oria pol´ıtica do Brasil. ao Paulo: Companhia
das Letras, 1992.
INGRAO, Pietro. Massas e poder. Encontros com a Civiliza¸ao Brasileira,
Civiliza¸ao Brasileira, Rio de Janeiro, n. 10, 1979.
JAFFE, Hosea. Dial´etica da liberta¸ao: a guerra dos mundos. Tradu¸ao de
Cl´audia Gerpe Duarte. Petr´opolis: Vozes, 2001. 167 p.
JULLIARD, Jacques. A pol´ıtica. In: LE GOFF, J.; NORA, P. Hist´oria:
novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
KARAVAEV, A. Brasil: passado e presente do capitalismo perif´erico. Moscou:
Progresso, 1987.
KONDER, Leandro. A quest˜ao da ideologia em Gramsci. Gramsci e o Brasil.
Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv61.htm>.
. Gramsci, o dial´etico. Gramsci e o Brasil, 1999. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv116.htm>.
. O que ´e dial´etica ? 28. ed. ao Paulo: Brasiliense, 2000. 87 p. (Cole¸ao
Primeiros Passos; 23).
. Os sofrimentos do homem burguˆes. ao Paulo: Editora SENAC ao
Paulo, 2000. 115 p. (Livre pensar; 2).
. A quest˜ao da ideologia. ao Paulo: Companhia das Letras, 2002.
277 p.
KOSIK, Karel. Dial´etica do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a hist´oria de uma crise. ao Paulo: Brasil
Debates, 1982. 168 p., 21 cm.
LACLAU, Ernesto. Pol´ıtica e ideologia na teoria marxista: capitalismo,
fascismo e populismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
LAPA, Jos´e Roberto do Amaral (Org.). Modo de produ¸ao e realidade
brasileira. Petr´opolis: Vozes, 1980.
LATOUR, Bruno. La esperanza de Pandora: ensayos sobre la realidad de
los estudios de la ciencia. Traducci´on: Tom´as Fern´andez uz. Barcelona:
Editorial Gedisa, 1999. 382 p.
LOPEZ, Luiz Roberto. Hist´oria do Brasil contemporˆaneo. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1980.
MAESTRI, ario; CANDREVA, Luigi. Antonio Gramsci: vida e obra de um
revolucion´ario. ao Paulo: Express˜ao Popular, 2001. 223 p.
174
MANTEGA, Guido. A economia pol´ıtica brasileira. ao Paulo/Petr´opolis:
Polis/Vozes, 1984. 288 p., 21 cm.
MARINI, Ruy Mauro. Am´erica Latina, dependˆencia e integrao. ao Paulo:
Editora Brasil Urgente, 1992. 153 p., 18 cm.
MARX, Karl. Contribui¸ao `a cr´ıtica da economia pol´ıtica. ao Paulo: Martins
Fontes, 1983.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alem˜a. Tradu¸ao de Jos´e
Carlos Bruni e Marco Aur´elio Nogueira. 11. ed. ao Paulo: HUCITEC, 1999.
(Pensamento Socialista; 12).
M
´
ESZ
´
AROS, Istv´an. Para al´em do capital: rumo a uma teoria da transi¸ao.
Tradu¸ao de Paulo Cezar Castanheira e ergio Lessa. ao Paulo: Boitempo
Editorial, 2002. 1.103 p.
. O eculo XXI : socialismo ou barb´arie? ao Paulo: Boitempo
Editorial, 2003. 116 p.
MONDAINI, Marco. Gramsci e a “subida ao ot˜ao” da fi-
losofia da pr´axis. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv209.htm>.
MORAES, enis de. Notas sobre o imagin´ario social e
hegemonia cultural. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv44.htm>.
. O partido e a express˜ao da vontade coletiva. Gramsci e o Brasil.
Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv80.htm>.
NOGUEIRA, Marco Aur´elio. Revolu¸oes passivas. Gramsci e o Brasil, 1997.
Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv16.htm>.
. Os intelectuais, a pol´ıtica e a vida. Gramsci e o Brasil, 1999.
Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv113.htm>.
OLIVEIRA, Eli´ezer Rizzo de. De Geisel a Collor: for¸cas armadas, transi¸ao
e democracia. Campinas: Papirus Editora, 1994. 352 p., 21 cm.
PANDOLFI, Dulce; D’ARA
´
UJO, Maria Celina; HIRST, onica. An´alise de
dois projetos pol´ıticos: distens˜ao e constituinte. Rio de Janeiro: IUPERJ,
1977. 38 p.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil
(1930–1983). 17. ed. ao Paulo: Brasiliense, 1994.
PINHEIRO, Luiz Adolfo. A rep´ublica dos golpes: de anio a Sarney. ao
Paulo: Best Seller/C´ırculo do Livro, 1986.
175
PORTELLI, Hugues. Gramsci e o bloco hist´orico. Tradu¸ao de Angelina
Peralva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 185 p.
REIS Filho, Daniel Aar˜ao. Ditadura militar, esquerdas e
sociedade no Brasil. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv148.htm>.
. Lutas sociais, reformas e revolu¸ao nas tradi¸oes das
esquerdas brasileiras. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv130.htm>.
. Os muitos eus da impunidade: sociedade, tortura
e ditadura no Brasil. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv94.htm>.
. A revolu¸ao cubana e as esquerdas brasileiras: do he-
ro´ısmo ao naufr´agio. Gramsci e o Brasil, 1999. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv70.htm>.
SADER, Emir (Org.). Dial´etica da dependˆencia: uma antologia da obra de
Ruy Mauro Marini. Petr´opolis: Vozes, 2000. 295 p.
SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Orgs.). os-neoliberalismo: as pol´ıticas
sociais e o Estado democr´atico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. 205 p.
SANTOS, Theotonio dos. Democracia e socialismo no capitalismo dependente.
Petr´opolis: Vozes, 1991. 288 p., 21 cm.
SCHAFF, Adam. O marxismo e o indiv´ıduo. Rio de Janeiro: Civiliza¸ao
Brasileira, 1967.
SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). Hit´oria da vida privada no Brasil:
contrastes da intimidade contemporˆanea. Coordenador geral da cole¸ao:
Fernando A. Novais. ao Paulo: Companhia das Letras, 1998. 821 p. (Hist´oria
da vida privada no Brasil; 4).
SEMERARO, Giovanni. Anota¸oes para uma teoria do co-
nhecimento em Gramsci. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv181.htm>.
. Da sociedade de massas `a sociedade civil: a concep¸ao
da subjetividade em Gramsci. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv65.htm>.
. O m´eto do de Gramsci. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv144.htm>.
. Gramsci e a sociedade civil: cultura e educa¸ao para a democracia. 2.
ed. Petr´opolis, RJ: Vozes, 1999. 279 p.
176
SILVA, H´elio. 1964 : golpe ou contragolpe ? 3. ed. Porto Alegre: L PM, 1978.
SIMIONATTO, Ivete. Os cadernos de um revolucion´ario. Gramsci e o Brasil.
Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv220.htm>.
. Reforma do Estado ou mo derniza¸ao conservadora ? O retrocesso das
pol´ıticas sociais nos pa´ıses do Mercosul. Gramsci e o Brasil. Dispon´ıvel em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv150.htm>.
. O social e o pol´ıtico no pensamento de gramsci. In: AGGIO, Alberto.
Gramsci: a vitalidade de um pensamento. ao Paulo: Funda¸ao Editora da
UNESP, 1998.
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964–1985. Tradu¸ao
de Mario Salviano Silva. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 608 p.
SOARES, Gl´aucio Ary Dillon; D’ARA
´
UJO, Maria Celina; CASTRO, Celso.
A volta dos quart´eis: a mem´oria militar sobre a abertura. Rio de Janeiro:
Relume-Dumar´a, 1995. 328 p.
SOARES, Gl
´
´aucio Ary Dillon; D’ARA
´
UJO, Maria Celina; PINTO,
Almir Pazzianotto. 21 anos de regime militar: balan¸cos e perspectivas. Rio
de Janeiro: Editora Funda¸ao Get´ulio Vargas, 1994. 309 p.
SODR
´
E, Nelson Werneck. Hist´oria militar do Brasil. Rio de Janeiro:
Civiliza¸ao Brasileira, 1969.
. O governo militar secreto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987.
SOUZA, Herbert de. O capital transnacional e o Estado. Petr´opolis: Vozes,
1985.
SOUZA, Nilson Ara´ujo de. O colapso do neoliberalismo. ao Paulo: Global,
1995.
STEPAN, Alfred. Os militares: da abertura `a Nova Rep´ublica. 2. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1986.
STEPHANOU, Alexandre Ayub. Censura no regime militar e militariza¸ao
das artes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. 328 p. (Hist´oria; 44).
SWINGEWOOD, Alan. Marx e a teoria social moderna. Rio de Janeiro:
Civiliza¸ao Brasileira, 1978.
. O mito da cultura de massa. Rio de Janeiro: Editora Interciˆencia,
1978.
TOURAINE, Alain. Como sair do liberalismo ? Bauru, SP: EDUSC, 1999.
160 p., 21 cm.
177
VIANNA, Luiz Werneck. Caminhos e descaminhos da revolao passiva `a
brasileira. In: AGGIO, Alberto. Gramsci: a vitalidade de um pensamento.
ao Paulo: Funda¸ao Editora da UNESP, 1998.
. A esquerda, a sua mem´oria e a pol´ıtica. Gramsci e o Brasil, 1998.
Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv28.htm>.
. A esquerda e os quinze anos da transi¸ao. Gramsci e o Brasil, 2000.
Dispon´ıvel em: <http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv120.htm>.
VILLALOBOS, Marco Antˆonio. A guerrilha do riso: Carlos nobre x ditadura
militar brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000. 232 p., 14 x 21 cm.
VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes. A pol´ıtica externa do regime militar
brasileiro: multilateraliza¸ao, desenvolvimento e constru¸ao de uma potˆencia
m´edia, 1964–1985. Porto Alegre: Editora da Universidade, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 1998. 409 p., 23 cm.
. Os dez anos que abalaram o eculo 20 : a pol´ıtica internacional de
1989 a 1999. Porto Alegre: Novo eculo, 1999. 208 p.
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovao do
materialismo hist´orico. Tradu¸ao de Paulo Cezar Castanheira. ao Paulo:
Boitempo Editorial, 2003. 260 p.
˘
ZI
˘
ZEK, Slavoj (Org.). Um mapa da ideologia. Tradu¸ao de Vera Ribeiro. Rio
de Janeiro: Contraponto, 1996.
178
Referˆencias
A CAMPANHA nas ruas. Veja Brasil, ao Paulo, n. 830, p. 20–22, 1
o
ago.
1984. Mat´eria ao assinada.
A ESTRELA do partido. Veja Brasil, ao Paulo, n. 903, p. 16–22, 25 dez.
1985. Mat´eria ao assinada.
A FOR ¸CA do hamb´urguer. Veja Vida moderna, ao Paulo, n. 856, p.
66–70, 30 jan. 1985. Mat´eria ao assinada.
A F
´
ORMULA do ´odio. Veja Internacional, ao Paulo, n. 806, p. 35–38, 15
fev. 1984. Mat´eria ao assinada.
A F
´
URIA do desemprego. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 676, p.
84–90, 19 ago. 1981. Mat´eria ao assinada.
A GUERRA ao turbante. Veja Brasil, ao Paulo, n. 1.020, p. 38–44, 23
mar. 1988. Mat´eria ao assinada.
A ILHA volta ao mapa. Veja Internacional, ao Paulo, n. 872, p. 45–46,
22 maio 1985. Mat´eria ao assinada.
A JUVENTUDE da beleza. Veja Especial, ao Paulo, n. 635, p. 60–66, 5
nov. 1980. Mat´eria ao assinada.
A KGB dormiu. Veja Internacional, ao Paulo, n. 806, p. 41, 15 fev. 1984.
Mat´eria ao assinada.
A MORTE de um s´ımbolo. Veja Hist´oria, ao Paulo, n. 893, p. 36–41, 16
out. 1985. Mat´eria ao assinada.
A MULHER avan¸ca. Veja Brasil, ao Paulo, n. 978, p. 32–33, 3 jun. 1987.
Mat´eria ao assinada.
A NAU dos intranq
¨
uilos. Veja Brasil, ao Paulo, n. 844, p. 20, 7 nov. 1984.
Mat´eria ao assinada.
A NOITE dos generais. Veja Internacional, ao Paulo, n. 902, p. 54–59, 18
dez. 1985. Mat´eria ao assinada.
179
A OUTRA perna. Veja Brasil, ao Paulo, n. 903, p. 25, 25 dez. 1985.
Mat´eria ao assinada.
A QUATRO vozes. Veja Televis˜ao, ao Paulo, n. 919, p. 123, 16 abr. 1986.
Mat´eria ao assinada.
A SEGUNDA revolao. Veja Documento, ao Paulo, n. 1.000, p. 4–11, 4
nov. 1987. Mat´eria ao assinada.
A TERRA do medo. Veja Cidades, ao Paulo, n. 677, p. 51, 26 ago. 1981.
Mat´eria ao assinada.
A
´
ULTIMA muralha. Veja Internacional, ao Paulo, n. 821, p. 48–51, 30
maio 1984. Mat´eria ao assinada.
A VEZ do cidad˜ao. Veja Comportamento, ao Paulo, n. 897, p. 84–86, 13
nov. 1985. Mat´eria ao assinada.
A VOZ da audiˆencia. Veja Televis˜ao, ao Paulo, n. 827, p. 88–91, 11 jul.
1984. Mat´eria ao assinada.
A VOZ das estrelas. Veja Brasil, ao Paulo, n. 847, p. 20–27, 28 nov. 1984.
Mat´eria ao assinada.
ADEUS `a velha guarda. Veja Internacional, ao Paulo, n. 890, p. 59–61,
25 set. 1985. Mat´eria ao assinada.
AGUIAR, Roberto. O poder civil dispensa tutela. Veja Ponto de vista,
ao Paulo, n. 932, p. 154, 16 jul. 1986.
ALVES, Henrique Jos´e; GARCIA, Roberto. Um pa´ıs de cara nova. Veja
Brasil, ao Paulo, n. 857, p. 20–26, 6 fev. 1985.
AMEA ¸CAS em trˆansito. Veja Brasil, ao Paulo, n. 678, p. 20–24, 2 set.
1981. Mat´eria ao assinada.
APERTO no o. Veja Brasil, ao Paulo, n. 726, p. 134–135, 4 ago. 1982.
Mat´eria ao assinada.
AS ESTATAIS na dan¸ca da infla¸ao. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo,
n. 723, p. 86–96, 14 jul. 1982. Mat´eria ao assinada.
ATRIZ em quatro tempos. Veja Especial, ao Paulo, n. 919, p. 70–76, 16
abr. 1986. Mat´eria ao assinada.
BARREIRA, Wagner. Volta para o futuro. Veja Arte, ao Paulo, n. 1035,
p. 124, 6 jul. 1988.
BELTR
˜
AO, H´elio. O Brasil todo na fila. Veja Economia e neg´ocios, ao
Paulo, n. 821, p. 122, 30 maio. 1984.
180
BITTENCOURT, Get´ulio. Os ministros do almo¸co gr´atis. Veja Ponto de
vista, ao Paulo, n. 674, p. 114, 5 ago. 1981.
BRASIL no peito. Veja Moda, ao Paulo, n. 919, p. 84, 16 abr. 1986.
Mat´eria ao assinada.
BUCCI, Eugˆenio. Meio caminho. Veja Cinema, ao Paulo, n. 893, p. 139,
16 out. 1985.
CAMPOS, Roberto. Podemos perder o bonde. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 835, p. 3–6, 5 set. 1984. Por S´ılvio Ferraz.
CAPRICHA, garoto. Veja Especial, ao Paulo, n. 810, p. 23–25, 14 mar.
1984. Mat´eria ao assinada.
CARD
´
APIO vetado. Veja Internacional, ao Paulo, n. 811, p. 58, 21 mar.
1984. Mat´eria ao assinada.
CARLOS, Roberto. Cora¸ao verde-amarelo. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 920, p. 3–6, 12 fev. 1986. Por Okky de Souza.
CARTER, Jimmy. Eu faria tudo de novo. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 839, p. 5–8, 3 out. 1984. Por Roberto Garcia.
CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. A gula do deus-estado. Veja Ponto de
vista, ao Paulo, n. 897, p. 146, 13 nov. 1985.
CASTRO, Paulo Rabello de. A verdade est´a oculta. Veja Entrevista, ao
Paulo, n. 896, p. 3–6, 6 nov. 1985. Por Antˆonio Machado de Barros.
CAVALCANTI, Sandra. A pol´ıtica atrapalha. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 671, p. 3–6, 15 jul. 1981. Por Marcos a Corrˆea.
CERCO dobrado. Veja Internacional, ao Paulo, n. 811, p. 62, 21 mar.
1984. Mat´eria ao assinada.
CHAUNU, Pierre. A caminho do desastre. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 827, p. 5–8, 11 jul. 1984. Por Paulo Moreira Leite.
CHERNENKO no comando. Veja Internacional, ao Paulo, n. 807, p. 34,
22 fev. 1984. Mat´eria ao assinada.
CHOQUE geral. Veja Brasil, ao Paulo, n. 978, p. 38, 3 jun. 1987. Mat´eria
ao assinada.
COBRAN ¸CA postal. Veja, ao Paulo, n. 920, p. 90, 23 abr. 1986. Mat´eria
ao assinada.
COM O TETO fixado. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 880, p.
84–88, 17 jul. 1985. Mat´eria ao assinada.
181
COM PIQUE de passista. Veja Especial, ao Paulo, n. 920, p. 40–47, 12
fev. 1986. Mat´eria ao assinada.
COME ¸COU o jogo. Veja Brasil, ao Paulo, n. 978, p. 30–31, 3 jun. 1987.
Mat´eria ao assinada.
COM
´
ICIO eletrˆonico. Veja Televis˜ao, ao Paulo, n. 1.020, p. 144–145, 23
mar. 1988. Mat´eria ao assinada.
CONFUS
˜
AO eletrˆonica. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 932, p.
96–103, 16 jul. 1986. Mat´eria ao assinada.
CONTAS a pagar. Veja Brasil, ao Paulo, n. 903, p. 25, 25 dez. 1985.
Mat´eria ao assinada.
CORR
ˆ
EA, Marcos a. O sucesso do itamaraty. Veja Ponto de Vista, ao
Paulo, n. 717, p. 178, 2 jun. 1982.
COSTA, Miriam Paglia. Estrela clandestina. Veja Livros, ao Paulo,
n. 893, p. 125–126, 16 out. 1985.
DAN ¸CA das horas. Veja Moda, ao Paulo, n. 919, p. 85, 16 abr. 1986.
Mat´eria ao assinada.
DECOL, Ren´e. Serm˜ao confuso. Veja Cinema, ao Paulo, n. 880, p. 117,
17 jul. 1985.
DESACORDO no ar. Veja Televis˜ao, ao Paulo, n. 896, p. 131, 6 nov.
1985. Mat´eria ao assinada.
DIAS, Etevaldo; PEREIRA Filho, Merval. Radar. Veja Brasil, ao Paulo,
n. 872, p. 35, 22 maio 1985.
DIAS, Etevaldo; TEIXEIRA, H´elio. Radar. Veja Brasil, ao Paulo, n. 903,
p. 27, 25 dez. 1985.
. . Veja Brasil, ao Paulo, n. 894, p. 47, 23 out. 1985.
DOEN ¸CA de estado. Veja Internacional, ao Paulo, n. 800, p. 30, 4 jan.
1984. Mat´eria ao assinada.
EM BANHO-MARIA. Veja Internacional, ao Paulo, n. 811, p. 57, 21
mar. 1984. Mat´eria ao assinada.
EM MEIO `a tempestade. Veja, ao Paulo, n. 671, p. 90–98, 15 jul. 1981.
Mat´eria ao assinada.
ENTRE amigos. Veja Brasil, ao Paulo, n. 903, p. 24, 25 dez. 1985.
Mat´eria ao assinada.
182
EQUA ¸C
˜
AO dif´ıcil. Veja Brasil, ao Paulo, n. 883, p. 40, 7 ago. 1985.
Mat´eria ao assinada.
ESTADO de emergˆencia. Veja Brasil, ao Paulo, n. 880, p. 30–31, 17 jul.
1985. Mat´eria ao assinada.
FAGUNDES, Coriolano. A censura est´a errada. Veja Entrevista, ao
Paulo, n. 903, p. 3–6, 25 dez. 1985. Por Claudio Kuck.
FEIGENBAUM, Edward Albert. O poder da informa¸ao. Veja Entrevista,
ao Paulo, n. 891, p. 3–6, 2 out. 1985. Por Roberto Garcia.
FILHOS do Menudo. Veja Show, ao Paulo, n. 880, p. 115, 17 jul. 1985.
Mat´eria ao assinada.
FINAL feliz. Veja Brasil, ao Paulo, n. 852, p. 21, 2 jan. 1985. Mat´eria
ao assinada.
FOME in concert. Veja M´usica, ao Paulo, n. 881, p. 40–42, 24 jul. 1985.
Mat´eria ao assinada.
FORA de forma. Veja Brasil, ao Paulo, n. 903, p. 23, 25 dez. 1985.
Mat´eria ao assinada.
FORA do campo. Veja Terras, ao Paulo, n. 894, p. 46, 23 out. 1985.
Mat´eria ao assinada.
FORA do limbo. Veja Em dia, ao Paulo, n. 882, p. 17, 31 jul. 1985.
Mat´eria ao assinada.
FRANCO, Pedro; AMARAL, Ricardo. Vagas sorteadas no paran´a e minas
gerais. Veja Brasil, ao Paulo, n. 880, p. 26–27, 17 jul. 1985.
FREYRE, Gilberto. O anarquista construtivo. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 800, p. 5–7, 4 jan. 1984. Por Mauro Bastos.
GALV
˜
AO, Jo˜ao andido. Uma paix˜ao imortal. Veja Teatro, ao Paulo,
n. 889, p. 142–144, 18 set. 1985.
GARCIA, Roberto. Fora do barco. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo,
n. 880, p. 89, 17 jul. 1985.
GIANOTTI, Jos´e Arthur. Contra a demagogia. Veja Entrevista, ao
Paulo, n. 884, p. 3–6, 21 ago. 1985. Por ario S´ergio Conti.
GUEDES, Joaquim. Chega de oficialismo. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 918, p. 5–8, 9 abr. 1986. Por Wilson Coutinho.
HIRSZMAN, Leon. Eu investi na emo¸ao. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 681, p. 5–8, 23 set. 1981. Por Dirceu Brisola.
183
LAS LOCAS tinham raz˜ao. Veja Internacional, ao Paulo, n. 902, p.
52–53, 18 dez. 1985. Mat´eria ao assinada.
LEITE, Paulo Moreira. Sem ilus˜oes `a esquerda. Veja Id´eias, ao Paulo,
n. 801, p. 76, 11 jan. 1984.
L
´
IDER amea¸cada. Veja Educa¸ao, ao Paulo, n. 811, p. 72, 21 mar. 1984.
Mat´eria ao assinada.
LONDON, Arthur. O valor da d´uvida. Veja Entrevista, ao Paulo, n. 828,
p. 5–8, 18 jul. 1984. Por Paulo Moreira Leite.
LOPES encantou Alfons´ın, ao o Planalto. Veja Economia e neg´ocios, ao
Paulo, n. 882, p. 102, 31 jul. 1985. Mat´eria ao assinada.
MACEDO, Hor´acio. Em busca da autonomia. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 919, p. 5–8, 16 abr. 1986. Por Jo
¨
elle Rouchou.
MACHADO, Antonio; SEKLES, Fl´avia. Atrito em washington. Veja
Brasil, ao Paulo, n. 941, p. 36–43, 17 set. 1986.
M
´
AFIA fichada. Veja Brasil, ao Paulo, n. 903, p. 26, 25 dez. 1985.
Mat´eria ao assinada.
MAGALH
˜
AES, Anonio Carlos. Tancredo a. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 833, p. 3–6, 22 ago. 1984. Por Elio Gaspari.
MAIS acil que abrir uma microempresa. Veja Brasil, ao Paulo, n. 880,
p. 33, 17 jul. 1985. Mat´eria ao assinada.
MCCARTHY, Mary. O brilho da franqueza. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 718, p. 5–8, 9 jun. 1982. Por Marco Anonio de Resende.
MEDO da subvers˜ao. Veja Internacional, ao Paulo, n. 978, p. 46–48, 3
jun. 1987. Mat´eria ao assinada.
MEIO milh˜ao. Veja Especial, ao Paulo, n. 810, p. 25, 14 mar. 1984.
Mat´eria ao assinada.
MICHEL Foucault (1926–1984). Veja Obitu´ario, ao Paulo, n. 826, p. 83,
4 jul. 1984. Mat´eria ao assinada.
MITOS pr´oximos. Veja Arte, ao Paulo, n. 919, p. 127, 16 abr. 1986.
Mat´eria ao assinada.
MORTE em Teer˜a. Veja Internacional, ao Paulo, n. 902, p. 66, 18 dez.
1985. Mat´eria ao assinada.
M
´
ULTIPLA escolha. Veja Brasil, ao Paulo, n. 880, p. 33, 17 jul. 1985.
Mat´eria ao assinada.
184
NEVES, Tancredo. A hora da tolerˆancia. Veja Ponto de vista, ao Paulo,
n. 682, p. 146, 30 set. 1981.
NOVOS cortes. Veja Brasil, ao Paulo, n. 903, p. 26, 25 dez. 1985. Mat´eria
ao assinada.
O GORDO em casa nova. Veja Televis˜ao, ao Paulo, n. 1.018, p. 64–69, 9
mar. 1988. Mat´eria ao assinada.
O IMPASSE do ´alcool. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 677, p.
84–86, 26 ago. 1981. Mat´eria ao assinada.
O PA
´
IS em oo cego. Veja Brasil, ao Paulo, n. 892, p. 36–43, 9 out. 1985.
Mat´eria ao assinada.
O PDS quer um PMDB. Veja Brasil, ao Paulo, n. 831, p. 20–25, 8 ago.
1984. Mat´eria ao assinada.
O PESO do mito. Veja Internacional, ao Paulo, n. 811, p. 60, 21 mar.
1984. Mat´eria ao assinada.
O PODER perplexo. Veja Brasil, ao Paulo, n. 884, p. 20–36, 21 ago.
1985. Mat´eria ao assinada.
O POETA do sanat´orio. Veja Especial, ao Paulo, n. 846, p. 84–88, 21
nov. 1984. Mat´eria ao assinada.
O RETORNO do mestre. Veja M´usica, ao Paulo, n. 922, p. 151–152, 7
mai. 1986. Mat´eria ao assinada.
O RETORNO do mito. Veja Televis˜ao, ao Paulo, n. 880, p. 108–109, 17
jul. 1985. Mat´eria ao assinada.
O ROSTO que saiu das urnas era diferente. Veja Brasil, ao Paulo, n. 880,
p. 29, 17 jul. 1985. Mat´eria ao assinada.
OFERTA eleitoral. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 811, p. 98, 21
mar. 1984. Mat´eria ao assinada.
O’LEARY, Michael. Vale apostar no brasil. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 825, p. 5–8, 27 jun. 1984. Por Roberto Garcia.
OLIVEIRA, ocrates Vieira de. A democracia funciona. Veja Ponto de
Vista, ao Paulo, n. 758, p. 130, 16 mar. 1983.
OS PRE ¸COS nas nuvens. Veja, ao Paulo, n. 851, p. 145, 26 dez. 1984.
Tabela.
OS REF
´
ENS da indecis˜ao americana. Veja Internacional, ao Paulo,
n. 635, p. 32–40, 5 nov. 1980. Mat´eria ao assinada.
185
PACINI, ario. A hora ´e de vigilˆancia. Veja Ponto de vista, ao Paulo,
n. 834, p. 122, 29 ago. 1984.
P
´
ALIDA porcina. Veja Teatro, ao Paulo, n. 922, p. 149, 7 mai. 1986.
Mat´eria ao assinada.
PARALELOS in´uteis. Veja Internacional, ao Paulo, n. 800, p. 28–29, 4
jan. 1984. Mat´eria ao assinada.
PASSOS, Jos´e Meirelles. A demoli¸ao do regime. Veja Internacional, ao
Paulo, n. 800, p. 22–27, 4 jan. 1984.
. Teste dos 100 dias. Veja Internacional, ao Paulo, n. 811, p. 56–57,
21 mar. 1984.
. A ditadura por dentro. Veja Internacional, ao Paulo, n. 872, p.
36–43, 22 maio 1985.
. Fantasma decepado. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 882,
p. 100–102, 31 jul. 1985.
PASSOS, Jos´e Meirelles; VIEIRA, Vitor. O elogio da loucura. Veja
Internacional, ao Paulo, n. 902, p. 60–63, 18 dez. 1985.
PAVAN, Crodowaldo. A pesquisa nos salvar´a. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 1030, p. 5–8, 1
o
jun. 1988. Por Fabr´ıcio Marques.
PAZ sem adjetivo. Veja Internacional, ao Paulo, n. 811, p. 59, 21 mar.
1984. Mat´eria ao assinada.
PEIXE gra´udo. Veja Internacional, ao Paulo, n. 978, p. 53, 3 jun. 1987.
Mat´eria ao assinada.
PELO CIDAD
˜
AO. Veja Brasil, ao Paulo, n. 978, p. 34–35, 3 jun. 1987.
Mat´eria ao assinada.
PENA executada. Veja Internacional, ao Paulo, n. 806, p. 41, 15 fev.
1984. Mat´eria ao assinada.
PENNA, Jo˜ao Camilo. A inform´atica ser´a nossa? Veja Ponto de vista, ao
Paulo, n. 828, p. 162, 18 jul. 1984.
PERTO da liberdade. Veja Internacional, ao Paulo, n. 920, p. 24–25, 12
fev. 1986. Mat´eria ao assinada.
PIGNATARI, ecio. O sortil´egio do v´ıdeo. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 809, p. 5–8, 7 mar. 1984. Por Mirian Paglia Costa.
PLANTAR divisas. Veja Internacional, ao Paulo, n. 811, p. 58, 21 mar.
1984. Mat´eria ao assinada.
186
POR
˜
OES da democracia. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 883, p.
104–111, 7 ago. 1985. Mat´eria ao assinada.
POUCO pelo social. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 1035, p.
92–94, 6 jul. 1988. Mat´eria ao assinada.
PREFERE a Rede Globo. Veja, ao Paulo, n. 1036, p. 96–97, 13 jul. 1988.
An´uncio publicit´ario.
PRIMAVERA no corpo. Veja Moda, ao Paulo, n. 884, p. 61–62, 21 ago.
1985. Mat´eria ao assinada.
REAGAN sente o gosto amargo da decadˆencia. Veja Internacional, ao
Paulo, n. 953, p. 52–60, 10 dez. 1986. Mat´eria ao assinada.
REFORMA econˆomica: teto garantido. Veja, ao Paulo, n. 920, p. 91, 23 abr.
1986. Mat´eria ao assinada.
R
´
EU sem culpa. Veja Brasil, ao Paulo, n. 880, p. 31, 17 jul. 1985. Mat´eria
ao assinada.
RISADA escancarada. Veja Especial, ao Paulo, n. 1036, p. 72–79, 27 jul.
1988. Mat´eria ao assinada.
ROLO compressor. Veja Internacional, ao Paulo, n. 808, p. 36, 29 fev
1984. Mat´eria ao assinada.
ROTA complicada. Veja Internacional, ao Paulo, n. 920, p. 26, 12 fev.
1986. Mat´eria ao assinada.
ROTA do para´ıso. Veja Brasil, ao Paulo, n. 978, p. 36–37, 3 jun. 1987.
Mat´eria ao assinada.
RUMBA e xotes. Veja Show, ao Paulo, n. 922, p. 147, 7 mai. 1986.
Mat´eria ao assinada.
SALLES, Luzia. Sensual e c´ıvica. Veja Show, ao Paulo, n. 889, p. 129, 18
set. 1985.
SALTOS do tigre. Veja Televis˜ao, ao Paulo, n. 1.018, p. 70–72, 9 mar.
1988. Mat´eria ao assinada.
SANGRIA desatada. Veja Brasil, ao Paulo, n. 852, p. 21, 2 jan. 1985.
Mat´eria ao assinada.
SARDENBERG, Izalco; SIRKIS, Alfredo. Um ajuste `a realidade. Veja
Id´eias, ao Paulo, n. 728, p. 151–152, 18 ago. 1982.
SARNEY arma seu jogo. Veja Brasil, ao Paulo, n. 882, p. 20–25, 31 jul.
1985. Mat´eria ao assinada.
187
SARNEY, Jos´e. Um tiro na abertura. Veja Ponto de vista, ao Paulo,
n. 678, p. 114, 2 set. 1981.
SA
´
UDE refor¸cada. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 804, p. 54–57,
1
o
fev. 1984. Mat´eria ao assinada.
SEM FREUD nem enin. Veja Especial, ao Paulo, n. 884, p. 70–77, 21
ago. 1985. Mat´eria ao assinada.
SEM FRONTEIRAS. Veja Internacional, ao Paulo, n. 902, p. 65–66, 18
dez. 1985. Mat´eria ao assinada.
SEM INTERMEDI
´
ARIOS. Veja Brasil, ao Paulo, n. 835, p. 20–25, 5 set.
1984. Mat´eria ao assinada.
SEVCENKO, Nicolau. As pris˜oes do intelectual. Veja Entrevista, ao
Paulo, n. 803, p. 5–8, 25 jan. 1984. Por Guilherme Cunha Pinto.
SILVA, Luiz Roberto do Nascimento e. Eles usam black-tie. Veja Ponto de
vista, ao Paulo, n. 867, p. 122, 17 abr. 1985.
SIMONSEN, ario Henrique. As lembran¸cas de 1965. Veja Ponto de
Vista, ao Paulo, n. 726, p. 162, 4 ago. 1982.
SIMONSEN, ario Henrique. O risco de optar pelo atraso. Veja, ao Paulo,
n. 997, p. 24–35, 14 out. 1987.
SOARES, Airton. Lula tem de ouvir o povo. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 841, p. 3–6, 17 out. 1984. Por Henrique Jos´e Alves.
SOUZA, Maria Ad´elia Aparecida de. Um campus mal-assombrado. Veja
Ponto de vista, ao Paulo, n. 841, p. 130, 17 out. 1984.
SOUZA, Okky de. Brigada paulista. Veja M´usica, ao Paulo, n. 880,
p. 111, 17 jul. 1985.
. Partitura a dois. Veja M´usica, ao Paulo, n. 880, p. 113, 17 jul.
1985.
. Vida em peda¸cos. Veja Livros, ao Paulo, n. 895, p. 133–134, 30
out. 1985.
. Postura radical. Veja usica, ao Paulo, n. 951, p. 146, 26 nov.
1986.
. Som contagiante. Veja M´usica, ao Paulo, n. 951, p. 146, 26 nov.
1986.
. Segredos do desejo. Veja Teatro, ao Paulo, n. 1036, p. 100–102,
13 jul. 1988.
188
SURUAGY, Divaldo. Os riscos da ruptura. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 842, p. 5–8, 24 out. 1984. Por Augusto Nunes.
TAMBORES `a direita. Veja Brasil, ao Paulo, n. 883, p. 36–39, 7 ago.
1985. Mat´eria ao assinada.
TAVARES, Maria da Concei¸ao. Uma arquitetura do futuro. Veja Ponto
de Vista, ao Paulo, n. 721, p. 154, 30 jun. 1982.
TEIXEIRA, Alo´ısio. O mercado enlouqueceu. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 978, p. 5–8, 3 jun. 1987. Por Rosa Maria Dalcin.
TENEBROSAS transa¸oes. Veja Brasil, ao Paulo, n. 880, p. 20–26, 17
jul. 1985. Mat´eria ao assinada.
TENTATIVA de degelo. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 931, p.
82–85, 9 jul. 1986. Mat´eria ao assinada.
TETO garantido. Veja, ao Paulo, n. 920, p. 91, 23 abr. 1986. Mat´eria ao
assinada.
TODOS na pior. Veja Brasil, ao Paulo, n. 801, p. 88, 11 jan. 1984.
Mat´eria ao assinada.
TOLEDO, Roberto Pompeu de. A marca do espa¸co. Veja Especial, ao
Paulo, n. 881, p. 58–66, 24 jul. 1985.
. A roda do tempo. Veja Especial, ao Paulo, n. 881, p. 52–57, 24
jul. 1985.
. O despertar da china. Veja Especial, ao Paulo, n. 881, p. 44–51,
24 jul. 1985.
. A flor e o dogma. Veja Especial, ao Paulo, n. 884, p. 68–72, 29
jul. 1987.
. A medalha e o sorriso. Veja Especial, ao Paulo, n. 884, p. 59–65,
29 jul. 1987.
. A palavra e o gesto. Veja Especial, ao Paulo, n. 884, p. 52–58, 29
jul. 1987.
. A revolu¸ao de gorbachev. Veja Especial, ao Paulo, n. 884, p.
46–50, 29 jul. 1987.
TREMOR em Bras´ılia. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 889, p.
112–114, 18 set. 1985. Mat´eria ao assinada.
TRILHA confusa. Veja Brasil, ao Paulo, n. 978, p. 39, 3 jun. 1987.
Mat´eria ao assinada.
189
´
ULTIMA miss˜ao. Veja Internacional, ao Paulo, n. 811, p. 58, 21 mar.
1984. Mat´eria ao assinada.
´
ULTIMO lance. Veja Internacional, ao Paulo, n. 881, p. 39, 24 jul. 1985.
Mat´eria ao assinada.
UM BARULHENTO come¸co. Veja Brasil, ao Paulo, n. 760, p. 20–23, 30
mar. 1983. Mat´eria ao assinada.
UM BOM ensaio geral. Veja Brasil, ao Paulo, n. 880, p. 28–29, 17 jul.
1985. Mat´eria ao assinada.
UM DIA em Asa Branca. Veja Televis˜ao, ao Paulo, n. 891, p. 132–136, 2
out. 1985. Mat´eria ao assinada.
UM HORIZONTE sombrio. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 728,
p. 156–158, 18 ago. 1982. Mat´eria ao assinada.
UM JOGO adiado. Veja Brasil, ao Paulo, n. 978, p. 33, 3 jun. 1987.
Mat´eria ao assinada.
UM NEG
´
OCIO saboroso. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 811, p.
96–98, 21 mar. 1984. Mat´eria ao assinada.
UM NOVO in´ıcio na URSS. Veja Internacional, ao Paulo, n. 806, p.
28–34, 15 fev. 1984. Mat´eria ao assinada.
UM PLANO para o caos. Veja Terras, ao Paulo, n. 893, p. 44–47, 16 out.
1985. Mat´eria ao assinada.
UM SOPRO sensual. Veja Moda, ao Paulo, n. 895, p. 77, 30 out. 1985.
Mat´eria ao assinada.
UM TOM liberal. Veja Brasil, ao Paulo, n. 978, p. 37, 3 jun. 1987.
Mat´eria ao assinada.
UM TOQUE de alarme. Veja Internacional, ao Paulo, n. 723, p. 96, 14
jul. 1982. Mat´eria ao assinada.
UMA BATALHA perdida. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 675,
p. 92–96, 12 ago. 1981. Mat´eria ao assinada.
UMA BATUCADA de rock. Veja M´usica, ao Paulo, n. 852, p. 36–42, 2
jan. 1985. Mat´eria ao assinada.
UMA COLHEITA de ouro. Veja Economia e neg´ocios, ao Paulo, n. 882,
p. 104–105, 31 jul. 1985. Mat´eria ao assinada.
UMA VIDA na Hist´oria. Veja Especial, ao Paulo, n. 931, p. 50–56, 9 jul.
1986.
190
VALE-TUDO para Hart. Veja Especial, ao Paulo, n. 811, p. 64–71, 21
mar. 1984. Mat´eria ao assinada.
VER
´
ISSIMO, Lu´ıs Fernando. Isto e aquilo. Veja, ao Paulo, n. 855, p. 15, 23
jan. 1985.
. Justi¸ca seja feita. Veja, ao Paulo, n. 853, p. 15, 9 jan. 1985.
. A maldi¸ao. Veja, ao Paulo, n. 854, p. 15, 16 jan. 1985.
. A solu¸ao. Veja, ao Paulo, n. 856, p. 15, 30 jan. 1985.
VEXAME no ar. Veja Internacional, ao Paulo, n. 920, p. 26, 12 fev. 1986.
Mat´eria ao assinada.
VIANNA, Herbert. O sucesso atr´as das lentes. Veja Entrevista, ao Paulo,
n. 858, p. 3–6, 13 fev. 1985. Por Roni Lima.
VIEIRA, Jorge Hil´ario Gouvˆea. A salvao ´e o mercado. Veja Ponto de
Vista, ao Paulo, n. 670, p. 122, 8 jul. 1981.
VIRADA americana. Veja Mundo, ao Paulo, n. 643, p. 68–72, 31 dez.
1980. Mat´eria ao assinada.
VOLTA pelo voto. Veja Internacional, ao Paulo, n. 881, p. 39, 24 jul.
1985. Mat´eria ao assinada.
191
Anexo
Anexo A Um breve hist´orico de Veja
Conforme edi¸ao especial da revista:
“No dia 8 de setembro [do ano de 1968], das oficinas da Editora
Abril, o maior parque gr´afico da Am´erica Latina, saem 700.000 exemplares
de uma revista chamada VEJA. Seu objetivo: oferecer aos leitores uma sele-
¸ao ordenada e concisa dos fatos essenciais da semana em todos os campos
do conhecimento, explicando seu significado, fornecendo seu pano de fundo
e servindo como uma esp´ecie de rascunho semanal da hist´oria desse mundo
efervescente e aparentemente inexplic´avel. Um de seus principais slogans pu-
blicit´arios: ‘o mundo est´a explodindo `a sua volta e vocˆe ao sabe por quˆe’.”
Como observamos nessa apresenta¸ao, em rela¸ao `a revista Veja,
trata-se de um revista semanal de assuntos gerais como: pol´ıtica, economia,
sa´ude, comportamento, m´usica, etc. Tudo isso em rela¸ao ao Brasil e ao
mundo.
A revista era composta pelo corp o editorial, mas tamb´em mantinha
a caracter´ıstica de veicular opini˜oes de colaboradores. Observamos isso em
192
especial nas entrevista e nas colunas de opini˜ao, onde as mensagens eram
diretamente relacionadas a seus emissores.
FONTE: Edi¸ao especial de anivers´ario. Exemplar com n´umero e
data ao pass´ıveis de identifica¸ao. Procedˆencia: acervo pessoal empr´estimo.
193
Anexo B Editorial
194
Anexo C Editorial
195
Anexo D Editorial
196
Anexo E Editorial