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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
ROSELÂINE CASANOVA CORRÊA
VIDA CULTURAL EM SANTA MARIA: O CASO DA ESCOLA DE TEATRO
LEOPOLDO FRÓES (1943-1983)
Dissertação apresentada como requisito parcial e final para a obtenção do título de Mestre
em História das Sociedades Ibéricas e Americanas.
PROF. DR. MOACYR FLORES
Orientador
Porto Alegre (RS), Agosto de 2003
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO HISTÓRIA DAS SOCIEDADES IBÉRICAS E
AMERICANAS
A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO ASSINADA, APROVA A DISSERTAÇÃO:
VIDA CULTURAL EM SANTA MARIA: O CASO DA ESCOLA DE TEATRO
LEOPOLDO FRÓES (1943-1983)
ELABORADA POR
ROSELÂINE CASANOVA CORRÊA
COMO REQUISITO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM HISTÓRIA DAS
SOCIEDADES IBÉRICAS E AMERICANAS
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Prof. Dr. Moacyr Flores – Orientador – PUC/RS
___________________________________________________________
Prof. Dr. Charles Monteiro – PUC/RS
__________________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Brum Santos – UFSM
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Em memória de Edmundo Cardoso, Edna Mey
Cardoso e dos demais integrantes falecidos da ETFL.
AGRADECIMENTOS
À Therezinha de Jesus Pires Santos e Gilda May Cardoso Santos, pelo convívio e ajuda
constantes, pela capacidade de diálogo e pela forma incansável com que se fizeram
presentes durante toda a pesquisa.
Ao Claudio Cardoso, pela alegria.
Ao estimado Prof. Moacyr Flores, pela orientação segura e pacienciosa, seriedade
profissional, incentivo e amizade.
Ao Vitor, pelo companheirismo, serenidade e cumplicidade, em todos os momentos do
curso.
Ao Prof. André Luis Ramos Soares, pelas preciosas considerações a respeito do texto.
À Profª. Maria Lúcia Bastos Kern, pelo conhecimento adquirido em seus seminários.
Ao Bráulio Souza, Dalton Couto, Geolar Badke, João Teixeira Porto, e Jorge Beduino
Ramos Medeiros, pelos depoimentos sobre a ETLF.
Ao Valter Antonio Noal Filho, Geraldo Cervi, Zuleika Maria Aguiar Franchini e Adelmo
Simas Genro, pelas entrevistas a respeito dos cine-teatros e os cineclubes de Santa Maria.
À Fátima Marques, pela documentação a respeito do TUI e do TUSM.
Ao arquiteto e urbanista José Antonio Brenner, pela planta da cidade de Santa Maria.
À Cristiane Debus Pistóia, pela ajuda junto ao acervo de Edmundo Cardoso.
Aos colegas do PPG-PUC/RS, José Antonio Mazza Leite, Andrea Lacerda Bachettini e
Raquel Padilha, pela amizade.
À Profª. Maria de Lourdes Pereira Godinho, pela minuciosa correção de português.
Ao Prof. Danclar Jesus Rossato, pela diagramação.
À Carla Helena Carvalho Pereira, pela ajuda com as questões burocráticas e
administrativas.
Ao PPG-PUC/RS, pela oportunidade.
A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a concretização desta
pesquisa.
Ao CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa -, pela ajuda financeira através da bolsa de
estudos.
À banca que se propôs examinar esta dissertação.
v
O cinema foi avançando, e numa dessas ele deu um golpe muito forte no
teatro, quando foi inventado o cinemascope, a tela gigante, que hoje não
existe mais. Mas para a implantação dos cinemas da tela gigante, era preciso
fazer armações de ferro, porque as telas ocupavam toda a largura das bocas
de cena. Essas armações sustentavam o tamanho e o peso das telas. Com
isso, se inutilizava o espaço cênico. Deixava de existir a possibilidade de
fazer teatro, porque essas armações eram fixas. Então, começou a ficar
difícil de fazer teatro nas cidades de pequeno porte, onde os cinemascope
começavam a aparecer. Foram diminuindo os Cine-Teatros, e o cinema
avançando. Depois veio a televisão, nos anos 50, no Brasil, e dificultou
mais as coisas. Hoje as pessoas ficam em casa grudadas na telinha. Nessa
parte, então, o teatro saiu um pouco prejudicado. Nos grandes centros há
muita manifestação teatral, mas nos centros pequenos, manutenção da chama
eterna do teatro, continua sendo mantida pelos amadores. (Edmundo
Cardoso).
RESUMO
Neste trabalho, efetuamos o resgate da Escola de Teatro Leopolpo Fróes (ETLF), atuante
entre 1943 e 1983, na cidade de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul.
Inicialmente fazemos um passeio panorâmico pelo espaço urbano de Santa Maria,
evidenciando suas marcas de crescimento e modernização a partir da estrada de ferro (1885) até
nossos dias. A ferrovia e a universidade, a arquitetura e as casas de espetáculos são sinais dessa
modernidade urbana. A ETLF se insere nesse processo como grupo de amadores que respondem
às demandas artísticas da classe média local.
Logo após, historiamos a vida da Escola de Teatro, destacando seu diretor, Edmundo
Cardoso (EC) e seus atores. Para esta parte, utilizamos não somente as fontes bibliográficas
possíveis como o testemunho de diversos integrantes da ETLF. As relações da Escola com a
cidade ficam explicitadas neste momento.
Finalizamos apresentando o produto realizado pela ETLF: suas 40 peças encenadas,
resumindo cada uma delas, assim como identificando os atores, técnicos, mantenedores e alguns
dados a respeito das representações.
A Escola de Teatro Leopoldo Fróes marcou a vida cultural santa-mariense e expressou as
inquietações de seu setor médio ilustrado.
Palavras-chave: Vida urbana, modernidade, teatro, Escola de Teatro Leopoldo Fróes,
Santa Maria.
ABSTRACT
This work has tried to rescue Leopoldo Fróes Theater School (ETLF), which was open
from 1943 to 1983, in the central area of Rio Grande do Sul.
First, we have done a panoramic overview on the urban space of Santa Maria, trying to
point out its evidences of growth and modernization from the railway period (1885) until our
days. The railway and the university, the architecture and the theaters are the signs of this urban
modernity. The theater school (ETLF) is inside this process as a group of amateurs that respond
to the artistic demands of the local middle class.
Secondly, we review the history of the Leopoldo Fróes Theater School, pointing out its
director, Edmundo Cardoso, and its actors. For this part of the work, we have used not only the
available bibliographical sources but also the testimony of many people that integrated the school.
The relationships of the school with the city were shown at this point.
Finally, we presented the work developed by the ETLF: its 40 plays, summing up each
one of them, as well as identifying the actors, technicians, sponsors and some data about the
acting.
The Leopoldo Fróes Theater School has left a mark in the cultural life of Santa Maria
and expressed the anxieties of the middle class sector here illustrated.
Key-words: Urban life, modernity, theater, Leopoldo Fróes Theater School, Santa Maria.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Planta central da cidade de Santa Maria (1902) ..................................................... 33
Figura 2: Cine-Teatro Coliseu Santamariense ........................................................................ 46
Figura 3: Cine-Teatro Imperial ............................................................................................... 48
Figura 4: Cartaz de divulgação do filme Os abas largas (1961)............................................ 53
Figura 5: Integrantes da ETLF. (1943) ................................................................................... 79
Figura 6: Integrantes da ETLF com Procópio Ferreira, na residência de EC. (1953)............ 94
Figura 7: Terreno da ETLF (Anos 60).................................................................................... 96
Figura 8 e 9: Planta baixa e desenho do croqui da ETLF. (final dos anos 50). ...................... 97
Figura 10: Terreno da ETLF. (2003)....................................................................................... 99
Figura 11: Edmundo Cardoso. (1955) .................................................................................. 102
Figura 12: Edna Mey Cardoso. (1955) ................................................................................. 105
Figura 13: Geolar Badke. (1955).......................................................................................... 106
Figura 14: João Teixeira Porto. (1955) ................................................................................. 108
Figura 15: Jorge Beduino Ramos Medeiros. (1963) .............................................................111
Figura 16: Dalton Couto. (1957) ...........................................................................................113
Figura 17: José Medeiros. (1955)..........................................................................................117
Figura 18: Setembrino Souza. (Anos 50) ..............................................................................118
Figura 19: Wilde Quintana. (Anos 50) ..................................................................................119
Figura 20: Elenco e corpo técnico da peça Saudade. (1943) ............................................... 129
Figura 21: Encenação da peça Feitiço. (1977) ..................................................................... 135
Figura 22: Elenco e corpo técnico da peça Pense Alto. (1947) ............................................ 138
Figura 23: Elenco e corpo técnico da peça Lar, doce lar. (1949) ......................................... 142
Figura 24: Encenação da peça A raposa e as uvas. (1955) .................................................. 149
Figura 25: Elenco da peça As bodas do diabo. (1952) ......................................................... 150
Figura 26: Encenação da peça Curvas Perigosas. (1954).................................................... 153
Figura 27: Encenação da peça Espectros. (1955)................................................................. 155
Figura 28: Cenário da peça A camisola do anjo, (1956) ...................................................... 158
Figura 29: Cenário da peça Delito na Ilha das Cabras, (1956) ........................................... 160
Figura 30: Cenário da peça Está lá fora um inspetor, (1957) .............................................. 162
Figura 31: Cenário da peça Via Sacra, de Edmundo Cardoso. (1961)................................. 167
Figura 32: Ensaio da peça O asilado. (1963) ....................................................................... 170
Figura 33: Ensaio da peça Roleta paulista. (1963)............................................................... 172
Figura 34: Ensaio A falecida. (1967).................................................................................... 173
Figura 35: Encenação da peça Pic nic no front. (1969)........................................................ 178
Figura 36: Encenação da peça A revolta dos brinquedos. (1971) ........................................ 180
Figura 37: Encenação da peça Joãozinho anda pra trás. (1983) ......................................... 187
viii
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA....................................................................................................................... iii
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. v
EPÍGRAFE .............................................................................................................................. vi
RESUMO EM LÍNGUA VERNÁCULA............................................................................... vii
RESUMO EM LÍNGUA INGLESA...................................................................................... viii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES .................................................................................................... ix
SUMÁRIO...............................................................................................................................11
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 14
INTRODUÇÃO......................................................................................................................16
CAPÍTULO I
O CENÁRIO: SANTA MARIA – PROCESSO HISTÓRICO E PRÁTICAS CULTURAIS
1.1 Santa Maria: desenvolvimento urbano ....................................................................... 29
1.2 Santa Maria dos espetáculos: os cine-teatros.............................................................. 38
CAPÍTULO II
A TRAMA: O CASO DA ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES
2.1 Da influência teatral portuguesa no Brasil à Escola de Teatro Leopoldo Fróes: um
breve histórico ........................................................................................................................ 65
2.2 A urdidura de uma trama: a criação da Escola de Teatro Leopoldo Fróes.................. 76
2.3 O palco: a construção de um teatro para a Escola de Teatro Lepoldo Fróes .............. 93
2.4 Os personagens da Escola de Teatro Leopoldo Fróes: imagens do palco................. 100
CAPÍTULO III
O PALCO, OS PERSONAGENS E O ESPETÁCULO: PEÇAS ENCENADAS PELA
ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES..................................................................... 126
3.1 Saudade (1943) ......................................................................................................... 128
3.2 Compra-se um marido (1943)................................................................................... 130
3.3 Deus lhe pague (1944) .............................................................................................. 131
3.4 Marido número cinco (1944) .................................................................................... 132
3.5 Os divorciados (1944)............................................................................................... 133
3.6 Maria Cachucha e Feitiço (1945).............................................................................. 133
3.7 A barbada e Pertinho do céu (1946).......................................................................... 136
3.8 Era uma vez um vagabundo (1947) .......................................................................... 137
3.9 Pense alto (1947) ...................................................................................................... 138
3.10 O burro ( 1948) ...................................................................................................... 139
3.11 O calcanhar de Aquiles ( 1948).............................................................................. 140
3.12 Lar, doce lar (1949)................................................................................................ 141
3.13 Avatar (1950) ......................................................................................................... 143
3.14 É proibido suicidar-se na primavera (1951)........................................................... 143
3.15 A raposa e as uvas (1952-55) ................................................................................. 145
3.16 As bodas do diabo (1952-55) ................................................................................. 149
3.17 Curvas perigosas (1953-54) ................................................................................... 152
3.18 Espectros (1954-55 ................................................................................................ 154
3.19 A camisola do anjo (1956) ..................................................................................... 158
3.20 Delito na Ilha das Cabras (1956) ........................................................................... 159
12
3.21 Está lá fora um inspetor (1957).............................................................................. 161
3.22 O casaco encantado (1959) .................................................................................... 163
3.23 Pluft, o fantasminha (1960)..................................................................................... 164
3.24 O caixa que foi até a esquina (1961)....................................................................... 165
3.25 Via Sacra (1961....................................................................................................... 166
3.26 O cavalinho azul (1963).......................................................................................... 167
3.27 O asilado (1963)...................................................................................................... 169
3.28 Roleta paulista (1966)............................................................................................. 170
3.29 A falecida (1967)..................................................................................................... 172
3.30 Maria minhoca (1968) ............................................................................................ 174
3.31 Pic-nic no front e A história do zoológico (1969)................................................... 175
3.32 A canção dentro do pão (1970) ............................................................................... 178
3.33 A revolta dos brinquedos (1971-72)........................................................................ 179
3.34 Soraya, posto dois (1973) ....................................................................................... 182
3.35 Dona Patinha vai ser miss (1975) ........................................................................... 184
3.36 Dona Maroquinhas fru-fru (1978) .......................................................................... 185
3.37 Joãozinho anda pra trás (1983) ............................................................................... 186
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 190
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS .................................................................................... 198
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 205
DEPOIMENTOS .................................................................................................................. 207
FONTES COMPLEMENTARES......................................................................................... 208
CORRESPONDÊNCIAS ..................................................................................................... 209
13
APRESENTAÇÃO
Durante toda minha pesquisa desenvolvi os mais diversos sentimentos e emoções em
relação ao Edmundo Cardoso. Embora o objeto central do estudo tenha sido a Escola de Teatro
Leopoldo Fróes (1943-1983) e, a princípio, cogitasse que dele teria somente o acervo a meu
dispor para efetivar meu trabalho, ao final percebi que sem ele, mesmo com o arquivo sobre a
ETLF, não teria conseguido grande coisa.
Não há uma página sequer de minha pesquisa em que o nome de Edmundo não tenha
sido citado. E isso não tem nada a ver com a admiração que tenho por ele ou porque lhe desejo
agradecer alguma coisa. Se fosse agradecer qualquer coisa a ele, não conseguiria dizer-lhe nada
que ele já não soubesse. E Edmundo gostava muito de desafios para pensar que meu trabalho
havia sido concluído.
Quando escrevi sobre os cine-teatros e os cineclubes na Santa Maria do século XX, ele
ainda estava vivo e nunca me ocorreu que, quando chegasse ao estudo da Escola de Teatro
propriamente dita, ele não poderia mais responder às ansiosas perguntas desta mestranda.
Primeiro entrei em pânico: como podia ele me abandonar agora, quando eu precisava
tanto? Depois, mais calma, comecei a ler alguns dos seus escritos, embora continuasse a ter
diálogos imaginários e furiosos com ele.
Edmundo morreu em 05 de dezembro de 2002 e, sob um calor sufocante, que é peculiar
a qualquer santa-mariense durante o mês de janeiro, já me encontrava revirando documentos
que por toda vida ele havia guardado. Parei então de brigar e comecei a pedir-lhe ajuda.
Senão todas, quase todas as respostas estavam lá. Acima de minha bancada de trabalho,
15
nas várias fotos que expus de Edmundo – para não me sentir tão só, nas delícias e nos sofrimentos
de uma pesquisa para dissertação – ele me olhava com a firmeza que lhe era peculiar, como a me
dizer: “Pensavas que seria fácil? Pretendias um caminho sem pedras para levantar algo que
construí durante toda a minha vida, em poucos meses? Quem pensas que és?”
Penso que sou uma jovem obstinada em “dar a César o que é de César”, como vive
dizendo o Jorge Beduino, que também fez parte da Escola. Ou segundo outro membro da Escola
de Teatro, J.T. Porto, “tudo o que sei de teatro, aprendi com o Cardoso.” Geolar Badke diria:
“este teu trabalho é admirável.”
Ao final, Edmundo Cardoso passeou como um flauner por toda minha pesquisa. Fui
apenas aquela que punteou a memória – esta sim, extraordinária – de toda esta gente. Não dei a
César o que era de César, porque tudo já era dele. Nas longas conversas com Geolar e Porto,
apenas resgatei a lembrança de uma vivência que era deles, não minha. E se há algo admirável,
foi a capacidade que eles e tantos outros tiveram de criar e manter por 40 anos uma Escola de
Teatro Amador nestes confins do Rio Grande.
Continuo conversando com Edmundo. Mais comedida, agora sei que dar conta de toda
aquele acervo é um trabalho para muitos anos, não para uma dissertação de mestrado. Não estou
frustrada com isso, apenas reconheci que todo trabalho tem suas limitações.
E novamente é Edmundo quem me mostra que, mesmo tendo lutado tantos anos, não
logrou construir seu teatro. Mas conseguiu deixar em seus guardados tanto material precioso,
que gerações e gerações ainda terão documentos em que pesquisar, pensar e aprender e assim
sua memória se manterá.
Porém, todos terão que saber que o papel de ator principal é dele. Seremos sempre a
platéia neste espetáculo que ele criou ao longo de seus 85 anos. Cortinas se fecham.... ou se
abrem?
A autora
Outono de 2003.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho pretende-se resgatar a história da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, atuante
nos anos de 1943 a 1983, na cidade de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul. Ao
enfocar este grupo de artistas, temos como objetivo trabalhar o modo como se processava a vida
cultural em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul.
Santa Maria, ao tempo em que funcionou esta escola teatral, era uma cidade
marcantemente ferroviária – centro ferroviário do Rio Grande do Sul -, além de um centro
militar, comercial e estudantil. Já existiam salas de espetáculos na cidade e a vida teatral tinha
alguma tradição. O grupo se organizava visando ao trabalho amador e buscava atores dentro da
sociedade de escol, conforme expressão da época.
A dinâmica do grupo evidenciava um distanciamento de qualquer projeto de
profissionalização, apesar de ambicionar a construção de um teatro próprio. Desta maneira,
tratava-se de um grupo genuinamente de artistas amadores – amantes da ribalta, como eles
próprios se autodenominam até hoje – visando a um enriquecimento de suas vidas e também da
cultura citadina. São homens e mulheres com atividades remuneradas no quartel, na universidade,
no serviço público, na escola secundária, no rádio, que marcam uma resistência em relação aos
espaços artísticos da boemia e do circuito comercial.
Caracterizado o grupo teatral dessa maneira, pode entender-se que o surgimento desta
agremiação ocorreu em um período em que os meios de difusão da cultura e do entretenimento
eram escassos. Como veremos, havia principalmente o cine-teatro, existindo inclusive uma certa
tensão entre ambos. Ao longo do tempo em que a Escola de Teatro Leopoldo Fróes atuou, este
17
cenário foi se transformando. O cinema e o rádio se impuseram, além de surgirem a televisão e
o vídeo, meios de comunicação de usufruto privado, que retiravam as pessoas do circuito social
da cultura.
A nossa proposta neste trabalho, ao recuperar a memória deste importante grupo teatral
da cidade, que catalisou as inquietações artísticas de um grupo expressivo de atores, escritores,
diretores de teatro, radialistas, poetas, pintores, é mostrar as dificuldades da criação artística em
uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Dirigidos por uma figura enérgica, criativa, algo
visionária também - Edmundo Cardoso (1917-2002) - a Escola de Teatro conseguiu manter
unidos este grupo de sonhadores e ainda conquistar o apoio de pessoas de destaque na sociedade,
para viabilizar seus projetos.
A Escola de Teatro Leopoldo Fróes não expressou apenas a inquietação de um grupo de
artistas, mas também a de um setor da sociedade local que buscava a sua afirmação por meio da
arte. O teatro, enquanto espaço social que reúne pessoas de bom gosto, é um território de
afirmação. O teatro, enquanto casa de espetáculo, é evidência de uma sociedade que se distancia
do prosaico ruído dos trens, das oficinas, dos quartéis, das lojas, dos bancos escolares e lança as
pessoas para um plano mais alto.
Resgatar a Escola de Teatro Leopoldo Fróes é, além de registrar o esforço de seus artistas,
apontar para um projeto coletivo que ganhou a mente e o sonho dos santa-marienses. Não esquecer,
nesse sentido, que a auto-imagem da cidade é a de uma cidade cultura, local de ensino, a
universidade e local de criação também. Nada mais exemplar quanto a este último aspecto do
que a criação (coletiva) do teatro.
Dessa forma, claro está que o objetivo geral desta pesquisa é a recuperação/resgate da
Escola de Teatro Leopoldo Fróes, dentro de um cenário que nem sempre lhe foi favorável.
Tendo em vista este propósito, foi necessário delimitar não só o cenário em que atuou a ETLF
mas também suas possibilidades e limites.
Neste ponto, necessitamos elaborar um retrospecto da história da cidade de Santa Maria,
desde sua fundação no final do século XVIII, seu desenvolvimento urbano e as tentativas de
modernização que a caracterizaram como um pólo comercial e cultural em meados do século XX.
Dentro desse contexto modernizante, demarcamos o primeiro objetivo específico deste
18
trabalho, apresentar uma sociedade preocupada em construir palcos que possibilitassem a exibição
de espetáculos vindos de fora ou mesmo aqueles produzidos na cidade, transferindo logo depois
- com a expansão do cinema - seus intresses para a efetivação de salas que propiciassem a
exibição da cinematografia.
Tendo como pano de fundo a cidade e sua história (o cenário), apresentamos a trama, que
é o segundo objetivo deste trabalho, apontando para o movimento que possibilitou a criação da
Escola de Teatro, a qual seria urdida por homens e mulheres – nossos personagens. A identificação
desses personagens – suas histórias, por meio de depoimentos e da documentação, dos próprios
textos das peças - tornaram possível a sistematização dos espetáculos, nosso terceiro objetivo.
Para dar conta da reconstituição desse cenário, da trama, de seus personagens e da encenação
das peças (ainda vivos na lembrança dos integrantes remanescentes da Escola de Teatro e da própria
sociedade), dividimos esta pesquisa em três capítulos, a saber: o primeiro capítulo, intitulado O
cenário: Santa Maria – processo histórico e práticas culturais, foi seccionado em duas partes que
dão conta da contextualização histórica do trabalho no primeiro subcapítulo e das possibilidades
culturais em Santa Maria, durante o século XX, no segundo subcapítulo. Tais divisões denominam-
se Santa Maria: desenvolvimento urbano e Santa Maria dos espetáculos: os cine-teatros,
respectivamente.
O segundo capítulo, A trama: o caso da Escola de Teatro Leopoldo Fróes possui quatro
subdivisões. Em um primeiro momento, historiamos a trajetória do teatro brasileiro desde a
influência portuguesa, durante o Brasil Colônia, até chegarmos aos anos 80 do século XX que
foi denominado Da influência teatral portuguesa no Brasil à Escola de Teatro Leopoldo Fróes:
um breve histórico. A seguir, mostramos, de maneira cronológica, a criação da Escola de Teatro,
suas dificuldades e suas conquistas, no subcapítulo A urdidura de uma trama: a criação da
Escola de Teatro Leopoldo Fróes.
Criada a Escola, suas peças precisavam ser encenadas em palcos emprestados pelos
cine-teatros, que logo passaram a priorizar as sessões de cinema às atividades da ribalta. Então
o grupo teatral começou a pensar na construção de seu próprio palco. Optamos por abordar este
tópico no subcapítulo seguinte, denominado O palco: a criação de um teatro para a Escola de
Teatro Leopoldo Fróes, no qual tratamos os diversos caminhos pelos quais passaram os integrantes
19
da Escola em busca de seu próprio teatro, de forma que não ficassem à mercê de interesses e
prioridades de terceiros.
Mesmo não tendo obtido êxito no empreendimento (o do teatro próprio), seus atores,
atrizes, grupo técnico e eventuais mantenedores, continuaram na ribalta. Essas pessoas, que
chamamos de personagens, estão apresentadas no subcapítulo Os personagens da Escola de
Teatro Leopoldo Fróes: imagens do palco. Nele são apresentados os sonhos e as realizações em
um palco onde o espetáculo maior são os personagens – não os que são encenados, mas os que
encenam – e que tornaram possível a existência da ETLF.
O terceiro capítulo denomina-se O palco, os personagens e o espetáculo: peças encenadas
pela Escola de Teatro Leopoldo Fróes, no qual historiamos as peças encenadas pela Escola de
forma linear e, mais que isso, apresentamos os resultados da luta para manter esta Escola. Neste
capítulo passeiam – peça por peça – os espetáculos encenados pela ETLF: os atores, a equipe
técnica, informações sobre cenário e divulgação, assim como o resumo dos textos. Com esse
inventário de realizações concretizamos o produto final de nosso drama.
Das fontes utilizadas para concretizar esta pesquisa, privilegiamos a documentação
existente no acervo particular de Edmundo Cardoso. Também contamos com o privilégio de
conviver com este artista assim como com seus familiares. Neste acervo encontra-se amplo
registro de diversas atividades da ETLF, tais como recortes de jornais de Santa Maria, Porto
Alegre e outras cidades nas quais o grupo se apresentou; bibliografia específica sobre teatro,
cinema e manifestações artísticas e culturais na cidade; fotografias dos atores, dos cenários;
desenhos de figurinos, esboços de cenário; fôlderes, material de propaganda; assim como as
atas das reuniões e assembléias da agremiação.
Material extremamente importante foi a documentação organizada em dossiês a respeito
de cada uma das 40 peças encenadas pela ETLF. Esta organização foi realizada tanto pelo diretor,
Edmundo Cardoso quanto por sua segunda esposa, Therezinha de Jesus Pires Santos, e sua filha,
Gilda May Cardoso Santos. Nessas pastas existem (muitas vezes sem a indicação bibliográfica
específica) libretos, notícias de jornais, crônicas, cartas de críticos, artistas e dramaturgos, folhetos,
banners, fôlderes, anotações pessoais, registros/liberações dos órgãos de censura, correspondência
com instituições e políticos. Para complementar os dossiês, há os textos das peças encenadas,
20
que foram de suma importância para entendermos o tipo de teatro levado pela ETLF.
A documentação referida não foi pesquisada para nenhum fim até a presente data e,
portanto, o levantamento histórico da Escola de Teatro aqui proposto possui caráter inédito. Não
buscamos, entretanto, nesta pesquisa, a análise dos textos encenados, uma vez que nenhuma
peça levada pela ETLF era de autoria de componentes da Escola ou mesmo de intelectuais da
cidade. Eram textos consagrados ou não, de autores nacionais ou estrangeiros, alguns deles
encenados pela primeira vez no Brasil, como o caso da peça levada em 1952 e 1955, As bodas
do diabo, do argentino Aurélio Ferretti, a qual foi traduzida por Edmundo Cardoso e Wilde
Quintana. Edmundo Cardoso escreveu somente uma peça teatral, Um criado às suas ordens,
que Procópio Ferreira desejava encenar. Não havendo possibilidade de encenação, a idéia não
se concretizou.
Entendemos que a importância da Escola de Teatro se dá devido a sua ação cultural na
cidade e, especialmente, à encenação de dezenas de espetáculos. Teatro, segundo Rosenfeld
(1993), é texto transformado em ação, é texto encarnado por atores. Nesse sentido, a ETLF fez
teatro, transformou textos dramáticos e cômicos em ação no palco e utilizou para isso,
fundamentalmente, o corpo, os gestos e as falas dos seus atores.
Um outro recurso de fundamental importância para a realização deste resgate foi a
utilização de depoimentos de antigos integrantes da ETLF. Pôde contar-se com a colaboração de
diversos atores e contemporâneos das atividades do grupo, os quais possibilitaram um melhor
entendimento da documentação existente. Muitas vezes estes depoimentos supriram lacunas
existentes nos registros da Escola. O resultado desta coleta de testemunhos está presente em
todo o texto, constituindo focos narrativos que, por vezes se complementam, outros dialogam
entre si e, em outros se dirigem ao leitor, tornando-o seu interlocutor. Enfim, as narrativas orais
dos integrantes da ETLF, a forma específica como estes atores abordaram suas atividades,
constituíram importante eixo neste trabalho.
Foram utilizados também, textos que auxiliassem na compreensão da urbanização,
arquitetura, modernidade e memória que estivessem ligados ao período e ao tema propostos.
Dos títulos trabalhados, destacamos as obras de Maria Cristina da Silva Leme, Urbanismo no
Brasil, 1895-1965 (1999); de Hugo Segawa, Arquiteturas no Brasil, 1900-1990 (2002); de
21
Marshall Berman, Tudo que é sólido desmancha no ar (1986); de Alain Touraine, Crítica da
modernidade (1994); de Tatiana Lenskif, A memória e o ensino da História (2000) e de Ecléa
Bosi, Memória e sociedade: lembranças de velhos (1994). Além disso, utilizamos textos
específicos em tais assuntos, sobre a cidade de Santa Maria, que serão mencionados no decorrer
deste trabalho.
Dessa forma, esta pesquisa tem como propósito resgatar a trajetória e as realizações
artísticas de um grupo de teatro amador na cidade de Santa Maria: a Escola de Teatro Leopoldo
Fróes, entre os anos de 1943 e 1983. O que pretendemos com isto é reconstituir parte da vida
cultural desta cidade, a partir da atuação deste grupo de atores. Entende-se que estes encarnavam
um projeto de atividade artística comum ao campo teatral da época e vinculavam-se ao dinamismo
da cidade. Suas realizações indicavam um certo amadurecimento da vida cultural santa-mariense,
assim como apresentavam as dificuldades específicas deste tipo de atividade em uma cidade
interiorana.
Acentuamos o cotidiano do grupo, suas relações, seus acordos com instituições, seus
projetos – inclusive o da construção de um teatro próprio – tendo sempre presente que a encenação
teatral é um evento efêmero que não se repete e apenas deixa registros (fotos da encenação,
desenhos de cenários e figurinos), mas jamais o ato em si. Desta maneira, a reconstituição da
história da ETLF é também, ao seu modo, uma encenação, na qual participaram – com relatos
memoralísticos – os próprios integrantes do grupo.
Utilizando uma expressão de Ecléa Bosi, em seu livro Memória e Sociedade: lembranças
dos velhos (1994), os recursos da imagem e da oralidade foram aqui aplicados com a intenção de
puntear a trajetória da Escola de Teatro Leopoldo Fróes. Ou seja, como forma de costurar as
informações encontradas no acervo.
É necessário salientar que os entrevistados tinham clareza da importância de sua
contribuição por meio de suas narrativas para a preservação de um período tão importante para
suas próprias vidas e para a história local. Embora a memória seja algo construído coletivamente,
na medida em que seus depoimentos evoluíam, passavam a ter caráter único. Ou seja, passavam
a ter, além do caráter social e coletivo, o caráter individual do ato de lembrar. Todos os depoimentos
foram repassados e amplamente discutidos com os narradores.
22
Todavia, para melhor compreensão do período estudado e das fontes utilizadas, foi
necessária a delimitação dos fundamentos teórico-metodológicos em uma pesquisa que, além
das fontes empíricas essenciais para sua realização, contou com elementos que a
complementassem enquanto reconstrução do passado, como a memória, o tempo, a imagem e a
oralidade.
Nessa perspectiva, contamos com os paradigmas da Nova História Cultural, de onde
emergem a memória, a cultura, a fotografia, o tempo histórico, a oralidade e outros mecanismos
de análise como espaços pertinentes para a pesquisa em História e se constituem como foco de
discussão teórico-metodológico deste trabalho.
Para isso, fundamentamos este trabalho a partir das obras de Lynn Hunt, A Nova História
Cultural (1992); de Peter Burke, A escrita da História: novas perspectivas (1995) e Testemunha
ocular: história e imagem (2003); de Henri Bergson, Matéria e memória: ensaio sobre a relação
do corpo com o espírito (1990) e de Francisco Falcon, História Cultural: uma visão sobre a
sociedade e a cultura (2002).
Com relação à História Oral, nos utilizamos de textos de Marieta de Moraes, História
Oral (1994); de Núncia Santoro de Constantino, Narrativa e História Oral (1996) e de Marieta
Soares Ferreira, Desafios e dilemas da História Oral nos anos 90 (1998).
A intenção aqui é passear no e com o tempo, buscando reorganizar os cacos, os fragmentos
que se encontram dispersos, proceder uma bricolagem espaço-temporal, na tentativa de
compreender o espaço cultural como uma unidade complexa, portadora de sentido, que aproxima
os homens, constituindo-se num campo de interpretação. Longe de buscarmos ser prisioneiros
de uma memória coletiva, que reduz o diálogo entre as partes, buscamos entender o jogo
comunicacional entre elas sem reduzi-lo a uma única voz, mas criando teias dialógicas, produtoras
de sentido, que são concorrentes, complementares e muitas vezes antagônicas.
Esta é a investida apresentada inicialmente no presente trabalho e, portanto, é mais uma
problematização em busca de contribuições do que propriamente um conjunto de afirmações
que tenham o peso de definições. Não se pretende (nem se deve) fechar a pesquisa em si mesma.
Pretende-se, isto sim, - além dos fatores/objetivos já mencionados –, através de um suporte
empírico sistematizado mas não concluso, constituí-la no ponto de partida para futuras pesquisas/
23
investigações.
O século XX - período abordado nesta pesquisa – encerrou-se sacudido pelo poder e
pregnância da imagem e reconhecemos que os estudos acadêmicos têm despertado para
compreendê-la.
As fotografias, nesse sentido, são resíduos que narram modos de ver e conceber o mundo
a partir dos cenários, poses, recortes. São, portanto, portadoras de sentidos. Falam, interrogam,
informam, comunicam. As fotografias são textos relacionais. E como tal foram aqui utilizadas,
ou seja, de forma a relacionar os depoimentos cedidos aos documentos pesquisados no acervo.
Dessa forma, entendemos que as mesmas valem enquanto elo entre a memória dos depoentes e
os registros encontrados no acervo, isto é, a documentação existente.
A História deve ser um campo que amplia e aprofunda as práticas e reflexões dos homens,
levando em consideração os desejos, anseios, emoções, cristalizadas por mecanismos diversos.
A fotografia permite leituras ampliadas e complexas dos homens. Por isso a escolha dessa
referência, como um complemento neste trabalho, no qual os personagens, os cenários, os
figurinos, mas fundamentalmente as expressões, denunciam os sonhos que permearam a existência
da Escola de Teatro Leopoldo Fróes. Assim, nelas é satisfeita a necessidade de ver e crer em tais
sonhos ainda hoje.
Como já explicitado anteriormente, o ato da encenação não se apreende em sua totalidade,
o tempo não pode ser medido, intervalado. Ele é irreversível. O que se (re) organiza já tem a
marca da dispersão. Ou seja, entre a encenação, a fotografia, a memória e a narrativa há um
campo de intencionalidade impossível de ser registrado, mas que impregna o acontecimento.
Esse fato é o que permite sempre novas abordagens. A totalidade dada pela conjunção dessas
peças não significa a verdade definitiva, mas apenas um estado da interpretação da realidade,
sujeito a reinterpretações.
Ver, por meio das fotografias, as histórias por elas enredadas é mergulhar no cotidiano,
retirando do fundo do baú as recordações empoeiradas que turvam o olhar dos entrevistados e
colocar suas histórias dentro de uma perspectiva de auto-organização ou de ressignificação social.
(BURKE, 2003).
Sendo o homem um sujeito histórico, recordar é um ato coletivo, que está ligado a um
24
contexto social e a um tempo que engloba uma construção, uma noção historicamente
determinada. A lembrança é a recordação de um tempo revivido.
A memória pode ser vista como uma seletiva reconstrução do passado, baseada em ações
subseqüentes, percepções e novos códigos, pelos quais delineamos, simbolizamos e classificamos
o mundo a nossa volta. A memória adapta o passado para enriquecer o presente. E essa seleção
do passado é feita pela História que se configura como uma construção seletiva desse mesmo
passado. (BOSI, 1994).
Os depoimentos mencionados ao longo deste trabalho possuem também um caráter
ficcional. Mas a dimensão fictícia e imaginária desses relatos não significa que eles não tenham,
de fato, acontecido. Entretanto, ao transcrevê-los, devemos ter em conta as diferentes formas de
imaginação dos depoentes e do interlocutor.
Delimitada a fundamentação e o método da pesquisa, construímos nossa própria narrativa
a partir das fontes utilizadas. Esta narrativa também contém certo caráter ficcional, uma vez que
estamos tratando da reconstituição e da memória de algo que não nos pertence enquanto passado
vivido e sim, enquanto presente reconstituído. Dessa forma, portanto, emergem do cenário
abordado, primeiramente a trama, estando dentro e com ela o palco, os personagens e o espetáculo.
Dos quatro elementos citados, quais sejam, o cenário, a trama, os personagens e o
espetáculo, surgem as hipóteses deste trabalho. A primeira hipótese diz respeito às condições da
criação da ETLF na década de 1940. Entendemos que a cidade propiciava o surgimento de uma
escola de teatro, na medida em que se vivia um tempo no qual os meios de comunicação, de
lazer e cultura eram escassos. Aos poucos esta situação foi se modificando. Em parte porque os
próprios meios de comunicação começaram a se diversificar, com a TV e o cinema, e em parte,
pela proliferação de práticas de esportes e novas opções de lazer. Mesmo assim, a platéia leal à
ETLF continuava prestigiando seus espetáculos, como bem apontam os artigos de jornais e os
depoimentos privilegiados. Neste caso já estamos falando da segunda hipótese, ou seja, da
mudança de hábitos da sociedade santa-mariense.
A trama, na qual se desenrola a urdidura da criação da Escola de Teatro, possui atores
principais, codjuvantes, técnicos e uma infinidade de personagens, dos quais se destaca um –
Edmundo Cardoso – que tudo faz para manter a platéia, criar seu próprio palco e manter seu
25
grupo coeso. Para isso, além da determinação e do carisma pessoal, esse personagem principal
sustenta vasta correspondência com empresários locais, órgãos municipais e estaduais, instituições
de ensino, figuras públicas de destaque e pessoas ligadas ao teatro no Rio de Janeiro e Região
Platina. Estamos delineando a terceira hipótese, que determina um dos fatores que contribuíram
para a encenação de 40 peças de teatro durante os 40 anos da ETLF: a liderança do diretor da
Escola, Edmundo Cardoso, referido por todos os depoentes como uma figura enérgica, mas
capaz de aglutinar a todos em torno do objetivo maior que era a manutenção da Escola de
Teatro.
A ETLF privilegiava, essencialmente, o trabalho amador no teatro e jamais se preocupou
em desenvolver um teatro profissional. Nossa quarta hipótese, portanto, aborda as mudanças da
Escola quanto ao repertório, fixando-se a princípio a um teatro de maior apelo comercial e de
sucesso no centro do país, para dramas, comédias satíricas e teatro de costumes, algumas vezes
levadas pela primeira vez no Brasil, como foi o caso de As bodas do diabo.
O grupo teatral buscava arregimentar para dentro da Escola de Teatro componentes
oriundos da então chamada sociedade de escol, ou seja, procurava incorporar ao grupo a
intelectualidade da classe média santa-mariense da época. Expõe-se dessa forma, a quinta hipótese
da pesquisa, na qual apontamos para o círculo social em que se moviam tanto atores quanto
platéia da ETLF.
No início dos anos 60, chegou a Santa Maria o teatro engajado, que expressava melhor
as contradições sociais e políticas do momento. A inquietação intelectual passou a se expressar
de outra maneira, por uma estética formada pelos teatros de Arena e Oficina. Em Santa Maria,
isto se deu com o Teatro do Estudante, o TUSM, o TUI e o Grupo Presença, uma vez que a ETLF
não deslocou seu foco para o teatro engajado. Esta é, finalmente, nossa sexta hipótese.
No cenário em questão, ou seja, na vida cultural santa-mariense, as casas de espetáculos,
os grupos teatrais, as cenas que circundam os espetáculos e o cinema (divulgação dos eventos,
modismos, regras sociais do mundo cultural e/ou do lazer, conjuntos arquitetônicos que os
viabilizavam) refletem a dinâmica sóciocultural de uma comunidade e seus valores mais
prestigiados. Costumeiramente, é território das suas elites econômica, social e cultural. Entretanto,
tal cenário descreve práticas culturais sob uma visão parcial da mentalidade e do cotidiano
26
dessa sociedade: os grupos sociais que são contemplados com tais práticas, os que são excluídos
e, especificamente, os valores, modas e costumes que são propagados.
Uma vez que privilegiamos fontes específicas, já descritas na construção desta narrativa,
a visão contida aqui não abarca a totalidade dessa dinâmica cultural. Nem poderia, uma vez que
utiliza, além de fontes empíricas, a subjetividade dos depoentos e dos próprios cronistas da
época, que estavam ligados às práticas culturais da cidade.
Enfocar tais práticas – fundamentais no resgate da ETLF, enquanto pólo de inquietação
e criação cultural da sociedade - é também perceber as transformações que ocorriam em outras
esferas, em decorrência da chegada da ferrovia à cidade no final do século XIX, do crescimento
do efetivo militar, da expansão dos estabelecimentos de ensino, até o surgimento da Universidade
Federal, em 1960, da crescente expansão imobiliária e comercial, assim como das mudanças no
cotidiano da cidade com a chegada de atores, dançarinas, viajantes e imigrantes que aqui se
estabeleceram.
Desde o início do século XX, a cidade de Santa Maria abrigou uma série de salas de
projeção cinematográfica e casas de espetáculos, a maioria delas próximas à praça Saldanha
Marinho. Nas imediações também se encontravam cabarés, onde se apresentavam músicos e
artistas de variedades. Essa vida noturna era estimulada pelo fato de a cidade ser um centro
ferroviário, pólo militar, comercial e estudantil. Também ocorreram várias experiências de outras
salas de projeção em um padrão menos empresarial, assim como de pujantes cineclubes. A vida
intensa em torno dessas edificações parece ter ocorrido até a década de 80. A partir daí, a freqüência
do público diminuiu e o cinema e os grandes espetáculos, enquanto atividades comerciais,
deixaram de ser vantajosos.
Em se tratando das casas de espetáculos, temos o Theatro Treze de Maio, provavelmente
inaugurado em 1890 e palco de boas companhias teatrais entre 1890-1913, mas que começou a
decair com a inauguração do Cine-Teatro Coliseu em 1911, por este possuir melhor acústica e
palco mais amplo. Sofreu reformas na década de 90, porém não foram observadas técnicas de
restauro e preservação do estilo arquitetônico original.
Entretanto, poucos são os dados e/ou parâmetros disponíveis que permitem montar um
panorama da arquitetura de Santa Maria, principalmente no que se refere às primeiras décadas
27
do século XX. Quando comparada às demais cidades do Rio Grande do Sul, Santa Maria chegou
à década de 1920 em uma posição de destaque. Já havia consolidado o seu papel de principal
pólo comercial e de prestação de serviços regional e definido sua vocação de centro estratégico
e ferroviário estadual. (SCHLEE, 2001).
Estabelecido o cenário desta narrativa, partimos para a trama, que passa a ser o caso da
Escola de Teatro Leopoldo Fróes em si. Sua criação, a luta pela construção de um palco próprio,
atores que a constituíram, direção, corpo técnico, patrocínios, órgãos mantenedores, apresentações
em outras cidades, ingressos e locais que possibilitaram suas apresentações. Nesse ponto, portanto,
já inserimos, na trama, o palco e os personagens.
A Escola de Teatro Leopoldo Fróes foi criada em 1943 por Edmundo Cardoso, Setembrino
de Souza, Walter Grau, Marconi Mussoi, dentre outros e ficou ativa até 1983, encenando peças
adultas e infantis, dramas e comédias, como: Espectros, de Henrik Ibsen; A raposa e as uvas, de
Guilherme de Figueiredo e Pluft e o fantasminha, de Maria Clara Machado.
No período estudado, as transformações sofridas pelo teatro e pelo cinema interagiam
com a comunidade e com as demais práticas que se podiam realizar com as limitações pertinentes
a uma cidade do interior do Estado.
Cenário e trama delimitados, palco e personagens apresentados, finalizamos com o
espetáculo propriamente dito, ou seja, a demonstração das peças encenadas pela ETLF. Ao longo
de quarenta anos, quarenta peças foram encenadas em palcos santa-marienses, em cidades do
interior e na capital do Estado. Evidencia-se então sua organização interna, suas produções
teatrais e a repercussão de seus eventos na imprensa local e na capital do Estado, e na memória
dos atores que dela fizeram parte. Verifica-se a efervescência e a crise da vida cultural na sociedade
local, bem como as estruturas sociais, políticas e econômicas que sustentaram tal dinâmica.
A década de 80 é significativa para o que poderíamos chamar de término de uma era nas
práticas culturais da cidade e da própria ETLF. As edificações que possibilitavam a encenação
das peças da Escola começavam a ser demolidas ou terem suas funções transferidas para outros
segmentos da sociedade. A Escola perde muito de seu público, que pouco a pouco, vai mudando
seus hábitos de entretenimento e seu interesse pelas luzes da ribalta. E então inicia um período
em que os recursos financeiros começam a escassear e, a partir do fechamento do Cine-Teatro
28
Imperial em 1979, passa a ter limitações também para suas apresentações. Em 1979, morre uma
das figuras mais importantes da Escola, Edna Mey Cardoso e em 1981, morre José Medeiros,
um dos sócios fundadores da ETLF. Em 1983, a Escola encerra suas atividades definitivamente.
Porém, somente em 2001, ela é extinta juridicamente.
Ainda que o cenário que havia possibilitado as atividades da ribalta da ETLF tenha
mudado seu curso para outras práticas socioeconômico-culturais e a trama não tenha conhecido
um final feliz, típico de boa parte das representações atuais, seus personagens mantêm vivas, na
memória, as imagens do palco e dos bastidores. Mesmo que (re)configurado, o espetáculo
continua.
CAPÍTULO I
O CENÁRIO: SANTA MARIA
PROCESSO HISTÓRICO E PRÁTICAS CULTURAIS
Santa Maria – desenvolvimento urbano
É solenemente inaugurado o trecho ferroviário Margem do Taquari, atual
General Câmara, a S. Maria, pelo Vice-Presidente em exercício da
Província, Dr. Miguel Rodrigues de Barcelos, com bailes, banquetes,
passeatas, etc. Antes de inaugurada oficialmente, correram trens de carga.
(BELTRÃO, Romeu. 1979, p. 328).
O local no qual ocorre a trama em que desenvolveremos o resgate da trajetória da Escola de
Teatro Leopoldo Fróes, é a cidade de Santa Maria. Localizada no interior do Rio Grande do Sul, esta
cidade fica em uma região limítrofe entre a Serra Geral e a Campanha, e é marcada, até o início da
década de 1980, pelo fato de ser ponto de cruzamento das diversas linhas ferroviárias do Estado.
O que pretendemos neste capítulo é, ao apresentarmos dados sobre a história da cidade e sua
modernização urbana, em consonância com o desenvolvimento na área dos espetáculos, criarmos o
cenário, no qual os amantes da ribalta, os atores da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, encenaram
suas atividades. É nesse espaço de cidade ferroviária e militar, posteriormente universitária, que a
ETLF empreenderá suas ações. Em nossas hipóteses, apresentadas na introdução, destacamos que a
prática artística da ETLF se insere no esforço modernizador de amplos setores da sociedade local: a
tentativa de dar uma dimensão renovada para uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, marcada
pelo resfolegar das locomotivas e cercada pelas atividades tradicionais da pecuária sul-rio-grandense.
30
Comumente, a história do município de Santa Maria é dividida em três períodos: o
primeiro, a fase em que o núcleo urbano está vinculado às atividades militares de fronteira (final
do século XVIII até quase final do século XIX); o segundo, quando se torna centro da malha
ferroviária do Rio Grande do Sul e é alvo de grande modernização urbana (do final do século XIX até
a década de 1950) e o terceiro, quando passa a abrigar a Universidade Federal de Santa Maria, na
década de 1960, e se constitui em um importante pólo educacional do interior do Estado.
Durante todo esse tempo, no entanto, nunca deixou de ser um importante centro militar e até
hoje abriga inúmeros quartéis, mas perdeu, a partir dos anos 60, as características de cidade ferroviária.
Convém esclarecer que o município não vem, portanto, de um posto ferroviário. Suas
origens são militares e remontam a 1797, quando tropas portuguesas andavam pela região
demarcando as fronteiras do Império de Portugal na região. A Comissão de Demarcação armou
seu acampamento no local onde hoje está a Praça Saldanha Marinho, da qual parte a Rua do
Acampamento, e que à época deu origem a um povoado. (BELÉM, 2000).
Santa Maria tornou-se um posto militar avançado e estratégico, próximo à região do
Prata, em relação ao qual a Coroa Portuguesa e, posteriormente, o Império Brasileiro,
desenvolveram políticas expansionistas. Desta maneira, o núcleo urbano estruturou-se a partir
de uma matriz militar e, em 1885, a ferrovia passou a impulsionar o seu crescimento. Santa
Maria foi elevada à categoria de Município em 1858, desligando-se de Cachoeira do Sul, a qual
estava vinculada.(BELÉM, 2000).
Como centro da malha ferroviária rio-grandense, Santa Maria terminou congregando
todas as atividades referentes a esse serviço – era o centro administrativo da empresa
1
– abrigando
uma importante cooperativa de funcionários da ferrovia, considerada como a maior cooperativa
da América Latina. Entre outras coisas, esta cooperativa construiu uma escola masculina e outra
feminina para os filhos dos seus agregados, em prédios suntuosos até hoje existentes. Além
disso, era também em Santa Maria que se encontrava a sede das organizações dos trabalhadores
ferroviários, fazendo da cidade espaço para as atividades trabalhistas e políticas.
2
Os ferroviários
se constituíam em setor da classe trabalhadora extremamente ativa – como costumava acontecer
1
De 1885 até 1920 a companhia se chamava Compangnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil. Após a
encampação da estrada de ferro pelo Governo Borges de Medeiros, surgiu o nome Viação Férrea do Rio Grande
do Sul – VFRGS. Em 1958, quando a Viação Férrea foi incorporada pelo Governo Federal, adquiriu o nome de
Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – RFFSA. (RECHIA, 1999).
2
As referências encontradas em relação à organização dos ferroviários indica que eles não formavam um sindicato,
mas se estabeleciam em associações segundo as atividades profissionais na empresa. A Associação de Máquinas,
por exemplo, era uma das mais fortes e fundamental nas paralisações. (NUNES, 2002. PETERSEN, 2001).
31
com funcionários dos transportes – e suas atividades sindicais deixaram marcas na cidade, até
que foram reprimidos pelos agentes do Regime Militar instaurado a partir de 1964.
A ferrovia, no século XIX, nos países em estágio de desenvolvimento capitalista, auxiliou
a promover a industrialização e a urbanização. Abrigou novas fontes de investimento – o fabrico
de trilhos, locomotivas, acessórios para vagões – e possibilitou a integração de regiões e mercados,
favorecendo o primeiro contato de vários trabalhadores com o sistema de salários. No caso do
Brasil, a ferrovia não fomentou a industrialização. Surgindo na segunda metade do século XIX,
em um contexto de economia agrária, marcada pelo uso do trabalho escravo, a ferrovia promoveu
principalmente o comércio, unindo centros de produção agrícolas a seus mercados.
Coerente com a sistemática de importação de manufaturados, a ferrovia utilizou-se de
material estrangeiro, não estimulando o aparecimento de fábricas no país. Sua expansão, mesmo
assim, foi geradora de transformações.(HOBSBAWM, 1997).
A população santa-mariense sentiu-se marcada pelas atividades da estrada de ferro, que
aqui chegou em 1885.
3
Isto deu origem a uma estação ferroviária, que foi espaço privilegiado na
vida da cidade. Ao seu redor moviam-se condutores de carros, hoteleiros, donos de restaurantes,
comerciantes e donos de cabarés. A cidade abrigou os escritórios centrais da companhia estrangeira
que explorava a estrada de ferro no início do século XX e, desta maneira, uma população de
trabalhadores de alto nível, tais como gerentes-administradores, engenheiros e técnicos em
locomotiva. Para abrigar esta população qualificada, a companhia criou um bairro, até hoje
existente, conhecido como Vila Belga,
4
com perfil arquitetônico característico dos chamados
bairros operários do início do século XX.(BELÉM, 2002).
O passado ferroviário é uma marca expressiva na memória, nas lendas e nas histórias da
população santa-mariense, assim como presença ainda marcante em diversos prédios existentes.
Parte das famílias enraizadas na cidade têm vínculos com a ferrovia, isto é, têm parentes próximos
e/ou distantes que estiveram ligados as suas atividades. E a lenta decadência da Rede Ferroviária
– que deixou de crescer nos anos 50 e, a partir dos anos 80, entrou progressivamente em declínio,
abrindo espaço para a sua privatização nos anos 90 – foi acompanhada pela cidade com certa
3
A vinculação da população com a ferrovia é muito grande e isto fica bem documentado no livro que resgata a história
da Vila Belga a partir de testemunhos orais, organizado pelo Centro de História Oral, da Secretaria de Estado da
Cultura/RGS, chamado Memória cidadã: Vila Belga. O depoimento da Profª Vani Folleto é significativo nesse
aspecto: “Eu sou santa-mariense, criada aqui. Então, eu tenho, na verdade, uma sensação de perda com o que
aconteceu com os trens, porque era a identidade de Santa Maria, a cidade ferroviária.” (NUNES, 2002, p. 33).
4
A Vila Belga ganhou esse nome devido ao fato de que a empresa que explorava a estrada de ferro era de origem
belga.
32
perplexidade melancólica.
O espaço urbano, dedicado a esta atividade – a larga e arborizada avenida Rio Branco,
que termina na estação – acabou perdendo o status de área nobre da cidade e convertendo-se em
território de ruínas. A Viação férrea foi privatizada
5
, mas esta mudança não concretizou as
esperanças do município em reviver a atividade ferroviária como núcleo dinâmico.
Em 1988, o cronista Carlos Reverbel descreveu a situação e os sentimentos provocados
pela decadência da ferrovia:
Com a gradativa marginalização dos trens de passageiros, a estação de
Santa Maria entrou num processo de desumanização galopante, que ten-
de a transformá-la em área fantasmal, povoada de duendes e almas do
outro mundo. Noutras palavras: foi destituída de sua funcionalidade, teve
o seu destino truncado, perdeu a razão de ser e de viver. (Reverbel apud
MARCHIORI & NOAL, 1997, p. 292).
Antes deste quadro, porém, a estação de Santa Maria foi um pólo de vida e crescimento.
A inauguração da via férrea, trecho Cachoeira–Santa Maria, em 1885, foi o marco fundamental
no desenvolvimento da cidade. A facilidade do transporte de pessoas e produtos para a capital e
outras cidades do interior trouxe um afluxo muito grande de pessoas a Santa Maria. Grande
número de pessoas desembarcava na Estação Ferroviária, incentivando a criação de novos hotéis,
restaurantes e casas de comércio, que se tornavam atrativos para os visitantes. Já nos primeiros
anos do impulso ferroviário, Santa Maria elevou seu número de habitantes de três mil para
quinze mil pessoas. (ISAIA, 1993). Com isso, o comércio desenvolveu-se com rapidez, não
apenas o varejista, mas também o atacadista, que fornecia mercadorias para as cidades e vilas
menores.
Sua localização privilegiada, como centro geográfico, qualificou-a como o maior
entroncamento ferroviário do Rio Grande do Sul, passagem obrigatória de passageiros da fronteira
à capital ou do planalto à zona sul. (Figura 1). Consequentemente, atraiu grande número de
estudantes de todo o estado, tanto para escolas públicas como particulares, especificamente,
5
A Rede Ferroviária Federal S A (RFFSA), por meio do Escritório Regional de Porto Alegre organizou o leilão de
parte do patrimônio ferroviário de Santa Maria em um edital de concorrência pública para alienação de patrimônio
em 1997 (Edital nº 001/ERPO/97). Sendo assim, em 1997, a FERROVIA SUL ATLÂNTICA assumiu a
administração das ferrovias da região. Atualmente a malha é administrada por outra empresa, a AMÉRICA
LATINA LOGÍSTICA. (SCHLEE, 1999).
33
para os internatos masculinos e femininos criados na cidade para acolher os filhos das famílias mais
abastadas da região. Em 1905, foram fundados os Colégios Sant’Anna das Irmãs Franciscanas e o
Ginásio Santa Maria dos Irmãos Maristas com esse propósito. (CARDOSO, 1941).
6
6
O estabelecimento de colégios e internatos católicos em Santa Maria fazem parte da ação do padre Caetano
Pagliuca, pároco da catedral entre 1900 e 1937. Dado a força e prestigio dos anticlericais, o padre Caetano,
membro da Sociedade Pia das Missões, estabeleceu uma política de fortalecimento do poder católico na cidade.
(BIASOLI, 2002).
Figura 1: Planta central da cidade de Santa Maria com a
localização de seus espaços privilegiados no início do
século XX: 1. Praça Saldanha Marinho; 2. Theatro Treze
de Maio; 3. Avenida Progresso (atualmente Avenida Rio
Branco); 4. Rua do Acampamento; 5. Estação Ferroviária.
(1902).
Fonte: Acervo particular do arquiteto e urbanista José
Antonio Brenner. (Reprodução do original de Nehrer,
que pertenceu a Romeu Beltrão).
34
Em conseqüência, a estrutura urbana precisou ser melhorada. Até o final do século XIX
ruas foram calçadas. Começou a funcionar a iluminação elétrica, surgiram hotéis, jornais, novas
escolas, clubes e um teatro, o Treze de Maio. Mudanças significativas apontavam para o que
chamaremos de processo de modernização da cidade.
Em 1918, o engenheiro civil Francisco Saturnino de Brito foi contratado pelo intendente
Astrogildo de Azevedo para elaborar um plano de saneamento para Santa Maria. Encontrou
uma cidade com 8.000 imóveis e cerca de 50.000 habitantes, dos quais apenas 18.000 viviam na
zona urbana. (ABREU, 1958).
Dois anos mais tarde, o município foi visitado pelo jornalista Alfredo Cusano, que registrou
uma população de 20.000 pessoas distribuídas em 3.000 casas. Para o jornalista Alfredo Rodrigues
da Costa, citando um recenseamento efetuado em 1920, a cidade contava com 52.777 habitantes,
que ocupavam 8.430 residências, sendo 2.905 urbanas. Se corretos, tais dados – aparentemente
contrastantes – demonstram um crescimento da população urbana e a manutenção de uma média
de 6 habitantes por residência (em 1826, o primeiro recenseamento do distrito de Santa Maria
acusou a existência de 304 prédios e 2.000 habitantes). Para o historiador Antônio Isaia, foi
entre os anos de 1885 a 1905 que a cidade sofreu sua maior e definitiva transformação, saltando
de 3.000 para 15.000 habitantes. (ISAIA, 1983).
No final da década de 1930, a população estimada do município era de 70.000 habitantes,
sendo 40.000 no núcleo urbano. Segundo a seção de classificados do Guia Ilustrado (1938),
Santa Maria era atendida por nove profissionais Architetos Construtores: Luiz Dernardin, Alfredo
Grassi, Izidoro Grassi, Jorge Habberkorn, Olimpio Lozza, Ermenegildo Mussói e os engenheiros
Luiz Bollick, Edgar W. Pinto e Luiz Schimidt. Muitos deles trabalharam para construtoras ou por
conta própria e foram os responsáveis pela construção dos primeiros prédios que indicavam os caminhos
que a arquitetura santa-mariense assumiria, de forma concreta, a partir da década de 1940.
Duas publicações parecem fundamentais quando o objetivo é compreender o
desenvolvimento urbano em Santa Maria: o livro Um momento da vida do município de Santa
Maria, organizado por Edmundo Cardoso, de 1941, comemorando a passagem do terceiro
aniversário do Estado Novo e o Álbum ilustrado comemorativo do 1º centenário da emancipação
política do município, organizado por José Pacheco de Abreu, de 1958.
35
A primeira obra relata os acontecimentos de novembro de 1940, quando a cidade
comemorou as efemérides do Estado Novo e da República. Getúlio Vargas é apresentado como
“autor dos principais inspiradores do nosso povo no transcurso do mais positivo período da
evolução nacional” e o prefeito de Santa Maria, Dr. Antônio Xavier da Rocha, como “o mentor
do progresso de uma comuna padrão e cultor integral das regras norteadoras da nacionalidade.”
(CARDOSO, 1941, p. 23).
O autor, apoiado nos discursos proferidos nos mais diferentes festejos comemorativos,
buscou demonstrar a existência de um espírito progressista, balizador das realizações do município
nos últimos anos da década de 30. Idéia que se materializou na execução de inúmeras obras. Ao
finalizar a obra, Edmundo Cardoso recuperou uma série de artigos publicados no jornal A Razão,
cujo objetivo era comprovar o processo de modernização instalado na cidade desde 1938.
A administração Xavier da Rocha, de 1938 a 1942, deixou marcas significativas na cidade
de Santa Maria. A reorganização da cidade, a partir de uma ampla reforma administrativa, deu
origem à Diretoria de Obras e Viação, ao Arquivo Municipal e ao Horto Municipal, entre outras
repartições. Tal estrutura permitiu a elaboração do Plano de Expansão Racional e Urbanização
da Cidade, pela Diretoria de Obras e Viação do município em 1938 que foi assinado pelo
engenheiro titular da pasta, Floriano Gonçalves Dias. (CARDOSO, 1941).
O Plano contemplou a reorganização e a emancipação do sistema viário municipal,
prevendo, entre outras medidas, a abertura da Avenida Ipiranga/Presidente Vargas (alargada e
prolongada), a remodelação da Avenida Rio Branco (alargada, arborizada e pavimentada), o
nivelamento da Avenida Borges de Medeiros, a canalização do arroio Itaimbé, e a criação da
Avenida Circular – com 5 km de extensão. Definiu ainda, as áreas prioritárias para a construção
de prédios públicos, como o Estádio Municipal, o Abrigo Monumental de ônibus, o Matadouro
Modelo, a Casa do Municipário e as onze novas escolas municipais, todos projetados pelos
técnicos da Prefeitura Municipal.
Baseada nas diretrizes estabelecidas no Plano, a Prefeitura Municipal instituiu a chamada
contribuição de melhoria (Ato 18 de 1938) que consistia em um imposto a ser pago pelos
proprietários, quando seus imóveis fossem valorizados em decorrência da execução de alguma
obra pública. E, de fato, foram abertas cinco grandes avenidas, dezoito ruas e inúmeras praças.
36
Ainda em 1938, um acontecimento marcou a cidade: a realização da Exposição Estadual.
Passados apenas três anos da Exposição Farroupilha, em Porto Alegre, chegara a vez de Santa
Maria mostrar seu grau de progresso e desenvolvimento. A idéia foi reproduzir, em escala local,
o mesmo esplendor dos festejos farroupilhas. Sendo assim, os planos de urbanização do local da
exposição, no antigo Jóquei Clube de Santa Maria, foram encomendados ao arquiteto Christiano
de La Paix Gilbert, o mesmo que executou e fiscalizou a construção dos pavilhões da exposição
de 35, na capital do Estado. Cabendo ainda ao próprio arquiteto, Christiano, projetar o Pórtico
Monumental e o Cassino.
Em 1958, quando se festejou o primeiro centenário de emancipação política do município,
na gestão do prefeito Vidal Castilho Dania, foi publicado o Álbum Ilustrado comemorativo.
Obra menos personalista do que a de 1941, que buscou resgatar os principais momentos da
História municipal, baseada nos relatos do historiador João Belém e pela comparação de imagens
do passado e do presente da cidade: Santa Maria antiga versus Santa Maria Moderna.
7
O Álbum, aos poucos, vai apresentando as obras que caracterizavam a Santa Maria
Moderna: o Posto de Puericultura da LBA, a nova Avenida Rio Branco, o Edifício Taperinha
ainda em construção, os edifícios Mauá e Piraju, a antiga Estação da Viação Férrea, com os
modernos trens a diesel Minuano, a rua Venâncio Aires, com o prédio dos Correios e Telégrafos
e as residências consideradas modernas.
A Santa Maria moderna também estava presente nos espaços destinados à publicidade,
que reproduziam imagens dos edifícios, sedes das principais casas comerciais ou de prestação
de serviços do município: o Hotel Brenner, a Agência Chevrolet, o Imperial Hotel, a Casa Macedo,
o Piraju Hotel, o Novo Hotel Jantzen, o Posto de Serviço Esso Central, a Caixa Econômica
Federal, o Edifício Imembuí com o Banco Agrícola Mercantil, a Fábrica de Mosaicos Ângelo
Bolsson, a Livraria Editora Pallotti, as Casas Eny, as Casas Roth, a Casa Feliz, a Galeria do
Comércio e o Parque Sulbra.
O crescimento populacional das primeiras décadas do século XX foi acompanhado de
um significativo desenvolvimento das atividades econômicas e dos processos de organização
7
João Belém (1874-1935) com Romeu Beltrão (1913-1977) são os historiadores da cidade. Aquele produziu
História Municipal de Santa Maria, publicado em 1933, este outro escreveu Cronologia histórica de Santa
Maria e do extinto município de São Martinho da Serra – 1787-1930, publicado em 1958.
37
social (institucional), repercutindo fortemente na área da construção civil, com desdobramentos
nos anos posteriores.
Tais construções são edificações ecléticas, construídas, na sua maioria, a partir do início
do século XX e caracterizadas pela utilização dos mais variados elementos arquitetônicos,
extraídos de diferentes épocas e regiões, recompostos de diferentes maneiras, dando origem a
obras originais. (SCHLEE, 2001).
Em dezembro de 1960, entretanto, estabeleceu-se em Santa Maria a primeira universidade
federal em uma cidade do interior, a Universidade Federal de Santa Maria, sendo que a Faculdade
Imaculada Conceição já existia desde 1953, uma instituição de ensino superior privada, mantida
pela Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis. Então a cidade ganhou um perfil
de cidade universitária e a dinâmica social e cultural foi se adequando a essa nova realidade.
O objetivo central deste trabalho, todavia, não é a análise do desenvolvimento urbano de
Santa Maria, sua modernização pela via da ferrovia e do sistema de ensino, a universidade
especificamente, passando pelas construções arquitetônicas e as melhorias administrativas. A
demonstração rápida destes aspectos urbanos de Santa Maria, busca somente delimitar o cenário
desta pesquisa, de maneira que se compreenda a trama a ser desevolvida no capítulo seguinte. O
que se pretende, portanto, é apresentar o cenário no qual um grupo de amantes da ribalta vai
desenvolver as suas atividades, a sua trama baseada em personagens, palco e espetáculos.
Entendemos que os integrantes da Escola de Teatro viveram este espírito de renovação
urbana concretizado pela ferrovia, pelas inovações arquitetônicas, pelas melhorias administrativas.
Eles também agiram influenciados pelo setor ilustrado da cidade, que, segundo Edmundo Cardoso,
desde 1877, já realizava “serões dramáticos.” (CARDOSO, 1978, p. 13).
Também partiram da tradição artística dos cabarés – existentes em dimensões expressivas,
devido à posição estratégica da cidade quanto ao aspecto militar e de transporte – cidade de
muitos homens e de trânsito. A agremiação teatral parece ter reunido essas tradições, voltando-
se para a área de espetáculos exibidos para a sociedade de escol, uma das hipóteses já citada na
introdução deste trabalho.
Quanto ao universo das atividades artísticas nos cabarés da cidade, não conseguimos
documentação – apenas breves indícios memoralísticos. A tradição dos bordéis santa-marienses,
38
locais de entretenimento artístico e sexual de viajantes, estancieiros e militares, é algo lendário
na cidade, à espera de um outro pesquisador.
Os cabarés eram espaços de espetáculos musicais e de divertimento artístico inclusive –
eles se encontravam geograficamente próximos às primeiras casas de espetáculos, os teatros
Treze de Maio e Coliseu – e na memória dos integrantes masculinos da ETLF, é um território
sempre referenciado. Um território – o dos cabarés – que proporcionou as primeiras experiências
de deslumbramento diante da encenação, do canto, da vida artística em resumo. As referências
memoralísticas a esta realidade, no entanto, foram sempre escassas e difusas, levando-nos a
concluir que não se tratava de um espaço digno e que a arte devia se dar em um outro contexto:
o da cidade renovada.
Nesse sentido, torna-se necessário acentuar o esforço da sociedade santa-mariense em
criar e manter edificações/salas que tivessem capacidade para apresentar espetáculos, sejam
eles peças teatrais, números de canto ou a nascente sétima arte, o cinema. Salas que propiciassem
à comunidade o acesso à produção teatral ou de companhias de fora, assim como a produção
cinematográfica do país e do mundo.
Santa Maria dos espetáculos: os cine-teatros
Exibe-se na cidade a Companhia Dramática de Carlos Boldrini, trazida
por João Daudt Filho. Como não estava pronto o Theatro Treze de Maio,
os espetáculos são apresentados num barracão de madeira, de proprieda-
de de Antônio Furtado de Mendonça, localizado na praça Tiradentes,
que fica entre a hoje avenida Rio Branco e ruas Vale Machado, Daudt e
Otávio Binato, loteada por volta de 1912. Boldrini, que também é arqui-
teto, encarrega-se da planta do Theatro Treze de Maio. (BELTRÃO,
1979, p. 360).
O mundo dos espetáculos, em Santa Maria, é marcado por duas atividades que se
assemelham e se distanciam quanto ao propósito de proporcionar lazer e/ou cultura. Estamos
falando do teatro e do cinema – aquele produzido artesanalmente, este último em escala industrial.
O teatro, tradicionalmente na sociedade brasileira, foi espaço privilegiado de seus letrados, homens
e mulheres cultos, com intenção de refinamento, mas desenvolveu-se especialmente nas grandes
39
cidades, naquelas em que o êxito econômico possibilitou a criação de casas de espetáculos. Nas
cidades pouco desenvolvidas, o teatro sempre foi uma prática de difícil realização. E, muitas
vezes – devido inclusive ao moralismo predominante – circunscreveu-se ao espaço boêmio,
com intenção de puro entretenimento.
O que pretendemos nesta subunidade do capítulo é apresentar o desenvolvimento dos
espetáculos na cidade, a partir da história de seus teatros e cinemas. Os divertimentos são
introduzidos na vida social santa-mariense e vão sendo administrados de forma amadora e/ou
comercial. O modo como este processo se deu nos indica as realidades e possibilidades da vida
teatral em Santa Maria. É com esta realidade que a ETLF irá dialogar. A Escola tanto se beneficiará
da tradição de espetáculos na cidade quanto sofrerá as limitações desse pequeno circuito artístico.
As limitações do desenvolvimento teatral em Santa Maria, provavelmente se explicam
pela ausência de uma classe dominante próspera como ocorria em Pelotas, capaz de investir em
uma casa de espetáculos e na sua manutenção. Segundo Lothar Hessel, a arte teatral pelotense
prosperou por “força de suas opulentas charqueadas”, especialmente no período do Segundo
Reinado. Em Santa Maria faltou esta opulência no século XIX e também no XX. (HESSEL,
1999, p. 52).
Mesmo assim, foram feitos vários esforços. Segundo Getúlio Schilling, em texto
datilografado em 1943, “um teatro fazia parte do projeto urbanístico” de Santa Maria, desde o
surgimento da cidade. Sua pesquisa sobre o alvorecer da arte teatral na cidade é minuciosa e será
utilizada na produção deste texto. No início do seu trabalho, Schilling aponta que “nem sempre
um edifício construído segundo as exigências da técnica marca a vida teatral numa determinada
sociedade” e este pensamento será assumido no decorrer desta pesquisa: o desenvolvimento da vida
teatral santa-mariense se deu sem uma casa apropriada. A luta pelo desenvolvimento teatral é também
pela concretização de casas de espetáculos dignas desse nome. A ETLF se desenvolverá em palcos
improvisados e encampará o projeto de um teatro próprio. (SCHILLING, 1943, p. 2-10).
8
Schilling coloca que a arte dramática surge primeiramente em palcos improvisados –
8
Getulio Schilling (1896-1959) foi jornalista e escritor, pesquisador que fazia seus livros artesanalmente e os
doava a Edmundo Cardoso. Escreveu textos dramáticos e era um nostálgico da vida teatral santa-mariense do
final do século XIX e do início do XX, quando escutou, maravilhado, os primeiros cantores líricos. Seu texto
expressa certo desprezo diante dos “abacaxis cinematográficos”.
40
teatros de emergência para espetáculos de ocasião – como o barracão de madeira de Antônio
Mendonça Furtado, na praça Tiradentes, identificado na 4ª edição do livro Daudt Filho como
sendo localizado entre “a área hoje delimitada pelas ruas Daudt, Otávio Binato, Vale Machado e
Av. Rio Branco.” (DAUDT, 2003, p. 78), fato também citado por Beltrão. Nesse barracão de madeira
se apresentava a Companhia Dramática de Augusto Boldrini, trazida por João Daudt Filho, um grande
incentivador das artes locais. Segundo suas Memórias, escritas na década de 1930:
Santa Maria não possuía espetáculos, a não ser os dos circos de “cavali-
nhos” que raras vezes apareciam. Era antiga aspiração dos moradores da
cidade a construção de um teatro, mas nunca fora possível realizá-lo.
Houvera antigamente uma sociedade dramática (...). Essa sociedade ad-
quirira um terreno na praça Saldanha Marinho (...). Resolvi concretizar
a velha aspiração. Em primeiro lugar tratei de adquirir a propriedade do
terreno (...). Em 26 de janeiro de 1889, convoquei uma reunião de santa-
marienses, que patrioticamente corresponderam ao meu apelo. Nessa
sessão foram subscritos 20 contos para a construção do teatro. (DAUDT
FILHO, 1946, p. 121-122).
Dessa sociedade dramática a qual Daudt Filho se refere (fundada em 1880, segundo
Schilling), participavam pessoas ilustradas da cidade, entre eles João Thomaz da Silva Brasil, o
organizador do Código de Posturas do Município, e figuras representativas do comércio, entre
outros. Isto nos indica que membros da sociedade de escol, conforme expressão da década de
1940, encantavam-se com projetos artísticos.
Segundo Aristilda Rechia, a primeira companhia lírico-dramática que veio à Santa Maria
foi o Grupo Lírico Italiano da empresa Socal, em agosto de 1888, que se apresentou em palco
improvisado do Clube Caixeiral. Para Aristilda, foi esta companhia que inspirou João Daudt
Filho a construir o Theatro Treze de Maio. Esta atividade artística não era vista como marginal,
mas como uma aspiração digna da sociedade e, provavelmente, como um ornamento que viria
abrilhantá-la. (RECHIA, 1999).
Em 1889, como vimos, João Daudt Filho formou a sociedade que construiu o Treze de
Maio. A assembléia de fundação ocorreu “numa das salas da Câmara Municipal desta cidade de
Santa Maria da Boca do Monte, onde se achava reunida grande parte da população santa-
41
mariense”. (SCHILLING, 1943, p. 27). Provavelmente no final desse ano, a casa de espetáculos
já se encontrasse em funcionamento, pois não se sabe a data exata da sua fundação.
O material utilizado para a construção do teatro é o da antiga capela da cidade (que até
então servira de igreja matriz), mandada destruir por autoridade judicial municipal devido ao
estado precário de conservação e adquirida em leilão público por Daudt Filho.
9
Tal situação faz
com que Getúlio Schilling comente com humor que um templo profano foi construído com
material velho de um templo religioso. O arquiteto responsável pela obra foi Augusto Boldrini,
que também dirigia uma companhia dramática e o construtor, Júlio Weiss.
10
Com base em dados do jornal O Combatente, Schilling (1943) fez um crônica minuciosa
dos espetáculos no novo teatro. Neste atuaram os atores amadores Fructuoso Fontoura, Pedro
Amadeu Weinmann, Artur Marques Oestreich, João Pires da Silva, Ildefonso Brenner, os
professores Granja e Teixeira, D. Júlia e o mais velho dos irmãos Mergener, segundo listagem
do próprio Daudt, que também integrava o grupo. Todos eles dirigidos pelos experimentados
atores profissionais Manoel Nóbrega e a esposa Leopoldina, contratados para tal. Segundo Daudt,
Nóbrega “gozava intensamente a alegria de viver na pacata cidadezinha, que (...) agitava em
permanentes diversões no Teatro 13 de Maio.” Logo o teatro profissional foi incentivado a vir fazer
apresentações na cidade. (DAUDT FILHO, 1946, p. 127).
No jornal O Combatente, fizeram-se elogios aos esforços dos atores amadores do Treze
de Maio e foi criticado por isto. Schilling reproduz a defesa do jornal, com relação ao seu apoio
aos amantes da ribalta, publicada em 1892, o que indica ao mesmo tempo seu endosso ao papel
civilizador da arte dramática:
Não se lembram os nossos censores que só o intuito para que trabalham
– o de doar a nossa cidade um teatro, de chamar o povo a freqüentá-lo,
de colocar esta cidade, tanto quanto possível, na altura da nossa civiliza-
ção – só esse intuito, dissemos, não se lembram de que vale uma epo-
péia? (SCHILLING, 1943, p.4)
9
A condenação da capela de Santa Maria, em 1888, por ordem judicial, se inscreve dentro de um quadro de
disputa entre a igreja católica e os anticlericais da cidade. Segundo relatório do Pe. Caetano Pagliuca, a freqüência
à igreja e a prática dos sacramentos é pequena neste período, devido à “perseguição feroz movida pela maçonaria,
em conivência com a autoridade municipal” (Livro Tombo da Catedral de Santa Maria – 1889 a 1914, p. 85-87).
10
João Daudt Filho, em seu livro Memórias, chama o arquiteto do teatro de Carlos e não de Augusto (p. 122).
Beltrão e Schilling o corrigem a partir de suas pesquisas. Schilling comenta que no Almanaque Municipal de
1889 está Augusto Boldrini e que Daudt Filho, que escreveu seu livro na década de 1930, sem consultar
documentos, provavelmente se enganou.
42
Na década de 1890, o Theatro Treze de Maio foi o pivô, na expressão de Schilling, em
torno do qual “gira a vida cultural santa-mariense”(1943, p.4). Um breve apanhado dos espetáculos
oferecidos proporcionam uma síntese do que foi esta cultura. Em 23 de janeiro de 1892 ocorre
um concerto de violino e, logo após, um baile que se estende até às três horas da madrugada. Em
28 de fevereiro do mesmo ano foi encenado Um marido nas palminhas e um espectador
entusiasmado não se conteve recitou um poema, relativo ao tema da peça, durante a apresentação.
(p. 9).
Nesta mesma noite, o teatro estava ornamentado com os escudos das sociedades locais:
Sociedade Nova Aurora, Clube Caixeiral e Clube dos Atiradores. Em 6 de março, estreou uma
companhia infantil com atores de ambos os sexos na faixa dos 12 anos. Após o espetáculo, a
jovem atriz principal foi conduzida com banda de música e fogos de artifício até o Hotel do
Comércio, onde lhe foi oferecida mesa de doces e onde três oradores recitaram poemas.
A vida cultural era constituída de espetáculos de entretenimento, bailes e mundanidade,
como se vê. Apontamos, portanto, que por muito tempo, o espaço teatral será principalmente
este. A sublime arte é meramente a do espetáculo e do encontro refinado. A ETLF foi uma
continuidade desta tradição, aprimorando-a e buscando uma ruptura com ela. Seus espetáculos
também enfatizarão a dimensão do entretenimento, mas isto será motivo de conflito no interior
da agremiação e, especialmente a partir de 1950, a Escola procurará montar peças
descomprometidas com o riso fácil e também apostará em aprimoramento da linguagem cênica.
O teatro, no entanto, foi, por muito tempo – antes do aparecimento do cinema –, o único
tipo de diversão existente. Não havia sequer os esportes para ocupar a população nas horas de
lazer. Além dessa função de entretenimento, o espaço criado pelos espetáculos teatrais era também
uma espécie de passarela para a sociedade se exibir.
Lothar Hessel em seu estudo sobre teatro rio-grandense aponta, no entanto, que o espaço
da ribalta era essencialmente masculino: “no início do século [XX] os papéis femininos eram
confiados a homens travestidos; depois, a prostitutas de alta categoria que estagiavam na cidade
e, finalmente, a moças da sociedade.” (1999, p. 127).
No crônica de Getúlio Schilling podemos dizer que o teatro é idealizado. É uma arte e
43
um espaço de sociabilidade admirável e elevado. Schilling comenta com pesar que,
freqüentemente, faltava público e os espetáculos não se realizavam. Por vezes, no entanto, havia
empolgação por parte da população e os atores eram presenteados, como foi o caso da atriz
Leopoldina, da peça O Conde de Monte Cristo, em dezembro de 1892, que recebeu do Clube
Caixeiral “uma pulseira de ouro cravejada de pedras preciosas.” (p. 7).
Nessa época, o Theatro Treze de Maio era mantido pela Sociedade Indenizadora que se
propunha a apresentar um espetáculo mensal. Daudt Filho deixou a direção em 1892 e o diretor
passou a ser escolhido pela sociedade mantenedora – isto até 1913, quando o prédio foi comprado
pela Intendência Municipal, deixando de funcionar como teatro.
Além de peças e apresentações de canto, o prédio também era cedido para festas de
clubes, como a quermesse e baile do Clube Caixeiral, em 28 de março de 1893.
A Revolução de 1893 não chegou a abalar a dinâmica do Treze de Maio. Nesse ano, a
Companhia de Zarzuelas
11
de Manoel Ponte se destacou na programação e seu diretor e ator
principal foi homenageado com um soneto, publicado no jornal O Combatente. Reproduzimos
alguns versos do poema, transcrito por Schilling, pois entendemos que ele é representativo do
entusiasmo que esta arte proporcionava:
“Artista!, mal que surges no proscênio, / Recebes calorosas ovações! / (...) / Podes mais
do que os reis; pois rindo, ledo, / Tu fazes quem te escuta, venturoso, / E de tornar o povo
descuidoso, / Tu descobriste o mágico segredo.” (1943, p. 10).
Em 1896, o Treze de Maio apresentou espetáculos de cachorros amestrados e de crianças
ginastas. Getulio Schilling comenta que o público contesta esta “profanação à arte pura” (1943,
p. 12), o que nos parece estranho, pois entendemos que isto não devia desagradar à maioria dos
freqüentadores. No mesmo ano, o jornal O Combatente lamentou a falta de público aos espetáculos
da Companhia de Eduardo Marin, que apresentava “bons dramas, chistosas comédias e bonitas
zarzuelas.” (p. 13).
Em setembro de 1900, o ator Manoel Ponte voltou a Santa Maria e encontrou duas
novidades: a luz elétrica e a primeira livraria na cidade. Esta forma de cronicar a vida teatral da
11
“A zarzulea é uma peça teatral tipicamente espanhola de tom burlesco ou irônico, cuja declamação alterna-se
com músicas e cantos nacionais. Durante o século XVII constituía-se no espetáculo lírico predileto dos espanhóis,
não só na Corte como em todo o país.” (BITTENCOURT, 2001, p. 219).
44
cidade, apontando conjuntamente as modernidades e os espetáculos, permeia o texto de Schilling
e também se reproduzirá nos textos e falas de Edmundo Cardoso, assim como nos de diversos
atores da ETLF. Acentuamos isto porque também entendemos que o investimento no mundo
teatral, realizados pelos nossos personagens, é um esforço pela modernização e, porque não
dizer – dado o contexto da civilização pastoril em que o interior do Rio Grande do Sul se
encontrava – também um empenho civilizatório.
A luz elétrica, ao mesmo tempo em que proporcionou uma melhor iluminação ao teatro,
eliminando os lampiões a querosene, também possibilitou o surgimento de novas diversões: o
cinematógrafo e o fonógrafo. A partir daí, vamos assistir o campo do teatro ser disputado pelos
“abacaxis cinematográficos”, como se refere Schilling (p. 7). O cinema será, com o passar do
tempo, um sério concorrente. Teatro e cinema serão duas artes a disputar a preferência do público.
No texto referido de Schilling há um claro desprezo em relação ao cinema e aos interesses da
platéia santa-mariense da década de 1940. Schilling fala mal dos filmes exibidos e diz que o
público está “ávido por notícias futebolísticas e quejandos” e não se interessará por sua crônica
do mundo teatral, a “sublime arte” (p.8).
Esta tensão entre teatro e cinema, hoje superada, será uma idéia que ajudará a construir
nossa explanação sobre o desenvolvimento dos espetáculos em Santa Maria.
Podemos dizer que o cinema foi trazido para Santa Maria por um diretor de companhia
de teatro que conheceu a nova arte em Buenos Aires, segundo o crítico de cinema Jair Alan e o
diretor de cinema Sérgio Assis Brasil (1980). A maravilha do século foi como se anunciou a
estréia do primeiro filme em Santa Maria, que foi assistido por platéia muito curiosa.
Para Romeu Beltrão (1979), esta primeira exibição ocorreu no dia 17 de fevereiro de
1898, pela Companhia de Variedades do Teatro Lucinda, dirigida por Germano Alves. Depois
disso, o cinema seguiu um curso normal. A princípio os filmes chegavam por meio de mascates.
Eram viajantes que traziam os filmes encomendados pela cidade e os exibiam em salas
improvisadas. Convém lembrar de que o cinema era um divertimento recente. Os irmãos Louis
e Auguste Lumière haviam realizado a primeira sessão pública no dia 28 de dezembro de 1895,
em Paris. No dia 8 de julho de 1896, no Rio de Janeiro, ocorria a primeira sessão em terras
brasileiras. No mesmo ano, no dia 8 de novembro, acontecia a primeira exibição em Porto Alegre,
45
no prédio número 349 da Rua da Praia.(BECKER, 1996, p. 7). Pouco tempo depois os santa-
marienses ilustrados já tinham acesso ao modernismo.
Schilling também aponta o fonógrafo como outra novidade que chegou a cidade. Em
1898, em uma sala do Hotel Leon, na rua do Comércio, um fonógrafo foi apresentado ao público.
Ainda segundo Schilling, o programa cinematográfico O Panorama Ilustrado, apresentado
no Treze de Maio em 3 de março de 1900, era noticiado pelo jornal O Estado da seguinte
maneira: “uma magnífica coleção de excelentes vistas, obtidas pela fotografia instantânea, de
cidades, vilas, acontecimentos históricos.” (p. 13). Em abril de 1901, foi a vez do Cinematógrafo
Americano Edison, cuja “função” constava de “24 vistas escolhidas”, acompanhadas pelo
“Phonógrafo Lloret que executará em 3 tempos 12 peças”. No mesmo ano o Cinematógrafo
Lumière também foi apresentado no Treze de Maio. (p. 17).
Fator que contribuiu para este privilégio de Santa Maria, como já foi dito, foi o da cidade
ter sido a segunda no Rio Grande do Sul a possuir luz elétrica, no ano de 1897 (BELTRÃO,
1979). Isto facilitava o comércio cinematográfico e provocava a vinda de muita gente de fora,
pois, além do cinema, a cidade ainda proporcionava outras diversões. Aliás, Santa Maria tornou-
se conhecida pela sua intensa atividade boêmia, decorrência, em grande parte, do fato de ser um
importante ponto de parada de trens, os quais – no início – não costumavam viajar à noite. Esta
parada obrigatória de passageiros incrementou a vida da cidade, tanto os hotéis quanto as casas
de espetáculos, os cabarés inclusive.
12
Em 1904, chegou a cidade a primeira companhia realmente de canto lírico, segundo
Schilling. Trata-se da Companhia do tenor Mário Roberto que cantou três óperas, O Trovador,
Tosca e La Bohème, e não operetas como apresentavam as chamadas “companhias líricas” que
já tinham passado pela cidade. As óperas eram apresentadas numa única noite, o que nos leva a
deduzir que se tratavam de apenas algumas árias e não de peças inteiras. Em 1905, a Companhia
Dramática João Caetano ficou em cartaz de 25 de fevereiro a 5 de abril. (SCHILLING, 1943, p. 21).
No ano de 1905, foi criada a Sociedade Dramática José de Alencar, que estreou com o
drama A escrava Andréa ou o pirata Antônio. Por esta época, no entanto, o Treze de Maio foi
12
A data que marca o início da chamada civilização ferroviária em Santa Maria é 1885, quando é inaugurada a
linha férrea que vem de General Câmara. (BELTRÃO, 1979) Mais tarde a linha chega a Uruguaiana e Santa
Maria torna-se a parada obrigatória dos trens que fazem o roteiro Porto Alegre – Uruguaiana. Em 1898, a
Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil ganha a concessão à exploração dessa estrada. Em 1905,
ela passa a controlar todas as estrada do Rio Grande do Sul e torna Santa Maria a sede de seu escritório central.
(KLIEMANN, 1977.)
46
arrendado por Affonso Farias do Nascimento com o propósito de explorar o cinema de forma
mais constante, mas ainda ocorreram “algumas noitadas empolgantes, de arte pura”. Atores
profissionais se apresentaram – das companhias de operetas Città di Roma e Città de Milano –
assim como grupos de amadores. (SCHILLING, 1943, p.21).
Todavia, por esta época o cinema invadia o teatro e deixava a arte teatral em segundo
plano: “Aos primeiros embates, o teatro já foi cedendo terreno, e o cinema, aparelhado de bilhões de
dólares [sic], lançou os seus tentáculos de polvo sobre os cinco oceanos. As fitas de celulóide fizeram
a volta do planeta, enrolando o mundo no seu tapete mágico...” (SCHILLING, 1943, p. 19).
O negócio cinematográfico se desenvolvia muito e houve a necessidade de construir
nova casa para exibição de filmes. No dia 30 de dezembro de 1911, foi inaugurado o Coliseu
Santamariense, mais conhecido como Cine Coliseu, na rua Ângelo Uglione, esquina Riachuelo.
(Figura 2). Segundo depoimento de Edmundo CARDOSO (2002), o prédio era:
todo de madeira, tinha uma acústica maravilhosa (...) O Coliseu teve
dois proprietários: João Martins Peixoto e seu irmão Carlos Martins Pei-
xoto. Este último o vendeu na década de 40 ao empresário Charles Sturgis,
norte-americano que permaneceu no Brasil mais de quarenta anos. Este
por sua vez ao Consórcio Cupelo, cujo gerente local, o falecido Jorge
Abelin, fez demolir o Coliseu para no terreno construir o Cinema Glória,
um cinema sem palco (...). Foi com o cinema Teatro Coliseu (...) que o
cinema teve, em Santa Maria, uma efetiva exploração comercial, com
lucros sensíveis para o empresário e para o público também.
Figura 2: Interior do Cine-Teatro Coliseu Santamariense.
Fonte: Acervo particular EC.
47
O Theatro Treze de Maio ficou preterido pelo Cine-Teatro Coliseu, pois este era mais
adequado e, assim, “houve quem o explorasse como cinema, desfrutando da sua posição
privilegiada defronte à Praça Saldanha Marinho. Mas não deu certo e durou pouco” (CARDOSO,
2002), ou seja, até a construção do Cine Independência. Em 1915 ou 16 (Schilling não tem
certeza quanto à data), o prédio do Treze de Maio foi arrendado pela Intendência Municipal e se
tornou sede do jornal Diário do Interior até 1939.
Com relação ao Coliseu, na década de 1910, Schilling afirma que era a única casa de
diversões e “extravasava espectadores” aos domingos. “Era preciso ir-se uma hora antes da
função”, ele afirma, “para se achar lugar. E com as laterais repletas do belo sexo, ali se iniciou
muito romance que foi terminar no altar ou na polícia...” (1943, p. 24).
Apesar do Coliseu privilegiar as sessões de cinema, o espetáculo teatral ainda ocupava
parte da sua programação. Em outubro de 1916, devido à Grande Guerra na Europa, a Companhia
Lírica Róttolbi e Billoro chegou a Santa Maria e se apresentou nesta casa. Devido à Primeira
Guerra Mundial, a companhia via-se impossibilitada de voltar para Europa e realizava uma
turnê pelo interior do Brasil. Somente por esta razão, um grupo de cantores líricos desse porte se
aventurou até Santa Maria. Era a segunda companhia lírica a chegar a cidade. A primeira fora
em 1904, conforme já registramos. (SCHILLING, 1943).
O circuito artístico santa-mariense não comportava espetáculos operísticos, segundo Schilling.
Ele comenta a qualidade da soprano, Adelina Agostinelli, do tenor, Ettore Bergamaschi, e afirma que
dois anos depois, quando assistiu a Caruso no Rio, não achou que este cantasse melhor que
Bergamaschi. A companhia apresentou trechos de O Trovador, Tosca, La Bohème, Pagliacci e a
Cavalaria Rusticana (numa mesma sessão, ao que tudo indica) e que isto era excepcional.
Deste modo, Schilling nos sinaliza que as afirmativas do tipo “grandes companhias líricas
passavam por Santa Maria” não correspondem à verdade. O mercado das artes em Santa Maria,
era limitado.
É nesse contexto de diminuição do campo teatral, no entanto, que começou a aparecer a
produção de João Belém. Schilling afirma que suas revistas Filhos de Momo e O Peixão, “os
primeiros frutos indígenas [santa-marienses] da arte [teatral]”, foram apresentados com “ruidoso
êxito” no Treze de Maio. (p. 22). Já Cardoso relaciona as encenações de Belém ao Coliseu e à
década de 1910. De qualquer forma, Belém foi o primeiro teatrólogo da cidade e marcou uma
tradição que se enraizou, mesmo com escassez de público, de casas de espetáculo e com produção
48
semiprofissional.
Edmundo Cardoso, em nota biográfica para o livro de João Belém, História do Município
de Santa Maria (2000), afirma que o autor escreveu e encenou quase uma vintena de comédias
musicais e revistas em Santa Maria, assim como dramas e operetas.
13
A maioria dos textos estão
perdidos, restando apenas as operetas A professorinha e Comédias da vida e o drama Corações
gaúchos. Belém se tornou uma referência na vida artística de Santa Maria e em torno dele se
constituiu uma vida teatral apreciável, especialmente na década de 1930, com Lamartine Souza,
Fernando do Ó e Rubem Belém, filho de João Belém.
Posteriormente foi inaugurado o Cine Independência, na Praça Saldanha Marinho, em
1922, e o Cine-Teatro Imperial (Figura 3), na Rua Dr. Bozano, em 1935. Antes destes houve o
salão Seyffarth, adaptado exclusivamente para ser o primeiro cinema da cidade. Depois a sala
serviria de sede do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e, mais tarde, do Movimento Democrático
Brasileiro (MDB).
13
Belém nasceu em Porto Alegre, 1874, e veio para Santa Maria em 1901 para trabalhar nos escritórios da estrada
de ferro. Ambientou-se à cidade, casou, teve seis filhos, tornou-se funcionário público municipal, descobriu os
encantos da vida teatral, foi professor, colaborou na imprensa, escreveu poemas e peças teatrais, assim como a
primeira obra historiográfica municipal. Neste livro produziu uma verdadeira peça em seus contemporâneos.
Parafraseou o “Conto indígena de Imembuí”, de Cezimbra Jacques, publicado em 1912, e o apresentou como
origem lendária da cidade. Sobre este assunto ver FONSECA, Orlando e QUEVEDO, Júlio. João Cezimbra
Jacques: passado & presente. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2000; e MARCHIORI, José e NOAL FILHO,
Valter. Santa Maria: relatos e impressões de viagem. Santa Maria: Editoraufsm, 1999.
Figura 3: Palco do Cine-Teatro Imperial.
Fonte: Acervo particular EC.
49
No depoimento de Edmundo CARDOSO (2002),
o cinema, em Santa Maria, começou a ser explorado comercialmente
como diversão básica do povo, na primeira década do século. Em 1908,
começa a funcionar, na Avenida Rio Branco, no edifício onde esteve a
Cervejaria Continental (...) o Cinematógrafo Seyfarth, que teve pouca
duração. Todavia, era o cinema explorado comercialmente, ainda que
de forma empírica. Os proprietários eram pessoas da própria indústria
de cervejaria, os Seyffarth, que entenderam de diversificar suas aplica-
ções de capital. Além do mais, era o cinema uma tremenda novidade que
forçosamente tinha de dar dinheiro.
Também nos anos 20, Frederico Scherechvski percorria o interior com um aparelho de
cinema de 35 mm, mudo, para exibições em lugares distantes, pequenos redutos populacionais
onde não havia casas de espetáculos. Atuava em salões de clubes, de igrejas ou em residências
particulares que propiciassem montar a tela e seu projetor.
Ainda nos anos 20, Luiz Medina inaugurou a confeitaria Ponto Chique na rua Dr. Bozano,
onde também exibia filmes, esporadicamente, em uma sala anexa. Na Avenida Rio Branco foi
criado um bar-cinema, ao ar livre, chamado Cine Universal, conhecido reduto de boêmios, que
funcionou até o início da década de 30. Esta sistemática pareceu funcionar por algum tempo de
forma peculiar à época:
No bar o homem botou um aparelho de projeção de 9,5 mm, que proje-
tava filmes mudos (...). O cineminha era praticamente gratuito, apenas
exigia qualquer consumação. As exibições de filmes duravam todas as
noites das 20 à 24h00. (CARDOSO, 2002).
O apogeu do cinema aconteceu nos anos 30, notadamente entre 1938-39, quando a cidade
teve quatro salas com projeções diárias. Eram os cinemas Coliseu, Independência, Imperial e
Odeon. Este último funcionava na atual biblioteca do Clube Caixeiral.
A empresa Varella, de Livramento, montou, na ala térrea do Caixeiral, o
Cinema Odeon (...) com poltronas estofadas e possuidor de uma notável
projeção. Em 1938 tínhamos, pois, quatro cinemas funcionando a todo va-
por em Santa Maria, com duas sessões noturnas diárias.
(CARDOSO, 2002).
50
Nesse período tais salas contabilizavam 16 sessões aos domingos. Além das sessões
noturnas, duas vespertinas: uma infantil, às 14h e outra para adolescentes, às 16h. Os fabulosos
filmes da década de 30 passavam à noite. Eram grandes produções que foram se modificando ao
longo do tempo. Um dos motivos desta programação variada era conseqüência da competição
de quatro empresas distribuidoras, cada uma responsável por um cinema. Isto fez com que
Santa Maria se tornasse um centro lançador de filmes, como Porto Alegre. Segundo Edmundo
Cardoso (2002), o Cine-Teatro Independência,
foi construído para ser essencialmente um cinema, mas como de uso na
época, foi-lhe acrescentado um razoável palco, com porão, camarins e
varandas. Em 1938, Corrêa Pinto [empresário Joaquim Corrêa Pinto]
fez algumas modificações, aumentou o palco, diminuindo, em
conseqüência, a área da platéia. Posteriormente, o cinema sofreu mais
duas reformas, sendo que a última tirou do palco as características
essenciais, deixando apenas uma área fronteira à tela de projeção
cinematográfica onde podem se realizar espetáculos musicais. (...)
Todavia, no passado, quando teve palco adequado, o Independência
abrigou notáveis espetáculos de teatro de comédia, dramático, magia,
revistas e variedades. Ali, em fins da década de 30 se exibiu o maior
mágico e prestigiador de todos os tempos, o famoso Cantarelli, que
deslumbrou a todos com o seu ilusionismo. Grandes companhias de teatro
de revista, operetas, comédia, circenses e outras tiveram grandes
momentos no Teatro-Independência.
Até 1932, os espectadores tinham de se conformar com uma sessão cinematográfica
com intervalos de dez em dez minutos. Os cinemas contavam com um único projetor. A partir
daí, o Cine Independência sofreu uma remodelação e apresentou pela primeira vez o sistema
Vitafone, que consistia da exibição do filme com um som produzido por disco. Este sistema
tinha alguns incômodos. Muitas vezes não havia sincronização do som com a imagem e, não
raro, a cena de um beijo coincidia com o estampido de uma arma ou o barulho de uma bofetada.
Quando o tiro saía da carabina do faroeste, o som vinha antes ou depois (...)
e no fundo a gente se divertia com o som das batalhas vindo muitos segun-
dos depois da imagem descrevê-las visualmente. (CARDOSO, 2002).
51
Além disso, havia o problema das fitas que rebentavam, o que ajudava a criar uma maior
confusão. Também havia outros cortes, quando cenas eram por demais ousadas para a moral
rígida da época.
14
Nesta época, os filmes eram de acetado, altamente inflamável. Logo depois da inauguração
do Independência, houve um incêndio na cabine de projeção. Nos anos 50, houve outro incêndio
no Cine Imperial, durante uma matiné. A sala estava completamente lotada de crianças e um
incêndio começou no porão, depois tomando conta do palco.
Em 1934 foi inaugurado o sistema Movietone. Era o cinema com banda sonora. O Coliseu
estreou o novo sistema com o filme Alô Alô Carnaval, com Carmem Miranda, o primeiro filme
brasileiro a atrair um grande público para as salas de projeções. Em seu acervo, Edmundo Cardoso
ainda guarda alguns discos que acompanhavam os filmes no antigo sistema Vitafone, além de
um farto material sobre películas realizadas em Santa Maria.
E foi com este sistema [vitafone] que vimos ali, em 1935, ao filme naci-
onal Alô Alô Carnaval, que foi a primeira vez em que a gente pôde assis-
tir a um filme brasileiro sofrível em termos de som e de imagem. (CAR-
DOSO, 2002).
Interessante assinalar que, justo neste momento de expansão dos espetáculos
cinematográficos na cidade, constatamos também uma certa maturidade da vida teatral santa-
mariense. Afinal, são da década de 1930 os grandes sucessos de João Belém. Também nesses
anos Lamartine Souza, coordenando grupo de amadores do Avenida Tênis Clube, apresentou
Barafunda (peça de sua autoria) no Cine-Teatro Independência com boa acolhida do público.
Já Rubem Belém, coordenando o Grupo João Belém, encenou espetáculos de teatro de revista
no Independência. Em 1938, por exemplo, com Na Boca do Monte, realizou o número inédito
de nove apresentações, com um público total estimado em mais de dez mil pessoas, segundo
informações entusiásticas de Edmundo Cardoso (que participou da peça). (CARDOSO,
14
Como exemplo desses procedimentos informais de censura, temos o caso do Irmão Ademar da Rocha, que
exibia filmes na região da Quarta Colônia (a 40 km de Santa Maria) e cortava ou tapava as cenas consideradas
ousadas (mulheres com os braços de fora). Curiosamente este mesmo procedimento de censura é apresentado
em um filme de Giuseppe Tornatore, Cinema Paradiso (Itália, 1989), onde o personagem que operava o projetor,
orientado pelo padre, cortava as cenas de beijo prolongadas.
52
1978).
O Coliseu também abria espaço para espetáculos teatrais e nele foi apresentada a opereta
A casa das três meninas, com orquestra regida pelo maestro Garibaldi Poggetti. Em 1938,
Fernando do Ó encenava A Aposta e, em 1940, Rubem Belém apresentava sua comédia Nara,
com cenários de papel pintado. (CARDOSO, 1978).
Independente do caráter amadorístico da maioria dessas produções, podemos afirmar
que se tratava de um número não-desprezível de grupos e espetáculos movimentando a vida
cultural da cidade. O cinema podia encantar as multidões, sua exibição era (e ainda é) muito
mais acessível que o teatro (devido ao seu caráter industrial), mas nem por isto os letrados de
Santa Maria deixavam de encenar eles próprios, de emprestar corpo e voz para encenações de
dramas, comédias ou operetas.
Queremos dizer com isto que a ETLF, quando surgiu no início da década de 1940, estava
no rastro de uma tradição que já se encontrava razoavelmente consolidada, vivendo as suas
dificuldades e tensões próprias de um momento de expansão das formas de cultura e
entretenimento de massas. A dinâmica da criação e funcionamento da ETLF, no entanto, será
vista com maiores detalhes no próximo capítulo. Aqui, pretendemos apenas apresentar o contexto
urbano e cultural no qual a ETLF se inseriu.
Desse modo, na entrada da década de 1940, quando
a situação mundial era de conflito
bélico, o cinema também sofreu as conseqüências. Santa Maria ficou com apenas duas salas – o
Imperial e o Independência. O Odeon fechou e o Coliseu foi demolido.
Nos anos 50 surgiu o Cine Glória, onde antes havia o Coliseu, surpreendendo a todos por
sua beleza interna. Em contrapartida, começava a decadência do Cine Imperial, que jamais
sofrera reformas, o que aconteceu por duas vezes no Independência nos anos 50, edificação que
possuía uma fachada condizente com uma sala de diversão, com vários adornos, florões e vasos.
Quando sofreu uma reforma geral, sua fachada foi totalmente modificada, ficando inexpressiva.
15
Em 1961, revelando uma visão ampla das atividades artísticas, Edmundo Cardoso trouxe
15
O Cine Independência fechou em 1995 e logo após passou a abrigar um templo evangélico. O prédio sofreu
reforma e hoje apresenta uma arquitetura de estética duvidosa.
53
para a cidade um grupo interessado em realizar um filme. Era o produtor Paulo Amaral e o
diretor de cinema Sanin Cherques, do Rio de Janeiro. A produtora carioca Lupa Filmes Ltda
estava interessada em produzir uma película no estilo faroeste e os contatos iniciais foram
feitos por correspondência com EC. O cenário rio-grandense foi escolhido e Edmundo Cardoso
viabilizou apoio institucional da Brigada Militar, assim como disponibilizou alguns atores da
ETLF. (CORRÊA, 2002).
O título do filme era Os Abas Largas e referia-se ao 1º Regimento de Polícia Rural Montada
da Brigada Milita, cujos soldados eram conhecidos como abas largas devido ao tamanho de seus
chapéus. O enredo era de um típico faroeste: ladrões de gado versus fazendeiros e polícia rural. Havia
galã e mocinha (par romântico) assim como vilões que, obviamente, foram presos. (Figura 4).
Provavelmente este tenha sido o primeiro faroeste da cinematografia brasileira. Contou
com apoio da Brigada Militar, de atores locais e mobilizou a cidade. Uma das seqüências finais
foi um desfile de policiais e, para isto, a própria Brigada desfilou nas ruas da cidade, com a
população nas calçadas servindo como figurantes e a voz de Edmundo Cardoso, com um
Figura 4: Cartaz de divulgação do
filme Os abas largas (1961).
Fonte: Acervo particular EC.
54
megafone, ajudando a coordenar o movimento da cena.
As opiniões a respeito do filme, do ponto de vista artístico, não são elogiáveis,
mas – inegavelmente – consistiu em uma produção significativa para a cidade e seus
atores, que aspiravam a uma sintonia mais fina com a modernidade dos espetáculos.
(CORRÊA, 2002).
Edmundo Cardoso sempre se referiu de forma elogiosa à película dizendo que a mesma
estreou em 1963, em Santa Maria e que, durante toda a temporada, as filas foram intermináveis
e as salas ficaram lotadas. Adelmo Simas Genro (2002), em depoimento informal, disse, no
entanto, que o filme era ruim e todos comentavam isto na cidade, desestimulando possíveis
espectadores. Para nós, porém, importa constatar o esforço pela dinamização das atividades
artísticas que, inegavelmente, EC conseguiu desencadear na cidade.
Em 1951 Edmundo Cardoso fundou na cidade, com Luiz G. Schleininger, o Clube de
Cinema, entidade amadorística que durou até 1962, funcionando durante dez anos regularmente,
todas as segundas-feiras, no Centro Cultural, apenas para os convidados e associados:
O Clube do Cinema era entidade puramente cultural e amadorística, mas
mesmo assim foi duramente combatida pelo gerente dos cines locais
que, erradamente, via no clube um concorrente comercial. Funcionava o
clube com aparelho de 16 mm, 9,5mm e 8mm. (CARDOSO, 2002).
Os Cineclubes surgiram na França nos anos 20 e, desde lá, muito contribuíram para que
as pessoas soubessem mais sobre a sétima arte. No Brasil, o primeiro cineclube surgiu no Rio de
Janeiro em 1928, e se chamou Chaplin Club. Na época, os freqüentadores do Chaplin Club
chegaram a se dividir entre os admiradores do cinema mudo e do cinema sonoro.
16
Em 1940, foi
fundado o Clube do Cinema de São Paulo, que trouxe para o nosso país algumas filmografias
que não eram distribuídas comercialmente aqui. Em 1948, surgiu o Clube do Cinema de Porto
16
Os consumidores de espetáculos sempre gostaram de criar polêmica em torno de suas preferências, como esta
entre o cinema mudo e o falado. Nos tempos do romantismo, Castro Alves e Tobias Barreto se digladiaram em
torno de duas artistas de uma mesma companhia no teatro Santa Isabel, em Recife. Na década de 1950, Carlos
Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes sustentaram divertida divergência, no jornal, em torno de suas
atrizes preferidas – Greta Garbo e Marlene Drietrich, respectivamente. Sobre esta divergência, Manuel Bandeira
tem crônica exemplar em Andorinha, Andorinha (Rio de Janeiro: José Olympio, 1966. p. 144) comentando o
que cada um dos poetas projetava em suas “musas”.
55
Alegre e nos anos 50 várias cidades do interior do Rio Grande do Sul tinham seu cineclube.
(CASSOL, 1995).
Em 1978, dois paulistas, estudantes da UFSM
17
, com experiência em cineclubes operários
em São Paulo e bom trânsito entre as distribuidoras de filmes alternativos, facilitaram a
implementação do projeto do Cineclube Lanterninha Aurélio, ligado à CESMA
18
. O nome
escolhido para tal cineclube foi uma homenagem ao lanterninha que então trabalhava no Cine
Imperial, à Rua Dr. Bozano. O equipamento necessário (projetor na bitola 16mm) para viabilizar
a idéia, foi conseguido sob empréstimo, na Pró-Reitoria de Extensão da UFSM. Para Luiz
Geraldo Cervi (2002),
19
A relação da CESMA com o movimento cineclubista foi apenas uma
feliz coincidência, pois ambos foram criados no mesmo ano, impelidos
pelas mesmas condições políticas e por estudantes que desejavam mu-
dar a realidade em que viviam, servindo um para divulgar o trabalho do
outro. O Cineclube Lanterninha Aurélio foi criado durante o período do
regime militar, com o objetivo específico de promover o debate político
da realidade brasileira, tanto na Universidade como nos bairros e vilas
de Santa Maria. Todos os filmes que o Cineclube trouxe para a cidade -
antes do avento do vídeo - foram apresentados nos anfiteatros do Campus
Universitário, DCE e vilas, em promoção conjunta com associações de
bairros e sindicatos, possibilitando que pessoas de diferentes classes so-
ciais compartilhassem informações transmitidas, ou pelos filmes, ou atra-
vés das conversas desenvolvidas com os participantes.
Entretanto, mesmo que filmes de conteúdo político, que retratavam a situação do
trabalhador rural, das fábricas e da população em geral, fossem a introdução para o debate que
se desenrolava após as projeções, não somente de filmes políticos viveu o Lanterninha Aurélio,
pois “em sua primeira fase, presenciamos mostras de filmes alemães, russos, franceses permeados
com outros tantos latino-americanos.” (CERVI, 2002). Sobre as dificuldades de manter O
Lanterninha, augumenta Cervi que,
17
Universidade Federal de Santa Maria.
18
Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria.
19
Sócio-Presidente da CESMA entre 1982-86.
56
a abertura política, a dificuldade das distribuidoras em conseguir filmes
novos, o árduo trabalho de cada projeção (o deslocamento entre uma
exibição e outra era feito através do transporte coletivo), a formatura de
muitos dos aficionados e de outros que estavam diretamente ligados à
execução, apontaram para um período de inatividade. Já estávamos em
1984. Em 1987, quando a CESMA abriu sua locadora, propiciou o in-
gresso numa nova fase de exibição de filmes, agora em VHS. As sessões
passaram para um local fixo - a Sala 07 da Antiga-Reitoria - , que foi
adotada como ponto de encontro pelos novos cineclubistas. Nesta fase
foram desenvolvidos vários ciclos temáticos, sempre seguidos de dis-
cussões sobre os temas propostos e isto perdurou até meados de 1995
quando foi novamente desativado o cineclube. Atualmente estamos ten-
tando organizar um novo grupo para dar continuidade à tradição.
(2002).
Uma outra tentativa de implementação de cineclube na cidade ocorreria na segunda
metade da década de 80 e início da década de 90, quando funcionou com regularidade a sala de
cinema do Instituto Cultural Brasileiro Alemão (ICBA), que mantinha suas atividades no auditório
da Rádio Imembuí (Praça Saldanha Marinho). Segundo Valter Antonio Noal Filho (2002), que
foi freqüentador assíduo do local,
(...) durante a segunda metade da década de 1980, o Instituto Cultural
Brasileiro-Alemão manteve uma sala de cinema que funcionou com re-
gularidade no antigo auditório da Rádio Imembuí, à Praça Saldanha
Marinho. Como freqüentador assíduo do local, assisti à centenas de fil-
mes, a maioria enfeixados em ciclos temáticos. Foi oportunidade única
para o público santa-mariense tomar contato com extenso panorama da
produção cinematográfica alemã de todos os períodos do século XX. No
local, além da projeção de filmes, ocorriam também diversos eventos
relacionados ao cinema germânico; muitos contavam com a presença de
ilustres palestrantes. A cada ciclo, o espaço se consolidava; havia signi-
ficativa afluência de público e o encerramento das atividades em fins de
1989 foi lamentado por seus freqüentadores.
Em 1995 surgiu o Otelo Cineclube, iniciativa do cineasta Luiz Cassol, que tinha como
proposta o debate em torno dos filmes exibidos, além de uma maior valorização do cinema
nacional. O nome foi uma homenagem a um dos grandes atores brasileiros: Grande Otelo. As
57
sessões desse cineclube eram realizadas na Sala de Vídeo do Sindicato dos Bancários de Santa
Maria e Região, à rua Serafim Valandro. Nos quatro anos em que funcionou – de 1995 a 1999 –
o Otelo Cineclube teve boa participação do público, o que demonstra a importância cultural
desse tipo de entidade. (Relatória Anual – SBEBSM, 1995-1999).
Atualmente funciona na cidade o Porão Cineclube – ligado a TV Ovo, entidade que não
se restringe somente à exibição de filmes, mas às diversas manifestações e debates culturais.
Esta longa explanação a respeito do cineclubismo nos parece valiosa na medida em que
indica um outro conflito dentro do campo das artes, entre os consumidores/espectadores de
cinema, especificamente. Trata-se do surgimento de um público mais exigente, que tem interesse
em produções mais artísticas e/ou culturais, e que não se satisfaz com o chamado cinema
comercial, aquele que majoritariamente é distribuído nas salas de projeções.
De certa maneira, é uma diversificação do mercado consumidor, o qual é mais facilmente
administrado nas grandes cidades, quando surgem os cinemas com programação diferenciada.
Em Santa Maria, uma cidade com classe média pouco numerosa, é um problema de difícil
resolução. O cineclubismo foi (e tem sido) a única solução. E é nesses espaços (tanto de fruição
quanto de discussão sobre cinema) em que têm surgido os poucos cineastas da cidade.
No campo teatral, por outro lado, mudanças foram percebidas a partir do início dos anos
60 com a criação e expansão da Universidade Federal de Santa Maria. Novos ares culturais
passaram a agitar a vida da cidade. O apetite cênico de Santa Maria, na expressão de Lothar
Hessel, não se restringiriam à ETLF (p.129). Havia uma juventude inquieta sintonizada com a
agitação cultural das grandes capitais brasileiras e isto se revelou na organização de grupos
teatrais.
Em 1961, surgiu o Teatro Universitário que representava o amadurecimento das
experimentações que jovens vinham fazendo no Teatro do Estudante, entidade ligada a USME
(União Santa-Mariense de Estudantes), desde 1956, e no Teatro de Arena (1958-60).
20
Em 1962,
foi criado, na Casa do Estudante, um local para apresentações teatrais denominado Sala João
20
Segundo Pedro Freire Jr. o Teatro do Estudante teve como guru Setembrino de Souza, o antigo co-fundador da
ETLF, e algumas das peças encenadas foram: O bobo do rei, de Joracy Camargo, e A vida brigou comigo, de J.
Wanderley, ambas em 1956, e Os inimigos não mandam flores, de Pedro Bloch, em 1958. Já o Teatro de Arena
santa-mariense foi mais ousado no repertório e encenou peças de Tchecov e Pirandello. O Teatro universitário
contra a repressão da década de 60. A Razão, Santa Maria, 27.28/03/1993).
58
Belém. O empreendimento foi patrocinado pela FEUSM (Federação dos Estudantes Universitários
de Santa Maria), sob a presidência de Renan Kurtz. Na inauguração da sala esteve presente
Paschoal Carlos Magno, então Secretário Geral do Conselho Nacional de Cultura. Ele discursou
para os presentes apontando a missão que a juventude tinha no desenvolvimento artístico do
período. (FREIRE Jr. 1967, p. 7).
Concomitante ao surgimento desta sala, o TU passou a ser dirigido por Pedro Freire Jr. e
foi encenada a peça Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri. A peça fazia parte do
repertório do CPC (Centro Popular de Cultural) da UNE (União Nacional dos Estudantes) e
expressava o ideário da arte engajada: “tranformar a sociedade rumo ao socialismo”.
(PELLEGRINI, 1998, p. 48-50).
Outro índice dessa inquietação foi a organização da 1ª Feira do Livro da cidade, em
1962. Para este evento literário, Luiz Guilherme do Prado Veppo preparou às pressas o seu
primeiro livro de poemas: Alba tempo e rosa.
21
Na década de 60, vários autores da cidade se
revelaram. Prado Veppo, em 1965, lançou O andarilho. (SANTOS & BIASOLI, 2002). Outros
jovens escritores também organizavam suas primeiras publicações.
Os acontecimentos políticos dos 60 – a crescente mobilização de operários e estudantes
e a sua repressão pelo regime implantado a partir de 1964 – confundiram-se com esta inquietação
cultural. O Teatro Universitário, por exemplo, transformou-se em centro de discussões e
mobilizações políticas dos estudantes. (FREIRE Jr., Entrevista, 1998).
22
Não se tratava mais de fazer um teatro de puro entretenimento. A peça de Guarnieri, por
exemplo, era também uma defesa do movimento operário, segundo o próprio Freire Júnior, e o
teatro era uma espécie de arena política: “o Teatro Universitário acabou se transformando, na
realidade, no QG da agitação e as palavras de Guarnieri (...) se transformaram em palavras de
ordem do movimento político em Santa Maria.” (FREIRE Jr., Entrevista, 1998).
Exemplificando ainda mais este caráter engajado da arte teatral, Freire Júnior contou
21
A Feira do Livro realizou-se em 25 de maio a 6 de junho de 1962. Prado Veppo organizou o seu livro em sete dias
e sete noites em homenagem a cidade que o acolheu. “A poesia é das gentes e das ruas que eu conheço”,
explicava o poeta na apresentação. A partir de 1973 a Feira do Livro passou a contar com o auxílio do Curso de
Comunicação da UFSM. (SANTOS & BIASOLI, 2002, p. 37).
22
Programa Rádio Ativo, Rádio da Universidade/UFSM, 20 de maio de 1998. Neste programa Paulo Freire Júnior
contou que chegara em Santa Maria em 1963, para estudar Direito na UFSM, e que fora convidado por Renan
Kurtz para trabalhar no TUSM.
59
que, “naquele abril fatídico [de 1964],” os estudantes universitários estavam reunidos no Teatro
Universitário, liderados por Renan Kurtz, discutindo possíveis estratégias de resistência política
ao golpe militar. Significativamente, o teatro dos estudantes (a Sala João Belém) foi “lacrado
com duas tábuas pregadas na porta” e alguns artistas responderam a processos na justiça militar.
Os remanescente do Teatro Universitário se reorganizaram no USME e formaram o TAC (Tríplice
Aliança Cultural), o qual se desdobrou em práticas teatrais e literárias.
No campo teatral o TAC encenou, em 1965, A prostitura respeitosa, de Jean-Paul Sartre,
Do tamanho de um defunto, de Millor Fernandes, e Procura-se uma rosa, de Pedro Bloch. A
peça de Sartre, em especial, causou polêmica não tanto pelo tema que abordava (o racismo),
mas pelo fato de o autor ser ateu e marxista. Por isto a peça é “combatida, de imediato, pelo clero
local e pelos militares”.
(FREIRE JR., 2003, p. 6-7). No campo literário, o TAC abrigou o
Grupo Vanguarda, com os escritores e poetas Tarso Genro, Eliezar Pacheco, Carlos Alberto
Robinson e João Nascimento. (FREIRE Jr. 1967).
Entendemos que essas agremiações apontavam novas inquietações culturais e,
consequentemente, outras tendências estéticas que não eram aquelas abrigadas pela ETLF.
Em 1967-68, organizaram-se o Grupo Presença e o TUI (Teatro Universitário
Independente) até hoje presentes na vida cultural da cidade. (A Razão, 1967).
Este clima de renovação cultural também pôde ser percebido na área oficial de ensino.
Em 1963, foi criada a Faculdade de Belas Artes, na UFSM. Segundo Vani Foletto e Edir Bisognin
ela seria “o embrião do atual Centro de Artes e Letras [do qual consta um curso de arte dramática],
que foi, e ainda é, o maior e o mais importante centro formador, difusor e incentivador das artes
não só em Santa Maria como em toda a região central do RS.” (2001, p. 41).
23
Cabe acentuar que, no plano do ensino das artes, em 1945, foi criado o Instituto de Belas
Artes, pelo então prefeito Miguel Meirelles e o professor de música Garibaldi Poggetti. A escola
foi preferencialmente de música (era conhecida como Conservatório), mas também se constituiu
em uma referência para o desenvolvimento das artes plásticas. Nela não havia nenhum curso de
23
As autoras citadas, em seu livro As artes visuais em Santa Maria: contextos e artistas, dão atenção ao campo das
artes plásticas e fazem breves referências à área musical, acompanhando o surgimento de escolas destinadas ao
ensino dessas artes. A dramaturgia não é citada e isto nos leva a pensar que ela demorou a ser cogitada como
matéria de ensino regular, inclusive pela nascente UFSM nos anos 60. (FOLETO & BISOGNIN, 2001).
60
arte dramática e foi desativada em 1960 em função do surgimento da UFSM.
A Faculdade de Belas Artes formou-se com professores convidados do Rio de Janeiro e
Porto Alegre que também eram “artistas plásticos com produção contínua e atuante em suas
cidades”. (FOLETTO & BISOGNIN, 2001, p. 42). O curso atendia a uma demanda local e,
certamente, contribuiu para incremento da discussão e produção artística da cidade num sentido
mais amplo. Depoimentos como os de Pedro Freire Jr. permitem vislumbrar esta efervescência:
Nós éramos estudantes. Naquela época [anos 60] a nossa turma era o
Tarso Genro, o João Nascimento, o Carlos Alberto Robson, Luís Alberto,
Rogério Viola Coelho... Eram pessoas que, de uma maneira ou de outra,
tinham influência no movimento estudantil. (...) Eu era diretor de teatro
e produtor de espetáculos e isto era muito mal visto exatamente porque
estava montando Eles não usam black-tie (...) em defesa do movimento
grevista (...). Esta era a nossa posição. O pessoal trabalhava em termos
de literatura, em termos de teatro. (FREIRE, Entrevista, 1998).
Os remanescente do TUSM acabaram reunindo-se no TUI (Teatro Universitário
Independente), dirigido por Clênio Faccin.
A conjuntura política de acirramento entre os blocos políticos de esquerda e direita
marcaram as atividades dessas agremiações. A arte não era vista como uma atividade desvinculada
de compromissos políticos – especialmente uma arte de fruição coletiva como é o caso do teatro.
Este aspecto da dinâmica teatral tanto foi potencializado pela juventude de esquerda como serviu
de justificativa para sua repressão pelos órgãos de censura governamental.
Em 1968, o Grupo Presença encenou a comédia Toda donzela tem um pai que é uma fera
Em 1973, o TUI, significativamente, teve como grande sucesso uma peça infantil: As aventuras
de um diabo malandro, de Maria Helena Kühner. Era um modo de fazer teatro sem se incomodar
com a censura. (HESSEL, 1999).
Em 1977, aproveitando a débil conjuntura de abertura política do general Geisel, a USME
(União Santa-Mariense de Estudantes) realizou o Festival de Teatro Estudantil. (A Razão, 1967).
Esses poucos exemplos evidenciam a existência de inquietações que passavam ao largo
da ETLF. Vinculada a uma outra estética teatral e a um outro público, a ETLF não abrigava os
questionamentos da juventude estudantil engajada tanto nas lutas políticas quanto em uma
61
discussão dos costumes então em andamento.
Mas voltemos às tentativas de manter salas de cinema em Santa Maria. Nos anos 70,
houve uma tentativa de fazer funcionar um cinema em uma sala no Bairro Itararé, no prédio de
uma sociedade ferroviária, que permaneceu aberto por muito pouco tempo.
O final da década de 70 reservaria uma acalorada discussão em torno do fechamento do
Cine Imperial. Sobre esse fato, Humberto Gabbi Zanata (1979) – então Diretor do Centro Cultural
– tachava o fechamento do cine como
um atentado involuntário que se comete contra a cultura de Santa Maria,
pois no momento em que a cidade tenta retomar discussões culturais
esquecidas, quando se vê uma série de grupos teatrais ressurgindo e ou-
tros sendo criados, quando a própria sociedade se rearticula e revive os
seus canais de expressão de comunicação essa notícia é quase trágica.
No mesmo artigo, o articulista comentou a existência de posições otimistas diante do
quadro geral da cultura santa-mariense, denunciando que
Edmundo Cardoso espera que diante desse impasse várias gestões sejam
feitas para dar continuidade ao projeto já em execução que é o teatro da
Escola Leopoldo Fróes, que, sendo juridicamente legal, necessita ape-
nas de uma mobilização maior para ser concluída. (O EXPRESSO, 1979).
De fato, a Escola de Teatro Leopoldo Fróes jamais conheceu uma sede oficial e
sobreviveria ao Cine Imperial, somente por mais quatro anos, sendo extinta em 1983. A Socex
justificou o fechamento do Cine Teatro Imperial por questões financeiras. Um dos jornais diários
da cidade, A Razão (1979), noticiou com pesar o acontecimento:
Com o fechamento do Cine Imperial, Santa Maria poderá perder a con-
dição de sede do Projeto Cultura Teatro, pois era a única casa de espetá-
culo com capacidade de suportar uma grande montagem. Também os
espetáculos musicais serão afetados, pois para se fazer uma apresenta-
ção em uma sala maior, no caso o Cine Glória ou Independência, deve-
rão interromper as sessões normais. O próprio teatro local se verá afeta-
do. No caso dois grupos, a escola de Teatro Leopoldo Fróes e o Teatro
Universitário.
62
No início da década de 80, Pedro Freire Júnior assumiu a direção da Socex
24
de Santa
Maria. Partiram dele as providências para melhorar a qualidade das salas de cinema
remanescentes, Glória e Independência: lavagem da tela, que possibilitou uma imagem mais
nítida; cuidados de projeção para evitar desfoques; limpeza de lentes para maior nitidez; melhoria
de som, embora os problemas de acústica existentes em razão dos espaços agressivos de
construções e, fundamentalmente, uma orientação para que os filmes fossem programados de
acordo com a freqüência do público local. (ALAN & ASSIS BRASIL, 1980).
Além da exigência para que a programação fosse feita em Santa Maria (antes era feita
em Bagé), foram criadas as sessões de arte que funcionavam às sextas-feiras no Independência,
com ciclos dedicados, por exemplo, a Woody Allen ou à política – O Encouraçado Potenkin e A
Classe Operária vai ao Paraíso. (ALAN & ASSIS BRASIL, 1980).
A freqüência média da população, então, era difícil de mensurar, pois variava de acordo
com a programação. Na verdade, dizia Freire Júnior,
os cinemas de Santa Maria são anti-econômicos, possuem uma capaci-
dade de lotação muito grande (...) o Glória tem 1.600 lugares e o Inde-
pendência 1.300. Uma lotação com 400 pessoas, que poderia ser consi-
derada razoável em termos de borderô, resultaria em pouco mais de 130
pessoas por sessão, menos de 10% da lotação. (Freire Jr. apud ALAN &
ASSIS BRASIL, 1980, p. 4-5).
Outro problema enfrentado pela direção da Socex, na época, foi o fato de as distribuidoras
terem abandonado o sistema de aluguel fixo dos filmes, preferindo a percentagem, que era de 50%.
Um público de 400 pessoas daria um borderô de CR$ 10 mil [moeda na
época], ficando 50% para o cinema, com todos os encargos de funcio-
nários, luz, máquina, impostos. Conclui-se: cinema foi um bom negócio,
hoje, não é mais.( ALAN & ASSIS BRASIL, 1980, p. 4-5).
Tendo em vista essas limitações e, para manter o público informado, a direção local da
Socex optou por um folheto, chamado Sinopse. Graças a isto, a imprensa passou a dar uma
24
Sociedade Comercial Exibidora Ltda.
63
divulgação maior ao cinema.
Um outro fator que contribuíra para o reduzido lucro dos cinemas foi a legislação. Existia
então (e ainda na década de 80) uma longa discussão em torno da validade da lei que obrigava a
exibição de determinado número de filmes brasileiros pelos cinemas, durante o ano. Ela foi
criada para proteger a produção nacional, mas, por outro lado, existia uma parca legislação que
regulava a entrada de filme estrangeiro.
As facilidades do produto que vem de fora são muito grandes, quer na
venda do contratipo que possa ser reproduzido, quer na publicidade ou
na qualidade do material. (ALAN & ASSIS BRASIL, 1980, p. 5).
A lei obrigava a uma exibição de 35 filmes por trimestre e era severa na sua aplicação e
fiscalização. Além disso, havia a exigência de empresas estrangeiras para as suas grandes
produções, para as quais elas impunham um mínimo de sete dias para a exibição.
Até 1995 continuaram atuantes em Santa Maria dois cinemas pertencentes à empresa
Socex – o Glória e o Independência. Em 1980, houve aproveitamento da subplatéia do Glória,
numa reforma que resultou numa sala com 350 lugares, à semelhança do que foi feito em Porto
Alegre, no cinema Cacique, que abrigou em seu mezanino o Cine Scala. (ALAN & ASSIS
BRASIL, 1980).
Este quadro mudou completamente com a chegada dos shopping centers na cidade, no
final da década de 90. Os cines Glória, Glorinha e Independência apresentavam condições sofríveis
de som e imagem, na época.
25
Em 1995, o Cine Independência fechou as suas portas. Os cines
Glória e Glorinha resistiram até 1997. Nessa época, o cineasta Luiz Cassol dirigiu o curta-
metragem Águas dançantes, registrando as memórias de cinéfilos que viveram os cinemas de
calçada e realizou uma espécie de balanço de uma época, de um tipo de vivência e fruição dos
espetáculos cinematográficos, assim como de determinadas formas de socialibilidade.
Na mesma época (1996), foi reinaugurado o Theatro Treze de Maio. O prédio foi
reformado e colocado em condições técnicas para receber companhias teatrais. A partir daí, a
25
As condições sofríveis da reprodução do som se tornavam notórias quando eram apresentados filmes nacionais,
como, de modo geral, acontecia (e talvez ainda aconteça) em grande número de cinemas brasileiros. A fala dos
personagem era incompreensível e isto desestimulava os espectadores.
64
direção do teatro propõe uma programação de alto nível e a cidade, a muito custo (com uma
fluência nem sempre significativa), prestigia. A maioria dos espetáculos vem de fora, poucos
grupos locais utilizam o palco, entre eles o de Pedro Freire Júnior e os dos estudantes de arte
dramática da UFSM. O Theatro é uma referência da vida cultural da cidade, mas, nem de longe,
é o pivô da vida cultural, como se referia Getulio Schilling aos tempos do antigo Treze de Maio.
Atualmente existem quatro salas de cinema na cidade, todas localizadas em shoppings
centers, a exemplo da tendência dos últimos dez anos, conforme a gerente da empresa a qual
pertencem as salas, Zuleika Franchini (2002). Referimo-nos à Sul Projeção Cinematográfica
Ltda, empresa de Porto Alegre. As quatro salas somam 640 poltronas, apresentam, em média,
quatro sessões diárias e contam com um público em torno de 8.000 pessoas por mês. Tais salas
se estabeleceram no Shopping Monet, inauguradas em 19 de abril de 1997 e no Santa Maria
Shopping, inauguradas em 26 de dezembro de 1998. (FRANCHINI, 2002).
A vida cultural da cidade mudou. A ETLF continua, no entanto, sendo um marco de um
tempo em que os espetáculos eram protagonizados por artistas locais. É este o tema que viemos
desenvolvendo. Já apresentamos o cenário da trama. A seguir, apresentaremos a trama
propriamente dita, ou seja, a criação da ETLF e a sua dinâmica de produção de espetáculos
teatrais. Junto delinearemos os principais personagens desta trama, isto é, os amantes da ribalta.
CAPÍTULO II
A TRAMA: O CASO DA ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES
Da influência teatral portuguesa no Brasil à Escola de Teatro Leopoldo Fróes: um breve
histórico
(...) o acontecimento magno do teatro santa-mariense ocorreria a 10 de
dezembro de 1943, sob a liderança de Edmundo Cardoso: a fundação da
Escola de Teatro Leopoldo Fróes, desde então responsável pelos principais
eventos do ramo em Santa Maria. Longa seria a enumeração de todas as
suas realizações que estão hoje a merecer uma monografia especial.
Salientam-se, não obstante, algumas delas: a encenação do drama
Espectros de Henrick Ibsen e da comédia A raposa e as uvas, de
Guilherme de Figueiredo, peças que arrebataram rumorosos aplausos
também no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, em julho de 1955; a
ereção de um monumento a seu patrono Leopoldo Fróes, na Praça
Saldanha Marinho (...), a formação de seu coral (...). Esporadicamente a
Escola recebeu a colaboração de elementos de fora como, por exemplo,
a dos atores Setembrino Souza, com sua esposa, a santa-mariense
Paulicéia de Souza.” (HESSEL, 1999, p. 128).
De atividade transposta pelos conquistadores para o Brasil, com destaque para o pedagógico
dos jesuítas (visando à evangelização), o teatro passa a ser instrumento do projeto romântico de
formar e/ou exprimir uma cultura nacional e de suas renovações posteriores. Esse projeto se dá
sempre à sombra dos modelos franceses que, ao mesmo tempo, estimulam-no e o ameaçam graças às
manifestas preferências do público. Décio de Almeida Prado (1999), em seu livro História concisa
do teatro brasileiro, sumariza as atividades teatrais ocorridas no período colonial e depois no
66
século XIX, sobretudo no Rio de Janeiro, palco principal das atividades culturais no Império e
no começo da República.
Pela ordem, estudam-se teatro de catequese e as manifestações teatrais posteriores na
América Portuguesa, até a disseminação das chamadas Casas de Ópera em várias cidades, ao
final do século XVIII; a formação do projeto de um teatro nacional, na comédia e no drama, com
o advento do romantismo
1
; a tentativa de renovação realista; o império do teatro musicado e a
permanência da comédia, sobretudo a de costumes, como gênero característico de nosso repertório.
Em seu texto, Almeida Prado passeia com ar de flauneur entre a análise do texto dramático,
a vida teatral, sua contextualização histórica e a tradição que tudo isso constrói como patrimônio
da cultura nacional. Discerne na obra de arte suas raízes e seu destino na vida social, unindo de
forma harmoniosa, apreciação estética e visão histórica. Ensina sobre como analisar peças de
teatro, trabalhos de palco, seus bastidores e suas relações complexas com o público que satisfazem
ou deixam de satisfazer.
Para Almeida Prado, do ponto de vista estritamente histórico, pode dizer-se que o teatro
surgiu entre nós, no século XVI, sob a forma de propaganda político-religiosa. Nesse período
avulta a contribuição quase solitária do Pe. José de Anchieta, autor de alguns autos que visavam
à catequese dos indígenas e à manutenção das diretrizes jesuíticas no processo colonizador
português. Sátira aos adversários dos padres, esses autos mantinham-se fiéis à tradição religiosa
medieval, incluindo ainda, para efeitos locais de encenação, diversos elementos populares
associados a costumes e maneiras indígenas.
O período colonial, excetuando duas peças de Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711)
e uma de Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), obras dramaticamente nulas, representa quase
um vazio de dois séculos, na apreciação de Almeida Prado. Isto é resultado não somente da
escassa documentação bibliográfica, como também das modificações sociais porque passava
então a Colônia. Tal panorama prolonga-se até meados do século XVIII, com Antônio José da
Silva, o Judeu, quando se abrem perspectivas dramatúrgicas de certo vulto. Contudo, elas refletem
1
“Movimento artístico e literário ocorrido no final do século XVIII e vigente durante a primeira metade do século
XIX. Surgido como uma reação aos cânones formais do classicismo, o romantismo advogou uma liberdade total
de expressão artística baseada na emoção e na imaginação.” (VASCONCELLOS, 187, p. 170).
67
interesses e ambições antes portugueses que brasileiros, pois Antônio José educou-se em
Portugal.
2
A vinda da Família Real para o Brasil, no século XIX, acaba por favorecer a vida cultural,
principalmente no Rio de Janeiro, que abrigou a corte portuguesa. Luís Carlos Martins Penna
(1815-48), escritor e dramaturgo, foi quem inaugurou o teatro de costumes e marcou o início da
comédia no Brasil. Nascido no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que se tornava funcionário
da corte, começou a escrever e encenar peças teatrais que registravam com humor a vida
fluminense da primeira metade do século XIX. Entre suas comédias destacam-se O juiz de paz
na roça (1838) e O noviço (1845). Apesar disso, o teatro de Martins Pena não resistiu, em
termos de crítica, a uma análise mais profunda. Embora dotado de agudo senso de carpintaria e
tipificação, e de uma linguagem realmente popular, isenta de preciosismos eruditos e pieguices
românticas, o escritor manteve-se alheio à estrutura colonialista da época, perdendo-se muitas
vezes em sátiras artificiais e gracejos pouco acessíveis à platéia de hoje.
Contemporâneo de Martins Pena, João Caetano dos Santos (1808-63), pioneiro da ação
e dicção teatral no país estreou em 1831. Determinado a profissionalizar-se, organizou um grupo
próprio em Niterói e, com sucesso, excursionou por Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul e
Lisboa em 1860. Entretanto, na metade do século XIX, mesmo nas maiores cidades do país,
ainda eram poucas as montagens teatrais dirigidas ao grande público. A maioria dessas peças
não excedia o ambiente familiar ou de restritos grupos de admiradores da arte de representação.
Antônio Gonçalves Dias (1823-1864) escreveu Canção do exílio em 1843, que o projetou
como um dos maiores representantes do Romantismo no país. Iniciador da corrente indianista,
bacharel pela Universidade de Coimbra, instalou-se no Rio de Janeiro em 1846.
O legado teatral de Gonçalves Dias é, do ponto de vista histórico, a mais penetrante
crítica ao poder absolutista que a colonização portuguesa mantinha sobre o país. Outras incursões
teatrais marcaram o drama histórico nacional, bem como o realismo
3
que teve como núcleo a
2
O Judeu foi levado do Brasil quando sua mãe foi responder perante o tribunal de inquisição, assim pôde Antônio
José formar-se em Cânones, em Coimbra. (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996).
3
Entende-se por realismo o “movimento artístico que domina o drama e o espetáculo do final do século XIX.
Formalmente, o realismo nasce de uma reação ao romantismo, à pièce bien faite e à representação declamada.
(VACONCELLOS, 1987, p. 165-166).
68
família com Machado de Assis (1839-1908), José de Alencar (1829-77), Álvares de Azevedo
(1831-1852), Castro Alves (1847-1871), dentre outros. Os temas prediletos de José de Alencar,
eram a cortesã e ou o dinheiro. O grande problema social do Brasil na época, a escravidão,
também foi tratado por Alencar, porém, no gênero comédia.
Com respeito ao teatro realista, afirma Moacyr Flores em sua obra O negro na dramaturgia
brasileira: 1838-1888, que “elaborava a cena copiada da vida real, imitando as falas, as
indumentárias e os espaços sociais, transformando-se em documentário de uma época, que permite
captar as idéias e as rotinas do cotidiano.” (1995, p. 9). A comédia buscava educar e o drama
pretendia a busca de uma realidade, muitas vezes não apreendida pelo texto. Ainda segundo
Flores, o teatro no Brasil, durante o século XIX aspirava recompor a sociedade de então.
Entretanto, não demonstrava aos espectadores a realidade da época com relação à difícil
sobrevivência do negro, escravo ou liberto.
Entendendo o teatro a partir de sua função social – a de oferecer à sociedade um modelo
e reforçá-lo pedagogicamente – cabe salientar o esforço das elites políticas do Segundo Reinado
em estimular esta arte. Em 1861, por exemplo, o Visconde de Jaguarí, então ministro de Estado,
nomeiou uma comissão com o propósito de criar “um grupo oficial de comédia.” (MICHALSKI
& TROTTA, 1992, p. 8).
Participaram dessa comissão João Cardoso de Menezes e Souza e os romancistas José de
Alencar e Joaquim Manuel de Macedo. Eles apresentaram relatório propondo construção de um
teatro e de um conservatório dramático, mas não viram seus objetivos concretizados. Seguiram-
se novas discussões tratando do mesmo assunto – na Câmara dos Deputados, em 1879, na Câmara
Municipal da Corte, em 1884 – mas sem nenhum resultado prático.
O regime republicano instalado em 1889 no país, ao mesmo tempo que apontava mudanças
no campo político, era governado por uma aristocracia agrária com forte predomínio do grupo
cafeeiro. Ao final do século XIX e início do século XX, o Brasil apresentava novidades como a
Abolição da Escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889). Mas o início da República,
no Brasil, foi marcado por movimentos sociais e políticos como a Revolução Federalista no Rio
Grande do Sul (1893-95), Canudos na Bahia (1895), a Revolta da Armada no Rio de Janeiro
(1910), e Contestado em Santa Catarina (1912-16). O Rio de Janeiro, além de ser a capital da
69
República, era o centro cultural do país, onde os espetáculos homenageavam marinheiros como
em A vingança do operário, de Benjamim de Oliveira e o Diabo que o carregue, de João Foca,
demonstrações de que o teatro não estava alheio às rebeliões da época. (CAFEZEIRO,
GADELHA, 1996).
Em 1892, o pintor Pedro Américo (então deputado pelo Estado da Paraíba), propôs os
projetos na Câmara nos seguintes termos:
Art. 1º - Fica o Governo da República autorizado a fundar um instituto
dramático, tendo por fim: I) Educar (...) todos aqueles que sentirem vo-
cação para a carreira do teatro; II) Organizar uma companhia teatral (...);
III) Fazer representar (...) composições dramática brasileiras (...); VI)
Promover (...) a ereção de um teatro. (MICHALSKI & TROTTA, 1992,
p. 8).
Como todos os projetos do tempo do Império, este também não saiu do papel.
Em 1909, com a inauguração do Teatro Municipal no Rio de Janeiro, acenderam-se as
esperanças quanto ao comprometimento do Estado na promoção da atividade teatral. No mesmo
ano, no entanto, a prefeitura municipal arrendou o teatro para um empresário particular.
Novamente a classe teatral viu se esvanecerem suas esperanças. Projetos continuaram a ser
criados – na Câmara Municipal no Rio de Janeiro, em 1914 e 1920; no Congresso Nacional, em
1927 – mas sem serem efetivados.
Não há como esquecer de que a Primeira Guerra Mundial, de certa forma, acabou por
isolar o Brasil da Europa e, como seqüência disso, as companhias francesas e portuguesas
começavam a escassear suas vindas ao país. Com isso, os atores brasileiros começaram a
amadurecer modelos próprios de interpretação. Ao mesmo tempo, os atores estrangeiros,
impossibilitados de retornarem aos seus países, começaram no Rio de Janeiro “a realização de
vários espetáculos ao ar livre, a exemplo do que acontecia na Europa e sempre com grande
êxito.” (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996, p. 370).
Ainda assim, a dramaturgia brasileira demorou muito para amadurecer. Não esteve
presente, por exemplo, na Semana de Arte Moderna, de 1922. Aliás, esta assertiva de Almeida
Prado não é consenso entre os historiadores do teatro. De fato, “o arquiteto Flávio de Carvalho
70
tentou levar as teorias do movimento de 22 ao palco, com o que denominou ‘Teatro de
Experiência’.” (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996, p. 379). Em 1933 uma peça sua, Bailado do
deus morto, foi apresentada no CAM
4
em São Paulo. Entretanto, em decorrência das vaias e dos
tumultos da platéia nas encenações que o próprio Flávio de Carvalho havia denominado
Experiência Nº 1,2 e 3, a polícia vetou tais apresentações.
Ainda na década de 20 um dos modernistas, Antônio de Alcântara Machado, fez críticas
contundentes ao teatro da época. Ele apontou como causa da desnacionalização das peças o fato de
elas serem espelhadas em operetas das companhias portuguesas, francesas e italianas, assim como o
uso de personagens-clichês, enredos previsíveis e atraso técnico. (SOUTO, 1998).
Como se sabe, o Estado sob a República até os anos 30, não favoreceu a política cultural
como a Monarquia fez. Tanto que a criação de museus e demais entidades dedicadas à memória
nacional e à criação artística foi incipiente neste período. Mesmo assim, essa época registrou a
consagração de alguns atores como Itália Fausta, Apolônia Pinto, Leopoldo Fróes, Procópio
Ferreira e Dulcina de Morais, dentre outros. É também no início do século XX, mas após a
Semana de Arte Moderna, “que surgem em São Paulo e Rio de Janeiro, manifestações de um
teatro operário.” (CAFEZEIRO, GADELHA, p. 371). Mesmo assim, foi um teatro com influências
de anarquistas que haviam imigrado para o Brasil. De um lado, o Teatro Operário buscava a
conscientização de classe e por outro, buscava levar conhecimento ao operariado.
Entre as décadas de 1930 e 1970, o fazer teatral ganhou ares experimentais e de busca da
profissionalização. Surgiu o Teatro-Escola nos anos 30, com pretensões didáticas, abordando
temas polêmicos como as crenças religiosas, as noções de pecado e a liberdade sexual. (SOUTO,
1998).
A ascensão de Getúlio Vargas ao poder arregimentou intelectuais para dentro dos órgãos
do governo, como o DIP,
5
a Rádio Nacional e o Serviço Nacional de Teatro. Ao mesmo tempo,
o aumento da classe média urbana possibilitava a ampliação de iniciativas privadas no setor
cultural. Há uma expansão empresarial ligada ao Gênero Trianon, feito exclusivamente para rir,
denominada também de chanchada. Joracy Camargo pertencia a Geração Trianon e justificava o
4
Clube de Artistas Modernos.
5
Departamento de Imprensa e Propaganda.
71
gênero por ele adotado, tendo em vista que “aos autores que vivem de teatro não é permitido
escrever peças que dão prejuízo aos empresários. Daí a necessidade de equilibrar o nível dos
seus trabalhos com o nível mental do público.” (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996, p. 445). Ou
seja, o Gênero Trianon era um contraponto à intenção conscientizadora do Teatro Operário e
visava mais ao lucro e ao entretenimento. Esse período foi também o auge da carreira de Dercy
Gonçalves, Alda Garrido e Cazarré.
O final da década de 30 foi marcado por iniciativas teatrais que correspondessem aos
padrões da elite carioca, com grupos oriundos da média e alta burguesia e expressão de uma arte
mais elevada, dentro de parâmetros estrangeiros. Ou seja, o teatro freqüentado pelas classes
populares e textos nacionais era considerado subdesenvolvido. A burguesia estava voltada para
espetáculos europeus. (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996).
Dessa forma, o elenco do Teatro de Brinquedo (1928)
6
ganhava a respeitabilidade
intelectual, pois não buscava a profissionalização e arregimentava seu elenco em membros que
privilegiavam o idioma francês como símbolo de refinamento e apuro intelectual. Essa tendência
ganhou expressão com a Revolução de 30, com grupos amadores como o Teatro do Estudante,
(1938), Os Comediantes (1938), o Teatro Experimental de São Paulo (1939) e o Teatro de
Amadores de Pernambuco ( 1941), que, de certa forma, formaram a base do teatro brasileiro
moderno.
Em 1937, finalmente, o Governo Federal criou por decreto o Serviço Nacional de Teatro
(Decreto-Lei nº 92, de 21.12.1937). Foram tempos de autoritarismo e, em maio de 1940, foi
efetivamente fundada uma companhia oficial de teatro no Brasil: a Companhia de Teatro
Brasileira. A Companhia funcionou até 1945 e, devido ao repertório apresentado – dramas
históricos triunfalistas, dramas sentimentais, comédias leves – ela não exerceu o peso cultural
que estava ao seu alcance. (MICHALSKI & TROTTA, 1992).
No entanto encenou a primeira peça de Nelson Rodrigues, A mulher sem pecado (dezembro
de 1942), e cedeu verbas ao grupo Os Comediantes para que realizasse Vestido de noiva (1943),
a peça que renovou a dramaturgia brasileira.
6
O Teatro de Brinquedo, considerado teatro leve, feito exclusivamente para rir, teria seus intérpretes supremos
em Leopoldo Fróes e Procópio Ferreira.
72
Esta referência aos esforços da classe teatral por subsídios do Estado nos parece
importante, pois entendemos que teve repercussão no ânimo dos artistas amadores da ETLF. A
Escola foi criada neste contexto político do Estado Novo, quando ocorreu um efetivo
comprometimento do Estado com o desenvolvimento das artes.
A ETLF colocou-se sempre como grupo independente, sem vínculos oficiais, mas também
procurou os órgãos do Estado – chegou a ter subvenção municipal – para a concretização de
seus objetivos, especialmente a criação de seu próprio teatro. Este foi um procedimento usual
dos artistas no Brasil, entendendo que o apoio do Estado era fundamental para romper com as
exigências do mercado e poder ousar artisticamente.
O Teatro do Estudante e o Teatro Universitário, criações do período estado-novista,
previam o fim da tendência lusitana e a sistematização do saber teatral, arregimentando estudantes
de qualquer classe social, implantando a iniciativa do cunho amadorístico no teatro. Isso acabaria
por acarretar uma contradição com a idéia de um teatro elitizado. (MICHALSKI & TROTTA,
1992).
Com o final da Segunda Guerra, a atuação do Teatro do Estudante se expandiu, tornando-
se uma escola prática de teatro. Na mesma época, surgiu o Teatro Experimental do Negro (1944-
49), visando a abrir espaço para os negros, que até então eram representados por brancos pintados
com carvão. (SOUTO, 1998).
Em 1943, com a encenação de Vestido de noiva
7
, de Nelson Rodrigues, teve início a
renovação da dramaturgia brasileira. A partir daí (e especialmente nos anos 50) Nelson Rodrigues
vai ser o grande nome do teatro brasileiro. Em 1948, foi criado um dos marcos importantes do
teatro brasileiro, o Teatro Brasileiro da Comédia (TBC), em São Paulo
8
.
No final dos anos 50, entretanto, houve uma fragmentação do TBC, de onde saíram
então as “companhias profissionais do período: a de Maria Della Costa e Sandro Polônio; a de
7
A peça Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues é considerada como um divisor de águas em relação à moderna
dramaturgia brasileira, caracterizando-se assim, como as outras peças do autor, Boca de ouro, Beijo no asfalto e
Toda a nudez será castigada, por uma visão individualista e subjetiva. Sua obra, entretanto, liga-se a certa fase
do teatro brasileiro que correspondeu a uma primeira tentativa de valorizar a dramaturgia nacional, muito embora
tendo em vista o espetáculo para a classe média, vinculado à noção ingênua de nobreza de arte teatral, do
estrelismo e do domínio do diretor sobre o elenco.
8
O TBC, reunindo elenco estável de mais de 30 atores, encenou quase que, exclusivamente, peças de reconhecido
valor da dramaturgia européia e norte-americana. Conservou a tendência a um teatro realizado em moldes europeus.
73
Cacilda Becker e Walmor Chagas; a de Tonia Carrero, Paulo Autran e Adolfo Celi; a de Sérgio
Cardoso e Nídia Lícia.” (VASCONCELLOS, 1987, p. 187). Oriundo também do TBC foi o
Teatro do Sete, que tinha como integrante Fernanda Montenegro. Foi portanto nos anos 1950
que a dramaturgia alcançou certa maturidade Essas companhias não permaneceram coesas por
muito tempo, pois seus integrantes foram atraídos pela televisão e/ou o cinema.
Correspondendo a essa maturidade do teatro brasileiro, em 1953, voltou a ser criada uma
nova companhia oficial de teatro: a Companhia Dramática Nacional (1953-1954). Ainda nesse
ano o Congresso Nacional votou “uma lei segundo a qual cada companhia de teatro tinha de
incluir obrigatoriamente em cada três peças de seu repertório pelo menos um texto de autor
nacional.” (MICHALSKI & TROTTA, p. 105). Uma lei que evidenciava claramente a
preocupação em garantir espaço para o desenvolvimento de uma dramaturgia nacional.
Também em 1953 surgiu o Teatro de Arena, em São Paulo, contrapondo-se à estética do
TBC. O Arena pretendia uma forma de interpretação genuinamente brasileira, com atores
expressando-se na linguagem do povo da rua. Dava preferência por textos nacionais e almejava
uma vinculação maior com a realidade brasileira, especialmente aquela vivida pelas classes
populares.
Essas propostas resultaram num projeto de teatro engajado, com atuação político-social
de esquerda. Era uma nova teoria e um novo estilo teatral. Propagou-se pelos teatros Oficina,
Opinião e pelos grupos teatrais dos CPCs - Centros Populares de Cultura, da UNE (União Nacional
dos Estudantes)
9
, reavivando a questão nacional na dramaturgia e na linguagem cênica. “Desse
movimento surgiu a montagem de O Rei da vela (1968), de Oswald de Andrade (1890-1954),
com direção de José Celso Martinez Correa, pelo Grupo Oficina, que foi o ponto de partida do
Tropicalismo.” (VASCONCELLOS, 187, p. 187).
Partindo de um laboratório de interpretação com atores como Gianfrancesco Guarnieri,
Oduvaldo Vianna Filho, Flávio Migliaccio, Milton Gonçalves e Nélson Xavier, o elenco do
Teatro de Arena conseguiu realizar um estilo que representava uma novidade nos palcos
9
No centro das mobilizações dos estudantes estava o desejo de emancipar os segmentos oprimidos da sociedade
brasileira. “A partir dessa premissa, a vanguarda do movimento universitário, liderado pela UNE, traçaria a
linha de ação e definiria o programa tático de luta pela Reforma Universitária.” (PELEGRINI, 1998, p. 31).
74
brasileiros: o ator formado a partir de suas próprias contradições como homem e não mergulhado
na essência da personagem. Mas a grande reviravolta se daria com a montagem de textos e
atores nacionais, escrevendo sobre temas brasileiros e populares como o cangaço, o futebol, o
trabalho nas fábricas.
Essa etapa correspondeu à construção de Brasília, ao desenvolvimento industrial de São
Paulo e de outras regiões brasileiras e ao surgimento de correntes culturais que procuravam
ligar-se com o processo brasileiro, a Bossa Nova e o Cinema Novo da era Juscelino Kubitschek
de Oliveira (1956-1961).
O Teatro de Arena e o Teatro Oficina desapareceram por volta de 1972. Durante os vinte
anos de Ditadura Militar (1964-84), o teatro estabeleceu forte resistência à repressão e fez surgir
nos palcos, nesse período, novas experiências e novas tendências, ainda que o regime militar o
qualificasse como inimigo público e sobre ele tivesse exercido sistemática censura e repressão.
(VASCONCELLOS, 1987).
Mas o público do teatro começava a mudar. Por um lado, porque o público tradicional
estava sintonizado com ideologias burguesas e era agredido pelas vanguardas de orientação
anti-burguesa e até socialista. Este público não se via nesse teatro, que expressava o ideário de
novos grupos sociais: os estudantes, os intelectuais, a classe média esquerdizante com inclinações
para a transformação social e cultural. Por outro lado, porque as possibilidades de entretenimento
começavam a se diversificar, as salas começavam a ser improvisadas para espetáculos e
desprovidas de conforto para o público que ainda as freqüentava. (PRADO, 1986).
A década de 70 veio confirmar a tendência de realizações propostos pelas vanguardas,
que reuniam o que havia de melhor em termos de diretores, atores e cenógrafos. Nessa linha,
além das experiências de José Celso, convém mencionar o trabalho de Paulo Afonso Grisolli
(Onde canta o sabiá), Vitor Garcia (O balcão e Cemitérios de automóveis), Amir Haddad (Depois
do corpo e Tango), Ivan de Albuquerque (O arquiteto e o imperador da Síria) e Flávio Império
(Os fuzis).
Todas essas montagens, embora em linhas de direção diferentes, trouxeram uma salutar
renovação de enfoque que permitiu uma modificação gradual na ótica geral da mise-èn-scéne
brasileira. A contribuição de jovens dramaturgos, como Antônio Bivar, José Vicente e Roberto
75
Ataíde, que tinham como ponto de partida de suas peças a não-aceitação do mundo, negou
também a estética teatral herdada das gerações anteriores, empreendendo uma revolução em
nível formal, muito embora, na maioria dos casos, optasse claramente pelo escapismo.
O elemento mais dinâmico da vanguarda parecia localizar-se nos grupos semi-amadores,
cuja solução formal procurava fundir a experiência do teatro popular com as diversas correntes
culturais brasileiras, como a Antropofagia e o Tropicalismo, revestindo essa ação de elementos
retirados da observação geral da realidade do país, dos meios de comunicação de massa e dos
contrastes sociais.
Um passo importante no sentido de uma nova dramaturgia nacional foi dado em 1976
com a montagem de A gota d’água, de Paulo Pontes e Chico Buarque de Holanda, com destaque
para a atuação de Bibi Ferreira. Transpondo para o contexto brasileiro o tema da tragédia Medéia,
de Eurípedes, os autores conseguiram colocar o impasse da luta entre o justo e o real em termos
de uma luta de moradores de um conjunto habitacional. (MICHALSKI & TROTTA, 1992).
Assim, durante muito tempo, o teatro submeteu-se às leis de mercado, flutuando entre o
comercial e o artístico. Para isso, a evolução do teatro, através de sua história, parece confundir-
se com uma sucessão de crises por meio das quais a arte cênica buscou o estímulo e o impulso
para empreender a sua renovação.
No caso do Teatro Brasileiro passa-se o mesmo, mas é preciso notar a existência de
algumas deficiências estruturais que vêm impedindo-o de desenvolver-se, se não no mesmo
compasso dos países mais desenvolvidos, pelo menos com o vigor que seria de esperar, dadas as
condições preexistentes. Essas deficiências são de ordem institucional e ocorrem principalmente
pela falta de uma política de apoio oficial, coerente com uma política cultural e profissional que
se alia à redução de casas de espetáculo, à estreiteza da mentalidade empresarial, à insuficiente
oferta de bons atores, tudo isso contribui para uma taxa de crescimento do público bastante
fraca, havendo também o forte apelo dos outros meios de comunicação, sobretudo da televisão.
Além disso, há uma divisão no teatro brasileiro, que coloca em campos separados um
teatro vivo, experimental e aberto, para o qual existe um público jovem e universitário, e um
teatro tradicional, idêntico ao que se fazia no Brasil quando foi criado o TBC, e que conta com
um público tradicional interessado pelo teatro como forma de evasão sofisticada ou mero
76
divertimento.
Assim, até aqui traçamos um panorama do teatro no Brasil, baseando-nos em alguns
autores como Décio de Almeida Prado (1986 e 1999), Anatol Rosenfeld (1993), Andrea do
Roccio Souto (1998), Luiz Paulo Vasconcellos (1987), Edwardo Cafezeiro e Carmem Gadelha
(1996), Moacyr Flores (1995), Yan Michalski e Rosyane Trotta (1992). Esse breve histórico
visou a um entendimento geral do assunto - e portanto, sem a intenção de aprofundar o tema -,
para podermos chegar ao teatro no Rio Grande do Sul e, especialmente, ao teatro em Santa
Maria.
A urdidura de uma trama: a criação da Escola de Teatro Leopoldo Fróes
Lothar Hessel, em seu livro O teatro no Rio Grande do Sul (1999), fornece uma visão
geral, município por município, do que foi o teatro em seus primórdios. Possibilita a verificação
do grau de desenvolvimento teatral de quarenta cidades e vilas, em um período ainda caracterizado
por rodovias não-pavimentadas, com limitação de acesso aos meios de comunicação de massa
como rádio e televisão e, também o de muitos lugares, em que o acesso se dava mais por meio da
ferrovia que de qualquer outro meio de transporte.
À exceção da capital, Porto Alegre, que já desenvolvia atividades cômicas antes mesmo
da construção da Casa da Comédia, em 1794, e de Rio Grande, onde o Theatro de São Pedro
data de 1780 e 1790, as demais cidades rio-grandenses começaram a construir suas casas de
espetáculos ou associações a partir do século XIX. Em Pelotas, o Teatro Sete de Abril foi
inaugurado em 1833, mas um ano antes já havia representações em âmbito familiar; em Rio
Grande, o Teatro Sete de Setembro data de 1832, mas era então o terceiro teatro a ser construído
na cidade; Santa Vitória do Palmar, desde 1890, já tinha sua Sociedade Dramática Particular e
em 1891, havia recebido a Companhia Dramática Espanhola; a Sociedade Harmonia Jaguarense
da vila de Jaguarão, data de 1851; na condição de capital da República Rio-Grandense, em
1836, Piratini já possuía o seu Teatro Sete de Abril; já existiam as atividades de palco em Bagé
em 1845; em Dom Pedrito, a arte cênica foi inaugurada em 1914, com seu Teatro–Circo; Santana
do Livramento possuía um bom teatro desde 1860; imigrantes italianos citadinos fundaram a
77
Sociedade Beneficiente Italiana Giuseppe Mazzini na década de 1870, em Quaraí; mesmo antes
da construção do Teatro Carlos Gomes, em1884, já havia atividades teatrais em Uruguaiana; em
Itaqui, o Teatro Prezewodowski, de 1886, não foi a primeira casa de espetáculos da cidade; o
primeiro prédio teatral de São Borja data de 1896 e era conhecido como Teatrinho; Alegrete
construiu seu teatro em 1862; em São Gabriel o Teatro Velho já existia em 1856. Seguiram-se
mais ou menos, nestas mesmas datas, as inaugurações de casas de espetáculo nas demais cidades
do interior do Rio Grande do Sul, sendo a última inaugurar seu Grêmio Dramático 20 de Setembro
em 1920, a cidade de Viamão.
Getúlio Schilling (1943), no texto datilografado O teatro em Santa Maria, supõe que a
vida teatral na cidade de Santa Maria remonte às primeiras décadas do século XIX, com
representações dramáticas em reuniões familiares. O primeiro teatro na cidade, enquanto
edificação, seria inaugurado em 1889, por João Daudt Filho
10
, com o nome de Theatro Treze de
Maio.
O Treze de Maio acabou incentivando também (e inclusive) o teatro profissional, que
passou a visitar a cidade com maior freqüência, mas companhias teatrais que à época viajavam
pelo Brasil. (DAUDT, 1949).
Com a inauguração do Cine-Teatro Coliseu em 1911, surgiu a figura de João Belém
11
que, a partir daí e até sua morte, em 1935, animou a arte teatral na cidade. Belém se dedicou a
escrever peças entre os anos de 1917 e 1930, dentre elas Corações gaúchos, A professorinha e
Comédia da vida, todas com apresentações na cidade.
Ainda na década de 1930, destacaram-se Lamartine Souza, Fernando do Ó e Rubem
Belém - este último ator e diretor das peças de seu pai, João Belém. Em 1938, a peça de revista
Na Boca do Monte, de autoria de Rubem Belém e Pelissier Cruzeiro, dirigida por um dos autores,
10
João Daudt Filho nasceu em Santa Maria em 1858. Cursou Farmácia na Faculdade do Rio De Janeiro na década
de 1877. Retornou à Santa Maria em 1882 e “tornou real uma antiga aspiração dos moradores de Santa Maria: a
construção de um teatro, pois a cidade só possuía circo de cavalinhos, que muito esporadicamente aí chegavam.”
(RÉCHIA, 1999, p. 170).
11
João Belém nasceu “em 24 de março de 1874 em Porto Alegre e faleceu em Santa Maria em 24 de junho de
1935. (...) Em 1902 descobre o mundo maravilhoso do teatro, escrevendo sua primeira peça Notas falsas, uma
revista de costumes que teve sua estréia na capital. Dali por diante não cessou sua atividade teatral. Quase uma
vintena de comédias musicais e revistas foram escritas e representadas em Santa Maria e em outras cidades do
interior.” (CARDOSO, 2000, p.7).
78
Rubem Belém, registra grande sucesso na cidade. Outro sucesso deste ano foi A aposta, de
Fernando do Ó. Em 1940, Rubem Belém encenou a comédia Nara, trazendo no elenco a atriz
Edna Mey Budin, que viria a se casar com Edmundo Cardoso em 16 de janeiro de 1943.
(CARDOSO, 1978).
O Coliseu mantinha, pois, uma programação regular de teatro. Nos anos 30, a opereta A
casa das três meninas marcou época neste palco. Este teatro foi demolido por volta de 1950,
dando lugar ao Cine-Teatro Glória.
Como se vê, os anos 30 foram bastante ativos no que diz respeito à vida teatral. Parece-
nos que foi esta experiência que embasou as vivências juvenis de nossos atores. Eles perseguiam
e se encantavam com este mundo dos palcos.
Em 23 de julho de 1943, no jornal A Razão, Fernando do Ó, que já havia escrito cinco
peças, A Aposta, Vovô quer casar, Menino prodígio, Escola da vida e Esta vida é uma prisão,
comentou sobre a importância da “criação de uma escola de arte dramática para o aproveitamento
dos elementos inclinados à cena teatral. Se tivéssemos melhores intérpretes em fartura, poderíamos
apresentar mensalmente uma festa de arte à cidade.” (p.13).
A concretização dessa aspiração ocorreu nesse mesmo ano com a criação da Escola de
Teatro Leopoldo Fróes. O grêmio dos estudantes do Colégio Centenário convidou Edmundo
Cardoso, que vinha se destacando na produção de teatro amador, para organizar um espetáculo
chamado Saudade, de Paulo Magalhães (que foi encenada em 30 de julho de 1943). O objetivo
primeiro era o de angariar fundos para os cofres do Grêmio das Formandas do colégio.
12
Edmundo Cardoso, com o ator Setembrino Souza, organizou o elenco e equipe técnica
para levar a peça, que era formado, além deles próprios, por “Marconi Mussói, Dalton Couto,
José Medeiros, Luiz Gonzaga Schleiniger, Adão Fortes (...), Nair Miorin, Adyles da Silva, Atia
Paiva Mendes e Iza Prates.” (CARDOSO, 1978, p. 15).
O espetáculo teve boa acolhida na cidade, em uma única apresentação com lotação
esgotada. Aos atores masculinos juntaram-se atrizes, à época estudantes e professoras do Colégio
Centenário, e encenaram um espetáculo para ser aplaudido pela sociedade local. (Figura 5).
12
O Colégio Centenário foi fundado em Santa Maria em 1922, por iniciativa da Igreja Metodista do Brasil e hoje
possui capacidade para 1700 alunos, entre pré-escola, 1º e 2º graus, supletivo do 2º grau e curso de Processamento
de Dados. (COSTA BEBER, 1998).
79
Em 10 de dezembro de 1943, em reunião no salão da antiga Faculdade de Farmácia
13
(cedido pelo então diretor, Francisco Mariano da Rocha), foi fundada a Escola de Teatro Leopoldo
Fróes, consolidando o teatro amador santa-mariense. Na seção inaugural foi eleita a primeira
diretoria da Escola para a elaboração dos estatutos sociais,
14
estando assim composta: Diretor
de Cena, Edmundo Cardoso; Diretor Artístico, Setembrino de Souza; Secretário, Carlos Grau;
Pontos, Lisboa Carrion e Edmeu Lobo; Contra-regra, Marconi Mussói; Arquivista, Walter Grau;
Eletricista, Nilo Pulino; Tesoureiro, Gentil Maciel; Cenógrafo, Eduardo Trevisan; Publicistas,
Adão R. Barcelos e Olinto Oliveira Neto; Maestro, Garibaldi Poggetti; Conselho Fiscal, Luiz
Bollick, Garibaldi Fillizzola, Henrique Bastide, Victor Hugo Pinto, Alcides Vale Machado e
13
A Faculdade de Farmácia de Santa Maria foi fundada em 1931 por Francisco Mariano da Rocha. Em 1948 foi
incorporada à Universidade do Rio Grande do Sul, permanecendo nesta situação até 1960, quando ocorre a
criação da Universidade Federal de Santa Maria. (COSTA BEBER, 1998).
14
Ficava previsto nesta ocasião que a segunda reunião ocorreria em 20 de dezembro de 1943, para discussão e
aprovação dos estatutos. Entretanto, não há registro de reuniões no Livro de Atas entre 1943-1948. Depois da
fundação da Escola em 10 de dezembro de 1943, a próxima Ata data de 02 de dezembro de 1948.
Figura 5: Integrantes da ETLF. Sentados: Edna Mey Cardoso, Edmundo Cardoso,
Paulicéia Souza, Setembrino Souza, Dima Medeiros e José Medeiros. Em pé: Atia
Paiva Mendes, Alemão, Mauro Mussói, Moisés Sanchis, Luiz Gonzaga Schleiniger,
Nair Miorin Paiva, Geolar Badke, Adiles Silva, Wilson Denardin e Marconi Mussói.
(1943).
Fonte: Acervo particular EC.
80
Francisco Dania. Nessa mesma ocasião foi escolhida a comissão composta por Edmundo Cardoso,
Walter Grau e Setembrino Souza para elaborar os estatutos sociais. (Ata de Fundação da ETLF
Santa Maria, 10 dez 1943, p. 1).
Entretanto, o registro civil da ETLF, enquanto pessoa jurídica, foi efetuado somente 10
anos após a apresentação da primeira peça:
Revendo neste Tabelionato os Livros de REGISTRO CIVIL DE PES-
SOAS JURÍDICAS, dele consta o Registro sob número cento e trinta e
três (133) de ordem, à folhas setenta e sete (77), do Livro “A nº 2”
TRASLADADO, de: “ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES”,
efetuado em data de vinte e seis (26) de março do ano de mil novecentos
e cinqüenta e três (1953). (CERTIDÃO, 1º TABELIONATO, 1970).
Ainda em 1943, seria encenada Compra-se um marido, seguida por Deus lhe pague
carro-chefe do teatro brasileiro até então. Marido número cinco e Os divorciados, em 44. No
elenco dessas peças, além dos artistas já mencionados em Saudade, ingressaram Vilson Dernardin,
as irmãs Nídia e Maria Menezes, Mauro Mussói, Dilma Medeiros, oriunda do Grupo Lobo da
Costa, América Achutti e Murias Bastos, locutor de rádio.
O ano de 1945 ainda acentuava o repertório nacional, o que era em parte motivado pela
dificuldade em se obterem textos estrangeiros e em parte pela insistência de Setembrino Souza,
que preferia remontar textos com garantia de sucesso. Seria então o ano de Maria Cachucha e
Feitiço
15
e de A barbada, comédia cujo tema central era o turf envolvido na malícia carioca e
Pertinho do céu, peças até então não produzidas no Estado.
A orientação de Setembrino nos indica uma visão pragmática da vida teatral. Ele pensava
na bilheteria e não se deixava influenciar por anseios da arte [teatral] pura, que tanto permeavam
os textos e falas de Edmundo Cardoso e seus atores posteriormente.
O ano de 45 também foi marcado por duas mortes nos quadros da ETLF: de Miguel
Dequech, maquinista amador que exercia sua função profissional no Cine-Teatro Imperial e do
ator Murias Bastos, locutor da Rádio Imembuí. Ocorreu também, nesse ano, o ingresso na Escola
15
Feitiço seria encenada novamente em 1977 com dois atores remanescentes de 45: Nair Miorin Paiva e Edmundo
Cardoso. Na temporada de 77, foi a última aparição de João Teixeira Porto (2003) na Escola: “A última peça de
teatro que eu fiz foi Feitiço, de Oduvaldo Viana [1977]”.
81
de Menotti Lobo Francisco Marranquiel e Antonio Carvalho Filho, que incorporaram as
montagens. Como a Escola continuava produzindo teatro brasileiro, tão logo as peças faziam
sucesso no Rio de Janeiro e São Paulo, já estavam sendo encenadas em Santa Maria.
O fato da Escola chegar a montar em um ano quatro peças devia-se, segundo EC, ao fato
de as oportunidades de lazer serem mais escassas que na atualidade. O teatro apenas concorria
nas décadas de 30 e 40 com o cinema e as reuniões dançantes aos sábados e domingos, não havia
tantos esportes e a oportunidade de estudo para os jovens era mais rara. Nas décadas seguintes
“raro era o ensaio em que se podia ter 50% do elenco e, como o teatro é equipe e conjunto, ficava
difícil andar depressa com os ensaios. Mas naqueles tempos tudo era mais fácil.” (CARDOSO,
1978, p. 11).
O ano de 1946 se distinguiu pela doação de “quase um vagão de cenários em cenoplastia
(madeira, tecidos, metais, apliques [para cabelo]) e recursos inúmeros” por Procópio Ferreira
16
,
que já mantinha sólida amizade com EC. (CARDOSO, 1978, p. 11). A respeito do material
doado, lembra Geolar Badke (2003) que “naquele tempo ainda se usava bastidores (...) com
madeira e pano (...). Em uma das vezes em que Procópio Ferreira
17
esteve em Santa Maria,
deixou o material de cena para a Escola e, a partir desse momento, começamos a montar a sala
completa.”
Mas no ano de 1946 também ocorreria o afastamento temporário de Setembrino Souza,
o que marcaria uma certa modificação nos rumos do repertório da Escola, que passou a montar
peças de “maior responsabilidade e mais apuro cênico (...). O grupo começou a montar peças de
autores internacionais, como Ibsen, Albee, Casona, Prietsley, Ubo Betti e outros.” (COSTA,
1985, p. 15). Na verdade, esse apuro cênico muito se devia à doação de grande quantidade de
16
Procópio Ferreira nasceu no Rio de Janeiro. Cursou a Escola Dramática Municipal e estreou em 1916, na
Companhia Lucília Péres. Trabalhou em várias companhias e na de Abigail Maia, no Trianon, obteve seu primeiro
grande êxito fazendo o papel de Zé Fogueteiro na peça A Juriti, de Viriato Corrêa. Em 1924, fundou sua própria
companhia que logo se firmou como uma das principais do país. A partir dessa época, começou a disputar com
Leopoldo Fróes a preferência do público. A consagração definitiva veio em 1933, fazendo o falso mendigo da
comédia de Joracy Camargo em Deus lhe pague, que passou a ser o carro-chefe do seu repertório. Depois de vê-
lo interpretando Médico `a força, de Molière, Louis Jouvet enviou mensagem convidando-o a fazer com ele em
Paris, o Sganarelo no Don Juan. Critica-se em Procópio o oportunismo e nenhum esforço pela renovação dos
processos em seu teatro. (PRADO, 1986).
17
“É de registrar-se ainda a presença em Santa Maria, em 1943, de Procópio Ferreira e seu elenco, como o inevitável
sucesso e incentivo ao teatro local; a partir de então, compareceu ele regularmente até a década de 1960.”
(HESSEL, 1999, p. 129).
82
material cênico à Escola por Procópio Ferreira.
Em 1947, a Escola lançou a comédia Era uma vez um vagabundo, que contou com os
novos atores, dentre eles, Rafael Seligman, Nicolau Viola, Luiz Carlos Serpa e Sílvio Santos
Braga. Neste mesmo ano encenou seu primeiro êxito dramático, Pense Alto, marcando um
momento de transição na Escola, “que iniciava a sua escalada no rumo da arte de fazer pensar.”
(CARDOSO, 1978, p. 1). Estreariam na montagem elementos cenográficos novos, como luz,
som e efeitos especiais. Mas a moral rígida da época se manifestou pelos jornais, tachando a
peça amoral, pois “pregava o amor livre, o descompromisso no amor...etc. etc.” (CARDOSO,
1978, p. 12).
Influenciada ou não pela crítica, a Escola retornou à comédia e ao divertimento com O
calcanhar de Aquiles, em 1948 e Lar doce lar, em 1949. Em 1950, “chegava ao fim a crise
interna iniciada em 1948 e que gerara o afastamento de alguns atores, fruto de uma acalorada
assembléia. A Escola levou dois anos para recompor-se.” (CARDOSO, 1978, p. 12).
18
A Escola
encenou então Avatar, comédia que tentou inovar outra vez na montagem. Nessa peça João
Teixeira Porto estreou como auxiliar de contra-regra.
Em 1951, a Escola encenou pela primeira vez uma peça internacional, É proibido suicidar-
se na primavera, porém ainda dentro do estilo comédia romântica. A peça foi traduzida para a
Escola pelo jornalista J. Garibaldi Fillizzola. “Em É Proibido Suicidar-se na Primavera eu fui
o ponto. Os ensaios iam até tarde, até as 23 horas, o inverno era rigoroso e o Cardoso era
exigentíssimo.” (PORTO, 2003). Essa peça também contaria com o ingresso de Wilde Quintana
na Escola que, além de haver se destacado como ator, traduziu alguns textos que não chegaram
a ser encenados.
Em 1952, a Escola de Teatro começou a elaborar a idéia da construção da sede própria.
“Para isso contou como apoio do Prefeito Heitor da Silveira Campos [1952-56], da Câmara de
Vereadores e das forças vivas da cidade.” ( CARDOSO, 1978, p. 13).
18
Na segunda Ata da Escola, ocorrida em 2 de dezembro de 1948, nota-se divergências entre os componentes da
ETLF quanto a elaboração dos Estatutos. Na mesma ocasião, Geolar Badke demitiu-se do cargo de Diretor
Secretário e houve votação para nova diretoria, que ficou assim composta: Diretor Geral, Walter Grau; Diretor
de Cena, Edmundo Cardoso; Diretor Comercial, Braulio Souza; Diretor de Montagem, Marconi Mussói e Diretor
Secretário Wilson Dernardin. Não há menção ao cargo de Diretor de Artístico, exercido por Setembrino Souza,
quando da fundação da Escola em 1943, da mesma forma que o mesmo não participou desta Assembléia Geral.
(Ata Nº 2, 2 Dez. 1953, p. 3).
83
Ainda em 1952, a Escola de Teatro, por seus elementos técnicos, carpinteiros, marceneiros,
funileiros, ferreiros, eletricistas, cenaristas, desenhistas, maquiladores e ensaiador, iniciou vários
grupos de jovens escolares dos cursos secundários locais nos segredos da arte teatral,
patrocinando-lhes espetáculos e auxiliando-os em tais realizações. Por várias vezes a Escola
Normal Olavo Bilac recorreu aos préstimos dos técnicos da Escola de Teatro.
Este momento foi de amadurecimento da ETLF. A agremiação definiu o seu perfil enquanto
grupo teatral no início dos 50. Deixou de orientar-se pela visão pragmática de Setembrino e
investiu numa linguagem cênica mais apurada, dando preferência a textos de maior relevância
cultural. Também estabeleceu vínculos com autoridades municipais – para criação de seu próprio
teatro –, iniciou-se na tarefa pedagógica da formação de atores e consolidou um corpo técnico
para apoiar as apresentações. Na verdade, deixava de ser apenas um grupo de amadores movido
pelo diletantismo.
A tensão entre amadorismo diletante e atuação profissional parece ter sido constante na
história da ETLF. Se tivermos presente o contexto da cidade de Santa Maria – sua diminuta
classe média, suas poucas casas de espetáculos – concluíremos que era um conflito sem solução.
O desenvolvimento cultural da cidade impulsionava um amadurecimento no campo das artes, o
restrito desenvolvimento econômico estabelecia claros limites para o crescimento de um mercado
de artes.
As bodas do diabo, outra peça estrangeira, seria encenada em 1952, com tradução de
Edmundo Cardoso e Wilde Quintana. Peça com grandes recursos cênicos e jogo de luzes obteve
sucesso em Santa Maria e na temporada no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, em 1955, quando
também foram encenadas A raposa e as uvas e Espectros. O figurino foi desenhado por Eduardo
Trevisan e Maria Leda Martins e executado por Julieta Roth para o elemento feminino da peça
e por José Medeiros para o elemento masculino.
O autor, Aurélio Ferretti, a quem fora solicitado autorização para a Escola encenar sua
peça, respondeu que “cuente com mi autorización para todas las representaciones que de la
misma obra efetúe esa Escuela de Teatro en Santa María, esperando que esta carta sirva a esos
84
efectos.”
19
(FERRETTI, 1952). O autor também fora convidado a assistir ao espetáculo, e, embora
tenha aceitado o convite, não pôde comparecer. Entretanto, “com essas peças, a organização fez
grandes excursões e temporadas longas em outras cidades, recebendo prêmios, distinções e
diplomas de arte. Era o reconhecimento do valor dessa organização teatral santa-mariense que
já começava a ser conhecida além do Estado.” (COSTA, 1985, p. 15).
Encenada três vezes na cidade de Santa Maria, As bodas do diabo, ao preço de Cr$ 10,00
o ingresso, tornava os espetáculos da Escola de Teatro os mais baratos do país, tendo-se em
conta o teor técnico e artístico das suas realizações. Efetivamente, a Escola de Teatro logrou
apresentar, em um espetáculo de teatro em prosa, uma montagem luxuosa, libreto invulgar, e
interpretação rigorosamente apreciável, segundo a imprensa local. Com o ingresso a baixo custo
buscava atingir e difundir entre todas as camadas sociais do meio de que se servia a arte teatral
amadorística, a fim de que todos os integrantes da sociedade pudessem assistir a seus espetáculos.
Esta afirmativa é corroborada pelo depoimento de Jorge Beduino Ramos Medeiros (2003),
segundo o qual,
Ela [a ETLF] sempre teve público, nunca diminuiu. Sempre teve casa
cheia. Nunca tivemos nem meia casa, sempre casa cheia. Todas as clas-
ses sociais iam ao teatro, desde as vilas mais pobres. O Cardoso era
muito conhecido e tinha bom relacionamento com essas pessoas que
moravam mais afastadas. Ele se dava desde o engraxate até o general
comandante. Vinham as famílias inteiras assistir a Escola.
Ainda durante os anos 50, a Escola de Teatro teve o ensejo de ceder elementos artísticos
seus para integrarem conjuntos teatrais profissionais que se apresentavam na cidade, em momentos
em que isso se fez preciso, como para as Companhias Maria Della Costa e Sandro Polônio e
para a de Tônia Carrero, Paulo Autran e Adolfo Celi .
Até aqui, foram incluídos no breve histórico da ETLF, as peças encenadas entre sua
fundação em 1943 e o ano de 1952 graças - além das Atas e dos depoimentos -, a uma revista
publicada nos anos 70 pela Universidade Federal de Santa Maria, O Quero-Quero, na qual
Edmundo Cardoso escreveu sobre a Escola, em três edições seguidas, em 1978. A partir daí
cessam as memórias de Cardoso na revista. Como as peças serão comentadas individualmente
19
Tradução para a Língua Portuguesa: “Conta com minha autorização para todas as apresentações que a Escola de
Teatro de Santa Maria efetuará da mesma obra. Espero que esta carta sirva para esse propósito.”
85
no próximo capítulo, optamos por menioná-las somente até aqui, período abordado por EC na
revista, seguindo entretanto, com o andamento efetivo das realizações da Escola.
O movimento da ETLF até este momento nos permite algumas afirmações, especialmente
quanto à capacidade de articulação que Edmundo Cardoso realizava. A Escola congregava atores
vindos do teatro amador e profissional, integrava mulheres atrizes vindas de espaços de
respeitabilidade (não esquecer de que a tradição no teatro rio-grandense, conforme aponta Hessel,
é de atrizes prostitutas), congregava técnicos capazes e artistas como Eduardo Trevisan para
elaborar os cenários, assim como contactava com autores da região platina. De acordo com o
desenvolvimento das artes e da técnica na cidade, temos a impressão de que Cardoso contava
com o que havia de melhor nessa época.
Em 1953, a Escola foi convidada pela Sociedade Cultural Recreativa Treze de Maio
20
para colaborar em um festival em benefício dos associados da instituição. A finalidade do convite
“consistia em patrocinar e incentivar a iniciativa de referida sociedade na fundação, nesta cidade,
do Teatro Exprimental do Negro,” visto que “desse ato adiviriam determinados fatores favoráveis
à Escola.” (Ata Nº 5, Mar. 1953, p.10). O assunto foi amplamente discutido entre os membros da
Escola em duas Assembléias Gerais ocorridas em março de 1953: “Retornando ao assunto da
criação do Teatro Experimental do Negro, decidiu-se que a diretoria do ‘13 de Maio’ convidaria
outras sociedades da raça negra, notadamente a ‘União Familiar’, a participar desse movimento.”
(Ata Nº 6, 24 Mar. 1953, p. 11). Entretanto esse projeto não se efetivou: “Isso foi mais um sonho
do Cardoso”, declara Geolar Badke (2003).
Sonhos, por sinal, jamais faltaram na ETFL. O entusiasmo de Edmundo Cardoso em
projetar grandes encenações teatrais, um teatro próprio e mais outras tantas atividades culturais
até hoje estão presentes na falas e nos olhos daqueles que participaram da ETLF. Mesmo quando
se constata a não-realização de alguns projetos, percebe-se a satisfação pela ousadia encenada.
Desde sua fundação, a ETLF distribuía convites e efetivava parcerias com empresas e
instituições, que possibilitassem aos seus agregados o acesso aos seus espetáculos, como ficará
mais claro no próximo capítulo, que tratará das peças encenadas pela ETLF. Entretanto, somente
20
A Sociedade Cultural Ferroviária 13 de Maio foi fundada no ano de 1903 por negros ferroviários. A primeira
sede da Sociedade, localizada na rua 24 de Maio, atual Silva Jardim, tinha sua estrutura de madeira e teto de
zinco, tendo sido construída com tábuas de vagões de trens desmanchados. (ESCOBAR, 2001).
86
em 1954, a Escola começou a se preocupar em limitar o que chamava de entradas-convite, de
modo que estas ficavam restritos “aos membros da Escola, aos sócios contribuintes e aos sócios
ativos que hajam tomado parte no espetáculo no momento”, sendo que nos três casos da concessão,
ficava limitado a uma entrada-convite para a pessoa que estivesse enquadrada em tal
determinação. (Ata Nº. 28, 9 Dez. 1954, p. 24).
Sobre a temporada em Porto Alegre, no Teatro São Pedro, em 1954, em apresentações
alternadas com o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), Edmundo Cardoso declarava que
é preciso acabar com a lenda de que são os do Norte que vêm. Quando o
teatro de Amadores de Pernambuco esteve em Porto Alegre, resolvi fa-
zer um teste: apresentamos, no mesmo dia, no mesmo teatro, a mesma
peça que o TAP encenou – Curvas Perigosas, de Priestley. O resultado
foi satisfatório (...). Faremos agora uma experiência mais decisiva: em
julho de 55, viremos a Porto Alegre com três peças: Ibsen (...), Sartre e
uma outra de autor Argentino, ainda em estudo. Se o resultado for bom,
iremos até Recife, e na volta faremos uma rápida temporada no Rio.
Será a prova de fogo da nossa Escola. (A Hora, 1954, p. 9).
A Escola conseguiu levar ao Teatro São Pedro, em 1955, Espectros, de Ibsen, A raposa
e as uvas, de Guilherme de Figueiredo e As bodas do diabo, do argentino Aurélio Ferretti, com
considerável sucesso, conforme a imprensa escrita na época. Porém, não encenou Mortos sem
sepultura, de Sartre, naquele teatro, nem viajou ao Recife e ao Rio de Janeiro, como era pretendido
pelo Diretor Geral da Escola.
Sobre a temporada na capital rio-grandense em 1955, escreveria Dante de Laytano:
A ETLF, de Santa Maria, revela-nos, antes de mais nada, o quanto pode
o entusiasmo, do que é capaz a força de vontade e o esplêndido signifi-
cado da iniciativa particular. Confinados na sua cidade de interior, onde
faltam recursos não só materiais mas intelectuais, os jovens amadores
deram um passo corajoso na longa jornada da arte. Intérpretes de um
mundo imaginário, estas destemidas criaturas que vivem na cena os pro-
blemas da angústia e da alegria, merecem não apenas os aplausos da
platéia e sim o apoio, a solidariedade e a admiração de todos nós, que, de
uma maneira ou de outra, alimentamos a esperança de valorizar a beleza
87
das coisas espirituais. (Os amadores de Santa Maria, Dante de Laytano,
A Hora, 15 jul. 1955).
Entretanto, a idéia da casa sempre cheia afirmada por alguns jornais e pelos depoentes,
possui um contraponto em um artigo que referia à temporada da Escola em Porto Alegre, em
1955, ainda que elogiasse a iniciativa e coragem dos amadores santa-marienses:
Na verdade, o que decepcionou foi ver o Teatro São Pedro quase vazio,
quando um grupo de moços, corajosos, atirados, e de valor, resolveu
arrumar as malas em Santa Maria e vir fazer teatro em Porto Alegre. (...)
Também trazem a mesma vontade de acertar. Também se municiaram de
um punhado de peças de primeira plana. (...) É o que esses moços de
Santa Maria vêm fazendo. Eles são sua própria bússola. É sem mestre,
tateando, buscando caminho, que eles enveredam pelo terreno desco-
nhecido e vão descobrindo o mistério. Primeiro, para si; em seguida,
para os outros. (Jornal A Hora, Um repórter na platéia: A Raposa e as
Uvas, Josué Fávaro, Porto Alegre, 12 jul. 1955, p. 9).
Mas Edmundo Cardoso também estava confiante de que realizara seu sonho e de todos
os integrantes da ETLF quanto à construção da sede própria para a Escola, em sua temporada na
capital:
Edmundo Cardoso transmitiu-nos notícias acerca do antigo projeto da
ETLF, qual seja o da construção, em breve, do teatro próprio da entida-
de, em terreno que lhe foi doado pela municipalidade de Santa Maria.
Agora, ao ensejo da sua presença na capital, o diretor da Leopoldo Fróes
vai entregar um memorial ao Governador Ildo Meneghetti, solicitando o
apoio material do Estado para o início da construção daquele teatro. (Cor-
reio do Povo, 1955, p. 7).
Foi justamente durante os prepativos e ensaios para a temporada em Porto Alegre que a
Escola sofreu uma perda considerável em seu elenco, com o afastamento de Maria Lêda Martins.
A atriz, com seu então noivo, o arquiteto e urbanista Francisco Riopardense de Macedo, ligado
ao PCB, justificou sua saída da Escola pelo fato de que as peças encenadas “não condiziam com
88
as orientações do Partido, pelo contrário, até deixavam margem para combatê-lo.” Riopardense
taxava de “imorais as peças que a Escola de Teatro levava.” (Ata Nº. 30, 14 abr. 1955, p. 27).
21
Foi justamente nesta ocasião que Edmundo Cardoso recorreu ao então Secretário de
Educação do Estado do Rio Grande do Sul, Liberato Salzano Vieira da Cunha “pedindo
autorização de dispensa, ou melhor, pôr em disponibilidade remunerada a antiga atriz Nair Miorin
Paiva, para substituir a senhorita Maria Lêda Martins, à serviço da Escola de Teatro.” (Ata Nº.
30, 14 abr. 1955, p. 27). Nair Miorin Paiva exercia, na época, a função de professora estadual e
foi cedida à Escola pelo órgão estadual competente, a Secretaria da Educação do Estado.
Vários eventos marcariam as comemorações do Jubileu de Prata da Escola, em 1968,
dentre elas, a inauguração da Travessa Leopoldo Fróes
22
, uma iniciativa de Edmundo Cardoso
para homenagear o ator brasileiro. Em carta a Djalma Bittencourt, membro da SBAT, EC informa
que “a inauguração aconteceu em 25 de março findo [1968], Dia Internacional do Teatro (...) por
nossa iniciativa e como marco inicial do vasto programa que, durante 1968 (...) vamos cumprir
em nossa cidade.” (CARDOSO, 1968).
Também por ocasião das comemorações dos 25 anos da Escola, foi inaugurado o busto
de seu patrono Leopoldo Fróes, executado pelo artista santa-mariense Ermenegildo Marotto, na
Praça Saldanha Marinho. A respeito da homenagem, a Revista de Teatro divulgou que “a Escola
de Teatro Leopoldo Fróes inaugurou há algum tempo, na praça principal da cidade, a herma de seu
patrono o grande intérprete brasileiro do começo do século.” (Revista de Teatro, 1974, p. 21).
Ainda em 1968, a Escola encenou novamente A raposa e as uvas, de Guilherme de
Figueiredo, para comemorar seu Jubileu de Prata. Na lembrança de Jorge Beduino Ramos
Medeiros (2003), houve “comemoração no Clube Caixeiral, à qual compareceram Maria Della
Costa, seu esposo Sandro e mais uma pessoa ligada ao Procópio Ferreira, talvez a Bibi Ferreira.”
Entretanto, não há documentação referente à presença de Maria Della Costa neste evento, no
dossiê da peça em questão.
Em 1969, uma carta de Edmundo para o presidente do Clube Caixeiral Santamariense
21
Na ata de abril de 1955, que trata do desligamento da atriz vinculada ao PCB, lê-se “Partido Comunista do
Brasil”. Como a historiografia registra PCB para o partido comunista nesta época, decidimos por esta grafia. O
PCdoB é uma dissidência do PCB, criada em fevereiro de 1962. (SEGATTO, 1989. p. 105).
22
A Travessa tem acesso pela Rua Riachuelo, ficando entre as ruas Pinheiro Machado e Tuiuti, em Santa Maria.
89
ratifica os depoimentos dados, sobre a importância de tal clube para a realização dos ensaios da
Escola de Teatro: “Vimos solicitar a continuidade da concessão de licença para que a Escola
realize no palco desse clube, os seus ensaios teatrais.” (CARDOSO, 1969).
Entre 10 e 11 de dezembro de 1973, no 30º aniversário de atividade da Escola, foi marcado
um programa que estabelecia uma visita aos túmulos dos companheiros falecidos, no Cemitério
Municipal, iluminação festiva do busto de Leopoldo Fróes, inaugurado cinco anos antes; sessão
solene de entrega de estatuetas
23
, diplomas e distinções aos sócios fundadores ainda em atividade
cênica ou que houvessem se destacado no teatro amador; exposição retrospectiva de fotografias
e projeção de slides em cores e filmes de cenários da Escola de Teatro e “no decurso desse mês
se realizaram ainda atos comemorativos da passagem da notável efeméride, que foram
oportunamente anunciados à comunidade.” (Revista de Teatro, 1974, p. 5).
De fato, a Agência de Correios e Telégrafos apresentou uma vitrine com o Teatrinho de
Fantoches da Escola de Teatro Leopoldo Fróes como parte das atividades comemorativas do
ano de 1973.
Como nessa época a Escola já contava com um coral sob a direção de Cacilda Bohrer e
mantinha o referido teatro de fantoches a cargo de Edna Mey Cardoso, “foi prestada uma
homenagem a Edmundo Cardoso e à Maestrina Cacilda Bohrer, com a inauguração de duas
placas de bronze, no hall do Centro Cultural da importante cidade gaúcha, testemunhando a
gratidão do município a esses dois idealistas.” (Revista de Teatro, 1974, p. 21). O Centro Cultural
funcionava então no antigo Theatro Treze de Maio, duas décadas antes de sua reforma.
Em 1974, a Escola mantinha como Diretor Geral, Edmundo Cardoso; Diretor Secretário,
Geolar Badke; Diretor de Almoxarifado, Marconi Mussói; Diretor tesoureiro, Braulio Souza;
Diretor Técnico, Jaime Roos e Conselho Fiscal, Salvador Isaia, Joé Medeiros e Almiro Beltrame.
Em dezembro de 1978, a ETLF comemorou seus 35 anos homenageando Martins Penna
(1815-48) e Joracy Camargo (1898-1973)
24
com a designação, pela Câmara Municipal de
23
As estatuetas eram réplicas do busto de Leopoldo Fróes na Praça Saldanha Marinho, igualmente executadas por
Ermenegildo Marotto.
24
Joracy Camargo nasceu no Rio de Janeiro. Começou no teatro aos 14 anos, como ator amador. Estreou como
autor com a revista Me leva, meu bem. Integrou a equipe de Álvaro Moreyra no Teatro de Brinquedo. Primeiro
90
Vereadores - por solicitação da Escola - de dois nomes de rua: Martins Pena
25
e Deus lhe pague
26
.
Segundo Edmundo Cardoso na época, a homenagem foi merecida, pois “Martins Pena, de passado
brilhante no teatro brasileiro, remontando ao tempo do Império, quando criou a comédia brasileira
e Joracy Camargo, mais moderno, criando o teatro brasileiro de tese com a peça Deus lhe Pague.”
(O Expresso, 1978, p. 8).
Na ocasião, a Escola recebeu dois membros do Conselho Consultivo da Sociedade
Brasileira dos Atores Teatrais (SBAT), Hilda Camargo - que veio receber as homenagens feitas
ao seu pai Joracy Camargo - e Daniel Rocha, dramaturgo, à época professor do Conservatório
de Arte Dramática no Rio de Janeiro.
Na solenidade que marcou a passagem dos 35 anos da ETLF no Salão Nobre da Sociedade
União dos Caixeiros Viajantes (SUCV), Edmundo Cardoso declarou que “se todos os seus esforços
forem vistos com indiferença não desanime. Não desanime, porque também o sol ao nascer dá
um espetáculo todo especial e, no entanto, a maioria da platéia continua dormindo.” A frase não
é original nem de autoria de EC, mas dá o tom exato da persistência em manter a Escola de
Teatro. Nessa mesma ocasião, diria ainda EC que a ETLF “surgiu do anseio das classes intelectuais
em manter um grupo de teatro que utilizasse o enorme potencial artístico que a cidade tinha.” (O
Expresso, 1978, p. 8).
Neste ano de 1978, a Escola de Teatro produziu de Maria Clara Machado, Maroquinhas
Fru-Fru, “comédia para crianças, que, na forma habitual, significou, pela sua montagem, um
espetáculo também para adultos (...). A Escola de Teatro não esqueceu das crianças carentes,
que em número de quase duas mil, assistiram à comédia, graças à generosidade de pessoas e
firmas locais.” Ainda segundo o articulista do artigo referido, “a Secretaria Municipal de Educação
recebeu 900 ingressos para escolares suburbanos.” (A Razão, 1978, p.20).
Na mesma ocasião das comemorações de 1978, Edmundo Cardoso previa para 1979 a
“continuação do programa de difusão de arte, com a encenação de duas peças, ainda não
dramaturgo brasileiro a abordar questões do proletariado, embora de modo ingênuo. Temática que já se insinuava
em O Bobo do Rei (1930) e se torna explícita em Deus Lhe Pague (1933), peça encenada por Procópio Ferreira,
que se tornou o maior sucesso do teatro brasileiro na primeira metade do século 20 e alcançou prestígio
internacional, sendo adaptada para o cinema na Argentina. Anastácio, Maria Cachucha, Fora da Vida e Mocinha,
são algumas de cerca de 50 comédias escritas por Joracy Camargo. (CAFEZEIRO, GADELHA, 1996).
25
Rua localizada no Km 9, no Parque Universitário em Santa Maria, na época um novo reduto residencial.
26
Rua localizada no Km 3 da faixa Camobi, na qual está até hoje o prédio da Polícia Rodoviária.
91
escolhidas” e a “continuação, com vigor especial, seu trabalho para ver reiniciadas as obras do
seu teatro próprio, cuja construção está paralisada há alguns anos, por falta de recursos.”
(CARDOSO, 1978, p. 20).
De fato, a Escola somente voltaria aos palcos em 13 de novembro de 1983, com a produção
da comédia infantil de Lúcia Benedetti, Joãozinho anda pra trás, com os atores Juarez Silva,
Geolar Badke, Dirceu Brum, Jeci Ritter, Ewerton de Oliveira, Paulo Neron Rodrigues, Júlio
Vernei Dorneles e Leda Rechia. Destes, somente Geolar Badke compunha a ETLF desde seu
início em 1943. Após o entusiasmo de Edmundo Cardoso nas comemorações de 1978, ele e a
Escola viriam a sofrer consideráveis perdas.
Em 1979 morreria repentinamente Edna Mey Cardoso, aos 59 anos de idade. Neste mesmo
ano, o Cine-Teatro Imperial, palco de inúmeras apresentações da ETLF, fecharia suas portas.
Em 1981 morreria José Medeiros, tendo encenado, em 1978, Maroquinhas Fru-Fru, sua última
peça e a penúltima da Escola. O sonho da construção do teatro nunca se efetivou. No terreno
doado para este fim permanecem até hoje as fundações iniciadas em 1961.
Uma carta recebida por Edmundo Cardoso, em 1980, denuncia que, mesmo não tendo
levado nenhuma peça neste ano, ele não havia abandonado o teatro, ainda que tal peça jamais
tenha sido encenada pela Escola: “Com satisfação acusamos o recebimento de sua carta de 05
do corrente, em que nos consulta sobre a viabilidade de encenação da peça teatral A mandrágora,
informamos-lhe que a peça poderá ser encenada tanto no Rio Grande do Sul, como nos estados
vizinhos.” (BITTENCOURT, 1980).
Em 1981 Edmundo Cardoso se ressentia da falta de espaço para as práticas relativas à
cultura na cidade. “Atualmente a ETLF não está em atividade. A Escola apresentava suas peças
no antigo Cine-Teatro Imperial que foi fechado 1979. Desde então Cardoso não montou nenhuma
peça. Há mais de dez anos ele luta para construir a sua casa de espetáculos.” (ALAN, 1981, p. 6).
Mesmo assim, EC continuava, ainda em 1983, mantendo contato com o centro do país,
tentando trazer alguma peça, a exemplo da carta da SBAT de 1980, citada acima: “Atendendo à
solicitação que o amigo fez ao nosso companheiro Daniel Rocha, estamos enviando em anexo a
cópia-xerox da peça de Silveira Sampaio, Só o faraó tem alma. (BITTENCOURT, 1983). Como
a anterior, essa peça também não foi encenada pela ETLF.
92
Observa-se nos dossiês que muitos dos fundadores da Escola nela não permaneceram
por muito tempo. Novos atores e equipe técnica foram incluídos no grupo, alguns permanecendo
até o fim. Permaneceu, porém, inalterado durante toda a sua existência, o espírito que norteou a
sua fundação, sendo incorporado pelos novos membros da Escola.
Durante os quarenta anos em que atuou, a Escola de Teatro Leopoldo Fróes contou com
a colaboração de várias entidades como o Clube Caixeiral, onde se realizavam ensaios e algumas
apresentações teatrais, o Cine-Teatro Imperial e o Cine-Teatro Independência, o Instituto de
Educação Olavo Bilac, o Colégio Centenário, a Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição, a
Sociedade União dos Caixeiros e Viajantes e de outras entidades cuja colaboração foi
imprescindível para que os espetáculos fossem encenados.
Outros setores da sociedade santa-mariense deram seu apoio como a Planalto Transportes,
Expresso Mercúrio, Editora Pallotti, Livraria do Globo, Casas Eny S.A ., UFSM, Base Aérea,
Antigo Parque de Moto e Mecanização, Jornal A Razão, Rádio Imembuí, Rádio Santamariense,
Rádio Guarathan, Rádio Medianeira, Rádio Universidade, dentre outros. Contou também com
apoio de artistas e de profissionais autônomos como marceneiros, pintores, eletricistas e
fotógrafos.
Embora a Escola de Teatro tivesse encenado sua última peça em 1983, e portanto, tenha
encerrado neste ano suas atividades em favor da arte, permaneceu ativa enquanto pessoa jurídica
até 26 de abril de 2001, quando foi definitivamente extinta. Neste dia foi convocada uma
Assembléia Geral Extraordinária na residência de Edmundo Cardoso, de acordo com os artigos
38 e 40 do Capítulo VII dos Estatutos
27
. Estavam presentes João Teixeira Porto, Nair Miorin
Paiva, Braulio Araújo Souza, América Achutti, Jorge Beduino Ramos Medeiros, Ruy Maldonado,
Roberto Pezzi, Gilda May Cardoso Santos, Aglaia Pavani e Edmundo Cardoso. Ficou definido
que
27
“Artº 38º - As Assembléias funcionarão com um mínimo de sócios bastante para integrar o corpo de Diretores
e o triplo dos membros do Conselho Fiscal, em primeira convocação. Em segunda e última convocação, com
qualquer número, devendo a segunda ter lugar trinta minutos depois da hora marcada, para a primeira.”
“Artº 40 – Pela guarda e conservação do Patrimônio, será responsável, coletivamente a Diretoria, e,
individualmente, os associados aos quais forem incumbidos a sua guarda e manutenção.” (Estatutos, 1953, p. 6).
93
a Escola de Teatro Leopoldo Fróes atendeu a todas as exigências de seu
próprio Estatuto e que nesta data já não restam nenhum valor a ser
cumprido, pois não existem credores, nem devedores de espécie alguma
e seu patrimônio conforme exigência do referido estatuto já foi doado a
Prefeitura Municipal de Santa Maria, conforme contrato de transferên-
cia e cessão de direitos contratuais e de posse, em 17 de abril de 2001, e
que o pouco material cenográfico que por ventura poderia existir já está
totalmente deteriorado porque na maioria era material recebido por doa-
ções e já reciclado e o saldo bancário que imaginava ter, foi totalmente
consumido pela inflação e por tarifas bancárias. Assim sendo, esta Esco-
la de Teatro Leopoldo Fróes fica dissolvida. (Ata Nº 47, 2001, p. 42).
Este final pode parecer melancólico, mas também pode ser apresentado sob um outro
foco e esta é uma das possibilidades do resgate histórico. É o último ato de uma trama na qual
homens e mulheres atuaram em palcos improvisados movidos por sentimento genuíno de paixão.
Um maestro dotado de magnetismo especial os conduzia e todos os depoimentos recolhidos
sempre apontaram nesse sentido: concordando ou não com este pai austero, os nossos personagens
encenaram um caso singular – o caso da ETLF. E, do mesmo modo como os trens, um dia
dinamizaram a vida da cidade, movimentaram a vida cultural santa-mariense com gestos e falas
inspirados.
O palco: a construção de um teatro para a Escola de Teatro Leopoldo Fróes
Desde o início de suas atividades, os componentes da Escola pensavam construir uma
sede própria, mas por falta de verbas e de apoio governamental tal intenção não se efetivou. O
espírito de luta, o amor à arte teatral e à união do grupo em torno do mesmo ideal fizeram com
que a Escola permanecesse ativa por quarenta anos como “entidade fundamentalmente
amadorística”, tendo “prestado assinalados serviços à causa da cultura rio-grandense, levando
freqüentemente o seu bom teatro a quase todos os pontos do Estado.” (CARDOSO, 1963, p.
135).
Desde 1953 os integrantes da ETLF tentavam que o Prefeito Municipal Heitor Silveira
Campos fizesse a “doação de um terreno para a Escola de Teatro, onde esta pudesse edificar o
94
seu Teatro Popular.” (ATA Nº 8, 16 abr. 1953, p. 12). Por ocasião de uma curta temporada do
ator Procópio Ferreira à cidade em agosto do mesmo ano, voltaram à prefeitura, quando Procópio
“falou ao Exmo. Sr. Prefeito, dizendo da necessidade de ser atendida a pretensão da Escola de
Teatro”, pois entendia Procópio que “seria a Prefeitura de Santa Maria a primeira do Brasil a
doar tão belo exemplo de proteção ao teatro e em particular ao amadorismo teatral.” (ATA Nº
10, 8 ago. 1953, p. 13). (Figura 6).
Em agosto de 1953, a Escola enviaria à Câmara Municipal de Santa Maria um memorial
elucidativo sobre “as atividades, necessidades e pretensões da Escola de Teatro, concernentes a
tramitação, na Câmara, do Projeto de Lei do Executivo, da doação de um terreno,” uma vez que
o Poder Executivo Municipal deveria votar tal projeto encaminhado pelo Prefeito, a respeito da
doação do terreno. (Ata Nº 11, 15 ago. 1953, p. 13). Em setembro de 1953, a Câmara Municipal
de Vereadores votou o projeto de doação do terreno para a Escola enviado pelo Prefeito Municipal
Figura 6: Integrantes da ETLF com Procópio Ferreira, na residência de Edmundo
Cardoso. Sentados: Prefeito Heitor Silveira Campos, Edna Mey Cardoso, Procópio
Ferreira, Nelles Bertollo e Maria Lêda Martins. Em pé: Victor Dernardin, Antero
Corrêa de Barros, pessoa não identificada, Bráulio Souza, Paulo Flores, Paulo Castan,
Jaime Roos, Augusto Menna Barreto, Edmundo Cardoso, Wilde Quintana, Moacir
Santana, João Teixeira Porto, José Medeiros, Walter Billa, Geolar Badke e Moisés
Sanchis. (1953).
Fonte: Acervo particular EC.
95
Heitor Silveira Campos:
Manifestaram-se favoravelmente Moacir Santana, Antônio Abelin, Jor-
ge Motecy, Rubem Corrêa Krebs, Hélio Heller dos Santos, Soel Maciel
de Oliveira, Helena Ferrari e Zeferino Corrêa (...). Apenas o vereador
Firmino Ventura dos Santos manifestou-se contrário à doação, vencendo
pois, por absoluta maioria o projeto. O Dr., Walter Cechela, Presidente
da Câmara, (...) declarou aprovado o Projeto de Lei do Executivo, con-
cedendo assim, à Escola de Teatro Leopoldo Fróes, a doação do terreno
sito à Rua Dr. Bozano, esquina Appel, medindo 17,80 de frente por 36
metros de fundos. (Ata Nº 13, 15 set. 1953, p. 14).
Finalmente, em janeiro de 1954, o Prefeito Municipal entregaria “o documento em que
a municipalidade fazia a doação do terreno prometido pelo Executivo e que a Câmara tornara
realidade.” (ATA Nº 14, 14 Jan. 1954, p. 15). Em maio de 1954, a Escola venderia o terreno à
Odilon Bessa para adquirir outro, mais próximo ao centro da cidade, de “João Paulo, Tarcilo e
Clóvis Bopp (...) situado na Rua Bozano, prolongamento, medindo 20 metros de frente 50 metros
de fundos, murado e contendo uma casa em construção mista, em mau estado, tudo situado a duas
quadras da Praça Saldanha Marinho.” (ATA Nº 19, 11 maio 1954, p. 18). (Figura 7).
Entretanto, a ETLF continuava rivalizando com o cinema a garantia do local para a
apresentação de seus espetáculos, e este fato não passava despercebido pela imprensa, nem
mesmo à imprensa da capital do Estado:
Lutando pela sobrevivência honrosa, na carência de meios, que estamos
no Brasil e os meios para coisas de tal vulto quase sempre se destinam a
outros fins; desbravando preconceitos, numa terra onde ser artista de
teatro ainda é para muitos metier inominável; sem local para as apresen-
tações que os proprietários de cinemas ainda preferem numa tela quantas
vezes bastarem para amealhar uma bilheteria rendosa; enfrentando os
obstáculos na aquisição do ‘direito’ de representar obras, um dos maio-
res absurdos brasileiros, como se obra de intelecto fosse terreno forâneo
que passasse aos pertences de alguém que a tivesse representado; eles
conseguiram sobrenadar nesse mar de empecilhos e chegar até as obras
de seu próprio imóvel, coisa rara nesses Brasis. (A Hora, 1954, p. 13).
96
A intenção de construir uma sede própria foi uma constante em todo o período em que a
Escola esteve atuante. Tanto que as tratativas para a elaboração do projeto da edificação foram
amplamento discutidas nas Assembléias da Escola, até ser executado o projeto para construção
da sede da ETLF no final dos anos 50, pelos engenheiros e arquitetos L. Ganzo de Castro, F.
Soares, P. Fernandez e S. Almalen, com capacidade em torno de 800 lugares. ( Figuras 8 e 9).
A não concretização deste projeto foi mencionada por todos os depoentes com certo
pesar. Sobre esse assunto, foi escrito em 1969 que “até agora a sede ainda está nos alicerces (...).
A verdade é que para ser construído um prédio nos modelos modernos e que sirva para este fim,
muito dinheiro se faz necessário. E os setores governamentais não dão auxílio algum.” (A Razão,
1969, p. 3).
Antes disso, em 1955, a imprensa da capital do Estado denunciava o descaso do poder
público com o incentivo à cultura: “Há no Estado dos senhores, bem ali em Santa Maria, um
movimento maravilhoso de educação e cultura que o braço e a coragem de um homem, cercado
de fanáticos, levaram avante até hoje: o grupo amadorista de teatro Leopoldo Fróes.”
No mesmo artigo, o articulista divulgava que “um processo referente a uma doação
Figura 7: Região central de Santa Maria,
identificando o terreno adquirido pela ETLF
em 1953. Foto Bondarenko. (Anos 60).
Fonte: Acervo particular EC
97
Figura 8 e 9: Planta baixa e desenho do croqui da fachada frontal do
edifício sede da ETLF. (final dos anos 50).
Fonte: Acervo particular EC.
98
especial para a construção do Teatro Escola Leopoldo Fróes de Santa Maria esteve encalhado
num guichê qualquer da nossa administração pública.” (FERREIRA, 1955, p. 13). Alguns anos
após, “a Escola de Teatro tem, em construção paralisada, na Rua Dr. Bozano, um teatro, que foi
iniciado em 1961 e paralisou em fim de 62, porque a inflação corroeu os recursos que nós
tínhamos.” ( Cardoso apud COSTA, 1985, p. 15).
Passados trinta anos, em 1985, a imprensa local ainda retornava ao assunto, afirmando
que “a Escola sentiu necessidade de ter o seu próprio teatro, dotado de todas as condições
necessárias para a montagem de uma peça de teatro de qualidade. Durante o governo municipal
de Heitor [Silveira] Campos [1952-56], foi doado a organização um terreno para este fim.” A
Escola já havia cessado suas atividades desde 1983, mas Edmundo Cardoso ainda pensava poder
concretizar a idéia de uma casa de espetáculos na cidade por meio de verbas federais que
possibilitassem a construção do teatro, “só que as verbas foram insuficientes, a obra teve que ser
interrompida, e até hoje, nem o Estado, nem a União e muito menos o município, se preocupou
em dar continuidade ao trabalho de construção do teatro.” (COSTA, 1985, p. 15).
Até então já haviam sido feitas diversas campanhas aos poderes constituídos, sem êxito.
Ainda segundo o artigo citado, as justificativas dadas pelos defensores do projeto eram de que
Santa Maria não possuía um palco que possibilitasse a apresentação de grandes espetáculos,
nem que grandes companhias incluíssem Santa Maria em suas tournèes, em decorrência da falta
de teatro com palco condizente.
Jorge Beduino Ramos Medeiros (2003) reconhece que até hoje não há um teatro que
possibilite grandes espetáculos em Santa Maria, pois “as grandes companhias não vêm para cá
porque não têm espaço. O Theatro Treze de Maio é uma beleza, mas tem 300 lugares. Hoje nós
teríamos que ter em Santa Maria um teatro para 1200 pessoas. Aí teríamos grandes espetáculos
o ano inteiro.” Essa idéia sempre foi corroborada por Edmundo Cardoso, quando afirmava “que
as grandes companhias profissionais que atuam no Rio de Janeiro e em São Paulo, e que usam
um cenário mais complexo, não podem vir a Santa Maria, porque não tem um teatro que abrigue
as suas montagens.” (Cardoso apud COSTA, 1985, p. 15).
Em 1988, uma Mesa Redonda na Câmara de Vereadores, discutiu as razões pelas quais obras
da Administração não eram concluídas, dentre elas, a do Teatro Municipal. “A possibilidade levantada
99
durante a mesa-redonda é uma negociação com a direção da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, visando
a retomada do terreno doado pelo município à referida Escola.” (A Razão, 1988, p. 6).
Em 24 abril de 2001 “foi realizada uma reunião na Prefeitura Municipal de Santa Maria,
no gabinete do senhor Prefeito Municipal [Valdeci Oliveira], entre os membros remanescentes
da Diretoria da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, o senhor prefeito e o senhor procurador jurídico
do município” para realizar a transferência “de direitos contratuais e de posse de forma gratuita,
de um terreno pertencente à Escola de Teatro Leopoldo Fróes à Prefeitura Municipal de Santa
Maria.” (Figura 10). Os remanescentes da Diretoria da Escola que estavam presentes, eram Bráulio
Araújo Souza, Geolar Badke e Gilda May Cardoso Santos. (Ata Nº 45, 24 abr. 2001, p. 41).
Em 25 de abril do mesmo ano, em uma Assembléia Geral Extraordinária na residência
de Edmundo Cardoso, outros integrantes remanescentes da Escola ratificaram a devolução do
terreno à prefeitura no dia anterior. Dentre eles Geolar Badke, Edmundo Cardoso, América
Achutti, Dalton Couto, Aglaia Pavani, Leda Rechia da Silva, Braulio Araújo Souza, João Teixeira
Porto, Ruy Maldonado, Roberto Pezzi, Jorge Beduino Ramos Medeiros, Gilda May Cardoso
Figura 10: Terreno doado à ETLF, em 1953 e devolvido ao poder público municipal
em 2001.
Foto: Paulo Fernando. (2003).
100
Santos e Nair Miorin Paiva. (Ata Nº 46, 24 de abr. 2001, p. 42).
Entretanto, se por um lado a Escola não logrou construir sua sede, por outro, não deixou
de encenar suas peças. A inexistência de um teatro próprio não foi um empecilho para a ETLF.
Atuando numa cidade do interior do Rio Grande do Sul, marcada por um dinamismo econômico
centrado na ferrovia, no comércio, e nas escolas (de nível superior inclusive), com poucas casas
de espetáculos, a ETLF deparou-se com um circuito artístico limitado.
Seus quarenta anos de existência, com quarenta peças encenadas, algumas em mais de
uma temporada e em outras cidades além de Santa Maria, são provas de um trabalho exitoso.
Como veremos na seqüência, a trama que seus personagens armaram superou as limitações do
cenário.
Os personagens da ETLF: imagens do palco
Das figuras da Escola, não podemos dar conta de todos. Privilegiamos a biografia de
alguns, não com isso desejando assinalar qualquer tipo de valoração de uns em detrimento de
outros componentes, mas sim em decorrência dos depoimentos que puderam ser coletados e das
referências nos jornais ou revistas da época.
O nome da Escola da Teatro foi proposto por um de seus fundadores, o Engenheiro Civil
Luiz Bollick, mesmo havendo outras sugestões. Nesse sentido faz-se necessário primeiramente
apresentar o ator de teatro Leopoldo Fróes (1882-1933), que foi homenageado como patrono da
Escola. Como as informações sobre Leopoldo Fróes são escassas nas obras já citadas sobre
teatro brasileiro, complementamos com um artigo da revista Lanterna Verde, A criação da escola
de Teatro Leopoldo Fróes, de 1978.
Leopoldo Fróes nasceu em Niterói em 1882 e sempre desejou dedicar-se ao teatro.
Formou-se em Direito e ingressou na carreira diplomática, indo para Paris, embora não fosse
uma presença assídua na Embaixada de Paris. Em Portugal iniciou a carreira artística, voltando
ao Brasil em 1915. Foi contratado pela Companhia de Dias Braga. Formou sua primeira empresa
com a atriz Lucília Péres, então sua esposa.
Com o lançamento da comédia de Cláudio de Souza Flores, Sombra (1917), Fróes
101
possibilitou a eclosão da saga de comédia de costumes de cunho nacionalista que marcou os
anos do pós-guerra. “O ator cômico vinha assim se colocar (...). O que se exigia dele, de resto,
não era tanto preparo técnico, recursos artísticos extraordinários, versatilidade, e sim, ao contrário,
que se mantivesse sempre fiel a uma personalidade engraçada e comunicativa.” (PRADO, 1986,
p. 531).
A partir dessa época e até meados dos anos 20, Leopoldo Fróes firmou-se como o mais
importante ator e empresário brasileiro. Mas, contrário à instituição da SBAT
28
, recusava-se a
encenar peças de autores filiados a essa sociedade.
O talento de Leopoldo Fróes serviu-lhe para fazer improvisações. Pouco ensaiava os
textos e raramente os estudava. Isso ocasionou prematuro declínio em sua carreira, quando seu
trabalho começou a ser comparado ao de jovens atores como Procópio Ferreira ou Jayme Costa.
Em seu depoimento, João Teixeira Porto (2003) assinala sua preferência por Procópio Ferreira:
“Embora o patrono da Escola tenha sido Leopoldo Fróes, Procópio Ferreira era infinitamente
melhor.”
Por conselho de empresários, Fróes aceitou realizar uma temporada em parceria com
Chaby Pinheiro, o mais importante ator português da época, alternando no cartaz peças escolhidas
por um e outro ator, nas quais um teria o primeiro papel e o outro papel secundário. A experiência
serviu para realçar a grande presença de Chaby, que se dedicava ao estudo de textos, e a visível
desorganização de Fróes. Sentindo-se abandonado pela platéia, Fróes voltou a Portugal e
trabalhou com algumas companhias. Internou-se em um sanatório na Suíça, onde veio a falecer
em 1933.
Edmundo Cardoso nasceu em Santa Maria em 29 de janeiro de 1917 e desde muito
jovem desenvolveu interesse pelas letras e pelas artes. (Figura 11). Em 1932, terminou seus
estudos no Curso Comercial do Colégio Fontoura Ilha
29
e ingressou como auxiliar de redação
no jornal Diário do Interior. Em 1935, começou a escrever artigos sobre Legislação do Trabalho
no jornal A Razão, no qual publicou crônicas até a década de 80. Foi correspondente do Diário
28
Sociedade Brasileira de Autores Teatrais.
29
“Antonio Fontoura Ilha , (...) fundou o famoso Colégio Fontoura Ilha na Rua Benjamin Constant, o qual foi
transferido anos após para a metade da 3ª quadra da Rua do Acampamento e finalmente para a esquina da Rua
Pinheiro Machado com a Professor Braga, lado nordeste. O Colégio era dotado de internato e externato.” (COSTA
BEBER, 1998, p. 17).
102
do Estado em Santa Maria. Em 1939, compilou Legislação do Município de Santa Maria em
nove volumes e, em 1940, publicou Um momento na vida do município de Santa Maria.
(SANTOS, 2002).
Ainda na década de 40, fundou com amigos o Clube de Inglês e, na década de 1950, com
Luiz G. Schleininger, o Clube de Cinema, entidade amadorística que durou até 1962.
Revelando múltiplos interesses, trouxe para Santa Maria uma produtora de cinema como
vimos no capítulo anterior, e atuou como vilão no filme produzido, Os Abas Largas.
Em 1974, narrou a história das Casas Eny
30
e, em 1979, escreveu A História da Comarca
Figura 11: Edmundo Cardoso. (1955).
Fonte: Acervo particular EC.
30
“Fundadas em 1924, por Luiz Andrade (...) que a vendeu a seu gerente, Salvador Isaia, o qual, associado aos
seus irmãos João Gabriel, Antonio, Carlos e Luiz, em poucos anos a transformou no maior empório de calçados
do interior do Estado. A septuagenária empresa é dirigida atualmente pelos (...) filhos de Salvador Isaia.” (COSTA
BEBER, 1998, p. 221).
103
de Santa Maria. Funcionário da Justiça por quarenta anos, sempre declarou que, na juventude,
“andava atrás de pessoas com as quais pudesse aprender e assim, nos cafés, no quiosque da
praça, eu me aproximava de Belém [João Belém], na expectativa, quase nunca frustrada, de
ouvir coisas sobre o teatro, que tanto me encantava.”(Cardoso apud MARCHIORI, PERETTI,
2002, p. 12).
Recebeu diplomas e premiações pelo seu trabalho em benefício da cultura, entre eles, o
Prêmio Imembuy no final da década de 70. Foi escolhido Patrono da 28ª Feira do Livro de Santa
Maria em 2001, sendo neste mesmo ano homenageado pelo Santa Cena: 1º Festival Municipal
de Artes Cênicas pelo conjunto de sua obra, com uma placa e a exposição Trajetória Teatral de
Edmundo Cardoso, também em Santa Maria. Recebeu, em agosto de 2002, o troféu Vento Norte,
no 1° Festival de Vídeo e Cinema de Santa Maria. (SANTOS, 2002).
A respeito de seu trabalho, à frente da ETLF por 40 anos, afirma Geolar Badke (2003)
em seu depoimento que Cardoso “como diretor (...) era exigente demais, era às vezes até
indelicado. Houve um dia em que uma das atrizes chorou tal o arroubo do Cardoso e a exigência
dele. Mas no outro dia já estava tudo bem. Como convivi 40 anos com ele, já sabia se estava de
bom ou mau humor.”
A afirmativa de Badke é corroborada pelo depoimento de João Teixeira Porto (2003),
quando este diz que “o Cardoso era exigentíssimo (...) um cara excepcional para ensaiar, ele
deixava a gente bem à vontade, apesar de ser exigente demais (...) foi o melhor diretor do Estado,
me ensinou tudo sobre teatro.”
Por ocasião da temporada de espetáculos no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, em
1955, a imprensa da capital apontava a importância da figura de Edmundo Cardoso para o teatro
amador no Rio Grande do Sul:
Desde um tempo para cá, as secções de teatro da imprensa porto-alegrense
têm encontrado em Edmundo Cardoso, o Diretor da ETLF, um assunto
interessante e de constante atualidade. E isso porque Edmundo Cardoso,
como homem de teatro representa algo de original em meio dum terreno
sáfaro de teatro e pouco compreendido: o amadorismo teatral puro em
essência e fins. (Correio do Povo, s/d).
104
Na vida pessoal EC cultivava amizades antigas, como Iberê Camargo
31
, desde os anos
20 até a morte do pintor em 1994. No âmbito cultural “procurava assessorar e auxiliar as grandes
companhias de teatro que vinham a Santa Maria (...) como Procópio Ferreira, (...) Maria De La
Costa, Henriette Morineau , entre tantos outros.” (RECHIA, 1999, p.174).
Edmundo Cardoso permaneceu casado com Edna Mey Cardoso de 1943 a 1979, ano em
que esta morreu. Tornou a se casar novamente em 1985 com Therezinha de Jesus Pires Santos
com quem conviveu até sua morte.
Faleceu em 05 de dezembro de 2002 e a imprensa local tem contribuído enormemente
para a valorização de sua vida e sua obra: “Seja nas Artes Cênicas, no Cinema, nas Artes Plásticas
ou nas Letras, sua influência esteve freqüentemente presente (...). Patrono da Feira do Livro em
2001, Edmundo acompanhou à distância o 1º Festival Municipal de Artes Cênicas Santa Cena,
eventos nos quais foi homenageado.” (Diário de Santa Maria, Caderno Diversão e Arte, 06 Dez
2002, p. 1).
Ainda que EC de fato tenha colaborado para o desenvolvimento cultural da cidade, outras
figuras conhecidas deste segmento da sociedade estiveram ao seu lado para que seus projetos se
concretizassem com êxito. Destes, alguns serão mencionados ao longo deste trabalho.
Casada com Edmundo Cardoso e membro da ETLF desde 1943, até sua morte prematura
em 1979, Edna Mey Budin Cardoso nasceu em Cruz Alta em 1919. (Figura 12). Graduou-se em
Educação Física e fez pós-graduação em Orientação Educacional. Iniciou sua carreira no
magistério público no Colégio Estadual Manoel Ribas em 1953, transferindo-se para o Instituto
de Educação Olavo Bilac em 1953. Recebeu o título de Professora do Ano e o Prêmio Imembuí
em 1977. (RÉQUIA, 1999).
Exerceu a função de Orientadora de Educação Física na 8ª Delegacia de Educação entre
1959-1972 e trabalhou na Inspetoria Secional do MEC em 1974. “Sem dúvida Edna Mey Cardoso
foi uma das figuras mais importantes da dramaturgia amadorística do Rio Grande do Sul (...).
Fez teatro em vários grupos amadores.” (RÉQUIA, 1999, p. 195).
31
Iberê Camargo nasceu em 1914 em Restinga Seca. De origem humilde, foi sustentado pelos pais ferroviários até
1932, quando conseguiu trabalho como projetista técnico em Jaquari. Morreu vítima de câncer em 1994, na
cidade de Porto Alegre. Em Santa Maria ingressou na Escola de Artes e Ofícios em 1927, para estudar pintura.
(LAGNADO, Lisette, 1994).
105
Edna é lembrada por seus colegas remanescentes de Escola como uma mulher dedicada
às causas que abraçava. Atuou em quase todas as peças que a ETLF encenou e se destacava
também nos bastidores, cuidando dos cenários, dos figurinos, da maquilagem dos colegas e da
harmonia e coesão do grupo. “Dona Edna conhecia todo mundo e contratava as modistas (...).
Era a conselheira dele [Edmundo Cardoso].” (MEDEIROS, 2003).
Juntos, Edna e Edmundo tiveram dois filhos, Claudio Cardoso e Gilda May Cardoso
Santos. Esta última, nascida em 1943, em Santa Maria, fez parte da Escola como atriz de 1958
a 1977. Sobre a ETLF, Gilda May afirma que “éramos uma família, cresci vendo minha mãe
passar as noites costurando panos para a Escola.” (2003). Cirurgiã-dentista, formada pela UFSM
em 1965, concluiu o mestrado em Saúde Pública em 1968, pela USP. Exerceu o cargo de professora
do Curso de Odontologia na UFSM de 1966 a 1992, quando se aposentou. É casada com Luiz
Fernando dos Santos desde 1970, igualmente professor universitário.
Geolar Badke nasceu em 24 de dezembro de 1924, em Santa Maria e integrou a ETLF
durante os 40 anos em que a Escola permaneceu ativa. (Figura 13). Entrou para a Brigada Militar
em 1950, como Oficial Farmacêutico, permanecendo até 1956. Foi proprietário da Farmácia
Figura 12: Edna Mey Cardoso. (1955).
Fonte: Acervo particular EC.
106
Santa Gemma durante a década de 50, ingressando na Faculdade de Farmácia de Santa Maria
(então incorporada à Universidade do Rio Grande do Sul e depois encampada pela UFSM)
como professor do Departamento de Farmácia Industrial em 1959. Ocupou o cargo de presidente
da COPERVES (Comissão Permanente de Vestibular - UFSM) entre 1974-75 e de Chefe de
Gabinete do Reitor Derblay Galvão, cargo no qual se aposentou em 1981.
Ingressou na ETLF em dezembro de 1943, a convite de EC: “Nos encontramos no Cine
Imperial e ele me convidou (...) perguntou se eu gostaria de trabalhar na Leopoldo Fróes porque
eu já havia feito teatro infantil de Oduvaldo Viana. Comecei como ponto
32
em Deus lhe pague.
Foi minha estréia.” (BADKE, 2003).
Badke viria depois a ocupar quase todos os estágios técnicos dos bastidores como contra-
regra, urdidor
33
e maquinista
34
. Ocupou também, durante quase todo o tempo, o cargo de Diretor
Figura 13: Geolar Badke. (1955).
Fonte: Acervo particular EC.
32
Como ponto entende-se “aquele que antigamente lia em voz baixa as falas que deviam ser repetidas em voz alta
pelo ator. O ponto ficava instalado num alçapão localizado no centro-baixo do palco, escondido do público por
uma proteção curva que ajudava a projetar o som de sua voz para o fundo da cena. Embora os atores não mais
utilizem o recurso do ponto, essa função, hoje em dia, pode ser eventualmente substituída por aparelhagem
eletrônica. Em algumas casas de ópera, porém, ainda é usado o ponto tradicional.” (VASCONCELLOS, 1987, p.
159).
33
Urdimento, em regras gerais, é o “nome dado à parte da caixa do teatro localizada acima do palco. Especificamente,
grade de madeiramento resistente que se estende sobre toda a área do palco, acima deste, e que serve de apoio
para toda operação de funcionamento dos efeitos cênicos.” (VASCONCELLOS, 1987, p. 214).
34
“Operário especializado encarregado de operar os maquinismos de um teatro. Sua tarefa inclui a montagem e
107
Secretário da Escola. “Por fim teve sua oportunidade cênica, passando a interpretar vários papéis
em comédias e dramas (...). Entre os seus melhores papéis estão os criados nas peças É proibido
suicidar-se na primavera, As bodas do diabo, Delito na Ilha das Cabras e seu melhor papel foi
na peça Avatar.” (A Razão, 16 dez 1979, p. 6).
Sobre sua atribuição como ponto, Geolar lembra de que “o elemento masculino geralmente
era o pior para estudar os papéis. Como ponto, não sofria com o elemento feminino, que sabia os
papéis de cor (...) então eu podia descansar um pouco e acompanhar a peça.” Mesmo assim,
havia outras preocupações às quais deveria estar atento: “Quando os atores não me ouviam,
havia um sinal convencional: batiam o pé para eu falar mais alto.”
Em sua memória, lembra com entusiasmo de uma viagem que integrantes da Escola
fizeram à Bahia para conhecer o então moderníssimo Teatro Castro Alves em 1960: “Cardoso
conseguiu para o elenco passagem aérea com o Brizola [Governador Leonel Brizola] para irmos
à Bahia conhecer o Teatro Castro Alves, recém inaugurado. Nós fomos em 12 pessoas
35
e
passamos uma semana.” Sobre tal viagem, a imprensa baiana divulgou que “ encontra-se entre
nós uma comitiva do Rio Grande do Sul, cidade de Santa Maria que veio conhecer (...) o Teatro
Castro Alves, uma vez que sua fama ultrapassou nossas fronteiras não só por sua importância
arquitetônica, como por seu arrojo como casa de espetáculo.” (A Tarde, 1960, p. [?]).
Ainda segundo Badke, de fato, não somente a arquitetura do Castro Alves era imponente,
como suas inovações encantavam principalmente pessoas ligadas diretamente ao teatro, como o
grupo da ETLF, pois “do camarote do Governador havia uma linha direta para o diretor de cena,
no camarim. Isso era uma novidade para aquela época, que já havia no teatro Castro Alves.”
Essas inovações chamavam a atenção do grupo, porque também estavam interessados em construir
o seu próprio teatro.
Badke acompanhou o ingresso de seu filho Carlos na Escola, em 1978, como contra-
regra, depois estreando como ator. Carlos Alberto Badke, Diretor Geral da Secretaria da Cultura
do município de Santa Maria na atual administração e professor no Curso de Jornalismo da
UNIFRA, possui idéia semelhante à do pai quanto à influência de Cardoso em sua opção pelo
funcionamento do cenário. Também chamado cenotécnico, carpinteiro-chefe ou, ainda, chefe de movimento.
Responsável pelo material e ferramentas próprias da função.” (VASCONCELLOS, 1987, p. 122).
35
Fizeram parte da caravana à Bahia “Edmundo Cardoso, Salvador Isaia, Victor Denardin, Marconi Mussói, Geolar
Badke, Jaime Roos, Eduardo Trevisan, José Medeiros, Robison Flores, sendo que em Porto Alegre os dois
engenheirtos autores do projeto se integraram a comitiva.” (Ata Nº. 40, 7 mar. 1960, p. 35).
108
teatro: “Foi com ele [Cardoso] que aprendi a gostar dos bastidores e por isso trabalho com
produção teatral há quinze anos.” (A Razão, 2002, p. 3).
Geolar Badke até hoje reside em Santa Maria, possui fotos dos tempos da Escola em sua
casa, que divide com a esposa Cyrce de Lima Pereira Badke, professora aposentada de Língua Francesa.
João Teixeira Porto nasceu em 23 de junho de 1924, em Viamão. (Figura 14). Formou-se
Técnico Agrícola da Escola de Técnicos Rurais de Viamão em 1941 e ocupou a patente de 1º
Tenente do Exército de 1942 a 1965, ano em que se aposentou da carreira militar. Integrante da
ETLF desde 1950, sua estréia se deu como auxiliar de contra-regra na peça Avatar. “Falei com
o Cardoso como fazia para entrar na Escola e ele disse: ‘Faz o que estás fazendo, fala comigo.’
Antes eu fazia teatro mambembe
36
. A Escola de Teatro já tinha encenado outras peças, eu que
sou mais moderno do que os outros.” (PORTO, 2003).
Figura 14: João Teixeira Porto. Foto Juca.
(1955).
Fonte: Acervo particular EC.
36
Entende-se por mambembe o termo para designar “a atividade teatral itinerante de grupos de segunda categoria
(...) que vai de cidade em cidade, de vila em vila, de povoação em povoação, dando espetáculos aqui e ali, onde
encontre um teatro ou onde possa improvisá-lo.” (VASCONCELLOS, 1987, p.120).
109
Sobre a atuação do ator iniciante, Teixeira Porto recorda que o grande problema são as
mãos, pois “o ator iniciante não sabe onde vai colocar as mãos, acompanhar a palavra. Ou ele
quer dizer o papel e não faz o gesto ou faz o gesto e não diz o papel. O Cardoso sempre dizia:
‘Bota a mão no pescoço’. Com o tempo passa e a gente não sente (...).”
Após trabalhar como auxiliar de contra-regra e ponto, Teixeira Porto foi emprestado
para a Companhia de Teatro Maria Della Costa, para uma peça que ela encenou em Santa Maria:
“Então, às três da tarde eu fui emprestado para entrar em cena às nove da noite e aí foi o grande
problema pra mim: aprender em seis horas o texto e fazer teatro profissional, que eu não gosto.
Mas era uma pontinha.” (PORTO, 2003).
A preferência pelo teatro amador em detrimento do teatro profissional foi confirmada
em todos os depoimentos dos antigos integrantes da Escola. Conforme os depoimentos, percebe-
se uma resistência à profissionalização, tanto que a trajetória de Freire Júnior, um ator que se
profissionalizou, é vista pelos depoentes como comercial. Isto reproduz, em nível local, uma
antiga polêmica no campo das artes: diletantismo e/ou refinamento da sensibilidade versus
comercialização do produto artístico. No contexto de um grupo amador formado em uma cidade
onde é reduzido o circuito das artes, nada mais natural de que esse debate seja muito presente.
Há pouca estrutura para o desenvolvimento artístico e a arte – os espetáculos teatrais, no caso –
passam a ser obra de amadores entusiasmados.
Contrariando um pouco os depoimentos obtidos, percebemos que dois atores da ETLF,
Wilde Quintana e Milton Chansis se encaminharam para a radionovela, o que entendemos como
certa profissionalização. Neste sentido, afirma Larré, que “no microfone da radionovela
praticamente nasceram ou se afirmaram, Wilde Quintana e Milton Chansis.” (2002, p.64).
Teixeira Porto, entretanto, manteve-se fiel à sua opção pelo amadorismo, tanto que
permaneceu como primeiro ator por vinte anos na Escola. Mesmo assim, fez uma ponta no
faroeste Os Abas largas, de Sanin Cherques (1961),
37
e o papel principal no curta Uma gravata
para Mário, de Sérgio Assis Brasil (1974). No entanto, não gosta de falar sobre tais atuações,
37
“A película denominada Os abas largas é considerado o primeiro faroeste brasileiro e foi produzido por empresa
do Rio de Janeiro. Contou com o apoio da Brigada Militar local (1º Regimento da Polícia Rural Montada).”
(CORRÊA, 2002, p. 73).
110
por considerá-las “menores”.
João Teixeira Porto permanece residindo em Santa Maria, é membro da Associação Santa-
Mariense de Letras e é casado desde dezembro de 1977, em segundas núpcias
38
, com Aristilda
Antonieta Rechia, professora aposentada em Línguas Neolatinas.
Bráulio Araújo Souza nasceu em Dom Pedrito, em 22 de maio de 1915. Integrante da
ETLF desde a sua fundação até o final, exerceu durante todo esse tempo o cargo de tesoureiro.
Considerado pelos demais depoentes como pão-duro, ele confirma essa afirmação, dizendo
que, de fato, “sempre fui muito durão com a parte de dinheiro. Nenhum de nós, componentes da
Escola, podia fazer uso do dinheiro, a não ser quando tinha que levar alguma peça. Para sair
dinheiro da conta tinha que ter assinatura minha e do Cardoso, senão não saía.” (SOUZA, 2003).
Funcionário da Livraria do Globo por trinta anos, na qual exerceu os cargos de chefe da
Departamento de Fichários e chefe do Departamento Pessoal entre as décadas de 1930 e 1960,
Bráulio sempre foi dedicado aos ideais amadorísticos que regeram a ETLF. Com os demais
integrantes da Escola, foi “um legítimo baluarte do teatro amador santa-mariense (...) Na vida
real foi, por muitos anos, o encarregado da seção de livros novos da Livraria do Globo, tendo
sido considerado especialista nessa atividade.” (A Razão, 1979, p. 6).
Sobre seu ingresso na Escola, diz que foi “a convite do Cardoso e do Walter Grau, irmão
da minha esposa, quando foi fundada a Escola. Me convidaram já como tesoureiro, então aceitei
e dali pra frente fui tesoureiro.” (SOUZA, 2003).
A respeito da contabilidade da Escola, da qual tinha total controle, afirma: “Todo o dinheiro
era depositado em uma conta no Banco do Brasil e BANRISUL. Qualquer dia que se quisesse
fazer uma reunião para ver como andava o dinheiro, estava tudo prontinho.” Sobre as questões
jurídicas, contava com outro nome ligado ao teatro para auxiliá-lo: “Tínhamos como consultor
jurídico Fernando do Ó. A Escola existia como pessoa jurídica e pagava os impostos devidos
como pessoa jurídica.” (SOUZA, 2003).
Casado desde 1942 com Edith Grau Souza, professora de Música aposentada, Braulio,
aos 88 anos, continua dedicando seu tempo aos livros. Na ocasião do depoimento, estava lendo
Concerto Campestre de Luiz Antonio de Assis Brasil.
38
João Teixeira Porto casou-se pela primeira vez com Celina do Ó, filha de Fernando do Ó.
111
Mais jovem dos entrevistados, Jorge Beduino Ramos Medeiros nasceu em Santiago em
18 de março de 1943. (Figura 15). Bacharel em Direito desde 1970 pela UFSM, foi Juiz de Paz
em Santa Maria entre 1968 e 1982. Desde então, mantém escritório de advocacia na cidade.
Compôs o elenco da Escola em 1963, também a convite de Edmundo Cardoso. “O Cardoso
me convidou para ajudar na montagem de uma peça infantil que foi levada no Instituto de
Educação Olavo Bilac. O nome da peça era O Cavalinho Azul (...). Nesta peça, trabalhei como
contra-regra, ajudando montar cenários.” (MEDEIROS, 2003).
Em um primeiro momento pretendíamos privilegiar somente depoimentos de
remanescentes mais antigos da Escola. Entretanto, com estes não conseguimos informações do
que chamamos de segunda fase da Escola, que então se encontrava no período da Ditadura
Militar (1964-1984).
Sobre esse momento, na atuação da Escola, declara Medeiros que foi “um período em
que os militares tentavam nos tolher. Não permitiam encenar determinadas peças. Era uma censura
velada ao teatro.” (MEDEIROS, 2003).
Ainda assim, a Escola conseguiu encenar Roleta Paulista de Pedro Bloch, em 1968 que
Figura 15: Jorge Beduino Ramos
Medeiros. (1963).
Fonte: Acervo particular EC.
112
tratava do problema das drogas entre os jovens. Segundo Medeiros, Cardoso conseguia fazer
acordos com a censura, de modo que viabilizassem a encenação de peças de cunho social ou
político em tempos de repressão. “Cardoso tinha um raciocínio político muito grande, ao contrário
do que as pessoas pensam e, habilmente, em 1968 conseguiu, depois de um ano de ensaio, levar
essa peça [Roleta Paulista].” (2003).
Não somente para fazer acordos políticos Cardoso tinha êxito. Em 1963, dentro de um
contexto de Guerra Fria e durante o conturbado governo de João Goulart, a Escola consegue
encenar O Asilado, de Guilherme de Figueiredo, em Santa Maria – de 11 a 13 de dezembro – que
contava a história de um guerrilheiro que se refugiava em uma embaixada. “Esse guerrilheiro
tinha idéia socializante. Era uma apologia à Revolução Cubana. Foi uma peça que aqui em
Santa Maria fez um relativo sucesso, mas o grande sucesso foi no Teatro São Pedro em Porto
Alegre. Eu fui como maquinista da Escola.” (MEDEIROS, 2003).
No Teatro São Pedro a peça foi encenada em julho de 1964. O folheto publicitário anuncia
a peça como sendo de “gênero altamente necessário nos dias que correm: a comédia franca e
esfuziante, satirizante e humorística, graciosa e deleitável. O público precisa rir, rir muito, sacudir
as poltronas, mesmo que a peça desmonte ou faça perigar alguns conceitos firmados no espírito
dos espectadores.” (Dossiê O Asilado, 1964). Ou seja, O Asilado foi anunciado somente como
uma sátira cômica, deixando totalmente de lado o cunho político, tendo em vista que não era
interessante acentuar este ponto no anúncio, em um momento político delicado no país.
Embora essas peças tenham considerável importância para a Escola, tanto do ponto de
vista do sucesso de público quanto dos assuntos abordados em seus roteiros, os demais depoentes
não se referem a elas. Suas memórias destacam as décadas de 1940 e 1950, um período visto
como muito mais heróico provavelmente. Os anos de 1960 têm a marca da política, da censura
e de mudanças no cenário sóciocultural de Santa Maria, marcado pelo surgimento e crescimento
da Universidade Federal de Santa Maria e por certa agitação estudantil. Os anos de 1970 são,
seguramente, caracterizados pelo constrangimento provocado pela situação política e retração
da vida cultural mais espontânea. Como destaca Badke em seu depoimento, “durante a Ditadura
Militar às vezes tínhamos a presença de um censor que assistia aos ensaios”. (2003).
Jorge Beduino Ramos Medeiros está casado desde 1970 com Flávia Maria Medeiros,
professora estadual aposentada. Ainda atua como advogado, escreve artigos para jornal local e
113
prepara dois livros: um sobre grandes crimes ocorridos na cidade e outro sobre o tango, um
estilo musical que serviu de pano de fundo para a sua geração. Curiosamente, um outro testemunho
da ETLF, Dalton Couto também revela a mesma paixão pelo tango. Santa Maria, como cidade do
interior do Rio Grande, sempre manteve contato com a região platina, sendo as emissoras de rádio de
Buenos Aires e Montevidéu as mais escutadas nos anos de 1940 e 1950. Este vínculo com a cultura
platina – que também se revelava no culto a Martin Fierro – esmorece a partir da década de 1970.
Dalton Couto nasceu em Santa Maria, em 25 de dezembro de 1914. (Figura 16). Formou-
se em Farmácia Bioquímica, em 1938, pela então Faculdade de Farmácia de Santa Maria - que
depois viria integrar a Universidade Federal de Santa Maria. Casou com Dalila Santos Couto
em 1941, com quem viveu até a morte desta, em 2002.
Figura atuante na cidade, tanto na vida política, como nos órgãos de imprensa local,
exerceu cargos na Prefeitura Municipal de São Pedro do Sul e organizou e montou a secretaria
da Câmara Municipal de Vereadores em Santa Maria, sendo depois Secretário Geral do próprio
setor que havia criado. Foi diretor do jornal Diário do Estado e secretário de redação de A
Razão, tendo sido também o primeiro diretor da Rádio Medianeira, entre 1960-65. Criou, na
Rádio Imembuí, o legendário personagem italiano Beto Buzzo, até hoje lembrado pelos seus
contemporâneos.
Além de outras funções, ocupou o cargo de Redator-Chefe do Gabinete do Reitor na
Figura 16: Dalton Couto. (1957).
Fonte: Acervo particular EC.
114
UFSM entre 1969-1984. “Convidado pelo fundador da UFSM, José Mariano da Rocha Filho,
foi Reador-Chefe do Gabinete do Reitor, servindo nesse cargo cerca de 20 anos, até sua
aposentadoria.” (RÉCHIA, 2002, p. 86).
Dalton Couto foi o único depoente que apresentou resistência em confiar suas memórias.
Mesmo assim, podemos perceber que não apresenta a mesma simpatia dos demais pela figura de
Edmundo Cardoso. Segundo ele, houve um atrito entre ambos, que o afastou da Escola por um
período. Porém, mesmo durante o tempo em que esteve afastado da Escola permaneceu engajado
aos trabalhos da ribalta.
Primeiramente declarou ser de “ordem pessoal” o motivo do afastamento, logo após
afirmou que “tive um desentendimento com o Cardoso por ocasião da escolha do nome da
Escola. Sugeri que homenageássemos João Belém, mas Cardoso preferiu Leopoldo Fróes.”
(COUTO, 2003). No entanto, Teixeira Porto (2003), em seu depoimento, afirma que dois
fundadores (Edmundo Cardoso e Setembrino Souza) queriam um patrono para a Escola e “o
Cardoso sugeriu Leopoldo Fróes que era um ator brasileiro de renome [nas primeiras décadas]
do século XX. Setembrino aceitou a sugestão. Nunca se pensou em outro nome para a Escola.
“Geolar Badke (2003) declara não recordar “se houve votação para escolher o nome da Escola.”
De fato, a homenagem a Leopoldo Fróes foi sugestão de Luiz Bollick
Com Setembrino Souza, Edmundo Cardoso, Nair Miorin Paiva, Adyles da Silva, Atia
Paiva e Iza Prates, Dalton Couto atuou na primeira peça encenada pela Escola em 1943, Saudade,
de Paulo Magalhães. Era então oriundo do grupo de Rubem Belém. Importante salientar que do
grupo amador de Rubem Belém - que também se apresentava no Cine Imperial – viriam integrar
a ETLF, além de Dalton Couto, o próprio Edmundo Cardoso, José Medeiros, Dima Medeiros e
Luiz Gonzaga Schleiniger, em um tempo em que os cenários ainda eram de papel pintado.
(CARDOSO, 1978).
Embora sua presença seja marcante nas fotos e ensaios das peças, afirma não lembrar
dos espetáculos em que atuou. Entretanto, lembra de que “Cardoso ensaiava à moda dele... ele
parecia grosseiro, falava com rispidez. Quando ele [Cardoso] corrigia, era ao modo dele e a
gente ficava com vergonha por estar fazendo alguma coisa errada. Então, tentávamos imitá-lo.”
Sobre a atuação de Cardoso afirma que “não era um bom ator, não tinha voz”. Outra figura
115
conhecida no campo teatral da época e de hoje, Pedro Freire Júnior, compartilhava essa afirmativa
de Couto, quando se referiu à atuação de Edmundo Cardoso em Delito na ilha das cabras (1956),
de Ugo Beti: “Considero-o mau ator (...). Embora nunca tenha sido ensaiado por ele, assistindo
alguns ensaios apenas, seu método não é dos melhores e tende a esgotar-se. Mas como realizador
não há como ele. (...) A platéia tem que receber de tudo um pouco.” (A Razão, 1956).
De fato, Freire Júnior acabou encenando uma peça levada por Edmundo Cardoso, O
caixa que foi até a esquina, de Aurélio Ferretti, traduzida pelo próprio Edmundo Cardoso e
encenada, em 07 de novembro de 1961, no Cine-Teatro Imperial, com os atores Edna Mey
Cardoso, João Teixeira Porto, José Medeiros, Vera Maria Ribeiro, Irani Siqueira, Hipólito Garcia,
e Clivosa Jorge Lopes.
A respeito de Freire Júnior, Jorge Beduino Ramos (2003) lembra de que “houve um
atrito entre ele e o Cardoso.
39
Nós todos éramos amadores e não recebíamos nada. O Freire era
outro tipo, era o lado profissional da coisa. Na Escola não cabia lugar para profissional. O Freire
foi para o Teatro de Arena, o TUI.”
Dalton Couto, apesar de suas divergências com a Escola e com EC, mantém certa
admiração por Edna Mey Cardoso, a quem credita seu retorno aos palcos com a ETLF: “A Edna
sempre foi uma pessoa excepcional, ela promoveu a reconciliação entre eu e Cardoso. Ela trazia
dignidade à Escola.” Também foi pioneiro ao afirmar sobre as possíveis críticas desfavoráveis à
Escola: “Tinha os contras, que diziam que as encenações eram uma porcaria.”
Além do fato de Dalton Couto não corroborar com a lembrança que seus companheiros
têm da Escola, outro fato chama a atenção em sua memória. Afirma não recordar do nome de
nenhuma peça encenada na Escola, mas cita todas as peças em que atuou com João Belém, em
um período anterior à sua entrada na ETLF. A lembrança de Couto coincide com a assertiva de
Ecléa Bosi (1994) sobre o fato de que a memória, mesmo sendo construída em um espaço social,
se torna individual, à medida que toma forma de depoimento. Para ela, a memória social, por
meio da narrativa, acaba se reorganizando, de modo que alguns relatos possam mudar na
39
Sobre as divergências de Freire Júnior com Edmundo Cardoso, este último declarou que “recentemente um
rapaz ficou meio desgostoso com a Escola Leopoldo Fróes e fundou um novo grupo (...). Ajudei-o no que pude
e fui (...) assistir aso seu espetáculo, por sinal muito bom. Briguinhas, briguinhas, teatro à parte. (A Hora, 1954,
p. 9).
116
decorrência da vida, pois a memória é, por excelência, seletiva. Dalton Couto faleceu em Santa
Maria, em 30 de julho de 2003.
A memória dos entrevistados nos permitiu vislumbrar o cotidiano da ETLF: o empenho
nos ensaios, a dedicação e a persistência, sem almejar outro troféu que não fosse o prazer da
encenação, além de laços de amizade e solidariedade extremamente profundos. Constituída por
homens e mulheres que tinham outras profissões – no serviço público, na Brigada Militar, no
magistério estadual, na universidade federal, na advocacia, no comércio e até mesmo na política
– os membros da ETLF expressam, ainda hoje, um orgulho pela dimensão amadorística da
Escola. Ali não havia lugar para os profissionais (mesmo que eles, por vezes, colaborassem com
o grupo), era o lugar dos entusiastas. Os rendimentos necessários para a sobrevivência eram
obtidos em outras atividades. O teatro, de certa forma, não era maculado pelas necessidades da
vida. O difícil, pelo que se vê, era lidar não só com uma estrutura precária nas casas de espetáculos,
mas também com um público restrito.
Dois atores fundadores da Escola eram oriundos do teatro profissional: José Medeiros e Setembrino
Souza. Medeiros, quando veio para a ETLF já havia atuado na Companhia de Ribeiro Cancella, em Porto
Alegre, no Grupo Teatral Lobo da Costa, reduto artístico vinculado à Igreja Episcopal em Santa Maria e no
Grupo Teatral João Belém. (Figura 17). Além de ator, era o alfaiate da Escola e funcionário da Justiça Militar
Federal em Santa Maria (Revista do Globo, 14 de fev de 1964).
Em 1942 casou com Dima Godoy, que conheceu quando contracenava com ele em
Nara, de Rubem Belém. Em 1943 ajudou a fundar a ETLF, na qual permaneceu até sua morte
em 1981. A última peça em que contracenou foi Maroquinhas Fru-Fru, montada em 1978. Era
considerado disciplinado, talentoso, criativo e “assimilava com arte um sem número de difíceis
criações cênicas. Possui uma voz timbrada para o teatro, grave e modulada. (...). Com esse
recurso compensava seu porte físico, não muito avantajado.” (CARDOSO, 1981, p. [?]).
Segundo Jorge Beduino, José Medeiros “era exímio alfaiate e fazia os cortes das roupas
e depois levava na costureira. O Medeiros veio do teatro profissional. Ele veio para cá numa
companhia teatral. Ele foi nomeado profissional da auditoria e permaneceu aqui. Tem uma rua
na Vila Medianeira com o nome dele.” (MEDEIROS, 2003). João Teixeira Porto recorda dos
famosos atrasos do colega de ribalta: “O Medeiros sempre chegava atrasado porque era alfaiate
117
Setembrino Souza já havia algum tempo chegara a Santa Maria, quando foi chamado por
Edmundo Cardoso para compor o elenco da primeira peça da Escola, Saudade, em 1943, pois
até então não havia se entrosado no teatro amador. (Figura 18). Cardoso lembraria de que a
maquilagem na peça era toda de Setembrino, que trazia em sua “caixa batons, lápis, rouge e
aplique (...). lembrança de sua vida profissional no teatro.” (CARDOSO, 1978, p. 15).
Egresso dos elencos profissionais de Ribeiro Cancella, Trajano Vital e Zaira Médicis,
fizera pontas em comédias e era bailarino. Casado com a atriz Paulicéia Souza
40
, o casal “não se
ligara com amadores, e de quando em quando subiam à ribalta para ajudar a colegas profissionais
que aqui aportavam em más condições financeiras.” (CARDOSO, 1978, p. 15).
40
Paulicéia de Souza faleceu aos 75 anos em 1987, no Lar das Vovozinhas, em Santa Maria. Também era egressa
dos elencos profissionais de Trajano Vital, Samuel Laranjeira, Ribeiro Cancela e Álvaro de Souza, com quem
fazia excursões pelo interior do Estado do Rio Grande do Sul. (A Razão, 1987).
Figura 17: José Medeiros.
Foto Schleiniger Jr. 1955).
Fonte: Acervo particular EC.
e, se tivesse que terminar uma encomenda, terminava primeiro e depois ia para os ensaios.
Chegava hora e meia atrasado e nós já estávamos lá desde às 8 horas da noite.” (PORTO, 2003).
118
A escolha das peças a serem encenadas pela Escola até 1945 era de Setembrino Souza,
que priorizava libretos que já houvesse assistido, para melhor contribuir nas produções, na sua
atuação como ator e na função que então exercia de co-ensaiador. (CARDOSO, 1978). Isso
significa que as peças Compra-se um marido (1943), Deus lhe pague (1944), Os divorciados
(1944), Maria Cachucha (1945) e Feitiço (1945) foram escolhas de Setembrino. Durante esse
período somente uma peça foi levada por insistência de Edmundo Cardoso e à revelia de
Setembrino Souza: Marido número cinco, em 1944. “O êxito de bilheteria à vezes era secundário,
valendo mais uma nova experiência e a penetração num mundo novo de encenação.” (CARDOSO,
1978, p. 10).
Figura 18: Setembrino Souza. Foto
Schleiniger Jr. (Anos 50).
Fonte: Acervo particular EC.
O argumento de Setembrino Souza pela escolha de peças consideradas batidas era a
garantia de sucesso, enquanto a oposição de Edmundo Cardoso se pautava em que, sendo a
organização amadorística, interessava levar novos textos e não copiar cenários e interpretações.
Essa justificava de EC era corroborada por Walter Grau, Luiz Gonzaga Schleiniger, Mauro
Mussói e Wilson Dernardin.
Setembrino Souza afastou-se da Escola por volta de 1946, “pois não conseguiu realizar
o seu objetivo que era o de semi-profissionalizar a Escola.” (COSTA, 1985, p. 15). Retornou em
1951, na peça É proibido suicidar-se na primavera “por nós dirigida e pela primeira vez montada
119
em cenoplastia. Paulicéia de Souza, a esposa de Setembrino, atuou apenas uma vez na Escola de
Teatro, na peça Feitiço, montada em 1947.” (CARDOSO, 1978, p. 15). Entretanto, a renda
líquida da peça Compra-se um marido, encenada em setembro de 1943, foi toda atribuída à
Setembrino, “como subsídio auxiliar para uma intervenção cirúrgica em sua esposa.”
41
(CARDOSO, 1978, p. 15).
O repertório internacional que a ETLF começou a produzir no início dos anos 50, teve
em Wilde Quintana um singular intérprete. (Figura 19). Vindo de Bagé para Santa Maria em
1950, por motivos profissionais, Quintana seria colega de José Medeiros na Justiça Militar Federal
e por este levado para o elenco da Escola. Estreou em É proibido suicidar-se na primavera
(1951), vindo a se destacar em Espectros, como o filho da Senhora Alving. Faria depois parte do
elenco em Curvas Perigosas, As bodas do diabo, no papel do Diabo, no qual “logrou transfigurar
a avassaladora Paixão que o Rei das Trevas nutria pela Rainha do Nada, a Morte” e Delito na
ilha das cabras. (CARDOSO, 1988, p. l) “Quintana teve nessa peça uma grande oportunidade
dramática que foi por ele aproveitada exaustivamente, e que marcou também sua despedida da
Escola de Teatro. Transferiu-se para Porto Alegre e depois Curitiba, onde retomou a atividade
cênica.” (CARDOSO, 1988, p. 1).
41
Paulicéia havia sofrido um acidente, que lhe tirou o domínio de uma perna. (A Razão, 1987)
Figura 19: Wilde Quintana.
Foto Schleiniger Jr. (Anos 50).
Fonte: Acervo particular EC.
120
Essa retomada foi primeiro para o teatro amador, depois para o profissional “quando
esteve no Rio de Janeiro em temporada com um excelente agrupamento curitibano. Depois
retornou para P. Alegre, renunciando ao teatro.” (CARDOSO, 1988, p. 1).
Em Santa Maria, Wilde Quintana havia se dedicado também ao jornalismo como cronista
social no jornal Diário do Estado. Faleceu em 1988. (CARDOSO, 1988, p. 1).
Paulo Neron Rodrigues, o popular Paulinho, que até hoje vende bilhetes lotéricos no
Calçadão (rua Dr. Bozano), ingressou na ETLF em 1959, na peça O casaco encantado. Pelo seu
desempenho nessa peça, Edmundo Cardoso criou um personagem especialmente para ele em
Pluft, o fantasminha (1960), de Maria Clara Machado. Iniciativa que se tornou hábito de EC
toda vez que encenava peças infantis, para que Paulo Neron não ficasse de fora dos espetáculos,
tal o seu sucesso com o público infantil, que com ele se identificava, uma vez que Paulinho
mede 1,50 metro. (A Razão, 1979).
Até aqui apresentamos aqueles que se destacavam no palco – os atores – e o diretor de
cena. Mas temos que considerar os bastidores, a equipe técnica que tornava a apresentação dos
espetáculos possível, uma vez que a Escola mantinha também em seu quadro marceneiros,
carpinteiros, eletricistas, desenhistas, costureiras, maquiladoras e tantos outros profissionais
especializados. Além dos depoimentos já referidos, utilizamo-nos do artigo O que acontece
atrás dos bastidores do teatro, do jornal A Razão, de 12 de dezembro de 1979, páginas 6 e 7 para
delinear o perfil do pessoal que nem sempre aparecia no palco.
Desses, destacamos Léo da Silva Freitas, técnico em eletricidade e som. A princípio
acumulava as duas funções, depois especializou-se em eletricidade teatral. Acompanhou a Escola
de Teatro em todas as suas excursões artísticas. Nos bastidores, passou por todas as funções.
Profissionalmente, atuou como eletrotécnico e funcionário postal.
Marconi Mussói, na Escola desde sua fundação até sua extinção, manteve-se afastado
somente por dois anos, quando foi morar fora de Santa Maria. Envolvido com teatro amador
desde 1937, quando encenou a opereta A casa das três meninas de Schubert, com um grupo
amadorístico local. Durante algum tempo participou do Grupo Teatral Lobo da Costa, filiado à
Igreja Episcopal de Santa Maria. Também havia participado do extinto Coral Arrigo Boito,
fundado e dirigido pelo maestro Garibaldi Poggetti. Foi um dos fundadores do Atlético Esporte
121
Clube e na vida profissional atuou como industriário, industrial, caixeiro-viajante e securitário
Na ETLF exerceu várias funções nos bastidores, como cenarista, pintor, contra-regra,
marceneiro e diretor técnico de montagem. Nesta última função, foi lembrado em todos os
depoimentos. “O grande técnico foi o Marconi Mussói. Nunca entrou em cena, mas estava
sempre conosco em todas as peças. Como chefe do departamento técnico, estudava a peça e a
partir daí montava todo o cenário. Era muito competente e criativo.” (PORTO, 2003). Como
maquinista teatral foi perito em ferramentas e tinha capacidade inventiva como marceneiro e
carpinteiro, profissões em que possuía familiaridade desde criança, uma vez que era filho de
dono de fábrica de marcenaria na cidade. Conheceu sua esposa Elvira Falkembach no teatro
amador, antes de ingressar na Escola.
Faleceu em 1989, em Santa Maria. Maçon, “participava há longos anos da Loja Eureka,
onde seu corpo foi velado e recebeu as sensibilizantes homenagens rituais, por ocasião de suas
exéquias.” (CARDOSO, 1989, p. 3).
Ney Monteiro ingressou na Escola no início da década de 60, exercendo atividades que
também lhe eram familiares, como carpintaria e marcenaria, uma vez que trabalhava na marcenaria
da UFSM. Segundo seus colegas remanescentes, tinha grande capacidade de improvisação e era
exímio conhecedor de ferramentas. Formava, nos bastidores, parceria com David Akcelrud.
Armando Bondarenko, luminotécnico e eletricista com conhecimentos em sonoplastia,
entrou para Escola em meados dos anos 50. Destacou-se pelas montagens de grande exigência
cênica e pela parceria em tais encargos com Léo da Silva Freitas. Exerceu a função de fotógrafo
na UFSM, onde se aposentou.
Érico Freitas destacou-se na Escola pela colaboração a Guido Isaia, que fazia as fotos
das peças com fins publicitários. Colaborava na iluminação, no enquadramento, retoque e
laboratório. Na década de 70, começou a auxiliar seu filho, Érico Freitas Filho na sonoplastia.
Neste mesmo período já era bancário aposentado, e começava a se destacar na radiodifusão. Seu
filho era então universitário e possuía moderno equipamento de aparelhagem de som.
Jaime Roos, desenhista e projetista, além de conhecedor de marcenaria e carpintaria,
desenhou cenários para vários espetáculos, inclusive para Delito na ilha das cabras (1956), de
Ugo Beti. Notabilizou-se pela capacidade de absorver mentalmente as criações subjetivas
122
cenográficas de Edmundo Cardoso, transportá-las para o papel e daí para a cena, com a ajuda de
Marconi Mussói e demais técnicos. Na juventude tocava em um conjunto musical e, no final da
década de 70, já estava aposentado como funcionário público municipal.
Adão Garcia, fundador da revista Vento Norte, na década de 40, em Santa Maria, chegou
à Escola no final da década de 50, onde tinha a responsabilidade pelos impressos publicitários
e atuava como auxiliar de bastidores. Era considerado relações públicas dentro da ETLF.
Nilo Pulino, eletricista e eletromecânico, ocupava-se da manutenção e guarda do material
cênico. Osvaldo Dias atuava na tesouraria, com Braulio de Araújo Souza. Egresso de organizações
amadorísticas anteriores à ETLF, havia sido livreiro e gráfico nos anos 20 e 30.
David Akcerlud ingressou na Escola somente em 1973 e é até hoje lembrado por seus
companheiros de ribalta pela instalação de água completa em cena, por ocasião da encenação de
Soraya posto dois (1973), de Pedro Bloch, no Teatro Imperial em Santa Maria e no teatro Álvaro
de Carvalho, em Florianópolis. Na vida real era construtor e armador de redes hidráulicas e
sanitárias na construção civil.
Nizel Neumaier Kolling, professora do Colégio Centenário, onde dirigiu o coral infantil.
Regia corais na comunidade evangélica luterana e foi também regente no coral da ETLF. Alda
Nunes, professora de maquilagem e cabelos no SENAC, exerceu na Escola a função de
maquiladora e cabeleireira. Eva Silveira era costumista e costureira na Escola e fora dela.
Salvador Isaia teve fundamental importância para a ETLF, uma vez que era um dos seus
mantenedores financeiros e incentivador das artes em geral e do teatro amador em particular.
Para Jorge Beduino Ramos Medeiros (2003) “aqui em Santa Maria existia um cidadão que foi
um mecenas para arte teatral, ajudou sempre a sustentar a Escola, que foi o Salvador Isaia.”
(2003).
O busto do ator Leopoldo Froés, inaugurado pela Escola de Teatro no aniversário de 25
anos da Escola, em 1968, somente tornou-se possível pela contribuição efetiva de Salvador
Isaia, com numerário: “Recebemos do Sr. Salvador Isaia, a quantia de CR$ 4.277,16, destinando-
se para cobrir as despesas com a ereção do busto do ator Leopoldo Fróes, na praça Saldanha
Marinho.” (CARDOSO, Edmundo, LIPPOLD, Walter, Recibo, s/d.).
Também Braulio Araújo Souza (2003) lembraria da importância de Isaia para a Escola:
123
“Quem mais colaborou com dinheiro para as fundações que foram feitas foi o Salvador Isaia.
Com dinheiro e com material que ele próprio comprava.” Souza se referia ao material para as
fundações efetuadas no terreno que havia sido doado pelo Prefeito Municipal Heitor Silveira
Campos, para a construção de um teatro que abarcaria as apresentações da ETLF e de companhias
grandes que viessem de fora. Esta edificação se chamaria “Cine-Teatro Leopoldo Fróes,” segundo
Dalton Couto (2003).
Na verdade, Salvador Isaia foi um dos fundadores e presidente da Comissão Pró-
Construção da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, criada em 1954, “onde o primeiro passo a ser
dado deveria ser conseguir o projeto da elaboração da obra a ser realizada.” (Ata Nº. 27, 17 nov.
1954, p. 23).
Ainda sobre a Comissão Pró-Construção do Teatro próprio encontramos em um artigo
de jornal:
Deliberou mais a Diretoria ampliar-se para cinco o número de compo-
nentes da Comissão Pró-Construção, devendo em breve serem convida-
dos os novos integrantes desse organismo, cuja atividade entrou em fase
mais ativa, eis que a Escola de Teatro dentro de poucos dias iniciará a
projetada construção do seu teatro, de posse que já está de todos os cál-
culos de concreto armado, elaborados na capital do Estado por uma equipe
especializada.” (Comissão pró-construção do teatro, s/d).
Tais fundações para a construção do teatro iniciaram em 1960 e um ano e meio depois
foram interrompidas por falta de recursos. Sobre a não-concretização dessa idéia disse Geolar
Badke (2003): “Não atendendo ao compromisso de construir o teatro dentro da lei que doou o
terreno, a Escola foi obrigada a devolvê-lo. Devolvemos o terreno com uma pequena área já
construída à Prefeitura. (...). Foi um sonho em vão.”
Complementa esta afirmação o depoimento de João Teixeira Porto (2003), em que afirma
ser “o dinheiro arrecadado na bilheteria todo para o banco, para a construção do teatro. O Cardoso
acompanhou o Ministro da Educação Tarso Dutra, a uma visita ao Prefeito Municipal da cidade,
que então fez a doação da área para construção do teatro”, acrescentando que o projeto acabou
não se realizando porque “o Cardoso já havia envelhecido, tinha ficado viúvo, perdeu o gosto,
assim como eu também perdi (...).”
124
Antes da ligação com a Escola, Isaia já mantinha, nos anos 20, um grupo de teatro amador
ligado na época à Ação Católica. Ao término da ETLF, esgotaram-se as possibilidades da
construção do teatro, tanto para os depoentes citados quanto para Edmundo Cardoso e Salvador
Isaia.
Um dos desenhistas da Escola, Eduardo Trevisan, criou vários cenários e figurinos, como
para as peças A raposa e as uvas, Espectros e Bodas do Diabo, montagens que se destacaram
pela riqueza de detalhes, executadas por Mestre Romano, da Escola de Arte e Ofícios. A respeito
da execução dos cenários de Trevisan, Geolar Badke (2003) lembra de que “Mestre Romano, da
Artes e Ofícios [Escola de Artes e Ofício]
42
montou a peça As Bodas do Diabo. Ele fez um
inferno fora de série. O trabalho dele era maravilhoso. Pelas fotos dá pra ver. Em Espectros, fez
aqueles candelabros (...) um trabalho muito bonito de montagem de cenário”.
Eduardo Trevisan nasceu em Santa Maria em 1920 e desde os 12 anos tomava aulas com o
professor Parlagrecco da Escola de Artes e Ofícios. Em 1934, ingressou no Instituto de Belas Artes
de Porto Alegre e no Colégio Anchieta onde foi contemporâneo de Edegar Koetz, João Fahrion e
Nelson Boeira Faedrich. Foi retratista, desenhista, pintor, artista gráfico, professor e fotógrafo.
Entre 1949-50 Trevisan montou seu atelier fotográfico na Praça Saldanha Marinho. Porém,
“nos primeiros tempos, por falta de um quarto escuro que lhe servisse de laboratório fotográfico,
Eduardo encerrava-se com suas cubas de ácidos e sais no guarda-roupa e ali revelava suas
fotografias e as fixava. Dona Zari [sua esposa] ficava de guarda do lado de fora da porta.”
(LARRÉ, 2002, p. 175).
Destacou-se nas artes também como retratista e muralista. Seus murais estão em locais
públicos como no Planetário, na Biblioteca Central, no Centro de Ciências Naturais e Exatas e
na Reitoria, todas na UFSM. Morreu em Santa Maria em 1983. (FOLETTO, BISOGNIN, 2001).
A apresentação do perfil e da trajetória dos diferentes integrantes da ETLF – direção
executiva, atores, trabalhadores dos bastidores – tem o propósito de configurar os tipos sociais
que se envolviam na produção teatral em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, no
42
Em 1922 “foi inaugurada a Escola de Artes e Ofícios da Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio
Grande Do Sul, destinada ao ensino profissionalizante. Foi um estabelecimento de ensino sem similar na América
por sua organização e benefícios. Visava à formação elementar e profissional de filhos de ferroviários do sexo
masculino.” (BEBER, 1998, p. 17-18).
125
período abordado.
Como pode constatar-se no levantamento dos cine-teatros feito anteriormente, o circuito
dos espetáculos em Santa Maria era restrito. Poucas eram as casas voltadas para este tipo de
cultura e lazer, menor ainda o número daquelas que contavam com palco apropriado para
encenações. Quando isto acontecia, a casa dividia o seu tempo com o cinema, dando destaque a
esta manifestação artística inclusive. O teatro era um opção de cultura que exigia um pouco
mais do público, dificultando, desta maneira, a produção contínua de peças.
Escasso o circuito do teatro, ficava ele restrito aos amadores entusiasmados, conforme
se pode conferir em suas trajetórias. Eram homens e mulheres com atividades profissionais
desvinculadas da produção artística – militares, funcionários públicos, profissionais liberais,
professores – que passavam a gastar/ganhar o seu tempo no teatro a partir de um ideal comum de
valorização da arte.
Podemos afirmar que foram esses homens – desde os técnicos, os patrocinadores, os
atores e o diretor – que escreveram com suas falas e gestos a história da ETLF. A trama que eles
encenaram foi esta. Cada um teve o seu papel e o resultado foi, em parte, este que já apresentamos.
O desfecho final, entretanto, colocamos no capítulo a seguir. Nele, o resultado desse empenho e
persistência: as peças encenadas.
CAPÍTULO III
O PALCO, OS PERSONAGENS E O ESPETÁCULO: PEÇAS ENCENADAS
PELA ESCOLA DE TEATRO LEOPOLDO FRÓES
Acredito, com efeito, que a obra de arte, quando não atinge o seu mais
elevado objetivo, certamente o estético, permanece de qualquer forma
como documento de época. O meu postulado, nesse caso, é o mesmo
tanto do romantismo quanto do realismo – ou seja, que as melhores pe-
ças nunca se contentam com as quatro paredes (reais ou imaginárias) do
palco, tentando reproduzir, nesse microcosmo cênico, algo do que se
agita ou reina fora delas. (PRADO, 1999, p. 14).
As peças levadas pela ETLF se constituem em 40 textos distribuídos entre comédias e
dramas, destinados ao público infantil e adulto que eram apresentados na cidade de Santa Maria,
no Cine Independência, Cine Imperial, Instituto Olavo Bilac, Colégio Centenário e demais salas
em que se pudessem propiciar tais espetáculos, uma vez que a Escola não conseguiu construir
sua sede própria.
Além disso, necessitava dividir seu espaço cultural de atuação com outras atividades
artísticas ou educacionais, mas principalmente com o cinema, fator igualmente já referido. Por
esse motivo, no caso específico da divisão com o espaço que ocupava com o cinema, no Cine
Imperial - onde mais se apresentou - esteve atrelada a exibições de filmes. Por isso, suas
apresentações se limitavam às noites de segundas e terças-feiras. “O Cine Imperial nos emprestava
o palco somente às segundas e terças feiras. Então, depois da última sessão de cinema aos
domingos, lá pela meia-noite, nós íamos para o palco desmontar o telão e começávamos a trabalhar
na montagem do cenário.” (BADKE, 2003).
127
Para Porto Alegre, onde se apresentou no Teatro São Pedro, a Escola levou Curvas
Perigosas, em 1954, alternando apresentações com o Teatro Amador de Pernambuco (TAP).
Espectros, A raposa e as uvas e As bodas do diabo foram levadas em 1955, também no palco do
Teatro São Pedro. O Asilado foi encenada no mesmo teatro em Porto Alegre, em julho de 1964.
“Na época o Teatro São Pedro estava quase em ruínas. Por estar em ruínas, a varanda, a uns 10
metros acima do solo, era composta por algumas tábuas. Mas a boca de cena não tinha varanda,
era livre.” (MEDEIROS, 2003).
Fora as incursões pelos palcos da capital, a ETLF excursionou pelo interior do Estado,
por cidades como Cachoeira do Sul, Pelotas, Bagé, São Pedro do Sul e demais cidades, que
serão mencionadas no decorrer da apresentação das peças encenadas.
A apresentação, neste trabalho, das peças encenadas, pôde ser realizada graças à
documentação existente no acervo particular de Edmundo Cardoso, onde grande parte da pesquisa
foi realizada. A referida documentação não está registrada nem catalogada, mas separada por
dossiês. Cada dossiê pertence a uma peça teatral encenada pela Escola de Teatro Leopoldo
Fróes e, neles, estão reunidos os documentos que esclarecem elementos básicos para sua
composição, como elenco, corpo técnico, diretor artístico, composição de cenários,
patrocinadores, fornecedores, divulgação na mídia, público manifesto, valor de ingressos.
Os elementos básicos contidos nos dossiês encontram-se nos textos das peças de teatro,
nas fotos, desenhos de figurino e cenários, crônicas, fôlderes, banners, folhetos, libretos, artigos
de jornais e revistas referentes às peças, além de cópias de cartas datilografadas de Edmundo
Cardoso a instituições, órgãos de censura, artistas, teatrólogos, autores, políticos, escolas. Em
contrapartida, há cartas em resposta à sua correspondência, do mesmo modo que cartas pessoais,
como de Procópio Ferreira, Aurélio Ferretti e Guilherme de Figueiredo.
Como praticamente não há informações bibliográficas, em grande parte dos artigos e
crônicas de revistas e jornais utilizados, optamos por referir a que dossiê pertencem os artigos
aqui utilizados, uma vez que, em cada dossiê existem vários jornais, tanto de Santa Maria como
de Porto Alegre e demais cidades, tornando difícil, a curto prazo, a pesquisa nos arquivos dos
próprios jornais.
128
Reiteramos a validade da apresentação das peças encenadas pela ETLF, uma vez que
não há, até a presente data, qualquer tipo de registro a partir da documentação referida e, portanto,
o levantamento da história da Escola de Teatro e de suas peças possui caráter inédito.
Além disso, utilizamo-nos dos textos das peças enviadas à ETLF pela SBAT, ou
datilografadas pela própria Escola, para efetuarmos rápidos comentários a respeito de cada
peça encenada, com o objetivo de uma melhor compreensão do tipo de teatro privilegiado pela
ETLF, ainda que tais comentários não tenham caráter de análise literária, como já foi explicitado
na introdução deste trabalho.
Da mesma forma, servimo-nos neste capítulo de fotos de encenação ou de ensaio de
algumas peças, bem como de desenhos de cenários efetuados pelo artista plástico santa-mariense,
Eduardo Trevisan, com o objetivo específico de auxiliar na compreensão da composição de
personagens, cenários e figurinos. Todavia, este componente visual não será analisado no decorrer
do texto, apenas mencionado como complemento às demais fontes contidas nos dossiês.
1. Saudade (1943)
A estréia da Escola foi em Saudade, de Paulo Magalhães, encenada em 30 de julho de
1943, no Cine-Teatro Imperial. Nesta peça, o elenco foi constituído em sua maioria de estreantes,
desempenhando os papéis de uma comédia que era autoria do então conhecido comediógrafo
Paulo Magalhães.
Este espetáculo realizou-se sob os auspícios do Colégio Centenário e com sua imediata
colaboração, de modo que o elemento feminino que integrou o seu elenco era composto,
exclusivamente, por figuras daquele educandário, pertencentes ao seu corpo docente, como foi
o caso de Nair Miorin, Adiles da Silva e Átia Paiva Mendes. A exceção era apenas de uma
integrante, que fazia parte do corpo discente do mesmo estabelecimento, Iza Prates. Esse elemento
feminino, portanto, fora recrutado nas “figuras representativas do escol social santamariense.”
(Dossiê peça A saudade, 1943).
Por outro lado, os papéis masculinos - em número de três - foram confiados a atores
amadores conhecidos no circuito teatral da região centro do Estado, como Dalton Couto, Edmundo
129
Cardoso e Setembrino de Souza. Também aos amadores foram confiados os encargos de
bastidores. Assim, José Medeiros, Marconi Mussói, Valter Grau e Adão Flores foram incumbidos,
respectivamente de contra-regra, ponto e maquinaria. (Figura 20).
No anúncio publicitário do espetáculo encontramos: “Uma original peça de teatro onde
é defendida a tese do amor entre gente velha, e onde a gente moça (...) faz gato e sapato dos
amoricos dos velhos!”
O jornal A Razão apoiava o empreendimento e noticiou-o desta maneira: “Grandiosa
Festa Teatral no Imperial, no dia 30.” Na notícia, explicava o tema: “os inconvenientes do amor
entre pessoas velhas” – adiantando que o autor, nessa comédia, sabia dosar em seus três longos
atos “de uma parte amorosa entre gente moça.” (Dossiê peça A saudade, 1943). A peça excursionou
em Cachoeira do Sul e São Pedro.
A propósito do autor da peça, Paulo Magalhães esteve na época dentre os mais
representados em nosso país, sendo suas peças traduzidas para o espanhol e representadas em
inúmeros palcos na América do Sul. (VASCONCELOS, 1987).
Figura 20: Elenco e corpo técnico da peça Saudade. Da esquerda para a direita:
Amaury Portugal, Átia Paiva Mendes, Edna Mey Cardoso, Nair Miorin Paiva, Adiles
da Silva, Marconi Mussói, Oswaldo Dias e Robson Flores. Foto Studio Aurora. (1943).
Fonte: Acervo particular EC.
130
Desse modo, Santa Maria teve a oportunidade de apreciar uma manifestação de sua
própria capacidade artístico-cultural que, por seu êxito, logrou seguir adiante.
A comédia de Paulo Magalhães apresenta uma viúva de 40 anos que se vê às voltas com
dois pretendentes: um senhor de 67 anos e um rapaz de 27. Ela se sente inclinada pelo rapaz,
mas a diferença de idade torna-a temerosa de efetuar o casamento. Os dois tornam-se noivos
secretamente e, logo após, a filha da viúva (de 18 anos) deixa o internato e vem morar com a
mãe. Ignorando o noivado da mãe, apaixona-se pelo rapaz e é correspondida. Quando a mãe
descobre, obriga-os a se casarem.
O último ato se passa um ano e três meses depois. O jovem casal foi morar no Norte do
país, a viúva tornou-se uma mulher melancólica, “com uma saudade imensa dos (...) vinte anos!
(...) Saudade de uma mulher que tinha um coração tal qual tem hoje, [mas tinha também um
corpo de escultura e um rosto de madona!] Saudade de tudo... Saudade cruciante de mim mesma.”
(Texto da peça Saudade, 1934).
1
Tempos depois, a filha e o genro chegam subitamente do Norte
e lhe trazem um neto. A última cena mostra a viúva cuidando do neto e assumindo seu papel de
avó. (Texto peça Saudade, 1943).
2. Compra-se um marido (1943)
A comédia de José Vanderley foi encenada em 31 de agosto de 1943, no Cine-Teatro
Imperial. O elenco era constituído, em sua maioria, de atores amadores que interpretaram a
comédia Saudade, como Valter Grau, Átia Paiva Mendes, José Medeiros, Setembrino de Souza,
Nair Miorin, Luiz Gonzaga Schleinniger, Marconi Mussói, Edmundo Cardoso e Setembrino de
Souza. A trama era ambientada na época atual, na cidade do Rio de Janeiro.
Tratava-se de uma sátira cômica dos costumes modernos e, ao mesmo tempo, apresentava
a dramatização das manias dos que têm dinheiro e dos que não têm. Os móveis que compunham
a cena foram cedidos pela então Casa Loro.
No anúncio publicitário do Cine-Teatro Imperial era divulgado, com a peça, o restante
da programação semanal não vinculada à Escola. Deste modo, nessa mesma semana, apresentaram-
1
Este trecho conta no texto original, mas riscado no livro usado pelo Ponto.
131
se os espetáculos Trem de Luxo, com Victor Mclaglen e o filme Cidade do Pecado, de Jeannett
Macdonal, com Clark Gable e Spencer Tracy. Como este último filme mostrava o horror da Segunda
Guerra Mundial, contrapunha-se à comédia de costumes apresentada pela Escola.
A peça de José Wanderley estreou em São Paulo, em 1933, pela Companhia Procópio
Ferreira. O enredo trata de uma moça rica e mimada que faz o pai milionário comprar um
marido para ela. O candidato aceita um salário mensal e no contrato fica estabelecido pela noiva
que no casamento, não deve haver controle ou ciúme e nenhum contato físico. O rapaz aceita
por estar desempregado e também porque deseja vencer o desafio. Dois meses depois, sente-se
entediado e resolve provocar a esposa dando atenção para sua melhor amiga. A mulher sente
ciúmes do rapaz e então descobre seus sentimentos por ele. O casal refaz o contrato de casamento,
no qual o marido passa a definir as regras.
O cômico da peça estava em que o casamento moderno não necessitava de amor, um
sentimento antiquado. O desenrolar da trama, entretanto, mostraria o contrário. (Texto peça
Compra-se em marido, 1935).
3. Deus lhe pague (1944)
Encenada dia 24 de abril de 1944, no Cine Imperial, a comédia dramática de Joracy
Camargo, que tinha em seu elenco Setembrino de Souza, Mauro Mussói, Maria Menezes, Nair
Miorin, Wilson Denardin, Ruth Dorneles Vargas, Geolar Badke e Edmundo Cardoso. Lustres e
adornos fornecidos pela Casa Alaggio. Como figurantes, algumas pessoas da comunidade.
Ingressos a CR$ 4,00 e 3,00.
No mesmo folheto que anunciava a peça, havia a propaganda dos filmes Nas portas do
inferno (com Roberto Taylor), Inimigos amistosos (com Nancy Kelly) e Ilhas dos amores (com
Madaleine Carrol) nos demais dias da semana.
“Sendo Deus lhe pague uma peça de grande envergadura interpretativa e já conhecida de
nosso público, (...) os amadores da ETLF desvelaram-se em seus dificílimos papéis, estimulados
pelo fato em si, sabendo de antemão que terão de enfrentar o rigorismo de uma platéia culta e
exigente, como é a de Santa Maria.” (Dossiê peça Deus lhe pague, 1944).
132
A peça de Joracy Camargo refere-se a uma crítica que os socialistas faziam ao capitalismo,
ou seja, crítica a propriedade privada, que é fonte de riqueza e está apenas disponível para
alguns. A peça inicia com um diálogo entre mendigos no qual um deles faz a defesa da
mendicância, como parte integrante do próprio sistema capitalista. A partir daí, os diálogos
seguem questionando os valores da sociedade burguesa. É uma crítica leve, mas talvez muito
contundente para o o público conservador dos anos 40. A peça termina com a apologia da
felicidade, contrapondo-se à toda ênfase dada à acumulação da riqueza e aos bens materiais,
com claras conotações pseudo-filosóficas. (Texto peça Deus lhe pague, 1944).
4. Marido número cinco (1944)
Quando lançada no Rio de Janeiro, dois anos antes, portanto, em 1942, pela Companhia
Dulcinda de Moraes, foi cognominada e “a peça mais risonha das últimas temporadas.”(Dossiê
peça Marido número cinco, 1944). Paulo de Magalhães produziu algo que atingia aos objetivos
de uma grande comédia: movimentação, alegria e jocosidade espontâneas.
Pela ordem de entrada em cena, os seguintes atores integraram a comédia: José Medeiros,
Nidia Menezes, Edmundo Cardoso, Luiz Gonzaga Schleiniger, Átia Paiva Mendes, Setembrino
de Souza. Adiles da Silva, Nair Miorin, Wilson Denardin, Mauro Mussói, Marconi Mussói e
Geolar Badke.
Colaboração de Casa Binato, Casa Lang, Casa Roth Ltda, Telefônica Riograndense,
Empresa Sharles Sturgis, Fábrica de Móveis A Facilitadora, Clube Aliança, Casa A Mundial.
Valor do ingresso: Cr$ 5,00.
Em São Paulo, Marido número cinco estreou em 1938 e o autor, Paulo de Magalhães,
seria o autor mais representado no Brasil entre 1938 e 1941. A comédia aborda um casal burguês
que enfrenta dificuldades financeiras e resolve casar o filho de 27 anos com uma moça rica.
Escolhem a noiva, mas se deparam com um problema: o rapaz é tímido, tem medo de mulher e
jamais beijou uma. Para curar o noivo, a mãe acerta com amiga um tratamento. A amiga (32
anos) já teve quatro maridos e resolve ensinar o rapaz a beijar, mas acaba gostando dele, que se
torna um conquistador e passa a envolver-se com várias mulheres. Na última cena ocorre o
133
casamento dos jovens. Entretanto, a professora que desinibiu o rapaz declara que o noivo não
ama a noiva. E faz longo discurso em defesa do amor. A cerimônia encerra ali, e a professora
ganha seu quinto marido. Trata-se de comédia leve, para entretenimento descomprometido. (Texto
peça Marido número cinco, 1942).
5. Os divorciados (1944)
Encenada em 28 de novembro de 1944, no Cine-Teatro Imperial. Atores: Átia Paiva
Mendes, Murias Bastos, Luiz Gonzaga Schleiniger, Mauro Mussói, Edmundo Cardoso, Nair
Miorin, Adiles da Silva, Vilson Dernardin, América Achutti. Contribuição da Casa A Facilitadora
e Serviço de Eletricidade e Adornos da Casa Lang. Preços populares: Cr$ 4,00 e 3,00.
Peça de Eurico Silva, trata de forma cômica o divórcio, no Uruguai, de um casal que, ao
retornar ao Brasil, acerta um acordo de interferir na escolha do futuro parceiro do ex-cônjuge.
(Texto peça Os divorciados, 1944).
6. Maria Cachucha (1945) e Feitiço (1945 e 1977)
Encenada em 04 de junho de 1945, no Cine-Teatro Imperial, Maria Cachucha contou
com os atores: Mauro Mussói, Vilson Dernardin, Nadir Miorin, Ruth Dorneles Vargas, Maria
Caminha, Setembrino de Souza, Geolar Badke, Nair Miorin, Dalton Couto, Zelma Pires, e
Edmundo Cardoso. Ação: atualidade. Local: Rio de Janeiro. Mobiliário: Casa Lobo. Ingresso:
Cr$ 4,00.
“A ETFT promete para os primeiros dias de junho duas noitadas de genuína arte teatral.
(...) As peças escolhidas para a temporada de junho são Feitiço e Maria Cachucha, magistrais
trabalhos dos maiores autores nacionais, Oduvaldo Viana e Joracy Camargo”. (Dossiê peça
Feitiço e Maria Cachucha, 1945 e 1977).
De Joracy Camargo, Maria Cachucha foi considerada “uma primorosa peça dramática,
de intensas emoções, envolvendo as mais sutis paixões humanas!” (Folheto de publicidade).
Maria Cachucha estreou no Rio de Janeiro, em 1940, com grande sucesso de público
134
(205 representações consecutivas). Foi encenada pela Companhia Procópio Ferreira, que
considerava Joracy Camargo o mais genial dramaturgo brasileiro desde Martins Pena. A Maria
Cachucha da peça é uma louca das ruas. Um tipo popular. É trazida para uma reunião de pessoas
ricas com o propósito de proporcionar diversão. Depois é mantida na mesma casa para servir
como objeto de estudo. Trata-se de uma mulher com mania de grandeza, 58 anos, que foi rica e
perdeu tudo. Sustenta uma sobrinha em um colégio de freiras com esmolas que recebe junto
com outro mendigo. Ela é o objeto de amor de dois homens: um milionário e um medigo. Aceita
casar com o milionário, desprezando seu companheiro de mendicância e traz a sobrinha para
morar com ela.
Quanto ao mendigo, é um vagabundo romântico que se opõe às convenções, à riqueza, e
realiza uma espécie de crítica ao mundo capitalista, o que vem a se tornar um hábito nas peças
de Joracy Camargo. Esta crítica já havia sido tratada em sua peça Deus lhe pague.
Comédia de non-sense, Maria Cachucha oscila entre o conforto da riqueza e a liberdade
da pobreza. Milionário e mendigo revelam seus talentos e disputam Maria Cachucha, que aceita
o milionário, porém fica evidente ao espectador que ela poderá voltar atrás. (Texto peça Maria
Cachucha, 1974).
Feitiço foi encenada pela primeirta vez, em 05 de junho de 1945, no Cine-Teatro Imperial,
contou com os atores: Zelma Pires, Dalton Couto, Paulicéia de Souza, Edmundo Cardoso, Maria
Caminha, Setembrino de Souza, Nair Miorin, Rosita Seligman e Vilson Dernardin. Ação: Em
qualquer lugar. Época: qualquer tempo. Mobiliário: A Facilitadora. Ingresso: Cr$ 4,00.
“A linda comédia de Oduvaldo Viana teve um desempenho que serviu para reafirmar o
valor do conjunto que tantas vitórias vem obtendo e que consolidou insuperável prestígio nos
meios artísticos rio-grandenses.” (Dossiê peça Feitiço e Maria Cachucha,1945 e 1977).
No folheto publicitário, havia uma chamada para o público infantil acima de dez
anos: “A Censura fixou essa idade e o Doutor Juiz de Menores, atendendo ao pedido da ETLF,
vai permitir que as crianças todas, acima de 10 anos, possam ir aos espetáculos noturnos da
comédia Feitiço, desde que estejam acompanhadas por adultos.”
A comédia de 6 episódios de Oduvaldo Viana foi interpretada novamente, em 1977, com
os intérpretes pela ordem de entrada em cena: Fátima Cechin, Nilton Storgatto, Edna Mey Cardoso,
135
Rosane Abelin, Horst Lippold, Nair Miorin Paiva, João Teixeira Porto, Gilda May Cardoso dos
Santos, Dirceu Brum, Ricardo e Fernando Alvarez. Estreou dia 23 de novembro de 1977, às
21h, no Teatro Imperial onde permaneceu até o dia 27. Preços dos ingressos: Cr$ 12,00 e Cr$
8,00. (Figura 21).
O folheto publicitário explicava que “Oduvaldo Viana foi um dos grandes autores
brasileiros. Produziu comédias admiráveis. Entre elas, Feitiço, que trata, com graça e bom humor,
do problema do ciúme conjugal e seus inconvenientes”.
Para a imprensa local, “o público que corre todas as noites ao velho teatro Cine-Imperial,
para aplaudir aos atores de Feitiço também tem sua atenção despertada para a beleza do cenário
apresentado pelo corpo técnico da Escola de Teatro. (Dossiê peça Maria Cachucha e Feitiço,
1945 e 1977). Também se constata que, nesse período, havia sessões à tarde: “Este domingo
marcará o encerramento da exitosa carreira da comédia Feitiço. Hoje o Cine-Teatro Imperial
abrirá as suas portas para as últimas apresentações de Feitiço, na vesperal das 15h e na sessão
noturna das 21h.” (Dossiê peça Maria Cachucha e Feitiço, 1945 e 1977).
Figura 21: Encenação da peça Feitiço. Da esquerda para a direita: Rosane
Abelin, Horst Lippold, Edna Mey Cardoso, João Teixeira Porto, Fátima Cechin,
Nilton Storgatto e Nair Miorin Paiva. (1977).
Fonte: Acervo particular EC.
136
Feitiço é uma comédia em que o par romântico já está casado. O primeiro ato apresenta
a vida conjugal idealizada: flores, serenatas, juras de amor e fidelidade. O segundo ato retrata o
desmantelamento desta idealização e as estratégias que cada um dos membros do casal usa para
reequilibrar a situação. Vence a estratégia feminina que se utiliza da sabedoria da avó materna:
o feitiço. Este feitiço nada mais é do que o modo de conter as idealizações por meio do controle
das frustrações, assim como proporcionar ao outro que vivencie seus próprios medos. O terceiro
ato revela que a estratégia do feitiço obteve êxito levando o casal à reconciliação e ao equilíbrio
da vida conjugal. (Texto peça Feitiço, 1977).
7. A barbada e Pertinho do céu (1945)
Encenadas, respectivamente, em 5 e 6 de novembro de 1945, as peças de Armando
Gonzaga e José Vanderley e Mario Lago contaram com os atores Edmundo Cardoso, Mauro
Mussói, Nair Miorin, Rosita Seligman, Valter Gráu, José Medeiros, Dalton Couto, Zelma Pires,
Edna Mey Cardoso, Genaro Krebs, Marconi Mussói e Geolar Badke.
Sobre A barbada, “constitui um libreto exclusivamente alegre, prendendo-se a um assunto
de atualidade (...), o famoso sorteio do Swespetake e as aperturas de um modesto funcionário
público, no Rio, que se vê às voltas com seríssimos problemas atinentes à vida financeira.”
(Dossiê peça A barbada, 1945). Quanto à comédia Pertinho do Céu, a imprensa local a qualificou
como “uma peça dirigida à sensibilidade mais apurada do espectador mais exigente, com um
enredo onde há farta dose de comédia, de romantismo, de situações e de intriga, com alguns
lances dramáticos.” (Dossiê peça Pertinho do céu, 1945).
Encenadas no Cine-Teatro Imperial (A Barbada) e no auditorium do Colégio Centenário
(Pertinho do Céu), a entrada para o primeiro espetáculo era de Cr$ 4,00 e para o segundo, Cr$
3,00. Excursões: São Pedro do Sul e Cachoeira do Sul.
Pertinho do céu, comédia de José Wanderley e Mario Lago, foi representada pela primeira
vez em 1940, no Rio de Janeiro. História de casal apaixonado que não consegue pagar o aluguel.
O marido é violinista, artista de talento que não encontra emprego. Um jornalista amigo do casal
marca encontro com atriz famosa e personagens cantam canções da ópera La Bohème (romantismo
137
dos personagens se assemelha aos de La Bohème). O jornalista passa a viver com a atriz famosa
em casa luxuosa, recebe os amigos pobres e diz que o ambiente de riqueza o fez perder seu
talento literário, embora esteja feliz no amor. A atriz, influenciada pelo seu empresário, resolve
abandonar o jornalista. Este retorna para casa pobre e recupera seu entusiasmo. Logo após, a
atriz volta a procurá-lo e eles se reconciliam. (Texto peça Pertinho do céu, 1942).
8. Era uma vez um vagabundo (1947)
De autoria de José Vanderley, Era uma vez um vagabundo estreou no auditório do Colégio
Centenário, em 16 de maio de 1947, tendo como atores amadores Marconi Mussói, Edmundo
Cardoso, Silvio Santos Braga, Rafael Seligman, Dima Medeiros, Nicolau Viola, Zelma Pires,
José Medeiros, Luiz Carlos Serpa e Ruth Carrion. Preço único: Cr$ 3,00.
A peça “conta-nos a história de um casamento ditado por interesses familiares, onde o
amor eventual poderia ter curso. Quando o espectador espera que decorra desse princípio a
trama comum (...) surge a figura de um vagabundo de profissão que pode lutar a favor da maré.”
(Dossiê peça Era uma vez um vagabundo, 1947).
Na imprensa local foi divulgado que “essa peça, da lavra do comediógrafo brasileiro
José Vanderley, é uma de suas mais recentes criações, e seu libreto, original e moderno, contém
muito humorismo, graça espontânea e a contextura de um argumento vivaz.” (Dossiê peça Era
uma vez um vagabundo, 1947).
Trata-se de uma comédia sobre a farsa do casamento, para o qual famílias tradicionais
aproximam os noivos devido a sua linhagem. O noivo recém-chegado de Paris é o par ideal para
uma moça provinciana, porém rica. Os noivos não desejam o casamento e o rapaz trata de
construir uma armadilha, colocando em seu lugar um vagabundo profissional e vai tratar de seus
interesses, ou seja, vai em busca do casamento por afeição. A noiva prometida, por sua vez,
apaixona-se pelo vagabundo e contenta tanto os pais (que não sabem da troca), quanto o noivo.
Dessa forma, não há uma ruptura com os costumes estabelecidos. Tudo se arranja de forma feliz
para todos os interessados. (Texto peça Era uma vez um vagabundo, 1947)
138
9. Pense alto (1947)
Encenada em 17 e 18 de novembro de 1947, no Cine-Teatro Imperial, contou com os
atores José Medeiros, Wilson Dernardin, Auristela P. de Souza, Nair Miorin, Ruy Maldonado,
América Achutti, Ruth Carrion, Walter Grau, Matilde Groisman, Edmundo Cardoso, Edna Mey
Cardoso, Dalton Couto e Átia Paiva Mendes. Tratava-se de um libreto do comediógrafo brasileiro
Eurico Silva. Época: em todos os tempos. Cenário: em qualquer parte do mundo. Preço único:
Cr$ 5,00. (Figura 22).
“Essa peça foi escolhida para marcar o início de uma nova época nas atividades artísticas
da Escola, visto que se trata de uma alta comédia, digna de um espetáculo incomum. (...) que é,
ao mesmo tempo, avançada, altamente moderna, fazendo com que o público pense.”(Dossiê
peça Pense Alto, 1947).
Figura 22: Elenco e corpo técnico da peça Pense Alto. Da esquerda para direita: Matilde
Groisman, Wilson Denardin, Genaro Krebs, América Achutti, Edna Mey Cardoso,
Átia Paiva Mendes, Geolar Badke, Nilo Pulino, Edmundo Cardoso, Walter Grau, Dalton
Couto, José Medeiros, Nair Miorin Paiva, Ruy Maldonado, Ruth Carrion, Maristela
Souza, Delmar Martins, Marconi Mussói e Amaury Portugal. (1947).
Fonte: Acervo particular EC.
139
Na comédia de Eurico Silva, empresário pede a autor famoso que escreva uma peça
original e capaz de agradar ao público. Autor aceita a proposta e faz os personagens de seus
romances saltarem para o palco. A partir daí, assiste-se a uma comédia em que um conjunto de
pessoas, enredadas em mentiras e convenções, vêem-se confrontadas por um ente fantástico –
Asmadeu – que é capaz de adivinhar os pensamentos de cada um. Esta figura enfrenta cada um
dos personagens e os desnuda. Este desnudamento não tem nada de profundo e sempre se refere
a alguma verdade sentimental: os casais não se amam, traem-se mutuamente, e mantêm as
aparências. Asmadeu os ajuda a viver de acordo com seus sentimentos e restabelece o que mais
importa: o amor.
É uma peça sentimental. Os casais se recompõem. Há dois vilões que são punidos com a
própria vilania: formam um novo casal. O pense alto do título é pensar e proclamar a verdade do
coração. Pode imaginar-se que a peça tenha causado impacto devido à forma bem-humorada e
sentimental como trata o drama das convenções sociais. (Texto peça Pense alto, 1947).
10. O Burro (1948)
Encenada em 14 de setembro de 1948, no Teatro Imperial; em 20 de setembro de 1948
no Cine Independência e no dia 2 de outubro de 1948, no Instituto Espírita Leocádio José Correia.
Os atores eram José Medeiros, Átia Paiva Mendes, Edna Mey Cardoso, Dalton Couto, Rafael
Seligman, Wilson Dernardin, Cenira Vanacor, Edmundo Cardoso, Nicolau Viola, Marconi Mussói.
“A Escola de Teatro apresentando (...) ao preço módico de Cr$ 2,00 cada poltrona, estará
batendo todos os recordes de preços baixos (...), dessa maneira, cumpre uma das suas principais
finalidades, proporcionando ao mais baixo preço possível (...) de arte cênica.” Época do enredo:
em todas os tempos. Localização: em qualquer tempo. Ingresso: 2,00. (Folheto Publicitário).
Peça em quatro atos, de Joracy Camargo, O Burro, foi apresentada pela primeira vez no
Teatro Carlos Gomes, de Porto Alegre, em 1940, pela Companhia Procópio Ferreira e representada
pelo próprio autor, em todo o país, entre os anos de 1941-42.
Como era hábito nas peças de Joracy Carmargo, o enredo envolve o segmento rico versus
o segmento pobre da sociedade moderna. Entretanto, aqui não é citado Karl Marx, como é o
140
caso de Deus lhe pague e sim, Sigmund Freud. Há uma família tradicional decadente que possui
um irmão bastardo que os mantém, mas que é desprezado por eles. O patriarca vive na expectataiva
de casar a filha com um homem abastado, para resolver seus problemas financeiros. Enquanto
isto não ocorre, o irmão bastardo, o Burro, paga-lhe as contas e sustenta a casa. O que o Burro
deseja é tão somente o reconhecimento do irmão, enquanto a sobrinha quer que o pai dela aceite
o homem que ama, um assalariado.
Comum às peças de Joacy Camargo já citadas (Deus lhe pague e Maria Machucha), O
Burro possui um enredo inverossímil, que pretende uma denúncia social, porém não a desenvolve.
Cita teóricos do capitalismo ou da psicanálise de forma estanque e não os retoma no decorrer do
texto. Como o impacto em teatro se dá efetivamente com a encenação e o texto aborda assuntos
de seu tempo, na época, provavelmente, pode ter impressionado, o que nos dias atuais dificilmente
ocorreria. (Texto da peça O Burro, 1945).
11. O Calcanhar de Aquiles (1948)
Encenada em 08 de outubro de 1948, no Teatro Imperial e em 23 de outubro de 1948, no
palco da Ação Católica. Esta peça teve objetivo beneficente, revertendo o valor do ingresso
arrecadado para o Círculo Operário Santa-mariense. Seu elenco era composto por Rafael
Seligmann, Edna Mey Cardoso, Dalton Couto, Luiz Budin, Ruth Carrion, José Medeiros, Cenira
Vanacor, Átia Paiva Mendes. Local da peça: Rio de Janeiro. Época: atual (1948). Cenário: Casa
modesta de um funcionário público. Preço único do festival: Cr$ 5,00
O Calcanhar de Aquiles ou a Família Léro-Léro, de Raymundo Magalhães Junior, é
uma peça essencialmente engraçada, cheia de verve finíssima entremeada de situações alegres
que decorrem dentro de uma trama, real despida de fantasia.” (Folheto Publicitário).
De fato, Calcanhar de Aquiles, de Raimundo Magalhães Jr. foi reescrita a partir de A
família Léro-Léro, comédia de costumes, com fundo moralista. Trata-se de uma peça em que um
funcionário público (com 20 anos de serviço, honesto) arma uma farsa para ser demitido e ferir
a família que o transformou em burro de carga. Almeja ser preso para se ver livre da família. Sua
mulher e os três filhos não trabalham, gostam de luxo e gastam muito. A filha quer ser artista de
141
cinema, um dos filhos quer ser desportista e o outro cantor de rádio. Querem que o casal os
sustente em seus sonhos de grandeza.
A farsa do pai consiste em dar um desfalque e por isso ser é demitido. Os filhos começam
a trabalhar e obtêm sucesso nos novos empregos (de secretária, chofer e vendedor). A casa se
transforma em pensão e é a mulher quem cuida do negócio. No final, o dinheiro do desfalque é
encontrado (o funcionário o havia escondido na repartição) e o pai é readmitido. O pai então
conclui que sua estratégia resultou em uma melhora moral e material para todos os filhos e tudo
termina em piada. O pai estava certo.
No primeiro ato havia uma criada que servia à família. Na cópia usada para encenação,
a personagem foi trocada por um homem. Outras alterações foram feitas, como cortes de falas,
observadas nas marcações. Entretanto, não sabemos se estes cortes foram efetivados. (Texto
peça O calcanhar de Aquiles, 1948).
12. Lar, doce lar (1949)
Comédia de José Wanderley e Daniel Rocha, encenada pelos atores Walter Grau, Edmundo
Cardoso, Ida Delaméa, Dima Medeiros, Ruy Maldonado, Ieda Silveira, Rafael Voto e José Medeiros.
“Uma fábrica de gargalhadas em 3 atos de intensa comicidade! Um espetáculo
essencialmente popular a preço mais popular ainda! Um bom espetáculo de teatro por 3 cruzeiros
apenas! A ETFF oferece o seu magnífico teatro de comédia a todas as camadas populares.”
(Folheto de publicidade).
Ainda sobre a peça, destacava o Folheto Publicitário: “A ETLF visando difundir, entre
todas as camadas populares, os seus espetáculos d’arte, deliberou realizar no Cine Independência
no dia 14 de novembro, às 20,30 horas, uma noitada cômica com a peça Lar, doce lar.”
Em um recorte de jornal, afirma-se que “os tipos retratados nessa comédia são os do
homem comum, agitado, moderno, cheio de complicações, à procura de soluções as mais variadas
para os seus intrincados problemas.” (Dossiê peça Lar, doce lar, 1949).
No que aparenta ser a afirmativa de outro jornal, lê-se que “a escola está em crise de
elementos femininos. A Srta. Ida Delamea poderia ter reagido melhor às declarações de José
142
Medeiros, que ali brincava de amigo desleal. Dima Medeiros se movimenta com habilidade,
mas exagera um pouco na voz, que ganha uns agudos irritantes.” (Dossiê peça Lar, doce lar,
1949).
A peça era uma visão bem-humorada sobre as mazelas da vida doméstica da pequena
burguesia. Farmacêutico vive com a mulher, dois filhos, a sogra e o cunhado vagabundo e é
tiranizado pela sogra, que se diz descendente de família quatrocentona. Ao final se percebe que
o farmacêutico tem a volúpia do sacrifício. O drama e o riso residem nesta situação patética.
(Figura 23).
A ação dramática é intercalada por movimentos em que se desvenda a linguagem teatral,
isto é, a cena é interrompida e questionada por atores, e retomada novamente. A trama não é
desenvolvida de forma linear. Assim, mesmo sendo do Gênero Trianon (teatro leve), entendemos
que há certo requinte cênico. ( Texto peça Lar, doce lar, 1949).
Figura 23: Elenco e corpo técnico da peça Lar, doce lar. Em pé: Rafael Voto,
Ruy Maldonado, Jaime Roos, Paulo Flores, Geolar Badke e Edmundo Cardoso.
Sentados: José Medeiros, Dima Medeiros, Lêda Silveira e Ida Dellaméa.
Debruçados: Wilson Denardin, Delmar Martins e Victor Denardin. (1949).
Fonte: Acervo particular EC.
143
13. Avatar (1950)
Encenada em 5 de setembro de 1950, às 20h30 min, no Cine Imperial, com música de
Chopin, preço Cr$ 6,00, com os atores Geolar Badke, Dirceu Bohrer, Edmundo Cardoso, Zaida
Schirmer, José Medeiros, Rafael Voto e Edna May Cardoso. Época: atualidade (1950). Ação:
Rio de Janeiro.
“Avatar é um misto adorável de fantasia e realismo. O irreal funde-se com o fantástico,
em maravilhosa seqüência de emoções. É um orgulho justificado que a Escola de Teatro apresenta
ao seu público essa jóia do teatro brasileiro: Avatar.” (Folheto Publicitário).
A peça de Genolino Amado, Avatar, comédia em três atos, passa-se no consultório do
professor Nehru, mago hindu, em ambiente esotérico, sugerindo a prática da feitiçaria. No cenário
destacam-se paredes em cores berrantes, signos do zodíaco, sobre uma mesa, uma bola de cristal
e a um canto uma coruja empalhada.
Um pintor está apaixonado por uma condessa e, para possuí-la, combina com um mago
hindu ocupar o corpo do marido dela, enquanto o marido acupa o seu. A experiência dá certo e
seguem-se situações constrangedoras e/ou cômicas: a condessa sente a diferença de personalidade
do marido, este, por sua vez, não se conforma com o novo corpo. O pintor não concretiza seu
desejo, o mago se arrepende da troca de almas (o avatar) e desfaz a magia. O casal volta a
compor o par apaixonado em tom mais elevado que no início da peça.
Avatar se caracteriza como uma peça descomprometida, pretendendo somente o
entretenimento inteligente e o riso fino. (Texto peça Avatar, 1950).
14. É proibido suicidar-se na primavera (1951)
Encenada em 11 de setembro de 1951, no Teatro Imperial, de Alejandro Casona, a peça
contava com os atores Geolar Badke, Edmundo Cardoso, Dima Medeiros, Ruy Maldonado,
Edna Mey Cardoso, Néllis Bertollo, Wilde Quintana, José Medeiros, Setembrino de Souza e
Maria Leda Martins. Guarda-roupa feminino da Loja Moda e Bordado. O folheto publicitário
deixava claro a importância e o teor da peça:
144
É um espetáculo emocionante! Seu enredo, que flutua entre o absurdo e
a realidade, constitui uma das mais belas páginas do teatro latino-euro-
peu moderno. Mestre Ariel incumbiu o seu dileto discípulo, Doutor
Rhoda, de fundar e manter o Lar dos Suicidas, num lugar qualquer da
Europa. E lá vivem, n’uma mistura estranha, os tipos mais absurdos que
a imaginação humana pode conceber. E todos permanentemente em con-
tato com a Morte, vendo e sentindo mil maneiras diferentes de morrer.
(Folheto publicitário).
Sete dias após a encenação de É proibido suicidar-se na primavera, o Diretor Artístico
divulgou um comunicado aos integrantes da peça, em decorrência de seu temperamento:
As minhas mais decisivas desculpas pelos acessos indesculpáveis de
impaciência, pelos injustificados momentos de mau humor, pelos desa-
gradáveis instantes que proporcionei a todos com as minhas incessantes
reclamações, e, sobretudo, pelo espetáculo irritante que terei dado, nal-
gumas ocasiões, com o meu péssimo gênio, fruto de quem não sabe, não
deve e não pode mandar, sem exercer autoridade ainda que artística,
sobre pessoas tão amáveis e dedicadas como vocês todos”. (Dossiê peça
É proibibo suicidar-se na primavera, 1951).
É proibido suicidar-se na primavera ou A casa dos suicidas, de Alexandre Casona, foi
traduzida do espanhol por J.Garibaldi Fillizzola, especialmente para a encenação da ETLF, em
25 de junho de 1948, conforme anotação do próprio Filizzola na cópia utilizada pela Escola. A
trama é em um sanatório, onde as pessoas se internam com o fim específico de se suicidar.
Para isso, têm a seu dispor um lago, venenos, armas e a colaboração do Dr. Rhoda e de
seu ajudante, Hans. Ocorre que ninguém consegue efetivar o suicídio, os internos acabam
encontrando no sanatório as pessoas das quais fugiam. Quando é colocado o quadro Primavera,
de Boticelli na parede e ouve-se Primavera de Beethoven, Hans se demite, para poder trabalhar
em um lugar onde de fato ocorram mortes, isto é, no Hospital Central.
Os personagens, à medida que se reencontram, acertam seus conflitos e tudo acaba bem.
Vários diálogos foram suprimidos do original, à primeira vista para enxugar o texto, longo e um
tanto monótono, que seguramente exigia bom desempenho dos atores. Não se sabe ao certo o
motivo das desculpas de Cardoso. Todavia, a peça deve ter exigido sobremaneira do elenco.
145
(Texto peça É proibido suicidar-se na primavera, 1948).
15. A raposa e as uvas (1952-55)
Comédia em 4 atos de Guilherme de Figueiredo, estando no elenco Nair Paiva, Edna
Mey Cardoso, Edmundo Cardoso, Wilde Quintana, Eden Souza e Ary Braga, com direção de
Edmundo Cardoso e montagem integral da ETLF. Corpo técnico com Victor Dernardin, Paulo
Cruz e Saul Castan, Manuel Rodrigues, Geolar Badke e Jayme Roos. Colaboração artística de
Eduardo Trevisan, Pedro Reis Luiz, Alberto Wolfe, Antonio Pinho e Donato Caiaffo.
Encenada em Santa Maria, em 1952 e em Porto Alegre, em julho de 1955. Época: 700
anos a.C. Ação: Cidade de Samos, Grécia, na casa do filósofo Xantós.
No Folheto de Publicidade na apresentação no Teatro São Pedro, há uma consideração
de Guilherme de Figueiredo sobre o personagem Esopo e sua peça:
Passados tantos séculos desde a formação das lendas até a vida de
Planudos, e da vida à adaptação de La Fontaine, e desta às comédias de
Boursault, Le Noble e Vanbrough, o Esopo do teatro, condenou-se ao
desaparecimento. É que o seu tipo foi erradamente usado como de co-
média de costumes, quando ele o é da comédia de caráter. As anedotas
de sua vida, como as suas fábulas, não pertencem a um mundo datado, a
uma localidade socialmente viva, presente ou fixada numa época: per-
tencem à natureza humana, tanto quanto o caráter de Tartuffo, de Don
Juan, do Quixote e do Fausto. (Folheto Publicitário).
A respeito do Esopo criado por Guilherme de Figueiredo, um artigo no jornal Correio do
Povo elogiava a competente construção da personagem:
Não podemos, porém, regatear a seu autor, Guilherme de Figueiredo, os
aplausos pela finura com que soube conduzir os caracteres e os lances
cênicos, a fidelidade ao ambiente de um trecho recuado do mundo
helênico e, principalmente, pela figuração admirável de Esopo, fazendo
do fabulista frígio uma criatura representativa de uma posição de espíri-
to e conduta ética que, desafiando os tempos e as circunstâncias, resu-
146
mem algo essencial e imperadouro. (Dossiê peça A raposa e as uvas,
1952-55).
O jornal A Hora assim anunciava a peça a ser encenada pela ETLF naquela noite:
Hoje, às 21 horas, no Teatro São Pedro, a Escola de Teatro Leopoldo
Fróes apresentará a peça de Guilherme de Figueiredo A Raposa e as
Uvas (...). A ETLF concebeu e executou o cenário e guarda-roupa da
mencionada obra teatral, tendo merecido o aplauso unânime de nossa
crítica, que enquadra a sua montagem entre as mais belas já apresenta-
das. (Dossiê peça A raposa e as uvas, 1952-55).
Em 17 de junho de 1968, a ETLF encenou novamente A raposa e as Uvas, de Guilherme
de Figueiredo, continuando em cartaz nos dias 18, 19 e 20 do mesmo mês, durante as
comemorações de seus 25 anos. Participaram do elenco, pela ordem de entrada, os atores Gilda
May Cardoso, Edna Mey Cardoso, Edmundo Cardoso, João Teixeira Porto, Navarro Medeiros e
Carlos Ribeiro. Do elenco original restavam, portanto, a atriz Edna Mey Cardoso e Edmundo
Cardoso. (Folheto Publicitário).
A raposa e a uvas é uma peça famosa em todo o mundo, pois já foi representada em
quase setenta países, sendo 58 de línguas diferentes, o que torna sua montagem, em Santa Maria,
um acontecimento de grande repercussão cultural e artística.” (Dossiê pela A Raposa e as Uvas,
1968).
Para que a peça fosse novamente encenada, fora preciso alguns reparos nos antigos móveis
usados em 1955, quando se realizou a primeira encenação da peça. Comprovando esta situação
temos um pedido de Edmundo Cardoso, para o então Reitor da UFSM, Prof. José Mariano da
Rocha Filho, para que este autorizasse a reconstrução dos móveis nas oficinas da Universidade.
Vejamos parte da carta solicitando auxílio:
A Escola possui quase todo o material da mise-en-scène da peça e, por
isso, vem solicitar a preciosa colaboração material da Universidade, atra-
vés da concessão, de parte de V. Exa. da autorização para que, nas ofici-
nas da UFSM sejam reconstituídos alguns dos móveis da peça, com de-
mão de massa, pintura, etc., inclusive colagem, e a feitura de algumas
147
peças que o tempo inutilizou por completo, tais como colunas, escadas,
etc., inclusive a pintura. (CARDOSO, Edmundo, Santa Maria, 20 jan.
1968).
Pensando em futuras apresentações, Edmundo Cardoso obteve contato com o empresário
do Teatro Leopoldina, em Porto Alegre, Joffre Miguel, a fim de promover encenações da peça A
raposa e as uvas no referido local: “Por isso, convidamos o distinto Empresário para vir assistir
nosso espetáculo. Talvez da sua visão, pudesse surgir a concretização de uma temporada no
Leopoldina, ainda este ano, com aquela peça, isto a partir de junho até o fim do ano.” (CARDOSO,
Edmundo, Santa Maria, 06 Jun. 1968). Porém, a intenção de EC de encenar A Raposa no Teatro
Leopoldina não se efetivou.
Também junto ao SESC, EC procurou parceria, como já havia efetuado anteriormente, a
fim de possibilitar acesso ao teatro dos comerciários e seus familiares: “Vimos, por este meio,
propor a V.S. um contrato de apresentação de um espetáculo teatral para os associados do SESC,
em Santa Maria, em favor da classe comerciária de Santa Maria.” (CARDOSO, Edmundo, 20
jun. 1968).
Apesar desses preparativos, havia um problema burocrático, não ocorrido quando da
primeira encenação da peça. Tratava-se da liberação do alvará de censura, sem o qual a peça A
raposa e as uvas não poderia ser encenada. Para conseguir a liberação do texto, Edmundo Cardoso
utilizou os meios que podia para conseguir tal alvará, na carta a Aron Menda: “Gostaria que
obtivesses, para mim, no Departamento de Censura, a liberação da peça A raposa e as uvas,
para o interior do Estado (...) e capital, para encarnar o libreto de Guilherme de Figueiredo, com
censura de 14 anos.” (CARDOSO, Edmundo, Santa Maria, 12 abri.1968). Igualmente, enviou
correspondência para liberação da peça ao Delegado Regional do D.F.S.P. e ao então ministro
Tarso Dutra. A respeito da liberação concedida, encontramos:
CENSURA FEDERAL (frente)
TEATRO
Certificado Nº
365/68
PEÇA
A RAPOSA E AS UVAS
ORIGINAL DE
GUILHERME DE FIGUEIREDO
148
APROVADO PELO S.C.D.P VÁLIDO A24 de JUNHO de 1969
IMPROPRIO ATÉ 14 ANOS
ALOYSIO MUHLETHALER DE SOUZA - Chefe da turma de Censores
de Teatro e Congêneres
Brasília,
24 de JUNHO de 1968
Por ocasião da segunda apresentação d’A raposa e as uvas em Santa Maria, EC convidou
dois atores que haviam participado da peça em 1952 e que não compunham o elenco em 1968,
para assistir à peça: “O diretor EC, no final do espetáculo, chamou à cena a atriz Nair Miorin
Paiva, fundadora da Escola de Teatro (...) e o ator Wilde Quintana, também criador há treze
anos, do papel de Esopo, na produção da Escola de Teatro.” (Dossiê peça A raposa e as uvas,
1968).
A peça de Guilherme de Figueiredo é ambientada na Grécia Antiga, uma sociedade
escravocrata. Ali um filósofo, Xantós, sofisticado e de boa fortuna, mantém uma casa com esposa
e escravos. É um homem preocupado com a vida social, o bom relacionamento com seus discípulos
e a sua reputação na cidade de Samos, onde vive. É casado com uma mulher insatisfeita no
casamento, Cléa, e possui uma escrava, Melita, apaixonada por ele. Para agradar a esposa traz
um escravo, Esopo, feio e inteligente. Esopo passa a prestar grandes serviçoes a seus patrões. A
partir daí, Xantós teme que o escravo almeje sua fortuna, enquanto Cléa o deseja, mas Esopo
somente sonha com sua liberdade. (Figura 24).
Entendemos ser uma metáfora do eterno anseio do homem pela sua libertação. Os patrões
ricos e sofiscados – assim como os patrões de todos os tempos – não compreedem as aspirações
íntimas de seus empregados. Na peça, tanto a fortuna de um homem rico, quanto o amor de uma
mulher elegante não têm sentido algum, se não houver a liberdade. Esopo aceita ser enganado
(acusado de um roubo que não cometeu) apenas porque sabe que esta é a condição para morrer
livre. Ele não aspira à fortuna de seu dono, nem o amor de Cléa, porque são bens inatingíveis
para um escravo. Ele justifica essa impossibilidade usando a alegoria da raposa que não podendo
possuir as uvas, considera-as verdes. Ele apenas se sente capaz para a liberdade. A peça trata
todos esses temas de forma leve e irônica. (Texto peça A raposa e as uvas, 1952).
149
16. As bodas do diabo (1952-55)
Fantasia em 4 atos de Aurélio Ferretti, com tradução de Wilde Quintana e Edmundo
Cardoso, tinha em seu elenco Nair Paiva, Wilde Quintana, José Medeiros, Milton Chansis,
Edmundo Cardoso, Léa Menezes, Geolar Badke, Edna Mey Cardoso, Eden Souza, Moysés
Chansis, Raymundo Benaduce e Marconi Mussói, sob direção de Edmundo Cardoso. Desenhos
de Eduardo Trevisan e Maria Leda Martins, executados por Roberto Romano, Pedro Reis e
Sílvio Rodrigues.
Com as peças encenadas anteriormente, na capital do Estado, esta peça teve montagem
integral da Escola de Teatro que a encenou no Cine-Teatro Imperial, em 30 de outubro de 1952,
às 20h30min e em Porto Alegre, em julho de 1955. (Figura 25).
A respeito da apresentação em Santa Maria, o jornal A Razão declarou: “Contendo novos
elementos de técnica, lutando com as dificuldades oriundas na escolha de novos elementos, esta
Figura 24: Encenação da peça A raposa
e as uvas, durante a temporada no Teatro
São Pedro, em Porto Alegre. Edmundo
Cardoso, Edna May Cardoso e Nair
Miorin Paiva. Foto Paulo Derly Strehl.
(1955).
Fonte: Acervo particular EC.
150
nova apresentação (...) terá o mérito principal de dar o necessário estímulo para a montagem
mais amiúde de novas peças.” (Dossiê peça As bodas do diabo, 1952-55).
Embora do mesmo jornal, nem todos os articulistas creditavam somente a Edmundo
Cardoso os méritos da Escola: “A ETLF não é de Edmundo Cardoso, nem de seus pupilos. É de
Santa Maria. É um patrimônio artístico da cidade, penosamente construído por esses nobres
espíritos que tem à frente o criador da comédia de Ferretti.” (Dossiê peça As bodas do diabo,
1952-55).
A temporada em Porto Alegre, encerrada com esta peça, indicava que “os ingressos
estão à venda na Panair. As bodas do diabo permanecerá apenas 3 dias em cartaz, pois terminará
o prazo de 22 dias pelo qual foi cedido o teatro São Pedro à Escola, para a sua vitoriosa e notável
temporada.” (Dossiê peça As bodas do diabo, 1952-55).
As bodas do diabo ainda não havia sido encenada no país, de acordo com um jornal da
época na capital:
Figura 25: Elenco da peça As bodas do diabo. Em pé: Edna Mey Cardoso,
Wilde Quintana e Geolar Badke. Sentados: José Medeiros, Maria Lêda
Martins e Zenaide Martinelli. (1952).
Fonte: Acervo particular EC.
151
Ferretti era até então inédito para o público porto-alegrense, assim como
permanece inédito para o resto do Brasil. A ETLF, com a expressa auto-
rização do autor, criou, em língua portuguesa, esse espetáculo, que en-
cantou decisivamente ao numeroso público que acorreu, ontem à noite,
ao velho São Pedro. (Dossiê peça As bodas do diabo,1952-55).
Sobre a peça e a despedida da Escola de Teatro dos palcos da capital, o então prestigiado
colunista Edison Nequete declarava no jornal Diário de Notícias:
Quis a ETLF guardar para o fim de sua temporada, que hoje se encerra
no Teatro São Pedro, a peça de Ferretti, As Bodas do Diabo, que cuja
montagem se evidencia mais uma vez o arrojo de suas concepções alia-
do à primorosa execução. Saibam todos, pois, que a Escola de Teatro
tem possibilidades de dar belíssimas lições de cenografia pelo Brasil
afora, honrando, dessa maneira, o nosso Estado. (Dossiê peça As bodas
do diabo, 1952-55).
De fato, a ETLF pontificava no cenário nacional como uma das mais potentes organizações
pelo lado do fator econômico. Em verdade, a Escola possuía um patrimônio avaliado em quase
um milhão de cruzeiros à época da temporada em Porto Alegre, segundo atas desse período.
Detinha todo o aparelhamento necessário a realizações dos seus espetáculos, desde cenários,
aparatos de som, luz e efeitos, bem como um corpo técnico composto por maquinistas, cenógrafos,
carpinteiros, marceneiros, eletricistas e iluminadores que vinham se especializando há anos nos
trabalhos de bastidores:
A ETLF, com 13 anos de existência, logrou constituir-se na agremiação
mais poderosa do sul do país, graças ao seu poderio econômico que a faz
uma das grandes no Brasil e graças as suas realizações artísticas todas de
molde excepcionalmente valioso, acurado e rigorosamente moldados nos
princípios de bom teatro. (Dossiê peça As bodas do diabo, 1952-55).
Segundo jornal Correio do Povo, até esta data apenas os pernambucanos e os santa-
marienses lograram permanecer em temporada perante o público da capital. Os pernambucanos
com cerca de 33 representações consecutivas, e os santa-marienses com 23 espetáculos. “O
152
próprio amadorismo da capital, nas suas realizações esporádicas, não alcançou ainda manter-se,
por tão longo tempo, na ribalta do nosso velho São Pedro. (Dossiê peça As bodas do diabo,
1952-55).
Ainda sobre a despedida dos amadores de Santa Maria dos palcos porto-alegrenses na
temporada de 1955, escreveu Antonio Abujamra:
A ETLF que viu plenamente vitoriosa a sua arrojada iniciativa, despede-
se da capital em meio de total sucesso, vencido, facilmente, o ceticismo
natural que cercou os seus primeiros espetáculos, ceticismo esse razoá-
vel, tendo-se em vista que o público, desconhecendo o conjunto, dificil-
mente aceitaria, sem mais preâmbulos, o valor admirável desse grupo,
que, sem favor algum, honra ao Rio Grande do Sul e é, sem dúvida, o
conjunto mais importante do amadorismo teatral riograndense. Agora,
porém, o sucesso coroou o arrojo dos santamarienses, e o público da
capital, desde o notável lançamento de A Raposa e as Uvas, que alcan-
çou treze representações sucessivas, está aceitando a Escola de Teatro e
seus espetáculos como a coisa mais importante no terreno teatral gaú-
cho. (Dossiê peça As bodas do diabo, 1952-55).
A fantasia de Aurélio Ferretti apresenta os personagens Faustino, André, Viviana, Letrado
e vários outros casais, às voltas com as adversidades da vida como o Diabo, o Medo, a Morte,
a Dúvida e o Ócio. Ao final, personagens reais ou imaginários se confundem a tal ponto, que,
mesmo o Medo e a Morte podem possuir sentimentos como o amor e a traição, às portas de seu
casamento. Esta forma de acreditar na fantasia, enquanto real, é transposta para a própria função
do teatro: a ambos – fantasia e teatro – é atribuído o outro lado da vida, o lado da imaginação e
da criação. (Texto peça As bodas do diabo, 1952).
17. Curvas Perigosas (1953-54)
Foi encenada em 10 de novembro de 1953, em Santa Maria, no Cine-Teatro Imperial e
em 3 de abril de 1954, em Porto Alegre, no Teatro São Pedro. Este drama em 3 atos de J. B.
Priestley, contou com os atores Célia Peres Santos, Maria Leda Martins, Edna Mey Cardoso,
Néllis Bertollo, Edmundo Cardoso, José Medeiros e Wilde Quintana, dirigidos por Edmundo
153
Cardoso. Desenho e cenários de Eduardo Trevisan. Ingresso a Cr$ 10,00 em Santa Maria e
gratuito em Porto Alegre. Em Curvas perigosas, há sete personagens, dos quais seis são figuras
centrais do enredo. (Figura 26).
Peça inglesa de costumes, com tradução especial para a Escola de Teatro, a partir da
versão francesa, adaptada e realizada em 1947, no Théàtre Pigalle, de Paris, Curvas Perigosas
“é um drama de intensidade psicológica, e de conteúdo altamente analítico das fraquezas humanas.
Intransigente para com a verdade pura, a trama da peça situa-se no âmago da sociedade moderna.”
(Folheto Publicitário).
Ainda segundo o folheto publicitário, a ação decorre toda dos fluentes, ricos e violentos
diálogos mantidos pelos notáveis personagens: “Estes são despidos moralmente, na peça, pondo
à mostra seus erros, suas paixões, seus crimes, e apresentam todas as distorções do caráter,
numa lição extraordinária que gira em torno da falível natureza humana.” (Folheto publicitário).
A Escola de Teatro dispôs-se a apresentar J. B. Priestley ao seu público com a intenção
de mostrar um dos dramaturgos modernos, em “uma grande peça, mundialmente famosa e
Figura 26: Encenação da peça Curvas Perigosas, durante a
temporada no teatro São Pedro, em Porto Alegre. Da esquerda
para direita: Edna Mey Cardoso, Maria Lêda Martins, Wilde
Quintana, Célia Peres Santos, José Medeiros, Néllis Bertollo
e Edmundo Cardoso. (1954).
Fonte: Acervo particular EC.
154
credenciada como vigoroso, humaníssimo e ousado trabalho teatral (...), merecendo o favor da
crítica mais severa e desapaixonada, que a situa entre os grandes dramas do teatro moderno.”
(Folheto publicitário).
Embora não tenham sido encontrados artigos em jornais que dessem conta da apresentação
de Curvas perigosas no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, com o TAP
2
, a própria Escola
registrou, a respeito de sua apresentação na capital no dia 3 de abril de 1954, no Teatro São
Pedro com “platéia superlotada, que aplaudiu entusiasticamente nosso espetáculo”, registrando
ainda “a atitude do Sr. Prefeito Heitor Campos que concedeu à Escola de Teatro as passagens
para todos os integrantes da caravana.” (Ata Nº. 18, s/d, p.17).
A própria Escola também concluiria o êxito com Curvas perigosas “de modo a não
deixar dúvida alguma sobre a marcha ascensional do nível artístico e técnico da Escola de Teatro,
haja visto o grande número de opiniões publicadas pela imprensa local.” (Ata Nº. 16, 13 mar.
1954, p. 16).
A peça de J.B. Priestley, traduzida da adaptação francesa de M. Armand, transcorre em
um living, com mulheres em trajes de noite e homens de smoking. Conversa fútil termina em
uma cadeia de revelações – são as curvas perigosas da vida - quando se começa dizer a verdade.
Casais elegantes mantêm conversação agradável e todos parecem gentis uns com os
outros. De repente começa uma busca para esclarecer um fato – o suicídio de um amigo comum
– e cai a máscara de cada um. Todos se detestam, enganam-se, roubam e matam. Todos escondem
segredos. Quando tudo parece virado do avesso, a peça retoma o início frívolo da conversação,
como se nada houvesse ocorrido. (Texto peça Curvas perigosas [Esquina perigosa], 1951).
18. Espectros (1954-55)
O drama em 3 atos, de Henrik Ibsen passava-se em 1880, em um povoado da Noruega,
na casa da viúva Alving, interpretada por Nair Paiva. O restante do elenco constituía-se de José
Medeiros, Edna Mey Cardoso, Edmundo Cardoso, Wilde Quintana, sob direção de Edmundo
Cardoso, que assim justificava a execução do espetáculo: “Impunha-se, dentro dos programas
2
Teatro Amador Pernambucano.
155
da Escola de Teatro, dar a conhecer Ibsen aos contemporâneos através dum trabalho bem cuidado
que constitui-se, também, um bom espetáculo.” (Folheto Publicitário).
No corpo técnico Victor Denardin, Paulo Cruz, Geolar Badke e Manuel E. Rodrigues.
Montagem integral da ETLF, com desenhos do guarda-roupa de Eduardo Trevisan e Pedro Reis
e colaboração de Salvador Isaia e Joaquim C. Pinto. Colaboradores materiais: Casa Binato,
Casa Farroupilha, Casa Boris, Cia Brasileira de Vidros, Casa Lang, Casa Gaúcha de Ferragens.
A peça foi encenada em Santa Maria, em 1952 e em 1954, no Cine-Teatro Imperial e em
julho de 1955, abriu a temporada em Porto Alegre, no Teatro São Pedro, com A raposa e as uvas
e As bodas do diabo, sob o patrocínio da Divisão de Cultura, da Secretaria de Educação do
Estado. (Figura 27).
Em Santa Maria, a imprensa se referiu à peça como um “grandioso espetáculo, como
jamais o fizera, a glória imarcessível do teatro clássico universal, com a representação de Espectros
(...). Foi uma noite de gala, de arte e de beleza.” (Dossiê peça Espectros, 1954-55).
Figura 27: Encenação da peça Espectros,
durante a temporada no Teatro São Pedro,
em Porto Alegre. Da esquerda para a direita:
Wilde Quintana, Maria Lêda Martins, Célia
Peres Santos e Edmundo Cardoso. (1955).
Fonte: Acervo particular EC.
156
A mídia porto-alegrense anunciava a estréia da ETLF na capital com algumas reservas:
“A casa, que não estava cheia, aplaudiu os artistas de Edmundo Cardoso com honestidade. Não
sabemos o porquê da estréia do grupo com Ibsen e todos os seus tropeços disfarçados na perfeição
da trama bem urdida.” (Dossiê peça Espectros, 1954-55)).
A motivação para a representação de Espectros em Porto Alegre era vista pela imprensa
da capital também para “dar vazão ao seu desejo de realizar o mais difícil de ser realizado. O
que não deixa de ser uma tentativa de alçar-se ao inesquecível, com a intenção de mais alto se
projetar.” (Dossiê peça Espectros, 1954-55).
A última versão no Brasil de Espectros foi o da companhia italiana de Memo Benassi, no
Rio de Janeiro. Porém, segundo jornal Correio do Povo, “temos que o agrupamento amador
gaúcho se houve com denodo, com montagem de primeira ordem. Um tema clássico recebeu
tratamento condizente com requinte de cenoplastia, do mobiliário à indumentária e da época,
das velas aos adereços.” (Dossiê peça Espectros, 1954-55).
Quanto à escolha dos três gêneros que seriam então apresentados ao público de Porto
Alegre, outro artigo de jornal defendia que,
serão apresentados ao público local, numa demonstração de ecletismo
artístico digno de nota. Assim, os artistas da Escola nos darão um drama
clássico, ibseniano, uma comédia satírica (brasileira e atual sucesso na
Europa) e, por último, a alta-comédia moderna, com um original argen-
tino cuja trama decorre em dois planos: o real e o fantástico. (Dossiê
peça Espectros, 1954-55).
Nota-se que a imprensa sempre tendeu a elogiar a persistência e ousadia dessa “moçada
que constitui o elenco do teatro ETLF. Muito já se escreveu sobre uma equipe de gente boa,
honesta, lida, que, um dia, resolveu se dedicar ao teatro sério, lutando anos a fio contra a falta de
recursos até a tacanhez dos preconceitos hipócritas.” (Dossiê peça Espectros, 1954-55).
Ao final das apresentações de Espectros, “cujas encenações têm transcorrido debaixo de
intenso entusiasmo de parte da platéia, que não tem regateado aplausos ao equilibrado conjunto
de amadores, os quais têm se constituído numa autêntica revelação para o nosso público”, a
imprensa porto-alegrense parecia se colocar da mesma maneira que a imprensa de Santa Maria
157
em relação às apresentações da ETLF: de forma elogiosa e não raro redundante. (Dossiê peça
Espectros, 1954-55).
Mas um ensaio se destacava em relação à encenação de Espectros no Teatro São Pedro,
por vir de um intelectual respeitado e de apurado senso estético e que, sobretudo, possuía profundo
conhecimento das delícias e dos sofrimentos de se manter uma Escola de Teatro Amador em
uma cidade do interior, sua terra natal:
Foi realmente cheio de orgulho ao espírito que saí daquela matinèe em
que Edmundo Cardoso e seus denomados companheiros de aventura
souberam conduzir-se perante o público porto-alegrense (...). Na quali-
dade de santa-mariense me senti tomado de íntimo desvanecimento pela
segurança com que o grupo de amadores de minha cidade natal enfren-
tou a dura prova que galhardamente se impusera. De então para cá ve-
nho acompanhando à distância os passos da Escola em direção ao pro-
gressivo aperfeiçoamento de suas demonstrações, e foi com alegria que
vi seu retorno à capital do Estado, para oferecer à velha platéia do São
Pedro um repertório de grande responsabilidade. (VELLINHO, 1955, p.
[?]).
Henrick Ibsen (1828-1906) foi considerado o pai do drama moderno. Espectros (1881)
está entre seus dramas realistas e é considerado obra-prima, com Casa de bonecas (1879) e Um
inimigo do povo (1883), embora hoje se caracterize como dramalhão.
A cena se passa em uma casa de campo, na Noruega, próxima aos fiordes. Viúva de um
camarista do rei vive com a empregada e recebe visita do filho, que é pintor e vive em Paris. Vai
haver inauguração de um asilo em homenagem ao marido morto.
O drama inicia com conversa entre viúva e pastor e fica sabendo-se que o marido morto
não era apreciado pela viúva e que ela mantivera o casamento porque era uma “escrava do dever
e das conveniências”, assim como uma covarde e mentirosa. Nunca se rebelara contra a sua
situação e criara o único filho com uma falsa imagem do pai. Fazia parte da tradição o culto à
figura paterna.
O retorno do filho se justifica por estar muito doente (com sífilis). Ele se interessa pela
empregada, mas ela é sua meio-irmã. O asilo que seria inaugurado pega fogo, por uma imprudência
158
do pastor. O pastor é figura onipresente na trama, pois resolve os problemas da família.
Ao descobrir que a empregada é sua irmã, o estado de saúde do filho piora tanto que ele
fica inconsciente. A mãe entra em desespero. Os espectros apontam para a figura do pai, do
marido, da traição com a empregada e das conveniências sociais e familiares à época que se
passa a trama. (Texto peça Espectros, 1953).
19. A Camisola do anjo (1956)
Peça de Pedro Bloch e Darci Evangelista, foi apresentada dias 7 e 8 de agosto de 1956,
no Cine-Teatro Imperial, com o elenco: Jacy Benk, José Medeiros, Edmundo Cardoso, Moysés
Chansis, João Teixeira Porto e Maria de Lourdes Hermes. Preço único: Cr$ 20,00. Móveis e
adornos gentileza de Trevilar. (Figura 28).
Gênero que não envelhece nunca, sempre atual e sempre bem recebido
por todos os públicos, a comédia ou a farsa são manifestações de teatro
imorredouras pela sua própria natureza. A peça de Pedro Bloch e Darci
Figura 28: Cenário da peça A camisola do anjo, de Eduardo Trevisan.
(1956).
Fonte: Acervo particular EC.
159
Evangelista mantém intactas as qualidades cômicas e de hilariedade que
se devem exigir no gênero. (Folheto Publicitário).
Ainda sobre o texto de Pedro Bloch e Darci Evangelista, o Folheto Publicitário qualificava
A Camisola do anjo como “uma peça essencialmente engraçada, escrita tão somente para fazer
rir. Não tem fundamento. Não tem mensagens de nenhuma espécie. Não defende tese. É ilógica
mesmo. Fantasiosa. Mas tem um objetivo que é produzir hilariedade.” (Folheto publicitário). A
referência a textos somente para fazer rir e sem nenhum compromisso social ou político não era
incomum nos folhetos de publicidade da Escola.
20. Delito na Ilha das Cabras (1956)
Encenada no Cine-Teatro Imperial, em 27 de novembro de 1956, em duas sessões, a
peça em 3 atos de Ugo Betti tinha no elenco Jacy Benk, Geolar Badke, Wilde Quintana, Edna
Mey Cardoso e Maria de Lourdes Hermes, sob a direção de Edmundo Cardoso. No elenco
técnico, Paulo Cruz, Horst Lippold, Victor Dernardin, Marconi Mussói, João Teixeira Porto. M.
A. Rodrigues, Léo Freitas, Jaime Roos e Ary Braga Rangel. Época: atual (1956). Ação: em uma
ilha ao Sul da Itália. Preço do ingresso: Cr$ 20,00.
No folheto publicitário há uma chamada que complementa a assertiva ao longo deste
trabalho quanto ao espaço que a Escola tinha de dividir com as sessões de cinema: “Em virtude
de alegar a Empresa Cinemas Cupelo S/A não poder ceder o teatro para a habitual 3ª representação
dos nossos espetáculos, (...) Delito... será encenada apenas duas vezes, no dia 27 de novembro,
em sessões às 19,30 e 21,30 horas.” O folheto também dava sinais sobre a que tipo de espetáculo
o público iria assistir: “É bastante que se admita a existência da Consciência para que o Bem se
salve uma vez mais! A força trágica da peça de Betti faz com que, ao final da obra, já ninguém
se arrogue o direito de julgar o seu semelhante.” (Folheto publicitário).
Apesar das dificuldades de palco para suas apresentações, a Escola continuava tendo o
apoio da imprensa escrita (Correio do Povo):
Prosseguindo no seu esplêndido trabalho de divulgação cultural e artís-
160
tica, a nossa conhecida ETLF, de Santa Maria, acaba de lançar, ali, o seu
último espetáculo do ano, com a peça italiana, de Ugo Beti - ‘Delito na
Ilha das Cabras’. Esse famoso original, já representado em mais de vinte
países, foi dado a conhecer, agora, pela Escola de Teatro, numa criação
considerada modelar e impressionante. A direção coube a Edmundo Car-
doso, tendo a peça sido interpretada por Wilde Quintana, Edna May
Cardoso, Maria de Lourdes Hermes, Geolar Badke e Jacy Benk. (Dossiê
peça Delito na Ilha das Cabras, 1956).
Delito na Ilha das Cabras viria a ser a última peça encenada por Wilde Quintana na
Escola, uma vez que o ator não participou da peça seguinte, Está lá fora um inspetor (1957) e
solicitou seu afastamento antes de a Escola levar O casaco encantado (1959), “visto que o
mesmo declara que nada mais poderia aprender na Escola de Teatro, ficando assim o referido
amador desligado completamente da entidade.” (Ata Nº. 39, 11 maio 1959, p. 35).
De fato, Quintana logo depois retornaria ao cenário teatral com um grupo amador de
Curitiba, depois indo para o teatro profissional no Rio de Janeiro, como vimos no capítulo
anterior, quando tratamos especificamente dos personagens da ETLF.
Para Geolar Badke, Delito na Ilha das Cabras exigiu muito na sua montagem e na
participação dos atores, pois Wilde Quintana (o Angelo da trama), deveria de fato, falar de
dentro do poço, para onde tinha sido colocado pelas mulheres que o amavam: Ágata, Pia e
Sílvia. (Figura 29).
Figura 29: Cenário da peça Delito na Ilha das Cabras,
de Eduardo Trevisan. (1956).
Fonte: Acervo particular EC.
161
Angelo chega à Ilha das Cabras dizendo-se amigo do marido morto de Ágata. Na ilha
vivem três mulheres: a viúva, a filha e a irmã do amigo de Angelo, morto na guerra. Angelo é um
sedutor que propõe coisas impensáveis às três mulheres solitárias. Todas se apaixonam por ele,
entretanto não suportam dividi-lo. Então decidem por atirá-lo no poço. No decorrer do texto
contudo, percebe-se que o morto não era tão venerado pelas mulheres da casa, que estas também
não eram a personificação da virtude humana e não fica claro de que forma Angelo possui
informações tão precisas sobre tais mulheres, nem sobre como de fato morreu o marido de
Ágata.
As estruturas familiares têm regras bem definidas, que vão sendo derrubadas pouco a
pouco, com a chegada de Angelo à ilha e depois de sua morte, cada uma das mulheres toma seu
próprio caminho. (Texto peça Delito na Ilha das Cabras, 1956).
21. Está lá fora um inspetor (1957)
Encenada no Cine-Teatro Imperial, em 19 de novembro de 1957, em duas sessões, a
peça de J.B. Priestley contou com os atores João Teixeira Porto, Amaury Portugal, Rubem
Rodrigues, Edna Mey Cardoso, Maria de Lourdes Hermes e Dalton Couto. Época: atualidade.
Situação: na Inglaterra, na cidade de Brumley. Móveis e adornos Trevilar.
Está lá fora um Inspetor é uma acusação veemente a um certo grupo,
sendo mesmo uma polêmica com a organização social, através dum re-
quisito severo e implacável. Na peça, Priestley separa, com maestria, a
Razão do Erro. Priestley levou em consideração que o tipo de gente
condenável que retrata na peça é universal, pela sua mesquinhez, pelo
seu egoísmo, pela sua fatuidade e pela sua absoluta falta de introspecção.”
(Folheto Publicitário).
Evidentemente que Priestley apresenta seus personagens como seres desprovidos de
qualquer senso de dignidade humana, pois são capazes de se utilizarem de pessoas colocadas
em escala social abaixo da sua. Isto não é problema para estes personagens, desde que não se
torne público. (Figura 30).
162
No caso desta peça, o conjunto dos personagens são membros da burguesia industrial
inglesa. Eles estão reunidos para uma festa de noivado que também é um congraçamento de
fortunas (reunião de duas famílias industriais). No meio da festa surge um inspetor policial (na
verdade a consciência de todos os personagens). Ele vai investigar o suicídio de uma moça de
classe social inferior. Descobre que todos os membros daquele grupo tiveram algum envolvimento
com a mulher, contribuindo para sua trajetória de infelicidade. Ao final, temos o retrato de uma
mulher simples e honesta se debatendo dentro de uma sociedade altamente hierarquizada, que a
explora econômica e sexualmente com a maior naturalidade.
O conjunto de personagens percebe seu comprometimento com o suicídio da moça. Mas
tudo isso deixa de ter importância quando eles descobrem que o fato não terá nenhuma
repercussão. Como em Curvas perigosas, o autor denuncia a hipocrisia social. É uma peça
elegante, própria para a sociedade, igualmente elegante, refletir a respeito de si própria.
Entendemos que a escolha de uma peça deste gênero pela ETLF expressava a intenção de uma
crítica de costumes. (Texto peça Está lá fora um inspetor, 1957).
Figura 30: Cenário da peça Está lá fora um inspetor, de Eduardo
Trevisan. (1957).
Fonte: Acervo particular EC.
163
22. O casaco encantado (1959)
Primeira peça direcionada ao público infantil, O casaco encantado, de Lúcia Benedetti,
contou com os atores João Teixeira Porto, Dalton Couto, José Medeiros, Themis Groisman,
Eunice Tielet e Ruth Farias. A escolha da peça foi tratada em ata, uma vez que haveria uma
mudança no tipo do repertório até então apresentado ao público que assistia à ETLF: “Depois de
vários debates sobre o assunto, resolveu a diretoria que o próximo espetáculo da Escola seria
com o libreto nacional Casaco encantado, cabendo o papel de ensaiador ao nosso Diretor Geral”,
ou seja, a Edmundo Cardoso. (Ata Nº. 39, 11 maio 1959, p. 35).
Esta foi a primeira peça em que participou Paulo Neron Rodrigues, que depois viria a
participar de outras, em decorrência de sua muita popularidade com as crianças. Também foi a
primeira peça que priorizava como público as crianças carentes e por este motivo procurou
patrocínio com o empresariado da cidade, segundo jornal A Razão:
A ETLF buscou o antigo e costumeiro contato com Nestor P. da Luz,
diretor da firma Rápida União S/S, para obter a cobertura financeira de
parte da publicidade escrita. Em meio de conversa, aquele homem de
negócios lembrou seu velho desejo de patrocinar em espetáculo para
crianças pobres. Que a idéia poderia ser levada a cabo com O Casaco
Encantado, teatro feito por adultos para crianças. No dito instante, ficou
assentado um espetáculo custeado por aquela firma. Mais tarde, delibe-
rou-se que seriam convidadas as crianças internadas em vários estabele-
cimentos filantrópicos da cidade. (Dossiê peça Era uma vez um casaco
encantado, 1959).
Por ocasião da apresentação de O casaco encantado, os integrantes da ETLF executaram
e montaram a Exposição de Pintura Publicitária em torno do próprio espetáculo da peça infantil:
A exposição montada no interior da Farmácia Rizzato está atraindo dia-
riamente grande número de pessoas entre adultos e crianças, que ali vão
admirar o labor artístico de um grupo de artistas santamarienses que
utilizaram seus pincéis e tintas, e sobretudo suas vibrantes imaginações
para criar aqueles magníficos quadros de pintura publicitária. (Dossiê
peça O casaco encantado, 1959).
164
O casaco encantado conta as peripécias de um alfaiate do rei, que lhe costura um casaco
o qual é submetido à feitiçaria de um mágico, que faz com que o tal casaco tenha o poder de
pular, quando vestido pelo rei. A partir daí, tudo que o o alfaiate precisa é reencontrar o mágico
para desfazer o feitiço. Quando isso ocorre, entretanto, o rei acaba concluindo que o casaco que
pula pode ser-lhe útil, para usá-lo em outro rei, seu vizinho e que lhe deseja tomar o trono. A
peça contempla vários tipos que encantam ao público infantil, como um mágico, um rei, uma
bruxa, feitiçaria e o bem vencendo ao mal. Entretanto, os diálogos se prolongam e não há a
sutileza de peças infantis como as de Maria Clara Machado, que logo depois também serão
encenadas pela ETLF. (Texto peça O casaco encantado, 1959).
23. Pluft, o fantasminha (1960)
Primeira peça de Maria Clara Machado levada pela ETLF, foi encenada no auditório
Olavo Bilac, de 15 a 18 de setembro de 1960, com os atores José Medeiros, Edmundo Cardoso,
Edgar de Andrade Xavier, Horst Lippold, Helvio Moro, Paulo Neron Rodrigues, Jonny
Cavalheiro, Edna Mey Cardoso, Gilda May Cardoso e João Teixeira Porto. O espetáculo foi
dirigido por João Teixeira Porto e José Medeiros e a supervisão artística ficou a cargo de Edmundo
Cardoso.
Desde a escolha da peça anterior, O casaco encantado, Edmundo Cardoso vinha
articulando parcerias para tornar possível levar o teatro para o público infantil. Conforme o
jornal local A Cidade, também nesse período cogitava montar o que chamava de Departamento
Infantil dentro da Escola, pois acreditava que assim “cumprimos mais uma finalidade social-
cultural, oferecendo às crianças uma sedutora modalidade de diversão que é, também, educativa,”
uma vez que “chegou o momento de pensarmos em ampliar as nossas futuras platéias. O público
infantil também deve aprender a gostar de teatro.” (Dossiê peça Pluft, o fantasminha, 1960). De
fato, o Departamento Infantil não foi efetivado, entretanto, a Escola permaneceu levando peças
ao público infantil.
A Escola, contudo, conseguiu parcerias para levar Pluft, o fantasminha para o Auditório
Olavo Bilac, com o SESC e com a Polícia Rural Montada, demonstrando que pretendia atingir
165
filhos de comerciários e de militares.
Fragmento da carta de Edmundo Cardoso ao SESC: “Na forma de nossas conversações
verbais, venho reproduzir a proposta que a ETLF faz à agência local do SESC para a realização
de um espetáculo de teatro para crianças, dedicado aos comerciários e aos seus filhos, no auditório
da Escola Olavo Bilac.”(Dossiê peça Pluft, o fantasminha, 1960).
Parte da carta de EC à Polícia Rural Montada: “Na conformidade de nosso entendimento
verbal venho, por este meio, oferecer a V.S. cem ingressos gratuitos para os familiares dos
praças dessa unidade irem assistir ao espetáculo de teatro infantil que se realizará dia 22 do
corrente.” (Dossiê peça Pluft, o fantasminha, 1960).
Um jornal local informava que a peça infantil, “Pluft, o fantasminha, é a divertida história
de um fantasminha que tinha medo de gente e que se vê envolvido em gostosas aventuras com
um bando de marinheiros birutas e mais o célebre Pirata-de-Perna de Pau.” (Dossiê peça Pluft,
o fantasminha, 1960).
A peça de Maria Clara Machado mostra uma família de fantasmas em meio à descoberta
de um tesouro, que se envolve em situações engraçadas, lúdicas e singelas, para salvar a menina
Maribel das amarras do Pirata Perna-de-Pau. O texto é enxuto, sensível, contrapondo o bem e o
mal, com final feliz para o bem e a derrota do mal. O tesouro acaba ficando com os marinheiros
protetores de Maribel e Pluft, o fantasminha, supera seu medo em relações aos humanos. (Texto
peça Pluft, o fantasminha, 1960).
24. O Caixa que foi até a esquina (1961)
Farsa de Aurélio Ferretti, traduzida por Edmundo Cardoso e encenada em 07 de novembro
de 1961, no Cine-Teatro Imperial, contou com os atores: Edna Mey Cardoso, Pedro Freire Junior,
João Teixeira Porto, José Medeiros, Vera Maria Ribeiro, Irani Siqueira, Hipólito Garcia, Edmundo
Cardoso e Clovis Jorge Lopes.
Para ajudar na distribuição dos cartazes publicitários, a Escola pediu auxílio à Prefeitura
Municipal de Santa Maria: “Em nome da ETLF, venho solicitar a colaboração habitual dessa
prestigiosa administração, no sentido do empréstimo dum veículo da municipalidade para ajudar
166
no trabalho de afixação, à noite, de cartazes publicitários à margem das vias públicas da cidade.”
(Dossiê peça O caixa que foi até a esquina, 1961).
Por ocasião da apresentação do texto de Ferretti, este foi convidado por EC para vir a
Santa Maria e sua presença foi anunciada nos folhetos publicitários. Mesmo tendo aceito o
convite, Ferretti não compareceu, por motivos de ordem prática com as passagens aéreas, “que
por um lastimable equivoco havia cancellado efetivamente el boleto poniendolo a disposición
de Ferretti pero em P.Alegre,”
3
argumenta Emundo Cardoso em carta ao próprio Ferretti. (Dossiê
peça O caixa que foi até a esquina, 1961).
Esta peça aborda o roubo de um funcionário na empresa em que trabalha. Ao ir consultar
um advogado para defendê-lo, este o induz a subtrair outro tanto, para poder devolver o valor
anteriormente roubado. Portanto, não há arrependimento nem punição ao delito, mas uma farsa
para que tudo seja resolvido da melhor forma, mesmo que esta não prime pela moral e os bons
costumes, tão propagados à época. (Texto O caixa que foi até a esquina, 1961).
25. Via Sacra (1961)
Peça de Henri Gheon, traduzida pelo Bispo Dom Marcos Barbosa, encenada dia 29 de
março de 1961, no auditório da Faculdade de Filosofia, contou com os atores Jonny Cavalheiro,
João Teixeira Porto, Edgar Andrade Xavier, Edna Mey Cardoso, Gilda May Cardoso, Rhéa
Silvia e Ararê Bertóia. Ingresso individual grátis. (Figura 31).
Antes do espetáculo, EC fez um pronunciamento justificando a escolha da peça: “Pela
primeira vez vamos tentar teatro místico, isto porque Via Sacra nos pareceu uma magnífica
experiência a ser usada como trabalho integral de arte pura.” (Dossiê peça Via Sacra, 1961).
Via Sacra é obra poética, antes de tudo. Poesia cotidiana pela sua singeleza,
espargida com sentido fundamentalmente humano. Poesia do trágico e do
animoso. Abrasiva e doce. Ígnea e cáustica. (...) Era preciso ungirmos de
singela emoção para situar-nos, e ao nosso público, dentro da atmosfera
com que Gheón impregnou a sua narrativa. (Folheto publicitário).
3
Tradução para a Língua Portuguesa: “Que por um lastimável equívoco havia cancelado efetivamente o boleto,
colocando-o a disposição de Ferretti por Porto Alegre.”
167
Ainda sobre o texto de Henri Gheón, encontramos: “Via Sacra tem se constituído, no
mundo universal da arte teatral, um dos grandes êxitos artísticos (...) tratando teatralmente, do
assunto bíblico da Tragédia do Calvário, (...) numa realização de alto nível de arte e estética.”
(Dossiê peça Via Sacra, 1961).
Em artigo de jornal, Fernando do Ó afirma que “Edmundo Cardoso montou Via Sacra
com aquela visão ampla que lhe é peculiar, e acurado estudo de todas as situações no
desdobramento da peça, extraindo dela o máximo rendimento.” ( Dossiê peça Via Sacra, 1961).
Via Sacra apresenta as doze estações que representam a paixão de Cristo. Poucos atores,
falas curtas, cenas reduzidas ao assencial. Um narrador apresenta cada uma das estações, depois
dois homens e duas mulheres pontuam as cenas com falas curtas. Fica-se com a impressão de
que Cristo e Maria não aparecem no palco. O espetáculo sugere os acontecimentos que a platéia
já conhece. O texto comenta o drama de Cristo poeticamente. Grande importância aos gestos
(provavelmente solenes) e à música. Talvez seja esta a idéia do teatro puro: essencialidade da
representação sem suporte de cenários e trama complexa. Criação de clima poético que remete
à história já conhecida. (Texto peça Via Sacra, 1961).
26. O cavalinho azul (1963)
Com outra peça de Maria Clara Machado, a ETLF voltou a encenar para o público infantil,
Figura 31: Cenário da peça Via Sacra, de Edmundo Cardoso. (1961).
Fonte: Acervo particular EC.
168
em 22 de junho de 1963 no Instituto de Educação Olavo Bilac. Contou no elenco com: José
Medeiros, Eliane Carpilovski, Hipólito Garcia, Vera Ribeiro, Marlene Curi, Varly Lippold, Horst
Lippold, Clovis Jorge Lopes, Paulo Neron Rodrigues, Moisés Chansis, Gilda May Cardoso,
Edmundo Cardoso, Edna Mey Cardoso, Lucia Farias, Vera Ribeiro, Fernando Ferreira, Luiz
Rosalvo Finn, Eros Mussói, André Medeiros.
Notícias das encenações de O cavalinho azul permearam diferentes jornais, demonstrando,
desta forma, a repercussão da peça em questão. A ETLF procurou exercer uma função social
mais concreta quando levou esta peça de Maria Clara Machado. Desta forma, buscou a interação
entre a arte teatral e diferentes profissionais ligados à área pedagógica, a fim de exercitar um
experimento científico-reeducacional, demonstrando as várias possibilidades de trazer novas
perspectivas para os diversos campos de estudo
A Universidade de Santa Maria possuía o Instituto da Fala, em funcionamento desde o
início do ano de 1963, sob a direção de Reynaldo Cóser, e a Escola de Teatro proporcionou ao
Instituto da Fala a possibilidade de um experimento científico-educacional com as crianças
surdas-mudas que estavam sendo reeducadas nesse Instituto.
Assim, divulgava o jornal Diário, de Santa Maria que “numa das noites que era apresentada
a peça O cavalinho azul, as crianças surdas-mudas foram colocadas na platéia, na primeira fila,
donde foram observadas durante todo o espetáculo pelos professores do Instituto da Fala.”
(Dossiê peça O cavalinho azul, 1963).
O jornal Correio do Povo também noticiou a iniciativa da Escola: “Essas crianças, cuja
visão e noção de mundo que as cerca é restrita e diferente, vão oferecer aos observadores do
Instituto da Fala, preciosos elementos de estudo para as práticas pedagógicas e terapêuticas.” O
mesmo jornal também reconhecia as finalidades pedagógicas da ETLF “no terreno social e
cultural, cada dia mais se entrosa no amplo e vasto campo de suas atividades, ingressando,
assim, com esse experimento, como colaboradora preciosa de um Instituto Científico
universitário.” (Dossiê peça O cavalinho azul, 1963).
De fato, O cavalinho azul é uma afirmação do infantil, e a ação da peça é em torno de um
menino que sonha com um cavalo azul. Encontra seu objeto do desejo, contra todas as
probabilidades, presentes na incompreensão dos demais personagens e na sua própria condição
169
humana. É o sonho versus a realidade. Do menino no primeiro caso e dos adultos no segundo.
Essa dualidade choca-se musicalmente e vence o sonho e a imaginação da infância, quando
Vicente – o menino – encontra seu cavalinho tal como o sonhara: todo azul, com cauda branca.
(Texto peça O cavalinho azul, 1961).
Esta peça se aproxima de Pluft, o fantasminha, na medida em que ambas se projetam
para além do mero divertimento infantil, alcançando uma condição literária e artística de bom
nível.
27. O asilado (1963)
Encenada no Cine-Teatro Imperial, em Santa Maria, de 11 a 13 de dezembro de 1963 e
no teatro São Pedro, em Porto Alegre, em 1º de julho de 1964, tratava-se de sátira cômica de
Guilherme de Figueiredo, com os atores Moisés Chansis, Ruy Maldonado, João Teixeira Porto,
Edna May Cardoso, Eunice Tiellet, Edmundo Cardoso, Horst Lippold, Gilda May Cardoso e
José Medeiros. Ação: na República Latino-Americana de Ostrália. Época: atual (1964). Cenário:
na sede da Embaixada do Brasil, na Capital da Ostrália.
Colaboradores em Santa Maria: Reitoria da USM, Prof. Roberto Romano, Sr. Artur Pereira
da Silva, Adão Garcia, Antão Antunes e Seligman Móveis.
Na capital do Estado, a ETLF contou com o apoio do “Sr. Governador do Estado, Sr.
Secretário da Saúde, Empresa de Transportes Planalto S.A., Expresso Mercúrio S.A., Casas
Eny, Administração do Teatro São Pedro, Firma Probel, jornais da capital do Estado e da imprensa
falada e a Revista do Globo.” (Folheto publicitário).
Com a sátira O asilado, de Guilherme de Figueiredo, a ETLF retornou ao estilo cômico
satírico, pretendendo não só tentar mais uma vez este gênero, como também ir ao encontro da
atualidade teatral. (Figura 32).
Guilherme de Figueiredo foi convidado por Edmundo Cardoso para vir a Santa Maria
assistir a sua peça, ao que Figueiredo respondeu não poder comparecer por estar “de malas
arrumadas para Paris.” Na mesma carta, o dramaturgo deixou claro os contatos que EC necessitou
estabelecer para poder encenar a peça em Porto Alegre: “Grato pelas providências militares que
permitem a existência da minha peça e do trabalho insano que deu a você. A SBAT lhe mandará
os três exemplares pedidos de O asilado.” (FIGUEIREDO, 1964).
170
De fato, a imprensa colaborou com a divulgação do espetáculo em Porto Alegre: “A ETLF,
de Santa Maria estará, pela terceira vez atuando, em temporada na capital gaúcha, com um novo
original de Guilherme de Figueiredo, O asilado, sátira aos nossos costumes e usos diplomáticos.”
(Dossiê peça O asilado, 1963).
Figura 32: Ensaio da peça O asilado. Da esquerda
para a direita: João Teixeira Porto, Moisés Sanchis,
José Medeiros, Edmundo Cardoso e Ruy Maldonado.
(1963).
Fonte: Acervo particular EC.
Ou: “Pontificam no elenco de ‘O Asilado’ atores e atrizes de alto gabarito artístico e com
folha de serviços prestados à arte teatral, mercê do grande número de anos durante os quais vem
enfrentando a ribalta, num contínuo aprimoramento de suas qualidades.” (Dossiê peça O asilado,
1963).
O asilado, de Guilherme de Figueiredo é uma sátira clara às ditaduras latino-americanas
da época. Este asilado, entretando, um conquistador que, asilado em uma embaixada brasileira,
em alguma república latino-americana, seduz mulher e filha do embaixador. Na verdade, um
galã, mais preocupado com suas conquistas amarosas do que com sua condição política no
exílio. (Texto peça O asilado, 1963).
28. Roleta paulista (1966)
A peça de autoria de Pedro Bloch, Roleta paulista, estreou no dia 13 de setembro de
171
1966, no local que fora o Teatro Imperial. Contou com a participação dos seguintes atores:
Dalton Couto, João Teixeira Porto, Edna Mey Cardoso, Gilda May Cardoso, Jorge Beduino de
Medeiros, Edmundo Cardoso, Suzana Pereira, José Medeiros e Elói Saccol da Silva. Para que
este último pudesse participar da peça, foi pedida sua dispensa no laboratório Andromaco, onde
trabalhava, de forma que “possa ter o seu itinerário de viajem profissional alterado de modo a
poder estar em Santa Maria nos dias 13, 14, 15 e 16 quando vamos lançar, aqui, o nosso projetado
espetáculo teatral com a peça de Pedro Bloch.”( Dossiê peça Roleta paulista, 1966).
Valor do ingresso era de Cr$ 8,00, havendo também meia entrada no valor de Cr$ 5,00.
Censura 18 anos.
O folheto publicitário justificava a escolha do texto por ter tido boa repercussão em São
Paulo e Rio de Janeiro, pois “traz a crítica ajustada, com magnífica oportunidade, a certas formas
de vivência de seres humanos que se deixam degradar na busca errada e criminosa da felicidade.”
(Folheto Publicitário). Ou ainda:
Os críticos de São Paulo aplaudiram Roleta Paulista e disseram que a
peça aponta, com assustador objetivismo, os delitos que se vão tornando
a constante da crônica policial: a fraude e a trapaça, a compra e a venda
de consciências, o vício das ruas, a maconha, a curra, o adultério às
escancaras e o amortecimento da moral pela absoluta ausência de princí-
pios dentro de muitos lares, nas repartições, nos escritórios e nos gabine-
tes políticos. (Folheto Publicitário).
O jornal local A Razão demonstrava a recepção da peça pelo público: “Com sucesso
total, casa lotada e êxito artístico absoluto (...) estreou ontem Roleta Paulista. Os aplausos
incondicionais do público, que superlotou o nosso velho teatro, coroaram de sucesso total o
lançamento da peça.” (Dossiê peça Roleta paulista, 1966).
A peça estreou no Rio de Janeiro em março de 1963. O autor comentou que a família
retratada “é bem a família bossa-nova, a família da era em que vivemos.” (REVISTA DE
TEATRO, 1963, p. 2).
Trata-se de um drama com intenção de problematizar a desagregação familiar em ambiente
de classe elevada: mãe fútil, preocupada com a dieta alimentar, ioga, jogo de cartas com amigas
e calmantes. Pai relações-públicas, executivo de sucesso e otimista nos negócios, tendo a secretária
como amante. Filho primogênito problemático, usuário de maconha, rouba o carro do pai e
atropela uma menina. Este acidente constitui o núcleo dramático da peça. Põe a nu a fragilidade
172
da família, especialmente a dificuldade dos pais em lidar com situação real do filho delinqüente.
A filha se ressente da frieza da mãe, que tem olhos somente para o filho mais velho e o filho
caçula se refugia na música e na literatura porque não tolera os pais. (Figura 33).
A peça delineia uma situação que constitui quadro da chamada juventude transviada.
Aos olhos de hoje, soa ingênuo o modo de retratar o ambiente sociocultural das famílias de
classe média alta na sociedade de consumo. A causa de todos os problemas são os pais indiferentes
aos filhos e envolvidos em seus próprios afazeres e compromissos sociais.
No texto da peça utilizado para este comentário, há vários trechos riscados. Alguns talvez
por serem considerados desnecessários. Entretanto, algumas exclusões no texto demonstram
referências cruas e vivências sexuais. Entende-se por roleta paulista o acidente em que se envolve
um dos personagens. (Texto peça Roleta paulista, 1963).
29. A falecida (1967)
A Falecida, em três atos, de Nelson Rodrigues, contou com a participação dos seguintes
atores: Suzana Pereira, Luiz Augusto Reis, Jorge Beduino Medeiros, João Teixeira Porto, Edna
Mey Cardoso, Wartkes Mekbekian, João Rossin Gonçalves, Luiz Rosalvo Finn, Dima Medeiros,
Antonio Sartoretto, José Medeiros, Leda Requia, Eloy Saccol, Horst Lippold, Edmundo Cardoso
e Antonio Sartoretto.
Figura 33: Ensaio da peça Roleta paulista. Da esquerda para a direita:
Edna Mey Cardoso, Edmundo Cardoso, Suzana Pereira, Gilda May
Cardoso e Jorge Beduino Ramos Medeiros. (1963).
Fonte: Acervo particular EC.
173
No convite lê-se: “Apresentada no Teatro Imperial dia 14 de novembro de 1967, esta
peça faz parte da comemoração do 24º aniversário da Escola de Teatro Leopoldo Fróes.”
Edmundo Cardoso, dias antes da estréia da peça, concedeu uma entrevista na qual afirmava
tratar-se o texto de Nelson Rodrigues de “uma tragicomédia do simples, onde o autor quis retratar
a vida de todos os dias de um punhado de pessoas simples que vivem anonimamente nos subúrbios
de uma grande metrópole, no caso o Rio de Janeiro, no ano de 1960.” (Dossiê peça A falecida,
1967).
Esta comédia carioca, segundo o próprio autor, Nelson Rodrigues, apresenta uma mulher
em estado obsessivo que sonha com a própria morte, com enterro caro para deixar a vizinhança
com inveja. Antes de morrer, portanto, pede para o marido procurar determinado sujeito, pois
ele pagará o enterro. O sujeito, na verdade, era seu amante. O marido descobre a traição da
mulher ao pegar o dinheiro com o amante da esposa e descobre que ela, além de traí-lo, detestava-
o. (Figura 34).
Na verdade, sua obssessão pela própria morte fora uma súbita manifestação de culpa.
Com o dinheiro do funeral, o viúvo compra um caixão barato e vai para o Maracanã assistir a um
jogo. A mulher enfim é enterrada, mas sem nenhuma pompa, como havia planejado.
Figura 34: Ensaio A falecida. (1967).
Fonte: Acervo particular EC.
174
As indicações do texto são para não usar cenário. Há apenas cadeiras e alguns objetos
que sinalizam lugares ou situações. Pelas anotações efetuadas no texto, as sugestões do autor
são atendidas. A ETLF produz uma cenografia que não era o usual nos seus espetáculos, o
Teatro Pobre.
4
(Texto peça A falecida, 1967).
30. Maria minhoca (1968)
Comédia de Maria Clara Machado, compunha-se de um prólogo e dois atos. Fazendo
parte do seu elenco a atriz Suzana Finn e os atores Edmundo Cardoso, João Teixeira Porto,
Navarro Medeiros, Horst Lippold Carlos Ribeiro, Paulo Neron Rodrigues e Guto Reis. Preço:
inteira NCr$ 1,50, meia entrada: NCr$ 1,00
Estreou dia 5 de novembro de 1968, no Teatro Imperial, permanecendo em cartaz nos
dias 5, 6 e 7 de novembro às 20h30min. Sendo este espetáculo liberado pelo Juizado de Menores
para crianças acima de 5 anos, nas sessões noturnas. (Folheto Publicitário). De fato, havia a
liberação para público a partir de 5 anos de idade: “Por deliberação do Dr. Rubem Oliveira
Campos, Juiz de menores, foi liberado o ingresso de menores acima de 5 anos nos espetáculos
noturnos, desde que acompanhados.” (Dossiê peça Maria Minhoca, 1968).
A respeito da participação do público infantil no espetáculo, ocorreu “um fenômeno
interessante no comportamento do público infantil: as crianças a todo o instante interrompiam
as cenas com os seus aplausos espontâneos e cheios de calor e vibração.” (Dossiê peça Maria
Minhoca, 1968).
A Escola de Teatro vinha ensaiando interesse pelo público infantil desde O casaco
encantado, de Lucia Benedetti (1959). A síntese da atriz que fez o papel de Maria Minhoca,
Suzana Finn, resume bem a peça, descrevendo sua personagem: “uma mocinha com um pai
autoritário que pretende fazê-la casar-se com um rapaz de quem ela não gosta. Ela gosta mesmo
é de outro rapaz, fraquinho, mas muito inteligente.” (Dossiê peça Maria Minhoca,1968).
4
O Teatro Pobre centrava-se no trabalho do ator e na relação deste com o público. “Tais espetáculos prescindiam de
elementos tradicionais de linguagem cênica, tidos como supérfluos”, como “maquiagem, indumentária especial,
cenografia, iluminação e sonoplastia.”(VASCONCELLOS, 1987, p. 199-200).
175
Alguns detalhes são mudados do texto original, mas a essência permanece a mesma, ou seja, a
do amor ingênuo e galante de um jovem franzino, por uma moça dominada pelo pai que deseja
vê-la casada com um militar. Eliminado o pretendente militar, pela astúcia do jovem apaixonado,
o pai permite seu namoro com a mocinha. Há forte conotação romântica e o costumeiro final
feliz. (Texto peça Maria Minhoca, 1968).
31. Pic-nic no front e A história do zoológico (1969)
Pic-Nic no Front, cuja autoria é de Fernando Arrabal (espanhol), traduzida por Jaqueline
Laurence e A História do Zoológico, de Edward Albee (norte-americano), tradução de Luiz
Carlos Maciel, fazem parte da temporada de 1969. Ambas, encenadas nos dias 15, 16 e 17 de
dezembro, no Teatro Imperial. Os ingressos custavam NCr$ 2,00 e 1,50.
A censura destas peças foram de impropriedade para menores de 18 anos. A primeira
peça teve como intérpretes os seguintes atores: Luiz Hostyn, Edna Mey Cardoso, João Teixeira
Porto, M. Alexandre Chansis, Horst Lippold, Cilon do Canto, Nelson Costa, Navarro Medeiros
e Carlos Ribeiro. A segunda contou com a participação de Cilon do Canto e João Teixeira Porto.
Pic nic no front é uma comédia chapliniana, sem o happy end como solução libertadora.
Há nela uma perturbadora e chocante mistura de inocência e ferocidade. A história do zoológico
é o jogo cruel da neurose em estado puro, gritada, despida de civilização, de empregos ou de
família.” (Folheto Publicitário).
Estas duas peças já haviam sido anteriormente apresentadas em outros teatros e festivais,
inclusive fora do Estado do Rio Grande do Sul. Desta maneira, temos informações de que a
Escola apresentou-se nos dias 25, 26 e 27 de setembro, em Santa Catarina: “Regressou da cidade
de Florianópolis, a comitiva da Escola de Teatro Leopoldo Fróes, que realizou uma série de
espetáculos, em curta temporada, no teatro Álvaro de Carvalho.” (Dossiê peça Pic nic no front
e A história do zoológico, 1969).
Segundo folheto publicitário de festivais gaúchos, a Escola de Teatro participou do VII
Festival Internacional de Teatro, que ocorreu do dia 3 a 17 de novembro de 1969, na cidade de
Pelotas. As apresentações foram realizadas no Teatro Sete de Abril. Sendo que a peça teatral A
176
história do zoológico, de Edward Albee, fora representada duas vezes. A primeira, no dia 4 de
novembro. pelo Teatro de Comédia de São Paulo, a segunda apresentação no dia 8 de novembro,
pela Escola de Teatro Leopoldo Fróes. (Folheto Publicitário).
A respeito das apresentação em Florianópolis e do VII Festival Internacional de Teatro,
recorda João Teixeira Porto (2003):
Em Santa Catarina eu trabalhei sozinho. Monólogo de 1 hora e 28 minu-
tos e foi dificílimo... e ruim. A história do jardim zoológico, que de zoo-
lógico não tinha nada...Era o teatro do absurdo. Eu entrava em cena e
para quebrar a monotonia havia um banco de praça e um cara lendo
jornal. Essa peça, num concurso realizado no teatro de Pelotas, não apro-
vou. Eu não fui bem... um argentino fazia o mesmo papel, era mais moço
e vinha da Europa. Ele havia feito a peça 73 vezes... Eu era a primeira
vez. O erro que o Cardoso cometeu foi esse: me largou em frente ao júri
numa estréia. Não se pode estrear na frente do júri.
Ocorre que o Festival de Teatro de Pelotas, promovido pela S.T.E.P.E
5
, e com
características internacionais, contava com quatro conjuntos amadoristas uruguaios e argentinos,
além dos conjuntos gaúchos, paulista, guanabarino e catarinenses, segundo os jornais noticiaram
à época. (Dossiê peça Pic nic no front e A história do zoológico, 1969).
Quanto à apresentação das peças em Santa Maria, a imprensa local noticiou que “ontem,
o cine-teatro Imperial acompanhou mais uma das suas memoráveis noitadas de teatro, com a
estréia dos espetáculos Pic nic no front e Historia do zoológico.” (Dossiê peça Pic nic no front
e A história do zoológico, 1969).
Por ocasião da apresentação de A história do zoológico, em Santa Maria, Edmundo
Cardoso escreveu ao adido cultural dos Estados Unidos em Porto Alegre, convidando-o para o
espetáculo: “Tenho a satisfação de convidar V.S. para assistir, em Santa Maria, ao lançamento,
pela ETLF, da peça em um ato, de Edward Albee - A História do Zoológico (The Zoo History),
que produziremos na noite de 15 de dezembro andante, no cine-teatro Imperial.” (CARDOSO,
Edmundo, Santa Maria, 05 Dez.1969). Entretanto, o adido cultural não compareceu ao espetáculo,
5
Sociedade Teatral Pelotense.
177
tendo justificado por carta sua ausência.
Não foram poucas as apresentações realizadas com estas peças, pois percebemos pelas
reportagens que também no ano de 1970, elas foram apresentadas em outras cidades, como
Caçapava do Sul:
A Escola de Teatro Leopoldo Fróes, atendendo ao convite que lhe fez a
Sociedade Universitária de Caçapava do Sul, apresentou, na noite de 30
de janeiro, no Clube União, a peça de Edward Albee (...). O espetáculo
teve pleno êxito, e agradou em cheio o caloroso público (...). Nos mo-
mentos que antecederam à abertura do pano, o diretor Edmundo Cardo-
so dirigiu algumas palavras à platéia dando conta do trabalho de arte a
que se propôs a Escola de Teatro, desde a sua fundação, há 27 anos
passados. (Dossiê peça Pic nic no front e A história do zoológico, 1969).
A história do jardim zoológico é uma peça que se desenvolve no Central Park, Nova
Iorque. Dois homens desconhecidos iniciam diálogo que envolve provocações e a luta absurda
pela posse de um banco da praça. Um dos homens representa o sujeito integrado à sociedade –
casamento, emprego fixo, filhos e animais domésticos - enquanto o outro é o desajustado –
solitário habitante de pensão. O desajustado cria o conflito, coloca uma faca na mão do outro e
depois se joga sobre a arma.
Quanto à peça Pic nic no front, o cenário é um campo de batalha com trincheira. Um
soldado está sozinho no front e recebe a visita do pai e da mãe que vêm fazer um piquenique. Os
pais se comportam como se a guerra fosse um brincadeira e terminam convencendo o filho.
Todos dançam no final e não se protegem das bombas e metralhadoras que acabam matando-os.
(Textos peças Pic nic no front e A história do zoológico, 1969). (Figura 35).
Utilizando a cópia que foi usada para encenação, observam-se várias anotações para
cenografia (som de bombas). Esta é a parte do espetáculo que não podemos reconstituir. Assim
como gestos e expressões dos atores, estes aspectos da encenação são fugazes, existem apenas
o tempo em que dura a peça. As anotações na cópia, no entanto, indicam-nos o que já apontamos
anteriormente: o teatro é mais do que texto, é texto encenado por atores e auxiliado por recursos
técnicos.
178
32. A canção dentro do pão (1970)
A canção dentro do pão é uma peça de Raimundo Magalhães Junior, e sua apresentação
esteve integrada às comemorações do 10º aniversário da fundação da Universidade Federal de
Santa Maria.
Esta comédia de três atos contou com a participação dos seguintes atores: João Teixeira
Porto, Edna Mey Cardoso, Edmundo Cardoso, Cilon do Canto e João Rossim Gonçalves.
Encenada nos dias 16, 17 e 18 de novembro de 1970, às 21h no Teatro Imperial. Ação: em Paris.
Época: na véspera da Revolução Francesa. Preços: Cr$ 3,00 e 1,50. Censura: 14 anos.
A escolha do texto era explicada pelo fato “do retorno do elenco da Escola de Teatro ao
gênero comédia, que é o gênero da preferência do grande público.” (Folheto Publicitário).
A encenação desta peça obteve os direitos de representação da SBAT, à qual a ETLF era
associada, “obrigando-se a Empresa [ETLF] a fornecer à SBAT uma cópia do bordereau de
receita, devidamente autenticado, responsabilizando-se pela sua exatidão, bem como pelo integral
pagamento dos direitos autorais acima estipulados.” (Direitos de Representação, SBAT, Nº
203285).
Figura 35: Encenação da peça Pic nic no front. Edna Mey Cardoso e João
Teixeira Porto. (1969).
Fonte: Acervo particular EC.
179
Também obteve a liberação da censura, pelo Certificado “nº 3109/70 (...) aprovado pelo
S.C.D.P., válido até 14 de outubro de 1975, pelo chefe do S.C.D.P. Geová Lemos Cavalcanti.”
(Ministério da Justiça - Departamento de Polícia Federal, 14 out. 1970).
Sobre a peça, a imprensa local noticiou a fidelidade do figurino: “Guarda-roupa
especialmente desenhado, calçados, perucas, cabeleiras, móveis, enfim, tudo pesquisado,
desenhado e executado para o maior brilho dessa peça cuja ação decorre em plena Paris do ano
de 1789.” (Dossiê peça Canção Dentro do Pão, 1970).
A comédia de Raimundo Magalhães Júnior se passa em Paris, durante o reinado de Luis
XVI, em uma padaria que fornece pão para a casa real. O padeiro é um tolo apaixonado pela
mulher. A mulher é seduzida por um nobre conquistador. O amante constrói uma armadilha para
afastar o marido: pede à mulher que coloque uma canção revolucionária dentro dos pães que
irão para a mesa do rei. O inspetor que vai prender o padeiro pela afronta ao rei, desconfia de
tudo e arma um flagrante para prender os amantes.
Antes que o amante possa possuir a mulher, ele é preso. Sabemos então que é dia 14 de
julho de 1789, quando o povo está se encaminhando para tomar a Bastilha, o padeiro e a mulher
seguem a multidão felizes e paixonados. (Texto peça A canção dentro do pão, 1970).
33. A revolta dos brinquedos (1971/72)
Comédia de dois atos de Pernambuco de Oliveira e Pedro Veiga. Estreou no dia 21 de
setembro, no Teatro Imperial, às 20h30min, com censura livre para as sessões noturnas. Esta
peça foi encenada pelos seguintes atores: Agláia Philbert Pavani, Edna Mey Cardoso, Elizabeth
Alfaya, Horst Lippold, Luiz Augusto Reis, Luiz Hostyn, Paulo Neron Rodrigues, Rafael Ernesto
Teodorico e Suzana Pereira. A peça permaneceu em cartaz, no Teatro Imperial, de 21 a 25 de
setembro de 1971, aos preços de Cr$ 3,00 e Cr$ 1,50. (Figura 36).
Meses antes, porém, EC necessitou escrever ao Diretor de Censura e Diversões Públicas
de Brasília para “determinar a censura, e conseqüente liberação, da peça teatral para crianças,
com que se destina a ser encenada na cidade de Santa Maria (RS) e em todo o interior do Rio
Grande do Sul, e mais em temporada que se estenderá até o Estado de Santa Catarina. (CARDOSO,
180
1971). A peça foi liberada pela SBAT, por meio dos direitos de representação, sob autorização
nº. 203286.
Figura 36: Encenação da peça A revolta dos brinquedos. Atores: Aglaia
Pavani, Edna Mey Cardoso, Luis Augusto Reis, Horst Lippold, Luis Hostyn
e Rafael Ernesto Teodorico. (1971).
Fonte: Acervo particular EC.
Ao texto de Oliveira e Veiga foi acrescentado um personagem, que seria interpretado por
Paulo Neron Rodrigues e a Escola lançou um concurso por meio do qual as crianças iriam
sugerir um nome para o personagem Robot:
vai movimentar o mundo infantil da cidade, publica, abaixo o cupon
para os concorrentes que desejarem colaborar para dar o nome próprio
ao simpático Robot.(Dossiê peça A revolta dos brinquedos, 1971-72).
Nesta ocasião, Edmundo Cardoso se reportaria ao Coronel Querubim Rosa Filho, da
Base Aérea de Santa Maria, por carta, para efetuar um “pedido de cessão de passagens em vôos
de helicópteros sobre a cidade, por ocasião da próxima Semana da Asa, para as crianças que
freqüentarem os futuros espetáculos da Escola de Teatro Leopoldo Fróes.” (CARDOSO,
Edmundo, Santa Maria,15 set. 1971).
181
Então, o Ministério da Aeronáutica, por meio do comando da Base Aérea de Santa Maria,
contribuiu para o sucesso de público no espetáculo, “pois todas as noites foram sorteadas duas
passagens de helicópteros entre as crianças presentes, para um vôo que se realizará durante as
comemorações futuras da Semana da Asa.” (Dossiê peça A revolta dos brinquedos, 1971-72).
EC também escreveu à Diretoria da União dos Funcionários Municipais de Santa Maria
e Rio Grande do Sul, com o objetivo que “essa prestigiosa entidade adquira, para distribuir aos
seus associados e aos filhos destes em especial, ingressos para um dos espetáculos que se estão
produzindo no Teatro Imperial, com a comédia para crianças A revolta dos brinquedos.
(CARDOSO, Edmundo, Santa Maria, 21 Set.1971).
O pedido de Cardoso foi atendido não somente pela U.F.M, como também pela
S.B.O.F.A, “que custeou o ingresso de 250 crianças asiladas e albergadas de nossa cidade.”
(CARDOSO, Edmundo, Santa Maria, 25 Out. 1971). Outra solicitação encaminhada por
EC, esta para o Juiz de Menores de Santa Maria, a fim de liberar “para que crianças acima
de cinco anos assistissem ao espetáculo, desde que acompanhadas.” (CARDOSO, 1971).
Ao que é autorizado pelo Chefe de Serviço de Polícia e Segurança, desde que obedeça ao
acima descrito.” (GOMES, 1971). Ou seja, que as crianças comparecessem ao espetáculo
acompanhadas por adultos.
Finalmente encenado, “o espetáculo somou várias condições que são indispensáveis para
o bom teatro: belos cenários, guarda-roupa encantador, um texto inteligente (...) e, basicamente,
uma interpretação impecável (...) dessa não menos notável comédia para crianças.” (Dossiê
peça A revolta dos brinquedos, 1971-72).
Apesar do aparente sucesso local, a Escola de Teatro Leopoldo Fróes, com esta peça,
participou de outros eventos teatrais. Desta maneira, participou do II Festival de Expansão do
Teatro Infantil, realizado na cidade de Santos, Estado de São Paulo. O evento aconteceu nos
dias 16, 21, 22, 23, 29 e 30 de abril de 1972, no Teatro Rádio Clube de Santos. Os ingressos
puderam ser adquiridos ao preço de Cr$ 2,00.
Realizou-se, em abril, em Santos, São Paulo, o II Festival de Expansão
do Teatro Infantil (...). Ao II Festival compareceu a Escola de Teatro
Leopoldo Fróes, de Santa Maria (...) quase completando 30 anos de exis-
182
tência. Agora a comissão julgadora deu a conhecer o resultado do Festi-
val, e entre as agremiações premiadas figura a Escola de Teatro Leopoldo
Fróes com a taça Prêmio de Participação Especial, e as medalhas de
ouro e parte concedidas aos atores estreantes Agláia Philbert Pavani e
Rafael Ernesto Teodorico, prêmios de Revelação Nacional de atriz e de
ator, respectivamente. (Dossiê peça A revolta dos brinquedos, 1971-72).
A Comitiva da ETLF foi transportada pela Aeronáutica, que cedeu um avião para conduzir
o elenco rio-grandense de teatro para crianças ao festival. Segundo o jornal Correio do Povo, “a
comitiva da Escola de Teatro Leopoldo Fróes mereceu, também, do comando da Base Aérea de
Santa Maria, o transporte aéreo para a cidade de Santos, quando participou, com tamanho brilho
e destaque, no festival.” (Dossiê pela A revolta dos brinquedos, 1971-72).
Peça infantil de Pernambuco de Oliveira e Pedro Veiga, A revolta dos brinquedos aborda
de forma pedagógica a relação das crianças com seus brinquedos, que se rebelam ao serem
maltratados. Os brinquedos então formam uma comissão para julgar e punir sua dona, uma
menina mimada, que aos poucos começa a entender a mágoa que causa aos seus únicos
companheiros, os brinquedos, já que é uma menina solitária. O texto da peça possui caráter
pedagógico, na medida em que ensina as crianças a respeitarem seus brinquedos e aos outros,
que também têm desejos e vida própria. (Texto peça A revolta dos brinquedos, 1671-72).
34. Soraya, posto dois (1973)
Soraya, posto dois constitui-se em uma comédia de três atos de Pedro Bloch. Fizeram
parte deste elenco os seguintes atores: João Teixeira Porto, Claudio Jacques, Agláia Philbert
Pavani, Rafael Ernesto Theodorico, Edna Mey Cardoso, Leda Requia, Vera Lucy Farias e
Edmundo Cardoso. Estiveram presentes neste elenco três artistas estreantes: Vera Lucy Farias,
Miklos Schwarcz e Fatima Muller. A ação decorre no Rio de Janeiro, sendo a época, os anos 40
e o local, o térreo de um edifício em construção.
A peça estreou no Teatro Imperial no dia 15 de outubro às 21 horas com impropriedade
para menores de 18 anos. Os ingressos puderam ser adquiridos aos preços de Cr$ 5,00 e Cr$
3,00. A Escola completava então trinta anos de atuação e apresentava ao público elementos
183
novos na interpretação:
Ao encerrar-se uma semana de encenações, o Teatro Imperial apanhou
uma casa lotada para última apresentação da peça SORAYA POSTO
DOIS, a produção da Escola de Teatro Leopoldo Fróes escolhida para
entregar o programa de comemorações do seu 30º aniversário de funda-
ção. (...) Em 1973, embora com somente uma peça produzida, a Escola
de Teatro teve superávit de atores novos, atraídos pelos testes vocacionais,
e por isso um elenco de seis intérpretes pode intercaladamente, apresen-
tar três atores novos, e assim revelou novos talentos que de forma segura
valorizaram as encenações de SORAYA, POSTO DOIS. (Dossiê peça
Soraya, posto dois, 1973).
Soraya, posto 2 se passa dentro da paliçada de uma construção na qual se vão sentindo
pequenas modificações conforme o prédio sobe. Embaixo, os responsáveis pela construção
mostram suas dificuldades em um cotidiano duro e pobre. Neste mesmo lugar – o térreo do
prédio – será no futuro uma loja. Aos operários da obra se juntam um garagista, uma empregada
doméstica nordestina que deseja desfilar em uma escola de samba e uma prostituta caçadora de
turistas. Permeados pelo som e por vozes de prédios vizinhos, vão delineando-se os sonhos dos
personagens com uma vida melhor. Texto bem urdido, em que os personagens falam um português
tacanho e tecem comentários ácidos, porém engraçados, sobre as pessoas mais privilegiadas
socialmente.
Apesar de ter sido escrita por Bloch em 1961, a peça certamente teria boa aceitação nos
dias de hoje, por tratar de aspirações humanas atuais e das questões pertinentes à urbanização e
modernização das cidades.
A intenção de Pedro Bloch, com a comédia Soraya posto 2, parece ser a de mostrar o
espaço urbano e moderno em eterna construção, na qual as pessoas se deparam com o tapume
das edificações, os anúncios de apartamentos à venda, escritórios de incorporações, placas de
vidros, elevadores, persianas, cimento, engenheiro. O tapume esconde muito mais que a
construção, esconde vidas humanas que, quase nunca, vêem o edifício acabado, pois estarão por
detrás de outros tapumes, vivendo outras histórias e outros sonhos. (Texto peça Soraya , posto
dois, 1973).
184
35. Dona patinha vai ser miss (1975)
A peça de teatro para crianças Dona patinha vai ser miss, de Artur Maia, estreou no
Cine-Teatro Imperial, dia 22 de setembro de 1975, permanecendo em cartaz até o dia 25 de
setembro. Os ingressos foram vendidos por Cr$ 7,00 e Cr$ 4,00.
Em comemoração aos seu 32º aniversário, a Escola de Teatro Leopoldo Fróes apresentou
a peça infantil com os seguintes atores: Edna Mey Cardoso, Agláia Philbert Pavani, Rafael
Teodorico, Claudio Jacques, Miklos Schwarcz, Paulo Neron Rodrigues e Horst Lippold. Esta
comédia em dois atos obteve censura livre inclusive para espetáculos noturnos, pelo então Diretor
da DCDP, Rogério Nunes. (Alvará Nº. 243/75, Brasília, válido até 13/06/1980).
Como era hábito, a imprensa local noticiou e elogiou o espetáculo amplamente, mas
privilegiaremos somente um artigo sobre a qualidade da interpretação da Escola: “O público
está indo aos espetáculos numa proporção quase de adultos e crianças, mostrando que o teatro
dessa qualidade é apreciado de forma universal. Dona patinha está, por enquanto batendo recordes
de público.” (Dossiê peça Dona patinha vai ser miss, 1975). Foi a última peça encenada por
Edna Mey Cardoso.
Novamente a ETLF, nessa peça infantil, distribuiu ingressos às crianças que tinham menor
capacidade econômica. Dessa forma, a Rádio Imembuí associou-se à loja Paraíso infantil, na
promoção que daria chance a oitocentas crianças para assistirem ao espetáculo:
Realizou-se domingo, pela manhã, no Cine-Teatro Imperial, uma apre-
sentação da comédia (...) que tanto sucesso tem alcançado. (...) A apre-
sentação do domingo último foi gratuita, para centenas de crianças, numa
iniciativa da Rádio Imembuí, que adquiriu os ingressos correspondentes
a uma lotação do teatro e os distribuiu gratuitamente, com a cooperação
da firma Paraíso Infantil, que co-patrocinou o espetáculo (...). Domingo
próximo, a Escola de Teatro Leopoldo Fróes realizará, no Imperial, mais
uma matinal do seu espetáculo, com o patrocínio da SBOFA. (Dossiê
peça Dona patinha vai ser miss, 1975).
Esta peça já fora apresentada em um festival realizado em São Paulo, o III Festival de
Nacional de Teatro Infantil, em 1976, conforme um jornal local:
185
Retornou a Santa Maria, depois de apresentar-se em Santos, no III Fes-
tival Nacional de Expansão do Teatro Infantil, a Escola de Teatro
Leopoldo Fróes, daquela cidade, sob a direção de Edmundo Cardoso.
(...) A Escola de Teatro de Santa Maria, ao mesmo tempo que levou à
cena, com êxito de freqüência de público e crítica, a peça infantil, fez
uma amostragem de coisas do Rio Grande do Sul, incluindo literatura e
artesanato. (Dossiê peça Dona patinha vai ser miss, 1975).
Da mesma forma que havia ocorrido por ocasião do II Festival de Expansão do Teatro
Infantil em Santos, em 1972, o elenco da ETLF chegou novamente a Santos, em 1976, com
aeronave cedida pela Base Aérea de Santa Maria, conforme carta de EC ao Major Brigadeiro
Gino Franciscutti, comandante do V Comando Aéreo Regional, em Canoas: “A Escola de Teatro
Leopoldo Fróes desta cidade solicita a cessão de uma aeronave de Santa Maria a Santos e retorno,
com a finalidade de atuar, ali, com os seus elencos cênico e técnico, no III Festival Nacional de
Expansão do Teatro Infantil. (CARDOSO, 1976).
A peça infantil de Artur Maia coloca no palco a Patinha, a Marreca, o Macaco, o Coelho
e o Raposo. A partir daí, o enredo se dá em torno da Patinha, que está apaixonada pelo Coelho,
mas sua tia, a Marreca, deseja vê-la casada com o Raposo. Para convencê-la de que o Coelho é
um bom partido, o Macaco faz com que a Patinha se eleja miss, um sonho da Marreca. Peça
exclusivamente de entretenimento, sem o cunho pedagógico presente em outras peças infantis
encenadas. (Texto peça Dona patinha vai ser miss, 1975).
36. Dona maroquinhas fru-fru (1978)
Estreou no Cine-Teatro Imperial dia 04 de outubro de 1978, às 20h30min, a peça de
Maria Clara Machado Dona maroquinhas fru-fru a qual contou com a participação do seguinte
elenco: Dirceu Brum, Nilton Storgatto, Rosane Abelin, Fátima Cecchin, Horst Lippold, José
Medeiros, Vera Villecker, Ana Abelin, Jorge Beduíno Medeiros, Karen Pulino, Carlos Badke,
Edmundo Cardoso e Paulo Neron Rodrigues.
Como de hábito, a Escola de Teatro havia recebido autorização da SBAT para encenar tal
peça: “Atendendo ao seu pedido de informações sobre a peça Maroquinhas fru-fru, vimos declarar
186
que pode ser encenada pelo Teatro Escola.” (BITTENCOURT, Djalma, Rio de Janeiro, 28 mar.
1978).
O certificado de censura livre fora recebido dia 26 de abril de 1978 permanecendo com
validade até o dia 06 de junho de 1979. (Certificado de Censura Federal de Teatro). Última peça
encenada por um dos fundadores da Escola, José Medeiros.
Última peça de Maria Clara Machado a ser encenada pela ETLF, Dona Maroquinhas
fru-fru conta a história de um concurso de bolo, em que o prêmio é um colar de pérolas. Parte
das pessoas que compõem o juri estão mais interessadas no próprio colar, enquanto as concorrentes
estão preocupadas mesmo é em ganhar o concurso e deter a melhor receita de bolo. Mentiras e
interesses vão se desvendando à medida que todos os envolvidos resolvem roubar o colar ou a
receita da ganhadora do concurso, Dona Maroquinhas. Como de hábito nos textos de M. C.
Machado, são os diálogos que prendem à atenção das crianças com uma trama simples, mas
delicada. (Texto peça Dona Maroquinhas fru-fru, 1978).
37. Joãozinho anda pra trás (1983)
Comédia infantil de dois atos, Joãozinho anda pra trás estreou no Clube Caixeiral
Santamariense, dia 13 de novembro de 1983, às 20h30min. Compuseram o elenco os atores
Juarez Silva, Geolar Badke, Dirceu Brum, Jeci Ritter, Ewerton de Oliveira, Paulo Neron
Rodrigues, Julio Vernei Dorneles e Leda Rechia. Censura: Livre para espetáculos noturnos.
Preços: Cr$ 500,00 e Cr$ 300,00. A SBAT autorizou o espetáculo teatral Joãozinho anda pra
trás, original de Lucia Benedetti, em 06 de outubro de 1983. (Figura 37).
Como o local onde a ETLF sempre havia encenado seus espetáculos – O Cine-Teatro
Imperial - havia fechado em 1979, Edmundo Cardoso enviou carta solicitando o Salão de Festas
do Clube Caixeiral Santamariense, ao que o Clube lhe respondeu dizendo ter sido “aprovada a
solicitação na última reunião da Diretoria.” (LEMOS, 1983). Entretanto, o Clube também alerta
para o “ressarcimento de despesa quanto ao uso de dependências da entidade.”
187
A carta de Antônio C. Freitas Lemos, então presidente do Clube Caixeiral Santamariense
contradiz o depoimento de Jorge Beduino Ramos Medeirtos (2003), sobre a cessão das
dependências do Clube para os ensaios: “O Clube Caixeiral sempre franqueou seus salões para
os ensaios e a ETLF deve horrores a ele. Nunca nos cobrou luz e nós ensaiávamos de segunda à
sexta-feira.” De fato, o Clube Caixeiral emprestava suas dependências somente para os ensaios
da ETLF, não para as encenações em si, que exigiam do mesmo um comprometimento maior,
inclusive porque receberia um público para o espetáculo, coisa que não ocorria nos ensaios.
Edmundo também recebeu do Juizado de Menores “autorização para permitir a entrada
e permanência de menores de idade no período de 13 de novembro, estendendo-se até 20 do
mesmo mês no palco do Clube Caixeiral Santa Mariense.” (MENEZES, Mauro Régis, Santa
Maria, 24 out.1983).
A imprensa local noticiou o retorno da Escola, após quatro anos sem apresentar nenhum
espetáculo, de forma contraditória. Em um artigo se lê: “O elenco dessa hilariante peça infantil
traz de volta os já conhecidos e aplaudidos atores da Escola.” Em outro: “Com Joãozinho anda
pra trás, a Escola volta aos palcos depois de algum tempo de ausência. Na peça 50 por cento
dos atores são estreantes.”(Dossiê peça Joãozinho anda pra trás, 1983).
Figura 37: Encenação da peça Joãozinho anda pra trás. Atores:
Lêda Rechia, Geolar Badke, Everton de Oliveira, Paulo Neron
Rodrigues, Dirceu Brum, Juarez Silva e Julio Vernei Dorneles.
(1983).
Fonte: Acervo particular EC.
188
Alguns atores de fato já eram conhecidos da platéia que assistia aos espetáculos da Escola
de Teatro, como os atores Geolar Badke, Dirceu Brum, Paulo Neron Rodrigues e Leda Rechia.
Os novos integrantes que o segundo artigo referia como 50 % do elenco eram os atores Juarez
Silva, Jeci Ritter, Ewerton de Oliveira e Julio Vernei Dorneles.
Três atores de significativa expressão já não faziam mais parte do antigo elenco, como
João Teixeira Porto, que encenou sua última peça, Feitiço, em 1977, Edna Mey Cardoso havia
falecido em 1979 e José Medeiros, que participara de Maroquinhas fru-fru em 1978, havia
falecido em 1981.
A peça infantil de Lúcia Benedetti conta a história de um rei chamado Joãozinho, que
após uma grave enfermidade, acorda andando para trás e pensa que isto é normal. Ninguém o
contradiz para não exasperá-lo, até que aparece um sapateiro que resolve desmarcarar o
conselheiro do rei e salvar-lhe o trono. Texto curto e simples, sem o cunho pedagógico constante
nas peças infantis de Maria Clara Machada, também encenadas pela ETLF. (Texto peça Joãozinho
anda pra trás, 1983).
Foi a primeira e última peça para os novos atores da Escola de Teatro, uma vez que
Joãozinho anda pra trás foi o último espetáculo levado pela ETFL. Cortinas se fecharam... ou
se abriram?
Foram encenadas 40 peças ao longo dos 40 anos de existência da Escola de Teatro
Leopoldo Fróes. Entre 1943 e 1952, há uma média de encenação de duas peças ao ano.
Praticamente durante todo este período o repertório era constituído de comédias leves, já
conhecidas pelo sucesso no centro do país. Provavelmente isto constituía uma marca de
Setembrino Souza, um dos sócios fundadores, que vinha do teatro profissional e priorizava
textos populares com cenários já elaborados, que possibilitavam uma recriação, quando não
cópia do que vinha sendo levado em São Paulo e Rio de Janeiro.
A partir de 1952, ocorre uma mudança para enfatizar autores com maior valor cultural,
como é o caso de Espectros, de Ibsen, A raposa e as uvas, de Guilherme de Figueiredo e até
mesmo Prietsley, com Curvas Perigosas e Está lá fora um inspetor. Este repertório mais cuidado
vai até A falecida, de Nelson Rodrigues, levada em 1967, que exigiu uma concepção de espetáculo
diferente daquele desensolvido até então.
Em 1969 também temos duas peças não convencionais, Pic nic no front e A história do
189
zoológico, de Arrabal e Albee, respectivamente. A partir dessa data, notamos o predomínio de
peças infantis, especialmente as de Maria Clara Machado.
Dito isso, afirmamos portanto, que em 40 anos a ETLF não se pautou por uma orientação
estética única, experimentando várias formas de espetáculo: a comédia, o drama, a sátira, o
sacro, o teatro de costumes e o infantil.
Como podemos observar, o elenco manteve-se coeso em grande parte do período em que
a Escola atuou. Entendemos que esta união dos atores e técnicos se devia em grande parte à
capacidade de aglutinar pessoas em favor de um ideal, presente em Edmundo Cardoso e também
ao diletantismo e perseverança de Edna Mey Cardoso.
Em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, onde as opções de lazer e cultura não
eram das mais variadas, como vimos nos capítulos anteriores, o papel da ETLF, sua persistência
em torno do teatro, sua insistência em construir uma casa de espetáculos, são sinais de que a
inquietação da modernidade estava presente entre seus habitantes. Além dos quartéis, da ferrovia
e da universo escolar, a ETLF representava o esforço de redimensionar, revitalizar e impulsionar
o mundo provinciano de Santa Maria.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em Santa Maria, a chegada da estrada de ferro, em 1885, esteve diretamente ligada ao
processo de modernização e urbanização da cidade e da vida cultural. A estrutura urbana melhorou
e a aspiração por um maior grau de civilidade tornou-se preocupação para a população. Tornar
o centro da cidade um espaço moderno era o grande objetivo na época, como ocorria nos demais
centros urbanos do país e do mundo. Como em muitas cidades onde a modernização foi
impulsionada pela chegada da ferrovia, a sociedade santa-mariense vivia o processo modernizante
com certo encantamento e como algo salutar.
A dinâmica social e cultural da cidade sofreu alterações ao longo do século XX, na
mesma medida em que as possibilidades de uma vida econômica mais ativa se acentuavam.
Surgiram diversos locais capazes de proporcionar lazer e entretenimento, da mesma forma que
esforços variados propondo a criação de espaços para o circuito das artes, não só do teatro e do
cinema, mas também de outros modelos de fruição de sociabilidade, como os cafés e os cineclubes.
Durante o período abordado – 1943-1983 – o âmbito das artes em Santa Maria apresentava
certa dicotomia entre teatro e cinema. O teatro permanecia em uma órbita semi-profissional
com o predomínio de grupos amadores, enquanto o cinema ganhava uma dimensão mais
comercial, devido ao fato de se tratar da distribuição de um produto industrial. Podemos afirmar
que a platéia era basicamente a mesma, mas havia distinções. No caso do teatro apostava-se em
um público de gosto refinado, o qual, com o entretenimento, pretendia também o aprimoramento
da sensibilidade. No caso do cinema, a abrangência do público era mais ampla. Além das pessoas
de maior requinte cultural, o cinema também atraía o público que buscava somente a diversão.
Sabe-se que pelas formas de divulgação e acesso, a dimensão industrial do cinema torna a sétima
arte com melhores condições de alcançar amplas platéias. O que identificamos em Santa Maria,
durante o período trabalhado, foi um certo confronto entre estas duas linguagens artísticas.
As formas de entretenimento foram se adequando às condições vigentes e, assim surgiram
191
salas e prédios que puderam proporcionar à sociedade acesso a algumas manifestações no campo
dos espetáculos. Por volta de 1890, houve a criação do Theatro Treze de Maio e, em 1911, a
criação do Cine-Teatro Coliseu Santamariense. Pouco depois o Treze de Maio encerrou suas
atividades e o Coliseu tornou-se a mais importante casa de espetáculos da cidade. Em 1922, foi
inaugurado o Cine-Teatro Independência, na Praça Saldanha Marinho e, em 1938, a empresa
Varella instalou um salão no edifício do Clube Caixeiral, o chamado Cinema Odeon. Em 1935,
surgiu o Cine-Teatro Imperial, na segunda quadra da Rua Dr. Bozano, com um palco bem
estruturado, no qual passou a funcionar a Escola de Teatro Leopoldo Fróes, desde sua fundação,
em 1943, embora a Escola tenha encenado também em outros palcos. Nesta mesma década, o
Cine-Teatro Coliseu foi demolido, dando lugar, em 1959, ao Cine-Teatro Glória.
Com este breve apanhado indicamos que as casas de espetáculos – especialmente aquelas
capazes de comportar apresentações teatrais – nunca foram em grande número na cidade. O
cinema encontrava salas para ser exibido, enquanto o teatro – exigindo outra estrutura – não
tinha uma casa especificamente para isto. Como evidenciaram os depoimentos dos integrantes
da ETLF, as encenações teatrais (e mesmo os ensaios) disputavam os horários com as sessões de
cinema, sendo a preferência dada para essas últimas.
Assim, a cidade de Santa Maria, com uma série de salas de espetáculos – para exibição
cinematográfica e encenações teatrais – a maioria delas próximas à Praça Saldanha Marinho ou
à Avenida Rio Branco, abrigou essa inquietação cultural. Ocorreram várias experiências de
outras salas, como os cineclubes, mas foram as casas citadas que dominaram a cena. O espaço
geográfico do centro da cidade foi a área que abrigou as atividades culturais que constituíram o
foco desta pesquisa.
Hoje permanece ativo um único teatro, o Treze de Maio, reinaugurado em 1996, com
apresentações de peças de grupos da cidade e grupos vindos de fora, inclusive do centro do
país. A vida intensa em torno das salas dos cine-teatros parece ter ocorrido até a década de 80.
A partir daí, a freqüência do público diminuiu. Os chamados cinemas de calçada ou cinemas de
rua (os cinemas existentes até então) desapareceram e se instalaram novas salas de projeção
cinematográfica dentro dos shoppings centers, todas elas com capacidade para uma média de
cem espectadores.
192
Alguma coisa mudou na prática de ir ao cinema e ao teatro na cidade. A época de ouro
das práticas culturais coletivas em Santa Maria parece ter mudado de foco na década de 1980.
Essas práticas se deslocaram para interesses mais ligados ao entretenimento ou a formas de
lazer de usufruto privado. Até os anos 80, o lazer público – o dos espetáculos compartilhados
em grandes salas – propiciava diferentes situações de sociabilidade. Agora, cada vez mais restrito
aos muros e às grades, o indivíduo urbano procura a diversão dentro de casa e limita suas
formas de convívio, muitas vezes, aos meios de comunicação on line. O cinema, em um certo
sentido, adquiriu um estatuto industrial por vezes efêmero e o teatro permaneceu como alternativa
eventual, mesmo havendo uma escola de arte dramática na Universidade Federal de Santa Maria.
Isso posto, leva-nos ao questionamento se a era da televisão, dos canais de filmes da TV
a cabo, das fitas de videocassete e da expansão dos DVDs esteja encerrando a prática tão comum
e até glamourosa de ir às salas de espetáculos. Na verdade, o que temos, no momento, é o
surgimento de novas formas de fruição das narrativas visuais. Hoje, elas ocorrem, muitas vezes,
nos espaços privados e não mais coletivamente, como foram para nossos avós, nossos pais e até
mesmo para nós, na infância e na juventude.
Essas considerações resultam da nossa forma de pensar e sentir a sociedade e a cultura
contemporâneas. Todavia, quando nos dispomos a pesquisar algo que, de alguma forma, está
ligado a nós, temos que, primeiramente, entender que a escritura originada da pesquisa não
pode ter a pretensão da imparcialidade. Ao contrário, o resultado dessa apresentação do tema,
que desde o início não se propôs a apresentar conclusões, mas, sim, a exibir cenários, personagens
e tramas, não escapa da subjetividade pertinente ao pesquisador do presente.
O que constatamos então, é um cenário por vezes fantasmagórico, povoado de
personagens fascinantes, desenvolvendo tramas arrebatadoras, que acabam revestindo-se da
forma mais elevada da vida, isto é, aquela que procura criar alguma coisa além do mundo
concreto e material.
Santa Maria, uma cidade interiorana sul-rio-grandense, marcada pela imensidão dos
campos de criação de gado, pelas lavouras da área colonial, impulsionada pelo movimento da
estrada de ferro, pela dinâmica dos quartéis, do comércio e da universidade, não foi retratada
nos palcos da ETLF. Embora a Escola tenha tentado se deslocar de uma estética que privilegiava
193
a encenação do living da classe média para uma estética de maior densidade emocional, como é
o caso da representação de A falecida, em 1967, não transferiu seu foco para ir ao encontro de
outros segmentos sociais que também compunham a sociedade de então, como o ferroviário, o
estudante, o comerciário. Igualmente, não seguiu a tendência de crítica à nova conjuntura política
e econômica após os anos de 1960.
A ETLF continuou produzindo teatro para um segmento social específico. Isso significa
dizer, que o público leal à Escola de Teatro não era o mesmo que se fazia presente nos palcos do
TUI e do TUSM. São platéias distintas, com interesses estéticos diversos. Ou seja, o TUI e o
TUSM, surgidos na década de 1960, e encenando peças como Ele não usam black-tie, atendiam
às necessidades dos estudantes universitários preocupados com discussões a respeito da Ditadura
Militar recém-implantada e às mobilizações políticas de cunho socializante. Tratava-se portanto,
de outra proposta reflexiva a respeito da sociedade de então.
A Escola de Teatro Leopoldo Fróes foi criada em 1943, por um grupo de pessoas já
ligado aos trabalhos da ribalta e manteve, até 1983, contatos e correspondência constantes com
instituições como a SBAT, a SBOFA, o SESC, a UFSM, a Brigada Militar, os colégios públicos,
os privados, com autores de teatro como Aurélio Ferretti, Joracy Camargo e Guilherme de
Figueiredo, e os atores Procópio Ferreira, Tônia Carrero e Maria Della Costa.
A criação e desenvolvimento da Escola de Teatro somente foram possíveis graças aos
diálogos urdidos por ela mesma com elementos que compunham um segmento da sociedade
local, como inúmeros órgãos e instituições da cidade e com personalidades brasileiras ou
estrangeiras. Isso porque, para criar e manter uma escola de teatro amador no interior do Rio
Grande do Sul, fora do eixo cultural do Estado e do país, seus idealizadores necessitavam efetivar
parcerias temporárias com empresas/empresários locais. Com o passar dos anos, essas parcerias
foram se modificando, criando uma dinâmica singular, delimitada pela própria especificidade
do contexto econômico da cidade.
Dessa forma, percebemos que até a década de 1960, algumas empresas locais permitiram
a execução dos cenários criados pela ETLF, como a Casa Allagio, Casa Binato, Casa Lang,
Casas Roth, A Facilitadora e demais lojas da cidade. A Escola de Artes e Ofícios também prestou
serviços à Escola, compondo cenários, principalmente através de Mestre Romano. A partir dos
194
anos 60, apontamos colaboradores como Seligman Móveis, Trevilar e Planalto Transportes
Ltda, ainda que alguns dos antigos apoiadores permanecessem ativos. Além do apoio de pessoas
jurídicas, a Escola de Teatro também contava com a ajuda financeira de Salvador Isaia e Joaquim
C. Pinto, dentre outros.
Dialogando com as tendências do público santa-mariense, a ETLF foi se desenvolvendo.
Havia um setor da sociedade interessado nas atividades teatrais e foi com essa camada
sociocultural que a Escola formaria parcerias. Era um grupo social que expressava interesse na
modernidade – estava vinculado à modernização da cidade – e teria nas encenações da ETLF
um espaço social e uma representação artística para suas demandas culturais.
Embora o grupo pretendesse durante toda a existência da Escola, construir sua sede
própria – o seu palco - esse sonho não foi realizado. Em parte porque, para isso, necessitava de
verbas públicas, e, mesmo que as tivesse conseguido, era difícil que somassem o valor necessário
para a empreitada do teatro próprio. Por outro lado, a Escola de Teatro não buscou a
profissionalização, pois essa não era sua proposta, e passou a manter poucas possibilidades de
viabilizar financeiramente o projeto a que se propôs: o teatro exclusivamente de cunho amador.
O terreno doado pela Prefeitura Municipal à ETLF, em 1953, foi devolvido ao poder
público em 2001 e, com este ato, real e simbólico, desfizeram-se os sonhos e as expectativas
dos remanescentes do grupo, que assinaram o documento de retorno do imóvel ao órgão
municipal competente. Todavia, continua viva em suas memórias como seria esta casa de
espetáculos com as instalações para o público em torno de 800 lugares; os camarins com espelhos
e iluminação apropriados para a maquilagem; os camarotes, dos quais visualizariam as famílias
proeminentes da sociedade local; os cenários em que os elementos cor e luz criariam a atmosfera
teatral; os ruidosos bastidores, onde poderiam transitar durante as entradas e saídas de cena e,
finalmente, o palco grande, no qual, sempre pensaram um dia encenar seus espetáculos.
Com ou sem seu sonhado teatro, os artistas amadores da ETLF encenaram seus espetáculos
por quarenta anos. A agremiação teve suas crises, houve mudança de rumos no repertório a ser
encenado, mas a maioria dos atores se manteve unida ao longo desse período. Por isso, os
depoimentos hoje, convergem para dois pontos: a liderança de Edmundo Cardoso e a vitalidade
de Edna Mey Cardoso.
195
Os atores, atrizes e equipe técnica, acima de tudo, respeitavam enormemente EC, cresciam
com o seu conhecimento, alimentavam-se da sua energia e idealismo. Todos apontam também,
para a figura entusiástica, conciliadora e criativa de Edna Mey. Essa mulher serena e reconfortante,
que, mesmo em circunstâncias de pressão ou controvérsia, mantinha a calma, era incansável na
criação e execução dos figurinos e na confecção dos panos das cortinas, além de haver encenado
quase todas as peças, desde a fundação da Escola, em 1943, até sua morte, em 1979. Não por
acaso, após seu falecimento, a ETLF permaneceu quatro anos sem levar nenhuma peça, retornando
aos palcos somente em 1983, para encenar seu último espetáculo, o texto infantil, Joãozinho
anda pra trás.
Os quarenta anos da ETLF constituíram-se de um número variado de espetáculos, contando
com os dramas, as comédias, a farsa, a sátira, o sacro, o teatro de costumes e o infantil. A
princípio, a Escola de Teatro optou pela encenação de textos consagrados no centro do país,
como Pense alto e Deus lhe pague. Logo depois, passou a levar peças que exigiam maior apuro
técnico e melhor preparação dos atores, como Curvas perigosas e Delito na Ilha das Cabras.
No final, passou a se dedicar ao público infantil, tipo de repertório levado em suas três últimas
peças, Dona patinha vai ser miss, Dona Maroquinhas fru-fru e Joãozinho anda pra trás .
A Escola de Teatro Leopoldo Fróes encarava os desafios – como o de deixar de ser um
grupo teatral com repertório apenas voltado ao entretenimento – e ousava experimentar. Havia
uma inquietação em relação à linguagem tradicional do teatro, dominante até o final da década
de 1940. Predominava o gênero leve e o drama linear. No entanto, houve projetos mais arrojados.
A peça de Ibsen, Espectros, vai ser um desses momentos. Mais tarde, com A história do Jardim
Zoológico e Pic nic no front, teremos novas experiências. Com A falecida, talvez uma das
encenações mais audazes, rompia com o investimento cênico – a construção meticulosa de
cenários – que caracterizou o trabalho da ETLF desde o início.
Pic nic no front e A história do zoológico são peças que revelam certo investimento em
uma dramaturgia de maior peso cultural, expressando a angústia dos tempos do pós-Segunda
Guerra. Arrabal, autor de Pic nic, era um representante do teatro do absurdo, assim como Albee
que, devido ao clima de angústia representado, filiou-se à mesma tendência estética. Podemos
dizer que a escolha dessas peças apontava para uma ETLF menos preocupada com o
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entretenimento e mais voltada para as tendências sérias do teatro contemporâneo. Era uma
tentativa da Escola com novas orientações estéticas. Entretanto, outros grupos teatrais, durante
os anos 60 e 70, incorporaram as novas tendências e os novos rumos políticos da época. É o caso
das agremiações vinculadas às organizações universitárias. Havia novas demandas artísticas e o
circuito das artes santa-marienses (restrito quanto a casas de espetáculos e quanto ao público)
não favorecia o convívio de vários grupos teatrais.
As linhas gerais da trama encenada pelos nossos personagens – os artistas amadores da
ETLF – delineiam-se dessa maneira. Os integrantes da Escola incorporaram as inquietações do
teatro brasileiro e as vivenciaram ao seu modo, sob a batuta de seu mestre-diretor Edmundo
Cardoso. Tentaram compreender as necessidades que as populações urbanas letradas tinham
em relação à arte dramática, trazendo essas inquietações para os palcos da cidade. Como não
havia linearidade na escolha do repertório, isso demonstra as tentativas da Escola em se enquadrar
em uma estética menos conservadora e mais vanguardista em alguns momentos, e o caminho
inverso em outras ocasiões.
Como bem aponta Anatol Rosenfeld (1993), o fenômeno básico do teatro é a representação.
O ator se transforma em personagem, incorpora outros gestos e falas e utiliza seu corpo e sua
voz – elementos da sua realidade corpórea – para revelar um mundo irreal. O ator se transforma
em um outro que se projeta em uma dimensão irreal. Atores, em uma peça de teatro, realizam
um processo de metamorfose e promovem um ato que é único em sua manifestação – o tempo da
encenação – e que desaparece quando se fecham as cortinas.
Em uma dimensão mais ampla – para além da ribalta – atores/artistas interpretam também
um drama social que vai além de suas vidas individuais. Eles encarnam – incorporam em seus
gestos e falas – inquietações que pertencem à coletividade. Eles encenam as misérias e grandezas
de uma sociedade (ou de parte dela), os modelos sociais que essas sociedades almejam, as idéias
que elas têm a respeito de si próprias. Encenando dramas e comédias que tinham como cenário
o living da casa de classe média, a ETLF criou o espelho para a sociedade local se refletir, rir e
pensar a respeito de si mesma. Em um certo sentido, a ETLF construiu uma auto-representação
e buscou a própria superação daquilo que incomodava ou precisava ser transformado. Seus
integrantes pertenciam à sociedade de escol e articulavam-se organicamente com uma parcela
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da classe média local, expressando seus ideais e sensibilidades. Dessa maneira, deram corpo –
expressão artística – para essas inquietações.
Entendemos que é esta a grandeza da arte. Entendemos também que é neste sentido que
devemos ver os amantes da ribalta da ETLF. Eles tentaram, durante todo o tempo, estar vinculados
à vida teatral brasileira e expressaram-se na sua linguagem. Eles atuavam em uma cidade do
interior do Rio Grande do Sul impulsionada no final dos oitocentos pela ferrovia, e em meados
dos novecentos, pelo caráter de cidade universitária. Eles encarnavam ideais de modernização
e não mediam esforços para que seus sonhos de grandeza – que não eram apenas seus – fossem
concretizados no palco.
Foi esta a trama que eles viveram nos próprios corpos, que eles escreveram ao atuarem
nos palcos, que eles escrevem ainda hoje, com seus gestos e falas nos depoimentos que colhemos.
Foram esses os signos que pretendemos apresentar e entender. Essas figuras foram os nossos
personagens e a trama que desenvolveram foi a da criação e manutenção da Escola de Teatro
Leopoldo Fróes em palcos sempre improvisados. Pelos depoimentos de Geolar Badke, J. T.
Porto, Jorge Beduíno, Dalton Couto e Bráulio Souza, e da documentação pesquisada, o espetáculo
continua. Portanto, as cortinas ainda não se fecharam.
Mesmo que o cenário que havia possibilitado as atuações da ribalta da ETLF tenha
deslocado sua direção para outras práticas culturais e aspirações estéticas, e a trama urdida
tenha chegado ao seu fechamento de boca de cena no início dos anos de 1980, seus/nossos
personagens continuam correndo sobre os trilhos da cortina. Por meio de suas memórias, foram
abrindo-se em movimentos às vezes laterais, outras vezes em movimentos diagonais e, tal como
a função da cortina em uma encenação de teatro, revelaram os inúmeros cenários de seus
espetáculos.
O cenário de cor e luz (ou a ausência de ambos), que aqui apresentamos, também foi
possível pela memória deixada por aqueles que escreveram, enquanto viviam, esta trama, ainda
que suas vozes não possam mais ser ouvidas. Se as cortinas continuam abrindo-se, é porque
ainda existe platéia. Nos tempos de ETLF, sua platéia os aplaudia após suas encenações. Hoje,
a platéia se constitui de quem se dispõe a pesquisar e a escrever e de quem se predispõe a ler o
que foi levantado. Mesmo que (re)configurado, o espetáculo continua. O resgate da ETLF –
objetivo maior desta pesquisa – é a concretização de que esta peça ainda está em cartaz.
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Certidão. 1º Tabelionato. Jayme Garcia. Santa Maria, 1970.
Direitos de Representação, SBAT, Nº 203285, Rio de Janeiro.
Dossiês das peças encenadas. Acervo particular EC. Santa Maria, 1943 a 1983.
Estatutos da Escola de Teatro Leopoldo Fróes. Acervo particular EC. Santa Maria, 1953, p. 1- 8.
Folhetos Publicitários. Acervo particular EC. Santa Maria, 1943 a 1983.
Libretos das peças encenadas. Acervo particular EC. Santa Maria, 1943 a 1983.
Livro Tombo da Catedral de Santa Maria, Cúria de Santa Maria, 1889 a 1914.
Recibo de numerário. Edmundo Cardoso e Walter Lippold. Acervo particular EC. Santa Maria,
s/d.
Textos das peças encenadas pela ETLF. Acervo particular EC. Santa Maria, 1931 a 1983.
209
CORRESPONDÊNCIAS
BITTENCOURT, Djalma. Carta a Edmundo Cardoso. Rio de Janeiro, 28 mar. 1978.
CARDOSO, Edmundo. Carta ao Reitor da UFSM. Santa Maria, 20 jan. 1968.
_____. Carta ao Teatro Leopoldina. Santa Maria, 06 jun. 1968.
_____. Carta ao SESC. 20 jun. 1968.
_____. Carta à Djalma Bittencourt. Santa Maria, 05 abr. 1968.
_____. Carta ao Departamento de Censura. Santa Maria, 12 abr.1968.
_____. Carta ao Clube Caixeiral Santamariense. Santa Maria, 02 jan.1969.
_____. Carta ao Adido cultural dos Estados Unidos em Porto Alegre. Santa Maria, 05
dez.1969.
_____. Carta ao Diretor de Censura e Diversões Públicas de Brasília. Santa Maria, 19 abr.
1971.
_____. Carta à Base Aérea de Santa Maria. Santa Maria,15 set. 1971.
_____. Carta à Diretoria da União dos Funcionários Municipais de Santa Maria e Rio
Grande do Sul. Santa Maria, 21 set.1971.
_____. Carta à SBOFA. Santa Maria, 25 out. 1971.
_____. Carta ao Juiz de Menores de Santa Maria. Santa Maria, 8 set. 1971.
_____. Carta ao V Comando Aéreo Regional, em Canoas. Santa Maria, 3 abr. 1976. Carta.
Rio de Janeiro, 12 abr.1983.
BITTENCOURT, Djalma. Carta a Edmundo Cardoso. Rio de Janeiro, 10 abr. 1980.
FERRETTI, Aurélio. Carta a Edmundo Cardoso. Buenos Aires, out. 1952.
GOMES, Cleber. Carta a Edmundo Cardoso. Santa Maria, 10 set. 1971.
LEMOS, Antônio C. Freitas. Carta a Edmundo Cardoso. Santa Maria, 04 out. 1983.
MENEZES, Mauro Régis. Carta a Edmundo Cardoso. Santa Maria, 24 out.1983.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - Departamento de Polícia Federal. Carta a Edmundo Cardoso.
14 out. 1970.
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