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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13
CAPÍTULO 1: DESCAMINHOS DO REGIME....................................................................31
I
- O Acolhimento da Excepcionalidade e as Contradições Pós-64.............................46
II
- Conflitos Após o Refinamento do Estado..............................................................54
III - A Percepção da Crise do Estado...........................................................................57
IV
- Caracterizando a Dupla Fuga - Democracia a Pulso.............................................60
V -
A Construção do Ordenamento Democrático.........................................................86
CAPÍTULO 2:
A CRISE DO ESTADO.................................................................................91
I -
Condicionantes da Mudança....................................................................................94
II - Legitimidade e Transição.....................................................................................100
III -
A Crise do Estado e a Construção do Novo Ordenamento Político....................107
IV -
A Refundação da Transição: As Interpretações do Projeto e Processo
Distencionista..............................................................................................................117
V - Prenúncio dos Novos Tempos..............................................................................140
VI -
Condicionantes da Redefinição do Estado..........................................................147
CAPÍTULO 3:
A FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES POLÍTICAS E AS
PECULIARIDADES DA CENA POLÍTICA SUL-RIO-GRANDENSE..............................155
I
- A Flexibilização das Relações Políticas.................................................................161
II - A Descentralização de Poder Como Pressuposto Para a Reestatização das Relações
Sociais..........................................................................................................173
III
- As Peculiaridades da Política Gaúcha.................................................................180
IV
- O Parlamento Gaúcho: Conflitos na Estruturação do Novo
Ordenamento Político.................................................................................................193
V
- O Discurso............................................................................................................211
CAPÍTULO 4:
O PARLAMENTO GAÚCHO EM TEMPOS DE FLEXIBILIZAÇÃO.....220
I
- 8ª/44ª Legislatura (29/01/75-jan.79): O Tempo da Dupla Fuga............................257
CAPÍTULO 5: OS AVANÇOS E RETROCESSOS DA FLEXIBILIZAÇÃO
DAS RELAÇÕES POLÍTICAS..............................................................................................316
I
- O Receio É A Dúvida Com Temor........................................................................338
II - O Significado do “Pacote das Reformas”.............................................................372
CAPÍTULO 6:
O COROAMENTO DA REDEFINIÇÃO DO ESTADO EM CINCO
ATOS......................................................................................................................................385
I
– ATO 1: A Lei da Anistia – Institucionalização da “Pacificação da Família
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Brasileira”...................................................................................................................399
II
– ATO II: Reforma Partidária – Reinstitucionalização e Atomização Política.......405
III
– ATO III: A Resistência Doméstica de Poder.......................................................439
IV
– ATO IV: As Eleições Gerais de 1982..................................................................447
V
– ATO V: A Conciliação Pela Transição e a Transição Pela Conciliação
- Do Bom Senso ao Senso Comum.............................................................................462
CONCLUSÃO
.......................................................................................................................482
BIBLIOGRAFIA
...................................................................................................................496
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33
RESUMO
Desde sua instauração em 1964, o regime autoritário brasileiro baseou sua permanência no poder
na manutenção de dois ordenamentos distintos: a manutenção da ordem liberal-democrática anterior à
intervenção (definidas constitucionalmente) e outra, oriunda da própria intervenção no processo político,
a de exceção (autoritária). Esta dualidade de ordenamentos garantiu a manutenção da base de sustentação
do grupo que ascendeu ao poder e, com os recursos do arbítrio, impôs a previsibilidade política necessária
na aplicação de um determinado projeto histórico. Contudo, definiu a constante instabilidade do regime.
No momento em que a intervenção foi definida como permanente, com a adoção do Ato
Institucional nº 5 em 1968, o bloco dirigente suspendeu a dualidade de ordenamentos em nome da
militarização dos centros decisórios de poder: o regime assumia a explícita face de uma ditadura militar.
Este é o chamado processo de refinamento do Estado.
Contudo, o regime de exceção brasileiro não reunia condições de se prolongar no tempo a não
ser pela implementação de um conjunto de mudanças que, ao fim, alterariam sua forma original.
Em grande parte, a necessidade da aplicação destas mudanças atendeu às imposições do processo
de “dupla-fuga”, ou seja, a insubordinação como seqüela do projeto implementado desde 1964 e,
simbolizando a crise do regime, a fuga desta insubordinação por parte de setores fundamentais no pacto
de dominação.
Na impossibilidade do regime se manter, setores do bloco dominante passaram a aplicar a
política de flexibilização das relações como forma de reestatizar o dissenso. A partir de então se definia o
processo de redefinição do Estado. Nestes termos foi construída a “transição política” no Brasil, cujo
corte temporal inicial identifica-se ao início da administração do presidente Ernesto Geisel em 1974 e seu
marco final, para as questões propostas neste trabalho, a concretização da circulação do poder com a
vitória da candidatura de oposição na disputa pela presidência da República em 1984.
O conteúdo deste trabalho busca analisar a dinâmica política deste processo observando as
relações nas instâncias de representação política institucionais (o parlamento).
Especificamente, dedica-se à análise das contradições do processo de transição e a confrontação
destas com as peças oratórias produzidas na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Para tal tarefa, são discutidas determinadas peculiaridades da formação política do estado
gaúcho, entre tantas, sua relação de oposição ao poder central, sua vinculação à política platina e a
partidarização das opções políticas. Estas questões são confrontadas com cinco momentos compreendidos
como crucias na transformação do Estado brasileiro: a lei da Anistia, a Reforma Partidária, as ações de
organizações clandestinas vinculadas aos centros de poder, as eleições de 1982 e a derrota da emenda
constitucional “Dante de Oliveira” a qual propunha eleições diretas para presidente.
34
INTRODUÇÃO
Esta tese versa sobre a transformação derradeira do regime político instaurado em 1964 no
Brasil, conceituada habitualmente como “transição”, a qual ensejou a reorganização do poder pactuada
entre um restrito grupo de forças políticas.
A hipótese central de trabalho, presente nos sucessivos capítulos, vislumbra a redefinição do
Estado, problematizada a partir do movimento das instâncias de representação política formais (o
parlamento), especificamente, das peças oratórias produzidas nestas (discursos), enquanto representação
do real.
Portanto, o objetivo prioritário desta tese, bem como sua opção teórica, esteve em estabelecer a
conexão entre o processo de mudança de ordenamento político (a transição propriamente) e a redefinição
do Estado. Compondo tal objetivo, esta pesquisa se concentrou na análise dos movimentos político-
institucionais do Rio Grande de Sul, ponderando as especificidades da formação política do estado em
relação à dinâmica de mudanças deste período. Desta forma, o estudo está concentrado em dois níveis:
um geral - o projeto e o processo em si - e outro específico - a forma como estes foram apreendidos e
ressignificados no parlamento sul-rio-grandense.
Para tal empreitada, esta pesquisa pautou-se por documentos que, mesmo não sendo inéditos,
foram sistematicamente preteridos nas análises sobre a questão do trânsito entre o ordenamento
autoritário e a situação democrática: as manifestações das instâncias de representação política reunidas
nos Diários e Anais das Sessões da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, no período
compreendido entre os anos de 1974 e 1984.
1
Para ser justo. Tal desconsideração por este tipo de material é tributária de dois impulsos
limitadores básicos: um primeiro, por freqüentemente ser identificada uma possível inocuidade do Poder
Legislativo, quando inserido em regimes pautados pela excepcionalidade e pela concentração de poderes
no Executivo. Sob esta ótica, os debates parlamentares resignavam-se com a ausência de qualquer
contribuição nas definições políticas do regime. Isso se baseia no fato de que durante o processo aqui
compreendido, a militarização dos centros decisórios de poder segregou qualquer possibilidade de
participação nas decisões do Estado.
Inclinando-se sobre estas reservas, esta tese também procurará comprovar que as peculiaridades
do regime instaurado em 1964 acabaram por definir no Parlamento o fiel da balança no processo de
redefinição do Estado autoritário.
2
Um segundo obstáculo reside nas veementes indisposições quanto à interpretação da história
recente a qual, certamente, não é tarefa sem riscos. Intriga e ao mesmo tempo, afasta os historiadores em
virtude da proximidade dos acontecimentos, dos possíveis envolvimentos que atentariam contra a
objetividade científica da pesquisa. Por certo, a confusão entre denúncia e explicação, relato e
interpretação, encontram terreno fértil nos processos políticos recentes; contudo, a escrita da história, em
qualquer época, sofre os condicionantes de seu tempo, o que não anula o fato da necessidade do
preenchimento das lacunas na história política do país.
3
1
Como lembrara Schaff: tomamos o facto histórico como ponto de partida das nossas análises sobre a
objectividade da verdade histórica, porque se admite geralmente que as divergências surgem entre os
historiadores no momento em que estes passam à interpretação dos factos, enquanto que a sua
acumulação, se se supõe um certo nível de conhecimentos e de tenacidade na investigação, é mais ou
menos semelhante. SCHAFF, Adam. História e Verdade. 2ª Edição. Lisboa: Editorial Estampa, 1988.
2
Interessante perceber que os marcos, inicial e final, do regime civil-militar brasileiro residiram em ações
político-institucionais: tão importante quanto a mobilização de tropas intervencionistas comandadas pelo
Gen. Olympio Mourão Filho foi a decisão de Auro Moura Andradre, presidente do Congresso Nacional
em 1964, declarar vaga a presidência da República mesmo João Goulart estando em território brasileiro
(no Rio Grande do Sul), em lugar certo e sabido. No dia 1º de abril dava-se a ocupação do governo e no
segundo dia daquele mês, Ranieri Mazzilli (presidente da Câmara dos Deputados) assumia interinamente
a presidência. Da mesma maneira, a eleição indireta de Tancredo Neves através do Colégio Eleitoral
definiu os encaminhamentos da transição política.
3
Portanto, esta tese caminha em direção contrária à definição dada pelo, então deputado estadual
emedebista Pedro Simon, de que a História só se escreve quando aqueles que a fizeram não tenham mais
condições de influir – por prestígio ou por poder – sobre aqueles que vão escrevê-la. SIMON, Pedro.
MDB: Uma Opção Democrática. Porto Alegre: L&PM, 1976, p. 19. Declaração originalmente publicada
nos Anais da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CORAG, 21ª Sessão
35
Em Brasília, às dez horas da manhã de 15 de março de 1985, encerrava-se formalmente o regime
de exceção brasileiro com a posse do primeiro presidente civil desde 1961. A cerimônia teve ares de
emoção, apreensão e, acima de tudo, incredulidade. Emoção pelo fato de que incontáveis pessoas
festejavam o que acreditavam o ponto inicial da reversão da grave crise que assolava o país. Apreensão
pela própria fragilidade em que foram lançadas as bases do novo ordenamento político, sem rupturas
decisivas na estrutura de poder. A incredulidade verificava-se na medida em que chegavam as notícias da
enfermidade que acometia o presidente Tancredo Neves, no exato momento em que se aproximava a hora
da cerimônia de posse.
O país que sobreviveu ao fim do regime de exceção não sabia ao certo quem foram os
vencedores, até mesmo porque a identificação com o passado repousou fundalmentalmente sobre a
oficialidade militar. Após 20 anos e 11 meses morria a ditadura, iniciava-se a agonia do presidente eleito
e afirmava-se a projeção de um futuro melhor.
Nos sucessivos processos de rupturas e continuidades, pelos quais a história política do país
havia transcorrido, o novo regime, prenhe de esperanças, surgiu das entranhas do velho regime.
A passagem, atestando os paradoxos da vida pública brasileira, se deu pela mão de José Sarney,
efetivado como presidente da República. Este, um ano antes, defendia e encaminhava as articulações
parlamentares como líder do governo Figueiredo.
Entre a campanha das “Diretas Já!” e a tragédia pessoal de Tancredo Neves – tornada pública
pelos meios de comunicação - a “Nova República” iniciava sob a égide da comoção nacional.
A transição ainda esperaria mais alguns anos para alcançar a plenitude, através da elaboração de
uma nova Constituição e das primeiras eleições diretas para presidente desde a vitória de Jânio Quadros.
Porém, para alcançar tal desenlace, o processo político sofreu uma série de formulações. Estas foram
ditadas através de uma complexa relação entre concessões e conquistas, adaptações e inovações, projetos
e processos que por fim, vieram a garantir rupturas e continuidades na reformulação do Estado autoritário
brasileiro.
Um ano após ter sido deflagrada, a intervenção civil-militar de 1964 assumiu contornos inéditos
à medida que a oficialidade perpetuava-se nos centros decisórios de poder, para além das tarefas reativas
da intervenção: depurar o sistema político-institucional, redirecionar as políticas econômicas, conter a
imprevisibilidade política, desarticular setores que poderiam representar entraves à estrutura de poder,
etc.
4
Contudo, esta “inovação” da oficialidade militar atentava mais contra os interesses imediatos de
setores da coalizão intervencionista, do que propriamente contra o conjunto da sociedade, historicamente
excluída de maior participação política.
Assim sendo, nos limites definidos por esta tese, o regime civil-militar, e não a intervenção em
si, rompeu com o processo de consolidação do sistema político que estava em curso. Com efeito, o marco
temporal para a análise das instituições de representação política no Brasil, sob efetivo controle dos
centros decisórios de poder, não se localiza estritamente na intervenção de 1964, mas, isto sim, na
promulgação do AI-2 e a criação do sistema bipartidário em 1966.
Nessa oportunidade, tornou-se perceptível, mais uma vez, a existência de um limite, no dissenso
e no conflito próprio dos países em processo de desenvolvimento. Este limite foi verificado na medida em
que eram impostas faixas de interesses
não negociáveis
dos setores ou frações sociais dominantes. Em
1964, afirmava-se uma certa tendência a uma linha de tolerância, dos setores econômica e politicamente
hegemônicos para com as reivindicações de setores excluídos, não-representados ou representados
inadequadamente nas esferas decisórias de poder. Na medida em que essa linha era ultrapassada
em 30 de março de 1976, p. 492. Em outra passagem, o mesmo Simon, ao fazer referência ao mandato do
presidente Médici que se encerrava, decretou da tribuna que a História, como os quadros de arte, só se
vêem à distância e não de perto. In.: Id., 12ª Sessão em 18 de março de 1974, p. 223. A partir desta
referência, como forma de facilitar a leitura, as menções a este tipo de fonte serão identificadas pela sigla
AAL, seguida da respectiva sessão, data do pronunciamento e página da transcrição do discurso na
publicação de consulta, sendo adotado o mesmo procedimento quando da outra fonte documental - Diário
da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CORAG, período 1978 e 1979
– sendo esta identificada por DAL e com a data de publicação da edição do jornal, distinta da sessão em
questão. Na compilação de ensaios sobre a escrita da História, Hobsbawm problematiza a produção
histórica do próprio tempo do historiador. HOBSBAWM, Eric. Sobre História. Tradução de Cid Knipel
Moreira. 4ª Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 243-255.
4
Como bem demonstrou Alfred Stepan acerca da intervenção de 1964: uma entre tantas interferências
alienígenas no sistema político. STEPAN, Alfred. Os Militares na Política – As Mudanças de Padrões na
Vida Brasileira. Tradução Ítalo Tronca. São Cristóvão: Editora Artenova, 1975.
36
instaurava-se a crise. Como soluções constituíam-se amplas coalizões com propostas conservadoras e
excludentes, configurando então um padrão de ajustamento adequado à nova ordem política.
Percebe-se que a criação de condições para a instauração da excepcionalidade representou
modos que garantiram mutações, sem rompimentos com a continuidade da assimetria básica, ou seja, a
exceção foi função de normalização. Ao longo da metade final do século XX, tornaram-se aceitáveis
medidas salvacionistas para “evitar custos maiores”. A intervenção de 1964, sob determinados aspectos,
inscreve-se como resposta à emergência da crise política da sociedade e do próprio Estado.
Mais do que a saída de uma crise conjuntural, a coalizão intervencionista afirmava-se portadora
de um projeto histórico que, embora não sendo a única expressão do bloco dominante, foi endossado pelo
conjunto das frações deste.
5
Esse projeto concretizava-se na medida em que propunha a transformação do conjunto da
sociedade em uma direção específica: a reestruturação capitalista interna e reinserção no sistema
econômico mundial.
6
O procedimento político para tal, esteve na reversão das bases de organização
sócio-políticas e no controle do dissenso. Visava então garantir, previsibilidade política.
Democracia supõe liberdade, mas não exclui responsabilidade nem importa em
licença para contrariar a própria vocação política da Nação. Não se pode
desconstituir a Revolução, implantada para restabelecer a paz, promover a honra
nacional. (...)
(...) o país precisa de tranqüilidade para o trabalho em prol do seu
desenvolvimento econômico e do bem-estar do Povo, e que não pode haver paz
sem autoridade, que é também condição essencial da ordem.
7
O processo que depôs João Goulart teve êxito em razão da ampla coalizão formada, a qual reuniu
segmentos de praticamente todos os setores sociais do país, do arcaico ao moderno, do conservador ao
progressista.
8
Tamanha convergência de interesses, com setores, correntes e frações tão díspares, foi a um
só tempo, a força necessária no acolhimento do regime de exceção e a primeira limitação na consolidação
deste.
O colapso das estruturas e instituições do Estado e o desejo de previsibilidade política
(estabilidade), levaram segmentos com interesses distintos a encampar ou minimamente, anuir, a coalizão
intervencionista.
Agregando uma série de interesses imediatos, a coalizão que se mostrou adequada na destituição
do presidente, cedo encontrou seus limites quando da estruturação do regime. Essa dinâmica “doméstica”,
respondia às alterações nas posições junto aos centros decisórios de poder, deslocadas conforme a
superação de etapas do projeto dominante, da aplicação ou sonegação de determinadas políticas públicas
e, por fim, da participação nas decisões fundamentais do regime. Em outros termos: a coalizão se
redefinia conforme a satisfação ou a obstacularização de interesses imediatos.
Os setores dissidentes, não percebiam a garantia da realização dos interesses históricos que o
regime propunha. A insubordinação do final dos anos 70 e início dos anos 80, voltou a solidificar o bloco
dominante, demonstrando a inconstância de frações consideradas progressistas.
As estratégias de manutenção da base de sustentação do regime, em seus primeiros momentos,
partiram da garantia de reformulação e adequação do sistema político. Esta aglutinação se revelou
fundamental na consolidação de estruturas a feição do projeto hegemônico.
Pelos seus impulsos fundadores e pela amplitude da coalizão, a ação intervencionista
praticamente anulou qualquer ponto de oposição significativa imediata.
Para garantir a continuidade do processo intervencionista, o bloco dirigente do regime teve a
necessidade de manter elementos do ordenamento anterior. Entre 1964 e 1968, as condições políticas e
5
A aplicação de um determinado projeto veiculado pelo Estado, excluiu dos benefícios não apenas as
camadas dominadas, também frações do bloco dominante não são contempladas prioritariamente em seus
interesses, com efeito, no núcleo das posições de poder do Estado prepondera um sistema de posições
relativas, conforme o projeto dominante. Esta questão levou setores do bloco dominante a compor
articulações com a oposição moderada.
6
GARRETÓN, Manuel Antonio. Em Torno da Discussão Sobre os Novos Regimes Autoritários na
América Latina. In.: DADOS – Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro (IUPERJ). Rio de Janeiro: Editora Campus, 1982, Vol. 25, nº 2, p. 170.
7
Ato Institucional Nº 2. In.: Diário Oficial da União. Ano CIII, nº 206, 26 de outubro de 1965.
8
Como muito bem apontaram: VELASCO e CRUZ & Sebastião C.; MARTINS, Carlos Estevam. De
Castello a Figueiredo: Uma Incursão na Pré-História da “Abertura”. In.: SORJ, Bernardo; ALMEIDA,
Maria Hermínia Tavares (orgs.). Sociedade e Política no Brasil Pós-64. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983.
37
sociais mostravam-se desfavoráveis na criação de uma estrutura de “exceção” a qual fosse condizente
com o propagado caráter de ruptura da intervenção.
O deslocamento do centro do poder e as mudanças substanciais protagonizadas por este
movimento, determinaram a preservação da forma de dominação típica do regime enfaticamente
contestado. A manutenção da forma institucional anterior por parte de um regime que se estabeleceu por
variantes não constitucionais, instaurou um primeiro elemento emblemático.
Esse compromisso com a forma de dominação anterior criou os alicerces para a própria
afirmação do regime.
Esta característica compõe o primeiro dos elementos fundamentais na interpretação do processo
de transição de ordenamentos verificados ao final da década de 70 e início dos anos 80:
a dualidade de
ordenamentos
ou de outra forma,
a situação autoritária em contradição
.
Esta condição, atestando o caráter híbrido do regime, ao mesmo tempo, limitou a estrutura de
poder e equilibrou o próprio regime ao manter, através de um conjunto de artifícios, uma série de
prerrogativas políticas que forneceram a base inicial de legitimação.
Ora, não se faz política sem políticos. Nem se faz democracia sem partidos
organizados e representativos. É o óbvio. A Revolução de 64 não liquidou com os
partidos, nem com os políticos. Os militares assumiram o poder, não o Governo.
Que desejaria mais o Congresso? A que aspiram mais os políticos.
9
A dualidade de ordenamentos também atendia a necessidade de encaminhar os interesses
imediatos discordantes da ampla coalizão intervencionista e os desacordos entre as frações que ocuparam
os centros decisórios de poder.
Desde seus primeiros momentos, a manutenção de duas ordens legais (a ordinária e a de
exceção), das estruturas e instituições do pré-64, necessitaram a prática das “engenharias políticas” como
forma de ponderação da imprevisibilidade política, adequando a dinâmica do sistema político a
parâmetros tolerados.
O regime manteve o parlamento, mas descaracterizou suas atribuições e prerrogativas; garantiu a
continuação do poder Judiciário, mas restringiu sua abrangência; estabeleceu as realizações periódicas de
eleições, respeitando calendários e resultados, mas desequilibrou as disputas com a prática da depuração
do sistema via expurgos e cassações; manteve o sistema de partidos, porém, impôs normas de
reorganização do sistema partidário que resultaram na construção assimétrica de agremiações com a
possibilidade de criação de um partido de oposição.
O projeto de desenvolvimento nacional proposto pela coalizão teve, como primeiro obstáculo, o
enfrentamento de uma série de dissonâncias “domésticas”. A superação destas querelas e oposições,
demandou certo período de negociação.
Entre entre 1964 e 1968 o regime reordenou o espaço da política, estruturando as bases da
afirmação do projeto hegemônico – sintetizado no binômio “segurança e desenvolvimento”.
Neste período, a dualidade de ordenamentos, a alimentação do “inimigo interno” e a
possibilidade de circulação de poder decisório, garantiram as bases de sustentação do regime.
A edição do Ato Institucional 5, superou uma questão que estava em aberto desde a
deflagração da intervenção. A partir de então, a opção por um processo de intervenção
permanente
,
solapou os desejos quanto à circulação do poder em um curto espaço de tempo.
A partir de então, o país viveu um novo processo, reconhecido como
refinamento do Estado
,
por que pautado na transformação de todas as questões políticas, econômicas e sociais como tributárias da
segurança nacional, em outros termos:
militarização dos centros decisórios de poder e no
rediresionamento das estruturas do Estado
.
O regime avançava na execução do projeto de desenvolvimento modernizante-conservador,
tendo como característica, a máxima restrição da imprevisibilidade política. As estruturas do Estado
foram deslocadas de forma a garantir a supressão o dissenso e conflitos de interesses antagônicos, que
pudessem causar qualquer tipo de desequilíbrio político.
10
Porém, o “fechamento do poder”, não atendeu única e exclusivamente aos interesses de um
segmento específico, no caso os grupos ortodoxos da caserna.
11
Estes setores da oficialidade militar
9
BARROS, Adirson de. Geisel e a Revolução Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Artenova S. A., 1976, p.
241.
10
Período muito bem caracterizado no trabalho de coleta de depoimentos de: D’ARAÚJO, Maria Celina;
SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso. Os Anos de Chumbo: A Memória Militar Sobre a
Repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994b.
11
A análise habitual estabelece a hegemonia de uma corrente da oficialidade militar como a responsável
pelo fechamento de poder, quando este foi uma decorrência do próprio projeto veiculado pelo regime.
38
garantiram a preservação de uma correlação de forças políticas adequadas ao projeto de
desenvolvimento.
12
No momento em que a instituição militar assumiu a primazia da condução política, internalizou
os conflitos na corporação, tanto que a solução das tensões no âmbito do governo dava-se pela “unidade
de crise” na caserna, ora apelando aos anteparos corporativistas (disciplina e hierarquia), ora no
deslocamento das questões para o inimigo interno (a subversão).
Transferia-se o debate político para as Forças Armadas, estas assumiram definitivamente a
promoção do desenvolvimento pela garantia da segurança. O projeto nacional seria direcionado para a
construção do país enquanto potência mundial. Para tal, a estabilidade política passou a representar ponto
fundamental.
O parlamento, gradativamente, perdia sua função primeira ao ser cerceado na tarefa de constituir
laços de integração política entre a população e o governo central. Os movimentos inaugurais do regime,
foram direcionados para a construção artificial desta relação (entre a sociedade e o Estado). Esta tarefa
seria dificultada pelas proposições políticas e econômicas, de médio e longo prazo do novo ordenamento
político. Essas não representavam as demandas reais e imediatas dos interesses gerais, mesmo os
identificados na própria coalizão intervencionista.
O processo de refinamento do Estado foi precipitado por um conjunto de fatores, sendo
destaques a incompatibilidade da estrutura política, herdada do ordenamento anterior e a necessidade de
definição do papel do próprio Estado no desenvolvimento do modo de acumulação no país. O regime
postava-se, definitivamente, enquanto fase de transição, fundamental na construção das condições
necessárias à plena modernização do país.
Neste período, a dualidade de ordenamentos ficou em suspensão, desequilibrada em nome da
excepcionalidade.
Porém, esse processo teve um efeito imediato: ao desconsiderar as alianças que viabilizaram a
intervenção, o bloco dirigente possibilitou “rachaduras na base de sustentação do regime”, tensões
encobertas artificialmente pelo período do chamado “milagre econômico”.
A ausência de espaços de dissenso e interlocutores autênticos e autônomos, definiu ainda no
governo Médici, a hegemonia dos órgãos ligados à segurança interna e ao sistema de informações no
núcleo do bloco dirigente. Esta definição instaurou outro paradoxo: quanto maior a força utilizada na
repressão e neutralização da oposição, maior eram as possibilidades de imprevisibilidade política. Isso
acarretou em um novo problema: o deslocamento dos pontos de tensão para além das instâncias de
representação políticas, tornando a oposição difusa.
O regime teve de ser rearticulado como forma de garantir sua continuidade. Os desdobramentos
desta questão formam a base do primeiro capítulo desta tese, Os Descaminhos do Regime de Exceção,
que se dedica a abordar as razões e os condicionamentos que levaram a estabilidade política do regime
repousar em frágeis bases, praticamente, desde seus movimentos iniciais.
A opção por este recorte temporal deve-se, fundamentalmente, à exaustão do processo de
refinamento do Estado, uma etapa de realizações e pragmatismos que, não obstante seus avanços na
materialização do projeto veiculado pelo bloco dirigente, desconstituiu a estrutura de poder,
principalmente no período final do governo Médici.
Deste ponto em diante, agregava-se um caráter militarizado ao regime, de tal modo que, com
Médici no poder, já se poderia falar simplesmente em regime militar, pois o processo conduziria a
instituição militar para o exercício soberano do poder decisório.
A militarização dos centros de poder acionou um conjunto de contradições que alimentaram a
crise do Estado. Esta crise foi imediatamente identificada ao colapso de suas estruturas políticas, na
decomposição da base de sustentação do regime, na emergência de novos sujeitos políticos e na
resistência às instâncias políticas formais.
Sendo evidentes os sintomas de que o projeto de desenvolvimento nacional proposto pelo regime
era inviável e, agregando o privilégio dado a determinadas frações do bloco dominante, as dissidências
foram inevitáveis. Assim, “ilhas de interesses” foram formadas na base de sustentação do regime,
reivindicando espaços maiores nos processos decisórios.
Entre tantos autores que defendem esta posição ver: DROSDOFF, Daniel. Linha-Dura no Brasil: O
Governo Médici 1969-1974. Tradução de Norberto de Paula Lima. São Paulo: Global, 1986.
12
A questão do “fechamento do poder” foi analisada por: OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. As Forças
Armadas: Política e Ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis: Vozes, 1976.
39
A militarização dos centros decisórios, cumprindo função determinante no projeto político do
regime, alcançou uma situação limite. O fechamento do poder somente poderia ser sustentado com a
intensificação do próprio arbítrio. Enquanto o regime conseguiu reverter a centralização do poder em
benefícios para setores estratégicos, a militarização dos centros decisórios se manteve. Contudo, os
choques entre interesses divergentes na base de sustentação do regime e a autonomização dos aparelhos
de Estado ligados à informação e segurança, definiram as resistências à forma do sistema político por
parte daqueles estratos.
Não restando canais de manifestação do dissenso, dado o fechamento de poder, as insatisfações
para com o governo foram transformadas tanto em votos de oposição quanto em mobilizações políticas
para além das instâncias de representação.
A partir de 1974, a desconstituição do regime partia de amplos setores, conduzindo o regime a
uma condição de isolamento. Ou seja, resultou na recusa difusa à dominação imposta pelo regime,
denominada insubordinação.
A crise de funcionamento do Estado, em razão do colapso de suas estruturas e instituições, fez
com que gradativamente o regime deixasse de ser funcional. Nesse momento ocorreu a fuga da
insubordinação: um racha no bloco de poder, decorrendo deste aspecto, a denominação “dupla fuga”
como referência à recusa mútua do regime. A dupla fuga determinou mudanças profundas nas relações de
poder.
As seqüelas da prorrogação da condição de excepcionalidade para além de suas inclinações
fundadoras, alimentaram a tendência de desarticulação do pacto de dominação e desagregação da sua base
de sustentação, principalmente, na forma estabelecida, durante o processo de refinamento do Estado. A
militarização das estruturas e funções políticas do Estado cumpriu uma etapa do regime mas, teve uma
série de conseqüências danosas para a própria estrutura de poder.
A partir destas questões, a administração de Ernesto Geisel, estabeleceu a proposta de
aprimoramento do regime do regime como mecanismo de contenção. Este é o tema do segundo capítulo,
A Crise do Estado
, o qual tem por preocupação, interpretar a proposta de flexibilização das relações
políticas proposta na administração de Ernesto Geisel, entendida como mecanismo de dissimulação dos
estrangulamentos e dos pontos de tensão do regime, externos e domésticos, a qual foi identificada como o
projeto de “distensão”.
O regime tornava-se inviável em sua formatação original, sendo desenvolvido de tal forma que a
sua continuidade dependeria de mudanças. Estas por sua vez, alterariam profundamente sua própria
condição. A partir deste ponto, tornaram-se perceptíveis dois projetos em disputa: um procurando definir
a dualidade de ordenamentos pela adoção de um regime exclusivamente de força e outro, propondo a
institucionalização definitiva. Sendo assim: o regime desfigurava-se pela sua perpetuação no tempo.
O objetivo imediato do governo Geisel, ainda em 1974, foi o alcance da condição de equilíbrio
entre a diminuição da imprevisibilidade política, índices satisfatórios para os grupos estratégicos de
crescimento econômico, recomposição de uma base civil de apoio, contenção social (da insubordinação) e
neutralização de crises domésticas (na caserna essencialmente).
Este capítulo procura confirmar a hipótese do que a administração de Ernesto Geisel, consagrada
como promotora da distensão e abertura política, imprimiu um projeto de aprimoramento do regime
visando sua institucionalização. Em virtude destas construções interpretativas, este capítulo rediscute as
principais teses a respeito da descentralização política como base da futura transição. Procura
compreender, se as análises que foram pautadas pelas definições oficiais - “abertura, a distensão e a
transição” - contemplam a complexidade da questão.
Instaurado o projeto de flexibilização das relações políticas, o sintoma imediato esteve no
revigoramento das instâncias de representação políticas como canais adequados no processamento do
dissenso. A renovação do ordenamento político-institucional detinha os objetivos de superar as limitações
impostas pela ausência de canais políticos adequados.
O debate entre os resultados da centralização política e a necessidade de políticas de
descentralização, definido como ponto central das questões políticas neste período, compõe o terceiro
capítulo desta tese,
A Flexibilização das Relações Políticas e as Peculiaridades da Cena Política Sul-
Rio-Grandense
. Tem como proposta, a ponderação da ênfase às peculiaridades da política sul-rio-
grandense, visando relacionar os debates parlamentares na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul
ao contexto de mudanças, vislumbrando nuances diferenciadas nas relações político-partidárias. Este
40
capítulo busca compreender, os reflexos da centralização política em pleno processo de dupla fuga, nas
relações parlamentares.
A concentração da investigação no Rio Grande do Sul se deve a três motivos fundamentais: a
intenção de reforçar os estudos sobre o período em questão na região meridional do país, o registro das
posições político-parlamentares em meio ao processo de redefinição do Estado e, por fim, a constatação
da relevância de peculiaridades típicas do regionalismo gaúcho no processo histórico em questão.
A definição da Assembléia Legislativa do estado do Rio Grande do Sul como corpus analítico,
parte do reconhecimento de que a sociedade sul-rio-grandense forjou, ao longo de sua construção
histórica, posições distintas daquelas predominantes na política nacional, sobressaindo estas questões, no
campo político. Assim, a cultura política regional e a identidade sul-rio-grandense acabaram por
singularizar o Rio Grande do Sul, aproximando-o mais da tradição política platina, ao mesmo tempo em
que o afastava, em determinados momentos, do centralismo de Estado.
A questão neste ponto está em reconhecer a possível singularidade das relações político-
parlamentares no estado em circunstâncias de centralização política. Como complemento desta questão, o
capítulo investiga a percepção do Parlamento acerca da dualidade de ordenamentos.
Estas questões se definem no quarto capítulo,
O Parlamento Gaúcho Em tempos de
Flexibilização
, que problematiza a visão do parlamento gaúcho do processo de flexibilização das relações
políticas enquanto estratégia de aprimoramento do regime.
Aqui, agregar-se-á o fato do MDB gaúcho, na fase posterior às vitoriosas eleições de 1974,
assumir um discurso contundente, como base da análise do revigoramento das instâncias políticas.
Pretende-se então, contrastar a tese da necessidade da descentralização de poder decisório, como
pressuposto para a futura
reestatização das relações sociais
com as peças oratórias parlamentares que
defendiam a “normalização da política”.
A partir de tais ponderações, o quinto capítulo,
Os Avanços e Retrocessos da Flexibilização
das Relações Políticas
, procura estabelecer a explicitação teórica e os sentidos do processo de
redefinição do Estado
através de seus inúmeros aspectos, os quais viabilizaram a implementação de um
regime, ainda autoritário, mas capaz de conter a dupla fuga por outros instrumentos que não a utilização
do monopólio da força legal e a exclusão das instâncias de representação política.
Procurará analisar as políticas desenvolvidas no governo Geisel como o estabelecimento das
bases da institucionalização do regime, mesmo que a adversa correlação de forças políticas tenha imposto
uma ofensiva radical-conservadora de parte do bloco dirigente como mecanismo de controle da
imprevisibilidade política.
Esta imprevisibilidade foi manifestada nas fissuras no bloco dominante – como a construção da
Frente Nacional Pela Redemocratização, a dissidência dos empresários e o deslocamento das camadas
médias provocado pelo protagonismo da insubordinação. Neste momento, agregava-se mais uma “onda”
dos movimentos de insubordinação com a explosão da atividade sindical e o acirramento das relações
capital versus trabalho pela organização dos trabalhadores.
Desta correlação de forças, o bloco dirigente retirou a base para a aplicação de mudanças na
estrutura do Estado que definiram o processo de descompressão política, não obstante, o processo político
ter imposto a reformulação constante do projeto oficial.
Com resguardado de medidas prévias e a materialização de novas engenharias políticas com o
intuito de ponderar o movimento político, partidário, parlamentar e eleitoral (como o Pacote de Abril),
ocorreu à transição entre a “legalidade revolucionária” e elementos do Estado de Direito. Os movimentos
do bloco dirigente (até mesmo os expurgos e depurações na base de alianças do regime), cumpriram a
tarefa de dimensionar o espaço de manobra do bloco dirigente.
Onde grande parte do parlamento poderia a vir a denunciar a incoerência das ações do governo,
residia a aplicação do projeto de institucionalização da excepcionalidade, com vistas a superação da
dualidade de ordenamento (agregando, pois, um caráter de estabilidade até então não desfrutado pelo
regime). A partir de então, condicionava-se a
redefinição
do Estado.
Por fim, o capítulo sexto -
O Coroamento da Redefinição do Estado em Cinco Atos
- dedica-
se aos movimentos político-institucionais durante o governo Figueiredo. A tese procurará problematizar a
impossibilidade do regime se reproduzir e, através desta, discutir os processos de reestatização política e
disciplinamento do dissenso travestidos de conciliação.
A reestatização das relações políticas como forma de controle da dupla fuga teve dois momentos
distintos e interdependentes. Na flexibilização das relações políticas, aplicadas durante o governo Geisel,
a qual instituiu um conjunto de mudanças como forma de impedir a desconstituição do Estado e, um
segundo, na estabilização conservadora proposta na gestão Figueiredo. Esta última, está sintetizada em
cinco momentos que definiram os parâmetros da transição de ordenamentos no país: o projeto de Anistia,
a legislação acerca da pluralização partidária, o controle das resistências domésticas (sendo caso
41
sintomático, o frustrado atentado do Centro de Convenções do Rio de Janeiro, o Riocentro), as eleições
gerais de 1982 e por fim, a conciliação pela transição, com derrota da emenda Dante de Oliveira.
O Estado sofreu um processo de redefinição, ressignificando a insubordinação em demandas
político-parlamentares. Como conseqüência do processo geral de transição, a distância crônica entre a
sociedade civil e as instâncias de representação política inviabilizariam a base idealizada da “Nova
República”.
As aludidas características do regime civil-militar brasileiro dando origem a
sucessivos processos de instabilidade e crise relacionadas à dinâmica própria do
processo político com impulsos de mudança e conservação, estabeleceram a forma, o
conteúdo e o tempo da instauração de um remodelado ordenamento político.
Mesmo apontando as contradições do processo e o choque entre projetos, esta tese não chega ao
extremo, como fizera Rezende, de qualificar a transição como “inventada” pois, implicitamente veicula a
concepção de que os processos políticos coincidem com o projeto elaborado pelo bloco dirigente quando,
e se procura apontar esta questão no corpo do texto, ocorreu no Brasil, especificamente a partir de 1974,
um evidente entrecruzamento de projetos em disputa (mesmo entre o bloco dominante), ou seja, tal
posição nega o processo e a dialogicidade das questões políticas.
13
Definia-se no Estado e em suas instâncias político-representativas, os locais únicos de exercício
do poder, sendo esta a base da reestatização das relações. Definitivamente a insubordinação e a fuga desta
haviam sido debeladas ao serem canalizadas com todo o fervor para a disputa, em regras rigidamente
definidas, pelo poder do Estado. Esta seria a direção única possível e sinal de maturidade política.
O que inicialmente surgia como um primeiro impulso de insubordinação, logo negativo à
correlação de forças políticas de então (rechaço generalizado ao governo, ao regime e até mesmo ao
Estado), foi convertido em algo positivo (a reconstrução das instituições e a refundação do poder) ou
passível de instrumentalização (a reconciliação nacional como forma de superar a crise econômica).
Para melhor compreender este processo e as problematizações sugeridas, faz-se necessário
definir os muitos conceitos utilizados no decorrer desta tese, porque passíveis de compreensões distintas.
Algumas definições mínimas, com a finalidade de identificar adequadamente os objetos em
questão, são importantes na medida em que a eficácia deste instrumento analítico está fundada nos seus
resultados explicativos.
14
Nesta tese, o sistema político é definido a partir dos limites da perspectiva da institucionalidade:
da relação entre sistema político, ordem política e a mediação através do ordenamento constitucional.
Esses são expressos na representação política baseada na correlação de forças, impasses e conflitos,
instrumentos de ação e processos de cooptação.
O sistema político, objeto especificado então a partir do domínio especificado, revela-se como
instância ou sujeito coletivo integrado à sociedade organizada, donde as deliberações de porte político são
aquelas que incidem e decidem questões afetas à sociedade civil como um todo.
Independente das definições e nomenclaturas, as formas assumidas pelo Estado de exceção são
definições de formas de Estado de crise. Estas crises por sua vez, manifestaram-se em duas instâncias e
em períodos distintos: a instituição militar e os fóruns de representação política.
De outro modo, utiliza-se fartamente neste trabalho a noção de blocos (bloco de poder, dirigente
e dominante). Estas definições não guardam relação com a teoria de bloco histórico formulada por
Gramsci.
15
Os blocos aqui mencionados, possuem significados restritos e relacionam-se ao poder, sendo este
compreendido como a capacidade de uma classe social de realizar os seus interesses objetivos
13
REZENDE, Maria José. A Transição Como Forma de Dominação - O Brasil na Era da Abertura
(1980-1984). Londrina: Editora da UEL, 1996. Original e pertinente em muitos aspectos, as lacunas desta
análise, possivelmente estejam relacionadas ao fato da autora observar o processo de transição apenas em
sua fase final, ignorando que tal processo foi desenvolvido ao longo de mais de uma década.
14
As “definições mínimas” são discutidas em: SARTORI, Giovanni. Partidos e Sistemas Partidários.
Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1982, pp. 81-
86.
15
Para tais definições ver: GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1985.
42
específicos.
16
Definem-se, portanto, ao campo da luta de classes, especificamente no conjunto dos
dissensos sociais de interesses antagônicos.
A definição do poder, parte do conflito causado pelo movimento de uma classe concretizar seus
interesses e no movimento inverso, na oposição de outras a esta concretização. A relação de poder
implica em uma relação específica de dominação e subordinação das práticas de classes.
17
Bloco dominante
diz respeito aos setores que, por sua posição econômica ou posição na esfera
de produção, dominam e orientam as práticas sociais através do domínio das estruturas jurídico-políticas e
dos aparelhos que lhe correspondem, sem que isso implique, a ocupação concreta dos centros decisórios.
Ao seu turno,
bloco dirigente
refere-se à face visível dos centros decisórios de poder, aqueles que
“governam” – no específico caso em questão - a oficialidade militar e a tecnocracia.
18
Estes garantiram ao
bloco dominante, um Estado suficientemente forte e um planejamento administrativo adequado na
aplicação do projeto de desenvolvimento. Logo, também se compreende o Estado como centro do
exercício do poder político ou como constituinte da unidade política das classes dominantes.
19
A análise da sociedade organizada circunscreve-se aos limites da perspectiva da
institucionalidade. Com efeito, a idéia de representação política no corpo do texto, esta não está
equiparada à noção de representatividade. Sendo objetos distintos e interdependentes, entende-se a
representação política como mecanismo primordial da política moderna baseada na delegação do poder,
tendo em organismos fundamentais – o Parlamento por exemplo – a competição regulamentada (no
sentido de legalizadas, não necessariamente legitimadas), a qual introduz a disjunção entre sociedade civil
e sociedade política ou o poder apropriável por transferência de titularidade.
20
Por regime político compreende-se, sob um ótica ampliada, um conjunto de instituições que
regulam e regulamentam a luta pelo poder e o exercício deste, ou seja, a organização e a seleção da classe
política dirigente. Contudo nesta tese, dizem respeito especificamente, ao padrão de organização da luta
política, assim apresentada por Saes:
Luta entre as classes sociais, luta entre frações da classe dominante, luta entre as
camadas de uma mesma classe -, no que esta luta se desenvolve dentro dos limites
fixados pelo Estado burguês (aceitação objetiva do capitalismo e do próprio
Estado burguês). Numa frase: regime político designa aqui a configuração da
cena política
, e não do
aparelho de Estado
.
21
16
POULANTZAS, Nicos. Poder Político e Classes Sociais. Tradução de Francisco Silva. São Paulo:
Martins Fontes, 1977, p. 100. Difere portanto, da definição weberiana de que o poder estabelece-se como
probabilidade de um certo comando de conteúdo específico ser obedecido por um grupo determinado. As
elaborações teóricas deste autor serão fartamente utilizadas nesta tese. Mesmo com uma série de ressalvas
de parcela da academia, as quais consideraram superada a produção deste teórico. Todavia,
especificamente a obra “Poder Político e Classes Sociais”, guarda contribuições fabulosas acerca da
complexa relação entre o Estado (burguês na acepção de Décio Saes, capitalista para Poulantzas) e as
classes sociais no decorrer do processo de reprodução das relações de produção. Para esta definição de
Saes ver: SAES, Décio. República do Capital: Capitalismo e Processo Político no Brasil. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2001. Ver também: SAES, Décio. A Formação do Estado Burguês no Brasil (1888-
1891). 2ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
17
POULANTZAS, Nicos. Op. Cit., p. 101.
18
Bloco dirigente não está equiparado portando à noção de governo, na medida em que este último é
compreendido como o conjunto da administração.
19
POULANTZAS, Nicos. O Estado, O Poder, O Socialismo. Tradução de José Saramago. Lisboa:
Moraes Editores, 1978, p. 121.
20
Não se adentrando portanto, à polêmica sobre as noções de sociedade civil e sociedade política em:
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, A Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1984.
21
SAES, Décio.Op. Cit., p. 35. A
modalidade ditatorial
de regime político, burguês na definição de
Saes, designa por sua vez: a impossibilidade prática de exercício das liberdades políticas (como a
liberdade da palavra, a de reunião ou a de propaganda), a inviabilização da participação do sistema
partidário “civil”, pela via do Parlamento, no processo decisório estatal e a cristalização das Forças
Armadas (ou do Exército, em particular) como o único partido real na cena política. In.: Id. Mesmo
qpresentando questões discutíveis - como o “partido militar” - e de outro modo, sendo uma definição
mínima, portanto, não abarcando a complexidade do termo, este quadro conceitual auxilia na
caracterização da estrutura de poder no pós-64. A noção de
hegemonia
, refere-se restritamente ao que
Saes denomina de “seio do bloco dominante” ou “bloco de poder”: uma fração de classe que prepondera
politicamente sobre as demais, satisfazendo seus interesses prioritariamente, esta preponderância designa-
43
A partir destes esclarecimentos teóricos e explicitação de conceitos fundamentais, acredita-se
que as teses aqui propostas e defendidas em torno de uma problemática essencialmente complexa, possam
ser melhores apreendidas e discutidas.
22
se hegemonia. In.: Id., p. 50. Definições que também tomam por base as análises de Poulantzas:
POULANTZAS, Nicos. Poder Político e Classes Sociais. Op. Cit.
22
No corpo do texto, sempre que necessário, a ênfase à questões, termos, expressões ou conceitos são
destacadas através de grifos, no caso o recurso do
negrito
. As citações por sua vez, estão em destaque
pelo recurso do itálico.
44
45
CAPÍTULO 1
DESCAMINHOS DO REGIME DE EXCEÇÃO
Complexidade. Possivelmente, esta tenha sido a característica distintiva de
grande parte das pesquisas e estudos acerca do regime de exceção brasileiro. Regime
este, construído e reconstruído, definido e redefinido incessantemente, desde seus
momentos iniciais no outono de 1964, acima de tudo, após a afirmação do processo de
militarização dos centros decisórios no final da década de 60.
Na questão política, especificamente, o regime ungido pela intervenção de 1964
não criou instâncias compatíveis com o propagado caráter de excepcionalidade. Não
rompeu com o sistema partidário-eleitoral nem suprimiu as casas de representação
política e, ao mesmo tempo, manteve uma rie de formalidades democráticas (mesmo
tendo uma evidente inclinação em restringir o “mundo do político”). Reside justamente
aqui a base e o fomento à permanente discussão sobre a consolidação ou não de uma
efetiva ruptura em 1964.
Se complexa foi a compreensão do movimento da sociedade sob um governo e
um regime de exceção - ambos aqueles compreendidos e acolhidos como transitórios -
peculiar como o brasileiro, o foi mais complexa ainda quando o corpus analítico
debruçava-se na questão da gradativa substituição da ordem autoritária por um novo
ordenamento político (que em meados dos anos 70 reunia indícios, não mais que isso,
de que poderia vir a ser democrático).
23
A própria natureza das transições políticas negociadas e, de outro modo, a longa
duração deste processo no Brasil (ampliando assim as possibilidades de controle dos
setores que tomaram a iniciativa do processo), somadas ao fato de que não haver uma
23
Peculiaridades estas que o distinguem dos demais casos recentes de regimes autoritários na América
Latina (Argentina, Chile e Uruguai principalmente) e no sul da Europa (Espanha, Grécia, Portugal e
Itália). As particularidades da estruturação e consolidação do regime civil-militar brasileiro tiveram uma
definitiva influência nos condicionantes da instauração do ideário democrático mais ainda, das bases e
formas de construção do consenso e aceitabilidade de um ordenamento autoritário/centralizador em
detrimento de valores consagrados do ideário liberal. Referente às tendências dos cientistas e intelectuais
brasileiros no tocante à análise política do país ver: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Seis Interpretações
Sobre o Brasil. In.: Dados Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Vol. 25, 3, 1982, pp. 269-306. PACKENHAM, Robert A. O Discurso Político
Brasileiro em Transformação: 1964-1985. In.: SELCHER, Wayne A. (org.). A Abertura Política no
Brasil: Dinâmica, Dilemas e Perspectivas. São Paulo: Convívio, 1988, pp. 185-229.
46
única concepção de democracia em jogo (da mesma forma que o havia definição
quanto ao término do processo) se encarregaram de obstacularizar ainda mais a
apreensão e interpretação desta realidade.
Devido à multiplicidade de fatores, sucederam-se leituras distintas e muitas
vezes antagônicas, onde o gradativo processo final do regime autoritário deteve variadas
significações. Com efeito, as visões do passado recente tenderam tanto a ressaltar
manifestos êxitos e capacidades políticas de negociação e pacto como, por outro lado, a
denunciar um possível atraso político, social e uma crônica incapacidade de mobilização
popular autônoma.
A dificuldade de interpretação da saída de um sistema do tipo civil-militar
conservador, com a agravante das ambigüidades próprias da trajetória do político” no
país, também foi tributária do recorrente risco de retrocesso, visto o permanente estado
de fusão entre concessões e conquistas, que de uma forma ou outra, nebulou a distinção
histórica, portanto também, a analítica, entre crise do regime, crise do sistema, crise do
Estado e também do projeto histórico que ambos veicularam.
24
25
A possibilidade de uma “volta ao passado” referência aos chamados “anos de
chumbo” possuía concretude, pois ao mesmo tempo em que o debate político-
partidário, portanto institucionalizado e legitimado, avançava na construção da pauta
democrática, sendo acolhido com crescente intensidade pelo bloco dirigente (resultante
ou mesmo condicionante da repactuação política que estava em curso), uma crescente
crise econômica inseria-se no cotidiano do país, alimentando novos focos de tensão
social, potencializando a imprevisibilidade política e os riscos de uma solução mais
conservadora do que a que estava em curso (alternativa experimentada anteriormente,
vide a situação de 1968).
Por outras palavras, se havia - como posteriormente se comprovou - uma série
de contingências que viabilizaram uma intervenção de tipo civil-militar e o acolhimento
de um regime de exceção, a supressão destas mesmas contingências necessariamente
não indicava que o sistema político reproduzisse ou fosse conduzido ao ordenamento
anterior.
24
As ambigüidades aqui mencionadas dizem respeito ao sistema político - ainda em processo de
consolidação no momento da intervenção civil-militar, ao capital cultural-político acumulado pela parcela
politicamente ativa da sociedade, intimamente articulada a uma dinâmica de funcionamento das
instituições políticas.
25
A necessidade de distinção das simultâneas crises (nem por isso desconexas) e tudo o mais que lhe é
inerente foi destacada por: GARRETÓN, Manuel Antonio. Em Torno da Discussão Sobre os Novos
47
Percebia-se, assim, um sensível e instável equilíbrio entre forças
autoritárias/conservadoras e democráticas/progressistas, visto que a velocidade da
flexibilização das relações políticas (a liberalização) estava diretamente ligada à
possibilidade de recrudescimento (recompressão), de “retorno ao passado”, mas sem a
restauração do modelo pré-64.
26
Por outro lado, a forma assumida pela estrutura de poder, tendo consumido os
primeiros 10 anos do regime, atuou de tal modo que o arcabouço institucional
deliberadamente separou os campos de intervenção da sociedade, ou seja, o Estado
(principalmente nas questões administrativas e econômicas) e os demais organismos
políticos dissociaram-se. Esta característica teria um peso fundamental quando da saída
do ordenamento de exceção.
Somente com a separação aludida acima, a condução tecnocrática conseguiu
movimentar-se independentemente dos processos e disputas políticas e, em última
instância, das demandas oriundas do conjunto da sociedade, não apenas daqueles setores
excluídos do pacto de dominação mas também, de parcelas que constituíam a antiga
coalizão intervencionista.
Na prática política autoritária, o discurso demarcaria dois campos distintos e
assimétricos: a política e o mundo da administração pública ou o domínio público e o
domínio privado (por outros termos: a desvinculação e o rompimento entre política e
gestão). Esta impessoalidade foi viabilizada por um conjunto de normas de
representação, características de um Estado não mobilizador como o implementado em
1964 e aprimorado na década seguinte. O esvaziamento das funções dos demais poderes
e o disciplinamento do dissenso obedeceram esta lógica.
A instauração do regime civil-militar - impulsionada por uma ação tão coesa
quanto abrupta não reuniu condições de superar definitivamente o ordenamento
anterior (nem mesmo simbolicamente), visto a legitimidade da ação intervencionista
Regimes Autoritários na América Latina. In.: Dados Revista de Ciências Sociais do Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro: Editora Campus, Vol. 25, nº 2, 1982, pp. 183-184.
26
Neste sentido, Abranches chegou a utilizar, e de forma compreensível, a expressão aparentemente
contraditória democratização autoritária. Dado o contexto em que fôra elaborada, esta análise
representou mais um esforço teórico em interpretar o cenário ambíguo e complexo do processo de
transição. ABRANCHES, Sérgio Henrique. Crise e Transição: Uma Interpretação do Momento Político
Nacional. In.: Dados Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Vol. 25, nº 3, 1982, pp. 307-329. A percepção da gravidade da crise que assolou o
país no final dos anos 70 e que iria persistir nos anos 80, rendeu uma série de debates nos círculos
acadêmicos, como exemplo ver: MALAN, Pedro [Et. All.]. Debate Sobre a Crise Brasileira. In.: Revista
Encontros com a Civilização Brasileira Vol. 11. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, pp. 175-
217.
48
estar exatamente na neutralização de um conjunto de tensões e problemas imediatos
que, entendia-se naquela oportunidade, colocavam sob risco a legalidade institucional.
Superado este, por assim dizer, primeiro estágio e mantida a intervenção,
afirmava-se a dualidade de ordenamentos, expressa na disputa entre a consolidação e
institucionalização do regime autoritário e, em outro extremo, a restauração dos padrões
políticos preexistentes após os devidos expurgos, adequações no planejamento
econômico-redistributivo e revisões jurídicas.
Com uma construção nestas bases, a transição final deste mesmo regime
instaurado em 1964 - como resultado de uma ampla negociação e antecipação de
demandas políticas e sociais - não poderia ser diferente.
Por conseqüência, a dubiedade marcaria, então, mais este processo político pelo
qual passou o país.
Tão logo se ampliou o trânsito dos documentos (a tão esperada abertura dos
arquivos dos atores diretos deste período), deram-se vozes a personagens fundamentais
neste processo (a recuperação das fontes orais) ao mesmo tempo em que era confirmado
o caráter intrinsecamente ambíguo da transição brasileira. Esta, de certa forma, tornou
complicada qualquer tipificação ou associação com casos correlatos na América Latina
ou mesmo, do sul da Europa Ocidental.
Não obstante as peculiaridades próprias do período, o processo de transição de
ordenamentos políticos entre os anos 70 e 80 nada fugiu ao histórico da dinâmica
política brasileira.
Em sua fase republicana, as transições políticas, em última medida, foram
constituídas, historicamente, de modo ora a se opor e evitar um processo de
consolidação da insubordinação e de ruptura revolucionária, ora a reestatizar relações
sociais e políticas de grupos e frações que tentavam se inserir nas “arenas” de
representação política, as quais poderiam solapar o pacto de dominação vigente.
A transição de ordenamentos que serve de base analítica nesta tese, pelo fato de
inovar nos mecanismos de poder sem, contudo, transformar as posições de poder,
atestou mais um dado de permanências na construção histórico-política do país logo
compreendido como inserida em um fenômeno de longa duração.
49
Originalmente, a condução da primeira experiência de transição democratizante
pós-regime varguista demonstrou ser uma simbiose entre o ordenamento autoritário
e aquele que se pretendia pautar por relações mais fluídas.
27
Recentemente, o trânsito de um
ordenamento
autoritário a uma
situação
democrática, processo reconhecido e consagrado pelas produções acadêmicas entre o
início dos anos 70 (na passagem do governo Médici ao de Geisel), e a eleição de
Tancredo Neves em 1984, não reuniu as condições para assumir um caráter de
estabilidade. Nem mesmo a transição negociada pela conciliação e antecipação foi
tranqüila.
Estando permeada por impulsos autoritários e democratizantes, teve uma
construção peculiar, sem que uma força política pudesse ser rotulada de vitoriosa ou
derrotada, sem que os segmentos identificados à centralização política tivessem saído
efetivamente dos centros decisórios e, ao mesmo tempo, sem que os setores que
encontravam coesão na oposição à arbitrariedade do regime incorporassem a defesa da
democracia de massa como pressuposto da mudança.
O próprio tempo de construção da nova fase democrática definiu-se pelo tempo
de organização e estabelecimento da repactuação e reacomodação das forças políticas.
Nem antes, nem depois.
Uma das teses defendidas neste trabalho é a de que o fechamento do sistema,
reconhecido a partir da transformação de todas as questões políticas, econômicas e
sociais como tributárias da segurança nacional em outros termos: militarização dos
centros decisórios de poder - fora pré-condição para o projeto de abertura política. No
decorrer deste capítulo tais teses serão explicitadas de forma detalhada.
27
Sintomaticamente, o processo de transição do Estado Novo ao ordenamento liberal-democrático teve
em suas fileiras segmentos da própria elite estadonovista, cujo comportamento foi simbolicamente
representado pelo ministro da Justiça do governo autoritário, Agamenon Magalhães, mentor da nova
legislação envolta pela normalidade institucional. Aqui se compartilha da mesma opinião de Campello de
Souza, em seu clássico estudo acerca do sistema político-partidário brasileiro entre os anos 30 e a crise de
1964: uma leitura mesmo superficial da história política de 1943-1946 mostra sem ambigüidades que a
maciça maioria dos legisladores e políticos responsáveis pela formulação teórica da vida partidária
democrática nacional não só não se renovara, como também, o que é mais contundente, era a mesma que
na década anterior havia encontrado nas doutrinas antiliberais a solução para os problemas políticos
que o país enfrentava. SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil
(1930 a 1964). Edição. o Paulo: Alfa-Omega, 1983, p. 64. Desta argumentação, Pandolfi retira as
bases de análise - e descrença - na instauração e consolidação de um regime democrático no país,
comparando, inclusive, a conjuntura de 46/47 à transição dos anos 80, PANDOLFI, Dulce Chaves. A
Construção da Democracia no Brasil: Avanços e Retrocessos (1946-1947). In.: Ciências Sociais Hoje
(Anuário Publicado Pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais –
ANPOCS). São Paulo: Vértice: Editora Revista dos Tribunais, 1989, pp. 158-184.
50
A partir destas inferências afirma-se que, durante os dois primeiros governos
autoritários, a forma-regime ainda estava indefinida. Isto tanto para aqueles que não
compunham as instâncias políticas legalizadas quanto para o conjunto dos atores
inseridos nestas e investidos de representação visto que aa decretação do AI-5 os
agentes políticos civis ainda indagavam se a intervenção teria caráter transitório ou
permanente (logo, intensificavam ou atenuavam sua ação política pautada por estas
especulações).
Atestando aquilo que a prorrogação do mandato do presidente Castelo Branco
tornou possível suspeitar, a definição da intervenção como permanente após 4 anos de
exercício do poder esteve diretamente relacionada à gênese do regime, visto que o
período que antecedeu a queda de Goulart foi caracterizado por uma manifesta intenção
de implementar um projeto histórico divergente do proposto pelo governo.
Como base de aglutinação de amplos setores, este projeto a princípio, deveria
definir o tempo de exercício do poder de exceção. Não foi outro o sentido da
enunciação, no preâmbulo do Ato Institucional (ainda sem número), pelo Comando
Supremo da Revolução: A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder
Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma
mais expressiva e mais radical de Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa,
como o Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o Governo anterior e
tem a capacidade de constituir o novo Governo.
28
O trecho acima atesta uma inversão das mais importantes na estruturação
política do aparelho de Estado, dado que até 1964 o poder Legislativo - o obstante
seus inúmeros conflitos com o governo Goulart estava comprometido com um
determinado pacto de dominação. Esta relação garantia ao parlamento um papel
importante nas regras de funcionamento do sistema político, essencialmente por atuar
como uma caixa de ressonância (limitada por certo) das insatisfações da sociedade. A
28
Assinado em 9 de abril de 1964 pelo general Arthur da Costa e Silva, pelo tenente-brigadeiro Francisco
de Assis Correia de Mello e pelo vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald, publicado no
Diário Oficial da União em 9 e 11 de abril daquele ano, o primeiro Ato Institucional profetizava: Fica
assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe
deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a
sua legitimação. Duas obras essenciais, pelos detalhes que fundamentam suas afirmações, possibilitam
uma visão apurada deste processo inicial: DINES, Alberto [Et. All.]. Os Idos de Março e a Queda Em
Abril. Rio de Janeiro: José Álvaro, 1964. MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no
Brasil (1964-1984). Op. Cit., pp. 52-79. Especificamente tratando da questão jurídica e suas relações com
o processo político ver: BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Projeto Político Brasileiro e as Eleições
Nacionais. In.: Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas
Gerais. Nº 57, julho de 1983, pp. 29-133.
51
partir da intervenção civil-militar, o pacto de dominação prescindiria do Congresso. A
existência do Poder Legislativo (e as limitações de atuação deste), passaram a derivar do
poder “revolucionário”.
29
Chegando ao ápice com a militarização dos centros decisórios, o aval civil
institucional serviria para legitimar e dar suporte legal às regras do novo pacto de
dominação, defendidas em restritos e restritivos debates.
Através da condução do novo bloco no poder (o bloco dirigente),
gradativamente se implementaria uma inovação: a dissociação da crise política de
dominação enquanto crise no pacto de poder - sobretudo de sustentação deste - da crise
social produzida pela adoção de um determinado modelo econômico e de um padrão de
desenvolvimento, reconhecido no período de afirmação da democracia liberal no país
(1945-1964).
Ao cortar aquela correlação, a coalizão intervencionista reuniu maiores
condições de ter suas ações acolhidas pelo conjunto da sociedade mesmo entre as
camadas dominadas e excluídas do novo pacto de dominação. Com efeito, passaram a
admitir a efetivação de um regime político tido como emergencial. Daí a substituição,
processada pelo novo discurso oficial, da noção de prazo da excepcionalidade pelas
metas a serem alcançadas.
30
Ao mencionar a função de salvaguardar valores caros à sociedade brasileira, faz-
se referência aqui à tendência da oficialidade militar, independentemente da corrente
interna que se tome como referência analítica, enquanto ator político preponderante,
protagonista da intervenção e dirigente do regime que se seguiu, em projetar seus
valores mais caros para o conjunto da sociedade. Mesmo que se entenda às Forças
Armadas como uma instituição heterogênea, com clivagens internas que a cortavam
horizontal e verticalmente, não se pode desconsiderar que determinados valores
uniformizavam e concediam um caráter quase monolítico aos procedimentos político-
institucionais.
Por certo, ainda está para ser feita uma discussão aprofundada sobre até que
ponto estes valores foram incorporados pelos diferentes estratos sociais e, de outra
maneira, como interferiram na correlação de forças políticas estabelecidas para além da
caserna. Sendo um trabalho à parte, fora das pretensões desta tese, estas questões o
29
LAFER, Celso. O Sistema Político Brasileiro: Estrutura e Processo. Edição. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1978, pp. 72-73.
30
GARRETÓN, Manuel Antônio. Op. Cit., p. 183.
52
serão tratadas aqui; sempre que se fizer necessário, a menção a questões específicas
próprias da instituição militar para além da problemática aqui proposta, seremetida
aos autores que a tomaram como base analítica.
31
Para as necessidades do momento, pode-se afirmar que o respeito inabalável à
hierarquia, à disciplina, o apelo à unidade da corporação e o rígido posicionamento
anticomunista, fundamentaram e cimentaram elementos do compromisso e da pauta
autoritária desde os últimos momentos do general Figueiredo na presidência.
Mesmo assim, o fracionamento político e as tensões em decorrência deste, foram
características genéricas da instituição militar. Com isso, afirma-se que as disputas
militares domésticas não foram especificidade da oficialidade intervencionista, a qual,
em questões de fundo, manteve sua unidade (sendo caso exemplar a condução do
projeto de anistia e o encaminhamento do inquérito do atentado no Riocentro). Contudo,
para manter tal equilíbrio, a cúpula da oficialidade militar no bloco dirigente, através de
inúmeros expedientes, expurgou suas “anomalias” domésticas. Sendo um regime
duradouro, os casos de tensões concretas que abalaram a estrutura de poder foram
mínimos, apesar de seus efeitos ressoarem com intensidade (vide a demissão do
Ministro do Exército, general Frota, a qual será tratada posteriormente).
32
Esta percepção não anula o fato de que a crise fez morada na instituição militar,
chegando ao extremo de ser confundida como crise do regime. Diga-se: quando se
31
Existe uma farta produção, entre tantas, um exemplo de análise sucinta porém elucidativa pode ser
encontrado no artigo de um estudioso da questão dos militares e sua participação na política brasileira:
GOÉS, Walder de. Os Militares e a Transição Política. In.: Ciências Sociais Hoje (Anuário de
Antropologia, Política e Sociologia) Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais (ANPOCS). São Paulo: Cortez Editora, 1986, pp. 240-257.
32
Mesmo que se pondere a influência e os vínculos da origem de classe social nos quadros da instituição
militar, tanto àquela oficialidade ligada à elite econômica quanto àquela oriunda das camadas médias, os
valores da corporação acabaram por garantir uma coesão que superou as tensões internas em momentos
de profunda crise, principalmente nos momentos envolvendo questões da sucessão presidencial e nos
embates domésticos referente à forma de condução do regime (sendo casos notórios o desterro
pratocinado pela oficialidade a Albuquerque Lima em razão de sua auto-candidatura e campanha
presidencial à revelia do Alto Comando; a exoneração do Ministro do Exército, general Frota e a
demissão do general Golbery). Possivelmente, e aqui isso se coloca somente como especulação, a
“homogeneização”, ou mais coerentemente, a uniformização da instituição militar seria produto também
da formação proposta pelas escolas de oficiais na efervescência da Guerra Fria. Portanto, a partir desta
especulação, infere-se que os oficiais formados posteriormente teriam uma tendência menos ortodoxa em
relação a estas questões, voltando-se para discussões acerca da soberania nacional, integridade e defesa
territorial (atualmente no fechamento de fronteiras e programas de combate ao narcotráfico). Para tais
discussões ver: CASTRO, Celso. A Origem Social dos Militares. In.: Novos Estudos CEBRAP Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento. o Paulo: 37, novembro de 1993, pp. 225-231. Na questão de
análises específicas acerca da participação militar no processo de estruturação do regime de exceção e da
abertura política, tornaram-se referências para consultas: OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. De Geisel a
Collor: Forças Armadas, Transição e Democracia. Campinas: Papirus, 1994. OLIVEIRA, Eliézer Rizzo
de. As Forças Armadas: Política e Ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis: Vozes, 1976.
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo (org.). Militares: Pensamento e Ação Política. Campinas: Papirus, 1987.
53
aponta uma crise do Estado cogita-se a eminência de um colapso no sistema pelo qual
as classes e frações sociais estruturam-se de forma a permitir a manutenção do pacto de
dominação. Infere-se, a partir de então, acerca da crise de suas instituições consagradas,
caso do parlamento, dos partidos políticos, do poder Judiciário e até mesmo, da Igreja
Católica e dos sindicatos.
Ainda assim, poucos poderiam afirmar que as tensões na caserna causaram a
precipitação da desconcentração do poder e, conseqüentemente, a necessidade de
abertura política.
Entre os analistas que se filiam a esta forma particular de interpretação,
encontra-se Gama de Andrade. Este autor observou na instituição militar,
especificamente nas sucessões presidenciais, fatores determinantes da “abertura
política”.
33
Ao afirmar a permanência do pretorianismo na política brasileira qualquer
que seja o regime analisado, pré, pós-64 ou pós-84 apontou que as acanhadas
mudanças na política brasileira na Nova República (se existiram), limitaram-se em
grande parte pela presença e influência dos militares nos rumos políticos do país que,
somada à debilidades flagrantes dos partidos políticos e dos métodos de pressão
política, que impuseram um quadro rígido de dificuldades para a implementação
definitiva da democracia.
34
A superioridade do poder civil não estaria consagrada nem mesmo com a
efetivação do sistema legislativo democrático.
Esqueceu-se o autor, contudo, que a interpretação da transição política brasileira,
baseada primordialmente na consecução ou na intervenção da hegemonia do poder civil
sobre o poder militar, é limitada por várias razões. Primeiro por sustentar-se apenas nos
acontecimentos (o momento da afirmação do poder civil) e, ao proceder assim, cortar o
caráter processual da abertura política, dito de outra forma: as permanências de um
33
ANDRADE, Luis Aureliano Gama de. Pretorianismo e Democracia: Notas Sobre a Transição Política
no Brasil. In.: Ciências Sociais Hoje (Anuário Publicado Pela Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais ANPOCS). o Paulo: Vértice: Editora Revista dos Tribunais, 1989, pp.
189-191
34
Id. Em tese, quando inserido em conjunturas (econômicas, políticas, sociais...) extremamente
desfavoráveis, sem possibilidades de recuperação a curto e dio prazos, um regime autoritário possui a
vantagem em relação aos regimes democráticos - com plenos mecanismos de delegação de poder - de
poder sinalizar, como forma de contenção social ou reestatização das relações sociais, com a
possibilidade de retorno à normalidade democrática. Ao passo que, mesmo com uma série de mecanismos
institucionais eleições, plebiscitos, emendas parlamentares um ordenamento democrático o aponta
para aprimoramentos do regime que não o acolhimento de demandas das camadas subordinadas,
potencializando assim, a imprevisibilidade social e política ou o risco de fragmentação, polarização e
radicalização. Contudo, o sendo esta a preocupação desta tese, uma afirmação desta monta requer
54
processo de longa duração Braudel já muito afirmara que a história forjou a ilusão
de que os acontecimentos supririam totalmente as deduções.
35
Depois, o autor
desconsiderou os demais condicionantes (conjunturas, estruturas e até mesmo, atores
relevantes) do processo. Também, apegou-se a um certo formalismo ao observar, no
retorno à caserna, uma implicação direta na estabilidade democrática, ignorando o fato
de que o militarismo era apenas uma variante do regime autoritário, podendo ser
alterada a titularidade da autoridade visível do Estado: um regime de exceção
(ditatorial) pode prescindir da oficialidade militar e ainda assim manter mecanismos e
pautas excludentes. Por fim, ao observar no regime pós-64 o fator que desencadeou a
acentuada “politização” da caserna, ignorou o fato de que a instituição castrense possuía
um histórico de intervenções políticas e na política brasileira (se não a corporação, ao
menos setores e correntes militares muito bem articulados com parcelas significativas
da sociedade).
Ademais utilizando-se as próprias argumentações do autor - naquele momento
seria inviável a exclusão ou limitação da participação da instituição militar nas relações
de poder, qualquer que fosse a condução do processo de abertura, visto esta ser uma
força política considerável, com uma credibilidade sem parâmetros, estando desde a
instauração da república no centro de praticamente todas as decisões políticas. Dito de
outra forma, não havia mecanismo jurídico-institucional como ainda não - que
pudesse condenar a oficialidade militar aos limites da caserna, segregando-a dos debates
políticos. Este controle civil sobre a caserna somente pôde ser acentuado na medida em
que a conjuntura - e o próprio processo histórico – inviabilizaram formulações baseadas
na polarização oriundas da Guerra-Fria (guerra revolucionária e subversão interna.)
Nas sucessivas fases pelas quais passou o regime de exceção, compreendendo
sua instalação, estruturação, consolidação e institucionalização, o debate doméstico
mais acentuado esteve entre aqueles setores que, de um lado, defendiam uma linha
cuidados; tal discussão, para ser minimamente plausível, demandaria a reunião de uma série de elementos
(fontes) os quais no momento não estão entre as prioridades desta pesquisa.
35
BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais. 2ª Edição. Tradução de Carlos Braga e Inácia
Canelas. Lisboa: Editorial Presença: São Paulo: Martins Fontes, 1976, p. 39. A utilização de Braudel
deve-se ao fato de que, tendo desenvolvido, entre outros temas, questões referentes ao tempo histórico
retratando as temporalidades e não apenas o tempo instigou uma visão da história, cujos elementos
podem servir de complemento quando da utilização da categoria da totalidade, ressalvando-se o fato de
que a linearidade dos tempos históricos necessariamente articula-se dialeticamente através de rupturas e
continuidades relacionadas aos modos de produção dominantes. Para uma discussão aprofundada ver:
BURKE, Peter. A Escola dos Annales 1929-1989: A Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo:
UNESP, 1992. DOSSE, François. A História em Migalhas: Dos Annales à Nova História. São Paulo:
Ensaio, 1994. VOVELLE, Michel. A História e a Longa Duração. In.: LE GOFF, Jacques. A Nova
História. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
55
econômica nacionalista e um regime político autoritário (com graduações distintas) e,
por outro lado, setores que apostavam em uma política econômica mais aberta e um
regime (a longo prazo obviamente) de representação política limitada, com a instituição
militar assumindo um papel efetivo de “poder moderador”.
Nenhuma das correntes e frações identificadas no seio da oficialidade militar
demonstrava o desejo ou detinha a capacidade de vinculação a setores da oposição
considerados ideologicamente responsáveis e politicamente confiáveis. Sem esta
aproximação não havia possibilidade de construção de uma alternativa fora do bloco
dominante, impulsionando mudanças no regime de exceção. Possivelmente resida aqui a
limitação das análises que propunham a tese de que o embate entre “duros” e liberais”
tenha precipitado o final do regime, visto que, ambas as correntes (em suas inúmeras
variações e configurações), somente existiam em função do regime. Sem o arbítrio
perderiam sua razão de ser. Logo, ambas pautavam-se pela manutenção do regime e do
Estado idealizado pela própria corporação. A expressão concreta do consenso doméstico
do bloco dominante era exatamente a manutenção do regime de exceção.
Mesmo reconhecendo a necessidade de certa hierarquização causal e, a
relevância dos estudos que tomam por base a instituição militar, principalmente nas
relações envolvendo a centralização das decisões políticas na instituição militar, estes
não podem obstruir a percepção de relações ocultas entre os elementos do todo que
constituem totalidades distintas das propriedades dos elementos. Assim, a categoria da
totalidade se faz premente (fundamento metodológico e estrutura histórica) sendo a
referência a esta, a referência ao processo histórico.
36
Torna-se importante ressaltar que a obra de Stepan, a qual trilha caminhos
semelhantes ao autor discutido acima, apresenta um conjunto de elementos plausíveis ao
afirmar categoricamente que a principal causa da distensão foram as contradições do
próprio aparelho estatal. Estas contradições fizeram com que um dos componentes do
Estado (os “militares enquanto governo”) procurasse aliados na sociedade civil e lhes
facilitasse mais poder.
37
36
Formulações consagradas por Rosa Luxemburg em A Acumulação do Capital – Estudos Sobre a
Interpretação Econômica do Imperialismo. Tradução de Moniz Bandeira. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1970. Também: Reforma ou Revolução? Edição. Tradução de Manuel Augusto Araújo. Lisboa:
Editorial Estampa, 1970. Rediscutidas em: LOWY, Michael. Método Dialético e Teoria Política. 3ª
Edição. Tradução de Reginaldo Di Piero. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, pp. 94-103.
37
Esta é uma das teses centrais do autor brasilianista, reconhecido pelos seus trabalhos, que analisaram a
relação entre a instituição militar e as relações político-sociais. Especificamente na obra em que a
passagem citada foi retirada, Stepan trabalha com a idéia do conflito entre “militares enquanto
instituição” e “militares enquanto governo” e as mudanças no vel da doutrina formal entre os militares
56
A distinção de uma série de questões básicas na caracterização do sistema, do
regime e do Estado, tais como a correlação de forças políticas, as políticas
implementadas pelo governo, a conjuntura internacional, o pacto de dominação e a
rearticulação de forças sociais, tornam-se imprescindíveis na análise dos condicionantes
do processo de abertura política. Mais ainda: a necessidade de reconhecimento de
que o país atravessou um expressivo processo de desenvolvimento capitalista, o qual
acarretava em um conjunto de transformações em curtíssimo espaço de tempo. Neste
sentido, as intervenções militares na política, recorrentes na fase republicana, o
poderiam manter-se iguais, e por isto acabaram por assumir um caráter variado ao longo
do século, e isto exatamente em função das transformações aludidas acima.
A precipitação de uma interrupção ou redirecionamento do processo político por
obra da oficialidade militar insere-se em um quadro de politização generalizada de
setores sociais estratégicos no cálculo do poder, como o empresariado ligado ao capital
multinacional, os trabalhadores organizados e as camadas médias.
38
Por outra parte, a oficialidade militar não pode ser tomada e interpretada
enquanto uma “elite” autônoma, à margem do processo de acirramento das contradições
sociais que se estabeleciam, mesmo que em muitas passagens estas alusões tenham dado
forma ao seu discurso.
Reconhecendo como necessária a alusão à definitiva militarização dos centros
decisórios de poder a partir de 1968, não se pode afirmar que houve, desde o nascituro
do regime de exceção, uma simbiose pura e simples entre a oficialidade militar e o
poder público-estatal.
As argumentações contidas nesta tese rechaçam as posições analíticas que
abordaram o movimento da política brasileira como fruto da dualidade entre civis e
militares. Entendendo não ser a questão fundamental na análise da transição política,
esta construção binária impede a observação das reais necessidades que orientaram a
intervenção e o regime de 1964. Além disso, condena os últimos - os militares - a uma
indelével marca autoritária (desconsiderando o decisório apoio à posse de João Goulart
em 1961 dado pelo comando do III Exército) e os primeiros a uma inata vocação
ao longo da intervenção no processo político. STEPAN, Alfred. Os Militares: Da Abertura à Nova
República. Tradução de Adriana Lopez e Ana Luíza Amendola. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986,
principalmente capítulos II e III, respectivamente, “O ‘Novo Profissionalismo’ e o SNI: Brasil na
Perspectiva Comparada” e “Distensão: Conflitos Intra-Militares e o Corte da Sociedade Civil”.
38
Huntington chega a afirmar que esta seria uma característica própria das sociedades subdesenvolvidas,
uma sociedade pretoriana onde todos os grupos sociais se empenhariam diretamente na política geral.
57
liberal-democrática.
39
Daí depreende-se a afirmação de que o analista acima citado
(Gama de Andrade), não coloca a questão - que se pauta por esta dualidade - de maneira
adequada, pois parte de uma premissa equivocada para chegar aos resultados que
aponta.
Baseado nos apontamentos de Martins, pode-se aduzir que o exercício do poder
por parte da oficialidade militar reproduzia em muitos pontos a forma de relação entre o
chefe do executivo e suas bases de sustentação domésticas nos períodos antecedentes.
40
O poder efetivo do líder do executivo era limitado pela correlação de forças
interna à caserna e ao bloco dominante. Havia ainda uma certa delimitação das áreas de
abrangência (a esfera econômica sempre esteve ao encargo dos cnicos) e o próprio
exercício da presidência (os recursos à disposição do presidente) tendia a ampliar a
autonomia pessoal perante a única instituição que poderia submetê-lo a restrições (as
Forças Armadas).
Esta margem à formação de uma personalização do poder (por certo o
ocupada) e o próprio caráter centralizador das decisões em regime de executivo
preponderante, característica no Brasil do século XX, em que pese a responsabilidade
histórica da instituição militar, impedia que os indivíduos ligados à caserna se sentissem
como co-responsáveis pelos atos do governo.
Atualmente, com os dados disponíveis, pode-se afirmar que em 1964 o país
estava imerso no ápice de um fenômeno autoritário, o qual foi aprimorado durante a
vigência do regime de exceção. Se esta inferência estiver correta, o processo de
redemocratização que se seguiu à crise do Estado civil-militar, para atingir
minimamente os anseios e os desejos de parcelas consideráveis de sociedade, deveria
necessariamente superar o impulso de agentes próprios do autoritarismo, e na medida do
possível, neutralizá-los. Em outros termos: a redemocratização deveria transcender os
limites do Estado e adentrar a sociedade. Hoje como se sabe, a desarticulação do regime
autoritário com os méritos de revalorizar os temas caros à democracia, aos direitos
HUNTINGTON. Samuel. A Ordem Política nas Sociedades em Mudança. Rio de Janeiro: Editora
Forense-Universitária LTDA., s/d, p. 206.
39
Desconsiderando os papéis políticos de Carlos Lamarca, Luiz Carlos Prestes e Euler Bentes Monteiro,
muito embora se possa associar as condutas em suas respectivas organizações a inclinações
autoritárias, ambos distanciavam-se das práticas assumidas pela corporação. De outro modo, torna-se
difícil sustentar o oposto, ou seja, como demonstram as posições assumidas por Carlos Lacerda,
Magalhães Pinto, Antônio Carlos Magalhães, Paulo Maluf, Marco Maciel.
40
MARTINS, Luciano. A “Liberalização” do Regime Autoritário no Brasil. In.: O’DONNELL,
Guillermo; SCHMITTER, Philippe C.; WHITEHEAD, Laurence (edit.). Transições do Regime
Autoritário: América Latina. Tradução de Adail U. Sobral e Rolando Lazarte. São Paulo: Vértice: Editora
Revista dos Tribunais, 1988, pp. 121-122.
58
humanos e das próprias relações sociais, ficou muito aquém do que era esperado e do
que poderia ter sido.
Em virtude desta constatação, as análises que se debruçam no conflito político e
na crise econômica, em curso nos anos 70, o podem de maneira alguma ser reduzidas
à questão da legitimidade dos militares como segmento hegemônico no pacto de
dominação, sob o risco de, ao desconsiderar um conjunto de condicionantes, simplificar
o processo político-social que aqui se afirma como deveras complexo.
O caráter e conteúdo da proposta de fecho do ordenamento autoritário na forma
definida em 1968 - entendido aqui como processo de redefinição do Estado - a partir
de óticas e abordagens restritas (os militares e o poder civil, a crise econômica, a
emergência de novos atores sociais, a crise de legitimidade, etc.) distancia as evidências
empíricas da confirmação de suas hipóteses e expectativas. Portanto, é considerado
nesta tese como um reducionismo da história recente e do acúmulo político forjado ao
longo do tempo. Neste particular, a menção ao acúmulo político de uma formação social
refere-se a uma certa noção “ampliada” de cultura política, entendendo esta enquanto
um conjunto de idéias, crenças (efeitos de discurso) e práticas (efeitos de mundo) que
organizam o relacionamento entre as pessoas de um grupo.
41
Procura-se então romper com uma dada concepção que observa uma suposta
configuração particular e peculiaridades indeléveis oriundas de características inatas de
determinado povo ou região, da dimensão das tradições, atitudes e comportamentos
políticos.
42
41
Esta concepção foi desenvolvida por Teixeira Coelho, para o qual política estaria para além da prática
institucional de atividades voltadas para o trato da coisa pública – exercício de cargos de representação,
vida partidária como, de modo geral, as práticas de relacionamento humano no interior de um grupo
(socialidade, ou vida em comum na pólis”; participação nos assuntos da comunidade; preocupação
com os problemas e destinos do grupo, etc.) que visam de algum modo a constituição de elos duradouros
entre as pessoas. Esse complexo gera uma representação ou imaginário político formado por imagens
(dinâmicas, simbólicas e afetivas) universais e invariantes no gênero humano e por versões dessas
imagens derivadas da inserção do ser humano em culturas localizadas. O objetivo final desse imaginário
é promover o equilíbrio social do grupo. COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural:
Cultura e Imaginário. São Paulo: Iluminuras, 1997, pp. 119-120.
42
Para Sani, a expressão “cultura política” designa o conjunto de atitudes, normas, crenças, mais ou
menos largamente compartilhadas pelos membros de uma determinada unidade social e tendo como
objeto fenômenos políticos. Onde os componentes deste tipo de cultura seriam os conhecimentos, as
tendências e as normas. SANI, Giacomo. Cultura Política. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI,
Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vols. 1 e 2. Edição. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, pp. 306-308. Cuche destacou que
todo o sistema político surge ligado a um sistema de valores e representações ou seja, a uma cultura,
característica de uma dada sociedade. Mesmo relacionando esta definição a um primeiro nível de
reflexão, visto a noção estar ligada ao que se chamava de “caráter nacional”, Cuche afirma que houve um
desenvolvimento nesta caracterização, sanando uma necessidade dos sociólogos visando abarcar diversas
subculturas políticas que existem no interior de uma mesma sociedade. CUCHE, Denys. A Noção de
Culturas nas Ciências Sociais. Tradução de Viviane Ribeiro. Bauru: EDUSC, 1999, pp. 205-209.
59
Este peso assimétrico na observação dos movimentos militares enquanto
definidores dos rumos políticos do país, parte do pressuposto de que, antes do processo
de mudança política tomar corpo, houve a elaboração de um projeto político de
flexibilização das relações políticas oriundo dos estrategistas de governo, os quais
posteriormente foram identificados e vinculados ao presidente Ernesto Geisel, sendo
estes, elementos de disputa interna na caserna.
Dada a conjuntura, a estrutura de poder, os padrões e as tendências econômicas,
as correlações de forças políticas na esfera do bloco dominante (o pacto de dominação
propriamente) e as manifestações de um processo de insubordinação (o qual será
tratado a seguir), urgia o estabelecimento de um projeto como componente de uma
política de esvaziamento das fontes de frustração sociais, políticas e econômicas.
43
Daí a justificativa ao se pensar que após o refinamento do Estado, como
reconstrução de um sistema e regime políticos à feição do bloco dominante e dirigente
(um regime militar propriamente), as conseqüências deste processo conduziram à
própria redefinição deste, sendo a incorporação da idéia democrática um componente
desta.
Por sua vez, a construção de uma situação democrática, foi trabalhada de uma
forma que, quando midiatizada, acabou por ser assumida por movimentos sociais,
tendências e correntes políticas, eclesiásticas e de categorias de profissionais liberais
que, em muitos casos, foram fundamentais na construção do regime autoritário.
No transcurso dos anos 70 somaram-se focos de desconstituição das bases o
apenas do regime de exceção, mas do Estado em si. Estes “epicentros” de dissenso
emanaram de dissidentes do regime, de setores excluídos do pacto de dominação e da
insubordinação político-social, identificada como o protagonismo social para além das
Também uma importante análise das teorias à respeito do conceito de cultura política está em: MOISÉS,
José Álvaro. Os Brasileiros e a Democracia Bases Sócio-Políticas da Legitimidade Democrática. São
Paulo: Ática, 1995, pp. 82-101.
43
Em uma recente e badalada publicação, com repercussão nacional, colocando o tema novamente em
evidência através do acesso a um inédito arquivo (até então confidencial), a ênfase nas explicações sobre
os impulsos de descompressão do regime autoritário recaí justamente no papel do sacerdote e do
feiticeiro o presidente Geisel e Golbery da Couto e Silva como mentores da proposta de abertura.
GASPARI, Elio. As Ilusões Armadas A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras,
2002a. GASPARI, Elio. As Ilusões Armadas A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002b. Comentários sobre obra: BROSSARD, Paulo. Livro Importante e Oportuno. Porto Alegre:
Jornal Zero Hora, p. 3 em 16 de dezembro de 2002. Com contribuições de Mário Magalhães e Kenneth
Maxwell ver: Sob a Ótica da Dupla de Generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, o Jornalista
Elio Gaspari Escreve a Mais Ampla História do Regime Militar. o Paulo: Jornal Folha de São
Paulo/Caderno Folha Ilustrada, pp. E1; E4-E5, em 23 de dezembro de 2002. Contudo, um ensaio desta
obra pode ser observado na reveladora e exclusiva entrevista feita pelo próprio Gaspari e pelo jornalista
60
instâncias de representação políticas. Estas tensões sofreram um deslocamento na
medida em que foram transformadas e limitadas pela reivindicação da construção de
pressupostos liberais-democráticos e estes, apropriados e ressignificados pelo bloco
dominante, redimensionaram o próprio processo e fenômeno das lutas pela democracia
em nível de fetiche ou como desenvolveu Latour, em objets-fées, objets-faits.
44
Esta
ressignificação fetichizada teve componentes próprios de uma sociedade midiatizada:
relações político-sociais cujo aporte de interlocução cada vez mais se concentrava nos
meios de comunicação de massa. Neste sentido, ao discutir a relação entre comunicação
e poder, Guareschi menciona o fetiche, estabelecendo que:
construir um fetiche, ou elevar um processo ou fenômeno em nível de fetiche,
significa cristalizá-los em sua essência e colocá-los como objetos intocáveis, isto é,
abstraí-los das condições reais de sua produção, numa palavra, desistorizá-los.
45
A construção do regime de exceção, ao longo dos dez anos que separaram a
instauração do regime do “início do término”, proposto pelo núcleo do governo Geisel,
materializou-se diante dos olhos de uma sociedade que sonhava moderno e vivia
arcaico; que almejava progresso sem abrir mão do conservadorismo; que reivindicava
uma nação desenvolvida, mas sem seqüelas sociais (leia-se, a incorporação de novos
atores na arena política e a distribuição de poder entre estes).
Também nesse sentido, a construção da idéia democrática e a concepção do
ordenamento democrático no final dos anos 70, não poderiam ser e não foram
diferentes.
Portanto, não de forma à toa ou por prolixidade acadêmica, a complexidade
permeou os estudos deste tema em áreas do conhecimento tão distintas quanto a
sociologia, a ciência política, a economia, o direito e a história.
I
O Acolhimento da Excepcionalidade e as Contradições Pós-64 - a
caracterização do regime instaurado em 1964, ao menos em seus aspectos fundamentais,
A.C. Scartezini com Golbery e o ex-presidente Emílio Médici na Revista VEJA, em 16 de maio de 1984,
819, pp. 5-16.
44
Fée como aquilo que é encantado, que possui poderes gicos e fait como fato ou feito, assim, leia-se
objetos-encantados e objetos-feitos: LATOUR, Bruno. Reflexão Sobre o Culto Moderno dos Deuses
Fe(i)tiches. Tradução de Sandra Moreira. Bauru: EDUSC, 2002
45
GUARESCHI, Pedrinho A. Comunicação & Poder: A Presença e o Papel dos Meios de Comunicação
de Massa Estrangeiros na América Latina. 7ª Edição. Petrópolis: Vozes, 1987, pp. 17-19.
61
não suscita mais acalorados debates - o tantos quanto outrora alimentou visto partir
de elementos atualmente tidos como consensuais (exceto aqueles trabalhados no
capítulo anterior) e irrefutáveis academicamente.
A intervenção de 1964 instaurou uma nova modalidade de dominação de classe,
tendo então o sentido de adequar a estrutura jurídico-política ao tipo de relação de
produção.
À luz do ordenamento político-social-econômico anterior, ou ao modo e pacto
de dominação antecedente, o regime de exceção implementou uma acentuada
centralização nas decisões e estabeleceu um conjunto de políticas que, entendia-se então
na época, viabilizaria a modernização econômica. Para a consecução de objetivos com
tal monta, necessário seria a redução da imprevisibilidade político-social. Esta por sua
vez, exigiria a normatização da política com vistas a deslocar o dissenso para patamares
capazes de assegurar estabilidade.
46
Sob uma perspectiva sucinta: tratava-se de redirecionar o modo de organizar a
distribuição e o uso do poder decisório, em meio a uma sociedade moderna inserida em
um processo de mudança, a partir de um padrão excludente, centralizador e que se
“autolegitimava” (vide o preâmbulo do primeiro Ato Institucional). A excepcionalidade
enquanto conjunto de práticas políticas - somente pôde ser estabelecida quando o
bloco dominante percebeu uma disfunção no Estado, sendo esta exposta drasticamente
pelas fragilidades e pelos caminhos desconexos trilhados pelo governo Goulart. Em
outros termos: o regime de exceção somente foi possível em um determinado estágio de
desenvolvimento do Estado.
Para setores expressivos da sociedade brasileira, a lógica da coalizão que
destituíra Goulart não era de todo uma anomalia política. Primeiro, concebia-se que a
modernização do processo político e social implementada ao longo dos anos - após
1945 - estabelecera obstáculos à afirmação de um ordenamento democrático do poder.
Em segundo lugar, mas não menos importante, no contexto e conjuntura do período, a
convicção na esfera das camadas dominantes era de que um ordenamento de
estabilidade institucionalizada somente seria viável através de uma intervenção
deliberada, realizada por setores estratégicos da sociedade. Como terceiro elemento
deste raciocínio, que veio a relativizar a posterior denúncia e a desconstituição do
46
Martins trabalha com estas características: MARTINS, Luciano. A Liberalização” do Regime
Autoritário no Brasil. In.: O’DONNELL, Guillermo; SCHMITTER, Philippe C.; WHITEHEAD,
Laurence (edit.). Transições do Regime Autoritário: América Latina. Tradução de Adail U. Sobral e
Rolando Lazarte. São Paulo: Vértice: Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 114.
62
regime pós-64, esta intervenção, transitória a princípio, seria um mecanismo indigesto
mas necessário, na superação dos descompassos em que o sistema político estava
inserido. Somente após estes procedimentos, a sociedade adentraria em uma efetiva fase
de experimento democrático.
Desta maneira, o Estado seria organizado sob nova forma a fim de garantir, ao
mesmo tempo, o exercício do poder decisório e a própria estrutura de autoridade.
Somente assim, entendia o bloco dominante, seria possível aplicar um quantum de
políticas públicas com a expressa intenção de conduzir a sociedade a um renovado
modelo de expansão capitalista.
Para tanto, exigia-se um aparato ideológico que a Doutrina de Segurança
Nacional (diluída e imbuída da idéia do progresso) - não obstante sua larga influência na
oficialidade militar e setores estratégicos da elite civil parecia não conseguir agregar,
dado à diversidade e os interesses conflitantes em longo prazo. Somando setores tão
arcaicos quando modernos, a coalizão intervencionista, ao ter se pautado pela
aglutinação através da generalidade das oposições ao governo de Goulart, garantia
viabilidade da ação, mas não a necessária estabilidade do governo que se seguiu.
O regime pós-64 se definiria pelo domínio direto e pessoal do aparelho de
Estado através da coalizão intervencionista, desde os seus momentos iniciais
desequilibrada em favor da instituição militar, pois convinha ao bloco dominante este
controle por parte da oficialidade. O caráter cada vez mais militarizado do regime foi
determinado pelas condições sociais da conjuntura, sendo esta militarização, talvez o
o último, mas o mais eficaz recurso para assegurar a aplicação de um determinado
projeto.
47
A militarização dos centros decisórios tomaria corpo justamente por estes
espaços. Enfatiza-se: o regime padecia de uma crise de origem.
Para garantir tais objetivos, mesmo o regime propagandeando naquele instante a
dissociação entre ordem política e ordem econômica, a imposição da ordem econômica
como ponto prioritário e condicionante da modernização do país, dependia de uma série
de restrições na pauta política. Mesmo no regime de exceção, a ordem política e a
47
Como destacou Carvalho ao analisar o autoritarismo: o Estado se estabelece como um poder autônomo
em relação às classes e aos atores sociais em geral, distanciando-se, portanto, do papel instrumental que
lhe reserva o capitalismo clássico, face aos interesses burgueses dominantes. Os regimes autoritários
surgem de situações de crise na sociedade civil, assim, a intervenção do Estado substitui o mecanismo de
luta de classes e da representatividade política, fatores responsáveis pela dinâmica das relações sociais no
interior do marco liberal. CARVALHO, Nanci Valadares de (org.). Trilogia do Terror. A Implantação:
1964. São Paulo: Vértice: Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 9.
63
ordem econômica são complementares na concretização do projeto histórico do bloco
dominante.
Desde seus momentos iniciais, o regime enfrentou um conjunto de conflitos (que
tanto o alimentava quanto alimentava os conflitos), alguns herdados da crise da
estratégia de desenvolvimento anterior, outros inéditos, que através da implementação
de um processo de normatização da política com vistas à redução da imprevisibilidade
foram mais agravados do que neutralizados. Somava-se ainda uma rie relativamente
complexa de questões e tensões que acompanhavam o país havia muito tempo, como
por exemplo, a relação descompassada entre modernização e democratização ou entre
desenvolvimento social e econômico, por um lado, e político de outro.
Aqueles conflitos tanto justificavam a existência da excepcionalidade quanto
desconstituíam a própria coalizão intervencionista. Após 1968, a partir dos eventos de
protagonimos sociais e políticos, houve a imposição de uma série de mudanças às quais
definiram a militarização dos centros decisórios. Em decorrência, aqueles pontos de
conflito que instituíram decisivamente a instabilidade do regime, emanaram
essencialmente da caserna. Esta política iria sofrer uma inflexão em 1974. Por razões
que serão discutidas adiante, ao final do governo Médici, a alusão à necessidade de
adoção de uma política de mudanças impulsionou um quadro de sucessivas crises, em
certos momentos domésticas (no bloco dominante e dirigente), em outros, provindas do
dissenso na sociedade civil.
Exatamente neste ponto, o sistema político foi reintegrado, ressalvando-se que
em momento algum o regime o tinha fechado completamente, havendo assim, um certo
balanceamento destas crises constantes. Paradoxalmente a esse retorno do político”
somaram-se novos conflitos e foram alimentadas antigas tensões. De certa forma,
Guilherme dos Santos observara, acredita-se corretamente, que o regime de exceção do
pós-64 no Brasil foi tributário da resposta da sociedade às experiências autoritárias do
passado (da década de 40 precisamente), relação esta que causava pânico na oficialidade
militar, dado a aversão ao regime varguista.
48
As crônicas limitações políticas do regime de exceção foram relacionadas à
mobilização dos segmentos excluídos do pacto de poder no passado recente, proposta
pelo regime de Vargas, sendo estas características reproduzidas em governos
48
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O Século de Michels: Competição Oligopólica, Lógica
Autoritária e Transição na América Latina. In.: Dados Revista de Ciências Sociais do Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Vol. 28, nº 3, 1985, pp. 283-310.
64
semelhantes como o de Perón na Argentina ou Odria no Peru. O reconhecimento
daqueles setores, antes postergados, enquanto atores políticos incorporados à esfera
institucional, legítimos e legalizados, inviabilizou a construção de um programa de
mobilização política no pós-64 pois, contra justamente esta mobilização, insurgia-se a
coalizão que destituiu Goulart, dada a argumentação de que as organizações políticas
destes setores incorporadas ao processo político obstacularizariam atingir o estágio de
desenvolvimento almejado.
Na ausência da liderança carismática e mesmo de um programa confiável de
longo fôlego que acenasse com um mínimo de benefícios, ou ainda, em virtude das
limitações imediatas e objetivas impostas pela própria formação da coalizão
intervencionista, o regime civil-militar não teve condições de converter, redirecionar ou
ressignificar a lealdade política das bases sociais que sustentavam o dito Estado
populista.
Em um primeiro momento, o regime do pós-64 não reunia as condições para
ampliar suas bases de apoio ou cooptação para além daqueles segmentos mobilizados
para deflagrar a própria intervenção.
Se havia um manifesto apoio, concreto ou simbólico, que permitiu uma ação
intervencionista de tamanha magnitude a ponto de destituir um presidente (ou melhor:
um vice-presidente igualmente eleito dado ao voto desvinculado que ascendeu ao cargo
por uma anomalia mal-explicada até hoje) sem ser disparado um único projétil em
defesa da ordem estabelecida, sem ser registrado um único foco de resistência (ao
menos com uma projeção capaz de significar uma resistência efetiva) ou uma única
demonstração de comoção nacional, também deve ser ressaltado que a ação
intervencionista não causou uma ativação política tal que pudesse ser constado uma
demonstração de apoio ao novo governo (algo ao molde dos eventos da proclamação da
República onde cidadãos foram meros espectadores). Em suma: o cativou a ninguém
para além dos já cativados.
Com a ausência de lealdade política ao regime e identificação ao novo governo,
as políticas implementadas pelo bloco dirigente foram, por assim dizer, “externas”,
sendo este distanciamento mantido até o início da administração Geisel/Adalberto
Pereira dos Santos em 1974. Após esta data, com uma série de contingências que serão
trabalhadas no decorrer do texto, o governo empreendeu um montante de mudanças às
quais alteraram substancialmente os rumos da política. Colateralemente, estas mudanças
redimensionaram a legitimidade do regime e revigoraram o sistema político.
65
Justamente por não ter desconstituído de todo o sistema político, mantendo o
parlamento e a Constituição, e ter respeitado um conjunto de procedimentos político-
eleitorais, o regime não esgotou a possibilidade de manobras institucionais em situações
desfavoráveis. Somente desta perspectiva pode-se entender como o regime se manteve
durante mais de duas décadas sem descambar para o mais puro fascismo.
A intervenção, ao se prolongar no tempo para além das tarefas reativas originais,
superando qualquer expectativa de transitoriedade, respondia em grande parte pela
manutenção do sistema político - inserido em um constante processo de normatização
da política na aplicação de um conjunto de medidas econômicas e de redução da
imprevisibilidade política que, ressignificadas midiaticamente, demonstravam que o
regime cumpria a pauta fundadora da intervenção.
Mesmo os debates travados no parlamento entre apoiadores e opositores do
regime e do governo, antes de desconstituir, constituíram o clima de normalidade. No
conjunto das limitações impostas pelo regime, tanto o MDB, quanto a ARENA,
procediam de forma similar no jogo político. Com intensidades diferentes, ambos
demonstraram não ter estruturas capazes de organizar e mobilizar vontades e interesses
políticos, a não ser aqueles definidos pelo próprio regime. Em suma, não produziram
um impacto capaz de “perturbar” as definições oficiais. Nas vezes em que o partido
oposicionista reverteu esta característica, sofreu as conseqüências do arbítrio.
Entre tantos, um dos legados de 1964 esteve na desvinculação da ação/reação do
executivo a ordem/desordem parlamentar, quando estas, no período Goulart, eram
interpretadas como caos administrativo e desgoverno.
Sendo uma trajetória iniciada na gestão de Castelo Branco, a centralização das
ações propositivas e do poder decisório no executivo, somadas à faculdade de
depuração do sistema político sempre que este representasse um entrave aos objetivos
da intervenção, acarretou o apenas a perda do caráter consultivo do poder legislativo
(condenando este a desempenhar figura decorativa como partícipe das decisões políticas
fundamentais) mas, principalmente, em virtude daquela centralização, afastava-se
qualquer possibilidade do sistema político ser acometido de uma paralisia decisória.
Todavia, este procedimento cobrou seu preço. O regime de exceção, de bases de
apoio restritas e sem um caráter mobilizador, criou um cenário otimista de expectativas
que posteriormente não foram correspondidas. Sem anteparos, a fragmentação daqueles
que compunham o pacto de dominação foi quase uma conseqüência óbvia.
66
A busca por explicações plausíveis, arroladas na compreensão, primeiro, da
estruturação e consolidação de um regime extremamente limitado e instável (etapa
designada nesta tese de processo de refinamento do Estado, o qual será tratado
adequadamente ao seu devido tempo), depois, deste ter se perpetuado durante tanto
tempo, conduz, antes de tudo, ao destaque de que o exercício legítimo da violência,
facultado a qualquer tipo de Estado, não reúne condições de resolver definitivamente os
conflitos. A repressão generalizada conduziria o regime de exceção a um modelo
totalitário não desejado nem mesmo pelo conjunto da oficialidade militar (sendo
perceptível o esforço de diferenciação para com o Estado Novo).
Paradoxalmente, não estava entre as prioridades do regime buscar legitimação
política, ao menos nas formas tradicionais de legitimação.
Basicamente, são três as razões que explicam, tanto o cenário de acolhimento da
intervenção no processo e no sistema político, quanto a ausência de um processo de
instabilidade na seqüência desta ação, mesmo o regime não empreendendo esforços
imediatos na construção de sua legitimidade.
No contexto que possibilitou a destituição de Goulart, a sociedade brasileira
vivia um processo ainda de consolidação de determinados valores e práticas
democráticas, haja visto o curto período de exercício da liberal-democracia o qual, diga-
se de passagem, não foi um instrumento de afirmação da burguesia como nas modernas
democracias, mas sim uma ampla negociação que atraiu para o novo governo setores
arcaicos e modernos.
O início dos anos 60 foi palco de um período de aguda movimentação como
expressão de um estágio avançado de luta de classes, representando portanto, um efetivo
teste para as instituições políticas do país no momento em que a idéia da democracia e
os mecanismos de representação, delegação e tutela de poder, recém começavam a
serem estabelecidos.
49
Como uma segunda característica deste processo, ocorria uma radicalização e
fragmentação de posições entre os partidos políticos do período (45-64), a qual
obstacularizava um sistema de coalizões necessário ao andamento da casa legislativa. O
sistema de representação política como um todo adentrou em um processo de paralisia
49
Imaturidade observada nos partidos políticos ainda o plenamente estruturados ou definidos
programática e ideologicamente. Da mesma forma, encontrava-se em estágio de consolidação os vínculos
e identificação partidárias, ao mesmo tempo em que eram experimentados ineditamente definições a
respeito de um calendário eleitoral, eleições com efetiva participação - onde os resultados eram acolhidos
– e a participação ativa do poder legislativo no processo decisório.
67
decisória. A impressão, o senso comum, era de que o legislativo o legislava e o
executivo não exercia suas tarefas básicas.
Mesmo superestimado por diversos setores do governo Goulart e seus
dispositivos de segurança, não havia um processo de reconhecimento social. Os
interesses sociais (da parte que era antagônica aos desejos do capital, como os
movimentos sociais e os eventos de protagonismos sociais) além de não estabelecerem
interligações ou identidades, o se afirmavam enquanto alternativas de poder ou
mesmo de sustentação do poder constituído.
As necessidades cobradas para a implementação do projeto histórico
representado pela coalizão intervencionista, viriam a justificar a construção do
ordenamento de exceção.
Ao contrário da leitura de setores vinculados ao governo Goulart (mesmo às
oposições que se uniram para derrubar o regime de exceção), não havia um projeto
alternativo posto e proposto à sociedade de forma a rivalizar com o discurso
intervencionista. Em última análise: não havia o que disputar (a primeira leva de
expurgos e restrições políticas sufocaram e debelaram focos de resistência que poderiam
construir esta proposta alternativa).
Como resultado, as frações de classe, antagônicas à política do capital, aquelas
que reuniam condições de criar redes de interlocução e organização, acumulando forças
para a disputa política, entraram em um evidente refluxo, logo passando à
desmobilização.
Neste cenário, a coalizão intervencionista não teve dificuldades de se instalar
como bloco dirigente e projetar um período de excepcionalidade - à época,
possivelmente acolhido pela manifestação de transitoriedade da ação pelos seus
próceres militares - que conduzisse o país ao desenvolvimento econômico, à
modernização social e somente então, ao aprimoramento democrático.
A correlação de forças políticas na fase imediata à intervenção, compondo a base
de sustentação do governo Castelo Branco, instaurou uma nova fase de dominação
político-social. Esta por sua vez, prescindia de legitimidade política, ao menos aque a
retórica fundadora do regime (“revolucionária”) fosse exaurida. A aplicação de um
gama de medidas e políticas públicas veio de encontro aos interesses de um grande filão
de grupos econômicos empresariais, mesmo estes o participando diretamente do
bloco dirigente e dos centros decisórios de poder na formulação das políticas
68
econômicas papel que esteve restrito a tecno-burocracia que detinha uma evidente
autonomia nas decisões.
O regime de exceção procurou cortar qualquer possibilidade de relação entre a
legitimação política e a hegemonia de uma forma de acumulação capitalista, como
necessidade intrínseca à modernização.
Em última análise, o bloco dirigente utilizou-se de artifícios econômicos
(benefícios na aplicação de políticas e recursos) como forma de garantir apoio à
burocracia, subtraindo assim, um conjunto de liberdades políticas.
Iniciava-se um ciclo de dependência onde altas taxas de crescimento econômico
contínuo e aumento das receitas fiscais funcionariam como moeda de troca, onde o
governo se legitimaria perante a antiga coalizão intervencionista pelos resultados
econômicos.
50
Ignorava-se que, mesmo grupos estratégicos não se “resumem a
resultados econômicos”, pois possuem objetivos políticos, e estes seriam demonstrados
quando da afirmação do processo de fuga da subordinação (o qual será tratado mais
adiante).
II
Conflitos Após o Refinamento do Estado - não obstante esta complexidade
inerente, o tema da redefinição do Estado brasileiro à luz da transição política dos anos
70 e 80, foi foco de certa dedicação acadêmica, principalmente na busca pela
interpretação de manifestações e eventos recentes, como no crescente ceticismo da
sociedade em relação à política institucionalizada e às benesses do advento da
democracia, nas tentativas de explicação do fenômeno Collor de Mello e também, da
malfadada experiência do primeiro governo eleito pelo voto popular desde 1961.
51
Se mond estiver correto, e esta tese acredita que está, à história cabe o objeto
precípuo de observar as mudanças que afetam a sociedade, tendo por missão propor
50
Apontamentos desenvolvidos por Martins ao discutir os métodos utilizados na obtenção de apoio:
MARTINS, Luciano. Op. Cit., pp. 119-120.
51
O ceticismo político define-se pela ausência de credibilidade – até mesmo, credulidade – e pela
incompreensão da prática política, tanto aquela vinculada ao Estado quanto aquela vinculada à vida
partidária, a incapacidade de interferência no processo político leva ao descrédito da política como prática
inerente aos mecanismos de interlocução e decisão. De outro modo, como ilustração da insegurança
quanto à viabilização do experimento democrático no país ver: WEFFORT, Francisco C. Incertezas da
Transição na América Latina. In.: MOISÉS, José Álvaro; ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Dilemas da
Consolidação da Democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, pp. 69-116. VENTURA, Zuenir. Depois
de 21 Anos, O Desacordo. In.: GASPARI, Elio; HOLLANDA, Heloísa Buarque de & VENTURA,
Zuenir. 70/80 – Cultura em Trânsito: Da Repressão à Abertura. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2000,
pp. 266-268.
69
explicações para estas, mesmo reconhecendo que esta disciplina da ciência esteja
suscetível às mudanças que acabam por se tornar corpus de análise.
52
Neste específico sentido, a produção historiográfica diz menos sobre o tema em
questão e mais sobre o movimento das idéias no tempo em que o historiador se ocupou
em analisar uma dada realidade, nas palavras de Rémond a explicação dessas
oscilações está na relação entre a realidade observada e o olhar que a observa.
Em grande parte, os autores aqui reunidos ou estavam inseridos no processo de
transição ou viviam as incertezas da Nova República, antes mesmo da consolidação das
instituições políticas ocorridas na metade final da década de 80 e sendo assim, não
reunindo a base concreta – umvel aceitável de objetividade - para uma caracterização
do regime oriundo dos processos de mudanças vislumbrados ao final do regime
autoritário. Estes analistas compunham então o quadro de “órfãos” de uma
democratização que se revelou extremamente limitada. Sinalizada pela desintegração da
Aliança Democrática, foi circunscrita aos quesitos de acesso ao poder decisório e
ampliação das liberdades políticas, os quais, em última instância, reduziram o controle
do governo sobre o sistema e as movimentações políticas. Nada mais, nada além.
Sintomática e ilustrativa é a análise conjuntural proposta por Cardoso ainda em 1981:
A mesma sociedade que vomitou a tortura, que congelou os generais-presidentes,
absorveu (não diria aceitou) a democracia dos joões-ninguém e, ato contínuo,
desinteressou-se, talvez enojada, das instituições. Largou-as partidos, eleições
tribunais, imprensa ao cozimento no próprio caldo das ambições, dos sonhos,
dos interesses. E fez-se de novo o muro entre, de um lado, a vida cotidiana e, de
outro, o Estado e suas adjacências.
53
De forma generalizada – midiatizada por assim dizer – a recomposição da
correlação de forças na estrutura doméstica de poder e de outro modo, o
estabelecimento de um padrão de transição do poder, não correspondeu, e mais,
solapou, os anseios de efetivação de uma inversão daquela correlação de forças
políticas. O final do ciclo autoritário não foi acompanhado da retomada do crescimento
econômico, muito menos ainda da percepção de que, uma vez ocorrido este, fosse
favorecer setores historicamente preteridos na distribuição de riqueza.
52
RÉMOND, René. Uma História Presente. In.: MOND, René (org.). Por Uma História Política.
Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 13.
53
CARDOSO, Fernando Henrique. Os Anos Figueiredo. In.: Novos Estudos do CEBRAP Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento. São Paulo: vol. 1, nº 1, dezembro de 1981, p. 203.
70
Esta sensação foi potencializada ao extremo com uma série de eventos,
negativos por certo, sobressaindo a discutível investigação oficial acerca do atentado no
Riocentro (comparado por Quartim de Moraes ao incêndio do Reichstag alemão, dado
às alusões feitas por segmentos da oficialidade militar de participação de organizações
comunistas no atentado) passando pela derrota da emenda “Dante de Oliveira”, a morte
de Tancredo Neves, o malogrado Plano Cruzado, o imobilismo do poder central e as
sucessivas denúncias de corrupção em praticamente todas as esferas de representação
política.
54
Este “vazio democrático”, apontando para um crescente ceticismo, instaurou um
paradoxo que seguiu como característica dos anos 80, ao relativizar positivamente o
passado e desconfiadamente projetar o futuro. De qualquer forma, naquele momento - o
presente - as instituições e as relações políticas não correspondiam às projeções
reivindicadas no decurso de duas décadas, marcando assim, mais uma página da
verdadeira dualidade construída ao longo do tempo, travada por um lado, pelos avanços
de modernização e, por outro, dependendo da conjuntura, em movimentos de
centralização/descentralização.
Sendo esta proposta de pesquisa um esforço teórico alternativo na análise da
desconstrução do regime de exceção, fez-se e faz-se recorrência a um conjunto de
termos singulares que, não sendo auto-evidentes ou postulados, necessitam ser
conceituados e demonstrados.
A qualificação de que o Estado brasileiro sofreu um processo de redefinição
impõe e, por outro lado, torna imprescindível, certas definições prévias - enunciados
propriamente ditos - que sustentarão a caracterização e exploração das transformações
processadas no país, sem as quais, seria inviável a operacionalização desta proposta de
interpretação das instâncias de representação política, especificamente, a arena
institucional gaúcha durante a dupla fuga.
54
Com a centralização política apoiada no fechamento do pacto de dominação e na tecnocracia
administrativa - própria do regime instaurado em 1964 - também uma série de problemas e vícios”
históricos foram acentuados em questões referentes a administração da máquina estatal, sendo estes
problemas relacionados à aplicação de recursos, encaminhamento de licitações, denúncias de recebimento
de propinas, etc. Como referência aos escândalos envolvendo sujeitos da administração pública ver:
ASSIS, J. Carlos de. Os Mandarins da República: Anatomia dos Escândalos na Administração blica
1968-1984. Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. A respeito da atuação tecnocrática no período
autoritário ver: COVRE, Maria de Lourdes M. A Fala dos Homens: Análise do Pensamento Tecnocrático,
1964-1981. São Paulo: Brasiliense, 1983. A analogia ao incêndio do Reichstag está em: MOARES, João
Quartim de. A Vitória Reacionária de Jânio Quadros. In.: Liberalismo e Ditadura no Cone Sul.
Campinas: UNICAMP/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2001, p. 310. O título do artigo fazia
menção à vitória do tradicional político, tradicional na questão temporal e nos métodos de fazer política,
nas eleições municipais em 15 de novembro de 1985 na capital paulista.
71
Dito de outra forma, se na fase imediata à intervenção, os projetos hegemônicos
de modernização econômica e social vinculavam-se à necessidade de centralização
política, ao final do governo Geisel e durante o exercício da gestão Figueiredo, a
proposta de modernização era tributária do advento da idéia democrática, portanto, de
descentralização.
III
A Percepção da Crise do Estado - a sociedade brasileira e conseqüentemente, as
instâncias de representação política, sofreram as conseqüências e os efeitos de
alterações fundamentais no transcurso das últimas quatro décadas.
Estavam então, em conformidade com os movimentos processados em virtude
do desenvolvimento dos padrões econômicos perseguidos pelas classes dominantes
desde a instauração do processo de industrialização, urbanização e modernização do
país.
Os evidentes avanços dos processos de socialização da produção conduziram a
uma inevitável reivindicação pela socialização da participação política, gerando então,
um sensível aumento na imprevisibilidade no sistema político-partidário-eleitoral.
Nas justificativas oficiais da deflagração da intervenção, afirmava-se que o
poder contra o qual a coalizão intervencionista se levantava era injusto e ilegítimo,
sendo reconhecido como tal por um considerável número de cidadãos, de tal monta que,
esgotados todos os meios, a “revolução” seria o último recurso. O regime pré-64, tanto
simbolizado na administração quanto na influência pessoal de Goulart, segundo o
discurso da coalizão intervencionista, teria correspondência de poder sem contudo,
ostentar legitimidade, a qual deixara de existir pelos procedimentos adotados na
formulação, tratamento, mobilização e implementação de políticas públicas.
Sintomático o pronunciamento do deputado Rubem Scheid da ARENA, o qual,
ao destacar as comemorações dos onze anos da “revolução de 1964”, relembrou a ação
que “redimiu a Nação”, visto a intervenção ter afastado o perigo do entreguismo, do
caos, da corrupção e desordem.
55
55
Discurso de Rubem Scheid/ARENA. AAL, em de abril de 1975 durante a 22ª Sessão, de 1975, pp. 7-
9. Neste pronunciamento, o deputado fez uso de um texto transcrito pelos jornais produzido pelo
comandante do II Exército, general Oscar Luiz da Silva e pelo professor Artur Ferreira Filho em nome da
Liga de Defesa Nacional. O texto alertava para a conjuntura pré-64 que destruía os objetivos nacionais
permanentes (inclusive a
democracia representativa
), que permitia a invasão dos agentes do comunismo
internacional inclusive admitindo estes em pastas do governo, que concedia liberdade à entidades
72
Sob variadas inclinações teórico-ideológicas ou mesmo, para fins menos dignos
como a identificação de culpados pelo cenário adverso, da crise fez-se e se acolheu a
intervenção civil-militar, cuja trajetória em busca de consolidação instaurou as bases de
um processo de
refinamento do Estado
, sendo assim, identificada à consolidação do
experimento autoritário, essencialmente no período compreendido entre os anos de 1968
e 1974. Neste curto período, configurou-se que o poder do Estado esteve drasticamente
restrito à cúpula da oficialidade militar, sem a participação de qualquer força política
organizada que não as correntes internas da caserna.
Nos dois últimos anos sessentistas e nos quatro primeiros da década seguinte, a
militarização dos centros decisórios em curso, o esforço pela reestatização das
relações sociais reestruturação e reorganização da política no conjunto dos índices
econômicos positivos – alimentou as falas de que a crise havia sido superada.
Sendo as interpretações produtos do seu tempo, poucos foram aqueles que se
aperceberam que nem a propalada crise dos 60 havia sido debelada, nem o bloco
dominante (mesmo o bloco dirigente) havia falhado na busca pelo refinamento do
Estado.
Ao irromper os anos 80, para além das frustrações provocadas pela aguda
recessão econômica e pelas sucessivas perdas políticas oposicionistas (senão eleitorais,
ao menos na possibilidade de controlar o processo de transição), também poucos foram
os que vislumbraram no processo de redefinição do Estado, quando o perceberam, a
efetiva superação da crise política.
Porém, o grande lapso analítico esteve em afirmar e decantar a crise como um
produto dos processos políticos, econômicos e de controle social, implementados a
partir de 1964. Esta posição, além de negar ser a crise uma representação de um
processo de longa duração, impedia a compreensão de que os movimentos de
insubordinação não são sem precedentes.
56
As mudanças com continuidade e os processos de modernização conservadora
fundamentaram as relações políticas do país, a tal ponto que métodos e conceitos
“espúrias” como a CGT, PUA e UNE e, finalmente, atingia
a livre empresa, característica e
fundamento dos regimes democráticos
.
56
Possivelmente, a grande análise sobre o movimento do capital no século XX (e marginalmente sobre as
transformações da classe operária, logo, sobre as fases e crises do movimento operário) e, por fim, a
eclosão dos novos movimentos sociais, foi desenvolvida por: ARRIGHI, Giovanni. O Longo Século XX:
Dinheiro, Poder e as Origens do Nosso Tempo. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: UNESP:
Contraponto, 1996.
73
desenvolvidos por Gramsci puderam ter aplicação também no caso brasileiro
principalmente a revolução passiva e transformismo.
57
De qualquer perspectiva de análise, os elementos da crise que aqui interessam,
foram em grande parte impulsionados pela antecipação de uma série de demandas
oriundas de “corpos estranhos” ao pacto de dominação, assim se dava a necessidade de
contenção da insubordinação. Esta característica por sua vez, compunha a normalidade
e não a excepcionalidade das relações políticas no país, como poderia ser aduzido.
Explica-se: o histórico de desequilíbrios econômicos, políticos e sociais no
Brasil e na América Latina de forma generalizada gerou um contexto de
desestabilizações políticas às quais, concomitante ao estabelecimento de um rápido
processo de desenvolvimento capitalista, criou uma gama de dificuldades que turvaram
a identificação dos traços de continuidades e rupturas no processo político de 1964. Em
virtude destes aspectos, as análises da história política possuem a necessidade de
ponderar que no Brasil, mesmo em seus períodos de centralização autoritária, o
extraordinário localizava-se nos raros momentos de estabilidade político-institucional e
econômica.
O reconhecimento desta instabilidade histórica implica associá-la à tradição
autoritária e elitista, insuflada no século XX pelas citadas transformações estruturais que
somente agudizaram uma possível tendência - uma cultura política - que há muito
bloqueava os avanços de democratização, base de identificação de uma crônica e
57
Em Gramsci, a noção de revolução passiva (ou restaurações progressistas) seria essencial na
compreensão da formação do Estado burguês moderno na Itália, onde as soluções circunscreveram-se
“pelo alto”. Sendo elitista e antipopular, a revolução passiva implicaria em dois momentos: a restauração,
visto ser uma reação à possibilidade de uma radical transformação implementada pelas camadas
subordinadas e; renovação, pelo fato de que ao encampar muitas das demandas populares e resignificá-
las, garantia a manutenção da antiga correlação de forças. Mesmo assim, os aspectos restauradores e
renovadores não anulavam a ocorrência de modificações efetivas. Duas causas-efeitos deste processo
seriam observadas, uma no fortalecimento do Estado em detrimento da sociedade civil e outra no
transformismo, a cooptação ou assimilação por parte do bloco no poder, de frações oposicionistas às
camadas dominantes cooptação mesmo entre as camadas subalternas. No Brasil, segundo esta
concepção, no Brasil, além do Estado ter desenvolvido a função de protagonista das revoluções passivas,
as transformações deram-se como resultantes do deslocamento da função hegemônica de uma fração da
camada dominante para outra. Sendo o Estado o agente da “transição pelo alto”, haveria uma tendência ao
fortalecimento da sociedade política” (aparelhos militares e burocráticos de dominação e coerção) em
detrimento da “sociedade civil” (os aparelhos privados onde as frações de classe disputariam a
hegemonia e a direção). O tipo de abordagem descrito acima e, a relação entre a produção gramsciana e a
sociedade brasileira, basearam-se nos apontamentos de: COUTINHO, Carlos Nelson. As Categorias de
Gramsci e a Realidade Brasileira. In.: COUTINHO, Carlos Nelson (org.). Gramsci e a América Latina.
São Paulo: Paz e Terra, 1988, pp. 103-127. Para uma análise das formulações originais de Gramsci ver:
GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. 10ª Edição. Tradução de Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. Também: Cartas do Cárcere.Edição. Tradução
de Noênio Spínola. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliera, 1987.
74
constante crise de governabilidade com cenários variáveis, mas constantes, de paralisia
política decisória.
Todavia, o regime, então civil-militar, assumiu e incorporou um conjunto de
características que o singularizavam, tanto das experiências anteriores de centralização
política e modernização econômica quanto, do pacto de dominação antecedente. Estas
características revelaram-se através da organização do Estado, da forma com que se
dava o exercício de poder e da estrutura da autoridade, mas também, através de uma
drástica inversão na formulação e aplicação das políticas econômicas.
Este conjunto, por sua vez, apontou para o caráter excludente do projeto
histórico veiculado pelo regime que previa entregar a esfera dos centros decisórios a
frações sociais capacitadas para tal. É perceptível esta tendência através dos documentos
elaborados pela Escola Superior de Guerra (ESG), centro de iniciativa política-
doutrinária, os quais defendiam uma visão elitista da política, da condução de uma elite
intelectual desvinculada dos mecanismos estritamente políticos, desde muito antes de
1964.
58
Não haveria de surpreender aos analistas que o regime de exceção, com um
executivo fortalecido pelo processo de militarização – ou refinamento do Estado –
alimentou estas nuances, sendo ainda insufladas no período de êxtase econômico.
Porém, a continuação prolongada do ordenamento de exceção somente atestou a
instabilidade crônica ou dito de outra forma, as crônicas limitações na
institucionalização da estabilidade política.
Vieram, então, a fundamentar pautas de discussões nas instâncias de
representação políticas: dificuldades de institucionalização das normas de exceção (do
regime em si) e carência de bases de legitimação. Assim observado, aponta-se para uma
58
O artigo de Lima Filho, datado de 1969, parece antever a estrutura que caracterizará o regime a partir
daquele mesmo ano, ou seja, o predomínio da tecnoburocracia na administração e a definitiva
centralização política com um processo de militarização dos centros decisórios. Diz o autor: Realiza-se no
Brasil, presentemente, notável esforço que tem duplo objetivo: criar uma elite dirigente civil e militar –
capaz de assumir o comando nacional e dar ao País um projeto de destino, que se concretizará pela
planificação da economia e pelo estabelecimento de uma política afastada do empirismo e dos
malabarismos a que nos habituarmos por ausência total de formulação de uma verdadeira Ciência
Política. Procura-se, por meio da formação de uma elite intelectual estudiosa dos problemas brasileiros,
estimular a criação de uma Política Nacional consubstanciada em nossas tradições, em nossos hábitos e
costumes, tendo em vista primordialmente a defesa e a consecução dos Objetivos Nacionais Permanentes
(integridade territorial, soberania, integração nacional, progresso, paz social e democracia). LIMA
FILHO, Luiz Ferreira. Desenvolvimento e Segurança Nacional. In.: Segurança e Desenvolvimento
Revista da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG). Rio de Janeiro, Ano
XVIII, nº 134, 1969, p. 32.
75
série de permanências que, adicionadas a um conjunto de manifestações, constituíram
um novo processo: a dupla fuga.
IV
Caracterizando a Dupla Fuga - Democracia a Pulso
59
- A insubordinação
como produto histórico de ondas constantes, própria de uma formação social
extremamente excludente e desigual, teve isto sim, picos, e estes foram
equivocadamente analisados, grosso modo e salvo raras exceções, como eventos
conjunturais em momentos de crise de legitimidade dos governos, quer sob o manto da
representação democrática (como o caso do governo Jango), quer sob a centralização
autoritária (caso do governo Costa e Silva).
Especificamente neste sentido que se observa os testemunhos e análises da
época; estes dão conta da afirmação de um movimento não-uniforme ou orquestrado,
nem mesmo fruto de estratégia ou tática de grupos políticos institucionais, cuja simples
existência representava a busca por renovação social, econômica e política, dado que
propunha o “fazer político” para além das instâncias formais, impondo assim, um
renascer da política em virtude de um novo sujeito político. Isso, aqui é entendido,
como aspectos de renovação de um candente processo de insubordinação.
Estes movimentos estavam vinculados, e em parte foram agravados, por uma
crise estrutural observada não em uma limitação econômica (conjuntural como o
“choque do petróleo” nos anos 70), mas nas evidências de falência do padrão de
desenvolvimento perseguido muito, que potencializado desde os momentos inicias
do regime civil-militar, naquele momento ressaca do “milagre” insuflou contrastes
construídos historicamente, bloqueando projetos imediatos de frações de classe e
alimentando cisões internas à antiga coalizão intervencionista, fundando assim, novos
opositores.
60
59
A base das formulações teórico-analíticas definidas como
dupla-fuga
(
fuga
da
subordinação
e
fuga
da insubordinação) utilizadas nesta tese, são tributárias dos apontamentos propostos por Holloway, o
qual utilizou a designação dupla-fuga primeiramente, mesmo que a conotação dada pelo autor refira-se à
análise do capital (e o movimento deste) como relação social fetichizada e não ao tema em questão.
Todavia, é enorme a contribuição deste autor nos planos do método e conceitos básicos, não em
afirmações literais mas sim, pela universalidade das ponderações de Holloway, que possibilitaram utilizar
estas fomulações em interpretações peculiares, como a política brasileira. HOLLOWAY, John. El Capital
se Mueve. In.: CECEÑA, Ana Esther (coord.). La Internacionalización del Capital y sus Fronteras
Tecnológicas. México: El Caballito, 1995, pp. 15-29.
60
Para Abranches este seria o aspecto estrutural determinante na progressiva erosão do regime, mais
ainda, na desconstrução da própria coalizão político-social que o sustentava. ABRANCHES, Sérgio
Henrique. Op. Cit. p. 312. Enquanto prevalecia a tese de que o regime autoritário viabilizou um radical
crescimento da economia brasileira o milagre econômico” o país foi apontado como modelo de
76
A coalizão intervencionista, ao romper com uma variante do modelo de
democracia liberal, findava com um determinado projeto de desenvolvimento e
construção nacional. Ao mesmo tempo em que eram resgatados símbolos, signos e
valores que, como mencionado anteriormente, vieram a insuflar a criação de identidades
coletivas baseadas na diferença, no externo e no antagônico como um dos alicerces da
legitimidade “revolucionária”. O ponto comum a todos esteve na superação do
populismo, no combate à corrupção, na repressão à subversão, no controle da anarquia,
no final do caos político, no afastamento de Goulart, no extermínio do comunismo, etc.
Como declarara Hugo Mardini:
o movimento de março de 1964 foi um movimento de cunho eminentemente
democrático, profundamente democrático, brotado das entranhas da alma
popular, nascido nas ruas, nos lares, no coração, na alma da mulher brasileira,
das Forças Armadas que se irmanaram pelo protesto popular, que é contra a arma
de comunização brasileira, porque os comunistas que estavam no governo
decidiram parar a nação e paravam-na com greves de natureza nítida, profunda,
única e exclusivamente política.
61
Estes elementos - manuseados positivamente como elemento de manutenção do
poder decisório pela coalizão intervencionista - povoaram o imaginário social de todo
um período, o que de forma alguma impede a constatação de que havia uma base
concreta que muito sinalizava com a ameaça de decomposição do sistema
econômico, político e da teia social construída ao longo do tempo no País (sendo esta a
manifestação concreta da demanda pela redemocratização e redistribuição da fase
“populista”).
Ao buscar readequar o sistema político e os próprios padrões de sociabilidade da
sociedade, o regime civil-militar chocou-se com setores politicamente ativos. A partir
de então, afirmava-se a necessidade de desmobilização, neutralização e por fim,
manipulação político-social, que nem sempre se fez pela repressão, mas, sobretudo, pela
projeção positiva e afirmativa do futuro.
prosperidade a ser seguido entre seus pares latino-americanos. Esta formulação foi contestada em artigo
de Soares e Silva que, além de relativizar a influência dos tipos de regime nos processos econômicos
(essencialmente em comparações a longo prazo), afirmaram que ovação à política econômica do regime
civil-militar foi prematura: a taxa de crescimento da economia sob o regime autoritário não foi mais alta
de que durante o período democrático precedente. Ou seja, o “milagre” não existiu. SOARES, Gláucio
Ary Dillon & SILVA, Nelson do Valle. Regime político e Crescimento Econômico no Brasil, 1945-1984.
In.: Dados – Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Vértice. Vol. 32, nº 1, 1989, pp. 125-139. Salutar também a desconstituição do “milagre” feita na
tribuna da Assembléia Legislativa pelo deputado Pedro Simon: AAL, 21ª Sessão em 30 de março de 1976,
pp. 492-500.
77
Mesmo a legislação de exceção - o direito controlado pela “revolução” - dava
mostras de falha na imposição de um sistema de normas capaz de disciplinar e
regularizar as relações político-sociais-culturais. O ordenamento proposto pelo regime
não representava ou garantia a necessária previsibilidade.
Marcadamente na fase final do governo Médici, encerrava-se, por assim dizer, a
etapa de realizações e pragmatismos ou propriamente: refinamento do Estado.
Executados os procedimentos inerentes a uma ação política intervencionista alicerçada
na retórica revolucionária (na excepcionalidade), superava-se a fase essencialmente
“reativa” da “revolução de 1964” garantias à paz social através da readequação do
sistema político. A política oficial deveria então ser substituída pela intenção de
transformar o conjunto da sociedade com vistas ao desenvolvimento baseado em uma
concepção muito específica do político.
Como demonstrado anteriormente, havia a intenção de implementação de um
projeto de sociedade, e isto viabilizou a formação da coalizão que concedeu unidade
operacional à intervenção. O projeto desta coalizão assumiu uma face modernizante-
conservadora. Mesmo reconhecendo a ação intervencionista enquanto reativa, vinculada
a um caráter salvacionista, torna-se impossível pensar o regime que se seguiu enquanto
desprovido de um projeto histórico social.
A política formal, das e nas instituições consagradas, teve sua atuação
demarcada pela necessidade de construir e reproduzir limites, portanto viabilizar
consenso quanto à amplitude deste processo entre os sujeitos sociais.
Com a inviabilização do projeto de desenvolvimento nacional proposto pelo
bloco no poder, logo se reconhecia uma fragmentação nas frações ligadas de uma ou
outra forma ao regime, portanto,ilhas de interesses” eram formadas no seio do Estado,
estas por sua vez reivindicaram espaços maiores nos processos decisórios e nas
definições de alocação dos recursos.
Identificava-se uma crise de funcionamento do Estado, um colapso na
organização da dominação de classe, observado na disjunção no sistema como um todo,
entendido o sistema como o lócus onde as frações e segmentos da classe dominante
estruturavam a aplicação das políticas públicas e manutenção da ordem política, social e
econômica.
As circunstâncias concretas no decorrer da década de 70 demonstraram o
descompasso entre movimentos sociais, partidos políticos e instituições políticas. A
61
Hugo Mardini. AAL, 11ª Sessão da Comissão Representativa em 11 de fevereiro de 1976, p. 233.
78
necessidade de readequá-los levou a refundação do campo da política, em outros
termos, à necessidade de criar novas instâncias de participação política e de poder
político, reorientando os sujeitos políticos de forma a talhá-los para as novas
circunstâncias, isso demarcou o que se chamou de “transição política”.
Aquele lócus (o sistema) falhava em não mais responder adequadamente a uma
série de demandas, não apenas do conjunto da sociedade, mas da própria coalizão de
apoio que se desagregava sistematicamente com o agravamento da situação. Os
“desgarrados” do bloco dominante logo se fariam reconhecer. O movimento destes
setores viria a compor o que se designa nesta tese de fuga da insubordinação.
Esta tendência reforçava-se mais ainda na medida em que o conflito era
internalizado, visto não ser viável, como outrora, a construção de uma identidade ou elo
de afinidade/interesses, pela alteridade (os mencionados medo e aversão ao comunismo,
subversão, desordem, terrorismo e rebaixamento social no caso das camadas médias),
mesmo tendo o bloco dirigente ainda no governo Geisel, lançado mão deste expediente.
Este processo foi permeado pela afirmação de uma efetiva oposição institucional
ao governo, sendo confundida em determinados momentos como uma refutação ao
regime. O reconhecimento do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) enquanto
alternativa político-eleitoral viável, não mais como uma negação simbólica às políticas
implementadas pelo regime, somado aos novos sujeitos sociais frutificados com a
irrupção dos movimentos dos trabalhadores urbanos, seriam expressões desse contexto,
ostentando nuances próprias do processo de fuga da subordinação em acentuado curso
na metade final dos anos 70, impondo assim, a alteração na dinâmica das relações de
poder.
A recusa tua do regime, definida a partir da percepção de um centro nodal de
poder que atuava diretamente na economia, na organização política e na estruturação
social, cortava qualquer possibilidade do bloco dirigente em decantar o Estado como
ente autônomo em prol do bem comum. O Estado era na verdade representado por uma
rede de relações de poder sem controle coletivo, de forma que, contra o qual, contra o
que este representava e, da mesma forma, contra as frações que o simbolizavam
afirmava-se a resistência, a oposição e a negação. Como agravante, neste contexto
generalizadamente identificado como de crise crônica, por inclinações diversas,
configuravam-se elementos da própria desconstituição do Estado, da rejeição do
paradigma estatal de poder em si.
79
Da identificação desta base dispersa, retiram-se os argumentos de que emergia
um processo de insubordinação. Note-se que a insubordinação que trata esta tese
inseria-se em um processo de longo curso, sendo identificada à industrialização e
modernização da sociedade brasileira, ostentando ao longo da metade final do século
passado diferentes formas, sendo ora acentuada, ora deslocada.
Nesta continuidade histórica, evolutiva por certo, a insubordinação durante o
regime de exceção oscilou tanto em assumir a crítica ao regime, como ao governo,
quanto às políticas públicas desempenhadas por aquele. Esta posição superava as
limitações dos partidos, do parlamento e do próprio sistema político. Assim definida, a
insubordinação refere-se a fuga das relações estabelecidas, no aqui denominado
processo de refinamento do Estado. Por seu turno, a fuga da insubordinação configurou
um outro vértice deste processo, ao ser instaurada a dupla-fuga condicionava-se a
redefinição do Estado.
Este novo cenário pressupunha a polarização radicalizada de posicionamentos
que, dada a conjuntura, caminhava para uma crise generalizada. Esta crise era vivida por
ambos os lados do espectro político, tanto o formal quanto o informal. Manifestava-se
nas tentativas de manutenção do status de uma classe média eternamente emergente e
neste momento, atingida também pela ação dos sistemas de informação e segurança.
Expressava-se na constância de organização, neutralização e repressão de trabalhadores
urbanos e rurais que almejavam a parte que lhe cabia da modernização das bases
produtivas (diga-se de passagem, quinhão não apenas político).
A manifesta crise da e na instituição eclesiástica (escandalizada com os abusos
dos órgãos ligados aos setores de segurança e informação e também, envolvida nos
embates internos fomentados pela participação política direta através dos próceres da
Teologia da Libertação), somada à crise da instituição militar, dada a acentuada cizânia
castrense, abalada por lutas fratricidas, principalmente as sucessórias mas não apenas
estas, tensões intra-muros, refletiram as fissuras das discussões acerca da manutenção
do regime: o processo de insubordinação caracterizava-se também pelo debate à lógica
de dominação imposta.
62
62
Em relação aos movimentos da Igreja Católica neste processo de dupla fuga ver: KRISCHKE, Paulo &
MAINWARING, Scott (orgs.). A Igreja nas Bases em Tempo de Transição (1974-1985). Porto Alegre:
L&PM: CEDEC, 1986. SOUZA, Admar Mendes de. Frades Dominicanos de Perdizes: Movimentos de
Prática Política nos Anos de 1960 no Brasil. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de o
Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de História, 2003. Vários
Autores. Brasil: Nunca Mais. Edição. Petrópolis: Vozes, 1985. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. Perfil
dos Atingidos Tomo III. Petrópolis: Vozes, 1988. SERBIN, Kenneth P. Op. Cit. Referente à questão da
80
Sendo o núcleo de governo - então essencialmente militarizado - gestor do
aparelho de Estado e ao mesmo tempo a expressão concreta e visível das alianças que
constituíam o bloco dominante, a instituição militar tornava-se cada vez mais
vulnerável, sendo alvo da crítica de segmentos da sociedade outrora fundamentais na
construção da coalizão que originou a intervenção em 1964. Mesmo assim, o governo
não se furtou de garantir reconhecimento - não necessariamente legitimidade - com a
projeção do futuro: da segurança para o desenvolvimento, do aprimoramento das
instituições à transição democrática.
Crise potencializada na obstrução dos interesses das corporações empresariais,
ávidas por um potencial econômico - fornecedor e consumidor - inexplorado
devidamente pelo capital vinculado ao Estado.
Neste particular, um dado sintomático revela a fragilidade do equilíbrio político:
enquanto a economia ostentava índices positivos de crescimento, evidentes até o final
do governo Médici, o empresariado que sustentou a formação da coalizão
intervencionista manteve-se de certa forma fiel ao regime, mesmo estando em curso o
processo de militarização e gradativa centralização do poder. Segundo Stepan, este seria
um dos “momentos brumários”: períodos onde frações de classes fundamentais no
projeto dominante, abdicavam, por motivos variados, do direito de governar - abrindo
mão dos centros decisórios de poder - em troca da garantia de manutenção de certa
hierarquia social, política e econômica.
63
Este seria portanto, o apoio passivo da grande burguesia ao regime de exceção,
revertido este (apoio) a ganhos econômicos (concedo-te o governo, dá-me dinheiro e
segurança para usufruí-lo). Isso explica em grande parte, a autonomização do poder
executivo que se seguiu e todos os reflexos desta centralização. O Estado - enquanto
aparelho – se desvincularia completamente da sociedade.
unidade militar e as disputas sucessórias no contexto da dupla fuga ver, entre outros: BITTENCOURT,
Getúlio. A Quinta Estrela: Como Se Tenta Fazer um Presidente no Brasil. São Paulo: Livraria Editora
Ciências Humanas Ltda., 1978. CHAGAS, Carlos. A Guerra das Estrelas (1964/1984): Os Bastidores
das Sucessões Presidenciais. Edição. Porto Alegre: L&PM, 1985. GÓES, Walder de; CAMARGO,
Aspácia. O Drama da Sucessão e a Crise do Regime. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. STUMPF,
André Gustavo; PEREIRA FILHO, Merval. A Segunda Guerra: Sucessão de Geisel. São Paulo:
Brasiliense, 1979.
63
O autor esclarece que a referência a “momentos brumários” parte da descrição formulada por Karl Marx
em O Dezoito do Brumário de Luís Bonaparte, a respeito deste tipo de relação de proteção em troca da
abdicação e transferência de poder. STEPAN, Alfred. Os Militares: Da Abertura à Nova República.
Tradução de Adriana Lopez e Ana Luíza Amendola. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 17.
81
A não correspondência com o continuísmo do ciclo de expansão econômica,
aliada ao quadro de retração econômica interna e externa, impôs uma série de limitações
aos interesses e objetivos imediatos de parcela do bloco dominante.
64
Com o modelo econômico em cheque, sem saídas em curto prazo, os interesses
destas parcelas acabaram por não ser contemplados, tornando-se visível as limitações
das soluções políticas de desenvolvimento alternativo propostas pelo regime de
exceção. Em pouco tempo, o descontentamento assumiu uma conotação política
oposicionista e, a antes coesa aliança entre o regime e a elite empresarial, de certa forma
adentrou em uma fase de esgotamento. Mesmo o representando uma efetiva ruptura,
contribuíram decisivamente no quadro de crise do Estado e crise de legitimidade do
regime, potencializaram e ampliaram, então, o campo de oposição e sua ressonância.
Sendo caso sintomático de indisposição de setores estratégicos com as linhas
oficiais, o professor Eugenio Gudin, ministro da Fazenda de Café Filho e referência
entre os economistas pelas concepções monetaristas, propôs, em dezembro de 1974, as
bases da campanha contra a estatização da economia como resposta à política de
centralização administrativa de Geisel. Esta, segundo Gudin, acentuava os traços de
intervenção estatal sobre o capital privado no processo de produção e permitia a setores
militares uma interferência sem precedentes na definição das políticas econômicas. A
aguda autonomia de decisão dos tecnocratas responsáveis pelos projetos econômicos e
de desenvolvimento estaria assim, na raiz das limitações econômicas:
até o empresariado, que sempre deu força, que sempre foi sustentáculo do regime
atual, hoje não quer mais saber. Não sei a serviço de quem está o governo, mas a
serviço de organismos ou de segmentos sociais brasileiros não está, porque o
tem nenhum a seu favor. Então o nosso trabalho produziu resultados. Poderá
haver um novo ecatombe, poderá. Nós sabemos disso. Mas sabemos, também, que
a Historia diz: e que não existe poder arbitrário que dure eternamente. O povo
luta pela sua emancipação, pela sua liberdade, pela democracia e pela liberdade,
em qualquer lugar e em qualquer tempo... Poderá haver conseqüências danosas
em relação a nós, mas a nossa causa é justa, é boa, é democrática, é em favor da
devolução do poder a seu legítimo dono, que é o povo brasileiro.
65
64
As questões econômicas vinculadas à crise do Estado foram discutidas no parlamento gaúcho em
inúmeras oportunidades, entre tantos debates registram-se: AAL, 20ª Sessão em 29 de março de 1976, pp.
478-489 (destacando-se as manifestações de Hugo Mardini, Lélio Souza, Waldir Walter e Lórias Realli).
AAL, 4ª Sessão em 15 de julho de 1976, pp. 80-81
65
Waldir Walter. DAL, durante a 11 Sessão - Sessão Extraordinária Para a Eleição do Governador,
Vice-Governador, Senador da República e Seus Suplentes, realizada em de setembro de 1978
(publicada em 19 de setembro), p. 17. Grifos nossos.
82
Posteriormente, a oposição de segmentos do setor empresarial a políticas
públicas que versavam sobre questões econômicas assumiu conotações políticas.
Gradativamente, a crítica econômica das políticas públicas transformou-se em crítica
política da institucionalidade do Estado. A expressão do projeto de setores expressivos
das classes dominantes basear-se-ia na luta por um novo ordenamento político.
Abraçava-se a luta pela redemocratização mesmo que, posteriormente, a mobilização
dos trabalhadores urbanos refreasse a identificação dos empresários com a oposição ao
regime.
66
Compondo mais uma nuance das ambigüidades da transição política brasileira -
precisamente da dialética relação de insubordinação/resubordinação desta fase - o se
pode aduzir que aqueles que outrora apoiaram, não apenas politicamente, mas também
através de doação de fundos privados a programas do governo de combate à oposição
(como a Operação Bandeirante OBAN, que mais tarde, no início dos anos 70, foi
institucionalizada em repartições em cada região militar chamadas Centro de Operações
de Defesa Interna - CODI), tenham se deslocado no interior do espectro político,
tornando-se então, artífices da nova oposição.
O regime, então militarizado, configurando uma efetiva ditadura militar, cada
vez mais acintosamente mostrava-se inadequado como mecanismo de contenção,
exploração e petrificação das relações econômico-sociais.
A posição de desconstituição do governo e de reservas ao regime proposta por
setores historicamente identificados com as elites econômicas e políticas do país,
configurou uma política de fuga da insubordinação ou da denúncia da insuficiência
da subordinação. O Estado autoritário e as instâncias políticas do regime militarizado
não ofereciam garantias de manutenção do status quo ou minimamente, do alcance de
objetivos imediatos. Em virtude dessa limitação, dava-se a manifestação em favor da
66
Na questão do realinhamento político do setor empresarial, Cardoso apontou que: A crítica consistiu
numa espécie de aceitação genérica dos pontos de vista oposicionistas no que se refere às ‘distorções’
sociais e econômicas do ‘modelo de desenvolvimento’ prevalecente; na ênfase à necessidade de controle
da ação estatal direta na economia; na prédica em favor da participação dos empresários no processo de
decisão; na reiteração da importância da democracia e no contraponto diante de medidas propostas pelo
governo. CARDOSO, Fernando Henrique. O Papel dos Empresários no Processo de Transição: O Caso
Brasileiro. In.: Dados Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Vol. 26, 1, 1983, pp. 9-27. Ver ainda: DINIZ, Eli. O Empresariado e a Nova
Conjuntura. In.: TRINDADE, Hélgio (org.). Brasil em Perspectiva: Dilemas da Abertura Política. Porto
Alegre: Sulina, 1982, pp. 105-120. DINIZ, Eli. Empresariado, Regime Autoritário e Modernização
Capitalista: 1964-1985. In.: SOARES, Gláucio Ary Dillon; D’ARAUJO, Maria Celina (orgs.). 21 Anos
de Regime Militar: Balanços e Perspectivas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1994, pp. 198-
231. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. O Colapso de uma Aliança de Classes. o Paulo: Brasiliense,
1978.
83
reconstrução das relações políticas, do regime propriamente e, em última análise, do
Estado.
Também compunha a fuga da insubordinação - e conseqüentemente, o impulso à
redefinição do Estado - a perda de capacidade do setor público em se manter como
agente propulsor do crescimento econômico, papel desempenhado desde os primórdios
do século XIX.
A dialética de subordinação/insubordinação manifestava-se no movimento
antagônico expressado na fuga de ambos os setores para a subordinação renovada, cuja
dinâmica seria fundamental na redefinição do Estado. O resultado deste processo legou
ao novo ordenamento político-social nos anos 80, aquilo que a imprensa da época e
analistas daquela conjuntura consagraram como a “Nova República”.
A ênfase em qualquer um dos aspectos deste processo impõe o reconhecimento
da crise do Estado. Havia portanto, uma recusa mútua do regime de exceção da
forma como este estava estabelecido. Paradoxalmente, as camadas dominantes pautaram
no aprimoramento do regime o mecanismo adequado de repactuação político-social.
Em outros termos: a negação do ordenamento de exceção na forma consagrada entre
1969 e 1974 o guardava relação com a construção de um regime democrático
propriamente dito.
A partir do momento em que o bloco no poder assumia a liberalização como
passo indelével, os movimentos seguintes concentraram-se na tarefa de
instrumentalização daquele processo através da identificação e formação de vínculos
com organizações da sociedade civil.
O anúncio da liberalização por parte do bloco dirigente sintetizou os
mecanismos de eliminação da dualidade de ordenamentos, ou seja, a formulação de um
aparato institucional apropriado e formulação de normas políticas à feição da nova
conjuntura.
O processo posterior denominado de “transição”, implicou na descaracterização
das relações de dominação da forma como estavam estabelecidas. Estas sofreram um
processo de reestatização, tendo como ponto essencial a fragmentação das relações
político-sociais. Visto serem as relações sociais antes de institucionais, relações de
poder classistas, a configuração da reestatização acarretou em profundas alterações na
forma do sistema político. A rigidez e disciplina exigidas no auge do regime de exceção
precisamente no âmago do processo de militarização - foram gradativamente
substituídas por relações mais livres e fluídas, mas não menos excludentes.
84
Pautar o tratamento da conjuntura política brasileira neste contexto através da
dupla fuga e redefinição do Estado, não implica inferir ordinariamente que o Estado
sofreu um ajuste único, mas sim, de que o Estado no Brasil foi constituído por relações
deste tipo.
No mesmo exercício analítico, a descaracterização das relações político-sociais
expressava a impotência do Estado. Mesmo como centro nodal de poder, este o
possuía pleno controle desta relação de fuga e dependência, a não ser artificialmente,
daí a dissonância entre, de um lado, os objetivos do regime, veiculados no projeto
oficial de abertura e, de outro, o processo ampliado de descentralização.
O sintoma mais perceptível desta relação esteve no agravamento da crise
institucional do início dos anos 80, quando o evidente colapso do autoritarismo não
implicou na configuração do ordenamento democrático e em reformas redistributivas,
solução lógica como forma de contenção.
Estes tempos de crise não apenas estiveram diretamente relacionados ao declínio
de uma certa lógica de dominação, mas fundamentaram as relações incorporadas pela
sociedade de diversos modos ao longo de todo o regime de exceção. Este declínio
alimentava e era alimentado pela insubordinação perniciosa ao bloco dominante e no
poder, porque prenhe de esperança e alternativas, potencializava novos atores políticos,
que para muito além daqueles ligados ao novo sindicalismo, construíam política de
forma autônoma, leia-se: instauravam definitivamente a imprevisibilidade.
Utilizando o tradicional recurso da antecipação das demandas sociais, impunha-
se o deslocamento do antagonismo. Esta tarefa foi possível pela retomada da “arena”
institucional como protagonista da política no país. Desta maneira, o perigo imposto
pela insubordinação, impôs a renovação da lógica de controle.
Esta renovação se fez pela apresentação de uma pauta política, econômica e
social que, incorporando uma série de reivindicações dos novos atores, se portaria
enquanto agregadora, integradora e edificadora de uma nova identidade coletiva, para
logo em seguida impor outras lógicas de diferenciação, tutela e ressubordinação.
Posteriormente, durante a repactuação das forças políticas promovida nos anos 80, esta
identidade se esvaiu na medida em que interesses localizados e de frações de classe
foram minimamente sanados ou até mesmo, definitivamente impedidos.
A construção da idéia democrática, antes de uma formulação concreta baseada
em propostas alternativas, efetivava-se como rejeição a aspectos do autoritarismo em
curso, não avançando para além dos requisitos básicos de uma democracia igualdade
85
política e igualdades de oportunidades do exercício da política - entre personagens
sócio-políticos tão distintos quanto setores do empresariado, trabalhadores dos grandes
centros urbanos, políticos moderados e progressistas, intelectuais de variados matizes
ideológicos, movimentos sociais e parte da oficialidade militar sendo estes últimos os
negociadores magnos da transição.
A aglutinação destas forças revelou-se suficientemente ampla a fim de construir
um bloco de oposição ao regime militar (vide a campanha pelas eleições diretas). Por
outro lado, esta mesma disparidade obstaculizou a construção de um projeto alternativo
de regime efetivamente democrático, dada à gama de interesses em jogo e,
essencialmente, o poder de frações da classe dominante em controlar este processo.
Ironicamente, reproduzia-se o dilema da instauração do regime: a coalizão que o
viabilizara tornara-se insuficiente para mantê-lo.
A afirmação coletiva e comum da necessidade de descentralização e
reconstrução do ordenamento político-institucional, reunindo uma conjunção de forças
heterogêneas e com interesses distintos, teve como resultado imediato uma visível
limitação deste desejo enquanto programa político viável, tendo posteriormente seus
custos cobrados ainda na primeira metade dos anos 80.
Aqueles setores que assumiram o debate acerca da construção deste novo
ordenamento, grosso modo a partir de 1974, buscaram-no não como antítese do regime
vigente, pois o acúmulo histórico demonstrava que, desde o êxito da intervenção em
1964, sempre que o regime fora confrontado, a solução autoritária prevaleceu, inclusive
com fôlego renovado.
Pr este motivo, o ideário democrático propagado pelas instâncias de
representação política formais não preconizou salvo raras exceções a
superação
da
ordem vigente através da destruição do regime, mas sim, pelo aprimoramento deste.
De outro modo, uma dada concepção de redemocratização auxiliou na
intensificação da disciplina social, haja vista a ênfase do discurso oficial em conter o
processo político em duas únicas possibilidades: como a afirmação do tempo oficial de
distensão ou o caos. Com o risco de retrocesso autoritário descontrolado. Neste restrito
sentido, deve-se entender a cizânia que se abateu sobre a caserna e as conciliações em
nome da transição, estando aqui a gênese da demissão do ministro do Exército Sylvio
Frota em 12 de outubro de 1977, a posterior exoneração do general Hugo Abreu,
ministro-chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, em 3 de janeiro de
1978, a definitiva flexibilização das relações políticas e o acolhimento da candidatura de
86
Tancredo Neves em 1984. Especificamente nos embates domésticos, o bloco no poder
submetia até mesmo seus pares à lógica da redefinição do Estado.
67
Somente a partir da demissão do general Frota, em 77, se definiu
domesticamente a flexibilização das relações político-institucionais com, sempre é
conveniente ressaltar, a manutenção do poder de veto militar.
Porém, os conflitos envolvendo diferentes visões do processo político, sendo
funcionais, acabaram por ampliar a, constante, presença do espectro da “volta ao
passado duro”, justamente então, no momento da efetivação da transição para um
sistema político minimamente estável, visto a impossibilidade da instituição militar ser
alijada no jogo destas relações, dada a sua dimensão política (o partido militar).
68
A transição política também esteve sujeita à correlação de forças interna da
corporação, a qual nem sempre esteve favorável ao término do regime de exceção,
postura essa própria daqueles setores diretamente ligados à repressão.
A abertura política surgia como projeto de governo, sendo natural a
incorporação da oficialidade nas negociações para a transição, sem o retorno imediato à
caserna, sem grandes sangrias, sem datas a comemorar.
Destaca-se ainda que, no momento em que a insubordinação apresentava-se
acintosamente, tanto a “arena” institucional (eleitoral), quanto a parlamentar, voltavam
a ter significado condizente com os debates e o choque de interesses que se
manifestavam na sociedade. Também por esse modo a oposição difusa, ao regime
através da unidade pela luta democrática, consolidava-se.
A trajetória de afirmação do partido oposicionista próprio ao regime - por
definição da lei, o MDB e depois por agregação espontânea o PMDB como espaço
oficial para a proposição de políticas alternativas, adicionada à constituição do Colégio
Eleitoral que elegeria o futuro presidente da República, demonstraram que o grau de
incorporação política de inúmeros setores sociais, era dado ainda em bases
conservadoras. Contudo, isso não anula o fato positivo da existência da oposição
emedebista, ou seja: ser a expressão legal (institucional) da frente que era antagônica ao
regime.
67
Relatos detalhados da demissão estão em: GASPARI, Elio. As Ilusões Armadas A Ditadura
Envergonhada. Op. Cit. KUCINSKI, Bernardo. Abertura, A História de Uma Crise. São Paulo: Ed. Brasil
Debates, 1982, pp. 67-86. COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da Ditadura e Abertura: Brasil
1964-1985. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 1999, pp. 217-244.
68
Possivelmente, seja Rouquié um dos analistas que mais se detiveram nesta questão, destacando-se entre
suas obras: ROUQUIÉ, Alain. O Estado Militar na América Latina. Tradução de Leda Rita Cintra Ferraz.
87
A própria gênese da Aliança Democrática apoiava-se em um campo de alianças
reunindo praticamente todas as forças do espectro político, mesmo forças que até
pouco estavam na base governista (caso do próprio José Sarney). Obviamente, não sem
antes da consubstanciação de garantias para o bloco no poder, tanto de salvaguardas de
dolo, como de punição pelo exercício desregrado da repressão, sendo estas garantias
possibilitadas através da citada repactuação de forças políticas em bases conservadoras.
Não à toa, o artífice deste processo foi Tancredo Neves, que em 1961 havia
desempenhado uma função-chave semelhante no desenlace de outra crise institucional.
O complemento desta projeção do futuro como aporte de legitimidade esteve
ligado à questão da soberania nacional.
Partindo da base forjada durante o governo Médici (“Brasil-potência”), a
resposta da administração Geisel/Adalberto Pereira dos Santos às oscilações
econômicas internacionais engendrou a rediscussão do acalentado projeto geopolítico
nacional, pauta constante dos cursos da ESG, definindo uma estratégia de reinserção
internacional através de uma reestruturação nas relações econômicas e políticas
externas.
69
Sendo uma questão de Estado, tanto foi eficaz nesta área, que a política externa
brasileira no período de Geisel esteve isenta de críticas contundentes. Salvo pontos de
conflitos internos quando da defesa das caducas “fronteiras ideológicas”, instigados
pelos setores ligados à segurança e informação que travavam uma disputa declarada
com o núcleo do governo e, de outra forma, conflitos externos, dada a tendência
autônoma desta política e a desagregação de alianças preferenciais (EUA e Portugal). Se
a economia e as questões políticas domésticas enfrentavam as incertezas de uma
conturbada crise, na política de relações exteriores o Brasil teve avanços evidentes
como resposta ao estrangulamento do sistema financeiro internacional.
Sendo objetivos de governo os interesses do comércio exterior, o suprimento de
matérias-primas essenciais e o acesso a tecnologias avançadas, impunha-se a ampliação
de parceiros, independentemente destes situarem-se na África, Oriente Médio ou na
própria América Latina. Para tal empreitada seria necessária a superação das referidas
São Paulo: Alfa-Omega, 1984. ROUQUIÉ, Alain (coord.). Os Partidos Militares no Brasil. Rio de
Janeiro: Record, 1980.
69
Ao analisar o governo dici, Drosdoff, debruçando-se sobre o programa de transformação do Brasil
em uma grande potência, classificou os projetos de impacto próprios do período (a maior hidrelétrica, a
Transamazônica, a capital mais moderna, etc.) como “complexo de Texas”: DROSDOFF, Daniel. Linha-
Dura no Brasil: O Governo Médici, 1969-1974. Tradução de Norberto de Paula Lima. São Paulo: Global
Editora, 1986, pp. 156-166.
88
“fronteiras ideológicas”, étnicas, rivalidades regionais, bem como a neutralização dos
impulsos criadores de um subimperialismo” (teses de hegemonia continental próprias
do ufanismo nacionalista do governo Médici).
70
As relações internacionais do país flexibilizavam-se na medida em que a
configuração política e econômica internacional passava por um processo de
diversificação e descentralização, de distensão propriamente dita, evidenciando um
movimento de alteração das orientações políticas e econômicas em escala mundial. A
falência de padrões estabelecidos no pós-guerra, essencialmente a crise do sistema
Bretton Woods, possibilitava uma maior autonomia e projeção dos países periféricos, ao
menos aqueles que forjaram estruturas para “alçar” tais vôos.
Unindo uma série de fatores, como a redefinição da política exterior dos Estados
Unidos na administração Carter, o fim dos processos de rápida expansão econômica
(demarcado simbolicamente pela “crise do petróleo”), a efetivação de um sistema
internacional de caráter multipolar (interdependente) e uma nova etapa de instabilidade
política internacional, a política exterior do Brasil empreendeu e concentrou esforços na
ampliação autônoma nos quadros da política internacional, confrontando-se desta
forma, à hegemonia norte-americana na região:
A crescente diferenciação de interesses e percepções entre o Brasil e EUA, a
respeito de suas respectivas posições no sistema internacional, produziu políticas
divergentes e freqüentemente conflitivas no plano das relações bilaterais. Em
grande medida, este padrão de divergência é decorrente de transformações
ocorridas no sistema político brasileiro a partir da ascensão de Geisel à
Presidência da República. O que está estabelecido é um padrão de transição de
poder, marcado pela idéia da necessidade de manutenção do projeto militar, para
assegurar sobrevida à leitura do desenvolvimento nacional implantada nos
moldes de uma potência emergente.
71
70
As novas atitudes diplomáticas brasileiras com a finalidade de suprir as necessidades de capital,
tecnologias, mercados e suprimentos estratégicos, compreenderam o reconhecimento do governo de
Agostinho Neto em Angola em 1975 (o Brasil foi o primeiro país a fazê-lo), a tomada de posição
referente ao conflito árabe-israelense e ampliação do comércio com a República Popular da China.
CAMARGO, Sônia de; OCAMPO, José Maria Vasquez. Autoritarismo e Democracia na Argentina e
Brasil: Uma Década de Política Exterior, 1973-1984. São Paulo: Convívio, 1988, pp. 23-188. A defesa
da construção da hegemonia continental, principalmente quando os índices econômicos durante o governo
Médici viabilizavam anseios desta monta, com freqüência obrigou o governo brasileiro a explicar sua
política exterior e a despretensão de configurar-se como nação hegemônica, como ilustra o
pronunciamento (explicação) do ministro das Relações Exteriores Gibson Barbosa: Brasil o Aspira a
Lideranças ou Hegemonias Nem Impor Modelos. In.: Jornal Correio do Povo, Porto Alegre, capa/p. 27,
em de fevereiro de 1972. Ver também: Venezuela Diz Que Hegemonia Brasileirao Será Aceita. In.:
Id, capa em 21 de janeiro de 1972. Colômbia Reage à Liderança Brasileira Exaltada por Nixon. In.: Ibid.,
capa em 12 de dezembro de 1971.
71
LESSA, Antônio Carlos. Relações Brasil América Latina Durante o Governo Geisel: Discussão
Sobre o Projeto Hegemônico Brasileiro (1974-1979). In.: Anos 90 – Revista do Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. 10, dezembro de
89
A política de afirmação nacional durante o governo Geisel, ampliando os
espaços de negociações internacionais, deslocava a dependência do país em relação aos
Estados Unidos, daí gerando uma série de conflitos, especialmente em duas ocasiões: na
questão da transferência de tecnologia em áreas delicadas (nuclear e armamentos
convencionais) com a oposição ferrenha ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha Ocidental
(assinado em junho de 1975) e, na ênfase da administração Carter na política de direitos
humanos, denunciando as violações ocorridas no país e tolerância/omissão do governo
brasileiro. Mais do que nunca a soberania nacional voltaria a pautar os debates nos
espaços políticos institucionais.
72
Voltar no tempo verbal aqui apresentado, se justifica na medida em que durante
a administração anterior, Garrastazu Médici/Augusto Rademaker, houve um esboço de
rompimento na relação Washington-Brasília pela disputa envolvendo a ampliação da
extensão do domínio do mar territorial.
73
Para os objetivos desta tese: o deslocamento da economia e as novas orientações
políticas internacionais auxiliaram no processo de redefinição do Estado. Pois a
popularização da idéia da construção do Brasil como potência mundial, ponto de partida
do crescimento econômico, do desenvolvimento da sociedade e modernização política,
estabeleceria uma nova proposta de unificação nacional (aludidas nas peças oratórias do
parlamento gaúcho como “pacificação da família nacional”).
Neste novo cenário, bloqueava-se por parte do bloco no poder a sistemática
utilização de pressupostos caros à Doutrina de Segurança Nacional ou aquilo que
Stepan chama de o novo profissionalismo da segurança interna - recorrente e
1998, p. 30 (grifos nossos). Também ver: HIRST, Mônica. Transição Democrática e Política Externa: A
Experiência Brasileira. In.: Dados Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Vol. 27, 3, 1984, pp. 378-380. Dois analistas contemporâneos
produziram obras fundamentais na interpretação das mudanças na correlação de forças mundiais após a
Segunda Guerra: WALLERSTEIN, Immanuel. Após Liberalismo: Em Busca da Reconstrução do Mundo.
Tradução de Ricardo Aníbal Rosenbusch. Petrópolis: Vozes, 2002. CHOMSKY, Noam. Novas e Velhas
Ordens Mundiais. Tradução de Paulo Roberto Coutinho. São Paulo: Scritta, 1996.
72
O Acordo Nuclear Brasil-Alemanha e a política energética brasileira, foram levados ao plenário da
Assembléia Legislativa por Lélio Souza. O deputado emedebista acusou o governo de desconsiderar as
posições da comunidade científica em questões cruciais: Essa não é a primeira vez, durante esse período,
que nos defrontamos com situações análogas, capazes de demonstrar, sem sombra de dúvidas, a
inconveniência dos regimes de exceção. Quantos problemas da maior gravidade para os destinos
nacionais e para a sorte do povo brasileiro foram resolvidos às escondidas do povo, sem qualquer
debate, sem análise pública das alternativas, mas resolvidos apenas em função da opinião oficial, não
importando ao governo se sua opinião está divorciada da própria opinião da comunidade cientifica
brasileira. DAL, 126ª Sessão em 19 de setembro de 1978, pp. 6-7 (publicado em 9 de outubro).
90
predominante na instituição militar, essencialmente no nível da oficialidade presente
nos centros decisórios de poder, como elemento de racionalização do regime de
exceção, visto fornecer um arsenal de argumentos necessários na aplicação de uma série
de medidas, especificamente nas duas primeiras fases do regime - cumpridas nos
governos Castelo Branco, Costa e Silva e Médici.
74
Internamente, até então, a adoção da Doutrina de Segurança Nacional e seus dois
conceitos correlatos e interdependentes - segurança e desenvolvimento - na definição de
políticas públicas, atestou a afirmação hegemônica de determinadas frações no seio do
bloco no poder (os centros de informação e segurança, por exemplo, que configuraram o
chamado sistema).
75
A disputa entre o sistema - de força por excelência, (primogênito do regime) - e
o governo, alimentavam ainda mais as fragilidades do regime através de crises
constantes que, quando tornadas públicas, causaram profundos desgastes à imagem do
governo.
Não restam dúvidas quanto a influência dos pressupostos da ideologia militar -
racionalização do regime de exceção - na configuração política e social do país após 64
e essencialmente, após 1968. Porém, a questão instaurada a partir das definições de
mudanças no regime na administração Geisel, esteve exatamente em dimensionar a
influência da Ideologia de Segurança Nacional no processo de descentralização política.
A superação da crise do Estado passava necessariamente pela revitalização das
instâncias políticas formais, ampliadas pela abrangência do sistema eleitoral, o qual
73
O Brasil exigia 200 milhas, quando os Estados Unidos reconheciam apenas 12 milhas; após tensos
debates protagonizados pelos diplomatas – inclusive com menção ao uso da força – a questão foi
acomodada na base de acordos e pagamentos de licenças.
74
Possivelmente, o trabalho de Comblin seja, senão o precursor, o grande referencial nas discussões que
se servem da Doutrina ou Ideologia de Segurança Nacional como base de funcionamento dos recentes
regimes de exceção na América do Sul: COMBLIN, Joseph. A Ideologia da Segurança Nacional O
Poder Militar na América Latina. Edição. Tradução de A. Veiga Fialho. Rio de Janeiro: Ed.
Civilização Brasileira, 1978. Ao seu turno, Stepan confronta um velho paradigma da instituição militar (a
defesa externa) à um novo paradigma, definido por este brazilianista como um novo profissionalismo”
da segurança interna e do desenvolvimento nacional. STEPAN, Alfred. Os Militares: Da Abertura à
Nova República. Edição. Tradução de Adriana Lopez e Ana Luíza Amendola. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1986.
75
Concebida na fase pós-guerra pela Escola Superior de Guerra, o conceito de Segurança Nacional
traduziria-se pela garantia relativa que o Estado proporciona à Nação, utilizando-se dos recursos desta,
visando a conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais, diz Arruda que é justamente da utilização
necessária e variada dos recursos da Nação, para se obter a Segurança, que resulta a inter-relação desta
com o Desenvolvimento. (...) Na ESG, o Desenvolvimento identificou-se com duas noções convergentes: o
potencial nacional; outra de ordem espiritual, o bem-estar. Para atender aos reclamos da segurança,
faz-se necessário “fortalecer o potencial nacional”, isto é, promover o Desenvolvimento. ARRUDA,
Antônio de. Doutrina da ESG: Principais Alterações Ocorridas nas Últimas Quatro Décadas. In.:
Revista da Escola Superior de Guerra. Ano V, 12, 1989, pp. 14-15.
91
possibilitaria almejar um patamar mais elevado de representação, sendo esta então
acolhida e legitimada.
O deslocamento do regime a fim de superar crises, pode ser apreendido na
realocação do pluripartidarismo e a recondução do jogo eleitoral como componente
efetivo das decisões políticas, sendo necessidades não apenas na desconstrução da
oposição, cada vez mais fortalecida através das eleições de caráter plebiscitário, mas
também pela imperiosidade de ser evitada a radicalização e polarização do sistema
político-parlamentar. Mais ainda, sendo canalizada para o governo a função de condutor
da normalização institucional, o regime sairia vitorioso independentemente dos
resultados eleitorais (guardadas as devidas precauções a fim de evitar a perda da maioria
parlamentar e da capacidade de indicar o presidente), dado que o respeito aos
procedimentos comporiam um novo quadro de legitimação.
76
Na questão eleitoral, se comparado às eleições de 1970, o pleito de 1974
apresentou uma sensível redução de votos nulos e brancos, bem como uma notável
diminuição das abstenções. Os dados finais possibilitaram releituras sob outra
perspectiva que não a competitiva (a qual indica uma flagrante derrota do governo): ao
canalizar as manifestações políticas e mesmo o dissenso para o sistema de disputa
política formal, o regime saiu fortalecido.
Considerando as manifestas incapacidades da ARENA de identificação com o
próprio governo e as dificuldades tanto de penetração quanto de mobilização social
(principalmente nos grandes centros urbanos) e, da mesma maneira, considerando a
definição do MDB, ao menos de sua cúpula dirigente hegemônica, pela conciliação (não
obstante críticas – algumas contundentes), a política da implementação gradual de
mudanças no regime durante a administração Geisel foi acolhida de maneira
generalizada pelo conjunto dos atores políticos institucionais.
77
A garantia, tanto da realização de eleições quanto do respeito aos resultados,
também teve um componente de recomposição da estrutura de dominação e, em certa
medida, da própria governabilidade.
76
Lamounier trabalhou com esta hipótese ao elencar as fases que caracterizaram o regime: uma simbólica
(de combate ao comunismo), outra de êxito econômico e militar e, por fim, uma terceira, o respeito às
regras político-eleitorais como parte de um esforço de legitimação. In.: LAMOUNIER, Bolívar &
FARIA, José Eduardo (orgs.). O Futuro da Abertura: Um Debate. São Paulo: Cortez: IDESP, 1981, pp.
54-55. No decorrer do texto estas questões serão rediscutidas.
77
Para tal discussão ver: KLEIN, Lúcia. Brasil Pós-64: A Nova Ordem Legal e a Redefinição das Bases
de Legitimidade. In.: KLEIN, Lúcia & FIGUEIREDO, Marcus. Legitimidade e Coação no Brasil Pós-64.
Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978. Principalmente pp. 71-79.
92
Autores como Mathias e Oliveira, defendem que este acolhimento ocorreu em
grande medida, à introdução de determinadas inovações fundamentais no regime após
74, constatações estas realizadas à luz dos discursos dos antecessores de Geisel:
temporalidade, condicionalidade e continuidade da mudança.
78
Não resta dúvida de que, ao anunciar a necessidade de descentralização política,
o governo Geisel reintroduziu a questão da temporalidade no regime pós-64. Ao nível
do discurso, o regime acenava com a intenção de encerrar o prazo da excepcionalidade.
Reverteria desta maneira, a posição adotada com a edição do AI-5, a qual instaurou a
definitiva militarização dos centros decisórios de poder onde o regime estabeleceu-se
como permanente (apreendido pelo deputado Waldir Walter/MDB como: a
institucionalização da exceção).
79
As medidas de flexibilização das relações políticas, em um primeiro momento
aludidas somente pelo presidente Geisel, visto o bloco dirigente pouco se manifestar a
este respeito, acabaram por definir que a solução de exceção (centralização) não poderia
ser de longo prazo sob risco, do contrário, de descontrole doméstico (disputas internas
principalmente na caserna) e esfacelamento de suas bases de apoio e sustentação. A
partir de então, o grupo palaciano instaurava uma nova pauta de conflitos internos, os
quais seriam neutralizados por medidas próprias de um regime discricionário.
A idéia de que a distensão introduziu a condicionalidade da mudança,
diferenciando-se dos procedimentos anteriores, pauta-se pela análise de que as
denúncias de desvios na Constituição de 1946, proferidas pela coalizão intervencionista
(compreendida como a descentralização do poder nacional paralisava o Executivo e, ao
mesmo tempo, retirava do Legislativo, meios de governo), impuseram a centralização
do regime pós-64. Passado este rearranjo” excepcional, um processo de
descentralização seria efetivado como condição de governabilidade. Por esta ótica, o
governo Geisel implementou uma distensão política começando pelo abrandamento dos
mecanismos de controle político e o pela ampliação das condições de disputa ao
poder de Estado.
80
Esta seria então uma fórmula inovadora, segurança adequada aos
imperativos do projeto de desenvolvimento. Diferia portanto, das políticas passadas
visto estas pautarem-se na relação segurança (condição) e desenvolvimento (objetivo).
78
MATHIAS, Suzeley Kalil. Op. Cit. pp. 77-80. OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. De Geisel a Collor:
Forças Armadas, Transição e Democracia. Campinas: Papirus, 1994, pp. 81-84.
79
AAL, durante 41ª Sessão em 30 de abril de 1974, p. 379.
80
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. Id., p. 82.
93
Por fim, a aceitação de uma idéia da continuidade como ponto de legitimidade e
estabilidade da mudança parece ser problemática. Ao mesmo tempo em que a
construção da abertura política deslocava os pontos de tensão (da sociedade para o
interior da coalizão intervencionista) era relativizada e recebida com certa incredulidade
pelo conjunto das instituições de representação política, dado o constante recurso aos
instrumentos de exceção.
Em dado momento, pareceu que regime tinha durado muito mais do que aqueles
que o prescreveram poderiam aceitar ou defender. Esta posição era compartilhada pelos
novos sujeitos sociais, os quais, mesmo sufocados pelo arbítrio, desenvolveram práticas
que os credenciavam a romper com a tradição de tutela e cooptação da política
brasileira.
O movimento da sociedade em momento algum pôde ser contido em regras pré-
definidas. Com o quê o regime autoritário não teve condições de impedir ou mesmo
direcionar o desenvolvimento político da sociedade. Ainda durante o governo dici,
surgiram os primeiros sintomas de um paradoxo: de um lado, a necessidade de
implementar políticas de desenvolvimento e, de outra parte, o desejo de conter as
mudanças sociais e políticas que estas acarretariam, independentemente do êxito ou do
fracasso destas.
Logo, a ânsia em reduzir a imprevisibilidade social ao índice zero – mito
fundador dos regimes autoritários e a tentativa de disciplinamento das manifestações
políticas convertidas em opções político-partidárias, com o manifesto desejo de conter a
pluralidade social e política através de uma série de regulamentações, esvaía-se na
medida em que as relações sociais, os padrões de comportamento e novos locais não
institucionais da política estabeleciam-se.
O governo Geisel assumia em 1974 como seus antecessores: em um cenário de
instabilidade, mas de outro cunho, na medida em que antigos e novos grupos políticos,
dissidentes ou fora da coalizão dominante, construíram ou reconstruíram outros locais
de prática do poder e de dissenso, cuja expressão mais acabada, por isso sintomática,
ainda estaria por vir à tona durante o governo Figueiredo: a luta capital versus trabalho
protagonizada pelo novo sindicalismo e pelas lutas camponesas.
A fim de viabilizar uma coalizão de sustentação e apoio, a política do governo
Geisel conjeturou a respeito da necessidade de se construir um objetivo comum, o qual
aglutinasse setores sociais emergentes e membros desgarrados do próprio círculo do
poder aqueles que se realinharam politicamente - quer pelo transcorrer do regime -
94
frustrando aspirações - quer pela aplicação de políticas governamentais (empresários,
setores militares e associações civis que acabaram por endossar as fileiras da
reivindicação por maior participação política), o que de forma alguma representava um
esforço pelo enfraquecimento do Estado.
A superação da crise econômica e a reconstrução dos procedimentos
democráticos vieram a fornecer o argumento e cimentar uma nova coalizão.
As ações do bloco no poder visaram adequar aos imperativos do momento
àquelas concepções ligadas a temas próprios da governabilidade com eficiência
administrativa e menor custo social. Exigia, portanto, a construção de uma política de
negociação e aproximação com setores estratégicos da sociedade, entrelaçando pactos
políticos, sociais e constitucionais.
81
Obviamente, e as bombas no Riocentro estão como testemunhas, esta tarefa não
foi concretizada sem antes enfrentar conflitos no próprio campo de alianças do regime.
Os parâmetros da futura política de liberalização”, veementemente divulgados
pelo discurso oficial, foram recebidos e interpretados de diferentes formas. Por um lado,
o não reconhecimento às imposições de um processo de exaustão do regime e do
sistema político. Por outro, o contrário: o reconhecimento desta exaustão e a
“liberalização” ser apreendida como tentativa de controle deste processo.
Sob ambas as interpretações, o resultado final da implementação de mudanças
pontuais processadas “pelo alto” implicou, como senso comum, na estranha e paradoxal
impressão de que a democracia - e a efetivação do direito de participação no poder
político - e desenvolvimento ou equilíbrio econômico, são elementos se não
antagônicos, divorciados irreconciliavelmente.
A liberdade política e a afirmação de direitos constitucionais - de delegação e
tutela de poder - passaram a ser relativizadas a partir do instante em que exclusão social
e econômica preponderou de forma acintosa.
Neste sentido, o imaginário social dos anos 80 teve como combustível uma
suposta dualidade entre um regime autoritário e aparentemente estável economicamente
ou uma democracia embalada pela inflação e o desemprego.
81
Segundo Lechner, pacto social diz respeito ao acordo bipartite entre empresariado e sindicatos,
podendo ser tripartite com a inclusão do Estado, ou seja, refere-se a matérias sócio-econômicas; pacto
político como um acordo entre dois ou mais partidos sobre a composição e o programa de governo ou
minimamente determinada legislação; pacto constitucional por sua vez, seria o termo a designar um
acordo conjunto dos partidos sobre normas fundamentais que regem a convivência social e o sistema
político. LECHNER, Norbert. Pacto Social nos Processos de Democratização: A Experiência Latino-
95
As instituições antes consagradas, foram açoitadas por uma crise sem
parâmetros: o parlamento, as Forças Armadas, a Igreja Católica, os sindicatos, os
partidos, todos passaram por reformulações em suas concepções e procedimentos. Os
respectivos públicos dos centros organizados apartavam-se destes, os novos e velhos
sujeitos sociais e políticos não se reconheciam nem nas políticas governamentais nem
nos espaços políticos formais. Como consenso entre as partes, apenas uma latente
necessidade de reconciliação para além dos rígidos limites do regime.
O cotidiano das relações político-sociais sofreu drásticas alterações, não somente
pelas iniciativas governamentais de mudanças (abertura) mas sobretudo, pelo que estas
na verdade estavam a responder: a ressignificação do espaço e da participação das
instâncias de representação políticas como contenção prévia do que poderia vir a ser
uma crise de desconstituição do Estado.
O peso do protagonismo social, relativizado por tantos analistas, foi ressaltado
por Sader que de forma brilhante baseou suas considerações nas experiências das
lutas populares, opção evidentemente em detrimento daquelas que se caracterizavam
pelas macro-análises estruturais, às quais, sistematicamente desconsideravam este
processo.
82
Partindo de uma perspectiva de análise similar, o desafio aqui proposto está na
interpretação do movimento e ação, o dos novos locais e sujeitos políticos como
fizera Sader, mas sim, daqueles inseridos nas instâncias políticas formais.
A condução de Ernesto Geisel à presidência coincidiu com uma brusca inflexão
da trajetória política, econômica e social. O cenário político não era mais aquele
marcado pelo ufanismo do êxito econômico, da luta armada e da artificialidade do
parlamento
83
.
A partir de 1974, os indícios da mencionada insubordinação refletiram inclusive
na reformulação política-partidária e eleitoral. A fuga de um ordenamento que não
garantia minimamente a manutenção da correlação de forças político-sociais (fuga da
Americana. In.: Novos Estudos CEBRAP Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. o Paulo:
13, outubro de 1985, pp. 29-44.
82
SADER, Eder. Quando Novos Personagens Entraram em Cena: Experiências, Falas e Lutas dos
Trabalhadores da Grande São Paulo, 1970/80. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
83
As análises referentes a Geisel, o governo e o general-presidente, renderam uma série de obras
fundamentais na compreensão do período e dos desdobramentos políticos que se seguiram, entre tantos
autores destacam-se: D’ARAUJO, Maria Celina & CASTRO, Celso (orgs.). Ernesto Geisel. Edição.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. CASTRO, Celso & D’ARAUJO, Maria Celina (orgs.).
Dossiê Geisel. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. GOÉS, Walder de. O Brasil do General
Geisel: Estudo do Processo de Tomada de Decisão no Regime Militar-Burocrático. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1978.
96
insubordinação) implicou na própria descaracterização e esfacelamento da antiga
coalizão intervencionista (vide o caso da Frente Nacional Pela Redemocratização
lançada por Magalhães Pinto no Recife em 1978).
O governo e, inevitavelmente, o próprio regime, fragilizavam-se na medida em
que movimentos populares alcançavam um novo patamar de organização e inserção
política, sendo este o caso do Movimento Custo de Vida que, desde 1973, ampliava a
ressonância do protagonismo político-social. Os movimentos sociais adquiriram uma
nova dimensão e tomaram novo fôlego a partir da intensificação de deslocamentos
migratórios maciços. A proliferação de favelas, constituíndo alternativas de moradia ao
processo de exclusão urbano/espacial, acabaria por ser sinônimo de resistência e
solidariedade.
84
Tanto a insubordinação quanto a fuga desta, também ecoaram nas camadas
médias e nas organizações políticas, às quais reivindicavam tanto seus filhos quanto
seus quadros (em fevereiro de 1978 ocorria a criação do Comitê Pela Anistia).
85
84
O Movimento Custo de Vida teve origem nas Comunidades Eclesiais de Base e certamente foi um dos
primeiros movimentos de massa de caráter nacional a ocupar um considerável espaço no cenário político
na fase final do regime. Formado principalmente por famílias carentes dos grandes centros urbanos,
conseguiu, quando o partido de oposição e a guerrilha não conseguiram, mobilizar amplas parcelas da
sociedade ao promover campanhas de arrecadação de assinaturas de protesto. Em agosto de 1978,
depositaram no hall do Palácio do Planalto, documento com cerca de um milhão e trezentas mil
assinaturas, as quais endossavam a reivindicação por medidas tidas como fundamentais para os
trabalhadores tais como abono, congelamento de preços de gêneros que compunham a cesta básica e
aumento salarial. Ver: MOISÉS, José Álvaro; LIMA, Luiz Gonzaga de Souza; EVERS, Tilman; SOUZA,
Herbert José de; BARRAZA, Ximena. Alternativas Populares da Democracia: Brasil, Anos 80.
Petrópolis: Vozes, 1982. ALMEIDA, Antônio de. Movimentos Sociais e História Popular: Santo And
nos Anos 70 e 80. São Paulo: Marco Zero, 1992.
85
As camadas dias, o movimento estudantil e a intelectualidade (expressa na reunião da Sociedade
Brasileira Para o Progresso da Ciência SBPC em 1976) passaram a repudiar valores caros ao regime e a
exigir o retorno dos expurgados pelo autoritarismo. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) encampam a luta pela anistia e pela volta ao Estado de Direito.
KUCINSKI, Bernardo. O Fim da Ditadura Militar. São Paulo: Contexto, 2001. Sobre o significado do
exílio e às imposições aos exilados, obra fundamental: ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre Raízes e
Radares. Rio de Janeiro: Record, 1999. Ao apontar os beneficiários da anistia, Ribeiro Martins faz um
impressionante relato, estimando em 1978 que houvessem cerca de 200 presos políticos condenados pela
Lei de Segurança Nacional e que estavam cumprindo pena, não incluindo os presos para averiguações,
inquéritos, abertura de processos. Calculando os que estavam envolvidos em inquéritos ou processos
políticos desde 1964 (ex-presos políticos) chegaria-se segundo o autor à soma aproximada de 500.000
pessoas, às quais deveriam ser adicionados os perseguidos políticos (condenados à revelia, foragidos e
clandestinos), somando-se ainda o incalculável e até hoje inexato número de desaparecidos políticos, mais
128 brasileiros banidos, 10.000 exilados (segundo dados da Pontifícia Comissão Justiça e Paz da
Arquidiocese de São Paulo), cerca de 4.877 cidadãos cassados pela legislação de exceção (aqueles que
tiveram seus direitos políticos suspensos, mandatos eletivos interrompidos, demitidos, destituídos,
reformados, postos em disponibilidade ou aposentados de suas funções públicas civis ou militares e
outros tantos que renunciaram em decorrência de perseguições políticas), adiciona-se ainda 3.860
demissões de civis e militares, religiosos expulsos, operários grevistas demitidos ou punidos, os presos
envolvidos em conflitos de terra e, por fim, uma série de estudantes impedidos de rematricularem-se,
expulsos ou jubilados e outros a que foram imputadas culpa, logo penalidades, pelo exercício de opinião e
97
Ao assumir um comportamento de contestação coletivo mas, importante
ressaltar, não comum estes setores sociais e políticos postavam-se como resultado de
um processo histórico que teve impulso definitivo em dois momentos cruciais que,
atualmente, são compreendidos como derrotas flagrorosas da sociedade civil
organizada: o êxito da intervenção de 1964 e o “endurecimento” do regime em 1968.
Reafirma-se: a insubordinação não se tratava de uma irrupção ou ação reativa
conjuntural, era um processo de longo curso.
No decurso dos anos 70, uma nova polarização precedida de uma fragmentação
política estabelecia-se no país. Neste quadro, o projeto de distensão”, representava a
ação oficial através de políticas deliberadas de reconciliação nacional como a anistia,
a revogação da censura e do instrumento símbolo do regime (AI-5).
A mobilização marcadamente oposicionista proveniente da sociedade civil -
tratada durante o governo Médici através de uma explícita repressão teve a forma de
um relativo acolhimento por parte da condução política oficial, manipulando estigmas
como a suposta passividade do brasileiro (fruto de uma deturpação histórica) com a
projeção do futuro: um novo estágio a ser alcançado, a normalidade democrática.
A redefinição do Estado passaria também pela encampação de demandas
provenientes do processo de insubordinação, no acolhimento e esvaziamento de
bandeiras consagradas da oposição.
Mais uma vez instaurava-se um paradoxo próprio do regime de exceção: sendo o
processo de refinamento do Estado, coroado com êxito em um primeiro momento
refletiu em um obstáculo no momento subseqüente, visto ter desarticulado os
instrumentos de pressão das classes subordinadas junto ao Estado e, no mesmo
movimento, acomodadas as estruturas de poder aos imperativos do projeto a ser
implementado.
Na ausência de canais que encaminhassem o dissenso, aquele processo criou
condições para o surgimento de focos de insubordinação para além das instâncias
políticas formais.
Estes canais tiveram, necessariamente, de ser preservados e realimentados.
Como apontara Wanderley G. dos Santos, a radicalização e não a fragmentação
como poderia ser imaginado, seria a fonte condutora ao rompimento democrático e ao
de imprensa. MARTINS, Roberto Ribeiro. Liberdade Para os Brasileiros - Anistia Ontem e Hoje. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, pp. 143-155.
98
aprofundamento do autoritarismo.
86
Esgotadas as possibilidades de manutenção da
pauta discricionária, em parte devido aos altos custos sociais e políticos que
dilaceravam a base de apoio do regime, o movimento oposicionista da metade final dos
anos 70 assumiu gradativamente um caráter monopolista, sendo estas insatisfações
revertidas na forma de votos ao MDB.
87
A adoção dos procedimentos democráticos na primeira metade dos anos 80 teve
a marca da constante reciclagem. A pesada carga de simbolismos e signos foi acoplada
à linguagem oficial que, por sua vez, estabeleceu um cronograma político dividido em
etapas (a transição lenta, gradual e segura travestida de distensão, abertura e a transição
democrática).
Sob esta ótica, a crescente e explícita luta social, na forma capital versus
trabalho, no transcorrer dos anos 70, cedo cedeu seu lugar à luta pela democracia e
justiça social. Pois sim, estas “arenas” também andaram divorciadas, haja vista a
mudança dos algozes do sistema político, da participação popular e das instâncias de
representação: a ditadura e o regime de exceção foram lentamente substituídos pela
crise econômica e pela inadequação da exceepcionalidade.
88
Ao despontar como um dos elos nesta passagem de ordenamentos políticos
distintos (do regime de exceção ao democrático), Tancredo Neves tornou-se referência
do projeto de conciliação nacional. Não à toa, este processo teve um caráter
essencialmente personalista, visto que, para o bloco dominante, Tancredo Neves
representava uma segurança, que nem mesmo a candidatura oficial (Paulo Maluf)
correspondida.
Gradativamente, foi construída uma nova identidade coletiva no país moldada
pela idéia do progresso. Vinculada à convicção de que, alcançando êxito, a efetivação
da participação política (a vitória na luta pelas “Diretas Já!”) conduziria o país pelo
86
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Autoritarismo e Após: Convergências e Divergências Entre o
Brasil e o Chile. Op. Cit., pp. 160-161.
87
A partir das greves operárias no ABC paulista, tanto o Partido Comunista Brasileiro (PCB) quanto o
Partido Comunista do Brasil (PCdoB), além do Movimento Revolucionário 8 de Outubro e outras
organizações ainda clandestinas opunham-se à qualquer proposta de construção de um novo partido
identificado aos novos sujeitos políticos, pois isso, no entender daqueles, significaria dividir a frente
democrática. SILVA, Antônio Ozai da. As Metamorfoses e Ideológicas dos Partidos, Organizações e
Tendências Marxistas nos Anos 80/90. In.: PERICÁS, Luiz Bernardo; BARSOTTI, Paulo. América
Latina: História, Crise e Movimento. São Paulo: Xamã, 1999, pp. 155-194.
88
Em maio de 1974, após divulgação da apreciação de contas da administração Médici pelo Tribunal de
Contas da União, a bancada emedebista denunciava o endividamento externo e o aceleramento da
inflação que repercutiu no agravamento do custo de vida. Portanto, muito antes da crise derradeira do
padrão econômico perseguido pelo bloco dirigente, havia evidentes indícios de que o agravamento da
99
caminho da modernização e desenvolvimento. Os meios de comunicação de massa
foram fundamentais na elaboração deste senso comum.
A construção de identidades coletivas, baseada na comoção nacional, teve outro
caso sintomático logo nos primeiros momentos da Nova República, a saber, a aplicação
do plano de ajustes econômicos do ministro Dílson Funaro: o “Plano Cruzado”, no
governo Sarney, onde o inimigo número um da sociedade assumiu a face da inflação e a
arma social esteve no controle de preços.
A trajetória da redemocratização, coroada em dois grandes espetáculos no final
dos anos 80 (a Assembléia Nacional Constituinte em 1988 e a eleição direta para
presidente em 1989), teve início ainda nos anos de auge do regime de exceção quando a
crise tomava novas formas e dimensões, possivelmente naquele momento imensuráveis
que, por caminhos diferentes e às vezes divergentes, possibilitou a emersão de novos
atores políticos, reconhecidos como sujeitos.
No decorrer dos governos de Geisel e Figueiredo, a materialização da crise
manifestava-se fora da caserna, fora do parlamento e fora dos limites da
institucionalidade. Possuía endereço na luta capital/trabalho insuflada por novos sujeitos
sociais, o que inviabilizava os controles colocados em prática até então. A estratégia, a
fim de obstacularizar ou deslocar a possibilidade de crise estrutural, esteve na reativação
da esfera político-institucional, pela via parlamentar. A partir de então, as soluções aos
impasses foram negociadas por atores políticos reconhecidos pelo bloco dominante.
Justamente esta dimensão - a da emersão da “arena” institucional - com a
reativação de fóruns e espaços de deliberações políticas, veio a configurar
definitivamente a solução dos impasses políticos: a desconstrução social da crise do
Estado ou, dito de outra forma, a reestatização das relações sociais.
Sim, se fala em crise, constante até, cuja permanência se deve em grande parte
às limitações tanto do jogo quanto do sistema político imposto e/ou negociado em um
contexto de modernização capitalista ou como compreendia Florestan Fernandes, de
seqüelas de um processo ainda em curso de revolução burguesa.
89
As instituições em crise foram “chamadas” a experimentar esta sob a alcunha do
deslocamento de seus ocupantes ou beneficiários. Definitivamente, os 70s”
significaram a constante busca por reatar relações.
situação econômica sobrepunha-se na ordem de prioridades a serem resolvidas. AAL, 4Sessão em 6 de
maio de 1974, p. 7.
89
FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
100
Alterando as relações no conjunto da sociedade, e desta com suas instituições,
ocorreu a redefinição do Estado pela reinvenção da sociedade.
A questão simbólica destas mudanças foi processada através de alterações do
sistema político formal. As características fundamentais do regime e a racionalidade
deste, impuseram pré-condições, antes da afirmação da democracia, de uma limitada
concepção democrática, e esta gerou ou agravou uma série de tensões.
As práticas do regime e o corpo ideológico propagado por este a Doutrina de
Segurança Nacional na fase aguda de militarização estiveram imbuídos da idéia de
progresso travestida de desenvolvimento. Nas limitações conjunturais e estruturais que
a falência do modelo econômico – o “milagre desvendado” – impôs, a meta a ser
atingida esteve na definição da democracia como elemento futuro a ser atingido.
Todavia, havia uma insegurança constante no processo que iria originar a nova
ordenação política. Explica-se em parte, a necessidade de imposição de um projeto
rígido, exposto pelo discurso oficial e que comportasse etapas muito bem definidas.
Faz-se importante ressaltar que entre 1968 e 1974, não apenas a militarização
dos centros decisórios de poder foi implementada como também, estrategicamente
fundamental naquela conjuntura, houve um processo semelhante no sistema de
inteligência na medida em que o SNI, Sistema Nacional de Informações, foi apanhado
por esta militarização e fechamento.
90
A desconstituição da ditadura no Brasil foi minuciosamente preparada ao longo
de 10 anos, o que, de forma alguma, impediu que o protocolo tivesse desvios. Nada
surpreendente, visto que, projetos políticos e processos de execução destes, pelo menos
nos últimos 70 anos, andaram divorciados. Nem o regime de exceção pós-64 conseguiu
alterar esta característica.
90
Quando da formação inicial do SNI menos de três meses após a intervenção, precisamente criado
através do Decreto-Lei 4341 de 13 de junho de 1964 através de seu estatuto original, estavam
impedidos quadros militares da ativa de exercer funções dirigentes naquele aparelho. O próprio Golbery
do Couto e Silva, um dos mentores daquilo que posteriormente qualificou de “monstro”, era um general
da reserva. Após 1968, em meio a um conjunto de ações, as seis principais posições do órgão, estavam
ocupadas por generais do Exército que ainda poderiam ser promovidos, chegando em 1971 a ser criada a
Escola Nacional de Informações (EsNI) deslocada da ESG. Dados compilados através da entrevista do
gen. Golbery do Couto e Silva a Alfred Stepan em 15 de setembro de 1981. STEPAN, Alfred. Os
Militares: Da Abertura à Nova República. Op. Cit., pp. 27-28. Sobre o SNI ver: BAFFA, Ayrton. Nos
Porões do SNI O Retrato do Monstro de Cabeça Oca. Rio de Janeiro: Objetiva, 1989. Especificamente
sobre a dinâmica destes serviços estatais, ver: ANTUNES, Priscila Carlos Brandão. SNI & ABIN: Uma
Leitura da Atuação dos Serviços Secretos Brasileiros ao Longo do Século XX. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2002.
101
V
A Construção do Ordenamento Democrático - as promessas de um novo tempo
para setores historicamente excluídos da sociedade brasileira acompanharam o próprio
desenvolvimento econômico, político e social pelo qual passou o país ao longo do
século XX.
A destituição de Goulart, conduzida pela intervenção civil-militar, alimentou as
esperanças de muitos setores sociais que, naquele momento, observavam com severas
reservas os movimentos do herdeiro varguista. Prestar apoio à ação intervencionista
significaria apostar em um mecanismo de força como base de manutenção de suas
condições econômicas, políticas, sociais, culturais e até mesmo, valores morais.
Oferecendo desenvolvimento e paz social em lugar da sensação constante de
dissenso e descontrole, a coalizão intervencionista que se instalava no poder
necessitaria, em contrapartida, por tempo determinado se supunha, a supressão do
sistema democrático.
A lógica deste processo esteve na adoção de uma “equação” de medidas
progressivas e derivadas: a viabilização do desenvolvimento econômico e os resultados
deste (desenvolvimento social) resultariam em uma modernização política do país (a
efetivação da democracia).
91
No conjunto da coalizão que assumiu o poder em 1964, predominava um
diagnóstico de falhas inaceitáveis no projeto de construção nacional implementado até
então, isso quando se reconhecia a existência de tal projeto. Para a oficialidade militar
intervencionista, a implementação do projeto de desenvolvimento proposto por Goulart
teria conduzido o país a uma crise generalizada. Este seria o combustível para um
movimento salvacionista por excelência, que construiu identidades coletivas antes de
um conjunto sistematizado de idéias (um corpo doutrinário propriamente dito), visto a
Doutrina de Segurança Nacional ser uma reserva ideológica - não apenas dos setores
tidos como “duros” - acionada efetivamente a partir de 1968.
Não obstante, as dificuldades impostas pelo controle político e a anulação da
ação reivindicatória, o regime civil-militar atuou como, guardadas as devidas
proporções, o Ancien Regime, sendo um longo período de transição visto que, durante
91
Em mais um momento da história política recente, o abalo concreto ao sistema democrático partia de
frações das camadas dominantes. Mesmo na conjuntura da intervenção de 1964, a organização e o poder
de mobilização das camadas subalternas foram superestimados, estando muito aquém do que se esperava,
não ostentando a força que o grupo palaciano de Goulart julgava que estes setores possuíam na defesa do
102
sua vigência (64-85), não ter reunido condições capazes de desarticular de forma
definitiva a sociedade (suas expressões políticas) existente antes da intervenção, e nem
mesmo como resultado das políticas implementadas ao longo do regime, edificar uma
nova ordem política.
Entre 1964 e 1984, novos atores e novos locais de exercício da política foram
criados, independentemente daqueles legalizados. O movimento pluralista, em prol da
descentralização do poder decisório, ligado às instituições representativas formais, ora
observava estes como aliados/auxílios, ora como obstáculos/empecilhos.
Nesta conjuntura, a democratização da sociedade fôra apresentada por setores
politicamente responsáveis” (os moderados que viabilizaram a proposta de coalizão
nacional, a qual garantiu a efetivação de um governo civil), como conseqüência
inevitável do colapso do regime autoritário.
A constatação da inviabilidade de manutenção da pauta autoritária alimentava
este sentimento. Em virtude dessa postura, as reivindicações que uniam setores em
oposição ao governo não pautavam-se a priori pelo rompimento político (visto atuar
através de uma política de conciliação nacional) e sim pela construção de um
ordenamento democrático (pois, a premissa estava na quebra do poder monopolista).
Paradoxalmente, o desejo coletivo por democracia defrontava-se com o temor
generalizado da democratização. O fim esperado contrastava com a preocupação dos
altos custos deste processo. Tanto projetando o fortalecimento do poder de exceção
quanto à construção da retórica do aprimoramento democrático, havia uma necessidade
candente: permitir a criação e difusão de outras posições, enfim, viabilizar o
acolhimento do dissenso.
Assim deu-se a transição política, entendida pelos partícipes da conciliação
nacional como uma forma muito específica de institucionalização, tendo como ápice um
processo de reestatização das relações sociais. E assim se processou o aprimoramento
da forma de autoritarismo, dado que a redemocratização que plantou esperanças de um
novo tempo acabou por resumir-se e deter-se no plano da igualdade jurídica e formal,
sendo sonegado um conteúdo de transformações efetivas nas áreas sociais e
econômicas.
Estado de Direito e, muito menos, como grupelhos de esquerda interpretavam, não constituíam alternativa
de poder.
103
Resultado este que mantinha relação com o decorrer do exercício do poder de
exceção, dado que a estrutura forjada desde 64 conduziu a uma situação tão inovadora
quanto inusitada: a simultaneidade das crises.
Mas estas foram, em certa medida, construtivas e funcionais, pois garantiram a
ampliação do leque de alternativas e possibilidades ao bloco dirigente.
O fato da proposição da mudança de ordenamento político ter o indigesto
acompanhamento de uma crise econômica sem precedentes, uma crise político-
institucional (aqui reconhecida como uma crise do Estado) e uma aguda crise social não
pode ser interpretado como coincidência.
Em grande parte, as limitações impostas à construção de um novo ordenamento
político tiveram origem na própria condução oficial do dissenso, o qual dissociou a crise
social (com bases na economia, redistribuição e assimetria na alocação de recursos) e a
crise de dominação política (a não representatividade, a desconstituição social e a
ausência de uma função deliberativa ou consultiva por parte das instâncias existentes
para tal).
Neste cenário, a ampliação restritiva da participação e representação política (do
jogo político em si), teve o preço da aniquilação não somente da possibilidade, mas da
própria idéia de transformação efetiva. Desnudou, sobretudo, a incapacidade de
execução do projeto histórico veiculado pelo governo desde 64. De outra maneira,
permitiu um rearranjo de forças ante o bloqueio político que se avistava, dado
obviamente, aos conflitos internos e externos do bloco dirigente.
Atualmente, se pode afirmar que o final do pacto político da coalizão
intervencionista, ao menos a manifestação de pontos críticos de tensão interna, foi
resolvido (ou minimamente deslocado) ao custo da ampliação do campo político.
Somente assim foi possível ao governo Geisel controlar e obstruir a autonomia de ação
de setores da tecnocracia civil-militar.
Na construção política que se avizinhava, implementadas as mudanças
sinalizadas no início do governo Geisel, seria de se esperar um sistema muito bem
regulado, de deslocamento de setores político-sociais até então fundamentais no pacto
de dominação - sendo este o caso do poder militar - criando assim um espaço de
manobra que possibilitasse ao governo invocar o caráter de soberania popular das
decisões e políticas públicas (legitimidade pela liberalização).
A liberalização por sua vez, seguida de um período de transição de
ordenamentos políticos, teve grande repercussão no meio acadêmico e na
104
intelectualidade, servindo de base para muitas análises e estudos que, privilegiando
diferentes fatores e aportando-se em diferentes teorias e inclinações político-
ideológicas, chegaram a um amplo manancial explicativo.
92
O conjunto de teses defendidas nesta análise pressupõe a inviabilidade de se
entender os processos finais do regime civil-militar linearmente, ou seja, através da
correlação de forças entre os protagonistas do bloco dirigente e a oposição.
Adotar esta visão significaria limitar a possibilidade de compreensão deste
amplo processo, visto que exclui uma gama de variáveis - mesmo em se priorizando as
questões propriamente políticas - que também são intervenientes.
A determinação da eficiência e própria capacidade operacional do regime
dependeram essencialmente da conjugação de um conjunto de fatores tais como: o êxito
na articulação e movimentação política do bloco dominante, as pressões externas (como
aquelas implementadas pela administração Carter com ênfase nos direitos humanos), as
tendências internacionais, as variações econômicas e os conflitos domésticos (internos à
coalizão intervencionista).
Estas variadas nuances, em momentos diferentes e com reações idem, tanto
aceleraram quanto retardaram o processo de mudança, tanto redirecionaram as
estratégias de ação governamentais quanto as oposicionistas. Da mesma forma,
neutralizaram centros de insubordinação e deslocaram para canais “adequados”, com
pautas “toleráveis”, aqueles que impulsionavam a socialização do dissenso e a luta pela
desconstituição do Estado.
92
Entre tantas obras fundamentais e hoje clássicas, destacam-se: MOISÉS, José Álvaro &
ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon (orgs.). Dilemas da Consolidação da Democracia. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1989. LAMOUNIER, Bolívar (org.). De Geisel a Collor: O Balanço da Transição. o Paulo:
Sumaré, 1990. STEPAN, Alfred (org.). Democratizando o Brasil. Tradução de Ana Luíza Pinheiro. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1988. REIS, Fábio Wanderley & O’DONNELL, Guillermo (orgs.). A
Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas. São Paulo: rtice: Editora Revista dos Tribunais, 1988.
CHERESKY, Isidoro; CHONCHOL, Jacques (comp.). Crise e Transformação dos Regimes Autoritários.
Tradução de Roberto Mara. São Paulo: Ícone: Editora da UNICAMP, 1986. Da mesma forma, merece
destaque a riqueza de um conjunto de artigos que se propuseram a interpretar este contexto, como
ilustração é possível mencionar: ABRANCHES, Sérgio Henrique. Crise e Transição: Uma Interpretação
do Movimento Político Nacional. In.: Dados - Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Rio de Janeiro: vol 25, 3, 1982, pp. 307-329. DINIZ, Eli. A
Transição Política no Brasil: Uma Reavaliação da Dinâmica da Abertura.
.
In.: Dados – Revista de
Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Rio de Janeiro: vol.
28, 3, 1985, pp. 329-346. FIGUEIREDO, Marcus F. & CHEIBUB, José Antônio Borges. A Abertura
Política de 1973 a 1981: Quem Disse o Quê, Quando Inventário de um Debate. In.: BIB O Que Se
Deve Ler em Ciências Sociais Hoje. Rio de Janeiro, nº 14, 1982, pp. 29-59.
105
CAPÍTULO 2
A CRISE DO ESTADO
Poucos se aperceberam que o atendimento da principal reivindicação
oposicionista - o final da hegemonia militar nos centros decisórios - era extremamente
limitado e insuficiente na transformação efetiva de ordenamentos, mesmo que se
reconheça nesta questão o ponto central de aglutinação de setores tão díspares.
O poder militar, deslocado dos centros decisórios do regime, não implicaria no
abandono do autoritarismo. A oficialidade militar definia-se como expressão da fração
dirigente do regime, mesmo atuando enquanto tal na defesa ou na construção de um
determinado projeto histórico, não era o Estado autoritário.
Até 1974, o Brasil sofreu um processo de militarização dos centros decisórios de
poder (refinamento do Estado) o qual consolidou um regime propriamente militar.
Posteriormente a este marco, os esforços do bloco dirigente estiveram em construir um
ordenamento autoritário propriamente dito, em outras palavras, institucionalizá-lo.
Em grande parte, esta constatação é tributária das análises de Garretón, o qual
insistia em diferenciar regime militar de regime autoritário, sendo o primeiro uma fase
anterior que viabilizaria um processo de institucionalização, consolidando as bases
(processos de transformação social denominados modernização) de um futuro regime de
participação restrita e com mecanismos de exclusão.
93
Este trânsito, de um regime militar institucionalizado a uma nova ordem política
autoritária, representou o ponto crucial que a fração dirigente do bloco dominante
enfrentou. Logo, o tempo demandado para tal se expressou pela transição mais longa
entre seus pares latino-americanos.
Este seria o desafio das frações hegemônicas do bloco dominante: garantir a
redefinição do Estado como resposta à dupla fuga. Esta ação significaria a superação
das relações estabelecidas pelo próprio regime de exceção (como dito, após 68
essencialmente militar) com a necessidade de estar institucionalizado para uma nova
ordem política também autoritária.
93
GARRETÓN, Manuel Antonio. Modelo e Projeto Políticos do Regime Militar-Chileno. In.:
LAMOUNIER, Bolívar (org.). A Ciência Política nos Anos 80. Brasília: Editora da Universidade de
Brasília, 1982, p. 58.
106
Muito embora os elementos e as dimensões mutantes no processo político
recente, evocados e trazidos à tona ao longo deste texto, não representem
definitivamente uma conexão necessária ou causal, aqui são tratados de maneira a
formatar as bases de aferição de que houve certo tipo de relação entre a emergência da
insubordinação, a fuga desta, a implementação da reestatização das relações sociais e a
instauração do processo de redefinição do Estado, demarcando assim um novo ciclo na
organização social, política, econômica e até mesmo cultural do país.
Todavia, confirmadas estas alterações (consagradas no processo de transição) e
confrontadas com determinadas características da modernização do país (ou revolução
burguesa) apontam mais transformações de aparência superficial do que propriamente
evidências da afirmação de uma renovada sociedade democrática, equilibrada e estável
institucionalmente a partir da confirmação da hegemonia do poder civil.
O processo histórico nos países ocidentais, modernos ou tardiamente
modernizados, demonstrou que os eventos de ruptura foram precedidos por uma
polarização radicalizada. Em parte baseado nessa constatação, percebe-se que as
movimentações do bloco dominante visaram estabelecer um projeto que fragmentasse a
oposição, evitando uma situação de polarização tão crítica quanto paralisante.
Onde antes a repressão garantia desmobilização, impunha-se naquele momento a
utilização do recurso da antecipação e acolhimento de demandas, demarcando um novo
tempo, manipulando a suposta passividade com mais uma projeção do futuro como ônus
da tolerância de setores estrategicamente pré-definidos.
A base de legitimidade na qual um regime como o edificado após 64 se pauta,
torna-se irremediavelmente precária, independentemente da fase por que este se
encontra (instalação, estruturação, consolidação...). As ações políticas do bloco
dirigente visaram exatamente superar este flanco aberto, reduzindo ao ximo os
conflitos para manter um determinado comportamento político-social.
Originalmente, a idéia de liberalização não pressupunha o advento de um
processo de democratização, mas sim a superação de aspectos do regime de exceção que
ficaram obsoletos. Procurava-se solucionar crises cíclicas do regime. As primeiras
medidas do governo Geisel foram no sentido de ampliação do espaço de ação política de
frações de classes e instituições. Concomitantemente, reintroduziu um conjunto de
prerrogativas jurídico-institucionais no sistema político.
Tem-se, então, que as mudanças propostas pelo bloco dirigente foram
caracterizadas por medidas de negação e não de construção de um novo ordenamento. O
107
regime renunciou ao artifício do AI-5 e suprimiu a censura sem, contudo, ampliar o
leque de possibilidades de circulação de poder.
Com efeito, a aplicação de alterações na forma de encaminhamento do “político”
- aludidas no início da administração Geisel - viabilizaram a flexibilização das relações
políticas acarretando na redução da intervenção do Estado. Estas medidas não se
converteram em um controle efetivamente público dos aparelhos de Estado; sábias as
palavras de Quartim de Moraes: reduzindo a intervenção do Estado na sociedade,
pretendiam evitar que a sociedade intervisse no Estado: outorgaram a abertura antes
que o povo conquistasse a democracia.
94
Porém, o processo superou e impôs a redefinição do projeto oficial.
De certa forma, este conjunto de medidas garantiu a afirmação e a visualização
da negação de elementos constitutivos do regime, mas de forma alguma objetivara a
promoção de um novo ordenamento político.
Por certo, a implementação de uma rie de medidas que, muitas vezes
indiretamente, resultaram na descentralização política, representou avanço para o que se
tinha. Medidas progressistas então, estas se revelaram conservadoras no sentido de não
visar a proposição da construção do ordenamento democrático, por não ter a intenção de
institucionalizar o direito de contestação e dissenso. Em outras palavras: não visou
alterar a normatização da política e a estabilização conservadora imposta desde 1964.
Neste sentido, como bem apontou Moisés, transição política e consolidação
democrática vieram a denominar conceitos analíticos distintos, onde o primeiro referiu-
se especificamente a ampliação do espaço de ação política e a reintrodução de direitos
ou garantias individuais fundamentais enquanto que o segundo, para além destes
aspectos, implicaria na definição de regras visando garantir a livre competição (eleições
previsíveis e periódicas, com disputas efetivas) institucionalizando a participação
política e garantindo mecanismos de controle da ação daqueles que exercem o poder
decisório, a democratização somente poderá realizar-se quando a liberalização esgotar
as suas tarefas.
95
Atestando aquilo que Donnell mencionara em sua “teoria das duas
transições”, a passagem do regime autoritário a um governo democrático representou
94
MORAES, João Quartim de. Perspectivas do Processo de Abertura: Consolidação das Instituições
Políticas. In.: OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de (org.). Militares: Pensamento e Ação Política. Campinas:
Papirus, 1987, p. 23.
95
MOISÉS, José Álvaro. Os Brasileiros e a democracia: Bases Sócio-Políticas da Legitimidade
Democrática. São Paulo: Ática, 1995, pp. 32-47.
108
um primeiro movimento de transição. A partir da instalação deste governo democrático
dar-se-ia início a uma segunda transição rumo à instauração de um regime
democrático.
96
I
Condicionantes da Mudança - atualmente se pode afirmar com certa
tranqüilidade que o país viveu uma transição democrática. Contudo, os analistas e
observadores do período em questão não poderiam utilizar este termo, visto este
pressupor um resultado pré-determinado, algo que absolutamente não se vivia pelo
menos até a consolidação do governo Sarney: a democracia até a metade dos anos 80
era uma possibilidade do desfecho do processo que estava em curso, não uma realidade.
Acredita-se aqui que seria um exercício teórico complicado afirmar que entre
1964 e 1974 houve a intenção por parte do bloco dominante em aprimorar o regime com
a finalidade de potencializar o experimento democrático e que, de outra parte, daquela
última data a 1984 o esforço foi deslocado para a efetivação daquele ordenamento.
As transformações processadas no sistema político brasileiro, estruturaram-se a
partir de relações tão complexas quanto imbricadas, determinando e sendo determinadas
a partir das bases predominantes de desenvolvimento material (padrão econômico
perseguido), da estruturação do regime (a forma do Estado e as relações com a
sociedade civil que compõem o modelo político) e o conjunto de representações que a
sociedade possui de si mesma (modelo cultural).
Como coroamento do processo de militarização dos centros decisórios de poder,
a própria indicação de Ernesto Geisel à presidência sinalizava a necessidade de
institucionalização das normativas do regime. Para tal tarefa, empossado o presidente,
passou a concentrar esforços com vistas à ampliação do diálogo com a sociedade,
incrementando canais de participação. O resultado desta condução política esteve em
uma inevitável fragmentação do poder. Daí compreende-se a necessidade de se impor e
superar conflitos em setores do bloco dirigente, percebendo-se esta posição nos
discursos oficiais que recorrentemente ressaltavam que o governo, bem como os
projetos veiculados por este, representavam a continuidade da revolução”. Assim, de
forma distinta de seus antecessores, Geisel não fazia referências à restauração da
96
O’Donnell, Guillermo. Transições, Continuidades e Alguns Paradoxos. In.: REIS, Fábio Wanderley &
O’DONNELL, Guillermo (orgs.). A Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas. o Paulo: Vértice:
Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 41-71.
109
democracia como meta de seu mandato. Antes de tudo, o governo necessitava legitimar-
se internamente perante seu próprio bloco de sustentação, essencialmente perante a
instituição militar.
O êxito em um primeiro momento do regime - a fase de refinamento do Estado -
essencialmente na desarticulação dos instrumentos de pressão das classes subordinadas
junto ao Estado, obra dos organismos de coerção e cooptação, revelou-se adiante um
obstáculo. Nos poros de uma sociedade fechada basearam-se focos de insubordinação.
Os esforços de construção de uma nova coalizão que projetasse a neutralização
da insubordinação e, em dada conjuntura, uma readaptação das políticas econômicas,
somavam-se às necessidades do governo como forma de preservar o regime.
À política de governo de mudanças pontuais introduzidas no regime,
personificada na figura do presidente Ernesto Geisel, chamou-se de liberalização ou
descompressão, que em seus primeiros momentos estabelecia-se pela flexibilização das
restrições instituídas ao longo dos dez anos, até então, de regime de exceção.
Sendo assim, a identificação por parte do bloco dirigente de um conjunto de
estrangulamentos (trabalhados no decorrer desta seção) e pontos de tensão (internos e
externos ao pacto de dominação) implicou na adoção de uma pauta de mudanças. Desta
forma, a política de descompressão do governo Geisel não visava a priori a
construção de um novo ordenamento, mas sim, a rearticulação e renovação do
regime civil-militar como pressuposto de sua manutenção.
A discussão central daqueles que se detiveram a estudar esta questão centrou-se
em quais pontos de tensão desencadearam esta política de liberalização e, dentre estes,
quais vetores foram determinantes no processo. Mais adiante, se questionava se havia
relação entre a incidência destes pontos e o quantum de mudanças que o regime adotou.
Os pontos de tensão acima destacados e, conseqüentemente, os conflitos
desencadeados por estes, provinham de setores diversos, a começar pela própria
coalizão intervencionista. Esta seguia uma trajetória de decomposição/recomposição
desde a aplicação de uma série de medidas oficiais como a extinção dos partidos
políticos e os expurgos dentro do próprio campo de alianças (políticos da UDN e do
PSD, sendo que este último, em vel nacional, esteve no poder em todo o período da
democratização pós-Estado Novo exceção do governo Jânio Quadros), equivalendo-
se ao papel desempenhado pelo PFL na Nova República), a implementação de políticas
econômicas não consensuais e a prorrogação do mandato de Castelo Branco.
110
Em 1968, em meio a um contexto desfavorável, a coalizão intervencionista
sofreu uma nova fragmentação com a definição pela intervenção permanente (adoção do
AI-5). A partir de então, manifestou-se uma crescente interiorização dos conflitos na
caserna, dado à militarização dos centros decisórios.
O novo cenário de retração econômica potencializou crises domésticas e, ao que
tudo indica, o consagrado tripé que galvanizou a intervenção de 1964 ruíra precipitando
novas debilidades no poder decisório.
O caráter não mobilizador do regime e o distanciamento deste para com o
conjunto da sociedade alimentou, senão focos de tensão, pelo menos a fragilização de
suas bases de sustentação. A grande população não se reconhecia no bloco dirigente,
não sendo este representativo, até porquê despersonalizado.
De outra forma, o excludente projeto de reestruturação e reinserção econômica
no sistema mundial bem como, a adoção de políticas internas condizentes com este,
contrastava com a necessidade de manutenção e ampliação das bases de sustentação do
regime.
A relação entre mudanças e pontos de tensão teve na desproporção assumida
entre a política implementada pelo regime e as condições de encaminhamento e
resolução das demandas sociais, seu ponto central. Mais do que nunca, este cenário
desnudava a separação entre regime e a sociedade.
A repressão legalizada, largamente utilizada no governo Médici, deslocou os
focos de tensão e, para infelicidade do regime, nem sempre para as instâncias
institucionais de representação. Como reflexo, ainda em 1971 - sintomático em um
cenário de instabilidade - a Doutrina de Segurança Nacional sofreu um processo de
mudança, onde os cursos de formação da Escola Superior de Guerra passaram a
trabalhar com um novo conceito de “mobilização nacional”: como o conjunto de
atividades que, em face de efetivação de hipótese de guerra ou de grave perturbação da
ordem, o Estado empreende acelerada e compulsorimante, para transferir recursos
existentes no Poder Nacional e promover a produção de recursos adicionais.
97
Compreende-se então, a fusão entre a implementação de políticas que
ampliavam a possibilidade de movimentação e atuação política e a aplicação de
mecanismos essencialmente autoritários. Ressalva-se que esta dualidade não pode ser, a
97
ARRUDA, Antônio de. Doutrina da ESG: Principais Alterações Ocorridas nas Últimas Quatro
Décadas. In.: Revista da Escola Superior de Guerra. Ano V, 12, 1989, p. 20.
111
princípio, interpretada como contraditória, visto compor o instrumental do regime na
contenção da dupla fuga.
Não restam muitas dúvidas no que diz respeito ao monopólio e a iniciativa do
processo de mudança
no
ordenamento autoritário. O controle sobre esta questão esteve
em “mãos oficiais” durante o governo Geisel. Tanto esteve que o bloco dirigente
prescindiu do parlamento, do partido do governo e da própria estrutura do sistema para
reativar e retomar canais de diálogo com a sociedade civil, mesmo ao preço da
redefinição da coalizão dominante.
Ao final do processo de transição, constatou-se que este foi, acima de tudo,
político, relacionado especificamente à estrutura do regime e às relações de poder – a tal
ponto em que é possível falar em transferência de poder. dado que as acalentadas
mudanças sociais e econômicas o estiveram na mesma proporção, sendo tratadas de
forma secundária pelos negociadores (como conseqüência ou possibilidade do futuro
ordenamento).
Estava portanto, invertida a equação consagrada pelo regime, a qual advogava o
desenvolvimento econômico e a modernização da sociedade como agentes
fundamentais da edificação da democracia. A partir de então, o aprimoramento político
somado à modernização (e maturidade) da sociedade, viabilizariam o reequilíbrio
econômico.
Por este motivo, o partido de sustentação do governo defendia que o
prolongamento no tempo do regime respondia ao caráter evolutivo daquele. Esta
concepção induzia à defesa do aprimoramento do regime como pressuposto da
normalização política. Assim seguia-se: do desempenho de tarefas reativas
(salvacionistas) a uma nova etapa propositiva; da fase de regeneração da vida
econômica-finaceira à implementação de um novo padrão de desenvolvimento; do
deslocamento de forças (anulação do dissenso) ao equilíbrio do sistema político.
Não foi outro o sentido da manifestação do deputado Hugo Mardini/ARENA
quando de sua análise dos equívocos anteriores a 1964 quando uma minoria atentava
contra as instituições e contra a unidade nacional, buscando a desagregação e o caos,
e que superadas as fases iniciais estariam estabelecidos os motivos que, 11 anos depois,
fazem necessário novos e ingentes esforços para um gradual, porém seguro,
aperfeiçoamento democrático.
98
Nesta trajetória, coube à administração Geisel voltar-se
para a atividade política criadora, na progressiva institucionalização do sistema
112
democrático e que melhor convenha a este quadro da evolução de nosso povo e
contenha, imanente, decidido, impulso contínuo a seu próprio aperfeiçoamento.
99
Adentrando em uma fase de conciliação, principalmente a partir da segunda
metade da gestão Geisel, ambos os campos políticos institucionais pautaram sua atuação
na defesa do revigoramento dos canais de representação política. Esta posição auxiliou
na recomposição do próprio regime e acabou por se revelar uma solução adequada aos
conflitos sociais baseados ainda na ordem autoritária (vide os conflitos pela posse da
terra e a relação dos empresários com sindicatos desatrelados) e na fragmentação das
relações sociais, desvalorizando e marginalizando as formas de mobilização e luta
autônomas. Compreende-se a partir de então, as razões que levaram o Legislativo ao
centro das regulações autoritárias após 1974. A interferência do bloco dirigente naquele
poder, intensificava-se na medida em que a implementação da flexibilização das
relações político-sociais avançava.
Todavia, os esforços pela descompressão política o são fenômenos recentes -
as lutas de 1968 com protagonismo social assim demonstram.
De parte de setores do bloco dirigente, aqueles que compreendiam a dinâmica do
regime a partir de crises e da necessidade sistemática de recomposição político-social, o
prolongamento do regime no tempo acarretaria na desconfiguração da base social de
apoio do governo, mesmo que, ao assumir outras posições, não necessariamente
ofereciam alternativas ao regime. Como anteparo a este estado de coisas, se impunham
políticas de contenção.
A idéia da liberalização partiu do bloco dirigente como decisão arbitrária, pois
impunha um determinado projeto a fim de solucionar a crise do Estado que, ao passar
por um radical processo de centralização internalizou o conflito e este, dialeticamente,
somente aumentava conforme o êxito do regime. Contudo, havia precedentes de
insubordinação, os quais condicionaram a implementação de mudanças como
pressuposto para a manutenção do poder decisório.
Na medida em que identidades coletivas construídas pela diferença tornaram-se
inviáveis ou inócuas para o momento (a aversão ao comunismo, o combate à subversão,
etc.) uma nova forma de controle e reconhecimento social se impôs (organizar parcelas
da sociedade desorganizando sua capacidade efetiva de intervenção no político). A este
processo designa-se: reestatização das relações sociais ou resposta oficial à dupla fuga.
98
AAL, em 1º de abril de 1975, 22ª Sessão, pp. 9-10.
99
Id.
113
Mesmo assim, ainda mantiveram-se os temas de identidade entre os cidadãos imbuídos
pelo projeto de segurança e desenvolvimento.
A manipulação e a projeção do futuro seguiram seu curso, sendo amplamente
defendidas no parlamento: a segurança, o desenvolvimento econômico, o
aprimoramento das instituições democráticas e, por fim, a manutenção da transição
através de “posições responsáveis” dos políticos profissionais.
Da perspectiva atual, pode-se afirmar que o bloco dirigente, Geisel e Golbery
principalmente, desconsideraram no projeto de mudança oficial o peso de uma variável
(a crise do Estado), articulada em quatro níveis (a insubordinação, a opinião pública, a
reação popular e a fuga da insubordinação), os quais posteriormente revelaram-se
elementos fundamentais na recomposição do sistema de alianças com o intuito de
sustentar uma correlação de forças favorável ao bloco dominante e, da mesma forma,
manter a forma do próprio Estado.
A análise comparativa entre a intervenção de 1964 e as eleições de 1974,
proposta pelo deputado Waldir Walter/MDB, transitou neste sentido, defendendo a
estabilidade política como pressuposto da estabilidade social e econômica:
Hoje não sinto muito prazer em falar em 1964, naquilo que o dep. Pedro Américo
Leal e o Governo chamam de Revolução de 1964. Temos um fato histórico muito
mais importante, neste País, que ocorreu 10 anos depois, em 15 de novembro. Na
revolução de 1974 eu me enfileiro: até me sinto revolucionário do voto da paz, da
vontade do povo manifestada nas urnas. Esta é a revolução mais bela de que o
mundo e todo o Estado soberano precisam. Então, é muito mais grato para o
homem público que procura defender os princípios democráticos falar na
revolução de 1974.
100
No entender da ARENA, os resultados eleitorais desconsiderando qualquer
relação com as condições desiguais de disputa e atuação parlamentar representavam o
endosso ao regime. Se o MDB teve um saldo positivo em 74, compreendido como uma
“revolução pelo voto”, o governo teve aprovado seu desempenho com as eleições de
1968 e 1970. Esta pluralidade de opiniões seria, segundo a bancada arenista, um dos
avanços garantidos pela ação intervencionista de 1964.
Mas as mudanças propostas pela fração dirigente não foram tranqüilas. A
dinâmica da abertura política também foi tributária dos incidentes envolvendo o
“sistema” e o governo, onde o último empreendeu um evidente esforço em restringir a
função político-militar aos níveis anteriores a 1964: renovar uma aparência de poder
114
“moderador” à instituição militar. Tanto que as ações de mudanças implementadas ao
longo dos governos Geisel e Figueiredo estiveram desvinculadas da instituição militar:
tratava-se exclusivamente de uma estratégia do “grupo palaciano”.
II
Legitimidade e Transição - material farto não apenas nos círculos de debates
acadêmicos mas, sobretudo, nos expedientes das instâncias de representação política, a
questão da legitimidade do regime de exceção cumpriu os 21 anos do exercício de poder
pela coalizão intervencionista.
Se se relativiza ou se questiona a legitimidade do regime de exceção, logo se
desconstitui que este regime se institucionalizou, visto a legitimidade ser o pressuposto
do conceito de institucionalização.
Assentando-se na alusão ao interesse nacional, o regime fundado a partir das
ações de 1964 teve uma iminente limitação na questão da legitimidade. As tratativas do
bloco no poder procuraram reduzir os confrontos ao ximo, a fim de manter uma
determinada composição social, política e econômica adequada aos imperativos deste
projeto.
Ocorria, assim, a constante refundação da legitimidade com a que o regime de
exceção atravessou sucessivas fases alterando a base de legitimação. Esta prática
somente foi possível pelo próprio caráter de exceção que era conferido ao ordenamento
político-institucional. O regime reforçado por uma série de signos e símbolos, superava
o problema da legitimação pelo êxito econômico, pela destruição das organizações de
esquerda (atestando competência na segurança pública), pela sensação de estabilidade
projetada pelos meios de comunicação, pela ênfase no aspecto simbólico de combate à
corrupção e ao comunismo e, por fim, o regime era legítimo porque conduzia o processo
de normalização institucional.
A referência aos conceitos caros à Doutrina de Segurança Nacional caducou
enquanto demarcação de movimentos do bloco no poder ou revelou-se inadequada no
exercício de resolução de tarefas que a conjuntura exigia. Ao privilegiar os temas
relacionados à eficiência administrativa, imperiosidade da governabilidade, índices de
mercados e recorrência à defesa da legitimidade do exercício do poder descricionário,
sinalizava-se um outro divórcio no país: o da dinâmica societária com a dinâmica
100
AAL, em 19 de fevereiro de 1975 durante a 3ª Sessão Comemorativa, p. 24-O. Grifos nossos.
115
política. A exigência da construção de um novo ordenamento político-institucional
necessariamente teria de partir destas bases.
A questão da segurança nacional foi eficiente, até como ponto de legitimação,
quando a ordem do dia mantinha em pauta o medo, a insegurança, paz social o senso
comum midiatizado – visto que, se a intervenção de 1964 utilizou estes como elementos
justificadores, o regime que se seguiu deveria, como o fez, cumprir certas tarefas
imediatas.
A depuração no sistema político, acompanhada da revisão das políticas
econômicas e da repactuação social (neutralizando os movimentos sociais) esteve,
então, entre as prioridades do novo bloco no poder como aporte de estabilidade no
impedimento de uma volta ao passado.
Com a transição em curso nos anos 80, a farta utilização do conceito de
governabilidade foi imposta à pauta política como forma de escamotear os possíveis
confrontos. Os ganhos políticos foram acompanhados de sensíveis perdas econômicas.
A ambigüidade da transição também legou uma evidente limitação na legitimidade do
governo Sarney. Assim, não havia consenso quanto ao ponto de chegada da abertura”
nem mesmo o ponto de partida da “redemocratização”.
O regime, revolucionário na acepção de seus defensores, sempre se legitimou
justamente pelo fato da excepcionalidade. Porém, o que livrara a coalizão de um
problema acabou por acionar outro: a dualidade de ordens. A princípio, esta questão se
resolveu em 1968 com a adoção do AI-5 para, logo em seguida, retornar, devido a
manifestação do governo em descomprimir o regime.
101
Considerando que as bases de legitimação do ordenamento pré-64
concentravam-se nos procedimentos de escolha (eleições livres e o resultado do voto),
no respeito à constituição e na preservação das instâncias do governo, o regime pós-64
não pautou ou ancorou a legitimidade de sua posição nos centros decisórios de poder no
consenso, mas sim na prática revolucionária. A legitimidade residia justamente no
processo de evolução rumo à democracia, na intenção de alterar o ordenamento jurídico,
político e institucional, assim que fossem reunidas as condições para tal mudança, assim
que a conjuntura permitisse. O esforço inicial esteve em dar coesão ao sistema político
101
Diferentemente da opinião expressa por Hugo Mardini de que, ocorrida no país uma revolução em
1964, nenhuma revolução se faz sem o rompimento da ordem jurídica, sem a quebra do ordenamento
constitucional, sem a implementação de uma nova ordem jurídica, que nasce do ventre fecundo das
revoluções, que é a mais legítima fonte geradora do direito constitucional. AAL, 11ª Sessão da Comissão
Representativa em 11 de fevereiro de 1976, p. 234.
116
como resposta à altura ao bloco no poder, uma espécie de senso de responsabilidade. O
questionamento de um possível caráter de ilegitimidade, em momento algum assumiu a
primazia ou a centralidade da percepção de crises e instabilidades no interior do
ordenamento autoritário.
A abertura política somente ocorreria após o fechamento do sistema. O que
poderia a princípio parecer uma afirmação sem sentido, fruto de dedução óbvia,
portanto, redundante, não o é pelo fato de que a base de construção do novo
ordenamento esteve justamente no deslocamento da potência dos setores
insubordinados, ao reorientá-los para a luta no campo político-institucional. A força dos
movimentos se esvaiu, vide o desempenho nas eleições de 1982 do único partido de
massas com um projeto vinculado aos movimentos sociais pós-64 (o Partido dos
Trabalhadores).
A crise de legitimidade ou a constante relativização desta, não explica a adoção
das políticas de descompressão do regime. Estes são os custos da acentuada e
vertiginosa centralização política, quer em um regime de exceção, quer em ordenamento
democrático.
Respeitar os procedimentos eleitorais, por exemplo, cumpre um papel
importante de legitimação, independentemente dos resultados. As percepções acerca da
distribuição de poder, e os riscos destas, basearam o deslocamento e os impulsos das
elites nos processos de centralização e descentralização. Assim, a velocidade do
processo de distensão esteve diretamente vinculada aos esforços, por parte do bloco
dominante, em impedir a implementação de uma Assembléia Constituinte.
Entre os atores políticos proponentes da conciliação, havia um acordo tácito na
reestatização das relações sociais como forma de superação da crise política. O
desacordo se verificava quanto aos meios para tal empreitada. Neste espaço, eram
ampliados os riscos de retrocessos, tanto que a volta ao passado era referência constante
nos debates parlamentares.
Na Assembléia Legislativa, salvo exceções, e por isso mesmo esporádicas, não
houve formulações que se distanciassem dos paradigmas traçados pelo governo.
Somente se admitia a introdução no sistema de pequenas faixas de imprevisibilidade.
Seguia, portanto, uma conduta condizente com a característica senão principal, pelo
menos decisiva nos processos de instabilidade que se seguiu, a dualidade de ordens
políticas.
117
Em nenhum momento ao longo dos 21 anos deste ordenamento, sequer foi
aventada a possibilidade de ruptura definitiva com procedimentos e instituições liberais-
democráticas. Mesmo o regime, cuja orientação política era excludente e elitista,
pautava-se pela construção e afirmação da representatividade do sistema político.
Definitivamente, aqueles que viabilizaram a intervenção e o regime que se
seguiu não propunham, em momento algum, a construção de um autoritarismo
mobilizador. A ausência desta característica não pode ser veiculada como falha de
legitimidade e institucionalização. Lamounier muito afirmara que a legitimação
autoritária permanente é inviável.
102
Lamounier percebeu que a legitimidade do regime deveria ser constantemente
alimentada e, para tal, este edificou a idéia da construção e socialização de objetivos a
longo prazo como forma de estabelecer uma rede de compromissos e mecanismos de
contenção do dissenso.
O reconhecimento de uma situação de excepcionalidade no país exigia um
regime compatível que viabilizasse a superação dos obstáculos colocados rumo ao
desenvolvimento. Paradoxalmente, o regime e a fração dirigente eram ao mesmo tempo
autores e condutores do projeto de normalização que, especificamente na questão
política, detinha a incumbência de revalorizar o processo eleitoral, o sistema partidário e
o próprio poder legislativo (do contrário, caso o bloco dirigente negligenciasse estas
necessidades, havia uma possibilidade concreta de esvaziamento do sistema político).
Em grande medida, residia nesta aquiescência objetiva a base legitimadora das
ações pós-64: não eram as normativas político-institucionais em si mesmas nem mesmo
os procedimentos na tomada de decisões que conferiam legitimidade, mas sim os
benefícios que as políticas econômicas e sociais implementadas trariam. A
incompreensão destas nuances potencializou o esvaziamento do discurso das
vanguardas revolucionárias entre o final dos anos 60 e início dos anos 70.
No transcurso do regime, não foram poucos os casos de setores dentro do
próprio pacto de dominação, inseridos nas instituições de representação políticas, que se
ungiram na tarefa de defender uma efetiva normatização democrática, com respeito aos
pressupostos caros da democracia liberal, o que, no computo geral, não comprometeu a
102
LAMOUNIER, Bolívar. O Discurso e o Processo (Da Distensão às Opções do Regime Brasileiro).
In.: RATTNER, Henrique (org.). Brasil 1990 Caminhos Alternativos do Desenvolvimento. São Paulo:
Brasiliense, 1979, pp. 88-120.
118
organização e alocação do poder político decisório, muito menos as relações político-
sociais que se fundavam e alimentavam.
Contudo, era frágil esta concordância objetiva com o regime civil-militar.
Conforme avançavam as limitações em atender as demandas destes setores estratégicos,
a legitimidade do regime e as suas bases de sustentação seriam destruídas, dado que este
perderia sua conotação utilitária ou de instrumento para a consecução destes interesses e
necessidades. Para que tal situação fosse neutralizada, o regime teve de construir um
alinhamento subjetivo com a normatização política, com o projeto veiculado e a
ideologia hegemônica que justificavam o poder do bloco dominante.
Por outras palavras, a legitimidade motivada pela aquiescência subjetiva
concedida à ordem política autoritária, desempenharia uma função específica de regular
o “quanto” de poder poderia ser invocado mesmo quando interesses objetivos e pontuais
não eram sanados.
Para Lamounier, o regime pós-64 desenvolveu dois tipos de esforços para
assegurar sua legitimidade: a observação rigorosa do poder impessoal, assegurando
compatibilização “interna” das elites e coesão da instituição; o conteúdo da ação
governamental.
103
A manutenção de ordenamentos distintos acabou por tornar o regime híbrido,
visto combinar um sistema de dominação legal com um suposto ordenamento
“revolucionário”. No primeiro, observado na configuração das casas de representação,
no sistema judiciário e no sistema político-eleitoral, a obediência não se colocava em
discussão pois estava baseada em normas acolhidas e pactuadas pelo conjunto da
sociedade.
Com efeito, o regime teve um quanto de resquício do ordenamento democrático-
liberal. Ao mesmo tempo, a ordem de exceção se autodefinia pelas necessidades de
manutenção da “revolução”, não havendo a interlocução com o conjunto da sociedade
inviabilizando um efetivo pacto de representação.
Um dos reflexos mais evidentes desta dualidade esteve na questão dos
mecanismos de escolha dos representantes políticos. Mesmo que os resultados tenham
sido respeitados (caso da vitória oposicionista para os governos dos principais estados
em 1965 com o PSD e no avanço eleitoral do MDB em 1974), o processo político em si
não incidia na orientação das políticas públicas e na circulação de poder decisório.
103
LAMOUNIER, Bolívar. O Voto em São Paulo, 1970-1978. In.: LAMOUNIER, Bolívar (org.). Voto de
Desconfiança: Eleições e Mudança Política no Brasil: 1970-1979. Petrópolis: Vozes: Cebrap, 1980, p.18.
119
Ao garantir a manutenção de mecanismos institucionais, o regime o apenas
acionou o processo eleitoral como mecanismo de legitimidade, mas garantiu uma certa
margem de manobra, em parte pelo êxito das restrições estabelecidas já na primeira leva
de punições – sobretudo com sanções que reduziam as ofertas políticas na fase imediata
à intervenção e com o caráter permanente de manobras no restrito campo da legislação
eleitoral. Viabilizava-se, desta maneira, uma elevação no índice de confiabilidade da
sociedade nos processos de escolha e delegação de poder, os quais, somados ao caráter
de exceção das normas, compunham a legitimidade do regime e das ações do
governo.
104
No decorrer do tempo, como sintoma da dualidade de ordens, a ausência de
competitividade efetiva gradativamente desconstituía os ganhos referidos acima.
Ressalta-se: eleições com baixos índices de competitividade coexistindo com processos
minimamente idôneos podem ocorrer mesmo em regimes democráticos. As severas
restrições impostas pela legislação de exceção à organização, participação e
encaminhamento de demandas potencializavam uma situação de instabilidade inata ao
regime de tipo civil-militar autoritário.
Para além do discurso oficial-militar de repúdio à política tradicional, a
modernização que o regime pós-64 se propôs a estabelecer no país reduziu a forma do
político, dado que este passou a ser um apêndice de consecução do projeto de
desenvolvimento econômico. Sendo instrumentalizada para a viabilização dos objetivos
nacionais, a política aceitável limitava-se à viabilização do consenso. Ao gestar uma
sociedade nestas bases, legado do regime, criava-se mais um obstáculo na construção e
institucionalização do ordenamento democrático.
Como referência: o governo de Goulart deixou de ser legítimo no decorrer do
seu mandato na medida em que implementou ou meramente manifestou a intenção de
implementar um conjunto de políticas, às quais necessitavam de mobilização de amplos
setores, tanto vinculados aos movimentos populares e sociais organizados quanto à
instituições consagradas (essencialmente as Forças Armadas).
Aqui reside uma diferença crucial entre a fase pré e a pós-1964: a a
intervenção, setores subordinados integravam o pacto de dominação através do voto e
104
Mesmo que se reconheça que a manipulação de normas constitucionais como forma de garantir
vantagens políticas e a manutenção do poder seja um fenômeno permanente no país, após 1964 a
“engenharia eleitoral” alcançou patamares inéditos; para tal discussão ver: FLEISCHER, David.
Governabilidade e Abertura Política: As Desventuras da Engenharia Política no Brasil, 1964-84. In.:
120
da política de massas (mesmo com participação limitada e condicionada, inseriam-se na
esfera política do Estado). A legitimidade do regime pré-64 era atestada pelo Congresso
e pelo jogo partidário.
Entre 1968 e 1974, no refinamento do Estado em curso, houve uma evidente
intenção da fração dirigente em excluir a representatividade, como única forma de
deslocar o dissenso, impondo barreiras à imprevisibilidade do sistema político. Ao
mesmo tempo, os projetos de impacto conferiam a dinamização da máquina política-
estatal.
Participação, legitimidade e monopólio legal da coerção entram no cálculo dos
recursos políticos na mediação dos conflitos no bloco dominante, entre este e o bloco
dirigente e destes para com as camadas subordinadas ou dissidentes exigência de uma
recomposição de interlocutores, alterando as forças políticas potenciais no jogo político.
Estas exigências aumentaram na medida em que a política econômica perdia-se
na crise internacional e, por outro lado, o regime demonstrava suas limitações em
manter o equilíbrio do jogo político, visto não conter os conflitos domésticos e não
garantir a correlação de forças políticas na sociedade, adequados ao projeto que se
tentava implementar.
105
A proposta oficial de mudanças no regime poderia ser apreendida como
mecanismo de recuperação da legitimidade, de aproximação entre a dinâmica política e
a dinâmica societária, sendo, portanto, aportes de estabilidade. Porém, esta compreensão
representaria um contra-senso. Afinal, um regime autoritário fundado na e pela crise,
não reúne condições de estabilidade na medida em que, ou este cresce continuamente,
transformando-se em um regime totalitário - controlando as áreas que o projeto histórico
de desenvolvimento dinamiza (novas áreas da vida social) - ou impõe (ou aceita) um
abrandamento relativo da normalização política em virtude da afirmação tanto de
segmentos excluídos da coalizão dominante quanto de novos locais de política que estes
grupos controlam.
106
Não se discute aqui a legitimidade ou não do regime em si mesmo, mas do pacto
de dominação em que este está vinculado e a base de exercício do poder decisório.
Revista de Ciência Política Revista trimestral do Instituto de Direito Público e Ciência Política da
Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, vol. 29, 1, jan./mar de 1986, pp. 12-39.
105
Para uma discussão referente à relação entre as mudanças nas estruturas de poder e o cenário político-
econômico internacional ver: RATTNER, Henrique (org.). A Crise da Ordem Mundial. São Paulo:
Símbolo, 1978.
106
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Autoritarismo e Após: Convergências e Divergências entre o
Brasil e o Chile. Op. Cit., pp. 158-159.
121
Nas complexas sociedades industrializadas, mesmo as democráticas, são
evidentes as contradições na organização política, principalmente na questão da
dominação política. O regime civil-militar não detinha instrumentos para tal superação,
mesmo implementando formalidades democráticas, o que não induz à afirmação de que
aqui residia a ilegitimidade do pacto de dominação e delegação de poder.
Sabe-se que o que define e atesta a legitimidade do pacto de dominação em um
regime e governo democrático é a delegação de poder pelos procedimentos eleitorais,
pelo voto em última análise, sendo este o atestado do consentimento dos indivíduos
governados. Em um regime de exceção como o brasileiro, o governo passou a ser
legitimado pela pauta de demandas a equacionar e, se possível, atender.
Estas, segundo Lafer, impreterivelmente detinham uma conotação negativa
(combate ao caos, ao comunismo, à desordem, etc.) que deveria ser assegurada e
convertida em um processo de legitimação positiva face aos governados, dando-se esta
reversão através da eficiência técnico-administrativa e pelo êxito nos resultados da
política econômica.
107
O governo então, legitimava-se não apenas pelos procedimentos
de ascensão ao poder, mas sobretudo, pelo próprio exercício do poder, da aplicação da
racionalidade administrativa e resultados satisfatórios, conferidos pela base de
sustentação do regime, das políticas públicas.
Em virtude disso, impunha-se a constante formulação e reformulação da
legalidade, pois esta era definida também por condicionantes exteriores ao Estado.
III
A Crise do Estado e a Construção do Novo Ordenamento Político - muito se
relaciona a liberalização política empreendida durante a administração Ernesto
Geisel/Adalberto Pereira dos Santos a uma estratégia da camada dominante, mais
precisamente do bloco dirigente (mais especificamente ainda, do grupo palaciano), de
solução aos impasses e à crise, sendo estas essencialmente políticas.
Foram muitas as expressões das tensões do início dos anos 70, desde
manifestações de apoio da burguesia nacional e internacional à descentralização, nos
107
LAFER, Celso. Op. Cit., pp. 74-76. Entre as análises de cunho propriamente jurídico ver: BARACHO,
José Alfredo de Oliveira. O Projeto Político Brasileiro e as Eleições Nacionais. In.: Revista Brasileira de
Estudos Políticos. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 57, julho de 1983, pp. 29-
133.
122
conflitos internos à instituição militar, na revitalização do protagonismo social e na
reativação de organizações políticas.
de se analisar previamente as circunstâncias que conduziram o núcleo do
governo por estes caminhos.
Obviamente, a necessidade de conciliar uma série de mudanças sem, contudo,
abrir mão dos centros decisórios de poder, somente emergiu após o processo de
refinamento do Estado. Processo este, cumprido ao longo dos três primeiros governos
de exceção, os quais marcaram a definitiva instalação do regime autoritário.
Apoiados em indícios empíricos, relacionava-se Geisel a supostas intenções
democratizantes fundadoras do regime civil-militar, personificadas na figura de Castelo
Branco e na facção sorbonista-liberal das Forças Armadas.
108
Ao mesmo tempo, o discurso veiculado pela ARENA, além de ressaltar esta
possível índole liberal” do governo Geisel, apostava no gradualismo do experimento
político fomentado pelo regime, onde o relaxamento do ordenamento de exceção seria
resultado das alterações “de base” promovidas pelos governos anteriores.
O deputado Rubi Diehl/ARENA alegou que a realidade brasileira exigia, antes
de tudo, a solução para as questões de ordem econômica, social, de saúde blica, de
educação e cultura:
A oposição alega falta de liberdade e se insurge contra alguns instrumentos de
exceção na vida institucional brasileira, que nós não defendemos, absolutamente,
mas que são de somenos importância se considerarmos os desafios que o Governo
está resolvendo em favor da comunidade brasileira mais necessitada. É porque
sente, realmente, que o operariado, notadamente a partir do Governo Ernesto
Geisel, está sendo contemplado com aquilo que se realizou em 10 anos de
sacrifício da revolução, com o crescimento econômico para proporcionar agora
uma participação maior.
109
Referências deste tipo, alimentando o discurso fundador do regime, serviram
posteriormente na construção da imagem dos responsáveis pelos desvios de conduta do
regime. Nesta construção interpretativa, expunham-se prováveis divergências de fundo
no seio do bloco dirigente ao mesmo tempo em que, idealizavam como próceres da
108
A visão de uma possível inclinação “liberal” de setores da oficialidade militar foi muito explorada na
obra de: DULLES, John W. Foster. Castelo Branco: O Presidente Reformador. Tradução de Norberto de
Paula Lima. o Paulo: Global, 1986. A obra de Martins coloca uma série de restrições e limitações à
dualidade liberais/linha-dura no interior da instituição militar na interpretação da dinâmica política do
regime de exceção: MARTINS FILHO, João Roberto. O Palácio e a Caserna: A Dinâmica Militar nas
Crises Políticas na Ditadura (1964-1969). Op. Cit.
109
AAL, em 16 de junho de 1975, 74ª Sessão, p. 283.
123
redemocratização os artífices do projeto liberalizante (Geisel, Portela e Golbery, sendo
este último o principal analista do governo, aquele que interpretava as ações e propunha
políticas) como oponentes dos pragmáticos da “linha-dura”.
Produções analíticas recentes desmentiram ou colocaram ponderações, primeiro
na utilização desta dicotomia, depois na viabilidade de que estas poderiam ser
convertidas no fator primordial de explicação das ações de governo na fase final do
regime. O próprio presidente Geisel, em suas manifestações públicas, fazia questão de
ressaltar que a fonte de poder, aquela que legitimaria o regime e as políticas
implementadas por este, encontrar-se-ia na “revolução”. Esta manifestação
desconsiderava solenemente o texto constitucional, o qual anunciava que “o poder
emana do povo e por ele será exercido”.
Os pronunciamentos de Geisel indicavam uma concepção de democracia
tributária das orientações da Doutrina de Segurança Nacional, tanto quanto aquelas
defendidas pelos seus antecessores. Nesta linha, às elites tecno-científicas seria
consagrado o papel principal do alcance dos Objetivos Nacionais Permanentes via
fortalecimento do Poder Nacional.
A tessitura do regime pós-64 partira de uma base concreta e articulada,
superando a retórica “revolucionária” e é muito complexa para este tipo de redução.
Entender a predominância de frações militares e tecnocráticas no conjunto das
camadas dominantes requer a visualização da imperiosidade da manutenção de certos
mecanismos institucionais que viabilizaram tanto a centralização política quanto à
regulação do dissenso, tanto a exclusão de setores da política quanto a mediação da
ressignificação das normas políticas em valores coletivos.
A forma assumida pelo Estado, a definição da intervenção como permanente em
1968, a aplicação de elementos da Doutrina de Segurança Nacional na condução do
Estado, a implementação da contenção radical da imprevisibilidade social e os
mecanismos para tal tarefa, contribuíram para a necessidade de normatização da
política. Além disso, viabilizaram a redistribuição objetiva das demandas econômicas e
sociais dos componentes e apoiadores da coalizão intervencionista superando a fase
discursiva e (imprescindível) os mecanismos de restrição e atendimento assimétrico
das demandas das camadas subordinadas.
Estas características foram tributárias da afirmação e do acolhimento da
centralização política com base na oficialidade militar e no aparato tecnocrático.
124
As nuances descritas acima revelaram aos analistas uma grande complexidade na
compreensão da construção e manutenção do pacto de dominação e das relações deste
com setores excluídos das decisões. A forma e as inconstâncias deste pacto de
dominação refletiam imediatamente no sistema político.
A partir de 1974, os pronunciamentos oficiais mesmo as manifestações
oposicionistas parlamentares ampliavam a questão da redemocratização para além do
retorno do poder civil, externando que a consagração definitiva da democracia deveria
expressar-se através de um pluralismo limitado garantido pela realização de eleições
regulares e, de igual maneira, pelo acolhimento da representação e tutela de poder pelo
conjunto da sociedade.
Ao garantir o jogo eleitoral-partidário, com a implementação do
multipartidarismo, participação restritiva e respeitando os resultados dos pleitos, o
grupo dirigente atestaria um avanço significativo e, mais importante, perceptível, em
direção ao novo ordenamento.
Este quadro insuflou os debates nas casas parlamentares, sendo elucidativa a
disputa reproduzida pelos Anais da Assembléia envolvendo os deputados Pedro
Américo Leal/ARENA e Waldir Walter/MDB:
V. Exa. tem assim como que uma verdadeira psicose quanto à democracia. V. Exa.
procura uma democracia que o sei onde existe, porque democracia, no mundo,
atualmente não existe.”
“A melhor que está se adaptando ao grupo social, o qual ela representa e afirma
em favor de atingir objetivos em termos de gerações é a brasileira. Como o Brasil
fez isso? Através de duas ou três medidas que desagradaram ao Movimento
Democrático Brasileiro.
110
Mera expectativa, pois o direito da escolha dos cidadãos não detinha
propriamente um conteúdo político capaz de implementar as mudanças esperadas. Estas,
em parte, definiriam-se pelo jogo de conciliação e antecipações entre o bloco dominante
e componentes do pacto de dominação.
Em última análise, a participação política não seria a principal questão a definir
um regime minimamente livre ou democrático, mas sim os procedimentos que
apontariam quem e que meios redundariam em decisões políticas para o conjunto da
sociedade com - necessariamente - a garantia de reversibilidade nas decisões adotadas.
110
Id., pp. 287-288. Na mesma ocasião, Rubi Diehl/ARENA reconhecia as limitações do ordenamento
político, ressalvando seus avanços no desenvolvimento econômico e na modernização da sociedade mas
125
Ao se deparar com as mudanças liberalizantes implementadas, presumidas ou
ainda aquelas manifestadas via discurso oficial, tem se que o núcleo do governo Geisel
procedia realmente de forma menos ortodoxa que dici ou Costa e Silva, mesmo que
aquelas mudanças, segundo diagnóstico oficial, não poderiam ser implementadas
plenamente no transcurso de um mandato.
Todavia, na observação, primeiro da forma e depois do conteúdo destas
mudanças, observa-se que estas traziam embutida uma questão central localizada na
reorganização das bases do sistema de alianças para preservação do regime.
Estando correta esta asserção, desnudam-se as limitações destas reformas como
pilares de fundação de um novo ordenamento, dado o conservadorismo da proposta
“distencionista”.
A prioridade do governo Geisel esteve na implementação de mecanismos que
obstacularizassem as ameaças de ruptura do Estado.
O atraso na percepção do descompasso econômico, como fenômeno de longo
prazo por parte dos setores vinculados ao capital (empresários, investidores e
especuladores financeiros), teve custos não dimensionados. De parte do governo, à
ausência de uma “leitura” da crise estrutural que se avizinhava, somaram-se as
insatisfações das camadas subalternas, em parte devido aos reflexos da inflação
(impondo limites a necessidades imediatas como a diminuição do poder aquisitivo,
retração na capacidade de consumo e na circulação de capitais - na oferta). Foi criado,
portanto, um cenário de crise social e política que o regime, com as características
implementadas a partir do fechamento do poder (militarização dos centros decisórios de
poder) não absorveria senão pela repressão. Esta, por sua vez, teve de ser minimizada na
medida em que a pauta autoritária adentrava em um período de esgotamento.
As principais pressões sofridas pelo regime alimentavam-se da própria natureza
do processo de crescimento da sociedade. De certa maneira, da mesma forma que o
estágio alcançado pela luta de classes criou condições para a afirmação e tolerância de
um regime centralizador de tipo autoritário, condicionou posteriormente o desfecho
deste.
A organização política da sociedade é derivada da interação do Estado, da
comunidade política (os elementos incluídos na esfera do político), do governo e da
sociedade e a relação destes com o modo de produção, o estágio da luta de classes, as
que, especificamente na questão política, ainda o país ainda estaria inserido em uma situação anômala,
própria de um sistema preventivo transitório como o brasileiro.
126
estruturas que dividem e constróem a sociedade e o acúmulo e tendências políticas
(cultura política). Em nenhum momento esta interação esteve isenta de conflitos e
tensões, atingindo e condicionando a ação, tanto dos indivíduos, quanto das instituições.
A coalizão intervencionista teve uma coerência genérica, reunindo praticamente
todos os setores político-sociais ativos com valores e desejos distintos, o que viabilizou
a tomada do poder e também criou uma série de empecilhos na construção e definição
do novo regime.
O regime pós-64 o ostentou uma única face, ou seja, a implementação de uma
forma de condução e administração estatal dedicada aos técnicos e não aos “políticos
profissionais”, a inclinação pela Doutrina de Segurança Nacional e a orientação
desenvolvimentista criaram uma série de oposições internas ao regime.
Até 1969, o Estado não estava “fechado”, no sentido de haver um
comprometimento entre a tecno-burocracia, os ocupantes dos altos escalões e a
ideologia militar: o aparelho estatal não operava como um centro unificado. Mesmo
com a militarização dos centros decisórios a partir de 1969, esta característica
permaneceu, visto a centralização e a opção pela repressão garantirem uma ampla
autonomia aos centros de segurança e informação. Em síntese: não havia uma definitiva
coerência no funcionamento do regime.
Mesmo a oposição enfrentada no parlamento e os conflitos internos no bloco
dominante não podem ser traduzidos enquanto evidências de ausência de legitimação,
sendo comum a todas as formas políticas a desarmonia entre as frações de classe no seio
do bloco dominante. Não é destes elementos, que por certo produziram instabilidades,
que se retiram as fundamentações da necessidade de abertura. A visão de que o regime
sofreu um processo de corrosão interna é insuficiente como explicação da opção pela
liberalização política.
À sociedade cada vez mais fluída, heterogênea e integrada com interesses
diversos e, em muitos casos, antagônicos - contrapunha-se um sistema de normatização
da política, baseado essencialmente na representação total e participação controlada e
excludente, na natureza arbitrária da tomada de decisões fundamentais para a sociedade
e, por fim, no uso desregrado da repressão e violência institucional, objetivando
conduzir o comportamento político. Independentemente da natureza autoritária do
regime e dos objetivos da política do governo, surgiram lacunas entre o plano para a
127
ação do governo e os resultados de suas iniciativas. Essas lacunas aumentaram a
incoerência do regime.
111
Neste ínterim, a insubordinação passava a ostentar faces concretas, sendo
perniciosa à correlação de forças estabelecidas pelo regime. Dada a autonomia com que
se conduzia, e à possibilidade de choque com o Estado, a estratégia oficial de
recuperação da estabilidade concretizava-se pelo disciplinamento dos sujeitos.
Deste ponto os analistas retiram as fundamentações que sistematicamente
conferem uma crise de legitimidade do regime como fator desencadeador da proposta de
liberalização política.
A legitimidade de um dado regime posta-se enquanto pressuposto de sua
institucionalização: um conjunto de analistas observou que o regime civil-militar
tornou-se inviável com o decorrer do tempo em função do divórcio entre a fração
dirigente e segmentos estratégicos na coalizão intervencionista; o dissenso também se
manifestou entre frações do bloco dominante componentes do pacto de dominação.
Entre tantas facetas deste dissenso doméstico, uma das principais esteve na
forma de condução e nos resultados da política econômica. Esta indisposição de um
setor do empresariado nacional com a política oficial (interferência das multinacionais e
do próprio Estado na economia, fruto da centralização das questões econômicas pelo
Estado) logo foi convertida na luta pela desestatização com sensíveis apelos pela
elaboração de um projeto nacional desvinculado do Estado.
A ausência de canais institucionais de interlocução, com credibilidade
reconhecida, dificultou a ão governamental. A ARENA falhara em suas tarefas
básicas como partido do governo. Segundo a bancada emedebista, este “vácuo”
partidário na base de sustentação do governo era resultado da própria ação da oposição
que, partindo de um enfrentamento “responsável” com o governo, garantiu um certo
equilíbrio nas relações políticas. O MDB desde o início pregou a redemocratização do
País e a continua pregando repito, em todo o País. A ARENA nunca teve a coragem de
discutir com os governantes, só sabem ler a cartilha do monólogo, a ARENA defende o
governo, mas não participa do Governo.”
112
111
BALOYRA, Enrique A. Os Vários Momentos da Transição Política no Brasil, 1977-1981. In.:
SELCHER, Wayne A. (org.). A Abertura Política no Brasil: Dinâmica, Dilemas e Perspectivas. o
Paulo: Convívio, 1988, p. 43. Baloyra, mesmo considerando a pressão empresarial, acredita que estas não
surtiram o efeito esperado na tentativa de criação de uma frente nacionalista a favor da abertura, não
cativando o apoio do Alto Comando e nem mesmo das organizações empresariais. BALOYRA, Enrique
A. Op. Cit., p.
112
Discurso de Rospide Netto/MDB. AAL, em 16 de junho de 1975, 74ª Sessão, p. 284. Grifos nossos.
128
No momento em que o governo Geisel abriu canais de diálogo com a sociedade
civil, tanto a instituição militar quanto o partido do governo e as instâncias de
representação políticas (o sistema político como um todo) ficaram à margem deste
processo.
A reestatização das relações políticas como forma de controle da dupla fuga teve
dois momentos distintos e interdependentes. Na flexibilização das relações políticas
aplicada durante o governo Geisel, a qual instituiu um conjunto de mudanças como
forma de impedir a desconstituição do Estado e na estabiliização conservadora,
desenvolvida no governo Figueiredo, a qual dilacerou as possibilidades de
reconhecimento, interlocução e interferência entre o movimento das instituições
políticas (com fôlego renovado em virtude do espaço viabilizado durante o governo
anterior) e à pluralidade dos movimentos que eclodiram na sociedade.
Ruía a possibilidade do ímpeto mobilizador e transformador sem ter-se
generalizado. Os novos partidos políticos da fase multipartidária aprimoraram a atuação
dos seus ancestrais (ARENA e MDB) ao deslocarem definitivamente a força da
insubordinação para os meandros da representação e tutela de poder.
A intervenção do deputado Pedro Simon/MDB no parlamento foi reveladora
neste sentido: ao solicitar a inserção nos anais da casa da posição emedebista frente às
mudanças políticas, através da transcrição de documento elaborado pela Direção
Nacional do partido (assinado pelo líder Ulysses Guimarães), reafirmou sugestões de
medidas com vistas à normalização da vida democrática no País com a proposição de
um grande pacto nacional visto, os desejos do MDB serem compatíveis com a tese
dominante de abertura, a da normalidade democrática, seria, na hipótese, de extinção
dos Atos Institucionais, dando-se guarida às teses de pacificação, normalizar
imediatamente a vida política brasileira.
113
Mas, como apontou o deputado, a própria pula do partido melancolicamente
reconhecia que os fatos estavam acima do MDB e que o partido deveria atuar em busca
de um denominador comum, concordando com a proposta de Geisel, para buscarmos
através de uma distensão, ainda que não de uma forma imediata, mas através de um
caminho, os nossos rumos para o nosso país. Os itens fundamentais deste processo
estariam na efetivação e retomada de direitos e garantias individuais, autonomia do
Congresso e intangibilidade do Poder Judiciário.
113
AAL, em 23 de junho de 1975, 79ª Sessão, pp. 416-420. Grifos nossos.
129
Era uma verdadeira orientação a se fazer uso da, então famosa, diretriz de
Geisel, a “imaginação criativa”:
Abertura imediata? Não! Ele não está propondo isso. Normalização amanhã?
Não! Ele não está propondo isso. Não que o MDB não desejasse, não gostasse. O
MDB entende que seria uma grande solução, mas lhe falta força política. (...)
reconhecendo com humildade a sua posição, o MDB propõe o diálogo aberto (...)
O trabalho de elaboração de um novo modelo constitucional é algo que exige
profunda compenetração. E nesse longo tempo que levará para o seu
aperfeiçoamento, todos poderão falar: os jornais, o rádio, a televisão, a imprensa,
as lideranças, as mais variadas classes representativas da voz da República terão
oportunidade de falar.
114
Estabelecia-se a política de neutralização da crise institucional. Sendo consenso
entre os parlamentares um possível impasse vivido pelo sistema político brasileiro, a
convergência das falas dava-se pela elaboração de um novo modelo constitucional que
restituísse ao Congresso o poder constituinte.
Os interesses imediatos ou objetivos em curto prazo, acabaram por ditar, ao
menos no plano político, tanto o aval quanto a refutação ao ordenamento político-
institucional como um todo. Inclinados ao segundo aspecto - o da refutação - um
considerável número de empresários e representantes de setores vinculados ao mercado,
cujas posições uníssonas permitiram à analistas e cronistas identificarem uma tendência
política dominante, a saber, o endosso à luta pela abertura política, a qual encontrava-se
em curso. O apoio dos empresários significava uma tentativa de concretizar interesses
que o Estado autoritário obstacularizava.
115
Desta forma, percebem-se diferenças, nem sempre sutis, entre o discurso do
bloco no poder (Geisel e Golbery especificamente), o projeto do bloco dominante e o
desencadeamento do processo.
Sendo assim, o esforço oficial esteve em estabelecer um cronograma rígido e
hermético para a desarticulação de elementos organizados que outrora compunham a
114
Id.
115
Para uma análise detalhada da participação dos empresários no processo de mudança de ordenamento
político ver: CARDOSO, Fernando Henrique. O Papel dos Empresários no Processo de Transição: O
Caso Brasileiro. In.: Dados Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro: vol. 26, 1, 1983, pp. 9-27. DINIZ por sua vez, aponta que os empresários
buscavam ampliar seu poder de negociação e barganha, não estando entre seus objetivos desconstituir o
regime: DINIZ, Eli. O Empresariado e o Momento Político: Entre a Nostalgia do Passado e o Temor do
Futuro. In.: Ciências Sociais Hoje (Anuário de Antropologia, Política e Sociologia) Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS). São Paulo: Cortez Editora, 1986,
pp. 203-239. Baloyra, mesmo considerando a pressão empresarial, acredita que estas não surtiram o efeito
esperado na tentativa de criação de uma frente nacionalista a favor da abertura, não cativando o apoio do
Alto Comando e nem mesmo das organizações empresariais. BALOYRA, Enrique A. Op. Cit., p. 57.
130
base de sustentação do próprio regime. Para tal tarefa, utilizou todos os recursos
disponíveis, inclusive instrumentos próprios de uma ordem autoritária - atestando
assim, mais um sintoma da dualidade de ordenamentos. Esta política apontou para a
necessidade de reapropriação do processo. Ao ter êxito nesta tarefa, o círculo dirigente
protagonizou uma demonstração de força do regime na forma de poder de articulação e
antecipação de demandas.
A liberalização também teve um componente de controle doméstico, de
retomada por assim dizer, do aparelho de Estado dado, a percepção da inviabilidade do
experimento autoritário nas bases em que estava sendo exercido. O bloco dirigente
avançou na contraposição a setores (não somente militares) que defendiam o
prolongamento do excepcionalidade política do regime.
Um segundo componente da redefinição do Estado, a vertente propriamente
política desta, esteve precisamente na desconstituição do ordenamento político através
da mobilização de segmentos impulsionados pela própria dinâmica da economia.
Este período, precisamente o final da administração Médici, marcou uma
crescente e contínua redução da harmonia e coesão da base social de sustentação do
regime, devido essencialmente, a inviabilização da aplacação das necessidades
imediatas desta base e, de outro modo, das demandas suscitadas pelo ufanismo do
“milagre econômico”, as quais não foram correspondidas à altura pelo governo.
As tensões que corroíam as bases de sustentação do regime, antes deslocadas
pela repressão e pela projeção positiva de futuro, foram transformadas em demandas no
governo Geisel e direcionadas para espaços ampliados de expressão consentida. Mesmo
angariando credibilidade ao permitir a manifestação destas tensões e oposições, o
governo sofreu duras e contundentes críticas que, posteriormente, direcionaram-se para
o próprio modelo político.
Aquilo que a literatura consagrou como a segunda etapa, a distensão, tem origem
aqui.
Os obstáculos fundamentais encontrados pela administração Geisel ao projeto de
mudança, foram potencializados com os resultados eleitorais de 1974 e o tensionamento
do discurso oposicionista, os quais ressuscitaram a lógica do perigo subversivo
interno”.
Desde então, a cúpula do governo teve de enfrentar uma série de obstáculos na
consecução de ões estratégicas na viabilização do projeto “palaciano”. Cardoso
elencou estas ações como sendo as futuras eleições diretas em variados níveis, o
131
relaxamento do controle da imprensa, o controle do sistema de informação e segurança
que não implicasse em seu desmantelamento e a formação de um sistema institucional
que ao mesmo tempo, viabilizasse as eleições e barrasse o avanço oposicionista.
116
IV
A Refundação da Transição: As Interpretações do Projeto e Processo
Distencionista - esta pesquisa propõe como tese central, a concepção da redefinição do
Estado no Brasil relacionada ao processo de fuga da subordinação e fuga da
insubordinação. Mas, ressalta-se que a ênfase no desequilíbrio institucional e estrutural
provocado pelo processo de dupla fuga requer da mesma maneira destacar que este
processo precipitou a crise do Estado sem, no entanto, criá-la.
Com efeito, o verdadeiro motor da crise e tudo o que esta tese se propõe a fazer
nesta seção, encontra-se exatamente nas relações e nos resultados a partir de suas
próprias estruturas e mecanismos de decisão, os quais garantiram sua existência.
Possivelmente em virtude de seu prolongamento no tempo, possibilitaram e
alimentaram contradições o resolvidas senão pela própria reestruturação do regime e
do Estado como um projeto de longo prazo. Neste ponto, acredita-se, encontrar-sea
gênese do projeto e do processo de flexibilização das relações políticas.
A “abertura política” proposta pelo bloco dirigente foi, em sua gênese, uma
manobra liberal de estabilização conservadora e autoritária, não sendo acordada nem
mesmo entre os membros do bloco dominante, os quais, em sua grande maioria, não
observavam sequer o acelerado estágio de entropia do sistema.
Foram elucidativas (do ponto de vista de sua função ideológica) as palavras do
general Golbery do Couto e Silva, o qual ponderou que centralização e descentralização
seriam o verso e o anverso - síntese que assegurava a existência de ambas - onde o
processo evolutivo de uma acarretaria o surgimento de fatores intrínsecos de outra, a
qual cresceria até inverter os termos da equação de equilíbrio:
Na fase ascendente da centralização produzem-se, portanto, germens da própria
descentralização, obstáculos que começam desde logo a opor-se à primeira, mas
sem força de retarda-la, quanto mais detê-la; tudo se passa assim, até que a
centralização atinja seu clímax; a partir de então, os fatores em oposição ou
116
CARDOSO, Fernando Henrique. Os Impasses do Regime Autoritário: Início da Distensão. In.: A
Construção da Democracia – Estudos Sobre Política. 3ª Edição. São Paulo: Siciliano, 1993, p. 222.
132
obstáculos começam a preponderar, freando o processo de centralização, cada vez
mais, até reduzi-lo à inoperância.
117
A centralização acabou por concentrar no Estado, no poder executivo
precisamente, a suma do poder público.
Apresentando as mudanças implementadas a partir de 1974 como uma contra-
ofensiva, Golbery demonstrou que a opção pela abertura teve a intenção de desarticular
a frente oposicionista que crescia sistematicamente nos flancos e fragilidades abertas
pela “hipertrofia” do executivo com reflexos na sustentação do Estado, resultado da
crescente centralização política.
Por certo, a análise da conjuntura da “liberalização” proposta por Golbery
padece de um mecanicismo que invariavelmente rompe com a possibilidade de
observação da história enquanto um processo, pois cria uma construção política pautada
na dualidade oscilativa entre o Estado e a sociedade. Todavia, salta aos olhos a forma
como a flexibilização das relações políticas se impunha: pelos perversos resultados da
hipertrofia do poder executivo, a qual impedia a estabilização conservadora da ordem
social (que paradoxalmente até então era garantida em grande parte pela enorme
intervenção do Estado, pela primazia do executivo e pela militarização dos centros
decisórios de poder).
A mesma centralização que assegurou até o final do governo dici a
estabilização conservadora como base do “milagre”, converteu-se no fator determinante
de um conjunto de instabilidades, visto ter potencializado as limitações da máquina
administrativa.
Em um segundo momento, esta situação veio a dificultar o processo de tomada
de decisões, inviabilizando o controle de áreas fundamentais do próprio aparelho de
Estado. A mesma centralização, acentuada pela adoção de políticas públicas, suprimia
quase que por completo a atividade legislativa das casas parlamentares. Por sua vez, nos
assuntos envolvendo a segurança nacional (com a amplitude que lhe é peculiar),
definidos oficialmente como de razão de Estado”, o governo anulava as funções
primordiais do poder Judiciário.
117
COUTO E SILVA, Golbery do. Conjuntura Política Nacional, O Poder Executivo & Geopolítica do
Brasil. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1981, p. 18. As concepções dete analista
e estrategista foram tema do trabalho de: KOCH, Ana Maria. Ocidente Cristão em Golbery do Couto e
Silva. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Centro de Ciências Humanas –
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 1999.
133
Sendo inevitável a aplicação de mudanças, o esforço oficial esteve em garantir
que as reformulações guardassem um certo laço de continuidade com o ordenamento
autoritário, mesmo sendo aludidas por todos os setores a ordem democrática como a
referência alternativa ao regime vigente.
A associação de duas crises não simultâneas - a das formas de dominação
política e a crise social do modelo de acumulação - conduziu o regime à necessidade de
superar um ordenamento fechado e autoritário, adotando procedimentos democráticos.
Este movimento do bloco dirigente não representou a renúncia ao regime, nem a
dissolução deste e muito menos, a precipitação de uma crise revolucionária.
O bloco dominante teve êxito justamente em dissociar estas duas crises,
acenando com medidas que projetaram a construção de um novo ordenamento político-
institucional sem, contudo, questionar que este novo modelo político significaria ainda a
expressão da hegemonia do grande capital e das frações dominantes, tal como em 1964,
com as devidas defecções.
As mudanças no regime responderam ao dilema de como manter a capacidade de
dominação quando a pauta autoritária (o discurso fundador em 1964) demonstrava
sinais evidentes de erosão. A forma utilizada pelo regime a fim de evitar a disseminação
de um processo de insubordinação generalizado esteve na reestruturação das relações de
classes e no advento de novas formas de expressão política institucionalizadas.
Ao se dedicar ao estudo do autoritarismo chileno, Garretón construiu uma
análise que à primeira vista pode parecer antagônica ao caso brasileiro. Todavia, esta
tese observa que podem ser guardadas similitudes entre ambos os casos a partir das
conjecturas do referido autor: a democracia, como ordem alternativa, possui um
referente ambíguo e um significado diferente para as forças de oposição. A busca pela
democracia necessariamente conduziria a uma reativação de formas de mediação
negadas pelo regime civil-militar mas, na medida em que está vinculada (a democracia)
a um projeto histórico e a um modelo de desenvolvimento, exige, de uma ou outra
forma, que a alternativa democrática contenha referências ao ordenamento
antecedente.
118
A partir destas inferências, de imediato recusa-se a premissa de que a adoção de
um quantum de mudanças por parte do governo - reconhecidas como a liberalização
política - tenha sido produto dos resultados das eleições de 1974.
118
GARRETÓN, Manuel Antonio. Em Torno da Discussão Sobre os Novos Regimes Autoritários na
América Latina. Op. Cit., p. 186.
134
Eleições estas que marcaram definitivamente uma inversão das tendências
política eleitorais no país, não obstante os resultados somente viabilizaram-se
endossados pelo bloco no poder - pelo fato de estar em curso uma proposta de distensão.
Confirmaram estatisticamente que no campo político-eleitorial, naquela conjuntura
específica e com a legislação em vigor, a dinâmica de bipolaridade do sistema
favoreceria a oposição (devido em grande parte pelo caráter plebiscitário que
caracterizou aquele pleito e, de outra parte, pelas identificações, nem sempre com base
na realidade e por isso mesmo simbólicas, do MDB enquanto partido das populações
menos privilegiadas).
É este o corte temporal desta tese: o início da gestão dos generais Ernesto
Geisel/Adalberto Pereira dos Santos. Não pelo seu caráter democratizante, pelas
reconhecidas capacidades técnicas e experiência na burocracia do presidente (o que
representaria um flagrante menosprezo pelas reais necessidades das transformações
implementadas neste período), nem mesmo pelo avanço eleitoral do MDB (sobre-
valorizando uma racionalidade do voto difícil de ser mensurada) ou ainda, pela
definição de um projeto de governo com vistas à auto-dissolução do regime de
excepcionalidade.
Basicamente, a razão deste corte temporal deve-se pela constatação de que, com
a administração Geisel ou os discursos oficiais e inaugurais processados por ela, criou-
se um fato político que veio a ressignificar as próprias instâncias de representação
política, a saber, o anúncio da intenção de flexibilização das relações político-
institucionais. Este fato político criou um cenário mais adequado à execução de um
projeto de reestruturação do regime de exceção. Sendo assim, somente arbitrariamente
se poderia identificar na administração Geisel a instauração de um período de liberdades
políticas.
119
No conjunto das mudanças, com avanços liberais e retrocessos autoritários, o
governo Geisel utilizou como nenhum outro o instrumento “mor” característico do
processo de refinamento do Estado (o AI-5), tendo o revogado somente em 1978.
119
Visão distinta portanto daquela alimentada por muitos autores, jornalistas e analistas políticos que
observam uma intrínseca relação entre a indicação de Geisel para a presidência e a disposição do bloco
dominante em promover a normalização democrática. Entre estes autores, para focalizar as produções
mais recentes, situa-se Murilo de Carvalho que aponta logo depois de empossado na presidência da
República, em 1974, o general Ernesto Geisel deu indicações de que estava disposto a promover um
lento retorno à democracia. (...) A abertura começou em 1974, quando o general presidente diminuiu as
restrições à propaganda eleitoral, e deu um grande passo em 1978, com a revogação do AI-5, o fim da
censura prévia e a volta dos primeiros exilados políticos. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no
Brasil – O Longo Caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 173.
135
Dialeticamente, 1976 foi um ano emblemático na medida que, com a mesma intensidade
em que eram executadas cassações de mandatos, ocorria o controle dos abusos dos
órgãos de segurança e informação (sendo caso notório a exoneração do general D’Ávilla
após as mortes do jornalista Herzog e do metalúrgico Fiel Filho).
Após o processo de refinamento do Estado, a crise econômica não havia se
manifestado de maneira acintosa, não podendo então ser imputada a esta a inflexão da
militarização dos centros decisórios de poder. Da mesma forma, os órgãos de
seguranças e informação ainda agiam da mesma forma e intensidade que na chamada
fase de “anos de chumbo” e os efeitos do avanço eleitoral do MDB ainda não haviam
sido dimensionados, até mesmo porque não significaram alterações substanciais na
estrutura de poder.
Neste sentido, os elementos consagrados pela literatura especializada como
promotores da abertura” são facilmente contestados. Fato é que, nas arenas
institucionais, não havia naquele momento nenhuma imposição para a implementação
de processo político de liberalização, mesmo que setores (minoritários) do bloco
dirigente reconhecessem e alertassem que a conjuntura futura exigiria um mecanismo
que viabilizasse a estabilização político-social - desde que conservadora - sob pena de,
em caso de negligência, haver a própria desconstituição do pacto de dominação e das
relações políticas normatizadas para o conjunto da sociedade.
120
A instabilidade nas relações políticas, a constante referência à limitação da
legitimidade e as oscilações econômicas povoaram a pauta tanto do governo quanto da
oposição durante o regime civil-militar (à exceção do período da militarização dos
centros decisórios de poder). Ora, até este momento foram aludidas não somente as
conseqüências destes processos, mas sobremaneira, os mecanismos utilizados para
deslocá-los enquanto pontos de desconstituição de poder. Sendo esta a constante desde
1964, em nada explica a decisão pela implementação de mudanças no bloco dirigente e,
mais paradoxal ainda, a manutenção deste programa de mudanças a partir daquelas
limitações apontadas acima.
Como boa parte da crônica política referia, aliado do sacerdote (Geisel), o
feiticeiro (Golbery) advogava a implementação do conceito de liberalização no
120
O pronunciamento do dep. Amarílio Moreira/MDB revela muito acerca do caráter do êxito eleitoral:
encontramos no respaldo popular o eco de nossa doutrinação política e porque não dizer? Do nosso
trabalho e da atuação da Oposição neste estado como no Brasil. Por certo esperamos do Governo
Revolucionário que está, uma resposta e uma posição daqui para frente, porque se a voz do povo é a
136
programa de governo, admitindo uma espécie de regramento autoritário como ponto da,
segundo o grupo palaciano, diretriz da estratégia do poder; esta seria a perspectiva
daqueles que conduziam a luta pela hegemonia intelectual do processo.
Contudo, este seria um reflexo causado pela fuga da subordinação, daí a
necessidade do bloco dirigente em caracterizar estas mudanças por avanços e refluxos,
sístoles e diástoles sob a condução rígida da fração dirigente.
O período de Geisel na presidência identificava-se com a reunião de um
conjunto de condições para implementação de um projeto de descentralização, ativando
uma tica de antecipação de demandas subalternas e conciliação com frações
dissidentes como mecanismo de manutenção do poder. Em outras palavras, a
recomposição da “teia” social e política, ao mesmo tempo em que rompia com o
passado, manteve uma estrutura ideológica conservadora marcadamente pautada na
tradição da conciliação na esfera das frações dominantes.
Não é demais relembrar que, nos momentos de crise e de possibilidade concreta
de ampliação do potencial de decisão e definição dos grupos que não compunham o
pacto de dominação, frações das camadas dominantes que outrora poderiam ter se
defrontado em busca da materialização de seus objetivos imediatos, procuraram o
entendimento entre si como mecanismo de preservação do status quo.
Esta máxima perpassou o processo de dupla fuga, sendo característica dos
pronunciamentos de indivíduos que posteriormente a literatura e a mídia iriam
consagrar como símbolos de épocas distintas: tanto o presidente Figueiredo quanto o
candidato Tancredo Neves advogavam a suspensão dos conflitos desestabilizadores em
nome do entendimento, como pressuposto para a consolidação democrática.
A visão defendida por uma parte do grupo palaciano de que, naquele momento,
ocorria um processo de esgotamento da forma e estrutura assumida pelo ordenamento
autoritário, não era compartilhada pelo conjunto do bloco dominante. As idéias
vinculadas à este pequeno grupo sofreram resistências internas, principalmente em
setores da instituição militar (caso da “direita explosiva”).
As mudanças progressistas, com utilização de recursos conservadores (a
estabilização política conservadora) implementadas no governo Geisel, representaram, a
um só tempo, um recuo e um avanço. Recuo, porque satisfaziam setores que mantinham
expectativas quanto à manutenção da pauta autoritária a qualquer custo e, de outra
voz de Deus, o resultado de sua vontade se expressa nas urnas. AAL, em 25 de novembro de 1974,
durante a 152ª Sessão, p. 7.
137
maneira, avançava duplamente, criando mecanismos e salvaguardas capazes de superar
os instrumentos que simbolizavam uma ditadura (como o AI-5) ao mesmo tempo em
que procurava reestatizar o mundo do político.
Em certo momento, a oposição institucional e a cúpula do governo entraram em
sintonia, o grupo palaciano em conter a instituição militar e, de outro, a frente
oposicionista que se comprometia a encaminhar e ser o agente uno das demandas por
vias institucionais.
Como demonstram os eventos políticos no final da década de 70 e início dos
anos 80, a distensão não ocorria simplesmente como tática de socorro à legitimidade.
Infere-se aqui, que no bojo de uma nova conjuntura, o processo de dupla fuga
engendrou a redefinição do Estado. As interpretações da “abertura política”, a partir de
questões pontuais ou mesmo circunstanciais, empobrecem por demais a compreensão
deste processo político em sua plenitude.
Explicações somam-se às centenas, tanto que alguns analistas procuraram
formatar esquemas onde pudessem ser agregadas em certas tipologias as vertentes
interpretativas.
Estes enfoques valorizam determinados vetores, ponderam diferentes fatores,
destacam variantes conjunturais ou relacionam ao grau de mudança e a intensidade
destas na construção do novo ordenamento político. Enfim, apontam elementos de
conservação e mudanças, rupturas e continuidades, alterações substanciais e reformas
superficiais. As respostas costumeiras chegam até mesmo a sondar uma desconstituição
do regime civil-militar, mas em linhas gerais as explicações não avançam para além do
levantamento de elementos da destruição da forma como este se apresentava. Este
processo trilhou caminhos distintos conforme a ênfase dada: para a grande maioria,
rumo à ruptura democrática, para alguns outros, mudanças nos mecanismos de
funcionamento do regime de exceção.
Cardoso compilou uma rie de possibilidades de análises. O sociólogo agrupa
em quatro correntes explicativas o impulso inicial ao processo de mudança no regime e
sua transformação em mudança do ordenamento político-institucional (visão
estratégico-conservadora, estrutural-crítica, liberal-democrática e crise de
hegemonia).
121
Figueiredo & Cheibub apontaram cinco linhas de explicação do
121
Como revela a designação, a visão estratégico-conservadora sugere a mudança enquanto necessidade
estratégica, partindo das formulações de Golbery do Couto e Silva, a mudança no regime seria uma
manobra política como resposta ao “desgaste do exercício do poder” sendo então, um mecanismo de
antecipação das pressões “de baixo”, para tal empreitada seria necessário a retirada das forças armadas do
138
desencadeamento do processo de abertura (fruto da crise econômica, fruto da
complexidade econômica, busca de legitimidade para o sistema, ato de vontade da
administração Geisel e crise de autoridade).
122
De outro modo, Diniz representa outro referencial na compilação e tratamento
das análises acerca da transição política.
123
A autora observa elementos que, mesmo não
sendo reproduzidos na proposta interpretativa adotada nesta tese, contribuíram na
elaboração dos argumentos aqui defendidos.
No artigo de Diniz são agrupadas explicações em categorias que se subdividem.
Primeiramente, em explicações da “abertura” que repousam seu aporte analítico, tanto
nas pressões que emanam da sociedade quanto na iniciativa do Estado. Na primeira
categoria, o argumento econômico e as contradições aguçadas pelo modelo de
desenvolvimento seriam a mola de propulsão das mudanças; relacionava-se então a
capacidade de sustentação social do regime autoritário pela percepção da situação
econômica do país.
124
A perspectiva que parece mais adequada à autora, foi esboçada
como:
núcleo do poder, mantendo sua capacidade de intervenção e veto. Os adeptos da visão estrutural-crítica
observavam as mudanças como inevitáveis em virtude da perda da base de sustentação do regime, o qual
“jogava” na defensiva devido ao refluxo econômico e as ressonâncias deste no plano social e político. Na
visão
liberal-democrática
o êxito econômico explicaria a implementação das mudanças: não havendo
um sistema legitimador no plano político e com novas demandas fruto do padrão de desenvolvimento
atingido, as massas romperam a solidariedade ao regime.
Crise de hegemonia
também trata da
legitimidade do regime, ressaltando as determinações estruturais e as variantes de crise no e sobre o bloco
dominante, valoriza a articulação de forças externas ao Estado (movimentos sociais e dos trabalhadores
do campo e da cidade). CARDOSO, Fernando Henrique. Regime Político e Mudança Social: A Transição
Para a Democracia. In.: CARDOSO, Fernando Henrique. A Construção da Democracia. Op. Cit., pp.
257-272. A análise e respectivas críticas às limitações destes modelos estão em: MATHIAS, Suzeley
Kalil. Distensão no Brasil: O Projeto Militar (1973-1979). Campinas: Papirus, 1995, pp. 29-47.
122
A abertura política como fruto da crise econômica verificada esta a partir de meados da década de 70,
visto que impôs o estabelecimento de um novo pacto político a fim de garantir o funcionamento do
modelo econômico que vigia; a abertura como fruto da
complexidade econômica
, em virtude da
diversificação do país, a qual instaurou novos interesses, demandas e conflitos sociais mais complexos, os
quais seriam sanados pela via do desenvolvimento político; a necessidade de busca de legitimidade,
devido ao fato de que a legitimação pela coerção e êxito econômico tornara-se custosa ao sistema, a
abertura seria uma forma de ampliação da participação política, base de sustentação de uma nova
legitimidade; a abertura como
um ato de vontade de Geisel
dado que esta seria uma tarefa do grupo
“castelista” que corrigiria os rumos equivocados que a “revolução” havia tomado; a centralização do
poder provocara um colapso dos mecanismos de mando e obediência ao mesmo tempo em que a
inoperância na execução das decisões tomadas pelo governo resultariam em uma
crise de autoridade
,
somente resolvida com a descentralização. FIGUEIREDO, Marcus Faria & CHEIBUB, José Antônio
Borges. A Abertura Política de 1973 a 1981: Quem Disse o Quê, Quando – Inventário de um Debate. In.:
BIB – O Que se Deve Ler em Ciências Sócias Hoje. Rio de Janeiro, nº 14, 1982, pp. 32-33.
123
DINIZ, Eli. A Transição Política no Brasil: Uma Reavaliação da Dinâmica da Abertura. In.: Dados –
Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Vol. 28, nº 3, 1985, pp. 329-346.
124
O pioneiro deste tipo de interpretação, relacionando desempenho econômico e viabilidade dos regimes
de exceção, foi Poulantzas, cujo olhar dedicou-se especificamente às ditaduras européias:
POULANTZAS, Nicos. A Crise das Ditaduras: Portugal, Grécia e Espanha. Tradução de Lia Zats. Rio
139
a abertura deve ser focalizada como um projeto de mudança política concebida
pelos mentores do regime autoritário como forma de recompor suas bases de
apoio, desgastadas pelo longo período de restrições políticas imposto ao país
pelos governos pós-64 e particularmente pelo ciclo repressivo de 1968-1973.
125
Endossa então, os apologistas de uma crise de legitimidade na fonte das
mudanças, muito embora aponte a existência de um projeto proposto pelo governo, mas
que, atravessado por pressões e contrapressões, definiram a abertura para muito além do
esperado. Segundo esta visão, mesmo com o controle das regras do jogo político, o
governo teve de lançar mão da “engenharia política” para restringir o ímpeto reformista
de determinados setores. Assim sendo, independente das intenções do grupo palaciano,
a imposição das mudanças foi fruto da contínua oposição sofrida pelo regime.
Talvez de forma mais acintosa do que encontrado em outros autores, Martins
nega peremptoriamente a possibilidade do protagonismo social (ou cooperação social,
lenta mas imbricada da produção de múltiplas subjetividades) e a fuga deste como
elemento desencadeador das mudanças:
a “liberalização” brasileira foi provocada, originalmente pelas dificuldades do
regime no sentido de resolver problemas relativos à sua “economia interna” e não
teve como origem qualquer mudança substantiva na correção de forças entre
protagonistas e opositores do regime muito embora a oposição tenha obtido
amplos benefícios, subseqüentemente, do espaço político aberto pelo processo de
liberalização...
126
Para este analista, a influência das dificuldades econômicas enfrentadas pelo
modelo econômico brasileiro, quando traduzidas para o curso político, apenas
aceleraram os fatores apontados acima, a “crise de adaptação política” forçou a
instauração de controles autoritários alternativos.
Pensar em um processo de fuga das relações mediadas pelo Estado, da
subordinação e da insubordinação implica algumas considerações; duas basicamente.
de Janeiro: Paz e Terra, 1976. Um contexto de crise econômica e falência do padrão vigente de
desenvolvimento, por certo induz um primeiro movimento pela mudança do ordenamento político
institucional. Contudo, nada indica que esta mudança trilhe os caminhos do ordenamento democrático,
podendo tanto desconstituir o regime de exceção como potencializar e intensificar o autoritarismo (vide o
caso da Alemanha do entre-guerras).
125
DINIZ, Eli. Op. Cit., p. 334.
126
MARTINS, Luciano. A “Liberalização” do Regime Autoritário no Brasil. In.: O’DONNELL,
Guillermo; SCHMITTER, Philippe C.; WHITEHEAD, Laurence (edit.). Transições do Regime
Autoritário – América Latina. Tradução de Adail U. Sobral e Rolando Lazarte. São Paulo: Vértice:
Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 122-123.
140
Primeiro, entre a percepção das necessidades de mudanças e a implementação
destas foi demandado um certo tempo. Possivelmente, no momento em que Geisel
assumiu, havia a intenção e a necessidade das mudanças, mas não em virtude de uma
crise econômica já que, mesmo os índices demonstrando uma queda no crescimento, a
crise propriamente somente teve efeitos concretos em nível de dissenso e
imprevisibilidade política na administração Figueiredo-Chaves. De certa forma, Mathias
havia sinalizado que o projeto de distensão teria sido elaborado no período entre a
indicação de Geisel e a sua posse.
127
Uma segunda consideração refere-se às pressões sociais por mudanças. Estas
teriam origem, não pela forma assumida pelo regime de exceção, mas sim, nas
alterações estruturais que a sociedade sofreu em virtude do processo de modernização e
desenvolvimento urbano-industrial. Estas, em um contexto de radical centralização
política, ligando demandas ampliadas pela crise econômica à ausência de instâncias de
representação efetivas e decisórias, reativaram os movimentos sociais levando os
conflitos a patamares imprevistos, ao mesmo tempo, ampliando a possibilidade de
imprevisibilidade política.
A visibilidade do processo de protagonismo social e de oposição aos
mecanismos de controle e coerção do regime de exceção, bem como as ações
governamentais no sentido de reestatizar as relações político-sociais, tornam possível a
aplicação do conceito de dupla fuga restrita a um tempo histórico.
O fato de o grupo palaciano divulgar a intenção da implementação a longo
prazo, de um projeto de mudanças que, de uma ou outra forma, alterariam o jogo
político (respeitando os resultados desse e minimamente implementando uma
descentralização do poder decisório) demarcando relações e ações “pelo alto”, não
implica a inocuidade da luta social e política travada fora das instâncias reconhecidas
para tal.
Sendo acontecimento histórico ela própria, a dupla fuga, é o tempo da
redefinição do Estado. É o fator prioritário na consolidação das relações mediadas pelo
Estado, sendo inteligível pela projeção da perspectiva conservadora do bloco
dominante, constantemente aludida nos discursos parlamentares.
Pois bem, ainda utilizando o argumento econômico, alguns analistas atribuíram
às frustrações de frações de classe travestidas na ruptura do pacto de dominação, o
mecanismo detonador da abertura (os empresários, por exemplo), cujo rompimento com
127
MATHIAS, Suzeley Kalil. Op. Cit., pp. 29-47.
141
o bloco no poder teria sido provocado pela inviabilidade de seus objetivos imediatos.
128
Em trabalho anterior, Diniz havia desconstituído este tipo de interpretação, pois
entendia que, não obstante a contribuição que a oposição de setores estratégicos como
os empresários na crise do regime, a retirada de parte destes da coalizão intervencionista
não implicou necessariamente em uma ruptura, não havendo nem uma plataforma
comum entre os grupos empresariais nem um projeto alternativo.
129
Para outros analistas, a mudança travestida de abertura política definiu-se por
um jogo político na esfera das camadas privilegiadas. Estas, ao entrarem em choque
com o governo, impuseram um conjunto de alterações no regime e assim, anteciparam
as pressões e as demandas sociais. Para segmentos do bloco dominante, o sistema
político estaria defasado em relação ao nível de desenvolvimento social e econômico
alcançado pela sociedade. O projeto de abertura seria uma decisão do bloco dominante,
com um cronograma próprio e alicerçado em frações estratégicas (caso dos condutores
da abertura: os militares). Assim, o regime civil-militar não chegou ao fim pelo colapso
de suas estruturas.
130
Esta posição definitivamente contradiz a tese da dupla fuga.
Por fim, enumera-se um conjunto de explicações que privilegia a confluência de
duas dinâmicas como definidoras da abertura: negociação, conciliação e pacto por um
lado, dissenso, conflitos e demandas por outro. Sendo articulados pelos movimentos
sociais, mas expressados nas organizações políticas institucionais, a percepção desta
dinâmica pode ser medida através dos estudos eleitorais que apresentaram uma
ascendente em relação ao voto na oposição.
131
128
Entre os quais destacam-se: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. O Colapso de Uma Aliança de Classes.
São Paulo: Brasiliense, 1978. CARDOSO, Fernando Henrique. O Papel dos Empresários no Processo de
Transição: O Caso Brasileiro. In.: Dados - Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Vol. 26, nº 1, 1983, pp. 9-27.
129
DINIZ, Eli. O Empresariado e a Nova Conjuntura. In.: TRINDADE, Hélgio (org.). Brasil em
Perspectiva: Dilemas da Abertura Política. Porto Alegre: Sulina, 1982, pp. 105-102.
130
Como exemplo de autonomia e hegemonia militar neste processo ver: GOÉS, Walder. Os Militares e a
Transição Política. In.: Ciências Sociais Hoje (Anuário de Antropologia, Política e Sociologia)
Associação Nacional de s-Graduação e Pesquisa em Ciências Soiais (ANPOCS). o Paulo: Cortez
Editora, 1986, pp. 240-257.
131
São inúmeros os trabalhos que se dedicaram a observar o sistema político-partidário e político-
eleitoral, entre tantos se destacam: LAMOUNIER, Bolívar; CARDOSO, Fernando Henrique (coord.). Os
Partidos e as Eleições no Brasil. Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. REIS, Fábio Wanderley
(org.). Os Partidos e os Regimes: A Lógica do Processo Eleitoral Brasileiro. São Paulo: Símbolo, 1978.
REIS, Fábio Wanderley. O Eleitorado, Os Partidos e o Regime Autoritário. In.: SORJ, Bernardo;
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares (orgs.). Sociedade e Política no Brasil Pós-64. o Paulo:
Brasiliense, 1983, pp. 62-86. LAMOUNIER, Bolívar (org.). Voto de Desconfiança: Eleições e Mudança
Política no Brasil: 1970-1979. Petrópolis: Vozes: Cebrap, 1980.
142
Definida a necessidade da implementação de mudanças no regime, a tarefa
prioritária do grupo que tomou para si a condução da descentralização esteve em
devolver parcelas do poder sem ser excluído da esfera decisória.
Ao perceber a inviabilidade do padrão de desenvolvimento, os próceres da
abertura também incorporaram um cálculo tático: a descompressão seria também uma
forma de compartilhar a crise. Como exemplo, a restituição da eleição direta para
governadores, uma das medidas de descentralização, possibilitou a escolha popular ao
mesmo tempo em que cerceou as iniciativas destes (econômicas essencialmente) ao
legar executivos estaduais insolventes (devido à crise econômica e o refluxo da
circulação financeira mundial).
Não restam dúvidas quanto ao fato de que os processos de mudanças inseridos
em regimes de exceção, não mediados por pressupostos liberal-democráticos, são
desencadeados pela percepção, por diferentes agentes político-sociais, de pontos de
crise ou críticos no ordenamento vigente.
Configurado um movimento de repúdio ao regime, estabelecendo uma oposição
para muito além do espaço ampliado de atuação política institucional criando uma
efetiva desconstituição do Estado – fez-se urgente a acentuação da deliberação da
estabilização conservadora. Conseqüentemente, houve a necessidade de um processo de
reestatização das relações que poderia ser transcrito em: “fora do Estado o havia
soluções, não havia salvação”.
A partir do final dos anos 60, o acirramento de contradições, ditado pela forma
como ocorria o modelo de desenvolvimento mediado pelo capital com um específico
processo de trabalho dominante, um regime de acumulação e um modo de regulação
correspondia à afirmação de um novo tipo de dominado (uma nova figura do
trabalhador) e, conseqüentemente, uma nova forma de resistência.
132
Esta resistência,
por sua vez, potencializava-se na medida em que eram negados aos subordinados
antigas redes de solidariedade e reconhecimento e, de outro modo, rompidas antigas
formas de organização e vínculos (referências ideológicas) no Brasil especificamente,
com a implosão do PTB, da organização urbano-sindical e rural.
132
O novo trabalhador hegemônico, que Bihr denominou de operário-massa, o qual substituiu o
operário-ofício, correspondia ao período fordista. Bihr argumentou que, o operário massa era assim
chamado pela sua concentração no espaço social, pelo seu caráter de proletariado homogeneizado
(desqualificado por ser designado para as tarefas parceladas e repetitivas da produção em massa fordista,
sendo assim, reduzido à força de trabalho simples, obstruído na possibilidade de criar identidade
profissional própria), pela inérica, rigidez, atomização e aculturação. BIHR, Alain. Da Grande Noite à
143
Nesse ponto, ocorreu uma inflexão das relações estabelecidas pelo Estado. Os
novos movimentos sociais e as novas lutas proletárias divorciavam-se da perspectiva
estatista das formas consagradas de estratégias políticas (subordinação da autonomia da
classe às organizações políticas e sindicais), desconstituindo o ordenamento e o
enfrentamento político nas bases propostas pelo regime. A conquista e o exercício do
poder do Estado não demarcavam o horizonte do possível.
Com efeito, no Brasil, manifestava-se uma tendência internacional: Portugal
vivia sua “Revolução dos Cravos”, a Argentina era sacudida pela insubordinação desde
o final dos anos 60, caso dos levantamentos maciços dos grandes centros urbanos que,
em parte expressavam e em parte acionaram tensões do regime autoritário (o
Cordobazo” por exemplo), ao mesmo tempo ocorriam experiências de protagonismo e
irrupção social na Itália (os autonomistas”) e nos Estados Unidos durante a gestão de
Lyndon Johnson, onde estas últimas demarcaram novos padrões militares até - na
relação com o descontentamento civil.
133
No Brasil, os movimentos de insubordinação reconstituíram-se, adaptados em
sua luta ao regime de exceção (o qual negava radicalmente qualquer autonomia
individual), ao seu padrão de acumulação e a exaltação do consumo em massa
(personalização estimulada pelo consumo). Portanto, a contestação efervescente do final
de duas décadas (60 e 70), mesmo vindo à tona por uma multiplicidade de fatores e
diversidade de conflitos singulares, acabou por coadunar-se e opor-se frontalmente ao
poder político, essencialmente aos centros decisórios de poder para muito além das
formas tradicionais do “fazer político”.
A institucionalização pactuada e conciliada de determinadas normas de disputa e
acesso ao poder, apontava para a construção de uma dada organização, onde a ordem
representaria previsibilidade, garantias relativas (salvaguardas do indivíduo para com a
ação do Estado) e absolutas (a imperiosidade da construção da democracia), .
Alternativa O Movimento Operário Europeu em Crise. Edição. Tradução de Wanda Caldeira Brant.
São Paulo: Boitempo Editorial, 1999, pp. 56-59.
133
Especificamente na questão da insubordinação urbana norte-americana e as relações com o Alto
Comando das Forças Armadas ver: RUSSET, Bruce; STEPAN, Alfred (orgs.). Military Force and
American Society. New York: Harper and Row, 1973. Referente às questões dos movimentos de
protagonismo político-social autônomos na Argentina ver: O’DONNELL, Guillermo. Análise do
Autoritarismo Burocrático. Tradução de Cláudia Schilling. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990,
principalmente pps. 227-272. Para uma análise do caso europeu: NEGRI, Toni & GUATTARI, Félix. Os
Novos Espaços da Liberdade. Coimbra: Centelha, s/d. Analisando o avanço dos movimentos de
insubordinação europeus, Hugo Mardini relacionou uma possível crise política na França e ma Itália com
a ascensão do Partido Comunista. AAL, 11ª Sessão da Comissão Representativa em 11 de fevereiro de
1976, p. 231.
144
Notadamente, após 1974, houve um distanciamento entre a movimentação social
e o movimento das instituições políticas formais. Dialeticamente, o aumento na votação
do MDB revelou a inocuidade da oposição formal e sua incapacidade de influenciar nos
centros decisórios de poder. Logo, demonstrava-se a insuficiência da elaboração das
plataformas partidárias, dos embates parlamentares e das coalizões implementadas.
A nese deste processo de mudança parecia concentrar-se no bloco dirigente,
precisamente na cúpula do poder durante o governo de Geisel. Seria assim, mais um
evento inserido nas mutações (mudanças e adaptações) que um regime desta monta
sofreria inevitavelmente em se tornando permanente. A viabilidade de uma política
oficial com estas proporções teve a necessidade de ser precedida por uma rie de
condições e imposições, tanto que a percepção da necessidade de mudanças foi anterior
à crise do capital.
Samuel Huntington, autor de obra referencial nos estudos das sociedades em
processo de mudança, apontou a necessidade de superação dos sistemas pretorianos
(que corresponderiam a sociedades com índices baixos de institucionalização e altos
índices de participação, onde as forças sociais atuariam diretamente na política), pois os
processos de dinamização econômica não levariam necessariamente ao aprimoramento
das instituições políticas.
134
Sendo efeito imediato de uma sociedade em vias de
modernização a mobilização das massas e, ao mesmo tempo, estas não ostentando
esferas adequadas para a canalização do dissenso, as sociedades que passaram por um
rápido processo de mudança social e econômica fatalmente adentrariam em uma fase de
decadência política.
Coincidência ou não, Huntington esteve no Brasil em 1972 mantendo encontros
com a cúpula do governo (Delfim Neto e Leitão de Abreu, chefe do gabinete civil do
governo Médici) e intelectuais (o cientista político Cândido Mendes de Almeida).
Nestes encontros foram discutidas a necessidade de descompressão do sistema político e
a institucionalização definitiva do regime (em certo momento, chegou-se a pensar como
parâmetro o modelo mexicano de partido único).
135
134
As análises de Huntington - que atualmente defende o choque de civilizações como nova forma de
conflito mundial - cujas influências no período em questão o perceptíveis em pensadores brasileiros, se
encontram na obra lançada originalmente em 1968: HUNTINGTON, Samuel P. A Ordem Política Nas
Sociedades em Mudança. Tradução de Pinheiro Lemos. Rio de Janeiro: Forense-Universitária: São Paulo:
Ed. da Universidade de São Paulo, 1975.
135
Ao discutir a liberalização, Skidmore destaca a vinda de Huntington ao Brasil e ressalta que o cientista
político de Harvard chegou a escrever em 1973 Approaches to Political Decompression (Métodos de
Descompressão Política), documento que respondia a uma série de questões formuladas pelo governo
brasileiro sobre a necessidade e os riscos da “liberalização”, ou seja, Skidmore anui que o regime
145
Afirmar que a proposição por políticas de readequação do regime partiu do
grupo palaciano, de setores do próprio regime, não anula o fato de que os movimentos
de resistência democrática, de mobilização pela realização de interesses imediatos, de
insubordinação e fuga desta, alterando substancialmente o projeto oficial, foram
definidores do processo de redefinição do Estado.
Atualmente seria possível afirmar que as mudanças processadas a partir de
iniciativas governamentais, impulsos autônomos e desejos corporativos desde meados
dos anos 70, estiveram inseridas em uma tendência histórica, subjacente a alterações
que direcionavam os regimes de cunho autoritário à decomposição, pelo menos da
forma como estavam estruturados desde a década de 60.
Todavia, as particularidades do regime civil-militar no país inviabilizam uma
construção generalizada de uma teoria das transições e mudanças dos regimes
autoritários. Por certo, a questão central localiza-se nos pontos críticos ou de crise que
desencadearam o processo de mudança do ordenamento político. Ao menos aa posse
de Sarney, a expressão transição democrática parece ser inadequada.
Sob qualquer ótica que se observe, torna-se inevitável perceber uma crise no
interior da fração dirigente (conflitos na caserna, oposição de frações ligadas ao capital
nacional) independentemente dos resultados dos projetos político-econômicos oficiais.
Os êxitos ou fracassos do projeto veiculado pelo regime ampliariam as
demandas. Estas, ao não serem sanadas, quer por limitações concretas e orçamentárias,
quer por priorização política do bloco dirigente, resultariam em uma evolutiva
insatisfação social, logo convertida em bandeira de luta política com uma maior ou
menor intensidade de impacto no governo e no regime conforme a posição que ocupava
a fração de classe oponente no pacto de dominação.
Ainda assim, a neutralização de necessidades e interesses imediatos alimentaria
a organização de uma oposição interna” que desintegraria as bases de sustentação do
regime.
De outra forma, o desempenho operacional do regime e o caráter diversificado
de grupos estratégicos (com coalizões formadas no âmbito destes), condicionados pelo
padrão de desenvolvimento perseguido, somados à emergência das crises econômicas
projetara a abertura política desde a administração Médici. SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a
Tancredo. Edição. Tradução de Mário Salviano Silva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, pp. 322-335.
Em 1974, a convite de Golbery, Huntington regressou ao Brasil, quando em agosto proferiu palestra
intitulada The Role of Legislatures in Developing Countries (O Papel dos Legislativos nos Países em
Desenvolvimento) e logo após discutiu o tema em Brasília.
146
internacionais e da gradativa, mas constante, interferência externa na questão das
liberdades individuais e dos direitos humanos, acabou por formar um conjunto onde a
manutenção do regime também era tributária da emergência de alternativas, às quais
indiretamente modificaram a correlação de forças políticas.
Para manter aquela correlação para além do pacto de dominação, o regime
obrigou-se a reajustar as regras de seu funcionamento institucional. Procedendo assim,
relaxou as regras de formação, organização e competição partidária, dando “fôlego”
novo ao cotidiano do político e um maior espaço de movimentação do Estado neste
cenário de instabilidades.
Em artigo publicado no início dos anos 80, Figueiredo & Cheibub ressaltaram
que o processo de abertura naquele momento voltava-se para a construção de regras
para o exercício da política, ou seja, a luta política institucional naquele momento
baseava-se na percepção da necessidade de organizar a luta política institucional futura
com base em pressupostos democráticos.
136
Para Golbery, o “feiticeiro” do ordenamento de exceção, um regime autoritário
somente se manteria enquanto fosse eficiente, enquanto reproduzisse resultados
aceitáveis para setores estratégicos da sociedade.
137
Desconsiderava qualquer iniciativa
que não o êxito na aplicação de determinados programas.
Por outra perspectiva, Baloyra distingue abertura de distensão política e observa
a origem da última na interação entre os resultados das eleições de 1974 - que, segundo
o autor, repudiaram as políticas desenvolvidas no governo Médici - no rechaço ao
modelo econômico e na convicção de setores da oficialidade militar de que a
institucionalização do regime dependeria de uma liberalização das imposições
construídas ao longo do tempo. Ainda para este autor, a abertura efetivou-se justamente
pela incapacidade militar no domínio da distensão como um processo de liberalização
controlada.
138
Ao seu modo, Abranches considerou como principal determinante estrutural
para a necessidade de construção de um novo ordenamento o próprio padrão de
136
FIGUEIREDO, Marcus Faria & CHEIBUB, José Antônio Borges. Op. Cit., p. 31.
137
COUTO E SILVA, Golbery do. Revista Senhor, em 22 de setembro de 1987, p. 37.
138
BALOYRA, Enrique A. Op. Cit., p. 46.
147
desenvolvimento perseguido, pois este reforçou tendências históricas de
heterogeneidade do tecido social e das estruturas econômicas.
139
A flexibilização das relações políticas foi uma decisão militar, mais
precisamente da cúpula dirigente. Todavia, esta assertiva o anula o fato de que,
primeiro, o projeto não significava “liberalização” do modo como consagrada
posteriormente, segundo, as imposições à definição das mudanças e o processo
redimensionaram a amplitude daquela política palaciana. Mesmo assim, não tardaram as
vinculações da transição de ordenamentos ocorrida no país com a índole liberal-
democratizante dos mandatários do período Geisel.
Nesta linha, as políticas implementadas sob o regime civil-militar aceleraram
diferenças constituías e solidificadas historicamente e de outro modo, cortaram a
estrutura de classes em diversos ângulos. Isso provocou a internalização do conflito de
forma cada vez arriscada, na medida em que o governo estava impedido de construir
identidades coletivas pela diferença e pelo exógeno.
Determinados analistas endossaram as análises de Golbery feitas à época das
mudanças, a saber, de que a decisão fundamental pela implementação de mudanças
liberalizantes estaria relacionada diretamente as disfunções ocasionadas pelo radical e
excessivo processo de centralização política por parte da oficialidade militar.
Considerando o fato de que, desde a origem, configurava-se um regime de crise, não
havendo possibilidade de legitimidade duradoura, o regime não reunia condições o
somente em ampliar, mas minimamente de garantir a base de sustentação social, sendo
este, para tantos autores, o sentido da “abertura”.
140
Estas novas tensões foram muito além da oposição entre o Estado e a sociedade
civil, chegando a expressar a desconstiuição do primeiro, pois negava-se acintosamente
os mecanismos com os quais operava o Estado autoritário, sem os quais este não
poderia se manter igual a si mesmo.
À fuga da subordinação e à fuga da insubordinação, o bloco dirigente contrapôs
com a reativação das instâncias de representação política em um verdadeiro processo de
repolitização vinculado ao Estado (esta seria a reestatização das relações sociais).
139
ABRANCHES, Sérgio Henrique. Crise e Transição: Uma Interpretação do Momento Político
Nacional. In.: Dados Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: vol. 25, nº 3, 1982, p. 312.
140
Entre tantos analistas pode-se citar: MOISÉS, José Álvaro. Brasil, A Transição Sem Ruptura. In.:
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de (org.). Militares: Pensamento e Ação Política. Campinas: Papirus, 1987, p.
34.
148
A compreensão da erosão das bases de sustentação do regime por parte do grupo
ligado a Geisel - sendo este o possível grande “mérito” do governo na contribuição à
manutenção das estruturas tradicionais da sociedade brasileira - possibilitou uma
reativação do processo político-eleitoral e um maior espaço de movimentação político-
parlamentar que canalizou as críticas à condução política do governo anterior (a
manutenção do espectro da linha-dura era importante). Afinal: alguém deveria ser o
culpado pelos desvios do processo intervencionista.
Antes da instauração de uma crise terminal e definitiva no regime, frações do
bloco dirigente buscaram a implementação de mudanças que garantissem tanto a
perpetuação do regime quanto a preservação da corporação militar. A questão essencial
na exigência de mudanças por parte dos “dissidentes” da coalizão intervencionista não
estava no grau de centralização alcançado pelo regime mas sim, no repúdio
generalizado aos mecanismos de decisão e às prioridades elencadas por estes, que de
forma alguma representou a negação do regime ungido pela intervenção de 1964.
Ao tentar combinar instrumentos de exceção com formalidades democráticas, a
administração Geisel alimentou a dualidade de ordenamentos (e todos os problemas que
lhe eram próprios). Unindo opressão ao consenso, imposição ao acolhimento,
possibilitou espaços para a oposição formal crescer. Com efeito, o MDB se redefiniu no
campo eleitoral, assumindo um perfil que não detinha aentão: adquiriu consistência
política. Esta alteração acabou por criar um novo problema ao regime visto, a
inflexibilidade do sistema político-partidário e a possibilidade do partido de oposição
transcender a disputa “vazia” pela conquista do poder.
O regime concedeu espaços político-institucionais para preservar sua própria
existência. Ao proceder desta forma, garantiu sua perpetuação mas, dialeticamente,
abriu flancos de fragilização. O êxito do governo na ampliação dos espaços de atuação
política e, de outro modo, a alocução excludente dos benefícios econômicos, instaurou
para além da fragmentação de apoio a insubordinação ao centro nodal de poder.
Aparentemente, rompia-se o imobilismo político imposto pelo governo Médici.
Apenas aparentemente, visto que a flexibilidade gerada pela reativação do processo
político-eleitoral defrontava-se com a cada vez mais centralizada e restrita condução do
processo de mudanças no regime.
Logo, a ambigüidade assumiria um posto de destaque: centralizar ainda mais a
condução e decisões políticas na figura do presidente (Geisel) para possibilitar a
descentralização.
149
Ninguém mais articulado no poder decisório no contexto da abertura que o
próprio presidente Geisel para falar do desencadeamento deste processo:
Dez anos de regime revolucionário. E isso não era um processo que podia se
arrastar indefinidamente. Por outro lado, o problema da repressão contra os
movimentos sediciosos, que eram principalmente da área comunista (...) tinham
diminuído depois da eliminação daquela operação Xambioá. Era evidente para
mim que nós nhamos que andar num processo de transição para normalizar a
vida do país, estabelecendo um regime de natureza democrática que representasse
normalização. (...) não havia projeto nenhum. (...) Era preciso fazer uma transição
e essa transição estava consubstanciada naqueles princípios que se tinham. De que
deveria ser uma abertura lenta, gradual e segura.
141
Com manifestas intenções de liberalização e relaxamento da normatização da
política, a cúpula do poder teve condições políticas para colocar sob holofotes
“públicos” e abertos à discussão a normalização política.
Por que ela tem ser lenta? Porque não pode ser uma abertura abrupta. Porque
cria um problema maior com a área que é favorável a revolução. Sobretudo a área
que havia nas Forças Armadas, que era a tal chamada linha-dura. Ela tinha que
ser gradual, progressiva. E tinha que ser segura, porque nós não podíamos admitir
uma abertura que depois não funcionasse e voltasse o regime de exceção.
142
Todavia, o divórcio de segmentos do bloco dominante explica somente em parte
as instabilidades do regime, pois esta foi uma constante desde 1964.
Outro dado significativo esteve no fato de que a saída da condução do Estado
por parte dos militares reativou a sua capacidade de intervenção. Com o processo de
centralização o contínuo exercício do poder decisório a corporação militar internalizou
as disputas do mundo político, contraditando com os pilares da instituição (a hierarquia,
a disciplina e a unidade) que, via de regra, serviam justamente para garantir e preservar
o Estado.
Góes observa que a estratégia de distensão seria resultado de um esgotamento
progressivo da legitimidade percebido por setores da instituição militar, os quais
previram que o agravamento do dissenso teria grande probabilidade em insuflar em
141
Depoimento do presidente Ernesto Geisel em 31 de janeiro de 1995: COSTA COUTO, Ronaldo.
História Indiscreta da Ditadura e da Abertura Brasil: 1964-1985. Edição. Rio de Janeiro: Record,
1999, pp. 143-145.
142
Id.
150
tensões sociais tais, que desestabilizariam o modelo econômico como um todo, a
abertura seria uma válvula de escape a fim de garantir a manutenção do regime.
143
Aqueles que apontam na radical concentração de poder por parte do bloco
dirigente, a condução à ilegitimidade do regime com uma redução drástica de sua
eficácia, não conseguiram relacionar estes vetores. Relembra-se: a concentração de
poder nem sempre redunda em ineficiência e, mesmo quando isso venha a ocorrer, nada
indica que a solução esteja em incitar ou iniciar um processo de descompressão.
Contudo, a imperiosidade da volta à caserna como interpretação da origem do
processo de abertura também é limitada. Durante a vigência da Nova República
questionava-se se realmente havia sido efetivada uma volta aos quartéis. Convém
destacara que o regime de exceção não se configurava apenas e tão somente pelo poder
militar.
Dada a conjuntura de crise, havia necessidade de desvincular os papéis do chefe
do executivo como gestor público e chefe da instituição militar, visto o presidente
necessitar de um campo de movimentação para a negociação política, a qual, uma
postura baseada em pressupostos militares, inviabilizaria.
Acredita-se que a intensidade da crise do regime pode ser observada sob outra
forma: na fuga das relações impostas pelo Estado e na insubordinação ao ordenamento
de exceção. Estes dois aportes manifestavam-se através de mobilizações e ações
concretas. Mesmo que a percepção das condições de vida, de participação nas decisões
políticas e de liberdade de expressão, fossem fluídas e difusas, os movimentos de
rompimento eram concretos (vide as lutas camponesas e as lutas sindicais que se
processavam ininterruptamente desde a década de 60).
São raras as dúvidas que persistem quanto ao fato de que, até 1964, a observação
dos resultados eleitorais revelaria pouco além de percepções e insatisfações difusas, o
que de forma alguma impede reconhecer que o sistema político-partidário-eleitoral
estava em crescente processo de consolidação.
Na vigência do regime de exceção, com todas as peculiaridades que lhe o
próprias, o resultado dos escrutínios nas eleições majoritárias pouco acrescentava na
aferição das dimensões e ressonâncias das múltiplas crises pelas quais passava o regime
ou o governo. Se se afirma o contrário, passa-se a considerar a instauração de um novo
sistema político-eleitoral, com uma maturidade e um arcabouço de informação sem
143
Comentário de Walder de Góes em: LAMOUNIER, Bolívar & FARIA, José Eduardo. O Futuro da
Abertura: Um Debate. São Paulo: Cortez Editora: IDESP, 1981, p. 44.
151
parâmetros na história do país. Comprovada esta evolução política, certamente aqui
estaria a grande obra do regime de exceção.
Uma questão ainda a ser trabalhada detalhadamente está em como relacionar
direta e coerentemente, a decisão do voto a concepções político-ideológicas
previamente definidas.
A atribuição de um evidente caráter homogêneo e racional na escolha do eleitor
parece ser um ponto emblemático neste tipo de formulação. Lamounier por exemplo,
afirmou que a importância do voto de oposição no processo político do período da
“abertura”, mesmo com todas as limitações impostas ao MDB (o impedindo de assumir
efetivamente o governo), ampliava-se na medida em que aquelas tornavam-se mais
nítidas, dito de outro modo, na medida em que o eleitor percebia que seu voto teria
pouco significado e influência nas alterações na administração regional ou nacional,
passou a utilizá-lo como julgamento genérico sobre a situação da região e do país,
através da aprovação ou não do governo, do voto na ARENA ou MDB.
144
Aduzir que os resultados expostos pelas urnas estavam diretamente relacionados
a percepção das mazelas do regime, certamente contempla os interesses dos que
venceram as eleições, no caso dos pleitos de 1974 e 1978, à oposição emedebista.
Porém, os resultados eleitorais couberam positivamente ao regime, na medida
em que o quantum de informação trazido pelas urnas (muito baixa por certo)
relacionados às mudanças e restrições jurídico-institucionais, impediram uma leitura”
adequada das disputas, tornando o voto menos inteligível (bipartidarismo, voto
proporcional, impossibilidade do voto na legenda e coligações, etc.).
145
Até meados dos anos 70, a derrota eleitoral do governo nem sempre representou
a vitória do MDB. Em diferentes situações, com resultados distintos, foram
empreendidos renovados esforços, tanto do partido governista quanto da oposição, em
identificar seus votos à rejeição do governo ou em retirar a inteligibilidade nas
manifestações políticas através do voto, quando este lhes era desfavorável.
Inegável que mesmo em um regime essencialmente de força, o sistema político
evoluiu, e vários motivos concorreram para esse movimento em uma condição
hermética.
144
LAMOUNIER, Bolívar. O Voto em São Paulo, 1970-1978. In.: LAMOUNIER, Bolívar (org.). Voto de
Desconfiança – Eleições e Mudança Política no Brasil: 1970-1979. Petrópolis: Vozes, 1980, p. 17.
145
Formulações baseadas em Lamounier quando este analisava as etapas da abertura política,
precisamente, a fase de normalização político-institucional. LAMOUNIER, Bolívar. O Discurso e o
152
Em primeiro lugar, na conversão da insatisfação popular com o governo, da
frustração e resistência às políticas públicas em votos para o MDB. Mesmo que, como
lembrou Fernandes, o partido tenha cumprido a tarefa de amortizá-las, transformando a
insubordinação em estabilidade política e defesa do equilíbrio da ordem. O partido
oposicionista sufocou as pressões sociais, não as propagando e nem mesmo
concentrando, simplesmente as registrando.
146
O desconforto e as dissidências cresceram, compelindo o MDB a assumir
posicionamentos mais atuantes, com o quê o sistema político adquiriu novo fôlego.
Mesmo assim, a forma de dar “fôlego” ao sistema político e, conseqüentemente,
ao regime, esteve em alimentar o partido de oposição. A projeção eleitoral da ARENA,
naquele momento e naquela correlação de forças, seria negativa por dois motivos
básicos: o partido oficial se credenciaria a participar efetivamente dos centros decisórios
de poder; traria à tona, expondo a característica ditatorial do regime, que as decisões
políticas fundamentais não se pautavam pelos projetos do partido.
Em segundo lugar, em um contexto onde a flexibilização das relações políticas
garantia a credibilidade do regime, o bloco dirigente teve de acenar com a possibilidade
teórica (ou discursiva) de circulação de poder, sem o que implicaria (de fato e de
direito) em um regime de partido único. Ao mesmo tempo, como forma de
autopreservação, o regime teve de restringir a evolução do MDB em direção a conquista
do poder, pois isto destruiria a própria lógica do sistema político-partidário imposto pelo
regime, a qual condenava o sistema a uma polarização fixa independentemente das
variações do eleitorado.
O regime teria de potencializar o sistema político (partidário e eleitoral), dando
margem à política de flexibilização, mas teria de criar mecanismos para redimensionar
as conseqüências do crescimento eleitoral do MDB.
Em terceiro lugar, o regime empreendeu esforços em reestatizar relações
organizando a oposição, que descambavam para a oposição informal, difusa e, por isso
mesmo, inviável de ser controlada pelas estruturas normais do Estado.
Ainda há um quarto componente da revitalização do sistema político,
diretamente relacionado ao terceiro listado acima: o crescimento de setores e
organizações mais à esquerda abrigados no interior da estrutura do MDB, os quais, em
Processo (Da Distensão às Opções do Regime Brasileiro). In.: RATTNER, Henrique (org.). Brasil 1990
– Caminhos Alternativos do Desenvolvimentoo Paulo: Brasiliense, 1979, pp. 110-115.
146
FERNANDES, Florestan. A Ditadura em Questão. Op. Cit., pp. 61-62.
153
virtude dos debates internos, acabaram por radicalizar o discurso do partido como um
todo.
147
Obviamente, com as imposições da conciliação pela transição e com o advento
do multipartidarismo, estas organizações deixaram o partido ou foram condenadas ao
ostracismo.
Em virtude destas características, o bloco dirigente passou a considerar a tese de
reversão do sistema de partidos. O pluripartidarismo, antes de desconstituir um
“frentão” oposicionista residindo no MDB, teve a incumbência de inviabilizar a
conversão da oposição consentida emedebista em uma concreta oposição e, devido ao
caráter hermético do regime, em desobediência civil.
Em fins dos “70s”, o regime teve de adaptar-se a uma situação forjada pelo seu
próprio caráter híbrido, ou seja, a origem de sua consistência e força abriu espaço para
um conjunto de desgastes.
O projeto oficial de “liberalização” foi apresentado anteriormente aos resultados
eleitorais de 1974, visto serem estas mesmas, as eleições, parte de uma decisão
governamental de revigoramento das normas de representação.
Este projeto, ainda no nível do discurso, seria a evidência definitiva da erosão da
legitimidade do regime. A crise que se seguiu somente avalizou a necessidade de uma
reformulação nas estruturas do próprio Estado.
Neste quadro, a “distensão” seria um conjunto de procedimentos oficiais, os
quais sinalizavam com um movimento em direção à normalização político-institucional.
Estes procedimentos revelaram-se como um certo espaço de autonomia do judiciário,
uma ampliação no espaço de mobilização e expressão política e no fortalecimento do
poder legislativo – fruto em grande parte do próprio processo eleitoral.
A concepção dialética de “o que me alimenta me destrói” parece ser aplicada
neste caso: o avanço da centralização, viabilizando a idéia de que o regime poderia se
perpetuar igual a si mesmo, tornava-o ao mesmo tempo frágil, na medida em que
internalizava crises e ampliava a limitação no que tange a atender demandas de suas
bases de sustentação. Todavia, não são os índices de concentração de poder decisório
que levaram a perda de legitimidade ou a perda de eficácia administrativa.
Em sua gênese, o projeto de abertura ostentava objetivos bem definidos, os quais
estiveram muito além do discurso, sendo medidas concretas que estabeleceram uma
nova orientação dos centros decisórios de poder. Neste sentido, ocorreu a revogação da
censura, logo a independência de parte da imprensa do jugo do Estado, a contenção dos
147
Id., p. 63.
154
centros de informação e segurança, até então autônomos e, como coroamento, a
retomada do processo político-partidário e eleitoral como garantia de formação de
interlocutores válidos ao projeto de mudanças.
Esta argumentação contradiz àquela apresentada por Mathias, que desconsidera
qualquer pressão ou intervenção político-social, não na formulação do projeto de
distensão (por certo nascido nos meandros do grupo palaciano), mas no processo de
mudanças, indicando que o evidente controle do governo postergou o aparecimento de
forças antagônicas oriundas da sociedade civil.
148
Compreende-se que o padrão político que a administração Geisel colocou em
prática foi conseqüência do processo anterior, de refinamento do Estado, visto que o
regime somente poderia se institucionalizar após o “fechamento” do poder. Neste
sentido, o bloco dirigente, ao responder aos sintomas da dupla fuga deslocou seu projeto
inaugural e não, como se poderia depreender, o aplicou na íntegra.
V
Prenúncio dos Novos Tempos provavelmente, a ênfase na questão da erosão
de legitimidade como embrião de uma proposta distencionsita ocorra justamente pela
observação de uma legitimidade constantemente precária, baseada pura e simplesmente
no êxito econômico, na difusão ideológica de valores caros ao regime de exceção (e a
sua base de sustentação) e na eficácia do aparelho de repressão. Soma-se a esta
combinação o processo de dupla fuga, aos vícios da aguda centralização política e à
inusitada dualidade de ordenamentos e, enfim, tem-se uma conjuntura que tornava o
regime inadequado para o controle e ineficiente para a acumulação e as necessidades do
capital.
O projeto de distensão até poderia ter origem nas questões acima mencionadas.
Estas são fundamentais na explicação da necessidade da flexibilização das relações
políticas como mecanismo de preservação do pacto de dominação. Porém, estas mesmas
elaborações não respondem adequadamente a questão da manutenção da pauta de
desconstrução do regime.
A difusão e implementação de um conjunto de ações políticas que, ao menos no
nível do discurso, apontavam para a construção da democracia, geraram imediatamente
um período de estabilidade, se não generalizada, ao menos entre aqueles setores que
endossavam a crítica ao regime.
155
Na literatura especializada, a designação “transição política” refere-se ao tempo
demandado pelas reformas com vistas a reacomodação do espaço político a partir da
desintegração do regime autoritário.
A denominação “transição” se estabeleceria como a referência ao período entre o
esgotamento do regime de exceção, ao menos da constatação de sua crônica
incapacidade de se reproduzir, e o surgimento de um novo ordenamento, ainda não
instaurado e institucionalizado, que poderia vir a ser uma democracia.
Aqueles que enfatizam a intenção do bloco dirigente em instaurar a
descentralização como mecanismo de retirada espontânea do poder, acabam por
desconsiderar um princípio maquiavélico ressaltado pelo próprio Geisel como
componente indelével na construção dos objetivos em longo prazo na instauração das
mudanças (liberalização).
149
Quando, nos momentos iniciais de seu mandato, a administração Geisel assumiu
publicamente o desejo de implementação de mudanças no regime que, inevitavelmente,
conduziriam a uma redução na centralização do poder decisório e a uma ampliação dos
espaços de manifestação do dissenso, não havia indícios visíveis que o regime de
exceção poderia ter entrado em uma fase de esgotamento, nem indicadores de recessão
ou refluxo econômico alarmantes que não poderiam ser contidos com a aplicação de
políticas específicas.
Era percepção generalizada de que a luta armada havia sido debelada, a grande
maioria dos militantes havia sido presa, banida, exilada, intimidada, desaparecida ou
assassinada (ao final das buscas se concluiu macabramente que, desaparecido e
assassinado, seriam expressões redundantes). Da mesma forma, os movimentos
definidos aqui como de protagonismo político-social, cujo exemplo de maior expressão
ainda são os eventos ocorridos em 1968, pareciam estar restritos a iniciativas de
grupelhos sem expressão, sem reconhecimento ou mesmo acolhimento social, logo,
fadados a tornarem-se delírios da pequena-burguesia e de trabalhadores utópicos
guiados por devaneios inconseqüentes.
Nos primeiros momentos da administração Geisel, ainda imperava a euforia do
crescimento econômico, com taxas acima dos 13% anuais e, como comprovação de que
148
MATHIAS, Suzeley Kalil. Op. Cit., pp. 109-110.
149
Entrevista do general Ernesto Geisel no Rio de Janeiro em 17 de julho de 1985. In.: STEPAN, Alfred.
Os Militares: Da Abertura À Nova República. Edição. Tradução de Adriana Lopez e Ana Luíza
Amendola. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 47.
156
o regime adquirira um estado de equilíbrio, as lutas domésticas ainda não tinham se
manifestado de maneira acintosa e fratricida.
A partir destes elementos, soam sintomáticas as observações de Nascimento, ao
sugerir que, entre a abertura professada na administração Geisel e a transição que o país
viveu posteriormente, não havia identidade inicial; o projeto palaciano de forma alguma
trabalhou com a possibilidade de preparar o país para o advento de um novo
ordenamento que superasse o vigente naquele momento:
A identidade entre a abertura e transição criou-se sem que jamais os militares no
poder, na época, tivessem proclamado uma adesão clara e inconfundível a outro
regime, como o democrático. Todos os governos militares, e o do Geisel não foi
exceção, haviam iniciado proclamando seu apego ao “retorno democrático”,
porém sempre deixando claro que a democracia aqui era entendida de forma
profundamente adjetiva.
150
Parece evidente então, que a proposta de distensão política não se pautava pela
autodissolução do regime.
A definição por uma política de descentralização do poder no governo Geisel,
antes de derrota, da imposição de pressões fora do bloco dominante, possuía uma
conotação de complementação de uma retórica similar à utilizada em 1964.
Se for adotada a interpretação de que, para além dos discursos, a intervenção de
1964 ocupou um espaço reconhecido entre o plano de poder (o hegemônico até então), e
o plano de sociedade (de parcelas consideráveis desta), a fim de restaurar, revigorar,
implementar e estabelecer a legalidade, a própria democracia, o desenvolvimento e a
paz social, uma primeira “abertura” poderia ser observada ainda no primeiro governo de
exceção, (com Castello Branco), ao permitir eleições diretas para governadores, garantir
uma imprensa livre e a atuação da oposição. Desta perspectiva, uma segunda “abertura”
ocorrera na administração Costa e Silva.
No início de 1967 havia uma nova Constituição em vigor, nenhum ato
institucional tinha sido instituído e havia um compromisso do governo em reconstruir a
democracia.
Com o processo de protagonismo social em curso, a adoção do AI-5 representou
o reconhecimento por parte do bloco dirigente que, em um cenário de dissenso radical, o
ideário da intervenção de 1964 seria incompatível com a democracia e, da mesma
150
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. Transição? Qual Transição? In.: Revista Humanidades, Ano V,
16, 1988, p. 23.
157
forma, a busca de seus objetivos políticos democráticos, não deveria interferir na sua
tarefa econômica. Como observou Costa, o alcance da democracia passava a ser
claramente um objetivo final da Revolução, dependente do sucesso da obra de
reconstrução econômica.
151
Ao sinalizar com a instauração de um novo ordenamento político a partir de seu
governo, definindo a implementação de uma nova abertura, Geisel, antes de capitular
para a oposição ou romper com a uma situação de arbitrariedade, estaria sendo coerente
com a proposta fundadora do regime. Desta ótica, o regime se aproximaria de sua
realização mais importante, de sua obra de maior impacto: a consecução de seu projeto
político, o estabelecimento das bases de um sistema político estável, consolidado e
duradouro.
Desde 1974, o regime adentrara em uma nova fase. A administração Geisel
demarcou o final da etapa de “refinamento do Estado”, o que o implica reconhecer
qualquer exaustão do modelo político-social implementado em 1964, mas sim a
inviabilidade deste manter-se idêntico. A partir desta percepção, ocorreu a proposição
do aprimoramento do regime com base na implementação de um conjunto de políticas
distencionistas, daí a questão das mudanças no regime para adequação aos imperativos
do momento.
Muitos autores desconsideram um aspecto que, nesta tese, é entendido como o
decisivo na adoção de mudanças “liberalizantes”: a reestatização das relações como
mecanismo de contenção da dupla fuga.
152
Estes, ressaltam os custos de manutenção do
regime como imperativo da aplicação de mudanças (entre outros custos indesejados, o
acirramento dos conflitos na caserna com a interiorização do conflito político como nas
sucessões presidenciais e autonomia dos órgãos de segurança e repressão; a
inconveniência de uma imprensa censurada; impossibilidade de angariar legitimidade ao
nível da sociedade face a abrupta concentração de renda e desigualdade de condições e,
por fim, a sinalização de insatisfação da base histórica de sustentação do regime).
Não foram poucas as oposições internas ao tipo de mudanças proposto pelo
grupo palaciano, principalmente pelo fato da instituição militar estar diretamente
envolvida nas ações repressivas durante os “anos de chumbo”.
151
COSTA, Paulo Gouvêa da. Abertura: Vitória ou Derrota da Revolução? In.: CONVIVIVM Revista
Bimestral de Investigação e Cultura, Vol. 24. São Paulo: Convívio, 5/1980, p. 67.
152
Entre estes: NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. Transição? Qual Transição? Op. Cit.
158
Em virtude disso, um dos pontos necessários para o retorno da oficialidade
militar aos quartéis esteve em desvincular a instituição militar de qualquer violação ou
abuso legal. Como a intervenção da oficialidade militar na repressão política foi
intensiva, tornava-se inviável esta desvinculação. Mesmo criando salvaguardas
jurídicas, a transição para o novo ordenamento também foi tributária da construção de
culpados por estes procedimentos ilegais e pelas mazelas econômico-sociais em que o
país adentrou, não à toa, a “linha-dura” assumiu este posto. Como todo o evento político
consagrado pela literatura, a transição tornou imprescindível a construção de mártires e
algozes (Tancredo Neves e a “linha-dura”).
Neste sentido, o pronunciamento do deputado Brunelli não deixa muitas
dúvidas:
O novo presidente assume o poder numa hora das mais difíceis, devendo enfrentar
não somente as conseqüências de problemas internacionais, como o do petróleo,
mas também, dos numerosos erros cometidos internamente, especialmente no ano
que findou. (...) é bom que, quando, ao final do ano, computarmos os índices do
custo de vida, não esqueçamos que as elevações não começaram com o presidente
Geisel, mas vinham subindo violentamente desde a administração anterior do
gen. Médici.
153
Segundo os argumentos de Nascimento, a transição seria representada por
articulações sócio-políticas, com vistas a neutralizar um conjunto de elementos diversos,
mesmo independentes, que inviabilizaram a reprodução do regime. Aqui residiria o
começo do “não-retorno”, a reunião de uma série de processos originalmente não
articulados entre si: creio que o começo da transição encontra-se em algum ponto entre
o desastre para os autores do episódio do Riocentro, em 1981, e a Campanha pró-
Diretas em inícios de 1984. E para escândalo dos mais puros: independentemente da
vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.
154
Consagrados, sobretudo pela crônica política, e reiteradamente exaltados pela
produção historiográfica, o governo de Geisel e a pauta de mudanças proposta por este,
sofreram um processo de idealização conforme aumentavam as incertezas quanto ao
futuro político do país. Por certo, havia a necessidade de contenção e controle da
autonomia de organismos internos do governo (sendo a escolha de Figueiredo, chefe do
Sistema Nacional de Informações SNI, uma tática inserida nesse processo), mas em
momento algum, a fase iniciada na administração Geisel visou a construção da
153
Manifestação do deputado Júlio Brunelli/ARENA. AAL, durante a 12ª Sessão em 18 de março de
1974, pp. 204-205.
159
democracia. Demarcou, isto sim, a implementação de mudanças essenciais na
perpetuação do regime de exceção.
Defende-se aqui, que todos os elementos explicativos apontados anteriormente
não se anulam, mas se complementam. Este conjunto foi responsável pelo acionamento
do processo de redefinição do Estado, o qual por sua vez, cobrava alterações que
descaracterizaram o regime enquanto um regime ditatorial mas o o caracterizavam
como um regime democrático.
Durante a administração Figueiredo/Chaves, o regime deparou-se com uma
conjuntura que impedia a reprodução de seus elementos que lhe eram mais caros. Em
certa medida, este é o ponto da transição, o marco zero, o ponto de confluência de
elementos frutos de um processo de longo curso, visto ser viável nesta conjuntura, a
definição da institucionalização do dissenso e reestatização das relações sociais. Para tal
empreitada, havia a necessidade da construção de uma nova coalizão, donde o ponto de
aglutinação estaria em duas garantias prévias: a de descentralização dos centos
decisórios de poder e a da negação da “volta ao passado”, tanto o “duro” quanto o pré-
64.
Em certo sentido, a transição tornou-se viável estruturalmente e sustentável
politicamente, na medida também em que a proposta do novo (a democracia) acolheu
sensíveis parcelas do velho (o regime de exceção). Com efeito, a transformação cedeu
espaço a realocação de forças ou como se tem insistido nesta tese, no aprimoramento do
ordenamento político-social.
Neste cenário, a construção do novo ordenamento político estabeleceu-se como
prioridade para a manutenção da teia social forjada historicamente. Pautando-se pela
decomposição das relações insubordinadas, a posição dos partícipes do pacto de
dominação foi a de ressignificar as demandas. Esta antecipação acabou por decretar
uma certa funcionalidade do conflito como algo construtivo e constitutivo para a ordem
democrática que se projetava. Contudo, para tal tarefa, uma necessidade logo se
instalaria, a saber, a desvinculação do staff da oficialidade militar com o poder
executivo
Obviamente, se poderia aludir que a redefinição do Estado seria mais um evento,
entre tantos os outros exemplos precedentes, de “revoluções passivas” (ditadura
varguista e intervenção de 1964) conceito discutido anteriormente, que foi
154
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. Op. Cit., p. 25. Grifos nossos.
160
sistematicamente aplicado à análise histórica brasileira e que revelou traços
fundamentais na formação republicana do país.
Todavia, o processo do final dos anos 70, ao superar as projeções iniciais de
liberalização do bloco no poder, rompeu com uma certa tradição, visto não ser um
processo gestado “pelo alto” como iniciativa das elites a fim de encampar demandas
populares – “pressões de baixo”.
O consenso que se estabelecia entre os ocupantes das instâncias políticas formais
era da necessidade de democracia ao menor custo possível.
Dito isso, concorda-se com Cardoso, segundo o qual a liberalização proposta
ainda na administração Geisel, desenvolvida para democratização conservadora na
administração Figueiredo, teve o evidente sentido de criar ‘espaços controlados’ para o
exercício da crítica, sem ceder, no plano da estrutura de poder, às pressões
democratizantes.
155
Ironias da história. Em 1964, parcelas consideráveis da sociedade levantaram-se
contra as transformações implementadas a partir do Estado. Passados 20 anos, setores
das camadas dominantes novamente empreendem uma ampla campanha no sentido de
reivindicar que as mudanças somente poderiam ocorrer nos limites traçados pelo
Estado.
Necessidade de preservar a unidade da Nação, recorrência à paz social, crise do
sistema político (polarização acompanhada da desinstitucionalização do
enfrentamento político), crise da sociedade e mobilização popular (insubordinação). O
cenário tanto poderia servir de pano-de-fundo para as ações de 1964 quanto para a
mudança de ordenamento político-institucional no início dos anos 80.
Aquilo que a administração Figueiredo implementou como distensão, foi
recebida pelo atores sociais mobilizados como a criação de espaços tolerados e
legítimos de dissenso (entendendo tolerado como a supressão temporária da negação ao
contrário do acolhimento que é a eliminação da negação).
Abria-se caminho, mais uma vez, para uma liderança carismática que, ao seu
tempo, anularia qualquer mecanismo de representação e controle pela base. Até as
eleições presidenciais de 1989, esta posição de liderança não havia sido definida, sendo
disputada por pretendentes como Lula da Silva, Leonel Brizola, Ulysses Guimarães,
155
CARDOSO, Fernando Henrique. Regime Político e Mudança Social: A Transição Para a
Democracia. In.: A Construção da Democracia – Estudos Sobre Política. Op. Cit., p. 269.
161
Mário Covas, Paulo Maluf, Aureliano Chaves e, ao final, aquele que conseguiu
galvanizar o apoio da mídia, Collor de Mello.
O caminho ao novo ordenamento – democrático, esperava-se - tão instável
quanto necessário, estava na dependência de três eventos intrinsecamente relacionados:
a convocação de uma Assembléia Constituinte, a posterior promulgação desta e a
aplicação do fundamento jurídico-constitucional das instituições políticas democráticas,
a saber, a escolha direta, soberana e livre do presidente da República, o que
representaria o afastamento definitivo da possibilidade de veto, não apenas da
oficialidade militar (resgatando suas tarefas “profissionais” propriamente ditas e
instaurando uma concepção democrática para o exercício da função militar) mas de
frações, grupos e corporações vinculados às experiências de tutela política.
VI
Condicionantes da Redefinição do Estado - a redefinição do Estado foi
denominada oficialmente como: distensão, abertura e transição.
Conceitua-se redefinição do Estado um conjunto de aspectos reconhecidos a
partir de 1974, que viabilizaram a implementação de um regime, ainda autoritário, mas
capaz de conter a dupla fuga por outros instrumentos que não a utilização do monopólio
da força legal com a exclusão das instâncias de representação política.
Desta forma, era garantida uma correlação de forças adequada tanto ao bloco
dominante quanto aos imperativos do movimento do capital, isso ao preço do
deslocamento dos sintomas da dupla fuga. Portanto, a redefinição do Estado coloca-se
para muito além da distensão e abertura política, visto serem estes elementos
decorrentes daquele processo.
A redefinição do Estado representou a unidade contraditória entre subordinação
e insubordinação das relações sociais, devendo ser analisadas como uma tendência
política implementada a fim de evitar o colapso da forma de ordenamento social, não
apenas o de exceção, mas de um conjunto de relações constituídas ao longo do século,
sem o qual uma sociedade classista, estratificada, elitista, dependente e inversamente
desigual como a brasileira não poderia ser concebida.
A restrição ao movimento de insubordinação é um dos princípios dos mais
importantes ao novo ordenamento. O refinamento do Estado (no período entre 1968 e
1974) impôs uma lógica renovada de imposição da subordinação. Ao mesmo tempo e
162
dialeticamente, o bloco no poder perdia a capacidade de conter a insubordinação, tanto
em suas bases de sustentação quanto dos setores excluídos do pacto de dominação.
No cenário seguinte ao governo Médici, afirmava-se a imprevisibilidade política,
a qual não mais poderia ser contida pela força repressiva direta mas apenas maquiada
pela engenharia eleitoral que desequilibrava as disputas políticas em favor do regime.
Mesmo assim, somente alguns setores ligados ao núcleo do governo fizeram esta leitura
progressista. Estes passaram a enfrentar, a partir de então, efetivas batalhas internas para
impor políticas adequadas à implementação da reestatização das relações político-
sociais a partir do que se chamou de distensão.
Admitir a tese da redefinição do Estado neste período a partir do duplo
movimento de subordinação/insubordinação, implica compreender estes processos pelas
instabilidades das relações forjadas ao longo do regime de exceção.
A análise da “transição política” que considera os efeitos da dupla-fuga,
necessita englobar os vetores insuflados pela necessidade, por parte do regime, de
reconstrução de uma nova subordinação. Sendo assim, a distensão política de forma
alguma foi estabelecida enquanto concessão do bloco no poder, como mais um evento
político de “cima para baixo” ou ligado a uma instituição específica (a supremacia da
caserna “liberal”, o êxito eleitoral do projeto alternativo emedebista, o acolhimento das
reivindicações das entidades classistas, a atuação dos atores políticos institucionais na
conciliação).
A administração Geisel, no núcleo do processo de dupla fuga, gradativamente
adotou a substituição de um discurso propriamente político pelo técnico científico
(racional). Ao mesmo tempo, empreendeu esforços com a intenção de garantir que “o
fazer políticopossuía locais adequados: fora destes a política encontraria seu caráter
pejorativo, onde os próprios partidos políticos tornariam-se inócuos:
Os partidos políticos tanto do governo como da oposição, cada qual no papel
que lhe cumpre desempenhar são essenciais ao estilo de vida democrático, como
veículos exclusivos da participação do povo na organização do poder e como
responsáveis pela autenticidade do sistema representativo. A eles cabe concorrer
decisivamente para o aperfeiçoamento da estrutura política nacional.
156
Este seria um esforço evidente pela reestatização das relações sociais e
dissimulação das lutas sociais. Geisel, depois Figueiredo, pautaram-se pela afirmação da
156
GEISEL, Ernesto. Discursos Volume I. Brasília: Assessoria de Imprensa da Presidência da
República, 1975, p. 18 .Grifos nossos.
163
tranqüilidade social, afastando o questionamento do modelo sócio-econômico do debate
político, sendo esta a gênese da reiterada mensagem “liberdade com responsabilidade”.
Para garantir que a reestatização das relações sociais não se transformasse em
um entrave institucional - vide as eleições em 1974 - Geisel teve de construir uma
imagem que o aproximasse da ARENA. Somente assim, o discurso dos canais
adequados para a prática política teria credibilidade. Somente desta forma, o
disciplinamento político-social poderia garantir um processo de mudanças sem grandes
desvios do projeto fundador.
Os esforços do presidente Geisel em se apresentar como um homem de partido,
tornaram-se evidentes através de declarações como: eu procurei governar com a Arena,
procurei me servir da Arena e servir à Arena e mais adiante se nós queremos um regime
democrático, nós temos que governar através da área política. E quem quer governar
através da área política precisa ter esse instrumento que é o Partido.
157
Em meio à possibilidade concreta de reativação das esferas político-
institucionais, houve uma certa similaridade entre os discursos, tanto aqueles
provenientes do governo central quanto da seção regional da oposição institucional, não
obstante, haver um espaço ampliado de crítica à utilização de mecanismos de poder
discricionário no trato ao dissenso legítimo.
Para tal similitude, toma-se como ilustração a fala do deputado emedebista Lélio
Souza: agora estamos a viver um quarto Governo Revolucionário, onde o presidente
anunciou este propósito de assegurar a distensão gradual, lenta e segura com vistas à
normalização democrática. Mais adiante, o deputado afirmou que as manifestações
oficiais de relaxamento do regime de exceção estavam sendo superadas pelos fatos, pois
a retórica liberalizante era acompanhada de procedimentos envoltos pelos instrumentos
do arbítrio (segundo o bloco dirigente, em função da ausência de alternativas). Insistiu
que a democratização e a normalização da vida institucional (aperfeiçoamento das
instituições democráticas) apenas poderiam ocorrer mediante a participação
157
GEISEL, Ernesto. Discursos 1978. Brasília: Assessoria de Imprensa e Relações Públicas da
Presidência da República, 1979, pp. 44-45. Kalil Mathias também trata desta questão e utiliza esta mesma
passagem do discurso de Geisel: MATHIAS, Suzeley Kalil. Op. Cit., p. 101. A bancada emedebista
utilizou este distanciamento entre o governo e o partido que lhe dava sustentação (simbólica) como mote
de suas argumentações do descompasso do sistema político; disse o deputado Waldir Walter: no instante
em que o governo procura, se esforça, para chamar a ARENA à responsabilidade, para dividir com a
ARENA, quiçá até, o desgaste sofrido durante a última década, quando o governo faz isso, quando o
governo se esforça para dizer que o governo é da ARENA, está editando decretos-leis sobre temas da
mais alta importância, sem ouvir a opinião da ARENA como partido. AAL, 13ª Sessão da Comissão
Representativa em 18 de fevereiro de 1976, p. 287.
164
consciente e esclarecida de todo o povo, agrupando-se em função de suas predileções,
numa ou noutra das agremiações partidárias.
158
Ao reforçar o discurso da técnica e da racionalidade, o bloco dirigente mantinha
ainda, não obstante toda uma rie de questionamentos, a tecnocracia em uma posição
privilegiada na organização do Estado e no desenvolvimento político nacional.
Segundo o arenista Hugo Mardini, as declarações e a atuação de Geisel
prestigiaram a “classe política”, visto o presidente ter realizado um apelo à participação
e à colaboração em nome da “imaginação política criadora” mesmo alertando que não
abriria mão do AI-5, sendo então essa postura, ao menos para Mardini, o marco da
distensão política brasileira:
Se tudo tem feito [Geisel] para que o Brasil, lenta mas seguramente, volte à
normalidade constitucional, também tem afirmado, tem proclamado a sua
inabalável decisão de não abrir mão dos Atos de que a presidência dispõe. O
passado não voltará de maneira alguma, por vias diretas e oblíquas. A Revolução
não foi uma simples tentativa de salvação nacional, passageiro breve a ser
abandonado agora ou depois.(...) há de se procurar aperfeiçoar a prática do
regime de 1964, adaptando-o aos estímulos da Revolução consolidando a
estabilidade das instituições políticas, evoluir e nunca involuir.
159
O refinamento do Estado trouxe em seu âmago uma lógica de renovação da
dominação. Esta tarefa foi facilitada pela política repressiva (sem mediações) da fase
anterior, quando o Estado renunciou a faculdade de ser o “amortecedor” dos conflitos
sócio-políticos.
O regime da bandeira da excepcionalidade, incondicionalmente, teria de adotar
regras duradouras que fossem acolhidas e não impostas (sendo esta a institucionalização
do ordenamento renovado).
Havia uma evidente intenção de conter o movimento da sociedade nos seguintes
termos: o movimento autônomo, o protagonismo social e mesmo as organizações da
sociedade civil não poderiam “andar mais rápido” que o sistema político aceito por
todos. Em outras palavras: a estratégia esteve em associar, colar e fundir a luta social à
luta político-institucional. Desta maneira, o bloco dirigente conduziu um movimento
paradoxal: implementar um projeto de mudanças que abrandavam o poder discricionário
através da concentração de poder nas mãos do executivo, visto a necessidade de
contenção doméstica.
158
AAL, 36ª Sessão em 22 de abril de 1975, p., 275. Grifos nossos.
159
AAL, Id., p., 276.
165
Sintomático: Geisel lançou mão de recursos próprios do regime de exceção para
“depurar” o sistema político em plena euforia de liberalização - cassando os deputados
Amaury Müller e Nadyr Rosseti, ambos do MDB.
Na ocasião, a bancada oposicionista manifestou-se veementemente contra o
retrocesso autoritário. Ao mesmo tempo, o deputado Romeu Martinelli/ARENA,
declarou que a reação do MDB - contra aqueles procedimentos facultados a um regime
“revolucionário” eram injustificáveis e implausíveis pois, quando ambos deputados
em Palmeira das Missões ofenderam a revolução e o regime, demonstrava-se que nem o
MDB gaúcho sabia distinguir a crítica permitida da contestação ostensiva.
Na visão arenista, a crítica contundente ao regime significava uma afronta a paz
e a ordem. Os deputados ultrapassaram os limites do pleno exercício do direito legítimo
da política, utilizando a difícil conjuntura para atacar o regime constitucional e
insuflando a desconstituição não apenas do governo, mas do sistema político como um
todo:
Se o MDB conscientizar-se de que a redemocratização do País está a reclamar de
todos os brasileiros serenidade, ponderação e cautela, poderemos chegar ao
verdadeiro desenvolvimento político. Se não houver essa conscientização,
estaremos talvez, amanhã ou depois, vivendo sob uma ditadura militar como a
que se encontra na Argentina, o que ninguém deseja.
160
A percepção de que o país ainda o havia passado pelo pior do regime em
termos de repressão e, da mesma forma, as constantes ameaças de “volta ao passado
duro”, compunham os expedientes subliminares mais utilizados no cotidiano dos
debates parlamentares.
Pouco se entendia que a dissociação entre as nuances do projeto oficial e o
processo político-social (e institucional de insubordinação que já estava em curso)
impunham o recurso da normatização da política, ressaltando mais uma faceta da
dualidade de ordenamentos.
O abandono progressivo dos instrumentos legais de exceção seria uma
conseqüência da retratação dos conflitos na forma de uma bem sucedida normatização
política, a qual institucionalizou o dissenso.
Uma primeira agenda de resoluções foi aplicada: incorporação de prerrogativas
contidas no AI-5 de forma a garantir estabilidade (previsibilidade) política, revogação
160
AAL, 24ª Sessão em 2 de abril de 1976, pp. 42-43. Grifos nossos. Os pronunciamentos da bancada
emedebista foram realizados pelos deputados Rospide Netto (p. 37) e Lélio Souza (p. 39).
166
da limitação da liberdade de opinião e reintrodução dos postergados pelo regime
(anistia).
Logicamente, a tarefa do bloco dirigente teria sido facilitada caso a ARENA
tivesse resultados eleitorais mais expressivos, podendo inclusive conduzir o processo de
mudanças, o que tornaria prescindível o recurso ao poder de exceção e medidas
arbitrárias. Contudo, a vitória ou mesmo resultados de aprovação expressivos por parte
da ARENA, credenciariam o partido oficial a participar dos centros decisórios, sendo
portanto, mais um obstáculo para o bloco dirigente essencialmente militarizado após o
refinamento do Estado.
Quando a crise econômica adentra no cálculo político do governo,
essencialmente a partir de 1978, as rédeas” do mundo político tiveram de ser
“puxadas”. Inserida no processo de dupla fuga, houve uma inflexão na retórica do bloco
dirigente, a “revolução de 1964” tomava contornos de anomalia e assumia
definitivamente o caráter de interposto entre dois ordenamentos.
A distensão política e a normalização das relações político-institucionais seriam
condição, não mais conseqüência, do desenvolvimento econômico-social. O projeto
oficial, de pretensões de longo prazo, estabelecido no início dos anos 70 havia
sucumbido à dinâmica da dupla fuga, em última análise, não conteve o processo
político.
A transição também condicionou os debates propostos pelo bloco no poder,
estando estes restritos às estratégias gerais de descompressão para, já em uma segunda
etapa, ampliar o escopo das mudanças através da discussão do projeto, então em pleno
andamento (o debate esteve centrado em uma estratégia de mudança gradativa versus a
imediata implementação de uma Assembléia Constituinte).
Se se faz alusão à inexistência de uma significativa ruptura fundadora, também
se aponta aqui a ausência de uma ruptura final.
Não sendo redutível aos condicionantes políticos como também econômicos
mas sim amplificado ao conjunto – sempre vasto – de vetores e componentes do
processo político, sua expressão o se manifestou de forma única e uniforme, não
podendo ser resumido à repressão ou violência estatal. Mesmo por que o autoritarismo
identificado ao movimento intervencionista somente se desnudou explicitamente após
1968, dando-se através de um processo de militarização dos centros decisórios, inserido
em uma conjuntura onde a resistência ao regime e ao governo este então
eminentemente tecno-militar afirmavam-se como única forma de sobrevivência da
167
parcela civil nas instâncias políticas (a tentativa de formação da Frente Ampla, as
mobilizações urbanas de massa, como as estudantis, as organizações clandestinas e
armadas).
A forma de apreender a dimensão, os condicionantes e as conseqüências da
efetivação deste projeto histórico tem sido objeto das mais diversas discussões; por
certo não se tratava apenas de um processo de reestruturação capitalista interna e
reinserção no sistema econômico mundial. Eram estas as preocupações da oficialidade
militar? Dos políticos conservadores ligados à UDN e mesmo ao PSD e PTB? De
setores majoritários da igreja católica? Possivelmente não.
Certamente, perpassava nos anseios do bloco dominante uma necessidade
candente de rever as bases da organização sócio-política que imperava no país, visto
estas possibilitarem uma articulação de forças sociais fora do sistema político de então,
forças às quais vieram a atuar como catalisadoras (tanto à esquerda quanto à direita) em
um processo de polarização, que por sua vez antecedeu a uma série de rupturas que
atenderam a inúmeros interesses, vindo a formar a coalizão intervencionista.
Ocorre contudo, que o regime de exceção constituía-se através de uma crise de
origem, dada a multiplicidade de interesses representados pelos atores componentes da
coalizão intervencionista. Tamanho pluralismo obrigou que de imediato não houvesse
uma lógica inaugural capaz de defini-lo, a não ser a necessidade de preservação do
status quo, da segurança nacional em nome da paz social.
A percepção de uma crise do sistema político e da sociedade relacionava-se ao
crescente processo de mobilização social em curso que caracterizava a
desinstitucionalização do enfrentamento político.
O regime de exceção brasileiro deteve determinadas características sendo em
certos momentos origem, em outros agudizando, sucessivos processos de instabilidade e
crise que, relacionadas à dinâmica própria do processo político com impulsos de
mudança e conservação estabeleceram a forma, o conteúdo e o tempo da instauração
de um novo ou remodelado ordenamento político (podendo ser identificado ao processo
de “liberalização” definido pelo discurso oficial e consagrado pela literatura da época).
Transição e legitimidade confundiam-se e eram alimentadas através de uma série
de eventos simbólicos que posteriormente tombaram um a um: campanha das diretas, a
eleição de Tancredo (a posse que nunca aconteceu), a concessão de popularidade do
grupo do palácio através do Plano Cruzado (1986), a formação do Colégio Eleitoral. Por
outro lado, os eventos simbólicos que demarcaram a mudança de ordenamento político
168
no Brasil caracterizaram-se por tragédias, logo transformadas em espetáculos pela
grande mídia (sendo este o caso do atentado no Riocentro, da agonia de Tancredo Neves
e do forjado suicídio de Herzog).
169
CAPÍTULO 3
A FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES POLÍTICAS E AS
PECULIARIDADES DA CENA POLÍTICA SUL-RIO-GRANDENSE
Entre tantas leituras possíveis acerca da conjuntura e, ao mesmo tempo, da tessitura das relações
políticas delineadas durante o governo Geisel e que vieram a se desenvolver na administração Figueiredo,
grande parte converge ao apontar uma simultaneidade de crises. Ao mesmo tempo e paradoxalmente, uma
enorme capacidade do bloco dominante revertê-las em renovados fôlegos, alterando os métodos de
estabilização conservadora impostos desde a intervenção de 1964, tanto beneficiando o governo quanto o
regime, algo à época, sistematicamente desconsiderado pelas oposições.
Por outro lado, a evolução das relações de produção e do mesmo modo, das forças produtivas,
ambas identificadas ao padrão econômico veiculado pelo regime, refletiram diretamente na ampliação de
demandas, às quais, desnudando a insuficiência do sistema de representação política, logo foram
convertidas em exigências pela reformulação daquele.
Certamente, estas questões alimentaram a trajetória de crise do Estado. Naquele específico
momento, parte das instabilidades partia exatamente da ação dos sujeitos sociais e da percepção que estes
detinham das sucessivas conjunturas em que estavam inseridos e pelas quais também passou o regime de
exceção.
A dinâmica política do regime, demarcada pela relação umbilical entre estruturas e práticas
sociais, não seguiu um projeto engendrado e pré-determinado
no
e
pelo
bloco dirigente.
Dialeticamente, as relações políticas e sociais mediadas pela excepcionalidade – não se
adentrando portanto na seara econômica - abriram espaços para a tendência de desarticulação do pacto de
dominação e, conseqüentemente, desagregação do regime na forma estabelecida, durante o processo de
refinamento do Estado.
A fragmentação da base de sustentação original foi, em grande parte, resultado visível da
ausência de pré-requisitos que mantinham a funcionalidade do regime de exceção em sua fase aguda,
compreendida como militarização das estruturas e funções políticas do Estado.
Corroboraram no sentido de desconfigurar o regime a própria implementação de políticas
públicas que invariavelmente não contemplaram a totalidade de setores estratégicos, o que acabou por
auxiliar na dilaceração da antiga coalizão hegemônica e na indefinição na correlação de forças
domésticas. Também atuaram como componente decisivo na pulverização da antiga coalizão
intervencionista o cenário de retrocesso econômico e as tensões frutificadas pelo processo de dupla-fuga.
Todavia, se aqueles elementos atuaram de maneira a desconstituir o regime de exceção, também
se prestaram ao aprimoramento deste, na medida em que impuseram a necessidade de soluções
alternativas (formas) de controle do capital e, concomitantemente, formas e mecanismos de condução
política (e por que não: de contenção social).
Estas ações e reações acabaram por acirrar rachaduras na estrutura do Estado. Ao mesmo tempo,
viabilizaram outros aportes de encaminhamento para as simultâneas crises, na medida em que
condicionaram a rearticulação das forças políticas.
Entre tensões e crises, eram apontados indícios evidentes da fragilização pela qual passava o
regime. Também desnudavam a incapacidade das oposições institucionais (formais) em ocupar este
espaço: limitadas, política e organicamente, na articulação das camadas dominadas que se reconheciam,
como apontado anteriormente, para além dos limites impostos pelo Estado.
No momento em que o presidente Geisel passou a aludir a possibilidade de descompressão,
criou-se um fato político através do anúncio da intenção de implementação de mudanças, às quais
atingiriam a arena política como um todo. Este fato político, por sua vez, impulsionou uma estratégia que
exigiu uma verdadeira engenharia política: coadunar uma ordem social de modernização conservadora
(proposta fundadora do regime) com a vigência de liberdades públicas e políticas mínimas.
O caráter que conformou a tendência de rejeição ao regime definia-se através do ponto de
mutação: das necessidades convergentes de frações da classe dominante e setores médios (às quais
definiram a solução intervencionista) em interesses imediatos divergentes (os quais passaram a relativizar
o movimento histórico de centralização política de dominação de classe).
170
Logo, eram gestadas formulações com vistas à implementação de um conjunto de políticas que
viessem a dissimular a luta entre forças sociais, conflitos de interesses entre frações da camada dominante
e a efervescência da luta de classes. Tanto que a idéia de “pacificação da família brasileira”, tão aludida
nos discursos parlamentares da Assembléia Legislativa, em verdade transfigurava o desejo e a
necessidade de superação do dissenso e reintrodução da previsibilidade política.
Aludia-se que, somente com a harmonização da sociedade (entre os interesses divergentes de
classes), o sistema político teria reunido condições mínimas para a superação da excepcionalidade. Estes
elementos são aqui apreendidos enquanto pressupostos do processo de redefinição do Estado e
dissimulação da luta de classes em um experimento político-institucional ideal (aperfeiçoado), depurado
dos vícios e limitações do ordenamento pré-64.
A partir de então, estariam criadas as condições para o desenvolvimento das atividades próprias
de oposição institucional (reconhecidas pelo bloco dominante). Neste sentido, se verificaria também um
deslocamento daqueles que protagonizaram a insubordinação, os quais não foram integrados no processo
de transição de ordenamentos que se seguiu. Não foi outra razão que motivou o comentário de Quartim de
Moraes, quando mencionou que a direção política antiditadura esteve concentrada em mãos de
notabilidades liberais e intelectuais “vagamente” social-democratas.
161
No início dos anos 80, não havia argumentações, índices técnicos, produções televisivas, obras
de impacto, manipulação do medo coletivo, conquistas futebolísticas e coações políticas capazes de
sustentar a ampla base social de apoio com a qual contava o regime de exceção na forma definida até
meados dos anos 70.
Aquele excedente de poder alocado em frações das camadas dominantes, garantido pela estrutura
da organização política resultante da intervenção em 64, não suportou as seqüelas de seu próprio êxito
(somente poderia se manter alterando sua própria formatação).
162
Desfigurava-se a coalizão intervencionista, ao menos em sua conformação original. Daí, se
compreende que, em situações decisivas, apoios tradicionais ao bloco dominante (mesmo entre aliados
históricos) foram sonegados.
No interregno entre a decretação do “Pacote de Abril” em 1977 e a derrota da Emenda “Dante de
Oliveira” em 1984, as maiores ameaças à paz social e ao interesse nacional (que coroaram o imaginário
das camadas médias na conjuntura da intervenção), transpuseram o universo abstrato do “perigo
vermelho” e passaram a concretude dos altos índices inflacionários, da redução da capacidade de
consumo (o “dragão” tomava corpo) e das atividades políticas das organizações sindicais através do
acirramento da luta capital versus trabalho.
163
Este trânsito pode ser apreendido pela alteração das metas veiculadas no discurso oficial: da
“segurança e desenvolvimento” à “democracia e justiça social”.
Nas diferentes manifestações da “forma-regime” (a configuração oriunda da intervenção e aquela
posterior, reconhecida como refinamento do Estado), a crise por estas provocadas selou o destino do
regime. Sua capacidade de neutralização do dissenso foi questionada e contestada por setores
fundamentais na manutenção do arbítrio.
Vê-se então uma renovada coalizão que viria a definir os parâmetros do, para alguns, novo
ordenamento político-institucional, para tantos outros, a institucionalização do autoritarismo.
Em tal conjuntura, eram questionadas as razões que levariam frações sociais que
tradicionalmente desempenharam papéis conservadores na política brasileira - como os grandes
empresários (ligado ao capital multinacional e associados), os proprietários rurais, a cúpula da Igreja
Católica, as camadas médias – a sustentar um regime que já não resolvia seus problemas imediatos (pelo
contrário, no mais das vezes colocava-se como obstáculo aos interesses imediatos, sendo exemplar o caso
da luta contra a estatização da economia).
161
MOARES, João Quartim de. Figueiredo, Sarney e a Transição Liberal no Cone Sul. In.: MORAES,
João Quartim de. Liberalismo e Ditadura no Cone Sul. Campinas: UNICAMP/Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, 2001, pp. 281-301.
162
Bem compreendendo o bloco dirigente a partir da oficialidade militar. Estes legaram proteção,
privilégio, estabilidade política para a instauração de um projeto histórico derrotado nas regras de
competição institucionalizadas – eleitorais.
163
A passagem dos dez anos de regime de exceção demarcou na Assembléia Legislativa do Rio Grande
do Sul um intenso debate referente as limitações das políticas econômicas no combate à inflação, ao
aumento do custo de vida, ao desemprego e ao endividamento externo. Assim, nos primórdios de 1974,
questionava-se a eficácia da militarização das estruturas e funções políticas do Estado (enfim, a etapa de
refinamento do Estado). Manifestações dos deputados Rospide Netto/MDB, Waldir Walter/MDB e
réplicas de Hugo Mardini/ARENA. AAL, durante a 33ª Sessão em 18 de abril de 1974, pp. 233-244.
171
O agravamento do esfacelamento do pacto de dominação evidenciava-se na medida em que
apoio explícito ao regime, inevitavelmente, fazia recair sobre sua base de sustentação, um indelével
desgaste perante os demais setores da sociedade. Em parte, devido aos freqüentes abusos institucionais-
repressivos – perseguições, prisões ilegais, práticas de tortura e “desaparecimentos” - e, de outra parte, em
virtude da falência do padrão de desenvolvimento outrora defendido por aqueles setores.
Mesmo que, de certa forma, aqueles procedimentos repressivos tenham sido tolerados até então e
concomitantemente, o revés econômico pudesse guardar relação com as oscilações internacionais,
naquela nova conjuntura estes aspectos passaram a ser aportes de rejeição generalizada, sendo então
sistematicamente denunciados. Especificamente, na questão da violência patrocinada pelo Estado, a
dimensão alcançada por esta prática impôs a revisão de determinados procedimentos, especialmente
quando as denúncias de violações dos direitos humanos assumiram a cena midiática, ganhando projeção
nacional.
Sendo assim, um renovado ordenamento político-institucional, com novos mecanismos de
encaminhamento do dissenso, poderia vir a cumprir tarefas essenciais com custos muito menores do que o
regime de exceção, na forma de então, cobrava.
A cedência do poder dirigente, a faculdade de governar, à oficialidade militar por parte do bloco
dominante (os chamados momentos “brumários”) passou a ser questionada. Conseqüentemente, não
tardaram as manifestações pela rearticulação do poder central, ponto fundamental na concretização da
reestatização das relações sociais, a qual iria posteriormente definir o cessar do processo de dupla fuga.
Com a mesma intensidade, emergiram resistências de setores que ocupavam posições próximas aos
centros de poder.
Enfim, a transição se fez e nestas bases.
Inegável que aquela (a transição) teve como marco fundador o declínio (mesmo relativo e no
campo discursivo ainda) da hegemonia da oficialidade militar nos centros decisórios de poder. Tendo
obviamente como referência a administração Médici ou o ápice do refinamento do Estado (identificado à
militarização dos centros decisórios de poder).
Inegável também que as relações de poder nos limites do sistema político e no bojo da dualidade
de ordenamentos sofreram uma rearticulação com os sucessivos processos eleitorais (essencialmente entre
1974 e 1982), relações estas cujo equilíbrio mantinha-se artificialmente pela constante prática de
“engenharia político-eleitoral” e segregação dos setores “insubordinados”.
Tornavam-se evidentes os sinais de decomposição da “teia” de sustentação ao regime, gestada
desde o início da década de 60. Os resultados eleitorais ao longo da década de 70 manifestaram sintomas
deste processo.
A partir de 1974, os sufrágios foram utilizados pelo MDB como evidências de que a via legal
poderia ser alternativa da mudança, realizando, no mesmo raciocínio,que as sucessivas derrotas ao partido
oficial garantiriam a circulação de poder decisório.
Ainda no decorrer da década de 70, grande parte dos agrupamentos de esquerda revisaram as
teses que definiram a opção pela clandestinidade e pela luta armada. Passaram, então, a sobrevalorizar a
construção institucional da democracia em detrimento daquela articulação autônoma colocada em prática
no auge do arbítrio. Debelados os focos concretos de oposição (pontos de subversão para o governo), a
tarefa que cabia ao regime, especificamente à sua estrutura de propaganda e seus negociadores políticos,
em evidente detrimento da adoção de medidas de força direta, era a de ressignificar as arenas de
representação política, dotando-as de mecanismos capazes de atuar, tanto como elementos de contenção
quanto de reaproximação com setores dissidentes (além do mais, formaria um conjunto de interlocutores
entre os centros de poder e setores sociais).
Com a mesma intensidade, o dissenso acintoso fora das instâncias regulamentadas para tal,
qualificado de “oposição inconseqüente e irresponsável” pelos articuladores do pacto democrático,
transfigurou-se no mais intenso empecilho à transição.
Realocadas as relações políticas nos limites institucionais (a reinstitucionalização), coroava-se o
processo de redefinição do Estado, desenvolvido desde meados da década de 70. Não tendo se esgotado
com a vitória oposicionista no Colégio Eleitoral e a tétrica posse de José Sarney, seguiu adentro nos anos
80 até a promulgação dos processos constituinte e eleitoral ao final daquela década.
No transcurso deste processo, ficou garantida a manutenção da correlação de forças adequada
aos projetos hegemônicos de acumulação econômica, distribuição de poder e organização social.
A crônica política e o senso comum (trabalhados pela opinião multimidiática) consagraram este
período como Nova República. Contudo, fiel à teorização que o tema merece, aquele trânsito estabelecia-
se enquanto governo provisório, essencialmente em virtude do caráter assumido pelas definições das
forças políticas acolhidas no novo pacto de poder, às quais versavam sobre a necessidade de um
172
determinado tempo na efetivação de um novo ordenamento (deixando em estado de espera as
reivindicações por eleições diretas para presidente e redação de uma nova constituição).
164
Os elementos contraditórios que permitiram a redefinição do Estado definiram a transição de
ordenamentos (precisamente: a transição das formalidades político-institucionais). Porém, geraram um
contraste entre as grandes esperanças suscitadas pela percepção generalizada do colapso dos mecanismos
de aguda intervenção estatal ainda ao final dos anos 70 e, em outro extremo, a decadência político-
econômica dos anos 80. Em grande parte, este descompasso foi produto dos elementos contraditórios da
redefinição do Estado, os quais potencializaram uma série de crises, que de forma alguma foram
superadas através de métodos normais de governo (entendendo normais como freqüentes) tais como a
acomodação política ou pelos tradicionais recursos da conciliação e repressão.
Seguindo uma histórica trajetória de auto-suficiência” do poder decisório estatal, uma vez este
despojado de uma dimensão efetivamente comum e, em muitos casos, amesmo pública, a política do
regime de exceção transformava todas as manifestações refratárias à centralização do poder e
normatização da política em conflitos que, pelas concepções do bloco no poder e pela própria organização
do bloco dirigente, inviabilizariam o desenvolvimento do país.
I
A Flexibilização das Relações Políticas – a premissa a ser desenvolvida neste ponto, a qual será
confrontada com as peças discursivas posteriormente definidas, parte da seguinte afirmação: a
descentralização do poder estabelecia-se enquanto pressuposto para a reestatização das relações político-
sociais e, conseqüentemente, da reestruturação do Estado.
165
Não raras vezes, a literatura sobre a administração Ernesto Geisel e Adalberto Pereira dos
Santos, implementada em 1974, procurou identificar este governo à uma visão intervencionista
“moderna” e à uma concepção de política “liberal”. Literatura esta que também consagrou como maior
mérito da administração subseqüente o caráter de neutralidade assumido pelo presidente Figueiredo em
meio ao processo político de transição, não impondo nem mesmo ao seu partido (o PDS) e as forças que
apoiavam seu governo, um candidato de sua preferência ideológica ou relação pessoal.
Não sem motivos. Em ambas leituras, partia-se de evidências discursivas. Todavia, para muito
além das intenções manifestadas nos discursos, a prática oficial insistiu em desmentir o protocolo. Se não
vejamos: a partir da eleição presidencial de 1974, os novos ocupantes do executivo federal utilizaram
todas as cerimônias, tomaram todos os meios de comunicação e todos os espaços políticos formais para
manifestar oficialmente a intenção de aplicação de um conjunto de mudanças na arena política.
166
Estas,
por sua vez, viriam a demarcar as bases em que a imprevisibilidade política seria aceita nas arenas de
representação, ao menos no transcorrer daquele mandato, afinal vivia-se ainda um regime mediado pelo
arbítrio.
Ao seu turno, a administração João Baptista Figueiredo/Aureliano Chaves, poucas condições
teve de interferir no alcance das conquistas oposicionistas; Figueiredo parecia interessar-se mais por
manter a unidade da instituição militar e por cavalos do que pelas disputas do poder.
164
Sobre a “Nova Repúblicaver: CHAUÍ, Marilena. A Nova República: Democracia ou Autoritarismo
Verde- Amarelo? In.: KANDIR, Antônio; SADER, Eder; COMPARATO, Fábio [Et. Al.]. Constituinte,
Economia e Política na Nova República. São Paulo: Cortez Editora, 1986, pp. 63-82. Na mesma obra:
SADER, Eder. A Nova Retórica da Nova República. In.: Id., pp. 51-62. KOUTZII, Flávio (org.). Nova
República: Um Balanço. Porto Alegre: L&PM, 1986.
165
Porfírio Peixoto/MDB e Rubem Scheid/ARENA, protagonizaram um debate onde a pauta era a do
caráter do governo sob o regime de exceção. Scheid argumentava que havia uma evidente confusão entre
o poder executivo e o governo, visto aquele poder ser uma das peças constituintes do governo (ao lado
dos demais poderes), sendo então que as críticas ao governo eram na verdade ao executivo. Por sua vez,
Peixoto (corroborado por Cezar Schirmer) defendia que, sob o arbítrio, tanto o Judiciário quanto o
Legislativo submetiam-se ao Executivo e que, portanto, as críticas, as cobranças e responsabilizações
recaíam sobre os ocupantes daquele poder. AAL, durante a Sessão em 10 de março de 1976, pp. 124-
127.
166
Neste sentido, o deputado Romeu Martinelli/ARENA, ao exaltar a explicitação dos projetos políticos,
sociais e econômicos do governo (divulgados pelo presidente Geisel em cadeia nacional de rádio e
televisão) afirmou que o pronunciamento: se constituiu, sem sombra de dúvida, em marco decisivo da
evolução do ideário e do roteiro revolucionário iniciado em 1964 e destinado a transformar o Brasil em
uma nação integralmente consolidada interna e externamente. AAL, 8Sessão, 7 de agosto de 1975, p.
78.
173
Ledo engano.
Subjacente a implementação de um conjunto de reformas políticas, havia mais que um desejo
oficial ou pessoal, e sim a necessidade em reconstituir o poder, a qual pôde ser observada no interregno
entre a “disputa” contra o “anticandidato” Ulysses Guimarães (que teve como “anti-vice” Barbosa Lima
Sobrinho) no Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1974 e a posse de Geisel em 15 de março do mesmo
ano (a candidatura oficial obteve 400 votos, a oposição 76 e somaram-se 21 abstenções).
Na seqüência, ao governo Figueiredo não cabe a definição de neutralidade na condução do
processo sucessório. O jornalismo político da época, muito antes da historiografia, já denunciava as
articulações com vistas a garantir a continuidade – ou melhor escrito, com o continuísmo
- do governo
Figueiredo em detrimento do próprio processo de alternância de poder, antes da possibilidade de
passagem de poder a um civil.
Ainda no período anterior, o núcleo dirigente do governo - ao menos, sua parte visível (Geisel e
Golbery essencialmente) - empreendeu uma série de conversações diretas com prováveis aliados civis na
aplicação de mudanças que reconstituíssem a base de sustentação do governo e de suas políticas (tarefa
posteriormente cumprida por Petrônio Portella nas incursões denominadas “Missão Portella”).
Encerrada a etapa de refinamento do Estado com Emílio Médici, houve, por conseguinte, uma
readequação de forma de movimentação política do bloco dirigente. Assim, à Geisel foi possibilitado
desenvolver as bases que norteariam a, por assim dizer, atualização do regime de exceção. Contudo, a
referência a um processo de readequação, impõe-se a compreensão de que este consumiu certo tempo na
articulação de forças domésticas e externas ao pacto de dominação.
Deste modo, mesmo a aplicação de reformas constitucionais que não rompiam com a dualidade
de ordenamentos, consumiu algum tempo para ser efetivada. Reformas estas que, por efeitos imprevistos,
dinamizaram a imprevisibilidade política.
As expectativas criadas, não poucas, em torno da escolha de Geisel para a presidência, partiam
em grande parte, da vinculação do general-presidente a correntes militares divergentes das posições
hegemônicas até então.
As projeções a respeito da gestão Geisel, especificamente na área política, revelaram-se como
um alento para as instâncias de representação. Por certo, as mudanças processadas no curso do mandato
daquele presidente ampliaram o espaço de movimentação política, mesmo ao custo das exigências de
disciplinamento político-social. Porém, estas se relacionavam essencialmente ao estágio de
desenvolvimento político, social e econômico, os quais impediam a manutenção do regime em suas bases
originais. Em outras palavras: antes da vontade política, a flexibilização das relações representou a
inexistência das condições que permitiam a utilização do discurso fundador da intervenção civil-militar.
Esta leitura foi sistematicamente desconsiderada pelo conjunto do parlamento. Ambos os
partidos, ARENA e MDB, identificavam no governo que findava em 1974, políticas equivocadas que
resultaram em sucessivas crises, dissidências e indisciplina na caserna.
167
Em seus primeiros ensaios, a flexibilização das relações políticas proposta pelo bloco dirigente
implicou, de imediato, no reatamento de canais de diálogo com setores estratégicos da sociedade civil.
Logo, foram reativados pontos de interlocução onde o governo, essencialmente um grupo palaciano,
passou a apresentar, em uma espécie de “carta de intenções”, àqueles os quais viriam dar a sustentação
necessária ao aprimoramento do regime.
Dada a disputa de forças políticas internas ao pacto de dominação, a possibilidade de
descompressão política reverteu em resistências e embates domésticos provocados por setores da
oficialidade militar, parte da tecnocracia e segmentos sociais contrários à descentralização, naquele
momento e naquelas circunstâncias.
Na análise formulada pelo bloco dirigente, o caráter de aguda crise das relações mediadas pela
intervenção do Estado impulsionou a formação de uma ampla base de oposição. Por estas razões, o grupo
167
Pedro Simon/MDB demonstrou seu desapontamento com o primeiro pronunciamento do presidente
Geisel. As expectativas. Segundo o deputado, foram frustradas na medida em que o discurso da vitória,
que não apontou perspectiva de que o Estado de Direito seria reconstituído ao longo daquele mandato que
se iniciava. AAL, em 16 de janeiro de 1974 durante a Sessão, pp. 94-98. Posteriormente, pautando-se
no discurso de Simon, Júlio Brunelli/ARENA, evidenciou a estratégia da ARENA em associar a
conjuntura internacional e os numerosos erros cometidos internamente, especialmente no ano que findou
como explicação do não cumprimento da promessa inaugural do governo Médici em 1969 (o
restabelecimento da democracia) e da elevação do custo de vida. Para o deputado arenista, a união entre
eficácia e disciplina que o novo governo possuía garantiriam um futuro melhor. AAL, 12ª Sessão em 18 de
março de 1974, pp. 204-205.
174
palaciano passou a defender que o regime, na forma consagrada pelo “fechamento do poder”, própria da
fase de refinamento do Estado, era insustentável a longo prazo.
Esta era uma verdade em termos. Pois, como apontado anteriormente, um regime político como
o brasileiro tornava-se insustentável a partir do momento que definisse sua permanência para além de
suas tarefas reativas (para além de um determinado período considerado pela sua base de sustentação
como emergencial).
Compreendendo o cenário de crise do Estado – com incidência na representação política -
impunha-se, senão ações concretas, ao menos a sinalização do desejo em ampliar a governabilidade. Para
tanto, muito mais do que a possibilidade de adoção de um conjunto de mudanças, havia a necessidade da
conjunção de forças ir para além dos muros da caserna.
Buscando formar a referida base de apoio, o bloco dirigente passou a identificar na sociedade
setores estratégicos, sendo dentre estes escolhidos os interlocutores adequados ao processo que se
iniciava.
Desta inflexão política, setores da imprensa passaram a gozar de um espaço maior na proposição
do abrandamento da censura. Como segundo aporte na sociedade civil, a cúpula da Igreja Católica voltou
a ter suas posições reconhecidas (principalmente nos encontros entre a cúpula da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil – CNBB, Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Aloísio Lorscheider) acerca da questão
dos direitos de expressão da Igreja, do combate à tortura e o esclarecimento dos casos de
desaparecimentos políticos.
168
Não obstante a sinalização da disposição oficial em aplicar reformas (às quais vieram a
flexibilizar as relações políticas formais), efetivamente, poucas foram as mudanças suscitadas no
transcurso do mandato Geisel que sinalizassem com o término do regime de exceção.
Acanhadamente, projetava-se que estas mudanças refletiriam antes a acentuada centralização
política do que propriamente a composição da correlação de forças políticas na qual equilibrava-se o
regime. Esta característica respondia, em grande parte, pela natureza das discussões de mudanças (ainda
restritas ao bloco dirigente), e por isso mesmo, sem quaisquer possibilidades de atender a reivindicação de
circulação de poder decisório, algo neste contexto fora de cogitação.
A isto se adenda o fato de que não guardavam relações diretas os avanços na flexibilização das
relações políticas e o projeto de construção de um novo ordenamento. As políticas estabelecidas no
período Geisel não podem ser observadas enquanto etapa de um projeto de redemocratização. Mesmo que
o “jogo político” tivesse sofrido alterações pontuais, as mudanças com relação ao abrandamento do
regime em sua face intervencionista foram incipientes. Com efeito, as alterações efetivas foram menos
evidentes e, menos ainda vividas pela população do que as análises posteriores vieram a consagrar.
Como apontado anteriormente, a administração Geisel sofreu e impulsionou um processo de
idealização oriundo não apenas das instâncias formais de representação política mas, posteriormente, pelo
mérito da crônica política. Esta idealização atendia ao compromisso firmado pelo bloco dirigente em
ampliar o espaço de movimentação política, mesmo reconhecendo que o sistema político estava ainda
inserido em uma situação de restrições legais e institucionais, algumas herdadas da intervenção civil-
militar de 1964, outras formuladas para solucionar novos conflitos.
A base fundamental no processo de redefinição do Estado esteve na garantia das condições de
manutenção do regime, desvinculado de seus aspectos mais facilmente identificados ao autoritarismo e de
estruturas próprias de uma ditadura. Assim, o bloco dominante jogou todas as fichas na revitalização do
sistema político como forma de encaminhar uma série de insatisfações, sem contudo colocar em jogo a
estrutura de poder.
Em tal conjuntura, a indução à reativação “do político” pela reestatização das relações político-
sociais, firmava-se como possibilidade de manutenção da unidade do próprio bloco dominante,
impedindo que a crise política fosse degringolada em uma ruptura com a forma de Estado consagrada em
64.
Se a evolução política do país, mesmo em suas transformações cruciais, carregou consigo a
marca da tutela estatal das relações sociais, a qual impedia sistematicamente a articulação das camadas
dominadas, a política distensionista proposta originalmente na administração Geisel (e consolidada na
gestão Figueiredo), não poderia ser, como não foi, diferente.
168
Piletti e Praxedes ofereceram um valioso relato das perspectivas otimistas da Igreja Católica quanto a
administração Geisel e a frustração com o ritmo assumido pela abertura política: PILETTI, Nelson &
PRAXEDES, Walter. Dom Hélder Câmara – Entre o Poder e a Profecia. São Paulo: Ática, 1997.
175
Mais uma vez, reproduzia-se o fato de que a iniciativa das transformações políticas fundamentais
esteve monopolizada pelo Estado, o qual atuou no sentido de preservar a correlação de forças, assumindo
e encampando a contenção política.
Como apontado anteriormente, esta necessidade decorria dos evidentes indícios da imposição do
processo de dupla fuga. Justamente por este, as mudanças implementadas a partir do projeto oficial, não
obstante os esforços do bloco dirigente em garantir a hegemonia no processo, estiveram dialeticamente
ligadas aos movimentos autônomos de setores organizados da sociedade, tanto de insubordinação às
relações políticas, sociais, econômicas e culturais, quanto da fuga da insubordinação, expressadas nas
dissidências da coalizão intervencionista e fragmentação da base de sustentação do regime.
Esta situação respondia ao fato de que, nos anos 70, a sociedade havia se tornada complexa
demais para os rústicos mecanismos de representação propostos pelo ordenamento político-institucional
do pós-64.
Sendo assim, a forma como foi construída e encaminhada a transição, refletiu o estágio deste
desenvolvimento e tudo o mais que lhe era pertinente.
A fase de refinamento do Estado impôs deslocamentos internos no pacto de dominação. Ao final
da gestão Médici, frações do bloco dirigente passaram a defender genericamente a necessidade de
renovação das políticas de controle que permitissem, ao mesmo tempo, ampliar o controle social e reduzir
as tensões agravadas no processo de centralização de poder.
Este teria sido reflexo dos próprios avanços e conquistas do projeto de desenvolvimento
implementado pelo bloco dirigente, de forma que a ampliação da capacidade de intervenção do Estado,
restringindo generalizadamente o encaminhamento de demandas, passou a obstacularizar os interesses
dos componentes do bloco dominante.
A preservação da estrutura de dominação teria de responder necessariamente a alterações na
questão da centralização política (prevendo a reversão gradativa deste e, da mesma maneira, garantindo o
encaminhamento das decisões públicas fundamentais em outras bases que não aquelas forjadas no
processo de refinamento do Estado).
As mudanças aventadas pelo bloco dirigente geraram e agravaram um conjunto de tensões.
A estes obstáculos impunha-se naquele momento – cronologicamente a partir do governo Geisel
– uma estratégia política que aglutinasse diferentes mecanismos de contenção, na medida em que
objetivava impedir a aproximação entre, por um lado, componentes da oposição interna (aquilo que se
convencionou chamar de “linha-dura” ou pragmáticos de 68) e, de outro, a oposição externa (aqueles que
o núcleo de governo chamava de saudosistas do pré-64).
169
O resultado imediato esteve nos ritmos diferenciados assumidos pela proposição de mudanças,
aliando reformas institucionais com retrocessos políticos, sempre sinalizando com a garantia de um maior
espaço de manobra política – liberdade de ação e atuação – para os grupos vinculados às instâncias
formais de representação. O objetivo do governo foi explicitado pelo próprio Golbery:
a estratégia recomendaria, como requeria aliás, também, a própria intenção
democratizante, pronta desarticulação do sistema oposicionista, propiciando-se o
surgimento de múltiplas frentes distintas, em relação às quais voltasse a ser
possível levar a cabo novo tipo, mais ampliado, da mesma manobra em posição
central que fora penhor do êxito alcançado na fase anterior. A heterogeneidade
inata da oposição facilitaria alcançar-se tal objetivo...
170
Tomava corpo o processo de redefinição do Estado brasileiro a partir da reestatização das
relações político-sociais, a qual lançaria âncora naquilo que se convencionou chamar de “dissociação
pluripartidária”, a individualização melhor das forças políticas, por meio de partidos mais homogêneos e
mais autênticos em sua representatividade, acenando-lhes com o justo monopólio, entre eles e somente
169
No entender de Golbery, o espectro de tendências políticas teria o molde de uma circunferência quase
fechada pois, no limite, mesmo tendências ideológicas ou estrategicamente opostas se aliam tática ou
tacitamente. Assim sendo, e por essa razão, o campo a ser privilegiado na aglutinação de forças em prol
das reformas estaria no centro do espectro político. COUTO E SILVA, Golbery do. A Institucionalização
do Sistema Democrático. In.: Digesto Econômico. São Paulo: Associação Comercial de São Paulo,
275, nov./dez., 1980, pp. 14-16.
170
Id., p. 15.
176
entre eles, compartido da ação política, da qual são, de direito, os únicos instrumentos
especializados.
171
As “aberturas” pontuais e a utilização de recursos excepcionais não podem ser tomadas como
opção de setores teoricamente avançados do regime de exceção, mas sim uma imposição da crise do
Estado. A resposta para esta esteve primordialmente no fomento a uma nova correlação de forças
políticas, a qual teria que necessariamente desconstituir as frentes oposicionistas que se formavam nos
poros do regime de exceção.
No decorrer dos anos 70 – cujas causas e contingências foram tratadas no capítulo anterior -
houve a convergência de uma série de fatores que precipitaram a descentralização política e a
revitalização da vida político-partidária para muito além dos desejos da cúpula governista.
Um destes fatores, o qual esta tese não se deteve em seus pormenores, foi capital na derradeira
desagregação da antiga coalizão intervencionista: o setor público não reunia condições de induzir
positivamente o sistema econômico, na vida produtiva de forma generalizada e, no particular, na
manutenção da lucratividade privada.
Esta questão somava-se ao conjunto de fragilidades econômicas expostas pelo regime ao longo
de uma década.
172
Da mesma forma, a crise do Estado manifestava-se sob outra face: o enfraquecimento das
relações de domínio entre a cúpula do Estado e aquela parte do quadro administrativo que comandava as
empresas estatais.
173
Somadas estas questões econômicas com a crise nas estruturas de poder e o quadro
de insubordinação, a “abertura”, antes da projeção de uma nova fase, iniciava sob o espectro de que o
poder decisório não estava sendo colocado em disputa, em virtude das instabilidades que poderia
impulsionar.
Todas estas questões adentraram no cálculo político que reverteria na transição.
O processo que veio posteriormente a ocasionar a redefinição do Estado impediu a aplicação
linear de um projeto de descentralização, mesmo que, desde o ato inaugural do governo Geisel até o início
dos anos 80, não estivesse inserido nas pautas de discussões oficiais a possibilidade de alternância do
poder, menos ainda: sequer era aventada na eventualidade da alternância ocorrer, que esta fosse baseada
no voto direto.
Paradoxalmente, o ano de 1974 foi consagrado pela literatura especializada como o marco inicial
de um processo de liberalização política, sem contudo esta ser sinônimo de participação social. Esta
posição se deve ao fato de ser justamente o projeto oficial uma resposta à emersão do protagonismo
político e as estratégias autônomas de frações dominantes na fuga deste processo (este foi o elemento
definitivo a ter balizado a implementação das mudanças gradativas – abertura, liberalização e distensão).
171
Ibid., p. 17, grifos nossos.
172
Como a redução no fluxo de capitais, redução na capacidade extrativa, aumento vertiginoso da dívida
externa, alta da taxa internacional de juros, etc. Para uma análise propriamente econômica da política e
dos padrões de desenvolvimento propostos pelo regime de exceção ver, entre tantos outros: MARTINS,
Carlos Estevam. Capitalismo de Estado e Modelo Político Brasileiro. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
MARTINS, Luciano. Estado Capitalista e Burocracia no Brasil Pós-64. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1985. TAVARES, Maria da Conceição & ASSIS, J. Carlos de. O Grande Salto Para o Caos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. Em posição contrária às análises acerca da conjuntura nacional
levantadas pela oposição, a bancada da ARENA na Assembléia Legislativa, não obstante a crítica
desempenhada até mesmo pelo Tribunal de Contas da União a respeito da política econômica durante o
governo Médici, agarrava-se à tese de que o endividamento seria vantajoso à longo prazo porque o Brasil
é um gigante crescendo dia a dia. Portanto é muito temerário fazer críticas a respeito do endividamento
do Brasil. Manifestação do deputado Hélio de Souza Santos/ARENA. AAL, 46ª Sessão em 9 de maio de
1974, p. 9.
173
o apenas pela crescente necessidade de controle das empresas estatais mas até mesmo, para
obtenção de informações privilegiadas para o próprio governo, Delfim Neto viu-se obrigado a criar a
Secretaria de Controle das Empresas Estatais em 1979 quando de sua gestão na SEPLAN. Evidentemente,
não pode ser compreedido apenas como coincidência o colapso do padrão de financiamento da economia,
a redução nos impulsos de crescimento e atividades das empresas estatais com a afirmação de autoridade
e comando do executivo federal frente à resistência às diretrizes traçadas pelo bloco dirigente. As
fragilidades latentes do Estado expressavam-se também pela necessidade de contenção administrativa, ou
seja, aquelas empresas agiam mais como corporações privadas sem vínculos à um projeto supostamente
equilibrado de desenvolvimento - do que propriamente entidades públicas conduzidas pelo interesse
definido nos centros decisórios de poder. Enquanto a economia ostentava índices satisfatórios de
crescimento, esta autonomia não colocava-se enquanto problema.
177
O tempo da euforia “liberalizante”, também se revelou o tempo de parte dos casos de
“desaparecimento”. Mesmo durante a fase inicial do governo Geisel, houve um sensível incremento na
atividade repressiva. Mais uma vez, imputava-se a responsabilidade aos setores do governo ligados aos
órgãos de informação e segurança que, ainda não apurado satisfatoriamente, pareciam agir
autonomamente.
Para Stepan, possivelmente receosos com a escolha de Geisel, estes setores robusteceram a ação
repressiva.
174
Este procedimento, de certa forma, teria a intenção de demonstrar a continuidade da
atividade guerrilheira e, conseqüentemente, desempenhar o papel de justificativa da existência daqueles
organismos (logo, demonstravam a vitalidade da subversão e o equívoco de qualquer proposta
liberalizante). A continuidade da atividade repressiva direta legitimava estes setores internamente na
correlação doméstica de forças. Algo a ser discutido em outra oportunidade e em outra análise.
Ironia da história: as mudanças limitadas, propostas na formação do governo Geisel, logo
entraram em confronto com a idéia democrática que tomava corpo em todo o país. Mais ainda, havia um
evidente descompasso, mais precisamente uma contradição, entre os procedimentos deferidos pelo regime
de exceção, propondo a abertura política e a retórica do retorno à normalidade democrática.
No início dos anos 80, uma conjuntura adversa precipitou a definição desta situação: a
contradição apontada acima encontrou seu ponto limite.
A crise econômica, a inoperância do governo Figueiredo na área social e a dubiedade da política
distensionista (avanços e retrocessos), acumularam um conjunto de insatisfações que, quando canalizadas,
explodiram, sendo caso patente a deflagração da campanha em prol das eleições diretas para presidente
em 1983.
Poucas ainda são as dúvidas a respeito de que, tendo entrado em um novo estágio - de
refinamento do Estado – o regime acabou por ressignificar e fomentar, direta ou indiretamente, novos
caminhos institucionais, os quais tanto serviram como aporte de legitimação quanto tiveram a necessidade
de serem eles próprios legitimados.
O projeto vitorioso em 1964 impôs a adequação da estrutura jurídica-política, como nova
modalidade de dominação de classe, ao amplo desenvolvimento do país calcado na superação completa
da imprevisibilidade política. Em última análise, pautava-se pelo impedimento da manifestação de
tensões e dissensos políticos e sociais, mesmo que posteriormente as tensões guardassem estritas ligações
com a materialização daquele próprio projeto.
O elemento fundador foi gradativamente deslocado. Logo, a necessidade de reanimar o sistema
de representação política entrou na pauta de todos os governos militares como forma de reversão das
sucessivas crises institucionais e constitucionais (resultado direto da dualidade de ordenamentos).
A dimensão política a qual tomou a alusão oficial pela implementação de mudanças deve ser
entendida enquanto reflexo e potencialização de limitações históricas do regime insufladas pelo processo
de dupla fuga. A compreensão da necessidade de impulso ao sistema político, a partir da administração
Geisel, passa necessariamente pela observação da forma como ocorreram as mediações políticas a partir
de 1964.
Progresso econômico, previsibilidade política e ordem social coadunaram-se no coroamento e
obra do refinamento do Estado, criando um modelo contraditório e indefinido, o qual aliou o apelo à
mobilidade social a ênfase na desmobilização e desarticulação política.
Em um outro cenário que não o da etapa de refinamento do Estado, via-se o governo Geisel –
mesmo não ostentando índices adversos como aqueles verificados no final dos anos 70 – na expectativa
de superar as limitações impostas pela ausência de canais políticos propícios ao controle social. A
implementação de mudanças afetaria o conjunto em que se apoiava a estrutura de poder sem, no entanto,
reverter substancialmente a correlação de forças políticas.
A proposta de rearticulação do mundo político resultou não apenas em eleições mais livres do
que aquelas processadas até então - nos parâmetros definidos pelo arbítrio - mas sobretudo, em uma
ampla movimentação política-parlamentar, a qual imprimiu uma dinâmica inovadora na representação e
mediação de diferentes interesses sociais.
No processo definido nesta tese como
refinamento do Estado
, o código fundamental de
referências comportamentais, o conjunto de regramentos que viabilizavam a vida em sociedade, não foi
pactuado pelo conjunto das forças políticas. Foi, isto sim, imposto por um restrito grupo, resultado em
174
Stepan compreendia as ações dos aparelhos de informação e segurança estiveram inseridas nos
conflitos intramiliatres (dos militares enquanto governo e os miliatres enquanto instituição). STEPAN,
Alfred. Os Militares: Da Abertura à Nova República. Op. Cit., pp. 41-55.
178
grande parte, da ineficácia ou inexistência concreta da representação de interesses expressivos
politicamente.
Esta concepção de poder, por um lado, garantiu um índice adequado de previsibilidade política,
logo ordem (paz) social necessária aos projetos de desenvolvimento propostos, e, por outro, condicionou
os pontos de tensão para além das instâncias formais de representação. Chegou, inclusive, a retirar do
regime os tradicionais fundamentos institucionais de legitimidade.
A separação entre duas instâncias intrinsecamente relacionadas, o sistema partidário e o governo,
com a preservação do regime para além das tarefas fundadoras (trabalhadas anteriormente), tornou-se um
aporte de vulnerabilidade do regime.
Ao final da administração Médici, esta forma de estruturação política revelou-se insustentável. A
base de reversão deste processo esteve na ampliação da possibilidade de participação de forças políticas
nos centros decisórios de poder. O bloco dirigente via-se na contingência de permitir a pactuação com
outros setores que não aqueles definidos como parceiros históricos do movimento intervencionista.
Porém, estas considerações não são empecilhos na observação de que o sistema político
(partidário, eleitoral e parlamentar) continuava tão elitista, não mobilizador e excludente quando do início
do regime. Já fôra escrito em outra oportunidade neste mesmo trabalho, que o Estado assumiu a primazia
da ação política, sendo este o fundamento essencial na construção política brasileira, visto o poder
político preceder a própria formação da sociedade (herança inglória do advento do sistema político
lusitano). Antes da racionalização deste, o Estado no país visou, antes de tudo, a manutenção da
correlação de forças políticas adequada aos projetos de acumulação econômica, segregando e, de outro
modo, inviabilizando, movimentos autônomos por parte de segmentos excluídos do pacto de dominação,
quando não obstacularizando interesses pontuais e imediatos de frações da própria camada dominante.
175
II
A Descentralização de Poder Como Pressuposto Para a Reestatização das Relações Sociais
as mudanças propostas e implementadas no curso do mandato de Geisel, refletindo novas necessidades e
tendências políticas, acabaram por estabelecer as bases em que se constituiria o processo de
descentralização (a abertura política). Conseqüentemente, foram associadas e definidas enquanto marco
indelével de um novo estágio do ordenamento de exceção.
Para os mais otimistas, as alterações políticas propostas pelo núcleo dirigente relacionavam-se à
derrota e decomposição do regime (na visão daqueles que engrossavam a luta oposicionista institucional,
a derrota infligida à ARENA nas eleições de 74 era associada à necessidade de liberalização). Para outros,
significou o alcance dos objetivos traçados quando da intervenção civil-militar de 1964, ou seja, a
“liberalização” e a “distensão” representariam a consecução de elementos fundadores do regime de
exceção, o coroamento do seu projeto político.
176
175
Os obstáculos impostos às camadas subordinadas, bem como os conflitos no seio da camada dirigente,
tiveram como pano-de-fundo, invariavelmente, a potencialização do andamento da máquina
governamental e a isto se denominou a vocação burocrática” da política institucional no país. Como
lembrara Ferreira em artigo que, de forma muito bem apresentada, relacionou uma certa continuidade
histórica na política brasileira com uma determinada postura nas preferências eleitorais. FERREIRA, Adir
Luiz. A Participação Ausente e o Interesse Mobilizado. In.: BAQUERO, Marcello (org.). Abertura
Política e Comportamento Eleitoral Nas Eleições de 1982 no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. da
Universidade/UFRGS, 1984, pp. 104-105. Os partidos políticos no país seguiram esta mesma lógica,
como demonstraram os clássicos trabalhos de Afonso Arinos, Gláucio Soares e Campello de Souza, os
quais reconstruíram de forma exemplar as limitações na edificação de partidos políticos, mesmo nas duas
décadas de experiência político-partidário que antecedeu a intervenção, as referências partidárias que
disputavam majoritariamente as preferências eleitorais, derivaram do regime autoritário getulista (PTB e
PSD). FRANCO, Afonso Arinos de Melo. História e Teoria dos Partidos Políticos no Brasil. Edição.
São Paulo: Alfa-Ômega, 1974. SOARES, Gláucio Ary Dillon. Sociedade e Política no Brasil. Op. Cit.
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930-1964). Op. Cit.
176
Restaurar a legalidade, revigorar a Democracia, restabelecer a paz: alardeado ainda no documento
que serviu de inspiração final à deflagração da intervenção Lealdade ao Exército redigido pelo então
chefe do Estado Maior do Exército, general Castello Branco, o primeiro Ato Institucional, de 9 de abril de
1964, continha muito bem definida as realizações que “revolução” que se instaurava comprometia-se a
executar. Logo, passadas duas décadas, a proposição da “abertura” representaria a coerência de um
179
Neste ponto, Adir Ferreira levanta uma pertinente inferência: além do aprofundamento do
capitalismo na sociedade brasileira, o êxito histórico poderia também significar a socialização política,
pela expressão eleitoral aliada à desmobilização social, pressuposto ideológico da estabilidade política
burguesa.
177
Esta tese percebe a questão sob um diferente enfoque. As discussões e as análises acerca das
questões envolvendo a redefinição do Estado, através da reestatização das relações sociais (também
reconhecidas como conciliação pela transição ou vice-versa) não podem tomá-las enquanto projeto pré-
definido de governo ou objetivo histórico do bloco dominante.
Acredita-se, isto sim, que as transformações pelas quais passaram o regime e o Estado, foram
contingências impostas pela dinâmica própria entre a configuração do regime de exceção e o processo de
dupla fuga. Mesmo assim, a existência de um movimento político organizado (de oposição ao regime) foi
condição fundamental, mas não única, para a redefinição do Estado.
Não houve, ao menos nos termos referidos por Adir Ferreira, desmobilização social, mas sim a
adoção de uma estratégia de contenção a qual reverteu na aplicação de determinadas mudanças em nome
da preservação do Estado - a campanha em prol de eleições livres e diretas para presidência e a luta pela
anistia assim o demonstraram.
O sistema partidário e as consultas eleitorais, por exemplo, passaram por um processo de
homogeneização que destoava acintosamente daquela singularidade da insubordinação. Analistas
apontaram que, essencialmente nas eleições de 1982, os partidos que dominavam as preferências
eleitorais (PDS e PMDB) disputavam a mesma base social. Além disso, demonstravam uma similaridade
para além dos seus perfis eleitorais, chegando a idênticas características demográficas, sócio-econômicas
e político-ideológicas, assemelhavam-se substancialmente em orientações políticas e ideológicas, ao
menos nas linhas gerais do partido, visto que a diversidade política da base partidária (dos seus quadros)
destoava das políticas e dos discursos adotados pelas direções (que no caso PMDB reunia militantes de
variados matizes, os quais sustentavam organizações com táticas, estratégias, programas e compreensões
conjunturais e do processo histórico, distintas daquelas realizadas pela cúpula do partido).
178
Não obstante a possibilidade de escolha direta para governadores, as eleições de 1982 trouxeram
ao menos duas caracterizações inovadoras: a emergência de um perfil eleitoral diferenciado e o
rompimento de um padrão histórico no comportamento do sistema político-partidário.
Naquele pleito, a bipolarização político-eleitoral imposta pela legislação excepcional findara. De
forma generalizada, o equilíbrio e a clivagem de votos entre as agremiações partidárias (ao menos as três
maiores: PDT, PMDB e PDS) deram a tônica do processo. Mas enfatizaram também o peso do voto
personalista (da identificação popular com uma certa representação dos candidatos muito bem utilizadas
por estes). Estudos dedicados a este tema demonstraram que grande parte do eleitorado do PDT situava-se
nos estratos de menor renda e com mais baixos índices de escolaridade, donde supõe-se que o padrão
personalista seja tributário de questões estruturais e sócio-econômicas e tenha conseguido capturar o
velho discurso trabalhista/populista de identificação com as massas.
179
O sistema político não ficaria impune às constâncias de “engenharias” elaboradas pelo bloco
dirigente, enquanto mecanismos institucionais preventivos e reguladores dos processos políticos e
eleitorais.
Os marcos políticos das mudanças implementadas no padrão autoritário, foram expressos nas
sucessivas eleições em variados níveis, entre 1974 e 1978, ainda portanto, sob o signo do bipartidarismo e
das limitações decorrentes de uma escolha evidentemente plebiscitária.
Nesta trajetória, os discursos parlamentares refletiram a preocupação com a capacidade do eleitor
em compreender questões próprias do sistema partidário (voto vinculado), difundindo a idéia das
dificuldades no preenchimento da cédula, que abria caminho ao clientelismo e pela diferenciação dos
postulantes aos cargos eletivos pelas destacadas qualidades no campo do “político” (prática para poucos e
destacados profissionais liberais).
As dissidências ao regime e a dispersão da base de sustentação do governo determinaram a
urgência de uma solução, logo transposta para uma série de reformas constitucionais e as propostas de
regime instalado pela força, daí a depreensão de que o final do ordenamento de exceção configurou a
vitória dos princípios fundadores de 64; esta tese é defendida por: COSTA, Paulo Gouvêa da. Abertura:
Vitória ou Derrota da Revolução?.Op. Cit., p. 68.
177
FERREIRA, Adir Luiz. Op. Cit., p. 110.
178
Neste sentido, ver as análises de Francisco Ferraz no Jornal Zero Hora, de 18 de novembro de 1982.
179
SILVA, Enídia Ferreira da. Personalismo e Comportamento Eleitoral. In.: BAQUERO, Marcello
(org.). Abertura Política e Comportamento Eleitoral Nas Eleições de 1982 no Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1984, pp. 56-74.
180
reativação do sistema político. Estas mudanças respondiam à necessidade de superação da dualidade de
ordenamentos.
Em 1980, ao analisar o discurso de Geisel, o general Golbery do Couto e Silva definiu o
processo de flexibilização das relações sócio-políticas enquanto componente de uma tendência de
oscilação. Para o general, chegara ao momento da descentralização, sendo a sucessão destas fases
(centralização e descentralização):
característica sempre presente na evolução, não do Brasil, mas de todos os
Estados modernos, desde que se não lhe empreste a rigidez de um ritmo regular,
seja na amplitude das oscilações, seja na duração de cada fase, antes se lhe
reconheçam limites – pisos e tetos – definidos, embora também com frouxidão, por
outros fatores, muitos deles nada mais que contingentes ou conjunturais.
180
Mais adiante, introduziu a idéia das
sístoles
e
diástoles
, avanços na perspectiva de uma
democracia e retenção de elementos do antigo regime de exceção:
Cada uma daquelas fases comportará, ainda, desvios e retrocessos mais ou
menos pronunciados ou duradouros, modulando na superfície a tendência, em
subjacência, de um ritmo mais abrangente que se contará por décadas. Além disso,
cada época histórica com seus parâmetros específicos de espaço e de tempo a
condicionarem toda e qualquer equação de circulação e, pois, tanto a
permeabilidade da base física do Estado à difusão de idéias, intercâmbio de bens,
à mobilidade horizontal de pessoas e grupos sociais, como, sobretudo, ao alcance
efetivo das ações de comando e de controle – admitirá um máximo e um mínimo de
centralização ou descentralização que lhe serão imanentes e, assim
intransponíveis de fato.
181
Não obstante a carência de uma construção teórica mais aprofundada - a relação entre Estado e
sociedade situa-se em uma perspectiva muito mais complexa que a exposta acima, baseada meramente na
alternância de períodos de centralização e descentralização - o fragmento destacado revela uma
concepção pragmática do sistema político. Sendo esta concepção não individual ou exclusiva do general
Golbery, mas difundida como compreensão do bloco dirigente acerca do processo político, a saber, a
necessidade quase mecânica entre períodos alternados de hegemonia entre o pólo estatal e o pólo social
como forma de manutenção de uma dada correlação de forças e de implementação de um específico
projeto de desenvolvimento.
Não à toa, os programas batizados de “distensão”, aplicados ao longo da administração Geisel,
corresponderam àquela concepção citada acima, reconhecida pelo grupo palaciano como única resposta à
altura das novas questões impostas pela alterada e adversa conjuntura (medida pela relação entre os
campos político, econômico, psicossocial e militar).
Este grupo militar hegemônico nas esferas dirigentes estava mais ligado ao palácio (militares
enquanto governo
) do que à caserna (
militares enquanto instituição
) decorrendo daí as enormes
dificuldades na discussão e implementação destas mudanças. Isto acabou por impor a necessidade de
ampliação dos aliados para fora dos muros dos quartéis. Neste sentido, a lógica que norteava as ações do
bloco dirigente distinguia “etapas históricas” no desenvolvimento do país, admitindo um determinado
180
COUTO E SILVA, Golbery do. Conjuntura Política Nacional: O Poder Executivo & Geopolítica do
Brasil. Edição. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981, pp. 13-14. As elocubrações de Golbery, logo, as
políticas do governo neste período, foram influenciadas pelas teorias do cientista político Samuel
Huntington. Em fevereiro de 1974 Huntington visitou o país. Em uma série de discussões com uma
equipe chefiada pelo gen. Golbery do Couto e Silva estabeleceram-se os parâmetros do governo no
projeto de liberalização política. Nesse mesmo período, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) foi convidada a discutir o tema. Deve-se ressaltar que no início dos anos 70, os entraves nas
relações entre Igreja Católica, instituição militar e Estado processaram-se mesmo clandestinamente
através de uma série de encontros que reuniram bispos, generais e intelectuais, entre outros, o gen.
Antônio Carlos da Silva Murici e o professor Cândido Mendes, resultando na “Comissão Bipartite”
tratada em: SERBIN, Kenneth P. Diálogos na Sombra: Bispos e Militares, Tortura e Justiça Social na
Ditadura. Tradução de Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
181
COUTO E SILVA, Golbery do. Op. Cit., p. 15.
181
máximo e um mínimo de centralização e descentralização política, os quais seriam imanentes, podendo
ser acelerados ou freados.
Para o grupo palaciano, a partir de cálculos políticos bem definidos, a história do país inclinava-
se para uma nova época, uma inflexão de rumos, este por sua vez, exigiria a descentralização política pela
ação do bloco dirigente.
Devido à própria natureza e estrutura do regime, a percepção da necessidade de flexibilização
das relações políticas ocorreu em tempos diferentes por parte das frações e segmentos do bloco
dominante, sendo que alguns nem perceberam esta imposição da nova conjuntura e não mensuraram
adequadamente que a preservação da estrutura de poder passava necessariamente pelo caminho das
mudanças (em suma: alguns setores ignoraram o fato de que a flexibilização deveria ser apresentada
como concessão governamental, não uma disputa que resultasse em conquista social).
Da intolerância, sectarismo ou da leitura conjuntural diferenciada destes grupos internos ao pacto
de dominação, partiram ações no sentido de se opor radicalmente a qualquer proposta de mudança que
implicasse abrir mão de parcelas do poder decisório.
O tempo demandado no acolhimento e implementação da idéia da abertura - como necessidade
de manutenção do poder, mesmo que em bases diferentes - tornou mais difícil e complexa a
implementação do projeto de mudanças, visto os impasses políticos estarem ligados às condições
desfavoráveis nas áreas sociais, políticas, econômicas e até as relações internacionais estarem
desfavoráveis.
Concordando com o fato de que o bloco dirigente pautava-se por um projeto oficial de
mudanças, classificado de distensão, reconhece-se também que este, a princípio, visou tão somente
flexibilizar as relações político-sociais (adentrando a questão da liberdade de imprensa e da ampliação
dos espaços institucionais de manifestação do dissenso), mas que, colateralmente afetou a centralização
de poder.
Porém, o processo de implementação deste projeto
não foi seqüencial. O tempo desprendido para
a transição não foi fruto apenas e tão somente da condução do bloco dominante, como a literatura
especializada insistiu, mas sim, da própria dinâmica de desconstituição/reconstituição do Estado que
estava em curso.
Tanto a centralização quanto a descentralização do poder seriam elementos constitutivos de
determinados períodos de institucionalização e consolidação condizentes primeiro, com o projeto
histórico hegemônico e, depois, como “antídoto” contra as formas de resistência e insubordinação.
A primeira, centralização do poder, não reduzida apenas a questões administrativas ou à
hipertrofia do executivo, mas do poder do Estado na acepção mesma da palavra (decisório e definitivo
portanto). A segunda, descentralização através da repactuação do “jogo” político.
182
A manifestação pela reestatização ou reinstitucionalização dos focos de tensão surgidos ao longo
do regime seguiu a lógica mencionada acima, as quais Golbery, com a perspicácia que lhe caracterizou,
definiu:
Em meados da década de 70, talvez se haja atingido o máximo de centralização
político-administrativa. A partir de então, esforços conscientes do Governo
Federal somar-se-iam àquelas tensões freadoras, surgidas naturalmente no seio do
próprio sistema. A consciência do fenômeno alarmante, por outro lado, iria
contagiando aos poucos as várias camadas da população, a partir de seus quadros
dirigentes, e despertando assim iniciativas, protestos e reações em favor de uma
182
Ao utilizar o espaço parlamentar do grande expediente, Waldir Walter/MDB denunciou que o
autoritarismo em sua face mais explícita, o Ato Institucional 5, ao alocar poderes no Executivo de
forma exagerada e exacerbada, tendia a criar um campo propício ao “descontrole central” devido à
própria centralização de poder. Referia-se às constantes denúncias da imprensa, descrevendo-as inclusive,
referentes a escândalos envolvendo instâncias estatais. Ao mesmo tempo, o deputado oposicionista
também observa que o regime, legítimo, cometia profundos erros de avaliação: Mas se esse movimento,
se esse Governo que surgiu desse movimento, tivesse se preocupado com a liberdade de imprensa, com o
fortalecimento do Poder Legislativo, com a liberdade em geral, com a liberdade que leva à fiscalização
dos governantes, tenho a absoluta certeza de que estas manchetes não estariam surgindo em todos, ou
quase todos os órgãos de imprensa no nosso País. AAL. Sessão 98ª em 20 de agosto de 1975, p. 303.
Com a devida vênia: se havia um quadro crônico de inoperância e ineficiência nas instâncias e aparelhos
do Estado e da máquina administrativa, parece evidente que a aceleração da centralização do poder
decisório no Estado pós-64 (a burocratização que se seguiu), canalizando para o executivo a primazia
sobre os demais poderes (restringindo a própria distribuição de funções), somente fez aumentar as
históricas limitações operacionais identificadas no Estado.
182
descentralização que mal se esboçava então, mas, dia a dia, iria se afirmando.
Nesse quadro, a desburocratização seria uma bandeira natural.
183
Ao vigorar processos daquela monta (descentralização e seu correlato, a desburocratização),
surgiram possibilidades de desencadeamento de forças fora dos marcos definidos como toleráveis ou
mesmo, superiores às possibilidades de acolhimento pelo bloco dirigente, não obstante, a manutenção do
aparato repressivo forjado ao longo do regime (o que alimentava a força do regime instiuía suas
fragilidades).
A proposta oficial em abrandar o controle da imprensa e instituir a liberalização progressiva de
instrumentos de exceção (a “abertura política”), teve dois alvos imediatos: reunir uma base de apoio na
aplicação de políticas futuras, ou seja, a redefinição doméstica de forças políticas que inevitavelmente
alteraria o próprio sistema de coerção sustentado por mais de uma década; a materialização de renovadas
formas de contenção social.
Havia, portanto, uma meta a atingir: a normalização política que em um futuro próxima seria
transformada em restauração democrática. Para tanto, as instâncias de representação deveriam seguir
princípios rígidos definidos pelo bloco dirigente, garantindo, em última instância, o “mito fundador” dos
regimes autoritários: previsibilidade político-social máxima.
A adoção de mudanças na estrutura do poder, como mecanismo de preservação do projeto do
bloco dominante, foi processada através de um sistema que mantinha uma exclusão regulada de atores
político-sociais. Mesmo, como aponta Garretón: quando as mudanças das bases de legitimidade
obriguem a invocar a soberania popular e onde se possa sempre recorrer ao poder militar.
184
A construção de uma referência alternativa àquela em curso, mesmo a efetivação de um bloco
político alternativo, estabeleceu-se pela pauta da estabilização conservadora.
Este consenso mínimo, portanto precário, ao propor a reordenação da relação entre modelo de
desenvolvimento, ordem política e ordem social, deteve inúmeras ambigüidades. Estas se manifestaram
tanto nas demandas da saída de um ordenamento autoritário quanto na superação do discurso democrático
meramente formal, transformado então em demanda real, o qual veio a se somar à prática social e seus
significantes que estavam em curso antes mesmo da resubordinação das relações sociais.
Em determinado momento, a incorporação da defesa da flexibilização das relações político-
sociais passou a ser aventada por setores da antiga coalizão intervencionista. Contudo, o processo de
construção das mudanças no regime, antes de tudo, gerava inquietações no bloco dirigente e no bloco no
poder, ainda mais quando da percepção da exaustão do modelo econômico:
(...) o processo centralizador, tanto como o de centralização, avançará se
avançar – como um movimento ondulatório – nunca progredindo linearmente,
portanto – através dos campos todos em que se veja, artificialmente embora,
decomposta a realidade, de si mesma íntegra e indivisível.
Um Conselho aos estadistas, estrangeiros e planejadores: evitem deslocações no
sistema e o perigo de rupturas, cuidando em que o processo, seja de centralização
ou descentralização, não se retarde em excesso num dos campos qualquer em
relação aos demais. Por outro lado, apliquem estímulos bastante fortes no campo
que seja mais propício, segundo a velha tática do aproveitamento das linhas de
menor resistência, para provocar ou facilitar a progressão, também, em outros
campos mais retardados ou resistentes. Quando não, ao contrário, instituir
bloqueios ou balizamentos bem visíveis naquele campo mais permeável, para
conter forças impulsionadoras de maior pressão que possam resultar
desagregadoras ao progresso de conjunto.
185
III
As Peculiaridades da Política Gaúcha – a proposta deste capítulo estabelece-se a partir da
rediscussão da transição do ordenamento político na passagem dos anos 70 aos 80 sob uma perspectiva,
que acredita-se e aqui é entendida enquanto tal, inovadora.
183
COUTO E SILVA, Golbery do. Conjuntura Política Nacional: O Poder Executivo & Geopolítica do
Brasil. Op. Cit., p. 24.
184
GARRETÓN, Manuel Antonio. Op. Cit., p. 185.
185
COUTO E SILVA, Golbery do. Op. Cit., p. 17.
183
Qual seja: a pretensão da análise que se seguirá está em construir alternativas analíticas às quais
possam instrumentalizar a observação do período definido como transição, através de uma percepção
mais apurada da história política de uma coletividade tão heterogênea quanto a brasileira, mas pelo
enfoque local. Em outros termos: através da decomposição desta totalidade – selecionando entre seus
inúmeros vetores aqueles conjunturais, estruturais e determinantes – em referências e configurações
regionais.
A análise de subsistemas políticos traz consigo a questão de quais elementos e quais
características os afasta e os aproxima do sistema político implementado no país.
A problematização das relações entre a parte e o todo, parafraseando Oliven, toma maiores
proporções ainda na medida em que o processo político em curso diz respeito à centralização das arenas
decisórias no executivo federal, principalmente em referência àquelas instâncias que decidem a
redistribuição da renda e riqueza (através da implementação de políticas públicas) e àquelas que regulam
o dissenso político.
A dinâmica das estruturas políticas nacionais no pós-64, implementadas ou ressignificadas a
partir de uma lógica autoritária, necessariamente é tributária da intermediação das histórias políticas
regionais, mesmo que se entenda que o regime, em seus primeiros momentos, ainda não poderia ser
designado enquanto uma ditadura de fato, sendo então, uma construção a posteriori.
Analisar a história política do país, a recente especificamente, requer indubitavelmente a
valorização do enfoque regionalizado, quer pelo prisma dos conflitos e conciliações nas esferas
institucionalizadas, quer pela atuação de segmentos fora da institucionalidade. Esta análise da totalidade,
a partir de suas composições regionais, possui importância justamente pela herança de uma gama de
aspectos tributários de elementos liberal-democráticos constituídos ao longo do processo de
desenvolvimento do país, tais como: uma tradição de disputas políticas e eleitorais regionais que de certa
forma arregimentaram e mobilizaram parcelas consideráveis daquelas localidades, um processo de
disputa intra-camadas dominantes e entre frações das camadas dominantes em nível regional.
Quer se observe ser apenas sintoma de épocas eleitorais, quer se utilize como base da afirmação
da limitação das relações políticas, a mobilização provocada pela prática política-institucional de
determinados segmentos sociais, mesmo sendo estes restritos ao universo das camadas dominantes,
provocou a ampliação do campo da política observada ao longo das últimas décadas do regime de
exceção.
Afirmar a movimentação da política, mesmo em um regime hermético, implica também
reconhecer que o conjunto de limitações na regulação do dissenso e encaminhamento de demandas,
também eram tributários da pesada carga de vícios herdados de uma tradição, excludente socialmente,
desigual economicamente e limitada politicamente. Estas características colocaram obstáculos no
desenvolvimento do sistema político (no mais das vezes relegando a ampliação da participação a um
segundo plano, deixando as mudanças muito aquém do que os setores historicamente excluídos do
processo político poderiam ter potencializado).
Em conjunturas de crise, como as verificadas em 1964, 1968 e no final da década de 70, aquelas
limitações criaram um cenário propício à construção do medo. potencializando a insegurança quanto a
qualquer forma de organização, reivindicação e participação de setores excluídos do pacto de
dominação.
186
Como componente de despolitização, o regime civil-militar alimentou o caráter de
impessoalidade de poder público, sobretudo pela própria formação vinculada à instituição militar. Em
grande parte, esta postura é explicada pela adoção de um modelo extremamente burocrático e sem “face”
no exercício do poder decisório, não possibilitando a existência de espaços para a degeneração do sistema
político em direção a um populismo militar (freqüentes na África e América Latina).
Residiu aqui uma das dificuldades da transição de ordenamentos: retirar da instituição militar o
peso dos equívocos cometidos ao longo do regime de exceção.
A despeito de pautar-se por um regime não mobilizador, o qual segregou as esferas privada e
comum (pública), caracterizado ainda por um intenso centralismo na política econômica, no mecanismo
tributário e na política de segurança interna, o ordenamento de exceção preservou aspectos institucionais,
os quais, no período das mudanças pós-Geisel, revelaram-se fundamentais na redefinição do Estado.
Entre tantas formalidades institucionais características de um ordenamento liberal-democrático, o
regime fixou e respirou rigidamente os mandatos presidenciais (à exceção do exercido por Castelo Branco
que excedeu o mandato-tampão e, obviamente, de Costa e Silva, acometido por doença, viu-se impedindo
de concluir o seu prazo na presidência), realizou os procedimentos eleitorais (não apenas eleições, mas
186
Sobre esta questão ver: CORRALDI, Juan. A Cultura do Medo na Sociedade Civil: Reflexões e
Propostas. In.: CHERESKY, Isidoro; CHONCHOL, Jacques (orgs.). Crise e Transformação dos Regimes
Autoritários. Tradução de Roberto Mara. São Paulo: Ícone, 1986, pp. 213-234.
184
também a formulação de um calendário eleitoral com certa credibilidade entre o segmento político
formal), manteve a instituição do Parlamento e, por fim, possibilitou a ampliação da participação política-
eleitoral (não obstante, um conjunto de engenharias eleitorais), sendo aspecto central na reestatização das
relações sociais.
Até certo ponto, a dualidade de ordenamentos garantiu a manutenção da pauta liberalizante
adequada à conservação dos recursos de poder com instrumentos próprios do regime de exceção. O bloco
dirigente, ao mesmo tempo em que garantia a ampliação da participação política, restringia-a, criando
mecanismos capazes de direcionar os processos políticos.
Quando a crise da forma política de dominação, associada à crise social do modelo de
desenvolvimento, fomentou a construção de um novo ordenamento político e quando este último
tomou
definitivamente o curso do processo de
redefinição do Estado
– momento em que a transição tomou
corpo - os blocos dominantes e dirigentes empreenderam um movimento uniforme, com as devidas
dissonâncias próprias de interesses imediatos divergentes, em direção à descentralização política.
Não obstante a percepção generalizada de uma crise institucional, a qual provocou a formulação
de pactos específicos entre atores e segmentos político-sociais estratégicos na tentativa de superar este
estado de instabilidade, percebia-se um flagrante desacordo quanto aos meios para obtenção de tais
objetivos.
Como esclarecera Guilherme dos Santos, por crise institucional – comum entre os países de
industrialização tardia – entende-se a
não institucionalização da estabilidade
, que pode acometer tanto
regimes democráticos quanto autoritários.
187
No chamado novo autoritarismo, inaugurado com a experiência brasileira em 1964, a constante
busca pela condição de estabilidade esteve impreterivelmente relacionada a superação e neutralização do
dissenso. Para tais objetivos, estes regimes necessitaram utilizar-se para muito além das limitações
impostas pelo Estado de Direito (priorizando a utilização dos recursos coercitivos do Estado), ao passo
que em seu correlato oposto, regimes formalmente democráticos, as instâncias de representação políticas
instrumentalizam e encaminham para as devidas áreas competentes os conflitos e as demandas emanadas
de uma sociedade, por definição, desigual, estratificada e excludente.
Neste sentido se manifestava Jarbas Lima
a representação parlamentar é a que ao político o direito de falar em nome do
povo; a nível de vereança é que a esses políticos este direito; os deputados
Estaduais, somados aos Vereadores, aos deputados Federais e aos Senadores
deste País é que podem falar em nome do povo.
188
Para além de demandas substantivas – política salarial, regulação dos investimentos, aplicação
em infra-estrutura – o regime de exceção do pós-64 enfrentava um conjunto de conflitos fomentados
justamente pelos esforços de conferir legitimidade aos procedimentos utilizados para atender tais
demandas, em última análise: questionavam-se suas instituições.
Neste particular, das especificidades regionais – relacionadas não somente ao conjunto do País
mas também ao interior da própria formação gaúcha - o “peso” da ação do regime de exceção deteve
diferentes intensidades em suas sucessivas fases, pois a percepção de uma situação de supressão dos
princípios democráticos esteve, salvo exceções, diretamente relacionada ao índice de desenvolvimento,
organização e mobilização de determinadas frações sociais (setores da camada dominante como os
empresários e setores excluídos do pacto de dominação, como os trabalhadores urbanos).
Provavelmente, os reflexos da censura e da repressão foram sentidos de forma diversa. Em locais
e regiões onde a matriz econômica pautava-se pela agricultura familiar de pequenos proprietários (caso do
noroeste do estado), os conflitos políticos, as tensões e os dissensos chocavam-se com a tradição de
relação social harmoniosa proposta pelas comunidades de origem, em sua maioria, européia; ao passo
que, nas regiões caracterizadas pelo desenvolvimento industrial – onde as relações mediadas pelo capital
estavam avançadas, sendo o caso da região metropolitana – a organização dos trabalhadores assumiu um
patamar de contestação efetiva. Logo, a desmobilização, perseguição e a forma acintosa com que o
regime de exceção se fazia perceber.
Neste sentido, as instâncias de representação políticas foram espaços privilegiados de percepção
da relação intracamadas dominantes, visto a composição dos parlamentos ser restrita e restritiva, ao
menos até a adoção do multipartidarismo.
187
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Poder & Política: Crônica do Autoritarismo Brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense-Universtitária, 1978, pp. 145-146.
188
DAL, 142ª Sessão em 17 de outubro de 1977 (publicado em 4 de novembro), p. 13.
185
Neste quadro, o Rio Grande do Sul, caracterizado pelo caráter diferenciado de suas estruturas –
ao menos assim a historiografia e a literatura o consagraram - sendo uma formação social ímpar, com as
particularidades que lhe cabem, principalmente a cultura política regional, gradativamente superou a
diferenciação efetivada pela construção folclórica e simbólica, para assumir faces e nuances concretas nas
relações político-partidárias historicamente constituídas.
189
No estado gaúcho, as especificidades da formação político-social-econômica e a integração com
a união foram por demais debatidas, sendo que as posições na historiografia somam-se aos borbotões,
pois as históricas diferenças sócio-culturais, econômicas e sobretudo, políticas, do Rio Grande do Sul para
com o restante do país, foram tratadas sob diferentes perspectivas, municiando uma série de questões
polêmicas que tanto observavam estas peculiaridades enquanto bases mitificadoras de diferenciação,
quanto afirmavam um componente de autonomia próprio e único.
190
A complexidade do contexto tratado nesta tese permite supor que o endosso ao pacto de
centralização política e uniformização social em 1964, colidiria frontalmente com o legado do estado
gaúcho, sendo este construído não na semelhança, mas na diferença como base de identidade, o que em
alguns momentos colocou barreiras a integração com o Estado nacional, quando não sugeriu uma
intenção de desvinculação da federação.
191
Paradoxalmente, o estado gaúcho esteve por muito tempo diretamente identificado ao
autoritarismo político herdado de relações próprias da cultura das elites locais, a tal ponto de, com certa
recorrência, autores buscarem na construção política gaúcha as bases do autoritarismo brasileiro.
Décio Freitas chegou a identificar em Júlio de Castilhos o mentor de um modelo de ditadura
perfeita (expressão de Mário Vargas Llosa a respeito da ditadura mexicana) que, através de um véu
constitucional, canalizasse e concentrasse todos os poderes políticos decisórios no Executivo.
Desta perspectiva, o tipo original de ditadura no Brasil - e na América Latina – foi o castilhista
que, além de extasiar os autoritários brasileiros de direita e esquerda, a começar, naturalmente, pelos
gaúchos, serviu de molde àquelas implementadas posteriormente em 1937 (entendendo o castilhismo
como substrato da ditadura varguista e, o próprio Vargas, como um dos seus filhos diletos) e em 1964.
Assim, Freitas aduz que:
Seguindo o modelo castilhista, Vargas estribou sua candidatura numa constituição
que estabelecia as regras jurídicas a serem observadas. Criou instituições
representativas, como uma câmara de deputados e um senado. Tais instituições
não chegaram a ser instaladas, mas Vargas marchava nessa direção quando foi
deposto em 1945.
(...) A segunda versão nacional do invento castilhista foi o regime militar de 1964.
Seguindo o modelo, baseou-se numa constituição que mantinha as instituições
representativas, encenava eleições e simulava a alternância republicana, exibindo
assim todos os predicados formais de uma democracia. Entretanto, o único poder
real residia na pessoa do chefe do executivo, que podia, sob diversas formas,
controlar o Congresso e anular a oposição.
192
189
Como referência analítica acerca das discussões envolvendo a construção social da identidade gaúcha
e, da mesma forma, a relação entre o universal e o local, o nacional e o regional e, até mesmo, as questões
que poderiam opor modernidade e tradição ver: OLIVEN, Ruben George. A Parte e o Todo: A
Diversidade Cultural no Brasil-Nação. Petrópolis: Vozes, 1992.
190
Como ilustração desta diferenciação: em recente pesquisa acerca da “identidade gaúcha”, consultadas
mais de 1000 pessoas em 36 municípios de diferentes regiões do estado, desnudaram-se dados
sintomáticos, como por exemplo: 54,5% dos entrevistados consideraram o RS totalmente diferente dos
outros estados do país, ao mesmo tempo em que 60,3% consideraram o RS como um lugar melhor para se
viver do que o Brasil. A Identidade Gaúcha. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul, 2000, pp. 41-60.
191
Um exemplo de análise recente que destaca a construção da identidade regional e o caráter
diferenciado das estruturas políticas, econômicas e sociais do Rio Grande do Sul na relação política com o
restante do país está em: CARNEIRO, Newton Luis Garcia. A Identidade Inacabada: O Regionalismo
Político no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
192
FREITAS, Décio. O Homem Que Inventou a Ditadura no Brasil. 4ª Edição. Porto Alegre: Sulina,
1999, pp. 201-202. Para uma discussão aprofundada sobre o regionalismo ver também a obra clássica
neste tipo de análise: LOVE, Joseph L. O Regionalismo Gaúcho e as Origens da Revolução de 1930. São
Paulo: Perspectiva, 1975.
186
Em se tratando dos acontecimentos de 1964, desconsiderou o autor, o fato de que a heterogênea
coalizão que viabilizou a intervenção impedia a construção imediata de uma ditadura de fato, com a
supressão das instâncias de representação política e a personificação do poder em um, na acepção da
palavra, ditador de fato (como Stroessner no Paraguai ou Pinochet no Chile).
Se Freitas busca em Júlio de Castilhos a base “teórica-científica” do regime pós-64, José
Honório Rodrigues vai ainda mais longe, imputando ao Rio Grande do Sul (sua sociedade e formação
política platinizada) a responsabilidade pela construção do regime civil-militar de 1964, visto que para os
brasileiros das demais regiões do país havia uma completa incongruência com o autoritarismo.
193
Compartilha-se nesta tese da análise de Trindade e Noll, quando, ao sugerirem que a clivagem
político eleitoral gaúcha seja tributária da cultura política ou do padrão platino de polarização partidária,
apontaram no estado a configuração de um padrão de comportamento político eleitoral diferenciado e
único em termos brasileiros, a que se adenda: o que de forma alguma condiciona um comportamento
político parlamentar diferenciado.
194
A base da proposta investigativa deste trabalho parte de evidências apontadas pela historiografia
acerca de certas nuances políticas, às quais se originaram em grande parte no regionalismo gaúcho, que
acima de estereótipos e estigmas - condicionantes da construção social da identidade gaúcha - se baseiam
em proposições analíticas consagradas e reconhecidas, que relativizaram as construções teóricas
homogêneas (levando em conta, então, a diversidade interna do estado).
Para possibilitar interpretar adequadamente as relações político-institucionais recentes, esta tese
credita a existência de uma certa constante no comportamento político-institucional gaúcho (eleitoral,
partidário e parlamentar) às suas peculiaridades geográficas, à matriz econômica própria de cada região
do estado, à questão fronteiriça, à relação com a região platina e aos traços de identificação para com esta,
da interpretação dos históricos movimentos de autonomia, integração e inserção no desenvolvimento e
construção nacional.
Estas características também foram tributárias de um certo padrão de organização e controle
político característico das instituições políticas brasileiras como. por exemplo, a política de cúpulas, o
elitismo, a cooptação, a exclusão de consideráveis setores sociais do regime político, etc.
As tentativas de inserção de novos personagens e sujeitos nas instâncias de representação
política, resultaram sucessivamente em uma série de instabilidades institucionais aumentando a
imprevisibilidade do jogo político, logo, em respostas austeras, por parte do bloco dominante.
193
Citando Capistrano de Abreu (que chamara o Rio Grande do Sul de “cavalo de Tróia e defendera a
urgência do afastamento do estado do país pelos males futuros que poderia causar) acusa Honório
Rodrigues: E ao contrário do que diz Oliveira Viana, nunca nenhum brasileiro deu para ditador. Só
nascido nos pampas. Eis uma imigração que o Brasil inteiro rejeita e maldiz. [...] Tivemos Getúlio
Vargas e infelizmente esta fileira de ditadores, todos generais gaúchos, e quando não-gaúchos, formados
e educados no ambiente da Escola Militar de Porto Alegre, a escola dos ditadores brasileiros.
RODRIGUES, José Honório. História da História do Brasil. A Metafísica do Latifúndio: O Ultra-
reacionário Oliveira Viana. São Paulo: Editora Nacional, 1988, pp. 56-57. Grifos nossos. Tavares ao seu
turno, chegou a comparar os movimentos políticos do Rio Grande do Sul em relação ao Estado Nacional
à Prússia alemã e ao Piemonte italiano, regiões atrasadas economicamente mas que, pautadas na
experiência militar e na “tradição”, exerciam uma hegemonia política não condizente com sua
importância na construção do Estado, ao passo que nas regiões modernas e avançadas o peso político era
inferior. Este seria o “resultado do confronto e da coalizão de forças, no curso do processo revolucionário
de construção do Estado Nacional.” TAVARES, José Antônio. A Estrutura do Autoritarismo Brasileiro.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, p. 54. Para Costa, a predominância e as práticas políticas dos
estancieiros, mesmo quando não representavam mais o esteio econômico do estado, ultrapassaram
fronteiras sendo a expressão política da oligarquia gaúcha, transposta para o nível nacional, assumindo e
impondo então sua vocação de mando, quando não uma inclinação à ditadura. A relação de presidentes
nascidos no estado e aqueles que aqui construíram formação acadêmica e/ou militar encorpa este tipo de
análise. COSTA, Rogério Haesbaert. RS: Latifúndio e Identidade Regional. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1988, pp. 39-40. Como dado contraditório, na mesma pesquisa acima referida, 85,9% dos
entrevistados consideraram a organização democrática como um valor político primordial. A Identidade
Gaúcha. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2000, pp. 41-60
194
TRINDADE, Hélgio & NOLL, Maria Izabel. Rio Grande da América do Sul: Partidos e Eleições
(1923-1990). Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS/Sulina, 1991, pp. 64-81.
187
Percebe-se uma certa convergência entre setores do bloco dirigente e os ocupantes das instâncias
de representação política, na forma de perceber e encaminhar as discussões acerca da explosão grevista
(manifestação da luta capital versus trabalho) no decorrer dos anos 70 e no início dos anos 80, quer no
Rio Grande do Sul (a greve dos professores estaduais), quer em São Paulo (os metalúrgicos do ABC).
A partir destas inferências, nunca se pecará nesta tese pela omissão em desconstituir as alusões à
condição in natura do autoritarismo nas relações e práticas políticas no estado gaúcho e seu legado no
processo político e nas instituições políticas brasileiras.
Afora incompreensões e reações acerca do processo de regionalização política, importa observar
que, em certos momentos do passado, os interesses da elite gaúcha distanciavam-se radicalmente daqueles
defendidos por setores hegemônicos no aparelho de Estado nacional, essencialmente daqueles segmentos
que deram a linha política do bloco dirigente.
A despeito de que o fenômeno fronteiriço tenha sido utilizado sistematicamente como base
explicativa da adoção de posições políticas diferenciadas, da percepção diferenciada da sociedade local e
das concepções, invariavelmente negativas, que o Estado nacional constrói, é irrefutável o fato de que o
Rio Grande do Sul esteve mais vinculado e inserido à conturbada política platina do que à política
brasileira, por sua vez, não menos conturbada.
Neste sentido, Newton Carneiro listou determinados traços comportamentais característicos,
portanto constantes, da região platina os quais ao longo do tempo foram incorporados às relações políticas
gaúchas, salientando-se entre estes, o regionalismo político, o autoritarismo, o pragmatismo, à
desconfiança ao governo central e, conseqüentemente, a sustentação de uma atitude política oposicionista
em relação aos centros decisórios.
195
Percebe-se, portanto, o fundamento que motivou a criação de
determinados estigmas, como aqueles que observam os gaúchos enquanto entes apartados do Brasil,
apegados à tradição, avessos às transformações, hostis a experimentações e propensos às relações
conservadoras e autoritárias.
Independentemente da posição analítica adotada, a abordagem que esta tese propõe concentra-se
na observação dos reflexos desta construção histórica diferenciada, real ou artificial, com base na
instância maior de representação política regional – a Assembléia Legislativa - em um momento crítico de
crise do Estado, reconhecida coletivamente e tomada como objeto de atenção analítica a partir de 1974,
mas cujas ondas revelaram-se desde o início da década de 60, mas que, com picos, potencializada e
radicalizada no transcurso de todo o regime, foram apreendidas generalizadamente como conjunturas
extraordinárias, quando na verdade representaram, grosso modo, permanências históricas.
O caráter investigativo aqui exposto parte destas inferências para construir a seguinte indagação:
se as relações políticas regionais do passado distante foram marcadas, antes da negação da unidade
nacional, pela oposição ferrenha ao centralismo, como entender no passado recente (pós-64), os conflitos
processados nas instâncias de representação políticas regionais, inseridos na quintessência da
centralização política?
Afirma-se esta proposição a partir do entendimento da concretude da distinção dos padrões de
comportamento político-regionais, principalmente, a diferenciada identificação política (partidarização)
no interior da qual a sociedade sul-rio-grandense baseia grande parte de suas opções, ações e
posicionamentos. Como lembrou Newton Carneiro:
a forte divisão partidária que insiste em o desaparecer, e que de tempos em
tempos muda de legenda, sem com isso arrefecer-se; e a cultura política local,
calcada na divergência e oposição às posições políticas tomadas no centro do
país. Cada um destes fatores, somando-se ao elemento centralizador e
concentrador que insiste em definir o caráter do Estado Nacional, conferem à
sociedade sul-rio-grandense características bastante singulares em relação às
demais regiões brasileiras.
196
195
CARNEIRO, Newton Luis Garcia. De Volta à Fronteira - Uma Incursão Aos Fundamentos da
Cultura Política Sul-Rio-Grandense Referente ao Século XIX: A Infiltração Rio-Grandense no Estado
Oriental e a Formação da Identidade Política Regional. Tese de Doutoramento. Porto Alegre: Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS/Curso de Pós-Graduação em História, 2003, p. 26-
27.
196
Id., p. 20. Mesmo que a ênfase deste trabalho esteja na questão fronteiriça e na relação desta com a
prática política do século XIX, inserida portanto, no contexto da consolidação do Estado Nacional, e,
como conseqüência a demarcação de um fenômeno histórico na formação de uma dada mentalidade
coletiva regional, o autor oferece elementos fundamentais na compreensão da construção da identidade
regional gaúcha que, em última análise, teve uma grande influência na configuração dos comportamentos
políticos, partidários e eleitorais dos gaúchos.
188
De imediato enfatiza-se que o Rio Grande do Sul do final dos anos de 1970 não gozava mais
daqueles espaços de autonomia política como observados no século XIX e início do XX - destacada em
detidas análises - e muito menos, vínculos (políticos essencialmente) com a bacia platina. Mesmo assim, a
forma de como a crise (política, social e econômica) do país era percebida, ressaltou em determinados
momentos o capital simbólico – percepção da identidade e distinção com referência ao outro – ou
enfatizou determinadas heranças culturais as quais, de tempos em tempos, julgavam-se superadas.
Neste particular, o Rio Grande do Sul em seus aspectos políticos, ostentou certas especificidades
não reconhecidas em outras regiões do país, que à luz de comparação foram identificadas como traços de
maturidade política em um sistema, que de resto, pleiteava ainda sua consolidação.
Estas nuances, selecionadas através de recortes da realidade, foram apropriadas e ressignificadas
pelo discurso regionalista como diferenciação política-cultural, classificando o espaço e demarcando
fronteiras como ponto de identidade.
A fundação da tradição, através de diferenças reais e inventadas artificialmente, possibilitou
distinguir os gaúchos como mais “politizados”, quando aqui, essencialmente entre 1945 e 1966, ocorria
uma verdadeira “partidarização” ou “polarização acentuada” na distribuição das preferências partidárias
às quais, de certa forma, “petrificaram” relações históricas de dominação e disputas intracamadas
dominantes.
Todavia, esta constatação não implica necessariamente na afirmação de que o Rio Grande do Sul
foi constituído por um bipartidarismo de fato, dado que coligações e disputas polarizadas também fazem
parte do universo multipartidário.
Uma das conseqüências da observação das preferências partidárias sob o prisma da bipolarização
– de apenas dois campos efetivos em disputa - esteve na constatação da inviabilidade da constituição
permanente, ao longo do tempo, de um terceiro pólo de força política o qual, quando ocorreu, teve vida
esporádica e tênue (configuração esta que remontaria a própria irrupção da Revolução dos Farrapos).
197
De outro modo, o comportamento político-eleitoral no estado ditou padrões próprios que, quando
inseridos em um regime autoritário, despertaram enfática curiosidade aos analistas por duas razões
básicas.
A primeira refere-se a já citada polarização das preferências partidárias: a dicotomização política
que durante a primeira fase democrática (1945 a 1964), estabeleceu a clivagem e a confrontação “anti” e
“pró” PTB, mesmo com a proliferação de siglas avalizadas constitucionalmente.
Esta característica provavelmente seja de mais fácil observação em disputas eleitorais
majoritárias, dado que a relação nas arenas de representação política, pautadas pelas constantes coalizões
parlamentares, disputas e movimentos político-parlamentares detinham outra dinâmica, obedecendo a
uma lógica diferenciada das disputas eleitorais.
Devido a estas questões, houve uma tendência em relacionar aquela polarização histórica à uma
menor resistência quando da imposição, via legislação de exceção, do bipartidarismo. Por conseqüência,
inexistiria então uma ruptura no padrão instituído pelo sistema partidário de 45, dado que eram
reproduzidas aquelas polarizações não apenas em disputas majoritárias, mas também em coligações
regionais e municipais.
Para este tipo de raciocínio, a dinâmica política regional permitia uma melhor adequação às
engenharias político-partidárias em curso, não violentando então, tradições políticas ou mesmo as
posições - no espectro político - de eleitores e políticos profissionais, mesmo reconhecendo que a
legislação autoritária tenha redefinido a hierarquia das forças político-eleitorais.
197
Entre tantos exemplos desta mistificação, destaca-se a argumentação do deputado Waldir
Walter/MDB, que ao denunciar o processo eleitoral como um todo, e os métodos utilizados pela ARENA
em particular, na escolha do candidato ao governo gaúcho, declarou que o mecanismo de escolha
revestia-se de uma maior afronta em se tratando do Rio Grande do Sul o estado mais politizado do país, o
que transformou a escolha em um momento melancólico. AAL, durante 32ª Sessão em 17 de abril de
1974, p. 191. Da mesma maneira, Hugo Mardini/ARENA ao cobrar uma posição da bancada emedebista
quanto à política colacada em prática pelo governo Geisel da flexibilização das relações institucionais,
afirmava que se tornava mais preocupante ainda a omissão da bancada oposicionista da Assembléia
Legislativa sendo o Rio Grande do Sul o estado mais politizado da federação. AAL, durante a 3Sessão
em 26 de abril de 1974, p. 343. Por sua vez, Celestino Goulart: o Rio Grande do Sul, por ser o estado
mais politizado, vem oferecendo a todo o Brasil um exemplo extraordinário, exemplo que se inicia pelo
seu governador, continua dentro desta casa, pelas suas bancadas prolifera dentro dos dois partidos e
termina no coloaborador político. AAL, 13ª Sessão da Comissão Representativa em 18 de fevereiro de
1976, p. 289.
189
Aceitas estas proposições, a ação do ordenamento de exceção no processo de tessitura do sistema
político partidário, logo eleitoral e parlamentar, teve uma adequação menos traumática e uma composição
parlamentar menos artificial que no restante do país.
Mesmo que a formação da ARENA e do MDB respeitassem pólos que aglutinavam forças de
sustentação e oposição ao PTB, não houve uma transferência direta das preferências dos eleitores
gaúchos e nem mesmo uma absorção da base política trabalhista, tanto que o MDB em nenhum momento
conseguiu repetir o êxito dos trabalhistas.
Trindade e Noll, ao analisar as tendências político-eleitorais no Estado, apontam que os dados
compilados no período entre 1966 e 1978:
São reveladores da recuperação de uma tendência estrutural que, rompida com o
bipartidarismo, começa a voltar ao seu leito normal, restabelecendo o padrão
tradicional em que o conservadorismo-liberal entra em declínio e o partido com
apelo populista ou popular urbano tende a crescer.
198
Através desta perspectiva Trindade afirmou na introdução de outro trabalho que:
A hipótese subjacente à análise (e que pode ser testada empiricamente no caso do
Rio Grande do Sul) é de que a causa principal das crises ocorridas no sistema
partidário brasileiro nos últimos 30 anos, tem sido a percepção dos defensores do
status quo de que existe uma tendência à hegemonia, no sistema partidário, de
um partido político com apelo popular, seja o PTB na fase multipartidária, seja o
MDB na vigência do multipartidarismo. A partir desta proposição analítica tem-se
condições de entender a lógica da estratégia do poder, alterando duas vezes o
sistema partidário em conjunturas políticas onde havia o risco iminente de que
este fator (o risco de hegemonia de um partido populista) ameaçasse a dominação
tradicional do partido conservador majoritário (PSD ou ARENA), nos períodos
multipartidário e bipartidário, respectivamente.
199
Uma segunda questão ou um segundo traço permanente da política gaúcha, destacado em
inúmeros trabalhos, esteve na alternância e circulação no poder em seus aspectos político-eleitorais (em
disputas majoritárias) que, nebulada artificialmente no período de refinamento do Estado (66-74), voltou
à plena carga no processo de redefinição do Estado.
200
Deve-se ressaltar que o destaque dado aos padrões estáveis de posturas, preferências e
distribuição político-partidárias do eleitorado gaúcho, ao menos em seus traços fundamentais, durante o
período liberal-democrático de 45-64 (a partidarização, a dominação do trabalhismo e o declínio
progressivo dos partidos conservadores, bem como a impossibilidade da emergência de uma terceira força
política) foram veementemente criticados em trabalhos recentes, onde aquelas tendências analíticas foram
qualificadas como estudos tradicionais de comportamento eleitoral que partiam de equívocos
interpretativos baseados em ambigüidades conceituais.
201
A linha de oposição às análises tradicionais, observa que o bipartidarismo como resultado direto
do AI-2, interrompeu a consolidação do sistema político-partidário - por conseqüência imediata o
eleitoral, afetando inclusive a dinâmica do debate parlamentar - mas não redundou na instauração, no
subsistema político gaúcho, na formalização de um bipartidarismo de “fato” que já vinha sendo
manifestado no período precedente à intervenção de 1964, como Tavares aponta: ao contrário,
198
TRINDADE, Hélio & NOLL, Maria Izabel. Op. Cit., pp. 90-91.
199
TRINDADE, Hélgio. Eleições e Partidos no Rio Grande do Sul: Do Sistema Multipartidário à
Criação do Bipartidarismo (1950-1976). In.: FLEISCHER, David V (org.). Os Partidos Políticos no
Brasil – Volume II. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981, pp. 190-191. Nesta linha de
discussão ver: TRINDADE, Hélgio. Padrões e Tendências do Comportamento Eleitoral no Rio Grande
do Sul (1950/1974). In.: LAMOUNIER, Bolívar; CARDOSO, Fernando Henrique (coords.). Os Partidos
e as Eleições no Brasil. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, pp. 153-204.
200
Baseado em: TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Op. Cit., pp. 75-93.
201
Entre aqueles que desconstituem as análises que observaram os padrões de comportamento descritos
no texto está: TAVARES, JoAntônio Giusti. Rio Grande do Sul: O Sistema Partidário Eleitoral e
Parlamentar. In.: LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil de (org.). O Sistema Partidário Brasileiro. Rio de
Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997, pp.165-209.
190
interrompeu com violência a sedimentação de um pluripartidarismo multipolar e eventualmente
centrípeto.
202
Independentemente da postura assumida quanto às preferências político-eleitorais gaúchas,
pouco se pode argumentar contra uma forma de relação política muito particular construída
historicamente e que em determinados momentos foi insuflada e, em outros, sufocada.
Durante o específico período de descentralização, denominado oficialmente de distensão e
abertura, houve uma tendência ao refluxo das posições marcadamente regionalistas. Neste ínterim, o
discurso das elites políticas gaúchas esteve afinado com as posições assumidas pela elite política nacional,
ou seja, a retórica da unificação de posições divergentes como elemento de preservação da unidade
nacional com vistas à modernização da sociedade e de suas instituições.
Considera-se nesta tese, que esta mudança, observada mesmo como uma ruptura histórica, esteve
diretamente vinculada à emergência do processo de
redefinição do Estado brasileiro
, teorema este a ser
desenvolvido nas páginas seguintes.
Muito embora a simultaneidade dos processos não possa ser atestada enquanto argumento
indelével de uma possível conexão entre, por um lado, a suspensão das manifestações sócio-política-
econômica-culturais (que seriam traduzidas pela idéia da identidade regional) fundadoras do discurso de
reconhecimento regional e, por outro, a afirmação da
dupla fuga
, existe uma série de elementos que
permitem elencar alguma relação entre a reestruturação dos processos políticos, a reestatização das
relações sociais e a alteração dos padrões econômicos, com uma nova forma de debate local e inserção do
Rio Grande do Sul na política nacional.
IV
O Parlamento Gaúcho: Conflitos na Estruturação do Novo Ordenamento Político – as
sucessivas fases pelas quais passou o ordenamento de exceção no país, bem como a correlação de forças
político-sociais e as instabilidades que seguiram neste, acabaram por imprimir uma dinâmica no
parlamento gaúcho que reproduzia as dificuldades de percepção das evidências de um possível colapso no
ordenamento de exceção (sendo expostas nas coalizões, capacidade de arregimentação e nas peças
oratórias produzidas).
Ao mesmo tempo, as peças discursivas refletiam as incertezas referentes à construção de um
ordenamento político capaz de institucionalizar definitivamente o dissenso e os focos de tensão ao
encaminhá-los para instâncias reguladoras.
Na trajetória de recomposição do parlamento gaúcho, durante a fase de redefinição do Estado, os
índices de renovação das bancadas apontam para algumas tendências relevantes na abordagem aqui
proposta.
Na formação da Legislatura (29.01.1971/dezembro de 1974), no âmago do processo de
militarização dos centros decisórios de poder e do refinamento do Estado, a questão da participação
política, mesmo nas instâncias formais, revelava-se atividade delicada porque era passível de uma
legislação extremamente severa e punitiva. Nesta legislatura, dos 30 deputados da ARENA que
assumiram o mandato, 20 participaram da legislatura anterior. No MDB a situação não diferia: das 23
cadeiras, 13 eram ocupadas por deputados reeleitos.
Na composição seguinte, a 8ª/44ª Legislatura (29.01.1975/janeiro de 1979), embalado pelo êxito
eleitoral nacional - além da reversão das preferências dos eleitores, os quais proporcionaram ao MDB ter
maioria na casa parlamentar - houve uma grande renovação na bancada, sendo que 18 dos 33 deputados
eleitos desempenhavam esta função pela primeira vez. Na ARENA o efeito de um quadro conjuntural
adverso - do primeiro ano do mandato de Geisel e dos últimos momentos da administração Triches/Fetter
- refletiu na drástica redução da bancada situacionista, 23 deputados, sendo que 15 foram reconduzidos ao
cargo.
Inserida no auge do processo de dupla fuga e da revalorização das instâncias políticas, a 45ª
Legislatura (29.01.1979/22.12.1982) inverteu as tendências na composição da Assembléia Legislativa.
Em meio a possibilidade da tomada de poder pela via eleitoral e pela necessidade de reforçar suas
lideranças em meio à insubordinação de lideranças informais/autônomas, como um dos pressupostos da
reestatização das relações político-sociais, pela primeira vez, desde as eleições de novembro de 1970, a
renovação emedebista teve uma sensível queda: dos 31 deputados, apenas 11 estreavam no mandato
202
Id., p. 175.
191
parlamentar, ao passo que a ARENA teve uma renovação de 50% em suas fileiras parlamentares (de 28
deputados, 14 novatos).
Por fim, a 46ª Legislatura (31.01.1983/05.12.1986), em pleno processo de consolidação do
governo provisório (Nova República), com o sistema pluripartidário em vigor e com a volta de antigas
lideranças postergadas (possibilitada pela anistia), foi restabelecida uma antiga tendência: os partidos
progressistas mantinham um índice alto de renovação (PMDB, de 22 deputados, 12 estreantes; PDT, de
13 deputados, 9 estreantes na atividade parlamentar) ao passo que os partidos conservadores
demonstravam um caráter de manutenção de seus quadros parlamentares (dos 19 deputados do PDS, 12 já
haviam cumprido mandato; dos 5 deputados do PFL, 4 desempenharam funções parlamentares
anteriores).
De outra parte, os embates discursivos travados na Assembléia Legislativa gaúcha no período de
1974 a 1984, quando confrontados com as mudanças reconhecidas na conjuntura política, social e
econômica, revelam-se mais como componentes de um amplo reordenamento estrutural do que, como o
surgimento de uma nova etapa da complexa relação (autonomia-isolamento-inserção). Indicavam pois,
um novo estágio do regionalismo e da identidade gaúcha.
Neste mesmo recorte temporal, reconhece-se o que se classificou de nacionalização da política
no Rio Grande do Sul ou dito de outra forma: o discurso calcado na marginalização foi colocado em
segundo plano.
A partir de então, a base das peças oratórias e dos debates no parlamento, salvo temas
“paroquiais”, esteve restrita ao processo de reestruturação da política (construção do novo ordenamento
jurídico-político) e nas estratégias de superação das limitações econômicas.
Torna-se importante ressaltar que, com a transição ao novo ordenamento em curso no início dos
anos 80, o discurso de marginalização do estado foi realimentado e evocado sistematicamente, a fim de
explicar a crise gaúcha, tanto a econômica quanto a de representatividade nacional.
203
A dinâmica parlamentar na Assembléia Legislativa, não obstante esta ser o palco de condensação
de certas questiúnculas de rivalidades locais e de demandas por serviços especificamente regionais
(disputa pela alocação de recursos, disponibilização de verbas, aprovação de projetos de infraestrutura,
etc.), formavam interseções entre a política global (questões nacionais) e suas apropriações locais.
Permitindo observar e estabelecer um conjunto de características, permanências e mudanças, processadas
no regime político em vigor. Desta perspectiva, aquelas peças oratórias auxiliam na interpretação dos
esforços pela institucionalização do sistema político, compreendendo então, a própria lógica do processo
de poder.
Ocorrendo a sobrevalorização dos espaços de representação, as questões domésticas e de disputa
localizadas perdiam-se em meio à fertilidade das questões propriamente políticas, como na discussão
acerca da legitimidade do regime de exceção, como o caráter das mudanças a serem implementadas,
como a necessidade de transferência do poder decisório às esferas civis, como a conveniência de uma
política de anistia, ente tantos outros temas próprios do período.
A pretensão dos partidos, de uma maneira geral, da ARENA ao MDB, posteriormente do
efêmero PP ao inédito PT (e os demais: PDS, PMDB, PDT, PTB e PFL), esteve na busca de
universalização ou conversão de seu programa em corrente majoritária. Para tanto, seus objetivos,
programas, projetos ou ideário, deveriam ser apresentados como a expressão do interesse nacional, dadas
às condições históricas específicas.
O preço pago para a disputa pela universalização de determinada idéia ou valor, esteve na
aceitação de toda a agenda gerada pelo sistema.
Esta premissa inicial colocada sob os ombros do sistema político, limitou a própria compreensão
dos conflitos, das crises e dos projetos de alteração do regime provenientes da Assembléia Legislativa, do
Senado Federal e da Câmara dos Deputados.
Definido irreversivelmente o processo de flexibilização das relações políticas, a exclusão de
determinados segmentos do bloco no poder – basicamente a oficialidade militar – não pautou o processo
de transição e o advento do novo ordenamento. A pauta relacionava-se, a partir de então, à re-
incorporação de atores excluídos do jogo político e ao esvaziamento dos movimentos protagonizados
pelos novos sujeitos políticos (representados pelo neo-sindicalismo do ABC paulista e pelos renovados
movimentos sociais, ambos impulsionados tanto pelos êxitos quanto pelos fracassos da política de
desenvolvimento implementada pelo governo).
Ao assumir a presidência em 1974, Ernesto Geisel deparou-se com um regime plenamente
consolidado - não obstante ter sofrido, com inúmeras avarias, um avanço no processo de militarização -
mas ainda não institucionalizado. Os mecanismos utilizados para tal reascenderam os efeitos da dualidade
203
Para tal discussão ver OLIVEN, Rubem George. O Processo de Construção da Identidade Gaúcha.
Op. Cit., pp. 182-190.
192
de ordenamentos, sendo sintomático o fato de que o presidente vinculado à “liberalização” utilizou como
nenhum outro os instrumentos de exceção.
A um só tempo, o programa econômico ainda desfrutava dos sintomas do “milagre”, a oposição
clandestina havia sido debelada e o sistema de representação política passava por um momento de
renovação.
Em outros termos, os valores propagados pelo bloco no poder estavam de certa maneira
assimilados, sendo perceptíveis na prática institucional através do assentimento da estrutura de
dominação, da estrutura de autoridade, das - por vezes ambíguas – regras da competição política e da
implementação de um conjunto de políticas públicas.
O direcionamento da flexibilização rumo a uma efetiva transição somente tomou forma concreta,
quando a oposição insubordinada passou a ser incorporada ao sistema político, sem com isso resultar em
instabilidade do sistema política.
Em conseqüência, o bloco dirigente teve de transigir, minimamente ainda, nas normas política,
que de forma alguma se originaram no debate de idéias das instâncias de representação política.
Estando em vigor a dualidade de ordenamentos, o que poderia fornecer um caráter sistêmico ao
mundo político, como organização complexa e articulada, foi sucessivamente rejeitado e neutralizado.
Com uma gama de limitações “de origem”, em virtude da forma como foram instituídos, os
partidos políticos da fase bipartidária e os espaços institucionalizados para a política tiveram a indesejável
marca da inocuidade e artificialidade. Isso em decorrência da desorganização das lealdades partidárias
que parcamente estavam se formando em 1966 (por esse motivo, antes de qualquer outra explicação, foi
possível à coalizão intervencionista romper com a estruturação do sistema político-partidário e
parlamentar sem “quebrar” a estrutura do Estado como um todo).
O “vácuo” político insuflado com o fim do sistema partidário instituído ao longo de praticamente
duas décadas (45-66) foi ocupado pela retórica intervencionista, fonte de legitimidade do regime que se
seguiu.
Ao utilizar uma série de mecanismos que garantiram o disciplinamento do dissenso
(institucional), o bloco dirigente – mesmo às avessas - potencializou o processo de insubordinação. Isso
se deveu ao fato de que esta política, conjugada ao crescimento do número de trabalhadores urbanos - do
operariado em geral - não tendo vínculos institucionais e partidários, canalizou os interesses e
reivindicações no plano político para outras formas e estruturas de manifestação que não aquelas
estritamente ligadas ao regime.
Sendo a face concreta dos efeitos da dualidade de ordenamentos, ARENA e MDB, oriundos e
tolerados pelo regime de exceção, padeciam da inexistência de quaisquer tipos de vínculos com a
sociedade, a não ser os personalistas, fator este que veio a impedir que ambos se apresentassem enquanto
legítimos representantes de correntes de opinião nacional.
Em virtude da própria forma com que foram criados compreendendo dimensão, particularidades
regionais e interesses diversos, tanto o partido governista quanto o oposicionista acentuaram tendências
históricas dos partidos políticos no Brasil. Dentre estas, a ausência de disciplina partidária. Esta
característica acarretou o fato de que a posição da direção do partido nem sempre espelhou a posição dos
seus quadros e, muitas vezes, que as determinações partidárias não eram respeitadas em instâncias
regionais ou setoriais.
O MDB, composto como mais uma frente do que propriamente um partido, atuava como tal, ou
seja, como um grande mosaico político. Ao mesmo tempo em que reivindicava crescentes espaços - em
determinados momentos ampliados pela concessão do bloco no poder em outros restringidos - delegados
não por sua representatividade mas sim, por imposição interna, abrigava manifestações variadas. Com o
aprofundamento da militarização e posterior exaustão da própria coalizão intervencionista (falência de
pretensões pessoais, da possibilidade de implementação de políticas e de projetos de construção nacional)
o partido oposicionista passou a reunir mais intensamente em seus quadros militantes do Partido
Comunista, parte da UDN (conspiradores permanentes desde 1945) e de notórios liberais.
Pelas próprias forças centrífugas geradas na dinâmica do regime e de movimentos internos ao
pacto de dominação, alguns setores conservadores dissidentes acabaram sendo deslocados, nem sempre
espontaneamente, para as hostes emedebistas, mesmo não tendo potencial eleitoral suficiente para
legitimarem-se pelo voto, ao mesmo tempo em que não desfrutavam de confiança da oficialidade militar,
A construção artificial dos partidos políticos após a decretação do AI-2, mais de que representar
a ruptura com o sistema político herdado do regime anterior, instaurou o próprio limite da atuação dos
partidos a partir de então. Na sua gênese, o MDB não detinha as mínimas possibilidades de ascender – ao
menos institucionalmente – aos centros efetivos do poder decisório. Se esta ascensão fosse possível, todo
o sistema entraria em colapso, mesmo porque os postulantes a estes centros decisórios seriam
inevitavelmente envolvidos em questões de segurança nacional.
193
Nascendo em contradição, pois preparado para ser derrotado, o MDB sobrevivia através do
exercício do poder político convertido de sua representatividade política.
À ARENA não havia sido reservada melhor posição. Sendo braço parlamentar do governo,
desempenhou até 1974 a primazia da representatividade político-eleitoral no País, mas, de maneira
alguma se postava enquanto determinante nas definições políticas do governo: não compartilhava do
poder decisório salvo delegações do bloco dirigente.
Caminhavam paralelamente então, por um lado, o governo de exceção e, de outro, a
representatividade política do partido majoritário. Não apenas o partido governista perdia a função, mas
também a oposição a este passava a não ter sentido, a não ser pelo formalismo político.
204
Não havia
razões para a proposição de coalizões político-parlamentares, dado que o bloco dirigente não se pautava
por estas.
A estrutura do sistema político, impedia a circulação de poder decisório entre segmentos para
além da caserna. Porém, em virtude da dualidade de ordenamentos, o regime teve de manter um conjunto
de regulamentações e engenharias eleitorais com a finalidade de disciplinar e impor coerência ao sistema
partidário e parlamentar. Este recurso teve o evidente intuito de conter o pluralismo social e político,
minimizando assim, a possibilidade de imprevisibilidade política.
Mesmo com todos estes fatores, um elemento adicionou contornos inesperados ao sistema
político. Entre 1964 e 1974, o eleitorado praticamente duplicou, englobando principalmente jovens,
urbanos, com maior possibilidade de acesso à informação e com um poder aquisitivo reduzido.
205
Estes por sua vez, conduzidos à maioridade política na vigência do regime de exceção, não
guardavam vínculos com as práticas de arregimentação pré-64 e de mobilização conservadora quando da
deflagração da intervenção.
Com isso, perdia mais a ARENA que o MDB, dado que o primeiro mantinha práticas arcaicas de
aproximação com os agentes políticos e conquista de votos, ao passo que o segundo, pela própria
correlação de forças e estrutura do sistema político, teve que, de maneira geral, distanciar-se das práticas
populistas e inovar na forma de arregimentação.
Em face da ausência de um espaço de oposição efetiva, o vácuo de poder por esta causado
exteriorizou a disjunção entre a organização do poder (que gradativamente tornou-se autônoma) e a
organização política
Até a crise derradeira do início dos anos 60, a representação política formal e a mediação social
por esta desempenhada representavam o trabalho por excelência dos partidos políticos.
Estabeleceram-se divergências no momento em que a instauração do bipartidarismo provocou
um problema insolúvel (a não ser pela própria decomposição deste): inaugurou uma crise de
representação política basicamente centrada na debilidade representativa dos partidos. Mais ainda quando,
a partir de 1964, institucionalizava-se a desvinculação entre a capacidade de ação do poder executivo e os
movimentos parlamentares.
Inviabilizou institucionalmente sua capacidade de mediação - se esta incapacidade manifestava-
se anteriormente, sendo somente formalizada na lei pelo regime de exceção, interessa aqui apenas
marginalmente, pois o fato é que, certamente após a outorga do AI-2, outorgava-se da mesma maneira a
crise do modelo de representação política e a incapacidade de arregimentação social.
Neste particular, destacam-se dois pontos: primeiro, a definição do bipartidarismo ampliou a
inteligibilidade do processo eleitoral para o grosso da população, afinal, ou se endossava ou se opunha ao
governo e ao partido majoritário; um segundo ponto esteve em que a supremacia eleitoral do partido de
oposição após 1974 consolidou a identificação partidária nas duas únicas agremiações toleradas pelo
regime.
Sendo a dualidade de ordenamentos força e fragilidade, em meio à transmutação de dois
processos - do refinamento à redefinição do Estado – o movimento parlamentar em meio à crise do
Estado assumiu novos significados. Em grande parte pelo fato de que quaisquer soluções àquela,
204
Proposição baseada em: SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Poder & Política: Crônica do
Autoritarismo Brasileiro. Op. Cit., pp. 13-14.
205
Pedro Américo Leal minimizava a vitória emedebista em 1974 com a argumentação de que os homens
de minha geração e das mais novas sabem muito bem o que houve. Os jovens é que não estão avisados e
por isso, ainda estão votando sem saber o que aconteceu neste país. AAL, 5ª Sessão da Comissão
Representativa em 21 de janeiro de 1976, p. 86. Em 1962, o eleitorado gaúcho inscrito para as eleições de
7 de setembro era de 1.561.162. Nas eleições de 15 de novembro de 1974, os eleitores aptos a votar
alcançaram o número de 2.893.152, ou seja, quase o eleitorado quase dobrou. Dados disponíveis em:
NOLL, Maria Izabel; TRINDADE, Hélgio (coord.). Estatísticas Eleitorais Comparativas do Rio Grande
do Sul (1945-1994). Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS/Assembléia Legislativa do Estado do
Rio Grande do Sul, 1995, pp. 127/185.
194
representariam a desconstituição do regime na forma consagrada em 64 e aprimorada em 68. Todavia, ao
se aproximar esta possibilidade de desfecho, os debates parlamentares revelaram as incapacidades
estruturais dos partidos liderarem este processo.
Findada a administração Médici, as instâncias de representação política sofreram um processo de
revigoramento, se conseqüência ou causa da superação da fonte de instabilidade constante – a dualidade
de ordenamentos - o fato é que a administração seguinte se viu em meio à necessidade de implementação
da flexibilização das relações sócio-políticas.
Ao menos até as eleições de 1974, não era através do partido oposicionista que aquelas (as
camadas subordinadas) se faziam representar e intervinham na arena política, daí a importância do
processo eleitoral daquele ano nas análises políticas e a ênfase que demarca este corte temporal nos
trabalhos historiográficos.
O papel que o MDB poderia cumprir foi sendo revisto conforme a conjuntura apontava para
outros estrangulamentos. Para determinadas organizações e grupos clandestinos - os quais, não sendo
extintos pelo arbítrio e pelos aparelhos de repressão, marginalizaram-se mais ainda - a postura de chamar
o voto nulo como única alternativa política foi sendo deslocada. Ao mesmo tempo, potencializavam-se
outros tantos grupos semilegais abrigados no MDB, que viam no partido oficial de oposição não apenas
uma grande frente política e eleitoral, mas sobretudo, uma considerável fonte de financiamento e abrigo.
Porém, a vitória emedebista no pleito de 1974, após sucessivas derrotas (ao Legislativo federal e
estadual em 1970 e, em 1972, nas disputas pelo executivo e legislativos municipais), apenas
equivocadamente pode ser vinculada a um programa de governo alternativo ou mesmo, a uma plataforma
política-eleitoral de desconstituição efetiva do regime apresentada ao conjunto da sociedade.
Na disputa pelo executivo federal, não havendo a possibilidade concreta de circulação de poder,
a tendência a eleições plebiscitárias tomava proporções cada vez maiores.
Lamounier já há muito tempo chamara a atenção para a inflexão político-eleitoral ocorrida neste
período, ou seja, o aumento do voto urbano ao MDB a partir de 1974 e, mais instigante, a incidência do
voto da periferia das grandes cidades ao partido oposicionista.
206
A vinculação do voto à situação material (aumento do custo de vida ou a desfavorável situação
econômica dos trabalhadores de baixa renda) e a homogeneização das escolhas eleitorais (ignorando
variações regionais e locais), não oferecem respostas adequadas à crescente opção eleitoral pela oposição.
Mesmo que se pondere a influência da utilização dos meios de comunicação e as campanhas oficiais, a
situação daqueles setores desfavorecidos se manifestara muito antes daquele pleito e nem por isso
garantiu o voto aos candidatos emedebistas.
Com efeito, a identificação partidária não ideológica oferece pistas para a elucidação desta
inflexão. O MDB apresentava-se por uma série de discursos, signos e símbolos, que povoavam o
imaginário coletivo como o partido dos “pobres” e do “povo” onde alocaram as expectativas.
207
Impossível não associar os resultados eleitorais à desaprovação do governo e das políticas
implementadas por este (fruto não do bipartidarismo em si, como se poderia depreender em uma leitura
apressada e superficial, mas sim, do caráter arbitrário que cercou a instauração deste coadunado às
eleições indiretas para o executivo e os parlamentos estadual e federal).
Por mais méritos que se possa depreender da vitória emedebista em 1974, a campanha veiculada
pelo MDB não atendia a uma estratégia inovadora, a qual, a partir da criação de vínculos com parcelas
expressivas da sociedade e com o grosso do eleitorado, foi capaz de postar-se enquanto alternativa
política viável com um programa exeqüível de mudanças estruturais e aplicação diferenciada de políticas
públicas. Isso por que a base da plataforma da campanha oposicionista apresentada naquele ano não
destoou das anteriores, mantendo em seu conjunto proposições idênticas àquelas apresentadas em outras
conjunturas.
Pautava-se ainda em pontos como o restabelecimento dos mecanismos democráticos com a
revogação dos atos institucionais, as eleições diretas em todos os níveis, o retorno das prerrogativas
jurídicas (próprias do Estado de Direito como o habeas corpus), a invocação dos direitos humanos, a
reivindicação de políticas sociais como a reforma agrária e questões salariais.
208
Em outros termos:
206
LAMOUNIER, Bolívar. O Voto em São Paulo, 1970-1978. In.: LAMOUNIER, Bolívar (org.). Voto de
Desconfiança Eleições e Mudança Política no Brasil: 1970-1979. Petrópolis: Vozes, 1980, pp. 15-80.
Outra contribuição importante na questão do voto na oposição está em: BRITTO, Luiz Navarro de. O
Bipartidarismo nas Eleições de 1978. In.: FLEISCHER, David V. (org.). Os Partidos Políticos no Brasil
– Volume I. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981, pp. 220-240.
207
LAMOUNIER, Bolívar. Op. Cit., pp. 78-80.
208
O trabalho de referência nesta questão é: KINZO, Maria D’Alva Gil. Oposição e Autoritarismo:
Gênese e Trajetória do MDB – 1966-1979. São Paulo: Idesp/Vértice, 1988, p. 134.
195
aportes para a viabilização de um experimento político ideal em um renovado modelo político-
constitucional.
Ao contrário do que Gedoz afirmou, não foi o MDB que instrumentalizou a insubordinação que
estava em curso revertendo-a em votos mas sim, o êxito eleitoral da oposição consentida foi um dos
reflexos da generalizada negação do regime (a dupla-fuga).
209
Nos limites traçados pelos objetivos desta tese, a questão fundamental a ser observada no voto
no partido de oposição, está justamente na exposição gritante das limitações do sistema político.
O êxito emedebista desnudou o que antes estava velado, a saber, a fragilidade da opção
partidária. Por outros termos: por mais eleitores que pudesse aglutinar e por mais votos que a legenda
juntasse, ainda assim seriam insuficientes para tornar o MDB apto a participar junto aos centros
decisórios de poder. O partido estava despido de qualquer influência no processo de decisões públicas
fundamentais.
210
Conforme o regime manifestava sintomas de crise, a fragmentação e dispersão política das
oposições informais acabaram por ter um ponto de convergência no partido oposicionista como forma de
tensionamento na aplicação de políticas tidas como fundamentais. Estas, como medidas de antecipação de
demandas, em parte vieram a ser adotadas nos governos seguintes, expressivamente com Geisel e
complementadas no mandato Figueiredo/Chaves, capturando bandeiras históricas da oposição como o
retorno do pluripartidarismo, o final da censura e a extinção do AI-5.
Esta situação altera-se a partir de 1974.
Daquela data em diante, foi enfatizado o discurso de que a democracia seria resultado do
aperfeiçoamento do regime de exceção. A posição oficial divulgada pelos centros decisórios de poder era
endossada nas peças oratórias da Assembléia gaúcha. Aceitava-se um processo gradativo, com etapas
que, pelas imposições e necessidades de governabilidade e estabilidade, deveriam ser necessariamente
lentas, planejadas e progressivas.
Para tal tarefa, seria exigida a manutenção da legislação de exceção, mesmo quando os
elementos que a justificavam já não eram mais concretos. A partir da aplicação das políticas de
flexibilização das relações políticas, os instrumentos próprios do arbítrio cumpririam a função de
limitação de açodamentos e oportunismos.
Ao implementar a flexibilização das relações, por conseqüência lógica, ampliaria os índices de
imprevisibilidade política e social, além de que o “fazer político” ressurgia independentemente das
movimentações no parlamento (vide o revigoramento dos movimentos sociais).
Nos esforços de manutenção do regime através de redução da imprevisibilidade política, não
apenas limitava-se a oposição organizada de forma visível, não sendo acolhida pelo bloco dirigente e,
adicionada ao exercício desregrado das instâncias repressivas, induziram à emergência de um
antagonismo difuso ao regime pois, a oposição não estando visível, estaria em todos os lugares.
Para movimentar-se em meio à dualidade de ordenamentos, desempenharam funções
importantíssimas ao regime os serviços de inteligência e a alimentação de ameaças sistemáticas dos
movimentos salvacionistas. O papel desempenhado pelo sistema de informação e segurança, coerente
com as exigências do processo de refinamento do Estado, antes de controle universal, cumpriu a função
de garantir e alimentar a retórica de políticas fundamentais ao regime: não sendo possível a completa
eliminação da imprevisibilidade social, reforçava-se o constante clima de
medo
, garantindo a manutenção
de determinados aspectos da ordem de exceção mesmo quando, concretamente, não havia mais
fundamentos para tal.
Houve então, em meio à esta situação, a intensificação do divórcio entre a dinâmica política e o
ritmo da dinâmica societária, fator determinante nos processos posteriores na medida em que viabilizou
uma solução negociada, restabelecendo a estabilidade, ponto fundamental para a renovação das estruturas
de dominação.
Se a paralisia decisória teve significância fundamental na deposição de Goulart, determinando o
término da ordem democrática-liberal, o mesmo não ocorreu ao final do ordenamento de exceção. A
iniciativa da mudança
no
regime partiu do próprio bloco dirigente, o que acarretou uma série de novos
conflitos domésticos (no bloco dominante).
209
A autora afirma: o MDB soube canalizar, naquele momento, a insatisfação generalizada e difusa.
GEDOZ, Sirlei Teresinha. Idéias de Democracia no Brasil: Tancredo Neves, o Homem Síntese, Ou
Diretas na Lei ou na Marra. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul/Programa de Pós-Graduação em História – PUCRS, 2002, p. 94.
210
A postura do MDB o fugira à herança do sistema político do país. Mais ainda quando o regime de
exceção interrompeu o sistema político em sua fase de consolidação. Com efeito, a relação entre eleitos e
eleitores foi marcada pela precariedade, não havendo consistência partidária, quiçá parlamentar.
196
Pelo menos até 1978, a distensão e a abertura são temas recorrentes no discurso oficial.
Concretamente foram projetos secundários nas políticas públicas e na ação governamental. A avaliação
de que o bloco dirigente tinha a necessidade em “findar o regime” não encontra suporte na análise
discursiva do próprio Geisel. A tônica nas manifestações oficiais permanecia nas questões ligadas à
modernização e ao desenvolvimento.
O processo de implementação de mudanças
no
regime, que inicia em 1974, só irá encontrar o
processo de mudança
do
regime no início da década seguinte. Até então, a distensão, abertura e transição
não tiveram a primazia do avanço ou aperfeiçoamento democrático, visto a constante alusão –
concretizada em determinados momentos - de manutenção das normas de exceção ou até mesmo do
retorno ao autoritarismo puro (vide a manipulação eleitoral em questões que desnudavam o dissenso: Lei
Falcão, o Pacote de Abril e a utilização dos dispositivos do AI-5).
Havia uma linha tênue entre o avanço da idéia democrática (permitido/tolerado) e o revés
autoritário (ultrapassando o tempo e o espaço fixado no bloco dirigente).
Neste sentido, dois momentos são significativos: o primeiro, com a necessidade de afastamento
do presidente Figueiredo (em decorrência de um enfarto em 1980) e a eventual substituição pelo civil
Aureliano Chaves. Nesta ocasião houve o temor generalizado da repetição do vácuo de poder causado
pela doença de Costa e Silva em 1968.
Um segundo momento, reconhecido como marco da nova fase de redemocratização, foi
estabelecido quando, por motivos clínicos, Tancredo Neves se viu impossibilitado de assumir. As
discussões sobre o sucessor legal esbarravam na resistência da oficialidade militar ao vice-presidente
eleito, José Sarney, líder do partido governista até o ano anterior. Mais uma vez, era generalizado o temor
de uma intervenção da caserna no processo político.
O espaço de movimentação político-eleitoral que viabilizou a vitória do MDB em 1974, foi
constantemente relativizado e sujeito à correlação de forças que sustentava o bloco dirigente:
Corriam boatos sobre uma eventual renúncia do governador Paulo Egydio, que
estaria sentindo-se impossibilitado de governar São Paulo com uma Assembléia
dominada por opositores. Recordo-me de uma entrevista que concedi para as
páginas amarelas da revista Veja, em que uma das perguntas era justamente esta:
“O MDB ganha e leva?”.
211
Contudo, desde o início dos anos 80, o bloco dirigente não reunia condições de controlar o
processo pelo recurso de instrumentos que representariam um revés no projeto oficial. Algo inviável em
virtude não apenas da quebra definitiva da antiga coalizão intervencionista mas, sobretudo, pelas
condições impostas na reorganização do bloco dirigente.
212
A conciliação pela transição, unificada em nome do interesse nacional, acabou por aglutinar uma
nova coalizão – unida minimamente pela defesa de elementos do liberalismo clássico, como formas de
convivência social e organização econômica – com um discurso similar entre movimentos sociais,
partidos e organizações. Como elemento de estreitamento de vínculos desta coalizão adotava-se um
mesmo ideário, a saber, a tese de que a intervenção de 1964 havia interrompido a curso de um projeto
nacional.
O novo regime que se esboçava deveria necessariamente retomá-lo.
A aplicação de um conjunto de mudanças, ocasionando o relaxamento da legislação de exceção
explícita, reverteu imediatamente na redução do controle do bloco no poder sobre o processo político.
Ainda assim, a “transição” não ofereceria grandes riscos ao pacto de dominação vigente, as negociações
restringiam-se à esfera das elites.
A oposição efetiva observava à distância a movimentação de setores moderados. Estes, em
determinados momentos, ampliavam e em outros, reduziam o “jogo político” que se estava fundando
através da negociação aos primeiros sinais de instabilidade.
Setores da oficialidade militar, sobretudo aqueles identificados com um projeto de
desenvolvimento e construção nacional, entreviram que o novo momento nacional exigia uma condução
condizente com as forças políticas em litígio. A organização político-social ideal na formação de uma
base de apoio ao regime, tendência personificada em Geisel, deveria ser construída à base de
reacomodações do poder decisório. Com efeito, se incorporaria uma parcela civil no campo de forças do
211
Depoimento de Franco Montoro. MONTORO, Franco. Memórias em Linha Reta. São Paulo: Editora
SENAC, 2000, p. 157.
212
Grosso modo, esta é a leitura feita por Bresser Pereira na deflagração do processo de abertura e
transição: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. O Colapso de Uma Aliança de Classes A Burguesia e a
Crise do Autoritarismo Tecnoburocrático. São Paulo: Brasiliense, 1978.
197
bloco dirigente. Esta incorporação também foi realizada ao preço da isenção da oficialidade militar pelos
excessos cometidos ao longo do regime.
213
Regionalmente, durante a legislatura parlamentar deste período, (a 8ª/44ª, compreendida entre
1975 e 1979), o MDB mantinha um discurso pautado pela generalidade da defesa da democracia e, de
maneira específica, pela recuperação das atribuições políticas do parlamento e dos partidos (sendo
posteriormente adotado a defesa da revisão do modelo constitucional). Gradativamente, os parlamentares
passaram a encampar pontos programáticos (luta por direitos de participação dos indivíduos
contra
o
Estado,
no
governo e
no
Estado) a reboque do processo de insubordinação que tomava as ruas, as
fábricas, as universidades, os sindicatos e entidades da sociedade civil.
À medida em que era verificada a crise no pacto de dominação, ou seja, no momento em que se
percebia a fragilização do regime, as peças oratórias incorporavam temas como a luta pela anistia, a
crítica a atuação do aparelho de informação e segurança (defesa radicalizada dos direitos humanos através
da denúncia da tortura), ênfase ao direito de greve e, por fim, a solidariedade à liberdade e autonomia de
organização e luta sindical.
Com o amadurecimento das contradições sócio-econômicas no País (tornadas explícitas também
pela crise do Estado), as condições objetivas para a reversão do quadro político instaurado em 1964, se
estavam dadas, não foram capturadas à altura pelas oposições parlamentares, as quais optaram pela
conciliação como base do aprimoramento, em detrimento da extinção do regime.
Os pronunciamentos nas instâncias de representação política apontam que, em meados dos anos
70, a oposição renunciou à desconstituição do Estado em nome da garantia da circulação do poder
decisório em bases conservadoras.
Mesmo os mais aguerridos setores oposicionistas, não obstante a constante denúncia da
artificialidade da estruturação do poder, reafirmaram a unidade do partido em nome de uma suposta
necessidade de conscientização e organização da parte antagônica ao capital. O mundo político formal
definiu como centro de intervenção a defesa das liberdades democráticas, através da convocação de uma
Assembléia Nacional Constituinte.
Esta se revelou a tática adequada para aglutinar as diversas correntes políticas de oposição (de
certa maneira “sufocando” as potencialidades dos movimentos sociais), às quais vieram a se agrupar em
torno de um programa mínimo, algo consumado e amarrado definitivamente
com
e
na
campanha pelas
diretas em 1983.
A ampliação do campo da política, demarcando efetivamente que a flexibilização das relações
havia sido definida e acolhida, exigiu a aceitação do mundo da política institucional como espaço possível
da luta política.
O efeito colateral desta ampliação esteve na renovação das próprias bases do pacto de
dominação, abrindo caminho para a institucionalização de um regime reformulado, adequado ao contexto
e com reais possibilidades de institucionalização ou mesmo, a superação da dualidade de ordenamentos.
Mesmo limitada na origem e identificada a um programa e uma prática reformista, a luta pela
democracia da perspectiva dos trabalhadores organizados - na conjuntura adversa em que se encontrava o
regime - poderia fazer avançar o sistema político na medida em que necessidades e interesses históricos
das camadas dominadas fossem incorporados ao debate.
Definida a necessidade de implementação de mudanças, um grupo muito restrito da oficialidade
militar, detentor de um projeto para o bloco dominante, empreendeu um movimento de aproximação e
vinculação com setores que faziam restrições ao governo, sem contudo promover o colapso do regime
(excluíam-se as concepções que propunham o rompimento ou boicote com o sistema político-
institucional).
Na conciliação entre parcelas do bloco dirigente e a oposição consentida, procurava-se superar
uma das resultantes da dualidade de ordenamentos, o vazio político.
A proposição e efetivação de mudanças que alteraram a estrutura de poder -consumindo dois
mandatos presidenciais – viabilizou a migração da titularidade da autoridade visível do Estado.
Enfim, a oficialidade militar voltaria aos bastidores da “cena política” brasileira.
Somadas as características trabalhadas anteriormente – a duração e a mutabilidade – o regime,
em suas sucessivas fases manteve a prudência e a prorrogação no tempo. Estas, mantinham vínculos
umbilicais com questões fundadoras do regime: a coalizão intervencionista propunha redimensionar e
restaurar a democracia. Com efeito, todas as argumentações que versassem sobre as alterações no regime
necessariamente teriam de pautar-se pela democracia. Esta seria o resultado de um processo de
213
Como aporte destas inferências ver: D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon;
CASTRO, Celso. A Volta Aos Quartéis: A Memória Militar Sobre a Abertura. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará, 1995. CONTRERAS, Hélio. Militares: Confissões – Histórias Secretas do Brasil. Rio de
Janeiro: Mauad, 1998.
198
aprimoramento do regime instaurado em 1964. Sem esta referência, a estrutura do poder e a correlação de
forças políticas perderiam o sentido veiculado pelo bloco dirigente.
Quando Geisel mencionava “distensão política”, não havia ainda um processo em curso que
originasse ou abarcasse tal intento. Eis aqui portanto, mais um paradoxo, a ênfase no discurso
democrático por parte exatamente daqueles setores que privilegiavam a prática autoritária.
O que se convencionou nomear “distensão” estabeleceu-se enquanto pacto aceito por todos os
setores institucionais, à exceção daqueles fundamentais na correlação de forças, principais obstáculos e
fonte de resistência: os órgãos de segurança e informação.
Em pouco mais de dez anos, a contar da intervenção de 1964, a tendência do regime à
instabilidade foi ditada pela dualidade de ordenamentos e pela estruturação da estrutura de poder.
Em um curto espaço de tempo, entre 68 e 74, o regime passou pelo processo de militarização, de
fechamento do poder em um círculo exclusivamente militar – e tecnoburocrático – onde as instabilidades
do regime foram exclusivamente tributárias da dinâmica militar.
Alterada a conjuntura, a tônica do bloco dirigente esteve na reformulação da coalizão
intervencionista, inclusive com a cooptação da oposição institucionalizada. Logo, a estratégia negociada
com amplos setores político-sociais esteve na construção de soluções alternativas que não alterassem
substancialmente a correlação de forças políticas; na reestatização dos movimentos que frutificaram no
processo de insubordinação; na ressignificação das instituições de representação política enquanto agentes
e espaços de negociações (com a possibilidade de encaminhamento de demandas com certa influência nos
centros decisórios de poder); por fim, na busca gradual em garantir um processo de descentralização
quebrando a possibilidade de um poder de decisão monopolista.
O novo ordenamento político-jurídico tornava-se viável na medida em que também o novo (a
redemocratização) acolhia sensíveis e visíveis parcelas da velha ordem (autoritária). A transformação ao
longo da primeira metade da década de 80 possibilitou a realocação de forças, sendo esta a exigência da
efetivação da liberalização.
A potencialização da imprevisibilidade
político-eleitoral
acabou por representar um dos grandes
obstáculos enfrentados pelo bloco no poder. Mesmo aquela não sendo revertida em imprevisibilidade
político-parlamentar
(vide a votação da Emenda das Eleições Diretas), o que em última análise,
permitiu ao bloco dominante administrar esta questão. O estrangulamento efetivo estaria localizado nas
pressões fora do sistema político, fora do pacto de poder, tanto “acima” (as associações empresariais),
quanto “abaixo” (os sindicatos, principalmente da região do ABC paulista), passando pelo “meio” (as
associações dos profissionais liberais, OAB, ABI, CNBB), da mesma forma, de “fora” (refletida na nova
administração dos EUA com Jimmy Carter e a ênfase nos direitos humanos e a crise dos combustíveis
fósseis) e a correlação de forças entre os países desenvolvidos.
Neste momento, a oposição autônoma, que não partia dos quadros do MDB, conquistou seus
“espaços discursivos”, nas palavras de Forget
214
, o reconhecimento de participante do discurso alterando
a relação entre os centros decisórios de poder e a sociedade, fazendo com que o processo de liberalização
progredisse. Com o intuito de fortalecer o poder dos centros decisórios, houve a necessidade de fomento a
outras posições que não apenas aquelas acolhidas pelo sistema desde a criação do bipartidarismo
ampliando a possibilidade do dissenso.
Como saída para estas constantes pressões e reivindicações, em uma fase onde a força já não
detinha a legitimidade que gozara anteriormente, iniciava-se um processo de
estatização das relações
sociais
, entendido como um novo momento de articulação tanto do sistema político quanto de
reordenação do pacto de poder nos centros decisórios visando, antes de tudo, diminuir a imprevisibilidade
político-social.
De 1974 a 1978, o tema distensão habitava apenas o discurso, mesmo assim ainda de maneira
difusa, não do bloco no poder, mas efetivamente do próprio presidente.
Como trabalhara Forget
215
, havia uma grande dificuldade do discurso dominante em aceitar a
legitimidade do discurso da oposição.
Ao centrar o debate nos imperativos da questão democráticas, o bloco dirigente impediu,
legitimado por uma nova coalizão e por outra repactuação do poder, que o processo de “reconhecimento
social mútuo” entre os trabalhadores avançasse. A possibilidade do enraizamento da afirmação da idéia
democrática em nada alterou a vida do trabalhador, rural ou urbano.
Entre as forças oposicionistas não havia um programa definido, o qual cimentasse a união dos
variados segmentos que habitavam o cenário político do final dos anos 70, que não a união pelo que
214
FORGET, Danielle. Conquistas e Resistências do Poder (1964-1984): A Emergência de Um Discurso
Democrático no Brasil. Tradução de Lucimar de Oliveira. São Paulo: Editora da Universidade de o
Paulo, 1994, p. 27.
215
Id., p. 26.
199
queriam destruir. Empresários, jornalistas, setores da Igreja Católica e metalúrgicos, não se reconheciam a
não ser pela face assumida na luta pela abertura política. Pautaram a relação pelo desejo, antes de uma
sociedade democrática, do que de quebra do poder monopolista. A pluralidade, sem unidade do
movimento oposicionista, revelou-se um entrave ao combate à estrutura de poder forjada pela
excepcionalidade.
Assim, a transição de ordenamentos - vivenciada mais do que vivida - teve uma
periodização oficial (distensão, abertura e transição) e foi tratada no mais das vezes
como a construção da ordem política-institucional democrática, com seus revezes e
avanços.
Os processos observados ao final da década de 70 e início da de 80 representaram o tempo
demandado na redefinição do Estado, tanto que sua questão fundamental esteve na reestatização das
relações político-sociais, muito mais complexas então do que a institucionalização de um regime ou a
consolidação de um determinado modelo de organização estatal.
É neste sentido que as peças oratórias produzidas na Assembléia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul - enquanto produções discursivas - possuem um mais-além, muitas vezes ignorado quando
da recepção imediata daquele.
Relacionado a um conjunto de determinantes, vetores, conjunturas, estruturas, ambientações e
tantas outras influências, o discurso parlamentar e suas conseqüências na arena de representação política
(na qual se concentra esta tese), por fim, acabaram por sustentar e envolver muito mais que a simples
dualidade oposição/situação (própria da fase entre 1966 e 1979), mas que mantida com o
pluripartidarismo, dado o caráter de conciliação e necessidade de reestatização das relações sociais (vide a
composição da Aliança Democrática).
V
O Discurso – a fonte emissora do discurso (da mensagem) não garante a significação desta por
ela articulada.
Partindo da existência de relações assimétricas entre o sistema político e
os centros decisórios de poder, é possível debruçar-se sobre os debates
desenvolvidos no parlamento, fomentados por representantes políticos de
orientações distintas, mas que, dado o cenário e a orientação das
direções partidárias, muitas vezes compartilhavam conteúdos de forma
absolutamente distintas.
Antes da solução efetiva de problemas, o discurso político – da mesma forma que o discurso
publicitário viria consagrar a partir dos anos 90 – visava fazer prevalecer a tese defendida pelo seu
emissor, sendo então, neste caso, mais utilitário para seu emissor, o grupo a que este pertence e aos seus
pares que não compartem suas perspectivas político-ideológicas (legitima a ação de ambos) de que para
seus interlocutores para além do parlamento (ou palanque, panfleto, meios de comunicação de massa,
etc.).
Se a política formal pautava-se pela relação contratual entre desiguais e, da mesma forma, o
discurso político estando impregnado pela ocultação (manipulação de informações com o intuito de
conseguir adesão), utilizava-se estratégias discursivas que se aproximavam do discurso religioso, tais
como indução de ideologia, doutrinação, dogmatismo, imposição de crenças irracionais (essencialmente
quando o discurso político reveste-se do racismo e regionalismo de cunho separatista, não sendo o caso
aqui).
216
Por exemplo, na insistência na questão da
pacificação
da família brasileira e, no mesmo
raciocínio, na responsabilidade de que os militares deveriam cumprir neste processo de reatamento com a
tradição do país.
Neste momento, este discurso político apontava à sociedade um conjunto de problemas e
propunha como solução a conciliação e a superação do dissenso (o caro tema afeto ao bloco dirigente: a
redução da imprevisibilidade política).
Sendo assim, interpretados do além de três décadas passadas, na excelência de um momento
extremamente rico, os discursos parlamentares, elaborados e proferidos no calor da redefinição do Estado
216
A esse respeito ver: BIZZOCCHI, Aldo. A Convergência Lógico-Estrutural dos Discursos Político e
Publicitário. In.: Líbero Revista Acadêmica de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação Social
Cásper Líbero. São Paulo: Ano IV, vol. 4, nº 7-8, 2001, pp. 60-65.
200
brasileiro permitem, contemporaneamente, uma nova leitura local e particular da transição de
ordenamentos.
Os muitos sentidos expressados nas peças oratórias evidenciam-se não apenas pelo que a
transcrição oferece mas, sobretudo, pelo contexto em que o discurso foi produzido e pelo conjunto de
debates que este desencadeia.
Analisar as manifestações e os embates da política parlamentar gaúcha implica reconhecer, antes
de tudo, que, dada a artificialidade com que foram instituídos os partidos políticos, tanto a ARENA
quanto o MDB não ostentavam referências anteriores (sem o que estariam sob risco dado negativa do
passado por parte do bloco dirigente e dominante), não mantinham formulações programáticas para além
da aprovação ou negação das políticas públicas coerentes com o discurso que veiculavam (logo, sem
unidade programática capaz de unificar o discurso e a prática), não guardavam disciplina organizativa ou
unidade tática e estratégica.
Sem um partido de massas e seu complemento – o líder carismático – o regime pautou-se pela
impessoalidade do poder político, não identificável em uma única liderança, nem mesmo pela farda
verde-oliva, logo abandonada quando o chefe militar assumia a posição de chefe político.
Em síntese, o bloco dirigente do regime de exceção procurou distinguir-se do conjunto da
sociedade, até como forma de preservar o caráter de “poder moderador”, não se prestando para atuar
enquanto mobilizador (por isso não se pode identificá-lo como fascista) e não procurou (talvez não teve
condições para tal) de desenvolver uma capacidade de arregimentação de massas em prol do projeto
histórico que a coalizão intervencionista veiculava. Como definia Bolzan,
não há dúvidas, a Revolução não cumpriu e não cumpre as suas finalidades. E tem
uma explicação sociológica e histórica: nenhuma Revolução do mundo inteiro
sobreviveu sem a afetividade popular. A Revolução brasileira não teve e não tem
amparo da consciência popular. A Revolução brasileira ainda persiste graças às
manobras de modificações institucionais e à base da força militar.
217
As peculiaridades do complexo processo político de então, cujo cenário pautava-se pela
possibilidade da implementação de mudanças estruturais mediadas pelo regime de exceção, foram
tratadas em diversos trabalhos acadêmicos que tiveram como mote a produção discursiva essencialmente
política.
218
Dado o tema particular desta tese, as peças oratórias (discursivas) do parlamento gaúcho estão
divididas em dois momentos distintos.
Em uma primeira fase, compreendendo a 7ª legislatura (entre 1971 e 1974) e a 8ª/44ª (entre 1975
e 1979, corte temporal que diz respeito ao exercício da administração Geisel), aqueles que ocuparam a
tribuna do parlamento gaúcho, usando os espaços regimentais (comunicação de lideranças e o grande
expediente) para emitir as opiniões, concepções e interpretações individuais e partidárias do projeto
somente esboçado pelo bloco dirigente, ou seja, o período em que a atividade do parlamento gaúcho,
referente à este tema, desenvolvia-se pautada mais pelo fato político criado com o anúncio da necessidade
de implementação de mudanças na estrutura do sistema político (sugerindo a possibilidade de
normalização institucional) do que propriamente pela inserção em algum processo ou demanda por
mudanças emanada da sociedade (já fora mencionado o completo divórcio entre a instância política e o
conjunto da sociedade ou o debate político-institucional como expressão dos interesses coletivos).
No período subseqüente, 79 a 84, configurava-se uma segunda etapa, quando a redefinição do
Estado estava em avançado curso e, não por acaso, houve a utilização de terminologias e argumentações
muito próximas pelos diferentes partidos (principalmente suas lideranças) no mais das vezes em um
sensível esforço em se distanciar de qualquer identificação com a fase aguda de militarização do regime
de exceção.
Contudo, as similitudes dos discursos não articulavam as mesmas significações. Estes (os
discursos), se relacionavam ao conjunto dos processos que estavam em curso, mesmo que o projeto
oficial insistisse em encobrir as contradições econômicas e os conflitos sociais em nome da
homogeneidade do todo social (era a época da conciliação nacional e da pacificação da grande família
brasileira).
217
Manifestação de Romildo Bolzan/MDB. AAL, Sessão da Comissão Representativa em 21 de janeiro
de 1976, p. 91.
218
Referência aos trabalhos de, entre tantos outros: CHRISTOFOLETTI, Rogério. O Discurso da
Transição Mudança, Ruptura e Permanência. Itajaí: Ed. Univali, 2000. FORGET, Danielle.
Conquistas e Resistências do Poder A Emergência do Discurso Democrático no Brasil (1964-1984).
Tradução de Lucimar de Oliveira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
201
Os primeiros indícios de que, a partir de 1974, a bancada arenista da Assembléia Legislativa
assumia um discurso, reticente às mudanças institucionais e mais conservador na flexibilização das
relações políticas, do que o conjunto das forças de sustentação do governo (inclusive no interior da
própria ARENA) fica patente na manisfetação de Júlio Brunelli que, entusiasticamente, louvava o bloco
administrativo aglutinado por Geisel, o qual unia eficácia técnica e disciplina organizativa, quando no
País avizinhava-se uma ampla campanha de repúdio a tecnoburocracia.
219
A ARENA opunha-se inclusive aos interesses de frações umbilicalmente ligadas ao regime –
mais um sintoma da desagregação da base de sustentação do bloco dirigente.
De outro modo, a iniciativa privada, não se sentindo contemplada pelo setor estatal, empreendeu
campanha pela mudança do programa de desenvolvimento, chegando a produzir a “Carta de Porto
Alegre”, onde empresários (reunidos na Confederação das Associações Comerciais do Brasil)
denunciavam, sem confrontar-se com o bloco dirigente, o que entendiam ser problemas políticos,
econômicos e sociais que desequilibravam e colocavam sob risco o desenvolvimento do país (necessidade
do apoio à empresa nacional, superação dos desequilíbrios regionais, políticas de emprego, contenção da
inflação, limitação da participação da presença do Estado nas atividades econômicas, fomento ao setor
terciário e agrícola) sem renegar a necessidade da intervenção de 1964
(em março de 1964 a sociedade brasileira desembocava no caos, onde não podia
haver justiça nem liberdade, porque não havia segurança) que restabeleceu o
cosmos convivencial na qual se deu prioridade ao desenvolvimento econômico, dez
anos de sacrifícios e o grande impulso no desenvolvimento nacional está com
estabilidade política.
220
Não à toa portanto, a administração Geisel pautou-se pela realocação das alianças em detrimento
do reforço da coerção, sendo então compreensível o slogan máximo de desenvolvimento possível com o
mínimo de segurança indispensável, não havia uma conjuntura que assim permitisse. Logo, a
flexibilização das relações políticas foi uma imposição do processo de refinamento do Estado.
Quando grande parte da ARENA, em vel nacional, admitia a tese da necessidade de
recompor as bases políticas do regime, a bancada arenista na Assembléia Legislativa, amparada na
controversa divulgação das contas do governo Médici pelo Tribunal de Contas da União, resignava-se
com as críticas emedebistas referentes à arbitrariedade do governo:
exatamente porque este tema está em debate é que nós da ARENA podemos
reafirmar que neste País, nesta época em que vivemos, não existe aquilo que
algumas vezes alguns deputados da oposição apregoam: a falta de liberdade de
expressão. Então, a primeira conseqüência: efetivamente neste País é que está se
estimulando a democracia dentro do regime de ordem, de respeito, de
tranqüilidade.
221
A tendência de ressignificação das instâncias parlamentares e a própria revigoração dos
procedimentos políticos, tornando-os mais fluídos, sofreu um processo de consolidação a partir de 1974.
Mas esta tendência serviu para a representação da multiplicidade de interesses imediatos de frações do
bloco dominante (até mesmo, individuais) que o refinamento de Estado havia anulado ou deslocado.
219
Pronunciamento do deputado Júlio Brunelli/ARENA, udenista até 1965. AAL durante a 12ª Sessão em
18 de março de 1974, pp. 204-205.
220
Passagens retiradas da Carta de Porto Alegre” inserida e transcrita na manifestação de Nivaldo
Soares/MDB. AAL, 41ª Sessão em 30 de abril de 1974, pp. 374-381. No mesmo sentido de enaltecimento
da intervenção de 1964, declarou Hugo Mardini/ARENA: as mulheres em 1964 saíram às ruas batendo
panelas vazias. Não havia empregos, havia desemprego. Não havia crescimento, havia inflação. Não
havia condições mínimas de segurança, havia subversão, atentados contras as instituições nacionais.
Esta é a realidade. Foi a inflação e a fome que levou o País a uma revolução social. AAL, ? pp. 38-39.
221
Pronunciamento de Hélio de Souza Santos/ARENA, AAL, durante a 46ª Sessão em 8 de maio de 1974,
p. 8. O Tribunal de Contas da União aprovou de forma unânime a prestação de contas do governo Médici,
contudo, apontou as seqüelas do padrão de desenvolvimento implementado no país (entre tantos o
endividamento externo e a elevação da inflação) através das críticas anexadas ao parecer pelo ex-
presidente nacional da ARENA e membro do tribunal, ministro Batista Ramos.
202
Porém, entre as intenções do bloco dirigente, os atos individuais e os demais determinantes do
movimento da sociedade, a execução do projeto de flexibilização das relações político-sociais, alterando
substancialmente a forma objetiva do processo de dominação política (da mesma maneira que a relação
entre os agentes, o processo social em si), demonstraram ser distintos daqueles previamente definidos
pelo grupo palaciano.
O projeto liberalizante do bloco dirigente, os interesses de frações dissidentes, os planos
emedebistas de ascensão aos centros decisórios, os esforços de conservação de setores da oficialidade
militar, a desconstituição do Estado pela insubordinação e fuga desta, revelaram-se elementos que
balizaram o alcance, a forma e a tempo, não apenas da redefinição do Estado, mas da composição das
peças oratórias da bancada emedebista na Assembléia Legislativa.
Nos primeiros momentos da gestão Geisel o MDB pautava-se pela defesa de um experimento
político ideal, com a restauração de prerrogativas suprimidas em 64 e 68. Logo, estabelecia-se um
programa mínimo, o qual guardava como posições relevantes e eixos fundamentais a democracia, a
justiça social e o nacionalismo.
Neste período, a participação popular ampliada, a democracia efetiva, o caráter do Estado, o
papel dos partidos políticos, todos relacionados à circulação do poder dirigente, sustentaram as falas,
unificando um discurso que, na origem, como já aludido, não possuía identidade alguma, nem
programática muito menos ideológica, dado o caráter de frentão encampado pelo partido quando de sua
instalação por força da lei em 1966.
Da mesma forma, os interlocutores do partido junto ao bloco dirigente,
aqueles respeitados pelos mandatários do país, tinham origem em
partidos conservadores (Franco Montoro era do PDC, Ulysses
Guimarães, Tancredo Neves e Humberto Lucena do PSD), mesmo aqueles
que teciam críticas acintosas outrora compartilhavam o campo de
alianças que naquele momento sustentava o regime de exceção (sendo
este o caso do senador Paulo Brossard de Souza Pinto, um dos mais
argutos opositores do arbítrio, que certa feita chegou a qualificar o
regime e o governo de repulsivo, eleito pelo MDB gaúcho em 1974, mas
que na fase pré-64 fora quadro do Partido Libertador).
A posição arenista esteve em conformidade, como não poderia deixar de ser, com a posição
assumida por Geisel desde a cerimônia de posse, qual seja, a denúncia e o combate aos casos de
corrupção – relacionava-se então à questão das mazelas da centralização política – a repressão ferrenha à
subversão – manutenção do fechamento do poder – e desconstituição dos discursos tidos como
“pessimistas” – que se oporiam à projeção do modelo de desenvolvimento.
Após o anúncio de Geisel acerca da intenção da implementação de mudanças no sistema
político, raras foram as manifestações, mesmo emedebistas, que cogitaram a possibilidade da ampliação
do processo político abarcando setores postergados da esfera do político (caso do mais antigo partido do
país, PCB/PcdoB) e viabilizando outros mecanismos de participação para além da representação,
delegação e tutela do poder.
Mesmo havendo condições concretas para a ampliação do tensionamento com o regime para
além do fato político fomentado pelo bloco dirigente, transpondo o dissenso institucionalizado, as
questões constitucionais não avançaram se não pela mão do bloco dirigente.
As avaliações e denúncias, da mesma forma que os debates gerados por estas manifestações no
parlamento gaúcho, não fizeram avançar o processo de flexibilização das relações político-sociais. No
parlamento, não obstante os discursos cada vez mais avançados e progressistas, imperavam ainda relações
conservadoras nos quesitos de acesso ao poder (forma de garantir o sucesso eleitoral), na relação com o
eleitor e na relação com o regime.
De outra forma, como todo o período que se seguiu, o início da administração Geisel é recebido
no parlamento gaúcho de forma dúbia. Cética por um lado, visto não haver perspectivas de mudanças
efetivas na circulação de poder, tanto que a discussão fundamental ainda recaia na necessidade de
manutenção do Ato Institucional nº 5, o qual alimentou várias sessões onde os temas variam da
legitimidade do presidente e governadores (vide o voto indireto através de Colégio Eleitoral).
Em 74, parte do MDB denunciava a ilegitimidade popular da Assembléia em questões decisórias
como a indicação do governador.
203
Nesta legislatura, ocorreu um deslocamento entre a contenção das práticas parlamentares
oposicionistas (receio à crítica ao regime), fruto das restrições jurídicas (medo das cassações e sanções
disciplinares) e morais (identificação ao passado populista e ao comunismo) que, no mais das vezes,
faziam com que os pronunciamentos emedebistas tangenciassem críticas contundes ao regime e ao
governo, para uma ampliação do espaço de manifestação do dissenso
A precariedade do sistema político, principalmente a desigualdade de condições do embate
político, foi veementemente criticada:
O partido político é um grupo de homens que se reúnem debaixo de um ideal
comum com um objetivo comum. O ideal comum deveria ser o programa
partidário. O objetivo comum deve ser a busca do poder. Partido político que não
tem um ideal não é Partido político, é um amontoado de gente. Partido político
que não busca o poder não é partido político. Pode ser um centro cívico, um
centro literário, uma entidade recreativa ou social, menos Partido político.
222
Sendo um ano atípico, com a proximidade de eleições com possibilidades de vitória
oposicionista, mas sobretudo, pela possibilidade de manutenção da maioria emedebista na casa
parlamentar sem a intervenção do regime, houve um perceptível retrocesso nos debates envolvendo
questões consagradas no início do ano.
Neste contexto, Lélio Souza/MDB denunciava que o projeto de lei que versava sobre a
revogação do Decreto-Lei nº 477, apresentado pelo senador Nelson Carneiro, fôra desconsiderado em
nome do contexto delicado (primeiro ano do mandato de Geisel e ano eleitoral) e da possível instabilidade
que causaria um retrocesso na legislação de exceção.
223
De maneira geral, no decorrer do segundo semestre de 1974, o parlamento gaúcho também
abandonou questões de fundo referente ao Estado, ao sistema político e ao processo de descompressão
política em favor de questões e interesses imediatos, com soluções imediatas. Assumiam-se temas os
quais encontravam um maior número de interlocutores (questões de infra-estrutura, alocação de recursos,
destinação de verbas, formulação de projetos locais de crescimento, etc.).
No decorrer do ano, rarearam-se os pronunciamentos e manifestações sobre a proposição de
mudanças aludidas pelo presidente e voltaram à pauta os debates em torno da comercialização da
produção agrícola, o papel das multinacionais, custo de vida e dificuldades de crédito para os pequenos
produtores.
224
222
Pedro Simon/MDB, AAL, 12 ª Sessão em 18 de março de 1974, p. 223.
223
AAL, 30ª Sessão em 15 de abril de 1974, p. 156.
224
A bancada emedebista, através dos pronunciamentos de Nivaldo Soares e Rospide Netto, procurou
desconstiuir as declarações oficiais de que havia uma aprovação geral das políticas estaduais e federais.
Os deputados demostraram indignação com a declaração do senador arenista Tarso Dutra de que o povo
gaúcho não reclama pois está preocupado em produzir mais, afirmaram que a situação de “penúria”
vivida pelos gaúchos através da alta do custo de vida e restrição de créditos, havia sido gerada pelo
sistema implementado em 1964. AAL 8Sessão, em 7 de agosto de 1974, pp. 42-43. Também foram
feitas denúncias contra o diretor do Banco do Brasil, Peracchi Barcellos, que atuaria como “cabo
eleitoral” da ARENA. Durante a 90ª Sessão, estas críticas foram reiteradas com Alcides Costa/MDB em
20 de agosto de 1974.
204
CAPÍTULO 4
O PARLAMENTO GAÚCHO EM TEMPOS DE FLEXIBILIZAÇÃO
Antes de ser uma obviedade, a versão política de 1974 foi um marco na trajetória do regime de
exceção. A possibilidade de reativação da “vida política democrática” tomou conta dos debates formais e
informais de uma forma e intensidade não vista até então.
Mais precisamente no primeiro quadrimestre daquele ano. Em grande parte, devido ao fato de ter
sido lançada ao debate público a necessidade de alterações no regime de exceção, essencialmente, na
forma como o político estava sendo processado pelo bloco dirigente.
Este novo “conceito” na relação com o “político”, aventado por iniciativa do próprio bloco
dirigente, instaurou um cenário de debate sem os sérios riscos repressivos que esta pauta provocou com
tamanha intensidade até então - característicos do arbítrio da fase de refinamento do Estado.
Pela primeria vez, desde 1964, parcelas significativas do bloco dirigente assumiam que a
sociedade brasileira apresentava sinais evidentes de impossibilidade de funcionamento através da tese
consagrada em 64 e até então hegemônica – de que era desnecessário trabalhar politicamente seus
conflitos ou encaminhar suas tensões para as instâncias do Estado.
Mais ainda, o início da administração Ernesto Geisel/Adalberto Pereira dos Santos identificava-
se com as formulações oficiais para barrar o esfacelamento do bloqueio da sociedade civil (resultando na
drástica redução da imprevisibilidade política), bloqueio este que não mais garantia o controle da
atividade social, ao menos, utilizando os expedientes institucionais de até então.
Com efeito, as conjecturas a respeito da flexibilização do regime de exceção somavam-se aos
borbotões. A âncora de referência, como não poderia deixar de ser, esteve na recuperação dos direitos
liberais clássicos, mesmo que o bloco dirigente não fizesse alusão direta ou concreta, a qualquer tipo ou
possibilidade de redemocratização (a qual significaria circulação de poder decisório, ou seja, a retirada da
oficialidade militar dos centros decisórios de poder).
Portanto, a questão do excedente de poder acumulado pelo bloco dirigente não foi incorporada
neste debate, sendo assim, não seria o Brasil a inaugurar a era das “classes” e frações suicidas no poder.
Após o processo de refinamento do Estado, ou seja, da militarização das estruturas e funções
políticas do Estado, a sinalização de uma inflexão na tendência de acumulação de poder decisório era
tomada por uma inversão substantiva na trajetória do regime.
Logo, e não por acaso, 1974 pode ser identificado sem margem de erros, como o ano da euforia
liberalizante, dado que reconhecia-se manobras governistas em prol da reconstituição do pacto de
dominação, às quais, tomadas e apreendidas pelas arenas políticas, transfiguraram-se em acalorados
debates acerca das possibilidades e dos mecanismos de efetivação das políticas de descompressão, cuja
primeira etapa desta estaria no controle dos instrumentos de repressão.
Todas as questões levantadas pelo bloco dirigente no que diz respeito a implementação de
mudanças no sistema político, foram alçadas a um patamar superior pelo debate parlamentar, o qual
projetava muito mais adiante do que o bloco dirigente aludia estar disposto a conceder. No conjunto das
205
expectativas, até mesmo a indicação de Armando Falcão para o ministério da Justiça (pasta que exercera
durante a gestão de Juscelino Kubitschek) alimentou a convicção de que a descompressão política estava
próxima.
Inevitável relacionar que a agenda “das mudanças institucionais” revestiu-se de novos
significados com a aproximação da campanha eleitoral – pleito a ser realizado em novembro - e assumiu
novas formas após a vitória emedebista naquelas eleições.
Dito isso, alude-se que a tendência eufórica ao debate referente à descentralização de poder teve
um decréscimo nos anos seguintes, ao menos até a efervescência da insubordinação e da fuga desta nos
últimos anos daquela década.
A 7ª Legislatura teve em 1974 seu último ano (com os mandatos iniciados em 29 de janeiro de
1971).
225
Durante o primeiro semestre de 1974, as discussões circunscreveram-se à legitimidade da
escolha do presidente, às limitações à participação popular no cotidiano da política formal, às
perspectivas do governo Geisel, as comparações com a administração anterior (projetando os culpados no
novo e adverso cenário) enfrentamento da crise (projetando-se então um retrocesso nos índices de
crescimento econômico, refluxo de consumo, aumento do custo-de-vida e ampliação do desemprego) e,
fundamentalmente, a projeção de novo tempos em matéria de circulação de poder.
Outrossim, o ano de 1974 singularizou-se pelo fato de marcar o momento em que a ARENA
comemorava e grande parte do MDB lamentava, uma década de regime de exceção, significativamente
aludido pela propaganda oficial como “dez anos de Brasil”.
226
Dez anos de exercício do poder e ainda se fazia necessário explicar as motivações da intervenção
civil-militar, a necessidade de controle do movimento e mudança social (congelamento da sociedade
civil) e por fim, os ganhos das políticas de saneamento da crise do Estado. Simultaneamente, o partido
governista tentava recompor-se internamente após o processo de refinamento do Estado onde o bloco
dirigente prescindiu totalmente de seu “braço institucional”, tanto que o regime configurou-se enquanto
uma ditadura militar de fato.
227
225
A ARENA detinha a maioria na casa (27 deputados contra 23 do MDB). A mesa diretora da
Assembléia Legislativa que cumpriu mandato nos dois últimos anos da 7ª Legislatura (entre 1973 e 1974)
foi composta por: Fernando Gonçalves (presidente), Hed dos Santos Borges (1º vice-presidente), Affonso
Anschau (2º vice-presidente), Rubi Diehl (1º secretário), Adolpho Puggina (2º secretário), Antonino
Fornari ( secretário) e Oscar Westendorff (4º secretário).
226
A crítica contundente aos resultados econômicos deu o “tom” da bancada emedebista durante o
aniversário da revolução”, principalmente nas manifestações de Moisés Velsaquez e Waldir Walter, os
quais foram prontamente replicados por Hugo Mardini que alegava que o bloco dirigente havia se
ocupado naquela década que findava em construir a Nação. AAL, 25ª Sessão em 5 de abril de 1974, pp.
61-62. Na mesma sessão, Pedro Simon/MDB, manifestava a ausência de evidências que justificassem
uma comemoração ao regime. Entre os inúmeros debates pitorescos e até jocosos, a passagem alusiva aos
dez anos rendeu denúncias de doutrinamento compulsório. Rospide Netto/MDB relatou o caso de que as
aulas do Ginásio Estadual José Loureiro da Silva em Esteio, foram suspensas para que os alunos infantos,
obrigatoriamente segundo o deputado, pudessem comparecer ao Clube Aliança onde foi proferida palestra
em homenagem ao aniversário da “revolução”. AAL, 23ª Sessão em 3 de abril de 1974, p. 19.
227
Esta foi a constatação do Pedro Simon/MDB, que se referiu ao programa transmitido em cadeia
nacional de televisão onde, em boa parte da transmissão, o presidente Geisel e seus ministros justificavam
a necessidade da intervenção em 1964, sinal óbvio segundo o deputado, de que a população não havia
entendido as fundamentações do movimento. De outro modo, as divergências domésticas na ARENA
diziam respeito essencialmente às orientações do governo que findara (Médici) e as proposições de
206
Da mesma forma, a bancada emedebista, não obstante reconhecer os avanços econômicos
obtidos pelo regime, tentava relativizar os índices, dada a situação de negação dos direitos políticos
fundamentais. Procurava estruturar a argumentação a partir da mensuração do processo de
desenvolvimento ao preço do sacrifício das instituições democráticas. Rospide Netto/MDB reivindicava
que os êxitos no campo econômico fossem traduzidos em aprimoramento político e desenvolvimento
social.
228
Mas esta década a louvar ou a denunciar, enredava uma questão de fundo que reconduziria o
debate acerca da legislação de exceção às tribunas das instâncias de representação política (que envolvia a
revogação dos atos institucionais, reformulação da Lei de Segurança Nacional, fortalecimento dos
poderes judiciário e legislativo).
Naquele ano encerrava o prazo de degredo político provocado pela suspensão das faculdades
civis e políticas (cassações e inelegibilidades) durante a “primeira leva” de utilização de atos
discricionários nos instantes iniciais da intervenção civil-militar em 1964. Passadas as sanções previstas
na legislação de exceção, aquelas então estariam aptas a voltarem às atividades políticas e públicas,
aumentando, portanto, as razões da euforia “liberalizante”.
Porém, em uma declaração ao oficial diário radiofônico “Voz do Brasil”, o ministro da Justiça
Armando Falcão apressou-se em declarar que a revolução é permanente e que determinadas medidas não
se vencem pelo tempo; lançava-se luz, oficialmente, sobre um cenário desfavorável a qualquer intenção de
descentralização de poder ou mesmo flexibilização imediata das relações políticas, como pode
depreender-se desta passagem:
Não existe portanto, significação especial em que se vençam no tempo
determinadas medidas específicas de forma e fundo revolucionários, preventivas
ou repressivas, sempre suscetíveis de revigoramento pronto e imediato, caso se
tornem necessárias. Quem houver sido punido e na vigência de punição ou depois
dela, dentro do território nacional, estiver entregue ao trabalho individual
pacífico, na linha de atividades pessoais neutras e sem tentar perturbar o
processo revolucionário ostensiva ou disfarçadamente
, certamente poderá
permanecer como se encontra. A Revolução, entretanto com prazos vencidos ou
sem eles, a título algum permitirá o retorno dos responsáveis pela situação que
ameaçou levar o País ao caos
.
Não serão admitidos os desafios e as contestações
e o Governo saberá usar os instrumentos legais de que dispõe, ordinários ou extra-
ordinários para continuar garantindo, na xima plenitude, a ordem, a paz e a
estabilidade que respondem vitalmente pelo desenvolvimento do Brasil.
229
mudanças da nova administração, exemplificada esta oposição na situação causada pelo vice-líder
arenista, José Lindoso, ex-governador do Maranhão, que rebateu as críticas do senador José Sarney
(ARENA/Amapá) de que o presidente Geisel teve a coragem de desnudar e desvelar os índices
inflacionários com efeito, “angariou apoio da Nação”, dando a entender que a gestão anterior “maquiava”
estes dados. AAL, durante a 23ª Sessão em 3 de abril de 1974, pp. 28-32.
228
AAL durante a 33ª Sessão em 18 de abril de 1974, pp. 228-244. Nesta mesma rodada de debates, o
deputado Waldir Walter/MDB esboçou uma análise da trajetória do regime carregada de significados:
...eis que nos cabe dizer que uma situação que tem sido plenamente autoritária ao longo destes “dez anos
de Brasil” exceção apenas, de um breve intervalo ao tempo do presidente Arthur da Costa e Silva.
Grifos nossos.
207
A declaração surtiu efeito imediato no parlamento gaúcho, levando o líder emedebista a reagir
enfaticamente, afirmando que, estando a revolução normalizada e de posse do poder sem focos de
subversão, portanto em um ambiente de paz e tranqüilidade, não haveria necessidade desta se impor pela
excepcionalidade dado que o prazo de dez anos havia sido estabelecido por um Governo que foi
Revolucionário (a gestão de Castelo Branco/Alkimin) e que o MDB fazia uma oposição aberta pois:
não aceitamos subversões, não aceitamos movimentos de violências, não queremos
ambientes de ódio. Pretendemos galgar o governo pelo voto popular, (...) o dia em
que isso acontecer não será para fazer no governo o que fazem os homens de hoje,
não será para momentos de vingança, de ódios ou de retribuição daquilo que se
recebe. Será para o chamamento nacional ao bom senso aos brasileiros para todos
compreenderem que o Brasil a todos pertence.
230
Dentre as tantas qualidades do deputado Simon, certamente o estava o dom da premonição.
Entendendo que o havia ainda um cenário de refluxo na militarização dos centros decisórios (pelas
próprias seqüelas do refinamento do Estado) e demonstrando uma grande capacidade de análise
conjuntural (para além do que a direção nacional do partido fazia), o deputado interpretou a mensagem
oficial e observou o quadro político que se desenhava (a da recomposição de forças políticas e da
necessidade de conciliação como pressuposto de qualquer alteração).
Posteriormente, na época da aprovação do projeto de anistia, declarações deste mesmo teor
garantiriam que o “não revanchismo” seria peça fundamental na concretização e viabilização da
reintegração do sistema político e na volta da oficialidade aos quartéis.
Como demonstração de que o bloco dirigente não se furtaria a utilizar expedientes próprios da
excepcionalidade - indo em posição contrária às teses de descompressão defendidas com tanto vigor no
parlamento - antes da posse de Geisel, surgia a primeira celeuma institucional, a qual veio a enredar o
deputado federal pela Bahia, Francisco Pinto. O emedebista foi interpelado pelo ministro da Justiça junto
à Procuradoria Geral da República e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, em virtude de
manifestação na tribuna da Câmara dos Deputados contra a presença do general Augusto Pinochet nas
solenidades que antecederam a transição e a entrega da faixa presidencial, por certo e inevitavelmente
uma reunião de líderes de regimes autoritários.
229
Nota do Ministro da Justiça Armando Falcão em 9 de abril de 1974 entregue para transcrição aos
Anais da casa parlamentar pelo deputado Pedro Simon/MDB. AAL, 29ª Sessão em 10 de abril de 1974, p.
132. Grifos nossos.
230
Id., p. 131-132. Grifos nossos. Posteriormente, ocuparam a tribuna para debater esta questão os
deputados Carlos Giacomazzi/MDB, Waldir Walter/MDB, Moisés Velásquez/MDB, João Carlos
Gastal/MDB (insistindo que o MDB não reivindicava o retorno da situação pré-64, de desordem e
subversão, mas sim fazia oposição legal ao regime de exceção) e Pedro Américo Leal/ARENA sendo que
este último argumentou que figuras que provocaram desordem e incentivaram o caos não poderiam ser
reintegradas ao processo e a vida política, nem poderiam ser merecedores da defesa da bancada
emedebista. O deputado Pedro Américo Leal insistia em uma questão que perdera fôlego, a saber, a
vinculação da publicação do AI-5 com o discurso do deputado federal Márcio Moreira Alves, algo como
acusar o assassino do arquiduque Francisco Ferdinando como responsável pela I Guerra Mundial. In.:
AAL, 29ª Sessão, em 10 de abril de 1974, pp. 130-136.
208
Segundo o deputado Ilha Moreira/ARENA, o governo agiu nos conformes da lei, sem utilizar, o
que seria natural neste caso, os poderes discricionários, procedimento acolhido pelo sistema político
institucional, sendo que nem mesmo o MDB baiano saiu em defesa do deputado denunciado.
231
Ao refutar as afirmações arenistas, Rospide Netto/MDB, de maneira sintomática, procurou
justificar a posição assumida por Paulo Brossard – quando este participou da base de alianças da coalizão
intervencionista: estava ao lado dos que haviam traçado uma norma de conduta, mas que logo depois
desviaram-se, deixaram de seguir a linha castelista, daquele que foi um democrata que deixou uma
Constituição, que logo depois foi rasgada, enchovalhada, desfigurada e esquecida. A Revolução passou a
aplicar Atos Institucionais, atos de força.
232
Se por um lado, dez anos após a intervenção, o bloco dirigente necessitava manter um discurso
áspero na área política-institucional (antes sinal de fragilidade do que de força do regime, dado o evidente
desgaste do exercício prolongado do poder) este mesmo tom era inadequado para a área econômica, dado
que esta, definitivamente, passou a conviver com escassez de recursos (refletindo diretamente na taxa de
crescimento), desequilíbrio na balança de pagamentos, aumento na concentração de renda, refluxo no
avanço tecnológico.
233
Embrionariamente, o regime começava a conviver com os efeitos de um quadro conjuntural
adverso. O mesmo ano da euforia “liberalizante” fechou com um índice inflacionário de 34,5% e um
crescimento do produto real na casa dos 8%, o que representou uma queda, visto que no ano anterior a
taxa de inflação foi de 15,6% e o crescimento do produto real de 14%. Ao mesmo tempo, causava espanto
para setores estratégicos da vida econômica nacional o rápido aumento do endividamento externo, a
explosão do custo de vida e a crise no setor primário.
234
Mesmo com a segunda versão do Plano Nacional
de Desenvolvimento (II PND), o governo não reuniu condições para reverter a situação (a tentativa de
prorrogação da fase do “milagre econômico” por aquele programa se revelou um fracasso):
A política econômica seguida nos últimos anos pelo “sistema revolucionário” que
se instalou no poder em 1964, longe de transmitir e produzir a tranqüilidade e os
resultados que satisfizessem a Nação e o povo brasileiro tem apresentado,
principalmente nos últimos meses, índices nada animadores para a vida do País.
Decorridos dez anos da instauração do atual regime, o qual, é bom lembrar, veio
segundo os seus dirigentes, para sanear a vida econômica, financeira,
administrativa e política do País, o que se vê no momento, são problemas, agora
231
AAL, 30ª Sessão, em 15 de abril de 1974, pp. 159-160.
232
Id., p. 160.
233
Entre os analistas da versão econômica da crise do Estado ver: AFFONSO, Rui; SAMPAIO Jr., Plínio;
SCHWARTZ, Gilson. Política Econômica e Democratização: O Impasse Brasileiro. In.: REIS, Fábio
Wanderley & O’DONNELL, Guillermo (orgs.). A Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas. São
Paulo: Vértice/Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 150-167. FURTADO, Celso. O Brasil Pós-
“Milagre”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. TAVARES, Maria da Conceição; DAVID, Maurício Dias
(eds.). A Economia Política da Crise. Rio de Janeiro: Vozes, 1982. SINGER, Paul. Reflexões Sobre
Inflação, Conflito Distributivo e Democracia. In.: REIS, Fábio Wanderley & O’DONNELL, Guillermo
(orgs.). Op. Cit., pp. 91-135.
234
Em 1972 a dívida externa brasileira estava na casa dos US$ 5,3 bilhões e, dois anos mais tarde, chegou
a US$ 12 bilhões (ainda pouco perto dos US$ 47 bilhões em 1980).
209
maiores, infinitamente maiores do que aqueles encontrados em 1964 em todos os
planos da vida nacional.
235
Ainda segundo o deputado, a trajetória de “enfeixamento” dos poderes institucionais em nome
da centralização política no executivo desde 1964 (os que exercem o poder na sua plenitude), acabaram
por conduzir o país a uma situação crítica. Concomitantemente, Antônio Carlos Rosa Flores/MDB
aparteava ressaltando que a descrença localizava-se especificamente nos equívocos cometidos pelo
governo. Ao preservar o regime, ressaltava a tônica parlamentar de busca do experimento político ideal
nos limites da excepcionalidade.
236
Muito embora os parlamentares reconhecerem que a fase de ajustes econômicos e políticos
impostos à sociedade e às suas instituições desde a instauração do regime (a transferência de hegemonia e
instrumentalização dos centros decisórios de poder), tivesse revertido em uma exitosa etapa reativa ou
salvacionista (eliminação da ameaça subversiva e contenção político-social, reordenamento
administrativo e garantia da manutenção da hierarquia e disciplina da instituição militar).
Contudo, passados dez anos, a sociedade que, privada do Estado de Direito, não teve como
contrapartida o equacionamento de seus problemas imediatos, das camadas populares (denunciados no
decurso de um mandato ou de uma legislatura como desemprego, acesso restrito à educação, habitação e à
saúde, aumento no custo de vida, aumento da criminalidade, etc.), dos setores médios (garantia de
preservação do “milagre econômico” e segurança) e mesmo, de frações das camadas dominantes
(efetivação das condições indispensáveis à aceleração da acumulação do capital), muito menos os anseios
gerais que demandavam um longo prazo para consecução: o desenvolvimento como modernização
propriamente dito, o qual, seria razão da existência do próprio regime.
Ocorre que, no início do mandato de Geisel, havia indícios de que a evolução natural do regime,
mantida a sua estrutura, conduziria ao colapso do sistema como um todo. A aplicação do II PND, por
exemplo, desencadeou uma aceleração do processo que privilegiava o setor estatal, o qual fomentou
oposições no próprio bloco dominante contra este tipo de política e contra o setor que as definia
tecnicamente (a tecnoburocracia).
237
Aqui um parêntese que se julga pertinente: na análise da delicada negociação para a retirada da
oficialidade militar dos centros decisórios de poder - a conciliação pela e para a transição - a longa
duração do processo foi relacionada às negociações pela garantia do “não-revanchismo” devido a
participação direta da instituição militar nos órgãos e ações repressoras. Contudo, poucos autores e
analistas enfatizaram o que poderia representar um outro obstáculo para a abertura: a oficialidade militar
dirigia a maioria das empresas estatais, cerca de um terço dos 360 cargos de maior expressão da
administração pública federal estavam sob controle de militares, representando controle significativo de
grandes orçamentos, chefia de pessoal, execução de obras ou projetos, etc.
235
Palavras de João Carlos Gastal/MDB, AAL, 53ª Sessão em 20 de maio de 1974, pp. 255-256. Neste
polêmico tema, envolveram-se nos debates os deputados Rubi Diehl, Getúlio Marcantonio, Antônio
Carlos Rosa Flores e Firmino Girardello.
236
Id., p. 259.
237
Como afirmara o deputado Pedro Simon/MDB defendemos a alteração da política econômica e social
deste governo, que achamos injusta; defendemos o revigoramento da economia nacional que, como disse
o Presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, virou sanduíche entre o capital
estrangeiro e o capital estatal. AAL, 29ª Sessão em 10 de abril de 1974, p. 131.
210
Somadas, a fragmentação da base de sustentação do regime ao processo de insubordinação e a
nova conjuntura internacional criaram condições históricas para a mudança
do
regime, antes mesmo
daquelas processadas
no
regime.
238
Paradoxalmente, este mesmo período demarcou o início do tempo de amarrar novas alianças
com vistas em um futuro próximo, à implementação das mudanças (que acabariam por resultar em uma
descompressão política) em prol da manutenção do regime de exceção.
No decorrer do mandato de Geisel, gradativamente, um projeto político renovado era colocado
em prática, tanto pela atuação do palácio, pela mistificação do controle da caserna, pela reformulação das
bases de atuação da excepcionalidade, quanto pela revitalização do sistema político.
O anúncio e os movimentos de revitalização das instâncias de representação política, às quais
viam-se em meio ao estrangulamento político-institucional provocado por uma série de questões
(analisadas no capítulo anterior), esteve tanto a alimentar esperanças quanto a sufocar discursos
oposicionistas mais acintosos em nome da construção da normalidade política.
Determinados procedimentos do bloco dirigente também faziam as esperanças alçarem vôos em
direção contrária ao arbítrio (por exemplo, o governo brasileiro foi o primeiro a reconhecer o governo
português ungido pela “Revolução dos Cravos” o qual punha um termo à ditadura salazarista).
Na Assembléia Legislativa, a dualidade de ordenamentos potencializava mais uma série de
questões e, entre tantas, as limitações próprias de um sistema bipartidário imposto no momento de
consolidação de identidades partidárias.
De ambos partidos pulsavam acusações de revisões de posicionamentos, incoerências políticas e
inconstâncias de alianças. O MDB, através de seu líder Pedro Simon, sustentava a dubiedade da política
de ampliação de interlocutores por parte do governo. Como exemplificação, alardeou-se o caso do ex-
governador do Piauí e então senador e presidente nacional da ARENA Petrônio Portella, que na
conjuntura da intervenção de 1964 filiava-se às hostes janguistas e que dez anos mais tarde, cumpria
tarefas e missões políticas para o governo que condenara ao desterro político João Goulart e as principais
lideranças do PTB.
239
238
A alteração substantiva na conjuntura econômica internacional foi muito bem apreendida por João
Carlos Gastal/MDB, quando discorreu acerca da instabilidade monetária, erosão do valor do dólar e
falência da política do Fundo Monetário Internacional: o é de ontem, nem de 1973 que se esboçava
na economia mundial uma crise como a que experimentam os países industrializados e mesmo os países
em desenvolvimento. O atual Governo, do Gen. Geisel, está adotando medidas de ordem econômica que
afrontam diretamente com a política anterior do Gen. dici. Todos os incentivos foram dados
anteriormente à indústria, isenções e benefícios tributários que a mesma não transferiu ao homem e a
coletividade brasileira, além dos baixos salários pagos em todo o País, a produção industrial, os
produtos manufaturados são, via de regra, também dos mais caros. AAL, 24ª Sessão em 4 de abril de
1974, pp. 55-58. Da mesma maneira, Waldir Walter/MDB fez uma ilação da questão brasileira com o
contexto europeu concluindo que o que o velho mundo reconhecia como afloração do processo
democrático, no Brasil era apreendido como agitação inconseqüente não se pode confundir uma nação
calada e amorfa com uma nação em ordem e tranqüilidade. O Brasil é uma nação quieta, sufocada.
Existem nações que estão em ordem e tranqüilidade e não estão quietas. Estão se manifestando. Alguns
setores da imprensa chamam isso de crise política. É o exercício da democracia. In.: AAL, 33ª Sessão em
18 de abril de 1974, pp.236-237.
239
A manifestação mais contundente do deputado esteve no momento em que procedeu a leitura de um
pronunciamento do então governador do Piauí, Petrônio Portella em de abril de 1964, publicado dez
anos após pelo “Jornal da Tarde”, contra a quebra da legalidade e derrubada do presidente Goulart. AAL,
25ª Sessão em 5 de abril de 1974, pp. 79-80.
211
A bancada da ARENA apegava-se ao caso do ex-deputado estadual do PL, Paulo Brossard de
Souza Pinto, prócer da campanha contra o governo Goulart, secretário do interior do governo Ildo
Meneghetti. Brossard foi um dos apoiadores de primeira hora da intervenção civil-militar de 64, tendo
endossado a utilização de instrumentos excepcionais na cassação de uma série de mandatos. Mas, sendo
um dos notórios dissidentes do regime, passou a empreender, em um cenário de avanço oposicionista,
campanha contra a estrutura do Estado pós-64 e o que julgava ser distorções legais e constitucionais.
Para além da aparência, estes debates serviram de pano-de-fundo para as reais intenções dos
parlamentares: debater questões afetas à escolha do candidato arenista à sucessão estadual (1974 também
demarcou o fechamento do mandato de Euclides Triches).
O MDB julgava ter se tornado de domínio público a ausência de condições de disputa eleitoral.
Em decorrência, o candidato escolhido pelo partido oficial seria o novo ocupante do Palácio Piratini. A
oposição defendia que as cisões da ARENA e o debate sucessório não poderiam ser tratados como
questões internas, mas sim, que os critérios de indicação do candidato fossem abertos ao debate
parlamentar, visto envolver os interesses de todos os gaúchos (as peças oratórias emedebistas procuravam
expor a falta de unidade da ARENA através das disputas que envolviam Tarso Dutra, Fernando
Gonçalves, Edmar Fetter, Telmo Thompson Flores e Peracchi Barcellos). O MDB ainda desconstiuía o
processo de sucessão em razão da interferência do bloco dirigente. Relacionava-se os embates domésticos
da ARENA à “condomínios políticos”, designação utilizada na fase pré-64 na relação dos partidários do
PTB com o presidente Goulart e com o governador Brizola.
240
Por fim, com interferência direta do Palácio do Planalto, foi definido o nome do deputado federal
Sinval Sebastião Duarte Guazzelli para a sucessão estadual. Sendo um político na acepção do termo, a
indicação foi convertida em etapa do aperfeiçoamento da vida democrática.
241
240
Envolveram-se nesta discussão os deputados arenistas Hugo Mardini, Hélio de Souza Santos e Rubem
Scheid e os emedebistas Pedro Simon, João Carlos Gastal e Lino Zardo. AAL, durante a 25ª Sessão em 5
de abril de 1974, pp. 81-85. Esta pauta retornou ao plenário em diversas oportunidades, entre tantas, na
27ª Sessão quando o tema provocou mais uma rodada de acirrados debates envolvendo os deputados
Pedro Simon/MDB, Sérgio Medeiros Ilha Moreira/AREN e Hed Santos Borges/ARENA. AAL, 9 de abril
de 1974, pp. 97-100. Posteriormente, a tribuna voltou a ser palco deste tema durante a 30ª Sessão em 15
de abril de 1974, onde fizeram uso da palavra os deputados Rospide Netto/MDB e Pedro Simon/MDB,
pp. 148-151. Na 35ª Sessão, em 22 de abril, definida a candidatura de Synval Guazzelli, Júlio
BrunelliARENA salientou o fortalecimento do partido oficial no objetivo de renovação de toda a vida
nacional dentro dos postulados e metas da Revolução de 1964. Pp., 249-250. A discussão acerca da
expressividade da vontade popular em pleitos indiretos foi tema em AAL, 37ª Sessão, em 24 de abril de
1974, pp. 293-298, pp. 302-307 onde afirmou o deputado Rubi Diehl/ARENA ser bom a eleição indireta
de Prefeitos, seria uma valorização do Poder Legislativo, seria a necessidade do eleitor escolher bem os
seus representantes porque teriam uma incumbência maior. p. 305. Pedro Simon/MDB contestava o
processo sucessório estadual não pela forma em si, mas pela composição dos eleitores que estavam em
final de mandato parlamentar: Presidente João Dêntice [presidente nacional da ARENA] e ao Presidente
Nacional da República General Ernesto Geisel, apresentar, num ato de grandeza, o apelo para que as
eleições para os futuros Governadores de Estado sejam feitas pelas futuras Assembléias Legislativas.
AAL, 35ª Sessão em 22 de abril, pp. 261-266.
241
Palavras do deputado Hugo Mardini/ARENA. AAL, 32ª Sessão em 17 de abril de 1974, p. 187.
Argumentação endossada por toda a bancada através das manifestações de Getúlio Marcantonio, Rubem
Scheid e Urbano Moraes. O processo sucessório estadual, foi compreendido pela ARENA como um
avanço nas relações entre o governo e as instituições políticas na medida em que Petrônio Portella
ascultou a “classe política” - tarefa delegada pelo próprio presidente quando da definição da chapa, que
ao final foi composta, além de Guazzelli, por José Augusto Amaral de Souza como candidato a vice-
212
A bancada do MDB contrapunha os eventos sucessórios com a apologia à “Revolução dos
Cravos” e à queda do regime ditatorial, a ARENA replicava endossando o procedimento adotado pelo
governo Geisel na questão da sucessão estadual escolhendo candidatos afetos à vida pública e política do
estado.
242
Tendo tomado grande repercussão, a questão política portuguesa acabou por insuflar temas
elucidativos das questões nacionais, e estes, ora veladamente, ora de forma explícita, serviram de mote
para o debate do sistema político brasileiro.
A bancada do MDB, sob pretexto de aludir o êxito da sociedade portuguesa em definir sua
direção política, teceu duras críticas aos regimes cujo centro político pautava-se pela excepcionalidade e
suspensão das faculdades democráticas.
De outra parte, o arenista Rubem Scheid alegou que o movimento revolucionário de Portugal,
que derrubou o regime de Salazar, incorreu num gravíssimo pecado pelo qual o povo português haverá
de arrepender-se amargamente: admitiu a volta de todos os comunistas que haviam sido expurgados no
país e admitiu a legalização do Partido Comunista. E se não se cuidarem incidirão numa outra ditadura
que será de extrema esquerda.
243
Como réplica, o pronunciamento de Waldir Walter, construído por analogias, analisava a
conjuntura portuguesa:
em Portugal, as liberdades eram violentamente suprimidas. Os trabalhadores
não podiam se organizar como se organizam nos Estados modernos; os estudantes
não podiam se manifestar politicamente. Eram perseguidos. Assim, a exemplo das
demais ditaduras, o povo sofria violências em Portugal, como se sabe, durante 42
anos. A ditadura de Salazar mantinha, como as demais, uma polícia violenta e que
hoje é considerada criminosa, a “PIDE” Polícia Internacional de Defesa do
Estado. (...) O governo falava muito sobre segurança em Portugal, durante todo
esse tempo, enquanto os integrantes da PIDE agiam em nome da segurança do
Estado que, na verdade não era segurança do Estado, mas segurança do Governo
e, como acaba de ser provado, era segurança de uma minoria que permanecia
durante todo esse tempo no governo daquela nação amiga. Essa polícia política é
que dizia e julgava, através de atestados, se esse ou aquele cidadão português
poderia ou não exercer função pública (...) eram esses homens que davam
atestados de ideologia política. Isso acontece nas ditaduras e por isso acontecia
em Portugal.
244
A análise do partido oficial em Portugal lembrava em muito as denúncias da bancada emedebista
quanto a desigualdade da disputa eleitoral e quanto à “miragem” política proporcionada pelos pleitos sem
liberdade de organização, mobilização e dissenso:
O partido da Ação Nacional Populista, agremiação do sr. Oliveira Salazar, o
partido do governo, conseguia extraordinárias, esmagadoras vitórias eleitorais e,
os seus integrantes batiam no peito dizendo que o povo estava com o partido do
governo, porquanto ele vencia sempre as eleições. Em setembro do ano passado
governador e Nestor Jost e Manoel Braga Gastal para o senado. Leitura do processo proposta pelo
deputado Hed Santos Borges/ARENA. AAL, 32ª Sessão, em 17 de abril de 1974, p. 194.
242
A posição da bancada emedebista foi exortada por Nivaldo Soares, a objeção arenista por Hugo
Mardini. AAL, 39ª Sessão em 26 de abril, pp. 337-346.
243
AAL, 46ª Sessão em 8 de maio de 1974, p. 102.
244
Id., p. 103. Grifos nossos.
213
houve eleições para a renovação do Assembléia Nacional Portuguesa e a opressão
foi tanta que a oposição teve que se retirar do pleito.
245
Naquele momento, o MDB vivia as incertezas da flexibilização das relações político-
institucionais propostas pelo governo Geisel, onde a necessidade do abrandamento do controle da
imprensa ocupava o centro das discussões, logo:
Atualmente o mundo inteiro sabe – porque a imprensa está a noticiar que
Portugal está trinta anos na retaguarda das mais atrasadas nações européias. Mas
até pouco tempo, o mundo não sabia disso e muito menos o povo português.
Portugal era considerado uma maravilha, o progresso e o desenvolvimento eram
fantásticos. Mas a verdade um dia acaba aparecendo. Hoje, quando a imprensa
não tem mais censura, quando as agências noticiosas podem transmitir livremente
notícias de Portugal, o mundo fica sabendo que essa nação encontra-se
tremendamente atrasada (...) e não podia ser diferente porque nenhuma ditadura
traz progresso para qualquer nação: o progresso vem com a democracia.
A revolução portuguesa, contrariamente a outras revoluções, a outros movimentos
políticos e militares, foi recebida com a simpatia em todo o mundo. Refiro-me,
naturalmente, a todo o mundo democrático.
Uma nota interessante que ficou evidente, patente desde o início, foi a ausência de
violência no movimento vitorioso em Portugal. A Junta que foi constituída para
dirigir os destinos portugueses em seguida, não se preocupou muito em
perseguições.
246
Em situação desfavorável, a bancada arenista deslocou a questão, comparando os processos
políticos sob enfoque das profundas relações entre a intervenção civil-militar brasileira e a revolução
civil-militar portuguesa:
Em se tratando de um movimento militar que derrubou uma ditadura. Enquanto
em Portugal realmente foi uma ditadura que caiu, aqui no Brasil nós temos nos
Parlamentares brasileiros a voz atuante da Oposição para formular a qualquer
momento, as críticas que se fazem necessárias ao Governo. (...) Diferindo de
outros países do mundo, Portugal e Brasil fizeram seus movimentos militares onde
não se viu derramamento de sangue.
247
Por esta ótica, como aqui, o houveram violências explícitas e sanções desnecessárias que
fugissem ao controle da coalizão que ascendia ao poder (ao contrário do caso chileno). No Brasil de 64 e
245
Ibid.
246
Ibid.
247
Manifestação de Sérgio Ilha Moreira/ARENA. In.: Ibid., pp. 103-104. Waldir Walter/MDB,
rememorou o término do período de suspensão dos direitos políticos (dos cassados na primeira leva” da
intervenção), excluídos do processo político e da vida pública sumariamente, sendo assim, as
semelhanças elencadas pela bancada arenista, visualizando intenções idênticas no processo que originou a
“revolução dos Cravos” e aquela que viabilizou a intervenção civil-militar no país eram insustentáveis, o
que existe é uma outra semelhança que o vou citar, porque não vim à tribuna com este propósito.
Alegaou que nenhuma nação poderia intitular-se democrata quando o governo promovia o exílio de seus
opositores, quando seus mandatários negavam eleições livres pelo voto direto para todos os níveis, onde
não existia liberdade de expressão e de pensamento, nem a garantia dos direitos fundamentais aos
cidadãos e que, por fim, obstruíssem a formação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Enfim, o
deputado reuniu todas as bandeiras de luta emedebista ao referir-se à uma questão externa. In.: Ibid.
214
no Portugal de 74, em poucas horas, o povo estava a confraternizar com os vitoriosos revolucionários,
portanto, a coalizão intervencionista de forma alguma poderia ser classificada como algozes da nação,
pois, as forças comprometidas com a ordem engrossaram as fileiras dos movimentos que viriam ao
encontro dos interesses nacionais.
Se, de parte da oposição, a ponderação e a prudência nas declarações haviam caracterizado a
utilização das tribunas, após 74 ocorreu uma reversão. Setores que a então, se não endossavam
abertamente, omitiam-se na denúncia aos excessos do arbítrio, quando o Estado deixou de cumprir seu
papel progressista, partiram para a desconstituição da forma assumida por aquele no processo de
refinamento do Estado.
Após cumprir tarefas históricas imprescindíveis ao projeto que se tentava implementar, o regime
alcançou um ponto de mutação, demarcando uma “viragem” nas bases que o sustentavam.
Estas transformações potencializaram uma candente incapacidade de dominação política. Como
efeito e resultante deste processo, ocorreu o deslocamento de frações da camada dominante para um
inexorável campo de alianças de oposição ao regime. Desta maneira, as forças que durante a primeira
década do regime de exceção cumpriram um papel essencialmente retrógrado do ponto de vista da
insubordinação das camadas dominadas, travestiram-se de forças progressistas na luta contra os efeitos
adversos da centralização do poder decisório, processo este que se prolongou durante a metade final da
década de 70 e início dos anos 80.
Neste sentido, o ano de 1974 também demarcou este deslocamento na correlação de forças
políticas no Brasil.
Mesmo assim, era evidente a forma cautelosa com que a bancada oposicionista ponderava a
relação entre a crise da liberal-democracia em países atrasados e o atraso dos países autoritários. Waldir
Walter/MDB alegou que Brasil, Chile, e Portugal constituíam casos distintos de movimentos político-
militares. Para este, em Portugal ruira uma ditadura em nome dos preceitos democráticos, nos países
latino americanos citados, governos constitucionalmente eleitos pela sociedade eram destituídos pela
intervenção das armas. Esta declaração foi povoada de cuidados e tergiversações para não atingir um
nível de afronta ao bloco dirigente, sendo então passível de punição pela legislação de exceção.
Pressionado por Rubem Scheid/ARENA (então V. Exa. Fez uma comparação entre a revolução do Chile,
a revolução do Brasil e a revolução de Portugal.), o deputado emedebista alegou que todas as ditaduras
oprimem seus cidadãos (pois impunham asfixia política em nome da segurança), defendendo que a
democracia seria uma fatalidade histórica:
a democracia é um determinismo histórico e os tiranos estão chegando a seu fim,
os regimes democráticos haverão de se consagrar para sempre (...) a Humanidade
ingressou numa fase em que o haverá mais lugar na história para ditadores,
para tiranos, mas sim, para estadistas e verdadeiros democratas.
248
O País seria reconduzido então ao Estado de Direito independentemente da ação dos sujeitos,
desvinculado de qualquer processo que não o desenvolvimento do próprio regime e das políticas
implementadas pelo governo.
248
Ibid., p. 104 e pp. 105-107. Grifos nossos.
215
A busca pelo experimento político ideal nos parâmetros demarcados pelo regime representava as
limitações de um raciocínio que condicionava o presente à idéia de progresso, reduzindo a experiência
parlamentar em função de uma finalidade que negava a dinâmica constitutiva da própria política. Não à
toa, a democracia discutida no parlamento demonstrava ser uma abstração pois que, desvinculada de um
movimento político impulsionado por forças sociais e por interesses específicos para muito além do
controle dos centros decisórios de poder, da conquista institucional do Estado (vitória no processo
eleitoral).
Para o partido oficial, o país passava por um processo semelhante ao de Portugal. Em 1964,
através de uma ação de decisão que esboçava a autoridade dos setores comprometidos com a ordem e a
segurança interna (sendo ato de autoridade, diferindo então de um ato autoritário) e que, da mesma forma
que o General Spíndola (anteriormente comprometido com forças anti-democráticas) e a concepção
ideológica e as forças político-econômico-sociais que representava, assumia a tarefa histórica de
reconstruir e aprimorar o ordenamento democrático, da mesma forma procedia a coalizão intervencionista
no Brasil, que reuniu o desprendimento necessário para sanar o impasse nacional que se observava
naquele momento.
249
Novamente uma análise parlamentar cortava o caráter processual que levou a
desconstituição do governo Goulart.
Ao seu turno, o MDB reiterava que a ampla participação política seria condição indelével para
que o movimento revolucionário português não se desvirtuasse – como, acreditava a oposição, havia
ocorrido no Brasil.
No conjunto de particularidades, ambas bancadas aproximavam-se quando a questão deslocava-
se para os riscos de desagregação partidária. Logo, eram saudadas as iniciativas do bloco dirigente em
ampliar o pacto de dominação, dando início a um movimento político no interior da camada dominante
(como demonstraram os encontros ente Geisel e Ulysses Guimarães no mesmo mês de abril).
Em determinado momento, os debates no parlamento gaúcho conduziram a um dilema: qual
partido estava em situação mais desfavorável, a ARENA, que era sistematicamente ignorada nas decisões
fundamentais do governo ou o MDB, cuja função de oposição não surtia o menor efeito nestas mesmas
políticas.
Hugo Mardini reiteradamente fazia referência ao caráter “xifópago” dos partidos ungidos pela
legislação de exceção, criados por atos que a oposição sistematicamente condenava.
250
Também
lamentava João Carlos Gastal: a nossa obrigação, especialmente nós do Movimento Democrático
Brasileiro - já que não temos capacidade de ação e poder de ação – é alertar.
251
Como figura: disputava-se qual posição seria menos ineficaz,
não ser ouvido ou não ter voz
.
249
Declaração do deputado Pedro Américo Leal/ARENA que desenvolveu uma leitura da “Revolução dos
Cravos” distinta daquelas manifestadas nas tribunas. Para o deputado, o movimento político de então,
seria fruto de uma problemática que assolava a mocidade portuguesa, que verificou que o império
africano era sustentado por Portugal, mas estava sendo explorado por todas as grandes nações do
mundo. Esta foi a grande problemática que convulsionou a nação portuguesa, resultando no movimento
que V. Exa. [Waldir Walter] tentou dizer que era anti-ditatorial. In.: Ibid., p. 108.
250
Segundo a observação do deputado Hugo Mardini/ARENA, tanto a ARENA quanto o MDB
desempenhavam funções que compunham a estrutura do regime, sendo imprescindíveis no projeto
político que estava sendo colocado em vigor. AAL, 39ª Sessão em 26 de abril, pp. 344-345.
251
AAL, durante a 24ª Sessão em 4 de abril de 1974, p. 55.
216
Nos primeiros meses de 1974 o presidente Geisel fazia a histórica primeira referência pública à
“distensão política”. Com efeito, surgia o suporte concreto nas avaliações (até então especulações) quanto
à possibilidade de superação da dualidade de ordenamentos em favor da normalidade constitucional.
De maneira geral, o parlamento gaúcho compreendia o sistema construído desde 1964 como
autônomo do bloco dirigente, desvinculado das intenções dos mandatários do país. Mesmo a bancada
oposicionista vislumbrava que um bloco dirigente com maior força de mobilização, com uma coalizão de
apoio reunindo setores sociais postergados, impulsionando um revigoramento das instâncias de
representação política e uma base de sustentação social, poderia fazer frente aos mecanismos criados pela
fase de refinamento do Estado e auxiliar no processo de desenvolvimento e modernização do País.
Nesta mesma linha argumentativa, aludia-se o fato de que a redemocratização poderia ser
construída pela força e poder de atuação dos partidos políticos, no momento em que estes estivessem
consolidados. Não foi outro sentido o discurso do deputado Nolly Joner/MDB, ao referir-se às intenções
de Médici, que no ato de posse prometera a redemocratização do país, mas
emaranhado nas teias do sistema, que impediram que ele concretizasse a sua
vontade. A verdade é que o atual Presidente falou menos, mas, na minha opinião,
está agindo mais. Vamos ser coerentes. No seu Ministério nós encontramos dois
políticos; para a governança do estado ele indicou também um político.
252
Porém, as discussões envoltas pelos procedimentos iniciais da gestão Geisel demarcaram um
novo momento da política nacional, cujos temas (e os debates suscitados por estes) transcorreram durante
toda aquela década.
Grosso modo, a pauta política - tangenciando questões delicadas, acintosas para o bloco dirigente
e a instituição militar - dizia respeito a garantir a otimização do Estado (estando aí implícitas as políticas
de desenvolvimento e a garantia da segurança nacional) ao mesmo tempo em que se processasse a
revogação do ordenamento de exceção. Em outras palavras: uma forma, através de mecanismos políticos
convencionais que não o arbítrio, que pudesse operacionalizar a superação do dissenso e dos conflitos em
nome do desenvolvimento.
Todavia, o fato político fomentado, primeiro, pelo discurso inaugural da posse de Ernesto Geisel
e, logo em seguida, pela sua fala na primeira reunião ministerial, teve de maneira geral acolhimento e
tolerância. Encorajava o debate acerca da organização do sistema político o que, contudo, não alterou o
fato de que o discurso oficial fôra recebido de diferentes formas pelo conjunto da sociedade.
Em 1974, instaurava-se definitivamente na agenda da Assembléia Legislativa a pauta do
aprimoramento do regime. Esta foi tomada pelos parlamentares de forma ampliada e carregada de
expectativas, ensejando uma rediscussão do conceito de progresso político em um regime não-
democrático por definição.
O governo ao inferir a possibilidade de extensão nas relações político-formais mediadas pelo
regime, projetava restritamente um progresso na atividade parlamentar. O que, dadas às limitações
impostas pela militarização dos centros decisórios, representaria um acréscimo positivo mas que,
252
AAL, durante a 32ª Sessão, em 17 de abril de 1974, p. 195.
217
substancialmente se distanciava das alusões de uma possível descompressão vinculada às instâncias de
representação políticas como produtoras do progresso das relações político-sociais como um todo.
Para além de questões simbólicas, o sentido “progressista” da manifestação oficial, em favor da
“revalorização do político”, o serviu efetivamente na melhoria das relações político-sociais
preexistentes. Daí a se inferir que, no debate comparativo o caro a ambos os partidos, o trânsito entre o
governo Médici e o governo Geisel não foi apreendido à altura do processo que estava em curso.
O discurso do novo governo se travestia de progressista, mas limitava-se por uma prática ainda
tão conservadora quanto daquele que o antecedeu.
Segundo manifestação dos deputados da maior bancada da Assembléia, a ARENA, Geisel estava
colhendo os resultados da etapa cumprida com Médici, ou seja, seguia uma seqüência ascendente.
A partir daquelas condições alcançadas - como o legado de segurança interna e crescimento
econômico - o novo governo demarcaria uma alteração fundamental na maneira como o mundo político
formal entraria no mputo da administração blica. O governo sinalizava com a projeção futura de um
“aperfeiçoamento democrático”, com a gradativa substituição da legislação de exceção, desenvolvida
desde 64, por “salvaguardas” adequadas ao novo contexto por que passava o país e o mundo.
A bancada arenista entendia que as medidas de exceção, processadas desde a efetivação da
intervenção civil-militar, garantiram o apenas a segurança e a ordem social, como também índices de
crescimento e maturidade das instâncias de representação política, sendo portanto, imprescindíveis na
reconstrução democrática.
Ao insinuar que havia uma grande possibilidade da política de contenção apoiar-se mais na Lei
de Segurança Nacional do que no AI-5, Geisel abria uma conjuntura animadora: esperava-se que o
instrumento logo cairia em desuso.
Este conjunto de mudanças somente seriam adotadas com a garantia de manutenção da
correlação de forças políticas. Para o governo, a efetivação das mudanças estava diretamente relacionada
ao apoio dos próceres das instituições políticas, tanto que Geisel aludia à “imaginação política criadora” -
leia-se: críticas adequadas que, mesmo opondo-se, não apontassem as contradições deste processo - como
forma de superação das limitações institucionais do país sem, contudo, afrontar a instituição militar, dar
margem à insubordinação e colocar sob risco o desenvolvimento do país.
253
Por outro lado, a bancada emedebista o poupou esforços em manifestar sua decepção quanto
ao discurso oficial e ceticismo quanto à possibilidade de mudanças estruturais naquela gestão.
As manifestações de Pedro Simon, avalizado pela maior votação do pleito, expressavam a
inconformidade de parte da oposição para com as acanhadas políticas relacionadas às mudanças aludidas
por Geisel.
254
Segundo o deputado, havia uma trajetória - iniciada com Castelo, desenvolvida por Costa e
253
Durante o primeiro ano de seu mandato, os discursos onde o presidente Geisel enfatiza o apelo à
“imaginação política criadora” e a promessa de reestruturação política do país estão reunidos em:
GEISEL, Ernesto. Discursos Volume 1. Brasília: Assessoria de Imprensa da Presidência da República,
1974, p. 38.
254
Pedro Simon cumpriu mandato de deputado estadual pelo PTB durante a legislatura, de 1963 a
1967. Nas eleições de novembro de 1970, o candidato emedebista conquistou 61.944 votos, quase o dobro
do segundo mais votado, Otávio Baduí Germano da ARENA com 39.094 votos.
218
Silva e Médici - de comprometimento, ao menos formal, em restaurar a democracia ao final do período de
seus mandatos. Geisel, além de romper com esta praxe, não aventava qualquer hipótese de restauração.
255
Em meio ao cenário ufanista da “liberalização”, a análise do deputado emedebista revestia-se de
ponderação, pois observava que a administração Geisel não apresentava sequer um projeto limitado de
reestruturação política, não estabelecia um cronograma para a revogação da legislação de exceção, não
retirava as restrições à liberdade de expressão e não acenava com reconstituição e recomposição do
sistema político em suas tarefas básicas.
A partir de 1974, explicitava-se um fator que viria a se transformar, no final do governo Geisel,
em tendência. Os partidos no Rio Grande do Sul tensionavam e estendiam as posições de suas direções
nacionais. A dinâmica regional passou a impor, em certos momentos, a superação das orientações
seguidas em outras regiões, ou seja, um mais-além do que apontavam as determinações dos principais
quadros.
O MDB gaúcho realizava uma leitura muito mais realista da conjuntura e das mudanças
sinalizadas pelo governo do que o conjunto do partido. Estava, então, na contramão da euforia
liberalizante que tomava conta também do partido oposicionista. Com efeito, os deputados arenistas
tenderam a intensificar a defesa do regime e do governo, mesmo quando a ARENA nacional, em função
dos resultados eleitorais e distanciamento dos centros decisórios, partia para uma política de relaxamento
das relações.
Desta forma, no decorrer da gestão Geisel, na peculiar relação parlamentar doméstica, o MDB
gaúcho assumia um discurso mais progressista ao passo que a bancada arenista reforçava um discurso
essencialmente conservador, em muitos casos, retrógrado e superado.
Por certo, a fértil conjuntura permitia leituras distintas. Setores do MDB consideravam que o
período vivido até então (à margem dos centros decisórios) era um momento único para acúmulo de
forças, avaliavam que o regime não transigiria e que qualquer oposição acintosa traria sérios riscos de
retorno ao passado “duro”.
De outro modo, parte, não do partido, mas da bancada (aqueles que faziam farto uso da palavra
nos espaços regimentais e dominavam os meandros do regimento interno da casa legislativa), projetavam
alterações na correlação de forças interna no bloco dominante às quais, possibilitariam resultados
eleitorais cada vez mais favoráveis ao partido oposicionista. Inevitável aos partidários e correligionários
do MDB vislumbrarem, em um futuro próximo, a possibilidade de assumir o poder decisório.
Este visível esforço em se caracterizar enquanto alternativa política à hegemonia da antiga
coalizão intervencionista perpassava os pronunciamentos das lideranças da bancada emedebista.
No Rio Grande do Sul, a posição da bancada emedebista recobria-se de repúdio à função que o
partido desempenhava. Contudo, sendo ano de disputa eleitoral, mesmo nas hostes oposicionistas, a
análise estrutural cedia ao discurso pautado pelo regionalismo. Em meio à discussão da estrutura de
255
Pedro Simon/MDB, AAL, 12 ª Sessão em 18 de março de 1974, pp. 223-224. Simon já havia
questionado a falibilidade do comprometimento de outros chefes do executivo como restabelecimento da
democracia e com a “reconstrução da Nação”, AAL durante a 7ª Sessão em 16 de janeiro de 1974, pp. 94-
98. Nesta mesma sessão, as críticas levantadas por Simon foram endossadas por Waldir Walter/MDB, id.,
p. 20.
219
poder, referindo-se ao presidente dici, às suas realizações infra-estruturais e aos erros próprios dos
gestores da administração pública, Simon apontava a principal falha do presidente oriundo de Bagé:
faltou na minha opinião ao Presidente Médici, um gesto de grandeza, o gesto de
grandeza característico aos homens do Sul, aos homens da fronteira do Rio
Grande do Sul que lutam, que morrem e que se debatem nas coxilhas gaúchas, e
que sempre souberam, nos momentos decisivos, colocar o sentimento como
interesse comum, acima do interesse individual das divergências de ordem pessoal.
256
Pedro Simon fazia referência ao mencionado compromisso assumido por Médici em 1969, no
ato de sua posse, de restabelecimento da democracia ao final daquele mandato. Tendo em vista que, além
de não cumprir, na administração Médici/Rademaker houve um “fechamento” do regime de exceção.
Simon auxiliou na construção do mito da existência de uma corrente militar “liberal-
democrática” e, assim, isentou as gestões Castello/Alkimin e Costa e Silva/Aleixo, visto estas basearem-
se em prazos de vigência: o País adotou uma nova Constituição (o que segundo Simon demonstraria o
desejo de transitoriedade mas que, impedido por forças domésticas, foi inviabilizado em nome da
permanência da excepcionalidade). Desconsiderava o deputado a extinção dos partidos políticos
constituídos ao longo de décadas e a opção pela excepcionalidade (segundo o deputado, em uma
conjuntura que assim exigia) definidas nas duas primeiras administrações pós-64.
No conjunto das expectativas ao desenrolar do governo, Pedro Américo Leal expôs uma análise
muito perspicaz sobre a correlação interna à caserna: Geisel, mesmo tendo formação diferenciada
(estando ligado aos setores mais intelectualizados e preparados da caserna, aqueles que pensavam
estratégica e taticamente os movimentos da oficialidade militar), não fugiria às diretrizes do movimento
intervencionista de 1964, pois a viabilidade de uma proposta de aprimoramento do regime de exceção
dependeria obviamente da manutenção deste mesmo regime; este era o compromisso fundamental
assumido pela gestão que se iniciava em 74.
257
Ao longo daquele ano, o bloco dirigente desenvolveu a idéia e as políticas pertinentes à
implementação de uma descompressão política limitada. Paulatinamente, aquele passou a expressar o
desejo de execução de um projeto de flexibilização das relações políticas, o qual, se por um lado aliviava
as pressões emanadas de setores estratégicos da sociedade, causava desconforto, dada a concepção
gradualista da aplicação das reformas liberalizantes e da necessária indução a avanços moderados, os
quais, segundo a concepção do bloco dirigente, reduziriam a possibilidade de retrocessos autoritários por
parte de segmentos da instituição militar.
Enfim, nos primeiros momentos da gestão Geisel, ao mesmo tempo em que definia-se a
impossibilidade do retorno imediato à democracia, as peças oratórias insistiam em discutir as
possibilidades da reconstituição do sistema político e o retorno à normalidade institucional. Mais do que
em nenhum outro período, o discurso parlamentar demonstrava a desconexão entre o desejo de circulação
de poder e a concretude das possibilidades e relações políticas.
256
AAL, 12 ª Sessão em 18 de março de 1974, pp. 223-224.
257
Espaço regimental denomidado “comunicação de líder”, utilizado pelo deputado Pedro Américo
Leal/ARENA. AAL, 7ª Sessão em 16 de janeiro de 1974, pp. 97-98.
220
O palco da descompressão e flexibilização das relações políticas começava a ser montado de tal
forma que permitiu a Guilherme dos Santos – teórico da descompressão - dialogar com o Congresso
Nacional, na conferência “Estratégias de Descompressão Política”, pronunciada em outubro de 1973,
onde o tema da discussão envolvia o que Santos julgava serem as bases fundamentais em um processo de
descompressão regulada. O analista defendeu que a restauração de certos princípios liberais seria o aporte
fundamental na reestruturação do ordenamento político-social: independência do Judiciário, liberdade de
expressão e de imprensa, restauração de direitos individuais como o habeas-corpus, liberdade de
organização em apoio de idéias políticas, regras definidas previamente acerca da disputa do poder político
e para o uso da coerção.
258
Desta forma, a proposta da flexibilização das relações político-socias tomava corpo desde antes a
posse de Geisel e, assim, a reativação das instâncias de representação política foi conseqüência da
dinâmica societária e política e não, como sugeria o dicscuro oficial, política de governo. A votação
maciça no MDB guardava profundas relações com o processo de insubordinação.
Sendo base documental fundamental na construção desta tese, os discursos emanados na
Assembléia Legislativa desnudaram a compreensão desta conjuntura. De ambos os lados do espectro
político, dado que a materialização das proposições, das convicções, dos planos e posicionamentos
políticos - quando não omissões – ocorrem pelo discurso.
Em um primeiro momento, a ARENA relativizava a necessidade do processo de descompressão
mas, compreendendo este como inevitável, passou a advogar a tese do caráter gradualista do processo,
ressaltando o êxito do regime de exceção com os avanços materiais (e por que não dizer, simbólicos, visto
a ênfase discursiva na capacidade de defesa da segurança nacional por parte do regime) conquistados até
então.
O MDB contribui na desconstituição do regime em sua forma original na medida em que,
apontava as insuficiências destas conquistas na questão da legitimidade política e eficácia social do
regime.
Dois aportes povoaram as reivindicações emedebistas contra o encaminhamento do dissenso na
forma estabelecida pelo bloco dirigente: a revogação dos instrumentos que legitimavam o arbítrio (o AI-5
basicamente) e a insuficiência representativa dos processos eleitorais majoritários para cargos do
executivo, ou seja, a eleição indireta pelo Colégio Eleitoral na forma como este último era composto.
Conseqüentemente, não centrava as críticas aos procedimentos, mas as formas assumidas por estes:
Para que a eleição seja efetivamente a manifestação da vontade do povo, é preciso
que haja igualdade de condições entre aqueles que participam do processo
eleitoral, no que tange ao uso dos meios de comunicação. Ora, nós estamos
vivendo no momento, neste País, desde a implementação da Revolução de 1964,
uma situação de verdadeira disparidade entre o Partido que se diz do Governo e o
Partido que é oposição e que efetivamente faz oposição. (...) o governo usa e abusa
258
Esta conferência foi publicada posteriormente em: SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Poder &
Política: Crônica do Autoritarismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978, pp. 153-160.
Desnecessário discorrer acerca da grande influência da obra de Huntington nesta análise.
221
da técnica de criar uma imagem favorável através da propaganda maciça e
massificante.
259
A bancada arenista passou a utilizar um expediente comum nos debates a partir de então, ou seja,
ao verem-se pressionados quanto à representatividade e legitimidade do processo de escolha dos
presidentes pós-64, alegavam que o mesmo sistema político-institucional que viabilizou a eleição de
Ernesto Geisel (sumariamente repudiado pela bancada emedebista) garantiu a existência da bancada
oposicionista, sendo assim, a própria participação do MDB no sistema de representação política
legitimava o processo em seu conjunto.
260
Hugo Mardini enfatizou que
o Brasil vive em plena Revolução. Sobre esse assunto o Presidente Geisel, ao
tomar posse, declarou que a Revolução brasileira continua e não cessará, nós
vivemos sob a égide do AI-5, que é uma Lei de exceção. Então, ao dizer isso desta
tribuna, eu tenho mostrado que nós, os políticos, quando aceitamos o nosso
mandato, quando aceitamos a nossa candidatura, tanto V. Exa. [Rospide
Netto/MDB] como eu, estávamos sob a égide dessas Leis de exceção. Nós o
podemos dizer que nos sentimos hoje, surpreendidos e constrangidos.
261
Em setembro, Lélio Souza/MDB inovou e antecipou-se ao debate que marcou os últimos anos
daquela década, comentou o delicado tema da anistia a presos políticos no Chile, fazendo uma analogia
com a situação no país:
é do plano de ação política do MDB sustentar a política de respeito e defesa das
prerrogativas e garantias da pessoa humana, com a condenação de todos os
atentados às liberdades democráticas. Notadamente, luta o Partido pela anistia
ampla e total em favor de todos os civis e militares atingidos pelos atos de exceção
e de arbítrios praticados a partir de de abril de 1964. Isto constitui matéria
programática do MDB. E, sendo matéria constante de seu programa, e também da
índole do povo brasileiro que tem uma tradição pacifista.
262
Todavia, a grande questão parlamentar do ano dizia respeito a forma de
disputa e ao acesso ao poder (a escolha dos cargos de governador e vice-
governador).
259
Comunicação de líder proferida pelo deputado João Carlos Gastal/MDB. AAL, durante a 7ª Sessão em
16 de janeiro de 1974, p. 102. Grifos nossos. Na mesma manifestação, o deputado se dirigiu contra o AI-
5, o que faz com que combatamos o AI-5 é justamente o poder de arbítrio que que à suprema
autoridade da Nação de excluir da vida pública, da vida funcional, das atividades enfim, a que todos
cidadãos tem direito, sem qualquer possibilidade de defesa, sem sequer o cidadão saber por que lhe foi
aplicado o Ato Institucional nº 5.
260
Como demonstra a manifestação de Hugo Mardini/ARENA. AAL, 12ª Sessão, em 18 de março de
1974, p. 226. Esta questão fomentou uma longa discussão nesta mesma sessão envolvendo os deputados
Firmino Girardello/ARENA, Pedro Simon/MDB e Celestino Granato Goulart/ARENA, pp. 210-211.
261
AAL, 33ª Sessão em 18 de abril de 1974, p.241. Neste mesmo discurso, Mardini repllicou as acusações
da bancada emedebista de que o governo limitava a manifestação das camadas espoliadas pela aplicação
de políticas econômicas equivocadas, afirmou o deputado arenista que sou um defensor do direito de
greve, agora, sou contra a greve política, a greve demagógica, como as greves que caracterizaram os
anos de 1963 e os primeiros meses de 1964.
262
Pronunciamento do dep. Lélio Souza/MDB, AAL, durante a 112ª Sessão em setembro de 1974. p. 174.
Na sessão 102ª, pág. 47 Simon discutia a questão da liberade de imprensa.
222
Desde abril, a bancada emedista aventava a possibilidade de boicotar o processo eleitoral para o
executivo estadual, mesmo que o partido não se furtasse de participar dos debates parlamentares, o que
segundo Getúlio Marcantônio/ARENA legitimava o processo e o sistema.
263
Fernando Gonçalves/ARENA assumiu os trabalhos da sessão pública com base na Emenda
Constitucional nº 2 de 9 de maio de 1972, transformando a Assembléia Legislativa em Colégio Eleitoral,
a qual elegeria o candidato com maioria absoluta de votos, do contrário os escrutínios seriam repetidos e a
eleição dar-se-ia por maioria simples em um terceiro momento.
264
A ARENA indicou Sinval Sebastião Duarte Guazzelli (ex-dep. estadual pela UDN) para o cargo
de governador e José Amaral de Souza (ex-deputado estadual pelo PSD) para vice.
Os deputados do MDB, seguindo orientação nacional, denunciaram a ilegitimidade do processo,
alegando que mesmo eleições indiretas, necessariamente deveriam ter como eleitores delegados que
haviam sido eleitos para tal tarefa, não sendo o caso em questão. Assim, não compareceram, repetindo o
procedimento quando da eleição de Euclides Triches e Edmar Fetter, alegando os expurgos e as
cassações. Como havia quorum regimental, a chapa Guazzelli/Souza foi eleita com 27 votos.
Como se não bastasse a discutível representatividade dos futuros mandatários do Estado, ao
declarar os novos governantes, adendou o presidente da Assembléia Legislativa, deputado Francisco
Solano Borges estamos verificando a cada dia e em cada ato que praticamos, a caminhada segura e
oportuna para a plena normalização institucional do País.
265
Contudo,
como afirmara Getulio Marcantonio/ARENA (deputado pelo PL durante a
Legislatura, 1959 a 1962), na Guanabara, onde o MDB era maioria, elegeu o governador Chagas Freitas,
não renunciou à possibilidade de participar do processo de escolha indireta. Compondo ainda as
ambiguidades oposicionistas, o MDB gaúcho defendeu a indicação de candidato à disputa presidencial,
talvez por isso Sr. Presidente, que o ex-deputado Wilson Vargas, em entrevista dada há alguns dias,
afirmou que o partido de Oposição não conseguiu vencer-se a si próprio.
266
A bancada oposicionista abdicava ao debate central em nome da discussão da forma como se
realizava a escolha do executivo estadual. Procedendo assim, a posição dos próceres emedebistas perdia-
se entre a defesa limitada da participação popular na escolha de seus representantes políticos e a denúncia
dos empecilhos impostos pela estrutura de poder.
267
A meta invariavelmente esteve no experimento
político ideal, na busca pela recuperação de atribuições intrínsecas ao parlamento, sem discutir o que
definia o regime, ou seja, o domínio direto e pessoal do aparelho de Estado pela oficialidade militar e
263
Como se evidencia em AAL, 30ª Sessão em 15 de abril de 1974, pp. 151-157. Envolveram-se nesta
discussão, Getúlio Marcantônio/ARENA, Alexandre Machado/ARENA, Antônio Carlos Rosa
Flores/MDB, Pedro Simon/MDB, Moisés Velásquez/MDB e Lélio Souza/MDB.
264
AAL, Sessão Especial de Eleição Para os Cargos de Governador e Vice-Governador, em 3 de outubro
de 1974, pp. 15-16.
265
Id., p. 18. Grifos nossos.
266
Ibid.
267
Os debates acerca da legitimidade do processo sucessório ao executivo estadual, minimização do
dissenso e as limitações impostas pelo arbítrio, duraram até praticamente o final do ano. Entre tantos
embates parlamentares, cabe destacar as manifestações do deputado Pedro Simon/MDB e de Getúlio
Marcantonio/ARENA durante a 122ª Sessão de 10 de outubro de 1974, pp. 31-37. Júlio Brunelli/ARENA,
Pedro Simon/MDB, Hugo Mardini/ARENA e Getúlio Marcantonio/ARENA durante a 125ª Sessão em 16
de outubro, pp. 53-67. Rospide Netto/MDB e Pedro Américo Leal/ARENA durante a 153ª Sessão em 26
de novembro, pp. 25-28.
223
segmentos burocráticos. Partia-se de uma atuação política com vistas ao direito de participação nas
decisões públicas fundamentais, diferente, portanto, da reivindicação dos setores insubordinados pelos
direitos de participação dos indivíduos no governo, no Estado e contra o Estado.
Padecendo de uma crise de origem, para tantos “crise de identidade aguda”, o MDB teve suas
contradições internas aguçadas pelo gradualismo na alocação de mudanças no processo político-
institucional. Para garantir que tais mudanças fossem processadas, o partido de oposição teve, antes de
transgredir, transigir, aceitando a condução do projeto imposto pelo regime de exceção.
Porém, Simon observava o processo eleitoral enquanto desprovido legitimidade, não obstante ser
legalizado na medida em que respeitou as prerrogativas constitucionais.
Além de impedir o caráter de formação e mobilização política propiciada por um processo
eleitoral direto, aquele mecanismo de escolha, ao diminuir a importância relativa da prática política
institucional para o conjunto da sociedade (despolitização, quebra de vínculos entre o executivo e a
sociedade, ausência de comprometimento entre programa político, políticas públicas executadas e
interesses sociais) desvalorizava a prática legislativa.
Mesmo as decisões administrativas que o novo governo iria desempenhar não teriam respaldo
considerável. Por fim, a eleição ocorria inserida em um conjunto de pressões oriundas dos setores ligados
ao bloco dirigente que, não obstante o avanço emedebista, definia limites para a prática política formal.
Ao seu turno, ambos partidos ignoravam a abertura de um novo ciclo de lutas sociais, com novos
sujeitos políticos que ousavam protagonizar a prática política.
A impotência da política institucional diante da configuração política estabelecida pelo regime de
exceção e, no mesmo sentido, da primeira para com a riqueza de um processo de reconhecimento social
que se ampliava (a dupla fuga), acarretaram no esvaziamento do discurso político. Captado nas peças
oratórias do parlamento, não cumpria a básica função de persuadir a opinião pública a optar e a defender
um determinado programa de ação política e a sua adoção.
Especificamente no encaminhamento de propostas que implementassem a flexibilização das
relações políticas, evidenciava-se a inviabilidade do discurso político originar um discurso jurídico. As
possibilidades de confrontos com as definições restritivas do bloco dirigente eram mínimas (em outros
termos: os centros decisórios de poder não acolherem argumentações parlamentares transformando-as em
lei ou legislação).
Este descompasso, em decorrência do processo de refinamento de Estado, explicitava os efeitos
nefastos à prática política causados pela dualidade de ordenamentos. Até 1978, o regime pautava-se pelas
decisões do executivo, o qual gerava um discurso burocrático que por sua vez originava uma ação não-
discursiva (a aplicação concreta de uma política blica) sem a participação efetiva do parlamento, a não
ser em questões menores que não implicassem na arregimentação político-social. Ao MDB, avalizado por
sucessivos êxitos eleitorais, restou reivindicar o aprimoramento do regime e a participação em decisões
fundamentais pelas condições possibilitadas pelas votações.
A vitória eleitoral emedebista exteriorizava e acirrava as contradições institucionais e
constitucionais do regime, pois demonstrava que a vontade de alterações - ou minimamente a
desaprovação das políticas implementadas pelo governo - expressada nas urnas não redundaria em
224
alterações substancias nas políticas públicas e, menos ainda, que interferisse e definisse rearticulações
político-institucionais.
Mais do que nunca, o discurso político resumia-se à promessa da ação em um futuro, no entender
emedebista, cada vez mais próximo.
A partir de 1973, por questões trabalhadas anteriormente, a (re) emergência do sistema político-
eleitoral, para além dos casuísmos oriundos do bloco dirigente, potencializou a imprevisibilidade política.
Mesmo com as sucessivas engenharias eleitorais, voltaram ao centro das disputas políticas os partidos,
mais ainda, o discurso democrático voltou à tona após o processo de refinamento do Estado através da
reivindicação da restauração da Constituição de 1946, referência então de ordenamento democrático. Não
por acaso, esta foi a época da aniquilação das organizações armadas no país.
O preço da manutenção do sistema político foi muito alto para o MDB, tanto que o partido
sofreu um processo de desgaste interno e externo, antes mesmo de assumir o poder em 1985. O partido
corporificava e vivia as contradições da dualidade de ordenamentos, tanto que o ponto da discórdia esteve
na forma como o partido deveria encaminhar a oposição ao governo e ao regime e os limites da atuação
inserida na institucionalidade.
268
A estratégia da moderação e prudência durante o processo de refinamento do Estado deu o tom
da participação emedebista no processo político, não obstante as manifestações de setores mais agressivos
na oposição às políticas governamentais, logo identificados pela alcunha dos “autênticos”, cuja principal
bandeira fôra a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.
269
A agregação de forças, por definição de origens heterogêneas, foi ao mesmo instante a força e a
fraqueza do partido oposicionista. Mesmo unificando o discurso, as diferentes práticas denunciavam que
o partido cindia-se, vide a questão da eleição de governadores. O MDB gaúcho seguiu orientação
nacional e boicotou, como forma de denúncia, o processo de escolha; na Guanabara, tendo a maioria
parlamentar necessária para eleger o futuro governador, o partido endossou o sistema de escolha.
O impasse vivido pelo MDB fomentou as acusações de omissão proferidas por Hugo
Mardini/ARENA, visto a oposição emedebista endossar o processo político desde sua origem, sendo
268
Como bem apontou KINZO, Maria D’Alva Gil. O Legado Oposicionista do MDB, O Partido do
Movimento Democrático Brasileiro. In.: SOARES, Gláucio Ary Dillon & D’ARAÚJO, Maria Celina
(orgs.). 21 Anos de Regime Militar: Balanços e Perspectivas. Rio de Janeiro: Editora da Fundação
Getúlio Vargas, 1994, pp. 142-153. Também da mesma autora ver: Oposição e Autoritarismo: nese e
Trajetória do MDB (1966/1979). São Paulo: Idesp/Vértice, 1988.
269
Tema explorado por Nader que assim definiu este grupo parlamentar: compreendido por 23 deputados
que elaboraram e assinaram o documento da “Anticandidatura” de Ulysses Guimarães, na sessão da
Câmara, que elegeu o general Ernesto Geisel, em 15 de janeiro de 1973. Nesse documento, os Autênticos
devolviam o voto, o qual consideravam uma farsa, ao grande ausente, o povo brasileiro. Expressavam
também contrariedade em relação ao comportamento de Ulysses Guimarães que, descumprindo o
acordado com o grupo, compareceu àquela sessão na condição de candidato. [provavelmente ocorreu
um erro de digitação que passou incólume pelo revisor, visto Geisel ter sido eleito um ano mais tarde, em
1974]. Na esfera de influências e de esgarçamento do grupo, um dos partícipes foi Alceu Collares. Mais
tarde, considerado como dissidente dos Autênticos, já vinculado ao PDT, exerceu mandato de governador
do estado (91-95). In.: NADER, Ana Beatriz. Autênticos do MDB - Semeadores da Democracia: História
Oral de Vida Política. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 15.
225
portanto, incoerente naquele momento o procedimento de esvaziamento do parlamento. Para o deputado,
o boicote à escolha do governador e vice, seria insustentável.
270
Para a bancada da ARENA, cada evento político, cada espaço de escolha e decisão das instâncias
de representação política, seria um passo a mais no processo de normalização institucional do País. Com
efeito, estabelecia-se uma proposição de acúmulo de forças como pressuposto do retorno do Estado de
Direito.
Mesmo a vitória emedebista em novembro – na composição da Assembléia, elegeu 33 deputados
contra 23 da ARENA – foi convertida em bônus para o regime pela bancada arenista. No discurso do
partido governista, a possibilidade de um partido de oposição fazer maioria em eleições proporcionais
compunha a estratégia oficial de restabelecimento da normalidade política, sendo então uma das etapas do
processo instaurado em 1964.
O êxito emedebista teria sido conseqüência do desenvolvimento do processo instaurado em 1964
que, segundo o presidente da casa, inspirado nos mais legítimos princípios democráticos visto o Brasil ser
inovador na realização de uma “revolução” que eclodiu para construir uma grande democracia cristã e
social utilizando o mecanismo de fortalecimento das Casas Legislativas.
271
A ARENA e o MDB divergiam no reconhecimento das alterações impostas ao processo
sucessório pelo bloco dirigente, pois ambas bancadas defendiam que os processos políticos, não obstante
sucessivas depurações e limitações funcionais, em momento algum foram interrompidos (o próprio
procedimento de escolha indireta não sofria restrições).
O respeito aos procedimentos de escolha (e a consulta parlamentar) logo foram convertidos em
avanços liberalizantes sendo materialização da intenção de descompressão política firmada por Geisel. A
ARENA insistiu que a indicação de um “político” para o cargo de governador foi, sem dúvida um passo
decisivo para a abertura política em nosso País.
272
A ARENA observava no fato do governador eleito não possuir formação militar ou vínculos
diretos com a caserna um indício evidente do revigoramento do sistema político, da aplicação de uma
política governista e da coerência do projeto oficial de descompressão:
270
No momento em que parlamentares emedebistas passaram a incluir a questão dos direitos humanos em
seus pronunciamentos, a ARENA passou a associá-los à luta clandestina e ao desejo de retorno ao
passado: Não se iludam nossos opositores, o Brasil não regressará à era do caos, da anarquia social e da
violência. O Brasil de continuar a ser esta verdadeira ilha de paz e desenvolvimento, num mundo
conturbado pela angústia, insegurança e violência. Pronunciamento do dep. Hugo Mardini/ARENA. In.:
AAL, 125ª Sessão em 16 outubro de 1974., pp. 16-18.
271
Id., p. 18.
272
A bancada arenista compreendia o regime como representativo visto pautar-se pelo voto e pelaa
instituição parlamentar é o parlamento que confere autenticidade ao regime representativo, pois sem
aquele, este não subsiste. Conceituar um, significa conceituar o outro. Assim, consubstanciada a vontade
popular pelo voto, garantindo a existência de partidos políticos, mantendo garantias individuais
(ressalvando-se o fato do país estar imerso em uma revolução”) e a casa parlamentar, o regime
caminhava para a instauração de um renovado sistema político. Manifestação de Júlio Brunelli/ARENA.
AAL, 125ª Sessão em 16 outubro de 1974, pp. 53-54. De outro modo, Getúlio Marcantonio/ARENA
atestava que: O eminente Presidente da Republica, Sr. Ernesto Geisel, expressou o seu desejo de que
todos os vinte e dois Governadores a serem eleitos, hoje, saíssem da área política e, muitos deles, da
área parlamentar, como o Sr. Sinval Guazzelli e o Sr. Amaral de Souza. AAL, Sessão Especial de
Eleição Para os Cargos de Governador e Vice-Governador, em 3 de outubro de 1974, pp. 15-16.
226
A própria escolha de Sinval Guazzelli deve ser entendida e respeitada como uma
abertura para a classe política e para com a liderança social da Nação. Pois para
essa abertura parece narcotizada a Oposição rio-grandense, parece com os seus
olhos turvos para a realidade que se quer abrir para o nosso país. O MDB,
seguidamente, tem falado aqui e nos comícios eleitorais, no esvaziamento do poder
legislativo. Pois hoje, fugindo ao seu dever constitucional e parlamentar pelo fato
de sua ausência desta Casa, tenta esvaziar e desvalorizar o ato supremo desta
Casa, ao longo desta legislatura, que e a eleição de seu futuro Governador e de
seu futuro Vice-Governador. No desespero em busca do voto nega aa tese que
predicava. O eminente jornalista Salomão Kirjner, uma mente lúcida e uma pena
conceituada assim se manifestou no “Correio do Povo” de domingo último: “É
lamentável que se procure menosprezar, ou que se busque tentar diminuir, a
importância deste ato, porque para um Poder Legislativo a responsabilidade de
eleger governantes é atribuição honrosa e da mais alta significação”. Mais
adiante, assim se expressou o insigne jornalista: “O que na prática está ocorrendo
e que o MDB acha certa uma parte da legislação eleitoral e errada outra. A que
entende certa, aceita e inclusive participa, como nas eleições parlamentares: a que
entende errada, não aceita. Em lugar de buscar alternativas pelos meios
democráticos, parte para a radicalização”.
273
A Assembléia Legislativa fechava-se no consenso de que o advento da democracia se daria pelo
aprimoramento do sistema político que vigia.
O estrangulamento do debate acerca da questão da normalização do sistema político, tendo como
referência a democracia, estava justamente no fato de que a democracia discutida no parlamento era uma
abstração, pois desvinculada de um movimento político impulsionado por forças sociais com interesses
definidos. A relação sociedade/sistema política restringia-se ao ato de votar.
A ARENA utilizava-se da própria gênese do partido oposicionista e da dualidade de
ordenamentos para desconstituir o alcance do êxito eleitoral. As lacunas deixadas pela qualidade de
partido de oposição consentida/partido em crise que, sendo contradições intrínsecas, acirravam-se
conforme o partido obtinha êxitos eleitorais pois, impedido de propor a circulação do poder e a aceitação
da agenda de reivindicações que veiculava, tornavam as denúncias inócuas.
Os acalorados debates parlamentares não tocaram no âmago da proposta apenas aventada por
Geisel, qual seja, a perspectiva do bloco dirigente em garantir a flexibilização das relações político-
sociais, viabilizando uma espécie de atuação ampliada do parlamento e das instâncias de representação
política como pressuposto do desenvolvimento político.
273
Seguiu ainda: Sr. Presidente, o MDB pela sua ausência, exerce agora, aqui, o primeiro ato de
Oposição ao novo Governo. A negativa de investidura do novo Governador e do novo Vice-Governador e
bem o prenúncio do comportamento da Oposição face ao futuro Governo. A paixão partidária é inimiga
do bem comum e se uma Oposição assim apaixonada chegasse a fazer maioria nesta Casa, estaria
amarrando as mãos do novo Governo. E o povo gaúcho, esclarecido e ciente do novo progresso, quando
já tiver eleito seu futuro Governador, não poderá acompanhar uma Oposição que, para alcançar
objetivos eleitoreiros, infringe a própria Constituição da República e nega as teses que procura defender.
Também ver: Lélio Souza/MDB, AAL, 122ª Sessão, em 10 de outubro de 1974, pp. 26-27. Hugo Mardini
por sua vez: Acho, perfeitamente natural que o MDB use todos os direitos que a Lei brasileira confere ao
partido político. Alias, precisamente por isso, vivemos num País em que é possível aos Partidos
representarem, junto ao Tribunal Eleitoral, sobre problemas ou situações sobre as quais estejam em
desconformidade. Portanto, é legítimo que o MDB faça esta representação. Caberá ao Tribunal julgar
se as razões invocadas por V. Exa. e o seu Partido são procedentes ou não. In.: Id., p. 27.
227
Mesmo Pedro Simon, ícone oposicionista mais tarde vinculado à luta democrática,
manifestando-se não apenas em nome do partido, mas em nome da própria ARENA (já que sua
manifestação resultou de uma tese acordada com o presidente do partido governista, João Dêntice)
transigiu na denúncia ao esfacelamento do espaço de movimentação política ao propor, não o rompimento
como se poderia esperar, mas sim, a ampliação da prática política sob o jugo da excepcionalidade.
Em nome do aperfeiçoamento da representação, delegação e tutela de poder deslocava-se a
questão central, qual seja, a atuação da oposição como mecanismo de desmistificação de que o regime,
garantida sua continuidade, evoluiria e fatalmente atingiria um estágio político superior pela própria ação
oficial, portanto estaria apto a reintrodução do ordenamento democrático a partir do êxito das políticas
públicas de desenvolvimento do sistema político-institucional.
Dizia o deputado, tratando da ampliação da representação através do número de cadeiras no
parlamento gaúcho (de 50 para 55) e no Congresso Nacional, que a tese do partido era de que o MDB e a
ARENA unam-se em busca de 3.000.000 (três milhões) de votos até o dia 30 de junho. O objetivo desta
campanha não só significa aumento da representação dos Deputados nesta Casa, como abrir
oportunidades para que mais municípios estejam aqui representados.
274
A apreensão desta proposta por parte do parlamento gaúcho, entendida de maneira geral como
mecanismo fundamental no retorno à normalidade democrática (com raras exceções como o caso dos
deputados emedebistas Pedro Simon e Hugo Mardini). Porém, o bloco dirigente afirmava esta como
medida indelével no revigoramento e manutenção prolongada do regime.
Para tal empreitada, as instâncias de representação política formariam uma parceria, mesmo que
esta ainda estivesse inserida na euforia liberalizante e não compreendesse a altura que não era uma
concessão do regime em nome da ação responsável do “classe” política (como muitos interpretavam),
mas sim uma imposição do processo de insubordinação e da conjuntura adversa.
Alegando que o parlamento atingiria um maior número de municípios, dado que nem São Borja
nem Livramento, nem tantas outras cidades tinham “filhos” na Assembléia (em temas paroquiais
portanto) e que ampliaria o interesse no processo político:
não interessa nem à ARENA nem ao MDB se eles votarão na ARENA ou no MDB.
Interessa à nós que pessoas se transformem em cidadãos e que como cidadãos
sejam eleitores participantes das grandes decisões que visam estabelecer o rumo
político, o rumo governamental.
275
A manifestação guardava semelhanças com a argumentação arenista de que:
prestigiar os partidos, fortalecer os partidos, é prestigiar a democracia, é
fortalecer o regime democrático, é aumentar as nossas perspectivas e encurtar os
caminhos entre a realidade de hoje, os fatos de hoje e o Governo de amanhã, com
as perspectivas do aperfeiçoamento democrático.
276
274
Discurso do deputado Pedro Simon endossando a campanha de aumento da representação na
Assembléia Legislativa levantada pelo colega de parlamento Ivo Sprandel, vice-presidente da Executiva
Regional do MDB. AAL, 46ª Sessão em 8 de maio de 1974, p. 113.
275
Pedro Simon. Id., p. 114. Grifos Nossos.
276
Manifestação do deputado Hugo Mardini/ARENA no espaço do Grande Expediente. AAL, 90ª Sessão
em 11 de agosto de 1975, p. 110.
228
Destas argumentações, depreende-se o consenso na convicção de que o aprimoramento do
sistema político se daria pela utilização dos meios do Estado e do próprio governo. Ao mesmo tempo,
creditava-se uma autonomia relativa do regime de exceção em relação a qualquer conflito social,
desvinculado da luta entre interesses de classes. Reforçava-se a concepção de que o revigoramento da
vida política era tributário da dinâmica parlamentar.
Parece evidente, que o retorno à determinadas prerrogativas próprias do Estado de Direito,
fundamental neste contexto à própria manutenção do Estado, era tributário da estabilidade do MDB
enquanto aglutinador de tensões difusas, e não foi outro o caráter da manifestação de Simon:
O MDB é o grande responsável, neste país, por vivermos ainda um clima de
harmonia e de diálogo. Porque o MDB é a opção que se oferece ao povo para que
saia do impasse em que se encontra. A pregação do MDB tem sido exatamente
esta: dentro do voto, dentro do aprimoramento democrático. Desafio a que tragam
um pronunciamento do deputado Pedro Simon que não significa um concitamento
à ordem, ao trabalho, à união, à pacificação da família brasileira.
277
A preocupação com o esvaziamento das instâncias de representação política, em virtude da
indiferença do conjunto da sociedade com o processo político, mobilizou os parlamentares a propor
alternativas de revigoramento e sensibilização da opinião pública, pelo fato de que esta, quando não
negativa, mostrava-se completamente alheia aos debates institucionais.
278
Da perspectiva apontada acima, a ampliação da participação nos processos eleitorais e das
cadeiras parlamentares seria o fator de renovação da sociedade civil, da mudança social e da recuperação
da atividade parlamentar enquanto entidade política efetiva. Por fim, cumpridas àquelas condições, dar-
se-ia o restabelecimento do regime representativo.
Em decorrência, a democratização do regime não guardaria relação com o questionamento da
reprodução da ordem de exceção e da hegemonia dos centros de poder mas sim, pela adaptação dos
agentes políticos a uma estrutura melhor elaborada.
Em seu conjunto, a relação entre os pronunciamentos, desconstitui a retórica emedebista de que
o parlamento não representava a sociedade porque estava tolhido de suas funções e deliberações
primordiais. Também demonstravam que, em uma hipotética escala de prioridades, o primeiro plano
estaria consagrado à garantia das instituições do Estado, mesmo que para tal intento, a estrutura e o
funcionamento do regime permanecessem intactos.
Mesmo que as oposições e contradições demarcassem as peças oratórias no plenário, os
parlamentares fechavam-se no consenso em torno da preservação do Estado.
Neste restrito sentido, os conflitos nas instâncias de representação estruturaram a própria forma
de dominação implementada. Da mesma maneira que a existência de movimentos sociais e políticos
organizados fôra condição fundamental para a redefinição do Estado, as crises “formais” – o dissenso
277
Pedro Simon. AAL, 135ª Sessão, Vol. I, em 13 de outubro de 1976, p. 255.
278
As limitações na representatividade do parlamento foram abordadas por Porfírio Peixoto/MDB. AAL,
Vol. II, 141ª Sessão em 21 de outubro de 1976, pp. 453-455. Anteriormente, Romeu Martinelli/ARENA
demonstrava uma grande preocupação com a crescente indiferença pelos partidos, pelo parlamento e
pelos debates institucionais. AAL, Sessão da Comissão Representativa em 28 de janeiro de 1976, p.
133.
229
institucional que, em verdade, não pode ser qualificado de crise, mas de oposições não-radicalizadas –
cumpriram certa funcionalidade, pois, como característica indelével, não refletiam à altura as relações
entre a sociedade civil e o Estado.
Durante comemoração do “Sesquicentenário do Parlamento Brasileiro”, Augusto Trein/ARENA,
divulgou pesquisa realizada entre os candidatos a eleições proporcionais no estado da Guanabara, acerca
das funções afetas à atividade parlamentar. De maneira generalizada, estas foram restritas a questões
ritualísiticas-formais (fiscalização e controle do executivo, exame do orçamento, representação de
interesses, etc.). ao mesmo tempo em que reduzia o “fazer político”, colocava o parlamento como a
entidade com a primazia de transformar o Estado no país:
Duas instituições têm seu destino ligado: os Partidos e os Parlamentos, pois
somente neles a Política como ciência poderá desenvolver-se e somente seu
desenvolvimento rápido e acelerado poderá salvá-la como instituição democrática.
eis porque a função política é o âmago e a razão de ser dos Parlamentos. (...)
todas as grandes lutas, as memoráveis campanhas da Independência à República,
da República às recentes conquistas sociais, tiveram como berço o Parlamento.
279
Ao décimo ano do regime, a oposição parlamentar não cogitava que o regime pudesse ter
adentrado em uma fase de desgaste, não apenas perante o conjunto da sociedade, mas também entre a
própria base de sustentação. A deterioração política do sistema esteve ausente das manifestações
parlamentares durante, praticamente, todo o ano. Obviamente, as eleições de novembro redirecionaram
estas análises.
Esvaziava-se de sentido, as afirmações de que a atuação do MDB representava um espaço de
oposição efetiva ao regime de exceção porque fazendo parte e cumprindo função decisiva na estrutura de
manutenção da correlação de forças políticas, porque partícipe do endurecimento dos meios políticos de
dominação social e do monopólio do poder decisório, porque construíndo-se como alternativa ao bloco
dirigente.
As posições emedebistas concorreram com a intenção oficial em despojar o regime de funções
próprias de uma ditadura em nome da preservação do pacto de dominação.
Ampliava-se a concessão de espaços políticos formais a favor da bandeira do desenvolvimento
do sistema político. A garantia de condições institucionais adequadas ao dissenso, travestiam, enquanto
medida progressista, uma forma de equilíbrio do Estado, que posteriormente, definiu-se como a tese do
“gradualismo democrático”, base da proposta defendida posteriormente de aprimoramento do regime,
Mais do que restringir e desconstituir, o discurso político conferia a ampliação do espaço de
movimentação política do regime de exceção, não apenas renovando o fôlego, mas permitindo uma maior
absorção, por parte do bloco dirigente, das possibilidades da insubordinação transcender os limites do
Estado.
Endossava-se a convicção de que a forma de impedir que um poder sobressaísse a outro, seria a
imposição de limitações recíprocas. Ampliando o endosso popular (com o aumento das bancadas), o
Legislativo teria uma legitimidade ampliada pela representatividade da casa, reintegrado em suas
279
AAL, durante a Sessão Solene de Encerramento do Ano do Sesquicentenário do Parlamento Brasileiro,
em 9 de maio de 1974, pp. 116-117.
230
prerrogativas reuniria as condições para fazer frente à centralização de poder, atingindo então, a plenitude
democrática:
Oposição que somos, temos nossas idéias sobre a difícil situação do Poder
Legislativo, na sua ânsia de reintegrar-se na plenitude de suas prerrogativas. Mas
nem por enfrentarmos dificuldades sem conta, nem porque privados estamos de
muitos instrumentos indispensáveis à movimentação dos Poderes, arrefecemos na
nobre tarefa de somar esforços para a revitalização do sistema representativo. (...)
Ao executivo forte hipertrofiado mesmo, como necessidade de responder aos
desafios do mundo moderno, não respondemos com um Legislativo poderoso.
280
Defendendo uma oposição pacífica, dentro da lei e dentro da ordem, buscando obter na única
fonte legítima para nós, que é o voto popular, uma posição que busca mudar os rumos deste País, numa
política econômica e social mais justa.
281
Não obstante o reconhecimento da anormalidade da situação política, as manifestações da
ARENA e do MDB, conduziam à existência uma certa inclinação pela fundação de um experimento ideal.
Por parte do primeiro, este se daria pela manutenção da excepcionalidade adequada aos novos tempos.
o MDB, creditava o advento daquele experimento ao revisionismo constitucional e a ressignificação do
ordenamento em curso.
Ambos partidos pautaram-se pela recuperação das atribuições parlamentares com a reversão do
modelo político-constitucional. A construção do novo ordenamento político seria viável pelas brechas do
próprio regime.
A recuperação da função elementar do parlamento coroou a argumentação de que:
a presença do Parlamento livre e soberano significa que o povo é governo, que os
que trabalham tem voz, que os que plantam podem usar seus representantes para
clamar por melhores preços para seus produtos, que a família pode pedir
garantias para evitar seu esfacelamento, que a dona de casa pode reclamar do
aumento do custo de vida, que a criança pode pedir um futuro, (...) todos tem
acesso ao Poder do povo para traduzir livremente sua vontade.
282
Ao mesmo tempo em que se pleiteava o aprimoramento do poder legislativo, desconstituía-se a
sucessão estadual. O MDB fechou questão em não participar, alegando falta de condições de disputa,
denunciou o que o futuro governador Guazzelli considerou como democracia instalada pela revolução.
Por outro lado, a bancada arenista denunciava que o MDB fazia apenas reduzir o poder representativo e a
representatividade do poder da casa parlamentar, os quais renunciavam ao poder delegado pela sociedade
sul-rio-grandense.
283
Segundo Simon, o que desmereceria a função parlamentar e desprestigiava o parlamento, era a
escolha de um governador sem investidura popular para tal. Refutou o processo de suceso, mesmo
280
Pronunciamento do deputado Nivaldo Soares/MDB. In.: Id., p. 118.
281
AAL, manifestação de Pedro Simon, AAL, 55ª Sessão em 22 de maio de 1974, pp. 295-296.
282
AAL, durante a Sessão Solene de Encerramento do Ano do Sesquicentenário do Parlamento Brasileiro,
em 9 de maio de 1974, p. 119.
283
Debates ocorridos durante a: AAL, 48ª Sessão em 13 de maio de 1974, pp. 141-148.
231
reconhecendo que eleições indiretas são democráticas (qualificação que não se aplicaria ao processo
eleitoral estabelecido).
284
A diferença entre o processo sucessório estadual e federal era de que, segundo o MDB, Ernesto
Geisel havia sido eleito em um processo legítimo, porque o Colégio Eleitoral cumpria uma investidura
popular, portanto representava os interesses nacionais. Contudo, na Guanabara, o emdebista Chagas
Freitas fôra eleito governador em processo idêntico.
O processo sucessório estadual revelou a forma controversa do MDB ser inserido e inserir-se nas
estratégias do bloco dirigente e a forma, não menos controversa, dos parlamentares tratarem a questão da
condução política do e no governo Geisel.
285
Do seu lado, a ARENA mantinha-se irredutível na defesa do governo e do regime, procurando
isentar as estratégias do núcleo do poder da situação de crise por que passava o país. Assim, aprofundou o
atrelamento do partido a excepcionalidade no momento em que, por razões diversas, setores dissidentes
manifestassem inconformidade com a influência da tecnoburocracia, a qual, logo reverteu no desejo de
recomposição da antiga coalizão intervencionista e o desalojamento de frações em posições fundamentais
no exercício do poder.
Em nenhum momento do primeiro ano do mandato de Geisel, o partido oficial cogitou a
possibilidade de rever suas posições. Pelo contrário, as recrudesceu, optando em muitos casos, pelo
endosso a práticas ortodoxas (da perspectiva do regime de exceção) de coerção, no momento em que
tomava corpo o debate a respeito da descompressão política, da ampliação e alteração das alianças como
mecanismo de manutenção do próprio regime.
No primeiro ano de Geisel na presidência, em um mesmo movimento, os parlamentares
oposicionistas denunciaram as mazelas econômicas e o grau de estatização da economia e, com o mesmo
vigor, endossaram as campanhas de “trazer para dentro do sistema de representação política” setores
sociais que se organizavam autonomamente ou exatamente por não participarem de nenhuma instância
política, negavam representatividade ao sistema.
Este segundo movimento, assumindo a primazia das ações parlamentares no processo de
redefinição do Estado, acabou por restringir o quadro e a dinâmica da luta política para os limites da
institucionalidade.
286
Ao aceitar um mandato popular sob o manto da legislação de exceção, representação investida
por um elenco de leis excpecionais (instrumentos revolucionários de uma “revolução permanente”, como
apontou Hugo Mardini), inviabilizava-se qualquer forma de boicote ao processo sucessório:
284
Debate acerca da legitimidade do processo sucessório. Manifestação de Pedro Simon/MDB. In.: Id.,
pp. 145-146.
285
A ambigüidade da oposição emedebista pode ser observada nas referências à intervenção civil-militar,
habitualmente classificada de “revolução” por determinados parlamentares (como o deputado Antônio
Carlos Rosa Flores/MDB, AAL, 51ª Sessão em 16 de maio de 1974, p. 235.) e veementemente
desconstituída desta outorga por parte de outros (caso do deputado João Carlos Gastal, que sempre frisou
que a referência ao “sistema revolucionário” somente poderia ser feita de forma a denunciar o processo).
286
Hugo Mardini observou uma contradição nas acusações do MDB acerca da forma de atuação do
Estado nas questões econômicas na medida em que, no governo Goulart havia uma campanha abraçada
pelos representantes do PTB (referia-se a Pedro Simon) que procurava estatizar parte dos setores
232
não cabe discutir aqui se o ato está certo ou se está errado, o que cabe discutir é
que uma lei em vigor, com a qual o próprio MDB elegeu o governador do
estado da Guanabara e elegeu a maioria dos deputados. (...) nossa situação
política é esta, dentro da qual se elegeram todos os deputados do MDB e da
ARENA com assento nesta casa. Tudo foi sob a égide das leis egressas do
Movimento Revolucionário de 1964.
287
Ao final deste ano, com o governo derrotado eleitoralmente, Geisel torna público o
reconhecimento dos resultados adversos que enalteciam o processo político e demonstravam a completa
ausência de interferência governista nos anseios da população.
Coincidência, Tancredo Neves, imerso em uma voluntária discrição política desde a intervenção,
assume o desejo de voltar à cena política retomando projetos interrompidos ao longo do regime de
exceção.
Na Assembléia Legislativa, os movimentos às vezes antagônicos, às vezes convergentes dos
parlamentares, mostravam-se próprios de uma combinação de instrumentos de exceção com formalidades
democráticas. Mais uma vez, manifestava-se os efeitos da dualidade de ordenamentos numa soma de
imposição e acolhimento parcial da opinião pública – pelo voto.
Por inúmeras razões, o sistema político partia para uma etapa de esfacelamento nas bases em que
se encontrava. Primeiro, pelo próprio caráter da dualidade de ordenamentos seguida pela precarização da
representação política e das funções cabíveis a esta pela dubiedade do discurso emedebista que exaltava
ao mesmo tempo a necessidade superação e de aprimoramento do regime. Depois, pela incapacidade da
ARENA em definir uma estratégia adequada para a conjuntura, tanto em sustentar a necessidade do
predomínio da tecnoburocracia no núcleo dirigente em decisões políticas fundamentais, se posicionar em
meio à decomposição da base de sustentação do bloco dirigente.
Até a vitória eleitoral em novembro de 1974, o MDB não reunia propriamente consistência
política. A partir de então, o partido se redefiniu pela força dos resultados eleitorais, o que, se por um lado
sedimentou uma “face” política de oposição do partido, trouxe um conjunto de novos problemas, a partir
do aval obtido nas urnas e o crescimento possibilitado por esta potencializou um dilema congênito:
aglutinar forças políticas – possibilidade ampliada pela representatividade do voto, pelas fissuras no bloco
dominante e pelo inevitável desgaste no exercício do poder por parte da oficialidade militar - para fazer
frente efetiva ao regime visando sua desconstituição (sob o risco de retrocessos autoritários) ou acumular
forças políticas, pressionando a mudança de legislação, para a vitória institucional.
Por certo, antes do regime e da estrutura de poder, o inimigo maior combatido pela bancada
emedebista esteve no papel desempenhado pela tecnoburocracia e pela questão da estatização da
economia.
Ao fim, percebe-se que o primeiro ponto da “classe” política esteve em sua autodefesa, na defesa
da necessidade da ocupação do espaço institucional, concedido pelo regime e esvaziado de suas
prerrogativas fundamentais, como aporte imprescindível na reconstituição do sistema político e do Estado
de Direito.
econômicos. Logo, o MDB deveria compor com a base governista na questão da reintegração de setores
desgarrados. AAL, 54ª Sessão em 21 de maio de 1974, pp. 275-276.
233
I
8ª/44ª Legislatura (29/01/75-jan.79) O Tempo da Dupla Fuga – se 1974 demarcava o início da
euforia “liberalizante”, o ano de 1975 inicia-se sob dois espectros que reordenaram a vida política
nacional em parâmetros nunca antes experimentados: a abonatória vitória emedebista em novembro
passado (interpretada generalizadamente como desaprovação sumária do governo) e, potencializado por
este primeiro aspecto, a convicção do retorno à normalidade institucional em um período próximo.
Desde agosto do ano anterior, quando o presidente a utilizou em reunião com dirigentes da
ARENA, a expressão
distensão
- que simbolizava mais uma política de governo do que propriamente um
conceito ou projeto para o sistema político - tomava o ambiente parlamentar.
A manifestação de Geisel criou um fato político cujas proporções vieram a agitar o meio
político, impondo ao bloco dirigente a necessidade de refrear expectativas.
Tanto teve necessidade de conter esta euforia que o próprio Geisel veio a público ressalvar que
entendia distensão em um sentido estrito, como uma política de desenvolvimento que não implicaria
necessariamente no restabelecimento do Estado de Direito (mediante a supressão do AI-5, revogação do
Decreto-Lei 477, revisão da Lei de Segurança Nacional, concessão de anistia, reforma na Constituição,
redução dos poderes do executivo e por fim, ampliação das atribuições do legislativo).
288
Associada aos dois espectros citados, o bloco dirigente passou a empreender uma política de
contenção, deliberando que a manifestação presidencial referia-se ao conjunto dos problemas do país, ou
seja, como uma política de desenvolvimento integral que congregava os setores político, social e
econômico. Da articulação destes desenvolvimentos resultaria a
distensão
(no desenvolvimento político)
divorciada das fórmulas ultrapassadas e, comprovadamente, inadequadas à realidade brasileira.
289
Mais adiante, o governo passou a relacionar a euforia liberalizante ao “saudosismo” pelo
passado recente (o pré-64) e não, como compreendia a oposição, ao trabalho de construção política
visando o aperfeiçoamento do regime. Por este motivo (a possibilidade do retorno ao cenário expelido
pela intervenção), a legislação excepcional seria mantida e, sempre que se fizesse necessário, utilizada: o
governo não tolerará contestação à revolução e ao regime.
290
Por isso, a administração Geisel padeceu, de uma forma mais destrutiva ao regime e à sua base
de sustentação, das instabilidades provocadas pela dualidade de ordenamentos e pelos movimentos de
sístoles e diástoles patrocinados pelo bloco dirigente como política de contenção ou estabilização
conservadora. Neste contexto, as questões de segurança interna retornaram ao cotidiano político, sendo o
287
Pronunciamento de Hugo Mardini/ARENA, AAL, 48ª Sessão em 13 de maio de 1974, pp. 146-147.
288
GEISEL, Ernesto. Pronunciamento, Pela Televisão, Com Informações Atualizadas Sobre a Ação
Governamental de agosto de 1975. In.: GEISEL, Ernesto. Discursos Volume II/1975. Brasília:
Assessoria de Imprensa da Presidência da República, fevereiro de 1976, pp. 139-156. A apreensão
equivocada por parte do parlamento, jogando a proposição de mudanças à uma dimensão sem bases
concretas de efetivação, fez com que Geisel externasse a real dimensão da proposta governista: muito se
tem publicado e discutido sobre a distensão” . atribuindo-se ao governo e notadamente ao Presidente
da República intenções, objetivos, avanços, recuos, submissões a pressões, etc. que absolutamente
não correspondem à realidade, mas constituem fruto da imaginação e, por vezes, além do que contêm de
intriga e de ação negativista, representam apenas o desejo íntimo de seus autores. GEISEL, Ernesto. Um
Réquiem Para a Distensão. In.: Revista Veja. São Paulo: nº 361, 6 de agosto de 1975, p. 18.
289
Id., pp. 154-155.
234
“perigo comunista” e “subversão da ordem e das instituições” uma constante nos pronunciamentos
oficiais.
291
A ARENA chegou a propor a formação de um comitê permanente suprapartidário com a
finalidade de aprimorar as instituições políticas e a atuação parlamentar, prestando auxílio ao Conselho de
Segurança Nacional no combate à corrupção e à subversão e, de forma indireta, o regime que deu origem
a ambos partidos.
292
Mais uma vez, em um contexto de crise ou instabilidade, ressaltava-se a ausência de princípios
legitimadores. Seguindo uma tendência histórica, os “párias” do país adentravam a cena política para
reconduzir o pacto de dominação ao assentimento da sociedade como um todo.
293
Mesmo assim, a capacidade de assimilação do conflito político-ideológico por parte do sistema
político, mantinha-se em índices mínimos. Da mesma maneira, a participação política estava enquadrada
em normas desejadas, dado que as possibilidades de inserção na vida política nacional estabeleciam-se em
apenas três variantes: situação, oposição e subversão. Como demonstrou Marcus Figueiredo, à primeira
(situação) cabia a tarefa de realizar a política da revolução, à oposição o dever de crítica “responsável e
construtiva” e aos últimos, enquanto inimigos da revolução, é reservado o tratamento policial-militar.
294
290
Hugo Mardini construiu suas argumentações de certo modo, fazendo suas as palavras proferidas pelo
presidente Geisel em mensagem dirigida ao Congresso Nacional por ocasião da reabertura dos trabalhos
legislativos. AAL, 2ª Sessão em 3 de março de 1976, pp. 14-17.
291
Neste sentido assim se manifestou Romeu Martinelli: o Ato Institucional 5, utilizado
esporadicamente, o tem sido no resguardo da ordem, da tranqüilidade e da paz, e no combate à
corrupção. (...) O grande empenho da Revolução, o fundamental empenho da Revolução de 1964, pois,
afora a busca de uma verdaeira democracia combatendo a subversão e combatendo a corrupção, é o
desenvolvimento social. Para essa luta nõa podem existir fronteiras partidárias. AAL, 5ª Sessão da
Comissão Representativa em 21 de janeiro de 1976, pp. 97-98. Mais adiante complementou Rubi Diehl:
as lideranças democráticas do MDB sabem disso, que enquanto nós, partidos políticos, ARENA e MDB, e
tantos quantos surgirem dentro da legislação estabelecida, não nos unirmos para tomar posições claras
e definidas, de incondicionalmente combatermos a subversão, e apoiar quando é reprimida, nós não
estaremos colaborando para a realização dos grandes objetivos da revolução e da democracia no Brasil.
In.: Id., pp. 98-99.
292
Proposição apresentada por Rubi Diehl. AAL, Sessão da Comissão Representativa em 21 de janeiro
de 1976, pp. 99-100. Lélio Souza e Waldir Walter defenderam que este procedimento, se aprovado,
referendaria a violência estatal, ressaltando como exemplo o caso de Manoel Fiel Filho, assassinado sob
tutela do Estado.
293
Tanto que Romeu Martinelli/ARENA utilizou a tribuna para refutar as acusações de que a ARENA
fazia ressurgir o fantasma do comunismo” como alavanca eleitoral. O deputado reafirmou que o
comunismo é uma realidade que ronda as nossas portas. AAL, 8ª Sessão em 11 de março de 1976, p. 158.
Na mesma seção disse Pedro Américo Leal: o comunismo internacional atua nos países em
desenvolvimento através das cabeças dos intelectuais, de dirigentes de unhas manicuradas, em
apartamentos os mais afastados do solo, em edifícios que têm quatro ou cinco elevadores e até dotados
de “telex”. Trabalham no seio do movimento estudantil, na idade do ardor cívico e na faixa etária da
contestação. (...) em termos de segurança nacional, em termos de uma ameaça à manutenção da ordem,
ativada pelas inteligências comunistas das quais eu fui vítima, e conheci como Chefe de Polícia o
monstro de perto, para estes nós (MDB e ARENA) temos de estar juntos. Id., pp. 162-164.
Posteriormente, pautando-se por declarações do Cardeal D. Vicente Scherer (publicada no Jornal Correio
do Povo em 16 de março de 1976 na coluna, “A Voz do Pastor”) alertando para o perigo da infiltração
comunista, Hugo Mardini enfatizava a ameaça comunista que as doutrinas marxistas propagavam no país.
AAL, 21ª Sessão em 30 de março de 1976, pp. 504-505.
294
FIGUEIREDO, Marcus Faria. A Política de Coação no Brasil Pós-64. In.: KLEIN, Lúcia &
FIGUEIREDO, Marcus Faria. Legitimidade e Coação no Brasil Pós-64. Rio de Janeiro: Forense-
Universitária, 1978, pp. 193-194.
235
Nesta conjuntura, houve a necessidade de alimentar a construção do medo. Logo, o bloco
dirigente lançou mão de um artifício próprio dos “anos de chumbo”: a estratégia da “guerra psicológica”.
Durante o governo Médici, aquela estratégia compunha os mecanismos de desestabilização de grupos
guerrilheiros (demonstrando a superficialidade do compromisso ideológico na relação com o público em
geral e a artificialidade daquela forma de luta política). Ao mesmo tempo, representou um mecanismo de
manutenção dos aparelhos de informação e segurança.
Na gestão Geisel, a “guerra psicológica” entrava para o cômputo da contenção social e política
em meio às propostas de flexibilização das relações políticas.
O regime ampliava a ressonância de sua fragilidade na medida em que se deparava com uma
crescente vulnerabilidade conjuntural, a princípio eleitoral, mas posteriormente, estrutural-política,
refletida na superação dos meios de persuasão sobre os meios de coação. No Rio Grande do Sul, esta
relação levaria ainda um certo tempo a ser estabelecida.
Em 30 de março de 1975, os gaúchos acompanharam o último caso de retratação pública
popularizados como “arrependidos”. Através dos aparelhos de televisão, em horário nobre, os gaúchos
assistiram a imagem de um senhor, visivelmente constrangido, declarando seu repúdio ao passado de
militância comunista.
295
O tenente do Exército e advogado José Gay da Cunha (então com 64 anos), veterano
condecorado da Guerra Civil Espanhola, preso em 18 de março de 1975 sob a acusação de pertencer aos
quadros do PCB e tentar reorganizá-lo no estado, afirmava sua convicção na eficiência da condução
política do país enquanto lia uma carta redigida quando se encontrava na prisão (sendo publicada nos dias
seguintes nos principais jornais). Renunciava à luta política, especificamente ao Partido Comunista
Brasileiro, denunciando suas táticas de cooptação e sua tendência à destruição da família brasileira
296
Ignorando tal fato, o parlamento gaúcho, de uma maneira geral, identificou como “decênio da
nova ordem” e “vácuo democrático” (a primeira expressão cunhada pela bancada arenista e, por
conseqüência, a segunda pelo MDB) o que nesta tese foi classificado de processo de refinamento do
Estado.
297
Do conjunto das peças oratórias, depreende-se que, após 1974,
revigorava-se o sistema político (eleitoral, partidário e parlamentar), não
295
Nem todos os casos de retratação blica partiram de reversões político-ideológicas espontâneas: em
mim, essas torturas tiveram ainda o papel de desestruturar psicologicamente. Elas levaram-me até o
ponto de ir à televisão fazer um pronunciamento contra luta da qual eu participara. Eu fui à televisão, fiz
um pronunciamento renegando minhas idéias, e fiz isto sob um estado completo de desestruturação por
todas as torturas sofridas, por todas as ameaças e pelo medo que tinha de vir a ser morto. Depoimento
do bancário Manoel Henrique Ferreira. In.: Brasil: Nunca Mais. Vários Autores. 8 ª Edição. Petrópolis:
Vozes, 1985. p. 221.
296
A retratação pública assemelhava-se aos autos de abjuração da inquisição medieval (onde o processo
destrutivo completo do adversário conduziria à libertação e redenção do acusado). Cerca de 19 militantes
de organizações clandestinas foram coagidos a contribuir na propaganda oficial do governo civil-militar
de controle à violência política. Tema retratado em reportagem de Nilson Mariano. Arrependidos.
Publicada no jornal Zero Hora, em 27 de abril de 1995. Ver, do mesmo autor: MARIANO, Nilson Cezar.
Operación Condor – Terrorismo de Estado en el Cono Sur. Buenos Aires: Ediciones Lohlé-Lumen, 1998.
Também ver Dockhorn, especialmente a seção “... flores para os rebeldes que falharam...”.
DOCKHORN, Gilvan Veiga. Quando a Ordem é Segurança e o Progresso é Desenvolvimento (1964-
1974). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, pp. 261-277.
236
pelo fato do bloco dirigente patrocinar uma “abertura política” mas sim,
pela capacidade de adaptação dos parlamentares às “regras do jogo
político” em uma conjuntura adversa aos mecanismos de manutenção da
previsibilidade das relações políticas.
Compreendia-se que o fechamento daquele processo (refinamento do Estado), concluía a
reestruturação partidária; ponto positivo para o aprimoramento das instituições segundo a ARENA,
retirada institucional da qualidade de organizações legítimas de representação pública dos partidos, para a
oposição.
Neste contexto, afloraram os debates acerca da possibilidade do fim da estrutura partidária, ao
menos na forma do bipartidarismo, através de ato governamental. Isso, em uma conjuntura de ascensão
do voto oposicionista e de refluxo na militarização dos centros decisórios. Sendo assim, não era
conveniente ao MDB uma reforma partidária que pudesse tolher as perspectivas do partido em relação ao
poder. Logo, a bancada emedebista passou a denunciar o paradoxo daquele momento: a debilidade dos
partidos políticos coincidindo com a fertilidade da legislação partidária.
298
Com efeito, a bancada
emedebista procurou demarcar suas diferenças com a prática populista, ao mesmo tempo em que
repudiava a exacerbação política extremada, comprometendo-se com o desenvolvimento do sistema
político.
Entre tantas dubiedades da dinâmica parlamentar, a ARENA (que até então não tinha programa
constituído e averbado) passou a cogitar a possibilidade de revigoramento político-partidário a partir da
própria refundação dos partidos, como apontara Rubi Diehl: creio que é chegado o momento em que a
Revolução, sentindo a necessidade de ter respaldo popular, precisa se politizar, e politizar através dos
partidos, dando mais acatamento às ponderações e aos programas partidários e não utilizando os
partidos para mera cobertura.
299
Segundo esta concepção, passada a fase reativa, concretizada a questão da participação tecno-
burocrática na administração dos projetos de desenvolvimento, chegara o momento da política. Aqui fica
demonstrado uma peculiar compreensão do papel do Estado a partir do completo divórcio entre gestão e
política (tema a ser debatido no transcorrer da tese).
o foi outra a razão que levou Pedro Simon a veemente insistência pela manutenção do sistema
partidário – desde que revestido de capacidade legislativa – pois, acreditava o deputado, estes estavam em
um evidente processo de consolidação e portanto, corroboravam decisivamente no aprimoramento do
sistema político, apressando o retorno à normalidade democrática:
297
Antonino Fornari/ARENA chegou a expressar os dez primeiros anos do regime de exceção como
consolidação de uma nova mecânica democrática. AAL, 130ª Sessão em 6 de outubro de 1975, p. 101.
298
Esta argumentação foi levantada por Waldir Walter. AAL, 130ª Sessão em 6 de outubro de 1975, pp.
94-95.
299
Discurso de Rubi Diehl. AAL, 13Sessão em 6 de outubro de 1975, p. 96. Posteriormente Rubem
Scheid detectou a incoerência emedebista, denunciando o fato de que o êxito eleitoral do partido
oposicionista em 1974 havia subtraído do seu discurso a reivindicação da dissolução dos partidos,
defendida em virtude dos fracassos eleitorais em 1968, 1970 e 1972. AAL, 4ª Sessão da Comissão
Representativa em 15 de janeiro de 1976, pp. 54-55. Se a bancada emedebista acusa a ARENA deo ter
programa político definido para além do apoio incondicional ao governo, os arenistas acusavam o MDB
de não ter condições de governar pois, um programa político-partidário não contemplava as exigências de
um plano de ação administrativa (fala de Romeu Martinelli). AAL, 13ª Sessão da Comissão
Representativa em 18 de fevereiro de 1976, p. 292.
237
volta-se a falar na tese de que a ARENA é inviável. A ARENA e os comentários de
senadores, de deputados e de governadores arenistas é a de que a ARENA seria
inviável e que não outra fórmula senão a de dissolver os partidos políticos
porque deveriam ser dissolvidos e criados novos partidos políticos para se dar
então a oportunidade de esses novos partidos se consolidarem. Volto a dizer que
não considero a ARENA inviável. (...) A verdade é que esses partidos, hoje,
completam 10 anos de idade. E, no que tange ao MDB, se ele nasceu de um ato de
força, o AI-2, se o MDB nasceu de cima para baixo, ele se democratizou e, hoje, é
um partido que existe de baixo para cima. A ARENA ainda não teve a felicidade de
chegar nesse ponto. O MDB do Rio Grande do Sultem uma tese: se extinguirem
o MDB, o apelo que fizemos é no sentido de que todos do MDB mudem de rótulo
mas fiquem no mesmo partido.
300
Para fazer frente às constantes denúncias de que o regime limitava a atuação dos partidos pelo
seu caráter não-democrático, a ARENA reafirmava que o país ainda vivia sob uma revolução, portanto,
sendo uma fase transitória, o poder revolucionário (intervencionista) se sobrepunha aos interesses dos
partidos políticos, especialmente aos da própria ARENA e que, exatamente por terem sido criados por
outorga governamental (e não por manifestação da vontade popular), a extinção da ARENA e do MDB
não iria ferir nenhum princípio democrático.
301
Com efeito, os debates parlamentares a partir de então foram pautados, ora pela relativização ora
pela exaltação da vitória emedebista e, de outro modo, tanto pela ênfase na necessidade de agilização da
descompressão política quanto pela alusão ao refreamento e ponderação acerca das reais condições de
implementação do processo de “liberalização”.
302
Todavia, a pauta de aprimoramento democrático (estando aí incutida a idéia de progresso) e
superação do regime de exceção (na concepção do parlamento gaúcho não necessariamente ligadas ou
tributárias uma da outra) que iria caracterizar com tamanha intensidade este quadriênio, viria a assumir
compreensões diferenciadas acerca de seus significados pelas inúmeras frações que compunham o “jogo
político” e que disputavam, conforme apontavam os sinais de descompressão política, ampliar a
capacidade de influenciar os rumos do regime.
Entre os tantos paradoxos verificados ao longo da trajetória da excepcionalidade, possivelmente
a iniciativa do bloco dirigente em fomentar o debate legislativo e, de certa forma, fortalecer o partido de
oposição, fora pré-condições para a implementação das mudanças necessárias à manutenção do regime,
na medida em que, traziam para os limites da legalidade focos de oposição difusos.
Nada mais oportuno na afirmação acima de que a manifestação de Pedro Simon:
300
AAL, 4ª Sessão da Comissão Representativa em 15 de janeiro de 1976, pp. 50-51.
301
Argumentação de Romeu Martinelli/ARENA. AAL, 130ª Sessão em 6 de outubro de 1975, pp. 97-98.
302
Como manifestava o deputado Lélio Souza/MDB que, de forma perspicaz, assim analisou o momento
político: Especialmente nesta legislatura, os debates em torno das questões institucionais adquiriram um
vigor e uma dinâmica impressionantes. É evidente que esta Casa, constituída de representantes
populares eleitos pelo povo rio-grandense, não podia ficar à margem, nem distanciada, da discussão que
se instaurou no País em torno desses problemas. Chegou a um ponto em que a impaciência nacional pela
imediata redemocratização do País, irrompeu, sob as mais variadas formas numa cadeia de
manifestações cívicas, procurando sensibilizar os responsáveis para o cumprimento dos desatendidos
238
o MDB é o grande responsável, neste país, pela relativa tranqüilidade que se
observa. Afirmam que é o governo, que é o sistema ou que é a repressão do
sistema a responsável pela tranqüilidade brasileira, mas isso é querer inverter a
ordem dos acontecimentos do mundo inteiro, porque em qualquer país do mundo,
quem pratica a violência não é o governo, seja ele governo comunista, fascista,
capitalista ou democrata; quem pratica a subversão contra o governo é a
oposição.
A oposição brasileira, porém é responsável por tentar, por se esforçar, por lutar,
para manter o povo brasileiro dentro da opção da paz, da ordem e da
democracia.
303
Neste sentido ocorre um congraçamento entre os partidos a fim de depurar o sistema político de
“corpos estranhos”, ou seja, impedir que determinadas concepções de política, sociedade e Estado -
postergadas pela intervenção de 1964 - penetrassem nas agremiações partidárias (caso do comunismo e
do populismo).
304
Da mesma forma, a vitória eleitoral emedebista cumpria funcionalidade à estrutura de
dominação e organização política. Uma eventual supremacia da ARENA reverteria inevitavelmente na
reivindicação desta pela participação efetiva dos centros decisórios, desmontando a supremacia da
oficialidade militar.
Em uma segunda passagem, Simon voltou a enfatizar a fundamental tarefa cumprida pelo
partido oposicionista na preservação do Estado, residindo aqui outro paradoxo: ao mesmo tempo em que
denunciava a inviabilidade institucional de circulação de poder decisório e a incapacidade legislativa do
parlamento, esforçava-se em se colocar como alternativa ao bloco dirigente, projetando para um ponto
futuro, uma conjuntura que o permitisse alterar esta situação (daí o apelo ao acúmulo de forças):
Uma imensa e esmagadora maioria olha para o MDB como uma opção, como um
novo caminho, como uma perspectiva nova, como uma possibilidade de alterar,
dentro da lei e da ordem, muitas coisas neste país. Enganam-se aqueles que
imaginam que a situação melhorará destruindo o MDB, ou determinando o seu
esvaziamento, a sua eliminação, ou fazendo desaparecer o partido.
305
O MDB, segundo a compreensão da bancada arenista, esteve por dez anos condenado ao
ostracismo, posição esta que levou setores do partido a pregar a autodestruição. Salvo pelas urnas - o voto
cimentou relações domésticas antes inassimiláveis – estas acabaram por transformar o partido, pela
compromissos para com a normalização da nossa vida pública. DAL, durante a 102ª Sessão, em 14 de
agosto de 1978 (tendo sido publicado em 23 de agosto), p. 9.
303
AAL, 21ª Sessão em 30 de março de 1976, pp. 492-493.
304
Por parte da ARENA, Rubi Diehl declarou que: nós da ARENA e do MDB, que temos o encargo de
constituir, preservar e aperfeiçoar a democracia. Não podemos dar vez à minoria comunizante nos seus
fins e, que inclusive nos aplaude em termos de liberdade, de justiça social, de democracia até. Atuam não
nos partidos, mas estarão disputando com muito ardor essa faixa de indefinidos e apáticos
partidariamente. Lélio Souza/MDB por sua vez declarou que a oposição não fez acusação ao governo
por estar combatendo a subversão. O que a oposição falou, e de maneira clara, inconfundível, foi contra
o desbordamento da autoridade no exercício de atividades que podem ser legítimas se estiverem dentro
dos limites da lei. A palavra de ordem era motivar os que não participavam do processo político partidário
e, eventualmente, identificar aqueles que se posicionavam favoráveis à “ideologias antidemocráticas”.
Como solução ao crescente niilismo e alienação política, o MDB aventava a possibilidade de criação de
um terceiro partido. AAL, 148ª Sessão em 31 de outubro de 1975, pp. 631-635.
305
AAL, 4ª Sessão da Comissão Representativa em 15 de janeiro de 1976, pp. 52-53.
239
concepção arenista, em um simples instrumento eleitoral. A tese arenista era de que o país não apenas
carecia de partidos (sob o aspecto ideológico, programático e doutrinário), mas nunca os teve: as
limitações do MDB e da ARENA seguiram a tradição política do país.
306
Enfim, manifestava-se a contraposição de compreensões acerca da função do regime de exceção:
para o MDB, o País teria partidos políticos efetivos somente com o aprimoramento democrático; a
ARENA avaliava que o aprimoramento do regime conduziria ao desenvolvimento político, logo, à
construção de partidos políticos sólidos ideológica e programaticamente.
307
Neste momento, primeiro ano de “renascimento” político do MDB, a oposição ao bloco dirigente
e aos mecanismos de encaminhamento de demandas não haviam atingido o nível de desconstituição do
regime, tanto que Cezar Schirmer afirmava que não contestava a Constituição em vigor ou o ordenamento
institucional proposto (imposto) pelo regime, mas sim, reivindicava reparos e adendos àquela Carta.
308
A vitória emedebista nas eleições de 1974 definiu um campo de possibilidades internas ao
regime, capaz de aglutinar a maior parte das oposições ao governo e ao ordenamento nas instâncias de
representação e delegação de poder institucionalizadas e legitimadas pelo próprio regime.
Acolhendo formalmente o antagonismo, o enfrentamento ao regime deixaria de ser difuso,
facilitando a própria cooptação e neutralização por parte do bloco dirigente. De outro modo,
domesticamente, as propostas de distensão teriam um campo maior na medida em que a atuação dos
órgãos de segurança e informação retrocederia.
o restam dúvidas de que a credibilidade emedebista conferida pela outorga popular,
possibilitou a implementação de aspectos fundamentais para a distensão, pois cumpriu uma função
estratégica na reorganização do pacto de poder, revigoramento das bases de sustentação do regime e
infundiu uma inédita representatividade ao sistema político.
O revigoramento do sistema político, incorporando grupos marginalizados desde a intervenção,
possibilitou a superação de um dos pontos de instabilidade crônica do regime: a diluição do poder na
oficialidade militar.
Por outro lado, as políticas públicas e as medidas de contenção que garantiram ao longo de uma
década um sensível avanço do país no interior dos padrões capitalistas contemporâneos e uma
reestruturação do Estado compatível com as imposições deste avanço, tiveram um conjunto de seqüelas
sociais e, conseqüentemente, políticas.
Mesmo o MDB, que em 1974 referia-se aos eventos de 1964 como deflagração do Movimento
Político Militar que fez eclodir a Revolução de 1964
309
, aceitava as “etapas” definidas pelo discurso
oficial, identificando em Castelo Branco uma fase distinta, a qual projetou um futuro político não trilhado
pelos sucessores. Visualizando a possibilidade de ascensão ao poder, o MDB esforçava-se em apresentar-
se enquanto bastião da ordem e da lei. Defendendo a necessidade de controle de extremismos (nem uma
democracia suicida, nem uma revolução homicida dizia Simon) passou a desconstituir a relação entre
desenvolvimento econômico e integral com o revigoramento do processo político-institucional:
306
Manifestação de Romeu Martinelli. AAL, 130ª Sessão em 6 de outubro de 1975, pp. 97-98.
307
A Revolução de 64 necessita da manutenção do AI-5 para que possa atingir todo o desenvolvimento
político necessário, com a instauração, nesta Pátria, de uma verdadeira democracia. Romeu Martinelli.
AAL, 4ª Sessão da Comissão Representativa em 15 de janeiro de 1976, pp. 69-70.
308
Discurso de Cezar Schirmer. AAL, 130ª Sessão em 6 de outubro de 1975, p.102.
240
Parece-me fora de lógica que o regime discricionário possa trazer o
desenvolvimento e que a Democracia seja contrária à busca desse mesmo
desenvolvimento; que não podemos ter Democracia, porque, se a tivermos não
teremos facilidades em buscar o desenvolvimento e a justiça social. É a tese do
absurdo: o regime de força, o regime discricionário, este pode trazer o
desenvolvimento; o regime democrático não pode trazer o desenvolvimento.
(...) Há onze anos que estamos caminhando lentamente, e onze anos que
estamos pedindo, pelo menos uma perspectiva de solução, que se apresente ao
povo uma fórmula de enquadramento, ainda que lenta, ainda que gradual, ainda
que dando tempo ao tempo, mas que se apresente ao povo uma perspectiva de
solução.
310
Em questões pontuais, o MDB aliou uma linha de atuação extremamente contundente (propondo
debates que diziam respeito a autonomia dos sistemas de informação e segurança). Todavia, em temas de
fundo, que versavam sobre a estrutura de poder e dominação política, assumiu o discurso da conciliação e
da defesa das instituições políticas do país na forma definida em 64. Entre estas, destacava-se o resguardo
ao papel, a legitimidade e a autoridade do presidente da República, tanto que o partido foi o aliado de
primeira hora quando do anúncio de uma possível flexibilização das relações. Em certa medida, foi mais
sensível e solícito à esta questão que a própria ARENA, onde significativos setores dissonavam do
anúncio de mudanças e da própria política governamental.
A percepção de que a expansão acentuada do regime de exceção não revertera em rendimento
político continuado, nem mesmo para sustentar a legitimidade do arbítrio em cenários adversos como
aqueles enfrentados na gestão Figueiredo/Chaves e Guazzelli/Amaral de Souza, contribuiu na
desconstituição do regime na forma definida em 64.
Em meio ao debate acerca da descompressão das relações políticas institucionais, a bancada da
ARENA mostrava-se irredutível quanto ao acolhimento do dissenso fora das instâncias de representação
política, principalmente nas questões capital e trabalho: vivemos sob a égide de um Estado de Revolução
que entende a greve ser nociva à economia nacional.
311
Segundo Rubi Diehl: antes da revogação do AI-
5, o povo quer casa, vestuário, saúde e alimentação).
312
Compreendia-se aquele instrumento como um mecanismo imprescindível para o momento
político por que passava o país, contrastando com a insistência do MDB em afirmar a incongruência entre
a profissão de fé democrática e o endosso à legislação e aos poderes excepcionais.
313
309
Definição de Lélio Souza/MDB. AAL, 22ª Sessão em 31 de março de 1976, p. 511.
310
Pronunciamento de Pedro Simon. AAL, durante a 86ª Sessão, 2 agosto de 1975, pp. 9-10.
311
Manifestação na tribuna da Assembléia Legislativa do deputado Hugo Mardini/ARENA. AAL, 33ª
Sessão em 18 de abril de 1974, p. 242. Resposta ao deputado Rospide Netto/MDB que a vigilância
permanente do Estado sufocou qualquer forma de expressão, desde a atividade parlamentar à liberdade de
imprensa e, essencialmente, à mobilização dos trabalhadores.
312
AAL, 90ª Sessão em 11 de agosto de 1975, p. 109.
313
Segundo Pedro Américo Leal, a legislação de exceção compunha o amplo projeto oficial de
aprimoramento democrático. AAL, Sessão da Comissão Representativa em 4 de fevereiro de 1976, pp.
194-195. Como destacou o deputado Porfírio Peixoto/MDB ao analisar a defesa entusiástica por parte da
bancada arenista, do pronunciamento do presidente Geisel onde este afirmava categoricamente que os
poderes excepcionais eram imprescindíveis e que não aceitaria nenhuma pressão que objetivasse retirá-
los: não acredito que um democrata possa, neste Parlamento, defender atos de exceção. AAL, 87ª Sessão
em 6 de agosto de 1975, p. 48.
241
A partir de 1975, as cisões nas bases de sustentação do regime acentuaram-se de forma a impor
soluções para além dos limites que a excepcionalidade acolhia até então. Notadamente, a burguesia
industrial nacional declarara guerra à “estatização” da economia e ao papel político desempenhado pela
tecnoburocracia.
Mais do que isso, ao discutir o papel do Estado na economia, estas frações - dissidentes
circunstanciais - questionavam o próprio funcionamento do Estado, não a natureza de classe da política
estatal, definida desde 1964, mas certamente, o modo de organização doméstica do aparelho de Estado.
Esta problemática comum (natureza de classe da política estatal e o modo de organização
doméstica do Estado), separadas evidentemente por uma imposição analítica, renderiam um trabalho a
parte, discutindo as minúcias da organização do Estado pós-64, dos processos de decisão e as oposições e
contradições internas do bloco dominante e do Estado em última instância.
Uma das variantes da crise expressava-se no abalo aos pontos de sustentação do regime, na
definição clássica, o “tripé”, composto pelas empresas multinacionais, estatais e privadas, teve seu
equilíbrio rompido. A crítica ao estatismo foi a forma assumida por este rompimento.
Deste impulso inicial, a descompressão política limitada e a descentralização administrativa
passaram a ser uma bandeira daqueles setores que objetivavam ao mesmo tempo depurar o regime de seus
vícios e superar as seqüelas do processo de refinamento do Estado.
O processo de dupla fuga pode ser expresso em um repúdio e rechaço generalizado aos
mecanismos, instrumentos e agentes de decisão em quais o regime se pautava e, por extensão, às
prioridades definidas por estes. O parlamento, fragilizado pela própria dualidade de ordenamentos,
observava as manifestações autônomas para além das esferas institucionais de representação política
como mais um obstáculo na reintegração do sistema político-partidário nas esferas de interferência e
decisões públicas.
Com efeito, a tarefa urgente das instâncias de representação política esteve em conciliar a
atuação política nos limites dos poderes excepcionais do executivo (limitando portanto, o próprio embate
entre oposição e situação), com a política de revigoramento dos espaços de representação política.
Inserido nestas limitações, Pedro Simon reivindicava reiteradamente os princípios emedebistas
de conscientização do povo brasileiro (arregimentação e politização segundo o deputado) com o objetivo
de pacificação da família brasileira no mesmo movimento de defender o retorno ao Estado de Direito
pois, passada uma década, o regime havia se tornado injustificável, havendo condições para o
restabelecimento da democracia mas, principal tarefa da oposição, com contenção de arroubos ou
açodamentos:
A opinião pública, os políticos, lideranças da ARENA e do MDB, inclusive ilustres
governantes arenistas, interpretavam distensão como a busca lenta mas gradual
da normalidade democrática. E o MDB afirmava taxativamente que, se dele
dependesse, o Brasil viveria as condições para restabelecer imediatamente a
normalidade democrática, mas, visando à realidade de que não depende do MDB,
aceitávamos a tese governamental da distensão, isto é: a busca da normalidade,
mas gradual, passo a passo.
314
314
AAL, 86ª Sessão, em 2 de agosto de 1975, p. 4.
242
A leitura da bancada oposicionista referente a “distensão política” defendida pelo bloco
dirigente, era de que o conjunto das medidas aplicadas no país ao longo do regime de exceção, seria a
base do alcance das condições ideais para o retorno não da normalidade democrática, mas sim, de
elementos do Estado de Direito (como os direitos políticos básicos).
Para aplacar as possíveis diferenças entre os partidos, Guido Moesch avalizou a declaração do
senador arenista Tarso Dutra de que o MDB é a ARENA com pressa, visto ambos buscarem atingir os
mesmos objetivos, quer em relação ao país, à sociedade e ao sistema político, diferindo-se apenas nos
caminhos que conduzissem a este patamar e à intensidade com que concebiam as reformas para tal
finalidade.
315
Na mesma oportunidade, Lino Zardo/MDB afirmou que a nossa colaboração é no sentido
da crítica, de fiscalização e de pedir o reencontro com a normalidade democrática.
316
A conversão da crítica oposicionista em um componente da política de aprimoramento
(flexibilização) do regime, relegava aos discursos do MDB a função de agente democratizante
possibilitada pela vontade democrática unificada através da crítica construtiva.
317
o se concebia quaisquer formas de expressões políticas que não aquelas desenvolvidas nas
instituições moldadas ao feitio do regime. A excelência da representação pelo parlamento não compunha
elemento de discussão, da mesma maneira que a utilização da tribuna parlamentar era equiparada à
garantia de que a sociedade teria voz para que a opinião pública fique sabendo e conhecendo o protesto
feito do lugar mais legítimo: a tribuna do Parlamento.
318
Estas posições, comum aos dois partidos, seguiam as determinações oficiais:
Apesar dos prognósticos pessimistas dos que consideram inviáveis os atuais
partidos sobretudo, segundo proclamam, por lhe faltar autenticidade e que
preconizam ora a sua extinção, ora a criação de maior número deles verificou-
se, na realidade, uma intensa atuação política, principalmente no confronto entre
a Oposição e o Governo e, de certa forma, maior vitalização partidária. Para
tanto, contribuíram, sem dúvida, a lisura governamental no pleito de 15 de
novembro, o grande número de novas filiações partidárias e, principalmente, a
renovação dos Diretórios municipais, estaduais e nacionais que se estão
processando, com vistas às eleições que, em 1976, se realizarão nos
municípios.
319
A questão estava então, não em esvaziar de conteúdo político atuante os partidos do regime, mas
sim, consolidá-los, desenvolvê-los e popularizá-los como condição impreterível ao fortalecimento do
regime democrático. Segundo a ARENA, a desconstituição dos partidos, tanto da oposição como da
315
AAL, 91ª Sessão, em 12 de agosto de 1975, p. 133.
316
AAL, 91ª Sessão, em 12 de agosto de 1975, p. 140.
317
Lélio Souza corroborava com esta posição ao direcionar o foco de oposição à setores governamentais
e que as admoestações provenientes da oposição teriam a incumbência de alertar as autoridades para os
erros que estejam cometendo. A posição oficial foi defendida Hugo Mardini.. AAL, 92ª Sessão em 13 de
agosto de 1975, pp. 163-166.
318
Manifestação do deputado Lino Zardo. AAL, 91ª Sessão, em 12 de agosto de 1975, p. 140. Grifos
nossos.
319
GEISEL, Ernesto. Pronunciamento, Pela Televisão, Com Informações Atualizadas Sobre a Ação
Governamental de agosto de 1975. In.: GEISEL, Ernesto. Discursos Volume II/1975. Brasília:
Assessoria de Imprensa da Presidência da República, fevereiro de 1976, p. 150.
243
situação, além de não resolver os impasses institucionais, criava um cenário adverso para o advento da
democracia.
O MDB cumpria a vital tarefa de, nas esferas institucionais do regime, canalizar as inquietações
e frustrações sociais para o voto e não para o conflito.
Segundo Lélio Souza, era indiscutível que:
A saída para o impasse institucional dependerá basicamente do fortalecimento do
partido político, do revigoramento das atividades partidárias. (...) Se praticamos
ou pretendemos praticar, cada vez mais aprimoradamente a democracia
representativa, é óbvio que poderemos aprimorá-la na sua prática se
conseguirmos fortalecer os Partidos políticos, fazermos dos Partidos políticos
veículos autênticos e expressivos, de correntes de opinião blica, arregimentada
segundo as suas preferências ideológicas ou programáticas.
320
Este cenário ideal não encontrava guarida no espaço real de movimentação e proposição
conferido aos partidos do regime (constituídos rígida e restritivamente). Reivindicava-se a reformulação
da Lei Orgânica dos Partidos e o Código do Colégio Eleitoral, visto estarem ambas defasadas em relação
ao desenvolvimento alcançado pelo país e à realidade política vivida pelos setores estratégicos da
sociedade. Os próprios partidos consideram a legislação como responsável pela incapacidade destes
(limitados numericamente e sem a capacidade de sensibilização da sociedade para a militância político-
partidária).
Percebendo a conjuntura favorável, setores majoritários do MDB buscaram diminuir os ataques
ao regime, estreitando canais com setores sociais emergentes e ampliando os caminhos que levavam ao
diálogo com o bloco dirigente.
Em virtude da dinâmica dos conflitos políticos regionais, no Rio Grande do Sul, a posição de
enfrentamento preponderava ao passo que, a ARENA julgava que:
em âmbito nacional e em todas as Assembléias nos Estados, notadamente logo
após o pleito de 1974, a tônica da Oposição, das suas lideranças mais atuantes e
mais legítimas era sistematicamente elogiar o Presidente Geisel, tendo alguns
setores até atribuído a vitória do MDB mais ao Presidente Geisel do que ao
próprio partido.
321
Para a bancada da ARENA, a eliminação dos instrumentos de exceção (especificamente o AI-5)
sintetizaria um último estágio do desenvolvimento do país. Naquele momento, a prioridade para o partido
estava na solução dos problemas sociais e econômicos da população, coadunados com a manutenção da
ordem e a realização da justiça social pelos meios outorgados pela “revolução”.
Segundo a ARENA, coerente com a proposição do partido, o governo havia tomado iniciativas
como o Programa Habitacional, a instituição do Estatuto da Terra, o salário-educação, a reforma do
ensino, programas de saneamento, criação do PIS-PASEP, extensão da previdência social ao trabalhador
rural e empregadas domésticas.
320
AAL, durante a 93ª Sessão em 14 de agosto de 1975, pp. 179-181.
321
Discurso do deputado Rubi Diehl/ARENA em réplica à manifestação do líder da oposição, Pedro
Simon. AAL, 86ª Sessão, em 4 de agosto de 1975, pp. 61-63.
244
Certos inconvenientes somente faziam obstacularizar este caminho inevitável:
É de surpreender, realmente, que os fatos mais inconvenientes para a normalidade
nacional, como o desmantelamento de células comunistas em o Paulo e no Rio
de Janeiro, os problemas de mortes causadas na Central do Brasil, problemas que
possivelmente surjam de greves injustas ou tantas outras inconveniências, não
preocupem a Oposição. Ao contrário, procuram sempre tachá-las como
ocorrências normais provocadas por minorias inconseqüentes e que, por isso
mesmo, não justificariam a manutenção de instrumento para coibí-los.
322
Nesta mesma linha de argumentação, a legislação de exceção não tinha outro sentido senão
garantir o aprimoramento do regime democrático (tanto que os partidos que davam vazão aos
pronunciamentos da oposição e situação foram ungidos pelas primeiras deliberações do regime pós-64).
Os políticos comprometidos com o aprimoramento do sistema político não teriam porque temer os
instrumentos utilizados pelo regime na consecução desta tarefa, desde que executassem suas funções
previamente definidas como ressaltou Mardini, pela crítica construtiva, como base de um acordo
democrático de opinião pública:
A Revolução, ao criar a ARENA, estimulou, cuidou através do seu primeiro
Governo, à época o Presidente Castelo Branco, cuidou de promover gestões
pessoais para a criação de um partido de oposição neste País, agremiação que
fosse capaz de galvanizar o pensamento discordante e de cunhar, nas suas
perspectivas, aquele conceito de discordância ao Governo, constituindo-se assim,
na Oposição constitucionalmente legitimada.
323
Tanto a ARENA quanto o MDB reiteravam o desejo comum, ao nível do discurso, em construir
um acordo democrático de todas as forças sociais e políticas do país. Anseio compartilhado pela base de
apoio ao governo, desde que entendido que a aplicação dele (do AI-5) se destina justamente à
preservação deste rumo de desenvolvimento novo, estabelecido para o País e que a comunidade nacional
inteiramente está aplaudindo.
324
Posteriormente, Waldir Walter, ao mesmo tempo em que denunciava a
excessiva violência dos aparelhos de segurança, enfatizava a distância
entre a oposição emedebista e a subversão
alguns anos, foi seqüestrado um avião em Goiânia, Goiás, que se dirigia para
Brasília. As autoridades prenderam o seqüestrador. Autêntico ato de terrorismo e
subversão! Não se ouviu no país, uma voz contra o governo, por prender o
subversivo, numa prova de que o MDB nunca apoiou a subversão. Mas retirar
pessoas do seu lar, atribuindo-lhe a condição de subversivo e devolvê-las mortas, é
demais!
325
322
Id., p. 62.
323
Manifestação do deputado Hugo Mardini/ARENA. AAL, durante a 90ª Sessão em 11 de agosto de
1975, p. 110.
324
Pronunciamento do deputado Rubi Diehl/ARENA. AAL, durante a 88ª Sessão em 7 de agosto de 1975,
p. 78.
325
AAL, 5ª Sessão da Comissão Representativa em 21 de janeiro de 1976, pp. 100-101.
245
o eram discutidas as razões destas ações extremadas e nem se estas eram relacionadas com o
cerceamento dos espaços de debate e confrontaçao política.
A eliminação dos instrumentos mais caros ao regime possibilitaria o retorno da agitação que a
intervenção já havia depurado. Da mesma maneira, o aprimoramento do sistema político ocorreria desde
que fossem controlados os impulsos inconseqüentes, como aqueles que conduziram a Argentina ao caos e
ao terrorismo em virtude do excesso de liberdade:
Tem sido afirmado desta tribuna que democracia não conflita com o
desenvolvimento social e com progresso. Na realidade o existe esse conflito.
Mas se o regime é de insegurança, de instabilidade, de intranqüilidade, não pode
haver, em nenhuma nação, qualquer progresso, seja ele econômico, social ou
político.
326
Nesta linha de raciocínio, para a população brasileira, logo para a expressão política deste
conjunto (o Estado), a questão fundamental não estava na manutenção ou eliminação do AI-5 da vida
institucional, mas sim, garantias para a continuidade do processo de desenvolvimento, entendido como o
crescimento acelerado da economia, a redução da inflação, o equilíbrio na balança de pagamentos e, por
fim, a construção de uma sociedade solidária.
Assim, a bancada arenista observava a luta democrática não como apanágio de uma liderança em
especial ou de um partido em particular, mas como projeto do regime, o qual estaria em pleno processo.
Neste sentido, os governos pós-64, procurando fazer coincidir o Estado de Direito com justiça social,
capturaram bandeiras de luta e reivindicações inseridas no programa do partido de oposição,
transformando-as em políticas públicas de natureza social e econômica:
vão se exaurindo as bandeiras que sempre o MDB usou em seus pleitos eleitorais,
na apregoação da justiça social; da valorização do operário brasileiro, da
assistência ao colono, do custo de vida, da inflação, enfim, da fome, da falta de
saúde e digo vão se exaurindo por que se constituem, nessa fase da administração
brasileira, a preocupação primordial e absolutamente prioritária.
327
Esvaziado de sua face de radicalidade na defesa de políticas sociais, restava ao partido
oposicionista o apego à pauta política definida pelo bloco dirigente, insistindo na plenitude democrática,
desprezando o fato de que a distensão é a atenuação ou eliminação de todos os entraves que
obstaculizam o progresso e o bem-estar do povo brasileiro.
328
A antítese da argumentação acima era a afirmação de que a ARENA não possuía programa
porque não detinha autonomia.
329
O país, portanto, tinha um governo que não era pautado ou não
326
Discurso do deputado Romeu Martinelli/ARENA. AAL, durante a 88ª Sessão em 7 de agosto de 1975,
p. 77. a posição da bancada emedebista foi defendida pelo deputado Cezar Schirmer. AAL, 90ª Sessão em
11 de agosto de 1975, p. 111.
327
Discurso do deputado Rubi Diehl/ARENA. AAL, durante a 9Sessão em 11 de agosto de 1975, p.
109.
328
Aparte regimental do deputado Guido Moesch/ARENA. In.: Id., p. 79. Grifos nossos.
329
Avaliação exposta pelo deputado Pedro Simon. AAL, durante a 90ª Sessão, em 11 de agosto de 1975,
pp. 103-104. Hugo Mardini afirmava que a ARENA havia sido fundada justamente para dar suporte ao
governo egresso da “revolução” da mesma maneira que o MDB fora criado pelo regime para protagonizar
246
executava o programa de um partido político. O programa veiculado pela ARENA definia-se a partir dos
projetos divulgados pelo bloco dirigente.
A discussão da questão da representatividade de setores e frações nos centros decisórios de
poder e da legitimidade de determinadas políticas passou a desempenhar um peso substancial na
estabilidade do regime, algo não observado desde a consolidação do processo intervencionista.
Todavia, ao mesmo tempo em que setores historicamente identificados ao conservadorismo
político encamparam elementos da pauta oposicionista – de forma geral na questão da condução
econômica por parte do governo – propondo inclusive rever a relação entre capital estatal e capital
privado mediados por fundos públicos e, no mesmo movimento, reduzir o tamanho da intervenção estatal
em áreas estratégicas, mantinham-se intransigentes quanto a necessidade de defender um regime e um
governo robustos suficientemente para manter a direção social e política do país, principalmente em uma
conjuntura econômica adversa ao crescimento nacional. Importante ressaltar que, ao menos até o final de
1977, o país não vivia uma crise econômica propriamente dita, mas sim, agudos desequilíbrios
econômicos.
Neste instante, pode ser observado, a um só tempo, o caráter avançado da pauta de
aprimoramento do regime defendido por frações das camadas dominantes (e, por conseqüência, suas
representações parlamentares) e a sua histórica face conservadora e inibidora dos movimentos sociais de
mudança (impostos por uma faixa de interesses
não negociáveis
).
A ampliação da oposição ao regime através da incorporação dos dissidentes da antiga coalizão
intervencionista, aproximou aqueles defendiam a coadunação e combinação de instrumentos de exceção
com formalidades democráticas como forma de depuração do regime de exceção. Não reivindicavam a
superação do regime a partir do término da legislação autoritária.
Configurou-se um quadro em que a oposição política circunstancial (o enfrentamento
conjuntural ao regime de exceção pela realização de objetivos imediatos) não representaria o endosso à
luta pela configuração do ordenamento democrático. Este, para os setores acima mencionados, adviria do
aprimoramento da excepcionalidade.
O cerne da “viração” do papel do regime (em outros termos: a morfologia da transição) ocorreu
no tempo da 8ª Legislatura.
330
a oposição acolhida pelo regime, portanto ambos cumpriam seu papel a contento. Ao mesmo tempo,
colocava o MDB em posição desconfortável ao questionar quem, partícipe da casa parlamentar, havia se
oposto à intervenção de 1964. In.: Id., pp. 105-106.
330
Nesta, ocorreu a alteração na contagem das legislaturas; em janeiro de 1979, rompendo com a prática
que advinha desde a Assembléia Constituinte de 1947, os deputados passaram a identificar a legislatura
que se iniciava como a 44ª, dando continuidade a contagem iniciada em 1891 com a Assembléia dos
Representantes do Rio Grande do Sul. Neste período (1975-1979), todas as mesas diretoras estiveram em
mãos oposicionistas, sintoma do contexto da reversão das preferências político-eleitorais demarcada com
a vitória emedebista em novembro de 1974. Com 33 deputados, o MDB assumiu a primazia na
composição da mesa diretora. No biênio 1975/76 a mesa diretora foi composta por: João Carlos Gastal
(presidente), Carlos Giacomazzi (1º vice-presidente), Moises Velasques (2º vice-presidente), Celso Testa
(1º secretário), Amarildo Borges Moreira (2º secretário), Elton Fensterseifer (3º secretário), Romildo
Bolzan (4º secretário). No biênio seguinte (77/78) a composição teve Nivaldo Soares como presidente,
Jorge Bandarra (1º vice-presidente), Porfírio Peixoto ( vice-presidente), Victorio Trez (1º secretário),
Fernando do Canto (2º secretário), Lino Zardo (3º secretário), Nolly Joner (4º secretário). Por fim, entre
1979 e 1980, a presidência esteve a cargo de Carlos Giacomazzi, a 1ª vice-presidência com Ibsen
247
Contudo, a questão sintomática esteve em que, de forma unânime, havia uma convicção de que o
país vivia um impasse institucional precipitado por um conjunto de crises pontuais (desde o
esfacelamento da base de sustentação do governo à instabilidade no interior do bloco dirigente).
Esta conjuntura teve interpretações distintas. Para o MDB, um tanto em decorrência da
transformação da intervenção de 1964 em um regime rígido e restrito (exposto na própria constituição do
bloco dirigente). Para a ARENA, pela obstacularização do aprimoramento do regime por parte de setores
sectários do próprio campo de alianças do governo e da oposição intransigente e inconseqüente.
O MDB, com maior ênfase obviamente, pleiteava o revigoramento das atividades partidárias
como pressuposto para a saída da crise político-social e base para o fortalecimento do regime
democrático.
331
Somaram-se fatos políticos, os quais, inseridos em variadas combinações, criaram a situação
histórica que tornou viáveis alterações substantivas não apenas no regime, mas no Estado propriamente.
No período compreendido entre 1975 e 1979, ocorreu uma complexa e intrínseca relação entre a
redução da eficácia do regime de exceção e a ampliação da atuação de setores do aparelho militar no
interior do Estado, quer como agente na condução da flexibilização das relações políticas, quer como
desenvolvimento de uma rede estatal paralela de refreamento da “liberalização”.
Esta complexa relação foi revelada pela decomposição da base de sustentação do regime, a qual
exacerbou os limites de equilíbrio da correlação de forças políticas que viabilizaram a própria
estruturação e consolidação da excepcionalidade; pela emergência da insubordinação, reconhecida através
da mobilização e luta explícita das camadas dominadas; pela afirmação da inviabilidade da dominação
política e do bloqueio da mudança social serem processados pela acentuação do monopólio dos centros
decisórios de poder (prática que dantes revelou-se a mais adequada mas que somente fazia ampliar a
instabilidade neste momento); pela acentuação da atuação do aparato repressivo; pela redução drástica do
crescimento econômico e o recrudescimento do questionamento da intervenção do Estado nas questões
afetas a economia; por fim, por uma alteração na orientação externa (sinalizada primeiro pela
administração Carter e, ao final deste período, pela ascensão dos governos Tatcher na Inglaterra, Reagan
nos Estados Unidos e Khol na Alemanha Ocidental).
A forma como estas características foram articuladas (ou se articularam) permitiu, em um curto
período, o deslocamento de frações de classe no campo das lutas políticas, mas também criou um cenário
propício para a afirmação da pauta de transformações no regime (conseqüentemente, nos canais de
representação política) de modo a definir, no período subseqüente, a dinâmica da transição, pluralizando
as variantes de arregimentação político-social, demarcando os conteúdos em que viriam a se organizar os
novos partidos políticos e a atuação institucional (sendo este processo aqui entendido enquanto a
reestatização das relações político-sociais).
Entende-se então, a manifestação de Simon:
Pinheiro, a 2ª vice-presidência com Américo Copetti, Victório Trez (1º secretário), Júlio Vianna (2º
secretário), João Satte ( secretário), Edgar Marques de Mattos (4º secretário).
331
Tema apreendido do discurso do deputado Lélio Souza/MDB. AAL, 9 Sessão em 4 de agosto de
1975, pp. 179-180.
248
o MDB é o grande responsável pelo ambiente de paz que se procura manter neste
país, enquanto em outros países a oposição prega a violência, a começar pelos
nossos irmãos da Argentina, onde o governo procura a ordem, procura se manter
e os que se opõem ao governo procuram radicalizar as posições, enquanto o MDB
defende essa tese, enquanto o MDB busca o diálogo com estudantes,
trabalhadores, donas-de-casa e intelectuais, procurando orientá-los no caminho
em que o Partido e a oposição devem se manter dentro da lei; buscando dentro das
normas legais, o caminho do poder.
332
No período pós-refinamento do Estado, a relação entre o Estado e os interesses das classes
sociais sofreu mudanças que alteraram a movimentação parlamentar. Com Geisel, o grupo palaciano
elaborou uma renovada estratégia com o intuito de reorganizar a hegemonia das frações que compunham
o bloco dominante no interior do bloco no poder. Ao mesmo tempo, superando o exercício da força e
intimidação praticado no período anterior, os aparelhos de Estado empreenderam políticas de
desorganização das forças que, potencialmente, seriam capazes de compor um bloco de oposição efetivo
ao regime (egressos dos processos de insubordinação).
333
A partir desta inferência, cria-se a base analítica para a interpretação da aplicação de políticas
essencialmente repressivas e restritivas (as quais atestavam a capacidade de continuidade do sistema e o
fechamento do espaço político) associadas a políticas de flexibilização das relações e manifestações
políticas (compreendidas enquanto sintomas da crise do regime, incapacidade de manutenção de uma
base de apoio suficientemente ampla para enfrentar as simultâneas crises e sua necessidade de abertura do
espaço político).
Por conseqüência, as ações repressivas foram acentuadas nos primeiros momentos da
administração Geisel, às quais levaram à morte o tenente José Ferreira de Almeida (que segundo a versão
oficial, estaria ligado ao PCB), o jornalista Vladimir Herzog (em agosto e outubro de 1975
respectivamente) e o metalúrgico Manuel Fiel Filho (este, a 17 de janeiro de 1976) nas dependências do
DOI-CODI de São Paulo sob custódia do II Exército (a serem discutidas em outra ocasião se estes crimes
ocorreram pela ação autônoma dos aparelhos de informação e segurança ou com a anuência do bloco
dirigente).
Especificamente no caso da morte de Herzog, a qual tomou uma dimensão ímpar na imprensa
brasileira, o plenário da Assembléia viu-se na contingência de discutir a questão da segurança interna, da
atuação dos aparelhos de segurança e informação do Estado, bem como a resistência de focos de oposição
não institucionais. As peças oratórias produzidas pela ARENA, procuraram vincular o “suicídio” com os
antecedentes de Herzog (participação em organizações comunistas declaradas em uma carta,
supostamente, redigida de próprio punho pelo jornalista):
Lamentamos, humanisticamente lamentamos, que esse jornalista chegasse ao
extremo do suicídio, mas ele fora provocado, não se esqueçam, fora provocado
332
AAL, 5ª Sessão da Comissão Representativa em 21 de janeiro de 1976, pp. 87-88.
333
Formulação baseada em: SAES, Décio. República do Capital Capitalismo e Processo Político no
Brasil. Op. Cit., pp. 49-70.
249
acima de tudo pela sua participação, chegou ao extremo, em face de seu
envolvimento.
334
Houve realmente um assassinato? Jamais! Está a palavra do presidente da
República, está a palavra do II Exército, estão as manifestações mais
unânimes e inequívocas do governo brasileiro.
335
Ao seu turno, o MDB procurou levar a discussão para a dimensão assumida pelo Estado
brasileiro e dos instrumentos “para-legais” utilizados - residindo aqui a peculiaridade das manifestações -
não pelo bloco dirigente, mas, por “ilhas” de poder paralela àquele, as quais afrontavam a própria
legislação excepcional (o revestindo de legitimidade de práticas essencialmente arbitrárias) e tornavam-
se, elas mesmas, fontes de insegurança. Mesmo que aqueles organismos atuassem com o objetivo de
contenção não apenas dos movimentos de insubordinação, mas sobretudo às oposições surgidas ao longo
do regime.
336
Enfim, mesmo que de maneira trágica, abria-se espaço para a discussão da dinâmica da
autoridade da violência e a violência da autoridade.
O somatório dos desgastes ao regime verificados a partir destes casos, acabou por definir o
afastamento do general-de-exército Ednardo D’Ávilla Mello do comando do II Exército. Pelo caráter
inédito do procedimento adotado por Geisel, a inegável cizânia no próprio bloco dirigente criou um
conjunto de expectativas no parlamento gaúcho (no País de modo geral) quanto à possibilidade de retorno
imediato ao Estado de Direito.
337
Possivelmente, a atitude do presidente guardava relação com uma
punição à desobediência hierárquica do comandante (em relação à caserna) e ao descumprimento de uma
determinação de governo – não sendo um movimento de fato pela “liberalização”.
Auxiliando ainda neste cenário de otimismo, o governo deu início ao gradativo processo de
reintegração da imprensa às suas faculdades normais. Em janeiro de 1975, o bloco dirigente eliminou a
334
Discurso de Cícero Viana/ARENA. AAL, 146ª Sessão em 29 de outubro de 1978, pp. 535-536. Na
mesma seção, Hugo Mardini ao mesmo tempo em que lamentou o episódio envolvendo Herzog, isentou
os responsáveis pela guarda do detido e afirmou que a Revolução de 1964 foi feita precisamente para
impedir a comunização deste país. Id., pp. 538-541.
335
Manifestação de Geraldo Germano/ARENA. Ibid., pp. 543-544.
336
Como demonstra a manifestação de Carlos Augusto de Souza/MDB, quando, ao mesmo tempo em que
denunciava: é incrível que passados onze anos de uma revolução que proclamou como sua divisa a luta e
o resguardo dos direitos humanos, das liberdades democráticas, do funcionamento do Congresso
Nacional, estejamos a assistir dolorosos acontecimentos como esses. Assentia com as práticas do
governo: Nós achamos que o governo tem o direito de processar as pessoas que subvertem a ordem, mas,
deve fazê-lo dentro das normas estritamente legais, através da ordem judicial. AAL, 146ª Sessão em 29
de outubro de 1978, p. 542.
337
Pedro Simon fez menção à morte de Manuel Fiel Filho como demonstração de esfacelamento do poder
central do Estado em face à autonomia de seus órgãos. Destacou ainda o deputado que a exoneração do
comandante do II Exército demonstrava que o bloco dirigente não compartilhava daqueles métodos. AAL,
Sessão da Comissão Representativa em 21 de janeiro de 1976, pp. 77-78. Na mesma seção, Waldir
Walter e Pedro Américo Leal travaram um acirrado debate sobre a violência do Estado, sendo que o
deputado arenista defendia que o operário havia, da mesma forma que o jornalista Herzog, cometido
suicídio a fim de salvar sua organização comunista, justificava os “excessos” em virtude do compromisso
pela manutenção de uma democracia vigiado no país visto o que é possível que tenha alguma relação a
mudança de comando com a morte do rapaz. É possível. Admitamos que sim. S. Exª .s chegam à
conclusão de que toda essa segurança que está sendo dada ao país pode, também, acarretar alguns casos
lastimáveis. Mas não queiram inocentar a vítima! In.: Id., pp. 82-84. Em outra oportunidade, disse o
deputado arenista: o dia em que um organismo de segurança precisar eliminar uma criatura humana que
lhe é inconveniente, com o aparato que está sendo apresentado como possível assassinato, vou dizer a V.
Exa. Que, em termos de maldade intelectual, é uma “burrice romboédrica”. AAL, Sessão da Comissão
Representativa em 22 de janeiro de 197, p. 111.
250
censura prévia em jornais de projeção nacional (caso do O Estado de São Paulo) mas também reafirmou a
necessidade de manutenção do combate à “subversão” (em 30 de janeiro, no subúrbio do Rio de Janeiro,
foi descoberta uma gráfica do PCB) e recorrência, sempre que necessário à legislação de exceção (em 18
de abril, após a segunda rejeição da Assembléia Legislativa aos nomes apresentados pelo governador à
prefeitura de Rio Branco, no Acre, Geisel utiliza o AI-5 pela primeira vez em sua gestão).
A euforia teve um refreamento com os casos de seqüestro do bispo de Nova Iguaçu-RJ, Dom
Adriano Hipólito, em setembro, e o massacre que ficou conhecido como “a chacina da Lapa” (em
dezembro) quando órgãos de repressão invadiram uma casa onde existia um aparelho do PcdoB.
338
No mesmo movimento, o regime instituiu a Lei Falcão (mais um caso de engenharia eleitoral) e
decretou, no início de 1977, o “Pacote de Abril” (dando luz aos “senadores biônicos”), cassou uma série
de mandatos e ocupou o campus da Universidade de Brasília.
Posteriormente, Geisel exonerava o general Sylvio Frota, interrompendo as manobras políticas
com vistas à sucessão presidencial. Esta foi a primeira exoneração sumária de um ministro do Exército
(antes ministro da Guerra) desde o advento da república. Identificado com os setores mais reticentes à
flexibilização política, a medida adotada por Geisel sinalizava com a intenção de ampliar a política de
descompressão.
Potencializando o cenário de efervescência política, era acentuada a campanha contra estatização
da economia e, sintomaticamente, em fevereiro de 1977, ocorria a demissão do ministro da Indústria e
Comércio, Severo Gomes, de notórias convicções de proteção à indústria nacional. Ainda em 1977, o
Movimento Custo de Vida reunia cerca de setecentos delegados em encontro em São Paulo.
Em 1978, com a ascensão do movimento operário e a explosão do novo sindicalismo com a
“Greve da Scania”, lançava-se a Frente Nacional pela Redemocratização e logo a seguir a candidatura
presidencial de oposição, pela dissidência militar com o general Euler Bentes Monteiro. Ainda neste ano,
era divulgado o manifesto do Movimento Custo de Vida com mais de um milhão de assinaturas e
acontecia o 1º Congresso dos Comitês Brasileiros pela Anistia. Foi indicado João Baptista de Oliveira
Figueiredo para um mandato de seis anos na presidência da República tendo como vice o político civil
Antônio Aureliano Chaves de Mendonça, ex-governador de Minas Gerais. Ao mesmo tempo, o MDB
crescia eleitoralmente em todos os níveis, mesmo a ARENA mantendo a proporção majoritária na
Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Em 13 de outubro de 1978 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 11, a qual determinou o
final do AI-5 a partir de 1º de janeiro do ano seguinte e, em dezembro, seriam revogados os processos de
banimento de mais de uma centena de exilados. O 31 de dezembro representou um momento
emblemático e sintomático: último dia do AI-5 e o avanço na redefinição do Estado.
338
Neste momento a ARENA, Pedro Américo Leal mais especificamente, intensificava a denúncia de o
comunismo ainda era um espectro a se temer: Os comunistas brasileiros, que não são muitos, acredito,
são no entanto ativos. Sabemos que eles estão desassossegados desde 1964; têm verdadeira ojeriza pelo
AI-5 e Decreto-Lei 477; e nisso, infelizmente combinam e não absolutamente nenhuma ilaçao nisso
com os meus ilustres e mesmo, amigos, do Movimento Democrático Brasileiro. Para o deputado, os
comunistas procuravam abrigo no MDB pelo fato de que a ARENA mantinha como ponto programático a
manutenção dos instrumentos de exceção. AAL, 11ª Sessão da Comissão Representativa em 11 de
fevereiro de 1976, p. 241.
251
No Rio Grande do Sul, a administração estadual estava ao encargo de Synval Guazzelli e Amaral
de Souza, cujo processo de escolha foi cercado de polêmicas mas que, ao fim, revelou uma questão
sintomática do regime, a legitimação por parte do sistema partidário, da oposição institucional, do sistema
político como um todo.
Aquilo que Geisel denominou de “imaginação criadora”, metáfora para a oposição e elaboração
de propostas alternativas às oficiais nos espaços concedidos pelo regime, lançaram as posições políticas
institucionais em uma vala de indeterminação política que seria a sentença da ambigüidade da mudança
de ordenamentos políticos. Generalizava-se na casa parlamentar a convicção de que os ideais fundadores
da intervenção de 1964 retornavam a arena política.
339
No bojo desta questão ainda estava a velha discussão entre a impossibilidade de adequar
elevados índices de crescimento e mobilidade social, com um sistema político que reunisse as
características de uma liberal-democracia.
Mesmo a bancada arenista via-se na compulsão de admitir o caráter coercitivo do regime. As
medidas excepcionais adotadas pelo bloco dirigente eram defendidas pela ARENA como imposições da
conjuntura. A reversão daquela situação e o esperado retorno à normalidade democrática seriam o
coroamento dos objetivos fundadores do regime. Sendo assim, Pedro Américo Leal/ARENA expressou
seu entendimento das medidas de exceção e da necessidade do voto “qualificado” (indireto) o Brasil
optou por esta forma indireta para a escolha do Presidente da República e creio que optou bem, até que
isto se torne dispensável, porque o País esteja completamente intelectualizado e pronto para uma
escolha democrática.
340
Durante o ano de 1975, ficaria evidente a intenção do bloco dirigente em restaurar o consenso
nos parâmetros da excepcionalidade.
Todavia, os novos padrões que viriam a sustentar a refundação do pacto político fundamental
não podem ser identificados aos esforços de restauração do Estado de Direito. O objetivo primeiro do
bloco dirigente esteve na ampliação de suas bases de apoio.
341
339
Para uma melhor compreensão das apreensões e convicções das bancadas parlamentares ver o debate
envolvendo Pedro Simon/MDB, Rospide Neto/MDB, Waldir Walter/MDB, João Carlos Gastal, Júlio
Brunelli e Pedro Américo Leal/ARENA. AAL, 7ª Sessão em 16 de janeiro de 1974, pp. 94-102.
340
O deputado da ARENA demonstrava que os instrumentos de exceção eram mecanismos
disciplinadores e, como tais, não faziam distinção entre os atingidos sendo estes militares, políticos do
MDB ou da ARENA. Pedro Américo Leal/ARENA, In.: Id., p. 10. Grifos nossos.
341
Como apontou Lédio Andrade ao referir-se ao poder Judiciário durante a vigência da intervenção: O
Poder Judiciário, não obstante ter sofrido algumas restrões pelas legislações de exceção, foi o Poder
menos atingido e que menos reagiu às violências praticadas pelos golpistas. Suas atividades, durante todo
esse período, foram normais. Também o Direito Positivo, a prática forense geral e a grande maioria dos
juristas mantiveram suas funções sem grandes modificações. Os magistrados, ressalvadas poucas exceções,
não foram atingidos pela pródiga atividade legiferante dos militares; ao contrário, muitos se sentiram mais
poderosos, mais “autoridades”, além de verem-se livres para a prática das conhecidas mordomias. Tanto é
verdade, que, por volta de 1975, em um Congresso Nacional dos Magistrados, o então juiz de Direito João
Baptista Herkenhoff, hoje companheiro alternativo, em sessão plenária, propôs uma moção pedindo tão-só a
volta do Estado de Direito (não incluiu a palavra Democrático) e foi derrotado de forma esmagadora,
recebendo apoio de três ou quatro congressistas. Os juízes, desembargadores e ministros presentes não
quiseram a volta do Estado de Direito. Aqui já surge uma grande questão. Como pode ser normal a atividade
do Poder Judiciário, incumbido de fazer Justa, sob uma ditadura militar? In.: ANDRADE, Lédio Rosa de.
Introdução ao Direito Alternativo. Texto disponível em:
http://www.culturavozes.com.br/revistas/n3ano96/tit_foco.html. Acessado em 29 de junho de 2003.
252
A pauta parlamentar em prol da “abertura” trazia reivindicações de cunho progressistas, filiando-
se ao conjunto das oposições ao regime de exceção os quais pleiteavam a mudança do modelo econômico,
da condução política em pastas ministeriais “técnicas”, a campanha pela anistia, pelo reconhecimento do
direito de organização sindical e de greve, fiscalização dos órgãos de segurança. Nesta pauta
reivindicatória não se identificavam interesses das camadas subordinadas e das frações que se
dessolidarizaram para com o regime.
Neste particular, as camadas médias, definidas pelo seu caráter de centralidade social - dado seu
lugar na esfera produtiva - cumpriram um papel importantíssimo no processo de desestruturação do
regime de exceção na forma definida em 64/68, pois gradativamente incorporaram uma posição de
centralidade política.
O anúncio de medidas “liberalizantes” repercutiu no MDB de forma a alterar o conjunto das
manifestações parlamentares. As peças oratórias passaram a transformar demandas específicas – no mais
das vezes relacionadas às camadas médias – em um discurso global. Entre os pontos destacavam-se a
necessidade da volta do crescimento econômico, sem o que o poder de consumo decaía drasticamente e a
queda de poder de compra dos salários destas camadas também (aqueles estabelecidos no interior do
pacto burocrático).
O MDB passou a inverter a agenda definida pelo bloco dirigente ao defender a prioridade da
estabilidade política como pressuposto da estabilidade social e econômica:
Hoje não sinto muito prazer em falar em 1964, naquilo que o dep. Pedro Américo
Leal e o Governo chamam de Revolução de 1964. Temos um fato histórico muito
mais importante, neste País, que ocorreu 10 anos depois, em 15 de novembro.
(...) na revolução de 1974 eu me enfileiro: até me sinto revolucionário do voto da
paz, da vontade do povo manifestada nas urnas. Esta é a revolução mais bela de
que o mundo e todo o Estado soberano precisam. Então, é muito mais grato para
o homem público que procura defender os princípios democráticos falar na
revolução de 1974.
342
Contrariamente, a ARENA partia do pressuposto da resolução de problemas materiais e
concretos de ordem econômica, social (educação, saúde pública e cultura) para alcançar a normalização
política. Sendo anteparo de possíveis avanços extremistas o partido governista diferia do MDB que:
342
Waldir Walter. AAL, durante a Sessão Comemorativa em 19 de fevereiro de 1975. Sérgio Ilha
Moreira utilizou a vitória arenista nos pleitos anteriores como resposta: V. Exa. se refere à revolução de
1974 como a verdadeira revolução”, aquela que foi feita pelo voto. Concordo com V. Exa. Agora,
perguntaria se as revoluções de 1970 e 1968 também não tiveram o mesmo significado que a de 1964. O
nobre colega entende que somente a revolução que V. Exa. e o seu Partido ganharam e a que pode ser
interpretada no verdadeiro sentido da palavra? In.: Id. Os embates que tiveram por mote a questão das
liberdades políticas e individuais gradativamente assumiram a primazia da tribuna. Neste sentido, Dercy
Furtado/ARENA destacou: Quem o ama a liberdade, quem não ama a justiça? É bem verdade que
essas palavras ficaram muito mais na boca de parlamentares de oposição. Por que? Porque nós da
situação estamos numa posição em ficaria difícil falarmos em liberdade, pois cabe a nós zelar pela
ordem e fazer cumprir as leis, mesmo tolhendo a liberdade de uns em favor do bem comum. Ora, isso
apaixona o nosso povo. Mas nós queremos maior prova de liberdade do que a vitória da oposição nas
últimas eleições. (...) Feliz do governo que permite que o povo pense e decida o que quer. AAL, 3ª Sessão
Comemorativa em 19 de fevereiro de 1975, pp. 24O/24N. Grifos nossos.
253
alega falta de liberdade e se insurge contra alguns instrumentos de exceção na
vida institucional brasileira, que nós não defendemos, absolutamente, mas que são
de somenos importância se considerarmos os desafios que o Governo está
resolvendo em favor da comunidade brasileira mais necessitada. É porque sente,
realmente, que o operariado, notadamente a partir do Governo Ernesto Geisel,
está sendo contemplado com aquilo que se realizou em 10 anos de sacrifício da
revolução, com o crescimento econômico para proporcionar agora uma
participação maior.
343
Segundo o deputado arenista, não convinha ao MDB analisar as mudanças processadas na
trajetória do regime, restando à oposição a acusação de que a ARENA era empecilho à democracia:
O papel Sr. Presidente e Srs. Deputados a que compete a ARENA e isto está
incomodando a Oposição é justamente uma marcha de renovação por todo o
Estado e todo o País. E isto está sendo muito bem aceito pelo povo. Temos a
incumbência de fazer com que a
Revolução que apenas agia institucionalmente,
aja politicamente; que se politize, e que tenha a ARENA ou o MDB segundo a
vontade popular o instrumento de realização das aspirações da comunidade
brasileira.
Por isso, o encargo da ARENA, nesta fase de abertura e de consolidação
democrática, é realmente de renovar o estilo administrativo da Revolução, mas
atenta para evitar recaídas para os extremos.
344
Na expectativa de implementação das políticas de flexibilização das relações, o MDB não
ostentava qualquer vacilação quanto o que considera ser um consenso entre os partidos:
Acho que não conflito na defesa da liberdade porque a liberdade que eu
defendo é a liberdade dentro da lei. O que é fundamental, nobre Deputada, é que o
povo faça a lei. O povo precisa de liberdade para fazer suas leis. A lei precisa ser
cumprida, mas o que é fundamental é que o povo faça a lei. Isto é que é
importante. O povo precisa ter liberdade para fazer a lei. Feita a lei, a lei tem de
ser cumprida.
345
Tensionada pelo partido de oposição, a ARENA ressaltou seus aspectos mais conservadores,
como demonstra a manifestação de Dercy Furtado:
(...) partindo de um Parlamentar dizer que o povo é que deve fazer a lei, neste caso
acho que deveríamos calmamente abandonar as nossas tribunas e irmos para as
nossas casas. Acho que nós, Parlamentares devemos ouvir o povo e foi o que
aconteceu, exatamente, na última eleição. O povo deve falar, nós devemos ouví-lo
343
Rubi Diehl/ARENA. AAL, durante a 74ª Sessão em 16 de junho de 1975, p. 283. Grifos nossos.
344
Id., p. 284. Grifos nossos. A réplica emedebista foi proferida por Rospide Netto: Como podem homens
como V. Exa. (referia à Rubi Diehl) violentarem-se durante dez anos, agüentarem, servirem de
instrumento perante o povo, para justificar a Revolução de 1964?
“V. Exas. que pertencem à ARENA e que dão sustentação ao Governo Revolucionário, traz-me à
lembrança homens que têm direito de entrar nos palácios, t~em direito de pisar nos tapetes, mas não o
de sentar junto aos mandatários da Nação. E o pecado da ARENA, nobre deputado Rubi Diehl, é
exatamente este: de durante dez anos ter dado sustentação ao Governo, sabendo que politicamente
estava violentando a democracia brasileira; de durante dez anos ter tirado a prerrogativa do povo
manifestar-se livremente e de agir democraticamente. In.: Ibid., p. 284. Grifos nossos.
345
Waldir Walter. AAL, 3ª Sessão Comemorativa em 19 de fevereiro de 1975, pp. 24O.
254
a o ser que fechemos os Congressos. A Lei deve ser feita pelos legisladores,
ouvindo o povo, exatamente o que aconteceu neste país, em nome do povo.
346
Gradativamente, os discursos emedebistas passam a enfatizar com maior freqüência a
necessidade de circulação de poder. Esta posição contribuía na política de contenção estabelecida pelo
bloco dirigente pois, antes da desconstituição do regime, pautava-se pelo “fazer” político nos limites da
legalidade.
347
Tem-se então que, a manifestação oficial em nome da flexibilização das relações político-sociais
e os movimentos pela reformulação das bases de sustentação do regime, responderiam à questão da
crise
de poder
vivida pelo regime.
A soma daqueles fatores repercutiu de maneira a alterar o caráter de atuação do partido
oposicionista e, da mesma forma, da relação deste para com os movimentos sociais que se insurgiam.
Perfilado através de uma individualização no cenário político, o MDB passou a assumir a face da
“oposição responsável”:
Se conhecidos fossem os gênios da administração pública, dispensada estaria a
humanidade de socorrer-se das decisões colegiadas e foi exatamente pela escassez
de gênios e, ainda, pela difícil identificação dos poucos que existem, que erigiu-se
a instituição parlamentar, como corpo coletivo composto, portanto, de muitos
cérebros, a fim de assegurar decisões políticas governamentais, se não as
melhores, pelo menos, identificadas com a opinião da maioria. As decisões
colegiadas, se não oferecem a segurança de se igualarem às decisões de um gênio,
que seriam as decisões idéias, representam, por outro lado, a garantia
absolutamente importante de não se confundirem com as decisões medíocres. E e
exatamente por isso que o Poder do Povo, como colegiado que é, cresce a passo
acelerado em todo o mundo, assumindo, assim, a Instituição Parlamentar um
significado cada vez maior. Eis por que, Sr. Presidente e Srs. Deputados,
manifesto a minha esperança de que, em nosso Estado, o Poder Legislativo esteja
a iniciar uma nova etapa voltada, antes de mais nada, para a Democracia, que
nada mais é de que o Poder do povo exercido pelo povo.
348
Gradativamente, aproveitando-se da inconsistência do padrão hegemônico que ajudara a
equilibrar, o MDB passou a intensificar a contestação dos resultados do monopólio dos centros decisórios
de poder, projetando alterações nos canais de representação política. Manifestações oposicionistas
contundentes, como a de Waldir Walter destacada acima, demarcando uma mudança discursiva,
coincidiram com as alterações políticas processadas pela crise do Estado.
349
346
Mesmo revelando sua desaprovação à legislação de exceção (especificamente o AI-5 e o Decreto-Lei
477), a deputada revelava uma compreensão extremamente restrita quanto o sistema político. In.: Id.
347
Conforme manifestação de Lélio Souza. AAL, Sessão em 3 de março de 1975, pp. 27-37. Já Waldir
Walter, parte para uma radicalização do discurso o acompanhada pelo restante da bancada: eu não
temo fazer essa afirmação: o Movimento de 1964 foi para silenciar os trabalhadores. Ocorreu para
disciplinar as reivindicações. In.: Id, p. 37. Posteriormente, Américo Copetti denunciou que a intervenção
de 1964 prescindiu dos trabalhadores. AAL, 3ª Sessão em 4 de março de 1975, p. 61.
348
Waldir Walter. AAL, 3ª Sessão em 4 de março de 1975, p. 62.
349
Padrão hegemônico como síntese do modo de acumulação e a forma de dominação expressa pela
estrutura forjada em 1968. Em emio à um cenário de conturbação social, o parlmaneto passou a debater a
forma de controle adequada. Representando a ARENA, Cícero Viana apelava para um voto de confiança
nas autoridades policiais do estado e, da mesma forma, Hugo Mardini procurava desconstituir as
255
O desequilíbrio institucional provocado pela dualidade de ordenamentos e pelo processo de
dupla fuga – precipitando a crise do Estado sem no entanto criá-la – viabilizou um avanço na crítica
emedebista:
Somos a maioria mas não somos Governo! É uma contradição natural dos
sistemas que se fundamentam no arbítrio e na força.
A insurreição do voto, como gostamos de chamar o episódio eleitoral de novembro
ultimo, à moda brasileira de forma eloqüente, trouxe profunda significação. Ela,
no sentido pacifista de nossa gente, é uma tomada de posição contraria aos
conceitos até então válidos como norma, por falsa democracia que mutila o
direito do Povo na escolha de seu governo e sustenta uma ordem social e
econômica que exclui a maioria dos brasileiros das riquezas nacionais. (...)
revogação de todos os atos que, de exceção, tolhem a liberdade. Entre eles, com
destaque, aquele que proíbe a militância de todos os brasileiros na vida pública,
para o qual temos uma única saída honrosa: a anistia, ampla e total, a crítica e a
fiscalização vigilante do Governo, fala do MDB como herdeiro da consciência
nacionalista e social, que “criou, através de seus fundamentos filosóficos, um novo
estágio na sociedade brasileira.
350
Ainda assim, Pedro Simon enfatizava o desejo de concretização dos propósitos da gestão de
Ernesto Geisel, qual seja, o restabelecimento da plenitude democrática. Não obstante um conjunto de
fatores terem precipitado a fragilização das estruturas em que se sustentava o regime, da mesma maneira
que construíram um sentimento de inviabilidade de superação da crise, certas decisões, ou minimamente,
a divulgação de um conjunto de políticas a serem implementadas pelo bloco dirigente, deram unidade à
um sistema que, mesmo em 1975, apresentava indícios de inversão na correlação de forças.
O tema do aperfeiçoamento democrático pelo aprimoramento do regime, de maneira alguma
entrava em contradição com a posição arenista.
351
Mesmo que o MDB tenha procurado relacionar o resultado das urnas, defendido como
reconhecimento popular da oposição, como a representação do coroamento dos acordos entre frações de
classe e não como propagado pela ARENA, a concretização dos propostas “liberalizantes”, não ocorreu
um estreitamento dos laços entre a insubordinação e a oposição institucional, o MDB manteve-se
impermeável aos movimentos sociais.
acusações de que o governo de Euclides Triches pautava-se pela violência. Lélio Souza e Pedro Simon
condenavam o que consideravam arbitrariedades dos órgãos policiais contra jornalistas e estudantes,
associavam que o governo estadual ou avalizava, ou omitia-se no combate à estas ações. Mardini chegou
a acusar o MDB de procurar obter dividendos políticos com a situação: se o Governo não quisesse, como
quis, a participação do povo, não teria convocado, realizado, garantido e assegurado a campanha
eleitoral no mais absoluto, total e completo clima de liberdade, em que a Oposição e o Governo
ocuparam as tribunas do radio e da televisão, levando seus programas, dizendo o que quiseram, e
argumentando de maneira como entenderam melhor, muitas vezes ate contrariando a realidade dos fatos,
sem sofrer nenhum constrangimento por parte do Governo. AAL, Sessão em 4 de março de 1975,
pp.62-66.
350
Discurso de Fernando do Canto/MDB. AAL, durante a Sessão em 24 de março de 1975, pp. 121-
122.
351
Da necessidade de manter os pressupostos fundadores do regime como norteadores das ações políticas,
a ARENA com recorrência resgatava os impulsos que levaram ao processo intervencionista. Pra tanto, ver
discurso de Rubem Scheid: AAL, 22ª Sessão em de abril de 1975, pp. 7-9. Sendo auxiliado por Hugo
Mardini: quando uma minoria atentava contra as instituições e contra a unidade nacional, buscando a
256
A crítica emedebista a partir do segundo ano do mandato de Geisel visava um dos elementos das
duas formas distintas de construção da legitimidade do regime (o chamado padrão misto de legitimação
ou a dualidade de ordenamentos): a performance do governo.
A oposição emedebista não atacava um dos alicerces que sustentavam toda a estrutura de poder,
a saber, a manutenção de formalismos liberais inoperantes da perspectiva de definições políticas e com
isso, deixava inatacada a definição imposta desde 1964 do bloco dirigente enquanto instância criadora da
nação modernizada e desenvolvida. A oposição ignorava o papel de desorganização política das camadas
dominadas desempenhado pelo Estado então militarizado. Não havia, nas peças oratórias emedebistas,
uma incompatibilidade manifesta entre a orientação geral da política de Estado na relação com as
camadas dominadas. O partido compunha parte essencial na estrutura política estatal ao “aglutinar
fragmentado” setores que, em razão da exclusão imposta pelo pacto de dominação, encontravam-se
fragmentados. Posteriormente, especificamente a partir da emergência da insubordinação em 1979, o
partido oposicionista (então PMDB) desempenharia um igual papel na reconversão liberal do regime.
Ainda que o resultado da equação entre o projeto oficial e o confronto com a dinâmica dos
processos político-sociais tenha favorecido o MDB, este acúmulo não fôra revertido na oposição efetiva
ao regime, mas sim em credencial à postulação dos centros decisórios em meio à progressiva
institucionalização do aperfeiçoamento democrático. Logo, a supremacia eleitoral emedebista cumpria
uma função considerável na reestruturação do poder.
352
Mesmo os quadros do partido mais propensos à desconstituição do bloco dirigente esbarravam
na indefinição estratégica do partido quanto à crise das bases de sustentação do regime.
No instante em que parte de aliados históricos lançavam-se à oposição conjuntural, o MDB
renunciava ao ataque pelo flanco aberto com a perda de credibilidade do governo e a crise de legitimidade
do Estado, verificadas com maior intensidade após 1974. Estas duas fragilidades do regime foram
representadas pela campanha contra a estatização, pela crítica às mordomias desfrutadas pela tecnocracia,
no descrédito em relação ao projeto nacional veiculado pela oficialidade militar e à política econômica,
chegando às denúncias de corrupção e favorecimento de grupos econômicos por parte das políticas
públicas.
Até este momento – 1975 - o MDB procurava dimensionar seu crescimento eleitoral. Por certo, o
êxito eleitoral do ano anterior conduziu o partido ao acolhimento da forma de processamento dos
conflitos políticos através das condições legais do regime. Assim, ARENA e MDB convergiam na defesa
da relevância dos processos eleitorais e da atividade parlamentar.
desagregação e o caos”) disse que queria ressaltar os motivos que, 11 anos depois, fazem necessário
novos e ingentes esforços para um gradual, porém seguro, aperfeiçoamento democrático. In.: Id., p. 9.
352
Em virtude disso, a ARENA procurou redefinir seu papel como apontou a mensagem divulgada pela
Mocidade da ARENA quando da passagem do aniversário da intervenção de 1964: os reiterados
pronunciamentos do Presidente Ernesto Geisel, tem enfatizado a necessidade e o convite aos jovens a
que tenham uma maior participação na vida política. Ele fala de lideranças autênticas, tanto entre os
políticos, como entre os trabalhadores e estudantes. Autêntico, no caso significa liderança nascida
naturalmente – não forjada nascida do próprio meio, vindo de baixo para cima e florescendo de
sementes, pois, a ARENA sabe que ou se renova e rejuvenesce, tornando-se mais representativa, ou
desaparece naturalmente como agremiação política. Mensagem transcrita a pedido de Sérgio Ilha
Moreira. AAL, 22ª Sessão em 1º de abril de 1975, p. 16.
257
Todavia, a inconsistência da oposição emedebista acabou por reverter na aceitação de dois
aspectos de legitimidade do regime; um primeiro, endossando a forma como o governo havia sido
investido; e um segundo, condicionado pela ação do bloco dirigente – entendida como progressista – em
prol da reconstituição do sistema político. Mesmo que até 1975 nenhum procedimento efetivo de
flexibilização tenha de fato sido implementado (desconsiderando a aceitação da derrota da ARENA nas
eleições de 1974, às quais, aludidas anteriormente, cumpriram uma dada funcionalidade ao regime).
O tênue equilíbrio entre a posição de enfrentamento ao governo – guiadas pelos impulsos da
insubordinação - e as necessidades impostas pelo caráter de postulante alternativo à autoridade política e
também doutrinária – pretensão das lideranças nacionais do partido, foi expresso na seguinte passagem:
Fazer uma plástica na Constituição que está aí, ou até substituí-la por outra, que
com outro nome inclua os instrumentos que, hoje sintetizam-se na denominação do
AI-5, seria tirar o divã sem acabar com o adultério. Não queremos, é óbvio, uma
Democracia inerme, incapaz de enfrentar os problemas que qualquer país tem.
Para isto, entretanto, instrumentos e meios idôneos. Se forem exagerados os
instrumentos de exceção e retiradas da apreciação do Congresso as questões mais
relevantes ou, como acontece agora, subtraídos do judiciário acontecimentos ou
ocorrências que tenham de ser examinados com a maior imparcialidade, então, de
tudo isto resultaria uma jornada de equívocos. Não se deve porém temer esta
possibilidade. Entendo importante acreditar nos propósitos que estão sendo
anunciados de reabertura.
353
Ao mesmo tempo, a divergência com o discurso oficial residia no fato do MDB localizar linhas
de ação para o retorno à normalidade democrática, veementemente repudiadas pelo bloco dirigente e pela
bancada da ARENA. O retorno ao Estado de direito seria pré-condição de uma ampla coalizão em nome
da resolução dos problemas, os quais reclamavam soluções urgentes e inadiáveis.
354
Utilizando-se dos argumentos de Brossard no Congresso Nacional, Lélio Souza declarava:
Passados onze anos no entanto, e a despeito dos proclamados propósitos de
normalização institucional, o país se encontra na dramática situação de, num
mundo de incerteza e riscos, viver divorciado da regularidade jurídica, suporte
insubstituível da ordem e da liberdade, da segurança e do bem-estar.
353
Nota de autoria de Ulysses Guimarães e Paulo Brossard inserida no pronunciamento de Lélio Souza.
AAL, 25ª Sessão em 4 de abril de 1975, p. 66.
354
Discurso de Waldir Walter: acho que a liberdade é fundamental para o desenvolvimento; entendo que
um país precisa acima de tudo, para desenvolver-se, de um regime democrático, com amplas liberdades,
com a verdadeira segurança nacional, que é a segurança do povo poder fazer prevalecer a sua vontade
num regime democrático e que garanta a todos os cidadãos a sua livre manifestação. sim, haverá
condições para o exercício da criatividade. (...) O desenvolvimento de marchar sempre paralelamente
às instituições verdadeiramente democráticas. Não sabemos até onde iremos. sei que todo o Governo,
que não é capaz de governar com a Constituição, que precisa de instrumentos discricionários
excepcionais para governar, todo o Governo desta natureza, dificilmente chegará ao dia em que poderá
afirmar que realmente vai optar por uma abertura política. Está na hora dos políticos deste País, dos
dois Partidos, ARENA e MDB, se conscientizarem de que nós transformaremos o Brasil numa nação
democrática se lutarmos por Democracia. Enquanto permanecermos aqui, na esperança e na convicção
de que essa Democracia, essa reabertura virá do Poder Central, a situação continuará assim.
Estaremos sempre falando em presos políticos, em falta de liberdade, em falta de garantia e assim por
diante. AAL, 66ª Sessão em 4 de junho de 1975, pp. 77-78.
258
Durante este período, mais longo que o da regência, mais duradouro que o do
‘Estado Novo’, é penoso registrar, que operou-se contínua degeneração
institucional, e a prometida restauração democrática tem sofrido sucessivos
eclipses e adiamentos, a estacionar na constrangedora e humilhante situação
atual. Para sair dela se anuncia agora novo esforço.
No início da sessão legislativa, por força de dispositivo regimental, foi prestado o
compromisso de ‘guardar a Constituição Federal’. Ora, como registraram
deputados e senadores do MDB, a presença de ‘atos’, ditos ‘institucionais’, anula
a própria carta outorgada.
O Brasil não tem Constituição. Tem leis, não tem lei. Nesse fato aberrante reside a
causa das causas, da continuada insegurança em que vive o País. A segurança é
filha da lei, a quebra da legalidade é a mãe da insegurança.
355
Este discurso apontou as mazelas do processo de expansão e diversificação do Estado processado
desde 1964, quer em seus aspectos regulatórios, quer nos aspectos produtivos, da mesma maneira que a
tendência a autonomização de esferas decisórias específicas que alteraram profundamente as relações
entre o Estado e a sociedade.
Ainda assim, o desempenho do governo na área política era ponderado, como tentativas de
resolução dos impasses institucionais, fomentados pela própria preservação e manutenção do regime.
Desta perspectiva percebe-se o desconforto e contrariedade de certos setores com a forma assumida pelos
procedimentos decisórios, os quais os levaram à marginalização daquele restrito círculo:
Falou-se muito, em tempos idos, em “abertura”. A palavra se gastou de tanto uso
e nada foi aberto. Agora, o vocábulo da moda é a ‘distensão’, a qual logo
acrescentam estas palavras: ‘gradual e lenta’. Entendo que seja a normalização
institucional o que se procura, tantas vezes anunciada, prometida, jurada e
perdida.
356
A ARENA, admitindo a inexistência das prerrogativas intrínsecas ao Estado de Direito, negava
que o país vivia um período de falência institucional. O MDB por sua vez, aludia o fato de auxiliar a
consolidação do sistema institucional através de sua oposição. Esta disposição de apoiar as mudanças
355
In.: Id., p. 67. Sintomático neste sentido a denúncia de Aldo Pinto/MDB referente a apreensão de
exemplares do jornal O Pasquim”, (edição de número 300) editado no Rio de Janeiro, mesmo o regime
tendo sustado a censura prévia daquele veículo. AAL, 24ª Sessão em 3 de abril de 1975, p.p. 42-43. Ainda
referente a censura, Cezar Schirmer/MDB fez duras críticas ao senador arenista Petrônio Portella, o qual
recusava-se a debater o tema por, segundo Schirmer, desconhecer as circunstâncias em que se aplicavam
tais medidas. AAL, 70ª Sessão em 13 de junho de 1975, p. 199. Posteriormente, Schirmer comentou que:
quando se acena à Nação com a possibilidade de redemocratização, de distensão, na palavra oficial do
Exmo. Sr. Presidente da República, fato como estes, cartas como estas, demonstrações da mais
impertinente censura que se abate sobre um jornal, neste País, constrangem qualquer brasileiro e,
sobretudo, constrange qualquer democrata, seja ele parlamentar ou não. AAL, 72ª Sessão em 16 de
junho de 1975, pp. 256-257.
356
Declaração do senador emedebista Paulo Brossard. Transcrita à pedido de Lélio Souza. AAL, 25ª
Sessão em 4 de abril de 1975, pp. 66-67. Na ocasião, a manifestação do senador gaúcho foi
imediatamente replicada pelo senador arenista pelo Maranhão, José Sarney: Uma Revolução é um
traumatismo, é uma confluência histórica de aspirações, de decepções e de necessidades de tomadas de
posição. Assim aconteceu em 1964. Foi uma ruptura violenta com as instituições, e tão necessária que
V. Exa. mesmo dela participou. V. Exa. mesmo admitiu que as revoluções, participando delas e
apoiando os seus primeiros passos, têm que cometer injustiças para atingir o seu caminho, e que só um
longo processo histórico poderá julgar essas injustiças. In.: Id., grifos nossos.
259
aludidas por Geisel gerou um conjunto de frustrações quando o bloco dirigente lançou mão dos
instrumentos excepcionais.
Contrastando o discurso oficial com a prática governamental, Lélio Souza defendeu que a
democratização e normalização da vida política no país, apenas e tão somente poderiam ocorrer pela
participação da sociedade, não diretamente, mas em um ou outra das agremiações partidárias.
357
Não observava a bancada emedebista que a flexibilização das relações exigia do bloco dirigente
a farta utilização dos recursos excepcionais como mecanismo de domínio daquele processo e, no mesmo
movimento, a garantia de controle dos setores mais ortodoxos da caserna
A posição governista foi muito bem defendida por Hugo Mardini, que destacou o prestígio
alcançado pela “classe política” no governo Geisel, tanto que nele se iniciou o processo cognominado de
distensão política brasileira
Se tudo tem feito para que o Brasil, lenta mas seguramente, volte à normalidade
constitucional, também tem afirmado, tem proclamado a sua inabalável decisão de
não abrir mão dos Atos de que a Presidência dispõe.
O passado não voltará de maneira alguma, por vias diretas e oblíquas. A
Revolução não foi uma simples tentativa de salvação nacional, passageiro breve a
ser abandonado agora ou depois.
358
Reiterava a necessidade de aperfeiçoar a prática política como forma de adaptá-la ao projeto
instituído em 64, sem o que não haveria a evolução e consolidação da estabilidade das instituições
políticas. Simon também denunciara o fato de que nas campanhas publicitárias oficiais alusivas ao 12º
aniversário da intervenção, o slogan era “Brasil Ano 12”, suprimindo os mais de quatro séculos desde a
chegada dos europeus.
359
Havendo um retrocesso autoritário nos procedimentos oficiais, o partido de oposição teve de
demarcar sua distância da oposição clandestina. Repudiou quaisquer vinculações com organizações
ilegais e, da mesma forma, condenou ações extremadas de direita e de esquerda dado que, o MDB seria
um Partido que tem compromissos com a democracia, com a liberdade e com a justiça social e realizou a
sua campanha aberta e claramente, não sob o manto criminoso da clandestinidade.
360
357
A indignação da bancada emedebista ocorreu em virtude da punição, pelos dispositivos do AI-5, de
magistrado, serventuário da justiça e um militar. No Acre, as manobras parlamentares do MDB imporam
ao governo daquele estado, uma lista tríplice na escolha do prefeito da capital, desrespeitando a
Constituição segundo o bloco dirigente. Como represália, o bloco dirigente interviu naquele processo
sucessório. Para o MDB gaúcho, entravam em contradição as intenções com os fatos quando: Agora
estamos a viver um Governo Revolucionário, onde o presidente anunciou este propósito de assegurar
a distensão gradual, lenta e segura com vistas à normalização democrática. AAL, 36ª Sessão em 22 de
abril de 1975, p. 275.
358
Id., p. 276.
359
Pedro Simon. AAL, durante a 21ª Sessão em 30 de março de 1976, p. 497.
360
Discurso de Lélio Souza rechaçando denúncias, patrocinadas pelo DOPS paulista, da vinculação de
políticos emedebistas eleitos com organizações comunistas – colocando sob suspeita a própria supremacia
eleitoral do partido. Julgou serem estas ilações obra daqueles que queriam obstruir o caminho do país
rumo à normalização política. AAL, 4Sessão em 6 de maio de 1975, pp. 38-40. Porfírio Peixoto/MDB,
seguiu nesta argumentação ressaltando a importância de trazer, para os limites das instituições formais,os
movimentos políticos oriundos da sociedade.
260
Em determinada ocasião, descoberta a instalação clandestina de um aparelho de escuta durante
encontros da Juventude do MDB em São Luiz Gonzaga,
361
Pedro Simon passou a denunciar a campanha
difamatória que o partido vinha sofrendo, mesmo a oposição concorrendo para que, dentro da lei e ordem
o país superasse suas crises e, se havia uma definitiva tranqüilidade político-social no país, grande parte
devia-se à postura assumida pelo MDB em virtude de seu caráter conciliador:
Afora um determinado espaço de tempo em que houve um restabelecimento de
democracia normal e plena, o resto desses onze anos foi um longo e difícil período
de dúvida, de incerteza, de perspectivas.
Se alguém afirmar que o Brasil vive num estado de exceção, ser-lhe-á contestado
que isso não é exato, porque um Congresso esta em funcionamento, existe um
Partido de oposição e, tanto é exato, que esse Partido ganhou as últimas eleições.
Isto não é possível em um estado de exceção.
Dizer-se que se está em um regime de democracia responderão outros: num País
que tem o AI-5; o 477; uma Lei de Segurança Nacional igual a nossa; a censura à
imprensa, em grau maior ou menor, a apreensão de jornais; a falta de “Habeas-
corpus” para crimes políticos; cargos executivos, a nível estadual, previamente
escolhidos, não, não há estado democrático nesse País.
362
Segue o deputado com um discurso sintomático:
Não estaria a posição de equilíbrio do MDB fazendo uma oposição constante e
permanente, atuante, criticando, protestando, mas fazendo uma pregação dentro
da Lei, dentro da normalidade, contra a violência; percorrendo todo o país,
lançando ideais, doutrinas e pensamentos, apontando erros, denunciando
injustiças, incompreensões; mas fazendo tudo isto, dizendo que isto deve ser feito
dentro da normalidade e dentro da Lei; ao invés de acirrar, de levantar e agitar o
povo, não estaria, a Oposição brasileira, no seu papel de aglutinação das
oposições em torno de si, num ambiente de respeito e de normalidade, não seria a
grande responsável, também, pelo ambiente de paz e de ordem que no país? O
MDB está aí para dar uma aparência de legalidade ao regime. O MDB deveria se
autodissolver? E as campanhas de voto em branco? E as campanhas de voto de
protesto? E os movimentos de renúncias de mandatos?
363
Com efeito, a liderança do partido emedebista no Rio Grande do Sul reconhecia que a
consolidação do regime foi tributária da forma como o partido se postava. Reconhecia-se que a amplitude
alcançada pelo partido de oposição, cumpria função na desorganização das camadas dominadas, pois
individualizava os anseios políticos impedindo e frustrando a constituição de agentes coletivos autônomos
(em outros termos, interrompeu a ação destes enquanto classes sociais, mesmo havendo resistências), os
361
Denúncia levantada por Porfírio Peixoto (AAL, 47ª Sessão em 8 de maio de 1975, pp. 101-102) e
Marques de Mattos (AAL, 50ª Sessão em 13 de maio de 1975).
362
AAL, 49ª Sessão em 12 de maio de 1975, p. 120.
363
Id., p. 121. Em outra passagem, Algir Lorenzon/MDB, Rubi Diehl/ARENA e Guido Moesch/ARENA,
enfatizaram a necessidade de controle das atividades de organizações não-institucionais, destacando a
TFP e o que denominaram evasivamente de movimentos extremados de mentalidades retrógradas: AAL,
50ª Sessão em 13 de maio de 1975, pp. 163-165. Também ver: AAL, 56ª Sessão em 21 de maio de 1975,
pp. 341-369. Elygio Meneghetti/MDB voltou a tecer comentários sobre a TFP na: AAL, 66ª Sessão em 4
de junho de 1975, p. 98. Grifos Nossos.
261
quais, adicionariam uma dose de imprevisibilidade política impossíveis de serem dimensionadas pela
estrutura política do regime:
... a Oposição conseguiu canalizar este descontentamento, não em sintomas de
rebelião, de protesto, nem do voto em branco ou nulo, nem de contestação, mas
numa manifestação democrática e livre de votar. E o povo, votando na Oposição,
significou a discordância disso que aí está.
364
A bancada emedebista compreendia adequadamente seu papel no regime de exceção: à oposição
cabia aliviar as tensões sociais, adequando-as e ressignificando-as ao intento do projeto em curso. Mesmo
o discurso emedebista, parlamentar e eleitoral, manifestando posições para além de suas reais capacidades
naquele momento. Em virtude disso, havia uma certa lógica de acúmulo de forças, projetando uma
conjuntura adequada quando o partido se colocaria como postulante alternativo viável aos centros de
poder decisório (à autoridade política) sem contudo representar um desequilíbrio nas relações político-
institucionais.
Logo, havia a necessidade do regime adentrar em uma fase definitiva de estabilização de suas
instituições políticas, sem o que o partido teria tolhidas suas pretensões de postular àquelas posições
hegemônicas do pacto de dominação. A partir destas inferências, a bancada emedebista percebia na
dualidade de ordenamentos as causas da permanente instabilidade do sistema político:
Parece-me que esse estado de angústia permanente em torno do que será nosso
regime no dia de amanhã, não pode somar absolutamente para ninguém. O
Presidente Geisel, no seu propósito de buscar a normalidade democrática,
deveria entender, como penso que entende, que este é realmente o desejo de,
praticamente, a totalidade do povo brasileiro: normalidade democrática, que não
pode continuar sendo adiada sob os mais variados pretextos, sob as mais
variadas razões.
365
Pelas imposições da insubordinação e do controle do processo de flexibilização das relações por
parte do grupo palaciano, gradativamente o MDB procurou balancear uma questão estratégica – a
reformulação do regime – através da institucionalização de um ordenamento que significasse a superação
da dualidade vivida até então, com uma questão tática – a luta pelas liberdades político-democráticas –
com a intenção de reformular o sistema de dominação política. Percebe-se então, que ambos os partidos
compartilhavam da posição de que a “política” somente poderia ser feita em um único lugar, reconhecido
e acolhido pela estrutura de poder: o parlamento.
366
364
Ibid., p. 122.
365
Ibid. pp. 122-127. O deputado Pedro Simon foi duramente criticado por esta manifestação pela
bancada da ARENA (discursos de Hed Borges, Rubi Diehl e Hugo Mardini).
366
Para que tal intento fosse plenamente realizado, desde maio de 1975 Lélio Souza reivindicava a
revogação do AI-5 e, ainda no início de junho, Porfírio Peixoto mencionava a necessidade de liberdade
sindical. AAL, 56ª Sessão em 21 de maio de 1975, pp. 365-382. AAL, 64ª Sessão em 2 de junho de 1975,
p. 16. Ao seu turno, Guido Moesch contrapunha as acusações de ausência de espaços para prática política,
nunca se viveu no país um clima de tamanha liberdade sindical, segundo o arenista, as pequenas
arbitrariedades confirmavam a regra geral da plena liberdade. AAL, 64ª Sessão em 2 de junho de 1975, p.
16. Porfírio Peixoto destacava que Governo que não é eleito pelo povo, deve temer o povo. Por isso usa a
repressão e, no mesmo embate, Romildo Bolzan/MDB, denunciava a exigência de “atestado ideológico”
262
Embrionariamente, em 1975, setores emedebistas observavam uma lacuna, com a tendência a ser
agravada, entre o plano de ação do governo, amplamente divulgado e defendido pelo partido governista e,
por outro lado, o resultado concreto das iniciativas do bloco dirigente. Esta lacuna passou a ser o mote da
desconstituição da eficácia do governo.
367
Argumentando que o desenvolvimento político do regime acompanhava o desenvolvimento da
sociedade, Hugo Mardini observou que a solução de 1964, drástica mas necessária, cobrava seus custos:
uma revolução, ao dar curso às suas providências, de ordem institucional, política
e econômica, passa a ser entendida como revolução no momento em que a
ordem jurídica vigente é rompida, é fraturada, é eliminada pelo movimento
revolucionário.
Há 11 anos apenas deste Movimento, estamos ainda sob a égide das leis da
Revolução. Muitos dos aqui presentes, naquela época, não tinham mais de 14 ou
15 anos; mas é bom que esta Casa os tenha hoje em seu seio, porque isto
representa renovação, não só renovação de idéias, mas também a renovação
biológica, que é necessária a qualquer Parlamento. Sr. Presidente, entretanto este
Movimento, como todos os Movimentos, tenho certeza, praticou injustiças, que
nós estamos procurando sejam sanadas. Agora, vivemos ainda sob a égide das
leis da Revolução, embora tenham o Parlamento e o Poder Judiciário, a crítica
absolutamente livre para a Oposição e para o Governo, em uma Nação que
busca os seus caminhos, uma Nação onde a Oposição ganhou em cinco
importantes Estados da Federação.
368
Compreendia-se a prática política como atividade cuja única função seria produzir consenso.
Procurava transpor para o parlamento os esforços do bloco dirigente em disciplinar o jogo político,
impondo coerência ao sistema partidário. Refletia portanto, a precariedade da integração política
autoritária.
Mesmo que a ARENA aceitasse a marca de impopularidade do regime, em certa medida
expressado nas eleições de 1974, esta característica não tornava o regime ilegítimo. Porém, a crítica
emedebista era intensificada na medida em que o MDB aproveitava espaços abertos pela, cada vez mais
intensa e visível, insatisfação de frações da classe dominante com a distribuição de poder (parcelas do
no cumprimento de outras funções que não “políticas”: foi instituída nas escolas uma disciplina chamada
Educação Moral e Cívica. E, parece mentira, mas é verdade, para ser professor de Educação Moral e
Cívica o Governo exige atestado ideológico. E faz muito mal, porque se está restringindo a liberdade de
pensamento, e tem mais ainda, nobre Deputado, essa disciplina, lamentavelmente, serve como
propaganda da Revolução, impingindo na mocidade um germe que deveria ser extirpado da face da
terra. Queremos um Magistério livre para que as gerações sejam livres, hoje e para o futuro. AAL, 64ª
Sessão em 2 de junho de 1975, p. 21. Grifos nossos.
367
Como demonstra o discurso de Júlio Costamilan, onde o deputado defendia a aprovação do Projeto de
Lei que resguardava os presos políticos, restituindo o habeas corpus e revogando a incomunicabilidade
como anteparo ao excessos dos aparelhos de repressão os quais, segundo o deputado, agiam de maneira
autônoma do núcleo do governo. AAL, 66ª Sessão em 4 de junho de 1975, p. 76.
368
In: Id. Waldir Walter opôs-se à esta manifestação afirmando que somente merece o título de revolução,
um movimento que derrube uma tirania ou um governo despótico, não um movimento violento que
derruba um governo legitimamente eleito constituído pelo povo: Um movimento dessa natureza não é
majoritário, é um movimento minoritário. E todo o movimento que não tiver o respaldo da vontade
nacional, nunca poderá governar num clima de franquias democráticas; precisa de instrumentos de força
para governar, para se manter. In: Ibid., p. 78.
263
clero, empresários, setores das camadas médias), tendo prioridades genéricas que apontavam como alvo
segmentos da oficialidade militar, a tecnocracia e os interesses do capital multinacional.
De certo modo, a bancada emedebista esquivava-se de discutir a legitimação do poder
autoritário. Não estando em pauta esta questão, restava relativizar a operacionalidade do governo no
poder autoritário. Assim, Pedro Américo Leal compreendia que, à ARENA, o preço pago pela busca de
redemocratização foi a derrota eleitoral de 1974, onde a oposição desconsiderava o papel cumprido pelo
partido do governo no processo de flexibilização das relações: o MDB é muito ingrato, pois deveria estar
tecendo elogios ao 477 e ao Ato Institucional nº5, que foram os suportes para sustentar esta vitória que
ele, MDB, tem nas mãos das últimas eleições para cá.
369
Ao mesmo tempo, Rospide Netto observava no
MDB a manutenção de uma linha de coerência desde 1964:
Nós do MDB, dez anos que estamos pregando a redemocratização do País; nós
do MDB, estamos tranqüilos para com o julgamento da História no dia de
amanhã, enquanto que V. Exas. não poderão dizer o mesmo porque admitem os
atos discricionários. V. Exas. desejam e querem a perpetuação do mando, do
poder através da força; enquanto que nós pregamos a Democracia, enquanto que
nós pregamos eleições livres.
370
Guido Moesch/ARENA, observou que a decretação do AI-5, foi condicionada pela necessidade
de institucionalização dos objetivos expressos pelo processo intervencionista, este processo está sendo
muito lento. Esta transitoriedade está sendo muito estendida, demasiadamente estendida. Mas creio
que discursos tão inflamados como os que foram feitos hoje, quase em posições radicalizantes, não vão
permitir exatamente que estes atos de exceção sejam definitivamente extintos.
371
Assumindo uma importância crescente junto ao bloco dirigente, exclusivamente pela projeção
eleitoral, as manifestações em nome do MDB tinham por principal motivação a possibilidade do partido
constituir-se em referência alternativa aos centros decisórios. Para tanto, necessariamente teria de
assegurar perante o bloco dominante que, entre a efervescência da insubordinação, as dissidências do
regime e a inoperância da ARENA, o partido se entreporia, reunindo então condições de aglutinar
institucionalmente forças políticas que se organizavam para além do controle estatal. Ao debater a
necessidade de descentralização, assunta Waldir Walter:
se os dois Partidos Políticos quiserem um regime verdadeiramente democrático,
está na hora de se unirem e lutarem por este regime. O MDB vem desencadeando
esta luta há vários anos. Vez por outra leio nos jornais do Centro do País algumas
manifestações alvissareiras de grandes deres da ARENA e posso citar como
exemplo, pronunciamento do atual presidente do Senado, Senador Magalhães
Pinto. Mas, é preciso que toda a ARENA se conscientize disso. Enquanto quarenta
369
AAL, 74ª Sessão em 16 de junho de 1975, pp. 278-282.
370
Logo, compreende-se que, em um cenário de refluxo da política oficial de flexibilização, o MDB
acirrava sua crítica ao arbítrio. AAL, 74ª Sessão em 16 de junho de 1975, p. 281. Em outra ocasião,
Waldir Walter declarou que: alterar o resultado eleitoral é uma fraude; cassar um mandato
legitimamente conferido pelo povo também é uma fraude eleitoral, da mesma ou maior gravidade. E
quantos mandatos foram cassados neste País? Quanto se desrespeitou a vontade do povo, a vontade do
eleitorado, através de cassações de mandatos, e o que é pior através do fechamento do próprio
Congresso? AAL, 66ª Sessão em 4 de junho de 1975, p. 78.
371
AAL, 74ª Sessão em 16 de junho de 1975, p. 286. Grifos nossos.
264
e tantos por cento da Bancada da ARENA no Congresso Nacional se manifestar
favorável à censura à imprensa, como ocorreu recentemente, ela não está em
condições de lutar pela democracia brasileira, não está em condições de exercer o
seu papel de Partido político verdadeiramente democrático para, ao lado do MDB,
lutar por uma abertura política no Brasil.
372
Em decorrência dos movimentos políticos no interior do sistema de poder, o MDB pôde
intensificar as críticas à ineficiência do bloco dirigente na concretização do projeto de desenvolvimento.
Porém, aqueles movimentos domésticos, em grande parte, eram impulsionados pelos choques entre
frações que participavam do pacto de dominação, os quais, antes de representarem sintomas de
fragilização, compunham a dinâmica do regime e fatores da própria recomposição deste.
Em razão destas disputas internas, no mais das vezes com o intuito de moldar o “sistema”
conforme seus interesses imediatos, o bloco dirigente estabeleceu uma sucessão de estratégias de
adpatação, cooptação e exclusão de agentes políticos.
373
O cada vez mais amplo rechaço à forma de estruturação político-econômica desenvolvida pelo
governo fez com que o MDB dinamizasse a luta política sem contudo estabelecer-se enquanto perigo
efetivo à estrutura de dominação. O partido de oposição ainda não baseava sua atuação, nem na
viabilização de mecanismos institucionais de participação de setores excluídos do jogo de poder, muito
menos na desagregação das bases de sustentação do regime. Naquele momento, a desarticulação da
estrutura de dominação não interessava à cúpula emedebista em razão da dimensão alcançada pelo
partido.
A tese central do MDB, construída pelas lideranças nacionais e levada ao plenário pelos
principais oradores do partido, propunha um grande pacto de conciliação nacional pela proposta de
flexibilização das relações. Esta seria a única possibilidade, naquela conjuntura, do partido ascender ao
poder.
No conjunto deste pacto, o partido defendia o retorno ao Estado de Direito genericamente, pois
não expressava uma elaboração detalhada e factível para a consecução desta proposta. Porque,
pressionado pela suas bases, o partido não poderia renunciar à esta posição. Todavia, sendo possibilidade
remota, a ação emedebista procurou, contando com a hipótese de extinção dos Atos Institucionais,
colocar-se como avalizadora da pacificação e normalização da vida política brasileira. Disso resultou o
apoio incondicional à proposta de flexibilização lançada pelo governo Geisel: através de uma distensão,
372
Id., p. 287. Grifos nossos. Como plica, Pedro Américo Leal destacou que: V. Exa. tem assim como
que uma verdadeira psicose quanto à democracia. V. Exa. procura uma democracia que não sei onde
existe, porque democracia, no mundo, atualmente não existe. A melhor que está se adaptando ao grupo
social, o qual ela representa e afirma em favor de atingir objetivos em termos de gerações é a
brasileira. Como o Brasil fez isso? Através de duas ou três medidas que desagradaram ao Movimento
Democrático Brasileiro. In.: Ibid., pp. 287-288. Grifos nossos. Rubi Diehl/ARENA, reconhecia as
limitações no sistema político impostas pelo regime, sendo uma situação anômala mas que, processada
através de mecanismos como o AI-5 e o Decreto-Lei 477, pautada em sistemas preventivos transitórios.
373
Os conflitos entre as frações componentes do sistema” em nome de seus interesses econômicos e
políticos foi destacado por: REZENDE, Maria José. A Transição Como Forma de Dominação Política: O
Brasil na Era da Abertura, 1980-1984. Londrina: Ed. UEL, 1996, pp. 39-59.
265
ainda que não de uma forma imediata, mas através de um caminho, os nossos rumos para o nosso
País.
374
Para que a implementação de mudanças fosse minimamente viabilizada, seriam fundamentais a
revitalização de direitos e garantias individuais, a autonomia do Congresso, respeito e intangibilidade ao
Poder Judiciário e também a abertura das decisões sócio-econômicas às instâncias de representação:
Abertura imediata? Não! Ele não está propondo isso. Normalização amanhã?
Não! Ele não está propondo isso. Não que o MDB não desejasse, não gostasse. O
MDB entende que seria uma grande solução, mas lhe falta força política. (...)
reconhecendo com humildade a sua posição, o MDB propõe o diálogo aberto (...)
O trabalho de elaboração de um novo modelo constitucional é algo que exige
profunda compenetração. E nesse longo tempo que levará para o seu
aperfeiçoamento, todos poderão falar: os jornais, o rádio, a televisão, a imprensa,
as lideranças, as mais variadas classes representativas da voz da República terão
oportunidade de falar.
375
Se no campo de apoio ao bloco dirigente o cenário era de desagregação, no campo das oposições
o MDB titubeava quanto ao direcionamento de sua imposição política, entendendo esta enquanto seqüelas
de um processo levado pelo regime, o qual predispôs frações sociais a inclinar-se pela única alternativa
político-institucional existente.
Depreende-se então, que nos dois primeiros anos do mandato de Geisel as constantes referências
do bloco dirigente em ampliar os canais “políticos” sem romper com a estrutura de poder, acabaram por
conferir ao discurso oposicionista um caráter extremamente dúbio. Primeiro por que o cenário era de
desagregação política no campo de apoio ao regime
De início, o MDB endossava os propósitos de flexibilização promovidos pelo bloco dirigente e,
assim, cedo postou-se enquanto parceiro na edificação de um novo modelo constitucional que restituísse
ao parlamento o poder constituído. Mesmo que setores do partido tensionassem em nome da conquista
das prerrogativas do Estado de Direito.
Contudo, a resistência do bloco dirigente em estabelecer uma pauta “liberalizante”, reticência
generalizada e não apenas dos círculos militares do poder, acabou por restringir àquelas intenções
inaugurais a uma incipiente flexibilização das relações políticas.
À necessidade de garantir o acolhimento do bloco dirigente, até como futura referência
alternativa de poder, o MDB defrontava-se o cenário de radicalização de posições no conjunto da
sociedade. Este descompasso tendia a agravar-se justamente pelos impasses institucionais fomentados
pelo prolongamento no tempo do regime. Este foi o mote de argumentações como:
Inaugurou-se uma nova era de esperanças e que, ao longo de algum tempo, se
fortaleceram por indícios concretos de que se buscava realmente democratizar o
país. Ora apelando para a ‘imaginação política criadora’, ora livrando
parcialmente a imprensa nacional dos grilhões da censura obtusa; ora no diálogo
374
Discurso de Pedro Simon baseado em documento elaborado pela direção nacional do MDB. Neste,
eram sugeridas medidas que fariam avançar a proposta oficial de normalização da vida democrática. AAL,
79ª Sessão em 23 de junho de 1975, pp. 416-420. Grifos nossos.
375
Documento elaborado pela Direção Nacional do MDB. Transcrito a pedido de Pedro Simon. AAL,
durante a 79ª Sessão em 23 de junho de 1975, pp. 416-420. Grifos nossos.
266
com a inteligência nacional, libertando-a, em parte, da repressão causadora da
anemia cultural; ora respeitando a manifestação majoritária do povo, nas urnas;
ora admitindo a voz e a crítica da Oposição no embate das idéias, nas Praças e no
Parlamento.
Por outro lado, os democratas sentiram-se, por momentos, desesperançados, seja
pela aplicação do Ato Institucional nº5 no Acre, seja pelo amedrontamento da
Nação, com espantalhos de ideologia, que não a pregada pelos democratas, seja
pela intolerância diante da CPI dos Direitos Humanos; seja pela voz canhesta do
líder do Governo na Câmara dos Deputados; seja ainda pelas manifestações do
Ministro da Justiça.
376
Com novos componentes sendo incorporados à dinâmica política, como os embates em torno da
estatização da economia e a campanha contra a tecnoburocracia, a ARENA redirecionou o discurso, a fim
de justificar que as transformações ditadas pelo regime eram proporcionais à complexidade da construção
democrática no país. Posição esta contraditada veementemente:
Convém lembrar aos que querem se eternizar no Poder, que resta-lhes um
confronto com o tempo e um julgamento implacável pela história. Certo é,
também, que as circunstâncias históricas estão forçando a marcha rumo à
Democratização, pois a cada hora e cada ano, mais se agiganta a crença de que a
sua conquista é irresistível, pois mais cedo ou mais tarde ela ressurge fortalecida
pela árdua e sublime purificação dos que a conquistaram.
377
O Brasil do primeiro semestre de 1975, mais ou menos um ano após o presidente Ernesto Geisel
manifestar publicamente a intenção de um gradual, mas seguro, aperfeiçoamento democrático,
apresentava uma configuração política paradoxal. Reflexo de uma conjuntura que reuniu, através do
discurso oficial, elementos simbólicos de liberalização e eventos, ações concretas, da mais pura
intervenção violenta do Estado que em nada diferia dos nebulosos “anos de chumbo” do governo Médici,
tido pela literatura consagrada como o mais fiel representante da “linha-dura”.
378
Desta maneira, a partir de 1974, houve um tímido ressurgir do conflito político-institucional
tolerado pelo bloco dirigente. Com a ampliação do Estado este passou a expressar as alianças
contraditórias de frações e grupos que o sustentavam.
Em razão disso, a experiência e a pauta política-parlamentar avançavam sobre temas tidos até
então, como periféricos e secundários (por parte da ARENA) quando não sumariamente proibidos.
Debatia-se acerca dos direitos humanos, contenção de excessos dos órgãos de segurança, corrupção nos
altos escalões, descontrole burocrático, melhorias nas condições de vida, revogação da legislação de
exceção, entre outros.
Ocorre que este caráter progressivo da prática política nas instâncias de representação
contrastava com o conservadorismo nas relações políticas mediadas pelo bloco dirigente.
Nesta temática, duas questões ressaltavam-se:
376
Cezar Schirmer. AAL, durante a 82ª Sessão em 26 de junho de 1975, pp. 523-527.
377
Cezar Schirmer. In.: Id., p. 527. A argumentação arenista defendida por Guido Moesch, o qual afirmou
que a legislação de exceção seria garantia de que a Revolução não se perdesse.
378
Para tal constatação ver: DROSDOFF, Daniel. Linha-Dura no Brasil: O Governo Médici – 1969-1974.
Tradução de Norberto de Paula Lima. São Paulo: Global, 1986.
267
Primeiramente, a utilização da censura. Esta cumpria função tanto de restringir o dissenso quanto
de impor a previsibilidade política.
379
Se o MDB denunciava que a definição do silêncio por decreto era a única forma de avalizar o
status quo, a ARENA argumentava que o desejo de circulação de informações do governo era tamanha
que as concessões de canais de rádio e televisão somavam-se aos borbotões e, em grande parte, devido às
amplas condições de utilização destes veículos, o MDB logrou êxito eleitoral, valendo-se dos meios de
comunicação nos quais pôde divulgar suas plataformas políticas. Quanto ao caso específico, a ARENA
defendia que a censura não foi política mas sim uma ato justificado, pois a novela agredia valores caros a
sociedade.
380
Já a segunda referia-se ao papel do Poder Judiciário no conjunto das relações políticas.
Enquanto o MDB procurava soluções aos impasses provocados pela dualidade de ordenamentos
através da discussão da centralização do poder, sem contudo adentrar na assimetria dos poderes mas sim,
pela maior possibilidade de falhas na aplicação da justiça, visto a faculdade de decisão plena pelos meios
(o judiciário, tido como poder imparcial reunia condições que o governo não ostentava).
381
O MDB considerava que o regime já havia cumprido sua missão “revolucionária”, não sendo,
portanto, necessária a recorrência aos mecanismos excepcionais que, ao longo daquela década, haviam
dado demonstração de sua inoperância e falibilidade, se esse movimento, se esse Governo que surgiu
desse movimento, tivesse se preocupado com a liberdade da imprensa, com o fortalecimento do Poder
Legislativo, com a liberdade em geral, com a liberdade que leva à fiscalização dos governantes, tenho
absoluta certeza de que estas manchetes [denúncias de corrupção e má versação de recursos veiculadas
pelos jornais Folha da Tarde, Folha da Manhã, Zero Hora, Correio do Povo, O Estado de São Paulo]
não estariam surgindo em todos ou quase todos os órgãos de imprensa do nosso País.
382
379
Esta dialética entre concessão/conquista, avanços liberalizantes/retrocessos autoritários foi retratada de
forma sintomática em um amplo debate no parlamento gaúcho referente à lei da Censura. Este debate teve
por origem, a interferência de censores, impedindo a divulgação de determinadas cenas em uma produção
televisiva a novela “Roque Santeiro” da Rede Globo de Televisão. Para o MDB havia uma intenção
oficial em impedir a exibição da realidade nacional, a qual era a de falência do “milagre brasileiro”,
mantido artificialmente pela propaganda e censura e cuja expressão estava na prateleira do desuso pelos
arautos do Governo, porque é uma expressão que se ridicularizou. Manifestação de Lélio Souza. AAL,
em 26 de agosto durante a 102ª Sessão, p. 366. Waldir Walter acusou o governo de menosprezar a
atividade intelectual: o que de melhor possui uma Nação o seus intelectuais, são seus pensadores, são
os homens que através da pesquisa constante e aprofundada conseguem indicar caminhos para uma
nação. Quando o governo prejudica o trabalho dessa elite pensante da Nação, está prejudicando,
inapelavelmente, o próprio desenvolvimento da Nação. O discurso do deputado foi acrescido de apartes
de Lélio Souza e Carlos Augusto Souza. AAL, 105ª Sessão em 29 de agosto de 1975, pp. 426-427/pp.
440-441. Mais adiante, Waldir Walter corroborado por Lélio Souza: a produção artística, abafada pela
campânula do silêncio, não tem condições de se desenvolver, não tem condições de se expandir, de se
aprimorar, de criar uma genuína e verdadeira cultura popular e nacional. Ibid., pp. 426-427, Sessão
105ª em 29 de agosto de 1975. Em tempo: os artistas envolvidos na produção na novela em questão,
produziram um comunicado (Beth Faria, Beth Mendes, Regina Duarte, Denis Carvalho, Tarcísio Meira,
Milton Gonçalves, Francisco Cuoco, entre tantos outros) que foi entregue em mãos no Palácio do
Planalto. Este mesmo, foi lido e transcrito a pedido de Carlos Augusto de Souza. 102ª Sessão, em 26 de
agosto de 1975, pp. 440-441.
380
Ofensa à moral, à ordem pública e aos bons costumes, bem como, como achincalha a Igreja. plica
do deputado Pedro Américo Leal. In.: Id., p. 430.
381
Pronunciamento de Waldir Walter. AAL, 98ª Sessão, em 20 de agosto de 1975, pp. 301-304.
382
Como apontou Waldir Walter o Governo não conseguirá se justificar perante à opinião pública. E
ocorre um fato muito significativo, muito interessante e até curioso, porque o Governo que está instalado
268
O MDB apreendeu à altura até mesmo a estratégia oficial de travestir o AI-5 em mecanismo de
combate a corrupção, adotando uma categoria ética/moral na aplicação da legislação de exceção, criando
desta forma, um artefato ideológico justificador da manutenção daquele instrumento. Considerada como
política de popularização no momento em que a oposição, grande parte da imprensa e a quase totalidade
da intelectualidade fazia da revogação desta sua bandeira de luta imediata.
Ao seu tempo, a ARENA vinculava as relações de poder e entre os poderes às exigências do
processo instaurado em 1964: o problema da divisão dos poderes está adaptado às contingências do
momento atual.
383
Evidentemente que a proposta de “liberalização”, elaborada e divulgada à revelia do partido
situacionista no mesmo ano da vitória eleitoral emedebista, fragilizou as argumentações arenistas, isso em
uma conjuntura de acirramento do debate parlamentar. Aqui um parêntese: a dualidade de ordenamentos
teve seqüelas também para a ARENA na medida em que eram o regime e o bloco dirigente que davam
sustentação ao partido situacionista e não, como se poderia esperar, o contrário.
Como se percebe, o fato político criado com o anúncio da “distensão”, antes mesmo da definição
da operacionalização desta, fomentou mudanças na relação politico-parlamentar às quais, se por um lado,
dinamizaram a prática parlamentar, por outro, restringiam-na, na medida em que sendo a decisão da
mudança concessão do bloco dirigente, as conquistas poderiam ser sustadas conforme compreensão
daqueles que dirigiam o projeto.
Não bastasse a incerteza quanto ao futuro político do país, dado o cenário de avanços (no mais
das vezes discursivos) e retrocessos (a incontida utilização de instrumentos excepcionais), as relações
político-parlamentares e os enfrentamentos entre os partidos – a luta política institucional propriamente –
refreavam-se em virtude das heranças do passado.
As questões relacionadas à autoridade e ao poder esvaziavam-se na medida em que o quadro
político-partidário-parlamentar pré-64 era constantemente trazido ao plenário. O constrangimento
causado pelos vínculos “petebistas” das principais lideranças emedebistas (sendo Pedro Simon o maior
exemplo) e, da mesma ordem de limitações, a exposição das incapacidades arenistas como braço político
do regime, somente fizeram agravar a distância daqueles à direção do Estado (sem mencionar o abismo
separando as demandas sociais).
A unanimidade com que se reconheciam as condições adversas que inviabilizaram o governo
Goulart (definido como caótico, sem comando, fomentador da desordem, responsável pelo refluxo
econômico, pela desarmonia social e pelo descontrole administrativo), contrastava com as dissonâncias
referentes às condições de controle político, como fator decisivo de estabilização política do país,
implementadas após 1964.
Para o MDB, era exatamente neste ponto que o regime falhara. Já para ARENA, creditavam-se à
realização de eleições livres e o acolhimento dos resultados a evidência de progresso no campo político.
384
no País, de origem revolucionária, se constituiu, se instituiu, entre outros argumentos, sob o argumento
de combater a corrupção. Este Governo está instalado onze anos e o tenho lembrança de em
nenhuma época, que se tenha falado tanto em corrupção neste País, como nos tempos presentes. In.: Id.,
pp. 302-303.
383
Discurso de Romeu Martinelli/ARENA, AAL, 88ª Sessão, em 7
de agosto de 1975, p. 80.
269
Estas questões ensejavam um outro aspecto: o temor de um retrocesso autoritário que tivesse por
justificativa as críticas direcionadas ao regime de exceção, ao governo ou à oficialidade (cenário tão
possível quanto provável, como demonstrara o caso “Márcio Moreira Alves”).
385
Nem bem a euforia causada pela apresentação da proposta de distensão passara, ao final de
janeiro o “perigo vermelho”, acusado de organizar alternativas fora do pacto político institucional, voltara
a povoar o imaginário da sociedade, alimentando sentimentos conservadores e instigando a construção do
medo.
A descoberta de uma gráfica do Partido Comunista Brasileiro no porão de uma residência em um
subúrbio carioca oportunizou ao ministro da Justiça, Armando Falcão (nome que viria a entrar nas
estantes da história político-eleitoral posteriormente), reafirmar a necessidade da manutenção da política
de contenção, através de acentuação da política repressiva:
É de surpreender que os fatos mais inconvenientes para a normalidade nacional,
como o desmantelamento de células comunistas em São Paulo e no Rio de Janeiro,
os problemas de mortes causadas na Central do Brasil, problemas que
possivelmente surjam de greves injustas ou tantas outras inconveniências, não
preocupem a oposição. Ao contrário, procuram sempre taxá-las como ocorrências
normais provocadas por minorias inconseqüentes e que, por isso mesmo, não
justificariam a manutenção de instrumento para coibi-lo. (...) Mas qual é a
democracia que quer a Oposição brasileira? A democracia que se confunda com
permitir fazer tudo o que alguém queira fazer, mesmo que isso comprometa a
realização de objetivos maiores da Pátria, do desenvolvimento no sentido global e
amplo?
386
384
Baseado na manifestação de Romeu Martinelli/ARENA: ainda se fala que neste País não há
democracia, o liberdade: licenciosidade! (...) Este País que está sob o signo da liberdade com
autoridade, vai progredir, vai continuar o seu caminho ascencional para a liderança do continente sul-
americano, queiram ou não queiram os saudosistas. AAL, 102ª Sessão, 26 de agosto de 1975, p. 367. Ao
comparar dois ordenamentos distintos, pré-64 e pós-64, a ARENA procurou distinguir o momento
conturbado da efervescência das lutas sócio-políticas no governo Goulart com a implementação de um
regime de força, ao contrário da bancada do MDB, que pleiteava uma comparação de índices no interior
do regime civil-militar. Esta foi a tentativa de Lélio Souza/MDB ao desconstituir e relativizar o sucesso
do planejamento econômico, das políticas de integração nacional e com os incentivos à agricultura no
estado. AAL, Sessão 102ª em 26 de agosto de 1975, p. 366. A disputa “através de gráficos” seguiria ainda
com as falas dos deputados Cícero Viana/ARENA, Carlos Augusto de Souza/MDB, Ruben
Scheid/ARENA, Aldo Pinto/MDB. In.: Id., pp. 365-369.
385
Uma nova ação intervencionista no sistema político desferida por setores da oficialidade militar, não
esteve descartada nem mesmo no âmago da euforia da “Nova República”. No momento em que julgava-
se superada esta possibilidade, ainda no final da década de 80, a idéia de um governo que representasse
setores subordinados fez rondar o temor de uma “volta ao passado”. A projeção alcançada pelo candidato
da Frente Popular” Lula da Silva em 1989 e, da mesma maneira, as forças políticas que sustentavam
aquele, acabaram por adicionar elementos que à disputa política que sugeriam, em caso de vitória
daquele, um desequilíbrio nas relações de poder. Mais uma vez, aventavasse a hipótese de interferência
da oficialidade militar no jogo político” como mecanismo de reordenamento e preservação das
instituições políticas.
386
Manifestação de Rubi Diehl. O deputado arenista ainda defendeu a manutenção do AI-5 como
resgurado da idoneidade da atividade parlamentar. Na mesma peça oratória, propôs que o ponto urgente a
ser inserido na pauta de debates parlamentares, deveria ser as proposições de soluções à necessidades
fundamentais da população (entendendo estas a partir de condições de vida dignas, participação no
processo de desenvolvimento econômico, educação e justiça social). AAL. 86ª Sessão em 4 de agosto de
1975, p. 62.
270
A pálida luz que ressurgia acerca da “liberalização” proposta pelo governo, era expressa pela,
cada vez mais comum, relação entre o refluxo das pautas de aprimoramento do regime com a ampliação
dos debates envolvendo as questões de subversão, comunismo e clandestinidade. A intensidade deste
debates no plenário somente teve paralelo no auge dos “anos de chumbo”.
A ARENA produzia peças discursivas ultraconservadoras, as quais guardavam similitude com as
manifestações próprias da conjuntura do início da década de 60. O comunismo era identificado como uma
forma de governo e uma doutrina que pretendia, pela força, colocar igualdade numa coletividade
desigual (...) é uma tentativa de se fazer vigorar algo que é antinatural. O comunismo é uma “piada”
porque não pode existir. O que pode existir é o humanitarismo, é a solidariedade, que é espontânea, que
pode vigorar em qualquer regime de governo.
387
A bancada emedebista, no afã de demarcar posição e, ao mesmo tempo, preservar a estrutura de
dominação, que naquele momento mostrava-se favorável ao crescimento do partido de oposição, abrindo
espaço para este estabelecer-se como organização alternativa à autoridade política, passou a afastar
qualquer hipótese ou suspeita de contatos com elementos estranhos às instâncias de representação.
388
Contudo, em agosto, nas dependências do DOI-CODI paulista, morria em circunstâncias
suspeitas, o tenente da Polícia Militar José Ferreira de Almeida, fazendo com que o comandante do II
Exército, general Ednardo D’Ávilla Mello, recebesse um ultimato do grupo palaciano: a partir de então,
não mais seriam tolerados tais abusos, ao menos, desta forma explícita.
Procedimentos como estes não constituíam exceção, mas naquele momento, se chocavam com a
pretensão do grupo palaciano em superar as contradições do aparelho estatal e da estruturação de poder.
Para tal intento, lograva este grupo uma aproximação e um estreitamento de canais de interlocução com
setores estratégicos da sociedade civil os quais, não toleravam a utilização desenfreada da repressão
estatal e a autonomia de aparelhos de Estado.
O restante do ano traria ainda mais surpresas, tornando as movimentações fundamentais na
demarcação do ritmo de instauração da flexibilização das relações políticas.
Marcado por tragédias, excessos e arroubos nacionalistas, a dinâmica política acelerou a
redefinição do Estado.
Durante a segunda metade de 1975, o governo Geisel alterou os movimentos políticos com vistas
à contenção da fragmentação política, aqueles procedimentos acabaram por reverter na reconstrução do
pacto político de dominação.
387
Discurso de Pedro Américo Leal. AAL, Sessão da Comissão Representativa em 22 de janeiro de
1976, p. 112.
388
Nesse contexto, Porfírio Peixoto e Waldir Walter responderam ao tensionamento da ARENA de que o
MDB tinha uma postura extremamente suave e complacente com a subversão, relacionando o comunismo
à países onde predominavam regimes de força, de repressão e onde as práticas políticas eram guiadas por
atos institucionais, ou seja, o comunismo de inspiração subversiva seria o subproduto correlato do
autoritarismo e deveria ser combatido tanto quanto o sistema em curso no país. AAL, 127ª Sessão em 30
de setembro de 1975, pp. 668-669. Este debate foi suscitado pelas declarações de Luiz Carlos Prestes.
Durante o 22ª Congresso Comunista em Paris, o histórico comunista declarou que os militantes das
organizações comunistas haviam garantido a vitória emedebista em 1974. Sobre esta polêmica ver:
Discurso de Lélio Souza. AAL, Sessão em 11 de março de 1976, p. 158. Hugo Mardini declarou não
acreditar que o PCB pudesse influenciar os processos político-eleitorais no país, até mesmo porque, a
revolução de 1964 foi feita neste país, precisamente para evitar a comunização desta pátria. AAL, 1
Sessão da Comissão Representativa em 11 de fevereiro de 1976, pp. 229-230.
271
Não obstante o equilíbrio das forças intramilitares na caserna e no Estado, as quais tiveram um
peso decisivo na condução das propostas dos militares enquanto governo, no cálculo de suas
necessidades, o grupo palaciano procurou definir a recomposição das instâncias de representação política
como forma de aglutinar forças primordialmente moderadas da sociedade, base para a reformulação do
regime.
Em pronunciamento oficial pela televisão, Geisel referia-se à distensão que tomava as bocas,
mentes e ações dos atores políticos, como meta do programa de governo de construir o máximo de
desenvolvimento possível em todas as áreas, onde se inseriam as questões políticas através de um lenta,
gradativa e segura distensão:
A partir de então, [da inclusão da distensão - palavra e do conceito - em um
discurso um ano antes 29 de agosto aos dirigentes da ARENA] e
principalmente depois das eleições de 15 de novembro, muito se tem publicado e
discutido sobre a “distensão”, atribuindo-se ao Governo – e notadamente ao
Presidente da República intenções, objetivos, avanços e recuos, submissão a
pressões, etc. que uns e outros absolutamente não correspondem à realidade,
mas constituem fruto da imaginação e, por vezes, além do que contém de intriga e
de ação negativista, representam apenas o desejo íntimo de seus autores.
389
No discurso oficial em sua versão mais elevada no sentido hierárquico (a fala do próprio chefe
da Nação), a referência à distensão não era sinônimo da refundação do ordenamento social e político
através da supressão dos mecanismos de exceção (AI-5, Decreto-Lei nº 477). As alusões à revisão da Lei
de Segurança Nacional e concessão da Anistia aos presos políticos, da mesma forma que a redução dos
poderes do Executivo e, conseqüentemente, a ampliação das atribuições do Legislativo, representariam,
segundo o grupo palaciano, tendência de “volta ao passado” e negação dos pressupostos
“revolucionários”.
390
As propostas de distensão, ressignificadas pela oposição, entendidas como elo indissociável da
afirmação do Estado de Direito, seriam, segundo o próprio presidente, uma construção fraudulenta, visto
a “indisfarçável” evidência do “saudosismo” de um sistema onde as disposições democráticas obedeciam
apenas ao aspecto teórico e formal dado que apenas uma parcela servia-se em detrimento ao interesse da
Nação.
Nesta fase, o bloco no poder mantinha o discurso do desenvolvimento integral. A idéia da
distensão, portanto, deveria necessariamente abarcar muito mais do que aprimoramentos na legislação
política, conectada a um dos elementos da reconstrução nacional iniciada em 1964 e complementada
389
Discurso à Nação pela televisão em de agosto de 1975. In.: GEISEL, Ernesto. Discursos Volume
II – 1975. Brasília: Assessoria de Imprensa da Presidência da República, fevereiro de 1976, p. 152.
390
Conforme pronunciamento do Waldir Walter/MDB ao insistir na inadequação deste ato institucional,
mesmo no combate à corrupção, como fora o caso da cassação do senador Wilson Campos (ARENA/PE).
AAL, 98ª Sessão em 20 de agosto de 1975, p. 302. Posteriormente, Lélio Souza voltaria à questão da
cassação do senador, contrastanto o momento vivido pelo país, uma nova fase que se convencionou
chamar de “Projeto de Distensão Políticado atual governo da “Revolução”. O deputado declarou que
mesmo com a vontade política demonstrada por Geisel, a ARENA ignorava a distensão” pois que,
acomodados estavam os quadros daquele partido, no poder, tendo transformado-se em burocratas da
política e o políticos com visão de estadistas que não compreendem que a Revolução não pode ser
responsabilidade apenas dos militares. AAL durante a Sessão Comemorativa em 3 de julho de 1975,
272
então por um projeto de ação social. Assim sendo, as metas do II PND traduziriam uma forma de política
de distensão, ao que acrescenta Geisel, após tecer um conjunto de considerações acerca da necessidade
dos partidos políticos serem parceiros no projeto de reconstrução nacional:
São expressões de distensão – perdoem-me a ênfase em repeti-lo – a desvinculação
do salário mínimo de implicações monetárias, proporcionando-lhe majoração de
43% este ano; a criação de esquemas para a casa própria aos brasileiros de
menor nível de renda; a distribuição gratuita de remédios aos mais necessitados,
ao lado de outras providências do maior alcance no âmbito do INPS; a
reestruturação do PIS e PASEP, de forma a propiciar mais um salário mínimo
anual aos que percebem até cinco salários mínimos.
É distensão o conseguir-se a regularização do abastecimento da população em
gêneros alimentícios, não mais havendo as irritantes filas que, por anos,
constituíram vexatório espetáculo nas nossas cidades.
Constitui distensão o encaminhamento da solução dos problemas crônicos e
crescentes das regiões urbanas, notadamente metropolitanas. Constitui
distensão
o
acesso de maior número de jovens ao ensino superior. Pratica o Governo Federal
distensão ao atribuir parte substancial de suas rendas aos Estados e Municípios,
atendendo às necessidades dos menos desenvolvidos, não obstante as dificuldades
econômicas da hora presente.
391
O grupo palaciano respondia às pressões domésticas, principalmente dos militares enquanto
instituição e também daquelas forças políticas que se haviam dispersado. Acusava ainda, que as
formulações para além das definições do bloco dirigente, configurariam posições à margem do tolerado
pelo regime.
A distensão estaria consagrada no momento em que fosse processada a atenuação, se não
eliminação, das tensões multiformes, sempre renovadas, que tolhem o progresso da Nação e o bem-estar
do povo. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento político, leia-se, o necessário redimensionamento dos
interesses em conflito, deveria se dar sem compromissos de espécie alguma com fórmulas ultrapassadas
e, comprovadamente inadequadas à realidade brasileira.
392
A intensificação do processo de realinhamento de forças políticas por parte do bloco do poder
acentuou as contradições emedebistas. Duas essencialmente.
Setores do partido mantinham um discurso de desconstituição do sistema político como um todo,
o que obviamente, afastava o partido dos centros decisórios. De outro modo, parcelas significativas do
partido propunham o aprimoramento do regime e do sistema político.
A primeira alternativa trazia o risco, constantemente presente, de identificação tanto com o
ordenamento anterior, quanto com a subversão. Alimentaria portanto, a acusação de “saudosismo” e
“volta ao passado”.
393
pp. 3-5. Grifos nossos. Rospide Netto/MDB foi além ao afirmar que o governo não traduzia em atos as
manifestas intenções de distensão política. In.: Id., pp. 12-13.
391
Id.,p. 154.
392
Ibid., pp. 153-155.
393
Como enfatizava Waldir Walter: o MDB não é um sucessor do PTB. AAL, 1Sessão da Comissão
Representativa em 18 de fevereiro de 1976, 287-288.
273
Na segunda, a falta de argumentação parecia não contribuir na superação da dualidade de ordens
que vigorava. Logo, a história demonstraria o quanto as
sístoles
e
diástoles
influenciariam a atuação do
sistema político e definiriam a dinâmica do projeto inaugural do bloco dominante.
Não estando no horizonte do bloco dirigente a proposição da “volta aos quartéis”, vale dizer, o
retorno à dedicação exclusiva da oficialidade militar às suas tarefas profissionais, definia-se que as
manobras políticas do governo no futuro próximo, no máximo, restringiriam as atividades de repressão
político. Assim, qualquer medida adotada pelo bloco dirigente não implicaria na restituição aos civis o
exercício do poder de Estado, questão crítica crucial na proposto de flexibilização das relações.
Em virtude destas limitações, um dos deputados mais eloqüentes da oposição, Pedro Simon,
procurou apresentar aos seus pares da Assembléia um discurso tão reticente quanto se houvesse um veto
exercido pelo comando militar. Sendo estreitas as possibilidades de enfrentamento, o deputado partia do
pressuposto da negação da “volta ao passado caótico”, aceitando o processo intervencionista de 1964 e
suas indeléveis etapas, mesmo salientando que o país vivia um processo dúbio, fruto de um sistema
titubeante e também de um projeto político dúbio que não apresentava perspectivas sensatas de
organização política e partidária, visto a ausência de “autoridade” do governo em questões da área
política.
394
Nestas condições, mesmo havendo um espaço ampliado das relações políticas, o ordenamento
democrático parecia tão distante quanto estava no governo anterior.
395
A bancada emedebista passou a centrar seus esforços no acúmulo de forças. A argumentação
passou a ser a idéia da união nacional em prol de uma etapa superior de organização. Assim, passaram a
ser corriqueiras as menções à necessidade de conscientização da sociedade, à busca de ampliação das
bases necessárias à pacificação da família e busca do Estado de Direito, na afirmação de uma
mensagem de paz e na desconstituição de alternativas exteriores ao sistema político legal. Em última
394
Manifestação de Pedro Simon. AAL, 86ª Sessão em 2 de agosto de 1975, p. 4. De outra parte, apontou
Hugo Mardini: Nós acreditamos no aperfeiçoamento democrático. Acreditamos que a democracia vivida
na praça de Atenas não é mais a democracia que se vive no século XX às portas do século XXI.
Acreditamos, Sr. Presidente [referência ao presidente da Assembléia João Carlos Gastal/MDB], não
apenas que se devam desprezar as minorias, as minorias que o líder da Oposição rio-grandense
classificou de insignificantes, para dizer que elas não têm influências na vida nacional; pois nós
entendemos que essas minorias de direita ou de esquerda precisam ser mantidas sob controle e que são
capazes perfeitamente de agitar, que são perfeitamente capazes de levar uma nação desde que não esteja
organizada para defender-se, a uma situação de caos, anarquia e de desordem. [grifos nossos]. In.: Id.,
p. 6.
395
Porfírio Peixoto externou toda sua inconformidade: Não acredito que um democrata possa, neste
Parlamento, defender atos de exceção. Mais adiante no seu pronunciamento afirmava: (...) o Ato
Institucional dá ao Presidente a autoridade de decretar recesso, de cassar mandatos e de fechar a
Câmara a qualquer instante. Portanto, as leis desta Nação são feitas ao bel prazer do Presidente e no
momento que bem lhe apraz, de acordo com os seus interesses. Isso é o que eu chamo de oligarquia e é
isso que eu chamo de ditadura. (...) Não existem perspectivas de o povo brasileiro atingir os seus anseios
libertários e decidir sobre a sua sorte. No momento em que houver democracia e liberdade neste País, os
grandes problemas nacionais serão postos em debate e o povo, através da sua imaginação, haverá de
oferecer à Nação as principais soluções. Mesmo assim, a oratório do emedebista não sensibilizou o
orador seguinte. Dercy Furtado/ARENA, ignorou o tema em debate e propôs a discussão das questões de
gênero na legislação trabalhista. Ainda assim, a manifestação do deputado emedebista antecipava uma
construção que tomaria uma forma mais acabada no final da década, a democracia como condição
indelével à solução dos problemas coletivos e realizações individuais. AAL, 87ª Sessão em 6 de agosto de
1975, p. 49.
274
análise, o MDB afirmava a inevitabilidade de contenção do poder autônomo que se rearticulava em torno
de minorias extremadas.
396
A posição emedebista auxiliou na proposta de alteração dos métodos de estabilização
conservadora defendido pelo grupo palaciano. A política emedebista, antes de constituir um impasse,
apontou soluções à continuidade da estabilização conservadora no momento em que, com uma carga
ainda de limitações, procurou liderar uma política de conciliação nacional.
Explica-se em parte esta posição, pela disposição do governo Geisel em manter a correlação de
forças adequada ao bloco dominante mesmo que pela utilização da legislação de exceção:
O constante e progressivo aperfeiçoamento do regime é o ideal que
obstinadamente buscamos, sem açodamentos contraproducentes. Por isso, o
Governo não abrirá mão dos poderes excepcionais de que dispõe, nem admite, sob
quaisquer disfarces, pressões de facções ou grupos de interesses visando,
artificialmente, a queimar etapas no processo de desenvolvimento político – que se
requer, ao contrário, lento, meditado e progressivo para que seja seguro,
realmente duradouro, construtivo e socialmente justo.
397
Aparentemente, o bloco dirigente enfrentava uma contradição na medida em que, para
implementar o projeto de distensão teria de gradativamente fortalecer o poder, ou melhor, centralizá-lo
ainda mais. Ao mesmo tempo em que, de maneira a reunir elementos democráticos, deveria
necessariamente ponderar, auxiliar, quando não definir a construção, de outras posições, partindo para
uma etapa de acolhimento do dissenso e não mais a neutralização ou eliminação deste.
Todavia, entre as dissidências processadas na base de sustentação do regime (e a oposição
conjuntural) e a insubordinação havia uma larga distância. Mesmo aquela primeira ponderava a
necessidade de alternância política para além dos componentes do pacto de dominação. Com efeito, o
ordenamento democrático propriamente o estava entre as prioridades dos empresários contrários à
estatização da economia por exemplo.
Nesta tênue linha, a oposição lançaria suas propostas de aprimoramento da representação
política, em virtude de que, se um regime discricionário provedor de desenvolvimento e justiça social
barraria a ação das minorias extremadas, um partido instituído com representatividade e autonomia
também poderia fazê-lo:
396
Vide fala de Pedro Simon/MDB: A opinião pública, os políticos, lideranças da ARENA e do MDB,
inclusive ilustres governantes arenistas, interpretavam distensão como a busca lenta, mas gradual da
normalidade democrática. E o MDB afirmava taxativamente que, se dele dependesse, o Brasil viveria as
condições para restabelecer imediatamente a normalidade democrática, mas, visando à realidade de que
não depende do MDB, aceitávamos a tese governamental da distensão, isto é, a busca da normalidade,
mas gradual, passo a passo. AAL, 8Sessão em 2 de agosto de 1975, p. 4. O tema da união nacional foi
recorrente na defesa do país das críticas exteriores: quando se trata da imagem do Brasil no exterior, da
verdadeira imagem, não da imagem deturpada, enodoada, todos, em uníssono, posição e oposição,
MDB e ARENA, devemos estar unidos para defendê-la, porque estão em jogo os supremos interesses
da pátria e também interesses da nossa soberania externa e a pátria está acima de nossos
posicionamentos pessoais. Pronunciamento de Guido Moesch, AAL, 14ª Sessão da Comissão
Representativa em 19 de fevereiro de 1976, p. 307. Waldir Walter por sua vez insistiu na distinção entre a
imagem do Brasil no exterior e a imagem do governo brasileiro no exterior, sendo esta a questão a ser
debatida. In.: Id.., p. 308.
397
Discurso à Nação pela televisão em 1º de agosto de 1975. In.: GEISEL, Ernesto. Op. Cit., pp. 155-156.
275
O MDB é um partido dentro da lei e dentro da ordem. O MDB é um partido contra
os extremismos, partam de quem partirem, contra os atos, os fatos que afastem o
País do regime da normalidade democrática. O MDB não é ingênuo a ponto de
não entender que esses extremistas de um lado e de outro existem e existirão
sempre. Existem aqui e em qualquer outro país. Apenas o MDB acha que estudar
os fatos sociais e regimes políticos de todos os povos, em todos os tempos eles
mostrarão sempre a existência de inconformados.
398
Simon denunciava algo consensual no parlamento, a existência de um impasse institucional
criado em torno da idéia de distensão. Acusava o deputado emedebista que a lentidão do processo
contrastava com os onze anos, até então, de construção do projeto histórico defendido pela coalizão civil-
militar e plenamente colaborado pela oposição legal através da “imaginação criadora” defendida por
Geisel.
Para setores do partido do governo, a par dos avanços do MDB, em números absolutos a
ARENA mantivera sua superioridade política, o Congresso Nacional ainda era majoritariamente
conservador.
Desta forma, a análise de Martinelli não deixa dúvidas quanto à compreensão dos avanços do
regime civil-militar na questão da legitimação conferida pelos êxitos nos projetos econômicos os quais,
seguramente, conduziriam à uma trajetória ascendente do campo político:
o desenvolvimento econômico deste País, o produto interno bruto, a renda “per
capita” dos brasileiros, o prestígio do Brasil no cenário internacional, as obras
realizadas pelos Governos patrióticos da Revolução estão, desde o Presidente
Castelo Branco, Costa e Silva, Médici e Geisel, marcados pela disciplina e
respeito à autoridade. Liberdade! Liberdade sim, porque honestamente ninguém
pode negar que haja liberdade neste País. Escreve-se nos jornais, fala-se nas
rádios e na televisão, nas tribunas e nos Partidos. Liberdade sim! Anarquia não!
Este País que está sob o signo da liberdade com autoridade, vai progredir, vai
continuar o seu caminho ascencional para a liderança do continente sul-
americano, queiram ou não queiram os saudosistas, os que não querem o
confronto dos números; este País vai continuar progredindo no campo político,
porque houve progresso no campo político, tanto que as eleições se processaram
em plena liberdade.
399
A este tempo, a recorrência à defesa da intervenção de 1964 apontava para uma limitação latente
das disputas em plenário. Na ausência de uma construção concreta de alternativas ou mesmo de afirmação
dos pilares que se assentava a estruturação de poder, volta-se a uma série de discussões secundárias
naquela conjuntura.
A intransigência na defesa do regime fez com que Pedro Américo Leal observasse, na
intervenção de 1964, a garantia do estado democrático, da manutenção e aprimoramento da legislação de
exceção renasceria uma configuração política fortalecida, evitando a anarquia e acabando com a
possibilidade de ascensão de manipuladores da vontade pública.
400
A defesa do deputado arenista chegara
398
Pedro Simon. AAL, Sessão 86ª em 2 de agosto de 1975, p. 10.
399
Romeu Martinelli/ARENA. Sessão 102ª em 26 de agosto de 1975, p. 367.
400
Pedro Américo Leal. AAL durante a Sessão Comemorativa em 3 de julho de 1975, pp. 1-2. Mesmo
as sucessivas intervenções nos sindicatos não representavam para a ARENA, o cerceamento da liberdade
276
a tal ponto deste classificar o AI-5, o mais draconiano dos atos de exceção, como o sustentáculo da
democracia brasileira em evolução contínua.
401
As questões envolvendo a flexibilização das relações políticas, propostas pelo grupo palaciano,
foram ressignificadas no parlamento de forma a atingirem uma dimensão que a estrutura de poder não
poderia abarcar senão pela sua própria decomposição.
As posições de setores do MDB, por exemplo, não encontravam respaldo nem mesmo entre
frações e grupos rivais na cúpula do Estado ou da instituição militar. Em última análise, a proposição de
mudanças na configuração do “político” era limitada pelo fato de não estar em discussão a concepção da
função da oficialidade militar na política e a transferência da titularidade do exercício do poder de
Estado.
402
Desta maneira, o governo incluía em “seus avanços distensionistas” a melhoria dos salários, a
ampliação do sistema de saúde e os avanços na área econômica. Dizia o líder que até na Rússia o governo
melhorou as condições de vida de um povo sem restabelecer direitos políticos.
403
Ao seu turno, o bloco dirigente também vivia impasses que versavam acerca das formas de
superação da instabilidade impulsionadas pelos sinais de esgotamento do pacto de dominação que havia
sido reformulado em 1968.
das entidades pois, aquelas que haviam sido interpeladas judicialmente (não mais que dez) o foram por
motivações administrativas e não políticas. Discurso de Guido Moesch. AAL, 118ª Sessão em 17 de
setembro de 1975, p. 360. Como réplica, Nivaldo Soares/MDB acusava o governo e as políticas restritivas
de atuação política, como responsáveis pela anulação do sentido reivindicatório dos sindicatos,
transformado-os em meras agências de assistência social. Na mesma linha argumentativa, Cezar Schirmer
sustentava a necessidade de extinção e revogação dos Decretos 477 e 288, e o amplo apoio que a proposto
havia angariado, não apenas no partido de oposição, mas entre estudantes e parte da ARENA, estes
estariam reivindicando um espaço de diálogo não concedido ou permitido pelo governo. AAL, 122ª
Sessão em 23 de setembro de 1975, p. 521. Ao seu modo, Pedro Américo Leal afirmara: ...o saudoso
presidente Arthur da Costa e Silva, um homem aberto, um homem alegre, desejou dar a todo o estudante
e a todo o Brasil as facilidades de não ter absolutamente nenhum poder coercitivo, que vinha desde a
Revolução de 1964, porque ela foi instalada para isso, ela foi instalada para disciplinar o Brasil. In.: Id.,
p. 526.
401
AAL, Sessão Comemorativa em 3 de julho de 1975, p. 19. As controvertidas posições assumidas
pelo experiente deputado arenista, contrastavam com aqueles defendidas pelo jovem Cezar Schirmer.
Estes travaram debates, mais de forma do que propriamente de conteúdo, que pela recorrência e
criatividade dos argumentos, às vezes de forma até caricata, acabaram por estereotipar os
posicionamentos: o jovem deputado, com os arroubos de rebeldia próprios juventude lutando
corajosamente contra a censura e o arbítrio e o experiente político defensor da ordem e dos valores morais
acima de qualquer questão. Debate que condensa estas posições pode ser observado em: AAL, Sessão 115ª
em 12 de setembro de 1975, pp. 278-282.
402
Porém, como trabalhado no capítulo anterior, a idéia da “distensão” ofereceu-se de forma tentadora,
sendo em muitos casos apropriada pelos analistas e incorporada como um dos “mitos fundadores” da
periodização historiográfica, ou seja, a conquista democrática seria fruto de uma concessão do bloco
dirigente do regime de exceção a partir da administração Geisel. A dialética da concessão/conquista,
senão apreendida à altura, restringiria-se à um esquematismo que não resistiria à uma análise apurada da
documentação disponível. Mesmo assim, a idéia de democracia no Brasil recente, sob a restrita ótica da
concessão do regime, somente poderia ser observada enquanto uma das muitas transições “pelo alto”,
sendo convertida em um “processo de redemocratização” minuciosamente e hermeticamente demarcado
por etapas a distensão com Geisel, a abertura com Figueiredo, a transição com Tancredo e Sarney.
Marilena Chauí crítica este esquema ao prefaciar o livro de Sader: SADER, Eder. Quando Novos
Personagens Entram em Cena: Experiências, Falas e Lutas dos Trabalhadores da Grande São Paulo
(1970-80). 3ª Reimpressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
277
Em seus dois primeiros anos de governo, Geisel teve de encaminhar as tensões no seio do bloco
dominante. Potencializado pelo processo de dupla fuga, acirrava-se o problema da decomposição do
bloco de sustentação do regime. Do bloco dirigente era esperado um termo às exigências pela
representação de interesses de setores privados nos centros decisórios e, no mesmo sentido, a ampliação
da influência de setores postergados da antiga coalizão intervencionista nas decisões de governo.
Porém, a solução destas questões passava pela definição da forma como o governo iria
encaminhar o dissenso. Uma primeira opção, endossada pelo partido de oposição, seria de recomposição
das bases de sustentação da estrutura de poder. Outra, cara a setores da oficialidade militar e políticos
conservadores, partia do reforço da coerção como garantia da correlação de forças políticas adequada ao
pacto de dominação.
404
Neste restrito sentido, a flexibilização das relações políticas atendia primeiramente a necessidade
de redefinir acordos que garantiam a própria excepcionalidade. Tendo por base a manutenção da estrutura
de poder, conforme a dinâmica daqueles acordos e do mesmo modo, a incidência da insubordinação, uma
série de pretextos era lançados como forma de restringir a “distensão”.
Portanto, a indefinição quanto às medidas adotadas pelo governo compunha o jogo político.
Desconsiderando estas nuances, o MDB procurou desvendar as razões da lentidão do processo de
distensão. A alusão do governo quanto a existência de minorias extremadas, era contraposta pela
dimensão alcançada pelo partido de oposição em setores sociais que se organizavam fora das instâncias
de representação políticas institucionalizadas.
Ao partido de oposição era reservado o papel fundamental de efetivar-se enquanto centro político
gravitacional, tarefa inviável ao partido governista, pois somente uma organização partidária de oposição
poderia exercer a função de canalizar as inquietações e frustrações sociais para o voto e não para o
conflito
.
405
Para os deputados arenistas, a democracia nos moldes propostos pelo MDB comprometeria as
mudanças estabelecidas pelo governo e, mais ainda, inviabilizariam os objetivos nacionais –
principalmente aqueles ligados ao desenvolvimento e modernização – visto a possibilidade concreta de
“des” governo fora dos limites impostos pelos instrumentos de exceção. Esta argumentação era reforçada
pela exposição na mídia do desmantelamento de células comunistas em São Paulo e Rio de Janeiro,
mortes na Central do Brasil relacionas à organizações clandestinas e os riscos provocados pela
insubordinação os quais assolavam as bases produtivas do país.
406
403
O líder do MDB, Pedro Simon, argumentou que até na Rússia o governo havia melhorado as
condições de vida de um povo sem contudo, ter restabelecido direitos políticos sicos. AAL, 86ª Sessão
em 2 de agosto de 1975, p. 4.
404
A necessidade do governo Geisel administrar esta questão foi levantada por: CARDOSO, Fernando
Henrique. Autoritarismo e Democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, pp. 202-204.
405
Pedro Simon. AAL, 8Sessão em 2 de agosto de 1975, p. 4. A argumentação arenista, ao encargo de
Hugo Mardini, afirmava categoricamente que não havia a mínima possibilidade de retorno ao
ordenamento pré-64, o saudosismo daquela democracia banida da vida pública o somava nas
discussões do presente e nem seria condição do aperfeiçoamento democrático em curso no país. Para o
deputado, a distensão proposta pelo MDB, ao se pautar pela pura e simples revogação dos atos de
exceção, seria simplesmente o deslocamento do poder decisório para a oposição, a entrega do comando da
vida brasileira, o quê para o deputado arenista estaria fora de cogitação visto o caráter dinâmico e
permanente do movimento de 1964. AAL, 86ª Sessão em 2 de agosto de 1975, p. 6.
406
Rubi Diehl AAL, 86ª Sessão em 4 de agosto de 1975, pp. 61-62.
278
Portanto, o país passava por um processo onde o evidente esgotamento do regime na sua forma
concreta, ou seja, política, não significou o esgotamento “do político”, em grande parte pelo fato de não
haver identidade imediata entre o público e o estatal.
O ano de 1975, principalmente em sua metade final, demarcou as bases institucionais da
flexibilização das relações. O parlamento gaúcho, de forma generalizada, estabeleceu que a normalização
política (tendo como referência o experimento democrático) necessariamente seria fruto da evolução da
ordem existente.
407
Romeu Martinelli chegou a propor uma análise a partir da observação de que as contingências do
período impunham uma adaptação da divisão dos poderes, mas que, ainda assim, o regime caminhava
para um aprimoramento:
A distensão se verificou tanto no campo político, pela realização de eleições livres,
pleno funcionamento do Poder Legislativo e ampla atividade partidária, como na
área social por uma melhoria sensível das condições de vida e saúde nas classes
trabalhadoras. (...) A distensão não será apenas política, nem
predominantemente política. Ela é um desenvolvimento integral e humanístico,
envolvendo os campos econômico e social.
(...) Foi a Revolução de 1964 que introduziu esse planejamento continuado e
integrado em nosso País. Os planos anteriores nada mais eram que tentativas
esporádicas e desvinculadas entre si, de planejar o desenvolvimento de certos
setores apenas (SALTE, Dutra); Plano de Metas (Juscelino); Plano Trienal
(Jango).
408
A desconstituição do discurso da ARENA dava-se exatamente pelo fato de que o partido
governista não possuía autonomia de atuação, visto não ser as instâncias do partido que ditavam a linha
de atuação política do governo. Com efeito, não havia um programa político de ação executado pelo
governo. Obviamente, esta organicidade exigida pela bancada do MDB não encontrava respaldo ou
paralelo na trajetória liberal-democrática no país (ou seja, a ação de Juscelino não seguia o programa do
PSD, Jânio nem programa partidário definido apresentava e João Goulart não representava na acepção o
programa petebista).
Por sua vez, Hugo Mardini reconhecia que ambos os partidos cumpriam fielmente seus papéis: à
ARENA reservava-se a tarefa de dar suporte e cobertura ao governo egresso da intervenção; o MDB, por
sua vez, havia sido criado pelo governo para protagonizar uma oposição construtiva.
Por fim, os embates entre frações do bloco dominante e as pressões de setores excluídos do pacto
de dominação compunham um único processo, ao mesmo tempo em que evidenciaram os desgastes do
regime em razão do prolongamento deste.
Entre 1974 e 1975, o bloco dirigente empreendeu esforços para restituir uma base de
sustentação. Tais procedimentos conduziram a alterações na forma da condução política do regime.
Neste sentido, tanto a ARENA quanto o MDB fechavam no consenso de que o Estado,
preservado em suas estruturas, deveria ser o condutor dos objetivos políticos. Esta postura mediou a
407
Para tal constatação ver o debate protagonizado pelos deputados Romeu Martinelli/ARENA, Rubi
Diehl/ARENA, Waldir Walter/MDB, Guido Moesch/ARENA, Cezar Schirmer/MDB, durante a 88ª
Sessão em 7 de agosto de 1975, pp. 77-82.
408
Id., p. 80.
279
maneira como se deram as articulações políticas no parlamento, visando o estabelecimento de um
renovado pacto de domínio.
280
CAPÍTULO 5
OS AVANÇOS E RETROCESSOS DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS
RELAÇÕES POLÍTICAS
A correlação de forças políticas acabou por transformar 1976 como referência na ofensiva
radical-conservadora.
Demonstrando sinais concretos de que o quadro político apresentava-se instável, aquele ano
iniciava com uma série de casos que refrearam o ímpeto de flexibilização das relações político-sociais.
409
Entre indícios de crise política, os episódios em que o bloco dirigente utilizou instrumentos de
exceção despertaram uma combatividade inesperada em setores do MDB, a tal ponto que a ARENA viu-
se na imperiosidade de justificar a retomada dos processos de cassação:
o MDB, flagrantemente está empregando na pregação cívica para as eleições
1976, uma dicotomia de linguagem, uma linguagem dupla: a linguagem do
deputado Pedro Simon, ponderada, comedida, que merece o nosso respeito, e a
mensagem sectária, radical de deputados e políticos do MDB como Nadyr
Rossetti, Amaury Muller e Aldo Pinto.
410
409
Utilizando-se do AI-5, o regime cassou os mandatos do deputado estadual Marcelo Gatto e do
deputado federal Nélson Fabiano Sobrinho (ambos paulistas) sob a alegação de pertencerem ao PCB. No
mesmo período, Manuel Fiel Filho, membro do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, morria no DOI-
CODI paulista provocando a exoneração do general Ednardo D’Ávilla Melo do comando do II Exército.
O enquadramento daqueles deputados no artigo quarto do AI-5 (ação para preservar os interesses da
Nação) causou revolta no MDB gaúcho e fez aflorar a contraditória relação da oposição formal nos
limites do regime de exceção, como demonstra a manifestação de Lélio Souza: Ninguém é contrário, Sr.
Presidente e Srs. Deputados, a que as investigações possam ser feitas, a que os processos regulares
sejam instaurados na forma de lei com o propósito de averiguar eventuais envolvimentos em infrações
delituosas. Guido Moesch ocupou o espaço arenista com argumentação de que: considerando que todos
esses fatos perturbadores da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de Março
de 1964, obrigando os que por eles se responsabilizaram e juraram defendê-lo a adotarem as
providências necessárias que evitem sua destruição. Ou ainda o discurso de Pedro Simon: O Governo
conta com o MDB no combate total a toda a filosofia de radicalismo de esquerda que queira se infiltrar
neste país. AAL, Sessão da Comissão Representativa em 7 de janeiro de 1976, pp. 1-11.
Posteriormente, Rospide Neto e Waldir Walter voltaram a tecer críticas pela utilização desregrada dos
instrumentos de exceção: o regime não tem uma ideologia definida, não tem inclusive, metas,
caracterizando-se, única e exclusivamente, pelo autoritarismo, pelo gosto de poder, pela vontade de
mando, pelo exercício da autoridade. Na mesma seção, Fernando do Canto/MDB frisou que em 1964,
como alguém já disse, nos tiraram a democracia que tínhamos e 12 anos depois não nos deram a que nos
prometeram, sendo replicado por Pedro Américo Leal: foi uma revolução que forjou esta constituição que
está. Não gostam? Façam outra revolução. AAL, Sessão da Comissão Representativa em 8 de
janeiro de 1976, pp. 28-31 e pp. 36-42. Posteriormente, Pedro Américo Leal voltou a insistir que o MDB
poderia desconstituir os programas econômicos, as políticas administrativas e os encaminhamentos
políticos mas de forma alguma, a oposição poderia negar que a intervenção de 1964 proporcionou uma
transformação no sistema político irremediável, sendo o MDB e a ARENA componentes deste processo.
AAL, Sessão da Comissão Representativa em 21 de janeiro de 1976, pp. 85-86. Como réplica, Rospide
Netto reafirmava que os líderes do MDB têm pregado neste país amor, paz, concórdia, liberdade,
democracia, que buscavam o poder mas sem com isso, subverter a ordem e as instituições.
410
Discurso de Guido Moesch. AAL, 16ª Sessão em 23 de março de 1976, p. 342. As manifestações
ofensivas dos deputados emedebistas foram veementemente rechaçadas pela ARENA em virtude de que a
281
Ainda sob impacto do retrocesso autoritário do regime, o MDB observava a reversão de suas
expectativas quanto à flexibilização das relações políticas. Mal assimilava este avanço autoritário, o
sistema político recebia novo impacto quando os deputados federais Nadyr Rosseti (de Caxias do Sul,
eleito com cerca de 78 mil votos) e Amauri Müller (natural de Ijuí, eleito com 50 mil votos) também
tiveram seus mandatos cassados.
411
Segundo avaliação oficial, ambos infringiram os artigos 34, 36 e 45 da Lei de Segurança
Nacional, do Decreto 898 (onde, em seu artigo 34, estava expresso que ofender moralmente quem
exerça autoridade seria passível de punição).
Os debates gerados a partir destes fatos desnudaram o real papel das instituições de
representação política na afirmação das bases da reconfiguração do poder. Naqueles episódios atestava-se
a impotência do parlamento em, minimante, interferir nas mudanças pretendidas pelo bloco dirigente.
A ARENA tecia seus desejos de prudência na atuação parlamentar como garantia da “distensão”.
A radicalização de posições poderia romper com o clima de diálogo e aproximação reinante, tanto na
administração regional (Guazzellli) quanto na federal (Geisel). Nesta conjuntura observa-se uma
interpretação muito particular de “abertura política”:
Distensão política é, acima de tudo, um estado de espírito que faz com que, acima
de nossos interesses pessoais, sobreponhamos os interesses coletivos, e a
convergência maior da distensão política é o voto, expressão suprema da
democracia.
412
Segundo o partido governista, ao afrontar a paz e a ordem, os deputados ultrapassaram os limites
do pleno exercício do direito legitimo da política, utilizando a difícil conjuntura para atacar o regime
constitucional:
Se o MDB conscientizar-se de que a redemocratização do País esta está a
reclamar de todos os brasileiros serenidade, ponderação e cautela, poderemos
chegar ao verdadeiro desenvolvimento político. Se não houver essa
ninguém é dado negar o empenho do presidente Ernesto Geisel no sentido do desenvolvimento político
da chamada distensão. O governador Sinval Guazzelli tem se destacado pelo seu espírito democrático e
pela sua conduta caracterizada pelo diálogo permanente com a Oposição. Utilização da tribuna por
Romeu Martinelli. AAL, 12ª Sessão em 17 de março de 1976, p. 248. Grifos nossos.
411
Sob a alegação de terem proferidos declarações contra o regime em ato blico realizado no interior
do estado - em Palmeiras das Missões. Os deputados teriam bradado palavras de ordem ofensivas a
autoridades e, com a mesma intensidade, afirmado que “a queda do regime é coisa certa, senão por podre,
por corrupção”, ao mesmo tempo, Müller e Rosseti acusaram Nelson Marchezan, secretário-geral da
ARENA, de ser “um demagogo simpático e de um “pelego”. AAL, 12ª Sessão em 17 de março de 1976, p.
248. Em de abril, a solidariedade prestada aos punidos, rende a Lysâneas Maciel a perda de seus
direitos políticos por dez anos. AI-5 não serve ao aprimoramento das Instituições e nem para o
encaminhamento e o aprimoramento da Democracia e, muito menos, para a segurança dos cidadãos.
Serve, isto sim, para defesa e segurança dos atuais eventuais detentores do poder. Fernando do
Canto/MDB. AAL, 24ª Sessão em 2 de abril de 1976, pp. 42-43.
412
Discurso de Guido Moesch. AAL, 16ª Sessão em 23 de março de 1976, pp. 343-344. A pauta das
cassações voltou ao plenário em abril. AAL, 24ª Sessão em 2 de abril de 1976, pp. 52-59.
282
conscientização, estaremos talvez, amanou depois, vivendo sob uma ditadura
militar como a que se encontra na Argentina, o que ninguém deseja.
413
Todavia, as perturbações no parlamento deslocaram o debate com vistas ao aprimoramento do
regime, menos pela aplicação da excepcionalidade, mas mais pela proximidade das eleições municipais.
Haja vista a possibilidade da oposição repetir os resultados de 1974, a ARENA procurou cortar a
relação do MDB como instrumento da redenção democrática, colocando ambos os partidos como
resultados do projeto intervencionista à época de Castelo Branco, assim sendo, os partidos políticos
surgiram com a finalidade de
que as tendências e a opinião pública do país pudessem, através do exercício livre,
democrático e soberano do voto, fazer dos partidos canais de comunicação para
levarem ao governo suas aspirações.
414
Em menos de um ano, a dualidade de ordenamentos desequilibrou-se em favor da
excepcionalidade, de tal modo que as discussões foram voltadas para o alcance do poder excepcional e
não mais, como no ano anterior, a dimensão das mudanças “distensionistas”.
Não obstante os resultados alcançados pelos discursos oficiais em direção à superação das
limitações políticas, as práticas que se perpetuavam ostentavam outro caráter, levando a bancada
emedebista a reafirmar seu comprometimento para com a restauração da legalidade e reimplantação do
Estado de Direito, sendo estas, premissas do diálogo democrático, diálogo este, inviabilizado pela
insegurança decorrente da excepcionalidade, a qual, entronizou como juiz dos nossos costumes políticos
o arbítrio e a prepotência, afasta, liminarmente, qualquer possibilidade de produção, de trabalho político
realmente válido em termos de diálogo, na busca de melhores soluções para o encaminhamento dos
problemas que afligem o povo brasileiro.
415
A simultaneidade do refluxo das posições progressistas do bloco dirigente com a posição
defensiva do MDB levou a ARENA a defender a necessidade de consolidação do “Movimento Político de
1964” como base de restabelecimento da normalização política no país.
A divergência de fundo entre os dois partidos dava-se exatamente pelo fato de que, até aquele
momento, a oposição reivindicava o aprimoramento do regime a partir da superação da dualidade de
ordenamentos, da afirmação de uma ordem constitucional permanente em detrimento da ordem
excepcional transitória – por isso maleável aos interesses do bloco dirigente.
413
Romeu Martinelli/ARENA. AAL, 24ª Sessão em 2 de abril de 1976, pp. 42-51. Insinuava o deputado
que o país ainda não havia passado pelo pior do regime em termos da ação repressiva. Também chegou a
afirmar, que o episódio de Palmeiras das Missões não poderia ser configurado simplesmente como crítica,
mas sim como agressão pois, em todos os sistemas políticos, a pregação da desconstituição deste por
parte de um parlamentar sofre diversas punições: Se foram cassados os Deputados do MDB, o foram
porque provocaram o sistema revolucionário, que admite a crítica repito mas não aceita a
contestação, não aceita o insulto, o agravo, a injúria, a calúnia, a difamação. Como havia suspeitas de
que Lysâneas Maciel tinha ligações com os comunistas (notícia veiculada pela Folha de o Paulo em 1
º
de outubro de 1975) a cassação teria representado um serviço à democracia e ao próprio MDB. In.: Id., p.
51.
414
Manifestação de Hugo Mardini. AAL, 20ª Sessão em 29 de março de 1976, p. 478.
415
Discurso de Lélio Souza. AAL, 20ª Sessão em 29 de março de 1976, p. 479.
283
A questão central da crise política no país, no entender do MDB, estava na não
institucionalização do próprio sistema político:
Foi feito um movimento político-militar (referia-se a 64). Venceu! Destitui-se um
governo! Houve tempo e condições de estruturar o regramento, a teor dos
princípios que informaram esse movimento, para garantir a Democracia e livrar o
País da corrupção e subversão. Por que não institucionalizar, mesmo que se
fizesse isso em regras rígidas, drásticas, restritivas? Estaríamos frente a uma
definição do quadro legal, balizando os limites de nossa ação; saberiam todos os
brasileiros, de qualquer condição, no exercício de qualquer profissão e no
desempenho de qualquer função pública, os limites da ação dentro da lei.
416
A perpetuação de práticas autoritárias, não deixando dúvidas quanto a força dos poderes
constituídos:
...se quisermos aperfeiçoar a democracia no Brasil, se quisermos construí-la
sólida, nacional, sem interferência internacional de espécie alguma, temos que
tomar posições claras que hostilizem e recusem a participação de que não seja,
efetivamente, democrata.
417
Contudo, como compreender estes retrocessos autoritários em meio a rasgos oficiais de
comprometimento com a “distensão”?
Primeiramente, o que parece irrefutável, neste período, o País não se encontrava em um processo
de abertura política, nem mesmo a flexibilização tão aludida avançara para um processo de revigoramento
das instâncias políticas. O fato político criado em 1974, a saber, o anúncio da “distensão” por parte do
presidente, havia sido colocado em suspensão.
O processo em curso dizia mais sobre a recomposição do poder do que propriamente da
ampliação do sistema político.
As condições históricas e o jogo de pressões internos ao bloco dominante permitiram uma
coesão institucional em torno da preservação da estrutura de poder e manutenção do quadro jurídico ao
custo da minimização das tensões domésticas no bloco dominante. Posições estas em evidente detrimento
da pauta progressista de flexibilização (ou distensão) em razão da necessidade do bloco dirigente em
controlar a autonomia da política (em especial o MDB pós-eleições de 1974) e dos aparelhos de
informação e segurança (neutralizando ações que colocavam sob risco antes os militares enquanto
instituição, dado que afetavam a lógica interna da corporação baseada na hierarquia e na disciplina, do
que os militares enquanto governo). Ressalvando-se que o controle destes aparelhos, não significou sua
extinção, afinal, esta seria uma reserva de poder importante no retorno à caserna.
Mesmo a ação oficial tendo sustado momentaneamente as mudanças, a curto prazo as
necessidades de recomposição de bases para além do pacto de dominação fizeram-se prementes. Até
416
Pronunciamento de Lélio Souza. AAL, Sessão da Comissão Representativa em 8 de janeiro de 1976,
p. 39. Grifos nossos. Nas sessões seguintes o deputado voltou a reivindicar a extinção do AI-5, dado que a
“revolução” havia vencido, havia ocorrido um movimento político-militar e a institucionalização de seus
objetivos somente ocorria com o fim da excepcionalidade (a ruptura com a dualidade de ordenamentos).
AAL, 4ª Sessão da Comissão Representativa em 15 de janeiro de 1976, pp. 70-72.
417
Rubi Diehl. AAL, 23ª Sessão em 1º de abril de 1976, p. 5.
284
mesmo por que a política de flexibilização das relações ampliaria para o próprio regime as alternativas de
alianças políticas, criando um maior espaço de manobras políticas. A questão central por parte do bloco
dirigente esteve na manutenção e controle da iniciativa do processo.
Estas interações explicam em grande parte as práticas do bloco dirigente, tidas como incoerentes
pela bancada emedebista, mas que determinaram a própria forma do projeto distencionista.
Segue-se às cassações um extraordinário recrudescimento das relações com os dissidentes da
antiga coalizão, a qual evoluiria posteriormente, para um movimento oposicionista organizado (caso da
Frente Nacional Pela Redemocratização).
Apesar do cenário adverso, a bancada emedebista encontrou condições para denunciar o
governo, justamente pela necessidade de recomposição do sistema político como aporte da rearticulação
proposta pelo grupo palaciano. Com o que Rospide Netto denunciava o clima de tensão e angústia
provocado pelo processo cassatório quando todos desejavam ter findado as épocas de expurgos, os
deputados Amaury Muller e Nadyr Rosseti seriam vítimas – em pleno processo de reabertura democrática
– dos instrumentos de exceção:
Ao Governo não interessam os homens que criticam, os homens que discordam
com a maneira como vem sendo conduzido o nosso País, no setor econômico-
financeiro e no setor social. O governo quer homens que não contestem. O
Governo quer homens que apenas baixem suas cabeças e digam: amém.
418
Ao defender que o abandono
progressivo
dos instrumentos legais de exceção seria uma
retratação, o deputado demonstrava toda sua incompreensão da dinâmica e das nuances entre o projeto
oficial e o processo político-social (e institucional de insubordinação que já estava em curso).
A posição arenista também não fugia a estas limitações:
A Revolução de 64 não tem nenhuma restrição a Oposição, até por que a “pariu”,
tanto a ARENA quanto o MDB seriam a materialização das mudanças
implementadas em 1964. A Revolução está aí, gostem ou não gostem! Se o
gostarem da revolução, façam outra, essa é a nossa.
419
O parlamento observava os movimentos do bloco dirigente como comprovação de um contexto
de crise e de exasperação, relacionando-o a um processo próprio do esgotamento da forma de organização
política que estava em curso.
As ações empreendidas pelo bloco dirigente demonstravam que este ainda dispunha de um
excedente de poder, o qual possibilitou a utilização dos métodos próprios do arbítrio. Este recurso foi a
forma do bloco dirigente projetar a amortização das insatisfações que se avolumavam.
418
Rospide Netto. AAL, 24ª Sessão em 2 de abril de 1976, p. 37. Sendo corroborado por Lélio Souza:
Parece-nos que o Governo está acometido de um delírio de poder, somente um desvario provocado por
uma inebriação do poder, e que pode explicar a reabertura do processo punitivo com apelo exclusivo ao
arbítrio e a prepotência, colocando-se fora do exame do Poder Judiciário sanções para cuja aferição de
responsabilidade não, se procurou percorrer os tramites legais estabelecidos.. In.: Id., p. 39.
419
Pedro Américo Leal. AAL, 24ª Sessão em 2 de abril de 1976, p. 40. O deputado chegou a mencionar
que a característica maior da instituição militar era seu caráter de neutralidade política, tanto que até
mesmo o poder o estaria monopolizado, visto a implementação da alternância de quatro em quatro
anos.
285
De outro modo, este cenário acelerou a consolidação parlamentar do MDB.
420
Assim, Nivaldo
Soares/MDB analisou a conjuntura política como resultado da deturpação das inspirações originais da
intervenção de 1964. Se os ideais proferidos em naquela ocasião deveriam ser permanentes, o processo
revolucionário deveria ser transitório pois, do contrário, o regime se perderia sob pena de eliminar o
direito. O inaceitável seria:
manter o País a margem da sua institucionalização. O mal está justamente em que
a revolução não se institucionalizou até agora; o mal é que decorridos 12 anos,
ainda vivemos a vida dos atos de exceção; o mal está em que, decorridos 12 anos
desse movimento, que se fez justamente em nome da democracia, se continua
apelando para instrumentos que podem concorrer para tudo, menos para
aperfeiçoar a democracia.
421
Se por um lado esta manifestação evidencia o desejo de aprimoramento do regime, por outro
revela a incompreensão de que a dualidade de ordenamentos ditava o próprio equilíbrio do regime:
... todos queremos o aperfeiçoamento das instituições, homens abrigados na
ARENA e no MDB. Nos queremos o aperfeiçoamento, o fortalecimento da
Democracia Representiva; queremos a ordem, queremos a segurança; queremos,
evidentemente e de acontecer a revogação dos instrumentos de exceção,
por que são transitórios, são excepcionais, não nasceram junto com a Republica.
A revolução não tem vocação para a ditadura, nem para o partido único.
Queremos exatamente é o debate, queremos o aperfeiçoamento da democracia, o
seu fortalecimento...
422
Percebe-se que os debates parlamentares tomavam por mote o avanço do regime na estrutura
forjada pela própria excepcionalidade. Ora, esta conduta do bloco dirigente - transgredir as regras
políticas por ele próprio criadas - não obstante ser seqüela da dualidade de ordenamentos, naquele
momento garantia a contenção de tensões domésticas ao pacto de dominação.
420
As instituições econômicas fixadas de forma autoritária, serão sempre favoráveis àqueles que as fixam
e não ao povo, não é o autoritarismo que vai aperfeiçoar uma instituição democrática. (...) Mas o povo
vai paulatinamente, historicamente, proclamando a sua independência e o poder vai se descentralizando
queiram ou não queiram. Waldir Walter. AAL, 4ª Sessão em 15 de julho de 1976, p. 81. Ao que respondia
a ARENA: O movimento de março de 64 teve como base e como compromisso histórico a preservação e
a restauração democrática. O longo processo e o longo caminho percorrido pela Revolução têm
evidenciado um constante desejo de aperfeiçoamento e de fortalecimento das instituições. (...) Aqui não
uma ditadura militar, não uma ditadura civil, não uma ditadura de casta e nem de classe, nem
ditadura unipessoal. um governo que procura o aperfeiçoamento democrático, institucional,
pedindo inclusive, a colaboração dos seus adversários, que estão aglutinados, que estão reunidos numa
oposição que nas últimas eleições cresceu consideravelmente. Hugo Mardini. AAL, Sessão
Representativa em 21 de julho de 1976, pp. 101-102. Grifos nossos.
421
AAL, 24ª Sessão em 2 de abril de 1976, pp. 46-49. O deputado definiu como contraditória a posição do
regime, pois lançava mão da excepcionalidade em um ano eleitoral, o contrasenso estaria em fazer
“desaparecer” 200 mil votos que estes deputados haviam recebidos. Segundo o emedebista, depois de
mais de uma década, não havia a necessidade de constantemente justificar a intervenção de 1964, pois, se
a intervençaõ tivesse cumprido seus objetivos, estes seriam reconhecidos pela nação na forma de votos.
Mais ainda, o deputado o discordaria das cassações, desde que fosse por uma decisão judicial, legal”
ou pela sua casa legislativa e não, como ocorrera, pelo critério absoluto do poder executivo.
422
Hugo Mardini. AAL, 5ª Sessão Representativa em 21 de julho de 1976, pp. 107-109.
286
Ao reagir a esta situação, a bancada oposicionista desprezava o fato de que o momento vivido
era o de realinhamento das forças no interior do bloco dominante. Este realinhamento, paradoxalmente,
definiria institucionalmente a flexibilização das relações político-sociais em um momento posterior.
423
Padecendo dos efeitos da dualidade de ordenamentos, o MDB passou a relativizar a idoneidade
do bloco dirigente pois investido por um regime que se colocou no poder pela força, sobrepujando o
processo político através da:
suposta necessidade de combate a subversão e a corrupção são argumentos e para
tal atua prendendo pessoas e, muitas vezes, ate as torturando. A verdade e que
todo o sistema que instala no governo à forca procura justificar-se. Mas todos nós
nos lembramos do quanto os homens do Governo falaram em combater a
corrupção e a subversão.
424
Não adianta AI-5, não adianta uma Constituição outorgada, não adianta
concentração de poderes nas mãos do Presidente da Republica para combater a
corrupção. Os costumes políticos, Sr. Presidente, se aprimoram com liberdade e
democracia.(...) Se aprimoram os hábitos e os costumes administrativos com uma
imprensa livre, com um Parlamento no pleno exercício de suas prerrogativas, com
uma Oposição livre, mas que não seja uma oposição consentida. E não só se
aprimoram esses costumes mas se promove o desenvolvimento.
425
O drástico processo de redução da imprevisibilidade social e política, com um crescente entre
1968 e 1974, teve, entre tantas, duas conseqüências fundamentais, sendo que uma verificada
imediatamente e outra, somente perceptível à longo prazo.
426
A primeira, tomada pela ótica do regime como positiva, revelou-se na separação entre atores
sociais e a estrutura político-partidária, sendo portanto, um fator decisivo para a implementação de
mudanças desconectadas dos interesses político-sociais na medida em que o conflito social era
manipulado. A militarização dos centros decisórios de poder esvaziou de sentido comum o público, sendo
este espaço apropriado restritamente pelos componentes do pacto de dominação.
423
Segundo a ARENA, a crítica oposicionista o abarcava alternativas efetivas à sociedade e ao sistema
político: com o AI-5 ou sem, com o Decreto-Lei 477, eleições diretas, todos buscam o desenvolvimento
global, e o povo está muito mais preocupado em ter soluções para seus problemas de ordem econômica
como os relativos à habitação, alimentação e vestuário, à saúde e educação, do que a mera ciência de
poder votar diretamente nos candidatos para Prefeito, Governador ou Presidente da Republica, ou
fazê-lo através de um colegiado de representação. Rubi Diehl. AAL, Sessão Representativa em 21 de
julho de 1976, p. 109. Grifos nossos.
424
Manifestação de Waldir Walter. AAL, 90ª Sessão em 4 de agosto de 1976, pp. 105-106. O deputado
buscava subsídios em denúncias veiculadas pelo jornal “O Estado de o Paulo”, em que eram
denunciados gastos pessoais de integrantes do governo (e da administração pública) pagos com dinheiro
dos cofres públicos; na Capital Federal imperava um clima de festa. Em um segundo momento, a questão
da crise institucional no país voltava a circundar o tema da gestão, da eficiência e da lisura ético-
administrativa. Waldir Walter e Porfírio Peixoto centraram as acusações ao governo exatamente em
questões afetas à gestão e aos desvios desta (mordomias e gastos excessivos nos altos escalões do bloco
dirigente e da burocracia). AAL, 89ª Sessão em 3 de agosto de 1976, pp. 57-60.
425
Waldir Walter. AAL, 90ª Sessão em 4 de agosto de 1976, pp. 105-106. Grifos Nossos.
426
Com o processo de refinamento do Estado, verificado entre 1968 e 1974, a prática institucional
revelava que os valores mais caros ao regime haviam sido assimilados, tanto a estrutura de dominação
quanto a de autoridade estavam consolidadas e, da mesma maneira, as normas do sistema de
representação políticas aceitas. Pelas questões abordadas no capítulo anterior, este processo teve de ser
balanceado com uma série de mudanças em nome da preservação do próprio pacto de dominação.
287
Uma segunda conseqüência residia na gradativa conversão do processo de redução da
imprevisibilidade em um obstáculo para o regime. Visto que, em permanecendo, gerou incerteza social no
governo quanto aos critérios de decisão, dúvidas quanto a credibilidade dos elementos de definição das
políticas e, por fim, tornou uma incógnita a composição dos centros decisórios. Potencializou situações de
tensão e instabilidades através dos focos de insubordinação logo convertidos em impasses políticos.
Justamente a partir de 1974, segundo aponta a bibliografia sobre o regime, setores do bloco
dirigente – precisamente o grupo palaciano - diagnosticaram os limites da estrutura de poder e, por que
não, do próprio regime.
A partir de então, a discussão no conjunto do bloco dominante centrou-se nas garantias de
manutenção do poder decisório, mesmo que para tal fossem necessárias alterações substanciais na forma
de encaminhamento dos interesses políticos, econômicos e sociais.
O grupo palaciano dedicou-se a superar tensões domésticas frutificadas pelo estágio avançado de
implementação de um determinado projeto. Esta opção teve uma maior ênfase em 1976. Neste momento,
o MDB não reunia condições ou capacidades de negociação perante o bloco dirigente a partir das
contradições deste.
As composições visando superar as diferenças no interior do bloco dominante, utilizando
inclusive soluções de força, desprezaram tacitamente os movimentos parlamentares.
427
A generalidade da defesa da democracia por parte do MDB e, com a mesma intensidade, a
posição de apêndice do governo gozada pela ARENA, tornaram as peças oratórias vagas e dissociadas
das disputas internas ao bloco dominante, como também, distantes daquela movimentação política
oriunda do processo de dupla fuga.
428
Em meio a estas questões, a realização das eleições municipais de 1976 não alterou
significativamente as alianças políticas que sustentavam a estrutura de domínio (ou mesmo a ordem social
427
As dificuldades de inserção do sistema político nas decisões fundamentais do Estado foram definidas
por Jarbas Lima/ARENA a partir da falta de clareza política daqueles que estão na oposição. AAL, 90ª
Sessão em 4 de agosto de 1976, p. 108. Lélio Souza/MDB por sua vez, afirmou que as acusações
desnudavam a inconveniência e a falta de serventia dos regimes autoritários, mas ao mesmo tempo,
enfatizava a necessidade de estabelecimento de um estado de direito, da institucionalização das regras,
enfim, concebida pelos vitoriosos do movimento político-militar de 64 para definir o pacto social. In.:
Id., p. 110. De outro modo, Rubi Diehl/ARENA, rebatia qualquer vinculação do regime com terror
policialesco, repressão indiscriminada ou opressão ao cidadão pois ao usar os instrumentos de exceção, o
governo estava condizente com os pressupostos revolucionários de combate a subversão e a corrupção
que não prevêem contemporização. O deputado insistia que os instrumentos de exceção serviam ao
aprimoramento democrático, defendiam a democracia e a moralidade no contexto constitucional. As
cassações, principalmente de altos funcionários e políticos, teriam segundo Diehl, um caráter pedagógico
na medida em que determinavam os parâmetros de gerenciamento e relação com a “coisa pública”. AAL,
92ª Sessão em 6 de agosto de 1976, pp. 177-178.
428
Cícero Viana/ARENA, argumentou que a mocidade atraia a cobiça expansionista das extremas, se o
comunismo não detinha a simpatia dos moços”, a doutrina comunista passava a destruir valores morais,
implementando a desordem e subvertendo os costumes de todo um povo Portanto: a luta pela formação
de um sistema político-crioulo, o AI-5 e necessário, esteja quem estiver no Governo, para que possamos
viver em tranqüilidade, na ordem e no respeito, e não na Anarquia, porque este Pais, hoje, esta sendo
respeitado, está sendo olhado com simpatia pelo clima de ordem e respeito e, sem o AI-5, ninguém
consegue administrar uma Nação nestas horas. AAL, 99
ª
Sessão em 17 de agosto de 1976, pp. 407-409.
A réplica de Nivaldo Soares teve contornos sintomáticos: A mocidade deve ter ouvido falar que a
Revolução de 1964 se fez em nome da democracia, que ela pretendia assegurar a Democracia neste país.
Entretanto, tenho as minhas dúvidas sobre se será esse o quadro que se ofereceu à mocidade apos a
implementação da Revolução de marco de 1964. In.: Id., p. 408.
288
em curso), até mesmo por que resgataram os mais característicos sintomas da dualidade de ordenamentos.
A bancada arenista relacionava o aperfeiçoamento das instituições políticas à fundamentação do
ordenamento jurídico intervencionista, entendida como o equilíbrio e a tranqüilidade (ordem), o
desenvolvimento harmônico e integrado, o combate à corrupção e à subversão:
sendo estes as motivações maiores da ação e trabalho de todo o povo brasileiro,
além do aperfeiçoamento das instituições, contudo, isso somente seria possível
com equilíbrio e tranqüilidade, o regime pautava-se pela aceleração do
desenvolvimento harmônico e integrado, combatente da corrupção e subversão,
sendo esta a fundamentação do ordenamento jurídico revolucionário,
implementada pela legitimidade, pela força, pela coerção do fato revolucionário
essencial – base do direito constitucional
Sui generis a experiência brasileira por que, ao lado de uma legislação de exceção
estão funcionando este e todos os Parlamentos, a começar pelo Congresso
Nacional, funcionando o Judiciário... É verdade que ao lado disso subsistem e
permanecem instrumentos excepcionais que, como diz a própria palavra, o melhor
adjetivo que os qualifica é a excepcionalidade, marca essencial da transitoriedade
dos instrumentos revolucionários.
429
Este cálculo para o alcance da normalização política atendia as formulações expressas
anteriormente na Doutrina de Segurança Nacional, base teórica um tanto deslocada para as exigências do
momento, visto haver uma conjuntura desfavorável para o recurso da base discursiva identificada ao
processo de militarização, mas que, em um cenário de disputa política, representava uma “reserva
argumentativa” considerável. Ficava patente a concepção arenista de que, entendendo ser o ordenamento
democrático a meta final do regime, o exercício de poder se pautaria na equação que somava o
desenvolvimento econômico à organização social como fundamento do aprimoramento político. Com
efeito, pregava o adesismo a proposta oficial do projeto nacional de desenvolvimento pleno.
Como pode ser observado, em momentos onde o dissenso emergia, o reforço aos
objetivos e ao
interesse nacional
convergia na desorganização de focos de contestação e, da mesma forma, na
organização da hegemonia no interior do bloco dominante, através da identificação e absorção de um
conjunto de idéias políticas tidas como essenciais no projeto veiculado pelo Estado.
Sobretudo, cristalizava movimentos conservadores, lançando ao conjunto da sociedade valores
que reforçavam uma certa identidade coletiva através da alimentação de obstáculos comuns. Afinal, quem
poderia se colocar contra a ordem, a liberdade, o desenvolvimento e a democracia.
429
Manifestação de Hugo Mardini, tendo sido complementada pela exaltação do regime e do governo
pois, ao assegurarem a liberdade de organização política visando o pleito de 15 de novembro,
caracterizavam definitivamente a busca oficial pelo aperfeiçoamento das instituições políticas, onde
ambos os partidos filhos univitelinos do ventre fecundo da Revolução de marco de 1964, filhos gêmeos,
embora nem por isso, com função absolutamente igual. A ARENA como suporte, sustentação e
pregação, divulgação das idéias e da ideologia da intervenção. O MDB com uma oposição madura
visando o fortalecimento dos objetivos nacionais permanentes. AAL, 100ª Sessão em 18 de agosto de
1976, pp. 421-422. Foram inúmeras as sessões que tiveram como destaque a questão das eleições, dentre
estas: AAL, 140ª Sessão, Vol. II, em 20 de outubro de 1976, pp. 391-401. AAL, 135ª Sessão, Vol. I, em 13
de outubro de 1976, 248-251. AAL, Sessão 145ª, Vol. II, 27 de outubro de 1976, pp. 465-466. AAL, 148ª
Sessão em 3 de novembro de 1976, pp. 4-8. Referente à defesa da realização de eleições em áreas
consideradas de segurança nacional ver: AAL, Sessão 19ª Sessão, 26 de março de 1976, pp. 433-435.
289
Neste instante, a configuração do sistema político mantinha-se inalterada ao passo que, uma nova
configuração de classe afirmava-se. Mesmo assim, o bloco dirigente alimentava os mesmos padrões de
legitimação da ordem e pela ordem
e os mesmos padrões de
legitimação da contestação
da fase do
refinamento do Estado.
Aos partidos era delegada a função de manter um conjunto de formalidades, às quais reverteram
na estabilização do processo político. Tanto que o papel político consagrado à instituição militar, em
nenhum momento, foi destacado ou questionado quando da ocupação da tribuna parlamentar. Se de parte
da ARENA esta postura não causava surpresa, por parte da oposição demonstrava sinais evidentes de
colaboração nos esforços do bloco dirigente de realinhamento no interior do bloco dominante.
O parlamento renunciava ao debate de questões fundamentais referentes a estrutura de poder,
isso em um meio à ensaios de flexibilização. Preservara-se do debate ou, minimamente, de ponderações
consideráveis, os detentores do controle do Estado – àqueles com as reais capacidades de decisão.
Os principais ataques do partido direcionavam-se àqueles setores passíveis de duras críticas, ou
seja, sem que tal postura contestatória pudesse reverter em represálias através da legislação de exceção. A
tecnoburocracia estatal, bem como a estatização crescente na área econômica, foram identificados como
os responsáveis pela situação vivida. Neste particular, a posição emedebista espelhava os interesses de
frações dissidentes do regime, no caso os empresários, que, mesmo defendendo a preservação do regime,
pleiteavam alterações com vistas a garantir seus interesses imediatos. A centralização política e a
estatização crescente, o inchaço da burocracia e o deslocamento do Poder Judiciário para um patamar
secundário na administração, acionaram tradicionais práticas de locupletação do erário, mais uma série de
abusos conexos (principalmente a corrupção e o recebimento de propinas) que naquele momento
passaram a ser veementemente denunciados.
O partido também atuava como instrumento de recomposição doméstica do bloco dominante.
Não foram outras as motivações que levaram Romeu Martinelli a defender o papel
imprescindível do MDB na composição dos critérios políticos estabelecidos pelo regime:
o MDB nasceu da Revolução de 1964, os emedebistas aceitaram as regras do jogo
para disputa das eleições e vêm, ao longo do tempo, concorrendo em todos os
pleitos e mantendo seu partido como intocável. Se os emedebistas aceitaram o
partido que lhe foi doado, que lhe foi dado de presente pela Revolução de 1964; se
aceitaram as regras do jogo para concorrer às eleições para vereadores, para
prefeitos, para deputados, para senadores, é porque realmente aceitaram a
Revolução de 1964. (...) A morte da ARENA seria a morte do MDB.
430
Nos anos posteriores, essencialmente nos dois últimos daquela década, estas tensões somadas ao
ápice da insubordinação, atingiram o patamar de exigências pela mudança na forma de condução política
por parte do bloco dirigente.
Esta inflexão nas relações políticas teve como resultado imediato a rearticulação de interesses no
interior do bloco dirigente à guisa de, em um momento subseqüente, basear a formulação de um novo
pacto de domínio.
430
AAL, 5ª Sessão da Comissão Representativa em 21 de janeiro de 1976, pp. 95-96.
290
Em meados dos anos 70, precisamente a partir de 1976, a indefinição política assumia o mote
das instabilidades do regime. A este tempo, despontavam as movimentações pela sucessão presidencial, o
chamado “terrorismo de direita” tornava-se prática freqüente a qual proximidade do processo eleitoral
somente fazia inflamar.
Neste contexto, os movimentos políticos do governo permitem supor uma dupla aposta.
Primeiro, na existência de condições que permitissem uma reestruturação produtiva e social,
pressupondo um, nonimo tumultuoso, desenlace das tensões domésticas provocadas pelo fim de um
ciclo (refinamento do Estado).
Depois, no reforço do controle da imprevisibilidade política como forma de garantir
definitivamente os mecanismos da estabilização conservadora.
A primeira priorizava as questões internas ao bloco dominante e a segunda procurava dissimular
as contradições sócio-econômicas no conjunto da sociedade. Em ambas, percebe-se a necessidade de
impedir que a sociedade pudesse estar à frente do sistema político. Por isso, nesta conjuntura,
concretamente, Geisel e seu correlato parlamentar – ARENA – renegavam a institucionalização do
dissenso.
Esta forma de encaminhar a participação política, colocando-a sob a perspectiva de um obstáculo
ao regime, revelava o crescente hiato entre o governo e a sociedade, característica que até o governo
Médici compunha a idéia de refinamento do Estado mas que, agravada por um conjunto de fatores, impôs
naquele momento, a renovação da lógica de dominação como forma de abrandamento das tensões.
As frações de classes, mesmo desorganizadamente, impotentes frente à centralização política e às
imposições da manutenção da dualidade de ordenamentos, também foram amputadas da mediação
processada nas instâncias de representação. Não surpreende então, que aos primeiros sinais de
inviabilidade de manutenção de índices satisfatórios de acumulação econômica e de petrificação social,
tanto aqueles setores excluídos quanto aqueles fundamentais no pacto de dominação em curso, passaram a
organizar suas demandas e interesses imediatos de forma a ampliar os focos de instabilidade política.
No cerne do bloco dirigente, disputavam duas formas de solução ou encaminhamento para
aqueles impasses, soluções estas que mantinham em comum a potencialização da dualidade de
ordenamentos.
Reforçava-se a coerção ou eram ampliados os espaços de manifestação do dissenso. Em ambas, a
supremacia eleitoral da ARENA seria fundamental. Em razão da dimensão das eleições – municipais - a
vitória arenista não a credenciaria para compartilhar os centros decisórios de poder mas, essencialmente,
harmonizaria os embates domésticos ao bloco dominante ao mesmo tempo em que frearia a euforia
oposicionista. Por via das dúvidas, a política traçada pelo bloco dirigente aglutinou as duas formas de
superação daqueles impasses.
Não por outra razão, o próprio presidente assumiu a campanha, identificando-se como “homem
de partido”, relacionando a possível vitória como conquista da intervenção e obra do partido. Neste
mesmo ano, a perda de duas referências políticas com as mortes de Juscelino Kubitschek e João Goulart,
beneficiou o governo.
431
431
Em obra recente, classificada por muitos de “literatura-histórica” ou “jornalismo-literário”, Cony e Lee
especulam que as mortes de Kubitschek, Goulart e de Carlos Lacerda foram o elemento primordial no
291
O término do ciclo de refinamento foi seguido de uma descontinuidade em todos os níveis, dado
que era o Estado o foco mais visível de poder. Neste sentido, havia a necessidade de evitar, mesmo à
elevados custos, um reajuste conjuntural dentro da excepcionalidade. O projeto oficial esteve em
reconstruir a estrutura de poder pelo aprimoramento do regime, o presidente Geisel, conduziria esse
processo, punindo os excessos.
Mais do que em qualquer outro período vivido até então, a prática política resumia-se a uma
atividade com a exclusiva finalidade de produzir consenso.
432
O ano de 1976 foi espelhado por debates de aprimoramento, ações de recrudescimento, políticas
de manutenção do processo intervencionista e, bombas, muitas bombas.
Conforme aumentava a capacidade do partido oposicionista em canalizar a seu favor as
insatisfações com o governo e, por outro lado, na medida em que a insubordinação assumia um papel
estratégico no cálculo político, eram ampliadas (em proporções idênticas) as contrapressões
conservadoras como ponto de resistência (e por que não: referência) às reformas aludidas por Geisel. Ou
seja, a referida disputa entre formas de encaminhamento dos impasses políticos, pendia para o reforço da
excepcionalidade.
O chamado “terrorismo de direita”, presente desde os primeiros momentos da intervenção de
1964, teve no ano de 1976 uma intensificação de suas ações através da circulação de materiais de
propaganda com teor extremamente agressivo e intolerante, atentados à bomba, agressões e seqüestros.
Para o MDB, esta ofensiva indômita chocava-se com a profissão de flexibilização das relações
políticas e progressivas, porque tributária da segurança interna, ampliação do espaço do dissenso,
anunciadas pelo presidente Geisel e defendidas com ênfase pela ARENA.
A partir de 1976, proliferaram-se siglas de verdadeiras organizações paramilitares. Além
daquelas de larga fama como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), surgiram a Aliança
Anticomunista Brasileira (AAB), Vanguarda de Caça aos Comunistas (VCC) e Falange Pátria Nova,
todas com alguma incursão violenta contra o que julgavam ser ou estar vinculados ao que consideravam
“subversivos”.
Em agosto, (dia 19) as sedes da Associação Brasileira de Imprensa e da Ordem dos Advogados
do Brasil no Rio de Janeiro, sofreram atentados à bomba. No mesmo dia, a 1ª Auditoria da 3ª
Circunscrição Judiciária Militar em Porto Alegre foi atacada com “coquetéis Molotov”. Ainda em agosto,
ocorreram outras ações deste porte, como os atentados à bomba que atingiram a sede da CNBB e a casa
do presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho. Para finalizar o agosto, o seqüestro de Dom
Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu, também foi reivindicado por grupos extremistas.
433
desencadeamento da transição. Sem maiores comprovações para além de suposições, a obra lança
questões sobre uma possível conspiração do núcleo dirigente. CONY, Carlos Heitor: LEE, Ana. O Beijo
da Morte. São Paulo: Objetiva, 2003.
432
A crise do modelo de desenvolvimento proposto pelo bloco dirigente passara a compor o campo de
crítica de setores emedebistas: a verdade é que o governo, pilhado em flagrante pelo seu rotundo
fracasso, o resiste ao debate. Discurso de Lélio Souza. AAL, Vol. I, 13Sessão em 12 de outubro de
1976, p. 217.
433
Para maiores detalhes ver: DECKES, Flavio. Radiografia do Terrorismo no Brasil 66/80. o Paulo:
Ícone, 1985. Contudo, o estudo que lança importantes revelações acerca da atuação e composição dos
grupos secretos e facções ligadas a setores conservadores radicais está em: ARGOLO, José A., RIBEIRO,
Kátia, FORTUNATO, Luiz Aberto M. A Direita Explosiva no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1996.
292
Em setembro, a AAB atacou a sede do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento; em
novembro, as instalações do semanário “Opinião” no Rio de Janeiro; no mesmo período destruiu a
fachada e o veículo da gráfica da Editora Civilização Brasileira em Bonsucesso. Em dezembro, ocorre a
“Chacina da Lapa” em São Paulo, quando órgãos de segurança invadem um “aparelho”, onde ocorria uma
reunião clandestina do Comitê Central do PCdoB, cuja pauta era a avaliação da “Guerrilha do Araguaia”.
São assassinados os dirigentes Ângelo Arroyo, João Batista Drummond e Pedro Pomar e mais seis são
presos.
O último quadrimestre de 1976, com os efeitos combinados da dualidade de ordenamentos,
engenharia político-eleitoral, fragmentação do sistema político e crise econômica, de uma maneira geral,
foi trágico para a sociedade brasileira, e especificamente representou um retrocesso para a reintegração do
sistema político às esferas de decisão pública e de interlocução do dissenso.
Um dos efeitos imediatos das ações das facções mais conservadoras e reticentes às mudanças foi
de que Geisel teve que sistematicamente reafirmar sua condição de “soldado da revolução”. Observa-se a
recorrência com o presidente manifestava o compromisso com a manutenção da legislação de exceção e
com a preservação do regime instaurado em 1964.
Todavia, o conjunto de eventos patrocinados por segmentos alheios à política oficial demonstrou
o desgaste pelo qual passava o regime. Podendo estes (os desgastes) serem expressos em duas vertentes:
de um modo, nas limitações em garantir bases de continuidade do poder de exceção (impossibilidade de
superação de conflitos domésticos); de outro, pela inviabilidade de neutralizar o movimento político-
social de setores excluídos do pacto de dominação (a insubordinação propriamente dita).
Estes dois modos de apresentação das limitações do regime compunham parte do amplo processo
de dupla fuga.
Desta forma, as questões que ensejaram a intensificação de políticas coercitivas com vistas a
atingir uma maior restrição da imprevisibilidade política demarcaram uma substancial alteração no teor
das peças oratórias na Assembléia Legislativa.
A série de ações extremadas (os atentados) desencadeou um processo político em busca de
alternativas a estabilidade do regime, mesmo que este movimento significasse a alteração das bases de
sustentação do regime e de constituição do próprio Estado.
Os atentados, antes de desconstituir e externar a fragilidade do pacto de dominação, criaram uma
conjuntura favorável de união em torno do bloco dirigente, não apenas em prol da defesa da
descompressão política, mas sobretudo, pela construção de um cenário de estabilidade que garantisse a
realização das eleições.
O próprio MDB passou a defender a institucionalização do regime como forma de suspender a
dualidade de ordenamentos. Para tal, apresentava-se como canal adequado à ampliação do diálogo como
pressuposto da criação do consenso.
434
Nas tensões causadas pelo realinhamento de forças internas ao bloco dominante (sendo
inevitáveis os enfrentamentos), os parlamentares passaram a abraçar Geisel como fiador maior da
flexibilização das relações políticas. Esta era uma evidente tentativa de garantir que, na correlação de
293
forças domésticas do bloco dominante, a fração hegemônica fosse mais suscetível à implementação de
reformas no sistema de representação, discussão e decisão política. Na medida em que o bloco dirigente
revelava a necessidade de reduzir a autonomia de setores do aparelho estatal e da instituição militar.
Com a crescente fragmentação da base de apoio e, por conseqüência, a erosão de legitimidade - o
custo político da crise – o bloco dirigente ainda iria enfrentar um pleito municipal, com a cada vez mais
desenvolvida capacidade do MDB em utilizar-se dos espaços midiáticos. Como garantia de que a política
do grupo palaciano não sofreria reveses, o governo precipitou mais um episódio na trajetória de
manipulação de normas constitucionais e leis eleitorais com vistas, evidentemente, à produzir
conseqüências favoráveis ao governo, revertendo as projeções negativas para o desempenho eleitoral da
ARENA e as hostilidades ao governo.
435
O bloco dirigente passou a empreender uma série de ações na tentativa de controlar o fluxo das
relações sociais. Dentre as medidas adotadas, a principal esteve na recorrência à utilização de
mecanismos institucionais preventivos como forma de ponderar os resultados político-eleitorais. Afinal, a
experiência de 1974 estava presente em praticamente todos os conflitos enfrentados pelo governo a partir
de então.
Processaram-se, sucessivamente, a divisão do estado do Mato Grosso, a definição de eleições
indiretas para o Senado Federal, o restabelecimento da população (em detrimento do número de eleitores)
como base de cálculo para quantificar as representações estaduais na Câmara dos Deputados e, por fim, a
divulgação da Lei nº 6.339/76, mais conhecida pela alcunha de “Lei Falcão”.
436
A Lei Falcão foi assim referida:
Logo começarão a aparecer nos vídeos as fotografias dos candidatos, fotografias
que não falam, que não tem argumento, que são inanimadas, quando junto,
deveriam aparecer a voz, a inteligência, o argumento, o arrazoado dos homens
públicos, procurando politizar o povo para o exercício efetivo da Democracia.
Mas nada disso existe!(...) E neste clima, é claro que uma eleição não poderá
jamais despertar o entusiasmo necessário e evocado, aqui desta tribuna, pelo
nobre der da bancada da ARENA (Mardini). Entusiasmo eleitoral existe, quando
há um clima da mais ampla liberdade.
437
Ao que foi replicado pela ARENA:
Esta Nação reencontrou seus caminhos, fez uma revolução e devolução e definiu
um sistema político que vem constitucionalmente convocando eleições para
presidente, vice-presidente, senadores, governadores de Estado, deputados
434
Abordando a questão das dissidências do governo e, apresentando o fim do arbítrio como desejo
nacional, Cezar Schirmer, defendia a necessidade do regime abandonar a excepcionalidade. AAL, 121ª
Sessão em 13 de setembro de 1976, pp. 8-9.
435
Engenharias políticas analisadas com propriedade por: FLEISCHER, David. Governabilidade e
Abertura Política: As Desventuras da Engenharia política no Brasil, 1964-1984. In.: Revista de Ciência
Política – Revista Trimestral do Instituto de Direito Público e Ciência Política da Fundação Getúlio
Vargas. Rio de Janeiro: vol. 29, nº 1, jan-mar. de 1986, pp. 13-39.
436
Foi Britto quem chamou a atenção para a utilização destes mecanismos em: BRITTO, Luiz Navarro
de. O Bipartidarismo nas Eleições de 1978. In.: FLEISCHER, David (org.). Os Partidos Políticos no
Brasil - Volume I. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981, pp. 220-240.
437
AAL, 100ª Sessão em 18 de setembro de 1976, p. 422.
294
federais e, agora, prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. O aperfeiçoamento das
nossas instituições está na razão direta de que os brasileiros de todos os
quadrantes são convocados para trazer a contribuição de suas inteligências, de
suas imaginações políticas criadoras; mas, ao lado disso, não aperfeiçoamento
que não tenha que ser através do exercício do voto e o exercício do voto.
438
Sendo, por definição, a base de sustentação do poder político a esfera municipal, a luta pelos
cargos eletivos nos mais de 4000 municípios do país remetia aos embates do início da República no
Brasil. Casuísmos, poder de barganha, coação explícita ou velada, canalização e transferência de recursos
públicos, as eleições municipais de 1976 trouxeram à tona todas as faces do arcaísmo do sistema político
brasileiro.
Não obstante as constantes referências ao desejo de “liberalizar” o regime, Geisel e o bloco
dirigente não romperam com a lógica fundadora da intervenção de 1964: a funcionalidade da lei, a
legislação como instrumento primordial de poder.
Rompida a premissa liberal clássica de que a lei regularia o exercício do poder, o regime
aprofundou a dualidade de ordenamentos, que, por não ter extinto as instituições políticas teve,
recorrentemente, a necessidade de tolher os espasmos de autonomia. Como abordado anteriormente, havia
um ordenamento político sem haver um ordenamento legal que lhe desse sentido.
439
Por esta razão, a
dualidade de ordenamentos conferia estabilidade e instabilidade
ao mesmo tempo.
Utilizando a lei como um instrumento político vital para o regime, editou o Decreto-Lei nº 6639,
assinado pelo ministro da Justiça e batizado de “Lei Falcão”. Este decreto impedia a divulgação de
materiais de propaganda em locais públicos e restringia mais ainda o sistema político, na medida em que
decretava a limitação do acesso e o controle dos conteúdos das mensagens em rádio e televisão (seres
políticos inanimados ostentando apenas a foto para o caso da televisão, nome, número e currículo).
Impedia da mesma forma, a apresentação das propostas e projetos dos candidatos, bem como, as
plataformas dos partidos, análises conjunturais, denúncias e críticas ao governo e regime.
440
438
Hugo Mardini. AAL, 100ª Sessão em 18 de setembro de 1976, p. 423.
439
KLEIN, Lúcia. Brasil Pós-64: A Nova Ordem Legal e a Redefinição das Bases de Legitimidade. In.:
KLEIN, Lúcia & FIGUEIREDO, Marcus Faria. Legitimidade e Coação no Brasil Pós-64. Op. Cit., pp.
89-90.
440
Em janeiro de 1976 Pedro Simon alertava para os movimentos de setores conservadores a fim de
restringir o acesso oposicionista aos meios de comunicação: setores da ARENA, a começar pelo
governador da Bahia, levantam a tese de que o espaço eleitoral concedido aos partidos políticos, às
vésperas das eleições, é muito grande e que deve ser reduzido. Acreditam que um exagero de espaço e
que o governo deve cortá-los. (...) porque favorece muito ao MDB, o governo deve partir para reduzi-los
a nimas expressões para que não favoreça tanto a oposição. AAL, Sessão da Comissão
Representativa em 15 de janeiro de 1976, p. 50. Da mesma maneira, Lélio Souza e Waldir Walter
antecipavam as possíveis mudanças na forma de encaminhamento do processo político-eleitoral. AAL,
Sessão da Comissão Representativa, em 22 de janeiro de 1976, pp. 106-109. Pedro Américo Leal e Rubi
Diehl voltaram a abordar o assunto em: AAL, Sessão da Comissão Representativa em 4 de fevereiro de
1976, pp. 193-195. Waldir Walter voltou ao tema, denunciando as manobras governistas no sentido de
impedir o acesso do MDB aos meios de comunicação em: AAL, 13ª Sessão da Comissão Representativa
em 18 de fevereiro de 1976, pp. 284-287. Imprescindível para a compreensão do impacto da “Lei Falcão”
e, da mesma forma, a relação entre a expansão dos meios de comunicação de massa no país e a política
imposta pelas medidas de regulamentação do acesso pelos partidos políticos no regime pós-64,
fragilizando ainda mais a competição eleitoral: DUARTE, Celina Rabello. A Lei Falcão: Antecedentes e
Impacto. In.: LAMOUNIER, Bolívar (org.). Voto de Desconfiança Eleições e Mudança Política no
Brasil: 1970-1979. Petrópolis: Vozes, 1980, pp. 173-216. Os debates na Assembléia Legislativa acerca
295
O bloco dirigente, não obstante o cenário de debate acerca da utilização dos meios de
comunicação em campanhas eleitorais, ampliava seus investimentos em propaganda, a fim de, segundo o
MDB, reafirmar certezas construídas ao longo de pouco mais de uma década e que naquele momento
encontravam-se cambaleantes. Sintomaticamente, estas peças publicitárias assumiram uma dimensão
muito maior a partir da “Lei Falcão”.
441
Até então, o MDB relacionava os investimentos feitos pelo governo em propaganda a uma
evidente debilidade de legitimação do regime.
Conforme aumentavam as dificuldades junto a opinião pública, ampliavam-se as campanhas
publicitárias enfatizando as realizações do regime, trazendo a tona a preocupação de que o debate
desequilibrado não pode ser qualificado de democrático, em vista de que se decretava institucionalmente
uma inversão proporcional. Se por um lado, as restrições nas campanhas políticas fragilizavam o MDB
(visto que este pautava-se por acusações ao governo), ampliavam as possibilidades de êxito da ARENA,
tanto que esta passou a identificar os discursos da oposição à desconstituição do regime e promoção do
conflito entre sociedade e governo: dizer que o governo aciona a quina publicitária, é dizer que o
governo divulga o que não é real.
442
Ao mesmo tempo em que a conjuntura apontava a ascensão do “político”, ocorreu um
rompimento de direito, ao que se somou ao rompimento de que exisitia de fato, nas relações entre as
instâncias políticas e a sociedade através dos canais de rádio e televisão.
desta temática transcorreram desde março, quando a bancada emedebista (através das manifestações de
Nivaldo Soares, Lélio Souza e Pedro Simon) já demonstrava apreensão com as propostas do bloco
dirigente (ainda em estágio embrionário) de restrição ao acesso aos veículos de comunicação, algo
totalmente desmentido pela bancada da ARENA, como discursava Guido Moesch: espaços de
propaganda gratuita na televisão e no rádio, que é uma concessão do governo aos partidos políticos. O
governo porque quer e porque deseja aperfeiçoar o processo democrático no nosso país.). AAL,
durante a Sessão em 9 de março de 1976, pp. 74-85. A bancada arenista ocupou o plenário para
defender a Lei Falcão” como resguardo aos partidos mas, principalmente, aos candidatos que
sucumbiam frente as divisões injustas dos espaços (afirmavam os deputados que os programas do MDB
eram monopolizados por Paulo Brossard e Pedro Simon, cerceando a possibilidade dos demais candidatos
exporem suas propostas). Manifestações de Urbano Moraes, Adolpho Puggina . AAL, 138ª Sessão, Vol.
II, em 18 de outubro de 1976, pp. 333-335.no entender de Porfírio Peixoto, aLei Falcão” tinha como
objetivo maior, sendo um instrumento para tal, silenciar a oposição ao mesmo tempo em que o governo,
através da administração pública, passaria a utilizar os meios de comunicação na campanha pela ARENA,
ou seja, somente o MDB perderia com a legislação (visto contribuir para aumentar a indiferença do
eleitorado potencial do partido, pois este estava privado do “diálogo”). AAL, Vol. II, 140ª Sessão, 20 de
outubro de 1976, pp. 394-395. Também transcorreu nesta linha de raciocínio o discurso de Lélio Souza, a
“deformação na legislação eleitoral”, sendo um retrocesso do sistema político patrocinado pelo governo,
impunha-se como empecilho à sustentação de um debate nacional. AAL, 145ª Sessão, Vol. II, em 27 de
outubro de 1976, pp. 475-477.
441
Em um curto período ocorreu um aumento no volume de mensagens patrocinadas pelo governo através
da Assessoria de Relações Públicas da Presidência - ARP a tal ponto que o governo credenciava-se
como o maior anunciante da televisão brasileira, somente em o Paulo capital, a ARP (entre março e
setembro) havia veiculado 11.695 mensagens, estimava-se que, se pagasse os valores correspondentes
(dado que o governo estava isento da cobrança nos espaços publicitários na TV e Rádio) alcançariam Cr$
71.456.000,00. estes dados, coletados de matéria publicada no Jornal “O Estado de o Paulo” com o
título de A Imagem do Governo, foram levados ao plenário por Pedro Simon. AAL, Vol. I, 130ª Sessão em
6 de outubro de 1976, pp. 95-103.
442
Tomaram parte dos debates parlamentares em plenário, Lélio Souza, Jorge Bandarrae e Lino Zardo
defendendo os argumentos do MDB e, Dercy Furtado e Hugo Mardini pela ARENA. AAL, 131ª Sessão
em 7 de outubro de 1976, pp. 126-135.
296
Como lembrou Alves, o sistema político-eleitoral passou a prescindir do debate e da
argumentação.
443
Sendo assim, permite-se um silogismo: o sistema partidário pós-64, pela própria artificialidade
congênita, pela dimensão de seu campo de atuação (ínfima capacidade de influenciar nas decisões dos
centros decisórios de poder) e, essencialmente, pela impossibilidade de circulação de poder, não reunia
condições de consolidação e estabelecimento de vínculos efetivos com o público que pretendia
sensibilizar - senão com a sociedade em geral ou com o eleitorado especificamente, ao menos com a
parcela politicamente ativa. Logo, as “arenas” de delegação, representação e tutela de poder, a partir
destes dois processos (Lei Falcão e acentuação da participação do governo nas mídias), adentraram em
uma crise sem precedentes, potencializando as seqüelas da dualidade de ordenamentos.
Em um processo inevitável de restrições, a bancada emedebista procurou desenvolver a tese de
que a supressão dos debates “midiáticos” reverteria em um prejuízo incalculável no processo de
fortalecimento das instituições democráticas. No mesmo raciocínio, apresentava como retrocesso nos
costumes político-partidário em termos de melhoramento, aprimoramento, aperfeiçoamento da prática
de democracia.
444
No conjunto destas discussões, uma peculiar análise se destacou. A argumentação de Porfírio
Peixoto expressou o poder da comunicação de massa na medida em que, para grande parte da população,
o “milagre brasileiro” não tinha chegado ao fim por razões internacionais (crise do petróleo), mas sim por
que a campanha emedebista midiatizada de 1974 havia rompido com as construções, mais simbólicas do
que concretas, do governo. O deputado compreendia os esforços oficiais em limitar e restringir o acesso
da oposição aos veículos de comunicação como artifício, não apenas de vitória da ARENA, mas de
prolongamento de um desenvolvimento observado apenas nas construções semânticas e publicitárias.
445
Com o agravamento das resistências ao regime, o bloco dirigente intensificou um discurso dúbio.
Argumentava que construía alternativas para a revitalização do sistema partidário e da vida política de
uma maneira geral. Todavia, este discurso esvaziava-se de sentido no momento em que as práticas
políticas governistas mantinham e criavam novas regras de exclusão social e política.
Ao final, as eleições municipais em novembro demonstraram equilíbrio político: a ARENA
dominou um maior número de municípios, mas o MDB venceu nos centros industriais e urbanos. Ao
mesmo tempo, o MDB recebeu um maior número de votos na legenda (155.914 votos a mais do que a
ARENA), mas conquistou um número menor de prefeituras.
443
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Op. Cit., pp. 190-191.
Afirmação idêntica à de Porfírio Peixoto: sabemos, até por intuição, que a finalidade principal é a de
eliminar o debate. O governo não está interessado no debate. AAL, Sessão em 10 de março de 1976,
pp. 115-116. Seguiu-se um amplo debate envolvendo Rubi Diehl, Pedro Simon, Júlio Costamilan. Id., pp.
116-131.
444
E como iremos nós criar uma consciência partidária, forte, esclarecida, apta a contribuir com as suas
sugestões para os problemas nacionais, se regatearmos àqueles que participam da atividade política a
utilização desses meios de comunicação necessários para promover a educação política necessária para
despertar o interesse pela participação na vida pública de seu país? Lélio Souza. AAL, 131ª Sessão, Vol.
I, em 7 de outubro de 1976. Na réplica, Mardini não se furtou em alertar que o é a primeira vez na
História que se tira a televisão de seus líderes políticos e que nem por isso sucumbiram (os partidos) e
instaurou-se uma crise (institucional).
445
AAL, 7ª Sessão em 10 de março de 1976, pp. 118.
297
De forma unânime, o conjunto do plenário reconhecia a irrelevância dos resultados eleitorais,
dos dados estatísticos ou problemas circunstanciais quando, naqueles procedimentos e na mobilização por
eles causada, residiria a essência do
aprimoramento do sistema político
, verificado através do
“repatriamento” dos cidadãos à política, com a reversão da hégira das instituições de representação no
regime de exceção. A comprovação destas afirmações estaria no fato dos índices de votos nulos e
abstenções estarem muito abaixo das expectativas. O que não impediu as divergências quanto ao agente
propulsor daquele processo: para o MDB, a potencialização das instâncias de representação políticas
ocorria em virtude da prática oposicionista e da plataforma veiculada na campanha, as quais
comprovaram ao eleitor a possibilidade concreta de inversão das políticas públicas através dos
mecanismos do próprio regime de exceção; para a ARENA, este seria o resultado concreto do projeto de
aprimoramento democrático do governo.
446
I
O Receio É A Dúvida Com Temor – de forma generalizada, o ano de 1977 foi caracterizado por
um acentuado refluxo no processo de flexibilização das relações políticas e no próprio processo de
estabilização conservadora.
Sobretudo na dinâmica política, através de uma série de iniciativas do bloco dirigente, inverteu a
tendência de retração na militarização das estruturas e funções políticas do Estado, movimentos estes em
curso desde 1974. Para todos os efeitos, a repressão sempre foi a resposta mais comum à insubordinação.
De maneira contrária, entende-se aqui, que a partir de 1977 o bloco dominante procurou
solucionar os problemas causados pelo isolamento da oficialidade militar no poder político e, um
problema mais grave ainda, a disfunção do regime, a qual significou a impossibilidade da manutenção da
taxa de conflitos políticos em níveis tolerados sem alterar a dualidade de ordenamentos.
Os recursos de que o governo lançou mão para garantir previsibilidade do político, acabaram por
demarcar mecanismos políticos permanentes que, sendo inegociáveis, seriam incorporados e
institucionalizados, assim o bloco dirigente esperava, ao novo ordenamento. Ou seja, o regime não apenas
reforçou seu poder de coerção causando um refluxo na descompressão política mas, sobretudo, redefiniu
a forma com esta passaria a ser utilizada, instituindo novas bases para aplicação de mecanismos de
controle (de agentes, estruturas e até mesmo valores sociais) sobre os comportamentos sociais e políticos
(tanto individuais, quanto coletivos).
Procurou desta forma, superar uma evidente incompatibilidade entre as instituições políticas e a
sociedade, limitação que, mesmo existindo anteriormente, naquela conjuntura desequilibrava as estruturas
do Estado.
446
Pelas próprias particularidades de disputa, mobilização, encaminhamento de demandas, casuísmos e
pela relação candidato/eleitor, as eleições municipais o foram plebiscitárias, no sentido de avaliar o
regime ou o desempenho dos executivos (estaduais ou federal). As análises das eleições municipais de 15
de novembro de 1976,transcorrem, entre outras seções, na. AAL, 161ª Sessão, em 23 de novembro de
1976, pp. 50-56. Nesta oportunidade, fizeram uso da palavra os deputados emedebistas, Porfírio Peixoto e
Waldir Walter e, pela ARENA, Guido Moesch.
298
Ocorre que este movimento político só fez acirrar o esgotamento da forma-Estado, exigindo uma
nova adequação. Esta adequação por sua vez, seria o fundamento do processo que posteriormente seria
confundido com a transição: a redefinição do Estado.
A concentração do poder constituinte exercido por Geisel só tem paralelo no Império.
447
Com
esta verve, Walder de Góes partiu para a análise do “Pacote de Abril”. Aquele procedimento do bloco
dirigente - a decretação do Pacote de Abril em 1977 - tomado por muitos como indistinto de outros casos
de “engenharia política”, demarcou época ao instituir abertamente a via autoritária para a
“democratização” conservadora.
depois de 13 anos, a Revolução que vinha para resguardar a democracia através
do governo, não quer restabelecer as franquias democráticas’ ao desconstituir o
desejo das minorias políticas institucionais que representariam a maioria política-
social excluída.
448
O próprio líder do MDB gaúcho nesta casa e presidente do Diretório Regional do
MDB, na véspera em que se comemorava os treze anos da Revolução de 31 de
março disse: “a Revolução de 31 de março de 1964, indiscutivelmente, é um fato
histórico e irreversível.
449
Este ato tático da cúpula do governo, demonstrando uma percepção apurada das reais condições
de manutenção do regime, antevia que, nas bases oriundas do refinamento do Estado, cedo a estrutura de
poder entraria em colapso. Esta seria uma medida que visava não restringir o espaço político de
movimentação mas sim, criar um campo adequado de movimentação política. Para setores da instituição
militar, o Pacote de Abril seria um recuo no ideário liberalizante e um comprometimento com a
manutenção da pauta autoritária.
Jarbas Lima/ARENA afirmou que os procedimentos adotados pelo governo Geisel, os quais
visavam aprimorar o processo democrático, não poderiam ser qualificados como ações ditatoriais. Esta
adjetivação somente seria condizente com o regime varguista, o qual, cassou - não mandatos – mas
gerações, o povo não está preocupado com o AI-5, 477 e 288, os que estão preocupados são os que há 13
anos vivem às custas destes atos, com rasgos de falsa valentice.
450
O deputado arenista insistiu que a
legislação de exceção não ampliava ou reduzia a oferta de empregos, não fazia as escolas ou impedia
matrículas, relacionava os que faziam da legislação o mote da postura oposicionista como o verdadeiro
empecilho à distensão.
Para a bancada da ARENA, a postura intransigente da oposição fazia com que fosse inevitável a
identificação do MDB ao antigo PTB, tendo em vista a continuação de equívocos históricos (posições
parlamentares que estavam fomentando a intranqüilidade, a agitação e a insegurança), o recesso do
Congresso seria uma ação tolerada até hoje, o AI-5 não atingiu nenhum operário, sendo a organização
judiciária arcaica, não havia justificativas à oposição barrar as reformas propostas pelo bloco dirigente.
451
447
GOÉS, Walder de. O Brasil do General Geisel: Estudo do Processo de Tomada de Decisão no Regime
Militar-Burocrático. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 105.
448
Manifestação de João Carlos Gastal/MDB. AAL, 26ª Sessão, em 5 de abril de 1977, p. 35.
449
Guido Moesch/ARENA. AAL, 26ª Sessão, em 5 de abril de 1977, p. 36.
450
Jarbas Lima/ARENA. AAL, 26ª Sessão, em 5 de abril de 1977, pp. 42-43.
451
Rubem Scheid/ARENA. AAL, 26ª Sessão, em 5 de abril de 1977, p. 44.
299
Estes mecanismos, considerados pelo MDB como legais mas ilegítimos, somente fizeram
ampliar a faceta de dubiedade trilhada desde os áureos momentos da dualidade de ordenamentos. Neste
momento, este seria o caráter híbrido assumido pelo regime: formas autoritárias, ritos e símbolos
democráticos.
O “Pacote de Abril” permitiu a visualização da forma de relação entre o Estado e os demais
poderes, da reestruturação da representação política (posterior base de um novo sistema de partidos e
renovação da lógica de controle do processo legislativo) e, por fim, dos limites no acolhimento do
dissenso.
Estas questões seriam o mote nas articulações observadas até o final do mandato de Geisel e base
da reorganização do poder que se seguiu (garantindo enfim, antes da continuidade de determinadas
frações na direção da política nacional, a preservação da estrutura de dominação).
Não à toa, estes procedimentos observados entre 1976 e 1977, não diferiam daquele utilizados na
fase de militarização dos centros decisórios. Porém, demarcaram os últimos momentos do exercício
abertamente autoritário do poder e, identificado ao mesmo impulso, a dissimulação da farta utilização dos
recursos coercitivos como prática rotineira, apesar da alegação constante da ARENA, acerca do caráter de
excepcionalidade (leia-se: transitoriedade) do arbítrio nas decisões de até então.
Garantida aquela “segurança” legal, o regime passou a acolher a ampliação das faixas de
negociação política.
Como em nenhum outro período, a questão do aprimoramento democrático esteve desvinculada
totalmente da superação do regime militar. Esta compreensão ficou evidente nas peças discursivas de
ambos os partidos políticos.
Entre 1977 e 1978, as disputas domésticas exteriorizaram-se a partir de dois embates, restritos ao
bloco dirigente mas que, através de suas conseqüências, vieram a definir a forma como o governo
passaria a tratar o processo de descompressão política.
O primeiro esteve concentrado na área econômica, especificamente nas próprias pendências e
polêmicas no Conselho de Desenvolvimento Econômico, onde, o embate entre o ministro da Fazenda, o
professor Mário Henrique Simonsen, e o ministro da Indústria e Comércio, o empresário Severo
Fagundes Gomes, simbolizavam as diferentes concepções acerca do papel do Estado (enfraquecê-lo ou
fortalecê-lo) como agente primordial no crescimento do país e a função do capital multinacional neste
processo.
452
Esta disputa transcorria com larga vantagem para as teses de “diminuição” do poder do Estado,
quando a eclosão da insubordinação no final daquela década alterou substancialmente o sentido desta
divergência. A insubordinação através da luta capital/trabalho veio a reabilitar as teses acerca de um
Estado suficientemente forte e ampliado como imperativo da contenção político-social.
452
Por exemplo, enquanto Severo Gomes impedia a multinacional Phiplis de adquirir o controle acionário
da fábrica de eletrodomésticos nsul, Simonsen pleiteava a liberdade de ação para o capital estrangeiro.
Em 8 de fevereiro, ocorreu a demissão de Gomes, sendo substituído por Ângelo Camon de Sá. A questão
da penetração do capital estrangeiro no país era utilizada como crítica ao governo, considerado
entreguista: abre as portas do Brasil às empresas estrangeiras para que aqui venham e explorem como
aves de rapina, o suor e o sacrifício dos brasileiros; governo que, através da legislação, favorece tão e
exclusivamente as empresas estrangeiras em nosso país. Utilização da tribuna por parte de Cezar
Schirmer. AAL, 7ª Seção em 10 de março de 1976, p. 129.
300
Na área política, dois eventos sintomáticos expuseram o processo em curso: a fugaz demissão do
ministro do Exército Sylvio Frota (pasta ocupada por Dale Coutinho até julho de 1974, quando este veio a
falecer), em 12 de outubro de 1977, candidato declarado à presidência e com posições políticas mais
reticentes, quando não contrárias, em relação à flexibilização das relações políticas; e como segunda
referência, o pedido de demissão do general Hugo Abreu, chefe do gabinete militar, logo a 3 de janeiro de
1978, em virtude da discordância em relação à indicação de Figueiredo à sucessão presidencial e pela sua
oposição à condução do processo político.
453
A exoneração de Frota, mais do que demonstração de autoridade e controle por parte do
presidente, significou, sobretudo para parcelas significativas no cálculo do poder, o marco definidor da
afirmação da flexibilização das relações políticas e posterior abertura, no conjunto das correntes da
oficialidade militar. Por outro lado, a exoneração instaurou definitivamente a total impossibilidade de
qualquer candidatura alternativa no interior do bloco dominante, mesmo entre os aliados civis, definindo
a sucessão presidencial em favor de Figueiredo.
Em plenário, a oposição resignava-se a interpretar a exoneração como um componente da crise
política vivida pelo país e do processo de escolha dos governantes, agravada naquele momento, por uma
crise
na
e
da
instituição militar.
454
Em face das restrições impostas ao sistema político, expressadas nas condições de movimentação
do universo “político”, levaram o MDB a reivindicar a elaboração de uma nova constituição, não
diretamente junto ao governo (haja vista a política de pouca tolerância com críticas contundentes, dado
que o bloco dirigente não se furtou em utilizar os mecanismos afetos a excepcionalidade, impondo uma
volta das cassações e degredo político) mas, através da tática de motivação do eleitorado.
453
A demissão de Frota foi relatada de forma muito detalhada por: COSTA COUTO. Ronaldo. História
Indiscreta da Ditadura e da Abertura. Op. Cit., pp. 217-232. CHAGAS, Carlos. A Guerra das Estrelas
(1964/1984) – Os Bastidores das Sucessões Presidenciais. Porto Alegre: L&PM, 1985, pp. 199-222.
Evento também reproduzido em seus pormenores em: SOARES, Gláucio Ary Dillon; D’ARAÚJO, Maria
Celina; CASTRO, Celso. A Volta Aos Quartéis – A Memória Militar Sobre a Abertura. Op. Cit., pp. 195-
199/233-242. Quanto às questões envolvendo Hugo Abreu ver: ABREU, Hugo. O Outro Lado do Poder.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.
454
A demissão de Frota foi debatida quase que simultaneamente aos desdobramentos do processo no
bloco dirigente e na alta oficialidade militar. O MDB não pestanejou em requerer a transcrição da nota
assinada pelo ex-ministro Frota onde este denunciava a deformação e o abandono dos objetivos da
Revolução e que um conjunto de acontecimentos (listados na nota como o estabelecimento de relações
diplomáticas e comerciais com a China, a omissão quando da votação pelo ingresso de Cuba na OEA, o
reconhecimento do governo da Angola, a estatização ou a existência de um processo de domínio, pelo
Estado, da economia nacional inclusive das empresas privadas de modo a condicionar o
empresariado brasileiro aos ditames do governo, a ausência de respostas às acusações da grande
imprensa de corrupção generalizada na máquina administrativa, a ameaça incólume dos grupos de
esquerda e, por fim, o distanciamento e a marginalização das Forças Armadas nas decisões esseciais de
“grupelhos” encostado no governo). DAL, 140ª Sessão em 13 de outubro de 1977, pp. 9-10 (publicado em
de novembro). Para Waldir Walter, a convocação de uma Assembléia Constituinte também iria
“desafogar” a instituição militar pois julgava o parlamentar que o Brasil esteve à beira de um
“pinochetaço”. DAL, 14Sessão em 14 de outubro de 1977, p. 2 (publicado em 3 de novembro). Na
seção seguinte, Waldir Walter declarava que no país ocorria uma inversão da fonte que emanava poder,
de todo poder emana do povo para todo o poder emana do presidente para além dos textos
constitucionais, especificamente neste caso, em virtude do bloco dirigente não permitir o debate
sucessório. DAL, 142ª Sessão em 17 de outubro de 1977 (publicado em 4 de novembro), pp. 3-4.
301
Em pouco tempo, a supressão dos instrumentos de exceção (essencialmente o AI-5) passou a ser
o mote na busca genérica pelo aprimoramento do sistema político brasileiro encobrindo, o desejado
velado de algumas lideranças pela circulação de poder decisório naquelas mesmas estruturas.
Em mais um sintoma da impossibilidade de manutenção da dualidade de ordenamentos, o bloco
dirigente empreendeu um conjunto de movimentos que, ao mesmo tempo, atestou a necessidade do
reforço do controle do processo político mas que, associado com a também necessária redução das
tensões, acabaram por compor um novo estágio na institucionalização do ordenamento em curso.
Em razão da necessidade de garantir o controle na aplicação das mudanças - imprescindíveis na
recomposição do regime e do Estado - urgia para o bloco dirigente a contenção do avanço político
emedebista.
Ao mesmo tempo, atendendo à reivindicação de frações do bloco dominante em reforçar o poder
coercitivo do Estado (até como pressuposto do acolhimento da flexibilização), o bloco dirigente
empreendeu movimentos de intensificação do controle do poder Judiciário.
Em abril de 1977, o governo divulgou e apresentou ao Congresso Nacional, por meio de Emenda
Constitucional nº 7, a proposição de modificações que versavam sobre a autonomia e amplitude do poder
Judiciário: a criação do Conselho da Magistratura (uma nova instância de controle dos juízes) e o
desenvolvimento do aparato repressivo (retirada dos julgamentos de policiais militares da jurisdição dos
tribunais civis, sendo estes julgados por tribunais especiais integrados por oficiais daquela força).
Sendo uma emenda à Constituição, regimentalmente requeria a aprovação de dois terços dos
parlamentares em sessão conjunta (Câmara dos Deputados e Senado Federal).
As manifestações contrárias à esta proposição, às quais pleiteavam reformulações no texto
apresentado pelo governo, não eram restritas ao partido de oposição (o senador arenista Accioly Filho
chegou a redigir substitutivo aprovado pelo MDB) mas, pressionado pelo governo, o partido oficial
rejeitou este substitutivo, apresentando para votação o texto original.
Sendo derrotada em plenário, mais uma vez forjava-se uma crise adequada aos imperativos do
bloco dirigente (como a do caso Márcio Moreira Alves e a decretação do AI-5).
Sob alegação da “ditadura da minoria”, este impasse institucional revigorou a ingerência do
bloco dirigente nas estruturas de representação política.
Nesta oportunidade, o governo adotou medidas menos explícitas de coerção mas nem por isso,
menos arbitrárias. Hipótese apreendida por Gastal:
este episódio da reforma do Judiciário se constituiu apenas num pretexto para que
se procedesse e se procedam as reformas políticas que chamaria de anti-reformas,
a critério exclusivo daquele que detém o poder.
455
Ao se contrapor às acusações governistas de “ditadura da minoria”, pela primeira vez, mesmo
que de forma difusa, a bancada oposicionista utilizou-se das limitações congênitas do regime como base
de argumentação. De forma inédita, a dualidade de ordenamentos foi inserida na pauta de debates:
455
Manifestação do deputado João Carlos Gastal/MDB. AAL, durante a 24ª Sessão de 4 de abril de 1977,
p. 5.
302
Passados 13 anos, ainda não encontrou o Movimento de 1964 uma instituição
jurídica, estável e definida, que demonstrasse a razão de ser de sua existência. (...)
A vigência de duas ordens conflitantes, a Constitucional e a de execução, figura o
funcionamento das instituições ao sabor do arbítrio, armam-se crises, como se
uma divergência com o Poder Executivo, no campo estritamente parlamentar,
fosse ato impatriótico, pleno de intenções subalternas e mesquinhas.
456
A dualidade de ordenamentos, fundamento que representava a um só tempo força e fraqueza do
regime, em dois períodos distintos - na fase inicial entre 1964 a 1968, sendo deslocada momentaneamente
durante a fase de refinamento do Estado para logo após, assumir posição de destaque na derradeira fase
entre 1974 a 1978 – assumiu a condição de elemento central nas constantes instabilidades políticas e
agente propulsor permanente da necessidade de recomposição das alianças.
Desde os momentos iniciais do regime, o bloco dirigente procurou externar que, na lógica
intervencionista, os dois ordenamentos não eram forças opostas, mas sim complementares.
Certamente, e aqui esteve por muito tempo o equívoco da análise oposicionista, logo a limitação
da argumentação parlamentar, a dualidade de ordenamentos não estava ligada a um aspecto conjuntural,
fruto de uma crise específica, da aplicação de políticas específicas e mesmo de uma determinada
composição de forças políticas no governo. Compunha, isto sim, a estrutura nodal não apenas do regime
de exceção, mas do Estado brasileiro pós-64.
A decisão do governo em fechar o Congresso Nacional sob pretexto de aprimorar a forma
democrática que estaria por vir, oficialmente denominada “recesso técnico”, em verdade procurou
sancionar, não apenas e especificamente as questões relativas ao poder Judiciário, mas efetivamente
cumprir objetivos políticos.
As reformas políticas apresentadas pelo bloco dirigente, revelaram-se imprescindíveis para uma
posterior etapa de flexões táticas: a institucionalização que se iniciava e própria normatização deste
processo de estabilização conservadora:
A interpretação desta questão exige dimensionar o papel do Legislativo no regime autoritário. A
simplória equação força executivo/fraqueza legislativo pouco contribui na análise dos procedimentos do
bloco dirigente, até mesmo porquê, o fortalecimento do Executivo não respondia apenas à anulação da
função representativa do Legislativo, mas:
ao acúmulo de funções técnicas voltadas à implementação de um determinado
modelo de crescimento econômico que, no entanto, não pode se dar sem o
concurso último, seja como foro para a difusão de uma ideologia de apoio, seja
como conduto para a superação do dilema entre coerção e informação.
457
Percebe-se então, que a definição pela interferência no sistema político, representava a atuação
estreita de frações do bloco dominante junto às esferas políticas próximas ao Executivo. Esta
456
Pronunciamento do deputado Pedro Simon. AAL, durante a 24ª Sessão de 4 de abril de 1977, p. 2.
457
PORTES, Alejandro. O Legislativo em Regimes Autoritários: O Caso do xico. In.: Cadernos do
Departamento de Ciência Política. 4, agosto de 1977, pp.84-88. APUD: BOSCHI, Renato Raul. Notas
Sobre a Participação Popular e Reforço Legislativo. In.: SOARES, Ricardo Prata; e Outros. Estado,
Participação Política e Democracia. Brasília: CNPq/Coordenação Editorial/São Paulo: ANPOCS, 1985,
pp. 51-68.
303
interferência, através de arranjos constitucionais, demonstrou a necessidade de contenção das crescentes
incompatibilidades de determinadas frações com a orientação geral da política do Estado.
Ocorre que a política oficial em abrir o front parlamentar à atuação de interesses da
coletividades, como expressão de um conjunto heterogêneo, ocultava o fato de que o bloco dirigente
necessariamente teria de definir um modos operandi adequado a correlação de forças interna e externa ao
bloco dominante.
Acresce a isso a posição emedebista em defender a institucionalização do regime, superando a
dualidade de ordenamentos, como base de uma futura circulação de poder decisório:
O movimento vitorioso de março de 1964, que veio para salvar a democracia,
pela terceira vez, põe em recesso o Congresso Nacional, e agora, pela primeira
vez, o Presidente da República firma perante a Nação que verão as chamadas
reformas que se traduzirão no chamado “regime brasileiro”.
458
Ao seu turno, a ARENA gaúcha intensificou a defesa incondicional da política oficial. Para
tanto, interpretou os movimentos políticos do bloco dirigente através de uma inversão analítica, onde a
base de fortalecimento do parlamento esteve diretamente vinculada à gradual ampliação dos espaços de
expressão dos interesses da coletividade. Para tal, a medida de força do governo estabelecia-se conforme
o MDB radicalizava o processo político.
Em um segundo ato de crítica à oposição, sendo o objetivo e compromisso maior do governo a
normalização democrática, um conjunto de alterações constitucionais se fazia necessário para adequar as
instâncias do Estado ao projeto do governo, visto o país ainda estar inserido em um processo
“revolucionário”. Ao radicalismo da crítica, responderemos com a crítica do radicalismo, dizia Mardini
que adendava:
a nossa missão é o aperfeiçoamento das instituições, a missão de ambos os
Partidos, nesta hora, é de responsabilidade, é de tranqüilidade serena, é de altivez
equilibrada, é de colaboração digna, é de participação dentro das
peculiaridades
e da realidade institucional brasileira. (...) a Revolução, as Forças Armadas e o
Presidente não têm, como não temos ninguém nesta Casa, vocação para a
ditadura.
459
O partido governista assumia como tarefa primordial na normalização político-institucional a
necessidade de impedir que as casas legislativas adentrassem em um processo de polarização
radicalizada. Mesmo que esta situação não revertesse em uma paralisia decisória (visto que as decisões
fundamentais em questões fundamentais da vida política brasileira não passavam por este poder),
obrigaria o regime a adotar procedimentos para solucionar estas crises.
Esta posição lançava as bases de um sistema de protetorado militar sobre um governo civil.
Neste sentido, o MDB compartilhava desta postura:
458
Pedro Simon. AAL, 24ª Sessão, 4 de abril de 1977, pp. 5-6. Grifos nossos.
459
Hugo Mardini. AAL, durante a 24ª Sessão de 4 de abril de 1977, p. 7-9. Grifos nossos.
304
a Revolução que vinha para resguardar a democracia, através do Governo, o
quer restabelecer as franquias democráticas ao desconstituir o desejo das
minorias políticas institucionais que representaria a maioria político-social
excluída.
460
No impasse parlamentar gerado pelos procedimentos do governo, o MDB denunciava a
obstacularização dos avanços “liberalizantes”, a ARENA vislumbrava a solução de questões que
impediam o aprimoramento do sistema político.
Sob qualquer perspectiva, reconhecia-se que, sendo as ações oficiais baseadas na
excepcionalidade, seguiram procedimentos legais (na Constituição, através do Art. 182, era reconhecida a
validade do AI-5). Para os parlamentares da ARENA, as posições exacerbadas da oposição (sectarismo e
visão política estreita) em matérias fundamentais, faziam apenas neutralizar a distensão política, mais
ainda, a legislação de exceção sustentava e garantia a atuação política emedebista, o povo não está
preocupado com o AI-5, 477 e 288, os que estão preocupados são os que há 13 anos vivem às custas
destes atos.
461
A matéria da reforma do poder Judiciário explicitou as diferentes orientações do MDB, de modo
que ao mesmo tempo em que as peças oratórias da Assembléia Legislativa eram carregadas de
passionalismo e denúncia do arbítrio, as falas de setores da cúpula do partido (como as de Tancredo
Neves) procuraram ponderar o encaminhamento das reformas.
Nos 14 dias em que o Congresso Nacional esteve fechado, uma restrita equipe de debatedores e
colaboradores da cúpula do bloco dirigente, refugiava-se na granja presidencial do “Riacho Fundo” a fim
de dar maior conteúdo a mais profunda reforma por que passou a Constituição brasileira desde,
possivelmente, a intervenção de 1964.
462
A elaboração destas propostas não partiu da iniciativa do bloco dirigente na sua totalidade, os
proponentes formavam o assim chamado, grupo palaciano, o qual expressava as concepções dominantes
naquela composição de forças políticas no seio do bloco dominante. Na redação daquele texto, que ficou
denominado jocosamente pela oposição de “Constituinte do Riacho Fundo”, registrou-se a presença de
Ernesto Geisel, Golbery do Couto e Silva, Heitor de Aquino (secretário de Geisel), o ministro Armando
Falcão, o futuro presidente, João Baptista Figueiredo (então na chefia do Serviço Nacional de
Informações) e o senador Petrônio Portella (articulador institucional do regime).
463
460
João Carlos Gastal. AAL, 26ª Sessão de 5 de abril de 1977, p. 35.
461
Jarbas Lima/ARENA. AAL, 26ª Sessão de 5 de abril de 1977, pp. 42-43.
462
O número de parlamentares que uma Nação deve ter deve ser estabelecido pela própria Nação e não
por um presidente prepotente e autoritário que fecha o Congresso, fecha-se numa das granjas de
recreação presidencial e faz na Constituição todas as modificações que deseja. Todo o Pacote de Abril é
ilegítimo e se é ilegítimo não pode ter o nosso apoio, o apoio do MDB. (...) O MDB vai errar no Rio de
Janeiro, humildemente reconheço isso. Os outros estados tem condenado a atuação dos nossos
companheiros, dos nossos correligionários do Rio de Janeiro, mas a culpa pelo “Pacote” não é do MDB.
Waldir Walter. AAL, 98ª Sessão em 8 de agosto de 1978, pp. 20-21. Sendo maioria no Colégio Eleitoral
do Rio de Janeiro, o MDB ao participar legitimou o processo, transparecendo que o boicote no Rio
Grande do Sul somente acontecia em razão da correlação de forças ser desfavorável ao partido.
463
Para um relato deste episódio, ver: ABREU, Hugo. O Outro Lado do Poder. Op. Cit., pp. 68-71.
KUCINSKI, Bernardo. Abertura, A História de Uma Crise. São Paulo: Ed. Brasil Debates, 1982, pp. 59-
65. A imprensa à época, que noticiou amplamente este encontro, especulou que dele participaram também
os deputados Marco Maciel e Francelino Pereira e o chefe do Gabinete Militar Hugo Abreu, sendo que
este último, negou qualquer colaboração na confecção do “Pacote”.
305
Congresso Nacional fechado, emendas aprovadas (com o adendo da Emenda Constitucional 8,
modificando questões eleitorais presentes na Constituição de 1969). Estas reformulações entrariam para
os anais da memória política brasileira pela alcunha de “Pacote de Abril”.
Seguindo a prática dos procedimentos de engenharia político-eleitoral, entre tantas facetas, criou
os senadores biônicos, manteve a eleição indireta para governador e ampliou o mandato presidencial para
seis anos.
464
Mais ainda, o “Pacote de Abril” estendia as limitações da “Lei Falcão” de utilização do rádio e
televisão para as eleições em todos os níveis e, importantíssimo para o cenário futuro, reduziu o Colégio
Eleitoral que viria a escolher o novo presidente da República, diminuindo a influência das Assembléias
Legislativas (um delegado do parlamento estadual para cada um milhão de habitantes).
A iniciativa de apresentação de emendas constitucionais por parte do Legislativo foi
obstacularizada através da exigência de um terço de assinaturas (tarefa impossível ao MDB em virtude da
própria composição do senado, com 22% de senadores “biônicos”). Em outro movimento, para garantir o
livre trânsito das políticas do governo, reduziu-se a exigência de maiorias de dois terços em sessão
conjunta (Câmara e Senado) para maioria absoluta na aprovação de emendas– acabou com a necessidade
de negociação e pacto.
465
Em mais um momento do regime de exceção, a atuação do parlamento, especificamente dos
parlamentares de oposição, criou as justificativas para outra intervenção do bloco dirigente nas instâncias
de representação política.
Poucos se aperceberam de que eram lançadas as bases fundamentais do que viria a ser a
institucionalização da versão autoritária do Estado.
Esta incompreensão por parte da oposição foi manifestada nas peças oratórias difusas. A bancada
emedebista reagiu nos termos das perdas políticas imediatas observando as reformas estabelecidas para
assegurar a vitória que dificilmente obteria segundo as regras então vigentes.
466
Não que esta afirmação estivesse de todo equivocada, mas não correspondia exatamente às
necessidades que aquelas mudanças procuravam suprir.
Deste ponto em diante, a negociação política demarcaria os novos movimentos do bloco
dirigente, o
governo de inspiração revolucionária
se travestiu de
governo de conciliação
464
O Pacote de Abril” era formado por 14 emendas a artigos da Constituição de 1969, mais três artigos
novos e seis decretos-lei, alterando o regime político na questão do controle do legislativo (redução do
quorum para maioria simples do Congresso na aprovação de emendas constitucionais, medida oportuna
em um contexto de derrota arenista e criação dos “senadores biônicos” senadores escolhidos através de
Colégio Eleitoral, o que assegurou a maioria ao governo, ao menos a1986, e no mesmo ato, apaziguou
as disputas intra-bloco dominante); controle do executivo federal (ampliação da duração do mandato
presidencial para seis anos, eleições em outubro do ano anterior à posse, ou seja, anteriormente à eleição
do Congresso); controle dos executivos estaduais (a eleição indireta de governadores, até então como
política de excepcionalidade, passou a ser incorporada); restrição das campanhas eleitorais (estendia a Lei
Falcão às eleições nacionais, introduzia o princípio da “coincidência de mandatos” de vereadores,
prefeitos, deputados estaduais e federais), o quê revelou-se um erro por parte do regime, pois ampliou a
imprevisibilidade eleitoral ao concentrar todas as eleições diretas em um único evento. KUCINSKI,
Bernardo. Op. Cit., pp. 60-63.
465
Para mais detalhes ver: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984).
Op. Cit., pp. 192-196. Para uma análise propriamente jurídica ver: JACQUES, Paulino. As Emendas
Constitucionais Números 7, 8 e 9: Explicadas. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1977.
466
Discurso de Lélio Souza. DAL, 94ª Sessão, em 2 de agosto de 1978, p. 9 (publicado em 16 de agosto).
306
revolucionária
com um restrito círculo político, e enfim, pôde partir definitivamente para a recomposição
do sistema de alianças como pressuposto da aplicação das políticas distensionistas nos delgados limites
conservadores.
Mesmo assim, a discussão acerca da “distensão” não havia alcançado a questão da legislação de
exceção. Para o bloco dirigente, naquele momento. o AI-5 ainda era um instrumento vital para a
manutenção da correlação de forças.
467
Neste ínterim, o senador emedebista Saturnino Braga manifestava contrariedade com a
campanha pela convocação de uma Assembléia Constituinte, julgando inconveniente naquele momento
tal mobilização em razão do processo sucessório que se avizinhava. Logo, uma proposta alternativa
também circundava a cúpula do partido de oposição: institucionalizar a exceção.
Estas preocupações revelavam que o regime havia encontrado um ponto limite, sendo necessário,
a partir de então, controlar as discussões que encaminhariam a implementação de reformas.
Para garantir a hegemonia no bloco dominante, ao invés de adentrar em uma situação onde
inevitavelmente teria de optar entre, por um lado, alterar substancialmente as alianças e, de outro, reforças
a coerção como mecanismo de manutenção de poder, Geisel conseguiu, ao mesmo tempo, reorientar as
alianças que sustentavam o regime e restringir ao máximo a possibilidade de autonomia institucional do
político.
Aqui se desnudava mais uma vez o divórcio entre a oposição institucionalizada e a base social de
resistência ao regime, representado pela incapacidade do MDB em mobilizar forças sociais e, no mesmo
movimento, pelas posições reticentes de suas lideranças (setores da cúpula do partido, como Thales
Ramalho e Laerte Vieira, resistiam à penetração de forças populares organizadas no interior do
partido).
468
Em pleno processo de dupla fuga, o MDB visivelmente acirrava sua decomposição doméstica.
A dinâmica política da administração Geisel foi ditada, em grande parte, pelo desenvolvimento
da relação entre as forças emergentes das transformações sócio-econômicas (lutas sociais, insubordinação
e fuga da insubordinação) e os mecanismos políticos de contenção disponíveis ao regime.
Aplicadas as políticas necessárias para a implementação das mudanças desde 1974, no último
ano do mandato de Geisel foram alinhavados os meios necessários para a realização da abertura política,
não sem antes o regime enfrentar uma série de conflitos.
Na iminente possibilidade da recomposição do sistema de alianças do regime (base da
“conciliação revolucionária”) e na urgência do processo de mudanças (reconduzindo a representatividade
– de notáveis por certo – como fonte legitimadora do Estado), abria-se espaços (ainda estreitos, vide
exclusão de qualquer menção a eleições diretas para a sucessão de Geisel ou dos governadores) para o
467
Alencar Furtado, líder do MDB na Câmara dos Deputados ignorou este limite (como também Marcos
Tito). Teve seu mandato e direitos políticos cassados por um prazo de dez anos após tecer acusações em
programa de rádio e televisão (as regras da Lei Falcão eram inexeqüíveis em períodos não-eleitorais). A
partir de então, o governo editou o Ato Complementar 104, de julho de 1977, onde proibia o acesso do
partido ao rádio e televisão. Ainda em 1977, era ampliada a censura aos veículos estrangeiros de
imprensa; proibia-se o III Encontro Nacional de Estudantes (que estava por acontecer em junho daquele
ano em Belo Horizonte); estudantes e trabalhadores foram detidos em o Paulo quando preparavam as
manifestações do de maio. O ministro da Educação e Cultura, Nei Braga, reiterava as restrições na
atuação de entidades estudantis na política; em julho, após manifestação na UnB, 31 estudantes foram
expulsos e 34 suspensos. Em setembro, protesto de estudantes da PUCSP é violentamente reprimido por
agentes do DOPS e da Polícia Civil.
307
diálogo com a sociedade civil através de uma “liberalização contida”, utilizada especificamente para
arranjos políticos.
Um dos objetivos do bloco dirigente, possivelmente a questão central na recomposição da base
de sustentação, esteve na correção de determinadas incompatibilidades do regime, sem o que, seria
inviável garantir sua própria essência autocrática. A crise que acometia o ordenamento de exceção, tanto
poderia aprofundar as rachaduras nas bases de sustentação do regime quanto ser revertida em
desintegração social. Os indícios de insegurança social e desorganização produtiva poderiam produzir a
própria desconstituição do Estado.
Da mesma forma, a instabilidade política poderia a vir a atingir níveis que o regime não teria
condições de neutralizar a não ser pelo recurso da repressão explícita, em um momento onde a
reivindicação pela extinção dos instrumentos excepcionais e convocação de uma Assembléia Constituinte
tomava grande magnitude.
Era perceptível a tendência generalizada em prol da necessidade de colocar um termo às leis de
exceção (não necessariamente abrir mão deste recurso, mas fazer com que este transitasse da legalidade
pura e simples para a legitimação ou, para a institucionalização da excepcionalidade).
No conjunto das ações do bloco dirigente, em abril de 1978, era apresentado o general João
Baptista Figueiredo como candidato oficial à sucessão de Geisel.
469
Neste momento, Lélio Souza/MDB protagonizou interessante leitura do ano 14 da intervenção:
estamos vivendo neste ano de 1978, talvez, os momentos mais graves, mais decisivos do desfecho da crise
institucional.
470
Para aquele parlamentar, a tese da normalização democrática não enfrentava mais
resistências na sociedade, mesmo entre seus segmentos mais conservadores.
Ocorre que, as ações do bloco dirigente foram pautadas e limitadas pela lógica da refundação do
pacto de dominação nas bases da, aludida anteriormente, estabilização conservadora. O discurso oficial
pela normalização da vida político-institucional foi recebido por setores do parlamento gaúcho como
consenso entre posição e situação, executivo e legislativo, governo e sociedade.
Aqui era definida a abrangência da “absorção” da idéia democrática por parte do bloco
dominante.
No bojo destas questões, atravessadas pela iniciativa do bloco dirigente de realinhamento das
forças políticas, as dissidências situacionistas afloraram, criando grupos alternativos do poder no seio do
bloco dominante, tanto entre aliados civis quanto entre a oficialidade militar (caso do tenente-coronel
Tarcísio Nunes Ferreira, comandante da maior unidade de infantaria motorizada do Paraná, que exigia a
volta dos militares para a caserna e do general Hugo Abreu, símbolo maior das conseqüências da
condução oficial do processo sucessório e posterior indicação de Figueiredo).
471
468
KUCINSKI, Bernardo. Op. Cit., pp. 59-60.
469
Prontamente repudiado pela bancada emedebista: o General Figueiredo é incompetente. S. Exª não tem
condições de administrar o país. Aldo Pinto/MDB. DAL, 102ª Sessão, realizada em 14 de agosto de 1978,
p. 7 (publicado em 23 de agosto). Ver também: Jorge Bandarra/MDB. DAL, 104ª Sessão em 16 de agosto
de 1978 (publicado em 25 de agosto), p. 14.
470
Lélio Souza. DAL,102ª Sessão em 14 de agosto de 1978, p. 9 (publicado em 23 de agosto).
471
A bibliografia sobre o processo sucessório de Geisel e as articulações para a indicação de Figueiredo é
extensa, destacando-se: BITTENCOURT, Getúlio. A Quinta Estrela Como Se Tenta Fazer Um
Presidente no Brasil. o Paulo: Editora Ciências Humanas Ltda., 1978. CHAGAS, Carlos. A Guerra das
Estrelas (1964-1985) Os Bastidores das Sucessões Presidenciais. Op. Cit. GOÉS, Walter de;
308
Determinados componentes da base de sustentação do governo que projetavam um futuro de
descentralização (associando interesses políticos e pessoais) procuraram exibir uma desvinculação com o
regime, algo não observado entre a base de apoio governista na Assembléia Legislativa, muito antes pelo
contrário, nesta fase, a bancada da ARENA renovou seus compromissos com a “revolução”.
A manifestação mais sintomática da fragmentação no seio do bloco dominante, dilacerando a
antiga coesão de interesses históricos, pôde ser observada nas movimentações políticas de José
Magalhães Pinto (ex-governador, então senador por Minas Gerais e proprietário do Banco Nacional). O
estertor civil da coalizão intervencionista original lançava-se de maneira independente, como opção à
sucessão presidencial (alternativa doméstica nas fileiras do regime).
A estratégia usada pelo pretenso candidato esteve na crítica aberta ao andamento do processo
político e a reivindicação de uma reforma institucional. Porém, a candidatura do arenista dissidente
padecia de um mal de origem, Magalhães Pinto era civil e como tal, não reunia as condições para postular
a vaga naquela conjuntura.
A possibilidade da candidatura do general Euler Bentes Monteiro reunia aquele requisito ausente
nas pretensões de Magalhães Pinto. Afinal, Euler era militar (e com as mais altas insígnias), porém o
oficial não compunha o círculo do bloco dirigente e, mais grave, estava em vias de ingressar no MDB.
Ao fim, como que para emergir definitivamente a reconversão liberal do regime de exceção,
Euler assumiu a tarefa de disputar a sucessão de Geisel pela oposição (mais propriamente uma alternativa
no próprio bloco dominante do que a manifestação política da insubordinação).
Não obstante o conjunto da plataforma de campanha, as pretensões, se não as do candidato
certamente as do partido, eram reduzidas. Tampouco eram vislumbradas possibilidades imediatas de uma
vitória oposicionista: a candidatura de Euler Bentes representou uma renovada iniciativa como luta
acumulativa.
Não era portanto um sintoma de crise, mas sim a caracterização da dinâmica (a dialética entre
projeto oficial e processo político-social) que associava conservação à evolução fruto do próprio
desenvolvimento do sistema político no país, mesmo sob tutela da excepcionalidade. Em outras palavras:
a definição do MDB pela participação no processo sucessório, com a efetiva candidatura de Euler Bentes
Monteiro (não mais um anticandidato), agregou um componente positivo à estratégia de estabilização
conservadora do regime.
472
A formulação dos pontos de incidência, que viriam a nortear a campanha presidencial
oposicionista, foi pautada pelos princípios de revogação da legislação de excepcionalidade, transformação
do Congresso Nacional eleito em Assembléia Constituinte, mandato provisório de três anos para o
presidente, eleições diretas, anistia, pluripartidarismo, autonomia dos sindicatos em relação ao Estado,
revisão do modelo econômico que era entendido como monetarista (priorizando uma mais justa
CAMARGO, Aspásia. O Drama da Sucessão e a Crise do Regime. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
STUMPF, André Gustavo; PEREIRA FILHO, Merval. A Segunda Guerra: Sucessão de Geisel. São
Paulo: Brasiliense, 1979.
472
As posições e definições emedebistas quanto a forma e o conteúdo da candidatura à sucessão
presidencial bem como, as propostas de uma Assembléia Nacional Constituinte e de Anistia estão
reunidos em: Constituinte com Anistia Compromissos Políticos, Sociais e Econômicos do MDB.
Volume XV. Brasília: Diretório Nacional do Movimento Democrático Brasileiro, 1978.
309
redistribuição de renda) e independência junto ao capital estrangeiro.
473
Princípios tão genéricos, que
permitiam aglutinar na candidatura uma ampla coalizão, por fim, reproduzida na Frente Nacional Pela
Redemocratização.
Magalhães Pinto, representante da burguesia brasileira, candidato a candidato, não apresentava
programa, afinidade ideológica com correntes políticas organizadas ou projeto político alternativo que
pudesse estabelecer uma aproximação com setores fundamentais do jogo político (não que tais qualidades
fossem necessárias para assumir um cargo eletivo naquelas condições, mas ainda assim, uma candidatura
à revelia do bloco dirigente necessitaria bem mais do que ambições pessoais para mobilizar o seleto
eleitorado).
Não conseguiu nem reunir um número significativo de apoiadores entre os dissidentes
governistas e nem gozava de uma boa reputação entre os oposicionistas. Sua pretensão somente fez expor
a faceta militarizada do regime.
Neste contexto, dois eventos, distintos e de conseqüências díspares, mas que, cada um ao seu
modo, refletiram o estágio da luta político-social no país.
O primeiro, demonstrando um processo de realinhamento de forças políticas internas do bloco
dominante à revelia do bloco dirigente. Este fora marcado pelo apego às formalidades institucionais e
caracterizado pela ausência de vínculos com os movimentos políticos oriundos da sociedade: a Frente
Nacional Pela Redemocratização. Lançada em fevereiro de 1978, em Recife, por Magalhães Pinto,
recheada de pretensões pessoais, frustrações políticas e divergências a questões pontuais do bloco
dominante, efetivava um esboço de constituição de um bloco de oposição articulador de várias frações.
Um segundo evento, advindo do mundo do trabalho e fruto direto do acirramento da luta capital
versus trabalho e, por isso mesmo, extremamente nocivo à estrutura de dominação: o nascimento do
“novo sindicalismo”.
Lançado ao conhecimento público através do movimento dos trabalhadores da região do ABC
paulista (Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano), cujo instrumento da luta por reposição
salarial, a greve de 12 de maio de 1978 na montadora Scania foi um marco, o novo sindicalismo estreitou
os laços de setores das camadas dominantes – até mesmo os dissidentes – com a estrutura do Estado.
Além das dimensões (em pouco mais de dez dias espalhou-se agregando mais de noventa
empresas e cerca de 500 mil trabalhadores grevistas) e do marco histórico (a primeira desde 1968),
introduziu inovações nos métodos de ação. Essencialmente, a organização dos trabalhadores manteve
total independência das instâncias formais de representação política e total desatrelamento com o Estado
(sem quaisquer vínculos com partidos políticos, parlamentares, governos ou patrões).
E aqui residia justamente o fator de novidade desta irrupção, mais ainda do que a organização,
mobilização e enfrentamento dos trabalhadores com o regime, mas sobretudo, de uma dupla oposição:
aquela que combatia a política salarial normativa e imposta pelo regime (substituindo-a pela contratação
livre e direta entre sindicatos e empresas) e outra, que reivindicava uma organização sindical livre e
autônoma (não tutelada).o direito à liberdade sindical e à greve o movimento reivindicava fazendo, ou
473
Elementos baseados na apresentação dos objetivos do MDB apontados por Aldo Pinto. DAL, 12
Sessão em 14 de setembro de 1978 (publicado em 4 de outubro), p. 6.
310
seja, a experiência posta em prática já representava um avanço independentemente das posições adotadas
pelo bloco dirigente, que ao fim, teve de conceder.
Entendendo que a instabilidade política no bloco dominante era tributária da forma de relação
estabelecida com as camadas dominadas, o bloco dirigente empreendeu um conjunto de ações com o
intuito de conter as questões envolvendo a insubordinação.
Atuando em diferentes direções, tanto em obstacularização direta, caso da promulgação do
Decreto-Lei nº 1.632 em 4 de agosto de 1978, o qual transferia a Lei de Segurança Nacional para a
legislação trabalhista no julgamento de organização, mobilização e ações grevistas, quanto de forma a
deslocar o caráter do conflito, sendo o caso do grupo de líderes sindicais rumou para Brasília fim de
sensibilizar os parlamentares para que estes incluam suas reivindicações nas reformas constitucionais
pretendidas pelo Executivo, o governo não lançou mão de repressão, tolerou a presença dos
manifestantes, simbolizada pelo recebimento dos sindicalistas pelo senador Petrônio Portella, e acentuou
o caráter de flexibilização que tomava os círculos de debates políticos.
474
A Frente Nacional pela Redemocratização, por definição de origem, colocava-se no campo das
oposições. Antes de tudo, a Frente possuía como um de seus objetivos desestabilizar o processo político-
eleitoral para a presidência em favor da oposição. Para a ARENA, a Frente resumia-se ao enfrentamento
entre dois personagens (Euler Bentes e Magalhães Pinto), cujas pretensões político-pessoais haviam sido
frustradas pelo governo e pela dinâmica interna do partido do governo.
475
O objetivo da Frente é o restabelecimento do Estado de Direito, da democracia, da
liberdade, do respeito aos direitos humanos, da anistia, de uma Assembléia
Nacional Constituinte que elabora um pacto social pelos legítimos representantes
do povo, que estabeleça direitos e deveres dos cidadãos, mas que, por outro lado,
também estabeleça os direitos e deveres e responsabilidades dos governantes.
476
Se a realidade política ainda cercava-se de normas restritivas, desestimulando qualquer debate
acerca de avanços no sistema político, a emergência de determinados temas refletiu um desconforto
crescente com a forma como o dissenso era encaminhado. Logo, a emergência de uma frente política com
os objetivos acima destacados, expunha os efeitos do prolongamento no tempo do ordenamento de
exceção, ou seja, a tendência do regime em desfigurar suas bases de sustentação.
474
O deputado Jarbas Lima requereu a transcrição de artigo do Jornal Correio do Povo, assinado por
Rivadávia de Souza intitulado Surpresa e Agradavelmente Perplexa a Imprensa do DF, onde eram
elogiados os procedimentos adotados pelo governo em relação à presença de lideranças sindicais na sede
do poder central. DAL, 122ª Sessão em 14 de setembro de 1978, p. 7 (publicado em 4 de outubro).
475
Esta foi a acusação de Rubi Diehl, que adendou: no momento em que ambos os personagens, o general
Euler e o senador Magalhães Pinto, fizeram proclamação pública, pela imprensa, de fidelidade aos
princípios e metas permanentes da Revolução de 1964, deixaram de ser interessantes a algumas áreas
muito bem conhecidas dentro do MDB, ou seja, alas radicais. DAL, 94ª Sessão em 2 de agosto de 1978,
p. 12 (publicado em 16 de agosto).
476
Pronunciamento de João Carlos Gastal/MDB, o qual destacava a reunião da Frente que viria a ocorrer
na própria Assembléia Legislativa naquela semana com a presença de Euler Bentes Monteiro, Magalhães
Pinto, Teotônio Villela, Paulo Brossard e o ex-presidente do diretório regional da ARENA, João Dêntice.
DAL, 98ª Sessão, realizada em 8 de agosto de 1978, p. 8 (publicada em 21 de agosto). Neste sentido ver
também as manifestações de: Lélio Souza. DAL, 102ª Sessão em 14 de agosto de 1978 (publicada em 23
de agosto), p. 9. Rubi Diehl. DAL, 103ª Sessão em 15 de agosto de 1978 (publicada em 24 de agosto), pp.
7-8.
311
Na ocasião em que se realizou evento de lançamento deste grupo, revelou-se o verdadeiro
caleidoscópio de apreensões acerca da crise institucional e as políticas de solução destas. No desfile de
concepções, destacaram-se os discursos de Magalhães Pinto (apresentado como pregador pioneiro pelo
restabelecimento do poder civil) e que convocou a Frente a pressionar pela rejeição ao “pacote de
reformas”, João Dêntice (ex-presidente da ARENA) que exaltou Castelo Branco e denunciou que desde
então os brasileiros haviam perdido autonomia política, Pedro Simon (candidato ao Senado), que bradou
por anistia (afirmando que esta representaria esquecimento e reconciliação) e enfatizando as dissidências
do regime que compunham a Frente e Ulysses Guimarães que reivindicava a convocação imediata de uma
Assembléia Nacional Constituinte:
não se trata apenas de reformular as linhas mestras da convivência política, mas
de realizar a Nação a partir delas, ampliando seu conteúdo jurídico para o rol de
todas as atividades, grandes e pequenas, de modo que a Nação inteira sinta-se
protegida pelo império da Lei. Importa dizer que objetivamos firmar um novo
pacto social.
É para realizar a democratização por ação pacífica, legal e desarmada, a do voto,
da vontade popular legítima e legitimadora.
477
A leitura da bancada arenista não deixava dúvidas, a intervenção de 1964 reencontrava seu curso
natural, reafirmando seus propósitos democráticos e caminhando gradual e seguramente para sua
institucionalização, isto é, vai transpor em leis próprias, o que legitimamente ele (o movimento
intervencionista) pode fazer, todo o seu ideário, os seus postulados, ao mesmo instante em que observara
a participação do MDB na Frente, como um último esforço para se colocar enquanto referência
oposicionista. Pois até mesmo Euler Bentes Monteiro teria afirmado, na referida reunião da Frente
Nacional Pela Redemocratização em Porto Alegre, que:
em 1964 foi feita uma Revolução, felizmente incruenta, que veio salvar as nossas
frágeis instituições, ameaçadas de uma conspiração que ameaçava eliminá-las,
sendo então por isso duramente vaiado pelos que se faziam presentes ao evento,
efetivamente, os mais obsessivos nas suas críticas, cegos por elas mesmas,
chegando às raias da radicalização.
478
Tendo passado metade do ano, os indícios de que a descompressão política avançaria para além
do controle de facções da caserna solidificaram a posição emedebista de apresentar o partido como centro
de equilíbrio no jogo de forças sociais, resolvendo o ponto de discórdia desta fase: a conciliação entre
inovações nos mecanismos de poder com a ampliação da participação política sem reversão em
instabilidade política e desconstituição das estruturas forjadas ao longo do regime.
477
Matéria entregue para a transcrição por Lélio Souza. Pronunciamentos proferidos durante Encontro da
Frente Nacional de Redemocratização, na Assembléia Legislativa do RS, em 10 de agosto de 1978,
presidido pelo jornalista Alberto André (presidente da ARI Associação Rio-grandense de Imprensa).
DAL, 102ª Sessão em 14 de agosto de 1978, pp. 10-12 (publicado em 23 de agosto).
478
Manifestação de Guido Moesch,. DAL, durante a 115ª Sessão - Sessão Extraordinária Para a Eleição
do Governador, Vice-Governador, Senador da República e Seus Suplentes, realizada em de setembro
de 1978 (publicada em 19 de setembro), p. 15.
312
Diante desta situação, o partido oposicionista passou a jogar com a necessidade do regime
promover rearticulações no bloco do poder e, no mesmo cálculo, assumiu definitivamente seu papel
nestas rearticulações, ou seja, foi utilizado como peça fundamental de estabilização em bases
conservadoras (preservando o próprio jogo político em patamares excludentes).
Procurando manter-se enquanto a vanguarda das posições de setores políticos desconfortáveis
com a dimensão dos problemas do país, a política emedebista espelhou a defesa destes setores por uma
estruturação política capaz de reinstaurar a previsibilidade sem os recursos da fase de militarização dos
centros decisórios, em outros termos, sem desequilibrar a dualidade de ordenamentos em favor da
excepcionalidade.
A forma política assumida por estas questões manifestava-se na defesa pela elaboração de um
projeto político pautado na conciliação nacional que, em última medida, representaria a superação da
insubordinação ou, minimamente, no deslocamento desta por caminhos melhor controláveis: instâncias
formais de representação política.
Tendo reunido desde 1974 elementos que o credenciavam como aporte de credibilidade, o
partido oposicionista pôde postar-se enquanto defensor do entendimento e do interesse nacional, bandeira
hasteada pelo MDB através do documento que estabeleceu pontos para a formação de uma aliança em
prol da democracia. Os argumentos utilizados diziam mais sobre as condições de participação na Frente
Nacional Pela Redemocratização, utilizando esta como instrumento de ação, do que propriamente sobre
um projeto alternativo.
Não à toa. A conjuntura que ensejou o processo de dupla fuga (embuídas de acirramento político,
de contestação do padrão econômico e de revigoramento dos movimentos sociais) impôs da mesma
maneira ao partido de oposição, como forma de estreitar vínculos com sua própria base, a inclusão em
seus documentos internos e, automaticamente, em suas argumentações parlamentares, questões referentes
ao direito de greve, liberdades sindicais, retorno ao pluripartidarismo e superação reordenação da política
econômica, alusões em sua maioria inéditas até então. Obviamente, estas posições foram objetadas pelas
alas moderadas, as quais apostavam em uma futura necessidade do bloco dominante em ampliar seu leque
de alianças, destituindo o bloco dirigente o que, em tese, levaria o MDB a alcançar o poder.
479
Quanto aos argumentos utilizados, o partido mantinha uma postura dúbia ao oscilar entre a
contestação e a conciliação. Por fim, o partido definiu-se como componente de um projeto que procurava
enquadrar os movimentos reivindicatórios como forma de garantir a própria transição sem riscos de
retrocessos autoritários. Com efeito, urgia a construção de uma organização partidária que representasse
efetivamente uma alternativa popular.
No preâmbulo das manifestações da Frente, a ênfase no compromisso democrático - assim
entendiam as facções emedebistas mais conservadoras- seria um artifício para barrar os anseios de
comunistas.
479
Chamado por Kucinski por “decálogo”, estabelecia as condições de participação do MDB na Frente.
Entre outras exigências: revogação dos atos e leis de exceção; eleições livres e diretas em todos os níveis;
restabelecimento de garantias individuais; anistia política plena; revogação da prisão perpétua e pena de
morte; liberdade sindical e direito de greve; convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. In.:
KUCINSKI, Bernardo. Abertura, A História de Uma Crise. Op. Cit., pp. 81-82.
313
Isso sem desconhecer-se que a candidatura emedebista de Euler Bentes refletia a inversão das
relações do partido oposicionista com o sistema político. Diferentemente da sucessão de Médici, quando a
anticandidatura de Ulysses Guimarães somente existia em função da desconstituição e denúncia do
processo sucessório, o partido investia na possibilidade do governo sofrer um revés eleitoral e pretendeu
postar-se enquanto pressão simbólica. Desconsiderando o fato do candidato oposicionista manter um
discurso tão conservador quanto setores do próprio governo (afinal, era uma dissidência liberal do regime
de exceção), Euler Bentes restringia sua crítica à política econômica oficial e a incapacidade do governo
em solucionar problemas imediatos da população e do país.
Paulatinamente, a candidatura do oficial dissidente configurava-se como uma entidade exógena.
Um tanto por sua origem, outro tanto pelas seqüelas de uma década de regime de exceção não-
mobilizador, adicionado da falta de relação com os quadros da oposição popular e pela ambigüidade de
seus apoiadores e, essencialmente, pelo boicote do seu próprio partido (base de uma série de
manifestações e especulações da bancada arenista)
480
.
Mas, como apontou Kucinski:
A cúpula do partido, dominada pelo colégio de “notáveis”, senadores que viam
como etapa seguinte em suas carreiras os governos de seus respectivos estados nas
eleições de 1982, não tinha interesse numa campanha que punha tudo em risco,
inclusive as próprias eleições. Caso fosse vitorioso, ou o sistema dominante viraria
a mesa, ou Euler seria presidente e todo o resto perdia importância.
481
Não obstante que, na iminência da base emedebista ultrapassar os limites definidos para
preservação da estrutura de dominação, negociados pela sua direção em nome de uma futura possibilidade
de circulação de poder ou de compartilhar o poder, o conjunto do partido partiu para a acentuação dos
laços com a sociedade, ampliando a política do acúmulo de forças como pré-condição no tensionamento
com o bloco dirigente.
No momento em que as camadas dominantes reorganizavam-se politicamente, o MDB lançou-se
como representante dos anseios generalizados de mudanças. Esta postura fora expressa no “decálogo”,
quando grande parte de sua direção optou pelas tarefas e formalidades institucionais de construção
democrática.
Para a ARENA, as limitações da Frente Nacional Pela Redemocratização eram expressas pela
decomposição de seus objetivos originais:
surgiu sem cunho político-partidário, pelo congraçamento de homens que
pretendiam ir ao encontro do consenso e das aspirações da comunidade nacional
visando ajudar na normalização institucional e política do país.
480
O General Euler Bentes Monteiro se queixa porque o secretário geral do MDB deputado Thales
Ramalho – não faz nada, não movimenta a quina do Partido, já que ele Euler Bentes está
cumprindo com a parte dele e ninguém ajuda. Intervenção em plenário de Jarbas Lima/ARENA. DAL,
122ª Sessão em 14 de setembro de 1978 (publicada em 4 de outubro), p. 7. Ver também a fala
parlamentar de Waldir Walter. DAL, 121ª Sessão em 13 de setembro de 1978 (publicada em 3 de
outubro), pp. 5-8.
481
KUCINSKI, Bernardo. Abertura, A História de Uma Crise. Op. Cit., p. 85.
314
Verificamos que, logo depois, entretanto, dela, Frente, se valeram dois postulantes
à candidatura à Presidência da República.
(...) Numa cronologia muito importante de ser observada, o MDB procurou
absorver a Frente Nacional de Redemocratização e utilizá-la como instrumento
eleitoral com vistas a 5 de novembro.
482
Retomava-se as tradicionais denúncias de “ideologização” ou “partidarização” dos movimentos
que se constituíam fora do parlamento. Sobretudo, avançava-se na constituição de um projeto de
renovação pela manutenção das bases do poder. Assim, a via para a normalização do país estava nos
partidos políticos:
Muitas vezes, vê-se confuso em analisar por ouvir dizer que a redenção do País
não está nos Partidos políticos através de sua ação legitimada pelo mandato e
pela possibilidade de indicar candidaturas, mas eventualmente através de uma
Constituinte e quando esta também caiu no descrédito, através de uma Frente
Nacional de Redemocratização, como órgão auxiliar do MDB, como muleta
eleitoral da campanha que não vai bem.
Analisem a seriedade com que os candidatos da ARENA, a começar pelo Sr. João
Baptista Figueiredo, pregam o seu compromisso de levar a bandeira da
normalidade institucional até o fim e, simultaneamente, o permitir qualquer
recaída, não deixar o País ao desabrigo de salvaguardas mínimas necessárias à
pronta e legítima defesa do povo, das instituições e da própria soberania
nacional.
483
Não poderia passar desapercebido para o conjunto dos atores político-institucionais que o
regime, não obstante o cenário relativamente liberalizado – se comparado ao período vivido no governo
Médici – mantinha todas as prerrogativas forjadas na fase de refinamento do Estado.
Por instinto de sobrevivência ou por oportunismo político, os parlamentares, sobretudo aqueles
vinculados ao MDB, não entreveram as reais dimensões do processo a que estavam mais submetidos do
que inseridos, quanto mais a possibilidade de interferir decisivamente neste.
Na primeira hipótese, o instinto de preservação levou os atores políticos a uma coesão
circunstancial em torno das instituições políticas legalizadas para tal atividade, ou seja, os partidos
políticos e as frentes de coalizão. Devido ao constante esvaziamento destes e ao cerceamento dos
procedimentos que, por origem, deveriam ser de sua competência, ambos os partidos viram-se amputados
de suas pretensões de ascensão ao poder decisório.
484
No momento em que o jogo político praticado por estas heterogêneas coalizões oposicionistas -
como a Frente Ampla Pela Redemocratização – passaram a competir com a sigla em que estavam
482
Sob o título de O Próprio MDB Destruiu Suas Muletas Eleitorais, o deputado Rubi Diehl/ARENA
denunciava o que julgava ser a destruição de credibilidade perante a opinião blica de um movimento,
até então isento, mas que, corrompido pelas aspirações pessoais e partidárias, desvirtuava-se para a
competição partidária. DAL, durante a 105ª Sessão, em 17 de agosto de 1978, p. 3 (publicado em 25 de
agosto daquele ano).
483
Rubi Diehl. DAL, durante a 105ª Sessão, em 17 de agosto de 1978, p. 3 (publicado em 25 de agosto
daquele ano).
484
A questão do “instinto de sobrevivência” dos aatores políticos foi aventada originalmente em: BAHIA,
Luiz Henrique. Reforma Constitucional e Ordem Autoritária: Congresso Nacional na Legislatura. In.:
FLEISCHER, David V. (org.). Os Partidos Políticos no Brasil Volume I. Brasília : Editora da
Universidade de Brasília, 1981, pp. 275-300.
315
abrigados, interferindo na questão eleitoral, o MDB empreendeu esforços para garantir sua identidade,
causando um esvaziamento generalizado naquele agrupamento:
em face das disposições legais existentes, disposições injustas e injurídicas, não é
possível a realização de um trabalho político, a não ser através dos partidos
políticos existentes.
485
Se constatada a segunda hipótese, revelaria toda a força política da camada dominante em
reverter as aspirações da cúpula emedebista de assumir o poder decisório em compartir posições de poder,
ambas nefastas para a potência política da insubordinação porque ficaria mantida a estrutura de
dominação. Por certo, os constrangimentos legais impostos à atividade parlamentar desde 1964 poderiam
conduzir a esta posição.
De qualquer maneira, havia um endosso majoritário no parlamento à construção do experimento
político-insitucional ideal e este, por sua vez, modelaria as aspirações revisionistas de aprimoramento do
ordenamento em curso.
Revela-se então, não a ausência de normas reguladoras das relações de poder como se poderia
sugerir, mas sim, que estas, não sendo pactuadas com o conjunto de forças políticas, se mostravam
insuficientes em meio à crise do Estado. Urgia nos últimos anos da década de 70 uma nova ordem
constitucional capaz de resolver definitivamente a desordem jurídica provocada pela dualidade de
ordenamentos.
Sobretudo: revelava-se o
esgotamento da legitimidade excepcional (“contra-revolucionária”)
que o regime ostentava, mesmo havendo uma reserva ideológica sob a forma da segurança nacional.
Daqui decorria a necessidade de “reinventar” princípios de legitimidade.
Neste momento, o regime revelou suas limitações: além da incapacidade de manutenção de sua
base original de apoio, o esfacelamento do padrão de desenvolvimento proposto e a ausência de canais de
encaminhamento do dissenso que poderiam estabelecer mediações com as forças políticas. O regime de
exceção seria inviável em suas bases inaugurais, sendo necessária a institucionalização do ordenamento
jurídico-político, ou seja, a superação da dualidade de ordenamentos.
Mais ainda: frações da classe dominada, dissidentes e oposicionistas de primeira hora, passaram
a questionar o que poderia ser denominado de privatização do poder público. Em outros termos a
centralização do poder e a criação de um “sistema” despersonalizado, implodindo qualquer critério de
decisão governamental que não a vontade desta abstrata entidade, acabaram por direcionar as cobranças
para o governo como um todo face as incertezas quanto à solução de problemas imediatos
(posteriormente, a “face dos problemas” foi assumida pela instituição militar, chegando ao extremo da
identificação da retirada destes dos centros decisórios de poder como solução da crise generalizada).
O resultado desta inversão era a cobrança direta ao bloco dirigente da situação econômica, social
e política vivida no país, mesmo que esta cobrança fosse difusa, em virtude da ausência de instituições
organizadas capazes de assumirem-se como alternativa ao projeto político vigente e resumidas à oposição
institucional, não sendo revertida em mecanismos de responsabilização jurídica.
485
Lélio Souza/MDB. DAL, durante a 105ª Sessão, em 17 de agosto de 1978, p. 4 (publicado em 25 de
agosto daquele ano).
316
As contradições e as mudanças operadas no ordenamento de exceção, produziram atores sociais
que refundaram mecanismos de expressão e organizações políticas às quais superaram os limites impostos
pela ordem estabelecida.
Em meio à improbabilidade de manutenção da pauta autoritária nos termos definidos ainda na
fase de refinamento do Estado, o MDB perdia o mote de sua atuação. Essencialmente, por dissociar a
crise do governo de exceção com a crise da forma política de dominação e a crise do projeto que se
tentava implementar
. Ou seja, confundia e tomava o impasse político próprio daquela conjuntura como
a verdadeira
crise política
”, enquanto ignorava a crise estrutural da organização política da sociedade.
Segundo as peças oratórias emedebistas, o governo, em sua forma militar e a estrutura de poder
que inviabilizava a alternância nos centros decisórios, estariam em crise. Daí, a ausência de manifestações
em nome da substituição do projeto histórico veiculado pelo regime ou mesmo a reivindicação pela
transformação substantiva do regime autoritário.
A flexibilização das relações políticas defendida pelo parlamento estaria vinculada a um
mecanismo específico de institucionalização em nome da circulação de poder e o afastamento da
oficialidade militar dos centros decisórios. Nada mais, nada além.
A fundação de um sistema político renovado poderia reestruturar as relações de classe, de forma
a disciplinar as expressões políticas, instaurando estabilidade e garantindo a governabilidade ao futuro
governo de conciliação nacional.
Frente às questões relativas ao modelo político e ao projeto hegemônico, a oposição institucional
representada pelo MDB recebia uma série de acusações. No cerne destas, a de que o MDB não assumia
um único programa, caracterizando uma frente política, mais do que um partido político com reais
possibilidades de se postar como alternativa de poder.
Por certo, em momentos de acirramento das tensões, ou seja, nas situações onde havia
possibilidades concretas de decomposição do sistema, o partido oposicionista serviu à política de
estabilização conservadora de uma forma mais útil que a adesão congênita da ARENA.
486
A bancada oposicionista, pressionada pela difícil tarefa de desvincular a Frente de uma estratégia
de campanha eleitoral, argumentava que a formação de um grupo político heterogêneo e
“despartidarizado” prestava-se à agilização das propostas de reforma apresentada ao Congresso Nacional
pelo governo.
Não tendo eco no parlamento, a reivindicação pela imediata normalização institucional do País
(retorno da normalidade democrática), sendo anseio comum da sociedade, inclusive auscultado
diretamente pelo representante do bloco dirigente (as famosas “Missões Portela”), houve o
congraçamento da oposição com expressões da sociedade civil e quadros da ARENA (como os senadores
Teotônio Vilela e Accyoli Filho), buscando caminhos informais centralizado neste movimento de
mobilização da consciência cívica nacional:
A Frente não se construiu portanto, em função de uma candidatura alternativa à
Presidência da República. O objetivo fundamental da constituição desse
movimento político é a imediata reconquista da democracia.
487
486
Para tanto ver o debate travado entre Waldir Walter e Romeu Martinelli. DAL, 121ª Sessão em 13 de
setembro (publicado em 3 de outubro), pp. 5-8.
317
A Frente seria então uma “mutação” do MDB como forma de sensibilização da Nação. De igual
maneira, a indicação de Euler Bentes, um meio e uma tática a fim de democratizar o país imediatamente:
o MDB ingressa na via indireta para destruí-la como acesso ao poder, pois é a cidadela do arbítrio e a
fonte envenenada dos males que desesperam o povo.
488
As proposições do bloco dirigente, enviadas ao Congresso Nacional com vistas expressas à
recomposição e adaptação dos mecanismos de poder, foram julgadas pela bancada emdebista como um
arremedo de reforma democrática:
sair de um regime de arbítrio é difícil em qualquer lugar do mundo. Ela (a Frente
Nacional Pela Redemocratização) expressa o desejo nacional de reimplantar o
Estado de Direito em nosso País, que eles destruíram. Esses homens que estão no
governo destruíram a democracia. Eles fizeram a Revolução de 1964, não para
fazer uma democracia no Brasil: fizeram-na para destruí-la.
489
As ilações de Waldir Walter demarcaram a inflexão de uma trajetória inaugurada nas eleições de
1974: cedência da legenda à Frente teve por objetivo a transformação do partido em efetivo instrumento
de ação política. Sendo a partir de então, e somente a partir de então, um veículo jurídico face a
insuficiência do partido interferir na recomposição pela qual passava o regime de exceção.
A opção emedebista em participar do processo sucessório refletiu em discursos inflamados da
ARENA, destacando a incoerência programática da oposição que, a partir de então legitimava um
processo que desde a eleição de Médici era questionado:
sim, o MDB legitimou em definitivo as eleições indiretas no Brasil. Apoiou o
“pacote de abril”! Apoiou as medidas tomadas pela Revolução de 1964!
Concordou, através de seu candidato a presidente, que aqueles que foram depostos
em 1964 não sou eu quem está dizendo, mas aquele que é, hoje, o candidato da
Oposição à Presidência da República nada mais eram que uma minoria
subversiva que tentava tomar de assalto o poder.
490
Evidentemente, a bancada arenista insuflou os debates a respeito da sucessão, visto que colocou
os procedimentos adotados pelo MDB em direção aos mecanismos de delegação de poder mediados pela
excepcionalidade, como contradição que antes, de construir, poderia estremecer os avanços propostos
pelo regime em nome da redemocratização.
Seguindo nesta linha argumentativa, a ARENA observava a inflexão emedebista – visto o
partido negar à exaustão os processos sucessórios - a indicação de uma chapa para disputar a sucessão
487
Discurso de Lélio Souza/MDB. DAL, durante a 105ª Sessão, em 17 de agosto de 1978, p. 4 (publicado
em 25 de agosto daquele ano).
488
Frase do presidente nacional do MDB, Ulysses Guimarães, utilizada na peça oratória de Cezar
Schirmer em debate sobre a Frente Nacional Pela Redemocratização. DAL, durante a 110ª Sessão, em 24
de agosto de 1978, pp. 7-8 (publicado em 31 de agosto daquele ano).
489
Aparte regimental proferido por Waldir Walter/MDB. DAL, durante a 105ª Sessão, em 17 de agosto de
1978, p. 4 (publicado em 25 de agosto daquele ano). Grifos nossos.
490
rgio Ilha Moreira/ARENA. DAL, durante a 110ª Sessão, em 24 de agosto de 1978, pp. 4-5
(publicado em 31 de agosto daquele ano).
318
presidencial (renunciando à denúncia do processo eletivo) revelaram que a oposição aderia ao regime, ao
passo que uma tendência ao fisiologismo, até então oculta, havia superado a ideologia:
o MDB provou que ele também é filho da Revolução: apoiou as teses da
revolução; veio para o “pacote de abril”, o qual havia condenado e agora apóia;
trouxe um general da Revolução para candidato. (...) O MDB veio dar o suporte
de que a Revolução necessitava. E perante a opinião pública mundial, tudo quanto
diziam que se fazia aqui, no Brasil que a Revolução nada mais era do que uma
ditadura – caiu por terra.
491
Como destacou Schirmer:
A posição do MDB nunca foi tão coerente com os seus princípios. O princípio
fundamental da luta emedebista em nosso País é a democracia; se necessário, até
passar por cima dos programas; se necessário, até passar por cima de coerências;
se necessário, até mergulhar na lama para salvar uma flor, o MDB continua fiel a
este princípio fundamental, que é o de salvar a democracia.
492
O quadro de desagregação política, estabelecido pela crise de funcionamento do Estado e o
colapso nas bases em que era organizada e processada a dominação de classe (da estrutura política),
passaram incólumes aos interlocutores parlamentares gaúchos.
Acuado por três linhas evidentes de pressão (a emanada da caserna, as dissidências em sua base
de sustentação e o avanço eleitoral emedebista), o bloco dirigente empreendeu um enfrentamento
simultâneo mas, viu-se na contingência de determinar novos condições e espaços para a expressão das
tensões políticas. Porém, tanto o bloco dirigente quanto os atores das instâncias de representação
políticas, política, mantinham comportamentos distintos das inovações aludidas. O primeiro, pautando-se
ainda nas prerrogativas da excepecionalidade como forma de conter a imprevisibilidade política; o
segundo, apostando na prudência e nas possibilidades oriundas da democratização conservadora pela via
autoritária (assim, manteria-se como referência alternativa de poder).
Por esta razão, uma das preocupações compartilhadas por aqueles, essencialmente entre 1977 e
1978, esteve na obstacularização de um centro de poder político autônomo, o qual poderia tomar forma a
491
rgio Ilha Moreira/ARENA. DAL, durante a 110ª Sessão, em 24 de agosto de 1978, pp. 5-6
(publicado em 31 de agosto daquele ano). Grifos Nossos. Neste sentido Hugo Mardini adendou ARENA e
MDB são gêmeos univitelinos gerados no ventre fecundo da Revolução. São duas criaturas da
Revolução, uma das quais, a certa altura da caminho, voltou as costas para seu criador, voltou as costas
para a casa paterna e, como o filho pródigo, abandonou a casa do pai para agora retornar, é verdade,
cabisbaixo e sofrendo. A casa paterna é a Revolução, é o Movimento de Março, que criou a ARENA e
MDB. DAL, durante a 11Sessão, em 24 de agosto de 1978, p. 7 (publicado em 31 de agosto daquele
ano). Apenas reforçando o que afirmara Romeu Martinelli dois anos antes: a ARENA e o MDB nasceram
do ventre revolucionário, precisam afastar qualquer suspeita de ligação com o comunismo. AAL, durante
a Sessão em 11 de março de 1976, p. 163. De outra parte, em documento datado de 27 de julho de
1973, o deputado João Carlos Gastal apresentava ao Diretório Regional do MDB uma proposição onde
considerava que o quadro de anormalidade política vivido no país (especificamente nas questões da
homologação pelo Colégio Eleitoral do novo presidente, naquela época, Geisel) exigia, antes da ausência
(a qual privaria a sociedade da correta interpretação dos acontecimentos e possivelmente criaria uma
situação onde brasileiros menos esclarecidos poderiam a acolher a idéia de partido único), a participação
ativa da oposição através da apresentação de candidato próprio à sucessão, com o intuito de denunciar.
DAL, 98ª Sessão, realizada em 8 de agosto de 1978, p. 8 (publicada em 21 de agosto).
319
partir de variados campos. Por exemplo: pela negação do padrão econômico; em elementos emedebistas
comprometidos com forças populares; em setores das camadas dominadas que se organizavam e se
reconheciam à revelia das instituições políticas; por fim, nos conflitos domésticos militares.
Com a mesma intensidade que o regime se mostrava inadequado como mecanismo de contenção,
exploração e petrificação das relações econômico-sociais para a sua própria base de sustentação, o
parlamento pautava seus debates pelo desempenho do governo e encaminhava as dissensões no interior da
estrutura forjada pelo regime. Em nenhum momento sondava-se a liquidação do ordenamento.
As ações emedebistas refletiam o dilema do partido naquela situação: apoiar as propostas oficiais
pela flexibilização, mesmo excluído daquele debate (o bloco dirigente projetava as mudanças a partir de
um ótica autoritária); reunir as forças em litígio com o governo e pressioná-lo a fim de mudanças efetivas.
O que estava em jogo era uma tênue linha entre a possibilidade de atingir o poder e o retrocesso
autoritário.
493
Contudo, como reflexo do momento de fragilização do regime, o MDB partiu para a ofensiva.
Alegando que projetos políticos apresentados e impostos ao sistema de representação somente confirmam
as fragilidades do regime, sendo insustentável a não ser pelas “engenharias políticas”:
Não será de presente, oferecido ao País pelo Presidente Geisel, que o Brasil terá
democracia. A democracia vai ser conquistada pelo povo brasileiro. A Frente
poderá não ser a ideal para democratizar o País, como não foi a Frente Ampla,
tempos atrás. Se não for esta será outra. O que é absolutamente certo e seguro é
que este tipo de regime não dura.
494
Estas declarações, que tinham lugar em praticamente todas as intervenções emedebistas, estavam
relacionadas ao aumento da atividade dos sujeitos em suas ações públicas e esta, sendo por conseqüência,
da reconstituição de uma nova opinião pública.
492
DAL, durante a 110ª Sessão, em 24 de agosto de 1978, p. 8 (publicado em 31 de agosto daquele ano).
493
Estas questões tornam-se evidentes quando observados os debates em torno da sucessão presidencial,
essencialmente no enfrentamento entre os militares Figueiredo e Euler Bentes. A busca de um General, a
busca de um militar, que foi tão criticado, que foi tão contestado ao longo desses quatorze anos, para
agora ser o candidato à Presidente da República. Discurso de Sérgio Ilha Moreira/ARENA, onde
destacou que um regime onde era permitido candidaturas alternativas não poderia receber a qualificação
de ditatorial. DAL, 9Sessão, realizada em 8 de agosto de 1978, p. 21 (publicada em 21 de agosto).
Segundo Schirmer, o MDB opunha-se ao militarismo (eo aos militares)e da mesma forma, enaltecia as
instâncias parlamentares, as vias legais e pacíficas de acesso ao poder (repudiando qualquerão golpista
ou revolucionária) e visava (através da candidatura de Euler) destruir o sistema baseado na
excepcionalidade e retomar a fonte legítima do poder (a vontade popular manifesta pelo voto direto),
institucionalizando o país. Ao interpretar as declarações do general Ariel Paca, que falava em nome do
Ministério do Exército, Lélio Souza: Como se a história desses quatorze anos não estivesse viva na
consciência da Nação, com a evidência do autoritarismo, das perseguições e das imposições a
brasileiros pelo pecado de discordar. Um regime onde discordar é quase crime não pode ser dito
democrático. Um regime fechado, que marginalizou o povo, impedindo sua participação na vida
nacional, não pode ser classificado de democrático. Lélio Souza. DAL, durante a 105ª Sessão, em 17 de
agosto de 1978, p. 7 (publicado em 25 de agosto daquele ano). Os debates avançaram ao extremo de: o
MDB se comportava como uma donzela de reputação duvidosa que se mantinha às portas dos quartéis
esperando conquistar um noivo militar. Manifestação de Jarbas Lima/ARENA. DAL, durante a 102ª
Sessão, em 14 de agosto de 1978, pp. 7-8 (publicado em 23 de agosto daquele ano).
494
Waldir Walter/MDB. DAL, 98ª Sessão, realizada em 8 de agosto de 1978, pp. 21-22 (publicada em 21
de agosto)
320
Somente desta forma se entenderia o argumento utilizado pelo candidato-general Euler Bentes
Monteiro de que, tão logo assumisse o poder, enviaria um projeto de emenda à Constituição de 1967 de
anistia política ampla e irrestrita ao Congresso Nacional e, no mesmo movimento, revogaria todos os
instrumentos de exceção, desde a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 ao que chamou de desfigurações
institucionais impostas pelo “pacote de abril”. Acreditava o candidato que, com estes procedimentos,
seria restabelecido o Estado de Direito no país e, a partir de então, estando amadurecida a Nação, iremos
convocá-la à sua auto-reinstitucionalização, democrática e legítima, por intermédio de uma
Assembléia Nacional Constituinte, verdadeiramente representativa da vontade nacional, expressa pelo
sufrágio universal, direto e secreto.
495
A alusão oposicionista em favor da restauração da Constituição de 1967 foi prontamente rebatida
pela ARENA como manifestação de mais uma incoerência do MDB, dado que aquela Carta
Constitucional havia sido enfaticamente rechaçada pela oposição como farsa institucional (tendo inclusive
o partido se abstido na votação).
496
Todavia, sendo o sistema partidário peça prioritária da dualidade de ordenamentos, a integração
dos partidos de sustentação e a oposição parlamentar ao governo revestiam-se de sentido apenas e tão
somente pelo próprio ordenamento de exceção, esta era a única coerência possível. Desconstituir o
sistema político em virtude de sua origem, significaria desconstituir a própria inspiração do partido de
oposição.
Adicionado ao fato do bloco dirigente defender a flexibilização das relações e um gradativo
abandono da legislação de exceção por vias ainda não decodificadas pelo conjunto das instâncias de
representação, as bandeiras do MDB, que apontavam a inocuidade do aparato político-jurídico forjado
pelo regime, esbarravam no endosso à política oficial e, depois, nas imposições da agenda eleitoral, a qual
cobraria uma posição de resistência mais avançada.
497
Nesta fase de politização e antagonismo, as manifestações da luta entre forças sociais – até
mesmo conflitos de interesses entre frações da camada dominante – transitavam entre ações práticas (caso
da insubordinação dos trabalhadores) e meramente discursivos (sendo a insubordinação “discursiva”
verificada no parlamento gaúcho).
Se por um lado parecia evidente a fragilização do regime, tanto que este não mais encontrava
forças para coibir manifestações contundentes, impensáveis há dois anos atrás (denúncias de corrupção
em praticamente todas as áreas da administração protagonizadas por deputados da própria ARENA como
495
Transcrição do pronunciamento do general Euler Bentes Monteiro momentos após ser definida sua
indicação à disputa presidencial, incluída na peça oratória do deputado Algir Lorenzon/MDB. DAL,
durante a 11Sessão, em 24 de agosto de 1978, p. 6 (publicado em 31 de agosto daquele ano). Grifos
Nossos.
496
Como base para interpretação da posição arenista: manifestações dos deputados, Celestino Goulart e
Jarbas Lima. A réplica emedebista foi realizada por Carlos Augusto de Souza e João Carlos Gastal. DAL,
117ª Sessão em 5 de setembro de 1978, pp. 3-4 (publicado em 25 de setembro).
497
Geisel insistia no apelo à imaginação criadora e na “educação política da sociedade e de seus agentes
políticos” como fundamento da “liberalização”. Esta via para a flexibilização, como lembrou Guilherme
dos Santos se revelava vaga em termos de tempo e ambígua em termos de forma. Logo, a atuação dos
partidos refletia este cenário de incertezas, ou seja, desconhecimento do projeto oficial, até mesmo porque
este se definia conforme a conjuntura e, da mesma maneira, um processo político que reunia inúmeros
elementos. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. As Eleições e a Dinâmica do Processo Político
321
o paulista Faria Lima), de outro, em percebendo um movimento de “protagonismo social” (a resistência
política fora das instâncias formais), o governo definiu o parlamento como único “interlocutor” possível
no projeto de mudanças, transferindo para as arenas do próprio regime os espaços de contestação e crítica,
revertendo então as oposições ao governo em estabilidade para o regime.
De outra parte, a candente crise política no país, alçada a patamares superiores em virtudes das
fissuras nos componentes do pacto de dominação. Era tributária (também) da histórica incapacidade do
bloco dominante em instaurar mecanismos de mando político alicerçados em alguma forma de
consentimento por parte do conjunto das classes sociais, de forma particular, as classes populares.
498
A ARENA cercava-se de um discurso que, passados 14 anos da intervenção, reconhecia as
limitações na manifestação de interesses no País mas, de maneira inversa, percebia exatamente nesta
situação a razão da manutenção dos princípios “revolucionários” os quais levariam ao aperfeiçoamento
democrático. Neste sentido, o “pacote das reformas” enviado ao Congresso, antes de retrocesso político,
representaria o marco fundamental da redemocratização.
499
Hoje é consenso nacional, independente de partido, a realização democrática, não
como dádiva generosa de quem quer que seja, mas como uma conquista
amadurecida no laboratório fecundo do diálogo, na compreensão e na tolerância,
no bom sentido, da diversidade de entendimentos e de condições econômicas e
sociais da comunidade brasileira, com equilíbrio, com garantias de estabilidade,
de segurança e de tranqüilidade para a família brasileira.
500
Em uma simbiose de conjunções, o aprofundamento da crise de legitimidade do regime de
exceção (na forma dada pelo processo de militarização dos centros decisórios) e os sintomas de uma crise
de autoridade, fizeram com que o processo de dupla fuga atingissem uma repercussão não mais
controlada pelos recursos de que o regime dispunha. Com efeito, eram colocados em xeque os
mecanismos de exercício de mando e rediscutidos os próprios fundamentos em que se pautava a
autoridade do regime. De certa forma, o cenário do final da década de 70 lembrava aquele do governo
Goulart, no sentido de que novamente a “faixa de interesses não negociáveis” impôs uma solução
conservadora.
Enfim, o hiato entre o Estado e a sociedade foi preenchido. Se a rusticidade determinou a relação
entre o sistema de partidos e a articulação entre sociedade e o Estado e, da mesma maneira, se o
imobilismo político foi o antídoto à imprevisibilidade política, o dinamismo social-político da sociedade
encontrou formas alternativas de manifestação.
Atestando que um regime autoritário, mesmo que pautado pela dualidade de ordenamentos,
torna-se inviável ao longo do tempo, a mesma estrutura de poder que garantiu a implementação do projeto
Brasileiro. In.: SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Poder & Política: Crônica do Autoritarismo
Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978, pp. 93-142.
498
MOISÉS, José Álvaro. Problemas Atuais do Movimento Operário. In.: KRISCHKE, Paulo J. (org.).
Brasil: Do “Milagre” À “Abertura. São Paulo: Cortez, 1982, pp. 59-60.
499
Sérgio Ilha Moreira. DAL, 98ª Sessão, realizada em 8 de agosto de 1978, pp. 21-22 (publicada em 21
de agosto).
500
Discurso de Rubi Diehl/ARENA. DAL, durante a 10Sessão, realizada em 15 de agosto de 1978
(publicada em 25 de agosto), p. 8.,
322
histórico do bloco dominante conduziu à crise do pacto de dominação. Logo se estabelecia um contexto
institucional marcado por uma maior fluidez
Não apenas o novo sindicalismo ou o fenômeno da convergência das aspirações do conjunto dos
trabalhadores cravava na estrutura de poder a impossibilidade do regime manter a privatização do poder
público nas bases consagradas no refinamento do Estado, mas sim os pólos representados pelos
movimentos sociais (de base popular) e pelo Estado estavam integrados em um processo maior de
exaustão da forma-Estado.
O deterioramento das relações capital/trabalho, combinado tanto com a falência do padrão de
desenvolvimento perseguido quanto com a crise do regime, permitiram às camadas dominadas ultrapassar
as limitações impostas aentão na organização de um movimento reivindicatório e na unificação destas
frações para além de suas demandas pontuais.
No conjunto da flexibilização de relações políticas e no descenso do exercício repressivo
intensivo – não havia base que sustentasse o recurso da força como única forma de resolução dos
conflitos – aquelas características somente fizeram acentuar a consolidação do sindicalismo brasileiro
enquanto atores coletivos, aprofundando a organização dos sindicatos e das articulações intersindicais e,
ao mesmo tempo, instaurando uma nova etapa da luta de classes no país. Não que o recurso de prisões de
lideranças sindicais, cassação do direito de greve, perseguição às organizações e militarização das
questões salariais tenha caído em desuso, mas o foram suficientes para encobrir a insubordinação do
final dos anos 70.
As ações inaugurais dos trabalhadores das grandes indústrias automobilísticas paulistas tiveram
como mérito inicial superar as debilidades estruturais do sindicalismo brasileiro pós-Estado Novo. Além
do romper um período de silêncio, o novo sindicalismo reintroduziu (ou introduziu pela primeira vez) o
reconhecimento do conjunto da sociedade (legitimação social, portanto) à necessidade dos trabalhadores
urbanos defenderem-se diante do processo econômico e do padrão de desenvolvimento em curso.
501
O desembaraço do movimento reivindicatório do controle estatal (acompanhado da crítica do
“sindicalismo de Estado”), especificamente a partir daquele ano (1978), foi acompanhado de uma
inovação nas peças oratórias de oposição parlamentar: a designação “autoritário” em referência ao
regime, ao governo (bem como às suas lideranças e aos seus representantes regionais) passou a ser uma
constante na tribuna.
Da mesma forma, a campanha oficial pela sucessão, onde Figueiredo reiteradamente declarava
seu compromisso em “fazer do país uma democracia”, era denunciada pelo MDB como construção
publicitária: o general Figueiredo, um homem símbolo da repressão, símbolo do sistema, símbolo do
501
Dez anos após o marco definitivo do refinamento do Estado e da militarização dos centros decisórios,
o regime sofria um revés em sua política de contenção. No levantamento proposto por Moreira Alves,
estima-se de que em 1978, cerca de 539.037 trabalhadores paralisaram suas atividades em
aproximadamente 24 greves. Durante o mesmo ano, Porto Alegre foi palco da greve dos dicos e
residentes. No ano seguinte, decretava-se a greve do setor público municipal (em Porto Alegre e Pelotas
com uma adesão de 10 mil trabalhadores), mais 80 mil trabalhadores da construção civil, trabalhadores da
área de papel (2 mil), em Porto Alegre e interior (cerca de 28 mil) 8 mil lutando pela jornada de trabalho
de 8 horas e piso salarial de 5000 Cr$, funcionários e professores de escolas públicas estaduais (86 mil
exigindo piso de 3 salários mínimos e aumento de 70%). MOREIRA ALVES, Maria Helena. Apêndices e
Anexos. Op. Cit., pp. 329-359.
323
governo autoritário que infelicita este País, agora fala em democracia. (...) esse general não vai
trabalhar pela democracia. Foi escolhido para manter o “status quo”.
502
Parece existir aqui um paradoxo. Todavia, este é apenas superficial. Na essência estas
manifestações revelam a inclinação de, ao menos setores do partido oposicionista, em representar na
institucionalidade os movimentos de insubordinação. O parlamento era marcado pelo sinal da
decomposição da contenção política implementada pelo regime e pelo reflexo das lutas sociais.
503
Desde as eleições de 1974, a questão crucial da flexibilização das relações políticas esteve em
como relacionar a vitória oposicionista nas urnas com a implementação de medidas que conduzissem à
institucionalização do regime, ou seja, a via autoritária de democratização (normalização) conservadora.
Para a ARENA, se a intervenção civil-militar de 1964 (criação de um movimento por parte da
mulher brasileira) visava a moralização política e administrativa do país e naquele momento seria
possível aplicar as medidas com vistas a alargar os horizontes democráticos do país, o pacote de reformas
proposto por Geisel era coerente com o ideário fundador da intervenção e seria uma decisão de
autoridade, não um movimento autoritário em virtude de que o bloco dirigente estava em busca de:
uma distensão gradual, dentro daquilo que deseja: que os civis, pouco a pouco,
através das suas ações, vão tomando por inteiro o País, vão se assessorando de
técnicos, vão se apercebendo da situação, vão retornando aos seus lugares, enfim,
que a Nação passe de um estado institucional para um estado de plenitude
democrática.
504
Deste modo, o processo eleitoral de 1978 coroava uma etapa fundamental no processo de
redefinição do Estado brasileiro. Neste contexto, nem mesmo o MDB (em seu conjunto) reconhecia que
se abria um novo ciclo de lutas sociais, com novos sujeitos políticos, cujo maior avanço esteve em ousar
protagonizar a prática política. Parcelas consideráveis do partido de oposição (que não correspondiam à
correlação de forças no MDB gaúcho) aglutinavam forças para utilizá-las na disputa pelo poder,
utilizavam-se de expedientes que segregavam e desvinculavam aqueles movimentos políticos
impulsionados por forças sociais, não à toa, a democracia discutida no parlamento era uma abstração, pois
que não mantinha relação com o processo social.
505
502
Discurso de Waldir Walter. DAL, 120ª Sessão em 12 de setembro de 1978, p. 8 (publicado em 28 de
setembro). Mais adiante disse o deputado: A democracia virá, mas não pela colaboração ou pelas
palavras de Figueiredo. A democracia será conquistada em nosso país pela pressão do povo, pelo
posicionamento popular, pelo trabalho dos líderes sindicais que agora estão enfrentando o próprio
Ministro do Trabalho para irem a Brasília fazerem contatos diretos com seus representantes, com seus
congressistas. A democracia virá com a vitória da oposição, como em 1974. Grifos nossos.
503
Como denunciou Lélio Souza: O Movimento Político-Militar de 1964 se gaba de ter como um de seus
princípios basilares a defesa da democracia. Passaram-se catorze anos e ainda estamos submersos num
regime autoritário, antidemocrático. DAL, 94ª Sessão em 2 de agosto de 1978, (publicado em 16 de
agosto), p. 11.
504
Pronunciamento de Celestino Goulart/ARENA. DAL, durante a 105ª Sessão, em 17 de agosto de 1978,
p. 8 (publicado em 25 de agosto daquele ano). Grifos nossos.
505
Argumentava o deputado Algir Lorenzon/MDB que o MDB era um dos segmentos, apenas mais um
insistia, que se levantavam pelo fim do Estado de exceção e do arbítrio, listando para além do partido a
OAB, as lideranças do clero, os trabalhadores que revogaram na marra uma lei anti-greve fascistóide.
DAL, durante a 110ª Sessão, em 24 de agosto de 1978, p. 9 (publicado em 31 de agosto daquele ano).
324
II
O Significado do “Pacote das Reformas” na expectativa de, se não sustar os
impasses políticos, ao menos formar uma base de apoio, o bloco dirigente empreendeu
esforços nas articulações com canais de diálogo com setores da oposição organizada
(parcelas da Igreja Católica representadas pela CNBB, OAB, ABI e a cúpula do MDB).
Estes seriam revertidos na condução do projeto de reformas do grupo palaciano e na
definição de uma oposição “confiável’ em futuro processo de descentralização política.
Formalizada, a estratégia oficial também atendia a necessidade de enfrentar os
choques de interesses no bloco dominante. O bloco dirigente, pautado em definições
institucionais, procurou recompor as rachaduras no pacto de dominação original, as
quais, “lidas” segundo a oposição pelo prisma dos embates na caserna, poderiam
ampliar os espaços de setores inflexíveis às mudanças, reconduzindo a um retrocesso
autoritário, a partir da recomposição do regime (especificamente, reestruturando os
mecanismos de decisão daquele).
506
Daquelas articulações, o governo retirou a base para a aplicação de mudanças na estrutura do
Estado que definiram o processo de descompressão política.
Resguardado pelas alterações anteriores (o Pacote de Abril), o governo apresentou em junho de
1978 o tão aguardado texto das reformas, sendo idealizado pela oposição como a concretização das
mudanças aventadas quatro anos antes por Geisel. Juridicamente batizadas de Emenda Constitucional nº
11, tiveram o imediato rechaço emedebista (contando com adesão de setores da ARENA). As mudanças
por um lado representavam um avanço no sistema político (aplicando aperfeiçoamentos a muito
reivindicados pela oposição), mas por outro, garantiam a institucionalização do regime e o desfecho da
dualidade de ordenamentos em condições desfavoráveis à oposição.
E, mesmo com certa preterição por parte da literatura especializada, este foi o marco histórico
fomentado pelo, jocasamente intitulado, “pacote das reformas”: criou os mecanismos de superação das
limitações “endêmicas” do regime instaurado em 1964, sua força e fraqueza – a simbiose gerada a partir
da manutenção entre a excepcionalidade intervencionista e a legalidade constitucional.
O bloco dirigente não mais retinha os termos de referência de sua própria legitimidade. Visto
agora, estas referências estarem legalmente balizadas por regras definidas previamente junto ao conjunto
do sistema de representação política (mesmo porque, não obstante todas as limitações impostas, levada ao
debate parlamentar) e sancionadas na forma de lei.
506
Para Kucinski, o diálogo aberto por Portella teve o único objetivo de: detectar as tendências
divisionistas dentro do MDB, estudar a possibilidade de implodir a frente oposicionista, oferecendo
certos atrativos às suas principais correntes internas. Seduzindo o senador Tancredo Neves e seu séqüito
de antigos “pessedistas”, com a perspectiva de participação no poder, caso o governo perdesse maioria
absoluta no Congresso e tivesse que formar uma coalizão com um grupo de centro, um novo partido que
seria formado de pedaços do MDB e alguns políticos isolados da ARENA. KUCINSKI, Bernardo.
Abertura, A História de Uma Crise. Op. Cit., pp. 88-89. O senador Portella desempenhou a função de
mediador civil do bloco dirigente em diversas ocasiões porém, naquelas que prescederam o “Pacote de
Abril” em 1977, as tratativas do senador com a oposição (na verdade não foram negociações mas sim,
esforços de cooptação e convencimento) , visando a aprovação do projeto de reformas no Judiciário
foram definidas pela crônica política de “Primeira Missão Portella”. Posteriormente, já em 1978, a
necessidade de arregimentar adesões às reformas constitucionais propostas por Geisel, levaram o senador
à novos encontros com setores contrários àquelas (esta foi imortalizada como “Segunda Missão
Portella”).
325
O retorno à plena normalidade institucional do país constitui um processo e não
um ato isolado capaz de, num momento para outro, reformular tudo que constituiu
conquista durante os catorze anos do período revolucionário. (...) em que pese o
consenso nacional em torno da necessidade de normalizar-se a vida institucional e
política do país no menor tempo possível, isto de ocorrer de forma gradual,
segura, para evitar que se reedite um 1963/64 que, há de convir V. Exª, não estava
nada boa a segurança do País, o desenvolvimento e até os princípios de
autoridade que havia na época.
507
A Emenda Constitucional nº 11 revogava, somente a partir de 1º de janeiro do ano seguinte
(portanto, após o processo eletivo), o artigo 182 da Constituição de 1969 (ou seja: eliminava o Ato
Institucional nº 5 e todos atos complementares e leis a ele anexas) restaurando as prerrogativas dos
direitos individuais fundamentais (habeas corpus para crimes considerados políticos, fim das penas de
banimento, perpétua e morte) e restabelecendo as garantias essenciais da independência judiciária
(vitalicidade, inamovibilidade e estabilidade); restrições ao poder excepcional do Executivo (o qual perdia
a faculdade de decretar recesso do Congresso Nacional e parlamentos estaduais e a também perdia a
capacidade de cassar mandatos eleitorais por decreto).
508
A Emenda buscou manter dispositivos incluídos na Constituição de 1967 (que nascera sob o
manto do Ato Institucional nº 2, de outubro de 1965, sendo modificada conforme eram instalados os
entraves institucionais) acopladas às “salvaguardas emergenciais” que, antes de enfraquecer, fortaleceram
o Estado (capacidade de decretar “estado de emergência” por exemplo). Ressalta-se um certo laço de
continuidade com os pressupostos da Doutrina de Segurança Nacional (ou uma reserva “ideológica”).
Ora, a ênfase nas limitações destas alterações e mudanças encobria os pontos de continuidade do
regime, incorporados, a partir daquele momento, institucionalmente. Com efeito, esta tese destaca
exatamente os pontos em que a Emenda não versava, ou seja, aspectos da legislação de exceção não
revogados tais como o Ato Institucional 4 (mantendo os poderes excepcionais do presidente em
matérias de ordem financeira), o Ato Complementar 18 (proibindo o Congresso Nacional de alterar
propostas orçamentárias), o Ato Complementar 24 (disciplinando formas de execução orçamentárias
nos estados) e, por fim, o Ato Complementar 43 (que traçava diretrizes para a execução dos Planos
Nacionais de Desenvolvimento).
Agravando ainda mais a situação: a não concessão da anistia política naquele momento, a não
revogação de questões substanciais da Lei de Segurança Nacional, da Lei de Imprensa, a manutenção da
Lei de Greve, da Lei de Inelegibilidades (proibindo candidaturas daqueles denunciados na Lei de
Segurança Nacional, mesmo não tendo sido levada a denúncia a julgamento), do Decreto nº 477 (aquele
507
Manifestação do deputado Rubi Diehl em aparte regimental concedido por Lélio Souza. DAL, 9
Sessão em 2 de agosto de 1978, p. 9 (publicado em 16 de agosto).
508
Referências à Emenda Constitucional nº 11, recolhidas em: MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado
e Oposição no Brasil (1964-1984). Op. Cit., pp. 208-219. Ao longo dos seus - mais de - dez anos (13 de
dezembro de 1968 a de janeiro de 1979), o Ato Institucional nº 5 foi a ferramenta de cassação de 113
mandatos de deputados federais e senadores, 190 deputados estaduais, 38 vereadores e 30 prefeitos.
Especificamente na administração Geisel, o AI-5 serviu à cassação de 12 parlamentares, à intervenção em
Rio Branco (Acre), à imposição do recesso do Congresso Nacional e à implementação do “Pacote de
Abril”, à punição de cerca de 65 cidadãos. Neste mesmo período (74-79) foram proibidos 47 filmes, a
interpretação de 117 peças teatrais, a execução de 840 músicas, e privados de leitura pilhas de páginas (de
textos jornalísticos à obras de teoria política). COSTA COUTO. Ronaldo. História Indiscreta da
Ditadura e da Abertura – Brasil: 1964-1985. Op. Cit., pp. 251-252.
326
que proibia atividades políticas nos meios estudantis) e a incorporação do “Pacote de Abril” (mantendo os
senadores escolhidos pela via da engenharia política, os biônicos) e da Lei “Falcão” (restringindo a
utilização dos meios de comunicação em campanhas eleitorais).
509
Aquele conjunto de reformas promovidas pelo bloco dirigente, mesmo acentuando a tendência
política acionada pelo governo Geisel de travestir o monopólio do poder, ampliou por assim dizer, a
porosidade do Estado às demandas da sociedade civil, sem contudo, revertê-la em possibilidade de
realocação de forças político-sociais das camadas dominadas na estrutura do Estado.
Eram estabelecidas, assim, as bases de um sistema político-institucional adequado à contenção
do processo de dupla fuga projetando, como muito bem se expressou Rubi Diehl, uma democracia
compatível com a realidade brasileira.
510
Não à toa, a emenda do senador Franco Montoro propondo o
restabelecimento das eleições diretas para governadores e senadores (apresentada anteriormente à
proposta do governo) foi sumariamente ignorada e classificada de inexeqüível, irrealista e extemporânea.
Por fim, as reformas propostas pelo bloco dirigente capturavam as bandeiras oposicionistas
imediatas, esvaziando em grande parte a contundência do discurso político. Em meio à euforia eleitoral, a
bancada arenista enfatizava que o MDB, perdendo ou ganhando eleitoralmente, já havia sido contemplado
programaticamente com as ações do governo. Logo, seria uma incongruência o partido vencer
eleitoralmente.
511
Quanto ao Movimento de Redemocratização, creio que caiu no vazio. Com as
reformas propostas pelo presidente Geisel para a redemocratização e a volta do
Estado de Direito integral, não razão de ser desses movimentos, dessas ondas
de redemocratização. Caíram no vazio. Não tem razão de ser.
512
Por estas razões, o processo de discussão e apreciação pelo Congresso Nacional do “pacote de
reformas” constitucionais revelou-se como momento sintomático na definição do ordenamento em vigor e
na projeção de aprimoramento deste.
O MDB reconhecia esta como a discussão mais importante para restabelecer o Estado de Direito
e romper com o regime de exceção. Apegando-se aos argumentos disponíveis, pela primeira vez observa-
se que a os eventos de 1964 trataram-se de um golpe. Somente a partir de então, a expressão passou a ser
comum nas peças oratórias oposicionistas.
509
Elementos pontuais baseados em: KUCINSKI, Bernardo. O Fim Da Ditadura Militar. o Paulo:
Contexto, 2001, pp. 67-69. Obviamente, esta questão suscitou acalorados debates parlamentares, entre
tantos ver: Lélio Souza/MDB e Rubi Diehl/ARENA, DAL, 94ª Sessão em 2 de agosto de 1978, pp. 8-12
(publicado em 16 de setembro). Lino Zardo/MDB, Sérgio Ilha Moreira/ARENA e Guido
Moesch/ARENA, DAL, 129ª Sessão em 25 de setembro de 1978, pp. 7-9, (publicado em 10 de outubro).
510
Rubi Diehl. DAL, 94ª Sessão em 2 de agosto de 1978, p. 9 (publicado em 16 de agosto).
511
Segundo a bancada da ARENA, ao adotar este conjunto de medidas que refletiram diretamente na
reorganização administrativa, no sistema político e na hierarquia de poder, o governo inviabilizou o
discurso oposicionista, restando ao MDB a omissão e automarginalização do processo de normalização
institucional e política do país. Desta maneira, teria restado ao partido de oposição o desvio do diálogo e
criação de uma figura abstrata como mecanismo de desincompatibilização com o processo: a figura da
Assembléia Nacional Constituinte, reivindicação que, para a ARENA, nascia “morta”. Baseado na
argumentação de Rubi Diehl. DAL, 94ª Sessão em 2 de agosto de 1978, p. 12 (publicado em 16 de
agosto).
512
Rubem Scheid. AAL, 98ª Sessão em 8 de agosto de 1978, pp. 20-21.
327
A forma de encaminhamento dos debates envolvendo as reformas constitucionais, a própria
apresentação daquele tema e a proposição de substitutivos (sem possibilidade de alteração substancial do
texto final), foram interpretadas pela bancada emedebista como um mecanismo de perpetuação do arbítrio
(que excluíam reformas sociais, econômicas e tampouco políticas de fundo). A resistência da ARENA em
debater as emendas emedebistas levou o partido de oposição a declarar que o partido do governo prestava
desserviços ao aprimoramento democrático, entendida pelos parlamentares oposicionistas como
demonstração cabal da subserviência e da conivência com um sistema ilegítimo e violento).
513
Ao acatar a determinação do governo, a ARENA impediu a solicitação de discussão em Plenário
das emendas, estas foram rejeitadas em bloco e sem debates.
Os setores emedebistas que apostaram que as fissuras na base de sustentação do governo seriam
alçadas, em virtude das polêmicas alterações constitucionais, à condição de desagregação da ARENA,
viram suas pretensões frustradas.
O processo de discussão das reformas transcorreu durante pouco mais de dois meses. Ao seu fim,
a propagada dissidência arenista se revelou diminuta numericamente e incapaz de alterar o curso proposto
pelo bloco dirigente. Aquilo que o MDB julgou ser um meio de aceleração do aperfeiçoamento
institucional, o rechaço ao pacote de reformas, não ocorreu. Pior ainda, as fissuras provocadas por este
processo atingiram mais o MDB (pelo fato da adesão de setores emedebistas às reformas).
514
No fundo, esses Congressistas estão intimamente convencidos de que a proposta de
reformas de autoria do Governo não é capaz de promover a saída do arbítrio para
o regime de estado de direito democrático. Sabem que, se fossem votar contra as
propostas do MDB, estariam correndo o risco eleitoral irremediável no dia 15 de
novembro.
515
Lélio Souza ocupou a tribuna para a leitura de carta que teria sido enviada em nome da bancada,
aos deputados Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Lidovino Fanton e ao senador Brossard:
...A proposta do governo está recheada de armadilhas antidemocráticas, alem de
ignorar a ordem econômica e os reclamos dos trabalhadores, que continuarão
marginalizados da participação política e social.
O governo desperdiça oportunidade rara de acolher as grandes reivindicações
nacionais que fingiu escutar através da missão Petrônio Portella.
513
Manifestação do deputado Romildo Bolzan/MDB. DAL, 124ª Sessão, em 15 de setembro de 1978, p. 4
(publicado em 5 de outubro). Para Lélio Souza/MDB: Eles tem consciênciaa maioria da ARENA que
aquilo que o MDB propôs para suplementar a proposta do Governo, e exatamente o que hoje espera a
sociedade brasileira, mobilizada de prontidão, levantada na luta pela imediata proscrição do regime
arbitrário que vigora, há mais de 14 anos. Por isso, vão dar o golpe do Regimento Interno do Congresso
Nacional: nem sequer serão discutidas. DAL, 124ª Sessão em 15 de setembro de 1978, p. 2 (publicado em
5 de outubro). A bancada do MDB entendeu que as propostas apresentadas pela oposição, ou seja, o
caráter produtivo do partido que se coloca contra o governo, o foram levadas em consideração, foram
anuladas antes de serem apreciadas seriamente, menos pela discordância dos conteúdos das propostas de
parte da ARENA e mais pela consciência da ARENA de votar contra as emendas da oposição
514
Mesmo que setores consideráveis do partido oficial, caso do senador alagoano Teotônio Vilela, tenham
votado com a oposição e que tenha sido registradas manifestações enfáticas contra os “senadores
biônicos” por parte de um número considerável de parlamentares.
515
Lélio Souza. DAL, 121ª Sessão em 13 de setembro de 1978 (publicada em 3 de outubro), p. 3
328
É preciso considerar que os princípios e os fins do arbítrio continuam presentes no
projeto de reformas, que tem a desconfiança da Nação, até porque foi concebido
pelo mesmo artífice do “pacote de abril”, esse medonho estupro cívico praticado
contra as instituições democráticas.
516
Em meio aos debates, uma questão em especial foi reveladora do caráter que as mudanças
representavam para o conjunto do parlamento, especificamente, para o MDB.
Ao ser lançada a proposta de extinção dos senadores “biônicos” pelo senador dissidente arenista
Francisco Accioly, bastava ao MDB o voto de 38 dissidentes situacionistas para aprová-la (garantindo os
212 da maioria absoluta). Pressionado com a alegação de que o bloco dirigente lançaria mão dos
expedientes da excepcionalidade para a aprovação das reformas integralmente (inclusive a preservação
dos “biônicos”), um entendimento entre as lideranças (Tancredo Neves e Marco Maciel, presidente da
Câmara dos Deputados) resultou no destaque da questão dos senadores biônicos”. Assim esta teria uma
votação preliminar, onde apenas os membros da Câmara dos Deputados votariam inicialmente se a
matéria em questão seria ou não votada separadamente.
Ao fim, 131 deputados se manifestaram a favor da votação em separado desta matéria (abrindo
posição contra a manutenção dos “biônicos”, sendo que destes, 18 eram da ARENA), enquanto 168
(todos arenistas) impediram que o requerimento chegasse ao Senado Federal. O surpreendente esteve no
fato de que, além de 10 deputados arenistas terem se abstido, 41 deputados emedebistas deixaram de
responder a chamada. Se seguiram orientação das lideranças ou atuaram por moto próprio, não altera o
fato de que o partido de oposição recuou em um momento crucial do processo de flexibilização política.
Encerrava-se a questão. Legitimava-se os “senadores biônicos”.
517
Tendo no horizonte um processo eleitoral (as eleições de 15 de novembro) com grandes
possibilidades de vitória, parte majoritária da direção emedebista evitou os embates que pudessem colocar
em risco o desenrolar do processo político-eleitoral, mesmo que isso significasse um revés na luta pela
redemocratização. Concretamente:
os interesses imediatos do partido foram colocados à frente de um
possível projeto de reconstrução nacional
.
Da ARENA, não houve surpresa, a não ser àquelas compreendidas como positivas para o
governo: seus dissidentes eram insignificantes, não estando a ponto de influir na correlação de forças do
parlamento.
Sobretudo, era demonstrado que, em meio à insubordinação e à crise das instituições, o que
realmente estava em jogo para o conjunto do parlamento, antes da expressão da correlação de forças
políticas que se enfrentavam na sociedade, era a luta pela manutenção ou ampliação das posições em
relação aos centros decisórios de poder
516
Id. Nesta mesma sessão, Jarbas Lima/ARENA, Walter Troina/MDB, Pedro Simon/MDB, Waldir
Walter/MDB e Rubi Diehl/ARENA revezaram-se nos debates. In.: Ibid., pp. 1-6. Sobre esta questão ver
também: Waldir Walter. DAL, 120ª Sessão em 12 de setembro de 1978 (publicado em 25 de setembro),
pp. 8-9.
517
Os dados das votações parlamentares foram amplamente divulgados nos veículos de comunicação,
como a Revista Veja, em sua edição de 2 de setembro. Desta revista, Hugo Mardini retirou as fontes de
sua argumentação, solicitando a transcrição aos anais da casa: DAL, 131ª Sessão em 27 de setembro de
1978, pp. 9-10 (publicado em 16 de outubro).
329
A partir do parecer favorável da Comissão Mista do Congresso Nacional (cujo relator era o
senador José Sarney), a ARENA estabelecia uma análise conjuntural e estrutural do país e do sistema
político-institucional: o partido governista, como o próprio governo obviamente, compreendia que
o
período de exceção findava com a aprovação da Emenda Constitucional nº 11
, sendo então que, a
partir daquela data, estava iniciado o processo de
transição entre a “legalidade revolucionária” e o
Estado de Direito.
Nesta visão oficial, o projeto revogava todos os atos de exceção (suprimindo a fase do “governo
da lei e não dos homens”) ao mesmo tempo em que assegurava dispositivos institucionais de proteção do
Estado, das instituições democráticas e do exercício dos poderes, quando estes defrontados com situações
de crise e capazes de assegurar a paz social e a ordem pública sob a ameaça de guerra interna ou
subversão da ordem.
518
Mesmo assim, Lélio Souza apresentou da tribuna o lamento em virtude da perda de uma
oportunidade de viabilizar o final do regime de exceção, ecoando as aspirações de proporções nacionais
pelo restabelecimento e garantia de vigência do regime democrático:
Quando analisamos o projeto de reformas do Governo, trouxemos à baila uma
serie de observações para demonstrar que, a despeito dos compromissos do
Governo com a redemocratização, o seu projeto não era de molde a acolher e dar
expressão formal a esta sentida reivindicação nacional. Dentre as observações
que pudemos fazer apontarmos uma primeira questão, praticamente uma questão
preliminar à vigência das reformas.
Não entendíamos, como de resto não entendeu a Nação, através daqueles setores
organizados e que expressaram a sua abalizada opinião, quando foram ouvidos
pela missão Petrônio Portella. Não entendemos como eles não entenderam a
razão pela qual, convencido o Governo de que era preciso rumar para a
normalização jurídico-constitucional, colocava o inicio da vigência do novo
regime a partir do dia 1º de janeiro.
Esta foi uma das observações inicialmente feitas para colocar em xeque a
sinceridade do Governo quanto aos seus propósitos realmente
democratizadores.
519
No desperdício de uma oportunidade ímpar de conciliação nacional, o governo desprezou a
colaboração do MDB na elaboração de um programa mínimo de reivindicações:
A oposição honrou seu compromisso político, cumpriu seu papel de interpretar os
anseios nacionais e procurar equacioná-los na oportunidade em que o Congresso
foi chamado para dialogar sobre o projeto das reformas.
520
Entendia o deputado que o parlamento estava sob sólida maioria arenista, possibilitando ao
governo utilizar todos os artifícios e mecanismos de pressão para “enquadrar” a bancada arenista,
determinando-lhe que votassem apenas as reformas que não modificassem a substância do projeto oficial,
518
Pronunciamento do deputado Celestino Goulart/ARENA, ocasião em que foi requerida a transcrição
na íntegra do parecer emitido pela Comissão Mista do Congresso Nacional sobre a Proposta de Emenda
Constitucional. DAL, 124ª Sessão, 15 de setembro de 1978, pp. 4-8 (publicado em 5 de outubro).
519
DAL, 124ª Sessão em 15 de setembro de 1978, p. 1 (publicado em 5 de outubro).
520
Id., p. 2.
330
onde ate mesmo o tradicional direito de destaque para a votação das emendas propostas pela oposição não
foi concedido. Desconsiderou o deputado o fato de que parte da bancada emedebista corroborou na
definição daquela questão:
Essa atitude adotada pela Aliança Renovadora Nacional no Congresso desmente
as afirmativas do Governo de que esteja realmente empenhada em marchar para o
aperfeiçoamento das nossas instituições democráticas. Em primeiro lugar, porque
o Governo não pode julgar-se dono da verdade, onisciente, dono da perfeição, de
tal modo que aquilo que ele propôs seja homologado pura e simplesmente pelo
Congresso Nacional. E assim não é, e tanto não é que foram ouvidas
manifestações acres de parte dos setores que foram ouvidos pelo Governo, e cujas
reivindicações não foram equacionadas, conforme os compromissos políticos
acerta dos na Missão Petrônio Portella.
521
Ao apontar estas questões, o deputado resumia a concepção generalizada no parlamento de, até
este momento, resumir o campo possível da política aos limites palacianos e congressuais, ignorando
sumariamente a insubordinação protagonizada não apenas pelos movimentos sociais e populares, mas a
fuga da insubordinação e as dissidências do regime (caso do setor empresarial, das pressões externas, da
crise econômica e falência do padrão de desenvolvimento).
Não sendo ressalvado que a dinâmica dos processos políticos, de parte do bloco dirigente,
atendia às necessidades de realinhamento do projeto político hegemônico, que naquela específica situação
exigia, a reacomodação de forças políticas na estrutura de poder, a manifestação do deputado expunha o
significado político das medidas desenvolvidas na administração Gesiel, estas além de circunscreverem-
se a um pequeno estrato social, apontaram: de um lado, a tentativa de resolução das fissuras domésticas
no campo de forças do regime,; de outro, a busca pela manutenção da impossibilidade de forças alheias ao
pacto de dominação adentrarem no processo político.
Estava definida a estabilização conservadora como pressuposto da redenção do sistema político.
Ao avaliar que as 14 alterações, acolhidas no parecer do Senador Jose Sarney, são alterações
meramente circunstanciais, que não ferem o âmago dos problemas institucionais que poderiam ser
resolvidos, nesta oportunidade política, o deputado revela que seria possível uma forma de domínio
alternativa sem romper com a estrura de dominação em curso. Pleiteava, portanto, o aprimoramento do
regime e da estrutura de poder.
522
521
Ibid.
522
Os destaques a que Lélio Souza fazia referencia o: Emenda 1, assinada pelo deputado Ulysses
Guimarães visando a alteração do projeto original propondo Alistamento dos analfabetos,
estabelecimento do voto ao analfabeto;
Livre acesso dos candidatos ao radio e à televisão
. Visava
sobretudo, acabar com a Lei Falcão.
Inviolabilidade para deputados e senadores no exercício do
mandato por suas opiniões, palavras e votos
. Instituto da imunidade parlamentar não respeitado no
país, visto a constante possibilidade de suspensão automática do mandato ao ser aceita a denuncia de
crime contra a segurança nacional.
Possibilidade de substituição pelo suplente de outro Partido desde
que o Partido haja ocorrido a vaga não tenha suplentes.
Na Emenda 2 propunha a alteração dos
artigos nº 23, 24 e 25 da Constituição sobre a competência dos Estados, Municípios e Distrito Federal e a
arrecadação de impostos, alem de dispor sobre reformulação do salário-mínimo, sobre a eleição direta do
Governador e Vice-Governador e a extinção do senador biônico com o restabelecimento da eleição direta
para o Senado. A terceira emenda era assinada pelos senadores Teotônio Vilella (ARENA) e por Marcos
Freire/MDB (denominada emendão) propondo a revogação de vinte e um artigos da Constituição, com a
331
Poucos se aperceberam que a discussão de fundo estava na definição dos limites do exercício do
poder, sendo que esta redundou na institucionalização da excepecionalidade. O bloco dirigente
renunciaria à faculdade de reelaborar as regras de seu próprio funcionamento, sempre a seu favor, na
iminência de crises e pressões sociais.
Este processo pode ser observado como, senão último, o maior esforço em reverter a questão da
instabilidade das bases de legitimidade que o próprio regime definiu, visto que estas, sendo provisórias,
eram colocadas em condição de superação a cada crise enfrentada.
O Pacote procurou definir uma base estável de legitimidade do regime, o que acabou por decretar
a transformação irreversível do próprio regime, pois estruturou a normatização do exercício do poder,
autolimitando o campo de ação do bloco dirigente, ou seja, definindo o cessar da dualidade de
ordenamentos.
Aprovada a emenda, coroado o processo intervencionista de 1964, seria efetivado o resgate com
o compromisso assumido pela “revolução”: a emenda reconduzia o poder Legislativo como legítima fonte
de poder (neutralizada pela legalidade intervencionista).
523
A intervenção civil-militar, ao menos assim se depreende das manifestações arenistas, foi
instaurada não para romper com o ordenamento democrático, mas sim, para garanti-lo. Neste sentido, a
aprovação da reforma da Constituição seria, ela mesma, a “liberalização” prometida nos primeiros
momentos da gestão Geisel.
A partir da lógica de que sociedades democráticas são, por acepção, sociedades de conflitos e, na
mesma linha, de que o Brasil teria de passar por uma fase de aprimoramento de suas instituições com o
intuito de torná-las aptas ao desafio do ordenamento democrático, chegava-se à conclusão de que, até o
coroamento do processo de aprimoramento democrático, a democracia não poderia abdicar de
instrumentos de defesa.
A partir das definições oficiais, julgava-se instituído o arcabouço da redemocratização,
ressalvado que o mínimo de regras de alternância do poder demandaria ainda um determinado tempo.
Afirmava-se a tendência de que, historicamente, as regras e formalidades democráticas são
funcionais ao bloco dominante e, quando não, perdem o sentido de serem mantidas.
Os instrumentos constitucionais, os quais iriam deflagrar a renovação do ordenamento político,
resultariam então, em estruturas democráticas. Seguindo as formulações teóricas muito próximas àquelas
defendidas pelo grupo palaciano, a ARENA basicamente alegava que as sociedades não-desenvolvidas ou
em processo de desenvolvimento inevitavelmente não reuniriam condições de estabilidade política (onde
o desenvolvimento da complexidade da sociedade, rumo ao estágio de industrialização, exigia na mesma
intensidade renovadas relações de convivência, sendo então um elemento catalisador da instabilidade
institucional). Impunha-se ao país portanto, um conjunto de salvaguardas institucionais como mecanismos
de defesa do ordenamento que estaria por ser construído. A política mantinha relação única e
exclusivamente ao aparelho do Estado.
finalidade de restabelecer o Estado de Direito democrático. Ou seja, eram emendas inviáveis de serem
acolhidas no projeto oficial pois desconstituiriam o sentido daquele movimento do bloco dirigente.
523
Como afirmou Hugo Mardini: propostas as emendas, elas vêm institucionalizar os ideais
democráticos da Revolução brasileira. A Revolução foi feita para assegurar a democracia. DAL, 94ª
Sessão, em 2 de agosto de 1978, p. 10 (publicado em 16 de agosto).
332
Independentemente dos protestos emedebistas, o sistema de poder desembaraçava-se da
necessidade de forjar sua própria legitimidade a posteriori (pois a legitimidade não era baseada em um
compromisso prévio à tomada do poder, não havendo consenso quanto à maneira como este deveria ser
exercido), adentrando em uma nova fase com bases permanentes de legitimidade, sem perspectiva de
esgotamento em virtude da própria dinâmica interna e externa dos sistemas de exceção (ao contrário da
legitimidade intervencionista). Com efeito, angariou elementos de estabilidade a um regime que padecia
da ausência destas em permanentes crises.
A partir da recomposição da base jurídica da estrutura de poder, a “liberalização” negociada do
regime de exceção encontrava “escora” institucional.
A finalização do processo de refinamento do Estado, encontrava entre 1978 e 1979 seus pontos
limites a partir dos quais impunha-se uma inflexão. Em cenário extremamente adverso ao regime, o
espaço de manobra do bloco dirigente restringia-se à descompressão política, ao relaxamento acentuado
das seqüelas da militarização das estruturas e funções políticas do Estado (refletidas na inviabilidade da
dominação política e do bloqueio da mudança social pelo monopólio dos centros decisórios de poder).
Esta movimentação logo foi denunciada pela oposição, a qual enfatizou que o regime não dava
as mínimas garantias para a afirmação do ordenamento democrático no País: este governo, usando de
instrumentos legais, mas absolutamente ilegítimos, quer tão somente se perpetuar no poder, quer manter
a atualidade estrutural social, econômica e institucional vigente no país.
524
As medidas tomadas pelo bloco dirigente na administração Geisel, não obstante a função de
preservação do regime através da estabilização conservadora, alteraram a estrutura institucional do regime
ao superar a dualidade de ordenamentos. Mesmo que a tese de perpetuação do poder estivesse correta, os
artifícios utilizados para tal não se localizaram em permanências, mas estiveram nas mudanças
conservadoras.
Mesmo assim, setores da bancada arenista ainda insistiam em defender que a intervenção e a
coalizão que ascendeu ao poder, não tinha interesse na manutenção continuada do poder decisório,
afirmação esta após mais de uma década de regime.
525
Grosso modo, esta leitura conjuntural era realizada por setores da bancada oposicionista:
O povo brasileiro chegou ao esgotamento da sua tolerância. Não pôde mais
continuar a viver num regime de absoluta insegurança política, econômica e
social. E não força nenhuma que se possa antepor à força do povo quando este
sabe (...) que uma pequena minoria se adonou do poder e se intitulou tutora da
grande maioria do povo brasileiro. O povo, pacificamente, pelo voto, pela
pregação, pela doutrina, pela demonstração dos erros evidentes que são sentidos
na própria carne da cada cidadão de modificar esta situação, queiram ou
não.
526
Como demonstravam as análises parlamentares, o cenário político, econômico e social que o
futuro presidente Figueiredo iria encontrar, não alimentava boas perspectivas quanto ao fato do bloco
524
Manifestação de Cezar Schirmer. AAL, 7ª Sessão em 10 de março de 1976, p. 130.
525
Como demonstra a intervenção de Rubi Diehl. AAL, 7ª Sessão em 10 de março de 1976, p. 131.
526
Pronunciamento do deputado João Carlos Gastal/MDB. DAL, 124ª Sessão em 15 de setembro de 1978,
p. 9 (publicado em 5 de outubro de 1978).
333
dirigente governar sem utilizar-se de expedientes próprios da excepcionalidade (as famosas
“salvaguardas”). O MDB considerava que o governo preparava o ambiente político para a necessidade de
austeridade política como instrumento de contenção da crise
527
Pelas declarações, fazendo evidentes referências a Figueiredo enquanto presidente, nem mesmo
o MDB gaúcho acreditava na consistência da candidatura e possível vitória de Euler.
527
Parlamentares arenistas estão advertindo o general João Baptista Figueiredo, nos últimos dias, para
as dificuldades políticas e econômicas que o País terá de enfrentar no próximo ano, com sérios reflexos
na situação social, o que poderá obrigar seu Governo a seguir uma orientação inversa à expectativa de
abertura que foi criada no País. Um político arenista da bancada nordestina, em recente encontro com o
candidato da ARENA a presidente da República, disse-lhe que a realidade crítica do país provavelmente
o levará a adotar, não medidas liberalizantes, mas atos restritivos à liberdade a fim de manter o
controle dos instrumentos de poder. Comentário veiculado pelo jornal Zero Hora em 14/9 e transcrito a
pedido do deputado João Carlos Gastal. DAL, 124ª Sessão em 15 de setembro, p. 9 (publicado em 5 de
outubro). Grifos nossos.
334
CAPÍTULO 6
O COROAMENTO DA REDEFINIÇÃO DO ESTADO EM
CINCO ATOS
Ao definir a dualidade de ordenamentos como elemento emblemático, esta tese
pressupõe que a instabilidade no regime de exceção foi permanente (senão desde os
primeiros momentos, certamente após a decretação do AI-2). Dada a hibridez política a
que aquela dizia respeito, garantiu a perpetuação para além de suas tarefas inaugurais e
fomentou conflitos que vieram a destruir sua base de sustentação, estabelecendo um
aspecto de primeira grandeza na incapacidade de sua reprodução.
Em outros termos: o processo porque passou o país a partir de 1964, não reuniu
condições de estabilizar a forma autoritária, não restituiu os padrões anteriores à
intervenção (por razões óbvias), nem mesmo, definiu um ordenamento alternativo
estável.
Mesmo na fase de militarização dos centros decisórios, com a suspensão
temporária da dualidade (com o desequilíbrio daquela em favor da excepcionalidade), a
instabilidade foi deslocada para instituição militar.
Por estas razões, a decisiva contribuição da administração de Ernesto Geisel
para a estabilização do regime de exceção, antes de qualquer projeto “liberalizante”
ou “distensionista”, esteve no estabelecimento de medidas com vistas à superação da
dualidade de ordenamentos, ou seja, a institucionalização da legislação excepcional.
Não havendo situações críticas que pudessem ter imposto a transformação do
regime (marcos de ruptura), os focos de oposição impuseram a regulamentação de
novos mecanismos de cooptação, mediação e dominação, sem o que, a crise
institucional vivida se alçaria à condição de desconstituição do próprio Estado (paralisia
decisória, ingovernabilidade e ilegitimidade).
No decorrer da década de 70 o regime não reunia condições de neutralizar o
movimento da sociedade e controlar a imprevisibilidade política. Esta fase identificava-
se com a proliferação de inúmeras entidades de resistência da sociedade civil.
Ao final daquela década, o regime enfrentava um conjunto de tensões oriundas
não apenas da insubordinação (como as do “ano que não terminou”, 1968) ou de
conflitos domésticos (como as disputas sucessórias envolvendo Costa e Silva,
335
Albuquerque Lima e Sylvio Frota), mas sim, pontos de desequilíbrio provenientes de
um rechaço generalizado que transcendia a própria instabilidade congênita.
Estas instabilidades também respondiam à questão da erosão da legitimidade do
regime, sendo esta percebida em dois níveis: no das frações componentes do bloco
dominante, a partir de então identificadas como dissidentes e, de outro modo, a oposição
oriunda da insubordinação propriamente dita, a “massa” difusa.
Entre os primeiros, a legitimidade estava diretamente relacionada aos
procedimentos e aos resultados do exercício do poder.
528
No que concerne aos segundos,
a resolução das necessidades imediatas também definiram a intensidade do apoio ao
regime.
529
Em determinado momento, essencialmente após 1978, os procedimentos oficiais
resultaram no “amesquinhamento do futuro” na medida em que este foi colocado sob a
compulsão do presente (das soluções da crise econômica e do esgotamento da forma do
político).
Logo,
onde o parlamento gaúcho observava os movimentos do bloco dirigente como
contraditórios
(o compromisso oficial firmado ainda no governo Geisel com a flexibilização e os
procedimentos baseados na excepcionalidade), esta tese vislumbrou a institucionalização de medidas
condicionais
da própria flexibilização das relações políticas e dissimulação dos riscos de manutenção do
regime.
O projeto político da administração Geisel atendeu à estas necessidades. Ao aplicar este conjunto
de alterações, não comprometeu a essência mas fortaleceu e adequou o regime. Todavia, o bloco dirigente
528
Sendo estes os setores progressistas da Igreja Católica, grandes organizações das camadas médias e
profissionais liberais (OAB, ABI) e trabalhadores organizados ou não e, os segundos, a oficialidade
militar ligada aos órgãos de informação e segurança e parcelas do empresariado.
529
Para Souza e Lamounier, os primeiros são os legitimadores efetivos pelo fato de que suas ações
funcionam normalmente como um regulador da taxa global de aquiescência política na população geral.
SOUZA, Amaury de; LAMOUNIER, Bolívar. Governo e Sindicatos no Brasil: A Perspectiva dos Anos
80. In.: Dados – Revista de Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Vol. 24, 2, 1981, pp. 140-141. Identificar na questão da erosão de legitimidade o
embrião de uma proposta distencionsita, justamente por observar uma legitimidade precária baseada pura
e simplesmente no êxito econômico e na eficácia do aparelho de repressão, se ancora nas evidências de
que a proposição do projeto de flexibilização das relações políticas por parte do bloco dirigente pautava-
se por esta percepção. Por certo, esta explicação dá conta da necessidade de abertura política como
mecanismo de preservação da estrutura de poder, mesmo que este movimento representasse a
reconstituição do pacto de dominação. Todavia, estas ponderações não resolvem adequadamente a
questão da manutenção da trajetória de desconstrução da centralização do poder e do próprio regime em
sua forma consagrada em 1968. Por outro lado, o “apartamento” social, não reconhecimento e criação de
interlocutores fora das instâncias formalizadas pelo regime, como conseqüência do êxito do processo de
refinamento do Estado, criaram lutas e bandeiras estanques de necessidades imediatas: o empresariado
discutia a crise econômica e a contenção do novo sindicalismo, levantando a bandeira contra a estatização
da economia; as camadas populares manifestavam-se no combate ao arrocho salarial e alta do custo de
vida; as camadas médias denunciavam o colapso dos serviços públicos. Estas posições corroboram na
compreensão das mudanças no regime tomando como base o processo de dupla fuga, na medida em que a
“negação” do regime na forma definida em 1968 foi simultânea, impondo a própria redefinição do
Estado.
336
não logrou êxito no controle pleno da instituição militar e dos órgãos de segurança e informação, nem
mesmo conseguiu renovar suas bases de sustentação, mesmo com os esforços do grupo palaciano em
estreitar os laços com setores e entidades sociais que representavam a resistência ao arbítrio.
Como apontado em outra oportunidade, as políticas implementadas na administração Geisel
tiveram a evidente intenção de aprimorar o regime de exceção, tendo como elemento básico a
revitalização das instâncias de representação política.
Porém, a reprodução do regime através do aprimoramento de sua forma consagrada em 68,
tornou-se inviável, cedendo espaço à redefinição do Estado a qual por sua vez, significou a exaustão da
excepcionalidade.
530
A utilização de mecanismos institucionais preventivos (como a Lei Falcão, as eleições indiretas
para o Senado e a divisão do estado do Mato Grosso, entre tantos outros) e reguladores (como a
revogação do AI-5 através da Emenda Constitucional 11 em 13 de outubro de 1978), criaram
condições para a para um maior espaço de movimentação do regime.
A “transição política” portanto, refere-se ao tempo demandado entre o esgotamento da forma do
regime de exceção ao menos da constatação de sua incapacidade de se reproduzir e o surgimento de um
novo ordenamento, ainda em vias de institucionalização.
531
Em decorrência, aqueles que enfatizam que o bloco dirigente projetava a descentralização como
mecanismo de retirada espontânea do poder, acabam por negar o primeiro princípio de Maquiavel,
quando o próprio Geisel ressaltava este como componente indelével na construção dos objetivos do
regime quando da instauração das mudanças (liberalização).
532
A decomposição da insubordinação somente foi viabilizada pela ressignificação das demandas
da sociedade civil. Esta antecipação acabou por decretar uma certa funcionalidade do conflito, algo
construtivo e constitutivo para a ordem democrática que se projetava.
533
A reorganização partidária estabelecida por outra engenharia política, possibilitou ao bloco
dirigente a implementação de um novo sistema com governabilidade.
O governo em nenhum momento perdeu a maioria no Senado Federal, tanto no período do
bipartidarismo quanto na fase de livre organização multipartidária. Independentemente das pressões e
demandas sociais, o Senado foi o anteparo do bloco dirigente.
530
Como também exposto, tanto esta exaustão quanto a construção do novo ordenamento, não seguiram
um projeto pré-determinado. Antes foram fruto de um conjunto de ações e reações, avanços e retrocessos,
processos que, originalmente, não guardavam articulação prévia. Nascimento já havia ponderado esta
questão em seu ensaio sobre a transição: NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. Transição? Qual
Transição? Op. Cit., pp. 23-24.
531
Possivelmente a designação “transição política” seja mais adequada ao processo vivido no final da
década de 70 e início da década de 80 pois diz respeito ao espaço demandado das reformas com vista a
reacomodação do espaço político a partir da desintegração do regime autoritário e não, como os
recorrentes termos “transição democrática” insinuam, o caminho ao ordenamento democrático.
532
Entrevista do general Ernesto Geisel no Rio de Janeiro em 17 de julho de 1985. STEPAN, Alfred. Os
Militares: Da Abertura À Nova República. 4ª Edição. Tradução de Adriana Lopez e Ana Luíza
Amendola. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 47. Em tempo: o primeiro princípio de Maquiavel era de
que os governos devem lutar de todas as formas para manter o poder.
533
Nada mais adequado ao regime do que, no final de 1979, os debates travados entre os deputados
emedebistas a respeito do retorno do PTB, a disputa entre os representantes da oposição democrática e os
exilados que então regressavam e, por fim, o avanço do movimento sindical no imaginário das camadas
médias, por exemplo.
337
É este o sentido da afirmação: o tempo da transição política se fez em função da apresentação de
condições favoráveis às exigências de normalização, leia-se: reestatização das relações sociais ou
resubordinação.
534
Constatado o esgotamento da forma “regime de exceção”, o consenso que se estabelecia entre os
ocupantes das instâncias políticas formais era a necessidade da
democracia ao menor custo possível
.
Qualquer encaminhamento no sentido de preservar a estrutura de poder exigiria uma reformulação aguda
nos centros decisórios, sendo o mais delicado, indiscutivelmente,
a desvinculação do
staff
da
oficialidade militar com o poder executivo
.
Concorda-se com Cardoso quando este observou na liberalização proposta ainda na
administração Geisel – por imperativos do processo político alçada à condição de democratização
conservadora na administração Figueiredo - o evidente sentido de criar espaços controlados para o
exercício da crítica, sem ceder, no plano da estrutura de poder, às pressões democratizantes.
535
Apanhado de modo geral pela crônica política como a crise institucional da política brasileira e a
“década perdida”, o período que se inicia em 1979 demarcou definitivamente o rearranjo de posições no
interior do pacto de poder.
As mudanças nas relações de poder, principalmente dos militares enquanto governo, a afirmação
da sociedade civil ou agrupamentos organizados de oposição ao ordenamento de exceção e a
resignificação da “sociedade política”, estabeleceram uma dinâmica que redefiniu a intervenção estatal
em todas as esferas da vida social e econômica.
Essa dinâmica foi responsável por um conjunto de novos conflitos mas precisamente,
exteriorizou o abismo que separava a sociedade civil e as instâncias de representação política. Exatamente
por esta desvinculação, foi permitido ao bloco dirigente aplicar as derradeiras manobras de “engenharia
política” como base da redefinição do Estado sem que isso representasse a redemocratização ou a
possibilidade ampla de disputa pelos centros decisórios de poder.
536
Este divórcio foi constantemente
exposto. O conjunto da sociedade ignorava a implementação de medidas que atingiam a esfera da
representação política, assim, não foram registradas mobilizações significativas, nem denúncias
substanciais de setores sociais sobre a manipulação da reforma partidária, sobre o adiamento das eleições
municipais em 1980 ou o “Pacote de Novembro” de 1981, o qual desequilibrou o processo eleitoral em
favor do partido do governo.
Por certo este foi um período caracterizado por alterações substanciais na forma de domínio e na
forma de acumulação, ou seja, nas instituições políticas e na política econômica. Da mesma maneira, a
relação entre a dominação de classe e a forma do regime (entre o Estado e o regime político) assumiram
534
Obviamente, se poderia aludir que a redefinição do Estado seria mais um evento entre tantos os
exemplos precedentes de “revoluções passivas” (ditadura varguista e intervenção de 1964), conceito que
se aplicou na análise histórica brasileira e que revelou traços fundamentais na formação republicana do
país. Contudo, este processo ao superar as projeções iniciais de flexibilização do bloco no poder, rompeu
com uma certa tradição, visto não ser um processo gestado “pelo alto” como iniciativa das elites a fim de
encampar demandas populares – sendo estas as “pressões de baixo”.
535
CARDOSO, Fernando Henrique. Regime Político e Mudança Social: A Transição Para a
Democracia. In.: A Construção da Democracia – Estudos Sobre Política. Op. Cit., p. 269.
536
Por diversas vezes, os estudos que se ateram à “sociedade civil”, identificaram-na à atividade de
fragmentos específicos (novo sindicalismo, comunidades eclesiais de base, corporações de advogados,
338
nuances distintas daquelas observadas até então, dada a falência dos acordos de cúpula e medidas
coercitivas.
537
A isso somavam-se as pressões sociais, movidas pelos resultados da aplicação do projeto
econômico, sendo componentes decisivos no equilíbrio de poder em uma conjuntura de colapso
econômico, insubordinação, conflito entre interesses imediatos e históricos tanto no interior da camada
dominante quanto entre as classes dominadas..
A partir de 1979, definida a base institucional da flexibilização das relações, uma série de
articulações (tanto internas ao bloco dominante quanto do conjunto da sociedade), foram colocadas em
práticas as quais ao fim, reverteram no desengajamento da instituição militar dos centros de poder
decisórios.
A “sociedade política” (o Congresso Nacional, os partidos políticos, a dinâmica parlamentar e as
eleições), cumpriu função essencial no processo de transição de ordenamentos, no mais das vezes,
desconsiderados nos trabalhos analíticos que se detiveram ao período.
Domesticamente, o governo Figueiredo enfrentou o conflito entre dois campos distintos:
desobstruir, ao menos colocar o menor número de obstáculos possíveis, ao processo de “democratização
conservadora” ou prolongar o “regime de exceção” e conseqüentemente, a dualidade de ordenamentos.
Em meio às rearticulações políticas avançadas – para o que se tinha até então - o cenário político do
período foi povoado pelos atentados atribuídos à organizações extremistas conservadoras.
538
Sintomaticamente, ao tempo da 45ª Legislatura e do governo Amaral de Souza (15.3.79/15.3.83),
o parlamento gaúcho observou uma transformação nas posições das bancadas frente ao poder central.
539
empresários, etc.) que definiram a importância dos novos movimentos sociais. Esta questão foi destacada
por: STEPAN, Alfred. Os Militares: Da Abertura À Nova República. Op. Cit., pp. 9-20.
537
Em 15 de outubro de 1978, a candidatura oficial, representada pela chapa João Baptista
Figueiredo/Aureliano Chaves, venceu a candidatura oposicionista de Euler Bentes Monteiro/Paulo
Brossard (a primeira somando 355 votos contra 226). Quase ao mesmo tempo, o Congresso Nacional
aprovara alterações na Lei de Segurança Nacional, eliminando as penas de morte e de prisão perpétua. No
mês seguinte, a pena de banimento também era revogada e a ARENA saía fortalecida do processo
eleitoral (elegendo 233 deputados federais e 15 senadores contra 187 deputados federais e 6 senadores
emedebistas). Regionalmente, a disputa pelas cadeiras da Assembléia Legislativa teve o timbre do
equilíbrio. O MDB conseguiu uma pequena vantagem na composição do parlamento gaúcho: 31 cadeiras
contra 28 da ARENA. Contudo, o cenário de incerteza institucional e política cedo iria nebular
antagonismos parlamentares onde, muitas vezes, a ARENA assumiu posições de distanciamento do
regime (quando não críticas contundetes) e o MDB (ante a possibilidade de circulação de poder)
procurava desempenhar o papel de interlocutor entre as demandas sociais e o governo.
538
Em um curo espaço de tempo, foram registrados 46 atos terroristas atribuídos à organizações para-
miliatres de extrema-direita. Em 30 de abril de 1981, uma tentativa de atentado ao Riocentro - onde mais
de 20 mil pessoas estavam reunidas em um espetáculo em homenagem à passagem do dia do Trabalhador
- militares ligados ao DOI-CODI do I Exército-Rio de Janeiro detonam acidentalmente os explosivos. A
condução das investigações, gerou o pedido de demissão de Golbery do Couto e Silva e alimentou a
desconfiança quanto aos rumos da abertura e quanto a possibilidade de retirada da oficialidade militar dos
centros decisórios.
539
Sobre a sucessão estadual ver: DAL, 115ª Sessão (Sessão Extraordinária Para a Eleição do
Governador, Vice-Governador do Estado, do Senador da República e seus Suplenetes) em 1º de setembro
de 1978 (publicada em 19/9). A ausência da bancada emedebista não impediu o processo eleitoral que ao
fim, conduziu José Augusto Amaral de Souza e Octávio Germano aos cargos de governador e vice-
governador, Tarso Dutra para a vaga de “senador direto” (tendo como suplentes Otávio Omar Cardoso e
Mário Mondino) e determinou que a participação do estado no Colégio Eleitoral para sucessão
presidencial fosse de 317 delegados. A 45ª Legislatura inicou em 29 de janeiro de 1979 e foi concluída
em 22 de dezembro de 1982.
339
Nos embates parlamentares, a redefinição do Estado alterou o conteúdo das peças oratórias que
movimentaram-se da crítica
no
regime para a crítica
ao
regime.
Este processo - da prudência à afronta – esteve inserido na reconversão institucional do regime,
afinal após dez anos, 1979 iniciava-se com a perspectiva de consolidação da “abertura democrática” pois
que sem o espectro do AI-5 - instrumento que definiu a intervenção como permanente, sendo identificado
a partir de então como o instrumento emblemático da excepcionalidade - as relações políticas detinham
todas as condições de serem mais fluídas.
No bloco dirigente, o movimento de posições antagônicas provocou a saída, em agosto de 1979,
de Mário Henrique Simonsen do ministério do Planejamento sendo substituído por Delfim Neto, portador
de outras concepções sobre políticas econômicas. Esta foi a fase do projeto de Anistia (28 de agosto de
1979, Lei nº 6.683 – Lei da Anistia), da explícita luta capital versus trabalho (expressa na explosão da
atividade grevista
540
), do retorno do multipartidarismo (em 20 de dezembro de 1979, era estabelecida a
nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos), da supressão gradativa da legislação identificada à intervenção
de 64 e ao processo de refinamento do Estado (pós-68) com a incorporação dos mecanismos de
excpecionalidade à constituição.
Em setembro de 1981, o país presenciava um fato histórico:
pela primeira vez desde 1964, um
civil assumia a presidência da República
(Aureliano Chaves substituiu Figueiredo em virtude deste ter
sofrido um enfarto). Se este fato criou expectativas positivas, no mesmo ano (em novembro), o governo
tratou de revertê-las: enviou ao Congresso Nacional projeto de alterações eleitorais que fortaleciam o
partido oficial (então Partido Democrático Social). Em 1982, por decurso de prazo, fazia aprovar ainda o
projeto que impedia coligações partidárias, introduzindo o voto vinculado em todos os níveis (o que
acabou por inviabilizar o Partido Popular).
Apesar destes revezes, o parlamento de forma generalizada, entendia o avanço do sistema
político em direção à normalização institucional, não obstante os movimentos de bastiões conservadores.
Esta percepção resultava imediatamente na elevação da atuação política-parlamentar em fator crucial
neste processo:
o tema predominante nos meios políticos é a chamada abertura política. Uns
setores entendendo que não existe abertura política, outros admitindo como
concreta a abertura política. Pessoalmente, entendo que a abertura política,
embora lenta, é um fato concreto. Existem fatos que proporcionam a dedução de
que na realidade estamos em fase de abertura política.
A revogação do AI-5, a própria anistia, embora não nos termos que se desejava,
são fatores que induzem a afirmativa de que estamos numa real abertura política.
540
Em 1979 foram registrados 3.207.994 trabalhadores em greve. Em 1980, entre tantas, a greve dos
professores universitários teve maior impacto (cerca de 35 mil paralisaram em todo o país), ainda neste
ano, 664.700 trabalhadores estiveram em greve. Lélio Souza/MDB prestava da tribuna sua solidariedade
aos funcionários da indústria de tecelagem que reivindicavam melhores condições de trabalho e a
elevação dos padrões remuneratórios sendo por isso, violentamente reprimidos pelo Brigada Militar, AAL,
142ª Sessão em 23 de outubro de 1979, pp. 421-423. Elygio Meneghetti/MDB, mencionou a greve dos
metalúrgicos em São Paulo, referindo-se ao Ministro do Trabalho, Murilo Macedo, como banqueiro
empregador e escravocrata. AAL, 150ª Sessão em 31 de outubro de 1979, pp. 577-578. José Fogaça por
sua vez, expôs o que considerava como terrorismo da ditadura se abate sobre os trabalhadores ao
denunciar a prisão de lideranças sindicais (comenta o caso de Olivio Dutra), AAL, 150ª Sessão em 31 de
outubro de 1979, pp. 578-579.
340
Além disso, o encaminhamento pelo Executivo Federal ao Congresso da República
da Emenda Constitucional que devolve ao povo o direito da escolha dos
governadores, se constitui em um outro fato concreto. Porém, vozes estão se
ouvindo, denunciando armadilhas para a eficácia da abertura política.
541
Enfim, os procedimentos adotados pelo bloco dirigente durante a gestão Geisel, cumpriram
tarefas elementares na recomposição das funções do Estado. Todas questões que não se encaixavam na
definição do projeto de abertura, eram consideradas retrocessos políticos.
A herança de um quadro político institucionalizado não foi suficiente para o governo Figueiredo
superar a crise derradeira do regime porque sendo distintos, projeto e processo, a relação entre os
movimentos do grupo palaciano e o conjunto das forças político-sociais, no mais das vezes, somente
acirrando as instabilidades, não reequilibrou o regime.
Os cinco eventos aqui analisados, compreendidos como atos da redefinição do Estado,
simbolizaram a concretização dos embates e impasses entre a camada dominante (e seus aliados) e desta
para com o conjunto das camadas dominadas. Entre os primeiros, em uma disputa entre interesses que
refletiam posições reacionárias, conservadoras e progressistas, discutia-se a forma adequada de domínio,
alternância no poder e acumulação. Aos segundos, a reversão do pacto de domínio e das seqüelas do
padrão de desenvolvimento.
Como apontou Cardoso, o que se denominou distensão política repousou na reorganização do
sistema de alianças baseado em delgados limites conservadores.
542
Ao ensejo do processo de abertura rumo à plena normalização democrática que
está em marcha no país desde a revogação do Ato Institucional 5 e,
posteriormente, dos Decretos-Lei 477 e 288 e da proposição ora em tramitação
no Congresso Nacional do projeto de anistia para, paulatina e progressivamente,
a Nação alcançar a pacificação e sairmos do período excepcional ditado pelo
Movimento de 1964 e regressarmos numa normalidade formulada em cima da
realidade brasileira, tendo como suporte a valorização de cada um dos brasileiros.
(...) esse processo de abertura não é apenas, do ponto de vista político,
institucional e eleitoral mas é, também, para abranger a política econômica e
corrigir assim, paulatinamente, rios rumos e alternativas adotadas durante o
período excepcional e que hoje, num processo de abertura, necessariamente devem
ser reformulados, tais como conceitos, procedimentos e estratégias econômicas
para alcançar o outro desiderato maior, contido no processo, que é o da
realização dos anseios sociais da comunidade brasileira.
543
Entre 1979 e 1982, o regime de exceção estabeleceu estratégias com vistas à superação de um
dilema até então aparentemente insolúvel. Para manter a forma-Estado com a correlação de forças
541
Romildo Bolzan/PDT. AAL, 134ª Sessão de 23 de setembro de 1980, pp. 596-597.
542
CARDOSO, Fernando Henrique. A Fronda Conservadora: O Brasil Depois de Geisel. In.:
CARDOSO, Fernando Henrique. A Construção da Democracia: Estudos Sobre a Política Brasileira.
São Paulo: Siciliano, 1993, pp. 185-197. Para grande parte do parlamento, a revogação do AI-5 acelerou o
processo de abertura política e de redemocratização. Rubi Diehl/ARENA. AAL, 153ª Sessão em 7 de
novembro de 1979, p. 71. A “abertura” é um amplo movimento histórico, que, necessariamente, se fará
em várias etapas e em diferentes níveis, nem sempre simultâneos, nem contemporâneos. Rubi
Diehl/ARENA. AAL, 167ª Sessão em 27 de novembro de 1979, p. 518.
543
Rubi Diehl/ARENA. AAL, 95ª Sessão em 15 de agosto de 1979, pp. 318-319.
341
políticas adequadas ao projeto de desenvolvimento, o bloco dirigente necessitava garantir a flexibilização
das relações político-sociais, enfim, garantir um processo, mesmo gradual, de descentralização política.
No bojo deste processo, parte considerável do parlamento relacionava o processo de abertura ao
retorno do papel fundamental do “político” na relação de poder.
544
Para sustentar o controle da política de “abertura” (ou “abertura da política”) pelo bloco
dirigente, a fim de cumprir a sua auto alegada função de garantir e aprimorar o experimento democrático,
aquele (ou setores do bloco dirigente) teve de lançar mão da coerção, de instrumentos próprios do arbítrio
que se pretendia deixar em desuso.
Como bem demonstrou Marcus Figueiredo, a viabilidade de um espaço social comum (político)
dependeria exclusivamente da capacidade dos indivíduos que o compõe manterem um consenso mínimo a
respeito de seus interesses imediatos e fundamentais, quando emergem conflitos de interesses, são três as
possíveis formas de superação: a realização de um novo consenso; pela dissolução do espaço social; ou
pela coerção, cujo resultado tanto pode ser a implementação, pela força, de um novo “consenso” ou,
ainda pela força, a sua dissolução.
545
Inserido em uma crise institucional avalizada pelos descaminhos da dualidade de ordenamentos,
com as relações deterioradas em suas bases de sustentação (restringido a autonomia do bloco dirigente no
uso da coerção, logo sua utilização como recurso político, prática usual no processo de refinamento de
Estado e, durante grande parte do mandato Geisel), somente a primeira via acima descrita conferiria a
retomada da governabilidade e estabilidade ao regime. Porém, a construção do novo consenso, era
tributária de um elemento de união entre frações distintas, algo a cimentar uma identidade coletiva e o
interesse nacional. Percebe-se a funcionalidade de movimentos e campanhas nacionais em nome da
normalização política (mesmo que setores da oficialidade militar ainda reivindicassem a utilização da
coerção).
Todavia, este processo não se realizou sem conflitos. Nos quatro anos que precederam a
circulação do poder, ao menos a retirada da oficialidade militar dos centros decisórios visíveis,
identificavam-se fissuras que desfiguraram a estruturação política.
O processo de dupla fuga transcendeu as relações mediadas pelo Estado, sistematicamente criou
outras relações sociais. Os setores insubordinados das camadas dominadas não pautaram seus
movimentos pelo objetivo de ocupação de posições nas relações impostas pelo regime de exceção, do
contrário, na prática cotidiana de luta recriaram ou construíram outras relações, outros conceitos e
espaços de política para além das imposições da lógica da economia e do cálculo político através do
Estado e do bloco dirigente.
Contudo, a idéia propagada generalizadamente das eleições diretas para presidente, de certa
maneira disciplinou o dissenso canalizando institucionalmente as expectativas, deslocando os pontos de
tensão sociais difusos para as arenas de representação política.
544
Roberto Cardona/ARENA. AAL, 14ª Sessão em 26 de dezembro de 1979, pp. 420-421.
545
FIGUEIREDO, Marcus Faria. A Política de Coação no Brasil Pós-64. In.: KLEIN, Lúcia &
FIGUEIREDO, Marcus Faria. Legitimidade e Coação no Brasil Pós-64. Rio de Janeiro: Forense-
Universitária, 1978, pp. 113-114.
342
Tanto o apelo à “pacificação da família brasileira” quanto os esforços em nome da normalização
da vida política (com o abandono de radicalismos, ideologias e ortodoxias), estavam inseridos neste
processo (aqui reconhecido como reestatização das relações políticas).
Para a ARENA, o impasse vivido pelo sistema político respondia, em grande parte, à ação
desenfreada dos movimentos sociais os quais, desconfiava, eram manipulados em nome da instabilização
do processo político:
O governo e o sistema preocupados, compreensivelmente, com a manutenção da
sua maioria, dizendo que não haveria razão lógica que pudesse explicar que esse
governo corresse o risco de, em sendo maioria hoje, com a reformulação
partidária e com as transformações da área política, passar a ser uma minoria no
Congresso Nacional. Então, esse governo luta e coloca, como preocupação
primeira, segunda e única, talvez, o fato de que tem de permanecer com essa
maioria. De outro lado, vemos uma oposição, lutando também desesperadamente
por uma unidade, unidade de oposições que lhe permitisse ser também grande,
forte e capaz, num prazo mais curto, de chegar ao próprio poder.
546
A correlação de forças políticas selou a composição oposicionista pelas mudanças. Os interesses
e as posturas progressistas liberalizantes cederam lugar não apenas na defesa de um Estado
suficientemente forte para defendê-los daquele avanço, mas também pela preservação da estrutura de
dominação (reivindicando a interferência do Estado no movimento operário e nas greves).
A insubordinação, ao exigir o deslocamento da “liberalização” do plano meramente formal para
o social, revelou a distância que separava os variados impulsos oposicionistas. Na desconstituição do
regime, as expectativas do empresariado dissidente quanto ao processo em curso, eram distintas dos
trabalhadores organizados do ABC paulista. Estes interesses divergentes, aglutinados pelo “inimigo em
comum”, cedo romperam identidades e reconduziram setores dissidentes ao encontro do projeto do bloco
dirigente.
O momento crítico de questões emergentes como a anistia, a prorrogação dos mandatos dos
prefeitos, a reforma na legislação trabalhista, a revisão da política salarial, o debate acerca do voto
distrital, fez sobressair a indefinição da ARENA. As contradições internas do partido oficial afloravam na
matéria da reorganização partidária (José Sarney, presidente nacional do partido sustentava que não havia
nenhuma decisão referente à extinção dos partidos, enquanto o Ministro da Justiça, Petrônio Portella
afirmava reservadamente que o governo estaria decidido a extinguir os partidos).
Não é de hoje que a Aliança Renovadora Nacional defende o arbítrio, defende o
casuísmo e defende todas as medidas governamentais que signifiquem um atraso
no processo de redemocratização. (...) Um partido que está excluído de quaisquer
decisões formuladas nas ante-salas dos Palácios do Governo; um partido que está
excluído e não participa dos laboratórios da ditadura para encontrar fórmulas
para destruir a oposição e se manter no Poder.
547
Seguro de que poderia assumir a condição de interlocutor válido das pressões sociais, o MDB
passou a relativizar os avanços da abertura, enfatizando o descrédito nas propostas do governo que
546
Jarbas Lima/ARENA. AAL, 142ª Sessão em 23 de outubro de 1979, p. 415.
547
Cezar Schirmer/MDB. AAL, 43ª Sessão em 3 de maio de 1979, pp. 56-57.
343
insistiam em divulgar a “abertura” como concessão do regime ou como evolução do ordenamento
fundado em 1964:
Na medida em que se tenha esta abertura como consentida, como decretada, como
uma “benesse” de cima para baixo, estaremos, isto sim, preparando caminho para
a “fechadura”.
548
Apresentando a “abertura” como concessão, fruto da estratégia de ação (do projeto oficial), o
bloco dirigente reivindicava o poder de controle do processo político. Em última análise, a faculdade de
estabelecer o alcance da “abertura” independentemente dos movimentos da sociedade (ou dos conflitos
originados na dinâmica social), retirando do partido oposicionista a primazia da interlocução junto a estes
setores.
Neste momento, o bloco dirigente utilizou-se de inúmeros artifícios como mecanismos de
dissimulação da crise política. Entre estes artifícios, empreendeu uma inversão discursiva, como lembrou
Mathias: a revolução é vista como “anormal” e a distensão passa a ser vista como condição e não
conseqüência do desenvolvimento socioeconômico.
549
Desta perspectiva, o MDB não reuniria condições de interferir no projeto oficial. Por esta razão,
observava-se um movimento parlamentar oposicionista de revalorização dos movimentos político-sociais,
destacando a força dos atos para além da institucionalidade (protesto, a manifestação, a greve, a
mobilização popular, na reivindicação de questões sociais, políticas e econômicas):
O processo de abertura de ser construído lenta e sofridamente, é verdade, com
vagar, mas com sedimentação no terreno onde se pisa, mas pela prática, pela
prática de atos que sustentam a democracia. E a prática dos atos, traduzidos no
protesto, na crítica, na greve, na passeata, enfim, em toda e qualquer forma de
mobilização popular, na defesa de reivindicações políticas, sociais e econômicas.
(...) É a intensificação desse processo reivindicatório que poderá criar no país,
condições concretas para sustentar a prática da democracia, soluções que hão de
funcionar como um poderoso freio ético, como um poderoso instrumento político
de transformação dessa estrutura. Isto se obterá pela conscientização e esta é
resultado dessa obra de catequese sofrida, sacrificada, mas a única capaz de
romper as amarras que ainda nos mantêm atrelados ao autoritarismo.
550
Ao que a ARENA relacionava os movimentos sociais (a insubordinação) como resultado do
projeto oficial, seguindo uma lógica inaugurada em 64 e que, acelerada pela política de Geisel, chegava
naquela situação à um estágio avançado de “normalização política”:
548
Ibsen Pinheiro/MDB. AAL, 44ª Sessão em 4 de maio de 1979, pp. 70-71.
549
MATHIAS, Suzeley Kalil. Distensão no Brasil: O Projeto Militar – 1973/1979. Op. Cit., p. 106.
Apesar de identificar esta alteração como uma exclusiva mudança discursiva do presidente Geisel, no
momento em que o presidente centrava sua mensagem no problema político, a observação da autora é
reveladora dos encaminhamentos do bloco dirigente em meio à um cenário adverso, ou seja, mesmo
sendo necessidade para a própria manutenção da “forma-Estado” a incorporação de elementos que
invariavelmente implicariam em mudanças substanciais no próprio projeto do bloco dominante, estas
eram apresentadas como componentes do ideário fundador do regime.
550
Lélio Souza/MDB. AAL, 44ª Sessão em 4 de maio de 1978, p. 71.
344
O ano de 1979 é o ano da abertura política. Muitos não acreditam, refiro-me aos
políticos do MDB. Eu pessoalmente acredito na capacidade, na sensibilidade e
sobretudo, na boa intenção do Sr. presidente da República que, realmente quer a
redemocratização deste país. Dizem os deputados da oposição que a
redemocratização deve partir do povo. Concordo com essa assertiva, pois se
somos representantes do povo, nós, como políticos, temos a importante tarefa de
provocar debates sobre os assuntos da atualidade como: prorrogação de
mandatos, coincidência das eleições, anistia, novo modelo político, voto
tradicional ou distrital.
551
A cada debate, a acusação que ambas bancadas faziam, governistas e oposicionistas, recobria-se
de verdade indelével: uma distância, e em certos momentos divergência, entre os representantes
institucionais e a vontade expressa pelas manifestações sociais.
O nosso compromisso é com a normalização institucional do País, através do
Congresso Nacional, com ou sem a participação do MDB. (...) O Brasil está em
uma fase decisiva de transição, saindo de um período excepcional de revolução
para retornara uma plena normalidade institucional, sem traumas, sem tumultos.
Acho que nessa fase o MDB teria muito mais a dar do que manter-se nas meras
postulações políticas.
552
Vivendo o país em um sistema de escolha partidária bipolar, não havia
como escamotear o desgaste do regime quando em consultas eleitorais.
Afirmava-se a tendência ao voto oposicionista. Com efeito, a própria
bancada arenista lançava luz acerca da imperiosidade de uma
reformulação partidária como ponto de partida ou pressuposto da
normalização das instituições e do processo político-eleitoral:
onde haja autenticidade de atuação dos partidos políticos a comandarem
novamente, e não como ocorre hoje, a opinião pública, os destinos da Nação, e
quando chegados ao poder, através de um preposto seu, executarem, realmente,
um programa autêntico dentro de uma diversidade de linhas, de segmentos
ideológicos que é muito maior do que 2: são 4,5 ou 6.
553
Uma das leituras possíveis de manifestações como a destacada acima, era de que o partido que
compunha a bancada governista procurava intervir no único espaço possível – dada a distância e a
exclusão com os centros decisórios, relegados à cúpula da oficialidade militar e a poucos tecnocratas que
mantinham em comum, um enunciado desprezo pelos políticos.
Este espaço de movimentação, localizava-se na disputa partidária, onde a aproximação de um
processo de revigoramento do poder exigia uma base partidária significativa e esta, quem detinha naquele
momento, era o MDB. Assim sendo, o partido oficial procurou desequilibrar a correlação de forças
políticas a seu favor, ou seja, em um novo sistema político-partidário havia a possibilidade de
rompimento com a identificação ao passado “duro”.
551
Lóris Reali/ARENA. AAL, 51ª Sessão em 15 de maio de 1979, pp; 262-263.
552
Rubi Diehl/ARENA. DAL, 94ª Sessão em 2 de agosto de 1978, p. 12 (publicado em 16 de agosto).
553
Id., p. 9.
345
Também desvincularia o partido da crise econômica e institucional, receberia um novo “fôlego”
para as disputas eleitorais (renovação da sigla assim permitiria), com um discurso fluído em relação à
atual dependência do poder central, poderia angariar novos adeptos que não os políticos tradicionais e,
por conseqüência óbvia, teria condições de assumir espaços viabilizados pela fragmentação da
oposição.
554
Foi neste cenário que ocorreu o revigoramento da atividade parlamentar.
555
A ARENA vislumbrava a abertura política na forma de um instrumento para compartilhar a
crise, pois aludia que aquela não poderia ser resumida ao plano político-institucional mas, sobretudo no
cenário de colapso econômico e de descontrole administrativo em que se encontrava o país, teria de ter
uma contrapartida na gestão do Estado e das estratégias políticas. Esta posição fora interpelada pela
oposição:
Infelizmente, o povo brasileiro e com ele também as oposições, têm que pagar
neste país, duas contas; a primeira, a “conta da fechadura” e agora, a segunda
conta que é a “conta da abertura”. Depois de 1964 foram as oposições que
pagaram a “conta da fechadura”, do regime de repressão , do regime de
fechamento político e do mais negro e brutal autoritarismo de que se tem notícia
na História deste país. Quem pagou a conta foram os trabalhadores com o arrocho
salarial desumano e implacável que se abateu sobre aqueles que produzem e
trabalham neste país. Quem pagou a conta, na época, também foram os homens
da oposição, que sofreram o banimento, as cassações, a perda de empregos, os
expurgos. (...) Mas, agora, querem cobrar uma outra conta deles, que é a conta da
abertura. Quem tem que resolver os problemas, os fracassos, as contradições, os
desmandos, os erros do governo é a oposição. Se a oposição não apresentar um
programa alternativo e um modelo econômico que solucione os erros terríveis e
incalculáveis que foram praticados por esse regime sem o consentimento do povo
brasileiro, terá que assumir a conta, o ônus o débito.
556
Nos termos da bancada situacionista, a oposição institucional havia cruzado os braços desde
1964, omitindo-se e condicionando as proposições aos problemas do país à conquista do poder.
557
I
Ato 1: A Lei da Anistia - Institucionalização da “Pacificação da Família Brasileira”
558
- da
mesma forma que a coerção explícita havia se tornado recurso de poder inviável no cenário da
554
Tanto que o deputado Cezar Schirmer ocupou a tribuna para ressaltar: o PDS não é oposição, embora
queira, embora pareça, embora tente. Oposição é o PMDB, oposição é o PDT, oposição é o PT e às
vezes até o PTB, mas o PDS nunca. AAL, 158ª Sessão em 23 de novembro de 1983, p. 376.
555
Desta maneira, compreende-se como o próprio SNI virou pauta de discussão em plenário, algo
inimaginável até meados da década de 70. Mesmo assim, a questão era tratada de maneira “diplomática”,
onde o MDB observava uma autonomia perniciosa à construção democrática, a ARENA reconhecia um
elemento fundamental na defesa nacional. Romildo Bolzan/MDB e Jesus Linhares Guimarães/ARENA.
AAL, 45ª Sessão em 7 de maio de 1979, pp. 94-98.
556
José Fogaça/PMDB. AAL, 30ª Sessão em 22 de abril de 1981, pp. 493-494.
557
Jarbas Lima/PDS. In.: Id., p. 494.
558
As visões distintas dos partidos acerca da questão da anistia podem ser exemplificadas pelas
manifestações de: Carlos Augusto de Souza/PDT, AAL, 115ª Sessão em 1º de setembro de 1980, pp. 39-
40. Nivaldo Soares/PMDB, AAL, 117ª Sessão em 3 de setembro de 1980, pp. 108-109. Rubi Diehl/PDS,
AAL, 117ª Sessão em 3 de setembro de 1980, pp. 160-161.
346
flexibilização das relações políticas, o regime não reunia condições de sustentar a exclusão política
explícita e a restrição na participação no momento em que, as alterações na estrutura de poder
mostravam-se irreversíveis.
A anistia política inseria-se neste quadro. Porém, a adoção da “repatriação política” e a anulação
dos crimes “de natureza política” através da Lei da Anistia, também cumpriram importante mecanismo no
disciplinamento do dissenso. Para o Parlamento, a medida estabelecia o pressuposto da circulação de
poder ao atender aos ditames da “volta à caserna” – a institucionalização do “não revanchismo” (no
entender do discurso oficial a “pacificação da família brasileira”).
A anistia de 1979 refere-se aos punidos por delitos políticos e “conexos” com
fundamento nos Atos Institucionais e Atos Complementares, cometidos no período
compreendido entre 2 de setembro de 191 (crise político-militar da renúncia do
presidente Jânio Quadros) e 15 de agosto de 1979, excluídos os condenados por
terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. No caso dos funcionários
públicos, o retorno e a reversão ao serviço ativo não constituíram procedimentos
automáticos, visto que foram condicionados às exigências profissionais da
Administração civil e das Forças Armadas. Estes direitos não se aplicariam
automaticamente, pois seu cumprimento dependeria da existência de vagas e do
interesse da Administração, confirmados por comissões especiais, excluídos os
punidos por improbidade administrativa.
559
Procurando se estabelecer como alternativa de poder, a bancada emedebista
ressaltava o caráter de conciliação do partido, defendendo que a anistia seria o melhor,
senão único, caminho para pacificar o País:
Anistia não é palavra proibida em nosso País, a não ser para aqueles que
advogam a perpetuação do regime de exceção, porque são beneficiários deste
regime, na corrupção que lavra neste País, e para cuja contenção o Governo o
tem força.
Anistia não é palavra proibida; é palavra mágica para promover a conciliação
nacional.
Estamos vivendo momentos decisivos no entrechoque das forças que querem a
democracia e daquelas que não querem a democracia e para evitá-la usam de
todos os meios e modos, forjando pretextos e motivos para intranqüilizar o País e
justamente colocar no caminho que nós deveremos percorrer, pedras de
incompreensão, de ódio, de intolerância. (...) Mas, nome da preservação da lei,
daqui para frente, que se ponha um freio naqueles que exorbitam no exercício das
suas atribuições e através da ação disciplinar, que, de maneira exemplar, se
559
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. De Geisel a Collor: Forças Armadas, Transição e Democracia.
Campinas: Papirus, 1994, p. 180. A anistia foi estabelecida pela Lei n°6.683 de 28 de agosto de 1979 e
regulamentada pelo Decreto nº 84.413 de 31 de outubro de 1979. Como especificado no corpo daquela
lei, considerava-se “conexos” os crimes de qualquer natureza relacionados aos crimes políticos ou
praticados por motivação política. A crítica à morosidade dos processos de anistia foi levada ao
parlamento pelo deputado Victório Trez/MDB, AAL, 132ª Sessão em 9 de outubro de 1979, pp. 142-143.
Como também lembrou Rizzo de Oliveira, ao lado do conceito de “crime conexo”, a Lei da Anistia de
1979 trata de outra questão extremamente sensível, qual seja, a dos desaparecidos políticos; cerca de
125 pessoas que não têm referência precisa sobre sua sobrevivência aos processos de repressão política.
In.: Id., pp. 180-181.
347
procure imprimir a essas forças o rumo realmente consetâneo com as suas
obrigações e com as suas destinações constitucionais.
560
A Lei da Anistia reconhecia a existência da figura do desaparecido político. O Estado admitia,
mesmo em parte, os excessos cometidos em nome e pelo regime. Esta questão sintetizou o estágio
político daquele momento:
o Estado fragilizado assumia os excessos cometidos por frações do regime
.
Manifestava-se o primeiro sintoma do sacrifício de parcelas bloco dirigente em nome da preservação do
bloco dominante (em um primeiro momento, a tecnoburocracia, posteriormente, a “linha-dura”
assumiram este ônus).
Ao mesmo tempo em que o bloco dirigente empreendia a ampliação do espaço de movimentação
política, a ARENA gaúcha manteve restrições à atuação das entidades de resistência da sociedade civil,
chegando a manifestar da tribuna, sua inconformidade com as ações do Comitê Brasileiro pela Anistia,
compreendendo que estas desafiavam as leis e as autoridades, vinculando os possíveis excessos daquela
entidade (“desordem inconseqüente”) à possibilidade de interrupção do processo de aprimoramento das
instituições políticas capitaneado pelo governo.
A ARENA relacionava a morosidade da normalização política à atuação política direta de
setores da sociedade, fruto então, de uma sociedade imatura politicamente: não utilizando os canais
adequados de mediação política, radicalizava o cenário, abrindo espaço ou para uma paralisia decisória ou
mais grave ainda, um retrocesso autoritário. O acirramento das questões políticas tinha origem muito bem
definida: Leonel Brizola que, do exílio orientara seus correligionários a deslocar a ênfase de luta da
Assembléia Constituinte para a anistia.
561
Este raciocínio revelava a incompreensão da dinâmica política: nas circunstâncias em que se
encontrava a correlação de forças, apenas a segunda bandeira de oposição - a anistia - poderia ser viável,
daí a mudança da pauta. De outro modo, às oposições não era adequado a inclusão de elementos
desestabilizadores no processo.
No início de agosto de 1979, a bancada emedebista teve de manifestar suas impressões quanto ao
projeto de anistia e a identificação deste, por parte da ARENA, às intenções oficiais no processo de
redemocratização: uma anistia discriminatória, limitada e restritiva, inevitavelmente importará numa
democracia de iguais características, e não passará na verdade de um arremedo de democracia.
562
A crise econômica e o arrocho salarial instauravam componentes à mais nesse processo, a ação
de especuladores, sonegadores, grupos econômicos nacionais e transnacionais, de certa forma
transformavam a crise (“politização” da crise econômica):
Este é o país da farsa, é o país do engodo, é o país da mentira, governado por um
governo incompetente e que não representa o povo. Esta é a nossa triste realidade.
Quando, amanhã, o povo sair às ruas em busca de alimentos, que não venha esse
560
Lélio Souza/MDB. DAL, 117ª Sessão em 5 de setembro de 1978, pp. 2-3 (publicada em 25 de
setembro). Grifos nossos.
561
Posicionamento arenista defendido por Pedro Américo Leal. Réplicas emedebistas desenvolvidas por
Waldir Walter, Lélio Souza, Carlos Augusto de Souza e Elygio Meneghetti. DAL, 117ª Sessão em 5 de
setembro de 1978, pp. 5-9 (publicado em 25 de setembro).
562
Júlio Vianna/MDB. AAL, 85ª Sessão em 1º de agosto de 1979, pp. 2-4.
348
governo dizer que é subversão, que não venha reprimir, porque da repressão
sempre surge a convulsão e a guerra civil.
563
A insubordinação se revelou funcional ao MDB, ao alimentar “fantasmas” do cenário político, o
partido colocava-se na posição de interlocutor (como a ARENA não angariava credibilidade junto àqueles
setores), o partido oposicionista acabou sendo identificado pelo regime, como intermediário, por
excelência, da relação do estado com os movimentos sociais.
As proposições de uma legislação específica acerca da anistia aos denunciados por crimes
políticos, reivindicadas durante praticamente toda a década de 70, somente foram homologadas pelo
bloco dominante a partir do momento em que esta não representava mais um elemento de desequilíbrio na
estrutura de poder e no sistema político. No instante também, em que a manutenção da exclusão política
explícita por parte do regime não poderia mais ser sustentada (sendo esta, também um mecanismo de
disputa doméstica contra os setores ortodoxos da instituição militar). Quando o regime cercado de
salvaguardas institucionais poderia acolher elementos expurgados que não mais representariam uma
alternativa ao poder, caso de Leonel Brizola.
A decretação da Lei da Anistia, também foi utilizada como componente nas disputas políticas
internas ao pacto de dominação e elemento de contenção externa, na medida e que abria possibilidade de
apresentar a reintegração daqueles sujeitos como concessão do regime e ponto do projeto do governo.
Por esta razão, a oposição manifestava veementemente que a anistia era um processo inevitável,
o qual o regime não teria condições de conter das as pressões sociais
O projeto do governo, crivado de discriminações, cheio de limitações, insuscetível
de proporcionar a realização daquilo que uma anistia deve promover, o
desarmamento dos espíritos, o congraçamento nacional e a confraternização de
todos os brasileiros. O que se espera e que o Congresso Nacional aja em função
destas salutares pressões democráticas e se desvencilhe dos compromissos com o
regime autoritário, auxiliando o trânsito que queremos breve do regime
autoritário para o regime democrático ao aprovar uma proposta que possa
realmente contribuir na pacificação de todos os brasileiros.
564
Ao mesmo tempo, representou um ponto estratégico a favor do bloco dirigente na medida em
que comprometeu setores da oposição com o programa da gradual “abertura” – base da rearticulação do
563
Romildo Bolzan/MDB. AAL, 85ª Sessão em 1º de agosto de 1979, pp. 9-10. Na mesma sessão, Elygio
Meneghetti/MDB exaltava a mobilização dos trabalhadores e rechaçava a repressão imposta à estes:
quando chegaremos, todos nós, à compreensão do que representa um movimento sindical? O que
representa uma greve? Um movimento sindical não é feito por bichos, por sarnentos ou por portadores
de pestes. Uma greve, um movimento sindical é feito por gente igual a nós, por trabalhadores
subnutridos que trabalham dia-a-dia. (...) Infelizmente o poder econômico instalado em nosso país tornou
nossa classe trabalhadora escrava, amordaçada, porque o governo, conivente como tem sido nestes
últimos 14 anos com o poder econômico, especialmente com o poder econômico internacional, permite
que o trabalhador seja explorado, seja ele da cidade ou da colônia, permitindo que o poder econômico
enriqueça cada vez mais nas mãos de poucos, enquanto milhares e milhares de brasileiros sofrem
angustiados os problemas de saúde, de fome, de educação. In.: Id., pp. 13-14.
564
Lélio Souza/MDB. AAL, 99ª Sessão em 21 de agosto de 1979, pp. 408-411. As posições definidas pela
direção do partido estão expostas em: Constituinte Com Anistia – Compromissos Políticos, Sociais e
Econômicos do MDB. Brasília: Diretório Nacional do Movimento Democrático Brasileiro – Coleção
Alberto Pasqualini, Volume XV, 1978. Grifos nossos.
349
processo político mediado por interlocutores forjados pelo próprio regime (caso de Tancredo Neves).
Portanto, era garantida a condução política em bases excludentes, sem a participação de setores sociais
organizados fora dos limites do Estado.
Os recuos autoritários do governo - como a violenta repressão policial à trabalhadores
(operários da construção civil) em Minas Gerais – eram compreendidos como fruto da crescente
autonomia dos aparelhos de informação e segurança, organismos do próprio Estado que se interpunham à
democracia. Portanto, eram observados como anomalias no projeto desenvolvido pelo regime:
não podemos nos iludir e pensar que tudo não passou de um deslize autoritário da
ditadura reformada, de um excesso involuntário na aplicação da força. (...) Os
órgãos responsáveis pelos seqüestros, torturas, mortes e desaparecimentos de
militantes políticos de oposição, em momento algum foram desativados e
continuam atentos em sua sina histórica de repressão.
565
Acossado pelo movimento organizado em favor das mudanças (agregado ainda o fator da crise
econômica), o bloco dirigente acelerou a estratégia de estabilização conservadora com o lançamento do
projeto de anistia em 27 de junho pelo próprio presidente Figueiredo (segundo o MDB pouco amplo,
nada geral e muito restrito), com a evidente intenção de renovar sua fachada ditatorial sem alterar
essencialmente seu conteúdo repressivo.
566
Na ocasião do Encontro Nacional da Anistia, em Brasília (agosto de 1979), as manifestações da
bancada do MDB evidenciaram a referida postura de interlocutor legítimo que o partido passaria a
ostentar, pois era o estuário das oposições, instrumento legal do exercício da atividade política de
oposição ao governo.
567
o tendo condições de barrar o processo em curso, a ARENA procurou “capturá-lo”,
divulgando-o como iniciativa governamental:
entendemos que o governo está dando, no atual estágio de desenvolvimento
político do país, o melhor exemplo e o mais incontrastável sinal de que
compreende o período de aberturas para o aperfeiçoamento das instituições
democráticas.
568
565
Antenor Ferrari/MDB. AAL, 86ª Sessão em 2 de agosto de 1979, pp. 56-57.
566
Id. Carlos Augusto de Souza/MDB além de criticar o Projeto de Lei que propunha a anistia, destacava
a inconformidade dos presos políticos com aquela proposta, o que resultou na greve de fome como
protesto de 12 presos no Rio de Janeiro o qual rendeu um manifesto de solidariedade do Movimento
Feminino Pela Anistia , seção do Rio Grande do Sul (transcrito a pedido do deputado). In.: Ibid., pp. 70-
71.
567
Lélio Souza/MDB. In.: Ibid., p. 57-58. Segundo Cezar Schirmer/MDB: o projeto de anistia do
governo tem o sentido de humilhar aqueles brasileiros que, no passado, ofereceram seu idealismo, o seu
destemor em prol desta Pátria. AAL, 89ª Sessão em 7 de agosto de 1979, p. 126. Victório Trez/MDB por
sua vez destacava que com a mesma contundência que a sociedade reclamava a instauração do Estado de
Direito e a concessão de uma plena anistia política, ela se pronunciava frustrada com a pobreza da
proposta oficial pela anistia. Não serviria para “pacificar a família brasileira”. AAL, 90ª Sessão em 8 de
agosto de 1979, pp. 155-156. posteriormente, Lélio Souza/MDB denunciava a rejeição das emendas ao
projeto propostas pelo partido de oposição. Lélio Souza. AAL, 105ª Sessão em 29 de agosto de 1979, pp.
593-598.
568
Guido Moesch/ARENA. AAL, 10 Sessão em 22 de agosto de 1979, pp. 423-424. Cezar Schirmer
replicou este pronunciamento com um comentário atribuído ao senador emedebista Teotônio Vilela: os
350
A administração Figueiredo desde seus primeiros momentos, foi caracterizada pela convivência
de um conjunto de formalidades e ritos democráticos, sem ainda ter abandonado o arbítrio, dado o
acirramento dos antagonismos sociais.
Ainda assim, havia um conjunto de perspectivas acerca do processo de rearticulação política que
se avizinhava. Por esta razão, os atores políticos institucionais procuraram redimensionar posturas frente a
questões delicadas como o avanço da sociedade civil, a crise institucional e falência econômica.
O governo ainda teve a necessidade de criar estratégias e mecanismos com a intenção de impedir
a formação de uma coalizão de interesses oposicionistas sintetizada no MDB (a qual poderia reunir
dissidentes do regime, entidades de resistência da sociedade civil, focos de insubordinação e as camadas
médias)
O projeto de anistia sintetizou o caráter das mudanças que se implementavam e ainda seriam
implementadas: o passado seria intocável. Porém, especificamente uma seqüela da aplicação de uma
legislação de anistia indistinta para acusados e acusadores, reprimidos e repressores, somente iria revelar-
se mais tarde: ampliou a autonomia de ação de setores militares contrários às mudanças.
Por fim, vivia-se um processo curioso no país: os cada vez mais visíveis sinais de esgotamento
da forma-regime de exceção não reverteram no esgotamento do “político”, pelo contrário, manifestava-se
a correlação entre a crise da forma-regime com as crises instauradas a partir da insubordinação. Em outros
termos:
não havia identidade imediata entre o público e o estatal
.
Em um curto espaço de quatro anos (80 a 84), o apelo à normalização política (a
redemocratização) e a ênfase na readequação econômica constituíram a resposta adequada à crise do
Estado.
II
Ato 2: Reforma Partidária - Reinstitucionalização e Atomização Política
569
- a inviabilidade de
soluções em curto prazo para a crise econômica e conseqüentemente, a pouca margem de manobra no
campo social, deixava ao bloco dirigente, como alternativa de intervenção na crise, a atuação na área
passível de mudanças: o campo político.
políticos da ARENA devem promover a rebelião das suas consciências, antes que aconteça a rebelião das
massas. AAL, 101ª Sessão em 23 de agosto de 1979, pp. 447-449.
569
O texto do Projeto de Lei que versava sobre a Reforma Partidária, aprovado em 21 de novembro de
1979 e sancionado pelo presidente Figueiredo em 16 de dezembro sob forma da Lei nº 6.767, foi
transcrito na íntegra. AAL, 7ª Sessão em 17 de dezembro de 1979, pp. 303-305. Em mais uma
peculiaridade do sistema político institucional do regime de exceção brasileiro, o parlamento ficou sem a
representação partidária durante a fase de adequação à legislação em meio à 45ª Legislatura, ou seja, sem
a referência simbólica que os partidos também desempenhavam. Obviamente, esta situação não teve
reflexos substancias na identificação partidária por parte do eleitorado em virtude do próprio caráter dos
antigos partidos e base referencial dos novos partidos ser pautada pelas relações pré-64. O Partido
Democrático Social foi o primeiro a se estruturar tendo transferência quase total dos quadros da ARENA
(tendo seu programa aprovado em 30 de janeiro de 80). Este foi seguido pelo Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (em 10 de fevereiro, mesma data da aprovação do manifesto de criação do Partido
dos Trabalhadores). Dois dias após o PMDB, foi a vez do Partido Popular lançar, através de Tancredo
Neves, o plano de ação política do partido. Envolvido em uma pendenga judicial, o Partido Trabalhista
Brasileiro da deputada Ivete Vargas obeteve registro no TSE apenas em maio, duas semanas antes de
Leonel Brizola organizar o Partido Democrático Trabalhista.
351
Visava, sobretudo, a superação da crise de representação. Para tanto, estabeleceu como
prioridade imediata a definição da agenda política. Esta se revelou um eficaz e sutil mecanismo de
direcionamento do processo político e contenção de impulsos transformadores.
A proposição da reforma partidária compôs outra medida de estabilização política (como fora a
Lei da Anistia e depois viria a ser a legislação eleitoral que norteou as eleições gerais de 1982).
A necessidade de estabilização política – logo convertida em exigências de governabilidade –
também respondia às imposições da “volta aos quartéis” (posições assumidas por parte da oficialidade
militar que reconhecia a incapacidade do regime se reproduzir) no mesmo momento em que afirmavam-
se arenas políticas substantivas. A estabilização implicou em uma ampla negociação que abarcou
inclusive, a questão da reforma partidária, da anistia e do reconhecimento do dissenso como inerente ao
processo político.
Obviamente, este novo quadro conjuntural foi permeado por impulsos de “volta ao passado
repressivo, causando uma série de tensões domésticas que também entraram no cálculo da transição.
A necessidade da volta aos quartéis e as exigências de revigoramento das instâncias de
representação política, acabaram por reorganizar e revigorar a unidade do bloco dominante.
Neste sentido, a reforma partidária, base de reativação do sistema pluripartidário, esteve muito
além do consagrado pela crônica política: não apenas fragmentou as oposições em um cenário de eleições
plebiscitárias e abonatórias das bandeiras oposicionistas, mas surtiu o efeito de paliativo nas limitações
impostas pela dualidade de ordenamentos (visto não haver relação entre o êxito eleitoral e a conversão
deste em efetiva de circulação de poder) sobretudo, rearticulou o bloco dominante fragilizado pelos
inúmeros interesses não contemplados.
570
Nas condições impostas pela excepcionalidade, o partido único de apoio ao governo cumpriu
tarefa histórica na aplicação de um determinado projeto. Contudo, aquele não se mostrava adequado na
expressão dos interesses corporativos e de frações sociais da base governista não contempladas naquele
período. Os novos partidos políticos que se organizavam, também se prestariam a dar vazão a objetivos
setoriais (ou pontuais) e interesses imediatos do bloco dominante.
A garantia de pluralização partidária manifestava a necessidade de fundação de um partido que
cumprisse um conjunto de funções, entre outras, ser um pólo de atração e cooptação de segmentos que se
desprenderam do bloco de poder, como apontou Fernandes provocar uma gradual desconcentração
militar do regime e uma transferência paralela das tarefas (da oficialidade militar para a sociedade
política) solidificando os parâmetros da descentralização do poder.
571
A ARENA, até mesmo pela
estrutura do sistema de poder, em nenhum momento reuniu condições para tal. Seu sucessor, o Partido
Democrático Social, nascia sob o sinete do arbítrio e, por fim, o efêmero Partido Popular, que poderia
cumprir essa função, naufragou em meio às condições reais da vida política: a prática de engenharias
eleitorais que inviabilizaram uma agremiação partidária de bases diminutas.
570
As divergências no bloco dominante foram explicitadas pela depuatada Dercy Furtado/PDS, que
criticava duramente o ministro Delfim Neto, referindo-se àquele como “ministro técnico”, o qual, não
tendo indicação partidária tomava decisões como soberano indo em posição contrária aos interesses do
próprio partido. AAL, 36ª Sessão em 10 de Abril 1980, pp. 168-169.
571
FERNANDES, Florestan. A Ditadura em Questão. São Paulo: T.A. Queiroz, 1982, p. 28.
352
Nesta conjuntura, o Parlamento ratificou o “consenso” de que o revanchismo poderia a ser o
maior obstáculo na consolidação do novo ordenamento.
Todavia, a Lei da Anistia e o retorno dos exilados políticos somente teriam sentido para a
estratégia do bloco dirigente com, ato contínuo, a complementação estabelecida pela reforma partidária.
o seria coerente ao projeto estabelecido, ampliar os atores políticos legítimos justamente com
indivíduos que invariavelmente não seriam cooptados por nenhuma política oficial que não significasse o
próprio final do regime. Por exemplo, seria incoerente o regime permitir o retorno de Leonel Brizola ao
país e este ter como única alternativa o ingresso no MDB ou, em outra especulação, os trabalhadores que
se organizavam entrarem em bloco no partido de oposição.
O sistema político bipartidário não comportaria este tipo de expressão política e o partido de
oposição transcenderia as funções pré-determinadas pela estrutura do poder.
Além do mais, as medidas oficiais no plano político, de certa maneira resignificavam antigas
demandas oposicionistas. Mesmo os revezes do regime, logo foram convertidos em componentes do
projeto de “distensão política”. Ambas tinham uma razão específica para o bloco dirigente: garantir a
manutenção do controle político.
A revitalização das estruturas de representação política fora apresentada como pressuposto da
saída da crise econômica.
Por óbvio, a questão da reformulação partidária suscitou as maiores polêmicas e as mais diversas
contendas do parlamento gaúcho no período da transição.
A partir de 1980, houve o reatamento do padrão (pré-64) que relacionava desenvolvimento
econômico com a organização do consenso político. Antes da denúncia de falência do sistema de
representação política vigente, mesmo assentando-se na utilização da mediação e compromisso
institucionalizado dos partidos (que nos termos de Negri é chamado de “o Estado de partidos”
572
), as
ações oficiais procuraram o restabelecimento da previsibilidade política. Esta guardava relação com a
estabilização nas relações de dominação, estremecidas com a crise do padrão de acumulação e com o
processo de dupla fuga.
A tarefa imediata dos partidos, projetando um novo sistema representativo, configurado e
estabelecido enquanto prática legítima, não reuniu as condições de formalizar, em espaços próprios e
simbólicos, os enfrentamentos de uma sociedade inserida em um rápido processo de transformação.
Aquilo que Rouquié chamou de cena de conflitualidade, não encontrou um sistema de pacificação que
pudesse decodificar os cada vez mais acirrados embates políticos e as mais explícitas vias do litígio
social.
573
A superação da dualidade de ordenamentos, acabou por estabelecer a base de reequilíbrio da
situação, para tal, impunha-se o restabelecimento da herança histórica do experimento democrático - o
aspecto perene do secular processo democrático ocidental: a generalização da convicção de que a
legitimidade do exercício do poder dependeria necessariamente do consentimento dos governados. Como
572
NEGRI, Antonio. Por um Novo Modelo de Representação Política. In.: Futur Antérieur. 4, Paris:
L’Harmattan, 1990, p. 3. Tradução de Alberto Nadal.
573
ROUQUIÉ, Alain. O Mistério Democrático: Das Condições da Democracia às Democracias Sem
Condições. In.: ROUQUIÉ, Alain; LAMOUNIER, Bolivar; SCHVARZER, Jorge (orgs.). Como
Renascem as Democracias. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 23.
353
sugeriu Jaguaribe, os processos de democratização – e posteriormente, de redemocratização - consistiram
na incorporação, na forma gradual ou brusca, dos estratos inferiores da sociedade às muitas modalidades
de participação na condução ou tomada de decisões dessa mesma sociedade.
574
As limitações do sistema político pós-64, na conjuntura da flexibilização das relações,
assumiram o caráter de crise de representatividade. Os partidos políticos não representavam
adequadamente o conjunto de interesses da sociedade. Por esta razão, a instabilidade do regime guardava
relação com a ausência de instâncias capazes de estabelecer canais de relação com as camadas excluídas
do sistema de poder.
Como resultado destas questões, o país assistiu ao ressurgimento da política para além dos
limites do Estado (desde entidades de resistência como os Comitês Pela Anistia até organizações
apartidárias em defesa de interesses corporativistas).
Porém, o Brasil possuiu a especificidade de - no transcorrer do processo de constituição do
sistema político-representativo - todos os movimentos que detinham a intenção de ampliar o espaço da
democracia no sistema político – em qualquer etapa do desenvolvimento político brasileiro - conduziram
a retrocessos conservadores, quando não autoritários.
O importante na reformulação partidária e no defrontamento das questões que o
país tem, não pode girar em torno de valores carismáticos, no culto à
personalidade de quem quer que seja. (...) Queremos propor, pelo Rio Grande ao
Brasil, com a participação, repito e insisto, de todos os setores da comunidade, um
novo programa, um novo pacto para a Nação. Este papel nos é conferido no
processo de abertura e normalização. (...) Para o encaminhamento de um sistema
pluralista fundamento primeiro de uma democracia estável e autêntica, temos que
ter a participação, a opinião, as críticas, as colocações da juventude estudantil, ou
não, dos operários, dos comerciantes, dos intelectuais, na formulação de um
novo programa que pode suceder a ARENA, ou o MDB, ou não, mas sem um
prévio comprometimento com ninguém, muito menos de pessoas que muitas vezes
de fora pretendem retomar o comando na “estância” que outros administravam e
relegar, aos que durante 15 anos ficaram aqui, à condição de capatazes ou de
peões.
575
Em razão do processo de refinamento do Estado e da tendência do regime, nas palavras de
Lechner, em encarnar a unidade orgânica, a totalidade do corpo social, as expressões políticas dos
diferentes interesses caracterizavam-se não apenas pelas manifestações extraparlamentares mas
sobretudo, pelo particularismo e pela ausência de identidades coletivas.
576
o reunindo condições de garantir a desvinculação do Estado das pressões sociais e, com o
mesmo caráter, tendo dificuldades em manter as frações sociais que sustentavam a própria estrutura de
poder, os movimentos do bloco dirigente tiveram de superar a rigidez do sistema político, posição esta
que veio à ativar e dinamizar um conjunto de conflitos que impediram a manutenção de práticas
574
JAGUARIBE, Hélio. O Experimento Democrático na História Ocidental. In.: JAGUARIBE, Hélio [et
al.]. Brasil, Sociedade Democrática. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985, p. 102.
575
Rubi Diehl/ARENA. AAL, 85ª Sessão em 1º de agosto de 1979, pp. 14-15.
576
LECHNER, Norbert. Pacto Social nos Processos de Redemocratização: A Experiência Latino-
Americana. Op. Cit., p. 39.
354
acondicionadas nos valores autoritários. O bloco dirigente empreendeu um esforço pela recuperação da
“sociedade política” em meio à efervescência da “sociedade civil”.
A partir da revogação do Ato Institucional n.º 5, com o advento da Lei da Anistia
e, depois com a seqüência de atos dentro do processo de abertura e de
normalização política do país, estamos praticamente sob a égide de uma nova lei
que visa a proporcionar a reformulação partidária no país para se instituir, o
quanto possível, o pluripartidarismo.
577
Compreende-se portanto, a enfática alusão parlamentar, de que o sistema político criado pelo
regime pós-64, reverteu em um processo de desmoralização da “classe política” perante a opinião pública,
a qual não observava, naqueles, canais adequados de encaminhamento de demandas.
578
Esta mesma
argumentação foi utilizada pelo MDB no rechaço à reforma partidária, a qual segundo o partido, visava
desprestigiar a “classe política”, induzindo a sociedade a perceber que o MDB e a ARENA fracassaram
em suas tarefas em atender as reivindicações da sociedade, contribuindo no cenário de crise, ou seja, o
governo atestava a “incapacidade dos políticos” através de uma reforma gestada de “cima para baixo”.
579
Os partidos e os políticos forjados ao longo do regime de exceção, sem o enraizamento próprios
dos partidos - senão constituídos pela base ao menos da interlocução de seus próceres com segmentos
sociais - despertavam uma crescente desconfiança, logo convertida em distanciamento, dos movimentos
da sociedade civil. Peculiaridade esta, acirrada com a desvinculação das demandas parlamentares com os
interesses dos movimentos sociais e das organizações de resistência.
Motivos para a resistência aos partidos não faltavam. O primeiro, efeito da antecipação do
regime na implementação de alterações nos partidos, foi observado na neutralização das reivindicações
emedebistas.
Praticamente, desde a definição do bipartidarismo em 1966, o MDB denunciava a artificialidade
do sistema político-partidário. Contraditoriamente, a direção do partido de oposição negava a
manifestação de correntes e tendências internas. No mesmo movimento em que reivindicava o retorno à
normalidade política e a institucionalização da livre organização política, denunciava a proposta de
reformulação partidária como manobra governista pelo estrangulamento de correntes de opinião.
580
Para as oposições parlamentares, de modo geral, o problema fundamental das reformas estaria
localizado na origem da proposição, estabelecida como concessão do regime e decorrência do projeto
oficial.
A administração Geisel estabeleceu um cronograma oficial de mudanças que possibilitariam o
aprimoramento do Estado (liberalização e distensão como base da institucionalização do regime). Já a
577
Rubi Diehl/ARENA. AAL, 179ª Sessão em 5 de dezembro de 1979, pp. 90-91. Ainda sobre esta
questão: Ibsen Pinheiro/MDB, In.: Id., pp. 94-95. Elygio Meneghetti/MDB, AAL, 4ª Sessão
Extraordinária em 13 de dezembro de 1979, pp. 253-254.
578
Gil Marques/MDB. AAL, 164ª Sessão em 23 de novembro de 1979, pp. 414-415.
579
Gabriel Malmann/MDB. AAL, 133ª Sessão em 10 de outubro de 1979, p. 161.
580
Segundo Gabriel Mallmann, a reforma política proposta pelo governo visava desprestigiar a “classe
política” pois induzia a sociedade à identificar no fracasso dos partidos políticos em atender as
reivindicações da sociedade, um impulso no cenário de crise. O governo, com aquela reforma, atestava
que os políticos são incapazes. AAL, 133ª Sessão em 10 de outubro de 1979, p. 161.
355
administração Figueiredo, enfrentou a questão da inviabilidade do regime se reproduzir e, por
decorrência, o impasse constitucional gerado a partir de então.
Herdeira de uma legislação revigorada (com mecanismos excepcionais institucionalizados) e
com uma proposta de democratização conservadora como alternativa aos movimentos de desconstituição
do Estado, aquela última gestão empreendeu a tarefa de encampar as bandeiras mais agudas da oposição
(antecipação), lançando-as como objetivos do governo na construção do novo ordenamento (anistia,
reforma partidária, viabilização futura de sufrágio universal em todos os níveis).
Na iminência da diminuição de sua base de sustentação (a mencionada crise no pacto de
dominação), o bloco dirigente ainda enfrentava um novo fator: a possibilidade de desvinculação da
transição política da transformação social - tão perniciosa ao regime - em virtude da ascensão da
insubordinação. Por esta razão, o bloco dirigente e o partido de sustentação do governo, associavam a
revitalização partidária (reconhecida como aprimoramento do sistema político) à base de superação da
crise institucional.
Como parte deste processo, somavam-se pressões exteriores pela instauração de um
ordenamento democrático e, principalmente, o agravamento da crise econômica com uma sensível
oposição social (sindical e camponesa)
sem
que o regime, bom lembrar, tivesse a possibilidade de lançar
mão dos recursos de contenção político-social utilizados por Castelo, Costa e Silva, Médici e mesmo,
Geisel (ao menos em sua forma legal e visível).
Tanto a tese do
aprimoramento democrático
quanto, a
superação do regime de exceção
,
enunciados proclamados com veemência, ensejavam compreensões diferenciadas de seus significados.
O bloco dirigente procurou definir políticas para o escamoteamento dos crônicos problemas por
que passava o país. Como muito bem ressalvou Poulantzas, os interesses políticos não podem ser
considerados como a “finalidade” da “práxis” de uma classe para-si: eles são, ao nível da prática
política, o horizonte que delimita o terreno da prática política de uma classe.
581
Por esta razão, houve um
deslocamento dos interesses imediatos, onde os movimentos do governo procurassem adequar a
impossibilidade de reprodução do regime como adaptação à crise do Estado.
A constatação de que a extinção do bipartidarismo e a possibilidade de formação de novas
agremiações atenderiam a um conjunto extremamente vasto de necessidades, tomava por premissa a
decomposição do bloco dominante (a desagregação progressiva da base de sustentação do regime) e a
canalização daquele para um foro de representação adequado onde seus interesses imediatos poderiam ser
melhor encaminhados. Para grande parte do bloco dominante, o regime de exceção não garantia nem
mesmo previsibilidade política. Por isso o endosso à implementação de manobras estabilizadoras.
Estas características vieram a transformar as relações entre as frações de classe exigindo a
realização de seus interesses imediatos e objetivos específicos, imprimindo uma nova dinâmica na
organização política da sociedade e do aparelho de Estado.
A crise institucional afirmava-se no momento em que o monopólio dos centros decisórios de
poder estava abalado, sem contudo, haverem sido criados mecanismos institucionais que
regulamentassem o conflito e encaminhassem demandas. A reformulação partidária também impediria
581
POULANTZAS, Nicos. Poder Político e Classes Sociais. 2ª Edição. Tradução de Francisco Silva. São
Paulo: Martins Fontes, 1986, pp. 107-108.
356
um cenário de radicalização e polarização partidária. Se atingido este ponto, eram grandes as
possibilidades do Parlamento adentrar em um estágio de paralisia, acarretando na inviabilização das
estratégias de conciliação, em um momento, onde o primeiro (o Parlamento) assumia a primazia da
prática política e a segunda (a reformulação) passava a ser o agente balizador da transição.
Temos assim que, pacificada a família brasileira, reincorporadas à vida da Nação
todas as correntes e lideranças, aglutinam-se nesta hora, em blocos e
agremiações, os políticos, para que, nas novas legendas que surgem, legendas já
não artificiais, mas nascidas essencialmente das bases, ofereçam a contribuição de
seu trabalho, de sua visão, de suas convicções à grandeza e ao desenvolvimento do
país.
582
O governo Figueiredo não representou o prosseguimento da política de flexibilização das
relações colocadas em prática na administração Geisel mas sim, a condensação da inviabilidade de
perpetuação do ordenamento de exceção.
Vivia-se a concretude do encaminhamento do final do arbítrio. Neste sentido, as disputas
parlamentares assumiram outra conotação: aqueles que criticavam, o faziam de maneira a deixar uma
margem de manobra (os riscos de retrocesso eram evidentes), aqueles que defendiam, pautavam esta sem
negar o passado “revolucionário”, criando um espaço de contribuição ao processo, entendido como
credencial para a entrada em um novo ordenamento isentos dos erros do regime e dos governos que se
seguiram.
A aceleração do processo de restauração política, simbolizou a manifestação de uma nova fase
da política institucional. Representava a nítida expressão do domínio de estruturas sem representatividade
e do poder dirigente sem qualquer legitimidade para tal exercício. Sintoma evidente das limitações da
formatação do poder decisório, fruto de um descompasso entre as políticas oficiais e o movimento da
sociedade.
Em meio ao esfacelamento da estrutura mediada pela excepcionalidade, ambos os partidos
buscaram identificar as razões para a crise vivida. A oposição observava que os militares haviam falhado
na condução política do país. A ARENA, por sua vez, vinculava as inaptidões dos militares para a política
como a fonte dos problemas do regime, o problema residia no poder dos tecnocratas:
a revolução capengou por que os homens, não tiveram coragem de passar o
comando para nós, para os políticos. Para mim e para outros, e foram buscar os
tecnocratas, os homens sem partido. (...) a revolução capengou porque os meus
colegas entregaram várias direções a tecnocratas, homens sem partido. (...) Foi
por isso que o Movimento Contra-Revolucionário de 1964 foi se enfraquecendo
politicamente, ao cair nas mãos dos homens sem partido.
583
Como forma de conter a instabilidade no pacto de poder e a incerteza política, o bloco dirigente
passou a vincular o pluralismo político-partidário à continuidade da abertura, para logo após, como forma
de escamotear aquela instabilidade, definir a conciliação como mecanismo de enfrentamento da crise.
582
Aírton Vargas/ARENA. AAL, 178ª Sessão em 4 de dezembro de 1979, pp. 38-39.
583
Pedro Américo Leal/ARENA. AAL, 132ª Sessão em 9 de outubro de 1979, p. 139.
357
Pelas observações arenistas, as siglas MDB e ARENA não teriam valor algum senão o de
cumprimento de formalidades: instituídas pela intervenção jamais
foram um partido político
.
584
Em contrapartida, a oposição negava as reformas pelo fato de observar na alteração partidária um
movimento que reverteria as posições do “jogo político”, naquele momento, favorável à oposição
institucional.
Na indefinição emedebista, a ARENA contribuía na distorção do espectro político ao defender a
reformulação dos partidos como mecanismo de criação de condições institucionais para abrigar, com
autenticidade, todos os segmentos do pensamento político moderno existente no país.
585
No conjunto destas posições, a ARENA procurava ressurgir sob a forma de um novo partido,
sem vínculos diretos com o regime (ao menos da sua face mais contestada), ampliando seus recursos de
reaglutinação de setores dissidentes, angariando capacidades de disputar, em melhores condições, a
posição de alternativa política civil ao governo militarizado em vias de exaustão.
Mesmo que o MDB reunisse um leque extremamente vasto de concepções políticas, tendo em
comum a definição de um centro tático de ação baseado na luta pela democracia, o partido limitava-se em
sua ação exatamente pela aglutinação de correntes díspares, antes de favorecer a realização dos objetivos,
cindia e atomizava a intervenção daquele partido, impedindo-o de levar adiante uma oposição efetiva ao
regime.
Independentemente do cálculo de poder, levado à cabo pelo bloco dirigente através de mais um
procedimento de engenharia política, o final do bipartidarismo fortaleceria os laços entre setores sociais e
organizações políticas. Seria um ponto de rearticulação e fortalecimento de forças políticas acomodadas
na frente emedebistas e, por esta razão, impotentes na intervenção política porque dependentes das
decisões da cúpula partidária, cada vez mais reticente ao enfrentamento e inclinada à conciliação com
setores do bloco dirigente.
Todavia, o movimento da direção emedebista fora pragmático, além do bloco dirigente assumir
uma bandeira de oposição (desconstituíndo o discurso do MDB), a pluralização de opções partidárias
representaria, naquele específico momento, um revés na disputa pelos centros decisórios e portanto, o
retardamento da contenção da excepcionalidade.
Compreende-se então, a posição majoritária do partido que optou por não incitar situações
políticas as quais pudessem transformar o regime, vide a imprevisibilidade dos resultados destas pressões
nos movimentos do bloco dirigente.
O receio em assumir posições deste caráter, residia exatamente na possibilidade de
recrudescimento do regime e avanço dos segmentos ortodoxos da oficialidade militar, refletindo no
retrocesso das conquistas liberalizantes.
O partido desconsiderou que naquela conjuntura, a efetivação de uma série de tarefas
liberalizantes poderia fazer avançar a organização de setores postergados do e pelo poder decisório, sendo
584
Jarbas Lima/ARENA. AAL, 1ª Sessão Extraordinária em 10 de dezembro de 1979, pp. 162-163. Sobre
a posição do MDB ver: Rospide Netto, AAL, 153ª Sessão em 7 de novembro de 1979, pp. 69-70. Para
Rubi Diehl, a preocupação de setores do MDB era buscar, naquele momento, um programa ideológico
para opção de governo. AAL, 156ª Sessão em 12 de novembro de 1979, pp. 195-196.
585
Rubi Diehl/ARENA. AAL, 132ª Sessão em 9 de outubro de 1979, pp. 151-152.
358
revertida em uma ampla discussão sobre a crise do Estado, sobre as limitações das instâncias de
representação políticas e, por fim, sobre a necessidade das camadas dominadas intervirem na política.
Ao bloco dirigente, a reforma também abriria a possibilidade de compatibilizar o sistema
político ao Estado, dado que toda a legitimidade dos partidos fora concedida pela excepcionalidade.
Portanto, a lógica norteadora do poder político adequava-se aos imperativos dos novos tempos, do
ressurgimento da política para muito além dos limites do Estado e da necessidade de disciplinamento
desta.
Em meio à crise institucional, o partido de oposição passou a veicular posições dúbias,
escancarando as divergências de suas correntes internas: da defesa de uma ampla aliança em nome da
democracia, sendo esta concretizada em uma frente única de oposição, passando pela percepção de que o
bipartidarismo representava proteção às teses reformistas do regime de exceção até, a radicalização do
discurso contra o regime incentivada pela insubordinação.
586
A reforma partidária atenderia também à esta última questão, ou seja, barrar o avanço dos setores
emedebistas mais comprometidos com a mudança do regime abrindo um canal de expressão para os
setores moderados com, acreditava-se, o deslocamento daqueles para outra agremiação desprovida de
base estrutural significativa.
Em um cenário onde as fronteiras política discursivas perdiam-se, a ARENA, encampava o
discurso oposicionista ao demonstrar que a reivindicação por alterações no sistema político-partidário, era
prerrogativa dos segmentos comprometidos com a democracia. Chegando a afirmar que
o arcabouço
partidário reformulado, era o desejo do partido mas que, por contingência da excepcionalidade
revolucionária, tiveram de sobrestar este desejo.
587
Com a mesma verve, Jarbas Lima reconhecia que tanto a ARENA quanto o MDB eram
grupamentos criados no “laboratório” da “revolução de 1964” como solução excepcional em um
momento excepcional, ostentando então
motivação circunstancial, destinação efêmera e, com estas características, são
absolutamente artificiais. (...) A necessidade, incompreensível, de que a Revolução
tivesse em sua vivência, aparência de institucionalidade é que determinou aos
manipuladores do processo a criação de um fictício partido de oposição.
588
Setores da própria ARENA também defenderam que a extinção dos partidos se fazia premente
em virtude da falta de autenticidade de ambos, sendo que estes somente tinham razão de existir em meio à
excepcionalidade:
e, quando esse ciclo está a se findar e se procura instituir a democracia neste país
que nunca a teve essa democracia poderá existir se fundada em partidos
586
Tendência provável, vide as manifestações de Elygio Meneghetti/MDB ao tratar da greve dos
metalúrgicos em São Paulo, referindo-se ao Ministro do Trabalho, Murilo Macedo, como banqueiro
empregador e escravocrata. AAL, 150ª Sessão em 31 de outubro de 1979, pp. 577-578. Com o mesmo
teor: José Fogaça, denunciou a prisão de lideranças sindicais (entre estes Olívio Dutra): terrorismo da
ditadura se abate sobre os trabalhadores. In.: Id., pp. 578-579.
587
Rubi Diehl/ARENA. AAL, 177ª Sessão em 3 de dezembro de 1979, pp. 16-17.
588
DAL, 130ª Sessão em 26 de setembro de 1978 (publicado em 12 de outubro de 1978), pp. 9-10.
359
sérios, em partidos com ideologias, em partidos com filosofia e não em
agremiações vazias como as duas que existem hoje.
589
Não teremos nenhum outro caminho para atingir o aperfeiçoamento democrático,
senão através da estrutura partidária. Quando se fala em reformulação partidária
que pode ser com a extinção das legendas ou sem a extinção das legendas o
se quer, nada mais, nada menos, do que a democracia. (...) Se interessa, realmente,
a alguém a extinção dos partidos é ao MDB. (...) é precisamente no MDB que se
encontram as correntes mais divergentes. Aqui mesmo, nesta casa, três são as
correntes existentes no MDB, flagrantes e declaradas: a dos que querem se
perpetuar no comando do partido, mantendo a unidade emedebista; aqueles que
querem a tendência socialista, sob a liderança do brilhante deputado Américo
Copetti; e aqueles que defendem a volta do PTB, com Leonel Brizola.
590
Os partidos oriundos da excepcionalidade não detinham nenhuma função social. Não cumpriam
funções doutrinárias (arregimentação social por corpo ideológico e programático) ou políticas, no sentido
de construir a alternância do poder (não reuniam condições efetivas de assumir o poder, dado a estrutura
de acesso aos centros de poder decisórios), restringindo-se à função eleitoral (esta também limitada).
591
O MDB mais do que nunca, expressa agora a maior corrente de oposição existente
no país e é essa expressão de idéias que a Nação nele corporificou. Dá-lhe agora
um conteúdo de forma, a verdadeira imagem de um partido político. Pois
exatamente, quando se atinge esse grau de amadurecimento, de idade adulta,
pretende agora o poder dominante, nos estertores do arbítrio, a supressão desta
força. Parece que razões de sobra para essa sumária pena capital. não
suporta o poder dominante a força avassaladora de um partido que queria, fosse
apenas uma reunião humilhada de “persona non grata”. Já não se consegue
enganar a si próprio e ao povo de quem o MDB corporificou os ideais da
democracia da Nação.
592
A ARENA montava suas peças oratórias de forma a colocar o MDB na posição de balizador do
processo de abertura. Comprometia as ações da oposição à maior ou menor avanço do projeto do governo
e da transição em curso. A defesa do sistema de partidos forjados pelo regime feita pela oposição,
589
Adylson Motta/ARENA. AAL, 61ª Sessão em 29 de maio de 1979, pp. 587-588. Neste sentido, Jarbas
Lima apontou o paradoxo político oposicionista: no momento em que a ARENA desejava acabar com o
artificialismo do sistema de partidos e definir a reforma partidária, setores do MDB defendiam a
manutenção das entidades criadas pelo regime, quando aqueles, até então, a contestavam. Jarbas
Lima/ARENA. AAL, 63ª Sessão (Especial) em 30 de maio de 1979, pp. 646-648.
590
Romeu Martinelli/ARENA. AAL, 63ª Sessão em 30 de maio de 1979, pp. 644-645. Era identificado
com a primeira corrente o deputado Rospide Netto. Entre aqueles que possuíam vínculos com o
trabalhismo estava o deputado Gil Marques.
591
Argumentos retirados da manifestação de Jarbas Lima. In.: Id. Neste mesmo discurso, Lima assim
expressou a importância dos partidos: Sem partidos, a sociedade pára e estiola e estagna na indecisão, ou
então entra em convulsões violentas, levada por ficcionismos e fanatismos desesperados pela cobiça e
ambição de homens e grupos sedentos de poder, que levarão à violência e a guerra civil. Alertou
Guilherme dos Santos que a conseqüência da estruturação do sistema político nas bases formuladas pelo
regime, condenava o MDB a desenvolver uma oposição sistemática (como contrapartida ao caráter de
apêndice do governo desempenhado pela ARENA): quanto mais o partido de oposição era compelido a
comportar-se sistematicamente contra o governo, mais vinha a ser identificado como um partido anti-
revolução, isto é, contestatório, e mais se afastava da possibilidade de vir a tornar-se, um dia, partido do
governo. SANTOS, Wanderley Guilherme. As Eleições e a Dinâmica do Processo Político Brasileiro.
Op. Cit., pp. 130-131.
592
Gabriel Mallmann//MDB. AAL, 126ª Sessão em de outubro de 1979, p. 6.
360
revestia-se de um recurso para garantir uma posição de alternativa no momento em que aquela visualizava
a possibilidade de circulação de poder:
Não serão os acenos publicitários, de abertura, do Sr. Presidente da República
que bastariam para transformar este País em uma democracia, pois que
democracia é incipiente que pretende extinguir o partido político existente,
exatamente aquele que recolheu maior soma da vontade popular. (...) A abertura,
se há, é fruto de um confronto constante, no dia a dia do MDB contra o arbítrio
direto e aberto, a crítica dura aos desmandos, sem deixar também de apontar
soluções. Fica, pois, a nação estarrecida quando se pretende exatamente aniquilar
tão expressiva corrente de opinião.
593
O ponto pacífico acordado entre todos os parlamentares, residia na constatação da reestruturação
política no país. Todos nós sentimos que o bipartidarismo cumpriu sua missão na História política do
Brasil, segundo a base parlamentar governista, a implementação do bipartidarismo foi um “divisor de
águas”, surgiram a ARENA e o MDB, se uma foi criada como aliança, o outro foi criado como
movimento. Ambos, no seu “batismo”, trouxeram a definição implícita de suas próprias destinações no
tempo, se existiam evidências de que inúmeros quadros desejam permanecer nos partidos, outros
desejavam criar outras agremiações partidárias está na hora da Revolução oportunizar isso.
594
Ao MDB, restava a relativização do projeto oficial de abertura:
contra as artimanhas adotadas pelo poder central, principalmente quando acena
com abertura, mas que somente estende a sua mão vazia, sem realmente dar
nenhum sinal clarividente de que a abertura não é somente uma promessa mas sim
um ato político, consubstanciado no diálogo e no entendimento. Por isso os
emedebistas do Rio Grande do Sul estão se aglutinando em torno do Movimento
Democrático Brasileiro, não entrando na armadilha e no ardil planejado
maquiavelicamente pelo regime, para ver o esfacelamento das oposições
brasileiras. (...) depois que a anistia for dada a todos aqueles que estão no
estrangeiro, e tiveram a oportunidade de assentarem-se conosco em uma mesa,
então sim, poderemos pensar na formação de novos partidos.
595
O final do bipartidarismo, antes do esfacelamento da oposição, cumpria a tarefa de garantir a
reinstitucionalização do dissenso sem reverter na alteração da estrutura de poder. Porém, a bancada
emedebista insistia que o caráter da reforma era outro:
a divisão do MDB faz lembrar a divisão do PTB. Uma possível ruptura entre os
Líderes do MDB e o que deseja o governo de qualquer forma, certamente e
fatalmente levará mais uma vez, ao comando deste governo por alguns anos o
atual sistema já derrotado que aí está.
596
593
Id.
594
Pedro Américo Leal. AAL, 44ª Sessão em 4 de maio de 1979, pp. 80-81. Mais adiante, o deputado
manifestava sua compreensão do fundamento do regime: Se houvesse a intenção de criar um regime
drástico, o Ato nº 5 e o 477 teriam sido criados em 1964. In.: Id., p. 83.
595
Rospide Netto/MDB. AAL, 45ª Sessão em 7 de maio de 1979, pp. 109-111.
596
Gabriel Mallmann/MDB. AAL, 109ª Sessão em 4 de agosto de 1979, pp. 36-37. Ibsen Pinheiro
relacionou a reforma partidária ao desejo de extinção do MDB (no entender do deputado, esta seria a
essência do projeto). Ibsen Pinheiro/MDB. AAL, 156ª Sessão em 12 de novembro de 1979, p. 193.
361
A Reforma Partidária trouxe em seu bojo uma nova engenharia política somente percebia
posteriormente, qual seja, alegando o exíguo espaço de tempo entre a decretação do final do
bipartidarismo e a organização de novos partidos, o governo transferia para 1982 as eleições municipais
programadas para 1980, transformando-as em eleições gerais.
Ao bloco dirigente, a medida surtiria efeito na medida em que o novo partido do governo poderia
ser popularizado e os prefeitos (eleitos em 1976 pela antiga ARENA) teriam uma maior espaço de
atuação utilizando a máquina pública, estendendo esta influência para a disputa estadual.
E o próprio regime, ao excluir a população de toda e qualquer participação
política; a exclui das vantagens do crescimento econômico, que embora selvagem
e predatório poderia servir às maiorias. O regime separou o Estado da sociedade,
e chegamos então a esta inversão, quando a oposição e a própria sociedade. Daí
as recentes tentativas do regime em dividir as oposições, acenando com a
reformulação partidária e toda a sorte de casuísmos, tentando desesperadamente
aliviar a pressão que sobre ele exercem com cada vez mais força e determinação
os mais amplos setores da sociedade. Mentor da “democracia relativa” o regime
“relativiza” a liberdade de organização partidária com a “reformulação” do
quadro partidário, assim como relativiza a Anistia Ampla e Irrestrita apresentando
uma proposta de Anistia Parcial.
597
Foram enumerados um conjunto de argumentos contra a forma em que a reforma estava sendo
encaminhada
à esta reforma partidária artificial, casuística, antidemocrática, o MDB contrapõe
a sua proposta de livre organização partidária. A proposta governamental de
modificar alguma coisa, para manter o “status quo”, o MDB contrapõe a sua
proposta legítima, democrática, que e a convocação de uma Assembléia Nacional
Constituinte, onde os brasileiros possam redefinir um novo pacto social, um novo
pacto político, um novo pacto econômico.
598
Compreendia a oposição parlamentar, ser aquela uma proposta viciada na origem e
antidemocrática, visando exclusivamente, a manutenção do status quo onde a oposição mais uma vez
havia sido solapada pela safadeza dos químicos políticos do Governo, alicerçados numa maioria, nem
597
Porfírio Peixoto/MDB. AAL, 51ª Sessão em 15 de maio de 1979, pp. 275-276.
598
Cezar Schirmer/MDB. AAL, 132ª Sessão em 9 de outubro de 1979, pp. 147-149. Anteriormente o
mesmo deputado havia declarado que o MDB era a favor do verdadeiro pluripartidarismo, não dos
embustes que o regime estava a organizar. AAL, 127ª Sessão em 2 de outubro de 1979, pp. 39-41. Rubi
Diehl./ARENA, defendeu que somente com a reformulação os partidos abrigariam com autenticidade
todos os segmentos do pensamento político moderno existente no pais. AAL, 132ª Sessão em 9 de outubro
de 1979, pp. 151-152. Rubens Ardenghi por sua vez, demonstrava preocupação quanto à sublegenda mas,
criticou o Congresso Nacional que não estava à altura do chamamento do presidente. AAL, 135ª Sessão
em 12 de outubro de 1979, pp. 226-227. Elygio Meneghetti/MDB reconhecia na reformulação partidária o
deslocamento dos problemas nacionais, que no seu entender haviam se avolumado no decorrer de quinze
anos, sobre os partidos politicos. AAL, 151ª Sessão em 5 de novembro de 1979, pp., 19-21. Rospide
Netto/MDB, mesmo compreedendo que o bipartidarismo era uma camisa de força, criticava o projeto do
governo porque sendo casuístico revelava as intenções do governo em se perpetuar no poder. AAL, 153ª
Sessão em 7 de novembro de 1979, pp. 64-66.
362
sempre legítima, mas constantemente e, exemplarmente, subserviente da ARENA no Congresso
Nacional.
599
Nas reveladoras abordagens emedebistas, era relacionada a impossibilidade de um efetivo
sistema de partidos, estando ausentes requisitos fundamentais para a prática política democrática tais
como, a liberdade de organização sindical, liberdade de imprensa, de expressão e a anistia irrestrita, pois
que estes novos partidos, não representariam correntes de opinião organizadas. Contraditoriamente, Ibsen
Pinheiro considerou que os partidos postulavam o poder meramente como formalidade político-
institucional, estando estruturalmente excluídos do exercício deste:
o aspecto mais trágico do quadro institucional brasileiro: A Aliança Renovadora
Nacional desempenhou um papel inteiramente gratuito nas estruturas de poder;
um papel que terá sido significativo na sustentação propagandistica até, do poder,
mas não o efetivo exercício do poder. O partido de V. Exa. (referência a Rubi
Diehl) esteve no poder tanto quanto o meu nos últimos anos, o que não quer dizer
que o partido de V. Exa. não tenha freqüentado o governo. Mas façamos esta
distinção entre governo e poder.
600
Somada às debilidades do movimento de insubordinação – deficiências orgânicas e estruturais –
nos mesmos parâmetros que a anistia, a reforma partidária congregava ainda o elemento de obstrução da
política fora da institucionalidade. Definia-se que era no parlamento, e somente neste, a instância a definir
as políticas pois, segundo o discurso oficial, aquele seria o local onde todas as forças políticas
organizadas estariam representadas (essencialmente, os dissidentes do regime e a oposição reformista).
Reconhecendo como inevitável a aprovação da reforma, a ênfase emedebista passou a ser a aglutinação
das oposições em torno da maior expressão de oposição, o MDB:
contra a violência, a resposta e a unidade das oposições, mas não uma unidade
espúria com os “chaguistas”, com os adesistas, com os “malufistas”, com os
traidores da oposição, e sim uma unidade que esteja fundamentada e
comprometida nos verdadeiros interesses populares.
601
Esta tribuna é o veículo mais democrático do povo rio-grandense, e é por isso que
faço uso dela para transmitir um alerta aos companheiros do MDB do Rio Grande
do Sul, para que não se deixem ludibriar pelo panfletismo e pelas balelas de que o
MDB será extinto. Não se extinguem 15 anos de luta e de batalha! O que poderá
acontecer, no ximo, é a mudança de sigla ou a primeira letra da sigla, ou seja,
a passagem de Movimento Democrático Brasileiro para Partido Democrático
Brasileiro.
602
599
Elio Corbellini/MDB. AAL, 1ª Sessão Extraordinária em 10 de dezembro de 1979, p. 155.
600
Ibsen Pinheiro/MDB. AAL, 55ª Sessão em 21 de maio de 1979, pp. 412-414. Para Elygio Meneghetti,
o objetivo do governo na reformulação partidária era lançar todos os problemas nacionais, os quais
haviam se avolumados no decorrer de quinze anos, sobre os partidos políticos. Elygio Meneghetti/MDB.
AAL, 151ª Sessão em 5 de novembro de 1979, pp. 19-21.
601
José Fogaça/MDB. AAL, 151ª Sessão em 5 de novembro de 1979, pp. 19-21. Elygio Meneghetti
propôs a união oposicionista em torno do MDB até que
o
governo dê ao povo brasileiro a verdadeira
democracia. Elygio Meneghetti/MDB. AAL, 123ª Sessão em 26 de setembro de 1979, pp. 363-364. Grifos
nossos.
602
Gabriel Mallmann/MDB. AAL, 124ª Sessão em 27 de setembro de 1979, pp. 391-392. A partir desta
manifestação, é possível deduzir que os debates acerca da formação do futuro PMDB estavam avançados.
363
Mesmo que o bipartidarismo compulsório tenha imposto a restrições à prática política,
submetendo o sistema de representação à uma contraposição simplista (oposição versus situação, sendo
então uma “camisa de força”), a oposição parlamentar defendia desenvolvê-lo de forma a inviabilizar o
sistema, tornando-o um fator de desconstituição do regime através da unidade interna. Somente esta
posição faria frente ao projeto oficial que sendo casuístico, revelava as intenções do governo em se
perpetuar no poder.
603
Contraditoriamente, ao debater a crise generalizada que assolava o país, o MDB ancorava-se na
própria condição de coadjuvante das decisões fundamentais, diante de um parlamento raquítico e
anêmico, diante de um parlamento que descaracterizado por uma legislação ditatorial e autoritária, o
que pode fazer este parlamento?
604
Foi generalizada a idéia de que o projeto de reformulação partidária tinha o exclusivo objetivo de
cindir a oposição. Em virtude desta convicção, no ato de votação daquela, a bancada emedebista
denunciou que aquele fora aprovado por uma maioria:
eventual, servil, obediente, atendendo os apetites governamentais de manutenção
do poder a qualquer preço, contrariando qualquer consciência jurídica e
democrática em qualquer país do mundo, violentou a oposição ao aprovar a
extinção do nosso partido.
605
Desde então, preponderou o “inchaço” artificial da cena política, antes de uma afirmação
definitiva do dissenso e da afirmação do Parlamento enquanto detentor de uma função governativa efetiva
(compartilhando com as demais burocracias estatais os centros decisórios de poder).
Em 1979, a base parlamentar do governo, procurou generalizar a idéia de que o país passava por
uma situação de normalização democrática através da definição da reformulação partidária, abertura, no
meu modo de ver, pressupõe o rompimento de todo e qualquer vínculo com a excepcionalidade, inclusive
seccionando-se, por conseguinte, o vínculo com a excepcionalidade que deu origem à ARENA e ao
MDB.
606
A bancada arenista acabava por renegar o discurso defendido à uma década:
aqueles que do MDB insistem em manter a unidade para fins meramente eleitorais,
estão verificando, pela tendência trabalhista que tem o direito dentro do processo
de abertura, de buscar um partido autêntico como tal, que as suas colocações não
resistem, nem à realidade política do país e muito menos ao caminho e à busca que
estamos querendo realizar, que e o pluralismo partidário autêntico. (...) O mero
603
Rospide Netto/MDB. AAL, 153ª Sessão em 7 de novembro de 1979, pp. 64-66. Sobre crise
institucional e econômica, e necessidade dos partidos deixarem a luta ideológica em nome dos problemas
nacionais (enfatizando a conciliação para a superação da crise): Gil Marques/MDB. AAL, 46ª Sessão em 8
de maio de 1979, pp. 140-141.
604
José Fogaça. AAL, 86ª Sessão em 2 de agosto de 1979, p. 63.
605
Cezar Schirmer/MDB. AAL, 3ª Sessão Extraordinária em 12 de dezembro de 1979, pp. 226-227. Outro
desacordo do deputado era a sublegenda, e a antítese dos partidos políticos forma de acomodar as
lideranças regionais divergentes e emperrava a organização partidária. Sobre a crise e a indefinição do
sistema político-partidário ver: Adylson Motta/ARENA, AAL, 178ª Sessão em 4 de dezembro de 1979,
pp. 37-38. Jarbas Lima/ARENA, AAL, 179ª Sessão em 5 de dezembro de 1979, pp. 162-163. Adylsno
Motta/ARENA, AAL, 3ª Sessão Extraordinária em 12 de dezembro de1979, p. 224.
606
Rubi Diehl/ARENA. AAL, 111ª Sessão em 10 de setembro d e1979, p. 106.
364
aglutinamento de frentes dentro de um mesmo partido não tem um sentido preciso,
porque lhe falta programa definido em linha doutrinária independente e coesa.
607
A crise institucional e a indefinição do quadro político, criaram situações desconfortáveis para a
própria ARENA, como no caso da alusão do presidente nacional do partido (José Sarney) à possibilidade
de construção de um “super” partido conservador (nas palavras daquele, um “arenão”):
entendo que o nosso presidente nacional da ARENA (José Sarney) está procedendo
de forma tal que colide com as idéias e princípios do eminente presidente João
Baptista Figueiredo, pois, enquanto o presidente da República luta por uma
efetiva democracia, enfrentando toda sorte de dificuldades, principalmente as de
ordem econômica
, para implementar no país um sistema institucional com
liberdade e responsabilidade, enquanto abre os braços com sentido cristão de
conciliação nacional, o que proporcionou a vinda dos exilados na esperança de,
aqui, construir-se uma pátria forte para todos os brasileiros, parece que o
presidente da ARENA assim não vem procedendo.
608
Através das definições das instâncias dirigentes do partido de oposição e da mesma forma, da
necessidade da ARENA em se adequar ao esgotamento do regime que lhe dava guarida (sem que
resultasse em um afastamento definitivo do poder), abria-se espaços para estratégias de conciliação,
negociação e pacto. Ressalta-se que a adoção de qualquer proposta de conciliação e de negociação
exigiria o reconhecimento recíproco de interlocutores, sendo base desta a vinculação à institucionalidade.
A configuração de novos partidos políticos, ampliaria o processamento de conflitos cada vez
mais candentes, articulando escolhas coerentes e viáveis politicamente (da perspectiva institucional). Da
mesma forma, aqueles teriam condições de produzir consentimento, ampliando a teia social de apoio à
estratégia de estabilização.
Neste sentido que se deve entender a manutenção do general Golbery do Couto e Silva em
posição estratégica do governo Figueiredo. Além de angariar credibilidade junto à setores reticentes a
figura do presidente e a sua equipe administrativa, o bloco dirigente compunha com forças políticas
distintas no interior da caserna, mantendo um segmento umbilicalmente ligado a proposta de
flexibilização das relações políticas. Em um momento de predominância nos centros decisórios, de
setores militares identificados com outra tendência, a participação de Golbery assumia o significado de
ponderação da disputa militar. Ao mesmo tempo, passava a imagem de continuidade das políticas
“liberalizantes” do governo Geisel.
Como mencionado, em meio a crescente insubordinação, o MDB desconstituía a reformulação
partidária contrapondo-a com a proposta de:
reforma de profundidade na Constituição, onde estejam estabelecidos princípios
que informem a atividade política e criadora de novos partidos estabelecendo um
regramento com o propósito de cumprir a alternância dos partidos no poder e o
respeito à soberania do voto popular.
609
607
Id., p. 107.
608
Alceu Martins/ARENA. AAL, 114ª Sessão em 12 de setembro de 1979, pp. 175-176.
365
Poucos se aperceberam que o sistema político, na forma em que se
encontrava, não era mais funcional ao regime. o reunindo condições
de operacionalizar demandas de setores estratégicos.
Alheios a esta percepção, segmentos da bancada emedebista gaúcha
denunciavam que as alusões à reforma revestiriam as concepções limitadas de
alternância do poder do governo Figueiredo:
o Presidente da República (...) mandou um recado para o Tancredo a fim de que
esse formasse o seu partido, integrado por adesistas do MDB e figuras
descontentes da ARENA, para que o partido assim formado possa ser a
alternância do poder desejado pelo Sr. Gen. Presidente.
610
A reforma política retirava da oposição emedebista, a condição de pólo receptor das
insatisfações e demandas não contempladas pelo regime.
611
Mesmo assim, a situação de frente política foi
utilizada como impossibilidade do partido de oposição propor um projeto alternativo
As oposições hoje organizadas do MDB, não tem um projeto de conquista do
Governo por absoluto conhecimento de que o sistema de força, com sustentação
militar que está, se destina a impedir a rotatividade no poder. (...) Nós da
oposição sabemos que a nossa função é a da denúncia, não a disputa do governo,
porque é impossível esta disputa; ela é absolutamente vedada pelo dispositivo que
permanece em vigor, armado para se impor à Nação.
612
Firmava-se a consolidação de um novo sistema partidário a partir da concessão de legendas e
siglas a uma série de grupos previamente articulados, criados exclusivamente no âmbito parlamentar.
Portanto, a reforma não correspondeu ao rompimento da defasagem na relação entre o Estado e a
sociedade civil, deslocando, somente isso, a questão da crise de representação política.
613
O Partido Democrático Social, reunindo a velha base político-parlamentar do governo,
organizava-se e tinha seu registro concedido pelo TSE praticamente um mês após o final do
bipartidarismo, ou seja, já detinha um programa pronto, sem nenhum método de construção que
envolvesse representantes de setores sociais além daqueles já sensibilizados pelo discurso ou pelas
benesses advindas do partido oficial.
609
Lélio Souza/MDB. AAL, 142ª Sessão em 23 de outubro de 1979, p. 421.
610
Cezar Schirmer/MDB. AAL, 129ª Sessão em 4 de outubro de 1979, p. 98.
611
Nos movimentos seguintes do governo, precisamente nas emendas constitucionais de novembro de
1981 e maio de 1982 (tratadas na seqüência, quando da problematização do processo eleitoral), o partido
seria reconduzido ao status de referência da oposição institucional.
612
Ibsen Pinheiro/MDB. AAL, 132ª Sessão em 9 de outubro de 1979, p. 142.
613
Esta questão já havia sido referida por: CARDOSO, Fernando Henrique. Os Impasses do Regime
Autoritário: Início da Distensão. In.: CARDOSO, Fernando Henrique. A Construção da Democracia. Op.
Cit., pp. 212-233. No parlamento, esta leitura fora expressada por Adylson Motta. O deputado especulava
que os novos partidos começariam a se formar a partir de seus líderes: PMDB de Ulysses Guimarães, o
“PTB” de Leonel Brizola e o “PDB” de Tancredo Neves e Magalhães Pinto, faltando a definição do
partido do governo. Adylson Motta/ARENA. AAL, 163ª Sessão em 22 de novembro de 1979, pp. 383-
385. Desconsiderava portanto a formação de agremiações partidárias a partir das bases.
366
Os novos partidos políticos atuaram como instrumentos fundamentais no projeto de
estabilização, trabalhando politicamente os conflitos sociais, insitucionalizando-os a partir da
deslocamento dos espaços antes ocupados pelas “arenas políticas substitutivas” do final da década de 70
(as entidades de resistência da sociedade civil: sindicatos, associações profissionais, organizações civis,
etc.).
Esta situação acabou por dissimular os conflitos ungidos pela insubordinação: os atores sociais
permaneciam separados da estrutura político-partidária mas, com a percepção da existência de diferentes
correntes políticas expressas na pluralização partidária. Inseridos em novas regras de acesso e
transferência de poder, poderiam encapar a delegação de poder, criando um fictício caráter de
participação efetiva.
A migração do papel difuso de resistência ao regime para a multiplicidade de partidos, facilitou
as negociações de cúpula, o que leva esta tese a identificar a transição não como uma ampliação do
espaço político, mas a ampliação da representação política e o estabelecimento de normas de transferência
de poder (a campanha pelas “Diretas Já!” mobilizou uma multidão de sujeitos políticos, com uma
potência transformadora logo travestida na passividade de eleitores). Na medida em que se estruturavam
pela agregação de interesses, o estabelecimento de novos partidos garantiu ao bloco dirigente um maior
espaço de manobra.
Mesmo com a transferência dos quadros e da estrutura da ARENA, as alterações propostas pelo
bloco dirigente, jogaram o partido do governo, então Partido Democrático Social (PDS), à uma série de
conflitos internos, que somente vieram à tona com a decomposição do regime.
As expressões políticas distintas do bloco dominante, até então reunidas na antiga ARENA -
representando a diversidade e a potencialidade da coalizão intervencionista - passaram a degladiar em
nome de seus interesses imediatos no momento em que adentraram na conjuntura de recomposição do
bloco dirigente e reformulação do poder.
Em razão da multiplicidade das forças de sustentação do regime, os interesses antes coesos em
nome da preservação de um estado de coisas – os benefícios do desenvolvimento e a previsibilidade que a
estrutura de poder conferia - demonstraram suas divergências, subdividindo-se em posições políticas
conservadoras, setores que haviam se dessolidarizado do regime, oligarquias rurais, setores definidos
como liberais. Estes conflitos foram revelados mais tarde nas disputas pela indicação do candidato do
partido à sucessão presidencial.
614
A partir destas inferências, torna-se compreensível as diferentes posições externadas pelo partido
de sustentação do governo quanto ao tema da reforma partidária
614
Como dado de transferência da estrutura da ARENA ao PDS: dos 19 deputados do PDS que ocuparam
cadeiras durante a 46ª Legislatura (a partir de 1983), 14 haviam cumprido mandatos na legislatura
anterior pela ARENA. De outra maneira, ao analisar a composição dos partidos no sistema bipartidário,
Fleischer chegou a surpreendente conclusão de que a ARENA, e não o MDB, possuía uma maior
fragmentação interna, visto ter incorporado um maior número de partidos (tais como o PSD, UDN, PDC,
PL, PRT, PST e até mesmo, o PTB). FLEISCHER, David V. A Transição Para o Bipartidarismo no
Legislativo, 1969-1979. In.: SOARES, Ricardo Prata; e Outros. Estado, Participação Política e
Democracia. Brasília: CNPq/Coordenação Editorial/São Paulo: ANPOCS, 1985, pp. 155-178. Desta
forma, com o regime em crise e sem a compulsória agregação do bipartidarismo, as divergências
assumiam uma conotação interna desestabilizadora.
367
É claro que não seremos ingênuos ao ponto de imaginar que o projeto que está
vai-nos permitir vida partidária ideal, pluralista e que os partidos poderão ser
organizados livremente, de acordo com a linha de pensamento dos homens que
compõem a sociedade brasileira. De forma alguma diríamos isso ou aceitaríamos.
É um projeto feito de cima para baixo, feito sob encomenda, pré-moldado, que
deverá cumprir uma determinada finalidade.
615
As intervenções parlamentares da ARENA endossavam a necessidade da reformulação partidária
como etapa final da proposta de flexibilização das relações. A pluralização partidária colocaria um termo
ao processo de abrandamento dos mecanismos de controle político. Em suas peças oratórias, insistia que
somente a partir da recomposição do sistema político, haveria um cenário propício para o regime ampliar
as condições de disputa pelo poder decisório. Com efeito, a reforma partidária seria a sinalização do
governo com a perspectiva democrática:
as oposições estão muito preocupadas é com sua divisão, com seus “Lulas”, com o
Sr. Leonel Brizola, com o Sr. Tancredo Neves, com o Sr. Magalhães Pinto, com o
Sr. Teotônio Vilela, porque o governo da Revolução, que vai institucionalizá-la
não irá entregar de graça o governo da República. A Revolução terá continuidade.
A oposição entende que o governo, por um passe de mágica, deva criar uma
democracia plena e absoluta. Ora, a democracia é um processo lento, de
conscientização.
616
Assim, foram criados os novos partidos políticos. O Partido Popular (PP), legítimo representante
do estilo mineiro de fazer política, liderado por Tancredo Neves e Magalhães Pinto (e composto por
considerável parcela do empresariado, sendo sintomática a presença de Olavo Setúbal), expressava o
reagrupamento de grupos dissidentes ou moderados que não se encaixavam no perfil político do Partido
Democrático Social (PDS). Desde seus momentos iniciais, ressaltavam que estavam comprometidos com
um trânsito moderado de ordenamentos, pretendendo tomar posição de uma força de desequilíbrio na
disputa política em favor do regime.
Situando-se entre os defensores da recomposição da ordem autoritária (setores mais ortodoxos da
caserna), e aqueles que reivindicavam uma ruptura sem concessões (setores minoritários do PMDB e
correntes petistas), o PP assumia a posição liberal de centro, procurando ocupar o espaço de um bloco
alternativo de sustentação partidária ao regime (vindo a sofrer um primeiro abalo com a morte de Petrônio
Portella e o tiro de misericórdia com a engenharia política do regime).
615
Jarbas Lima/ARENA. AAL, 161ª Sessão em 20 de novembro de 1979, pp. 319-321. Mais adiante, o
deputado arenista desconstituiu a forma do projeto: trata-se de permanecermos na vida pública nos
ajustando no espaço e no lugar que nos seja consentido e permitido e, o que é muito pior, devemos fazê-
lo na premência do tempo, que mais parece uma nova e maquiavélica previsão de, atropelando-se a
classe política, encurralando-se a classe política, não se permitir que se tenha pelo menos o direito de
fazer a melhor das opções. In.: Id. Grande parte das peças oratórias do MDB, abordando a aceitação
automática dos termos da reforma por parte da bancada arenista, enfatizava a necessidade de superação da
sigla como pressuposto de viabilidade eleitoral (pois que relacionada com a marca do arbítrio, das
cassações, das mortes nos fundos das delegacias de polícia). Gabriel Malmann/MDB. AAL, 128ª Sessão
em 3 de outubro de 1979, p. 52.
616
Jesus Linhares Guimarães/ARENA. AAL, 137ª Sessão em 16 de outubro de 1979, pp. 228-229. Grifos
nossos.
368
A transfiguração do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) não resultou no final de suas contradições internas. Nesta passagem
“evolutiva”, os parlamentares demonstraram certa convicção de que o partido seria o herdeiro legítimo
dos centros decisórios de poder, em virtude dos serviços prestados à constituição de um bloco de oposição
que não apenas serviu de base de estabilização do regime mas sobretudo, garantiu a continuidade do
sistema de representação política.
617
Tanto a cúpula pemedebista quanto a cúpula do PP, buscaram redefinir alianças políticas sem
pleitear imediatamente alterações estruturais no regime. Afirmavam-se como interlocutores válidos do
regime e, da mesma maneira, desempenharam a função de “amortecedores” político-sociais, essenciais
para o enfrentamento da crise institucional e a reformulação do pacto de poder.
Na incorporação do PP ao PMDB, em circunstâncias proporcionadas pela engenharia eleitoral,
anulavam-se os debates em nome da autenticidade que cercava a formação dos novos partidos. Ambos
renunciaram a uma série de princípios em nome da possibilidade de ascensão ao poder decisório. Esta
fusão, acabou por implementar uma nova redefinição política, na medida em que recompôs o partido, por
excelência, conservador da base do governo. Explica-se: setores progressistas do bloco dominante,
aqueles que vislumbraram no PP uma alternativa política no encaminhamento de seus interesses não
contemplados pelo regime, no momento da extinção daquele, acabaram por migrar para o PDS em virtude
da inconstância do PMDB, que ainda abrigava correntes radicais para os padrões daqueles setores e não
havia definido ainda a “medida” de sua oposição (em razão das disputas domésticas entre conciliação e
ruptura).
618
Segundo a oposição, a incorporação teria sido a reação à estratégia governista de implosão da
unidade oposicionista:
a divisão era um plano adredemente preparado pelo governo, pelo regime, pelo
General Golbery do Couto e Silva para enfraquecer as oposições. Infelizmente não
foi possível naquela oportunidade manter a unidade oposicionista. Agora, dentro
da nova legislação eleitoral que se implantou no país, não restava outra
617
No que concerne às divergências entre o MDB e o trabalhismo representado por Leonel Brizola,
segundo a bancada oposicionista, ver a manifestação de Gabriel Mallmann, o qual sinteizou estas
diferenças. AAL, 3ª Sessão Extraordinária em 12 de dezembro de 1979, pp. 236-237. De outro modo, as
perspectivas do MDB sobre o partido sucedâneo foram sintetizadas no diálogo entre Gil Marques e Júlio
Vianna, onde, para estes, o PTB ocuparia o lugar central na oposição visto um processo natural de
transformação do MDB, tendo este sido formado pelas bases do PTB em 1966. AAL, 152ª Sessão em 6 de
novembro de 1979, pp. 49-50. Outro exemplo das discussões referente aos novos partidos foi travado por
Ibsen Pinheiro e Gil Marques em: AAL, 3ª Sessão Extraordinária em 12 de dezembro de 1979, pp. 216-
218. Américo Copetti/MDB protagonizou uma veemente defesa do retorno do PTB. AAL, 173ª Sessão em
29 de novembro de 1979, pp. 624-625. Quando, o então deputado Pedro Simon, disputou o cargo de
governador do estado em 1982, esta mensagem subliminar perpassava junto à tese do “voto útil”, em
detrimento da opção trabalhista (com Alceu de Deus Collares) e dos movimentos autônomos (o voto em
Olívio de Oliveira Dutra do PT).
618
Rubens Ardenghi/PDS teceu duras críticas à incorporação do PP pelo PMDB. AAL, 4ª Sessão da
Convocação Extraordinária em 15 de fevereiro de 1982, pp. 78-79. A incorporação, sendo questão
polêmica, suscitou uma série de debates: Sérgio Ilha Moreira/PDS, contestado por Ibsen Pinheiro/PMDB,
sendo incorporados à discussão Rubens Ardenghi/PDS, Américo Copetti/PDT, Érico Pegoraro/PDS,
Rospide Netto/PMDB, Pedro Américo Leal/PDS, Cezar Schirmer/PMDB, Porfírio Peixoto/PDT, Júlio
Vianna/PDT e Carlos Augusto de Souza/PDT (cujo partido denunciava a incorporação). AAL, 5ª Sessão
da Convocação Extraordinária em 16 de fevereiro de 1982, pp. 84-99.
369
oportunidade aos partidos senão se organizarem para a disputa eleitoral, o
governo, depois de ter promovido a divisão, vem com o “pacote de novembro” – o
novo e último casuísmo eleitoral – e implanta a vinculação total dos votos e
impede, por força da nova legislação que os partidos de oposição possam se
coligar.
619
A possibilidade de ressurgimento do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), esvaía-se nos
meandros judiciais pelos direitos de utilização da sigla, disputados entre entre Ivete Vargas e Leonel
Brizola. Definida a posse do “PTB” em favor de Ivete Vargas, o Partido Democrático Trabalhista (PDT)
assumia o inevitável espaço consagrado ao retorno de Brizola. Filiado à Internacional Socialista de Willy
Brandt, o partido veiculava a “ideologia do sindicalismo democrático”, uma alternativa às propostas de
organização dos segmentos dominados. Em virtude da pouca ou inexistente margem de manobra política,
o partido assumia a única posição possível: a oposição.
Ao resgatar um discurso datado (identificado ao auge do trabalhismo), em um contexto onde a
estrutura, a estratificação de classes e a dinâmica social exigiam formas renovadas de organização,
arregimentação, concepções teóricas, ticas e estratégicas, o partido encontrou dificuldades em se postar
como alternativa eleitoral de oposição, perdendo a disputa com o PMDB (por razões evidentes, o discurso
trabalhista encontrou campo propício no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, por peculiaridades que
não cabem aqui discutir).
Um dos imediatos reflexos do multipartidarismo, foi percebido na disputa pela condição de
partido de oposição efetiva. Em virtude de suas estreitas ligações com figuras execradas pelo regime
(Leonel Brizola, João Goulart, Getúlio Vargas), sem condições de almejar o poder decisório nas
condições definidas de disputa, o PDT gaúcho pôde desenvolver as críticas mais contundentes ao regime
pela via institucional do parlamento.
620
Ao menos até 1983, o Partido dos Trabalhadores (PT) não teve função parlamentar decisiva. Em
razão de sua própria limitação estrutural, apresentou um programa inviável nos moldes de disputa,
refletido posteriormente no desempenho eleitoral de 1982. Garantido pelo processo de dupla fuga,
pautando-se pela contradição capital versus trabalho, o PT se construiu à margem do Estado, com
identidade classista autônoma e o desejo de edificar um projeto político alternativo.
621
619
Nivaldo Soares/PMDB. AAL, 4ª Sessão da convocação extraordinária em 15 de fevereiro de 1982, pp.
78-79. Os debates seguiram com as manifestações de Elygio Meneghetti, Victório Trez e Rubi Diehl. In.:
Id., pp. 79-81. Posteriormente, o tema voltou ao plenário com: Gabriel Mallmann/PMDB e Alceu
Martins/PDS, AAL, 3ª Sessão em 3 de março de 1982, pp. 182-184. Em outra oportunidade, Aldo
Pinto/PDT enfatizou a falta de unidade das oposições em momentos decisivos da política nacional. AAL,
7ª Sessão em 9 de março de 1982, p. 233.
620
Mesmo antes da definição dos novos partidos, Marques de Mattos, admitia a tese da extinção do
bipartidarismo em virtude da possibilidade de refundação do PTB ou outro partido comprometido com o
trabalhismo, sob o comando de Brizola, sendo este o único canal de comunicação com as massas. AAL,
162ª Sessão em 21 de novembro de 1979, pp. 357-359.
621
Sobre o Partido dos Trabalhadores, por motivos óbvios hoje mais do que nunca, listam-se às dezenas
trabalhos analíticos, entre tantos podem ser destacados: CÉSAR, Benedito Tadeu. Verso, Reverso,
Transverso: O PT e a Democracia no Brasil. Campinas: UNICAMP, 1995. KECK, Margaret E. PT: A
Lógica da Diferença – O Partido dos Trabalhadores na Construção da Democracia Brasileira. Tradução
de Maria Lúcia Montes. São Paulo: Ática, 1991. PEDROSA, Mário. Sobre o PT. São Paulo: CHED
Editorial, 1980. VOIGT, Léo. A Formação do PT – Esboço de Reconstrução Histórica. Dissertação de
Mestrado. Porto Alegre: Programa de Mestrado em Ciência Política – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul/UFRGS, 1990.
370
A intenção e a formalização de um partido com a proposta do PT, por menos viável
eleitoralmente que fosse naquela conjuntura, significava uma ruptura com os compromissos tanto dos
partidos liberais quanto daqueles que se pautavam pelas experiências de organização política do leste
europeu. O partido representava um inconveniente não apenas ao bloco dirigente, mas à totalidade dos
partidos que se formavam.
622
Em meio à crise do Estado (mais propriamente: da forma como este estava organizado) e o
refluxo do ciclo do uso predatório da violência institucionalizada e de vigência de um padrão
ultradespótico de dominação de classe, a defesa do regime de exceção ficou praticamente reduzida a
setores da oficialidade militar (por estarem no núcleo do poder) e aos conservadores mais ferrenhos da
antiga ARENA (beneficiários do Estado).
623
A construção de um partido político oriundo das camadas subordinadas, representou antes de
tudo, a possibilidade da entrada de novos personagens nas instâncias formais de representação política
com um discurso autônomo às alternativas propostas naquela conjuntura. Garantiu a ampliação da
abrangência do ordenamento político no decorrer dos anos 80, ao atingir setores o contemplados pela
oposição representada pelo PDT e PMDB.
Ainda em 1980, Mário Pedrosa caracterizou a necessidade de uma partido político que atendesse
as demandas dos trabalhadores da cidade e do campo:
Atualmente nessas variações de M.D.Bs., Partidos Populares etc... o que se são
velhas estruturas políticas liquidadas em 64 agora mais ou menos remendadas
para um novo surto. Dessas velhas siglas e derivados tudo é conhecido, como o
P.T.B. de Brizola ou o P.C.B. de Prestes, que está fora porque a velha burguesia
ainda não se achou com forças para permitir que a mais antiga instituição
partidária do Brasil possa exercer as funções políticas normalmente. Isso dá bem
a mostra da seriedade das suas veleidades democráticas.
A idéia do Partido dos Trabalhadores é a única idéia política realmente nova
nesta década começante. A imagem do Estado, que governo e oposição
representam, é visivelmente uma idéia cansada, uma idéia do já visto. O Estado
que concebe, o Estado que propõe é um Estado cujo objetivo fundamental é manter
o status que econômico e social do país que garante o uso e o gozo dos monopólios
que capitais estrangeiros e nacionais vinham desenvolvendo sem o menor
impedimento durante todas as décadas passadas. (...) Esse Estado que aí está, sem
o Partido dos Trabalhadores como partido, é um Estado incompleto e espúrio
porque não permite que a classe trabalhadora se insira nele e possa aí representar
um papel que lhe é fundamental.
624
622
Nas palavras de Figueiredo e Cheibub: os atores políticos tradicionais na situação ou na oposição,
aprenderam a lidar e conviver com o brizolismo, janismo, chaguismo, getulismo e outros ismos. Não
sendo porém o PT apenas um lulismo, isto fez dele, pelo menos no início, uma ameaça política para
todos. Os autores observam que de parte dos partidos de sustentação do regime, havia um desejo contido,
em impedir que o partido sobrevivesse. Nos setores oposicionistas tradicionais, mesmo com as explícitas
declarações de apoio à construção de um partido como o PT, havia uma sinalização de que os quadros
petistas deveriam ser incorporados aos partidos consagrados de oposição. FIGUEIREDO, Marcus Faria;
CHEIBUB, José Antônio Borges. A Abertura Política de 1973 a 1981: Quem Disse o Quê, Quando –
Inventário de um Debate. Op. Cit., p. 37.
623
FERNANDES, Florestan. Op. Cit., pp. 119-120.
624
PEDROSA, Mário. Op. Cit., pp. 46-47.
371
A recuperação de princípios sicos do liberalismo - igualdade de oportunidades no exercício da
política (princípios de livre associação, liberdade de pensamento e expressão, exercício do voto livre,
secreto e universal) - e a intenção de utilizá-los no alargamento da participação e formação política das
camadas subalternas (trabalhadoras), com a finalidade de inverter a ótica da política formal, não foi
acompanhada de um programa mínimo estabelecendo e explicitando os meios institucionais para
concretização de um novo ordenamento social, político e econômico.
625
Até o final da década de 80, o Partido dos Trabalhadores somou fracassos eleitorais. A quase
total transferência dos quadros do antigo MDB ao PMDB, sem grandes sangrias que pudessem beneficiar
as demais alternativas oposicionistas (PDT e PT), respondeu em grande medida, à convicção de que o
PMDB havia construído ao longo do regime de exceção uma sólida proposta de tomada do governo, em
condições de disputar com o partido do governo sem com isso apresentar um projeto de alterações
estruturais de fundo.
De outro modo, o PT mantinha a posição de ser instrumento de formação das camadas
subordinadas, algo considerado ultrapassado pelos quadros históricos do MDB, visto a experiência
européia de partidos socialistas e classistas.
Segundo o governo, a mudança política seria condição primordial para o
país superar a crise, particularmente, a crise de representação política.
Desta maneira, a pauta política forjada no bloco dirigente foi imposta
como condição ao prosseguimento do projeto de transferência de poder
decisório.
Com o acirramento das posições políticas, o PMDB esforçava-se em apresentar-se como
interlocutor válido – sintoma da supremacia de correntes reformistas internas. O PDS por sua vez,
empreendia esforços no sentido de ponderar as deficiências do regime, ao menos, da fase aguda da
intervenção estatal (69-74), identificando em elementos da estrutura do Estado - basicamente os
625
FIGUEIREDO, Marcus Faria & CHEIBUB, José Antônio Borges. A Abertura Política de 1973 a
1981: Quem Disse o Quê, Quando - Inventário de um Debate. In.: BIB – O Que Se Deve Ler em
Ciências Sociais Hoje. Rio de Janeiro, nº14, 1982, pp. 37-41. O PT entende também que, se o regime
autoritário for substituído por uma democracia formal e parlamentar, fruto de um acordo entre as elites
dominantes que exclua a participação organizada do povo (como se deu entre 1945 e 1964), tal regime
nascerá débil e descomprometido com a resolução dos problemas que afligem o nosso povo, e pronto
será derrubado e substituído por novas formas autoritárias de dominação – tão comuns na história
brasileira. Por isso, o PT proclama que a única força capaz de ser fiadora de uma democracia
efetivamente estável são as massas exploradas do campo e das cidades. Carta de Princípios do Partido
dos Trabalhadores, anexada em: PEDROSA, Mário. Op. Cit., p. 59. Ao repudiar a interferência do regime
na composição do sistema partidário, (reconhecida como ação deliberada de barrar as aspirações reais de
democratização do país), a Comissão Nacional Provisória do PT conclamava forças identificadas à
democracia, a organizar uma “ampla frente de massas contra o regime ditatorial”, reunindo condições de
romper o isolamento político que o regime estaria tentando impor às forças de oposição. Declaração
Política do Movimento pelo Partido dos Trabalhadores através de sua Comissão Nacional Provisória, São
Bernardo do Campo, 13 de outubro de 1979. In.: Id., pp. 66-67. Na questão de liberdades, o futuro Partido
dos Trabalhadores avançava na superação do ordenamento autoritário, exigindo além da liberdade
sindical e a criação de uma Central Única dos Trabalhadores, o direito de greve, a anistia ampla, geral e
irrestrita e a reintegração daqueles cassados, expurgados, exilados e demitidos, desativação dos órgãos
repressivos e dissolução dos grupos paramilitares, fim das torturas e a investigação de todas as
arbitrariedades policiais com punição dos responsáveis, pelo fim dos tribunais de exceção, das eleições
indiretas em quaisquer níveis, voto aos analfabetos, cabos e soldados, pelo fim do regime militar, pela
372
tecnocratas - os responsáveis pela crise. Nesta mesma linha de atuação, a defesa de mudanças pontuais
como a reforma constitucional, representaria o apoio ao projeto de reformulação política proposta pelo
governo.
Como demonstrado em outra oportunidade, no conjunto das peças oratórias produzidas pelos
parlamentares do PDS e do PMDB, o debate circunscrevia-se às regras e procedimentos de acesso ao
poder decisório. Esta postura, além de obedecer a agenda política delimitada pelo regime –
principalmente a pauta do gradualismo das mudanças - limitava a própria questão da redemocratização.
As decisões políticas do regime em institucionalizar a estabilização conservadora (anistia,
pluripartidarismo, legislação eleitoral, institucionalização da competição partidária, representação e
processamento de demandas), procuraram dissimular a contradição vivida pelo regime de exceção: os
processos sociais, as experiências e expectativas populares, cuja dinâmica política canalizava o “fazer
político” para arenas substutivas, desvinculavam-se dos mecanismos e locais de tomadas de decisões
públicas (as instituições políticas), assumindo uma movimentação muito mais intensa e superior à
capacidade de contenção do regime. Definitivamente, a sociedade estava à frente de seu sistema político-
representativo.
A partir da incorporação destes interesses sociais, disciplinamento do conflito e reestatização das
relações, seria formalizada uma nova sociabilidade que demarcaria as bases para a saída da crise. As
articulações de interesses divergentes transportavam-se para espaços formais de representação política.
O êxito nas estratégias de divisão dos interesses de frações de classe dominadas e, por outro
lado, o estabelecimento do disciplinamento de setores daquelas frações, repercutiram negativamente na
representação dos interesses destes setores na composição do pacto de dominação.
Os movimentos insubordinados (o novo sindicalismo, as ligas camponesas e mesmo aqueles
organizados por segmentos progressistas da Igreja Católica), viveram seus mais destrutivos impasses no
mesmo momento do avanço da transição política (as lutas cada vez mais particulares e as reivindicações
com menos possibilidades de se generalizarem para o conjunto da sociedade).
Sendo a representação político-partidária um dos possíveis instrumentos para viabilizar a
conjugação destes interesses opostos - quando não demandas antagônicas - em uma relativa
uniformidade (não necessariamente unidade), o parlamento – instância do mecanismo representativo -
constituiu-se historicamente enquanto lócus da integração dos interesses sociais, econômicos e políticos
individuais em vontades coletivas, algumas vezes travestida de interesse nacional.
Mesmo aquelas correntes que denunciavam a estruturação e as limitações do sistema político,
acreditavam que o parlamento havia sido transformado, assumindo-o como uma frente de luta importante,
justamente por este espaço ser observado como único instrumento de legislação política.
A reeestatização das relações político-sociais, também foi facilitada pelo fato de haver um certo
consenso na esfera política formal, depois midiatizado e lançado ao status de senso comum, quanto às
fragilidades latentes dos movimentos de insubordinação.
626
Isso implicava no reconhecimento de que os
convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte livre, democrática e soberana (propondo portanto a
construção de um novo ordenamento político imediatamente) e por fim, um governo dos trabalhadores.
626
Na questão do senso comum midiatizado ver: LIMA, Venício Artur de & RAMOS, Murilo César. A
Televisão no Brasil: Desinformação e Democracia. In.: FLEISCHER, David V. (org.). Da Distensão à
Abertura: As Eleições de 1982. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1985, pp. 215-233
373
fenômenos político-sociais deste estágio de desenvolvimento no país, não poderiam, por questões
estruturais, oferecer uma alternativa política em contraposição ao projeto do regime que vigorava.
No mais das vezes, acusava-se que a explosão da atividade sindical ao final da década de 70,
estava inversamente proporcional à fragilidade dos sindicatos, associações e organizações classistas e de
categorias de trabalho. Mesmo assim, o parlamento gaúcho assumiu a tendência de fusão entre o discurso
intervencionista (monológico) e o democrático (dialógico), justamente por este deslocamento dos sujeitos
627
Ficou configurado então, não apenas um esforço em incorporar os movimentos daquele tipo,
fazendo avançar o processo de reestatização das relações mas, sobretudo, a utilização de artifícios para
conter a imprevisibilidade política e, de certa maneira, impedir o ingresso da parte antagônica ao capital
nas instâncias de representação política, senão ao menos, a obstacularização daquele ingresso sob o manto
de partidos autônomos.
Como contraponto, a ARENA acusava a manipulação dos movimentos de insubordinação no
momento em que o sistema político passava por um impasse:
O governo e o sistema preocupados, compreensivelmente, com a manutenção da
sua maioria, dizendo que não haveria razão lógica que pudesse explicar que esse
governo corresse o risco de, em sendo maioria hoje, com a reformulação
partidária e com as transformações da área política, passar a ser uma minoria no
Congresso Nacional. Então, esse governo luta e coloca, como preocupação
primeira, segunda e única, talvez, o fato de que tem de permanecer com essa
maioria. De outro lado, vemos uma oposição, lutando também desesperadamente
por uma unidade, unidade de oposições que lhe permitisse ser também grande,
forte e capaz, num prazo mais curto, de chegar ao próprio poder.
628
Os movimentos de insubordinação, apresentaram debilidades orgânicas verificadas na dinâmica
de suas ações (como a greve). Tendo como impulso fundador, interesses imediatos, eminentemente reunia
627
O parlamento reconheceu a reconstituição de uma nova opinião pública, a qual expressava a
politização e manifestação do antagonismo capital/trabalho (e das demais contradições que envolviam o
estágio de desenvolvimento do país). A insubordinação materializava-se através de casos práticos
(paralisações, greves, boicotes, saques e ocupações), os quais constituíram inúmeras passagens nas peças
oratórias desenvolvidas da tribuna parlamentar. Ardenghi destacou a ameaça de greve dos agricultores do
município de Santa Bárbara do Sul, pelas dificuldades de recebimento de crédito em razão da seca,
Rubens Ardenghi/ARENA, AAL, 108ª Sessão em 3 setembro de 1979, p. 15. Fogaça saudou os bancários
e trabalhadores que saíam às ruas, AAL, 111ª Sessao em 10 de setembro de 1979, pp. 70-71. Em duas
oportunidades Elygio Meneghetti/MDB teceu considerações sobre os movimentos de insubordinação,
destacando a questão da paralisação dos caminhoneiros e dos motoristas em Santo Ângelo. AAL, 90ª
Sessão em 8 de agosto de 1979, pp. 165-166. AAL, 91ª Sessão em 9 de agosto de 1979, pp. 177-178.
Nivaldo Soares explorou o tema da greve na construção civil. AAL, 118ª Sessão em 17 de setembro de
1979, pp. 267-268. Lélio Souza prestou solidariedade aos funcionários da indústria de tecelagem,
violentamente reprimidos quando reindicavam melhores condições de trabalho e elevação dos padrões
remuneratórios sendo violentamente reprimidos pelo Brigada Militar. AAL, 142ª Sessão em 23 de outubro
de 1979, pp. 421-423. A única abertura que assistimos é a abertura do aperfeiçoamento do arbítrio cada
vez mais avassalador. (...) O banqueiro Murilo Macedo, não é o Ministro do Trabalho, mas sim, o
Ministro dos Patrões que, no Brasil, se chamam multinacionais. Elygio Meneghetti/PMDB. AAL, 43ª
Sessão em 17 de abril de 1980, p. 388. Adiante, José Fogaça tece duras críticas à Lei de Greve. AAL, 45ª
Sessão em 22 de abril de 1980, p. 405.
374
um grande contingente através de reivindicações econômicas (uma exploração mais justa através de
aumento salarial, condições adequadas de trabalho, uma estrutura previdenciária, etc.), sendo lançada ao
patamar político através da interferência estatal (repressão, prisão de lideranças, censura, desarticulação
de sindicatos, etc.). No momento em que as reivindicações eram acolhidas ou rechaçadas definitivamente,
o movimento dispersava-se.
629
Havia um verdadeiro “vão” entre a espontaneidade das massas e a organização desses
movimentos. Exatamente neste espaço, penetraram os discursos dos partidos tradicionais (PMDB e PDT)
e o apelo à ocupação do espaço institucional, tanto que nas disputas eleitorais, a preferência do voto
canalizava-se para estes em detrimento do PT, em um evidente movimento de racionalização do voto útil.
Para os analistas políticos do período, no momento em que categorias mobilizavam-se e
superavam a apatia dos setores subordinados, a burocracia ou mesmo os acordos das direções de seus
sindicatos, deslocavam este tipo de luta em nome da apropriação dos movimentos e da garantia da
hegemonia. Mesmo quando estes movimentos processavam-se à revelia dos partidos políticos e dos
grupos semi-legais (até mesmo aqueles ainda na clandestinidade), confirmava-se a distância entre a
potencialidade que se opunham ao capital e a incapacidade política e organizativa destes, fenômeno
generalizado teoricamente e definido pelos cientistas sociais como uma aguda crise de representação
política, não apenas dos movimentos populares, mas da sociedade brasileira como um todo.
630
Tomada a característica acima como pertinente, o processo de reorganização partidária,
viabilizado pelo regime através da reforma partidária, tendo prescindido da sociedade, somou um
elemento no deslocamento entre a sociedade e as instâncias de representação políticas.
Poucos se ativeram ao fato de que não havia uma negação do político por parte da sociedade.
o era este o ponto nevrálgico da crise de representação. Ocorria, isto sim, uma aversão à forma como o
sistema político, eleitoral e parlamentar, apresentava-se à sociedade (tradição eleitoreira, clientelística,
assistencialista e casuística).
Estas mesmas resistências, potencializadas pelas imposições de controle do dissenso e
centralização de poder decisório no executivo, acabaram por reverter em arenas políticas substitutivas
logo, na ampliação da imprevisibilidade política e ato contínuo, na instabilidade do processo político em
uma situação de crise de representação.
A necessidade de estabilização da política como garantia de desenvolvimento da transição,
pautou a reformulação levada a cabo no final dos anos 70. Todavia, sendo circunscrita à esfera do bloco
dominante, aquelas não apontaram para a solução dos impasses do sistema político. Por isso, revestiu-se
de suma importância para o desenvolvimento daquele, a constituição do Partido dos Trabalhadores, mais
do que uma frente de esquerdas, um partido organizado a partir das bases quanto e, quase
628
Jarbas Lima/ARENA. AAL, 142ª Sessão em 23 de outubro de 1979, p. 415. Ainda sobre a abertura e a
força dos movimentos de insubordinação: Gil Marques, AAL, 133ª Sessão em 10 de Outubro de 1979, pp.
159-160.
629
Conforme comentários de: PONT, Raul Anglada. Da Crítica ao Populismo À Construção do PT. Porto
Alegre: Seriema, 1985, p. 79.
630
Pont expôs casos onde, de forma explícita, era constatado o deslocamento das reais motivações do
movimento em nome de direções sindicais corporativas (citando a greve dos trabalhadores na construção
civil de Porto Alegre). PONT, Raul Anglada. Op. Cit., pp. 85-86.
375
simultaneamente, a organização política da Central Única dos Trabalhadores.
631
Estes,
independentemente do caráter que assumiram, tiveram decisiva contribuição na estabilização da relação
Estado e sociedade civil.
Em um cenário político reformulado (esgotamento da forma do regime e a projeção de um novo
ordenamento), eram preparadas as arestas de intervenção dos novos partidos. Ao partido de sustentação
do governo, isso significava responder pela crise. Logo, construíam-se os culpados pelo desvirtuamento
das tarefas fundadoras de 64.
Enfrentando o colapso econômico e o refluxo no projeto de desenvolvimento, os parlamentares
encontravam nas definições da área econômica calcadas em critérios formais de racionalidade científica,
no desempenho destas tarefas por parte de agentes técnicos estatais e na delegação de poderes à
tecnoburocracia, os fatores determinantes da crise. A autonomia concedida pela oficialidade militar dos
centros decisórios à tecnocracia, revelava da mesma forma, a inaptidão daqueles na condução política do
país. De outra parte, a exclusão dos políticos profissionais em decisões fundamentais, abriu flancos para o
fracasso do projeto de desenvolvimento:
o período da exceção concentrou poder nas mãos do governo, este deu carta
branca aos técnicos que não souberam resolver a situação. A tudo isso os políticos
assistiram e tiveram que assistir silenciosos e à distância. Os políticos foram
colocados à margem dos acontecimentos e das decisões, cedendo lugar aos
técnicos e aos cientistas da administração. É claro que temos consciência que esta
marginalização foi resultado da e comprometedora conduta da própria classe
que fez por merecer este alheiamento. Está mais do que provado, porém, ser
indispensável o retorno dos políticos à mesa das decisões, na medida em que
realmente representem o povo, sua vontade e seus sentimentos. (...) Retornamos
ao império das leis.
632
A culpa da crise volta para os tecnocratas: o centralismo de todos estes poderes
tem sido a origem e a fonte de muitos erros cometidos pelos tecnocratas ou
tecnoburocratas insensíveis.
633
Ao final das discussões acerca da reforma partidária, grande parte do parlamento reconhecia que
o projeto de “abertura política” avançava substancialmente. A definição das novas agremiações
partidárias, teria regulamentado as pressões sociais. As inclinações políticas divergentes, até então
acomodadas no insustentável e instável bipartidarismo, foram realocadas de modo a viabilizar a
recomposição do sistema político.
634
631
Sobre a organização sindical ver: GIANOTTI, Vito & NETO, Sebastião Lopes. CUT Ontem e Hoje: O
Que Mudou das Origens ao IV CONCUT. São Paulo: Vozes, 1981. BOITO Jr., Armando (org.). O
Sindicalismo Brasileiro nos Anos 80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
632
Jarbas Lima/ARENA. AAL, 179ª Sessão em 5 de dezembro de 1979, pp. 81-82.
633
Alecrides Sant’Anna de Moraes/PDS. AAL, 12ª Sessão da Convocação Extraordinária em 23 de
dezembro de 1983, p. 425.
634
Para a ARENA, a proposta de abertura política permou todos os movimentos da administração
Figueiredo Roberto Cardona/ARENA. AAL, 14ª Sessão em 26 de dezembro de 1979, p. 420.
376
Institucionalizava-se formas de relações políticas adequadas ao momento de mutação do Estado.
Regulamentando a ação das camadas dominadas insubordinadas, o regime avançava na estabilização das
relações do próprio bloco dominante.
635
Por estes espaços, constituía-se o novo espectro político. A insubordinação e o movimento das
massas teria sua face política no PT, os dissidentes do regime (basicamente os empresários) no PP ou
mesmo PDS. As camadas médias, a oposição moderada e os proponentes da mediação de reivindicações
difusas da sociedade (sem identidade social) no PMDB e, por fim, os herdeiros do trabalhismo no PDT.
636
No Rio Grande do Sul, a alimentação deste espectro não encontrou terreno fértil, o que veio à
configurar mais um elemento da partidarização” como fator constitutivo da política no estado.
637
Havendo a definição do partido do governo e dada a disputa pelo espaço de oposição ter sido concentrada
entre PMDB e PDT, os partidos que o apresentavam posições definidas no espectro político (PP e
PTB), tiveram parcos espaços de organização pela impossibilidade de disputar as bases sociais com os
partidos referidos acima.
As alterações políticas não reverteram a profunda crise por que passava o país. A previsibilidade
política, base para a estabilização, não estava garantida
Enquanto estiver sob qualquer tipo de governo de patrões, a luta por melhores
salários, por condições dignas de vida e de trabalho, justas a quem constrói todas
as riquezas que existe neste País, estará colocada na ordem do dia a luta política e
a necessidade da conquista do poder político.
A história nos mostra que o melhor instrumento com o qual o trabalhador pode
travar esta luta é o seu partido político.
As aberturas democráticas que estão se delineando não representam, nem de
longe, o fim da exploração a que os trabalhadores estão submetidos; ao contrário,
os ditadores tentarão utilizar novas formas de acaudilhar os trabalhadores para
seus projetos políticos. Isso coloca na ordem do dia a articulação de uma saída
para esta situação. Fazer isso é lançar-se na luta pela independência política dos
trabalhadores, que se expressa na construção do seu partido. O MDB, hoje o único
partido legal da oposição no Brasil, pela sua composição homogênea, não pode
cumprir este papel. Combinam-se, portanto, a necessidade da construção de
independência política dos trabalhadores com a necessidade da construção de um
instrumento de luta pela conquista do poder político.
638
635
A bancada emedebista analisava o sancionamento do Projeto de Reforma Partidária e a extinção
formal da ARENA e do MDB, externando ainda as seqüelas da manutenção da sublegenda. Júlio
Vianna/MDB. AAL, 14ª Sessão Declaratória em 26 de dezembro de 1979, p. 415. Pedro Américo Leal
também ocupou a tribuna contra a “sublegenda”, que, entendia o deputado, a nível municipal seria um
contra-senso. Pedro Américo Leal/ARENA. AAL, 163ª Sessão em 22 de novembro de 1979, pp. 383-385.
636
A ARENA acusava o MDB de oportunismo político, pois em um momento de crise, o partido de
oposição buscava um programa ideológico para opção de governo. Rubi Diehl/ARENA. AAL, 156ª
Sessão em 12 de novembro de 1979, pp. 195-196. Sobre a posição do MDB ver manifestação de Rospide
Netto: AAL, 153ª Sessão em 7 de novembro de 1979, pp. 69-70.
637
O que levou o deputado Jauri Oliveira/PMDB a, equivocadamente, definir o Rio Grande do Sul como
o estado mais politizado do país. AAL, 6ª Sessão Representativa em 12 de janeiro de 1984, p. 187.
638
Texto apresentado durante o IX Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos, Mecânicos e de Material
Elétrico do Estado de São Paulo em 24 de janeiro de 1979, na cidade paulista de Lins e que ficou
consagrado como a Tese de “Santo André-Lins”. In.: GARCIA, Marco Aurélio (coord..). Resoluções de
Encontros e Congressos 1979-1998 – Partido dos Trabalhadores. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo (Projeto Memória e História), 1998, pp. 47-48.
377
A análise proposta por setores do MDB, dava conta de que o governo reunia três objetivos de
curto prazo na proposta multipartidária. O primeiro era livrar-se da ARENA pois, desacreditada perante a
opinião pública e inoperante em suas tarefas definidas pelo bloco dirigente, havia se transformado um
obstáculo para o governo. O segundo, a inevitável extinção do MDB, sendo este objetivo frustrado na
medida em que o MDB se fortaleceu duplamente: se fortaleceu por aqueles que o abandonaram e se
fortalece por aqueles que nele se engajam. O MDB se depurou no processo político acontecido. O
terceiro objetivo seria o adiamento das eleições com a alegação de que os partidos não teriam condições
de organizaram-se.
639
O significado maior da pluralização partidária, para os objetivos desta tese, esteve na aplicação
de mudanças no pacto de domínio a fim de garantir a reforma do Estado em bases adequadas, sem
contudo, alterar a correlação de forças políticas. Com efeito, a reforma partidária revigorou um sistema
político condenado pela inoperância e concedeu um novo fôlego ao próprio regime.
A estratégia de estabilização conservadora enfrentou o sintomas da inviabilidade da reprodução
do regime. O movimento parlamentar - os partidos de maneira geral - substituíram a política defensiva,
própria da fase de refinamento do Estado, em nome de um ofensiva política, revelando de certa forma, os
esforços em garantir uma melhor posição no espólio do regime.
O PDT passou a intensificar os ataques ao regime, acusando o governo de manter um discurso de
apelo à democracia e reagir ao avanço dos trabalhadores pela ação do poder militar, Figueiredo propôs a
abertura e não a sustenta, sendo as alusões ao diálogo por parte do governo uma farsa
não esquecemos que os governantes tem uma estratégia: ela é a que se propõe a
desorganizar o povo, impedir a emancipação popular, permitir a xima
exploração do trabalho pelas empresas multinacionais, servir aos interesses do
capital e tentar pulverizar o valor e a organização da forca dos trabalhadores.
640
A vazão aos interesses imediatos, possibilitada pela supressão da legislação de exceção e, no
mesmo sentido, a acomodação das fissuras provocadas pela perpetuação no tempo do regime em partidos
distintos, abriram espaço para a conciliação pela transição, primeiramente circunscrita à cúpula depois,
em razão da generalização da crise, alçada à condição de conciliação nacional.
Com as normas reguladoras do dissenso estabelecidas, o bloco dirigente procurou adequar os
procedimentos institucionais à formulação da vontade coletiva. Todavia, os partidos políticos e a
atividade parlamentar continuavam a não expressar politicamente as demandas da sociedade, não
reunindo condições de superar a crise das instituições de representação política.
641
Qualquer alusão à um espectro ideológico ao sistema de partidos, classificando-o em leque
identificado em direita, centro e esquerda, tornou-se exercício de ficção. Aqueles que levantavam a
639
Ibsen Pinheiro/PMDB. AAL, 6ª Sessão em 7 de março de 1980, pp. 137-138.
640
Gil Marques/PDT. AAL, 159ª Sessão em 25 de novembro de 1981, pp. 465-466.
641
Formados nos gabinetes do Congresso, apoiados nas máquinas administrativas, sem vínculos
ideológicos ou mesmo, capacidade de guardar qualquer relação com os movimentos sociais, tendo como
ponto de aglutinação a agregação de interesses imediatos, os partidos políticos enfrentaram problemas
muito similares aos seus antecessores (ARENA e MDB). Magalhães Pinto, virtual candidato de oposição
quando da extinta Frente Nacional Pela Redemocratização, filiou-se ao partido de sustentação do
378
bandeira de esquerda, não ostentavam conteúdo de participação popular (PDT e PMDB) e os partidos que
reivindicavam um caráter liberal assumiam posições extremamente conservadoras, quando não,
reacionárias (PDS).
Definida a reformulação partidária, o bloco dirigente necessariamente teria de complementá-la,
deparando-se então, com um efeito imediato: alimentava o hibridismo do regime, incorporando aspectos
da ritualística democrática (como a livre organização) sem abandonar a estrutura de dominação ou
garantir a circulação do poder decisório.
III
Ato 3: A Resistência Doméstica de Poder – como mencionado anteriormente, a implementação
das medidas de estabilização conservadora como fundamento da superação do ordenamento de exceção,
implicou em um conjunto de tensões domésticas que influenciaram diretamente as ações posteriores do
bloco dirigente.
Da mesma maneira que a dissidência de parcela do empresariado causou impacto no bloco
dirigente, setores da oficialidade militar, contrariados com a progressiva retirada da hegemonia dos
centros decisórios da instituição militar, passaram a manifestar esta insatisfação. Porém, a resistência ao
avanço da transição por parte destes obedecia formas mais contundentes de expressão.
As propostas incipientes de revigoramento da atuação política, acolhimento do dissenso e ênfase
na conciliação de cúpula, esvaíam-se em meio ao acirramento das contradições político-sociais, à catarse
econômica e à própria implosão do bloco dirigente.
No decorrer dos anos 80, em um cenário de percepção generalizada sobre a insustentabilidade do
regime em sua forma autoritária, a união da caserna e os esforços pela recomposição de forças políticas,
passaram a ser a garantia da futura circulação de poder.
Até este momento, todos os processos identificados como elementos da transição política
enfatizaram o Estado. Em outros termos: na visão institucional, a questão da democracia circunscrevia-se
aos limites do Estado, em última análise, limitava-se à posse dos centros decisórios de poder ou a garantia
da volta dos militares às suas funções profissionais.
Em determinado momento, a oficialidade militar – sendo a face visível do poder decisório -
passou a ser o agente principal do processo, superando as questões relativas a insubordinação, a
organização de um bloco político de oposição, o desgaste do governo e o próprio esgotamento da forma-
regime.
Neste período, as peças oratórias referiam-se essencialmente à circulação de poder e às regras de
disputa (eram parcas as referências diretas à democratização). O parlamento identificava nas tensões
envolvendo os militares enquanto instituição e os militares enquanto governo os pontos mais delicados
do processo em curso.
Em uma conjuntura de crise econômica sem parâmetros, com altos índices de rejeição ao
governo, de insatisfação social generalizada, denúncias de corrupção nos altos escalões da administração
pública e ainda, uma crise institucional, a oficialidade militar observava a queda de seu prestígio junto a
governo, PDS e Jânio Quadros, o “marco zero” da crise política dos anos 60, ingressou no PTB. Logo,
não se observava coerência na composição dos novos partidos.
379
opinião pública. Nos espaços políticos formais, a presença da oficialidade militar em funções decisivas do
Estado, tinha ressalvas desde a prorrogação do mandato de Castelo Branco. A crise institucional, criou
um espaço de crítica intensiva, a tal ponto que, com certa veemência, ouviam-se manifestações
parlamentares destacando a incongruência entre militares e política.
642
Durante o ano de 1981, em razão de dois eventos interligados, definia-se a desconstituição do
regime e a própria necessidade de recomposição política. Estes eventos atestaram, além do desequilíbrio
no núcleo do poder decisório, o caráter limitado que assumia a transição. O episódio do Riocentro em 30
de abril e a posterior demissão de Golbery do Couto e Silva, em 6 de agosto, condensaram o alcance das
mudanças em direção ao novo ordenamento.
Este ano foi emblemático. Às vésperas das eleições gerais e o definitivo acolhimento da
imprevisibilidade política, o país presenciava uma escalada das ações de extrema-direita.
643
As ações extremistas desempenharam certa funcionalidade ao bloco dirigente: através delas,
materializava-se as ameaças concretas de rompimento da transição e, pior ainda, a reconversão
autoritária do regime. Com efeito, esta visibilidade de ruptura, permitiu ao bloco dirigente reivindicar a
tutela do processo em nome da garantia de manutenção deste, posição acolhida pela oposição moderada
(depois configurada na posição de resistência ao enfrentamento com o regime em nome da conciliação).
Por esta razão, insurgia-se o PMDB, identificando um governo omisso e conivente :
O governo sabe quem são os responsáveis. Temos certeza de que o governo sabe
quem são. Mas o governo, ou não quer puni-los ou os grupos de proteção são
tantos e tão bem entrelaçados, tão bem protegidos, como as maiores teias de
aranha, que podem prender qualquer inseto que o inseto neste caso é o povo
brasileiro. (...) O governo sabe, porque estes mandantes devem estar no seio do
próprio governo, se não estivessem no seio da administração desde país, o governo
já os teria descoberto.
644
O ideário do sistema político, mesmo na conjuntura da transição, ainda era tributário dos
dispositivos de controle, disciplinamento, normatização e dominação.
A explosão de bombas no estacionamento do Centro de Convenções do Rio de Janeiro, o
Riocentro na Barra da Tijuca, em 30 de abril de 1981, durante espetáculo em homenagem ao dia do
Trabalhador com uma platéia de 20 mil pessoas, sintetizou as contradições de um ordenamento em
processo de falência, cujas forças domésticas degladiavam-se frente a perspectiva de saída do poder. Para
a oposição parlamentar, simbolizou o marco definitivo da impossibilidade de reprodução do regime
pautado pelo arbítrio.
645
642
Esta foi a ênfase do pronunciamento de Gabriel Mallmann/PMDB. AAL, 55ª Sessão em 2 de junho de
1981, p. 44.
643
Entre 1979 e 1981, registram-se cerca de 52 ações atribuídas a organizações clandestinas de direita.
Entre tantas: Agressão ao senador Franco Montoro; a explosão do automóvel do deputado do PMDB
carioca Marcelo Cerqueira; seqüestro do jurista Dalmo Dallari; coações aos estabelecimentos que
vendiam jornais “alternativos’; incêndios criminosos na sede dos jornais “Hora do Povo” e “Em Tempo”,
etc.
644
Elygio Meneghetti, eleito pelo MDB. AAL, 99 ª Sessão, em 7 de agosto de 1980, pp. 155-156.
645
A bomba foi detonada ainda no interior do automóvel, ferindo fatalmente o sargento Guilherme
Pereira do Rosário e deixando em estado grave o capitão Wilson Luís Chaves Machado, ambos do
Destacamento de Operações e Informações do I Exército. Por esta razão, segundo a bancada do PDT, o
380
Desde aquele momento, o bloco dirigente viu-se diante da necessidade de
“desinstitucionalização” da excepcionalidade, ou seja,
o projeto de aprimoramento estabelecido pela
administração Geisel encontrava seu ponto limite
.
Se até então havia uma certa especulação sobre a autoria das ações que instabilizavam o processo
político, o desfecho desastrado do atentado do Riocentro, impôs ao bloco dirigente responder por uma
ação diretamente vinculada à instituição militar:
Pior do que um ato de terror que um louco pode praticar é quando se percebe que
a violência constitucional tem origem institucional. A opinião pública não tem
dúvida alguma de que a autoria do atentado no Rio Centro deve ser imputada aos
instrumentos de violência oficial com todas as letras ao boicote do 1º ou 2ª
Exército; a opinião pública não tem dúvida que foram militares das Forças
Armadas brasileiras que praticaram aquele atentado.
646
o tardou para que a bancada oposicionista se manifestasse, denunciando a existência de dois
projetos de abertura política simultâneos. O primeiro, denominado por José Fogaça de “projeto
Figueiredo”, modelo autocrático, fechado e autoritário e, um segundo, organizado pelas oposições, cuja
perspectiva era a normalização democrática:
Muita gente diz que os atentados terroristas neste país, se voltam contra o
Presidente Figueiredo e contra todos os democratas. Pois eu diria, Sr. Presidente
e Srs. Deputados, que os atentados estão aí para dar o exato balizamento da
abertura política, para estabelecer os rígidos limites daquilo que deveria ser a
abertura política. Os atentados, a violência, a intimidação que eles buscam
procuram estabelecer os limites. E, na verdade, esses atentados servem para
consolidar o modelo autocrático gerido e administrado pelo
Palácio do Planalto.
647
De outro modo, o episódio do Riocentro demonstrou o nível de isolamento a que o regime estava
condenado. O esfacelamento da base de sustentação, que já estava em movimento ascendente, foi
dinamizado e a estrutura por excelência do arbítrio, o aparelho de segurança e informação, passou a ser
explicitamente atacada.
O bloco dirigente deparou-se com uma situação extrema de opções reduzidas: admitir a
autonomia deste organismo e portanto, reconhecer que o aparelho de Estado havia se tornado
incontrolável; levar as últimas conseqüências o inquérito que apuraria a ação, criando embates na própria
caserna; negar a relação da instituição militar com o episódio, reiterando que a ação fora de motivação
particular; vincular a ação à grupos subversivos em um momento em que, sabidamente, nenhuma
organização sobrevivente dos “anos de chumbo” teria estrutura que justificasse a presença de
instrumentos autoritários. Estas últimas opções, em razão das notórias evidências, não teriam
credibilidade alguma junto à base que o regime procurava sensibilizar.
atentado colocaria o governo em uma situação de definição de seu projeto político. Porfírio Peixoto/PDT.
AAL, 38ª Sessão em 6 de maio de 1981, pp. 10-11.
646
Ibsen Pinheiro/PMDB. AAL, 38ª Sessão em 6 de maio de 1981, p. 12. José Fogaça por sua vez, cobrou
uma posição contundente de Figueiredo para retomar o controle do SNI. In.: Id., p. 17.
647
José Fogaça/PMDB. AAL, 18ª Sessão em 12 de abril de 1981, pp. 78-79.
381
A decisão do bloco dirigente em preservar a instituição militar alimentou o processo de retirada
daqueles dos centros decisórios de poder, até então, prostado pelas complicadas articulações políticas. O
desgaste do exercício atingia níveis não assimiláveis pela hierarquia e disciplina corporativa da instituição
militar.
Grande parte do parlamento defendia que, em nome da manutenção da abertura e do
corporativismo da instituição, as investigações não seriam aprofundadas:
O governo não se descuidará da conveniência, ou da necessidade, de resguardar o
prestígio do Exército, não envolvendo a instituição em erros eventuais de alguns
militares.
648
Estes atentados cercados de impunidade, são o mais claro incentivo para que os
seus autores prossigam na sua trilha de ódio, violência e crime, tentando
tumultuar o processo político do nosso país e estancar as forças democráticas que
querem o pleno restabelecimento democrático da Nação.
649
Independentemente do tratamento dado àquela situação, o desgaste sofrido pela instituição
militar foi acentuado de forma candente por parte por dois focos de pressão simultâneos: a insubordinação
(revertendo na autonomia da política) e a ação desenfreada de setores da caserna (ampliadas pela própria
abrangência da anistia). A potencialidade da primeira restringiu o campo de movimentação do bloco
dirigente para com os setores mais ortodoxos da caserna, o que por sua vez reverteu em instabilização do
processo. A saída deste impasse esteve no estreitamento dos vínculos com a oposição moderada
(interlocutores válidos), base da posterior campanha pela conciliação nacional.
A concentração de recursos de coerção em poder de setores da oficialidade militar, passou a ser
questionada, abrindo espaços para a cisão do bloco dirigente:
em razão da superação dos principais elementos da legislação do regime
autoritário, a sociedade civil conseguiu pressionar o governo do presidente
Figueiredo de uma maneira mais intensa do que havia feito no governo anterior.
650
Por parte do governo, repercutiu diretamente na incapacidade do regime recrutar defensores,
mesmo em sua base de apoio parlamentar. Novamente, a questão da legitimidade do regime emergia, no
momento em que a dualidade de ordenamentos estava em um estágio de superação.
A opinião corrente sobre o episódio do Riocentro, compreendia-o como ação de desestabilização
do processo político, patrocinada por setores radicais autônomos que sido contidos mas não desbaratados
pelo governo anterior, conservaram o controle da comunidade de segurança e suas conexões com o
aparelho de Estado.
651
648
Gil Marques. AAL, 44ª Sessão em 14 de maio de 1981, pp. 225-226.
649
Cézar Shirmer. AAL, 38ª Sessão em 6 de maio de 1981, p. 30. Rubi Diehl lançava suspeitas nas
organizações clandestinas infiltradas na sociedade que objetivavam criar impasses ao governo. Rubi
Diehl/PDS. In.: Id., p. 31. Em outra ocasião o mesmo deputado pregou a união dos partidos no combate
ao terror. AAL, 40ª Sessão em 8 de maio de 1981, p. 84.
650
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. De Geisel a Collor: Forças Armadas, Transição e Democracia. Op.
Cit., p. 109.
651
MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Golbery Revisitado: Da Abertura Controlada à Democracia
Tutelada. In.: MOISÉS, José Álvaro; ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon (orgs.). Dilemas da Consolidação
da Democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 213. A questão do Riocentro está detalhada na obra
382
Esta explicação também fundamentou a análise pedetista:
é a demonstração aviltante de que os setores inconformados com a abertura
querem impedir, com sangue e bombas, que o Brasil chegue à plenitude
democrática, ou que o povo se organize. (...) a Nação precisa saber quem acoberta
as misteriosas mãos sujas de sangue que sustentam o terror. Mas precisa saber
com urgência, antes que os dementes “argentinizem” o processo de transição para
a democracia, antes que a “abertura” morra pela ação das bombas.
652
Expondo o momento de recomposição do bloco dominante, a manifestação da bancada do PDS
observava a saída de Golbery como positiva, sendo indicativo segundo aquela, da reativação do “político”
na medida em que, a decisão abria um canal de diálogo do partido com o governo inexistente até então.
Identificado, pela bancada peemedebista, ao setor mais avançado do governo, em virtude de suas
posturas progressistas, a demissão de Golbery teria representado a derrota daquelas forças na disputa
interna do bloco dirigente. Segundo o partido oposicionista, no momento em que Golbery se colocara
contra forças poderosas que movimentavam os mecanismos de poder do país, fora “cuspido” para fora do
poder:
quando o Sr. Golbery passou a defender um plano alternativo de natureza
política, passando pelos riscos do processo político e envolvendo a possibilidade
de concessões demagógicas para o processo eleitoral que se avizinhava, S. Exa.
passou a contrariar poderosos interesses, especialmente os externos,
especialmente aqueles que o Sr. Delfim Neto representa neste país. Então, o
talento do General Golbery não foi páreo para modorra do sr. Delfim Neto.
653
Passado o impacto inicial, o parlamento abandonou as bombas do Riocentro como tema central
das peças oratórias. Demonstrando as reais preocupações dos atores institucionais, o parlamento
de Costa Couto, onde autor transcreve na íntegra, carta de Golbery ao presidente Figueiredo em 4 de julho
de 1981 onde lê-se: ou a existência alarmante de um núcleo de governo paralelo, agindo com êxito que
só lhe acrescerá, dia a dia, a arrogância do poder – o que prenuncia, para o futuro, quase certamente,
cousas ainda mais graves, no mesmo quadro de ações extremistas e irresponsáveis, inclusive terrorismo
– ou, o que seria até mais grave, estariam sendo postas em dúvida as incisivas declarações do próprio
presidente quanto à sinceridade e honestidade com que impressionaram e confortaram a nação toda,
quando ditas e reditas. COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da Ditadura e da Abertura- Brasil:
1964-1985. Op. Cit., pp. 283-303. Posteriormente, concomitante à decisão por parte da Justiça Militar de
arquivamento do processo, Golbery retirava-se do governo – ficando em suspenso a relação do
encaminhamento das investigações com a desistência do governo - assumindo em seu lugar o professor
Leitão de Abreu. A sedução de determinadas figuras políticas na fase de extinção do regime é patente.
Sem renegar a contribuição de Ernesto Geisel, Tancredo Neves e Golbery do Couto e Silva no processo
da “transição política”, consagrados pela crônica política e idealizados como articuladores da “abertura”,
parece também inegável que destes foram formadas imagens, alimentadas academicamente, as quais
ressaltaram mais os desejos e as convicções pessoais em detrimento do processo de transição, complexo,
com inúmeras variáveis, sem marcos de ruptura (afinal, o país não comemora o “dia da democracia”) e,
terrível para os grandes eventos, sem heróis.
652
Aldo Pinto/PDT. AAL, 39ª Sessão em 7 de maio de 1981, pp. 38-39. Para Gil Marques o repúdio ao
terror, por parte do governo não era suficiente pois, o governo omitia-se de apurar o caso e implementar
medidas contundentes. AAL, 39ª Sessão em 7 de maio de 1981, p. 50. Ainda sobre esta questão ver: Ibsen
Pinheiro e Cezar Schirmer. In.: Id., pp. 67-68.
653
Ibsen Pinheiro/PMDB. AAL, 80ª Sessão em 10 de agosto de 1981, pp. 186-187. Grifos nossos. Para
Caetano Peruchin/PMDB, a exoneração de Golbery fez emergir a profundidade da crise do regime. AAL,
383
desconsiderava os movimentos domésticos do bloco dirigente (resistência e depuração), concentrando
esforços na possibilidade de reforma eleitoral.
654
O partido governista considerava que, antes de questões menores, o país vivia a
institucionalização do processo revolucionário de 1964, base para as mudanças nas áreas políticas,
econômicas e sociais.
655
Observados estes acontecimentos sob a ótica que delimita esta tese, o desenlace do episódio do
Riocentro representou, mais do que a imposição da retirada da oficialidade militar dos centros decisórios
de poder, a impossibilidade da reprodução do regime nas condições em que este pautava a sua
continuidade.
Aquelas ações diretas refletiram no deslocamento da questão da “abertura”. A partir de então,
observava-se um maior controle por parte do governo no ritmo das mudanças. A ação – consentida ou
autônoma, as fontes futuras revelarão – foi funcional ao regime, que reverteu a posição desfavorável em
que se encontrava o bloco dirigente: amarrou as “ações” políticas da oposição institucional em nome da
estabilidade do processo e, por outro lado, aglutinou a caserna. Mais uma vez, a figura do inimigo
externo, difuso e abstrato, cumpria função elementar no equilíbrio de forças e no cálculo de poder.
De qualquer forma, a partir de então, a extrema direita cessou suas ações, os acusados foram
jogados ao limbo da história e o processo de “abertura” prosseguiu mais lento e mais gradual ainda.
O estrangulamento que se estabelecia não estava mais na questão do regime garantir ou impedir
a “abertura política”, mas sim, em quais condições encaminhar o fechamento definitivo da militarização
dos centros decisórios de poder, sem contudo, ampliar a crise institucional.
656
Entendo que hoje a abertura política não é questão de querer ou não querer por
parte do Governo; não é questão de querer ou não querer por parte de algum setor
da oposição. Hoje, a abertura política é o querer da própria comunidade
nacional.
657
Ao final, se
concluí que os procedimentos adotados pelo governo Figueiredo distanciavam-
se do projeto de aprimoramento traçado na administração Geisel
. Antes de continuidade, a
necessidade de encaminhar o processo político visando a estabilização conservadora, pautou-se pela
ruptura com a concepção de manutenção do regime.
82ª Sessão em 12 de agosto de 1981, pp. 220-221. Elio Corbellini/PDT também teceu considerações a
respeito da demissão. AAL, 81ª Sessão em 11 de agosto de 1981, p. 186.
654
Jarbas Lima/PDS, AAL 78ª Sessão em 5 de agosto de 1981, p. 72. Rospide Netto/PMDB. In.: Id., p. 76.
Marques de Mattos/PDT. In.: Ibid., p. 90.
655
Romeu Martinelli/PDS. AAL, 3ª Sessão em 4 de março de 1980, pp. 57-58. Grifos nossos.b
656
A ARENA solidarizava-se com o presidente Figueiredo, prestando apoio incondicional às Forcas
Armadas, segundo o partido, o momento era de cautela e não precipitação. Guido Moesch/PDS. AAL, 43ª
Sessão em 13 de maio de 1981, p. 229. Sobre o assunto ainda manifestaram-se: Ibsen Pinheiro/PMDB,
AAL, 52ª Sessão em 27 de maio de 1981, p. 485. Cícero Viana/PDS, AAL, 53ª Sessão em 28 de maio de
1981, p. 526.
657
Romildo Bolzan/PDT. AAL, 50ª Sessão em 25 de maio de 1981, p. 412.
384
IV
Ato 4: As Eleições Gerais de 1982
as evidências de que o país rumava definitivamente para
outro ordenamento cristalizaram-se com o afastamento temporário do presidente Figueiredo, em razão de
problemas de saúde, e a garantia do vice civil, Aureliano Chaves, assumir o cargo em 19 de setembro de
1981. Esta substituição, para além de simples procedimento do poder, revestia-se de significados
simbólicos que traduziam um novo momento político: em situação idêntica, Pedro Aleixo, o vice civil de
Costa e Silva, fora impedido de assumir a presidência em 1969 pela cúpula do bloco dirigente, a qual
protagonizou uma ruptura nos próprios parâmetros definidos por sua composição interna (obviamente, o
processo de refinamento do Estado somente poderia ser conduzido por um oficial militar).
Chaves substituiu Figueiredo durante 49 dias, com pleno apoio do núcleo do poder, coordenado
pelo ministro Octávio Medeiros do SNI, sem que tal exercício tenha ampliado o cenário de incertezas (o
que também não significou que a instabilidade tivesse retrocedido).
A implementação do projeto de estabilização conservadora, impunha ao bloco dirigente o
controle de sua base política. Na instituição militar, o episódio do Riocentro havia exposto a
impossibilidade do regime lançar artifícios visando a ruptura do processo político em nome da
preservação da militarização dos centros decisórios.
Em relação ao sistema político, as expectativas de aprimoramento do regime através da
superação da “situação autoritária em contradição” (a dualidade de ordenamentos), foram frustradas. As
decisões que procuraram eliminar a questão intrínseca do regime, apenas aprofundaram os impasses
institucionais.
As mudanças no plano político desenvolvidas até 1979, repercutiram no plano social, mas não
reverteram em estabilidade política.
Indiscutivelmente vivemos hoje num país fantástico. O calendário eleitoral marca
eleições para o próximo ano e a classe política, a sociedade brasileira não sabe,
sequer, em que dia do próximo ano as eleições serão realizadas.
658
Grande parte das discussões parlamentares diziam respeito a reorganização do sistema de
alianças como condição indelével para a superação da crise. Segundo as intervenções discursivas no
parlamento, a instabilidade respondia à ausência de credibilidade do bloco dirigente e ao avanço do
processo de insubordinação, que sem canais adequados de representação, retirava do sistema político
parlamentar qualquer possibilidade de encaminhar os problemas nacionais.
659
Quem é Lula? Quem é Lula? Luís Inácio da Silva, se não me engano, um líder
operário que também, parece, é líder de um partido que está para existir, que é o
658
Caetano Peruchin/PMDB. AAL, 148ª Sessão em 12 de novembro de 1981, p. 201. As críticas à política
econômica do governo revelaram-se outro ponto de dissenso parlamentar: Sedemir Martins/PMDB. AAL,
87ª Sessão em 28 de junho de 1982, pp. 432-433.
659
Entre tantos debates, a possibilidade de adiamento das eleições para governador, era utilizada como
exemplo de definições oficiais que resultariam na inconsistência do sistema político. Carlos Augusto de
Souza/PDT, AAL, 15ª Sessão em 18 de março de 1980, pp. 380-381. Geraldo Germano/PDS, AAL, 1
Sessão em 20 de março de 1980, pp. 438-439. Falar em democracia sem partidos é uma farsa. Falar em
partidos políticos fortes, sem eleições, é um engodo. Jarbas Lima/PDS. AAL, 104ª Sessão em 14 de agosto
de 1980, pp. 315-316.
385
Partido do Trabalhador, o que é uma heresia. Por que não formar também o
partido das Forças Armadas, dos advogados, dos médicos, dos professores?
Então, o país vai se transformar em um partido classista!
660
Num contexto histórico marcado pelas
instituições em crise
, a reorganização do bloco dirigente
– resultado do esgotamento do regime – passava inevitavelmente pela reconstrução de instituições
políticas adequadas ao trânsito entre ordenamentos.
A retirada da oficialidade militar dos centros decisórios assumia um significado histórico: a
busca pela estabilização do experimento político-institucional. Por estes motivos, a superação do regime e
a redefinição do Estado - cujo funcionamento concreto não favorecia os interesses das camadas
dominantes (ao menos de suas frações “modernas”) – necessariamente tiveram de responder à questão da
integração política de segmentos postergados pelo regime de exceção, estabelecendo estratégias de
contenção do vigor da ação política destes. Somente desta forma, o bloco dirigente reuniria condições de
equilibrar a relação entre o sistema partidário e o Estado, que naquela situação, revelava-se um dos pontos
de instabilidade.
Desta perspectiva, os procedimentos oficiais em nome de uma futura “desmilitarização” dos
centros decisórios e a ampliação da capacidade de intervenção das instâncias de representação política,
deslocaram o padrão de luta política
. O Estado estava em processo de mudança. Sendo contígua e
correlata, a forma do regime passava pelo mesmo processo.
A dinâmica política do primeiros anos da década de 80, acelerou a recomposição da função
social do Estado (a saber, assegurar a coesão da sociedade), chegando ao ponto de controlar o conflito
entre interesses antagônicos ao custo da circulação do poder decisório, sendo este somente possível, com
o fecho do período de militarização dos centros decisórios.
A condução do processo por parte do bloco dirigente revelava-se fundamental, mesmo que para
tal, houvesse a insinuação da possibilidade de “volta ao passado como superação das desestabilizações”:
Se, por um lado, o presidente João Baptista Figueiredo, apesar das dificuldades e
obstáculos, vem procurando conduzir o processo de abertura política para atingir
o objetivo que desejamos, por outro lado estamos sentindo, visualizando as
pressões que estão se sucedendo, tanto de um lado, quanto de outro, criando um
clima de perturbação, de agitação, que, no futuro, possa vir a empacar, a
obstacularizar este processo de abertura que todos nós políticos desejamos que
chegue a um bom termo.
661
O estabelecimento de uma renovada ordem política – repercutindo no poder público e na
autoridade do Estado – implicava na redefinição das fontes e dos limites de poder. A vazão a tais
encaminhamentos foi precedida por uma série de medidas preventivas.
660
Pedro Américo Leal/PDS. AAL, 45ª Sessão em 22 de Abril de 1980, pp. 403-405. Para Romildo
Bolzan/PDT, o cotidiano de greves, demissões, protestos da agricultura, decréscimo na produção,
desequilíbrio entre as promessas governamentais e a prática do poder, a crescente inflação, o aumento do
custo de vida, não sendo mediados adequadamente pela ação do governo, conduziria o país à um estágio
de convulsão social. Romildo Bolzan/PDT. AAL, 67ª Sessão em 19 de junho de 1981, pp. 475-476.
661
Sérgio Ilha Moreira/PDS. AAL, 45ª Sessão em 22 de Abril de 1980, pp. 398-399.
386
A questão crucial no encaminhamento da superação do ordenamento de exceção, ao menos o
abrandamento do monopólio do poder, esteve na divulgação do projeto de reforma eleitoral, em 25 de
novembro de 1981 (sendo aprovado por decurso de prazo em 19 de janeiro de 1982 sob a Lei nº 6.978).
O bloco dirigente procurava compor instrumentos de controle do processo. Estes artifícios
procuraram também, de maneira explícita, desequilibrar o processo eleitoral em favor do partido de
sustentação do governo, para tanto se definira a ampliação do voto vinculado para todos os níveis, decisão
que aniquilou as pretensões dos partidos em fase de estruturação (basicamente, aqueles que não estavam
no campo de discussão do governo em nome de uma futura composição, PDT e PT – contudo, um dos
efeitos colaterais deste mecanismo esteve na inviabilização do partido alternativo de apoio ao governo, o
PP).
No mesmo movimento, a proibição das coligações inevitavelmente conduziria os partidos de
oposição à disputar as mesmas bases.
662
A impossibilidade articulações entre os partidos de oposição, potencializou a disputa entre PDT
e PMDB, tendência revelada desde a adoção do pluralismo partidário. Desta forma, o PDT intensificou o
discurso, procurando marcar posição distinta da oposição “indefinida” do PMDB (em razão das
divergências entre base e direção):
O ministro Abi-Ackel é o novo artesão da política de abertura controlada. Sua
missão é manter a imperiosa exigência de democracia e participação do povo
brasileiro sob o mais restrito controle, garantindo desde logo a iniciativa do
processo de democratização para o poder autoritário.
663
Conseqüentemente, o PMDB viu-se na contingência de reforçar suas intervenções parlamentares
Ontem consumou-se mais um novo Golpe de Estado. É o terceiro desde que os
militares, também por um golpe de Estado assumiram o poder em 64. O segundo
foi a edição do AI-5. O terceiro, finalmente ocorreu ontem. Desatou-se contra a
Nação, novamente o “cão desenfreado” do arbítrio. E suas “matilhas”,
662
O voto vinculado exigia que o eleitor escolhesse os candidatos do mesmo partido em todos os níveis
em disputa, do contrário o voto seria considerado inválido. Disso depreendia-se uma conseqüência
imediata: os partidos teriam de apresentar candidatos em todos os cargos disputados, ou seja,
apresentarem-se com “chapa completa”. No que toca esta questão, Couto lembrou o dispositivo pelo qual
um candidato somente poderia renunciar à candidatura se o seu partido desistisse da eleição. O
propósito, claro, foi o de impedir desistências para apoiar outros candidatos, driblando a vinculação de
votos. COUTO, Ronaldo Costa. Op. Cit., p. 308. Desde agosto de 81, a possibilidade de reforma eleitoral
era tema de tensos debates parlamentares. Ibsen Pinheiro/PMDB. AAL, 78ª Sessão em 5 de agosto de
1981, pp. 70-71. As manifestações parlamentares prosseguiram com as intervenções de Jarbas Lima/PDS,
Guido Moesch e Gil Marques. In.: Id., pp. 71-73. Especificamente sobre a questão da sublegenda ver:
Érico Pegoraro/PDS, AAL, 144ª Sessão em 9 de novembro de 1981, pp. 106-107. Élio Corbellini/PDT,
AAL, 144ª Sessão em 9 de novembro de 1981, p. 109.
663
Aldo Pinto/PDT. AAL, 10ª Sessão em 13 de março de 1980, pp. 269-270. Para o deputado, as
propostas oficiais não visavam destruir o edifício do arbítrio mas sim, de sobre ele erigir o segundo andar
da abertura relativa. Defendeu a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, negada pelo
governo pelo fato do país viver um vácuo no poder sem que tivesse havido a ruptura do regime. O hábil
ministro (Abi-Ackel) aprofunda a ruptura entre o Estado e a sociedade, entre o governo e o povo, entre a
Nação e o regime, que dilaceram o Brasil. Pregava ainda a revogação da Lei Falcão e não apenas a
reformulação daquela. Na mesma sessão ver a peça oratória de Carlos Augusto de Souza/PDT. In.: Id., p.
281. Em tempo: Ibrahim Abi-Ackel, Ministro da Justiça, ocupou a pasta após o falecimento de Petrônio
Portela em janeiro de 1980, ambos situados no campo de influência do PP.
387
representadas por estas regras eleitorais absurdas, perseguem ferozes a
representatividade e o voto popular. Por certo não age da mesma forma, com a
mesma sanguinária violência com que cravou seus afiados dentes na garganta da
democracia em 1964, mas sem dúvida mais uma vez está solto o cão do arbítrio. E
quem o desatou foram os mesmos que colocaram as bombas no Rio-Centro,
aqueles que como mariposas vivem nas trevas. É o fim da máscara do “Hei de
fazer deste país uma democracia”.
664
Tendo a oportunidade de constituir-se como peça fundamental do jogo político, angariando
representatividade que até então não possuía e, da mesma maneira, postulando a participação efetiva das
decisões e articulador das relações de poder, o PDS defendia as alterações promovidas pelo governo,
principalmente da questão do voto vinculado em todos os níveis, como avanço do sistema político rumo à
normalização:
estes partidos que querem o sistema multipartidário, querem estar misturados
todos no mesmo saco, porque não entendem que a sociedade é pluralista, que na
Democracia o direito de divergir, o direito de discutir e isto no plano das
idéias estes partidos políticos não sabem o que são idéias, o que é um partido
político.
665
Mais que a estabilização da disputa em marcos tolerados pelo governo, as reformas definiram o
PMDB como o partido por excelência de oposição. Tanto que o PDS criticava justamente esta seqüela:
na verdade estão vibrando, vibrando com a possibilidade de poderem acabar com
o PT do “seu” Lula, de poderem engolir o PDT do seu Brizola. O “pacote” é
inoportuno e inadequado. (...) Este é o mal do “pacote”, porque vai favorecer
exclusivamente ao PMDB.
666
Para o parlamentar, havia o risco das decisões oficiais resultarem na insustentabilidade do
pluripartidarismo, dada a impossibilidade de estruturação dos partidos pequenos, caso do PT, e a provável
desarticulação dos partidos que ainda procuravam se organizar, PP e do PDT.
Adequando os pontos desfavoráveis de mais uma “engenharia política”, as medidas do governo
foram complementadas com um renovado projeto de mudanças, apresentado em maio, aprovado em 24 de
664
Gabriel Malmann/PMDB. AAL, 160ª Sessão em 26 de novembro de 1981, p. 463. A última frase
referia-se ao discurso do presidente Figueiredo onde este comproteia-se com a instauração da democracia
no país. Grifos nossos.
665
Rubens Ardenghi/PDS. AAL, 160ª Sessão em 26 de novembro de 1981, pp. 469-470. Neste sentido ver
também: Sérgio Ilha Moreira/PDS, AAL, 160ª Sessão em 26 de novembro de 1981, pp. 467-468. Rubi
Diehl/PDS, AAL, 163ª Sessão em 30 de novembro de 1981, pp. 531-532. Ao seu turno, as manifestações
contrárias ao voto vinculado estão condensadas nas manifestações de: Romildo Bolzan/PDT, AAL, 160ª
Sessão em 26 de novembro de 1981, pp. 468-469. Dorival de Olievira/PMDB, AAL, 160ª Sessão em 26
de novembro de 1981, p. 478. Lélio Souza/PMDB, AAL, 160ª Sessão em 26 de novembro de 1981, p.
479. José Fogaça (em 1964 tivemos o “Golpe Militar”; em 1968, o AI-5; em 1977, o “Pacote de Abril” e
agora, em 1981, o “Pacotão da Vergonha”), AAL, 162ª Sessão Extraordinária em 27 de novembro de
1981, pp. 506-507. Porfírio Peixoto/PDT, AAL, 163ª Sessão em 30 de novembro de 1981, pp. 526-530. O
voto vinculado foi ardorosamente defendido por Jesus Guimarães como pressuposto do amadurecimento
da política. AAL, 22ª Sessão em 30 de março de 1982, pp. 479-480.
666
Jarbas Lima/PDS. AAL, 162ª Sessão Extraordinária em 27 de novembro de 1981, pp. 507-508.
388
junho (sem recorrer ao artifício do decurso de prazo, sendo transformado na Emenda Constitucional 22
de 29 de junho de 1982).
667
A Emenda utilizava dois mecanismos a fim de recompor distorções percebidas em pleitos
anteriores: a proibição do voto na legenda (invariavelmente canalizado ao partido de oposição) e a
confecção de uma cédula eleitoral que exigia que o eleitor escrevesse o nome ou número dos candidatos
ao cargo em disputa.
acredito que isto tenha o dedo da chamada linha dura que quer justificar a
repressão, o autoritarismo, o retrocesso deste País, sob a alegação de que o povo
não está suficientemente preparado para escolher seus governantes.
668
A bancada pemedebista interpretava a crise institucional como fruto da relação entre o regime de
exceção, a não consolidação de um sistema político-partidário em razão da desfiguração promovida pelo
governo e, conseqüência imediata, a apatia política na sociedade:
667
Neste “rearranjo”, o governo extrapolou os estratagemas eleitorais, caíndo na casuísmo explícito:
reabriu as filiações partidárias (permitindo que 10 deputados do extinto PP ingressassem no PDS e que,
10 peemedebistas deixassem aquela sigla migrando para o PTB), vindo a estabilizar a correlação de
forças no Congresso pois o PMDB, ampliado pela fusão, encolhia sua representação (188 para 168) e o
PDS restabelecia uma maioria mais “segura” (visto que durante o afastamento de Figueiredo, a oposição,
com 10 votos do PDS, derrotara uma parte do pacote que estabelecia a sublegenda também para as
eleições diretas para governador em 82). O governo postergou a adoção de critérios para a sobrevivência
dos partidos até 1986 (pelo menos 5% dos votos em nível nacional, 3% dos votos em pelo menos 9 dos 23
estados), dado que PDT, PTB e PT não atendiam àquelas determinações, este se revelou um mecanismo
de obstacularização à fusão destes partidos com o PMDB. Também aumentou o número de cadeiras da
Câmara dos Deputados (420 para 479); criou o estado de Rondônia; ampliou os mandatos dos prefeitos
para seis anos (alterando as eleições para 1988); elevou o quorum para aprovação de mudanças
constitucionais (este havia sido reduzido à maioria absoluta pelo “Pacote de Abril” em 1977); adiou a
eleição indireta para presidente (de outubro de 1984 para 15 de janeiro de 1985) e, por fim, alterou o
Colégio Eleitoral, sendo aquele integrado a partir de então por 686 membros (479 deputados federais, 69
senadores incluíndo os 22 “biônicos” eleitos em 1978 e 138 delegados escolhidos nas 23 Assembléias
Legislativas, entre os deputados estaduais do partido majoritário). Dados retirados de: FLEISCHER,
David. Governabilidade e Abertura Política: As Desventuras da Engenharia Política no Brasil, 1964/84.
In.: Revista de Ciência Política – Revista Trimestral do Instituto de Direito Público e Ciência Política da
Fundação Getúlio Vargas. Rio De Janeiro: vol. 29, nº 1, jan-mar. de 1986, pp. 13-39. COUTO, Ronaldo
Costa. Op. Cit., pp. 308-309. Para o PDT, a suspensão do instituto da fidelidade partidária por um ano,
seria uma medida para rearranjar as pedras do tabuleiro sucessório. Francisco Dequi/PDT. AAL, 141ª
Sessao em 25 de outubro de 1983, p. 454.
668
Porfírio Peixoto/PDT. AAL, 98ª Sessão em 9 de agosto de 1982, p. 75. Para José Fogaça, se
anteriormente o governo havia decretado o “Pacotão de novembro” sob a justificativa de fortalecer as
siglas, não havia sentido suprimir estas da cédula eleitoral, a não ser como tentativa de manipular as
eleições. In.: Id., p. 76. Pedro Américo Leal por sua vez, procurou isentar o PDS daquelas medidas,
alegando que aquela era uma decisão de governo. Rubens Ardenghi não reconhecia qualquer interferência
do tipo de cédula nas escolhas dos eleitores. In.: Ibid., pp. 79-85. José Albrecht acusou que a cédula
visava ou sonegar a ligação dos candidatos do PDS com o governo ou complicar a escolha do eleitor,
AAL, 100ª Sessão em 11 de agosto de 1982, p. 142. Ibsen Pinheiro destacou que o Ministro Pedro
Gortilho, do Tribunal Superior Eleitoral, lamentava a interferência do poder executivo na fixação do
modelo da cédula, AAL, 101ª Sessão em 12 de agosto de 1982, pp. 163-164. Posteriormente, o deputado
afirmou que ao governo interessava perturbar o processo eleitoral, dificultando a manifestação da vontade
popular pela consciência prévia de que esta manifestação lhe seria contrária, AAL, 102ª Sessão em 13 de
agosto de 1982, pp. 176-177. Contrariamente, Alceu Martins observava que o modelo da cédula viria
facilitar a escolha do eleitor, AAL, 115ª Sessão em de setembro de 1982, p. 289.
389
Após um ano de fundação do PMDB, PDT, PP, PT, PDS, seja qual for o partido,
após um ano apenas de fundação, que história esses tem a oferecer para
receberem a incorporação das massas, principalmente no setor da militância
política? Portanto, a raiz, a origem deste quadro confuso que se abre diante de
nós, mas que principalmente é mais confuso para o conjunto da população, a raiz
disso tudo está num sistema que não respeita a história política.
669
O bloco dirigente, ao contrário do que afirmava, somente aprofundou a trajetória iniciada em
1964 de esvaziamento do poder Legislativo como componente do monopólio do poder decisório:
esta casa legislativa não governa, decide muito pouco, não interfere nas decisões
que são as decisões cruciais, aquelas que realmente alteram a estrutura social, a
estrutura econômica do estado do Rio Grande do Sul, que alteram até o modo de
vida material das pessoas.
670
A solução da crise passava necessariamente pelo resgate da confiabilidade no bloco dirigente,
abalada pela freqüente prática da “engenharia eleitoral”, pela recessão econômica e pela instabilidade
política galopante.
A necessidade de mudanças políticas e econômicas impostas pela rearticulação
de forças no bloco dominante, resultou nas proposições acerca da convocação de uma
Assembléia Constituinte, reconhecida pelo parlamento como a instância adequada ao
encaminhamento de novos pactos e base de conciliação entre setores dissidentes,
oposicionistas moderados e o governo. Ou seja, mesma a proposta de uma nova
Constituição, desconsiderava o processo constituinte como um todo, onde as relações de
forças políticas seriam recompostas e as possibilidades de desmilitarização” do
aparelho de Estado teriam maior êxito. Neste contexto, a tese da convocação de uma
Assembléia Constituinte dizia mais respeito à um mecanismo de pressão e
tensionamento político em nome da circulação de poder, do que propriamente,
configurar a desagregação do regime (por esta razão, esta proposição foi sendo
desconsiderada pela cúpula do PMDB, conforme avançava o processo político).
Sendo inevitáveis, a adoção de mudanças incidiu sobre a estrutura de poder,
sendo assim, o debate parlamentar sofreu um deslocamento para a forma, a intensidade
e o alcance daquelas mudanças.
Para a base parlamentar do governo, o procedimento adequado para o delicado
momento seria uma reforma constitucional. À esta, o PMDB contrapunha com a
proposição de uma Assembléia Constituinte através do Congresso Nacional eleito em
1982, sendo esta entendida como proposta de operacionalização da democracia,
669
José Fogaça/PMDB. AAL, 141ª Sessão em 4 de novembro de 1981, p. 68.
670
José Fogaça/PMDB. AAL, 142ª Sessão em 5 de novembro de 1981, pp. 95-96.
390
recuperando pressupostos e princípios liberais como forma de remover o entulho
autoritário.
671
Porém, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, reivindicada pelos setores que
observavam naquele procedimento a saída do impasse político do país, padecia de um “vício de origem”,
ou seja, estava inviabilizada na medida em que dependia de resoluções governamentais que
invariavelmente levariam à auto-exclusão do bloco dirigente do poder, algo sem precedentes na história
brasileira.
672
Tendo de avançar no discurso oposicionista para além das bandeiras do PMDB, a bancada
pedetista defendia que a tese da Constituinte somente teria sentido se acompanhada de uma grande
campanha nacional em nome da eleição direta para presidente:
Entendo que uma Constituinte presidida pelo General João Baptista Figueiredo ou
por qualquer outro representante do sistema autoritário e que tenha atingido o
governo através deste processo espúrio não é uma Constituinte séria porque
faltariam condições para o mais alto magistrado da Nação presidir com isenção a
eleição de uma Constituinte em nosso país.
673
A posição do governo, externada pelo discurso do PDS, procurava diminuir a importância de
uma nova constituição na solução dos dilemas do país e, ao mesmo tempo, definir através de uma reforma
na constituição, as bases da
institucionalização da “abertura”
e não como a oposição defendia
que acha que a Assembléia Nacional Constituinte é a salvação para tudo, que
todos os males brasileiros estarão resolvidos exatamente no dia e na hora em que
no Congresso Nacional se reunirem os congressistas para debater a nossa
Constituição.
674
Tanto a proposta de reforma, quanto a de reformulação da constituição, não contradiziam o
projeto oficial de gradualismo. A efervescência da insubordinação e a impossibilidade do regime acolher
aquela senão pela recomposição da estrutura de dominação, acabaram compondo a “união na desunião”,
onde os principais partidos políticos acordaram a necessidade de alterações substanciais,
operacionalizando a ampliação da participação destes interlocutores institucionais nos centros decisórios
de poder, sem que isso tivesse reflexo na distribuição de poder real para os diferentes e divergentes
interesses sociais.
As alusões à implementação de um novo projeto político, revelaram toda a fragilidade do
discurso de ruptura e de resistência ao autoritarismo. A proposição da adesão ao projeto de um
experimento político ideal, independente do procedimento (reforma ou reestruturação constitucional),
respondia estritamente à desfuncionalidade do regime e não, como posteriormente foi veiculado, à
construção democrática.
671
REZENDE, Maria José de.A Transição Como Forma de Dominação Política. Op. Cit., pp. 164-166.
672
Como já referido: o bloco dirigente pode ser sacrificado pelo bloco dominante em situações de
extrema crise - como forma de manutenção da correlação de forças sociais – mas esta iniciativa em
nenhum momento partiu do próprio bloco dirigente.
673
Porfírio Peixoto/PDT. AAL, 134ª Sessão em 23 de setembro de 1980, p. 591.
391
se estabelece hoje entre a sociedade civil de um lado, desejando a democracia, e o
Estado autoritário, de outro lado, que não abre mão do arbítrio. Por isto, a
Assembléia Nacional Constituinte não rima com conciliação. Ela não pode
resultar de um pacto com o atual Governo e tão pouco ela pode resultar do atual
Congresso, manobrando, manipulando e submisso entregue à vontade do Rei.
675
E, novamente, o PDT avançava nesta pauta:
Como legislar e fiscalizar dentro de uma constituição que não emanou da
soberania popular expressa por um constituinte. (...) jamais haverá democracia
sem uma constituição ditada pelo povo.
676
Em um curto espaço de tempo, estas questões foram deslocadas ante o processo eleitoral que se
avizinhava.
677
As peças oratórias peemedebistas, mesmo pautando-se pela reivindicação da ampliação da
participação política e a recuperação das atribuições originais dos partidos nas decisões públicas,
expunham o caráter extremamente limitado que as formas de transferência de poder assumiriam, as quais,
não se referiam a mudanças na forma de dominação.
O endosso às mudanças, não reverteu em um apoio à emancipação das relações subordinadas,
pelo contrário, contribuiu na resubordinação da ação política como classe, visto defender o
aprimoramento do regime através da institucionalização de determinadas regras de representação política.
Nesta específica questão, o PMDB não diferia do PDS, ambos colaboraram decisivamente na
mistificação dos critérios de funcionamento da representação política. Acomodaram-se ao fato de que a
abolição dos institutos autoritários e a mínima restauração de direitos e garantias aos sujeitos políticos, a
qual restabeleceria o jogo político, abrigava a possibilidade concreta de transferência negociada do poder
decisório.
Tanto o processo de radicalização das contradições sócio-econômicas quanto a dupla fuga,
lançaram efeitos também na dinâmica das arenas de representação políticas. Em outros termos: os
condicionamentos sociais e econômicos, de uma ou outra forma, acabaram por refletir no
condicionamento institucional imposto pelo regime.
A partir desta inferência especulativa, permite-se pressupor que o voto
de
oposição - não se
restringindo à percepção do voto
na
oposição - redefiniu o processo político institucional em proporções
674
Jarbas Lima/PDS. AAL, 134ª Sessão em 23 de setembro de 1980, pp. 620-621.
675
José Fogaça/PMDB. AAL, 136ª Sessão em 25 de setembro de 1980, p. 680. Sobre a questão da
Assembléia Constituinte ver: Romeu Martinelli/PDS, AAL, 138ª Sessão em 29 de setembro de 1980, pp.
715-716. Nivaldo Soares/PMDB, In.: Id., pp. 719-720. Romildo Bolzan/PDT, In.: Ibid., p. 733. Geraldo
Germano/PDS, In.: Ibid., pp. 743-744.
676
Francisco Dequi/PDT. AAL, 2ª Sessão em 2 de março de 1983, pp. 128-129. Posteriormente, o
deputado voltou a abordar a questão: Por isso, só uma Constituinte, após uma longa doutrinação popular
é que viabilizará a justiça social. AAL, 5ª Sessão em 7 de março de 1983, pp. 207-208. A posição do PDT
também foi definida por Dilamar Machado/PDT. AAL, 17ª Sessão em 23 de março de 1983, p. 525.
677
José Fogaça/PMDB e Jarbas Lima/PDS, AAL, 69ª Sessão em 3 de junho de 1982, pp. 74-76. Outros
embates com esta temática foram caracterizados por: Pedro Américo Leal, Caetano Peruchin, Porfírio
Peixoto, Guido Moesch, AAL, 71ª Sessão em 7 de junho de 1982, pp. 120-124. Jarbas Lima, Caetano
392
similares à resignificação dada pelas instâncias políticas (pelo regime propriamente) ao processo político
(partidário e eleitoral) e ao caráter plebiscitário do voto.
Em um dos seus inúmeros trabalhos sobre o tema, Lamounier declarou que as eleições tornaram-
se plebiscitárias não pela adoção do bipartidarismo em si, mas sim, pela simultaneidade deste com a
supressão de eleições diretas.
678
Assim, a percepção por parte do conjunto da sociedade acerca do
cerceamento das faculdades de intervenção política em decisões públicas fundamentais estabelecia-se
através de um processo gradativo.
As eleições gerais de 15 de novembro de 1982, principalmente a escolha direta de governadores,
desnudaram a hibridez do regime e a inconsistência do discurso oficial. Forjava-se uma legitimidade
eleitoral ao mesmo instante em que era garantia da utilização de instrumentos próprios da
excepcionalidade.
679
Medidas como o adiamento das eleições de 1980 e a reforma eleitoral de novembro de 1981,
desempenharam função paliativa, criando a base em que o acoplamento da sociedade civil pela sociedade
política seria tolerado pelo bloco dominante, em outros termos, delimitava os participantes da futura
conciliação e definia o disciplinamento do dissenso.
Como evidência que o regime não poderia reproduzir-se continuamente senão através de
mudanças que viriam a desconfigurar sua legitimidade inaugural, o bloco dirigente procurou estabelecer
estratégias de superação das limitações impostas pela inconveniência do experimento intervencionista.
A estratégia de conversão dos papéis do regime, assumindo-o como agente da normalização
política, prioritariamente interessa aqui.
O regime renovou-se ao custo da revalorização do processo político (eleitoral, partidário,
parlamentar e de redução das restrições de manifestação e mobilização). Estas medidas evitaram o
colapso do sistema, a história política recente havia demonstrado que invariavelmente, os processos de
ruptura foram precedidos de uma radical polarização, não apenas nas instâncias de representação.
Em meio ao acirramento dos conflitos sociais, o parlamento destacou um evento jornalístico (o
debate entre os quatro candidatos a governador promovido pela Empresa Jornalística Caldas Júnior),
como o marco de ruptura rumo à normalização política do país depois de proibida pela Lei Falcão.
o que vai ocorrer hoje à noite, será a tácita revogação da “Lei Falcão” resquício
do arbítrio. Entendemos que o Brasil democraticamente está amadurecendo
graças aos esforços do presidente João Baptista Figueiredo.
680
Peruchin, Romeu Martinelli, Celso Testa, Romildo Bolzan, Lélio Souza, Rubi Diehl, José Fogaça, Pedro
Américo Leal, Nivaldo Soares, Alceu Martins, AAL, 73ª Sessão em 9 de junho de 1982, pp. 183-198.
678
LAMOUNIER, Bolívar. O Voto em São Paulo, 1970-1978. In.: LAMOUNIER, Bolívar (org). Voto de
Desconfiança – Eleições e Mudança Política no Brasil: 1970-1979. Petrópolis: Vozes/São Paulo:
CEBRAP, 1980, pp. 15-80.
679
Sobre as diferentes concepções acerca da consulta eleitoral ver o embate entre Waldir Walter e Romeu
Martinelli. DAL, 121ª Sessão em 13 de setembro de 1978, pp. 5-8 (publicado em 3 de outubro).
680
Guido Moesch/PDS. AAL, 21ª Sessão em 29 de março de 1982, pp. 450-451. Para o PDT, o debate
definia a superação do arbítrio. Romildo Bolzan, In.: Id. Posteriormente, os deputados ocuparam a
tribuna para avaliar os desempenhos dos candidatos. Rubens Ardenghi exaltou as qualidades do candidato
Jair Soares. AAL, 22ª Sessão em 30 de março de 1982, p. 460. Victório Trez/PMDB declarou que Pedro
Simon havia se saído melhor. In.: Id., p. 461. Romildo Bolzan/PDT destacou que Alceu Collares havia
demonstrado as qualidades que o credenciram para o cargo. In.: Ibid., p. 462.
393
Sendo implementada gradualmente, a flexibilização das relações políticas avançava conforme o
regime (re)construía sua capacidade de assimilação de índices elevados de indeterminação política. Em
razão disso, o bloco dirigente passou admitir a introdução no sistema político de pequenas faixas de
imprevisibilidade, pautado em um critério de minimização daqueles riscos (daí a necessidade de
normatizar as práticas como orientadoras do processo de institucionalização da estabilidade política).
681
Mesmo que a reestatização das relações tenha sufocado a insubordinação e oferecido resposta
adequada àqueles que buscavam a fuga da insubordinação, o contexto multipartidário definiria outras
clivagens partidárias que não aquelas vinculadas a lealdades tradicionais e relacionadas a clientelismos
históricos.
Na experiência eleitoral de 1982, o Rio Grande do Sul, dentre os estados economicamente mais
desenvolvidos, foi o único onde as estratégias oficiais foram exitosas (divisão da oposição e impedimento
do MDB converter-se em força de contestação efetiva). O processo eleitoral no estado, reverteu na
estabilização do regime, menos pelos resultados finais e mais pela suspensão da insubordinação como
tema de debate, praticamente desapareceu das intervenções parlamentares. Desta maneira, o regime
retirava a visibilidade de um processo que ainda transcorria.
Não sendo restritos à recomposição dos sujeitos das instâncias políticas, os processos eleitorais,
para além de seus resultados mais visíveis, podem decodificar as relações entre as frações que disputam e
se movimentam nos meandros da estrutura de poder e as próprias representações do mundo “político”.
Os dados comparativos e as estatísticas entre os processos eleitorais no Rio Grande do Sul
apontam algumas alterações substanciais:
682
1970
/abs.15,45%
1974
/abs.10,83%
1978
/abs.11,63%
1982
/abs.11,1%
GOVERNADOR
Brancos Nulos
X X
Brancos Nulos
X X
Brancos Nulos
X X
Brancos Nulos
8,80% 1,86%
SENADOR
12,10%
3,30%
7,57% 4,01% 5,59% 3,59%
12,04% 2,20%
CÂMARA DEP.
14,33%
5,50%
10,22% 4,58%
10,04% 4,12%
13,31% 2,86%
ASSEMB. LEG.
13,14%
5,40%
9,38% 4,48%
8,99% 4,26%
14,05% 3,25%
Para os objetivos desta tese, a tabela revela a eficácia da estratégia oficial na reestatização das
relações sociais.
As abstenções caíram em relação ao pleito anterior mas sobretudo, os votos inválidos (nulos),
com todas as dificuldades impostas pela cédula de votação, sofreram uma sensível redução.
681
Formulações desenvolvidas por Guilherme dos Santos no âmago da conjuntura da transição.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Estratégias de Descompressão Política. In.: SANTOS, Wanderley
Guilherme dos. Poder & Política: Crônica do Autoritarismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense-
Universitária, 1978, pp. 153-154.
682
Dados retirados de: NOLL, Maria Izabel & TRINDADE, Hélgio (coord.). Estatísticas Eleitorais
Comparativas do Rio Grande do Sul (1945-1994). Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS:
Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 1995, pp. 185-251. Uma obra digna de
referência tratando essencialmente da questão partidária eleitoral é: LAMOUNIER, Bolívar; CARDOSO,
Fernando Henrique (coord.). Os Partidos e as Eleições no Brasil. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1978.
394
Curiosamente, as últimas eleições baseadas no regime liberal-democrático, realizadas em 1962,
tiveram 13,28% de abstenções, um índice superior as eleições sob o ordenamento de exceção após a
vitória oposicionista em 1974.
683
Tanto os votos brancos quanto aqueles invalidados, possuem variadas significações e permitem
distintas leituras, as quais, relacionam-se à inúmeros fatores para além da negação do sistema político.
Sendo assim, a proposição da desconstituição do Estado e de suas instâncias não pode se pautar
exclusivamente nestes dados sob o risco de se adentrar em um esquematismo insustentável. Os votos
desta categoria (brancos e nulos) podem ser interpretados enquanto indiferença ao processo político
partidário de forma generalizada, o que não representa o endosso à outros mecanismos de participação
política.
A análise da participação eleitoral seria mais eficaz caso o voto fosse facultativo, sendo-o
compulsório estes dados perdem substancialmente sua importância no – enfatiza-se - estudo aqui
proposto.
Mesmo reconhecendo que a opção eleitoral não obedece a racionalidade requerida por parte dos
analistas, a outra “face” dos votos inválidos aponta indicadores das preposições analíticas veiculadas
nesta tese. Ou seja, a redução deste tipo de opção (os votos inválidos ficaram muito abaixo da
normalidade estabelecida pelos demais processos eleitorais), em um regime reconhecidamente
desmobilizador, corrobora na perspectiva de que se vivia um duplo processo, que não sendo estanques,
definiram o que se chamou de “transição política”: a institucionalização do dissenso (a imprevisibilidade)
e a reestatização das relações sociais.
Feitas estas considerações, os números finais das eleições de 1982 indicam que o pleito no
estado foi definido pelo índice incomum de votos brancos. A diferença entre o candidato vitorioso, Jair
Soares/PDS (tendo como vice, Cláudio Strassburger), e o segundo colocado, Pedro Simon/PMDB, ficou
em 22.634 votos (0,60%) por sua vez, a soma dos votos nulos e brancos alcançou 405.473 ou 10,66%
(onde os votos brancos representaram quase 90% deste total).
684
Se relacionada à última experiência de eleições diretas para governador (parâmetro adequado
para comparação, realizada 20 anos antes), a incidência de votos brancos triplicou (em 1962 fora de
3,08% e em 1982, 8,80%), ao passo que, os índices de votos nulos reproduziram a tendência verificada
nas eleições democráticas do início dos anos 60 (tendo decaído em um ponto percentual, 2,91% em 62 e
1,86% em 82).
685
Desta forma, o PDS gaúcho demonstrou eleitoralmente sua viabilidade como suporte político-
parlamentar do governo e, sintomático, houve uma inversão na composição da mesa diretora da
Assembléia Legislativa, a bancada pedesista ocupou todas as posições diretivas da casa parlamentar, fato
683
NOLL, Maria Izabel & TRINDADE, Hélgio (coord.). Estatísticas Eleitorais Comparativas do Rio
Grande do Sul (1945-1994). Op. Cit., pp. 127-143.
684
A candidatura oposicionista alternativa de Alceu Collares/PDT, recebeu 775.546 votos, perfazendo
20,42% das preferências. Sobre as eleições de 1982 ver: BAQUERO, Marcello (org.). Abertura Política e
Comportamento Eleitoral – Nas Eleições de 1982 no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 1984. Também: SOUZA, Maria do Carmo Campello de; KUGELMAS, Eduardo.
Eleições 82. In.: Novos Estudos CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. São Paulo: v. 2,
1, abril de 1983, pp. 2-7.
685
NOLL, Maria Izabel & TRINDADE, Hélgio (coord.). Op. Cit., p. 128/p. 229.
395
que não acontecia (do partido do governo central exercer a hegemonia regional-parlamentar) desde 1974.
686
Neste sentido, a bancada do partido do governo defendia que o processo eleitoral coroava o
compromisso do presidente em fazer do país uma democracia,
nestas eleições o PDS, com a pregação de sua ideologia da Democracia Social
foi vitorioso em todos os níveis: para governador, para a Assembléia Legislativa,
para as prefeituras e as maras Municipais. O povo compreendeu a nossa
mensagem, assimilou o modelo democrático social que pregamos, dando
preferência às perspectivas de continuidade construtiva que, somente, o nosso
partido foi capaz de lhe oferecer.
687
Em evidente sinalização de como os processos seguintes seriam definidos, as posições do PDS e
do PMDB desenharam as alternativas à crise política e à crise do Estado. Neste contexto, as posições
destes partidos foram fundamentais no processo de reestatização das relações político-sociais:
688
Estamos num processo de abertura democrática. (...) A democracia que desejamos
está nascendo em nosso país como um processo lento, desprovido até de
realização econômico-social; a democracia que estamos construindo em nosso
país, com a nossa contribuição, com os novos partidos políticos, com as novas
esperanças brasileiras, deve ser, necessariamente, a democracia substantiva, a
democrática qualitativa, que alcance a adequação das estruturas sociais à nova
conjuntura.
689
Um episódio salutar neste processo de abertura política, porque credibilidade
ao projeto político do presidente João Baptista Figueiredo que há de encaminhar a
686
A composição da mesa diretora em 1981 teve Aldo Pinto/PDT (presidente), José Albrecht/PDT (1º
vice-presidente), Ivo Mainardi ( vice-presidente), Algir Lorenson/PMDB (1º secretário), Walter
Troina/PMDB (2º secretário), Dorival de Oliveira/PMDB ( secretário), Sedenir Martins/PMDB (4º
secretário). Em 1982, no curto período de 1º de março a 10 de maio a composição foi a seguinte: Rospide
Netto/PMDB (presidente), Celso Testa/PMDB (1º vice-presidente), João Severiano (2º vice-presidente),
Gil Marques/PDT (1º secretário), Elio Corbelini/PDT (2º secretário), Erasmo Chiapetta/PMDB (3º
secretário), Carlos Augusto de Souza/PDT (4º secretário). A partir de maio de 1982 a hegemonia voltou
ao partido oficial (base de sustentação do governo federal e estadual): Aírton Vargas/PDS (presidente),
Camilo Moreira/PDS (1º vice-presidente), Sergio Ilha Moreira/PDS (2º vice-presidente), Loris Reali/PDS
(1º secretário), Francisco Spiandorello/PDS (2º secretário), Antonio Carlos Azevedo/PDS (3º secretário),
Erico Pegoraro/PDS (4º secretário).
687
Alceu Martins/PDS. AAL, 159ª Sessão em 23 de novembro de 1982, pp. 393-394. Aldo Pinto/PDT
replicou que as oposições haviam vencido as eleições, mais ainda, o trabalhismo havia saído fortalecido.
In.: Id., pp. 394-395. Roberto Cardona/PDS, afirmou que o país já vivia a democracia: o que desejamos
ressaltar, na tarde de hoje, é que a abertura democrática proporcionada pelo presidente João Figueiredo
trouxe conseqüências muito melhores para todo o nosso povo. In.: Ibid., pp. 395-396.
688
Situação que novamente forçou o PDT à radicalizar o discurso. Em razão de boatos sobre a
inconveniência das discussões envolvendo a sucessão presidencial, Aldo Pinto criticou a idéia de
condicionamento das eleições presidenciais: não pensem que um regime de exceção haverá de se
perpetuar neste país. Enganam-se os que pensam assim. A redemocratização é um fato que está sendo
colocado como prioridade pela sociedade brasileira. Aldo Pinto/PDT. AAL, 3ª Sessão da Convocação
Extraordinária, em 9 de dezembro de 1982, p. 521. Pedro Américo Leal/PDS rebateu esta manifestação,
identificando o debate sucessório naquele momento à tentativa de instabilização do governo Figueiredo.
In.: Id., pp. 522-523.
689
Paradoxalmente, ao exaltar a consolidação do processo político, o deputado admitiu que a manutenção
da Lei Falcão e a presença do poder econômico (no financiamento de campanhas), haviam desequilibrado
as disputas.Américo Copetti/PMDB. AAL, 159ª Sessão em 23 de novembro de 1982, pp. 396-397.
396
Nação, sem dúvida alguma, para profundas alterações de ordem administrativa,
econômica e social.
690
A democracia então
caminhava a passo firme. Queremos a construção de uma democracia estável e
duradoura, não queremos a redemocratização, porque redemocratização é voltar
ao que era antes de 1964. O que queremos é a construção de uma democracia
estável, de uma democracia que seja duradoura, alicerçada em partidos políticos
sólidos, em partidos políticos que mereçam a crença da opinião pública, que
tenham confiabilidade na opinião pública, que acreditem nos seus programas, nas
suas mensagens, de tal forma que seus candidatos, apresentando-se a cada pleito
eleitoral, possam saber que, vencendo aquele partido, vence o melhor programa,
vence a melhor mensagem.
691
Este processo eleitoral adicionou um componente decisivo no processo de transição de
ordenamentos, seguramente contribuindo no desenlace em favor da volta dos militares à caserna: a
constituição de um poder civil alternativo, de oposição moderada, acolhido pelo regime e para as bases
que ainda sustentavam este.
Por fim, a vitória de candidatos de oposição nos estados de maior expressão político-econômica
(Franco Montoro em São Paulo, Leonel Brizola no Rio de Janeiro e Tancredo Neves em Minas Gerais),
adicionou elementos ao processo político que conduziram a um paradoxo: duas bases de poder executivo
inseridas ainda no mesmo regime de exceção.
692
Esta questão desempenharia um papel fundamental nas definições posteriores em nome da
conciliação nacional.
V
Ato 5: A Conciliação Pela Transição e a Transição Pela Conciliação - Do Senso Comum ao
Bom Senso – no início dos anos 80, generalizou-se a idéia de que a reativação do sistema de
representação política necessitava complementação. A anistia, a pluralização partidária, as eleições de
690
Rubi Diehl/PDS. AAL, 159ª Sessão em 23 de novembro de 1982, pp. 397-398.
691
Sérgio Ilha Moreira/PDS. AAL, 2ª Sessão de Convocação Extraordinária em 8 de dezembro de 1982,
pp. 490-491.
692
Linz apontou que, não apenas a vitória, mas a garantia e efetivação da posse dos governadores
oposicionistas em 1982 transformaram o sistema político em uma diarquia, ou seja, o poder executivo
com diferentes pretensões à legitimidade. LINZ, Juan. The Transition From an Authoritarian Regime to
Democracy in Spain: Some Thoughts for Brazilians. Palestra proferida na Conferência Sobre o Brasil em
democratização, na Universidade de Yale em 2 de março de 1983, citado por: STEPAN, Alfred. Os
Miliatres: Da Abertura à Nova República. 4ª Edição. Tradução de Adriana Lopez e Ana Luíza
Amendola. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, pp. 73-80. Nesta temática ver também: LINZ, Juan. The
Future of an Authoritarian Situation or the Institutionalization of an Authoritarian Regime: The Case of
Brazil. In: STEPAN, Alfred (org.). Authoritarian Brazil: Origins, Policies and Future. New Haven: Yale
University Press, 1973. Sobre os governos oposicionistas de Franco Montoro em São Paulo e Leonel
Brizola no Rio de Janeiro ver: GARCIA, Marco Aurélio. Dezoito Meses de Governo Montoro. In.: Novos
Estudos do CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. São Paulo: nº 10, outubro de 1984,
pp. 2-7. GUIMARÃES, César; CERQUEIRA, Marcelo. O Governo Brizola à Procura da Identidade. In.:
Id., pp. 13-17.
397
1982, os embates no interior da camada dominante e o acirramento da insubordinação, impunham
medidas de readequação do jogo político como mecanismo de superação da crise institucional.
A drástica (e dramática) crise econômica vivida no país teve como um de suas conseqüências a
negação de qualquer espécie de singularidade político-social. O anseio generalizado da mudança
do
regime de exceção - superando a fase de mudanças
no
regime – encobriu diferenças forjadas durante toda
a experiência autoritária, sem o que, provavelmente não haveria possibilidade de um macro pacto
nacional que sacramentou o final da hegemonia militar nos centros decisórios.
693
Percebe-se então uma simultaneidade de crises e simultaneidade de lutas: entre o bloco dirigente
e a oposição institucional; entre a oposição moderada (conciliadora) e oposição efetiva (pregava a
ruptura); entre setores do regime que defendiam a necessidade da adoção de uma pauta de mudanças e
segmentos do regime resistentes à flexibilização das relações políticas.
Neste quadro, duas questões interligadas assumiram a cena política: a proposta de um governo
que representasse a conciliação nacional e a readequação do papel desempenhado pelo Poder Legislativo.
Antes destas questões, as proposições de reformulação constitucional, convocação de
Assembléia Constituinte e mudança na forma de governo (adoção do parlamentarismo como instrumento
de sustentação de uma ampla coalizão, proposta defendida pelo PP), somente fizeram acirrar os impasses
no bloco dominante e se mostraram inviáveis em virtude da correlação de forças domésticas e exteriores
ao pacto de dominação (a proposta de uma Assembléia Constituinte, demandaria um tempo muito longo
de articulações, algo tido como desfavorável pelo PMDB no momento em que este se fortalecia
eleitoralmente).
A defesa da convocação da Assembléia Constituinte, também foi deslocada para uma posição
secundária porque invariavelmente conduziria a um enfrentamento com o regime e com setores ortodoxos
da caserna. Sem outra alternativa que não a transformação das eleições diretas em centro tático, os
partidos pautaram suas ações na construção da alternativa de poder (todos apresentavam potenciais
presidenciáveis).
Com os resultados eleitorais de 1982 e a aproximação do processo de substituição de Figueiredo,
a constatação por parte da cúpula do PMDB de que a escolha indireta – definida quando o maior partido
de oposição vislumbrava a possibilidade de assumir os centros decisórios nas regras impostas pelo regime
– ampliava os riscos de continuidade do governo - até pela manutenção da prática de engenharia eleitoral
- conduziu a oposição moderada à encampar a tese, levantada por setores comprometidos pelas mudanças,
de alteração nas normas de acesso ao poder por pressão popular. Sendo imediatamente acompanhado pelo
PDT, que ampliava o discurso para necessidade da plena restauração da democracia
.694
Vislumbrando a possibilidade de que, a partir das pressões sociais, as alterações no bloco
dirigente (e não mais no regime propriamente) pudessem criar condições de circulação do poder, a
oposição institucional majoritária, representada pelo PMDB, lançou ao debate público a possibilidade de
eleições diretas para a presidência da República, defendendo esta como mecanismo último de resolução
dos impasses institucionais e recomposição da unidade das oposições. Todavia, em processo paralelo,
693
Possibiltando por exemplo, a pregação explícita do PDT pelo retorno dos militares à caserna. Benno
Orlando Burmann/PDT. AAL, 21ª Sessão em 29 de março de 1983, pp. 654-655.
694
Francisco Dequi/PDT. AAL, 1ª Sessão em 1º de março de 1983, pp. 110-111.
398
constituíam-se interlocutores confiáveis do regime, encaminhavam a conciliação como mecanismo de
preservação da estrutura do Estado e garantia da circulação de poder.
695
Estas questões somavam-se à efervescência política provocada pela insubordinação (neste
mesmo período a Central Única dos Trabalhadores era estruturada, concedendo minimamente um laço
organizativo à reivindicações difusas). Por estas razões, no momento em que a oposição contrastava a
mobilização pelas eleições diretas ao cenário de crise generalizada, o partido de sustentação do governo,
procurou descolar a crise econômica e institucional ao processo político por entender que as crescentes
mobilizações sociais partiam das adversas condições materiais.
696
Em substituição a este risco, encampa-se a campanha pelas eleições diretas para presidente da
República. Construída como referencial de “salvação nacional”, saída para a crise, centro tático e eixo de
luta, dada a forma como foi encampada, não representou alternativa ao regime.
697
O sentido obscuro da luta pela alteração institucional na forma de acesso ao poder executivo, no
mais das vezes sonegado pela reconstituição da memória do período: a questão central no parlamento
deslocava-se das eleições diretas para a saída da oficialidade militar dos centros decisórios. Esta posição
pôde ser percebida no endosso automático, principalmente do PMDB, à alternativa do Colégio Eleitoral.
De Minas Gerais, o governador Tancredo Neves empreendeu campanha pela conciliação
nacional abrindo amplas negociações com o intuito de garantir a efetivação da transição ao poder civil
(incluindo nesta campanha de união nacional elementos identificados não apenas ao regime de exceção,
mas ao seus setores mais virulentos).
A campanha pelas eleições diretas para presidente, garantiu ao PMDB a restauração de sua
posição enquanto instrumento da transição, em detrimento ao PDT (que, tributário do personalismo
mantinha posições confusas até mesmo para sua base, como a proposta de mandato-tampão e postergação
da sucessão presidencial) e PT (proponente original da campanha) que apresentavam um discurso de
enfrentamento com o regime.
698
695
Não se pode, sob pena de incompreensão da dinâmica do processo político-social, creditar a uma
coincidência o fato do debate que envolveu a transição de ordenamentos ter sido análogo e simultâneo
àquele que buscava soluções à crise econômica (e seus sintomas imediatos: a recessão e a inflação).
Porém, pelo próprio problema aqui proposto, esta tese se concentrou nas dimensões propriamente
políticas deste processo. Por isso esta questão não está contemplada neste trabalho.
696
Antônio Carlos Borges/PDS. AAL, 15ª Sessão em 21 de março de 1983, pp. 475-476. Sendo replicado
por José Paulo Bisol/PMDB. O deputado afirmou que a eleição direta não alteraria a drástica situação
econômica do trabalhador muito menos ampliaria a oferta de empregos. Segundo Dorival de
Oliveira/PMDB, o regime não tinha sustentação popular e, por esta razão, as eleições diretas serim uma
medida urgente contra o caos político. AAL, 4ª Sessão da Convocação Extraordinária, 13 de dezembro de
1983, pp. 189-190. José Ivo Sartori/PMDB, destaca o quadro de comoção nacional. AAL, 5ª Sessão da
Convocação Extraordinária em 14 de dezembro de 1983, pp. 217-219. Germano Rigotto/PMDB,
enfatizando a magnitude da mobilização popular, alertava para os riscos de retrocesso político. AAL,
Sessão Representativa em 3 de janeiro de 1984, pp. 3-5. Em meio à crise, o presidente confundia clamor
popular com perturbação da ordem social e, colocando o PDS em situação constrangedora, renunciou à
condição de coordenador do processo sucessório. Dilamar Machado. AAL, 1ª Sessão Representativa em 3
de janeiro de 1984, pp.17-19.
697
Pelo fato de deslocar os pontos centrais de oposição ao regime, como por exemplo, a desconstituição
da Lei de Segurança Nacional, da CLT, a transferência dos temas pertinentes à segurança interna das
mãos da oficialidade militar para mãos civis, restrição aos poderes do poder executivo, garantia de uma
legislação de greve adequada à organização dos trabalhadores.
698
Francisco Dequi/PDT denunciou a estratégia conservadora do PMDB e, principalmente, de Tancredo
Neves, o qual segundo o deputado, seria a solução aos impasses pretendida pelo regime na medida em
399
Para o PDS gaúcho, com mais resistências ao “brizolismo” do que propriamente ao
credenciamento do PMDB como alternativa de poder, a substituição da defesa da Assembléia
Constituinte pela campanha pelas diretas, representaria a fascinação do partido de Pedro Simon pelo PDT,
pois somente com um mandato tampão de Figueiredo as eleições diretas seriam viáveis
verifica-se que o companheiro Brizola, prevendo o desfecho deste impasse
político-institucional, numa solução negociada do tipo mandato-tampão para
1986, exige que se estabeleça um Programa nimo com a anuência popular. Os
pontos deste Programa mínimo são simples e diretos: compromisso de convocação
de uma Constituinte para 1986, posição nacionalista para a dívida externa,
política de austeridade e justiça social, retomada da economia, visando à
diminuição das taxas de desemprego.
699
Exigem que o PDS seja um partido pateta: com um Colégio Eleitoral assegurado
para escolher o seu Presidente da República, troque-o pela sensibilidade do
povo.
700
Todos nós sabemos que o governador Leonel Brizola só quer uma coisa: concorrer
ao cargo de Presidente da República. E tanto isso é verdade que quer afastar o seu
principal concorrente, Aureliano Chaves, pois propôs o seu nome para o
“mandato-tampão”, “tampão” ou ”saca-rolha”, sem direito à reeleição.
701
A argumentação do PDT, de que o partido e não o governo obstacularizavam o processo de
escolha direta, concentrava-se em pronunciamento do presidente Figueiredo, o qual mencionava sua
inclinação pelas eleições diretas mas, sendo decisão de seu partido, mantinha os preceitos
constitucionais.
702
Contrastando com esta interpretação, o PDS demonstrava que, o acirramento das questões
políticas, também acentuou as fissuras no bloco dominantes:
Nós do PDS, não podemos aceitar, e não aceito, que queira atribuir-nos a
contrariedade a uma normalização do processo democrático, reinstituindo as
eleições diretas. (...) O presidente está largando balões de ensaio. Ele, que
encaminhe o projeto de reforma institucional estabelecendo as eleições diretas
para o Congresso Nacional. E lá nós veremos quem é a favor e quem é contra.
703
o PDS esta à direita do Sr. Presidente da República. O PDS esta à direita das
Forças Armadas, está situado exatamente ao lado do Serviço Nacional de
que transitava com desenvoltura pelo PDS e pelo governo. AAL, 7ª Sessão da Convocação Extraordinária
em 16 de dezembro de 1983, pp.308-311. A proposta de um “mandato-tampão” foi duramente criticada
por Dercy Furtado/PDS, acusava ainda a deputada, que o PMDB, tão logo fosse derrotada a emenda pelas
diretas, o partido seria o primeiro a participar do Colégio Eleitoral. AAL, 4ª Sessão Representativa em 10
de janeiro de 1984, pp. 52-55. Dilamar Machado/PDT e Rospide Netto/PMDB travaram um acalorado
debate sobre a possibilidade de um “mandato-tampão” como elemento de estabilidade política, o PDT
advogava esta tese sendo veementemente rechaçada pelo PMDB que vislumbrava a circulação do poder
decisório. AAL, 8ª Sessão da Convocação Extraordinária em 19 de dezembro de 1983, pp. 330-332.
Porfirio Peixoto/PDT destacava o consenso de todos os setores sociais formado em prol das diretas. AAL,
12ª Sessão da Convocação Extraordinária em 23 de dezembro de 1983, p. 684.
699
Francisco Dequi/PDT. AAL, 43ª Sessão em 26 de abril de 1984, p. 428.
700
Pedro Américo Leal, contestado por Jauri Oliveira, AAL, 4ª Sessão Representativa em 10 de janeiro de
1984, pp. 57-58. As posições contra qualquer proposta de mandato-tampão foram expressas por Cezar
Schirmer, Dercy Furtado, Rospide Netto. AAL, 25ª Sessão em 4 de abril de 1984, pp. 58-62.
701
Antônio Carlos Borges/PDS. AAL, 48ª Sessão em 4 de maio de 1984, pp. 100-102.
702
Dilamar Machado/PDT. AAL, 39ª Sessão em 18 de abril de 1984, pp. 317-318.
703
Rubi Diehl/PDS. AAL, 155ª Sessão em 18 de novembro de 1983, p., 321.
400
Informações. SNI e PDS são sinônimos, porque expressam a mesma visão política,
o mesmo apego autoritário ao poder, a mesma formação antidemocrática. O Sr.
Presidente da República é prisioneiro do PDS.
704
E ainda percebia uma aproximação entre a cúpula pemedebista e a oficialidade militar:
Não imaginava que esse partido, travestido hoje em PMDB, mas criado ontem pela
Revolução, pelo sistema, com o nome de MDB, que não teve nem mesmo condições
de preservar a sigla, acrescentaram apenas o “P”, para continuar filho da
Revolução viesse agora, à tribuna, através de seu líder, elogiar o sistema, bajular
os militares no mais deslavado comportamento de submissão ao sistema para
tentar chegar a qualquer preço e quem sabe se não sonha ate com o próprio
sistema - à Presidência da República!
705
Esta posição permite pressupor que o que estava em jogo era apenas o governo “civil” e não,
como se pressupunha, a discussão do regime e a construção do ordenamento democrático.
706
assim, a sucessão presidencial pode ser o caminho para a conciliação entre as
cúpulas políticas do país, com a exclusão dos setores democráticos e populares do
processo de definição e encaminhamento das saídas para a crise política do
regime. Isto não é impossível de acontecer, pois já são percebíveis sinais evidentes
de uma tendência de conciliação por cima, do qual o comportamento do
governador Tancredo Neves é um significativo indicador. Esta negociação, sem a
presença dos interesses das classes populares, revela o caráter autoritário desse
tipo de saída política para o enfrentamento da crise econômica e social.
707
Estabelecia-se o consenso no parlamento: o retorno à caserna seria pressuposto para a superação
da crise institucional: do binômio “segurança e desenvolvimento”, hoje está mais do que claro que o
regime investiu na segurança, em detrimento do desenvolvimento social.
708
Apostava-se na democracia sem a criação prévia de condições institucionais para tal. Em
decorrência, no momento em que o parlamento passou a debater a configuração da cena política, eram
apresentados como campos opostos, a opção pelos procedimentos e a mobilização como base da
democracia.
A época da 46ª legislatura, a campanha pelas eleições diretas assumia faces distintas: ao propor o
aumento da demanda político-participatória da sociedade civil, representava um avanço à rigidez do
regime de exceção (em relação ao caráter desmobilizador do regime), mas preservando, a estrutura do
704
Cezar Schirmer/PMDB. AAL, 155ª Sessão em 18 de novembro de 1983, p.325.
705
Jarbas Lima/PDS. AAL, 155ª Sessão em 18 de novembro de 1983, p. 326.
706
A posição do, então pequeno, Partido dos Trabalhadores foi assim resumida por Pont: devemos lutar
para que os trabalhadores conquistem não a troca de Figueiredo por um Andreazza, Maluf, Aureliano ou
até mesmo Tancredo. Mas sim eleições diretas precedidas do fim da LSN e demais leis repressivas do
regime, dos órgãos de repressão política, do fim da legislação sindical corporativa, da legislação
partidária restritiva e arbitrária, denunciando o jogo de cartas marcadas do colégio eleitoral. Queremos
o fim do regime militar. PONT. Raul Anglada. Da Crítica ao Populismo à Construção do PT. Porto
Alegre: Seriema, 1985, pp. 152-153.
707
Antenor Ferrari/PMDB. AAL, 21ª Sessão em 29 de março de 1983, p. 657.
708
Para que essas (as Forças Armadas) voltem a se ocupar das suas funções constitucionais
tradicionalmente estabelecidas. Id.
401
Estado, mostrava-se conservadora pois que, pautada pela decisão de integrar setores ao sistema
institucional como forma de garantia da governabilidade.
709
A partir das eleições de 1982, conforme avançavam as discussões políticas, evidenciava-se que a
disputa política institucional seria restrita ao PMDB e ao PDS.
O PT, em meio ao processo de reestatização das relações sociais, enfrentou uma grande crise (a
primeira de muitas), ao conjugar uma prática reformista (caso do novo sindicalismo cujo sucesso esteve
justamente na capacidade de mobilizar, organizar e atuar pela negociação e acordos), com um discurso
revolucionário. Nesta indefinição, acabou por divorciar sua mensagem dos meios possíveis para executá-
la. Naquela conjuntura, as lideranças do partido não se aperceberam que, em grande parte fruto da ação
do regime autoritário, a perspectiva de ruptura veiculada pelo partido e os interesses imediatos das
camadas subordinadas, eram distintos.
O PDT mantinha da herança varguista apenas a fotografia do grande líder em seus diretórios. Em
nenhum momento, conseguiu reunir em torno de si uma base operária ou mesmo sindical, as camadas
médias que emergiram com o regime de exceção e o novo sindicalismo, impediram o PDT de estabelecer
laços à feição do populismo.
710
O único caminho viável à estes partidos, PDT e PT, seria tensionar o processo político e
mobilizar o maior número possível de setores sociais em direção às eleições diretas.
Enquanto o PDS estabelecia como ponto de intervenção os prazos adequados na implementação
do sufrágio universal para todos os níveis, PDT e setores da bancada do PMDB, pautavam-se pelo
princípio de escolha.
Portanto, seria apenas mais um casuísmo a alteração do texto constitucional
através de uma Emenda, procurando mudar as regras do jogo o que, certamente,
não irá acontecer, porque o nosso partido irá fazer prevalecer essa prerrogativa,
conquistada através das urnas: eleger tranqüilamente o sucessor do presidente
Figueiredo.
711
as eleições diretas não podem ser implantadas, porque são o resultado de uma
pugna das urnas. Ganhamos as eleições indiretas
712
dentro da maior ou menor perfeição do sistema brasileiro, está dentro da
Constituição. Se tivesse feito o PMDB a maioria nesse Colégio Eleitoral,
certamente não estaria, aqui, pretendendo montar o cavalinho que lhes encilhou lá
709
Iniciada em 31 de janeiro de 1983 e concluída em 5 de dezembro de 1986. Esta legislatura foi a
primeira que se iniciou já sob o signo do pluripartidarismo, sendo sua composição dividida entre o PMDB
(a maior bancada com 22 deputados), PDS (bancada composta por 19 deputados), PDT (13 deputados) e
PFL (com 5 deputados). Dados retirados em: AITA, Carmem; AXT, Gunter; ARAUJO, Vladimir, (orgs.).
Parlamentares Gaúchos das Cortes de Lisboa Aos Nossos Dias: 1821-1996. Porto Alegre: Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 1996, p. 161.
710
À exceção da região metropolitana do Rio de Janeiro, devido à determinadas peculiaridades, houve
maior facilidade de uma redefinição ou releitura do populismo – mesmo não havendo base operária
expressiva, a cidade detinha um caráter terciário, o que somado a abrupta pauperização e a primazia dos
movimentos sociais muito ligados à máquina estatal, conduziram Leonel Brizola à vitória.
711
Geraldo Germano/PDS. AAL, 159ª Sessão em 24 de novembro de 1983, p. 457. Segundo Germano, nas
últimas eleições, a sociedade havia eleito um Colégio Eleitoral com a específica atribuição de eleger o
presidente.
712
Pedro Américo Leal/PDS. AAL, 155ª Sessão em 18 de novembro de 1983, pp. 309-310. Jarbas
Lima/PDS: acho que o processo de eleições indiretas é o melhor, AAL, 148ª Sessão em 7 de novembro de
1983, pp. 119-120.
402
da África, o presidente João Figueiredo, para querer agora, com mais um
casuísmo, a eleição direta, com a qual concordo, porque desejo eleição direta.
713
O raciocínio proposto pelo PDS, partia da premissa de que um processo eleitoral direto, exigiria
plena estabilidade política, algo que o país não apresentava. De certa maneira, estas posições caminhavam
de encontro às posições do governo e até mesmo setores da oposição, de que o país ressentia-se de
condições objetivas para um processo daquela monta.
714
Por isso a ênfase do discurso oficial na
“pacificação” e no entendimento:
Para a colaboração dos políticos, o presidente Figueiredo até propôs o roteiro
da trégua e do diálogo: neste ano, a reforma constitucional; no próximo, a
sucessão presidencial. Além disso, existem os assuntos da rotina parlamentar
que são o voto distrital e a lei sobre a Política Salarial.
715
Conforme as mobilizações avançavam, preponderavam as fissuras no bloco dominante,
demonstrando toda a debilidade de articulação em nome de um projeto que unisse aquelas forças e, da
mesma forma, a incapacidade do partido que dava sustentação ao governo aglutinar forças historicamente
comprometidas com o regime. Desta forma, Pedro Américo Leal acusava que as manifestações populares
promovidas pelo PDT, PT e PMDB, omitiam-se de debater a crise econômica do país (o custo de vida ou
as condições do trabalhador), apenas dedicavam-se à perseguição ao poder.
716
Ao que era interpelado
pela colega de bancada, Dercy Furtado, cuja argumentação não negava a legitimidade da campanha,
apenas expressava que aquela também era fruto do projeto de “abertura”, ou seja, travestia o esgotamento
do regime de exceção com projeto preconcebido:
essa questão das eleições diretas é uma conquista nossa também, e até talvez, em
primeiro lugar, do presidente da República. Acho uma injustiça, quando se tira o
nome do sr. João Figueiredo dessa luta pelas diretas, porque ele, como presidente,
que tem as Forças Armadas a seu lado, está permitindo que isso aconteça no
Brasil. Alguns poderão dizer: “não, ele não está permitindo, são as oposições que
querem, é a OAB, são as associações de classe, a CNBB, é o povo”. Em nenhum
país do mundo, onde exista um regime duro, ditatorial, o presidente daria
permissão para manifestações dessa proporção.
717
Para setores do PMDB, a intransigência do PDS em relação às eleições diretas, atentava contra
os interesses da sociedade. Não ponderavam porém, que os setores econômicos e sociais abrigados no
partido do governo, pautavam suas ações pela manutenção da correlação de forças, da ordem instituída
713
Naquela oportunidade, o presidente Figueiredo, em visita oficial à Nigeria, declarou que somente não
haveria eleições diretas no Brasil, se o PDS assim o desejasse. Rubi Dihel/PDS. AAL, 157ª Sessão em 22
de novembro de 1983, p. 381.
714
Ruy Carlos Ostermann/PMDB procurou desconstituir esta argumentação. AAL, 157ª Sessão em 22 de
novembro de 1983, p. 379.
715
Francisco Napoli/PDS. AAL, 23ª Sessão em 17 de março de 1983, p. 526. O deputado referia-se à
mensagem do presidente Figueiredo ao Congresso Nacional solicitando trégua política, estabelecendo o
diálogo e a cooperação como forma de superar a crise econômica e consolidar a abertura política. Ver
também: José Ivo Sartori/PMDB. AAL, 5ª Sessão em 7 de março de 1983, pp. 193-194.
716
AAL, 30ª Sessão em 10 de abril de 1984, p. 165.
717
Dercy Furtado/PDS. AAL, 37ª Sessão em 16 de abril de 1984, pp. 267-268.
403
pelo regime. Com efeito, a estabilidade política, constante nas peças oratórias do PDS, passou a ser a
“pedra-de-toque” para o saneamento da crise econômica. A crescente mobilização popular em um cenário
de crise generalizada, ameaçando forçar a ampliação da participação política, para o PDS, seria uma
irresponsabilidade da oposição na medida em que, renegando a constituição e fraudando aqueles que
legitimamente constituíam o Colégio Eleitoral, trariam instabilidade ao processo de normalização
política.
718
Em janeiro de 1982 foram fixadas as regras que presidiriam a constituição do
Colégio Eleitoral, a qual viria e virá a eleger o futuro presidente da República. Os
partidos lançaram-se em campanha política. É bom que se diga, que antes de
1982, havia uma emenda propondo eleições diretas já, apresentada pelo PMDB. E
não votaram. E sabem por que Sra. Presidenta e Srs. Deputados? Porque achavam
que venceriam as eleições e que constituiriam a maioria no Colégio Eleitoral. Se
nós quisermos construir a democracia estável e duradoura que queremos para
nosso País, vamos aprender a respeitar a lei. Todos sabiam antes do pleito, que o
vencedor haveria de eleger o futuro presidente da República. O Colégio Eleitoral
está constituído, ele está aí, legalizado pelo voto popular e, por causa disso, o
próximo presidente será eleito pelo Colégio Eleitoral. Será eleito pela vontade da
maioria. Somente depois disso é que podemos alterar, ou para o pleito direto ou
para o sistema parlamentarista.
719
De janeiro a abril de 1984, a campanha pelas diretas tomou proporções gigantescas e sem
parâmetros na história do país, não há distinção alguma entre partidos políticos, não há setor algum que
se diga dono dessa bandeira: é o povo que se une.
720
Até as grandes empresas de comunicação abraçaram
a campanha, mesmo aquela comprometida com o regime, não teve formas de escamotear um movimento
daquela magnitude e com apoiadores em praticamente todos os segmentos sociais.
721
718
Posição apresentada por Rubi Diehl, AAL, 14ª Sessão em 20 de março de 1984, pp. 425-426. Em outra
ocasião, o mesmo Rubi Diehl anunciou que o PDS havia fechado questão na votação da Emenda Dante de
Oliveira, sendo coerente com o programa do partido, AAL, 21ª Sessão em 29 de março de 1984, pp. 665-
666. Reforçando esta posição em: AAL, 19ª Sessão Representativa em 15 de fevereiro de 1984, pp.213-
214. Para Pedro Américo Leal, as eleições seriam indiretas por que as urnas assim haviam decidido,
qualquer alteração seria uma modificação leviana da Constiuição. AAL, 14ª Sessão em 20 de março de
1984, pp. 412-413. Defendendo as eleições diretas: Francisco Dequi, AAL, 14ª Sessão em 20 de março de
1984, p. 429. Para Cezar Schirmer o Colégio Eleitoral era indecente e o poder por ele emanado não
reuniria condições de governar o país. AAL, 20ª Sessão em 28 de março de 1984, 637.
719
Sérgio Ilha Moreira. AAL, 6ª Sessão em 12 de março de 1984, pp. 270-271. Destaques nossos. O
deputado ainda considerou que a adoção das eleições diretas, naquela ocasião, seria casuísmo. Ao
concluir que o PDS não retrocederia em sua posição, Hélio Musskopf/PMDB passou à ofensiva: É
estranho que o Sr. Jose Sarney, presidente Nacional da PDS, haja declarado que o PDS não poderá
abrir mão do direito de eleger o sucessor do presidente Figueiredo. (...) As eleições diretas são
inevitáveis e se constituem numa vitória das Oposições que souberam ir ao encontro dos anseios mais
legítimos da Nação. AAL, 12ª Sessão da Convocação Extraordinária em 23 de dezembro, pp. 686-687.
720
Algir Lorenzon. AAL, 6ª Sessão em 12 de março de 1984, pp.254-255. No entender de Rospide Netto,
o país estava assistindo o desmoronamento do sistema implementado em 64. AAL, 14ª Sessão em 20 de
março de 1984, p. 411.
721
Em 16 de abril de 1984, manifestação pró-diretas reúne mais de um milhão de pessoas no Vale do
Anhangabaú, em São Paulo. José Ivo Sartori pediu a transcrição da “Carta de Porto Alegre Pelas Eleições
Diretas” dos Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil. AAL, 25ª Sessão em 4 de abril de 1984,
pp. 49-50. Vários deputados ocuparam a tribuna bradando: “Diretas Já!”, entre estes, o dissidente
Vercidino Albarello/PDS (que no mesmo ano rumaria para o novo Partido da Frente Liberal, PFL) que da
tribuna afirmava que chegara o momento de repensar os objetivos da “revolução” como forma de
apaziguar a crise
. AAL, 23ª Sessão em 2 de abril de 1984, p. 2. Outra enfática peça oratória exigindo
404
Sob outra perspectiva, as eleições diretas abririam a possibilidade de personagens diretamente
identificados à resistência ao regime, postularem a cadeira de presidente (entre estes: Ulysses Guimarães,
Leonel Brizola e Miguel Arraes), dado que, estes não mantinham trânsito algum entre forças do regime e
dissidentes, não podendo compor com forças divergentes em nome de uma eleição no Colégio Eleitoral:
A conjuntura brasileira atual está demarcada pela contradição entre o movimento
pelas eleições diretas – movimento popular – e a campanha solitária e melancólica
dos presidenciáveis. Entre um e outro não conciliação possível: ou se realiza a
aspiração da Nação, ou se consuma a voracidade interesseira de indivíduos.
722
E ao PMDB pode anão interessar as eleições diretas. Em primeiro lugar, por
não ter um candidato preparado; em segundo, por poder somar-se a uma
dissidência do PDS no Colégio Eleitoral e até eleger um presidente seu; e
justificar perante a Nação que não tinha outra saída ou que a única formula de
tirar o Brasil deste ciclo triste de autoritarismo seria ceder em algum princípio, em
alguma norma, em algum compromisso e fazer um acordo com a sociedade civil.
Agora, ao PT, ao PDT e ao PTB – que nem gosto de citar – por certo não interessa
qualquer radicalismo; interessa sim a negociação, o restabelecimento da plenitude
democrática, o fim deste ciclo triste que denegriu a História deste país, que
empobreceu e endividou a Nação.
723
A aprovação da proposta de Emenda Constitucional nº 5, a emenda Dante de Oliveira,
necessitava de 2/3 do quorum na Câmara dos Deputados (320 votos em um universo de 479). Porém, a
base de apoio ao governo, detinha 235 deputados. Por isso, nos primeiros meses daquele ano,
concomitante à verdadeira “catarse” coletiva das manifestações, uma série de conversações foram
propostas entre os dissidentes do regime e a oposição com a finalidade de formação de uma grande frente
política. Se aprovada na Câmara, a emenda ainda teria de passar pelo crivo do Senado Federal, onde as
articulações entre oposição e situação eram mais complexas.
O bloco dirigente lançou artifícios precavendo-se de qualquer surpresa. Primeiramente,
utilizando a herança da incorporação da legislação de exceção à constituição, decretou medidas de
emergência no dia da votação, isolando Brasília e cidades próximas das pressões e mobilizações que
pudessem intimidar os parlamentares.
O movimento do governo em enviar proposta alternativa ao Congresso Nacional em 16 de abril,
propondo eleições diretas para presidente em 1988, mesmo sendo desconsiderada pela oposição,
praticamente definiu a rejeição da Emenda Dante de Oliveira pois, retirava de determinados deputados do
PDS, a desconfortável situação de proceder contra tamanha mobilização popular. A partir de então, o
discurso unívoco da bancada governista esteve na coerência constitucional: defendiam as eleições diretas
“Diretas Já!”: José Ivo Sartori, AAL, 26ª Sessão em 5 de abril de 1984, pp. 99-100. De outro modo, Pedro
Américo Leal observava nas mobilizações, a manipulação partidária: O PMDB e o PDT sabem que as
eleições não vão ser diretas, mas o povo está iludido com isso. Sendo logo replicado por Ruy Carlos
Ostermann. Para este último, o governo estava imobilizado não pela ação de um partido, mas com o
movimento político da sociedade. AAL, 29ª Sessão em 9 de abril de 1984, pp. 122-123. Sobre o comício
das diretas em Porto Alegre: Jauri Oliveira/PMDB, AAL, 30ª Sessão em 10 de abril de 1984, pp. 150-151.
José Ivo Sartori/PMDB, AAL, 33ª Sessão em 12 de abril de 1984, p. 235.
722
Helio Musskpf. AAL, 8ª Sessão em 13 de março de 1984, pp. 330-332.
723
Porfírio Peixoto/PDT. AAL, 48ª Sessão em 4 de maio de 1984, pp. 100-102.
405
mas alegavam à constituição que determinava para a sucessão de Figueiredo a escolha pelo Colégio
Eleitoral.
724
A defesa da bancada do PDS na Assembléia era de que a emenda do governo era coerente e
exeqüível, ao passo de que a proposição de Dante de Oliveira visava tumultuar o país
se o empresário das eleições diretas, Leonel de Moura Brizola, e o autor da
proposta de um mandato-tampão para presidente da República. O homem queria
dar a Figueiredo mais dois anos. Aliás, de uma sutileza incrível, coincidindo com o
fim do seu governo no Rio de Janeiro, quando então, poderia conquistar os votos
do resto do Brasil.
725
Por fim, a redefinição do Estado tomava forma definitiva: a emenda Dante de Oliveira era
derrotada por apenas 22 votos.
726
A demanda democrática não havia sido suficiente para alterar a
estrutura política de forma a abarcar a participação popular, a vontade generalizada (a eleição direta para
presidente da República) transmutou-se em poder de alguns (Colégio Eleitoral), desembaraçado
completamente de suas fontes constituintes (quer os eleitores, quer os governados).
O dia 25 de abril ficará marcado na História do Brasil como ponto culminante do
processo de decomposição do regime militar. (...) a base militar do regime está
hoje completamente cindida, permanecendo do regime uma pequena minoria de
militares, principalmente aqueles ligados às Áreas mais conservadoras e, em
particular, do Serviço Nacional de Informação.
727
A partir daquela derrota, o dinamismo da política se relevou um entrave ao enfrentamento da
crise por que passava o país, assim o parlamento insistia na “estabilidade” e “prudência” como aporte da
transição e garantia de êxito no Colégio Eleitoral, o qual, reproduzia o método de escolha utilizado desde
a instauração do regime, definindo os nomes de Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e
Figueiredo, permanecendo a possibilidade de veto militar. Porém, o PMDB definiu sua participação no
724
Manifestações de Germano Rigotto, Roberto Cardona/PDS, Elio Corbellini, Camilo Moreira/PDS (o
qual vislumbrava na proposta do presidente o que era de mais importante no momento político nacional:
uma grande negociação para um acordo), José Paulo Bisol (eleições diretas é uma questão de coragem e
de honra). AAL, 38ª Sessão em 17 de abril de 1984, pp. 299-305.
725
Pedro Américo Leal. AAL, 38ª Sessão em 17 de abril de 1984, p. 309.
726
Obteve 298 votos quando necessitava de 320. Do total, os dissidentes de PDS colaboraram com 55
votos, registraram-se mais 65 contrários e 115 ausências. Sobre a votação ver: Leônidas Ribas/PDS,
Carlos Giacomazzi/PMDB, Sergio Ilha Moreira (O dia 25 de abril no calendário político de nosso País
que, talvez, marque definitivamente, que a política é diálogo, é uma permanente construção), Jauri
Oliveira, Olimpio Albrecht, Pedro Américo Leal, Rospide Netto (menciona que a vontade da Nação havia
sido contrariada). AAL, 42ª Sessão em 25 de abril de 1984, pp. 410-420.
727
Dorival de Oliveira/PMDB. AAL, 43ª Sessão em 26 de abril de 1984, pp. 444-445. Para Helio
Musskopf, o PMDB estava isento da derrota da emenda, pois lá esteve com seus 200 delegados. AAL, 43ª
Sessão em 26 de abril de 1984, p. 427. Também fizeram uso da tribuna: Jauri Oliveira – que se
congratulava com o PDT e PT que tiveram 100% da representação de suas bancadas votando com a
emenda. Antônio Carlos Borges/PDS, ressaltou que pelo Rio Grande do Sul. Augusto Trein foi o único
deputado da base governista a votar a favor da emenda. In.: Id., p. 428. O PDS, na sua esmagadora
maioria, é o responsável por não termos a emenda das eleições diretas já, aprovada ontem. Apenas 2/3
da bancada do PDS votaram a favor da Emenda Dante de Oliveira, e por aí se vê que o Vice-Presidente
Aureliano Chaves não exerce a liderança que esperávamos, pois não conseguiu mais do que 55 votos
406
Colégio Eleitoral sob a justificativa de impedir a ala mais conservadora do bloco dominante assumir os
centros decisórios de poder.
Liberava-se as negociações pela recomposição da cena política através da transição pela
conciliação: O momento é de conversação. E da conversação, naturalmente sairão a paz e a consciência
fortalecida e, acima de tudo, teremos a solução para os nossos problemas.
728
Sobretudo, o encaminhamento da conciliação favoreceu ao bloco dominante e às forças políticas
conservadores, por um fato primordial: isolou os focos de insubordinação, resubordinando-os na medida
em que engrossavam o coro pelo entendimento (pacificação) nacional
muito mais como decorrência das pressões e reivindicações dos movimentos
sociais e das entidades da sociedade civil do que de uma concessão do regime. (...)
a “abertura” não tem o sentido da democratização da sociedade brasileira. É
apenas uma tática de renovação e sobrevivência do regime instaurado em 1964.
Ela tem o sentido e a perspectiva definida pelo ex-Ministro Golbery do Couto e
Silva em sua conferência na Escola Superior de Guerra, em 1980, que e ampliar
as bases de apoio social e político do regime, principalmente através de um novo
sistema de sustentação política, a partir da classe política tradicionalmente
governista, procurando agregar setores vacilantes ou adesistas da própria
oposição. Este projeto sofreu sua mais dura contestação interna por ocasião do
atentado no Riocentro, em 1981, quando, provavelmente, após a identificação
dos seus autores, no confronto que então se estabeleceu entre os chamados
“bolsões autoritários” e o grupo dirigente do governo, houve a queda do
Ministro Golbery. Ficou mais do que claro, então, que existia e existe um forte e
articulado setor dentro do chamado “sistema”, que é contrário a esse projeto
político conduzido pelo presidente Figueiredo, o ex-presidente Geisel e o ex-
ministro Golbery, aos quais se soma a ação do Ministro do Exército, General
Walter Pires.
729
Esta posição, demonstra os entendimentos distintos do partido, na composição com o governo
em nome da normalização política. O deputado identificava, como fase premente do projeto do governo,
o retorno dos militares aos quartéis (a operação mais delicada do processo de transição revolucionária).
No entender do PMDB e do PDT, o processo das diretas havia cumprido função fundamental no
caminho da redemocratização, as oposições, a que se somaram as dissidências liberais, enfrentaram um
regime de força
o movimento popular pelas eleições diretas já, desencadeado apenas alguns
meses, depois de 20 anos do mais completo e profundo processo de entorpecimento
da consciência nacional pelos grupos que tomaram o poder, não condicionou,
fundamental, essencialmente, a sua existência a um aspecto meramente
parlamentar do objetivo que persegue.
730
A questão sucessória se converteu, assim, numa Batalha de Pirro para o sistema
de poder. Para as oposições, ela está definitivamente marcada como o Rubicão da
democracia – é o momento de saltar e conquistar espaços de participação popular
numa bancada de 235 parlamentares. Jauri Oliveira/PMDB, AAL, 43ª Sessão em 26 de abril de 1984, pp.
434-435.
728
Roberto Cardona/PDS. AAL, 42ª Sessão em 25 de abril de 1984, pp 420-421. Grifos nossos.
729
Antenor Ferrari/PMDB. AAL, 21ª Sessão em 29 de março de 1983, p. 656. Grifos nossos.
730
Rospide Netto/PMDB. AAL, 43ª Sessão em 26 de abril de 1984, pp. 433-434.
407
que as eleições diretas vão institucionalizar, para a mudança do sistema. Mas,
também, a campanha pelas diretas, vem-se configurando como um instrumento de
intervenção tática que visa garantir para as oposições o potencial político que lhe
permita influir mais decisivamente na direção desta mudança.
731
As próximas etapas seriam percorrer a luta pela redenção nacional e pelo resgate do poder civil.
A afirmação da identidade nacional através da campanha de “reconciliação do Brasil”, antes de resolver o
impasse constitucional, cumpriu função fundamental na reestatização das relações sociais.:
imploro, que todas as prevenções acaso existentes sejam superadas pela
fraternidade cívica e patriótica que se faz absolutamente indispensável para que,
consolidada a união de todas as forças democráticas, a sociedade brasileira possa
vencer o presente impasse sem traumas, dentro da ordem e da tranqüilidade, tão
preciosas ao país.
732
Nas instâncias de representação políticas, mesmo questões delicadas como a formação do
Colégio Eleitoral e a sucessão presidencial, não representavam grandes riscos por dois motivos básicos:
este continuava fundamentalmente de maioria conservadora e, neste espaço a insubordinação não entrava
se não resignificada pelas demandas partidárias (a velha separação da sociedade política e da sociedade
civil), visto que em nenhum momento o sistema político formal refletiu à altura as lutas sociais.
Este foi o período onde o campo das lutas políticas deslocou-se definitivamente para os espaços
e instituições estatais e, no mesmo movimento, os atores políticos que protagonizaram a fuga da
subordinação ou eram tributários deste processo, apostaram nas organizações de representação e tutela de
poder: os partidos políticos. Não sem fundamento então, Souza afirmaria que o partido político havia sido
o grande protagonista do processo de abertura e que ainda no sistema bipartidário, os partidos (o MDB
em particular mas também a ARENA) cumpriram um papel crucial como agências de orientação da
opinião pública.
733
A “abertura” política proposta pelo regime, acabou por socializar a crise com setores antes
postergados das decisões.
O que está em jogo, neste momento na Nação, é o restabelecimento do processo
democrático, que encontra sua mais clara justificativa justamente nas eleições
para o cargo de onde emana todo o poder político, que é a Presidência da
República. o há outro lugar em que de fato se faça a política esclarecer-se
socialmente, culturalmente. (...) Esse é o lugar lógico do poder; ali está toda a
razão política.
734
731
Francisco Dequi/PDT. AAL, 17ª Sessão em 23 de março de 1984, p. 539.
732
Id.
733
O autor não se furta em relativizar os conteúdos subjetivos associados a uma sigla mas insiste a
identificação com um partido representa o principal vínculo entre setores populares do eleitorado e o
mundo da política. SOARES, Amaury de. As Eleições e a Abertura Política: As Pesquisas Eleitorais na
Década de 70. In.: SOARES, Ricardo Prata e Outros. Estado, Participação Política e Democracia.
Brasília: São Paulo: CNPq/Coordenação Editorial/ANPOCS, 1985, p. 225.
734
Ruy Carlos Ostermann/PMDB. AAL, 21ª Sessão em 29 de março de 1984, pp. 663-665.
408
Esta declaração reúne e sintetiza a visão estatizante da política, predominante no parlamento. A
reestatização das relações sociais coroava-se de êxito. Mesmo que marginalmente e à parte da coalizão
pela conciliação democrática, determinados movimentos sociais robusteciam-se, caso do movimento dos
trabalhadores sem-terra e os movimentos de ocupação de espaços urbanos.
o obstante a garantia de estabilização do processo político, o apelo à prudência na atuação
política adequava-se aos interesses do PMDB, com maior representatividade e estrutura, o confronto com
o bloco dirigente seria pernicioso ao partido. A discussão do cronograma e amplitude da descentralização
é sufocada em nome da conciliação nacional.
O novo ordenamento que se avizinhava não se pautou pela ruptura institucional com o regime de
exceção, tanto que generalizou-se a convicção que a transição alcançaria êxito se, ao seu final, estivesse
consolidada a restauração das eleições diretas em todos os níveis.
735
As eleições diretas, neste momento, tornam-se essenciais: se não suficientes, pelo
menos um primeiro caminho, para que possamos iniciar um real processo de
democratização. Até o presente momento, o que tivemos em nossa Nação foi
apenas um singelo início de processo de redemocratização na área política. Na
área econômica, no entanto, naquilo que toca à vida e ao essencial das pessoas,
continuamos no obscurantismo.
736
Que a eleição direta não resolverá nossos problemas todos sabemos, mas pelo
menos terá o efeito de trazer o élan” necessário, indispensável, para que nosso
povo tenha a retomada da confiança nas autoridades, que saiba que as
autoridades que estão dirigindo seus destinos assumiram seus cargos a partir do
apoio popular.
737
Inviabilizadas as alternativas à crise do bloco dirigente e à desconstituição do Estado, a
conciliação assumia posição central na resolução destes litígios: Agora vamos à negociação em termos
políticos. E qual e a negociação? A negociação é eleição direta. É um desejo do povo brasileiro.
738
Sendo imediatamente correspondido por setores do PDT: estamos prontos para essas negociações.
739
735
Sobre a compreensão do processo em curso ver: Porfírio Peixoto/PDT. AAL, 145ª Sessão em 1º de
novembro de 1983, p. 16. Hélio Musskopf/PMDB. AAL, 146ª Sessão em 3 de novembro de 1983, p. 28.
Neste sentido também se manifestaram: Porfírio Peixoto/PDT, AAL, 146ª Sessão em 3 de novembro de
1983, pp. 30-31. Renan Kurtz/PDT (declarando que somente a eleição de um governo legítimo, escolhido
pelo provo poderia realizar as necessárias reformas estruturais), AAL, 147ª Sessão em 4 de novembro de
1983, p. 71. Ruy Carlos Ostermann/PMDB, AAL, 148ª Sessão em 7 de novembro de 1983, p pp. 109-110.
Rospide Netto, In.: Id., pp. 114-115. Olimpio Albrecht/PDT a eleição indireta e o supra-suma do absurdo
e permite toda uma série de manipulações que sempre escolhe, não o melhor, mas o que representa
pequenos grupos que não representam, de maneira nenhuma, a Nacão. In.: Ibid., p. 115. Jauri
Oliveira/PMDB, AAL, 155ª Sessão em 18 de novembro de 1983, pp. 314-315. Caetano Peruchin/PMDB
denunciou o que considerava uma ilegitimidade: a formação do Colégio eleitoral. In.: Id., p. 310.
736
Carrion Júnior/PMDB. AAL, 155ª Sessão em 18 de novembro de 1983, p. 319.
737
Algir Lorenzon/PMDB. AAL, 155ª Sessão em 18 de novembro de 1983, p.322.
738
Ibid., pp. 435-436. Grifos nossos.
739
Orlando Burmann/PDT. Ibid., p. 437. Para Rubi Diehl, a importante votação havia ocorrido no único
lugar legítimo. Ibid., p. 437. Para Schirmer “o povo sepultaria a ditadura” (ainda se manifestaram sobre
esta questão José Paulo Bisol e José Ivo Sartori). Ibid., pp. 438-442.
409
É necessário que curemos as feridas do nosso meio para que com isso possamos
negociar, conversar e nos entender com a sociedade civil para buscarmos a
melhor saída para a crise institucional em que estamos imersos.
740
Precisamos de um regime institucional, permanente, seguro, que nos conduza a
novos horizontes, a uma participação mais efetiva da comunidade nacional o qual
poderá ser alcançado através da via direta para a escolha do sucessor do
presidente Figueiredo.
741
No processo que antecedeu a disputa no Colégio Eleitoral, as fissuras no bloco dominante
somadas à derrota da emenda das diretas, permitiram a composição que permitiu o realinhamento de
forças dominantes em nome da estabilização do processo político.
Inconformado com o processo de escolha do candidato à presidente do PDS, antevendo a
fragmentação do partido e inevitável derrota, José Sarney renunciou à presidência do partido e filia-se ao
PMDB (traição inaceitável para a oficialidade militar).
742
Também acompanharam a decisão de saída do
partido, Aureliano Chaves e Marco Maciel (que acabariam por criar a Frente Liberal, a qual, junto ao
PMDB, PTB e PDT, formaria a Aliança Democrática, lançando Tancredo e Sarney à presidência).
743
A concentração das conquistas eleitorais do PDS nas regiões mais carentes do país,
potencializada com as eleições de 1982 (ao ponto do então governador eleito de Minas Gerais, Tancredo
Neves, nominar o PDS de “partido dos nordestinos”), adicionou um elemento paradoxal no processo de
sucessão de Figueiredo. A convenção do PDS esfacelou o partido governista. As forças mobilizadas no
apoio à candidatura do ministro Andreazza, acabaram por compor com a Frente Liberal e o com o
candidato oficial, definindo a eleição em favor de Tancredo Neves.
744
Em posição semelhante, frações de classes identificados ao campo liberal (representadas por,
entre outros, Abílio Diniz, Antônio Ermírio de Moraes, Marco Maciel e Aureliano Chaves), não mais
concordaram em ceder a representação do Estado ao aparato tecnoburocrático-militar e não adotaram a
candidatura oficial. Estes se constituíram em um bloco político porém, não tendo um nome que pudesse
aglutinar os demais setores oposicionistas ou dissidentes, passaram a movimentar-se de forma a impedir a
ascensão tanto da insubordinação quanto de grupos ligados ao poder potencialmente desaglutinadores (o
malufismo).
740
Erico Pegoraro/PDS. AAL, 44ª Sessão em 27 de abril de 1984, pp. 464-465.
741
Leônidas Ribas/PDS. AAL, 44ª Sessão em 27 de abril de 1984, pp. 478.
742
Germano Rigotto ressaltou da tribuna, a decomposição interna do PDS, segundo o deputado, nenhum
dos candidatos do sistema (Maluf ou Andreazza) teria unanimidade dentro do partido e do governo.
Acreditava ainda, que somente por meios artificiais, não representativos da opinião pública, estes teriam
condições de chegar à presidência. AAL, 165ª Sessão em 30 de novembro de 1983, p. 679.
743
José Sarney, procurando aglutinar o partido, propôs a realização de consulta prévia às bases estaduais
como base para a construção de um nome de consenso (até então, três nomes despontavam, o vice-
presidente Aureliano Chaves, o Ministro do Interior, o gaúcho Mário Andreazza e o deputado federal, ex-
prefeito e ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf). Esta proposta foi rechaçada por Maluf, sem bases
consolidadas na maioria das regiões do país e mais próximo à acertos entre as lideranças regionais. O
destino da disputa no Colégio Eleitoral definia-se pela implosão do PDS. Para uma análise do processo,
das coalizões, conchavos e alianças que conduziu à vitória oposicionista em 1984 na disputa indireta pela
cadeira de presidente ver: DIMENSTEIN, Gilberto [Et. All.]. O Complô Que Elegeu Tancredo. Rio de
Janeiro: Edições JB, 1985.
744
Nenhum dos nove governadores do PDS, da região nordeste, encampou a candidatura de Paulo Maluf.
FLEISCHER, David. Governabilidade e Abertura Política: As Desventuras da Engenharia Política no
Brasil, 1964-84. Op. Cit., p. 37.
410
Em mais um dos paradoxos da vida política brasileira, o candidato a reunir a confiança do bloco
dominante, assegurando um conjunto de garantias (inclusive o rechaço ao revanchismo) como base de
consenso era Tancredo Neves, o oposicionista, ao passo que Maluf, candidato do governo, estampava um
futuro de polarizações radicalizadas indesejadas. Assim, Tancredo Neves encarnou a representação do
consenso nacional, o único capaz de simbolizar um pacto envolto pelo interesse nacional, reunindo
condições de superar a crise de governabilidade vivida no país, mesmo para o bloco dirigente, tornou-se
tarefa complexa sustentar a candidatura do PDS.
A cúpula do PMDB apostou na conciliação e na ampla coalizão de forças, evitando impasses que
poderiam obstruir não apenas a candidatura do partido, mas o próprio processo sucessório. Por esta razão,
todo o conflito, exposto na forma do dissenso, era apontado como divisão na construção da democracia.
o à toa Tancredo Neves carregava a alcunha de “pacificador da nação”.
745
Para que tais articulações fossem minimante viáveis, o PMDB consolidou-se como partido-
síntese, no sentido de que sua organicidade provém da dialética da centralidade das classes médias e da
postura de mediador das reivindicações populares difusas.
746
Acentuou seu caráter de centralidade
conforme avançava a transição, com um discurso recheado de ambigüidades e fragilidades própria dos
discursos globais. A esquerda independente no interior do PMDB, estava submetida às decisões da cúpula
do partido e os grupos clandestinos que se abrigaram na sigla, trabalhando apenas no plano da tática, não
conseguiram levar adiante nenhuma alternativa concreta.
O que levou a bancada do PDS à que defender que o sistema político no país havia encontrado
seu ponto de equilíbrio ao optar por marchar para uma Democracia plena, através de um processo
gradativo.
747
Definia-se a disputa no Colégio Eleitoral, reunido em 15 de janeiro de 1985, entre o candidato da
conciliação (Tancredo e seu o vice de ocasião Sarney) e Paulo Salim Maluf e seu vice Flávio Marcílio
(figura importante da ARENA e presidente da Câmara dos Deputados em 1974 quando sugeriu que o AI-
5 fosse incorporado à Constituição – demonstrando os esforços em adaptar formulações institucionais aos
imperativos de uma conjuntura política adversa).
Com a vitória incontestável de Tancredo Neves, o país presencia um trânsito: não mais a
centralização do poder decisório na fração militar mas sim, o fortalecimento da capacidade decisória do
Estado.
748
Logo, o senso comum, evitar a qualquer custos os conflitos, acabou por transfigurar-se em bom
senso.
Em meio à crise institucional, o bloco dirigente no período final do regime, manifestava a
tendência de substituir a política pela gestão (sendo esta sinônimo de administração, ou seja, maneira de
utilizar os recursos disponíveis). Sintomaticamente, termos e expressões como responsabilidade,
tranqüilidade, garantia de governabilidade e segurança assumiram a primazia das peças oratórias.
745
Sobre a ascensão de Tancredo Neves à presidência da república ver: SANTAYANA, Mauro.
Conciliação e Transição – As Armas de Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
746
OLIVEIRA, Francisco. Além da Transição, Aquém da Imaginação. Op. Cit., p. 13.
747
Leonidas Ribas/PDS. AAL, 114ª Sessao em 31 de maio de 1983, pp. 573-574.
748
Tancredo Neves teve 480 votos contra 180 de Maluf, com 17 abstenções e 9 ausências. Do total de
votos da Aliança Democrática, 231 são do PMDB, 113 do PFL, 65 do PDS, 27 do PDT, 11 do PTB e 3 do
PT (por não cumprirem decisão da direção do partido, que denunciou a conciliação conservadora do
411
Na Assembléia Legislativa, as referências à normalização democrática não aludiam democracia
enquanto um conceito base de, efetivamente, todos os processos sociais e políticos de tomada de decisões.
Ao que tudo indicava, a idéia da gestão do Estado suplantava a idéia da política. Ocorreu um
deslocamento discursivo, a gestão passou a representar a administração dos ganhos da política, tendo
como premissa a estabilidade. Percebe-se então, que, em meio à crise institucional, que o Estado
renunciava às faculdades de ser o centro “nodal” da política e passava a ser unicamente o “local” da
gestão e encaminhamento da crise econômica, exercendo a administração da crise, pois como afirmou
Mattini El secreto del Estado como máquina de dominación consiste en esa paradojal relación entre la
gestión y la política
Es menester tener en cuenta, no obstante, que en determinadas situaciones
concretas, la defensa de una gestión puede ser una lucha política, lo que no le
quita a la gestión su carácter de gestión, ni significa que la política se convierta en
gestión. Ante un peligro para el verdadero "bien común", ataque extranjero o una
amenaza que signifique retroceso de conquistas populares ganadas, la política
podría pasar por la defensa de esa gestión.
Separar conceptualmente la gestión de la política sin perder de vista su unidad - y
sobre todo no dejarnos seducir por el aparente papel del Estado como intérprete
del "interés general".
749
A responsabilidade da gestão, acabava por condicionar os movimentos políticos do governo
mesmo que, paradoxalmente, o exercício deste esteja condicionado pela luta entre interesses de classe,
mutilando a autonomia da própria fração dirigente em realizar prioritariamente seus interesses imediatos
(sendo base para novos conflitos no interior das camadas dominantes).
Os embates e convergências na Assembléia Legislativa, pautaram-se pela busca de um
“equilíbrio social”, sendo a base de retórica (ampliação das faculdades do Estado nas áreas sociais,
disciplinamento pela questão econômica, projeção positiva do futuro, repressão, unificação pela
superação da crise) que tornaram a atividade político-parlamentar, extremamente conservadora, do ponto
de vista da limitação das potencialidades políticas da sociedade em movimento.
A estabilidade do processo político e as modificações no regime, cobraram que o sistema
partidário ocupasse todo o espaço político, segregando atores que antes participaram da insubordinação à
esfera política decisória. Por esta razão, a bancada do PDS passou a defender que, após a sucessão de
Figueiredo, as eleições diretas seriam a forma mais adequada de controle das convulsões sociais.
750
Ao final, o regime de exceção incorporou uma dimensão transformadora a qual permitiu a
configuração de um novo ordenamento político a partir da definição de um conjunto de quesitos tais
como a ocupação da presidência da República por parte de um civil (com o reforço constitucional do
poder presidencial); a diminuição das instituições que poderiam atuar ou servir como limitadores deste
poder; a instituição militar retornando à caserna mas não renunciando a sua capacidade de intervenção
Colégio Eleitoral, Aírton Soares, Beth Mendes e José Eudes foram expulsos do partido). Dados
disponíveis em: COUTO, Ronaldo Costa. Op. Cit., pp. 398-399.
749
MATTINI, Luis. Y El Estado? Texto disponibilizado na página www.rebelion.org, retirado em 2 de
agosto de 2003. Todas as formulações acerca da relação entre gestão e política tomam por referência as
elaborações deste autor argentino.
750
Loris Reali/PDS, AAL, 21ª Sessão em 29 de março de 1983, p. 649.
412
(para alguns analistas a tarefa de tutela ao poder civil); a definitiva exclusão de formas de manifestação,
organização e atuação políticas consideradas como potenciais focos de instabilidade (que questionassem a
ordem pactuada); as instâncias de representação políticas assumiriam um papel de co-participante do
poder decisório desde que, a representação propriamente fosse reduzida tanto em sua capacidade de
decisão quanto limitada aos setores sociais adequados à Nova República.
751
Os avanços no sistema político, que não poderiam ser revertidos, foram ponderados com
medidas e mecanismos institucionais - anteparos da efervescência político-social - como forma do bloco
dirigente administrar o colapso do ordenamento vigente. Esta questão se revelou, principalmente, em
situações de consulta eleitoral. Enfatiza-se: a função desempenhada pela anistia, revigoramento da
legislação partidária, superação da censura e ampliação do nível de acolhimento do dissenso, assumiram
funções distintas de um processo de redemocratização. O parlamento continuava a não reunir funções
governativas reais e a vida política institucional, de um modo geral, não era ativa no sentido de
participação dos centros decisórios. Sendo assim, somados os procedimentos das administrações Geisel e
da Figueiredo, têm-se a ocultação do caráter excludente (porque militarizado) do processo decisório.
752
751
Observações sugeridas por Garretón ao analisar o caso chileno. GARRETÓN, Manuel Antônio.
Modelo e Projeto Políticos do Regime Militar Chileno. Op. Cit., pp. 66-68.
752
Ao discutir a forma do Estado e a forma do regime, Saes também fazia ressalvas neste sentido: SAES,
Décio. República do Capital: Capitalismo e Processo Político no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial,
2001, pp. 39-40.
413
CONCLUSÃO
Ao longo deste trabalho foi procurado investigar minuciosamente a desconstituição do regime de
exceção brasileiro. Para tal tarefa, partiu-se da mesma matéria-prima com a qual ele (o regime) fora
estruturado: a dualidade de ordenamentos. Esta garantiu a funcionalidade do Parlamento e, mesmo
minimamente, obstacularizou às ações do bloco dirigente, não sendo, portanto, uma instituição
meramente decorativa como se poderia aduzir.
A relação entre os projetos e os processos, decompostos nos sucessivos capítulos, resultou na
reformulação do Estado autoritário brasileiro.
A dinâmica interna das instituições de representação políticas, o corpus analítico propriamente,
cumpriu função primordial na recomposição da estrutura de dominação política, muito embora, as
análises que se debruçaram sobre o período tenham interpretado este processo de forma oposta. Essa
instância de representação desempenhou papel fundamental no recente processo político, exatamente em
dois momentos intercalados pelo refinamento do Estado: quando da estruturação do regime,
compreendida entre 1964 e 1968 e, nos projetos de recomposição do regime e do Estado observados entre
1974 e 1984. A própria manifestação parlamentar demonstrou que o sistema de representação política e
os atores políticos institucionais, adquiriram significação concreta e efetiva nos instantes em que o regime
viveu a dualidade de ordens, ou seja, na situação autoritária em contradição. Nestes momentos, eram
expostas as insuficiências da estrutura de dominação.
Outrossim, esta tese trilhou o caminho da desmistificação tanto do excessivo caráter de
concessão (a argumentação de que o processo correspondia a um determinado projeto de governo),
quanto de conquista (onde o experimento democrático fora retomado exclusivamente pela ação da
sociedade civil).
As proposições defendidas no corpo do texto, condensadas na tese de
redefinição do Estado
,
buscaram novas possibilidades de interpretação das transformações do regime político no Brasil ao final
dos anos 70 e início dos 80.
Esta pesquisa referendou a complexidade, não apenas do processo em questão, mas do Estado
brasileiro e de suas estruturas, singularizando-o de processos correlatos na América Latina e no sul da
Europa ocidental.
A proposta da “abertura”, compreendida nesta tese como flexibilização das relações político-
institucionais, inseria-se em um projeto político para a recomposição do próprio regime de exceção. Na
conjuntura em que Ernesto Geisel assumiu a presidência, o estágio de desenvolvimento do regime e das
estruturas políticas sofriam a exaustão do refinamento do Estado. Exigiram portanto, para a própria
manutenção do sistema, uma reformulção capaz de agregar um conjunto de apoios, superando a
desconstituição do Estado e do pacto de domínio.
Porém, este projeto respondeu a questões específicas em um período específico (a fase pós-
refinamento do Estado). A asserção o inviabiliza o fato de que o trânsito de ordenamentos vivido no
país tenha sido fruto da relação dialética do projeto e do processo, não de “abertura”, mas sim, de
estabilização conservadora, empreendido na administração Figueiredo. Devido ao processo de dupla fuga,
este impôs ao bloco dominante a “sacrificação” do bloco dirigente, não sem antes, este último procurar,
414
através de vários artifícios, preservar sua posição nos centros decisórios (acarretando em uma série de
embates domésticos).
A drástica redução da imprevisibilidade política e social traduzida na conformação do Estado de
Segurança Nacional, teve dois resultados imediatos, os quais, definiram a impossibilidade da
militarização dos centros decisórios se manter. Um primeiro, o esvaziamento de sentido comum àquilo
que antes era tido como público, sendo estes espaços apropriados. O outro resultado, esteve na elevação
do nível de incerteza quanto aos mecanismos de ação do governo, dos critérios de decisão ou mesmo, das
instâncias definidoras de políticas. Ou seja, a face de exercício do poder dispersava-se.
Após o AI-2, o regime em nenhum momento atingiu um Estado de equilíbrio entre a diminuição
da imprevisibilidade política, sendo este o impulso criador dos regimes de exceção, o crescimento
econômico (questão crucial na formação da coalizão intervencionista), contenção social e neutralização
de crises, inclusive internas. Por estas razões, os avanços e retrocessos, medidas progressistas e
conservadoras, não foram de maneira alguma a tônica da fase final do regime de exceção, mas sim, a
marca de todo o ordenamento político-social implementado desde 1964.
A flexibilização das relações políticas, como mecanismo de preservação, estabelecia-se como
necessidade estrutural na manutenção do regime, ou seja, seria o único projeto possível,
independentemente do grupo que assumisse o poder. A decantada “liberalização” - a flexibilização - o
fora estabelecida como conseqüência do processo de concentração e centralização política desenvolvido
no governo Médici, mas justamente o contrário, a aplicação de medidas de flexibilização somente foram
possíveis em virtude da exitosa etapa de militarização dos centros decisórios a qual, adaptou a estrutura
do Estado.
O regime o reunia condições de continuidade senão que pela aplicação de alterações, as quais,
indiretamente incidiriam nas questões da militarização dos centros decisórios e conseqüentemente, o
deslocamento da dualidade de ordenamentos.
Contudo, entre o projeto oficial e o processo, houve uma larga distância. Neste
sentido, ocorreu a recusa mútua da forma de encaminhamento do político, onde a crise
na política mediada pela excepcionalidade inaugurou a crise da política, esta balizou a
lógica da flexibilização e da transição.
A fuga das relações de subordinação mediadas pelo Estado (materializada em
sujeitos novos em novos locais e com práticas políticas que não as institucionais) e,
compondo esta operação, a fuga das limitações do pacto de dominação legal, guardavam
relação com a fuga da insuficiência do Estado, protagonizada por frações do bloco
dominante. Este segundo movimento, desfigurou a base de sustentação do bloco
dirigente.
Tendo sido aventada como hipótese de trabalho, esta pesquisa confirmou que o regime de
exceção brasileiro, constituiu um “regime de crise”. Esta foi atestada pela dualidade de ordenamentos,
pois ao mesmo tempo em que angariava apoios e legitimidade, garantindo uma base social de sustentação,
criava um conjunto de conflitos não solucionáveis pelos instrumentos do regime de exceção.
415
Em razão da articulação de uma série de fatores, o regime enfrentou questões que indicaram um
determinado tipo ou sintoma de “estrangulamento”. No momento em que os movimentos autônomos de
setores dominados passaram a potencializar a instabilização da estrutura política, as instâncias de
representação políticas (legitimadas e constitucionalmente consagradas) e a reativação do processo
eleitoral, garantiram o equilíbrio imprescindível ao pacto político e ao sistema de dominação legal.
Esta questão pôde ser constatada no caso “Márcio Moreira Alves”, o qual justificou o definitivo
avanço de militarização nos centros decisórios de poder e, ao mesmo tempo, viabilizou a contenção dos
impasses do “1968”. As instâncias de representação política cumpriram os esforços de “trazer para
dentro” todos os movimentos que representaram qualquer desconstituição do regime, exatamente pelo
caráter autônomo daqueles (materializados ao final da década de 70). Esta ressignificação foi
concretizada na medida em que todo o dissenso canalizava-se para o sistema político formal (mesmo
multipartidário, em certa medida previsível), reduzindo as alternativas de insubordinação ou de
imprevisibilidade social. Em outros termos: o Parlamento cumpriu tarefa fundamental na desorganização
política dos pontos de insubordinação.
Neste contexto de crise das instituições, a idéia democrática assumiu a primazia do campo
possível da política
.
Em um primeiro momento do governo Geisel, após a euforia liberalizante de 1974, a condição de
instabilidade sistêmica do regime, criou ou agravou situações de crise (vide as questões sucessórias),
tendo diminuído então, a sua capacidade de negociação e imposição em razão do esfacelamento da base
inaugural de apoio.
Em nome da superação de problemas políticos e econômicos, o bloco dirigente lançou a pauta de
aprimoramento conduzida “pelo alto”, tendo no MDB, vitorioso nas urnas, cumprido tarefas das mais
importantes na medida em que se alçava à condição de alternativa ao bloco dirigente. Ao mesmo tempo, a
derrota do partido do governo, a ARENA, impediu a ampliação dos centros decisórios: um possível êxito
eleitoral, de grandes dimensões, conduziria o partido à postular uma posição ampliada nos centros
decisórios, algo que o regime militarizado não concebia.
No cerne da fuga da insubordinação e da recusa do regime, frações das camadas dominantes, até
mesmo frações dissidentes do bloco dirigente, encamparam a rejeição a elementos do regime de exceção,
menos pela aspiração democrática e mais pela possibilidade de implementação de um projeto
politicamente compatível com seus interesses.
A posição destas frações assumia feições progressistas na medida em que colaboravam na
ampliação da imprevisibilidade política. Todavia, estas mesmas frações, sendo confrontadas pela negação
do pacto de dominação promovida pela insubordinação do final da década de 70, assumiram posições
moderadas, quando não conservadoras (sendo exemplo a migração de quadros do PP, basicamente
aqueles que haviam procurado uma alternativa institucional ao bloco dirigente no partido de Tancredo
Neves, quando da fusão ao PMDB, rumaram para o PDS, reconstituindo as alianças que sustentaram o
regime até então).
Por estas razões, o processo de transição de um ordenamento autoritário a uma situação
democrática, através de estratégias de negociação, pacto e compromisso, disse menos sobre a crise do
regime e mais sobre a limitação da experiência democrática no país.
753
Enfatiza-se: a decomposição do regime o respondeu à uma concessão do bloco dirigente, mas,
isto sim, a impossibilidade do regime se perpetuar por mais tempo.
753
É sintomático que
a organização política mais sólida, propositiva e com maior credibilidade social
estivesse justamente na oficialidade militar
.
416
Em virtude disso, esta tese compreende como equivocadas as posições daqueles que observaram
os movimentos políticos do governo Geisel enquanto a concretização do projeto de liberalização e
abertura” e o governo Figueiredo como portador do projeto da transição para a redemocratizaçãopois,
o conteúdo daquelas políticas esteve justamente em superar as contradições da cena política. A adoção de
um conjunto de medidas, essencialmente a partir do governo Geisel, objetivaram corrigir e deslocar as
seqüelas da perpetuação do regime de exceção ao longo de duas décadas, evitando assim, a desintegração
social, reconhecida a partir das constantes instabilidades políticas, insegurança social e pelo colapso nas
estruturas produtivas.
Antes do encaminhamento da “abertura rumo à redemocratização”, o projeto de flexibilização
das relações políticas e ampliação do acolhimento do dissenso, teve a intenção de garantir a perpetuação
da estrutura de dominação. Ressalta-se que este projeto não era único, no interior do bloco dominante
desenvolveram-se acirradas disputas que repercutiram nas peças oratórias parlamentares.
Para encaminhar as questões derivadas da condição de “forma de Estado em crise”, dois
processos foram fundamentais na estratégia de estabilização conservadora proposta no governo
Figueiredo: a reestatização das relações políticas e o disciplinamento do dissenso. Ambas cruciais,
enquanto peças constitutivas, na superação da crise do Estado brasileiro.
Logo, é confirmada a hipótese inicial desta tese de que, a implementação da idéia democrática
gerou imediatamente estabilidade, não apenas por projetar a possibilidade de circulação de poder, mas
sobretudo, por garantir o desenvolvimento da transição política.
Os partidos políticos, como agentes institucionalizados, disciplinaram os anseios e interesses
individuais (potencialmente contestadores, visto a possibilidade da transformação das necessidades
imediatas deste imenso contingente em necessidades históricas), assegurando a necessária
governabilidade. A homogeneização dos interesses tratada nesta tese (a “idéia” democrática pela
conciliação) traduziu-se na adesão ao já produzido.
Após os sucessivos êxitos eleitorais, a oposição institucional traduzida no MDB, sofreu uma
série de deslocamentos. Estes relacionavam-se aos movimentos do bloco dirigente: o partido passou da
posição de negação da cena política, no bojo da euforia “liberalizante” própria de 1974 e 1975, ao
endosso do aprimoramento do regime conforme as medidas de flexibilização eram definidas.
No início dos anos 80, então como PMDB, a oposição reassumiu as bandeiras combativas
levantadas por parte de suas correntes internas para, ao fim, atuar como elemento primordial no
disciplinamento do conflito, dissimulando as contradições vividas em nome da conciliação pela transição
(ou da transição pela conciliação).
A ARENA por sua vez, levada pelas inovações nos mecanismos de poder, incorporou as fissuras
e os embates intra-bloco dominante, com distintos projetos acerca do Estado, da economia e sociedade,
sintetizando então, os impasses do regime: avançar em um projeto que representaria o deslocamento das
posições no jogo político, invariavelmente perdendo espaços para oposição institucional ou acirrar a
excepcionalidade. Enquanto existiu, a ARENA apostou na segunda alternativa, defendendo a posição que
o desenvolvimento do regime conduziria à modernização política.
Por estas questões, a imprevisibilidade político-eleitoral não reverteu em imprevisibilidade da
ação político-parlamentar: o voto, mesmo o oposicionista, foi administrável pelo regime.
417
As particularidades regionais destacadas no corpo do texto, por um lado confirmaram a
diferenciada partidarização sul-rio-grandense, sendo perceptíveis nos movimentos parlamentares no
processo em questão: a defesa do Rio Grande do Sul como o estado mais “politizado”; a compreensão do
papel diferenciado da sociedade sul-rio-grandense na transformação do país; a veemente defesa de que a
oposição gaúcha demonstrava maior coerência do que nos demais estados; a defesa de que a ARENA
representava e defendia o regime de uma forma o observada em outras regiões; o endosso à um tipo de
“política de notáveis”, observando a prática política como atividade de poucos.
Contudo, estes posicionamentos não contribuíram na desconstituição da centralização política
aguda, nem mesmo esta foi questionada sob a ótica da herança regional. A dinâmica parlamentar
conduzia à percepção de que a desarticulação do edifício autoritário assumiria automaticamente o sentido
da construção democrática.
De forma generalizada, não havendo distinção entre oposição e situação, o Parlamento auxiliou
na identificação e associação do projeto de flexibilização das relações políticas à um projeto de
normalização democrática (que efetivamente não houve).
754
De certo modo, o MDB assumiu posições de enfrentamento e combatividade mais incisivas do
que aquelas propostas pela direção nacional do partido em momentos onde lhe eram permitadas tais
investidas. Como conseqüência, que era o partido de oposição que tomava as iniciativas do debate, a
ARENA gaúcha se revelou menos transigente com as mudanças. Entre 1974 e 1979 dos respectivos
partidos, ou seja, o embate entre os partidos inviabilizou qualquer consenso quanto à recomposição do
sistema político.
Como resposta ao processo de dupla fuga, ARENA e MDB encamparam a defesa da instituição
representativa, desconsiderando o fato, no caso da oposição, de que a ruptura do regime de exceção
passava necessariamente, pela decomposição de suas instituições. Por esta razão, a prática oposicionista
foi adequada para o regime.
A oposição institucional, ao pautar-se exclusivamente pelas necessidades e demandas imediatas
de frações de classe (as questões objetivas, emprego, educação, habitação), não contempladas pelas
políticas públicas oficiais, renunciou à criação de redes político-sociais (intra e entre frações de classes)
de desconstituição do próprio regime (relacionado e transmutando aquelas demandas objetivas em
necessidades históricas, subjetivas, mas nem por isso, menos concretas).
O MDB apostou nas instâncias políticas formais para encaminhar e dar resposta àquelas
demandas imediatas através da circulação de poder (preservando o próprio Estado em crise) e de planos
governamentais de empreendimentos alternativos (apostando na gestão diferenciada daquele mesmo
Estado). Esta aposta” esteve diretamente relacionada à perspectiva de acumular forças em nome da
circulação de poder.
Neste sentido, compreende-se a manifestação de Jarbas Lima sobre a qualificação de autoritário
que pesava sobre o regime e o Estado brasileiro:
754
Sintomática a manifestação de Simon: Não há dúvida de que nos últimos tempos respira-se neste País
um clima de reabertura democrática. Não há dúvida de que nos últimos tempos sente-se que nos altos
escalões do Governo existe uma preocupação em busca de realocar este País nos caminhos da
verdadeira democracia. Pedro Simon, AAL, 5ª Sessão em 24 de março de 1975, p. 123. Grifos nossos.
418
O Estado não é uma ameaça à liberdade individual, mas pretende ser a garantia
dentro dos princípios da justiça social e dos interesses nacionais. (...)
Autoritarismo não é aqui, como vulgarmente se supõe, sinônimo de arbítrio e de
ilegalismo. Estado autoritário é o Estado provido dos meios eficazes ao
cumprimento de sua missão. Estado autoritário é sinônimo de Estado ativo, em
contraposição ao passivismo determinado pela supremacia do indivíduo.
755
A reformulação partidária, a qual instaurou a pluralização partidária como mais um evento de
engenharia política protagonizado pelo regime, confirmou uma prévia disputa interna no MDB, por esta
razão, a proposta oficial de fragmentação da oposição se revelou mais eficaz no estado gaúcho, dado que
a possibilidade do partido ser convertido em um instrumento da insubordinação - o outro vértice da
proposta do governo, ou seja, impedir o MDB de assumir uma posição para além de suas funções
definidas pelo regime - o reuniu condições de se materializar no Rio Grande do Sul em razão da
distância e do não reconhecimento entre os movimentos sociais e o Parlamento (bastando para tal
constatação a observação dos espaços dedicados aos temas da insubordinação e a forma tutelada com os
parlamentares referiam-se aos trabalhadores organizados).
As fissuras domésticas na bancada oposicionista emanavam, essencialmente, daqueles setores
que se propunham a recompor o antigo PTB. Ao irromper dos anos 80, PMDB e PDT travaram duelos
discursivos com o intuito de ocupar exclusivamente o campo da oposição em condições de disputa com a
base governista. Em certos momentos, esta postura superou até mesmo as diferenças com o PDS. O
resultado das eleições de 1982, apenas referendou a característica do estado de não reconhecer um
terceiro pólo de aglutinação política visto, PMDB e PDT disputarem a mesma base, inviabilizando um ao
outro. Assim, esta peculiaridade regional, a partidarização, foi confirmada na primeira experiência
eleitoral sob o signo do pluripartidarismo.
Nesta mesma eleição, 1982, o Rio Grande do Sul sintetizou o êxito do processo de reestatização
política e disciplinamento do dissenso: os votos inválidos, mesmo com todas as dificuldades impostas
pela formulação de uma cédula eleitoral que induzia ao erro, sofreram uma sensível redução. O rechaço
ao regime, cedia lugar à perspectiva da institucionalidade.
Com os avanços em nome da conciliação e a possibilidade do PMDB efetivar-se como
alternativa moderada ao regime, ao PDT restou tensionar o campo político, propondo medidas que o
credenciava a disputa dos centros decisórios em um momento posterior (como a proposição de um
“mandato-tampão” para Figueiredo). Desta forma, assumiu a primazia dos discursos oposicionistas por
que segregado de qualquer negociação com o bloco dirigente, frações dissidentes do regime e cisões do
partido oficial.
Ao longo do período compreendido entre 1974 e 1984, o parlamento gaúcho em nenhum
momento reconheceu haver um processo de transição em curso, pois compreendia os processos de
mudanças, limitadamente, a partir da disputa de políticas de recomposição da estrutura de poder. A
“normalização política” adviria da ação dos partidos e da integração com o governo e os projetos deste.
756
755
DAL, 142ª Sessão em 17 de outubro de 1977 (publicado em 4 de novembro), p. 12.
756
Como destacou Guido Moesch/PDS: Num período de abertura, em que toda a classe política foi
chamada para proporcionar ao País um modelo político sólido, permanente e condizente com o nosso
desenvolvimento e com as aspirações populares. AAL, 22ª Sessão em 8 de abril de 1981, p. 201.
419
Segundo as peças oratórias, a insubordinação em curso nos anos 70 não reuniu condições para
postular-se enquanto alternativa de poder e, não sendo um movimento organizado estratégica e
taticamente, carecia de um projeto para a nação. Por estas razões, os partidos políticos poderiam
ressignificá-la em nome da recomposição política, anulando a potência destes movimentos.
No decorrer dos anos 80, compatibilizando a prática parlamentar com a política de estabilização
conservadora do governo Figueiredo, as peças oratórias assumiram uma postura essencialmente
conservadora em nome da circulação de poder e da garantia da impossibilidade de “volta ao passado
militarizado”.
Paradoxalmente, o período que avançou na pauta de mudanças progressistas, demarcando uma
reconversão liberal das estruturas políticas, decompôs o regime de exceção, reconfigurando seus
instrumentos mais caros. Ao final, a proposta de aprimoramento da excepcionalidade foi vitoriosa.
No início da década de 80, mais do que nunca o público esteve esvaziado do comum, bastando
para tal constatação a análise da agenda de debates parlamentares, as quais revalorizavam as disputas
institucionais em detrimento dos movimentos de insubordinação, essencialmente, aqueles expressos na
contradição capital versus trabalho. Reforçara-se um determinado conceito de Estado e de democracia
que implicou na adoção, praticamente imediata, da transferência da titularidade do poder para outro e em
locais adequados e formalizados.
As condições para o advento de uma nova estrutura de poder, estiveram na instauração de
sujeitos políticos com maiores liberdades jurídicas. A idéia democrática, formulada ao longo dos dez anos
(74-84) - não apenas pela lógica do discurso dominante - limitou e definiu os limites da insubordinação
político-social que se afirmara com intensidade correspondente à centralização de todas as decisões
fundamentais para setores dinâmicos da vida nacional (cuja expressão concreta esteve na forma do
antagonismo capital-trabalho, leia-se: sujeitos com capacidade de intervenção política fora das instâncias
instituídas para tal e a resistência de setores do bloco dominante à ineficácia da militarização dos centros
decisórios, gerando a discutida dupla fuga).
A forma adequada para obstruir o acirramento das contradições sociais, nas relações político-
sociais mediadas na luta capital-trabalho - na forma imposta pelo regime - esteve na reativação do
parlamento enquanto espaço único de encaminhamento do dissenso. Estas instâncias formais de
representação política cumpriram o definitivo instrumento de contenção do processo de reorganização
social e política que estava em curso. Mais uma vez, os direitos políticos estavam à frente dos direitos
civis.
Entre o final da década de 70 e meados dos anos 80, no período da Nova República”, observa-
se uma profunda mudança da forma como o conflito social era registrado em nível político. Em outros
termos: uma renovada relação de poder fluía onde antes era identificada a crise do Estado.
Neste mesmo movimento, os conflitos para além dos limites do Estado foram “disciplinados” e o
processo de insubordinação completamente reestatizado. o obstante a comoção e mobilização gerada
durante a campanha das “Diretas Já!”, a desmilitarização dos centros decisórios de poder foi
acompanhada de um processo de fragmentação das forças insubordinadas.
À época dos governos de José Sarney e Jair Soares, houve a emergência de um novo equilíbrio
político, o qual, transposto para o plano da representação, concretizava novos paradigmas de conflitos
tendo na institucionalidade seu limite. Este processo se revelou fundamental na reorganização do padrão
de acumulação e na aplicação de políticas com vistas à superação da crise econômica.
A oposição parlamentar, por ser agente prioritário no processo de flexibilização, não percebeu a
dualidade de ordenamentos como os pontos de fragilização do regime. Ao desconsiderar tal questão, se
revelou a impossibilidade de desconstituição da estrutura de poder pela atuação parlamentar. Optando
pela ponderação em momentos próprios de tensionamento das disputas, radicalizando nos momentos em
que os espaços para tal assim permitiam, a oposição não transcendeu os delgados limites impostos pelo
regime Quando poderia fazer avançar essa luta, retrocedeu em nome da circulação de poder.
Os partidos da base de sustentação do governo, construíram a face da culpa (tecnocratas e linha-
dura), se desemcompatibilizando com os excessos, com a falência econômica e a crise institucional que o
país vivia ao final do regime de exceção.
420
Definida a agenda da transição, somaram-se crises: crise institucional, um descrédito
generalizado na função legislativa (concomitantemente ao aumento nos votos na oposição), crise política
(atestada pela impossibilidade do regime, tal qual estava estabelecido, em substituir os modelos de aliança
constitucional entre as classes sociais e de hegemonia burguesa sobre o sistema), crise financeira e uma
aguda crise social que paulatinamente destruía a capacidade produtiva (desemprego, precarização do
emprego e informalidade) e reprodutiva (crise da educação, habitação e saúde pública).
A preservação do Estado (o foro consagrado de continuidades e rupturas pelo bloco dominante
no país), através do processo de redefinição e conversão da democracia (através de uma concepção
limitada), como política de ajuste da dominação em um país moderno economicamente, estratificado e
dinâmico socialmente e arcaico em seus sistemas de representação política, implicou quase que
imediatamente na pacificação do bloco dominante através da separação entre o mundo da política e o
mundo social, em última análise, disciplinamento da política.
A atuação e as críticas dos parlamentares da oposição em nome do aprimoramento do regime,
contribuíram na manutenção das relações de subordinação e não, como a literatura consagrou, na
emancipação desta, na medida em que resubordinou a ação política como classe.
As alternativas às estruturas de dominação estabelecidas em 1964, propostas pelas hostes
oposicionistas parlamentares renovaram o fôlego da própria dominação, pois concorreram para a criação
de uma nova expectativa. Anteriormente, a segurança e o desenvolvimento econômico ou a modernização
cumpriram esta tarefa. Na nova conjuntura, a formação ou recuperação de um projeto nacional como
superação da crise da relação social no país estabelecia-se como limite à insubordinação.
O caráter pluralista dos partidos políticos do final dos anos 70 e início dos anos 80, instituídos
ainda sob a égide do regime de exceção, garantiu a transformação do poder constituinte autônomo ungido
pelo processo de dupla fuga, em forças acolhidas na negociação para a construção do novo ordenamento
político e social, base do governo provisório de José Sarney. A construção, antes de um governo
democrático do que propriamente de um regime democrático, sendo uma relação contratual, foi
apresentada como consenso político e assim, quando midiatizada garantiu um certo “armistício” dos
conflitos políticos e sociais.
Os mecanismos de contenção e antecipação, baseados em procedimentos formais (então
liberalizados), concederam um caráter funcional ao dissenso.
No transcorrer dos anos 80, a tônica da condução política esteve no “apartamento” social - não
reconhecimento político entre indivíduos e insuficiência na criação de interlocutores fora das instâncias
formalizadas pelo regime - como conseqüência imediata da redefinição do Estado, criou lutas e bandeiras
estanques de necessidades imediatas.
A desconstituição do regime de exceção não conduziu a sociedade brasileira ao regime
democrático, ao contrário da fênix, das cinzas da excepcionalidade não renasceu uma organização
política, social e econômica à altura dos anseios manipulados e insuflados. Aquilo que Florestan sondou
como possibilidade em meio ao processo de transição acabou por revelar-se uma profética condenação,
processou-se a institucionalização da abertura democrática, a adoção definitiva dos procedimentos que
deram fôlego ao status quo e reintegraram a sociedade em bases essenciais e historicamente
conservadoras.
757
Estas características revelaram-se no momento em que foram observadas as tendências do debate
parlamentar, que certamente não se pautaram sobre um novo conceito de Estado ou minimamente, a
reforma daquele, mas sim, circunscreviam-se à uma pauta exclusiva de institucionalização do regime.
Através das peças oratórias, torna-se inviável defender que a ditadura foi contraposta por uma
antítese (a reivindicação do ordenamento democrático pelas hostes oposicionistas) resultando na síntese,
por certo limitada, da Nova República. O aprimoramento do regime de exceção atingiu um patamar onde
foram institucionalizadas práticas típicas de um sistema democrático (representação política ampliada,
multipartidarismo, rotina eleitoral, garantias individuais e liberdade de imprensa) com estabilidade da
ordem, obstacularização de convulsões sociais e ressignificação do Estado. Manteve-se o padrão de
dominação. Esta foi à limitação da recomposição da sociedade civil.
A solução pactuada entre setores e frações do bloco dominante, ou seja, a formação de uma
coalizão tão ampla quanto indefinida em termos de projeto político, somente foi possível por aglutinar
interesses divergentes mas unidos na oposição à forma do regime. Em um segundo momento, a
conciliação pela transição buscou construir um novo ordenamento político-social tão estável quanto
seguro (extirpando qualquer possibilidade de retrocesso).
Ao longo deste trabalho, procurou-se demonstrar que a crise que engendrou a transição política
no Brasil, determinou o fechamento de um ciclo iniciado, não em 1964 como se poderia imaginar, mas
757
FERNANDES, Florestan. A Ditadura em Questão. São Paulo: T. A. Queiroz, 1982, p. 68.
421
sim, 1968 com o refinamento do Estado. A partir de então, o país “caiu” em uma nova crise, pois o
encerramento daquele ciclo não foi pressuposto para a abertura de uma nova fase então democrática.
A consolidação do regime democrático brasileiro ainda levaria alguns anos, sendo
constantemente relativizada em razão das sucessivas crises que impediram a estabilização tanto do regime
político, quanto da economia. Logo, o contraste entre crise e consolidação democrática povoou o
imaginário coletivo até o final da década de 80, quando a nova constituição e as eleições diretas para
presidente trataram de lançar para o futuro as esperanças acalentadas desde há muito tempo.
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