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UFRJ
O CIDADÃO POLIDO e o SELVAGEM BRUTO
A EDUCAÇÃO DOS MENINOS DESVALIDOS
NA AMAZÔNIA IMPERIAL
Irma Rizzini
Tese de Doutorado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação
em História Social, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção
do título de Doutor em História.
Orientador: Marcos Luiz Bretas
da Fonseca
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Rio de Janeiro, março de 2004
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O cidadão polido e o selvagem bruto
A educação dos meninos desvalidos na Amazônia Imperial
Irma Rizzini
Orientador: Marcos Luiz Bretas da Fonseca
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História
Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor
em História.
Aprovada por:
_______________________________
Presidente, Prof. Marcos Luiz Bretas da Fonseca
_______________________________
Prof. Aldrin Moura Figueiredo
_______________________________
Prof. João Luís Ribeiro Fragoso
_______________________________
Prof. Luiz Cavalieri Bazílio
_______________________________
Prof. Mary Del Priore
Rio de Janeiro, março de 2004.
Rizzini, Irma.
O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos desvalidos na
Amazônia Imperial / Irma Rizzini. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS,
2004.
x, 444 f.: il.; 29,7 cm.
Orientador: Marcos Luiz Bretas da Fonseca
Tese (doutorado) UFRJ/ /IFCS/ Programa de Pós-Graduação em
História Social, 2004.
Referências Bibliográficas/Fontes: f. 391-405.
1. História da educação. 2. Meninos desvalidos. 2. Meninos indígenas. 3.
Instituições educacionais. 4. Amazônia. 5. Pará. 6. Amazonas. I. Rizzini, Irma.
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, Pós-Graduação em História Social. III. O cidadão polido e o selvagem
bruto: a educação dos meninos desvalidos na Amazônia Imperial.
Agradecimentos
A elaboração de uma tese, ao longo de seus quatro anos, permite a construção de
todo tipo de laço de solidariedade e compreensão. Citarei aqui aqueles que
acompanharam o processo com grande proximidade ou que facilitaram a realização de
tarefas que, de outro modo, teriam sua execução comprometida.
Assim, agradeço a consideração e os cuidados especiais que recebi,
do professor Marcos Bretas, pela orientação dedicada e o apoio em diversas atividades
exercidas durante a pesquisa. Vindo de outra área acadêmica e assumindo um objeto de
pesquisa inteiramente diverso da minha experiência anterior, a confiança depositada no
projeto me ajudou a prosseguir, mesmo nos momentos mais difíceis desta trajetória.
das professoras Vera Lúcia Soares (Universidade da Amazônia/Pará) e Patrícia Melo
Sampaio (Universidade do Amazonas), pelos convites para os seminários realizados em
suas universidades, quando tive oportunidade de debater a pesquisa que vinha
realizando na região.
da professora Karla Martins (Universidade Federal do Amapá/Universidade Federal de
Viçosa), sempre pronta a responder aos meus pedidos de ajuda. Foram longas e
agradáveis conversas por e-mail.
de Cláudia Paixão (UFRJ/IFCS), que me auxiliou no início da pesquisa e com a maior
disposição se prontificou a fotografar imagens de instituições educacionais do início do
século XX, depositadas em obras da Biblioteca Nacional e do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Já nos últimos momentos da tese, Luis Fernando de Faria
Nogueira preparou a reprodução digital dos mapas em anexo.
de Alessandra Martinez Schueler, pelas importantes dicas sobre a história da educação
no século XIX.
de Eneida Pamplona, que com paciência e carinho, ouviu minhas dúvidas e incertezas
ao longo da escrita da tese.
Agradeço à equipe do Centro de Estudos e Pesquisas sobre a Infância,
especialmente a Irene Rizzini, pela enorme compreensão que demonstrou ter ao me
liberar de todas as (inúmeras) atividades do Centro.
E à coordenação do PPGHIS, que viabilizou a realização da pesquisa nos
arquivos e bibliotecas de Belém e Manaus em 2002, com a aprovação para a concessão
das passagens.
À família Marinho Batista, nas pessoas de Luciana, Virginia e Edir, meu
agradecimento especial, pela acolhida durante a pesquisa realizada em Belém, quando a
hospitalidade e afeição de todos amenizaram a saudade de casa. As trocas de idéias e
materiais com Luciana foram fundamentais para o aprofundamento do meu aprendizado
sobre a história do Pará. Sem dúvida, o saldo das novas amizades é uma feliz conquista
de todo este processo.
E, relaciono por último, para guardar bem na memória, os meus queridos
Ricardo, Clarissa e Camila, que permaneceram o tempo todo ao meu lado, me apoiando
e dando a necessária tranqüilidade afetiva para a árdua tarefa a que me propus fazer.
Resumo
O cidadão polido e o selvagem bruto
A educação dos meninos desvalidos na Amazônia Imperial
Irma Rizzini
Orientador: Marcos Luiz Bretas da Fonseca
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Doutor em História.
O envolvimento e os percalços dos governos das províncias amazônicas junto à
instrução da população, no período de 1850 a 1889, constituem o objetivo deste estudo.
A educação popular é analisada de acordo com o entendimento de seus
empreendedores, ou seja, como a instrução elementar e profissional do povo, formado,
em geral, pelos filhos dos pobres livres. A população desvalida do Pará e do Amazonas
apresentava grande diversidade étnica e cultural, atingindo as instituições educacionais
nos aspectos mais fundamentais, pois freqüentemente não havia a desejada
uniformidade lingüística e de costumes.
A pesquisa privilegia as instituições educacionais dirigidas aos meninos, tanto as
escolas primárias quanto os internatos de ensino profissional. A prioridade recai sobre a
educação enquanto uma política de governo, portanto, as escolas públicas e os
internatos oficiais de formação de artífices são os objetos principais da análise. Dos
internatos, optou-se por incorporar à análise aqueles cujas propostas educacionais se
aproximavam das instituições oficiais, como foi o caso do Instituto Providência, criado
pelo Bispo do Pará. A experiência dos internatos nortistas é comparada com outras
iniciativas disseminadas pelo país, abarcando tanto os estabelecimentos de educandos
artífices quanto os esparsos e breves projetos dos colégios indígenas do Segundo
Reinado.
As fontes do estudo foram pesquisadas nos arquivos do Rio de Janeiro, Belém e
Manaus, abrangendo, além de outros materiais, a documentação primária e secundária
das instituições educacionais públicas e as coleções eclesiásticas. A correspondência
entre diretores e presidentes de província, os relatórios institucionais, os artigos e cartas
aos jornais de Belém e Manaus sobre a educação popular se mostraram fontes essenciais
para a pesquisa.
O estudo revela que o quadro da educação popular se modificou
substancialmente nas duas províncias, notadamente no último decênio do Império. Pais
de alunos e moradores das pequenas localidades do interior das províncias forçaram a
abertura de nichos de participação neste processo, através das cartas aos jornais e às
diretorias de instrução pública. Belém e Manaus abrigaram os institutos de aprendizes
artífices de maior duração do Império e conheceram um importante crescimento na
instrução primária pública, atingindo índices de alfabetização correspondentes às
principais capitais do país.
Abstract
The polite citizen and the rough savage
Education of poor children in Brazilian Amazônia (1850-1889)
Irma Rizzini
Supervisor: Marcos Luiz Bretas da Fonseca
Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro
This study concerns the development and the difficulties faced by the provinces
of the north of Brazil to offer education to the people, between 1850 and 1889. The idea
of popular education is treated according to its contemporary understanding; as basic
and professional training for the children of free poor. The lack of a common language
and customs among the poor in Amazonas and Pará, due to its ethnic and cultural
diversity presented a challenge to the new educational institutions.
The research is focused on institutions for the education of boys, both in primary
schools and in boarding schools dedicated to professional training. The priority is to
understand education as public policy, therefore public sponsored establishments are
privileged in our work. Boarding schools are examined when their project is similar to
public institutions. The experience of boarding schools in the north is compared to
others around the country, both for training craftsmen or dedicated to the rare projects
for the education of the indian children.
The sources of the study have been researched in archives from Rio de Janeiro,
Belém, and Manaus, encompassing the surviving documents from the institutions, and
eclesiastical sources. The exchanges between public education officials, public reports,
letters to the press and articles published in Belém and Manaus were essential to our
purposes.
We show that popular education in the North provinces experienced deep
changes in the last decade of the Brazilian Empire. Parents and inhabitants of small
villages mobilized through the press. They also wrote to the authorities, forcing them to
open new spaces for education. Belém and Manaus held the longest lasting professional
boarding schools and had a significant growth in primary public education, reaching
levels of literacy as high as the main cities of the country.
O cidadão polido e o selvagem bruto
A educação dos meninos desvalidos na Amazônia Imperial
Sumário
Introdução..........................................................................................................................1
Capítulo 1 - A educação nas Províncias do Pará e do Amazonas: o século das luzes
na Amazônia..............................................................................................................12
Abordagens historiográficas da educação no Brasil .................................................15
O governo da população e a instrução pública: Amazonas e Pará na metade do século
XIX.........................................................................................................................22
Visitando a cena: as escolas sob exame ...................................................................31
A observação e o exame em prol da reforma da vida indiana no Pará...................32
Um testemunho Gonçalves Dias no Amazonas .................................................39
As casas escolares e os professores..........................................................................48
Capítulo 2 - A civilização nas fronteiras remotas da Amazônia: expansão da
instrução pública nas décadas de 1870 e 1880..........................................................55
Os números da instrução primária pública na Amazônia..........................................59
A expansão geográfica.........................................................................................61
A expansão social................................................................................................68
Necessidades dos governos e demandas da população .............................................78
A fiscalização das escolas e a política d’aldeia........................................................85
Tensões na inspeção escolar: as queixas de pais, professores e autoridades públicas
............................................................................................................................90
A visita escolar: observando a escola e os modos de viver da população ................100
Modos de viver das famílias versus a instrução da infância................................105
Entre pais, chefes de família e mandões d’aldeia: imagens, vivências e usos da escola
..............................................................................................................................112
Os combates ao patronato e à politicagem na instrução pública .........................118
Os procedimentos escolares: críticas através da imprensa......................................136
Os procedimentos escolares: o mestre sob o olhar vigilante dos pais..................140
Capítulo 3 - Selvagens x polidos: o ensino profissional no Segundo Reinado........158
O ensino profissional no Segundo Reinado................................................................159
O ensino de ofícios mecânicos em instituições asilares: casas de educandos artífices e
instituições afins.........................................................................................................168
A clientela das instituições: critérios sociais, étnicos e políticos.........................182
Educação versus exploração do trabalho dos meninos índios...........................190
A educação para o trabalho nas instituições imperiais...............................................206
Os mestres de ofícios................................................ ...........................................223
Resultados do aprendizado: a difícil inserção no mercado de trabalho................227
O cidadão polido e o selvagem bruto: o regime disciplinar das instituições e o
comportamento dos educandos...................................................................................234
Representações e expectativas familiares...................................................................253
Capítulo 4 - Instituições asilares de formação de artífices na Amazônia Imperial:
educandos de Belém e Manaus...................................................................................265
Educandos do Amazonas............................................................................................267
A exposição da decadência da Casa dos Educandos na imprensa amazonense......273
A extinção da Casa de Educandos de Manaus........................................................288
O Instituto Amazonense de Educandos Artífices.......................................................293
O Instituto Paraense de Educandos Artífices.............................................................303
A entrada da ruim política da Província no Instituto Paraense...............................309
O controle dos governantes sobre a instituição.......................................................313
Capítulo 5 - Colégios indígenas do Brasil Imperial: projetos educacionais do
Cônsul Domingos Gonçalves, do Brigadeiro Couto de Magalhães e do Bispo
Macedo Costa...............................................................................................................324
Colégio dos Índios de Urubá, Pernambuco................................................................331
Colégio Isabel, Goiás..................................................................................................340
Instituto “Providência”, Pará......................................................................................350
Conclusão.....................................................................................................................380
Fontes............................................................................................................................391
Bibliografia...................................................................................................................397
Anexos...........................................................................................................................406
Tabelas........................................................................................................................406
Imagens.......................................................................................................................430
Quadros e tabelas
Do capítulo 2
Freqüência à escola da população livre em idade escolar (6 a 15 anos), segundo o
Censo de 1872..............................................................................................................62
Número de matriculados e de escolas públicas primárias da Província do Amazonas
no 1º trimestre de 1888.................................................................................................64
Freqüência diária das escolas públicas primárias (diurnas) da Província do Pará no 1º
trimestre de 1887 e no 2º trimestre de 1888.................................................................66
Freqüência à escola dos meninos e das meninas livres, em idade escolar (6 a 15 anos),
segundo o Censo de 1872.............................................................................................69
Alunos e alunas matriculados nas escolas públicas da Província do Amazonas no
trimestre de 1888..........................................................................................................71
Freqüência diária das escolas públicas primárias (diurnas) da Província do Pará no 1º
trimestre de 1887 e no 2º trimestre de 1888, por tipo de escola...................................82
Relação das visitas escolares localizadas na documentação (1870-1889)..................104
Do capítulo 3
Casas de Educandos Artífices criadas no século XIX................................................170
Instituições de formação profissional - Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia............178
Filiação dos colonos da Colônia Orfanológica Isabel PE........................................187
Programa de ensino de instituições profissionalizantes do século XIX.....................207
Número de alunos por aula oferecida na Colônia Orfanológica Isabel PE.............213
Casa dos Educandos Artífices do Maranhão: alunos “demitidos” em 1850..............237
Do capítulo 4
Despesas da Província do Amazonas com educação da mocidade entre 1858 e
1868........................................................................................................................... 289
Anexos
Estatística escolar do Pará e do Amazonas (referente aos capítulos 1 e 2).........406
Anexo 1 - Instrução pública primária no Pará (1840-1888).......................................407
Anexo 2 - Quadro demonstrativo da freqüência das escolas de instrução primaria do
Pará (1861-1870)........................................................................................................408
Anexo 3 - Freqüência diária das escolas públicas de ensino primário do Pará (1º
trimestre de 1864) ......................................................................................................408
Anexo 4 - População escolar e escolas públicas primárias por comarca da Província do
Pará (1881) ................................................................................................................409
Anexo 5 - Escolas públicas do Pará em dezembro de 1888.......................................409
Anexo 6 - Freqüência diária das escolas públicas noturnas da Província do Pará no 1º
trimestre de 1887 e no 2º trimestre de 1888...............................................................409
Anexo 7 - Instrução Pública no Amazonas (1852-1889)...........................................410
Anexo 8 - Número de alunos das escolas públicas de ensino primário no Amazonas
(1852-1876) ...............................................................................................................411
Anexo 9 - Mapa geral do movimento do ensino público primário na Província do
Amazonas no ano de 1877..........................................................................................412
Anexo 10 - Situação em 1888 das localidades relacionadas no “Mapa geral do
movimento do ensino público primário na Província do Amazonas no ano de 1877”
....................................................................................................................................413
Estabelecimentos de ensino profissional (referentes aos capítulos 3 e 4)............414
Anexo 11 - Número de educandos por ano (Casa dos Educandos - Manaus)
.............................................................................. .....................................................414
Número de alunos por oficina ................................................................................415
Anexo 12 - Casa de Educandos Artífices (Amazonas) .............................................415
Anexo 13 - Instituto Paraense de Educandos Artífices .............................................415
Anexo 13 - Instituto Paraense de Educandos Artífices .............................................416
Anexo 14 - Jovens formados nos Asilos dos Meninos Desvalidos (RJ) entre 1875 e
1894, por profissão ....................................................................................................417
Anexo 15 - Colônia Orfanológica Isabel em 1876 - Pernambuco .............................417
Anexo 16 - Colégio de Educandos Artífices em 1873 - Paraíba ...............................417
Anexo 17 - Casa de Educandos Artífices em 1848 - Maranhão ................................418
Anexo 18 - Casa de Educandos Artífices em 1861 - Maranhão ................................418
Anexo 19 - Casa de Educandos Artífices em 1862 - Ceará .......................................418
Anexo 20 - Destinos dos ex-alunos da Casa Pia dos Órfãos de São Joaquim Bahia
(1825-1910) ...............................................................................................................419
Estatística escolar e Censo de 1872.........................................................................420
Anexo 21- Freqüência à escola da população livre em idade escolar (6 a 15 anos), por
sexo, segundo o Censo de 1872 (Pará e Amazonas)................................................. 420
Anexo 22- Mapa demonstrativo freqüência diária das escolas públicas primárias da
Província do Pará (1º trim. 1887 e 2º trim. de 1888)..................................................421
Anexo 23- Quadro demonstrativo da matricula das escolas públicas primárias da
Província do Amazonas no 1º trimestre de 1888.......................................................427
Imagens.........................................................................................................................430
Mapas do Pará e do Amazonas distribuição geográfica das escolas públicas.........431
Fotos de internatos de formação profissional do Pará e do Amazonas......................433
Amazonas: Instituto Afonso Pena
Pará: Instituto Lauro Sodré, Instituto do Prata, Instituto Gentil Bittencourt
Siglas
RPAM Relatório da Presidência da Província do Amazonas
RPPA Relatório da Presidência da Província do Pará
RPMA - Relatório da Presidência da Província do Maranhão
RPPE Relatório da Presidência da Província de Pernambuco
RPGO Relatório da Presidência da Província de Goiás
1
Introdução
O foco da presente pesquisa incide sobre a educação dos meninos nas províncias
do Pará e do Amazonas. O objeto de análise é o conjunto das instituições educacionais
voltadas para a instrução elementar e à formação profissional de meninos índios e
desvalidos. As escolas públicas espalhadas pela imensa região e os estabelecimentos de
educandos artífices das capitais constituem objetos privilegiados deste estudo. Portanto,
somente as iniciativas dos governos provinciais são trazidas à cena, com uma única
exceção. Trata-se do Instituto de Agricultura, Artes e Ofícios “Providência”, criado pelo
Bispo do Pará, D.Antonio de Macedo Costa, para a educação dos filhos do Amazonas e
do Pará. O objetivo inicial da pesquisa de investigar a educação indígena “falou mais
alto” neste caso, como também a intromissão da Igreja local no âmbito da instrução
pública e na educação do povo amazônico, parafraseando o bispo.
A análise abarca o período de 1850 a 1889, abrangendo, portanto, quase 40 anos
de história. O limite inicial é determinado pela separação legal do Amazonas da
Província do Grão-Pará, em 1850, e o final, pela queda do regime imperial. Nos dois
primeiros capítulos, a instrução elementar pública é discutida, na perspectiva de um
programa de educação popular voltado para a afirmação da nacionalidade, através da
consolidação da língua portuguesa na região. Em termos específicos, visava-se à
formação de quadros para o funcionalismo público e para servir aos propósitos
eleitorais. As duas províncias inseriam-se nos movimentos, nacional e internacional, de
disseminação da instrução elementar entre as classes populares, num período em que a
quantidade de escolas e de alunos passou a ser considerada importante indicador de
progresso e de civilização de uma nação. Em se tratando de uma região cercada pelo
preconceito contra a selva e o selvagem, os termos progresso e civilização adquiriam
valoração toda especial. Uma sociedade formada por cidadãos de arco e flecha
constituiu um estigma que as elites locais se esforçaram por suplantar. As
transformações pelas quais passaram Belém e Manaus do período da belle époque
mostram o quão profundamente as metas do progresso e da civilização, delineadas ainda
no século XIX, foram seguidas.
2
As diferenças na abordagem das décadas de 1850-1860 e 1870-1880 são
patentes neste trabalho, em decorrência da trajetória educacional das províncias. No
primeiro período, as iniciativas educacionais são mais tímidas e restritas à esfera
governamental. O Amazonas iniciava a estruturação do ensino público na Província,
criando o seu primeiro regulamento e algumas escolas. O Pará vivia o fracasso da
experiência da Casa de Educandos Artífices, que estava prestes a fechar as portas, e
reformava a legislação, visando reverter o tão anunciado estado crítico das escolas
elementares. Nas décadas de 1870 e 1880, o debate relativo à educação do povo
expandiu-se do âmbito governamental, envolvendo a sociedade letrada de Belém e
Manaus, sob a influência das idéias liberais e sob o domínio das paixões partidárias. A
educação tornava-se uma prioridade para liberais e conservadores. Atentos às grandes
questões do século das luzes, governantes e governados estavam com os pés fincados na
terra local, utilizando intensamente os recursos oferecidos pelas instituições
educacionais em benefício dos mecanismos eleitorais. As demissões e novas admissões
de professores e funcionários das instituições educacionais públicas nos períodos de
mudança de gabinete incendiavam as discussões nos jornais de Belém e Manaus. Os
diretores da instrução pública não se cansaram de repudiar o envolvimento de
professores no processo eleitoral das cidades, vilas e povoados do interior. Para o bem
ou para o mal, a instrução do povo alcançou uma posição de destaque na região, no
âmbito da população, do Estado e da Igreja.
O quadro da educação popular se modificou substancialmente nas duas
províncias, notadamente no último decênio do Império. O número de escolas e alunos
aumentou consideravelmente, não apenas nas capitais. Verifica-se, neste período, a
expansão geográfica e social da instrução, quando povoações, algumas bem distantes
das capitais, passaram a contar com escolas públicas de meninos e meninas e as
principais cidades instituíram escolas noturnas para trabalhadores. Pais de alunos e
moradores das pequenas localidades do interior das províncias forçaram a abertura de
nichos de participação neste processo, através das cartas aos jornais e às diretorias de
instrução pública.
Os capítulos 3 e 4 estão voltados para a discussão do ensino profissional no
século XIX, em âmbito nacional, e especificamente, para o estudo das instituições
públicas de formação de artífices do Pará e do Amazonas. As Casas de Educandos
3
Artífices ou os Institutos, como passaram a ser chamados a partir da década de 1870,
foram instalados nas capitais. Os estabelecimentos estavam sob o controle do centro do
poder político das províncias, submetidos às ingerências diretas dos presidentes. A
autoridade máxima da província acompanhava o funcionamento cotidiano da
instituição, atendendo às suas necessidades e conferindo-lhes status social, deixando-a,
porém, vulnerável aos desmandos das disputas políticas. A admissão de educandos era
decidida pela presidência, tendendo, em muitos momentos, a favorecer suas redes de
protegidos. Filhos de funcionários públicos e de militares estudaram nos institutos, ao
lado de meninos desvalidos e de indígenas. No Amazonas, especialmente, o governo
procurou reservar vagas para filhos de índios, adotando estratégias visando eliminar
suas desconfianças, através das visitas de chefes ou parentes à instituição. O tema do
ensino profissional é retomado no capítulo 5, porém somente no que condiz aos colégios
indígenas (internatos). Três projetos de ensino agrícola e artístico são expostos,
oriundos das províncias do Pará, Pernambuco e Goiás. A análise centra-se na
experiência paraense, uma iniciativa da qual o bispo Macedo Costa se ocupou
pessoalmente.
A metodologia de trabalho e as fontes de pesquisa estão descritas nos capítulos,
obedecendo às exigências da análise. Em se tratando de categorias das mais
desvalorizadas socialmente, as dos menores desvalidos e dos filhos de índios, nem é
preciso advertir o leitor de que suas vozes não aparecem na documentação. Contudo, o
esforço de trazer à tona o cotidiano educacional, vivências da escola e do internato por
seus diversos participantes, não foi de todo malogrado. Ao lado das importantes fontes
oficiais, a pesquisa de periódicos amazonenses, e especialmente, dos paraenses, se
mostrou extremamente rica devido ao acesso de outros participantes do processo
educativo: professores, pais, moradores dos povoados, visitantes, delegados literários,
inimigos e amigos políticos, etc. As cartas e os artigos de colaboradores surgiram
inesperadamente na pesquisa, alterando seus rumos. As denúncias de moradores e
familiares de alunos do interior, sobretudo do Pará, impuseram a necessidade de ampliar
o escopo da pesquisa para os mais diversos projetos de educação popular na região,
incluindo-se as escolas públicas. Tarefa praticamente impossível na análise dos rígidos
internatos, os anseios e os flashes do cotidiano da instituição educativa eram expostos
através dos jornais, para que governo e população se inteirassem das angústias e
4
propostas de reforma destes atores. Uma extensa carta de um morador do interior do
Pará revelou as possibilidades deste novo caminho. Tratava-se de uma denúncia de
morador ou pai de família, contra o professor público, indignado com a abertura de uma
taberna colada à parede da escola a carta seguia com a descrição de outros problemas
da escola e desmandos do mestre junto a seus alunos. A carta representou para esta
pesquisa um verdadeiro achado, pinçado dos rolos dos microfilmes da Biblioteca
Nacional.
A pesquisa realizada nos arquivos e bibliotecas de Belém e Manaus,
possibilitada pela concessão de passagens através da coordenação do Programa de Pós-
Graduação em História Social (UFRJ/IFCS), possibilitou contornar a dificuldade de
acesso aos meninos e familiares dos internatos profissionalizantes. Os ofícios trocados
entre os diretores do Instituto Paraense de Educandos Artífices e os presidentes do Pará,
mesmo com toda a aridez dos documentos burocráticos, permitiram a construção de
cenas da vida institucional. Associados às outras fontes pesquisadas na região e nas
bibliotecas e arquivos situados no Rio de Janeiro, possibilitaram à pesquisadora, senão
entrar na instituição, ao menos dar umas “olhadelas” pela janela. Mas, a pesquisa não
pretendia somente abarcar a documentação governamental. Logo pudemos descobrir o
silêncio das fontes eclesiásticas quanto ao Instituto que tanto empolgou o polêmico
Bispo do Pará. As coleções eclesiásticas relativas à correspondência do bispo,
pesquisadas nos arquivos públicos e religiosos do Pará e do Rio de Janeiro, pouco se
referem à iniciativa, somente citada nas questões restritas ao âmbito estatal, como a
aquisição das terras do Instituto Providência. Novamente, os jornais locais mostraram o
quanto estavam comprometidos com a educação popular na região, analisando,
combatendo, propondo reformas ou enaltecendo as suas instituições educacionais.
Temendo a repetição, cedemos ao ímpeto de nos estender no relato dos caminhos da
pesquisa, passando à descrição das províncias amazônicas.
Uma breve apresentação das províncias do Amazonas e do Pará se faz
necessário para uma melhor compreensão das políticas educacionais desenvolvidas em
seus territórios no século XIX. Informações adicionais estão distribuídas pelos
capítulos, conforme a análise as exige. A caracterização baseia-se nos trabalhos de
Patrícia Maria Melo Sampaio, José Ribamar Bessa Freire, Ana Maria Daou, Maria de
Nazaré Sarges e no Censo de 1872.
5
Santa Maria de Belém se originou da construção de um forte no século XVII
pelos colonizadores portugueses, visando à defesa da região contra a invasão de
estrangeiros. O Estado do Grão-Pará e Rio Negro foi criado entre 1772-1774,
emancipado do Estado do Maranhão e Grão-Pará. A sede do Estado do Grão-Pará
manteve-se em Belém, subordinada diretamente a Lisboa. Essa situação persistiu até o
início do XIX. Com a implementação do Código Criminal na região, em 1833, a
Província do Pará passou a ter três comarcas: Grão Pará, Baixo Amazonas e Alto
Amazonas. Em 1850, o Alto Amazonas tornou-se a Província do Amazonas, somente
implantada em 1852. Cidade de longa história colonial, Belém chegou à metade do
século XIX com uma população em torno de 25.000 habitantes. O crescimento
demográfico da bela cidade formada pelo casario colonial, avenidas e praças
arborizadas, com iluminação a gás, foi significativo.
1
O Censo de 1872 apresenta aspectos importantes da Província, ressaltando-se a
necessidade de se olhar com reserva para os dados censitários do período, devido à
imensidão da região, à dificuldade de acesso a certos locais e à mobilidade de uma
parcela da população da capital e dos demais núcleos populacionais, dedicada às
atividades extrativistas. Apresentaremos, especialmente, os dados educacionais da área
geográfica correspondente ao município de Belém, constituído por doze paróquias, e da
Província no todo. Quando necessário para fins de comparação, separaremos a cidade de
Belém de seu município, formada por quatro paróquias. Em 1872, o município de
Belém já contabilizava 61.997 habitantes, chegando ao final do século com uma
estimativa em torno de cem mil habitantes.
2
A população total da Província, em 1872,
era de 275.237 indivíduos, entre eles, 27.458 escravos.
Entre os escravos, 89 sabiam ler
e escrever. Os filhos dos escravos não foram incluídos na categoria da população em
idade escolar do Censo Geral de 1872, pois a legislação vetava o acesso dos escravos ao
ensino público no país, obedecendo a um preceito constitucional que prescrevia a
instrução pública gratuita aos cidadãos.
1
SAMPAIO, Patrícia Maria Melo, 2001, DAOU, Ana Maria, 2000 e SARGES, Maria de Nazaré, 2000.
2
O Censo de 1890 contabilizou para o município de Belém somente 50.064 habitantes, distribuídos por
treze distritos correspondentes às antigas paróquias. Já os dados de 1900 se aproximam das estimativas:
Belém possuía 96.560 habitantes ao findar o século XIX (IBGE-Sinopse do Recenseamento de 1920. Rio
de Janeiro, 1926. Citado por SARGES, Maria de Nazaré, p.90).
6
Dentre a população livre da Província, de todas as faixas de idade, 24,4%
sabiam ler e escrever, mas somente 14,9% da população em idade escolar, constituída
por indivíduos livres entre 6 e 15 anos, freqüentavam escolas.
3
O índice de alfabetização
da população livre do município da capital era bem mais alto: 53,1%. Incluindo no
cálculo a população escrava do município, a taxa de alfabetizados continuava alta para o
período, ou seja, 45,5%. Comparado com a cidade do Rio de Janeiro, centro do poder
político do país, Belém apresentava índices surpreendentes. Na Corte, 36,2% da
população total era alfabetizada em 1872. A diferença entre os percentuais de escravos
dos dois municípios não explica a clivagem no índice de alfabetização entre Belém,
cujos escravos representavam 14,3% dos 61.997 habitantes, e a Corte, com 17,8% dos
274.972 habitantes constituídos por escravos.
A freqüência à escola em Belém não era muito superior aos outros municípios,
atingindo 22,4% da população em idade escolar. A diferença entre as taxas de
alfabetização e freqüência à escola revela a baixa escolarização da população frente a
outras formas educacionais, como a doméstica. Na cidade de Belém, a educação das
meninas vinha adquirindo um valor diferenciado com relação aos meninos e ao restante
do Pará. As meninas em idade escolar tinham um índice maior de freqüência às aulas do
que os meninos: 26,3% das meninas na faixa de 6 a 15 anos estavam na escola, contra a
taxa de 22,3% dos meninos. Considerando-se a Província toda, a relação se inverte:
18,3% de meninos contra 11,15% de meninas.
O Censo de 1872 oferece uma visão aproximada da composição étnica da
região. As categorias de índios e mamelucos, empregadas em levantamentos realizados
anteriormente no Amazonas, foram eliminadas do primeiro Censo Geral do Império. A
categoria de “caboclos” passou a incorporar estes dois grupos. Os recenseadores
encontraram em Belém uma população formada por 5,6% de caboclos, 35,2% de
brancos, 40,3% de pardos e 18,9% de pretos.
4
Os ofícios mecânicos, os quais passariam
a compor o programa de ensino profissionalizante do Instituto Paraense de Educandos
Artífices, instalado em 1872, ocupavam 5,4% dos moradores do município de Belém,
com maior concentração nas quatro paróquias que formavam a capital. Os operários
3
O percentual de analfabetismo no Pará correspondia ao do Império, em torno dos 80% (MARTINEZ,
Alessandra Frota, 1997, p.131). Uma ressalva deve ser feita à categoria “freqüentam escolas” do Censo de
1872, já que no período era comum o uso dos termos freqüência e matrícula escolar como sinônimos.
4
FREIRE, José Ribamar Bessa, 2003, p.166.
7
que trabalhavam com madeiras, metais, vestuários, calçados e em edificações eram mais
abundantes, sobretudo na cidade de Belém.
Prosperidade, progresso e civilização são expressões que adquiriram um forte
simbolismo nas províncias amazônicas, no anseio de sobrepor estas condições à
resistência imponente da selva e do selvagem. A aspiração de transformar matas em
campos cultivados e nativos em seres civilizados era tema recorrente nos discursos das
elites ilustradas de Belém e Manaus. A difusão da instrução pública tornou-se um
objetivo importante nas duas últimas décadas dos oitocentos. O Pará não apenas
acompanhava as discussões acerca da educação popular que circulavam pelo país e nos
“países cultos”, mas seus governantes e legisladores promoveram reformas legislativas
e a criação de um significativo número de instituições educativas, notadamente a partir
da metade da década de 1870. A Escola Normal e o Instituto Paraense de Educandos
Artífices surgiram no calor dos empreendimentos e debates educacionais. Em 1885, a
cidade de Belém possuía 24 escolas e, no ano de 1888, este número saltou para 53
escolas primárias. Neste ano, o diretor da instrução registrou na Província toda, 16.550
alunos matriculados em 331 escolas públicas, com a freqüência média de 9.930 alunos.
5
No ano de 1885, o diretor da 2ª seção da Diretoria da Secretaria da Presidência
da Província, Manoel Baena, elaborou um relatório por solicitação do Governo
Imperial, descrevendo todas as cidades, vilas e povoações do Pará. Baena retratou mais
detalhadamente a cidade de Belém, não escondendo o que ele considerava velho e feio,
porém destacando o progresso de suas companhias urbanas e a beleza de suas
edificações. A cidade era formada por quatro distritos ou freguesias, servidos por linhas
de bonde.
Além dos estabelecimentos educacionais citados, o governo mantinha um liceu
para o ensino secundário de rapazes e um colégio (internato) para órfãs e desvalidas. O
número de estabelecimentos particulares de ensino primário e secundário também
crescia. Manoel Baena listou quinze estabelecimentos, além do Asilo Santo Antônio
para meninas e do Instituto Providência, para o ensino de ofícios e de agricultura aos
desvalidos, ambas iniciativas do Bispo do Pará, D. Antonio de Macedo Costa. A
5
Geralmente as diretorias de instrução do Império contabilizavam os alunos matriculados, apresentando
cifras de um terço a 100% mais altas do que a freqüência efetiva às aulas. O número de escolas podia
apresentar variações nos relatórios do mesmo ano, devido à diferença entre o total de escolas providas de
professores e o total de escolas criadas (Cf. capítulo 2).
8
indústria animada e o comércio ativo e importante de Belém estão inseridos na
descrição do autor, retratos de uma cidade dinâmica e orgulhosa de seu progresso. Os
símbolos culturais estavam representados pela biblioteca pública e a do Grêmio
Português, pelo Teatro da Paz e Teatro-circo Cosmopolita, este construído em madeira
para um público de 2500 pessoas, não esquecendo das nove tipografias que imprimiam
oito jornais e um periódico. Ruas calçadas a paralelepípedos, quatorze praças, algumas
primorosas, palácios, chácaras e chalés terminam por compor o quadro da Belém
imperial. A Província era servida por 35 vapores, além das lanchas e rebocadores.
A cidade de Manaus também teve sua origem ligada à defesa da região. Manaus
é a denominação moderna do antigo povoado da Fortaleza São José do Rio Negro,
instalado no século XVIII. A administração pombalina criara, em 1755, a capitania de
São José do Rio Negro, região transformada, em 1833, na Comarca do Alto Amazonas.
Na metade do século XIX, o Amazonas conquistou a independência administrativa e
política, ocorrendo a separação da Comarca do Alto Amazonas com relação ao Grão
Pará. Instalada em 1852, a Província do Amazonas tinha por capital a cidade da Barra
do Rio Negro, que veio a receber, em 1856, a denominação definitiva de cidade de
Manaus, uma menção aos Manáos, um dos grupos indígenas que ocupou a área.
6
Os recenseamentos da população do Amazonas revelam duas características
importantes da região: a existência de uma escassa população, (mal) distribuída por um
vasto território, e o crescimento populacional notável na segunda metade dos oitocentos,
associado à migração de nordestinos provocada pelo incremento da exploração da
borracha. Como lembra Patrícia Sampaio, os levantamentos do período apresentavam
inúmeros problemas, os quais, contudo, não impedem a análise dos significados dos
números. Não se deve esperar precisão nas cifras, porém, elas permitem acompanhar a
movimentação populacional da Província e especificamente, da capital.
Os dados disponíveis informam que, em 1851, o Amazonas possuía 29.904
habitantes, e 42.185 moradores no ano de 1856. Tratava-se de uma população jovem,
constituída em 1856, por 42% de menores, e que pouco contava com o braço escravo de
origem africana, pois apenas 2% do contingente populacional eram formados por
cativos. O Censo de 1872 apresentou uma população total de 57.610 indivíduos para a
6
DAOU, Ana Maria, 2000 e SAMPAIO, Patrícia Maria Melo, 1997.
9
Província, diminuindo a proporção de escravos para 1,6%. A cidade de Manaus
acompanhou este crescimento populacional, com 5.081 habitantes estimados em 1852,
alcançando, em 1872, 17.686 pessoas morando em 1.727 casas.
7
Cerca de metade da
população do Amazonas vivia no município de Manaus, formado por seis paróquias.
O recenseamento de 1872 levantou as categorias de cor e profissão, permitindo-nos
vislumbrar como se compunha a população racialmente e em que se ocupava. A
Província, inclusive a capital, era formada por uma maioria de “caboclos” 64% e 69%,
respectivamente, isto é, por descendentes de índios, mamelucos ou não. A feição índia
de sua população é reforçada pela pouca representatividade das outras categorias: 19,5%
no total, e 16,4% em Manaus, de brancos. As categorias pardo e negro, que incluíam os
escravos, eram minoria. Os pardos alcançaram 13% da população total e os negros,
3,5%. Em Manaus, pardos e negros representavam 12,6% de seus habitantes. Os
chamados tapuios e os índios eram legalmente livres.
8
O Censo não contabilizou os
índios “não domesticados”, isto é, os diversos grupos autônomos, que preservavam a
identidade étnica.
Da população com profissão declarada da Paróquia de Nossa Senhora da
Conceição de Manaus, a maior parte empregava-se na lavoura (36%). O índice dos sem
profissão era muito alto - 39,4% - não significando, contudo, população inativa. A
categoria abarcava crianças e idosos, pessoas com profissão mal definida ou não
declarada.
9
Uma categoria profissional importante para a região amazônica não está
contemplada no Censo, isto é, a atividade extrativista, cujos trabalhadores
possivelmente foram inseridos entre os lavradores, pois era comum a execução das duas
tarefas, ou entre os sem profissão. As profissões relacionadas aos ofícios ensinados no
estabelecimento de educandos de Manaus eram pouco representadas na Província.
Dentre as profissões manuais e mecânicas, os classificados como “operários”,
representavam 1,6% da população total de Manaus e 1,7% da população total da
Província. Entre as atividades relacionadas no Censo aos “operários”, o Amazonas
dedicava-se principalmente aos trabalhos com madeiras, metais, vestuários, calçados e
edificações, nesta ordem.
7
SAMPAIO, Patrícia Maria Melo, 1997, p.37-42; DAOU, Ana Maria, 1998, p.383.
8
Tapuios eram índios “destribalizados”, que viviam do comércio de produtos extrativos e de pequenos
serviços nos povoados (SILVA, Marilene Corrêa da, 1996, p. 109).
9
SAMPAIO, Patrícia Maria Melo, 1997, p.42-43.
10
O Censo de 1872 revela uma sociedade onde a tradição oral imperava. O índice
de pessoas livres alfabetizadas era muito baixo. Na Paróquia de Manaus, somente
18,5% dos habitantes sabiam ler e escrever e na Província toda, o índice caía para
13,5%. A freqüência à escola entre a população em idade escolar correspondia aos
seguintes percentuais: em Manaus, 18,9% dos meninos e meninas freqüentavam
escolas, e na Província, somente 12,5%. Portanto, no início da década de 1870, apenas
uma pequena parcela da população do Amazonas tinha acesso à escola, principalmente
as meninas, resultando em baixos índices de alfabetização da população, sobretudo das
mulheres. Dentre os 979 escravos arrolados pelo recenseamento no Amazonas, nenhum
sabia ler e escrever.
Manaus possuía fortes raízes indígenas que as elites locais e os administradores,
a maioria vinda de fora da Província, se esforçaram por suplantar. Especialmente nas
duas últimas décadas do século XIX, o Estado regulou sua ação no sentido de
transformar a feição da cidade tapuia, com suas casas cobertas de palha, em
consonância com os símbolos da civilização ocidental. Neste período, a língua
portuguesa já era dominante na Amazônia, suplantando o neheengatu, a língua geral
amazônica, processo analisado por José Bessa Freire. O avanço migratório de
nordestinos, expulsos de suas regiões pela seca e atraídos pela produção de borracha,
consistiu em fator determinante para a disseminação da língua portuguesa, facilitada pela
navegação a vapor. A política de difusão de escolas pelo interior teve sua contribuição na
“portugalização” da Amazônia.
O investimento nas instituições educacionais adquiriu nova valorização,
direcionado para a construção de um novo modo de vida. Neste processo, instalou-se o
Liceu, a Escola Normal e, em 1882, reergueu-se o estabelecimento dos educandos
artífices, sob a moderna designação de Instituto Amazonense de Educandos Artífices.
As escolas públicas se multiplicaram na capital, acompanhadas pela vigilância atenta
dos diretores de instrução. Em 1877, a cidade tinha oito escolas públicas e 385
matriculados, passando a 23 escolas públicas primárias em 1889, com 1.104 alunos.
Além do investimento na educação pública, a capital começava a empreender uma
trajetória rumo à civilização e à cultura européias, lançando as primeiras pedras para a
construção de monumentos em homenagem à cultura e ao conhecimento científico,
como o teatro, a biblioteca pública e o museu botânico. Na virada do século XIX, este
11
processo se intensificou com a criação de novos espaços, vistos como elementos de
progresso e civilização pela “elite da borracha”, como o demonstra Ana Maria Daou.
10
10
DAOU, Ana Maria, 1998. A autora investiga a implantação do processo civilizador na sociedade
amazonense da virada do século XIX, focando os novos espaços criados na cidade de Manaus, como o
teatro e o mercado, vistos como elementos de progresso e civilização pela “elite da borracha”.
Edinea Mascarenhas Dias (1988) analisa o “período do fausto” no final do século XIX e a influência do
crescimento da cidade de Manaus no surgimento de instituições de controle social, na primeira década do
século XX.
12
Capítulo 1
A educação nas Províncias do Pará e do Amazonas
O século das luzes na Amazônia
"A verdadeira redempçao do paiz está no derramamento das
luzes; a ignorancia dos póvos é tambem uma escravidão, e
esta é medonha considerando os seus effeitos sociaes.”
1
“Eu desejava que as luzes fossem diffundidas pela classe do
povo e pelos pobres. Illustrando-os, civilisando-os é que
havemos de ser grandes algum dia.”
2
Ao nascer do Amazonas, oito jovens índios aportaram na Cidade da Barra,
capital da nova Província. As quatro raparigas e os quatro rapazes chegaram de canoa,
conduzidos por um alferes, em comum acordo com o primeiro administrador provincial,
João Baptista Figueiredo Tenreiro Aranha. O diretor de índios do Rio Abacaxis enviou
os jovens Mundurucú para que fossem educados na cidade, nos ofícios apropriados à
sua condição e gênero. O diretor assegura ter conseguido o consentimento de pais e
parentes, os quais, como “governados”, confiavam na tutela oferecida pelo governo
recém instaurado. No ofício enviado ao presidente, Francisco Antonio Rodrigues
comemora o “triunfo” de vencer uma possível repugnância dos pais em confiar os filhos
à educação oferecida pela Província, l3onge de suas vistas:
He me assaz lisongeiro o significar a V. Exa. que pude conseguir que os pais e
parentes a isso se prestassem sem a menor repugnancia, não obstante serem
muito extremosos por seus filhos. Foi pois um triumpho, devido ás felizes
esperanças que V. Exa. dá a seos governados.
3
O primeiro jornal da Província, A Estrella do Amazonas, aplaude a iniciativa em
prol da civilização e educação dos índios. A boa vontade por parte dos prestimosos pais
1
Conselheiro Joaquim Maria Nascentes d'Azambuja (1884? P.126), inspetor das escolas públicas de
ensino primário nos Municípios da Capital, de Itacoatiara e Parintins, Amazonas.
2
Dr. Couto de Magalhães, Presidente do Pará. Instrucção publica. In: RPPA, 1864, p.27.
3
Ofício de Francisco Antonio Rodrigues ao Presidente da Província. Abacaxis, 4/3/1852 (Jornal A
Estrella do Amazonas, 23/3/1852)
13
dos pequenos aprendizes em confiarem seus filhos aos cuidados da Província foi
recebida como um sinal de confiança no governo recém empossado, representando um
ato instaurador do governo da população. A Estrela do Amazonas anuncia a vinda dos
índios e informa que o pequeno filho do “Principal dos Mondurucús do rio Canumá” já
vinha sendo educado nas primeiras letras no Palácio do Governo, a pedido do pai. Uma
nova era parecia chegar à região, quando algumas tribus indígenas do Amazonas vão
chegando a reconhecer que com a educação e a instrucção é que virão a ser uteis á si e á
Sociedade; e esse reconhecimento já alguns chefes delles tem manifestado ao actual
Exmo. Presidente da Província, que tem sabido gravar-lhes no coração o dito principio”.
O jornal irradia esperança no futuro do Amazonas.
4
O que a imensa e pouco habitada Província esperava da educação de sua
população? Quais foram os debates, os projetos e as realizações educacionais dos
governos das duas Províncias amazônicas, Pará e Amazonas? Neste capítulo, temos
como foco estas questões, buscando articular os debates em torno da educação do povo
amazônico com as medidas tomadas ou apoiadas pelos governos amazonenses e
paraenses para a efetivação das propostas educacionais, principalmente após a
instalação da Província do Amazonas em 1852. Ou seja, focalizaremos as idéias e as
realizações educacionais. A análise será norteada pela concepção de que os projetos
educacionais do Segundo Reinado, no país, dirigiam-se à formação de “cidadãos úteis a
si e à Pátria”, isto é, de trabalhadores disciplinados, tementes a Deus e ao Estado. Na
Amazônia, as tônicas da falta de braços e de agricultura e da independência de seus
habitantes, tornavam mais prementes o objetivo da formação de um povo trabalhador e
obediente. Criar escolas era indicador importante de progresso e civilização. As duas
províncias participaram ativamente do movimento civilizador que orientou, em todas as
partes do país, a criação de escolas primárias e secundárias, asilos para órfãos e
instituições de ensino de ofícios.
Nós, pesquisadores, nos sentimos mais confortáveis ao lembrarmos ao leitor que
nossos estudos não pretendem dar conta da totalidade da problemática proposta. No caso
4
A Estrella do Amazonas, 23/3/1852. O primeiro número deste jornal circulou no dia 07 de janeiro de
1852. Antes denominado 5 de setembro (1851), o jornal mudou de nome com a instalação da Província,
quando “uma nova estrela appareceu no diadema imperial”. Criado pelo primeiro Presidente da Província,
o jornal divulgava os atos administrativos do Império e do governo local e noticiava acontecimentos da
Corte e das províncias (SANTOS et al, 1990, p.90).
14
do presente estudo, um aviso desta natureza, é insuficiente, por abordar questões relativas
aos sistemas educacionais de duas províncias, dentro de um período longo da história - o
Segundo Reinado. Não há de nossa parte nenhuma pretensão de fazer uma história da
instrução e da educação populares nas duas províncias. Neste capítulo, abordamos os
debates relativos à educação do povo no Norte amazônico, mostrando como as críticas e as
propostas repercutiam nas ações, levando à criação ou à reforma das instituições
educacionais.
A abordagem da instrução elementar pública feita neste trabalho obedece a dois
períodos: 1850-1869 e 1870-1889. Neste capítulo, focalizamos o primeiro período, quando
as discussões e realizações estiveram mais restritas ao âmbito governamental. A
documentação privilegiada são os relatórios de província, relatórios das diretorias de
instrução pública e dos visitadores escolares, além da correspondência dos presidentes com
o Ministério do Império, fontes importantes de análise da situação da instrução e educação
populares no período, bem como dos anseios de mudança de seus atores.
Nos dois últimos decênios, contamos com a abundante fonte dos jornais, divididos
entre as facções liberais e conservadoras. A imprensa, tanto a liberal quanto a
conservadora, acompanhava com grande interesse e conhecimento as discussões nacionais
e internacionais relativas à educação popular, olhar entrelaçado com os temperos locais.
Avaliações da política educacional dos governos e de suas instituições resultavam em
aplausos, críticas e propostas de reforma. As análises não se pretendiam isentas: liberais e
conservadores denunciaram a miúdo o partidarismo, a politicagem, o patronato político, o
filhotismo, termos que expunham o favorecimento a “amigos” e parentes na redistribuição
de cargos públicos. Segundo seus autores, a proteção política orientava as mudanças nas
instituições educativas governamentais, principalmente àquelas relativas ao pessoal -
diretores, professores, mestres e pessoal administrativo. Nos anos 1870 e 1880, expande-se
o envolvimento, não apenas da sociedade ilustrada, mas também dos pais e moradores das
pequenas povoações do interior do Pará e do Amazonas, nas questões condizentes à
educação oferecida pelo Estado.
15
Abordagens historiográficas da educação no Brasil
A abordagem da historiografia, embora bastante breve, é necessária para a
compreensão dos pressupostos que fundamentam esta pesquisa. A revisão
historiográfica realizada para o projeto de tese não é reproduzida no produto final,
devido à opção de convocar seus apontamentos no contexto das discussões inseridas nos
capítulos.
A história da educação no Império permaneceu por muito tempo no limbo.
Luciano Mendes de Faria Filho observa que a historiografia consagrada concebe o
século XIX como uma espécie de idade das trevas da educação primária. Estudos
recentes mudaram o enfoque sobre o período, indicando que havia em várias províncias
uma intensa discussão acerca da necessidade de escolarização da população,
principalmente das chamadas “camadas inferiores da sociedade”, constituídas pelos
negros (livres, libertos ou escravos), índios e mulheres. Intensos foram os debates e a
constituição de leis para o ordenamento legal da educação escolar.
5
Intensos foram
também os limites à expansão da instrução pública a toda população, relacionados aos
aspectos políticos e culturais da sociedade escravista da época, e aos econômicos, como
a baixa capacidade de investimento das províncias.
6
A historiografia revela a riqueza dos debates e das ações educacionais
empreendidos no período.
7
Projetos de reforma da instrução eram elaborados pelas
províncias com surpreendente freqüência. Embora nem todas as idéias tenham sido
realizadas, o Segundo Reinado assistiu a uma importante intervenção estatal na
educação, através das iniciativas dos governos e assembléias provinciais.
8
Escolas,
5
FARIA FILHO, Luciano Mendes de, 2000. O autor lembra que as províncias publicaram um grande
número de textos legais sobre instrução, sobretudo a partir do Ato Adicional de 1834, o qual
responsabilizou os governos provinciais pela instrução pública. Em Minas Gerais, foram 600 textos entre
1835 e 1889 (p.137).
6
Evaldo Cabral de Melo (1984) mostra que o governo monárquico não logrou uma descentralização
autêntica no país, gerando ressentimentos nas províncias do Norte (atual Norte e Nordeste), pelo sistema
desigual de recolhimento de impostos e distribuição de favores. O “processo de espoliação” sofrido pelo
Norte durante o Segundo Reinado, aliado a crises econômicas mundiais e locais, afetava diretamente a
instrução pública, sobretudo nas províncias mais pobres.
7
Sobre a historiografia relativa a instrução pública, ver MARTINEZ, Alessandra 1997, p.1-7.
8
Analete Regina Schelbauer (1998) em Idéias que não se realizam: o debate sobre a educação do povo
no Brasil de 1870 a 1914, focaliza os debates nacionais sobre instrução e educação populares,
notadamente, a questão da criação de um sistema nacional de educação, não efetivado no período. A
autora identifica, para este período, um intenso debate em prol da intervenção do Estado na educação
16
institutos e asilos para a infância desvalida surgiram durante todo o período. Faria Filho
levanta uma questão muito interessante com relação à criação de escolas primárias.
Tendemos a encontrar neste ato toda a positividade, reforçada pelos ideais da
civilização moderna. A instituição escolar teria vindo ocupar um vazio no processo de
socialização.
9
No entanto, a recepção à instituição escolar nem sempre foi positiva.
Muitas escolas foram fechadas por falta de alunos e os pais (e também os filhos)
acusados de ignorarem a importância da educação para a vida civilizada, dentro de uma
concepção de cidadania que se considerava adequada às camadas populares. Mesmo
províncias mais importantes e populosas viveram o drama de não atingir o número
mínimo de alunos de forma a manter a escola em funcionamento. Além de todos os
obstáculos referentes à criação de escolas no Brasil imperial, os governos tinham que
vencer a resistência da população. A “remoção dos obstáculos” ao progresso da
“educação do povo” só seria possível com a “mudança de hábitos e idéias” da
população, explicava o Presidente do Amazonas ao Ministro do Império, em 1861.
Preocupava-se o governante com a baixa procura pelo ensino oferecido pelo “poder
público” nos povoados, depositando, contudo, claramente 1nos pais a responsabilidade
pelos tímidos números da freqüência escolar na Província.
10
Muito se discutiu a respeito da obrigatoriedade escolar, regulamentada pelas
províncias em momentos diferentes, sempre em meio a grandes conflitos a respeito de
sua aplicabilidade. A instrução pública constituiu-se em palco privilegiado do confronto
entre o governo da casa e o governo do Estado.
11
As autoridades e interessados no tema,
quando discursavam ou escreviam sobre a educação do povo, ressaltavam a falta: faltam
escolas, faltam alunos, faltam materiais e mobília, faltam professores habilitados...
Visão que contaminou os historiadores da educação da época e de períodos posteriores.
Contudo, outras perspectivas de análise são possíveis, como a percebida por Faria Filho
para o século XIX:
popular, afirmando não ter sido realizada neste momento, seguindo uma tendência universal (p.131). A
tese da não realização das propostas educacionais no Império vem sendo questionada pela historiografia
dirigida ao estudo das instituições e das práticas educacionais.
9
FARIA FILHO, Luciano Mendes de, 1999, p.127.
10
Ofício n.7 de 11/2/1861. O presidente, Manoel Clementino Carneiro da Cunha apresenta relatório sobre o
estado sanitário, ensino primário e secundário da Província do Amazonas (Arquivo Nacional,
Correspondência entre a Presidência da Província do Amazonas e o Ministério do Império 1852-1889)
11
MATTOS, Ilmar Rohloff de, 1987, p.259.
17
“Vê-se pois, que a escola não veio atuar num vácuo; pelo contrário, para se
impor, para se afirmar, os educadores e demais interessados na instrução do
povo, seja porque motivo for, tiveram que deslocar outras instituições e
processos formadores de seus tradicionais lugares.”
12
Mais recentemente, a história da educação tem se debruçado sobre as
perspectivas do cotidiano escolar, da vivência e da formação de alunos e professores.
Abandona-se uma história do que a educação deveria ter sido, em que a legislação é
privilegiada, para uma história de como ela foi vivenciada pelos seus atores mais diretos
(alunos, professores e famílias) e como se inseriu em um projeto político mais amplo, a
construção do Estado. Neste aspecto, o trabalho de Ilmar de Mattos
13
é um marco, ao
contribuir para a compreensão da relação entre a instrução pública, a construção do
Estado Imperial, a constituição de uma classe hegemônica e a formação do povo.
Mattos analisou o papel da instrução pública no “laboratório fluminense, no período de
1830 a 1850, campo de experimentações que esperava-se que funcionasse como
exemplo e modelo para as outras províncias do país. A instrução pública ocupava um
lugar privilegiado na meta perseguida pelos dirigentes “saquaremas” de superar um
passado compreendido como desorganizado e bárbaro em virtude de um outro
momento, o da ordem e da civilização. Do ensino da leitura, da escrita e do contar do
período colonial, o instruir, adquiriu novos significados quando à instrução foi
incorporado o sentido do educar. Formar o povo implicava em levá-lo a adquirir os
princípios éticos e morais necessários à convivência social e a melhorar os seus
“costumes”.
14
Baseado na análise de Ilmar Mattos, Faria Filho concebe a escola como um
instrumento de fabricação do cidadão, importante para a luta do governo do Estado
contra o governo da casa, na perspectiva daqueles que defendiam a superioridade e a
especificidade da educação escolar frente às outras instâncias de socialização, como a
família, a Igreja e o grupo de convívio
15
. A instrução pública no país foi
majoritariamente administrada por conservadores. As divergências entre conservadores
12
FARIA FILHO, Luciano Mendes de, 1999, p.133.
13
MATTOS, Ilmar Rohloff de, 1987.
14
Alessandra Frota Martinez (1997), ao analisar a instrução pública na Corte entre 1870 e 1889, verificou
que novos sentidos foram acrescentados à palavra educação, paralelamente à difusão das regras de
civilidade e do sentimento religioso. Educar para a vida em sociedade passaria a ser também função da
escola, que deveria constituir o homem integralmente, ciente de seus direitos e deveres.
15
FARIA FILHO, Luciano Mendes de, 2000, p.146.
18
e liberais se manifestavam no campo da instrução pública na oposição entre os “ideais
de maior centralização/controle dos poderes públicos e maior autonomia/liberdade de
ensino dos pais e educadores”.
16
Os estudos avançam rumo a desnaturalização do lugar da escola, construído pela
historiografia, que via a institucionalização da escola como um “vir a ser contínuo” e a
mostrar que no processo histórico de construção da instituição escolar, os seus
defensores tiveram de “apropriar, remodelar, ou recusar tempos, espaços,
conhecimentos, sensibilidades e valores próprios de tradicionais instituições de
educação”.
17
A historiografia recente recusa a idéia da transposição automática de
modelos educacionais estrangeiros (europeus e norte-americanos)
18
. A diferenciação
nos processos de escolarização entre as províncias é um indício de que ocorreram
diferentes apropriações e adaptações dos sistemas escolares da Corte, de outras
províncias e países. Essa diversidade encontrada na legislação e nas experiências
escolares das províncias vem sendo abordada pelos estudos nos últimos anos.
Não pretendemos aqui dar conta da historiografia da educação, mas apontar que
o Segundo Reinado foi um período muito rico em termos da afirmação da educação e da
instrução populares e que o campo de pesquisa é extenso e pouco explorado,
principalmente com relação à região Norte, cuja carência de estudos recentes na área
nos levou, em inúmeros momentos, a limitar nosso diálogo às fontes. A instrução
primária na Amazônia imperial é campo por desbravar; uma ou outra instituição
educativa (internatos) foi estudada por historiadores das universidades federais locais,
como os trabalhos de Márcia Alves sobre a Casa de Educandos de Manaus, de Márcio
Reis Páscoa, sobre o ensino da música na mesma cidade e o de José Maia Bezerra Neto,
sobre o Asilo de Santo Antônio, de Belém. São trabalhos utilizados nos capítulos
referentes aos internatos de formação profissional.
19
Não podemos deixar de ressaltar
que a Amazônia colonial vivenciou uma importante e atribulada história de educação
16
MARTINEZ, Alessandra Frota, 1997, p. 127. Divergências as quais, segundo a autora, correspondiam
às diferenças entre “saquaremas” e “luzias” no tocante à distribuição do “aparelho de Estado” (maior
centralização a partir da Corte e do Sudeste versus distribuição mais equilibrada entre os poderes locais).
17
FARIA FILHO, Luciano Mendes de, p. 136.
18
A respeito da transplantação de modelos estrangeiros, ver MATTOS, Ilmar Rohloff de, 1987, p. 259.
19
Na fase de revisão final da tese, recebemos três artigos sobre o processo educacional no Pará do século
XIX. O autor, professor da UFPA José Maia Bezerra Neto, prevê a publicação dos textos para este ano
(ver bibliografia).
19
dos índios, a qual dedicaremos algumas linhas, indicando o embate entre o Estado
colonial e a Igreja quanto ao esforço de controle da educação dos índios e dos colonos.
Garcilenil Silva introduz o leitor na história da educação da Amazônia colonial
estruturando-a em três períodos, de acordo com a vigência da legislação dirigida aos
índios: o Regimento das Missões (1616-1757), o Regimento do Diretório (1757-1798) e
o Regimento Provisional (1798-1808). A autora focaliza os agentes (instituições e
pessoas) que assumiram a educação na região: as ordens religiosas que primeiramente
assumiram total responsabilidade pela catequese e educação dos índios, sobretudo a
jesuítica; a direção laica da educação dos nativos introduzida pelo Diretório dos Índios e
as primeiras tentativas de sistematização do ensino no Estado do Grão Pará.
20
A
historiografia, em geral, concorda que a expulsão das ordens que até então se ocuparam
da educação dos índios, nas escolas das aldeias e das fazendas e nos colégios e
seminários, levou à ruína o ensino na região. A reorganização do ensino na capitania do
Grão Pará através da Reforma de Marquês de Pombal em 1759 não se efetivou na
prática. As investigações de José Pedro Garcia Oliveira e Betânia Leite Ramalho
também sugerem que a determinação da introdução das aulas régias ou disciplinas
isoladas na capitania do Grão Pará não teria alterado em nada o mapa educacional da
região. Os autores não encontraram evidências no Arquivo Público do Pará da
realização deste modelo educacional no Grão Pará, entre 1759 e 1808. A precariedade e
a fragmentação das aulas régias na região teriam sido causadas por três fatores
principais: a falta de professores leigos e de espaços para funcionamento das aulas, além
do que, o interesse maior de Portugal residia na defesa da economia local. A educação
pouco significado teve frente à economia e aos privilégios que gozavam a elite
colonial.
21
Garcilenil Silva esclarece que no período de vigência do Diretório dos Índios
(1757-1798), as vilas e lugares não possuíam meios para estabelecer as escolas, onde se
ensinaria a língua portuguesa. Em alguns lugares, vigários se responsabilizaram pela
educação dos filhos e filhas dos índios; em outros, as escolas tinham como mestres
soldados de vida licenciosa e incapazes de instruir. Este cenário sofreu algumas
mudanças com a instauração do Regimento Provisional para os Professores de
20
SILVA, Garcilenil do Lago, 1985.
21
OLIVEIRA, José Pedro Garcia, RAMALHO, Betânia Leite, 2002.
20
Filosofia, Retórica, Gramática e de Primeiras Letras no Estado do Grão Pará. Duas
aulas de primeiras letras foram criadas em Belém e treze no interior, localizadas nas
freguesias mais populosas do Estado. Professores nomeados deveriam ensinar a
mocidade, de um e outro sexo, a ler, escrever, contar e os princípios da religião e os da
lealdade, obediência e amor para com o Soberano e a Pátria.
22
Ângela Domingues apresenta uma versão da história educacional do Grão Pará
com algumas divergências quanto à aplicação das medidas previstas pelo Diretório,
pesquisa realizada nos arquivos portugueses e brasileiros, incluindo o Arquivo Público
do Pará.
23
A autora afirma que, na segunda metade do século XVIII, com o advento do
Diretório dos Índios, a educação foi inserida no contexto de um processo de colonização
da Amazônia e de civilização dos índios. O primeiro objetivo visava a transformar a
diversidade física e humana da região numa unidade integrada em território luso-
brasileiro, resistente às ofensivas européias. O segundo, a transformação dos índios em
indivíduos que reconhecessem e se sujeitassem à soberania portuguesa. A análise da
historiadora baseia-se, principalmente, nos propósitos educacionais das novas medidas
de civilização dos índios, do que propriamente no seu cumprimento.
A autora define a civilização dos índios, como o “acto de torná-los cristãos,
tementes e obedientes ao Deus dos lusos, e de transformá-los em portugueses,
submissos e leais ao rei fidelíssimo”.
24
Uma das medidas previstas pelo Diretório e
executada principalmente pela administração local foi a criação de escolas, onde era
ministrado um “ensino em conformidade com o conceito europeu de educação”,
inclusive às crianças indígenas residentes em aldeamentos.
25
A escola, vista como um
meio de transmissão da língua portuguesa, era utilizada como um instrumento de
política - um elemento de unificação e de identificação. O Diretório proibia às crianças
e a quem estivesse apto a falar o português, o uso da língua geral ou da língua da
própria etnia. A autora afirma que escolas foram instaladas na capital, nas vilas e
povoados, a despeito das dificuldades para o cumprimento do objetivo educacional, pois
não havia mestres preparados, fazendo com que em muitas povoações o ensino ficasse a
cargo de padres, que autorizavam aos jovens a falar a língua geral. Ademais, enfrentava-
22
SILVA, Garcilenil do Lago, 1986, p.87-88 e 111.
23
DOMINGUES, Ângela, 1995.
24
Op. cit., p. 68.
25
Idem.
21
se a falta de materiais e instalações. A resistência indígena à escola era grande, do ponto
de vista cultural e econômico. Um sistema de educação, baseado no valor da tradição,
no exemplo e na ação, se contrapunha a um sistema dissociado da vida cotidiana, que
“pretendia derrotar e substituir as tradições e a memória coletiva”.
26
As crianças tinham
participação importante nas atividades da coletividade, como colheita, caça e pesca e
como mão-de-obra para particulares, numa época em que faltavam adultos. Estas
questões estarão assombrando os governos provinciais amazônicos no século seguinte.
As escolas deveriam ser freqüentadas por todas as crianças indígenas, no
entanto, Domingues afirma que a política educacional dirigiu-se aos “filhos de
principais, de sargentos-mores, de capitães-mores e de outros indivíduos que tivessem
lugar de destaque ou de prestígio na comunidade”. A hipótese da autora é que se
pretendia “formar um grupo apto e fiel, capaz de administrar localmente as
comunidades, como de exercer algumas funções no âmbito dos mecanismos de poder
governamentais e da estrutura religiosa”.
27
Hipótese não comprovada, pois a
documentação analisada não forneceu indicações sobre o papel dos índios cultos ou
educados na sociedade colonial.
A estratégia educacional não se restringiu à implantação de escolas, pois
percebia-se nelas alguns inconvenientes em termos da formação de futuras lideranças ou
de exemplos para as comunidades indígenas, como permitir que a criança continuasse
vivendo sob os hábitos indígenas, em contato com a língua de origem, mantendo-se a
transmissão de conhecimentos. Outro inconveniente residia na utilização dos alunos por
diretores, vigários e particulares, em serviços diversos, nas roças e nas casas. Crianças
provenientes de famílias com algum prestígio ou destaque em seu meio, como os filhos
de principais, eram enviadas aos seminários ou às casas de particulares, visando afastá-
las do contato com a família e a comunidade. O estudo de Domingues nos deixa
algumas questões não respondidas: se a política educacional, no caso dos índios, atingiu
somente filhos de principais, afastados de suas famílias, quem freqüentava as escolas
das localidades? Pode-se concluir que, em termos de civilização dos índios, a escola
teve um papel insignificante? Qual foi o papel desempenhado na sociedade local por
26
Op. cit., p. 76.
27
Op. cit., p. 70.
22
esta “aristocracia indígena” que freqüentou os seminários e os colégios?
28
Como a
experiência educacional proporcionada pelo Diretório dos Índios foi absorvida pelas
reformas posteriores?
Não apenas a era pombalina mantém-se obscura quanto aos resultados das
iniciativas educacionais. Não podemos deixar de citar que a educação na primeira
metade do século XIX é tema que aguarda o interesse dos pesquisadores. A
historiografia clássica sobre história do Pará elege algumas iniciativas de maior porte,
como a Casa das Educandas, instalada em 1804 pelo bispo do Pará, D. Manoel de
Almeida Carvalho, ao trazer quinze meninas indígenas de sua viagem ao interior, com o
intuito de educá-las. Com o tempo, a Casa dedicou-se ao recolhimento e educação de
meninas pobres, afastando-se da finalidade original do “resgate” de indígenas.
29
Mais
tarde, a instituição passou a denominar-se Colégio de Nossa Senhora do Amparo,
quando o Governo da Província assumiu a sua administração e manutenção, em 1838.
Todavia, a história da instrução pública no período regencial permanece no silêncio.
O governo da população e a instrução pública: Amazonas e Pará na metade
do século XIX
“Sem desenvolvimento intellectual, ninguém se pode bem
governar, como cidadão e como pai de família.”
30
Em primeiro de janeiro de 1852 era instalada a recém criada Província do
Amazonas. A imensa região, então denominada Comarca do Alto Amazonas, pertencia
à Província do Pará, cujo centro administrativo estava sediado em Belém. A cidade da
Barra, futura Manaus, passou a sediar o novo governo. Em termos educacionais, a
aquisição da autonomia administrativa foi positiva para o Amazonas. Numericamente,
assistiu-se a um crescimento gradativo das escolas de instrução primária e a fundação de
28
Op. cit., p. 75.
29
ALMANAK administrativo...., 1868, p.178 e GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 1987, s.p. O
resgate de índios resultava da prática colonial de apreender grupos indígenas de diferentes etnias para as
missões religiosas e para o trabalho nas fazendas. O Almanak paraense dá um sentido positivo ao termo
“resgate” para o caso das índias recolhidas pelo bispo em aldeias do Rio Negro (Amazonas), embora não
se esquive de mencionar os abusos cometidos nos resgates realizados por capitães, colonos e
missionários.
30
Tenente coronel João Wilkens de Mattos, Presidente do Amazonas. “Instrucção publica”. In: RPAM,
4/4/1869.
23
instituições educacionais voltadas para o ensino profissional, secundário e normal. Em
1858, o cônego diretor da instrução pública no Amazonas, reforçava a disposição
civilizadora da jovem Província, afirmando ao Ministro do Império que “todas as
escolas existentes na Provincia, à exceção de uma, foram criadas após a sua
emancipação.
31
Mais importante do que a “dança” dos números das cadeiras criadas,
com seus avanços e recuos, é o movimento da sociedade local em prol da educação
popular, com seus debates, embates e realizações. Trabalharemos com alguns números
das duas províncias, pontuando as discussões que embasam as criações. A instrução
primária não é o único foco desta pesquisa, mas compõe o movimento em prol da
educação popular no período, e assim será tratada, isto é, como um dos projetos de
civilização e incorporação da população local à cidadania brasileira.
No caso da região amazônica, a formação do cidadão implicava não somente no
conhecimento dos direitos e deveres pela população livre, como era defendido pelos
agentes educacionais de outras partes do Império. O aprendizado do português e a
sedentarização da população do interior foram necessidades reclamadas pelos inspetores
e diretores da instrução na região. Desabituar-se da língua geral, falada pelos meninos
em casa e nas ruas, consistia na primeira tarefa das escolas das freguesias e vilas do
interior, objetivo ressaltado com grande ênfase por Gonçalves Dias na comissão dirigida
às escolas primárias do Rio Solimões, na Província do Amazonas, em 1861.
32
A “vida
ambulante” dos habitantes era outro fator a ser enfrentado de forma a aumentar a
freqüência às escolas e evitar o afastamento das aulas por quatro a cinco meses ao ano,
quando pobres e ricos iam à pescaria.
33
A perspectiva de Gonçalves Dias era a da
formação da nacionalidade, levando-o a defender a intervenção do governo central na
instrução pública primária das províncias, contrariamente ao que determinou o Ato
31
RPAM, 7/9/1858, Anexo F (Relatório do Diretor da Instrução Pública, cônego Joaquim Gonçalves de
Azevedo, também enviado ao Ministro do Império, Ofício 196, 7/3/1859, Anexo n.2, em resposta ao
Aviso de 12/1/1859. Mapas com as alterações devidas (Arquivo Nacional, Correspondência entre a
Presidência da Província do Amazonas e o Ministério do Império 1852-1889)..
32
Segundo José Ribamar Bessa Freire (2003), até meados do século XIX, o nheengatu ou a língua geral
amazônica era a língua dominante no Amazonas, tendo a escola pública e, sobretudo, a migração
nordestina e a expansão da navegação a vapor, contribuído para a “portugalização” da região. O
nheengatu se disseminou pela Amazônia colonial, a partir da atuação missionária dos jesuítas. Após a
expulsão da ordem por determinação do Marquês de Pombal no século XVIII, a legislação dirigida aos
índios passou a coibir o seu uso.
33
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861.
24
Adicional de 1834.
34
Mais adiante, voltaremos às análises de visitadores e diretores da
instrução pública do período.
A recém instalada Província do Amazonas rapidamente se inseriu na corrida
rumo às luzes, começando por apresentar à Assembléia Legislativa Provincial o
primeiro regulamento da instrução pública, dois meses após a sua emancipação do Pará.
A agilidade com que foi elaborado o regulamento n.1, que “organiza a Instrucção
Primaria nesta Provincia do Amazonas”, indica a disposição do governo em se
posicionar frente a um dos principais desafios do século: a formação de cidadãos pela
educação do povo brasileiro, constituído no período por homens livres, libertos e índios.
A massa dos escravos do Império estava excluída deste projeto, só vindo a constituir
alvo de preocupações relativas à educação, os nascidos livres, após a promulgação da
Lei do Ventre Livre em 1871.
Pelo primeiro artigo do regulamento amazonense,
“A instrucção primaria nesta Provincia comprehenderá a educação phisica, a
moral, e a intellectual com o ensino de leitura, calligraphia, doutrina Christã,
numeração e principaes regras d'arithmetica, a grammatica da lingoa nacional,
noções de geometria applicada ás artes, da historia natural, da sagrada e do
Brazil, e de geographia; e para o sexo feminino a mesma educação, e a
instrucção intellectual mais modificadas, e as prendas proprias deste sexo.”
35
Embora inspirado no regulamento paraense de 27/10/1851, baseado por sua vez
no Decreto que reformara no mês anterior, o ensino primário e secundário no município
da Corte
36
, ele se diferencia destes buscando atender às especificidades locais, como a
não separação do ensino em dois graus e a criação de internatos nas escolas para alunos
pensionistas particulares e para aqueles sustentados pela Província. O Amazonas só
contava nesta época com sete escolas providas de professores e 107 alunos, e o Pará
possuía 42 escolas e 1.292 alunos.
37
Esta situação exigia do governo amazonense a
34
O ato adicional de 1834 (Lei n.16 de 12/8/1834) responsabilizou os governos provinciais pela instrução
primária e secundária. Até o final do Império, a instrução pública permaneceu descentralizada, muito
embora, as leis criadas na Corte influenciassem as legislações provinciais. Não havia, no entanto, uma
transposição de leis. Nos casos do Pará e do Amazonas, por exemplo, verifica-se que as leis, mesmo
quando inspiradas nas legislações da Corte e de outras províncias, foram adaptadas às condições locais.
35
AMAZONAS. Regulamento n.1 de 8/3/1852.
36
RIO DE JANEIRO. Decreto n.630 de 17/9/1851.
37
RPAM, 30/4/1852. Mais adiante, em seu relatório, Tenreiro Aranha afirma que somente três escolas
tinham professores e na capital, somente a feminina estava funcionando, pois o professor falecera, e os
outros abandonaram as cadeiras, “sem a menor cerimônia” (p.38). O relatório do diretor da instrução
25
criação de estratégias para aumentar o número de escolas e de alunos, visando “dar á
população Amazoniense o gráo de civismo e intelelligencia que precisa para o
desenvolvimento de todos os ramos, com que ha de ella florecer e prosperar”, escreveu
esperançoso o redator do jornal A Estrella do Amazonas.
38
A criação dos internatos permitiria que crianças de sítios e lugares distantes
freqüentassem as escolas. O internato seria implantado na própria residência do
professor ou da professora, que deveria dispor de “2 ou 3 alcovas dormitorios dos
discipulos internos; Oratorio para a educação moral, e casa e quintal para os exercicios
da educação phisica e da ornicultura”. Sendo os internos “orfãos ou expostos
indigentes”, cabia ao governo sustentá-los, enquanto a Província não dispusesse de
“casas pias de educação”.
39
A despeito do empenho de Tenreiro Aranha em galgar a “escada do progresso”
através da instrução, o regulamento não chegou a ser examinado na Assembléia, nem
tampouco teve votado o aumento da despesa, de forma a permitir a sua implementação.
Esta informação foi passada ao Ministro do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz
40
, pelo
presidente Herculano Ferreira Penna que, no mesmo ofício, deu notícias mais promissoras:
entre 1852 e 1853 diversas leis criaram mais oito escolas na Província, totalizando quinze.
E mais, atendendo às considerações feitas pelo presidente, a Assembléia na última sessão o
autorizou a organizar novos regulamentos.
41
pública em 1858 diz que havia somente duas escolas funcionando com regularidade em 1852. As demais
permaneciam no “desprezo” dos professores, ocupados com o comércio (RPAM, 7/9/1858, Anexo F).
“Mappa das Cadeiras de Instrucçao Primaria. Diretoria de Instrucção Publica”, Pará, 18 de dezembro de
1850 (IHGB- Coleção Manuel Barata).
38
A Estrella do Amazonas, 23/3/1852.
39
AMAZONAS. Regulamento n.1 de 8/3/1852, artigos 14 e 25.
40
O saquarema Luiz Pedreira do Couto Ferraz organizou a legislação do ensino primário e secundário na
Província do Rio de Janeiro, onde governou até 1853. Como Ministro do Império, regulamentou o ensino
público e particular na Corte (Regulamento de 17 de fevereiro de 1854). Seguindo as orientações do
“laboratório fluminense”, Couto Ferraz consolidou as diretrizes da política educacional dos
conservadores, centralizando as atribuições do serviço na pasta do Império, através do seu órgão
executivo representado pela Inspetoria Geral de Instrução Primária e Secundária do Município da Corte.
Em 1871, subiu ao Conselho de Estado (SCHUELER, Alessandra Martinez, 2002, p.10).
41
Ofício n.4, 14/1/1854. De Herculano Ferreira Penna ao Ministro Secretario d'Estado dos Negócios do
Império, Cons. Luiz Pedreira do Couto Ferraz, relatando o que tem feito e o que pretende fazer, e dando as
ocorrências nos diversos departamentos, como seja: saúde pública, instrução, colônias, comércio, indústria,
navegação, etc. (Arquivo Nacional, Correspondência entre a Presidência da Província do Amazonas e o
Ministério do Império 1852-1889).
Lei de 18 /11/1853, art.7º.
26
Herculano Ferreira Penna, segundo presidente a tomar posse no Amazonas,
anuncia em ofício ao Ministério do Império a preocupação em adaptar os regulamentos
às circunstâncias do local. Como vimos, os governantes procuraram responder
prontamente às necessidades para o incremento da instrução na Província. No entanto,
as condições de funcionamento das escolas na região dificultavam seriamente a
propalada difusão da instrução. Muito comumente, os seus atores, ou seja, pais, meninos
e professores, foram responsabilizados pelo estado “pouco lisonjeiro” das escolas
primárias. Como veremos, a visão do “desleixo de muitos pais de familias, a pobreza de
outros e sobretudo a falta de Professores habeis, e zelosos, ou a inhabilidade e relaxação de
muitos dos existentes”, dominará os discursos dos homens que deixaram registros sobre a
instrução pública nas duas províncias.
42
As escolas mal acomodavam os alunos durante o dia, dificultando a
implementação dos internatos propostos por Tenreiro Aranha. A medida exigiria um
aumento significativo da verba referente aos ordenados dos professores, os quais eram
responsáveis pelo aluguel das casas escolares, onde residiam. São vários os relatos,
provenientes do Pará e do Amazonas, alertando sobre os baixos ordenados que levavam
os professores a instalarem as escolas em casas inapropriadas. No interior, as escolas
funcionavam nas Igrejas, palhoças ou casas acanhadas, pois em muitos lugares, só
existia a casa do pároco, como atestou o diretor da instrução pública em 1858.
43
Eventuais atrasos de salários também poderiam dificultar a instalação dos internatos.
44
A adoção de castigos físicos e morais pelo regulamento, mantidos até os idos de
1870, não devia ser bem compreendida por filhos de “pais extremosos” como atestam os
relatos do período a respeito das famílias indígenas. Crianças que ingressavam nas
escolas, em torno dos 6 aos 14 anos, possivelmente resistiram ao rígido sistema
educacional, onde os alunos eram disciplinados por meio de castigos e prêmios. Maus
modos e costumes, falta de asseio em si, ou nos seus livros e papéis, desobediência ao
professor ou ao preceptor
45
, erros nas lições e nas escritas, rixas e mutilações eram faltas
42
Ofício n.4, de 14-1-1854, de Herculano Ferreira Penna ao Ministro do Império (Arquivo Nacional,
Correspondência entre a Presidência da Província do Amazonas e o Ministério do Império 1852-1889).
43
Relatório do diretor da instrução pública do Pará, 20/12/1858.(IHGB-Coleção Manuel Barata).
44
Não há mais referência à criação dos internatos na documentação posterior.
45
Foi estipulado pela lei que o preceptor seria “Discipulo da classe mais superior, ou Candidato ao lugar
de Professor; o qual teria por função dirigir “os discipullos na instrução em cada uma das classes, e nos
exercicios e actos da educacão física e moral” (Art.17, do Regulamento n.1, 8/3/1852).
27
que, dependendo do grau (mínimo, médio ou máximo), resultavam em advertência,
repreensão, menção por escrito, palmatoadas, ficar em pé fora do banco, isolamento, ou
mais meia hora na escola. Já as ações boas e adiantamentos notáveis rendiam
recompensas em graduações, tais como, louvores, aplausos e de pequenos presentes a
presentes melhores.
46
Até aproximadamente a metade do século XIX, o esforço para o restabelecimento
da tranqüilidade pública e a estabilidade política resultará na imposição do império da lei,
em vários aspectos da vida social e política do Império.
47
As escolas públicas, em todo o
Segundo Reinado, vão sendo colocadas sob as mãos ordenadoras do Estado, representadas
pelas ações dos governos e assembléias provinciais. Na década de 1850, verifica-se, nas
províncias amazônicas, o esforço legislador sobre a escola, regulamentando, normatizando
e disciplinando o seu funcionamento. É intensa a crença no poder da regulamentação do
“regime interno das escolas”, de forma a diminuir o arbítrio dos professores com relação a
vários aspectos de sua vida cotidiana, como a adoção do método de ensino, dos
compêndios, castigos, recompensas, horários, férias, etc. A regulamentação da instrução
pública é parte do projeto de governabilidade da população e o professor disciplinado, um
braço importante do Estado atuando na sociedade, através da educação das futuras
gerações de governados. As instituições oficiais, como os institutos e colônias de formação
de artífices e de trabalhadores agrícolas, e os asilos para a educação feminina, se inserem
no projeto de formação do povo brasileiro (os cidadãos) e sofrerão intenso processo de
regulamentação de seu funcionamento, nas minúcias de seu dia a dia. Os regulamentos dos
institutos paraenses e amazonenses para desvalidos, por exemplo, podiam conter mais de
uma centena de artigos. Vale a pena citar um trecho do relatório do cônego Joaquim
Gonçalves de Azevedo, diretor da instrução pública na nascente Província do Amazonas,
através do qual ele revela a esperança em dar regularidade à instrução, pela organização de
um regulamento que diminuísse o arbítrio do professor:
“A regularidade portanto do estudo, a uniformidade do methodo, e dos
compendios, a correcção ao indocil e pouco applicado, e o premio ao estudioso
deverão sem duvida sellar com feliz resultado as paginas desse regulamento que
assim organisado tratá consigo, quando não todas as vantagens precizas, ao
menos as mais indispensavies para fazer fructificar a arvore da instrucão nesta
46
AMAZONAS..Regulamento n.1 de 8/3/1852, tabela B.
47
FARIA FILHO, Luciano Mendes de, 1999, p.118. O autor baseia esta análise no trabalho de Sérgio
Adorno, Os aprendizes do poder, 1988.
28
nascente província.”
48
A Província do Pará, na segunda metade do XIX, apresentava um quadro diverso
do Amazonas, embora também se debatesse frente às dificuldades de consolidar um
sistema educacional mais efetivo em território tão extenso e com uma população tão
diversificada. À época, o Pará já contava com um corpo significativo de escolas
primárias, tendo vivenciado uma experiência sólida de educação popular, que não deve
ser desprezada na análise das políticas educacionais dos governos provinciais.
Com o regulamento da instrução pública aprovado em 1851, o Pará incorporou
algumas das propostas que circularam durante o século XIX no país, tais como, o ensino
obrigatório e a instituição dos visitadores das escolas. O ensino obrigatório era uma
questão altamente polêmica em todo o Império pela dificuldade de implantação, devido
à dispersão da população, à insuficiência de escolas e às dificuldades de transporte. A
penalidade da multa nos casos das crianças entre 6 e 14 anos que não estivessem
recebendo a instrução primária nas escolas públicas ou particulares, ou em suas próprias
casas, como previa o artigo 25
o
do regulamento paraense, era condenada por muitos no
período. O diretor da instrução amazonense em 1864, colocando-se contra a medida,
garante que “obrigatoria de direito, pôde-se dizer que no Brasil, a instrucção elementar é
livre de facto”.
49
Temia-se que a medida ocasionasse efeito contrário, fazendo com que os
mais pobres e os índios intensificassem o nomadismo de forma a fugir das punições. Até o
final do século, as imprensas paraense e amazonense estarão discutindo o tema, revelando
que inexistia unanimidade quanto à validade e à aplicabilidade da norma.
50
A legislação educacional demonstra que governantes e legisladores não só
acompanhavam as discussões sobre as vantagens e os avanços na instrução, como
buscavam aplicar as medidas que consideravam mais convenientes para a educação dos
seus governados, sob a perspectiva do progresso moral, social e econômico das
províncias. Instituir visitadores para examinar o estado das escolas, dos alunos e dos
professores, era uma medida reclamada por diversas vozes interessadas na prosperidade
da instrução do país. No caso das províncias nortistas era uma necessidade reclamada
48
RPAM, 7/9/1858, Anexo F. O cônego Azevedo, diretor da instrução pública do Amazonas, reproduz
trecho de seu relatório de 1855.
49
RPAM, 1/10/1864, p.19.
50
Não foi encontrada nenhuma evidência na documentação de que a multa pela ausência de matrícula
escolar tenha sido aplicada aos responsáveis.
29
com vigor, visto que, a distância das escolas do interior em relação à capital, tornava
impossível a fiscalização pelos diretores da instrução pública. O Pará criou, pelo
regulamento de 1851, quatro cargos de visitadores, exceto para a capital, cujas escolas
deveriam ser vistoriadas pelo diretor da instrução.
51
A novidade não ficou no papel: a
documentação da década de 1850 mostra que as escolas paraenses foram visitadas por
diversas autoridades.
Os governantes não hesitaram em conhecer a realidade de perto, antes de propor
reformas e novos regulamentos. Este foi o caso do Presidente do Pará, Antonio Coelho
de Sá e Albuquerque, que tomou esse “ramo do serviço publico debaixo de meos
especiais cuidados e vigilancia”, determinado a reformar a instrução publica a partir das
visitas que fez às escolas publicas da Capital e a muitas do interior e, naquelas
localidades onde não pôde pessoalmente visitar, procurou habilitar-se com “informações
sisudas a respeito do ensino (...), e crendo-me senhor de esclarecimentos e dados
rasoaveis para uma reforma exequivel e util, emprehendi-a no citado Regulamento”.
52
No Amazonas, o regulamento de 1859 criou o cargo de visitador, “sempre que
parecer necessário”, sendo o padre Antonio Augusto de Mattos nomeado visitador das
escolas elementares de sete vilas.
53
Em 1861, o presidente Manoel Clementino Carneiro
da Cunha nomeou Antônio Gonçalves Dias, visitador das escolas públicas das regiões
do rio Solimões, Negro e Madeira, no ano de 1861, por ocasião de sua viagem ao
Amazonas, em seguida à dissolução da Comissão Científica Exploradora.
54
Eventualmente, presidentes de província visitavam as escolas e demais prédios
públicos pessoalmente. João Wilkens de Mattos, fez de sua visita às escolas públicas
das freguezias de Serpa e Silves, no Amazonas, uma solenidade oficial, ao presidir os
exames dos alunos e alunas. Em ofícios dirigidos aos professores de Silves, mostrou-se
satisfeito com os seus serviços. Uma “festa literária” era o que os professores esperavam
51
Lei n. 203, de 27/10/1851, art. 23.
52
PARÁ. Regulamento n.9, Lei Provincial n.348, de 6/12/1859. RPPA, 12/5/1860, p.6.
53
AMAZONAS. Regulamento n.103 de 9/7/1859 (RPAM, 3/5/1861); RPAM, 3/11/1860 (Relatório do
diretor da instrução pública do Amazonas, doc. nº 8, p.I).
54
Gonçalves Dias foi nomeado chefe da Seção Etnográfica da Comissão Científica Exploradora pelo
Ministro do Império, Couto Ferraz, em 1856. A Comissão fora instituída pelo Imperador, cabendo à seção
dirigida por Gonçalves Dias realizar o estudo etnográfico dos índios selvagens de algumas províncias do
Brasil, antes que desaparecem, e, investigar quais eram os obstáculos para o seu aproveitamento como
mão-de-obra. Somente em 1859, a comitiva partiu do Rio com destino ao Ceará, e retornou em julho de
1861, sem a presença do poeta, que viajara meses antes para Manaus em busca dos índios selvagens que
não encontrara no Ceará (PEREIRA, Lúcia Miguel, 1943, 264-266).
30
fazer quando recebessem os diplomas e prêmios dos alunos aprovados pelo presidente.
Para o morador de Silves, que escreveu ao Correio de Manáos relatando a visita, os
prêmios seriam os primeiros salários para que os alunos se tornassem cavalheiros tão
dedicados e zelosos na gestão dos negócios públicos da Província, em prol da instrução
da mocidade, tal como o seu presidente.
55
Os relatórios dos visitadores e dos diretores da instrução pública mostram
aspectos da vida da população e das suas concepções a respeito das escolas, filtrados
pelas representações que os grupos dominantes possuíam dos índios e dos desvalidos.
As “pessoas gradas”, de formação e origens sociais diversas, mantinham um repertório
mínimo comum de representações acerca dos grupos indígenas e dos homens livres
pobres, que circulavam pelo país. Este repertório dirige a escrita dos relatórios,
permeado pelos exames feitos nos locais, junto às casas escolares, aos materiais, aos
alunos e aos professores. Dependendo da oportunidade de observação, ele terá matizes
mais fortes ou estará encoberto pela evidência do observado. Ou seja, aspectos da vida
social e do trabalho das famílias e tudo aquilo que se encontra além da escola, estará
mais sujeito às representações estereotipadas correntes na região e na sociedade em
geral. O interior das escolas e os atos escolares foram diretamente observados,
obrigando aos examinadores a rever determinados “pré-conceitos” e sem dúvida, a
confirmar suspeitas.
55
Correio de Manáos. Notícia de 19/11/1869; cartas publicadas em 10 e 24/12/1869.
Levantamento realizado junto aos ofícios dos presidentes amazonenses aos ministros Império e nos
relatórios provinciais informa que João Wilkens de Mattos ocupou vários cargos públicos na
administração amazonense: foi Diretor Geral de Índios no Amazonas em 1856-1858; Delegado da
Repartição Geral das Terras Publicas em 1859 e Presidente da Província de 26/11/1868 a 8/4/1870. No
Pará, Mattos foi Diretor Geral da Instrução Pública, de fevereiro a abril de 1874, quando teve que seguir
para a Corte a fim de ocupar uma cadeira na Câmara Temporária (RPPA, 17/1/1875). No seu governo,
preocupou-se com a inércia, o pouco zelo e a falta de habilitação dos professores, e impôs medidas de
homogeneização e regularização do ensino (Cf. capítulo 2). Wilkens de Mattos foi um dos poucos
amazônidas a receber um título de nobreza (Barão de Mariuá).
31
Visitando a cena: as escolas sob exame
Uma das temáticas educacionais, entre as mais discutidas de todo o período,
consistiu na questão dos exames escolares. A indignação com os resultados e com o
pequeno número de alunos e alunas examinados ao final de cada ano é manifestada por
toda a documentação oficial relativa à instrução pública do Segundo Reinado. A discussão
não foi uma exclusividade das províncias amazônicas, que pelas dificuldades próprias da
região, teriam todos os motivos para o pouco apreço de sua população pela instrução de
seus filhos. Na Corte, o abandono da escola antes do aluno prestar exames era fenômeno
comum, o que em muito aborrecia e frustrava os mestres, os quais, acusavam os pais de
retirar as crianças tão logo soubessem assinar o nome.
56
O número de alunos examinados e
aprovados era citado nos relatórios oficiais como indicador de desempenho do professor.
No entanto, os governos criaram outros mecanismos de avaliação do preparo e da moral do
professor: o cenário escolar tornou-se alvo de exames, a partir da década de 1850, no Pará
e no Amazonas.
Embora os representantes dos governos reconhecessem as dificuldades com as
quais tinham que lutar os professores no desempenho de sua missão, a fiscalização in loco
era medida recomendada, em todos os relatórios, no esforço de sanar os problemas da
instrução pública. No ano de 1858, os diretores da instrução pública do Pará e do
Amazonas foram convocados, por seus respectivos presidentes, a apresentarem um
relatório da situação da instrução pública primária e secundária, os motivos de seu atraso e
as medidas necessárias para o seu melhoramento. O padrão comparativo não era menos do
que a “ilustração de nosso século” e a meta a ser perseguida, “galgar a escada do
desenvolvimento e do progresso”, anseios expressos pelo diretor amazonense, cônego
Joaquim Gonçalves de Azevedo.
Embora fosse comum a citação, nos relatórios da instrução pública, de dados
relativos à escolarização nos países europeus, expondo o “atraso” das províncias nortistas,
em geral, seus autores recusavam a transposições para o solo nacional, de modelos
56
A documentação de professores públicos da Corte da década de 1870, citada por Alessandra Martinez
Schueler (2002, capítulo 2), mostra que este tipo de representação acerca do desleixo dos pais, acusados
de muitas vezes retirarem os filhos das escolas antes de prestarem exames ou mesmo, tão logo soubessem
“ler uma palavra”, continuou a ser reproduzido ao longo do século, até mesmo nas regiões com maiores
índices de escolaridade, como no Município Neutro.
32
estrangeiros. Mais importante do que a “trasladação de idéas”, defendeu o Presidente do
Pará em 1867, seria “o exame das condições especiaes em que nos achamos em relação á
extensão do nosso territorio, condições de vida da população, seus habitos e costumes, e
outros elementos aproveitaveis ao fim que se tem em mira”.
57
Hábitos e costumes da
população do interior afloram nos relatórios, advertindo os poderes públicos a respeito dos
empecilhos ao aumento da freqüência nas escolas das pequenas povoações.
O principal obstáculo apontado pelos visitadores era o modo de vida das famílias
dos alunos, aliado a uma suposta incompreensão de pais e filhos a respeito da importância
da instrução. O cônego Azevedo lembra que já em 1855 relacionou “as causas da falta de
freqüência e matrícula dos meninos em todas as escolas da província”, tendo enumerado
como irremediáveis,
(...) a pobreza dos pais, que necessitão dos filhos para os ajudarem em suas
pescas, e na acquisição de outros misteres indispensaveis para a subsistencia e a
distancia em que se achão colocadas muitas das freguesias em relação aos sitios,
não havendo nellas pessoas residentes, onde possão os meninos morar para
frequentarem o estudo.”
[A] “repugnancia que a mocidade tem para o estudo, escorada na criminosa
condescendencia dos pais que desconhecendo a utilidade da instrucção e o
nenhum direito que lhes assiste para privarem os filhos deste beneficio, não cuidão
do dever, que tem de forçar e constrange-los a vencer o agro dos estudos, sendo
como são pela maior parte despidos do nobre desejo de se instruirem; e assim uns
não estudam porque não querem, outros porque os pais os tirão das escolas
apenas assignão o nome; e finalmente nas aulas maiores moços de talentos e
esperanças as abandonão depois de dois e trez annos de aproveitamento."
58
A observação e o exame em prol da reforma da vida indiana no Pará
Em 1858, o Presidente do Pará, Major Manoel de Frias e Vasconcellos, solicitou
ao diretor da instrução pública uma avaliação do estado da instrução pública e particular da
Província, com a indicação das “causas que têm concorrido para o progresso ou atrazo
deste ramo do serviço publico”. O diretor costumava visitar as escolas da capital; estava
informado a respeito das escolas do interior, mas não diz se as visitava, apenas se queixa
que requisitara verba para inspecionar as escolas particulares do interior, não tendo sucesso
no seu intento. A citação longa é necessária, por expressar como se configurava o conflito
57
RPPA, 9/4/1867, p.17.
58
RPAM, 7/9/1858, Anexo F.
33
entre a educação doméstica e a educação do Estado. Controlando a sanha educativa do
Estado, muitas vezes a família não permitia que a instrução ultrapassasse a assinatura do
nome, impedindo que a formação pretendida pelo poder público se consolidasse. O diretor
Felix Barreto de Vasconcellos começa seu relatório anunciando que,
“A primeira e mais formidavel barreira que se oppõe por toda parte aos planos
mais bem calculados para elevar á instrucção primaria a uma inteira perfeição,
é a educação domestica, e por isso tem sido sempre para essa escola da
infancia que hei chamado sem cessar as vistas mais attenciosas d’aquelles, que
tem a seu cargo o governo da Provincia.
Em geral os filhos se corrompem na casa paterna com o leite venenoso de
pessimos exemplos e doutrinas subversivas da religião e da moral. Sahidos
d’ahi eivados de vicios e prejuizos de familia, com os corações estragados,
acostumados ou a um rigor estupido, ou a huma condescendencia mal pensada,
bem poucos são os que se amoldão á disciplina de uma escola, e ahi se preparo
para serem um dia uteis a si e a sociedade.
Como ter amor ao trabalho, sem a qual senão consegue a instrucção, o menino
nascido e creado na ociosidade e estupidez; o menino, a quem seus pais lhe
recommendão que não obedeça ao seu mestre, que não aceite as suas
reprehensões e os seus castigos, como infelizmente acontece ainda entre nos?
Quem não sabe arte, não a estima disse o insigne Camões; e é por isso que
attribúo a uma grande parte dos nossos pais de familia o motivo do
enbrutecimento, em que vive á maior parte da nossa população. Este gravissimo
mal, de que tenho fallado, não fica somente aqui: elle vai mais longe ainda. Pois
existem por toda esta Provincia pais, que muito de proposito não querem que
seus filhos se instruão, para que nunca possão servir de testemunhas em um
processo, de jurados, de magistrados publicos!!! Pais tão bem existem que
apenas o menino fica sabendo firmar seu nome, para logo o tirão da escola,
entendendo nada mais lhe ser necessario, para que se dê por prompto nas
materias do ensino primário”.
59
É interessante como a interpretação oficial da relação das famílias com a escola é
desvinculada das condições de funcionamento da instituição, apontadas por todos os
avaliadores como inadequadas, em termos físicos e pedagógicos, como veremos adiante.
Vasconcellos percebe que as famílias resistem à própria constituição da instituição escolar,
com suas palmatoadas e castigos humilhantes, no entanto, condena as reações de pais e
crianças à disciplina imposta por professores, entendidas como frutos da ignorância e do
embrutecimento dos familiares. O espaço de educação escolar atuava, de certa forma, em
conflito com a família. Fora da escola, o aprender se dava na prática, na companhia dos
59
Relatório do diretor da instrução pública do Pará, 20/12/1858. De Felix Barreto de Vasconcellos,
diretor, por solicitação do Presidente da Província, Major Manoel de Frias e Vasconcellos (IHGB-
Coleção Manuel Barata). Documento manuscrito, não publicado no relatório provincial (grifo nosso).
34
adultos; na escola, um repetir de frases sem relação com a vida cotidiana das crianças. O
aprendizado necessário à sobrevivência no ambiente local era garantido nas atividades
desenvolvidas junto à família e ao grupo de convívio. Algumas famílias viam vantagens no
aprendizado dos rudimentos de leitura, do assinar o nome, outras temiam que o domínio de
tal conhecimento tornasse seus filhos aptos ao desempenho de funções indesejadas, tais
como, servir de testemunha em processos. A ambivalência era grande, mas mesmo assim o
número de alunos nas escolas foi crescente no período, conhecendo uma certa estagnação
em meados da década de 1860, seguindo de significativo crescimento nos anos 1870,
especialmente no Pará, como indicam as tabelas em anexo.
60
Vasconcellos reproduz certos conceitos caros ao século: serem úteis a si e à pátria
e desenvolver o amor ao trabalho. Em todo o Império, educadores, autoridades diversas,
jornalistas, enfim todos aqueles que deixaram registros relativos à educação no século XIX
e início do XX, ressaltaram a importância para a jovem nação do preparo de trabalhadores
prestativos à pátria e, ao mesmo tempo, não dependentes das instituições do Estado para a
sua manutenção. Pretender assumir a tutela educacional de uma parcela significativa da
população não significava que os governos estivessem dispostos a ter sob seu teto as
“classes ociosas”. Urgia incutir nestes segmentos o valor do trabalho e a noção de pátria. O
trabalho não devia beneficiar somente o indivíduo, se o Estado necessitasse, o povo
deveria atender à sua convocação. Não se trata de uma utilidade abstrata; há aspectos
bastante concretos nessa chamada à pátria - a queixa da falta de braços para as obras
públicas das duas capitais em crescimento é recorrente na documentação. O Presidente do
Pará, Sá e Albuquerque, ao formular o seu argumento a favor da “reforma da vida
indiana” pela educação de “meninos índios de ambos os sexos” nas escolas dos povoados
e na capital, contrapôs à idéia abstrata da civilização a idéia positiva da utilização do
60
Renato Pinto Venâncio (1999) assegura que as diversas instituições destinadas a meninos maiores de
sete anos passaram, a partir de 1865, a serem alvos do recrutamento forçado, especialmente as
companhias de aprendizes, que alistaram na Marinha 1.470 menores em 1868, contra os 93 de 1863
(p.203). Não há qualquer relato na documentação amazônica do recrutamento de meninos das escolas
públicas, com exceção de uma afirmação do Presidente do Amazonas de que, a diminuição da freqüência
escolar do ano de 1864 para o de 1865 foi provocada pelo “recrutamento forçado e em larga escala”
(RPAM, 24/6/1866, p.320). Nos anos seguintes, o fenômeno não se repete. O temor do recrutamento
possivelmente afastou famílias dos povoados no início da Guerra, levando consigo os filhos. O presidente
Wilkens de Mattos condenou a “conduta exagerada das autoridades”, quando o recrutamento violento
dispersou os índios das aldeias e provocou a retirada da população do rio Solimões. Entre 1865 e 1868,
984 habitantes do Amazonas foram enviados à Guerra do Paraguai, representando 2,2% da população
total (RPAM, 4/4/1868, p.41). Contudo, a estatística escolar demonstra que nos últimos anos do conflito,
o número de alunos matriculados manteve-se estável nas duas províncias (ver em anexo, tabelas 2 e 8).
35
trabalho das “futuras gerações”. O administrador expressou com extrema clareza as
motivações que permeavam as propostas civilizadoras da época:
“Quando a idéia abstrata da civilisação de uma raça numerosa vivendo hoje vida
inteiramente animal no centro das mattas não fosse digna do estudo e solicitude
dos homens d’Estado, a idéa positiva e real da utilisação do trabalho e da
industria d’esta raça, em beneficio d’ella e do paiz, seria um objecto de grande
importancia economica e financeira.
61
“Observei e examinei certos factos nas localidades”, afirmara o presidente,
enfatizando que a tônica do seu relatório é a observação, seguida da reforma. O documento
que apresenta à Assembléia Provincial, ao passar a administração, é fruto de sua
observação e intervenção, e não de relatórios parciais de funcionários públicos, como
ocorria freqüentemente nas administrações provinciais. Albuquerque reformou a instrução
publica na Província, criando um novo regulamento, demitiu e transferiu professores e
abriu concurso para 31 freguesias e povoados, instituiu e extinguiu escolas. Na viagem ao
interior, tomou uma série de medidas para a melhoria ou construção de prédios públicos e
igrejas, mandou mobiliar escolas e determinou outros melhoramentos das freguesias e vilas
visitadas. Percorrendo o Rio Amazonas, obteve “informações acerca das producções
naturaes do solo e dos objectos que podem constituir fontes abundantes de riqueza para o
povo”.
Quando Albuquerque entra no terreno da reforma dos hábitos e costumes da vida
indiana, ele teme esbarrar com as “resistências tenazes” dos índios e a “indolência quase de
vegetais” que recorrem quando são alvos dos descimentos realizados por “famílias”. Até
então bastante objetivo e prático na sua ação, o administrador vagueia no campo das
especulações quando sugere medidas a serem tomadas no sentido de produzir necessidades
que os índios desconheciam, de forma a estimulá-los ao trabalho. Isto é, induzi-los às
modalidades de trabalho que interessavam ao Governo da Província, pois os produtos do
trabalho dos índios acabavam, segundo Albuquerque, nas mãos dos regatões. Diminuir o
monopólio e a influência dos regatões sobre os índios através da criação de feiras para o
comércio com outros compradores, e educar os meninos para que se tornassem “agentes da
61
RPPA, 12/5/1860, p.34.
36
autoridade publica no centro das mattas e desertos hoje impenetraveis” constituíam as
propostas do “Governo Illustrado” que o administrador pretendeu instaurar no Pará.
62
A educação de meninos e meninas indígenas jamais se tornou uma política
sistemática dos governos paraenses e amazonenses. Todavia, a documentação nos fornece
fragmentos de histórias de autoridades públicas que, por iniciativa própria ou por ordem
de seus superiores, enviaram crianças índias, tapuias ou simplesmente desvalidas, para
serem educadas em escolas e instituições de aprendizes, iniciativas essas, muitas vezes
autoritárias, levando pais e parentes a recorrerem ao auxílio do próprio poder público.
Pelo relatório do diretor da instrução pública do Pará, Felix Barreto de
Vasconcellos, somos informados de que a Diretoria, com aprovação da presidência,
recorreu a expedientes coercitivos para obrigar as famílias a matricular os filhos nas
escolas. Segundo a autoridade, tais medidas funcionaram muito bem até o “espírito de
partido” ativar uma luta entre algumas autoridades policiais e delegados da instrução
pública. Para as famílias afetadas pela medida autoritária do governo, a questão pode se
resumida da seguinte forma: ou mandavam os filhos à escola ou eles seriam recolhidos
pela polícia à Companhia de Aprendizes Marinheiros, na capital. Ou seja, como a
aplicação de multa era medida ineficiente, frente à pobreza e à possibilidade das famílias
se transferirem para outros sítios, o governo achou por bem recorrer a uma punição
bastante severa para os pais, os quais, as próprias autoridades reconheciam como muito
zelosos e afeiçoados aos filhos. Aos pais e tutores, se impunha a educação prezada pelo
Estado, fosse na escola pública ou na Companhia de Aprendizes.
63
O recrutamento forçado à Companhia de Aprendizes no Pará e do Amazonas
provocou em momentos diferentes, a reação de liberais e conservadores, dependendo de
quem estivesse no poder. No caso citado, não é esclarecido de onde partiram os protestos,
mas não é difícil supor que oponentes liberais ao governo conservador estivessem
combatendo ordens tidas por arbitrárias, vindas da presidência. Outro fator de
descontentamento pode ter vindo do recrutamento de crianças que, pela posição de suas
famílias na localidade, não poderiam estar sujeitas à tamanha ameaça. Quantos filhos de
índios foram enviados à Companhia de Aprendizes Marinheiros sem provocar alarde
alguma das autoridades locais e da imprensa das capitais?
62
RPPA, 12/5/1860, p.30-34.
63
Relatório do diretor da instrução pública do Pará, 20/12/1858 (IHGB-Coleção Manuel Barata).
37
Couto de Magalhães, Presidente da Província do Pará, em 1864-1865, e uma
autoridade interessada no destino dos índios, deixou um relato que evidencia tanto o abuso
de poder das autoridades, quanto as formas empregadas pelos índios para se defenderem.
Após criticar duramente a exploração a que os índios eram submetidos pelos diretores de
índios, ele conta que, pouco tempo após sua posse, “entrou-me pelo palacio a dentro um
Tuchaua, acompanhado de toda a sua familia e disse-me que vinha pedir protecção contra
as extorsões, de que tinha sido victima, arrancando-se-lhe dous filhos, e dando-se-lhes
praça de aprendizes marinheiros”. Da família, composta de homens e mulheres, só o pai
falava português. O presidente mandou se apresentarem as “pobres creanças, enfardeladas
em roupas de panno calidissimo, que não sabião fallar o portuguez, e já sujeitas ao vexame
de uma vida tanto mais acerba para elles quanto mais livremente havião sido creados!”
64
Os meninos receberam baixa imediatamente, tendo Couto de Magalhães conseguido a
aprovação do Governo Imperial para o seu ato e para situações futuras desta ordem. O
recrutamento forçado de meninos do interior, de índios e dos pequenos vagabundos da
capital foi um recurso utilizado para compor o corpo de aprendizes marinheiros da região.
Para uma reconstituição da história da educação formal dos índios na região
recorremos aos casos contados por aqueles que, por motivos diversos, identificavam a
criança que ingressara no sistema educacional oficial como filha de índios. Ao indiozinho
após a admissão na instituição educacional, junto com a farda e todos os símbolos de sua
nova condição, era-lhe imposta uma nova identidade, a de aluno ou aprendiz, mesmo não
falando o português.
65
O não falar a língua nacional não implicava no impedimento da
comunicação, pois em toda a região amazônica, era comum o uso da língua geral. Assim, o
64
RPPA, 1864, p.12. A respeito da obra indigenista e do colégio indígena criado na década seguinte por
Couto de Magalhães, ver capítulo 5.
65
Este tipo de relato, feito por Couto de Magalhães, é muito raro na documentação. Pouco sabemos como
se dava o processo educativo do ponto de vis ta dos alunos. Para os internatos indígenas criados na região
do rio Negro por missionários, no início do século XX, Valéria Weigel (2000) verificou, através de
entrevistas com ex-alunos e alunas, que o uso da língua nativa ou da língua geral era duramente reprimido
nas instituições. Esta informação coincide com situações relatadas por David Wallace Adams (1995),
referentes aos internatos indígenas norte-americanos, criados longe das reservas, a partir de 1879, visando
o afastamento dos internos de seus costumes tribais. O historiador retrata em minúcias as mudanças
corporais (roupas e corte de cabelo), dos costumes e da língua, a que eram submetidos meninos e meninas
das reservas indígenas norte-americanas no século XIX e princípios do XX, ao serem internados nas
instituições de instrução primária e profissional. O autor contou com ampla documentação, como cartas
dos alunos, biografias e fotografias. A inscrição da nova identidade - a de civilizados, com todos os seus
símbolos materiais e comportamentais - era vivida pelos alunos com intenso sofrimento e reações
possíveis dentro das rígidas normas disciplinares das instituições, como, por exemplo, conversar na língua
nativa à noite, nos dormitórios.
38
menino ingressava na massa dos aprendizes, no caso da Companhia paraense, onde havia
cerca de 200 internos em 1864
66
, e se lhe impunha uma nova identidade: o de aprendiz,
uniformizado na farda e no tratamento. O transpor a porta da instituição já implicava na
mudança de identidade, levando ao seu registro oficial como um número a mais e um
nome cristão.
A educação dos meninos índios na escola também era um anseio dos governos
neste período e, pelas informações fornecidas por Gonçalves Dias no início da década de
1860, as escolas dos pequenos povoados do Amazonas atenderam também a crianças
indígenas. Mais tarde, com o aumento da população pela migração cearense e de outras
províncias nordestinas, o índio vai “sumindo” dos relatórios paraenses. Catequizar índios e
educar seus filhos tornaram-se objetivos menos importantes do que promover a
colonização da Província, com os migrantes brasileiros e imigrantes estrangeiros. O
Amazonas também sofreu um acréscimo populacional com os retirantes nordestinos,
levando os governos a mobilizar recursos para recebê-los na Província. Os projetos
educacionais passaram a incluir estes novos habitantes, como se pode constatar na relação
de alunos do Instituto Amazonense de Educandos Artífices do ano de 1889, muitos dos
quais eram filhos de cearenses.
67
O cenário escolar é igualmente alterado com a migração
em massa, provocando a criação ou o restabelecimento de escolas primárias. É o que nos
induz a pensar a proposta do governo amazonense, em 1878, visando a restabelecer as
escolas de Tomar e São Gabriel, no rio Negro, para onde famílias de cearenses estavam se
encaminhando.
68
66
MINISTÉRIO DA MARINHA. Relatório de 1864, documento n.11.
67
Mapa demonstrativo dos alunos matriculados na Escola Primária do Instituto Amazonense em
10/5/1889. In: RPAM, 2/6/1889.
68
RPAM, 25/8/1878, p.16.
39
Um testemunho Gonçalves Dias no Amazonas
Em fevereiro de 1861, o prestigiado poeta Gonçalves Dias chegou a Manaus,
sendo logo nomeado pelo presidente Manoel Clementino Carneiro da Cunha, seu
conterrâneo, visitador das escolas públicas do rio Solimões. Na viagem, o poeta e
etnógrafo maranhense, Antonio Gonçalves Dias, alcançou o Peru, e na volta entregou
ao governo um relatório de sua viagem, descrevendo a situação das escolas visitadas.
69
Gonçalves Dias permaneceu na Província por nove meses, tendo feito mais duas
excursões de visitas às escolas: uma pelo rio Madeira e outra pelo Rio Negro. A última
excursão resultou no Diário da viagem ao Rio Negro, que citaremos mais adiante.
70
Na visita às escolas do interior, Dias identificou nos hábitos e na língua dos
alunos e suas famílias características da “população indígena do Amazonas” que
considerou obstáculos à sua civilização, como o uso da língua geral, o que faziam "em
casa e nas ruas e em toda parte". Um testemunho muito interessante da situação das
escolas do interior do Amazonas consiste no relatório que Gonçalves Dias apresentou ao
governo amazonense em março de 1861, após visitar cinco freguesias do Rio Solimões.
71
O visitador reproduz, a partir da fala de um professor, as retóricas do “desleixo dos pais” e
do desinteresse dos filhos pela instrução, presentes nos escritos sobre a educação até o final
do Império.
72
69
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861 (Documento n.1 do RPAM, 3/5/1861. Relatório da inspeção das
escolas públicas do rio Solimões, Amazonas).
70
O que teria levado Dias a viajar pelos rios amazônicos, sob precárias condições (canoas remadas por
índios, debaixo de sol e chuva) e muito doente (tinha “tuberculose de laringe” e sífilis, além de outros
males), estando já bastante enfraquecido nesta época? A única explicação plausível seria a tentativa de
concluir a tarefa pela qual fora designado pelo Governo Imperial. O fato de ter recusado o pagamento
destinado pelo Governo da Província ao seu trabalho de visitador é um indício de que considerava a
viagem ao Amazonas como uma oportunidade de cumprir as “instruções” pertinentes à função de
etnógrafo que assumira junto à Comissão Científica, nomeada pelo Imperador.
71
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861. A historiografia tradicional sobre educação no Amazonas recorre a
este documento, ressaltando de um lado, os seus aspectos pitorescos, e de outro, a comprovação do
quanto a instrução era atrasada na região (UCHÔA, Julio Benevides, 1966; MOACYR, Primitivo, 1939).
A recusa ao pagamento pela comissão de inspeção às escolas públicas dos rios Solimões, Negro e
Madeira, foi “gentileza” bem vista pelo Governo da Província e fez “história” entre os biógrafos do poeta.
72
A leitura da “repugnância da mocidade” pelos estudos e a “condescendência criminosa dos pais” já
vinha sendo realizada pelo diretor da instrução pública do Amazonas, inclusive em relatório publicado,
como ocorreu no anexo F do RPAM, 7/9/1858. Passados mais de vinte anos, não é difícil encontrar na
documentação a representação da “indolência dos pais” como uma das causas do atraso da instrução na
Província, conforme defendeu Joaquim Azambuja no relatório apresentado ao Governo do Amazonas, a
respeito do estado da instrução pública e das “medidas mais acertadas para o seu desenvolvimento”
(1884?, p.10)
40
“O que é certo e m’o disse o proprio professor, é que ha ali bom numero de
meninos que não frequentão as escolas, ou por nimio desleixo dos paes, ou por que
estes por ignorancia condescendem com a pouca vontade dos filhos.”
73
Em São Paulo de Olivença, Gonçalves Dias se deparou com a única escola onde
dominava a ordem e a regularidade, e “meninos com bastante adiantamento”. Encontrou a
escola em funcionamento e os meninos em seus lugares, escrevendo. O zeloso professor,
reverendo Manoel Ferreira Barreto, tinha 18 alunos sob seus cuidados. Todavia, o
empecilho das faltas diárias e das férias de cinco meses ocasionadas pela temporada da
pescaria também se manifestava nesta escola.
74
O professor atribuiu ao “desleixo dos pais”
o fato de existirem em abundância meninos que não freqüentavam a escola, “talvez por
suggestões extranhas os distraião quando não seja por conveniência do momento, ou por
não comprehenderem o alcance da instrucção, que seos filhos lucrarião com a frequencia
de uma escola primaria”.
75
A freqüência nas escolas das freguesias visitadas ficava em
torno de 10 a 19 alunos, porém esses povoados tinham uma população limitada, fato
observado pelo visitador. Em Tabatinga, cuja escola não estava em funcionamento, previa-
se que o restabelecimento desta poderia contar com 15 alunos, número considerado bom
pelo inspetor. É questionável a idéia corrente de que os pais não buscavam colocar os
filhos na escola. O diretor da instrução no Amazonas em 1858, mesmo compartilhando da
visão do descuido da família, afirma que a procura inicial pela escola era grande:
"(...) todas as vezes que se inaugura alguma escola matriculam-se muitos alumnos
e começão a tarefa com gosto; porem não sei porque fatalidade, desapparece esse
enthusiasmo animador! Assim tem sido muitas das escolas de ensino primario e
algumas mesmo de secundario, princiando estas os annos lectivos com boas
esperanças, e concluindo-os com um ou dous discipulos.”
76
O diretor da instrução amazonense, cônego Joaquim Gonçalves de Azevedo,
corroborou esta visão em 1860, responsabilizando determinadas atitudes dos pais pela
diminuição do número de alunos de algumas escolas, situação verificada pelo padre
Antonio Augusto de Mattos, nomeado visitador das escolas elementares de sete vilas
amazonenses. Alguns retiravam acintosamente os filhos das escolas, atendendo a
73
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861, p.3.
74
A oscilação na freqüência diária das escolas era significativa, fenômeno observado por Gonçalves Dias
(1861) nas escolas do Solimões, Amazonas, e por Couto de Magalhães (1864), Presidente do Pará.
75
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861, p.5.
76
RPAM, 1858, Anexo F.
41
conselhos de “amigos mal intencionados”; outros enxergavam no assinar o nome toda a
utilidade das escolas.
77
Os significados da escola para as famílias chegam a nós filtrados pelas
representações das autoridades com relação aos grupos populares e às lideranças locais,
que também tinham seus filhos freqüentando as escolas das pequenas localidades.
Portanto, as descrições das expectativas e das atitudes das famílias com relação à escola
vêm carregadas de imagens a respeito do “singular modo de viver [dos índios] nestas
vastas solidões do Amazonas”
78
, da interferência dos homens influentes sobre as famílias,
da falta da compreensão da utilidade da instrução, aliadas a aspectos muito concretos, mas
de difícil solução, como a necessidade que os pais tinham dos serviços dos filhos. À
margem destas leituras generalizantes, pode-se pinçar opiniões divergentes, como a
fornecida pelo governo amazonense em 1854, de que os pais “ainda nos lugares mais
incultos”, buscavam dar educação aos seus filhos. A “prova” da boa vontade dos pais
estava na procura por vagas nas quatro escolas recém instaladas na Província e no pedido
de tal “benefício” por outros distritos.
79
Para alguns, a alfabetização garantiria postos na administração pública. Gonçalves
Dias revela que da relação de alunos que saíram da escola do professor de São Paulo de
Olivença sem prestar o exame final, alguns passaram a exercer cargos públicos.
80
Esta
informação revela que saber ler e escrever era suficiente para se almejar um cargo público,
não havendo necessidade do exame final, do qual grande parte dos alunos fugia, segundo
os relatórios de todo o período. As relações da família com os protetores ligados aos
poderes públicos garantiam a devida colocação. Portanto, parte das crianças que estudava
nas escolas das freguesias, vilas e cidades provavelmente poderia contar no futuro com a
intervenção de protetores aliados às suas famílias. Mas para outra parte, a vantagem maior
estaria em aprender o idioma nacional. Pode-se supor que para tapuios e índios, através da
escola, seus filhos teriam facilitado o contato e a troca de produtos com os comerciantes
nos povoados ou pelos rios.
77
RPAM, 3/11/1860, documento n.8.
78
RPAM, 1/10/1864, p.19.
79
RPAM, 1/8/1854, p.22. O número de alunos matriculados foi realmente alto para as escolas da recém
criada Província: Canumá: 27; Coary: 62; São Gabriel: 29. Na de São Paulo de Olivença, o vigário
nomeado não enviou informações.
80
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861, p.5.
42
Gonçalves Dias tinha grande conhecimento das instituições educativas, do Brasil e
do exterior.
81
Não faz comparações diretamente, mas sua análise é pontuada por esse
repertório. Compartilha com a visão dos grupos dominantes da região a respeito da “vida
errante” da população amazônica, principalmente no que se refere ao nomadismo dos
índios. Morando em pobres choupanas, esta população não teria apreço a casa; abandona-a
tão logo chega o período da pesca, levando as crianças consigo, não porque não tenha com
quem deixá-las no povoado, mas porque muito se afeiçoam a elas ou precisam de seus
préstimos. Os meninos, “por mais verdes que sejão sempre podem e sabem governar a
canôa”.
82
Dias constata que a verdadeira propriedade das famílias é a canoa, símbolo da
mobilidade, e não a casa, que os prenderia ao local.
“A canôa sim, essa é a verdadeira propriedade; movel, como ellas, o indio
continua o seo viver instavel, errante, improvidente; accommoda-se dentro della
com a mulher e filhos, vão às praias e assim vivem muitos meses no anno, dando
aos filhos a educação que tiverão, e não comprehendendo que careção de mais
nada. Para dizer a um destes que mande os filhos á escola, que os não tire d’ali
antes de aptos, é ordenar-lhes que mude radicalmente a sua norma de vida.”
83
A possibilidade de abandonar a moradia repercute diretamente nos objetivos
educacionais dos governos; as autoridades não devem pressionar as famílias com multas
para que deixem os filhos na escola, pois o efeito será o contrário ao desejado, levando a
intensificação da vida nômade, pondera Gonçalves Dias. O controle governamental sobre
esta população é muito limitado; ela domina os meios de sobrevivência nas matas e rios e
independe das instituições do governo para educar os filhos. Levá-los à pescaria é a
verdadeira escola. A concepção negativa do modo de vida da população amazônica
provinha, em parte, do intenso desejo de luzes e civilização dos ilustrados que escreviam
sobre o povo livre, os índios e os escravos, aspiração associada à concepção corrente, entre
os agentes da administração oficial, da agricultura comercial como instrumento de
civilização e riqueza das províncias.
84
Gonçalves Dias deixou registrada na sua obra de
81
Gonçalves Dias iniciou suas atividades de “visitador” em 1851, ao ser designado pelo Governo
Imperial a visitar as escolas públicas e os asilos das províncias do Norte, investigando os seus problemas
e apontando soluções. Mais tarde, foi enviado em comissão à Europa para estudar o estado da instrução
pública nos “países mais adiantados”, visitando várias escolas européias em 1856 (PEREIRA, Lúcia
Miguel, 1943, p.207).
82
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861, p.3.
83
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861, p.8.
84
Luciana Marinho Batista (2003) discute a clássica concepção dos governantes e da historiografia
paraenses a respeito da decadência da agricultura na Província do Pará, questionando-a com o emprego de
dados da exportação agrícola paraense. de 1840 a 1870.
43
caráter etnográfico
85
, Brasil e Oceania, a crença na possibilidade de civilização dos índios.
A mobilidade que encontrou na população do Solimões talvez tenha colocado em cheque
as suas teses otimistas para o período. É um tema bastante enfatizado no seu relatório.
O visitador propõe que se remova as causas desse modo de vida, levando a
população a perder os “habitos de vida errante”, ao compreender que mais vale cultivar os
gêneros que buscavam nas matas do que se embrenhar nas fatigantes e pouco produtivas
excursões pelas matas e praias, em função da exploração que sofriam dos comerciantes.
Entretanto, ele não se limita a propor formas de mudar os hábitos da população; ele sugere
que a escola se adapte à realidade de vida dos pais, que não podem prescindir do “serviço
dos filhos”, agilizando o ensino do português, de forma que meninos não passem anos na
escola e saiam “não sabendo cousa nenhuma”.
86
Difundir a língua nacional já garantiria a
utilidade das escolas em regiões de população de origem indígena, como na Amazônia.
A região do rio Negro, a qual Gonçalves Dias e o engenheiro Joaquim Leovigildo
de Souza Coelho percorreram no ano de 1861, em comissão solicitada pelo governo
amazonense, é representada em seus escritos sob a égide da decadência da agricultura,
dos povoados, do número de habitantes, da religião e da instrução.
87
O engenheiro afirma
em seu relatório ao Presidente da Província que não havia instrução no rio Negro,
responsabilizando os pais por essa situação.
“Os moradores não querem mandar seos filhos para a escola. (...) antes querem,
dizem elles, que seos filhos aprendão a caçar e a pescar do que a ler.”
88
Complementando as informações do relatório de Souza Coelho com o Diário da
viagem ao Rio Negro, de Gonçalves Dias, descobrimos que dos 16 povoados e três
85
De acordo com a concepção de trabalho etnográfico da época, já que a sua principal obra indigenista e
denominada de etnográfica, foi feita sem qualquer observação de campo. A “Memoria apresentada ao
IHGB e lida na augusta presença de sua Magestade Imperial”, Brasil e Oceania, se propunha a resolver a
questão colocada pelo Imperador D. Pedro II, a saber, “Qual dos povos da Oceania ou do Brasil estavam
mais aptos para receberem a civilisação?”. Revista do IHGB, tomo 30, parte 2a, v.35, 1867 [1852?].
86
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861, p.8.
87
A viagem de exploração ao rio Negro foi realizada no período de 15/8 a 5/10/1861, no vapor Pirajá e de
canoa, em alguns trechos. Compunham a comissão, o comandante tenente Rufino Luiz Tavares, o
engenheiro citado, o inspetor das escolas públicas Gonçalves Dias e o inspetor de saúde pública, Antonio
David de Vasconcellos Canavarro, este encarregado de estudar o estado sanitário das povoações do rio
Negro. O engenheiro e o médico regiam gratuitamente duas cadeiras vagas do ensino secundário em
Manaus, a saber, a de geometria e a de geografia (RPAM, 3/5/1862, p.14). A expedição ao rio Negro
exigiu dos professores voluntários o afastamento das aulas por dois meses, sugerindo a precariedade do
ensino secundário à época, no Amazonas.
88
COELHO, Joaquim Leovigildo de Souza. Relatorio sobre o estado das povoações do Rio Negro. In:
RPAM, 3/5/1861, Documento n.4, p.22.
44
freguesias visitados, somente duas freguesias (Barcelos e Tauapeçaçu) e um povoado
(Carvoeiro) tinham escolas com alunos freqüentando. A freguesia de São Gabriel e o
povoado de Tomar possuíam professores, mas não discípulos.
89
O interessante é que há
omissões com relação à existência das escolas nos dois relatos. Gonçalves Dias não cita a
escola de Barcelos, que impressionou muito a Coelho, por ter 25 alunos em “estado de
adiantamento”, os quais escreviam bem e liam corretamente. O mérito do feito é atribuído
pelo engenheiro aos esforços do vigário. A função de Gonçalves Dias nesta comissão era a
de “Inspetor das escolas públicas”; como inspetor deveria estar ao par desta experiência
bem sucedida, como estava nos casos das escolas de Carvoeiro, com 60 alunos, e de
Tauapeçaçu, com 18 alunos, ambos ignorados por Coelho. Uma hipótese plausível para as
omissões consiste na brevidade da estadia nas povoações, que não passava de algumas
horas, e muitas vezes, em horários inadequados para uma observação escolar, como nas
últimas horas da madrugada. Algumas informações podiam ser adquiridas através de
terceiros, fontes nem sempre explicitadas nos relatos.
A despeito destes contratempos, a diversidade das finalidades dos escritos e das
experiências dos autores contribui para uma maior riqueza de informações. Gonçalves
Dias, por exemplo, vê de forma muito marcante a decadência da agricultura nos povoados
visitados; Coelho vê a decadência urbana dos povoados, mas cita os gêneros de agricultura
praticada pelos habitantes (em sua grande maioria, mamelucos e índios, esclarece ele) em
sítios mais ou menos afastados dos povoados. Por melhor conhecer os modos de vida da
população da região e pelos objetivos de sua comissão, ele procurou investigar o que os
habitantes cultivavam nos sítios e os gêneros da extração vegetal e animal. Já Gonçalves
Dias, não comprometido com os conflitos locais, como as brigas de poder, além de estar
fazendo um registro em diário pessoal, e não em documento oficial, nos revela o que
estava por detrás dos panos com relação ao funcionamento precário das instituições do
Estado e da Igreja, em São Gabriel. Em momento algum de seu diário, ele justifica a
ausência de alunos como uma falta dos pais. A respeito de Tomar, que induziu Coelho a
89
No ano letivo de 1860, as escolas de Barcelos, Tomar, São Gabriel e Moura, todas da região do rio Negro,
apresentavam alunos, segundo o quadro apresentado pelo diretor da instrução em janeiro de 1861.
Tauapeçaçu e Carvoeiro não são mencionados (RPAM, 3/5/1862, p.14). O quadro das escolas criadas entre
1852 e 1868 revela que a de Tauapeçaçu foi criada em 1860, estando vaga em 1868, o que indica, mais uma
vez, a rotatividade do professorado e a inconstância no provimento das escolas. Nada consta a respeito de
Carvoeiro, o que nos leva a suspeitar que a escola mais freqüentada do rio Negro fosse particular, quem sabe,
uma iniciativa do vigário (RPAM, 4/4/1869, p.20).
45
depositar nas famílias a falta de alunos, Gonçalves Dias informa objetivamente que o
professor não tem alunos e que o diretor de índios está no Pará, sem ter deixado substituto
em seu lugar. Então sim, deixa suas impressões no papel: “É tudo miséria e destruição”.
90
O sucesso ou a desgraça da instrução na região parece estar nas mãos dos vigários,
responsáveis pelo ensino nas escolas das povoações do rio Negro. Em Tauapeçaçu, o padre
Salgado ensina de favor a 18 alunos, podendo ter mais, pois conta com “1.300 e tantas
almas” na área. O padre é muito elogiado por Coelho, por ter casado e batizado a maior
parte das pessoas de São Gabriel para cima, mas não menciona a sua atuação escolar.
Carvoeiro, “lugar que se vai tornando importante”, tinha a impressionante cifra de 60
alunos na escola, mas Gonçalves Dias não menciona quem era o professor. Pelo
envolvimento dos moradores na construção da Igreja e na compra do sino, e pela
dificuldade de enviar professores para pequenas e distantes povoações, presume-se que o
vigário fosse o professor da escola.
O fracasso educacional de São Gabriel, aparentemente inexplicável, é desvendado
pela revelação de Gonçalves Dias a respeito das intrigas entre o comandante do forte e o
vigário. Gonçalves Dias conhecera o alferes em Manaus; a sua versão da história origina-
se dele e talvez de alguns moradores da freguesia, os quais desejavam um outro vigário, o
padre Salgado, segundo informação de Coelho. O vigário, conta-nos Dias, “queria ser
tudo”.
91
Além de vigário, diretor de índios e professor da escola, queria ser o comandante
do destacamento. Alegando não ter hóstia para dizer missa (esta é a única informação que
Coelho dá a respeito do vigário), o padre abandonou a Igreja, os índios do Uaupês de que
era diretor e a escola onde era professor. Dias esteve com o vigário, mas não relata a sua
versão, se ela existiu. Afirma que pesavam acusações fortes contra ele, como vigário e
professor, e desconfiou das atenções recebidas por parte do padre.
Coelho relaciona algumas causas para o abandono das povoações que fornecem
pistas para a não procura pela instrução dos filhos nos locais onde não havia alunos ou
mesmo escolas, já que os moradores podiam requerer ao governo a nomeação de
professores para seus povoados. Não se deve desprezar a informação repassada por
Coelho, a respeito da prioridade dada pelas famílias à educação requerida para a
sobrevivência no habitat e na cultura locais. A educação fornecida pelo Estado era muitas
90
DIAS, Antonio Gonçalves, 1997 [1861], p.46.
91
DIAS, Antonio Gonçalves, 1997 [1861], p.74.
46
vezes rejeitada, nos locais em que os ocupantes de cargos públicos representavam
negativamente o Estado, entrando em conflito com a população. E se, por ventura,
desejassem um cargo para seus filhos, o domínio da leitura e da escrita não era uma
exigência. Tanto Dias quanto Coelho observam que os inspetores de polícia das
povoações, em sua grande maioria, não sabiam ler e escrever.
Dentre as causas da depopulação dos povoados, duas resultavam da atuação do
Estado: o medo do recrutamento - em alguns povoados, a população chegou a se retirar
com a chegada da comissão, fato explicado pelo temor à ação dos recrutadores - e as
“arbitrariedades cometidas pelos subdelegados e inspetores”, fator este considerado de
maior peso. Outros fatores relacionam-se às condições de vida na região, como as febres
intermitentes, os ataques de índios e, às atividades econômicas dos habitantes, como o
comércio realizado nos rios.
92
Os sítios ficavam às margens dos lagos e igarapés, onde os
habitantes construíam as suas palhoças. Cinco dias ou mais de viagem até o povoado mais
próximo impediam a freqüência às aulas e às missas. Geralmente, a população afluía às
povoações nos dias de festa.
Se a freqüência às escolas elementares era inconstante, o funcionamento das aulas
também o era. O grande número de exonerações de professores, por vontade própria ou
iniciativa do governo, certamente repercutiu na freqüência dos alunos. A escola de Coary,
no rio Solimões, logo quando foi instalada em 1854, afluíram 62 alunos, demonstrando ao
diretor da instrução o interesse das famílias pela instrução de seus filhos. Na visita
realizada em fevereiro de 1861, Gonçalves Dias encontrou a escola desativada desde o
início do ano devido à aposentadoria do professor. No ano anterior, somente dez meninos
estudavam. São Paulo de Olivença e Tabatinga, também instaladas naquele período de
grandes esperanças na instrução popular, tinham apenas três alunos cada em 1866. Fonte
Boa, com 19 alunos em 1862, chegou a 1866 com apenas oito. No segundo ano do conflito
com o Paraguai, a tônica do relatório da instrução pública é de desânimo. O recrutamento
em larga escala teria motivado a diminuição da freqüência escolar no Amazonas, mas a
92
COELHO, Joaquim Leovigildo de Souza, op. cit., p.21.
Couto de Magalhães, Presidente da Província do Pará, levantou junto aos “homens que ahi existem
espalhados pelo immenso valle do rio Tocantins”, fatores semelhantes aos relacionados para o Amazonas,
os quais levavam o paraense a fugir dos povoados, notadamente a ação dos representantes do Estado e da
Igreja, como o comandante da guarda nacional, o vigário, o subdelegado, o inspetor de quarteirão, o
recrutador, e tantos outros “tyrannetes que o oprimmem”. E conclui: “(...) acima de tudo, o paraense ama
a independência” (RPPA, 1864, p.17).
47
estatística escolar demonstra que a freqüência também oscilara muito no início da década
de 1860, como se pode ver na tabela 8, em anexo. O diretor da instrução amazonense,
Orlando Araújo Costa, considerava inútil prover as escolas vagas e manter em
funcionamento as escolas que infringiam o regulamento, por não atingirem o número
mínimo de quinze alunos, previsto pelo regulamento de 1865. O diretor lamenta que “os
professores nem ao menos sabem escrever um officio de remessa dos mappas de suas
escolas”.
93
Desesperançado, Araújo Costa recomenda duas soluções, uma pinçada do passado
e a outra projetada para o futuro a tradição e a modernidade poderão salvar o Amazonas
da estagnação determinada por uma população de “vida nômade e errante”. “É necessário
esperar que o vapor - e o Padre - façam uma conquista em grande revolução”, anuncia
ele.
94
O vapor, simbolizando a modernização almejada para a Província, encurtará as
distâncias, ocasionará o trabalho e, por conseguinte, a reforma da vida errante da
população, crença levada a extremos pelo Bispo do Pará e do Amazonas, quando do
lançamento do projeto do Christophoro, em 1883, o Vapor-Igreja, Navio-Missionário, que
iria civilizar e catequizar os habitantes do vale.
95
O bispo reúne, em um único projeto, o
vapor e o padre; este último, para o diretor da instrução, iria combater os defeitos morais
da população pela catequese. “Não temos vapor - nem Padre”, avisa o diretor Araújo
Costa. Portanto, os limites físicos, humanos e financeiros da Província impõem que se
possa contar apenas com algumas escolas.
96
93
RPAM, 1/8/1854; RPAM 1866 (Regulamento n.16, 4/8/1865 e p. 326); DIAS, Antonio Gonçalves,
1861.
94
RPAM, 1866, p.318.
95
Os projetos educacionais do bispo Antonio de Macedo Costa são analisados no capítulo 5. A navegação
a vapor foi iniciada no Amazonas em 1853, com a barca Marajó, que inaugurou a primeira linha da
Província, diminuindo sensivelmente o tempo de viagem entre Belém e Manaus (RPAM, 1/10/1853).
96
RPAM, 1866, p. 319.
48
As casas escolares e os professores
As condições materiais e humanas de funcionamento das escolas são indicadores
do investimento limitado do Estado neste período. Todos os relatórios denunciam que as
condições de funcionamento das casas escolares não eram as mais apropriadas. De acordo
com o entendimento de que cabia ao Estado se responsabilizar por tudo que dissesse
respeito às escolas públicas, seus representantes não se furtarão em assinalar a inércia dos
governos em prover as escolas de mobília adequada e materiais, como papel, tinta e
compêndios. E denunciar a omissão do Estado em questões que deveriam estar sob sua
condução. Assim, anuncia-se que os métodos de ensino eram escolhidos pelos professores,
não havendo uniformização; compêndios mal escritos ou mesmo a ausência deles e a
inexistência de livros de leitura, levavam professores a utilizar o catecismo com esta
função. Em Fonte-Boa, Amazonas, a mobília e material da escola eram “de empréstimo”.
97
A escola de Olivença, considerada a melhor das três que Gonçalves Dias visitara no
Solimões, não tinha bancos nem mesas, que por lei deveriam ser fornecidos pelo governo.
No entanto, estava suprida do material pedagógico necessário. No Pará, as escolas
enfrentavam dificuldades semelhantes. O diretor, Felix Barreto de Vasconcellos,
informou ao presidente que,
(...) a excepçao das escolas da Capital, todas as mais se servem de mobilia
emprestada pelos particulares, ou fornecidas pelos alumnos ou por seus pais, e
n’aquelles lugares, onde nem mesmo se dá este recurso, encontra-se apenas
algum banco ou cadeira da propriedade do Professor.
98
A verba prevista em lei para o fornecimento de traslados, compêndios, papel e
tinta aos alunos pobres era insuficiente para atender aos pedidos dos professores e dos
delegados da instrução pública. Vasconcellos observou pessoalmente as conseqüências
da penúria das escolas:
“Saio á visitar as escolas, peço para vêr as escriptas dos meninos, e responde-
se-me que não escreverão por não terem papel, nem penna, nem tintas.
Pergunto por que razão já não passou adiante aquelle alumno, que na minha
visita anterior aprendia a mesma materia, que agora o acho aprendendo, e
responde-se-me que por falta de livros e de compendios. E deste modo atrazão-
se os meninos, e nem eu posso castigar os Professores.”
99
97
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861, p.4.
98
Relatório do diretor da instrução pública do Pará, 20/12/1858.
99
Relatório do diretor da instrução pública do Pará, 20/12/1858.
49
Na administração seguinte, o espírito reformador do Presidente do Pará o levou a
estipular mudanças visando melhorar as casas escolares, após observar pessoalmente que
“por toda a parte as casas das escolas são acanhadas e mesmo indecentes para o importante
fim a que são destinadas”. No novo regulamento que Sá e Albuquerque formulou para a
instrução pública, em 1860, ele marcou gratificações para aluguéis de casa, segundo a
categoria das escolas.
100
As professoras públicas do Pará já contavam com esse auxílio
desde 1858, informa o relatório do diretor da instrução.
101
Como se pode deduzir, os professores enfrentavam muitas dificuldades na
realização de suas tarefas, a começar, pelos baixos ordenados. A referência a outras
atividades exercidas pelos professores é comum na documentação oitocentista, levando Sá
e Albuquerque a transferir dois professores para “afastá-los de outras distrações”. Os
professores se envolviam com as atividades econômicas locais, como a pescaria, o
extrativismo e até a negociação de produtos artesanais com grupos indígenas, como ocorria
na Vila de Moura até pelo menos a década de 1880.
102
Nos relatórios da instrução pública do Pará e do Amazonas do ano de 1858, os
respectivos diretores queixam-se do pouco interesse dos professores pelo ensino. Quando
da instalação do Amazonas, as cadeiras do interior estavam abandonadas, pois os
professores tendo alcançado pelo patronato a função, apenas estariam visando o
agenciamento do comércio, utilizando seus ordenados como garantia de crédito. No Pará, o
diretor da instrução constata que havia “um bem crescido numero de escolas de ensino
primario disseminadas por toda Provincia”, mas poucos professores mereciam este
“honroso titulo”. A maioria das escolas contava com professores interinos, que não
tinham direito à aposentadoria no futuro e recorriam a atividades alternativas para
“ganharem o pão”, chegando a tirar licenças por conta própria. Os diretores reforçavam
a necessidade de fiscalização sistemática das escolas pelo governo.
A falta de professores habilitados para o magistério é outra questão do período, que
só começará a ser resolvida com a instalação das escolas normais do Pará (1871) e do
100
PARÁ. Regulamento n.9, de abril de 1860. RPPA, 12/5/1860, p.8.
101
Relatório do diretor da instrução pública do Pará, 20/12/1858.(IHGB-Coleção Manuel Barata).
102
O naturalista e botânico brasileiro, João Barbosa Rodrigues (1885), denunciou em sua obra sobre a
Pacificação dos Crichanás que pescarias nem sempre pacíficas no rio Jauapery, Amazonas, foram
transformadas em expedições de catequese pelo tenente Horta, pelo professor e alguns moradores de
Moura (p.35).
50
Amazonas (1882). O preparo de professores e professoras fora uma medida reclamada
pelos diretores de instrução desde o final da década de 1850. Mesmo assim, os
regulamentos serão burlados com a aprovação em concurso ou simples indicação pelos
governos de professores não habilitados. Os jornais das décadas de 1870 e 1880 estarão
vigilantes junto às nomeações políticas de seus opositores no governo.
A dificuldade em arregimentar pessoas preparadas para lecionarem em “lugarejos
que são menos que aldeias” levou as administrações a prover os lugares de professores
primários com sacerdotes. Gonçalves Dias aprova a medida, imposta pela necessidade. Os
sacerdotes eram obrigados a residir nessas localidades e pressupunha-se que possuíssem
ciência suficiente para ensinar a ler, escrever e contar, e hábitos morais e religiosos,
passíveis de influir no “animo tenro e facilmente impressivel das crianças, cuja instrução e
educação lhes for confiada”.
103
Nas cinco localidades visitadas por Gonçalves Dias no
Amazonas, três tinham escolas providas de professores, todos religiosos. As outras duas já
tiveram escolas em funcionamento, uma delas regida por um sacerdote. Porém, o visitador
apresenta certas restrições ao emprego dos sacerdotes, por estarem envolvidos com outras
ocupações e por não haver garantias de “capacidade profissional” para o cargo. Dias vê na
condição de professor outros requisitos, que vão além da ciência e da moral:
“(...) para ensinar não basta saber; é preciso geito, paciencia, e talvez habito,
certo amor e direi mesmo respeito as crianças - condições a que dariamos o nome
de capacidade profissional que se encontra de certo em alguns sacerdotes, mas
que não é de presumir que se reunão em todos.
104
Na região, o ensino tradicionalmente esteve nas mãos de religiosos. Fatores de
ordem política e social, como a falta de homens para assumir a função após a
Cabanagem
105
, obrigaram a Província do Pará a recorrer aos párocos, como professores
interinos. No relatório de 1840, o presidente João Antonio de Miranda atenta para o
“estado vertiginoso da Província”, que levou o governo a recorrer aos religiosos, os quais
apresentavam “alguma habilitação”. O Pará tinha 25, das 35 escolas em funcionamento,
103
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861, p.7.
104
DIAS, Antonio Gonçalves, 1861, p.7. Segundo o autor, o reverendo de Olivença era ao mesmo tempo
vigário, professor e diretor de índios, não havendo inconveniente, no caso específico dessa freguesia, em
dar-lhe a faculdade de impor multas aos pais faltosos com o dever de colocar os filhos nas escolas (Op.
cit., p.3).
105
A Cabanagem, referida por Patrícia Sampaio (1997, p.54-55) como uma das mais violentas rebeliões
do período regencial, ocorreu na região amazônica entre 1835 e 1840, tendo sido iniciada em Belém, logo
expandida para todo o vale. O movimento que envolveu grupos indígenas autônomos, índios aldeados,
tapuias, mestiços e negros, foi reprimido violentamente, deixando um saldo de 30 a 40 mil mortes.
51
regidas por professores interinos; três delas estavam situadas na Comarca do Alto-
Amazonas, chamada por Miranda, de “Gigante Prostrado”.
106
Passados dez anos, das 42
cadeiras de instrução primária da Província, 11 eram regidas por padres, 27 por não
religiosos e 4 por mulheres.
107
No Amazonas, a composição do quadro de professores não
era muito diversa: em 1858, de 18 professores das cadeiras masculinas, 10 eram
religiosos.
108
Cerca de uma década antes de sua visita ao Amazonas, Gonçalves Dias visitara as
instituições educativas do Norte brasileiro, incluindo o Pará. No seu relatório de 1852, ele
observa que esta Província tinha cadeiras regidas por sacerdotes, dos quais o Presidente da
Província presumia terem, ao menos, o saber devido. Dias pondera, como o fará
posteriormente, em 1862, que o acúmulo de funções era uma desvantagem para o ensino.
Esta constatação teria levado o Governo Imperial a restringir tais nomeações, permitidas
somente para os párocos que tivessem coadjutores.
109
No entanto, a tentativa do governo
central de impor limites à atuação do clero na instrução pública não se efetivou nas
províncias amazônicas neste período. Outras questões estavam em jogo na medida adotada
pelo Império, como a tentativa de assumir o controle da educação do povo, instaurando um
monopólio que, no momento, só a Igreja poderia colocar em risco. O monopólio não
significava assumir integralmente a instrução da população, mas sim, o controle das
instituições educacionais, particulares ou religiosas. Ao longo do século, a legislação
educacional tenderá para o controle crescente do Estado sobre as instituições de ensino
primário e secundário, impondo regras para a abertura e para o funcionamento de escolas e
colégios.
Em 1860, o presidente Sá e Albuquerque afirmara que nenhuma outra província do
Império tinha as interinidades das escolas em maior número do que o Pará, devido aos
baixos ordenados e aos “poucos cômodos da vida social nas pequenas povoações do
interior”, desestimulando os cidadãos a adotaram o magistério primário como profissão
permanente e estimada. O ensino, diz ele, estava confiado em grande número de casos, aos
vigários, trazendo vantagens para o público somente quando desempenhavam seus deveres
106
RPPA, 15/8/1840, p.15.
107
Diretoria de Instrução Pública do Pará. Mappa das Cadeiras de Instrucção Primaria, 18/12/1850
(IHGB - Coleção Manuel Barata).
108
RPAM, 7/9/1858, Anexo F, Mapa 1.
109
Aviso n.97 de 10/3/1851 (DIAS, Antonio Gonçalves, 1852).
52
com dedicação.
110
Como os professores seculares, os padres estavam sujeitos às punições
“em nome da moralidade pública”, como ocorreu ao padre que ocupava o lugar de
professor interino na escola de Monte Alegre, demitido em 1860 por Albuquerque.
111
Na metade do século XIX, o temor do ressurgimento dos conflitos que
resultaram na Cabanagem era bastante forte entre os poderes locais, fazendo da
presença dos religiosos nas povoações e missões da Amazônia, um braço dos poderes
públicos entre seus habitantes, ao lado da presença militar.
112
As ações catequéticas e
educacionais dos missionários e vigários tinham um forte cunho político, podendo a
atuação destes assumir um cunho policial, se assim o Estado requisitasse. Uma função
deste porte fora requisitada pelo governo amazonense em 1858, ao frei Manoel de
Santanna Salgado, por se encontrar o missionário dos rios Içana e Uaupés, muito
doente. O frei fora incumbido de investigar o “cristo-índio” no rio Içana, que formara
muitos seguidores, descritos como grupos decididos a resistir, tendo inclusive armas e
flechas envenenadas. Acompanhado de cinco homens armados, o frei entrou em
confronto com o grupo do “cristo Venâncio”, resultando em feridos de um lado e na
morte de alguns índios, por outro.
113
No rio Uaupés, a repressão policial aos seguidores
do Cristo Alexandre provocou a fuga de mais de uma centena de índios da região para a
Venezuela, segundo o testemunho de um comerciante.
114
Em outubro de 1858, o
movimento estava “dissolvido”, estando o índio Alexandre apenas acompanhado de um
filho e de um enteado e sendo caçado pela polícia.
115
Outros cristos vinham se reunindo
110
RPPA, 12/5/1860, p.8.
111
RPPA, 12/5/1860, p.9. Na mesma vila, fora também demitida a professora interina da escola feminina. As
demissões de professores podiam resultar de denúncias feitas pelos pais à Diretoria de Instrução Pública,
quando os delegados da instrução pública, responsáveis pela fiscalização das escolas, se mostravam inertes
(muitas vezes o delegado era “amigo” do professor). Denúncias eram encaminhadas aos jornais de Belém,
publicadas na sessão de “Solicitados” (encontramos tais cartas nos jornais “A Província do Pará”, jornal
liberal, e na “A Constituição”, jornal conservador). A respeito, ver capítulo 2.
112
O temor da repetição da “subversão de 1835”, provocada pelo “falso cristo”, levou o governo
amazonense a informar à Imperial Legação do Brasil na Venezuela da necessidade de convocar o padre
Romualdo, em missão permanente, e a estabelecer aldeias militares e barcos armados na fronteira (Ofício
n.1,14/2/1859, enviado ao Ministério do Império, com anexo de 28/7/1858, Arquivo Nacional,
Correspondência entre a Presidência da Província do Amazonas e o Ministério do Império 1852-1889).
113
A Estrella do Amazonas, 15/05 e 26/8 de 1858.
114
Um tal Aguir que comercia para Venezuela afirma ter visto apresentar-se em S.Carlos 150 índios nossos
civilizados e selvagens emigrados de Marabitanas, Waupés e (?)”.Ofício n.74, 31/7/1858. Do Presidente da
Província do Amazonas ao Ministro do Império (Arquivo Nacional, Correspondência entre a Presidência da
Província do Amazonas e o Ministério do Império 1852-1889).
115
Ofício n. 87, 22/10/1858. Do Presidente da Província ao Ministro do Império (Arquivo Nacional,
Correspondência entre a Presidência da Província do Amazonas e o Ministério do Império 1852-1889).
53
com grupos de índios, com suas práticas rituais, danças e beberagens.
116
A conjunção de
forças militares e religiosas obteve a subjugação dos movimentos, liderados e
engendrados por índios, “civilizados e selvagens”. A catequese, sem a aliança com a
educação civil voltada para a formação do cidadão, corria o risco da apropriação
considerada indesejada pelos governantes e religiosos, como o fez o “cristo-índio” do
Içana, que realizava casamentos e batizados, práticas sacramentais associadas aos rituais
indígenas. A mão repressora do Estado na região do rio Negro deixou seqüelas: o padre
Salgado, o qual impressionara Gonçalves Dias e o engenheiro Coelho, em comissão ao
rio Negro no ano de 1861, pela sua ação religiosa e educacional, teve que ser retirado da
região em 1858, suspeito de ser o causador da revolta na população de Marabitana, onde
era vigário.
117
A população impunha seus limites à função de representante dos poderes
públicos assumida pelo religioso.
A presença de religiosos em cargos administrativos da Província do Pará e do
Amazonas é tema raramente abordado pela historiografia.
118
Padres, freis e cônegos
foram professores públicos, diretores e visitadores da instrução pública, diretores de
índios, deputados provinciais, vice-presidentes e até presidente de província.
119
Os
sacerdotes tinham especial interesse na instrução primária pela questão do ensino
religioso, visando, sob uma perspectiva imediata, a formação moral e cristã dos
meninos, e a longo prazo, reverter a tendência anti-clerical que crescia em determinados
116
A Estrella do Amazonas, 26/8/1858.
117
Ofício n.74, 31/7/1858. Do Presidente da Província do Amazonas ao Ministro do Império (Arquivo
Nacional, Correspondência entre a Presidência da Província do Amazonas e o Ministério do Império 1852-
1889).
118
Raymundo Heraldo Maués (1998) e Fernando Arthur Neves (1998) abordam tangencialmente a
ocupação de cargos públicos por eclesiásticos nas últimas décadas do século XIX no Pará, ao tratarem do
envolvimento de membros do clero na política partidária local, fazendo emergir novas tensões às disputas
pelo poder secular.
119
Um exemplo refere-se ao cônego Joaquim Gonçalves de Azevedo, diretor da instrução pública
amazonense, citado neste capítulo. Em ofício de 24/7/1862, o Presidente do Amazonas comunicou ao
Ministro do Império que o cônego mudou-se para o Pará, ficando vago o cargo de 2
o
vice-presidente
(Arquivo Nacional, Correspondência entre a Presidência da Província do Amazonas e o Ministério do
Império 1852-1889). O relato biográfico do padre Christiano Müller (1915, p.19) revela que o menino
nascido no interior do Pará e admitido como pobre no seminário em Belém, entre outros cargos civis,
ocupou o de Diretor Geral de Índios. Ademais, o sacerdote exerceu importantes funções na Igreja da
região e de Goiás. Azevedo foi vigário geral e reitor do seminário do Amazonas, posições também
ocupadas no Pará. Segundo D. Alberto Gaudêncio Ramos (1952), no Pará, Azevedo foi nomeado Vigário
Geral de Belém, sendo em 1866, sagrado Bispo de Goiás por D. Macedo Costa. Foi a primeira sagração
episcopal na Amazônia (p.42-43). Envolvido diretamente com a formação religiosa de seu rebanho,
visitou grande parte da Diocese, fundou o Seminário diocesano, onde era professor, e ensinava o
catecismo nas escolas. Outros exemplos da presença de religiosos na administração pública são
analisados no segundo capítulo deste estudo.
54
setores, muitas vezes de forma ostensiva, resultando em meados da década de 1870 na
famosa “Questão Religiosa”, cujo Bispo do Pará, Antonio de Macedo Costa, fora um
dos protagonistas. Os 29 anos do bispado de D. Macedo Costa nas províncias
amazônicas foram marcados pelo grande interesse e intervenção na educação de pobres
e ricos.
120
Na instrução primária, a luta era pelo espaço do ensino do catecismo aos
meninos, que segundo os padres só poderia ser feito por religiosos. Os deputados
liberais combatiam esse pressuposto, chegando alguns a questionar a necessidade do
ensino da religião nas escolas, após a eclosão do conflito com a maçonaria. Não teremos
como aprofundar a participação dos religiosos na vida política das províncias, mas
estaremos apontando para a interferência dos mesmos nos projetos educacionais dos
governos, tanto os referentes às escolas quanto aos asilos e institutos de educandos
artífices. No capítulo 2, que trata da expansão do ensino público no Pará e no
Amazonas, voltaremos ao tema da interferência da Igreja na instrução pública, realizada
através dos mecanismos políticos disponíveis na época.
120
A respeito dos projetos educacionais do Bispo do Pará e do Amazonas, ver capítulo 5.
55
Capítulo 2
A civilização nas fronteiras remotas da Amazônia
Expansão da instrução pública nas décadas de 1870 e 1880
“Queremos a instrucção primaria derramada por
todos os angulos, por todas as cidades, por todas
as villas, aldêas, freguezias, povoações da
provincia. Onde houver um folego humano para
quem o alphabeto for um phantasma, um enigma
indecifravel, ahi queremos um professor. Porque
só assim attingiremos o pé de nação civilisada,
porque emfim só a luz da instrucção pode libertar
o povo brasileiro da ignorancia em que se
debate...”
1
A citação acima, do jornal liberal A Província do Pará do ano de 1876, expressa
a aspiração dos homens ilustrados da época, imbuídos da importância em estender a
instrução popular aos mais longínquos lugares do país. Na Amazônia, este anseio trazia
consigo o desafio das enormes distâncias que separavam as povoações de suas duas
províncias, o Pará e o Amazonas. A população dispersa pelo território, dedicada às
atividades extrativas e à pequena agricultura em sítios afastados dos núcleos
populacionais, constituía um obstáculo à difusão da instrução, argumento explorado
exaustivamente pelos administradores em seus relatórios.
A viagem do Presidente do Amazonas ao interior, em 1877, é um entre vários
exemplos, de como os governantes buscavam realizar o desígnio civilizador junto a seus
governados, sem desprezar o catequizador, em se tratando de uma região com
importante parcela de índios que mantinham seus costumes e tradições. Inspirado pelo
objetivo de levar um pouco de luz aos habitantes do interior do Amazonas, seu
presidente empreendeu uma visita a diversas vilas, cidades e freguesias da Província,
1
A Província do Pará, 10/8/1876.
56
atendendo às “queixas de seus habitantes”, conforme noticiou o jornal conservador
paraense A Constituição. Domingos Jacy Monteiro, acompanhado dos mais caros
símbolos da civilização cristã, visitou as repartições e as escolas públicas, cumprindo o
cerimonial do exame pessoal de alguns alunos, adentrou nas malocas dos índios,
abordando-os com brindes e com a música dos meninos do Instituto de Educandos
Artífices, sem esquecer de proporcionar o sacramento do batismo a avultado número de
crianças Maués, que “viviam como verdadeiros bugres”.
2
A visita exemplar do administrador é aqui descrita como uma ilustração da
disposição dos governos da região em incorporar ao computo de seus governados
aqueles que, por possuírem outros modos de vida, cultura e língua, permaneciam à
margem dos poderes públicos, e reforçar a fidelidade daqueles já cooptados pelas
instituições públicas. O interesse deste estudo concentra-se nas propostas e nos
programas educacionais dirigidos à população mais pobre, elegendo-se a escola
primária pública como uma instituição importante para análise, por sua inserção nos
lugares mais distantes e pouco povoados do Amazonas e do Pará.
O objetivo consiste em analisar a trajetória da expansão da instrução pública
primária nas províncias amazônicas, no período de 1870 a 1889, sob o ponto de vista
dos debates, embates e das práticas educacionais, atentando para as representações a
respeito do educar, por parte dos atores envolvidos, como autoridades e professores
públicos, famílias e alunos. A estes três últimos, as dificuldades se apresentam, ora pela
escassez de informações, ora por sua estereotipia. Muito se escreveu a respeito dos
professores, mas raramente suas vozes aparecem nos textos. Famílias dificilmente
deixaram registros; vez ou outra se publicava uma carta nos jornais da capital, por parte
de moradores que dominavam a escrita e os caminhos da imprensa, denunciando ou
elogiando professores. Os alunos são representados pelos resultados dos exames das
escolas, pelas investigações de visitadores e autoridades, e por opiniões expressas nos
documentos oficiais, formados por relatórios de presidentes das duas províncias e de
diretores da instrução pública, jornais e textos de especialistas. O mais freqüente era a
representação estereotipada destes grupos, predominando as opiniões ou as avaliações
negativas reproduzidas nos relatórios oficiais em meio a registros de observações feitas
in loco, por ocasião das visitas escolares nas capitais e no interior. Nas visitas,
2
A Constituição, 19/2/1877.
57
inspetores e autoridades costumavam examinar pessoalmente alguns meninos e meninas
a título de avaliação do estado do ensino em determinada escola,
Um alerta faz-se necessário com relação às fontes deste estudo. Trabalhamos
com a divulgação das informações, dos dados, das ocorrências, dos conflitos, dentre
outros tipos de acontecimentos concernentes à vida escolar. Tudo o que chegou a nós
podia ou devia ser divulgado, acarretando conseqüências metodológicas que
demandaram um cuidado especial na análise das fontes. Além do fato relatado em si, o
contexto de sua exposição mereceu o estudo cauteloso dos meandros dos discursos,
verificando a que público se pretendia atingir, seus fins implícitos, e a investigação, na
medida do possível, das motivações políticas e pessoais da produção dos textos.
Portanto, neste capítulo, não lidamos com a documentação oficial produzida no
dia a dia da administração pública, destinada a circular somente em determinados meios
e, com sorte, tendo como destino o depósito nos arquivos públicos. Mas não nos
iludamos com o documento oficial, conforme a advertência feita por um morador de
Belém em 1877, ao escrever para a seção de “solicitados” do jornal A Província do
Pará. O missivista pediu ao diretor da instrução pública que tomasse providências a
respeito do “procedimento indecoroso” de um adjunto (assistente do professor público)
da escola do 1
o
distrito, mas insistiu que se buscasse a verdade dos fatos pessoalmente
junto a um certo sr. Vianna, melhor ciente do caso do que o delegado literário,
responsável por informar à Diretoria as ocorrências escolares. Pois que, alega o
desconfiado denunciante, “isso de papeis officiaes serve mais para - inglez ver do que
para exprimir a verdade”.
3
A suspeita da personagem da época só vem a reforçar o
pressuposto metodológico de que a análise, tanto do documento reservado quanto do
publicado, exige o cuidado extremo do pesquisador com as suas condições de produção.
Assim, os jornais utilizados neste capítulo constituem as fontes de pesquisa
privilegiadas para o estudo das representações acerca da escola e dos sujeitos nela
implicados. Desta forma, trabalhamos com as representações veiculadas pela imprensa,
adotando a conceituação proposta por Dan Sperber, na qual, as representações mentais
são aquelas em que o sujeito é produtor e usuário; quando comunicadas tornam-se
representações públicas, portanto produtor e usuário são distintos; e quando
3
A Província do Pará, 18/4/1877.
58
amplamente disseminadas e tornadas habituais a um determinado grupo social,
adquirem a posição de representações culturais.
4
Pensando no contexto das fontes
específicas de nosso estudo, entendemos que as cartas, as notícias e os artigos
publicados nos jornais transformam as representações mentais em públicas, ao fazerem
circular as diferentes representações acerca dos conflitos, das práticas pedagógicas e
sociais inseparáveis do funcionamento cotidiano da escola e das possibilidades de
reforma do ensino, da profissão docente e da instituição escolar. Os textos transcritos de
outros jornais permitem a disseminação, dentro de um determinado meio, das
representações públicas produzidas por terceiros (autores de outras folhas, tanto locais
quanto de outras províncias e países); os artigos escritos por jornalistas e redatores dos
próprios jornais comunicam representações mentais de seus autores a respeito dos temas
educacionais e transmitem elaborações baseadas em representações públicas circulantes
aos níveis regional, nacional e internacional; as cartas, provindas diretamente da cena
escolar e de seu entorno social, expõem em primeira mão as representações mentais de
seus produtores, construídas a partir da vivência ou da observação direta das tramas e
dos dramas da vida escolar. Ao se tornarem públicas, as interpretações acerca dos
acontecimentos escolares integram o conjunto das representações acerca da instrução
pública de um determinado grupo social, não significando de forma alguma, uma
unidade interpretativa. Ao contrário, pode-se falar de uma luta de representações,
movida pelos interesses políticos e sociais dos grupos mobilizados pela instrução e
educação oferecidas pelo Estado. Dentro da proposição de Sperber, as representações
comunicadas, sendo distribuídas por todo o grupo social, constituem as representações
culturais, devendo ser consideradas no processo de comunicação as transformações de
conteúdo. Pode-se imaginar que a imprensa auxiliou na construção de uma cultura
escolar ou de culturas escolares, com a divulgação de saberes e experiências do campo
educacional, produzidas dentro e fora das escolas, no interior de uma determinada
comunidade ou fora dela. Representações culturais que os regulamentos se esforçaram
por engessar, mas que as práticas escolares sempre as puseram em confronto.
5
4
SPERBER, Dan, 2001, p.90-103.
5
O sistema escolar sempre foi marcado pelos discursos dos agentes sociais que nele ocuparam posições,
como os discursos dos políticos, dos administradores, dos agentes institucionais e dos usuários, inscrições
que favorecem as contradições nos sistemas de representações, conforme nos alerta Michel Gilly (2001,
p. 321-341).
59
Estaremos tratando aqui de questões pertinentes à educação popular, reveladas
pela documentação das duas províncias. Algumas delas são comuns às discussões
nacionais a respeito da instrução primária e à educação do povo; outras estão
relacionadas à especificidade regional, pelo território e pela população que compõem as
províncias; outras são pertinentes a cada província em particular. Optamos por
apresentar as discussões, articuladas com as práticas educacionais das duas províncias
em conjunto, porém respeitando suas fronteiras e deixando entrever a tensão entre o
local, o nacional e o internacional (ocidental). Iniciaremos com uma breve discussão a
respeito da expansão quantitativa da instrução nas capitais Belém e Manaus, e no
interior do Pará e do Amazonas.
Os números da instrução primária pública na Amazônia
Nas duas últimas décadas do Império houve, por parte dos governos
amazonenses e paraenses, intensa mobilização em prol da instrução elementar,
especialmente a partir de 1875, quando os relatórios provinciais registram significativo
aumento no número de escolas e de alunos matriculados, como se pode observar nas
tabelas 1 a 10, em anexo.
Os dados escolares divulgados pelas diretorias de instrução baseiam-se nos
mapas enviados pelos professores públicos, considerados, quase unanimemente, como
irreais, pois muitas vezes o professor anotava o número de alunos matriculados, mas
não os que efetivamente freqüentaram as aulas, como era esperado. Não era ocorrência
incomum professores fraudarem os mapas de forma a manter o número mínimo exigido
por lei para manter a escola em funcionamento ou para conservar a sua posição na
hierarquia escolar, sobretudo nos lugares mais distantes onde as visitas escolares
aconteciam mais esparsamente. Por outro lado, a não contagem do número total de
alunos, nos casos de professores que não enviavam seus mapas, incidia
costumeiramente sobre as estatísticas escolares, a despeito das punições previstas nos
regulamentos. Ora se usava, nos relatórios, o termo “alunos matriculados”, ora
“freqüência de alunos”, nem sempre os diferenciando devidamente. Os dados escolares
apresentados pelas diretorias da instrução pública não refletiam a situação educacional
das províncias no todo, pois geralmente só contabilizavam as escolas criadas pela
60
administração provincial, excluindo-se as escolas particulares, as escolas das missões
indígenas e os meninos e as meninas que recebiam a instrução elementar em casa.
Falhas na estatística escolar ocorriam na instrução pública de todo o Império, gerando
análises e críticas contundentes, como a realizada por Rui Barbosa no Parlamento
brasileiro em 1882.
6
Os dados serão utilizados como um perfil aproximado do
investimento público na instrução popular, sem desconsiderar as interpretações e os
usos das estatísticas pelos governos, opositores políticos e especialistas em educação.
A documentação oficial das províncias do Pará e do Amazonas anuncia o firme
propósito de disseminar a educação e a instrução pelo interior amazônico (expansão
geográfica) e estender o seu alcance às mais diversas categorias sociais da população
mais pobre (expansão social). Os dados do Censo de 1872, relativos à freqüência à
escola, são utilizados para a análise da situação educacional no início da década de
1870, alertando o leitor de que o recenseamento reúne os números do ensino público e
particular. Desta forma, estes índices são ligeiramente superiores aos apresentados pelas
diretorias de instrução pública das províncias. O Censo Imperial relaciona os dados por
paróquias e os totaliza no final, pelos municípios com as respectivas paróquias. Os
municípios de Belém e de Manaus eram formados por doze e seis paróquias,
respectivamente. O Pará tinha 32 municípios e 71 paróquias ou freguesias no todo e o
Amazonas, sete municípios e 22 paróquias ou freguesias. A categoria “freqüentam
escolas” abrangia a população em idade escolar, ou seja, os meninos e as meninas livres
entre os 6 e 15 anos, que estavam na escola. É razoável supor-se que ela englobava duas
situações: aqueles que efetivamente freqüentavam escolas e aquelas que estavam
matriculados, mas não as freqüentavam ou o faziam de forma intermitente.
6
Reforma do ensino primário e várias instituições complementares. Estatística e situação do ensino
popular, citado por FARIA FILHO, Luciano Mendes de, 1999, p.124. O paraense José Veríssimo (1892),
envolvido com o tema da educação popular no Pará desde os tempos do Império, criticou de forma
contundente a estatística escolar realizada no país. No seu relatório sobre a instrução pública no Estado do
Pará em 1890, queixou-se da insuficiência de registros e dados estatísticos sobre a educação no país: “Os
inqueritos, as inspecções, as monographias, os pareceres, as estatisticas comparadas que desde muito são,
em todos os paizes verdadeiramente cultos.... fallecem-nos a nós totalmente.” (p.6).
61
A expansão geográfica
O Censo Imperial de 1872 revela que o Amazonas e o Pará concentravam suas
escolas nos municípios das capitais. Conforme a distância do centro político e
econômico de cada Província aumentava, diminuía a freqüência escolar. Os percentuais
expõem um baixo grau de escolarização das duas sociedades, contudo correspondiam à
situação da maioria das províncias brasileiras. Neste momento, o Pará e o Amazonas
não apresentavam índices muito destoantes de freqüência à escola, isto é, cerca de
14,9% no primeiro caso, e 12,5% no segundo. Fora dos municípios das capitais, a queda
na freqüência é sensivelmente mais acentuada, conforme mostram os percentuais
abaixo. Os dados da população em idade escolar mostram que, no caso do Amazonas, a
maior concentração de alunos no município da capital é justificada pelo fato de nele
residirem mais da metade das crianças entre 6 e 15 anos da Província.
62
Freqüência à escola da população livre em idade
escolar (6 a 15 anos), segundo o Censo de 1872
7
Totais
PARÁ
População
em idade
escolar (1)
Freqüentam
escolas
Cidade de Belém 12,30% 23,90%
Município de Belém (2) 23,16% 22,44%
Outros municípios 76,84% 12,66%
Pará 100,00% 14,93%
(1) Percentuais em relação ao total da Província
(2) O município de Belém (12 paróquias) abrange a Cidade de
Belém (4 paróquias)
Totais
AMAZONAS
População
em idade
escolar (1)
Freqüentam
escolas
Paróquia de Manaus 32,62% 18,86%
Município de Manaus (2) 53,23% 15,27%
Outros municípios 46,77% 9,44%
Amazonas 100,00% 12,54%
(1) Percentuais em relação ao total da Província
(2) O município de Manaus (6 paróquias) abrange a Paróquia
de Manaus.
As estatísticas das diretorias de instrução pública para períodos posteriores
confirmam a tendência da maior escolarização nas capitais e nos núcleos populacionais
de seus municípios ou comarcas. As tabelas da distribuição das escolas públicas e dos
alunos por comarca indicam que as comarcas das capitais do Pará e do Amazonas
estavam à frente nos esforços educacionais.
8
O Pará possuía 14 comarcas em 1881 e o
Amazonas cinco, em 1877. Cada uma abarcava extensa área geográfica, com vilas,
freguesias, povoações, e em menor número, cidades. As das capitais possuíam o maior
número de centros populacionais, e abrigavam a capital de cada Província, não
7
A tabela completa, com os valores absolutos, encontra-se em anexo (nº 21).
8
Os números apresentados sem a indicação das fontes encontram-se organizados por tabelas, ao final da
tese, com a devida referência às fontes.
63
esquecendo que, comarca da capital é uma categoria bem mais ampla do que capital da
província, abrangendo áreas urbanas e rurais.
Em 1877, a comarca da capital do Amazonas contava com nove núcleos
populacionais englobando 21 escolas e 712 alunos, tendo Manaus oito escolas e 385
matriculados. As 27 escolas restantes se situavam nas comarcas de Itacoatiara, Parintins,
Solimões e Rio Negro, com 642 alunos. No todo, 969 alunos estudavam fora da capital
da Província. Ao todo existiam 1.364 alunos e, ao final do Império, este número chegou
a 3.534.
9
Destes, 1.783 estudavam no município da capital, distribuídos por 49 escolas.
Manaus já contava com 23 escolas públicas primárias em 1889, atendendo a 1.104
alunos. Através do mapa apresentado pela Secretaria de Instrução Pública no ano de
1877, percebe-se que a maior parte das escolas amazonenses situava-se em pequenos
núcleos populacionais que, embora pudessem distar dias de barco da capital, estavam
longe de corresponderem a uma ampla disseminação da instrução pelo interior da
Província.
Comparando os dados educacionais de 1877 com os de 1888/1889 verifica-se
que Manaus quase triplicou o número de escolas. Dos núcleos populacionais, a capital
conheceu maior crescimento da instrução primária, presente em nove bairros ao final do
Império. Pelos recenseamentos gerais de 1872 e 1890, verificamos que Manaus
vivenciou um crescimento demográfico alto no período, duplicando a sua população.
Mas, a cidade não chegou a transformar sua feição urbana, o que viria a ocorrer
posteriormente, no governo do engenheiro militar Eduardo Ribeiro, nos anos 1892 a
1896.
10
Contudo, ainda nos anos 1880, a riqueza gerada da comercialização em torno da
borracha acarretou novas demandas de serviços públicos e privados, entre eles, os
educacionais. A constituição da elite amazonense da borracha forjou o surgimento dos
símbolos de uma desejada civilização, como o teatro, o mercado, a praça, o
estabelecimento dos educandos, os bailes e os banquetes.
11
Como a melhoria da
educação escolar, o refinamento dos costumes e dos gostos revelava sinais de
diferenciação social. Sob o governo do liberal José Lustosa da Cunha Paranaguá, os
números de escolas e alunos do Amazonas mais que dobraram, como está demonstrado
9
AMAZONAS. Relatório com que o Presidente Manoel Francisco Machado abriu a 2
a
sessão da
Assembléia Legislativa Provincial, em 8/10/1889. (Citado por UCHÔA, 1966, p.185)
10
DAOU, Ana Maria, 2000.
11
DAOU, Ana Maria, 1998.
64
na tabela 7, em anexo. Esta tendência de crescimento é revertida em 1885 quando os
conflitos gerados com a retomada do poder pelos conservadores repercutiram
diretamente no ensino, assunto abordado ao longo do capítulo. A recuperação dos
patamares educacionais de 1883 e 1884 só ocorrerá nos dois últimos anos do Império.
As outras localidades da comarca da capital permaneceram no mesmo estágio,
embora novas escolas tenham surgido em locais em que a instrução pública era ausente,
totalizando 113 escolas públicas primárias na Província no primeiro trimestre de 1888,
65 a mais do que as existentes em 1877. Neste ano, a instrução pública esteve presente
em 25 núcleos populacionais do interior contra 58 em 1888, indicando que a expansão
do ensino não ficou restrita à capital.
12
A cidade de Manaus possuía 20 escolas e as
cidades, vilas, freguesias e povoações do interior reuniam 93 casas escolares,
masculinas, femininas e mistas, abaixo relacionadas.
Número de matriculados e de escolas públicas primárias da
Província do Amazonas no 1º trimestre de 1888
Local Nº de
matriculados
% Nº de escolas %
Capital 629 26,22 20 17,70
Interior 1770 73,78 93 82,30
Total 2399 100,00 113 100,00
Fonte: RPAM, 5/9/1888 (ver dados discriminados por localidade na
tabela 23, em anexo).
O crescimento populacional de núcleos situados em áreas de intensa exploração
extrativista repercutiu na “política” de criação de escolas. O deputado da Assembléia
amazonense Braule Pinto apresentou um projeto em 1877, propondo a criação de quatro
escolas de ensino primário masculino em povoados do rio Purus, argumentando que,
“(...) não existindo no vastissimo, rico e populoso rio Purús uma só escola de
ensino primario; e, concorrendo seus habitantes com elevada cifra para os
cofres provinciaes, proveniente de impostas, é de inteira justiça que alguma
couza se faça em seo bem estar.
13
12
O quadro das matrículas do ano de 1888 mostra que houve um significativo aumento no número de
localidades do interior do Amazonas com escolas públicas, a saber, 3 cidades, 10 vilas, 16 freguesias e 29
povoações (“Quadro demonstrativo da matricula das escolas publicas da província do Amazonas relativa
ao primeiro trimestre de 1888”. In: RPPAM, 5/9/1888). Ver anexo nº 23.
13
AMAZONAS, Anais da Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas, 1877, p.10.
65
Os dados apresentados pelas diretorias de instrução mostram que o Pará
conheceu um incremento na instrução primária no meio da década de 1870 e o
Amazonas somente nos últimos anos do regime imperial. O Pará tinha dez vezes mais
alunos do que o Amazonas em 1875, com uma população cinco vezes maior. Com o
crescimento do alunado em meados da década de 1880, a distância entre as duas
províncias voltou a diminuir.
14
A comarca da capital do Pará possuía, em 1881, 87 escolas e 3.795 alunos,
distribuídos em 13 núcleos populacionais: a capital Belém, nove vilas e três povoações.
Na Província funcionavam 267 escolas primárias públicas com 10.840 alunos
matriculados. A tabela 4, em anexo, apresenta a distribuição da população escolar e das
escolas públicas pelas 14 comarcas da Província do Pará, em 1881.
Em 1885, Belém possuía 24 escolas e, no 2
o
trimestre de 1888, este número
saltou para 46 escolas primárias, com a freqüência diária de 1.848 alunos. Os dados
mostram que 78% dos alunos das escolas públicas primárias estudavam fora da capital.
Apesar de algumas omissões do mapa apresentado no relatório do diretor da instrução
em fevereiro de 1889 e dos presumíveis erros de coleta, é plausível sugerir que havia
uma razoável distribuição das escolas pelo interior. Das 323 escolas relacionadas no
quadro da freqüência diária de 1887 e 1888, 277 funcionavam no interior e 46 na
capital, ou seja, cerca de 85% das escolas do Pará estavam instaladas nas pequenas
cidades, vilas e povoados da Província.
15
A tabela abaixo apresenta a freqüência diária
do 1º e 2º trimestres dos anos de 1887 e 1888, respectivamente.
14
Pelo recenseamento de 1872, o Pará tinha 275.237 habitantes e o Amazonas, 57.610. O visitador
escolar do Amazonas, conselheiro Joaquim Azambuja (1884?, p.85), chegou a afirmar em 1883 que, a
proporção de alunos por população escolar era maior no Amazonas do que no Pará, utilizando estimativas
populacionais feitas a partir do Censo de 1872.
15
Ver na tabela 22, em anexo, a distribuição da freqüência dos alunos por localidade na tabela
“Freqüência diária das escolas públicas primárias da Província do Pará no 1º trimestre de 1887 e no 2º
trimestre de 1888”, dados retirados do anexo 2 do RPPA, 2/2/1889. Nos mapas do Pará e Amazonas, em
anexo, pode-se verificar a localização de parte das localidades indicadas nas tabelas 22 e 23.
66
Freqüência diária das escolas públicas primárias (diurnas) da Província do
Pará no 1º trimestre de 1887 e no 2º trimestre de 1888
Local 1º trim. 87 % 2º trim. 88
% Nº de escolas %
Capital 1507 21,43 1854 21,97 46 14,24
Interior 5524 78,57 6583 78,03 277 85,76
Total 7031 100,00 8437 100,00 323 100,00
Fonte: RPPA, 2/2/1889, anexo 2 Dados discriminados por localidade na tabela 22, em anexo.
Excluídas as escolas noturnas, que foram incluídas na tabela 6.
O citado relatório do diretor da instrução e o mapa apresentado no anexo 22
apresentam discrepâncias nos números.
16
O diretor registrou na Província 16.550 alunos
matriculados em 331 escolas, com a freqüência média de 9.930 alunos. Totalizando os
números da freqüência diária do 2º trimestre de 1888, chegamos a número inferior ao da
freqüência média do ano, diferença que não pode ser desprezada. Há duas explicações
plausíveis para o caso: ou a freqüência foi maior nos outros trimestres do ano ou
simplesmente, trata-se de um problema de coleta. As oito escolas noturnas não incluídas
na tabela acima não alteram esta situação, pois no 2º trimestre de 1888 só freqüentaram
145 alunos.
Sistematicamente, as províncias discutiram por meio dos relatórios oficiais e dos
jornais as suas posições no ranking educacional, nacional e internacionalmente,
calculando a proporção população escolar versus população em idade escolar,
comparativamente a outras províncias do Império e países cultos. As estimativas e os
cálculos apresentados pelas diretorias de instrução e pelas presidências baseavam-se no
Censo de 1872 e nos mapas de matrícula escolar, portanto devem ser olhados com
reserva e interpretados à luz das teses defendidas por seus anunciadores. O
recenseamento de 1872, por determinação do governo central, deparou-se com falhas
flagrantes, fartamente identificadas nos relatórios provinciais, especialmente nos
amazonenses. O abandono das povoações em função das atividades laborais da
população, em determinados períodos do ano, é um dos fatores que contribuiu para a
16
RPPA, 2/2/1889, p.36 e “Mappa comparativo da frequencia diaria das escolas publicas da Provincia do
Pará”, anexo 2.
67
subcontagem dos habitantes. Outro aspecto apontado refere-se ao não arrolamento da
população indígena.
17
Não citaremos todas as estimativas feitas, mas consideramos relevante
mencionar a importância que os números da educação escolar assumem para os
governos neste período. Eles exibem, de um lado, a valorização dada por determinada
administração à educação de seus governados, e por outro, expõem as dificuldades
enfrentadas para investir em uma das áreas em que os discursos eram os mais exaltados
o da educação e da instrução popular. Um bom exemplo deste uso dos números, nos
seus pólos negativo e positivo, é o do Presidente do Pará, Domingos José da Cunha
Junior, em 1873. Comparando a população escolar com a população em idade escolar,
ele revela o “atraso” do Pará frente aos “países civilizados”, pois dos 49.949 indivíduos
estimados entre 7 e 14 anos, somente 8.886 eram absorvidos pelo ensino público e
particular, ou pelo menos, estavam matriculados nas escolas da Província. Contudo,
proporcionalmente à população total, o presidente lembra que o Pará tinha mais alunos
do que as províncias de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, as mais visíveis quando se
tratava do avanço da educação no Império.
18
Um diretor da instrução que passou cerca
de cinco anos dirigindo a instrução pública paraense, Joaquim Pedro Corrêa de Freitas,
não se esquivou de utilizar a “assustadora” estatística geral do Império para comprovar
a posição privilegiada do Pará na corrida rumo à civilização. Pelas suas contas, o Pará
era a sétima Província do Império em número de alunos matriculados e uma das
primeiras relativamente à sua população.
19
17
A respeito dos recenseamentos na Província do Amazonas, ver SAMPAIO, Patrícia (1997),
especialmente o tópico “1.2. Como se contam os homens na Província do Amazonas”. Agnello
Bittencourt (1985 [1925]) descreve as dificuldades de recenseamento da população do Amazonas em
1920, da mesma natureza das enfrentadas no período imperial. Em 1883, o presidente José Paranaguá
justificou a imperfeição dos dados censitários para a realização de um novo censo no Amazonas, do qual
ele apresenta os primeiros resultados, não havendo, entretanto, continuidade nos relatórios seguintes.
18
RPPA, 1/7/1873, p.17. Cálculos realizados com base na estimativa da população total, em torno de 350
mil habitantes.
19
Relatório do diretor geral da instrução pública. In: RPPA, 15/2/1877, anexo 3, p. LV. Joaquim Pedro
Corrêa de Freitas foi diretor da instrução no Pará de 1876 a 1881, passando por várias presidências, de
conservadores e liberais (ver RPPA, 15/2/1881, anexo A, p.V). Nos anos de 1875 e 1882, ele cumpriu
comissão como visitador escolar da Província. O resumo biográfico da Biblioteca Pública do Pará
informa que o paraense Corrêa de Freitas (1829-1888) nasceu em Cametá e formou-se em medicina,
tendo estudado em vários países da Europa. Compôs um compêndio de geografia e história do Brasil, um
paleógrafo e vários livros de leitura. Eleito deputado provincial no Pará; foi propagandista da abolição e
concorria com seu próprio dinheiro para a instrução de pessoas pobres.
68
Algumas hipóteses podem ser sugeridas para explicar a diferença quantitativa na
instrução pública primária das duas províncias, observada no final da década de 1870,
conforme o exposto nas tabelas em anexo. A primeira delas, sem dúvida, refere-se à
“juventude” da província amazonense. Como indicamos no capítulo 1, ao se tornar
independente do Pará, o Amazonas era uma região esquecida pelos poderes públicos em
termos da instrução de sua população. Chamada de Gigante Prostrado pelo presidente
paraense em 1840, quando informou que na Comarca do Alto-Amazonas só havia três
escolas, a situação educacional não sofreu alterações significativas dez anos depois.
Somente três escolas do interior tinham professores e, na capital, só funcionava a escola
feminina.
20
O Pará, ao contrário, engajava-se na implementação de uma política voltada
para instrução e educação populares, acompanhando a discussão, a legislação e as
práticas engendradas em várias províncias brasileiras na metade do século XIX.
Outros fatores, como a formação territorial e a concentração populacional, as
atividades econômicas da população, a geração de riqueza pela província e o emprego
do dinheiro público, possivelmente interferiram na capacidade de investimento e na
obtenção de resultados na esfera da educação pública de cada província. Estes são
aspectos que nos esquivaremos de analisar, pela falta de estudos que a subsidiem e por
fugirem aos propósitos desta pesquisa.
21
A expansão social
Nas duas últimas décadas do Império, a instrução se expandiu para outras
categorias sociais, profissionais e de gênero. No que se refere ao gênero, é notável o
crescimento do número de alunas nas capitais do Pará e do Amazonas. O Censo de 1872
havia captado para a cidade de Belém, o fenômeno da maior incidência de meninas
estudando do que meninos. Na cidade de Manaus, predominavam os meninos nas
20
RPPA, 15/8/1840, p.15 e RPAM, 1852, p.37.
21
Para o período aproximadamente de 1840 a 1870/1880, temos os trabalhos de Patrícia Sampaio (1997)
e Luciana Batista (2003), que informam a respeito das atividades econômicas das Províncias do
Amazonas e do Pará, respectivamente. As autoras, especialmente Luciana Batista, põem em cheque a
visão oficial da decadência da agricultura na região, sustentada pela premissa da total dedicação de sua
população às atividades extrativas. No Amazonas, as atividades agrícolas estavam voltadas para o
consumo doméstico e para o mercado interno, enquanto o Pará foi importante exportador de produtos
agrícolas, como o cacau, o arroz com casca, o algodão e o açúcar. As atividades extrativas eram exercidas
paralelamente ou associadas às atividades agrícolas, além da caça e da pesca. Não temos informações
mais aprofundadas a respeito da produção agrícola e demais atividades econômicas das províncias para o
período posterior a 1870, quando se intensificou a exploração da borracha em toda a região amazônica.
69
escolas, situação que não perdurará como mostram os dados escolares de 1877.
22
No
interior, a presença das meninas nas escolas caía drasticamente, sugerindo as diferenças
de mentalidade com relação à importância de alfabetizá-las e de educá-las além dos
conhecimentos fornecidos pelo contexto doméstico. Conforme se observa na tabela
abaixo, no interior do Pará a freqüência feminina era muito menor do que a de suas
companheiras da capital, e muito inferior à masculina.
Freqüência à escola dos meninos e das meninas livres, em
idade escolar (6 a 15 anos), segundo o Censo de 1872
Meninos Meninas
PA
Freqüentam
escolas %
Freqüentam
escolas %
Cidade de Belém 22,32 26,25
Município de Belém 23,33 21,26
Outros municípios 16,63 8,43
Pará 18,30 11,15
Meninos Meninas
AMAZONAS
Freqüentam
escolas %
Freqüentam
escolas %
Paróquia de Manaus 21,65 14,72
Município de Manaus 17,07 12,30
Outros municípios 10,45 7,86
Amazonas 14,00 10,19
Ver tabela 21, em anexo.
Os dados das diretorias da instrução pública confirmam as tendências apontadas
pelo Censo de 1872. Ainda anos 1870, os números de meninos e meninas na instrução
primária pública estarão equilibrados nas capitais, Belém e Manaus. No entanto, no
interior a diferença continuará grande no Amazonas do ano de 1877, 775 meninos
estavam matriculados em 25 escolas primárias públicas do interior contra 194 meninas
em 15 escolas. O Pará tinha 4.580 meninos em 92 escolas e 1.012 meninas em 72
22
Alessandra Schueller (2002) observou o mesmo fenômeno com relação à cidade do Rio de Janeiro, que
conheceu maior disseminação das escolas públicas em meados dos anos 1870 (p.56-57).
70
escolas no ano de 1872, chegando em 1889 a viver uma situação inusitada, a qual o
diretor da instrução confessou não conseguir explicar: o número de meninas estudando
na capital era muito maior do que o de meninos. Das 43 escolas públicas primárias de
Belém, 16 eram do sexo masculino e 27 do feminino, com 740 alunos e 1.300 alunas,
respectivamente. A freqüência média era de 472 meninos e 769 meninas, indicando que,
mesmo na capital, existia um significativo distanciamento entre matrícula e freqüência
às aulas. O diretor não explica a “anomalia” recorrendo à diferença populacional entre
homens e mulheres, a qual estima insignificante, mas às escolhas e interesses das “mães
de família”, mais zelosas com a educação das filhas do que com a dos filhos, “que
empregam em misteres, de que possão auferir salario immediato no futuro como a
aprendizagem de officios mechanicos”.
23
A necessidade do trabalho dos filhos
repercutia tanto na educação dos meninos na cidade quanto nas áreas rurais.
É sempre pertinente lembrar da fragilidade dos arrolamentos estatísticos da
época, que em segundos desmontam a surpresa de uma revelação, como a supracitada,
relativa ao número bem superior de alunas do que de alunos nas escolas primárias de
Belém. Os dados escolares apresentados pela Província do Pará, referentes ao final de
1888, confrontam as informações divulgadas pelo diretor da instrução paraense,
Americo Santa Rosa,1 em seu relatório de julho de 1889. De acordo com o jornal, o
qual não cita a fonte das informações dadas, a capital tinha, em dezembro de 1888, 53
escolas públicas, 29 do sexo masculino e 24 femininas, mas não informa o número de
alunos e alunas. Considerando que das masculinas, três eram noturnas e, portanto,
atendiam a jovens e adultos, havia um equilíbrio entre os sexos, pelo menos, quanto ao
número de escolas. Esta é uma tendência já observada em meados da década de 1870,
quando o número de alunas em pouco suplantava o de alunos.
24
. Não temos como
confrontar os números do jornal e os de Santa Rosa, visto que o mapa da freqüência
diária do ensino primário público em meados de 1888 somente discrimina os dados por
localidades e tipos de escolas, e não por sexo, como seria necessário. O jornal informa
ainda que na Província existiam 345 escolas, sendo 292 no interior, e apresenta a
distribuição das mesmas pelas categorias de cidades, vilas, freguesias e localidades,
conforme tabela em anexo.
23
Relatório da Diretoria da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 18/9/1889, Anexo, p.33.
24
Província do Pará, 4/12/1888 e 17/10/1876. Pela notícia de 1876, Belém tinha 711 meninos e 689
meninas na instrução primária.
71
Em Manaus já se observava o crescimento do ensino feminino, como se pode
ver no mapa relativo ao ano de 1877, quando o número de alunas ultrapassou levemente
o de alunos do ensino primário. No interior, o número de meninas estudando era
significativamente menor. Na década seguinte, as escolas primárias públicas de Manaus
são tomadas pela presença feminina, com quase o dobro de alunas em relação ao de
alunos, como pode ser visto na presente tabela. No interior, a situação se inverte, e no
total das matrículas, a diferença entre alunos e alunas já não é tão significativa. As
escolas mistas, freqüentadas por meninas e, meninos até nove ou dez anos, não tiveram
seus dados computados por sexo, pois os relatórios não fazem esta discriminação.
Alunos e alunas matriculados nas escolas públicas da Província do
Amazonas no trimestre de 1888
Tipo de
escola Capital Interior Total % Capital % Interior
Masculina 187 1051 1238 15,11% 84,89%
Feminina 344 568 912 37,72% 62,28%
Mista 98 151 249 39,36% 60,64%
Total 629 1770 2399 26,22% 73,78%
Fonte: RPAM, 5/9/1888 (mapa completo no anexo 23).
No início dos anos 1870, o governo paraense instaurou uma política visando
estender o benefício da instrução aos adultos das classes pobres, principalmente os
“operários”, através da regulamentação e criação de escolas noturnas na capital e nas
cidades do interior. Abel Graça percebia nestas escolas “um elemento de prosperidade”
em toda a parte onde existiam, mostrando-se empolgado com a freqüência aos cursos no
Pará, apesar de sua criação recente. Trabalhadores que durante o dia tiravam a sua
subsistência, à noite podiam “cultivar a intelligencia que na infância ficou
abandonada”.
25
Em 1871, foram nomeados oito professores públicos para reger escolas
noturnas nas cidades paraenses, sendo que Belém contava com 339 alunos, nas públicas
e particulares.
26
O presidente assegura ter aberto as escolas aos escravos, desejando incluir a
Província na obra patriótica da emancipação do elemento servil. A argumentação vai de
25
RPPA, 15/2/1872, p.10. As escolas noturnas foram criadas pelo regulamento de 20/4/1870.
26
RPPA, 15/2/1872, p.12.
72
encontro às discussões das décadas de 1870 e 1880 a respeito da necessidade dos
poderes públicos e de outros setores da sociedade prepararem os escravos para a
inserção gradual na sociedade brasileira, prevendo-se a sua emancipação futura. Abel
Graça justificou a iniciativa alegando que,
“(...) fora do estado da servidão e entrando para a sociedade livre o homem
liberto deve levar algumas luzes, alguns rudimentos de moral e bons costumes,
para lhes servir de guia.
27
Perseguindo o objetivo do “derramamento da instrução por todas as classes
sociaes”, o Pará possuía, em 1873, 16 escolas noturnas para adultos, oito públicas e oito
particulares. As públicas contavam 150 alunos, estando duas escolas instaladas na
capital e as demais, uma em cada cidade do interior. As particulares atendiam a 325
alunos livres, sendo uma delas especialmente destinada a escravos, contando 55 alunos.
No final do Império, os dados da freqüência diária das escolas públicas paraenses
assinalam que as escolas noturnas não atingiram o desenvolvimento esperado,
aparentemente por falta de procura por parte daqueles que se esperava instruir. No 1º
trimestre de 1888, somente 183 alunos freqüentaram as oito escolas noturnas mantidas
pela Província, conforme o exposto na tabela em anexo.
Não há qualquer referência a alunos escravos nas escolas públicas e quanto à
escola particular para escravos acima citada, apenas é dito que pertencia ao colégio
particular de Santa Maria de Belém. Um almanaque paraense informa que a escola fora
fundada em 1871 pelo padre Felix Valente de Leão, apoiado por três cidadãos que se
prestaram a lecionar gratuitamente, e um deles custeava as aulas, compostas pelo
programa básico de leitura, escrita e as quatro operações aritméticas.
28
No mesmo período, uma lei estabeleceu a admissão de “menores libertadas”, até
o número de 15, no Colégio do Amparo, mantido pelo governo provincial para a
educação de meninas órfãs e desvalidas.
29
Na década de 1880, a Companhia de
Aprendizes Marinheiros e o Instituto Paraense de Educandos Artífices passaram a
27
RPPA, 15/2/1872, p.11.
28
RPPA, 1/7/1873, p.14; AlMANAK administrativo, mercantil e industrial para o anno bissexto de 1868-
1889 (volume de 1871, p.87).
29
Lei 784 de 10/9/1873
73
receber ingênuos para a sua formação profissional.
30
Timidamente, os efeitos da Lei do
Ventre Livre se faziam sentir nas iniciativas educacionais dos poderes públicos
paraenses. Após a abolição da escravidão, o Presidente do Pará pretendia atender no
Instituto de Educandos filhos de ex-escravos, visando a evitar a ociosidade e os vícios
de “menores” que só poderiam receber a instrução primária das escolas públicas. O
governante clama pela ação dos poderes públicos e dos filantropos para que estes
“menores” pudessem ser úteis a si e ao seu país.
31
Observa-se que, rapidamente os filhos
dos ex-escravos são inseridos na categoria dos “menores”, representada e apresentada
como potencialmente perigosa à sociedade, se o Estado ou os homens de bem não
cuidarem de sua iniciação ao trabalho, já que não há mais proprietários para exercer a
função.
É possível que outras escolas para escravos ou ingênuos do Ventre Livre tenham
sido criadas por particulares, mas só encontramos registros esparsos destas experiências,
como por exemplo, a escola para ingênuos de ambos os sexos, criada na fazenda São
Francisco no ano de 1882, no rio Maracapucú. O proprietário enviou ao jornal A
Constituição, carta dirigida a três instâncias: ao Presidente do Pará, a um certo Nelson,
jornalista liberal que o criticara, e ao público. Hygino Amanajas, escrevendo de Abaeté,
informa os seus percalços junto ao governo liberal no processo de criação da escola,
destinada ao ensino gratuito aos filhos de suas escravas e de sua mãe, e aos ingênuos de
qualquer outro proprietário. O autor mostra-se muito irritado com a Presidência da
Província, pois a comunicação que fizera a respeito da escola, em obediência ao
regulamento, fora entendida como um pedido e afirma que, “Eu nada pedi e nada peço á
esta situação”. O diretor da instrução que recebera o mesmo comunicado, respondeu
enviando cópia dos artigos penais do regulamento da instrução, revelando, de um lado,
como as desavenças políticas afetavam as iniciativas educacionais, e por outro, o ímpeto
do Estado em impor a lei sobre a ação de particulares.
32
30
Pará, Minutas de ofícios da Presidência da Província ao diretor do Instituto de Educandos, 1887, códice
1907 (Arquivo Público do Pará). A Província do Pará (6/8/1885) noticiou a respeito dos valores dos
prêmios a serem pagos às autoridades que remeterem órfãos desvalidos e ingênuos para a Companhia.
31
RPPA, 2/2/1889, p.42. Tal medida dependeria da ampliação das instalações do Instituto. Somente no
período da Belle Epoque, o Instituto pode aumentar a sua capacidade de atendimento, com a construção
do novo prédio, em 1899, um verdadeiro palácio, como pode ser observado na foto em anexo (Instituto
Lauro Sodré).
32
A Constituição, 10/11/1882.
74
Dentro da política de extensão da instrução às outras classes, os governos
criaram “escolas especiais” em instituições públicas, como os corpos de polícia, para a
instrução de guardas. Em inícios de 1874, 80 praças estudavam na escola do corpo de
polícia do Pará.
33
No ano seguinte, são citadas no relatório provincial cinco escolas
voltadas para a instrução do pessoal dos Arsenais de Marinha, com 129 alunos, dos
corpos dos exércitos, totalizando 99 alunos, e da cadeia pública da capital, com 25
participantes. As escolas noturnas públicas, em número de sete, instruíam 192 adultos.
A iniciativa particular estava reduzida a cinco escolas, com 83 alunos e não há mais
referência à escola para escravos.
34
Até o final do Império, serão mantidas oito escolas
noturnas públicas nas cidades paraenses. Manteve-se a proibição da alfabetização de
escravos pelo poder público. O regulamento de 1874 da escola da cadeia de São José,
em Belém, só permitia a matrícula dos presos livres e sem doenças contagiosas. O
ensino seria diário, fornecido todo o material e compêndios aos alunos, e os mais
adiantados receberiam como prêmio a dispensa dos serviços a que estavam obrigados os
presos.
No Amazonas, a Câmara Municipal de Manaus criou, em 1873, duas escolas
noturnas, as quais, funcionavam com “muita regularidade” e eram “bem
freqüentadas”.
35
A freqüência das escolas era de 88 alunos. No interior, funcionavam
mais três escolas noturnas, por iniciativa pessoal de militares e professores públicos.
Uma delas, criada na fronteira de Tabatinga por militares, possuía 14 praças da
guarnição e dois paisanos operários aprendendo os primeiros rudimentos da leitura e da
escrita.
36
A população indígena dos aldeamentos raramente recebeu instrução elementar,
pois estando submetida à tutela da Diretoria Geral de Índios, não cabia à Diretoria Geral
da Instrução Pública instalar e manter escolas nestas áreas. Contudo, em se tratando de
índios em contato mais estreito com a civilização, escolas poderiam ser instaladas
próximas ou no interior do aldeamento quando algum governante se sensibilizasse com
o abandono com que viviam os índios em termos de instrução. Localizamos nos
relatórios paraenses uma referência à mudança da escola elementar de Acará-Miry para
33
RPPA, 15/2/1874, p.18.
34
RPPA, 17/1/1875, p.22.
35
RPAM, 23/3/1873, p.10.
36
RPAM, 23/3/1874, p.21-22.
75
local mais próximo a este aldeamento e a proposta do diretor geral de índios da criação
de uma escola no aldeamento de Mirity-Pitanga, no ano de 1883.
37
O Almanak Paranse
informa que, em 1882, havia uma escola elementar no aldeamento do rio Maracanã,
cujos índios empregavam-se nas plantações. A escola fora criada em 1873, na
administração do Barão de Santarém.
38
Em 1877, a Aldeia de Parijós, em Cametá,
passou a contar com uma escola pública do sexo masculino, pois a existente
anteriormente fora transferida de lugar, e em 1888, foi a vez do aldeamento do alto
Gurupy ter a sua escola provisória para meninos.
39
O diretor geral de índios, Coronel José Evangelista de Farias Maciel, no relatório
à Presidência do Pará, apresenta uma estatística da população dos aldeamentos dos
quais conseguiu obter informações. Contabilizou-se 4.260 índios aldeados em 1883, a
grande maioria à sombra da “luz da instrução”, pois não mais que dez sabiam ler. Os
índios permaneciam fiéis às crenças e tradições de seus antepassados, levando o
presidente liberal General Visconde de Maracajú, a afirmar, pesaroso, que
“Em geral se póde dizer que a civilisação não penetrou ainda na taba do
gentio.
40
Raras são as alusões às escolas de áreas habitadas predominantemente por
índios. Uma delas é citada no relatório de 1872 da viagem dos engenheiros Corrêa de
Miranda e Gonçalves Tocantins ao rio Tapajós. Chamou a atenção dos engenheiros o
fato da escola da vila de Itaituba, em município habitado em grande parte por “índios
Mundurucus”, ser freqüentada por apenas sete alunos, fenômeno atribuído aos modos de
vida da população e à ignorância dos pais com relação aos seus direitos, submetidos que
estavam à tutela dos patrões. Tratava-se de índios aldeados e batizados em outros
tempos, nos informam os autores. Voltaremos a este relatório mais adiante devido às
representações que expõe a respeito da “maneira de viver” da gente do interior do
Pará.
41
37
RPPA, 7/1/1884, p.60.
38
ALMANAK paraense de administração, commercio, industria e estatistica, 1883, p.222.
A Constituição, 5/5/1883, “Os conservadores e a instrução pública III”.
39
A Província do Pará, 19/4 e 15/6/1877, e 14/4/1888. Em 1885, a aldeia, citada como “povoação de
Parijós”, possuía 31 alunos na escola pública do sexo masculino (BAENA, Manuel, 1885).
40
RPPA, 7/1/1884, p.58 (relatório citado pelo Presidente da Província).
41
MIRANDA, Julião Honorato Corrêa de, TOCANTINS, Antonio Manuel Gonçalves, 1872, p.6. No 1
o
trimestre de 1887, dados da instrução pública mostram que a situação educacional de Itaituba se
modificara, talvez pelo aumento de migrantes, atraídos pela exploração da borracha. A vila contava com
76
No Amazonas, a criação de escolas primárias para a população indígena aldeada
ficava a cargo dos religiosos responsáveis pelas missões. Em 1881, os índios
submetidos à “catequese e civilização” estavam reunidos em cinco missões
administradas pelo frei Jesualdo Machetti. Somente duas contavam com escolas, ambas
regidas por religiosos franciscanos. Na missão de São Francisco, a mais antiga nos seus
11 anos de existência, funcionava uma escola com freqüência diária de mais de 70
meninos e meninas. O Prefeito das Missões, frei Machetti, atribuiu o grande
aproveitamento dos alunos à “assidua dedicação do missionario reverendo frei
Theodoro Maria Portararo”.
42
Os meninos, filhos de índios das “tribus Turá e Arara”
eram alegres, diligentes e todos sabiam ler e escrever, situação igualmente conferida ao
frei Theodoro pelo explorador do rio Urubu, 1º tenente da armada brasileira, Antonio
Madeira Show.
43
Em Taraquá, no rio Waupés, o frei Zilochi fundou nos idos de 1883, uma escola
com alguns meninos, sem muita esperança de conseguir ensiná-los “o que não lhes
causa impressão material”, característica que os tornava somente hábeis para o
aprendizado dos trabalhos mecânicos. A concepção do frei a respeito da incapacidade
dos índios para o trabalho intelectual condizia com a visão dos chamados civilizados a
respeito da questão, mas é contrariada pela experiência educacional do religioso da
missão de São Francisco, que tinha seus alunos em grande aproveitamento. Observa-se,
contudo, que o sucesso escolar dos alunos era atribuído, pelo Prefeito, ao esforço
pessoal do missionário, não havendo referência alguma às habilidades das crianças. As
opiniões emitidas pelo frei em carta ao Prefeito fundamentaram a proposta do presidente
liberal José Lustosa da Cunha Paranaguá de criar oficinas e asilos nas localidades mais
próximas dos “aldeamentos dos gentios” para a educação profissional dos “órfãos e
duas escolas, provavelmente uma do sexo masculino e outra, do feminino, com 24 e 23 alunos(as)
respectivamente. No ano seguinte, uma das escolas, que supomos ser a feminina, era freqüentada por 33
alunas (“Mappa comparativo...”. In: RPPA, 2/2/1889, Anexo 2).
42
Ofício do Prefeito das Missões, frei Jesualdo Machetti, à Presidência da Província do Amazonas. In:
RPAM, 4/4/1881, p.38.
43
A Província do Pará, 27/6/1885. Entre 26/4 e 5/7/1885, o jornal publicou uma série de longos relatos
da viagem do explorador, De Manáos á foz do Urubú, tratando de temas de interesse econômico e
etnológico, tais como natureza do solo, sua aplicação à agricultura, produtos naturais, minerais,
estatísticas da população, usos e costumes dos índios, inscrições e objetos cerâmicos.
77
menores indígenas”.
44
Proposta do mesmo teor foi feita no Pará pelo presidente
conservador Alencar Araripe. Como “norma”, Araripe recomendou a experiência do
Instituto Providência, “estabelecimento industrial” da diocese, voltado para a formação
de ferreiros, marceneiros, músicos e outros artistas, indivíduos que, nos bosques,
conservariam “os habitos e a inutilidade do selvagem”.
45
As referências às escolas das missões são raríssimas. Em 1883, o visitador
escolar do Amazonas, conselheiro Joaquim Maria Nascentes dAzambuja informou que
não computara os alunos que freqüentavam as escolas das missões de Waupés, Madeira
e Purus no cálculo da proporção entre alunos e população escolar da Província.
Portanto, existiam mais escolas para meninos índios aldeados do que os relatórios
apontam. Seus alunos não eram incluídos na estatística escolar, provavelmente por
estavam fora do controle da Diretoria de Instrução.
46
A escola da missão do Taraquá,
acima citada, apresentou anos depois uma experiência educacional consolidada. Os 25
alunos moravam com o missionário no colégio e, além da ritualística religiosa, seguiam
os cerimoniais da instrução propagados pelo Estado na época. Frei Machetti relata que,
ao final do ano de 1887, os alunos foram submetidos aos exames públicos de catecismo
e leitura, quando vários senhores do rio Negro foram convidados para assisti-los. A
opção por instalar um colégio em detrimento da escola diária pode ter sido decorrente
das atividades laborais dos pais. O frei relata que nas missões do Waupés os índios eram
batizados e bastante civilizados, porém pouco dedicados à lavoura devido à ocupação
com a extração da goma elástica e da piaçava em parte do ano. Uns dois mil índios
trabalhavam para os negociantes do rio Negro ou vendia m diretamente aos regatões. As
missões teriam incrementado o comércio na região, crescimento medido pelo aumento
das viagens a vapor.
47
44
RPAM, 25/3/1883, p.45. A tese da habilidade manual sobrepujando a capacidade intelectual dos índios
foi amplamente difundida por Couto de Magalhães no período, através da obra O Selvagem (1875). Sobre
a sua influência na educação indígena, ver capítulo 5.
45
RPPA, 25/3/1886, p.57. O Instituto foi instalado em área rural próxima a Belém, pelo bispo D. Macedo
Costa, em 1883 (Cf. capítulo 5).
46
AZAMBUJA, Joaquim Maria Nascentes de, 1884?, p.85.
47
Relatório do Prefeito das Missões, frei Jesualdo Machetti. In: RPAM, 5/9/1888, Anexo 13, p.2-4.
78
Necessidades dos governos e demandas da população
Ao abrir a sessão na Assembléia Provincial de 1870, o tenente-coronel Wilkens
de Mattos expressou o desejo de “disseminar a civilização pelas fronteiras remotas” do
Amazonas.
48
Até o final da década, os governantes do Pará e do Amazonas estarão
empregando, em seus discursos, os termos disseminar, difundir, propagar e estender a
instrução a todos: às “classes populares”, às “massas” e às “mais longínquas
localidades”. Estando estabelecida na legislação e nas práticas educacionais dos
governos das duas províncias, a forma escolar, o desafio da década tornou-se a
consolidação e a expansão das “escolas regulares” aos lugares distantes e pouco
povoados.
49
O conceito de forma escolar se remete ao surgimento de um novo espaço
educacional e socializador, a partir da criação de uma maquinaria escolar, articulada aos
objetivos formadores dos Estados, inicialmente europeus, do século XVI em diante.
Alessandra Schueler lembra que,
(...) no Brasil apenas no século XIX, com o processo de formação do Estado
independente e com a formação do Império, a educação pública foi sendo
lentamente construída, iniciando-se um processo tenso de constituição da
escolarização e de afirmação da forma escolar como meio de socialização e
governo da população.
50
De modo algum, este processo se constituiu linearmente, buscando vencer o
“atraso” da instrução no país, rumo a um ideal de “progresso” escolar, identificado com
as experiências européias e norte-americanas. Resistências, conflitos e a diversidade das
práticas pedagógicas caracterizaram a implantação e implementação da forma moderna
de educação da população, que co-existiu com outras formas, como o ensino doméstico
e o promovido por instituições religiosas. As práticas tradicionais de socialização talvez
tenham sido as mais resistentes ao modelo escolar, por este “competir” com as famílias,
tutores e protetores, ao usurpar as crianças na ocupação do tempo e do espaço, e tentar
impor um aprendizado que nem sempre era o mais valorizado em seu meio ou que
garantisse a reprodução familiar. Na Amazônia, como em outras regiões brasileiras, o
48
RPAM, 25/3/1870, p.13.
49
RPPA, 4/1/1881, p. 60.
50
SCHUELER, Alessandra, 2002, p.4. A análise da autora baseia-se na operacionalização do conceito
realizada por Julia Varela, Bernard Lahire, Daniel Thin e Guy Vincent.
79
processo de afirmação e expansão da forma escolar sofreu reveses vindos de todas as
partes e pela própria diversidade da constituição étnica e cultural da população. É fácil
imaginar os obstáculos enfrentados para manter escolas no alto interesse de todos,
especialmente no interior, aspectos que continuaremos a analisar neste capítulo.
A tolerância legal para a manutenção de escolas com poucos alunos constituiu
uma das medidas adotadas para atingir a este fim. No Amazonas, bastava ter quinze
alunos para se criar uma escola, e no Pará, escolas elementares podiam ser criadas nas
pequenas povoações disseminadas pelos rios e igarapés, desde que reunissem dez
meninos ou dez meninas.
51
É importante ressaltar que as propostas e iniciativas não
encontravam unanimidade entre os diferentes governos, entre deputados liberais e
conservadores nas Assembléias Provinciais e entre o executivo e o legislativo,
acarretando conflitos e boicotes às medidas tomadas por cada parte.
52
No decorrer da década de 1870, os governos passam a explicitar com mais
clareza os objetivos políticos da disseminação da instrução pública, tais como “formar
dessas massas bons cidadãos com consciência de seus direitos e deveres e mães de
família”.
53
Encaminhar os indivíduos pertencentes à “grande classe popular” constituía
o objetivo dos mentores da instrução pública do Amazonas deste período, nos aspectos
mais estratégicos para uma população tida por arredia à civilização e afeita à vida
errante. Assim, o presidente Domingos Jacy Monteiro, em poucas palavras expressou o
que esperava da instrução do povo amazonense:
“É de mister desenvolver pari passu n´esta gente o sentimento de familia e o
desejo da propriedade, dois dos moveis mais poderosos para o progresso
social.
54
Sentimento de família e desejo de propriedade são dois valores relacionados à
vida sedentária, almejada para esta população índia e tapuia - dentro de uma ótica da
vida moderna, marcada pelo controle do uso do tempo e do espaço. É importante
ressaltar que a grande maioria das referências às famílias indígenas ou tapuias não
51
AMAZONAS, regulamento n.17 de 28/3/1883, art.14.
PARÁ, regulamento de 13/1/1874, art.16. Atingindo 30 alunos, a escola se tornava efetiva.
52
Geralmente, a criação de escolas era atribuição das Assembléias, devendo os governos aprovar ou
rejeitar as resoluções. Porém, a criação de escolas elementares ou provisórias, providas por interinos,
podia ser encargo da administração provincial.
53
RPPA, 15/2/1876, p.17.
54
RPAM, 26/5/1877, p.43.
80
reproduz a visão da falta de sentimento de família; ao contrário, afirma-se
freqüentemente o forte elo entre pais e filhos, levando sim, a uma crítica velada às
relações de parentesco desta população, por prejudicar os objetivos educacionais do
Estado. Uma das principais causas utilizadas para justificar o “atraso” da instrução nas
províncias amazônicas era o modo de vida da população, que carregava os filhos
consigo nos deslocamentos exigidos pela atividade extrativista. Acreditamos que Jacy
Monteiro estivesse referido a uma moral orientadora das relações familiares, dentro de
uma perspectiva cristã e calcada nos valores culturais ocidentais. Era de conhecimento
de todos e as observações etnográficas dos viajantes, nas mais diversas regiões
brasileiras, demonstraram largamente os cuidados e o apreço dos pais pelos filhos. Não
há referência ao abandono de crianças nesta época nos espaços urbanos amazônicos,
embora nos orçamentos anuais estivessem previstas verbas para a criação e tratamento
de expostos pelas câmaras municipais das cidades e vilas. No entanto, o abandono não
deve ter atingido uma dimensão que sobrecarregasse as municipalidades, pois Belém e
Manaus não instalaram Rodas de Expostos, como ocorreu em várias capitais e cidades
do Império, desde o século XVIII.
55
Os anos 1880 testemunham o apreço pelo aumento da “força do Estado” e pela
firmação da nacionalidade.
56
Alguns presidentes e diretores de instrução pública das
duas províncias associaram o recrutamento forçado ao ensino obrigatório, ressaltando o
patriotismo das duas medidas, ao preparar os filhos da pátria para servir à nação, seja
pegando em armas ou servindo nos cargos públicos. Tratava-se de uma expectativa
bastante concreta com relação aos resultados da instrução, principalmente para a região,
carente de funcionários preparados para representar o Estado nas localidades distantes
das duas imensas províncias. São várias as referências na documentação à importância
da escola para o fornecimento de pessoal para as funções públicas.
57
Combater a
indiferença da população pelos negócios públicos, favorecendo as alianças em prol dos
55
Segundo Maria Luiza Marcilio (1997, p.52), no Brasil foram instaladas doze Rodas para o recebimento
de bebês abandonados, a maioria no século XIX, em grande parte criadas pela Santa Casa da Misericórdia
de cada cidade.
56
Ver relatórios da Província do Pará, em 15 de fevereiro de 1880 e de 1883.
57
O diretor da instrução amazonense chega a se queixar que, em certas localidades, não se encontrava
quem pudesse exercer os cargos policiais mais inferiores, devido à falta de vulgarização da instrução no
interior (RPAM, 25//3/1872, anexo 3, p.3).
81
interesses dos governos na administração das províncias, é um fim que aparece nos
escritos da instrução pública.
Paralelamente aos apelos às assembléias em prol da expansão deste “importante
ramo do serviço público”, as autoridades buscaram implementar um modelo escolar,
nem sempre consoante com as práticas educacionais do professorado. Wilkens de
Mattos, no mesmo discurso em que anunciou a intenção de estender as fronteiras
educacionais do Amazonas, informa ter uniformizado a instrução, chegando a afirmar
que em toda a província se ensinava e se aprendia o mesmo que na capital, impedindo
que cada professor fizesse o que bem entendesse, como vinha ocorrendo. Na gestão de
Mattos, aprovou-se novo regulamento da instrução pública, o qual previa a elaboração
do regimento interno das escolas públicas pela Diretoria de Instrução e proibia o
emprego dos castigos corporais, prática já abolida por diversas províncias, inclusive a
do Pará.
58
Entretanto, a homogeneização do ensino, de acordo com as regras impostas
pelas diretorias de instrução pública, calcadas, por sua vez, nas normas legais, jamais
alcançou o grau esperado pelos poderes públicos.
Os governos enfrentaram inúmeros empecilhos no esforço de tornar as escolas
espaços sob o controle do poder público, em contraposição ao uso privativo das mesmas
pelos professores e pelas famílias. As escolas públicas primárias das duas províncias
eram do tipo isolada, ou seja, cada escola tinha um professor que regia uma aula,
atendendo a alunos de várias idades, na faixa etária que podia ir dos 6 aos 15 anos.
Escolas com grande número de crianças podiam ter o auxilio de um adjunto. A casa era
alugada pelo professor ou professora, que morava com a família, reservando um espaço
para a função pública. A escolha da casa cabia ao mestre, levando os visitadores das
escolas à denúncia de que, em geral, as residências eram acanhadas, anti-higiênicas e
sem ventilação. No interior, faltavam habitações apropriadas, levando, em alguns casos,
à instalação de escolas em verdadeiras palhoças. A falta de utensílios, mobílias e livros
levavam os professores a utilizarem o que tinham à mão e ao que estavam habituados.
Os meios disciplinares, volta e meia, extrapolavam o permitido por lei, fazendo com que
as crianças aprendessem sob o jugo do “terror do mestre”.
58
RPAM, 25/3/1870, p.13. Regulamento n.18, de 14/3/1869.
82
As famílias, especialmente as das povoações mais distantes, emergem da
documentação como ignorantes e indiferentes à instrução dos filhos, devido à falta de
educação escolar. Aos filhos desta “população mais rude”, retirados da escola
dominando somente os rudimentos da leitura e da escrita, propunha-se reduzir o ensino
ao mais estritamente necessário, tornando-o diferenciado daquele regido nas escolas da
capital.
59
No Amazonas, não foram poucos os que enxergaram no internato a única
alternativa para impedir que as crianças destas regiões, principalmente as indígenas,
fossem afastadas das escolas. O que resultou na prática, tanto no Amazonas quanto no
Pará, foi a implementação de duas categorias de escolas: as elementares ou provisórias,
de provisão interina, que atendiam aos mais “desfavorecidos da fortuna” e as efetivas,
predominantes na capital, cujo ensino era favorecido por mestres melhor habilitados.
Esta situação está claramente exposta na tabela abaixo, quando no 2
o
trimestre de 1888,
dos 2.107 alunos que freqüentavam as escolas provisórias no Pará, 2.017 estudavam
fora da capital.
Freqüência diária das escolas públicas primárias (diurnas) da Província do Pará
no 1º trimestre de 1887 e no 2º trimestre de 1888, por tipo de escola
Local 1º trim. 1887 2º trim. 1888
1º grau 2º grau
Provi-
sórias
Total
trim 87 1º grau 2º grau
Provi-
sórias
Total
trim 88
Capital 1133 292 82 1507 1690 74 90 1854
Interior 4122 30 1372 5524 4443 123 2017 6583
Total 5255 322 1454 7031 6133 197 2107 8437
Fonte: RPPA, 2/2/1889, anexo 2. Ver tabela completa no anexo nº 22.
Outra diferenciação importante referia-se às garantias concedidas aos
professores efetivos, tais como aposentadoria, licença e melhores salários, e também ao
preparo para o cargo, pois deveriam provar habilitação ou serem concursados. Com a
instituição das escolas normais em Belém (1871) e Manaus (1882), a condição de
normalista passou a ser preferida para o preenchimento de vagas das escolas efetivas.
A divisão do ensino primário em dois graus criou um abismo, em termos de
freqüência, entre as escolas de 1
o
grau, dedicadas ao ensino elementar que consistia na
leitura, escrita, quatro operações aritméticas, noções práticas do sistema métrico,
59
RPAM, 25//3/1871, p.2.
83
doutrina cristã e costura para as meninas, e as de 2
o
grau, cujo programa se estendia à
gramática portuguesa, caligrafia, desenho linear, aritmética, elementos de geometria, de
geografia, de historia e em particular do Brasil, catecismo e história bíblica.
60
Ao final
da década, o Pará alcançou uma freqüência considerada bastante satisfatória pelo diretor
da instrução nas escolas de 1
o
grau regidas por professores dedicados, mas as do 2
o
grau
não eram procuradas pelos pais iletrados, por mais que lhes recomendassem os
professores. A formação do cidadão, ciente da história da nação, da região (história do
Pará) e da religião do Estado, não exercia o atrativo que se desejava nas famílias, a
ponto do diretor Americo Santa Rosa ter encontrado apenas cinco alunos matriculados
numa das escolas de 2
o
grau.
61
A tabela 22, em anexo, mostra que as escolas de 1
o
grau
transformadas em 2
o
grau em 1888 tiveram uma redução drástica na freqüência diária,
mas somente na capital, que concentrava a maior parte dos estabelecimentos de 2º grau,
somando oito escolas. Pela tabela acima, verifica-se que, se no 1º trimestre de 1887,
Belém tinha um número muito maior de alunos cursando o 2
o
grau do ensino primário
do que no 2
o
trimestre de 1888. O pressuposto de que as famílias da capital teriam maior
interesse na continuidade dos estudos dos filhos ou das filhas não é confirmado pelos
dados da freqüência diária. Em Belém, os colégios particulares talvez estivessem
açambarcando os filhos das classes que percebiam vantagens na continuidade dos
estudos. No interior, o crescimento do alunado de 2º grau é justificado pela instalação
de novas escolas: em 1887, somente Santarém possuía este tipo de ensino, estendendo-
se para mais quatro cidades em 1888, como se pode observar no quadro do anexo 22.
Os governos de ambas as províncias se queixavam de que as vultuosas verbas
empregadas na instrução não traziam os benefícios esperados.
62
Os poucos que se
detiveram a explicar o que esperavam em termos dos resultados da instrução primária,
60
Pará, Projeto de Lei n. 1.547, capítulo 4, 29/3/1883. A divisão do ensino em dois níveis é antiga nas
duas províncias. No Pará, a instrução era diversificada conforme a categoria da escola: 1
a
a 4
a
classe ou
elementar e efetiva. O regulamento n. 47, de 28/3/1883, dividiu o ensino primário em dois graus no
Amazonas.
61
Relatório da Diretoria da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 18/9/1889, Anexo, p.30.
62
Com freqüência os administradores expõem, nos relatórios de província, as despesas que efetuaram
com a instrução pública, demonstrando o quanto este investimento era valorizado pelos governos,
atendendo também à expectativa do Governo Imperial que, através de avisos do Ministério do Império,
buscou comprometer as províncias brasileiras com a causa da instrução. Os presidentes não somente
afirmam, mas apresentam números que comprovam o alto investimento dos tesouros provinciais na
instrução pública, que incluía, além do primário, o ensino secundário e os institutos de educandos
artífices, além da subvenção a escolas particulares, seminários e a estudantes no exterior ou em outras
províncias do Império.
84
aludiram aos exames públicos de final de ano, quando a maioria não era apresentada por
pronta e outros alunos simplesmente fugiam, provavelmente aterrorizados. Os exames
gerais de preparatórios dirigidos a meninos de escolas de primeiras letras de Belém
chegaram a ser questionados no jornal conservador A Constituição, pois se continuava a
exigir, por exemplo, uma composição literária como exame de português.
63
A
interrupção dos estudos não era privilégio das províncias amazônicas. Na Corte, ocorria
o mesmo fenômeno, como o demonstra a pesquisa de Alessandra Schueler sobre a
escolarização na cidade do Rio de Janeiro, no período de 1870 a 1890.
64
Pode-se supor
que, para as famílias das áreas rurais, o diploma não fosse cobiçado, pois o futuro do
menino ou da menina estaria atrelado ao trabalho familiar, o qual exigia um aprendizado
ignorado e até desprezado pela escola. No contexto urbano, o diploma era estritamente
necessário para seguir os estudos que levavam aos exames de preparatórios (para cursar
a faculdade) e para o curso normal.
A freqüência irregular e a deserção das aulas constituíam grave problema em
todo o Império, levando à instituição do ensino obrigatório, gradativamente adotado
pelos regulamentos da instrução pública, porém de difícil execução nas áreas rurais e
nos sertões do país.
65
O inspetor extraordinário das escolas públicas de Parintins e
Itacoatiara no Amazonas, conselheiro Joaquim Maria Nascentes d’Azambuja, na defesa
enfática do ensino obrigatório, clama pelos “direitos da infância” na tentativa de
sobrepujá-los aos dos pais e acima de ambos, a defesa da nação contra os vícios e os
maus instintos.
“Os direitos da infância são mais sagrados que os do pae; a questão não é só
de humanidade, senão também o mais seguro meio de defesa nacional. Se pais,
tutores etc não dispõem de recursos para dar ás crianças devida instrução, tem
o Estado o dever de supri-los, fazendo-as inscrever ou matricular nos
estabelecimentos publicos; missão nobre para subordinar á razão os máos
instinctos que fomenta a ignorancia, e para a pratica dos bons habitos nas
differentes phases da vida social, n’uma idade em que é mais facil prevenir e
corrigir o vicio e implantar a moral seu natural correctivo.
66
63
A Constituição, 7/11/1886.
64
SCHUELER, Frota Martinez de, 2002, p.11.
65
O debate sobre a questão da obrigatoriedade escolar para o nível elementar foi intenso na segunda
metade do século XIX. José Ricardo de Almeida (1989) na obra editada em 1889, História da instrução
pública no Brasil (1500-1889): história e legislação, apresenta as diferentes visões sobre questões que
estavam no cerne do debate sobre instrução pública no Segundo Reinado, como por exemplo, as posições
favoráveis e as resistências à obrigatoriedade do ensino primário.
66
AZAMBUJA, Joaquim Maria Nascentes de, 1884?, p.32. Inspeção realizada em 1883.
85
No regimento interno proposto à Presidência da Província, o conselheiro faz um
apelo aos alunos em prol da educação e instrução oferecidas pelo Estado. Azambuja
inicia a sua pregação buscando sensibilizar os meus meninos aos propósitos formadores
da escola, instituição diferenciada do entorno por pretender a igualdade social, mas que,
apesar de introduzir uma outra autoridade aos meninos, garante aos pais o seu arrimo na
velhice.
Meus meninos
Os professores substituem a autoridade paterna, fomentando em vossos
espiritos e gravando em vossos corações as ideias do justo e honesto, os
sentimentos que deveis consagrar á Deus e a seus semelhantes. (...) Nas escolas
todos são iguaes, não ha differenca de condicão; tanto vale o rico como o
pobre; superior é só aquelle que melhor cumpre os seus deveres, mais se
applica ao estudo, attende com mais docilidade aos preceitos e conselhos de
seus preceptores. (...) O Estado e os mestres não pedem aos vossos paes, tutores
ou protectores senão que os auxiliem para que possas mais tarde servir-lhe de
arrimo na velhice.
67
A fiscalização das escolas e a política d’aldeia
A medida defendida em todo o período como forma de garantir a obediência às
investidas do Estado em normatizar o funcionamento das escolas, tanto públicas quanto
particulares, foi a da fiscalização. As escolas particulares, principalmente as poucas do
interior das quais as diretorias tinham conhecimento, nunca foram efetivamente
fiscalizadas. E somente aquelas que contavam com subvenção governamental enviavam
os mapas de matrículas, quando todas estavam obrigadas a fazê-lo. Os governos
pelejavam para obter informações e fiscalizar as escolas públicas; interferir na iniciativa
privada, oriunda de seus “amigos” ou dos adversários políticos, resultava em protestos
vindos de todos os lados, como ocorreu com o fechamento do Colégio Americano do
comendador José Veríssimo, na capital paraense em 1885. Pais, tutores e a imprensa
liberal condenaram a portaria do diretor da instrução pública, por opor-se à liberdade de
ensino adotada no Império.
68
Exceções ocorriam nas situações consideradas abusivas ou
67
AZAMBUJA, op.cit., p.53 (grifo nosso).
68
Jornal A Província do Pará, 16/12, 18/12, 20/12 e o número de 27/12/1885, que publicou o abaixo-
assinado de pais, tutores e correspondentes. O fechamento foi motivado por uma discussão travada entre
os diretores de dois colégios tradicionais de Belém, o Americano e o Franco-Brasileiro, sofrendo ambos a
86
imorais, como foi o caso do aluno falecido após ter sido vítima de castigos excessivos e
negligência no Colégio Marquez de Santa Cruz, de Belém. O Colégio perdeu a
subvenção do governo, o qual tinha conhecimento anterior do envolvimento da
instituição em “fatos de excessivo rigor”.
69
Como apontado no capítulo 1, as duas províncias amazônicas criaram
dispositivos de fiscalização das escolas públicas primárias. Nas capitais, as inspeções
escolares podiam ser feitas pelos próprios diretores da instrução e eventualmente, pelos
próprios presidentes. Mas eram as escolas do interior que mais preocupavam os
governos. Longes de suas vistas e controle, os administradores recorreram ao auxílio
dos moradores das cidades, vilas e povoações do interior para inspecionar os
estabelecimentos educacionais de seus distritos e municípios. Imiscuídos no que
pejorativamente se chamava a política d´aldeia, causadora de alianças e conflitos entre
professores e inspetores, estes colaboradores do Estado foram repetidamente acusados
de fazerem a sua própria política, seguindo seus interesses particulares, em detrimento
do cuidado aos negócios públicos.
A política d’aldeia foi o grande vilão da instrução popular do Pará raro é o
relatório provincial que não a menciona. Mas, é pela imprensa que sabemos como ela
agia, como interferia no cotidiano na escola, e como os familiares, tutores e protetores
dos alunos reagiam a esta força com que os setores públicos e privados, ao mesmo
tempo em que se empenhavam numa luta de resistência, eram atraídos por ela. O termo
remetia-se, tanto às características das pequenas localidades quanto à vida selvagem de
parte dos habitantes da Província, que povoava o imaginário das elites ilustradas de
temores de serem confundidos com seres tão pouco civilizados. Atribuía-se o fazer
politica d’aldeia ou de botocudos ao adversário, que no âmbito da instrução pública,
punição do fechamento. Pouco durou o castigo, pois antes do final do mês de dezembro voltaram a
funcionar.
69
RPPA, 7/1/1884, p.51. O falecimento do aluno interno teve grande repercussão na imprensa. O jornal A
Constituição adotou posição favorável ao diretor do Colégio, denominando-o de “nosso honrado amigo”,
e publicou ofício dirigido ao Presidente da Província, negando os maus tratos infligidos ao menino.
Entretanto, ele admite que o diretor interno aplicava a palmatória, proibida pelo regulamento, porém
autorizada pelo pai (8/6/1883). Caso parecido é relatado por Raul Pompéia, no clássico O Ateneu, ficção
com traços autobiográficos de sua experiência como aluno interno do Colégio Abílio, fundado na Corte
em 1871 pelo famoso Barão de Macaúbas. A morte do aluno, resultado das más condições da prisão a que
fora submetido no Colégio Ateneu, não abalou a respeitabilidade da instituição, nem tampouco foi
investigada.
87
permitia a manutenção de práticas abusivas.
70
A expressão jocosa, usada no Senado pelo
Conselheiro Martinho Campos, quando chamou os paraenses de cidadãos de arco e
flecha, fora rejeitada pela imprensa paraense, às vezes, de forma bem humorada, como o
fez o jornalista da Província do Pará ao comentar a notícia do Liberal do Pará, de que
o frei Sebastiani quisera catequizar os paraenses no sermão dado na igreja de Nazareth,
em Belém “O culpado [pela idéa de catechisar-nos] é quem nos chama de cidadãos de
arco e flexa, sem comprehender o mal que póde causar-nos a pilheria nos espiritos dos
freis Sebastianis”.
71
Podia-se internamente utilizar imagens pejorativas relacionadas à vida indiana,
no entanto, associar, da Corte, os cidadãos a arcos e flechas, afrontava os esforços das
elites paraenses de apagar de sua civilização quaisquer traços que a identificassem à
cultura indígena ou a uma civilização de taba. O protesto do jornalista liberal às
imagens ligadas ao selvagem e ao bárbaro, quando do fechamento dos dois colégios
particulares supracitados, sob ordens do diretor da instrução pública do Pará, expressa
bem a dualidade quanto ao emprego das figuras. O próprio jornalista utiliza as imagens
negativas atreladas ao viver indígena ao atacar o diretor da instrução e o chefe de polícia
na questão dos colégios interditados, mas as rejeita quando comprometem os progressos
dos paraenses ilustrados em “matérias civilizadoras”.
“Já houve quem dissesse que qualificar de barbaro e selvagem o regulamento
[da instrução pública], que autorisa a violencia praticada pelo sr. director
geral, é fazer côro com o outro que chamou-nos cidadãos d’arco e flexa.
Hom’essa.! (...) Essa gracinha, que ainda alliada a uma civilisação de taba, não
póde fazer rir a quem está compenetrado dos progressos, que hemos feito em
materias civilisadoras; embora, de vez em quando, surja por ahi um director
geral ou uma autoridade policial no firme proposito de atirar com o arco sobre
os nossos hombros.
72
Voltaremos ao tema da “politicagem” e dos “politiqueiros” mais adiante, pela
importância que ele assume para a instrução pública, especialmente no Pará.
No Pará, a fiscalização das escolas públicas ficou a cargo dos delegados de cada
distrito, indicados pelos diretores de instrução e nomeados pelos presidentes de
70
A Província do Pará, 23/10/1877. O termo foi empregado quando o jornal analisava o critério da
freqüência mínima para o fechamento de escolas, o qual, não teria sido respeitado pelo governo.
71
A Província do Pará, 11/4/1885. O presidente do Amazonas José Paranaguá, em carta ao Barão de
Loreto, comenta o assunto (Manaus, carta de 18/01/1884. Arquivo Nacional, GF-Coleção Barão de
Loreto).
72
A Província do Pará, 18/12/1885 (grifo nosso).
88
província. Os delegados não tinham direito a ordenado ou gratificação, mas detinham
funções importantes como fiscalizadores das escolas e executores de tarefas
administrativas. Caso os regulamentos fossem seguidos à risca, eles garantiriam a
presença constante e vigilante da repartição pública em todo lugar em que existissem
escolas. As escolas seriam visitadas regularmente e observadas em seus aspectos
material e humano. Os livros de matrícula seriam fiscalizados, a freqüência e o
aproveitamento dos alunos verificados, e todo comportamento imoral e inadequado à
função de professor denunciado ao diretor da instrução. Todos os anos seria feito o
arrolamento das crianças em idade escolar de cada localidade, trimestralmente
remetidos os mapas de matrícula dos alunos e mensalmente atestada a freqüência dos
professores, autorizando ou não o recebimento dos ordenados.
Em 1877, o Pará tinha 88 delegados literários, sendo cinco bacharéis em direito,
dez sacerdotes, e os demais, empregados públicos, negociantes e lavradores. Destes, 25
serviam à comarca da Capital.
73
Em 1883, a inspeção das escolas passou a ser feita nas
cidades e vilas pelos presidentes das câmaras municipais, e nas paróquias e distritos de
paz pelo respectivo primeiro juiz de paz.
74
No Amazonas, os inspetores paroquiais eram
escolhidos entre os moradores ou entre os juizes de paz, conforme o regulamento em
vigor, função prevista a partir de 1864. O regulamento de 1869 estabeleceu o cargo de
inspetor municipal, a ser exercido pelos presidentes das câmaras municipais, criando
mais um nível na hierarquia escolar.
A relação entre professores e delegados literários (ou inspetores) era permeada
de tensões, motivadas por acusações de perseguições, incompetência e uso das escolas
para fins pessoais. Os inspetores com freqüência direcionavam seus relatórios e
denúncias ao sabor de suas proteções ou perseguições políticas, ficando os professores à
mercê do “patronato” político. O problema da política d’aldeia não se resolveu com a
nomeação dos presidentes de câmara e juizes de paz, resultado já esperado pelos
deputados da Assembléia Legislativa do Pará, embora avaliassem que este seria um mal
73
Relatório do diretor geral da instrução pública. In: RPPA, 15/2/1877, anexo 3, p. LIX. A comarca da
Capital reunia o maior número de escolas. Existiam nela 87 escolas públicas primárias em 1881 (RPPA,
4/1/1882, p.62), distribuídas nos seus dois municípios e doze freguesias, divisão política presente em
1885, segundo informação de Manuel Baena (1885, p.14)..
74
A inspeção deveria ser feita nas escolas públicas e particulares (Assembléia Provincial do Pará, sessão
de 3/11/1882, publicada no jornal A Constituição, 1/12/1882). A substituição dos delegados literários foi
decretada pela lei n.1.139 de 12/3/1883.
89
menor, mesmo colocando a instrução nas mãos dos mandões d’aldeia. Para o deputado
Joaquim Cabral, a medida afetaria liberais e conservadores, pois “nunca um juiz de paz
dará attestado favoravel a um professor adversario pollitico”.
75
Mesmo com todos os problemas identificados no exercício da função recorria-se
ao delegado literário para executar medidas determinadas pela Diretoria de Instrução do
Pará. O delegado fazia a ponte entre o professor do interior e o diretor da instrução, pelo
menos para a realização das mudanças no funcionamento da escola. Duas notícias
publicadas no jornal A Província do Pará sugerem que não bastava comunicar ao
professor as alterações a serem feitas. Responsabilizava-se os delegados e tornava-se
pública a decisão, como uma forma de cerceamento aos regentes das escolas. Em 1877,
a Diretoria determinou que os professores entregassem as listas de alunos
“reconhecidamente pobres” aos delegados para a distribuição gratuita de livros
escolares e mandou providenciar de maneira que nas escolas públicas do sexo feminino
da paróquia de Abaeté fossem admitidos meninos até a idade de nove anos.
76
Neste mesmo ano, o diretor da instrução, Joaquim Pedro Corrêa de Freitas,
reconheceu que os delegados não cumpriam bem os seus deveres, por residirem longe
das escolas ou por falta de habilitação, mas que, no entanto, a Diretoria tolerava alguns
deles, pois, necessitava de quem a representasse para atestar a freqüência dos
professores. O esforço de “marcar limites às delegacias” não vinha obtendo sucesso,
pois muitos delegados não respondiam às circulares enviadas pela Diretoria. O diretor
afirma que, ignorando as “idéias políticas dos indivíduos”, buscava selecionar pessoas
que com suas habilitações, patriotismo e boa vontade pudessem auxiliá-lo no
desenvolvimento do ensino. Em alguns casos, estas condições eram alcançadas
integralmente.
77
75
A Constituição, 21/8/1883 (Assembléia Legislativa do Pará. Sessão Ordinária em 13/4/1883).
76
A Província do Pará, 7/9 e 2/9/1877.
77
Relatório do diretor geral da instrução pública. In: RPPA, 15/2/1877, anexo 3, p. LIX.
90
Tensões na inspeção escolar: as queixas de pais, professores e autoridades públicas
As colunas “a pedidos” ou “solicitados” dos jornais paraenses retratavam os
conflitos envolvendo delegados literários, professores, professoras e seus cônjuges,
alunos e pais. Aldrin Moura de Figueiredo, muito propriamente, observa que as
transcrições das cartas vindas de paragens distantes nas colunas das gazetas paraenses
diminuíam as excessivas distâncias da região Amazônica. Os contatos entre o interior e
a capital eram amplos, quase sempre estabelecidos pelas relações políticas e partidárias,
amparadas pelos laços familiares.
78
Vários jornais do Pará e do Amazonas do período foram consultados, no entanto,
privilegiamos para análise as cartas das gazetas paraenses A Província do Pará e A
Constituição, pela atenção dada ao tema da instrução pública e especialmente, pela
publicação das cartas e abaixo-assinados de pais e moradores a respeito das escolas
públicas de seus filhos e protegidos. Sendo o primeiro simpatizante do partido liberal, e
o segundo, órgão do partido conservador, não é difícil imaginar que a abordagem das
ações educacionais na Província estivesse condicionada às posições políticas de cada
folha. As cartas refletem esse posicionamento, através do rodízio de denúncias contra a
administração pública, de acordo com a situação dominante: liberais no poder, cartas e
artigos acusatórios publicados na Constituição e vice-versa.
79
É impossível e até desnecessário entrar no mérito do que era verdadeiro ou falso;
a publicação das cartas indica que tais ocorrências, algumas relacionadas a questões
íntimas das vidas desses atores, eram possíveis e pertenciam à construção da
experiência escolar na Província. O tornar público conflitos do cotidiano escolar sugere
que as vivências e as questões pertinentes à instrução pública eram de interesse de um
grupo mais extenso do que o dos representantes do Estado. O Pará tinha um corpo
significativo de escolas, alunos, docentes e inspetores; as relações entre estes níveis
extrapolavam o interesse da Diretoria de Instrução, pois repercutiam nas famílias e
78
FIGUEIREDO, s.d., p.3.
79
A Constituição foi fundado em 1874, e A Província do Pará em 1876. Um dos fundadores d’A
Província foi Joaquim José de Assis, um dos chefes mais influentes do partido liberal, segundo Paulino
de Britto. No artigo, A imprensa no Pará, é dado grande destaque para o jornal, pelas inovações
implantadas pelo co-fundador Antonio Lemos, em termos técnicos e dos serviços oferecidos, tornando A
Província uma folha distinta das demais. Foi o primeiro jornal paraense a iniciar a venda avulsa nas ruas,
permitindo tornar-se independente dos assinantes, e portanto, dos boicotes ordenados por potentados
desgostosos (BRITTO, Paulino de, p.289-291).
91
fomentavam os embates partidários, quando a divulgação das denúncias tinha o claro
propósito de demonstrar a decadência da instrução promovida pelo governo opositor. Os
jornais amazonenses não recuaram frente ao tema da instrução e da educação do povo,
foco de discussões em todo o Império. Entretanto, os paraenses cederam espaço à
crônica escolar de uma forma pouco freqüente na imprensa da Província vizinha.
As queixas publicadas nos jornais retratam aquilo que já era do conhecimento do
governo paraense desde meados da década de 1870: as escolas não eram bem
inspecionadas, pois “os delegados litterarios não têm capacidade ou se tornam logo
amigos ou inimigos do professor”.
80
A substituição das pessoas de maior influência na
localidade por empregados públicos no preenchimento dos cargos de delegados
literários parece não ter alterado muito o quadro das tensões entre professores e
inspetores no interior do Pará. O diretor, no relatório publicado em abril de 1885, se
queixa da recusa de presidentes de câmara e juizes de paz em atestar o exercício dos
professores e visar-lhes os mapas de freqüência, prejudicando o trabalho da Diretoria e
criando embaraços para o pagamento dos vencimentos dos docentes por parte do
tesouro provincial.
81
Professores recorreram à imprensa para se defender de supostas perseguições de
delegados literários, como foi o caso da professora da escola feminina de Irituia,
acusada pelo respectivo delegado de não registrar a freqüência diária das alunas e de ter
espancando uma menina.
82
Mas talvez, o que mais incomodasse os diretores fosse a
“amizade” entre delegados e professores. O fato de professores possuírem “amigos”
entre esta categoria não só era do conhecimento das diretorias, como também era
fartamente anunciado por anular qualquer possibilidade de inspeção séria. Numa das
cartas, o missivista anônimo de Faro, após aplaudir a nomeação do novo presidente
liberal, parte para o ataque ao professor e ao delegado literário do povoado. Sem poupar
farpas aos dois empregados públicos, ele faz emergir a condição de caboclo, pescador e
iletrado do responsável pela delegacia literária, aspectos que compunham a massa da
população amazônica, comumente retratada pelos “ilustrados” como ignorante, em
80
RPPA, 17/1/1875, p.21. Os deputados provinciais, tanto conservadores quanto liberais, fizeram
avaliação semelhante em 1883, afirmando que os delegados “quando não se prestavam á servir de
instrumentos nas mãos dos professores, arvoravam-se em seus perseguidores e tiranos” (A Constituição,
25/7/1883. Assembléia Legislativa da Província do Pará. Sessão de 11/4).
81
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 18/4/1885, anexo A.
82
A Constituição, 26/8/1877.
92
termos de instrução e educação civil e religiosa. Condições, que ao seu ver, tornavam a
função facilmente manipulável pelo professor, que sem escrúpulos e impedimentos,
explorava seus alunos nas mais diversas formas. Nas palavras de seu delator,
“A delegacia litteraria está entregue a um pobre caboclo pescador, authomato
do professor, cujo delegado, mal e porcamente assigna seo nome, isto mesmo
com muito trabalho e pachorra. Este delegado da ignorancia não tendo meios
para viver no povoado, mora na beira da pescaria, longe da villa dous dias de
viagem redonda.
83
O abaixo-assinado solicitando um novo professor para a povoação de Condeixa,
no Pará, acusa o velho delegado literário de deixar o professor entregue a si mesmo,
pois o fiscal, além de ser inábil, nunca visitava o povoado, residindo a cinco
quilômetros de distância, na vila de Monsarás. Os moradores reclamam por “um fiscal
que olhe para a ordem e disciplina da escola”, e não deixam de lembrar aos poderes
públicos, de
“Que vale uma escola sem bom mestre e sem moralidade?”
84
Ordem, disciplina, professor habilitado e moralidade são qualificações que o
discurso oficial lembrava o tempo todo como indispensáveis para o progresso da
instrução. Entretanto, alguns moradores da pequena Condeixa, inserida na pouco
povoada comarca de Soure, entenderam que as autoridades públicas não as respeitavam,
e duramente cobraram o exercício de sua função na educação dos meninos.
A conivência de delegados com professores faltosos, por exerceram atividades
incompatíveis com o magistério, gerou muitas denúncias. O jornal do partido
conservador no Pará, A Constituição, na série de artigos sob o título, Os conservadores
e a instrução pública, publicada em 1883 sob a vigência da situação liberal, afirma que
os delegados literários não cumpriam os seus deveres, por dissimular os abusos de
professores, nos lugares em que eram comerciantes, lavradores ou fabricantes de
borracha.
85
A acusação é grave, mas não inverossímil, pois um dos maiores problemas
que o Amazonas e o Pará enfrentavam junto ao professorado do interior era justamente
a atração e a facilidade com que se entregavam a atividades não relacionadas ao
magistério. Referências a professores pescadores ou dedicados a extração de produtos
83
A Constituição, Pará, 28/4/1883 (grifo nosso).
84
A Constituição, 26/8/1882.
85
A Constituição, 11/5/1883.
93
vegetais são facilmente encontradas nos mais diversos tipos de documentos, inclusive
nos oficiais. Reprimir este fato, visto como abuso, era uma das tarefas dos conselhos
diretores da instrução, através de remoções ou demissões de professores.
86
Os delegados
(e em 1883, os juizes de paz ou presidentes de câmara) estavam obrigados a informar o
governo a respeito destes fatos. A conivência com professores que burlavam o
regulamento da instrução pública revela que muitos professores estiveram sob a
proteção dos inspetores. Estes casos só apareciam nos jornais pelas denúncias de
moradores e pais, insatisfeitos com o abandono das escolas, e pela imprensa partidária.
Tais relações não escaparam à literatura regional. No romance, O Missionário, de
Inglês de Sousa, as relações entre professor público e delegado literário são rapidamente
citadas, porém, de maneira marcantemente negativa. Os habitantes de Vila de Silves,
Amazonas, se preparam para a temporada da “pândega lucrativa dos castanhais”. O
professor anuncia que seguirá os moradores às praias, e como é íntimo do delegado
literário, responsável por fiscalizar a instrução primária local, alegará doença para dar
férias aos meninos, sem constrangimento algum.
87
Como solução contra o favorecimento de professores incapazes e
inescrupulosos, A Constituição sugeriu que a escolha dos professores fosse feita pelos
pais de família, buscando-se evitar a nomeação de indivíduos só porque eram
governistas. Os pais deveriam passar a ser “os fiscais natos dos educadores de seus
filhos no interior dos povoados”. E anuncia:
“É de toda a conveniencia que se acabem com os patronatos escandalosos,
protegendo-se a amigos á custa do suor do povo.
88
Está claro que, nas gestões conservadoras, jamais se considerou dotar os pais de
tamanho poder, porém desconfiamos que os pais não foram omissos ou indiferentes
como queriam os responsáveis pela difusão da instrução nas províncias. A população do
86
O conselho diretor do Pará, criado em 1870, foi reorganizado pela lei 1.031 de 7/5/1880. Funcionando
na capital, o conselho reunia sete membros, a saber: diretor geral da instrução, presidente da Câmara
Municipal da capital, provedor do Colégio do Amparo (internato para meninas desvalidas), dois
professores do Liceu, um da Escola Normal e o professor primário do Instituto de Educandos Artífices
(RPPA, 15/2/1881, anexo A, p.VI). O conselho analisava e decidia a respeito das questões relativas às
escolas na Província, incluindo as representações enviadas pelos empregados da instrução, pais e
moradores.
87
SOUSA, H. Inglês de, 1998, p. 113 e 104. Romance escrito em 1888. Inglês de Sousa era paraense,
nascido em Óbidos.
88
A Constituição, “Os conservadores e a instrução pública VII”, 17/5/1883.
94
interior, antes julgada como refratária à instrução, ao apagar das luzes do regime
imperial, passa a exigir escolas, indicando que, mesmo com todos as dificuldades com
que lutavam as escolas públicas do século XIX no interior da Amazônia, a educação de
meninos e meninas pelo Estado passou a ser uma opção desejada pelas famílias. Os
pedidos de criação de escolas ocorreram durante todo o período no Pará. Inicialmente,
provinham dos núcleos populacionais estabelecidos, como registra o presidente Abel
Graça no relatório de fevereiro de 1872, afirmando que atendera aos reclamos da
população criando escolas em algumas localidades, de forma que todas as freguesias e
povoações da Província contavam com aulas de ensino primário.
89
Ao final do Império, o diretor da instrução paraense, Americo Marques de Santa
Rosa, recebia todos os dias pedidos de criação de escolas provisórias, vindos de todas as
partes. Ele considerou as reclamações justas, pois a população se disseminava pelos
extensos rios e igarapés, porém argumenta que se atendesse à exigência de criar uma
escola na foz do rio, “mais tarde reclamam outras nas cabeceiras, e com tanta
insistencia, que a recuza é considerada como falta de solicitude pelo bem publico”.
Santa Rosa vê como solução para esse “embaraço” voltar à Assembléia provincial a
tarefa da criação das escolas provisórias, sob a proposta da Diretoria da Instrução
Pública.
90
Há registro também da indisposição de “pais de família” com o delegado
literário de Abaeté, ofendidos com a sua intromissão, tida por imoral, na escola onde
estudavam suas filhas. O delegado, que segundo o reclamante, foi nomeado em função
dos desacertos do frei (seu protetor) e do governo (sempre tendente a nomear
empregados públicos), entrou numa esfera somente admitida no âmbito doméstico, sob
o exercício do pátrio poder, isto é, a do comportamento moral/sexual das alunas. Em
visita à escola feminina, preveniu a professora para que “tenha toda a cautela em que
não saia moça alguma em estado de gravidez!”. Muito revoltado com a ousadia do
delegado, o solicitante pede providências ao Presidente da Província, e assim justifica a
sua atitude,
89
RPPA, 15/2/1872, p.10.
90
Relatório da Diretoria da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 24/7//1889, p.30. No relatório de
18/8/1889, o presidente Ferreira Braga anuncia a criação de cinco escolas no interior do Pará, por
sugestão de Americo Santa Rosa.
95
(...) “porque os paes de familia não estão resolvidos a que suas filhas ouçam
immoralidades desta ordem; o delegado litterario que vá fazer canôas, pois é
para o que tem algum préstimo.
91
O arrojo do delegado lhe valeu o revide injurioso, expresso na intenção clara de
o rebaixar à condição social de caboclo ou tapuio, por só se prestar a “fazer canoas”,
recomendação que pelo visto, constituía ofensa grave.
As denúncias não deixam de expressar certos usos do cargo, como o emprego de
meninos das escolas em tarefas domésticas ou comerciais. Esta era uma acusação
dirigida geralmente aos professores, mas A Província do Pará denuncia que o vigário,
que vinha a ser o delegado literário da paróquia de Curuçá, ocupava os alunos da escola
em seu “serviço particular”, fato noticiado nas cidades de Vigia e Belém, e do
conhecimento do governo.
92
Todavia, justiça seja feita: não podemos afirmar, que em sua maioria, os
delegados e inspetores aceitaram ou procuraram a posição segundo interesses escusos.
Os relatórios paraenses mostram que havia realmente um rodízio não desprezível de
inspetores, indicando também que os diretores estavam atentos às críticas e
consideravam as representações feitas contra os nomeados. Há registros de pessoas
notáveis entre os delegados literários, como o “ilustre” magistrado de Bragança, Gentil
de Moraes Bittencourt, o qual trimestralmente informava à Diretoria da Instrução
Pública sobre o estado das escolas entregues a sua inspeção.
93
Em uma querela a
respeito da escola noturna de Bragança e da escola elementar de Peroba, no mesmo
município, Bittencourt eximiu o professor de culpa pela baixa freqüência da escola
noturna, por exercer o magistério de forma dedicada e inteligente. A freqüência era
menor do que o exigido por lei, fato registrado no livro arquivado na escola e informado
à Diretoria de Instrução, mas que não o levou a representar contra o professor. Uma das
91
A Província do Pará, 26/9/1877 (grifo nosso).
92
A Província do Pará, 27/10/1877.
93
A Província do Pará, 6/11/1877. Em 1881, o Dr. Gentil Augusto de Moraes Bittencourt ocupava o
cargo de chefe do Tesouro Provincial (Ofício do diretor do Instituto Paraense de Educandos Artífices ao
Presidente da Província, 12/4/1881). No artigo do professor de primeiras letras dos educandos de Manaus
consta que Gentil Augusto Bittencourt foi um “ex-ajudante desse estabelecimento” (Commercio do
Amazonas, 27/7/1875).
96
cartas, a de um “caeteense”, escrevendo de Belém, defende o mestre das acusações,
usando o nome do “honrado” delegado, cujo caráter a corrupção não atingiu.
94
A publicação das cartas expõe a dinâmica das delações e reações relativas à
instrução pública. Tudo começou com as cartas (não assinadas) contra o professor
supracitado, “moço altamente protegido” na capital. Duas cartas vieram em seu socorro:
a do próprio delegado literário e de um conhecido seu. Facilmente o professor era
atingido publicamente, mas pelos mesmos meios buscava proteção aos ataques. Pela
quantidade de cartas provenientes de freguesias e vilas, supõe-se que os jornais da
capital encontravam considerável circulação no interior. As cartas igualmente atingiam
o Governo da Província que, em 1885, mostrou-se preocupado com as reclamações
estampadas no jornal A Constituição, quando moradores pediam a criação de uma
escola mista no Marco da Légua, na comarca da capital.
95
No caso amazonense, não localizamos na documentação tamanho embate entre
fiscalizadores e executores da política educacional. Há sim, uma referência no relatório
de 1872 do diretor da instrução, que aponta os obstáculos da inspeção de escolas na
Província. Começa por relatar que inspecionar pessoalmente e dirigir a inspeção são
tarefas difíceis, levadas a termo com muita fadiga e dissabores. Gustavo Adolpho
Ramos Ferreira, que visitara escolas do interior, mostra-se extremamente insatisfeito
com a atuação dos “comissários visitadores, comissários literários e inspetores de
distritos e municípios”. Os primeiros, por serem estranhos ao mister, ocupando-se dele
acidentalmente em comissões anuais; os segundos, “por não haver possibilidade de
escolha, em uma província, onde a instrucção a mais elementar é ainda tão pouco
vulgar”, e os terceiros, por terem suas funções anexas a cargos eleitorais, como os de
juizes de paz e de presidentes de câmara. Pelo menos nos dois últimos casos, a inspeção
ficava sujeita às divergências políticas e às intrigas locais. A contínua mudança de
indivíduos e falta de habilitação e até mesmo o fato de muitos deles apenas saberem
94
A Província do Pará, 23/5/1877 e 19/10/1877.
95
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 18/4/1885, anexo A-95, p.101.
O “Mappa comparativo da frequencia diaria das escolas publicas da Provincia do Pará” registra que 40
alunos freqüentaram a aula primária de Marco da Légua no 1
o
trimestre de 1887, mas não informa o sexo
(RPPA, 2/2/1889, Anexo 2).
97
assinar o nome, completavam o quadro da precariedade da fiscalização das escolas no
Amazonas.
96
Um relatório de 1877 dá uma pista para entendermos porque os inspetores
escolares estão praticamente ausentes dos relatos a respeito do cotidiano escolar no
Amazonas. O presidente informa que não havia quase inspetores paroquiais na
Província, “senão em nome” e atribui o atraso da instrução à “falta de inspeção
immediata e activa nas escolas”. Como medida saneadora, substituiu alguns inspetores,
e só não mudou outros por não ter “quem sirva” para a função. Um deles, o pároco de
Silves, foi demitido “a bem do serviço e da moralidade pública”. O padre, inspetor
escolar da freguesia, e a professora da escola feminina compuseram uma “aliança”
bastante diversa daquelas denunciadas na instrução pública paraense: o padre vivia
debaixo do mesmo teto que a professora, em “mancebia notória”, punida com a
demissão de ambos. Depositando no sacerdote e no professor o poder de atuarem como
alavancas do progresso moral e material da Província, o administrador pode identificar
os agentes inabilitados moralmente para o cumprimento da missão civilizadora para a
qual foram designados, pela Igreja e pelo Estado. Assim, ele justifica a destituição da
função temporal do religioso:
“Um homem nas condições deste Padre, não póde ser inspector parochial, não
póde ser parocho, não póde ser professor, porque em vez de moralizar,
desmoraliza, em vez de cooperar para a civilisação da sua freguezia concorre
poderosamente para a sua decadencia moral e material.”
97
Na década seguinte, a Assembléia amazonense delega aos “pais de família” a
inspeção das escolas do interior, excluindo os religiosos do cargo. O regulamento de
1886 prevê a criação de conselhos paroquiais ou de distrito, composto de três pais de
família, nomeados pelo diretor geral, com a aprovação do Presidente da Província.
Considerado um cargo público gratuito, o regulamento expõe minuciosamente quais são
as funções dos conselhos, mas silencia quanto aos requisitos para a escolha de seus
componentes. O termo pai de família supõe que o designado possuísse uma certa
respeitabilidade em seu meio, garantida não somente pela paternidade biológica, mas o
96
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Amazonas. In: RPAM, 25/3/1882, anexo 3, p.3.
97
RPAM, 26/5/1877, p.50. Pelas cartas dirigidas ao Presidente da Província, publicadas na imprensa
paraense, sabemos que os moradores e pais de família levavam ao conhecimento do governo os
escândalos da instrução pública no interior. Portanto, em alguns casos, a identificação do comportamento
imoral de seus empregados provinha primeiramente da população.
98
indivíduo responsável por uma determinada rede de protegidos, os quais reconheceriam
a sua liderança local. São quinze funções, dando ao conselho poderes de polícia e de
coordenação da instrução no local. Nomear os examinadores ao final do ano, dar posse
aos professores, impor sanções e nomear substitutos, passar mensalmente atestado do
exercício aos professores para a cobrança dos respectivos vencimentos, são funções que
colocavam os professores nas mãos dos chefes locais. Uma vez por mês, as escolas e os
estabelecimentos de sua jurisdição deveriam ser inspecionados, examinando-se a
freqüência e o adiantamento dos alunos, o procedimento do professor, e o estado
material das escolas. Não encontramos referências ao funcionamento desses conselhos
após 1886: a medida se tornou letra morta, resultado de mais uma reforma condenada a
não passar do papel?
98
A elaboração das leis da instrução talvez explique, em parte, as dificuldades de
adotar medidas que, embora tivessem um certo grau de aceitação no Império, eram de
difícil execução em algumas regiões. Medidas imbuídas do poder de levar a civilização
a todos os pontos do Império, como o ensino obrigatório e a inspeção das escolas, foram
adotadas por várias províncias brasileiras.
99
Os debates e as leis circulavam entre as
autoridades públicas do país, os quais, por sua vez, também circulavam pelas
províncias, exercendo cargos públicos. Nos relatórios, apenas um presidente admitiu
utilizar o regulamento de outra província como modelo, como foi o caso de José
Paranaguá, que prometeu apresentar à Assembléia amazonense o projeto do novo
regulamento da instrução pública, modelado pelo expedido em Pernambuco em 1880.
Paranaguá espelhou-se no regulamento organizado pelo então Presidente de
Pernambuco e seu amigo Franklin Doria, o Barão de Loreto. O mesmo se deu com o
regulamento da Escola Normal, baseado no pernambucano, aprovado em 1879. O
administrador os considerou os melhores do país, não duvidando em incluir no projeto
98
AMAZONAS. Regulamento n. 56, 17/3/1886, artigos 217 a 219. Na capital, instaurou-se um conselho
fiscal com o diretor geral e lentes do Liceu, da Escola Normal e professores do ensino primário (art.222).
Segundo Júlio Benevides Uchôa (1966, p.54), o regulamento de 1886 teve vida efêmera, como outros do
período, fato que vinha a dificultar a operacionalização das mudanças.
99
O regulamento que reformou a instrução na Corte, em 1854, estabeleceu a obrigatoriedade do ensino
primário de 1
o
grau, na faixa dos 7 aos 14 anos. Minas Gerais já havia regulamentado a medida em 1835
(FARIA FILHO, Luciano Mendes de, SALLES, Zelli Efigênia Santos de, 2002, p..259). Os regulamentos
do Amazonas (1872) e do Pará (1860) previam a obrigatoriedade, definindo um raio de distância entre a
escola e a moradia do(a) aluno(a), dentro do qual a norma deveria ser obedecida por pais, tutores e
protetores.
99
“muitos e muitos artigos transcriptos dos mencionados regulamentos”.
100
De junho a
novembro de 1882, em cartas enviadas ao deputado na Assembléia Geral e conselheiro
Franklin Doria, Paranaguá insistiu que este elaborasse o regulamento da instrução,
alegando não ter encontrado no Amazonas quem pudesse incumbir-se de sua execução.
Pela correspondência de Paranaguá ao Barão, sabemos que Dória mantinha o amigo
informado a respeito do movimento da instrução na Corte e atendeu a seus pedidos,
enviando-lhe publicações a respeito de sua atuação na instrução pública, como seus
discursos e um exemplar dos "Documentos relativos á fundação do Museu escolar
Nacional". Paranaguá recebeu também a coleção que escolhera, de obras recentemente
publicadas acerca de instituições escolares, das quais ele pretendia tirar as “boas
indicações (...) pondo-as logo em pratica”.
101
Foi a este amigo de família que solicitara a
remessa dos regulamentos da Biblioteca Nacional e o da sua Biblioteca como guias para
a regulamentação da primeira Biblioteca Pública do Amazonas.
102
No mesmo período, o Barão de Maracajú informa no relatório à Assembléia
paraense que reformou o regulamento do ensino na Província de Mato Grosso; ele não o
cita como modelo, mas demonstra que está a par do assunto.
103
A recusa à cópia de
iniciativas estrangeiras é comum nos relatórios destes presidentes, devido à grande
diferença apontada entre os hábitos e o grau de civilização do Brasil e os dos “países
cultos”, porém a adaptação da legislação referente às várias instituições educativas
brasileiras não era recusada.
104
Embora rejeitassem a simples transposição de modelos
de legislação e instituições educacionais, os presidentes não se furtaram em enviar
indivíduos em comissão de estudos da instrução popular na Europa. O capitão José
100
RPAM, 25/3/1883, p.25.
101
Cartas de José Lustosa da Cunha Paranaguá ao Barão de Loreto, Manaus, 9/11/1882, 18/01/1884 e
10/11/1883 (Arquivo Nacional, GF-Coleção Barão de Loreto). O advogado Franklin Americo de
Menezes Doria (1836-1906), Barão de Loreto, exerceu diversos cargos na administração imperial, vindo a
ocupar o último gabinete da monarquia com a pasta do Império (BLAKE, Sacramento, vol.III e site da
Academia Brasileira de Letras). Na área educacional participou como sócio da fundação da Associação
Protectora da Infancia Desamparada, criada por Carlos Leoncio de Carvalho, em 1883 (A Constituição,
Pará, 16/11/1883) e publicou os Discursos proferidos na camara dos deputados em 1879. I. A
reorganização do ensino primário; em 1883 e 1884. I Fundaçao do museo escolar nacional, Rio de
Janeiro, 1884.
102
Cartas de José Lustosa da Cunha Paranaguá ao Barão de Loreto, Manaus, 9/11/1882 (Arquivo
Nacional, GF-Coleção Barão de Loreto).
103
RPPA, 15/2/1883, p.13.
104
A respeito da inspiração de modelos educacionais, ver o capítulo 3, referente aos estabelecimentos
para educandos artífices no Brasil. O Presidente do Pará e o diretor da instrução do Amazonas
condenaram o espírito de imitação, levando as reformas ao naufrágio ou a não passarem do papel (RPPA,
27/8/1889, p.32 e RPAM, 1/10/1880, p.5).
100
Fleury em 1881, no Amazonas, e José Veríssimo, em 1889, no Pará, viajaram com a
missão de visitar sistemas educacionais europeus e apresentar o relatório das suas
comissões. Neste período, brasileiros de reconhecida capacidade receberam esta missão
no país, resultando alguns relatórios em avolumadas publicações.
105
A visita escolar: observando a escola e os modos de viver da população
No Pará e no Amazonas, a fiscalização das escolas primárias públicas tornou-se,
a partir de meados da década de 1870, um tema freqüente de discussão nos meios
oficiais da instrução pública, resultando em resoluções legais e medidas de aplicação
das administrações provinciais. A preocupação concentrava-se nas escolas do interior,
as quais, pelas distâncias e empecilhos administrativo-financeiros, permaneciam nas
mãos dos professores com uma ingerência muito precária dos poderes públicos. As
escolas das capitais eram geralmente inspecionadas pelos próprios diretores, como as do
interior durante a década de 1870. Os governos selecionavam visitadores escolares entre
bacharéis, professores públicos e ex-diretores, em comissões anuais. Pelo menos desde
1860, o Pará já tinha regulamentado o cargo de inspetor geral, com a função de
inspecionar as escolas conforme designação do Presidente da Província. Inserido no
degrau dos “empregados públicos de alta categoria”, exigia-se os predicados próprios à
sua posição hierárquica e ao seu papel específico, tais como, inteligência,
conhecimentos acerca das matérias da instrução primária, saúde robusta e probidade. Na
década seguinte, não há mais referência ao cargo, sendo criado o lugar de visitador em
comissão anual, podendo este ser exercido por empregado público.
106
Desde 1864, estava prevista a função dos visitadores em comissão no Amazonas,
impedidos pelo regulamento de perceber qualquer recompensa, nem mesmo auxílio para
as viagens. As visitas escolares ficariam a cargo dos comissionados do governo em
excursões a regiões onde existissem escolas, indicando que a função não estava imbuída
de nenhuma especialidade ou profissionalização, podendo ser exercida por qualquer
pessoa instruída. Essa situação se reverteu em 1872, quando o regulamento transferiu
105
RPAM, 10/1/1881 e RPPA, 1889, p.18. Verissimo viajou à Paris, como comissionado do Pará na
Exposição Universal de 1889, com a missão de estudar a seção de instrução pública, munido de uma
pauta que instrumentaria o governo na modernização do sistema educacional provincial (Cf. capítulo 3).
106
PARÁ, regulamentos de 9/4/1860, art.60 e 61, e de 13/1/1874, art.14. .
101
para os professores do liceu o encargo de visitar as escolas, em comissão auxiliada
financeiramente pelo governo.
107
A função ganhou legitimidade como atividade
especializada que exigia qualidades específicas do executor, passando a ter inscrição no
orçamento governamental.
A legitimidade do cargo é consolidada com o regulamento de 1881, quando o
Amazonas, ao reformar a instrução pública, criou dois “lugares de visitadores de
escolas”, a serem designados pelo Presidente da Província. O regulamento previa para o
cargo de visitador a função de inspecionar as escolas e os estabelecimentos de instrução
do interior, verificando o estado material dos mesmos, a freqüência e o aproveitamento
dos alunos, e os procedimentos dos professores, considerando o testemunho das juntas
paroquiais e dos “cidadãos qualificados da localidade”.
108
As leis enfatizavam a
investigação sobre o procedimento moral e civil dos professores e a indicação das
providências para a melhoria do ensino, devendo todas as informações ser apresentadas
em relatório minucioso. Além destas tarefas, o diretor da instrução no Pará em 1885,
queria que todas as escolas da Província fossem inspecionadas uma vez por ano,
registrando-se as “queixas e votos dos pais de família”, em relatório circunstanciado, a
ser publicado no jornal oficial.
109
Nos anos 1880, os diretores da instrução não
desempenharam mais a comissão devido ao gradativo aumento da complexidade de suas
funções junto à Diretoria.
Ao longo do período, as duas províncias promoveram várias inspeções, mas não
se chegou ao ideal da inspeção anual das escolas, nem tampouco localizamos os
relatórios dos visitadores nos jornais apoiados pelos governos. Até o final do século
XIX, as falhas e a fiscalização insuficiente das escolas do interior foram exaustivamente
criticadas pelas diretorias. Não havia uma sistemática na nomeação de visitadores
(remunerados), situação condenada ao longo de todo nosso período, mas nunca
debelada eficazmente. Em vários relatórios, presidentes das províncias do Pará e do
Amazonas se queixam do comprometimento do tesouro provincial com a criação e
manutenção das escolas. As propostas de profissionalizar e remunerar os inspetores
locais das escolas nunca chegaram a ser implementadas, provavelmente pelo grande
107
AMAZONAS, regulamentos n.13, de 31/8/1864, art.12, e n.29 de 16/3/1872, art.54.
108
AMAZONAS, regulamento n.42, de 14/12/1881, art.30 e 31. O regulamento n. 47, de 28/3/1883,
previa inspeções extraordinárias, por pessoas idôneas comissionadas mediante gratificação (art. 277).
109
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Pará. In: 18/4/1885, anexo A-95, p.108.
102
número de delegados nomeados, pelo menos no Pará. Ao final do Império, os diretores
continuavam a lutar pela idéia. Um exemplo foi a proposta feita em 1889 pelo diretor da
instrução do Pará, Raymundo Nina Ribeiro, de criar o cargo remunerado de “fiscal” da
instrução, a ser exercido somente por pessoa de confiança do diretor e nomeada pelo
Presidente da Província, sugestão não encampada pela Província.
110
Já o cargo de visitador era remunerado, por cada comissão. Sendo ele
empregado público, cobria-se apenas o custo da viagem, equivalente ao dobro do valor
fixado em lei para os visitadores sem vínculo (funcional) com o governo
111
. O visitador
fiscalizava um grande número de escolas, geralmente numa única viagem, que podia
durar de um a três meses. Como exemplo, temos a viagem do diretor da instrução
pública do Pará, o médico Joaquim Corrêa de Freitas, que, em pouco mais de três
meses, visitou 83 escolas em quatro comarcas, no ano de 1875. Em 1882, o diretor,
então aposentado, visitou 51 escolas de três comarcas, 26 do sexo masculino e 25 do
feminino.
112
O vapor possibilitou a adoção da instituição da visita escolar ao encurtar o
trajeto entre os povoados, mas não removeu totalmente o obstáculo representado pelas
grandes distâncias para o acesso dos poderes públicos às “mais remotas fronteiras” das
duas maiores províncias do Império.
Corrêa de Freitas lamenta não poder ter um visitador remunerado para cada
comarca, onde o esperaria mais de vinte escolas para inspeção. Ele sugere a contratação
de um visitador para cobrir as escolas do interior, a residir na capital. Semestralmente,
ele deveria remeter à Diretoria um relatório sobre as escolas inspecionadas no interior e
semanalmente comunicar as ocorrências das escolas da capital.
113
Pelas informações
prestadas pelos relatórios provinciais, a inspeção continuou a ser feita por visitadores
escolares contratados eventualmente.
O Amazonas intensificou a política de inspeção anual através da contratação de
diversos visitadores pagos, entre 1885 e 1888, como pode ser observado no quadro a
seguir. Na década de 1870, as visitas foram esporádicas e realizadas pelos governantes
ou diretores da instrução. As visitas dessas duas autoridades tinham conotações
110
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 2/2/1889, anexo 2, p.4).
111
PARÁ, lei n. 880, 14/4/1877, art. 5
o
.
112
Relatório do diretor geral da instrução pública. In: RPPA, 15/2/1877, anexo 3 e RPPA, 15/2/1883,
p.19.
113
Relatório do diretor geral da instrução pública. In: RPPA, 15/2/1877, anexo 3.
103
diferenciadas. Os presidentes impunham um caráter de solenidade ao ato, reforçado pela
recepção nas localidades e nas escolas. Eles podiam conciliar a visita com os exames
finais ou pessoalmente examinar alguns alunos e alunas. Já as visitas dos diretores
tinham um cunho técnico e resultavam em relatórios descritivos e analíticos,
discorrendo a respeito das “causas do atraso” da instrução e das indicações para o seu
“desenvolvimento”. Notícias breves das visitas apareciam nos jornais e/ou nos relatórios
provinciais. As visitas realizadas pelos presidentes do Amazonas em 1870 e 1875 foram
retratadas em cartas enviadas aos jornais, indícios de suas repercussões entre os
moradores das vilas, que aproveitavam a oportunidade para elogiar ou recriminar os
professores. Os jornais das duas províncias divulgavam algumas visitas, principalmente
quando os presidentes ou diretores as faziam pessoalmente.
Os quadros, a seguir, relacionam as visitas escolares localizadas na
documentação. Infelizmente só contamos com um dos relatos dos visitadores
comissionados, para análise. Trata-se da obra Doutrinas pedagógicas e elementos de
instrucção publica para uso das escolas de ensino primario especialmente das
Províncias do Amazonas e do Pará, do conselheiro Joaquim Nascentes de Azambuja,
contratado pelo governo amazonense, em 1883, para inspecionar algumas escolas do
interior. Outro relatório de visitas a escolas do interior disponível é do diretor da
instrução pública do Amazonas, Gustavo Adolpho Ramos Ferreira, publicado como
anexo ao relatório provincial em 1872. Contudo, estes textos, aliados aos diversos
relatórios de diretores da instrução das duas províncias, mais as notícias dos jornais, nos
permitem identificar alguns pontos importantes da discussão a respeito da educação
popular e do cotidiano escolar locais, sobretudo a associação que as autoridades faziam
entre os costumes da população e as dificuldades em expandir a instrução, com todos os
benefícios que com ela se antevia para a difusão da civilização pelo interior das
províncias.
104
Relação das visitas escolares localizadas na documentação (1870-1889)
Data Nome Formação/
Ocupação
Áreas visitadas
N
o
escolas
Relatório
localizado
AMAZONAS
1870 João Wilkens de
Mattos
Presidente da Província;
engenheiro civil
formado nos Estados
Unidos; ocupou cargos
na administração pública
e na Assembléia
amazonense; diretor da
instrução pública no
Pará em 1879
Vilas de Silves e Serpa Informes e
cartas jornal
e relatório
prov.
1872 Gustavo Adolpho
Ramos Ferreira
114
Diretor da instrução
desde 1867; bacharel em
direito; deputado
provincial em 1877,
quando votou contra a
extinção da Casa de
Educandos de Manaus
Escolas do rio Negro e
as de Serpa, Silves, Vila
Bela, Anderá,
Conceição, Abacaxis e
Camunã
RPAM,
25/3/1872,
anexo 3
1875 Antonio dos Passos
Miranda
Presidente da Província Escola feminina de
Itacoatiara
Carta no
jornal
1877 Domingos Jacy
Monteiro
Dr. em medicina; dr. em
direito; Presidente da
Província
Em viagem aos rios
Maués e Andirá,
examinou alunos e
alunas em Vila Bela
Informe no
jornal
1883 Joaquim Maria
Nascentes de
Azambuja
Bacharel em direito;
Conselheiro; exerceu
cargos diplomáticos por
38 anos; diretor da
instrução pública no
Espírito Santo, 1886-
1887
Escolas do município da
Capital, Itacoatiara e
Parintins (7/9 a
7/12/1883)
Livro
(Azambuja,
1884?)
1885 Francisco Publio
Ribeiro Bittencourt e
Raymundo Agostinho
Nery / Padre José
Henrique Felix da
Cruz Dacia / Elmino
Álvares Affonso
Professores públicos /
líder conservador
quando vigário de
Itacoatiara; Deputado na
Assembléia Provincial /
inspetor geral interino
das escolas públicas
Escolas de Itacoatiara,
Parintins e do rio
Solimões / Escolas de
Aurão, Rio Branco,
Codajás e Badajós /
Escolas dos municípios
de Itgacoatiara, Silves,
Parintins e Maués
Informe nos
relatórios
prov.
1887 Lourenço Pessoa /
Alfredo Sérgio
Ferreira
Lente de pedagogia da
Escola Normal /
bacharel
Escolas do rio Madeira /
rio Solimões
Informe no
relatório
prov.
1888 Alexandre dos Reis
Rayol
Professor público Nomeação interina,
durante a licença do
respectivo serventuário
Informe no
relatório
prov.
1889
Capitão Bento de
Figueiredo Tenreiro
Aranha / João Wilkens
de Mattos
Professor primário em
Belém (1865) e Manaus,
(1874) / Presidente da
Província em 1869-1870
Todas as escolas
situadas ao longo do rio
Solimões / Sem
informação
Informe em
Braga (1980)
e Uchôa
(1966)
114
Wilkens de Mattos informa que Ramos Ferreira visitava as escolas do interior anualmente, mas não
localizamos outras referências a respeito (RPPA, 4/4/1869, p.21).
105
Data Nome Formação/
Ocupação
Áreas visitadas
N
o
escolas
Relatório
localizado
PARÁ
1875 Joaquim Pedro Corrêa
de Freitas
Formado em medicina;
estudioso da educação;
filiado ao partido
conservador
83 escolas das comarcas
da Capital, Cametá,
Marajó e Vigia
Informe no
relatório
prov.
1876 Antonio Joaquim
Gomes do Amaral
Médico; ex-médico da
Comarca de Santarém,
pelo governo
57 escolas das comarcas
da Capital, Santarém,
Óbidos e Bragança
Informe no
relatório
prov. e no
jornal
1877 Capistrano Bandeira
de Mello Filho /
Joaquim Pedro Corrêa
de Freitas
Presidente da Província /
Diretor da instrução
pública do Pará
4 escolas públicas de
Belém
Informe no
jornal
1882 Joaquim Pedro Corrêa
de Freitas
Ex-diretor da instrução
pública do Pará
51 escolas das comarcas
da Capital, Cametá e
Igarapé-miry
Informe no
relatório
prov.
Modos de viver das famílias versus a instrução da infância
Uma questão presente nos diversos escritos da instrução refere-se aos obstáculos
impostos à sua difusão pelos hábitos, costumes e modos de viver da população na
imensa e isolada região. É principalmente quando se discute a educação nas duas
províncias que a descrição dos modos de vida da população aflora, geralmente de forma
crítica e pessimista.
As tentativas de reforma da instrução pública se sucederam, mas esbarravam na
necessidade da reforma da vida indiana e na remoção dos preconceitos da população
em relação às inovações educacionais, necessidades expostas pelas autoridades
diretamente envolvidas com a educação do povo.
115
As expressões relativas às imagens
construídas sobre a população amazônica serão extraídas dos textos, nos obrigando a
um certo abuso nas citações, todavia, necessário para a análise dos discursos dos
administradores e defensores da instrução na região.
Travava-se um embate entre representações da selva(gem) e da civilização, pelas
quais a pujança da natureza constantemente ameaçava a cultura. Os discursos oficiais
opunham a agricultura e a extração, quando se recomendava veementemente o domínio
do cultivo sobre a coleta. Representava-se no cenário amazônico a luta pelo avanço do
115
RPPA, 12/5/1860, p.34 (Cf. capítulo 1).
Relatório da Diretoria da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 18/9/1889, Anexo, p.32.
106
progresso e da civilização sobre a natureza e a barbárie de seus habitantes, os índios, os
caboclos, os mestiços. Tamanha oposição não deixaria de afetar a educação da
população e a solução apontava para a vitória das armas da vida civilizada. Ou seja, a
mudança do modo de viver da população. A “educação mais regular” só se viabilizaria
com a opção pela lavoura, posição expressa por Corrêa de Miranda e Gonçalves
Tocantins, após a exploração empreendida pelo rio Tapajós, região habitada pela
“população índia”. Os dois engenheiros, comissionados pelo governo paraense,
observaram que “homens sensatos” já resistiam à fascinação dos seringais:
“Vimos varias casas, cujos proprietarios tinhão abandonado o trafico da
borracha, para occupar-se da lavoura, nas quaes reina a abundancia e o bem
estar, o espírito da família se desenvolve; os filhos recebem educação mais
regular, e a moral reivindica o seu direito, porque a independencia, e a paz e
felicidade domestica nunca deixam de vir coroar os esforços do lavrador.”
116
A lavoura implicava na mudança considerada fundamental por vários atores
envolvidos no estudo e na reforma da instrução no Pará e no Amazonas, isto é, no
abandono da “vida errante”, “ambulante”, da população dedicada à extração de produtos
naturais.
117
No entanto, o discurso que inviabilizava a conciliação entre agricultura e
extração podia ser confrontado quando se “pinta ao vivo a maneira de viver d´aquella
gente”, expressão empregada pelos mesmos engenheiros que exploraram o Tapajós, ao
descreverem uma família que se dedicava à extração da goma elástica e a uma boa
plantação de café”. O homem viajava em sua pequena canoa, na companhia da mulher e
dos três filhos pequenos, um deles ainda de peito. Após um dia de intenso trabalho,
armavam a rede na praia e dormiam ao relento. O rendimento do trabalho de todo o
verão foi considerado irrisório pelos exploradores, e incompreensível o fato do “bom
trabalhador” expor sua família a privações e riscos quando possuía uma excelente casa,
116
MIRANDA, Julião Honorato Corrêa de, TOCANTINS, Antonio Manuel Gonçalves, 1872, p. 6.
Em praticamente todo o Segundo Reinado, o trabalho nos seringais foi realizado predominantemente pela
população local, sendo que na fase do “rush” (1890-1912), a atividade atraiu enormes levas de
nordestinos. No chamado “período do rush”, a atividade conheceu nova organização, denominada de
modelo do “apogeu” por João Pacheco Oliveira Filho (1979). Contudo, pondera Hideraldo Lima da Costa
(1995, p.188), não tendo sido desenvolvida nenhuma melhoria tecnológica para aumentar a
produtividade, a cultura e os modos de vida dos regionais foram fundamentais para que os nordestinos
recém-chegados se tornassem seringueiros.
117
Não é demais lembrar que a dedicação da população à extração de produtos naturais em detrimento do
cultivo era uma representação dos grupos dominantes da região, principalmente das autoridades do
Estado. Os estudos mostram que a população associava a atividade da extração com a agricultura de
subsistência e comercial. A agricultura diversificada e em pequena escala da região foi freqüentemente
interpretada como sem importância econômica frente à grande monocultura implementada em outras
províncias, como a do café, do açúcar e do algodão.
107
terras férteis e a plantação. As viagens eram longas e perigosas, os gêneros de primeira
necessidade caríssimos e a borracha vendida aos regatões gerava um “lucro puramente
ilusório”. Os engenheiros tiveram a companhia da família citada em um trecho da
viagem, portanto não faltou oportunidade de conversar e entender os motivos da opção
de vida de seus membros, porém, a visão do que seria um lucro compensador frente a
tamanho sacrifício parece ter obstaculizado qualquer possibilidade de compreensão do
outro. Morada e trabalho fixos, acumulação de um certo capital, e instrução dos filhos
sem interrupções lhes pareciam, como a outros viajantes na Amazônia, condições
mínimas para uma existência nos moldes das modernas civilizações do Ocidente,
preceitos capazes de levar à rejeição de outros modos de viver.
118
Um aspecto ressaltado pelos exploradores refere-se à condição da população
índia do Tapajós, que “vive em completa ignorância de seus interesses e de seus
direitos”, submetida à “tutela de um patrão”, a quem obedecia cegamente. Somente com
a penetração dos “raios da civilização”, estes “verdadeiros autômatos” se tornariam
cidadãos, homens livres e independentes, responsáveis por seus atos. Este tipo de leitura
sobre a incapacidade dos indivíduos gerirem as suas vidas era associada ao tipo de
atividade econômica a que se dedicavam, especialmente a extração da borracha.
Chegam a afirmar que,
“A falta de braços livres para o trabalho parece-nos resultar antes do modo de
viver da população.
119
De forma alguma é nossa intenção questionar a exploração sofrida pelos índios e
caboclos na coleta do látex e preparo da borracha, no entanto, o próprio exemplo dado
pelos autores para a ilustrar indica que os trabalhadores tinham outras alternativas.
Longe de serem autômatos, seres sem iniciativa, cultivavam suas roças, alguns
comercializavam produtos agrícolas, como o café e o tabaco, e até os “índios mais
118
Hideraldo Lima da Costa (1995) analisa as representações dos viajantes estrangeiros na Amazônia do
século XIX, relacionando as referências que as guiavam, como a perspectiva da acumulação de capital a
partir do trabalho disciplinado e metódico. Percebia-se no trabalho e no tempo dos amazônidas, uma
inferioridade em relação aos seus países, que só o progresso, a instrução e a introjeção dos preceitos da
vida civilizada seriam capazes de superá-la. Para o autor, as elites locais, especialmente os
administradores do poder público, corroboravam da mesma visão, atuando os viajantes como “formadores
de opinião”. Costa focaliza os textos dos viajantes e não os documentos oficiais da região, portanto, a
apreensão e o uso deste repertório de teorias, conceitos, valores e julgamentos morais pelas autoridades
não são dimensionados.
119
MIRANDA, Julião Honorato Corrêa de, TOCANTINS, Antonio Manuel Gonçalves, 1872, p.9.
108
civilizados” criavam carneiros, perus, patos, galinhas e algumas cabeças de gado, além
das pequenas fazendas de gado existentes nas ricas terras do Tapajós.
120
A instrução seria um dos instrumentos para o cultivo da inteligência, definida
como “a primeira de todas as forças produtivas”. No entanto, o que os viajantes
encontraram na região foi uma escola com apenas sete alunos, na vila de Itaituba, que
contava 33 casas bem construídas e muitos meninos entregues à ociosidade ou a outros
misteres. Seguindo a retórica dos discursos sobre o desleixo dos pais com a instrução
(escolar) dos filhos, os autores se mostraram pessimistas quanto à melhoria da geração
futura. A atividade seringueira, já responsabilizada pelo “atraso da agricultura” na
região, é também culpada pelo descuido com a educação, relação selada na afirmação
de que,
“A população, que se embrenha pelos seringaes, não póde receber educação
alguma.
121
Outros documentos oficiais atribuem à extração de produtos naturais a
predominância de analfabetos nos lugares mais distantes das freguesias. Este é o
argumento utilizado pelo diretor e visitador de escolas públicas do Amazonas, Gustavo
Adolpho Ramos Ferreira, em seu relatório sobre a inspeção às escolas do rio Negro e de
outras localidades. A incompatibilidade entre a cultura da terra e o extrativismo é
sugerida, seguindo a tônica do discurso oficial. As famílias eram,
“Pobrissimas, em geral, e occupando-se mais com a extração dos productos
naturaes, do que com a cultura da terra, que é quasi nulla, passa uma vida
errante, que raras vezes lhe permite manter na escola os filhos, cujos serviços
cedo principião á ser-lhe úteis, e ás vezes, indispensáveis.
122
Dentre as atividades extrativas, a borracha aparecia como o grande vilão, por
afastar as crianças das escolas durante o verão, no segundo semestre do ano. O diretor
da instrução do Pará, Joaquim Pedro Corrêa de Freitas, se queixa que parte das escolas
era pouco concorrida devido à estação da colheita da borracha, quando os povoados
eram abandonados por muitos de seus habitantes. O diretor que mais tempo passou à
frente da instrução pública no Pará informa que vinha fazendo estudos sobre a instrução
120
MIRANDA, Julião Honorato Corrêa de, TOCANTINS, Antonio Manuel Gonçalves, op. cit., p.7 e 9.
121
Op. cit., p.20.
122
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública da Província do Amazonas. In: RPAM, 25/3/1872,
anexo 3, p.5.
109
nas diversas paróquias da Província. Os resultados levaram-no a polarizar o
extrativismo e a agricultura, sob a perspectiva da freqüência às escolas. Legitimado pela
observação, Freitas faz a seguinte afirmação,
“Primeiro, que quanto mais disseminada é a população, menos freqüentadas
são as escolas; segundo, que nos lugares em que a população entrega-se á
extracção da borracha, as escolas, em certa epoca do anno, ficão quasi
despovoadas, ao passo que a que vive da lavoura ou da pesca, como acontece
nas comarcas da Vigia e Bragança, tem nas escolas grande numero de alumnos
matriculados, e a freqüencia nos diversos mezes do anno é quasi sempre a
mesma.
123
O visitador das escolas públicas do Amazonas, em 1883, deixou o mesmo tipo
de testemunho quanto aos estragos da atração da borracha no progresso da Província,
pois
A população move-se em busca de um pretendido Eldorado; move-se com
assodamento, arrastando comsigo mulheres, filhos, aggregados, tudo deixando
abandonadas as casas de sua residencia.
As povoações são assim dizimadas, periodicamente, pela falta de estabilidade
de seus habitantes, e essa falta de estabilidade lhes tolhes todo o movimento de
progresso.”
124
Como resultados de suas “observações e estudos”, o visitador, conselheiro
Joaquim Azambuja, relacionou “a indústria da borracha” como a principal responsável
pelo abandono da escola e pelo retrocesso no aprendizado dos meninos:
“Esta é a primeira causa da deserção de nossas escolas pelo habito em que
estão os seringueiros na estação propria da colheita, de se internarem com suas
familias pelos mattos em busca daquelle producto, objecto principal de nossa
exportação.
Coincide esta romaria com o segundo semestre do anno, e nessa época as
escolas são pouco concorridas; os meninos que já alguma cousa sabião,
desaprendem; se nada sabiaõ, continuaõ analphabetos, porque não ha mestres
para dar-lhes a devida instrucção. É o que se observa nesta provincia e na do
Pará.”
125
Azambuja só enxergou uma saída para a educação dos filhos dos seringueiros e
dos índios menores que viviam nas “selvas e nas margens dos rios, hoje em completo
123
Relatório do diretor geral da instrução pública. In: RPPA, 15/2/1877, anexo 3, p.XLI.
124
AZAMBUJA, Joaquim Maria Nascentes de, 1884?, p.46.
125
AZAMBUJA, op. cit., p.80. Novamente surge a questão da dedicação dos mestres a outras atividades,
além da docência, e a sedução exercida pela exploração da goma elástica. Voltaremos ao tema mais
adiante.
110
abandono”: a criação de asilos nas cabeças de comarcas e em diferentes pontos
culminantes no interior do Amazonas, visando a educação profissional e agrícola dos
meninos, inculcando-lhes o gosto pelo trabalho e tornando-os “mais sedentários e
emancipados dessa lida aventureira e precária de seus progenitores e patrões”.
126
O
abandono dos pequenos índios a que se refere o autor está pautado na carência de
catequese e civilização, a ser sanada com a criação dos asilos.
Até o final do século, a “vida nômada” devido ao fabrico da goma elástica e à
colheita de vários produtos continua a importunar os gestores da instrução no
Amazonas e no Pará, impedindo-os de “desterrar a ignorância” dos sertões amazônicos.
O mote “governar é fazer o bem” exigia muita determinação dos administradores para
ser aplicado.
127
A população é acusada de viver embrenhada nas matas, onde “as vistas
do governo, a sua ação benéfica e a regular administração da justiça difficilmente
podem chegar”.
128
Os autores citados vislumbram na melhoria dos meios de
comunicação uma das soluções para este isolamento das famílias, as quais, para o
diretor amazonense Ferreira Ramos, estavam entregues a seus próprios recursos. Os
engenheiros anunciavam a navegação a vapor no baixo Tapajós, a promover uma
verdadeira “revolução econômica” na região, que em breve estaria ligada à capital, por
contrato já firmado pelo Presidente do Pará com a Companhia do Amazonas.
O diretor da instrução amazonense, Ferreira Ramos, clamou pela ação
missionária e educacional, esperando da primeira a celebração freqüente dos atos
religiosos de forma a atrair os habitantes para os centros de população, e da escola, a
adaptação programática à realidade local, reduzindo o ensino ao estritamente necessário.
A meta consistia em oferecer aos meninos a educação e a instrução suficientes e no
menor espaço de tempo, de modo que os meninos regressassem às famílias que não
podiam prescindir de seus serviços. A educação e a instrução visavam a aquisição da
“pratica dos direitos e deveres sociaes”. Explicitando de forma mais concreta o que se
podia esperar da educação dos meninos pobres do interior, o diretor simplesmente
126
AZAMBUJA, Joaquim Maria Nascentes de, 1884?, p.45-46. O autor recomenda como de muito
interesse para a Província a conferência do Conselheiro Leoncio de Carvalho, o qual, “derramou muita
luz sobre a organisação do ensino nestes estabelecimentos; ao inaugurar-se a associação protectora da
infancia desvalida na Côrte, propoz que se lhes desse um caracter pratico e profissional”.
127
RPPA, 15/2//1877, p.80.
128
MIRANDA, Julião Honorato Corrêa de, TOCANTINS, Antonio Manuel Gonçalves, op. cit., p.20.
111
afirma que, sendo “o trabalho uma lei fatal da humanidade”, cabia aos professores
convencer aos pais da necessidade de “habitual-os ao trabalho desde a infância”.
129
É surpreendente que Ramos fizesse todas estas considerações a respeito do
trabalho, aparentemente contraditórias, em um mesmo trecho de seu relatório.
Inicialmente, o esforço se concentraria no afastamento temporário da criança do
trabalho familiar para que na escola fosse educada e instruída, e para que? De forma que
introjetasse o valor do trabalho, quando, o que a esperava era uma vida de trabalho, de
acordo com as tradições de seu grupo familiar e social. Ramos chamou este trabalho
realizado junto à família, de “serviços”; claro está que este não coincide com o conceito
de “trabalho” por ele chamado de “lei fatal da humanidade”. A autoridade reproduz a
visão das elites a respeito das atividades laborais dos amazônidas, associadas aos modos
de uma vida errante do que propriamente ao trabalho direcionado ao progresso da nação
e ao disciplinamento da população. Ramos, como outros autores/atores educacionais,
conferiu à vida autônoma das famílias o afastamento dos filhos das escolas.
130
Não entramos no mérito de negar a influência dos modos de vida da população
sobre os resultados escolares, mas de apontar o fortalecimento de uma retórica do
discurso transformada em verdade inquestionável. O modelo escolar implantado no
Brasil, inspirado nos moldes europeus, prescindia de um tipo de vida e trabalho em
outros padrões. Tornar a população sedentária, atraindo-a aos núcleos de povoação, e
adaptar a escola às condições de vida das famílias, compunham importantes desafios
visualizados no período, transformados freqüentemente pelas autoridades em obstáculos
quase que intransponíveis.
Claramente a escola era percebida como um instrumento a mais na introdução
das forças civilizadoras na indomada região, e pressuposto da presença do Estado junto
a grupos populacionais e territórios que escapavam de suas vistas. “Os professores e a
acção do Governo darão mais vida, incremento e importancia ás localidades em que
funccione esta instituição” assim Azambuja expressou a posição estratégica que os
129
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública da Província do Amazonas. In: RPAM, 25/3/1872,
anexo 3, p.5-6.
130
Barbara Weinstein (1993) chama a atenção para a mobilidade da população dedicada à extração do
látex na Amazônia imperial e para o fato dos trabalhadores possuírem um certo grau de controle sobre as
suas atividades (p.29 e 39).
112
asilos para a infância teriam no interior do Amazonas.
131
A dissonância entre a vida no
interior e na capital do Pará é apontada pelo diretor e visitador escolar Corrêa de Freitas,
comprometendo a aplicação do regulamento da instrução pública junto à população. As
visitas que fizera às escolas dos pequenos povoados em 1875-1876, o autorizou a
afirmar que,
“Pela capital não se póde fazer ideia do que é o interior da provincia no modo
de viver dos seus habitantes, especialmente as classes menos favorecidas da
fortuna, as quaes formão a maioria da população.
132
Segundo o diretor, na capital só não freqüentava escola ou não aprendia quem
não queria, mas no interior a falta de escolas nas localidades necessitadas e a pobreza
dos alunos impediam a matrícula e a freqüência regular às mesmas. O interesse pela
“educação do povo” não era o mesmo nas paróquias, e para o demonstrar, ele compara
as paróquias e freguesias por número de alunos e população, apesar de ser notório à
época que tais estatísticas eram prejudicadas pelas informações adulteradas e por
omissões no arrolamento.
Entre pais, chefes de família e mandões d’aldeia: imagens, vivências e usos da
escola
As três categorias citadas no título acima são referendadas na documentação em
relação às povoações e escolas do interior. Dificilmente são encontradas referências às
famílias das capitais, e as lideranças entre os moradores são sempre relativas às cidades,
vilas e povoações afastadas do centro do poder público, alocado em Belém e Manaus.
São categorias extraídas do senso comum, que circulavam nos diversos textos relativos
à educação, portanto, seus autores não se preocuparam em descrevê-las com maior
acuidade. Pais e chefes de famílias são tratados aqui como duas categorias
diferenciadas, porque pudemos perceber esta forma de uso nos textos. Os pais são
geralmente lembrados quando se tenta expor a indiferença, a repugnância e a ignorância
manifestadas quando se trata da instrução dos filhos, portanto, a categoria surge
131
AZAMBUJA, Joaquim Maria Nascentes de, 1884?, p.46. Os asilos nunca chegaram a ser implantados
pelo governo amazonense. Neste período (1883), o Bispo do Pará, D. Antonio de Macedo Costa fundou,
em área rural próxima a Belém, o Instituto “Providência” de Artes, Ofícios e Agricultura, para educação
profissional de meninos pobres e indígenas das duas Províncias, obtendo de ambas subsídio público.
132
Relatório do diretor geral da instrução pública. In: RPPA, 15/2/1877, anexo 3, p.XLI.
113
carregada de negatividade. Os chefes ou pais de família, em sentido positivo, são
lembrados como vítimas da incúria de professores e inspetores escolares, basicamente
citados nas cartas de moradores, publicadas nos jornais. O termo impõe uma
respeitabilidade, exigida pelos missivistas, quando se sentem aviltados pela imoralidade
ou incompetência dos executores da instrução. Os mandões são os chefes locais, sempre
empregados pelos autores de forma pejorativa. Mandões podem ser os homens mais
ricos da localidade, porém, geralmente estão relacionados aos poderes do Estado, tais
como, militares, representantes das câmaras municipais e juizes. Eles mandam na
aldeia, outra referência negativa, associada aos pequenos núcleos populacionais, sem
deixar de evocar os traços indígenas dos modos de vida de grande parte da população.
A indiferença dos pais pela instrução dos filhos é uma das principais causas
atribuídas ao “atraso da instrução” na região, em todo o Segundo Reinado,
especialmente no Amazonas. Vimos no primeiro capítulo deste estudo, como o tema é
recorrente na documentação sobre educação. No período 1870-1889, os pais do interior
serão lembrados principalmente por este descuido, explicado pela “indiferença senão
repugnancia pela instrucção da infância” nos lugares distantes e pouco povoados. Já nos
grandes povoados, habitados por uma “população mais desenvolvida pela educação”,
haveria maior recepção dos pais à instrução da infância, podendo-se ampliar o ensino
público. Portanto, para o diretor da instrução amazonense, a educação oferecida deveria
ser diferenciada, conforme as “necessidades da população”, posição defendida por
outros administradores. No entanto, na hora do planejamento, as propostas vão de
encontro às percepções dos gestores sobre as necessidades do povo. Assim, Ramos
Ferreira propôs que o ensino nas escolas das pequenas localidades do Amazonas se
restringisse ao estritamente necessário, priorizando-se o ensino moral e religioso.
133
A
ênfase neste tipo de formação denota bem qual era a imagem das elites letradas sobre a
população que vivia “disseminada” na região. No relatório do ano seguinte (1872),
Ramos Ferreira volta ao tema após analisar o estado da instrução no Amazonas,
respaldado pelas visitas feitas a escolas do interior. Dentre as causas que concorriam
para retardar o desenvolvimento da instrução pública na Província, a primeira arrolada
foi a “indifferença ou repugnância da população pela instrucção e educação da
133
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública da Província do Amazonas. In: RPAM, 25/3/1871,
anexo IV, p.2 e 4.
114
infância”.
134
Neste ponto, o diretor acusa a ignorância dos pais, mas não se furta de
expor um problema interno à educação oferecida pelas escolas,
(...) a repugancia [provém] da demora prolongada dos meninos nas escolas, de
onde sahem no fim de 8 ou mais annos com pouco ou nenhum resultado.
135
A permanência de oito anos na escola é surpreendente quando se está referindo a
pais que não dariam importância à educação oferecida pelo Estado. Pela documentação
disponível, não é possível resgatar o tempo de permanência das crianças nas escolas,
nem tampouco os resultados do ensino, a não ser pelos exames finais dos quais poucos
obtinham resultado favorável, dificuldade vivida por outras províncias, como já
mencionamos. Quanto aos anos de estudos, os relatórios informam que a continuidade
dos estudos primários de 2
o
grau não despertava o interesse da população. Tal aspecto
foi somente analisado para o caso do Pará, já que os relatórios amazonenses não
empregam a categoria tipo ou nível da escola na estatística escolar.
Uma notícia publicada em 1873, no jornal da diocese do Pará A Boa Nova,
evidencia como a noção da importância formadora da escola podia ser apropriada por
um chefe local, levando-o a “aconselhar” os pais a mandarem filhos e filhas às escolas.
Segundo o jornal, o tenente-coronel residente no Mosqueiro, conseguiu vencer a
repugnância de muitos pais, tornando a freqüência escolar digna de nota para uma
população tão diminuta. O “mandão d’aldeia” é transformado pelo olhar religioso no
“anjo tutelar deste povo”, sobretudo por ter estabelecido um “cordão sanitário” no local
contra as “perniciosas e subversivas doutrinas” divulgadas pelas idéias maçônicas da
folha O Pelicano. O militar hospedava o Bispo do Pará, D. Macedo Costa, que buscou a
134
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública da Província do Amazonas. In: RPAM, 25/3/1872,
anexo 3, p.2. Neste período, os conceitos de instrução e educação se diferenciam e se tornam objetivos do
ensino público, como mostrou Alessandra Martinez (1997) ao analisar a instrução na Corte. O diretor
amazonense preocupou-se em distinguir os dois objetivos ao discorrer sobre o estado da instrução na
Província. Para Ferreira, “A instrucção tem por objetcto e fim principal o desenvolvimento da
intelligencia e a acquisição de copia d´idéas que s irvão para alcançar novos conhecimentos no decurso da
vida”, e, “A educação tem por objecto e fim principal os costumes, a repressão dos máos instintos e o
desenvolvimento das qualidades nobres do coração, que, habituando o homem á incessante abstenção do
mal e á pratica constante do bem, o habilitão para ser util, no decurso da vida, á si e á humanidade de que
faz parte” (Op. cit., 25/3/1872, p.4, grifo nosso).
135
RPPA, 25/3/1872, anexo 3, p.2.
115
tranqüilidade da bucólica ilha para cuidar da saúde e de seu fiel rebanho, tendo rezado
missa e explicado o evangelho de modo a ser compreendido pelo povo da freguesia.
136
Ao discorrer sobre as casas escolares na capital, o Presidente do Pará volta-se
aos pais, indicando ter expectativas mais amplas com relação ao “pai de família”,
esperando dele não só o reconhecimento da utilidade de instruir o filho, mas que
tomasse “contas ao mestre, sendo o principal fiscal e cooperador da honrosa tarefa de
desenvolver a instrucção” “não é conveniente esperar tudo do Estado” defende
Vicente de Azevedo, preocupado tanto com a fiscalização das escolas e dos professores
quanto com a precariedade do ensino particular, irrelevante numericamente no Pará e no
Amazonas em meados da década de 1870, e muito inferior ao ensino primário público
até o final do Império.
137
A fiscalização das escolas pelos pais de família, tornando-os aliados dos
governos na causa da instrução do povo, é defendida em mais dois relatórios oficiais da
década de 1880. O diretor da instrução no Pará, insatisfeito com as lutas políticas que
comprometiam a fiscalização dos inspetores permanentes, propõe o incremento da
“inspeção amovível das escolas”, onde os “pais de famílias” teriam uma participação
estratégica ao relatarem suas queixas e votos, a serem registrados no relatório do
visitador e publicados no jornal oficial. As seções oficiais dos jornais, onde eram
publicados os “despachos da presidência”, nos advertem que esta participação ocorria
por iniciativa dos próprios pais, através das representações contra professores, cabendo
ao governo capitalizar essa verve fiscalizadora das famílias. “As escolas, disse eu, são o
direito das populações”, proclamou o diretor da instrução paraense em 1885,
apresentando uma série de propostas para ampliar o número de escolas e garantir a
freqüência dos alunos, chegando a propor que em cada localidade onde houvesse a
aglomeração permanente de 120 habitantes, fosse instalada uma escola elementar para
cada sexo, e onde residisse 300 indivíduos, uma efetiva, também para cada sexo.
138
136
A Boa Nova, 1/10/1873. Este foi um período de debates efervescentes a respeito das querelas entre os
maçons e os bispos do Pará e de Olinda, personagens da chamada Questão Religiosa.
137
RPPA, 15/2//1874, p.18. José Veríssimo (1892), diretor da instrução paraense em 1890, considerou
excessivo e desnecessário o número de estabelecimentos particulares no Estado (34, sendo 15 internatos).
Entretanto, comparado com o ensino primário público (417 escolas, freqüência de 9.240 alunos), o ensino
primário particular estava bem aquém (freqüência de 1.680 alunos).
138
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública da Província do Pará. In: RPPA, 18/4/1885, anexo A,
p.105-107.
116
A extinção de escolas com menos de 20 alunos, do interior do Amazonas em
1877, sob a administração de Pereira da Silva, levou os moradores de Badajós a
dirigirem um abaixo-assinado ao governo, pedindo o restabelecimento das escolas
masculina e feminina.
139
Este tipo de reação das famílias e protetores raramente é
mencionado na documentação oficial, mas é um registro importante que assinala que os
pais não permaneceram impassíveis frente às políticas de criação e extinção de escolas
adotadas pelos corpos de deputados da Assembléia Provincial e pelos administradores.
As cartas e abaixo-assinados publicados nos jornais indicam este pressuposto, embora
não saibamos que pais eram esses, suas condições de vida e atividades laborais, posição
na comunidade, nível de escolaridade, dentre outras características. No relatório de
1879, o leitor é informado que o professor designado para a povoação de Badajós
assumiu a cadeira em abril do mesmo ano, mostrando que os abaixo-assinados
repercutiam nas decisões governamentais.
140
Pedidos de mudanças do local da escola também chegavam à Diretoria da
Instrução, conforme é relatado em 1875, pelo Presidente do Pará. Os habitantes de vila
Franca, acordados com os professores, solicitaram e obtiveram autorização para alternar
entre dois distritos o funcionamento das escolas: de janeiro a junho, no 1
o
distrito, e de
julho a dezembro, no 2
o
, conforme a “conveniencia dos ditos moradores e em
aproveitamento dos alunos”. Outra mudança foi concedida à professora da freguesia de
Nossa Senhora do Carmo do Tocantins, que a pedido dos moradores, passou para o
lugar denominado São Benedito. As mudanças podiam estar relacionadas às atividades
laborais das famílias, as quais, visando manter os filhos nas escolas, entraram em acordo
com os professores e com a administração pública.
141
No decorrer dos anos, a instrução primária que tanto preocupara seus defensores
quantos aos meios de torná-la obrigatória, dá indícios de estar sendo incorporada pela
população como um direito. É o que o indicam os pedidos ou abaixo-assinados
requerendo a estatização de escolas primárias particulares, a criação de novas escolas e
apresentando queixas de professores.
142
139
RPAM, 1878, p.8 e RPAM, 25/8/1878, p.17.
140
RPPA, 28/8/1879, p.36.
141
RPPA, 17/1/1875, p.23.
142
A lei n.1547 de 1883 previa no artigo 43 a subvenção pelo governo paraense à escola particular
freqüentada por mais de 15 alunos, onde não houvesse escola pública ou subvencionada pela Província,
117
O conselho diretor da instrução do Pará, criado para auxiliar os diretores na
avaliação das reclamações, pedidos, etc, de professores, pais e demais envolvidos no
ramo, recebeu em 1885 um abaixo-assinado de moradores da povoação Jauacá, pedindo
que a escola particular aberta pelo professor com a freqüência de 18 alunos fosse
considerada elementar (pública). Outro abaixo-assinado é citado no relatório, agora para
reclamar a respeito das faltas do professor elementar do lugar Tupinambá, solicitando
que o mesmo “não continue a abandonar sua escola em prejuízo do serviço da
instrucção publica”.
143
Ao final dos anos 1880, os pedidos de criação de escolas
provisórias chegaram a incomodar a Diretoria da Instrução paraense pelo tom imperioso
e exigente dos solicitantes das mais longínquas localidades. O diretor Americo Santa
Rosa considerou muitos deles desarrazoados, pois implicariam em abrir escolas por
todos os pontos da Província, fomentando uma demanda que o governo não teria como
atender.
144
Os abaixo-assinados, vindos das mais diversas localidades, evidenciam a
crescente escolarização do Pará, decorrente não apenas de uma política de governo, mas
instigada pela percepção da legitimidade do processo por uma parcela da população,
que passa a reivindicar a criação de escolas e o compromisso do professorado com o
ensino. José Gondra e Daniel Lemos analisaram uma série de abaixo-assinados,
redigidos por moradores das diversas freguesias da cidade do Rio de Janeiro entre 1869
e 1888, quase todas afastadas da Corte, localizadas em áreas onde o ensino público se
apresentava mais precário. Para os autores, as reivindicações de moradores, pais de
famílias, comerciantes, entre outros, evidenciam que a escolarização não pode ser
reduzida a um movimento resultante de um projeto do Estado, sem se considerar as
demandas de parte da população no sentido da extensão da rede escolar.
145
tendo direito a uma subvenção anual de 400$, não podendo recusar a matrícula aos alunos que a
procurassem. Na discussão da lei pelos deputados provinciais, a opinião defendida pela maioria era a de
que a “confiança dos pais de família” era muito mais valiosa do que a da presidência na escolha das
escolas a se tornarem elementares, através do subsídio estatal (A Constituição, 27/7/1883. Assembléia
Legislativa da Província do Pará, Sessão ordinária em 11/4/1883, 2
a
discussão do Projeto n. 1547).
143
RPPA, 25/3/1886, p.23.
144
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública da Província do Pará. In: RPPA, 27/8/1889, p.33.
145
GONDRA, José e LEMOS, Daniel. Poderes da Assinatura. Abaixo-assinados como fonte para a
história da educação brasileira do século XIX. Trabalho integrante do projeto “Idéias de Escola: fontes,
organização e cultura escolar na cidade do Rio de Janeiro (1824-1890). Rio de Janeiro: Faperj, 2001.
(Citado por SCHUELER, Alessandra, 2002).
118
Os atos da Diretoria da Instrução, interferindo diretamente nas escolas à revelia
dos interesses locais, acabavam por se constituir em fator de mobilização dos chefes de
família em favor dos professores. Um exemplo contundente refere-se à reação dos pais
de alunos que freqüentavam a escola masculina de Soure, no Pará. O professor
normalista, tendo sido transferido para Quatipurú, contra a sua vontade, conseguiu
mobilizar as lideranças locais a seu favor. O reclamante anexou ao recurso interposto ao
governo, vários documentos comprobatórios de sua competência e seriedade, incluindo
atestados do presidente da câmara municipal de Soure e de alguns proprietários e
comerciantes, cujos filhos estudavam na dita escola da vila.
146
A escola era freqüentada
por crescido número de alunos, entretanto, o professor acionou apenas o testemunho dos
homens cujas posições na escala social teriam condições de legitimar o seu pedido.
Vimos, pela análise empreendida até o momento, vários pontos que, segundo os
atores envolvidos na trama da instrução, emperravam a operacionalização das metas
oficiais e das expectativas dos beneficiários do sistema. Entretanto, é o uso politiqueiro
do serviço da instrução pública o maior problema identificado por aqueles envolvidos
direta ou indiretamente nas questões relativas à difusão do ensino nas províncias,
especialmente no Pará.
Os combates ao patronato e à politicagem na instrução pública
Richard Graham, no estudo sobre Clientelismo e política no Brasil do século
XIX, ressalta que os presidentes de província exerciam um papel articulador do sistema
clientelista entre as províncias e o governo central, com o objetivo de gerar dividendos
eleitorais a favor do Gabinete. O apadrinhamento constituía o principal instrumento de
cooptação de partidários leais ao Gabinete, levando os presidentes a intervir em
numerosos assuntos, pequenos e grandes.
147
Esta observação é corroborada pelas cartas
de pais de famílias e moradores do interior, especialmente do Pará, que preferiam
remeter suas queixas e reivindicações relativas às escolas públicas diretamente ao
presidente da província, para daí serem encaminhadas à diretoria de instrução. O
professor constituía alvo privilegiado das investidas dos reclamantes.
146
A Província do Pará, 5 e 6/12/1885.
147
GRAHAM, Richard, 1997, p.86.
119
O professor é um agente importante na dinâmica do clientelismo na instrução
pública. Ora apresentado como acionador do patronato, ora como vítima do
partidarismo, ele era uma peça sensível às condições políticas do momento, podendo se
mover ou ser movimentada de acordo com o jogo político em ação. Enfatizaremos nesta
análise, a interferência do clientelismo na profissão docente, nos aspectos que
intervinham diretamente no cotidiano escolar, como a remoção, a demissão de
professores e a nomeação de substitutos, nem sempre preparados para a função. É
importante lembrar que as relações clientelísticas ocorriam por outras vias, que não
apenas a ingerência direta da administração provincial e das autoridades locais, tão
repetidamente chamadas de os “mandões d´aldeia”. As assembléias provinciais,
sobretudo quando opositoras dos governos, podiam aprovar disposições movidas pelo
clientelismo não favorável ao indicado pelos representantes governamentais. O
deputado liberal e anti-clerical, Joaquim Cabral, condenou a medida proposta pela
Assembléia de maioria conservadora em 1883, e presidida pelo polêmico cônego
Siqueira Mendes, de suprimir as cadeiras elementares de Cametá-Tapera e Pacajá, e
mandar dar gratificações a dois professores particulares das localidades. Cabral viu na
medida um anacronismo com relação à época, assim expressando a sua indignação:
“Quando no seculo XIX uma Assemblea prejudica o ensino publico para
proteger a dous amigos politicos de um modo tão escandaloso, basta apontar o
facto, dispensam-se os commentarios.”
148
A imprensa, liberal ou conservadora, utilizou todas as armas de combate a esta
prática, acusada de ser o maior entrave existente ao desenvolvimento da instrução
popular. O combate à politicagem suscitava lutas apaixonadas por se constituir em uma
arma poderosa contra os adversários políticos, os quais, sendo da situação, passavam a
ocupar o lugar do abuso do poder em prol de seus interesses eleitorais. Portanto, tanto
os governos de conservadores quanto os de liberais, sofreram intensa campanha da
imprensa adversária contra o uso da estrutura da instrução pública para beneficiar
protegidos e punir opositores políticos.
A retórica da necessidade de neutralidade na instrução provinha de políticos e
administradores de ambos os partidos, liberal e conservador. O discurso indignado do
148
A Constituição, 11/6/1883 (Assembléia Legislativa da Província do Pará. Discursos pronunciados na
sessão ordinária em 3 de abril de 1883).
120
deputado liberal da Assembléia paraense, Joaquim Cabral, demonstra o sentimento de
que,
“Se a instrucção deve ser objecto da politica larga e generosa de principios,
deve tambem ser collocada fóra da acção da politicagem dos mandões. A
instrucção é uma cousa séria, devia estar livre d’essas vergonhas.
149
O Presidente do Amazonas, na linha da defesa da neutralidade na instrução,
discursou à Assembléia Provincial combatendo as “preoccupações partidarias”, que no
país todo produziam graves males, devendo a instrução ser tratada tal qual um desses
terrenos neutros, como a navegação, o comércio e a indústria.
150
Afora a posição
ingênua da isenção política de outras esferas da administração pública, percebe-se pelos
discursos oficiais e denúncias nos jornais da interferência da política eleitoral no
cotidiano escolar, que o clientelismo na instrução pública, na região, extrapolava o
aceitável para o período, levando aqueles que se sentiam prejudicados a não só
denunciar, mas a pedir ou propor formas de proteger o magistério das investidas
clientelísticas relacionadas ao partidarismo. A adoção do concurso público para a
seleção de professores efetivos foi uma medida logo adotada pelos regulamentos, não
obstante as escolas elementares ou provisórias continuarem a ser regidas por não
concursados.
No ano de 1878, a Província do Amazonas abriu concurso para cadeiras
exercidas interinamente, sem contar com a inscrição de um só candidato, apesar das
várias tentativas, situação ainda registrada até meados do ano seguinte. Para um
presidente, as cadeiras ficavam eternamente em concurso, por falta de pessoas
habilitadas para preenchê-las. O receio era causado pelas provas de capacidade exigidas
pelo regulamento, diz o relatório.
151
No entanto, é forçoso lembrar que mesmo o
professor efetivo (por concurso ou título de habilitação) tinha garantias bastante restritas
no magistério, adquirindo a vitaliciedade após cinco anos de trabalho, período no qual,
estava sujeito às mudanças de governo e da política. Embora tenha sido muitas vezes
burlada, a instituição do concurso denota o grau de preocupação e a vontade política de
alterar o quadro de práticas tão denunciadas, como o patronato, a afilhadagem e os
149
A Constituição, 21/8/1883 (Assembléia Legislativa da Província do Pará, sessão ordinária em
13/4/1883).
150
RPAM, 7/3/1882, p.18.
151
RPAM, 1878, p.7.
121
favores eleitorais, da parte tanto de liberais quanto de conservadores.
152
Quando
finalmente o governo amazonense conseguiu realizar o concurso para professores
primários, o relatório de agosto de 1879 relaciona apenas três indivíduos aprovados, de
sobrenome “Salgado”, gerando a suspeita de que mais do que boa instrução, a família
contava com bons protetores.
153
No primeiro relatório paraense do período estudado neste capítulo, o presidente
acusa “o patronato e a política” pelo embaraço no ensino da Província, ao se premiar a
ignorância ao invés do mérito.
154
Abel Graça toca numa ferida conhecida de todo o
Império brasileiro: a afilhadagem e o favorecimento político permeavam a
administração pública do país, condicionando a distribuição de cargos à rede de
favorecimentos dos protetores. O patronato, constituído pela proteção de indivíduos
desejosos de ter um emprego público por não possuírem outros meios de vida,
continuará a ser denunciado nos anos seguintes, e medidas para coibi-lo serão
anunciadas. Segundo o Presidente do Pará, Domingos José da Cunha Junior, homens
que não possuíam escravos para a lavoura ou sem meios para seguirem a carreira
comercial, recorriam à cadeira de primeiras letras, não sem antes acionarem os seus
protetores. O “manto afagador” da proteção afastava os mais habilitados das escolas, e
comprometia a fiscalização e a disciplina das mesmas, males anunciados no início da
década de 1870.
155
A criação da escola normal neste período foi motivada pela intenção
de habilitar os professores para o magistério e formar um corpo de candidatos aptos para
a seleção de professores via concurso. O Pará, com certeza, passou a contar com um
professorado mais preparado para o magistério, contudo, a documentação mostra que o
sistema clientelista soube se adaptar às novas circunstâncias. Não era a falta de pessoal
habilitado que alimentava o sistema, como muitas vezes se tentou fazer crer.
Na instrução, a prática clientelista era particularmente nefasta, pois a rede
escolar, espalhada por territórios isolados pelas grandes distâncias, favorecia o abuso no
exercício da função, como demonstram as cartas levadas aos jornais. Contudo, faltam,
nesta análise, estudos que nos permitissem comparar o entrelaçamento entre o
152
Richard Graham (1997) esclarece que o concurso¸ instaurado para algumas funções da estrutura de
poder imperial, de forma a prevenir alguns dos piores abusos do sistema clientelista, não eliminava a
importância de um protetor, pois uma carta de recomendação podia mudar os seus resultados (p.326).
153
RPPAM, 26/8/1879, p.39.
154
RPPA, 1870, p.11.
155
RPPA, 1/7/1873, p.16.
122
clientelismo e a instrução pública em outras províncias. Richard Graham afirma que o
clientelismo sustentava todo ato político no país, visando, na sua articulação com o
sistema político brasileiro, evitar que conflitos sociais eclodissem instaurando a
desordem e a destruição de um modo de vida que favorecia os donos de terras. A prática
clientelista envolvia tanto o preenchimento de cargos públicos quanto a proteção de
pessoas humildes, mesmo os trabalhadores agrícolas sem terra. Graham ressalta a
importância das eleições nas vilas e cidades do século XIX, argumentando que as
eleições testavam e ostentavam a liderança do chefe local, pois os votantes, em dois
turnos, escolhiam as figuras mais proeminentes do local para formar os colégios
eleitorais, os quais, por sua vez, escolheriam deputados para o Congresso.
156
A ressalva
é pertinente ao nosso estudo, pois contribui para desvendar o envolvimento do cargo de
professor público na política local, engendrada pelas lideranças dos povoados, vilas e
cidades do interior do Pará e do Amazonas.
No início da década de 1880, Corrêa de Freitas, tendo já bons anos de
experiência à frente da Diretoria de Instrução do Pará, sentiu-se à vontade para
classificar a política em duas categorias: a nacional, representada pela grande ou geral
política, e a provincial ou local, denominada ironicamente de política pequena. Se a
primeira é por ele glorificada e identificada como oriunda do “centro mais civilizado do
país”, a segunda é politica e geograficamente determinada pela maior ou menor
proximidade das capitais. O diretor constrói uma espécie de geo-política da politicagem,
calcada na maior ou menor distância da vida política dos centros urbanos principais, ou
seja, a Corte e as capitais. Quanto mais longe das capitais, mais pronunciada e ativa se
apresenta a política pequena, fato negativo, pois é qualificada como,
“Mesquinha e vingativa, e é capaz para chegar a seus fins de deprimir, injuriar
e calumniar.
157
Há mais de cinco anos dirigindo o ensino público na Província, o diretor
testemunhou os dissabores dos professores que não se amoldavam à vontade dos
“potentados das localidades”, caracterizados por ele como “ignorantes e desarrazoados”.
Corrêa de Freitas orientava os professores a não se envolverem com política, que não
fossem chefes de partidos e mesmo políticos militantes, no que ele afirma ter sido
156
GRAHAM, Richard, 1997.
157
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 15/2/1881, anexo A, p.V,
123
seguido pela maioria. Deles se esperava que fossem reservados em suas idéias políticas,
garantindo a simpatia e a consideração dos “pais de família”. Tamanha reserva ou
indiferença em relação à política partidária não implicava no desinteresse aos assuntos
públicos, pois como
“Cidadãos brazileiros e interessados no desenvolvimento moral do paiz, os
professores não devem ser indifferentes á marcha da administração publica,
pois, como elementos do progresso, cumpre-lhes conncorrer com seus votos
para que se firme e se mantenha no paiz uma politica ordeira, livre,
progressista e honesta.
158
Neste mesmo volume, no relatório apresentado pelo presidente José Coelho da
Gama e Abreu, é descrito o envolvimento dos professores das pequenas localidades do
interior com a política, referindo-se ao passado. O professor, em locais com diminuto
pessoal, se tornava ou o tornavam chefe de partido, prática que se refletia diretamente
no modo de reger as cadeiras e na relação com os alunos. Mais uma vez, as queixas dos
interessados pressionaram o governo, as quais, segundo Gama e Abreu, levaram-no a
sindicar as ocorrências e a corrigir os professores.
159
A ação do governo junto à instrução primária, sobretudo nas pequenas
localidades, encontrou analistas na imprensa amazonense, que por motivações diversas,
se empenhavam em destrinchar os meandros do apadrinhamento político na educação.
A patronage nas nomeações dos professores das escolas primárias disseminadas pelo
Amazonas foi o elo que a Revista do Amazonas relacionou à dependência da imprensa
local à “ação governamentiva”. No artigo A instrucção publica, o jornalismo e o
governo do Amazonas, o autor acusa o atraso da instrução pública pelo fato do povo não
ler jornais, agravando a dependência da imprensa aos cofres provinciais. Com exceção
das escolas da capital, e de algumas cidades e vilas, o esquema de nomeações
funcionava através do empenho.
160
Na série A educação e o Estado, o jornal Commercio
do Amazonas esquadrinha a relação entre o governo e o professor público sob o ponto
de vista político, quando os governos tentavam transformar o cargo em instrumento
eleitoral. O artigo desnuda a engrenagem da pressão política sobre os professores,
158
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 15/2/1881, anexo A, p.V.
159
RPPA, 15/2/1881, p.10.
160
Revista do Amazonas, 5/6/1876, n.4. A revista lutava para se manter com as assinaturas, as quais, não
provinham de forma majoritária da capital. Eram 78 assinantes no total, sendo na capital 20, no Solimões
53, e no rio Negro 5.
124
exercida por governantes do Amazonas, independente de suas posições partidárias,
obrigando o professorado a recorrer a largo jogo de cintura caso não quisesse se sujeitar
a cair de posição e ser encostado em “lugares insalubres” como punição à
desobediência. Na análise do colaborador,
“O povo segue maquinalmene o exemplo do chefe, o governo. Este é o primeiro
a macular o alto caracter do professor publico, subgeitando-o[sic] aos revezes
da politica, obrigando-o a abraçar este ou aquelle partido, e se elle reccusa a
declarar-se, ou mesmo se se abraça qualquer delles, não terá o direito natural
ao homem de conservar ou deffender suas opiniões; será obrigado a mudal-as
tantas veses, quantas forem as defferentes opiniões dos homens que se acharem
no poder; e, si o não fiser, dimittem-no; ou o que é peor, removem-no para
logares longinquos, subjeitando-o, e sua familia, ás consequencias terriveis da
permanencia em logares insalubres e baldos de todos aquelles recursos
necessarios para a conservação da saude e da vida. Pelo menos foram estas as
idéas dominativas até bem pouco tempo.
161
As críticas ácidas à administração da instrução no Pará não eram privilégio dos
liberais. Sob a situação liberal, o governo foi duramente atacado pela imprensa
aclamada como neutra e pelos órgãos conservadores ou simpatizantes. Em 1883, um
colaborador da Revista Familiar, sob o pseudônimo de Senior, dirigindo-se ao governo
paraense, acusou a administração do ensino de ser uma ficção, como ocorria em outras
províncias do Império. A figura do diretor da instrução pública, geralmente protegida
dos achaques, foi tachada de chefe, a cujas inspirações partidárias submetia a sua
“milícia”, formada pelo professorado e pelo corpo de delegados literários. Aos
adversários do diretor, infligiam-se penas, e aos seus representantes nas localidades,
concediam-se favores, avultando o expediente da diretoria com justificativas de faltas e
pedidos de licenças com vencimentos. Senior conclui seu artigo de maneira
contundente, refletindo o sentimento geral da imprensa da época a respeito da
necessidade de distanciar a instrução da política, pois,
“A magna questão da instrução publica deve ser alheia á politica; (...) que não
venha a luta dos partidos que se debatem pôr difficuldades á boa ordem na
administração do ensino. V.Exc. sabe que é somente o elemento partidario entre
nós que a perturba, estraga e desmoralisa.
162
161
Commercio do Amazonas, 26/10/1880. Segundo Santos et al (1990), o Commercio do Amazonas
“caracterizou-se por ser um jornal aberto às diferentes correntes de opinião” (p.63). Os artigos de cunho
educacional consultados revelam a postura crítica do jornal com relação aos atos do governo (Cf. capítulo
4).
162
Revista familiar: periodico dedicado ás famílias, n.3, 18/2/1883.
125
Ao ressurgirem os liberais no governo paraense, o jornal conservador A
Constituição, instala a oposição ferrenha aos liberais no poder e faz suas as palavras de
um morador de Muaná, revoltado com a manutenção na escola masculina de um
“professor de chapa”, sem conhecimento mínimo das matérias da instrução primária. O
“Muanense” declara que o ensino público no Brasil e, sobretudo no Pará, decaiu com a
situação liberal, porque os “ouros na politicagem” sobrepujavam o “mérito do
professor”, quando valeria mais a recomendação de que,
“Seja um bom capanga eleitoral, será tambem um bom professor!”
163
Temos um forte indício de que a denúncia contra o professor de Muaná, feita ao
jornal, teve resposta imediata da Diretoria de Instrução, resultando na transferência do
professor para a escola de Barcarena. A suspeita decorre de um abaixo-assinado de vinte
pais de Barcarena contra o professor público que viera de Muaná, dirigido à Presidência
da Província em outubro de 1882, ou seja, três meses após a denúncia do Muanense. Na
carta enviada ao jornal A Constituição, os reclamantes informam que o dito professor já
estivera em Muaná, onde teve o mesmo procedimento de desrespeito ao magistério.
164
Já os “pais de Barbacarena”, não foram atendidos em seu pedido. Por uma carta
remetida pelos pais ao redator, em de março de 1883, o público é informado de que o
diretor da instrução nada fez para atender ao abaixo-assinado enviado no ano anterior.
165
Mesmo considerando a hipótese de que o autor da carta de Muaná estivesse
defendendo um “amigo”, ou seja, o professor que fora preterido pelo diretor da
instrução para ocupar a dita cadeira, é fato que o uso da instrução pública como
“instrumento de política”, mais do que causar incômodo, afetou diretamente as escolas
primárias, ao determinar a seleção, a remoção e a demissão de professores, afora a
intimidação e a opressão por que muitos devem ter passado. Outros se aproveitaram da
situação, valendo-se do privilégio do cargo público/político para obter ganhos pessoais,
como é corroborado pelas mais diversas denúncias contra professores. O Muanense,
seguindo os discursos que defendiam o caráter apolítico da instrução, asseverou que na
163
A Constituição, 8/8/1882 (Carta de 16/7/1882).
164
A Constituição, 25/2/1883 (Carta de 15/10/1882).
165
A Constituição, 17/3/1883.
126
instrução “só deve reinar a neutralidade pelo amor á educação dos meninos, que são os
nossos futuros cidadãos”.
166
De julho a novembro de 1882, o jornal do Partido Conservador do Pará publicou
em torno de cinco matérias com denúncias do uso partidário do diretor interino da
instrução pública na Província, Americo Marques de Santa Rosa, que pela informação
do jornal, era chefe do partido liberal.
167
Além das denúncias do favorecimento de
professores pela afilhadagem e pelo compadrio, como teria ocorrido em uma escola da
capital e em todas da cidade de Vigia, há outras gravíssimas, como a interferência em
concursos e exames públicos. Começando a denúncia, noticiando que, “Da Vigia nos
escrevem”, o público é informado dos “efeitos desastrados” da administração de Santa
Rosa. Além dos “títulos de afilhadagem” dos mestres, os alunos não foram interrogados
sobre os rudimentos da moral e da religião nos exames escolares, levando os
denunciantes a proclamar que,
“O povo vive descontente vendo, que sendo elle christão, estão ensinando aos
meninos o despreso pela religião de todo este povo.
168
As denúncias do ano são fechadas com o tom irônico do título Ainda Bílis, com
críticas ácidas à “exclusão de amigos nossos do magistério”, à demissão acintosa de
delegados literários e à reprovação nos exames de preparatórios de filhos dos
adversários do diretor, com a subseqüente proteção de filhos dos seus amigos. De
acordo com a lista publicada, entre 18 examinandos, somente dois eram
conservadores.
169
Nos dois anos seguintes, as denúncias do jornal conservador contra o diretor
liberal continuam, basicamente tratando das nomeações de professores “ignorantes” ou
dedicados a outras atividades além do magistério. Estes aspectos, referentes à situação e
à atuação dos professores, relatados nas cartas e abaixo-assinados de moradores ou pais
de família, serão analisados mais adiante, ao tratarmos do cotidiano escolar e das
representações acerca dos docentes.
166
A Constituição, 8/8/1882.
167
Santa Rosa foi diretor interino da instrução até maio de 1884, quando solicitou exoneração do cargo.
Em 1883, representou o Pará no Congresso Pedagógico da Corte (RPPA, 7/1/1884, 24/6/1884). Ele
voltará ao cargo em 1889.
168
A Constituição, 28/11/1882.
169
A Constituição, 30/11/1882.
127
O interessante do período é que os agentes do planejamento e da execução da
instrução pública são atacados por todos os lados, pois, se a administração era liberal, a
assembléia era dominada pelos conservadores, levando os adversários a combater as
iniciativas do executivo e do legislativo. A instrucção publica é a preocupação do
seculo de tal modo o jornal Liberal do Pará, órgão do partido liberal, inicia longo
artigo analisando os benefícios para a instrução no Pará, proporcionados pela Lei n.
1030 de 7/5/1880, “um dos padrões de gloria da assembléa liberal”.
170
O propósito do
redator é condenar o projeto de reforma da instrução n. 1.547, de 1883, o qual estaria
impregnado pelo “espirito malevolo do clericalismo” da comissão de instrução pública
da Assembléia Provincial, composta por dois sacerdotes, o cônego José Lourenço da
Costa Aguiar, o padre Dr. Mancio Caetano Ribeiro, e pelo médico Julio Mario da Serra
Freire. A Assembléia do Pará, nos idos de 1882 e 1883, era presidida pelo cônego
Manoel José de Siqueira Mendes, chefe do partido conservador. Uma das missões
destes religiosos na Assembléia consistia em combater aqueles que pretendiam expulsar
a religião das escolas e lutar por manter o monopólio da religião católica na instrução
pública. Mancio Ribeiro temia a “perigosa organização das escolas neutras, isto é, onde
seja vedado ao professor pronunciar o nome de Deus”. Algumas discussões assumiam
um tom anedótico, como a ocorrida entre o padre doutor e o deputado liberal, Joaquim
Cabral, em que o primeiro afirmara ser o ensino religioso a base da educação, e o
segundo, jocosamente teimou pela proeminência do a, b, c.
171
A manutenção do ensino religioso católico nas escolas públicas constituía uma
frente de batalha importante nas décadas de 1870 e 1880, tendo o Bispo do Pará, D.
Antonio de Macedo Costa, pessoalmente investido no seu fortalecimento, escrevendo ou
traduzindo textos bíblicos e de civilidade cristã para a educação dos meninos. O bispo
manifestava grande interesse na educação do povo, das elites e dos religiosos na região,
mas se manteve nos limites das atuações eclesiástica e educacional, não se envolvendo
em questões partidárias ou concorrendo a cargos eletivos. Entretanto, sacerdotes
ocuparam assentos na assembléia provincial, exerceram cargos públicos e nas
instituições educacionais mais importantes, freqüentemente ultrapassando a linha tênue
170
Liberal do Pará, 30/3/1883.
171
A Constituição, 17/4/1883 (Ensino religioso, do padre dr. Mancio Caetano Ribeiro); Ibid., 11/6/1883
(Assembléia Provincial do Pará, sessão de 3/4/1883). O combate da imprensa liberal contra o ensino
clerical no Brasil é abordado por Riolando Azzi, 1992.
128
dos interesses eclesiásticos, ao se envolverem na política local orientados por interesses
partidários e até pessoais.
172
Um exemplo notório é o do presidente da Assembléia
paraense, cônego Siqueira Mendes, que defendeu os interesses da diocese na
Assembléia Provincial, no ano de 1883. Numa sessão, o cônego chamou à ordem os
deputados que atacavam a religião do Estado ao rejeitarem o ensino religioso, citando o
artigo 5º da Constituição Brasileira. O cônego se pôs a fazer um longo sermão às
pretensões da minoria liberal, lembrando-lhes que,
“Com effeito, a civilisação do Brazil é obra da Religião Catholica; desde a
pregação dos Nobrega e Anchieta até nossos dias.
É á religião catholica que devemos as nossas luzes, a nossa nacionalidade, o
nosso caracter, as nossas instituições e os nossos progressos. (...)
Como, pois, avançar que o ensino da religião é uma cousa inutil, que deve se
banido d’um estabelecimento de educação de meninos?
Como querer o progresso, a civilisação, a instrucção, banindo a religião que é a
sua origem?”
173
Um ofício do cônego Sebastião Borges de Castilho ao Presidente do Pará,
Bandeira de Mello Filho, revela como este embate se dava no cotidiano escolar. O
cônego se apressou em socorrer o vigário de Mocajuba, que lhe escreveu dizendo-se
surpreendido com a proibição do delegado literário de explicar o Catecismo da Doutrina
Cristã na escola da Paróquia, conforme a orientação da diocese, atividade que exercia
todos os sábados e nas 4
a
feiras. O Vigário Geral e Governador no Bispado
imediatamente encaminhou o seguinte ofício ao presidente:
“Tendo recebido do Rdo Vigario de Mocajuba officio que tenho a honra de
enviar por copia a V.Ea n qual me expõem o dito Parocho o embaraço que acha
em continuar a leccionar o Cathecismo na escola daquella Parochia; e sendo
este um dos principaes deveres dos Parochos bastantes recommendados pelas
leis da Igreja, no cumprimento de qual o Exm Srnr Bispo Diocesano muito se
empenha, rogo a Vexa que se digne mandar que pela Directoria geral da
Instrução Publica se permitta áquelle parocho ensinar o Cathecismo não só
numa mais ainda em todas as escola da sua Parochia.”
174
172
A respeito da atuação dos eclesiásticos na política do Pará, ver os trabalhos de MAUÉS, Raymundo
Heraldo (1998) e NEVES, Fernando Arthur Freitas (1998).
173
A Constituição, 11/6/1883 (Assembléia Provincial do Pará, sessão de 3/4/1883).
174
Ofício do cônego Sebastião Borges de Castilho, Vigário Geral e Governador no Bispado ao Presidente
da Província Bandeira de Mello Filho, 12/3/1877. O ofício do vigário ao cônego é de 7/3/1877. O
despacho do presidente foi favorável à solicitação do cônego. (Arquivo Público do Pará).
129
O ofício mostra que o bispo Macedo Costa não descuidava da orientação ao
clero de sua diocese na importância da atuação catequética nas escolas públicas da
Província. Garantido por lei, o ensino do catecismo encontrava opositores entre
professores e delegados literários, levando a Igreja paraense a recorrer à coerção do
Estado.
Nas discussões calorosas do projeto de reforma da instrução pública (n.1.547), o
jornal da diocese, A Boa Nova, condena a união entre a politicagem e a maçonaria ou a
impiedade, estas últimas tratadas como sinônimos:
“E o espirito da politicagem de um lado, e o espirito maçonico ou da impiedade,
do outro lado, uniram-se, deram-se as mãos, para darem combate, contra o
Projecto de Reforma que ahi apparecia, traduzindo uma bôa intensão pelo
menos.
175
O Liberal do Pará insiste na mesma problemática apontada por toda a imprensa,
engajada ou neutra: era preciso proteger os professores dos “caprichos dos mandões
d’aldêa e das violencias das paixões partidarias”.
176
O desacordo começava na
identificação dos acionadores do sistema clientelista e das medidas para controlar os
efeitos danosos ao ensino. A lei que reformou a instrução pública em 1880 criou alguns
instrumentos, como a garantia de “inamovibilidade ao professor sem prejuizo de direito
ao accesso por meio do concurso estabelecendo-se o processo administrativo para os
casos de remoção e demissão definidos pela lei”.
177
A lei reformou o conselho diretor da
instrução pública e buscou interessar as localidades na inspeção das escolas com a
criação dos conselhos paroquiais. As denúncias posteriores à lei mostram que imensos
foram os obstáculos encontrados no esforço de demover da instrução o ranço
clientelístico, presente em toda a estrutura do Estado Imperial. Tamanho desmonte
jamais foi alcançado, mas sem dúvida, o embate fez parte do processo de construção da
escola pública no Brasil.
Nos anos de 1883 e meados de 1884, o jornal conservador manterá o canal
aberto para as denúncias de abusos e arranjos do professorado, porém, preservando a
figura do diretor da instrução. Com a volta dos conservadores ao poder, este papel de
175
A Boa Nova, 15/4/1883.
176
O Liberal do Pará, 30/3/1883.
177
Relatório da Diretoria da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 18/9/1889, Anexo, p.32 (Diretor:
Americo Santa Rosa).
130
denunciante é restabelecido na imprensa liberal. Contudo, a imprensa conservadora não
somente serviu de canal para as denúncias, pois abriu espaço nos editoriais e artigos
para avaliações críticas da instrução no Brasil. Na série Os conservadores e a instrução
pública, publicada em 1883 no jornal A Constituição, o colaborador buscou comprovar
o progresso da instrução na gestão conservadora e analisou práticas que dificultavam o
desenvolvimento da instrução pública no Pará, sobretudo o patronato e a afilhadagem
sob o governo liberal, e defendeu a instrução inserida em “campo neutro”, acima de
qualquer interesse partidário ou individual.
O autor (anônimo) reconhece que liberais e conservadores possuíam princípios
semelhantes, concernentes à importância da instrução para o progresso do país, mas
desconfiava das reais intenções dos liberais, os quais sustentariam um discurso “só para
inglês ver”. Assim, ele defendeu seu ponto de vista, afirmando que,
“Os liberaes, em these, sustentam estas mesmas verdades, constituindo-se
amantes da instrucção, obreiros do progresso e regeneradores da sociedade;
mas isto é só para inglez vêr: na pratica procedem de modo diverso, antepondo
o progresso material ao moral, preferindo as despezas de méro luxo ás
essenciaes e indispensaveis, a afilhadagem ás necessidades sociaes.”
178
Um dos aspectos tidos por problemáticos, não só pelo autor dos artigos, mas por
muitos diretores de instrução do Pará e do Amazonas, referia-se ao provimento das
escolas elementares ou provisórias. A lei de 1880, aprovada por Assembléia de maioria
liberal no Pará, determinou que “para o provimento das escolas elementares serão
preferidos os professores normalistas, e na falta destes serão as cadeiras providas por
cidadãos de reconhecida moralidade, que provem perante a presidencia da provincia
idade maior de 21 anos, não terem sofrido condenação por crime infamante e não
padecerem molestias que os incompatibilize com o magisterio”. O articulista
conservador observa que esta disposição vinha sendo fraudada (no período do governo
liberal), pois
“Por toda a parte são as escolas elementares dirigidas por individuos
completamente ignorantes, com bem poucas excepções, comtanto que sejam
governistas.”
179
178
A Constituição, 17/5/1883.
179
A Constituição, 1/5/1883. O autor citou o artigo 4
o
da lei 1.030 de 7/5/1880.
131
Após a queda do gabinete liberal em 1884, e a volta ao poder dos conservadores,
o jornal liberal A Província do Pará, reinicia a campanha crítica aos atos dos governos
conservadores. Atacando a guilhotina colocada em praça pública pela situação
conservadora, o jornal A Província do Pará denunciou, em 1885, as demissões na
secretaria de instrução pública, todos liberais, a exceção de um inspetor de alunos,
preservado dos cortes por ser conservador.
180
A derrubada e remonta nas instituições
educacionais da Província, sobretudo as da capital, como o Instituto de Educandos
Artífices, a Escola Normal e o Liceu, arrebataram as atenções dos jornalistas. O jornal
informa que em 19 dias, a vice-presidência demitiu 100 empregados públicos, além das
mais de 500 autoridades policiais, que ocupavam cargos de confiança. Professores e
professoras da instrução primária também foram atingidos.
181
Além do favorecimento
político, o jornal denuncia a proteção aos conterrâneos do cônego José Lourenço da
Costa Aguiar, pois vários cargos estariam sendo preenchidos por cearenses, e não poupa
críticas à influência do cônego Manoel José de Siqueira Mendes nos atos do governo.
182
Dois meses depois, o jornal combate os interesses eleitorais de Costa Aguiar, retratado
como o “novo pescador... de votos, não de almas” - o “padre cura-candidato”, que em
“excursão eleitoral” pelo rio Arary, estaria mais preocupado em perseguir eleitores do
que em arrebanhar almas para a devoção cristã.
183
Afora os ataques diretos, A Província do Pará cedeu espaço para denúncias de
terceiros, como a do ex-secretário da instrução pública, que veio à imprensa acusar o
“cura Aguiar” de substituí-lo por um primo seu e a colocação de irmãos, parentes e
180
A Província do Pará, 11/10/1885.
181
A Província do Pará, 6/10/1885.
182
A Província do Pará, 25 e 29/9/1885.
Nascido na cidade de Sobral, Ceará, em 1847, José Lourenço da Costa Aguiar era presbítero secular,
doutor pela universidade de Santa Apolônia e membro da Academia pontifícia dos nobres. Foi vigário no
Amazonas e no Pará, que o elegeu deputado em suas assembléias e também à Assembléia Geral na última
legislatura da monarquia. Foi um dos colaboradores d’A Boa Nova, jornal da Diocese do Pará e, em 1894,
sagrado Bispo do Amazonas. (BLAKE, Sacramento, vol. V). Agnello Bittencourt (1973, p.112) o define
como um homem erudito, conhecedor do neengatu ou tupi do norte, tendo vertido para este idioma as
principais doutrinas do credo cristão, na obra “Christu Muhençáua” (“Doutrina Crista”, 1898).
Manoel José de Siqueira Mendes nasceu na cidade de Cametá, Pará, em 1825. Era presbítero secular,
nomeado cônego da sé paraense. Foi lente de latim do Liceu de Belém, lente de teologia do seminário
episcopal e fundou um colégio na capital, e outro em Cametá. “Foi deputado provincial por várias vezes,
deputado geral e senador do Império e administrou sua província por três vezes, como vice-presidente. A
principio militou sob as fileiras do partido liberal, sustentando como influência legitima o conselheiro
Bernardo de Souza Franco em sua candidatura á câmara vitalícia; depois, passando para as fileiras
contrárias, foi delas chefe e contraiu inimigos que jamais deixaram de agredi-lo” (BLAKE, Sacramento,
vol. VI).
183
A Província do Pará, 10/12/1885.
132
retirantes nos principais cargos públicos.
184
O termo retirante, ironicamente utilizado
para denominar os amigos e conterrâneos do cônego Aguiar, indica a nomeação de
cearenses para a administração pública. De forma sarcástica, a seção de “solicitados”
publicara um artigo intitulado, em letras destacadas, o cura navalhada, referindo-se à
interferência de José Lourenço Aguiar nas demissões e nomeações públicas.
185
A
concepção da inferioridade social dos cearenses pela elite da capital é bem exemplifica
por um incidente ocorrido no Liceu de Belém, colégio secundário público, freqüentado,
em parte, por estudantes que possuíam condições de ingressar no ensino superior ou
ocupar cargos administrativos de melhor posição. Apresentou-se no Liceu um cearense,
em “mangas de camisa”, para exercer o cargo de inspetor de alunos, causando
indignação nos estudantes, os quais quebraram grande parte das vidraças do edifício. A
reação dos alunos seria normalmente taxada de baderna, mas em se tratando de um ato
cujas supostas conotações políticas iam de encontro às convicções partidárias do jornal,
foi interpretado como “indignação” pelo editorial denominado de “Reação da Amazonia
III”.
186
Segundo A Província do Pará, as duas províncias que compunham a “Amazonia
brazileira” vinham tendo os diversos ramos da administração pública desorganizados
pelas presidências, entulhando as repartições com “gente inepta”. Instituições, como os
institutos de educandos do Pará e do Amazonas, sofriam diretamente com a invasão dos
afilhados, a começar pela direção, substituída por indivíduos despreparados.
187
A
instrução pública primária também foi atingida pelas nomeações apressadas, segundo
notícia de 1885, publicada no jornal amazonense A Província, de tendência liberal.
Novas escolas estavam sendo criadas em diversos distritos de paz do Amazonas, os
quais já as possuíam, iniciativa que cabia à Assembléia Provincial tomar. Indivíduos
analfabetos vinham sendo nomeados interinamente, denúncia que, volta e meia, era
lançada por opositores políticos, fossem eles liberais ou conservadores. O jornalista vê
um trágico destino para o ensino primário na Província, ao proclamar que,
184
A Província do Pará, 3/11/1885.
185
A Província do Pará, 6/10/1885.
186
A Província do Pará, 6/10/1885.
187
A Província do Pará, 27/11/1885.
133
“Agora os discipulos passarão a ensinar o mestre.”
188
O jornal do partido conservador paraense, A Constituição, defende seus
correligionários, contra-atacando os liberais que, sob os oito anos de seu domínio,
teriam convertido o professorado em prêmio dos seus “capangas”, ao substituir os
professores elementares por “analfabetos e imorais”. O jornal acudiu o governo
conservador, alegando que se mantinha ainda os adversários, demitindo somente
aqueles contra os quais existiam provas de “incapacidade e mau procedimento”.
189
Até o fim do Império, os agentes da instrução pública se debaterão com a trama
política engendrada pelo revezamento entre liberais e conservadores no poder. Ao
apagar das luzes do regime, a diretoria de instrução do Amazonas emitirá um relatório
pleno de denúncias graves contra os desmandos do ex-diretor sob a situação
conservadora, o Vigário Geral da Província cônego Raymundo Amancio de Miranda. O
cônego fora convidado, em janeiro de 1887, para a direção da instrução pública, quando
exercia o cargo de diretor do Instituto Amazonense de Educandos Artífices.
190
O ex-diretor fora destituído do cargo a bem da moralidade pública da
administração, por ter colocado a instrução à “margem de tudo”, nomeando pessoas sem
habilitação, removendo professores sem critério algum, demitindo outros com diploma
efetivo e fraudando concursos. Nunca um diretor de instrução da Província fora tão
atacado em relatório oficial, porém, nenhum outro fora um padre, ultraconservador, na
política e na religião. O sacerdote fora também vice-presidente em exercício no
Amazonas, cargo pelo qual acumulara alguns desafetos, pelas remoções e nomeações
feitas a toque de caixa, em julho de 1888.
191
Somos informados pelo relatório do novo
188
A Província, 27/9/1885. O jornal denuncia também a politicagem no Instituto de Educandos do
Amazonas.
189
A Constituição, 16/4/1886.
190
RPAM, 10/1/1887, p.14. O relatório citado é de junho de 1889 (RPAM, 2/6/1889).
Amazonense, Raymundo Amancio de Miranda nasceu em 1848, e cursou teologia no seminário de S.
Sulpicio na França. No Brasil, recebeu as últimas ordens sacras e foi nomeado lente de moral do
seminário de Belém, passando depois a capelão do colégio do Amparo para meninas desvalidas e
professor de religião da Escola Normal. Posteriormente, no Amazonas, exerceu diversos cargos, como o
de reitor do seminário de Manaus, Vigário Geral do Alto-Amazonas, diretor geral dos índios, vice-
presidente da Província por duas vezes em 1888 e diretor geral de instrução pública. Era cônego
honorário da Sé do Pará, vigário da freguesia de Nazareth da cidade de Belém e monsenhor camareiro
secreto extranumerário do papa Leão XIII. Exerceu por algum tempo o cargo de governador do bispado
do Pará e outras funções no magistério. Colaborador d’A Boa Nova, jornal católico do Pará, no período da
questão religiosa (BLAKE, Sacramento, vol. VII).
191
O jornal A Província do Pará (20/7/1888), que comungava as idéias do partido liberal, denunciou uma
série de atos da administração interina do cônego.
134
diretor, o advogado Agesiláo Pereira da Silva, ex-Presidente da Província, que o padre
acumulava o ordenado de diretor com os vencimentos de Presidente da Província.
192
O
relatório do (suposto) desmonte da instrução pública, causado pelos atos do cônego, nos
revela que ao final do Império, o sistema de ensino no Amazonas se mostrava frágil e
suscetível à sanha clientelista de um diretor que tinha mais poder do que se exigia ou do
que era conveniente para o exercício do cargo.
No segundo semestre de 1889, um relatório mais contundente foi produzido no
âmbito da instrução pública do Amazonas. Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha,
visitador extraordinário das escolas públicas do rio Solimões, apresentou à presidência
um diagnóstico da instrução oficial em toda a Província, em que o tom predominante é o
da decadência
193
. Escolas abandonadas pelo poder público e pelos alunos, com móveis
imprestáveis, professores e inspetores despreparados e sem respeito às leis compõem o
quadro descrito pelo visitador, onde nem mesmo as 22 escolas da capital se salvavam
dos abusos e da inércia dominantes no ramo. Embora conhecesse bem a política local,
Bento Aranha evita nomear a facção e os governantes responsáveis pelo desmonte da
educação. No entanto, data com precisão o período em que se deu o processo: na
vigência dos regulamentos de 1873, 1881, 1886 e 1888, pelos quais, ao contrário do de
1883, o Presidente da Província podia mandar instalar cadeiras do ensino primário nos
distritos de paz onde não estivessem criadas por lei especial. Vê-se que Bento Aranha
localiza o surgimento do problema na administração conservadora, atribuindo à
iniciativa da presidência liberal a eliminação dos abusos através do regulamento de
1883, quando as cadeiras vagas ou criadas passaram a ser somente providas por
concurso, até o término de sua vigência, em 1886. Neste ano, o novo regulamento
instituiu o provimento interino pelo Presidente da Província quando vagasse qualquer
cadeira de instrução pública primária ou secundária, até o seu preenchimento efetivo por
concurso.
Se o quadro apresentado pelo visitador, ao fechar as cortinas da monarquia, era
desolador, em períodos anteriores, a instrução também não fora poupada das críticas e
propostas de mudanças. Em 1883, o presidente liberal José Paranaguá nomeou o
192
Relatório da Diretoria da Instrução Pública do Amazonas. In: RPAM, 2/6/1889, p.24.
Pereira da Silva assumiu a administração do Amazonas em maio de 1877, exercendo-a até meados de
1878.
193
Citado por UCHÔA, Julio Benevides, 1966, p.191-196.
135
conselheiro Joaquim Azambuja inspetor extraordinário das escolas públicas de Parintins
e Itacoatiara. Muito impressionou ao visitador que em povoações importantes, tão
próximas da capital e com tantas crianças em idade escolar, o ensino público estivesse
em condições tão desfavoráveis.
Azambuja poupa pais e professores de críticas mais severas e centra sua atenção
na precariedade das escolas, onde faltavam os materiais, compêndios e utensílios
considerados indispensáveis ao ensino. Pais, tutores e protetores retiravam as crianças
dos estabelecimentos públicos, confiando a sua instrução e educação a “pessoas que não
são da profissão, mas prestão seus serviços por caridade, ou affeiçao particular”.
194
O
inspetor atesta que, mesmo em povoados próximos à capital, as famílias recorriam aos
seus contatos ou laços para instruir seus filhos quando, por ineficiência daqueles que os
regulamentos tentavam profissionalizar, os alunos nenhum aproveitamento obtinham. E
lamenta que, em todo o interior da Província, o pouco ou nenhum aproveitamento era a
causa primeira da deserção nas escolas. Neste ponto de seu relatório, o inspetor recusa o
estereotipo da indolência da população, chegando a afirmar que a ela não se fazia a
devida justiça. Os moradores que se decepcionavam com a escola oficial buscavam seus
próprios meios para fazer educar os meninos. A ausência do aluno nas aulas, através da
não matrícula, da baixa freqüência ou da deserção, constituiu um grave empecilho à
propalada difusão da instrução pelo interior do Amazonas.
O último relatório da diretoria de instrução do Pará disponível é da metade do
ano de 1889, escrito por Americo Santa Rosa, diretor experiente pelos anos que já
atuara na função. O tom do relatório não é otimista: Santa Rosa anuncia o atraso da
instrução na Província, devido principalmente à “política transviada de seus generosos
intuitos”, situação que segundo o diretor, todos deploram, mas poucos têm coragem de
combater. O Pará, a despeito das inúmeras reformas e das leis promulgadas em prol da
difusão da instrução pública, se vê perto do final do século, a mercê das “paixões
partidárias”, entregue aos “cálculos mesquinhos dos partidos”, na avaliação de Santa
Rosa. Mais uma vez, a situação passada é acusada de golpear duramente a instrução,
194
AZAMBUJA, Joaquim Maria Nascentes de, 1884?, p.120. No regimento interno das escolas proposto
à presidência, o inspetor arrolou como mobília necessária às escolas, a imagem do S.Crucificado, o retrato
de S.M. o Imperador, um relógio, um armário, uma mesa com estrado e uma cadeira de braços para o
professor, cadeiras para os visitantes, uma esfera celeste e outra terrestre, um Atlas, mapa do Brasil e
outro da Província do Amazonas, dentre outros materiais, como os relativos às prendas domésticas.
136
entregando-a a mãos inábeis, removendo professores de forma acintosa e cerceando
suas garantias.
195
Os “inimigos da instrução” não deram trégua aos intuitos dos
governos de promover a educação do povo, diriam conservadores e liberais, ao olhar
para as agruras da instrução no Pará e no Amazonas.
Instaurado o regime republicano, o diretor geral da instrução pública do Pará,
José Veríssimo, anuncia o “triste estado da nossa instrucção publica”, inventariando
como principal causa da situação do ensino em 1890, a
“Invasão do partidarismo, viciando a propria fonte da instrucção publica,
procurando sempre fazer do professorado um corpo, e das diferentes funções da
alta administração da instrucção publica um fato eleitoral.
196
Os procedimentos escolares: críticas através da imprensa
A imprensa paraense das décadas de 1870 e 1880, neste estudo representada por
duas folhas diárias politicamente posicionadas, o conservador A Constituição e o liberal
A Província do Pará, cedeu espaço aos artigos informativos e analíticos sobre a
educação, não apenas do Pará, como também de outras províncias, e do país no todo. As
estatísticas educacionais do Império foram esmiuçadas e comparadas. Críticas e
propostas de reforma das condições, materiais, pedagógicas e humanas das escolas
ocuparam espaço importante nas folhas. O comportamento dos professores e suas
repercussões no cotidiano escolar chegaram ao nosso conhecimento através das queixas
e comentários dos pais nas cartas e manifestos publicados nos jornais. Neste processo,
cenas esparsas do cotidiano escolar afloram dos textos, sobretudo das cartas e abaixo-
assinados enviados por pais e moradores. Os jornais se tornaram, desta forma, fontes
importantes dos dramas escolares que os relatórios oficiais evitavam revelar.
Comecemos pelos ímpetos reformistas dos jornalistas.
A instrução pública constitui-se no grande alvo das análises e dos informativos
educacionais da imprensa paraense, pois como instrumento de uma política de Estado,
estava exposta às disputas políticas e partidárias locais, não esquecendo que os seus
195
Relatório da Diretoria da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 18/9/1889, Anexo, p.29.
196
VERISSIMO, José, 1892, p.V.
137
progressos eram percebidos como indicadores de civilidade e funcionavam como uma
vitrine, com repercussões que extrapolavam o nível local. Por este mecanismo, a escola
pública não ficou fora das vistas dos redatores, dos jornalistas, dos colaboradores e dos
leitores. Ao contrário, tornando-se objeto de interesse da sociedade letrada que, tomada
de espírito reformador, esquadrinhou seu funcionamento, condenou seus ocupantes, o
instrumental pedagógico e as instalações físicas, e menos freqüentemente, louvou
mestres interessados e habilidosos.
O jornalista dA Província do Pará conta que examinou rapidamente trabalhos
apresentados nas conferências pedagógicas que vinham ocorrendo em Belém, em 1876,
mostrando-se decepcionado com as abordagens, que privilegiaram métodos e sistemas,
em detrimento do estudo sobre o estado das escolas e dos meios de reformá-las. O autor
lança-se, então, à apreciação das escolas e dos alunos, dando sua palavra “clara e
positiva”, que trazemos aqui.
“As nossas escolas primarias, é triste affirmal-o mas impossivel negar,
apresentão o aspecto mais desolador que é dado conjecturar-se.
Uma sala pequena, acanhada, sem ar e ás vezes sem luz sufficiente; bancos e
mezas velhos, cobertos de uma espessa crosta de tinta derramada, por sua vez
coberta de uma camada de poeira; meninos de todas as idades, desleixados,
fatos sujos, as unhas negras, comidos pelos cabellos compridos e despenteados -
eis o aspecto por assim dizer physico de uma escola primaria.
O lado propriamente escolar não é melhor. Uma vozeria ou ao menos um
sussurro crescente reina sempre na aula: um repete a taboada, outro decora em
voz alta as regras da grammatica; este soletra o b a ba, aquelle, recita versos de
Camões. É uma balburdia, um charivari.
197
O autor do artigo mostra-se ciente das mudanças na instrução popular ocorridas
no mundo ocidental, especialmente nos Estados Unidos e na França, propondo reformas
viáveis de serem implantadas no Pará. Condenando a típica escola do século XIX,
regida por um professor em sua casa, empregando métodos e compêndios que mais lhe
aprouvessem, o analista propõe uma nova escola, desenhada com mais ênfase no Brasil
a partir da década de 1870. Nela, a transformação é total: professores formados na
escola normal, alunos limpos e vestidos adequadamente, prédios especialmente
construídos para este fim, seguindo os preceitos higiênicos exigidos pela aglomeração
de crianças, método uniformizado e a distinção dos alunos por classes. O jornalista, em
meados dos anos 1870, defendia a reforma da escola, imbuído do espírito positivista que
197
A Província do Pará,5/7/1876.
138
toma corpo na época, buscando inserir no âmbito da prática do ensino a distinção e a
especialização, termos seus. As conferências pedagógicas realizadas em Belém vinham
retratando temas específicos da organização e higiene escolar, como o asseio dos alunos
e do local, os métodos pedagógicos e a falta de homogeneidade no ensino, noticiados
pela A Província do Pará no ano de 1876. O mesmo jornal publicará, em 1888, uma
série de longos artigos sobre “estudos de pedagogia”, informando a respeito das novas
tendências educacionais nos mais diversos aspectos da vida escolar.
O método mútuo, adotado pelas províncias brasileiras em meados do século
XIX, era valorizado pelo seu potencial disciplinador, porém não tardou a ser criticado
por seus resultados inexpressivos em termos de aprendizagem.
198
Ao longo do século, a
escola vai adquirindo novas feições, com a intensa troca com os saberes científicos,
notadamente médicos e pedagógicos, a profissionalização da carreira docente e as novas
exigências em termos de instrução e educação. Esperava-se mais da escola do que
desenvolver hábitos disciplinares de hierarquia e ordem; a vigilância e o controle
externo sobre o comportamento do aluno não eram suficientes para formar o cidadão. A
interiorização do “amor ao trabalho” e da obediência à hierarquia demandavam novas
tecnologias educacionais: novos métodos de ensino, nova organização espacial e uma
maior diversidade de materiais.
199
Afora uma ou outra experiência isolada, esta escola só será efetivamente
implantada nos principais centros urbanos do Pará e do Amazonas no período áureo da
borracha, quando as capitais passarão por profundas reformas urbanas.
200
Os grupos
escolares, funcionando em prédios escolares amplos, encherão de orgulho os cidadãos,
estimulados pelas grandes festas escolares organizadas pelos governos, como a
realizada em 1905 na cidade de Belém, com desfiles de carros alegóricos e a grande
198
O método lancasteriano, normalmente chamado de “mútuo”, surgiu na Inglaterra do final do século
XVIII, sendo rapidamente implantado em numerosos países. Ligado aos trabalhos e às concepções de
Bell e Lancaster, o método visava à instrução de crianças e adultos com a colaboração de alguns dentre
eles, que seriam monitores de seus colegas. O mais capaz servia de professor àquele que era menos capaz.
O método permitiu abrigar-se em sala de aula grande número de alunos. (Ver LESAGE, Pierre, 1999, p.9-
24).
199
VILLELA, Heloísa, 2000, MARTINEZ, Alessandra, 1997.
200
A respeito das reformas sofridas por Belém no período da belle époque, ver SARGES, Maria de
Nazaré, 2000. A belle époque amazônica, que transformou a feição urbana de Manaus e Belém, na
passagem do século XIX, é descrita por Ana Maria Daou (2000).
139
participação de alunos e populares.
201
Contudo, verifica-se a partir da segunda metade
do século XIX, um intenso esforço reformador nas legislações provinciais relativas à
instrução pública. As reformas da instrução ocorriam em seqüência, às vezes, de um ano
para o outro, como ocorreu no Amazonas entre 1864 e 1865, 1872 e 1873, sem contar
novas alterações previstas por lei nos intervalos das grandes reformas.
Gradativamente, os regulamentos migraram para o método simultâneo, adotado
pelo regulamento de 1854, que reformou a instrução primária e secundária da Corte. O
método favorecia a organização de classes mais homogêneas, agindo o professor sobre
vários alunos simultaneamente.
202
As matérias e os conteúdos do ensino eram
estruturados em níveis crescentes, por divisões estabelecidas nos regulamentos por
exemplo, ensino de 1
o
e 2
o
grau ou elementar e intermediário ou médio e complementar,
com programas de ensino por classe.
203
A mudança de método não significava a
execução plena e linear das indicações normativas. Os próprios regulamentos previam a
combinação de métodos diferentes, como os do Pará e do Amazonas de 1860, ao indicar
os métodos simultâneo e individual, ou ao permitir posteriormente ao diretor da
instrução a adoção de outros, com o aval do conselho diretor.
204
Contudo, não bastava a reforma das escolas; a concepção a respeito da
ignorância do povo, que fugia das escolas tal qual fugia das margens dos rios quando
chegaram os primeiros vapores, deflagrava considerações a respeito da aceitação deste
símbolo da civilização, comparado pelo jornal ao vapor que adentrava os “desertos”
amazônicos, diminuindo as distâncias entre os centros urbanos e os lugares mais
longínquos.
205
Combater a indolência dos professores e fazer a propaganda da educação
escolar em contraposição à doméstica foram estratégias empregadas para debelar um
obstáculo sério à difusão do ensino em meados dos anos 1870: a baixa freqüência
escolar levando ao fechamento de escolas pouco concorridas, problema vivido por
várias províncias brasileiras. Tanto o Pará quanto o Amazonas fecharam escolas nos
201
O Governo do Estado do Pará editou um bonito álbum desta festa, com muitas fotos das crianças em
frente aos grupos escolares e nos carros alegóricos, os quais representavam aspectos da nação brasileira
(PARÁ, Governador A. Montenegro (1901-1909). Album da festa das creanças: descripçoes e
photographias...).
202
SCHUELER, Alessandra, 2002, p.23.
203
AMAZONAS, regulamento n.12 de 9/2/1860, “Reorganisando as escolas de primeiras lettras” e
regulamento n.29 de 16/3/1872, “Reformando a instrucção publica da Provincia do Amazonas”.
204
A respeito dos métodos de ensino no século XIX, ver GALVÃO, Ana Maria de Oliveira, CATANHO,
Marta Regina da Costa (2002) e FARIA FILHO, Luciano Mendes de (1999, 2000).
205
A Província do Pará,21/8/1876.
140
idos de 1876 e 1877 por medida de economia do tesouro provincial, numa tentativa de
racionalizar a vida financeira e administrativa da instrução pública, cujas despesas não
compensavam os resultados, conforme não se cansaram de apregoar os presidentes de
província.
A medida conheceu forte oposição na imprensa liberal, levando A Província do
Pará a publicar um artigo da Comissão Executiva do Centro Liberal, o qual, tratando da
reforma eleitoral, parte para a discussão da importância da educação escolar frente às
deficiências da educação familiar. Os liberais paraenses viam na escola o meio para a
educação dos “povos livres e liberaes”, almejando que através da escola a criança
adquirisse a noção do trabalho regular assalariado, vindo a ocupar o lugar desejado aos
desvalidos, isto é, o de operário:
“Somos grandes partidarios da educação escolar. É só na escola que se póde
adquirir aquella força de ensino e energia de vontade que faz do homem um
cidadão e da criança um operário.
206
Os procedimentos escolares: o mestre sob o olhar vigilante dos pais
Um meio bastante debatido para tornar a escola mais atraente para pais e filhos
consistia no disciplinamento do professorado, o qual, recebeu todo tipo de crítica na
imprensa e nos relatórios, no período retratado neste capítulo. Entretanto, são as
correspondências das seções de solicitados que melhor expressam as reações da
população ao comportamento e ao preparo dos professores, descrevendo acontecimentos
miúdos que revelam a relação que os docentes tinham com suas escolas e alunos. A
moralidade, a dedicação e as habilitações dos professores consistem nos três principais
eixos abordados pelos missivistas.
207
Um importante alvo de queixas indignadas refere-se ao comportamento moral
dos professores, sobretudo no aspecto sexual. Ataques contra a vida privada das
professoras são inexistentes, porém maridos tidos por devassos nem sempre foram
poupados. Sob o título “Mysterios de Itaituba”, A Constituição reproduz a noticia do
206
A Província do Pará, 10/7/1876.
207
Pequenas localidades do interior são citadas neste trecho do capítulo. Nos restringimos a apresentar,
quando necessário, algumas informações sobre a situação das escolas locais. Em anexo, mapas do Pará e
do Amazonas mostram a localização das cidades, vilas e povoações, permitindo visualizar a distância
com relação às capitais.
141
Baixo-Amazonas, folha de Santarém, a respeito de um suposto atentado do marido da
professora de Itaituba contra uma aluna sua. O chefe de polícia mandou proceder ao
inquérito, mas o subdelegado que era “pessoa ou cousa” do marido da professora, ao
ouvir o relato da “menor” a respeito das proezas do acusado, imediatamente “pos a
pedra em cima”. O jornal expõe o modo como a rede clientelista atingia duas
instituições públicas importantes do período: a polícia e a escola.
208
No ano seguinte, o
jornal voltou ao tema do defloramento da aluna pelo marido da professora, que vinha a
ser o coletor provincial e geral de Itaituba. A Constituição buscou combater o que
chamou de “ousadia” do coletor, pois estaria se empenhando em galgar uma outra
posição, a de diretor da missão do Bacabal.
209
O mais comum é a reprovação da vida privada do professor, por ter seduzido
moça nova ou por viver amasiado, condição comparada à prostituição feminina. Em
1877, A Província do Pará publicou nos “solicitados” uma queixa contra a conduta
moral do professor da vila de Curuçá, enquadrado na categoria dos mestres que se
apresentavam de forma “cínica e imoral” aos discípulos.
“Neste ultimo caso, está o sr. professor da villa de - áçuruC - [Curuçá, ao
contrario] o qual, não contente com ter levado á prostituição, em sua propria
casa uma desventurada que ali se recolheu ainda em vida de sua mulher,
apresenta-a em reuniões, onde, mystificando seus amigos, macula, com a
impureza de sua amante, a castidade de suas filhas.
Não queremos que o sr. professor faça voto de castidade, mas o que exigimos é
mais moralidade em seus actos, por isso chamamos a attenção da autoridade
competente, afim de pôr um obice á sua carreira, que tende só a perversão de
seus discipulos. Voltaremos ao assumpto se fôr preciso.
210
O desvirtuamento de sua missão, deixando para trás a “vida exemplar” que
deveria levar, levou o missivista a desejar ao professor o “estigma dos homens de bem”.
Sem dúvida, a população exerceu papel importante na construção do lugar social do
professor, com base nos rígidos preceitos morais da sociedade da época, cuja
desobediência deveria lançar o estigma ao professor. Provavelmente, os queixosos da
imoralidade dos mestres não entendiam que estes princípios necessitavam ser seguidos à
208
A Constituição, 4/10/1882.
209
A Constituição, 15/3/1883. A missão se localizava no Alto Tapajós, região rica de produtos naturais.
Administrada por missionários e mantida pelo governo, a missão não saiu das páginas da imprensa liberal
nos anos de 1876 e 1877, acusando o frei Pelino de improbidade no uso da verba para brindes e de fazer
os índios trabalharem em seu benefício.
210
A Província do Pará, 31/10/1877.
142
risca por todos os homens. A sociedade estava mais vigilante com relação ao
comportamento de padres e professores, responsáveis respectivamente pela instrução
religiosa e intelectual do povo. Igreja e Estado buscavam disciplinar seus agentes,
criando meios de educá-los ou de puni-los, nos casos extremos. Não é fortuitamente que
se comparava a docência ao sacerdócio. A escola normal e as conferências pedagógicas
dos anos 1870 foram instituições criadas com o objetivo de preparar os professores para
o exercício de sua missão, não só através de conteúdos e técnicas, mas pela introjeção
de valores morais e normas disciplinares, visando à uniformização do ensino de forma a
favorecer o controle do Estado sobre este “importante ramo do serviço público”.
Outro aspecto que o correspondente deixa entrever é a afronta imposta pelo
comportamento do professor à “castidade das filhas” de seus amigos. O tema da
“educação das filhas” suscitava debates que levavam a só um ponto: o extremo
conservadorismo da imprensa, de qual tendência fosse. Redatores do jornal liberal A
Província do Pará perpetravam uma oposição ferrenha à conquista da igualdade e dos
direitos políticos da mulher, defendendo a continuidade de sua dependência ao homem e
de seu império no lar.
211
A menina deveria ser instruída para ocupar o lugar atribuído ao
seu sexo, no lar e na educação dos filhos. Os programas de ensino feminino incluíam,
em todo o Império, o aprendizado dos misteres domésticos e de uma instrução ainda
mais elementar que a dos meninos. A Província do Pará, ao final do Império, assim
definiu preceitos da educação das filhas:
“Dae-lhes uma instrucção elementar.
Ensinae-lhes a lavar, engommar, remendar meias e fazer sua propria roupa.
Ensinae-lhes a fazer pão e explicae-lhes que uma boa cozinha tira muito
dinheiro da botica.
Fazei-as bem entender que um mil réis é mil réis, e que sabe economisar só
quem gasta menos do que ganha.”
212
A posição social de professoras, que ao final do Império está consolidada, é
gradualmente bem aceita na sociedade, inclusive para a instrução de meninos pequenos
nas escolas mistas. Nos concursos públicos passou-se a dar preferência às candidatas
quando havia igualdade de habilitações e, no Pará, as professoras percebiam um valor
211
A Província do Pará, 15/11/1885.
212
A Província do Pará, 7/10/1888. É válido advertir o leitor de que o autor não demonstra no artigo
nenhuma intenção de fazer pilhéria do assunto.
143
mais alto para o aluguel das casas.
213
A educação das meninas estava cercada de
preocupações morais, relacionadas à proteção e à higiene oferecidas pelo espaço físico.
O discurso de uma professora da cidade de Macapá, no Pará, marca com veemência o
aspecto moralista da função docente feminina. Na recepção oferecida por seu marido a
dois capitães, em 1884, ela reforçou aos seus convidados ilustres a obrigação da
professora de ser o “modelo dos bons costumes sociaes” e o “mais moralisada possível”
só assim garantiria a “sympathia e estima d’esse circulo”. A professora proporcionaria
a “continuação da educação domestica”, portanto no lar ou na escola, o habitat da
mulher não mudaria em essência.
214
Mantendo a moral e os bons costumes, ela
continuaria em sala de aula a árdua missão de educadora da infância, garantindo às
famílias tementes da educação das filhas longe da proteção do lar, um local que seria a
extensão deste.
A necessidade dos professores complementarem seus pagamentos com
atividades extras, aliada à questionada moralidade, influenciou a preferência dos
governos por professoras primárias, sem contar com a inconfessada economia feita com
a manutenção dos baixos ordenados do magistério primário, condição melhor aceita
pelas mulheres, já que as letradas poucas opções possuíam de trabalho, sendo
praticamente todos os cargos públicos preenchidos por homens.
À concepção a respeito do “alto encargo de educar a mocidade” pode ser
atribuída algumas denúncias a respeito da “vida imoral” de alguns professores. Tais
queixas vinham geralmente de povoações do interior, onde a vigilância sobre o
professor só podia vir dos moradores, na maior parte do tempo. A carta de um zangado
chefe de família, lavrador de Piraem, município de Santarém, sugere que professores
podiam negociar ou obter favores dos pais para instalar suas escolas. O professor da
escola pública de Piraem fora inicialmente “agasalhado” por um cidadão, que o
hospedou em sua casa por muito tempo. Hospedeiro de todos os vícios, pois, além de se
embriagar e acumular dívidas, seduziu uma sobrinha de seu “benfeitor” e após viver
com ela em concubinato, a abandonou grávida. O lavrador, tendo quatro filhos a educar
fez, a pedido desse professor, uma casa para sua escola no lugar Muacá, onde viveu
algum tempo amasiado com a moça que depois abandonou, e não satisfeito, seduziu
213
PARÁ, Lei n. 664 31/10/1870, art.9
o
.
214
A Constituição, 23/2/1884.
144
uma enteada sua, com promessa de casamento, não realizada. O denunciante conclui a
carta pedindo “rigorosa punição”, porém não sabemos como terminou o incidente, pois
nada mais foi publicado a respeito no jornal daquele ano (1884).
215
A notar de
interessante no relato é a disposição do lavrador em fechar os olhos para o
comportamento do professor, de forma a garantir a educação escolar de seus filhos,
aceitando que na casa que construíra para a escola morasse o professor com a amasia.
Este fato denota que, dependendo do interesse dos pais, tais comportamentos que nas
cartas eram tratados como imorais, podiam ser tolerados em nome da instrução dos
meninos.
O caso do professor da povoação de Condeixa corrobora esta impressão, pois
somente depois de desfilar uma infinidade de acusações contra o professor público,
centradas na sua falta de instrução e vadiagem, o abaixo-assinado dos moradores lança a
última pedra, indagando
“Que vale uma escola sem bom mestre e sem moralidade?
Mora esse professor em uma casinha sua, onde sem respeito ás familias e aos
seus alumnos vive de portas á dentro com sua amasia, funccionando a escola
n’esta mesma casa, da qual percebe dez mil rs mensaes, pagos pelo
thesouro.
216
O rapto de meninas por professores é relatado em duas denúncias, uma do
Amazonas e outra do Pará. Tratava-se de meninas novas, uma de 11 e a outra de 14
anos, o que talvez tenha provocado reações mais fortes por parte dos responsáveis.
217
O
rapto de moças nas províncias não era privilégio de professores; nos jornais, vez ou
outra, se noticiava a respeito esperando-se uma reparação através do casamento, fato
este que, pela rigidez dos costumes da sociedade da época, devia ocorrer em todo o país.
No caso da menina de 11 para 12 anos, o próprio pai irrompeu em sala de aula exigindo
satisfações ao professor, que fugira. A mocinha de 14 anos vivia em uma casa de
família aprendendo os afazeres domésticos, maneira muito delicada de referir-se a uma
prática comum na época, isto é, a tutela de meninos e meninas com o fim de obter
criadagem gratuita, como os próprios jornais não se cansaram de denunciar. As
meninas, nesta situação, ficavam sujeitas às investidas sexuais de seus próprios tutores,
215
A Constituição, 23/8/1884.
216
A Constituição, 26/8/1882.
217
A Constituição, 3/2 e 27/10/1883.
145
e os casos que chegaram aos jornais são terríveis, pois além de não receberem qualquer
tipo de educação que a tutela oficial obrigava, eram mal alimentadas, mal vestidas,
serviam como criadas e diante dos abusos sofridos, algumas recorriam à fuga e ainda
enfrentavam a perseguição da polícia.
218
Estes são casos extremos, e por motivos
diversos, os jornalistas lembraram de denunciar.
O exercício de outras atividades além do magistério, levando ao abandono da
escola por determinados períodos do ano, constituía-se em fator de enorme irritação aos
pais, gerando abaixo-assinados e representações contra professores públicos, enviados à
presidência e até divulgados nos jornais. Professor regatão, dedicado ao comércio de
produtos naturais, como muitos dos moradores dos povoados, não raro aparecia nas
denúncias. Professor mascate, cujas longas ausências da escola elementar gerou a
denúncia no jornal. Ou o professor pescador, que ainda tinha o acinte de aproveitar os
alunos na pesca, ou o professor lavrador que usava os alunos como “escravos” na
colheita, e até o professor exercendo o ofício de advogado em localidades aonde ter um
mínimo de conhecimento dispunha o indivíduo a exercer atividades para as quais não
possuía formação, são algumas das acusações sofridas pelos professores, não só de pais
ou chefes de família, mas também por diretores e presidentes de província. Os
regulamentos eram taxativos na proibição do exercício de atividades incompatíveis com
o magistério, do afastamento dos professores de seus distritos e do emprego dos alunos
em seus serviços particulares.
Uma destas denúncias atingiu o professor da escola pública de Peroba, no Pará,
em 1877, quando sob o domínio conservador, A Província do Pará veiculou nas suas
páginas os mais diversos abusos ocorridos nas escolas do governo. Os suplicantes
pedem ao diretor da instrução que tome providências de modo a coibir os abusos do
professor, informando,
“Que o professor emprega os seos discipulos em pescaria, na foz do rio;
Que manda seos alumnos a cidade de Bragança, buscar sua familia, em passeio
para Peroba;
218
Esta descrição refere-se ao caso de Amélia, que aos 13 anos fugiu da casa do tutor, em Ponta de Pedras
no Pará, devido aos maus tratos recebidos. O delegado de policia, á pedido do tutor, mandou prender a
mãe de Amélia, na suposição de que ela tivesse acoitado a filha. O tutor era cunhado de um magistrado, e
por isso, recomendado pelo juiz de órfãos (A Província do Pará, 10/12/1885). A imprensa, tanto paraense
quanto amazonense, relata outros casos, inclusive de meninos tutelados que vadiavam pelas ruas, cujos
responsáveis preferiam garantir seus criados gratuitos a permitir que dessem baixa na Companhia de
Aprendizes Marinheiros, como insistiu o jornal A Província do Pará, em 1885.
146
Que faz delles seos escravos applicando-os na colheita de feijões;
Que nos sabbados quasi nunca dá escola, para fazer pagodes em sua casa;
Finalmente que indo o dr. Gentil, na qualidade de delegado áquella localidade,
não encontrou o referido professor por estar este no pagode do sr. João Miguel
Filho.
219
Sob o domínio liberal, era a vez d’A Constituição dispor-se a atuar como veículo
do descaso do governo com a instrução, através das denúncias contra professores
públicos. Um revoltado morador de Faro escreveu ao redator do jornal em 1883,
condenando a escola e o professor. A casa escolar era mantida na umidade e na
fedentina de pombos e bodes, com o agravante de funcionar colada a uma taberna,
aberta pelo próprio professor. O tratamento dispensado aos alunos reforçou a revolta do
denunciante contra a autonomia do professor e a inércia da diretoria de instrução
pública, que não interferira até aquele momento nas ações de seu empregado. Este usava
os alunos como “criados domesticos, carregadores d’agua, varredores de sala,
carregadores de crianças, pegadores de bezerros e pescadores”.
220
O tema do emprego dos alunos na pescaria é trazido à tona pelo menino
Joannico, através do trecho do romance de costumes paraenses”, de Aristides Lobato,
publicado na Revista familiar: periodico dedicado ás familias. Joannico, filho de um
major, residia numa das “pequenas mas pitorescas vilas que adornam as margens do
nosso decantado Amazonas.” Levado à força para a escola aos onze anos de idade, o
menino tomou gosto da “patuscada com os outros collegas”, mas não do professor e da
lição. Após dois meses de escola, nada aprendera, recebendo do professor repreensão
severa e a ordem de permanecer ajoelhado sobre o banco. Pois que o “filho do
potentado” pôs-se a zombar do professor, fazendo chacota com um fato bastante comum
no período: o professor tinha outra distração, a pescaria, e empregava os estudantes em
seu benefício. Joannico improvisou um verso, recitado “em voz alta e com muito chiste
e gargalhada”:
219
A Província do Pará, 20/5/1877. Três dias depois, é publicada no mesmo jornal, carta de um
“caeeténse” contestando as acusações ao honesto professor de Peroba, invocando o nome do ilustre
delegado literário de Bragança, o magistrado Gentil de Moraes Bittencourt.
220
A Constituição, 28/4/1883. A pequena Faro, situada nos limites com a Província do Amazonas,
possuía em 1885, cerca de 250 habitantes (BAENA, Manuel, 1885, p.67). Suas duas escolas públicas
(masculina e feminina) atendiam, respectivamente, a 65 alunos e 23 alunas em 1888 (Cf. tabela 22 e mapa
do Amazonas, em anexo).
147
“Quem quizer vêr estudante
Vá na reponta da maré
Que hão de estar todos pescando
Para o professor Chibé.”
221
A ousadia do pequeno poeta resultou em meia dúzia de bolos, dos quais
escapuliu para casa, tornando seus pais inimigos do professor. Lobato defende a escola
do interior contra os desmandos dos “potentados” locais, e segue a narrativa,
condenando o internato para o qual o menino é enviado na capital, visando a prepará-lo
para “empunhar o bastão de chefe d’esta importante localidade”. Joannico não aceita o
castigo que recebe do professor, pois sendo filho do chefe da vila, entende, apoiado
pelos pais, que não lhe cabem a palmatória e os outros castigos que auxiliavam os
professores em suas tarefas pedagógicas.
A chamada “baixa política” é identificada pelo redator do jornal A Constituição
como responsável pela permissividade na instrução pública, manifestada tanto pela
nomeação de professores elementares tidos por analfabetos quanto pela tolerância aos
professores regatões.
“A baixa politica, aquella que só visa arranjar espoletas eleitoraes á custa dos
cofres publicos e da educação popular, não se limita a espalhar pelas escólas
elementares da provincia verdadeiros analphabetos como professores, vae
além, autorisa o abandono da escóla que fica convertida em tasca e paga
integralmente os vencimentos do professor que regateia rio acima, qualquer que
seja o attestante de sua frequencia!”
222
O autor conclui a acusação citando o professor de Porto de Móz, que abandonara
no verão anterior a cadeira que regia, quando subiu o rio Xingú para aproveitar a safra
da borracha e fazer o seu negócio, “como é publico e notorio”. O tesouro provincial
pagou ao seu procurador Moreira Bastos & cia os vencimentos integrais dos meses de
julho de 1881 a fevereiro de 1882, sendo os atestados assinados pelas autoridades
221
LOBATO, Aristides, 1883, p.3. Chibé, palavra de origem tupi, é empregada no Amazonas, Pará e
Maranhão para designar um refresco ou pirão, feito com farinha de mandioca, água e açúcar (Novo
dicionário Aurélio, edição de 1986). Alimento popular na Amazônia, a bebida chegou a ser citada por um
deputado da Assembléia do Pará, quando se discutia a mudança do horário escolar no interior. Os
deputados que defendiam o turno único argumentavam que as aulas poderiam ser interrompidas para a
merenda e recreio dos alunos. A resposta de Joaquim Cabral veio rápida e bem humorada, causando
hilaridade entre os colegas: “Os pobres meninos entesinhos frageis terão que estudar nas horas de maior
calor e sob o martirio da fome. O que vão levar para comer? Pão secco? conservas? ou chibé?” (A
Constituição, 21/8/1883. Assembléia Legislativa do Pará. Sessão Ordinária em 13/4/1883).
222
A Constituição, 7/11/1882.
148
competentes, isto é, “ora pelo delegado literário, ora por um segundo suplente de juiz de
paz, ora pelo suplente do delegado litterario”. O caso desvenda, de um lado, a trama do
clientelismo, e como ela afetava diretamente as escolas, e de outro, o papel da imprensa
opositora nas denúncias dos excessos clientelistas. Outra notícia do mesmo jornal
informa que o diretor da instrução pública lançará “suas vistas” para o professor
elementar de Emburanunga, vila de Vizeu, que segundo informações recebidas,
empregava-se no comércio de mascate, afastando-se por tempo indeterminado da
localidade onde estava estabelecida a escola. Se as vistas do diretor se mostrassem
curtas, o jornal estava vigilante, disposto a aumentar o campo de visão sobre as
“sinecuras” de seus adversários, que tão prontamente divulgava.
223
As denúncias a respeito das infrações disciplinares dos professores podiam
resultar na demissão “a bem do serviço público”, como ocorreu ao professor elementar
de Icatú, no Pará, por ter abandonado a escola.
224
Além disso, presidentes e diretores de
instrução recorriam às remoções de professores para outras localidades. O Presidente
do Amazonas Jacy Monteiro, em 1877, trocou os lugares de dois professores por se
entregarem a negócios diversos, além de demitir outros a bem do serviço público. Um
dos removidos era dono de uma olaria em Borba e o outro, vereador da Câmara de
Silves.
225
O professor que faltou aulas para exercer a função de advogado igualmente
sofreu punição da Diretoria de Instrução Pública do Pará.
226
Como no Pará, a instrução
pública no Amazonas se debatia com professores envolvidos em atividades extrativas
no interior. É o que declaram os presidentes nos relatórios de província, e um deles,
justificou o fechamento de 12 escolas em 1877, todas com menos de 20 alunos, cujos
professores pouco se demoravam nas localidades, aguardando os carregamentos de
produtos naturais, comerciantes que eram. Pereira da Silva explica a resolução, usando
um argumento que devia parecer convincente aos leitores, pois não queria parecer
“inimigo das luzes”: as escolas situavam-se em lugares remotos, “quase despovoados ou
habitados unicamente por índios semi-selvagens”.
227
A justificava esclarece o
significado do termo “despovoado” na concepção da autoridade índios tidos por
selvagens não contavam como população, muito menos como população escolar.
223
A Constituição, 13/7/1883.
224
A Constituição, 7/3/1886.
225
RPAM, 26/5/1877, p.50.
226
Relatório da Diretoria da Instrução Pública do Pará. In: RPPA, 18/4/1885, p.101.
227
RPAM, 1878, p.7 (Resolução n. 366 de 7/6/1877).
149
Os “solicitados” publicados nos jornais revelam que pais e moradores estavam
vigilantes quanto ao comportamento dos professores, dentro e fora da escola. Vinte pais
de Barcarena, “não podendo por mais tempo tolerar os abusos praticados pelo professor
publico d’esta freguesia (...), quer dentro, quer fora da escola”, dirigiram um abaixo-
assinado ao Presidente do Pará em 1883, apresentando fatos indicativos de sua “crassa
ignorância”, pois privava os alunos de Cristo, sem um troféu ou um hino cantado ao
Espírito Santo. Não só o espírito não era cultivado, pois a inteligência nenhum resultado
alcançava, e o corpo era maltratado com proibições como o veto ao alívio das
necessidades fisiológicas, levando os meninos a aparecerem “indecentes em casa de
seus pais”. Condicionando o bom mestre ao bom aluno, o professor é descrito da pior
forma possível:
“E assim, não podendo a má arvore dar bons fructos, não poderá tambem o
máu professor dar bons alumnos, porque o seu genio altivo, richoso, preguiçoso
e colerico... só respira máu trato, e nenhum aproveitamento aos alumnos; e por
tanto é incapaz de beneficiar a uma mocidade esperançosa.
228
O texto segue neste tom melindrado, uma vez que as desavenças do professor
extrapolaram as paredes da escola. Fora dela, o seu comportamento era de desrespeito à
“massa da população”, ofensivo à moral evangélica. E por último, é lembrado que em
quase oito anos de magistério, não se achava menino que saísse pronto daquela escola.
Como muitos outros, ele se ausentava da escola, e deixava em seu lugar um substituto
completamente analfabeto.
Outra denúncia demonstra como as famílias reagiam da forma como podiam, ou
seja, boicotando as escolas e exigindo providências para a intervenção na instituição
pública, sob o domínio do Estado, mas não inacessível aos conflitos locais. Uns pais de
família de Mosqueiro, comarca da capital, lamentaram a miséria a que estava entregue a
escolar elementar do rio Traquateua, cujo professor empossado pelo Presidente da
Província, “mais servia para abrir escola nos campos de Marajó, para ensinar!...”,
aludindo à “população” que ali vivia, formada por manadas de gado. A noticia
indignada dA Província do Pará visa a atacar o estado deplorável da instrução na
situação conservadora, mas descreve um quadro não inviável da escola citada. Pede-se
que o presidente mande examinar o professor, sendo a escola freqüentada apenas por
228
A Província do Pará, 25/2/1882.
150
três sobrinhos do mestre, incluindo uma menina, conforme expõe o artigo. Para fazer
número, homens adultos e meninos e meninas que mal balbuciavam as palavras
estariam sendo matriculados. Tornando o quadro ainda mais miserável, o público é
informado de que o professor, além de ignorante, tem péssimos costumes e a casa onde
funciona a escola “não está nas condições da lei”.
229
Pelos mesmos motivos, pais de família de uma vila paraense não matricularam
suas filhas na escola do sexo feminino, denominada pelos “solicitados” de “escandalosa
sinecura”, arranjada pela politicagem. A professora inábil, mal sabia rabiscar o próprio
nome, e pior, vivendo em santo ócio, recebia mensalmente o ordenado pago pelo
tesouro. Na carta, dirigida ao Presidente da Província para “ler e providenciar”, pede-se
um visitador incógnito para que o poder público “lance suas vistas para este e outros
muitos arranjos”.
230
Nem sempre as queixas dos pais eram motivadas pela escolha política de inábeis
professores. Os pais da povoação de Condeixa recusaram o espírito partidário como
motor do abaixo-assinado enviado à Presidência do Pará, dizendo-se apenas movidos
pelo interesse na instrução pública e na educação de seus filhos. Simplesmente, não
compreendiam como o professor público conseguiu se manter por dez anos no
magistério sem habilitar um aluno, quando nem mesmo eleitor era. Os pais se
revoltaram com a perda do “tempo precioso de educação” de seus filhos, pois
“Estudam 4, 5 annos e sahem da escola sem nada saberem, malmente soletram
e rascunham uma carta, em contabilidade pouco ou nada sabem porque o
professor mal sabe as 4 operações elementares da aritmetica, ignorando
totalmente o sistema metrico e grammatica; muitos meninos não frequentam a
escola por verem seus paes que em vez de illustrarem as suas intelligencias é
embrutecel-as, em vez da instrucção ir em progresso cada vez mais é
aniquilada, a frequencia diaria não passa de seis a oito alumnos, no entanto que
dos mappas mensaes deve contar a frequencia de muitos phosphoros. (...)
Os alumnos não sabem dar ás palavras e ás phrases o tom e o accento que lhes
convém; vg, casas térreas dizem terreias, porque assim lhes ensina o mestre!
Como vê v.exc. este mestre ainda precisa de mestre.”
231
229
A Província do Pará, 8/11/1885.
230
A Constituição, 15/2/1884.
231
A Constituição, 26/8/1882. No 1
o
trimestre de 1887, a escola pública de Condeixa registrava 31 alunos,
indicativo de que o atendimento à solicitação dos pais fizera voltar os alunos ou, na pior das hipóteses, os
fósforos continuavam a fazer número nos mapas da escola (“Mappa comparativo da frequencia diaria das
escolas publicas da Provincia do Pará” In: RPPA, 2/2/1889, Anexo 2).
151
Ex-praça da polícia, o professor teria sido nomeado por um ex-diretor da
instrução com base em informações falsas de terceiros, sugerindo a fragilidade nas
escolhas dos professores do interior, cujas escolas elementares podiam ser providas por
professores não concursados. Um aspecto interessante da carta é o emprego do termo
phosphoros no contexto da instrução pública, associando-a às fraudes típicas das
eleições. Fósforo era o falso eleitor incluído nas listas eleitorais e a sua presença nos
mapas escolares denota a íntima relação entre política partidária e instrução pública no
Pará. Os pais de família da povoação boicotaram a escola do povoado, onde se aprendia
a falar errado por um mestre baldo de toda a instrução necessária ao “progresso” dos
filhos de famílias que buscavam a distinção social em relação ao meio e à cultura locais,
a partir da educação escolar.
As queixas contra professores e professoras compõem um interessante painel do
cotidiano escolar da época e revelam como os pais reagiam a práticas escolares que com
o tempo foram deixando de ser percebidas como legítimas, tal qual os castigos físicos.
Alguns governantes começavam a identificar as punições dos mestres ao “antigo
regime”, cuja disciplina rigorosa só servia para amedrontar os alunos.
232
Desde a década
de 1860 no Pará e de 1870 no Amazonas, os castigos corporais, tais como as
palmatoadas ou a penitência de joelhos, não constavam mais dos regulamentos da
instrução pública. Em seu lugar, surge um minucioso sistema disciplinador, por meios
correcionais e de recompensas. A proibição dos castigos corporais não implicou na
abolição imediata das práticas tradicionais de disciplinamento dos alunos, mantidas
inclusive na escola prática, instituição modelar anexa à escola normal de Belém. O
jornalista dA Província do Pará, de codinome Fausto, passou pelos bancos da escola
onde os novos mestres ensaiavam o ofício de professor primário. Fausto relembra os
bolos bem dados nos componentes de uma certa troupe meninoria e condena com
veemência a extinção da escola, ocorrida em meados de 1886.
“Não vão pensar que fui da troupe meninoria, que muito pulou por aquelles
bancos, e que muitos bolos apanhou do professor Benicio. Não pertenci a esse
bando de innocentes e irresponsaveis, que entendiam que abrir a torneira a uma
pipa de agua que o aguadeiro abandonava na rua, era um acto tão meritorio e
justo como dar uma bôa lição, ou desfructar um dia de sueto: não fui do
numero, mas pouco importa: fui da classe como todos foram, e é com grande
232
Este foi o caso do Presidente do Pará, Pedro Vicente de Azevedo (RPPA, 15/2/1874, p.17).
152
pezar, e cheio de saudades, que eu relembro os bons tempos da Escola
Pratica.”
233
Algumas cartas de pais e notícias de jornais condenaram os castigos corporais
nas escolas, chegando a ser entendidos como decorrentes da incapacidade moral dos
mestres e até como crime a ser punido, quando dirigido a um “filho-família”.
234
O
próprio Fausto, que na citação acima se mostrou benevolente com os bolos do professor
Benicio, aproveitou a abolição da escravidão para comparar a escola com os suplícios
do cativeiro, como veremos adiante.
O jornal A Província do Pará, em junho de 1884, deu destaque a um “acto de
selvageria” cometido pelo professor de uma escola do sexo masculino da capital. O
professor e o seu adjunto espancaram barbaramente com uma régua o menino Pedro,
empurrando-o até a rua. Definido o ato como “abuso”, o jornal pede ao diretor da
instrução severa punição para o “crime”. O castigo de Pedro ficaria certamente no
anonimato de mais uma ocorrência da vida diária de uma escola, se ele não fosse filho
de um certo “sr. Guimarães” que, ultrajado em sua autoridade paterna, denunciou o
incidente à Diretoria de Instrução e o fez chegar à imprensa como noticia e não através
da seção de “solicitados”, como normalmente chegavam ao jornal as queixas contra as
escolas.
235
A Constituição deu vazão, no ano de 1883, a uma extensa e indignada carta
de um morador de Faro contra o professor público, que entre outras atitudes condenadas
pelo missivista, admitia e expulsava os alunos ao seu bem querer, como acontecera com
Philippe, filho de Manoel Vicente. A expulsão de Philippe já chegara ao conhecimento
da diretoria de instrução pública, sendo o seu representante máximo convocado, através
da carta, para confirmar o fato.
236
Não queremos com este caso afirmar que somente as famílias com um certo
capital social discordassem dos castigos recebidos por seus filhos nas escolas, mas
supomos que as penas eram diversamente interpretadas. A autoridade do professor ou
professora sobre os alunos presumivelmente era sentida de forma mais legitima ou
233
A Província do Pará, 6/9/1888 (grifo do autor).
234
A associação entre castigo corporal e incapacidade moral do mestre-escola partiu de um artigo d’A
Província do Pará condenando a educação teológica na família e na escola (15/11/1885). Já o termo
“filhos-família” foi empregado por um jornalista do Amazonas, pedindo providências à “autoridade” para
dar fim ao divertimento de ”meninos vadios e de filhos-família” que enchiam as ruas de Manaus com seus
papagaios, sob um “sol ardentíssimo” (11/8/1882).
235
A Província do Pará, 22/6/1884.
236
A Constituição, 28/4/1884.
153
inquestionável pelas famílias mais pobres do que pelos chefes de família, cujas posições
na sociedade local, pressupunham uma atitude submissa dos demais. A personagem
citada há pouco, o menino Joannico, ilustra a relação tensa do chefe local com o
professor público de uma pequena vila às margens do rio Amazonas. Joannico, descrito
pelo romancista como um aluno vadio e insolente, acaba sendo castigado pelo professor
com umas boas palmatoadas. A reação do menino foi fugir e se queixar ao pai,
tornando-se este inimigo do professor. Abertamente, o autor do romance paraense
mostra-se favorável ao professor, cuja autoridade foi colocada a toda prova pelo “filho
do potentado”. Claro está que o problema aqui consiste numa guerra de autoridade, e
não no castigo, pois em casa, o cipó de vassoura de açaí funcionava como corretivo ou,
por exemplo, para “persuadir” Joannico a ir à escola.
237
Uma resolução do Conselho Diretor da instrução pública do Pará, em 1880,
desvela como as queixas contra castigos eram apuradas pelo poder publico. A
representação contra o professor partiu do delegado literário de Mojú, em decorrência
da qual, os membros do Conselho requisitaram ao chefe de policia o corpo de delito “a
fim de verificar o Conselho, se com efeito, o professor infligiu aos seus alunos castigos
barbaros e poder depois deliberar a respeito”.
238
O termo castigo recebeu, na resolução
do Conselho, o atributo de bárbaro, indicando que o professor ultrapassara o limite do
socialmente aceitável no disciplinamento de seus alunos. É razoável imaginar que pais e
filhos se ressentissem do tratamento disciplinar impróprio a indivíduos livres.
Da comparação com a escravidão, a escola não escapou. A associação entre duas
instituições do século XIX, a escola do mestre e a escravidão, foi feita por Fausto, nA
Província do Pará, aos brados de “A liberdade! Viva a liberdade!”. O alegre texto de
Fausto, comemorando a libertação dos escravos, recentemente adquirida, desfila as
“escravidões” por quais vinha passando um jovem branco e livre. A primeira teve lugar
na infância, na escola do mestre de sua cidade, “onde a palmatoria era a vergonha; o
banco, o cepo onde nos amarravam; e o decuriao, o feitor terrível”, relatando cenas da
disciplina imposta pelo professor e sentidas como um tratamento ultrajante, comparável
às punições sofridas pelos escravos. Fausto se livrou da escravidão da escola, porém,
outra se interpôs à sua vida de rapaz solteiro e folgazão, ou seja, as correntes do trabalho
237
LOBATO, Aristides, 1883.
238
RPPA, 4/1/1881, p.72.
154
cotidiano, representado por “esse amaldiçoado officio de escriptor, segundo caucaso,
onde eu, segundo Prometheu, sou todos os dias roido pelo abutre devorador do trabalho
cotidiano”.
239
Castigos físicos aplicados por professoras nas suas alunas não são narrados na
documentação, com a exceção de uma carta publicada por uma professora em 1882, na
seção de anúncios dA Constituição. A professora de Irituia, no Pará, foi acusada pelo
delegado literário de espancar uma menina, segundo informação de seu protetor. Outras
reclamações dos pais foram submetidas à Diretoria de Instrução pelo inspetor, como o
fato da professora passar dias sem ir à escola. Na visita feita à escola, ele diz não ter
encontrado registro nenhum no livro de freqüência diária, acusações que a levaram a
assumir o lugar de perseguida, alegando estar o livro disponível ao exame do diretor e
desconhecer o porque da ausência das meninas protegidas por um denunciante.
240
Não
há como saber os meandros do conflito entre a professora e o delegado literário, pois ela
não explica o porque da perseguição. Porém é interessante sublinhar o fato dela recorrer
ao jornal com matéria paga, respondendo ao oficio do diretor da instrução, uma das
armas empunhadas pelos professores na luta para manter o emprego.
Acusações como estas são raras; os ataques às professoras se limitam à falta de
preparo para a função, às fraudes nos informes a respeito da freqüência escolar, falhas
não circunscritas ao seu sexo. Citaremos apenas um caso, ilustrando como a falta de
habilitação dos professores repercutia sobre as famílias. O fato se deu em Itacoatiara, no
Amazonas, de onde um vigilante enviou uma carta ao Commercio do Amazonas, usando
como testemunho da incompetência da professora o exame feito pessoalmente pelo
Presidente da Província em duas alunas indicadas. Argüidas a respeito de alguns
rudimentos de gramática, tabuada de multiplicação e doutrina cristã, as filhas de
Felisardo Moraes a nada responderam. Ao que o presidente Passos Miranda, amenizou
dizendo, “estão tomadas de susto”. Assustadas ou não, o vigilante não perdoou o atraso
da escola, que ao seu ver, Passos Miranda buscou disfarçar. Segundo o missivista, a
239
A Província do Pará, 16/5/1888.
240
A Constituição, 26/8/1882.
155
interinidade que se prolongava por seis anos era toda a causa da apatia, do desproveito e
da desmoralização reinantes na escola.
241
De forma alguma é nossa intenção passar a idéia de que a escola primária do
oitocentos foi um fracasso. Entendemos a escola como processo, movimento
interminável de experiências, tentativas, reformas, erros e acertos, como toda
instituição, sobretudo as socializadoras, pressionadas pela difícil tarefa de forjar
cidadãos conformados com o que a família, a sociedade e a pátria esperam dele, todavia
trabalhando com instrumentos de importante potencial libertador, como a leitura e a
escrita.
Alguns pais de família ou parentes tiveram o cuidado de ir à imprensa apresentar
seus agradecimentos a professoras e professoras, que compartilharam o “pão da
sabedoria” com seus alunos, com inteligência, dedicação e amor ao trabalho. Os
agradecimentos vinham após a realização dos exames ao final do ano; são familiares
satisfeitos com os resultados alcançados por seus filhos e protegidos.
O jornal A Constituição aproveita o clima de contentamento que cercou os
agraciados com bons resultados nos exames e seus familiares, para homenagear os
professores de Salinas, crendo que,
“(...) no professorado da Provincia do Pará, encontra-se professores que sabem
se compadecer de sua alta obrigação, e se compenetrar da honrosa missão que
se lhe ha confiado.
242
O professor Lima procurou o mesmo jornal, informando nos “solicitados”, os
sucessos na sua missão. A carta é iniciada com um comentário a respeito de um artigo
em que fora censurada a professora que, matriculando 30, apresentava a freqüência de
100. O professor informa que ela já havia sido censurada pelo Presidente da Câmara
Municipal, e parte para a sua defesa pessoal, possivelmente, por ter sido também
mencionado no artigo. Deixando claro que não cobrará elogios, mas que também não
aceitará censuras, expõe os números (o quantitativo) do seu trabalho e as posições (o
qualitativo) que seus alunos passaram a ocupar na sociedade.
241
Commercio do Amazonas, 25/7/1875. Lembramos aqui que os professores(as) interino(as) regiam as
escolas elementares, sendo selecionados(as) por indicação, sem necessidade de concurso.
242
A Constituição, 12/12/1884.
156
“(...) que elogios podem elevar o professor que, em 27 annos, tem lecionado a
2.500 alumnos em todas as classes e tendo sido approvados plenamente na
quarta [classe] 140, tendo medicos, bachareis, officiaes superiores e inferiores,
etc, que em todas as occasiões, tempos e lugares lhe dispensam suas attenções e
toda prova de consideração e estima?”
243
*
* *
É somente nos últimos decênios do século XIX que os governos começaram a
investir na formação e profissionalização do professor primário, criando as escolas
normais e estabelecendo regras para a seleção de professores em que a condição de
normalista fosse pré-requisito para o provimento efetivo das cadeiras. Até o final do
século, professores interinos continuaram a ser nomeados no interior do Amazonas e do
Pará, podendo ser observado, no entanto, um aumento gradativo no número de
professores efetivos e vitalícios, reduzindo o caráter provisório e leigo do cargo.
Possivelmente, até a mudança do sistema eleitoral na República, as cadeiras do interior
mantiveram o seu humilde papel na hierarquia eleitoral, quando os regentes, de acordo
com a sua renda anual, podiam ser eleitores de cargos provinciais e também nas
Assembléias Paroquiais, que por sua vez, indicavam os eleitores da província, direitos
políticos garantidos pela Constituição do Império. Para Cynthia Veiga, a influência
local do professor poderia explicar o “investimento na produção do lugar do professor
como empregado público, favorecedor ou não das redes clientelísticas de poder, em
detrimento de sua formação profissional”.
244
Muitas questões permanecem sem respostas com relação à escola pública do
século XIX. O crescimento do número de escolas no interior estaria condicionado às
práticas clientelistas? Apesar da tônica civilizadora e salvacionista dos discursos, teriam
sido os arranjos políticos a principal motivação dos administradores e legisladores para
a criação das escolas nas pequenas localidades do interior amazônico? Quem eram os
moradores que solicitavam o estabelecimento das cadeiras, quais eram os seus motivos?
Estariam prestando favores aos potentados locais ou aos pobres professores que
dependiam do emprego para sobreviver, ou percebiam na instrução oficial
possibilidades de ascensão social na ocupação de cargos (eleitorais ou por indicação) na
243
A Constituição, 14/4/1884. Tudo indica que o professor Lima estava lotado em Belém.
244
VEIGA, Cynthia, 2002, p.8. A autora aborda em seu artigo, a institucionalização da instrução
elementar na Província de Minas Gerais, a partir do regulamento de 1835.
157
estrutura do Estado? Estas são questões que, através da documentação tratada neste
capítulo, buscamos vislumbrar saídas, indicar hipóteses. As experiências provinciais de
instrução elementar vêm sendo alvo de interessantes análises nos últimos anos, mas a
sua complexidade provocada pelas inúmeras implicações da instituição escolar junto às
mais diversas instâncias da sociedade, torna a temática extremamente rica de
possibilidades de pesquisas a desenvolver. As implicações do clientelismo e a produção
do lugar de professor como empregado público são, por exemplo, temas pouco
estudados, verificação também feita por Cynthia Veiga, no artigo citado.
Uma outra modalidade de educação popular se impunha aos governos das
últimas décadas do século XIX: o treinamento de meninos pobres para o trabalho
manual, através do aprendizado dos ofícios mecânicos e/ou das atividades agrícolas.
Nos capítulos seguintes, o tema do ensino profissional dos internatos criados na
Amazônia será retratado, observando-se o contexto nacional do surgimento destas
instituições.
158
Capítulo 3
Selvagens x polidos
O ensino profissional no Segundo Reinado
Neste capítulo, introduzimos o tema do ensino profissional dirigido aos meninos
órfãos desvalidos e aos pobres, focalizando as instituições educacionais criadas em várias
províncias brasileiras, durante a segunda metade do século XIX. O objeto de estudo é
constituído pelos estabelecimentos de internação que treinavam meninos na faixa dos sete aos
21 anos no trabalho artesanal. Não pertencem ao escopo da análise as companhias de
aprendizes vinculadas às instituições militares, e sim, os estabelecimentos civis oficiais e alguns
particulares, cujo fim era a formação profissional. As iniciativas dos governos provinciais
representadas pelas Casas de Educandos Artífices, sobretudo as do Amazonas e do Pará,
são os objetos privilegiados deste capítulo. Algumas instituições do gênero, criadas por
iniciativa religiosa e do Governo Imperial, completam o escopo da análise.
O modelo educacional das instituições de educandos artífices conheceu ampla
disseminação pelas províncias nas primeiras décadas do Império de D.Pedro II. As
instituições são analisadas, ao longo do capítulo, sob diversos pontos de vista que as
identificavam: os programas de ensino e suas transformações, a organização interna, as
relações com o seu entorno (sociedade, governo e família) e os comportamentos dos
educandos. No capítulo 4, retomaremos o tema, enfocando especificamente os
estabelecimentos de educandos do Amazonas e do Pará, sob o aspecto dos conflitos que
emergiam da vida cotidiana dos envolvidos na trama institucional.
Os relatórios e regulamentos produzidos no período sobre diversas instituições de
ensino de ofícios e agrícolas constituem a base documental deste capítulo. No caso do Norte
Amazônico, a documentação é complementada por artigos de jornais e ofícios trocados entre
presidentes de província e diretores dos educandos.
159
Começaremos discutindo questões e contribuições, ao nosso estudo, da historiografia
relativa ao ensino profissional no país.
O ensino profissional no Segundo Reinado
“A compensação das despezas e mesmo dos
sacrificios, que são merecidos, deve consistir para o
Estado unicamente no lucro que lhe provem da
assistencia aos desherdados da fortuna, que mais
tarde se apresentarão cidadãos moralisados e
trabalhadores úteis a si e á patria.”
1
A historiografia clássica dirigida ao estudo do ensino técnico no Brasil difunde a idéia
de que pouco se fez por essa área no Brasil oitocentista e que este pouco foi carregado de
fracasso e escolhas equivocadas. Uma obra de referência pela quantidade de informações
arroladas e pela amplidão geográfica e histórica é o estudo de Celso Sukow da Fonseca -
História do ensino industrial no Brasil - publicado originalmente na década de 60 e
reeditada em 1986, pelo SENAI, em cinco volumes. Fonseca apresenta as iniciativas na área,
formadas por instituições asilares, escolas e cursos de ensino manufatureiro, de cada estado
do país, desde o período colonial. A obra tem o mérito de tornar visíveis as diversas
iniciativas dos governos, vindo a ser referência básica para estudos posteriores
2
. No entanto,
na maioria dos casos, as reduz a tentativas frustradas, sem maiores conseqüências,
principalmente aquelas surgidas antes da República, por nascerem, na visão do autor,
equivocadamente comprometidas com a educação dos pobres e desvalidos, reforçando a
desvalorização do trabalho manual herdada do trabalho escravo.
Celso Fonseca aponta outros problemas sofridos por essas instituições, como a falta
de recursos materiais e humanos adequados ao ensino industrial. Assim, instituições, como as
1
RPPE, 1/3/1883, p.41.
2
Trabalhos analíticos surgiram baseados nos dados levantados por Celso Sukow da Fonseca, bastante
fidedignos quando checados junto a outras fontes. Para a elaboração deste texto, foi organizado um
“Cadastro das instituições de ensino profissional do século XIX” apoiado no trabalho de Fonseca, além
de outros estudos e, nos relatórios das instituições.
160
Casas de Educandos Artífices, surgiram e se extinguiram em meio ao fracasso total, com raras
exceções, sem atingir o objetivo principal da formação de mão-de-obra especializada. Aliás,
lembra o autor, formar para que, se na maioria das províncias onde foram criadas, não havia
desenvolvimento industrial algum? Como uma Casa, tal qual a amazonense, persistiu por 40
anos onde não havia “estabelecimento industrial importante”?
3
A aparente contradição entre o
surgimento das Casas e a falta de demanda por operários especializados encerra na obra do
autor uma possível discussão dos motivos, explícitos ou implícitos, que levaram os governos a
investir durante longos anos em instituições que Fonseca considerou desnecessárias.
Retomaremos a discussão, fundamentando-a nos novos estudos que surgiram sobre as
instituições de ensino profissional do século XIX, alguns calcados em rica documentação que,
de um lado, esclarece muitos pontos da questão, por outro traz novos questionamentos.
O ensino de ofícios no Brasil adquiriu no século XIX um novo sentido, com a
constituição do Estado nacional, deixando de ser exclusivo ao ambiente doméstico e às
poucas corporações de ofícios instaladas. Com a vinda de D. João VI em 1808 e a
permissão para a abertura de estabelecimentos industriais houve uma retomada do
crescimento das atividades secundárias, sustadas no século XVIII pelas autoridades
coloniais.
4
Entretanto, ocupações relativas aos ofícios mecânicos teriam sofrido um processo
discriminatório, por várias delas estarem associadas ao trabalho escravo. Iniciou-se um lento
processo de formação compulsória de trabalhadores para diversos ofícios, através do
encaminhamento de crianças e adolescentes às oficinas dos arsenais militares, de Guerra e de
Marinha, formando as Companhias de Aprendizes Artífices, e às Companhias de Aprendizes
Marinheiros, que, entre 1840 e 1864, proliferaram pelas províncias brasileiras, de Norte a Sul
do país.
5
Outras instituições foram criadas para este fim, pelos governos provinciais e por
particulares (religiosos e industriais). Os governos de nove províncias instalaram Casas de
Educandos Artífices em suas capitais, entre 1840 e 1865, preocupados com a formação para
o trabalho e em evitar que crianças desvalidas se tornassem futuros vadios, inúteis ou mesmo
3
FONSECA, Celso Sukow da., 1986, v.5, p.15.
4
SANTOS, Jailson, 2000.
161
perigosos à sociedade. Luiz Antônio Cunha (1979) mostra como os objetivos técnicos e
econômicos da formação de artífices foram se mesclando a objetivos ideológicos,
transformando o ensino de ofícios em uma obra de caridade e controle social, destinada a
amparar e conter os desvalidos.
6
A tensão entre os objetivos políticos e econômicos que explicam o surgimento das
instituições de ensino de ofícios é apontada por Luiz Antônio Carvalho Franco. Franco
questiona a associação entre a criação dessas instituições e as necessidades da indústria
nascente. Para o autor, a função principal destas instituições disciplinares era recuperar
socialmente os menores que perambulavam pelas ruas - “limpar” as ruas das cidades, “na
medida em que os menores abandonados representavam o avesso do “progresso”, da
“modernização” e da “civilização”.
7
A preocupação com a formação de uma força de
trabalho nacional estava restrita a algumas instituições, principalmente arsenais de Guerra que
necessitavam de mão-de-obra especializada. A demanda por mão-de-obra especializada no
decorrer do século XIX era insuficiente para explicar o grande número de instituições
voltadas para o abrigo de órfãos, expostos e indigentes, e que ensinavam ofícios. A
justificativa econômica não explica também a preferência pelos filhos de pais miseráveis,
indigentes, crianças órfãs, enfim aos “deserdados da fortuna”.
8
Celso Sukow Fonseca tenta compreender o ensino de ofícios dirigido aos menores
abandonados, a partir das necessidades da indústria, ressaltando a aparente contradição
inerente ao fato do processo de industrialização ser quase nulo na maioria das províncias.
9
E
não deixa de denunciar a “mancha do pecado original” presente na criação destas instituições,
voltadas para a educação dos “meninos pobres e desvalidos”.
10
Um exemplo da
desvinculação entre atividade fabril e demanda de formação profissional consistiu no
5
Sobre as Companhias de Aprendizes Marinheiros, ver os trabalhos de VENÂNCIO, Renato Pinto (1999) e
NASCIMENTO, Álvaro Pereira (1999).
6
CUNHA, Luiz Antônio, 1979.
7
FRANCO, Luiz Antônio, 1988, p.6.
8
Ibid., p.119.
9
No período republicano, manteve-se a desvinculação entre atividade industrial e criação de escolas de
aprendizes artífices. Luiz Antônio Cunha mostra que a criação das escolas no ano de 1909, em dez estados
brasileiros, não seguiu a tendência centralizadora do crescimento da indústria (A formação escolar da
força de trabalho industrial do Brasil: as Escolas de Aprendizes Artífices. Rio de Janeiro : FGV/IESAE,
s.d. (Mimeo) apud FRANCO, Luiz Antônio Carvalho, 1988.
10
FONSECA, Celso Sukow da., 1986, v.5, p.69.
162
surgimento da primeira Casa de Educandos Artífices, ocorrido no Pará, em 1840, uma
província que neste período mantinha uma indústria voltada para a fabricação de produtos
tradicionais da região, como farinha de mandioca, “manteiga de tartaruga, peixe seco, colas
de peixe, couros e peles, redes maqueiras e a piaçaba”
11
. O Pará manteve uma produção
têxtil doméstica de certa importância no período colonial
12
, atividade não mencionada na
documentação do século XIX. No levantamento realizado pelo Governo da Província, em
1861, sobre os estabelecimentos industriais e agrícolas do Pará para a exposição industrial,
inclui-se na primeira categoria um amplo escopo de unidades de produção, principalmente de
alimentos, com predomínio quase absoluto dos “estabelecimentos de fabricar farinhas”, com
1.165 unidades dentre um total de 1.273 estabelecimentos industriais no município da capital.
Havia também engenhos de açúcar, olarias, serrarias, fábricas de cal e louça e produção de
aguardente.
13
As tradicionais atividades dos ofícios artesanais não são consideradas no
levantamento, impedindo-nos de avaliar a importância que poderia ter uma instituição de
formação de artesãos para a vida da cidade. Contudo, o almanaque publicado décadas
depois apresenta um número significativo de artesãos dedicados aos ofícios de alfaiate,
sapateiro, marceneiro, carpinteiro, funileiro, ferreiro, encadernador.
14
A hipótese defendida por Luiz Antônio Franco da restrita relação entre instituição de
ensino profissional e controle social dos desviantes pode ser contestada a partir da realização
de estudos específicos sobre as instituições dentro da realidade local. O autor se baseia em
dados secundários (as informações apresentadas por Celso Fonseca, as quais, por sua vez,
foram retiradas dos relatórios provinciais e da legislação) quando afirma que não havia
demanda do setor fabril pelo ensino profissional. A compreensão dos motivos que levaram à
criação das instituições não pode se restringir à quantificação das indústrias fabris das
províncias. O próprio critério de definição do termo “indústria” já pode comprometer a
análise. Em meados do século XIX nenhuma província do país tinha um setor industrial
desenvolvido, entendido como um conjunto de fábricas para beneficiamento de matérias
primas, nos moldes da fábrica moderna, cuja produção era mecanizada através da utilização
11
FONSECA, João Severiano (1986 [1880], p.395).
12
HARDMAN, Francisco Foot, LEONARDI, Victor, 1982, p.24.
13
RPPA, 1/9/1862, p.57-58.
163
do vapor ou da energia hidráulica. O termo indústria deve aqui ser entendido em sentido mais
abrangente, incluindo o trabalho artesanal das oficinas dos mestres de ofícios, dos arsenais
(“trens”) e as fábricas.
15
Outros setores que empregavam menores como aprendizes também
devem ser incluídos no rol daqueles que necessitavam de mão-de-obra melhor preparada,
como comércio e serviços, tanto públicos quanto privados.
Compreender as relações mantidas entre setores públicos e privados das cidades,
com suas instituições de ensino de ofícios, é uma das estratégias para explicar a manutenção
ou fechamento de tais instituições. O disciplinamento das classes populares, a partir da
educação de suas crianças também foi um objetivo importante destas instituições que não
pode ser ignorado. A “innoculação intima do amor ao trabalho” é um mote que aparece
insistentemente nos regulamentos dos asilos e nos escritos de seus defensores.
16
A obediência,
o respeito à hierarquia e a promoção da civilidade dos costumes constituem objetivos
importantes dos internatos para desvalidos.
O estudo de Alfredo Matta sobre a Casa Pia Colégio de Órfãos de São Joaquim,
asilo criado em 1799 na cidade de Salvador, detectou o crescimento do interesse de setores
da sociedade na formação de artesãos, conseqüência da urbanização da capital, interesse
recrudescido com o fim do tráfico de escravos em 1850. A fundação da Casa, por iniciativa
do Irmão leigo catarinense, Joaquim Francisco do Livramento, contou com o apoio da
comunidade e de autoridades de Salvador e coincidiu com o da criação da Associação
Comercial da Bahia, grupo de pressão capaz de influenciar os rumos da cidade. Segundo
Matta, o orfanato surgiu como formador e fornecedor de mão-de-obra especializada no
período de transição entre o trabalho escravo e o assalariado. Os menores eram
encaminhados para empresas comerciais e oficinas de artesãos para completarem a educação
recebida na instituição, quando os proprietários assinavam um termo de responsabilidade, que
até 1874 não implicou na obrigatoriedade de pagamento. O apogeu ocorreu entre 1850 e
14
AlMANAK Paraense... 1883.
15
Segundo Francisco Foot Hardman e Victor Leonardi (1982), a atividade industrial e manufatureira do
século XIX, além das fábricas, abarcava um número elevadíssimo de pequenas fábricas de quintal, oficinas
nas quais patrão e empregados trabalhavam lado a lado (p.39).
16
RPPAM, 3/9/1866, p.21 (sessão referente ao Estabelecimento dos Educandos).
164
1870, quando cerca de 90% dos menores foram empregados.
17
Somente a fábrica de
tecidos de Valença absorveu 70 asilados no período de 1845 e 1849, e até a década de
1860, absorveu mais 30 jovens.
18
Entre 1825 e 1910, cerca de 70% dos menores saíram
empregados da Casa. Destes, mais de 40% foram empregados em “artes de ofícios”, quando
receberiam o treinamento definitivo para sua futura ocupação, a qual incluía o comércio,
serviços diversos e as oficinas de artesãos, e 11,8% tiveram como destino empresas e
instituições reconhecidas na época como fabris
19
. O restante dividiu-se em ofícios nobres,
continuação dos estudos ao nível secundário e formação religiosa, além do grupo
encaminhado pelo Governo da Província para os arsenais militares.
20
Não se pode afirmar que a demanda explícita por “mão-de-obra especializada”
motivou o direcionamento educacional do asilo para a formação profissional - é mais certo se
apoiar em um conjunto de fatores. Os meninos não eram encaminhados para as oficinas, lojas
e fábricas como trabalhadores formados e sim, como aprendizes, segundo as relações
tradicionais da época entre mestres e aprendizes. Até mais da metade do século não havia
remuneração e deviam servir aos mestres, com “sujeição, boa educação e presteza para o
trabalho”, qualidades que a Mesa diretora da Casa acreditava estarem incorporadas aos
alunos que ali se formavam.
21
As vantagens que tinham com relação aos outros aprendizes
eram a alfabetização e o aprendizado de noções de aritmética, álgebra e desenho, além das
qualidades já mencionadas, pretensamente adquiridas pela rígida formação religiosa e moral.
Não há como saber qual dessas aquisições era mais valorizada pelos empregadores, porém a
pesquisa de Walter Fraga Filho nos dá alguns indícios.
22
17
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.140.
18
Ibid., p.187.
19
Oito fábricas receberam asilados da Casa: cinco do setor de tecidos, e as restantes, de charutos, carros e
fundição (Ibid., p.179).
20
Ibid., p. 63-187. Sobre os destinos dos ex-alunos, ver em anexo a tabela 20.
21
A Mesa era o órgão que administrava os bens e o governo da instituição, com mandato trienal e
composta por treze membros: um Provedor, um Presidente da Mesa, um Escrivão, um Tesoureiro, um
Procurador e nove Consultores, eleitos pela Junta. A Junta administrativa, por sua vez, era um colegiado
presidido pelo Provedor e composto por vinte antigos mesários, ou, em sua falta, de benfeitores do
Colégio. Além de eleger a nova Mesa diretora, tinha por função cobrar anualmente desta as contas da
Casa e o relatório do adiantamento dos menores e estado geral do Colégio (MATTA, Alfredo Eurico
Rodrigues, 1996, p.56 e 66).
22
FRAGA FILHO, Walter, 1996.
165
Na cidade de Salvador do século XIX, bem cedo os meninos saíam de casa para
viver na companhia de mestres de ofícios, submetidos a uma severa disciplina, a longas
jornadas de trabalho e aos castigos corporais. A iniciação profissional da criança podia levar à
trajetória em direção à rua, como demonstram os ofícios da polícia da segunda metade do
século XIX sobre fugas e apreensões de aprendizes. O tratamento muitas vezes não se
diferenciava daquele dado aos escravos - maus tratos e humilhações, como receber
chibatadas e ser preso por correntes. Nos casos de fugas, a polícia apreendia o menor e o
devolvia ao mestre; havendo reincidência, o menino era encaminhado para a armada, onde
decerto não encontraria melhor tratamento. Em casos mais graves de maus tratos, as
autoridades tiravam a criança do domínio dos pais e do mestre, colocando-a sob a proteção
do Estado, o que também não representava destino muito diferente em termos do tratamento
disciplinar: eram mandados para a Companhia de Aprendizes Marinheiros, instituição que
recebia os alunos indesejáveis da Casa Pia e de estabelecimentos de educandos artífices,
como castigo por mau comportamento.
A polícia tinha uma função repressora/assistencial, pois não só apreendia os menores,
como buscava colocações possíveis em instituições e oficinas. Muitos meninos recolhidos nas
ruas foram encaminhados para tendas de mestres de ofícios, como atestam os ofícios das
autoridades policiais da época. As fugas eram constantes e as diligências policiais para
capturar os meninos também o foram ao longo do período (1840-1870). Nas ruas, os
meninos vivenciavam os prazeres da vadiação, se organizavam em grupos para sobreviver e
se defender das constantes investidas da polícia.
23
É possível que mestres de ofícios,
comerciantes e demais empregadores tenham preferido buscar aprendizes no asilo, onde os
meninos viviam desde os sete anos de idade sob um rígido regime disciplinar e claustral.
Buscavam uma mão-de-obra barata e capaz de se sujeitar aos rigores disciplinares dos
ambientes de trabalho.
A extensa documentação da Casa permitiu a Alfredo Matta levantar os destinos dos
ex-alunos como aprendizes nas oficinas, casas de comércio, etc, mas não se sabe se após
este período conseguiam empregar-se nas profissões que aprenderam. Pode-se supor que
23
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.124.
166
interessava aos empregadores a mão-de-obra barata e submissa representada pelos
menores, que iam sendo substituídos por outros, fornecidos pela Casa. O autor afirma que o
setor industrial era reduzido na cidade de Salvador à época, portanto, a capacidade de
absorção de mão-de-obra era pequena. Já outros setores, como o de serviços, eram mais
representativos e necessitavam de trabalhadores, ao menos, alfabetizados, como a função de
caixeiro, que absorveu 304 dos 1.233 destinos conhecidos entre 1825 e 1910. Esta categoria
representou a maior demanda do mercado de trabalho de Salvador recebida pelo asilo no
período imperial. Os ofícios diversos, além do de caixeiro, absorveram 229 menores, as
fábricas, 145, e os ofícios nobres, 81.
24
Estes dados mostram uma instituição intimamente
ligada ao mercado de trabalho local, atendendo às suas demandas, vindas freqüentemente de
negociantes que apoiavam a Casa. A Casa Pia conheceu o seu apogeu no período do
Império, quando ajudou a formar o perfil do trabalho assalariado na Bahia, em relação a
algumas categorias profissionais, como tipógrafo, marceneiro, boticário e caixeiro, entre
outras.
25
A sujeição como um aspecto valorizado pelos empregadores não deve ser
desprezada. Muitos aprendizes eram órfãos ou órfãos de pai, não podendo contar com o
apoio familiar, caso não se adaptassem ao trabalho. Isto não significa que não houvesse
inadaptações e resistências ao tratamento recebido, marcado por maus tratos.
26
Já em 1841
havia a preocupação com a entrega de meninos a particulares, devido às fugas de muitos
aprendizes para a vida nas ruas, atitude que rompia com os objetivos de formação da
instituição. Em 1871, aparece a primeira manifestação da Mesa contra os mestres de ofícios,
ou empregadores dos menores - muitas vezes os aprendizes eram explorados, sem receber a
“verdadeira formação e perícia”.
27
Neste ano, a Casa instalou as suas primeiras oficinas, de
modo a treinar os meninos sem a exposição aos perigos das ruas, à exploração dos mestres e
à má influência do ambiente de trabalho, principalmente das oficinas. A mudança do local de
treinamento pode também indicar que, nas últimas décadas do século XIX, o provimento de
mão-de-obra para as oficinas deixou de ser um fator determinante da atuação institucional.
24
Ibid., p.139 e 160. Ver distribuição dos destinos dos ex-alunos na tabela 20.
25
Ibid., p.207.
26
Ibid., p.187.
167
Pelo lado da instituição, o encaminhamento para o trabalho representava não somente a
continuidade da formação especializada do aprendiz. O interesse da Mesa ao enviar menores
à fábrica de Valença, por exemplo, não se restringia ao aprendizado de um ofício: considerava
que a fábrica era um “excelente destino”, pois lá encontrariam “o temor, o respeito e a
sujeição, e tornar-se por fim úteis à nação”, a despeito da insatisfação e do temor que este
destino causava nos meninos e nas famílias.
28
No caso da Bahia, não houve uma relação direta entre a atuação do asilo e a retirada
de crianças da rua. O objetivo era dar formação moral e profissão a meninos pobres e órfãos,
de preferência brancos e filhos de uniões legais. Os critérios de raça e de legitimidade não
eram explícitos - foram depreendidos pela análise estatística das fichas de todos os meninos
que passaram pela Casa. Se considerarmos o perfil apresentado por Walter Fraga Filho a
respeito de 83 menores apreendidos pela polícia nas ruas de Salvador, entre 1840 e 1870,
dos quais a maioria era de não brancos (95% dos 60 menores que tinham cor conhecida),
verificamos que a Casa Pia não era um destino possível para a maioria dos meninos que
vadiavam pelas ruas.
29
A própria Companhia de Aprendizes Marinheiros de Salvador, que
recebia menores enviados pela polícia, passou a adotar restrições ao ingresso de “moleques”
(rapazes negros) a partir da década de 1860.
30
Portanto, a hipótese do surgimento dos asilos
de ensino de ofícios para o saneamento das ruas e controle social dos miseráveis não pode
ser generalizada para todas as experiências. A noção de saneamento/higiene pública começou
a ser mais amplamente utilizada para justificar a criação de instituições nas últimas décadas do
século XIX, com a maior penetração dos discursos dos higienistas em determinados meios
sociais. Para a população de rua, considerada “infância perigosa” pelos reformistas,
começaram a ser criadas, ao final do século XIX e primeiras décadas do XX, instituições
especializadas, como as colônias correcionais e agrícolas, que os recebiam visando educá-los
pelo e para o trabalho.
27
Ibid., p.65.
28
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.188.
29
FRAGA FILHO, Walter, 1996, p.120.
30
Ibid., p.130.
168
O ensino de ofícios mecânicos em instituições asilares: casas de educandos artífices
e instituições afins
No Segundo Reinado, período privilegiado pela presente pesquisa, crescem as
iniciativas dirigidas à educação dos filhos das camadas populares para o trabalho. No presente
capítulo são abordadas práticas educacionais que surgiram e/ou existiram no período,
independente da localização geográfica. Neste período, predominaram alguns modelos
institucionais, amplamente difundidos pelas províncias, que são analisados ao longo do
capítulo, tanto sob o ponto de vista do funcionamento e da dinâmica interna da instituição,
quanto das tendências educacionais que influenciaram a sua organização. Tanto quanto os
dados o permitirem, as relações com os grupos sociais e governos locais serão enfatizadas,
como também no tocante às famílias dos internos. A análise esbarra na limitação das fontes
primárias, constituídas por relatórios institucionais e discursos/textos de atores sociais da
época. No entanto, alguns estudos auxiliam no conhecimento do cotidiano das instituições,
por seus autores terem se baseado nas fichas dos internos e na documentação “miúda” dos
estabelecimentos estudados, como foram os casos de Matta (1996) e Lopes (1994), que
puderam contar com o “Arquivo da Provedoria da Casa Pia de Órfãos de São Joaquim”
(Bahia) e o “Arquivo do Asylo de Meninos Desvalidos” (Rio de
Janeiro/PROEDES/FE/UFRJ), respectivamente, constituindo raras e fundamentais iniciativas
de preservação histórica.
A grande maioria das instituições surgiu a partir da segunda metade do século XIX.
Eram projetos de origem governamental (provincial, algumas com incentivo do governo
central), religiosa (ordens religiosas), particular (filantropos ou empresários) ou misto
(particulares ou religiosas com subvenção governamental). A maior parte dos
estabelecimentos era do tipo asilar, ou seja, composta por internatos onde o contato do
interno com a sociedade e com a família era rigidamente controlado. O enfoque aqui será
dado às instituições asilares, notadamente àquelas voltadas para o ensino de ofícios
mecânicos, inseridas no meio urbano.
169
As Casas de Educandos Artífices representaram o modelo mais constante no período
em termos do ensino de ofícios. Foram nove Casas criadas nas capitais de nove províncias,
entre 1840 e 1865, com uma proposta de funcionamento bastante parecida entre si. A
primeira Casa criada foi a do Pará, em 1840, e possivelmente serviu de modelo para as
outras. Há referências nos relatórios provinciais e institucionais do Amazonas com relação à
utilização das Casas do Maranhão e do Pará como modelos. Por sua vez, a Casa maranhense
se espelhou na experiência do Pará, iniciativa louvada nos primeiros tempos de sua existência.
É bem provável que a legislação que regulamentava o funcionamento das Casas também fosse
difundida entre as províncias e copiada com as necessárias adaptações às condições locais.
De forma alguma se pode afirmar, com isso, que as instituições foram homogêneas no seu
processo pedagógico.
170
Casas de Educandos Artífices criadas no século XIX
Local Ano de
criação
Ano de extinção
PARÁ 1840 Fechada em torno de 1852. No início da década de 1850, a Casa
de Educandos Artífices do Pará entrou em decadência, levando à
deserção de alunos. Contando com uma média de 50 alunos por
ano até 1850, Gonçalves Dias encontrou somente 12 educandos
na sua visita a Casa em agosto de 1851.
Em 1872, o governo provincial fundou o Instituto Paraense de
Educandos Artífices. Em 1899, mudou-se para a nova sede,
construída especialmente para abrigá-lo. Transformado na
Escola Profissional Lauro Sodré em 1949; hoje funciona no
prédio a Escola Pública Lauro Sodré.
MARANHÃO 1841 Crise em 1889 devido às dificuldades financeiras da Província,
decorrentes da queda dos preços do algodão e do açúcar. Na
República, a Casa deixa de existir e no seu edifício foi instalada
a Escola de Aprendizes Artífices do Maranhão, em 1910.
SÃO PAULO 1844 Extinta em 1868; em 1874 surge o Instituto de Educandos
Artífices. O Instituto “desapareceu lentamente”, segundo
Candido Motta.
PIAUÍ 1849 Extinta em 1873.
ALAGOAS 1854 Em 1858, o Presidente da Província, Agostinho Luís da Gama,
afirmou que faltava aos mestres o estímulo de paga ou ordenado,
e aos educandos, os materiais e instrumentos de trabalho. Em
1859, o governo sugeriu à Assembléia Legislativa a
transformação do Colégio em asilo agrícola.
CEARÁ 1856 Segundo Celso Fonseca, o estabelecimento fechou as portas
muito antes de findar a Monarquia.
AMAZONAS 1858 Fechado pela administração provincial em 1877, como uma das
medidas de redução de despesas do governo; reaberto em 1882,
com o nome de Instituto Amazonense dos Educandos Artífices.
Em 1894 passa a se chamar Instituto de Artes e Ofícios.
Denominado Instituto Affonso Penna, a instituição manteve suas
diretrizes no regulamento que a reorganizou em 1908, instalada
em amplo e arejado edifício,
RIO
GRANDE DO
NORTE
1859 Escola fechou por dificuldades materiais das instalações, falta de
espaço para as oficinas e a inexistência de professorado capaz,
segundo Celso Fonseca.
PARAÍBA 1865 Foram localizadas informações sobre o “Colégio de Educandos”
nos relatórios provinciais até o ano de 1874; referências ao seu
fechamento não foram encontradas.
Fontes: Celso Sukow Fonseca (1986); Luiz Antônio Franco (1988); Candido Motta (1909); relatórios
provinciais; relatórios institucionais; Antonio Gonçalves Dias (1989 [1852]).
171
Verifica-se no quadro acima que, nas décadas de 40 e 50 do século XIX, houve uma
disseminação de internatos de ensino de ofícios, baseados no modelo de aprendizado das
oficinas de artesãos, onde o mestre ensinava aos meninos através da execução de trabalhos
orientados por ele. As semelhanças se encerram aí. Nos estabelecimentos, os mestres eram
contratados pelo governo, sendo constituídos por operários e até ex-educandos. As
dificuldades de se obter mestres qualificados era enorme, conforme os relatos dos presidentes
de várias províncias, como os do Amazonas, Pará e Maranhão, cujas experiências foram
investigadas com mais afinco devido aos objetivos desta pesquisa. As províncias amazônicas
chegaram a importar mestres estrangeiros, tentativa, que no caso do Amazonas resultou
desastrosa. A Casa do Maranhão, tida por Celso Fonseca como a melhor casa de ensino
profissional do Império, era um exemplo de experiência bem sucedida para o Amazonas, cujo
presidente, no primeiro ano de funcionamento do estabelecimento, tentou inutilmente contratar
como mestres dois “filhos da Casa”. Como condição, não bastava a “pericia nos officios”,
mas também a “boa conducta e os hábitos disciplinares d’aquelle estabelecimento, que pode
servir de modelo”.
31
Já a Casa do Pará serviu de modelo para a criação do estabelecimento do Maranhão,
cujo presidente pediu aprovação junto à Assembléia Legislativa Provincial para enviar àquela
província o diretor a ser escolhido por ele, com o objetivo de trazer “idéias práticas” para
que pudesse executar o seu “projeto”.
32
Não sabemos se a visita à Casa paraense foi
realizada, mas o tempo de permanência do alferes José Antonio Falcão na direção da Casa e
os elogios recebidos, não só por autoridades, como por visitantes, mostram que o diretor se
preparou para a sua nova função. O alferes permaneceu por mais de dez anos na direção da
instituição, um longo tempo se considerarmos a alta rotatividade dos governos provinciais. Os
elogios ao “bom diretor” provinham de todas as partes. Autoridades do Maranhão e de
outras províncias, visitantes e especialistas não mediram palavras para expressar admiração
ao estabelecimento.
33
31
RPAM, 03/05/1859, p.13.
32
FONSECA, Celso Sukow da., 1986, p. 42.
33
Antonio Gonçalves Dias (1852), visitante oficial ao estabelecimento em 1851, atribuiu ao bom diretor e
aos hábeis professores a prosperidade da Casa maranhense, considerando-a a mais completa em seu
gênero e a que apresentava os melhores resultados (p.354). Dez anos depois, a Casa continuava
172
Os relatórios que Falcão publicou em 1849 e 1851 são bastante detalhados e
extensos e foram impressos por conta própria, sem ônus para o governo, visando divulgar o
trabalho para a Assembléia Legislativa e a outras instâncias do Império. A Biblioteca Nacional
recebeu os exemplares, enquanto que, não foi possível localizar qualquer obra relativa às
outras Casas de Educandos, com exceção dos relatórios provinciais e de referências esparsas
em almanaques e nos relatos de alguns viajantes estrangeiros e autores brasileiros.
Com exceção de São Paulo, todas as Casas foram criadas no Norte do Brasil
(segundo os critérios de divisão regional da época). As três situadas no extremo norte tiveram
maior duração e maior número de meninos acolhidos. A dificuldade de comparar as
experiências das nove Casas situa-se na ausência ou na impossibilidade de acesso a estudos
sobre as instituições
34
. As três experiências nortistas (Amazonas, Pará e Maranhão) serão
enfatizadas e eventualmente comparadas com as outras, quando os dados disponíveis o
permitirem. O objetivo consiste em analisar as propostas assistenciais e pedagógicas das
instituições, entendidas como tentativas de controle social de uma população percebida como
potencialmente ameaçadora à vida urbana - observa-se que as instituições foram criadas nas
capitais das províncias. Porém, o seu surgimento não foi somente restrito ao objetivo político.
Ao contrário do que afirmam alguns autores
35
, as informações disponíveis indicam que as
recebendo elogios. Em visita não combinada à Casa em 1860, Agassiz (1975) ficou surpreendido com a
ordem e os cuidados na instituição, que segundo ele “não são virtudes brasileiras”: “Uma disciplina
perfeita e um asseio escrupuloso reinam em todo o estabelecimento”. Agassiz elogia também o espaço
físico e a localização do estabelecimento. Na década de 1870, o Presidente da Província, Silvino E. Carneiro
da Cunha reitera esse conceito: “não conheço e nem tenho notícia de melhor e mais útil estabelecimento
em nosso país” (FONSECA, Celso Sukow da., op. cit., p.50). Em 1887, o diretor da Sociedade Central de
Imigração, Tarquinio de Souza Filho, ao analisar O ensino technico no Brasil, prossegue na mesma linha
ao afirmar que o estabelecimento “faz honra áquella provincia e é um dos melhores do seu genero” (p.96).
34
Das nove casas, localizamos somente o interessante artigo de Márcia Eliane Alves (1995) sobre a Casa
de Educandos Artífices de Manaus, baseado nos relatórios provinciais, relatórios de diretores e na
legislação. Alves focaliza o contexto da criação da instituição, o olhar do estrangeiro, o ensino e os meios
disciplinares do estabelecimento, no período de 1858 a 1877. Márcio Leonel Páscoa (1996) investigou o
ensino da música em Manaus, abordando a banda do estabelecimento dos educandos. Não obstante o
contato com professores da UFPA e as pesquisas realizadas via Internet, não foi possível localizar
estudos ou pesquisadores dedicados à Casa ou ao Instituto de Educandos do Pará, até que no período de
revisão final da tese, recebemos o artigo do prof. José Maia Bezerra Neto (UFPA) sobre o ensino
profissional no Pará do século XIX. Segundo o autor, trata-se de “um estudo sobre as práticas e
representações sociais acerca da instrução pública primária e artística destinada às classes pobres da
sociedade paraense oitocentista, a partir da leitura dos Relatórios e Falas da Presidência do Governo
Provincial”. Dois artigos nossos analisam as propostas educacionais das instituições imperiais de ensino
profissional e os estabelecimentos nortistas de educandos artífices (RIZZINI, Irma, 2001, 2002).
35
FONSECA, Celso Sukow da, 1986 e FRANCO, Luiz Antônio, 1988.
173
instituições urbanas tinham uma participação na produção, atendendo principalmente às
necessidades da máquina governamental. Todavia não será possível demonstrar em que grau
de intensidade se deu esta participação.
O fato de três instituições terem sido extintas e reinstaladas sob a denominação de
“Instituto” (Amazonas, Pará e São Paulo) indica que as autoridades provinciais buscavam
seguir as novas tendências assistenciais de especialização das instituições. Na década de
1870, se inicia um lento processo de diversificação e especialização do atendimento à infância,
culminando no surgimento de novas denominações para as instituições. Assim, aparecem os
institutos, as colônias, as escolas agrícolas e industriais, se diferenciando do asilo, da casa, do
orfanato e do recolhimento, terminologias que não permitem identificar a natureza da
finalidade da instituição: abrigar, formar ou recuperar. Outro exemplo de mudança de nome,
mais tardia, foi o Asilo de Meninos Desvalidos, criado pelo Governo Imperial em 1875, e que
passou a denominar-se Instituto Profissional Masculino, em 1894, ao ser transferido da
Diretoria de Higiene e Assistência Pública para a Diretoria de Instrução Pública
36
. No Asilo,
cuja proposta educativa não se diferenciava substancialmente dos estabelecimentos de
educandos artífices, o caráter assistencialista representado pelo recolhimento de crianças que
viviam a mendigar pelas ruas é suplantado pela preocupação de educar os desvalidos, dando-
lhes uma profissão considerada digna e adequada à classe social a qual pertenciam. Luiz
Carlos Barreto Lopes observa que com o passar dos anos era cada mais freqüente no Asilo o
“recolher” crianças de famílias empobrecidas diante do falecimento, em geral do marido,
profissional com algum nível de qualificação ou que ocupara algum posto na estrutura
funcional do Estado Imperial.
37
Dos nove estabelecimentos, quatro prosperaram, sobrevivendo aos novos rumos
educacionais instaurados a partir da década de 1870, com o movimento ilustrado. Os
estabelecimentos do Amazonas, Pará e São Paulo renasceram em meio a grandes
expectativas junto aos seus projetos pedagógicos, que traziam algumas inovações, como
veremos mais adiante. A ênfase recai no aspecto educacional das instituições, percebidas
36
Decreto Legislativo n.75 de 6/21894, que fixou a despesa do município da Corte e seu orçamento para o
ano corrente. Sobre o Instituto Profissional Masculino, ver MARQUES, Jucinato de Sequeira, 1996.
37
LOPES, Luiz Carlos Barreto, 1994, p.157.
174
como “importantes focos de educação”. Assim queria o Presidente da Província do
Amazonas ao reinstalar o agora chamado “Instituto Amazonense”.
38
Portanto, ao final do
Império só restaram estes três Institutos e a Casa de Educandos do Maranhão, que não
sofrera alteração no nome. A extinção das instituições é justificada pelos governos por uma
série de motivos ligados à viabilidade de mantê-las com os recursos humanos e materiais
disponíveis. A queixa da falta de pessoal habilitado era uma constante; o investimento em
materiais e em obras oscilava conforme o governo, dificultando a continuidade do trabalho. A
improbidade administrativa é um fator que não pode ser descartado. O uso indevido das
verbas, maquiado por escrituração incompleta é citado nos relatórios do Pará e do
Amazonas.
Na primeira fase do ensino profissional do Pará, o uso das verbas foi desvirtuado por
despesas exageradas, circundadas por “documentos viciados, incompletos ou de pouca fé”.
Em 1849, constatou-se que o ex-diretor da Casa dos Educandos não depositara no tesouro
provincial os 3:643$330 réis resultantes do produto do trabalho do estabelecimento.
39
A
medida saneadora tomada pelo Governo Provincial é criticada por Antonio Gonçalves Dias
no relatório apresentado, em 1852, ao Governo Imperial a respeito da Instrução pública em
diversas províncias do Norte.
40
O diretor fora obrigado a apresentar mensalmente ao
governo contas das diárias que recebia do trabalho dos educandos, restituindo as sobras. O
investimento em melhorias na Casa e em comodidades para os educandos estava
impossibilitado. O edifício do estabelecimento dos educandos do Pará não apresentava boas
condições, anos após a fundação. O telhado encontrava-se arruinado, a ponto de chover em
quase toda a parte, e as paredes estavam arrombadas em alguns lugares. Em 1850, o diretor
interino escreveu ao Presidente da Província pedindo consentimento para fazer os reparos
necessários.
41
Na visita que fez ao estabelecimento em agosto de 1851, Gonçalves Dias
testemunhou o estado de decadência do mesmo, com grande perda de educandos pela
38
RPAM, 25/3/1883, p.34.
39
RPPA, 1/10/1849, p.43.
40
DIAS, Antonio Gonçalves, 1989 [1852], p.354.
41
Ofício do diretor da Casa de Educandos Artífices do Pará ao Presidente da Província, 11/1/1850.
(Arquivo Público do Pará).
175
deserção. Em janeiro de 1850, existiam 53 educandos; na sua visita, Dias encontrou somente
doze. Os meninos viviam em péssimas condições, onde tudo faltava: redes, camas, roupas,
uniformes e calçados. Extintas as oficinas, devido ao temor causado pelos abusos do último
diretor, os oficiais educandos foram empregados em obras públicas, recebendo menos do
que receberiam nas oficinas particulares, prejudicando a Casa e os jovens, os quais deveriam
compensar os gastos da sua educação. Nesta situação encontravam-se os educandos mais
antigos, os quais trabalhavam em oficinas externas percebendo diminutos jornais, tais como as
do Arsenal de Guerra e o de Marinha.
42
O trabalho nas oficinas dos arsenais, fora das vistas
do diretor, prejudicava a “regularidade e a disciplina”, pois os mestres não tomavam interesse
particular pelos educandos. É o que atesta o Presidente do Pará, no relatório de 1851,
registrando o alto número de deserções - 17 em 1850 - contra as admissões, que foram
somente cinco no mesmo período.
43
No Amazonas, o diretor da Casa de Educandos observou no seu relatório que a
escrituração do estabelecimento era incompleta, havendo a necessidade de um livro de
entrada e saída de material.
44
O Presidente da Província, em meio a uma crise financeira do
governo, justificou a extinção do estabelecimento de educandos ocorrida em 1877, pelas altas
despesas que impingiu ao tesouro provincial em vinte e nove anos de existência. A instrução
pública também foi atingida pelas medidas de contenção de despesas e racionalização
administrativa ao se extinguirem doze escolas com menos de vinte alunos.
45
O presidente levanta um ponto que não aparece nos relatórios anteriores: o fracasso
educacional da instituição. Afirma que neste período não chegou a doze “o número de
42
Dos 38 educandos existentes em julho de 1850, 18 estavam empregados no arsenal de Marinha, 12 no de
Guerra, 5 na obra do farol das salinas e 4 não tinham colocação (Ofício do diretor da Casa de Educandos
Artífices do Pará ao Presidente da Província, 8/7/1850. Arquivo Público do Pará).
43
RPPA, 15/8/1851, p.50-51.
44
RPAM, 25/3/1872, Anexo 5, p.2.
45
RPAM, 1878, p.7. O Governo da Província, a despeito de sua quase “banca-rôta”, investiu no apoio aos
retirantes cearenses fugidos da seca, pagando as passagens dos que quisessem emigrar para o Amazonas
e alojando-os em colônias agrícolas. No prédio do estabelecimento dos educandos passaram a morar
emigrantes (Op. cit., p.8). Em 1881, transformou-se em enfermaria para os cearenses doentes que
trabalhavam na estrada de ferro do Madeira e Mamoré (16/5/1881, p.32). Criou-se nos relatórios provinciais
um item denominado “Retirantes cearenses”/”Emigrantes cearenses”/”Emigração e colonização” (RPAM,
1878, p.8).
176
rapazes até então sahidos por promptos nos diversos officios!”.
46
Como os relatórios
provinciais e os anexos contendo os relatórios dos diretores apresentam somente o número
de alunos por oficina e matérias cursadas, e não os formados, não há como checar esta
informação. A omissão do número de educandos que saíam “prontos” talvez indique que não
deviam ser muitos os que completavam o período educativo. A crença na importância do
estabelecimento não foi totalmente abalada, pois houve na Assembléia Legislativa quem
discordasse de sua extinção.
47
Cinco anos depois, em 1882, o governo de José Lustosa da
Cunha Paranaguá reinstalou a instituição, defendendo o recolhimento de indígenas ao
estabelecimento e a criação de “pequenos institutos” nos povoados, para o adestramento de
filhos dos “gentios” na “pratica dos trabalhos mechanicos”.
48
Os estabelecimentos de formação de artífices foram instituições imperiais. Aqueles
que sobreviveram ao advento da República foram adaptando-se ao novo cenário da
formação profissional. Esta tendeu a ocupar espaços e pedagogias distintas da assistência
caritativa - os anos de 1909/1910 são divisores de água nesse quadro, com a criação e
fundação das Escolas de Aprendizes Artífices nas capitais de dez estados do país, muitas
situadas nas cidades aonde existiram Casas ou Institutos de Aprendizes.
49
A experiência da Casa Pia Colégio de Órfãos de São Joaquim, que durante todo o
século XIX formou oficiais artesãos e caixeiros para o mercado de trabalho de Salvador, nos
auxilia na compreensão do processo de extinção das instituições de ensino de ofícios, a partir
da década de 70 do século XIX. Embora estejamos tratando de cidades e populações
diferentes, podemos depreender dessa experiência algumas conclusões para as outras
instituições. Neste período, o país vislumbra os primeiros movimentos de industrialização, que
ao nascimento da República são irreversíveis. As cidades com mais recursos se reurbanizam,
a produção e o comércio se intensificam. A demanda por mão-de-obra para os setores
secundários cresce, numa sociedade não mais escravista. Outras instituições dirigidas à
formação profissional surgem, como os Liceus de Artes e Ofícios, ao final da década de
46
RPAM, 1878, p.6.
47
O processo de extinção do estabelecimento é analisado no capítulo 4.
48
RPAM, 25/3/1883, p.44. Os institutos nos povoados não foram criados..
49
A respeito das Escolas de Aprendizes Artífices, ver CUNHA, Luiz Antônio, 1979, 2000; FONSECA,
Celso Sukow da, 1986; SANTOS, Jailson Alves dos, 2000; SOARES, Manoel de Jesus, 1981, 1982.
177
1860
50
, distanciadas do modelo da caserna ou do claustro na educação para o trabalho. As
transformações no mundo do trabalho refletem na Casa Pia, que vê decrescer a sua
importância como instituição formadora e fornecedora de mão-de-obra a partir dos anos
1870, até desaparecer completamente, resultando em novo direcionamento dado ao orfanato
pelos estatutos de 1910.
51
A derrocada da expectativa da auto-sustentabilidade não deve ser desprezada como
fator de descrédito e decadência das instituições. Os estabelecimentos de ensino de ofícios
não eram instituições de caridade como os asilos que recolhiam expostos e abandonados, os
quais não esperavam ter nenhum retorno financeiro de suas atividades. As Casas, Institutos e
Colônias de ensino profissional previam nos seus regulamentos, indenizações por parte dos
educandos ou de suas famílias, pelos gastos realizados com a educação, alimentação e
vestuário. Além disso, as oficinas deveriam render lucro para cobrir as despesas dos
estabelecimentos. Os governos alimentavam a expectativa de que os estabelecimentos
assistenciais/educacionais se tornassem financeiramente independentes, estabelecendo “uma
fonte de renda publica”, conforme a visão otimista expressa pelo Presidente da Província de
Pernambuco, em 1883, ao referir-se à Colônia Orfanológica Isabel, mantida pelo governo e
administrada por religiosos capuchinhos:
“Não há duvida, porém, que o Estado deverá concorrer para crear nesses
estabelecimentos meios de rendas, para que possam depois, vivendo
independentemente, dispensar os auxilios da administração publica.
52
50
Instituições nascidas de iniciativas particulares que se reproduziram por várias províncias. A primeira foi
instalada no Rio de Janeiro em 1858 pela Sociedade Propagadora das Belas Artes, mas acabou fechando
devido à precariedade das instalações. Em 1867 foi reaberta, contando agora com uma subvenção do
governo (FONSECA, Celso Sukow da., 1986, v.5, 34). Em Manaus, foi fundada em 1884, com 173 alunos
(Ibid., v.4, p.14). Salvador teve o seu Liceu em 1873. Vários Liceus de Artes e Ofícios surgiram após o
advento da República, como o de Belém.
51
O ano de 1910 assiste ao surgimento das Escolas de Aprendizes, como uma iniciativa federal, o que é
uma novidade, pois a formação profissional ficara a cargo das províncias no século XIX. O governo
federal assume a formação de mão-de-obra para a indústria, criando programas de caráter nacional,
voltados para a formação genérica, e não para determinado ofício mecânico, como no Império (MATTA,
Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.49). Gradualmente, o ensino técnico atrela-se ao nível secundário, ao
contrário do período imperial, quando se requeria a instrução elementar, com algumas disciplinas técnicas
que começaram a ser introduzidas a partir da década de 1850. As novas instituições de ensino profissional
abandonam o modelo do internato, recebendo crianças cuidadas por suas famílias - têm agora como
clientela os filhos das classes trabalhadoras, abandonando o projeto da formação de um operariado
especializado proveniente da classe dos desvalidos - órfãos, miseráveis, abandonados e indigentes.
52
RPPE, 1/3/1883, p.41.
178
Das instituições estudadas, nenhuma atingiu semelhante meta. As despesas eram
sempre maiores do que a renda das oficinas, fazendo com que as instituições dependessem de
subvenções governamentais e outros recursos. As indenizações com a educação dos meninos
deveriam ser pagas após o término da formação, permanecendo o educando por mais três
anos na instituição, trabalhando na oficina. A única forma de não cumprir esta obrigação seria
a família indenizar a instituição. Na Casa dos Educandos de Manaus procurou-se obedecer a
esta determinação do Regulamento, como também no Asilo de Meninos Desvalidos, do Rio
de Janeiro. Resistências surgiram contra esta norma, como se queixou o diretor da Casa do
Maranhão - os educandos, tão logo se tornavam adultos, apelavam para a “insubordinação e
falta d'actividade” para serem “despedidos do Estabelecimento”.
53
Além das Casas de Educandos, outras instituições de formação profissional foram
criadas no país. Focalizaremos três estabelecimentos, localizados no Rio de Janeiro,
Pernambuco e Bahia, todos sob o regime de internato:
Instituições de formação profissional - Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia
Instituição/Local Ano de
criação
Ano de extinção
Asilo de Meninos
Desvalidos/Instituto
Profissional Masculino/RJ
1875 Em 1911, tornou-se uma escola profissional comum
(externato), medida que segundo Ataulpho de Paiva
(1922), não obteve sucesso, pois em 1913 nenhum aluno
ingressou na escola. Transformado em escola pública.
Colônia Orfanológica
Isabel/PE
1875 Transformada na Escola Industrial Frei Caneca em 1894
(ensino agrícola, zootécnico e industrial). Em 1904, o
estabelecimento foi fechado e o edifício entregue à
Santa Casa, e a Usina arrendada a um particular.
Casa Pia e Colégio de
Órfãos de São
Joaquim/BA
1799 Os Estatutos de 1910 deram nova direção à Casa, com a
exclusão da ingerência do governo nos seus assuntos. A
direção diminuiu o encaminhamento de alunos aos
empregadores, embora permanecesse por muito tempo
formando artesãos.
Fontes: Luiz Carlos B. Lopes (1994); Celso S. Fonseca (1986); Alfredo Eurico R. Matta (1996); Município
do Rio de Janeiro, estudo coordenado por Ataulpho de Paiva (1922).
53
FALCÃO, José Antonio, 1849, p.77. O autor estava se referindo aos meninos internados como castigo
aplicado pelas famílias, dotados, na sua avaliação, de “rudez e vadiação”.
179
Das três instituições citadas, só a Casa Pia era particular, criada por um religioso, com
apoio de negociantes e proprietários de terras. No século XIX, contou com intensa
participação do governo provincial, não só em temos financeiros, mas também nos rumos da
Casa. O Asilo de Meninos Desvalidos foi uma iniciativa do Governo Imperial, apoiada por
negociantes e industrialistas da Corte
54
. A Colônia Orfanológica Isabel, fundada pelo governo
provincial, veio substituir o antigo Colégio dos Órfãos
55
. No período imperial de sua
existência, esteve sob a direção do missionário capuchinho frei Fidelis Maria de Fognano. A
Colônia oferecia o ensino de ofícios e agrícola, instalada em vasta área da extinta colônia
militar de Pimenteiras.
56
Como o ensino de ofícios, em muitos aspectos, se assemelhava ao
das outras instituições da época, a Colônia será analisada comparativamente às mesmas.
Outras províncias deram os primeiros passos para fundar Casas de Educandos, sem
seguir adiante. Minas Gerais aprovou projetos, em 1876, para criação de três Casas de
Educandos, nunca instaladas. Um “Colégio de Índios” teve seu decreto de criação aprovado
pelo Governo Regencial, em 1832, para ser instalado em Minas Gerais, o que não chegou a
acontecer.
57
O mesmo fim teve a resolução n.441 de 21/8/1856 da Assembléia Legislativa
Provincial de Sergipe, que autorizou ao Presidente da Província fundar um Colégio de
Educandos. Em termos de instituições asilares de formação de operários e artífices, o Estado
foi o responsável pela criação e manutenção das principais iniciativas, disseminando um
modelo de atendimento mesclado entre a assistência caritativa e a formação que levasse o
54
Após a inauguração, dezenas de pessoas, lojas ou fábricas encaminhavam doações em bens ou em
dinheiro (LOPES, Luiz Carlos Barreto, 1994, p.118).
55
Quando instalada, foram transferidos trinta órfãos do Colégio para a Colônia e admitidos mais seis
(FOGNANO, Fidelis Maria de, 1889, p.2). Criado em 1831, entre Olinda e Recife nas instalações do
Convento de Santa Teresa, o Colégio era administrado por religiosos, numa estreita relação com o Governo
da Província, que assumiu a sua manutenção a partir de 1862. O internato admitia meninos desvalidos
entre sete e nove anos, que desde cedo eram preparados para o trabalho, de acordo com o modelo das
instituições de ensino de ofícios. Desta forma, a educação dos meninos era calcada no trabalho realizado
nas oficinas de carpintaria, sapataria e marcenaria, e no aprendizado da música, das primeiras letras e da
doutrina cristã. Ao completarem a formação, em torno dos quatorze anos, os menores eram enviados ao
arsenal de Guerra para o trabalho nas oficinas ou se empregavam como caixeiros junto ao comércio, nas
bandas de música, etc., onde, de acordo com o regulamento, ficariam sob a guarda de tutores-
empregadores até completar 21 anos (ANJOS JÚNIOR, João Alfredo dos, 1997, p. 116-157).
56
RPPE, 1/3/1873.
57
FONSECA, Celso Sukow da., v.5, p.276-278.
180
menor a ser “útil a si e à Pátria”, expressão a qual as famílias recorriam com bastante
freqüência ao solicitarem internação para seus filhos no Asilo de Meninos Desvalidos.
58
Aparentemente, o caráter predominantemente caritativo do atendimento prestado pela
maior parte das instituições de ordens religiosas e de filantropos é rejeitado pelo Estado, neste
período. A Casa dos Educandos do Maranhão, considerada por Fonseca e por atores sociais
da época como “a melhor do país”, seguia diretrizes bastante claras, expressas pelo
Presidente da Província em 1841:
O 1
o
(objetivo) será desviar da carreira dos vícios dezenas de moços, que, não
tendo de que vivam, nem quem promova a sua educação, crescem ao
desamparo, e tornam-se inúteis e pesados à sociedade; o 2
o
consistirá em animar
as artes, e oferecer à Capital e à Província trabalhadores e artífices, de que
tanto necessita.
59
No mesmo documento, o presidente afirma que “ela será ao mesmo tempo uma casa
de Caridade”. A associação entre caridade e ensino de ofícios, formação agrícola e industrial
estará presente nas propostas e no corpo das instituições durante todo o período. O trabalho
é associado à pobreza e à desvalia. Ter condições de exercê-lo, mantendo-se sem recorrer à
caridade pública pela mendicância passa a ser a verdadeira caridade, mais próxima dos ideais
filantrópicos do final do século.
O Estado espera ser ressarcido do investimento na educação e manutenção do
educando, não somente após o término da formação, mas durante o treinamento, seja através
dos produtos das oficinas, seja pela prestação de serviços nas obras públicas. No relato de
suas visitas ao Instituto paraense no primeiro ano do regime republicano, o Diretor Geral da
Instrução Pública do Estado Federado do Pará, José Verissimo, não poupa críticas ao
desvirtuamento do que considera ser o “fim da instituição”, isto é, o “ensino profissional e
tecnico”. Diz que o estabelecimento transformou-se em uma espécie de oficina, onde o
“Estado concorre em competencia menos justa, para não dizer menos licita, com os
particulares. Entendeu-se, erradissimamente, que esse estabelecimento devia ser uma fonte de
renda (...) visando apenas o lucro”.
60
Operários eram convocados através de anúncios nos
58
LOPES, Luiz Carlos Barreto, 1994, p. 160.
59
RPMA, 3/7/1841, apud FONSECA, Celso Sukow da., 1986, p. 41.
60
VERISSIMO, José, 1892, p.152
181
jornais para trabalhar como “jornaleiros” nas oficinas, tornando-se o treinamento dos
educandos uma atividade secundária. Um indício de que a ênfase ao lucro resultante do
trabalho já era uma realidade há pelo menos uma década antes pode ser encontrado no livro
de Tarquinio Souza Filho
61
, que vê de forma muito positiva o fato das oficinas não só
manterem-se com a própria renda, mas darem saldo. Para o autor, trata-se de um sinal de
prosperidade, e não de decadência, como enxerga Verissimo.
José Verissimo é taxativo: “Nem é um estabelecimento industrial, nem uma escola”.
Este é um período de transição, em que as instituições são convocadas a rever as suas
finalidades. O ideal filantrópico aproxima-se do objetivo político do controle social. Verissimo
defende justamente a criação de uma “instituição mais philantropica que de ensino”, dirigida
ao atendimento de crianças “contaminadas pelo vicio do meio em que vivem”, percebidas
antes como “uma ameaça para o futuro”, do que como futuros trabalhadores. Verissimo
apoia-se nas “estatisticas estrangeiras” que identificam nestas crianças a “fonte” da
criminalidade e da vadiagem.
62
O objetivo de educar meninos desvalidos é a tônica das autoridades envolvidas na
criação dos estabelecimentos imperiais. Contudo, alguns governantes davam maior ênfase à
necessidade de formar trabalhadores para a província, como foi o caso do Amazonas. Ao
menos no período inicial de sua instalação, a Província sofria com a falta do trabalho
mecânico, tais como os ofícios de marceneiro, carpinteiro, torneiro, ferreiro, sapateiro,
alfaiate, livreiro, entre outros, todos eles ensinados no estabelecimento dos Educandos de
Manaus, em fases diversas de seu funcionamento. Esta preocupação com a falta de operários
bem preparados foi expressa pelo governo Wilkens de Mattos, que pretendeu usar os
educandos em obras públicas:
Sabeis quanto custa a mão-de-obra nesta capital pela imperfeição da execução,
e pelo salário elevado dos operários.
63
A tônica do desenvolver o “amor ao trabalho” é bastante acentuada nos casos de
cidades maiores como Salvador e São Paulo. O perigo do desvio ronda essa “classe” de
61
SOUZA FILHO, Tarquinio, 1887, p.96.
62
VERISSIMO, José, 1892, p.152.
63
RPAM, 4/4/1869, p.25.
182
meninos aptos a freqüentar as instituições de formação pelo e para o trabalho. No Instituto de
São Paulo, a expressão aparece no seu primeiro regulamento (após a extinção da Casa dos
Educandos em 1868):
(...) facilitar aos meninos pobres e desvalidos a sua educação industrial,
impedindo assim que por falta dela se desviem do amor ao trabalho, e se tornem
maus e prejudiciais cidadãos.
64
Na Casa Pia, de Salvador, o “amor ao trabalho” estava entre as regras sociais
valorizadas na educação dos órfãos, como as noções de virtude, decoro e ações lícitas, em
contraposição ao vício e ao ilícito.
65
A cidade de Salvador convivia com a presença de
bandos de moleques, vadios e mendigos que, na acepção da época, renegavam o trabalho,
tornando-se alvos constantes da ação da polícia e das denúncias da imprensa.
66
Meninos
fugiam das oficinas, locais onde freqüentemente eram explorados e mal tratados, sem garantia
de que iriam realmente aprender um ofício, pois aos mestres e demais empregadores
(comércio, fábricas) interessava manter a mão-de-obra barata do menino na realização de
trabalhos domésticos ou de tarefas mais simples. Na Colônia pernambucana, situada em área
rural, pretendia-se igualmente acolher meninos desvalidos, muitos retirados das ruas de
Recife, e “habilital-os a viver honestamente no meio da Sociedade”.
67
A clientela das instituições: critérios sociais, étnicos e políticos
Em geral, os regulamentos definiam os critérios sociais e de idade para o ingresso no
corpo de educandos das instituições, porém os fatores raça, grupo étnico e as ingerências
políticas que alimentavam as relações clientelísticas eram determinados pela articulação entre
a prática institucional e a administração provincial. O favorecimento político podia
particularmente alterar os critérios regulamentares dos institutos. O impedimento racial como
64
Regulamento de 3/1/1874, aprovado pela Lei n. 52 de 24/4/1874.
65
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996.
66
A documentação da polícia e a imprensa de Salvador do Segundo Reinado permitiram a Fraga Filho
constatar que “a maioria das freguesias centrais possuía suas maltas de peraltas”. Apenas na noite de
22/10/1854, uma patrulha prendeu 22 meninos classificados como vadios, alguns deles escravos (Ibid.,
p.113).
67
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1889, p.2.
183
norma regulamentar não foi encontrado, contudo, a indicação étnica constou do regulamento
do Instituto Amazonense em 1882.
68
Os meninos entravam cedo para os estabelecimentos, a partir dos seis ou sete anos
de idade. Na Casa do Pará, entravam mais cedo: aos cinco anos. Compunha a proposta
pedagógica de todas as instituições a alfabetização, a formação religiosa e moral e o ensino da
música. A idade precoce sem dúvida se devia a esta proposta de formação integral - não
bastava instruir ou ensinar um ofício, mas educar segundo os preceitos da religião católica e
da vida social, em atenção aos bons costumes e às regras da civilidade. Na sociedade da
época, as crianças escravas e as desvalidas, aos sete anos, já assumiam pequenas tarefas de
iniciação ao trabalho. O aprendizado nas oficinas dos estabelecimentos começava
normalmente aos doze anos, idade em que o jovem rapaz era considerado apto a assumir
atividades mais complexas ou que exigissem maior esforço
69
. No entanto, houve quem visse
na idade tenra uma desvantagem para o objetivo educacional da instituição, como foi o caso
do diretor da Casa de Educandos do Maranhão.
70
Obter um perfil mais aproximado da clientela destas instituições é um desafio que
poucos pesquisadores conseguem vencer. A definição extremamente generalista da clientela
oculta os rumos que cada Casa deu aos seus objetivos. As doze instituições citadas tinham
por finalidade atender a: “moços pobres e desvalidos” (RN); “meninos pobres e desvalidos”
(PI, SP), “expostos” (SP); “órfãos desvalidos e filhos de pais pobres” (PB); “menores livres
desvalidos (AM, PE)”; “meninos pobres e órfãos” (BA); “órfãos de pai e mãe”; “órfãos
pobres e filho do pobre” (PA); “órfão ou filhos de pais pobres” (AM); “órfãos
desamparados, e desprotegidos, os filhos de Viúva miserável, os filhos de Pais miseráveis”
(PA); “moços pobres, que forem oferecidos, ou recolhidos dentre os recrutados pelos
68
O Instituto Amazonense de Educandos Artífices “tem por fim dar gratuitamente ensino primario e
profissional a cem menores de 7 a 15 anos de idade, dentre os quaes deverão ser preferidos os pobres e,
sobretudo, os ingenuos e os indios” (Regulamento n. 44, de 25/11/1882, art.1º). A preferência por índios é
reforçada no período republicano.
69
No caso das crianças escravas, Maria Vitoria Pardal Civiletti (1991) e Maria Lúcia de Barros Mott (1979),
calcadas na literatura de viagens do século XIX, confirmam o marco que representavam as idades de sete e
doze anos para a iniciação ao trabalho. A criança começava realizando pequenas tarefas e aos 12 anos já
acompanhava os adultos no trabalho. Manifestando aptidão para determinado ofício, o rapazinho era
ensinado para praticar na fazenda. O mesmo ocorria nas oficinas urbanas.
70
FALCÃO, José Antonio, 1849, p. 77.
184
respectivos Juizes de Órfãos” (MA); “crianças de rua, órfãs, desvalidas, pobres ou
indigentes” (RJ).
As categorias criadas pelas instituições de forma a delimitar a sua clientela
aparentemente mascaram a restrição de acesso à educação de determinados grupos sociais
constituídos por escravos, ingênuos e índios, incluindo-se também os ilegítimos, como
mostraremos a seguir. Uma possível interpretação para o restrito atendimento a estas
categorias baseia-se no vigor da política clientelista do Estado Imperial, que tendia a
favorecer os seus dependentes, mediante o esquema do favor, cujos beneficiados estavam
concentrados em uma faixa da população onde predominavam os brancos e filhos de união
legítima. Percebe-se claramente um distanciamento entre os objetivos institucionais que
originam as instituições e as práticas que se definem na sua operação real.
O plano de economia proposto pelo diretor do Instituto Paraense de Educandos
Artífices ao Presidente da Província, de enviar os educandos para passar férias com suas
“famílias ou protetores”, permite-nos levantar algumas hipóteses a respeito da composição
familiar da clientela. A maioria dos educandos desfrutara da medida, permanecendo em seus
lares por dois meses, indicando que a instituição não priorizava o atendimento aos totalmente
desvalidos. De 60 meninos, apenas 12 permaneceram no estabelecimento. Portanto, a maioria
tinha quem os acolhesse, caso o Estado não mais garantisse a sua proteção. O relatório
seguinte de João Capistrano Bandeira de Mello confirma que o governo era pressionado por
muitos pedidos de admissão, obstados por falta de acomodações.
71
A correspondência entre
a Presidência do Pará e o diretor do Instituto ilustra a pressão por admissões sofrida pela
instituição. Respondendo à presidência, o diretor José Luis Coelho informa haver duas vagas
no estabelecimento contra dez petições de admissão, entre elas, a de Mme Aimée Montanha
e a do Padre José Maria do Valle. Coelho sugere o preenchimento das vagas pelos mais
necessitados, aguardando os demais peticionários oportunidade de serem atendidos. Outro
71
RPAM, 15/2/1877, p.98 e 9/3/1878, p.83. A oferta de vagas para o Instituto, muito inferior ao previsto em
lei (100 vagas pela lei n. 781 de 9/9/1873), é percebida como uma falha, apontada em todos os relatórios
provinciais, pois da fundação do estabelecimento, em 1872, até próximo ao final do Império, não chegou a
atender a 100 educandos por ano. Somente em 1888, o estabelecimento atingiu essa lotação, chegando a
abrigar 123 menores no ano seguinte, sem cuidar da ampliação das acomodações, o que acarretou graves
problemas de superlotação dos dormitórios, onde dois ou três meninos dormiam no mesmo leito, “contra
todas as regras de hygiene”, queixa-se o diretor (RPAM, 1889, p.10).
185
ofício esclarece que as 19 petições recebidas pelo diretor não podiam ser acolhidas, pois o
número de educandos encontrava-se completo.
72
Ofícios deste teor se sucedem na
documentação relativa ao Instituto Paraense.
Solicitações provenientes de famílias cujos pais possuíam vínculos com os poderes
públicos constam em lei aprovada, em 1889, no Pará. As viúvas de um alferes honorário do
Exército e de um professor público obtiveram vagas para seus filhos.
73
Alguns dos ofícios dos
presidentes da Província aos diretores do Instituto Paraense identificam a procedência do
candidato e do pedido. Foi o caso do Major Comandante do Corpo de Polícia que
intercedeu pelo filho do soldado do Corpo de Polícia que ficou em abandono pela
transferência de seu pai para o exército, com destino ao Sul do Império. Ou o do menor de
nome Raymundo, protegido de D. Izabel de Melo Faria, como também o menor educando
Raimundo Lameira Bittencourt, cujo tutor, Major Bernardino de Lima Lameira, solicitara que
fosse considerado aprendiz externo.
74
Um empregado da Secretaria da Província teve vaga
garantida pelo presidente Souza Dantas Filho, a seu filho Gentil Augusto da Silva Nobre.
Identificado no exame médico como hermafrodita, o diretor José Luis Coelho consultou
Dantas Filho se devia admiti-lo, pois o caso não estava previsto no regulamento.
75
As crianças acolhidas nas instituições tornavam-se educandos ou menores; formavam
uma massa indiferenciada, cuja composição só é possível compreender juntando as peças que
a documentação oferece dispersa e escassamente. A comparação entre as várias instituições
da época, guardadas as diferenças do contexto do surgimento de cada uma, auxilia no
levantamento de questões sobre aspectos pobremente revelados pelos atores sociais que
deixaram registros. Quem eram as crianças que ingressavam nos internatos de formação
profissional?
72
Ofícios do diretor do Instituto Paraense de Educandos Artífices ao Presidente da Província, 17/2/1882 e
20/2/1880 (Arquivo Público do Pará).
73
Lei n.1351 de 12/3/1889: “Autorisa a Presidencia a mandar admittir, desde já, no collegio do Amparo e no
Instituto de Educandos, diversos orphãos”.
74
Minuta de ofício da Presidência do Pará ao diretor do Instituto Paraense de Educandos Artífices, 21/1 e
29/4/1879; 24/1/1888 (Arquivo Público do Pará).
75
Ofício do diretor do Instituto Paraense de Educandos Artífices ao Presidente da Província, 13/5/1881
(Arquivo Público do Pará). A vinculação da direção do Instituto à Presidência da Província é analisada no
capítulo 4.
186
É raro haver identificação étnica nos dados apresentados pelos diretores das
instituições por nós estudadas. Nos regulamentos dos estabelecimentos amazonense e
paraense é explicito o veto aos escravos, critério que provavelmente valeu para as outras
instituições, voltadas para a formação de trabalhadores livres.
76
Índios raramente são citados
nos regulamentos, com exceção do regulamento do estabelecimento amazonense, por ocasião
de sua reabertura em 1882. Outro fator de restrição que aparece em algumas instituições é a
ilegitimidade de nascimento (filhos de uniões livres). Na Casa Pia de Salvador, a preferência
por filhos de uniões legais foi comprovada por Alfredo Matta ao consultar todas as fichas dos
alunos que passaram pela Casa. Nesta, a proporção de filhos legítimos era bem maior do que
a existente na cidade de Salvador no século XIX.
Na Colônia Orfanológica de Pernambuco, dentre os 167 internos do ano de 1888,
127 eram filhos de “legítimo matrimônio”, segundo relatório do diretor em 1889. Frei
Fognano discriminou os internos pela categoria “filiação”, iniciativa pouco comum entre os
diretores à época. Os dados, apresentados no quadro abaixo, mostram que a Colônia
agrícola e industrial, situada em área rural, não era a preferida pelas famílias constituídas por
pai e mãe. A maior parte dos internos era formada por órfãos, portanto, por meninos que não
podiam contar com a proteção das famílias.
76
A Constituição de 1824 garantiu aos cidadãos o direito à instrução primária gratuita (Art. 179). Os limites
da cidadania legalmente estabelecidos no artigo 6 excluíram os escravos do acesso à escola pública,
medida confirmada pelo corpo da legislação da instrução pública aprovada na Corte. Nas Províncias do
Pará e do Amazonas, o acesso à escola pública era vetado aos cativos; no entanto, com a libertação dos
escravos pelo Amazonas em 1884, a restrição não mais aparece nos regulamentos da instrução pública.
187
Filiação dos colonos da Colônia Orfanológica Isabel - PE
Filiação Número
de alunos
Abandonados pelos pais 8
Órfãos de pai e mãe 75
Órfãos de pais 30
Tem pais inutilizados 12
Tem pais sentenciados 2
Filhos naturais 21
Tem mães conhecidas 10
Tem filiação desconhecida 9
Total 167
Fonte: FOGNANO, 1889.
Provavelmente, o Asilo dos Meninos Desvalidos, no Rio de Janeiro também recebeu
maior número de filhos de união legítima, pois as pastas dos alunos demonstram que com o
tempo a casa passou a acolher com mais freqüência filhos de famílias empobrecidas pelo
falecimento do pai, que fora funcionário público ou tivera alguma ocupação certa.
O critério étnico raramente é explicitado nos regulamentos e relatórios, todavia, na
prática institucional ele surge em alguns casos, como na Casa Pia da Bahia, que vetava o
ingresso de crianças negras e índias e dificultava a admissão de pardos. Não por uma decisão
exclusiva da Mesa, mas também por determinações do governo provincial, que
provavelmente tinha os seus privilegiados a indicar, como era de praxe entre os dirigentes e
autoridades governamentais ligados, direta ou indiretamente, ao Asilo de Meninos
Desvalidos.
77
Na Casa Pia, após a Lei do Ventre Livre, somente um filho de escrava entrou na
instituição. O ingresso do primeiro negro na instituição, em 1858, resultou de um abaixo-
assinado de toda a Mesa ao Presidente da Província, contendo referências ao merecimento e
à história de vida da mãe. Somente uma criança indígena ingressou na Casa nos seus mais de
77
LOPES, Luiz Carlos Barreto, 1994, p.144.
188
100 anos de funcionamento. O índio Manoel do Espírito Santo e outros meninos cujas
famílias foram intensamente atingidas pela seca do sertão baiano da década de 1860 foram
acolhidos pela direção do estabelecimento.
78
Décadas antes, o irmão Joaquim havia escrito a
D. Pedro I, pedindo que fossem aceitos meninos índios no Colégio, desde que atendessem às
condições dos estatutos. D. Pedro levou a questão à Mesa da Casa, que vetou a entrada dos
menores índios.
79
O incidente mostra o fundador da instituição totalmente destituído de
poder, buscando apoio em instâncias superiores e externas à Casa e à própria Província, na
medida em que os governantes da Província baiana sempre se mostraram extremamente
reticentes ao ingresso de categorias raciais desvalorizadas pela sociedade brasileira.
A Colônia Orfanológica de Pernambuco abrigava doze ingênuos em 1888, número
insignificante para a quantidade de escravos absorvidos na produção açucareira. O Asilo
carioca atendeu também a ingênuos da Lei do Ventre Livre e a filhos de ex-escravas, mas não
há como obter uma dimensão mais aproximada do atendimento a esta população, pois
sobreviveram ao tempo somente 713 das pastas do total de 4.817 asilados que passaram
pela instituição.
80
No entanto, no ano de 1883 foram preservadas 103 pastas dos 145 alunos
matriculados, dando-nos indícios importantes das origens sociais e étnicas dos internos. Das
103 pastas existentes, 34 revelam somente os nomes das mães dos menores, situação comum
nas fichas de filhos de escravas e ex-escravas. Destas, em 15 estão registradas a condição de
escravas ou ex-escravas, libertas, crioulas, pretas ou pardas.
81
Ao que parece, o Asilo
atendeu a um número mais significativo de crianças negras e pardas em comparação aos
outros considerados nesta análise. Nestas pastas encontram-se solicitações de internação de
proprietários de escravos influentes, aparentados de funcionários públicos, etc. Como as
internações eram realizadas mediante o requerimento às autoridades (incluindo-se aí o próprio
Imperador, senadores e deputados, diretores de instrução e do Asilo, etc.), é possível avaliar-
se que a internação dessas crianças não resultava de uma política de governo, visando à
instrução e formação de filhos de escravas e ex-escravas; antes disso, seguia-se uma tradição
clientelista da assistência pública no país, disseminada pelo e no Estado brasileiro, em vários
78
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.106-115.
79
Ibid., p.52.
80
LOPES, Luiz Carlos Barreto, 1994, p.139 e 141.
189
níveis e setores. Pode-se inferir que no Rio de Janeiro, a ação clientelista, comum em toda
parte, atingisse com mais facilidade a filhos de escravas e ex-escravas, de acordo com uma
postura liberal de igualdade, fortalecida pela proximidade com o estado central. As relações
clientelistas transformaram um asilo que pretendia educar crianças de rua (portanto,
desvalidas), em um instituto para meninos cujas famílias contavam com protetores.
82
Marcus Vinicius Fonseca mostra que nos debates a respeito do processo de abolição
do trabalho escravo no Brasil, a educação era apresentada como “um dos elementos
necessários para viabilizar a transição dos ex-escravos para uma sociedade organizada a
partir do trabalho livre”.
83
O autor discute a criação e o fomento de instituições já existentes,
pelo Governo Imperial, visando o atendimento às crianças nascidas livres após a promulgação
da Lei do Ventre Livre, já que o Ministério da Agricultura previa que o Estado deveria
assumir a educação de um número enorme de crianças ao completarem oito anos de idade, e
indenizar os senhores pelas despesas ocasionadas pela criação dos filhos de suas escravas
nascidos após a lei.
Ocorreu justamente o oposto, devido às próprias características da Lei do Ventre
Livre, assaz benevolente com os proprietários de escravos, acabando por favorecer a
exploração do trabalho dos nascidos livres até os 21 anos. Poucos optaram por entregar as
crianças ao Estado mediante indenização, devido à falta de mão-de-obra ocasionada pela
proibição do tráfico vinte anos antes. No Brasil todo, cerca de 113 crianças foram entregues
até 1885, o que não justificou aumentar ou manter o apoio às instituições de formação
profissional, agrícola e/ou industrial.
84
As instituições disponíveis para receberem ingênuos
atenderam quase que somente crianças livres desvalidas.
81
Ibid., p.159.
82
Desvalido é aquele que não tem valor, sem valimento e “sem valia”, encontra-se desprotegido,
desamparado, desgraçado, miserável, segundo definição do Dicionário do Aurélio, edição de 1986.
Definição aproximada encontra-se no Diccionario contemporaneo da lingua portugueza feito sobre um
plano inteiramente novo. Dirigido por Antonio Lopes dos Santos Valente. Lisboa: Imprensa Nacional,
1881. Jucinato de Sequeira Marques (1996) apresenta definição semelhante, de Antônio de Moraes Silva,
Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Oficinas da S. ª Lito-Tipografia Fluminense, 1922 (fac-
símile da segunda edição de 1813).
83
FONSECA, Marcus Vinicius, 2000, p.96.
84
Segundo Marcus Vinicius Fonseca (set./2000, p.111) foram 403.827 crianças nascidas livres de mulheres
escravas no período de 1871 a 1885.
190
Não há indicação a respeito de restrições étnicas nas Casas de Educandos Artífices,
mas a determinadas categorias, como os escravos. Criado o Instituto de Educandos do Pará,
um ano após a promulgação da Lei do Ventre Livre, o Presidente da Província “pensava em
servir-se dele até para a instrução dos filhos libertos dos escravos”, sendo desnecessário
fundar asilos para libertos na Província.
85
Da correspondência disponível no Arquivo Público
do Pará, entre a Presidência do Pará e a direção do Instituto, localizamos somente o
encaminhamento de dois ingênuos para admissão. Trata-se do ingênuo Manuel, filho de
Diamantina de Jesus, e do ingênuo Luciano, filho de Maria Lourenço, mandados admitir pelo
presidente.
86
No Amazonas, a lei n.564 de 8/8/1882 mandava o Instituto Amazonense de
Educandos Artífices (ex-Casa de Educandos Artífices) dar preferência a índios e ingênuos,
determinação que levou ao não preenchimento da totalidade das vagas disponíveis, apesar da
procura pelas famílias pobres. Depois disso, não há qualquer referência ao atendimento de
ingênuos, mesmo porque, o número de escravos na Província era muito reduzido, e dois anos
depois, a escravidão fora extinta no Amazonas, por decreto provincial.
Educação versus exploração do trabalho dos meninos índios
Algumas instituições de educação de artífices receberam meninos indígenas,
geralmente como resultado dos esforços dos governos, e não por demanda das famílias.
Veremos, à frente, como a tentativa de fomentar uma política de educação indígena esbarrava
na prática de exploração do trabalho dessas crianças, e por fim, no próprio Estado
clientelista, cuja “política do favor” criava obstáculos à operacionalização dos fins previstos
para as instituições educacionais.
Dentre os estabelecimentos analisados neste capítulo, somente há comprovação do
ingresso de índios nas casas amazonense e maranhense, cujos governos deliberadamente
esboçaram programas de educação e civilização dos menores indígenas nas instituições do
85
FONSECA, Celso Sukow da, 1986, p.28.
86
Minuta de ofício da Presidência do Pará ao diretor do Instituto Paraense de Educandos Artífices, 2/5 e
5/12/1887 (Arquivo Público do Pará). Nota-se, contudo, que a coleção disponível para consulta é
incompleta e abarca somente os anos de 1875, 1879, 1887, 1888,1889 para os ofícios dos presidentes aos
diretores e de 1888, para os ofícios da diretoria à Presidência da Província.
191
Estado. Contudo, não se deve descartar a possibilidade da admissão de meninos vindos, por
exemplo, de aldeamentos extintos, cujos ex-integrantes passavam a ser considerados
oficialmente “nacionais”.
A jovem Província amazonense, que oito anos após a sua instalação, teve a sua Casa
de Educandos criada, almejou educar e integrar filhos de índios à sociedade civilizada.
Presidentes do Amazonas e viajantes relatam o ingresso de meninos índios na Casa de
Manaus, alguns filhos de principais, possivelmente provenientes de aldeias vinculadas a
Diretorias de Índios
87
e de missões religiosas. Nestes (poucos) casos, a etnia do menino era
identificada no sobrenome ou nos quadros de alunos matriculados (o primeiro nome era
invariavelmente “cristão”). Porém, a maioria dos internos tinha nomes e sobrenomes de
origem portuguesa, não havendo referências étnicas. A falta dessa referência nos quadros de
alunos matriculados nos impede de conhecer qual era a real composição étnica dos internos
do estabelecimento. Um exemplo desta lacuna da documentação é caso do educando
Romualdo da Silva Mingues, indígena filho do Principal da “tribu Miranha”. Não fosse o
relatório do diretor ao Presidente da Província, comentando a sua entrada na Casa, não
conheceríamos a sua origem.
88
No jornal Estrella do Amazonas estão publicados os ofícios da presidência
encaminhando os meninos ao diretor do estabelecimento, geralmente, a pedido de familiares,
tutores ou protetores. Nos casos de crianças indígenas, este destino provinha de iniciativas
diversas. Nos primeiros meses de funcionamento, ingressaram o “indio menor de nome João
de nação Moravá” e o “menor Romualdo, que com este lhe será apresentado, filho da india
Felippa, viuva do principal da tribu Miranha, Agostinho Minguens”.
89
Este último teve sua
admissão intermediada pelo Diretor Geral de Índios. Romualdo mostrou-se muito apto para o
87
As Diretorias de Índios estavam subordinadas à Diretoria Geral de Índios do Amazonas. O decreto n.°
426, de 24/07/1845, determinou que em cada província haveria um diretor geral dos índios, nomeado pelo
Imperador e, em cada aldeia, um diretor nomeado pelo presidente, sob proposta do diretor geral, e um
missionário para “conversão dos Índios ao cristianismo” (art. 1
o
). Em 1865, havia 38 diretorias no
Amazonas com 17.405 índios distribuídos nos distritos de suas jurisdições. Este número era subestimado,
pois os arrolamentos não eram confiáveis, conforme atestou o Presidente da Província em 1865 (RPAM,
8/5/1865, p.13).
88
RPAM, 07/09/1858, Anexo G.
89
Estrella do Amazonas, jornal de 16/02/1859, expediente de 11/07/1858 e jornal de 09/10/1858, expediente
de 18/06/1858.
192
aprendizado da música, alcançando a posição de melhor aluno da classe dos mais adiantados,
onde tocava requinta.
90
A admissão de crianças que não falavam o português não era rara no
estabelecimento, especialmente os indígenas. Estes alunos enfrentavam o desafio de aprender
a falar, a ler e a escrever a nova língua.
91
Em meados de 1870, o professor de primeiras letras
ensinava a 40 meninos, entre eles, dez indígenas que não falavam o português.
92
A documentação silencia quanto à questão da adaptação à instituição dos alunos
identificados como índios provenientes das “malocas”. Sofreriam algum tipo de discriminação
dos demais? Localizamos apenas uma alusão a tratamento discriminatório recebido por um
educando indígena, ocorrido após seu falecimento. A imprensa amazonense, atenta ao seu
prestigiado Instituto, sobretudo após ter sido reerguido em 1882, noticiou o tratamento
inferior dado a um educando indígena no seu enterro. Entre fins de agosto e meados de
novembro de 1885, três educandos faleceram. Os dois primeiros, apresentados com nome e
sobrenome, receberam as honras funerárias do corpo de educandos. Mas o indígena, de
nome Ignácio,
(...) sepultou-se no cemiterio de S. José o cadaver de Ignacio, educando artífice,
sendo apenas acompanhado por uma turma do corpo de educandos e sem a
competente musica.
Os dous primeiros que falleceram no Instituto, receberam a beira da sepultura as
honras funerais que lhe fez todo o corpo de educandos; e agora ao terceiro lhe
são negadas essas honras. Ignacio era de origem indigena e succumbiu, segundo
nos informam victima de uma affecçoes pulmonar.
93
Na documentação raramente se ressaltava a origem indígena do menino. No relatório
provincial de 1866, dentre sessenta alunos, oito deles receberam a indicação da proveniência
étnica: sete vinham da “tribu Mura” e um, da “Baré”, todos com nomes cristãos. Mais da
metade dos alunos era natural de localidades do interior do Amazonas.
94
Como veremos
adiante, nos relatórios, vez por outra, os presidentes faziam defesas enfáticas da educação,
90
RPAM, 03/11/1860 (Doc. n.3: “Mapa de adiantamento da aula de musica dos Educandos artífices”).
91
Até o século XIX, a língua dominante no Amazonas era o Nheengatu, a língua geral desenvolvida
inicialmente com a ação jesuítica na região (Cf. FREIRE, José Ribamar Bessa, 2003).
92
Commercio do Amazonas, 27/7/1875. O professor Ramiro e Silva entrou no estabelecimento em 1867. A
respeito de sua experiência, ver capítulo 4.
93
A Província, 8/11/1885. Os dois outros falecimentos foram noticiados em 23/8 e 27/9/1885.
94
RPAM, 05/09/1866, Anexo E.
193
principalmente profissional, das crianças índias, em prol de sua civilização e incorporação ao
trabalho.
Viajantes estrangeiros que visitaram a instituição, entre 1859 e 1866, registraram a
atenção do governo amazonense com a educação dos “meninos índios”. O alemão Robert
Ave-Lallemant relata que “meninos, quase todos índios, perambulando sem nenhuma
vigilância, e ameaçados de vagabundagem, são recolhidos a esse instituto e transformados em
homens trabalhadores e úteis”.
95
O casal Luiz e Elizabeth Agassiz também deixou suas
impressões sobre Manaus e a Casa dos Educandos, na viagem científica ao Brasil nos anos
de 1865 e 1866. A senhora Agassiz denomina a instituição de “escola para índios”,
mostrando-se surpresa com a aptidão das crianças pelas “artes civilizadas”. Posteriormente,
houve quem duvidasse de que o casal tivesse se deparado com índios “inteiros”, e sim com
nativos, tais como, mamelucos, mulatos e cafusos, produtos da mistura de raças que vinha
ocorrendo no vale. Raimundo Morais, na obra À margem do livro de Agassiz (1939),
comenta partes do livro da senhora Agassiz, corrigindo enganos, confirmando fatos e
louvando a adaptação da senhora aos hábitos amazônicos, como dormir em redes e tomar
açaí. Com relação à existência de meninos índios entre os educandos, Morais tangencia a
difícil questão de quem podia ser considerado índio, atendo-se ao critério racial:
“Acredito que não fossem índios inteiramente, como registra a senhora Agassiz,
as crianças da escola em questão, mas nativos daqueles tempos: mamelucos,
mulatos, cafusos, em suma, produto das raças que se estão fundindo no vale.
Índios ou não, a verdade palpitante é que o menino amazônico demonstra uma
viva inteligência, capaz de compreender a arte, a beleza, as indústrias e até a
ciência.
96
À senhora Agassiz foi revelado que alguns internos haviam sido subtraídos à força de
seus pais, sob a justificativa de que “a civilização, mesmo que imposta pela força, é preferível
à barbaria”.
97
As observações dos viajantes levantam pontos não abordados nos relatórios
provinciais e que merecem ser investigados: quem eram esses meninos que perambulavam
pelas ruas, “sem nenhuma vigilância”?
95
AVÉ-LALLEMANT, Robert, 1961 [1859], p.115.
96
MORAIS, Raimundo, 1939, p.81.
97
AGASSIZ, Luiz e Elizabeth Cary, 1975 [1865-1866], p.128.
194
Se considerarmos que a população da região, neste período, era basicamente de
origem indígena, é bastante razoável supor que o estabelecimento estivesse abrigando
crianças índias, filhos de índios domesticados que viviam nos arredores das cidades e vilas da
região e filhos dos chamados tapuios, índios destribalizados pelo contato de várias gerações
com os civilizados (missionários ou população estabelecida na região).
98
A documentação
oficial - relatórios e regulamentos - está lidando, antes de tudo, com crianças desvalidas. Na
perspectiva dos atores sociais, o desvalimento antecede o critério étnico, manifestado por
algumas autoridades. Nos discursos das autoridades aqui retratadas e de intelectuais da
época, índio era o selvagem, aquele proveniente das malocas, capaz de ser identificado
como pertencente a uma etnia específica. No máximo o domesticado ou o manso que,
apesar de manter relações comerciais ou de prestação de serviços com os civilizados,
preservava as tradições culturais e os sinais que o identificavam a uma etnia específica.
Não há tampouco qualquer outro relato sobre crianças abandonadas ou que viviam
nas ruas de Manaus. A questão da autoridade pública passar por cima do pátrio poder da
família também merece destaque. A legislação do período não prevê a perda do pátrio poder
para o Estado, fato que só ocorrerá com a criação do Código de Menores de 1927. E
mesmo assim, o índio, incluindo a criança, estava submetido à legislação específica. O decreto
426, de 1845, acerca do Regulamento das Missões de Catequese e Civilização dos Índios,
por exemplo, recomenda que jamais se use a violência de modo a forçar os meninos e os
adultos a adquirirem instrução (ler, escrever e contar) e que “não sejam os pais violentados a
fazer batizar os seus filhos”.
99
Se a internação forçada, sem o consentimento dos pais, foi realmente uma prática da
instituição, era uma ação marginal, não assumida nos relatórios oficiais. Em 1883, o presidente
Paranaguá demonstrou acreditar na importância dos grupos indígenas compreenderem “as
vantagens de darem aos menores uma educação útil e proveitosa”, ao remeter meninos índios
98
O relatório do Presidente da Província de 30/4/1852 alerta para a omissão de informações nos censos
populacionais, como o número considerável de índios domesticados que viviam nos arredores das cidades
e vilas da Província do Amazonas (Maués, Mundurucus, Uarauaquis, Pariquis e Muras, nos rios Madeira
e Purus (SAMPAIO, Patrícia Maria Melo, 1997, p.29). A imprecisão dos censos realizados na região é
apontada por outros autores do Amazonas e do Pará, como Agnello Bittencourt (1985[1925], p.151) e José
Verissimo (1892, p.11).
99
Art.6
o
, parág. 6; Art.1
o
, parág. 20.
195
ao estabelecimento, acompanhados de seus próprios chefes.
100
Esta parece ter sido uma
prática instaurada desde os primórdios da existência da instituição. No jornal Estrella do
Amazonas é noticiado pouco tempo depois da fundação da Casa dos Educandos a
determinação do Presidente da Província para que se levasse o chefe indígena de três
“malocas” Mura em visita ao estabelecimento. A justificativa é bastante semelhante àquela
empregada três décadas depois: “ (...) fazer-lhe comprehender praticamente as vantagens que
os índios podem colher trazendo seus filhos para alli serem educados”.
101
No primeiro ano do governo de José Paranaguá, a prática é transformada em lei,
sendo prevista a reserva de vagas para índios e ingênuos. Tratava-se de uma nova fase da
instituição, reinstalada em 1882, com o nome de Instituto Amazonense de Educandos
Artífices. Na primeira fase, de 1858 a 1877, ano de seu fechamento, não estava previsto nos
regulamentos o ingresso de meninos indígenas. No início da década de 1870, o presidente
José de Miranda da Silva Reis afirmara que o estabelecimento não tinha por fim exclusivo
civilizar e educar indígenas catequizados, contudo, mostrou-se favorável a receber na Casa
maior número de indígenas, a serem remetidos pelos missionários.
102
O presidente Paranaguá, responsável pelo ressurgimento da instituição em 1882,
pessoalmente tomou providências para atender à lei. Ele relata que, em suas viagens aos rios
Madeira, Purús, Solimões e outros, incumbiu pessoas de remeter índios para o Instituto
Amazonense, “com preferência aos sahidos das malocas”, tendo ele próprio conseguido
remeter menores indígenas de diversas tribos, alguns acompanhados pelos chefes. Através da
“educação profissional” de meninos indígenas, o governante esperava aproveitar estes braços
100
RPAM, 25/3/1883, p. 35.
101
Jornal Estrella do Amazonas de 26/5/1858 (n.294). Nos internatos indígenas norte-americanos, criados
entre 1870 e 1902, as visitas de pais eram estimuladas como meio de se superar os temores das famílias
quanto a maus tratos de seus filhos. Visitas após alguns meses de internação podiam resultar em
fotografias, mostrando o contraste entre o filho civilizado, em seu fardamento militar, e o pai com as
vestimentas e sinais corporais típicos do barbarismo da vida tribal, conforme o antagonismo entre
civilizados e bárbaros, realçado pelos reformadores. Outro meio empregado pelos diretores, na busca de
comprovação do efeito civilizador do projeto educacional empreendido pelo governo norte-americano,
consistia em fotografar os meninos e as meninas tão logo chegavam ao internato, de modo a contrastar o
aspecto selvagem com a aparência de homem branco, meses depois. A primeira medida dessa trajetória
rumo à civilização consistia no corte do cabelo dos meninos, a troca da vestimenta pelo uniforme escolar e
a proibição de falar a língua indígena. As restrições a tudo que lembrasse as suas culturas de origem
provocavam intenso desagrado e resistências por parte dos internos (Cf. ADAMS, David Wallace, 1995 e
ELLIS, Clyde, 1996).
196
para a riqueza pública, sob o argumento de que os adultos que viviam em aldeamentos
estavam apenas “domesticados mas não civilizados” e portanto, incapazes de exercer
qualquer gênero de trabalho regular”. No ano seguinte, o jornal Amazonas anuncia que a
educação no estabelecimento dos filhos das ‘famílias indígenas da Amazônia” foi abordada na
coleção de documentos apresentados pela delegação do Governo Imperial ao Congresso
Internacional da Proteção da Infância, em Paris.
103
A educação de crianças das “malocas” é justificada pela necessidade de estabelecer
um “laço de união entre a raça civilizada e as tribus selvagens”, buscando arrancar os
“gentios” do “estado de barbaria em que se acham”. O argumento fora apresentado a Sra.
Agassiz, por ocasião de sua visita aos educandos e é encontrado em documento manuscrito
de cunho administrativo de 1882, citado por Márcia Alves.
104
A idéia não é nova. Uma
década antes, Couto de Magalhães já vinha publicando suas idéias e experiências em busca
da criação de um “laço entre o indio e o christão”, através da “educação intellectual pratica”
das crianças das tribos da região do Araguaia, em Goiás.
105
Couto de Magalhães não anunciava apenas uma teoria ou um projeto educacional. Ele
falava do alto de sua experiência como diretor do Collegio Isabel, por ele criado em 1870
sob a proteção da Princesa Imperial, no Araguaia. O Colégio recebia crianças de “todas as
tribus do Araguaya, algumas inteiramente barbaras”. Magalhães relata que estudou as raças
que tinham mais facilidade para aprender a ler e a escrever, entre os 52 alunos do
estabelecimento, à época de sua criação. A partir desta experiência, Magalhães elaborou um
plano para o aperfeiçoamento e a reprodução da “idéa do Collegio Isabel” nas províncias
onde se encontrava o “elemento selvagem”, como Pará, Amazonas, Mato Grosso e Goiás.
102
RPAM, 25/3/1871, p.7.
103
RPAM, 25/3/1883, p. 35 e 44; Amazonas, 1/8/1883 (Órgão do Partido Republicano Liberal).
Agnello Bittencourt (1973) relata que o bacharel em Direito, José da Cunha Lustosa da Cunha Paranaguá,
ao chegar em Manaus, vindo da Corte, lançou-se à missão de conhecer o interior e sua gente, realizando
viagens a diversos povoados do Amazonas, constatando o “abandono de assistência social por parte do
Governo da Província e do Império”. Outros objetivos motivaram as suas viagens, como a busca de
curiosidades antropológicas e históricas: a coleta necrológica em velho cemitério indígena para a
Exposição Antropológica de 1882 e a localização de descendentes de sobreviventes do massacre
perpetrado às nações do rio Urubú pelo capitão Favela, em meados de 1660. Sobre a atuação do
governante na instrução pública amazonense, ver capítulo 2, e junto ao ensino profissional, capítulo 4.
104
ALVES, Márcia, 1995, p.105.
197
Esses colégios estariam subordinados a um colégio central a ser fundado na Corte: um
“collegio de interpretes”, o qual receberia os meninos mais inteligentes e representantes de
quatro ou cinco línguas sul-americanas. Nele, aprenderiam ofícios como os de carpinteiro e
ferreiro, e receberiam uma “educação intellectual pratica”, consistindo na administração de
serviços do colégio, de modo a serem “regulares administradores”. A formação de uma elite
indígena, integrada aos costumes cristãos, mas também próxima de sua gente através do
conhecimento da língua, permitiria que as tribos fossem por ela governada, sem imposição,
através de “influências naturaes”, com grande ascendência entre os seus.
106
Qual seria a utilidade desse governo? Aproveitar o “braço indigena” para as nossas
indústrias, basicamente as indústrias extrativas e pastoris, visto que “o indio não se presta ao
trabalho sedentário”. Desde que “a política não venha desnaturar a instituição”, em dez ou
quinze anos “numerosos indios d’essa vasta região estarão utilisados”.
107
Para o governo das
tribos, ex-alunos seriam empregados e pagos pelo colégio central. Teria-se assim um braço
do Estado brasileiro no interior de povos incomodamente independentes, por isso mesmo,
vistos e temidos como “selvagens”.
As tentativas do Governo da Província do Amazonas em civilizar os índios,
principalmente através das crianças, estavam calcadas nesta concepção das sociedades
indígenas. Porém, percebe-se uma constante tensão entre civilizar e explorar, pois, nos
discursos defendia-se a integração do índio à sociedade civilizada, preservando a sua
liberdade, mas na prática, ocorria a exploração em massa e até a escravização de índios,
inclusive das crianças.
A escravização de crianças indígenas na região parece ter sido prática corrente, pelas
referências que aparecem nos escritos de uma ou outra autoridade. O Presidente do Pará, ao
comunicar a criação de um estabelecimento de Educandos na Província para a educação de
“órfãos pobres e filho do pobre”, defendeu a ampliação dos “benefícios” a serem oferecidos
pelo estabelecimento aos meninos indígenas:
105
MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1873, p.512. A experiência do Colégio Isabel é apresentada no
capítulo 5.
106
MAGALHÃES, José Vieira Couto de, op.cit., p.463.
107
Ibid., p. 464.
198
“Eu estenderia tal beneficios aos indios de menor idade, que geralmente são
empregados aqui como creados de servir nas casas particulares. É mais um meio
a empregar-se para a catechese e civilisação dos índios.
108
O presidente sugere que a exploração do trabalho das crianças indígenas era prática
disseminada nas casas particulares. Em se tratando de “índios de menor idade”, dificilmente
recebiam alguma remuneração. No Amazonas, autoridades do mesmo porte confirmaram a
prática, desde os primórdios da instalação da Província. Meninos de um de outro sexo, filhos
de índios aldeados eram entregues ou doados a particulares por várias autoridades locais ou
diretores das aldeias, mas muito casualmente pelos parentes. O presidente Herculano Ferreira
Penna lamenta o fato da maioria das crianças não receberem o benefício da instrução
primária, submetidas que estavam ao trabalho e ao tratamento muito inferiores à sua
condição.
109
Tais denúncias serão mais abundantes na última década do Império, quando
diversas autoridades posicionaram-se contra a escravidão negra e tornaram-se fervorosos
defensores da educação do povo. O Presidente da Província, Alarico José Furtado, anunciou
na fala à Assembléia amazonense de 1881, estarem sob a proteção da Província dois índios
menores, retirados da escravidão. Os pais não foram localizados.
110
No jornal Amazonas, a
exposição de Furtado é reproduzida, quando ele se pronunciou a respeito do “comercio
revoltante de índios”, arrancados de suas malocas ou comprados, e empregados na extração
da goma elástica ou no trabalho doméstico na capital. Os meninos encontravam-se doentes,
vindo um deles a falecer no Hospital de Caridade de Manaus e o outro estava na antiga Casa
dos Educandos, confiado aos cuidados do Vigário Geral. O destino que o aguardava não iria
ser trilhado com menos dificuldades, pois Furtado pretendia interná-lo na “Companhia de
Menores” (Marinheiros), para que se tornasse “um homem util a si e á sociedade”.
111
Em foro privado, o Presidente da Província, em 1882, abordou o tema. Na carta ao
Barão de Loreto, José Paranaguá fez seus desabafos ao ser acusado pela imprensa
amazonense de que estaria empreendendo uma “caçada de menores” pela cidade, ao mandar
a polícia apreender meninos desertores da Companhia de Aprendizes Marinheiros e outros
108
RPPA, 1870, p.22. O Instituto Paraense de Educandos Artífices foi criado pela Lei Provincial n. 660 de
31/10/1870, tendo sido inaugurado dois anos depois.
109
RPPA, 1/10/1853, p.55.
110
RPAM, 27/8/1881.
199
menores desvalidos e vagabundos. Entendia Paranaguá que os verdadeiramente caçados
eram os curumins empregados nas casas das famílias da cidade:
Chamam a isso de caçada, quando não ha aqui casa que não tenha o seu
curumim (menino tapuyo) apanhado nos mattos para servir de criado.
112
Na mesma época, outra importante autoridade referiu-se ao “cativeiro” de
“tapuiozinhos”. O Bispo do Pará, ao defender seu projeto de catequese dos amazônidas
empregando um Navio-Igreja, listou os embaraços à instalação de asilos profissionalizantes
nas aldeias indígenas. O maior obstáculo vinha a ser a obtenção de sacerdotes e de “homens
seculares instruídos e virtuosos, dispostos a largar a comodidade da cidade para viver em
lugares longínquos “para se desvellarem na educação, na instrucção de tappuyosinhos
boçaes, cerrados, grosseiros”. Argumenta, o bispo, que mais fácil era achar em quantidade
“especuladores que os vão reduzir a captiveiro, que os deixem vegetar na estupidez”.
113
A prática de acolhimento de crianças por famílias com melhores condições de vida é
bastante tradicional na sociedade brasileira, constituindo-se nos chamados “filhos de criação”,
caracterizando-se, na maioria dos casos, pela exploração do trabalho da criança, sem o
menor cuidado com a educação escolar. Contudo, a exploração das crianças desvalidas
ocorria sem a máscara do “filhos de criação”. Em 1871, o presidente Miranda Reis pede que
se abra mais espaço na Casa dos Educandos do Amazonas para o recebimento de menores
indígenas catequizados, em estado de orfandade ou desvalidos, pois mestres de obras, dentre
outros “ambiciosos”, utilizavam-se de seu trabalho, sem retribuição alguma. As próprias
autoridades, que deveriam zelar por sua sorte, encarregavam tais pessoas de sua educação.
114
O mecanismo legal da tutela, veiculado pelos juizes de órfãos, permitiu a ocorrência de
inúmeros abusos contra meninos e meninas. Denúncias da exploração do trabalho, dos maus
tratos e da negligência quanto à instrução das crianças estão publicadas nos jornais de Belém
de meados da década de 1880. A prática dirigia-se, em geral, às crianças pobres e órfãs de
pai, provenientes tanto da capital quanto das pequenas localidades.
111
Publicado trecho da Exposição de 7/3/1882, no jornal Amazonas, 14/4/1882.
112
Correspondência entre José Lustosa da Cunha Paranaguá e Franklin Américo de Meneses Doria, Barão
de Loreto, carta de 9/5/1882 (Arquivo Nacional, GF-Coleção Barão de Loreto).
200
Na cidade de Manaus, meninos e meninas indígenas eram os preferidos para servir
nas casas, de acordo com os vários relatos. O uso das crianças podia adquirir a feição de
abuso e ser denunciado na imprensa, quando extrapolava o tratamento socialmente aceitável
ou mesmo, quando o caso chegava nas mãos dos inimigos políticos. O Jornal do Amazonas
veiculou um duro ataque ao médico e ex-deputado liberal, Aprigio Martins, caracterizado
como o “redactor assalariado de “Amazonas”, medico sem clinica e jogador de profissão”.
Segundo o jornal conservador, em sua casa os índios eram maltratados, especialmente as
órfãs que já acolhera. O período era de intensas brigas políticas, devido à volta dos
conservadores ao poder, depois de aproximadamente cinco anos de domínio liberal.
Portanto, estamos cientes de que os “dardos” trocados entre os representantes da imprensa
posicionada eram os mais venenosos possíveis. No entanto, a descrição do trabalho da
pequena órfã nas ruas da cidade resgata cenas da vida das crianças índias, que tudo indica
terem sofrido exploração por parte de ricos e pobres. Diz a gazeta, que o médico,
Tem em casa uma pequena orphã de 7 para 8 anos, que manda para as
tabernas fazendo compras e carrega bandejas de doces, etc, para a taberna e da
taberna para casa. Tem mandado vender doces e frutas nas ruas pelas orphãs
que tem tido em sua casa de onde algumas tem fugido e outras tem morrido.
115
A exploração do trabalho dos meninos nos seringais é igualmente denunciada nos
relatórios. A dificuldade enfrentada pela Companhia de Aprendizes Marinheiros de Manaus
para preencher as vagas era atribuída aos interesses econômicos de “inculcados
protectores”.
116
O problema persistiu ao longo dos anos. Em 1885, o presidente Ferreira Jr.
chega a afirmar que o envio de menores indígenas para a Companhia não iria prejudicar os
interesses dos “potentados” que tinham consigo grande quantidade de crianças índias,
“produto das caçadas que costumam fazer nas malocas”.
117
113
COSTA, Antonio Macedo de, 1884, p.68. O projeto do Navio-Missionário do bispo é descrito no
capítulo 5.
114
RPAM, 25/3/1871.
115
Jornal do Amazonas, 4/3/1886. Em 1880, o Commercio do Amazonas noticiou que Aprigio Martins de
Menezes foi demitido do cargo de diretor geral da instrução pública (27/5/1880). Contudo, o relatório
provincial de 16/5/1881 informa que Menezes pedira exoneração do cargo em abril de 1881 (p.4). Em 1883, o
médico tinha assento na Assembléia Provincial do Amazonas.
116
RPAM, 25/3/1874.
117
RPAM, 25/3/1885.
201
Na Casa maranhense há também indícios do ingresso de meninos indígenas no
extenso relatório de diretor, publicado em 1851. Trata-se de seis “colonos” da aldeia do
Pindaré, que receberam o sobrenome de “Pindaré, ao ingressarem na instituição. Não era só
o fato de não possuírem sobrenomes que os distinguiam dos demais: careciam de “se domar”
aos “usos da civilização” para poderem se dedicar ao aprendizado das primeiras letras. Nos
primeiros tempos de internação, aprendiam apenas ofícios mecânicos.
118
Os índios da
Colônia de Pindaré, provenientes, segundo os relatórios provinciais, da “Nação Guajajaras”
não gozavam de boa reputação nos meios oficiais, tidos pelo padre diretor como possuidores
de má índole, desumanos, supersticiosos, além de não se prestarem ao culto à Divindade e só
terem por veneração a comida. Escreveu o reverendo ao Presidente da Província em 1848,
esperar somente pela mudança da “indole e pessimo natural deste gentios, por meio da
educação dos menores, em o que deposita toda a sua esperança”.
119
Dois meninos “Pindaré” não se adaptaram à instituição, tendo recebido o castigo que
mais temor infundia nas famílias e nos educandos, isto é, o encaminhamento à Armada
Nacional.
120
Uma vez sob o jugo da Marinha, os pais dos aprendizes perdiam o controle
sobre seus destinos, comandados pelo Ministério da Marinha, na Corte. Não é difícil supor
que este tipo de ocorrência tenha inibido a vontade ou a aceitação, por parte das famílias do
aldeamento, em permitir a educação de seus filhos na capital da Província. O motivo do
castigo não é relatado; provavelmente não foram “domados” aos “usos da civilização”, uma
modalidade de conversão que em instituições militarizadas como as Casas de Educandos,
implicava na observância de inúmeras regras extremamente rígidas. O uso do tempo e do
118
No primeiro ano de internação de Servolo Pedro Pindaré e Torquato Celestino Pindaré, todos os
educandos tinham aulas de primeiras letras, com exceção desses dois “colonos”. Os nomes Pedro Pindaré
e Celestino Pindaré foram incorporados no ato da internação.
119
RPMA, 28/7/1848, p.44. Segundo Mércio Pereira Gomes (2002, p.224) a Colônia de São Pedro do Pindaré
aldeava índios Tenetehara, tendo sido a primeira colônia indígena do Maranhão, organizada em 1840, à
margem direita do Rio Pindaré. De acordo com o relatório provincial de 28/7/1848 (p.40), a Colônia contava
em 1848 com uma população de 174 índios. Dentre estes, havia 35 menores batizados, entre um e quinze
anos, e 68 adultos pagãos. Pelos dados apresentados, os pais aceitavam o batismo dos filhos, mas
resistiam à iniciação ao cristianismo: 65% dos adultos eram pagãos, apesar da Colônia ter sido dirigida
desde a sua criação, em 1841, por religiosos. É possível que muitos não concordassem em enviar os filhos
para estudar na capital. A Província tinha 23 aldeias, com um total de 3.273 índios, distribuídas por cinco
Diretorias de Índios. Nos relatórios de 1849 e 1851 do diretor da Casa dos Educandos não há registro da
entrada de meninos indígenas de outras aldeias no estabelecimento.
120
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.77.
202
espaço era ditado pela instituição, e isso para meninos que lá entravam sem saber a idade. Na
Casa de Manaus, por exemplo, a distribuição das atividades diárias no tempo e no espaço era
fracionada em períodos de uma hora, em 1858, e de quinze minutos, em 1889.
José Carlos Barreiro mostra como, no século XIX, o controle do tempo dos
trabalhadores, a partir da uma representação hegemônica burguesa do tempo útil, torna-se
uma estratégia de destruição da representação interna de tempo, trabalho e liberdade dos
homens livres, que resistiam ao ritmo do trabalho contínuo.
121
Observando-se a rotina diária
prevista para as Casas de Educandos, verifica-se que o trabalho era a atividade privilegiada.
À instrução primária era reservada uma carga horária de uma hora e meia a duas horas e meia
diárias, nem sempre nos melhores horários. No Amazonas do final do Império, ela ocorria ao
final do dia, após o trabalho nas oficinas. A do Maranhão, tida como exemplar à época, o
diretor avaliou que uma hora e meia de instrução primária era insuficiente, estendendo-a para
duas horas diárias. Os maiores de quinze anos passaram a freqüentar a “escola” à tarde (de
quatro às seis horas) e os menores, pela manhã, de seis as oito, ou seja, horários que
deixavam o dia liberado para o trabalho.
122
No Pará, os educandos estudavam a noite,
“cansados do trabalho braçal em que se ocupavam durante o dia”, fato que prejudicava
bastante o aproveitamento dos alunos, como reconheceu o Presidente da Província, em 1884.
Admitindo a necessidade de mudar o horário das aulas para o primeiro turno do dia (de seis
às oito e meia da manhã), o Barão de Maracajú transferiu a decisão final para o seu sucessor
na presidência.
123
Nos relatórios da Província do Pará não há quaisquer indícios do atendimento de
crianças indígenas pelo Instituto Paraense. A categoria dos desvalidos era o alvo da
instituição; no máximo, pretendia-se atender aos ingênuos da Lei do Ventre Livre.
124
Seguindo
a tendência das outras Casas, a origem étnica/racial dos educandos não é mencionada.
Seleções de alunos segundo critérios estipulados pelos dirigentes havia, mas se dentre estes se
121
BARREIRO, João Carlos, 1987.
122
FALCÃO, José Antonio, 1849, p.6; Ibid.,, 1851, p.8.
123
RPPA, 24/6/1884, p.56.
124
Marcus Vinicius Fonseca (2000, p.58) observa que provavelmente a Casa do Pará não recebeu verba do
Governo Imperial para o acolhimento de ingênuos, pois não encontrou referências a ela nos relatórios do
Ministro da Agricultura nos anos posteriores a 1876, quando havia sido citada como uma das instituições
que seriam avaliadas para exercer esta função.
203
empregavam critérios de raça e de etnia, só é possível levantar hipóteses. A primeira seleção
era feita por sexo e idade - a formação era dirigida aos meninos e deveria ser iniciada, em
média, entre os sete e doze anos
125
.
Além dos critérios citados, a condição moral do candidato era bastante valorizada,
pois a experiência demonstra que:
“Se alcançarião os fins da Instituição mais promptamente, se de envolta com os
adolescentes que só fossem recebidos, não viessem vadios, rudes e rapazes
eivados de vicios, como a experiencia me tem mostrado que he factivel de
succeder, que ainda he peor do que o recebimnto dos de pequena idade.
126
O autor maranhense deixa claro que o fim da instituição é formar artífices, e não
recuperar ou regenerar “adolescentes” que se desviaram das normas sociais. O movimento
dos alunos, desde a criação da Casa instalada em São Luís, denota que a instituição excluiu
mais alunos do que formou. Dos 225 jovens que por ela passaram, entre 1842 e 1850, 32
saíram “promptos nos officios que aprenderão”, 15 foram “despedidos por castigo”, e 52
foram “demitidos por incapacidade, fisica, ou moral”.
127
Mais do dobro dos considerados
aptos para exercer a função de artífice foi excluída do processo educativo proposto pela
instituição. Percebe-se aqui uma tensão entre os propósitos do Governo da Província e do
diretor da Casa. Este último defendia a formação técnica de bons operários, o que incluía a
capacidade física e moral. As autoridades governamentais tinham fins políticos, usando a
instituição para acolher seus protegidos e para afastar das ruas das cidades os indesejáveis,
como os jovens tidos por vadios e viciosos. O diretor temia que “pessoas dignas de toda a
Consideração” que eram procuradas pelos pretendentes por admissões na Casa “retirassem
o seu favorecimento ao Estabelecimento”, e por isso, ele tentou angariar o apoio do
125
Esta era a faixa de idade a qual se dirigiam os inúmeros manuais de civilidade que surgiram na Europa
até o século XIX, a partir de adaptações feitas ao texto de Erasmo, A civilidade pueril, publicado pela
primeira vez em 1530, com imenso sucesso. Segundo Revel (1992) trata-se de um “breve tratado didático”,
que reformula a própria noção de civilidade, e por três séculos foi o gênero literário que disseminou a
pedagogia das “boas maneiras” (p.171). As regras da civilidade deveriam ser apresentadas prioritariamente
às crianças na faixa dos sete anos (a idade da “razão”) e antes dos doze (e das ameaças da puberdade),
período de aquisição dos rudimentos de leitura, escrita e aritmética (p.177).
126
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.74.
127
Ibid., p.69.
204
Presidente da Província para a exclusão dos que não possuíam “aptidão para a aprendizagem
das Artes e ofícios; e que na mesma razão se permitam ou recusem as admissões”.
128
Falcão chamava a atenção do governo para os prejuízos que a instituição do favor,
amplamente disseminada na sociedade brasileira desde o período colonial, provocava na
proposta pedagógica da instituição. É muito improvável que tenha conseguido o seu intento;
veremos ao longo deste capítulo que o “favorecimento” dominava a seleção daqueles que
deveriam ingressar nas instituições, chegando a ponto de desvirtuar as finalidades de alguns
estabelecimentos, como foi o caso do Asilo de Meninos Desvalidos, destinado a atender
indigentes - os desvalidos, ou seja, aqueles que não tinham proteção de pessoas bem situadas
socialmente - mas que acaba por receber os indicados pelas mais diversas autoridades da
Corte.
Roberto Schwarz (1988), ao analisar historicamente a apropriação da ideologia liberal
pelas elites no Brasil, identifica a prática do favor como um dos fatores que o levaram a
considerar que no “Brasil as idéias estavam fora de centro, em relação ao seu uso europeu”,
pois as instituições do favor e da escravidão se chocavam com a ideologia liberal, escorada
nas idéias de liberdade do trabalho e de igualdade perante a lei.. Prática instaurada com a
colonização, o favor estava referido ao “homem livre”, dependente direta ou indiretamente, da
classe “dos que têm”. Na vida urbana, o favor combinava-se às mais variadas atividades, tais
como, administração, política, indústria, comércio, governando até mesmo, profissões liberais
e operárias.
129
Na medida em que as cidades cresciam, a instrução e a qualificação
profissional tornavam-se imprescindíveis para alcançar-se postos de trabalho, transformando
a possibilidade de ingresso nas instituições em moeda de negociação.
A análise das instituições de formação profissional expõe a penetração da prática do
favor no Estado brasileiro. Se nos primeiros anos de funcionamento, o ingresso numa
instituição pública de preparo para o trabalho podia ser visto como um castigo, superados os
primeiros temores, o passe tornou-se um benefício clientelista. A força de tal prática pode
explicar o afastamento das camadas tidas como inferiores, como os índios e ingênuos, os
128
Ibid., p.74.
129
SCHWARZ, Roberto, 1988.
205
quais, mesmo possuindo a condição primordial para o ingresso (ser livre), em geral, não
tinham protetores. Uma tal ramificação e força na sociedade, levando os governos a burlarem
os seus programas e inclusive a legislação, nos leva a pensar que a instituição do favor não
poderia ter se sustentado com idéias fora do lugar.
Maria Sylvia de Carvalho Franco contesta a tese das idéias fora do lugar,
argumentando que elas pressupõem a polarização entre nações metropolitanas, sede do
capitalismo, e os povos coloniais, periféricos e dependentes. Assim, é estabelecida uma
ordem de sucessão, onde os ditos países atrasados devem progredir rumo aos países
industrializados, sendo estes últimos os responsáveis pelo processo de mudança, decorrente
de sua ação expansionista. O Brasil do século XIX não importou, disseminou e distorceu o
ideário liberal burguês, como pode parecer à primeira vista, pelo amplo emprego das
instituições da escravidão e do favor. O país integrava-se ao modo de produção capitalista, a
partir das relações de mercado específicas, de onde emergiu o conceito de igualdade que lhe
é inerente, porém ajustado à estrutura social e política da sociedade brasileira. O favor surge
como desdobramento da produção lucrativa, e funda as relações entre homens livres,
sustentadas por um sistema de dominação garantido pela ausência de privilégios juridicamente
estabelecidos e encoberto pelas representações igualitárias. O favor se estende às relações
entre elites e Estado, através do clientelismo, que vincula autoridade oficial e influência
pessoal, interesses nacionais e objetivos pessoais.
130
É o que se observa no uso pessoal da
política educacional dos governos provinciais, cujos discursos expressavam os interesses das
províncias, mas as práticas muitas vezes alimentavam a rede de favores aos protegidos. Não
pretendemos confirmar a idéia difundida na historiografia, relativa à educação no século XIX,
do distanciamento entre os discursos e as práticas, no sentido do planejar e não executar.
Programas educacionais foram criados e mantidos por longos períodos, porém dificilmente
resistiam ao apelo clientelista das relações de poder entre homens livres, criando uma
dissonância entre os discursos e as práticas.
130
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho, 1976.
206
A educação para o trabalho nas instituições imperiais
Durante o século XIX surgiram, em todas as províncias do país, dezenas de asilos,
institutos, escolas e externatos destinados à formação profissional de meninos e ao preparo de
meninas nas tarefas domésticas. Alguns autores dedicaram atenção à rígida divisão sexual do
trabalho no período, expressa na educação oferecida pelas instituições e escolas femininas.
131
No âmbito deste estudo, interessa a formação voltada para a clientela masculina,
principalmente o ensino de ofícios manufatureiros. As instituições dedicavam-se ao ensino do
trabalho manual, basicamente relacionado às atividades tradicionais do período, artesanais
e/ou agrícolas. O ensino de ofícios e agrícola era acompanhado da instrução elementar, da
educação religiosa e do ensino de música. Este último oscilava entre o ensino técnico e algo
mais próximo a uma educação moral e disciplinar. Ora tratada como uma oficina a mais,
inclusive com rendimentos decorrentes das apresentações públicas, ora como um instrumento
educacional moralizador e civilizador, a música estava inserida nos programas de todas as
instituições aqui retratadas. O quadro, a seguir, apresenta os programas projetados e/ou
aplicados nas instituições voltadas para o ensino de ofícios retratadas neste estudo.
131
MUNIZ, Paulo Ricardo et al, 199-; BONATO, Nailda Marinho da Costa, 2000; GARCIA, Tania Elisa
Morales, 2000.
207
Programa de ensino de instituições profissionalizantes do século XIX
Instituição Instrução
Asilo de Meninos
Desvalidos
(Rio de Janeiro)
Instituto
Profissional
Masculino em 1894
1875: instrução primária de 1
o
e 2
o
graus: álgebra
elementar, geometria
plana e mecânica aplicada às artes; escultura e desenho; música vocal e
instrumental; artes tipográfica e litográfica; ofícios mecânicos.
1894: Curso de Ciências e Letras: noções elementares de língua
portuguesa, de aritmética, instrução moral e cívica, de língua francesa, de
história e geografia do Brasil, de álgebra e geometria prática, mecânica
geral e aplicada, de física e química práticas.
Curso de Artes: desenho geométrico, de máquinas, de ornatos de figuras;
escultura, música, ginástica, exercícios militares, esgrima e trabalhos
manuais.
Curso Profissional: treinamento nas oficinas.
Casa de Educandos
(Alagoas)
Instrução primária, música vocal e instrumental, ofícios mecânicos.
Casa de Educandos
(Amazonas)
Instituto
Amazonense de
Educandos
Artífices em 1882
1858: ensino de primeiras letras, música, ofícios mecânicos com oficinas
no próprio estabelecimento. A banda de música fazia apresentações nas
festividades da cidade de Manaus e nas solenidades religiosas.
1882: programa de ensino mais amplo, constituído por ensino de primeiras
letras, noções de mecânica aplicada às artes e construção naval, desenho
geométrico, de máquinas, desenho topográfico, de ornato e paisagem;
oficinas (Regul. de 1882). Foram introduzidas também a ginástica e a
aula de desenho; classes de catecismo, vida prática e vida doméstica.
Casa de Educandos
(Ceará)
Instrução primária, desenho (a partir da Resolução 1.042 de 9/12/1862),
ofícios mecânicos
Casa de Educandos
(Maranhão)
1841: primeiras letras e princípios religiosos na primeira parte do dia;
ofícios mecânicos em oficinas externas.
1851: primeiras letras, desenho linear e mecânico, música instrumental.
Aprendem os ofícios de espingardeiro, sapateiro, carapina, surrador,
alfaiate, dourador, coronheiro, escultor e marceneiro. Segundo Gonçalves
Dias, os desenhos e trabalhos de escultura para a decoração do teatro da
Capital foram realizados pelo professor e seus alunos.
1853: música (alunos se exercitavam nas bandas da Guarda Nacional e
na da própria Casa); geometria, mecânica aplicada às artes, aritmética e
noções de álgebra.
1886: criou-se a cadeira de elementos de cálculo, geometria e
trigonometria, geometria descritiva e aplicada ao desenho linear, ao
nivelamento, à agrimensura, perspectiva e arquitetura civil, assim como a
teoria e a prática das regras de cálculo, preparatória para a cadeira de
mecânica aplicada, que seria ministrada na Casa de Fundição (Fonseca,
1886). Segundo Souza Filho (1887), a Casa maranhense mantinha um
programa de ensino voltado para a instrução elementar, música e ofícios
(marceneiro, alfaiate, carpinteiro, sapateiro e pedreiro). Deste modo, o
novo programa não teria sido executado.
Ofícios mecânicos, a princípio em oficinas externas; a partir de 1846, são
criadas oficinas dentro do estabelecimento.
208
Casa de Educandos
(Pará)
Instituto Paraense
de Educandos
Artífices em 1872
1840: ensino primário e de música (se exercitavam na banda da própria
escola). Os educandos, formados oficiais, trabalhavam nas oficinas dos
arsenais de Guerra e Marinha e nas obras públicas.
1842: criada uma oficina de funileiros. Pelo Ofício n.95 de 25/11/1842, o
Presidente da Província manda criar no estabelecimento uma oficina de
marceneiro.
1872: aula de primeiras letras, geometria prática e desenho linear;
desenho e música a partir do início de 1873. Ofícios mecânicos
1886: instrução elementar, aritmética, mecânica, desenho, música e
ginástica. Oficinas: ferreiro, serralheiro, funileiro, sapateiro, curtidor,
marceneiro, torneiro e alfaiate.
Casa de Educandos
(Paraíba)
1865: prevista no regulamento de 6/12/1865 a criação de oficinas de
alfaiate, sapateiro, ferreiro, marceneiro, serralheiro e tanoeiro.
1871: em funcionamento as oficinas de alfaiate e sapateiro; instrução
primária e aula de música.
Casa de Educandos
(Piauí)
1849: primeiras letras, religião, exercícios militares necessários a um
Guarda Nacional (Regul. 1849).
1853: lei autorizou o engajamento de um professor de música.
Ofícios mecânicos
Casa de Educandos
(São Paulo)
Instituto de
Educandos
Artífices em 1874
1840: ensinar a ler, escrever, contar, noções gerais de aritmética,
gramática, álgebra e geometria.
1874: exercícios militares, música, primeiras letras, geometria e mecânica
aplicada às artes, noções gerais de aritmética e álgebra, desenho,
ginástica, natação, jogo de armas (Regul. 1874).
Ofícios mecânicos
Casa Pia
(Bahia)
Educação literária, moral, religiosa e física; treinamento para trabalhos
braçais, regras sociais (noções de virtude e vício, decoro, ações lícitas e
ilícitas, amor ao trabalho), ensino profissional e de música.
1828: programa de ensino dividido em nove anos: ensino de tática militar
elementar, doutrina cristã, urbanidade, leitura e escritura portuguesa,
operações fundamentais da aritmética, gramática e língua portuguesa,
gramática e língua francesa ou inglesa.
1863: manteve somente o ensino elementar de quatro anos,
acrescentando-lhe o desenho linear (Estatutos 1863).
Ensino de ofícios em oficinas internas e externas, aprendizado em
fábricas e no comércio.
Colônia Isabel
(Pernambuco)
Três aulas: 1
a
- escrita, leitura e princípios de aritmética; 2
a
- escrita,
leitura, aritmética até as frações ordinárias inclusive; 3
a
- leitura, escrita,
gramática nacional e aritmética até as frações decimais inclusive.
Aula de música.
Ofícios mecânicos e agricultura; trabalho no engenho da Colônia.
Fontes: relatórios provinciais e institucionais; regulamentos; Alfredo Eurico R.Matta (1996); Celso Sukow da
Fonseca (1986); Luiz Antônio Cunha (1979); Luiz Carlos B. Lopes (1994); Tarquinio Souza Filho (1887);
Antonio Gonçalves Dias (1989[1852]), frei Fidelis Fognano (1877, 1889); José Antonio Falcão (1849, 1851).
209
O ensino nas primeiras Casas de Educandos, surgidas na década de 1840, restringia-
se à instrução elementar ministrada nas escolas públicas da época, ou seja, leitura, escrita,
aritmética e princípios religiosos. O ensino de ofícios era totalmente prático, aprendido na
execução das tarefas, como ocorria desde o período colonial nas oficinas de artesãos que
admitiam aprendizes. Na década seguinte, praticamente todas as instituições adotaram o
ensino da música, levando alguns institutos a verdadeiros sacrifícios para manter os
professores e comprar instrumentos na Europa. O ensino da música passa a ser percebido
como de “reconhecida utilidade (...) n'um Instituto d'esta natureza”.
132
A relação entre música
e prevenção da criminalidade é feita pelo Presidente da Província do Amazonas, o tenente-
coronel Wilkens de Mattos, que após afirmar que os “nossos jovens são mui habeis para a
musica”, conclui que “o musico raras vezes commete crimes atrozes”. O ensino da música era
muito valorizado na Casa. Os instrumentos eram periodicamente substituídos, feitas as
encomendas em outras províncias e países europeus. A banda fazia apresentações em
solenidades públicas e particulares.
133
A habilidade especial para a música foi igualmente
ressaltada no caso do Instituto Providência, voltado para o ensino de ofícios mecânicos e de
agricultura a meninos índios e desvalidos do Pará e do Amazonas.
134
Desde a ação pedagógica jesuítica do Brasil Colonial, a música foi um importante
instrumento de educação civil e religiosa, pela atração que exercia sobre os índios. No
contexto das instituições imperiais de formação profissional, o modelo utilizado parece ter sido
o das instituições militares. Os arsenais tinham as suas bandas de música, onde aprendizes
ingressavam. As Casas de Educandos formaram as suas bandas, que constituíram mais uma
fonte de renda, oriunda da participação em diversas solenidades, inclusive em festas religiosas,
enterros, etc, sendo que as apresentações feitas a pedido dos governos não eram cobradas.
A participação em festas e atividades culturais da cidade sem dúvida representou um
importante fator de motivação e atração para o aprendizado da música.
Rapidamente a banda da Casa de Educandos de Manaus assumiu importante posição
nas festividades da cidade. O jornal Estrella do Amazonas noticiou, em 1859, os progressos
132
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1877, p.5.
133
RPAM, 4/4/1869.Sobre o ensino da música na Casa dos Educandos, ver PÁSCOA, 1996.
210
da banda dos educandos, percebidos na festa da Immaculada Conceiçáo de Nossa
Senhora.
135
Pelo citado jornal, onde se publicava o expediente do Governo da Província,
pode-se acompanhar a trajetória da banda entre 1858 e 1861. São vários os ofícios
solicitando os seus serviços para os mais diversos festejos, tais como a Procissão de São
Sebastião (1860), o baile dado pela Sociedade Recreação Familiar Amazonense em sinal de
regozijo ao aniversario natalício de S.M. o Imperador (1860), a festa da Imaculada
Conceição de Nossa Senhora (1859), a festividade de São João Batista da guarda nacional
do município da capital (1860), entre outras.
Dois anos após a criação da Casa amazonense, os meninos músicos se empenhavam
nas apresentações, tendo o governo já estabelecido uma tabela dos preços da música dos
educandos, referida às festividades para que fosse convidada.
136
A banda vinha tocando em
diversas festas religiosas e era uma das atividades das mais valorizadas na Casa e no seu
entorno, representado pelos setores públicos e particulares, religiosos e populares. A música
dos educandos era presença indispensável nos festejos oficiais, como o aniversário da
independência do Brasil. Requisitada para todos os tipos de cerimônias e festas da Província,
a música permitia aos educandos participarem da vida social de Manaus e até de vilas
próximas. Em 1861, o presidente determinou que a banda seguisse para a vila de Serpa, para
tocar durante a festa do Espírito Santo, correndo as despesas e o pagamento por seus
serviços por conta do respectivo festeiro.
137
A música dos educandos alegrava as noites de
domingo da família do Presidente da Província e simbolizou os encantos da civilização junto
aos índios por ocasião da viagem do presidente ao interior da Província.
138
O casal Agassiz relata que ao voltar de canoa de um jantar, ouviu uma banda de
música, onde dominavam as “violas plangentes”. Os “órfãos da escola de índios”, retornavam
da cidade, após tocarem sob as janelas presidenciais, como faziam todos os domingos e
feriados. Os meninos, ao avistarem o casal, se levantaram na embarcação (“piroga”),
134
Instituição criada em 1882, no Pará, pelo bispo Antônio Macedo Costa. O Instituto é retratado no
capítulo 5, relativo a projetos educacionais dirigidos a crianças indígenas.
135
Estrella do Amazonas, 28/12/1859.
136
Estrella do Amazonas, jornal de 14/04/1860, expediente de 23/02/1860.
137
Estrella do Amazonas, jornal de 22/05/1861, expediente de 09/05/1861.
138
A respeito da viagem do Presidente Domingos Jacy Monteiro ao interior da Província, em companhia
dos músicos educandos, ver capítulo 4.
211
produzindo um efeito encantador ao luar, todos vestidos uniformemente de branco. No mês
seguinte, banda tocou para 200 convidados na “festa campestre” realizada na Casa de
Educandos, decorada ao estilo tropical. A festa fora oferecida pela Presidência da Província
em homenagem ao casal.
139
A banda do Instituto Paraense também ocupava uma posição importante nas festas
religiosas e populares. Na programação do Círio de Nazaré, do ano de 1879, consta a
participação da banda, não só na procissão que acompanhou a imagem da Virgem pelas ruas
de Belém, mas também nos quinze dias de festejos.
140
Nas solenidades de cunho oficial, a
música dos educandos tinha presença obrigatória, como no aniversario da adesão da
Província à Independência e ao Império ou no aniversario da extinção da escravidão.
141
A
banda era igualmente requisitada para os festejos particulares, a convite das famílias, as quais,
segundo um deputado da Assembléia paraense, preferiam a banda de música dos educandos
às dos batalhões da guarnição. Um ou mais meninos podiam ir tocar nas casas particulares.
Um exemplo foi o de D.Maria Malcher, que solicitara à presidência seis músicos do
estabelecimento para tocar em sua casa, sinalizando o presidente no ofício ao diretor que
ficaria imensamente agradecido por este “favor”.
142
Contudo, os deputados mostraram-se
incomodados com um outro aspecto da preferência pela banda, como a participação em
139
AGASSIZ, Luiz e Elizabeth Cary, 1975, p.170 e 176. O casal visitou os educandos em 1865. O
estabelecimento distava vinte minutos de canoa, do centro de Manaus, e as “salas são arejadas e
espaçosas e a localização é admirável” (Idem).
140
No programa da procissão, a banda dos educandos está situada logo após o carro precursor. Os
aprendizes marinheiros também deviam acompanhar o cortejo, após o carro dos milagres e o escaler do
brique S. João Baptista, carregado no ombro pela tripulação, em homenagem ao salvamento dos náufragos.
O programa foi enviado ao Ministério do Império pelo Bispo do Pará, D. Macedo Costa (Ofício de
16/10/1879. Arquivo Nacional), que o considerava um confronto à sua autoridade, uma festa civil, pois
havia proibido a procissão e, por conseguinte, a participação de sacerdotes, por discordar da liderança da
Irmandade de N.S. de Nazareth no planejamento e na realização da festividade (o termo festa civil foi
empregado por D. Macedo Costa, em carta ao Bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda, datada
de 4/8/1879. Arquivo da Arquidiocese do Rio de Janeiro). Contra a vontade do bispo, a festa do Círio de
1879 realizou-se, com o apoio da Presidência da Província e da polícia.
141
Minuta de ofício da Presidência do Pará ao diretor do Instituto Paraense de Educandos Artífices,
9/8/1887, 9/5 e 11/5/1889; Ofícios da Presidência do Pará ao diretor do Instituto Paraense de Educandos
Artífices entre maio e junho de 1888, referentes a diversos convites de comemorações em prol da lei
abolicionista (Arquivo Público do Pará).
142
Ofício da Presidência do Pará ao diretor do Instituto Paraense de Educandos Artífices, 14/5/1888
(Arquivo Público do Pará).
212
divertimentos chinfrins, provavelmente festas promovidas por populares, contrapostas aos
festejos de família.
143
O convívio dos educandos músicos junto aos eventos sociais de Belém trouxe
preocupações de ordem moral e disciplinar aos governantes e legisladores. A agenda de
apresentações acarretava a quebra da rotina institucional, ao exigir a presença dos educandos
em locais que de outro modo jamais freqüentariam e em horários que fugiam à rígida
distribuição do tempo nas instituições asilares. Na discussão legislativa sobre a reforma do
Instituto Paraense condenou-se a presença da banda de música em “divertimentos pouco
decentes”. A defesa da “moralidade do estabelecimento” levou o orador a confirmar a seus
pares que,
“Aquillo é um estabelecimento de educação, não é casa de negocio. O resultado
de se contratar a banda para tocar em festas era a quebra da disciplina, a
entrada altas horas da noute para o estabelecimento, a occasião dada á
embriaguez e aos outros vicios.”
144
A tentativa da comissão de reforma do Instituto em introduzir a “inovação da
orquestra” no regulamento foi condenada por um deputado liberal, pelo perigo de sua
utilização em divertimentos noturnos, como teatros e bailes.
145
O regulamento, mandado
executar pelo presidente Barão de Maracajú, em junho de 1883, manteve a criação da
orquestra, proposta pela comissão de reforma do estabelecimento, composta por deputados
conservadores, dentre eles dois religiosos.
Os tumultos da cidade representavam outro aspecto dos riscos da exposição dos
educandos aos locais públicos. Respondendo a oficio do presidente, o diretor relata que no
conflito ocorrido na rua dos Mercadores, as 10 e meia da noite, soube por fontes não
suspeitas que os educandos foram atacados por pessoas embriagadas que os queriam forçar
a tocar em uma passeata. Os músicos tocaram na Sé, dirigidos pelo educando que servia de
contra-mestre e pelo agente. O agente, posição ocupada por um educando, era pessoa de
confiança do diretor e provavelmente a principal testemunha de sua sindicância. O diretor
termina pedindo ao presidente a diminuição da participação da música do estabelecimento
143
A Constituição, 29/5 e 31/5/1883 (Assembléia Legislativa Provincial, sessão ordinária de 31/3/1883).
144
A Constituição, 31/5/1883 (Assembléia Legislativa Provincial, sessão ordinária de 31/3/1883).
213
nestes festejos, pois os educandos sofreram contusões e foram obrigados a se retirar
rapidamente do local.
146
Na medida em que outras instituições de ensino musical foram
surgindo, ao final do século, as bandas das Casas de Educandos perderam espaço para
outros grupos musicais.
O gosto pela música levou frei Fognano, diretor da Colônia Isabel de Pernambuco, a
utilizá-la como instrumento de coerção, concedendo o seu estudo aos colonos de boa
conduta. A valorização da música fez com que os “Revds. Director, Economo e Mordomo
mui espontaneamento [cedessem] para este fim as respectivas gratificações a que tinham
direito”. Mesmo com as dificuldades financeiras que enfrentava o estabelecimento, o diretor
informa que comprara mais 36 instrumentos, vindos da Itália.
147
A tabela a seguir demonstra
que a música, ao menos quando foi adotada, contou com um grande número de colonos.
Número de alunos por aula oferecida na Colônia Orfanológica Isabel - PE
Aulas 1876 1886 1888
Com principio de leitura e escrita - 18 56
Com principio de leitura escrita e conta 32 57 42
Com leitura, conta e princípios de gramática 30* 18 46
Gramática nacional e aritmética 17 30 15*2
Não freqüenta - - 8
Total de alunos 79 123 167
Com geometria e geografia - 12 -
Com música 57 55 46
Solfejo - 23 -
instrumental de música - 32 -
Fontes: Relatório da Colonia Orphanologica Izabel (1886) apud Celso S. Fonseca
(1986); frei Fidelis Foganano (1877, 1889).
* Escrita, leitura, aritmética até as frações ordinárias inclusive.
*2 Leitura, escrita e princípios de aritmética
A Colônia foi a única instituição sobrevivente à década de 1870 que não atualizou o
programa de ensino, mantendo-o no nível elementar. O fato pode ser explicado por ela ter
145
A Constituição, 29/5/1883.
146
Ofício do diretor do Instituto Paraense de Educandos Artífices ao Presidente do Pará, 27/11/1880
(Arquivo Público do Pará).
147
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1877, p.5.
214
sido uma instituição também voltada para a formação de lavradores, importando mais o
aprendizado prático, e por sua localização fora da área urbana, esperando poder inserir os
ex-colonos nas áreas rurais. As outras instituições estavam instaladas nas capitais, onde o
mercado de trabalho tendia rumo à especialização da ocupação, exigindo dos trabalhadores
novos conhecimentos técnicos.
As instituições que se mantiveram em funcionamento, após 1870, acrescentaram
novas matérias ao seu currículo, muito embora se mantivesse a estrutura da educação
ministrada até então. Até a década de 1880, a maioria das instituições já oferecia cadeiras de
apoio ao ensino de ofícios, como geometria, mecânica aplicada às artes, noções de álgebra e
desenho linear. A ginástica foi incorporada aos currículos, particularmente nas duas últimas
décadas do século XIX - não só o intelecto deveria ser cultivado - a intervenção dirigia-se ao
corpo e à mente.
As aulas garantiam a instrução para o exercício dos ofícios manufatureiros, mas a
educação moral e disciplinar manteve-se atrelada aos princípios de duas instâncias que
serviram de molde para as casas, os asilos, os institutos, etc: a religiosa e a militar. Os
princípios religiosos e os exercícios militares orientavam a educação dirigida aos meninos,
sendo mesmo a base educacional nos primórdios da criação dos estabelecimentos. Serão
mantidos nas décadas posteriores, mas não dominarão o ensino. A Casa Pia, uma instituição
que seguia rigidamente os princípios religiosos do claustro, se viu obrigada nos idos de 1860 a
começar a rever o regime claustral que impunha aos internos, levando os aprendizes ao total
despreparo no enfrentamento do mundo do trabalho.
148
Este mesmo regime foi criticado pelo
Governo de Pernambuco, ao extinguir a Colônia Isabel em 1894.
149
A missão a que se propunham estas instituições estava direcionada ao ensino de
ofícios aos meninos desvalidos e à formação do trabalhador moralizado e disciplinado. Os
trabalhadores destinavam-se às oficinas de artesãos, ao comércio e em menor escala, às
fábricas, pois o trabalho fabril era incipiente em meados do século XIX. A formação do
148
Nos Estatutos de 1863, reduziu-se o caráter claustral, mantendo-se a educação religiosa; previu-se a
criação de oficinas próprias e a ampliação da formação profissional (MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues,
1996, p.64).
149
FONSECA, Celso Sukow da, 1986, p.119.
215
operário fabril e das demais categorias era feita no próprio ambiente de trabalho. Crianças de
asilos e filhos de pais pobres aprendiam o ofício na fábrica e alguns industrialistas
complementavam esta “formação”, proporcionando a instrução primária aos jovens
trabalhadores.
150
Nas últimas décadas do século houve um crescimento da atividade fabril,
mas as instituições profissionalizantes aparentemente continuaram a oferecer as mesmas
ocupações.
A tradição do aprendizado no próprio local de trabalho foi mantida pelas primeiras
instituições de ensino de ofícios. A mais antiga, a Casa Pia, passou cerca de 50 anos de sua
existência enviando seus órfãos para se “empregarem” como aprendizes em oficinas
particulares, oficinas mecânicas do arsenal de Guerra, fábricas e casas de comércio na cidade
de Salvador e localidades próximas. O número de aprendizes externos chegou a ultrapassar o
do que internos. Por exemplo, em 1863, havia 89 órfãos internos e 120 aprendendo diversos
ofícios com particulares.
151
Somente em 1871, a mesa diretora providenciou a instalação de
oficinas próprias, as de tipografia, funilaria e posteriormente, de sapataria, alfaiataria e
marcenaria. No entanto, aprendizes continuaram a ser enviados para os locais de trabalho,
pois havia várias outras ocupações não oferecidas pela Casa, especialmente os ofícios
fabris.
152
O escopo de atividades em que se ocupavam os órfãos era enorme, não apenas
limitado a algumas modalidades de trabalho manual, como ocorria geralmente nas instituições
que tinham suas próprias oficinas.
As Casas de Educandos do Maranhão, São Paulo e Pará, criadas no início da
década de 1840, também promoviam a formação de artífices em oficinas externas. Sendo
instituições governamentais, a tendência era enviar os meninos para as oficinas do governo,
150
A localização de fontes referentes a estas experiências é muito difícil. Encontramos indicações em um
relato. Trata-se do livro de Van Halle (1876), o qual, após visita à “imperial fabrica de cigarros e charutos da
rua da Ajuda, fundada pelo Sr. José Miguel Lizaur”, mostrou-se encantado pela ordem e disciplina que
reinava na escola noturna da fábrica carioca, onde cem jovens na faixa de oito a dezesseis anos, pela maior
parte órfãos e crianças abandonadas, aprendiam a ler e a escrever (p.5).
151
Ibid., p.64.
152
Em 1845, foram criadas oficinas de sapataria e alfaiataria, para atender a demanda interna de roupas e
calçados, fechadas em 1847, por terem provocado aumento nos custos da Casa e terem diminuído a sua
capacidade de atender asilados, segundo argumentação da Mesa (MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues,
1996, p.132).
216
como aos trens dos arsenais de Guerra.
153
As instituições governamentais atendiam à demanda
de mão-de-obra dessas oficinas, inclusive, muitos arsenais do país tiveram as suas
Companhias de Aprendizes Artífices. A Casa Pia, não por acaso, foi instalada próxima ao
trem militar, onde órfãos iam aprender ofícios mecânicos. Embora se tratasse de uma
instituição religiosa, o apoio do Governo da Província era importante para sua manutenção.
Nos primeiros anos de funcionamento da Casa maranhense não havia oficinas; o ensino de
ofícios era feito no arsenal, em obras públicas e particulares. No estabelecimento de São
Paulo, também criado em 1840, o aprendizado ocorria em oficinas particulares e fábricas.
Mas a relação entre a formação dada pelas Casas de Educandos e a demanda do mercado
de trabalho das cidades onde foram instaladas não está clara.
A prestação de serviços às instituições militares era realizada por algumas Casas de
Educandos. Na primeira Casa criada no Brasil, a paraense, só havia três oficinas internas,
sendo que duas delas serviam ao exército e à polícia - a de alfaiate, que confeccionava
fardamento para as duas instituições, e a de espingardeiro, onde os educandos faziam a
manutenção do armamento. Existia ainda a de sapateiro, onde os aprendizes percebiam um
terço do seu produto, o que indica que recebiam encomendas externas.
154
No entanto, a
maior parte da formação era feita em oficinas externas. O Instituto Paraense, fundado muitos
anos após a extinção da Casa de Educandos, adotou o modelo de ensino intramuros, tendo
criado cinco oficinas em suas instalações. Todavia, a relação com as instituições militares se
manteve, não mais como empregadores, mas como principais consumidores dos produtos de
suas oficinas. No ano de 1880, além do próprio Instituto, que absorvia produtos de todas
elas, o corpo da polícia e o arsenal de Guerra foram os maiores compradores das oficinas de
alfaiates e sapateiros. Particulares também faziam encomendas, garantindo à oficina de
marceneiros o seu maior ganho. Já as de ferreiros e funileiros abasteciam principalmente o
estabelecimento dos educandos, não deixando de produzir para clientes externos.
155
Alguns
153
Trem militar era o antigo nome dado às oficinas do exército, onde aprendizes recebiam treinamento nos
ofícios mecânicos.
154
CUNHA, Luiz Antônio, 1979, p. 9.
155
RPPA, 12/1/1881, Anexo LIX. Essas oficinas foram mantidas durante o período imperial de
funcionamento da instituição. Ver, no anexo nº 13, tabela com oficinas e número de aprendizes.
217
anos depois, as oficinas tinham novos clientes: a companhia de bombeiros, o Liceu Paraense e
o Palácio do Governo.
156
O aprendizado fora dos muros das instituições trazia problemas para a formação dos
alunos, denunciados nos relatórios dos dirigentes. Ao final da década de 1840, o alferes que
dirigia a Casa maranhense condenou o “methodo” do “ensino externo” por desvantagens
morais, artísticas e econômicas. O uso dos aprendizes para a realização dos trabalhos
domésticos dos mestres, o convívio com os maus exemplos nas ruas e nas oficinas, “onde
vêem e ouvem o que não convem”, levou o diretor a defender a necessidade de colocar o
(...) menino (...) debaixo da influencia de huma tutela bem faseja que saiba
inocular em seu espirito as doces affeiçoens, e os sentimentos do dever e da
virtude.
157
A solução seria a criação de oficinas “de menor dispendio, e de mais pronta
execução”, como as de alfaiates, sapateiros, latoeiros e espingardeiros. A partir de 1846,
várias oficinas foram instaladas na instituição. A alfaiataria recebeu o maior impulso,
absorvendo aproximadamente metade dos 60 internos em 1848. Uma década depois, em
1861, a maior parte dos educandos maranhenses freqüentava oficinas relacionadas às artes do
vestuário e da construção, o que, para Celso Fonseca, demonstra as limitações da indústria
da época no Maranhão.
158
O grupo vinculado à alfaiataria era o maior (63 alunos de um total
de 111); esse dado pode ter outras significações não apontadas por Celso Fonseca, como
por exemplo, o costume de enviar os jovens “de idade muito tenra, e alguns achacados, ou de
constituição debil” para esta oficina. Meninos a partir dos oito anos já aprendiam o ofício de
alfaiate, ao contrário das outras oficinas que geralmente recebiam jovens a partir dos doze
anos.
159
A Casa atendeu ainda à solicitação do governo provincial para a formação de mão-
de-obra especializada na navegação a vapor nos rios da Província, enviando doze alunos da
Casa dos Educandos ao Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, a fim de aprenderem o ofício
de maquinista, a bordo dos vapores da Armada Nacional, com a autorização do Governo
156
RPPA, 20/10/1887, p.69.
157
FALCÃO, José Antonio, 1849, p.42.
158
FONSECA, Celso Sukow da., 1986, p.51.
159
Ver quadro no anexo nº 17 (número, idades e ofícios dos educandos maranhenses em 1848).
218
Imperial.
160
Em 1886, a Casa maranhense mantinha o mesmo programa de ensino, voltado
para a instrução elementar, música e ofícios relacionados ao vestuário e à construção
(marceneiro, alfaiate, carpinteiro, sapateiro e pedreiro), atendendo a 155 meninos.
161
Portanto, a partir da década de 1870, os estabelecimentos tendem a possuir as suas
próprias oficinas, evitando que o aprendiz mantivesse contato com companhias indesejáveis e
fosse seduzido pelas atrações das ruas - a liberdade é a primeira delas, em contraste com as
normas rígidas e com o controle exercido pelos estabelecimentos sobre a vida dos internos.
Pará e São Paulo tiveram seus antigos estabelecimentos de educandos fechados. Os
novos Institutos de Educandos Artífices surgem, no início da década de 1870, totalmente
desvinculados da experiência anterior, inclusive com novas instalações e endereço, adotando
o “método” do ensino ministrado dentro dos muros da instituição. O Presidente da Província
do Pará cita como modelo para a criação da “instituição” o estabelecimento do Maranhão, o
qual “produz magnificos resultados” e que teria servido de modelo ao estabelecimento do
Amazonas.
162
Nenhuma referência é feita à antiga Casa dos Educandos Artífices.
A Colônia Orfanológica Isabel, criada no mesmo período dos Institutos, oferecia o
ensino de ofícios artesanais e do trabalho agrícola, dentro da área da instituição, como era de
praxe ocorrer nas colônias agrícola-industriais. Os alunos se dedicavam ao aprendizado nas
oficinas, ao trabalho agrícola e ao fabrico do açúcar. Alguns deles eram ajudantes na padaria,
na destilaria (produção de álcool e aguardente) e na serraria, de onde foram afastados em
1888, pois a experiência mostrou ser inconveniente permanecerem em lugares distantes,
“onde não podem ser devidamente vigiados”.
163
A atividade principal da Colônia era o
fabrico de açúcar, onde os colonos trabalhavam doze horas por dia, deixando-os
demasiadamente fatigados, segundo o diretor, frei Fidelis Fognano, que resolvera revezar as
diversas turmas de seis em seis horas, durante o dia e a noite.
164
Sendo a produção de açúcar
a principal atividade econômica da Província, a instituição pretendia preparar agricultores,
especialmente os ingênuos, expectativa manifestada pelo diretor em 1876:
160
FONSECA, Celso Sukow da., 1986, p.48.
161
SOUZA FILHO, Tarquinio de, 1887, p.96.
162
RPPA, 1870, p.22.
163
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1889, p.8.
219
“Não tem elle (o Governo Imperial) por ventura os ingenuos a quem
brevemente deve tratar de dar uma educação para d'elles fazer agricultores?
Não tem por conseguinte de procurar abrir casas de educação da natureza d'este
Instituto para n'ellas recolher estas crianças, que trazem comsigo a unica
esperança que sustenta a agricultura n'estas Provincias do Norte? Pois bem, o
Governo Imperial além de ter n'esta nascente Colonia um pequeno ensaio do
que terá de fazer, se coadjuvasse certa e efficazmente esta obra grandiosa não
teria ao mesmo tempo á sua disposição um vasto estabelecimento para n'elle
recolher centenares d'esses ingenuos, que um dia não muito remoto terão de
occupar seus maiores cuidados?”
165
O atendimento aos ingênuos foi insignificante em relação ao número de crianças
nascidas após a Lei de 1871, como já demonstramos. O papel exercido pela instituição ficou
reservado à preparação para o trabalho de meninos potencialmente inúteis para a Província.
Superar a ameaça da ociosidade e da falta de braços, transformando órfãos e desvalidos em
colonos, foi um objetivo que ajudou a manter a credibilidade da Colônia até o final do
Império. O diretor defendeu a “colonização” da Província pelo preparo de crianças no
“Instituto”, tornando possível a sujeição, desde cedo, ao principal gênero de agricultura
comercial de Pernambuco: o cultivo da cana de açúcar.
“Varias experiencias se tem tentado para introduzir colonos, mas até hoje
pouco ou nenhum resultado tem ellas dado, quer seja porque o clima não é
muito favoravel ao estrangeiro laborioso, quér seja porque não querem elles
subjeitar-se ao unico genero de agricultura até hoje cultivado, a plantação da
canna de assucar, o facto é, que mui poucos colonos existem n'esta Provincia,
entretanto que a cada passo se encontram meninos que vivem na maior miseria
e abandono, e por conseguinte na ociosidade, os quaes recolhidos em tempo a
um Instituto d'esta natureza, poderiam vir a ser homens morigerados e
trabalhadores, e d'este modo ser aproveitados.”
166
A exploração do trabalho dos internos efetivada na instituição - é bom lembrar que a
produção da usina de açúcar era vendida na região, sendo a aguardente produzida na
destilaria considerada de “excelente qualidade” e preferida sobre outras “oficinas” -o era
diferente da praticada pelos donos de engenhos, onde as crianças trabalhavam junto aos
adultos, aprendendo no exercício da ocupação, como ocorria na Colônia. Após a abolição,
164
Ibd., p.13.
165
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1877, p.14.
166
Idem.
220
esta prática se manteve praticamente irredutível até a atualidade
167
. A Colônia, de certa
forma, ocupava o lugar da família nesta iniciação ao tutelar crianças e jovens, órfãos ou não.
Os trabalhos do Congresso Agrícola de Recife de 1878, analisados por José Carlos Barreiro,
expressam enfaticamente a preocupação dos senhores de engenho com a rejeição dos
homens livres à atividade agrícola. Reclamavam que os arredores dos engenhos estavam
sempre abarrotados de “vadios” e “ociosos”, homens livres “que não acediam contudo ao
trabalho de roçar, plantar, limpar e colher, provocando prejuízos de grande monta”.
168
Outra dificuldade apontada pelos fazendeiros era a resistência do homem livre
despossuído em manter um ritmo continuado de trabalho, nos períodos quando a
intensificação do trabalho nas plantações se tornava necessária. Os proprietários viam nesta
resistência um empecilho para a formação do hábito do trabalho “continuado e aturado”, o
que os levou a elaborações ideológicas, associando o trabalho à civilização e o ócio à
barbárie. Propostas de mudanças na legislação para combater a vagabundagem, garantida
pela chamada “liberdade” do cidadão foram apresentadas. Percebiam na instrução primária e
nos ensinamentos da religião a possibilidade de vincular a noção de trabalho à idéia de
liberdade e independência e da introjeção de noções como a idéia de tempo útil. Estratégias
de controle do espaço foram adotadas na época, como o recrutamento forçado, o combate
ao nomadismo e a criação de colônias para o adestramento de crianças ao trabalho.
As preocupações com a formação de lavradores vinham de toda a parte. A produção
de textos sobre o tema é significativa no Império. Todavia, esta produção discursiva não
encontrou paralelo nas ações. Pouquíssimas colônias agrícolas surgiram neste período e
muitas vezes, por um curto período de tempo. O governo paraense, por exemplo, chegou a
fundar a “Escola Rural D. Pedro 2º”, em 1861, para o treinamento de meninos órfãos e
desvalidos, sobretudo os indígenas, no cultivo da cana e na criação de gado. Contudo, a
167
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1889, p.8.
O programa de bolsa escola implantado na Zona da Mata pernambucana pelo Governo Federal em 1997
retirou uma significativa parcela das crianças em idade escolar obrigatória do trabalho nos canaviais,
amenizando o sofrimento de alguns milhares de pequenos trabalhadores, mas não mexeu na estrutura
fundiária da região, onde crianças continuam a ser exploradas no trabalho, como também os adolescentes
dispensados do programa por atingir a idade limite.
168
BARREIRO, José Carlos, 1987, p.137.
221
experiência foi minguando, provavelmente por desinteresse das famílias.
169
O investimento
estatal se concentrou nas instituições urbanas. Com exceção da Casa Pia da Bahia, que
preparou jovens para o trabalho no comércio, todas as outras instituições dedicavam-se ao
ensino de ofícios mecânicos. As tabelas em anexo mostram a preferência dada pelos asilos
em termos de profissões.
Verifica-se, nas instituições, uma seleção de oficinas que privilegia os ofícios de
alfaiate, sapateiro, marceneiro e carpinteiro. A alfaiataria foi a que concentrou maior número
de aprendizes em vários estabelecimentos. A documentação indica que ela podia receber
alunos de constituição física mais frágil, pela idade ou pelo desenvolvimento físico do menino.
Pela origem social dos meninos e pelos flagelos sofridos pela população nortista ocasionados
pelas grandes secas, supõe-se que muitos chegavam aos estabelecimentos acometidos de
desnutrição.
170
O diretor da Casa de Educandos do Maranhão relata que encaminhava os
meninos menos aptos fisicamente para a alfaiataria, oficina que concentrou grande número de
alunos durante a existência da instituição. Há outros fatores a considerar: a alfaiataria produzia
fardamento para uso interno (para os educandos) e externo (corporações militares).
Possivelmente o seu custo era menor, por exigir maquinário pouco complexo e matéria prima
mais barata do que as outras oficinas.
Na Casa de Manaus, os aprendizes produziam as peças para o provimento interno e
externo, desde o primeiro ano de funcionamento do estabelecimento.
171
O Governo da
Província não deixava de recorrer à Casa dos Educandos quando necessitava de auxílio nas
áreas em que podiam contribuir. Assim, o estabelecimento colaborou na composição do
acervo amazonense para a exposição nacional de indústria, realizada na capital do Império,
169
PARÁ. Regulamento de 1/5/1861, "Crêa a escóla rural de D. Pedro 2º”.
170
Os falecimentos ocorridos na Companhia de Aprendizes Marinheiros de Manaus, entre 1882 e 1885,
resultaram de doenças relacionadas à alimentação insuficiente ou inadequada, tais como, anemia,
gastrenterite, tuberculose e pneumonia. Para o comandante, as doenças eram provocadas pelo hábito que
os meninos traziam de comer terra, isentando a Companhia de qualquer responsabilidade pelo estado de
saúde dos aprendizes (RPAM, 21/9/1885, p.66). Embora as instituições civis não apresentassem este
quadro, sendo raros os falecimentos, é bem provável que, mesmo com a seleção que dispensava os
fisicamente debilitados, entrassem crianças com algum grau de desnutrição, pelos motivos apresentados
acima.
171
RPAM, 7/8/1858, anexo G, p.2.
222
em dezembro de 1861. A Casa ofertou amostras de diversos tipos de madeiras da região à
Comissão do Amazonas, chefiada por Gonçalves Dias a pedido do presidente.
172
O Instituto Amazonense restabeleceu as oficinas tradicionais dos estabelecimentos de
educandos, tais como, as de alfaiate, sapateiro, marceneiro, torneiro e ferreiro. A maior
concentração de alunos pequenos ocorria na alfaiataria, muitos deles, com idade inferior a
nove anos, pois as crianças assim que ingressavam no estabelecimento iniciavam o trabalho de
auxiliar de alfaiate e o estudo na cadeira de primeiras letras
173
. A instituição passou por
momentos de dificuldades financeiras, não só por oscilações na economia da Província, mas
devido à instabilidade de investimento dos poderes públicos. A Casa não se mantinha com o
rendimento das oficinas.
174
Os educandos eram bastante afetados nos períodos mais agudos
de falta de verba, quando andavam “em casa sujos e esfarrapados”, sem uniformes de serviço
e para poderem sair do estabelecimento. A solução foi responsabilizar a oficina de alfaiates
para a confecção de fardamentos para os internos, com “grande economia para o estado”. A
oficina de sapateiros conseguiu igualmente diminuir a despesa com calçados para os
educandos.
175
O processo de distribuição dos meninos pelas oficinas não é claramente explicitado
nos relatórios. A capacidade física deve ter sido um critério importante, pois muitas profissões
citadas exigem boa constituição física. A possibilidade do aluno escolher a profissão não
parece ter sido uma questão importante para os diretores, pois sequer é mencionada nos
relatórios. Pela idade precoce com que iniciavam a formação, geralmente aos doze anos, pela
sua origem social e pelo funcionamento hierarquizado nestas instituições, é pouco provável
que os educandos fossem consultados. Dos “moços pobres” oferecidos ou recolhidos pelos
Juizes de Órfãos, cabia ao Presidente da Província do Maranhão julgar os “aptos para
aprenderem os ofícios mecânicos”, isto é, fazer a seleção para o ingresso na Casa de
172
RPAM, 3/5/1862, Anexo 7, p.14.
173
RPAM, 12/7/1884, p.24. A foto em anexo, do Instituto Amazonense em 1909, ilustra o ingresso precoce
dos meninos na alfaiataria.
174
A constatação da incapacidade da instituição se manter foi comunicada à Assembléia Provincial: É
uma util instituição, da qual porém a Província jamais deve esperar tirar lucros pecuniários que
indemnisem ao menos a quarta parte da despesa feita com a sua manutenção” (RPAM, 25/3/1874, p.26).
175
Referências à carência de roupas e à confecção de uniformes e sapatos nas oficinas: (RPAM, 12/7/1884,
p.23; 25/3/1885, p.17; 28/10/1885, p.7; 25/3/1886, p.28; 7/7/1888, anexo 9, n.2; 10/5/1889, p.81).
223
Educandos.
176
A avaliação das vocações era feita pelo diretor, após um período de
permanência na oficina.
O diretor da Casa maranhense imediatamente introduziu os colonos da aldeia de
Pindaré nas oficinas, dois aprendendo o ofício de alfaiate “com alguma aptidão”, um o de
carapina, “mostrando ter habilidade”, e o outro o de espingardeiro, “sem mostrar a habilidade
que tem pelo pouco tempo que tem de ensino”. Como tinham idade desconhecida, foi preciso
fazer a distribuição baseada em idades prováveis.
177
Os órfãos encaminhados para o trabalho
em fábricas, lojas e oficinas externas pela Casa Pia eram selecionados pelo Reitor, segundo as
suas aptidões, mas muitas vezes eram consultados. A decisão final dependia também de
outros fatores, como o comportamento e o sucesso nos estudos, ter algum parente importante
e ser “mais ou menos branco”.
178
Os mestres de ofícios
Os estabelecimentos encontravam dificuldades em contratar mestres para as oficinas,
pela falta de oferta de pessoas qualificadas para o cargo e pelos baixos salários pagos pelas
instituições, talvez o obstáculo mais importante e freqüente. Estes obstáculos sugerem que
muitas instituições com oficinas internas não conseguiram oferecer um ensino profissional de
qualidade, capaz de competir com o mercado de trabalho. Problemas com a suspensão dos
trabalhos das oficinas por desistência de instrutores, mestres despreparados, a contratação de
ex-alunos ou alunos mais antigos para ocuparem a função de mestre, dificuldades financeiros
que impediam a compra de materiais necessários à execução dos trabalhos e manutenção do
equipamento, foram vividos por vários estabelecimentos em momentos diferentes de suas
existências.
No Amazonas, como já foi dito, as dificuldades para se conseguir mestres era enorme
e as tentativas de “importá-los” de outras províncias e países nem sempre funcionaram.
Durante toda a sua existência, o estabelecimento enfrentou problemas, não só em contratar
176
De acordo com a Lei Provincial n.105 de 23/8/1841 (FALCÃO, José Antonio, 1849, p. 38).
177
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.109.
178
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.185. O Reitor era o responsável pela administração da Casa
e pela educação dos órfãos.
224
mestres, como em mantê-los. A apreensão com a contratação de mestres aparece nos
relatórios provinciais desde o período inicial do estabelecimento, quando os baixos salários
frente à “carestia do mercado” preocupavam o governo.
179
Recorreu-se, diversas vezes, ao
emprego de educandos e ex-educandos para ocuparem a função, apesar dos visíveis
contratempos que a medida acarretava. O regulamento permitia que os alunos que serviam de
mestres recebessem a terça parte do jornal diário, o que não ocorreu no ano de 1867.
180
No
ano seguinte, o governo contratou mestres “filhos da casa”, com gratificação bem menor do
que os antigos mestres. No entanto, se manteve, em períodos posteriores, a estratégia de
empregar alunos mais antigos, causando problemas disciplinares entre os alunos, por infundir
“pouco respeito àquelles que foram seus companheiros”. Alguns anos antes, a direção da
Casa recorreu ao emprego de dois galés como mestres, experiência não repetida
posteriormente. Há notícia de que pelo menos um deles foi dispensado do cargo, pois tinha o
“vicio da embriaguez”.
181
Em 1871, o presidente do Amazonas, José de Miranda da Silva Reis, mandou
contratar na Europa dez operários alemães, “artifices perfeitos em seus officios”, na
perspectiva de resolver a questão da falta de mestres. O fracasso da experiência, reforçado
pelo despreparo profissional e pela má conduta do grupo, como embriaguez e indisciplina,
acabando por se constituir em mau exemplo para os meninos, resultou na devolução de parte
do grupo à sua pátria, às custas da Província. Da experiência com os operários alemães,
somente a oficina de encadernação foi preenchida por mestre capacitado, o alemão Theobald.
No entanto, pouco durou no cargo, vindo Theobald a falecer após dois meses de trabalho,
embriagado numa canoa.
182
O mestre torneiro não teve destino melhor: faleceu na mesma
época “victima de um caso sporadico de febre amarella”.
183
Dois se evadiram e o restante foi
enviado para o ponto de sua procedência. O presidente Domingos Monteiro Peixoto,
responsável pelo término da experiência cara com os operários alemães, avaliou-a de forma
bastante negativa:
179
RPAM, 3/11/1860, p.23.
180
RPAM, 9/2/1868.
181
RPAM, 1/10/1864, p. 26. Os presos que realizavam serviços públicos eram conhecidos como galés
(SALLA, Fernando, 1999, p.40).
182
RPAM, 25/3/1871 e 25/3/1873, p.12.
225
“Estes estrangeiros, além de ignorarem, pela maior parte, o officio que deviam
ensinar, não eram entendidos, nem se faziam compreender, e davam-se a
excessos e á vícios, que até os tornavam prejudiciais á disciplina do
estabelecimento.
184
A direção do estabelecimento voltou-se, assim, para os “nacionais”, contratando no
Maranhão professor e contra-mestre de música e mestres para as oficinas de alfaiate,
carpinteiro e sapateiro.
185
Em Pernambuco, o mestre torneiro voltou para a sua terra natal em 1876, obrigando
o diretor a suspender os trabalhos por não achar quem quisesse trabalhar pelo mesmo
jornal.
186
Anos depois, o problema persistia, enfrentando a Colônia dificuldade em contratar
mestres habilitados, não só pelos parcos salários, como também pela privação do “convívio
social” que o viver no estabelecimento impunha a todos.
187
No relatório de 1889, constata-se
que a Colônia Isabel passou a empregar ex-colonos para o ensino dos meninos: dois ex-
colonos foram contratados como professores primários devido ao número excessivo de
colonos e de alunos externos que freqüentavam as aulas; na oficina de alfaiataria, o mestre era
também um ex-colono. O mestre da destilaria tinha por ajudante um ex-colono e a padaria
era dirigida por outro. Os colonos eram igualmente empregados na manutenção dos
estabelecimentos e em outras atividades neles realizadas, como o trabalho na usina de açúcar,
na plantação e na criação de animais, na padaria, na serraria e na olaria. Estes locais de
trabalho não são citados como locais de aprendizagem, embora fizessem parte da formação
dos colonos, inclusive em termos da disciplina necessária ao exercício da atividade laboral.
188
A Casa de Educandos em Natal, criada em 1859, enfrentou enormes empecilhos para
cumprir o seu objetivo do ensino de ofícios: precariedade das instalações, falta de espaço
para as oficinas e inexistência de professorado capaz, fatores que levaram ao seu
fechamento.
189
A Casa de Alagoas, criada um ano antes, enfrentou obstáculos semelhantes,
apontados pelo Presidente da Província, Agostinho Luís da Gama, o qual afirmou em 1858
183
RPAM, 8/7/1872, p.7.
184
RPAM, 25/3/1873, p.12.
185
RPAM, 25/3/1873, p.13.
186
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1877, p.5.
187
RPPE, 1/3/1883, p.42..
188
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1889, p.24.
226
que faltava aos mestres o estímulo de paga ou ordenado, e aos educandos, os materiais e
instrumentos de trabalho.
190
No ano seguinte, solicitou à Assembléia Legislativa a
transformação do estabelecimento em asilo agrícola.
A Casa do Maranhão, orgulho dos presidentes da Província que a acompanharam,
enfrentou empecilhos para contratar mestres, pois tantos os “Nacionais” quanto os
“Estrangeiros” não se sujeitavam aos salários pagos aos mestres na Casa. O estabelecimento
encontrou dificuldades para conseguir meios de pagar aos empregados e de achar “homens
que se penetrassem da vontade de desempenhar bem os deveres a que se ligassem”.
191
A
mão-de-obra escrava nas oficinas da Província era abundante, porém o diretor considerava
que não convinha “por modo nenhum dar mestres escravos aos educandos”.
192
O autor não
apresenta os motivos da restrição aos escravos, mas sabemos que o preconceito em relação a
esta categoria social era grande, principalmente com relação aos preceitos morais e religiosos
da época. Um aspecto importante aparece no seu discurso: o escravo não é cidadão, e um
compromisso fundamental da instituição é a “educação dos cidadãos futuros” para “o bem da
Patria, e da humanidade”, conhecedores dos deveres e dos direitos pertinentes à sua “classe”,
conforme veremos mais à frente.
193
Medidas foram tomadas para driblar os obstáculos. A Casa de Educandos da
Paraíba, criada na década seguinte (1865), portanto já ciente dos problemas enfrentados por
outros estabelecimentos, previa no seu regulamento que os mestres de ofícios ficassem com a
metade da renda das respectivas oficinas, o que segundo Celso Fonseca foi uma inovação
para a época. Contudo, a Casa não prosperou, tendo existido somente por cerca de dez
anos. Instalada em prédio inadequado, atendia em torno de 30 alunos, com apenas duas
oficinas funcionamento precariamente, a de alfaiates e a de sapateiros.
194
No Maranhão, a Casa enfrentava a concorrência das oficinas externas, além de não
dispor de capitais para aceitar encomendas grandes. O Governo da Província prontamente
189
FONSECA, Celso Sukow da., 1986, p.88.
190
Ibid., p. 144.
191
Ibid., p.62.
192
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.21.
193
Ibid., p.72.
194
RPPB, 6/91873 e 6/7/1874.
227
determinou medidas ao tesouro provincial, buscando viabilizar financeiramente o trabalho das
oficinas. Entre elas, estabeleceu-se que: adiantasse ao diretor da Casa imediata indenização
depois de recebido o produto de suas manufaturas; concorresse ao fornecimento de peças de
fardamento e equipamento para os corpos do exército estacionados nesta Província; e por
último, que os aprendizes fossem trabalhar nas demais oficinas a jornal fora do
estabelecimento, tanto nas obras públicas, quanto nas particulares.
195
Esta última medida
contrariava a posição defendida pelo diretor anos antes, ao condenar o perambular pelas ruas
e as influências recebidas nas oficinas, condições tidas por prejudiciais à formação moral do
educando.
196
Provavelmente, os aprendizes não foram enviados às oficinas, ao menos, às
particulares, pois a concorrência para conseguir uma vaga em um mercado de trabalho
dominado pela mão-de-obra escrava era muito grande, conforme a análise minuciosa da
questão realizada pelo diretor.
197
Resultados do aprendizado: a difícil inserção no mercado de trabalho
Em meados do século XIX, o diretor da Casa maranhense levantou uma questão que
provavelmente atingiu outras províncias cuja economia dependia do trabalhador escravo,
tanto a urbana quanto a rural: como inserir os educandos formados em um mercado de
trabalho que privilegia o trabalho escravo e garantir que possam “viver na sociedade como
membros proveitosos”, conservando “o uzo da educação civil e religiosa que receberem” sem
rendimentos que os permitam “viver licitamente”?
198
Na análise de José Antonio Falcão, o grande número de “escravos que se empregão
no uzo e aprendisado dos officios mecanicos, ou para dizer melhor, de todos os ramos de
industria da Provincia” é motivado por fatores econômicos, como os salários mais baixos,
pagos aos senhores, e disciplinares, devido à sujeição dos cativos aos donos ou encarregados
195
FONSECA, Celso Sukow da., 1986, v.4, p.47.
196
FALCÃO, José Antonio, 1849, p.42-43.
197
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.18-22.
198
Ibid., p.21.
228
das obras ou oficinas.
199
O autor enxerga no amplo emprego de escravos danos políticos, por
trazer prejuízos à formação do hábito do trabalho nos homens livres, atingindo a própria
nação, à qual escapa o cidadão, distante de preencher os seus deveres e de conhecer os seus
direitos, dentro da órbita de sua condição social de “operario livre”. Na argumentação que
apresenta ao Presidente da Província, assim se expressou o diretor:
“(...)a pouca ocupação que tem os operarios livres, que não podem competir
com os escravos em baratea de salarios, em quantidade de trabalho, e em
sujeição aos donos ou encarregados das obras ou officinas, em exempção dos
deveres a que elles estão sujeitos como cidadão, e que os escravos não tem;
qualidades que dão a preferencia aos escravos nos recebimentos para as obras
ou officinas, e que fazem perder o habito do trabalho aos livres, e lhe tirão os
meios de legal subsistencia, sendo aliás os filhos do Paiz dotados de excellente
habilidade, que com mais alguma dedicação ao trabalho, a salarios regulares,
sem a concorrencia dos escravos, e cingindo-se mais a orbita propria da sua
classe, da qual se alongão, com prejuizo seu e da Nação a que pertencem, ou
porque se não lembraõ de que o preenchimento dos proprios deveres, e
conhecimento dos seus direitos, he a summa da felicidade dos cidadãos e dos
Estados, ou por outras causas alheias ao assumpto de que me occupo de que não
me he preciso tratar, inquestionavelmente formarião parte dos que compõe a
grandeza e gloria Nacional, pelo ramo da industria; porque Exm. Sr. as obras
que nos vem do estrangeiro não são mais elegantes, nem mais solidas, do que as
que os ditos filhos do Paiz apromptão quando trabalhão.”
200
Além dos escravos, os estrangeiros também estavam presentes nas oficinas e nas
obras, os quais “chegam com habito do trabalho proprio do seu país”, isto é, com o costume
da economia. Os oficiais estrangeiros conseguiam um jornal que cobria as despesas, faziam
um fundo com o qual compravam propriedades e em seguida, deixavam de exercer o trabalho
manual, vivendo dos rendimentos de seus prédios. Portanto, não só os operários livres
perdiam o “costume de trabalhar, que he o manancial da felicidade do Artifice”: o estrangeiro,
tão logo formava um pé de meia, abandonava o seu ofício e se tornava proprietário. Ao que
parece, os oficiais estrangeiros tinham privilégios e eram preferidos na contratação, devido à
199
A causa dos menores salários dos escravos deve-se ao fato de que “ganhão para os respectivos
senhores, que os mandam trabalhar pelos melhores salários que encontram (para o que tem direito
incontestavel) que por menores que sejão, lhe são mais convenientes do que terem os escravos em ocio,
causando-lhe as mesmas despesas que lhe causão quando trabalhão; em alimentação, vestuario, e
tratamento nas molestias”. Este quadro, segundo Falcão, pode ser constado “visitando qualquer dos
estabelecimentos industriaes que ha nesta Capital, e consultando os directores, Nacionaes ou
Estrangeiros” (Ibid., p.18-19).
229
carência de mestres e à resistência em empregar escravos em cargos de liderança,
principalmente nas situações em que teriam homens livres sob sua sujeição. O fato de dois
mestres da Casa de Educandos do Maranhão terem sido “discipulos de estrangeiros”, um
francês e um português, corrobora esta hipótese.
201
Os obstáculos a serem enfrentados pelo operário livre e que também emperravam o
ensino aos educandos não estavam restritos à “concorrência” do trabalho escravo. O diretor
denuncia a “pratica dos donos das obras de dificultarem o pagamento aos operarios” e
queixa-se de que faltavam obras para os educandos aprenderem os ofícios a que se
dedicavam, pois a maior quantidade de “obras” eram dos ofícios de alfaiates e sapateiros,
que não podiam ser destinados a todos os educandos, pois “só aprendem a fazer fardetas,
calças e sapatos, proprios para a tropa de linha”, impedindo-os de “adquerir os meios
necessarios para uma subsistencia honesta”.
202
Carlos Alberto Medeiros Lima busca responder à questão da existência ou não de
competição entre livres e escravos no exercício dos ofícios artesanais, na cidade do Rio de
Janeiro na passagem para o século XIX. O autor analisa a distribuição de ofícios entre
mestres artesãos examinados pelas suas corporações de ofícios (1793-1816) e escravos com
ofícios artesanais arrolados em inventários post-morten (1789-1817). Portanto, está
trabalhando com duas categorias hierarquicamente diferenciadas nas oficinas, além do fato de
se tratar de escravos e livres. Lima constatou que o trabalho artesanal cativo não representava
ameaça ao livre, pois mestres artesãos e escravos ocupavam ofícios de natureza diversa. Os
artesãos livres predominavam nos ofícios encaminhados independentemente, e os escravos
artesãos eram mais freqüentes nas ocupações subordinadas. Tratava-se da diversificação
interna da atividade de seus senhores, artesãos independentes. Por exemplo, escravos
cavouqueiros eram possuídos por pedreiros; serradores de tábuas pertenciam a marceneiros;
malhadores eram de propriedade habitualmente de ferreiros. Ou então, exerciam atividades
200
Ibid., p.18.
201
Ibid., p.18-20.
202
Ibid., p.21.
230
como parte anexa a negócios de outra natureza, como doceiros, aparelhadores, amassadores,
rendeiros, realizadas no interior de domicílios como atividade doméstica.
203
Considerando que os aprendizes das Casas de Educandos não saíam da instituição
como mestres e sim como auxiliares ou “operários”, nas palavras de seu diretor, é bastante
plausível que os escravos fossem seus concorrentes, como afirmara Falcão, em 1849/1851,
para o caso do Maranhão. Nas décadas posteriores, esta concorrência provavelmente
reduziu-se bastante, com a transferência de escravos do Norte para o Sul, fenômeno que
passa a ocorrer com a proibição do tráfico negreiro em 1850. Portanto, a análise de Falcão é
válida para o período tratado por ele.
204
Ele chega a afirmar que mestres estrangeiros
ganhavam muito dinheiro nos seus ofícios, o que não ocorria com os operários, pela
concorrência com o trabalho escravo. Lima focaliza mestres e cativos, que ocupavam
posições hierarquicamente diferentes no mundo do trabalho artesanal. Falcão se refere a
operários e cativos que, na divisão do trabalho na oficina, ocupavam posição semelhante. Um
dado interessante levantado por Lima consiste no predomínio de livres nos ofícios de alfaiate
e sapateiro, justamente as atividades priorizadas nas Casas de Educandos. Poderiam os
educandos exercer um ofício de forma autônoma ao saírem da instituição? Com certeza não.
Falcão revela a contradição da formação dos meninos; especializavam-se no preparo de
fardamentos para a tropa de linha, atendendo a uma necessidade do Estado, mas, por outro
lado, estavam despreparados para o exercício do ofício. Neste caso, a associação entre o
ensino de ofícios e as necessidades de manufaturas do Estado impedia os educandos de
adquirir uma formação adequada ao mercado.
A análise do diretor sobre as condições do mercado de trabalho é guiada pelo temor
da perda do hábito de trabalho e da formação civil e religiosa recebida durante os longos anos
de internação. A questão sugerida é por demais pertinente à formação engendrada pelas
203
LIMA, Carlos Alberto Medeiros, 1997, p.35-40.
204
A predominância da mão-de-obra escrava nas atividades artesanais exercidas no Maranhão é
confirmada para o ano de 1820, pelos dados apresentados por Spix e Martius (1961[1817-1820) sobre o
“estado da indústria” na Província, fornecidos por “um dos mais illustrados funcionarios do Estado em
São Luís” (p.301). Entre os “profissionais da industria” (constituídos por trabalhadores dedicados aos
ofícios artesanais), 1.179 eram escravos e 964 livres. Além disso, 1.800 escravas auxiliavam nas indústrias,
sem profissão definida. Neste período, ocupavam-se no ofício de alfaiate 96 escravos e 61 homens livres
(p.314).
231
instituições totais, isto é, os egressos encontram uma realidade social não condizente à vivência
institucional e à educação recebida. Situação bem diferente ocorria na Casa Pia da Bahia,
onde os meninos aprendiam já integrados ao mercado, o que por um lado, permitia a
exploração mais intensa do seu trabalho, mas por outro, se mantinham atualizados em relação
às necessidades da produção manufatureira e do comércio, em termos de trabalhadores livres
qualificados. Pode-se dizer que a Casa Pia criou uma reserva de mercado, preparando seus
órfãos para ocupar ofícios geralmente reservados aos brancos, como o de caixeiro, na
medida em que a instituição se direcionou para a formação de trabalhadores livres,
destacados dos escravos e dos vadios, até na cor da pele. Entre os mais diversos ofícios, a
Casa também formou artífices nas artes que exigiam maior conhecimento e adestramento e
que, portanto, tinham mais prestígio na sociedade, como os de ourives, chapeleiro e
colchoeiro.
205
A avaliação dos resultados da formação para o trabalho das instituições imperiais é
tarefa complexa. Em primeiro lugar, a diversidade das experiências deve ser levada em conta.
Em segundo, nem sempre as fontes disponíveis permitem uma avaliação mais fidedigna. Se os
dados da Casa Pia de Salvador e do Asilo de Meninos Desvalidos do Rio de Janeiro
demonstram que ambas as instituições alcançaram os seus objetivos de formação e
fornecimento de mão-de-obra para oficinas e fábricas, o mesmo não pode ser sustentado
para os outros estabelecimentos aqui considerados. Os relatórios de presidentes de província,
de diretores e avaliadores são atravessados por objetivos políticos capazes de obscurecer os
resultados alcançados pelas instituições. Em se tratando de instituições de longa duração,
relatórios parciais perdem a visão do todo. A prestação de contas quanto ao trabalho
realizado é sempre referente ao ano corrente; dificilmente há preocupação em comparar
informações com os anos anteriores e mais raro ainda é a dedicação aos resultados da
formação, principalmente do contingente que se desliga da instituição após completar o
aprendizado.
206
205
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.171.
206
O diretor da instrução pública do Pará em 1890, José Veríssimo, deparou-se com “escassos relatorios
das repartições de instrucção publica, e um mediocre interesse estreitamente local e burocratico, onde se
podem talvez alcançar algumas noticias, mas não beber lições” (1892, p.7).
232
É interessante observar que relatórios oficiais dedicam espaço à não formação, ao
fracasso da instituição na sua tarefa educativa. A existência de motivações políticas para tais
visões negativas é uma hipótese plausível. Os estabelecimentos do Amazonas e do Pará, em
momentos diferentes de sua trajetória, foram acusados através da documentação oficial de
não atingirem os seus objetivos pedagógicos.
O paraense José Verissimo, como diretor da Instrução Pública do Pará nos
primórdios do regime republicano (1890 a 1891), lançou-se a uma ampla avaliação da
instrução pública e particular no ano de 1890, visitando escolas e internatos. O tom do
relatório é extremamente pessimista e o Instituto Paraense de Educandos Artífices não é
poupado. Visitara por duas vezes o Instituto, tendo ficado “desagradavelmente
impressionado” ao constatar que o ensino literário e técnico era desorganizado, quase nulo,
insuficiente, mal distribuído e ineficaz, segundo suas palavras. Como não pôde contar com
registro cofiáveis, baseou-se em “pessoas competentes e fidedignas” para afirmar que de lá
“não saiu um só operario habil, um bom mestre ou contra-mestre de officina.
207
Veríssimo
selou a sorte de uma instituição com dezoito anos de existência, dezessete deles vividos sob o
regime imperial. Pode-se suspeitar do comprometimento do autor com a mudança nos rumos
da educação sob o regime republicano, processo inaugurado com a condenação das
iniciativas imperiais (ou da falta de). Não lhe faltaram parâmetros de comparação com a
educação no mundo civilizado: Verissimo viajou a Paris como comissionado do Pará na
Exposição Universal de 1889, com a missão de estudar a seção de instrução pública, munido
de uma pauta que instrumentaria o governo na modernização do sistema educacional
provincial, varrido pelo presidente por uma pequena e forte palavra: “caos”. O seu roteiro
incluía os temas mais valorizados do debate educacional da época: a organização do ensino
207
VERISSIMO, José, 1892, p.151.
Ainda no período imperial de funcionamento do Instituto paraense, Tarquinio de Souza Filho (1887) afirma
que, em 1886, o estabelecimento se encontrava em “condições de prosperidade”, pelo saldo advindo das
oficinas lá instaladas (p.96). No entanto, atendia-se somente a 92 educandos, quando o regulamento previa
200 vagas. A falta de acomodações é a explicação dada para o fato. Nada é dito a respeito da formação dos
aprendizes; pressupõe-se que a prosperidade das oficinas é indicador do desempenho dos jovens
educandos. Obviamente, Souza Filho não visitou as inúmeras instituições, de diversas províncias,
brevemente descritas em seu livro. Sendo assim, ele reproduz as informações e avaliações presentes na
documentação oficial, como os relatórios enviados pelas províncias ao Ministério do Império.
233
primário, escolas normais, ensino técnico, arquitetura escolar, métodos e aparelhos
pedagógicos, ensino misto, educação física, entre outros.
208
É justamente através de um debate na Assembléia Legislativa sobre a reforma do
Instituto Paraense, que a tensão entre utilidade e rendimento das oficinas desponta. As
discussões em torno da reforma de 1883 desvendam pontos nevrálgicos da vida institucional e
dos resultados da formação que estão ausentes dos relatórios oficiais. Um deputado defendia
a utilidade da oficina de funileiro por garantir um meio de vida seguro para o educando no
futuro. Ele testemunha o sucesso da instituição na formação de funileiros ao afirmar que os ex-
educandos treinados neste oficio ganhavam a vida honestamente na função, estando alguns
estabelecidos, como o antigo educando Borges, com oficina própria situada à rua do Norte.
209
Em meados da década de 1870, o estabelecimento dos educandos em Manaus
caminhava lentamente para o seu fechamento. No relatório com que passou a Presidência da
Província a Agesiláo Pereira da Silva, Domingos Jacy Monteiro aponta para o desvirtuamento
de seus objetivos educacionais, ocasionado pela má administração dos últimos tempos. Se
uma parte dos alunos conseguia aprender a ler, escrever e a contar, o mesmo não ocorria
com os fins de sua fundação.
210
No embate ocorrido entre colaboradores de duas folhas de
tendências políticas opostas, em 1875, foi revelado que nos ofícios onde havia abundância de
profissionais na cidade, como os de sapateiro e alfaiate, os educandos encontravam
dificuldade em obter colocação após o desligamento.
211
Em 1877, a instituição foi extinta, e no seu relatório, o presidente Agesiláo Pereira da
Silva justifica a decisão da Assembléia Legislativa expondo o alto custo e os parcos
resultados do esforço educativo: em vinte e nove anos de existência, não teriam saído por
prontos nos diversos ofícios, mais do que doze rapazes. O presidente teve participação direta
na extinção da Casa dos Educandos, ao remeter à Assembléia Provincial uma demonstração
do tesouro a respeito dos valores escoados na sua manutenção, desde a fundação. No
208
RPPA, 1889, p.18.
209
A Constituição, 31/5/1883 (Assembléia Legislativa Provincial, sessão ordinária de 31/3/1883).
210
RPAM, 26/5/1877, p. 51-52. O autor não diz quais são estes fins, mas podemos supor tratar-se do ensino
de ofícios, finalidade primordial das Casas de Educandos Artífices. Sobre o processo de extinção da Casa
amazonense, ver capítulo 4.
234
entanto, a autoridade não explica como chegou ao número que expressava o total fracasso
educacional do estabelecimento, que com certeza, impressionou à boa parte dos deputados
provinciais. Pode-se concluir que o número de rapazes dados por prontos não é
absolutamente confiável, mas foi extremamente útil no sentido de auxiliar o Governo da
Província na redução das despesas.
Os aprendizes artífices do século XIX sofreram intensa exploração de sua capacidade
de trabalho, pelo Estado e por particulares. Como reagiram a esta situação e o que suas
famílias pensavam a respeito constituem as partes mais difíceis de analisar devido ao tipo de
documentação que dispomos, que expõe os acontecimentos e as representações dos
planejadores e dirigentes das instituições. Indícios das reações dos meninos à dinâmica
institucional podem ser depreendidas das situações de punição e de prêmio/elogio ao
aproveitamento e aos comportamentos. A maior ou menor rigidez das normas disciplinares
representam um bom indício da expectativa dos planejadores em relação aos internos e
também, uma resposta às dificuldades e resistências encontradas na disciplinamento dos
mesmos. Como o afastamento da família é uma característica fundamental destas instituições,
dificilmente suas expectativas aparecem na documentação. Assim, a família é geralmente
ignorada, sendo às vezes citada, quando o contato com o educando é percebido como
pernicioso e ameaçador à educação recebida na instituição. Trabalharemos com estas
brechas.
O cidadão polido e o selvagem bruto: o regime disciplinar das instituições e o
comportamento dos educandos
A crença na educação como “o melhor legado que se pode deixar a hum joven” e
como um instrumento de prevenção da criminalidade levou os representantes de algumas
211
Commercio do Amazonas e Jornal do Amazonas. O debate travado através das duas folhas é analisado
no capítulo 4.
235
instituições a perceberem na educação por eles proporcionada um caráter de diferenciação
entre os homens:
“A educação he, como a Muita Sabedoria de V. Ex. conhece - huma segunda
naturesa que o homem recebe; huma como que Magica que dessemelha os entes
que na forma ou na especie são semelhantes, como se observa á vista do
cidadão polido e o selvagem bruto”.
212
Os relatórios oscilam entre visões extremamente negativas dos educandos e visões
positivas, demarcando dois momentos do processo educativo: o início, como brutos, vadios,
rudes, inertes, inaptos, analfabetos, indomados, insubordinados, incorrigíveis, viciosos, enfim,
os selvagens da cidade. Em decorrência do processo educativo, aparece a identificação
positiva dos jovens: polidos pela educação moral, religiosa e civil, tornam-se bons e
incansáveis trabalhadores, alunos aplicados, submissos e disciplinados, cujos contatos com as
atrações da cidade e com a família podem pôr tudo a perder.
Diante de visões tão negativas dos recém chegados à engrenagem educadora que os
transformaria em cidadãos, as instituições adotaram medidas extremas para garantir a
introjeção das normas disciplinares e o melhor controle sobre o interno. Todos os educandos
eram regidos por uma disciplina militar, que envolvia a obrigação de seguir determinadas
regras bastante minuciosas, como previa o regulamento da Casa de Educandos do Piauí:
“fazer continências quando encontrassem o Presidente da Província, o diretor do
estabelecimento, o Comandante ou qualquer oficial da tropa sediada em Teresina, assim
como a pegar em armas, em caso de toque a rebate. O regulamento de 1849 previa, ainda, o
serviço de sentinela à porta da Casa e ronda nas suas vizinhanças, tudo feito pelos alunos”.
213
A realização de exercícios militares não visava somente o ensino de normas disciplinares e
hierárquicas aos educandos, mas também prepará-los nas aptidões necessárias a um Guarda
Nacional. O regulamento da Casa Maranhense (de 1841) manda que os “Artífices” estejam
preparados para “defender a sua Pátria”:
“Que sendo os desejos de S.Ex. formar cidadãos que fossem uteis a si e a
sociedade; e sendo o primeiro dever do cidadão pegar em armas e defender a
212
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.72.
213
FONSECA, Celso Sukow da., 1986, p. 64.
236
sua Patria; e devendo os Artifices assim creados pertencer aos Corpos civicos,
hera indispensavel que conhecessem os primeiros e mais essenciais elementos do
exercicio militar, que constitue parte de huma bem dirigida educação. Servindo-
se S.Ex. de marcar que o director ensinasse o manejo e exercicio militar a todos
os educandos.
214
Há registros da militarização de outras Casas também, como o manejo e exercício
militar no caso do Amazonas e do Instituto paulista, criado em 1874. Este, segundo o
regulamento de 3/1/1874, deveria ser organizado em companhia militar anexa ao corpo militar
(art.1
o
), adotar o regime militar adaptado e o uso de uniforme militar (art.3
o
). No Amazonas,
o regulamento de 8/2/1873 manda “seguir o quanto fôr possivel o regimen militar; todos os
trabalhos começarão e terminarão por toques de corneta” (Art. 59). O regime militar incluía o
respeito à hierarquia e a pronta obediência aos superiores. O primeiro regulamento do
Instituto Paraense exige do educando a “obediencia militar a todo serviço e trabalho a pedido
ou sob inspeção do diretor”, devendo aquele prestar continência a qualquer superior.
215
Nas instituições religiosas como a Casa Pia de Salvador, o regime claustral era levado
às últimas conseqüências: os meninos viviam reclusos na Casa até serem encaminhados a
mestres e pessoas tidas por responsáveis. A Mesa não permitiu a criação de um curso
público de ensino de artes mecânicas na instituição, impedindo a mistura dos órfãos com
outros meninos. Os contatos com os parentes eram regulados pela instituição, de forma a
evitar a exposição dos internos aos “maus hábitos e à vida sem regras de muitas famílias”, na
perspectiva defendida pela Mesa, que a partir de 1841, passou a restringir as saídas dos
órfãos e as visitas aos alunos na Casa, só permitidas mediante autorização e acompanhada
pelo Reitor.
216
A partir da década de 1860, possivelmente por dificuldades de adaptação dos
meninos ao mundo externo, a Casa reduziu o caráter claustral, mas por outro lado, criou
algumas oficinas próprias, tentando controlar o contato dos internos com os perigos
percebidos como ameaçadores à formação moral e religiosa recebida na instituição.
217
214
Artigo 25 do Regulamento de 2/12/1841 (FALCÃO, 1851, p.101).
215
PARÁ. Portaria de 30/3/1872 (Deu regulamento para o Instituto de Educandos Paraense, creado pela
lei provincial n. 660 de 31 de outubro de 1870).
216
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.62.
217
Segundo os estatutos reformados em 1863 (Ibid., p.133).
237
As instituições empregavam meios diversos a fim de garantir a submissão dos internos.
Além do regime de funcionamento, que evitava deixar os meninos ociosos, determinando em
minúcias o uso do tempo e do espaço, adotava-se um regime disciplinar e hierárquico
militarizado, cuja desobediência resultava em castigos graduados - da simples advertência,
passando para punições mais severas. Portanto, se o sistema disciplinar pela coerção falhasse,
entrava em cena a repressão através da punição ao mau comportamento ou insucesso no
rendimento do interno. Não havia regime infalível; os planejadores sabiam disso e nos
regulamentos das instituições, os castigos, detalhados em grau de crescente severidade,
incluíam a suspensão da alimentação e a prisão para os “recalcitrantes”, e aos “indomáveis”
ou “incorrigíveis”, a expulsão. Não a expulsão para as ruas ou para a família: o melhor
método considerado para estes casos era o recrudescimento da disciplina militar, através do
envio dos inadaptados aos arsenais de Guerra ou Marinha. Nas instituições militares
passavam a viver sob regime militar, sem quaisquer adaptações e ocupando o último nível da
escala hierárquica: o de aprendizes, pobres e desvalidos, carregando consigo a pecha de
“indomáveis”. Em Salvador, os meninos que fugiam das oficinas e fábricas ou aqueles com
comportamento/rendimento reprováveis, eram encaminhados para o trem militar, regimento de
artesãos do exército, ou, depois de 1835, Arsenal de Marinha, mediante autorização do
Governo da Província.
218
Foram 76 menores enviados pelo governo à Marinha dentre os
1.343 destinos conhecidos da Casa Pia.
219
No Maranhão, o diretor da Casa dos Educandos “demitiu” em 1850, 14 jovens tidos
como “inaproveitáveis para os fins da Instituição”, classificados a partir de categorias vistas na
época como impeditivas ao trabalho, sendo fortemente discriminatórias, conforme descrição a
seguir.
Casa dos Educandos Artífices do Maranhão: alunos “demitidos” em 1850
Classificação dos educandos demitidos Números
Alienação mental 1
Obstrutos 3
218
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.50.
219
Ibid., p.157.
238
Constituição detriorada (sic) 1
Indomabilidade para o ensino 2
Inércia habitual 2
Acanhamento de idade e de inteligência 1
Rudez de entendimento 2
Aleijado de uma perna 1
Negação para aprender os ofícios mecânicos 1
Fonte: Falcão, 1851, p.77.
Nos anos anteriores, 49 meninos foram dispensados, provavelmente pelos mesmos
motivos. Nas demissões por “castigos”, os meninos eram encaminhados para a Armada
Nacional, como ocorreu a dois educandos vindos da Aldeia de Pindaré. Porém, não há
qualquer referência aos destinos dos casos de deficiência física ou mental. A origem familiar
dos educandos não é discriminada no relatório, mas pode-se pressupor que a maior parte
deles tivesse família ou responsável, pois o diretor trata da questão dos pedidos de internação
por parte destes e confere à utilização da instituição como castigo para os filhos rebeldes, no
início do seu funcionamento, como a causa de tantas demissões.
220
Pensar a resistência e capacidade de negociação dos internos do sistema institucional
da educação para o trabalho do século XIX é uma tarefa árdua, pelo silêncio das fontes, e
pelo tipo de população atendida: menores de idade, provenientes de famílias pobres ou
empobrecidas pelo falecimento do provedor, e uma parcela de meninos tida como racialmente
inferior, composta por negros, índios e mestiços. O poder de barganha conferido pelo valor e
utilidade econômicos dos aprendizes era irrisório (podiam ser facilmente substituídos), ao
contrário do que ocorria com os escravos, cujos senhores muitas vezes não tiveram alternativa
a não ser negociar modos de vida mais aceitáveis para seus trabalhadores cativos, como
demonstram João Reis e Eduardo Silva.
221
Alunos rebeldes poderiam ser dispensados,
medida autorizada por todos os regulamentos dos internatos. Diretores não se furtaram de
recorrer à medida extrema, não só de modo a dar conta dos tidos como incapazes para se
220
Em 1848, a Casa maranhense recebeu dois expostos da Santa Casa de Misericórdia (FALCÃO, José
Antonio, 1849, p.100), mas a maior parte das crianças era admitida através de requerimentos dos familiares
dirigidos ao Presidente da Província.
221
REIS, João, SILVA, Eduardo, 1989.
239
beneficiarem da educação oferecida pela instituição, mas também para aparar os excessos
clientelistas dos governos.
Porém, quando a instituição era utilizada pelas famílias como castigo, prática que
Falcão testemunhou e combateu, a rebeldia visava à expulsão, principalmente nos últimos anos
de formação, quando o educando deveria trabalhar nas oficinas para indenizar o
estabelecimento das despesas efetuadas com a sua educação. Neste momento, o educando
tem um valor econômico que deve ser garantido, mesmo que fosse preciso recorrer-se a
prêmios em dinheiro para mantê-lo trabalhando. O valor político não deve ser desprezado,
pois interessava ao diretor e ao governo apresentarem bons resultados de forma a justificar o
investimento realizado.
Falcão percebeu com clareza os inconvenientes de receber crianças castigadas pelas
famílias, isto é, internadas contra a sua vontade. No entanto, a sua análise deposita na
“qualidade” dos educandos a causa do seu fracasso educacional:
“Desconformidade do movimento (de educandos) contido n'elle, com os fins da
instituição provinhaõ, na maior parte, da qualidade dos jovens que se
apresentavaõ para as admissoens, que depois de matriculados her que se lhe
conheciaõ as rudez e vadiação de que heraõ dotados; e também da pequenez das
idades em que alguns heraõ recebidos para artifices; ou finalmente da
insubordinação, e falta d'actividade que começavaõ a ter logo que se achavaõ
adultos com o fim de serem despedidos do Estabelecimento, unico recurso que
tinha havido para o não transtornarem.”
222
Está claro que os educandos adotavam comportamentos de “insubordinação e falta
de atividade” com a finalidade de serem dispensados. Três décadas depois, os legisladores
paraenses enfrentaram situação semelhante ao discutirem os meios disciplinares a serem
adotados na reforma do regulamento do Instituto de Educandos. Um deputado liberal
defendeu associar à pena de expulsão o envio a uma das companhias de Marinha, citando o
estabelecimento maranhense como exemplo e modelo a ser seguido. A comissão de reforma,
dominada por conservadores, questionou jocosamente a crueldade da pena, proposta por um
liberal. Não se dando por vencido, o deputado evocou o desejo dos educandos de certa
idade em sair do estabelecimento, por quaisquer meios, como justificativa para a adoção de
222
FALCÃO, José Antonio, 1849, p.77.
240
uma medida antipática às famílias. Sendo uma instituição que abrigava “meninos de todas as
condições”, ponderou o reformista, não poderia assemelhar-se a qualquer colégio, devendo a
“medida extraordinária” garantir a disciplina interna contra a ação dos “incorrigíveis”.
223
A este tipo de estratégia dos internos, o primeiro diretor da Casa maranhense propôs
outras, que oscilavam entre a repressão e a sedução do aluno. Assim, como meio de “obrigar
a aprender e trabalhar”, ele pediu ao Presidente da Província para “restabelecer o premio de
30 por cento aos educandos que apromptassem obras perfeitas o que he hum optimo estimulo
para obrigar a aprender e trabalhar, como a experiência já fez reconhecer”.
224
Portanto, as
instituições adotaram fórmulas para garantir o comportamento esperado dos educandos além
dos “meios de repressão”, como a distribuição de prêmios.
225
O tratamento diferenciado dos
internos, onde meninos eram selecionados para exercer funções de liderança, nos moldes dos
quartéis, era largamente empregado pela direção das instituições, como veremos adiante.
Com certeza, na vida quotidiana das instituições, as rígidas normas dos regulamentos tiveram
que ser adaptadas de forma a tornar viável a convivência entre os alunos e os agentes
institucionais - diretores, professores, mestres, inspetores, serventes e cozinheiros.
No Asilo dos Meninos Desvalidos, situado na Corte, o Conde Villeneuve instituiu um
prêmio, em 1881, ao aluno que obtivesse o melhor comportamento, o qual seria
recompensado com uma medalha de ouro.
226
Contudo, o estabelecimento não descuidava da
vigilância dos internos nos períodos de inevitável inatividade - o sono dos asilados era vigiado
pelos inspetores noturnos. Além disso, em cada dormitório havia um cubículo para o
“respectivo inspector”; os quartos continham de 45 a 60 camas, inconvenientemente próximas
segundo observação do jornalista Ernesto Senna, em visita ao estabelecimento. Cuidava-se
também de distribuir os menores pelos oito dormitórios por faixas de idade. A preocupação
com a “vigilancia nocturna” era tanta que a direção criou um sistema de controle do trabalho
223
A Constituição, 29/5/1883 (Assembléia Legislativa Provincial do Pará, sessão de 31/3/1883).
224
Ibid., p.80. O anexo nº 17 (número, idades e ofícios dos educandos maranhenses em 1848) mostra que
os recursos adotados pelos rapazes mais velhos a fim de serem dispensados apresentavam resultados,
pois após sete anos da criação da Casa, esta só dispunha de oito educandos entre 18 e 21 anos
trabalhando nas oficinas.
225
Ibid., p.107.
226
LOPES, Luiz Carlos Barreto, 1994, p.135.
Na Bahia, a Casa Pia distribuía prêmios em dinheiro aos melhores alunos, conforme estava previsto nos
Estatutos de 1828 (MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.128).
241
dos inspetores, muitos deles ex-educandos. Estes se revezavam de duas em duas horas,
“obrigados a fazer soar de 30 em 30 minutos uma campainha electrica, que existe no pateo, e
que denuncia a vigilancia do empregado”.
227
O reverso dessa história é que provavelmente o
minucioso e oneroso dispositivo de controle (de asilados e empregados) permitia aos internos
saber em que momentos o vigilante se encontrava longe dos dormitórios.
Os dormitórios foram objetos importantes dos cuidados dos diretores dos internatos,
os quais se esmeravam em criar mecanismos de isolamento e vigilância em torno dos perigos
que a sexualidade adolescente poderia apresentar. O diretor do Instituto dos Educandos do
Pará, José Luis Coelho, em meio a medidas como a separação do dormitório dos educandos
já homens dos menores e do estabelecimento de rondas noturnas e diurnas, admitiu que não
confiava na eficácia das mesmas, “não obstante as differentes rondas que faço”.
228
No
relatório seguinte surge a notícia de que os educandos estavam divididos em quatro
companhias, cada uma em aposento separado, “dispostos de maneira a serem de um só golpe
de vista examinados, mesmo do refeitorio”.
229
Seguindo a leitura dos relatórios, novas
propostas aparecem, como a vantagem em desligar o jovem mais cedo da instituição, ou seja,
aos dezessete anos, após dez anos de educação.
230
O espectro da sexualidade ronda as
medidas inventadas ou reproduzidas para obstar um suposto mal jamais revelado nos
relatórios consultados.
Crianças e adolescente surgem nos discursos e nas práticas como seres necessitados
de disciplinamento e ilustração; suas manifestações são reveladas aos leitores pelos aspectos
negativos da rebeldia e da incapacidade; é preciso comunicar que medidas contentoras estão
sendo rapidamente tomadas. Dificilmente os meninos são apresentados como tendo outras
necessidades, além das esperadas pelos planejadores e executores dos programas
educacionais. Uma exceção ocorreu quando o diretor do Instituto Paraense admitiu que os
educandos de menor idade necessitavam de mais “carinho e mimo” no seu trato, o que
demandaria o emprego de “uma mulher de certa idade”. Ele estava apontando para o fato,
227
SENNA, Ernesto, 1895, p.124.
228
Relatório da “Directoria do Instituto Paraense de Educandos Artífices” (19/11/1878). In: RPPA,
16/6/1879, A-III e A-V.
229
Relatório da “Directoria do Instituto Paraense de Educandos Artífices” (12/1/1881). In: RPPA, 15/2/1881,
A-LIV.
242
que hoje nos soa estranho, de que não havia a presença feminina como educadora nas
instituições de ensino de ofícios do período. Contudo, a relação de funcionários do Instituto
do Pará do ano de 1887, indica que a sugestão de contratar uma mulher para o cuidado dos
menores não foi considerada pelo governo, que manteve homens mesmo nas funções cujo
exercício era permitido às mulheres, como a de cozinheiro e enfermeiro.
231
Percebe-se, na análise dos relatórios e dos regulamentos das instituições, um certo
padrão na escolha dos castigos para aqueles que não seguiam as normas institucionais. Um
ponto unânime era a proibição de determinados castigos corporais, principalmente os açoites,
tratamento reservado a escravos, mas ofensivo e inaceitável quando aplicado aos livres.
232
Nas instituições só podiam ingressar “menores livres” - lá seriam educados para se
distinguirem dos selvagens e dos escravos, assumindo a identidade de trabalhadores, que
seriam honrados e dignificados pelo trabalho manual. Em uma sociedade escravista, esta não
deve ter sido uma tarefa fácil. Frei Fognano, diretor da Colônia Isabel, relata que os meninos
remetidos da capital recusavam o trabalho agrícola, identificado como trabalho de escravo: “a
maior parte delles [repetia] que o trabalho só é próprio do escravo!”, crença atribuída pelo
frei aos conselhos dados pelos parentes.
233
A rejeição dos meninos da cidade ao trabalho
agrícola, “pesado e sujeito aos rigores das intemperies”, influenciava os meninos do campo, o
que levou o diretor da Colônia a defender somente a admissão de “filhos de agricultores, ou
de gente do campo”.
234
A solução de reservar o ingresso somente aos filhos de lavradores
não parece ter encontrado eco junto ao governo pernambucano, pois os 50 meninos
230
RPPA, 1882, p.84.
231
RPPA, 15/2/1881, p.56 e RPPA, 20/10/1887, p.67.
O termo “educadora” tem aqui um sentido mais amplo (dos cuidados à criança no dia a dia). No século XIX
e início do XX não era bem visto o emprego de professores nas escolas para crianças maiores e jovens do
sexo oposto, percebido como perigoso à moralidade feminina. Além do aspecto moral, o programa de
ensino era diferenciado por gênero. Nas duas últimas décadas do XIX, escolas mistas foram criadas nas
capitais e principais cidades brasileiras, regidas por professoras, mas somente recebiam meninos até 9 ou
10 anos. O emprego de professoras jovens no ensino de rapazes era temido. No seu relatório sobre a
instrução pública em países europeus, Luiz Augusto dos Reis (1892) critica o fato de que “entre nós têm
sido entregues muitas dessas escolas (mistas) com alunos de 15 e 16 anos a senhoras, e muitas vezes a
professoras solteiras de 18 a 20 anos de idade” (p.16).
232
A Constituição de 1824 aboliu os açoites e demais penas cruéis aos presos, o que não se aplicaria aos
cativos, pois no Código Criminal do Império, aprovado em 1830, estavam previstos os açoites para os
escravos (SALLA, Fernando, 1999, p.44). Nas forças armadas, os açoites continuaram sendo empregados
até o final do século, sendo que na Marinha só foram abolidos em 1910, com a Revolta da Chibata.
233
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1883, p.12.
234
RPPE, 1/3/1883, p. 42.
243
recebidos em 1888 vieram de áreas urbanas
235
, confirmando a hipótese de que o surgimento
das colônias agrícolas atendeu, em primeiro plano, a uma necessidade imediata dos centros
urbanos em resolver os seus problemas de distribuição da população “inútil” e “perigosa”, do
que apenas à intenção de prepará-la para o trabalho ou de atender à demanda de mão-de-
obra disciplinada.
Nos relatórios da Colônia da década de 1880, o diretor mostra-se desiludido com o
comportamento dos colonos, “que não tem correspondido aos cuidados e desvellos que se
empregam em favor de sua educação”. Assim expressa o seu desencanto:
“Quando fomos encarregados desta nobre e ardua missão, estavamos firmes em
não empregar meios disciplinares rigorosos; e sim procurarmos, pelos mais
brandos e suasorios, obter as reformas que eram indispensaveis para a
completa execução do Regulamento. Mas com profundo pezar o diremos: os
nossos melhores esforços foram quasi completamente frustados, de sorte que nos
vimos obrigados a pôr em execução, contra os recalcitrantes as penas
estabelecidas no Regulamento, depois de haver expulso os indomáveis.
Não deve a ninguem causar surpresa a situação pouco agradavel em que se
acham aquelles que têm de luctar com 150 indoles diferentes, grande parte
proveniente de gente de máos instinctos e que não pode transmittir a seus filhos
ou aggregados senão exemplos da peior espécie, e que com facilidade se
esteriotypam na fraca intelligencia da infancia; e sabendo-se que essas crianças
desde os mais verdes annos nunca conheceram senão o rigor, os máos tractos, a
pancada por qualquer descuido, e nunca a persuação, os conselhos, os bons
modos, com que se podia amenisar a sua má indole, quando ela fosse inata.
236
Diante desse quadro dramático, frei Fognano buscou e conseguiu trazer sete religiosos
da Europa para ajudar na educação dos meninos. Com uma visão um tanto negativa das
famílias, o frei pretendia neutralizar as influências que os maus exemplos e os maus tratos
poderiam ter exercido sobre as crianças, reforçando a educação moral e cristã, através do
exemplo e da palavra dos religiosos.
237
Índoles tão diversas requeriam uma intervenção
homogeneizadora, na constituição do sujeito “trabalhador, submisso e moralisado”.
238
A ele, a
235
Dos 50 que ingressam, 17 vieram da capital (Recife); 4 foram levados pela Polícia, provavelmente
oriundo de alguma cidade da Província, e 29 vieram do que o diretor chamou de “Centro”, sem nenhuma
outra referência. Pode ser Centro da capital ou Centro da Província. (FOGNANO, Fidelis Maria de, 1889,
p.2).
236
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1887, p. 5.
237
Idem.
238
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1883, p.11.
244
“recompensa”, e ao “indolente e insubordinado”, os “castigos disciplinares”.
239
Como
garantia, adotaram-se medidas para prevenir os perigos decorrentes da ociosidade, enviando-
se a maior parte dos “menores de 6 a 12 anos” para as oficinas de carpina e sapateiro, para
mantê-los ocupados enquanto os outros trabalhavam. A iniciativa trouxe proveitos para a
instituição, pois alguns dos meninos já empalhavam cadeiras e outras mobílias e faziam seus
chinelos.
240
Já os estabelecimentos de educandos guardam em comum práticas de punição, como
os castigos humilhantes, a privação de alimentação, a prisão e por fim, a expulsão. Nos casos
de expulsão dos “incorrigíveis”, os governantes decidiam se a perda do pecúlio e o envio às
companhias de aprendizes marinheiros acompanhariam a punição.
A Casa do Pará, a primeira a surgir, adotou o castigo da palmatória, prática somente
adotada de forma regulamentar pela Casa do Amazonas em 1873. Entretanto, tendo sido
permitidos determinados castigos físicos na instrução pública amazonense, até 1869, o
professor de primeiras letras recorria a este estratagema para disciplinar os educandos em
suas aulas. Não encontramos justificativas para a adoção no regulamento de 8/2/1873 do uso
da palmatória, na contramão da instrução pública, que renovava os “meios disciplinares”
junto ao alunado. O professor do estabelecimento, Ramiro e Silva, em raro testemunho da
atuação docente junto aos educandos, responsabilizou a proibição dos castigos físicos nas
escolas pela decadência da aula de primeiras letras dos educandos a partir do início da
década de 1870. Terão suas queixas, divulgadas na imprensa amazonense, influenciado a
administração e a assembléia provinciais na adoção oficial dos castigos corporais?
241
É interesse transcrever o artigo do regulamento, cujas “penas” vão num crescente, da
mais leve a mais severa, até chegar à 13
a
punição.
Art.67. Aos educandos são aplicáveis as seguintes penas:
1º
Repreensão particular
2
o
Repreensão pública na oficina ou na aula
3
o
Repreensão pública perante o corpo dos educandos
239
Idem.
240
Ibid., p.13.
241
Commercio do Amazonas, 27/7/1875. A respeito do testemunho do professor Ramiro e Silva, ver
capítulo 4.
245
4
o
Privação de recreio
5
o
Trabalho obrigado em horas de folga
6
o
Privação de uma das refeições
7
o
Meia ração por um a quatro dias
8
o
Rebaixamento temporário ou definitivo dos cargos e postos que excitam
emulação
9
o
Prisão simples ou com trabalho
10
o
Prisão incomunicável até oito dias
11
o
Prisão incomunicável com diminuição de alimento até 48 horas
12
o
Uso moderado de palmatória
13
o
Expulsão do estabelecimento
242
Nos regulamentos de 1858 e 1865 não estão previstos castigos corporais e o número
de penas aplicáveis é bem menor. Contudo, desde o primeiro regulamento da Casa são
detalhadas séries de proibições aos educandos, todas referidas ao controle da comunicação
interna e externa, bem como ao respeito com os “superiores” e aos comportamentos tidos
como amorais - uso de palavras obscenas, o jogo de cartas e similares, e a circulação de
objetos que poderiam induzir a atitudes reprováveis, tais como armas, pólvora, fogos,
impressões ou estampas sem autorização do diretor e bebidas alcoólicas.
243
A aplicação de castigos físicos encontrou vozes dissonantes, cerca de um ano antes
da adoção regulamentar da palmatória, como a do diretor da Casa amazonense, Pedro Jayme
Lisboa. Este defendeu, no relatório de 1872, a punição aos desertores não através de
castigos físicos (“que são revoltantes e até deshumanos”), mas obrigando-os a ter praça na
armada ou no exército, para servir de exemplo aos demais.
244
Os vários relatos indicam que
este era um destino rejeitado pelos meninos, conseqüentemente, tal punição possuía maior
poder de coerção do que as penas aplicadas internamente, como a prisão e os castigos
físicos. A proibição legal dos castigos não impediu o emprego das palmatoadas e demais
martírios do corpo nos mais diversos tipos de instituições educacionais. Por exemplo, apesar
de legalmente proibida, a aplicação de castigos físicos era uma prática comum nas escolas da
Corte, conforme atestou a comissão instituída pelo Ministério do Império, no relatório
242
AMAZONAS. Regulamento n. 25 de 8/2/1873, “Reformando o Estabelecimento dos Educandos da
Provincia do Amazonas”.
243
AMAZONAS. Regulamento n. 7 de 26/3/1858, “organisando o estabelecimento dos educandos
artifices”. Aprovado pela Lei Provincial n.194 de 9/7/1859.
244
RPAM, 25/3/1872, anexo 5, p.1.
246
apresentado em 1874.
245
É de se pressupor que mestres e diretores dos estabelecimentos de
educandos mantivessem o castigo físico, principalmente ao lembrarmos que muitos diretores
eram militares, mais apegados a padrões rígidos de disciplina e de obediência à hierarquia. Os
alunos que apresentavam comportamento reprovável eram entregues aos pais.
A portaria de 30/3/1872, que regulamentou o recém criado Instituto Paraense de
Educandos Artífices, não previa o emprego de castigos físicos, mas adotava as penas de
repreensão, trabalho obrigatório, restrição alimentar e prisão. Seus planejadores estavam
atentos às novas tendências da educação, abolindo certas práticas condenadas pela pedagogia
e atualizando a terminologia. Assim, para o Instituto (e não, a Casa, o Asilo) substituiu-se o
termo pena por meios disciplinares. Não surtindo efeito a aplicação das penas, o educando
deveria ser encaminhado pelo Presidente da Província para “verificar praça” no exército ou
armada.
246
A prisão de educandos era outra prática comum aos estabelecimentos de educandos
artífices. No Maranhão, o diretor se queixou que faltava construir a prisão para “prevenir as
consequencias”, pois os educandos estavam crescendo e as oficinas também. A “precisão da
prisão” iria aumentar igualmente para os “membros que não forem educandos”.
247
Não é
explicitado quem seriam estes membros, mas como havia escravos e “africanos livres”
trabalhando na instituição e problemas de fuga, pode-se pressupor que a prisão tivesse esse
fim também. Eram três “africanos livres”, três “serventes alugados” e um cozinheiro
remunerado que faziam todo o serviço da cozinha, carretos e o despejo. Um dos africanos
livres fugira, tendo o Presidente da Província encarregado o Chefe de Policia para “fazer
diligenciar a captura do Africano livre Paulino, servente do estabelecimento”.
248
Em 1850 foi
construído o xadrez.
249
A Casa amazonense também contava com o trabalho de africanos livres no início de
seu funcionamento, mas o podia substituir pelo trabalho indígena quando preciso. Os
trabalhos de limpeza, cozinha e lavagem de roupa eram feitos por africanos livres, presos
245
Composta por delegados da Instrução Pública (MARTINEZ, Alessandra, 1997, p.52).
246
Regulamento de 1872, artigos 39 e 40.
247
FALCÃO, José Antonio, 1849, p.107.
248
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.105.
247
sentenciados ou índios. Alguns ofícios publicados no jornal Estrella do Amazonas, entre
1858 e 1859, indicam a dificuldade em manter os africanos livres disciplinados. Parceiros de
alguns deles pernoitavam no rancho dos educandos, onde “ahi cauzáo as vezes desordens
com bebedeiras e richas, recommendo a Vmc. que mui positivamente lhes proihiba taes visitas
das seis e meia horas da tarde em diante”. Apolinária, africana livre que servia de lavadeira no
estabelecimento foi substituída por uma índia indicada pelo diretor, pois, tida por ébria, o
presidente a mandou encaminhar ao diretor de obras públicas. Afastada do estabelecimento
de educação, Apolinária seguiu o destino dos africanos livres e de muitos índios da região,
empregados nas obras públicas da Província.
250
Os africanos livres eram pagos por seus
serviços na Casa dos Educandos de Manaus, percebendo seus jornais quinzenalmente, tal
qual os mestres de ofícios. Já os presos sentenciados que trabalhavam no estabelecimento
recebiam uma ração igual a percebida pelos educandos.
251
Na década seguinte, o
estabelecimento já não contava com esta mão-de-obra, sendo muitos dos serviços feitos
pelos próprios educandos.
O status de livre dos africanos chegados ao Brasil a partir de 1831, quando uma
legislação considerou ilícito o tráfico, tendo como livres todos os escravos que dessem
entrada nos portos do Império, não significou que possuíssem liberdade para tomar decisões
a respeito de seus destinos e não evitou que fossem tratados como escravos. Estando sob a
tutela do Estado, eram empregados pelos governos em serviços públicos e particulares.
Desde 1850, sob a lei Eusébio de Queiroz, a concessão para particulares fora proibida,
sendo somente encaminhados para estabelecimentos públicos, como prisões, orfanatos e
hospícios.
252
Fernando Salla relata que a Casa de Correção de São Paulo contava com o
249
Ibid., p.117.
250
Muitos ofícios publicados no Estrella do Amazonas dirigem-se ao Diretor Geral de Índios, solicitando o
Governo trabalhadores índios para as obras públicas. A alegação de que faltavam índios e que lhes
repugnava ir às obras públicas irritou o Presidente da Província, pois lhe constava que os diretores
parciais “os empregáo nos seos serviços e das pessoas, a quem querem favorecer” (Estrella do
Amazonas, 10/11/1858, expediente de 13/07/1858).
251
Ofícios da Presidência da Província à direção da Casa de Educandos, publicados no jornal Estrella do
Amazonas (Jornais de 09/10/1858, 23/04/1859, 26/02/1859 e 27/06/1860, e os respectivos expedientes de
18/06/1858, 15/10/1858, 17/09/1858 e 12/05/1860). Referências aos africanos livres no estabelecimento
encontram-se também no RPAM, 7/9/1858, anexo G, p.2.
252
SALLA, Fernando, 1999, p.79.
248
trabalho de africanos livres e enfrentou inúmeras tentativas de fuga. Os africanos livres
somente foram emancipados em 1864.
253
Conforme citado há pouco, os estabelecimentos nortistas empregavam a reclusão em
prisão como meio disciplinar, podendo recorrer a outras medidas, como a restrição alimentar.
No Rio de Janeiro, o Asilo dos Meninos Desvalidos, instituição criada como modelo para
outras províncias, o quadro não era diferente: a privação do alimento e da liberdade, mediante
encarceramento na prisão por até três dias e a expulsão, eram as punições principais.
254
Na
Bahia, a Casa Pia, de administração religiosa, seguia a mesma linha de punições: privação de
recreio, alimentação; reparação do dano; trabalho braçal no Colégio e reclusão solitária. No
entanto, os açoites e palmadas eram proibidos pelos Estatutos de 1828, o que pode ser
compreendido pela seleção que a instituição fazia de seus candidatos à internação, como já foi
mostrado: o ingresso era vetado aos negros e índios e priorizado aos filhos legítimos.
255
A severidade das punições previstas pode ser explicada por vários fatores. Sem
dúvida, as instituições “importaram” e adaptaram o modelo do quartel, inclusive as suas
penalidades. Há igualmente que se considerar a visão e a expectativa em relação aos meninos
a serem educados - os selvagens brutos - meninos desvalidos, analfabetos, cujas famílias
não os educavam convenientemente, na concepção das elites da época do que seria uma
educação adequada à “classe da sociedade a que pertencem os educandos”.
256
Circulava
ainda, em certos meios da instrução pública, a visão de que os pais brasileiros, especialmente
as mães, mesmo as das classes populares, mimavam os seus filhos, que se tornavam
indolentes e pouco dispostos ao trabalho duro e disciplinado. Esta é a posição expressa pelo
professor de uma escola pública da Corte, o qual propaga a “transformação de nossas
actuaes Escholas Publicas em Escholas publicas profissionaes”. Vieira compara a mãe
brasileira com a inglesa, afirmando que a primeira dirige um “amor cego e egoismo
exagerado” ao filho, e “dobra-se a todas as vontades” do pequeno, o que reflete na escola.
257
Vinte anos antes, Van Halle, no relato de suas “impressões” das viagens que fez ao Brasil
253
Ibid., 77-87.
254
LOPES, Luiz Carlos Barreto, 1994, p. 135.
255
MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues, 1996, p.128.
256
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.72.
257
VIEIRA, J.J.R., 1899, p.54.
249
(1876) empregara a mesma retórica, após visitas feitas a colégios da Corte, onde diz ter
notado “a falta de respeito desta mocidade estudiosa a seus professores, e mesmo aos Srs.
diretores do estabelecimento, (...) o que attribuo á falta, á indiferença, á incuria da educação
que dão os pais aos seus filhos e ao amor cego que nada vê de máu no que elles fazem.” E
conclui, não sem mostrar-se extremamente intolerante e preconceituoso:
“Eu podia comparar estes pais e mãis, tão pouco severos para lhes dar uma boa
educação, com os macacos, que, por um amor todo maternal pelos filhos, os
sufocão!...”
258
Afirma ainda que a qualquer “reprimenda ou punição por mais bem merecida, estes
pequenos viciosos e mentirosos vão se queixar a seus pais das injustiças que receberam, os
quaes aceitam, em logar de se informarem com os directores dos collegios.” Os pais tiravam
os meninos dos colégios para confiá-los a estabelecimentos semelhantes.
259
As resistências e inadaptações às tentativas de imposição educacional e cultural
promovidas pelas instituições são amenizadas ou não estão bem dimensionadas nos relatórios.
Nos relatórios estão registrados os casos mais graves de transgressão, tais como deserção,
fuga, sedução, insubordinação e recusa em aprender ofícios. Há casos que podem ser
considerados como uma forma de resistência passiva, como aqueles taxados de inertes, rudes
no aprender e acanhados de inteligência. Problemas com o comportamento dos internos, no
dia a dia, não são considerados. Ao contrário, elogios tais como, o bom comportamento, a
satisfação dos alunos e a disposição para o trabalho, são ressaltados por alguns. Um ano
após a fundação da Colônia Isabel, o seu diretor avaliou que os colonos estavam “satisfeitos”,
e “salvo poucas excepções, sempre dispostos para o trabalho”.
260
Lá, a rotina diária era,
como nos outros estabelecimentos, marcada pelo trabalho e pelos horários rígidos. Os
meninos acordavam as 4 3/4 da manhã, trabalhavam na fazenda e nas oficinas, tinham
instrução primária e horário para estudo, e deitavam-se as 8 1/2 da noite. No ano de 1876,
258
HALLE, José Van, 1876, p.6. Na obra, o viajante relata as visitas à escola pública da freguesia de São.
José, na rua da Ajuda, à Escola Normal de Niterói, muito elogiada pelo autor, à escola do Sr. Lizaur, de
instrução primária aos seus pequenos operários, e à Casa de Detenção (p.11 a 26). E igualmente expressou
a sua indignação com a “falta de respeito dos estudantes, moços de boas familias e que pertecem aos
primeiros colegios e externatos da capital” (p.7).
259
Ibid., p.7.
260
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1877, p.3.
250
de 112 colonos, quatro foram expulsos por “tentativa de fuga e seducção”. Os banidos
muito apresentavam “comportamento irregular”.
261
Frei Fognano dá o seu depoimento sobre a disposição que os colonos apresentavam
para o trabalho, em resposta às queixas repetidas que ouvia contra “a pouca vontade de
trabalhar inerente à natureza dos paises intertropicais”. O autor desloca a discussão da
natureza para a educação, e por conseguinte, para a cultura, entendendo que o hábito de
trabalhar se desenvolve pela educação correta, responsabilizando as famílias de “certa classe”
pela “educação defeituosa” dada aos filhos, levando-os a rejeitarem o trabalho.
“A curta experiencia d'estes dous annos, no meio d'estes meninos de diversas
idades, construcções e genios, me autorisa a desmentir semelhante asserção [da
pouca vontade de trabalhar existente nos paises intertropicais]. No meu fraco
entender essa repugnancia para o trabalho provém mais da educação defeituosa
que certa classe de gente dá a seus filhos, do que de defeito natural. Com effeito
quem vê meninos levantarem-se as 4 3/4 da manhã e depois de ouvirem a missa,
do banho e de uma pequena refeição, irem alegres e satisfeitos para o trabalho e
permanecerem n'elle até as 9 horas: voltarem, e depois de ter almoçado,
assistirem n'aula até 2 horas da tarde; as 3 horas, depois de jantarem, tornarem
para o serviço até as 5 horas e meia, e voltando depois d'esta lida diaria, não se
mostrarem nem cansados nem enfados, não póde crêr-se que seja effeito do
clima, a indolencia que infelizmente se nota entre certa classe de
trabalhadores."
262
A maioria dos meninos tinha de 11 a 16 anos (81 internos) e 31 colonos estavam na
faixa dos seis aos dez anos. Portanto, o diretor recebeu muitos meninos com mais de doze
anos, pois a Colônia fora criada um ano antes, tendo 94 colonos em dezembro de 1875. No
final da década de 1880, o diretor se opôs à admissão de maiores de 12 anos, principalmente
aqueles vindos da capital, eivados de vícios, os quais, além de se mostrarem resistentes ao
regime do “Instituto”, contaminam os menores com os seus “maus hábitos”.
“(...) os maiores de 12 anos (...) principalmente tendo sido elles nascidos e
criados n'essa capital onde (...) facilmente se viciam, e assim viciados não
somente com difficuldade se sujeitam ao regimen estabelecido n'este Instituto
senão que também procuram inocular nos que n'elle são educandos,
principalmente os mais pequenos, os máos habitos que d'essa cidade trazem.
263
261
Ibid., p.3.
262
Ibid., p.14.
263
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1889, p.20.
251
Entre os “vícios” e “maus hábitos” supõe-se que estivessem incluídas as
manifestações da sexualidade dos colonos adolescentes, talvez dirigidas aos “pequenos” e
aos filhos ou filhas dos lavradores que moravam na Colônia - eram 173 famílias com 780
filhos em 1876. A maioria dos chefes de famílias era de lavradores iletrados, cujos filhos não
teriam destino muito diferente, pois só havia duas escolas disponíveis na região: a escola de
primeiras letras da própria Colônia, só para meninos e, a escola mista no povoado de
Jaqueira.
264
Nota-se que o contato dos colonos com o sexo oposto era bastante controlado,
inclusive na circulação pela Colônia, cujo diretor impedia que os jovens fossem trabalhar nos
locais mais distantes, onde não pudessem ser vigiados.
Uma das estratégias de disciplinamento dos internos consistia no emprego de internos
mais antigos na vigilância dos colegas. Alunos que se mostravam obedientes às normas
institucionais eram selecionados pelo diretor para chefiar divisões e seções do corpo de
educandos, por se apresentarem como melhores educadores do que homens adultos, pois
“têm a prática do serviço do estabelecimento, a dedicação, e os costumes”.
265
Está claro que
o diretor omitiu o aspecto financeiro, pois empregar educandos para o trabalho interno
representava uma economia fundamental para instituições que viviam sob constante aperto
financeiro, dependendo da boa vontade dos deputados da Assembléia Provincial em aprovar
verbas destinadas aos estabelecimentos, do correto e pronto repasse de loterias e da caridade
alheia.
266
O diretor utilizou um recurso que é de praxe, até os dias de hoje, nos internatos para
“menores carentes”. Selecionar os educandos mais adaptados, ou melhor, submissos à ordem
institucional, é uma estratégia que as instituições aprenderam a empregar, com as dificuldades
264
Esta informação é do relatório de 1889, portanto não podemos afirmar que em 1876 os filhos dos
lavradores freqüentavam escolas. Os lavradores e suas famílias ocupavam 43 Km
2
da área da Colônia,
sendo que 117 deles pagavam 10$000 anuais pelo uso da terra, valor tido por “insignificante” pelo diretor
(Op. cit., 1877, p.14). Em 1888, receando invasões nas terras da Colônia, Fognano relata que permitia a seus
moradores lavrarem a terra nas divisões das terras para que as vigiassem. Neste ano eram 110 famílias,
compondo 629 indivíduos, a maior parte analfabeta, “por não lhes ser facil a frequentação das escolas
onde lhes poderia ser communicada essa instrucção” (Op. cit., 1889, p.20). Se os dados estatísticos
estiverem corretos, houve não só uma diminuição do número de famílias na Colônia, como também uma
redução da natalidade, que em 1876 havia atingido a taxa de 4,5 filhos por chefe de família.
265
Idem.
252
enfrentadas para arregimentar funcionários dispostos a trabalhar muito e ganhar pouco. Outro
obstáculo transposto com o uso de internos no controle e na vigilância de seus pares consiste
na dificuldade do preparo, para exercer tais funções, de pessoas de baixa qualificação, nem
sempre compromissadas com os objetivos educacionais da instituição. Os internos bem
adaptados têm as normas e os valores preconizados pela instituição interiorizados, e são as
pessoas mais capazes de os reproduzir de forma acrítica.
267
Assim, no estabelecimento do Maranhão, os agentes, fiéis, chefes das divisões e
cabos das seções eram todos educandos, e segundo o diretor, ajudavam na educação dos
outros meninos. Ocupavam funções hierarquicamente superiores aos seus colegas e, por
gratidão ou pela busca de aprovação e reconhecimento da direção da Casa, possivelmente
cumpriam suas tarefas com afinco e dedicação. Os melhores podiam ser contratados como
funcionários da instituição, garantindo o futuro, mais certo neste caso, do que lutar para
conseguir um lugar no concorrido mercado de trabalho das oficinas da Província, conforme a
exposição feita por Falcão. Há pelo menos o registro de um caso desta natureza no relatório
de 1851. O diretor recomendara o agente Antonio Francisco Simões ao Presidente da
Província e à Assembléia Legislativa Provincial, solicitando uma gratificação para que ele
pudesse manter-se no “emprego de administração do serviço", pois pela idade devia deixar
de ser educando. Assim se expressou:
“He educando desde o principio do Estabelecimento, he desvalido, tem 24 annos
de idade, comporta-se exemplarmente, he zeloso na conservação da policia
material do Estabelecimento (...), fiscaliza a pontualidade do comparecimento e
estada no trabalho dos mestres, operarios, e aprendizes, das officinas, e faz o
ponto dos ditos mestres e operarios; e também dos trabalhadores das obras que
são feitas para o acrescentamento dos comodos do edificio.
268
266
A Colônia Isabel, por exemplo, passou por imensas dificuldades financeiras ao final da década de 1880,
pois não recebera o repasse da loteria provincial (FOGNANO, Fidelis Maria de, 1889, p.22).
267
O fenômeno da reprodução das normas disciplinares pelos internos quando têm a oportunidade de
ocupar o lugar do funcionário foi detectado por Sônia Altoé (1990), em pesquisa realizada na década de
1980 em internatos para “menores carentes e abandonados”. Altoé verificou, nas entrevistas com internos,
direção e funcionários que os monitores recrutados entre os meninos e as meninas freqüentemente eram
mais rígidos com os/as colegas do que os próprios inspetores. Entre várias situações, ela relata o caso de
menino admirado pela direção e pelos funcionários por sua capacidade de comando: “ele sabe controlar
mais de 50 colegas”, sendo capaz de “dá conta da disciplina” melhor do que o adulto (p.192).
268
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.39.
253
No Rio de Janeiro, onde o fácil acesso a mestres de ofícios e operários não justificava
o emprego de ex-educandos, verificou-se a existência da mesma prática no Asilo dos
Meninos Desvalidos. Em suas Notas de um reporter, Ernesto Senna conta que visitara o
então denominado “Instituto de Ensino Profissional”.
269
Despertou a atenção de Senna o
grande número de cargos ocupados por ex-alunos, como todos os de contra-mestres das
oficinas, o de roupeiro e outros mais valorizados, como o de secretário do Instituto,
professores de música e desenho, e professores adjuntos, paralelamente ao asseio e à ordem
existentes do estabelecimento.
270
As várias oficinas empregavam cerca de 45 menores cada
uma e atendiam a encomendas externas e às necessidades do Instituto de roupas e calçados
para 400 educandos.
Na instituição amazonense, parte do trabalho interno passou a ser responsabilidade
dos alunos em decorrência do fim do emprego de africanos livres e presos sentenciados nos
serviços da Casa. Os educandos tiravam lenha, pegavam água e remavam canoas, entre
outras atividades do gênero, conforme relatou o autor do artigo publicado “a pedidos” no
Commercio do Amazonas, em 1875.
271
Alguns cargos previstos nos regulamentos
amazonenses e paraenses eram ocupados por educandos como os de agente, fiel e
enfermeiro. Os educandos cuidavam do funcionamento cotidiano da instituição, verificando o
andamento das refeições na cozinha e vigiando os companheiros no exercício das atividades
diárias como, por exemplo, averiguar se algum ato contrário à moral ocorria durante o banho.
A limpeza e o cuidado com os meninos doentes, checando se tomavam a medicação
corretamente, cabiam ao educando enfermeiro. A economia institucional (financeira e
disciplinar) era favorecida pelo trabalho dos meninos, que por sua vez, obtinham ganhos
imediatos e perspectivas futuras.
Representações e expectativas familiares
269
SENNA, Ernesto, 1895. Em 1894, o Asilo passou a ser denominado “Instituto Profissional Masculino”.
270
Ibid. p.123.
271
Commercio do Amazonas, 3/7/1875.
254
Nos primeiros tempos de funcionamento dos institutos governamentais, a relação
entre família e instituição foi de estranhamento e desconfiança. A direção rejeitava a educação
doméstica e a família temia a tutela do Estado.
A visão que o diretor da Colônia pernambucana tinha da “classe da sociedade d'onde
lhe vem a maior parte d'esses mesmos educandos” era bastante negativa: a classe social a
qual pertenciam não era “a mais apta para dar-lhes bons exemplos”. A solução encontrada
pelo frei foi reduzir a idade de ingresso aliás, a grande maioria dos Institutos e das Casas de
Educandos não aceitava meninos acima dos doze anos - restrição que visava ao maior
controle sobre os contatos e comportamentos aprendidos entre os de sua “classe”. Assim, em
1888, dos 167 colonos, 99 tinham até treze anos. Em compensação, 27 jovens encontravam-
se na faixa dos dezessete aos dezenove anos, provavelmente crescidos lá.
272
O diretor da Casa dos Educandos do Maranhão se queixa de que jovens ingressavam
na Casa por castigo aplicado pelas famílias, que tinham uma visão extremamente negativa do
estabelecimento nos primeiros tempos de funcionamento. Falcão associou a
insubordinação” à “qualidade” dos jovens admitidos por castigo, dotados de “rudez e
vadiação” só conhecidas após a matrícula, muitos dos quais acabavam sendo expulsos.
(..) as causas de tantas demissões (por inabilidades ou castigos) he explicada pela
inteira repugnancia que havia para entregar os jovens a educação desta Casa, o
que o resultado hera virem a qui ter muitos d'aquelles em quem de todo não se
descobria aptidão para outro qualquer emprego; hera como huma especie de
castigo dado aos jovens, que se lhe requeria a admissão para aqui; chegavão
mesmo Exm. Sr., a ser as ameaças com que as Mães intimidavão os filhos para
que se aquietarem - olha que eu vou te metter na Casa dos Educandos; mais de
huma Mãe se deo por offendida por lhe aconselharem que pedisse a admissão de
filhos que tinhão com mais de 13 annos de idade, sem saberem conhecer o
abcedario, respondendo muito agoniadas a quem as aconselha - Deos me livre;
meu fiho não nasceu para isso; onde eu comer meu filho tambem come: do que
eu tenho a honra de informar a v. Ex. a fim de que V.Ex. se digne de observar a
differença que ha entre as opiniões, então e agora, formadas a respeito da
Instituição, sem ter havido mudança de Directoria ou systhema de dirigir, e só
pela constancia empregada, e sempre protegida pelos Exms. Antecessores de V.
Ex.
273
272
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1889, p.20.
273
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.77.
255
O autor registra que as “opiniões formadas a respeito da Instituição” mudaram, pela
“constância” do atendimento e pela “proteção” recebida do governo provincial. Após oito
anos de funcionamento, as famílias passaram a desejar que seus filhos fossem educados na
Casa.
“... bem poucas são as pessoas que tenhão em seu poder, ou sob a sua
protecção, hum joven da classe que não seja a mais grada da sociedade, que
não faça os maiores esforços para o verem recebido n'esta Casa.”
274
Uma semana após a fundação da Casa, em 1841, o presidente ordenara que se
angariasse meninos para educandos, pois as famílias não receberam bem a instituição. Os
meios pelos quais os meninos foram recrutados não são relatados, mas o diretor conseguiu
obter 26 deles para iniciar o seu trabalho. No ano seguinte, a “repugnância” das mães foi
cedendo e os pedidos para internação começaram a surgir. Este foi o caso de uma mãe que,
seis meses após a criação da Casa, dirigiu um requerimento ao Presidente da Província
pedindo a admissão de três filhos, sendo somente um admitido. Em 1849, o diretor conta que,
“os 60 lugares estão sempre completos, e requerem-se as admissoens com anticipação” -
cinco jovens habilitados a ingressar no estabelecimento, por ordens do presidente, estavam na
fila de espera.
275
Falcão afirma estar convencido de que os pais não buscavam colocar os filhos no
estabelecimento para economizarem as despesas necessárias para a criação dos jovens. A
reação indignada de algumas mães ante a solicitação de internar o filho no período inicial do
funcionamento da Casa indica que, frente a um destino incerto, optava-se em manter a criança
em casa, com a argumentação de que “onde eu comer meu filho tambem come”.
276
A nova postura das famílias e a instalação de oficinas internas interferiram diretamente
na “melhora” da instituição, como relata Falcão.
“Tem ocorrido para a melhora presente, a concentração das officinas aqui, e as
boas qualidades de quasi todos os jovens que para aqui são recolhidos, com
muitas solicitações; destes muitos em perfeita innocencia...”
277
274
Ibid., p.71.
275
FALCÃO, José Antonio, 1849, p.99.
276
Ibid., p.77.
277
FALCÃO, José Antonio, 1849, p.78.
256
Pelos relatos sobre o comportamento dos educandos, a admissão de meninos
provenientes de famílias que viam o “amor pelo trabalho” como um valor importante a ser
incutido nos filhos, resultou na evolução dos comportamentos dos alunos a níveis mais
aproximados dos desejados pela instituição. Como conseqüência, no relatório referente ao
ano de 1850, o diretor se desdobra em elogios aos alunos, tanto por ocasião das solenidades
públicas, quanto no interior do estabelecimento. Os educandos se apresentavam aos atos
religiosos com “decência”, “gravidade” e “respeito”. Intramuros, mostravam-se “obedientes
aos superiores, e em confraternidade com os iguaes, aprezentando a raridade, em
estabelecimentos da natureza deste, de não haverem entre elles rixas, ou outra qualquer
occasião de desunião, praticando todo o serviço que lhe encarregão os mestres a respeito do
ensino, e o que tem de executar para o serviço economico do estabelecimento, sem
repugnancia e com capricho, como he reconhecido nesta Provincia, e talvez fora d'ella”.
278
As solicitações de internação feitas pelas famílias correspondem à expectativa das
instituições de tornar o jovem “útil a si e à Pátria”, pela via do trabalho. É o que se pode
depreender dos requerimentos feitos por familiares ou responsáveis ao Asilo de Meninos
Desvalidos, no Rio de Janeiro, dirigidos ao diretor do estabelecimento e a outras autoridades
governamentais. Não temos os textos dos requerimentos feitos ao governo maranhense, mas
os encontrados nas pastas dos alunos do Asilo dos Meninos Desvalidos foram analisados por
Luiz Carlos Lopes. As solicitações eram feitas por avós, pais, idosos, responsáveis ou tutores
dos meninos, a maioria com a intermediação de pessoas notáveis e/ou reconhecidas como
idôneas, que assinavam os pedidos “a rogo de... por não saber ler ou escrever”.
279
Ao lado
da argumentação do “cidadão útil a seu país”, recorria-se com freqüência à pobreza da mãe,
nos inúmeros casos em que o pai não existia, situação comumente ocasionada pelo fato da
mãe ser ex-escrava. Proprietários de escravas também solicitavam internação para crianças
nascidas de ventre livre, recorrendo ao mesmo tipo de argumentação. Os textos valorizavam a
educação a ser recebida na instituição, como superior ou a única possível para o menino, e
anunciavam a impossibilidade dos responsáveis de educarem as crianças. O sentido de educar
278
FALCÃO, José Antonio, 1851, p.39.
279
LOPES, Luiz Carlos Barreto, 1994, p.142.
257
nesse momento adquire um novo matiz, vindo a reforçar a incapacidade das famílias de
educar suas crianças e jovens. Os termos das cartas se sofisticam, incorporando valores caros
à década da libertação do ventre da escrava. Preparar cidadãos úteis à pátria e excelentes
filhos pela ordem, trabalho e moralidade era tarefa apropriada às instituições do Estado.
280
Como ocorreu no Maranhão, a demanda por vagas no Asilo era crescente. De todas
as instituições citadas neste estudo, o Asilo dos Meninos Desvalidos foi a que teve maior
número de matriculados. No primeiro ano de funcionamento existiam apenas 58 asilados; no
ano seguinte (1876) até 1882 manteve cerca de uma centena de meninos. A partir de 1883, o
número de internos é crescente, chegando a 430 asilados em 1892. O mesmo fenômeno
ocorreu no Amazonas, que enfrentou sérias desconfianças da população nos primeiros anos
de funcionamento da Casa de Educandos. Outro fator apontado pelo Presidente da Província
para o pequeno número de educandos refere-se às dificuldades financeiras da instituição. No
primeiro ano, a Casa amazonense contou com poucos educandos: apenas dezessete, sendo
três indígenas. Supõe-se, portanto, que não havia demanda por parte da população por este
tipo de instituição. Ao contrário, o estabelecimento gerava desconfianças, superadas com o
tempo, como relata o presidente Francisco José Furtado:
O estabelecimento prospera, e já não inspira temor, antes é procurado com
empenho; e contaria um grande número de meninos desvalidos, se computasse a
quantia consignada para esse utilissimo serviço.
281
No ano seguinte, eram apenas dezenove educandos. O número de internos aumentou
de forma gradativa, atingindo o ápice em 1872, com 98 educandos. Na segunda fase da
instituição, quando foi reaberta sob o nome de Instituto Amazonense de Educandos Artífices,
o número de educandos sofreu um aumento, chegando a 122 em 1884.
O temor despertado na população por algumas instituições educativas
governamentais tem sua análise bastante dificultada pelo fato dos autores da documentação
jamais se dedicarem ao assunto. O que gerava desconfiança nas famílias e nos jovens?
Trabalharemos com hipóteses construídas a partir de informações, algumas fugidias, pinçadas
280
Termos empregados nas solicitações de 1878 e 1882, respectivamente (LOPES, Luiz Carlos Barreto, 1994,
p.155 e 158).
281
RPAM, 03/05/1859, p.8.
258
de textos dos atores sociais que, por motivos diversos, estavam envolvidos com os
estabelecimentos. Em primeiro lugar, em meados do século XIX o trabalho manual carregava
todo o estigma que o associava à escravidão. Mas, o preconceito não impediu que superadas
as desconfianças iniciais, pais ou responsáveis procurassem internar seus meninos para que
fossem instruídos nos ofícios manuais.
A tônica da “educação condigna”, voltada para a formação do “bom cidadão” cresce
ao se aproximar a década de 1870, fazendo com que os Institutos recebam um número maior
de pedidos de ingresso do que podem atender. Portanto, as primeiras gerações de educandos
- a partir de 1840 - tiveram que superar os maiores temores ao ingressar nestes
estabelecimentos. Que temores seriam estes? Em termos de instituições de formação
profissional só existiam os arsenais militares, onde era comum o envio de meninos recolhidos
nas ruas - vadios ou mendigos. A tônica era mais de castigo/repressão do que de educação.
As Casas de Educandos, que surgem paralelamente às Companhias Aprendizes Marinheiros,
representaram uma novidade no cenário do ensino da educação profissional, pois embora
absorvessem os métodos pedagógicos da caserna, não eram instituições militares. O diretor
José Antonio Falcão nos dá a entender que as famílias precisaram de uns meses para
perceber a “constância” do trabalho proposto. Constância na qualidade do atendimento ou
constância da ação governamental? Talvez os dois aspectos tenham contribuído para
minimizar as desconfianças. A função de ensinar um ofício ao jovem sempre ficara no âmbito
doméstico, desvinculado do Estado. Ter os filhos sob a tutela do Governo da Província era
algo novo no cenário da educação e da assistência da época. A assistência à infância era
dominada pela caridade de irmandades religiosas, dirigidas a expostos, abandonados e
órfãos
282
. Nas escolas públicas, as crianças aprendiam a ler, escrever e a contar, não havendo
qualquer iniciação profissional, e mais do que isso, qualquer ingerência sobre a família. Os
pais tiravam as crianças das escolas quando bem queriam, e como era comum nas classes
populares recorrer-se ao trabalho dos filhos, a freqüência muitas vezes era sazonal.
282
Há uma significativa produção historiográfica sobre assistência aos expostos e órfãos, a partir da
criação das Casas dos Expostos pela Santa Casa da Misericórdia, em várias cidades brasileiras nos séculos
XVIII e XIX (ALMEIDA et al, 1987; ANJOS, 1997; BITTENCOURT, 1991; GERTZE, 1990; GONÇALVES,
1991; LIMA, 1992; LIMA, VENÂNCIO, 1988, 1992; MARCÍLIO, 1997a, 1997b; MESGRAVIS, 1975;
OLIVEIRA, 1990; VENÃNCIO, 1986-1987, 1993, 1995, 1997, 1999).
259
Outro fator estava na percepção do valor da educação - diretores de instrução
pública se queixavam que assim que o aluno aprendia a assinar o nome, os pais o tiravam da
escola.
283
Nas Casas de Educandos, os meninos ficavam sob a tutela integral do governo,
obrigando as famílias a abrirem mão do convívio e do trabalho dos filhos. A retirada de
crianças das instituições pela família era feita mediante requisição à diretoria ou ao Governo da
Província, onde se expunham os motivos do pedido de desligamento. Um dos motivos que
aparecia no Asilo de Meninos Desvalidos e no Instituto Paraense de Educandos Artífices era
a necessidade do aluno prover a subsistência da mãe e dos irmãos. Não há nenhum indício na
documentação consultada de que as instituições dificultassem a saída dos educandos,
sobretudo os de maior idade. O diretor do Instituto Paraense defendeu junto ao Presidente da
Província o desligamento dos educandos entre 18 e 20 anos, por considerar inconveniente o
convívio com os menores e, já sabendo trabalhar, poderiam liberar as vagas para outros
meninos desvalidos e pobres.
284
Outra questão revelada pela correspondência entre a direção do Instituto Paraense e
a Presidência da Província refere-se ao tratamento dos internos doentes. No corpo
documental, é comum surgirem ofícios versando sobre pedidos de pais e protetores para
realizar o tratamento de educandos em suas casas, mostrando que nas situações de moléstia,
os familiares preferiam ter os meninos junto a si. Estes pedidos geralmente encontravam a
benevolência dos presidentes, contudo um ofício do diretor demonstra que em dado
momento, a direção resolveu confrontar a prática, ao se opor à saída provisória dos órfãos
desvalidos e dos pobres, argumentando serem eles adotados pela Província. Portanto, além
de reivindicar a tutela dos internos em todas as situações de suas vidas, o diretor confronta a
educação institucional com a educação doméstica, vendo nesta última o risco da transmissão
de vícios por parte de “pais pobres e ignorantes”. Assim o diretor Manoel Joaquim
Fernandes Penna inicia a sua contestação:
“Não fui minucioso em meu officio n.645 enviado a V.Ex na parte que me foi
apresentada pelo medico do estabelecimento, porque é minha opinião que não
devem sair provisoriamente d‘este estabelecimento por motivo de molestia
283
.A respeito, ver os capítulos 1 e 2 deste estudo.
284
Oficio do diretor do Instituto Paraense ao Presidente da Província, 3/1/1881 (Arquivo Público do Pará).
Os pedidos de desligamento são analisados no capítulo 4.
260
educandos n’elle admittidos na forma do art. 1º do regulamento em vigor, isto é,
orphãos desvalidos ou jovens menos favorecidos da fortuna, pela simples razão
de que são elles adoptados pela Provincia, que os veste, alimenta, cura e ensina,
e pelo risco de voltarem viciados das cazas de extranhos ou dos paes pobres e
ignorantes.
285
Este ofício demonstra que o próprio governo orientava os diretores no sentido do
encaminhamento de doentes para suas casas. Da lista de doentes apresentadas pelo médico
do estabelecimento, todos os familiares e protetores se mostraram favoráveis ao acolhimento
dos meninos, no levantamento feito por ordem da presidência. Apesar de emitir opinião
contrária à medida, o diretor não deixa de concluir o oficio dentro da formalidade do cargo:
“É o que me cumpre informar a V.E que entretanto resolverá o que achar mais acertado na
sua alta sabedoria”.
A interrupção da formação do aluno não devia agradar à direção, pois significava
investimento perdido e o não cumprimento das finalidades da instituição. O diretor da Colônia
Isabel queixa-se que recebia vários pedidos de retirada de colonos por parentes e tutores,
que os internavam alegando grande pobreza, e por vários motivos “infundados”, tempos
depois solicitavam o desligamento. Fognano resistia à idéia de liberá-los, pois a saída com
pouca idade “seria para elles, inevitável perdição”. O frei temia que a instituição estivesse
sendo desvalorizada e tratada como “uma casa de pouca importância”.
286
A Colônia, além do
ensino de ofícios, promovia o ensino agrícola, o qual, não era muito valorizado pelas famílias
que o identificavam com o trabalho escravo. No entanto, no âmbito das instituições que
surgiram dentro do contexto urbano, como as Casas de Educandos, muitas famílias deviam
ver nas suas propostas educacionais a possibilidade dos filhos ascenderem social e
economicamente, integrados ao mercado de trabalho urbano.
Na Casa do Amazonas, a situação é bem diferente. Em Manaus, com uma população
predominantemente mestiça ou de origem indígena, vinculada à economia extrativista e rural,
onde o trabalho das crianças não era absolutamente desprezado, é bem menos provável que
as famílias concordassem em abrir mão de seus filhos. As temporadas de pesca requeriam o
285
Ofício do diretor do Instituto Paraense de Educandos Artífices ao Presidente da Província, ?/6/1886
(Arquivo Público do Pará).
286
FOGNANO, Fidelis Maria de, 1886, p.2.
261
auxílio de toda a família, garantia de sua sobrevivência nos meses seguintes. Em 1866, o
Presidente da Província Antonio Epaminondas de Mello, se queixou da resistência dos
responsáveis em deixar seus filhos freqüentarem a escola:
O menino que tem oito anos, que póde prestar qualquer serviço, matricula-se
na escola, mas não a freqüenta; porque seu pae, tutor ou protector arrasta-o
para o seringal, ou para outra qualquer colheita de productos naturaes; nessa
operação leva-se mezes, de sorte que vê-se qualquer creança remar, pescar,
fumar e embriagar-se, menos saber ler e escrever.”
287
Famílias que viviam nas proximidades de Manaus e de outras localidades se
dedicavam a atividades caracteristicamente rurais, como o cultivo de roças ou dedicadas à
pesca. Patrícia Sampaio aponta que desde finais do século XVIII, relatos de viajantes indicam
a existência, no Amazonas, de uma estreita combinação entre a agricultura e a coleta de
produtos extrativos em uma economia de pequenas e médias unidades de produção, voltada
para a subsistência e/ou o abastecimento do mercado interno.
288
A história de exploração e escravização dos índios na região é apontada pelos
governantes da Província como um dos fatores importantes para o afastamento das crianças
das instituições educativas. O presidente Francisco José Furtado, um ano após a fundação da
Casa dos Educandos, referia-se às “desconfianças e ressentimentos dos pais” pelas
“perseguições seculares” que sofreram. Investir na “educação dos meninos índios” foi a
solução proposta pelo autor como uma estratégia para neutralizar a representação negativa
que tinham dos civilizados.
A reprodução do estabelecimento por outros pontos da Província (...) é o meio
mais seguro e conveniente de aproveitar os restos das tribus indigenas,
educando-lhes os filhos; pois ao passo que se inicião na civilização as novas
gerações, se desarmão as desconfianças e ressentimentos dos pais,
escarmentados por perseguições e cruezas seculares.
289
287
RPAM, 24/6/1866, p.321.
288
SAMPAIO, Patrícia, 1997, p.78.
289
RPAM, 03/05/1859, p.8.
262
Para “salvar os restos dessa raça infeliz, que ainda orça por muitos mil”, Furtado
defendia o aldeamento dos “selvagens” e a criação de “casas de educação”, para os “infantes
de um e de outro sexo”. Assim, poderia-se “utilisa-los para o trabalho e para a civilisação”.
290
Pelos relatórios provinciais, parece-nos que o estabelecimento encontrou dificuldades
para superar tais desconfianças e enfrentou obstáculos bem concretos para o preenchimento
de vagas destinadas aos meninos indígenas. O principal obstáculo consistia na prática
corriqueira de escravizá-los. Um ano após a criação da Província do Amazonas, em fala
dirigida à Assembléia Legislativa, o presidente provincial, Conselheiro Herculano Ferreira
Penna, denuncia que um grande número de meninos e meninas indígenas era entregue ou
doado” (grifo do autor) a particulares, por autoridades locais ou por diretores das aldeias
291
,
e só casualmente pelos seus próprios parentes. Não apresenta maiores detalhes a respeito do
tipo de exploração a que eram submetidos, porém, pelas denúncias contidas em outros
relatórios, pode-se supor que as meninas fossem encaminhadas para o trabalho doméstico em
Manaus e nas povoações, e os meninos, para a extração de produtos naturais.
292
O ingresso de indígenas na Casa requeria uma ação deliberada do governo provincial
junto às aldeias de índios, buscando fazer os chefes e os pais compreenderem “as vantagens
de darem aos menores uma educação útil e proveitosa”. O presidente José Lustosa da Cunha
Paranaguá, com o fito de “obter menores indigenas de varias tribus”, providenciou para que o
estabelecimento de Educandos pagasse as passagens dos chefes que preferiram acompanhar
os meninos à capital. Fazer os chefes indígenas conhecerem o estabelecimento era uma
estratégia para angariar mais crianças, cujos resultados desconhecemos.
293
Ao que parece,
houve um efeito imediato que consistiu na concordância das famílias ou chefes indígenas em
enviar meninos para o Instituto, pois Paranaguá afirma em seu relatório à Assembléia
Provincial que, entre os 119 alunos matriculados havia “muitos de raça indígena”. O
estabelecimento de educandos fora reaberto sob a administração de Paranaguá, sob a
“expectativa geral” de que representasse “um grande elemento de vida da Província”. O
290
RPAM, 07/09/1858, p.21.
291
O diretor de aldeia era nomeado pelo Presidente da Província para a administração da aldeia, devendo
prestar contas de seu trabalho ao diretor geral de índios de sua província (Decreto n. 426, de 24/7/1845).
292
RPAM, 01/10/1853, p.55.
293
RPAM, 25/3/1883, p.35.
263
Instituto é louvado por Paranaguá como um “importante foco de educação”, “um templo ás
artes e á educação da mocidade”.
294
Foi justamente na década de 1880 que o
estabelecimento deu um salto em termos de número de internos, passando para mais de uma
centena em 1884, já funcionando como Instituto Amazonense.
Manaus estava iniciando um período de “fausto”, propiciado pela exploração da
borracha, atingindo o seu ápice no início da República. A cidade sofre mudanças, não só em
termos de crescimento populacional, como em sua urbanização. Esta trajetória rumo à
civilização e à cultura européias já se delineava no Segundo Reinado, quando houve um
significativo investimento na educação pública e se assentaram iniciativas em homenagem à
cultura e ao conhecimento científico, como a escola normal, a biblioteca pública e o museu
botânico. Sobretudo, a partir de década de 1870, cresce a migração nortista para a região,
principalmente a cearense. Nos mapas de alunos da Casa de Educandos começam a surgir
muitos meninos naturais do Ceará, ao final da década de 80 do século XIX. A demanda por
vagas aumenta, a população mais empobrecida reconhecia a importância da instituição para a
criação de seus jovens, mas os índios tinham fortes motivos para desconfiar da educação
oferecida pelos “civilizados”.
Na Bahia, A Casa Pia manteve uma boa procura durante todo o Império, período no
qual as instituições educativas prosperaram, principalmente a partir da década de 1870,
quando segmentos das elites brasileiras, sob a influência do movimento ilustrado, viveram um
momento eufórico de uma grande crença na educação. A instrução dos meninos e das
meninas sofreu um importante incremento nas províncias, aclamada como um instrumento
fundamental para superar o atraso do país, em parte, percebido como decorrência do
trabalho escravo e da existência de uma enorme população distanciada dos preceitos ditados
pela civilidade, obstáculos a serem transpostos na difícil caminhada rumo ao mundo civilizado.
Sob a égide do movimento “ilustrado”, caracterizado pela crença total na ciência, no
poder das idéias e da educação, a geração de intelectuais das últimas décadas do século XIX
se propõe a “ilustrar”, a “iluminar” o país, pela ciência e pela cultura.
295
Acreditava-se no
294
Ibid., p.34.
295
BARROS, Roque Spencer Maciel de, 1986, p.9.
264
poder da instrução para superar o atraso e a barbárie dos hábitos e da cultura popular.
Verifica-se, neste período, um considerável incremento do investimento dos governos
provinciais na instrução pública, com destaque à Corte.
296
Portanto, como bem demonstra
Alessandra Martinez (1997), o termo instrução tinha uma conotação bem mais ampla do que
ensinar a ler, a escrever e dar conhecimentos gerais e elementares, mas educar os indivíduos
dentro dos princípios morais e religiosos vigentes.
297
Tornar os asilos espaços de formação
profissional, além das demais funções, atenderia à necessidade dos setores populares de
preparar seus filhos para o trabalho, não esquecendo que a preparação do trabalhador
(disciplinado, que reconhece o seu lugar e respeita as hierarquias da vida social) era uma
necessidade que se impunha para o Estado e para a produção. É neste período que florescem
os institutos profissionais, as escolas industriais e agrícolas que associavam a instrução
elementar ao ensino profissional, sob a concepção de que a educação “fórma o coração
infiltrando n´elle nobres sentimentos, ao passo que a instrução sómente desenvolve e illustra o
entendimento”.
298
No ano de 1870, o Presidente da Província do Amazonas, o Tenente-Coronel João
Wilkens de Mattos, assim expressou o seu entusiasmo com o poder da educação em
transformar os destinos dos desvalidos, traçados pela sua origem, em prol de si mesmo, da
família e da sociedade:
“O ensino das artes e officios á classe desfavorecida da fortuna; á classe de
cidadãos que, pela sua origem, estaria votada a não passar de tripolantes de
pequenas embarcações, de pescadores, ou collectores de productos silvestres,
arrastando nas trevas uma existencia cheia de perigos e sem gosos sociaes, é um
grande passo dado em favor do progresso moral dos nossos comprovincianos. É
este estabelecimento digno da maior solicitude dos administradores e
legisladores desta provincia. Está elle fadado á derramar pela nossa escassa
sociedade, cidadãos que, recebendo uma instrucção primaria regular, teem de
concorrer com seus conhecimentos artisticos para o progresso material da
provincia. Um educando, que houver feito a sua aprendisagem, que corrente e
correctamente saber lêr, tem bôa letra; que conhece as quatro operações
arithmeticas (...); que adquirio habitos regulares de vida, só por excepção e
296
Na cidade do Rio de Janeiro, o número total das escolas primárias públicas foi duplicado nos anos
1870/80 - em 1870 eram 47 escolas; em 1884 este número salta para 148 (MARTINEZ, 1997).
297
MARTINEZ, Alessandra Frota, 1997.
298
RPAM, 10/3/1887, p.13.
265
muita infelicidade deixará de ser um bom cidadão, util á si, á sua familia, e á
sociedade.
299
Era justamente esta classe desfavorecida da fortuna o sustentáculo da economia
amazonense, coletando e transportando produtos silvestres, a caça e a pesca. Sustentariam os
sucessores de Wilkens de Mattos o entusiasmo deste paraense em transformar os amazônidas
em operários urbanos? No capítulo 4, analisaremos a acidentada história do estabelecimento
de educandos artífices de Manaus, o qual, caminhava para a extinção quando, em meio a
grandes esperanças com relação ao futuro da Província do Pará, surgiu o Instituto Paraense
de Educandos Artífices. As duas instituições constituem os objetos de análise do próximo
capítulo.
299
RPAM, 25/3/1870, p.15.
265
Capítulo 4
Instituições asilares de formação de artífices na Amazônia Imperial
Os educandos de Belém e Manaus
No capítulo anterior, analisamos o surgimento das instituições de formação
profissional do Segundo Reinado, caracterizadas pelo preparo de artífices dentro dos
ofícios artesanais necessários à vida civil e militar da época, tais como, alfaiates,
sapateiros, marceneiros, funileiros, ferreiros, entre outros. O preparo de músicos para as
bandas que se apresentavam em eventos públicos e privados constituiu um objetivo
bastante valorizado destas instituições. Meninos entre 7 e 14 anos ingressavam nos
estabelecimentos a pedido de pais, tutores ou protetores, e dependendo da idade de
admissão, lá permaneciam por cerca de dez anos, vivendo sob rigoroso regime
disciplinar, semelhante à caserna. Neste capítulo, focalizamos duas experiências oficiais
de educação de aprendizes artífices, desenvolvidas no Norte Amazônico. Trata-se dos
estabelecimentos de educandos artífices, criados pelos governos provinciais do
Amazonas e do Pará e instalados nas capitais.
A Casa dos Educandos do Pará foi a primeira a surgir no país, em 1840. Extinta
em 1852, somente em 1872 o governo paraense voltou a investir no preparo de meninos
desvalidos para o trabalho artesanal, instalando em Belém o Instituto Paraense de
Educandos Artífices. A finalidade consistia em tornar paraenses natos, provenientes de
famílias pobres ou desvalidas, úteis a si, à família e à pátria. Já o Amazonas não
conheceu um período tão grande de interrupção na educação dos meninos desvalidos. A
Casa de Educandos Artífices de Manaus foi criada por lei quatro anos após o
nascimento da Província do Amazonas e instalada em 1858. Após 19 anos de existência,
chegando a atender a 98 educandos em 1872, o estabelecimento foi extinto em 1877, em
meio à crise financeira que assolou as províncias brasileiras neste período.
1
Cinco anos
1
O jornal A Província do Pará anunciou a ameaça de bancarrota do Pará, transcrevendo os valores do
déficit das províncias brasileiras, atribuindo a “obra” à situação conservadora (15/12/1876). O mundo
capitalista passava, neste período, por uma grande depressão ocasionada pela queda da bolsa em 1873,
determinando a emergência de uma nova era do capitalismo internacional, com o fim da era do triunfo
266
depois, sob o domínio liberal, o Amazonas reinstala a instituição, denominando-a de
Instituto Amazonense de Educandos Artífices, observando as inovações educacionais
absorvidas por estas instituições na década de 1870.
Ambas as instituições sobreviveram à mudança de regime político e viveram um
período próspero nos primeiros anos do século XX, instaladas em edifícios grandiosos,
construídos para o fim educacional. Ao final da primeira década republicana, o
estabelecimento amazonense sucumbiu às mudanças do ensino profissional, que se
desvinculava da política local ao se tornar uma meta do governo federal, com a
fundação das Escolas de Aprendizes Artífices, em regime de externato. A instituição
paraense se conservou por longos anos, mantida pelo governo estadual.
Se no capítulo anterior, abordamos o surgimento das instituições desde as
primeiras iniciativas em 1840, neste priorizamos as mudanças institucionais e
educacionais em andamento na década de 1870. Nos anos 1870, o estabelecimento
amazonense viveu intensa crise, tornando-se alvo de críticas por parte de liberais e
conservadores. Centramos a discussão no período de extinção e ressurgimento da
instituição em 1882. Entre 1875 e 1877, as denúncias da imprensa fomentaram o debate
da necessidade de uma reforma drástica da Casa, permitindo-nos o conhecimento mais
apurado da vida institucional. No caso do Pará, o Instituto surgiu em 1872, esquecido da
antiga experiência “desaparecida” dos anais da história educacional paraense na época.
A antiga Casa de Educandos não deixou vestígios aos poucos a verba e o número de
educandos aprovados pelas leis orçamentárias da Assembléia Provincial do Pará foram
minguando e o estabelecimento adentrou nos anos 1850 em ritmo de decadência, com
muitos pedidos de desligamento por parte dos familiares e deserções de aprendizes. Tal
como o amazonense, o Instituto Paraense nasceu em meio a grandes expectativas quanto
à promoção do progresso e da civilização na Província.
As fontes desta análise centram-se nos artigos e notícias dos jornais das duas
províncias, os quais, como já analisamos no capítulo 2, tinham grande apreço às suas
instituições educacionais e mantinham-se especialmente vigilantes quando as
liberal (HOBSBAWM, Eric J., 2001). Com uma economia, em grande parte, dependente das exportações
de matérias primas ao mercado internacional, as províncias amazônicas, como outras do país, se
ressentiram com a retração econômica. A “grande depressão” de 1873-1896 gerou a “crise do Norte”,
quando praticamente o açúcar e o algodão nordestinos foram eliminados do mercado internacional
(MELO, Evaldo Cabral de, 1984, p.14).
267
ingerências políticas obstruíam os seus objetivos educacionais. A correspondência entre
os presidentes do Pará e os diretores do Instituto Paraense constitui fonte privilegiada
neste capítulo. São ofícios manuscritos, depositados no Arquivo Público do Pará, os
quais proporcionaram a análise do controle presidencial sobre a instituição e de uma
fração de sua vida cotidiana. Leis, portarias e ofícios impressos nos permitem visualizar
as expectativas e intenções dos legisladores e das administrações provinciais quanto ao
destino dos institutos. Por fim, os relatórios oficiais, os almanaques e as demais obras,
que retratam as iniciativas de formação profissional das províncias, são fundamentais
para uma leitura mais isenta das paixões partidárias e do fazer cotidiano das instituições.
As fontes são apresentadas com maior acuro na medida de sua utilização, ao longo do
texto. Iniciamos o capítulo com a análise da experiência amazonense, que ao tempo do
surgimento do Instituto Paraense, caminhava para o seu fim, ressurgindo uma década
depois de implantada a segunda tentativa do Governo do Pará na educação de artífices.
Educandos do Amazonas
Em novembro de 1869, quatro meninos fugiram da Casa de Educandos de
Manaus e rumaram para a freguesia de Serpa, escondendo-se num sítio situado a nove
léguas da vila. No mesmo período, o Presidente do Amazonas, o paraense e tenente
coronel, João Wilkens de Mattos, visitou as escolas públicas e as igrejas de Serpa e
Silves, verificando o estado de duas instituições que não podiam faltar nos núcleos
populacionais da Província.
2
Ao término de sua missão, ciente da fuga dos educandos,
ordenou a captura e levou os desertores consigo, de volta a Manaus. Três dos meninos
reagiram à pena de prisão no estabelecimento, imposta pelo presidente. Armados com
um chaço e facas, arrombaram a prisão e tentaram evadir-se.
A tentativa frustrada de fuga resultou em castigos determinados pessoalmente
por Wilkens de Mattos para dois deles, sendo a pena disciplinar máxima arbitrada, isto
2
A respeito da visita de Wilkens de Mattos, ver capítulo 1. O paraense W.de Mattos, nascido em Belém,
era formado em matemática e engenharia civil nos Estados Unidos, tendo ocupado vários cargos na
administração pública. Foi cônsul do Brasil na Guiana Francesa e na cidade de Loreto, Peru, além de
deputado provincial no Pará e deputado geral. Em maio de 1889, recebeu o titulo de Barão de Muriuá
(Adaptado do resumo biográfico elaborado pela Biblioteca Pública do Pará).
268
é, o ingresso na Marinha.
3
O presidente não emitiu as ordens de seu gabinete fez-se de
corpo presente na punição dos meninos. A autoridade máxima da Província se
empenhava para manter a ordem na instituição, visitando-a semanalmente.
4
Veremos,
mais adiante, que nos anos seguintes, as administrações provinciais não mantiveram
tamanho contato e controle sobre o andamento cotidiano da instituição, cujas atividades
estavam, em parte, nas mãos de educandos que ocupavam cargos como os de fiel,
agente, enfermeiro, livreiro, serventes e remeiros.
Cerca de duas semanas após o incidente, o Correio de Manáos publicou outra
notícia envolvendo os educandos, desta vez, o grupo que proporcionava grande
satisfação à instituição e à administração provincial, composto pelos meninos da banda
de música. Os meninos músicos se destacaram na inauguração da Companhia Fluvial do
Alto Amazonas, os quais, a bordo do vapor Madeira, tocaram “uma de suas melhores
execuções” à chegada do Presidente da Província. Durante o passeio até a boca do
Solimões, que durou até oito da noite, a banda tocou todo o tempo. A festa começou
pela manhã, com o almoço a bordo, para onde afluíram “grupos de pessoas de todas as
classes, grandes e pequenas”.
5
Nestes eventos, a instituição adquiria visibilidade para
toda a sociedade de Manaus, fazendo conhecer seus progressos, pelo brilho dos
educandos. No mesmo número do jornal, um folhetim assinado por O Pacheubas, relata
em detalhes a inauguração da Companhia Fluvial, destacando “os harmoniosos sons dos
instrumentos dos nossos aprendizes Educandos”.
6
Nos seus dez anos de existência, a instituição exibe os troféus do sucesso
educacional e encarcera e expulsa aqueles que podem expor os seus fracassos. Era
costume nas províncias a promoção de visitas às instituições educacionais de maior
prestígio quando viajantes nacionais e estrangeiros ilustres chegavam às capitais. O
estabelecimento amazonense não era exceção, tendo recebido visitantes tais como os
viajantes Avé-Lallemant (1859), casal Agassiz (1865), Coudreau (1887) e o Bispo do
3
Correio de Manáos, 26/11/1869.
4
No relatório de 4/4/1869, Mattos afirma que visitava o estabelecimento uma vez por semana e fornece
informações sobre o adiantamento e as dificuldades dos educandos (p.26).
5
Correio de Manáos, 10/12/1869.
6
Correio de Manáos, 10/12/1869.
269
Pará acompanhado do Bispo do Rio Grande do Sul (1872), quando obtiveram ampla
receptividade do governo e da população.
7
A atuação direta do presidente na correção dos desvios dos educandos demonstra
a importância que a instituição adquiriu para a Província, impondo ao seu chefe a
urgência de debelar a indisciplina. O castigo exemplar, prontamente determinado pela
autoridade, certamente causou impressão no corpo de educandos e mesmo no pessoal da
Casa. O ingresso forçado na Marinha era tido como uma pena das mais cruéis, a saber,
pela discussão engendrada entre deputados liberais e conservadores na Assembléia
paraense no ano de 1883. Os liberais defendiam a pena máxima do envio dos educandos
considerados incorrigíveis para assentar praça nas companhias de marinha, a exemplo
do regulamento da Casa de Educandos do Maranhão, tido por “estabelecimento
modelo.” A posição provocou o comentário irônico do um deputado conservador que
considerou a disposição ilegal:
“É um liberal que assim falla!”
8
Não é absurdo imaginar que, em 1869, o ingresso na Companhia fosse também
rejeitado pelos meninos e pelas famílias, quando a urgência da Guerra do Paraguai fez
com que rapazinhos fossem enviados diretamente das Escolas de Aprendizes à Armada
Imperial.
9
Os relatos de conflitos, rebeliões e fugas surgem fugazmente na imprensa, e não
costumam constar dos relatórios oficiais. Em períodos de crises mais agudas, como
fraudes no emprego do dinheiro público, notório mau comportamento ou escasso
aproveitamento dos alunos, a imprensa se mobilizava para atacar ou defender seus
correligionários ou opositores políticos. Eventos de tal natureza encontraram ampla
repercussão em jornais de Manaus e Belém, quando a Casa amazonense foi acusada de
nenhum proveito trazer a seus alunos, e a paraense se viu envolvida nas fraudes de um
almoxarife. Nenhuma das ocorrências pôde ser negada, porém os responsáveis variavam
conforme a orientação política do jornal. Os embates da imprensa, motivados pela
orientação política das folhas, são analisados no capítulo 2 deste trabalho, sob o enfoque
7
As visitas dos estrangeiros foram abordadas no capítulo 3. Sobre o envolvimento do Bispo do Pará com
a educação popular, ver capítulos 5. A visita dos bispos ao Amazonas encontra-se anunciada no jornal da
diocese paraense A Boa Nova, 2/11/1872.
8
A Constituição, 29/5/1883 (Pará, Assembléia Legislativa Provincial. Sessão ordinária em 31/3/1883).
9
A respeito das repercussões do recrutamento nas instituições educacionais, ver capítulo 1.
270
da instrução elementar ministrada nas escolas públicas. Só retomaremos a discussão nas
situações em que as paixões partidárias motivaram ou rondaram os debates, os
confrontos e as acusações concernentes às instituições profissionalizantes.
Não sabemos se Wilkens de Mattos cuidou pessoalmente em garantir a
disciplina e a educação no estabelecimento, preocupado com os riscos da instituição
decair caso não houvesse a intervenção ágil e firme do governante. O fato é que nos
anos seguintes, o estabelecimento não atingiu o progresso desejado, isto é, a
alfabetização e a formação de oficiais artífices para servir à Província.
Duas medidas aprovadas pela Assembléia amazonense ao fixar a despesa e orçar
a receita provincial atingiram duramente a Casa dos Educandos em 1875: a redução da
verba de 44:066$640 para 40.000$000 e o aumento do número previsto de educandos,
de 40 para 100.
10
Em seguida, o Vice-Presidente da Província, capitão de Mar e Guerra
Nuno Alves Pereira de Mello Cardoso, determinou que a junta de fazenda do tesouro
provincial indicasse os meios de cortar despesas no estabelecimento, acordado com o
diretor do estabelecimento dos educandos, major Felinto Elisio Fernandes de Moraes.
11
Pelo expediente de junho de 1875, extinguiram-se as oficinas de torneiro, de ferreiro e
de livreiro, e eliminou-se o cargo de professor de primeiras letras, que deveria passar a
ser exercido pelo escrivão, mediante gratificação.
Na resolução do governo, extinguiram-se igualmente os lugares de capelão,
enfermeiro e servente, transferindo esta última função aos educandos maiores, a serem
designados semanalmente pelo diretor. O jornalista do Commercio do Amazonas
denuncia que capelão nunca houve, o ofício de livreiro era exercido por um educando e
que educandos já serviam como enfermeiros e serventes, fazendo todo tipo de serviço
no estabelecimento.
12
De fato, a ocupação do cargo de enfermeiro por educando era
prevista pelo regulamento e o emprego dos alunos nos serviços da Casa foi apontado em
outras circunstâncias. O citado expediente oficial demonstra que o Governo da
10
Lei n.329 de 25/5/1875, Fixa a despeza e orça a receita provincial; Lei n 302 de 13/5/1874, idem
(Commercio do Amazonas, 1/7/1875 e 4/6/1874). Segundo o artigo do Commercio do Amazonas de
15/7/1875, gastou-se no exercício anterior mais de 70 contos de réis com o estabelecimento, extrapolando
a verba orçamentária. O regulamento em vigor determinava que o número de educandos seria fixado
anualmente pela Assembléia Provincial. (Regulamento n. 25 de 8/2/1873, Reformando o Estabelecimento
dos Educandos da Provincia do Amazonas, art. 48).
11
Relato de Justus, vindo ao Jornal do Amazonas (20/7/75), sob “publicação solicitada”, a defender o
Governo da Província e o diretor dos educandos contra as críticas do Commercio do Amazonas.
12
Commercio do Amazonas, 15/7/1875.
271
Província não estava totalmente inteirado do funcionamento diário da instituição e que a
propalada influência do diretor nas decisões da junta do tesouro pode ser questionada.
As rubricas de alimentação e vestuário também foram atingidas pelo “principio
de economia política”, termo empregado pela crítica feita no Commercio do Amazonas
aos cortes sugeridos pelo diretor. Marcou-se uma etapa de quinhentos réis a cada
educando para comedorias, importância a ser entregue ao diretor, obrigado a usá-la de
conformidade com a tabela aprovada pela presidência, e a prestar contas da quantia
recebida. O controle sobre o uso do dinheiro se estendeu à quantidade de peças de
roupas e calçados destinados aos internos e ao tempo de duração de cada uma, variáveis
fixadas em uma nova tabela.
13
A reação da imprensa à deliberação governamental foi imediata: em cinco
artigos de julho de 1875, colaboradores e jornalistas das folhas Commercio do
Amazonas e Jornal do Amazonas partiram para o duelo, cujos argumentos esclareceram
aspectos importantes do funcionamento institucional e dos resultados da formação junto
aos internos. Somente um dos artigos recebeu assinatura a defesa escrita pelo
professor de primeiras letras Alexandre R. Ramiro e Silva em favor de sua atuação no
estabelecimento. No mesmo jornal, o Commercio do Amazonas, o jornalista que
combateu as resoluções do governo, identificou o texto de sua autoria como “de
interesse publico”, esquivando-se de apresentar-se. O primeiro artigo foi publicado “a
pedido”, e o segundo, bem mais longo, aparece na primeira página do jornal como
assunto de interesse público, quando nega existir interesses ofendidos. A linha de
argumentação é a mesma em ambos os textos; podemos tratá-los como sendo de uma só
autoria.
Do outro lado da contenda, aparece Justus no Jornal do Amazonas, defendendo
o diretor e o governo em dois artigos, em resposta ao Commercio do Amazonas. O autor
aproveita para culpar a Assembléia Legislativa Provincial por aprovar atos incoerentes,
negando ao administrador “os meios mais indispensáveis a boa direcção nos diferenttes
ramos do serviço publico”.
14
Justus associa as críticas do opositor a uma suposta
tentativa de indispor o novo presidente recém-chegado à Província, Antonio dos Passos
Miranda, contra o 1º vice-presidente da Província, Nuno Alves Pereira de Mello
13
Commercio do Amazonas, 3/7/1875; Jornal do Amazonas, 12/7 e 20/7/1875.
14
Jornal do Amazonas, 20/7/1875.
272
Cardoso, e o diretor dos Educandos Artífices, major Felinto Elisio Fernandes de
Moraes. O missivista vê, por trás das críticas, interesses escusos, como os de dois ex-
diretores que estariam visando tomar a instituição por arrematação com a certeza de
conseguir posteriormente a remissão da dívida por parte da Assembléia, configurando-
se um grande “arranjo de família”, empregando Justus a expressão de seu inimigo.
15
Justus representa o próprio governo e a direção da instituição, enquanto seu opositor
pretende representar o interesse público.
Dois aspectos eram da concordância de todos: o estabelecimento sobrecarregava
o erário público e não correspondia aos seus fins. E como afirmou o crítico, ao iniciar o
seu longo artigo em que combateu, ponto a ponto, a reforma da instituição:
“Não ha duas opiniões sobre a utilidade d'instituições desta ordem, mas é
indispensável que as cerquem de elementos de prestigio para bem prehencher o
seu fim, e não se faça delles simplesmente um arranjo de familia.”
16
O Commercio do Amazonas lançou a primeira pedra: culpou o diretor pela
decadência da instituição, temendo que os meninos se tornassem vítimas da economia
do governo. Entregar ao diretor o dinheiro da alimentação dos educandos era prática já
ensaiada, que segundo o autor do artigo, produzia queixas contra a probidade deste
funcionário. Eliminar oficinas de que a Província era carente e o cargo de professor
elementar condenaria a formação e, por conseguinte, o futuro dos educandos. Os dois
lados da contenda revelam os problemas que a Casa vinha enfrentando na condução de
sua missão institucional, mas discordam quanto ao remédio a ser aplicado para sanar os
abusos que pareciam ocorrer em todos os níveis hierárquicos. O interessante é que
somente com a iniciativa da Assembléia Provincial em conter os custos da instituição,
setores do governo e da sociedade se mobilizaram para denunciar a sua “decadência”.
Como se apresentava esta decadência?
15
Jornal do Amazonas, 20/7/1875.
16
Commercio do Amazonas, 15/7/1875.
273
A exposição da decadência da Casa dos Educandos na imprensa amazonense
Na discussão a respeito da decadência da Casa de Manaus, o principal indicador
de fracasso repousava na sua missão mais importante que era a da formação elementar,
profissional, moral e religiosa dos meninos. A finalidade primeira das instituições de
educação popular do período, que consistia no ensino das primeiras letras, não vinha
sendo cumprida, como atestam os partícipes do debate. A imprensa amazonense, neste
capítulo representada pelas duas folhas opositoras, Commercio do Amazonas e Jornal
do Amazonas, expõe e esmiúça as práticas educacionais e disciplinares do
estabelecimento dos educandos de Manaus. O jornalista do Commercio do Amazonas,
que passaremos a chamar de simplesmente “o jornalista”, é quem desfia primeiro o
rosário da incompetência educacional da instituição, incitando à manifestação os
envolvidos.
“Educandos ha que tendo entrado para alli sabendo ler e escrever, mal sabem
hoje assignar o seo nome. A causa? interroguem o ex-professor despedido
d'aquelle estabelecimento, e elle o dirá com lisura.”
17
A acusação é grave, já que ao invés de promover o avanço dos meninos, a
instituição os faz regredir, a ponto de alguns mal saberem assinar o nome. Justus não
nega o fato, mas responsabiliza somente o professor pelo atraso dos alunos, recorrendo
a um argumento capaz de mover o mestre do lugar de expectador: ele seria um
“protegido”, que não estaria cumprindo os seus deveres cotidianos.
18
A referência à
suposta proteção do professor é breve e ausente de esclarecimentos, contudo foi
suficiente para provocar a reação imediata do mestre Alexandre Ramiro e Silva, em
detalhado artigo ao Commercio do Amazonas. Ramiro e Silva reconhece a “dura
verdade” do pouco ou nenhum aproveitamento e até a regressão dos educandos na
escola de primeiras letras, regida por ele. O professor segue buscando os culpados pela
situação, focalizando dois aspectos importantes para a discussão das instituições
educacionais do século XIX, no Brasil em geral, e na Amazônia em particular: a
abolição dos castigos físicos nas escolas e a educação das crianças indígenas. Vamos à
defesa apresentada aos leitores:
17
Commercio do Amazonas, 15/7/1875.
18
Jornal do Amazonas, 20/7/1875.
274
“Em dezenove de setembro de 1867 entrei no exercicio de professor desse
Estabelecimento, tendo então a escola quarenta alunmos, inclusive dez
indigenas que ainda não fallavão o portuguez, e no ano lectivo de 1869, sendo
então presidente o exm. sr. Wilkens de Mattos, oito alumnos sairão promptos de
primeiras lettras, em 1870, presidencia do exm. sr. Miranda Reis, tambem
sairão oito nas mesmas condições e dois dos quaes, por seu aproveitamento,
lhes forão facultados os estudos secundarios no lyceu publico, sendo então
setenta e oito o numero de alumnos; e em 1871 apenas saio um alumno e este
mesmo saio porque era dedicado; visto ter sido nessa epocha completamente
prohibido o castigo corporal nessa casa, o que bastante contribuio para o
primeiro passo do definhamento dessa tão importante quanto util instituicão.”
19
A despeito do ingresso dos indígenas que não falavam português, o professor
argumenta que obtinha resultados no ensino quando ainda era permitido o castigo
corporal na instituição. O uso da palmatória não constava dos regulamentos da Casa dos
Educandos de Manaus até a aprovação do regulamento de fevereiro de 1873, na gestão
de Domingos Monteiro Peixoto. Porém, as palmatoadas eram permitidas por lei nas
escolas públicas amazonenses até meados de 1869, prescritas com o novo regulamento
da instrução pública. Assim, somente entre 1869 e 1873, os bolos não conheciam
amparo legal. Como abordamos nos capítulos anteriores, palmatoadas, permanecer de
joelhos, entre outros, constituíam meios disciplinares tradicionalmente empregados nas
instituições educacionais do século XIX e se mantiveram até meados do XX, pois
dificilmente as alterações nos regulamentos provocavam mudanças imediatas nas
práticas educacionais dos professores. Este período correspondeu às administrações de
Wilkens de Mattos e de José de Miranda da Silva Reis, os quais, tinham o hábito de
fazer visitas freqüentes e inesperadas ao estabelecimento, costume que Ramiro e Silva
sugere ter sido positivo para o cumprimento de suas funções. Dois presidentes que
acompanhavam de perto a educação dos meninos, bem como, as medidas para
discipliná-los.
De 1868 a 1872, a freqüência da escola foi regular, quando o presidente
Domingos Peixoto a tornou independente da Diretoria de Instrução Pública, através do
Regulamento de 8/2/1873.
20
Para o autor, a autonomia da escola dos educandos foi
prejudicial ao seu desenvolvimento devido à irregularidade da inspeção. Pode-se
concluir pela argumentação do professor que o problema da escola ou seja, o
19
Commercio do Amazonas, 27/7/1875.
20
Dos 78 educandos existentes na Casa amazonense em 1871, 70 estavam inscritos na aula de primeiras
letras (ver tabela em anexo, o número de alunos por aula e oficina).
275
abandono das aulas pelos alunos e pelo professor que não cumpre seus deveres se
devia à falta de inspeção sobre a atuação do regente e do emprego de meios
disciplinares mais coercitivos. Há outras explicações, como a denúncia do Commercio
do Amazonas de que os meninos eram empregados em tantos serviços, como o de
remeiros do diretor, que mal lhes sobrava tempo para a escola elementar. Os autores dos
artigos das duas folhas supracitadas concordam que a direção do estabelecimento
perdera a condução da educação dos meninos - alguns soltos pelo porto, outros
entregues à embriaguez nas idas à cidade e não poucas deserções - somente discordam
quanto ao diretor ser o responsável por esta situação. Infelizmente não temos os
testemunhos dos alunos. Nos deteremos, por enquanto, no relato do professor, voz
igualmente rara nas fontes documentais de que dispomos.
Ramiro e Silva, se precavendo das opiniões que consideravam escassos os
resultados alcançados pelo exercício de sua função, põe em cheque os objetivos
educacionais da instituição, questionando os seus sucessos escolares desde a fundação
em 1858.
“Desde a installação do estabelecimento - 1858 - a 1868 saio algum educando
prompto de primeras lettras?
Não consta.
Nos annos lectivos de 1869 a 1871, dezoito educandos fizerão satisfatoriamente
exames publicos de instrucção primaria?
Fizerão e disso tratarão os srs. Wilkens e Miranda Reis em seus relatorios.
Porque não fizerão em 1872?
O estabelecimento caminhava para a decadencia e o numero dos educandos
attingia a cem, devendo nos leccionar duas horas e meia.
Porque nos annos lectivos de 1873 e 1874 não houve exames?
Não só porque, pelo art. 31 do regulamento citado forão augmentados as
materias do ensino, como porque os alumnos não frequentavão mais a escola.
Si os alumnos não frequentavão a escola, - como posso provar com os srs. cujos
nomes ja declinei - que aproveitamento poderião ter?”
21
A argumentação do professor demonstra ter havido no período uma grande
oscilação no número de educandos. Eram cem internos em 1872, dos quais uma boa
parte deveria freqüentar as aulas por duas horas e meia diárias. As casas de aprendizes
artífices costumavam dedicar pouco tempo à instrução elementar, como vimos no
capítulo 3. A ênfase recaía no treinamento nas oficinas e na confecção das obras
encomendadas. A carga horária do ensino elementar não conheceu maiores alterações,
21
Commercio do Amazonas, 27/7/1875.
276
porém, não havia uma política rígida com relação ao número de beneficiados com a
educação oferecida pela instituição, conforme indica a tabela 11, em anexo, onde consta
o número de educandos desde a fundação da Casa.
Wilkens de Mattos acompanhava de perto os progressos e as dificuldades dos
meninos. Ele conta que os alunos não tinham tempo para estudar, nem mesmo os
principais rudimentos da gramática portuguesa. Os alunos de Ramiro e Silva, professor
da Casa desde 1867, liam bem e praticavam com desembaraço as quatro operações da
aritmética. O pouco conhecimento gramatical frustrou a intenção de empregá-los como
amanuenses nas secretarias do governo.
22
Além das primeiras letras, o professor
assumiu a cadeira de música em 1871, a convite de Miranda Reis.
23
O regulamento de 1873 aumentou consideravelmente o número de matérias do
ensino primário, o qual passou a ser composto de leitura, escrita, elementos de
gramática portuguesa, noções de aritmética, sistema métrico decimal, elementos de
geografia do Brasil e princípios de geometria prática com aplicação do desenho linear.
A inclusão dessas matérias correspondeu às novas diretrizes programáticas das
instituições de ensino profissional do século XIX, que no Brasil, passaram a ser
incorporadas com mais freqüência a partir da década de 1860. Na verdade, estas
disciplinas já constavam do regulamento da Casa amazonense em 1865, o qual dividia o
ensino em duas escolas, uma de primeiras letras e outra elementar. Somente após cursar
a primeira escola, o aluno poderia cursar as matérias específicas para sua formação, a
saber, geometria, física e química com aplicações às artes e desenho linear e industrial.
24
O Instituto Paraense de Educandos Artífices, fundado em 1872, adotou um
programa semelhante e a Casa de Manaus, reinstalada com a nova denominação de
Instituto Amazonense de Educandos Artífices, em 1882, também ampliará o programa
de ensino, contratando professores preparados para executá-lo.
25
Contudo, na Casa dos
Educandos de Manaus não há referência à efetivação das novas diretrizes programáticas
do ensino, determinadas pelo regulamento de 1873. Nem ao menos se conseguiu
22
RPAM, 4/4/1869, p.26.
23
Segundo Márcio Leonel Páscoa (1996), há notícia de uma peça musical publicada por Ramiro e Silva
(p.79).
24
AMAZONAS. Regulamento n. 15 de 2/2/1865, Reorganizando Estabelecimento dos Educandos
Artifices da Provincia do Amazonas, art. 8º.
25
A respeito, ver o quadro “Programa de ensino de instituições profissionalizantes do século XIX”,
capítulo 3 deste trabalho.
277
regularizar o programa elementar nos últimos anos de seu funcionamento. Portanto, na
primeira fase da existência do estabelecimento, de 1858 a 1877, o ensino escolar
permaneceu restrito às primeiras letras.
A diminuição do número de alunos, decretada pela Assembléia Provincial em
1874, não mudou o quadro de decadência do ensino. Ramiro e Silva refere-se
brevemente ao fato dos alunos não freqüentarem mais a escola, porém, não se detém nas
causas. Justus e seu opositor apontaram alguns aspectos da vida dos meninos na
instituição que poderão esclarecer este ponto, sobre os quais nos deteremos mais
adiante.
Ante uma possível objeção dos “interessados” de que o professor não fazia
reclamações a respeito da situação que descreve com tanta revolta, Ramiro e Silva apela
à hierarquia institucional, legalmente reforçada. Pelo regulamento, artigo 15º, nos revela
o mestre, o diretor é a “primeira autoridade do estabelecimento, a elle estão
subordinados todos os empregados e todo o pessoal”, portanto, cabia a esta autoridade
vigiar e conduzir os trabalhos na instituição, cabendo aos empregados obedecer às suas
ordens. Neste ponto, Silva introduz o tema delicado das redes de fidelidade, lembrando
as relações que ligavam o diretor ao Presidente da Província de então, o bacharel
Domingos Monteiro Peixoto.
“É desnecessario lembrar que o presidente da provincia foi o exm. sr. Peixoto,
autor do mesmo regulamento, compadre e amigo do actual director.
26
O presidente responsável pelo regulamento que desvinculou o estabelecimento
da Diretoria de Instrução Pública, decisão que teria prejudicado a escola dos educandos,
era “amigo” do diretor, condição que impediria aos empregados recorrerem à
intervenção do governante. Portanto, o professor devolve ao diretor a acusação de
“protegido”, e com uma série de argumentos, combate a qualificação de protegido
atribuída à sua pessoa:
“Não foi Justus quando pensou em tal.
Não temos nos porventura habilitações para o magisterio?
Não passamos pelas provas de um concurso?
Não ensinamos com bom exito desde 1867 a 1871?
Não demos provas de dedicação nesse periodo?
O sr. Justus não sabe, nem pode saber.
27
26
Commercio do Amazonas, 27/7/1875.
278
O professor destaca um ponto que a massa documental, tanto da instituição
amazonense quanto da paraense, confirmam: os presidentes de província tinham
ingerência direta e constante sobre os institutos, interferindo no cotidiano e nos rumos
da instituição. Os interesses dos presidentes, que eram políticos e pessoais, pois não há
como separá-los, influenciavam os resultados da formação proposta pelas instituições. A
banda de música é um bom exemplo de como esses interesses imiscuíam no maior ou
menor investimento na educação dos meninos. Na correspondência dos presidentes com
os diretores dos institutos do Amazonas e do Pará, a banda tem posição de destaque. É
grande o número de ofícios contendo solicitações de apresentações da música dos
educandos nos mais diversos contextos, encaminhados pelas respectivas presidências. O
instrumental era comprado na Europa e geralmente, os presidentes aceitavam os pedidos
relacionados pelos mestres de música, intermediados pelos diretores.
28
O estudo da música não era privilégio de um grupo destacado, pois era grande o
número de alunos que participava das aulas, proporcionalmente ao corpo total de
educandos. Na administração de Wilkens de Mattos, a maioria dos alunos estudava
música com proveito, isto é, 51 dos 68 educandos.
29
A aula de música perdeu alunos nos
anos seguintes, mas ainda conseguiu manter um bom percentual de estudantes. Dos 98
educandos existentes em 1872, 40 estudavam música marcial e 24 de orquestra,
números que sugerem o interesse dos meninos pelas aulas de música.
30
Todos os
meninos, logo que soubessem ler, deveriam freqüentar a aula de música segundo norma
do regulamento de 1873. O caráter de obrigatoriedade para os iniciantes não contraria a
hipótese do gosto pela música por boa parte dos educandos, que a despeito do
desinteresse pelas letras, permaneciam freqüentando as aulas de música. O empenho dos
alunos se justificava pela possibilidade de abraçar a profissão de músico e de alcançar
uma posição única na instituição, a de músico da banda, participando dos mais diversos
eventos sociais da cidade.
27
Commercio do Amazonas, 27/7/1875.
28
Professores de prestígio passaram pelo estabelecimento amazonense na 1
a
fase, como o músico e
compositor baiano Miguel Torres (1868 ou 1869) e após o ressurgimento da instituição em 1882, o
governo contratou o violinista baiano Adelelmo do Nascimento, professor de música da Escola Normal
(1883). Muitos de seus alunos particulares e do Instituto Amazonense se tornaram executantes
profissionais (PÁSCOA, Márcio Leonel, 1996, p.84).
29
RPAM, 4/4/1869, P.26. Era professor de música o oficlidista e compositor Miguel Torres, substituído
em 1871 pelo professor de primeiras letras Ramiro e Silva (PÁSCOA, 1996, p.77-78).
30
RPPA, 25/3/1872, p.20.
279
Nas discussões sobre a decadência da Casa amazonense, a banda é preservada de
críticas. Não que ela estivesse fora do alcance dos reflexos da crise. Justus afirma que
ela fora duramente atingida pelas medidas que ele considerou arbitrárias da Assembléia,
ao dar lugar à saída de 27 meninos dos mais adiantados nos ofícios, entre eles, mais de
12 músicos, desfalcando a banda por um período.
O regulamento previa o desligamento dos educandos após o término do
aprendizado, mas o missivista considerou que o objetivo educacional concretizado não
poderia prejudicar a banda. A música, cara à instituição e ao governo, não deveria ser
atingida pelos altos e baixos da política provincial e da dinâmica institucional. O desejo
dos rapazes de serem desligados ao concluírem a formação também não deveria
prejudicar o desempenho das oficinas e da banda. Justus alega que, quando o diretor
Felinto de Moraes assumiu o cargo, as oficinas não trabalhavam regularmente e a banda
não tocava coisa que prestasse. Educandos ocupavam o lugar de mestre e a banda
passou um período sem funcionar. O major Felinto teria tirado a instituição da inércia,
pois,
“(...) hoje todas as officinas trabalham com alguma perfeição, e a banda de
musica toca soffrivelmente de modo a rivalisar com a do 3º batalhão de
artilharia, e continuaria a tocar orchestra, se não fosse a reducção do numero
feita pela assembléa que deu lugar a sahida de 27 meninos dos mais adiantados
nos officios, entre eles mais de 12 musicos, que fez com que a banda não
podesse funcionar por algum tempo, e que entretanto foi de novo
restabelecida.
31
Independente da crise pela qual passava o estabelecimento neste período e da
perda de alunos por desligamento, a banda continuou a exercer o seu papel na Província.
Em 1877, poucos meses antes da extinção da Casa de Educandos Artífices de Manaus, o
presidente Domingos Jacy Monteiro visitou o interior da Província, levando consigo os
educandos músicos para auxiliá-lo na abordagem aos índios. Além de cumprir o papel
de governante solícito às queixas da população e visitar repartições e escolas públicas,
Jacy Monteiro empreendeu uma viagem missionária pelos rios Maués e Andirá,
promovendo batizados e atraindo índios com música e brindes. O relato da viagem
publicado no jornal paraense, A Constituição, enfatiza o papel da música dos educandos
31
Jornal do Amazonas, 20/7/1875. O relatório provincial informa que, por força da lei orçamentária n.302
de 13/5/1874, a qual limitou o número de educandos a 40, foram despedidos 37 educandos (RPAM,
16/3/1875, p.29). Pelas discussões do período sobre os gastos do estabelecimento, provavelmente tratou-
se de uma medida de economia dos cofres provinciais.
280
na missão civilizadora da autoridade. À visão do paquete da Companhia Fluvial e da
comissão do presidente, formada por “alguns amigos” e pelo frei Samuel Mancini,
homens, mulheres e crianças das “malocas” dos índios Maués se esconderam nos matos.
Uma velha capela do aldeamento foi escolhida para os batizados, percorrendo o
presidente cada “barraca” na tentativa de convencê-los à aproximação. Fracassada a
tentativa, pois os poucos que permaneceram nas malocas não entendiam o português, a
autoridade recorreu aos meninos músicos para atrair os moradores. Citaremos um trecho
do relato que ilustra as pretensões do presidente com relação à banda, quando
reproduziu uma cena catequética colonial.
“Voltando s.exc. a capella, mandou que desembarcasse a musica dos
educandos, que para abrilhantar os baptisados, havia determinado embarcasse
no mesmo paquete; logo que se achou a musica em terra, os indios que até
então estavam occultos, como que movidos pelo som de uma harmonia por elles
nunca ouvida, foram pouco a pouco se chegando, até que poude s.exc. conseguir
o fim desejado.
Ás 4 horas da tarde do mesmo dia, findas todas as cerimonias, mandou s.exc.
distribuir brindes que propositalmente havia levado, e foi então quando poude-
se ver o avultado numero de indios que se designam por Maués.”
A muitos delles, dignou-se s.exc. entregar-lhes pessoalmente alguns objectos.
Nenhum indio dessa malóca, falla ou entende portuguez (...).
Ás 6 horas da tarde regressava s.exc. para bordo, e aquelles que com a
presença do navio corrião para o matto, o acompanhavam agora até a praia,
onde, em estrepitosa vozeria, mostravam saudar a aquelles que lhes tinham ido
fazer christos, e a seus filhos.
32
Ao que parece, no período próximo ao fechamento da Casa, somente a banda de
música ofereceu a utilidade almejada pelos governantes da Província.
Outro aspecto da educação dos meninos alvejado pelo Commercio do Amazonas
consiste no ensino da doutrina cristã. Previsto desde a fundação do estabelecimento, e
mantido por todos os regulamentos, o ensino religioso constava da programação
educacional divulgada no relatório provincial de 1858.
33
Contudo, o “jornalista” afirma
que nunca existiu capelão na Casa e que os meninos desconheciam a doutrina e mesmo
o cerimonial cristãos, comprometendo a sua formação como bons cidadãos.
32
A Constituição, 19/2/1877. Nascido no Rio de Janeiro, Domingos Jacy Monteiro era doutor em
medicina e em direito, formado no Rio de Janeiro e na Europa, respectivamente. Monteiro governou o
Amazonas de julho de 1876 a maio de 1877 (DAOU, Ana Maria Lima, 1998, p.393).
33
RPAM, 7/9/1858, Anexo G (Relatório do diretor interino, doc.nº2, Quadro demonstrativo do
movimento do Estabelecimento).
281
“Se perguntarem a um dos meninos que ali se educam, os rudimentos da
doutrina christá, elle o não saberá responder, porque ali ninguem se occupa
disso. Alguns ha que não sabem o signal da cruz!
Que bons cidadãos não aguarda a sociedade destes bins(?) educandos!”
34
Entre as medidas de contenção de despesa expedidas pelo governo em junho de
1875, estava a extinção do lugar de capelão. Miranda Reis, o presidente que se
preocupava em fazer visitas inesperadas à Casa dos Educandos, propôs no relatório de
1872, a criação do lugar de capelão do estabelecimento, associando à tarefa religiosa o
lugar de ajudante do diretor. O religioso deveria morar no estabelecimento, tal como o
diretor. Presume-se que o governante não obteve sucesso no intento, pois não há mais
referência ao tema. A dedicação dos educandos à religião estava restrita às missas de
domingo e dias santos, e às orações no “singelo altar” que Reis mandou instalar.
35
Os relatos sobre a dificuldade de obter religiosos para as missões no Amazonas
não são incomuns. Os presidentes e o próprio bispo Macedo Costa se queixavam da
pouca afluência de sacerdotes para a região, ocasionada em parte, pela política de
contenção dos gastos com a Igreja exercida pelo Estado Imperial, e pela disponibilidade
limitada daqueles imbuídos de espírito missionário. Tampouco a diocese lograva prover
as paróquias da Província das 32 paróquias existentes no Amazonas em 1883, somente
nove encontravam-se providas de vigários. Esclarecera o bispo ao Ministro do Império
que algumas paróquias não passavam de “aldeotas ou logarejos longínquos (...) com
palhoças miseraveis servindo de matrizes”, com uma população “largamente
disseminada e pobrissima”. Somente debaixo de pena de obediência os sacerdotes
aceitariam exercer nestes locais um ministerio todo de penas e sacrificos”, caso
sobrassem candidatos.
36
Não se deve desprezar, contudo, a política provincial com relação às instituições
educacionais as lutas de poder dentro das assembléias entre deputados favoráveis ao
ensino religioso e aqueles que se posicionavam contra, geralmente deputados liberais - e
ainda, a maior ou menor importância dada à educação religiosa pelos presidentes versus
34
Commercio do Amazonas, 15/7/1875.
35
RPAM, 25/3/1872, p.17.
36
RPAM, 25/3/1883, p.36.
Ofício do Bispo do Pará ao Ministro do Império José Bento da Cunha Figueiredo, 8/3/1876 (Arquivo
Nacional, Correspondência entre a Presidência da Província do Amazonas e o Ministério do Império 1852-
1889).
282
a disponibilidade de alocar recursos para tal objetivo. A iniciativa de extinguir o lugar
de capelão, ao ver reduzida a verba do estabelecimento, partiu do governo conservador,
na administração provisória do militar Mello Cardoso.
37
O ensino profissional nas oficinas do estabelecimento é um tema dos mais
privilegiados pelo “jornalista” e por Justus. O primeiro relaciona a importância das
oficinas com o mercado externo e o segundo, com as demandas internas. A extinção das
oficinas de ferreiro e torneiro é combatida pelo Commercio do Amazonas sob o
argumento de que o Amazonas carecia de oficiais nestes misteres, enquanto abundavam
alfaiates e sapateiros não só na capital como em todos os lugarejos da Província. A
permanência das oficinas que atendiam à necessidade da instituição em garantir aos
educandos vestuário e calçado a custo inferior, como defendeu Justus, comprometia os
destinos dos jovens oficiais. Segundo o “jornalista”, alfaiates e sapateiros não
conseguiam viver de seus ofícios após deixarem o estabelecimento, pois
“Temos superambundancia de alfaiates e sapateiros na provincia, e que náo
podendo viver pelos seus officios, se tornáo serventes de obras e rachadores de
lenha; quer-se mais alfaiates e sapateiros!
Não temos uma só officina de torneiro, e só temos duas officinas de máos
ferreiros; extinguem-se estas officinas no estabelecimento dos educandos!”
38
Na coluna “A pedido” do Commercio do Amazonas, o autor do artigo afirma que
nas oficinas de alfaiate e sapateiro da Província se ensinava gratuitamente aos
aprendizes, dando-lhes de comer e vestir sem a menor retribuição.
39
Portanto, muitos
meninos teriam condições de aprender estes ofícios, competindo com os educandos após
a conclusão do período de aprendizagem.
40
Justus, defendendo a posição do governo, alega que as oficinas mantidas
recebiam de quatro a cinco vezes mais encomendas do que as extintas. E no embate das
palavras, não nega que existisse em “cada canto ou beco nésta cidade uma officina de
37
Mello Cardoso ocupou a Presidência do Amazonas de meados de março a início de julho de 1875.
38
Commercio do Amazonas, 15/7/1875.
39
Commercio do Amazonas, 3/7/1875.
40
Segundo o Censo de 1872, a paróquia de Manaus possuía 279 “operários”, que trabalhavam nos ofícios
que costumavam ser ensinados nos estabelecimentos de educandos. Os trabalhos em madeiras, vestuários,
metais e calçados ocupavam mais profissionais, nesta ordem. O recenseamento providenciado pelo
presidente Paranaguá localizou 214 “artistas” em Manaus, entre os 8.816 habitantes levantados. Em se
tratando de um levantamento realizado em 1883, o número de habitantes estava muito aquém do esperado
e, portanto, o número de artesãos também (ALMANACH.... 1884, p.120). Na relação dos profissionais,
publicada no almanaque de 1884, estão os alfaiates, sapateiros, marceneiros, funileiros, ourives,
tipógrafos, encadernadores, ferreiros e serralheiros.
283
alfaite ou sapateiro”, por serem justamente ofícios mais necessários do que os de
torneiro e ferreiro, pois “não podemos deixar de andar vestidos e calçados”, ao contrário
de muitas obras de ferreiro e torneiro, que poderiam ser dispensadas.
41
Desconhecemos
o desfecho do debate, pois não localizamos no Commercio do Amazonas uma possível
tréplica do “jornalista”. Obter informações a respeito dos destinos dos educandos é
muito raro, portanto, a denúncia de que muitos deles não ocupavam a posição para a
qual foram preparados é fundamental para o estudo da instituição. Por que estaria o
governo apenas preocupado com a manutenção interna da instituição e não com a
formação de uma mão-de-obra útil à Província, como tantas vezes se defendeu nos
relatórios oficiais? Justus nada comenta acerca da ocupação dos ex-educandos em
misteres inferiores à educação recebida na instituição. É plausível que tais destinos
ocorressem, contribuindo para a difusão da descrença na capacidade formadora da
instituição, que neste período era crescente, até ser decretada a sua extinção, sem
oposição do governo provincial. O estabelecimento dos educandos vinha sendo usado
para abrigar migrantes, os quais deveriam trabalhar e perceber a mesma diária dos
educandos.
42
Ao ser extinto, o edifício foi fechado e os cearenses tiveram as diárias
cortadas.
43
As suas instalações passaram a ser cobiçadas por outras instituições, como o
Seminário Episcopal e a guarda policial, tendo sido dois compartimentos alugados a
particulares.
44
O presidente que assumiu pouco tempo após a resolução do vice-presidente
Mello Cardoso em reduzir o ensino na Casa, não acatou a decisão de cortar as oficinas
de ferreiro, torneiro e livreiro que, em 1876, continuavam a existir. No entanto, o ensino
de primeiras letras passou às mãos do escrivão interino, conforme ordenou o expediente
do ano anterior e continuou a funcionar de forma crítica, em abandono, já que este
funcionário substituiu o diretor em sua licença. Estes empecilhos não impediram que
uma parte dos educandos aprendesse a ler, escrever e contar, segundo exposição do
presidente Domingos Jacy Monteiro.
45
Monteiro, o presidente que levou a banda de
41
Jornal do Amazonas, 20/7/1875. Dentre as rendas das oficinas de sapateiro, alfaiate, marceneiro, banda
de música e ferreiro, expostas no gráfico elaborado por Márcia Alves (1995, p.100) para o período de
1868 a 1873, a de ferreiro apresentou rendimento significativamente menor do que as outras.
42
A diária aos migrantes fora determinada pelo expediente de maio de 1876, sob ordem verbal do ex-
presidente Passos Miranda (Jornal do Amazonas, 7/12/1876).
43
RPAM, 26/8/1879, p.10.
44
RPAM, 14/1, p.5 e 31/2/1880, p.12.
45
RPAM, 26/5/1877, p.51.
284
música em viagem ao interior, visitou o estabelecimento e verificou que o diretor não
atendia as suas ordens. O major Felinto de Moraes foi substituído pelo capitão de
fragata reformado José Francisco Pinto. Ao escrivão e professor, em licença concedida
há um ano pela presidência, determinou-se a volta ao trabalho.
46
O funcionário, com a
aquiescência do presidente, só retornou ao cargo três meses depois. Por motivo não
explicitado no relatório, ele foi nomeado para o cargo de administrador da recebedoria
provincial, sendo o cargo no estabelecimento dos educandos preenchido por outro
escrivão. O médico dos educandos, Antonio David de Vasconcellos Canavarro, pediu
exoneração do cargo e não foi substituído, sob a justificativa de que o estado de
salubridade da instituição era bom.
47
A colocação na instituição decadente
desestimulava o funcionalismo, que não enxergava obter uma posição de destaque no
setor público e na vida social, através do estabelecimento de educação. Os laços de
fidelidade aos amigos políticos travava a máquina estatal, com as longas licenças,
freqüentemente consentidas com remuneração completa ou parcial.
Disposto a reduzir as despesas e melhorar os serviços da instituição, o presidente
havia nomeado uma comissão para propor os meios da Casa obter os “efeitos
desejáveis” e corresponder a seus fins, porém, os participantes não apresentaram o
trabalho pedido.
48
Cerca de um mês depois deste relatório, o estabelecimento teve sua
extinção votada pela Assembléia Provincial.
49
A Casa dos Educandos vinha passando por uma fase crítica nos idos de 1874-
1875, refletindo nos seus objetivos educacionais. Em termos disciplinares, os artigos das
duas folhas, analisados neste capítulo, se fartam de denunciar o comportamento
inadequado dos meninos e dos empregados de uma instituição deste tipo. Para o
Commercio do Amazonas, foi na gestão do então diretor, major Felinto de Moraes que
os males afloraram, pois
“A distração dos meninos andando abaixo e acima como remeiros da canoa do
director, a permanencia de longas horas no porto desta cidade, entregues a si
mesmo, a distracção dos mestres das officinas e dos empregados do
46
Licença concedida sob a administração do 1º vice-presidente Nuno Mello Cardoso.
47
RPAM, 26/5/1877, p.52. Canavarro acompanhara Gonçalves Dias na comissão aos povoados do Rio
Negro, contratada pelo governo provincial em 1861, para inspeção das escolas públicas. Coube ao
médico, o levantamento das condições de salubridade da região. A respeito das comissões de Gonçalves
Dias na região, ver capítulo 1.
48
RPAM, 26/5/1877, p.52.
49
Lei n. 364, de 7/7/1877.
285
estabelecimento, que todos os veem a passear diariamente na cidade, são males
que urgem remediar.
50
Justus amplia a lista das desordens nas quais os educandos se envolviam, porém,
alega que o diretor encontrou o estabelecimento em completo estado de abatimento
devido à “falta de disciplina e moralidade”, situação que procurou corrigir. Felinto de
Moraes teria encontrado, ao assumir a direção,
“(...) não pequeno numero de educandos desertados, outros que se
embriagavam quando vinham a cidade e outros que fugiam dos dormitorios
para virem passar a noite em orgias e bailes mascarados; e já finalmente eram
as officinas dirigidas por educandos contractados que só não tinham
habilitações como a força mental precisa para desempenharem os lugares de
mestres.
51
Estes acontecimentos, os quais reforçavam o desprestígio da instituição,
interferiram na concepção que as famílias tinham do estabelecimento, levando a que
muitas desejassem retirar seus meninos de lá. É o que se pode depurar da informação do
relatório provincial de meados de 1875, quando a maior parte dos 37 educandos
despedidos, por força da lei orçamentária que reduziu a verba destinada à Casa,
correspondeu a requerimentos de seus pais, tutores e parentes. Os outros foram postos à
disposição do juízo de órfãos, permanecendo no estabelecimento somente 42
“menores”.
52
Uma matéria do diretor interino, publicada no ano seguinte, demonstra que nem
todos os casos de indisciplina entre os educandos da Casa estavam sob controle,
especialmente nas licenças. Um educando licenciado se embriagou, o qual, na defesa
publicada no jornal pelo diretor interino, Antonio H. Pacifico, teria sido vítima de
alguns paisanos, que o animaram a beber. A falta do hábito de beber teria causado a
embriaguez. As explicações do menino para o seu ato são reproduzidas pelo diretor no
jornal, porém, o castigo não demorou. Infligido-lhe o “castigo do regulamento”, o
educando escapou da “superior correcção por mostrar-se arrependido no dia seguinte e
ter bons precedentes”. Pelos regulamentos da instituição, os castigos se apresentavam
em vários níveis de intensidade, chegando à expulsão nos casos mais graves.
53
Antes do
50
Commercio do Amazonas, 15/7/1875.
51
Jornal do Amazonas, 20/7/1875.
52
RPAM, 16/3/1875, p.29.
53
Sobre os castigos na casa amazonense e nos demais institutos de aprendizes artífices, ver capítulo 3.
286
grau máximo (a 13ª pena), o regulamento em vigor (1873) previa o uso moderado de
palmatória (12ª) e a prisão incomunicável com diminuição de alimento até 48 horas
(11ª).
Outra ocorrência levou o diretor a dirigir uma carta de defesa da probidade da
administração do estabelecimento ao redator do jornal: o fato dos educandos pedirem
dinheiro fora do estabelecimento, comportamento esperado entre meninos, que, como
quaisquer outros dos colégios, desejavam consumir guloseimas. O diretor afirma que
não faltavam alimentos na Casa e desejando provar a boa administração, convidou o
informante a visitar a instituição.
“(...) a unica prova que posso fornecer ao informante é convidando-o a
apparecer no referido estabelecimento a qualquer hora depois da refeição por
que alli entre os porcos da casa encontrará farellos para alimentar-se.
54
A acusação da má disciplina na instituição fora feita por um “informante” ao
Commercio do Amazonas. O diretor, por sua vez, se viu forçado a responder ao
“caluniador”, revelando “os factos e a verdade”. Mais uma vez, a imprensa cumpre o
papel de canal para o debate público em torno das minúcias do funcionamento cotidiano
da Casa, tornando-se praticamente a única fonte de conhecimento dos meandros da
instituição. No relatório presidencial do período nada é revelado sobre a questão, porém
temos a informação de que a interinidade da direção era exercida pelo escrivão, também
responsável pela cadeira de primeiras letras, que vivia em abandono. Uma só pessoa
acumulava três cargos, dificultando o cumprimento pleno de suas funções, e mais ainda,
a recuperação do funcionamento da instituição de acordo com as normas regulamentares
e do prestígio social que um dia tivera.
Uma troca de farpas entre gazetas amazonenses, ocorrida em 1883, confirma a
má fama que a Casa padeceu no período próximo à sua extinção. O jornal Amazonas,
órgão do Partido Republicano Liberal, por ocasião de uma provocação ao Jornal do
Amazonas, órgão do Partido Conservador, questionou a pouca disposição dos altos
funcionários públicos para o sacrifício em prol da educação de seus filhos e protegidos.
As filhas de funcionários de categoria superior teriam sido beneficiadas com as doze
vagas subvencionadas pelo Governo da Província para a educação de meninas pobres no
Colégio Brasileiro. O autor da denúncia lembra que o comendador, dono do Jornal do
54
Jornal do Amazonas, 8/11/1876.
287
Amazonas, cujas filhas estudavam no Colégio Brasileiro, tinha um “sobrinho seu
legitimo” que fora aluno do extinto estabelecimento de educandos, educado, portanto às
custas do erário público. O tom indignado da matéria aumenta com a lembrança da má
organização que lá existia, incluindo a utilização dos alunos nos trabalhos braçais:
“(...) quando esses alumnos atravessavam as ruas e o rio da cidade a carregar
barricas de assucar, paneiros de farinha, gigos de louças e a remar canôas!”
55
O autor esclarece que a organização era diversa da empregada quando do
restabelecimento da instituição em 1882, pelo governo liberal de José Paranaguá, sob o
nome de Instituto Amazonense dos Educandos Artífices.
No processo de extinção da Casa, a má reputação ultrapassou as fronteiras da
Província, chegando à imprensa paraense. Em 1876, uma grave denúncia de abuso
cometido contra um órfão do corpo de educandos de Manaus foi reproduzida no jornal
A Província do Pará. Uma notícia do Amazonas denunciara que o “menor” órfão, João
Fausto dos Anjos, teria sido dado de presente pelo diretor dos educandos ao
comendador Antonio José Gomes Pereira Bastos e levado para a Corte, onde estaria
trabalhando numa cervejaria. O jornal pede a intervenção do Ministro da Justiça para
que o abuso não ficasse impune, promovendo-se na Província a comercialização de
“menores” e a regressão aos tempos da lucrativa industria do “tráfico de negros”. O
jornal alerta para a necessidade de evitar-se reduzir “á escravidão os nossos orphãos,
muitos dos quaes nem ao menos desvalidos são”.
56
Verdadeira ou não, a notícia tinha o poder de espalhar o pânico entre as famílias
e atrair olhares desconfiados para a instituição onde, como avisa o Amazonas, nem
todos eram desvalidos. Crianças que podiam contar com tutores, protetores e pais
certamente não foram “doadas” à instituição.
55
Amazonas, 6/4/1883.
56
A Província do Pará, 17/6/1876.
288
A extinção da Casa de Educandos de Manaus
“É nossa opinião, pois que, ou se acabe com o estabelecimento dos educandos,
ou se o tire do estado de agonia lenta que o vai matando aos poucos, com grave
prejuizo da instituição”.
57
Com esta frase, o jornalista do Commercio do Amazonas antecipou em dois anos
o destino da Casa de Educandos de Manaus, extinta em julho de 1877. A solução
proposta pela Assembléia Provincial, visando à recuperação do estabelecimento,
consistiu em ofertá-lo por contrato a uma empresa particular, tendo por base propostas
vantajosas que teriam sido apresentadas aos deputados. A deliberação não pôde ser
convertida em lei por falta de sessão nos dias em que deveria ter sido aprovada a
redação do projeto. Pelos cálculos do jornalista, o estabelecimento daria lucro nas mãos
de uma empresa particular, sugerindo a incapacidade do Estado em administrar
financeiramente a instituição:
“A um particular era bastante e ainda lucrativo 40:000$000 réis, para manter e
educar 100 meninos, um administrador publico, que ganha avultado salario da
provincia, só pode encarregar-se da educação e sustento de 40 meninos por
setenta e tantos contos de réis como aconteceu no exercicio passado!”
58
As cifras expostas nos relatórios presidenciais demonstram que o
estabelecimento, desde a fundação, teve um custo alto para a Província. No período de
1858 a 1868, a despesa com os educandos foi equivalente a da instrução pública no todo
(ensino primário e secundário), abocanhando a educação cerca de 36% do orçamento da
Província dos seus 17 anos de existência. O presidente Wilkens de Mattos apresentou o
resumo financeiro abaixo com a intenção de valorizar o empenho do governo em
promover a instrução no Amazonas, mas certamente este não foi o olhar dos
governantes que o sucederam.
57
Commercio do Amazonas, 15/7/1875.
58
Idem.
289
Despesas da Província do Amazonas com educação da mocidade entre 1858 e 1868
Instrução primária de ambos os sexos e com a secundária
233.649$156
Estabelecimento d’educandos
223.225$149
Seminário episcopal de S. José
39.719$394
Alguns jovens que têm ido estudar ciências eclesiásticas nos
seminários de França
10.350$000
Despesa total
506.943$699
Fonte: RPAM, 4/4/1869, p.31.
A proposta da arrematação da instituição a terceiros não era do agrado de todos.
Justus, escrevendo ao Jornal do Amazonas, ironiza a ingerência de diretores, que eram
parentes ou protegidos “d’este ou d’aquelle figurão da terra”, nas decisões da
Assembléia quanto ao estabelecimento. Assim, ele atribui as críticas recebidas pela
instituição na gazeta opositora aos interesses de dois pretendentes, ex-diretores da Casa,
que estariam almejando tomar conta da mesma por meio de arrematação, nem que fosse
por três ou vinte contos, certos de que conseguiriam de “mão beijada” o perdão da
dívida e mais ainda, “uma moção pelos relevantes serviços prestados a provincia”.
59
A
transferência da administração do estabelecimento a particulares não ocorreu em
momento algum de sua história.
A “medida salvadora” proposta pela Assembléia fora tentada mais tarde pela
administração provincial. Meses antes da extinção da Casa, o Governo da Província
lançou um edital convocando contratantes para o estabelecimento. O edital da Secretária
do Governo, publicado no jornal paraense A Constituição, em fevereiro de 1877,
anuncia que o presidente resolveu que “todo o serviço do estabelecimento dos
educandos artifices de ora em diante se faça por contracto, tendo o contractante
obrigação de alimentar, vestir e calçar os educandos, dar-lhes um officio mecanico,
além do ensino primario e da musica, prestar-lhe o preciso tratamento em suas
enfermidades, fornecer materia prima para as officinas, emfim encarregar-se de todo o
59
Jornal do Amazonas, 20/7/1875.
290
custeio, recebendo da provincia por este trabalho um subsidio.”
60
A abertura da
concorrência à arrematação dos serviços da Casa livraria o governo da tarefa de
administrar e fiscalizar os diversos serviços que envolviam a vida da instituição. A
manutenção das oficinas trabalhando, por exemplo, exigia um grande cuidado com a
compra, manutenção e controle dos materiais, fiscalização sobre a qualidade e o destino
dos produtos encomendados, entre outros. O presidente Jacy Monteiro relata que
recebera quatro propostas, porém devido à despesa já realizada, a proposta mais
vantajosa não poderia ser coberta pelo restante da verba e encerra o assunto, resignando-
se: “fui obrigado a deixar tudo como estava”.
61
Por fim, em 7 de julho de 1877, teve aprovação a lei n.364, extinguindo o
“Estabelecimento dos Educandos Artífices”, assinada pelo presidente bacharel Agesiláo
Pereira da Silva. A lei determinou que os educandos fossem entregues a seus pais,
tutores, curadores, ou parentes, e os que não possuíam este arrimo, o Presidente da
Província iria providenciar sobre sua sorte. Os utensílios do estabelecimento seriam
destinados a outras repartições e o seu produto recolhido aos cofres provinciais. O
prédio e os terrenos poderiam ser alienados, aplicando o produto ao pagamento da
dívida passiva da Província. Os educandos músicos tiveram o benefício de levarem
consigo os instrumentos musicais de que faziam uso, por artigo aditivo de um deputado
que votou a favor da extinção.
62
Cerca de uma semana após a aprovação da lei da
extinção da Casa, a banda de música foi convocada pelo presidente para tocar na festa
de Corpus Christi e acompanhar a procissão que iria sair da Igreja de Nossa Senhora
dos Remédios, em Manaus.
63
Nos arremates do triste fim da Casa dos Educandos, Francisco José dos Santos,
ex-mestre da oficina de marceneiro do extinto estabelecimento, anunciou no jornal a
venda de sua casa, por desejar retirar-se para sua província. A casa situava-se “na rua
que fica á margem do igarapé de Manáos confrontando com o referido estabelecimento
d'educandos”, estando o ex-diretor, Felinto de Moraes, autorizado a tratar das visitas dos
pretendentes à casa e ao terreno.
64
60
A Constituição, 19/2/1877 (Edital de 3/2/1877).
61
RPAM, 26/5/1877, p. 53.
62
Assembléia Legislativa do Amazonas, sessão de 27/6/1877.
63
Jornal do Amazonas, 19/7/1877.
64
Jornal do Amazonas, 8/9/1877.
291
Na Assembléia, o projeto apresentado à mesa pelo deputado, padre Daniel P. M.
de Oliveira, encontrou a resistência de quatro deputados contra doze que votaram a
favor. Entre os votos dos deputados que se opuserem à extinção da Casa encontra-se o
de Gustavo Adolpho Ramos Ferreira, ex-diretor da instrução pública, e de Francisco
Antonio Monteiro Tapajós, cujo voto enfático transcrevemos a seguir.
“Voto contra a extincção do estabelecimento dos educandos artifices d’esta
provincia de que trata o projeto n. 12, porque é uma medida ante progressista e
por tanto retrograda, e porque foi iniciativa minha em projeto n. 9 de 29/7/1856
a sua creação; não quero acarretar sobre mim, e sobre meus filhos a maldição
do povo, d’esse povo que cansado trabalha para pagar impostos da producção
que com o suor de seo rosto adquire, e que tem em compensação a não
educação de seus filhos e condemnados assim a ignorancia, e ainda porque: a
minha consciencia repugna de aceitar o progresso e a civilisação tão
apregoados, extinguindo-se estabelecimentos e instituições que servem para
educar a mocidade e moralisar os costumes constituindo cidadãos uteis á patria
onde nascem, como na que por ventura tenhão de adoptar, e porque as finanças
não devem ser melhoradas por leis vexatorias e odiosas, tanto mais que uma tal
lei não se deo na crise em que um exbanjamento dava em resultado esse deficit
em cerca de seiscentoso contos de réis o qual hoje se acha reduzido (talvez) a
cincoenta contos, e, finalmente porque a verba de tres por cento addicionaes
que pagão contra a justiça os vapores não subvencionados os quaes d’elles
devem ser issemptados, revertido ás rendas da província bastaria para fazer
desaparecer como por magia essa maromba deficit tão proclamada,
conservando-se o unico estabelecimento que honra a provincia. Sala da
assembléa do Amazonas, 2 de julho de 1877.
65
Os outros três deputados apresentaram em conjunto o voto contrário ao projeto,
enfatizando, como o fez o coronel Francisco Tapajós, a importância da instituição para a
educação da infância desvalida:
“Ainda em 3ª discussão votamos contra o projeto n. 12 como prejudicial a
provincia, porque distroe a instituição eminentemente popular do unico
estabelecimento da provincia em que a infancia desvalida podia encontrar a par
da educação solida um meio de vida honesto; de um estabelecimento cujo unico
defeito proveio das más administrações e falta de uma lei regulamentar. Paço
da assembléa legislativa provincial do Amazonas, 2/7/1877. Gustavo Adolpho
Ramos Ferreira, José Justiniano Braule Pinto e Gabriel Antonio Ribeiro
Guimarães.
66
65
Assembléia Legislativa do Amazonas, sessão de 27/6/1877.
66
Assembléia Legislativa do Amazonas, sessão de 27/6/1877. Sobre a atuação de Ramos Ferreira na
Diretoria de Instrução Pública do Amazonas, ver capítulo 2.
292
Os dois votos assinalam a contradição entre o desejo de progresso e civilização
da Província e a destruição de uma instituição de educação popular.
67
Tapajós questiona
o consolidado argumento da necessidade de sanar o déficit público, quando a Província
já superara o pior momento da crise. Ramos Ferreira, o major Ribeiro Guimarães e o
capitão Braule Pinto depositam confiança na educação oferecida pela instituição, cujos
problemas teriam resultado da administração incompetente e do regulamento
inadequado. Como atingir a moralização dos costumes do povo e garantir a seus filhos
um meio de vida honesto aprovando-se leis contrárias à difusão da educação popular?
Esta indagação só será resolvida com o restabelecimento da instituição em 1882,
quando o governo procurará acompanhar as tendências do ensino profissional do
período.
É justamente por um dos artigos do jornal liberal Amazonas, em comemoração à
reinstalação da instituição em 1882, que veio à tona uma outra versão para a extinção da
Casa pela administração conservadora. Na linha dos votos acima transcritos, o jornalista
concorda que, apesar das ameaças de bancarrota, outras despesas poderiam ter sido
cortadas, sem sacrificar aquelas que revertiam em benefício do povo. Responsabilizando
pelos parcos resultados práticos da instituição, a incúria dos diretores e a pouca atenção
dada pelos administradores, o jornalista vê um móvel inconfesso para o seu fim, ou seja,
a perseguição ao diretor que imprimia novos rumos ao estabelecimento. Na versão do
Amazonas, a extinção do estabelecimento teve principalmente o fim de alijar da
diretoria o capitão de fragata José Francisco Pinto, que iniciava “uma nova phase de
economia e aproveitamento”.
68
A indagação é inevitável: por que não fora demitido o
diretor, como sempre ocorreu? Não se justifica fechar o estabelecimento para afastar o
seu diretor. A briga política em torno do fechamento da instituição não é revelada.
Sabemos, por uma moção aprovada na Assembléia Legislativa, que Jacy Monteiro tinha
inimigos combativos entre os deputados conservadores. Cinco deputados assinaram a
moção aprovada pela Assembléia, em junho de 1877, contra a administração de
Monteiro, denominando-o de ditador, devido à reforma sem autorização feita no
estabelecimento dos educandos e em estabelecimentos de instrução pública, como o
liceu. Contudo, a interferência no seminário é o destaque do agravo, quando o
67
No período, escolas públicas da Província foram extintas por alegação de corte de despesas e da
atuação de professores que desrespeitavam acintosamente as normas regulamentares (Cf. capítulo 2).
68
Amazonas, 10/9/1882.
293
presidente retirou o subsídio governamental à instituição, suspendendo as pensões dos
que eram mantidos pela Província. O deputado Padre Daniel de Oliveira assinou a
moção, que rejeitou o relatório presidencial e requereu um voto de solene reprovação à
administração de Monteiro.
69
Duas semanas depois, Padre Daniel leu na Assembléia o
projeto de extinção do estabelecimento dos educandos e junto com onze parceiros, deu
seu voto a favor do mesmo.
“A presidencia sanccionou a lei da assembléa extinguindo o estabelecimento de
educandos, bem assim a que autorisa a despeza de 10 contos com o transporte de
pessoas que queiram emigrar para o Amazonas”. Assim, A Província do Pará trouxe
noticias do Amazonas, indicando que a Província vizinha optara, neste momento, por
“importar” trabalhadores prontos com a economia que fizera sustando a formação de
artífices.
70
O Instituto Amazonense de Educandos Artífices
“Bem haja pois o governo que sabe prover as necessidades do povo que lhe está
confiado.
71
Nos idos de 1882, a Província do Amazonas vivia um período de prosperidade
econômica, explicado pelo Almanaque Administrativo de 1884 como conseqüência do
aumento da população nos diferentes rios da região em decorrência da migração
nordestina, da alta do preço da borracha, do crescimento da produção e do comércio. A
boa direção dos recursos, atribuída às administrações liberais, teria influído nos rumos
da educação popular. O presidente José Lustosa da Cunha Paranaguá reinstalou o ensino
profissional na Província, criando o Instituto Amazonense de Educandos Artífices,
alojado no antigo prédio dos educandos. O jovem governante, no início de sua vida
pública, lançou-se na realização de outros melhoramentos em Manaus.
72
Ao anunciar a
69
Moção de 5/6/1877 (AMAZONAS. Anais... 1877, p.22). Um outro Padre (Torquato) e Canavarro,
médico dos educandos até meados de 1877, também votaram a favor da extinção da instituição.
70
A Província do Pará, 27/7/1877.
71
ALMANACH administrativo historico mercantil da Provincia do Amazonas... 1884, p.112.
72
O advogado José Lustosa da Cunha Paranaguá era filho do Presidente do Conselho dos Ministros, João
Lustosa da Cunha Paranaguá, o Marquês de Paranaguá. No exercício do seu cargo, adotou medidas que
deixaram marcas na cidade de Manaus: restabeleceu o Instituto de Educandos, reformou a instrução
pública, instalou a Biblioteca Pública e o Museu Botânico, iniciou a construção do teatro do Amazonas e
294
posse da presidência, o jornal Amazonas desfiou elogios à sua pessoa, especialmente ao
fácil trânsito nos “círculos do Rio de Janeiro”, sua Província natal. Na “futurosa”
Província do Amazonas, o “jovem e cheio de fé no porvir” dr. José Paranaguá,
vislumbraria a oportunidade de iniciar “uma carreira que o levará sem custo ás mais
altas posições, a que póde um cidadão aspirar na nossa patria”.
73
Associando o ato da inauguração do Instituto ao ato patriótico da Independência
do Brasil, a cerimônia ocorreu em sete de setembro de 1882.
74
A solenidade conheceu
enorme concorrência, conforme narra o Amazonas, em matéria de destaque.
Compareceram as pessoas mais gradas da capital, animadas em readquirir “um objeto
de seu agrado”. E não eram atraídas pela novidade; não se tratava de uma tentativa, pois
a Província acumulou vinte anos de experiência junto ao “decaído estabelecimento de
Educandos Artífices”, ponderação feita pelo narrador da cerimônia. Analisando os
ciclones que se abateram sobre o antigo estabelecimento, o autor lembra que os
benéficos resultados sentidos na experiência passada informam a respeito da capacidade
educativa deste tipo de instituição.
O Governo Imperial colocou à disposição da presidência o major do 11º batalhão
de infantaria, Innocencio Eustaquio Ferreira de Araújo, de reconhecida habilidade e
honestidade.
75
O major permaneceu no Instituto por aproximadamente dois anos e
meio, quando pediu exoneração do cargo. O visitador da instrução pública em 1889,
capitão Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, conta que os educandos o chamavam de
pai e que um aluno fizera um retrato a crayon do diretor Innocencio de Araújo, sob a
do reservatório de água da cidade, levantou dados populacionais da Província, e finalmente, legou 15
contos para a alforria dos cativos. Poucos meses após a sua saída, antecipada pela ascensão do Partido
Conservador ao poder, a Província decretou a libertação de todos os escravos, em 10/7/1884
(BITTENCOURT, Agnello, 1973, p.305-308). No relatório de 16/2/1884, ele afirma ter iniciado a
construção do novo edifício do Instituto Amazonense, projeto não levado adiante pelos presidentes
posteriores (p.57). Sobre a atuação de José Paranaguá na reforma da instrução pública no Amazonas, ver
capítulo 2.
73
Amazonas, 19/3/1882 (a gazeta fazia oposição à folha conservadora Jornal do Amazonas). Segundo
Regina Lima (1978), as elites políticas e econômicas do Amazonas, em sua maioria, eram naturais de
outras províncias do país. Ocupar cargos políticos e administrativos pelo Amazonas, por exemplo,
significava para boa parte destas autoridades um “trampolim” para cargos mais importantes,
principalmente na Corte.
74
Restabelecido pela lei provincial n. 564 de 8/5/1882.
75
Amazonas, 10/9/1882.
295
orientação do professor de desenho Arturo Lucciani. O visitador fez uma avaliação
positiva do Instituto.
76
A notícia publicada no mesmo número do Amazonas informa que a inauguração
ocorreu perante “numeroso concurso de pessoas de todas as classes sociaes”. Entre o
público, destacou-se a presença de ex-educandos do antigo estabelecimento, quando um
deles obteve a palavra, discursando em nome dos ex-companheiros. O sr. Rodolpho
Cavalcante, “em um eloquente e sentido discurso congratulou-se em nome de seus
collegas, que como elle sahiram daquella casa de educação com a provincia que assim
offerecia a seus filhos poucos favorecidos da fortuna o meio de se tornarem uteis a
sociedade.” O ex-educando mostrou gratidão à oportunidade de educar-se pela
Província, reproduzindo o mote da utilidade à sociedade que era freqüentemente
aclamado para os desfavorecidos da fortuna que passavam pelas instituições de caridade
ou oficiais.
Os discursos se sucederam entre os amigos de prestígio da administração liberal,
como José Veríssimo e Gregorio José de Moraes, este em nome do Commercio do
Amazonas. Parte do discurso lido por Gregorio de Moraes foi estampado na notícia do
Amazonas. Enaltecendo o papel da imprensa, o orador a designou de “poderosa
alavanca da civlisação moderna”, a qual, não pode se abster da tentativa dos poderes
públicos em,
(...) arrancar ás garras da ignorancia, do obscurantismo, e da miseria com todo
o seu cortejo de vicios e desregramentos, o filho do povo restituindo-o a
sociedade, conscio dos seus direitos e deveres, tornando o cidadão util á sua
patria.
77
Moraes aproveita a oportunidade para lembrar que o Commercio do Amazonas
foi um dos órgãos de publicidade que combateu a extinção do antigo estabelecimento
dos educandos. A útil instituição surge cinco anos depois, na imagem do orador, como a
Fênix, renascendo de suas próprias cinzas.
À libertação do povo das amarras da ignorância seguiu-se à libertação de uma
rapariga e de seu filho menor, promovida por uma comissão de paraenses promotores
76
UCHÔA, Júlio Benevides, 1966, p.196. O italiano Arturo Lucciani, formado pela Academia de Belas
Artes de Florença, ingressou na instituição ao final do Império Até 1899, o professor de desenho
permaneceu no Instituto dos Educandos Artífices (PÁSCOA, Márcio Leonel, 1996, p.84).
77
Amazonas, 10/9/1882.
296
dos festejos de 15 de agosto. A numerosa e escolhida assembléia aplaudiu a entrega da
carta de liberdade, seguindo todos ao “copo d’água” nas dependências do Instituto,
quando a esposa do major Innocencio fez as honras da casa. Encerra-se o artigo com o
jornalista desejando os mais ardentes votos à iniciativa de Paranaguá.
78
O regulamento, aprovado em novembro de 1882, trouxe novidades com relação
aos regulamentos do antigo estabelecimento. Aumentou-se o número de internos para
100, desejando Paranaguá ampliar o edifício para receber 150
“menores”, entre 7 e 15
anos. A preferência não era mais exclusiva aos órfãos desvalidos: sobretudo, índios e
ingênuos, deveriam compor as fileiras do corpo de educandos. O programa sofreu o
acréscimo de cadeiras, tais como, francês, mecânica aplicada, ciências físicas e naturais,
e ginástica. O desenho, o francês e a ginástica tiveram rapidamente professores
incorporados à instituição. O programa da instrução primária estendeu-se às disciplinas
adotadas nas escolas primárias de 2º grau, tais como, geografia, história do Brasil e
gramática portuguesa. A instrução moral e religiosa, comum às instituições educativas
do período, continuava no regulamento. Ao capelão, nomeado pelo presidente, cabia
dizer missa aos domingos e dias santificados, na capela do Instituto. O ensino religioso
estava em suas mãos, porém, sempre em obediência às ordens do diretor. Entretanto,
não há alusão à contratação do capelão nos relatórios, nem mesmo quando o cônego
Amancio Miranda assumiu a direção em 1885.
A cadeira de música compreendia a música vocal e de instrumentos de corda e
de sopro, devendo ser formada uma banda e uma orquestra. No início de 1883, o
Instituto abrigava 79 educandos, dos quais somente 15 freqüentavam a aula de música.
Todos pertenciam à aula de primeiras letras, portanto, dada a preferência por alunos já
alfabetizados para o aprendizado da música, é de supor que poucos entraram sabendo
ler. Um ano depois, já com 119 educandos, “muitos de raça indígena”, a aula de música
aumentara a freqüência, passando a contar com 48 meninos. O presidente encomendou
na Europa o instrumental completo para a orquestra.
79
Não demorou muito para a banda
78
Amazonas, 10/9/1882. Cabem aqui dois esclarecimentos: o filho menor da escrava não poderia ter sido
libertado, caso tivesse nascido após a lei de 1871 que decretou a libertação dos filhos do ventre da
escrava. O citado 15 de agosto é a data comemorativa da adesão do Grão Pará, ocorrida em 15/8/1823, à
independência do Império brasileiro.
79
RPAM, 25/3/1883, p.35 e 16/2/1884, p.19-20.
297
ser solicitada a participar das solenidades mais concorridas de Manaus, tal como a
inauguração do Museu Botânico por José Paranaguá, em fevereiro de 1884.
80
As oficinas de alfaiate, sapateiro, ferreiro e serralheiro, marceneiro e torneiro
abocanharam praticamente todos os meninos, com maior concentração nas duas
primeiras. Em 1884, surgiu mais uma oficina, a de livreiro e encadernador, com 15
discípulos.
81
Mais exigente ficou o regulamento com os mestres: comprovado
conhecimento em suas artes e saber ler, escrever e contar constituíam pré-requisitos
para a nomeação. E não bastava dominar os seus ofícios, já que suas tarefas ganharam
complexidade. Os mestres se transformaram em educadores, devendo portanto, ir além
do ensino prático, ao serem responsabilizados pela classificação dos aprendizes,
segundo a aptidão profissional, comportamento, assiduidade e zelo de cada um.
O ensino era gratuito e não deveria transcorrer além dos seis anos de formação,
quando o regulamento mandava demitir o jovem. Cabia aos professores assumir funções
de vigilância sobre os alunos faltosos nas aulas e nas lições, tarefa que no antigo
estabelecimento não havia esclarecimento se era da esfera da direção ou da docência. O
mapa dos alunos deveria conter observações sobre o comportamento e o aproveitamento
de cada um. A correção do educando faltoso estava restrita à admoestação e à
repreensão, devendo o moderno professor abandonar o suplício dos castigos corporais.
Somente professores habilitados poderiam ingressar no estabelecimento, sempre por
meio de concurso público.
Com tantos cuidados e vigilância sobre os educandos, os “meios disciplinares”
se tornaram menos extensos e cruéis. A pena de prisão foi abreviada ao máximo de
quatro dias, sem diminuição da alimentação. De treze penalidades em 1873, o
regulamento de 1882 reduziu-as para apenas seis:
“Art.78 - Os meios disciplinares para os educandos são os seguintes:
1º Advertencia e rephensão particular na Scretaria do Estabelecimento
2º Privação de recreio ou passeio, ou de ambas as cousas juntamente
3º Exclusão da mesa por uma a tres vezes
4º Prisão por um a quatro dias no xadrez do Instituto
5º Reprehensão publica á frente do corpo dos educandos, com inscripção no
livro da matricula
6º Expulsão do estabelecimento com perda do pecúlio.
80
Amazonas, 17/2/1884.
81
RPAM, 12/7/1884, p.23.
298
Como dissemos, poucos meses após a instalação, o Instituto já atendia a 79
educandos, e segundo Paranaguá, muitos requerimentos vinham sendo negados, em
obediência à lei que mandou preferir índios e ingênuos. O presidente reservou vagas
para os “filhos dos gentios”, providenciando o preenchimento nas diversas viagens
empreendidas pelos rios Madeira, Purus e Solimões. Em suas viagens, para
conhecimento e estudo da região, Paranaguá incumbiu pessoas de remeter índios para a
instituição, custeando a Província as passagens dos meninos e de alguns chefes que os
acompanhavam. O governante relata ter obtido “menores indígenas” de todas essas
localidades, inclusive dos rios Negro, Juruá e Japurá.
82
Em 1884, permanecia o major na direção do estabelecimento. O clima na
instituição era de harmonia, disciplina e bom aproveitamento dos alunos, segundo o
relato do presidente. Paranaguá iniciara a construção de um novo edifício para o
Instituto, espaçoso e bem dividido, iniciativa que não teve continuidade nas
administrações seguintes.
83
Neste ano, já funcionavam as classes de catecismo, vida
prática e vida doméstica, conforme menciona o sucessor de Paranaguá, Joaquim José
Paes da Silva Sarmento.
84
O diretor interino, Innocencio de Araujo, se tornou efetivo
por nomeação de Sarmento.
85
O Instituto continuou a crescer, sob a direção do tenente
coronel Innocencio, o qual continuou a subir na hierarquia militar. O presidente Jansen
Ferreira Junior se mostrou satisfeito com o fato de não ter havido nenhuma deserção e
nenhum sinistro desde a fundação do Instituto. Afirma o diretor em seu relatório não
existir uma só “criança incorrigível” entre as 122 do estabelecimento. O estado sanitário
era excelente, quando nenhum caso de varíola surgiu lá durante a epidemia de meados
de 1885. A diretoria vetou a comunicação dos menores com a cidade a fim de evitar o
contágio da varíola.
86
Pela exposição de outubro de 1885 são divulgados alguns fatos que indicam o
descuido público com a instituição. O diretor informara em oficio que os meninos
estavam sem roupa para o diário e que as oficinas estavam paradas por falta de
82
RPAM, 25/3/1883, p.35.
83
RPAM, 16/2/1884, p.19-20. Somente em 1904(?), a instituição de formação de artífices ganhará um
espaço especialmente construído para este fim: trata-se do Instituto Afonso Penna, cujas fotos encontram-
se em anexo.
84
RPAM, 12/7/1884, p. 24.
85
RPAM, 11/10/1884, p.9.
86
RPAM, 25/5/1885, p.17 e Anexo (Relatório do diretor do Instituto Amazonense).
299
materiais. O vice-presidente, tenente coronel Clementino José P. Guimarães, autorizou a
liberação de verba para sanar estas dificuldades. Em visita ao estabelecimento,
Guimarães encontrou grande quantidade de material largado, destinado à obra
abandonada do novo prédio do Instituto.
87
Entre agosto e novembro de 1885, três
educandos faleceram, segundo noticias do jornal amazonense A Província: um por
“congestão pulmonar”, outro por “longo e doloroso padecimento” e o terceiro, de
origem indígena, devido a uma “afecção pulmonar”.
88
A direção em outubro de 1885 não estava mais nas mãos de um militar, e sim de
um sacerdote, o Vigário Geral do Alto Amazonas, Padre Raymundo Amancio de
Miranda. O tenente coronel Innocencio fora exonerado a seu pedido, de acordo com a
informação prestada no relatório provincial. Um novo médico chegara ao Instituto, Julio
Mario da Serra Freire, ex-deputado da Assembléia Paraense, conservador na política e
na religião.
89
O jornal amazonense A Provincia ironizou o ingresso dessas duas figuras
no Instituto Amazonense, anunciando o domínio do jesuitismo na instituição oficial,
instalada sob um governo liberal:
Demitiram o medico para o substituir por um clerical de casaca e vão demittir
agora o director para nomear um clerical de sotaina.
Infeliz mocidade!.... Desgraça da provincia do Amazonas!....
Hoje alli forma-se artistas sem coacção da liberdade de consciencia do
educando; amanhã, porem, se formarão ociosos propagadores das doutrinas
supresticiosas dos Loyolas, humildes, cegos e obedientes escravos do
ultramontanismo de Roma!
O jesuitismo vae agora invadir a instituição mais liberal desta provincia.
O artista despresará as horas do trabalho do martello e do malho para
empregal-a no estudo das doutrinas subversivas do catecismo da diocese que
ensina a mulher casada preferir a companhia do padre a do seu marido.
90
São tempos de se inverter as acusações de perseguições políticas. O jornal liberal
acusa o governo conservador de substituir funcionários públicos por “amigos” de
87
RPAM, 28/10/1885, p.7.
88
A Província, 23/8, 27/9 e 8/11/1885.
89
RPAM, 25/3/1886, p.19 e Anexo 6 (Relatório do diretor do Instituto Amazonense de Educandos
Artífices). O médico homeopata Serra Freire participou, em 1883, da comissão de instrução pública da
Assembléia Provincial do Pará, em companhia do cônego José Lourenço da Costa Aguiar e do padre Dr.
Mancio Caetano Ribeiro, formando um bloco de oposição aos deputados liberais. A atuação da comissão
e a vida pública de cônego Amancio de Miranda, são abordadas no capítulo 2. A inserção de Freire no
serviço público amazonense teve vida curta: em meados de 1889, o presidente Joaquim de Oliveira
Machado o demitiu “a bem da moralidade da administração” devido às acusações da Câmara de Manicoré
e de outras, constatadas em documentos oficiais (RPAM, 2/6/1889, p.27).
90
A Província, 18/10/1885 (grifo do autor).
300
partido e permitir o ingresso da “politicagem” na instituição. A Província conclama os
“pais de família” a permanecerem atentos ao ensino na instituição, para que seus filhos
amem a liberdade e não se tornem escravos de uma seita. Os cidadãos são convocados,
em nome do amor à família, à liberdade e ao progresso da pátria, a guerrear contra a
situação, promotora do ultramontismo romano e da escravidão. O jornal liberal, de
Belém, A Província do Pará, vigilante quanto às demissões e nomeações com a volta
dos conservadores ao poder, viu na substituição da direção dos institutos amazonense e
paraense a transformação da instrução em “apanágio da politicagem”.
91
O relatório do cônego Amancio de Miranda sinaliza vários problemas da
instituição, como a falta de roupas, pois os educandos ganhavam uma calça e uma blusa
de quatro em quatro meses e os colchões caíam aos pedaços. Os empregados tinham boa
vontade, mas era preciso rever a tabela dos vencimentos. O cônego pretendia fazer a
reforma total do estabelecimento, a começar por reformar o regulamento. Propôs que se
retirasse o ensino da língua francesa, e valorizasse, antes de tudo, o ensino das primeiras
letras, da moral e da religião, pois resultado algum se conseguia fazendo de todos os que
freqüentavam uma escola “uns sabichões”. Era necessário dividir a escola em dois graus
de ensino, como previa o novo regulamento da instrução, pois o Instituto tinha 120
alunos. O professor contava com um adjunto para auxiliá-lo.
92
Amancio de Miranda não
dispôs de muito tempo para fazer a reforma pretendida, pois trocou o cargo de diretor do
Instituto pela direção da instrução pública, ao ser convidado em novembro de 1886,
tendo permanecido na direção do Instituto por um ano.
93
Até o final do Império, o Instituto passará por mais três substituições de
diretores e por dificuldades de fornecimento de materiais. De olhos atentos sobre o
Instituto reinstalado pelo governo liberal de Paranaguá, a imprensa simpatizante do
Amazonas e do Pará se apressava a defender a obra quando percebia na atuação dos
diretores, incompetência e abuso de poder. O diretor em exercício, em janeiro de 1888,
teve seus atos duramente atacados pelo Amazonas e pela Província do Pará. Os jornais
o acusaram de recolher presos a bordo da canhoneira Manáos alguns menores, e
91
Província do Pará, 27/11/1885.
92
RPAM, 25/3/1886, Anexo 6 (Relatório do diretor do Instituto Amazonense de Educandos Artífices).
Não localizamos nas coletâneas de leis do Amazonas a existência de um regulamento do Instituto
Amazonense após 1882.
93
RPAM, 10/1/1887, Anexo 10, p.14 (Relatório da Diretoria da Instrução Pública).
301
informam que, em favor dos meninos, o “juiz competente” concedeu habeas-corpus. No
mesmo dia, uma notícia clama pela atenção do chefe de polícia do Amazonas para o
desaparecimento da menor Adélia”, tutelada do diretor do estabelecimento, que
brutalmente espancada pelo tutor, teria fugido de casa.
94
A despeito das oscilações na política provincial que afetavam diretamente as
instituições educacionais com o rodízio de pessoal, o Instituto Amazonense seguiu
funcionando regularmente, com cerca da metade de seus alunos estudando música e
desenho. Com o incremento da migração cearense, o perfil dos atendidos sofre
modificações: diminuem os sobrenomes indicativos de origem indígena (como o nome
da aldeia ou rio de onde procedia o aluno) e cresce o alunado procedente do Ceará.
Muitos alunos procediam do interior, mas não há informação se as famílias se mudaram
para a capital ou se os filhos seguiram diretamente para o Instituto, por intermediação
do governo ou por solicitação dos pais.
Perto de completar sete anos de sua reinstalação, o Instituto continha 120 alunos,
entre 7 e 17 anos, a maioria já adolescente. Destes, somente sete não tinham pais
conhecidos, estando inscrito no mapa da escola primária do Instituto, o termo “pai
incógnito”. Portanto, pelo menos uma parte significativa dos meninos provinha de
famílias onde o pai era ou foi presente. A possibilidade de a mãe informar, com a
aquiescência das autoridades locais, o nome de um pai ausente ou que não assumira o
filho, receando a perda da vaga ou a discriminação contra o filho, não pode ser
descartada. Não obtemos mais dados familiares, o que reduz em muito a possibilidade
de análise.
95
Alguns nomes de prestígio passaram pela docência do Instituto Amazonense,
como o de João Barbosa Rodrigues, diretor do Museu Botânico de Manaus, estudioso
de botânica que empreendeu viagens de estudos e de pacificação de índios pelo interior
do Amazonas. Rodrigues assumira a cadeira de desenho no ano de 1886, em
substituição a um professor exonerado a seu pedido. Em 1889, a presidência o exonerou
94
A Província do Pará, 14/1/1888. Pelo relatório provincial de 10/1/1888, sabemos que o diretor interino
do Instituto no período era o cidadão Pedro d’Alcantara da Silva Moraes, exonerado a seu pedido no
mesmo semestre.
95
RPAM, 2/6/1889, Anexo E, p.107 e 108.
302
do cargo, tendo todos os seus 45 alunos “algum adiantamento”, dos quais se esperava
grande aproveitamento com a boa vontade e a dedicação do novo professor.
96
Iniciado o novo regime político do país, o Instituto resistiu por mais dez anos.
Em janeiro de 1899, foi deliberada a suspensão dos trabalhos do Instituto de Artes e
Ofícios, até que se concluíssem as obras do novo edifício. O relatório do diretor da
instrução pública apontou para a decadência, o abatimento e os sacrifícios pecuniários
por parte do Estado e dos esforços do diretor para animá-lo, justificativas empregadas
anteriormente para fechar o primeiro estabelecimento criado. Os poucos educandos
existentes tiveram seus destinos determinados pelo decreto de extinção. A verba
destinada à manutenção dos educandos do Instituto passou a auxiliar, por decisão do
governo, uma instituição religiosa situada em Tefé, à boca do rio Solimões. O Asilo
Orfanológico, fundado pelos padres da Congregação do Espírito Santo receberia trinta
órfãos para instruir nas artes, ofícios e trabalhos agrícolas. O Estado transferiu a obra
educativa para a Igreja, porém, não demoraria muito para reerguer o tradicional
estabelecimento de formação de artífices de Manaus.
97
Em 1904, a instituição de formação de artífices ressurgiu, mas não temos como
precisar se a instalação no novo edifício ocorreu nesta data. O Instituto de Educandos
Artífices surgiu sem qualquer referência à experiência anterior, ao contrário do que
ocorreu quando foi criado o Instituto Amazonense de Educandos Artífices em 1882. O
objetivo consistiu em preparar representantes do “sexo forte” para as profissões
manuais, dentro de um modelo educacional e de uma estrutura institucional que não
diferiam da instituição imperial, ou seja, o aprendizado nas oficinas, o estudo das
primeiras letras, das cadeiras específicas e da música.
A escola primária estaria dividida em três graus, porém, enquanto não fossem
contratados os professores necessários, somente a de primeiro grau funcionaria. O
regulamento previa a instalação de sete oficinas, cinco das quais funcionaram no
período anterior da instituição: alfaiate, sapateiro, marceneiro, funileiro, encadernador,
acrescentando-se as de ferreiro e pedreiro. Cada oficina desta englobaria profissões
especializadas, por exemplo, na de marcenaria se formariam torneiros, carpinteiros,
96
RPAM, 25/3/1886, p. 20 e 27 e 2/6/1889, anexo E, p.82 (Relatório do diretor do Instituto Amazonense
de Educandos Artífices).
97
GOVERNO DO AMAZONAS. Relatorio do diretor da Secretaria dos Negocios do Interior, 30/6/1899,
p.27.
303
marceneiros e entalhadores. O regulamento mandava preferir crianças indígenas, órfãs e
pobres, como o de 1882.
98
Denominado Instituto Affonso Penna, a instituição manteve suas diretrizes no
regulamento que a reorganizou, em 1908, ou seja, “educar menores pobres, orphãos,
especialmente indios, proporcionando-lhes ensino primario e artístico”, em amplo e
arejado edifício.
99
Em 1910, por determinação do Governo Federal, escolas de
aprendizes artífices foram criadas em vários estados. A de Manaus funcionou nas
instalações do novo Instituto, atendendo a grande número de aprendizes externos. A
época das instituições asilares de formação de artistas se extinguira.
O Instituto Paraense de Educandos Artífices
Como a Província vizinha, o Pará promoveu duas experiências de formação de
artífices, sob os auspícios dos poderes públicos. A administração provincial instalou em
1840, na cidade de Belém, a primeira Casa de Educandos do país. O objetivo consistia
em instruir meninos desvalidos e órfãos nas primeiras letras, na música e nos ofícios
mecânicos. O estabelecimento do Pará manteve-se até meados de 1850 quando, bastante
desacreditado “desapareceu” da documentação. No capítulo 3, abordamos a trajetória da
Casa paraense, junto a outras iniciativas do gênero, empreendidas por algumas
províncias brasileiras. Não retomaremos a análise da Casa de Educandos do Pará neste
capítulo, pois optamos por priorizar as discussões sobre a educação dos meninos pobres
na região, próximas à década de 1870, quando o tema da educação e da instrução
populares conheceu grande destaque na imprensa nacional e os dois institutos
amazônicos conquistaram o interesse dos jornais da região.
Em junho de 1872, o Jornal do Pará destacou, na coluna principal, a
inauguração solene do Instituto Paraense de Educandos Artífices, providenciada pelo
Presidente da Província, Abel Graça. Convidados ilustres estiveram presentes, como o
98
AMAZONAS. Decreto n. 691 de 22/12/1904, Título V: Regulamento do Instituto de Educandos
Artífices.
99
ESTADO DO AMAZONAS. Regulamento para o Instituto Affonso Penna: a que se refere o Decreto
880 de 26/9/1908. Manáos: Imprensa Official, 1908, art. 1º.
Ver em anexo, fotos do edifício, das oficinas, da banda de música e da sala de aula.
304
chefe de política, os chefes militares e das repartições públicas, e grande número de
pessoas gradas da sociedade paraense. Iniciado o ato pelo presidente, o diretor do
Instituto major Luiz Eduardo de Carvalho, discursou sobre as vantagens do
estabelecimento e dos seus resultados futuros. Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha
dissertou longamente sobre a instrução, como “irmã do progresso e da civilização”.
100
O
jornal reproduziu o entusiasmo dos presentes, enaltecendo a iniciativa da presidência
para a formação dos futuros cidadãos do Pará:
“Mais tarde, quando os importantes resultados d’aquelle estabelecimento forem
conhecidos; quando os meninos, que vão agora começar a aprender, forem
homens e souberem colher todas as vantagens do trabalho intelligente; quando
essas crianças, que entrão para ali agora balbuciando as lettras do alphabeto,
forem cidadãos instruidos, e concorrerem para o desenvolvimento moral e
intellectual do seo paiz, o sr. d.r Abel Graça será lembrado com
reconhecimento: o nome do illustre fundador do Instituto Paraense de
Educandos Artifices será gravado em lettras de ouro na historia d’aquelle
estabelecimento.
101
Terminada a seqüência dos discursos, os convidados desfrutaram de um
“luxuoso e opulento almoço”, com brindes aos cavalheiros e ao “primeiro cidadão do
Império”, D. Pedro II.
O Instituto ocupava o prédio de uma vasta quinta no bairro de Nazaré, adquirido
pela Província, com grandes salas decoradas com simplicidade. A instituição fora criada
por lei de 1870, quando estava em exercício o 1º vice-presidente, cônego Manoel José
de Siqueira Mendes.
102
Abel Graça se entusiasmou com a proposta, cuja inspiração se
originava no estabelecimento do Maranhão, e deu encaminhamento ao projeto ainda em
1870.
103
A escassez de braços na Província, a perspectiva da abolição do elemento servil
100
Segundo Agnello Bittencourt (1973, p. 135), o jornalista amazonense Bento Aranha foi aprovado no
exame de professor de primeiras letras em Belém (1865) e nomeado professor em Manaus (1874). Em
1889, exerceu a função de visitador das escolas públicas do rio Solimões, Amazonas.
101
Jornal do Pará, 4/6/1872.
102
MARTINS, Raymundo Joaquim, 1915, p.50. Sobre a atuação do cônego Siqueira Mendes na
instrução, ver capítulo 2.
103
RPPA, 1870, p.22. O engenheiro Guilherme Francisco Cruz elaborou um projeto para a construção do
estabelecimento para órfãos e desvalidos e foi encarregado dos trabalhos preparatórios por Abel Graça. O
novo edifício somente surgirá com a instauração do regime republicano, na época áurea da exploração da
borracha. Um verdadeiro palácio é erguido, o Instituto Lauro Sodré, cujas fotos estão em anexo.
305
e a expectativa de que os desvalidos fossem úteis à Província e às suas famílias,
compunham as justificativas para a criação da instituição educacional.
104
No ano seguinte, o presidente obteve autorização da Assembléia Provincial para
aumentar de 30 para 100 o número de educandos, porém estas vagas não foram
totalmente preenchidas por falta de acomodações no edifício, que começara a mostrar-se
impróprio para seus fins. A população rapidamente depositou na instituição a confiança
na boa educação de seus filhos. No início do ano de 1874, o estabelecimento atendia a
44 meninos, o máximo que podia suportar, segundo o presidente Pedro Vicente de
Azevedo.
105
O modelo educacional em questão não era desconhecido dos paraenses,
cujas províncias vizinhas vinham desenvolvendo as experiências mais bem sucedidas do
país, sobretudo o Maranhão.
A avalanche de pedidos de admissão junto aos presidentes da Província é uma
característica importante da instituição, em toda a sua existência. O valor e o prestígio
atribuídos à iniciativa, por parte dos mais diversos níveis sociais, a fortalecerá e a
tornará vulnerável, ao mesmo tempo. De um lado, alvo do cuidado dos poderes
públicos, os governantes não medirão esforços para atender às determinações dos
regulamentos. De outro, se verificará um excessivo controle presidencial, deixando os
diretores amarrados às determinações das presidências nos eventos mais cotidianos
possíveis, e submetendo-a aos reveses da política e do clientelismo do Estado.
Como no estabelecimento amazonense, nomeou-se para o posto de diretor um
militar, o major Luiz Eduardo de Carvalho. O Instituto nasceu com os cargos
preenchidos, à exceção do escriturário. A relação abaixo foi divulgada pelo Almanaque
de Carlos Seidl, publicado em 1874:
Empregados:
Diretor - major Luiz Eduardo de Carvalho
Escriturário - vago
Médico - Dr. Jayme Pombo Bricio
Almoxarife - Guilherme Heseth
Ajudante fiel - João Pedro da Silva Castro
104
ALMANAK Administrativo... 1874, p.88-89. Instituto criado pelo art.9 da lei provincial n.660 de
31/10/1870.
105
RPPA, 15/2/1874, p.28.
306
Professores
Primeiras letras - Padre João Simplicio das Neves Pinto e Sousa
Geometria e mecânica - o diretor
Tecnologia e desenho - Dr. Guiherme Francisco Cruz
Capelão - Padre João Simplicio das Neves Pinto e Sousa
Música - Theodoro Orestes
Mestres
106
Carpina - Honorato Antonio Ferreira Celso
Marceneiro - Joao Cyrillo da Silva Ferreira
Serralheiro - José Pedro de Leão
Funileiro - Francisco Ciára Branco
Mais tarde, introduziu-se a cadeira de ginástica, valorizada em vários países,
como alegou o presidente Pedro Azevedo ao solicitar a sua adoção no Instituto.
107
Logo
surgiram as oficinas de sapateiro e alfaiate, por determinação do regulamento de
novembro de 1873, as quais atendiam a encomendas internas (fardamento e roupas de
uso diário dos educandos) e externas (fardamento do corpo de polícia, particulares e
outros).
Entre o pessoal, constavam ainda os serventes, o cozinheiro e as funções
preenchidas por educandos, como agente, fiel, amanuense e enfermeiro. Eram funções
relativas ao trato e vigilância direta sobre os colegas e sobre as atividades diárias dos
serviços de cozinha e lavanderia. O agente era a posição imbuída de maior poder entre
os educandos, podendo ele substituir o diretor quando ausente. Cabia ao agente, por
exemplo,
“Acompanhar os educandos, em turmas, até a porta das aulas e officinas,
assistir aos banhos e aos actos de recreio, não consentindo contendas e
altercações, e empregando toda a vigilancia para que os educandos não
contraiam máos habitos, e se não empreguem na pratica de actos
reprovados.”
108
106
O relatório provincial de 1874 (15/2/1874, p.29) informa que existiam cinco oficinas, faltando
portanto, na relação do Almanaque a de alfaiate, aliás, um ofício bastante valorizado pelos governos e
pelos estabelecimentos de educandos, por prover fardamento ao corpo de educandos e às demais
repartições públicas.
107
RPPA, 17/1/1875, p.36.
108
PARÁ. Regulamento do Instituto Paraense de Educandos Artífices de 30/3/1872, art.84.
307
O fiel acompanhava todos os serviços da casa, inspecionando a cozinha,
providenciando o banho e fazendo com que se cumprisse a limpeza de seus
compartimentos. O amanuense auxiliava o escriturário e o almoxarife na cópia de
relações, mapas e ofícios e quaisquer outros serviços de escrita. O enfermeiro cuidava
da limpeza e do asseio da enfermaria e dos doentes, verificando o cumprimento das
prescrições médicas.
109
Os educandos nomeados recebiam uma pequena gratificação
mensal pelo cofre do Instituto.
O ensino se dividia em ensino primário e curso teórico, música instrumental e de
orquestra e ginástica. Mais simples nos dois primeiros regulamentos (de 1870 e 1872), o
programa das aulas teóricas se tornou mais complexo, em 1883, e passou a exigir mais
tempo do dia dos alunos. A aula primária constava de leitura e caligrafia, tabuada,
quatro operações aritméticas, noções do sistema métrico, gramática da língua nacional e
instrução moral e religiosa. O ensino teórico dividia-se em dois anos, devendo seguir o
seguinte plano:
1º: aritmética, geometria prática e desenho linear
2º: álgebra, mecânica prática, desenho topográfico e máquinas.
O ensino profissional, pelo regulamento de 1883, deveria ser exercido nas
oficinas de marceneiro, torneiro, serralheiro e ferreiro, sapateiro, surrador e curtidor e na
de alfaiate, conforme a vocação dos educandos. Até o final do Império, o
estabelecimento manteve em funcionamento cinco oficinas: alfaiate, sapateiro,
marceneiro, funileiro e ferreiro.
O programa era minuciosamente distribuído ao longo do dia, pelos extensos
regulamentos do Instituto. Os meninos deveriam acordar as cinco da manhã, formar
para revista, fazer as orações na capela, seguir para a aula de primeiras letras e almoçar,
conforme prescrevia os regulamentos de 1872 e 1873. O curso teórico precedia o
trabalho nas oficinas, o qual se iniciava em torno do meio dia. A parte da tarde era
dedicada à aprendizagem do ofício e da música. O ensino da doutrina cristã pelo
capelão do estabelecimento ocorria aos domingos e dias santos, também reservados aos
exercícios militares, manejos de armas e passeios. Como na instrução pública, os
educandos passavam pelos exames anuais, do ensino primário, teórico e prático. Figuras
109
PARÁ. Regulamento de 30/3/1872, art. 87.
308
de destaque participaram como comissários da presidência nos exames do Instituto,
denotando o prestigio da instituição. O engenheiro Antonio Manuel Gonçalves
Tocantins que, comissionado pelo governo, explorou o rio Tapajós, o diretor e visitador
da instrução pública paraense Joaquim Pedro Corrêa de Freitas, o deputado provincial
Clementino José Lisboa e o cônego José Lourenço da Costa Aguiar.
110
Esperava-se do corpo de educandos disciplina e obediência militares. Dirigir-se
aos superiores sem a devida continência constituía falta grave. A hierarquia institucional
iniciava-se com o respeito aos companheiros mais velhos. Todos os atos da vida diária
dos educandos deveriam ser anunciados por toques de sineta ou de tambor. Os
regulamentos eram precisos quanto às possíveis faltas dos alunos, prevendo todo tipo de
transgressão, como sair à noite, parar em esquinas, conversar no meio das ruas ou
largos, acompanhar pessoa que não fosse educando, freqüentar tabernas, se empenhar
em atos reprováveis, como o jogo, e outros apenas insinuados pelos legisladores. A
revista matinal visava a verificar os faltosos e o cuidado com o asseio; a vigilância nos
dormitórios e nos banhos buscava prevenir os atos tidos por obscenos que tanto
preocupavam os dirigentes de internatos. A repressão às rebeliões de internos aparece
no regulamento de 1883, punidas com a pena da expulsão. Cometidas as faltas, cabia
aos educandos receberam com toda a “docilidade” as correções impostas.
111
Aos
incorrigíveis, previa-se o destino geralmente rejeitado pelo povo paraense e até por
deputados da Assembléia Provincial: o encaminhamento à Marinha, determinado pelo
Presidente da Província.
112
110
A Província do Pará, 23/9/1877 e 24/9/1885; A Constituição, 28/9/1883 e 22/9/1882. Corrêa de
Freitas, Gonçalves Tocantins e Costa Aguiar, por caminhos bastante diferentes, se envolveram com o
tema da educação popular na Província, como se pode verificar no capítulo 2. Clementino Lisboa, um
liberal na Assembléia liderada pelo cônego Siqueira Mendes, participou das discussões do novo
regulamento do Instituto de Educandos em 1883, confrontando as posições da maioria conservadora. O
deputado votou contra o projeto que deu novo regulamento ao Instituto (Cf. A Constituição, maio a
agosto de 1883).
111
PARÁ. Regulamentos de 1872 e 1883.
112
Sempre sobravam muitas vagas na Companhia de Aprendizes Marinheiros do Pará, levando a
imprensa, independente da orientação política, a clamar para o alistamento do “povo molecório” que
circulava pelas ruas de Belém e Santarém.
309
A entrada da ruim política da Província no Instituto Paraense
O Instituto não tardará a freqüentar as primeiras páginas dos jornais, em meio
aos combates do que o jornal A Província do Pará designou por a ruim política da
Província, caracterizada pelas perseguições aos opositores, neste caso, aos liberais. A
gazeta dedicou a sua coluna principal, “A Província do Pará”, ao Instituto, em uma série
de longos artigos, questionando a reforma pretendida pela Assembléia Provincial em
1876. O primeiro ponto refere-se à seleção do candidato ao cargo máximo do
estabelecimento, instituindo-se a condição de ser versado em artes mecânicas. A gazeta
vê na medida um único fim:
“Digamos a verdade: o artigo 1º do projecto só visou uma coisa: deitar fóra do
Instituto o director - Tenente-coronel Baptista de Miranda, que praticou, na
eleição de juizes de paz do 4º districto da capital, o crime de lesa politica
votando em chapa liberal.
113
As reformas no Instituto estariam direcionadas por “fins odiosos”, como a lei
promulgada pela Assembléia, em 1875, concedendo ao mestre das oficinas de sapateiro,
correeiro e curtume a gratificação de 50% de seu salário, sem estender o benefício aos
outros mestres. A lei fora sancionada pelo Presidente da Província, mas ainda não havia
sido executada. O jornal apelou para que o presidente Benevides rejeitasse as mudanças,
declarando que recorrer à Assembléia seria “o mesmo que chamar no deserto”.
O autor afirma que antes deste caso, o Instituto se viu privado de um ótimo
diretor por causa da política. Trata-se do primeiro diretor, major Luiz Eduardo de
Carvalho, saudado como inteligente e honesto. Um certo vice-presidente “lembrou-se”
de tornar o cargo incompatível com o de professor de geometria dos “menores do
Arsenal de guerra”, exercido por ele três vezes por semana, em lições de uma a duas
horas. Em meio ao embate travado com o órgão conservador, A Constituição, o
jornalista do A Província do Pará se diz autorizado a revelar que o major não desejava
abandonar a direção do Instituto, imbuído em prestar seus serviços a tão útil instituição,
apesar da pouca vantagem oferecida pelos vencimentos percebidos. O ex-diretor era
“amigo particular” do presidente que o nomeou para o cargo e dele foi retirado por
alguma inimizade, pois somente após a demissão, Carvalho “manifestou-se político”.
113
A Província do Pará, 19/4/1876 (grifo do autor).
310
No entanto, os desgostos com as atitudes dos membros da Assembléia Provincial nunca
deixaram de ser manifestados por ele, por considerá-las prejudiciais ao Instituto.
114
Carvalho permaneceu no Instituto Paraense como professor de geometria e de mecânica
aplicada, obtendo, em junho de 1876, o título de vitaliciedade em ambas as cadeiras.
115
Lançado o primeiro artigo, A Província do Pará, o seu mais vigilante opositor
político, A Constituição, órgão do partido conservador, iniciou um debate posicionando-
se favoravelmente às iniciativas dos deputados conservadores da Assembléia. Evitando
detalhar os meandros da discussão, que conheceu rápida resposta da gazeta liberal,
destacaremos alguns pontos reveladores da ingerência política na instituição
educacional. O primeiro refere-se à limitação imposta na seleção de diretores, que
segundo A Província, não passariam de três possíveis candidatos no Pará. A constante
mudança de dirigentes é apontada como prejudicial à instituição e o estabelecimento do
Maranhão é citado como exemplo dos benefícios da constância de diretores. Em 30
anos, dirigiram a Casa maranhense somente três homens, substituídos por falecimento.
Nenhum possuía “conhecimentos científicos”, porém reuniam as qualidades necessárias
aos administradores.
116
A discussão arrefece na imprensa e por uma breve nota comunicando atos
oficiais do governo, sabemos que a investida dos deputados fracassou, permanecendo
Baptista Miranda na direção do Instituto. Em dezembro de 1877, Miranda obteve dois
meses de licença para tratar da saúde, sendo substituído pelo engenheiro civil José Luiz
Coelho.
117
O engenheiro aparece nos relatórios de 1878 em diante ocupando a direção, e
anos mais tarde, surgirá nas páginas da Província do Pará como um dos inúmeros alvos
da “grande derrubada e remonta” que o domínio conservador estaria promovendo nas
repartições públicas, com a volta ao poder. Em 1885, Coelho era o diretor quando foi
exonerado, conforme denunciou a gazeta A Província do Pará, sempre atenta aos atos
dos governos conservadores.
118
Contudo, como o ex-diretor major Carvalho, José Luis
Coelho não se desvinculou da instituição, dedicando-se ao ensino de aritmética, álgebra
114
A Província do Pará, 24/4/1876. É A Constituição quem informa do posicionamento político tardio do
ex-diretor, buscando provar a isenção política em torno de sua demissão.
115
A Província do Pará, 6 e 13/6/1876 (“Expediente do Governo”).
116
A Província do Pará, 24/4/1876.
117
A Província do Pará, 13/12/1877. A Lei n. 1174, de 23/4/1883, que alterou o regulamento do Instituto
de Educandos, eliminou as palavras “o diretor será, sempre que for possivel um engenheiro”.
118
A Província do Pará, 29/9 e 6/10/1885. No Instituto Amazonense caía o seu primeiro diretor, tenente-
coronel Innocencio Eustaquio Ferreira de Araújo, segundo denúncia do mesmo jornal em 27/11/1885.
311
e francês, tendo sido esta última uma iniciativa de sua direção que não chegou a se
tornar oficial. O novo diretor nomeado em 1885, Manoel Joaquim Fernandes Penna,
permaneceu até a volta do domínio liberal em 1889, quando o engenheiro Coelho
reassumiu a direção.
119
A Constituição revela o que A Província do Pará afirma já saber: existia na
Assembléia a idéia da extinção do Instituto, a qual não vingou. O tema não é
aprofundado, mas percebe-se no debate um conflito de interesses entre deputados e
administradores. A Província assegura que a presidência não acatava de imediato os
projetos legislativos, consultando a comissão nomeada para estudar as reformas a serem
feitas em benefício da instituição. E sai em defesa do poder administrativo, ferido na sua
esfera de ação pela exorbitância de atribuições do legislador. Dois poderes disputam o
privilégio de determinar as nomeações na instituição, sugerindo o capital
eleitoral/clientelista que ela assume para a política local. Nos primeiros anos de
funcionamento, a disputa ocorria entre deputados conservadores, dominantes na
Assembléia, e o governo conservador, tendo por objeto uma instituição criada por
conservadores. A Província relaciona uma série de reformas prejudiciais geradas pelo
legislativo, como a redução do número de educandos, a sua elevação sem o
correspondente aumento da verba, o aumento do número de oficinas, etc.
120
É
interessante como na contenda da política provincial, a instituição criada e administrada
por um governo conservador, era defendida pelos liberais. Ao que parece, o foco
principal da oposição dos liberais centrava-se nos políticos conservadores e não nos
governantes, vindos na maioria das vezes, de fora da Província, ocupando o lugar por
um intervalo de tempo que mal lhes permitia imiscuir-se na política local, caso este
fosse o interesse. A Província do Pará chegou a ponto de enxergar o intento de “matar”
o estabelecimento nas matérias do órgão conservador, o qual estaria desprestigiando o
diretor com publicações inconvenientes à disciplina do Instituto, alterando os fatos com
o fim de “plantar a insubordinação no corpo de educandos”.
121
No ano de 1876, as medidas de contenção dos gastos públicos afetarão as
atividades do Instituto. O governo suspendeu o trabalho nas oficinas e despediu os
119
RPPA, 16/6/1879; 25/3/1886 e 18/9/1889.
120
A Província do Pará, 27/4 e 30/4/1876.
121
A Província do Pará, 30/4/1876. Infelizmente, não tivemos acesso ao ano de 1876 do jornal A
Constituição, para a checagem dos problemas disciplinares denunciados pela folha.
312
mestres, além de determinar o envio dos educandos para passar as férias em companhia
de seus pais, tutores e protetores. Bandeira de Mello informa que dos 60 internos, 48
saíram no dia 1º de novembro e retornaram no início de janeiro de 1877. Portanto, o
temor manifestado pelo jornalista da Província do Pará de que muitos não voltassem,
apesar dos termos de responsabilidade assinados, não se verificou. Os educandos
reencontraram somente as oficinas de alfaiataria e carpintaria reabertas, no entanto, as
restrições financeiras não impediram o restabelecimento das cinco oficinas, as quais,
permaneceram funcionando regularmente até a reorganização do estabelecimento no
período republicano.
122
O presidente Bandeira de Mello acompanhou pessoalmente os trabalhos no
Instituto, visitando-o logo após a volta dos meninos licenciados. Mello não parecia
compartilhar a opinião da contenção dos gastos públicos através da extinção do
estabelecimento, pois verificou quais eram seus problemas mais urgentes, como a
aglomeração nos dormitórios e elaborou um plano e orçamento para promover
melhorias nas instalações da casa.
123
Não demorou muito, o presidente estava de volta
ao Instituto para tratar de um caso que provocou profunda consternação no governo e
uma tremenda balbúrdia na imprensa paraense de tendências políticas opostas: a fraude
do almoxarife. O crime fora cometido no âmbito de um governo conservador, porém o
almoxarife era um liberal, batizado pela imprensa opositora de “liberal ladrão”.
124
Longos artigos seguiram-se nos meses seguintes na Província do Pará e na
Constituição, analisando e desvendando a fraude do almoxarife na escrituração do
estabelecimento, onde figuravam na receita madeiras e outros materiais que nunca
entraram no Instituto. Mello examinou pessoalmente os objetos e a escrituração do
estabelecimento e nomeou uma comissão para investigar o crime do almoxarife. De
toda a apuração resultou a demissão do almoxarife a bem do serviço público, e na
ordem para que fosse responsabilizado na forma da lei.
125
Três meses após a ocorrência,
122
A Província do Pará, 20/10 e 24/10/1876; RPPA, 15/2/1877, p.98.
123
A Província do Pará, 17/1 e 21/1/1877. Durante a gestão do engenheiro José Luis Coelho, algumas
obras foram autorizadas, como a ampliação dos dormitórios e o conseqüente aumento no número de
educandos para 92 (RPPA, 15/2/1881, Anexo).
124
Matéria transcrita do Diario do Gram Pará pela A Constituição, 10/2/1877. Segundo A Constituição
(9/2/1877), o almoxarife foi um dos liberais que ”mais se distinguiram na eleição de Nazreth; sendo eleito
2º juiz de paz d’essa infeliz parochia”.
125
A Constituição, 17/2/1877 (“Actos Officiaes” da Presidência da Província em 12/2/1877).
313
a Assembléia Provincial aprovou uma lei de reorganização do Instituto de Educandos
que incumbiu o diretor de exercer as funções de almoxarife.
126
A ocorrência fortaleceu o controle presidencial sobre a instituição, quando todo
e qualquer fornecimento às oficinas que permaneceram no Instituto (alfaiataria e
sapataria) passou a depender da autorização de Bandeira de Mello. O controle da
administração provincial sobre a vida institucional era exercido minuciosamente,
sobretudo pela pessoa do presidente, como veremos a seguir.
O controle dos governantes sobre a instituição
A correspondência entre o Presidente da Província e o diretor do Instituto
Paraense desvenda o controle exercido pelos presidentes sobre os mais diversos
aspectos da instituição, como a admissão, o desligamento e a expulsão de educandos, a
contratação e demissão de empregados, a compra de materiais para as oficinas e para o
estabelecimento em geral, o recebimento de encomendas externas, as apresentações da
banda de música, a escolha dos comissários para presidir os exames anuais, entre
outros.
127
Os ofícios assinalam aspectos do funcionamento cotidiano da instituição,
sendo neste momento, uma fonte contrastante em relação à contenção e à abordagem
generalista dos relatórios oficiais. Em alguns momentos, transportaremos as palavras
dos dois dirigentes principais da instituição e dos demais participantes de sua história,
através dos pedidos de consideração às suas necessidades. Nestes textos, aparecem as
famílias, ex-educandos e empregados, vozes raras na documentação educacional do
período.
No andamento da administração interna, os diretores mantinham a presidência
informada de todas as ocorrências e recebiam recomendações do presidente quanto à
execução de suas tarefas. Os exemplos são muitos, porém, nos deteremos nos mais
contundentes. Um deles revela que o Presidente da Província, nomeava de punho
próprio os educandos que trabalhavam na instituição. O Presidente do Pará oficiou, em
126
Lei n. 892, de 27/41877. A visita do presidente é relata pela Província do Pará, 10/2/1877.
127
A correspondência entre a Presidência do Pará e o Instituto de Educandos encontra-se depositada no
Arquivo Público do Pará. A documentação é constituída por minutas de ofícios emitidos pela Presidência
e de ofícios enviados pelos diretores do Instituto aos presidentes. Tivemos acesso aos anos de 1875, 1878
a 1882, 1884 a 1889, estando incompleta a coleção dos anos citados.
314
1879, que aprovava a dispensa pelo almoxarife do educando nomeado pela presidência
para auxiliá-lo no seu cargo, contudo, recomendou ao diretor que fizesse “o almoxarife
sentir que não lhe cabia de moto próprio dispensar o educando, senão representar para
que fosse elle dispensado”. No curto ofício, o chefe máximo da Província chamava a
atenção do diretor e do funcionário sob a sua inspeção.
128
Em outro, o presidente
responde à participação da volta do almoxarife que se achava licenciado do cargo,
recomendando ao diretor que “faça sentir ao mesmo almoxarife que não convem tornar
a deixar em atrazo a escripturação ou a fazel-a imperfeitamente e irregular como já
aconteceu, devendo igualmente Vmce fazer n’ella effectiva a sua inspecção”.
129
O
presidente não perdeu a oportunidade para lembrar das obrigações de seus nomeados.
Não só os corretivos intermediavam a relação entre presidência e direção do
estabelecimento. No momento oportuno, o presidente recorria aos elogios com a
finalidade de louvar as iniciativas que expressassem o empenho do diretor. Ao ser
informado pelo diretor da abertura de um curso noturno de aritmética e álgebra no
Instituto, sob sua regência, Gama e Abreu abandonou a sobriedade dos ofícios e louvou
“esse seu acto patriotico, que é a manifestação do empenho com que Vmce usa do
engrandecimento do estabelecimento que, em bôa hora, foi confiado ao seu zelo e
solicitude.”
130
Detalhes do dia a dia dos educandos também não escapavam dos cuidados dos
presidentes. Em resposta ao pedido de dispor de um valor do cofre do estabelecimento
para a aquisição de uma banheira de acapu para o banho dos educandos, o presidente
achou o preço excessivo e pediu que lhe informasse “quantos meninos se banham
simulttaneamente á ella?” Dez dias depois, o presidente autorizou a compra da banheira
grande de acapu para banhos dos meninos.
131
O uniforme dos educandos não passava
desapercebido do controle presidencial. A verba para a compra de meias, correame e
luvas para o uniforme foi liberada, mas não sem antes o diretor ser advertido a respeito
128
Minuta do ofício do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 1/2/1879.
129
Minuta do ofício do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 2/9/1879.
130
Idem.
131
Minutas dos ofícios do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 22/8 e
2/9/1879. Acapu é uma árvore amazônica, que fornece madeira de ilimitada duração (Novo dicionário do
Aurélio, 1986).
315
do tempo de duração desses objetos, “que não sendo de uso continuo, devem durar mais
do que efetivamente duram”.
132
A relação de dependência entre diretor e presidente era construída no dia a dia
dos trabalhos da instituição. Tendo determinado que as oficinas do Instituto
preparassem artefatos para a exposição da Imperial Sociedade Beneficente Artística
Paraense, a ser inaugurada em dezembro de 1879, o presidente Gama e Abreu orientou
ao diretor que agisse com energia junto aos mestres. E caso lhe aprouvesse agir fora das
limitações do regulamento, bastava recorrer ao seu apoio. O presidente ao reforçar a
autoridade do diretor, assinala a relação de dependência:
“Quando julgar conveniente por deficiencia do regulamento recorrer a mim
faça-o sem hesitação que me achará sempre pronto a apoia-lo em tudo quanto
for justo.
133
Na década de 1880, o controle sobre o funcionamento institucional se manteve,
preservado tanto por governos liberais quanto conservadores. A dispensa e a nomeação
de educandos para cargos na instituição deveriam ser aprovadas pelo presidente, com as
devidas justificativas.
134
O aprendizado externo dependia da autorização do presidente,
que permitiu a um educando aprender o ofício de telefonista, com a condição de
pernoitar sempre no Instituto.
135
O presidente Miguel Pernambuco acusou a
irregularidade do procedimento do diretor Manoel Joaquim Fernandes Penna ao fazer
nomeações interinas, advertindo-o de que a nomeação de substitutos dos empregados
licenciados “compete exclusivamente a esta Presidencia”.
136
Demandas e queixas de educandos e responsáveis podiam chegar diretamente
ao gabinete presidencial. No mesmo dia em que se apresentou no Palácio do Governo
um educando queixoso, o diretor recebia um ofício da secretaria da presidência
ordenando urgência na resposta ao episódio. O educando Adolpho Carlos de Souza
queixou-se ao presidente que, por ordem do diretor, fora compelido a restituir ao
estabelecimento as peças de seu fardamento, inclusive o boné e a roupa ordinária,
132
Minuta do ofício do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 4/9/1879.
133
Minuta do ofício do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 9/12/1879.
134
Minuta do ofício do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 21/3 e
26/3/1887.
135
Op. cit., 25/4/1887.
136
Op. cit., 4/1/1889.
316
“sendo que para sair foi-lhe emprestado por um empregado da casa o bonet que com
este lhe será apresentado”.
137
A relação entre os responsáveis e instituição era intermediada pelo presidente,
sobretudo nos pedidos de admissão e desligamento. Queixas de familiares ou protetores
também chegavam ao Palácio, no entanto, pouquíssimos ofícios tratam do tema. Um
destes casos aconteceu em 1889, quando a mãe de um educando procurou a presidência
para se queixar dos castigos corporais infligidos a seu filho no estabelecimento, sobre os
quais pediu-se informação ao diretor.
138
A presidência recebia os requerimentos de admissão e de desligamento e os
encaminhava ao diretor. Nestas situações, o diretor podia ser questionado nas suas
obrigações. Tratando de um requerimento de uma mãe ou protetora, o presidente cobrou
do diretor “pontualidade na remessa das informações que tiver de prestar”.
139
O diretor
despachava os pareceres ao governo, anexados às petições, de forma a subsidiar a
decisão presidencial. Mais de uma dezena de petições de desligamento encontram-se na
documentação do Governo do Pará entre março de 1881 e fevereiro de 1882. Na sua
maioria, são viúvas alegando pobreza e a condição do filho como arrimo de família, de
forma a obter a autorização de desligamento. Os textos seguiam um mesmo padrão, com
um ou outro detalhe particular, como o fato da viúva ser “sobrecarregada de filho”. Esta
era a situação de
Catharina Maria Rodrigues dos Reis , viuva pobre e sobrecarregada de filho
fallecendo-hes os meios para viver, tendo no [?] seu filho de nome Antonio
Gonçalves dos Reis, que é official de 2ª classe da officina de Funileiro e que já
pode ajudar a supplicante a ganhar o pão para si e seus irmãos vem
repeitosamente rogar pelo seu respeitavel despacho seja desligado o dito seu
filho do mesmo... e consideral-o official externo da officina acima dita.
140
O tutor de dois irmãos, já com 18 e 20 anos, insiste no pedido de desligamento
de seus tutelados e busca o destino desejado por outros familiares: garantir um emprego
na própria instituição, como oficial externo.
João Braga da Silva Moya tuctor dos orphãos seus cunhados de nomes José
Cardozo Bahia e Manoel Cardozo Bahia; filhos de Josepha de Jesus Cardozo
137
Op. cit., 14/10/1887. A resposta do diretor não foi localizada.
138
Op. cit., 15/1/1889. A resposta do diretor não foi localizada.
139
Minuta do ofício do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 28/3/1887.
140
Petição ao Presidente do Pará, 4/2/1882.
317
Bahia; officina de 1ª classe das officinas de Marcineiro e Sapateiro do Instituto
Paraense de Educandos Artifices este com vinte annos de idade e aquele com
dezoito; que tem do requerido a V.Excia em data de 28 de dez findo a graça de
mandar desligar os seus ditos tutelados do corpo de educandos artifices
Paraense visto como, se acham elles nas condições ganharem o pão quotidiano
para si e sua velha mãi e irmã, vem o supplicante pedir veni a V.Excia para de
novo pedir como por esta pede a graça de mandal-os desligar. Pede tambem se
digne mandal-os considerar officiaes externos das respectivas officinas. O
supplicante confia no caracter justiceiro de V.Excia.
141
Os pedidos seguem um cerimonial próprio, rogando pela ordem presidencial em
seu “respeitável despacho” ou ao “caráter justiceiro de Vossa Excelência”, como o
supracitado. Os despachos do diretor que acompanham cada petição orientam a ação do
presidente, mas terminam confirmando o poder de decisão desta autoridade: “V.Excia
decidirá entretanto o que julgar mais acertado em sua alta sabedoria.” Os despachos
revelam que os alunos não lograram concluir todos os cursos teóricos do Instituto,
apesar da idade avançada. A despeito disto, o diretor prefere aprovar a saída dos
educandos, mas não emite opinião a respeito da contratação de primeiros oficiais
desligados como oficiais externos. Apenas lembra ao presidente que esta só deve
ocorrer quando for necessário ao estabelecimento.
Educandos maiores (entre 18 e 20 anos) requeriam ao diretor o desligamento,
obtendo parecer favorável, pois como justificou o diretor José Luis Coelho, em 1881, ao
presidente José Coelho da Gama e Abreu, muitos se tornavam inúteis, incorrigíveis,
eivados de vícios que contagiavam os companheiros. Coelho apresentou a Gama e
Abreu um quadro com os nomes dos educandos requerentes, com o tempo de internação
e a idade. Alguns nomes da relação constam das petições dos familiares, entregues entre
1881 e 1882, vindo a oficializar os pedidos feitos ao diretor. Os despachos às petições
dos pais informam que os educandos já eram oficiais mecânicos e a despeito de não
terem concluído o período previsto pelo regulamento de ressarcimento das despesas
efetuadas com sua educação, os riscos para a disciplina do estabelecimento
141
Petição ao Presidente do Pará, 20/1/1882. Em ofício de 11/9/1880, o diretor justifica ao presidente a
iniciativa de contratar oficiais externos alegando não possuir educandos suficientemente preparados para
atender às encomendas feitas às oficinas. Os últimos entrados não contavam ainda um ano de estada no
estabelecimento e deviam ser preparados para os exames anuais. As aulas funcionavam diariamente,
exceto nas 5
a
feiras, restando quatro horas diárias de trabalho nas oficinas.
318
compensavam as dispensas, segundo avaliação da direção.
142
Assim o dirigente
justificou o parecer favorável ao afastamento dos educandos “homens” do
estabelecimento:
“Tendo já participado verbalmente a V.Exa que os educandos maiores me
tinhão pedido para serem desligados do Estabelecimento, é meu dever passar as
mãos de V.Exa as petições juntas dos mesmos. Acho na verdade de conveniencia
a sahida d’esses educandos, as quaes, na maior parte estão no Estabelecimento
desde a sua abertura, e hoje homens, sendo inconveniente a convivencia d’elles
com os menores, acrescida tambem que sendo o Estabelecimento para pobres e
desvalidos, não devem emquanto muitos necessitão ficarem alguns, sabendo já
trabalhar, tomar o lugar de novos que poderão em menos tempos [sic] do que
estes estarem mais adiantados. V.Excia sabe que n’uma casa d’educação onde
tem educandos de 7 annos de idade, é de conveniencia que hajão poucos
maiores. O ultimo nome da lista é do educando que me serve d’agente, o qual
tambem pede sahir; não obstante ter servido bem o lugar, não me opponho a
sua sahida.”
143
O controle mais cuidadosamente assegurado da presidência com relação ao
estabelecimento consistia na decisão de quem iria ter acesso à “graça” de pertencer ao
corpo de educandos. Os expedientes do governo publicados nos jornais e os ofícios
disponíveis revelam que o ingresso no Instituto Paraense era intensamente desejado
pelas famílias e protetores. O governo era assolado por pedidos de admissão, na maioria
das vezes, por parte das mães, que, como mostram as petições para desligamento,
percebiam na formação de artífice proporcionada pela instituição uma perspectiva de
um arrimo de família melhor preparado. O diretor não possuía poder de decisão na
escolha dos alunos, mas podia vetar o ingresso imediato de candidatos que não
apresentavam as condições e a documentação exigidas pelo regulamento.
144
São comuns
os ofícios do diretor à presidência dando conta da falta dos documentos solicitados na
matricula, tais como, certidão de batismo, certificado de pobreza e atestado de vacina.
Impedimentos apontados pelos exames do médico do Instituto levaram diversas
vezes a direção a ponderar ao presidente a conveniência de admitir determinados
142
Há pelo menos trinta anos, o alferes Falcão, diretor da Casa de Educandos do Maranhão, chegara a
conclusão semelhante (Cf. capítulo 3).
143
Oficio do diretor dos educandos ao Presidente da Província, 3/1/1881. O citado educando, último da
lista, ingressou no estabelecimento em agosto de 1880 e obteve um lugar privilegiado na instituição,
ocupando um cargo remunerado. Não consta no quadro a sua idade, que deveria ser entre 18 e 20 anos,
portanto, o seu ingresso feriu as normas do regulamento, que permitia somente a admissão de meninos
entre 7 e 14 anos.
144
Os regulamentos estabeleciam a idade de ingresso (7 a 14 ou a 12 anos), a condição de orfandade,
desvalimento e pobreza do candidato, boas condições sanitárias, ter sido vacinado, e o veto aos escravos.
319
candidatos, deixando, contudo, a decisão nas mãos da autoridade superior. Outro
impedimento referia-se à naturalidade do candidato. Por oficio, o presidente advertiu ao
diretor que somente paraenses natos poderiam ser admitidos, conforme determinava a
lei que criou o Instituto.
145
A documentação não informa se o critério foi rigidamente
obedecido. Apesar da advertência do governo, o diretor consultou o presidente se podia
matricular um menor, filho de portugueses, conforme descobrira pelas pesquisas que
procedera.
146
Uma terceira instância participava do processo de admissão, a considerar as leis
aprovadas em 1889, autorizando a presidência a admitir no Instituto de Educandos
alguns órfãos de pai. Não podemos afirmar que muitos candidatos tenham passado pelo
crivo da Assembléia Provincial, pois não localizamos tais leis nas coleções dos anos
anteriores. Um exemplo consiste na lei que, em março de 1889, autorizou o presidente
Miguel Pernambuco a admitir no Instituto os filhos do finado alferes honorário do
exército, Camillo José d’Araujo Nobre, e as filhas no Colégio Nossa Senhora do
Amparo, internato mantido pela Província. Em maio, um ofício mostra que a direção e a
presidência ainda não tinham chegado a um acordo de quais dos meninos seriam
matriculados. Em junho, o governo ordenou o ingresso de três dos quatro filhos do
alferes.
147
Os impedimentos por motivo de doença expõem ao extremo o cuidado da
direção na tomada de decisão quanto a não admissão ou a demissão de alunos. O exame
médico com resultado desfavorável ao exercício de ofícios mecânicos impedia a
matricula do candidato, com o aval presidencial. Todavia, nos casos não previstos pelo
regulamento, o diretor optava por não orientar a decisão presidencial, deixando que
outros fatores influíssem na avaliação dos caminhos a seguir. Um caso exemplar foi o
do filho de um empregado da Secretaria da Província que se apresentou no Instituto para
ser examinado pelo médico, conforme deliberação da presidência. Diante do diagnóstico
de que “o menor Aristhydes Augusto da Silva Nobre apresenta signaes de ter sido
145
Minuta do ofício do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 23/5 e
9/6/1879. A Lei Provincial n.660 de 31/10/1870 só autorizou a admissão de “menores filhos da
província”, informa o presidente ao diretor no ofício de 23/5/1879.
146
Ofício do diretor dos educandos ao Presidente da Província, 16/1/1880.
147
Minutas dos ofícios do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 22/5 e
17/6/1889; Lei n. 1351 de 12/3/1889, Autorisa a Presidencia a mandar admittir, desde já, no Collegio do
Amparo e no Instituto de Educandos, diversos orphãos.
320
vaccinado, é robusto, apresenta, porém um defeito nas partes genitaes: é hermaphrodita,
predominando os orgãos masculinos”, o diretor José Luis Coelho consultou o presidente
Souza Dantas Filho se o devia admitir.
148
Nos casos de educandos que adoeciam, o diretor não só comunicava ao governo,
mas solicitava orientação quanto a que medida tomar. Em 1886, o diretor Manoel
Joaquim Fernandes Penna se viu diante de vários casos de anemia entre os educandos,
conforme o parecer emitido pelo médico Jayme Bricio:
“Os educandos Antonio José Gualdenio, Arthur do Espirito Santo, Julio Dasmin
de Carvalho, José Salles(?) Lopes e João Augusto de Figueiredo soffrem de
anemia, sendo que no primeiro é profunda. Dependendo tal padecimento de
tratamento longo, de mudança de ar, de alimentação reconstituinte, composta
principalmente de carne mal assada; considerando que nestas circunstancias,
taes educandos não podem frequentar regularmente as officinas; tendo em vista
que os lugares occupados por elles podem ser substituidos com vantagem para
o estabelecimento, sou de parecer que sejam eliminados d’este Instituto.
149
Penna omite sua posição no oficio; roga apenas que “V.Excia se digne ordenar-
me o que devo fazer a vista da mesma”. A comunicação à presidência dos casos de
doenças impeditivas do trabalho ocorreu em outros momentos. Em 1881, o médico
Jayme Bricio lembrava ao diretor que o estabelecimento era uma “casa de trabalho” e
não um “asilo de doentes”, ao defender a demissão de vários educandos anêmicos,
enfermidade que o médico associava ao hábito de comer terra. Um educando de oito
anos morrera da doença no ano anterior.
150
Um ofício reservado do diretor José Luis Coelho revela que a doença não
impeditiva ao trabalho nas oficinas podia justificar a recomendação de expulsão quando
denunciasse a prática de atos considerados imorais para jovens internos de uma “casa de
educação para menores”. Apesar de Francisco Mendes Correa acompanhar as aulas de
primeiras letras fazia cinco anos, sem proveito, foi somente quando o diretor descobriu
148
No oficio do diretor, o primeiro nome do candidato é Gentil, e não Aristhydes, como é denominado no
parecer do médico do Instituto, apresentado em anexo (Ofício reservado do diretor dos educandos ao
Presidente da Província, 13/5/1881). Não tivemos acesso aos ofícios presidenciais do ano de 1881,
portanto, não conhecemos a resposta do presidente.
149
Ofício do diretor dos educandos ao Presidente da Província, 19/6/1886.
150
Ofício do diretor dos educandos ao Presidente da Província, 16/3/1881 e 5/6/1880. No relatório de
12/1/1881, o médico Jayme Bricio cita a morte do educando devido à anemia profunda, enfermidade
denominada “malacia” (RPPA, 15/2/1881, Anexo, p. LIV).
321
ser ele portador de doença venérea que o pedido enfático de sua expulsão do
estabelecimento chegou à mesa do presidente Gama e Abreu.
“Examinando o livro de estatistica medica do estabelecimento, deparei com o
nome do educando Francisco Mendes Correa, soffrimento gonorrhéa;
perguntando ao medico do estabelecimento, este me informou que o mesmo soffre
tambem bubões, molestias estas que devem ser desconhecidas dos educandos
d’este estabelecimento, visto ser elle uma casa d’educação para menores. Não
obstante a disciplina e vigilancia que emprego, como V.Excia sabe as vistas do
Director não podem acompanhar os educandos por toda as parte. O educando
Correa é de pessimo comportamento, e vadio, não dando esperanças de corrigir-
se, e está matriculado na aula de primeiras lettras desde 1875, sem ainda estar
prompto: por esta razão rogo a V.Excia se digne permittir que o mesmo seja
expulso do estabelecimento.
151
Não só este educando escapou da vigilância do diretor, cujas vistas tinham suas
limitações. Coelho aproveitou o ensejo para pedir a expulsão do “não menos
incorrigivel, vadio e insuportável” menor Jerônimo(?) Antonio da Silva. Outros
aguardavam vaga e o diretor, no mesmo ofício, sugeriu a admissão de dois candidatos,
ressaltando que, “V.Exc porém decidirá o que julgar mais acertado em sua alta
sabedoria”.
A má conduta dos educandos e o risco de contágio dos companheiros levavam o
diretor a solicitar a despedida daqueles que afrontavam as normas da casa. Nestes casos,
a autorização era obtida sem maiores dificuldades. O destino do “incorrigível” estava
nas mãos do presidente, cabendo-lhe deliberar a respeito da aplicação da pena mais
severa, isto é, o envio à armada. Sendo os meninos, em boa parte, provenientes de
famílias que podiam contar com algum tipo de proteção ou condição de educar seus
filhos, pode-se afirmar que raramente se optava por um destino rejeitado pelas famílias
e pelos rapazes. Do corpo documental disponível, só localizamos um ofício no qual a
presidência mandava apresentar ao “inspetor do Arsenal de Marinha, afim de dar praça
na Companhia de Aprendizes Marinheiros desta provincia, o educando desse
estabelecimento Fernando(?) de Mattos Costa, que se tem tornado incorrigivel,
conforme consta of. n.262, 2 de julho, do diretor”.
152
A expulsão do estabelecimento nos casos de procedimentos considerados
impróprios era indicada pela Congregação dos Lentes do Instituto, devendo passar pelo
151
Ofício reservado do diretor dos educandos ao Presidente da Província, 5/2/1881.
152
Minuta do ofício do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 4/8/1879.
322
crivo da presidência. A Congregação era formada por lentes ou professores do Instituto
e presidida pelo diretor. Ela deliberava sobre diversos assuntos referentes ao ensino, à
disciplina, à admissão de candidatos a cadeiras e aos motivos para a exclusão de
educandos.
153
Já a admissão de educandos estava fora de seu escopo de ação. Em abril
de 1887, doze educandos receberam da Congregação a indicação da pena de expulsão
por incorrigíveis, classificação que dispensava maiores explicações. Atos de agressão
levavam ao mesmo destino. A presidência aprovou a deliberação da Congregação,
impondo a “pena de expulsão” ao “educando Thomaz Campbell, em vista da agressão e
ferimento por elle praticados no chefe da turma a que pertencia, e no seu collega
Antonio Lombo”.
154
O Instituto manteve-se em funcionamento sem maiores atropelos até o final do
Império. O projeto de ampliação do número de educandos para 200 não teve aplicação,
sob a justificativa da falta de acomodações.
155
A pretensão de expandir o ensino
profissional na Província não encontrou respaldo financeiro, por parte do legislativo e
do executivo. A expansão desta modalidade educacional ocorreu somente no período
republicano, quando chegou a atender a 300 meninos. Em 1897, o antigo Instituto de
Educandos Artífices Paraenses tornou-se o Instituto Lauro Sodré, em homenagem ao
governador que transformou a feição urbana de Belém. Dois anos depois, o
estabelecimento passou a funcionar nas novas instalações, uma ampla e primorosa
construção para 300 internos, especialmente edificada para o fim educacional. No
internato, o programa de ensino abarcava o curso elementar primário e o curso completo
de desenho e música instrumental, atendendo a 233 educandos em 1910. O ensino
profissional era exercido nas oficinas de marceneiro e carpinteiro, serralheiro e ferreiro,
sapateiro, alfaiate, além da encadernação e tipografia. Por várias décadas, aprendizes
dedicaram-se à impressão tipográfica das obras oficiais. O Instituto teve vida longa,
tornando-se escola profissional em 1949.
156
Nas duas primeiras décadas do período republicano, a atividade missionária na
região foi recrudescida com a instalação de internatos em núcleos indígenas. O objetivo
153
PARÁ. Regulamento do Instituto Paraense de Educandos Artífices, 5/11/1873.
154
Minuta do ofício do Presidente da Província do Pará ao diretor do Instituto de Educandos, 26/4/1881 e
17/1/1889.
155
O artigo 1º do Regulamento de 1883 elevou para 200 o número de educandos paraenses.
156
FONSECA, Celso Sukow da, 1986; SOUZA, Augusto Olympio, 1911; GOVERNO DO PARÁ,
1909(?). Em anexo, fotos do Instituto Lauro Sodré no início do século XX.
323
educacional da formação de lavradores e operários seguia o mesmo modelo das
instituições do século XIX. As ordens religiosas associaram a educação temporal à
conversão de meninos e meninas à fé e aos valores cristãos. No século XIX, as
iniciativas de uma educação exclusiva de índios foram bastante tímidas e não
necessariamente vinculadas à Igreja. No capítulo 5, resgatamos três projetos de
formação profissional e instrução elementar do Império, voltados para índios mansos ou
selvagens, analisando de forma mais aprofundada a experiência paraense, sob o
comando do bispo Antonio de Macedo Costa. Com este capítulo, fechamos o ciclo do
nosso estudo, esperando ter aberto veios de discussão para a rica história da educação
popular na Amazônia.
324
Capítulo 5
Colégios indígenas do Brasil Imperial
Projetos educacionais do Cônsul Domingos Gonçalves, do
Brigadeiro Couto de Magalhães e do Bispo Macedo Costa
Nos dois capítulos anteriores, analisamos a implementação de instituições de ensino
de ofícios, ocorrido durante o século XIX, em todo o país. Além das instituições criadas nas
cidades e alguns asilos agrícolas do interior, experiências de educação indígena em colégios
(internatos) foram desenvolvidas, a partir de iniciativas aparentemente isoladas. Identificamos
e analisamos três propostas educacionais, calcadas no preparo de futuros trabalhadores
mecânicos e agrícolas, as quais, envolviam índios mansos e selvagens. Outras instituições do
período recebiam crianças indígenas, como as Casas de Educandos de Manaus e de São
Luís, analisadas nos capítulos 3 e 4.
No presente capítulo focalizamos debates, projetos e ações desenvolvidos na
segunda metade do século XIX, com relação à educação para o trabalho de crianças
indígenas no Brasil. O estudo está centrado nas idéias e nas criações de três atores sociais
que ergueram suas obras entre 1870 e 1882. São eles: Domingos Maria Gonçalves (1843-
?), mentor do projeto do Collegio dos Indios de Urubá de Agricultura, e Artes Industriaes
em 1874, quando cônsul de Portugal no Recife; Brigadeiro José Vieira Couto de
Magalhães (1837-1898), criador e fundador do Collegio Isabel em 1870, para educação
de crianças das “tribos selvagens” do Araguaia, quando diretor do Serviço de Catequese do
Vale do Araguaia e da Empresa de Navegação em Goiás; e D. Antonio de Macedo Costa
(1830-1891), criador e fundador do Instituto de Artes e Oficios e Agricola da
“Providencia” em 1883, para educação dos meninos desvalidos dos povoados do interior,
das “selvas” e das capitais das Províncias do Pará e do Amazonas, quando Bispo do Pará.
Duas autoridades ocupavam postos na estrutura do Estado brasileiro, que exigiam ações junto
325
à catequese e à civilização da população indígena. Já o cônsul português ingressou nesta seara
por iniciativa individual, ou seja, sem apoio institucional.
A análise tem como foco os projetos pedagógicos dos autores, portanto as fontes
consultadas restringem-se à exposição de suas idéias e ações educacionais dirigidas aos
indígenas. Constituem fontes de pesquisa para este estudo obras publicadas dos autores e
informações colhidas de relatórios das presidências das províncias citadas. No caso do
Colégio Isabel, pudemos também contar com o artigo de David Caume, o qual retrata a
criação, o funcionamento e a extinção da instituição, e o relato do próprio Couto de
Magalhães.
1
A análise da experiência paraense centra-se na descrição de José Ricardo Pires
de Almeida sobre o Instituto, no livro do biógrafo do bispo, Dom Antonio de Almeida
Lustosa, Arcebispo do Pará em 1939, nos discursos e escritos de Macedo Costa sobre
instrução pública e civilização da “população amazônica”, e na imprensa local.
2
O Colégio
dos Índios de Urubá de Agricultura, e Artes Industriais é um projeto no sentido estrito da
palavra: não chegou a ser executado. Gonçalves foi um incansável criador de projetos
educacionais dirigidos a índios e ingênuos, jamais implantados por esperar o apoio do
Governo Imperial e das elites econômicas que nunca chegou. Preocupado em dar publicidade
ao plano de civilisação para os indios mansos e demais projetos educacionais, Gonçalves
deixou três obras contendo detalhados relatos da trajetória percorrida nas frustadas tentativas
para viabilizar tais idéias.
3
No que diz respeito à região hoje conhecida como Nordeste, só obtivemos
informação a respeito do citado projeto de educação de índios para o trabalho, no Segundo
Reinado. Pela própria situação dos índios na região - aldeados ou misturados à população, e
pela existência de uma significativa população livre e escrava - a educação de índios não era
vista como uma questão que merecesse tratamento específico, em termos de investimentos em
1
CAUME, David, 1997; MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1873.
2
ALMEIDA, José Ricardo Pires de, 1989 [1889]; LUSTOSA, Antonio de Almeida, 1939; COSTA, Antonio
Macedo, 1871, 1880, 1884 e 1930; COUDREAU, Henri, 1887. A pesquisa em arquivos públicos e
eclesiásticos pouco contribuiu para a análise da instituição, questão abordada mais adiante. Os jornais de
Belém e Manaus retratam alguns aspectos da criação e do funcionamento do Instituto Providência, bem
como da polêmica questão do ensino clerical.
3
GONÇALVES, Domingos Maria, 1874, 1880 e 1882.
326
instituições destinadas ao ensino profissional de crianças indígenas.
4
No entanto, esta
observação não é verdadeira para o período inicial da República, quando os capuchinhos da
Ordem da Lombardia fundaram, nos núcleos indígenas do Maranhão, Piauí, Ceará e Pará,
internatos para a educação de meninos e meninas.
5
Na região amazônica, onde eram notórias a carência de colonos e a existência de
muitos grupos indígenas não incorporados ao sistema produtivo e de uma população cabocla
e tapuia dedicada ao extrativismo, argumentava-se a favor da criação de asilos para o ensino
agrícola e dos ofícios mecânicos de criaturas indígenas
6
, como um discurso monocórdico,
ciente de sua incapacidade de materializar as idéias. De qualquer forma, algumas propostas se
concretizaram; outras, não obstante o esforço de seus criadores, não saíram do papel. É
sobre essas propostas, concretizadas ou não, que nos voltamos neste capítulo, buscando
vencer a aridez das fontes e a imobilizadora concepção de que, se houve alguma política
imperial voltada para a população indígena, esta se resumiu à conivência com seu o
extermínio.
A escolha das três experiências para análise deveu-se a um fato muito simples: dada a
raridade das iniciativas educacionais de um certo porte dirigidas a grupos indígenas no
período, principalmente a criação de internatos indígenas, optamos por analisar todos os
projetos de formação profissional de crianças indígenas, cujas histórias pudemos resgatar.
Todavia, a ênfase recai sobre a iniciativa do Bispo do Pará, obedecendo aos propósitos desta
4
A expressão “índios misturados” aparece freqüentemente nos relatórios provinciais do Nordeste,
quando os índios da região deixam de ser vistos por sua especificidade étnica, por se encontrarem
vivendo miscigenados à população não índia, economica, cultural e até racialmente. A chamada “mistura”
não ocorreu como um processo natural de integração de populações que mantinham intercâmbios
diversos; antes resultou da política de assimilação implementada pelo Governo Imperial, através dos
aldeamentos. João Pacheco de Oliveira (1999) analisa a construção nas últimas décadas do século XX do
objeto “índios do Nordeste”, processo impulsionado pelo ressurgimento de etnias tidas como extintas, e
suas implicações para a etnologia e para a política indigenista.
5
GOMES, Mércio Pereira, 2002, p.264-280.
6
Termos empregados pelo Conselheiro Joaquim Azambuja, encarregado pelo Presidente do Amazonas
José Paranaguá de inspecionar as escolas públicas primárias nos municípios da Capital, de Itacoatiara e de
Parintins. O autor confere uma natureza animal à raça indígena, ao afirmar que as mulheres tinham sempre
um filho ao colo e pouco apego à descendência. Azambuja era uma, entre as várias autoridades, que
propuseram a criação de asilos para filhos de índios do Amazonas. Entretanto, ele não espera pela
refutação de sua proposta, condenando-a logo em seguida sob a argumentação de que as crianças a asilar
pelo Estado seriam tantas, pela “ignorancia, miseria e indolencia desta raça”, que o investimento acabaria
por prejudicar as escolas, as quais constituíam ao seu ver, o principal objeto dos desvelos do governo
(1884?, p.43).
327
pesquisa, que prioriza as instituições educacionais da Amazônia. Os três projetos trazem
consigo o objetivo de transformação cultural dos sujeitos pelo impedimento do convívio social
com os seus grupos de origem. Embora as instituições educacionais não tenham emergido de
uma política pública unificada, estas possuíam propostas de formação com muitos pontos em
comum, entre si e com as instituições estudadas neste trabalho, como os estabelecimentos de
Educandos Artífices. Partimos do pressuposto de que o esforço de alinhavar estas
experiências enriquece a análise, permitindo-nos tecer uma rede de práticas aparentemente
desconexas. Os três autores trabalharam de forma totalmente independente uns dos outros,
mas todos eram movidos por perspectivas de civilização dos povos não atingidos pelas luzes
da ilustração e por modelos de progresso irradiados pelos países europeus. Pretendia-se
transformar os índios em trabalhadores, cristãos e dotados de um repertório mínimo de
hábitos da vida civilizada que os mantivessem numa relação de dependência aos patrões e ao
Estado.
Portanto, a análise dos projetos civilizadores dos autores através de suas idéias e
iniciativas não parte da premissa de que tais projetos estariam calcados na busca por um alto
grau de civilização e cultura, no sentido eliasiano
7
. As propostas obedeciam a um recorte
étnico, econômico e social, expresso no pressuposto da participação de populações não
brancas na vida social e econômica das províncias pela via do trabalho, como operários e
camponeses, de forma disciplinada, no tempo e no espaço. Estes são aspectos muito
valorizados pela retórica presente nos discursos da época, a respeito da decadência da
agricultura e da persistência do nomadismo da população, sobretudo na região amazônica.
No entanto, a análise de Elias dos “processos civilizadores” e da “sociedade de
corte” pode ser bastante útil para uma compreensão do universo mental e cultural dos
autores. Imersos nos ideais da civilização, os autores possivelmente viram, perceberam,
interpretaram e expressaram
8
suas observações sobre as populações nativas nas viagens
pelo interior do país, através dos parâmetros dos hábitos, costumes e modelos de
comportamento interiorizados pelo processo educativo pelo qual passavam os homens
7
ELIAS, Norbert, 1993/1994.
8
OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de, 1987, p.7.
328
ilustrados da “boa sociedade”. Isto, é claro, respeitando-se as diferenças de formação e
papéis ocupados na sociedade.
Todos os três autores empreenderam viagens em que tiveram contatos com
populações indígenas, mas orientados por objetivos diversos: o desejo de conhecer as
populações primitivas e seus costumes motivou o português Domingos Gonçalves a vir para
o Brasil; Couto de Magalhães, neste período, dedicou-se principalmente ao estudo das
línguas indígenas como uma estratégia de assimilação dos índios aos civilizados, sem esquecer
de seus interesses empresariais junto à navegação no rio Araguaia; Macedo Costa, através
das observações feitas nas viagens pastorais pelo Amazonas e Pará, buscou meios para
desenvolver a civilização da população amazônica, um dos aspectos de sua ampla agenda
de reforma do catolicismo no Brasil.
As propostas educacionais dirigidas às crianças indígenas no período inseriam-se, de
uma forma geral, no debate da falta de braços para a colonização dos vastos sertões do país.
Iniciado o processo de abolição da escravidão, a questão da educação dos ingênuos, após a
promulgação da Lei do Ventre Livre, impõe-se como uma necessidade em termos de controle
social e formação da mão-de-obra, não só numa perspectiva técnica, mas também moral e
cultural: ao ensino das primeiras letras, de técnicas agrícolas, e dos ofícios mecânicos,
associa-se a introjeção do amor ao trabalho. Torna-se premente manter os ex-escravos nos
locais de trabalho, principalmente nas áreas rurais, onde se previa um grande êxodo com o
rompimento dos laços que os prendiam ao trabalho. No caso dos índios, a discussão assume
matizes bastante específicos, pelas concepções que circulavam entre autoridades e intelectuais
a respeito da possibilidade de civilizá-los, tornando-os trabalhadores “úteis à nação” e ao
mesmo tempo, contribuindo para resolver a carência populacional do país em termos de mão-
de-obra disciplinada para o trabalho regular, já que milhares de indivíduos viviam à margem
da civilização, em “hordas selvagens” arredias ao contato com o chamado civilizado e avessas
aos benefícios da “vida civilizada”. Era toda uma riqueza não aproveitada, que Couto de
329
Magalhães estimava em “um milhão de braços aclimados e os únicos que se prestam às
indústrias - extrativas e pastoris”.
9
A obra de Couto de Magalhães, O Selvagem, obteve grande sucesso no Brasil e na
Europa à época de sua publicação (1875), sendo citada por autores nacionais e estrangeiros.
Domingos Gonçalves é um deles. Crítico austero de várias obras sobre os índios brasileiros, o
cônsul português era simpático à obra de Magalhães por confirmar a sua crença na
capacidade de trabalho da população indígena. Já o bispo Antonio de Macedo Costa
mobilizava-se pelos referenciais que lhe permitiam ou lhe exigiam a sotaina: a formação de
bons católicos dentro dos parâmetros da reforma da Igreja ocorrida na Europa católica, que
o bispo lutou para implantar no Brasil. O bom cristão professa, nas palavras de Macedo
Costa, um “catolicismo íntimo e sério”, livre das superstições, do fanatismo e da ignorância
presentes nas práticas de devoção da tradição medieval católica. As manifestações religiosas
populares passam a ser reprimidas nas situações em que a Igreja é impedida de imprimir a
“marca” da teologia oficial, como ocorreu com a festa paraense do Círio de Nazaré em
1879, proibida de realizar-se pelo bispo Macedo Costa. Buscava-se substituir a devoção
religiosa da população luso afro-brasileira e indígena, a partir de seus referenciais culturais e
modos de vida, por uma fé moldada por outro universo cultural, que sacerdotes formados na
Europa, como Macedo Costa, tentavam implantar no Brasil. Os reformadores lutaram por
estabelecer no Império brasileiro a nova fé tridentina, com ênfase nas verdades religiosas
transmitidas no ensino da doutrina cristã e na prática sacramental.
10
O Bispo do Pará, ao assumir a diocese na cidade de Belém, em 1861, iniciou longa
trajetória rumo à união do episcopado numa ação pastoral conjunta, de forma a implantar o
novo modelo de Igreja no Brasil.
11
Os seminários foram intensamente alvejados nesse
processo, pois a reforma do clero era ponto estratégico para o sucesso do projeto. D.
9
MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1975, p.14.
10
O Concílio de Trento (1545-1563) constituiu um importante ato oficial de Contra-Reforma, estabelecendo
uma frente de luta contra a heresia, especialmente através da reforma moral e disciplinar dos eclesiásticos e
da educação das crianças e dos jovens com vista à sua formação religiosa (ADÃO, Áurea, 1997, p.14).
11
Sobre a atuação de D. Antonio Macedo Costa na reforma da Igreja no Brasil, ver os estudos de Riolando
Azzi (1992) e Karla Denise Martins (2001), sendo que esta focaliza a reforma católica, o embate com os
liberais e as concepções/idéias de D. Macedo Costa para a reforma da sociedade amazônica, com base em
artigos e notícias jornalísticas e nos seus livros, no período entre 1863 e 1878.
330
Antonio sabia que o seu rebanho era grande e bastante diversificado, mas dispunha de várias
frentes de luta: dirigiu pessoalmente a “regeneração” dos seminários da diocese e enviou
moços para estudar em seminários europeus de forma a poderem posteriormente lhe auxiliar
na formação dos seminaristas em Belém e Manaus; fundou uma biblioteca eclesiástica no
palácio episcopal franqueada ao público, para a qual ofereceu mais de 700 volumes;
defendeu seus projetos em inúmeros ofícios enviados ao Ministério do Império e em artigos
na imprensa; criou um asilo para órfãs, com cursos para alunas externas e um instituto de
ensino profissional para meninos indígenas e desvalidos; fez discursos e publicou textos na
defesa da instrução elementar e da civilização e catequese da população da região; publicou e
distribuiu pelas escolas públicas livros sobre história bíblica e civilidade cristã; nas visitas
pastorais ao interior, além de cumprir agenda dos ofícios de sacerdote, contatou grupos
indígenas na expectativa de promover o aldeamento e a catequese dos índios, mobilizando
missionários e governo, e providenciou a educação profissional de meninos em Belém; nas
viagens, conheceu manifestações religiosas de povos da região e condenou publicamente o
que considerava impostura. Ao deparar-se com situações consideradas ameaçadoras à fé
católica, tomou medidas enérgicas para debelá-las, como ocorreu em viagem ao alto Purús,
na Província do Amazonas, quando localizou uma missão protestante inglesa, que segundo
seu relato, comprara meninos índios para iniciar a ação missionária.
12
Vejamos as experiências e seus resultados.
12
Ofício de 3/12/1878 ao Ministério do Império (Arquivo Nacional, Correspondência entre a Presidência da
Província do Amazonas e o Ministério do Império 1852-1889). As iniciativas educacionais descritas
baseiam-se em artigos e notícias dos jornais A Boa Nova (da diocese), A Constituição e A Província do
Pará.
331
Colégio dos Índios de Urubá, Pernambuco
O projeto para a criação do “Collegio dos Indios de Urubá de Agricultura, e Artes
Industriaes” é de autoria de Domingos Maria Gonçalves, que veio ao Brasil por vontade
própria, impulsionado pelo “desejo meio poetico e humanitario de conhecer os povos
indigenas da America”.
13
Gonçalves dedicou-se inicialmente, não só ao estudo do tema na
literatura brasileira e estrangeira, mas ao esforço de observação e intervenção, que culminou
na publicação do trabalho Collegio dos indios de Urubá de agricultura, e artes
industriaes” (1874). Nele é apresentado um projeto de educação dos índios da aldeia de
Urubá, situada a 250 km de Recife. No entanto, a afirmação do autor de que a lei de
28/9/1871 chamou sua atenção para “a questão economica do trabalho livre”, dando mais
ânimo ao “desejo de conhecer os habitantes primitivos do Brasil”, nos permite entender que
Gonçalves estendia aos escravos a condição de primitivos, pois as duas categorias se
encontravam alijadas das luzes da instrução.
O autor se dedicará, em meados da década de 1870, à articulação de um programa
de educação dos ingênuos na cidade de Campos, enfrentando resistências de fazendeiros
locais, de instâncias do Governo Central e do Governo da Província do Rio de Janeiro. A
trajetória de mais de uma década em prol da educação das camadas alijadas da instrução
pública é contada pelo autor na Historia das minhas tentativas para o estabelecimento
d´escolas agrícolas, inserida no livro A instrucção agricola e o trabalho livre (1880).
Gonçalves acreditava na importância em dar “publicidade” aos seus projetos como meio de
angariar apoio aos mesmos, nos setores públicos e privados. O autor publicou três livros
apresentando suas propostas e as dificuldades enfrentadas, chamando ao “combate
cavalleiros e peões para que estes tomem parte na incruenta cruzada do século XIX”.
14
Muitos artigos na imprensa da Corte e da cidade de Campos retrataram as suas tentativas de
estabelecer asilos agrícolas para os ingênuos. Gonçalves chegou a ser proprietário de duas
13
GONÇALVES, Domingos Maria, 1880, p.9.
14
GONÇALVES, Domingos Maria, 1874, p.3.
332
folhas diárias - Commercio de Campos e Jornal da Provincia
15
- veículos de suas idéias a
respeito da questão do trabalho livre e da instrução agrícola.
Gonçalves, antes de chegar ao Brasil, esteve envolvido com projetos relativos à
instrução pública em Portugal, participando de associações de instrução popular e
escrevendo sobre o tema
16
. Fora Cônsul de Portugal na França aos 27 anos e ocupava esse
cargo quando solicitara para vir ao Brasil. Ao deixar Recife, em direção ao Rio de Janeiro,
obteve licença do cargo. A sua formação deu-se nas seguintes instituições: Curso Superior de
Letras, Instituto Industrial, Escola do Comércio e Liceu de Lisboa.
O autor lembra que publicou o seu plano de civilisação para os indios mansos ao
mesmo que tempo que o seu “ilustrado amigo, corajoso viajante e sabio brazileiro o Sr. Dr.
Couto de Magalhães” publicou o seu “precioso livro” O Selvagem, onde “procura chamar a
atenção publica para o seu systema de civilisação d’indios bravios”.
17
Gonçalves pretendia
dar publicidade ao seu projeto para que fosse empregado em estabelecimentos do gênero. O
plano dirigia-se aos índios da Aldeia de Urubá, situada no alto sertão pernambucano. A
Aldeia de Urubá localizava-se entre a Vila de Cimbres e a de Pesqueira, cujas terras
Gonçalves considerou abençoadas por Deus, devido ao clima e à fertilidade.
18
Habitavam-na
1.500 indivíduos de “origem india”, sendo que “poucos conservam a pureza primitiva do
sangue” devido aos “cruzamentos com o elemento negro”, mestiçagem percebida como
negativa pelo autor segundo os modelos desenvolvidos pelos teóricos raciais da época.
15
Gonçalves era co-proprietário e redator-chefe do Jornal da Provincia, que existiu pelo menos até 1886.
Esse jornal não consta do Catálogo de periódicos brasileiros microfilmados da Fundação Biblioteca
Nacional, 1994. Já o “Commercio de Campos - Diario de Interesses Economicos, Noticioso e não Politico”
consta do acervo microfilmado da Biblioteca Nacional, com números dos anos de 1877 e 1878.
16
O autor recomenda aos leitores a consulta ao seu resumo biográfico inserido no Diccionario
bibliographico dos escriptores portuguezes de Innocencio da Silva, vol IX, p.146. O lisboense Domingos
Maria Gonçalves, além de escrever em periódicos literários e participar de associações de instrução
popular, exerceu por alguns anos o cargo de “condutor de Engenharia Civil“ e desempenhou várias
comissões, como a que colheu apontamentos para a história da indústria portuguesa (1865 e 1866) e
selecionou objetos de arte antiga nos distritos do Porto e Braga para serem enviados à Exposição
Universal de Paris em 1867. Em 1870, foi nomeado Cônsul de Portugal em Nantes.
17
GONÇALVES, Domingos Maria, 1874, p.10.
18
Segundo o levantamento realizado, em 1857, pela Comissão de Demarcação das Terras Públicas da
Capitania de Pernambuco, o aldeamento de Cimbres estava localizado a 64 léguas de Recife, ocupando uma
área sem medição oficial, com cerca de três por duas léguas. Cimbres era o mais povoado dos oito
aldeamentos existentes na Província em 1857, possuindo 789 habitantes, distribuídos em 238 famílias
(ARRUTI, José Maurício Andion, 1995, p.67).
333
Autores como Kidd, Le Bon, Taine e Gobineau, calcados nas teses poligenistas da origem
diversa das raças, acreditavam que, em termos de degenerescência, pior do que as taxadas
de raças puras inferiores eram as mestiças.
19
Na segunda metade do século XIX, as teses
monogenistas e poligenistas foram alvos de debates por intelectuais europeus e brasileiros
tendo como foco a miscigenada população brasileira. Lilia Schwarcz discute a incorporação
destas teorias pela intelectualidade brasileira, alocada nos poucos centros de produção de
conhecimento do país, como os museus etnográficos, os institutos históricos e as faculdades
de medicina e direito, questionando a idéia de que houve uma importação direta das teorias,
sem adaptações e reconstrução de conceitos. As contradições estavam presentes nos autores
que adotavam as teses poligenistas, mas que tinham que lidar com a perspectiva pessimista de
um país miscigenado.
20
Gonçalves, um europeu que acompanhava estas discussões, não
escapou às contradições quando se debruçou sobre um projeto de educação de índios
mestiços. A mestiçagem era percebida como negativa pelo autor, que ao mesmo tempo,
precisava provar que essa condição racial não condenaria o seu projeto pedagógico. A saída
foi demostrar pela observação, contra as idéias pré-concebidas e equivocadas da literatura
nacional e internacional, que os índios da Aldeia eram aptos ao trabalho regular.
Desta forma, Gonçalves ressalta que o seu projeto estava baseado em “estudos e
observações”, criticando a forma como os índios vinham sendo estudados por escritores
nacionais e estrangeiros, os quais não se davam ao trabalho de observação, resultando na
divulgação de visões equivocadas sobre os índios do Brasil como “verdade axiomatica”.
21
Gonçalves analisa parte desta literatura, discordando das posições que podiam contrariar os
pressupostos do seu projeto, ou seja, a visão de que o índio resistia ao trabalho. Para ele, o
maior problema dos escritores era de método: escreviam sobre o que não observaram, e
mesmo que tivessem observado, não comparavam o que viam com a realidade dos habitantes
rurais que, em muitos aspectos, compartilhavam com os índios, condições de vida
19
SCHWARCZ, Lilia, 1995, p.177; 1996, p.172.
20
SCHWARCZ, Lilia, 1995; 1995b. Na segunda metade do século XIX, autores poligenistas, isto é, que
defendiam a origem diversificada das raças humanas, acreditavam que o mestiço herdaria somente as
características “ruins” de cada uma das raças constituintes, levando o gênero humano à degeneração
(SCHWARCZ, Lilia, 1995b).
21
GONÇALVES, Domingos Maria, 1874, p.8.
334
semelhantes.
22
Ao seu ver, “a raça branca e a preta não tinham o mesmo valor do que os
índios em relação ao trabalho, e nem tampouco, eram “tão destros, nem espirituosos quanto
os indios”. A cidadania era o grande diferencial entre os índios e os habitantes rurais, na visão
do autor:
“Os habitantes ruraes não tutelados tem a seu favor o gozarem dos foros de
cidadãos - no civel e comercial, o que é vetado aos indios: podem ser
proprietarios do terreno que cultivam; ter credito e obter capitais; têm escolas,
padres, policia, etc.”
23
A qualificação de selvagens aplicada aos índios é combatida pelo autor, sob o
argumento de que “se os índios vivem tão selvajadamente, os outros pequenos habitantes
rurais são também selvagens”.
24
Baseado no conhecimento obtido sobre a Aldeia de Urubá,
Gonçalves afirma que os índios eram superiores nos aspectos mais inesperados aos ditos
civilizados: na Aldeia que visitou, trabalhava-se muito na lavoura, com “amor e obediência”
e sem desordens. O modo de vida, calcado no duro trabalho agrícola, contrariava as teses da
resistência ao trabalho defendida por autores citados por Gonçalves.
25
“Os indios trabalham tanto ou mais do que os outros habitantes pobres d’estas
paragens. (...) Plantam milho, feijão, mandioca e algum algodão tão bem como
os outros; não há nenhum ladrão de cavalo; raramente há na aldeia um crime
de ferimentos e outros atentados contra as pessoas e a propriedade não
obstante a ausencia de autoridade de policia, sendo esta feita pelos proprios
indios; são acusados de se entregar muito ao uso da aguardente, o que não é
verdade, tendo em vista o numero de embriagados em relação á população.
26
Gonçalves conta que obteve o apoio do 1
o
Diretor Geral dos Índios da Província,
Barão de Buique, e do 2
o
Diretor parcial da Aldeia de Urubá, Tenente-Coronel Severiano
Monteiro Leite, para a criação do Colégio. O autor não justifica a criação de uma instituição
de instrução e formação profissional para uma comunidade que, segundo suas próprias
observações, funcionava de forma tão harmoniosa. Nesse ponto, ele se contradiz, na ânsia de
22
Deve ser esclarecido aqui que Gonçalves teve contato com índios aldeados pela diretoria de índios de
Pernambuco, portanto ele está se referindo a uma realidade específica dos índios nordestinos do século
XIX.
23
Ibid. p.7.
24
Idem.
25
Comte de Hure, L’Empire du Brésil”; Saint-Hilaire, Voyage au Brésil; Horace Say, Historie des
Relations Commerciales entre la France et le Brésil; J. I. de Abreu e Lima, Historia do Brazil.
335
demostrar as vantagens, econômicas e políticas, de seu projeto para a Província, ao se referir
da seguinte forma à Aldeia:
“(...) uma povoação que hoje é inutil, e amanhã talvez perigosa, será
transformada em um povoado trabalhador e policiado; terrenos que estão no
estado de manin hoss, desbravados e cultivados.
27
Uma rápida observação feita em uma publicação posterior demonstra que sua visão
sobre os índios aldeados não era das mais positivas. Comentando os dados do Censo de
1872, diz que o Brasil possuía 388.958 “indios aldeados, viciados, estragados pela falsa
educação que se lhes deu, elles que por lei não tem direitos civis nem politicos”.
28
Não
sabemos se foi uma opinião adquirida depois de anos de residência no Brasil, mas é provável
que Gonçalves pretendesse fazer um ensaio em Urubá das idéias que defendia sobre a
educação dos “habitantes primitivos” do Brasil. A intenção era propor um “novo genero de
industria e caridade”, criando-se muitos estabelecimentos sem ônus para a nação, onde os
“empresários” seriam recompensados, enriquecendo-se e enriquecendo aqueles que os
cercavam. O sistema evitaria o pobre pela instrução e amor ao trabalho.
29
A associação entre
indústria e assistência à infância não era nova na Europa pós-revolução industrial. Asilos para
órfãos e filhos de trabalhadores foram criados no início do século XIX, principalmente na
Inglaterra e na França, para atender às necessidades de braços das fábricas. Crianças, a
partir dos oito anos de idade, não só eram treinadas e domesticadas na disciplina fabril, mas a
sua força de trabalho era explorada de forma imediata.
30
Gonçalves, no afã de conquistar
parceiros, propõe uma modalidade de tutela a uma categoria considerada incapaz de gerir a
própria vida, formada por índios, escravos, ingênuos e os meninos desvalidos das cidades,
tutela a ser exercida pelo cerceamento produzido pelo trabalho compulsório e pelo viver em
espaços controlados pelos empregadores.
26
GONÇALVES, Domingos Maria, 1874, p.5.
27
Idem.
28
GONÇALVES, Domingos Maria, 1880, p.28. O autor parece compartilhar com Couto de Magalhães a
visão da degeneração do índio aldeado. “Cada tribu que aldêamos é uma tribu que degradamos” afirmava
Magalhães, em artigo à revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1873, p.511).
29
GONÇALVES, Domingos Maria, 1880, p.12.
30
ALVIM, Maria Rosilene Barbosa, 1985, p.387-400.
336
A proposta resultou no contrato assinado com a Diretoria Geral dos Índios da
Província de Pernambuco em 1874. Nele, Gonçalves se obrigava “a ensinar simultaneamente
a cem indios maiores de 10 annos a ler, escrever, contar, doutrina christã, desenho
geométrico e principios de archithetonico”.
31
Aos meninos seriam ensinados ofícios
mecânicos úteis à localidade, tais como, “ferreiro, carpina, sapateiro, alfaiate, etc, produção e
criação de gados, principios de veterinaria e agricultura pratica com principios de theorica”.
Haveria também uma escola noturna não só para os adultos índios, mas para outras pessoas
estudarem gratuitamente. Seria instalada uma “escola pratica de agricultura nos terrenos da
aldeia, onde se cultivarão pelos processos mais economicos, não só as plantas indigenas de
maior valor, mas muitas das exoticas de reconhecida vantagem para a província”.
32
A meta era tornar o Colégio auto-suficiente com outras produções, como o trigo, a
cevada, a vinha, o cacau, o tabaco, etc. O governo não teria despesa alguma, mas cederia
por vinte anos um sítio na Aldeia, à escolha do reformador. A instituição deveria contar com a
mão-de-obra indígena para o serviço de campo, calculada em 300 índios aptos para esta
atividade. Todos os agricultores iriam freqüentar, uma vez por semana, a escola prática de
agricultura e, diariamente, a escola noturna. O ensino das artes industriais seria ministrado nas
oficinas, com a introdução do “principio economico da divisão do trabalho”. Em vinte anos,
esperava ter de 500 a 600 “operarios instruidos”. Em proposta à Assembléia Provincial
pretendeu que os benefícios dessa educação fossem estendidos a vinte órfãos pobres da
comarca, sob o empréstimo por cinco anos de doze contos de réis dos cofres provinciais e a
concessão de umas ruínas da Cadeia de Cimbres, para no terreno edificar o Colégio.
Não está claro nos textos de Gonçalves se os meninos indígenas estariam, como os
órfãos, submetidos ao regime de internato; apenas é dito que a permanência no Colégio seria
de quatro anos.
33
Tampouco há qualquer referência sobre o que pensavam os índios a
respeito do plano que o cônsul e os diretores de índios pretendiam implementar em seu
“benefício”. Como seres “primitivos”, excluídos dos benefícios da cidadania, possivelmente
os índios eram vistos como incapazes de compreender o bem que as luzes da instrução e da
31
GONÇALVES, Domingos Maria, 1874, p.9. Contrato assinado em 21/3/1874.
32
Idem.
33
Ibid. p.9-12.
337
civilização poderiam trazer para suas vidas. Além do mais, o projeto envolvia não somente as
crianças, mas suas famílias, cujos homens aptos para o trabalho deveriam estar disponíveis
ao Colégio, afetando a vida de todos. Tratava-se de uma proposta bastante ambiciosa, que
abrangia a educação de crianças e adultos, dentro de uma lógica de trabalho que se impunha
no e pelo mundo ocidental. A longo prazo, a educação proporcionada pelo Colégio
acarretaria profundas mudanças no status político e na identidade étnica da Aldeia, pois ao
término da formação, os índios seriam premiados com a cidadania brasileira ao atingirem a
maioridade:
“O governo obriga-se a conceder todos os foros de cidadão brazileiro aos
alunnos que tenham completado com vantagem o quadrienio escolar, logo que
estes tenham chegado á idade de vinte e um annos.
34
Além disso, a perda da condição de índio pela incorporação legal à condição de
cidadão brasileiro aceleraria o processo de perda do direito ao uso da terra. Em 1850 houve
uma grande transformação com relação à posse da terra no território brasileiro. A lei de
1850
35
determinou que todas as terras deveriam ser adquiridas por compra e só garantiu
terras para os índios selvagens, prevendo-se a reserva de terras para o seu assentamento em
aldeamentos. Onde não mais existissem “hordas de índios selvagens”, as terras deveriam ser
vendidas. Aldeias com habitantes considerados já civilizados sofreram uma campanha
sistemática de extinção, tendo suas terras sido incorporadas aos próprios nacionais,
principalmente nas províncias mais povoadas, como as do Nordeste.
36
Estabelecido o contrato, iniciou-se a longa jornada de Gonçalves em prol da criação
de estabelecimentos de educação agrícola no país, e a complicada tramitação de seus
projetos pela burocracia dos governos provincial e Imperial. Enviado o contrato à Presidência
da Província de Pernambuco, para obtenção da aprovação do Ministro da Agricultura, nada
34
“Escriptura Publica de contrato que fazem o Exm. Barão de Buique e o Dr. Domingos Maria Gonçalves”
(12/3/1874, art. 6).
35
N. 601 de 18/09/1850, conhecida como Lei das terras.
36
MOREIRA NETO, Carlos de, 1971, p. 373. O decreto n. 1.318, de 30/11/1854, que regulamentou a Lei das
Terras, previa a garantia à propriedade da terra por índios considerados em “estado de civilização”,
disposição burlada por municípios, províncias e Império (CUNHA, 1998, 145-146). Na prática, a aquisição
da cidadania brasileira pelos índios da aldeia de Urubá aceleraria o processo de extinção do aldeamento e
da etnia.
338
foi feito, “segundo o costume”.
37
Gonçalves, munido de uma carta particular de apresentação
ao Ministro da Agricultura, Conselheiro Costa Pereira, foi à Corte tratar pessoalmente da
aprovação do contrato. Afirma ter sido bem recebido por Suas Majestades Imperiais, pelo
Ministro da Agricultura e pelo Ministro do Império Conselheiro João Alfredo. No entanto, o
Ministro da Agricultura “cobriu o contrato com um oficio”
38
, desaprovando a sua execução
por considerá-lo incompatível com alguns pontos da Constituição do Império. Gonçalves,
demonstrando irritação, questiona se o Ministro “sabe direito público brasileiro”.
39
O fato é
que daí para diante só enfrentou resistência dos poderes públicos, embora angariasse a
simpatia da imprensa carioca. Outro argumento contra a criação do estabelecimento partiu,
na visão de Gonçalves, de “ideias pequeninas e egoistas do Diretor de Agricultura de então,
hoje fallecido”, o qual aprovava o projeto, por resolver “completamente o problema de
civilisação d’indios e da colonisação nacional”, mas através de iniciativas do Estado e não de
particulares. Com isso, conclui um desolado Gonçalves, “nada foi feito pelos índios”.
40
Afora as picuinhas e os invejososinhos
41
, que poderiam ter dificultado o apoio ao
projeto, como por exemplo, o fato de um cidadão português conseguir publicidade para criar
uma instituição que deveria resultar da iniciativa do Estado, outros motivos podem ter
impedido o avanço da proposta. A educação foi uma das estratégias pensadas para a
37
GONÇALVES, Domingos Maria, 1880, p.20.
38
De 27/7/1874.
39
Idem. A Constituição do Império (1824) não menciona índios, apesar dos “Apontamentos para a
civilisação dos Indios bravos do Imperio do Brazil”, projeto de José Bonifácio, terem recebido parecer
favorável da Assembléia Constituinte do Brasil independente (Cf. CUNHA, Manuela Carneiro da, 1998, p.
138).
40
Gonçalves não desistiu do projeto, adaptando-o para o atendimento aos desvalidos e ingênuos.
Preparou um bem elaborado projeto para criação de “estabelecimentos zootécnicos” (o primeiro seria
implantado em Campos e os outros, em cinco províncias), para criação, reprodução e engorda da raça
suína, “a exemplo do que é feito em outros paises” (Hungria, Servia, Hamburgo, Portugal e principalmente
Estados Unidos), resultando em total fracasso, pois não conseguiu o apoio esperado dos setores públicos
e privados (1880, 1882). As suas tentativas de estabelecer no Município de Campos “uma escola agricola
teorica e pratica” para 200 menores (lei n. 2455 de 22/12/1879), com o mesmo plano do Colégio de Urubá na
parte que se refere ao ensino, à direção escolar e ao sistema geral de trabalho, foi infrutífera. Na década
seguinte, assentada a poeira levantada por Gonçalves, o autor da obra mais completa do século XIX sobre
ensino técnico no Brasil limita-se a informar, sem citar o nome de Gonçalves, que a escola agrícola de
Campos e as Estações Agronômicas “criadas em mais recente data” não tiveram execução por falta de
meios (SOUZA FILHO, Tarquinio, 1887, p.98). Em outro trabalho, Gonçalves se queixa dos nove anos que
aqui perdeu e anuncia a sua partida desta terra, para talvez, não mais voltar (p.VI).
41
GONÇALVES, Domingos Maria, 1880, p.47.
339
civilização dos índios e sua incorporação à sociedade nacional como trabalhadores
42
. Na
prática, pouco foi feito neste sentido, ao menos em termos da criação de internatos indígenas.
Os índios aldeados, como os dos aldeamentos da região que hoje corresponde ao Nordeste
brasileiro, sob a política de extinção e transformação das aldeias em povoados, foram
gradativamente, incorporados à população livre empobrecida, dentro da terminologia que
designava os moradores das zonas rurais (caboclos, por exemplo). No caso de
Pernambuco, o governo provincial extinguiu, nos anos de 1874 e 1875, cinco dos oito
aldeamentos existentes, por indicação da comissão criada, em 1873, para emitir parecer
sobre as aldeias que deveriam ser extintas, em cumprimento ao aviso do Ministério da
Agricultura de 27/3/1872. A aldeia de Cimbres (Urubá), considerada a única que
apresentava boas condições com relação à população e à cultura agrícola, não foi extinta
nessa leva. O governo determinou que parte das terras das aldeias extintas fosse repartida em
lotes para as famílias dos índios “que se mostrarem amigas do trabalho e capazes de
actividade agricola, vendendo-se em hasta publica o restante de taes terrenos”.
43
Dois anos
depois, é relatado que os próprios índios vinham abandonando as aldeias restantes, migrando
em sua maior parte, para a Província da Bahia.
44
Não é apresentada qualquer explicação
para este fato, mas a violência empregada na expropriação de suas terras, a política
governamental de extinção das aldeias e quem sabe, a seca que assolava o norte no período,
são hipóteses plausíveis para a compreensão do fenômeno.
O governo sustentava a opinião de que a Província não necessitava mais do “serviço
de catechese e civilisação dos indios”, alegando que a população que habitava as aldeias
achava-se “em condições de dispensar a vida dos aldeamentos e ser sujeita ao regime
commum”.
45
42
Um decreto regencial de 6/7/1832 criou na Província de Minas Gerais um “colégio de educação
destinado à instrução da mocidade indiana de um e outro sexo”, para o aprendizado dos dogmas da religião
cristã, princípios da educação civil e moral, primeiras letras, ofícios mecânicos, princípios de aritmética e
gramática brasileira. A lei n. 60 de 7/3/1837 revogou o decreto de sua criação, sem jamais ter sido fundado
(FONSECA, Celso Sukow de, 1986, v.5, p.276-277).
43
RPPE, 1/3/1875, p.147.
44
RPPE, 2/3/1877, p.79.
45
Idem.
340
O Diretor Geral dos Índios, Barão de Buique, que assinou contrato com Gonçalves
para a criação do Colégio de Urubá, aprovava a redução do número de aldeamentos para
um ou dois, segundo a fala do Presidente da Província de 1/3/1873. O engenheiro
encarregado da medição das terras públicas da Província aprovava tal medida, “pela maneira
por que estão seus habitantes confundidos com a população, e assim esquecidos seus usos
primitivos”. Além dos motivos relacionados à raça e à cultura, o engenheiro apontou ao
governo a questão dos conflitos de terras, que acabava levando os índios a serem espoliados
pelos especuladores que os perseguiam. Ao índio deveria ser privada a “faculdade de
alienar” a terra, por precaução contra a ambição dos especuladores e como meio de
“prende-lo ao solo”.
46
Não se vislumbrava o porque de investir especialmente na educação de uma
população já incorporada aos hábitos de vida da população brasileira. Para os seus filhos,
havia umas poucas escolas públicas e esparsas experiências de colônias agrícolas as quais,
acabavam por receber, em maior número, os indesejados das cidades. Restava, portanto,
voltar-se para a educação das crianças das “hordas selvagens”, buscando a conquista de
novos territórios e colonos para a nação. Foi a este propósito que Couto de Magalhães
concentrou seus esforços na criação de um internato indígena em meio às tribos do Araguaia,
na Província de Goiás.
Colégio Isabel, Goiás
O idealizador e fundador do Colégio Isabel, Brigadeiro José Vieira Couto de
Magalhães, acreditava na possibilidade de transformar os índios em elementos úteis, seguindo
“as leis da perfectibilidade humana”.
47
Assim, o objetivo educacional consistia em suplantar a
46
RPPE, 1/3/1875, p. 146-147. O levantamento realizado em 1857 junto aos oito aldeamentos de Pernambuco
cita ocorrências de expropriações de terras, por meios violentos ou legais. Até o final da década de 1870,
fecha-se o “círculo do processo de conquista”, com a extinção dos aldeamentos. O século seguinte
assistirá à emergência étnica de vários grupos indígenas remanescentes do Nordeste (ARRUTI, José
Maurício Andioni, 1995).
47
A noção de perfectibilidade foi desenvolvida por Rousseau em 1775, que a identifica como uma
qualidade exclusivamente humana, e definida como a “capacidade que os homens têm de se transformar
em um duplo da natureza, ou seja, de se sobreporem à natureza” (SCHWARCZ , Lilia, 1996, p.161).
341
condição de selvagens, de modo que permanecessem indígenas somente pela língua e
sangue, mas que sejam brasileiros e christãos, pelas idéias, sentimentos e educação”.
48
O
projeto do então encarregado do Serviço de Catequese do Vale do Araguaia visava
transformar o Brasil em nação homogênea pela superação dos obstáculos à ocupação do
território pelas “populações cristãs e civilisadas”.
49
Um milhão de “selvagens aguerridos e
tenazes” consistia no principal empecilho a ser removido, mas não pelo extermínio. Ao
contrário, o etnografista percebia nesta população fator de enriquecimento para o país,
propondo o emprego de uma pedagogia com pontos de aproximação à jesuítica.
Aprendendo-se as línguas dos povos e preparando-se intérpretes de forma a estabelecer a
comunicação entre civilizados e selvagens, estes últimos acabariam aprendendo a língua
nacional e se incorporando à “nossa sociedade”. Ele cita experiências colonizadoras de países
europeus junto a povos bárbaros buscando demonstrar que os civilizados não tinham senão
duas opções:
“Ou exterminar o selvagem, ou ensinar-lhe a nossa língua por intermédio
indispensável da sua, feito o que, ele está incorporado à nossa sociedade,
embora só mais tarde se civilize.
50
Na memória Região e raças selvagens, Couto de Magalhães defendeu a tese de que
era economicamente mais proveitoso deixar os índios selvagens com seu “modo de vida”, do
que tentar aldeá-los e forçá-los a um sedentarismo contrário aos seus costumes. A
transformação viria de uma geração para outra, através da educação de seus filhos, ensinado-
os a ler e a escrever e mantendo o conhecimento de suas línguas, pois eles constituiriam o elo
de aproximação entre as duas “raças”.
51
Com este plano, Magalhães esperava poder utilizar
numerosos índios da região do Araguaia, em menos de quinze anos, pela educação de
48
MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1873, p.463.
49
MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1975 [1876], p.22.
As idéias de Couto de Magalhães a respeito do aproveitamento do elemento indígena para o povoamento
do Brasil encontram-se na memória lida, em 1874, no Instituto histórico e Geográfico Brasileiro, Região e
raças selvagens e no livro, O selvagem, publicado em 1876. O Selvagem é composto por um curso da
língua da tupi e da descrição das origens, costumes e religião dos selvagens, por solicitação de D.Pedro II,
obra exposta na biblioteca americana da Exposição Universal da Filadélfia em 1876. No livro, reproduziu-se
a memória acima citada, cuja edição do IHGB esgotara-se em três meses (Cf. O selvagem, prefácios de
Vivaldi Moreira e de Couto de Magalhães).
50
MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1975, p.27.
51
MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1873, p.511-514.
342
meninos e meninas no internato por ele projetado e instalado às margens do rio Araguaia, na
Província de Goiás. O conhecido estudioso dos índios buscou instalar um laboratório entre os
selvagens do Araguaia para experimentação de suas teorias a respeito da catequese e da
civilização dos índios. A intenção era estender a experiência a outras províncias que tinham
partes de seus territórios comprometidas com a presença de grupos indígenas não aldeados,
como o Pará e o Amazonas. Couto de Magalhães conhecia bem as regiões onde ainda
existiam índios selvagens, pois já ocupara as presidências das Províncias de Goiás (1862-
1864), Pará (1864-1866) e Mato Grosso (1866-1868). Magalhães nasceu em Minas Gerais
e no ano de 1859, bacharelou-se em direito na Faculdade de São Paulo. No ano seguinte,
ingressou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
52
O título de Brigadeiro Honorário do
Exército lhe foi concedido em homenagem ao seu desempenho como Presidente do Mato
Grosso, na ocasião da Guerra do Paraguai, quando impediu que da Bolívia viessem reforços
para o Paraguai e participou da reconquista de Corumbá.
53
David Caume relata que a criação do Colégio fora sugerida ao Ministério da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, por Couto de Magalhães. Em setembro de 1870, o
Presidente da Província de Goiás recebeu a comunicação da aprovação ministerial. O
internato indígena interessava à Província, que vinha substituindo os métodos violentos de
captura e extermínio de índios pelo emprego da catequese e das estratégias educativas. O
Brigadeiro José Vieira Couto de Magalhães ficou incumbido de “lançar as bases do novo
estabelecimento”, ocupando o cargo de diretor do Colégio até 1877, quando renunciou à
direção do Serviço de Catequese.
54
Segundo David Caume, o Colégio constituiu uma das
estratégias de Magalhães para tornar a navegação no Araguaia no grande canal de
escoamento da produção agropecuária da Província, que vinha, durante o século XIX,
passando por grandes mudanças econômicas, transferindo o ápice de suas atividades da
mineração para a agropecuária.
55
A agricultura requeria braços domesticados e baratos, a
pecuária exigia grandes extensões de terra e o escoamento da produção pedia território
52
MACHADO, Maria Helena P. T., 1998.
53
Resumos biográficos dos sites: http://www.calendario.cnt.br/COUTOMAGALHAES.htm e http://www.e-
biografias.net/biografias/couto_magalhaes.php.
54
CAUME, David, 1997, p.106 e 118.
55
Ibid. p.104-106.
343
seguro e mão-de-obra para os barcos. Incorporar os silvícolas à civilização, transformando-
os em agentes do processo civilizador resolveria também o difícil obstáculo da resistência
indígena à ocupação do seu território, historicamente vencida através da dominação pela
violência. Visava-se à “conquista pacífica”, palavras de um militar que buscava ampliar
fronteiras pela educação.
56
Sem demora, o Serviço de Catequese instalou o Colégio Isabel na localidade de
Leopoldina, norte de Goiás. Como ocorreu a outras instituições criadas em diversas
províncias, aproveitou-se instalação existente para abrigar o Colégio, provisoriamente
estabelecido numa casa do Presídio Leopoldina e, pelo o que consta, aí permaneceu até a sua
extinção em 1888. O estabelecimento recolhia meninos e meninas indígenas da região do rio
Araguaia. No ano de 1872, o Presidente da Província encontrou 21 indígenas na instituição
das “diversas tribus carajás, caiapós, gorotirés e quarajás”, embora o número de vagas
disponíveis fosse 50.
57
Contudo, Couto de Magalhães afirma no artigo ao IHGB de 1873,
que o Colégio tinha 52 alunos, representantes de “todas as tribus do Araguaya (...) algumas
inteiramente barbaras”.
58
Nas páginas traçadas na 2ª edição do livro de Magalhães, Viagem
ao Araguaia, pelo “prezado amigo” Dr. Afonso Celso, a instalação do Colégio e da
navegação a vapor no rio Araguaia é brevemente descrita.
59
Nesta versão, a instituição recém
criada recebeu 20 meninos de ambos os sexos, das tribos dos Chavantes, Gorotirés,
Caiapós, Carajás, Tapirapés, e três da extinta tribo dos Guajajaras. Os pais teriam
entregado as crianças sem dificuldades, sob a intermediação do intérprete, cadete Pedro, filho
do capitão Manaô que vinha a ser o chefe da maior aldeia de Caiapós, possuidora de 3.000
arcos. A cessão das crianças é interpretada por Celso Afonso como resultado da confiança
por parte dos pais de que os filhos seriam bem tratados pelos professores e de que se
56
MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1975, p.27.
57
CAUME, David, 1997, p.110.
58
MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1873, p.463.
59
Páginas que o seu prezado amigo e notável escritor, Dr. Afonso Celso traçou em dez 1898, na Revista
do Arquivo Público Mineiro, de Afonso Celso. In: MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1957. O cons.
Affonso Celso de Assis Figueiredo defendeu as ações de Couto de Magalhães desenvolvidas no
Araguaia, junto à Câmara de Deputados da Corte no ano de 1877, por ocasião da aprovação do orçamento
do Ministério da Agricultura (Debate publicado n”A Província do Pará, 21, 27 e 28/7/1877). Durante toda
sua vida pública, Couto de Magalhães contou com a proteção de Afonso Celso, cujos postos na Corte
foram: deputado e senador por Minas Gerais, Ministro da Marinha e da Fazenda, membro do Conselho de
Estado e Presidente do último Conselho de Ministros do Império (Site da Academia Brasileira de Letras).
344
tornariam mais úteis às suas aldeias. Todavia, Caume afirma que os pais opunham grande
relutância em liberar as crianças menores para estudar no estabelecimento, cujo regime era o
do internato.
Dentre as estratégias aliciadoras dos alunos, empregava-se a distribuição de brindes
aos índios, principalmente aos pais, de forma a cederem crianças para estudar no Colégio.
Um ofício indica que a compra de crianças para o Colégio constituiu uma estratégia de
recrutamento.
60
Recorreu-se também ao uso da força, pelo que relata Ehreinreich, em viagem
pelo Araguaia em 1888. O autor afirma que os índios afastavam todas as crianças sempre que
um navio se aproximava, temendo que fossem levadas ao Colégio. Neste último ano de
existência da instituição, com certeza a sua má fama, resultado de abusos e violência contra os
alunos e as alunas, já era de conhecimento da população da região.
61
Nas Instrucções para a
Organização, Direcção e Regimen do Collegio Izabel no Valle do Araguaya estava
previsto o recrutamento de alunos indígenas adultos que mostrassem aptidão para aprender.
62
Apesar da relutância do Governo Provincial em aceitar tais alunos, por dificilmente se
adaptarem aos “nossos costumes”, Caume constata em sua pesquisa que a presença de
índios adultos no Colégio foi constante, muitos deles empregados nos trabalhos das oficinas e
da fazenda.
63
No Colégio, os alunos recebiam instrução elementar, religiosa e profissional, sendo
esta última determinada pelo gênero. Às meninas cabia o aprendizado das tarefas previstas ao
seu sexo na época: trabalhos de agulha e tear e as que se casassem, receberiam um dote em
“numero de novilhas garrote e egua” e mais enxoval, medidas determinadas por portaria de
Couto de Magalhães. Os meninos aprendiam música, ofícios mecânicos e agricultura limitada
ao amanho das terras, ao uso dos instrumentos e à cultura das plantas habituais aos indígenas.
Eram treinados como intérpretes e para a atividade de navegação, esta visando a formação da
tripulação dos barcos do Araguaia. Em 1876, agregou-se ao Colégio a Fazenda do
Dumbasinho, voltada para o ensino prático de criação de gado aos alunos.
60
Do Serviço de Catequese ao Presidente Provincial em 7/5/1883, citado por CAUME, David, op. cit., p.109.
61
CAUME, David, 1997, p.109.
62
Documento de 21/9/1870.
345
63
CAUME, David, 1997, p.110.
346
Nesta época, a instituição tendeu a favorecer o ensino da agropecuária,
correspondendo aos interesses dos proprietários da região em recrutar índios para as suas
fazendas. O Colégio enfrentou grande dificuldade em contratar professores, inclusive para o
ensino técnico necessário à navegação, sendo um dos motivos que o levou a abandonar este
objetivo pedagógico.
De qualquer forma, a instituição foi fornecedora de mão-de-obra para a Empresa de
Navegação, que esteve sob a direção de Couto de Magalhães durante o período em que
dirigiu o Serviço de Catequese (até 1877).
64
Os objetivos dos Serviços de Catequese e de
Navegação se fundiam, quando índios “catequizados”, das aldeias e do Colégio,
transformaram-se em mão-de-obra a serviço da Empresa. Os índios eram aliciados através
de brindes, tais como, calças, camisas, chapéus, machados, foices, facas, canivetes, tesouras,
anzóis, linhas de pescar, espelhos, fumo, cachimbos, miçangas, etc., escolhidos à vontade do
capitão.
65
Os “mágicos efeitos” da catequese promovida pelo governo na região, através das
empresas dirigidas por Couto de Magalhães, encantou a Afonso Celso. No entanto, são os
resultados concretos da intervenção oficial que o autor destaca:
Mais belo era de ver que descrever os mágicos efeitos de uma bem
compreendida catequese, tendo por base o intérprete; como tribos antes
nômades e guerreiras, se tornaram em pouco tempo fornecedoras de
combustível para os vapores, na lenha, em achas, muito bem empilhadas nas
praias ou nas barreiras, em pontos de fácil embarque, ao pé sempre da aldeia,
entretendo assim relações comerciais e amistosas com os turys (cristãos).
66
No discurso pronunciado na Câmara de Deputados da Corte, em 1877, o
conselheiro Afonso Celso fez uma defesa enfática das idéias e das ações do diretor do
serviço da navegação e catechese do Araguaya”, citando estatísticas coligidas pelo próprio.
Os números mostravam o avanço do trabalho catequético e o crescimento da migração de
nacionais para a região. A dupla conquista, isto é, de braços para o trabalho e de terras para
as fazendas de gado, foi estrategicamente noticiada na sessão em que se discutia a concessão
de verbas para navegação.
64
Ibid. 111-113.
65
Descrição de Afonso Celso, inserida em: MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1957, p.XXX.I.
66
Op. cit, p.XXX.
347
Com efeito, das indicaçôes estatisticas (...) deduz-se que o numero de selvagens
conquistados pela religião á sociedade civil excede já de 4.000, sendo 3.170
individuos a população civilisada que alli se tem fixado, fundando ás margens
do rio, na extensão de 1.320 kilometros, 92 fazendas de creação, nas quaes se
contão 1.347 cabeças de gado cavallar e muar.
67
Os “desertos do Araguaya”, outrora palco de conflitos e inacessíveis aos
‘civilizados”, vinham sendo povoados por nacionais. O discurso de Afonso Celso visava à
defesa da manutenção do subsídio governamental à navegação no Araguaia, sob o forte
argumento de que, sem a civilização e a vida trazidas pelo vapor, “uma população laboriosa
voltará ao dominio da fera e do selvagem”. O conselheiro recomendou ao governo a
expansão da “conquista pacífica” experimentada na região, a começar pela criação de quatro
ou cinco colégios, nos moldes do Isabel, para a educação das crianças indígenas, próximos às
tribos mais numerosas. As medidas garantiriam maior segurança, e por conseguinte, o
desenvolvimento das povoações do interior e das comunicações internas das bacias do Prata
e do Amazonas.
68
No início da década de 1880, portanto dez anos após a criação da instituição,
percebe-se um abalo na crença de que a criança indígena educada sob os hábitos civilizados
obteria sucesso em introduzir novos costumes entre os seus ou servir de elo de comunicação
entre os índios e os ditos civilizados. O Presidente de Província de Goiás, em 1881,
acreditava que as crianças “nacionais” cumpririam com mais eficiência o papel de intérpretes
do que as crianças indígenas, por considerar a criança não indígena “superior pela raça, pelos
habitos, pelos sentimentos (...) A sua ascendencia sobre os bisonhos educandos indigenas é
indisputável”.
69
Com a saída de Couto de Magalhães, em 1877, consta que o Colégio entrou em
processo de decadência. Em 1887, o diretor comunicou ao Bispo de Goiás os fatos
67
A Província do Pará, 21/7/1877 (O Parlamento Nacional. Camara dos deputados. Navegação do
Tocantins e Araguaya - companhia de navegação a vapor do Amazonas ltda. Trechos de um discurso do
sr. cons. Affonso Celso).
68
A Província do Pará, 21/7 e 27/7/1877 (Idem). À época do discurso de A.Celso, Couto de Magalhães já
havia pedido exoneração da direção do Serviço de Navegação, cedendo ao governo os vapores e as
oficinas, mediante contrato por 30 anos.
69
RPGO, 1881, citado por CAUME, David, op. cit., p.115.
348
desagradáveis ocorridos na instituição: fuga de alunos, casos de estupro praticado por
funcionários (professores inclusive) e outras irregularidades.
70
Ehreinreich, na viagem ao
Araguaia em 1888, constatara o estado de negligência do “instituto” - o diretor tratava os
índios como escravos, mandando-os trabalhar para ele.
Os abusos cometidos contra os internos não foram os únicos motivos para o fracasso
da experiência. A pedagogia ensaiada na instituição mostrou-se inadequada em seus
fundamentos: as crianças, em parte, não se mostraram facilmente educáveis no sentido de
abandonarem seus “hábitos e costumes”, resistindo de forma passiva ou ostensivamente às
imposições das normas da instituição e do ensino ministrado. Os registros de baixo índice de
aproveitamento nos estudos, fugas, desobediência, agressividade e desordem demonstram
que, pelo menos parte dos alunos, não estava disposta a aceitar passivamente “novas noções
de tempo, de trabalho contínuo, de hierarquia e de submissão”.
71
Por outro lado, pode-se
pressupor que a prática pedagógica da instituição tenha provocado efeitos inesperados e
indesejáveis, como a rejeição do aluno à convivência com o seu grupo de origem ao término
da formação, caindo por terra a finalidade principal do projeto de Couto de Magalhães, ou
seja, a criação de intérpretes que funcionassem como elos entre as tribos e a civilização.
Uma observação de Berthet durante a visita ao Colégio, em 1883, fornece indícios de
que a educação lá oferecida aos meninos e meninas indígenas pode ter resultado em efeitos
contrários ao desejado pelos planejadores. O autor observou que os meninos tornavam-se
apáticos com a vida sedentária, “sem aplicação ao estudo e ao trabalho” e ainda por cima,
contraindo “hábitos viciosos”, por vezes introduzidos por aqueles que deveriam estar
vigiando-os. Já as meninas relutavam ao projeto institucional do casamento com índios,
“menos ainda de se reunirem as suas tribos, quase todas desejando casar-se com cristãos”.
72
É importante lembrar que neste período restavam não mais do que quinze alunos e que
provavelmente os que resistiam à vida no internato já teriam fugido para reunir-se aos seus. O
plano de Couto de Magalhães, que previa o aperfeiçoamento e a reprodução da “idéia do
70
CAUME, David, 1997, p.120.
71
Ibid. p.117.
72
BERTHET, Michel. Uma viagem de missão. Memórias Goianas I. Goiânia: UCG, CCG, Editora Centauro,
1982, citado por CAUME, David, 1997, p.119.
349
Collegio Isabel” nas províncias onde se encontrava o elemento selvagem, como Pará,
Amazonas e Mato Grosso, não foi reproduzido, ao menos, pela iniciativa governamental.
É interessante observar que a atuação de Couto de Magalhães junto aos índios estava
inserida na rubrica da catequese, a despeito da ausência de referências religiosas às atividades
empreendidas, com exceção da confirmação, imprescindível na época, da transformação dos
índios em cristãos, através da inclusão da instrução religiosa no programa educacional do
Colégio Isabel. Na catequese de cunho temporal, promovida por Couto de Magalhães,
enquanto esteve à frente do Serviço, os professores escolhidos para ensinar no Colégio foram
um militar e sua esposa: capitão Felicíssimo do Espírito Santo e D. Emerenciana Vicência de
Azevedo. A disposição anticlerical de Magalhães é realçada no resumo biográfico sobre o
bispo Antonio de Macedo Costa, inserido na obra Vultos Notáveis do Pará. Ricardo
Borges descreve as perseguições engendradas por Couto de Magalhães contra o bispo, no
período em que ocupou a Presidência do Pará (1864-1865), quando o acusou de manter no
Seminário de Belém um “viveiro de jesuitismo maléfico” e demitiu os párocos tidos por
“recalcitrantes em devassidão”, entre outras medidas antipáticas à diocese. Na querela,
venceu o bispo, cuja carta de reclamação ao Imperador teria resultado na demissão do
presidente.
73
As representações de Couto de Magalhães sobre a catequese, depreendidas das
ações que promoveu junto aos índios do Araguaia, não eram estranhas ao século XIX. A
catequese empreendida pelos próprios missionários valorizava mais as atividades seculares do
que propriamente as religiosas, como por exemplo, a conversão do gentio ao cristianismo. O
ensino da língua portuguesa e das primeiras letras e a indução ao trabalho agrícola e nas
oficinas faziam parte da tarefa de catequese e civilização dos índios. A pesquisa de Marta
Amoroso sobre o aldeamento indígena São Pedro de Alcântara, no Paraná da segunda
metade do século XIX, confirma a hipótese de que o conceito de catequese extrapolava a
instrução religiosa, adquirindo uma significação vinculada à imposição da ordem pública e ao
desenvolvimento do medo e respeito às autoridades. A catequese no sentido da educação
350
secular chegaria indiretamente aos índios pela “pedagogia da imitação e do exemplo
edificante” (palavras do Frei Capuchinho responsável pela missão). A catequese como
instrução religiosa que promoveria a conversão do índio ao catolicismo não ocorreu,
tampouco se pretendia ensinar “verdades abstratas” ao índio, considerado inferior
intelectualmente, um espécime natural, a ser cultivado para a vida em sociedade.
74
Um estudioso dos índios no Amazonas, o diretor do museu botânico de Manaus,
João Barbosa Rodrigues, foi outra autoridade que se apropriou dos métodos catequéticos
para fins temporais.
75
Barbosa Rodrigues, na expedição de pacificação dos índios do rio
Jauapery, no Amazonas, resgatou experiências da pedagogia jesuítica. Contudo, o pacificador
não insistiu na reprodução das malogradas tentativas de conversão do gentio, feitas pelo
governo, e sim na sua preservação física para aproveitamento em prol do crescimento
econômico da Província, ou melhor, a favor da liberação de seu território para as atividades
extrativistas e comerciais, numa época em que a exploração da goma elástica expandia-se
para o interior do Amazonas. Os embaraços ao aproveitamento das riquezas naturais da área
do rio Jauapery, controlada que era pelos selvagens, senhores da região, vinham sendo
combatidos na imprensa amazonense.
76
Todavia, o contato amistoso com os índios era uma
premissa básica do pacificador, a ser efetivada pela substituição da pólvora pelos brindes.
Assim como Rondon aprimorará nos primórdios do século XX o princípio da não agressão -
“morrer se preciso for, matar nunca”
77
- Rodrigues não recorreu às armas na aproximação
aos desconfiados Crichanás, segundo o detalhado relato que fez das três expedições oficiais
ao rio Jauapery no ano de 1884, como diretor do Museu Botânico, pagas pelo Governo da
73
BORGES, Ricardo, 1986, p.141.
74
AMOROSO, Marta, 1998.
75
Rodrigues denominou suas atividades de pacificador no Amazonas de “catequese”, ao afirmar no livro A
pacificação dos Chrichanás, que sem algumas garantias” a serem tomadas pela Presidência do
Amazonas, não continuaria na “catequese”, pois, tinha “família numerosa que não quer deixar
desamparada por causa de meia duzia de individuos que não trepidam sacrificar a vida do proximo” (1885,
p. 271).
76
A Palestra: gazeta imparcial e humoristica, Manáos, 30/4/1882.
77
Antônio Carlos de Souza Lima (1995) mostra que no período do funcionamento do Serviço de Proteção
aos Índios, criado em 1910, as pacificações de índios assumem uma dimensão espetacular em termos
político-administrativos, construindo-se a imagem de que o Estado garantira a sobrevivência física dos
povos pacificados, representação desmentida pela análise da documentação. Muitos povos pacificados e
conquistados pelo SPI, reconhecidos hoje como indígenas, na verdade já mantiveram relacionamento com
351
Província. No primeiro encontro com os índios, por ele denominados de Crichanás, relata
que:
"Recommendei prudencia a todos. Disse ao official que não consentisse que se
disparasse uma só arma, salvo quando eu o ordenasse."
78
Tal como o plano de Barbosa Rodrigues de aldear os índios pacificados não teve
seguimento, o modelo do colégio indígena de Couto de Magalhães não ultrapassou as
fronteiras de Goiás. O Bispo do Pará, na mesma época em que o Colégio Isabel naufragava,
idealizou um Instituto para educação agrícola e artística dos filhos do Amazonas e do Pará. O
programa educacional não se espelhou na experiência de Goiás, pois nunca se pretendeu
formar intérpretes e nem preservar as línguas nativas. O bispo buscava a transformação dos
meninos em trabalhadores cristãos. Assim, em 1883, era a vez do Pará iniciar mais um ensaio
rumo à transformação cultural de habitantes das “selvas”.
Instituto “Providência”, Pará
Não muito longe de Belém, em área de matas virgens, o bispo D. Antonio de Macedo
Costa fundou, em 1883, um “Instituto” para meninos indígenas das “malocas” e para órfãos e
desvalidos do Pará e do Amazonas. Entretanto, não há nenhum indício de que a experiência
tenha se inspirado no ensaio iniciado por Couto de Magalhães. Embora ambas as instituições
tivessem por finalidade imediata o preparo de trabalhadores agrícolas e mecânicos, a de
Goiás movia-se por uma perspectiva colonizadora e a do Pará, evangelizadora. Contudo, o
programa educacional implementado pelo bispo se assemelhava ao programa “catequético”
do Colégio Isabel, composto pela instrução religiosa, elementar e profissional. De acordo com
a administração portuguesa e/ou brasileira e também com outras “unidades sociais” antes do contato com
os “pacificadores” do Serviço (p. 166).
78
RODRIGUES, João Barbosa, 1885, p.45. Os então chamados índios Crichanás correspondem à etnia
Waimiri-Atroari, localizada no Amazonas e Roraima, sendo sua população estimada em 611 indivíduos
pelo Censo de 1994 (SILVA, Aracy Lopes, GRUPIONI, Luís Donisete (org.), 1995, p.43).
352
Riolando Azzi e Antonio Lustosa, D.Antonio desejava levar os salesianos ao Pará, para
auxiliá-lo a erguer a obra, mas não obteve sucesso no intento.
79
Como Macedo Costa aparentemente não deixou escritos sobre a educação dos
meninos no Instituto, depreendemos os seus pressupostos a partir de textos e discursos que
publicou sobre religião, civilização e educação, dos registros de contemporâneos seus e de
análises sobre o seu envolvimento no processo da reforma católica no Brasil. Percorrendo a
trajetória da criação dos projetos educacionais desenvolvidos por D.Antonio para aplicação
aos mais diversos grupos sociais da Amazônia, chegamos ao objeto principal deste
subcapítulo, isto é, o Instituto de ensino agrícola e de ofícios, “Providência”.
80
Os periódicos
das duas províncias foram perscrutados na busca de informações e debates sobre a
instituição. As coleções eclesiásticas do Arquivo Público do Pará, Arquivo da Cúria de
Belém, Arquivo Nacional e Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro raramente
tratam da instituição. A correspondência entre a direção do estabelecimento e a Diocese do
Pará provavelmente não foi preservada. Restaram alguns ofícios trocados entre o Governo da
Diocese e o Governo da Província, tratando de questões que pertenciam ao escopo do
controle estatal, como a aquisição das terras do Instituto.
Karla Denise Martins
81
ao analisar a atuação de D. Macedo Costa no período de
1863 a 1878 afirma que, entre os projetos por ele concebidos para o desenvolvimento da
Província do Pará, os voltados para a educação dos povos eram os mais debatidos em seus
artigos e ofícios do período. A instrução intelectual e religiosa era o caminho recomendado
pelo bispo para a superação da ignorância, miséria e barbárie dos povos da região. O estado
de civilização seria alcançado pela integração à sociedade cristã das populações que viviam
nas matas. A noção de civilização tinha um matiz próprio no projeto educacional defendido
79
AZZI, Riolando, 1982; LUSTOSA, Antonio de Almeida, 1939. As primeiras casas salesianas instaladas
no Brasil foram a de Niterói (1883) e a de São Paulo (1885). A base do trabalho estava na educação
profissional de jovens desvalidos e órfãos, recolhidos aos asilos. No período republicano, os salesianos
se instalaram em outros estados, fundando, além das escolas urbanas, internatos indígenas junto a aldeias
do Amazonas e do Mato Grosso.
80
Vulgarmente chamado o “Providência”, segundo o Arcebispo do Pará, D. Antonio de Almeida Lustosa
(1939), em sua biografia sobre o bispo Macedo Costa (p.494). Bezerra Neto (1991/1992, p.13), refere-se ao
estabelecimento como Escola de Agricultura, Artes e Ofícios “Providência” (p.13). Adotaremos a
denominação Instituto “Providência”, utilizada por Pires de Almeida, (1989 [1889], p.270).
81
MARTINS, Karla, 2001, p.121-123.
353
por ele. Através do catolicismo, nos moldes romanos, os povos seriam transformados e
adaptados à sociedade moderna, superando a selvageria, compreendida não só pelos
costumes não condizentes aos padrões de civilidade da época, mas fundamentalmente pelo
desconhecimento dos dogmas e dos fundamentos clericais por parte da população amazônica.
Nas visitas pastorais buscava-se levar os sacramentos aos lugares mais distantes e o controle
das atividades dos padres nos locais onde existiam igrejas. Policiar os povos selvagens por
meio da Religião”
82
e os credos estranhos à religião católica eram cuidados atribuídos ao clero
e algumas vezes foram missões exercidas nas visitas pastorais. Nos escritos do Bispo do
Pará, instrução, educação, ciência e religião aparecem irremediavelmente entrelaçadas, de
forma que a luz só poderia ser espalhada “pela união da instrucção com a educação, pela
união da educação com a Religião, que é o aroma que embalsama a sciencia”.
83
No ano seguinte à sua nomeação como Bispo do Pará, D. Antonio fez sua primeira
visita pastoral ao Amazonas (1862), parte integrante de sua jurisdição. Dois anos depois,
viajou pelo rio Solimões até Tabatinga. As suas viagens pastorais, associadas a uma formação
religiosa extremamente conservadora
84
, foram fonte de inspiração para a elaboração de
projetos de catequese e educação do que ele chamava de “homem amazônico”, incluindo
nesta categoria a “raça indígena modificada” que compunha o “fundo da população do
Amazonas”. Entendia D.Antonio (e os homens ilustrados da época não discordavam) que
esta população era afeita ao nomadismo e aos vícios, um tipo de vida que contagiava o
europeu que se embrenhava nas matas para comercializar, denominado na região de
regatão”. Por sua vez, o contato com os chamados civilizados, na perspectiva de seu
diagnóstico da população amazônica, contaminava a “gente operária” com o “virus de uma
corrupção que ella felizmente ignorava”.
85
82
Cathequese. A Estrella do Norte, Belém, 31/5/1863, citado por MARTINS, 2001, p.123.
83
Discurso pronunciado pelo Excellentissimo Senhor D. Antonio de Macedo Costa, Bispo do Pará, na
solenne Inaurguração da Bibliotheca Publica fundada na mesma Provincia no dia 25 de março de
1871, p.16.
84
D. Macedo Costa iniciou seus estudos no Seminário de Salvador, concluídos no Seminário de São
Suplício, em Paris, quando foi tonsurado, em 1855. Quatro anos depois se formou em Direito Canônico no
Liceu Pontifício de São Apolinário, em Roma (BITTENCOURT, Agnello, 1969, 140; BORGES, Ricardo, 1986,
p.140).
85
COSTA, Antonio Macedo de, 1884, p.9. D. Antonio referia-se à população dedicada às atividades
extrativistas, especialmente, os seringueiros.
354
Os projetos pedagógicos do bispo baseavam-se nos fatores que os homens
ilustrados do século XIX elegeram como determinantes para se alcançar a civilização. Estes
“elementos essenciais” assim foram descritos por Macedo Costa na conferência realizada no
paço da Assembléia Provincial do Amazonas, em 1883:
“Senhores, não póde a civilisação existir e desenvolver-se sem certo
adminiculos que são, por assim dizer, os seus factores. Apego ao solo e á
propriedade, lavoura sedentária, uma boa organização da família e do trabalho,
um lar com suas tradições venerandas transmittindo-se de pais a filhos, boa
administração da justiça, a religião com as sublimes emoções de suas festas (...),
a escola onde irradiou-se na nossa intelligencia a alvorada rumorosa das
lettras, eis ahi outros tantos elementos essenciaes, cuja açcão combinada dá,
como resultante, a civilisação de um povo.
86
D. Antonio dedicou-se especialmente à educação dos meninos, do interior e da
capital. Por ocasião de uma visita pastoral, trouxe consigo um rapaz desvalido do interior e
promoveu a sua instrução nas letras e nos ofícios. O sacerdote preocupava-se com a
educação recebida pelos filhos dos trabalhadores dos seringais, caso os acostumassem desde
pequenos à embriaguez e às danças lascivas.
87
Na capital, D. Antonio administrava instrução
religiosa aos paroquianos. Em certa ocasião, na catedral de Belém, o catequista advertiu os
pais de família o que lhes podia parecer de grande repúdio: o perigo de seus filhos tornarem-
se uns “barbarosinhos peiores talvez que os barbaros da selvageria”, caso não lhes
ensinassem a doutrina de Jesus Cristo e sua lei, sem o que não haveria civilização possível.
88
O Instituto Providência não foi a primeira instituição educativa criada por D. Antonio e nem
somente os meninos foram contemplados com seus projetos: em 1878, ele fundou o “Asylo
de Santo Antonio”, cuidando em educar as meninas para a aquisição de “prendas próprias de
seu sexo e posição social”, com regime e estudos próprios. A instituição associava duas
finalidades - preparar órfãs e desvalidas para o mundo do trabalho, como criadas, e dar uma
educação esmerada para futuras “damas de salão”.
89
86
COSTA, Antonio Macedo de, 1884, p.11.
87
Ibid., p.71.
88
A Boa Nova, 10/9/1873 e 12/10/1872.
89
BEZERRA NETO, José Maia, 1991/1992.
355
Dentre seus “projectos humanitarios”, Macedo Costa pretendera utilizar as
propriedades e os escravos da extinta ordem carmelita do Pará, na fundação de uma escola
agrícola e outra de instrução civil e religiosa com o fim de libertar e “regenerar” os cativos dos
religiosos. O jornal da diocese não dissimula a dupla vantagem do projeto: conservar como
bens eclesiásticos as antigas fazendas da ordem e dar a liberdade a tantos escravos. Na
mesma época, o bispo se voltou para um outro grupo de “desventurados”, necessitado de
instruções apropriadas: os surdo-mudos do Pará, Amazonas e províncias vizinhas, ao propor
a fundação de um estabelecimento de educação em Belém. Comparando o estado do surdo-
mudo sem instrução ao do selvagem, o artigo dA Boa Nova anuncia o projeto da diocese
em tornar os surdos-mudos bons cristãos e bons cidadãos, ensinando-lhes a ler, escrever,
contar, conhecer a Deus e a Religião.
D. Antonio já havia, em meados da década de 1870, recuperado o ensino
administrado pela diocese nos seminários da região, ampliando consideravelmente o número
de alunos, sendo que uma parcela deles tinha seus estudos custeados pelos governos
provinciais. Dos 40 meninos que estudavam no único seminário de Belém em 1864, elevou-se
para 300 o número de alunos até 1873, distribuídos pelos três estabelecimentos da diocese.
O corpo docente era tão deficiente no início, que o próprio bispo lecionava no seminário.
90
Em pleno combate contra a maçonaria e a imprensa liberal, o bispo se empenhava
pessoalmente em expandir a instrução civil e religiosa aos mais diversos grupos sociais.
Passado o período turbulento da chamada “questão religiosa” e de alguns conflitos ocorridos
na sua diocese
91
, D. Antonio retomou o ímpeto inicial de suas propostas de educação do
90
A Boa Nova, 18/10 e 5/11/1873. Os projetos de educação dos libertos e dos surdos-mudos goraram. O
primeiro, não avançou além da queixa de D. Antonio ao Imperador, contra o governo provincial do Pará,
por ter vendido as fazendas e os escravos dos carmelitas, durante a sua viagem a Roma, por ocasião do
Concílio Ecumênico do Vaticano. O segundo, provavelmente permaneceu na indiferença dos governos
provinciais e do Imperial, pois havia na Corte um Instituto de Surdos-Mudos que deveria educar meninos
de todo o país, às custas das províncias, mas só atendia a 22 alunos na época, nenhum proveniente do
Pará ou do Amazonas.
91
D. Macedo Costa e D. Vital, Bispo de Olinda, foram os protagonistas da famosa questão religiosa, em
meados da década de 1870, quando proibiram as Comunidades Eclesiásticas de suas jurisdições de
admitirem maçons, resultando na prisão de ambos na Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em
1874. Pouco tempo depois foram perdoados pelo Imperador (BITTENCOURT, Agnello, 1969, p. 140). Uma
década depois, o bispo pode usufruir dias melhores, de reconhecimento de sua atuação ou talvez pela
“injustiça” cometida pelo Governo Imperial, ao prendê-lo, sujeito à pena com trabalhos forçados, como
356
povo, ao planejar duas modalidades de intervenção pedagógica e catequética junto aos
amazônidas, entre 1882 e 1883 o Instituto de Artes, Ofícios e Agricultura “Providência” e a
ação missionária do Christophoro, o Navio-Igreja.
Depois de várias visitas pastorais feitas em sua diocese (Pará e Amazonas), o bispo
Antonio de Macedo Costa decidiu criar um instituto para educar, desde a infância, “operários
sinceramente católicos”, entre os filhos de índios e os desamparados.
92
A formação
profissional dos meninos desvalidos, e mesmo dos indígenas, era uma meta geralmente aceita
pela sociedade ilustrada das duas capitais. As discussões sobre a carência e a precariedade
do ensino profissional percorriam todo o país, deixando registros nas obras dos especialistas
e nos periódicos. Sob esse aspecto, a iniciativa do bispo encontrou receptividade em Belém e
Manaus, porém, esbarrou no anticlericalismo da imprensa liberal. Um folhetim favorável à
iniciativa do bispo provocou veemente oposição, manifesta na carta enviada ao mesmo jornal,
A Província do Pará, e à folha amazonense A Província, ambos liberais. Os redatores das
duas folhas publicaram a indignada carta de um autor que preferiu permanecer no anonimato.
O relato propagandista de duas visitas ao Instituto motivara a reação imediata do missivista
anti-clerical.
Visando a propagar o empreendimento e obter apoio material do poder público
provincial e de particulares, o bispo organizou duas visitas de ilustres cavalheiros e algumas
senhoras ao estabelecimento, em 1885. Dentre os visitantes, estava o Vice-Presidente da
Província, Carlos Augusto de Carvalho, e o autor do folhetim publicado na Província do
Pará, relatando de forma minuciosa e entusiástica o passeio de um touriste.
93
quer Agnello Bittencourt. Em 1888, ele foi agraciado pelo Governo Imperial com o título de Conde de
Belém, tendo sido nomeado Arcebispo da Bahia em 1890, sua Província de origem.
A partir de 1877 e até meados de 1880, o bispo esteve envolvido com a “Questão Nazarena”, entrando em
choque com as irmandades do Pará e com o Governo da Província. Segundo o bispo, a procissão de Nossa
Senhora de Nazaré só poderia ocorrer com a aprovação episcopal (Cf. AZZI, Riolando, 1992; LUSTOSA,
Antonio de Almeida, 1939). A respeito do que D. Antonio denominava pejorativamente de festa civil, ver
capítulo 3.
92
LUSTOSA, Antonio de Almeida, 1939, p.493.
93
A Província do Pará, 23/9/1885. Folhetim. Dous dias no Instituto “Providencia”( Notas de um
touriste).
357
O turista, identificado apenas como Stenio, diz não querer fazer a apologia ou mostrar
a necessidade de institutos como o do “Providência”, pois sendo esta uma verdade de que
todos eram cientes, faltava-lhe o prestígio para convencer a Província do Pará das vantagens
em manter “tão util instituição”. O modesto observador, contudo, não se fez de rogado na
hora de relatar as prestigiosas visitas dos ilustres convivas, embora tenha alertado o leitor que
se restringiu a expressar suas impressões e descrever o que viu e observou.
A recepção foi cuidadosamente preparada pelo bispo, diretor, professores e
educandos. Já na estação de trem, o grupo foi recepcionado ao som da música dos meninos e
ao estrondar dos foguetes. No estabelecimento, a banda de 35 figuras executou o hino do
“Providência”, composição do maestro E. Bernardi, feita especialmente para o Instituto. A
visita se estendeu a todas as dependências do edifício, às oficinas e áreas de cultivo. Em
“pitoresca excursão”, os visitantes percorram no vagão que servia ao estabelecimento as
matas das redondezas, alcançando um igarapé que na ocasião recebeu o nome de Dr.
Carvalho, em homenagem ao governante presente. De volta ao “Providência”, a recepção
musical teve continuidade, com a competente execução do hino institucional, de peças
estrangeiras e nacionais, estas do carnaval Brazileiro”. Um almoço organizado pelo
educando responsável pela cozinha completou o alegre dia dos convivas. Poucos dias depois,
teve lugar uma nova e aprazível visita de um grupo ampliado de convidados. D. Antonio
intencionava retratar o Instituto, na presença dos ilustres convidados, entre eles, o presidente
em exercício. Todo o grupo, junto ao pessoal e alunos do estabelecimento, foi fotografado
neste dia. A conversação animada e os entretenimentos de salão distraíram os convidados,
quando a recitação de cenas cômicas e de poesias se seguiu aos inúmeros brindes. O bispo
fez um comovente brinde ao vice-presidente e recebeu a homenagem de um certo cavalheiro
sr. dr. M., o qual, “cantou uma bellissima poesia do sr. d. Antonio”.
O autor, admirador da inteligência, erudição e talento de D. Antonio, não poupa
elogios à iniciativa. A descrição do observado cede lugar à exposição dos sentimentos que ele
afirma terem sido despertados pela visita. A energia e a tenacidade do pastor da diocese são
contrapostas à indiferença dos poderes públicos, cujos auxílios, aliados aos particulares, eram
considerados indispensáveis para a manutenção da “casa de educação”. Os cuidados com
358
que o prelado cercou o presidente em exercício, Carlos Augusto de Carvalho, esclarecem as
intenções do passeio. Mais adiante, saberemos quais as impressões que impregnaram a
autoridade após as visitas. Outro objetivo consistiu em divulgar e angariar apoio para a
quermesse que seria organizada em benefício do estabelecimento.
Dois dias depois de publicado o folhetim, chegava às redações d’A Província do
Pará e d’A Província (Amazonas), uma enérgica carta de refutação ao ensino conduzido
pelos “instrumentos do papismo” e à influência do clericalismo na instrução pública.
94
Padre
Mancio Ribeiro, um entusiástico defensor do ensino religioso nos debates sobre a instrução
pública ocorridos na Assembléia paraense, em 1883, e na imprensa, é acusado de prejudicar
a instrução pública. Os críticos do ensino clerical acusavam os religiosos de priorizarem a
formação de católicos para a Igreja, em detrimento da formação de cidadãos para a nação. O
missivista em questão concorda que os estabelecimentos da ordem do “Providência” são uma
necessidade indeclinável, porém prioriza o amparo aos “modernos processos e methodos
pedagógicos”, opondo-se à proteção ao “ensino clerical”, cujo representante mais atuante
“n’esta terra” era D. Antonio:
“Entendo, porém, que é um erro todo o passo arriscado no sentido de dar arrhas
ao animo clerical, cuja moral está compendiada no codigo do sr.d. Antonio
(cathecismo), em que são pregadas opiniões menos aceitaveis, fazendo-se, por
exemplo, o elogio do celibato, como o mais elevado estado da alma, e
ensinando-se em lugar do amor da patria e da familia um vago e indefinido
sentimento de amor ao imaginario divino.
D.Antonio organizou algumas leituras para uso das famílias e dos meninos das escolas,
preocupado com a formação cristã dos casais e dos filhos. Obras como o Compendio de
Civilidade Christã offerecido ás famílias e ás escolas brazileiras, Catecismo do Pará e
Historia Biblica foram enviadas às diretorias de instrução pública de várias províncias
brasileiras para adoção nas escolas. As comissões que avaliavam as obras costumavam ser
favoráveis ao emprego das mesmas junto ao alunado. Entre os avaliadores, havia a presença
de religiosos e católicos que aprovavam a atuação do Bispo do Pará. Um exemplo foi a
avaliação da obra Historia biblica, pelo futuro diretor da instrução pública do Pará, o
94
Carta publicada em 27/9/1885 nos jornais A Província do Pará (Belém) e A Província (Manaus).
359
“catolico e fiel ao ensino infalivel da Igreja Romana”, Joaquim Corrêa de Freitas.
95
O
avaliador considerou o livro adequado à mocidade, pela doutrina, pelo método e pela
amenidade de estilo, aconselhando a leitura nas classes escolares. O cônego Antonio
Gonçalves da Rocha também emitiu parecer favorável ao livro, recomendando a compra de
dois a três mil exemplares pela Província. O cônego ressaltou ainda que apresentou seu
parecer em separado, pois sendo o bispo “mestre em materia de fé”, não cabia ao conselho
aprovar o compêndio, apenas recomendar a sua adoção ou não.
96
O Resumo da Historia
Biblica já estava à venda em Belém, segundo um anúncio n’A Boa Nova. D. Antonio oferecia
às escolas e famílias, narrativas do velho e novo Testamento, uma edição em vulgar contendo
cerca de 200 estampas. No mesmo número do jornal, publicou-se um longo artigo do
prelado apresentando a obra, vertida do alemão para várias línguas ocidentais. O grande
número de formosas estampas é louvado pelo poder de “gravar mais fundo na imaginação e
na memoria, maiormente dos meninos, os factos representados”.
97
Os textos de Macedo Costa são baseados em obras européias do gênero,
especialmente as francesas. De conteúdo doutrinário, as recomendações aos meninos, aos
maridos, às esposas e criados são extremamente minuciosas. Carregadas de um moralismo
que confrontava os costumes da região, pode-se imaginar a resistência enfrentada entre o
público das escolas. D. Antonio condena energicamente o hábito dos meninos pequenos
andarem nus e propaga o decoro no vestir dos adultos, mesmo no ambiente doméstico. O
calor não deveria impedir que todos em casa estivessem convenientemente vestidos de modo
a poder receber visitas inesperadas.
98
A obediência é a tônica dominante das relações. No
degrau superior, está o marido (o chefe da família) e no inferior, os servos. Escravos
dificilmente são mencionados, a não ser quando Macedo Costa discorre sobre os deveres
dos servos e domésticos. Recorrendo à bíblia, lembrou aos servos e escravos que a vida de
95
A Boa Nova, 28/3/1873. Corrêa de Freitas foi diretor da instrução pública no Pará entre 1876 e 1881 (Cf.
capítulo 2).
96
Idem. O cônego Antonio Gonçalves da Rocha era fundador, proprietário e diretor do Colégio dos Santos
Inocentes, internato e externato que, desde 1863, educava pensionistas e meninos pobres da Província
(ALMANAK paraense..., p.350).
97
A Boa Nova, 19/2/1873.
98
COSTA, Antonio de Macedo, 1880, p.65-66.
360
trabalhos era breve se comparada à eternidade do trono que iriam ocupar no reino dos céus,
oferecendo-lhes um alívio para as tristezas e humilhações deste mundo.
99
Contra a tendência da época de condenar os castigos corporais, D. Antonio
recomenda a sua aplicação como um meio de expiação e de aperfeiçoamento moral, listando
seis regras para o melhor aproveitamento da correção junto aos filhos e aos domésticos. O
autor do Livro da Familia ou explicação dos deveres domesticos segundo as normas da
razão e do Christianismo confere à mania de inovações e reformas do século o desprezo aos
“oráculos da Escritura” e aos “principios immutaveis em que se baseia o verdadeiro
progresso e civilisaçao dos povos”. O século trata a mortificação do corpo como uma
aberração fanática, desprezando a sua importância para a manutenção da virtude. Sem medir
palavras, a autoridade eclesiástica justifica a necessidade do corretivo mais austero para
induzir o jovem a percorrer o caminho da moral e da religião, e ao mesmo tempo, impregnar
os outros com o exemplo da pena.
“Porque este menino tem inclinações perversas, tem um ardor para o mal, que a
dor amortece, como um calmante salutar; porque este menino tendo feito um
mal moral, tendo transgedido a lei com deliberação e pertinacia, deve expial-o
por uma soffrimento pshysico, que na linguagem christã se chama penitencia;
porque o castigo escarmenta-o; sabendo que soffre, quando commette o mal,
evita-o a principio pelo medo do castigo, e assim contrahe habitos bons, vindo
depois a praticar a virtude por motivos mais nobres e mais dignos; porque o
castigo de um é exemplo para os outros, e os retrahe do mal, ao qual seriam
arrastados, sem este meio energico. Tal é a razão geral da pena. É um remedio,
um remedio saudavel, mas amargoso...”
100
E afirma saber, sem citar nomes, que aqueles que “proclamam theoricamente a
abolição dos castigos physicos, na pratica os conservam e rigorosos”. Um certo colégio teria
banido a palmatória, substituída pela prisão dos “pequenos criminosos” em cárcere escuro e
99
COSTA, Antonio de Macedo, 1930, p.310. Nascido na Bahia e formado na Europa, o Bispo do Pará não
costumava abordar o tema da escravidão. Entretanto, ele foi incumbido pelo Papa de fazer a entrega da
Rosa de Ouro à Princesa Imperial e do discurso congratulatório à promulgação da lei da abolição da
escravidão no Brasil, em solene Te-Deum” (MÜLLER, Padre Christiano Alberto, 1915, p.22; AZZI,
Riolando, 1992, p.99).
100
COSTA, Antonio de Macedo, 1930, p.227 O Livro da Familia ou explicaçao dos deveres domésticos...,
a despeito de concluído em 1879, somente foi publicado em 1930. Introduzindo sua obra aos leitores
benévolos, D.Antonio explica que esta é um quadro ampliado do livro Deveres da família que encontrara
grande saída e aceitação em 1875 “A ancia de leitura estava indicando claro a necessidade de doutrina”,
esclarece (Op. cit., p.3).
361
estreito por um, dois ou mais dias. Tendo sido dogmas defendidos publicamente, a despeito
de todo o debate favorável à modernização da educação, pode-se prever que conheceram
ampla aplicação nas instituições educativas mantidas pela diocese, como o Instituto
Providência.
Superado o conflito com o Governo Imperial, quando chegou a ser preso na Ilha das
Cobras, D. Antonio dedicou-se à instrução popular, apresentando dois arrojados projetos
para os amazônidas, entre 1882 e 1883. Assim, no ano em que D. Antonio arquitetava a
criação do Instituto para os filhos dos desvalidos e dos indígenas do Pará e do Amazonas,
outro projeto voltado para o povo da região vinha sendo gerado pelo dinâmico bispo.
Tratava-se do Cristóforo, o Navio-Igreja que, navegando pela Província do Amazonas,
levaria os missionários aos mais longínquos locais para a promoção da catequese da
disseminada população amazônica. D. Antonio procurou mobilizar os governos e as elites da
região, de forma a obter os meios para viabilizar o custoso plano de um Vapor-Igreja. A
comunicação do extenso projeto fora feita nas duas conferências às “pessoas gradas” de
Manaus, em 1883, e sob a publicação de um livro, em Manaus (1882) e no Rio de Janeiro
(1884).
101
Na terceira edição (RJ), todas as contestações ao projeto são rebatidas, uma a
uma. O jornal da Diocese do Pará, A Boa Nova, imprimiu o projeto, por partes, no ano de
1883.
O Navio-Missionário abrigaria um grupo de missionários que iria ao encontro das
populações cristãs e pagãs, levando-lhes as luzes e os socorros de espírito. Tratava-se de
adaptar a evangelização do vale à geografia do Amazonas, navegando pela imensa rede fluvial
do rio-mar, por onde passaria o Evangelho, da mesma forma como passavam os armazéns
flutuantes dos comerciantes.
102
O bispo via no projeto a reanimação da grande obra jesuítica,
com a vantagem de não perturbar o sistema de trabalho dos seringueiros, pois os missionários
iriam ao encontro dos trabalhadores nos seus locais de trabalho, ao contrário das antigas
101
D. Antonio de Macedo Costa. A Amazonia : meio de desenvolver a sua civilisação. Conferencia
recitada em Manaus, no Paço da Assembleia Provincial, perante o Exmo Sr. Presidente da Provincia e
grande número de pessoas gradas, no dia 21/3/1883.3
a
ed., Rio de Janeiro : Typ. de G. Leuzinger & Filhos,
1884. A segunda conferência ocorreu no consistório da matriz da Conceição, na mesma cidade (Amazonas,
22/4/1883).
102
COSTA, Antonio de Macedo, 1884, p.30-31.
362
missões jesuíticas, em que se promovia o descimento dos índios aos locais onde se instalavam
as missões. Outra vantagem era de ordem interna: os padres se manteriam reunidos, contra o
“perigo eminente de perder o espirito de seu estado, afogar-se no mercantilismo e até
naufragar na fé”.
103
O Estado seria o grande beneficiado pelo empreendimento, segundo a retórica
corrente do aproveitamento do braço indígena para a “produção do valle amazonico”. Os
poderes públicos estariam investindo na formação de um povo, com “hábitos regulares” e
trabalhador. O projeto deveria, portanto, interessar aos governos, local e central, e aos
“habitantes do valle”, identificados como capitalistas, negociantes, industriais, lavradores,
empregados públicos, patrões e empregados dos seringais. Porém, a viabilidade do projeto
defendida por seu autor não convenceu os setores públicos e privados acima listados. O
Presidente da Província, o liberal José Lustosa da Cunha Paranaguá (1883), comenta no
relatório do ano de 1882 que a idéia do “nosso virtuoso prelado” da construção “de uma
sumptuosa basilica fluctuante, o Christophoro, destinado a levar a fé e a civilisação por toda a
parte onde se encontrar uma aldêa, uma maloca de indios” fascina, mas os seus possíveis
resultados não convencem o autor, que não quer sacrificar a sua proposta de construir
“pequenos asilos” próximos aos aldeamentos e povoações, para o ensino de ofícios a
“orphãos e menores indigenas”.
104
Por fim, gostaríamos de assinalar que no ano de 1883, o bispo havia anunciado dois
grandes projetos para a educação e conversão do povo simples da Amazônia, encontrando
forte resistência entre os setores influentes da sociedade local, sobretudo com relação ao
grandioso programa catequético, jamais realizado devido à falta de apoio. No Pará, o projeto
fora energicamente condenado pela imprensa liberal. A dificultosa aceitação de seus projetos
na região talvez tenha influenciado na decisão de buscar recursos em outras paragens para a
instalação do instituto profissional no Pará. Já a busca por recursos para a catequese do
103
Ibid., 1884, p.30.
104
RPAM, 25/3/1883, p.45.
363
“homem amazônico” concentrou-se nas viagens realizadas pelo interior do Amazonas, por
seus parceiros, que de pires nas mãos, procuraram sensibilizar os patrões da borracha.
105
Segundo José Ricardo Pires de Almeida, D.Antonio percorreu várias províncias,
recolhendo donativos para a “obra civilizadora projetada”, jornada confirmada por seu
biógrafo, o Arcebispo do Pará, D. Antonio de Almeida Lustosa. Lustosa concentra o seu
relato na visita de Macedo Costa a várias cidades mineiras, onde fora muito bem recebido
pelo clero e por “cidadãos grados”, compostos por religiosos e alunos dos colégios e
seminários, e também por proprietários de terras e profissionais liberais, conseguindo “boa
soma de dinheiro” para o Instituto de formação profissional. O internato seria instalado
próximo a Belém, possibilitando a fiscalização da diocese.
106
Macedo Costa comprara, inicialmente, um terreno na estrada de Bragança para
instalar um estabelecimento orfanológico, conforme noticiara A Constituição, em 1882.
107
No ano seguinte, ele obteve do Governo da Província do Pará, por intermédio do Ministério
d’Agricultura, Comércio e Obras Públicas, a concessão de uma vasta área de floresta virgem
a doze quilômetros de Belém, situada na estrada de Bragança.
108
O objetivo consistia em
reservar terras para a execução de uma finalidade primordial da instituição, isto é, o cultivo de
produtos agrícolas pelos meninos. Segundo Ernesto Cruz, a estrada de Bragança tinha 30
quilômetros e suas terras eram consideradas as melhores do Pará para a agricultura, tendo
105
Este foi o caso do fiel Padre Amancio, Vigário Geral do Alto Amazonas, que na entusiasmada carta
enviada ao jornal conservador A Constituição, relatou suas visitas aos negociantes do rio Madeira,
interior do Amazonas, para tirar esmolas ao Cristóforo. Amâncio diz ter remetido ao jornal uma bela
fotografia do “pitoresco lugar”que visitara, denominado “Florida” (26/11/1883). Nos anos posteriores, a
imprensa liberal manteve-se firme nas críticas ao projeto, especialmente A Província do Pará, que analisou
o assunto na série de artigos de combate à educação clerical, de 1885.
106
ALMEIDA, José Ricardo Pires de, 1989 [1889]; LUSTOSA, Antonio de Almeida, 1939, p.496. Lustosa
reproduz o Itinerário do Senhor Bispo do Pará na Província de Minas, escrito pelo Comendador
Aureliano Pereira Correia Pimentel, filósofo, naturalista e ex-reitor do Colégio Pedro II e acompanhante do
bispo na sua viagem pela Província de Minas Gerais. A população também estava mobilizada com a visita
do bispo: ao chegar em São João d´El Rei, este foi recebido por cerca de mil pessoas que o esperavam na
estação (p.497). A recepção calorosa se repetiu em outras cidades e arraiais, pelo clero e pela população
em geral, mas não parece ter havido participação de autoridades governamentais.
107
A Constituição, 18/7/1882.
108
Terras concedidas pelos avisos do Ministério d’Agricultura, Comércio e Obras Públicas de 2/5 e
28/7/1883. Área total: 9.215.230 m2 (RPPA, 20/10/1882, p.70).
364
abrigado no período republicano onze núcleos coloniais, povoados por famílias européias,
americanas e brasileiras.
109
O acesso ao estabelecimento foi bastante facilitado com a construção da estrada de
ferro de Bragança, iniciada em 1883. O contrato com a companhia associou à estrada de
ferro, projetos de colonização e educação. A companhia estava obrigada a introduzir colonos
agricultores açorianos e de outras procedências até o número de dez mil, nos terrenos do
patrimônio da Província que não estivessem legitimamente ocupados. Previa ainda o
transporte gratuito de todos os produtos agrícolas e industriais do “estabelecimento de
caridade denominado Providencia”, e os materiais precisos para sua construção. Por último, a
concessionária se responsabilizava por construir três casas para escola nos terrenos dados
pela Província, com proporções para cem alunos, sendo uma no Marco da Légua, em Belém,
outra na colônia agrícola de Benevides e a última na cidade de Bragança.
110
No final de 1884,
o “Providência” já contava com este transporte, cuja viagem até Belém durava cerca de meia
hora, tempo marcado por nosso touriste.
A concessão das terras devolutas para o estabelecimento não ocorreu sem
contestações. Em ofício ao presidente, desembargador Joaquim da Costa Barrado, no ano de
1886, o bispo queixa-se dos esforços e sacrifícios que vinha fazendo em não deixar frustrar o
ato generoso do Governo Imperial e não lesar o pio estabelecimento. Divulgado o Aviso da
concessão em 1883, um certo Jeronymo Antonio Costa, proprietário na região, solicitou e
obteve de administrações provinciais posteriores, títulos provisórios de dois lotes. O bispo
pede ao governo que não faça concessões e demarcações de terras devolutas antes da
demarcação dos terrenos do estabelecimento de pública utilidade. Termina por solicitar a
anulação dos títulos concedidos provisoriamente.
111
109
CRUZ, Ernesto, 1958, p.87. Os projetos imigratórios datam do período imperial, tendo sido criada em
1885, a Sociedade Paraense de Imigração, cuja solenidade de fundação no Palácio do Governo contou com
a presença do bispo Macedo Costa (Ibid., p.71).
110
A Constituição, 19/6 e 23/6/1883. O Bispo Diocesano e o Presidente da Província, Visconde de
Maracajú, marcaram presença na inauguração dos trabalhos da estrada de ferro, em junho de 1883.
111
Ofício do bispo Antonio de Macedo Costa ao Presidente da Província desembargador Joaquim da
Costa Barrado, 3/12/1886 (Arquivo Público do Pará).
365
Dois ofícios do governo indicam que Jeronymo Antonio Costa pretendera comprar os
terrenos devolutos em Bragança antes da emissão do primeiro Aviso, ocorrida em 2/5/1883 e
comunicada ao bispo pelo Presidente do Pará em 28/5/1883. Em 9/3/1883, a presidência
ordenou ao vigário da Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré que afixasse na porta da Igreja
Matriz o edital sobre os terrenos devolutos “pretendidos por compra por Jeronimo de
Antonio Costa”.
112
A questão da demarcação das terras do Instituto se arrastou até o final do
Império. Um Aviso do Ministério da Agricultura de março de 1889 comunicou ao Governo
do Pará ter solicitado ao Ministério da Fazenda a expedição de ordem para que se colocasse
à disposição da Presidência do Pará a quantia de 1.168$000, para as despesas com a
medição das terras concedidas ao bispo diocesano para o estabelecimento Providência.
113
A polêmica em torno das terras ocorreu quando a instituição já era fato consumado:
pouco tempo depois da compra do terreno em 1882, a diocese convocou pela imprensa,
“todas as pessoas da cidade e de fôra, que o quizerem coadjuvar n’esta grande e caridosa
obra, lhe prestem desde já o seu trabalho, ou o de pessoas que lhe sejam sujeitas”. Rapazes
de cerca de 14 anos teriam preferência para admissão no estabelecimento caso trabalhassem
na obra.
114
Inicialmente, construiu-se uma casa de madeira com um amplo galpão ao lado,
onde foram instaladas classes de primeiras letras e oficinas de carpintaria, forjaria e alfaiataria.
Em 1885, os convidados de D. Antonio conheceram uma “excelente casa de residência”,
com acomodações para 70 meninos, dividida em três salões e diversos quartos. No primeiro
andar havia uma modesta, porém elegante capela onde se recepcionava os visitantes.
Situavam-se, neste andar, os quartos do diretor e dos professores, com janelas voltadas à
frente da casa. Na parte superior, dormiam os meninos.
115
A direção do Instituto estava
confiada a Aureliano Pinto de Lima Guedes, também professor de música. Aureliano Guedes
112
Minutas de ofícios às autoridades eclesiásticas, 9/3 e 28/5/1883 (Arquivo Público do Pará).
113
Minutas de ofícios às autoridades eclesiásticas, 14/4/1889 (Arquivo Público do Pará).
114
A Constituição, 24/7/1882.
115
A Província do Pará, 23/9/1885.
366
foi um dos muitos jovens enviados à Europa pelo bispo Macedo Costa para continuar seus
estudos teológicos, permanecendo por dois anos fora.
116
No começo, havia 60 alunos, que para Almeida, foram “quase todos trazidos das
regiões mais distantes da diocese, percorridas pelo prelado nas suas viagens pastorais”.
117
O
número de alunos não variou até 1885, pois, na visita que gerou um folhetim, os ilustres
convidados encontraram 58 meninos, sendo que existiam 70 vagas. Segundo Almeida, em
1889 existiam 100 alunos. Por esta época, os alunos teriam construído uma outra casa, de
tijolos, de “bela aparência”, podendo receber 200 alunos.
O recrutamento dessas crianças pelo bispo não está esclarecido, pois pela experiência
do Colégio Isabel, constata-se que os pais resistiam em separar-se de seus filhos. É possível
que o bispo recolhesse crianças junto a missionários alocados nos aldeamentos, locais onde
seria mais fácil persuadir os pais das vantagens de uma educação escolar e profissional, visto
que já possuíam contato com os valores da civilização ocidental. É pouco provável que
crianças fossem levadas à força, pelo menos em termos de uma política continuada, pois
dificilmente se conseguiria reunir um número grande de crianças nestas condições. Esta prática
se mostrou desastrosa no Colégio do Araguaia, levando os internos a resistir ao sistema
educacional da instituição.
O naturalista Henri Coudreau, no relato sobre as visitas feitas ao “Asilo da
Providência” e à Casa dos Educandos de Manaus, afirma serem os pequenos índios
recolhidos ainda totalmente selvagens - “Ils arrivent nus, les narines percées, les oreilles
fendues”.
118
Não é explicado como era feito esse recolhimento; Coudreau mostra-se
encantado com os estabelecimentos e determinado a tecer os melhores elogios aos mesmos.
116
A Boa Nova, 6/12/1873. Até 1869, ano do embarque de Aureliano Guedes, 47 rapazes estudaram em
seminários da Europa, por iniciativa do Bispo do Pará, que assumira a diocese em 1861. Somente nove
voltaram sacerdotes.
117
ALMEIDA, José Ricardo Pires de, 1989, p.270.
118
COUDREAU, Henri A., 1887, p.180. Henri Coudreau era professor da Sorbonne. Além das Guianas,
explorou vários afluentes meridionais e setentrionais do Amazonas entre 1876 a 1899, quando morreu nas
margens do Trombetas. Estudou tribos do Uaupés e do Rio Branco e elaborou vocabulários (HOLANDA,
Sérgio Buarque de, 1987, p. 432). É apresentado em seu livro como sendo membro da Sociedade de
Geografia Comercial de Paris, do Comitê da Sociedade Internacional de Estudos Brasileiros, do Comitê da
Exposição da Guiana Francesa e de diversas sociedades eruditas. Segundo Arthur Reis (1960), Coudreau
era professor de geografia numa escola de comércio na França, e ao visitar o contestado franco-brasileiro,
teria esquecido seus propósitos científicos, advogando os interesses franceses na Amazônia (p.108).
367
No entanto, nas páginas anteriores à descrição das instituições, ele se dedica a explicar o
modo como era encaminhada a educação de jovens índios por “autoridades e pessoas de
boa vontade”, resultado da troca de utensílios de trabalho por crianças, realizadas entre
diretores de índios e homens das aldeias.
119
Coudreau encontrava-se na contramão da
opinião corrente entre as autoridades da segunda metade do século XIX a respeito da
precariedade do funcionamento das diretorias de índios, comandadas por administradores
que não se furtavam em explorar a mão-de-obra indígena e impingir maus tratos aos seus
tutelados.
120
O costume da abordagem aos índios através de distribuição de brindes vem da ação
jesuítica e era empregado por naturalistas, pelos governos e pela população local, conforme
seus interesses. Coudreau observa que esta era uma prática dos diretores de índios para que
“tribos refratárias” estabelecessem relações com os “grupos civilizados”; mas não era a única
estratégia necessária.
Recorria-se também ao envio de “índios mansos para tribos boçais ou
bravas a fim de lhes mostrar as vantagens recebidas pelas tribos vindas à civilização”.
121
O
fato dos índios aldeados receberem instrumentos de trabalho e aceitarem que seus filhos
fossem educados nas cidades não configura necessariamente uma troca. Sabemos que em
Manaus, chefes das aldeias eram estimulados a visitar a Casa dos Educandos, a fim de
pessoalmente verificarem as “vantagens” da educação promovida na mesma.
122
Pires de Almeida segue na mesma linha da avaliação de Coudreau. Aliás, ele cita a
visita do explorador ao Instituto e as impressões positivas de lá obtidas. As informações
apresentadas pelo autor sobre o Instituto “Providência” ressaltam de forma entusiástica os
aspectos positivos e o sucesso que vinha alcançando na educação dos índios. Na visão de
119
COUDREAU, Henri, 1887, p.179.
120
As críticas eram dirigidas aos diretores parciais de índios, administradores das aldeias.
121
COUDREAU, Henri, 1887, p.184 (tradução nossa).
122
O naturalista brasileiro Barbosa Rodrigues (1885) em expedição custeada pelo governo amazonense
para a Pacificação dos Crichanás (Waimiri Atroari), que ocupavam a região do rio Jauapery, verificou que
o recebimento de brindes não era fato novo para o grupo abordado. Barbosa Rodrigues também recorreu
aos brindes para desarmar os índios, que traziam “grandes arcos, com gestos e gritos ameaçadores” (p.47).
A principal lei indigenista do Império, o “Regulamento acerca das Missões de catechese e civilização dos
Indios” (Dec. n.426 de 21/7/1845), previa a distribuição pelo Governo Imperial de objetos para a agricultura
e o uso pessoal dos índios, e “os que forem proprios para attrahir-lhes a attenção, excitar-lhes a
curiosidade, e despertar-lhes o desejo do trato social” (Art 1
o
, #10
o
). A utilização dos objetos como
368
Almeida, “não poderia haver medida mais eficaz para a instrução e a civilização dos indígenas
do que esta”.
Criado há 7 anos, este Instituto tornou índios selvagens em homens civilizados
que se tornaram excelentes operários. Estas crianças que há pouco viviam ainda
em estado selvagem, têm uma aptidão especial para as diferentes profissões que
lhes são ensinadas, e as pessoas que visitam o estabelecimento se espantam
vendo, fabricados por estes jovens operários, objetos que, pela perfeição da
confecção, parecem saídos das mãos de artistas experientes.
123
A origem social e étnica dos meninos do Instituto era percebida de forma distinta
pelos visitantes. Pires de Almeida e Coudreau, observadores externos, encontraram índios
selvagens. Paraenses ilustres viram alunos ou meninos nas duas visitas realizadas ao
internato no ano de 1885.
124
A construção de um estabelecimento para “o ensino dos
meninos orphãos e desvalidos da diocese” foi bem recebida em Belém pelo jornal
conservador A Constituição. Índios não são mencionados nas matérias. O touriste se
mostrou muito observador quanto aos aspectos materiais do estabelecimento, mas não se
deteve em discorrer a respeito do pessoal, tendo feito escassas referências ao estado e às
habilidades dos meninos e nenhuma aos professores, mestres e diretor.
125
Um debate ocorrido na Assembléia Legislativa Provincial do Pará, antes da abertura
do Instituto, o presidente, cônego Siqueira Mendes, confirmou que o bispo estava em viagem
ao Alto Amazonas para buscar “entre aquella população tão desfavorecida e tão inculta, os
futuros agricultores do estabelecimento da Providencia...” Desde o princípio do ano, o bispo
vinha empreendendo longas e penosas viagens, movido, nas palavras do cônego, pelo “desejo
ardente de melhorar a nossa sociedade, de trabalhar pelo nosso progresso”.
126
Em fevereiro
de 1883, ela saiu em viagem pelo rio Negro, em companhia de quatro padres. Por ocasião
desta viagem ao Amazonas, D. Antonio discursou o já citado projeto do Cristóforo, em
favor da civilização da população da Amazônia.
mercadoria de troca consistiu em uma apropriação particular dos diretores, circundada por uma “tradição”
de abordagem das populações indígenas pela via da espoliação e da violência.
123
ALMEIDA, José Ricardo Pires de, 1989 [1889], p. 270.
124
A Província do Pará, 23/9/1885.
125
18 e 24 de julho de 1882.
126
A Constituição, 11/6/1883 (Assembléia Legislativa Provincial do Pará, sessão de 3/4/1883).
369
Nas excursões pelo interior da Amazônia, o bispo e seus acompanhantes tinham
contato com os mais diversos grupos sociais e étnicos. Os poucos relatos das visitas pastorais
de Macedo Costa que pudemos localizar revelam a preocupação com o saldo relativo aos
sacramentos, contabilizando-se o número total de confissões, comunhões, batismos e
casamentos. Contudo, não só a confirmação da fé buscava o pastor. A adesão dos selvagens
à civilização e a conversão das populações pagãs ao cristianismo não foram esquecidas nas
abordagens aos grupos indígenas. D. Antonio não retornava à diocese somente com o triunfo
dos números; o “saldo” da evangelização podia chegar à capital em pessoa, isto é, grupos de
índios contatados pela comitiva pastoral. Tal fato ocorreu em 1872, decorrente da visita do
bispo às paróquias de Tocantins. O jornal da diocese divulgou, em longo texto, o contato com
a “nova tribu”, que começou a fazer aparições na margem esquerda do rio Tocantins,
apavorando os moradores. O artigo apresenta informações de interesse etnográfico, contudo,
pondera que, o aspecto religioso e social vinha em primeiro lugar.
“Este facto de extrema importancia no ponto de vista ethnographico, é-o ainda
mais debaixo do aspecto religioso e social, attentas as boas disposições que
annunciam estes aborigenes para serem aldeiados e catequizados.
127
D. Antonio não perdeu tempo: nos dias em que esteve com os índios, chamados no
artigo de Apeiacá, iniciou a organização de um vocabulário da língua nativa. Os doze índios
levados a Belém foram alojados na casa dos capuchinhos, em companhia do frei que
acompanhara o bispo na excursão. Acreditava-se que a tribo era muito numerosa, pois na
primeira aparição na região contava-se mais de quinhentos índios. A comitiva vislumbrou a
possibilidade de aldear e catequizar um grande número de índios, um verdadeiro triunfo
missionário numa época de retração catequética das populações indígenas.
Assim, das viagens de D. Antonio, é possível que meninos índios ou desvalidos
tenham sido trazidos para o Instituto. Pelo menos entre os fiéis do interior, o bispo parece ter
encontrado ampla receptividade nas visitas pastorais, aparando-se as arestas da exaltação à
sua pessoa, por parte dos religiosos e da folha da diocese. No conturbado ano de 1873, o
127
A Boa Nova, 1/5/1872.
370
sacerdote seguiu em visita pastoral às paróquias de Bragança, Vizeu, Ourem e Quatipurú,
onde crismou 4.918 pessoas, tendo recebido
(...) os mais innegaveis testemunhos de veneração, respeito e amor da parte de
todos os fieis com especialidade em Bragança, onde se demorou mais, o que
certamente encheu o zeloso Pastor da mais viva consolação.
128
É certo que o prelado iniciou a experiência do “Providência” com meninos
amazonenses, provindos alguns de Manaus e outros de povoados do interior e das selvas,
conforme expôs o Vigário Geral do Alto Amazonas, padre Raymundo Amancio de Miranda,
ao presidente Ernesto Adolpho de Vasconcellos, em 1886. Dos educandos, 30 provinham
desta Província, meninos pobres internados desde a fundação, vestidos e transportados para
o Pará às expensas do bispo. A “instituição nacional” recebera alguns dos muitos meninos
dessas vastíssimas regiões, criados sem religião, sem letras e sem artes, na concepção do
ativo Vigário Geral. Amancio de Miranda pleiteou a aprovação pela Assembléia Provincial de
um auxílio para a educação dos “filhos do Amazonas” na instituição. Ao Amazonas
retornariam, transformados em “obreiros incansaveis da verdadeira civilisação”.
129
Sabemos que metade da verba de 20.000$000 réis, aprovada pela lei do orçamento
de 1888 para a catequese, foi paga ao Instituto em 1889, pelo 2º Vice-Presidente do
Amazonas. O auxílio foi suspenso pelo governo liberal, empossado neste ano. O presidente,
Joaquim de Oliveira Machado, se mostrou muito indignado com o pagamento feito para a
educação de dez “servicolos” [sic] no Instituto Providência, quando o Pará só contribuía com
10.000$000 rs anuais. O governante expôs seus pontos de vista a respeito da catequese,
eivados de preconceitos a respeito das populações nativas, os quais devem ter sido
compartilhados por muitos à época. Tais concepções contribuíam para formar uma
mentalidade que desprestigiava o índio até em sua capacidade de ser catequizado, a despeito
da importante experiência jesuíta na região. Em primeiro lugar, ele questiona a difícil tarefa de
levar os indígenas ao “colégio”:
128
A Boa Nova, 18/1/73 (Carta de Bragança, de 3/1/1873, do Padre Mancio Caetano Ribeiro).
129
RPAM, 25/3/1886, anexos, doc. n.3, p.12-14 (Exposição da Vigaria Geral do Alto Amazonas, de
15/3/1886).
371
“Espontaneamente, não seria praticavel, pois não rompem os laços de família
fugindo de seu torrão, de sua maloca para vir procurar instrucção superior a
sua compreensão.
Violentamente? A nostalgia os mataria.
130
Por fim, a autoridade questiona o próprio sentido da catequese, quando
“O Commercio e o tempo completarão a regeneração das tribus incultas.
A política oficial de catequese e civilização dos índios vinha se retraindo em outras
regiões do país, como por exemplo, nas províncias nortistas correspondentes ao atual
Nordeste, conforme apontamos para o caso de Pernambuco. A descrença na educação de
meninos indígenas também fora manifestada pelo Presidente de Goiás, ao defender a
formação de intérpretes não indígenas no Colégio Isabel.
D. Antonio não esmoreceu diante deste cenário, cuidando pessoalmente da
organização do Instituto, em termos pedagógicos e provavelmente, disciplinares. Como
vimos, desde que assumiu a diocese, ele atuou como educador no seminário e procurou
difundir suas idéias sobre as regras de civilidade para os pequenos. A disciplina no Instituto
Providência é elogiada por Pires de Almeida, pois os meninos tinham respeito e afeição a seus
mestres e superiores, que os tratavam com educação. O “respeito familiar” orientava as
relações na instituição, contribuindo para “manter a disciplina indispensável a este tipo de
estabelecimento”. O autor afirma que “a mentira está proscrita do Instituto, porque a
sinceridade é uma das virtudes destas crianças que ingressaram na vida civilizada”.
131
Deve-se
levar em conta que a avaliação da instituição feita por Almeida está condicionada à
preocupação em difundir para o mundo a “verdade inegável” de que “o Brasil não está atrás
de nenhuma nação sul-americana, em matéria de ensino público e, em muitos aspectos, nada
tem a invejar de outros povos”.
132
O seu livro, que apresenta sem muita sistematização,
“breves históricos” de estabelecimentos de ensino de diversas províncias, foi publicado no
Rio de Janeiro, em francês (“língua universal”), visando facilitar a difusão pretendida pelo
autor. O seu propósito era mostrar que “O Brasil é, certamente, dentre todos os países da
130
RPAM, 2/6/1889, p.30.
131
ALMEIDA, José Ricardo Pires de, op. cit., p. 270.
132
Ibid. p.22.
372
América do Sul, aquele que maiores provas deu de amor ao progresso e à perseverança na
trilha da civilização”.
133
Os estudos no estabelecimento consistiam em leitura, escrita, desenho, música,
aritmética, instrução cívica (direitos e deveres do cidadão), doutrina cristã; ensino de ofícios
nas oficinas de forjaria, limador, fundidor, carpinteiro, marceneiro, pedreiro, sapateiro,
alfaiate, etc. Macedo Costa importou da Inglaterra oficinas completas, com 40 máquinas,
montadas por engenheiros ingleses. Havia uma tipografia, o ensino agrícola e uma fábrica de
farinha de mandioca para consumo dos alunos e venda do excedente.
134
Na visita ao
estabelecimento em 1885, Stenio relacionou a existência de três barracões cobertos de zinco,
onde funcionavam as oficinas de marcenaria, ferraria e carpintaria, dirigidas por artistas
estrangeiros. As madeiras eram conduzidas para as oficinas nos carros e trilhos colocados nas
matas até a extensão de três quilômetros. Havia uma padaria, onde era fabricado o pão para
consumo do estabelecimento. Todo o serviço era feito pelos “asilados”, divididos em turmas
de trabalho. Os visitantes encontraram alunos bem vestidos e alimentados, gozando de
vigorosa saúde.
135
O touriste do “Providência” observou que as terras do estabelecimento eram muito
férteis, estando uma grande área ocupada com mandiocais, feijoais, arrozais, uma enorme
horta, um pasto e outras plantações. O Presidente da Província do Pará informa, na fala à
Assembléia Legislativa, que a instituição abastecia a capital com produtos agrícolas.
136
A
Assembléia Provincial, presidida pelo cônego Siqueira Mendes, brindou o estabelecimento
dispensando todos os produtos da escola de agricultura, artes e ofícios dos direitos
provinciais e municipais.
137
Mas é o ensino da música que encanta aos observadores, especialmente a Pires de
Almeida, que discorre a respeito da adoração desta aula pelos indígenas, para a qual
possuíam extraordinária aptidão. O autor confirma a visão corrente da aptidão das crianças
133
Ibid. p.143.
134
Informações fornecidas por ALMEIDA, José Ricardo Pires de, 1989 e LUSTOSA, Antonio de Almeida
1939.
135
A Província do Pará, 23/9/1885.
136
RPPA, 2/2/1889, p. 47.
137
A Constituição, 1/12/1882 (Assembléia Legislativa Provincial, sessão de 3/11/1882).
373
indígenas para a música e para os ofícios mecânicos, pois o seu “atavismo” condicionaria as
suas “disposições”, levando-os a se mostrarem mais dados ao aprendizado dos instrumentos
de sopro e ao coro, por exemplo.
138
A visão sobre a limitação da “raça indígena” às
capacidades tidas como superiores, como a intelectual, era compartilhada pelos homens
ilustrados da época. Couto de Magalhães desenvolveu o seu projeto de civilização dos índios
“selvagens” calcado na concepção de que o seu aproveitamento deveria ser dirigido para as
atividades nas quais apresentassem maior produção, como as exigidas pelas indústrias
extrativa e pastoril. Pertencendo os indivíduos a uma civilização que “não transpôz os limites
da idade da pedra”, o projeto pedagógico para formação de uma elite indígena que
influenciaria os seus, mudando os os costumes sem imposições, se baseou na “educação
intellectual pratica”, ministrada no Colégio Isabel.
139
138
A “aptidão dos indígenas” para o aprendizado da música e dos ofícios foi apreciada por Coudreau
(1887, p.180). O gosto dos educandos pela música e o seu “adiantamento” foram igualmente citados pelo
Presidente da Província do Pará em 1887 (RPAM, 20/10/1887, p.70). D. Antonio de Almeida Lustosa (1939)
afirma que os educandos formavam uma boa banda de música (p.494).
139
MAGALHÃES, José Vieira Couto de, 1873, p.465.
374
No caso paraense, o “Providência” representava a colônia agrícola desenhada nos
meios oficiais e a ação missionária que o prelado se esforçava por resgatar com novas
propostas.
Almeida informa que um novo plano de construção do estabelecimento, para 400
alunos, foi oferecido pelo engenheiro e arquiteto Schreiner, tendo o projeto sido publicado
por uma revista alemã. A almejada expansão do estabelecimento não chegou a ser realizada.
O que não sabemos é se havia demanda por parte da população do Pará e do Amazonas
para um número tão grande de vagas. A nossa hipótese é que não, pois em 1885, quando o
Instituto estava em pleno funcionamento, munido de infra-estrutura física e humana que
atendia às suas finalidades, sobravam vagas. As despesas eram cobertas por contribuições
particulares e uma parcela menor vinha do governo imperial e do Governo do Pará, através
de subvenção anual.
140
Os recursos obtidos dos meios oficiais e privados parecem ter sido
insuficientes para manter a instituição, passados os primeiros anos, quando o “Providência”
representou uma novidade no cenário educacional da Província. Um exemplo da mobilização
social provocada pelo bispo em prol do projeto consistiu na promoção de uma grande
quermesse, em janeiro de 1886, realizada nos vastos salões do Liceu provincial, com ampla
participação das famílias paraenses e de comerciantes da praça de Belém. A imprensa
colaborou com o evento, divulgando-o e convocando os paraenses a participar.
141
As referências ao Instituto nos relatórios provinciais do Pará são eventuais e o interno
é geralmente tratado como “educando”. Na parte referente à “Catechese dos Indigenas”, da
fala do presidente Tristão de Alencar Araripe em 1886, é realçado o aspecto mais valorizado
por Almeida, isto é, a civilização de índios através da educação industrial de meninos e
rapazes indígenas, visando a sua fixação no meio da “população civilisada”.
142
Araripe já
tinha um modelo em mente: tratava-se do Instituto da Providência, criado e mantido pelo
“illustre Bispo Diocesano”. O estabelecimento deveria servir de “norma”, pois lá os menores
eram educados e mantidos,
140
RPPA, 2/2/1889, p. 47.
141
A Constituição, 1/1/1886.
142
RPPA, 25/3/1886, p.57.
375
(...) com a máxima vantagem para a sociedade, que, no termo de poucos annos,
vê no seu seio como ferreiros, marceneiros, musicos e artistas de outros generos,
individuos que nos bosques conservam os habitos e a inutilidade do
selvagem.
143
No Pará, o Instituto mereceu a atenção de pelo menos quatro autoridades ligadas à
Presidência da Província: três presidentes e um vice-presidente visitaram o estabelecimento,
subvencionado pelos cofres provinciais. O 1
o
vice-presidente Carlos Augusto de Carvalho
admirou-se com a “productividade do trabalho” de seus 58 educandos. O auxílio de dez
contos à “colonia orphanologica” deverá figurar nos orçamentos posteriores, recomenda
Carvalho ao sucessor no Governo da Província, revelando-nos a eficácia da estratégia do
bispo, ao convidá-lo e, em seguida, homenageá-lo nas visitas feitas ao “Providência”, no ano
de 1885. Dois anos depois, o presidente Francisco José Cardoso, ao constatar que o
Instituto Paraense de Educandos Artífices não apresentava resultados condizentes com a
“avultada despesa com a sua manutenção”, propôs ao “virtuoso bispo diocesano” a fusão do
estabelecimento com o “Providência”. A instituição ficaria sob a responsabilidade da
autoridade eclesiástica, que receberia até 200 meninos, mediante uma subvenção equivalente à
metade das despesas feitas com o Instituto Paraense.
144
O presidente vislumbrou na fusão livrar-se da tarefa administrativa e educativa e dos
custos com a instituição, podendo também a Província lucrar com a venda ou arrendamento
do edifício, ou a sua ocupação por outro serviço. Ao que parece, a proposta não encantou ao
bispo e aos sucessores do presidente Cardoso, pois nos relatórios e falas posteriores não se
tocou mais no assunto. Na visita que fizera ao Instituto, Cardoso “examinou minuciosamente
tudo quanto ali existe” e concluiu: “há muito o que fazer, mas o que existe inspira confiança”,
reproduzindo uma frase de Carvalho. Nos dois anos seguintes, o Instituto não é mais citado
nos relatórios, até que, em 1889, o presidente Miguel José d’Almeida Pernambuco relata que,
nas duas visitas feitas ao estabelecimento, encontrou “aceio e boa ordem”, aulas e oficinas
funcionando, além de uma pequena lavoura, com produtos que abasteciam a capital.
145
Não
há mais referência à fusão dos estabelecimentos, a despeito das inúmeras queixas dos
143
RPPA, 25/3/1886, p.57.
144
RPPA, 16/9/1885, p.68; RPPA, 20/10/1887, p.69-70.
376
diretores do Instituto Paraense de Educandos Artífices a respeito da precariedade do edifício
e das oficinas.
Há verdadeiras lacunas a serem investigadas com relação às informações fornecidas
pelos autores sobre o Instituto, por serem escassas e comprometidas em demostrar o sucesso
da iniciativa. Autores que posteriormente escreveram sobre a vida e a obra de D. Antonio
ignoram a experiência ou apresentam raras informações. Agnello Bittencourt, por exemplo,
não cita o Instituto no resumo biográfico de Macedo Costa; Lustosa, na sua extensa biografia
do bispo, dispensa menos de duas páginas ao “Providência”, dedicando-se no restante do
capítulo a reproduzir o Itinerário de sua viagem a Minas Gerais.
A escassez das fontes deve explicar, em parte, a indiferença pela experiência, aliada a
fatores como a sua origem desvinculada do Estado, quer fosse do governo provincial, quer do
Imperial, ao contrário do ocorrido com o Colégio Isabel, de Goiás; a importante atuação do
bispo na área educacional e os seus atos polêmicos na gestão da diocese, que resultaram em
grande comoção, local e nacional, podem ter encoberto a iniciativa do Instituto.
146
Outra
hipótese estaria calcada na existência não muito longa do estabelecimento. Não foi possível
precisar a data de seu fechamento, mas Lustosa afirma que ele não teve vida longa, pela
carência de recursos eficientes dos poderes públicos e pela localização em área rural, e não
no centro comercial, onde as oficinas poderiam contribuir para a manutenção da obra.
147
A
vida curta do estabelecimento sugere duas suposições: a instituição, fechada em um período
no qual não havia uma mentalidade de preservação documental que retratasse a vida cotidiana
dos setores pauperizados e desvalorizados da sociedade, deixou um insignificante legado para
a reconstituição de sua história; a instituição não teria alcançado os resultados esperados,
levando a direção e a diocese ao esquecimento do que um dia representou a esperança de
145
RPPA, 2/2//1889, p.47.
146
A questão religiosa e a luta contra irmandades do Pará pelo monopólio das igrejas e eventos religiosos,
como a festa do Círio, são temáticas dominantes nas páginas de seus biógrafos, dos jornais da diocese e
de seus próprios livros. Macedo Costa não escreveu a respeito da experiência educacional do Instituto
Providência, embora tenha se dedicado ao preparo e divulgação de obras educativas dirigidas aos alunos
das escolas públicas e para a mocidade em geral.
147
LUSTOSA, Antonio de Almeida, 1939, p.494.
377
transformar “filhos de índios” e “desamparados” em “operários sinceramente católicos”, nas
palavras do Arcebispo do Pará, em 1939.
148
O regresso de D. Macedo Costa à Bahia, em 1890, como arcebispo, pode ter
concorrido para a decadência de um projeto em que se empenhara pessoalmente, chegando a
assumir uma parte importante do ensino do Instituto. Consta do relatório provincial e do
almanaque do Pará, do ano de 1889, que o cônego Dr. Antonio Macedo Costa era o
professor de história pátria, geografia e desenho linear do mesmo.
149
Pelo menos nos
primeiros anos de funcionamento da instituição, o bispo conseguiu mobilizar a sociedade
paraense e o governo na difícil tarefa de manter seus serviços. Em 1891, ano do falecimento
de D. Antonio, o estabelecimento devia os valores correspondentes a um ano de fornecimento
de carne verde, cobrança feita pela Companhia Protetora da Indústria Pastoril, da praça de
Belém.
150
Depois de 1891, não localizamos mais referências ao Instituto Providência.
*
* *
O historiador José Maia Bezerra Neto remete a criação das instituições educacionais,
em fins do século XIX, ao contexto da reforma da Igreja no Brasil e dos anseios civilizadores
dos grupos sociais hegemônicos do Pará (provenientes da oligarquia da borracha),
enfatizando a participação dos poderes públicos neste processo, ao subvencionar o ensino
particular, criar institutos profissionalizantes e ampliar o número de escolas públicas primárias.
A instrução popular era considerada a “base do progresso moral, intelectual e social de
qualquer país”.
151
Outro aspecto importante do período refere-se às propostas e às ações de
colonização dos sertões pouco povoados do Brasil. Dois relatórios apresentados ao Ministro
da Agricultura, nos anos de 1875 e 1876, privilegiam duas tendências das discussões a
respeito do aumento do número de trabalhadores no país: a imigração européia e a
preparação dos trabalhadores livres do país para o trabalho, incluindo-se nesta categoria os
148
Trata-se do já citado D. Antonio de Almeida Lustosa (1939, p.494).
149
RPPA, 2/2/1889, p.47 e ALMANAK do Pará...,1889, p. 188.
150
Ofício dos diretores da Companhia Protetora da Indústria Pastoril, Antonio Ferra Pessoa(?) e Antonio
José de Lemos, a D. Jeronymo, Bispo do Pará, 7/4/1891 (Arquivo da Cúria Metropolitana de Belém)
378
índios e os ingênuos. Augusto de Carvalho debruça-se exaustivamente sobre o tema
“colonisação e emigração”, tendo como exemplo positivo o caso dos Estados Unidos, do
qual estuda os “systemas e vantagens que offerecem”, em paralelo ao “historico do
descobrimento, povoação, autonomia e prosperidade do Brazil”. João Cardoso de Menezes
e Souza volta-se para questões internas do país, apresentando um “projecto de solução ás
questões sociaes, que se prendem a este difficil problema” (da colonização do Brasil),
dedicando quase 100 páginas do seu extenso relatório à educação dos futuros colonos do
país: as crianças pobres, desvalidas, abandonadas, indígenas e nascidas livres.
As propostas educacionais de João Menezes e Souza estão centradas na criação de
colégios para a formação de lavradores e artesãos mecânicos. É um entusiasta do modelo
implantado por Couto de Magalhães, por pretender modificar os “habitos dos selvagens”:
A creação desses collegios para menores indigenas e para os das raças
mestiças, que os quizerem frequentar, modificará os habitos dos selvagens, hoje
quasi incapaes para os trabalhos pacificos da agricultura e da nossa rudimentar
industria fabril e textil e creará uma geração de lavradores e artesãos
mecanicos, que hão de contribuir poderosamente para a producção do paiz.
152
O tema da educação dos livres permeou os debates dos Congressos Agrícolas de
Recife e do Rio de Janeiro realizados em 1878. Duas posições polarizaram as discussões
referidas a esta temática: no Norte, a educação foi percebida como preparação da chamada
mão-de-obra nacional para o trabalho, e no Sul, a educação dos ingênuos e desvalidos como
mão-de-obra seria um estágio para a introdução de trabalhadores estrangeiros no Brasil.
153
A
respeito da relação entre colonização e clima, algumas regiões foram eleitas como capazes de
151
BEZERRA NETO, José Maia, 1991/1992, p.1.
152
SOUZA, João Cardoso de Menezes e Souza, 1875, p. 146.
Nos anos 1870, o governo norte-americano reformulou a política nacional de civilização dos índios ao criar
o sistema de internatos dentro das reservas indígenas, com o objetivo de preparar os meninos para o
trabalho agrícola e artesanal, e o ensino de atividades domésticas às meninas. A constatação de que as
escolas-dia não afastavam as crianças e jovens de seus costumes nativos, levou os reformistas à
implementação de internatos em ritmo bastante acelerado: de 48 internatos existentes em 1877, este número
passa para 117 uma década depois (ELLIS, Clyde, 1996, p.22). Um aprimoramento do sistema, sob a ótica
civilizadora, levou à criação de 25 grandes internatos a partir de 1879, situados em locais distantes das
reservas, de forma a evitar qualquer tipo de contato dos internos com as suas comunidades (ADAMS,
David Wallace, 1995, p.57). A experiência de educação indígena norte-americana é ignorada pela literatura
dedicada à educação no período, embora a política de instrução pública desenvolvida neste país fosse
bastante apreciada nas últimas décadas dos oitocentos. E também não é citada pelos três autores dos
projetos contemplados neste capítulo.
379
receber colonos europeus, enquanto outras tiveram como solução proposta o aproveitamento
da população local: homens livres pobres e não proprietários, os libertos, os nascidos livres
após a lei de 1871 e os índios.
As teorias raciais que circulavam na intelectualidade brasileira das últimas décadas do
século XIX tiveram suas parcelas de influência sobre os debates, projetos e ações
desenvolvidos no período com relação à educação dos filhos de índios. Os projetos
apresentados estão fundamentados no direito de uma raça “impôr suas leis” e assimilar uma
outra raça à sua civilização, através da condição de cidadão com direitos restritos. Homens
ilustrados do século XIX pregavam a substituição da violência pela educação e pela ação
evangelizadora. Assim se expressou Menezes e Souza a respeito do assunto:
“(...) o filho da raça aryana, tomando, em nome da civilização, posse da terra,
que era patrimonio da raça vermelha, tem o direito de lhe impôr suas leis, de
trazer essa raça ao gremio da sociedade organizada. A par desse direito, porém,
existe a obrigação correlata de empregar todos os meios de suave persuasão, de
evangelica propaganda, que resgatem os erros do passado e preparem futuro
melhor aos tristes espoliados”.
154
Como "a época não é do enthusiasmo religioso", não se pode contar somente com as
missões para obter “resultado efficaz sobre a civilização dos indigenas”, pois o índio não
pode ser conservado “segregado do movimento geral do progresso da humanidade, a que elle
não é, de forma alguma, fractaria”.
155
Como demostra Lilia Schwarcz, o século XIX não vê
mais a noção de perfectibilidade como uma via de mão dupla, como queria Rousseau, ao
defender a idéia de que as sociedades ocidentais caminhavam não para a virtude, mas para o
vício e a decadência. Entre as elites dos oitocentos, acreditava-se no progresso rumo a uma
única direção: “à Europa Ocidental, à monogamia, ao industrialismo, à tecnologia”.
156
Um bispo conservador como D. Antonio Macedo Costa também já não empenhava
tanto fervor na catequese e civilização dos índios pelo isolamento em missões.
157
Ele propõe,
153
FONSECA, Marcus Vinicius, 2000.
154
SOUZA, João Cardoso de Menezes e, 1875, p.139.
155
Ibid. p 140.
156
SCHWARCZ, Lilia, 1996, p.163.
157
Ele se mostra mais preocupado com o isolamento dos missionários, mas de qualquer forma não está
imune à descrença dominante na época com relação à eficácia das missões.
380
com o projeto do Cristóforo ou Navio-Igreja ir ao encontro das populações do interior do
Amazonas para sua educação religiosa e secular, mas não descuida da educação dos índios
ao criar uma escola para educação de seus filhos, com a tônica centrada no trabalho
mecânico e agrícola, tal qual as outras propostas aqui apresentadas.
Menezes e Souza defendeu os projetos pedagógicos de Couto de Magalhães e de
Domingos Gonçalves, para que os “meninos selvagens” e os das “raças mestiças”
recebessem a cultura religiosa e civil, mesmo que para atingir a este fim fosse necessário
comprar ou adquirir crianças “á troco de qualquer insignificante presente”.
158
Partia-se do
pressuposto de que
“(...) a alma virgem da criança amolda-se, com maior facilidade, aos exercicios
e lições, que se lhe dão. Os habitos paternos, ainda não arraigados nella, serão
facilmente esquecidos. Os pais, parentes e amigos, que virão visitar essas
escolas, vendo os meninos alegres, bem tratados, no seio da abundancia e da
paz, approximars-e-o do homem civilizado, irão, pouco a pouco
comprehendendo as vantagens da vida social, e aggregando-se aos nucleos de
povoação”. (...) A noticia irá correndo pelas tabas do sertão: os indios trocarão
pouco a pouco a vida errante e miseravel, que arrastam entre as feras, pela
felicidade, que se goza nessas mansões de felicidade, e correrão pressurosos a
dobrar a cerviz ao jugo suave da civilização”.
159
Ao final do Império, as escolas indígenas não provocarão mais tamanho entusiasmo
entre especialistas e autoridades. A crença no poder educacional de colégios sem vinculação
a um projeto missionário desfalece.
Na primeira década republicana, os internatos indígenas voltam ao domínio das
missões religiosas. No Norte, os capuchinhos da Ordem da Lombardia fundaram, em 1895,
um colégio (Instituto Indígena) para jovens índios Tenetehara, Canela e Timbira, maiores de
14 anos, provenientes de aldeamentos do Maranhão. Dois anos depois, os capuchinhos
instalaram na recém-criada Missão de São José da Providência do Alto Alegre um internato
para meninas menores de 14 anos, vindas de diversas aldeias.
158
SOUZA, Antonio de Almeida, 1875, p. 140.
159
Ibid. p. 145-146.
381
A partir dessas experiências, a Ordem se espalhou pelo Piauí, Ceará e Pará,
fundando nos quinze anos seguintes nove colégios, duas colônias indígenas, duas tipografias e
diversas igrejas.
160
Paralelamente à ação missionária no Maranhão, religiosos da mesma ordem instalaram
no Pará, em 1898, um Núcleo Indígena no território ocupado por quatro famílias de índios
Tembé, próximo à estrada de ferro que ligava a cidade de Bragança à Belém. Na primeira
excursão ao terreno, sob calorosa recepção dos índios, frei Carlos de São Martinho ergueu
a Cruz nas invias mattas, celebrando-se, pela vez primeira, o Sacrificio da Missa. Neste
caso, a instalação dos internatos e das escolas para índios provocou o surgimento da missão,
que apesar do nome neutro de Núcleo Indígena, espelhava-se nas tradicionais missões
catequéticas. Os meninos eram treinados nos ofícios, aprendiam música, as letras e a doutrina
cristã. Os índios recebiam lotes para residência e cultivo da terra; cacaueiros e seringueiras
eram cultivados para compor o patrimônio da colônia. Os internatos masculino e feminino
(Instituto Santo Antonio do Prata), para os filhos dos índios e menores recolhidos pela polícia
de Belém, foram fundados sob contrato com o Governo do Estado. Logo após a instalação
do instituto masculino, primeiramente em barracas precárias, 28 meninos índios foram
internados por seus pais. Nos anos seguintes, os internatos e a escola externa receberam um
bom número de índios, próximo da capacidade máxima de 60 crianças por sexo.
161
A
experiência anterior, do Instituto (Providência) instalado na mesma região da Estrada de
Bragança, caía no esquecimento.
160
GOMES, Mércio Pereira, 2002, p.264-280. O autor faz um interessante relato da rebelião da missão do
Alto Alegre, no Maranhão, tendo sido a morte de 28 das 82 indiazinhas do internato, por varíola e tétano,
uma das fontes de tensão entre índios e missionários.
161
Muniz Palma (1913), chefe do serviço de colonização do Estado e encarregado da inspeção do Instituto
de Santo Antonio do Prata, faz um relato histórico detalhado da criação e funcionamento do Núcleo
Indígena até o ano de 1912. Veja, em anexo, fotos da banda de música e das salas de aula.
382
Conclusão
O envolvimento e os percalços das províncias amazônicas junto à instrução da
população constituíram o objetivo deste estudo. Focalizamos a educação popular, entendida
por seus empreendedores, como a instrução elementar e primária do povo, formado, em
geral, pelos filhos dos pobres livres. A população desvalida do Pará e do Amazonas
apresentava grande diversidade étnica e cultural, atingindo as instituições educacionais nos
aspectos mais fundamentais, pois freqüentemente não havia a desejada uniformidade
lingüística e de costumes. O público das escolas primárias do Estado incluía não só a
população empobrecida, mas as camadas médias, como os filhos dos pequenos
comerciantes, dos chefes locais e de funcionários públicos e militares de categoria inferior.
Até o final do Império o ensino público primário sobrepujou o ensino particular na região.
A pesquisa privilegiou as instituições educacionais dirigidas aos meninos, tanto as
escolas primárias quanto os internatos de ensino profissional. A prioridade recaiu sobre a
educação enquanto uma política de governo, portanto, somente analisamos as escolas
públicas. Dos internatos, optamos por incorporar à análise aqueles cujas propostas
educacionais se aproximavam das instituições oficiais, como foi o caso do Instituto
Providência, criado pelo Bispo do Pará. Os governos do Pará e do Amazonas impulsionaram
seus programas educacionais nas duas últimas décadas do Império, marcados pelos mais
diversos percalços políticos, econômicos, sociais e culturais. Observa-se, neste período, a
emergência de iniciativas no sentido da expansão social e geográfica da educação popular. As
escolas isoladas, constituídas por um único regente, se espalham pelo interior das províncias,
alcançando o Amazonas 93 escolas e o Pará 277 escolas instaladas fora das capitais, no ano
de 1888. Nas capitais e nas principais cidades, homens vinculados a determinadas categorias
profissionais e sociais, que nunca sentaram nos bancos escolares, foram instigados ou
obrigados a decifrar o a, b, c. A partir de meados da década de 1870, praças da polícia e do
exército, pessoal dos arsenais de Marinha, trabalhadores, presos e escravos passaram a fazer
parte da população escolar das províncias, especialmente no Pará. As escolas femininas se
383
alastraram, sobretudo em Belém e Manaus, chegando a estatística escolar a revelar um
fenômeno que causou espanto ao diretor da instrução pública paraense, em 1889: muito mais
meninas estudavam do que meninos na cidade de Belém. Em Manaus, o número de alunas
nas escolas públicas femininas também sobrepujou ao de alunos. Por esta época, surgiram as
escolas mistas, onde professoras ensinavam a ambos os sexos, até os nove ou dez anos de
idade.
Tão logo se instalou a Província do Amazonas, o governo deu início à regulamentação
da instrução pública, propondo à Assembléia Legislativa a aprovação de um regulamento no
ano de 1852. No ano anterior, o Pará já havia aprovado um novo regulamento, inspirando a
jovem Província vizinha. Ao longo do nosso período de estudo, o movimento de
regulamentação da instituição escolar, de uniformização e profissionalização da prática
docente se intensificará. O processo de afirmação da escola elementar, nas capitais e no
interior, será marcado pelos conflitos entre governo, população e professorado, com a
ingerência direta dos interesses políticos, eleitorais e do clientelismo do Estado.
Em todo o Império brasileiro, as províncias lutavam por firmar o modelo escolar e
fomentar, entre a população, a aceitação e até a demanda, da educação oferecida pelo
Estado. Na Amazônia, a interiorização da escola pública se tornou uma meta dos governos,
sobretudo, a partir da década de 1870. O crescimento do número de escolas masculinas e
femininas nas duas últimas décadas do Império é notório na região, nas capitais e nas cidades,
vilas e povoados do interior. Em se tratando de uma extensa área geográfica, que ocupava
cerca da metade do território brasileiro, com baixíssima densidade populacional, o esforço de
disseminar a instrução popular é digno de nota. Outras características populacionais
impunham dificuldades ao projeto educacional, como a diversidade étnica e as atividades a
que as famílias se dedicavam, obrigando-as a uma mobilidade desfavorável à continuidade
exigida pela formação escolar.
A despeito dos obstáculos exaustivamente descritos pelas autoridades da instrução
pública, a população do interior não necessariamente rejeitou o esforço educacional dos
governos. Pais de famílias e demais moradores dos povoados, sobretudo no Pará,
absorveram a escola como um projeto para seus filhos, cobrando dos poderes públicos tudo
384
o que entendiam ser necessário para a plena formatação da escola. Nem sempre as falhas
apontadas pelas diretorias de instrução pública correspondiam às críticas dos pais. Diretores
da instrução rejeitavam o acanhamento das casas escolares, tema que não importunava as
famílias. As palhoças das povoações que tanto desagradavam às autoridades, não
necessariamente incomodavam os moradores. O aproveitamento dos alunos, a moralidade e a
probidade dos mestres foram as maiores preocupações das famílias que enviaram seus
meninos às escolas. O custo de ceder as crianças para que, durante anos a fio, passassem
parte do dia sob o jugo dos mestres, era alto para as famílias que precisavam do seu trabalho.
Dividir o papel de educador com um indivíduo de baixa moralidade e despreparado para a
função constrangia a muitos. Podia-se encontrar em várias localidades do interior pais que
tinham em mente um determinado modelo escolar e que não pouparam esforços para
transmiti-lo ao governo e ao público, através das representações à presidência e à diretoria da
instrução, e das cartas aos jornais.
A obrigatoriedade escolar, estratégia adotada nos regulamentos com o fito de coagir
os pais a matricular os filhos nas escolas, tem o seu reverso, com os pais impondo aos
governos formas de funcionamento e difusão da escola. A distribuição das escolas, sem
dúvida, seguiu, em parte, as determinações do poder político-eleitoral, contudo, a pressão
dos moradores não exerceu pequeno papel. Abaixo-assinados seguiam para a capital,
solicitando a instalação de escolas em lugares que ficavam a muitos dias de barco do centro
do poder político do Pará, a ponto de um diretor da instrução se queixar das exigências das
famílias, que viam na recusa, o descaso do governo com a sua população.
A escola pública da Amazônia imperial é uma instituição que desbravou os desertos
da região, se instalando nos locais onde houvesse 10 ou 15 crianças para estudar. Nascia
enraizada na pequena localidade, pois geralmente a proposta de sua criação provinha do
próprio local, através de professores ou moradores. Embora fosse uma instituição do Estado
no meio da selva, devendo atender às normas e exigências regulamentares, estava imiscuída
na política local. Mas não ignorou as demandas e necessidades dos pais, correspondendo,
por exemplo, à necessidade de mobilidade acarretada pelas atividades laborais de muitos, nos
casos em que escolas eram transferidas de local em determinado período do ano.
385
No escopo da educação popular masculina, desde 1840, a administração provincial
paraense delineou e implementou um modelo institucional de educação profissional de
meninos desvalidos e órfãos. O modelo da Casa de Educandos Artífices calcava-se na
experiência de formação de aprendizes artífices dos arsenais militares e das casas pias
mantidas por ordens religiosas. Nem tanto caserna, e nem tanto claustro, os estabelecimentos
de educandos artífices se disseminaram pelo país, após a instalação da Casa paraense. O
Amazonas criou a sua Casa em Manaus, poucos anos após o nascimento da Província. As
instituições de formação de artistas mecânicos conheceram longa duração e tiveram seus
momentos de brilho. Ao contrário das Companhias de Aprendizes Marinheiros, as quais
infundiam temor nas famílias devido ao recrutamento dos meninos para a Guerra do Paraguai,
as Casas de Educandos passaram a ser cobiçadas por pais e protetores, superadas as
primeiras desconfianças causadas pelas instituições educacionais do Estado. Portanto, nas
casas e institutos de educandos, os meninos estavam a salvo do recrutamento, tendo acesso
ao treinamento de um ofício e a uma educação que ultrapassava o nível elementar. O estudo
da música e a atuação na banda possibilitaram a que meninos pobres abraçassem uma
profissão a qual dificilmente teriam chances de exercer.
Enquanto as escolas públicas estavam subordinadas às diretorias de instrução pública,
os estabelecimentos de educandos estavam sob o controle direto dos presidentes de
província. Situados nas capitais, a proximidade com o poder provincial não era apenas
geográfica. Politicamente, interessava aos governos controlar a admissão e a demissão de
educandos e funcionários. Nos períodos nos quais as instituições alcançavam boa reputação e
status social, a disputa por vagas transformava a sua concessão em um prêmio. Filhos de
funcionários públicos e militares de nível inferior, e de pessoas que contavam com protetores
influentes estudaram ao lado de meninos desvalidos. No Amazonas, os meninos ainda tiveram
a companhia de filhos de índios, que ingressavam na instituição sem falar o português e
desconhecendo o funcionamento de um internato para formação de artífices. As instituições
de educandos artífices expunham, interna e externamente, o bom governo da população. As
imprensas paraense e amazonense se mostraram vigilantes quanto às instituições educacionais
mantidas pelas províncias, noticiando seus feitos e analisando seus defeitos. Os relatórios dos
386
presidentes chegavam à Corte com extensos relatos das ocorrências relativas à instrução do
povo.
As administrações amazonenses se preocuparam em incluir os indígenas entre os
beneficiados da ação educacional, embora não constasse haver qualquer demanda por parte
desta população com relação à educação de seus filhos na capital, sob os moldes dos
chamados civilizados. Por determinação da presidência ou até na própria pessoa da
autoridade máxima da Província, familiares e chefes de aldeias tiveram que ser convencidos
das vantagens do sistema educacional proposto e da boa fé dos civilizados com relação às
suas crianças. A exploração do trabalho das crianças indígenas e tapuias era prática
largamente denunciada nas capitais, especialmente a partir de 1880, quando a noção de que
todas as crianças (livres) deveriam receber a instrução elementar já estava inculcada entre
determinados grupos. Os formadores de opinião, como os redatores e colaboradores da
imprensa, e autoridades públicas, como os presidentes de província, não se furtaram a
comparar a situação de meninos e meninas nas casas de família de Belém e Manaus à
escravidão. O emprego de meninos índios e tapuios nos seringais era outro motivo apontado
para o não preenchimento das vagas de instituições de baixo conceito social, como as
Companhias de Aprendizes Marinheiros.
Entretanto, as opiniões divergiam quanto à possibilidade de instruir e civilizar os
indígenas. Referidos como tapuyosinhos boçaes pelo Bispo do Pará, as representações
correntes acerca da possibilidade de transformá-los permitiam o emprego de tal termo
publicamente. As crenças a respeito das habilidades dos silvícolas para o trabalho manual em
detrimento do intelectual eram respaldadas cientificamente por obras como O Selvagem, de
Couto de Magalhães. Homem de movimentada vida pública e estudioso dos índios, o então
brigadeiro José Vieira Couto de Magalhães não permitiu que suas teorias permanecessem no
papel. Os governos Imperial e de Goiás foram mobilizados de forma a viabilizar o projeto do
Colégio Isabel, um internato para a formação de intérpretes que depois serviriam de elo entre
os civilizados e as tribos selvagens da região do Araguaia. Um laboratório de transformação
cultural que, se bem sucedido, deveria ser disseminado para as províncias onde grassavam as
hordas selvagens, como o Pará e o Amazonas. O ensino seguia o modelo das demais
387
instituições para educação de meninos desvalidos, ou seja, a formação de operários e
lavradores. As meninas eram preparadas nos misteres domésticos e nas primeiras letras.
Esperava-se delas o casamento com membros de sua etnia, visando a introduzir no seio da
tribo a língua portuguesa e os novos hábitos e costumes adquiridos no Colégio.
O idealizador e diretor do Colégio Isabel não se restringiu a reproduzir os modelos
educacionais vigentes. Couto de Magalhães reservou um papel importante aos jovens índios,
isto é, introduzir uma nova língua e os costumes civilizados entre os grupos indígenas,
tornando seus membros peças fundamentais deste processo. No auge das discussões sobre a
colonização do país, João Cardoso de Menezes e Souza, no relatório ao Ministério da
Agricultura de 1875, aplaudiu a idéia dos colégios indígenas, especialmente os projetos
pedagógicos de Couto de Magalhães no Araguaia e de Domingos Gonçalves na Aldeia de
Urubá, Pernambuco. A modelagem da alma virgem da criança como meio de submeter o
índio ao jugo suave da civilização é o que propõe o autor, embalado pelas idéias de Couto
de Magalhães e pela pedagogia de um colégio indígena que ainda não apresentara seus
resultados.
Próximo a Belém, o bispo D. Antonio Macedo Costa iniciou uma experiência de
formação agrícola e artística de meninos desvalidos e indígenas do Pará e do Amazonas. O
bispo se inspirou nos colégios de ensino de ofícios e nas colônias agrícolas existentes no
período, no Brasil e na Europa. O prelado pretendeu introduzir a ordem salesiana no Brasil
através do Instituto de Artes, Ofícios e Agricultura “Providência”. A formação de intérpretes
não fazia parte dos objetivos do Instituto, e nem consta que a diocese desejasse o retorno dos
jovens aos seus grupos de origem. Um ex-presidente de província, liberal, e um bispo dos
mais atuantes no processo de romanização da Igreja no Brasil lutaram por instruir e treinar
jovens indígenas para ingressar na vida civilizada como operários e lavradores. Dois inimigos
que se enfrentaram quando o jovem Couto de Magalhães administrou o Pará, entre 1864 e
1866, e combateu o jesuitismo do bispo Macedo Costa, empossado fazia poucos anos.
Oponentes políticos se aproximavam quando se tratava de projetos educacionais para as
populações desvalidas e mesmo para os filhos dos índios. As instituições de aprendizes
artífices surgiram tanto nas gestões liberais quanto nas conservadoras, e sobreviveram às
388
mudanças de gabinete, apesar das interferências sofridas com as mudanças políticas, locais e
nacionais.
Em menos de uma década, as duas experiências naufragaram após a saída de seus
idealizadores. O empenho pessoal das duas autoridades mostrou-se fundamental para a
manutenção das instituições. Vinculadas a instâncias externas, isto é, o governo central no
caso de Goiás, e a diocese, no caso do Pará, as instituições não lograram mobilizar
efetivamente os governos locais de forma a garantir o cumprimento de seus fins, quando
perderam o manto protetor de seus criadores. Ao contrário das escolas públicas, que podiam
ser instaladas a partir das demandas dos moradores, as instituições para desvalidos e índios
nasciam do empenho de autoridades públicas, eclesiásticas ou filantropos. Os
estabelecimentos de educandos prosperavam quando os presidentes de província
acompanhavam de perto o andamento cotidiano da instituição, não só através de copiosa
correspondência, como também de corpo presente em visitas freqüentes e de preferência,
inesperadas. Nas discussões realizadas nas assembléias por ocasião das reformas, os
deputados mostravam-se inteirados do funcionamento institucional e até da vida dos meninos,
revelando o alto capital social e político destas instituições. As instituições educacionais
provocavam discussões apaixonadas nas assembléias e suas decisões muitas vezes entravam
em choque com os interesses dos governos provinciais.
Ao final do Império, se a confiança no preparo dos meninos pobres para o trabalho
manual dominava os discursos e as ações educacionais, o mesmo não se pode afirmar para as
crianças das malocas. Disseminavam-se as crenças de que o sofrimento causado pelo
afastamento dos pequenos de seu habitat natural e o acanhamento de inteligência dos
indígenas condenavam, a priori, a ação pedagógica dos internatos. Nas primeiras décadas
republicanas, os governos da região delegaram a educação de meninos e meninas das aldeias
aos missionários, quando vários internatos indígenas foram criados por ordens religiosas, nas
áreas habitadas por índios do Pará, Amazonas, Maranhão, Piauí, Ceará e Mato Grosso. De
certa forma, a antiga experiência jesuítica dos colégios indígenas é resgatada, contudo,
inserida nas exigências da nacionalidade e nos propósitos do governo republicano de ampliar
e proteger fronteiras e colonizar territórios controlados por grupos indígenas. Às meninas,
389
investiu-se na educação para o exercício das tarefas domésticas, vindo as indiazinhas a
ocuparem indispensável papel na economia institucional ao serem incumbidas de fazer os
uniformes dos internatos masculinos e femininos, como ocorreu no Instituto do Santo Antônio
do Prata (Pará, 1898). Os meninos aprendiam ofícios e a lavrar a terra. A formação de
bandas de música funcionou como um indicador de civilização muito valorizado pelas
instituições.
Como desejara D. Antonio de Macedo Costa, os salesianos ingressaram no país,
assumindo a educação profissional e cristã de meninos e meninas das cidades e das aldeias
indígenas. Internatos indígenas foram criados por missionários salesianos na região do Alto
Rio Negro e no Mato Grosso. Os masculinos eram administrados por padres e os femininos,
por freiras, sob rígida disciplina, mantida inclusive através de castigos corporais. Afastar as
crianças do convívio com os seus, impedindo-as de ter contato com a sua cultura e com a
própria língua foram estratégias empregadas para dificultar a construção da identidade tribal
na criança, impingindo a si uma nova identidade, a do cidadão cristão e trabalhador
moralizado, como se esperava dos meninos pobres dos internatos urbanos. A experiência
educacional dos salesianos é proveniente deste contexto, quando D.Bosco iniciou sua obra na
Itália em 1874, fundando asilos para a educação profissional da juventude pobre. Valéria
Weigel mostra, através de relatos de ex-alunos de internatos do Alto Rio Negro, que o uso
das línguas indígenas era passível de punição severa:
“... o aluno tinha que ser controlado; até o próprio irmão controlava; qualquer
língua fora, alguém que falasse tukano tinha que ficar de castigo... “ (ex-aluno
tukano).
“No colégio do Içana, a freira flagrou duas alunas baniwa conversando em
nheengatu no dormitório; no mesmo instante, pegou a escova de lavar banheiro
e [com ela] esfregou creolina na boca das meninas, para elas nunca mais falarem
língua geral. (ex-aluna).
162
162
WEIGEL, Valéria, 2000, p.129 e 131.
390
Que resultados, em termos de transformações culturais, as instituições educacionais da
região trouxeram? Pergunta das mais difíceis de responder, à qual só ousamos levantar
hipóteses. Apesar do significativo crescimento do alunado ocorrido em fins do Império, a
escola atingiu a uma pequena parte da população, por conseguinte, dificilmente a educação
escolar trouxe mudanças maciças. Outros aspectos estavam interferindo no processo de
transformação populacional e cultural, como a migração em massa de nordestinos para a
região, sobretudo para o interior. Todos estes fatores tiveram sua parcela de participação, por
exemplo, na disseminação da língua portuguesa, especialmente no caso amazonense. No
Pará, o município da capital conhecia um grande avanço rumo à alfabetização, apresentando
um importante índice frente à situação educacional do país em 1872. Como demonstramos, as
meninas foram particularmente beneficiadas neste processo, ultrapassando significativamente a
matrícula escolar masculina na década seguinte.
Durante toda a segunda metade do século XIX, os governos locais empreenderam
uma difícil trajetória dirigida à consolidação da instituição escolar nas remotas fronteiras da
Amazônia, dentro dos moldes ocidentais de escolarização da população. A despeito do
acanhamento dos percentuais da instrução pública frente à população, ou frente aos números
apresentados pelos “países cultos”, podemos afirmar que o projeto de difusão da escola
elementar na região foi bem sucedido. O número de alunos e de escolas públicas nunca
deixou de crescer no período, e mais do que isso, as famílias baixaram a resistência à
educação dos meninos e das meninas afastados do controle e da proteção do ambiente
doméstico, entregando seus filhos aos cuidados do mestre-escola. Não era incomum tal ação
envolver complicados esquemas de freqüência escolar quando os pais não podiam abrir mão
do trabalho das crianças em atividades exercidas longe dos povoados, ou simplesmente,
quando não podiam ou não queriam dispensar a companhia dos filhos durante as longas
excursões à pescaria, aos castanhais ou aos seringais. Mesmo predominando nos escritos
oficiais e de especialistas a visão de que os modos de vida dos amazônidas constituíam
obstáculos ao pleno desenvolvimento escolar dos alunos, alguns analistas não deixaram de
notar os esforços de pais e protetores em proporcionar a instrução dos meninos. Certamente,
muitas famílias aceitaram a ingerência do Estado na educação de seus jovens membros,
391
prevendo posições mais promissoras no futuro, que os distinguissem dos cidadãos de arco e
flecha, como um dia os paraenses foram chamados na Corte.
Nas capitais, as instituições educacionais obtiveram a atenção direta das autoridades.
As escolas públicas eram inspecionadas pelos diretores da instrução e os institutos de
educandos recebiam as visitas presidenciais. Os diretores dos estabelecimentos recorriam
diretamente aos governantes para a solução de situações cotidianas da vida institucional. Todo
este cuidado poderia ter gerado uma preocupação especial em avaliar os resultados do
processo educativo dos internatos oficiais. Não é o que ocorreu. Os relatórios dos diretores e
dos presidentes são fragmentados, somente referentes ao ano corrente. Alguns diretores
permaneceram no cargo por mais de dois anos, o que possibilitaria a comparação de
informações e a dedicação aos resultados da formação, contudo, estas não eram funções
anexadas ao cargo. Raríssimas são as informações a respeito do contingente que se desligava
das instituições após completar o aprendizado. Outro fator importante considerado na análise
da formação dos educandos refere-se à constatação de que os relatórios de presidentes de
província, de diretores e avaliadores são atravessados por objetivos políticos capazes de
obscurecer os resultados alcançados pelas instituições. Contudo, os momentos de crise se
mostraram particularmente férteis para a análise, pois, através dos embates, sucessos e
insucessos da instituição vinham à tona. Aspectos como o desempenho escolar, a ocupação
dos internos em trabalhos alheios à formação preconizada pelos planejadores e o ingresso
posterior no mercado de trabalho eram aventados nos debates tornados públicos pela
imprensa. Pode-se depreender que os meninos, mesmo quando havia a presença de índios
que ingressavam nas aulas de primeiras letras sem saber o português, obtinham a escolaridade
elementar e primária, tendo, entretanto, dificuldades em completar a formação escolar que os
institutos de educandos passaram a exigir após 1870 (Pará) e 1880 (Amazonas). Este
resultado de forma alguma denegria a condição de oficial formado pelos institutos, pois não
impedia o exercício da profissão. Além disso, a atitude dos educandos com relação aos
estudos avançados correspondia à da grande maioria dos alunos das escolas públicas, os
quais, raramente continuavam seus estudos nas escolas primárias de 2º grau.
392
Encerramos aqui nossa tarefa, acreditando termos contribuído para o conhecimento
da história da educação de uma região que permanece desconhecida para a maioria dos
brasileiros. A história da educação na Amazônia nos revela as aspirações das elites e de
grupos que buscavam a distinção com relação ao pesado estigma da selva e do selvagem,
em acompanhar o processo civilizador que o Império brasileiro tanto almejou ver implantado
no país. Embora a massa da população, formada por índios e mestiços, não tenha sido
diretamente atingida pelos anseios educacionais dos governos, elas representaram um
importante elemento motivador dos debates e mesmo das iniciativas de civilização da
população amazônica. Os atores que fomentaram esta história foram primeiramente, como
não poderia deixar de ser, homens saídos das elites, locais e de outras províncias do país.
Governantes, diretores, deputados, redatores e jornalistas moveram os programas
educacionais da região, acompanhados por personagens com poder de influência reduzido,
mas que de forma alguma, exerceram papéis secundários neste processo. Inspetores e
visitares escolares, professores, pais e moradores observaram de perto a cena escolar,
levando suas ocorrências ao governo e ao público das capitais.
Os principais alvos do exercício de construção do sistema educacional não tiveram
voz direta na trama escolar, aspecto, aliás, intrínseco à pesquisa da história da educação no
período tratado. Contudo, as crianças não deixaram de comunicar aos seus interlocutores
diretos suas expectativas e insatisfações com relação às instituições educacionais. Aceitando o
processo educativo ou resistindo direta ou indiretamente às suas imposições, as crianças
comunicaram aos pais e protetores suas impressões, verbalmente ou através de inscrições no
corpo. As cartas dos responsáveis aos jornais traziam notícias das vivências escolares que só
podiam ser do conhecimento dos alunos. Desta forma, com os devidos cuidados
metodológicos, pudemos analisar os registros deixados pelos alunos das escolas e pelos
educandos dos internatos, através dos relatos dos agentes educacionais e dos familiares, e de
suas atitudes e comportamentos, tais como as fugas, o desempenho escolar, entre outros
inúmeros sinais.
393
Fontes
Fontes primárias impressas
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Herculano Ferreira Penna, Commendador da Imperial Ordem da Roza, e Presidente
395
desta Provincia, ao director da mesma casa José Antonio Falcao, Alferes Alferes da 3a
Classe do Exercito de Primeira Linha. Em 24 de semtembro de 1849. Maranhào, typ. da
Temperança, 1849.
FALCÃO, José Antonio. Officio de informação tendentes a Casa dos Educandos
Artifices ao Illm Exm. Snr. Doutor Eduardo Olympo Machado, Official da Imperial
Ordem da Rosa, Deputado á assembleia Geral Legislativa e Presidente desta Provincia,
teve a honra de apresentar, em 16 de julho de 1851 o director da mesma casa José
Antonio Falcao, Alferes ajudante da 3a Classe dos Officiaes do Exercito de 1a Linha.
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CORREIO DE MANÁOS. Manáos: Typ do Correio de Manáos, 1869 (jornal
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civilizaçao de índios, colonisaçao, agricultura, industria, &. Provincia do Amazonas: Typ.
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A PALESTRA. Gazeta imparcial e humoristica. Manáos: Typ. do Amazonas, 1882.
Pará:
A BOA NOVA, Belém: Typ.da Estrella do Norte; Typ. da Boa Nova, 1873 e 1883.
A CONSTITUIÇÃO. Orgão do Partido Conservador. Belém: Typ. da Constituição, 1877,
1882-1884, 1885.
A PROVÍNCIA DO PARÁ. Belém: Typ. do Futuro. 1876-1877, 1885, 1888.
O LIBERAL DO PARÁ. Orgão do Partido Liberal. Typ. do Jornal do Pará, Typ. do Liberal
do Pará, Belém, 1883.
JORNAL DO PARÁ. Orgão official, Belém: Typ. do Jornal do Pará, 1872.
REVISTA FAMILIAR. Periodico dedicado ás familias. Belém: Typ. do Commercio do Pará,
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DIOCESE DO PARÁ. Correspondência da Diocese do Pará sobre o Instituto Providência,
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com o Ministério do Império, 1861-1887.
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DIOCESE DO PARÁ. Correspondência do Bispo do Pará, D.Antonio de Macedo Costa,
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442
Album do Estado do Pará (1901-1909)
433
Instituto Affonso Penna
Internato criado pelo governo amazonense, para a educação profissional de meninos desvalidos e filhos de índios, segundo o modelo das
casas/institutos de educandos artífices do Império. Segundo o Regulamento de 26/9/1908, o Instituto “é um estabelecimento destinado a receber,
manter e educar menores pobres, orphãos, especialmente indios, proporcionando-lhes ensino primario e artistico” (art.1
o
).
Fonte: Amazonas, Almanach do Palais Royal para 1909. Foto cedida por: Fundação Biblioteca Nacional/SPR
444
Instituto Gentil Bittencourt
(Belém, Pará)
Pará, Album do Estado do Pará (1901-1909)
Foto cedida por: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
443
Instituto Gentil Bittencourt (Belém, Pará)
Antigo Colégio de Nossa Senhora do Amparo, criado para a educação de índias e meninas pobres e
mantido pelo governo do Pará a partir de 1851 (Annuario de Belém, 1916)..
Internato para educação de meninas órfãs e pobres, maiores de sete e menores de doze anos (240
internas), com a finalidade “dar-lhes meios de subsistencia decente e honroso”. Ensino primário, trabalhos
domésticos, trabalhos de agulha e bordados, música, canto, piano. Oficinas de flores artificiais, de tecidos,
tipografia. Vastos dormitórios com camas de ferros, envernizadas e douradas. Louça, talheres e roupa de
mesa, artigos de metal, como açucareiros, bules, copos com a marca “Estado do Pará” e especialmente
encomendados em fábricas de Paris.
Fonte: Pará, Album do Estado do Pará (1901-1909).
Foto cedida por: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
406
Anexos
Estatística escolar do Pará e do Amazonas (referente aos capítulos 1 e 2)
Os dados arrolados nas tabelas do Pará e Amazonas foram extraídos dos relatórios
das diretorias de instrução pública, apresentados nos relatórios presidenciais das duas
províncias e reorganizados de acordo com as necessidades da pesquisa. Os dados
apresentados pelas diretorias baseavam-se nos mapas enviados pelos professores e
professoras, portanto, podiam incluir todos os alunos matriculados ou somente os que
efetivamente freqüentaram as aulas.
Nem sempre foi possível conseguir informações relativas aos anos desejados; nestes
casos, recorreu-se ao ano posterior ou anterior. Mesmo assim, não são poucas as omissões
de dados, como se poderá verificar nas tabelas abaixo. Quando as informações dos relatórios
não estão resumidas, em quadros ou mapas, foi preciso fazer a contagem para incluí-las nas
tabelas. Incongruências e informações importantes para a compreensão dos dados são
apontadas em notas de rodapé.
407
PARÁ
Anexo 1 - Instrução pública primária no Pará (1840-1888)
ESCOLAS ALUNOS
Ano Masculinas Femininas Mistas Totais Meninos Meninas Totais
1840 36 1 - 37 738 25 763
1
1850 38 4 - 42 1.158 134 1.292
2
1860 62 14 - 76 3.036 560 3.596
3
1870 80 27 - 107 3.778 882 4.660
1872 92 72 - 164
4
4.580 1.012 5.592
1875 - - - 226 - - 10.576
1880 174 71 5 250 - - 12.102
5
1888 - - - 331 - - 16.550
6
1889 228 139 - 367 8:160 4:460 12:620
7
Fontes: RPPA: 15/8/1840, p.19;12/5/1860, p.9; 1870, p.12; 5/11/1872, p.18; 15/2/1876,
p.18; 15/2/1881, p.17, 2/2/1889, relatório anexo; 18/9/1889, anexo, p.33. PARÁ, Relatório
da Diretoria de Instrução Publica, 18/12/1850.
1
O número total de alunos de primeiras letras alcançava 1.071 indivíduos ao somarem-se os 308 do ensino
particular. Duas escolas primárias públicas estavam vagas. (RPPA, 15/8/1840, p.19 e 124).
2
Seis escolas não apresentaram seus mapas (PARÁ, Relatório da Diretoria de Instrução Publica,
18/12/1850. IHGB-Coleção Manuel Barata-“Relações e mapas referentes às Escolas Públicas do Pará. 1829-
1858”).
3
Oito escolas não entregaram seus mapas (RPPA, 12/5/1860, p.9).
4
Deste total, 17 escolas femininas estavam vagas por falta de professores; sete escolas eram noturnas,
com 98 alunos no todo (RPPA, 15/2/1872, p.18).
5
Neste valor devem estar somados os alunos e alunos das escolas primárias particulares, pois em 1881
havia 10.890 alunos(as) nas escolas públicas primárias, e 12.840 acrescentando-se o ensino particular
(RPPA, 4/1/1882, p.63).
6
A freqüência média era de 9.930 e a freqüência diária foi de 8.918 alunos, informa o diretor geral da
instrução pública, Raymundo Nina Rodrigues (RPPA, 2/2/1889, Relatório Anexo).
7
Alunos matriculados no 1
o
semestre de 1889 (RPPA, 18/9/1889, anexo, p.33).
408
Anexo 2 - Quadro demonstrativo da freqüência das escolas de
instrução primaria do Pará (1861-1870)
Quadro demonstrativo da freqüência das escolas de instrução
primaria nos anos abaixo declarados
ANOS ALUNOS
1861 3.736
1862 3.552
1863 3.369
1864 3.582
8
1866 3.140
9
1867 3.749
10
1868 4.808
11
1869 4.710
1870 4.660
Fontes: RPPA, 1864, p.30; 1/10//1866, p.7; 6/8/1868, p.14; 15/8/1869,
p.6; 1870, p.12. Tabela apresentada pelo Presidente da Província do
Pará, José Vieira Couto de Magalhães, em 1864 (completada pela
autora).
Anexo 3 - Freqüência diária das escolas públicas de ensino primário do
Pará (1
o
trimestre de 1864)
12
Freqüência total Freqüência diária -
máxima
Freqüência diária
- mínima
Alunos 2.908 2.360 860
Alunas 674 529 138
Total 3.582 - -
Fontes: RPPA, 1864, p. 31 (Presidente Couto de Magalhães).
8
Das 95 escolas providas em 1864, somente 75 enviaram os mapas de alunos ao Governo da Província.
9
Doze escolas não remetem os respectivos mapas (RPPA, 1/10//1866, p.7).
10
Das 97 escolas, 22 não remeteram os mapas do 1
o
trimestre de 1867. Utilizando os dados do último
trimestre de 1866, daria um total de 4.176 alunos (RPPA, 15/8/1867, p.35).
11
Sete escolas não remeteram os mapas (RPPA, 6/8/1868, p.14).
12
Dados das 75 escolas elementares que enviaram os respectivos mapas.
409
Anexo 4 - População escolar e escolas públicas
primárias por comarca da Província do Pará (1881)
Comarca N
o
de escolas N
o
de alunos
Capital 87 3.795
Igarapé-miry 10 404
Vigia 22 1.138
Cintra 11 586
Bragança 19 643
Cachoeira 16 643
Marajó 9 319
Cametá 27 1.135
Breves 10 376
Gurupá 10 393
Macapá 7 230
Monte Alegre 5 222
Santarém 26 684
Obidos 8 322
Total 267 10.890
RPPA, 4/1/1882, p.60-63.
Anexo 5 - Escolas públicas do Pará em dezembro de 1888
Locais Nº de escolas publicas - dez 1888
Capital 53 (inclui 3 escolas noturnas)
Nas cidades 38
Nas vilas 74
Freguesias 56
Outras localidades 124 (inclui 6 escolas noturnas)
Total 345
Fonte: A Província do Pará, 4/12/1888.
Anexo 6 - Freqüência diária das escolas públicas noturnas da Província do
Pará no 1º trimestre de 1887 e no 2º trimestre de 1888
Local 1º trim. 87 2º trim. 88
Nº de escolas
Capital 83 61 3
Vigia 33 26 1
Bragança 18 Sem informação 1
Cametá 24 30 1
Santarém 15 21 1
Óbidos 10 27 1
410
Total 183 145 8
Fonte: RPPA, 2/2/1889 (adaptado do mapa apresentado no anexo 2).
411
AMAZONAS
Anexo 7 - Instrução Pública no Amazonas (1852-1889)
ESCOLAS ALUNOS
Ano Masculinas Femininas Mistas Totais Meninos Meninas Mista Totais
1852 7 - - 7 107 - - 107
1858 18 4 - 22
13
448 66 - 514
1860 19 5 - 24 440 85 - 525
1870 24 8 - 32
14
373 171 - 544
1877 25 16 1 42
15
974 390 - 1.364
1878 28 19 - 47
16
760 266 - 1.026
1883 - - - 92 - - - 2.470
1884 58 32 8 90 1.964 1.190 - 3.154
1885 52 33 6 91 926 325 - 1.251
17
1888 58 44 14 116 1.238 912 249 2.399
18
1889 - - - 124 - - - 3.534
Fontes: RPAM: 7/9/1858, Anexo F, mapa 2; 25/3/1870, p.14; 1871, Anexo IV-1; 25/8/1878, p.17;
29/3/1879, p.24; 25/3/1883, p.27; 25/3/1886, anexos-p.20-21, doc. n. 4; 25/3/1885, Anexo 3, p.3;
5/9/1888, anexo 7 e mapa anexo; Relatório de 8/10/1889, citado por UCHOA, 1966, p.185.
13
Duas escolas masculinas e duas femininas estavam “sem exercício” (RPAM, 7/9/1858, Anexo F, mapa 2).
14
Das 32 escolas, sete estiveram vagas em 1870 e seis não enviaram informações à Diretoria de Instrução
(RPAM, 1871, Anexo IV).
15
Já considerando a extinção de 10 escolas, por determinação do Presidente da Província e aprovada pela
Lei 366, de 7/7/1877 (RPAM, 25/8/1878, P.16).
16
Das 47 escolas, seis estavam vagas. O presidente, Barão de Maracajú, usa o termo “freqüência” ao se
referir ao número de alunos (RPAM, 29/3/1879, p.24).
17
No tópico “Freqüência”, o número de alunos diminui mais da metade: 559, sendo 459 meninos e 100
meninas. Tal freqüência tão diminuta não se verifica em 1884, apesar da epidemia de varíola, que grassou a
capital e o interior (RPAM, 25/3/1886, anexos-p.21, doc. n. 4 e 25/3/1885, Anexo 3, p.1)). Dezessete escolas
achavam-se vagas em fevereiro de 1886.
18
Dados relativos ao 1
o
trimestre de 1888. Faltam os números dos “alunos matriculados” de dezenove
escolas.
412
Anexo 8 - Número de alunos das escolas
públicas de ensino primário no Amazonas
(1852-1876)
19
Ano Número de Alunos
Meninos Meninas Total
1852 107 - 107
1853 226 13 239
1854 306 14 320
1855 428 14 442
1856 518 45 563
1857 519 52 571
1858 448 82 530
1859 386 58 444
1860 440 85 525
20
1861 434 85 519
21
1862 406 56 462
1863 430 35 465
1864 455 67 522
22
1865 360 36 396
1866 524 83 607
1867 504 122 626
1868 445 90 535
1869 488 139 627
1870 373 171 544
1871 663 168 831
1873 591 191 782
1874 950 257 1.207
1875 861 256 1.117
1876 1.012 313 1325
Fontes: RPAM, 4/4/1869, p.19 (dados de 1852 a
1868); 25/3/1870, p.14; 1871, anexo IV-1;
25/3/1872, anexo 3; 25/3/1874, p.21; 29/3/1879,
p.24.
19
Os dados de 1852 a 1868 foram retirados do relatório provincial de 4/4/1869. Embora estejam referidos ao
ensino público, verificamos que em alguns anos, incluiu-se os poucos alunos(as) do ensino particular.
20
Estão incluídos os 43 alunos do ensino particular (RPAM, 3/5/1861, doc.n.2, p.2).
21
Segundo o RPAM de 3/5/1862, em 1861, das 25 escolas existentes, 10 estavam vagas, sendo 8 para
meninos e 2 para meninas A freqüência foi de 456 alunos (p.14).
22
O RPAM de 1/10/1864 informa que o total de 522 alunos do ensino primário incluía os 64 alunos(as) das
três cadeiras de primeiras letras particulares situadas na capital (p.24).
413
Anexo 9 - Mapa geral do movimento do ensino público primário na Província do
Amazonas no ano de 1877
COMARCAS e
Localidades
N
o
de
escola
s
Sexos Matriculados Provimentos
Masc Fem Masc Fem P/ concurso Interinos
CAPITAL 21 11
8
418
294 11
9
Manáos
23
8 3
3
189
196 7
-
Tauapessassú 2 1
1
48
18 1
1
Codajaz 2 1
1
23
21 -
2
Badajoz 2 1
1
35
24 -
2
Ariman 1 1
-
12
- -
1
Canuman 1 1
-
23
- 1
-
Borba 2 1
1
33
15 1
1
Manicoré 2 1
1
29
20 1
1
Berury 1 1
-
26
- -
1
ITACOATIARA 6 4
2
85
18 2
4
Itacoatiara 2 1
1
23
18 -
2
Silves 2 1
1
33
- 1
1
Capella 1 1
9
- 1
-
Jatapú 1 1
20
- -
1
PARINTINS 6 3
3
105
42 4
2
Villa Bella 2 1
1
38
16 2
-
Andirá 2 1
1
28
3 -
2
Mauês 2 1
1
39
23 2
-
SOLIMÕES 9 6
3
241
20 5
3
Coary 2 1
1
76
20 2
-
Teffé 2 1
1
68
- 2
Alvarães 1 1
-
38
-
1
Tonantins 1 1
-
17
- -
1
S.Paulo d’Olivença 1 1
-
23
- -
1
Fonte Bôa 2 1
1
19
- 1
-
RIO NEGRO 6 4
2
115
16 -
5
Moura 1 1
-
21
- -
1
Carvoeiro 1 1
-
39
-
1
Barcellos 2 1
1
29
- -
1
Rio Branco 2 1
1
26
16 -
2
TOTAIS 48 28
18
974
24
390 22
23
RPAM, 25/8/1878, anexo C (adaptado pela autora do mapa n.1)
23
Uma das escolas era mista, totalizando sete escolas providas de professores.
24
O total é de 964 alunos e não 974, conforme é apresentado no mapa.
414
Anexo 10 - Situação em 1888 das localidades relacionadas no “Mapa geral do
movimento do ensino público primário na Província do Amazonas no ano de 1877”
25
Localidades por
comarca
N
o
de
Escolas
Sexos Matriculados
Masc Fem Mistas Masc Fem Mistas
CAPITAL 32 13 14 5 2250 461 98
Manáos 20 6 9 5 187 344 98
Tauapessassú 2 1 1 - 18 15 -
Codajaz 2 1 1 - 20 29 -
Badajoz 2 1 1 - 19 25 -
Ariman
26
1 1 - - 19 - -
Canuman 1 1 - - 28 - -
Borba 2 1 1 - 48 30 -
Manicoré 2 1 1 - 30 18 -
Berury* - - - - - - -
ITACOATIARA 5 3 2 - 64 74 -
Itacoatiara 2 1 1 - 31 51 -
Silves 2 1 1 - 15 23 -
Capella* - - - - - - -
Jatapú 1 1 - - 18 - -
PARINTINS 3 2 1 - 28 13
Villa Bella* - - - - - - -
Andirá 1 1 - - 13 - -
Maués 2 1 1 - 15 13 -
SOLIMÕES 5 2 2 1 88 102 -
Coary 2 1 1 - 30 28 -
Teffé 3 1 1 1 S/inform S/inform S/inform
Alvarães* - - - - - - -
Tonantins 2 1 1 - S/inform 26 -
S.Paulo d’Olivença 2 1 1 - 38 23 -
Fonte Boa 2 1 1 - 20 25
RIO NEGRO 6 4 2 - 60 27 -
Moura 1 1 - - S/inform - -
Carvoeiro 1 1 - - 17 - -
Barcellos 2 1 1 - 18 S/inform -
Rio Branco 2 1 1 - 35 27 -
TOTAL GERAL 51 24 21 6 2490 677 98
25
Dados colhidos do “Quadro demonstrativo da matrícula das escolas públicas da província do
Amazonas relativa ao primeiro trimestre de 1888” (9 bairros da capital, 3 cidades, 10 vilas, 16 freguesias e 29
povoações). A totalização por comarca e o total geral não representam o número total das escolas e alunos
em 1888, pois neste ano, as comarcas alcançavam maior número de localidades do que o apresentado nesta
tabela.
26
Em 1888, surge com o nome de São João do Arimã.
415
Fonte: RPPAM, 5/9/1888, mapa anexo (elaborado pela autora). * Localidades que não constam
do mapa de 1888, devido à extinção da escola ou à falta de informação.
Estabelecimentos de ensino profissional (referentes aos capítulos 3 e 4)
Anexo 11 - Número de educandos por ano
(Casa dos Educandos - Manaus)
Ano Educandos Ano Educandos
1858 17 1872 98
1859 19 1873 65
1860 25 1874 42
1861 26 1875 *
1862 31 1876 *
1863 39 1877 55
1864 39 1882 *
1865 * 1883 79
1866 60 1884 122
1867 * 1885 120
1868 67 1886 121
1869 68 1887 *
1870 80 1888 96
1871 78 1889 120
Fonte: Relatórios provinciais do Amazonas (1858 a 1889).
* Sem informação.
Entre 1878 e 1881 o estabelecimento permaneceu fechado.
Os números não representam a média de internos por
ano e sim, o número de educandos existentes na data de
apresentação dos relatórios dos diretores.
416
Número de alunos por oficina:
Anexo 12 - Casa de Educandos Artífices (Amazonas)
Ofícios 1861 1864 março
1870
1871 1883 fev.
1884
jul.
1884
1885 maio
1889
Alfaiate 7 9 24 26 23 30 29 ? 31
Carpinteiro - - - - - - - ? 8
Chapeleiro e
sirgueiro
- 3 12 - - - - ? -
Livreiro e
Encadernador
2 4 2 4 - 12 15 ? 11
Ferreiro e
serralheiro
3 5 6 - 10 18 19 ? 12
Marceneiro 10 11 - - 10 35 - ? 35
Marc e torneiro - - 10 16 10 - 36* ? -
Pedreiro - - 12 12 - - - ? -
Sapateiro 3 7 14 19 18 24 22 ? 12
Música 18 26 48 49 15 48 53 53 46
Instr. Primária 26 ? 67 70 79 119 122 122 120
Ginástica - - - - 79 110 122 - -
Desenho - - - - - 24 ? 32 45
total de
educandos
26 39 74 78 79 119 122 122 120
Fonte: RPAM.
* Marceneiro, torneiro e entalhador.
Em 1885 havia classes de catecismo, vida prática e vida doméstica (RPAM, 12/7/1885, p.23).
Nas oficinas de alfaiates e sapateiros aprendiam muitos meninos menores de nove anos. A
sinalização com interrogação indica a falta de informação a respeito do número de alunos dos
cursos e oficinas, a despeito de ter sido confirmada a continuidade dos mesmos.
417
Anexo 13 - Instituto Paraense de Educandos Artífices
Ofícios 1874 1876 1885 1887 1888
Alfaiate 8 10 17 ? 23
Carpinteiro 9 9 - ? -
Curtidor e surrador - - 18 ? -
Ferreiro e serralheiro 8 10 19 ? 22
Funileiro 8 10 13 ? 21
Marceneiro 11 16 20 ? 26
Sapateiro - 5 ? ? 13
Música 18 42 49 46 ?
Instrução primária 44 49 75 90 ?
Francês* - - 6 ? ?
Ginástica*1 - - - 90 ?
Geometria e desenho 5 - - 11 ?
Geometria - 7 7*2 - ?
Mecânica - 3 - ?
Desenho linear, topog,
de máquinas
- 11 8*3 - ?
Aritmética e álgebra - - 12 9 ?
Total 44 60 56 90 106
Fonte: RPPA.
* Aula aberta em 1878, com 9 alunos, por iniciativa do diretor.
*1 Aula aberta em 1879.
*2 Geometria e Mecânica.
*3 Somente Desenho Linear.
418
Anexo 14 - Jovens formados nos Asilos dos
Meninos Desvalidos (RJ) entre 1875 e 1894, por
profissão
Ofícios N
o
de asilados
Alfaiate 58
Carpinteiro 29
Encadernador 73
Latoeiro 36
Marceneiro 43
Sapateiro 60
Torneiro 42
Total 341*
Fonte: Lopes, 1994.
* O Asilo formou no período 365 alunos. Vinte e quatro
deles continuaram a formação: um no Internato D.Pedro II,
22 no Curso do Instituto de Música e um no Curso da
Escola de Belas Artes; estes dois cursos, para formação de
professores (Lopes, 1994, p.139).
Anexo 15 - Colônia Orfanológica Isabel em 1876 - Pernambuco
Ofícios N
o
de colonos em 1876 N
o
de colonos em 1888
Alfaiate 12 25
Carpinteiro 23 -
Ferreiro 8 11
Marceneiro - 74
Pedreiro e estucador - 2
Sapateiro 14 28
Torneiro 3* -
Total de aprendizes 60 140
Fonte: Fognano, 1877 e 1889.
* Esta oficina funcionou até agosto de 1876.
Anexo 16 - Colégio de Educandos Artífices em 1873 - Paraíba
Ofícios N
o
de educandos
Alfaiate 22
Sapateiro 12
Total 33
Fonte: RPPB, 6/9/1873.
419
Anexo 17 - Casa de Educandos Artífices em 1848 - Maranhão
Ofícios Anos de idade que estão a completar
8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 T
Espin-
gardeiros
- - - - 2 1 1 1 1 1 1 1 - - 9
Sapa-
teiros
- - - - 1 3 2 3 - 2 - 1 1 1 14
Alfaiates
1 3 2 1 3 7 4 2 2 - - - - - 25
Marce-
neiros
- - - 1 - - 1 2 - - - - 2 - 6
Tornei-
Ros
- - - - 1 - - 1 - - - - - 2
Coro-
nheiros
- - - - - - - - - 1 - 1 - - 2
Carpinas
- - - - - - - 1 1 - - - - - 2
Total
1 3 2 2 6 12 8 9 5 4 1 3 3 1 60
Fontes: RPMA, 28/7/1848, mapa n.12 (“número, idades e ofícios dos educandos artífices”).
Anexo 18 - Casa de Educandos Artífices em 1861 - Maranhão
Ofícios N
o
de educandos
Alfaiate 63
Carpinteiro 9
Pedreiro e canteiro 14
Sapateiro 18
Surrador de pele 7
Total 111
Fonte: Fonseca, 1986, v.4.
Anexo 19 - Casa de Educandos Artífices em 1862 - Ceará
Ofícios N
o
de educandos
Alfaiate 24
Funileiro 8
Marceneiro 16
Sapateiro 15
Total 70
420
Fonte: Fonseca, 1986, v.4.
421
Anexo 20 - Destinos dos ex-alunos da Casa Pia dos Órfãos de São
Joaquim Bahia (1825-1910)
Destinos
Nº de ex-
alunos
%
Falecimentos/destino desconhecido
59 4,8
Casa de parentes ou pais adotivos
308 25
Nível secundário e religioso
31 2,5
Encaminhados pelo governo de
Província/Estado
76 6,2
Artes de ofício (inclui 304 caixeiros) 533 43,2
Ofícios nobres
81 6,6
Fábricas
145 11,8
Total
1.233 100
Fonte: Matta, 1996, p.139 (Arquivo da Casa Pia de Órfãos de São Joaquim).
434
Instituto Affonso Penna sala de ensino primário
Fonte: Amazonas, Almanach do Palais Royal para 1909.
441
Instituto Lauro Sodré (Belém, Pará)
Em 1897, o antigo Instituto de Educandos Artífices Paraenses passa a se chamar Instituto Lauro
Sodré. Em 1899 é instalado em novo prédio, para 300 alunos (FONSECA, Celso, 1986). Internato
para educação profissional de meninos desvalidos (300 alunos a contar de 12 anos de idade).
Curso elementar primário e curso completo de desenho e musica instrumental; oficinas de
marceneiro e carpinteiro, serralheiro e ferreiro, sapateiro, alfaiate, além da encadernação e
tipografia. Em 1910 existiam 233 educandos (Relatório do Secretario d’Estado do Interior,
Justiça e Instrução Pública, Pará, 1911).
Fonte: Pará, Album do Estado do Pará (1901-1909). Foto cedida por: Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro.
440
Instituto Santo Antonio do Prata (Municipio de Igarapé-Assú, Pará) (Seção feminina)
Fonte: Pará, Album do Estado do Pará (1901-1909)
Foto cedida por: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
439
Instituto do Prata - para crianças indígenas
Fonte: Pará. Album do Estado do Pará (1901-1909)
438
Instituto Santo Antonio do Prata (Municipio de Igarapé-Assú, Pará) (Banda de música)
Religiosos capuchinhos da Ordem da Lombardia instalaram no Pará, em 1898, um Núcleo Indígena em
território ocupado por quatro famílias de índios Tembé, próxima à Estrada de Ferro que ligava Bragança à
Belém. Em contrato com o Governo do Estado, fundaram internatos masculino e feminino (Instituto Santo
Antonio do Prata), para os filhos dos índios e menores recolhidos pela polícia de Belém. Logo após a
instalação do instituto masculino, primeiramente em barracas precárias, 28 meninos índios foram internados
por seus pais. Nos anos seguintes, os internatos receberam um bom número de índios, chegando a
ultrapassar a capacidade máxima de 60 crianças por sexo. Havia também escolas externas feminina e
masculina com freqüência semelhante aos internatos (MUNIZ, Palma. O Instituto Santo Antonio do
Prata, 1913).
Fonte: Pará, Album do Estado do Pará (1901-1909).
Foto cedida por: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
437
]
Instituto Affonso Penna oficina de sapateiros. Fonte: Amazonas, Almanach do Palais Royal para 1909.
436
Instituto Affonso Penna oficina de alfaiates
Fonte: Amazonas, Almanach do Palais Royal para 1909.
435
Instituto Affonso Penna sala de música
Fonte: Amazonas, Almanach do Palais Royal para 1909.
430
Imagens
Mapas do Pará e do Amazonas indicação das localidades com escolas
públicas em 1888.
Fonte: PINTO, Alfredo Moreira. Chorographia do Brasil para uso dos Gymnasios e
Escolas Normais. Rio de Janeiro, Minas Gerais (Belo Horizonte), São Paulo: Livraria de
Francisco Alves, 1900. 6ª ed., il. Com 23 cartas.
As marcações com círculos azuis representam os núcleos populacionais com escolas
públicas, existentes no Pará e no Amazonas no ano de 1888, de acordo com as tabelas 22 e
23. Comparando-se as tabelas com os mapas, verifica-se que o número de localidades com
escolas era muito maior, pois há muitas omissões nos mapas.
Fotos de internatos de formação profissional do Pará e do Amazonas
Amazonas: Instituto Afonso Pena
Pará: Instituto Lauro Sodré, Instituto do Prata, Instituto Gentil Bittencourt
Fontes indicadas nas fotos.
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