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Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT
Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE
DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
_____________________________________________________________________________________________
O BRASIL FRENTE AOS MACRO-BLOCOS
COMERCIAIS E O GATT
Nota Técnica Temática do Bloco
"Condicionantes Internacionais da Competitividade"
O conteúdo deste documento é de
exclusiva responsabilidade da equipe
técnica do Consórcio. Não representa a
opinião do Governo Federal.
Campinas, 1993
Documento elaborado pelo consultor Pedro da Motta Veiga (Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior/FUNCEX).
A Comissão de Coordenação - formada por Luciano G. Coutinho (IE/UNICAMP), João Carlos Ferraz (IEI/UFRJ), Abílio dos Santos
(FDC) e Pedro da Motta Veiga (FUNCEX) - considera que o conteúdo deste documento está coerente com o Estudo da Competitividade da Indústria
Brasileira (ECIB), incorpora contribuições obtidas nos workshops e servirá como subsídio para as Notas Técnicas Finais de síntese do Estudo.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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CONSÓRCIO
Comissão de Coordenação
INSTITUTO DE ECONOMIA/UNICAMP
INSTITUTO DE ECONOMIA INDUSTRIAL/UFRJ
FUNDAÇÃO DOM CABRAL
FUNDAÇÃO CENTRO DE ESTUDOS DO COMÉRCIO EXTERIOR
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SCIENCE POLICY RESEARCH UNIT - SPRU/SUSSEX UNIVERSITY
INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL - IEDI
NÚCLEO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA - NACIT/UFBA
DEPARTAMENTO DE POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA - IG/UNICAMP
INSTITUTO EQUATORIAL DE CULTURA CONTEMPORÂNEA
Instituições Subcontratadas
INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA - IBOPE
ERNST & YOUNG, SOTEC
COOPERS & LYBRAND BIEDERMANN, BORDASCH
Instituição Gestora
FUNDAÇÃO ECONOMIA DE CAMPINAS - FECAMP
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EQUIPE DE COORDENAÇÃO TÉCNICA
Coordenação Geral: Luciano G. Coutinho (UNICAMP-IE)
João Carlos Ferraz (UFRJ-IEI)
Coordenação Internacional: José Eduardo Cassiolato (SPRU)
Coordenação Executiva: Ana Lucia Gonçalves da Silva (UNICAMP-IE)
Maria Carolina Capistrano (UFRJ-IEI)
Coord. Análise dos Fatores Sistêmicos: Mario Luiz Possas (UNICAMP-IE)
Apoio Coord. Anál. Fatores Sistêmicos: Mariano F. Laplane (UNICAMP-IE)
João E. M. P. Furtado (UNESP; UNICAMP-IE)
Coordenação Análise da Indústria: Lia Haguenauer (UFRJ-IEI)
David Kupfer (UFRJ-IEI)
Apoio Coord. Análise da Indústria: Anibal Wanderley (UFRJ-IEI)
Coordenação de Eventos: Gianna Sagázio (FDC)
Contratado por:
Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT
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COMISSÃO DE SUPERVISÃO
O Estudo foi supervisionado por uma Comissão formada por:
João Camilo Penna - Presidente Júlio Fusaro Mourão (BNDES)
Lourival Carmo Mônaco (FINEP) - Vice-Presidente Lauro Fiúza Júnior (CIC)
Afonso Carlos Corrêa Fleury (USP) Mauro Marcondes Rodrigues (BNDES)
Aílton Barcelos Fernandes (MICT) Nelson Back (UFSC)
Aldo Sani (RIOCELL) Oskar Klingl (MCT)
Antonio dos Santos Maciel Neto (MICT) Paulo Bastos Tigre (UFRJ)
Eduardo Gondim de Vasconcellos (USP) Paulo Diedrichsen Villares (VILLARES)
Frederico Reis de Araújo (MCT) Paulo de Tarso Paixão (DIEESE)
Guilherme Emrich (BIOBRÁS) Renato Kasinsky (COFAP)
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José Paulo Silveira (MCT) Wilson Suzigan (UNICAMP)
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SUM`RIO
RESUMO EXECUTIVO ............................................ 1
INTRODUÇÃO ................................................. 23
1. TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS ................................ 25
1.1. Comércio Internacional e a Crise do Multilateralismo 25
1.1.1. Antecedentes e evolução da Rodada Uruguai .... 27
1.1.2. O GATT e os países em desenvolvimento: uma no-
va perspectiva .............................. 34
1.1.3. As perspectivas do multilateralismo nos anos
90 ........................................... 37
1.2. Gestão da Interdependência e Processos de Regionali-
zação ............................................... 40
1.2.1. A estratégia norte-americana ................ 43
1.2.1.1. Unilateralismo e fragilidade estru-
tural ................................ 43
1.2.1.2. Do Acordo de Livre Comércio da América
do Norte (NAFTA) às iniciativas conti-
nentais: uma perspectiva do Brasil ... 46
1.2.2. A estratégia da CEE ......................... 54
1.2.2.1. Antecedentes ........................ 54
1.2.2.2. Do ajustamento nacional à dinâmica da
unificação .......................... 56
1.2.2.3. A unificação da CEE e os parceiros
externos ............................ 61
1.2.2.4. Da unificação da CEE ao espaço euro-
peu ampliado ........................ 66
1.2.2.5. A transição na Europa do Leste: im-
pactos sobre os PEDs e o Brasil ..... 68
1.2.3. A estratégia do Japão ........................ 71
2. IMPLICAÇÕES PARA O BRASIL ................................ 79
3. RECOMENDAÇÕES DE POLÍTICA ................................ 81
3.1. Multilateralismo .................................... 81
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3.2. Política Externa "Ativa" no Continente Americano .... 82
3.3. Políticas Específicas para a CEE e os Países Asiáti-
cos ................................................. 86
3.4. Conclusões ......................................... 86
4. INDICADORES .............................................. 88
BIBLIOGRAFIA ................................................ 89
1
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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RESUMO EXECUTIVO
INTRODU˙ˆO
Do ponto de vista do sistema de comércio mundial, os anos 80
se caracterizaram pela crise dos organismos de regulação
multilateral e pela emergência de modelos concorrentes de gestão
da interdependência.
Entre estes modelos, a integração supranacional por regiões
adquiriu, ao longo da década, peso crescente, colocando como
hipótese a configuração de uma economia mundial dividida em
blocos comerciais protecionistas. Embora tal hipótese -
simplista, sem dúvida, nesta formulação - não possa ser
completamente descartada, o tema das relações entre os processos
de regionalização e a tendência à liberalização dos fluxos
econômicos internacionais tem sugerido a elaboração de diferentes
cenários para a evolução do sistema de comércio mundial nos anos
90.
O texto discute os antecedentes e a evolução da Rodada
Uruguai, do GATT, apontando a crescente distância entre o escopo
de um multilateralismo voltado para regular medidas de fronteira
e a dinâmica de um ciclo de internacionalização que dilui os
limites entre as medidas de política econômica doméstica e
externa. O multilateralismo que deve emergir da atual Rodada tem
escopo ampliado - ao incluir serviços, agricultura, medidas de
investimento, etc. - mas deve conviver, ao longo da década de 90,
com as instâncias de regulação unilaterais e regionais (políticas
nacionais e de agrupamentos regionais), responsáveis por
iniciativas de administração de comércio e de harmonização de
políticas econômicas em âmbito regional.
Para o Brasil, um papel renovado do multilateralismo é
essencialmente positivo, não só por ser, para um país de pouco
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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capital político, a alternativa de encaminhamento de conflitos
via negociações multilaterais superior àquela representada pela
pressão bilateral, mas ainda por permitir evitar um peso
excessivo das regulações bilaterais ou regionais na conformação
do novo sistema mundial de comércio, minimizando os riscos de
marginalização do Brasil (e da América do Sul).
As estratégias do bloco norte-americano, da CEE e do Japão
são analisadas detalhadamente, buscando identificar as principais
implicações destas estratégias para o Brasil.
3
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1. TEND˚NCIAS INTERNACIONAIS: AS ESTRATGIAS REGIONAIS
1.1. A EstratØgia Norte-Americana
As árduas negociações que marcaram a preparação e depois a
realização da Rodada Uruguai e a permanência do déficit comercial
em patamares inéditos condicionaram a conformação da política
comercial norte-americana nos anos 80, ao longo dos seguintes
eixos:
- a extensão da aplicação de medidas protecionistas
setoriais de tipo não-tarifárias: acordos voluntários de
restrição às exportações, uso dos mecanismos anti-dumping,
etc.;
- a constituição de uma hierarquia de preferências, que rege
as condições de acesso dos demais países ao mercado norte-
americano, através do estabelecimento de acordos
bilaterais de livre-comércio, da Iniciativa para a
Bacia do Caribe e da imposição de sanções a parceiros
considerados desleais;
- o recurso à pressão unilateral para resolver conflitos
bilaterais de comércio e para forçar a abertura de
mercados de países considerados protecionistas pelos
Estados Unidos, especialmente no que se refere a serviços,
investimentos e direitos de propriedade intelectual; e
- os esforços para ampliar o campo do que os governos
consideram como política comercial e, portanto, passível
de negociações bilaterais. A inclusão dos novos temas na
agenda da política comercial já aponta nesta direção, mas,
sem dúvida, são as discussões iniciadas em 1989 com o
Japão sobre os meios para reduzir o desequilíbrio
comercial bilateral - a iniciativa relativa aos entraves
estruturais - que melhor ilustram esta tendência.
4
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A Lei do Comércio norte-americana de 1988 sanciona e
consolida estas tendências, próximas da concepção de "comércio
administrado", segundo a qual existem, no mundo, blocos
comerciais que se guiam por diferentes diretrizes de política e
seguindo regimes de comércio muito diversos entre si, devendo,
pois, ser tratados de maneira diferenciada.
A política comercial foi portanto, nos Estados Unidos, o
principal componente das políticas de ajustamento às condições
cambiantes da competição internacional. No plano interno, em que
pese as iniciativas governamentais de incentivo às formas
cooperativas de pesquisa (Semicondutor Advanced
Technology/Sematech, etc.) e a crescente importância das
correntes que defendem a adoção de uma política industrial ativa
nos setores estratégicos de alta tecnologia, prevaleceu a
tradição norte-americana de não-envolvimento do Estado e a
estratégia de reestruturação da oferta se baseou em políticas de
desregulamentação e de competição.
A recente vitória democrata nas eleições presidenciais deve
significar uma revisão do paradigma de política econômica adotada
ao longo da década de 80: a explicitação de uma política
industrial voltada para a qualificação da força de trabalho e a
melhoria da infra-estrutura física e tecnológica deve ser
priorizada, ao mesmo tempo em que se intensificam as pressões
para a adoção de uma política comercial administrada,
especialmente nas relações dos Estados Unidos com o Japão e os
NPIs da Ásia.
No que diz respeito ao Brasil, a conformação do Acordo de
Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) representa a
iniciativa externa dos EUA de maior impacto. Embora os impactos
do NAFTA sobre as exportações brasileiras tendam a ser mínimos no
curto prazo - dada a permanência de restrições de acesso dos
produtos mexicanos ao mercado dos EUA - no longo prazo "o
deslocamento das exportações brasileiras pode atingir patamares
significativos, não só como resultado da eliminação gradual das
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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tarifas e demais barreiras ao comércio (mas também) da
reestruturação industrial em curso no México (a qual) ganhará
impulso significativo com o provável aumento do fluxo de
investimentos norte-americanos resultante da implementação do
NAFTA" (Machado, 1992).
O NAFTA e a Iniciativa para as Américas (IPA) conectam os
processos de integração em curso na América Latina e aqueles que
envolvem os países desenvolvidos da América do Norte. Admitindo-
se ser o NAFTA um processo irreversível e que o tema da ampliação
de uma área de preferencialização (e não propriamente de livre
comércio) promovida pelos Estados Unidos permanecerá na agenda de
negociação entre os países do continente, ganha especial
relevância a discussão de como se negociará o encaminhamento
desta preferencialização.
Tanto a IPA quanto o NAFTA são iniciativas tributárias do
padrão de política comercial norte-americana dos anos 80: a
ênfase na discriminação como incentivo econômico para os
parceiros se traduz na prioridade às negociações bilaterais e
unilaterais, no uso do unilateralismo agressivo e no consenso
sobre a fadiga do GATT e do multilateralismo. Além disto, ambas
fazem da agenda de política definida pelo Washington Consensus
1
e
da liberalização da área dos "novos temas" da Rodada Uruguai
requisitos de readiness a serem preenchidos pelos candidatos às
negociações.
Para o Brasil, o tema da ampliação da zona de
preferencialização a partir dos Estados Unidos se coloca na
perspectiva - inédita para o país - de uma integração
assimétrica. De fato, no âmbito latino-americano, tal desafio não
se coloca para o Brasil, mas para seus parceiros menores no
Mercosul. Os custos derivados de uma integração assimétrica
seriam, neste caso, de três tipos:
1
O "Washington Consensus" é um conjunto de doutrinas e recomendações de política econômica de
cunho liberal, adotado pelo FMI e pelo Banco Mundial nos anos 80 (controle monetário, ajuste
fiscal, liberalização comercial e financeira, desregulamentação, privatização, negociação da
dívida externa nos moldes do Plano Brady, etc.).
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1) vinculados à exposição da indústria brasileira à
competição de um país que apresenta níveis de desenvolvimento e
de produtividade que lhe são em muito superiores.
2) relacionados ao preenchimento dos requisitos de habitação
já referidos e à adoção de políticas liberalizantes nas áreas dos
novos temas da Rodada Uruguai. Para um país, como o Brasil, com
tradição de políticas ativas e discriminatórias do ponto de vista
setorial, estes custos "horizontais" tendem a se identificar com
a perda de graus de liberdade no manejo das políticas industrial
e de comércio.
Neste sentido, a proposta norte-americana interessa hoje
sobretudo aos países onde já se incorreu nos custos do
ajustamento decorrente da liberalização unilateral, que adotem um
padrão de intervenção pública na economia considerada não
discriminatória pela visão oficial dos Estados Unidos e que
tenham - antes mesmo do acordo - parte significativa de seu
comércio concentrado nas relações com os Estados Unidos.
3) vinculados à eventual perda, em termos de eficiência e de
bem estar, decorrente de uma liberalização bilateral (ou
minilateral) frente à hipótese de liberalização unilateral,
principalmente se os esquemas de preferencialização discriminarem
contra terceiros países, conduzindo a padrões de especialização
internacional ineficientes e à cartelização dos mercados
integrados.
O balanço dos condicionamentos, custos e incentivos
relacionados à negociação de uma agenda de liberalização do
Brasil - e do Mercosul - com os EUA sugere, para nossos países, a
adoção de um approach cauteloso, mas baseado na hipótese de
geração de incentivos positivos e de interesses empresariais
convergentes.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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1.2. A EstratØgia da CEE
Com o Projeto 1992, as primeiras preocupações com as
perspectivas da unificação ficaram por conta dos parceiros
comerciais da CEE, temerosos de um deslocamento das fronteiras do
protecionismo, do nível nacional para o da Comunidade, ou
inquietos com o fato de que - para viabilizar sua meta - os
diversos países europeus tenham que chegar a um compromisso entre
os diversos níveis de proteção nacional ora existentes e que tal
compromisso teria como referência os níveis aplicados pelos
países mais protecionistas. Afinal, a política agrícola comum
(PAC) é um exemplo acabado de protecionismo e o perigo - para os
parceiros comerciais - é que a harmonização das políticas
nacionais de comércio siga este modelo.
No que diz respeito aos países em desenvolvimento, as
resistências da CEE à revisão de sua política agrícola não
autorizam muito otimismo no que se refere às condições de acesso
dos países em desenvolvimento ao mercado de produtos
agroalimentares da Comunidade.
Por outro lado, ao avaliar os impactos da unificação do
mercado europeu sobre os países em desenvolvimento, é importante
ressaltar que o comércio entre a CEE e estes países é tributário
"de um complexo sistema de preferências comerciais e de
restrições às importações"
2
e que este sistema é um dos dois
fatores que condicionam a capacidade relativa dos diferentes
países em desenvolvimento (PEDs) para manter-se no - ou,
eventualmente, conquistar parcelas do - mercado europeu. O
segundo fator é a qualidade da oferta de exportação e o perfil de
especialização dos diferentes países em desenvolvimento.
No que respeita ao sistema institucional que rege as
condições de acesso, pelos PEDs, ao mercado da CEE, instaura-se
uma hierarquia de preferências que beneficia as exportações de
manufaturados e da maioria dos produtos agrícolas dos PEDs
2
UNCTAD (1990) Rapport sur le Commerce et le Développement 1989. Nations Unies.
8
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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signatários da Convenção de Lomé, bem como aquelas oriundas dos
PEDs, da Bacia do Mediterrâneo (exceto produtos têxteis e de
vestuário). Na região do Mediterrâneo encontram-se países que já
solicitaram a adesão à CEE: Turquia, Malta, Chipre e Marrocos. No
caso de Malta e Chipre, o acordo destes países com a CEE prevê o
estabelecimento, a médio prazo, de uma união aduaneira.
Nesta hierarquia, os países da América Latina e da Ásia não
ocupam posição de destaque. Pelo contrário, além das exportações
oriundas destas regiões se beneficiarem cada vez menos dos
Sistemas Gerais de Preferências (SGP) dos países comunitários,
são elas o alvo preferencial das barreiras não-tarifárias
erigidas ao longo dos anos 70 e 80, pelos países da CEE, quando
não pela própria instância comunitária.
No caso dos países latino-americanos, as características da
oferta de exportação e o perfil de especialização de suas
economias ainda vêm agravar uma situação desfavorável na
hierarquia de preferências de acesso aos mercados da CEE. De
fato, ao contrário dos NPIs da Ásia, com especialização
internacional em setores cujo dinamismo se vincula a novas formas
de demanda final e que expandiram sua parcela de mercado na CEE
ao longo dos anos 80 - em que pesem as barreiras não-tarifárias -
a especialização latino-americana, e brasileira em particular,
tendeu a perpetuar um padrão exportador para a CEE centrado em
matérias-primas.
A ampliação da preferencialização da CEE para os países do
Sul da Europa pode também afetar a competitividade das
exportações dos PEDs e, neste caso, especialmente as daqueles
países cuja estrutura de oferta apresente semelhanças com as dos
membros meridionais da CEE (Portugal, Espanha e Grécia) e as de
países do Mediterrâneo que dispunham até então de um acesso ao
mercado comunitário mais amplo do que os países da península
ibérica. A concorrência em alguns setores de bens de consumo
(calçados, têxteis e vestuário), intermediário (papel e celulose,
aço, madeiras e couro) e de capital (mecânica) tende a se
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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acentuar e pode-se supor que, em alguns destes setores, medidas
protecionistas sancionem os compromissos intra-CEE em torno da
idéia de reduzir os custos de ajustamento das economias menos
desenvolvidas da Comunidade.
É conflituoso o avanço do processo de ampliação da
preferencialização da CEE para com os países em desenvolvimento
de sua periferia imediata. As tensões intra-CEE no atual estágio
de coordenação macroeconômica têm tido repercussões políticas
importantes e não favorecem a absorção de "novas" importações de
origem extra-comunitária.
Para o Brasil, as transformações econômicas e políticas por
que passa a Europa do Leste tendem a ser apreendidas como um novo
fator de ameaça que reduz, ainda mais, a viabilidade da meta de
reconectar dinamicamente a economia nacional com as forças
motrizes da economia mundial.
Neste caso específico, a preocupação maior vincula-se à
possibilidade de que a integração do Leste Europeu à economia
internacional, além de representar a entrada de novos
competidores na área do comércio, acentue a concorrência por
investimentos externos e por financiamento dos países
desenvolvidos e dos organismos internacionais.
De uma maneira geral, Hungria, República Tcheca e Polônia
parecem melhor posicionadas para, a médio prazo, se habilitarem a
receber novos investimentos e para desenvolverem uma estratégia
exportadora em setores intensivos em energia e recursos naturais,
bem como em segmentos econômicos onde a necessária modernização
tecnológica complementaria, em termos de capacidade competitiva,
a já existente mão-de-obra qualificada.
A virtual capacidade de competição daqueles países em
mecânica, siderurgia, metalurgia de não-ferrosos, têxteis e
segmentos de máquinas e equipamentos, deve preocupar a médio
prazo o Brasil.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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No curto prazo, a similaridade entre a pauta de exportações
brasileiras e a pauta de exportáveis das economias da Europa
Oriental sugere a existência de riscos quanto a desvio de
comércio em detrimento do Brasil, uma vez que os países do Leste
Europeu estejam em condições de adotar estratégias agressivas de
exportações de manufaturados e sejam beneficiados por condições
privilegiadas de acesso aos mercados da CEE - o que, muito
provavelmente, deverá vir a ocorrer.
1.3. A EstratØgia do Japªo
As políticas de ajustamento estrutural adotadas pelo Japão
ao longo dos anos 70 têm como especificidade - em relação aos
demais países - o incentivo a um padrão de "ajustamento por
realocação", ou seja, por transferência da produção para países
onde a relação entre custos de produção e linhas de produtos
fosse a mais adequada.
Ou seja, neste padrão de ajustamento estava sempre presente
o componente de investimento direto no exterior (IDE), sendo uma
característica de tal investimento japonês o fato de não ser
orientado principalmente para atender ao mercado doméstico do
país-receptor, mas sim exportar para terceiros países. Neste
sentido, difunde-se um novo tipo de estratégia internacional de
empresas, essencialmente trade-oriented e assentada na
especialização dos investimentos diretos por produto e por zona
geográfica, em função das vantagens comparativas e dos obstáculos
ao intercâmbio em cada país
3
.
Ao longo dos anos 70 e 80, a sofisticação deste tipo de
estratégia, muitas vezes desencadeada como uma reação defensiva a
pressões protecionistas, desemboca na montagem de redes
industriais coerentes, integradas vertical ou horizontalmente,
3
DOURILLE, E. (1990) Le systeme productif japonais joue la carte de la globalisation. Economie
et Statistique, n. 232, mai. Paris.
11
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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segundo os casos, e combinando diversificação de produtos e
especialização geográfica em uma lógica de escala planetária: a
globalização.
Com o levantamento de barreiras protecionistas nos países
desenvolvidos no final dos anos 70, os investimentos japoneses
procuram principalmente os Estados Unidos, tendência que se
mantém até hoje, em que pese o recente crescimento da
participação da CEE na recepção de investimentos do Japão e o
desenvolvimento, a partir do final de 85 - com a valorização do
iene - de um importante fluxo de recursos para os NPIs asiáticos
e, mais recentemente, para os países da ASEAN (Tailândia,
Indonésia, Malásia, Filipinas, etc.).
No que diz respeito à Ásia - inicialmente os NPIs, em
seguida também os países da ASEAN - os investimentos japonesas
deram origem a um fluxo de comércio entre os países da região,
configurando a criação de uma rede de solidariedades empresariais
e de complementariedades econômicas que - para alguns - justifica
aplicar ao conjunto da região a denominação de "bloco".
A expansão das importações japonesas nos últimos anos
suscita a preocupação de que, em função da constituição deste
"grupo comercial informal", somente os países asiáticos venham a
se beneficiar daquela tendência, os demais países - desenvolvidos
e em desenvolvimento - apresentando-se em posição relativamente
desfavorável para concorrer no mercado japonês.
As medidas adotadas pelo Japão e Coréia para incentivar a
demanda doméstica e a perspectiva de continuidade de crescimento
da China, ao longo dos próximos anos, sugerem que as importações
da região da Ásia Oriental apresentarão, na década de 90, um
dinamismo talvez inédito. No entanto, as oportunidades que se
oferecem potencialmente ao Brasil em função deste dinamismo serão
reduzidas, na prática, pelo fato de que nossas exportações para a
região sofrerão intensa concorrência.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Assim, por um lado, os países asiáticos de renda média e
estruturas produtivas concentradas em manufaturas de médio/alto
conteúdo tecnológico concorrerão com o Brasil nos produtos mais
"nobres" de nossa pauta de exportação, por outro lado, os países
da ASEAN, do subcontinente indiano e a China pressionarão as
exportações brasileiras nos segmentos de produtos de menor valor
agregado, onde o custo da mão-de-obra constitui um forte
determinante da competitividade internacional.
Isto não significa, porém, que não existam oportunidades a
serem aproveitadas. As altas taxas de crescimento dos NPIs
asiáticos e da China acenam com a abertura de oportunidades
comerciais (por exemplo, para a agroindústria), cujo
aproveitamento exigirá capacidade de prospecção e antecipação,
marketing eficiente, etc.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2. IMPLICA˙ES PARA O BRASIL
Em resumo, o trabalho identifica três fatores que
condicionarão a evolução do sistema mundial de comércio nos anos
90:
- as condições em que se concluir a Rodada Uruguai do GATT;
- a situação macroeconômica e o desempenho comercial dos
países da OCDE, em especial a evolução dos fluxos de
comércio entre os Estados Unidos e o Japão;
- a evolução dos processos de integração em curso na Europa
e na América do Norte.
Enquanto o primeiro fator determinará o novo escopo do
multilateralismo e seu papel relativo enquanto instância de
produção de regras para o comércio internacional, o segundo
influenciará a capacidade de adaptação dos países líderes da OCDE
às novas regras do jogo da competição internacional e, por esta
via, condicionará a capacidade de resistência dos governos destes
países às pressões protecionistas e às demandas pela proliferação
de medidas de administração do comércio bilateral.
O terceiro fator explicitará melhor o papel econômico e
político das iniciativas de regionalização e, em particular, o
grau de conflito entre tais iniciativas e o processo de
liberalização dos fluxos internacionais de comércio e
investimento.
O cenário que se delineia quanto à evolução destes fatores
sugere que a principal ameaça à continuidade do processo de
liberalização vincula-se às perspectivas de descoordenação
macroeconômica entre os países da OCDE e, em particular, do grau
de desequilíbrio das relações comerciais entre os EUA e o Japão.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A perspectiva de uma conclusão relativamente bem-sucedida da
Rodada Uruguai sugere um papel ampliado para o multilateralismo e
o consenso de que o GATT pode passar a tratar de temas e medidas
não estritamente relacionados com política comercial.
Este dado é de extrema relevância, pois o fato de que o
atual ciclo de internacionalização tenha nos investimentos a sua
força motriz e veicule um novo paradigma industrial e tecnológico
levará inevitavelmente ao surgimento de pressões para o
tratamento, em instâncias internacionais, de questões e de
políticas até então consideradas como de escopo doméstico.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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3. RECOMENDA˙ES PARA POL˝TICA EXTERNA NO BRASIL
Diante deste quadro, são as seguintes as diretrizes
recomendadas para as políticas comercial e diplomática.
3.1. Multilateralismo
Para o Brasil, é desejável que o tratamento destas questões
se processe nos foros do multilateralismo, onde a geração de
regras e de disciplinas quanto ao uso de instrumentos e
mecanismos de política industrial e tecnológica tende a seguir um
padrão menos restritivo do que aquele que emerge de negociações
bilaterais com países desenvolvidos.
O reforço do multilateralismo é, portanto, a principal
diretriz de política que decorre da análise aqui empreendida,
ainda que a emergência do "neomultilateralismo" signifique que o
país deverá ver discutidos, em instâncias multilaterais, temas em
que o desconforto brasileiro é evidente, como o meio ambiente.
Neste caso, caberá ao Brasil admitir a negociação de tais temas,
evitando que estratégias neoprotecionistas de países da OCDE se
abriguem sob o manto de valores universais.
O argumento aqui desenvolvido sugere que estes temas fazem
parte da nova agenda de negociações internacionais e que, na
década de 90, estarão competindo, não só regulações
multilaterais, regionais e nacionais, mas também diferentes
mecanismos de difusão e enforcement destas regulações: os acordos
multilaterais pactuados, os processos de integração e a pressão
("influência assimétrica") dos países politicamente mais fortes.
Para o Brasil, a opção multilateral aparece como nitidamente
superior em relação às demais.
Outro argumento que sanciona a opção pelo multilateralismo
refere-se ao fato do Brasil ser um global trader, ou seja,
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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comerciar com todas as grandes regiões do mundo, tendo portanto
interesses em todas elas: a distribuição geográfica das
exportações brasileiras (30% para a CEE; 20% para os EUA; 15%
para a Ásia Oriental e 15/20% para a América Latina) explicita
esta característica do país.
Se o multilateralismo é a prioridade de política, cabe
discutir se esta estratégia é suficiente ou exige linhas de ação
auxiliares, que concretizem o fato de que, na agenda de
negociações internacionais dos anos 90, ganharão crescente peso,
e de forma simultânea, os temas relacionados a processos de
integração profunda, a esquemas de preferencialização e a
arranjos de "comércio administrado".
A idéia de uma estratégia internacional mais complexa do que
a simples defesa do multilateralismo é reforçada pela análise
apresentada no estudo. De fato, em todas as experiências
descritas, ressalta a tendência à concretização de espaços
preferenciais de comércio e de harmonização de políticas
econômicas, produzindo uma hierarquia de parceiros definidos não
tanto pelas condições bilaterais de acesso aos mercados, mas
pelas condições relativas de acesso vis-à-vis de outros
fornecedores.
3.2. Poltica Externa "Ativa" no Continente Americano
Os debates sobre os efeitos de médio prazo da conformação do
NAFTA sobre o Brasil revelam que, sem que se alterem as condições
absolutas de acesso dos produtos brasileiros ao mercado norte-
americano, deterioram-se tanto as condições relativas de acesso
àquele mercado frente ao México, quanto as condições relativas de
acesso aos mercados latino-americanos diante dos membros do
NAFTA.
É em suas relações com os países do continente americano que
se vai evidenciando com maior nitidez que os incentivos para a
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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atualização da política externa brasileira envolvem não somente
aspectos relacionados ao atual padrão de comércio do país, mas
ainda aspectos negociais, exigindo que se leve em conta a
estratégia de terceiros países.
Por isto mesmo, a principal linha de ação auxiliar aqui
proposta se refere à "ativação" da política externa brasileira
para o continente americano, o que inclui:
1) a estratØgia para o Mercosul, que deve ser prioritária,
pois a participação do Brasil no Mercosul funcionará certamente
como o condicionante básico da estratégia continental do país.
Esta idéia abriga, na realidade, dois sentidos: primeiro, uma
evolução favorável do processo do Cone Sul "habilita" os membros
do Mercosul para negociações com outros países do continente,
conferindo-lhes um capital de credibilidade superior ao que
dispõem isoladamente. Segundo, as iniciativas do país no âmbito
continental devem levar em consideração os compromissos assumidos
pelo Brasil no Mercosul, bem como as forças centrífugas que
possam dificultar a consolidação do processo - inclusive a
concorrência de outros projetos de integração e, em particular,
daqueles envolvendo os Estados Unidos.
2) a estratØgia para os demais pases da AmØrica do Sul e a
ALADI. Uma nova geração de acordos bilaterais concretizaria o
processo de revitalização da ALADI, profundamente articulado à
liberalização comercial unilateral em curso em todos os países da
região. Com esta liberalização, perdem funcionalidade os acordos
de aplicação restrita que eram a marca da ALADI e emerge uma nova
geração de acordos abrangentes, que combinam uma agenda de ampla
liberalização comercial com temas específicos prioritários para
os países que os negociam e com o estabelecimento de mecanismos
de solução de controvérsias.
Para um país como o Brasil, que dispõe de enorme peso
econômico e político na América do Sul, pareceria desnecessária
uma política externa ativa no subcontinente, os esforços
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negociais se concentrando no Mercosul. Tanto mais que a retomada
do crescimento, a liberalização comercial, a proximidade
geográfica e a heterogeneidade das estruturas produtivas parecem
fatores suficientemente fortes para transformar a América do Sul
em área de expansão natural das exportações de manufaturados
brasileiros, tornando prescindível uma política externa ativa na
área.
Na realidade, porém, todos estes fatores configuram tão
somente um grande potencial de crescimento das vendas externas
brasileiras para a América do Sul. Nas novas condições geradas
pelas iniciativas de integração que articulam tanto os países
desenvolvidos da América do Norte e países latino-americanos (o
NAFTA e futuros acordos nos marcos da Iniciativa para as
Américas), quanto o México e países sul-americanos, a
concretização deste potencial e a expansão sustentada das
exportações brasileiras para o subcontinente, no médio prazo,
dependerão crescentemente de uma ativa política externa, centrada
em temas típicos de acordos de complementação econômica
(liberalização do comércio, transporte e infra-estrutura,
financiamento do intercâmbio).
3) a estratØgia frente s iniciativas norte-americanas no
continente. Neste caso, não se trata de propor uma linha de
adesão aos projetos norte-americanos, mas reconhecer que seria
conveniente "abrir com os EUA, junto com os parceiros do
Mercosul, conversações preliminares para explorar quais seriam as
condições de possibilidade e os custos de uma futura negociação",
evitando também o imobilismo e "uma perigosa postura de auto-
marginalização"
4
.
3.3. Polticas Especficas para a CEE e Pases AsiÆticos
A baixa prioridade relativa do Brasil para a CEE e os países
asiáticos não significa que não se deva ter políticas específicas
4
Ricúpero, R. (1993) A Rodada Uruguai o Sistema Multilateral de Comércio, mimeo.
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para cada uma destas áreas, buscando ampliar o leque de
oportunidades comerciais e de investimento, mas que é difícil que
estas políticas possam desempenhar um papel relevante na
redefinição da dimensão internacional da estratégia de
desenvolvimento do Brasil. Como já se observou, porém, uma
postura comercial ativa e flexível será necessária se se desejar
ampliar a presença do Brasil em um continente em transformação -
como a Europa - e em uma área de forte crescimento - como a Ásia.
3.4. Conclusıes
De uma maneira geral, o quadro que emerge das tendências do
sistema mundial de comércio sugere para o Brasil um cenário onde
as restrições sobrepõem-se às oportunidades. A intensificação dos
fluxos intra-regionais de comércio e investimento (na Ásia,
América do Norte e Europa) não só reduzem a capacidade de atração
de investimentos externos pelo país, como ainda introduzem
ameaças novas à competitividade de nossas exportações naqueles
mercados. Por outro lado, o novo conteúdo do multilateralismo e a
proeminência, na agenda de negociações internacionais, dos temas
típicos de processos de integração (harmonização de políticas)
restringem a margem de liberdade de que disporão as autoridades
brasileiras no manejo dos instrumentos de política comercial e
industrial.
A liberalização comercial em curso e os compromissos
assumidos no Mercosul e no GATT em matéria de política de
importação alinham o Brasil à tendência internacional de redução
de entraves aos fluxos de comércio mas, indiscutivelmente,
reduzem a margem de autonomia nacional no manejo destes
instrumentos e, em especial, de seu uso em estratégias
industriais. Portanto, uma das implicações principais, para o
Brasil, dos processos em curso no plano internacional envolve
precisamente a idéia de que a política comercial brasileira - e,
em especial, a sua política de importação - será necessariamente
pouco ativa e somente de forma muito seletiva poderá ser
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instrumentalizada segundo objetivos de política industrial, ao
contrário do que ocorreu em décadas anteriores.
Da mesma forma, o reforço do multilateralismo como
estratégia prioritária e a priorização do Mercosul como
estratégia regional implicarão a adoção, pelo país, das normas e
diretrizes multilaterais e sub-regionais, inclusive em áreas
onde, como já se observou, o desconforto negocial do Brasil tende
a ser grande. Na medida em que as novas regulações se apliquem a
áreas de política econômica tradicionalmente identificadas como
"domésticas", o cumprimento dos compromissos multilaterais e do
Mercosul implicará uma crescente imbricação entre as agendas
externa e interna de política econômica - o que exigirá um
esforço de capacitação de órgãos do Executivo, mas também do
Legislativo, em relação aos temas ditos "externos".
Finalmente, a persistência de fortes incentivos para a
prática do "comércio administrado" e para iniciativas unilaterais
voltadas para regular relações bilaterais de comércio com base em
resultados (e não em regras) significa, para o Brasil, que as
restrições não-tarifárias continuarão a afetar nossas exportações
para a zona OCDE, ainda que - a médio prazo e em um quadro
macroeconômico internacional mais favorável - a tendência
estrutural aponte para a redução das pressões para medidas de
proteção na fronteira e a emergência de formas mais sofisticadas
de defesa dos mercados domésticos.
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QUADRO-RESUMO
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
A˙ES/DIRETRIZES DE POL˝TICA AGENTE/ATOR
EXEC. LEG. JUD. EMP. TRAB. ONGs
ACAD.
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
1. Opção pelo Multilateralismo
- MRE X
2. Linhas de ação auxiliares:
2.1. Política ativa no continente americano: a) prio-
rizar o Mercosul; b) revitalização da ALADI
através de nova geração de acordos abrangentes
de complementação econômica; c) conversações
preliminares com os EUA, junto com os parceiros
do Mercosul, sobre as condições e custos de uma
futura negociação.
- MRE X
2.2. Políticas específicas para a CEE e os países
asiáticos, buscando ampliar o leque de oportu-
nidades comerciais e de investimento.
- MRE X
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
Legenda: EXEC. - Executivo
LEG. - Legislativo
JUD. - Judiciário
EMP. - Empresas e Entidades Empresariais
TRAB. - Trabalhadores e Sindicatos
ONGs - Organizações Não-Governamentais
ACAD. - Academia
Nota: Em caso de coluna em branco, leia-se "sem recomendação".
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4. INDICADORES
Os indicadores relevantes para o monitoramento dos impactos
das mudanças no comércio internacional (GATT e surgimento dos
macro-blocos regionais) são os indicadores de desempenho
comercial apontados na Nota Técnica Temática "Política de
Comércio Exterior: Política de Exportação e Competitividade da
Indústria Brasileira", do Bloco de Condicionantes Internacionais.
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INTRODU˙ˆO
Do ponto de vista do sistema de comércio mundial, os anos 80
se caracterizaram pela crise dos organismos de regulação
multilateral e pela emergência de diversos modelos de gestão da
interdependência. Embora a interdependência econômica
internacional não seja um fenômeno novo, a crise do sistema de
Bretton Woods, no início dos anos 70, sanciona e acelera a
deterioração da capacidade de regulação da economia internacional
(Jacques, 1988).
Nos anos 80, a evolução da economia internacional na direção
de um regime multipolar ocorreu simultaneamente a um novo ciclo
de internacionalização dinamizado pelos fluxos de investimento e
aprofunda os desequilíbrios entre os países-líderes da zona
OCDE.
Políticas comerciais nacionais de cunho protecionista,
iniciativas de coordenação de políticas macroeconômicas no plano
supranacional e o lançamento de uma nova rodada de negociações
multilaterais no GATT expressam as novas tensões e os conflitos
vinculados ao aprofundamento do novo ciclo de
internacionalização.
A partir de meados da década de 80, no bojo dos processos
que levaram à "fadiga" do GATT e ao acirramento dos conflitos
comerciais bilaterais, a formação de espaços econômicos
supranacionais por regiões tende a se consolidar como a forma
dominante de gestão da interdependência.
O desenvolvimento do fenômeno da regionalização em um
ambiente marcado por "fricções sistêmicas" (Ostry, 1982) e por
políticas protecionistas sugere o cenário de consolidação de
"blocos comerciais" e de "guerra de blocos". Trata-se aí, porém,
de uma visão simplista de um futuro em que a questão central - do
ponto de vista do sistema de comércio mundial - parece ser menos
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a administração da "globalização" do que a gestão da
regionalização, ou seja, o gerenciamento das relações (de
oposição e de complementariedade) entre as dinâmicas
"intrablocos" e "interblocos".
O primeiro item está dividido em duas sessões. Na seção 1.1,
discute-se a crise do multilateralismo e sua evolução em direção
a novo paradigma, vinculado menos à administração de uma agenda
de produtos do que à gestão de uma agenda de políticas -
comerciais e não comerciais (Tussie, 1991). Na seção 1.2, são
analisadas as principais características do fenômeno de
"regionalização" na zona OCDE e, em especial, os diferentes
processos envolvendo a CEE, os EUA e o Japão.
No segundo item, são sintetizadas as implicações para o
Brasil do quadro analisado no item anterior, enquanto o terceiro
item apresenta recomendações para a política externa brasileira.
Finalmente, o quarto item refere-se aos indicadores para o
monitoramento dos impactos das mudanças no comércio
internacional.
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1. TEND˚NCIAS INTERNACIONAIS
1.1. ComØrcio Internacional e a Crise de Multilateralismo
A reestruturação e a relocalização produtiva determinada
pela difusão internacional do paradigma industrial associado à
microeletrônica constituem a essência do atual ciclo de
internacionalização. Neste sentido, as dinâmicas desencadeadas
por este processo não envolvem somente os setores de alta
tecnologia, pois na medida em que os países da OCDE tendem a se
especializar cada vez mais em tais setores, produz-se no conjunto
das indústrias um intenso movimento de reestruturação, que - em
muitos casos - pode incluir a relocalização geográfica de plantas
eo estabelecimento de networks industriais dentro de uma lógica
de global production and sourcing.
Neste quadro, as características dos fluxos comerciais
sofrem alterações profundas, consolidando um quadro onde se
observa:
- a rápida expansão da participação de maquinaria, material
de transporte e produtos science based (eletrônicos e
farmacêuticos, por exemplo) no total do comércio mundial;
- a crescente relevância de fenômenos como economias de
escala e diferenciação de produtos na determinação dos padrões de
especialização e na configuração dos fluxos de comércio
internacional - essencialmente intra-indústrias - resultantes
daqueles padrões. O comércio intra-industrial que, em 1965,
representava 46% do comércio mundial, passa, em meados dos anos
80, a responder por 60% deste total, concentrando-se no
comércio entre países da OCDE e entre estes e os NPIs da Ásia.
Cerca de 75% do comércio de produtos intensivos em ciência
dentro da OCDE correspondem a operações intra-industriais,
"facilitando a transferência de novas tecnologias entre países
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de alta renda, o que acelera a convergência de níveis de
produtividade (Fardoust & Dhareshwar, 1990);
- a concentração dos fluxos de comércio no interior dos três
grandes "blocos comerciais": América do Norte, CEE e Ásia
Oriental. De fato, "desde o início dos 80, o volume de comércio
dentro de cada bloco cresceu mais rápido do que o total do
comércio mundial", o que - na ausência de barreiras
protecionistas suficientemente fortes para discriminar
parceiros externos aos blocos - pode aumentar a competição e
incrementar a produtividade;
- a expansão do comércio de serviços que acompanha o
upgrading do comércio mundial, expresso na crescente participação
de produtos intensivos em ciência e em tecnologia. Tal expansão
ocorre na medida em que, na produção e comercialização daquele
tipo de bens, é cada vez maior o conteúdo de serviços. Também
no comércio de serviços, observa-se a concentração dos fluxos na
zona da OCDE. Segundo dados da UNCTAD, em meados da década de
80, 70% das exportações e 73% das importações de serviços
ocorriam na OCDE. Naquele momento, o comércio de serviços já
representava valor equivalente a 38% do comércio mundial de
mercadorias;
- a queda significativa e contínua da participação dos
produtos primários e das indústrias de base na produção e no
comércio, "em resposta às mudanças na demanda mundial e aos
efeitos das novas tecnologias sobre os processos produtivos"
(Fardoust & Dhareshwar, 1990), os quais reduzem o conteúdo
"material" da atividade industrial em benefício de seu conteúdo
"intelectual" (Lafay et alli, 1989).
Embora o comércio internacional tenha crescido, ao longo dos
anos 70 e 80 mais rapidamente do que o produto mundial (5% a.a.
contra 4% a.a, nos anos 70, e 4% a.a. contra 2,8%., entre 1980 a
1989), os investimentos internacionais constituíram,
principalmente na última década, a força motriz do processo de
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reestruturação industrial, no plano mundial. Em conseqüência, não
só os estoques de investimentos diretos no estrangeiro, no mundo
cresceram em 123% (ou seja, 9,3% a.a.), entre 1980 e 1989, mas
também os fluxos de comércio passaram a refletir crescentemente
os efeitos dos fluxos de investimento - ao contrário de ciclos de
internacionalização anteriores, onde os fluxos de investimento
voltaram-se para o "desenvolvimento" de mercados nacionais e não
eram trade-oriented. Em função destas novas tendências, as
agendas de negociação internacional passaram a incluir
crescentemente não só temas de política comercial, mas também
todos aqueles issues que afetam os fluxos de investimento
internacional - envolvendo políticas industriais e tecnológicas
para além dos instrumentos de restrição ao comércio na fronteira.
Como já se observou, passa-se de uma agenda de produtos e de
comércio a uma agenda de políticas e de investimentos e discute-
se crescentemente a capacidade de instâncias multilaterais para
definir regras do jogo adequadas às novas características da
economia mundial. O lançamento da Rodada Uruguai do GATT, em
1986, e a inclusão de "novos temas" de negociação (direitos de
propriedade intelectual, serviços e medidas de investimentos
relacionadas com o comércio) representam uma tentativa de
produzir uma regulação multilateral compatível com as
características estruturais apontadas e sancionam a prioridade
concedida aos temas de investimento na agenda de negociações
internacionais.
1.1.1. Antecedentes e evoluªo da Rodada Uruguai
O GATT foi estabelecido no final da década de 40, na
seqüência de uma tentativa frustrada de criar uma organização
internacional de comércio - International Trade Organization
(ITO) - que conformaria com o FMI e o Banco Mundial o quadro
institucional da cooperação econômica e financeira internacional
sob hegemonia norte-americana, no pós-guerra.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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O essencial da funcionalidade do GATT para a liberalização
comercial no pós-guerra reside em sua capacidade para fornecer um
registro multilateral para o encaminhamento e solução de
conflitos comerciais e para submeter à vigilância multilateral
as práticas comerciais dos países-membros, reduzindo-lhes a
liberdade para ações unilaterais. Ademais, o GATT foi bem-
sucedido nos esforços para remover "o entulho burocrático
resultante da escalada protecionista da década de 30" (Araújo Jr.
& Naidin, 1989) e para reduzir significativamente os níveis de
proteção tarifária aplicados por países desenvolvidos.
Ao fundar sua lógica de funcionamento sobre uma combinação
de princípios e exceções - na realidade, as exceções podem ser
consideradas como princípio, na medida em que expressam a idéia
do compromisso entre objetivos nacionais e internacionais - o
GATT forneceu aos países-membros margens substanciais de
autonomia para a condução de suas políticas econômicas externas e
domésticas e, em especial, para a implementação de estratégias de
desenvolvimento que muito pouco tinham a ver com os princípios
liberais.
No entanto, a década de 80 assiste à emergência de um
conjunto de fenômenos que parecem afetar negativamente a
funcionalidade do GATT em relação ao objetivo de promover a
montagem de um quadro de regulação que favoreça a liberalização e
a expansão do comércio mundial.
Até então, os artigos do Acordo autorizando restrições
quantitativas às importações por motivos vinculados à
deterioração da balança de pagamentos, e admitindo a utilização
de mecanismos de assistência estatal para promover o
desenvolvimento econômico, a cláusula de salvaguarda, as regras
que tratam exclusivamente do tratamento diferenciado e mais
favorável aos países em desenvolvimento (incluídos no acordo de
65) e, na Rodada de Tóquio (1975-1979), a confecção de diversos
códigos regulando o uso de barreiras não-tarifárias, barreiras
técnicas, compras governamentais, subsídios, dumpings e direitos
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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compensatórios (Valls Pereira, 1989), este conjunto de regras
compunham um quadro suficiente para produzir os compromissos que
asseguraram tanto a expansão do comércio mundial quanto a adesão
de países desenvolvidos e em desenvolvimento ao multilateralismo.
Na realidade, as cinco primeiras rodadas do GATT (entre 1947
e 1961) trataram quase que exclusivamente de reduções tarifárias.
Na década de 1950, os Estados Unidos impuseram cotas às
importações de produtos agrícolas, ao abrigo do Artigo XI do GATT
e negociaram com o Japão o acordo de restrição voluntária às
exportações de têxteis, que dá origem ao Acordo Multifibras. Tais
medidas não significaram um distanciamento norte-americano em
relação às normas multilaterais, pois o compromisso dos Estados
Unidos com a liberalização comercial refletia principalmente a
submissão da política comercial daquele país aos objetivos
estratégicos da política externa baseada na polarização Leste-
Oeste e no papel hegemônico dos Estados Unidos na coalizão
ocidental.
A década de 60 assiste à consolidação tanto dos esforços de
integração da CEE - que participa em bloco da Rodada Kennedy
(1964-1967) - quanto da hierarquia de preferências comerciais
praticada pela Comunidade e expressa na Convenção de Lomé e nos
Acordos ACP. Vistos como exceções aos princípios do GATT, estas
medidas têm como contrapartida a incorporação, no tratado, de uma
parte exclusivamente dedicada ao tratamento diferenciado dos
países em desenvolvimento.
A Rodada seguinte - Tóquio (1973-1979) - ocorre em um
cenário de crise, que afeta todas as economias desenvolvidas,
obrigando-as à adoção de políticas deflacionistas e a medidas de
ajustamento estrutural com um importante componente protecionista
e defensivo. As restrições não-tarifárias tendem a ser
mobilizadas como instrumentos de política industrial setorial e
de proteção temporária ao processo de ajustamento estrutural e de
modernização dos setores atingidos pela concorrência
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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internacional e, em especial, por aquela oriunda dos novos países
industrializados (NPIs).
Por outro lado, a Rodada de Tóquio sanciona a nova posição
relativa dos países em desenvolvimento, tal como ela se revelara
através da capacidade para elevar substancialmente os preços do
petróleo e do fenômeno de surgimento e consolidação dos novos
países industrializados (ou em industrialização).
Neste contexto, a Rodada de Tóquio obtém avanços
significativos na elaboração de diversos códigos para regular os
procedimentos não-tarifários e reconhece a validade da regra de
tratamento mais favorável e diferenciado para países em
desenvolvimento no âmbito destes códigos. Menos bem-sucedidos
foram os esforços para negociar, naquela Rodada, as questões
agrícolas e de salvaguardas, fazendo com que, neste último caso,
a partir do término da Rodada, os países desenvolvidos
recorressem aos códigos anti-dumping e de subsídios, que haviam
sido negociados para ações protecionistas que tipicamente
representariam medidas de salvaguardas (Araújo Jr. & Naidin,
1989).
Em que pese os avanços obtidos na Rodada de Tóquio, não
resta dúvida de que aí se evidenciam as dificuldades para que o
GATT continue desempenhando sua função, de forma satisfatória
para países desenvolvidos e em desenvolvimento.
De fato, o contexto da crise econômica nos países
desenvolvidos, a erosão da posição hegemônica dos Estados Unidos
- e seus efeitos tanto sobre a economia mundial quanto sobre a
relação até então vigente entre política externa e política
comercial deste país - e o surgimento de novos competidores no
mercado internacional (o Japão e os NPIs) dificultam a absorção,
no quadro regulatório do GATT, das tensões comerciais daí
decorrentes. Na realidade, crescimento acelerado das economias
centrais, posição hegemônica incontestável dos Estados Unidos e
uma razoável estabilidade do quadro da competição internacional
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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constituem elementos essenciais do ambiente que permitiu ao GATT
funcionar a contento, de sua criação até a década de 70.
Se até então a diversidade de modelos econômicos de
desenvolvimento - com algumas estratégias muito distantes do
liberalismo - não parecia incomodar os países desenvolvidos, esta
atitude muda quando modelos "alternativos" começam a gerar
políticas agressivas de exportação e a alterar o quadro de
vantagens comparativas em favor dos novos participantes no jogo.
Frente à confrontação competitiva de sistemas sócio-econômicos -
e até mesmo culturais - muito diversos, adquire relevância
crescente o uso do conceito de reciprocidade.
Frente à já condicionada regra da nação mais favorecida -
que assegura a difusão multilateral das concessões bilaterais -
cresce a importância da norma de reciprocidade, no bojo de um
processo em que os países desenvolvidos se conscientizam:
- primeiro, que ao se confrontarem sistemas sócio-econômicos
muito diversos, a adoção de normas de regulação comercial
baseadas em princípios genéricos implica uma distribuição
desigual de custos e de benefícios. Neste sentido, o primado do
conceito de reciprocidade submete a lógica de difusão das regras
acordadas bilateralmente - até então regida pela cláusula da
nação mais favorecida, que constituía a garantia do
multilateralismo - a um processo de negociações sucessivas que
desembocam na politização das relações internacionais. A
difusão de concessões acordadas bilateralmente deixa de ser
automática, na medida em que a reciprocidade passa a
condicionar a cláusula de nação mais favorecida;
- segundo, que o sistema do GATT viabilizou a emergência dos
free-riders, em geral países em desenvolvimento que se
beneficiaram dos direitos e vantagens do sistema multilateral
sem assumir as obrigações decorrentes de sua adesão a este
sistema.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Esta dupla percepção virá, na década de 80, alimentar as
teses de que a heterogeneidade econômica e social do conjunto de
países que formam o GATT acaba por dificultar os esforços de
liberalização do comércio e de adequação do quadro regulatório
multilateral às novas modalidades de operação da economia
internacional - o que se buscaria pela negociação de acordos nos
chamados "novos temas" (direitos de propriedade intelectual,
serviços, investimentos).
Neste cenário, a "fadiga" do GATT (Hufbauer, 1989)
forneceria o incentivo básico para a conformação de uma zona de
livre comércio e investimento reunindo os países da OCDE e alguns
dos novos NPIs (basicamente os asiáticos). Da mesma forma, a
defesa do "minilateralismo" e dos acordos regionais/bilaterais
como alternativa ao multilateralismo se desenvolve nos anos 80,
principalmente nos Estados Unidos, embora, mesmo fora deste país,
autores que defenderam o enfoque do multilateralismo ressaltem a
necessidade de um reforço da cooperação entre países
industrializados, que se situam em um "ambiente estratégico"
(Jacquemin & Sapir, 1990).
Ao longo da década de 80 e à medida em que se acentua a
preocupação com o trade-off globalização x formação de blocos
regionais, a idéia de constituição de um mini-GATT de países
industrializados - com uma agenda de negociações baseada em temas
típicos de processos de integração profunda - passou a ser
considerada ainda mais positivamente tendo em vista os efeitos
atenuadores que tal conformação produziria sobre as tendências
protecionistas presentes na dinâmica de criação de blocos
comerciais.
A "leitura" da crise do GATT à luz dos paradigmas do
liberalismo neoclássico e do protecionismo desenvolvimentista,
além de pouco esclarecedora em relação aos fatores que
desestabilizaram os compromissos sancionados pelo Acordo,
reproduz uma polarização ideológica inadequada às transformações
por que passará a economia mundial nos anos 90.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A crítica à proteção às indústrias nascentes nos países em
desenvolvimento - brandida pelos arautos do liberalismo nos
países desenvolvidos - também se aplicaria à bateria de medidas
não-tarifárias com que estes últimos tentam defender suas
indústrias senis. Por outro lado, a inclusão de novos temas nas
negociações multilaterais de comércio - defendida pelos países
desenvolvidos e pelos liberais - parece pertinente e
incontornável, tendo em vista que tal inclusão simplesmente
significaria reconhecer o fato de que a imbricação entre comércio
e investimento, os vínculos estreitos entre produção industrial e
prestação de serviços e "as interações entre controle do
investimento e domínio tecnológico" (Araújo Jr. & Naidin, 1989)
são um dado de realidade crescentemente importante na rotina das
operações industriais e nas relações econômicas internacionais.
Neste sentido, da mesma forma que para as barreiras não-
tarifárias, seria mais adequado regulamentá-las em um registro
multilateral do que permitir uma imposição "selvagem" de regras
com base em medidas unilaterais e em acordos bilaterais.
As pressões para a inclusão dos novos temas na agenda de
negociações se manifestam desde o início das conversações para o
lançamento de uma nova Rodada do GATT, em 1982. O Brasil foi uma
das principais expressões da resistência a tal inclusão, sob o
argumento de que isto significaria relegar a segundo plano a
questão da proliferação das barreiras não-tarifárias nos países
desenvolvidos. O objetivo dos países desenvolvidos foi alcançado,
através de um compromisso que contemplou a incorporação de "todos
os assuntos pendentes" e que definiu que as negociações sobre
comércio de serviços deveriam acontecer em um grupo diverso
daquele encarregado do comércio de bens (Valls Pereira & Piani,
1989).
Vários avanços foram obtidos em diferentes temas de
negociação na Rodada Uruguai, tendo o impasse se cristalizado
unicamente em um campo onde a polarização não opõe países
desenvolvidos e em desenvolvimento, mas, de um lado, os Estados
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Unidos e, de outro, a CEE: a liberalização do comércio agrícola.
Neste caso, a coalizão liberalizante reúne os Estados Unidos e o
grupo de Cairns (que agrupa países desenvolvidos e em
desenvolvimento, entre os quais o Brasil), em oposição à CEE.
No que se refere aos temas em que o Brasil ofereceu maior
resistência ao avanço das negociações - os novos temas -, parece
hoje claro que a inclusão destes na agenda de negociações
multilaterais pode representar, para um país com as
características do nosso, mais vantagens que desvantagens.
Ademais, para além do interesse dos países desenvolvidos em se
beneficiar de suas vantagens comparativas, a necessidade de
regular, em âmbito internacional, fluxos de investimento,
comércio de serviços e transferência de tecnologia decorre da
lógica de internacionalização associada à difusão do novo
paradigma industrial e tecnológico.
A prioridade destes temas reflete uma evolução de fato da
economia mundial, e admitir tanto a importância de uma regulação
multilateral dos novos temas quanto a idéia de que tal regulação
se dará ao longo de um vetor de liberalização, não significa
abrir mão de negociar os espaços de autonomia dos países em
desenvolvimento, na melhor tradição do GATT.
1.1.2. O GATT e os pases em desenvolvimento: uma nova
perspectiva
Curiosamente, o GATT, que no início da Rodada Uruguai era
visto como uma instância dominada pelos países desenvolvidos e
como um instrumento de pressão sobre os países em
desenvolvimento, vê agora ressaltadas suas qualidades e
identificada sua utilidade enquanto organismo de regulação do
comércio extremamente flexível e pragmático. Este pragmatismo,
através de uma lógica política fundada na negociação, no
compromisso e na sanção, reconhece numerosas exceções e preserva
substanciais margens de manobra para os países signatários do
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Acordo. Entre as especificidades nacionais explicitamente
reconhecidas pelo GATT, encontram-se aquelas que caracterizam os
países em desenvolvimento, beneficiários de um estatuto que lhes
concede "tratamento diferencial e mais favorável" na aplicação do
Acordo.
A concessão deste tratamento aos países em desenvolvimento
constitui uma das principais "exceções" autorizadas pelo Acordo,
na medida em que restringe o campo de aplicação dos dois grandes
princípios do GATT: a reciprocidade e a incondicionalidade da
cláusula de nação mais favorecida - que assegura a extensão de
concessões negociadas bilateralmente aos demais países
signatários do Acordo.
Na realidade, a crescente percepção da importância do GATT
para países em desenvolvimento e, em particular, para o Brasil,
parece refletir a convergência de diversos fenômenos:
Primeiro, a constatação de que o GATT, é antes de tudo, um
foro e um conjunto de mecanismos institucionais que canalizam
conflitos e controvérsias, partindo de uma visão que pouco deve
ao liberalismo ingênuo e que se assenta antes na lógica da
negociação, entre as partes contratantes, "dos níveis de proteção
compatíveis com a realização do comércio exterior dos diferentes
países" (Araújo Jr. & Naidin, 1989). Visto como um processo
negocial, pouco importa quão distante o GATT se encontre das
miragens do livre-comércio, pois o relevante seria "ordenar e
institucionalizar as práticas comerciais (dos diferentes países)
para que se delimite seu campo de ação (ou seja) para que se
submetam a códigos de conduta acordados internacionalmente"
(Valls Pereira, 1989), reduzindo-se assim o grau de incerteza, de
arbitrariedade e de unilateralismo na gestão do comércio mundial.
Segundo, a verificação de que, para países de menor poder
político e peso econômico relativo no cenário internacional,
multilateralismo é uma alternativa superior ao bilateralismo ou
ao "minilateralismo" - isto é, à formação de zonas de livre
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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comércio sob hegemonia de um país ou bloco de países
desenvolvidos (Fritsch, 1988) - seja pela flexibilidade das
regras negociadas nos foros multilaterais, seja pelo fato de que
a lógica de negociação prevalecente no GATT é superior, para um
país em desenvolvimento, à lógica de exercício de "influência
assimétrica" (Mistral, 1986) que caracteriza a solução de
controvérsias nas relações econômicas bilaterais entre países com
distintos níveis de desenvolvimento e de poder relativo.
Terceiro, a constatação de que a evolução da política
comercial dos países desenvolvidos ao longo dos anos 70 e 80 se
deu no sentido da proliferação das restrições não-tarifárias ao
comércio, e do uso crescente da "influência assimétrica" e do
unilateralismo para definir não só as condições de acesso dos
demais países aos seus mercados domésticos, mas para
reconceituar a própria noção de política comercial, estendendo
seu escopo ao conjunto das políticas econômicas domésticas e
externas que afetam a competitividade e o comércio. O GATT pode
ser, para os países em desenvolvimento, o foro mais adequado ao
debate desta nova agenda de políticas e formas de intervenção do
Estado na economia e suas conseqüências para o comércio
internacional.
O recurso mais intensivo ao unilateralismo e ao mecanismo da
"influência assimétrica" preocupa, sobretudo, quando se
constata que a Rodada Uruguai ocorre em um período da história
em que "há um desequilíbrio de forças muito maior do que
existia, por exemplo, na década de 70, em que, depois da
emergência da OPEP, da inflação do preço do petróleo, chegou-se
até à ilusão de que a correlação de forças havia mudado, de que
o mundo em desenvolvimento tinha ganho uma posição para influir
sobre as questões" (Ricúpero, 1988). Agora, ao contrário do
contexto em que se realizou a Rodada de Tóquio, na década de
70, a questão da ameaça de desconexão entre Norte e Sul
substitui o quadro de redução das "distâncias" entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento e o bloco OCDE demonstra, em
sua dinâmica de comércio e investimento, uma autonomia inédita
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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face aos países do Sul. De outro lado, a própria noção de
países em desenvolvimento perde consistência à luz das
diferenciações internas a este grupo e às dificuldades (daí
decorrentes) para que estes atuem, nas negociações, de forma
coordenada e defendendo as mesmas posições. Na realidade, em
muitos dos temas sob negociação no GATT - especialmente nos
chamados novos temas - as clivagens de posição dividiram o
grupo dos países em desenvolvimento, ao invés de aglutiná-los.
1.1.3. As perspectivas do multilateralismo nos anos 90
As perspectivas de conclusão da Rodada Uruguai - em torno do
Draft Final Act de A. Dunkel, seu Secretário-Geral -, se por um
lado representam a garantia de que o multilateralismo continuará
a desempenhar um papel relevante na conformação do sistema
mundial de comércio, por outro não é suficiente para restabelecer
a hegemonia inconteste daquela instância na regulação do comércio
internacional.
De fato, coexistem ativamente com o multilateralismo - e
suas instituições - processos de regionalização, sistemas de
comércio administrado e iniciativas de integração profunda que
alteram profundamente as relações entre as várias instâncias
produtoras de regulações no âmbito do comércio internacional e,
portanto, redefinem o papel do multilateralismo.
Este se verá ampliado pela incorporação - ainda que parcial
- da agricultura e dos têxteis ao GATT, pelo aperfeiçoamento do
sistema de solução de controvérsias, a introdução do Trade Policy
Review Mechanism, o aperfeiçoamento de normas de subsídios, anti-
dumping e salvaguardas, etc. Por outro lado, há possibilidades
reais de que o GATT seja substituído por uma nova Organização
Multilateral de Comércio, com jurisdição sobre os chamados novos
temas (Ricúpero, 1993).
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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O sistema multilateral passa a incorporar temas típicos da
regulação do atual ciclo de internacionalização - indo além da
definição estrita de política comercial - e aperfeiçoa
instrumentos de regulação dos fluxos na fronteira, estabelecidos
por Rodadas de negociação anteriores.
O dado paradoxal consiste em que esta expansão do escopo das
regras multilaterais não deve determinar, no curto prazo,
qualquer redução do peso que adquiriram no sistema mundial de
comércio as instâncias de regulação unilaterais e regionais. Em
outras palavras, aquela expansão não se dará às custas da redução
do espaço hoje ocupado pelas políticas bilaterais e de "blocos" e
pelas iniciativas de administração do comércio e de harmonização
de políticas em espaços regionais.
Neste sentido, não só "o sistema mundial de comércio do
futuro não vai nascer de uma ruptura drástica com o presente"
(Ricúpero, 1993), mas ele herdará dos anos 80 o fato de combinar
elementos heterogêneos e razoavelmente contraditórios entre si.
Herdará, inicialmente, a nova agenda de negociações baseada
em políticas comerciais em sentido amplo e, com ela, a existência
de um double track de desenvolvimento de iniciativas de
harmonização destas políticas e de produção de convergência
sistêmica entre as diferentes economias. O GATT - ou a
instituição que o suceder - fornecerá o primeiro track,
oferecendo o quadro de referência para que os países em
desenvolvimento aceitem "normas internacionais a princípio
enunciadas apenas para os desenvolvidos" em áreas de política não
estritamente comerciais (Ricúpero, 1993).
As iniciativas de regionalização mais aprofundadas (CEE, por
exemplo) e a própria OCDE oferecerão o segundo track de produção
de convergência sistêmica, avançando especialmente em áreas onde
a obtenção de um consenso no GATT apareça como inviável e onde a
geração de normas aceitas pelos países desenvolvidos apareça como
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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prioritária, à luz do objetivo de evitar o acúmulo de tensões e
conflitos comerciais intra-OCDE.
Herdará, ainda, a tradição "bilateralista" dos anos 80,
incentivada pela persistência de fortes desequilíbrios comerciais
entre os Estados Unidos e o Japão e pelo fato mesmo de que a
competição por "bons" investimentos na zona OCDE tende a criar
novas fontes de conflitos comerciais - em sentido amplo - e a
manter alimentada a agenda de negociações bilaterais. A
revalorização recente, nos Estados Unidos, do uso da Super-301
sugere que o recurso ao bilateralismo como forma de resolução de
conflitos comerciais tende a se intensificar, pelo menos nos
próximos dois ou três anos.
Para o Brasil, o cenário que se vai delineando, em termos de
sistema de comércio mundial, apresenta aspectos positivos e
negativos. A liberalização comercial unilateral empreendida pelo
país colocou-o em posição "incomparavelmente mais confortável do
que no passado" (Ricúpero, 1993), nos assuntos tradicionais do
GATT: em termos da agenda de produtos, o Brasil é hoje
identificado como um full member do GATT, desvencilhando-se da
imagem de free-rider (Trade Policy Review, oct. 1992).
No plano das iniciativas regionais, o Brasil participa do
Mercosul e, provavelmente em poucos anos, deverá negociar - com
os demais países do Cone Sul - algum tipo de acordo de
liberalização comercial e de investimentos com os Estados Unidos.
Uma eventual negociação com os Estados Unidos trará à tona aquela
que parece ser a maior dificuldade do país em termos de relações
internacionais: a abordagem de uma agenda de políticas, através
de uma ótica de liberalização e de um vetor que afastará o modelo
de relação entre Estado e economia do paradigma do período
desenvolvimentista. Como observa Ricúpero (1993), "aí se
concentrarão talvez algumas das dificuldades mais intratáveis,
especialmente as que se originam da inevitável tensão entre a
pressão em favor da "convergência sistêmica" e as especificidades
e aspirações de países com as características do Brasil. É nesse
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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terreno que se testará continuamente a capacidade brasileira de
elaborar e negociar posições de meio termo que admitam a
consideração de temas como o meio ambiente e as normas de
competição, sem permitir que estes assuntos, sobretudo o
primeiro, sirvam de pretexto para impor uma variante do
neoprotecionismo contra países em desenvolvimento".
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1.2. Gestªo da InterdependŒncia e Processos de Regionalizaªo
Em um cenário de mudanças rápidas no mapa de vantagens
comparativas, de expansão dos setores vinculados às novas
tecnologias e de ameaças protecionistas, reforçam-se os
incentivos para o estabelecimento de zonas de livre comércio e de
outras formas de integração econômica supranacional. Este cenário
coloca, também, como requisito para uma evolução onde prevaleçam
os componentes cooperativos, a capacidade de gestão da
interdependência por mecanismos e órgãos supranacionais que vão
do G-7 ao GATT, passando pela OCDE.
As sucessivas reuniões realizadas, a partir de 1985, pelos
chefes de Estado e Ministros das Finanças dos sete maiores países
industrializados (o G-7) buscam avançar na coordenação de
políticas macroeconômicas, de forma a viabilizar, entre outras
coisas, uma absorção não traumática dos desequilíbrios entre os
países-líderes da OCDE. A falta de coerência das políticas
econômicas dentro dos países e entre eles intensifica os
movimentos de curto prazo das taxas de câmbio e contribui para
criar aqueles desequilíbrios.
Os conflitos que emergem, para cada governo nacional, da
arbitragem permanente entre objetivos nacionais e supranacionais
ou entre soberania e interdependência contribuem para explicar as
dificuldades que o G-7 enfrenta no processo de coordenação de
políticas macroeconômicas.
Se a gestão da interdependência mostra-se problemática na
esfera dos principais países desenvolvidos e no campo da política
macroeconômica, ela tampouco é "automática" e não conflituosa no
âmbito da OCDE e no campo das políticas estruturais.
Nestas políticas, esforços relativamente bem-sucedidos para
harmonizar as regulações de tratamento ao investimento direto
estrangeiro, de competição, de reforma dos mercados financeiros e
de financiamento ao comércio exterior contrastam com os
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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resultados menos convincentes observados na reforma das políticas
comercial, agrícola e industrial.
Em todos os níveis em que seja praticada - do G-7 ao GATT,
do bilateral ao multilateral - a gestão da interdependência é
sempre um processo conflituoso, de constituição de consensos em
torno de diretrizes de harmonização de políticas dentro dos
países e entre eles e em torno da transferência de soberania da
instância nacional para alguma instância supranacional. Os
processos de integração econômica são experiências de gestão da
interdependência e, na medida em que se consolidam três grandes
conjuntos de atores estratégicos no jogo do comércio mundial,
coloca-se o problema do gerenciamento concomitante da
interdependência intrabloco (entre países de um bloco) e
interblocos (entre países de blocos diferentes). Trata-se de
enfrentar o trade-off potencial entre globalização e
regionalização e estabelecer as premissas de um cenário de
multipolaridade cooperativa, afastando a "síndrome dos anos 30"
que paira sobre as perspectivas do comércio mundial nos 90.
A força política da regionalização provém da sua capacidade
de fornecer aos Estados nacionais uma solução de compromisso
entre o "acatamento" do princípio da interdependência - e,
portanto, do imperativo de se gerarem regras e instâncias de
gestão da interdependência - e a administração pragmática dos
interesses políticos e econômicos de cada Estado-nação. Evitam-se
os inconvenientes do multilateralismo sem, no entanto, impedir o
funcionamento das instâncias multilaterais. Para alguns
estudiosos, a regionalização poderia até mesmo funcionar como um
fator de aceleração da liberalização multilateral, ao permitir
contornar obstáculos a este processo, tais como a lentidão do
processo decisório e a baixa capacidade de enforcement que
caracterizariam os organismos multilaterais.
Neste início de década, dois grandes eixos comandam
crescentemente a estruturação de espaços supranacionais e a
difusão da regionalização. São eles:
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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- O eixo OCDE. A intensificação, nos anos 80, dos fluxos de
comércio, investimento e tecnologia no interior da zona OCDE e o
processo de harmonização de políticas empreendido em seu seio
constituem os pressupostos a partir dos quais alguns autores
defendem, seja a criação de uma zona de livre comércio e
investimento reunindo os países da OCDE e eventualmente os novos
países industrializados (NPIs) da Ásia (Hufbauer, 1989; Lawrence,
1991), seja a simples continuação dos esforços de liberalização
dos fluxos comerciais e de fatores já levados a cabo pela OCDE.
Independente de sua especificação, tais propostas pretendem
privilegiar as relações internas à zona OCDE e incentivar a
emergência de um cenário cooperativo entre os países que compõem
o "ambiente estratégico" da economia mundial (Jacquemin & Sapir,
1990).
Dentro da visão de uma economia mundial multipolar - ou
especificamente tripolar -, este é o eixo das relações interpólos
ou interblocos. Para Lawrence (1991), "uma coalizão dos
principais poderes econômicos poderia atuar como um freio contra
a corrida em direção ao comércio administrado ou aos blocos
regionais independentes", "contra-arrestando" as tendências
centrífugas que decorreriam de um fracasso definitivo nas
negociações da Rodada Uruguai.
- O eixo representado pela consolidaªo dos plos CEE,
AmØrica do Norte e Japªo. Na realidade, a regionalização ao longo
deste eixo envolve dois processos: a constituição do núcleo
básico do pólo e a estruturação hierárquica de preferências e de
relações privilegiadas entre este núcleo e as diversas economias
de "sua" periferia. À medida que estes núcleos se consolidam
internamente na América do Norte e na CEE, ganha em importância -
na dinâmica de difusão dos pólos regionais - a
institucionalização do relacionamento preferencial entre tais
núcleos e agrupamentos ou países "externos". Vale observar que,
muitas vezes, o volume e o direcionamento dos fluxos de comércio
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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internacionais já sugerem a existência de relações privilegiadas,
embora não necessariamente institucionalizadas.
Segundo Lafay e Unal-Kesenci (1991), a análise empírica dos
fluxos de comércio intra e interpólos sugere que "os fundamentos
de uma organização da economia mundial dentro do quadro de vastas
regiões já existem, pois eles correspondem à configuração
presente do comércio internacional. Os acordos concluídos entre
os Estados, em geral, só fazem reforçar os laços privilegiados
tecidos pela proximidade geográfica, histórica, cultural ou
econômica".
Importante ao longo da década de 70, o eixo Sul-Sul perde
peso nos anos 80, com a recentralização do dinamismo econômico
nos países desenvolvidos e com a estagnação da grande maioria dos
países em desenvolvimento.
O fato é que os anos recentes testemunharam uma importância
crescente destes dois grandes vetores de regionalização, bem como
da própria força do fenômeno da regionalização: de um lado, a
evolução lenta da OCDE em direção à harmonização política e à
liberalização dos fluxos comerciais e de investimentos; de outro,
a consolidação da tripolaridade, tanto pela estruturação dos
núcleos dos pólos, quanto - mais recentemente - com o
desenvolvimento de iniciativas de articulação entre tais núcleos
e as regiões que estruturalmente gravitam em torno deles. O
resultado destas duas tendências é a "preferencialização" das
relações comerciais em todo o mundo.
1.2.1. A estratØgia norte-americana
1.2.1.1. Unilateralismo e fragilidade estrutural
Para os Estados Unidos, a década dos 80 se inicia com a
aplicação da política econômica de Reagan, combinando
expansionismo fiscal e austeridade monetária. Enquanto as
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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defasagens conjunturais e as divergências no comportamento da
demanda interna entre os Estados Unidos e a Europa, bem como os
efeitos de gestão macroeconômica sobre o valor do dólar se
encarregavam de produzir crescentes déficits comerciais no
balanço de pagamentos americanos, os Estados Unidos se empenharam
em incluir na agenda daquela que seria a próxima Rodada do GATT,
os chamados "novos temas": serviços, investimentos e direitos de
propriedade intelectual.
As árduas negociações que marcaram a preparação e depois a
realização da Rodada Uruguai e a permanência do déficit comercial
em patamares inéditos condicionariam a conformação da política
comercial norte-americana nos anos 80, ao longo dos seguintes
eixos:
- a extensão da aplicação de medidas protecionistas
setoriais de tipo não-tarifárias: acordos voluntários de
restrição às exportações, uso dos mecanismos anti-dumping, etc.
Estas medidas eram aplicadas a setores industriais ameaçados pelo
fluxo de importações que está na origem do déficit comercial
norte-americano;
- a constituição de uma hierarquia de preferências, que rege
as condições de acesso dos demais países ao mercado norte-
americano, através do estabelecimento de acordos bilaterais de
livre-comércio (com o Canadá e com Israel), da Iniciativa para a
Bacia do Caribe e da imposição de sanções a parceiros
considerados desleais;
- o recurso à pressão unilateral para resolver conflitos
bilaterais de comércio e para forçar a abertura de mercados de
países considerados protecionistas pelos Estados Unidos,
especialmente no que se refere a serviços, investimentos e
direitos de propriedade intelectual; e
- os esforços para ampliar o campo do que os governos
consideram como política comercial e, portanto, passível de
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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negociações bilaterais. A inclusão dos novos temas na agenda da
política comercial já aponta nesta direção, mas, sem dúvida, são
as discussões iniciadas em 1989 com o Japão sobre os meios para
reduzir o desequilíbrio comercial bilateral - a iniciativa
relativa aos entraves estruturais - que melhor ilustram esta
tendência.
A busca de reciprocidade comanda a implementação da política
ao longo destes quatro eixos, recorrendo a iniciativas
unilaterais e fazendo das relações bilaterais o terreno preferido
para negociar questões pertinentes à política econômica externa
dos Estados Unidos. A Lei do Comércio norte-americana de 1988
sanciona e consolida estas tendências, próximas da concepção de
"comércio administrado", segundo a qual existem, no mundo, blocos
comerciais que se guiam por diferentes diretrizes de política e
seguindo regimes de comércio muito diversos entre si, devendo,
pois, ser tratados de maneira diferenciada.
A política comercial foi portanto, nos Estados Unidos, o
principal componente das políticas de ajustamento às condições
cambiantes da competição internacional. No plano interno, em que
pese as iniciativas governamentais de incentivo às formas
cooperativas de pesquisa (e.g. Semicondutor Advanced
Technology/Sematech, etc.) e a crescente importância das
correntes que defendem a adoção de uma política industrial ativa
nos setores estratégicos de alta tecnologia, prevaleceu a
tradição norte-americana de não-envolvimento do Estado. Assim, a
estratégia de reestruturação da oferta baseou-se apenas em
políticas de desregulamentação.
A permanência de elevados déficits comerciais até o início
dos anos 90 alimenta as pressões protecionistas e reforça a tese
de que o déficit pode ser reduzido por medidas de política
comercial defensivas desencadeadas contra os parceiros
considerados desleais.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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De fato, a percepção de que a queda do dólar - na segunda
metade dos anos 80 - não foi suficiente para produzir o
ajustamento externo, amplia o espaço dos defensores da teoria do
comércio administrado e dos partidários de uma política
industrial ativa, que - atacando as fragilidades estruturais da
indústria norte-americana - aumente o potencial competitivo
desta.
A recente vitória democrata nas eleições presidenciais deve
significar uma revisão do paradigma de política econômica adotado
ao longo da década de 80: a explicitação de uma política
industrial voltada para a qualificação da força de trabalho e a
melhoria da infra-estrutura física e tecnológica deve ser
priorizada, ao mesmo tempo em que se intensificam as pressões
para o aprofundamento da política comercial administrada,
especialmente nas relações dos Estados Unidos com o Japão e os
NPIs da Ásia.
A visão que parece prevalecer na nova administração federal
atribui às fragilidades estruturais da economia norte-americana o
déficit comercial do país com o Japão, somente de forma
secundária considerando as "práticas desleais de comércio" ou o
protecionismo japonês como fonte deste desequilíbrio. Isto
significaria que, a médio prazo, na estratégia de recuperação
estrutural, os instrumentos de política industrial e tecnológica
tendem a adquirir maior importância vis-à-vis dos mecanismos de
restrição de cunho comercial, embora, no curto prazo, seja
provável uma combinação transitória dos dois tipos de política.
Significa também que, para os ideólogos da nova administração
federal, a principal issue de política econômica externa envolve
os investimentos diretos e que a política comercial e os acordos
de integração devem ser instrumentalizados com os objetivos de
atrair para os Estados Unidos investimentos de elevado conteúdo
tecnológico e de "abrir" mercados externos para os investimentos
norte-americanos.
48
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1.2.1.2. Do Acordo de Livre ComØrcio da AmØrica do Norte (NAFTA)
s iniciativas continentais: uma perspectiva do Brasil
O NAFTA estabeleceu-se sobre a base de dois fenômenos: a) a
intensidade das relações econômicas preexistentes entre EUA,
Canadá e México, tanto em termos de comércio quanto de
investimento; b) o processo de negociação e o estabelecimento de
um acordo de livre comércio entre EUA e Canadá, em 1989, o qual
fornece o quadro de referência para as negociações do acordo
tripartite.
A agenda do NAFTA inclui questões de comércio e de
investimento, e prevê prazos longos de liberalização nos setores
considerados sensíveis pelos diferentes parceiros. Como observa
Machado (l992), "as disposições acordadas não permitem
classificar o NAFTA na categoria de Acordo de Livre Comércio,
dada a extensão do período de transição necessário à completa
liberalização do comércio (que para alguns setores chega até a 15
anos) e a definição de regras de origem bastante restritivas para
setores com elevada participação no comércio intra-regional. O
NAFTA configura, portanto, apenas a criação de uma "zona
preferencial de comércio" com a adição de acordos envolvendo a
regulação dos fluxos de investimentos, comércio de serviços e
propriedade intelectual".
Embora os efeitos do NAFTA sobre as exportações brasileiras
tendam a ser mínimos no curto prazo - dada a permanência de
restrições de acesso dos produtos mexicanos ao mercado dos EUA -,
no longo prazo "o deslocamento das exportações brasileiras pode
atingir patamares significativos, não só como resultado da
eliminação gradual das tarifas e demais barreiras ao comércio
(mas também) da reestruturação industrial em curso no México (a
qual) ganhará impulso significativo com o provável aumento do
fluxo de investimentos norte-americanos resultante da
implementação do NAFTA" (Machado, 1992).
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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O NAFTA e a Iniciativa para as Américas (IPA) conectam os
processos de integração em curso na América Latina e aqueles que
envolvem os países desenvolvidos da América do Norte. Admitindo-
se ser o NAFTA um processo irreversível e que o tema da ampliação
de uma área de preferencialização (e não propriamente de livre
comércio) promovida pelos Estados Unidos permanecerá na agenda de
negociação entre os países do continente, ganha especial
relevância a discussão de como se negociará o encaminhamento
desta preferencialização.
Tanto a IPA quanto o NAFTA são iniciativas tributárias do
padrão de política comercial norte-americana dos anos 80: a
ênfase na discriminação como incentivo econômico para os
parceiros se traduz na prioridade às negociações bilaterais e
unilaterais e no uso do unilateralismo agressivo (tendo como pano
de fundo o consenso sobre a fadiga do GATT e do
multilateralismo). Além disto, ambas fazem da agenda de política
definida pelo "Washington Consensus"
5
e da liberalização dos
"novos temas" da Rodada Uruguai requisitos de readiness a serem
preenchidos pelos candidatos às negociações.
O avanço das negociações no âmbito do NAFTA faz do acordo
com o México um modelo que informará as discussões bilaterais e
minilaterais no bojo da IPA, embora aquele acordo tenha várias
disposições específicas, relacionadas com a contigüidade
geográfica entre os Estados Unidos e o México e com o elevado
nível de transações comerciais e de fluxos de investimento entre
os dois países, antes mesmo das negociações de integração. Ainda
assim, é legítimo supor que o acordo com o México definiu uma
agenda básica e as condições a serem preenchidas pelos países
latino-americanos na perspectiva de negociações com os Estados
Unidos.
5
O "Washington Consensus" é um conjunto de doutrinas e recomendações de política econômica de
cunho liberal, adotado pelo FMI e pelo Banco Mundial nos anos 80 (e.g. controle monetário,
ajuste fiscal, liberalização comercial e financeira, desregulamentação, privatização,
negociação da dívida externa nos moldes do Plano Brady, etc.).
50
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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O modelo que emerge das negociações do NAFTA apresenta três
características relevantes para a nossa análise. Primeiro, trata-
se de acordo que se distancia de um modelo de ZLC clássico,
mantendo restrições setoriais nos setores considerados sensíveis,
introduzindo regras restritivas de origem e de conteúdo nacional
e prevendo longos períodos de transição para a liberalização
comercial. Segundo, o escopo do acordo é substancialmente
ampliado, para incluir questões relacionadas com investimento,
propriedade intelectual e serviços (tradeables e não-tradeables),
reafirmando a prioridade concedida pelos norte-americanos a estes
temas, desde o início dos anos 80, em diversas instâncias e foros
de negociação. Terceiro, temas envolvendo a gestão da
distribuição dos custos de ajustamento e reestruturação no país
menos desenvolvido são praticamente excluídos da agenda de
negociação.
Isto significa que a agenda de liberalização destes acordos
é ampla, em termos de escopo, inclui modulações e restrições
setoriais, de forma a torná-los politicamente sustentáveis nos
países envolvidos nas negociações, e exclui a criação de
mecanismos compensatórios de ajustamento estrutural. Se, por um
lado, tal desenho reduz resistências aos acordos, por outro ele
introduz preocupações no que diz respeito à concretização do
aumento de eficiência e de bem estar potencialmente associado aos
efeitos dinâmicos de todo processo de integração. Whalley (1992),
avaliando o NAFTA, contrasta o otimismo das estimativas de ganhos
de bem estar para o México, decorrente da hipótese de completa
liberalização dos fluxos comerciais entre os três países-membros,
com as preocupações acerca das regras restritivas de origem e de
mecanismos de proteção setorial que reduzem os ganhos potenciais
e praticamente reservam o mercado mexicano para fornecedores dos
Estados Unidos.
Para o Brasil, a possibilidade de ampliação de uma zona de
preferencialização a partir dos Estados Unidos coloca uma
perspectiva - inédita para o país - de integração assimétrica. De
fato, no âmbito latino-americano, tal desafio não se coloca para
51
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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o Brasil, mas para seus parceiros menores no Mercosul. Os custos
derivados de uma integração assimétrica seriam de três tipos:
1) Os custos vinculados à exposição da indústria brasileira
à competição de um país que apresenta níveis de desenvolvimento e
de produtividade que, na média, lhe são em muito superiores.
Valls Pereira (1991) classificou os setores industriais
brasileiros segundo o grau de risco a que se encontrariam
submetidos no caso de um acordo de livre-comércio com os EUA,
ressaltando o médio ou elevado risco existente para setores de
informática/automação e para segmentos da indústria metal-
mecânica, química e de material elétrico. Estes custos setoriais
traduzem-se nos perigos associados a um processo de exposição
mais acelerado (ou mais intenso) do que aquele previsto pela
reforma comercial em curso e na decorrente ameaça de um
aprofundamento da heterogeneidade industrial brasileira segundo o
critério básico de competitividade setorial vis-à-vis dos Estados
Unidos.
2) Os custos relacionados ao preenchimento dos requisitos de
readiness já referidos e à adoção de políticas liberalizantes
quanto aos novos temas da Rodada Uruguai. Para um país como o
Brasil, com tradição de políticas ativas e discriminatórias do
ponto de vista setorial, a adoção dessas regras significa perda
de graus de liberdade no manejo das políticas industrial e de
comércio (Bouzas & Lustig, 1992).
Neste sentido, a proposta norte-americana interessa
sobretudo aos países que já incorreram os custos da liberalização
unilateral. Isto é, aos países que já adotaram um padrão de
intervenção do Estado na economia considerado não discriminatório
pela visão oficial dos Estados Unidos e que tenham - antes mesmo
do acordo - parte significativa de seu comércio concentrado nas
relações com os Estados Unidos.
3) Os custos vinculados à eventual perda, em termos de
eficiência e de bem estar, decorrente de uma liberalização
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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bilateral (ou minilateral) frente à hipótese de liberalização
unilateral, principalmente se os esquemas de preferencialização
discriminarem contra terceiros países, conduzindo a padrões de
especialização internacional ineficientes e à cartelização dos
mercados integrados.
Esta avaliação dos custos potenciais - para o Brasil - de um
processo de liberalização entre o Mercosul e os EUA (ou o NAFTA),
no contexto de difusão de acordos de preferencialização no
continente, leva à priorização de duas issues:
Primeiro, o processo de expansão da área de
preferencialização que os EUA estarão propondo, implícita ou
explicitamente, através de suas prioridades de negociação e do
gerenciamento das cláusulas de acesso e dos requisitos de
readiness. Em um ambiente dominado pelos processos de
liberalização unilateral e pela difusão de acordos intra-
regionais, a dinâmica de expansão de uma zona de
preferencialização sob a égide dos EUA tende a pressionar
significativamente países membros destes acordos, criando riscos
de desagregação na medida em que pressões externas venham a se
somar a tensões endógenas à integração.
Em princípio, a intenção norte-americana de negociar com o
Mercosul reduz tais riscos, mas é realista supor que ela só se
manterá enquanto o acordo sub-regional tiver credibilidade
externa e seus membros forem capazes de priorizar os objetivos da
integração frente a outros interesses na área continental.
Por outro lado, não são desprezíveis os incentivos para que
os participantes do NAFTA - e, em especial, os EUA e o México -
administrem suas políticas externas no continente e suas posições
diante dos esquemas de preferencialização intra-regional no
sentido de desempenharem o papel de hub em um modelo de ampliação
da área de liberalização de tipo hub and spoke.
53
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Na realidade, um modelo hub and spoke maximizaria os efeitos
de desvio de comércio e de investimento que tendem a ser gerados
nos mercados do continente, com a difusão dos acordos de
preferencialização envolvendo os EUA e o México, de um lado, e os
países latino-americanos, de outro. O Brasil, país latino-
americano mais afetado pela implementação do NAFTA, sofreria, no
médio prazo, os efeitos do deslocamento de suas exportações
intra-ALADI pelos produtos mexicanos e dos EUA.
Segundo, o escopo e o modelo de gestão dos acordos em que se
basearia a expansão da área de preferencialização. Como esta
expansão se traduziria em uma sucessão de integrações
assimétricas, ela deveria não só afastar-se do modelo hub and
spoke, mas também: a) evitar mecanismos que implicassem
discriminação contra terceiros países e a cartelização dos
mercados integrados; b) contemplar mecanismos que caracterizassem
a idéia de reciprocidade assimétrica, prevendo-se prazos
diferenciados para a liberalização comercial e, de forma mais
geral, definindo uma estratégia de transição politicamente
sustentável em direção a uma ampla liberalização das relações
econômicas.
A geração de incentivos positivos - e não defensivos - para
a negociação de esquemas de preferencialização depende de um
tratamento adequado destas duas issues. Na situação atual, os
incentivos positivos estão principalmente relacionados com o
padrão de exportações brasileiras para os mercados norte-
americanos e com as perspectivas de um acesso maior e mais seguro
àqueles mercados, enquanto os incentivos negociais são
principalmente de caráter defensivo (evitar a marginalização,
reduzir as chances da IPA exercer uma pressão desagregadora sobre
o Mercosul, etc.).
Quanto ao incentivo potencial que se vincula à reconexão do
país com um dos pólos dinâmicos da OCDE, é preocupante o fato de
que os efeitos do acordo de livre comércio entre os EUA e o
Canadá tenham levado à intensificação dos debates, neste último
54
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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país, sobre desindustrialização e sobre os custos de ajustamento
decorrentes das estratégias de racionalização e de especialização
das empresas. Para um país como o Brasil, a ampliação da
heterogeneidade e a conformação de configurações econômicas e
sociais dualistas seriam efeitos de difícil absorção política,
dado o grau de desigualdade de renda prevalecente.
Da mesma forma que o medo da marginalização pode levar a uma
avaliação errônea de custos e benefícios associados aos esquemas
de integração econômica, o otimismo quanto à possibilidade de um
acordo com os EUA prever mecanismos compensatórios não deve ser
excessivo.
Como observa Ostry (1992), a assistência para o ajustamento
estrutural é uma das bases da deep integration (junto com a
convergência macro e microeconômica). Não parece ser um objetivo
dos EUA criar, com os acordos de preferencialização, as bases
para uma integração profunda no continente. Por isto mesmo, pode-
se considerar que a hipótese de uma agenda baseada na
"reciprocidade assimétrica" careça hoje de realismo, não só pelas
restrições que a ela se colocam do lado dos EUA, mas também
porque os países latino-americanos que incluem em sua agenda de
política externa a prioridade à integração com os EUA já
realizaram grande parte dos esforços de ajustamento dentro de uma
lógica liberal e excluíram o tema da política ativa de
reestruturação de sua agenda de política econômica doméstica.
O balanço dos condicionamentos, custos e incentivos
relacionados à negociação de uma agenda de liberalização do
Brasil - e do Mercosul - com os EUA sugere, para nossos países, a
adoção de um approach cauteloso, mas baseado na hipótese de
geração de incentivos positivos e de interesses empresariais
convergentes. Isto supõe, inicialmente, um longo processo de
negociação e "entendimentos" ou acordos de princípio, no estilo
das relações México-EUA, entre 1985 e 1989. Estas relações
incluíram a assinatura de um Entendimento Bilateral sobre
Subsídios e Direitos Compensatórios (1985), de um Marco de
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Princípios e Procedimentos para Consulta Referente a Comércio e
Investimento (1987) dos Entendimentos Setoriais para Produtos
Têxteis e Siderúrgicos e de um Entendimento Referente a Comércio
e Investimento (1989).
No entanto, a abordagem desta fase de negociações já exige a
definição de algumas diretrizes quanto ao escopo - e aos limites
- de um eventual futuro acordo. De forma muito tentativa, são
listadas a seguir diretrizes de uma agenda de liberalização
recíproca pertinente aos interesses do país e ao objetivo de
contribuir para o upgrade da inserção internacional da economia
brasileira:
- a agenda de acesso aos mercados contemplaria a prioridade
à redução das barreiras não-tarifárias. No caso das tarifas,
sempre que possível se levaria em conta o fato de que os custos
associados à liberalização bilateral recaem essencialmente sobre
os países em desenvolvimento, de menores níveis de produtividade
e desfrutando de proteção relativamente elevada: um esquema de
reciprocidade assimétrica permitiria, através do timing
diferenciado para a eliminação de tarifas intra-área de
preferencialização, ponderar este aspecto;
- o estabelecimento de um mecanismo de solução de
controvérsias, que modere o recurso unilateral às legislações
anti-dumping e de direitos compensatórios. Nesta área, se
evoluiria para entendimentos sobre subsídios e temas de
investimento relacionados com o comércio, reduzindo
crescentemente a margem de liberdade das autoridades nacionais
para usar, com objetivos protecionistas, legislações destinadas a
coibir práticas desleais de comércio.
1.2.2. A estratØgia da CEE
1.2.2.1. Antecedentes
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Entre os países desenvolvidos, foi naqueles pertencentes à
CEE que o longo período de crise e instabilidade que caracteriza
a economia mundial desde o início dos anos 70 produziu efeitos
negativos mais profundos.
Enquanto os Estados Unidos conseguiram manter uma posição
de, pelo menos, co-hegemonia, o Japão vem ocupando crescentemente
espaços na economia mundial e os NPIs do Extremo Oriente e da
América Latina desenvolveram, na década dos 70, estratégia de
exportação de manufaturados que atingiu duramente a produção
industrial doméstica de vários países da CEE.
De uma maneira geral - e à exceção da antiga República
Federal da Alemanha (RFA) - os países da CEE se distanciaram dos
dois pólos hegemônicos da economia mundial e passaram a ocupar
uma posição intermediária entre estes e os NPIs. O ritmo de
crescimento dos países da CEE experimentou queda durante um longo
período de tempo e a redução da produtividade industrial foi
compensada, em termos econômicos, por elevados níveis de
desemprego. A estratégia adotada externamente por aqueles países
foi um incremento do grau de proteção, sancionando compromissos
sociais fortemente institucionalizados entre o Estado, o capital
e o trabalho, a nível nacional.
Ao longo da década dos 70, este tipo de reação nitidamente
defensiva implicou não só a proliferação de medidas
protecionistas "na fronteira", mas também a adoção de políticas
industriais voltadas para fornecer "respostas temporárias" ao
que se considerava como "movimento cíclico temporário"
(Lawrence, 1988), ou seja, a crise desencadeada a partir do
início da década.
De maneira geral, a intervenção governamental assumiu a
forma de esquemas de apoio setoriais, "salvamento" de firmas e
políticas de desenvolvimento regional, tendo conseguido antes
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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adiar o ajustamento do que viabilizar sua concretização a custos
sócio-econômicos considerados aceitáveis.
A percepção da profundidade da crise, no final dos anos 70 e
início dos 80, levou a uma alteração do diagnóstico dominante de
"crise transitória" ou de "choque exógeno", adquirindo
relevância, como interpretação alternativa, a idéia de crise
estrutural, cuja superação exigiria "a redução dos efeitos
negativos exercidos sobre a atividade econômica, pela rigidez e
as distorções dos sistemas de incitação" (Mazier, 1989).
Este diagnóstico e as propostas de políticas a ele
associadas foram desenvolvidas pela OCDE e orientaram amplamente
as políticas econômicas aplicadas pelos países desenvolvidos nos
anos 80, no campo da fiscalidade, da política industrial e de
concorrência, de regulamentação dos mercados financeiros e do
trabalho, etc.
A nível da CEE, esta mudança de percepção - associada às
restrições fiscais redobradas com o segundo choque do petróleo -
produziu uma orientação menos defensiva e emergencial na gestão
da política industrial e comercial. O foco deslocou-se dos
setores tradicionais para os de novas tecnologias e, enquanto o
protecionismo comercial continuava a ser ativado para proteger os
setores pressionados pela concorrência dos NPIs (os setores
tradicionais), novos instrumentos da política industrial eram
introduzidos nos países da CEE para enfrentar a competição high-
tech do Japão e dos Estados Unidos nos setores "de futuro"
(Jacquemin & Sapir, 1990).
A política de apoio aos "campeões nacionais", aplicada nos
anos 70, perde força, sendo gradualmente substituída por projetos
de pesquisa pré-competitiva e por uma concepção de política mais
funcional do que setorial, configurando um quadro em que se
reduziu o viés "anti-ajustamento" das políticas defensivas dos
anos 70.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Ao mesmo tempo, programas de cooperação no âmbito da CEE se
desenvolviam no campo industrial e tecnológico, principalmente
naqueles setores em que a fragilidade dos países europeus frente
a seus concorrentes do Primeiro Mundo se evidenciava
crescentemente.
1.2.2.2. Do ajustamento nacional  dinmica da unificaªo
Em meados da década dos 80, a compreensão das
características tecnológicas e econômicas da nova lógica
industrial baseada na microeletrônica apontou os limites das
estratégias de "saída da crise" e de competitividade apoiadas em
mecanismos nacionais de financiamento e de P&D e em mercados de
consumo "nacionais".
Os esforços, feitos em escala nacional, para compatibilizar
as políticas domésticas e as tendências de integração
internacional levariam, em diversos países da CEE, a uma redução
do grau de coerência interna do setor industrial - sancionada
pela deterioração dos resultados da balança comercial de diversos
destes países - e ao aumento do poder econômico das empresas
multinacionais do Japão e dos Estados Unidos, em setores
estratégicos para um novo ciclo de investimentos.
Tornou-se claro que os esforços para internalizar, a nível
nacional, os determinantes da competitividade ampliaram a
dependência dos países da CEE em relação aos dois pólos
hegemônicos e restringiram as já limitadas margens de autonomia
de que dispunham formuladores de política econômica dos países da
CEE, no que diz respeito às decisões de investimento, de escolhas
de especialização e de política industrial.
Por outro lado, entre o final dos anos 70 e 1985, em que
pese a mudança na direção da política econômica aplicada pelos
países da CEE, estes assistiram à deterioração de sua posição
competitiva no plano internacional. Mais grave ainda, esta
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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deterioração afetou principalmente os setores de elevado conteúdo
tecnológico e cuja demanda mundial apresenta as maiores taxas de
crescimento, dentro do conjunto da indústria. A elevada propensão
da CEE para importar produtos de alta tecnologia - aí incluídas
máquinas e equipamentos - sancionava a posição relativamente
frágil da comunidade em setores que exigem concentração de
esforços de P&D e onde as economias de escala desempenham papel
central na obtenção de condições de competitividade (Emerson et
alii, 1988).
Com uma configuração da oferta industrial, principalmente
nos setores mais dinâmicos, marcada por baixas taxas de expansão
da produtividade e pela insuficiência relativa, tanto em
investimentos em P&D quanto em recursos humanos qualificados, a
CEE viu sua posição industrial se deteriorar face ao Japão e aos
Estados Unidos. Entre 80 e 86, a produção industrial da CEE
cresceu 5%, contrastando com as taxas nitidamente mais elevadas
que se observaram no Japão (21%) e nos Estados Unidos (15%).
Do lado da demanda, pesava negativamente: "o papel das
diversas barreiras e políticas nacionais (normas, tarifação,
compras públicas) que limitam a demanda potencial pelos produtos
de alta tecnologia e que anulam o efeito de aprendizado e de
treinamento que a experiência acumulada do consumo passado
provoca" (Jacquemin & Sapir, 1990).
Para que os esforços até então empreendidos em nível
nacional tivessem alguma chance de êxito, haveria que se mudar a
escala em que eram pensados os problemas e as soluções
correspondentes. Enfrentar a concorrência conjunta das nações
desenvolvidas não-européias e dos NPIs imporia, nesta formulação,
a ativação de instituições que compõem a Comunidade Econômica
Européia e a formulação e implementação de políticas na escala da
Comunidade.
Conforme dois analistas desta questão: "dezesseis anos
depois de completada a união alfandegária, em 1968, não era mais
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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possível, para a Comunidade, ignorar a ameaça emergente para a
competitividade dinâmica dos negócios europeus e a relação entre
o desempenho industrial inadequado da CEE e a fragmentação de seu
mercado" (Pelkmans & Robson, 1987).
Em 1985, o Conselho Europeu, reunido em Milão, adotou as
recomendações de uma de suas comissões, relativas às medidas que
viabilizariam a criação de um mercado interno europeu e
permitiriam a eliminação das barreiras ao fluxo de pessoas,
mercadorias e fatores ainda existentes entre os países da CEE.
Desencadeava-se o Projeto 1992, de remoção de todas as
barreiras ao comércio e à livre circulação de fatores entre os
países da Comunidade. O diagnóstico que inspira o Projeto aponta
para a configuração, nos países da CEE, de um ambiente de pouco
incentivo à competitividade, decorrente não só da estrutura
oligopólica de grande parte dos mercados setoriais, mas também da
segmentação administrativa e política que as restrições e normas
nacionais impunham ao mercado.
Os ganhos econômicos associados à unificação do mercado
europeu decorreriam da emergência de novos incentivos à
competição e de quatro tipos de efeitos: a) redução dos custos
resultante de uma mais adequada exploração de economias de
escala; b) maior eficiência das empresas, racionalização das
estruturas industriais e uma fixação de preços mais próxima dos
custos de produção, tudo isto em função de mercados mais
competitivos; c) ajustamento entre as indústrias com base em
vantagens comparativas tornadas explícitas em um mercado
integrado; d) fluxo de inovações, de novos processos e novos
produtos, estimulado pela dinâmica do mercado interno (Emerson et
alii, 1988).
Para além dos ganhos estáticos - ou seja, aqueles produzidos
once for all no momento da remoção das barreiras - o Projeto 1992
aposta nos ganhos dinâmicos da unificação, ou seja, aqueles
impactos contínuos e cumulativos sobre a economia que decorrem de
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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uma mudança de ambiente competitivo. As tentativas de
quantificação destes efeitos revelam que estes poderão ser bem
superiores aos efeitos estáticos medidos quando se lançou o
Projeto 1992 (Baldwin, 1989). Os efeitos dinâmicos refletem as
alterações na dinâmica da inovação tecnológica e no comportamento
estratégico das empresas diante de um novo ambiente competitivo,
determinando, a médio prazo, uma nova configuração da oferta
produtiva. Setores onde, hoje, as restrições ao comércio intra-
CEE são maiores tendem a ser aqueles mais afetados pela
unificação e é nestes setores que se espera obter as maiores
reduções de preços e custos reais.
A dinâmica liberalizante, no plano interno à Comunidade, do
Projeto 1992 é inconteste. Nas palavras de Curzon Price (1988):
"se alguém tiver que resumir o que está por trás do espírito de
1992, é a idéia de que o lire comércio, a livre prestação de
serviços e o livre movimento de capital financeiro serão
implantados sem a harmonização prévia de Leis - porque isto é
impossível. Tem, portanto, o efeito de lançar os sistemas legais
e as políticas governamentais em uma arena competitiva e deixar
que as forças de mercado persuadam os governos individuais a
adaptar seu aparato legislativo espontaneamente, antes que sua
indústria ou suas finanças públicas sejam irreparavelmente
danificadas".
A qualificação deste processo de liberalização foi objeto,
no entanto, de amplo debate político na CEE. De fato, a
quantificação dos ganhos econômicos associados à unificação do
mercado europeu parece ter relegado a segundo plano a avaliação
dos ajustamentos que necessariamente se farão na Comunidade, bem
como dos impactos destes processos sobre a já elevada taxa de
desemprego da CEE. Associada a esta questão, debatem-se os
efeitos da unificação em termos regionais, ou seja, até que ponto
uma unificação apoiada exclusivamente em políticas de
desregulamentação e de liberalização ampliaria as já importantes
desigualdades entre regiões e países da Comunidade.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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No limite, discute-se aí a importância (ou não) de agregar
ao processo de liberalização associado à criação do mercado único
um conjunto de políticas ativas que minimizem os eventuais custos
sócio-econômicos do ajustamento estrutural e reduzam o seu
impacto setorial e/ou regional, atenuando os riscos de
constituição de um modelo de Comunidade dualista, em termos de
renda e de dinamismo econômico.
Por outro lado, argumenta-se que a consolidação do mercado
único da CEE não seria condição suficiente para gerar a retomada
da expansão da produtividade e para permitir à economia
comunitária recuperar uma posição competitiva nas indústrias de
novas tecnologias. Segundo este ponto de vista, sem políticas
industriais e tecnológicas ativas, os benefícios da unificação
poderiam ser capturados, em grande parte, pelos Estados Unidos,
Japão e, dentro da Comunidade, exclusivamente pelo país mais
rico, a Alemanha.
De uma maneira geral, pode-se admitir que as teses de
combinar liberalização comercial intra-CEE com políticas
industriais e tecnológicas concebidas e implementadas a nível de
Comunidade são, hoje, dominantes. Na realidade, esta supremacia
não só traduz a superação, nos países da OCDE, do "catecismo"
ultraliberal do início dos anos 80, mas também reafirma a
tradição dos países da Europa Ocidental em matéria de política
industrial ativa e, mais do que isto, os princípios sócio-
políticos da chamada "economia social de mercado", amplamente
dominantes na CEE e nos países da EFTA.
Para os países externos à CEE, a tese da adoção de políticas
industriais e de acompanhamento da unificação, embora possa
significar o aumento das ameaças associadas ao "protecionismo
tecnológico", por outro lado reduz os riscos de uma generalização
do protecionismo comercial, tanto mais viável quanto mais
conflituoso e longo for o processo de ajustamento das economias
da CEE à nova situação. Neste sentido, uma política industrial
ativa e políticas de acompanhamento podem contribuir para reduzir
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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as pressões protecionistas "na fronteira" e para que a política
de comércio exterior da CEE tenha um corte mais liberal.
1.2.2.3. A unificaªo da CEE e os parceiros externos
Com o Projeto 1992, as primeiras preocupações com as
perspectivas da unificação ficaram por conta dos parceiros
comerciais da CEE, temerosos de um deslocamento das fronteiras do
protecionismo, do nível nacional para o da Comunidade, ou
inquietos com o fato de que - para viabilizar sua meta - os
diversos países europeus tenham que chegar a um compromisso entre
os diversos níveis de proteção nacional ora existentes e que tal
compromisso teria como referência os níveis aplicados pelos
países mais protecionistas. Afinal, a política agrícola comum
(PAC) é um exemplo acabado de protecionismo e o perigo - para os
parceiros comerciais - é que a harmonização das políticas
nacionais de comércio venha a seguir este modelo.
Os representantes da CEE não pouparam, com suas declarações,
seus preocupados parceiros comerciais. Afinal, se a construção
européia visava viabilizar e acelerar a reestruturação e a
modernização do parque produtivo da Comunidade, algumas medidas
transitórias de proteção no âmbito da CEE haveriam de ser
tomadas, para evitar que uma ampla abertura comercial pusesse em
cheque os objetivos estratégicos.
Ainda neste plano, o Comissário Europeu para o Comércio e
empresários de grupos multinacionais europeus ressaltaram a
importância do conceito de reciprocidade, como modulador do
protecionismo europeu. Trata-se de um novo conceito de
reciprocidade, que busca "uma simetria, não tanto na equivalência
legal das condições de acesso aos mercados, mas antes na
equivalência de seus efeitos econômicos", e que seria aplicável
tanto ao terreno comercial quanto dos investimentos e das regras
de acesso aos mercados públicos.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A mensuração da reciprocidade pelo critério de equivalência
de seus efeitos econômicos dá, indiscutivelmente, abrigo a toda
uma série de argumentos e medidas de proteção, refletindo ainda,
a preocupação - existente na CEE - de que os principais
beneficiários da unificação européia sejam as empresas
multinacionais americanas e japonesas, ou seja, que a
reestruturação industrial européia seja determinada por estas,
reproduzindo, a nível europeu, o que vinha se observando nas
economias nacionais dos países da CEE.
Enquanto as medidas transitórias se aplicariam a setores que
atualmente desfrutam de algum tipo de proteção - automóveis,
têxteis, calçados, etc. - a reciprocidade seria utilizada nas
negociações sobre comércio e investimento de serviços.
A preocupação maior dos parceiros comerciais da CEE, e em
particular dos Estados Unidos, concentra-se, porém, na definição
das diretrizes de política industrial voltadas para os setores de
alta tecnologia, precisamente aqueles setores estratégicos no
novo regime de acumulação e nos quais Japão e Estados Unidos
adquiriram vantagens comparativas.
Desde o anúncio do Projeto 1992, e em função tanto das
perspectivas de uma "Fortaleza Europa" quanto da realidade dos
sinais protecionistas emitidos pela CEE na gestão de sua política
de comércio exterior na segunda metade dos anos 80 e início dos
90, empresas japonesas e norte-americanas ampliaram seus
investimentos diretos na Comunidade. De acordo com estudo da
CEPAL (1990), "as novas indústrias em que estes países se
estabelecem são aquelas em que cada um deles apresenta maiores
vantagens comparativas": máquinas não-elétricas e química, para
os Estados Unidos; equipamentos elétricos e de transporte, para o
Japão.
Mesmo alguns destes investimentos encontram barreiras,
concretizadas em torno do estabelecimento de requisitos de
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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conteúdo local, defendidos ativamente por grandes empresas
européias.
No que diz respeito aos países em desenvolvimento, a
resistência da CEE à revisão de sua política agrícola não
autoriza muito otimismo no que se refere às condições de acesso
desses países ao mercado de produtos agroalimentares da
Comunidade.
Por outro lado, ao avaliar os impactos da unificação do
mercado europeu sobre os países em desenvolvimento, é importante
ressaltar que o comércio entre a CEE e estes países é tributário
"de um complexo sistema de preferências comerciais e de
restrições às importações" (UNCTAD, 1990) e que este sistema é um
dos dois fatores que condicionam a capacidade relativa dos
diferentes países em desenvolvimento (PEDs) para manter-se no -
ou, eventualmente, conquistar parcelas do - mercado europeu. O
segundo fator é a qualidade da oferta de exportação e o perfil
de especialização dos diferentes países em desenvolvimento.
No que respeita ao sistema institucional que rege as
condições de acesso, pelos PEDs, ao mercado da CEE, instaura-se
uma hierarquia de preferências que beneficia as exportações de
manufaturados e da maioria dos produtos agrícolas dos PEDs
signatários da Convenção de Lomé, bem como aquelas oriundas dos
PEDs, da Bacia do Mediterrâneo (exceto produtos têxteis e de
vestuário). Na região do Mediterrâneo encontram-se países que já
solicitaram a adesão à CEE: Turquia, Malta, Chipre e Marrocos. No
caso de Malta e Chipre, o acordo destes países com a CEE prevê o
estabelecimento, a médio prazo, de uma união aduaneira.
Nesta hierarquia, os países da América Latina e da Ásia não
ocupam posição de destaque. Pelo contrário, além das exportações
oriundas destas regiões se beneficiarem cada vez menos dos
Sistemas Gerais de Preferências (SGP) dos países comunitários,
são elas o alvo preferencial das barreiras não-tarifárias
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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erigidas ao longo dos anos 70 e 80, pelos países da CEE, quando
não pela própria instância comunitária.
No caso dos países latino-americanos, as características da
oferta de exportação e o perfil de especialização de suas
economias ainda vêm agravar uma situação desfavorável na
hierarquia de preferências de acesso aos mercados da CEE. De
fato, ao contrário dos NPIs da Ásia, com especialização
internacional em setores cujo dinamismo se vincula a novas formas
de demanda final e que expandiram sua parcela de mercado na CEE
ao longo dos anos 80 - em que pesem as barreiras não-tarifárias
(BNTs) - a especialização latino-americana, e brasileira em
particular, tendeu a perpetuar um padrão exportador para a CEE
centrado em matérias-primas.
A ampliação da preferencialização da CEE para os países do
Sul da Europa pode também afetar a competitividade das
exportações dos PEDs e, neste caso, especialmente as daqueles
países cuja estrutura de oferta apresente semelhanças com as dos
membros meridionais da CEE (Portugal, Espanha e Grécia) e as de
países do Mediterrâneo que dispunham até então de um acesso ao
mercado comunitário mais amplo do que os países da península
ibérica (UNCTAD, 1990). A concorrência em alguns setores de bens
de consumo (calçados, têxteis e vestuário), intermediário (papel
e celulose, aço, madeiras e couro) e de capital (mecânica) tende
a se acentuar e pode-se supor que, em alguns destes setores,
medidas protecionistas sancionem os compromissos intra-CEE em
torno da idéia de reduzir os custos de ajustamento das economias
menos desenvolvidas da Comunidade.
É conflituoso o avanço do processo de ampliação da
preferencialização da CEE para com os países em desenvolvimento
de sua periferia imediata. As tensões intra-CEE no atual estágio
de coordenação macroeconômica têm tido repercussões políticas
importantes e não favorecem a absorção de "novas" importações de
origem extra-comunitária.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Neste contexto, a política de comércio exterior da CEE
parece conter elementos protecionistas não desprezíveis,
expressos na adoção de um critério de negociação bilateral
baseado na reciprocidade, na defesa da política agrícola comum e
na manutenção de barreiras não-tarifárias.
A prioridade concedida, no entanto, aos setores de novas
tecnologias pela política industrial da CEE leva a que se
considere o uso do "protecionismo tecnológico" como uma hipótese
bastante provável, até porque compatível com as diretrizes de
política industrial implementadas na zona OCDE a partir dos anos
80.
Política industrial ativa e protecionismo tecnológico podem
significar, como já se viu, menores pressões para proteção na
"fronteira" e, nos setores mais dinâmicos da indústria, uma
combinação de condições restritivas ao investimento direto e
irrupções seletivas de medidas não-tarifárias de restrição ao
comércio.
Na realidade, a configuração da política industrial para os
setores de baixa e média intensidade tecnológica - inclusive
segmentos do setor de máquinas e equipamentos - deverá determinar
o grau de protecionismo comercial que se aplicará às exportações
- reais ou potenciais - de países como o Brasil. Neste sentido,
se a completa integração dos países do Sul da Europa à CEE pode
ensejar - como compensação - a adoção de BNTs às exportações
oriundas dos PEDs, o peso destas medidas protecionistas na
política de comércio exterior da Comunidade será função da
estratégia industrial definida para tais setores.
Mesmo no cenário mais otimista, não se pode excluir BNTs
temporárias adotadas no curso de processo do ajustamento.
Ademais, a experiência recente atesta que as BNTs tendem a ser
utilizadas com mais intensidade quanto maior se revela o
dinamismo das exportações de determinado produto dos PEDs e
quanto maior a parcela de mercado conquistado por estas. Nesse
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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sentido, não se pode excluir a hipótese de que, na convergência
destes processos - dinamismo exportador de alguns PEDs e a
harmonização de políticas e regulações nacionais na CEE - se
gere uma dinâmica protecionista levando ao aumento das restrições
existentes ao acesso das exportações dos PEDs ao mercado
comunitário.
1.2.2.4. Da unificaªo da CEE ao espao europeu ampliado?
Se, nas relações da CEE com os PEDs, há uma complexa
hierarquia de preferências, elas são "preferências subordinadas"
à prioridade conferida:
- primeiro, às relações intra-CEE. Um alto executivo da Fiat
pediu, recentemente, que as autoridades da Comunidade "dissessem
com clareza que o mercado único deve, em primeiro lugar, oferecer
vantagens às empresas européias" (CEPAL, 1990). É esta prioridade
"doméstica" que alimenta os mitos da "Fortaleza Europa" e as
hipóteses, mais plausíveis, de um aumento do protecionismo a
nível comunitário como meio para viabilizar a harmonização de
regulações; e
- segundo, às relações com a Europa não-CEE e, em primeiro
lugar, com os países da EFTA, com os quais os países da CEE já
dispõem de acordos bilaterais de livre comércio, expandindo-se
para áreas como o comércio agrícola, os serviços, os
investimentos. Ainda no campo das relações européias, destaca-se
a importância que a Europa do Leste, em fase de transição,
adquiriu para a CEE, cujas empresas poderão desempenhar papel
central na transformação da oferta produtiva instalada naquela
região (ver adiante considerações mais detalhadas sobre esta
questão). Desde já, em que pese a complexidade da transição em
curso nas economias e sociedades do Leste Europeu, revela-se o
papel de destaque da CEE e de seus membros, na implementação do
Banco Econômico para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD) e
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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na mobilização de recursos financeiros para viabilizar os
programas econômicos dos novos governos daqueles países.
Compatibilizar a dinâmica da integração comunitária com a
adoção de medidas concretas no sentido de estabelecimento de um
espaço econômico europeu ampliado parece ser o eixo central das
prioridades externas da CEE. A gestão do relacionamento com a
Europa do Leste e a EFTA mobiliza hoje parte importante dos
esforços da CEE, concentrados, no campo da política "doméstica",
na negociação da trajetória da unificação monetária, como
evolução "natural" do Sistema Monetário Europeu (SME), criado em
1979 e que constitui o "exemplo mais bem-sucedido de harmonização
de políticas cambiais no mundo contemporâneo" (Araújo Jr., 1991).
A discussão sobre o cronograma da unificação monetária remete, na
verdade, à questão seguinte: até que ponto os governos nacionais
terão que transferir (à CEE) o controle sobre a política
macroeconômica e fiscal dos diferentes países? O aprofundamento
da coordenação de políticas macroeconômicas na CEE é inevitável e
a Comissão vem pregando, neste sentido, a instituição de
procedimentos de vigilância multilateral sobre as políticas
econômicas nacionais. De acordo com a proposta da Comissão, a
partir de relatórios regulares sobre a situação macroeconômica de
cada país, o Conselho de Ministros das Finanças (ECOFIN) da
CEE recomendaria, por voto de maioria, eventuais mudanças da
política de determinado país-membro. Nesta área, a assinatura do
Tratado de Maastricht representa um avanço, em termos de projeto
e cronograma de unificação monetária e econômica para a CEE, em
que pese os percalços para a sua ratificação e a crescente
instabilidade que se verifica no seio da CEE, ao longo dos
últimos meses.
1.2.2.5. A transiªo na Europa do Leste: imp actos sobre os PEDs e
o Brasil
Para o Brasil, as transformações econômicas e políticas por
que passa a Europa do Leste tendem a ser apreendidas como um novo
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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fator de ameaça que reduziria, ainda mais, a viabilidade da meta
de reconectar dinamicamente a economia nacional com as forças
motrizes da economia mundial.
Neste caso específico, a preocupação maior vincula-se à
possibilidade de que a integração do Leste Europeu à economia
internacional, além de representar a entrada de novos
competidores na área do comércio, acentue a concorrência por
investimentos externos e por financiamento dos países
desenvolvidos e dos organismos internacionais.
Estas preocupações expressam a percepção de que a
mobilização política, econômica e financeira dos países
desenvolvidos no sentido de apoiar o processo de transição das
economias do Leste Europeu contrasta, por exemplo, com a baixa
receptividade encontrada na reunião do G-7 em Houston, em julho
de 1990, pela proposta norte-americana de criar um fundo para
"lastrear" os investimentos vinculados à Iniciativa para as
Américas.
Se este tipo de constatação reforça, no Brasil, a percepção
da mudança em curso como uma ameaça, a realidade é que entre as
intenções e os gestos pode haver uma distância maior do que supõe
uma reflexão alimentada pela "síndrome da marginalização".
A euforia, que prevaleceu no Primeiro Mundo, até o início de
1990, cedeu lugar à cautela e à constatação de que há uma questão
central que precede a discussão dos efeitos da transição no Leste
Europeu sobre os fluxos de comércio, de investimento direto e de
financiamento internacionais. Trata-se da própria viabilidade da
transição em curso, muito diferenciada segundo as características
dos países - situação econômica no início do processo, nível de
endividamento externo, grau de industrialização - segundo a
estratégia de mudança adotada - transição gradual ou choques
radicais, como o programa de Jeffrey Sachs na Polônia - e segundo
a capacidade e a legitimidade política dos governos nacionais
para gerenciar um processo que necessariamente acarretará,
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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durante um certo período, queda de nível de vida, desemprego,
etc. Como os países do Leste Europeu se diferenciam nitidamente
uns dos outros à luz de qualquer destes critérios, é de se
esperar que haja tantos processos de integração à economia
mundial quantas economias nacionais existem hoje naquela região.
Supondo-se viável a transição em curso, os efeitos
recessivos dos planos de estabilização adotados em diferentes
países e a desorganização da produção no período de
desmantelamento da regulação estatal devem reduzir eventuais
impactos daquela integração sobre os fluxos de comércio
internacional, no curto prazo.
Durante um certo período, o Leste Europeu não produzirá -
com algumas exceções setoriais - nem grandes oportunidades de
comércio para outros países, nem novos competidores no mercado
internacional. Também as vicissitudes da fase de transição
reduzem a capacidade regional de atração de investimentos
externos e diretos.
De uma maneira geral, Hungria, República Tcheca e Polônia
parecem melhor posicionadas para, a médio prazo, se habilitar a
receber novos investimentos e para desenvolver estratégias
exportadoras em setores intensivos em energia e recursos
naturais, bem como em segmentos econômicos onde a necessária
modernização tecnológica complementaria, em termos de capacidade
competitiva, a já existente mão-de-obra qualificada.
A virtual capacidade de competição daqueles países em
mecânica, siderurgia, metalurgia de não-ferrosos, têxteis e
segmentos de máquinas e equipamentos, deve preocupar a médio
prazo o Brasil. De imediato, já alarma o empresariado e os
sindicatos da Europa Ocidental, que alertam para os perigos de
dumping pós-socialista e de uma competitividade alavancada por
custos salariais reduzidos e pelas desvalorizações maciças das
moedas dos países do Leste.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Para o setor de bens de capital, não se pode ignorar o fato
de que os países do Leste têm uma tradição produtiva acumulada e
de que os investimentos diretos de países da CEE e da AFTA
poderiam suscitar associações e joint-ventures destinados a gerar
complementaridade entre linhas de produção de empresas no Leste e
no Oeste, contribuindo para desverticalizar e especializar a
estrutura industrial no setor nos países do Leste Europeu.
Este movimento, se ocorrer, aumentaria sensivelmente o
potencial competitivo de um setor que enfrenta, pela sua
configuração estrutural, alguns desafios equivalentes àqueles com
que se defronta o setor brasileiro de máquinas e equipamentos.
Do lado das importações e dos investimentos diretos, a
abertura do Leste favorecerá especialmente a Alemanha, que
fornecerá boa parte de bens de capital necessários à
reestruturação industrial da região.
No plano de financiamento: "a mobilização financeira a favor
do "grupo dos cinco", de um lado, e da RDA, de outro, poderia se
traduzir em tensões importantes nos mercados internacionais de
capitais, e, portanto, em uma elevação das taxas de juros de
longo prazo", sendo que, "a demanda de capitais dos países do
Leste ocorrerá em um contexto de saturação crescente dos mercados
mundiais, resultante das necessidades manifestadas não só pela
Europa do Sul, mas também pelos Estados Unidos (modernização da
rede de infra-estrutura) e o Japão (grandes projetos de infra-
estrutura), sem falar das necessidades vinculadas à unificação
alemã" (Adda & Colin, 1990).
No curto prazo, a similaridade entre a pauta de exportações
brasileiras e a pauta de exportáveis das economias da Europa
Oriental sugere a existência de riscos quanto a desvio de
comércio em detrimento do Brasil, uma vez que os países do Leste
Europeu estejam em condições de adotar estratégias agressivas de
exportações de manufaturados e sejam beneficiados por condições
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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privilegiadas de acesso aos mercados da CEE - o que, muito
provavelmente, poderá vir a ocorrer.
1.2.3. A estratØgia do Japªo
Ao longo dos anos 60, 70 e início dos 80, uma política
industrial ativa sustentou um rigoroso deslocamento da
especialização internacional da economia japonesa, dos setores
intensivos em mão-de-obra não-qualificada em direção àqueles
intensivos de tecnologia e em trabalho qualificado. Segundo
estudo de Balassa & Noland (1988), o Japão aumentou sua vantagem
comparativa em doze entre dezenove categorias de produtos de alta
tecnologia, e em particular naqueles segmentos em que os Estados
Unidos perdiam competitividade internacional. Segundo os citados
autores, "os resultados (desta evolução) mostram um padrão
complementar de especialização, o Japão tendo vantagem
comparativa em produtos nos quais os Estados Unidos têm
desvantagem e vice-versa".
O modelo japonês de competitividade se manifesta a partir
dos seguintes fatores: a) "vantagens-custo importantes, baseadas
em elevados ganhos de produtividade, em uma política cambial
hábil e em uma remuneração limitada dos fatores; b) uma
estratégia de especialização apoiada em vantagens comparativas de
custos e em um esforço sustentado de investimentos desembocando
na construção progressiva de vantagens extra-custo; c) um
crescimento forte baseado na conquista de mercados externos e no
"fechamento" do mercado interno" (Mazier et alii, 1988).
Todos os fatores são igualmente importantes, mas cabe
ressaltar a capacidade de gerar, no bojo de uma estratégia de
especialização baseada em vantagens-custo, uma série de
vantagens-extra-custo vinculadas à qualidade dos produtos, ao
estabelecimento de redes de comercialização e à estabilidade das
relações entre os produtores e seus parceiros (clientes,
fornecedores, distribuidores, etc.).
74
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A desvalorização do dólar, a partir de 1986, introduziu
importantes alterações no cenário sobre o qual o Japão montou
essa estratégia. A valorização do iene não anulou integralmente
as importantes vantagens-custo comparativas de que dispunham os
pólos japoneses de especialização. Além disto, existia naquele
momento, para as empresas japonesas, "uma substancial margem de
manobra em virtude do inchamento dos lucros na exportação ao
longo dos anos precedentes. Finalmente, as vantagens extra-custo
que se desenvolveram podem, no futuro, substituir as vantagens-
custo" (Mazier et alii, 1988). Em conseqüência, as empresas
puderam adotar, em sua política de exportação, uma estratégia de
market-share, reduzindo margens de lucro para manter o mercado
conquistado.
Os estudos sobre o desempenho industrial e de comércio
exterior do Japão reforçam a idéia de que a competitividade
compatível com um mundo onde não há vantagens comparativas
adquiridas de uma vez por todas é necessariamente sistêmica, na
medida em que é a resultante da combinação de esforços e
diretrizes compartilhados pelo setor público e pelos agentes
privados, sendo - neste sentido - o produto de uma mobilização
dos recursos humanos, técnicos e financeiros de uma sociedade.
A flexibilidade e a capacidade de adaptação às condições
cambiantes da demanda internacional e do mapa das vantagens
comparativas são os motores deste modelo de competitividade,
assentado: a) na gestão integrada das funções de produção, no
âmbito da empresa: integração e coordenação das funções
marketing, desenho, produção, etc.; b) na estreita colaboração
entre as empresas e seus parceiros e, em particular entre o setor
de máquinas e equipamentos e seus clientes e fornecedores; c) na
articulação entre setor financeiro e setor industrial, que
compartilham uma concepção estratégica de negócios não submetendo
a lógica do investimento produtivo ao critério de rentabilidade
de curtíssimo prazo; d) no pragmatismo estratégico que orienta a
capacidade de mudança de direção das políticas japonesas, quando
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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os seus resultados se mostram decepcionantes. Este pragmatismo -
comum ainda aos NPIs da Ásia - revelou-se extremamente adequado
para a gestão de um ambiente marcado pela incerteza econômica e
pela mudança tecnológica.
A convergência deste conjunto de fatores conferiu à economia
japonesa a flexibilidade necessária para que se implementassem
políticas industriais e de comércio exterior que viabilizariam o
permanente upgrading das exportações japonesas, em um período da
história onde as regras multilaterais não questionavam a
autonomia e o ativismo das políticas nacionais.
As políticas de ajustamento estrutural adotadas pelo Japão
ao longo dos anos 70 têm como especificidade - em relação aos
demais países - o incentivo a um padrão de "ajustamento por
realocação", ou seja, por transferência da produção para países
onde a relação entre custos de produção e linhas de produtos
fosse a mais adequada.
Ou seja, neste padrão de ajustamento estava sempre presente
o componente de investimento direto no exterior (IDE), sendo uma
característica de tal investimento japonês o fato de não ser
orientado principalmente para atender ao mercado doméstico do
país-receptor, mas sim exportar para terceiros países. Neste
sentido, difunde-se um novo tipo de estratégia internacional de
empresas, essencialmente trade-oriented e assentada na
especialização dos investimentos diretos por produto e por zona
geográfica, em função das vantagens comparativas e dos obstáculos
ao intercâmbio em cada país (Dourille, 1990).
Ao longo dos anos 70 e 80, a sofisticação deste tipo de
estratégia, muitas vezes desencadeada como uma reação defensiva a
pressões protecionistas, desembocou na montagem de redes
industriais coerentes, integradas vertical ou horizontalmente,
segundo os casos, e combinando diversificação de produtos e
especialização geográfica em uma lógica de escala planetária: a
globalização.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Até o final dos anos 60, no entanto, o IDE não era
incentivado pela política industrial japonesa, o objetivo central
desta sendo a criação de um aparelho produtivo poderoso no país e
a expansão das exportações.
Ao longo da década dos 70, os investimentos industriais no
exterior concentram-se em indústrias de tecnologia banalizadas,
altamente consumidoras de energia e nas quais as empresas
japonesas apresentam algum tipo de competência única em matéria
de processo produtivo. Tais investimentos concentram-se na Ásia e
em países em desenvolvimento não-asiáticos.
Com o levantamento de barreiras protecionistas nos países
desenvolvidos no final dos anos 70, os investimentos japoneses
procuraram principalmente os Estados Unidos, tendência que se
mantém até hoje, em que pese o recente crescimento da
participação da CEE na recepção de investimentos do Japão e o
desenvolvimento, a partir do final de 85 - com a valorização do
iene - de um importante fluxo de recursos para os NPIs asiáticos
e, mais recentemente, para os países da ASEAN (Tailândia,
Indonésia, Malásia, Filipinas, etc.).
Apesar da intensificação dos fluxos de IDE japonês, o
estoque de investimentos externos deste país o coloca na quinta
posição no mundo. Por outro lado, os investimentos estrangeiros
no Japão são pouco significativos, "as participações cruzadas
entre empresas num mesmo grupo constituindo o maior obstáculo à
compra por um elemento exterior ao grupo" (Dourille, 1990).
No caso dos IDEs japoneses nos Estados Unidos, a implantação
de produtores e, depois, de fornecedores de insumos, matérias-
primas e componentes obedeceu a uma lógica em que estratégias
inicialmente defensivas, destinadas a contornar obstáculos
protecionistas "na fronteira", se transformaram em estratégias
ofensivas de "substituição de importações" voltadas para a
construção de redes industriais coerentes e para a conquista de
parcelas crescentes de mercado, desrespeitando - como bem
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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observou Dourille (1990) - a "sacrossanta lei oligopólica de
divisão ordenada dos mercados".
Os Quadros 1 e 2 ilustram a cronologia da dinâmica
importações-proteção-implantações que alimentou a expansão do IDE
japonês nos Estados Unidos, bem como a estruturação de um "setor
automobilístico japonês" naquele país, entre 1978 e 1988.
QUADRO 1
IMPORTAÇÕES JAPONESAS E PRESSÕES NORTE-AMERICANAS
------------------------------------------------------------------------------------------------------
------
ANO ELETR.DE MASSA MÁQ.EQUIP. SIDERURGIA
AUTOS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
------
1968/76 Sony(1972) Yamazaki(1968)
Acordo Voluntário de
1977 Restrição às Export. Sistema de Preços
de TV Japonesa
1978 Toshiba Fixação de Preços Míni-
Honda
mos
1979 Hitachi
Sharp
Matsushita
1980 Hitachi Missan
1981 Contr. das
Acordo
Import. de
Volunt.
Aço(1984) de
Res-
trição
1982/83 JVC Solicitação das Ind.
EUA no Congresso p/
limitar importações
1984 Sumitomo Nisshin
(fibras óticas) Steel
Kawasaki
1985/89 Todas as grandes cias. japonesas se instalam
------------------------------------------------------------------------------------------------------
-----
QUADRO 2
SETOR AUTOMOBILÍSTICO JAPONÊS NOS ESTADOS UNIDOS
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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----------------------------------------
Autopeças e Acessórios
104 empresas (1978)
142 empresas (1988)
300 empresas (previstas 1993) --------------------------------------------
-----
---------------------------------------- Siderurgia
N.K.K.(1984)
Kawasaki(1986)
Sumitomo Metal(1986)
--------------------------------------------
----
----------------------------------------
Automóvel
Honda(1982)
Nissan(1983)
Toyota(1984) --------------------------------------------
-----
Mazda(1987) Pneumáticos
Mitsubishi/Chrysler(1988) Sumitomo Rubber/
Suzuki/GM Canadá(1989) Dunlop(1985)
Isuzu/Fuji Heavy(1988) Bridgestone/
---------------------------------------- Firestone(1988)
--------------------------------------------
-----
Rede de Comercialização
Toyota/GM(1984)
Mitsubishi/Chrysler(1988)
----------------------------------------
Fonte: Dourille, E. (1990) Le système productif japonais joue la carte de la globalisation. Economie
et Statistique, Paris, n. 232, mai.
No que diz respeito à Ásia - inicialmente os NPIs, em
seguida também os países da ASEAN - os investimentos japonesas
deram origem a um fluxo de comércio entre os países da região,
configurando a criação de uma rede de solidariedades empresariais
e de complementaridades econômicas que - para alguns - justifica
aplicar ao conjunto da região a denominação de "bloco".
A expansão das importações japonesas nos últimos anos
suscita a preocupação de que, em função da constituição desse
"grupo comercial informal", somente os países asiáticos venham a
se beneficiar desta tendência; ficando os demais países -
desenvolvidos e em desenvolvimento - em posição relativamente
desfavorável para concorrer no mercado japonês (UNCTAD, 1990).
Esta preocupação cresce ainda mais quando se consideram as
vantagens comparativas dos países asiáticos no mercado japonês,
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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em função do diferencial dos custos de transporte e do fato de
que boa parte da configuração do perfil de especialização
internacional das economias da Ásia é atribuível à dinâmica de
investimentos diretos japoneses. Se se agregar a estes dados o
dinamismo exportador que os países da Ásia-Pacífico (ou Ásia
Oriental) vêm demonstrando em todos os mercados de países
desenvolvidos, deve-se admitir que aquela preocupação procede. A
participação do comércio intra-regional nas exportações totais
dos países asiáticos do Pacífico passou de 34% para 45%, entre
1986 e 1990, contrastando com o que se verificou na primeira
metade dos anos 80, quando as exportações asiáticas para a
América do Norte cresceram mais do que as exportações intra-
regionais.
Principalmente em setores de máquinas e equipamentos, estudo
da UNCTAD (1990) revelou que: "os investimentos diretos japoneses
no exterior desempenham um papel determinante nas importações
japonesas provenientes dos países em desenvolvimento da Ásia.
Neste sentido, os países em desenvolvimento desejosos de penetrar
no mercado japonês de máquinas (...) deverão certamente
incentivar a atuação das empresas japonesas em seus territórios".
As medidas adotadas pelo Japão e Coréia para incentivar a demanda
doméstica e a perspectiva de continuidade de crescimento da
China, ao longo dos próximos anos, sugerem que as importações da
região da Ásia Oriental apresentarão, na década de 90, um
dinamismo talvez inédito. No entanto, as oportunidades que se
oferecem potencialmente ao Brasil em função deste dinamismo
poderão ser reduzidas, na prática, pelo fato de que nossas
exportações para a região tendem a sofrer intensa concorrência.
Assim, por um lado, os países asiáticos de renda média e
estruturas produtivas concentradas em manufaturas de médio/alto
conteúdo tecnológico concorrerão com o Brasil nos produtos mais
"nobres" de nossa pauta de exportação; por outro lado, os países
da ASEAN, do subcontinente indiano e a China pressionarão as
exportações brasileiras nos segmentos de produtos de menor valor
80
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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agregado, onde o custo da mão-de-obra constitui um forte
determinante da competitividade internacional.
Isto não significa, porém, que não existam oportunidades a
serem aproveitadas. As altas taxas de crescimento dos NPIs
asiáticos e da China acenam com a abertura de oportunidades
comerciais (por exemplo, para a agroindústria), cujo
aproveitamento exigirá capacidade de prospecção e antecipação,
marketing eficiente, etc.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2. IMPLICA˙ES PARA O BRASIL
Três fatores condicionarão a evolução do sistema mundial de
comércio nos anos 90: a) as condições em que se concluir a Rodada
Uruguai do GATT; b) o grau de coordenação macroeconômica e o
desempenho comercial dos países da OCDE e, em especial, a
evolução dos fluxos de comércio entre os Estados Unidos e o
Japão; c) a evolução dos processos de integração em curso na
Europa e na América do Norte.
Enquanto o primeiro fator determinará o novo escopo do
multilateralismo e seu papel relativo enquanto instância de
produção de regras para o comércio internacional, o segundo
influenciará a capacidade de adaptação dos países líderes da OCDE
às novas regras do jogo da competição internacional e, por esta
via, condicionará a capacidade de resistência dos governos destes
países às pressões protecionistas e às demandas pela proliferação
de medidas de administração do comércio bilateral.
O terceiro fator explicitará melhor o papel econômico e
político das iniciativas de regionalização e, em particular, o
grau de conflito entre tais iniciativas e o processo de
liberalização dos fluxos internacionais de comércio e
investimento.
O cenário que se delineia quanto à evolução destes fatores
sugere que a principal ameaça à continuidade do processo de
liberalização vincula-se à perspectiva de descoordenação
macroeconômica entre os países da OCDE e, em particular, do grau
de desequilíbrio das relações comerciais entre os EUA e o Japão.
O papel dos "blocos" regionais nesta evolução não está dado
a priori, pois a presença deste agrupamento pode inclusive ter um
papel positivo para o processo de liberalização, ao moderar
posições e atitudes de seus membros individuais e ao buscar
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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consensos internos menos próximos de posições protecionistas
derivadas de compromissos de base nacional.
Da mesma forma, a perspectiva de uma conclusão relativamente
bem-sucedida da Rodada Uruguai sugere um papel ampliado para o
multilateralismo e o consenso de que o GATT pode passar a tratar
de temas e medidas não estritamente relacionados com política
comercial.
Este dado é de extrema relevância, pois o fato de que o
atual ciclo de internacionalização tenha nos investimentos
diretos a sua força motriz e veicule um novo paradigma industrial
e tecnológico levará inevitavelmente ao surgimento de pressões
para o tratamento, em instâncias internacionais, de questões e de
políticas até então consideradas como de escopo doméstico.
83
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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3. RECOMENDA˙ES DE POL˝TICA
Diante deste quadro, são as seguintes as diretrizes
recomendadas para as políticas comercial e diplomática.
3.1. Multilateralismo
Para o Brasil, é desejável que o tratamento da nova agenda
de questões se processe nos foros do multilateralismo, onde a
geração de regras e de disciplinas quanto ao uso de instrumentos
e mecanismos de política industrial e tecnológica tende a seguir
um padrão menos restritivo do que aquele que emerge de
negociações bilaterais com países desenvolvidos.
O reforço do multilateralismo é, portanto, a principal
diretriz de política que decorre da análise aqui empreendida,
ainda que a emergência do "neomultilateralismo" signifique que o
país deverá ver discutidos, em instâncias multilaterais, temas em
que o desconforto brasileiro é evidente, como o meio ambiente.
Neste caso, caberá ao Brasil admitir a negociação de tais temas,
evitando que estratégias neoprotecionistas de países da OCDE se
abriguem sob o manto de valores universais.
O argumento aqui desenvolvido sugere que estes temas fazem
parte da nova agenda de negociações internacionais e que, na
década de 90, estarão competindo, não só regulações
multilaterais, regionais e nacionais, mas também diferentes
mecanismos de difusão e enforcement destas regulações: os acordos
multilaterais pactuados, os processos de integração e a pressão
("influência assimétrica") dos países politicamente mais fortes.
Para o Brasil, a opção multilateral aparece como nitidamente
superior em relação às demais.
Outro argumento que sanciona a opção pelo multilateralismo
refere-se ao fato do Brasil ser um global trader, ou seja,
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comerciar com todas as grandes regiões do mundo, tendo portanto
interesses em todas elas: a distribuição geográfica das
exportações brasileiras (30% para a CEE; 20% para os EUA; 15%
para a Ásia Oriental e 15/20% para a América Latina) explicita
esta característica do país.
Se o multilateralismo é a prioridade de política externa,
cabe discutir se esta estratégia é suficiente ou exige linhas de
ação auxiliares, que concretizem o fato de que, na agenda de
negociações internacionais dos anos 90, ganharão crescente peso,
e de forma simultânea, os temas relacionados a processos de
integração profunda, a esquemas de preferencialização e a
arranjos de "comércio administrado".
A idéia de uma estratégia internacional mais complexa do que
a simples defesa do multilateralismo é reforçada pela análise
aqui apresentada no item 1. De fato, em todas as experiências
descritas na seção 1.2, ressalta a tendência à concretização de
espaços preferenciais de comércio e de harmonização de políticas
econômicas, produzindo uma hierarquia de parceiros definidos não
tanto pelas condições bilaterais de acesso aos mercados, mas
pelas condições relativas de acesso vis-à-vis de outros
fornecedores.
3.2. Poltica Externa "Ativa" no Continente Americano
Os debates sobre os efeitos de médio prazo da conformação do
NAFTA sobre o Brasil revelam que, sem que se alterem as condições
absolutas de acesso dos produtos brasileiros ao mercado norte-
americano, deterioram-se tanto as condições relativas de acesso
àquele mercado frente ao México, quanto as condições relativas de
acesso aos mercados latino-americanos diante dos membros do
NAFTA.
É nas relações com os demais países da América do Sul e com
os países do NAFTA que se evidenciam, para o Brasil, os riscos
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maiores vinculados à consolidação de um novo sistema de comércio
mundial. Embora o Brasil seja um global trader e o conjunto ALADI
+ América do Norte só tenha respondido por 37,0% das exportações
brasileiras em 1991, este conjunto absorveu cerca de 54,0% das
exportações brasileiras de manufaturados no mesmo ano. A
participação das exportações brasileiras dos setores que
apresentam maior dinamismo no comércio mundial - material de
transporte, máquinas e equipamentos mecânicos e eletroeletrônicos
e químicos - no comércio com os países do continente americano
supera em muito a participação destes mesmos setores no total das
exportações brasileiras. Enquanto a participação destes setores
nas exportações totais do Brasil atingiu, em 1991, 21,3%, ela
atingiu 48,5% no caso do Mercosul e 51,6% no caso de três países
da ALADI extra-Mercosul (Chile, Colômbia e Venezuela). No caso do
NAFTA, as exportações de material de transporte e de máquinas e
equipamentos atingem 25,4%, contra 16,2% para o total das
exportações brasileiras. Com tal participação na pauta dos
setores onde o comércio intra-industrial é mais intenso, não
surpreende que seja no intercâmbio brasileiro com a América
Latina e com a América do Norte que se observam não só a maior
incidência deste tipo de comércio, como também o mais
significativo crescimento dos índices de comércio intra-
industrial envolvendo o Brasil, entre 1980 e 1988.
Com uma pauta de exportações fortemente concentrada em
manufaturados (76% do total das exportações para a América do
Norte e 88% do total para a ALADI), é de se supor que o
desempenho exportador futuro do Brasil no continente estará
fortemente condicionado, pelo lado da demanda, por todos os
fatores que determinarão não só as condições bilaterais, mas as
condições relativas de acesso dos manufaturados brasileiros aos
mercados do continente e, portanto, cada vez mais, pelo
posicionamento do país frente aos esquemas de integração e de
preferencialização que se vão conformando nas Américas e no
mundo.
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É, portanto, em suas relações com os países do continente
americano que se vai evidenciando com maior nitidez que os
incentivos para a atualização da política externa brasileira
envolvem não somente aspectos relacionados ao atual padrão de
comércio do país, mas ainda aspectos negociais, exigindo que se
leve em conta a estratégia de terceiros países.
Por isto mesmo, a principal linha de ação auxiliar aqui
proposta se refere à "ativação" da política externa brasileira
para o continente americano, o que inclui:
1) a estratØgia para o Mercosul, que deve ser prioritária,
pois a participação do Brasil no Mercosul funcionará certamente
como o condicionante básico da estratégia continental do país.
Esta idéia abriga, na realidade, dois sentidos: primeiro, uma
evolução favorável do processo do Cone Sul "habilita" os membros
do Mercosul para negociações com outros países do continente,
conferindo-lhes um capital de credibilidade superior ao que
dispõem isoladamente. Segundo, as iniciativas do país no âmbito
continental devem levar em consideração os compromissos assumidos
pelo Brasil no Mercosul, bem como as forças centrífugas que
possam dificultar a consolidação do processo - inclusive a
concorrência de outros projetos de integração e, em particular,
daqueles envolvendo os Estados Unidos.
2) a estratØgia para os demais pases da AmØrica do Sul e
para a ALADI. Uma nova geração de acordos bilaterais
concretizaria o processo de revitalização da ALADI, profundamente
articulado à liberalização comercial unilateral em curso em todos
os países da região. Com esta liberalização, perdem
funcionalidade os acordos de aplicação restrita que eram a marca
da ALADI e emerge uma nova geração de acordos abrangentes, que
combinam uma agenda de ampla liberalização comercial com temas
específicos prioritários para os países que os negociam e com o
estabelecimento de mecanismos de solução de controvérsias.
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Alguns países, como o Chile e o México, vêm desenvolvendo
uma ativa política externa na região, estabelecendo uma série de
acordos bilaterais e minilaterais que não deixarão de produzir
efeitos sobre o comércio exterior brasileiro. Para um país como o
Brasil, que dispõe de enorme peso econômico e político na América
do Sul, pareceria desnecessária uma política externa ativa no
subcontinente, os esforços negociais se concentrando no Mercosul.
Tanto mais que a retomada do crescimento, a liberalização
comercial, a proximidade geográfica e a heterogeneidade das
estruturas produtivas parecem fatores suficientemente fortes para
transformar a América do Sul em área de expansão natural das
exportações de manufaturados brasileiros, tornando prescindível
uma política externa ativa na área.
Na realidade, porém, todos estes fatores configuram tão
somente um grande potencial de crescimento das vendas externas
brasileiras para a América do Sul. Nas novas condições geradas
pelas iniciativas de integração que articulam tanto os países
desenvolvidos da América do Norte e países latino-americanos (o
NAFTA e futuros acordos nos marcos da Iniciativa para as
Américas), quanto o México e países sul-americanos, a
concretização deste potencial e a expansão sustentada das
exportações brasileiras para o subcontinente, no médio prazo,
dependerão crescentemente de uma ativa política externa, centrada
em temas típicos de acordos de complementação econômica
(liberalização do comércio, transporte e infra-estrutura,
financiamento do intercâmbio).
Nas relações bilaterais com os países da área, a assinatura
de acordos de integração não seria prioritária e o instrumento
mais adequado ao aprofundamento do intercâmbio são os acordos de
complementação econômica, moldados às especificidades da relação
bilateral e prevendo alguns dispositivos básicos de harmonização
e coordenação, como mecanismo de solução de controvérsias e
regras de aplicação de legislação anti-dumping e anti-subsídios.
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3) a estratØgia frente s iniciativas norte-americanas no
continente. Neste caso, não se trata de propor uma linha de
adesão aos projetos norte-americanos, mas reconhecer que seria
conveniente "abrir com os EUA, junto com os parceiros do
Mercosul, conversações preliminares para explorar quais seriam as
condições de possibilidade e os custos de uma futura negociação",
evitando também o imobilismo e "uma perigosa postura de auto-
marginalização" (Ricúpero, 1993).
3.3. Polticas Especficas para a CEE e os Pases AsiÆticos
A baixa prioridade relativa do Brasil para a CEE e os países
asiáticos não significa que não se deva ter políticas específicas
para cada uma destas áreas, buscando ampliar o leque de
oportunidades comerciais e de investimento, mas que é difícil que
estas políticas possam desempenhar um papel relevante na
redefinição da dimensão internacional da estratégia de
desenvolvimento do Brasil. Como já se observou, porém, uma
postura comercial ativa e flexível será necessária se se desejar
ampliar a presença do Brasil em um continente em transformação -
como a Europa - e em uma área de forte crescimento - como a Ásia.
3.4. Conclusıes
De uma maneira geral, o quadro que emerge das tendências do
sistema mundial de comércio sugere para o Brasil um cenário onde
as restrições sobrepõem-se às oportunidades. A intensificação dos
fluxos intra-regionais de comércio e investimento (na Ásia,
América do Norte e Europa) não só reduzem a capacidade de atração
de investimentos externos pelo país, como ainda introduzem
ameaças novas à competitividade de nossas exportações naqueles
mercados. Por outro lado, o novo conteúdo do multilateralismo e a
proeminência, na agenda de negociações internacionais, dos temas
típicos de processos de integração (harmonização de políticas)
restringem a margem de liberdade de que disporão as autoridades
brasileiras no manejo dos instrumentos de política comercial e
industrial.
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A liberalização comercial em curso e os compromissos
assumidos no Mercosul e no GATT em matéria de política de
importação alinham o Brasil à tendência internacional de redução
de entraves aos fluxos de comércio mas, indiscutivelmente,
reduzem a margem de autonomia nacional no manejo destes
instrumentos e, em especial, de seu uso em estratégias
industriais. Portanto, uma das implicações principais, para o
Brasil, dos processos em curso no plano internacional envolve
precisamente a idéia de que a política comercial brasileira - e,
em especial, a sua política de importação - será necessariamente
pouco ativa e somente de forma muito seletiva poderá ser
instrumentalizada segundo objetivos de política industrial, ao
contrário do que ocorreu em décadas anteriores.
Da mesma forma, o reforço do multilateralismo como
estratégia prioritária e a priorização do Mercosul como
estratégia regional implicarão a adoção, pelo país, das normas e
diretrizes multilaterais e sub-regionais, inclusive em áreas
onde, como já se observou, o desconforto negocial do Brasil tende
a ser grande. Na medida em que as novas regulações se apliquem a
áreas de política econômica tradicionalmente identificadas como
"domésticas", o cumprimento dos compromissos multilaterais e do
Mercosul implicará uma crescente imbricação entre as agendas
externa e interna de política econômica - o que exigirá um
esforço de capacitação de órgãos do Executivo, mas também do
Legislativo, em relação aos temas ditos "externos".
Finalmente, a persistência de fortes incentivos para a
prática do "comércio administrado" e para iniciativas unilaterais
voltadas para regular relações bilaterais de comércio com base em
resultados (e não em regras) significa, para o Brasil, que as
restrições não-tarifárias continuarão a afetar nossas exportações
para a zona OCDE, ainda que - a médio prazo e em um quadro
macroeconômico internacional mais favorável - a tendência
estrutural aponte para a redução das pressões para medidas de
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proteção na fronteira e a emergência de formas mais sofisticadas
de defesa dos mercados domésticos.
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4. INDICADORES
Os indicadores relevantes para o monitoramento dos impactos
das mudanças no comércio internacional (GATT e surgimento dos
macro-blocos regionais) são os indicadores de desempenho
comercial apontados na Nota Técnica Temática "Política de
Comércio Exterior: Política de Exportação e Competitividade da
Indústria Brasileira", do Bloco de Condicionantes Internacionais.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
                                                                                                     
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